Teorias curriculares : políticas, lógicas e processos de regulação regional das práticas curriculares 1
José Augusto Pacheco Universidade do Minho
[email protected]
Introdução
Escrever um texto sobre as questões teóricas do currículo ligadas à regionalização é uma aventura política, pois falar sobre educação e currículo é algo profundamente político e cultural. A discussão em torno de um currículo regional, num país tão marcado pelo centralismo burocrático, apesar da existências de ventos de descentralização, é a oportunidade para nos interrogarmos na base da teorização curricular e das experiências que vivenciamos enquanto actores de um sistema educativo. Neste sentido, e de modo a justificarmos o último ponto – Referentes para um currículo regional – centralizamos o texto na existência de diferentes concepções de currículo, decorrentes das teorias curriculares, nas diversas territorialidades curriculares, nos processos de regulação das políticas educativas e curriculares, nas lógicas que influenciam directa e/ou indirectamente a construção do currículo e nos desafios da sociedade do conhecimento. Porque o currículo é um projecto, um artefacto, cuja construção se insere numa dinâmica e complexa conversação, o currículo regional é um documento de trabalho em permanente elaboração, pois não é possível definir a aprendizagem a partir nem de um receituário nem de uma única perspectiva. Para além do conflito, o currículo regional só se torna possível se rompermos com os processos uniformes e estandardizados de decisão curricular. 1
Conferência realizada no âmbito do Seminário “O Currículo Regional”, Terceira, Açores, 4 de Setembro de 2003.
1. Teorias Curriculares
A educação torna‐se num recurso por excelência se procurar a participação de cada de um nós na sociedade enquanto actores curriculares, comprometidos histórica, social e culturalmente com um projecto de formação que se encontra em permanente reconstrução. O currículo não é, por isso, um projecto que diz respeito somente a professores e a alunos, mas que abrange todos os intervenientes que, directa ou indirectamente, participam na sociedade do conhecimento ou na sociedade de aprendizagem, tal como propõe Hargreaves2. Nas primeiras definições de currículo, o conhecimento ocupa um lugar central da educação do aluno e da sua escolarização porque responde, de forma interactiva, a objectivos, significados e valores sociais3 , traduzível, de acordo com os defensores de uma teoria curricular técnica, ou tradicional, nos objectivos e na avaliação. Para Bobbitt4 – um dos precursores do currículo valorizado como um domínio de investigação, que tem a necessidade de uma teoria e de uma prática – o currículo é uma realidade objectiva construída na base de uma engenharia de educação, terreno dos especialistas, do mesmo modo que uma estrada é obrigatoriamente projectada por um engenheiro. Kliebard5 – um historiador norte‐amerciano do currículo – fala de Bobbitt, professor de Administração Educativa da Universidade de Chicago, como uma referência fundamental relativamente à emergência do currículo, não só no Cf. Andy Hargreaves. O ensino na sociedade do conhecimento. A conhecimento. A educação na era da insegurança. Porto: Porto Editora (publicação em 2004). 3 Para Para John John Dewey, numa das primeiras obras sobre currículo, publicada em 1902, o processo educativo resulta precisamente da interacção destas três forças sociais. Cf. John Dewy, 2002. A escola e a sociedade. A sociedade. A criança e o currículo. Lisboa:Relógio D’Água Editores. 2
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Cf.. Franklin Bobbitt, 1918, The curriculum. New York: Houghton Mifflin.
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Cf.. Herbert Kliebard, 1995. The struggle for the american curriculum 1893‐1958 (2ª ed.). New York : Routledge. 2
1. Teorias Curriculares
A educação torna‐se num recurso por excelência se procurar a participação de cada de um nós na sociedade enquanto actores curriculares, comprometidos histórica, social e culturalmente com um projecto de formação que se encontra em permanente reconstrução. O currículo não é, por isso, um projecto que diz respeito somente a professores e a alunos, mas que abrange todos os intervenientes que, directa ou indirectamente, participam na sociedade do conhecimento ou na sociedade de aprendizagem, tal como propõe Hargreaves2. Nas primeiras definições de currículo, o conhecimento ocupa um lugar central da educação do aluno e da sua escolarização porque responde, de forma interactiva, a objectivos, significados e valores sociais3 , traduzível, de acordo com os defensores de uma teoria curricular técnica, ou tradicional, nos objectivos e na avaliação. Para Bobbitt4 – um dos precursores do currículo valorizado como um domínio de investigação, que tem a necessidade de uma teoria e de uma prática – o currículo é uma realidade objectiva construída na base de uma engenharia de educação, terreno dos especialistas, do mesmo modo que uma estrada é obrigatoriamente projectada por um engenheiro. Kliebard5 – um historiador norte‐amerciano do currículo – fala de Bobbitt, professor de Administração Educativa da Universidade de Chicago, como uma referência fundamental relativamente à emergência do currículo, não só no Cf. Andy Hargreaves. O ensino na sociedade do conhecimento. A conhecimento. A educação na era da insegurança. Porto: Porto Editora (publicação em 2004). 3 Para Para John John Dewey, numa das primeiras obras sobre currículo, publicada em 1902, o processo educativo resulta precisamente da interacção destas três forças sociais. Cf. John Dewy, 2002. A escola e a sociedade. A sociedade. A criança e o currículo. Lisboa:Relógio D’Água Editores. 2
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Cf.. Franklin Bobbitt, 1918, The curriculum. New York: Houghton Mifflin.
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Cf.. Herbert Kliebard, 1995. The struggle for the american curriculum 1893‐1958 (2ª ed.). New York : Routledge. 2
domínio específico do saber, mas também enquanto campo de intervenção dos especialistas. Deste modo, Bobbitt é incluído na linha de pensamento dos « eficientistas sociais », isto é, de todos os que adoptam para a educação o método de gestão proposto por Taylor, em 1911, com publicação do livro Principles of scientific managementʺ.Trata‐se de um modelo universal, pois os
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princípios podem ser aplicados a todos os campos de intervenção social, conhecido por taylorismo e que teve, segundo Beyer et Liston6 , uma larga influência na formação do campo curricular. Nas décadas seguintes, sobretudo com o trrabalho de Tyler7 , consolida‐se a noção de currículo como uma técnica que é conceptualizada na na base base de uma teoria de instrução, ou seja, uma teoria de controlo dos comportamentos cognitivos Estamos, assim, na presença das teorias de engenharia curricular ou dos modelos fechados. Tais concepções funcionalista e estruturalista reforçam a definição de currículo como programa definido em termos nacionais e implementado de modo estandardizado em todas as regiões e escolas, de modo a salvaguardar a legitimidade normativa e a racionalidade técnica no processo de desenvolvimento curricular. As decisões curriculares são determinadas pela lógica do especialista, que actua junto actua junto da administração central, e pela natureza jurídica do normativo, assumindo o Estado um papel activo na construção dos produtos curriculares e na sua regulação. Se o currículo nacional pode ser legitimado pelas teorias de pendor tecnicista, cada vez mais presentes no quotidiano educativo, quer pela “pedagogia de competências”8 , quer pelo reforço da uniformidade curricular, da estandardização de práticas escolares e pela existência de uma gramática Cf.. Landon Beyer e Daniel Liston, 1996. Curriulum in conlfict: social vision, educational agendas, and progressive and progressive school reform. New York : Teachers College Press. 7 Cf.. Ralph Tyler, 1949. Basic principles Basic principles of curriculum of curriculum and instruction , Chicago : The University Chicago Press. 8 No texto “Competências curriculares: as práticas ocultas nos discursos das reformas”, publicado em 2003, na Revista de Estudos Curriculares , 1,(1), 57‐75, argumentamos que a “pedagogia por competências se tornou no prolongamento da denominada “pedagogia por objectivos”. 6
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pedagógica valorativa dos resultados cognitivos, em termos teóricos, o currículo regional e local é explicado por uma perspectiva prática e crítica, isto é, por uma teoria fenomenológica do desenvolvimento curricular centrada na escola e nos sujeitos, implicando um processo de deliberação prática9 ou uma proposta de trabalho10 a realizar ou ainda um texto11 que pode ter múltiplas
leituras. No entanto, não existe uma perspectiva única que explique totalmente a realidade curricular, pois trata‐se de uma prática que produz linguagens contraditórias, resultantes de várias forças de influência. Também não se pode dizer que o currículo seja exclusivamente o território organizado pela administração central ou pela escola e professores. Num currículo totalmente nacional, dado que não há espaço para as decisões curriculares de professores e aluno, nem tão pouco para os contextos regionais e locais, a escola coloca‐se no centro da transmissão de conhecimento, sustentado tanto pela predeterminação de conteúdos quanto pela previsão dos resultados marcadamente cognitivos, identificados na palavra mágica dos objectivos de aprendizagem e das competências. Utilizando uma metáfora de Tyler12 , que em 1976, propôs a necessidade de caminhar no sentido de uma teoria curricular global e coerente, podemos dizer que é preciso ser curricularmente arquitecto e não carpinteiro, ainda que esta ideia seja utópica, dado que jamais o Estado deixa de intervir, de forma decisiva e uniforme, quase sempre, tal como se comprova nas políticas neoliberais e neo‐ conservadoras13 , na construção quotidiana do currículo.
Cf. Joseph Schwab, 1985. Um enfoque practico como lenguage institucional. In J. Gimeno e A. Pérez Gómez. La eneseñanza: su teoria y su practica., pp. 197‐209. 10 Cf.. Lawrence Stenhouse, 1984. Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Morata. 11 Cf. Ulf Lundgren, 1993. Teoria del curriculum y escolarización. Madrid: Morata. 12 Cf. Ralph Tyler, 1976. Prospects for research and development in education. Berkeley : Mccutchan Company Publishing Corporation. 13 Cf. José Pacheco, org., 2001a. Políticas educativas: o neoliberalismo em educação. Porto: Porto Editora. 9
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Fortemente delineadas na base de novas perspectivas sociológicas na forma de entender e legitimar o conhecimento, os anos setenta e oitenta do século XX trouxeram‐nos outras concepções curriculares que se enquadram nos modelos abertos e na teoria social crítica, em geral, e nas teorias curriculares crítica14 e pós‐crítica15. As noções de currículo como artefactos social, cultural e político16 inscrevem‐se também nas teorias contextuais ou situacionais, ligadas à teoria de acção do sujeito, aos modelos abertos e às tendências pós‐ estruturalistas. Consequentemente, o currículo é compreendido como uma prática de significados, só totalmente dilucidados pela hermenêutica, que revela o poder, a diversidade e a identidade que existe em cada projecto curricular e na possibilidade de este se tornar num momento crítico de aprendizagem17. Donde, a teoria curricular18 existe somente no plural e diz
respeito ao conhecimento e ao modo como é organizado. 2. Territorialidades curriculares
Questionar o currículo como prática, de significados distintos e multirreferenciados, representa concebê‐lo a partir de um processo que admite uma lógica de desconstrução, com a introdução de sucessivos discursos cujo significado se apreende pela hermenêutica da prática, e optar por uma abordagem processual que faz a inter‐relação das duas componentes Cf.. Stephen Kemmis, 1988. El curriculum: más allá de la teoria de la reproducción , Madrid : Morata; William Pinar, 1975. Curriculum theorizing: the reconceptualists , Berkeley: Mccutchan Publishing Copmpany. 15 Cf. Tomaz Tadeu da Silva, 2000. Teorias do currículo. Uma introdução crítica. Porto: Porto Editora. 16 Cf.. entre outros, Jean‐Claude Fourquin, 1996. École et culture. Le point de vue des sociologues britanniques (2ª ed.). Bruxelles: De Boeck; Henry Giroux, 1983. Theory and resistance in education. South Hadley, Mass: Begin and Garvey Publsihers; Shirley Grundy, 1987. Curriculum: product or praxis ? New York : Routledge. Para uma visão global das teorias curriculares, Cf. José Pacheco, 2001b. Currículo: teoria e práxis (2ª ed.). Porto : Porto Editora. 17 Cf. Robert Young, 1998. The curriculum of the future. From the new sociology of education to a critical theory of learning. London : Falmer Press. 18 Cf. William Pinar, 2003. What is curriculum theory? (policopiado). 14
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Teorias curriculares : políticas, lógicas e processos de regulação regional das práticas curriculares 1
José Augusto Pacheco Universidade do Minho
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Introdução
Escrever um texto sobre as questões teóricas do currículo ligadas à regionalização é uma aventura política, pois falar sobre educação e currículo é algo profundamente político e cultural. A discussão em torno de um currículo regional, num país tão marcado pelo centralismo burocrático, apesar da existências de ventos de descentralização, é a oportunidade para nos interrogarmos na base da teorização curricular e das experiências que vivenciamos enquanto actores de um sistema educativo. Neste sentido, e de modo a justificarmos o último ponto – Referentes para um currículo regional – centralizamos o texto na existência de diferentes concepções de currículo, decorrentes das teorias curriculares, nas diversas territorialidades curriculares, nos processos de regulação das políticas educativas e curriculares, nas lógicas que influenciam directa e/ou indirectamente a construção do currículo e nos desafios da sociedade do conhecimento. Porque o currículo é um projecto, um artefacto, cuja construção se insere numa dinâmica e complexa conversação, o currículo regional é um documento de trabalho em permanente elaboração, pois não é possível definir a aprendizagem a partir nem de um receituário nem de uma única perspectiva. Para além do conflito, o currículo regional só se torna possível se rompermos com os processos uniformes e estandardizados de decisão curricular. 1
Conferência realizada no âmbito do Seminário “O Currículo Regional”, Terceira, Açores, 4 de Setembro de 2003.