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C676 C676Cognição e envelhecimento [recurso eletrônico] / MariaPimenta Alice Cognição e envelhecimento / Maria Alice de Mattos de Mattos Pimenta Parente e colaboradores. – Dados Parente ...–[et al.].Alegre – Porto Alegre :2009. Artmed, 2006. eletrônicos. Porto : Artmed, 312 p. : il. ; 25 cm. Editado também como livro impresso em 2006 ISBN 978-85-363-2116-5 ISBN 978-85-363-0689-6 1. Psicologia – Cognição. 2. Psicologia – Envelhecimento. 1. Psicologia – Cognição. 2. Psicologia – Envelhecimento. 3. Cognição – Envelhecimento. I. Parente, Maria Alice de 3. Cognição – Envelhecimento. I. Parente, Maria Alice de Mattos Pimenta. Mattos. CDU 159.953.5:159.922.63 CDU 159.953.5:159.922.63 Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922
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COGNIÇÃO E
ENVELHECIMENTO Maria Alice de Mattos Pimenta Parente e colaboradores
Versão impressa desta obra: 2006
2007 INDEX BOOKS GROUPS
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© 2006, Artmed Editora S.A.
Capa Gustavo Demarchi Preparação do original Rubia Minozzo Leitura final Edna Calil Supervisão editorial Mônica Ballejo Canto Projeto e editoração Armazém Digital Editoração Eletrônica – Roberto Vieira
Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED® EDITORA S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Angélica, 1091 - Higienópolis 01227-100 São Paulo SP Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL INDEX BOOKS GROUPS
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Autores
Maria Alice de Mattos Pimenta Parente (Org.) Doutora em Psicologia USP. Pósdoutoramento na Universidade de Montreal (Canadá) e na Universidade Toulouse LeMirail (França). Professora do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento da UFRGS. Membro do Conselho do Centro de Pesquisas do Hospital Geriátrico CôtedesNeiges (Montreal, Canadá) e do Laboratório Jacques Lordat da Universidade de Toulouse Le-Mirail. Alcyr Alves de Oliveira Junior. Doutor em Psicologia com ênfase em Neurociências pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres. Mestre em Psicobiologia pela USP de Riberião Preto, SP. Prof. Convidado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS – Bolsista CAPES/ProDoc. Antônio Jaeger. Doutorando em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Psicológo. Artur Francisco Schumacher Schuh. Acadêmico de Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Candice Steffen Holderbaum. Acadêmica de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Christian Haag Kristensen. Doutor e Mestre em Psicologia do Desenvolvimento. Especialista em Neuropsicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor e Pesquisador do Laboratório de Neurociências da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Psicólogo. Christian Kieling. Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Clarissa Marceli Trentini. Doutora em Ciências Médicas: Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora adjunta do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da UFRGS. Daniela Di Giorgio Schneider. Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Psicologia do DesenINDEX BOOKS GROUPS
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Autores
volvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professora universitária na área de Psicologia Cognitiva e Psicopatologia pela UNIFRA. Membro do Centro de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental-WP. Denise Ruschel Bandeira. Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora e atual coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da UFRGS. Coordenadora da Ênfase e Avaliação em Psicologia Clínica da UFRGS. Flávio Merino de Freitas Xavier. Doutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Gabriela Peretti Wagner. Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Irene Taussik. Doutora pela Universidade de Buenos Aires. Membro-fundador da Sociedade Latino-Americana de Neuropsicologia. Josiane Paulowski. Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Psicóloga. Juciclara Rinaldi. Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Estudante de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Analista de Sistemas pela UNISINOS. Lisiane Bizarro Araujo. Ph.D em Psicologia e pós-doutora em Farmacologia Comportamental pelo Institute of Psychiatry, King’s College of London. Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres. Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS. Lenisa Brandão. Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS. Fonoaudióloga. Marcelo Pio de Almeida Fleck. Doutor em Medicina, Clínica Médica, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Márcia Lorena Fagundes Chaves. Professora adjunta do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS. Chefe do Serviço de Neurologia do HCPA. Pesquisadora do CNPq. Maria Teresa Carthery-Goulart. Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – área de concentração: Neurociências e Comportamento. Mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo – área de concentração: Neurologia. Renata Rocha Fernandes Gonçalves. Acadêmica na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA). Rochele Paz Fonseca. Mestre e Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Motricidade Oral pelo CEFAC/SP e em Cinesiologia pela UFRGS. Professora colaboradora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica-Transtornos do Desenvolvimento – da UFRGS. Fonoaudióloga. Tonantzin Ribeiro Gonçalves. Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Psicóloga. INDEX BOOKS GROUPS
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À Dra. Irene Taussik (1952-2005) Doutora pela Universidade de Buenos Aires. Trabalhou com envelhecimento e reabilitação da memória Membro-fundador da Sociedade Latino-Americana de Neuropsicologia Ao Prof. Dr. André Roch Leucours (1936-2005) Fundador do Laboratório Theophile Alajouanine, Universidade de Montreal. Membro-fundador da Sociedade Latino-Americana de Neuropsicologia
• pela grande contribuição nos estudos sobre o envelhecimento; • pelo empenho na promoção da Neuropsicologia da América Latina; • pela construção de laços entre países como Brasil, Argentina e Canadá; por meio da elaboração de pesquisas conjuntas; • pelo inesgotável apoio aos trabalhos brasileiros; • pela preciosa e inesquecível amizade; • pelos ensinamentos e idéias que temos um imenso orgulho de difundir.
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Prefácio
A questão do idoso e do processo de envelhecimento é atual, preocupante e está recebendo cada vez mais a atenção não só dos pesquisadores e profissionais da área da gerontologia, mas também dos responsáveis pela formulação de políticas públicas. No Brasil, as universidades dedicam uma atenção especial ao idoso, a exemplo da investigação que foi desenvolvida, entre 1993 e 1997, por 13 das 14 universidades do Estado do Rio Grande do Sul sob a coordenção do Conselho Estadual do Idoso, que resultou no relátorio Os idosos do Rio Grande do Sul: estudo multidimensional de suas condições de vida. Este estudo não só subsidiou as ações dos governos estaduais, mas principalmente motivou as instituições de ensino superior do Rio Grande do Sul a desenvolver e ampliar seus trabalhos na área. Um resultado concreto é a organização dessas instituições no “Fórum Gaúcho das Instituições de Ensino Superior com Ações Voltadas ao Envelhecimento”, que se reúne semestralmente para troca de experiências. No Fórum, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) está representada pelo “Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento”. Este Núcleo, ligado à Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciou suas atividades de forma sistemática em 1993. Anterior a esta data, professores, técnicos e alunos da UFRGS já desenvolviam atividades e pesquisas relacionadas com a temática. Atualmente congrega
professores e técnicos-científicos das áreas de antropologia, biblioteconomia, enfermagem, educação, educação física, farmácia, psicologia e odontologia. Constitui-se em um espaço de intercâmbio e produção de conhecimentos, procurando incentivar e apoiar grupos formais e informais que desenvolvem atividades relacionadas ao envelhecimento. Publica a revista Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento desde 1999. Entre seus objetivos está, também, a divulgação e a discussão da temática do envelhecimento enquanto importante espaço no desmonte de mitos e na formulação de subsídios para políticas públicas na área dos idosos. Para tanto tem participado de diversas ações junto ao governo do Estado do Rio Grande do Sul, visando à divulgação e à implementação de princípios contidos na Política Nacional do Idoso e no Estatuto do Idoso. A maioria dos professores/pesquisadores integrantes do Núcleo, juntamente com alunos tanto de graduação quanto de pós-graduação, está reunida no Grupo de Pesquisa “Aspectos Interdisicplinares do Envelhecimento” que faz parte do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil. O grupo conta com a valiosa participação da professora Maria Alice de Mattos Pimenta Parente que desenvolve a linha de pesquisa “Envelhecimento Cognitivo”, juntamente com seus doutorandos, mestrandos e alunos de iniciação científica. A produção desta linha de pesquisa é intensa e se traduz em di-
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Prefácio
versas publicações tanto nacionais quanto internacionais e ora se materializa no livro que tenho a honra de prefaciar: Cognição e envelhecimento. Ele é fruto do trabalho coordenado pela professora Maria Alice, acrescido de inestimáveis colaborações tanto nacionais quanto internacionais, o que demonstra a capacidade de realizar um trabalho articulado junto à Universidade e a outros importantes centros de pesquisa na área. A temática abordada nesta obra se mostra relevante diante do progressivo envelhecimento da população. Há uma necessidade urgente de textos organizados a partir das inúmeras pesquisas desenvolvidas para que possam ser utilizadas pelos profissionais que atuam junto à população idosa nos diversos programas e ações que hoje são desenvolvidos. Este livro parte de aspectos amplos da questão envelhecimento e cognição, passando por aspec-
tos específicos das funções cognitivas, sem descuidar da abordagem da cognição nos transtornos do envelhecimento e principalmente da intervenção junto a pacientes com demência. A questão metodológica de pesquisa também é abordada. Todos os textos são consistentes e acessíveis, estando fundamentados em pequisas realizadas por seus autores e acrescidos de material adicional. O livro certamente será muito útil para subsidiar disciplinas tanto em cursos de graduação quanto de pós-graduação. Sergio Antonio Carlos Doutor em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS. Editor da revista Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento.
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Sumário
Prefácio ........................................................................................................................................................................ ix Introdução ................................................................................................................................................................... 15
PARTE I Envelhecimento: um processo adaptativo multifatorial Apresentação .............................................................................................................................................................. 17
1. Qualidade de vida em idosos .......................................................................................................................... 19 Clarissa Marceli Trentini, Flávio Merino de Freitas Xavier e Marcelo Pio de Almeida Fleck
2. Teorias abrangentes sobre envelhecimento cognitivo .................................................................................. 31 Maria Alice de Mattos Pimenta Parente e Gabriela Peretti Wagner
3. Bases biológicas do envelhecimento cognitivo ............................................................................................. 47 Christian Kieling, Artur Schuh, Renata Rocha F. Gonçalves e Márcia Lorena Fagundes Chaves
PARTE II Funções cognitivas não-lingüísticas e sua repercussão no processo do envelhecimento Apresentação .............................................................................................................................................................. 63
4. Memória explícita e envelhecimento .............................................................................................................. 67 Irene Taussik e Gabriela Peretti Wagner
5. Memória implícita e envelhecimento .............................................................................................................. 85 Antônio Jaeger
6. Funções executivas e envelhecimento ........................................................................................................... 97 Christian Haag Kristensen
7. Processos de resolução de problemas e de tomada de decisão no envelhecimento ............................... 113 Daniela Di Giorgio Schneider INDEX BOOKS GROUPS
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Sumário
PARTE III Funções lingüísticas e sua repercussão no processo do envelhecimento Apresentação ............................................................................................................................................................ 129
8. Produção da linguagem e envelhecimento .................................................................................................. 133 Lenisa Brandão
9. Compreensão da linguagem no envelhecimento ........................................................................................ 153 Rochele Paz Fonseca e Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
10. Inferências e compreensão de metáforas no envelhecimento ................................................................... 169 Rochele Paz Fonseca e Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
11. Processamento prosódico e envelhecimento .............................................................................................. 181 Rochele Paz Fonseca
12. Leitura e escrita e o envelhecimento ............................................................................................................ 191 Maria Teresa Carthery-Goulart e Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
PARTE IV Cognição nos transtornos do envelhecimento Apresentação ............................................................................................................................................................ 203
13. O transtorno cognitivo da depressão geriátrica ou a “pseudodemência depressiva “do idoso ...................................................................................................... 205 Flávio Merino de Freitas Xavier
14. Disfunções cognitivas no declínio cognitivo leve ........................................................................................ 225 Gabriela Peretti Wagner, Lenisa Brandão e Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
15. Disfunções cognitivas na demência do tipo Alzheimer (DTA) .................................................................... 239 Lenisa Brandão, Gabriela Peretti Wagner e Maria Teresa Carthery-Goulart
PARTE V Intervenção e apoio ao paciente com demência Apresentação ............................................................................................................................................................ 257
16. A intervenção cognitiva para pacientes portadores de demência do tipo Alzheimer ............................... 259 Candice Steffen Holderbaum, Juciclara Rinaldi, Lenisa Brandão e Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
17. Envelhecimento e dependência: impacto sobre familiares-cuidadores de portadores de síndrome demencial ......................................................................................................... 275 Denise Ruschel Bandeira, Tonantzin Ribeiro Gonçalves e Josiane Pawlowski
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Sumário
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PARTE VI A pesquisa sobre o envelhecimento cognitivo Apresentação ............................................................................................................................................................ 285
18. Questões metodológicas no estudo sobre o envelhecimento .................................................................... 287 Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
19. O uso de modelos animais e sua contribuição para o estudo do envelhecimento ................................... 301 Alcyr Alves de Oliveira Junior e Lisiane Bizarro
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Introdução Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
O declínio cognitivo com o aumento da idade é uma das grandes preocupações do ser humano. Existe uma perda da memória com a idade? É realmente a memória que está prejudicada ou a falha básica é de atenção? As dificuldades cognitivas são normais em idosos ou são sinais de processos demenciais e irreversíveis? Qual a relação entre as queixas de falhas nas atividades diárias e os desempenhos em testes formais? Qual o papel da motivação do idoso, ou seja, presença ou não de quadros depressivos e de ansiedade na manutenção das funções cognitivas? É possível evitar um declínio? É possível recuperar perdas cognitivas em uma idade mais avançada? Todas essas perguntas tornam-se ainda mais importantes com o aumento significativo da expectativa de vida verificado ao longo das últimas décadas. A população idosa representa o segmento de maior crescimento da população e estima-se que continuará crescendo mais rapidamente do que qualquer outro grupo etário durante as próximas décadas (Asha, 1999). Uma nova demanda de trabalho clínico e de pesquisa é respondida pelas universidades, formando diferentes profissionais para o trabalho com pessoas de mais idade. Por exemplo, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vários cursos criaram disciplinas voltadas para os problemas e para as características dos idosos, como a psicologia, odontologia, educação física, enfermagem, medicina, educação e antropologia. Surgem também, nos
meios universitários, grupos de estudos interdisciplinares sobre o envelhecimento e revistas especializadas na área. Uma das áreas da psicologia que tem contribuído bastante com a questão do envelhecimento é a psicologia cognitiva, principalmente a abordagem de processamento da informação. Ela se preocupa em conhecer os mecanismos da cognição humana, como, por exemplo, a memória, a linguagem, a atenção e as funções executivas, que podem ser afetados pelo envelhecimento. Uma visão bastante interessante dessa linha científica é que essas funções possuem uma certa independência e, portanto, algumas podem sofrer um declínio com a idade, enquanto outras ficam mantidas ou ainda melhoram suas capacidades em função da experiência de vida. Isso proporciona uma visão mais realista do envelhecimento cognitivo e também bastante complexa e multidimensional da influência da idade na cognição, o que possibilita abordá-la por meio de perdas e ganhos, em qualquer que seja a faixa etária estudada. Entretanto, a psicologia cognitiva traz uma nova nomenclatura de funções cognitivas, oriunda de classificações baseadas em seus modelos teóricos. Conseqüentemente, não é de se admirar a freqüência das perguntas citadas acima, como a que procura distinguir dificuldades de memória ou de atenção, e a que busca saber como tais dificuldades afetam a organização do dia-a-dia do idoso. Essa confusão e incerteza surgem da falta de conhecimento das
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Maria Alice de Mattos Pimenta Parente & cols.
teorias e dos métodos específicos de investigação. Por essa razão, este livro pretende agrupar os modelos teóricos básicos e os principais instrumentos utilizados por essa abordagem para depois relacioná-los à questão do envelhecimento. O livro apresenta as questões sobre o envelhecimento cognitivo considerado “normal” e alguns capítulos sobre alguns distúrbios cognitivos dessa fase: depressão no idoso, declínio cognitivo leve e a demência do tipo Alzheimer. Isso porque fatores como o controle de doenças infecciosas, as melhorias sanitárias e o avanço no tratamento das afecções cardiovasculares têm como conseqüência imediata um incremento no número de pessoas idosas na população. Tal alteração no perfil demográfico vem produzindo uma modificação no rol de distúrbios mais prevalentes na população, com um aumento das doenças consideradas, até pouco tempo, resultantes do processo normal de envelhecimento. O crescimento no número de pessoas idosas representa um aumento da incidência e da prevalência de demência. A National Alzheimer’s Association reporta que 4 milhões de pessoas sofrem atualmente de Demência do tipo Alzheimer (DTA), a forma mais comum de demência e que, na metade deste século, 14 milhões de indivíduos serão portadores da doença, a menos que uma cura efetiva ou uma prevenção seja encontrada. O fator de risco mais importante para o desenvolvimento da DTA é a idade. Uma em cada 10 pessoas acima dos 65 anos e 50% das pessoas acima de 85 são afetadas pela doença (Asha, 1999). Neste contexto, entender as mudanças que ocorrem no envelhecimento, sobretudo
quando indivíduos apresentam DTA ou outras doenças que causam demência, é uma prioridade para clínicos e pesquisadores. Do ponto de vista clínico, a descrição sistemática e as comparações entre o envelhecimento normal e a demência podem fornecer ferramentas valiosas não apenas para o diagnóstico, mas também para a criação de formas de intervenção para o paciente e seus familiares. Este livro é fruto de trabalho e de pesquisas de vários laboratórios do Instituto de Psicologia da UFRGS inseridos no Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento: Laboratório de Neuropsicolingüística; Laboratório de Psicometria e o de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento. Ele conta também com a colaboração de outros professores convidados, como o Prof. Dr. Flávio Merino de Freitas Xavier, coordenador do Ambulatório de Neuropsiquiatria Geriátrica do Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS; a pesquisadora da USP, Maria Teresa Carthery-Goulart, e alunos da Faculdade de Medicina da UFRGS. Uma revisão inicial dos textos contou com o auxílio de Marina Pullen Parente. Os trabalhos foram financiados por bolsas de pesquisa da CAPES, CNPq e PIBIC. Dentro desse contexto, encontra-se a subvenção dada pelo convênio CAPES/COFECB, que focalizou os estudos de linguagem e envelhecimento, e CAPES/SECIT, no tema da memória explícita. Por fim, é importante relatar o apoio dado pela UFRGS, por meio do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e principalmente do Núcleo de Pesquisas sobre o Envelhecimento, da UFRGS, que continuamente tem incentivado estudos e pesquisas para a melhora da qualidade de vida do idoso.
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Cognição e Envelhecimento
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PARTE I Envelhecimento: um processo adaptativo multifatorial
APRESENTAÇÃO O envelhecimento humano, assim como as demais etapas da vida (o desenvolvimento), é um processo de transformação do organismo que se reflete nas suas estruturas físicas, nas manifestações da cognição, bem como na percepção subjetiva dessas transformações. Esta primeira parte do livro abordará como esses três aspectos – subjetividade, cognição e transformações orgânicas – caracterizam o processo do envelhecimento visto de uma forma abrangente. O aspecto da mudança é o marco essencial tanto dos estudos sobre o desenvolvimento como daqueles sobre o envelhecimento. Uma forma bastante estereotipada, mas freqüente, de distinguir essas duas fases da vida é associar ao desenvolvimento as mudanças positivas, enquanto ao envelhecimento as mudanças negativas, como maior presença de falhas, de diminuições e de limitações. Este livro, e de forma especial estes três primeiros capítulos, mostram que essa posição é bastante limitada e que em todo o período da vida existe um balanço entre perdas e ganhos. Dentro dessa perspectiva, o Capítulo 1 aborda a questão da qualidade de vida no envelhecimento e apresenta características gerais
sobre o envelhecimento, salientando trabalhos realizados no Brasil. Se envelhecer é mudar, tais mudanças, entre elas as cognitivas, devem dirigir-se para uma melhor qualidade de vida. Como bem colocam os autores Trentini, Xavier e Fleck, qualidade de vida é uma variável importante que se reflete tanto no bem-estar do indivíduo como nas doenças e seus tratamentos. Um exemplo é o resultado de uma pesquisa descrita no capítulo e realizada em nosso meio: mesmo estando hospitalizada, metade dos idosos não se percebia como doente. Esse conceito subjetivo, multidimensional, deve ser entendido em sua complexidade, e não de uma forma simplista. Ele deve abordar não apenas as dimensões positivas da vida da pessoa (independência, contentamento e mobilidade), mas também as negativas (sentimentos negativos, perdas cognitivas, dependência de medicação, fadiga e dor). Ao relacionar qualidade de vida e envelhecimento, os autores dão um panorama da longevidade, ressaltando a situação brasileira que se caracteriza pela heterogeneidade. Apesar da área “qualidade de vida em idosos” ser bastante recente, são apresentados instrumentos utilizados e discutidos alguns trabalhos que mostram que a percepção de saúde e a qualidade de vida dependem de múltiplos fatores,
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Maria Alice de Mattos Pimenta Parente & cols.
entre eles um certo grau de independência e ausência de depressão ou de solidão. Por outro lado, o capítulo salienta que existem várias “velhices”, com diferentes processos adaptativos às mudanças, entre elas as cognitivas, tema deste livro. A concepção multidimensional abordada na percepção subjetiva sobre o envelhecimento e sobre a saúde no idoso também se reflete nas mudanças cognitivas que ocorrem nessa fase da vida, e, conseqüentemente, várias são as teorias explicativas dessas mudanças. Esse é o tema do Capítulo 2, no qual Parente e Wagner descrevem formas de explicar as alterações cognitivas no envelhecimento. Diferentemente do que ocorre nas Partes II e III deste livro, as mudanças cognitivas são consideradas globalmente, e as teorias diferem-se na busca de um processo básico que as explique. Uma primeira classificação pode ser feita: algumas teorias focalizam apenas os declínios, e outras optam por uma visão mais abrangente, incluindo perdas e ganhos. As primeiras são mais difundidas e podem ser classificadas nas que postulam ser a base do declínio cognitivo: inteligência fluida, velocidade de processamento, limitação de recursos, memória de trabalho, inibição ou distúrbios pré-frontais. Como apontam os autores, apesar de salientarem diferentes déficits, essas teorias têm vários pontos em comum e, em alguns casos, suas diferenças decorrem da diversidade teórica sobre a cognição. O segundo grupo é mais recente e necessitou de uma definição realista do que representam ganhos no envelhecimento para diferentes autores. Com uma visão crítica, Parente e Wagner descrevem três teorias. As autoras consideram uma visão sobre perdas e ganhos mais realista, mas salientam que, por serem teorias recentes, necessitam de pesqui-
sas e de aperfeiçoamento teórico para dar conta da diversidade do envelhecimento cognitivo. O Capítulo 3 aborda as teorias biológicas sobre o envelhecimento. Kieling, Schuh, Gonçalves e Chaves mostram que, também ao focalizar os aspectos biológicos, o envelhecimento é um processo dinâmico e multifatorial. Os autores agrupam as teorias de envelhecimento biológico a partir do nível de organização: o molecular, o celular e o sistêmico. No primeiro grupo, descrevem os achados recentes sobre os estudos genéticos, que indicam a dificuldade em encontrar um cromossoma responsável pelo envelhecimento e a importância de considerar as relações entre fenótipo e genótipo. Neste último, encontram-se explicações sobre a função das regiões pré-frontais, cujos distúrbios no envelhecimento foram citados em vários capítulos do livro. São também abordados alguns sistemas bioquímicos e a teoria de uma queda na conectividade neuronal ao longo do curso da vida. Por fim, foram exemplificados alguns quadros de distúrbios do envelhecimento que afetam a cognição. Os autores, todos da área médica, preocuparam-se em dar explicações gerais e introdutórias possibilitando a leitura de outros profissionais não-médicos. A relação de conceitos trabalhados também auxilia a compreensão desse capítulo cuja principal característica é dar um panorama atual dos estudos sobre o envelhecimento biológico e apontar as limitações de uma explicação simplista. Os três capítulos desta primeira parte caracterizam-se por apresentar visões abrangentes sobre o envelhecimento. Apesar de cada uma dessas visões abordar o tema a partir de uma perspectiva distinta, as três são unânimes em afirmar que o envelhecimento é um processo adaptativo multifatorial.
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Cognição e Envelhecimento
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1 Qualidade de vida em idosos Clarissa Marceli Trentini Flávio Merino de Freitas Xavier Marcelo Pio de Almeida Fleck
CONCEITOS TRABALHADOS Qualidade de vida: “é a percepção do indivíduo da sua posição na vida no contexto de sua cultura e dos sistemas de valores da sociedade em que vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (Grupo de Trabalho de Qualidade de Vida da OMS, 1995). Conforme a Organização Mundial de Saúde, o conceito de qualidade de vida envolve três qualidades essenciais: o fato de se tratar de um conceito subjetivo, multidimensional e inclusivo de aspectos positivos e negativos. Velhice usual (ou normal): está em contraponto à velhice com patologia. Na chamada velhice usual, conforme Neri (1993), ocorrem doenças físicas e/ou mentais ou limitações funcionais objetiva ou subjetivamente aferíveis, porém em intensidade moderada ou leve o suficiente para acarretar mudanças apenas parciais nas atividades cotidianas. Velhice bem-sucedida (ou ótima): segundo Neri (1993), é a velhice com preservação da saúde objetiva, da saúde auto-referida e da funcionalidade no padrão dos adultos jovens. Signi-
fica tomar como fonte de referência algum estado ótimo ou ideal de bem-estar pessoal e social. Rowe e Kahn (1987) propuseram dois fatores determinantes que, se presentes, permitem uma “velhice bem-sucedida”. São eles: a manutenção de boa vitalidade (saúde física e mental) e a capacidade de se recobrar do estresse (resiliência). Velhice com patologia: “é caracterizada por degenerescência associada a doenças crônicas, a doenças e síndromes típicas da velhice”, entre outros. Nesta, a funcionalidade e o padrão de saúde física e mental do adulto jovem foram perdidos ou estão menos nítidos, havendo a presença de doenças crônicas/degenerativas limitando severamente a vida da pessoa (Neri, 1993).
ESCALAS APRESENTADAS • Life Satisfaction Index – LSI • Philadelphia Geriatric Center Morale Scale – Morale Scale • Memorial University of Newfoundland Scale of Happiness – MUNSH (Multilevel Assessment Instrument)
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Maria Alice de Mattos Pimenta Parente & cols.
• OARS Multidimensional Functional Assessment Questionnaire – OMFAQ (Older Americans Resources and Services) • Multilevel Assessment Instrument – MAI • Geriatric Quality of Life Questionnaire • Short-Form 36 – SF 36 • Escala de Qualidade de Vida de Flanagan – EQVF • WHOQOL-OLD, versão em português
Neste capítulo, inicialmente, será revisado o conceito de qualidade de vida. A seguir, serão listadas algumas das medidas de avaliação de qualidade de vida disponíveis para a faixa etária idosa. Finalmente, serão apresentados o processo de envelhecimento e as especificidades da qualidade de vida do idoso.
CONCEITO DE QUALIDADE DE VIDA INTRODUÇÃO A avaliação de qualidade de vida tem recebido um crescente interesse em diferentes áreas do conhecimento. Embora ainda inexista um consenso sobre seu conceito, há uma certa unanimidade em considerar a medida “qualidade de vida em saúde” como um importante desfecho ou, nas palavras de Fallowfield (1990), “a medida que faltava” nas avaliações em saúde. Existem diversos significados associados ao conceito de qualidade de vida. Na medicina, por exemplo, muitas vezes, qualidade de vida está associada à relação custo/benefício inerente à manutenção da vida ou à capacidade funcional dos doentes. No campo da economia, qualidade de vida é relacionada com medidas objetivas como renda per capita, que serve de indicador do grau de acesso das populações aos serviços de educação, de saúde, de habitação, entre outros. No campo da sociologia e da política, os conceitos de qualidade de vida são utilizados com um enfoque populacional, e não individual. Na psicologia social, a referência mais forte é a experiência subjetiva de qualidade de vida, representada pelo conceito de satisfação (Neri, 2000). A preocupação com qualidade de vida na velhice ganhou importância especificamente nos últimos 30 anos. Isso se deu em função do crescimento do número de idosos e do aumento da longevidade, que passou a ser compartilhada por um maior número de indivíduos vivendo em diversas sociedades. Além disso, houve maior sensibilidade dos pesquisadores para o estudo científico do assunto, que se refletiu no aumento de publicações (Neri, 2000).
Depois da Segunda Guerra Mundial, o termo “qualidade de vida” passou a ser comumente usado (Farquar, 1995). No vocabulário norte-americano, naquela época, era um termo usado em referência a facilidades materiais – por exemplo, uma casa, um carro, um número maior de eletrodomésticos ou dinheiro para viajar. Seguindo esse uso, a expressão foi sendo progressivamente “alargada”. No relatório anual da Comissão Nacional de Metas do presidente Eisenhower, em 1960, o termo foi incluído referindo-se à educação, a preocupações com o indivíduo, ao crescimento econômico, à saúde e ao bem-estar. Posteriormente, o termo passou a ser usado em sentido mais amplo e mais subjetivo, podendo ser correlato a conceitos como liberdade, lazer, emoções, motivação e/ou cuidados individuais (Ebbs et al., 1989). No campo da medicina, foi na oncologia que a variável qualidade de vida foi primeiramente proposta como um item da avaliação de resultado de intervenção terapêutica. Karnofsky e Burchenel, na década de 1940, provavelmente foram os primeiros na medicina a propor esse tipo de parâmetro – não-fisiológico – na avaliação de resultados de intervenções em câncer (Karnofsky et al., 1947). Após essa proposta pioneira, os estudos na oncologia passaram a fazer uso de indicadores de qualidade de vida para avaliar novos protocolos de tratamento. Uma segunda área médica que muito cedo desenvolveu pesquisas nessa área foi a gerontologia, que, desde a década de 1960, vem pesquisando o “envelhecer bemsucedido” ou o “envelhecer positivo” e a “qualidade de vida para a terceira idade”. A expressão “qualidade de vida”, contudo, aparece pela primeira vez no Index Medicus
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e no Psychological Abstracts, no ano de 1985 (Lawton, 1991). Em um artigo de atualização de Berlim e Fleck (2003) sobre o conceito de qualidade de vida, os autores citam a ampliação e a popularidade do conceito e da avaliação de qualidade de vida nas últimas décadas. Da mesma maneira, os pesquisadores reforçam que a medida de qualidade de vida tem-se tornado especialmente importante como uma variável de impacto global das doenças e dos tratamentos médicos, a partir da perspectiva do paciente. Alguns autores sugerem que as necessidades humanas são o fundamento da qualidade de vida e que a qualidade de vida seria o grau de satisfação atingido a partir dessa necessidade, por exemplo, física ou psicológica. Andrews (1974) argumenta que qualidade de vida é a extensão com que o prazer e a satisfação são obtidos. Abrams (1973) definiu a expressão qualidade de vida como o grau de satisfação ou insatisfação sentida pela pessoa dentro de vários domínios de sua vida. Alternativamente, os fenomenologistas argumentam que a qualidade de vida é dependente, principalmente, da interpretação e da percepção do indivíduo. Sobre os diversos conceitos de qualidade de vida, Farquar (1995) cita que, mesmo havendo muitas publicações recentes fazendo uso do termo, há muita dificuldade para se estabelecer comparações devido à heterogeneidade do conceito. Também critica a tendência de muitos artigos na literatura citarem como “qualidade de vida” constructos que na verdade seriam mais bem nomeados como “qualidade de vida relativa à saúde”, por serem menos genéricos e se aterem a questões relativas ao bemestar em um sentido médico. Para esse autor, o entendimento da diferença entre “qualidade de vida” e “satisfação com a vida” é importante, especialmente ao se pensar sobre a validade de constructo em uma mensuração como a de qualidade de vida. Contudo, mesmo que não exista um significado único para o conceito, existem alguns pontos de consenso, como foi relatado por um grupo de estudiosos dispostos a construir uma escala transcultural para medir qualidade de vida, com a coordenação da Organização Mun-
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dial de Saúde (Grupo de Qualidade de Vida da OMS, 1995). Segundo o Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (Grupo WHOQOL, 1995), a qualidade de vida é definida como “a percepção do indivíduo da sua posição na vida, no contexto de sua cultura e dos sistemas de valores da sociedade em que vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Ainda conforme esse grupo, o conceito de qualidade de vida envolve três aspectos essenciais: a subjetividade, a multidimensionalidade e a presença de dimensões positivas e negativas. Todos esses parecem ser pontos consensuais entre os teóricos e estão no fundamento da maior parte das mais usadas escalas de qualidade de vida relacionadas com saúde nas pesquisas atuais. Em relação ao caráter subjetivo, há um crescente reconhecimento de que a qualidade de vida é uma avaliação em grande parte dependente da subjetividade da pessoa (Grupo WHOQOL, 1995). Existe uma grande variabilidade entre as pessoas em suas capacidades de enfrentamento de limitações físicas e doenças e em suas expectativas em relação aos aspectos de sua saúde. Os conceitos individuais podem influenciar de maneira determinante a percepção e a valoração que a pessoa faz de seu estado de saúde e de sua satisfação com a vida. É dessa maneira que duas pessoas com o mesmo estado funcional ou a mesma situação “objetiva” de saúde podem apresentar qualidades de vida muito diferentes, devido a esses aspectos subjetivos. Assim, por subjetividade entende-se a percepção do sujeito acerca de sua própria qualidade de vida. Não estão contemplados diretamente nesse item os dados “objetivos” da saúde da pessoa como diagnóstico ou percepção médica sobre o caso, bem como resultados de exames. Referente à natureza multidimensional, há um consenso sobre a natureza de várias dimensões da qualidade de vida entre as diferentes conceitualizações. A maior parte das escalas procura acessar a “totalidade” da qualidade de vida com perguntas em diferentes áreas. Não há consenso, entretanto, sobre quais incluir. Ainda que os domínios de saúde física, de saúde psicológica e de função social este-
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jam presentes na maior parte das definições, existe uma menor concordância sobre outros campos (espiritualidade, níveis de independência, situação socioeconômica, auto-estima, estado funcional, performance no trabalho, grau e qualidade da interação na comunicação e na interação social, enfrentamento e satisfação com a vida) (Bowling, 1995). Por último, concernentemente à presença de aspectos tanto positivos quanto negativos, o conceito de “qualidade” não deve ser tomado por uma idéia de “positividade”, deve antes ser tomado mais adequadamente como o “estado” de vida, sendo que esse estado não seria, necessariamente, positivo. Decorre dessa idéia o fato de as escalas de qualidade de vida abrangerem tanto as dimensões boas da vida da pessoa (independência, contentamento e mobilidade) quanto as dimensões negativas, que podem estar compondo a qualidade de vida dessa pessoa (sentimentos negativos, dependência de medicação, fadiga e dor).
MEDIDAS DE AVALIAÇÃO DE QUALIDADE DE VIDA PARA IDOSOS Existem múltiplas escalas de avaliação de qualidade de vida. Entretanto, elas apresentam algumas diferenças – entre elas, aquelas com propostas específicas ou genéricas, as escalas estruturadas, semi-estruturadas ou não-estruturadas e a proporção de questões subjetivas e objetivas, quando nas escalas estruturadas. Em relação a cada uma delas, pode-se dizer que as escalas específicas foram desenvolvidas para incluir sensibilidade a resultados de intervenções em um tipo x de doenças, enquanto os instrumentos genéricos foram desenhados para ser aplicados em uma ampla variedade de situações médicas. Em relação aos outros dois aspectos, se discute tanto sobre a subjetividade de quais domínios são importantes como sobre as pontuações para cada área. A partir desse tipo de consideração, diferentes projetos estão sendo elaborados com escalas previamente menos estruturadas, buscando também a consideração pela avaliação da subjetividade do entrevistador no momento de escolher quais domínios serão
levados em conta e quais pesos relativos serão atribuídos para cada item. A proporção da subjetividade é variável entre as diferentes escalas, contemplando desde aquelas que não contam com perguntas subjetivas até aquelas com diferentes graus de subjetividade. Há escalas que, além de alguns domínios objetivos (atividades da vida diária, dependência de remédios), incorporam algumas perguntas sobre a própria percepção do estado de saúde ou satisfação com a saúde. O Quadro 1.1 lista algumas das poucas escalas específicas para a avaliação de qualidade de vida em idosos. Em nosso meio, Fleck e colaboradores (com a coordenação da Organização Mundial de Saúde, OMS) vêm desenvolvendo um módulo de qualidade de vida para idosos, o WHOQOL-OLD (World Health Organization Quality of Life-Old). Com o objetivo de desenvolver instrumentos e de pesquisar qualidade de vida em diferentes populações, a OMS vem liderando diversos projetos como este, de natureza transcultural. Com um método previamente estabelecido, já foram desenvolvidas por esse mesmo grupo a escala WHOQOL-100 (escala de qualidade de vida para adultos; Fleck et al., 1998b), a escala WHOQOL-Bref (uma versão abreviada do WHOQOL-100; Fleck et al., 2000), além dos módulos WHOQOL-HIV (Fleck et al., 1998, Shekhar et al., 2003, Zimpel, 2003) para pacientes portadores do vírus HIV, WHOQOLSRPB (expansão do domínio espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais; Rocha, 2002, Fleck et al., 2003) e, mais recentemente, o WHOQOL-OLD, para pessoas com mais de 60 anos. A construção e a validação do módulo WHOQOL-OLD é um projeto que envolve 22 países.
O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO E A QUALIDADE DE VIDA EM IDOSOS O processo de envelhecimento tem preocupado a humanidade desde o início da civilização. Segundo Leme (1996), poucos problemas têm merecido tanta atenção e preocupação do homem como o envelhecimento e
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QUADRO 1.1 Algumas das escalas disponíveis para a população idosa • Life Satisfaction Index – LSI (Neugarten et al., 1961) • Philadelphia Geriatric Center Morale Scale – Morale Scale (Lawton e Brody, 1969) • Memorial University of Newfoundland Scale of Happiness – MUNSH (Multilevel Assessment Instrument) (Kozma e Stones, 1980) • OARS Multidimensional Functional Assessment Questionnaire – OMFAQ (Older Americans Resources and Services) (Fillembaum e Smyer, 1981) • Multilevel Assessment Instrument – MAI (Lawton et al., 1982) • Geriatric Quality of Life Questionnaire, desenhado para idosos fragilizados (Guyatt et al., 1993) • Short-Form 36 – SF 36, não específica para idosos, ênfase nas questões físicas (Ware et al., 1993) • Escala de Qualidade de Vida de Flanagan – EQVF (Santos et al., 2002; Flanagan, 1982) • WHOQOL-OLD, versão em português (World Health Organization Quality of Life-Old), em fase de conclusão
a incapacidade funcional relacionada a esse processo. O século XX trouxe grandes avanços para a ciência do envelhecimento. Por um lado, houve um crescimento do interesse em pesquisar e estudar o processo de envelhecimento, que já se anunciava nos séculos anteriores. Por outro lado, o aumento do número de idosos em todo o mundo exerceu uma pressão passiva sobre o desenvolvimento desse campo (Netto, 2002). Em nível mundial, a expectativa de vida subiu 41% desde 1950, de 46 para 65 anos, com maiores aumentos nos países em desenvolvimento. No Japão, as pessoas vivem mais do que em qualquer outro lugar do mundo: em média, 82,5 anos para as mulheres e 76 para os homens (Treas, 1995). Especificamente no Brasil, a população com idade igual ou superior a 60 anos já é de 15 milhões de habitantes. A sua participação no total nacional dobrou nos últimos 50 anos; passou de 4% em 1940 para 9% em 2000. As projeções indicam 15% do total nacional para o ano de 2020 (Camarano et al., 1997; IBGE, 2000). As pessoas, hoje em dia, têm expectativa de atingir uma idade avançada e, às vezes, até muito avançada. Os americanos que chegam aos 65 anos hoje podem esperar chegar aos 82 (Freitas et al., 2002). Em média, as mulheres vivem cerca de seis anos mais do que os homens (Rosenberg
et al., 1996). A vida mais longa das mulheres tem sido atribuída a diversos fatores, entre eles a busca de assistência médica com maior freqüência, maior nível de apoio social e menor vulnerabilidade biológica. As mulheres idosas tendem a ter problemas de saúde de longo prazo, crônicos e incapacitantes; enquanto os homens idosos tendem a desenvolver doenças de curto prazo e fatais. Conseqüentemente, as mulheres idosas têm mais probabilidade do que os homens de ficar viúvas, de não se casar novamente e de passar mais anos com má saúde e ter menos anos de vida ativa e independente (Katz et al., 1983, Longino, 1987). Mulheres idosas também têm maior probabilidade de empobrecer. Gerontologistas afirmam que o limite do ciclo da vida humana é de 120 anos aproximadamente. Parece difícil que as pessoas venham a viver todos esses anos, ou mesmo que cheguem aos 100 anos. Ainda assim, novas pesquisas têm sugerido que a morte dos “velhos mais velhos” são adiáveis. Vários problemas que costumavam ser considerados parte da idade avançada não são, hoje em dia, atribuídos ao envelhecimento propriamente dito, mas a fatores de estilo de vida ou a doenças que podem acompanhar ou não o processo de envelhecimento. Nesse sentido, pesquisadores definiram o envelhecimento como primário ou secundário. O envelhecimento primário seria um processo gradual, irreversível, progressivo, inevitável e universal de de-
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terioração corporal que começa mais cedo na vida e continua com o passar dos anos; por outro lado, o envelhecimento secundário compreenderia as mudanças causadas por doenças (abusos ou desuso), fatores que, por vezes, são evitáveis e estão dentro do controle das pessoas (Busse, 1987; Horn e Meer, 1987). Referente a este último, acredita-se que, com a manutenção dos hábitos de vida adequados, muitos idosos poderão afastar os efeitos secundários do envelhecimento. Segundo Birren e Bengston (1988), o envelhecimento compreende processos de transformação do organismo que ocorrem após a maturação sexual. O envelhecimento é acompanhado por alterações regulares na aparência, no comportamento, na experiência e nos papéis sociais. Inicia-se em diferentes épocas para as diversas partes e funções do organismo e ocorre em ritmo e velocidade que variam em um mesmo indivíduo ou entre diferentes indivíduos. Esses processos implicam a diminuição gradual da probabilidade de sobrevivência. Conforme Papalia e Olds (2000), afora os aspectos individuais, existem três domínios gerais a serem considerados na velhice. Em primeiro lugar, há um aumento nas perdas físicas; a saúde tende a ser um problema crescente. Em segundo, as pressões e as perdas sociais tendem a se acumular. Em terceiro, os idosos defrontam-se com a idéia de que o tempo está se tornando cada vez mais curto para eles. Algumas mudanças tipicamente associadas ao envelhecimento são evidentes até para o observador casual e incluem aspectos da aparência e da funcionalidade. A pele envelhecida tende a se tornar mais pálida, mais manchada e menos elástica. Os cabelos tornam-se brancos e mais ralos e a altura diminui. Assim, parece haver um declínio a olhos vistos. Há um declínio funcional e uma diminuição da vitalidade das funções biológicas (Papalia e Olds, 2000). Entretanto, ao contrário da aparência, o declínio da saúde mental não é necessariamente típico na terceira idade. Na realidade, a doença mental é menos comum entre adultos mais velhos do que entre adultos mais jovens. Em um estudo realizado por Haug e colaboradores (1984) com 1.300 adultos mais velhos, cerca
de 7 a 10 mantinham ou melhoravam sua saúde mental. Contudo, os transtornos mentais que de fato acontecem em adultos mais velhos tendem a ter conseqüências devastadoras. Para Neri (1993), a experiência do envelhecimento não é homogênea, sendo que o normal no momento histórico e socioeconômico do Brasil é o envelhecimento com algum grau de disfunção física e funcional. Para a autora, existem três realidades de envelhecimento: a) velhice “bem-sucedida” (ou ótima): é a velhice com preservação da saúde objetiva, da saúde auto-referida e da funcionalidade no padrão do adulto jovem; b) velhice “usual” (ou velhice normal): aquela em que ocorrem doenças físicas e/ou mentais ou limitações funcionais objetiva ou subjetivamente aferíveis, porém em intensidade leve ou moderada o suficiente para acarretar mudanças apenas parciais nas atividades da vida diária; c) velhice “com patologia”: nesta, a funcionalidade e o padrão de saúde física e mental do adulto jovem foram perdidos ou estão menos nítidos, havendo a presença de doenças crônicas/ degenerativas, limitando severamente a vida da pessoa. Apenas na década de 1990, a velhice “com patologia” deixou de ser vista como sinônimo de velhice, tanto por parte da ciência como da cultura. Razões epidemiológicas recentes – como o crescimento do número de idosos saudáveis, que é um acontecimento que surgiu na história da humanidade apenas no final do século passado – estão forçando uma mudança de pressupostos teóricos da velhice como sinônimo de doença. Viver mais sempre foi o intuito do ser humano. Assim, um desafio que cresce em importância é a obtenção de melhor qualidade de vida nesses anos conquistados a mais. Pesquisas têm sido feitas no sentido de esclarecer os fatores que contribuem para o chamado “envelhecimento bem-sucedido”. Essa seria uma “condição individual e grupal de bem-estar fí-
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sico e social, referenciada aos ideais da sociedade, às condições e aos valores existentes no ambiente em que o indivíduo envelhece e às circunstâncias de sua história pessoal e seu grupo etário” (Neri, 2000). Em relação ao conceito de qualidade de vida na velhice, sabe-se da sua difícil operacionalização. Isto se dá em decorrência de vários motivos. Primeiro, o constructo possui múltiplas dimensões. Segundo, resulta da atuação de muitos eventos concorrentes, isto é, é multideterminado. Terceiro, refere-se à adaptação de indivíduos e de grupos de pessoas em diferentes épocas da vida de uma ou várias sociedades. Quarto, tanto a velhice como a qualidade de vida são eventos dependentes do tempo (Neri, 2000). Segundo Lawton (1991, p. 6), “qualidade de vida na velhice é uma avaliação multidimensional referenciada a critérios socionormativos e intrapessoais, a respeito das relações atuais, passadas e prospectivas entre o indivíduo maduro ou idoso e o seu ambiente”. Para ele, a avaliação de qualidade de vida na velhice se dá sobre quatro dimensões sobrepostas e inter-relacionadas: condições ambientais (pressupõe que o ambiente deva oferecer condições adequadas à vida das pessoas), competência comportamental (traduz o desempenho dos indivíduos frente às diferentes situações de sua vida), qualidade de vida percebida (reflete a avaliação da própria vida) e bem-estar psicológico ou subjetivo (significa a satisfação com a própria vida, satisfação global e satisfação específica em relação a determinados aspectos da vida), das quais depende a funcionalidade do idoso. Lindgren (1994), com um instrumento estruturado centrado em questões objetivas sobre a qualidade de vida, estudou idosos acima de 75 anos, institucionalizados e residentes na comunidade, com diversos graus de saúde física. Nessa população, 33% não podiam ler jornal sem usar óculos, mais de 33% tinham problemas de audição, 47% tinham problemas de mobilidade e 66% relataram algum tipo de problema para dormir. Um percentual de 42% sentia solidão algumas vezes ou freqüentemente, e 65% estavam preocupados (na maior parte das vezes, com o medo de quedas). Contras-
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tando com essas medidas objetivas, 87% classificaram subjetivamente a própria saúde como boa e 79% estavam contentes ou “quase” contentes com sua situação atual. Apesar de essa população apresentar freqüentemente problemas de audição e/ou de visão, tais limitações não afetaram a percepção subjetiva da pessoa com relação à sua saúde. Problemas de locomoção e com o sono tiveram um impacto maior. Uma das conclusões do trabalho foi a de que os três fatores mais relacionados com a autopercepção de saúde foram os escores nas atividades (p < 0,001), no contentamento (p < 0,001) e nos problemas de motilidade (p < 0,001). O contentamento, por sua vez, era afetado pela atividade e solidão, sendo que a solidão era afetada pelo tipo de moradia (asilo, residência, hospital – com menor sentimento de solidão na comunidade), e pela idade (solidão diretamente relacionada à idade mais avançada). Em uma pesquisa realizada com idosos em nosso meio, cujo objetivo era identificar quais variáveis interferem na percepção de saúde em idosos internados, verificou-se que eles não necessariamente se percebiam como doentes, apesar da indicação médica hospitalar. Aproximadamente a metade dos entrevistados viam-se como saudáveis. Segundo a escala de qualidade de vida WHOQOL-100 (WHOQOL Group, 1998; Fleck et al., 1999), quanto maior o nível de independência, maior a correlação com a percepção de saúde “saudável” entre idosos internados. Observou-se também que quanto maior a intensidade de depressão, maior a associação com a percepção de saúde “doente” (Trentini et al., 2004). Os resultados deste estudo reforçam a idéia da subjetividade tanto na área da saúde quanto em uma avaliação mais global de qualidade de vida. Em uma outra pesquisa, estudando a satisfação com a vida entre nigerianos com mais de 60 anos residentes na comunidade (em zonas rurais e urbanas), Baiyewu (1992) fez uso de uma parcela da Nottingham Health Profile (NHP) referente à satisfação com a vida e chegou à conclusão que a alta satisfação com a vida correlacionava-se com saúde autodefinida, com a existência ou não de solidão, sexo (mulheres com mais satisfação) e local
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de residência, e que não estava relacionada com contato social, estado civil, proximidade com filhos ou freqüência com que se viam amigos íntimos. Browne e colaboradores (1994), fazendo uso de instrumentos semi-estruturados, estudando exclusivamente idosos saudáveis (apesar do recrutamento ter sido feito pela rede de saúde) com mais de 65 anos, residentes na comunidade, procuraram determinar quais os domínios de qualidade de vida seriam mais relevantes para esses idosos. Seu objetivo era o de medir a qualidade de vida pelos próprios critérios da população estudada. As relações com a família foram lembradas como variável importante para 89%; as atividades sociais e de lazer, para 95%; a saúde, para 91%; as condições de moradia, para 80%; a religião para 75% dos casos. Os idosos dessa amostra estavam bastante satisfeitos com seus próprios desempenhos nesses domínios por eles mesmos listados. O autor discutiu dois pontos a partir de seus achados: a) A discordância entre a classificação subjetiva e objetiva de saúde. b) O fato de as escalas de qualidade de vida estruturadas, muitas vezes, não incluirem o fator religião, citado por essa população como um domínio importante, incluído nos conceitos deles sobre qualidade de vida. Esse autor é da opinião de que cada população de idosos terá uma valorização particular de quais domínios são importantes e advoga, então, o uso de escalas não-estruturadas. Bowling (1995), também interessada em perguntar à população sobre o que seria importante segundo os próprios pesquisados na determinação de qualidade de vida, entrevistou uma população de diversas idades da comunidade, com ou sem enfermidades, sem nenhuma escala de qualidade de vida, mas fazendo perguntas sobre esse tema. Perguntou tanto sobre o que as pessoas citariam como importante em suas vidas (boas ou ruins) quanto sobre como a pessoa, naqueles itens lembra-
dos, se classificaria (variando de o “melhor possível” a “tão ruim como pode ser”). Segundo esse trabalho, os idosos não diferem tanto das outras faixas etárias na opinião do que seja determinante na qualidade de suas vidas, salvo por não atribuírem tanto peso às atividades laborais e por atribuírem mais peso à saúde do que os jovens, e as pessoas com mais de 55 anos mais freqüentemente do que os mais jovens achavam suas vidas como um todo “tão boa quanto possível”. Também as mulheres idosas (tanto da faixa de 65-75 anos quanto da faixa de > 75 anos), mais freqüentemente do que os homens da mesma idade, classificavam suas vidas como “tão boa quanto possível” (27%:17% e 28%:21%, respectivamente). Um outro estudo na cidade de Porto Alegre com sujeitos acima de 60 anos, a partir da técnica de grupos focais, mostrou a importância do domínio “saúde” para os idosos. Além da saúde, os idosos também destacaram como fatores que permitem uma boa qualidade de vida os domínios psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente, espiritualidade/religiosidade e crenças pessoais (Fleck et al., 2003). O referido estudo também apontou para uma associação entre qualidade de vida e bem-estar. Dentro do contexto da avaliação e de associações de qualidade de vida na velhice, Neri (2000) faz uma ressalva importante, alegando que existem várias maneiras de ser velho e diferentes padrões de envelhecimento. Conforme citado anteriormente, à medida que a pessoa vai ficando mais velha, acentuam-se algumas perdas biológicas e alteram-se padrões metabólicos. Podem ocorrer perdas progressivas na memória, na cognição e na comunicação, que podem ser agravadas por problemas orgânicos e psicológicos. A proximidade da morte, a incerteza em relação a doenças e o risco crescente de dependência são importantes fatores na determinação das perdas e do senso de auto-eficácia. A relação entre qualidade de vida e intensidade de sintomas depressivos e/ou níveis de desesperança no idoso também é estreita. Quem avalia sua qualidade de vida como ne-
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gativa apresenta significativamente mais sintomas depressivos, assim como quem tem esperança pode alcançar, segundo alguns estudos, melhores condições de saúde (Miller, 1985, Carpenito, 1995, Farran et al., 1995). Conforme Trentini e colaboradores (2004) em um estudo realizado com 339 idosos acima de 60 anos em nosso meio, a avaliação dos idosos em relação às suas percepções de qualidade de vida está associada a sexo, idade, estado civil, classe social e percepção de saúde, mas mais fortemente relacionada a níveis de sintomas depressivos. A associação de má qualidade de vida e depressão tem sido encontrada em outros estudos (Herrman et al., 2002; Kuehner, 2002; Xavier et al., 2002). Conforme Goldstein (1995), os indivíduos não mantêm padrões de comportamento estáticos ao longo do tempo. Ao contrário, mudam seu comportamento para fazer frente às demandas da vida, que se alteram ao longo da existência. Estudos de estresse e coping estão focalizados nessas mudanças. Alguns autores defendem que, apesar de diferente, a qualidade de vida na velhice também pode ser entendida como um processo adaptativo multidimensional, a despeito da capacidade do indivíduo para lidar com vários tipos de demanda (Baltes e Baltes, 1990; Backman et al., 1990). Estudos sobre condições que se associam a uma boa qualidade de vida na velhice, bem como variações da própria experiência do envelhecer, são necessários e possuem significativa aplicabilidade científica e social. Por meio de pesquisas, podemos não apenas contribuir para o entendimento dos limites do ser humano, como também podemos auxiliar na elaboração de alternativas de intervenção para esta crescente parcela da população (Neri, 1993).
preensão desta já numerosa parcela da população.
CONCLUSÃO
Abrams, M.A. (1973). Subjective social indications. Soc Trends, 4:35. Andrews, F.M. (1974). Social indicators of perceived life quality. Soc Ind Res, 1:279. Backman, L.; Mäntyla, T.; Herlitz, A. (1990). The optimization of episodic remembering in old age. In Baltes, P.B.; Baltes, M.M. (eds.). Successful aging:
Os idosos constituem um grupo particular e, como tal, apresentam especificidades de importante relevância para a qualidade de vida. Estudos são sugeridos a fim de uma maior com-
LEITURAS SUGERIDAS Neri, A.L. (org.) (1993). Qualidade de vida e idade madura. Campinas, SP: Papirus. The WHOQOL Group (1995). The world health organization quality of life assessment: position paper from the World Health Organization. Soc Sci Med, 41:1403-9. Farquar, M. (1995). Elderly people’s definitions of quality of life. Soc Sci Med, 41:1439-46. Fleck, M.P.A.; Chachamovich, E.; Trentini, C.M. (2003). Projeto WHOQOL-OLD: método e resultados de grupos focais no Brasil. Rev Saúde Pública, 37(6):793-9.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Defina qualidade de vida. 2. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de qualidade de vida envolve três aspectos essenciais. Liste-os e defina-os ou dê um exemplo para cada um deles separada ou específicamente. 3. Que ou quais aspectos estão relacionados à qualidade de vida no idoso? 4. Discorra sobre a importância do tema qualidade de vida na faixa etária idosa (justifique sua relevância). 5. Caracterize, sucintamente, o processo de envelhecimento e contextualize o envelhecimento humano em nosso meio.
REFERÊNCIAS
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2 Teorias abrangentes sobre envelhecimento cognitivo Maria Alice de Mattos Pimenta Parente Gabriela Peretti Wagner
CONCEITOS TRABALHADOS Inteligência fluida: aquela necessária para solucionar novas situações. Ela se refere principalmente ao uso de novas estratégias. Inteligência cristalizada: aquela utilizada em situações já aprendidas, como, por exemplo, a que requer memória de significados e de fatos passados. Velocidade de processamento: refere-se ao tempo levado para resolver uma tarefa. O termo tem sua origem em trabalhos experimentais, geralmente em tarefas de reação a diferentes estímulos, em que a velocidade é verificada a partir de diferenças de milessegundos. Tempo de reação: tempo levado em uma tarefa experimental entre a apresentação do estímulo e a resposta. Ele é utilizado com maior freqüência para tarefas simples de detecção de estímulos. Para tarefas que envolvem processamentos complexos, utiliza-se o termo “tempo de resposta”, ou especifica-se a tarefa, como, por exemplo, tempo de leitura, tempo decisional, etc. Processos iniciais: em um modelo cognitivo conceitual, estas são as etapas próximas aos processos perceptuais.
Processos centrais: em um modelo cognitivo conceitual, estas são as etapas próximas aos processos semânticos que geram significados. Limite temporal: tarefa em que o tempo de execução é limitado, ou solicita-se ao participante que utilize o menor tempo possível. Capacidade limitada: teoria a qual postula que a mente possui limites na quantidade de processamento. Muitas vezes, ela se refere a processos atencionais e ao limite de processamentos simultâneos. Teoria do transtorno de inibição e teoria do lobo frontal: teoria baseada nas funções do lobo préfrontal. Postula que a dificuldade básica do idoso é inibir estímulos não-relevantes. Atenção seletiva: mecanismo atencional que permite dirigir a atenção a um estímulo, e não a outro. Flexibilidade reativa: mudança do foco da atenção ou de uma ação a partir de estímulo externo. Por exemplo, a fuga a partir de um estímulo ameaçador. Flexibilidade espontânea: mudança do foco da atenção ou de uma ação a partir do estímulo interno, ou seja, pela vontade do indivíduo. Pensamento dialético: pensamento que realiza um movimento da tese ou afirmação/negação
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à antítese para chegar a uma síntese ou a uma negação da negação (Hegel). Em termos genéricos, esse pensamento compara duas posições diferentes e suas restrições. Sabedoria: conhecimento simultaneamente teórico e prático que se distingue de um conhecimento exclusivamente teórico. Expertise: conhecimento avançado ou maior experiência de um tema específico.
discutido em qual fase da vida essas diferenças ocorrem, mas apenas conceitos de cada teoria e dados que confirmam ou questionam seus postulados. Este capítulo é dividido em duas grandes abordagens. A primeira focaliza as teorias que explicam os mecanismos básicos das perdas cognitivas. A segunda, mais otimista, procura estabelecer um equilíbrio entre perdas e ganhos e, quando este equilíbrio é difícil, inclui a idéia de que as funções preservadas podem criar estratégias compensatórias.
INTRODUÇÃO As alterações do sistema cognitivo que ocorrem quando a pessoa envelhece têm sido o foco de psicólogos cognitivistas interessados no fenômeno do envelhecimento. Na maioria das vezes, essa questão torna-se mais específica e focaliza uma ou várias funções, abordagem adotada na segunda e terceira parte deste livro. Entretanto, alguns pesquisadores procuram uma explicação abrangente sobre o envelhecimento. Eles buscam um fator responsável pelos declínios em algumas funções, e não em outras. Esses estudos investigam mecanismos básicos que expliquem tais diferenças. A investigação sobre mecanismos básicos tem uma relevância teórica dentro da perspectiva de ciclo vital. Ao caracterizar as modificações que ocorrem no envelhecimento normal – que podem ser de perdas ou ganhos –, essa perspectiva mais genérica também auxilia a diferenciação entre o envelhecimento normal e o patológico. Vale a pena notar que esses mecanismos básicos de declínio foram estipulados a partir de diferenças entre as dificuldades de idosos: algumas funções cognitivas declinam com a idade, outras são mantidas e outras melhoram. Essa heterogeneidade tem sido enfatizada, mais recentemente, em teorias que pretendem englobar as perdas e os ganhos. A importância de salientar os ganhos reside na possibilidade de criar formas de intervenção e de adaptação das capacidades cognitivas às demandas sociais e ambientais. Este capítulo abordará teorias genéricas sobre o envelhecimento cognitivo. Não será
ABORDAGENS QUE SALIENTAM O DECLÍNIO COGNITIVO DURANTE O ENVELHECIMENTO Cinco diferentes teorias procuram detectar um mecanismo único que pode explicar as dificuldades cognitivas de idosos. Cada uma privilegia um aspecto cognitivo: 1. 2. 3. 4. 5.
inteligência rígida versus fluida; velocidade de processamento; memória de trabalho; inibição; perda das funções frontais (ou préfrontais).
Essas teorias serão descritas separadamente. Entretanto, como será visto adiante, elas representam uma determinada perspectiva do declínio cognitivo, e, muitas vezes, as evidências e explicações de uma teoria dependem ou confundem-se com as demais.
Inteligência rígida versus fluida Esta teoria baseia-se em análises fatoriais de diferentes tarefas, com ênfase nas que constituem os testes de QI. Em 1967, Horn e Cattel (1967) observaram, utilizando um estudo de uma amostra de 297 participantes, que um mesmo fator de segunda ordem engloba provas de: 1. pensamento indutivo; 2. relações pictóricas a partir de provas de matrizes; 3. analogias de termos usuais;
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Cognição e Envelhecimento
Os autores denominaram esse fator como “inteligência fluida”. As provas de vocabulário, a informação, as analogias baseadas em termos não-usuais, as provas de associações distantes e as provas de aritmética foram agrupadas em um outro fator, que recebeu o nome de “inteligência cristalizada”. Os conceitos adotados nessa teoria são bastante amplos. Inteligência fluida designa processos que devem ser elaborados a partir de diferentes situações e, portanto, requerem a elaboração de estratégias adaptativas. Esse conceito explica a dificuldade de idosos em aprender novas habilidades como, por exemplo, se adaptar aos avanços tecnológicos. Inteligência cristalizada, por sua vez, refere-se a processos que dependem de aprendizados bem estabelecidos e que podem ser aplicados a qualquer situação, sem necessidade de serem alterados. Um bom exemplo de inteligência cristalizada são os processos que dependem dos conhecimentos semânticos aprendidos na infância. A partir dos anos de 1980, foram valorizadas as atividades de vida diária, como, por exemplo: lembrar de tomar um medicamento, dar um recado, lembrar de onde guardou um objeto, etc. Willis e Schaie (1986) consideraram tais habilidades parte da inteligência fluida que declina a partir dos 60 anos. Os autores observaram que o desempenho nas provas que envolvem inteligência fluida piora com o avanço da idade, enquanto o que envolve inteligência cristalizada apresenta nítidas melhoras. É importante notar que a amostra de Horn e Cattel (1967) era composta das seguintes faixas etárias: 46 adolescentes (idade entre 14 e 17 anos), 51 adultos que haviam acabado de sair da adolescência (idade entre 18 e 19 anos); 81 jovens adultos (idade entre 21 a 28 anos); 73 adultos com 29 a 36 anos e 46 adultos na maturidade (40 a 61 anos). Em outras palavras, somente quatro tinham mais de 50 anos. Schaie e Labouvie-Vief (1974) criaram um paradigma bastante complexo, no qual agruparam o estudo longitudinal a diferentes cortes transversais. Eles repetiram as avaliações seis vezes nos anos seguintes, em intervalos que variaram aproximadamente sete anos. No
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total, participaram 4 mil pessoas, com um grande número de pares teste-reteste. Os autores utilizaram o Primary Mental Abilities (PMA) de Thrustone, provas de rigidez e um questionário de responsabilidade social. Nas análises transversais, foram evidenciados declínios cognitivos em função da idade. Entretanto, a análise longitudinal revelou que tais mudanças dependiam de antecedentes socioculturais. Segundo os autores, essas constatações são um desafio para as teorias que admitem um declínio uniforme, irreversível e universal. As limitações dessa teoria foram levantadas por Horn e Cattel (1967): cortes transversais sofrem influência dos efeitos de corte e das características socioculturais de uma faixa etária. Um segundo problema é que, ao serem consideradas médias de grupos, as diferenças individuais ficam ocultas.
Deficiência na velocidade de processamento Salthouse (1996) propõe que a base do declínio cognitivo encontra-se em apenas um mecanismo fundamental: a maior lentidão do processamento com a idade. Essa teoria é apoiada por várias evidências. Primeiramente, os trabalhos sobre o envelhecimento cognitivo que utilizam tarefas envolvendo rapidez ou medindo tempo de reação ou de resposta mostram diferenças mais marcantes entre idades. O autor postulou que o desempenho de um grande número de tarefas cognitivas, que iam desde tarefas de memória até as de raciocínio, decorre da capacidade da pessoa em realizar tarefas de rapidez perceptual. Estas são tarefas simples, feitas com material gráfico (lápis e papel) e que solicitam julgamentos rápidos de semelhanças e diferenças. A velocidade do processamento é medida a partir da quantidade de comparações corretas em um período fixo, entre um e três minutos. Em segundo lugar, a lentidão no processamento é considerada um fator essencial em tarefas de memória imediata ou de memória de trabalho, bastante afetadas no idoso, como será discutido mais adiante.
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Em terceiro lugar, a lentidão afeta também tarefas mais complexas, como memória episódica e tarefas de raciocínio fluido, devido à interação entre processos iniciais e os mais centrais. Esta interação depende de falhas em dois mecanismos: o de limite temporal e o de simultaneidade de processamento. Falhas no mecanismo de limite temporal provocam um menor tempo para resolver operações, pois um tempo maior do que o previsto é necessário para as operações iniciais. Por outro lado, falhas no mecanismo de simultaneidade de ativação dos diferentes processamentos afetam uma tarefa que requer o início de uma segunda atividade, enquanto processos centrais da atividade anterior ainda estão em andamento ou ativados. Neste caso, falhas de simultaneidade vão afetar a qualidade do processamento inicial. Entretanto, se os processos iniciais absorvem muito tempo em algumas atividades, o idoso não consegue executar etapas de processamentos mais centrais. O impacto da lentidão afetará, portanto, todas as tarefas cognitivas, mesmo aquelas que não solicitam que a resposta seja dada em um período restrito. A quarta evidência surge de análises estatísticas complexas de modelagem estrutural. Este tipo de tratamento dos dados tem mostrado que a rapidez é um mediador mais importante do que a memória de trabalho nas diferentes tarefas cognitivas (ver Capítulo 18 – Questões metodológicas no estudo sobre o envelhecimento). Três categorias de limitações foram formuladas em relação a essa teoria (Zacks, Hasher e Li, 2000). A primeira é que, apesar de as modelagens estatísticas mostrarem que a lentidão é mais importante do que as memórias de trabalho e de curto prazo, com a idade, falhas nessas duas funções não podem ser negligenciadas. Assim, outros autores consideram que tanto a memória de trabalho como a rapidez de informação influem em todas as tarefas com igual importância (Park, 2000). A segunda limitação decorre das variações individuais: hábitos, características de personalidade e fatores socioculturais podem influir na velocidade de processamento. Por fim, esta explicação é muito
genérica e ainda não se sabe como a lentidão afeta uma determinada tarefa ou determinados processamentos.
Capacidade de recursos limitada e de processamentos que envolvem iniciativa Uma explicação que tenta englobar as dificuldades de idosos em tarefas de atenção e de memória de curto prazo e de trabalho postula que uma diminuição das capacidades de recursos explica as falhas mnemônicas dos idosos (para uma revisão, ver Light, 1991). A idéia de que a nossa mente possui uma capacidade limitada de recursos tem origem nos estudos clássicos sobre memória evidenciados nos testes de span. Essa noção é encontrada no trabalho clássico de Miller (1956). Este autor propôs que a capacidade de memória de um adulto englobava sete itens, com um desvio de mais e menos dois, noção mantida na teoria de múltiplos estoques de memória (Atkinson e Schifrin, 1968). De uma forma geral, a teoria da capacidade limitada baseia-se no conceito de que o desempenho da memória depende de fatores externos e internos. Os fatores externos incluem a quantidade de apoio do meio ambiente como um auxílio na codificação e no acesso da informação como, por exemplo, dicas, contextos ou conhecimentos prévios. Já nos fatores internos, predomina a quantidade de recursos cognitivos disponíveis para que uma pessoa possa executar a tarefa de codificação e decodificação. Os processos internos incluem aqueles iniciados pelo próprio indivíduo e, também, a geração de novas conexões entre itens ou a construção de novos planos de ação. Essa teoria prevê que o comportamento de idosos será semelhante ao dos mais jovens quando houver maior apoio de fatores ambientais, ou seja, quando o contexto ajudar a acessar a informação a ser memorizada. A noção de contexto é bastante ampla, pois, além do contexto externo, inclui um assunto bem conhecido pelo idoso, proporcionando, assim, que sua experiência atue como um apoio ambiental.
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Cognição e Envelhecimento
Ela também explica a dificuldade dos idosos em aprender novas habilidades, hipótese corroborada ao verificar a dificuldade em tarefas de recordação livre nas provas de memória e na maior facilidade em provas de reconhecimento. As primeiras exigem maiores capacidades de recursos internos, enquanto as últimas possuem o apoio ambiental da exposição ao item a ser evocado. Até recentemente, a capacidade de recursos era medida por tarefas simples, nas quais era solicitado ao participante repetir dígitos (span de dígitos), palavras ou frases (span verbal), logo após a emissão do examinador. Esses testes eram considerados como uma medida pura da memória de curto prazo. De forma geral, os estudos não têm evidenciado diferenças em tarefas de span simples (Craik, Byrd e Swanson, 1987), um dado que foi questionado por uma metanálise realizada por Verhaeghen, Marcoen e Goosens (1993).
Dificuldade de memória de trabalho A partir de 1980, a noção de capacidade limitada foi enfatizada em tarefas mais complexas de memória de trabalho. Baddeley (1986) sugeriu que diferenças de idade são encontradas pela lentidão dos idosos em fazer a retroalimentação. Já o modelo de Daneman e Carpenter (1980) postulou que a memória de trabalho implica a codificação simultânea de duas informações ou de processamentos simultâneos de tarefas diferentes. Com esse paradigma, as diferenças de idade são muito evidentes (Verhaeghen et al., 1993). A relação entre envelhecimento e memória de trabalho foi enfatizada ultimamente com sua associação a sistemas atencionais e aos sistemas executivos. No modelo de Baddeley (1986), a memória de trabalho é formada por vários componentes, entre eles o sistema executivo. Este possui diversos recursos atencionais que possibilitam a execução de dupla tarefa em sua atuação como um “supervisor atencional”. Em outras palavras, a memória de trabalho tem sido considerada
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um mecanismo responsável pela correta execução de múltiplas tarefas, de tarefas complexas que exigem a organização de várias subtarefas e de diferentes tipos de processamentos. A memória de trabalho também é um elemento essencial para a execução adequada de tarefas planejadas em um tempo futuro. Seus substratos orgânicos encontram-se no lobo préfrontal e envolvem processos estratégicos, ou seja, novas formas de resolver problemas (maiores detalhes sobre memória de trabalho no Capítulo 4 – Memória explícita e envelhecimento). Uma dificuldade dessa abordagem é que o conceito de memória de trabalho varia bastante conforme o autor. Por outro lado, em sua atuação, encontram-se mecanismos de inibição, que dependem dos substratos orgânicos de regiões pré-frontais. Assim, apesar das metanálises que valorizam a memória de trabalho como um fator isolado, é importante lembrar que ela não constitui apenas um processo cognitivo simples, e, portanto, um de seus componentes como, por exemplo, a inibição ou a velocidade de processamento, poderá ser o que realmente influi nas dificuldades cognitivas dos idosos.
Transtorno de inibição A teoria do transtorno da inibição considera como mecanismo básico a dificuldade dos idosos em focalizar a atenção em um assunto e em inibir informações irrelevantes. Ela pretende dar conta de uma constatação empírica de que, com a idade, a pessoa torna-se mais distraída. Além disso, essa teoria propõe que lapsos de atenção são a causa das queixas de falta de memória (McDowd e Shaw, 2000). Portanto, essa perspectiva focaliza os estudos sobre os processos atencionais do idoso em dois paradigmas experimentais: atenção dividida e atenção seletiva (conceitos de atenção encontram-se no Capítulo 6 – Funções executivas e envelhecimento). Como foi visto antes, é possível que idosos tenham menos recur-
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sos cognitivos, o que fica extremamente prejudicado na realização de duas tarefas simultâneas. Esta atenção dividida é um dos componentes principais da memória de trabalho, e a questão colocada é se apenas esse processo atencional está falho ou se as falhas correspondem a uma etapa do processo memorizado. Isso porque a informação, antes de ser processada pela memória de trabalho, precisa ser selecionada corretamente. Na presença de uma deficiência no processo inibitório, a memória de trabalho tem um excesso de carga de informações e de estímulos, o que diminui sua eficiência e velocidade (McDowd e Shaw, 2000). Assim, apesar de parecer que a dificuldade encontra-se na memória de trabalho, um transtorno atencional ainda mais básico pode ser a causa de tal dificuldade. Para esses autores, no envelhecimento, ocorrem falhas no controle do excesso de informação e na manutenção de informações não-pertinentes durante a realização de uma tarefa. Os idosos, freqüentemente, possuem dificuldades em tarefas experimentais com paradigmas de atenção seletiva, quando comparados com o desempenho de adultos jovens. Nessas tarefas, são dadas atividades complexas nos quais um grupo de processos é relevante para o desempenho adequado, enquanto o outro é formado por elementos considerados distratores. Por exemplo, Cornelly, Hasher e Zacks (1991) observaram que idosos são mais afetados na leitura de textos com informações irrelevantes, principalmente quando elas são imprevisíveis. Por outro lado, o conhecimento prévio do momento em que aparecem esses distratores podem reduzir as dificuldades dos idosos (McDowd e Shaw, 2000). Outros estudos mostram que, quando lhes é pedido para prestar atenção e inibir determinados comportamentos, os idosos têm mais dificuldades do que adultos jovens. McDowd e Shaw (2000) solicitaram aos participantes de diferentes idades que inibissem as expressões de manutenção (tipo “né”), produzidas, na maioria das vezes, automaticamente. Os idosos apresentaram muito mais dificuldades em filtrar os sons quando eles recontavam histó-
rias, principalmente quando tinham de executar uma tarefa concorrente. Essa teoria encontra apoio em outras manifestações de falhas sensoriais, cognitivas e pessoais das manifestações dos idosos em sua vida diária. As dificuldades de audição – a presbiacusia – são mais evidentes em situações com interferência de múltiplos ruídos. É freqüente a queixa de familiares ao afirmar que um idoso “não quer ouvir; mas, quando ele presta atenção, ouve bem; quando não presta atenção, ignora e fica no mundo da lua”. Na linguagem, também é bastante divulgada a idéia de que o idoso não consegue manter-se em um mesmo assunto. Suas narrativas mudam de tópico com tanta freqüência que se torna difícil acompanhar seu pensamento. Entretanto, no que se refere às mudanças de tópico, uma outra explicação encontra-se na elaboração de um estilo mais subjetivo (uma discussão mais aprofundada encontra-se no Capítulo 8). Comportamentos prototípicos de idosos, inapropriados socialmente, também têm sido relacionados a uma diminuição da inibição, como, por exemplo, baixa tolerância para com os outros, excesso de expansividade ou de indiscrição. Nesta abordagem, tais comportamentos não decorrem, no envelhecimento normal, de falhas de julgamento de regras sociais, mas de uma superativação descontrolada, o que as diferenciaria das falhas de julgamento da adequação social de pacientes com demência préfrontal (Park, 2000). O problema dessa teoria é que o conceito de processo inibitório é bem-definido e controlado em situações experimentais, mas esse constructo não explica os diferentes mecanismos que podem interferir em atividades cognitivas mais centrais, como linguagem e adequação a regras sociais e morais. Na realidade, apesar da idéia de que falhas inibitórias podem dar conta de uma série de comportamentos encontrados no idoso, existem limitações metodológicas para verificar essa teoria. Os trabalhos experimentais sobre atenção estão bastante distantes da complexidade da situação da vida diária, de forma que, como será visto
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Cognição e Envelhecimento
em capítulos posteriores, outros fatores podem estar influenciando igualmente o comportamento. Este é o caso do estilo mais subjetivo da narrativa do idoso, que, ao inserir maior número de experiências pessoais, dá a falsa impressão de uma linguagem com falhas inibitórias.
Falhas de funções cognitivas relacionadas à ativação do lobo frontal A hipótese do envelhecimento neurocognitivo do lobo frontal postula que, devido ao declínio diferencial do tecido nervoso do lobo frontal em idosos ou, mais especificamente, do córtex pré-frontal, as funções cognitivas correspondentes a essas áreas são mais suscetíveis aos efeitos da idade do que as funções que dependem de áreas posteriores e subcorticais. De acordo com esta hipótese, mais de uma explicação é possível (Band, Ridderinkhof e Segalowitz, 2002). A primeira delas focaliza mudanças estruturais e funcionais do lobo frontal. Ela relaciona o envelhecimento cognitivo e disfunções frontais à ontogênese. Os lobos frontais correspondem às regiões do cérebro humano que mais tardiamente se desenvolvem no indivíduo e que, por essa razão, são as mais vulneráveis ao processo de envelhecimento. Em outras palavras, quanto mais recentes as estruturas em termos de ontogênese, mais especializadas e, portanto, mais sensíveis (Woodruff-Pak, 1997). Outras explicações salientam as possibilidades de anomalias na comunicação axonal em função do decréscimo de mielina, no desenvolvimento de emaranhados neurofibrilares que perturbam as funções celulares, no decréscimo da responsividade a neurotransmissores, nos déficits na atividade metabólica e na redução no número de dendritos e de sinapses (Band et al., 2002). Todavia, o envelhecimento cognitivo não depende totalmente de perda neuronal no córtex frontal, já que existem alterações importantes nos córtices parietal e temporal com
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o avanço da idade. Contudo, de acordo com West (1996), estudos sobre a redução do volume cerebral que ocorre durante o envelhecimento têm apontado que os córtices temporal, parietal e occipital apresentam um grau de redução de aproximadamente 1%. Já as reduções volumétricas do striatum e do córtex préfrontal são de, respectivamente, 8 e de 10-17%. No que tange às alterações cognitivas, há autores que crêem que existe uma relação entre o envelhecimento das funções frontais e o dos sistemas de memória (Parkin, 1997). Perfect (1997) propõe dois tipos de modelos. Os modelos fortes determinam que o envelhecimento da memória pode ser completamente entendido pela deterioração das funções frontais. Os modelos fracos, por sua vez, defendem que os idosos podem apresentar em maior escala déficits em funções frontais do que em funções não-frontais. Existe também a divisão entre modelos locais e globais. Os locais correspondem àqueles segundo os quais os déficits cognitivos específicos surgem com o processo de envelhecimento (como déficit de recuperação, por exemplo), enquanto os modelos globais correspondem àqueles que determinam que todos os processos cognitivos são igualmente afetados pela idade (como todos os processos cognitivos tornarem-se mais lentos, por exemplo). Independentemente do modelo, as medidas obtidas em testes frontais são mais sensíveis ao processo de envelhecimento do que as medidas obtidas em testes não-frontais. O padrão clássico dos efeitos do envelhecimento na memória é justamente o déficit de recordação (Perfect, 1997). Pacientes com disfunções frontais também tendem a apresentar um desempenho empobrecido no que se refere a fazer julgamentos a respeito da fonte de informação e quanto à memória para informação temporal, o mesmo ocorrendo com pacientes idosos. Perfect (1997) menciona ainda que indivíduos idosos, assim como pacientes com disfunções frontais, apresentam problemas na memória para localização espacial e na metamemória. Quanto à primeira, o autor afirma que existem efeitos de idade na localização correta de itens,
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mas salienta que mais estudos são necessários para confirmar essa hipótese. No que tange à segunda, o autor ressalta que ainda existem poucas evidências de que idosos apresentem funções de metamemória empobrecida quando são comparados a jovens. Além disso, acrescenta que déficits nesta função podem ser secundários ao declínio de outros sistemas de memória. Por outro lado, uma análise qualitativa do desempenho em provas de memória tem mostrado que indivíduos com disfunções frontais apresentam um desempenho melhor em tarefas de reconhecimento do que em tarefas de recordação livre. Isso pode ser explicado pela ausência de estratégias de recordação ou pela falta do uso de pistas para recuperação espontânea, o que não ocorre necessariamente em idosos. West (1996) acrescenta pesquisas sobre possíveis relações entre a memória prospectiva e o envelhecimento. A memória prospectiva é também conhecida por memória para atividades diárias. Ela tem sido estudada em laboratórios e em ambientes naturais sob diferentes condições, apesar de o número de pesquisas ainda ser limitado. As variáveis relevantes para a discussão dos efeitos da idade na memória prospectiva incluem o tipo de pista usado para eliciar a ação prospectiva, a complexidade da resposta prospectiva a ser avaliada, o tempo transcorrido entre a instrução prospectiva e a ação e o uso de auxílio externo para a memória. O tipo de pista utilizado para eliciar a ação prospectiva pode assumir duas formas: uma baseada no evento, outra no tempo. Em tarefas de memória prospectiva baseadas no evento, solicita-se ao indivíduo que execute determinada ação como, por exemplo, pressionar um botão em seguida da apresentação ou ocorrência de algum evento (que pode ser uma palavra-alvo em uma série de outras palavras). Já em tarefas de memória prospectiva baseadas no tempo, solicita-se que a ação prospectiva seja efetuada depois de transcorrido determinado período de tempo (maiores detalhes no Capítulo 4). West (1996) afirma que existem estudos apoiando a hipótese de que adultos idosos, quando comparados a adultos jovens, apresentam um desempenho empobrecido nas ta-
refas baseadas no tempo, ao contrário das baseadas no evento. No que tange à complexidade da resposta prospectiva a ser avaliada, o autor menciona um estudo em que jovens e idosos apresentavam um desempenho similar em tarefas com pistas e ações prospectivas simples. Entretanto, quando a tarefa exigia o monitoramento de quatro pistas (maior complexidade), os idosos apresentavam déficits. Quando se considerava o tempo entre a instrução prospectiva e a ação, não foram observadas influências no desempenho da ação prospectiva, e não se constatou interação entre o atraso e a idade. O autor acrescenta que este mesmo padrão de resultados tem sido observado em estudos naturalísticos, que incluem intervalos de muitos dias. Por fim, quanto ao uso de auxílios externos para a memória, pesquisas têm apontado que o uso destes recursos melhora o desempenho de adultos jovens e de idosos. Outra hipótese postula que o envelhecimento afeta de maneiras diferentes as regiões do córtex pré-frontal. MacPherson, Phillips e Della Sala (2002) realizaram um estudo comparando os efeitos da idade nas regiões préfrontais, dorsolaterais e ventromediais em jovens, adultos de meia-idade e idosos. Entre os resultados, os autores mencionam o fato de que, nos três testes utilizados para avaliação das regiões dorsolaterais, houve efeito de idade. Todavia, em apenas um dos três testes que avalia as áreas ventromediais observou-se tal resultado. Os autores concluíram que as funções dorsolaterais são mais sensíveis ao processo de envelhecimento normal do que as funções ventromediais. Em contrapartida, Lamar e Resnick (2004) realizaram um estudo comparando as funções dos córtices orbitofrontal e dorsolateral de jovens e de idosos. Entre os resultados, as autoras mencionam que as tarefas que requerem processamento orbitofrontal foram mais sensíveis ao envelhecimento do que as tarefas que acionam as funções dorsolaterais. Outro aspecto a ser salientado quanto ao processo de envelhecimento e sua interferência nos lobos frontais é o de que existe uma distinção entre duas formas de função frontal: flexibilidade reativa e flexibilidade espontânea (Parkin, 1997). A flexibilidade reativa é de-
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finida como um estado de prontidão para alterar livremente o comportamento e a cognição em resposta a demandas de situações externas. Um dos exemplos possíveis é referente ao Wisconsin Card Sorting Test, em que os indivíduos precisam alterar seu padrão de respostas de acordo com as instruções do teste. A flexibilidade espontânea, por sua vez, diz respeito a um fluxo de respostas e idéias para determinadas questões. Esta é tipicamente medida por tarefas de fluência verbal, em que os participantes são levados a pensar de maneira divergente. Os dois tipos de testes aplicados a um grupo de pacientes neurológicos foram associados com diferentes lesões subjacentes, o que suporta a existência de ambos os tipos de flexibilidade. Portanto, de acordo com Parkin (1997), três aspectos importantes a respeito das relações entre lobo frontal e envelhecimento devem ser ratificados: 1. O envelhecimento normal resulta em um padrão de declínio cognitivo que reflete a perda das funções associadas ao córtex frontal. 2. O declínio funcional não envolve uma única função frontal e é mais adequadamente caracterizado em termos de uma dicotomia entre testes de flexibilidade reativa e flexibilidade espontânea. 3. O déficit de memória relacionado à idade parece estar associado ao declínio das funções frontais, conforme indicado pela associação entre certas medidas de funções de memória e aspectos do funcionamento frontal.
ABORDAGENS QUE CONSIDERAM OS MECANISMOS DE GANHOS E PERDAS A idéia de que, durante o envelhecimento, existem ganhos não é assim tão recente como se imagina. Ela é encontrada na crença de que o idoso desenvolve, com a idade, a sabedoria, novas estratégias e um raciocínio mais ponderado.
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Os trabalhos científicos que defendem essa idéia já aparecem há 30 anos. É importante lembrar que os postulados que tiveram impacto ao relatar os ganhos no envelhecimento baseiam-se no fato de que perdas ocorrem desde o nascimento. Nesta época, observa-se perda neural (em número importante no próprio nascimento), assim como perdas cognitivas. Portanto, no percurso da vida, o desenvolvimento representa uma proporção estabelecida entre perdas, ganhos e funções mantidas. Isso forma um quadro complexo de interações entre as diferentes funções cognitivas, que muitas vezes é esquecido quando o foco é somente a idade mais avançada. Dixon (1999) realizou um levantamento das questões e das teorias que envolvem ganhos durante o envelhecimento. Primeiramente, o autor observou que, apesar de o conceito de ganho tradicional e dicionarizado designarem o que é adquirido ou conseguido através de esforço, no contexto dos estudos cognitivos sobre envelhecimento, seu significado é bem mais abrangente. A palavra “ganho” assume pelo menos quatro conotações: um ganho pode ser uma função cognitiva que 1. melhora com a idade; 2. mantém-se, apesar do envelhecimento; 3. tem um pequeno declínio se comparada com outra; 4. forma-se a partir de novas estratégias cognitivas para suprir dificuldades em outras funções. Assim, é importante observar que quase todas as teorias sobre ganhos consideram também as perdas. Elas são mais otimistas do que as teorias que focalizam apenas perdas, apresentando, na maioria das vezes, um otimismo consciente da necessidade de um equilíbrio entre perdas e ganhos. Dixon (1999) analisou quatro manuais sobre envelhecimento destinados a alunos graduandos em psicologia. Ele verificou se o foco dos estudos encontrava-se nos ganhos ou nas perdas. O critério de escolha desses manuais foi uma publicação recente que contivesse um ou mais pesquisadores reconhecidos na área do envelhecimento.
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Em termos de número de páginas dedicadas aos ganhos e às perdas, esses quatro manuais possuíam mais referências aos primeiros do que às últimas. Os ganhos descritos são: operações pós-formais, pensamento dialético e realístico, sabedoria, criatividade e expertise. Apesar de alguns manuais deixarem a discussão entre ganhos e perdas em segundo plano, Dixon (1999) concluiu que os autores ou os editores deliberadamente adotam uma perspectiva otimista para a formação de psicólogos. Dixon (1999) realizou uma boa classificação das diferentes posturas em relação aos ganhos durante o desenvolvimento (Quadro 2.1). Ele considera três grandes posturas teóricas que
englobam diferentes teorias. Uma postura denominada “ganhos como ganhos” é oriunda dos estudos neopiagetianos das operações pós-formais e dos estudos sobre a inteligência na fase adulta, que observam o desenvolvimento da sabedoria. Outra postura é denominada “ganhos como perdas em menor magnitude”. Ela tem um caráter consolador e manifesta-se em três posições que se diferem sutilmente. Uma valoriza uma idade mais avançada para que ocorram reais perdas; outra acredita em uma adaptação individual às suas limitações; a última prevê que o ambiente seja capaz de suprir as dificuldades dos idosos. A terceira postura denominada “ganhos em função de per-
QUADRO 2.1 Classificação de Dixon (1999) das teorias de perdas e ganhos Posturas
Conceito
Equilíbrio entre perdas e ganhos
Foco das teorias
Ganhos como ganhos
Existem ganhos que evoluem durante o envelhecimento, independentemente das perdas.
Ausente. Não mencionam perdas. A perda é negada: ela não vai me ocorrer.
1. Operações pós-formais. 2. Sabedoria.
Ganhos como perdas em menor magnitude
1. As perdas ocorrem bem mais tarde. 2. Nem sempre acontecem em todas funções. 3. Ocorrem em um nível bem menos amedrontador do que o predito. 4. Ocorrem em um grau que não afeta a vida diária.
As perdas são consideradas, mas de forma minimizada. Existe um sentimento de consolação.
1. Os ganhos como perdas ocorrem mais tarde, informalmente ou de forma menos universal do que se esperava. 2. Os ganhos como perdas podem ser acomodados. 3. Ganhos em função de um ambiente que supre as dificuldades.
Os ganhos, ou ganhos aparentes, estão relacionados às perdas.
1. Os ganhos ocorrem para compensar as perdas. 2. Os ganhos ocorrem devido às perdas.
1. Ganhos em função das perdas cerebrais. 2. Ganhos em função de dificuldades orgânicas. 3. Ganhos em habilidades substitutas. 4. Ganhos via contextos colaborativos.
Ganhos em função de perdas
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das”, mais realista, trabalha com o equilíbrio entre perdas e ganhos. Como mostra a o Quadro 2.1, ela propõe a existência de ganhos em níveis orgânicos e cognitivos, assim como em habilidades substitutas e em contextos colaborativos. O aporte teórico dessas posturas é descrito a seguir, de forma um pouco mais detalhada.
Ganhos como ganhos Esta visão é a mais otimista a respeito do envelhecimento. Ela tem por objetivo encontrar quais funções tornam-se mais desenvolvidas com a experiência ao longo da vida. Uma de suas correntes tem um forte apoio teórico da teoria neopiagetiana e pouca investigação empírica; a outra, ao contrário, surge de pesquisas sobre crenças a respeito do envelhecer. Seus seguidores são unânimes em afirmar que o desenvolvimento não é contrário ao envelhecimento, no sentido de que uma teoria do desenvolvimento não deve focalizar apenas a noção de crescimento, mas também a noção de mudanças que ocorrem em qualquer período da vida.
Operações pós-formais O estágio de operações formais ocorre na adolescência e no início da vida adulta e refere-se aos pensamentos lógico e abstrato, necessários para a resolução de problemas complexos. Por outro lado, um estágio pós-formal ocorre na idade adulta e constitui o conhecimento das operações gerais das regras de uma operação (ou atividade), filtrando-as de acordo com determinada realidade e característica pessoal. Assim, ele ultrapassa o raciocínio lógico, buscando maior eficácia em um estilo pessoal. Suas operações incluem a avaliação e o monitoramento de quando e onde deve ser empregada determinada análise lógica. Segundo Sinnott (1996, em Dixon, 1999), são operações pós-formais: a “habilidade de falar na linguagem de outra pessoa”, a “adaptação às crenças do outro”, a “melhor comunicação” e a “habilidade de argumentação”.
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Apesar de essa abordagem possuir uma teoria forte, ainda existem poucas investigações empíricas. É preciso provar se os mecanismos das idades avançadas podem ser explicados da mesma forma como os de idades iniciais. Em outras palavras, será preciso verificar se esses mecanismos são afetados ou não pelas mudanças normais em idades mais avançadas, como falhas sensoriais e freqüência de distúrbios de saúde, notadamente os neurológicos.
Sabedoria A idéia de que o idoso tem mais sabedoria é confirmada pelos trabalhos científicos que focalizam crenças sobre envelhecimento e definições do senso comum sobre sabedoria (Berg e Stenberg, 1992; Heckhausen, Dixon e Baltes, 1989). Nesta perspectiva, a sabedoria aumenta com o envelhecimento, uma melhora considerada como independente do declínio ou da manutenção das demais funções cognitivas. Em termos amplos, a sabedoria não é totalmente diferente do estágio pós-formal, pois ela enfatiza que a expertise promove melhores estilos de execução. Esta concepção tem o apoio de trabalhos robustos sobre o desenvolvimento do conhecimento e da expertise na idade adulta e no envelhecimento. Um conhecido princípio da expertise é a prática e o domínio de um assunto. Os trabalhos que salientam o aumento da sabedoria diferem-se dos que salientam os estágios pós-operatórios por darem uma forte ênfase à melhora de qualidade e por terem como base dados empíricos. Entretanto, ainda não está claro como caracterizar a sabedoria como um processo do desenvolvimento. Ou seja, é preciso saber como ela evolui desde a fase adulta até o envelhecimento, quais são suas limitações e quais as condições para seu desenvolvimento.
Ganhos como perdas em menor magnitude Esta perspectiva tem uma atitude um tanto consoladora, do tipo: “na pior das hipóteses, as perdas não são tão dramáticas e ocor-
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rem muito mais tarde do que se pensa”. Apesar de não ser a priori uma atitude do pesquisador, ela surge de resultados de pesquisas e de suas discussões. Ela é mais freqüente em pesquisas que encontram grande variabilidade nas perdas e nas que são encontradas apenas em longevos. Outras formas de minimizar as perdas são mudanças de atitudes do meio ambiente. Por exemplo, o ajustamento dos objetivos de vida às incapacidades ou a construção de meios paliativos para que a pessoa, que percebe ter um declínio cognitivo, possa sentir-se valorizada ou gratificada. Já em 1983, Skiner propôs um método para que o ambiente pudesse compensar as dificuldades. Para esse autor, sendo inevitável o declínio, é preciso criar “ambientes protéticos” onde os comportamentos produtivos de idosos recebam reforço. Apesar de não ser uma abordagem a priori, nem ter origem em uma forte teoria de desenvolvimento, postular ganhos com perda em menor magnitude tem sido uma atitude freqüente entre pesquisadores e estudiosos do envelhecimento. Isso porque ela enfatiza a diversidade na evolução das diferentes funções cognitivas e, também, se preocupa com que a adaptação do idoso em seu meio seja realizada da forma mais prazerosa possível.
Ganhos em função de perdas A noção de que possam ser desenvolvidas algumas funções (ganhos) ou estratégias cognitivas a partir de perdas é bastante conhecida em terapias com lesados cerebrais. Tais ganhos são desenvolvidos para suprir as dificuldades que surgem repentinamente, no caso de uma lesão súbita, ou gradativamente, no caso de processos demenciais. No envelhecimento normal, também tem sido uma abordagem adotada no dia-a-dia, em formas de compensação como, por exemplo, a utilização de agendas, os mais diferentes apoios escritos, desenvolvimento de imagens visuais para lembrar nomes, etc. A abordagem “ganhos em função de perdas” focaliza ganhos específicos, o que difere
de uma atitude compensatória genérica da abordagem anterior. A compensação nos ganhos em função de perdas refere-se a processos cognitivos baseados nas habilidades disponíveis que reduzem a diferença entre suas capacidades e as demandas do meio ambiente. Neste contexto, o termo “ganho” refere-se a uma nova aquisição ou a uma diferente forma de desenvolver determinada tarefa. Os ganhos em função de perdas podem ocorrer em níveis orgânicos ou cognitivos. No nível orgânico, pode ocorrer o fenômeno de plasticidade, ou seja, áreas cerebrais assumirem funções de outras áreas lesadas ou ineficazes. As manifestações da plasticidade neuronal já são bem conhecidas na neuropsicologia. Os estudos com PET têm confirmado que outras lesões podem assumir funções reabilitadas de áreas lesadas (Buckner et al., 1996). No nível cognitivo, são bastante conhecidas as estratégias de compensação, como, por exemplo, o treino em elaborar imagens visuais associativas para melhorar a evocação de certas palavras. Neste caso, são novas técnicas para desempenhar tarefas antigas. Também em nível cognitivo, encontra-se o desenvolvimento da expertise, que evolui com a idade. De forma semelhante aos que perdem uma capacidade seletiva, os expertos desenvolvem novas formas de realizar tarefas conhecidas. Muitas vezes, essas soluções englobam a presença de conhecimentos ou de processos mais centrais ligados ao significado. Um exemplo disso é a rapidez de digitadores mais velhos. Apesar das dificuldades motoras, quando familiarizados com o texto, eles possuem maior possibilidade de planejamento e de previsão dos movimentos subseqüentes, o que diminui o tempo gasto ao digitar. Uma outra forma de ganhos em função de perdas é a formação de ambientes colaborativos. Esta está relacionada a tarefas de linguagem e de comunicação. O interlocutor, ao ver dificuldades em seu parceiro, como dificuldades em lembrar uma palavra, pode dar pistas ou promover a interação dialógica. No caso de fala fluente não-significativa, um diálogo pode aprofundar o significado do que o idoso está dizendo. Essa interação também pode auxiliar
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nas dificuldades em se manter em um mesmo tópico (Dixon, 1999). Um ambiente cooperativo informatizado foi proposto por Parente e colaboradores (2004), com a finalidade de favorecer pacientes com Alzheimer. Os autores aproveitaram a interação possibilitada pelo computador e pela apresentação em hipertexto. Na apresentação em hipertexto, os participantes podiam escolher uma entre três alternativas para dar continuidade à história. Pacientes com Alzheimer mostraram uma melhora bastante evidente quando a leitura era realizada pela estrutura do hipertexto. Para eles, a tarefa era bastante difícil. Assim, as alternativas auxiliaram a estabelecer o significado da narrativa, o que melhorou a memória de longo prazo de tipo semântica. Observa-se, portanto, que ambientes colaborativos podem auxiliar dificuldades de memória, mas devem ser adaptados ao nível do indivíduo, e a sua ajuda é mais evidente quando ele auxilia o paciente a elaborar o significado da mensagem. Ao ser comparada com as demais abordagens que englobam perdas e ganhos, os “ganhos em função de perdas” é a linha que tem maiores critérios científicos, uma vez que é realizada uma minuciosa análise de tarefas. Porém, ainda faltam pesquisas que confirmem se um determinado ganho é, de fato, decorrente da perda em questão.
CONCLUSÃO As grandes teorias que tentam explicar as causas do declínio cognitivo têm muitas intersecções, ou seja, na realidade elas não apresentam grandes diferenças entre si. Na prática, os processamentos valorizados de uma teoria ocorrem concomitantemente com os de outra. Por exemplo, as dificuldades de memória de trabalho também são evidenciadas na abordagem que propõe a existência de capacidade limitada de processamento e na que propõe uma falha de inibição. Essas funções dependem, por sua vez, da integridade do lobo pré-frontal. As teorias que englobam perdas e ganhos, por sua vez, são mais realísticas e conseguem
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abordar a complexidade do envelhecimento cognitivo. Por serem recentes, faltam ainda mais trabalhos de comprovação de suas teorias, como no caso da abordagem “ganhos como ganhos” e na abordagem “ganhos como perdas em menor magnitude”. A proposta de “ganhos em função de perdas” parece ser a mais promissora devido a dois aspectos: ela acredita na capacidade dos idosos em elaborar novas estratégias adaptativas às suas dificuldades e permite elaborar um programa de intervenção para o declínio cognitivo patológico.
LEITURAS SUGERIDAS Park, D.; Schwarz, N. (1997) Cognitive aging. Philadelphia, PA: Psychology Press. Heckhausen, J.; Dixon, R. A.; Baltes, P. B. (1989). Gains and louses in development throughout adulthood as perceived by different adult age groups. Developmental Psychology, 25, 109-121. Craik, F. I. M.; Salthouse T. A (2000) The Handbook of aging and Cognition. Mahwah: NJ: Lawrence Erlbaum.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Qual o tipo de questionamento que resulta nos estudos a respeito das teorias abrangentes sobre o envelhecimento cognitivo? 2. Quais métodos são utilizados para esses estudos? 3. A partir de qual tipo de pesquisa surgiu a teoria sobre o envelhecimento como um déficit de inteligência fluida? 4. Quais evidências apóiam a teoria de velocidade de processamento? 5. Como é considerado o mecanismo da memória na teoria de limite de capacidade limitada de recursos? 6. Como a teoria sobre dificuldade de memória de trabalho interseccionase com as demais teorias sobre o envelhecimento? 7. Quais as vantagens das teorias que consideram perdas e ganhos?
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8. Explique as diferenças entre as três abordagens que consideram os mecanismos de ganhos e perdas.
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3 Bases biológicas do envelhecimento cognitivo Christian Kieling Artur Schuh Renata Rocha F. Gonçalves Márcia Lorena Fagundes Chaves
CONCEITOS TRABALHADOS
tendo as informações necessárias para a síntese de proteínas (enzimas, por exemplo).
Ácidos graxos insaturados: moléculas lipídicas com duplas ligações entre carbonos, altamente suscetíveis a lesões por espécies reativas de oxigênio.
Radicais livres: termo genérico para entidades químicas com configuração eletrônica instável que reagem com qualquer molécula com que entrem em contato, roubando elétrons e causando alterações morfológicas que determinam anormalidades funcionais.
Antioxidantes: substâncias de origem endógena (enzimas como superóxido dismutase e glutationa peroxidase) ou exógena (como vitamina C, vitamina E, betacaroteno) que combatem os efeitos de radicais livres ao doar elétrons para compostos oxidantes, neutralizando, assim, o estresse oxidativo provocado pelo aumento na concentração de radicais livres no organismo. Apoptose: mecanismo de morte celular ordenada, geneticamente programada, fundamental à regulação fisiológica dos tecidos por meio da eliminação seletiva de células indesejáveis, com perturbação mínima às células adjacentes e ao organismo hospedeiro. Citocinas: moléculas peptídicas responsáveis pela comunicação entre as células, envolvidas sobretudo em processos inflamatórios. DNA: molécula em fita dupla, construída a partir de quatro nucleotídeos (A, T, C e G), con-
Gene: seqüência do genoma de um ser vivo que é expressa, ou seja, que fornece informações para a estrutura de uma determinada proteína ou de um segmento de RNA. Glia: células originalmente descritas como tendo por função a manutenção dos neurônios, funcionando como arcabouço morfológico e desempenhando as funções de proteção e nutrição; hoje, são reconhecidas como possuidoras também de alguma função na modulação da transmissão sináptica. Mitocôndria: organela que está presente no interior de células e que guarda toda a maquinaria enzimática responsável pelo processo de respiração celular. Mitose: processo de divisão celular que ocorre em todas as células somáticas (diferentemente da meiose, que só ocorre em células germi-
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nativas), resultando em duas células-filhas, cada uma com cromossomas e genes idênticos aos da célula-mãe. Polimorfismo: variações genéticas na seqüência de DNA presentes em mais de 1% da população, as quais podem estar relacionadas a maior ou menor suscetibilidade do indivíduo a determinada característica ou patologia. Sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático): sistema involuntário responsável pela regulação de processos vegetativos e suas relações com o ambiente.
INTRODUÇÃO O envelhecimento pode ser definido, em termos biológicos, como um declínio na habilidade de um organismo em responder a estímulos estressores, levando a uma disfunção na homeostasia e a um aumento na incidência de doenças (Carey, 2003). Quanto ao envelhecimento cognitivo especificamente, sabe-se que a espécie humana compartilha com a maioria dos mamíferos padrões determinados de envelhecimento cerebral, que incluem a atrofia de grupos neuronais, a redução da atividade sináptica, o aumento da atividade glial, a diminuição de determinados grupos de receptores e o acúmulo de produtos metabólicos. A multiplicidade dos fenômenos associados ao envelhecimento tem levado pesquisadores a investigar não apenas uma causa isolada, como, por exemplo, um gene responsável pela senilidade, mas a gênese de um processo considerado como o resultado de um somatório de fatores que interagem em diferentes planos, desde a biologia molecular até os sistemas reguladores (Franceschi et al., 2000). A presença mais atenuada, durante o envelhecimento normal, de mecanismos patogênicos sabidamente envolvidos em doenças neurodegenerativas tem guiado grande parte dos estudos na área. Entre tais mecanismos, podemos citar o aumento dos radicais livres, o prejuízo no metabolismo energético, a perturbação na homeostase do Ca2+ intracelular,
bem como os processos inflamatórios. Além disso, a pesquisa atual sobre o envelhecimento neuronal tem procurado definir em que medida fatores genéticos (como o alelo 4 da apolipoproteína E – APOEε4 – associado ao aumento do risco para demências) e ambientais (como atividade física, dieta e estímulo cognitivo) modulam a atividade celular e alteram as chances de degeneração neuronal (Verkhratsky, Mattson e Toescu, 2004). O estudo das diferentes doenças neurodegenerativas tem provocado uma redefinição da classificação dos diferentes subtipos. Novos conhecimentos têm proporcionado agrupamentos que levam em consideração aspectos da fisiopatologia e até mesmo da etiologia das diferentes condições, e não apenas o quadro clínico. Conseqüentemente, a doença de Parkinson e a demência de corpos de Lewy, caracterizadas pela deposição da molécula αsinucleína no sistema nervoso central, passaram a ser chamadas de sinucleinopatias. Já a demência frontotemporal e a paralisia supranuclear progressiva, nas quais ocorre acúmulo intracelular de filamentos anormais da proteína tau, são denominadas taupatias. A demência do tipo Alzheimer é uma amiloidopatia (assim como outras encefalopatias infecciosas) associada a uma taupatia (Ritchie e Lovestone, 2002). Sendo um processo dinâmico e multifatorial, o estudo do envelhecimento abarca um vasto campo de pesquisa em constante modificação. Muitas teorias têm sido propostas para explicar como e por que envelhecemos; no entanto, todas elas, quando analisadas individualmente, mostram-se incompletas. A integração desses conhecimentos, ainda que difícil, revela-se fundamental para a melhor compreensão dos eventos subjacentes ao envelhecimento (Weinert e Timiras, 2003). Assim, é possível fazer uma distinção – embora de modo apenas esquemático – entre as duas grandes vertentes teóricas atuais: de um lado, teorias que propõem uma programação interna, reguladora do processo de envelhecimento; de outro, teorias que consideram o envelhecimento como a resultante de um acúmulo gradual
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de erros e danos gerados a partir do ambiente. Alternativamente, essas teorias podem ser agrupadas a partir do nível de organização enfocado, destacando diferentes mecanismos envolvidos no envelhecimento desde o nível molecular até o sistêmico (Franceschi et al., 2000). Neste capítulo, será apresentado um breve resumo das bases biológicas do processo de envelhecimento cognitivo sob três enfoques: molecular, celular e sistêmico. Além disso, serão abordados alguns aspectos neuroquímicos do envelhecimento, devido à relevância do papel de neurotransmissores e neuromoduladores no cenário da pesquisa neurobiológica. De modo geral, sustenta-se que as modificações cognitivas associadas ao envelhecimento são, ao menos parcialmente, o produto de alterações cerebrais regionais que comprometem determinados sistemas neurotransmissores. Também merecem atenção os estudos cujos resultados sugerem uma queda na conectividade neuronal ao longo do curso da vida (Terry e Katzman, 2001). Durante o envelhecimento não-patológico também se observa uma diminuição de sinapses neocorticais, evento que se inicia já por volta da segunda década de vida (Masliah et al., 1993). No entanto, a implicação dessas observações na diferenciação entre o envelhecimento normal e o patológico ainda é incerta. A neurociência cognitiva do envelhecimento humano deve muito ao desenvolvimento das modernas técnicas de neuroimagem, as quais permitem a avaliação do cérebro não apenas em termos estruturais, mas também a partir de uma perspectiva funcional (Kosik, 2003; Hedden e Gabrieli, 2004). Estudos sugerem que a diminuição do volume da substância cinzenta (corpos neuronais) observada em cérebros de indivíduos mais velhos (Resnick et al., 2003; West, 1996) não parece resultar da morte celular, mas da queda na densidade sináptica (Terry, 2000). Além disso, já se sabe que as alterações observadas em um cérebro senescente não ocorrem de modo uniforme em todo o encéfalo, existindo algumas regiões mais afetadas do que outras, como
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é o caso das estruturas mediais temporais e do córtex pré-frontal. Áreas como o córtex occipital, em contrapartida, permanecem relativamente intactas. (Resnick et al., 2003; West, 1996) O sistema frontoestriatal, um dos mais afetados pelo processo de envelhecimento, é composto pelos lobos frontais e pelos núcleos da base, sendo que as alterações que acometem essas estruturas cerebrais parecem afetar alguns neurotransmissores. Alguns estudos mostram que há uma diminuição volumétrica dessas estruturas de até 5%, sendo o estriado, responsável por grande produção de dopamina, uma das áreas mais afetadas (Volkow et al., 1996). A restrição dopaminérgica, observada na doença de Parkinson (Quadro 3.1), pode servir de modelo para as alterações frontoestriatais observadas no envelhecimento normal. Acredita-se que uma queda na velocidade de processamento, em particular pela limitação da memória operante, resulte em déficits na memória estratégica. Nesse sentido, as dificuldades de memória observadas em portadores da doença de Parkinson são semelhantes àquelas presentes em pacientes com síndromes frontais (Gabrieli, 1996). Alterações relacionadas à idade na concentração de dopamina, na disponibilidade de seu transportador e na densidade de seus receptores foram associadas a declínios cognitivos, estando correlacionadas com um maior número de erros perseverativos no Wisconsin Card Sorting Test (Raz et al., 1998). Cabe ressaltar, entretanto, que tais quadros de disfunção executiva também podem estar presentes em outras patologias como, por exemplo, em demências frontotemporais, como a doença de Pick (Quadro 3.2). A proposta de inserção de um capítulo sobre as bases biológicas do envelhecimento tem, neste livro, acima de tudo, uma intenção de aproximar conhecimentos que, embora intimamente relacionados, muitas vezes pouco interagem. De forma alguma se pretende que as informações aqui contidas sejam mais do que uma breve introdução.
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QUADRO 3.1 Doença de Parkinson A doença de Parkinson foi estabelecida como entidade nosológica a partir de 1817, com a publicação do trabalho de James Parkinson, An Essay on the Shaking Palsy. Acomete geralmente indivíduos acima de 60 anos e não tem predileção por grupos étnicos ou classes sociais. Clinicamente, é caracterizada por rigidez muscular e tremor de repouso, de início assimétrico, evoluindo para o acometimento dos quatro membros. Associado a isso, observam-se lentificação dos movimentos (bradicinesia), alterações da marcha e diminuição da expressão da mímica facial. Na década de 1960, com o reconhecimento da levodopa (substância precursora da dopamina) como medicação eficaz para o controle da doença, avançou-se muito no entendimento da fisiopatologia dessa condição. A doença de Parkinson é causada por um processo neurodegenerativo, semelhante ao que ocorre na demência do tipo Alzheimer, porém com preferência por uma área específica do encéfalo: a substância negra. Essa região é rica em neurônios dopaminérgicos e participa diretamente da regulação da execução dos movimentos. Recentemente descobriu-se que, além da degeneração dopaminérgica, há degeneração de outros sistemas neurotransmissores, como o colinérgico e o adrenérgico. O processo de neurodegeneração da doença de Parkinson ainda é pouco conhecido, mas já há a identificação de um processo patológico que pode explicar esse fenômeno: trata-se do depósito neuronal de uma proteína anormal, a sinucleína. De fato, para várias formas da doença de Parkinson já se encontraram mutações em genes que codificam essa proteína. Entretanto, a causa última para essa degeneração ainda não é conhecida. Especula-se que toxinas ambientais, alterações inflamatórias e mecanismos genéticos possam ter um papel importante nesse processo. Aproximadamente 40% dos pacientes com doença de Parkinson vão apresentar sintomas demenciais. Devido a essa grande incidência, pode-se considerar que demência também seja um sintoma típico dessa enfermidade. A demência da doença de Parkinson é caracterizada por diminuição da memória, atenção, função executiva e visuoespacial, bem como alterações da personalidade e transtornos comportamentais. Acredita-se que a degeneração dopaminérgica em si não seja a causa direta desse quadro, mas sim as degenerações colinérgica e adrenérgica que também são observadas nesses pacientes.
QUADRO 3.2 Doença de Pick A doença de Pick faz parte de um grupo de demências chamado frontotemporais (DFT), juntamente com a degeneração do lobo frontal e a demência associada à doença do neurônio motor (esclerose lateral amiotrófica). As DFTs apresentam quadro clínico característico, com alterações precoces de personalidade e de comportamento, além de distúrbios de linguagem, de início insidioso e caráter progressivo. Os sintomas comportamentais (isolamento, apatia, desinibição, impulsividade, irritabilidade, inflexibilidade, hiperoralidade e descuido com a higiene pessoal) podem preceder as alterações intelectuais, e alguns testes neuropsicológicos de rastreio, como o miniexame do estado mental, podem estar normais no início, alterando-se com a evolução da doença. Os pacientes com DFT apresentam, ao exame neurológico, reflexos primitivos, em especial sinais de frontalização (reflexos de preensão palmar, sucção e projeção tônica dos lábios). Eventualmente podem apresentar sinais parkinsonianos, particularmente evidentes em alguns casos de ocorrência familiar ligada ao cromossoma 17. Confusões podem ocorrer em relação ao termo “doença de Pick”, dado que o mesmo pode abranger tanto os achados histopatológicos dos corpos de Pick quanto a síndrome clínica. Tenta-se evitar tal confusão taxonômica pela introdução do termo “doença de corpos de Pick” para designar pacientes com estruturas específicas na coloração por prata. No mesmo sentido, o termo “síndrome de Pick” ficaria reservado para as situações em que a clínica for compatível com a clássica definição de perdas cognitivas. No que diz respeito à morfologia, o cérebro mostra uma atrofia proeminente, por vezes assimétrica, dos lobos frontal e temporal, com preservação das porções posteriores do giro temporal superior e envolvimento apenas raro dos lobos parietal e occipital. Tal padrão de atrofia lobar muitas vezes é proeminente o suficiente para distinguir a doença de Pick da doença de Alzheimer ao exame macroscópico.
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TEORIAS SOBRE ENVELHECIMENTO Teorias moleculares Dentro desse grupo, enquadram-se teorias que partem de análises genéticas para explicar o envelhecimento, admitindo como mecanismo subjacente alterações na expressão gênica, pela supressão e/ou da expressão de genes que até então apresentavam outro padrão de manifestação. Até hoje, não foram identificados genes responsáveis diretamente pelo envelhecimento; o que a maioria das pesquisas tem demonstrado são diferentes genes cujo padrão de expressão revela-se alterado durante o curso do envelhecimento, tendo sua atividade reduzida ou ampliada (Greenwood e Parasuraman, 2003; Vijg e Calder, 2004; Weindruch, Kayo, Lee e Prolla, 2002). Somase a essa complexidade o fato de que as alterações cognitivas do envelhecimento não-patológico são propriedades contínuas, as quais seriam influenciadas por uma porção de genes de pequeno poder (efeitos poligênicos) e por alguns genes, ainda desconhecidos, de maior poder (efeitos oligogênicos) (Deary et al., 2004). Até o presente momento, um dos poucos achados significativos provém de um estudo de agregação familiar que, ao investigar a longevidade em 308 indivíduos centenários de 137 famílias, identificou uma região do cromossoma 4 que estaria relacionada à longevidade (Puca et al., 2001). Além da dificuldade para encontrar genes específicos envolvidos no processo de envelhecimento cognitivo, novos obstáculos surgem à medida que os conhecimentos em genética avançam. Há de se considerar todo tipo de interações, tanto aquelas entre genes e ambiente quanto aquelas entre os diferentes genes. Um exemplo, repetidamente citado na literatura, é o de um polimorfismo do gene para a enzima monoaminoxidase A (MAOA), envolvida no metabolismo de neurotransmissores, que, ao interagir com eventos de maus-tratos na infância, potencializa o desencadeamento de formas de comportamento anti-social na idade adulta. Assim, crianças com histórico de maus-tratos cujo genótipo favorecia uma expressão elevada da MAOA mostraram-se menos propen-
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sas a desenvolver atitudes anti-sociais. (Caspi et al., 2002) A capacidade cognitiva é considerada um atributo estável que sofre mediação substancial de fatores genéticos; já as diferenças particulares nas trajetórias cognitivas dos indivíduos ao longo dos anos parecem ser mais influenciadas por fatores ambientais (Bodles e Barger, 2004; Finch, 1976). Sabe-se, hoje, que o processo de envelhecimento torna-se mais evidente justamente naqueles indivíduos com menor capacidade cognitiva, seja por uma capacidade basal reduzida, seja por um declínio mais acentuado na trajetória. Em adultos, sugere-se que fatores genéticos sejam responsáveis por 50% da variância da capacidade cognitiva (Plomin, 2001); estudos com gêmeos com idades próximas a 80 anos encontraram uma contribuição genética superior a 70% na determinação da capacidade cognitiva geral (Plomin e Spinath, 2002). A extensa participação dos genes na cognição, sugerida por esses estudos, pode ser encarada a partir de, pelo menos, duas premissas: assim como há genes que contribuem para a capacidade cognitiva individual, existem genes que regulam o processo de envelhecimento cognitivo. Para cada gene do genoma humano, há dois alelos (ou duas cópias): um recebido por herança materna e outro, paterna. Sabe-se hoje que 99,9% do genoma de todos os seres humanos é idêntico. No 0,1% restante, os genes que apresentam variações alélicas na população com freqüência superior a 1% são denominados polimórficos. O tipo mais comum de polimorfismo é a substituição de apenas um nucleotídeo, mutação esta conhecida como SNP (do inglês, single nucleotide polymorphism). O estudo desses pontos de variação levou a importantes avanços na investigação das bases moleculares subjacentes a doenças neurodegenerativas como, por exemplo, a demência do tipo Alzheimer (Quadro 3.3). Os portadores do alelo ε4 do gene para a apolipoproteína E (APOE) têm maiores chances de desenvolver essa forma de demência (Farrer et al., 1997; Smith, 2002). Cabe ressaltar, no entanto, que a ocorrência da variante ε4 do gene APOE constitui apenas um fator de risco, e não uma causa determinante para demência do tipo
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QUADRO 3.3 Demência do tipo Alzheimer A demência do tipo Alzheimer (DTA) é a mais conhecida e prevalente das formas de demência. Mesmo com o crescente conhecimento acerca dos demais tipos de demência (vascular, frontotemporal, etc.), ela ainda ocupa lugar de destaque entre as doenças neurodegenerativas. Alois Alzheimer, em 1907, já descrevera praticamente tudo o que se conhece atualmente em termos de neuropatologia da DTA. Os avanços na área da biologia molecular das últimas décadas possibilitaram uma melhor compreensão dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos nessa forma de demência. Os eventos precedentes, que compõem a etiopatogenia da doença, entretanto, permanecem obscuros. Apesar do desconhecimento acerca de sua etiologia, parece cada vez mais claro que deva existir uma cascata de alterações que levam a eventos comuns, tais como atrofia cortical (particularmente nos córtices límbico e associativo) e aumento no volume dos ventrículos cerebrais. Microscopicamente, os achados característicos são a perda neuronal (sobretudo de células piramidais) e a presença de emaranhados neurofibrilares e depósitos amilóides cercados por reatividade glial. Tais alterações, contudo, não são específicas da demência do tipo Alzheimer, sendo observadas também em indivíduos saudáveis acima dos 60 anos, o que complica a distinção entre normal e patológico. A despeito de o diagnóstico definitivo da demência do tipo Alzheimer exigir o exame do tecido cerebral por biópsia ou necropsia, um diagnóstico bastante acurado pode ser realizado através da aplicação de critérios clínicos específicos. De especial relevância é a exclusão das demais possíveis causas de um quadro demencial, algumas delas até mesmo reversíveis (hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12, por exemplo). O emprego de inibidores da enzima acetilcolinesterase (enzima que degrada a acetilcolina), com objetivo de aumentar os níveis do neurotransmissor no espaço sináptico, tem uma eficácia limitada no tratamento dos sintomas decorrentes dos déficits cognitivos. Outros transtornos neuropsiquiátricos, como a depressão, também podem estar presentes, exigindo os cuidados devidos.
Alzheimer (Fridman et al., 2004). Além disso, existem indicativos – confirmados na maioria, mas não em todos os estudos – de uma relação entre a presença do alelo ε4 e baixo desempenho cognitivo em idosos não-demenciados. A explicação para tal associação ainda não é totalmente conhecida, mas acredita-se que o alelo ε4 traria ao seu portador uma maior suscetibilidade a lesões cerebrais e uma menor recuperação em caso de trauma (Farrer et al., 1997; Smith, 2002). Em todo o mundo, foram observadas apenas algumas centenas de agregações familiares de portadores da demência do tipo Alzheimer apresentando mutações específicas. Tais alterações são relativamente raras, respondendo por apenas 5% dos casos da doença. Três genes estão implicados com essa forma de herança – o gene para a proteína precursora amilóide (APP) e os genes para as duas pré-senelina (PSEN1 e PSEN2) –, que acomete os indivíduos
geralmente em idades mais precoces. Acredita-se que esses genes muito pouco contribuam para as diferenças na capacidade cognitiva herdada dos indivíduos em geral, uma vez que não foram identificadas quaisquer variações comuns desses genes na população. Já variantes do gene da APOE, mais comuns na população, provavelmente são modificadores genéticos da capacidade cognitiva, muito embora seus efeitos sobre a cognição sejam menores do que aqueles resultantes da atividade dos genes associados ao Alzheimer familiar.
Teorias celulares Várias teorias têm procurado explicar o envelhecimento a partir da observação de alterações nos componentes celulares. Algumas abordam o desenvolvimento da senilidade a partir de um ponto de vista endógeno (genéti-
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co), sugerindo que esse processo seja desencadeado em cada indivíduo por mecanismos préprogramados. Outras atribuem o envelhecimento a um acúmulo de disfunções celulares, que seriam induzidas por estresse proveniente do ambiente, e resultariam em danos ao DNA, às proteínas e aos lipídios (Beckman e Ames, 1998; Caratero et al., 1998; Donehower, 2002; Finkel e Holbrook, 2000). Desde 1965 observa-se que o número de mitoses que uma célula pode sofrer é limitado e determinado, variando de acordo com a espécie e o indivíduo em estudo (Hayflick, 1965). De fato, a cultura de células de indivíduos idosos e de espécies com baixa expectativa de vida apresentam menor número de mitoses se comparadas a células de indivíduos jovens e a células de espécies animais com maior tempo de vida (Blackburn, 2000; Rubin, 2002). Sabe-se que, além disso, em indivíduos portadores da síndrome de Werner, doença que provoca senilidade precoce, também há uma diminuição da taxa de mitose (Lebel e Leder, 1998). À medida que a célula se aproxima de seu número máximo de divisões, aumenta o nú-
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mero de distúrbios em seu funcionamento normal. Uma das explicações para esse processo pode ser atribuída a uma perda genética que ocorre durante cada divisão celular, quando os telômeros das células mitóticas diminuem de tamanho, resultando em uma menor capacidade de divisão celular (Bekaert, Derradji e Baatout, 2004; Parwaresch e Krupp, 2002). Mais recentemente, Ahmed e Tollefsbol (2003) e Bodnar e colaboradores (1998) descobriram que uma enzima, a telomerase, é capaz de reparar essa perda de material genético dos telômeros. Essa enzima é sintetizada em células que são virtualmente imortais, como células neoplásicas, células-tronco, células germinativas e linfócitos T. Entretanto, estudos com ratos não demonstraram aumento do envelhecimento nos grupos de animais que tiveram a ação da telomerase suprimida. Talvez a mais conhecida e controversa teoria sobre o envelhecimento celular seja a dos radicais livres. Radicais livres são espécies reativas de oxigênio, produzidas pelo processo de respiração celular nas mitocôndrias, cujo alto poder de reação com componentes celula-
QUADRO 3.4 Doença de Huntington A doença de Huntington possui uma origem genética evidente, resultando da mutação de um gene específico, que é herdado de maneira autossômica dominante. O gene afetado na doença de Huntington produz, usualmente, a proteína huntingtina, de significado biológico ainda obscuro. Nos pacientes com a enfermidade, há uma repetição exagerada de uma seqüência de três bases nitrogenadas (CAG) na seqüência de DNA que codifica essa proteína. Indivíduos normais apresentam esse gene com cerca de 11 a 34 cópias seqüenciais dessa trinca, CAG, enquanto indivíduos afetados pela doença apresentam um número de trincas aumentado. Devido a esse defeito genético, a proteína huntingtina, alterada, acumula-se na região do estriado e causa as manifestações clínicas típicas da doença. Inicialmente, os pacientes apresentam um quadro de distúrbio de movimento chamado de coréia, caracterizado por movimentos bruscos, hipercinéticos e involuntários, que acometem todas as regiões do corpo. Com o avançar da doença, os pacientes desenvolvem sintomas parkinsonianos, como rigidez e bradicinesia. Acompanhando as alterações motoras, há também um quadro demencial progressivo, com perdas de memória e alterações de humor. A doença manifesta-se tipicamente a partir da quarta década, e a idade de início dos sintomas é, em geral, inversamente proporcional ao número de repetições da trinca CAG no gene que codifica a huntingtina. É uma condição progressiva para a qual só há tratamento sintomático. O tempo de evolução médio da doença é de 15 anos, levando, inexoravelmente, ao óbito.
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res é capaz de provocar danos à molécula de DNA, às proteínas e aos lipídios estruturais. O corpo humano está constantemente produzindo essas espécies reativas de oxigênio, principalmente a partir da cadeia transportadora de elétrons; existe, contudo, uma série de mecanismos enzimáticos que capturam esses compostos altamente danosos para as células e os inativam: são os antioxidantes. O principal antioxidante endógeno no ser humano é a enzima superóxido dismutase, que age no sentido de garantir a integridade celular a partir da diminuição das quantidades de radicais livres. Especula-se que, com a idade, haveria um processo de disfunção mitocondrial, aumentando a produção de radicais livres e diminuindo o conteúdo de antioxidantes no organismo (Finkel e Holbrook, 2000). Esse desequilíbrio levaria a um aumento dos radicais livres nãoinativados por antioxidantes e, conseqüentemente, à lesão de estruturas celulares. Tal mecanismo pode ser observado, ao longo do envelhecimento, no sistema nervoso, o qual sofre modificações morfofuncionais que afetam árvores dendríticas e sinapses, neurotransmissores e moduladores, metabolismo e circulação cerebrais. Apesar de haver ainda pouco conhecimento estabelecido nessa área, sabe-se que o acúmulo de mutações no DNA mitocondrial, um dos principais marcadores do processo de envelhecimento, é notadamente evidenciado em órgãos como o cérebro, onde é comum a observação de células pós-mitóticas, que, se danificadas, não podem ser substituídas por meio de mitose por novas células. Os radicais livres têm sido cada vez mais responsabilizados por parte desse dano. Estudos comparando diferentes espécies sugerem que o nível de dano oxidativo está inversamente associado à longevidade. Os baixos índices de insaturação observados nas membranas de animais mais longevos não parecem, no entanto, ser decorrentes da dieta. O grau de insaturação dos lipídios, nesse caso, seria por causa de um parâmetro regulado a priori pela homeostase de cada organismo (Pamplona, Barja e Portero-Otin, 2002). Os ácidos graxos insaturados, devido à presença de elétrons altamente instáveis próximos às suas duplas liga-
ções, são as macromoléculas celulares mais sensíveis ao dano por radicais de oxigênio. Entretanto, ainda não há evidências clínicas de que os antioxidantes – apesar de possivelmente envolvidos na neuroproteção, no que diz respeito a doenças específicas – consigam retardar o ritmo do envelhecimento celular. Estudos que buscaram, via restrição calórica, afetar a taxa de envelhecimento sugeriram efeitos benéficos sobre o cérebro de roedores e, possivelmente, de humanos (Mattson, 2003; Weindruch, 2003). Essa hipótese pode ser explicada se for considerado que uma alimentação menos calórica tem menor poder de ativação sobre o metabolismo energético, levando a uma menor taxa de respiração celular e, conseqüentemente, a uma menor geração de radicais livres (Merry, 2002). Outros experimentos demonstraram que espécies reativas de oxigênio, além de desempenhar um papel no envelhecimento cerebral, também podem estar associadas a doenças neurodegenerativas, abrangendo patologias distintas como as doenças de Parkinson e de Alzheimer, bem como a esclerose lateral amiotrófica. Esses estudos demonstraram que o oxigênio reativo pode estar associado à indução de necrose ou de apoptose tanto em células neuronais (Sonee et al., 2003) quanto em gliais (Rouach et al., 2004). As diferentes hipóteses incluem, entre outras, lesões mitocondriais, excitotoxicidade pela liberação de glutamato e ativação contínua de receptores NMDA (ver adiante). Outro fator bastante associado ao envelhecimento celular, principalmente o neuronal, são as mudanças no influxo do íon cálcio para o interior da célula (Toescu, Verkhratsky e Landfield, 2004). Perturbações na homeostase do cálcio intracelular envolvem, sobretudo, duas organelas: o retículo endoplasmático e a mitocôndria. O principal papel do Ca2+ intracelular está na sinalização (entre um receptor de membrana e o núcleo, por exemplo) e é resultado de elevações transitórias em sua concentração. De modo geral, a hipótese do cálcio propõe que o desequilíbrio deste íon no conteúdo citoplasmático afeta múltiplas cascatas bioquímicas, desestabilizando o funcionamento e até mesmo a estrutura celular.
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Em função de o influxo de cálcio na célula desencadear uma série de rotas sinalizadoras e amplificadoras que, em última análise, regulam a expressão gênica, as alterações observadas em função de seu desequilíbrio envolvem diversas funções, como excitabilidade da membrana, organização do citoesqueleto, plasticidade sináptica, adesão celular, mecanismos inflamatórios, além da regulação do ciclo, crescimento e morte celulares. Alterações na expressão gênica, associadas ao declínio cognitivo, portanto, podem ter como origem alterações funcionais ocorridas muito antes de quaisquer sintomas evidentes (Blalock et al., 2003), estando cada vez mais claro o papel do cálcio na sinalização de tais modificações genômicas. O papel das mitocôndrias no envelhecimento celular vem sendo constantemente redescoberto. As diversas hipóteses sobre o assunto enfatizam a organela como elementochave na regulação da função celular, por causa de seu papel na produção energética (via cadeia respiratória), na síntese de esteróides, na produção de espécies reativas de oxigênio e na apoptose, entre outros. A relação entre processo inflamatório (e sua regulação por citocinas) e envelhecimento cerebral ainda permanece nebulosa. Apesar disso, marcadores inflamatórios são observados em doenças neurodegenerativas, como demência do tipo Alzheimer e doença de Parkinson. Muitas citocinas foram classificadas como pró (IL-1, IL-6, TNF) ou antiinflamatórias (IL-4, IL10, TGF-β); enfoques mais atuais, contudo, migraram de uma concepção dicotômica para outra mais complexa, ao enfatizar a singularidade de cada processo inflamatório (Bodles e Barger, 2004).
Teorias sistêmicas Com o envelhecimento, ocorre um declínio da função de vários órgãos e sistemas essenciais, o que pode, em parte, explicar o desenvolvimento da senilidade. É dada uma atenção especial aos sistemas nervoso, endócrino e imune, por serem os responsáveis pelo controle e manutenção de outros sistemas, pela
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habilidade de adaptação a novas situações e pela regulação das respostas do indivíduo frente a estímulos externos, como o estresse, por exemplo. A expectativa de vida de um indivíduo é controlada, em grande parte, por funções neuroendócrinas que atuam como um relógio biológico, determinando sinais seqüenciais para o desenvolvimento e o envelhecimento fisiológico do indivíduo. Com o avançar da senilidade, perde-se parte da regulação desse relógio biológico, podendo haver falta ou excesso de resposta desses sistemas aos estímulos ambientais. A integração das respostas a estímulos ambientais é feita em várias áreas do cérebro, como o córtex, o sistema límbico e a formação reticular. O hipotálamo é uma outra área de vital importância na integração das respostas ao meio, sendo responsável pelo controle das funções viscerais simpática e parassimpática, bem como dos comportamentos ligados ao medo, à raiva e ao sexo. Além disso, o hipotálamo é a sede da integração das respostas cerebrais que irão desencadear a liberação de vários hormônios hipofisiotrópicos, que estimulam ou inibem a liberação de hormônios pela glândula hipófise. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que liga o sistema nervoso (hipotálamo) ao sistema endócrino (hipófise e adrenal) e ao sistema imune (através da ação de hormônios imunorreguladores, como os glicocorticóides), é apontado por muitos estudos como um dos principais responsáveis pelo processo do envelhecimento (Finch, 1976). Acredita-se que, durante o envelhecimento, alterações na função desse eixo provoquem respostas anômalas a estímulos estressantes. Frente a diferentes estímulos estressores, o sistema nervoso simpático é acionado e suas ações são também reguladas pela ação do eixo neuroendócrino hipotálamo-hipófise-adrenal. Com o envelhecimento, nota-se também uma diminuição da ação do simpático, levando a uma menor reatividade frente ao estresse e a uma menor produção de proteínas de choque, essenciais para a resistência às agressões ambientais (Udelsman et al., 1993).
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O sistema imune, que também se relaciona com eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, sofre alterações com o envelhecimento (Selye, 1976). Observa-se uma menor capacidade das células imunes em integrar suas respostas e em responder a estímulos tanto endógenos quanto ambientais. Essas alterações levam a uma diminuição da atividade do sistema imune inato e adaptativo contra antígenos externos, o que pode ser responsável pelo aumento da incidência de infecções e de neoplasias. Também em decorrência do desequilíbrio imune, os mecanismos de tolerância imunológica ficam prejudicados e observa-se uma maior reatividade a auto-antígenos, com o conseqüente aumento da incidência de doenças auto-imunes.
SISTEMAS NEUROTRANSMISSORES Sistemas neurotransmissores são conjuntos de neurônios, com suas aferências e eferências, que possuem em comum o mesmo mediador sináptico e algumas características funcionais. No processo de envelhecimento, há alterações em alguns – mas não em todos – grupos neuronais, as quais podem explicar, em parte, alguns déficits cognitivos observados na velhice (Schulpis, Doulgeraki e Tsakiris, 2001). Deve-se, entretanto, estar atento para não confundir a degeneração de um determinado sistema com a disfunção de um domínio cognitivo específico. Ao contrário, alterações cognitivas são resultado de um quadro em que vários fatores estão envolvidos, entre eles a neurotransmissão (Strong, 1998).
Acetilcolina A acetilcolina é um neurotransmissor da classe das aminas que tem muitas funções na regulação dos processos cognitivos, principalmente na consolidação da memória. É responsável pela neurotransmissão em sítios do sistema nervoso periférico e em várias localizações subcorticais do sistema nervoso central. A acetilcolina é sintetizada nos botões terminais de neurônios pré-sinápticos pela reação de co-
lina com um grupo acetato ativado por uma coenzima, a acetil coenzima A. Essa reação é facilitada pela presença da enzima colinaacetil-transferase. O neurotransmissor é, então, estocado em vesículas pré-sinápticas e, quando há excitação neuronal, o conteúdo vesicular é liberado na fenda sináptica, ativando receptores de neurônios pós-sinápticos. Após a ação neurotransmissora, uma enzima no espaço sináptico, a acetilcolinesterase, degrada a acetilcolina em colina e acetato. Essa colina liberada é rapidamente recaptada pelo terminal pré-sináptico e reutilizada na síntese de mais neurotransmissor. Com o envelhecimento, observa-se uma diminuição progressiva da concentração da enzima colinaacetil-transferase, responsável pela síntese de acetilcolina, e, conseqüentemente, a diminuição da reserva de acetilcolina em todos os neurônios envolvidos com a síntese desse neurotransmissor, especialmente naqueles localizados no córtex frontotemporal e no hipocampo. Essa diminuição do tônus colinérgico também pode ser explicada pela redução da concentração de receptores de acetilcolina no córtex frontal, no hipocampo e no giro central. Uma estrutura subcortical, rica em neurônios colinérgicos – o núcleo basal de Meynert –, é responsável por processos de atenção e de consolidação da memória. Recebe aferências do sistema límbico e envia projeções colinérgicas para todo o córtex cerebral, o que explica a ligação, amplamente conhecida, das emoções (sistema límbico) com a fixação da memória. A ação da acetilcolina, com origem no núcleo basal de Meynert, sobre a consolidação da memória, ocorre pela excitação de neurônios corticais, que se tornam mais receptivos a outros impulsos excitatórios, facilitando a fixação preferencial de informações. A degeneração de áreas colinérgicas do sistema nervoso central, como o núcleo basal de Meynert, está implicada na fisiopatologia da demência do tipo Alzheimer, caracterizada, inicialmente, por um déficit de memória recente e operante. Acredita-se que a atrofia das aferências colinérgicas corticais seria decorrente da diminuição de fatores tróficos liberados ao redor do terminal sináptico e que são transportados
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para o corpo neuronal por transporte axonal retrógrado. Com a privação de estímulos, os neurônios colinérgicos entrariam em processo de morte celular. A relevância do sistema colinérgico para eventos relacionados à memória pode ser observada pelo modesto benefício obtido pelo uso de drogas inibidoras da acetilcolinesterase em pacientes demenciados. Apesar disso, cabe ressaltar o caráter sintomático da relativa melhora, que muitas vezes nada mais é do que uma lentificação na velocidade de perdas cognitivas. Recentemente, resultados têm sugerido que haveria um continuum na patologia de vias colinérgicas que ligaria o envelhecimento normal ao declínio cognitivo leve e à demência do tipo Alzheimer (Mesulam et al., 2004).
Catecolaminas As catecolaminas são um grupo de substâncias com ação neurotransmissora que partilham a mesma rota de síntese, diferenciando-se apenas pelo estágio em que a reação termina e pela distribuição anatômica e suas funções. O processo de síntese inicia com a hidroxilação e descarboxilação do aminoácido tirosina, que é proveniente diretamente das proteínas da dieta ou, indiretamente, por transformação da fenilalanina. A síntese de catecolaminas é iniciada com a transformação de tirosina em dopamina, que por sua vez é transformada em noradrenalina e esta, em adrenalina. Percebe-se, assim, que a síntese desses neurotransmissores ocorre em reações encadeadas. Com a excitação neuronal, as catecolaminas, armazenadas em vesículas, são liberadas na fenda sináptica e, desse modo, ocorre sua ação por estímulo de receptores póssinápticos. O principal mecanismo de extinção da ação dessas substâncias é a recaptação para o terminal pré-sináptico, mediada por transportadores específicos na membrana plasmática. Há também inativação desses produtos por ação de enzimas específicas, como a monoaminoxidase (MAO), presente na superfície mitocondrial de células do sistema nervoso, e a
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catecol-O-metiltransferase (COMT), presente nos tecidos periféricos, nas células gliais e nos terminais pós-sinápticos. Os principais núcleos adrenérgicos (relativos à noradrenalina e à adrenalina) localizam-se no hipotálamo (locus ceruleus), no sistema límbico (núcleo central da amígdala) e no hipocampo (giro denteado). Sua ação desenvolve-se por meio de dois tipos de receptores: α e β. Com o envelhecimento, há uma redução de neurônios, principalmente do locus ceruleus. Esse núcleo é a origem dos principais fascículos noradrenérgicos que vão suprir o córtex cerebral e o hipocampo (Docherty, 2002). A dopamina, que antigamente era renegada à simples função de precursora de noradrenalina, representa mais da metade de todo o conteúdo cerebral de catecolaminas. Além de mediar uma série de processos cognitivos, como a atenção, a dopamina é muito importante para a regulação e o ajuste dos movimentos, bem como para comportamentos ligados à agressividade, ao medo e à recompensa. Os principais sítios anatômicos são os gânglios da base (núcleo caudado), o nucleus acumbens, o tubérculo olfatório, o núcleo central da amígdala, a eminência mediana e as áreas do córtex frontal. No envelhecimento, observa-se uma redução da atividade da enzima responsável pela síntese de dopamina (tirosina hidroxilase) e um aumento da atividade de enzimas que degradam esse neurotransmissor, como a MAO e a COMT. Outro processo que ocorre com o envelhecimento é a diminuição significativa do número de receptores de dopamina, em especial D1 e D2. Estudos de neuroimagem, particularmente a tomografia por emissão de pósitrons (PET), sugerem uma redução significativa na densidade de receptores D2 (Volkow, Wang et al., 1996), diminuição de receptores D1 (Suhara et al., 1991) e redução de transportadores de dopamina (Volkow, Ding et al., 1996) no estriado. Na doença de Parkinson, há degeneração dos neurônios dopaminérgicos da substância negra mesencefálica, o que gera rigidez muscular, lentificação dos movimentos e tremor de repouso. Também estão associados à doença
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de Parkinson alguns quadros demenciais característicos, como alterações na atenção, na memória, na função executiva, na linguagem e no comportamento (Barili et al., 1998).
Serotonina A serotonina é uma substância que tem ação neurotransmissora e que está presente em altas concentrações nas plaquetas do sangue e no sistema nervoso entérico. Sua síntese ocorre a partir do aminoácido triptofano, proveniente de proteínas da dieta. A conversão de triptofano em serotonina não é um processo saturável, e quanto maior a ingestão desse aminoácido, maior é a produção de serotonina. O principal sítio anatômico em que se concentra a serotonina são os núcleos da rafe, de onde partem eferências rostrais (para o córtex) e caudais (para o tronco e medula). As alterações do tônus serotoninérgico ao longo do envelhecimento ainda não são completamente conhecidas. Nota-se, entretanto, uma diminuição significativa no conteúdo de serotonina (reflexo da diminuição de sua enzima sintetizadora, a triptofano-hidroxilase), especialmente nos corpos de neurônios com projeções para o septo e o hipocampo. Observa-se também uma diminuição de receptores para serotonina em sítios específicos do sistema nervoso central (Nobler, Mann e Sackeim, 1999). Um estudo de imagem (PET) sugeriu a diminuição de um dos diversos receptores de serotonina no cérebro de idosos em relação a indivíduos mais jovens (Rosier et al., 1996). Muitos medicamentos para tratar depressão são inibidores da recaptação da serotonina, o que sugere que a falta desse neurotransmissor possa ser responsável por alterações de humor. Dados epidemiológicos apontam para uma maior prevalência de depressão entre indivíduos mais velhos. De certa forma, esse fato poderia estar conectado aos baixos níveis de serotonina disponíveis.
Glutamato O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório geral do sistema nervoso
central. Está presente em até 75% de todas as sinapses e, por isso, não está limitado a determinados sítios anatômicos – daí seu caráter geral. O glutamato é sintetizado a partir de produtos do ciclo de Krebs, uma cadeia de reações bioquímicas responsáveis pela metabolização dos carboidratos. Possui uma importância fundamental no aprendizado e na memória e também é responsável por danos ao tecido nervoso, por provocar excitotoxicidade. A estimulação persistente de uma mesma sinapse, que ocorre quando há aprendizagem e repetição de uma tarefa, vai inicialmente ocasionar a liberação sucessiva de glutamato a cada estímulo, o que provocará uma despolarização do terminal pós-sináptico, mediante a ativação dos receptores AMPA e kainato. Essa despolarização repetida ativará uma outra classe de receptores, os NMDA, aumentando o influxo de cálcio. Esse aumento de cálcio dentro do neurônio pós-sináptico levará mais receptores AMPA e kainato a migrarem para o terminal, sensibilizando o neurônio para estímulos futuros. Esse mesmo mecanismo, contudo, justamente por aumentar as concentrações de cálcio intracelular, quando excessivo, pode provocar morte neuronal. Não há muitos estudos relacionando o sistema glutamatérgico com o envelhecimento. Entretanto, sabe-se que há uma diminuição do conteúdo glutamatérgico das vias que ligam o córtex ao hipocampo, bem como uma diminuição apreciável de receptores NMDA nas sinapses (Segovia et al., 2001).
GABA Em contraposição ao glutamato, o ácido γ-aminobutírico é o principal neurotransmissor inibitório: com ação distribuída por todo o encéfalo, está presente em 20% de todas as sinapses do sistema nervoso central. Sua síntese ocorre a partir da descarboxilação do glutamato. Age por intermédio de vários receptores diferentes, hiperpolarizando a membrana neuronal e diminuindo a responsividade do neurônio a novos potenciais eletrotônicos. Semelhantemente ao que ocorre com outros neurotransmissores, com o envelhecimento ocorre diminuição da atividade da enzima responsável pela
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síntese de GABA, o glutamato descarboxilase, o que diminui a densidade de ocorrência desse neurotransmissor, especialmente no tálamo.
CONCLUSÃO Os avanços das ciências biológicas nos últimos anos conseguiram promover um aumento significativo na expectativa de vida da população. Tal prolongamento, todavia, tem pouco sentido caso a qualidade de vida não seja preservada. Um dos grandes desafios para a pesquisa nesta área é abarcar a ampla variação da velocidade e da gravidade das alterações entre indivíduos. Outra importante questão que se impõe é o esclarecimento acerca do grau de continuidade existente entre o envelhecimento normal e as patologias relacionadas às idades avançadas. Evidências disponíveis sugerem que alterações no metabolismo celular durante o envelhecimento, particularmente aquelas que ocorrem em neurônios e células da glia, podem ser responsáveis pelas mudanças nas funções cognitivas e comportamentais dos idosos. Apesar disso, são pequenas as diferenças notadas ao longo do envelhecimento não-patológico em comparação com as marcadas lesões observadas em doenças específicas. O conhecimento contemporâneo indica que distúrbios do sistema nervoso relacionados ao envelhecimento têm como base disfunções em mecanismos neuroquímicos cuja fisiopatologia começa a emergir, mas cuja etiologia, na maioria dos casos, ainda é uma incógnita. Estados patológicos relacionados à idade estão sobretudo ligados à dificuldade em responder às exigências do meio, seja por deficiências no eixo neuroimunoendócrino, seja pela redução da plasticidade neuronal. As muitas teorias propostas para explicar o envelhecimento ainda estão em fase de estruturação, e a exata contribuição de cada uma para o processo ainda é incerta. É provável que algumas poucas alterações pleiotrópicas levem a uma cascata de reações que resultam no envelhecimento. A causa última para o processo da senilidade, no entanto, ainda não é conhecida.
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LEITURAS SUGERIDAS Fridman, C.; Gregório, S. P.; Dias Neto, E.; Ojopi, E. P. B. (2004). Alterações genéticas na doença de Alzheimer. Revista de Psiquiatria Clínica, 31(1), 19-25. Ritchie, K.; Lovestone, S. (2002). The dementias. Lancet, 360(9347), 1759-1766. Weinert, B. T.; Timiras, P. S. (2003). Invited review: Theories of aging. J Appl Physiol, 95(4), 1706-1716.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Quais as diferenças entre as duas formas conhecidas de predisposição genética para demência do tipo Alzheimer (presença do alelo ε4 do gene APOE e mutações nos genes PSEN1, PSEN2 e APP)? 2. Qual o papel dos radicais livres no processo de envelhecimento celular? 3. Quais os achados micro e macroscópicos presentes em cérebros de portadores da demência do tipo Alzheimer? Como é feito o diagnóstico e que outras enfermidades podem apresentar um quadro clínico semelhante?
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PARTE II Funções cognitivas não-lingüísticas e sua repercussão no processo do envelhecimento
APRESENTAÇÃO Esta parte agrupa quatro capítulos que abordam os conhecimentos da psicologia cognitiva a respeito de funções não-lingüísticas alteradas no processo do envelhecimento. São abordadas as principais queixas cognitivas de idosos: dificuldades de memória e falhas ocasionais em lidar com situações cotidianas. Neste caso, vem a pergunta: as dificuldades de memória, de atenção ou da perda de interesse são decorrentes de quadros depressivos? Os Capítulos 4 e 5 referem-se a processos de memória. As classificações tradicionais de memória imediata ou remota, memória verbal ou visuoespacial são substituídas por uma nomenclatura diferente, decorrente da teoria de sistemas múltiplos de memória. A separação em dois capítulos, um sobre os sistemas de memória explícita e o outro sobre os de memória implícita, decorreu do fato de que a primeira fica mais afetada pelas patologias neurológicas e pelo envelhecimento normal, enquanto a última mantém-se mais preservada. Como poderá ser observado, existem muitos trabalhos que focalizam as memórias explícitas e o envelhecimento, mas poucos são os que verificaram o funcionamento da memória implícita
nesse período da vida. Entretanto, a memória implícita em idosos é um tema bastante relevante, pois ela tem sido utilizada nas propostas de intervenção de dificuldades de memória tanto em idosos sadios como em pacientes portadores de demência, o que será abordado na Parte V. Os Capítulos 6 e 7 abordam funções cognitivas responsáveis por atividades complexas: o Capítulo 6 focaliza as chamadas funções executivas e o Capítulo 7 a resolução de problemas e a tomada de decisão. Atividades complexas são aquelas que representam de forma mais adequada uma situação cotidiana. No diaa-dia, não realizamos tarefas de memória isoladamente das de raciocínio, de linguagem, de mobilidade ou de atenção, etc. De fato, todas as funções cognitivas são utilizadas em sincronia dentro de um contexto complexo, a partir de uma intenção com a finalidade de atingir determinados objetivos. A questão das funções executivas e de funções complexas tem tido destaque ultimamente nos estudos sobre o envelhecimento, pois, apesar das queixas de idosos a respeito de dificuldades em lembrar fatos ou compromissos, os testes tradicionais de memória não detectam as dificuldades relatadas nas queixas. Isso tem evidenciado que as dificuldades estão em situações em que a me-
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mória precisa interagir com a atenção e com uma organização de seqüências de ações. Entretanto, se de fato o problema do envelhecimento encontra-se na execução de atividades complexas, por que ainda abordar a questão das memórias no envelhecimento? Falhas mais salientes de memória têm sido consideradas um sinal de dificuldades cognitivas leves ou de início de demência, como será abordado na Parte IV. Por outro lado, existem diferenças de idade em vários testes de memória, como mostra o Capítulo 4. Um parâmetro de desempenho de idosos saudáveis nas diferentes provas de memória é uma grande necessidade nos estudos sobre envelhecimento cognitivo e ainda uma lacuna nos estudos brasileiros. É possível questionar por que, nesta parte, não se encontra um capítulo sobre a atenção no envelhecimento, pois recentemente tem sido afirmado que as queixas de memória, com freqüência, são decorrentes de dificuldades atencionais. Mesmo sem um capítulo especialmente dedicado a esses mecanismos, a atenção será abordada em diversos deles. No Capítulo 4, sobre memória explícita, será mostrada sua importância na memória de trabalho e de prospecção, que reflete as funções mnemônicas na vida diária. No Capítulo 6, sobre funções executivas, também será mostrado como um supervisor atencional é importante para a realização de atividades complexas. O Capítulo 4, intitulado “Memória explícita no envelhecimento”, conta com a experiência bastante reconhecida na Argentina no campo de avaliação e de intervenção das dificuldades de memória em adultos e em idosos da pesquisadora Irene Taussik. Também contribuiu a jovem pesquisadora Gabriela Wagner, que vem focalizando seus estudos na área de dificuldades cognitivas leves, nas quais falhas de memória são marcadores importantes. Esse capítulo aborda o conceito de múltiplos sistemas de memória, mostrando em detalhes os mecanismos cognitivos exigidos na memória de trabalho e nas memórias explícitas de longo prazo. Uma ênfase é dada à questão de avaliação subjetiva de memória e à memória na vida cotidiana, em que se destaca o sistema de memória prospectiva. Esse sistema
complexo, que exige formulações de intenções, planejamento e ativação postergada da intenção também será abordado no capítulo sobre funções executivas, mas, no Capítulo 4, esse sistema é descrito com maiores detalhes. As autoras mostram a complexidade dos sistemas de memória ao abordar as diferentes teorias da memória semântica e as propostas dos modelos conexionistas que focalizam diferentes níveis de processamento. Assim, o arcabouço teórico é resumido em um esquema de atuações interativas dos diferentes sistemas de memória, proposto por Lovelace (1990), que inclui formas de ativação e níveis de processamento, assim como mostra a interação da memória de trabalho (de curto prazo) com mecanismos de longo prazo. Quanto às formas de avaliação de memória, as autoras discutem várias provas formais tradicionalmente utilizadas. Em coerência com o aporte teórico e com as dificuldades de idosos, também é focalizada a avaliação da memória no cotidiano, fazendo uma classificação interessante que distingue essas avaliações em ecológicas, questionários e observações em ambientes naturais; e as naturalísticas, que reproduzem de certa forma a tarefa de memória em um ambiente complexo, tal como ocorre no dia-a-dia. Ao focalizar o envelhecimento, nesse capítulo demonstra-se que alguns sistemas de memória explícita (a memória de trabalho e a episódica) são mais afetados do que outros. Também é mostrada a interação entre memória e linguagem na compreensão de textos e nos processos de lembrar palavras, o que será discutido em detalhes na Parte III. Em coerência com o que foi exposto na abordagem teórica, esse capítulo discute em detalhes as falhas de memória nas atividades cotidianas, explicando os mecanismos deficitários da memória prospectiva. No Capítulo 5, Antônio Jaeger aborda a memória implícita no envelhecimento, descrevendo com detalhes as diferenças entre os diversos tipos de memórias. Tanto para o conhecimento das capacidades de idosos como para a elaboração de trabalhos de intervenção, é importante a distinção entre memórias implícitas e aprendizados implícitos. Além destes,
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são observados diferentes tipos de memória ou aprendizado implícitos: os perceptuais, os emocionais e a aquisição de hábitos ou de procedimentos motores. Com a mesma precisão, as formas de avaliação da memória implícita descritas são relevantes, pois a criação de tarefas que propiciam a memorização implícita é bastante diversa das que solicitam uma memorização explícita. A formação de provas para testar a memória implícita exige várias características, entre elas o uso de duas tarefas, a primeira denominada “fase de estudo”, e a segunda, “fase de acesso”, em que a memória implícita é verificada por meio da rapidez ou da acurácia da resposta. O mais interessante desse capítulo é a discussão sobre os efeitos do envelhecimento nos processos de memória implícita. Apesar de resultados contraditórios, alguns estudos mostram que tanto a pré-ativação como o aprendizado perceptual podem sofrer o efeito da idade. Também existem indicações de que diferentes níveis de processamento estão envolvidos na memória implícita, de forma que idosos podem apresentar um desempenho diverso se a tarefa exigir processos mais superficiais ou mais profundos. Enfim, o grande valor do capítulo é mostrar que é preciso uma maior compreensão dos mecanismos da memória implícita no envelhecimento, uma vez que esta tem sido a base de muitas propostas de estimulação da memória em idosos. Christian Haag Kristensen, no Capítulo 6, trata das chamadas funções executivas. Esse capítulo preocupa-se em defini-las, mostrando seu caráter multiprocessual. Relacionadas a um objetivo, as funções executivas abrangem processos atencionais, inibitórios, programação de tarefas, planejamento de seqüências de ações, assim como uma supervisão de sua execução. Um breve histórico mostra a evolução desse conceito na psicologia e na neuropsicologia, no encontro de bases neurais subjacentes. Assim, também é apontada a complexidade das redes neurais, cuja disfunção caracteriza a síndrome frontal ou a também chamada síndrome disexecutiva. Um detalhamento sobre a organização neural e funcional da região frontal encontra-se no Capítulo 3 – “Bases biológicas do envelhecimento cognitivo”.
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Contando com a experiência clínica, antes de descrever as formas de avaliação das funções executivas, Kristensen aponta alguns cuidados na aplicação e na análise das respostas das provas utilizadas nessa área. O autor destaca que as provas utilizadas para verificar funções executivas também avaliam diferentes funções, como raciocínio, planejamento, etc. Dessa forma, ao analisar os estudos que verificam os efeitos do envelhecimento nessas provas, o viés utilizado são as dificuldades executivas, como, por exemplo, os erros perseverativos no teste de Wisconsin, as dificuldades inibitórias nos testes de alternância, etc. Interessantes também são as formas estratégicas de resolver as dificuldades dos testes nessas tarefas: a verbalização (fala durante a preparação para a tarefa) geralmente beneficiava adultos velhos, mas não os jovens ou as crianças. No Capítulo 7, Daniela Schneider focaliza apenas duas das funções chamadas executivas: a solução de problemas e a tomada de decisão. Se o Capítulo 6 apresenta uma visão geral das funções executivas e mostra sua complexidade, aquele é mais didático, aprofundando-se em duas funções que provavelmente envolvem diferentes substratos orgânicos da área pré-frontal, assim como tem diferentes repercussões no envelhecimento. Os estudos parecem mostrar um evidente efeito da idade nos processos de solução de problemas, enquanto nos processos de tomada de decisão esse efeito pode estar ausente ou apresentar diferentes estilos conforme a faixa etária. A resolução de problemas também foi abordada no Capítulo 6, ao mostrar a participação de processos atencionais, inibitórios e de planejamento (ou seja, como funções executivas). No Capítulo 7, são especificados os diferentes modelos teóricos e sua evolução nas várias correntes psicológicas. As formas de avaliação (algumas já especificadas no capítulo anterior, como a prova da Torre de Hanói e a de Wisconsin) são mais bem detalhadas em seus procedimentos. Conforme visto anteriormente, é enfatizada a avaliação de resolução de problemas no cotidiano. Os estudos escolhidos neste capítulo para discutir os efeitos do envelhecimento nessa função foram os que abordaram a resolução de problemas de forma mais
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genérica, entre eles os que utilizaram metanálises. Decorre desse tipo de perspectiva a constatação de que a resolução de problemas é um constructo multidimensional, justificando sua apresentação em dois capítulos, sob diferentes óticas. A segunda parte deste capítulo discute uma função complexa introduzida recentemente na psicologia, apesar de mais tradicional em outras áreas, como na Economia: a tomada de
decisão. Como na primeira parte, são descritos seus principais modelos teóricos e são detalhadas as formas de avaliação propostas pela psicologia cognitiva. Este capítulo encerra de forma bem interessante a Parte II com uma discussão a respeito dos diversos resultados dos estudos sobre o efeito do envelhecimento na tomada de decisão, mostrando que nessa função o efeito da idade pode ser amenizado pelo uso de diferentes estilos decisórios.
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4 Memória explícita e envelhecimento Irene Taussik Gabriela Peretti Wagner
CONCEITOS TRABALHADOS Sistemas de memória: teoria que postula tipos de memória independentes com mecanismos próprios. Memória de curto prazo: tipo de memória que opera com uma quantidade determinada de informações durante um curto intervalo de tempo. Também é conhecida por memória imediata ou primária. Memória de longo prazo: também conhecida por memória secundária. Consiste em um sistema que apresenta capacidade ilimitada de armazenamento de informações durante um período de tempo indeterminado. Memória de trabalho: sistema ativo, com capacidade limitada de armazenamento temporal. Funcionalmente, permite que informações sejam manipuladas durante a execução de tarefas cognitivas. Circuito ou alça fonoarticulatória: parte da memória de trabalho composta por um armazém fonológico e um processo de recapitulação articulatória. É especializado no armazenamento de informações verbais. Registro visuoespacial: parte da memória de trabalho formada por um componente espacial, um visual e um cinestésico, além de mecanismos de decodificação de imagens. Está relacionado
ao armazenamento de informações durante um curto intervalo de tempo, bem como à produção e manipulação de imagens mentais. Recapitulação articulatória: processo de repetição mental contínua de unidades fonológicas que permite a manutenção destas no circuito fonoarticulatório da memória de trabalho. Armazenamento fonológico: está relacionado à fala e à linguagem. Constitui um “local” de recepção de informações fonológicas, as quais chegam direta ou indiretamente. Sistema atencional de supervisão: componente atencional que possibilita a correta realização de seqüências de atividades e permite um feedback de que elas foram efetuadas. Alça episódica: sistema que registra dados de diferentes modalidades, capaz de armazenar, de forma limitada e temporária, informações sobre eventos com seus componentes espaciais e temporais. Memória semântica: tipo de memória composto por conhecimentos gerais e consolidado na ausência de referências de tempo e de contexto. Memória episódica: tipo de memória que armazena informações relativas a experiências pessoais. É marcada por componentes espaciais e temporais, importantes na recordação dessas experiências.
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Memória explícita: também conhecida por memória declarativa. Consiste em um sistema de memória acessível à consciência e a outros processos cognitivos, que armazena eventos, fatos ou conhecimentos. Deste sistema fazem parte os sistemas de memórias episódica e semântica. Memória implícita: sistema de memória não acessível à consciência, responsável pela formação de hábitos e de atos automatizados. Este sistema não faz referência a informações espaciais e temporais, ao contrário da memória explícita. Modelos de níveis de processamento: modelos que postulam níveis periféricos de processamento, que armazenam características perceptuais, e níveis centrais, que armazenam significados. Tarefas de recordação livre: tarefas de memória mais freqüentes. Consistem em solicitar ao indivíduo que evoque determinada lembrança, o que pode ser feito mediante respostas verbais, gráficas e/ou outras. Tarefas de reconhecimento: tarefas que exigem a identificação correta de uma ou mais informações apresentadas previamente. Processamento distribuído em paralelo: processamento de informações realizadas conjuntamente e que depende do grau de ativação dos nódulos. Essa ativação irá distribuir a informação nos nódulos mais ativados. Modelos de organização hierárquica: constitui um dos modelos explicativos da organização da memória semântica. Segundo este modelo, a representação mental de conceitos é semelhante às ramificações de uma árvore, conectando uma série de outros conceitos direta ou indiretamente relacionados. Modelo de rede distribuída de traços: consiste em um dos modelos explicativos da organização da memória semântica. De acordo com este modelo, as diversas unidades de representação semântica contêm propriedades específicas. A ligação entre essas unidades é realizada por padrões únicos e singulares de ativação, em que residem os conceitos.
Memória prospectiva: estudo de um sistema complexo de memória dirigido para intenções ou eventos que devem ser realizados no futuro. Um de seus componentes consiste na lembrança da intenção de realizar determinada ação. Ação auto-iniciada: consiste na característica essencial da memória prospectiva. A realização de determinado ato é iniciada pelo próprio indivíduo em um dado momento. Memória retrospectiva: sistemas de memória para os eventos do passado. O termo memória retrospectiva é utilizado principalmente em oposição ao sistema da memória prospectiva. Codificação da intenção: de acordo com o Modelo de Ellis (1996), consiste na primeira fase da memória prospectiva, na qual é realizado um planejamento de atividades para que a intenção de uma ação torne-se realidade. Recuperação da intenção: segundo o Modelo de Ellis (1996), constitui a etapa da memória prospectiva em que a intenção é lembrada e a ação desta é realizada.
TAREFAS DESCRITAS Memória de trabalho: 1. Paradima de Brown e Petersen. 2. Evoçação de séries de números em ordem direta e inversa (WAIS-R Digit Span; WMS Mental Control). 3. Paradigma de Daneman e Carpenter. Memória episódica: 1. Capacidade de reter novas informações. a. Aprendizagem e recordação de listas de palavras (RAVLT – Rey Verbal; CVLT; WMS; Teste Seletivo Verbal Buschke; Prova de recordação com índices – Enhaced Cued Recall). b. Memorização de textos. c. Figura Complexa de Rey.
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2. Recordação de eventos passados: a. AMI (Autobiographical Memory Inventory). b. Cued Autobiographical Test.
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progressiva e insidiosa, inclui uma quantidade limitada de casos e seu desenvolvimento é tão variável que resulta em um diagnóstico e em um prognóstico difícil.
Memória semântica: 1. Geração de listas de palavras, de acordo com categorias verbais determinadas. 2. Fluência fonológica (COWAT). 3. Nomeação (ADAS, Boston Naming Test). Memória nas situações do cotidiano: 1. Avaliações ecológicas (questionários de auto-avaliação da memória e avaliações em ambiente natural). 2. Avaliações naturalísticas (reprodução de situações da vida diária). 3. Testes funcionais da memória (Rivermead Behavioral Memory Test, Teste do Condor).
SISTEMAS DE MEMÓRIA A memória não constitui um constructo unitário, conforme inicialmente se pensava, mas apresenta-se dissociada em processos discretos. As descrições mais conhecidas consideram o componente temporal e estabelecem diferenças entre a memória de curto e a de longo prazo. A memória de curto prazo, também denominada memória primária ou imediata, é capaz de operar com determinada informação durante um curto período. Já a memória de longo prazo, ou memória secundária, é um sistema de capacidade ilimitada e pode guardar as informações por tempo indeterminado.
Memória de trabalho INTRODUÇÃO As dificuldades de memória na vida adulta, particularmente durante o envelhecimento, constituem uma questão complexa, uma vez que se constata que essa função cognitiva não forma um sistema unitário. A partir do estudo das dificuldades de memória provocadas pela lesão cerebral e dos estudos experimentais realizados em animais, a neuropsicologia cognitiva postula a existência de múltiplos sistemas de memória, alguns mais sensíveis do que outros ao processo de envelhecimento. As alterações de memória estão presentes no envelhecimento normal (Craik, 1984, 1991). No entanto, o desconhecimento da natureza precisa das mudanças provoca dificuldades no diagnóstico e na possibilidade de realizar intervenções terapêuticas precoces. A evolução progressiva de um comprometimento cognitivo leve para uma degeneração, como a provocada pela demência do tipo Alzheimer, é
O conceito de memória de trabalho foi proposto por Baddeley e Hitch (1974) para substituir o de armazenamento de curto prazo. Este é formado pelo executivo central e por dois processos dependentes: o circuito fonoarticulatório e o registro visuoespacial. Para Baddeley, a memória de trabalho constitui um sistema ativo que possui capacidade de armazenamento temporal limitado, mas suficiente para a manipulação da informação durante a realização de uma ampla gama de tarefas cognitivas complexas. A memória de trabalho favorece a representação e a atenção seletiva na informação, mesmo na ausência de uma atividade perceptual. Em 1980, Baddeley e Lieberman (1980) propuseram a existência de um sistema de memória de trabalho composto de vários subprocessos. Entre eles está o executivo central, que é amodal, mas possui recursos atencionais e representa o componente mais importante da memória de trabalho. Pode ser considerado um sistema atencional de controle e de seleção de
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estratégias cognitivas, como a compreensão, o raciocínio e a aprendizagem. Ele também permite coordenar as diferentes informações que recebe. O executivo central consegue, pela atividade consciente, recuperar a informação armazenada, fazer uma reflexão acerca da informação, manipular e modificar a ação em curso. Um segundo sistema, o circuito fonológico, é especializado no armazenamento de informações verbais. Ele é composto por um armazenamento fonológico e por um processo de recapitulação articulatória. O armazenamento fonológico recebe a informação verbal apresentada auditivamente, transforma-a em códigos fonológicos e a transfere para sua decodificação articulatória. A alça fonológicoarticulatória realiza a recapitulação articulatória mantendo a informação acústica e verbal a partir da utilização de um armazenador temporal e de um sistema de repetições articulatórias (Figura 4.1). Em 1986, Baddeley propôs uma revisão deste modelo, estabelecendo uma distinção entre o armazenador fonológico e o processo de controle articulatório. Considerou que o circuito articulatório é constituído por um armazenador fonológico passivo que se relaciona com a percepção da fala e com um processo articulatório vinculado à produção da linguagem. Dessa forma, as informações fonológicas
chegam ao armazenador fonológico de três maneiras: 1. diretamente, pela apresentação auditiva; 2. indiretamente, a partir de uma articulação subvocal; 3. indiretamente, via informação fonológica armazenada na memória de longo prazo. Um terceiro sistema, o registro visuoespacial, é o responsável pelo armazenamento de curto prazo desta informação e parece estar também ligado à geração e à manipulação das imagens mentais. Possui um componente espacial, um visual e um cinestésico, por um lado, e um processo de decodificação das imagens ativas, por outro. De acordo com este modelo, a maior parte das ações de curto prazo depende da ativação rotineira dos esquemas e requer pouco controle atencional, permitindo responder de forma semi-automática. No entanto, quando a seleção das ações não é suficiente para a resolução dos problemas, aciona-se o sistema atencional de supervisão (SAS) que permite elaborar novas estratégias de adaptação (Shallice e Burgess, 1991). Este modelo, no entanto, não consegue explicar o mecanismo pelo qual as informações
FIGURA 4.1 Diagrama de atualização do modelo multicomponencial de memória de trabalho (Baddeley, 2000).
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fonológica e visual se combinam, uma vez que, por ser um sistema de controle atencional, o executivo central não tem capacidade de armazenamento. Tampouco consegue explicar como é integrada a informação proveniente de diferentes fontes em episódios coerentes, como ocorre no caso da lembrança das idéias que compõem um texto, onde indubitavelmente existe uma complexa interação entre a alça fonológica e a memória de longo prazo. Por isso, Baddeley (2000) criou a alça episódica, como um sistema de armazenamento temporário de episódios integrados em tempo e espaço, de capacidade limitada, mas que é capaz de integrar a informação das diferentes modalidades. A introdução da alça episódica é importante para explicar memorizações temporárias em tarefas com grande número de informações significativas, como é o caso do reconto de uma história. Presume-se que a alça episódica tem a capacidade de prover informação à memória de longo prazo e, ao mesmo tempo, recuperar informação da mesma, assumindo um papel importante na aprendizagem episódica de longo prazo. A alça episódica é capaz de armazenar informação em um código multidimensional (Figura 4.1). É possível chegar à alça episódica pelo executivo central por meio do alerta consciente. Desta maneira, o executivo exerce influência sobre o conteúdo da informação armazenada, por intermédio da informação proveniente da percepção, da memória de trabalho ou da memória de longo prazo, conseguindo, assim, modelar o meio e criar novas representações cognitivas que influem sobre a qualidade da resolução.
Memória de longo prazo A memória de longo prazo constitui uma memória latente diferente da memória de curto prazo que, como se descreveu previamente, é uma memória ativa e pode permanecer fora do circuito consciente até que as circunstâncias exijam outra modalidade de resposta. Além dos critérios temporais, as neurociências cognitivas e a neuropsicologia têm mostrado dissociações do tipo: memória im-
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plícita versus memória explícita; memória semântica versus memória episódica. Essas dissociações surgiram dos desempenhos mantidos e dos processos alterados de pacientes com lesões cerebrais.
Dicotomia entre memória implícita e memória explícita Descreve-se a existência de um acesso consciente da informação (memória explícita), em contraposição ao tratamento inconsciente ou automático da mesma (memória implícita), que é aquele que se conserva nos pacientes amnésicos. Uma subdivisão amplamente aceita relaciona-se com a maior ou menor facilidade com a que a informação chega à consciência e, neste sentido, com a natureza das informações armazenadas. A memória declarativa ou explícita é facilmente acessível a outros processos cognitivos, principalmente à linguagem, de forma que suas recordações podem ser facilmente descritas verbalmente. Já a memória implícita não é acessível à consciência, uma vez que seu conteúdo está altamente automatizado, e também não faz referência a informações espaciais ou temporais. As memórias implícitas são memórias nãodeclarativas e referem-se a atos automáticos e inconscientes cuja modalidade de expressão e realização não têm um correlato consciente. São os processos de memória implícita que se conservam intactos nos pacientes amnésicos, o que ratifica sua possível função nas aprendizagens iniciais. Neste capítulo, serão detalhadas as memórias explícitas. As implícitas serão descritas no capítulo seguinte.
Dicotomia entre memória semântica e memória episódica Também tem sido possível a consideração da natureza do tipo de informação armazenada, ou seja, “memória semântica versus memória episódica” (Tulving, 1983). Estas são
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consideradas dois tipos de memórias declarativas (Squire e Cohen, 1984). A memória semântica faz referência aos conceitos e conhecimentos aprendidos na ausência de um referencial temporal ou contextual específico, isto é, compreende o armazenamento de eventos e de conhecimentos gerais do mundo. Não está associada a um contexto específico de aprendizagem e constitui um sistema que se interconecta com a memória episódica. Ela opera com qualquer fato proposicional acerca do mundo, inclusive fatos que possam incluir aquele que recorda. É objetiva e impessoal. A memória semântica constitui a memória mais central das habilidades cognitivas humanas e depende de uma grande quantidade de sistemas periféricos, tais como as fontes de input (entrada sensorial, perceptual e lingüística) e output (linguagem e diversas formas de ação). A memória episódica, em contrapartida, fornece informação acerca das experiências pessoais e constitui a memória autobiográfica, sendo suas coordenadas eminentemente espaço-temporais, as quais assumem um papel essencial no ato de recordar. A memória episódica constitui um sistema de memória neurocognitivo, cuja singularidade resulta da capacidade de recordar a partir da revivência da experiência, ou seja, da possibilidade de viajar no tempo, recuperando a sensação subjetiva que acompanha as operações dos sistemas na codificação e na evocação (Wheeler, Stuss e Tulving, 1997). Ela opera por meio de redes corticais e subcorticais centralizadas pelo córtex pré-frontal, uma vez que requer um controle superior, adaptando-se às demandas situacionais. A organização da memória semântica é explicada por dois modelos: o de organização hierárquica e o de rede distribuída de traços. Os modelos de organização hierárquica consideram que a representação mental de um conceito é análoga a uma árvore com distintas ramificações (Garrard, Perry e Hodges, 1997). Deste modo, conceitos tais como “vaca” são enlaçados a conceitos hierarquicamente superiores ou superordenados (como “mamífero”), que, por sua vez, se relacionam com outros conceitos igualmente superordenados, como “animais” e “seres vivos”. Cada conceito tem uma série de atributos específicos relacionados in-
feriormente ou subordinados: associa-se a cor, a presença ou não de chifres, etc., e cada conceito se relaciona com outras categorias da mesma ordem ou coordenadas, por exemplo, “burro”. O modelo clássico de Collins e Quillian (1969, em Sierra-Díez, 1994) é baseado nas hierarquias e agrupamentos mediante relações de inclusão. O modelo explica que os aspectos subordenados (“chifres”) podem ser mais vulneráveis do que os aspectos superordenados (“animal”), o que vale para a interpretação dos erros dos pacientes em tarefas de denominação por confrontação. Em outras palavras, inicialmente ocorrem erros nas categorias coordenadas e, posteriormente, erros em categorias superordenadas. Por exemplo, em resposta ao desenho de um touro, o paciente pode responder “elefante” ou “animal”. O modelo de rede distribuída de traços, ou distributed feature network, prediz igualmente o grau de interferência da memória semântica na demência do tipo Alzheimer e na demência semântica, já que as unidades básicas de representação semântica são propriedades, e os conceitos residem em padrões únicos de ativação ao longo destas unidades. A degradação da memória semântica poderia ser explicada, porque todas as categorias compartilham características ou unidades comuns. Nesse sentido, os juízos sobre membros da mesma categoria podem continuar sendo realizados, ainda que o conhecimento mais específico esteja desintegrado (Garrard et al., 1997).
A memória nas atividades cotidianas: memória prospectiva Os estudos da memória têm, de acordo com Neisser (1982), dois enfoques possíveis: o estudo da memória para os eventos do passado, o que se conhece como memória retrospectiva, e o estudo da memória para os eventos ou intenções que se realizam no futuro, denominada memória prospectiva ou a “lembrança de realizar ações em um determinado momento”. A memória prospectiva supõe uma formulação de um plano de ação (que não pode ser realizado de forma imediata), o armazenamento de uma seqüência de alternativas, até
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a eleição da mais adequada, e um intervalo entre a intenção e a realização no momento e lugar previamente planejado. A característica essencial da memória prospectiva é que a realização da ação é auto-iniciada e é o próprio indivíduo que deve iniciá-la em um determinado momento. Este aspecto é vulnerável aos processos de envelhecimento e, em geral, constitui uma das freqüentes queixas de dificuldades. A memória prospectiva é uma memória que utilizamos continuamente nas atividades da vida diária: pagar as contas, fazer ligações telefônicas, tomar a medicação, etc. Além disso, supõe-se que os planos ou intenções prospectivos devem modificar-se de forma permanente para se adequar às circunstâncias de mudança. Estabelecer as relações entre as funções de memória prospectiva ou a lembrança de realizar as intenções no futuro e a lembrança de eventos do passado constitui uma das questões teóricas mais importantes. Contudo, uma relação ainda obscura constitui a determinação de se ambas as memórias (prospectiva e retrospectiva) utilizam os mesmos processos mentais e se elas requerem habilidades cognitivas diferentes. A memória retrospectiva e a prospectiva não sofrem uma dupla dissociação nos pacientes amnésicos (Bisiachi, 1996; Einstein e McDaniel, 1996; Shallice, 1988). Isto evidencia que ambas constituem duas habilidades que compartilham recursos comuns. De acordo com esses autores, descreve-se a existência de uma dissociação simples, ou seja, um comprometimento da memória prospectiva com uma conservação da memória retrospectiva. Autores como Brandimonte (1991) e Kvavilashvili (1987) consideram que o que distingue a memória prospectiva da retrospectiva é a última etapa que implica “lembrar-se de lembrar”. Kvavilashvili (1987) defende esta postura ao não encontrar uma correlação entre “a probabilidade de recordar uma intenção e a probabilidade de recordar o conteúdo de uma intenção”. Afirma que o conteúdo da intenção forma parte da memória retrospectiva e que a lembrança da intenção constitui o componente prospectivo. Cabe, finalmente, perguntar se existem modalidades diferentes para codificar intenções, episódios ou conhecimentos.
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Como já salientado, existem indubitavelmente dois sistemas de memória de longo prazo: um vinculado à aquisição e à recuperação de habilidades e capacidades, dentro do qual se inclui a linguagem, a memória semântica; e outro que serve para a lembrança de situações e episódios específicos, a memória episódica (Sherry e Schacter, 1987). Segundo Dalla Barba (1993, p. 246): É possível pensar que ambos os sistemas também estejam operando na memória prospectiva, sendo que muitas das ações que tomam parte das atividades da vida diária são prospectivas, no sentido de que constituem hábitos, os quais correspondem à expressão de intenções implícitas, como é o caso de escovar os dentes (o que não requer necessariamente uma evocação explícita).
Hitch e Ferguson (1991) consideraram a existência de três momentos na lembrança prospectiva: a formação de uma intenção, a lembrança da mesma durante um intervalo e sua realização no momento determinado. Os estágios análogos na memória retrospectiva são a codificação, o armazenamento e a evocação. Os autores concluíram que existem leis empíricas similares que governam a lembrança de eventos passados e as intenções postergadas. A realização de uma intenção postergada e de suas ações associadas são descritas a partir da consideração de etapas, as quais implicam diferentes modalidades de processamento que não dependem exclusivamente da memória. De acordo com o Modelo de Ellis (1996), a formação e a codificação da intenção e suas ações (aquilo que nos propomos fazer) constituem a primeira fase. É altamente provável que as operações de planejamento recebam a influência do grau de motivação que gera a intenção e exerçam influência sobre a eventual representação da intenção postergada. A segunda fase corresponde ao intervalo; e a terceira, ao período ou “janela oportuna” para recuperar a intenção (Harris e Wilkins, 1982). A intenção pode ser recordada em diferentes oportunidades durante o intervalo, mas a correta realização dependerá do reconhecimento do contexto apropriado, ou seja, o “quando”, que, por sua vez, deverá associar-se com o
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“que” da intenção. A quarta fase corresponde à iniciação e execução da intenção postergada. A posterior avaliação dos resultados corresponde à quinta fase que é a que atua como controle e que impede uma repetição da ação realizada (Figura 4.2). A recuperação da intenção constitui um ato voluntário ou deliberado que pode ser originado em si mesmo ou a partir da intervenção que nos lembra a intenção; pode também ocorrer de forma espontânea sem a necessidade de uma lembrança direta ou deliberada. A freqüência e a quantidade de repercussões produzirão um efeito na eventual realização da intenção postergada. O exercício introspectivo do que nos aparece na mente quando planejamos uma intenção inclui uma integração do contexto, do mesmo modo como ocorre quando realizamos
uma recuperação de informação autobiográfica, já que se produz uma construção do cenário imaginado, apoiado em nossas memórias episódicas e semânticas. Esse ato cognitivo obtém informação da memória retrospectiva e, possivelmente, compartilha semelhanças com outros eventos mentais, tais como a imaginação e a fantasia, sendo que, no caso da intenção, tem uma finalidade precisa (Koriat, BemHur e Nussbaum, 1990). Essa possibilidade de imaginar o palco no qual se realizará a ação tem sido descrita por Koriat e colaboradores (1990, p. 568) como “as propriedades imaginadas de um ato representado mentalmente”, e explicaria como esta antecipação do cenário futuro favoreceria a realização da tarefa postergada, a partir da ativação do contexto evocado. Assim, a imaginação de um cenário futuro se realizará a partir do
FIGURA 4.2 Um modelo revisado do processamento geral da informação. Extraído de E. Lovelace (1990). INDEX BOOKS GROUPS
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processo de construção de uma representação mental que considerará as contingências da situação. A codificação da intenção incluirá vários marcadores, cuja quantidade e força dependerão da antecipação que se realizará no momento do planejamento. Como se produz, então, a ativação da intenção? De acordo com Mantyla (1996), há três fatores que interagem e que contribuem para recuperar a lembrança prospectiva: 1. o nível de ativação da representação subjacente do evento, onde se inclui o grau de sofisticação a serviço do planejamento; 2. as características das pistas, que atuam como estímulos geradores do comportamento planejado, e a disponibilidade dos recursos atencionais para a auto-iniciação; 3. o monitoramento das operações de recuperação. No primeiro fator, no qual intervem o planejamento e, portanto, a capacidade executiva, intervêm também as estruturas do lobo frontal. Nele se produz a tomada de consciência acerca das possibilidades alternativas de resolução que resultam da coordenação ou da confrontação da informação armazenada como uma solução biológica. Essa permite unir ou relacionar informações de diferentes modalidades, favorecendo a possibilidade de que o organismo reflita sobre as possibilidades de conduzir o comportamento para assim chegar à resolução mais adequada.
Modelos de níveis de processamento A partir dos estudos desenvolvidos por Craik e Lockhart (1972), foi elaborada uma teoria dos níveis de processamento que permite dar uma melhor explicação a respeito de como os processos de aprendizagem intervêm na memória de longo prazo. Segundo essa teoria, a atenção e a percepção são necessárias no momento da aprendizagem, além de serem determinantes para a seleção das informações que poderão ou não ser armazena-
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das. Isto possibilita a realização de uma análise mais superficial ou mais profunda, dependendo das características e da utilidade dessa informação. Uma análise superficial refere-se àquela realizada por processos iniciais da percepção ou os finais da execução da tarefa. Análises profundas, ao contrário, são aquelas que estão mais relacionadas à compreensão do significado. Assim, quanto maior a profundidade da análise da informação, maior será a capacidade de memorização e a duração do material memorizado. Craik e Tulving (1975) observaram que quanto maior a quantidade de processamento de um tipo específico de informação, melhor será sua aprendizagem e, conseqüentemente, melhor a fixação e a recuperação da memória de longo prazo. A teoria do nível de processamento também explica a memória de longo prazo a partir de dois conceitos: recordar e reconhecer. Essa teoria propõe que a lembrança é um processo de busca ou de recuperação seguido de um processo de reconhecimento vinculado à relevância da informação recuperada. O reconhecimento implica somente a identificação correta da informação. Sendo assim, a informação da memória de longo prazo seria mais bem recuperada em uma tarefa de reconhecimento do que em uma tarefa de lembrança livre. A tarefa de evocação livre é a mais freqüente das provas de memória. Solicita-se ao indivíduo que fale, escreva ou desenhe (ou qualquer outro tipo de resposta) uma determinada lembrança. Na tarefa de reconhecimento, é cancelado o processo de evocação e é nesse caso que se solicita a identificação de um elemento já aprendido que deve estar armazenado pela memória. Por exemplo, após o aprendizado de uma lista de palavras, pergunta-se se a palavra “gato” estava presente ou não na lista. Ela exclui a etapa de evocação, uma vez que a informação é dada pelo examinador, e o indivíduo apenas reconhece essa informação como conhecida. McClelland e Rumelhart (1985) desenvolveram um modelo de processamento que faz referência àquele distribuído em paralelo (PDP) ou em redes conexionistas. Segundo a teoria
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deste modelo, os conhecimentos se distribuem a partir de suas características em diversas unidades. Dessa forma, se uma dessas unidades se altera, o sistema de memória poderá continuar funcionando razoavelmente bem. Assim, também é possível, pela generalização da informação, recordar uma informação cujo acesso está dificultado. Outra vantagem deste modelo é o fato de ele permitir que, a partir de informações sobre assuntos semelhantes, seja possível completar informações sobre alguma situação particular. O modelo mostrado na Figura 4.2 demonstra as relações entre as memórias de longo prazo e o executivo central, descrito anteriormente. Este faz referência a uma combinação de modelos de multiarmazéns (multistore) e de redes (networks) onde a memória de trabalho é ativada como um subcomponente da memória secundária. A memória de trabalho é composta de duas partes: 1. O componente de armazenamento da informação, como a alça articulatória, que guarda informação fonológica e articulatória; e o registro visuoespacial, que guarda informação visual e de imagens. 2. O executivo central, que realiza um processamento ativo da informação. O restante do armazenamento secundário divide-se em duas memórias genéricas, isto é, em memória semântica e episódica (Lovelace, 1990).
Tarefas de memória de trabalho A modalidade mais freqüente de avaliar a memória de trabalho é a aplicação do paradigma de Brown Petersen (Petersen, 1966). O examinador lê uma lista de letras ou de palavras e, depois de uma atividade distratora, solicita-se ao paciente a evocação dos estímulos dados previamente. Outra forma de avaliar essa memória consiste em solicitar ao indivíduo a evocação de uma série crescente de números que lhe são apresentados em modalidades direta e inversa, por meio de tarefas do WAIS-R Digit Span (Wechsler, 1981) ou WMS Mental Control (Wechsler, 1945). A apresentação pode ser oral ou visual. Anota-se o máximo rendimento que o indivíduo obtém. As tarefas de span de números e palavras em ordem direta são relativamente insensíveis ante o processo de envelhecimento, o que sugere que as mesmas não devam ser indicadoras do comprometimento da memória. O paradigma de Daneman e Carpenter (1980) utiliza a apresentação de frases (entre 12 e 16 palavras em cada frase) para leitura. Solicita-se unicamente ao indivíduo a evocação da última palavra de cada frase. Inicia-se com séries de duas frases e continua-se sua administração até a evocação correta das palavras que compõem cada série. Para cada série, são propostas três tentativas. À medida que se produz uma adequada realização, passa-se para a série seguinte, o que aumenta a complexidade pelo acréscimo de uma frase.
AVALIAÇÃO DA MEMÓRIA EXPLÍCITA Tarefas de memória episódica A avaliação da memória explícita requer estudos críticos que permitem identificar forças e fraquezas e que descrevem o possível impacto da dificuldade percebida no desempenho do indivíduo na vida diária. Os estudos tradicionais de laboratório avaliam a “capacidade” da memória. Nesse sentido, procuram entender a natureza dos mecanismos, compreender os princípios que permitem construir e avaliar os modelos teóricos e explicar os princípios subjacentes.
O exame clínico da memória episódica parte de dois conceitos diferentes. Um deles refere-se à capacidade de aprender novas informações, o que, ao transpor para a situação do cotidiano, equivale à retenção dos eventos mais recentes, atuais. O outro conceito é a capacidade de lembrar experiências de sua história. Essa diferença freqüentemente não é ressaltada na clínica, que considera que todos os testes de memória episódica avaliam um mes-
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mo constructo. A diferenciação entre a capacidade de reter e aprender novas informações e a de evocar experiências passadas é muito importante nos estudos do envelhecimento, pois idosos mostram dificuldade na primeira, porém não na segunda.
Tarefas para avaliar a capacidade de reter novas informações A modalidade habitual para o estudo da capacidade de reter novas informações propõe tarefas em que se pode operar por meio de: a) processo de fixação/encoding (fonêmico versus semântico); b) duração do intervalo da lembrança (imediato versus diferido); c) conteúdo do material (verbal versus não-verbal); d) tipo de material (não-organizado, como listas de palavras, versus organizado em categorias semânticas / listas de palavras em categorias semânticas versus material verbal mais estruturado, como textos); e) condições de recuperação por meio dos paradigmas de recordação livre, recordação com pistas e reconhecimento. As provas formais mais utilizadas na avaliação tradicional são a aprendizagem e a recordação de listas de palavras ou textos. Deste modo, a avaliação da memória episódica propõe a aprendizagem de uma lista composta de 12 a 16 palavras (dependendo da prova) apresentadas sucessivamente. As listas, normalmente, são formadas por palavras freqüentes da língua e, de acordo com os diferentes autores, podem corresponder ou não a determinadas categorias. Em geral, realiza-se cinco ou seis apresentações sucessivas das listas de palavras e solicita-se sua “recordação livre” e sua “recordação com pistas”, em forma imediata e tardia. Existem diversas variações dessas listas. Entre elas, menciona-se o RAVLT (Rey Auditory Verbal Learning Test); o CVLT (California Ver-
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bal Learning Test [Delis, Kramer, Kaplan e Ober, 1987]), adaptado para o espanhol por Artiola i Fortuny, Hermosillo Romo, Heaton e Pardee (1999); o WMS (Wechsler Memory Scale [Wechsler, 1945]), o Teste Seletivo Verbal de Buschke (Buschke, 1973) ou a prova de recordação com índices de Grober, Buschke, Kawas e Fuld (1985 – Enhaced Cued Recall). Algumas provas propõem uma lista alternativa para realizar a tarefa de “reconhecimento” em que as palavras-estímulo estão dispostas entre palavras distratoras. Desta maneira, promove-se uma modalidade de recuperação diferente das palavras aprendidas, e as variações na codificação dependerão dos recursos do indivíduo, da idade ou da patologia que motiva a avaliação. Entre as provas não-verbais para investigar a memória episódica encontra-se a Figura Complexa de Rey e suas variantes (Osterrieth, 1944). Alguns dos subtestes da bateria Wechsler para memória (1945 – WMS) são utilizados para estudar a memória episódica (memória lógica de textos, memória não-verbal e pares associados). A versão revisada (Weschler Memory Scale Revised – WMS-R, Wechsler, 1987) permite uma melhor análise desta memória, já que propõe um cálculo de índices de recordação tardia. Essas tarefas constituem medidas de avaliação intencionais (Moscovitch, 1992), uma vez que requerem estratégias de fixação e recuperação voluntárias.
Tarefas para avaliar experiências passadas Experiências passadas são avaliadas pela recordação dos eventos vividos pelo indivíduo, nos quais intervêm não somente a memória episódica, mas também a semântica. Utilizamse fotografias de “faces famosas”, a evocação de eventos históricos e a recordação de dados autobiográficos. O AMI (Autobiographical Memory Inventory [Kopelman, 1989]) contém diferentes indicadores sobre a memória pessoal do passado. Outras das metodologias utilizadas têm sido a prova de palavras-índices (Cued Autobiographical Test [Crovitz e Schiffman, 1974]).
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Tarefas de memória semântica Na avaliação formal da memória semântica são utilizadas tarefas que contemplam distintas vias de acesso ao conhecimento sobre o mundo. Uma possibilidade é solicitar ao indivíduo a geração de listas de palavras que correspondem a determinadas categorias verbais. Outra forma constitui a aplicação de provas de fluência fonológica, em que se solicita a produção da maior quantidade de palavras que correspondem a uma letra (COWAT [Benton e Hamsher, 1976]). Essas duas tarefas são realizadas no decorrer de 60 segundos, sendo anotado o máximo rendimento atingido. Outra maneira de avaliar a função é por intermédio da produção de definições de determinadas palavras, a denominação de objetos (ADAS [Rosen, Mohs, Davis, 1984]) ou lâminas que incluem palavras mais ou menos freqüentes no idioma (Boston Naming Test [Kaplan, Goodglass e Weintraub, 1983]). Hodges, Patterson e Tyler (1994) elaboraram uma bateria semântica com 48 estímulos (sendo metade composta por animais, e a outra metade, por objetos criados pelo homem) apresentados em diversas modalidades de input e output. As tarefas incluem nomeação de figuras, definição de palavras, classificação de figuras de acordo com categorias e assinalamento de determinada figura a partir de determinadas características apresentadas de forma verbal ou escrita.
Tarefas para avaliar a memória nas situações do cotidiano Por outra parte, as avaliações ecológicas têm um enfoque mais “funcional”. Seus objetivos são eminentemente práticos e úteis para predizer as dificuldades cotidianas e orientar o indivíduo em relação à utilização de recursos mais eficazes para conseguir os melhores resultados. A lembrança supõe uma variedade de situações diferentes, tais como a evocação das coisas que devemos comprar no supermercado, um número de telefone, colocar gasolina no carro, pagar as faturas nas datas de ven-
cimento e recordar o montante das mesmas, o que temos escrito no diário, etc. Tudo isso ocorre em um contexto rico de situações e eventos sobre os quais operam de maneira única as experiências pessoais, a história, a cultura, a emoção, a inteligência, a personalidade, etc., o que dificulta a generalização das modalidades de realização. A avaliação da memória em contexto cotidiano pode ser classificada em avaliações ecológicas ou naturalísticas. As primeiras são realizadas de duas maneiras: a partir do uso de questionários de auto-avaliação da memória ou por meio de avaliações no ambiente natural. Os questionários procuram captar os esquecimentos e os recursos de compensação que o indivíduo utiliza por meio de perguntas acerca do funcionamento da memória na vida diária e supõem uma introspecção ativa do indivíduo a respeito de seu rendimento mnésico. Porém, sua validade é questionada ainda que apresentem alta confiabilidade, apesar de serem úteis no sentido de permitirem um perfil de habilidades. Os estudos naturalísticos procuram reproduzir situações da vida diária de forma real, tratando de incluir procedimentos de controle e de padronização adequados que sejam informativos. Ainda que muitas vezes careçam de um marco teórico forte, estas avaliações permitem fazer predições práticas a respeito do impacto das dificuldades no desempenho cotidiano. A partir desses estudos, surgem novas inquietações, o que favorece o enriquecimento dos estudos de laboratório, uma vez que impõem metodologias mais disciplinadas às avaliações ecológicas. A inclusão da memória prospectiva como complemento da avaliação neuropsicológica formal resulta, como já foi mencionado, da necessidade de utilizar propostas ecologicamente válidas em termos do comportamento e do desempenho cotidianos. Sua avaliação permite refletir a freqüência e a gravidade do comprometimento da memória, incluindo seu impacto sobre a vida diária e seu ambiente. Inicialmente, se utilizou a prova desenvolvida no contexto da intervenção (reabilitação, estimulação) de memória, isto é, o teste de memória funcional (Rivermead Behavioral
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Memory Test, RBMT [Wilson, Baddeley e Cockburn, 1987]), que inclui medidas de recordação imediata e tardia e de acontecimentos prospectivos. Recentemente, foi criado um instrumento (Taussik, 2002) que contempla a apresentação de uma história juntamente com tarefas que irão aparecendo progressivamente e que o leitor deverá realizar nos momentos oportunos. A eleição de um texto informativo, ainda que neutro e que constitui em si mesmo uma tarefa de fundo, propõe uma tarefa dupla, já que requer a adequada utilização dos recursos de processamento. Normalmente, as intenções postergadas na vida diária ocorrem dentro de um contexto que corresponde à rotina habitual (que é relativamente neutra). A partir dessas considerações, solicita-se ao indivíduo que atenda ao conteúdo das instruções, ao mesmo tempo em que a leitura da história se converte em uma tarefa distratora, semelhante à que resulta da multiplicidade de atividades que formam parte da vida diária. O instrumento contempla a apresentação de três tipos de tarefas prospectivas: de evento, de tempo e de repetição. Essas tarefas, que aparecem de forma sucessiva, de modo semelhante às instruções dadas no curso da leitura do texto, propõem uma realização gradual na medida em que o contexto promove a situação específica relacionada com cada uma. Dessa maneira, as tarefas se vinculam a situações, que podem fazer referência: 1. a eventos, por exemplo, “quando vir tal palavra, anote o dia de hoje”; 2. a situações temporais, como, por exemplo, “em 15 minutos, devolva esse cartão ao examinador”; 3. a situações repetitivas, tais como “cada vez que vir a palavra condor, sublinhe-a”. Estas anotações têm por intuito replicar situações da vida diária, tais como “quando vir a Maria, avise-a de que João já a chamou”, vinculadas à lembrança de fazer chegar um recado no primeiro caso, ou “em 15 minutos apague o forno” para as situações vinculadas ao tempo, e no caso das repetitivas, o sujeito deve agir de acordo com situações mais relacionadas
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à rotina, como tomar uma medicação todas as manhãs.
Repercussão do envelhecimento na memória Nas pessoas de idade média, já se observam dificuldades de memória. Nos adultos mais velhos, isso se manifesta como uma vulnerabilidade da memória, ou seja, uma dificuldade para recordar os nomes de objetos e de adquirir novos aprendizados. A memória de trabalho e as memórias explícitas são as mais afetadas com o envelhecimento. As pessoas mais velhas manifestam queixas subjetivas de memória que afetam a memória de trabalho. No entanto, somente se observa um pequeno efeito de disfunção com o avanço da idade nas investigações de Craik (1977). A idade parece ter pouco efeito sobre alguns componentes da memória de trabalho, ou seja, sobre o sistema articulatório e o registro visuoespacial. O que é afetado significativamente é a flexibilidade e a capacidade do sistema executivo central, devido, segundo Baddeley (1986), a uma falha na eficiência dos sistemas frontais do cérebro. As falhas de memória de trabalho têm um impacto na capacidade do indivíduo para compreender textos difíceis e afetam a capacidade para realizar inferências (Cohen, Zacks e Hasher, 1988). Observa-se um aumento da vulnerabilidade atencional e, conseqüentemente, um aumento da distração. A leitura de textos depende intimamente dos processos de atenção, favorecendo a continuação da seqüência. Algumas hipóteses tentam estabelecer uma relação entre a memória de trabalho e o envelhecimento cognitivo: a redução dos recursos de processamento (Salthouse, 1991a, b) e a falha dos mecanismos de inibição da informação supérflua (Hasher e Zacks, 1988) reduzem a quantidade de informação a ser manipulada na memória de trabalho e impedem o tratamento da informação simultânea. A memória de trabalho exerce influência sobre a atenção dividida e, nesse sentido, também sobre a manutenção consciente de informação na memória de longo prazo e sobre a recuperação da informação do sistema de me-
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mória semântica (Becker, 1988; Morris, 1986). Sem ser um distúrbio específico de memória semântica, observa-se, em função disso, alterações em tarefas de acesso verbal. Quando um indivíduo manifesta dificuldades de memória, em geral, elas se referem à memória episódica para os eventos que têm ocorrido recentemente. Aparentemente, as falhas estão mais vinculadas a dificuldades na codificação e na recuperação do que a falhas no armazenamento da informação. As falhas no processo de codificação são produzidas pela falta de riqueza semântica, de diferenciação e de elaboração da nova informação. Observa-se uma falta de iniciativa em gerar recursos adequados tanto para a codificação quanto para a recuperação da informação (Craik, 1983, 1986). Esse déficit contrasta com a habilidade dos jovens em recodificar espontaneamente a informação, tornando-a mais rica e significativa. Provavelmente, a redução na eficiência e a dificuldade em gerar espontaneamente estratégias adequadas descritas no envelhecimento respondem a uma ineficácia no processamento cortical. Entretanto, explicações psicológicas referem uma redução da “energia mental” ou da “capacidade atencional” (Rabinowitz, Craik e Ackerman, 1982; Salthouse, 1982). Por outro lado, as falhas no processo de recuperação, que implicam a dificuldade em evocar a informação armazenada (evocação de nomes de palavras ou de pessoas), em reconhecer faces e em recordar o lugar onde conheceu tal face, constituem uma queixa freqüente nos adultos mais velhos. Isso ressalta a ineficácia no processo e constitui uma questão que gera grande frustração. A recuperação é um processo auto-iniciado, ou seja, o indivíduo deve extrair pistas adequadas da própria tarefa ou do contexto. É função do lobo frontal integrar os detalhes contextuais e os eventos e, aparentemente, este é um aspecto que declina com a idade (Schacter, 1997; Shimamura e Squire, 1987). Em geral, as pessoas mais velhas referem ter uma melhor capacidade para recordar de forma real eventos do passado, e isso se deve ao fato de que estes estão mais carregados emocionalmente. No entanto, constituem, em ge-
ral, reconstruções que carecem de precisão (Kopelman, 1991). A memória semântica é mais preservada do que a memória episódica com o passar dos anos. A memória do vocabulário ou de conhecimentos gerais, como é avaliada nas provas de QI, não mostra nenhum declínio – ou apenas um leve declínio com a idade (Salthouse, 1982, 1991b). Bowles e Poon (1985) descrevem uma redução quando se solicita ao indivíduo evocar palavras a partir da definição. A evocação de nomes e a dificuldade mais conhecida como o “fenômeno da ponta da língua” constituem falhas freqüentes nos adultos mais velhos. Craik (1991) previu que as dificuldades seriam maiores, particularmente para a memória prospectiva, uma vez que o processo de recuperação é auto-iniciado e não tem possibilidade de se apoiar no recurso contextual. De acordo com os trabalhos realizados por Maylor (1996), existe um aumento da probabilidade de esquecimentos nos idosos. Existem evidências de que a memória prospectiva na vida adulta não é homogênea, ocorrendo uma inversão da curva de Gauss. Em um estudo realizado por Mantyla e Nilsson (1997), em uma população de 35-80 anos, solicitou-se aos indivíduos que realizassem uma tarefa de memória prospectiva única, que consistia em lembrar o examinador de assinar um documento após o período de avaliação. Os resultados mostraram uma tendência positiva na população de 3545 anos, mas apontaram um declínio nos idosos. As falhas de memória vinculadas ao fato de “propor-se realizar algo, mas não lembrar o quê” constituem dificuldades que se relacionam com os conteúdos das tarefas e que sofrem um aumento linear com a idade como resultado de certa vulnerabilidade na capacidade de codificação, que exerce um impacto particularmente nas tarefas prospectivas. Isso pode ser interpretado como a dificuldade dos adultos e, em especial, dos adultos mais velhos, de utilizar os recursos cognitivos para a organização das diferentes atividades que compõem as rotinas diárias. Assim, para alcançar os objetivos vinculados “às coisas que nos propomos fazer”, é necessário conservar diferentes tipos e quantidades de informação na memória atra-
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vés de pistas ou de marcadores que permitam diferenciar as condições iniciais para a posterior realização da ação. Nos indivíduos adultos, e particularmente nos adultos mais velhos, observa-se uma diminuição da energia posta a serviço dos recursos de processamento, o que produz um déficit na eficiência da capacidade de planificar e de recordar. O planejamento adequado das intenções requer variados recursos atencionais em relação ao tipo, à complexidade e à importância das ações a serem realizadas. Isso supõe uma atividade cognitiva “com esforço” e a implementação de recursos de facilitação externos ou internos. A diminuição no rendimento geral na prova de memória prospectiva é evidente em indivíduos com esquecimentos benignos, especialmente os mais idosos (Taussik, Parente e Figueroa, no prelo). As dificuldades na realização de cada uma das ordens são postas em evidência, tendo em conta que os recursos que o contexto inerente à tarefa oferecem são baixos e a auto-iniciação que a atividade propõe é alta. Evidenciou-se uma grande dificuldade, particularmente nas propostas que incluíram tarefas de evento e de tempo, constituindo estas as que melhor discriminaram as populações estudadas. Estas são tarefas que requerem um maior esforço de planejamento, de controle do comportamento e de auto-iniciação, o que só pode ser conseguido por meio de um sistema executivo central eficiente. Na população com queixas de memória, observa-se, em geral, uma falta de iniciativa na etapa de planejamento da intenção para cada uma das tarefas propostas. Finalmente, a memória prospectiva requer que se produza uma adequada antecipação, coordenação e seqüenciamento das intenções, o que constitui uma função dos processos executivos.
CONCLUSÃO O processo de envelhecimento ocorre como conseqüência do acúmulo dos efeitos ambientais que interagem com o organismo e se relaciona com os processos geneticamente programados das mudanças produzidas pelo
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efeito do tempo, mas não ocorrem para todas as pessoas do mesmo modo e no mesmo momento. Em geral, os indivíduos têm uma percepção subjetiva de déficit em seu funcionamento, o que constitui uma queixa universal (Poon, 1985). É necessário compreender a modalidade de processamento da informação, as demandas da própria tarefa e as características do indivíduo, além de considerar as perspectivas do contexto e das interações para entender o envelhecimento e as funções cognitivas. Descreve-se uma importante dificuldade na manipulação ativa da informação pela memória de trabalho, que se operacionaliza como uma dificuldade da atenção dividida e que afeta o processamento, e não a capacidade da mesma. Isso é produzido pela falta de estratégias adequadas de organização e pela dificuldade em gerar processos elaborados que afetam a codificação (Poon, 1985; Smith, 1980), o que se reflete tanto em tarefas de memória episódica quanto em tarefas de memória prospectiva. São as tarefas auto-iniciadas que requerem um maior esforço na codificação ou no planejamento e que são altamente vulneráveis ao processo de envelhecimento, já que requerem uma maior demanda atencional (Hasher e Zacks, 1979). Ocorre também uma redução da integração dos dados do contexto e das fontes que estão presentes no momento de codificar a nova informação (McIntyre e Craik, 1987). O efeito da idade também pode ser evidenciado na velocidade para a recuperação da informação (Salthouse, 1985a, b) e em tarefas de evocação. Observa-se, no entanto, uma conservação de tarefas de reconhecimento e de memória implícita. A memória episódica, vinculada à memória explícita para a nova informação, é a que mostra maior efeito da idade. Em contrapartida, vemos um efeito menor de idade sobre a memória semântica e as informações procedurais (Mitchell, 1989). Conhecer a maneira como os efeitos do envelhecimento modulam a memória complementa a informação a respeito da atividade cognitiva e permite o desenvolvimento de procedimentos de compensação que favorecem o desempenho eficiente. É interessante conside-
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rar que a crença de que o envelhecimento constitui um “período de deterioração inevitável” está sendo atualmente desafiada, a partir da consideração do aumento do número de indivíduos que envelhecem não somente de forma ativa, mas também criativa.
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5 Memória implícita e envelhecimento Antônio Jaeger
CONCEITOS TRABALHADOS
declarativas que inicialmente geraram o sentimento.
Memória implícita: são memórias que não podem ser facilmente trazidas à consciência e podem ser adquiridas por intermédio de um contato mínimo com o estímulo.
Memória de procedimento: o aprendizado de habilidades motoras, também conhecido como aprendizado procedural ou memória de procedimento, consiste na capacidade de se memorizar como se realizam determinadas tarefas essencialmente motoras (por exemplo, andar de bicicleta, jogar tênis ou lavar pratos).
Aprendizado implícito: o aprendizado implícito envolve um certo nível de complexidade e é exemplificado por memórias para padrões complexos, como, por exemplo, regras gramaticais. Pré-ativação: consiste em um armazenamento de informações em um nível de processamento basicamente perceptual e inconsciente e opera facilitando a detecção ou identificação de um estímulo com o qual se tenha tido um contato recente. Aprendizado perceptual: refere-se a um tipo de aprendizado não-declarativo que ocorre ao longo de várias experiências repetidas. Ele consiste, basicamente, no fato de a pessoa tornar-se perita em discriminar aspectos específicos de determinado estímulo, após um número significativo de contatos com o mesmo. Aprendizado emocional: é um processo de memorização não-declarativo e se refere ao armazenamento de sentimentos e de emoções relativos a determinadas situações, lugares específicos, pessoas, etc. Ocorre de maneira independente e em paralelo com as lembranças
Aprendizado de hábitos: este tipo de aprendizado consiste na memorização dos conhecimentos básicos e repetitivos para se funcionar minimamente bem frente às tarefas do cotidiano. Um exemplo disso pode ser o conhecimento de como se comportar adequadamente em determinada situação social. Processos de categorização: habilidade de se inserirem estímulos em categorias específicas, como, por exemplo, inserir um ser vivo que possui penas, asas e é capaz de voar na categoria “ave”.
TAREFAS DESCRITAS 1. Pré-ativação: a. Decisão lexical. b. Identificação de palavras. c. Complementação de palavras. d. Figuras fragmentadas.
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2. Aprendizado perceptual: a. Paradigma de Karni e Sagi. b. Aprendizado de figuras fragmentadas. 3. Aprendizado e pré-ativação emocional: a. Paradigma de vigilância e evitação. b. Stroop emocional. 4. Memória de procedimentos: a. Leitura em espelho. b. Seqüências digitais (paradigma de Karni). c. Formação de conceitos. d. Geração de exemplares para categorias.
discrepância deve ocorrer devido à crescente quantidade de estudos de processamentos implícitos produzidos pela psicologia cognitiva e também pela crença de que não existe declínio nesses processos com o avanço da idade. Como será discutido adiante, atualmente surgiram alguns trabalhos apontando que, em certas circunstâncias, ocorre um ligeiro declínio nas memórias implícitas durante o envelhecimento, as quais têm sido a base das intervenções dirigidas a pacientes com dificuldades de memória. Portanto, os estudos das circunstâncias que as mantêm e que provocam seu declínio são de especial relevância, a fim de que seja possível elaborar estratégias adequadas de propostas terapêuticas.
INTRODUÇÃO Existem inúmeros modos de classificar e de estudar os sistemas de memória. Uma das maneiras é dividindo os processos mnemônicos em memória explícita ou declarativa e memória implícita ou não-declarativa. Como mencionado no capítulo anterior, a primeira refere-se às memórias que podem ser trazidas com relativa facilidade à consciência. Consiste, por exemplo, em lembranças autobiográficas ou em conhecimentos sobre determinado assunto que podem ser expressos em palavras. A segunda consiste em memórias que não podem ser facilmente trazidas à consciência. Podem ser conhecimentos motores ou sensoriais, ou conhecimentos utilizados de maneira automática, como, por exemplo, a habilidade de falar de acordo com regras gramaticais das quais não se está consciente (Graf e Schacter, 1985; Seger, 1994). Este capítulo descreverá os vários modelos de memórias implícitas ou não-declarativas estudados até o momento, as principais tarefas de pesquisa desenvolvidas para a investigação desses tipos de memórias e o desempenho das mesmas ao longo da vida, principalmente durante o processo de envelhecimento. Diferentemente da grande quantidade de estudos sobre memórias explícitas no envelhecimento, os estudos sobre a memória implícita são mais recentes e em número menor. Essa
EVOLUÇÃO DAS IDÉIAS SOBRE MEMÓRIA IMPLÍCITA A observação da existência de processos de memorização que ocorrem de modo independente de processos conscientes está presente na literatura desde o século XVII, sendo que as primeiras referências a este tipo de processo foram realizadas por René Descartes. Ele afirmava, por exemplo, que experiências aversivas ocorridas na infância podem continuar marcadas no cérebro da criança por toda sua vida, mesmo que estas não possuam mais nenhum traço de memória do episódio crítico (Schacter, 1987). Desde essa época, muitos cientistas e pensadores referiram-se à existência de processos implícitos de memorização, como, por exemplo, Leibniz (2000) e Freud e Breuer (1987). Nos trabalhos de Ebbinghaus, realizados no final do século XIX e já dentro da psicologia experimental, havia referências a um sistema de armazenamento de informações que não envolvia consciência (Ebbinghaus, 1885, citado por Schacter, 1987). Entretanto, estudos experimentais mais elaborados que abordam este assunto só vieram a se realizar posteriormente a partir dos trabalhos de Reber (1967) sobre aprendizado de gramática artificial. O interesse dos pesquisadores pelo assunto tomou
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proporções ainda maiores nos anos de 1980 com os estudos de Berry e Broadbent (1984).
MEMÓRIA IMPLÍCITA E APRENDIZADO IMPLÍCITO Neste ponto, é importante fazer uma distinção entre memória implícita e aprendizado implícito, pois, apesar de não haver nenhuma fronteira bem-definida entre os dois conceitos, Seger (1994) relata que a memória implícita envolve memória para estímulos específicos, como a memória para palavras ou letras apresentadas individualmente. Ela pode ser adquirida por meio de um contato mínimo com o estímulo, como, por exemplo, com uma única apresentação de uma palavra específica. O aprendizado implícito, por outro lado, envolve memórias para padrões, como regras gramaticais ou a seqüência de apresentação de determinadas letras. Exemplos desse tipo de aprendizado são experimentos que investigam o desempenho de sujeitos no armazenamento de regras gramaticais artificiais (Reber, 1989). As informações armazenadas no aprendizado implícito devem possuir um certo nível de complexidade, não podendo resumir-se, por exemplo, a uma única e simples associação de estímulos, como é o caso das memórias implícitas (Seger, 1994). Seger (1994) descreve ainda um critério neuropsicológico que pode servir como guia na distinção entre memórias implícitas e aprendizados implícitos, de conhecimentos explícitos. Este consiste na preservação dos primeiros em casos de amnésia. Essa preservação demonstra que os dois tipos de memórias são armazenados em regiões cerebrais diferentes, sendo as memórias explícitas predominantemente armazenadas no hipocampo, e o conhecimento implícito, em alguma região fora deste sítio.
TIPOS DE MEMÓRIA IMPLÍCITA A seguir, serão apontados tipos distintos de processos implícitos, os quais consistem em
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pré-ativação (fenômeno também conhecido como priming), em aprendizado perceptual e emocional, em aprendizado de habilidades motoras e de hábitos e em capacidade de formar categorias.
Pré-ativação O tipo de memória implícita denominada pré-ativação consiste no armazenamento de informações em um nível de processamento basicamente perceptual e inconsciente e opera facilitando a detecção ou identificação de um estímulo com o qual se tenha tido um contato recente. Dessa forma, a capacidade das pessoas para detectar e identificar objetos e palavras torna-se maior se elas tiverem tido alguma experiência prévia com esses estímulos. Por exemplo, um indivíduo terá maior facilidade de nomear figuras geométricas que já tenha visualizado em um momento anterior do que figuras geométricas com as quais não tenha tido contato recente. Isso ocorre independentemente do fato de esse indivíduo poder recuperar essas informações, utilizando-se de processos conscientes de recordação, ou seja, quando ele nomeia mais facilmente os estímulos já apresentados, não precisa lembrar-se conscientemente de ter visto esses estímulos (Schacter, 1987). Um exemplo desse fenômeno no cotidiano é quando ouvimos o nome de uma cidade que conhecemos. Provavelmente em poucos segundos teremos mais facilidade de lembrar o rosto ou o nome de pessoas conhecidas que residem nessa cidade.
Aprendizado perceptual e emocional O aprendizado perceptual refere-se a um tipo de aprendizado não-declarativo que ocorre de maneira gradual. Diferentemente da préativação, que pode ocorrer frente a uma única experiência do indivíduo com o estímulo, o aprendizado perceptual desenvolve-se ao longo de várias experiências repetidas. Ele consiste, basicamente, no fato de a pessoa tornar-
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se perita em discriminar aspectos específicos de determinado estímulo após um número significativo de contatos com o mesmo. Estimase que isso ocorra devido a mudanças em estruturas do sistema sensorial do córtex que é responsável pelo recebimento inicial de informações provindas do meio externo (Goldstone, 1998), e isso torna estas estruturas mais aptas para processar com maior precisão os atributos perceptuais simples dos estímulos. Assim, quanto mais contato o indivíduo tiver com o estímulo, mais características desse estímulo serão armazenadas e menos tempo será necessário para a recuperação da memória. Esta é a base dos modelos de aprendizado perceptual, sugerindo que o desempenho dos indivíduos em determinadas tarefas está diretamente ligado à quantidade de experiência que estes possuem com o estímulo (Karni, 1996). Assim, o médico dermatologista tem muito mais facilidade de realizar um diagnóstico preciso quanto maior tiver sido o contato com a doença específica em ocasiões anteriores; as pessoas, de forma geral, têm maior facilidade para identificar palavras faladas quando a voz utilizada é de uma pessoa familiar. O aprendizado emocional é outro processo de memorização considerado não-declarativo e se refere ao armazenamento de sentimentos e emoções relativos a determinadas situações, lugares específicos, pessoas, etc. É considerado não-declarativo por ocorrer de maneira independente e em paralelo com as lembranças declarativas que inicialmente geraram o sentimento (Aguado, 2002). Dessa forma, se alguém passa por uma experiência emocionalmente negativa nos primeiros anos da infância, durante a vida adulta a pessoa pode não se lembrar da situação traumatizante que vivenciou, mas pode reativar os sentimentos de maneira intensa frente a situações semelhantes àquela vivenciada.
Memória de procedimento e aprendizado de hábitos O aprendizado de habilidades motoras, que também é conhecido como aprendizado procedural ou memória de procedimento,
consiste na capacidade de se memorizar como se desempenham determinadas tarefas essencialmente motoras, como, por exemplo, andar de bicicleta, jogar tênis ou lavar pratos. Para a recuperação desse tipo de memória, não é preciso ter acesso a conhecimentos declarativos e nem mesmo tornar conscientes os passos necessários para sua execução. A evidência de que as habilidades motoras configuram-se como um tipo específico de memória deu início a observações que sugeriam haver uma diferenciação entre a representação de memórias declarativas e não-declarativas no cérebro (Kandel, Schwartz e Jessel, 1995). Este fato é ilustrado pelo bem divulgado caso do paciente H.M., que, apesar de possuir amnésia completa para informações declarativas, manteve sua capacidade para aprender habilidades motoras, como, por exemplo, desenhar o contorno de uma estrela olhando-a através de um espelho. O aprendizado de hábitos é um tipo de aprendizado não-declarativo semelhante ao aprendizado de habilidades motoras, pois consiste em aprender procedimentos para se funcionar de maneira eficaz no mundo. Desde a infância, aprende-se um repertório composto de inúmeros comportamentos e de hábitos resultantes de treinamento. Esses hábitos levam os indivíduos a funcionar de maneira relativamente proveitosa em determinadas situações, sem que necessitem utilizar conhecimentos declarativos específicos. Por exemplo, nós dizemos “olá” quando encontramos um amigo, pedimos o cardápio quando sentamos à mesa de um restaurante, etc. As pessoas utilizam esse tipo de conhecimento constantemente sem ter necessariamente consciência de que o estão fazendo. Esse tipo de aprendizado também está relacionado ao que geralmente chama-se de intuição, pois é um meio de se lidar com situações para as quais não se possuem capacidades mnemônicas declarativas suficientes para se prever o seu desenrolar (Squire e Kandel, 2003).
Processos de categorização Um aspecto importante relacionado à capacidade de se formarem memórias refere-se
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à habilidade de serem inseridos estímulos em categorias específicas, como, por exemplo, inserir os estímulos cadeira, mesa e sofá na categoria móveis. Essa capacidade humana de categorização é construída por inúmeros contatos mantidos com representantes de determinadas categorias e, segundo Ashby e Waldron (1999), é um aprendizado que ocorre independentemente do armazenamento de exemplos específicos na memória declarativa. De acordo com esses autores, o sistema encefálico responsável por criar estas categorias deve operar de maneira independente do sistema responsável pela formação de memórias declarativas. O estudo de pacientes amnésicos identificou que mesmo quando o sistema de memória declarativa está inoperante, esses pacientes mantêm sua capacidade de descobrir e de reter as regularidades existentes entre grupos de itens. Em outras palavras, eles mantêm sua capacidade de realizar processos de formação de conceitos e de classificação, ainda que não possam utilizar estratégias conscientes para isso.
AVALIAÇÃO DA MEMÓRIA IMPLÍCITA Cada tipo de memória implícita é estudado por meio de tarefas específicas, criadas exatamente para a sua investigação. A seguir, serão apresentadas algumas delas.
Pré-ativação Para se constituir uma prova para avaliar a pré-ativação, são utilizadas tarefas nas quais os participantes não têm consciência de que estão sendo examinados quanto à sua memória. São tarefas que utilizam um meio indireto de avaliá-la. Todas as provas de pré-ativação são constituídas por duas etapas: a primeira, denominada fase de estudo, é a fase de exposição aos estímulos. Tendo por base que nessa fase não são apresentadas provas de memorização explícitas, ou seja, os participantes não são instruídos a memorizar informações, são tarefas comuns de apreciação de estímulos (“diga-me
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quais dessas palavras designam objetos agradáveis e quais objetos desagradáveis), de correção ortográfica (“mostre quais palavras estão escritas corretamente e quais não estão”), etc. Na segunda fase, apresenta-se uma prova, na qual é possível medir a rapidez ou a eficácia da apresentação dos estímulos apresentados anteriormente, em oposição a um número igual de estímulos novos. Espera-se um tempo menor ou uma melhor acurácia para os estímulos que foram apresentados antes. As tarefas utilizadas tradicionalmente nessa segunda fase consistem em tarefas de decisão lexical, de identificação de palavras, de completar palavras e de identificação de figuras fragmentadas, a qual utiliza estímulos figurativos em vez de palavras escritas. Nas tarefas de decisão lexical, os sujeitos são instruídos a decidir se um conjunto de letras constitui uma palavra ou não. O efeito de pré-ativação manifesta-se pela diminuição do tempo necessário para realizar a tarefa, quando é apresentado ao sujeito pela segunda vez a mesma palavra (Zeelenberg, Shiffrin e Wagenmakers, 2004). Nas tarefas de identificação de palavras são realizadas exposições rápidas de um estímulo, que podem ter duração de aproximadamente 30 milissegundos, sendo que os sujeitos devem identificar esse estímulo o mais rápido possível. A pré-ativação, nesta tarefa, será demonstrada pelo aumento da capacidade dos indivíduos em identificar corretamente os itens que foram expostos anteriormente, assim como pela diminuição do tempo necessário para a realização desta identificação (Ding, Peng e Taft, 2004). Para a realização da tarefa de complementação de palavras, são apresentadas aos sujeitos as letras iniciais de palavras ou fragmentos de palavras, como, por exemplo: “cad____” para a palavra cadeira, ou “_ss_ss__o” para a palavra assassino. Os sujeitos são instruídos para completar a lacuna, baseando-se na primeira palavra que vier à mente. O efeito de pré-ativação manifesta-se por uma tendência de os sujeitos completarem as lacunas formando palavras que já foram apresentadas em um momento anterior, na fase de estudo (Schacter, 1987). A tarefa de figuras fragmentadas também consiste em duas fases e utiliza estímulos figu-
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rativos com diferentes graus de fragmentação. Na primeira fase, denominada fase de estudo, é apresentada aos participantes uma série de sete objetos (desenhos de objetos conhecidos, como um avião ou uma camiseta). Após 30 minutos de intervalo, inicia-se a segunda fase, denominada fase de teste. Para cada objeto apresentado anteriormente para um número igual de objetos novos, são elaboradas oito versões de seu desenho, variando de uma versão mais fragmentada até a versão completa (Figura 5.1). Essas versões são apresentadas de maneira gradual, começando com a versão mais fragmentada e terminando com a completa. A tarefa dos sujeitos é identificar corretamente e o mais rápido possível o objeto apresentado, e contamse a média de tempo para a identificação e o nível de fragmentação em que o objeto se encontra no momento da identificação. A pré-ativação é observada nesta tarefa quando os sujeitos necessitam de um período de tempo menor para identificar na fase de teste um objeto que já tenha sido apresentado na fase de estudo.
Aprendizado perceptual e emocional No que tange ao aprendizado perceptual, os experimentos realizados por Karni e Sagi (1991; 1993) e Karni (1996) forneceram dados muito importantes. Eles utilizaram um estímulo que consistia na apresentação de uma textura de pequenos traços horizontais idênticos na tela de um computador e um ponto de fixação (a letra “T” ou “L”) exatamente no centro do monitor. Em cada apresentação havia três traços que eram apresentados de maneira diagonal, sendo que eles eram arranjados vertical ou horizontalmente, de maneira diferente da textura de traços horizontais (Figura 5.2). Os sujeitos eram instruídos a manter a visão no ponto de fixação, a decidir em qual das duas letras consistia e a responder se os três traços diagonais eram apresentados de maneira vertical ou horizontal. Apesar de a posição desses três traços variar randomicamente para cada apresentação, eles se localizavam sempre no mesmo quadrante (por exemplo, o quadrante superior direito). Sendo assim, os três traços diagonais eram captados sempre pelos receptores sensoriais visuais responsáveis por aquela área do campo visual. O objetivo principal deste experimento era justamente verificar se os sujeitos pelo treino adquiriam maior facilidade para decidir a posição desses três traços diagonais, utilizando os receptores visuais específicos para aquela área de visão. Cada apresentação do estímulo tinha a duração de 10 milissegundos; após, havia um intervalo durante o qual a tela ficava em branco, e seguia-se a apresentação de um padrão de estímulos confusos (vários símbolos seme-
FIGURA 5.1 Exemplo do conjunto de figuras fragmentadas do estímulo “bolo” (experimento utilizado por Bartz e Parente, 2004).
FIGURA 5.2 Teste de aprendizado percentual (extraído de Squire e Kandell. Memória. Porto Alegre: Artmed, 2003).
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lhantes a “<”). Esse intervalo era o tempo disponível para o processamento da informação apresentada (e sua pós-imagem), e sua duração era controlada com intuito de se monitorar o tempo que cada sujeito possuía para processar o estímulo corretamente (Karni, 1996). Os sujeitos realizavam mil tentativas por dia, durante o período de duas semanas. No primeiro dia, eles necessitavam de um intervalo médio de 132 milissegundos após a apresentação do estímulo para acertarem 80% das tentativas de responder se os três traços estavam organizados de modo vertical ou horizontal. Após vários dias de treino, os sujeitos necessitavam, em média, de 48 milissegundos para acertar o mesmo percentual de tentativas (Karni, 1996). Isso demonstra a ocorrência de um aprendizado perceptual estável, que se localiza nos estágios iniciais do processamento sensorial do córtex visual. Esse aprendizado é extremamente específico, pois os autores demonstraram que se o quadrante em que os três traços são apresentados for trocado, por exemplo, deixam de ser apresentados no quadrante superior direito e passam a ser apresentados no inferior esquerdo, e os sujeitos necessitam novamente de tempos maiores para responder corretamente ao estímulo (o mesmo tempo necessário no primeiro dia do aprendizado realizado no quadrante anterior). O paradigma de figuras fragmentadas, utilizado em pré-ativação, também é adaptado para o aprendizado perceptual. Na fase de estudo, no caso de aprendizado perceptual, é oferecido aos participantes um treinamento de identificação de figuras fragmentadas. O efeito desse aprendizado é a comparação de identificação de figuras novas após a primeira fase, com a identificação inicial das figuras utilizadas na fase de estudo. No que se refere a estudos que abordam a relação entre emoções e processos de memória, alguns investigam esses processos em indivíduos com ansiedade traço ou transtorno de ansiedade (Lundh et al., 1999), e outros estudam indivíduos com transtornos do humor (McCabe e Gotlib, 1995). Através de estudos que visavam a investigar o desempenho mnemônico de indivíduos com transtornos de ansiedade, verificou-se que estes possuem uma
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menor capacidade para armazenar informações geradoras de ansiedade na memória explícita. Em contrapartida, demonstrou-se que eles possuem maior facilidade de armazenar essas informações na memória implícita (Mogg, Mathews e Weinman, 1987; Mathews et al., 1989; Mathews e MacLeod, 1994). Estudos mais recentes tiveram dificuldade de sustentar este último achado. Eles encontraram pouca evidência de que esses indivíduos formam memórias implícitas para estímulos ansiogênicos mais facilmente do que indivíduos não ansiosos (Amir, Foa e Coles, 1998; Harrison e Turpin, 2003). Estes achados levaram cientistas a especular que indivíduos com transtorno de ansiedade possuem maior facilidade para dirigir a atenção a informações ameaçadoras, porém, evitam um processamento mais elaborado dessas informações, o que provoca uma clara diminuição da formação de memórias explícitas (Mathews et al., 1989), efeito que ainda não está bem definido no que tange à formação de memórias implícitas (Harrison e Turpin, 2003). A partir disso, desenvolveu-se um conceito denominado “paradigma da vigilância-evitação”. Esse paradigma pode explicar a manutenção da ansiedade nesses indivíduos, pois eles facilmente identificam informações ameaçadoras por meio dos processos de atenção, mas têm problemas em processá-las adequadamente, em decorrência de processos de evitação (Amir et al., 1998). Um instrumento freqüentemente utilizado para o estudo da relação entre memória implícita e estado emocional é denominado “tarefa de Stroop” (Stroop, 1935). Em sua versão original, desenvolvida por Ridley Stroop em 1935, eram apresentados aos sujeitos nomes de cores em cores diferentes, como, por exemplo, a palavra azul em vermelho, a palavra verde em azul. A tarefa dos sujeitos consistia em nomear a cor das palavras o mais rápido possível, o que era prejudicado pela interferência que a palavra escrita exercia sobre a atenção do sujeito no momento da identificação. Para o estudo do aprendizado emocional propriamente dito, criou-se uma versão modificada da tarefa de Stroop original, chamada Stroop emocional. Esta versão utiliza palavras com conteúdo emocional, como, por exemplo,
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dor, medo e alegria, em vez de nomes de cores. O objetivo da tarefa é observar a interferência que a leitura automática destas palavras de conteúdo emocional vai exercer sobre o tempo necessário para a nomeação das cores (Mathews e MacLeod, 1985; Williams, Mathews e MacLeod, 1996). Alguns pesquisadores já estudaram o efeito deste instrumento em indivíduos com fobia social (Amir et al., 1998), constatando que o efeito Stroop era maior quando as palavras possuíam conteúdo socialmente ameaçador. Observou-se este efeito também em indivíduos com transtorno do pânico com agorafobia, quando lhes eram apresentadas palavras relacionadas a ataques de pânico na tarefa de Stroop. Este efeito também foi encontrado quando essas palavras eram apresentadas de maneira subliminar para estes indivíduos, ou seja, quando a palavra era apresentada a uma velocidade que impossibilitava que o sujeito formasse uma representação consciente dela, o que reafirma o seu caráter implícito (Lundh et al., 1999).
Aprendizado de novas habilidades Cohen e Squire (1980) desenvolveram uma tarefa denominada “teste de leitura invertida”, que avalia a aprendizagem de uma nova habilidade e a sua preservação durante o período de dois meses. Nessa tarefa, os sujeitos são instruídos a ler em voz alta palavras e não-palavras apresentadas de maneira invertida (espelhada) na tela de um computador. O teste se desenvolve ao longo de quatro sessões, sendo que as três primeiras correspondem a sessões de treino e a última à sessão de teste. As três primeiras são realizadas com um intervalo de uma semana entre cada uma, e a última ocorre dois meses depois da terceira. Em cada sessão são apresentadas 60 tríades de palavras e não-palavras, completando 180 palavras por sessão. Metade dos estímulos (tríades) aparece uma única vez durante todas as sessões, e a outra metade aparece cinco vezes ao longo das quatro sessões. A velocidade de leitura dos estímulos repetidos cinco vezes pode ser influenciada pela memória explícita, ou seja, o sujei-
to pode recordar as últimas palavras da tríade ao ler a primeira, aumentando a velocidade de leitura. A velocidade de leitura dos estímulos que aparecem somente uma vez ao longo das sessões depende diretamente da habilidade de leitura invertida, sendo esta a expressão do aprendizado implícito. No que tange ao aprendizado de habilidades motoras, um importante estudo foi desenvolvido por Karni (1996) e envolveu a combinação de uma tarefa motora simples e o monitoramento do córtex através de imagens de ressonância magnética. Os sujeitos eram instruídos a tocar o dedo polegar com cada um dos outros dedos em uma seqüência específica, sendo instruídos também para fazer isso da maneira mais rápida e correta possível. Inicialmente o desempenho dos sujeitos nas duas seqüências não apresentava diferenças. Entretanto, após uma prática diária de 10 a 20 minutos de uma das seqüências, a tarefa treinada mostrou melhor desempenho em comparação à seqüência não-treinada. A velocidade com que realizavam a tarefa aumentou após várias sessões consecutivas de treino, chegando ao auge na terceira semana, quando o desempenho foi duas vezes melhor do que o inicial. Essa melhora no desempenho foi específica para a mão treinada, com uma transferência mínima deste aumento da habilidade para a mão não-treinada. Também não houve generalização deste aprendizado para a seqüência não-treinada, mesmo quando ambas as seqüências consistiam em movimentos parecidos e de igual dificuldade de realização (Karni, 1996). Não se sabe ao certo em que região do cérebro o traço de memória motora é armazenado; entretanto, este experimento demonstrou, pelo monitoramento com imagens, que há um aumento no tamanho da área do córtex motor responsável pelo movimento dos dedos, e este aumento é proporcional à melhora do desempenho dos sujeitos.
Processos de categorização Para a investigação de processos implícitos de categorização, podem-se utilizar estímu-
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los compostos de palavras em uma tarefa experimental chamada “geração de exemplares para categorias”. A operacionalização desse procedimento inicia-se com uma fase de estudo, na qual exemplares de várias taxonomias são apresentados ao sujeito, como, por exemplo, maçã da categoria fruta. Em um segundo momento, o nome de uma categoria é fornecido, e os participantes devem listar os itens que vêm à cabeça naquela hora. O resultado esperado é o de que os exemplares apresentados anteriormente serão citados com maior freqüência em comparação com outros possíveis itens das categorias (Mitchell e Bruss, 2003).
PROCESSOS IMPLÍCITOS E ENVELHECIMENTO O envelhecimento normal pode ser acompanhado de uma série de alterações nas funções cognitivas, dentre as quais está incluída a memória. No que tange à memória explícita, os estudos mostram ocorrência freqüente de um declínio em seu desempenho em idosos e em pessoas de meia-idade (Nilsson, 2003). Em contrapartida, quanto à memória ou ao aprendizado implícito, as coisas não aparecem de maneira tão clara. Alguns estudos demonstram não haver declínio nas capacidades de memorização implícita ao longo do ciclo de vida, outros apontam no sentido oposto, demonstrando que este declínio existe. Mesmo assim, se existe um declínio provocado pelo envelhecimento no tipo de memória abordado aqui, é muito provável que este ocorra de maneira diferente do declínio observado na memória explícita (Mitchell e Bruss, 2003). Uma quantidade significativa de estudos tem abordado os processos de aprendizado implícito ou memória implícita apresentados anteriormente, investigando como estes ocorrem durante o ciclo de vida das pessoas. A seguir, abordaremos os principais achados quanto a cada tipo de processo implícito de memorização durante o envelhecimento. Um importante estudo que investigou a influência do envelhecimento na memória implícita foi desenvolvido por Maki, Zonderman e Weingartner (1999). Por meio deste estudo,
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eles abordaram três tipos de memória implícita: pré-ativação, aprendizado perceptual e formação de conceitos. A tarefa utilizada para investigar os dois primeiros tipos de memória implícita foi a identificação de figuras fragmentadas. A pré-ativação ocorreu em todas as faixas de idade pesquisadas por estes autores (de 20 a mais de 80 anos), ou seja, o efeito de préativação foi encontrado nos participantes de todas as idades. Entretanto, os autores observaram que os participantes que possuíam mais de 70 anos tinham um desempenho pior do que os participantes que possuíam de 50 a 69 anos, que por sua vez, tinham um desempenho pior do que os que possuíam até 49 anos. Estes resultados sugerem a existência de um declínio na capacidade de se realizar uma memorização implícita decorrente do avanço da idade, sendo que em idades mais avançadas (acima de 80 anos) este desempenho se torna ainda pior, quando comparado com o desempenho de participantes que possuem menos de 40 anos. Resultados semelhantes foram encontrados por Davis e colaboradores (1990), que utilizaram um experimento de complementação de palavras para testar o efeito de pré-ativação em indivíduos de diferentes idades. Essa tarefa foi apresentada anteriormente neste capítulo: os sujeitos completam as lacunas de palavras incompletas com a primeira palavra que vier à mente, e a pré-ativação se manifesta por uma tendência de os sujeitos completarem as lacunas formando palavras que já foram apresentadas em um momento anterior (Schacter, 1987). Estes autores também observaram que a pré-ativação ocorreu nos indivíduos de todas as idades, entretanto, os sujeitos com mais de 70 anos demonstraram um efeito de préativação menos proeminente. O aprendizado perceptual, que consiste basicamente no aprendizado de uma habilidade perceptual que pode ser transferida por meio de estímulos semelhantes, também foi observado por Maki, Zonderman e Weingartner (1999) pela tarefa de identificação de objetos fragmentados. Isto fica evidente quando, após identificar vários objetos fragmentados, os participantes conseguem perceber novos objetos
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quando estes ainda estão mais fragmentados do que os anteriores. Sendo assim, os autores compararam o desempenho dos participantes em identificar novos objetos na fase de estudo e na fase de teste, partindo do pressuposto de que na fase de teste os sujeitos já estariam treinados, pois haviam praticado a tarefa na fase de estudo. Eles observaram que os participantes que possuíam idades entre 21 e 59 anos identificavam os objetos novos na fase de teste com mais rapidez do que os objetos da fase de estudo, ou seja, estes sujeitos demonstraram ter realizado um aprendizado perceptual para estes estímulos. Isto não ocorreu com o grupo de sujeitos que possuíam idade superior a 60 anos, o que levou os autores a concluir que a partir de certa idade – no caso, aproximadamente 60 anos – as pessoas não são mais capazes de realizar um aprendizado perceptual do tipo apresentado neste trabalho. Maki, Zonderman e Weingartner (1999) demonstraram haver um declínio significativo nos dois tipos de processos implícitos abordados pela tarefa de identificação de objetos fragmentados (pré-ativação e aprendizado perceptual); entretanto, este declínio mostrou-se diferente em cada processo. Os indivíduos de todas as faixas etárias mantêm a capacidade de realizar a pré-ativação, apesar de seu desempenho diminuir com o avançar da idade, mas somente os indivíduos que possuem até aproximadamente 60 anos podem realizar um aprendizado perceptual. A capacidade de inserir estímulos em categorias, que é considerada um tipo de memória implícita (Seger, 1994), também foi estudada por alguns pesquisadores em diferentes faixas etárias. Monti e colaboradores (1996) utilizaram uma tarefa na qual os sujeitos liam uma lista de 48 palavras, em que 24 pertenciam a categorias de objetos construídos pelo homem, e as outras 24 pertenciam a categorias relativas a objetos ou ocorrências naturais. A metade de cada uma destas listas aparecia em letras maiúsculas e a outra metade em letras minúsculas. Os sujeitos eram orientados, antes de ler os exemplares das listas, a responder se a palavra que ia aparecer se referia a um objeto construído pelo homem ou pela na-
tureza, o que exigia um processamento mais profundo (semântico), ou se a palavra estava escrita com letras maiúsculas ou minúsculas, o que exigia um processamento mais superficial (não-semântico). Logo após a leitura da lista com essas palavras, eram apresentados nomes de categorias às quais pertenciam as palavras apresentadas, e categorias novas, ou seja, categorias às quais as palavras apresentadas não pertenciam. A tarefa dos sujeitos neste momento foi gerar o mais rápido possível exemplares para cada uma destas categorias. Por meio desta tarefa, os autores puderam investigar o efeito de um processamento mais profundo, ou mais superficial, na geração de exemplares para categorias específicas para diferentes idades. Este trabalho demonstrou que a memorização implícita foi superior quando ocasionada por um processamento mais profundo e não por um processamento mais superficial, tanto para os sujeitos mais jovens como para os mais velhos. Demonstrou ainda que os sujeitos de mais idade obtiveram o mesmo desempenho que os sujeitos mais jovens nesta tarefa. Dessa forma, foi concluído que os participantes de idade avançada mantiveram seus processos de formação de conceitos intactos, ou seja, tiveram o mesmo desempenho que os jovens na memorização implícita de conceitos e na subseqüente geração de exemplares para as categorias (Monti et al., 1996).
CONCLUSÃO Os estudos sobre o efeito do envelhecimento na memória implícita ainda são contraditórios. Eles apontam que, contrariamente ao que se havia pensado, tanto em pré-ativação como em aprendizado perceptual tem sido encontrado o efeito da idade. Por outro lado, também foi demonstrado que a memória implícita pode sofrer influência de processos semânticos mais profundos e, portanto ter relações com a memorização explícita. Quando ela envolve aprendizados mais profundos, o efeito de idade parece diminuir. Esses resultados devem ser duplicados e novamente verificados. Também resta saber se
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o efeito de níveis de processamento também ocorre quando os estímulos são palavras escritas. Conforme apontado no início do capítulo, o avanço de pesquisas sobre memória implícita e envelhecimento, assim como sobre a interação desta com a memória explícita, é essencial para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas para pacientes com declínio cognitivo decorrente de processos demenciais (ver Capítulo 17).
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. O que é memória implícita? 2. O que é aprendizado implícito? 3. Quais são as diferenças entre memória implícita e aprendizado implícito? 4. Defina o que é pré-ativação e descreva uma tarefa para avaliar esse processo cognitivo. 5. O que é aprendizado perceptual? Qual a diferença entre aprendizado perceptual e pré-ativação? 6. Existem estudos demonstrando declínio na pré-ativação de idosos? 7. Há evidências que demonstrem que há perda completa do aprendizado perceptual dos idosos para determinadas tarefas? 8. É possível afirmar, baseando-se nos presentes resultados de pesquisa, que a memória implícita de idosos não apresenta declínio?
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6 Funções executivas e envelhecimento Christian Haag Kristensen
CONCEITOS TRABALHADOS Funções executivas: as funções executivas (FE) são processos cognitivos de controle e integração destinados à execução de um comportamento dirigido a objetivos, necessitando do desempenho de subcomponentes como atenção, programação e planejamento de seqüências, inibição de processos e informações concorrentes e monitoramento.
Organização temporal do comportamento dirigido a objetivos: conforme proposto por Fuster, a característica principal das FE é a organização temporal do comportamento dirigido a objetivos, alcançada pela coordenação conjunta e hierárquica de três funções cognitivas: a) Memória de trabalho. b) Atenção motora (preparação para ação). c) Controle inibitório.
Sistema atencional supervisor: conceito desenvolvido na década de 1980 por Norman e Shallice é baseado na idéia de que dois processos complementares operam na seleção e no controle da ação:
Controle inibitório: um dos subcomponentes das FE, responsável por:
a) um mecanismo de contenção responsável pelo controle automático em atividades rotineiras e b) um sistema atencional supervisor responsável pelo controle consciente em situações caracterizadas por novidade.
a) inibir a resposta prepotente (automática) a um estímulo; b) interromper uma resposta em curso não-efetiva, permitindo uma reavaliação da estratégia empregada; c) inibir processos e informações concorrentes, permitindo o desempenho de respostas executivas.
Hipótese dos marcadores somáticos: conforme Damasio, são as propriedades motivacionais e afetivas (estados corporais) associadas às representações mentais – por meio de processos inatos ou aprendidos – que possibilitam a adequação do comportamento a determinado contexto.
Switch costs: nas provas de alternância entre tarefas, é o índice calculado a partir das diferenças em desempenho nas tarefas de nãoalternância (AA ou BB) e alternância (AB e BA) dentro das condições de tarefas mistas.
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Set selection costs: nas provas de alternância entre tarefas, é o índice calculado a partir das diferenças em desempenho entre condições de tarefas únicas e condições de tarefas mistas. Síndrome disexecutiva: conceito proposto por Baddeley e Wilson em 1988 para denominar a condição clínica caracterizada pelo prejuízo nas FE. Anosognosia: condição clínica na qual o indivíduo não apresenta consciência da própria condição deficitária. Confiabilidade: também referido como precisão ou fidedignidade, se refere a quanto um instrumento de avaliação oferece resultados consistentes quando a característica mensurada permanece inalterada. Confiabilidade é uma condição necessária, mas insuficiente, de validade. Validade: propriedade psicométrica que se refere a quanto um instrumento de avaliação de fato mensura aquilo que propõe mensurar. Especificidade: propriedade psicométrica que indica a probabilidade de um instrumento de avaliação detectar ou classificar uma performance normal em um indivíduo. Sensibilidade: propriedade psicométrica que indica a probabilidade de um instrumento de avaliação detectar ou classificar uma condição patológica que esteja realmente presente em um indivíduo.
TAREFAS DESCRITAS Torre de Londres Testes de labirintos Execução de tarefas Teste de Stroop Tarefas tipo go/no-go Teste de Wisconsin Teste de trilhas Provas de alternância entre tarefas
INTRODUÇÃO As funções executivas (FE) são processos cognitivos de integração que envolvem o de-
sempenho de subcomponentes, como: focalização da atenção em informações relevantes, inibição de processos e informações irrelevantes ou concorrentes, programação de processos para tarefas complexas que necessitam de alternância entre tarefas (“gerenciamento de tarefas”), planejamento de seqüências de subtarefas e monitoramento do desempenho para a execução de um comportamento dirigido a objetivos (Roberts, Robbins e Weiskrantz, 1998; Smith e Jonides, 1999). Ao longo do processo de desenvolvimento humano, observam-se alterações marcantes no desempenho das FE, notadamente durante as duas primeiras décadas de vida, mas também ao longo do envelhecimento. O objetivo deste trabalho é revisar algumas associações entre o processo de envelhecimento e o desempenho das FE. Inicialmente serão apresentadas definições, teorias e aspectos relevantes na mensuração das FE. Posteriormente serão discutidas algumas das principais mudanças nas FE associadas ao envelhecimento, procurando relacioná-las às alterações neurais comumente descritas em idosos.
DEFINIÇÕES DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS Atualmente o número de definições e/ou conceitos-chave relacionados ao processamento executivo é elevado e variável. Sem a pretensão de um levantamento exaustivo, destacaremos aqui os seguintes conceitos: um processamento executivo central envolvendo o controle atencional da memória de trabalho (Baddeley, Chincotta e Adlam, 2001; Baddeley e Della Sala, 1998; Baddeley e Hitch, 1974, 1994); um sistema atencional supervisor (Shallice, 1988; Shallice e Burgess, 1998); atividades que implicam marcadores somáticos da emoção (Damasio, 1994, 1998); processos que exigem organização temporal do comportamento dirigido a objetivos (Fuster, 1996, 1997, 1999, 2000); controle cognitivo do comportamento por meio da manutenção de padrões de atividade que representam objetivos (Miller e Cohen, 2001). Apesar da multiplicidade de abordagens (ver revisão em Grafman, 1999), é possível con-
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cordar com Royall e colaboradores (2002) em que dois aspectos centrais – e não-excludentes – são geralmente focalizados na literatura, priorizando as FE como um conjunto de funções cognitivas superiores ou em seu aspecto cibernético de controle da execução de tarefas complexas. Conforme exposto no início deste capítulo, as FE são atividades cognitivas superiores que ajudam a manter um arranjo mental apropriado para alcançar um objetivo futuro, necessitando do desempenho de processos de focalização atencional, inibição, gerenciamento de tarefas, planejamento e monitoramento na execução de um comportamento dirigido a objetivos (Grafman, 1999; Roberts et al., 1998; Smith e Jonides, 1999; Spreen, Risser e Edgell, 1995). Em psicologia cognitiva, o conceito de FE está intimamente relacionado à noção de um sistema de processamento central de capacidade limitada (Pennington e Ozonoff, 1996), cujo conceito é discutido e apresentado neste livro no Capítulo 4. Por outro lado, um controle executivo é necessário para lidar com tarefas novas que requerem formular um objetivo, planejar e escolher entre as seqüências alternativas de comportamento para alcançar este objetivo, comparar os planos quanto às suas relativas probabilidades de sucesso e eficiência relativa em alcançar o objetivo escolhido, iniciar e conduzir o plano selecionado e corrigir quando necessário, até que seja bem-sucedido ou até que uma falha impeditiva seja reconhecida (Rabbitt, 1996).
SUBSTRATO NEURAL DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS Os processos descritos no último item têm sido historicamente relacionados com o desempenho dos lobos frontais, de forma que danos a essas estruturas resultariam em um conjunto de sintomas anteriormente descritos como “síndrome do lobo frontal” (Burgess, 1996) ou apenas “síndromes frontais” (Porto, 1996). Desvendar como as pessoas formulam um objetivo, planejam e monitoram uma ação e de-
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sempenham efetivamente um comportamento apropriado em um contexto social são questões relacionadas ao desempenho funcional de estruturas encefálicas específicas. Conforme salienta Damasio (1994, 2000), atualmente existe grande aceitação em relação à participação crítica de estruturas encefálicas anteriores na execução do comportamento social adequado ao contexto, bem como em relação à desadaptação desse comportamento (Pincus, 1999; Raine et al., 2000). Entretanto, essa idéia foi amplamente debatida no campo da neuropsicologia, tanto no século XIX quanto nas décadas iniciais do século XX (Kristensen, Almeida e Gomes, 2001; Pennington e Ozonoff, 1996), contribuindo para um tardio reconhecimento da relevância de estruturas do lobo frontal na cognição e no comportamento (Benton, 2000). Historicamente, a proposição da “metáfora frontal” está associada aos desenvolvimentos ocorridos na neurologia no século XIX (Benton, 2000; Pennington, 1997; Pennington e Ozonoff, 1996). Em especial, os trabalhos de David Ferrier e Leonardo Bianchi, de maneira independente, demonstraram em modelos experimentais a importância das áreas frontais no desempenho de processos cognitivos como atenção e inteligência, assim como comportamento e personalidade. Conforme ilustram Pennington e Ozonoff (1996), as FE eram definidas, nos trabalhos de Bianchi, como a habilidade para manter um conjunto apropriado de soluções de problemas para a obtenção de um objetivo futuro. Entretanto, foi somente com os trabalhos de Alexandr R. Luria (1966, 1973) sobre pacientes com lesões frontais que uma teorização renovada foi atribuída às relações entre estruturas encefálicas anteriores e prejuízos cognitivos e comportamentais (Gil, 2002; Goldberg, 2001; Royall et al., 2002; Sbordone, 2000; Shallice, 1988). De fato, Luria (1973, p. 89), baseando-se em trabalhos experimentais, em casos clínicos e estudos em neurodesenvolvimento, conceitualizou o córtex pré-frontal como uma “superestrutura acima de todas as outras partes do córtex cerebral, responsável por realizar uma função mais universal de regulação geral do
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comportamento”. Essa regulação envolve a síntese de estímulos externos, a preparação para ação e formação de programas e a verificação do curso adequado da ação. Luria observou ainda que lesões em áreas pré-frontais comprometem a capacidade de inibição de respostas a estímulos irrelevantes, dificultando, assim, a execução de programas comportamentais complexos e a orientação do comportamento, direcionado tanto ao presente quanto ao futuro. Alguns aspectos tornaram-se evidentes ao longo das últimas décadas, conduzindo a uma revisão sobre prejuízos associados ao lobo frontal. O primeiro desses aspectos é o de que não existe algo como a “síndrome do lobo frontal”, ou seja, não é possível falar de uma síndrome única após lesões em estruturas frontais. Grande parte disso deriva da considerável heterogeneidade anatômica e funcional do lobo frontal em suas diferentes porções, incluindo o córtex pré-frontal (Fuster, 1997, 1999; GoldmanRakic, 1998; Mesulam, 2000; Pandya e Yeterian, 1998). O segundo aspecto consiste na necessidade lógica e prática de definir síndromes neuropsicológicas em termos funcionais, não em termos anatômicos (Baddeley e Della Sala, 1998). Especialmente se existe pretensão em avançar conceitualmente na compreensão das FE, é preciso reconhecer que lesões frontais e prejuízos executivos não são sinônimos (Malloy, Cohen e Jenkins, 1998; Robbins, 1998; Stuss e Alexander, 2000), embora apresentem alguma interdependência (Mesulam, 1986).
AVALIAÇÃO DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS Problemas na mensuração das funções executivas Antes de elencar os testes ou tarefas mais comumente empregadas na avaliação das FE, um breve comentário geral sobre a mensuração de processos executivos se faz necessário. Uma dificuldade inicial é que as tarefas são geralmente complexas, envolvendo múl-
tiplos processos entre as diferentes etapas na execução de uma mesma tarefa (Johnson et al., 2003; Lezak, 1995). Um exemplo claro dessa situação é o teste de Wisconsin de ordenação de cartas (em inglês, Wisconsin Card Sorting Test – WCST), como será exemplificado adiante (Zelazo, Craik e Booth, 2004). Assim, é possível que um desempenho pobre no WCST ocorra independentemente de um prejuízo nas FE (Stuss e Alexander, 2000). Por exemplo, dificuldades de percepção visual poderão impedir a identificação de formas geométricas. Uma outra situação a ser considerada é o oposto do que já foi mencionado, ou seja, que indivíduos com prejuízos executivos importantes a ponto de constituir uma síndrome disexecutiva (em inglês, dysexecutive syndrome; ver discussão em Baddeley e Della Sala, 1998) podem não apresentar um desempenho empobrecido em testes de FE (como ilustrado por Damasio, 1994, em relação ao desempenho de um paciente no WCST). Em parte, isso decorre de características da própria situação de testagem que, em geral, é altamente estruturada, com indicações claras sobre quando iniciar e manter o comportamento centrado na tarefa, com minimização de interferências ambientais e apresentação de objetivos explícitos (Goldstein e Green, 1995). Essa estrutura, ao facilitar o desempenho do indivíduo no teste, acaba por mascarar as dificuldades reais que o indivíduo enfrenta no cotidiano quando a demanda pelo comportamento ocorre em um contexto flexível e errático (Mesulam, 1986), diminuindo, assim, a validade ecológica das tarefas (Grafman, 1999; Sbordone, 2000). Na tentativa de superar essa dificuldade, a utilização de entrevistas clínicas tem sido enfatizada na avaliação de indivíduos com prováveis prejuízos nas FE (por exemplo, Royall, Mahurin e Gray, 1992). Alterações em iniciativa e vontade, bem como dificuldades na automonitoração dos erros, podem ser mais facilmente percebidas em uma estrevista relativamente nãoestruturada do que na testagem neuropsicológica (Malloy et al., 1998). Lezak (1995) indica que prejuízos executivos estão associados a questões sobre “como” a pessoa realiza
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alguma coisa, já a testagem neuropsicológica tradicional procura elucidar questões sobre “o que” e “quanto” é realizado. Embora possa consumir um precioso tempo na avaliação neuropsicológica, a entrevista deve incluir fontes adicionais de informação, além do indivíduo supostamente afetado. Esta recomendação deriva do fato de que, em muitos indivíduos com síndrome disexecutiva, observam-se problemas graves de automonitoramento, como a falta de consciência da própria condição deficitária (ou anosognosia) (Damasio, 1994; Gil, 2002; Goldberg, 2001). Quando comparados aos relatos oferecidos por parentes ou cuidadores, aqueles dos sujeitos sobre seu próprio desempenho e funcionamento social são marcadamente diferentes (Damasio e Anderson, 1993; Mesulam). Outro aspecto importante é que a maioria dos testes classicamente utilizada na mensuração das FE não foi desenvolvida com essa finalidade (Grafman, 1999), levando a problemas de sensibilidade e, particularmente, especificidade (Sohlberg e Mateer, 2001). Isso decorre, em parte, do fato de que o conhecimento atual sobre como dissociar processos em uma determinada tarefa não estava disponível quando testes como o WCST ou o Teste de trilhas (em inglês, Trail Making Test – TMT) foram elaborados (Pennington e Ozonoff, 1996; Stuss e Alexander, 2000). Além disso, propriedades psicométricas fundamentais como validade e confiabilidade (ou precisão) para alguns dos testes são necessariamente incompletas, devido à imensa dificuldade em identificar pacientes com lesões seletivas do lobo frontal. Rabbit (1996) comenta que a confiabilidade de alguns testes empregados na mensuração das FE, quando avaliada pelo procedimento de teste/reteste, pode ser muito insatisfatória devido à natureza da própria função cognitiva envolvida. O problema é que uma situação de reteste comumente envolve a ativação de estratégias já aprendidas na forma de conhecimento prévio ou rotina, minimizando a necessidade de empregar processos executivos para lidar com tarefas que não envolvam novidade (Goldstein e Green, 1995; Shallice, 1988; Shallice e Burgess, 1998).
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Como bem expressou Burgess (1996), por mais complexa que seja uma tarefa, ela só é novidade uma única vez. Por fim, é relevante, na prática na avaliação neuropsicológica, a carência de normas apropriadas à população geriátrica, dificultando, assim, conclusões clínicas mais precisas (Goldstein e Green, 1995; Therapeutics and Technology Assessment Subcommittee of the American Academy of Neurology, 1996). Considerando que a testagem neuropsicológica pode contribuir imensamente com o processo de avaliação, a disponibilidade de um conjunto de normas para os testes empregados que sejam apropriadas na comparação do desempenho de um indivíduo é um elemento crítico. Além disso, o clínico, ao escolher o conjunto de normas mais adequado à idade, à escolaridade e ao status socioeconômico do idoso em avaliação, deve preocupar-se com os procedimentos de triagem na seleção de indivíduos empregados na composição da amostra normativa (Green, 2000). Por exemplo, a falta de procedimentos de triagem ou rastreio adequados para detectar declínio cognitivo leve (ver Capítulo 14) pode levar a uma diminuição artificial dos escores médios para um determinado teste e, posteriormente, resultar em uma dificuldade ou impossibilidade da detecção de um prejuízo real na avaliação do idoso. A disponibilidade de recursos para consulta de dados normativos apropriados à população geriátrica é mais abundante em língua inglesa e inclui: livros-texto (por exemplo, Groth-Marnat, 2000; Lezak, 1995; Spreen e Strauss, 1998), manuais (como os disponíveis para as escalas Wechsler de inteligência e memória – WAIS-III e WMS-III; Wechsler, 1997a, b), e conjuntos de dados publicados (como os disponibilizados pela Clínica Mayo; Ivnik et al., 1996). No Brasil, alguns pesquisadores têm acumulado esforços para a publicação de normas mais adequadas de provas neuropsicológicas para o envelhecimento (ver, por exemplo, Almeida, 1998; Bertolucci et al., 2001; Brucki et al., 2003). Entretanto, ainda são raras as publicações de normas de tarefas para a avaliação das FE.
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Provas utilizadas para a avaliação das funções executivas
of Cambridge, presente na Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery (CANTAB; Robbins, 1998; Robbins et al., 1996).
A seguir, alguns dos principais instrumentos e procedimentos comumente empregados na avaliação das FE e seus subcomponentes serão apresentados. Algumas dessas provas, conforme mencionado, foram desenvolvidas para avaliar outros aspectos da cognição que não aqueles relacionados ao processamento executivo. Por conseqüência, algumas das provas descritas a seguir já foram apresentadas em capítulos anteriores deste livro. Aqui, no entanto, serão ressaltados os processos executivos em cada uma das provas.
Torre de Londres A partir da verificação de limitações apresentadas por testes semelhantes como a Torre de Hanói, McCarthy e Shallice (Shallice, 1982, citado em Shallice, 1988) desenvolveram a Torre de Londres, na qual a dificuldade de cada problema poderia ser facilmente graduada. Conforme será descrito no próximo capítulo, a Torre de Londres consiste em uma base com três hastes verticais de tamanhos diferentes, sobre as quais o indivíduo deve manipular três esferas de cores diferentes (Figura 7.1) para alcançar, no menor número possível de movimentos e movendo somente uma esfera por vez, a configuração apresentada no modelo (Goldstein e Green, 1995; Souza et al., 2001). Embora o principal subcomponente executivo envolvido na realização desta tarefa seja a capacidade de planejamento (Grafman, 1999; Pennington, 1997), uma revisão de estudos fatoriais sugere a participação adicional da memória de trabalho espacial (spatial working memory) e de mecanismos inibitórios (Royall et al., 2002). Diferentes versões das tarefas de torre são descritas na literatura (Lezak, 1995), inclusive modificações informatizadas, nas quais o planejamento pode ser fracionado entre a reprodução da seqüência motora e a manipulação da imagem mental, por exemplo, o teste Stockings
Testes de labirintos Os testes de labirintos, originalmente desenvolvidos por Porteus na década de 1950 e incorporados às escalas Wechsler de inteligência, são recursos importantes à disposição do clínico na avaliação de problemas de planejamento (Sbordone, 2000), especialmente se for solicitado ao paciente que descreva as estratégias empregadas durante o teste e os motivos que conduziram à escolha dessas estratégias (Lezak, 1995). Além do planejamento, a memória de trabalho espacial também é necessária quando o indivíduo deve, pelo traçado de uma linha, partir de um ponto central e atingir a saída do labirinto.
Execução de tarefas Outra maneira de avaliar dificuldades de planejamento é propor cenários ou objetivos da vida real do paciente e solicitar que ele estruture ou mesmo execute os procedimentos necessários para atingir esses objetivos. Situações comumente empregadas envolvem planejar uma festa de aniversário, planejar as férias ou ir ao supermercado, com uma quantia limitada de dinheiro, e comprar itens específicos de uma lista (Grafman, 1999; Sbordone 2000).
Teste de Stroop O Teste de Stroop (Stroop Color-Word Test) é um procedimento muito difundido na investigação em psicologia cognitiva e neuropsicologia clínica, contando até o momento com cerca de mil artigos publicados. Apesar da grande variabilidade entre as diferentes versões em uso, o desempenho do indivíduo é
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comumente comparado em relação a três tarefas: leitura de palavras, nomeação de cores e nomeação de palavras coloridas (para uma discussão aprofundada sobre as diferentes versões publicadas ver Lezak, 1995; Spreen e Strauss, 1998). O efeito de interferência originalmente descrito por Stroop é notável na terceira tarefa, quando o indivíduo deve nomear a cor da tinta na qual a palavra está impressa em vez de ler a palavra (que é um nome de cor diferente com a cor da tinta impressa) (Hebben e Milberg, 2002). A investigação por meio de análise fatorial sugere que mecanismos inibitórios, bem como componentes verbais da memória de trabalho, participem nesta tarefa (Royall et al., 2002). Também é sugerido que o sistema atencional supervisor (Shallice, 1988) participe no momento em que o sujeito deve subjugar uma resposta preponderante (supostamente automática) para executar a demanda da tarefa.
Tarefas tipo go/no-go Outras tarefas simples, como as do tipo go/no-go, podem ser usadas para verificar falhas em mecanismos inibitórios (Grafman, 1999; Luria, 1966; Pennington, 1997). Ver Quadro 6.1.
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Teste de Wisconsin de ordenação de cartas Originalmente desenvolvido na década de 1940 com o objetivo de avaliar o raciocínio abstrato e a habilidade para alternar estratégias cognitivas (Green, 2000), o teste de Wisconsin de ordenação de cartas (Wisconsin Card Sorting Test; WCST) é atualmente considerado um dos melhores instrumentos disponíveis para a avaliação das FE (para uma revisão, que inclui suas limitações, ver Royall et al., 2002). Como descrito no Capítulo 7, em sua versão mais difundida, esse teste demanda que o indivíduo classifique ou ordene os estímulos (cartas) de acordo com uma entre três características (cor, número ou forma), descubra as mudanças nas regras de ordenação a partir do feedback do examinador e modique suas respostas de acordo (Lezak, 1995; Raz, 2000). Com o uso do WCST, é possível obter escores para o número de categorias atingidas, respostas perseverativas, erros perseverativos, e não-perseverativos, falhas em manter o conjunto de regras e eficiência no aprendizado (Hebben e Milberg, 2002). Por exemplo, a perserveração ocorre quando o indivíduo mantém uma regra de ordenação incorreta, mesmo após ser informado continuamente pelo examinador sobre seus erros (Goldstein e Green, 1995). Algumas das desvantagens do WCST incluem
QUADRO 6.1 Exemplo de tarefa tipo go/no go Regra Inicial: • Resposta A para estímulo “a”: quando aparecer um círculo na tela do computador (estímulo “a”), apertar a tecla vermelha (resposta A). • Resposta B para estímulo “b”: quando aparecer um quadrado na tela (estímulo “b”), apertar a tecla amarela (resposta B). Inversão da regra: • Resposta B para estímulo “a”: quando aparecer um círculo na tela do computador (estímulo “a”), apertar a tecla amarela (resposta B). • Resposta A para estímulo “b”: quando aparecer um quadrado na tela (estímulo “b”), apertar a tecla vermelha (resposta A).
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o tempo e a dificuldade na aplicação, bem como a baixa especificidade a prejuízos em estruturas encefálicas anteriores, sugerida pela elevada variabilidade encontrada entre pacientes com lesões frontais e mesmo lesões em estruturas posteriores (Damasio e Anderson, 1993; Green, 2000), ainda que estudos de neuroimagem tenham repetidamente demonstrado uma ativação preferencial do circuito pré-frontal dorso-lateral na execução do WCST (Royall et al., 2002).
Teste de trilhas O teste de trilhas (Trail Making Test), em particular a parte B, quando o indivíduo deve traçar uma linha ligando alternadamente números e letras em seqüência (por exemplo, 1A-2-B-3-C, etc.), pode ser utilizado para avaliar características de flexibilidade mental e capacidade inibitória (Gil, 2002; Lezak, 1995). Ver Figura 6.1.
Provas de alternância entre tarefas A alternância entre tarefas (Task-switching paradigm) ou troca entre tarefas é um pa-
radigma experimental bem estabelecido que comumente envolve desempenho em duas tarefas relativamente simples. Por exemplo, na tarefa A os sujeitos devem decidir se os estímulos (diferentes palavras) pertencem ou não às categorias de animais, enquanto na tarefa B, se as palavras apresentadas são monossílabas ou dissílabas. O desempenho do sujeito é, então, mensurado pelo tempo de reação em duas condições: na primeira condição (tarefa única), a mesma tarefa é repetida várias vezes (AA) em um único bloco de apresentação, enquanto na segunda condição (tarefas mistas), os sujeitos devem alternar entre duas tarefas (AB e BA) ou repetir a tarefa na condição precedente (AA ou BB). Os custos de alternância podem ser, então, computados de duas formas, a partir da mensuração do desempenho nas condições de tarefa única e condições de tarefa mista: diferenças em desempenho nas tarefas de não-alternância (AA ou BB) e alternância (AB e BA) dentro das condições de tarefas mistas (switch costs) e diferenças em desempenho entre condições de tarefas únicas e condições de tarefas mistas (set-selection costs) (Cepeda, Kramer e Gonzales de Sather, 2001; Kray, Eber e Lindenberger, 2004; Rogers e Monsell, 1995).
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F
A
5 C
3 B 4 1 D
E
FIGURA 6.1 Teste de trilhas já completado: a tarefa do participante é unir alternadamente uma letra e um número na seqüência crescente. INDEX BOOKS GROUPS
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Conforme anteriormente referido, essas tarefas representam apenas uma pequena amostra de um amplo conjunto de testes e tarefas experimentais que possibilitam avaliar diferentes aspectos das FE. Os resultados obtidos em qualquer tarefa individual não devem forçar o neuropsicólogo a concluir sobre a presença de disfunção executiva (Sbordone, 2000). Por outro lado, a aplicação de algumas dessas tarefas em grupos de indivíduos com diferentes faixas etárias pode fornecer um esboço sobre o desenvolvimento geral das FE ao longo do ciclo vital e, em particular, o efeito da idade associado ao funcionamento executivo durante o envelhecimento (Salthouse e FerrerCaja, 2003). Na seção seguinte, serão detalhados estudos empíricos que utilizaram esta metodologia empregando algumas das tarefas já mencionadas.
FUNÇÕES EXECUTIVAS E ENVELHECIMENTO Alguns estudos têm investigado experimentalmente o desempenho em provas de FE ao longo do desenvolvimento. Como veremos a seguir, em geral, os resultados sugerem que o desempenho executivo segue o traçado de uma curva em U invertida ao longo do ciclo vital; esse padrão tem sido descrito em processos cognitivos variados como a velocidade de processamento (Salthouse e Ferrer-Caja, 2003), controle inibitório (Williams et al., 1999) e coordenação entre tarefas (Mayr, Kliegl e Krampe, 1996). Este padrão pode ser observado em estudos que utilizaram algumas das medidas descritas na seção anterior. A seguir, serão apresentados estudos que utilizaram testes de torre, o teste de Stroop e o WCST, privilegiando o enfoque nas FE. Como uma maneira de exemplificar o progresso no estudo das FE ao longo do envelhecimento, foram selecionados alguns trabalhos que investigaram provas de alternância de tarefas para serem discutidos com maior detalhamento. Os testes de torre são freqüentemente empregados na avaliação da capacidade de planejamento, inibição e memória de trabalho (em particular, seu componente espacial). Em uma expressiva amostra de 2.798 participantes va-
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riando entre 35 e 85 anos, Rönnlund, Lövdén e Nilsson (2001) verificaram o efeito da idade na execução da Torre de Hanói. Entre as medidas afetadas pela idade nessa tarefa, os autores descreveram aumentos no número de movimentos necessários para alcançar a solução, no tempo necessário para concluir a tarefa e na violação das regras. No entanto, a associação com a idade diminuiu quando foi considerado o efeito de outras funções cognitivas, como a habilidade visuoespacial. Essa diminuição no efeito, de certa forma, não é surpreendente, devido ao envolvimento da memória de trabalho espacial nesta tarefa (ver Royall et al., 2002). Conforme descrito no Capítulo 5 e demonstrado por Robbins e colaboradores (1996), utilizando o CANTAB em uma amostra de 800 participantes (ver também Rabbitt e Lowe, 2000), a memória de trabalho apresenta um declínio considerável ao longo do envelhecimento. Investigando o desempenho de uma amostra de 61 adultos entre 19 e 70 anos no teste da Torre de Londres, Souza e colaboradores (2001) observaram uma correlação significativa entre idade e desempenho deficitário na resolução dos problemas mais difíceis dessa tarefa. Tomados em conjunto, esses resultados sugerem que as dificuldades de planejamento, quando mensuradas pelos testes de torre, tendem a uma intensificação ao longo do envelhecimento. Apesar da grande variabilidade entre as versões disponíveis, o teste de Stroop tem sido amplamente utilizado no estudo da interferência cognitiva ao longo do envelhecimento. Por exemplo, em uma amostra de indivíduos adultos entre 20 e 75 anos, observou-se um desempenho deficitário no teste de Stroop associado à idade (Mittenberg et al., 1989, citado em Woodruff-Pak, 1997). Esse efeito da idade no teste de Stroop tem sido comumente descrito na literatura, embora a explicação para tal fenômeno seja ainda tema de debate. McDowd e Shaw (2000), ao revisarem estudos empíricos publicados desde a década de 1960, defendem que o debate pode ser sintetizado entre autores que explicam o efeito da idade no teste de Stroop pelo prejuízo na atenção seletiva, e autores que argumentam sobre um efeito geral
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de diminuição na velocidade de processamento (para uma revisão das teorias sobre os efeitos diferenciais no envelhecimento, sugere-se consultar Salthouse e Ferrer-Caja, 2003 e o Capítulo 2 deste livro). Conforme mencionado na seção anterior, o WCST é uma das tarefas mais comumente utilizadas na avaliação de FE. Atualmente, a investigação com o WCST já conta com mais de cinco décadas de acúmulo de evidências indicando que idosos, sem patologias, apresentam prejuízos significativos nesta prova, exemplificados por erros perseverativos (Woodruff-Pak, 1997), bem como por erros totais (Axelrod e Henry, 1992, citado em Goldstein e Green, 1995). Quando o interesse é o processamento executivo dos idosos, a dificuldade de flexibilidade manifestada por erros perseverativos é enfatizada. Por exemplo, MacPherson, Phillips e Della Sala (2002) investigaram o desempenho no WCST em 90 participantes divididos em três grupos com as seguintes médias de idade: 28,8; 50,3 e 69,9 anos. Nesse estudo, verificou-se que o grupo de idosos apresentou mais respostas perseverativas e erros perseverativos do que os adultos médios e adultos jovens. Ainda nesse trabalho, o grupo de idosos diferiu do grupo de adultos jovens em relação ao total de erros e respostas de nível conceitual. Em outro estudo, quando se limitou a análise aos subgrupos de maior idade, ainda assim foi possível encontrar diferença no desempenho entre dois grupos de idosos com idades médias entre 68 e 81 anos (Libon et al., 1994, citado em Woodruff-Pak, 1997), respectivamente. No entanto, o WCST é uma tarefa que simultaneamente abrange muitos aspectos das FE, dificultando a determinação da origem dos erros apresentados (Zelazo et al., 2004). Essa característica tem levado alguns investigadores a utilizar tarefas nas quais os subcomponentes das FE pudessem ser relativamente isolados, facilitando a análise da extensão e qualidade das deficiências apresentadas. A flexibilidade cognitiva que permite o desempenho em provas de alternância só é possível por intermédio do processamento efetivo de subcomponentes das FE, tais como ativar, manter e manipular informações relevan-
tes à tarefa e inibir informações irrelevantes. Considerando isso, Cepeda e colaboradores (2001) estudaram o efeito da idade em uma amostra de 152 sujeitos com idades variando entre 7 e 82 anos, separados em cinco grupos etários, em relação ao desempenho executivo pelo paradigma de alternância de tarefas (conforme descrito na seção anterior). Entre os principais resultados, foi evidenciado que adultos mais velhos e crianças apresentaram custos de alternância no desempenho entre uma condição de tarefa única e uma condição de tarefa mista (set-selection costs) maiores do que adultos jovens. Ainda, tanto idosos quanto crianças reduziram o custo de alternância com o aumento do tempo de preparação para a próxima tarefa e com a prática. Finalmente, este efeito diferencial da idade no desempenho em provas de alternância de tarefas mostrou-se relativamente independente de outros processos cognitivos gerais (velocidade perceptual) ou executivos em sua natureza (memória de trabalho). Utilizando o mesmo paradigma experimental de alternância de tarefas, Kray e colaboradores (2004) examinaram mudanças nas funções executivas ao longo do ciclo vital em crianças (M = 9,4 anos), adultos jovens (M = 21,5 anos) e idosos (M = 65,3 anos). Adicionalmente, estes autores investigaram o efeito da verbalização no período de preparação para a realização da tarefa. A razão para incluir a verbalização neste estudo decorre de observações já realizadas por Luria (1966) de que a internalização da fala desenvolve-se gradualmente ao longo da infância, sendo um fator fundamental na regulação e no planejamento do comportamento, em especial aqueles que demandam algum grau de complexidade em atividades seriais (ver também Gil, 2002). Em linhas gerais, verificou-se no estudo de Kray e colaboradores (2004) que crianças e idosos apresentaram diferenças no desempenho entre condição de tarefa única e condição de tarefa mista (set-selection costs) que foram significativamente piores do que o desempenho de adultos jovens. No entanto, as diferenças de desempenho em relação ao custo de alternância (switch costs; diferenças entre tarefas de não-alternância e alternância em uma
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condição mista) não foram tão evidentes. Além disso, foi observado que a verbalização (fala durante a preparação para a tarefa) geralmente beneficiava idosos, mas não os adultos jovens nem as crianças. Partindo de testes clássicos, como o WCST e testes de alternância de tarefas, Zelazo e colaboradores (2004) estudaram o desenvolvimento das FE em crianças (M = 8,8 anos), adultos jovens (M = 22,3 anos) e idosos (M = 71,1 anos) empregando tarefas de ordenação. Uma das provas utilizadas foi a tarefa de cor e forma com auxílio visual, na qual eram apresentados aos participantes quatro cartas-alvo e solicitado que ordenassem as cartas do teste pela cor ou pelo formato, dependendo da apresentação de um sinal visual (um X ou um Y). A outra prova era a tarefa de número e numerais com auxílio auditivo, na qual os participantes visualizavam uma grade 2 x 2 onde cada quadrante continha um, dois, três ou quatro pequenos quadrados e também um numeral (1, 2, 3 ou 4), mas sem uma correspondência entre o número de quadrados em um quadrante e o numeral. Frente a uma instrução verbalizada (auxílio ou sinal auditivo), os participantes deveriam selecionar e pressionar uma chave correspondendo ao número de quadrados ou ao numeral. Neste estudo, foram confirmados os resultados dos estudos anteriormente citados nessa seção, ou seja, em ambas as tarefas de ordenação, observou-se que o desempenho apresentava uma curva em U invertido, indicando que tanto crianças quanto adultos velhos cometeram mais erros perseverativos do que adultos jovens.
CONCLUSÃO Ao longo deste capítulo, procurou-se demonstrar que, apesar da variabilidade conceitual, as FE podem ser definidas operacionalmente, portanto estudadas e mensuradas, e que prejuízos nas FE são uma apresentação freqüente ao longo do envelhecimento, afetam outros processos cognitivos e devem ser avaliados criteriosamente. Ainda que este capítulo tenha apresentado alguns testes para a avaliação das FE, uma
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nota final de alerta é necessária. O prejuízo no funcionamento executivo em idosos não deve ser sugerido a partir do desempenho do paciente em um único teste, mas sim como uma decorrência do padrão global de desempenho em testes variados, interpretado no contexto de uma avaliação neuropsicológica que inclui seguramente observações comportamentais e entrevistas com fontes múltiplas de informação (Green, 2000). A utilização de tarefas mais próximas às demandas cotidianas deve ser considerada na avaliação neuropsicológica do idoso. Por exemplo, Crawford e Channon (2002) demonstraram que, apesar do desempenho de idosos diferir em relação ao de adultos jovens em testes de FE comumente usados, essa diferença quantitativa não se evidencia quando o desempenho é investigado em uma tarefa de resolução de problema semelhante às demandas cotidianas. Idosos, pelo menos nesse estudo, parecem compensar possíveis dificuldades com a utilização de conhecimento e experiência acumulados na resolução de problemas ao longo da vida. Diferentes implicações resultam da compreensão sobre o funcionamento executivo no curso do desenvolvimento e, particularmente, ao longo do envelhecimento. Um aspecto fundamental é que o desempenho das FE está relacionado à capacidade do indivíduo que envelhece de tomar decisões apropriadas, exibir julgamento adequado e manter uma vida independente (Nussbaum, 1998). De fato, prejuízos em subcomponentes das FE, como planejamento, tomada de decisão, organização e flexibilidade, afetam profundamente adultos ao longo do envelhecimento (Amieva et al., 2003), sendo comumente associados a conseqüências desastrosas na rotina diária e no manejo das finanças do indivíduo (Sbordone, 2000). Além disso, a disfunção executiva tem sido associada à recorrência de depressão na população geriátrica, sendo assim um fator preditor do curso da sintomatologia depressiva nos pacientes idosos (Alexopoulos et al., 2000). Pelos fatores acima mencionados, é importante que idosos que apresentem prejuízos nas FE sejam monitorados de forma próxima tanto por familiares quanto por profissionais
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da saúde. No entanto, um fator potencialmente complicador nesse monitoramento pode ser a anosognosia (falta de consciência do próprio distúrbio) nos indivíduos com síndrome disexecutiva (Goldberg, 2001; Sbordone, 2000). Pacientes com essas características não reconhecem suas limitações e, conseqüentemente, não apresentam motivação para intervenções terapêuticas ou restrições ao estilo de vida (Damasio, 1994), podendo gerar uma tensão adicional nos familiares e cuidadores (ver Parte IV).
LEITURAS SUGERIDAS Stuss, D. T.; Alexander, M. P. (2000). Executive functions and the frontal lobes: A conceptual view. Psychological Research, 63, 289-298. Rabbitt, P. (1996). Methodology of frontal and executive function East Sussex: Psychology Press. Goldberg, E. (2001). The executive brain: Frontal lobes and the civilized mind. New York: Oxford University Press.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Quais subcomponentes são comumente envolvidos no processamento executivo? 2. O que é o sistema atencional supervisor? 3. O que é a “metáfora frontal”? 4. Quais são as estruturas encefálicas envolvidas no processamento executivo? 5. Por que síndrome disexecutiva não é sinônimo de lesão no córtex pré-frontal? 6. Quais as provas mais comumente utilizadas na mensuração das funções executivas? 7. O que os estudos com provas de alternância de tarefas nos informam sobre as funções executivas ao longo do envelhecimento? 8. Por que é necessário avaliar prejuízos nas funções executivas ao longo do envelhecimento? 9. Por quais motivos é recomendável a utilização de tarefas cotidianas na avaliação dos prejuízos executivos no envelhecimento?
10. O que é anosognosia e como isso pode interferir na avaliação das funções executivas no envelhecimento?
REFERÊNCIAS Alexopoulos, G. S.; Meyers, B. S.; Young, R. C.; Kalayam, B.; Kakuma, T.; Gabrielle, M., et al. (2000). Executive dysfunction and long-term outcomes of geriatric depression. Archives of General Psychiatry, 57, 285-290. Almeida, O. P. (1998). Mini-Exame do Estado Mental e o diagnóstico de demência no Brasil. Arquivos de Neuropsiquiatria, 56, 605-612. Amieva, H.; Phillips, L.; Della Sala, S. (2003). Behavioral dysexecutive symptoms in normal aging. Brain and Cognition, 53, 129-132. Baddeley, A. D.; Chincotta, D.; Adlam, A. (2001). Working memory and the control of action: Evidence from task switching. Journal of Experimental Psychology: General, 130, 641-657. Baddeley, A.; Della Sala, S. (1998). Working memory and executive control. In A. C. Roberts; T. W. Robbins; L. Weiskrantz (Orgs.), The prefrontal cortex: Executive and cognitive functions (p. 9-21). Oxford: Oxford University Press. Baddeley, A. D.; Hitch, G. J. (1974). Working memory. In G. Bower (Org.), The psychology of learning and motivation (Vol. 8, p. 47-90). San Diego: Academic Press. Baddeley, A. D.; Hitch, G. J. (1994). Developments in the concept of working memory. Neuropsychology, 8, 485-493. Benton, A. L. (2000). The history of neuropsychology: Selected papers. New York: Oxford University Press. Bertolucci, P. H. F.; Okamoto, I. H.; Brucki, S. M. D.; Siviero, M. O.; Toniolo Neto, J.; Ramos, L. R. (2001). Applicability of the CERAD neuropsychological battery to Brazilian elderly. Arquivos de Neuropsiquiatria, 59, 532-536. Brucki, S. M. D.; Nitrini, R.; Caramelli, P.; Bertolucci, P. H. F.; Okamoto, I. H. (2003). Sugestões para o uso do Mini-Exame do Estado Mental no Brasil. Arquivos de Neuropsiquiatria, 61, 777-781. Burgess, P. T. (1996). Theory and methodology in executive function research. In P. Rabbitt (Org.), Methodology of frontal and executive function (p. 81116). East Sussex: Psychology Press. Cepeda, N. J.; Kramer, A. F.; Gonzales de Sather, J. C. M. (2001). Changes in executive control across the life span: Examination of task-switching performance. Developmental Psychology, 37, 715-730. Crawford, S.; Channon, S. (2002). Dissociation between performance on abstract tests of executive
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7 Processos de resolução de problemas e de tomada de decisão no envelhecimento Daniela Di Giorgio Schneider
CONCEITOS TRABALHADOS
forços empreendidos para que sejam realizados julgamentos relativamente adequados.
Resolução de problemas: um processo no qual um conjunto de procedimentos é empregado visando à extinção das barreiras entre o estado atual e o estado que se busca atingir.
Dilema decisional: situação na qual devem ser empregados processos de decisão, ao mesmo tempo em que abrange a seleção entre várias ações, considera o impacto de cada possibilidade no contexto social, a curto e a longo prazo.
Tomada de decisão: função complexa que envolve a escolha entre duas ou mais opções. Modelo de ciclo de resolução de problemas: estágios pelos quais os solucionadores devem passar, a fim de solucionar o problema. Operadores de resolução de problemas: modificadores de um estado do espaço para outro, isto é, são ações que transformarão o estado do problema em outro estado de problema, sendo a solução total do problema uma seqüência de operadores conhecidos. Insight: compreensão súbita e inesperada da natureza de alguma coisa. Heurísticas: estratégias de “atalhos cognitivos”, utilizados pelos indivíduos para chegar aos seus julgamentos ou resolver problemas. São empregadas com o fim de diminuir a carga cognitiva, uma vez que reduzem tempo e es-
Modelos normativos: modelos que postulam regras definidas de como se chegar a uma decisão. Modelos descritivos: modelos que consideram a função da subjetividade individual na designação de valor aos resultados e probabilidades de ocorrência de cada opção de escolha. Teoria prospectiva: teoria que focaliza o ponto de referência adotado pelo decisor na situação de decisão. Hipótese do marcador somático: teoria que postula que uma decisão depende de sinais emocionais, definidos como respostas biorreguladoras (marcadores somáticos), cujo objetivo seria salientar as opções de escolhas capazes de manter a homeostase e garantir a sobrevivência do indivíduo.
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Maria Alice de Mattos Pimenta Parente & cols.
TAREFAS DESCRITAS Torre de Hanói Teste de Wisconsin Teste das vinte perguntas Provas de resolução de problemas diários Tarefa do jogo Tarefa do jogo de Cambridge Tarefa de risco
INTRODUÇÃO Este capítulo tem como finalidade apresentar um apanhado geral acerca das principais influências do envelhecimento nos processos cognitivos de resolução de problemas (RP) e de tomada de decisão (TD). As habilidades requeridas por esses processos – considerar eventos no passado, monitorar a situação presente e fazer predições a respeito do futuro – estão incluídas na lista das funções executivas, as quais sofrem importantes efeitos do envelhecimento. Diversas pesquisas têm associado essas habilidades com sistemas envolvendo o córtex pré-frontal. Neste sentido, Parkin (1993) ressalta que o nível de densidade do neurônio modifica-se à medida que o indivíduo envelhece, tornando-se clara uma perda substancial da região frontal. O objetivo não é explorar todas as possibilidades de integração entre esses processos cognitivos e o envelhecimento, mesmo porque isto não seria passível de realização em um único capítulo, mas mostrar ao leitor, fazendo uma revisão teórica de estudos atuais realizados na área, como alguns estudiosos têm investigado a TD e a RP na velhice e que resultados têm sido vislumbrados.
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS: CONCEITO E HISTÓRICO Problemas são questões centrais da existência humana. O estudo da resolução de pro-
blemas e dos fatores que contribuem para seu sucesso ou fracasso é parte fundamental da adaptabilidade do homem como ser social. Um problema é normalmente definido por uma situação que envolve um objetivo, o qual não pode ser atingido por um procedimento direto (Rodriguez e Jiminez, 1996). Nestes casos, geralmente há um obstáculo impedindo o livre acesso à situação desejada. Na vida diária, as pessoas são confrontadas com variados tipos de problemas. Alguns problemas constituem-se em processos de decisão (por exemplo, ao amanhecer, tem-se o problema de decidir o que vestir), outros incluem o processo decisional em alguma de suas etapas rumo à solução. Os problemas ainda podem diferir quanto à sua definição (problemas maldefinidos versus bem-definidos) e à sua dificuldade (problemas que requerem muitos passos mentais e problemas de rápida solução) (Wenke e French, 2003). A TD será discutida à parte, mais adiante. A resolução de problemas, no contexto da psicologia, pode ser definida como um processo no qual um conjunto de procedimentos é empregado visando à extinção das barreiras entre o estado atual e o estado que se busca atingir (Sternberg, 2000). Os psicólogos têm descrito o processo de resolução de problemas em termos de um “ciclo”, denominado ciclo de resolução de problemas (Pretz, Naples e Sternberg, 2003), que consiste em estágios pelos quais os solucionadores devem passar, a fim de solucionar o problema. Trata-se de um ciclo, porque, uma vez finalizado, geralmente inicia-se novamente, por uma repetição dos seus passos. O ciclo de resolução de problemas apresenta sete etapas a serem realizadas para se solucionar um problema, que são: 1. Reconhecer e identificar o problema. 2. Definir e representar mentalmente o problema. 3. Construir estratégias para a resolução. 4. Organizar o conhecimento sobre o problema. 5. Alocar recursos físicos e mentais.
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Cognição e Envelhecimento
6. Monitorar o progresso em direção à meta. 7. Avaliar a precisão da resolução do problema. A seqüência em que cada uma delas ocorre não é rígida; ao contrário, solucionadores bem-sucedidos são aqueles que apresentam flexibilidade, isto é, conseguem alternar suas estratégias conforme se modificam as situações apresentadas. À luz dos pressupostos de Anderson (2004), a situação inicial do solucionador do problema chama-se estado inicial, as situações no decorrer do caminho à meta são denominadas estados intermediários e a meta final é o estado final. A resolução de problemas é retratada no sentido de buscar um espaço do problema, o qual é composto de seus vários estados, sendo estes caracterizados pela representação do problema em algum grau de solução. Nesse sentido, há os operadores da resolução de problemas, que são modificadores de um estado do espaço para outro, isto é, são ações que transformarão o estado do problema em outro estado, sendo a solução total uma seqüência de operadores conhecidos. Para fins ilustrativos, pode-se imaginar o espaço do problema como um labirinto de estados e os operadores como trajetos de movimentação entre os estados (ações), onde o solucionador deve encontrar o trajeto (ação) apropriado neste labirinto de estados. Partindo do estado inicial, existem diversos caminhos que o solucionador pode eleger para modificar seu estado, restando a ele encontrar uma seqüência viável de operadores que vá do estado inicial ao estado final, no espaço do problema. Em termos históricos, os estudos sobre a capacidade de solucionar problemas percorreram alguns caminhos até serem enfocados pela psicologia cognitiva (Eysenck e Keane, 1994; Rodriguez e Jiminez, 1996; Sternberg, 2000). Na primeira metade do século XX, o comportamentalismo abordou o tema a partir de um enfoque associacionista. Os principais experimentos foram conduzidos por Thorndike, psi-
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cólogo norte-americano, que estava interessado principalmente na conduta de aprendizagem e na solução de problemas de gatos. Segundo o pesquisador, estes animais aprendiam a sair de uma caixa-problema para alcançar o alimento localizado em seu exterior, por meio de um processo que denominou “ensaio e erro”. As respostas do animal que conduziam a obter a recompensa eram fortalecidas em comparação com as outras respostas emitidas. Já na escola da Gestalt, a resolução de problemas não era passível de ser explicada pela mera associação entre estímulos e respostas. A ênfase nos processos de percepção, dada por esta abordagem, influenciou o entendimento das condutas empregadas para resolver situações problemáticas. Wofgang Köhler, psicólogo que teceu importantes contribuições a este campo, afirmou que o insight é um instrumento fundamental em uma situação problemática, visto que, por seu intermédio, o indivíduo reestrutura a cena-problema, encontrando a solução para o conflito. Suas pesquisas foram desenvolvidas com chimpanzés, os quais eram submetidos a distintos experimentos que envolviam a busca por soluções. Nos anos de 1970, os processos cognitivos envolvidos na resolução de problemas eram analisados sob a ótica da psicologia cognitiva. De acordo com o paradigma cognitivo, baseado na teoria do processamento da informação, a resolução de problemas realizada pelo ser humano é passível de simulação computacional; isto é, o programa de computador pode ser um bom modelo para ilustrar a conduta de solução de problemas. Newell e Simon (1972) desenvolveram o primeiro programa de computador capaz de solucionar uma ampla gama de problemas, denominado “Solucionador Geral de Problemas – SGP”. Segundo esses dois psicólogos cognitivos, muitas vezes torna-se impossível explorar todas as alternativas que podem levar à solução, tornando necessária a utilização de métodos heurísticos. Heurísticas são estratégias de “atalhos cognitivos” utilizados pelos indivíduos para chegar aos seus julgamentos ou resolver pro-
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blemas. São empregados com o fim de diminuir a carga cognitiva, uma vez que reduzem tempo e esforços empreendidos para que sejam realizados julgamentos relativamente bons (Plous, 1993; Tversky e Kahnemann, 1974). Na RP, a utilização destes vieses permite que os indivíduos explorem somente as alternativas mais plausíveis de conterem as soluções.
Resolução de problemas: métodos de pesquisa As pesquisas em RP têm focado, tradicionalmente, os problemas de insight. A tarefa da Torre de Hanói é um exemplo típico. A tarefa é composta de três pinos e três discos (Figura 7.1). O objetivo é mover os discos do pino “1” para o pino “3”, movimentando apenas um disco por vez, somente o disco do topo, nunca colocando um disco maior sobre um menor (Hambrick e Engle, 2003). Segundo os autores, o sucesso em muitas tarefas é predito pela habilidade em manter as metas, planos de ação e outras informações relevantes à tarefa em um estado altamente ativado e acessível e, quando necessário, inibir a ativação de informações irrelevantes. Alguns estudos lançam mão de instrumentos que apresentam variações da Torre de Hanói, os quais são denominados Torre de Lon-
dres e Torre de Puzzle. Essas três tarefas são igualmente descritas na literatura como tarefas de torre ou tarefas de transferência de discos (Peretti et al., 2002). O teste mais largamente utilizado para verificar a resolução de problemas é o Wisconsin Card Sorting Task (WCST). Trata-se de um teste clássico no estudo de pacientes com prejuízos nas funções executivas. Nesta prova, os participantes devem classificar um conjunto de cartas com base em quatro baralhos diferentes e adivinhar qual o critério de seleção implicado (cor, forma ou número de elementos). Eles não são instruídos com relação a como classificar as cartas, mas devem inferir os princípios de escolha corretos a partir de limitados feedbacks do experimentador, os quais indicam se a seleção foi correta ou não. De maneira semelhante, devem estar atentos para perceber quando ocorre uma modificação neste critério, a qual se dá sem aviso prévio. Nesse instrumento, prejuízos na formação de conceitos e flexibilidade do pensamento são inferidos a partir de escolhas perseverativas. Recentemente, um novo teste de solução de problemas e formação de conceitos foi desenvolvido, o Twenty Questions Test (Delis, Kalpan e Kraemer, 2001, citados por Baldo et al., 2004), no intuito de complementar a avaliação realizada a partir do WCST. O instrumento consiste na adivinhação de um item-
FIGURA 7.1 Figura da Torre de Hanói. O jogador deve transferir todos os círculos para outro pino, obedecendo duas regras: 1) transferir um círculo de cada vez; e 2) nunca um círculo maior pode ficar em cima de um menor.
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alvo, por parte de um jogador, a partir da realização de perguntas que envolvem “sim” ou “não”. Esse item pertence a um número de categorias e subcategorias existentes em uma estrutura semântica hierárquica. O teste avalia a habilidade de formação de conceitos, pela verbalização dos participantes, em vez de inferi-la a partir de respostas de escolhas de cartões. O jogador tem apenas 20 questões para chegar à resposta correta, e a maneira mais eficiente de chegar à solução é iniciar por categorias mais abstratas, alternando progressivamente para questões mais específicas. Atualmente, uma atenção teórica e empírica tem sido direcionada para o entendimento de como adolescentes e adultos, ao longo da vida, resolvem problemas práticos oriundos de numerosos contextos do dia-a-dia. Essa prática é denominada resolução de problemas diários. Ela tem sido descrita como uma resolução de problemas que é freqüentemente experienciada no cotidiano, sendo ela complexa, multidimensional e geralmente bem estruturada com relação às suas metas e soluções (Marsiske e Willis, 1995). Trata-se de problemas que se assemelham àqueles com os quais os indivíduos confrontam-se fora do “laboratório” em seu cotidiano.
Resolução de problemas: estudos com envelhecimento Os estudos das variações no desempenho cognitivo ao longo da vida apontam que, com o aumento da idade, as pessoas apresentam declínios na velocidade do processamento cognitivo e na capacidade da memória de trabalho (Scheibel, 1996; e Willott, 1999; citados em Artistico, Cervone e Pezzuti, 2003). Essas mudanças podem manifestar-se em qualquer situação que requer habilidades cognitivas complexas. No entanto, o aumento da idade também está relacionado a um acréscimo de conhecimento e experiência, permitindo que adultos mais velhos compensem suas perdas cognitivas. Tais benefícios são mais prováveis em contextos de resolução de problemas nos quais o indivíduo esforça-se para desenvolver
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habilidades indispensáveis e estratégias da tarefa ou interage com outros para discutir impasses (Baltes e Lang, 1997; Baltes e Staudinger, 2000; Staudinger e Baltes, 1996; citados em Artistico, Cervone e Pezzuti, 2003). Conforme Artistico, Cervone e Pezzuti (2003), a resolução de problemas diários é um domínio valioso para avaliar variações prospectivas relacionadas à idade e dependentes do contexto na performance cognitiva. As investigações das diferenças de idade relacionadas com as variações nas habilidades cognitivas devem atentar para o contexto particular no qual o desempenho está sendo avaliado, visto que em diferentes domínios (por exemplo, tarefas de laboratório versus problemas diários) foram encontrados resultados contraditórios. O desempenho em tarefas cotidianas (Denney e Pearce, 1989; citado em Artistico, Cervone e Pezzuti, 2003) melhora da juventude à meiaidade, decrescendo na velhice. Em tarefas tradicionais de laboratório, o desempenho tende a diminuir linearmente após a adultez jovem. No entanto, ainda se trata de uma questão polêmica, tendo em vista as contradições apresentadas pelas pesquisas. Já que o WCST é uma medida particularmente importante dentro da literatura sobre envelhecimento, Rhodes (2004) realizou duas metanálises investigando diferenças de idade com relação ao desempenho nesta tarefa. O estudo enfocou os dois índices comumente reportados em estudos com índices de desempenho neste teste: o número de categorias obtidas e a quantidade de erros perseverativos realizados. A primeira busca examinou mudanças relacionadas à idade concernentes ao número de categorias obtidas, e a segunda examinou o desempenho quanto aos erros perseverativos cometidos. Os resultados indicaram que diferenças robustas de idade estavam presentes em ambas as medidas. Essas diferenças mostraram-se mais pronunciadas para o número de erros preserverativos, sendo particularmente extremas no grupo de idosos mais velhos (mais de 75 anos). Marsiske e Willis (1995) conduziram um estudo objetivando investigar diferenças individuais na resolução de problemas diários em
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adultos mais velhos. Segundo estes autores, alguns estudos encontraram dados concernentes à influência da idade na resolução de problemas diários, podendo esta variação no desempenho ocorrer em função do método de avaliação empregado. Isto porque várias pesquisas nessa área têm utilizado basicamente medidas individuais, investigando apenas dimensões particulares. Os pesquisadores utilizaram três instrumentos de avaliação em uma amostra de 111 adultos mais velhos, com a média de idade entre 68 e 94 anos. Os resultados evidenciaram que, dentro de cada instrumento, foram claramente identificadas subescalas representando domínios de conteúdos particulares. No entanto, havia pouca relação entre os instrumentos, e suas medidas também diferiram com relação à idade cronológica. Os resultados suportam a visão de que a habilidade de resolução de problemas diários é um constructo multidimensional, de forma que os estudos anteriores podem ter investigado apenas campos específicos. Pesquisas recentes têm sugerido que a representação que o indivíduo faz de seus problemas diários pode variar ao longo da vida. Sendo assim, a seleção da estratégia a ser utilizada também pode sofrer influências da idade pela variação que ocorre na representação dos problemas por indivíduos de diferentes faixas etárias. Diferenças contextuais vêm sendo igualmente consideradas importantes no entendimento das diferenças desenvolvimentais na seleção de estratégias. Neste sentido, Berg e colaboradores (1998) propuseram um estudo para examinar se diferenças desenvolvimentais e contextuais nas estratégias podem ser compreendidas à luz das representações que os indivíduos têm de seus próprios problemas. Os participantes eram pré-adolescentes (n = 107), universitários (n = 124) e adultos idosos (n = 131). Foi solicitado que eles descrevessem dois problemas diários (um sem restrição com relação aos domínios, isto é, quanto aos possíveis assuntos a serem abordados, e outro restrito a um de seis campos temáticos) que experienciaram, juntamente com suas metas e estratégias. Foram encontradas diferenças de idade na definição do problema. Para os problemas
sem restrição de domínios, a idade e a definição do problema foram relacionadas às estratégias, isto é, não foram encontradas diferenças de idade nas estratégias utilizadas. Nos problemas com restrição de domínio, as estratégias foram relacionadas com o domínio e a definição do problema, sendo este último o melhor preditor da estratégia. Estudos brasileiros na esfera de resolução de problemas, em sua maioria, abrangem a avaliação desta função cognitiva por meio de cálculos mentais. Dentre estes, a resolução de problemas de subtração usando a notação escrita em crianças nas séries de alfabetização (Selva e Brandão, 2000) e estratégias na resolução de problemas matemáticos, incluindo a fase de construção da representação mental (Vieira, 2001). Não foi encontrado nenhum estudo brasileiro que tenha investigado as diferenças na habilidade de resolver problemas entre indivíduos jovens e idosos.
TOMADA DE DECISÃO: CONCEITO E HISTÓRICO A capacidade humana de tomar decisões ao longo do tempo é um importante aspecto do funcionamento social adaptativo. Situações que requerem decisões, sejam estas efetuadas de forma pré-consciente ou a partir de processos reflexivos, envolvem o indivíduo desde seu despertar matinal até a hora de dormir. Dessa forma, a operação em um mundo social complexo demanda do ser humano habilidade para considerar eventos no passado, monitorar o ambiente presente e realizar predições sobre possibilidades futuras. Para a psicologia cognitiva, a TD pode ser definida como uma função complexa que envolve a escolha entre duas ou mais opções (Eysenck, 1994; Jiminez e Rodriguez, 1996; Medin e Ross, 1992; Sternberg, 2000; Tversky e Kahneman, 1981). Para isso, requer a análise de todas ou, pelo menos, de algumas características dessas opções e a estimativa de conseqüências futuras acarretadas pela escolha. No entender de Damasio (1996), o processo de
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decisão supõe que o indivíduo conheça: a situação que requer determinada decisão, as distintas possibilidades de ação e as conseqüências imediatas e futuras de cada uma dessas ações. O dilema decisional, isto é, a situação na qual devem ser empregados processos de decisão, ao mesmo tempo em que abrange a seleção entre várias ações, considera o impacto de cada possibilidade no contexto social, a curto e longo prazo (Palmini, 2004). Segundo Eysenck (2001), a TD diferencia-se da RP, principalmente, por já incluir em seu processo todas as opções de escolha para que se possa chegar a uma decisão. Já o solucionador de problemas deve gerar opções, além daquelas já existentes, por meio de uma análise dos recursos disponíveis, visando a alcançar uma solução. A pesquisa em TD, apesar de não ter um marco histórico claramente definido, pode ser considerada originária das ciências econômicas, da matemática e da estatística. Para Hastie (2001), a origem dos estudos sobre a tomada de decisão acha-se na determinação de formas efetivas para tomar decisões em jogos e situações seguras. As investigações em TD na economia iniciaram em 1713, quando um professor suíço chamado Nicolas Bernoulli propôs uma intrigante questão matemática, hoje conhecida como o “paradoxo de Saint Petersburg”. Bernoulli estava buscando compreender quanto as pessoas pagariam para participar de um jogo com as seguintes regras: “uma moeda sem vieses é lançada para o alto até que caia em coroa. O jogador ganha R$ 2,00 se cair coroa na primeira jogada; R$ 4,00 se cair novamente na segunda vez; R$ 8,00 na terceira; R$ 16,00 na quarta e assim por diante”. É denominado paradoxo porque, mesmo que as possibilidades de ganho oferecidas pelo jogo sejam infinitas, as pessoas pagariam poucas quantias para jogá-lo. A questão foi solucionada 25 anos mais tarde pelo jovem primo de Nicolas Bertoulli, o matemático Daniel Bertoulli, fato que representou as primeiras sementes de uma teoria contemporânea da decisão. Ele postulou que o valor (ou “utilidade”) do dinheiro declina com a soma de vitórias. Percebendo que o valor de dinheiro adicional declina com a riqueza, Bertoulli
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mostrou que a possibilidade de ganhos do jogo de St. Petersburg não é infinita. As análises sobre o processo de TD foram introduzidas na psicologia somente em 1954, por Edwards, incorporando teorias econômicas e psicológicas de decisões sem risco, decisões de risco e jogos. Paralelamente, Simon, em 1956, propôs um entendimento da TD com base na racionalidade limitada, a partir da abordagem do processamento de informação. A pesquisa em psicologia cognitiva, no entanto, somente focalizou os processos decisionais 20 anos mais tarde, quando Daniel Kahneman e Amos Tversky publicaram seus achados em julgamento e TD (Kahneman e Smith, 2002; Mellers, Schwartz e Cooke, 1998). A influência da emoção nos processos decisionais tem sido extensamente negligenciada. A partir da década de 1990, devido, em parte, aos trabalhos de Damasio e colegas, os processos biológicos subjacentes à TD também têm sido considerados. Nestes foi salientado o papel da emoção na TD (Bechara, 2001, 2003; Bechara et al., 1994, 1996, 1997, 1998, 2000; Damasio, 1996, 2003). Em sintonia com o exposto até o momento, o estudo dos processos de decisão nos moldes propostos pela psicologia cognitiva vem sendo realizado com base em dois modelos principais: os normativos e os descritivos. Os modelos normativos são assim denominados por postularem normas, regras definidas de como se chegar em uma decisão. Foram pioneiros na investigação da TD que tem por objetivo indicar qual a melhor estratégia a ser utilizada em determinada situação. Trata-se de verificar como as decisões devem ser tomadas de forma a otimizar a escolha. Já os modelos descritivos, aqueles que descrevem como a decisão é tomada, seguem uma abordagem mais empírica, buscando demonstrar como as decisões são efetivamente realizadas, sendo estas ideais ou não. Dentro da concepção normativa, a teoria da utilidade esperada (TUE) pode ser considerada uma abordagem clássica no que tange à explicação da TD. Nessa teoria, o decisor tem a completa informação das probabilidades e conseqüências derivadas da escolha de cada alternativa, sendo hábil o suficiente para cal-
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cular as vantagens e desvantagens de cada uma, optando pelo melhor curso de ação (Kahnemann e Tversky, 1979). Nos moldes descritivos, tem-se como principal representante a teoria prospectiva (Kahneman e Tversky, 1979), a qual se pretende uma evolução da perspectiva normativa, ao considerar a função da subjetividade individual na designação de valor aos resultados e probabilidades de ocorrência de cada opção de escolha. Nessa teoria, modifica-se o conceito de utilidade, pois os resultados da decisão são vistos como desvios (ganhos ou perdas) com relação a algum ponto de referência adotado pelo decisor na situação de decisão. Desta maneira, se os resultados são vistos como perdas, a partir do ponto de referência, uma tendência ao risco prevalece. Se, ao contrário, os resultados são vislumbrados em termos de ganhos, predomina a aversão ao risco. Como uma “terceira força” teórica para alicerçar os estudos sobre o processo de decisão surgiu a “hipótese do marcador somático”, um modelo teórico baseado em sinais somáticos, proposto no intuito de prover uma explicação neurológica para a TD. Segundo este modelo teórico, a TD é um processo que depende de sinais emocionais, definidos como respostas biorreguladoras (marcadores somáticos), cujo objetivo seria salientar as opções de escolhas capazes de manter a homeostase e garantir a sobrevivência do indivíduo (Bechara, Tranel e Damasio, 2002). Embora a priori não seja classificada dentro de nenhum desses modelos aludidos, pode-se referir a esta como uma abordagem descritiva, visto sua ênfase na evidência empírica.
Tomada de decisão: métodos de pesquisa As provas disponíveis para avaliar a TD podem ser qualificadas como: questionários, inventários e tarefas/testes. Dentro deste arranjo, relacionam-se as medidas de avaliação que simulam o processo decisional diário (denominadas tarefas cotidianas), que abrangem as tarefas/testes, aquelas que nutrem
pouca relação com as situações ambientais (tarefas laboratoriais) e os questionários e inventários. Os estudos internacionais sustentam uma maior variedade nas técnicas avaliativas aplicadas. O paradigma clássico utilizado para avaliar a TD foi desenvolvido por Bechara e colaboradores (1994), sendo denominado gambling task, aqui traduzido como “tarefa do jogo”. Trata-se do primeiro instrumento que se mostrou sensível aos déficits na TD encontrados em pacientes com lesões frontais específicas (lesões bilaterais no córtex pré-frontal ventromedial). Esse teste teve sua utilização fortemente ampliada, sendo também utilizado em estudos com pacientes psiquiátricos (Damasio, Tranel e Damasio, 1990; Saver e Damasio, 1991), em investigações de indivíduos com déficits cognitivos (Bechara et al., 1998) e em pesquisas sobre desenvolvimento e TD (Garon, 2004). A tarefa envolve quatro baralhos de cartas, definidos por “A”, “B”, “C” e “D”. O objetivo do “jogo” é maximizar o lucro e minimizar as perdas. Solicita-se aos participantes que realizem uma série de escolhas (100), mas não lhes é informado quantas são estas jogadas. Eles devem escolher uma carta de cada vez e é permitido que troquem de baralho a qualquer momento, sempre que desejarem. A cada jogada, a decisão dos indivíduos de preterirem um baralho ao outro é influenciada por diversos esquemas de punição e recompensa pré-programados pelo examinador e desconhecidos do participante. (Bechara et al., 1994; Bechara, Tranel e Damasio, 2002). São estes: – As cartas dos baralhos “A” e “B” rendem R$ 100,00 a cada escolha, mas incluem punições mais altas. – As cartas dos baralhos “C” e “D” incluem um ganho de R$ 50,00 a cada jogada, porém incluem punições mais baixas. – A cada 10 cartas retiradas do baralho “A”, o participante ganha R$ 1.000,00; no entanto, cinco punições são previstas (variando de R$ 50,00 a R$ 350,00),
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resultando em uma perda líquida de R$ 250,00. – No baralho “B” é semelhante, porém há somente uma punição prevista, de R$ 1.250,00. – Ao escolher 10 cartas do baralho “C”, o indivíduo tem um lucro de R$ 500,00; no entanto, depara-se com um custo de R$ 250,00 em cinco punições variadas conforme o valor, obtendo um lucro total de R$ 250,00. – O mesmo ocorre no baralho “D”, porém neste só há uma punição de R$ 250,00. Outro teste igualmente utilizado para avaliar a TD é o Cambridge Gambling Task. Nesta tarefa, é apresentada ao indivíduo, em cada jogada, uma mistura de 10 caixas vermelhas e azuis, devendo o mesmo adivinhar a cor da caixa que esconde um símbolo amarelo. A relação das caixas coloridas varia aleatoriamente nas jogadas. O participante é, então, convidado a realizar uma aposta na confiança que atribui à sua decisão, com intuito de aumentar seus pontos ao longo das jogadas. Existem dois esquemas de apostas: o ascendente, no qual as possibilidades iniciam por valores pequenos (por exemplo, 5, 25, 50 e 75 e 95% dos pontos adquiridos até o momento da decisão) e os descendentes. Os participantes completam 36 jogadas dentro das apostas apresentadas em uma seqüência ascendente e 36 em uma seqüência descendente, equilibradas entre os sujeitos. Disparidades nas apostas entre as condições ascendentes e descendentes pode indicar desinibição de respostas: o sujeito impulsivo irá responder mais cedo e, dessa forma, realizar apostas mais baixas na condição ascendente e altas apostas na seqüência descendente. Um sujeito que busca o risco, ao contrário, deve esperar na condição ascendente para realizar a melhor aposta. Após as apostas, é provido um feedback na forma de uma mensagem verbal “ganho” ou “perda”, a posição do símbolo amarelo é mostrada, e a quantidade de apostas é tanto somada quanto diminuída do escore dos participantes. Três variáveis dependentes são avaliadas: a pro-
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porção de jogadas nas quais o sujeito escolhe a maior quantidade da caixa colorida (vermelha ou azul), a latência até realizar a decisão e a porcentagem de pontos apostados em cada decisão. Além dessas duas tarefas expostas, outra possibilidade de mensuração da habilidade decisional foi desenvolvida, a tarefa de risco, sendo adaptada a partir do Cambridge Gambling Task. A tarefa de risco foi utilizada, inicialmente, para estudos com ativação de PET. Em cada jogada, é apresentada ao sujeito uma mistura de seis caixas azuis e vermelhas, em que o sujeito deve adivinhar “a cor da caixa que esconde o símbolo amarelo”. No entanto, diferente da tarefa anterior, existem apostas fixas associadas com cada caixa colorida escolhida. Enquanto essas apostas variam sistematicamente ao longo das jogadas (10-90, 20-80, 30-70, 40-60, 50-50), uma aposta mais alta é sempre oferecida na caixa de cor que menos aparece, provendo um inerente conflito de recompensa em cada decisão. Por exemplo, deve haver quatro caixas vermelhas com uma aposta fixa de 20 pontos ou duas caixas azuis com uma aposta fixa de 80 pontos. Selecionando a cor menos provável (azul), os sujeitos arriscam ganhar ou perder mais pontos. Duas variáveis dependentes são analisadas: a proporção das jogadas nas quais o sujeito escolhe a caixa colorida que aparece em maior quantidade em ambas as relações de caixas e a latência para realizar estas decisões. Os sujeitos completam 35 jogadas no total, levando aproximadamente 15 minutos. O método empregado em pesquisas brasileiras, em sua maioria, serve-se de questionários e inventários em seu exame do processo de TD (Primi et al., 2000; Réa-Neto, 1998). Em um estudo que buscou verificar o efeito de configuração em estudantes universitários, foram desenvolvidos problemas que envolviam decisões, os quais variavam conforme configurados em termos de perdas ou ganhos (Martinez, 2000). No estudo realizado por Schneider (2004), o teste “tarefa do jogo”, desenvolvido pelos pesquisadores norte-americanos, foi traduzido e adaptado para avaliar diferenças no desempenho de jovens e idosos.
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Tomada de decisão: estudos com envelhecimento Dentro do paradigma da psicologia cognitiva, os estudos em TD podem ser divididos em três áreas: estudos que enfocam efeitos do envelhecimento na TD, que serão os mais amplamente abordados; pesquisas sobre os efeitos de outras funções cognitivas no processo de decisão; investigações acerca do processo de decisional em pacientes com diferentes transtornos psicológicos. Ao final desta sessão, será feito um breve comentário sobre os estudos brasileiros em TD. A maior parte dos estudos estrangeiros que avaliam a habilidade de tomada de decisão, levando em consideração diferenças de idade, encontra-se na área da saúde. Estas análises no campo médico têm abordado temas como: influência do processo de consentimento informado em decisões pré-cirúrgicas (Kiss, et al., 2004) e decisões de parentes de pacientes com Alzheimer, no que tange à busca por um exame cognitivo (Werner e Heinik, 2004). Estudos envolvendo o processo decisional e envelhecimento, que figuram fora do âmbito médico, investigam as funções cognitivas de jovens e idosos em situações diversas, por meio do desempenho deles em tarefas que avaliam esta habilidade. Os estudos que focalizaram o efeito de idade em tarefas de tomada de decisão apresentam dados contraditórios (Chasseigne, Mullet e Stewart, 1997, citado por Sanfey e Hastie, 2001; Dror, Katona e Mungur,1998; Hershey e Wilson, 1997; MacPherson, Phillips e Sala, 2002; Sanfey e Hastie, 2001; Walker et al., 1997). A seguir, serão descritos três estudos que não constataram efeito de idade, dois que evidenciaram prejuízos em idades mais avançadas e um que exibiu diferenças qualitativas. MacPherson, Phillips e Sala (2002) conduziram um estudo composto de seis tarefas relacionadas ao lóbulo frontal, considerando sua possível dissociação no desempenho, em função das sub-regiões frontais. Três dessas tarefas avaliaram as funções executivas e memória de trabalho, tarefas dependentes da região pré-frontal dorso-lateral e as outras três investigaram emoção e tomada de decisão, tarefas dependentes da àrea pré-frontal ventro-
medial. Os resultados sustentaram diferenças de idade no desempenho dos indivíduos quando as tarefas dependiam da sub-região pré-frontal dorso-lateral. Não foram encontradas diferenças de desempenho na maioria das tarefas dependentes da região pré-frontal ventro-medial, o que sugere que as funções de tomada de decisão são menos sensíveis ao envelhecimento saudável. O teste utilizado para avaliar a tomada de decisão foi a tarefa do jogo (Bechara et al., 1994). Os resultados de Lamar e Resnick (2004) corroboram esses achados, sugerindo que a medida de TD avaliada pela tarefa do jogo é menos sensível ao envelhecimento, apesar de envolver a região orbitofrontal, não acarretando diferenças de idade. Os autores discutem a possibilidade de os poucos limites impostos pela tarefa e um feedback imediato sobre o desempenho explicarem esses achados. Walker e colaboradores (1997) examinaram o efeito da idade na velocidade e na qualidade da tomada de decisão em uma tarefa que incluía habilidades relacionadas ao ato de dirigir. Os participantes realizaram decisões de seleções de rotas em tempo real, após obter informações sobre o tráfego e limites de velocidade das rotas principais e alternativas. Foram observadas diferenças influenciadas pela idade na velocidade, mas, como no estudo anterior, não ocorreram diferenças na qualidade da decisão. Em outras palavras, os participantes mais velhos foram mais lentos, mas não evidenciaram prejuízos na seleção de rotas. Hershey e Wilson (1997) estudaram decisões de investimento de aposentadoria em um grupo de jovens (média de idade = 19 anos) e um grupo de idosos (média de idade = 71 anos). Os participantes resolveram seis problemas de investimento que envolviam decisões sobre a quantia de dinheiro que deveria ser destinada a um fundo de aposentadoria que patrocina o investidor. A qualidade das decisões acerca da designação financeira não diferiu significativamente entre os dois grupos de idade. Entretanto, outros dois estudos evidenciaram piores desempenhos em idosos. Pesquisas com tarefas de julgamento e avaliação apontam para uma diminuição gradual da flexibilidade cognitiva em adultos mais velhos, em
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comparação com adultos jovens (Chasseigne, Mullet e Stewart, 1997, citado por Sanfey e Hastie, 2001). Esses resultados sugerem que a capacidade de pensar de uma forma auto-instruída e flexível decresce à medida que se envelhece. Tarefas de avaliação e escolha sobre opções de planos de saúdes realizadas por adultos mais velhos (65-94) e adultos mais jovens (18-64) mostraram que o efeito da idade foi relacionado a maiores erros de compreensão e preferências inconsistentes, mesmo quando foram levadas em conta variações mútuas (educação, renda, dinheiro, habilidade e saúde autopercebidas, estilo de decisão e atitude para delegação) (Finuncane et al., 2002). Por fim, Sanfey e Hastie (2001), em vez de encontrar diferenças quantitativas, observaram diferenças qualitativas no comportamento de idosos. Os autores chamam a atenção para o fato de que adultos mais velhos consideram menos informações antes de executar uma escolha. Esse dado é consistente com as várias indicações de que a capacidade da memória de trabalho declina com a idade, levando esses sujeitos a apresentar estratégias de escolha que tenham exigência de carga cognitiva reduzida. Por outro lado, os autores também sugerem que fatores como experiência no domínio e motivação podem influenciar estratégias de escolha. Por isso, é possível que a experiência presumivelmente melhor dos adultos mais velhos na situação de decisão tenha permitido que eles realizassem a escolha de forma competente, porém com menos informações. No que tange aos estudos que verificam a influência de outros processos cognitivos na TD, tem-se a pesquisa de Gondo e colaboradores (1998), que averiguaram influências de idade na diminuição do processamento cognitivo em uma tarefa que envolve a TD. Em outra pesquisa, foi examinado o efeito do uso de fones de ouvido no carro, no que concerne à interferência no processamento cognitivo necessário para as decisões que controlam o veículo, nas diferentes idades (Cooper e Zheng, 2002). Neste sentido, Wolf e Pennington (2000) salientam a relação entre memória e tomada de decisão e apresentam modelos referentes a
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esta interação. Estes autores ressaltam que, ao confrontar-se com uma decisão que envolve uma quantidade de informação consideravelmente grande (tal como uma decisão médica, política ou legal), é razoável assumir que o decisor vai basear-se, de alguma maneira, em sua memória para a informação sobre a decisão. Dessa forma, os autores propõem duas teorias a respeito da relação entre memória e processos de decisão. A primeira, do modelo baseado em explicação, defende que a organização na memória da informação relevante para a escolha é que determina a decisão. Essa teoria afirma que uma imagem mental total da informação é de confiança nos processos de decisão, incluindo inferências e idéias de como o mundo funciona. No modelo da disponibilidade, a quantidade de informação disponível na memória que suporta decisões competidoras é crucial para este processo. Na mesma linha dos autores acima referidos, Bechara e colaboradores (1998) desenvolveram um estudo para averiguar a influência da memória de trabalho na TD, a partir do desempenho dos participantes na tarefa do jogo. Os resultados evidenciaram que os déficits na TD e na memória de trabalho não são totalmente independentes, visto que os indivíduos que apresentavam prejuízos na memória de trabalho demonstraram um pior desempenho na tarefa do jogo. As pesquisas sobre a TD nos diferentes transtornos mentais discutem possíveis déficits na TD em patologias diversas, sugerindo maneiras de integrar esses achados na prática clínica atual. Como exemplo, têm-se os estudos da TD em transtornos como a dependência química (Bechara e Damasio, 2002), mania e/ ou depressão (Murphy et al., 2001), transtorno da personalidade anti-social (Damasio, Tranel e Damasio, 1990; Saver e Damasio, 1991) e transtorno do déficit de atenção/ hiperatividade (Ernst et al., 2003). De uma maneira geral, os resultados desses estudos têm apontado para um prejuízo na TD destes pacientes, constatado a partir de um pobre desempenho no teste tarefa do jogo. As investigações brasileiras acerca da habilidade decisional ainda são escassas, principalmente se comparadas ao vasto repertório
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de publicações internacionais neste domínio. Estas buscas destacam, na maioria das vezes, o processo de decisão diagnóstica e terapêutica empregado por médicos, tendo como exemplo o estudo conduzido por Réa-Neto (1998). Na área da avaliação, foi proposto o desenvolvimento de um inventário de levantamento das dificuldades da decisão profissional (Munhoz et al., 2000). Em um estudo desenvolvido por Schneider (2004), foi comparado o desempenho de jovens e de idosos na tarefa do jogo, uma tarefa que avalia a TD dentro de uma perspectiva de busca ou aversão ao risco. Os resultados demonstraram que não houve diferenças de idade no que tange ao comportamento decisional. Ambos os grupos selecionaram a mesma freqüência de cartas e cada um dos baralhos, demonstrando uma conduta conservadora.
CONCLUSÃO Tecer comentários delimitados e conclusivos sobre estas duas grandes áreas de estudos da psicologia (a TD e a RP) a partir de um viés do desenvolvimento é uma tarefa desafiadora. Isto não somente em virtude do limitado número de estudos disponíveis sobre essas duas funções cognitivas, mas também em função da diversidade metodológica verificada em pesquisas sobre funções cognitivas e envelhecimento. Com relação aos estudos conduzidos com o WCST, medida clássica na avaliação da RP, a maioria tem demonstrado que idosos realizam mais erros perseverativos e completam menos categorias nesta tarefa. Em contrapartida, nas tarefas cotidianas, que envolvem domínios mais familiares, os idosos não têm apresentado capacidades diminuídas quando comparados a jovens. No que tange à TD, os resultados ainda são contraditórios, visto que alguns estudos não constatam efeito de idade, e outros evidenciam prejuízos em idades mais avançadas. Poucos estudos têm contemplado o enfoque desenvolvimental a partir do desempenho na tarefa do jogo, teste amplamente utilizado para verificar habilidades decisionais. No estudo desen-
volvido por Schneider (2004), não foram verificadas diferenças de idade. Ambas as funções cognitivas dependem do conjunto de processos cognitivos denominado funções executivas, presumivelmente localizadas no córtex pré-frontal. Um grande número de processos tem sido apontado como parte deste funcionamento executivo, o que torna a TD e a RP constructos operacionais complexos, dificultando a homogeneidade dos resultados vislumbrados nas pesquisas revisadas. Além disso, apesar dos vários achados que colocam a região pré-frontal entre as áreas do cérebro mais sensíveis aos efeitos negativos do envelhecimento, diversos autores têm-se mostrado duvidosos quanto à possibilidade desse efeito ocorrer uniformemente em todas as regiões pré-frontais (Lamar e Resnick, 2004; MacPherson, Phillips e Sala, 2002). Esses aspectos, juntamente com outros (considerações acerca da escolaridade das amostras estudadas, variações nas modalidades dos testes – manuais ou computadorizados) que não serão aqui discutidos, sugerem a necessidade de se considerar os aspectos metodológicos dos estudos realizados nessa área. Além disso, estudos mais direcionados às diferentes regiões do córtex pré-frontal são necessários, para que se desenvolva um melhor entendimento do envelhecimento pré-frontal, visto ser esta a região primeiramente prejudicada com o passar dos anos.
LEITURAS SUGERIDAS Sternberg, R. J. (2000). Psicologia cognitiva. Porto Alegre: Artmed. Damasio, A. (1996). O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras. Plous, S. (1993). The psychology of judgment and decision making. New York: McGraw-Hill.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Descreva um exemplo, em suas experiências cotidianas, de um problema
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sendo resolvido a partir das etapas propostas pelo ciclo de resolução de problemas. Baseado nas informações contidas neste capítulo, quais poderiam ser as vantagens e desvantagens de se utilizar heurísticas? Suponhamos que você tenha um exame de psicologia cognitiva no qual tenha de obter nota 9,0 (estado inicial do problema) e você consegue tirar 9,5 (estado final). Quais são os possíveis operadores que ocorreram no espaço do problema? Qual é o principal aspecto que diferencia a RP da TD? Em que aspecto basicamente se diferenciam os modelos normativo e descritivo? Dê um exemplo que evidencie como suas preferências se modificam, no sentido de busca ou aversão ao risco, conforme a situação é configurada em termos de ganho ou de perda. Qual é o diferencial proposto pela hipótese do marcador somático, com relação às teorias anteriores sobre a tomada de decisão? Que outros processos cognitivos estão supostamente envolvidos na RP e na TD?
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PARTE III Funções lingüísticas e sua repercussão no processo do envelhecimento
APRESENTAÇÃO Esta terceira parte é dedicada à linguagem. Ela é apresentada separadamente das funções não-lingüísticas por questões de organização do livro, pois em todos os capítulos serão abordadas as interações entre falhas de linguagem e falhas cognitivas, principalmente memória e atenção. Os Capítulos 8 e 9 focalizam aspectos estruturais de linguagem: o nível da palavra, da frase e do discurso. No Capítulo 8, os três níveis são analisados a partir do processo de produção da linguagem, e, no Capítulo 9, a partir da compreensão. Os modelos de compreensão e de produção assemelham-se bastante, principalmente no nível de palavra e de frase, que são mais detalhados no Capítulo 8. Observa-se que a ordem de apresentação dos níveis lingüísticos é oposta nesses dois capítulos. Isso porque, em termos de mecanismo de processamento, na emissão, parte-se de uma idéia global que dirige as habilidades discursivas, para depois elaborar a organização da frase e por último da palavra. Na compreensão, teoricamente, a recepção fonológica serial impõe um processo inicial da palavra, depois do conjunto de palavras que formam uma frase e por último do discurso, de forma que, no Ca-
pítulo 9, optou-se por uma seqüência que parte de unidades menores para as mais extensas. Na realidade, a compreensão do significado de um discurso exige mecanismos mais complexos do que uma detecção serial, em função de limitações de memória de trabalho. O leitor observará, então, que os modelos discursivos apresentados nesses capítulos diferemse bastante, pois a interação entre funções cognitivas e habilidades lingüísticas envolvidas na compreensão do discurso distingue-se das interações necessárias para a expressão de um discurso. Brandão, no capítulo sobre expressão da linguagem no envelhecimento (8), aborda de forma bastante clara e cuidadosa os modelos de produção. Observa-se uma forte influência da escola de Van Dijk, com quem a autora trabalhou por um ano em seu período de doutoramento. Além dos modelos recentes de Van Dijk no que se refere à produção do discurso, ela agrupa modelos de frase e de palavra. Mais ainda, ela contribui com quadros explicativos de previsões desses modelos e de falhas de linguagem, como a freqüente perda da palavra, também chamada “fenômeno da ponta da língua”. Ao abordar a influência do envelhecimento na produção do discurso, a autora enfatiza
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a polêmica da hipótese de inibição e da hipótese pragmática, mostrando evidências dessa última. É também indicado que, em nível frasal, as dificuldades dos idosos encontram-se apenas em frases complexas, quando é necessária a atuação concomitante da memória de trabalho. Por fim, é abordada a dificuldade de lembrar palavras, uma das principais queixas de idosos no que se refere à linguagem. No Capítulo 9, Fonseca e Parente dão maior ênfase aos modelos discursivos. Isso porque mostram que o nível da palavra encontrase preservado e muitos trabalhos apontam uma evolução a partir da aquisição constante de novos significados lingüísticos no percurso da vida. Na realidade, as dificuldades de compreensão do discurso referem-se a detalhes que exigem maior participação da memória de trabalho; a compreensão de idéias principais encontra-se intacta em idosos. Também é discutido nesse capítulo como os achados dependem de uma forma de análise baseada no reconto, influindo também o estilo discursivo dos idosos. Outro ponto interessante é a discussão de fatores cognitivos que podem estar interferindo na compreensão discursiva dos idosos, salientando que o conhecimento desses fatores os auxiliará na organização de atividades de intervenção e promoção cognitiva. Os Capítulos 10 e 11 abordam aspectos comunicativos da linguagem bem pouco explorados nos estudos sobre o envelhecimento. O Capítulo 10 focaliza diferentes processos de inferências, e o Capítulo 11, a percepção e a recepção prosódica. Por fim, o Capítulo 12 focalizará modelos e estudos que verificam as habilidades de leitura e escrita em idosos, uma área que, apesar de sua importância, também tem sido pouco investigada quanto aos efeitos da idade a partir da fase adulta. No Capítulo 10, Fonseca introduz a dicotomia entre competência lingüística estrutural e lingüística pragmática a partir de uma possível diferenciação orgânica sugerida pelos estudos de lesão cerebral: a primeira torna-se falha por lesões no hemisfério esquerdo e a segunda por lesões no direito. Dentro da competência pragmática encontra-se a capacidade de realizar inferências, ou seja, compreender o “dito pelo não dito”. Entre essas situações,
também chamadas de implícito lingüístico, encontra-se a metáfora. Fonseca não apenas define os conceitos envolvidos com o implícito lingüístico, como também descreve a teoria de Lakkoff, na qual a capacidade metafórica é considerada essencial para o desenvolvimento da linguagem. São descritos métodos experimentais e baterias de avaliação psicolingüística que estimam a compreensão de inferências. Por fim, a autora faz um levantamento crítico dos trabalhos que focalizaram diferentes processos inferenciais e o envelhecimento, mostrando que é preciso cautela ao interpretar os resultados contraditórios. Eles podem estar relacionados a uma grande demanda de memória de curto prazo de determinadas provas ou a fatores culturais que influenciam no conhecimento lingüístico e que são independentes da idade. A posição da autora é considerar que os idosos são bem-sucedidos nas habilidades comunicativas e que elas ficam mantidas por mais tempo conservadas no percurso da vida. Outro aspecto das habilidades comunicativas é a expressão e a produção prosódica abordadas no Capítulo 11 pela mesma autora. Ela apresenta uma classificação da prosódia utilizada pela psicolingüística e pelos trabalhos com lesados cerebrais: a prosódia lingüística e a emocional. Esses dois tipos possuem diferentes funções na comunicação, diferentes substratos neurais e poderiam estar dissociados durante o envelhecimento. Considerando uma área pouco explorada nos estudos sobre o envelhecimento, a autora descreve com detalhes os procedimentos utilizados em sua investigação. Nos estudos realizados sobre o efeito do envelhecimento, ela mostra que os resultados podem estar na compreensão, revelando influências de dificuldades de análise psicoacústica, ou de expressão, por serem decorrentes das alterações anatômicas do aparato fonoarticulatório necessário para a produção oral. Por fim, com muita precisão, é enfatizada a relação de falta de prosódia em pacientes portadores de depressão, freqüente em idosos. O Capítulo 12 dirige-se às habilidades de leitura e escrita no envelhecimento. Tais habilidades têm sido pesquisadas principalmente nos estudos do desenvolvimento, quando ocorre o seu aprendizado, e nos estudos
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Cognição e Envelhecimento
dos efeitos de lesões cerebrais adquiridas. Estes últimos estudos, a partir de 1974, têm verificado e aprimorado modelos de leitura propostos pela psicologia cognitiva. Quando o tema é o envelhecimento, a grande maioria dos trabalhos dirige-se às degenerações de leitura e escrita ocasionadas pelos processos demenciais, mais especificamente pela demência do tipo Alzheimer. Por esta razão, a contribuição da pesquisadora Carthery encontra-se dividida nos Capítulos 12 e 15 (Disfunções Cognitivas na demência do tipo Alzheimer – Parte IV). No Capítulo 12, juntamente com Parente, CartheryGoulart apresenta sucintamente modelos de leitura e escrita em relação à palavra, específicos da modalidade gráfica. Tais modelos referem-se principalmente às falhas ocasionadas na demência. Modelos nos níveis de frase e de discurso não têm diferido quanto à modalidade oral ou gráfica, de forma que não foram repetidos neste capítulo. Como bem salientam as autoras, os estudos sugerem que a leitura de idosos sadios fica prejudicada apenas em
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sua velocidade e na compreensão textual que engloba complexidades sintáticas. Na escrita, por outro lado, são encontradas dificuldades motoras de grafismo e simplificação sintática. Cabe salientar que as autoras apontam a necessidade de maiores estudos nessa área, pois a leitura e a escrita são muitas vezes atividades de entretenimento e/ou de comunicação de idosos alfabetizados. De uma forma geral, esta parte salienta que a linguagem pode apresentar vários aspectos preservados no envelhecimento, confirmando uma queixa bem mais freqüente de habilidades cognitivas não-lingüísticas do que lingüísticas. Também se observa que alguns aspectos lingüísticos têm sido pouco investigados nos estudos sobre o envelhecimento. Cabe salientar novamente a importância das habilidades lingüísticas e comunicativas para a promoção da qualidade de vida dos idosos, e, adotando a perspectiva de perdas e ganhos nas diferentes fases da vida, esta parte tem como objetivo principal instigar os estudos sobre envelhecimento e linguagem.
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8 Produção da linguagem e envelhecimento Lenisa Brandão
CONCEITOS TRABALHADOS
Modelos mentais: representações das experiências pessoais.
Planejamento pragmático: primeira fase de produção da linguagem, dirigida à ativação de conhecimentos relacionados à intenção comunicativa e ao contexto do discurso.
Modelos situacionais: modelos mentais que representam eventos pessoais.
Proposições: unidades que representam o significado dos textos. São constituídas por um predicado e um ou dois argumentos. O predicado pode ser um verbo, adjetivo, advérbio ou conectivo de sentença. Os argumentos podem exercer diversas funções, como as de agente, paciente, instrumento, objeto, fonte ou meta. Planejamento semântico do discurso: fase em que a representação proposicional do discurso é elaborada. A construção mental do discurso é a representação semântica do mesmo, formada de proposições. Macroproposição: proposição de nível hierárquico mais alto, que é identificada por um conjunto de proposições associadas. Essa proposição principal é o tópico ou tema do discurso. Texto-base: representação mental do discurso, em que as proposições estão organizadas de forma seqüencial e hierárquica.
Modelos de contexto: modelos mentais que representam o contexto em que o discurso está sendo produzido. K-device: dispositivo cognitivo que maneja o conhecimento durante a produção do discurso, possibilitando ao falante ativar conhecimentos relevantes, de acordo com seu objetivo comunicativo, e pressuposições sobre os conhecimentos do interlocutor. Macroplanejamento: fase de planejamento do discurso em que as idéias principais são ativadas de acordo com os objetivos do falante. Narrativa: gênero discursivo em que o falante apresenta o objetivo de contar um ou mais eventos para o ouvinte. Geralmente os eventos narrados apresentam introdução, complicação e resolução. Conversação: principal gênero discursivo. Ocorre entre pelo menos dois falantes, sendo que deve haver pelo menos uma troca de turno para caracterizá-la. É necessário que falante e
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interlocutor estejam com a atenção visual e cognitiva voltada para uma mesma tarefa. Coerência global: coerência que diz respeito às relações de significado entre as proposições expressas e o tópico do discurso. Coerência local: também chamada linear ou seqüencial, diz respeito às relações de significado entre as seqüências de frases ou proposições do discurso. Coesão: característica discursiva que revela a conexão estabelecida entre os elementos lingüísticos na estrutura superficial do texto. A ocorrência de um par de sentenças relacionadas de forma coesa pressupõe um laço coesivo, como a referência, a substituição, a elipse, a conjunção e a coesão lexical. Estágio de conceituação da frase: estágio de produção da linguagem em que o falante escolhe o que dizer e os modos gerais de como expressar essa idéia. Estágio de formulação: nível de produção da linguagem referente à fase de planejamento sintático. Plano sintático: também conhecido como frame, o plano sintático é gerado no nível posicional. É como se fosse um “molde” ou “esqueleto” da sentença, em que as representações fonológicas de palavras são inseridas. Palavras de classe aberta: palavras que desempenham funções semânticas dentro da sentença, são os substantivos, verbos, adjetivos e advérbios. Palavras de classe fechada: palavras que desempenham funções puramente sintáticas, como as conjunções, preposições e artigos. Propagação de ativação: evento que ocorre quando um nodo da rede lexical é ativado, o que desencadeia a ativação de todos os outros nodos com os quais está conectado. Regras de inserção: regras que o sistema de produção da linguagem possui para selecionar os itens que deverão ser inseridos na representação de cada nível da sentença. As regras estabelecem que itens lexicais sejam selecionados de acordo com o nível de ativação dos nodos.
Assim, o nodo mais ativado, pertencente à categoria apropriada ao processamento em curso, é escolhido. Lemma: nível intermediário de representação das palavras, em que as mesmas são especificadas nos níveis sintático e semântico, mas não no nível fonológico. Verbosidade fora de tópico: fala aumentada e caracterizada por mudanças súbitas e repentinas de tópico. Hipótese do déficit de inibição: hipótese que postula que uma minoria de idosos saudáveis sofre um declínio específico no mecanismo de inibição, função executiva do lobo frontal. Segundo esta hipótese, o déficit estaria relacionado à verbosidade fora de tópico de idosos. Hipótese da mudança pragmática: hipótese defendida pelos pesquisadores que criticam a hipótese do déficit de inibição, postulando que a intenção comunicativa é determinante na qualidade e no estilo do discurso.
TAREFAS DESCRITAS Discursivas: 1. Análise de discurso. 2. Análise de conversação. Estudos de recuperação lexical Estudos de simulação
INTRODUÇÃO Este capítulo examina os processos que permitem a expressão da linguagem do idoso, expondo primeiramente modelos de produção, discutindo, a seguir, a metodologia nessa área e, finalmente, apresentando os estudos relacionados à produção da linguagem do idoso. Um exame aprofundado na literatura da área de processamento do discurso revela um número muito maior de pesquisas e teorias sobre a compreensão do que sobre a produção do discurso. Isso porque a compreensão pro-
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porciona maiores condições de controle experimental (Harley, 2001). Além disso, os principais modelos de produção da linguagem não ignoram a existência de uma fase inicial de planejamento na produção do discurso; entretanto, concentram-se apenas em formular explicações sobre fases posteriores, como o processamento sintático e fonológico. Em função da necessidade de discussão teórica sobre as fases iniciais nos modelos de produção e as respectivas mudanças ligadas ao envelhecimento, destaca-se a importância das etapas de processamento pragmático e semântico, que serão apresentadas aqui com base nos modelos de manejo do conhecimento de Van Dijk (2003) e nas inferências a respeito da produção que Van Dijk e Kintsch (1983) elaboraram a partir de seu modelo estratégico de compreensão do discurso.
TEORIAS DE PRODUÇÃO DE LINGUAGEM Os modelos de produção da linguagem serão apresentados em níveis de processamento: o nível de discurso, da frase e da palavra isolada.
A produção do discurso A produção do discurso possui duas etapas: o planejamento pragmático e o semântico. Essas etapas são específicas do discurso como um conjunto de significados relacionados e com funções pragmáticas específicas. Entretanto, cabe lembrar que a elaboração de um discurso exclui a produção de frases e de palavras.
Planejamento pragmático Os enfoques pragmático e semântico apresentados aqui se interessam em explicar como os usuários produzem o discurso a partir de suas representações mentais, ativando conhecimentos da memória e utilizando estratégias cognitivas aplicadas durante a produção de
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narrativas e outros gêneros de discurso, como a conversação (Van Dijk, 2003). A produção do discurso começa com uma fase de planejamento pragmático ligada à intenção do falante, ao contexto da comunicação e aos conhecimentos que o falante apresenta sobre o seu interlocutor. Nessa fase, o usuário de linguagem utiliza seus modelos mentais para acessar conhecimentos sobre suas experiências de vida (modelos situacionais) e sobre suas experiências comunicativas (modelos de contextos). Em outras palavras, os falantes apresentam representações abstratas dos eventos dos quais participam com objetivos, opiniões e conhecimentos próprios sobre o que está sendo expresso. Também têm uma representação de si próprios como participantes de um discurso. Assim, constroem uma versão mental do espaço, do tempo, das circunstâncias, dos sujeitos e das ações presentes no contexto. Os modelos de contexto devem adaptarse a constantes mudanças, ocorrendo monitoramentos e ajustes necessários para proporcionar um discurso apropriado ao contexto. Estes ajustes dependem de um mecanismo denominado K-device (ver Quadro 8.1) O K-device é responsável pelo manejo do conhecimento durante a produção do discurso e possibilita que sejamos capazes de nos manter nos limites da relevância, focalizando o discurso naquilo que é importante e adaptando a expressão de acordo com diferentes interlocutores (Van Dijk, 2003). Após o processamento pragmático, ocorre a fase de processamento semântico, sobre o qual o modelo de Van Dijk e Kintsch (1983) se concentra. A fase pragmática do planejamento do discurso antecede a fase semântica do processamento e é considerada a primeira fase de produção da linguagem. Porém, deve-se ter em mente que o processo de produção não parece ocorrer de maneira unidirecional e não-interativa. Como será exposto posteriormente, os estudos sobre a emissão da linguagem demonstram que existem etapas seriais de produção, porém essas podem ocorrer de forma quase paralela e interagir entre si, sendo que o processamento pragmático pode interferir no processamento sintático, por exemplo.
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QUADRO 8.1 K-device Imagine que temos uma câmera de cinema em 3D, que capta todas as informações do ambiente e é capaz de produzir um filme mental que nos mostra onde estamos, bem como os objetivos da interação e a representação mental que temos do nosso interlocutor. As informações que recebemos são utilizadas para construir um modelo mental da situação para que possamos nos comunicar com essa dada pessoa. Evidentemente, as informações do meio são inúmeras, sendo que muitas delas são irrelevantes para o contexto da conversação que estamos estabelecendo. Como nem todas as informações do meio podem estar contempladas no nosso modelo de contexto, deve haver um mecanismo capaz de subtrair os detalhes do contexto, inferir macroconceitos que descrevem aspectos relevantes do que está acontecendo no ambiente e pressupor o conhecimento do interlocutor. Para cumprir essas tarefas de forma eficaz, devemos apresentar uma espécie de “diretor” que edita esse “filme” e utiliza seus conhecimentos para “cortar” as cenas que não interessam, acessar episódios e conhecimentos interessantes e relevantes para o interlocutor, construindo um discurso coerente. Esse “diretor” que atua no modelo de contexto nada mais é do que uma metáfora usada aqui para explicar o mecanismo de monitoramento denominado por Van Dijk (2003) de K-device.
Processamento semântico do discurso
Exemplo:
A partir do momento em que o K-device do falante ativa conhecimentos episódicos e semânticos relevantes para o contexto da comunicação, inicia-se a produção proposicional do discurso. As proposições são utilizadas para representar o significado dos textos. Portanto, a construção mental do discurso nada mais é do que a sua representação semântica formada de proposições. A idéia de proposição surge na psicologia cognitiva por influência da lógica, no intuito de dar conta do significado, sem lhe atribuir características de imagem ou linguagem na forma como empregamos normalmente este termo (Kintsch e Van Dijk, 1978; Belinchón, Rivière e Igoa, 1996). Como demonstrado no exemplo a seguir, as proposições são constituídas por um predicado e um ou dois argumentos. O predicado é considerado um conceito relacional, podendo ser um verbo, adjetivo, advérbio ou conectivo de sentença. Os argumentos podem ser palavras ou proposições e apresentam diversas funções semânticas, como as de agente, paciente, instrumento, objeto, fonte ou meta.
Frase: Imagino o caloroso diálogo que se desenrolou entre vocês. Proposições (na notação proposicional utilizada, predicados estão em caixa alta e argumentos estão entre colchetes): IMAGINAR (eu; [caloroso diálogo]), tempo = presente; CALOROSO [diálogo]; DESENROLAR [diálogo, vocês], tempo = passado. A ativação dos conhecimentos episódicos e semânticos de uma comunicação promove a seleção de um tópico ou tema (macroproposição). Tanto a compreensão como a produção semântica de um discurso começa na criação de um texto-base, que nada mais é do que a representação mental do discurso. A produção do texto-base ocorre em tempo real (de maneira on-line) durante a própria expressão do discurso e está sujeita às restrições da capacidade processual, da atenção e da memória de trabalho de cada indivíduo (Kintsch, 1974; Kintsch e Van Dijk, 1978). A Figura 8.1 demonstra a arquitetura desses processos. O tópico ativa uma série de subtópicos ou idéias relevantes que formam a macroes-
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FIGURA 8.1 Processamento pragmático e semântico.
trutura do discurso. Uma rede de proposições relacionadas a cada subtópico é, então, ativada, iniciando-se a fase de microplanejamento do discurso (Kintsch, 1988). As proposições ativadas devem apresentar relações com as idéias relevantes, promovendo coerência global, e relações semânticas entre si, dotando o discurso de coerência local* (Van Dijk, 1996, 1998). A produção da linguagem também pode ser dividida em macroplanejamento e microprocessos. O macroplanejamento é a fase que envolve a elaboração do objetivo comunicativo e de uma série de “subobjetivos”. O microplanejamento é a fase que envolve o estabelecimento da forma proposicional dessa informação global e a seleção do tópico de cada frase a ser produzida (Levelt, 1989). Essas fases de processamento estão relacionadas, respectivamente, com a produção da coerência global e local do discurso. A cada ciclo do processamento, uma macroproposição deve derivar um
microplano que indica as propriedades sintáticas das sentenças conectadas a serem emitidas.
Teorias de produção frasal Estágios seriais Garrett (1975, 1976) propôs a existência de três estágios seriais na produção da fala: conceituação, formulação e articulação. De acordo com Garrett, o processamento é serial e não existe interação entre cada um desses estágios. Em termos mais simples, significa que durante o processamento de cada estágio, somente um processo está sendo executado. No estágio de conceituação, o falante escolhe o que dizer e os modos gerais de como expressar essa idéia. Como já foi comentado no início deste capítulo, esse nível de planeja-
* A coesão, termo tão utilizado por Halliday e Hasan (1976, 1989) e por outros autores da lingüística textual citados por Koch e Travaglia (1989,1990), é considerada por Van Dijk (1985/1996) um sistema de expressão superficial da coerência local.
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mento inicial do discurso (referido como nível de mensagem) foi pouco considerado pelos modelos de produção da linguagem. Após a fase de conceituação, as idéias são linearizadas, ou seja, colocadas em uma cadeia de relações sucessivas. Relações funcionais são determinadas formulando uma especificação semântica abstrata. Durante o estágio de formulação, ocorre o planejamento sintático em três níveis: funcional, posicional e sonoro. No nível funcional, a ordem das palavras ainda não está representada. Somente o seu conteúdo semântico seria especificado, sendo atribuídas funções sintáticas como as de sujeito e objeto. Esse nível desempenha um papel semântico no planejamento sintático, processando palavras consideradas de classe aberta (como substantivos, verbos, adjetivos e advérbios). O nível funcional acaba depois que as relações funcionais são mapeadas em funções sintáticas. Ainda no estágio de formulação, o processamento ocorre no nível posicional, caracterizado pela geração de um plano sintático (frame) para a sentença planejada. As representações fonológicas de palavras de classe aberta são acessadas no léxico, sendo inseridas no plano sintático ou frame. Nesse nível, as palavras de classe aberta são ordenadas e, finalmente, inseridas também as palavras de classe fechada, que desempenham funções
puramente sintáticas (como conjunções, preposições e artigos). Em concordância com essas predições, Viglioco e Vinson (2000) classificaram os processos de formação da sentença em dois tipos: codificação gramatical e codificação fonológica. Segundo esses autores, na codificação gramatical ocorre o desenvolvimento do frame sintático, que atua como um “esqueleto” da sentença. Análises de erros de fala demonstram que essa espécie de plano sintático é formada por uma série de lacunas. Durante a codificação fonológica, as palavras seriam inseridas nessas lacunas (Quadro 8.3). Finalmente, no último nível do estágio de formulação, a sentença é representada no nível sonoro. Essa série de elementos fonológicos é então transmitida ao aparato articulatório. A arquitetura da produção segundo Garrett foi representada na Figura 8.2.
Modelo de processamento paralelo Embora as teorias de Garrett e de Dell discordem em relação à existência de processamento paralelo, esses modelos possuem algumas semelhanças, como a idéia de que a produção da linguagem ocorre em uma série de níveis diferentes. Os níveis propostos por Dell assemelham-se aos propostos por Garrett, porém Dell os denomina como níveis semântico,
QUADRO 8.2 Previsões de erros na produção Os ciclos podem ser observados pela diminuição da fluência na fala (Butterworth, 1975, 1980). O falante geralmente faz uma pausa, hesita quando verifica que não planejou suficientemente aquilo que queria dizer e repete o início da sentença quando o macroplano está acessível. Esses fenômenos, portanto, parecem ilustrar as falhas e monitoramentos no processo de ativação das proposições que formam a macroestrutura do texto-base. Eventuais falhas de ativação fazem com que os mecanismos processuais entrem em ação novamente para realizar reparos nos erros de produção. Esses reparos podem ser considerados sinais de automonitoramento e podem ser expressos por hesitações como falsos começos ou sentenças incompletas. A cada ciclo do processamento on-line, a memória de trabalho atua para manter o tópico do discurso. Mecanismos atencionais realizam o automonitoramento da produção sintática e novos ciclos são representados e produzidos até que o discurso se conclua e os objetivos do falante sejam alcançados (McNamara et al., 1992).
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QUADRO 8.3 Erros no processamento de frase e evidências de processamento paralelo De acordo com Butterworth (1982), erros que parecem ser uma mistura entre palavras também ocorrem, sendo possível explicá-los somente pela recuperação simultânea de duas ou mais palavras do léxico (Ex. 1). 1. Palavras-alvo: investigar e examinar Frase: Vou investinar a produção do discurso. Mais difíceis ainda de serem explicados pelo modelo de Garrett são os erros que indicam uma mistura de frases (Ex. 2). Nesses casos, as duas frases parecem se cruzar no momento em que soam mais parecidas. Isto sugere que duas mensagens podem ser processadas em paralelo, sendo que o nível de mensagem poderia influenciar diretamente o nível fonológico. 2. Alvo 1: Estou fervendo a água. Alvo 2: Estou fazendo um doce. Frase: Estou fervendo um doce. Conforme demonstrado pelos tipos de erros de fala acima, intrusões cognitivas com origens no estágio de conceituação (nível de mensagem) podem interferir em níveis mais baixos do processamento, provocando erros que sugerem a existência de processamento paralelo. Exemplos ainda mais claros do processamento paralelo são aqueles provocados por contaminação ambiental ou aqueles que ocorrem devido a erros internos não planejados. Na contaminação ambiental nomes de objetos presentes no ambiente podem interferir na produção da linguagem (Ex. 3). 3. Alvo: Entre no carro. Frase produzida: Entre no barro. Contexto: Ao dirigirem-se para o carro, o falante viu que seu interlocutor ia pisar em uma poça de barro. Os erros internos não-planejados são do mesmo tipo, porém têm origem em um estímulo interno. Esses erros também são freqüentemente desencadeados por semelhanças fonológicas. Ocorrem quando a palavra-alvo e a intrusão soam parecidas (Ex. 4). 4. Alvo: Já comi bastante. Frase produzida: Já dormi bastante. Contexto: O falante estava pensando em tirar uma soneca. Os exemplos acima, inspirados nos achados de Butterworth (1982) e Harley (1984), sugerem que os níveis de processamento não são completamente independentes uns dos outros, como postulou Garrett. A idéia da interação entre os níveis de produção da linguagem foi fortemente desenvolvida pelos estudos de Dell (1986, 1991), que elaborou um modelo conexionista de ativação interativa na produção da linguagem.
FIGURA 8.2 Processos da produção da linguagem, segundo Garrett (1975, 1980). INDEX BOOKS GROUPS
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sintático, morfológico e fonológico. O modelo de Dell postula que, durante a produção da linguagem, cada um desses níveis formaria, de maneira concomitante, um tipo de representação. Embora esses níveis agissem simultaneamente, o processamento nos mais altos estaria sempre mais avançado do que nos níveis mais baixos (Dell, 1986). Uma das contribuições mais importantes de Dell foi sua concepção de léxico. Segundo esse autor, o léxico seria como que um dicionário mental que se organiza na forma de uma rede de nodos (nós). Como ilustrado na Figura 8.3, essa rede contém nodos para conceitos, palavras, morfemas e fonemas. Quando um nodo é ativado, envia ativação a todos os outros nodos com os quais está conectado (propagação da ativação). É então que regras de inserção selecionam os itens que deverão ser inseridos na representação de
cada nível. Essa seleção ocorre de acordo com o nível de ativação dos nodos. Desse modo, é escolhido o nodo mais ativado, pertencente à categoria apropriada ao processamento em curso. Se o processamento no nível sintático exige uma palavra a ser inserida dentro de uma das lacunas do esqueleto ou frame da sentença, a palavra mais ativada da classe sintática correspondente será inserida. Por exemplo, se um verbo é demandado em um determinado ponto do frame (ver Modelo de Garrett, 1975, 1976), então o verbo cujo nodo estiver mais ativado na rede será selecionado. No momento em que essa palavra é ativada, automaticamente os nodos fonológicos correspondentes a ela recebem uma ativação maior, permitindo que, durante o processamento fonológico, os nodos fonológicos adequados sejam selecionados. Em frases de uma palavra, a ativação exigida para
FIGURA 8.3 Representação de uma rede lexical. INDEX BOOKS GROUPS
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preencher as lacunas do frame é menor do que em frases com mais de uma palavra. Logo após a ativação, deve ocorrer uma desativação ou inibição, reduzindo o valor de ativação do nodo a zero. De acordo com Dell, tal procedimento evitaria que esse verbo se repetisse várias vezes na produção da fala. Segundo essa teoria, os erros de produção ocorrem porque, às vezes, um item incorreto tem maior ativação do que um correto. Essa ativação inadequada acarreta uma ativação de vários outros nodos, promovendo uma maior propensão a erros na fala. Embora o sistema de propagação de ativação pareça propício a erros, devido à grande possibilidade de nodos a serem ativados, esse sistema de rede permite que a produção da linguagem seja flexível e rica, pois contamos com inúmeras conexões que evitam uma produção estereotipada. As idéias conexionistas de Dell não negam o princípio da ordenação serial na produção da linguagem. De acordo com Dell e O’Seaghdha (1991), a análise desse modelo conduz à proposta de que o sistema de produção da linguagem é globalmente modular, mas localmente interativo. Dell, Burger e Svec (1997) realizaram estudos sobre erros de antecipação, que ocorrem quando sons ou palavras são produzidos antes do tempo em que deveriam surgir, e erros perseverativos que aparecem quando sons ou palavras são produzidos posteriormente ao tempo em que deveriam ter sido produzidos. A partir desses estudos, os autores afirmam que o plano de produção da linguagem depende de um sistema que deve ser capaz de ativar o presente, desativar o passado e preparar-se para ativar o futuro na fala. Esse sistema deve ser capaz de realizar tarefas complexas tanto com seqüências já armazenadas quanto com seqüências novas. As evidências dos experimentos de Dell, Burger e Svec (1997) demonstram que as emissões passadas e futuras freqüentemente influenciam a produção presente. Além disso, os autores sugerem que, quando o sistema de linguagem está trabalhando bem, ele parece “olhar” para o que será expresso logo a seguir, e não tende a ficar estagnado naquilo que já foi emitido.
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Teorias de produção no nível de palavra Igualmente importantes para o estudo da linguagem relacionada ao envelhecimento são os modelos sobre o processamento no nível da palavra. Alguns autores, como Levelt (1991) concentraram-se em explicar o acesso em nível de palavra, ou seja, na fase que corresponde ao momento em que ocorre a seleção lexical. De acordo com Levelt (1991), o acesso ao léxico ocorre em dois estágios. Quando produzimos uma palavra, primeiramente acessamos o nível semântico, para depois passar a um nível intermediário em que as palavras são representadas na forma de lemmas. Os lemmas são especificados no nível sintático e semântico, mas não no nível fonológico. Após a seleção do lemma (seleção lexical), o sistema deve selecionar as formas fonológicas dessa palavra no estágio de codificação fonológica. Esse processo se dá pela ativação (Dell e O’seaghdha, 1991). Quando especificamos a forma fonológica da palavra, selecionamos o que Levelt chama de lexema da palavra.
MÉTODOS UTILIZADOS NOS ESTUDOS SOBRE PRODUÇÃO DE LINGUAGEM Delineamentos A maioria dos estudos de produção da linguagem realizados no campo da psicologia cognitiva é do tipo transversal, sendo menos freqüentes as pesquisas com delineamento longitudinal. Grande parte dos estudos apresenta delineamento experimental, propondo a realização de tarefas de expressão de linguagem que se caracterizam por buscar controlar o contexto comunicativo e determinadas variáveis que podem atuar na produção dos indivíduos. No caso dos estudos sobre a produção da linguagem de idosos ditos “normais”, geralmente as pesquisas fazem uso da comparação de grupos classificados pela idade. Muitos estudos comparam o desempenho de jovens e de idosos nas tarefas experimentais, outros comparam grupos de idosos por faixa etária,
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classificando as amostras formadas por idosos, com idades a partir de 65 até 80 anos, idosos mais velhos (old old adults), que pertencem a uma faixa aproximada dos 80 aos 90 anos. Há ainda alguns poucos estudos que têm amostras de idosos centenários. As amostras comparativas são pareadas por idade e escolaridade, evitando a interferência dessas variáveis sobre os resultados.
Tarefas discursivas Na produção do discurso é mais difícil de controlar o input. Na compreensão, o desempenho pode ser facilmente comparado ao texto superficial, que é fornecido ao participante. Mas para a produção do discurso, o experimentador pode apenas sugerir o tópico do discurso a ser produzido. Diversas variáveis, como pensamentos e objetivos comunicativos não-relacionados à tarefa discursiva, podem interferir. Por isso, a interação com o participante é muito importante para tornar a tarefa mais próxima possível da realidade, o que caracteriza um estudo ecológico. No nível de discurso, o método de análise de dados mais utilizado é a análise de discurso. A análise de discurso, independentemente da teoria na qual se baseia, é um método que reflete a posição teórica do investigador sobre a natureza da linguagem, os objetivos lingüísticos do falante e considera as complexas relações existentes entre cognição, linguagem, comunicação, socialização e cultura (Schiffrin, 1997). A análise de discurso passou por uma mudança significativa, de uma linha exclusivamente estruturalista para uma perspectiva que inclui a pragmática. Influenciada pela sociologia e pela antropologia, a lingüística começou a desenvolver estudos mais voltados para os aspectos sociais ligados ao discurso, fazendo uso da análise de conteúdo. A intenção comunicativa existente por trás da linguagem passou a ser considerada uma expressão da identidade cultural do falante. A psicologia cognitiva experimentou então uma verdadeira revolução baseada nas idéias de que o significado não tem origem
apenas nas regras internas da mente. Portanto, a análise de discurso utilizada na psicologia cognitiva se destaca por ser um método direcionado para o estudo da significação nos processos mentais e para o uso concreto da linguagem por falantes reais, valorizando aspectos sociais e culturais (Harré e Gillet, 1994). A maioria dos estudos que investigam a produção da linguagem de idosos utilizando a análise de discurso como método investiga a produção de narrativas, usando como unidade de análise a proposição. Estes estudos buscam compreender a organização semântica do discurso, baseando-se em noções ligadas à pragmática, como coerência e coesão. A análise de conversação é também um dos tipos de análise de discurso que vem sendo cada vez mais utilizada. O estudo da conversação tem como variáveis os turnos de conversação e os atos de fala emitidos pelos usuários de linguagem. Além disso, o uso dos princípios de cooperação, a importância de se levar em consideração o interlocutor e o manejo do tópico nas conversas têm sido analisados com freqüência (Chantraine, Joanette e Caderbat, 1998). Os métodos utilizados para investigar a produção frasal são, na maioria, métodos estruturalistas de análise de discurso que utilizam o discurso para estudar a sintaxe. Esses estudos baseiam-se em medidas morfossintáticas, cálculos das médias de tamanho de sentenças, médias de números de sentenças produzidas e análises de complexidade sintática. Atualmente, medidas de complexidade sintática vêm sendo bastante utilizadas para investigar as possíveis relações existentes entre a produção de frases e a capacidade da memória de trabalho. Os métodos dos estudos sobre complexidade sintática podem basear-se na razão entre o número de orações subordinadas e o número de orações independentes, assim como na comparação entre o número de frases de período simples e o número de frases de período composto no discurso do falante. A análise de discurso estruturalista também pode ser realizada com intuito de estudar a produção no nível de palavra. No caso das dificuldades de recuperação lexical, são obtidos escores a partir do número de lexicaliza-
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ções, assim como também a presença de anomias e comentários a respeito das dificuldades de recuperação lexical podem ser quantificados.
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simulações dos modelos conexionistas de redes semânticas e lexicais.
ESTUDOS SOBRE A PRODUÇÃO DA LINGUAGEM DO IDOSO
Tarefas de recuperação lexical Os estudos que investigam a produção no nível da palavra geralmente apresentam maior controle experimental. Estudos naturalísticos foram importantes para a elaboração de tabelas de freqüência e concretude das palavras (Belinchón, Rivière e Igoa, 1996). No entanto, são raros na literatura, pois demandam uma grande quantidade de material para análise de erros espontâneos e, além disso, não permitem o controle de variáveis importantes que influenciam a recuperação lexical. Erros de trocas de palavras, dificuldades de recuperação de palavras e efeitos de priming são provocados nos experimentos de forma controlada, para testar hipóteses a respeito da influência de diversas variáveis (freqüência, extensão, carga emotiva, relação semântica, etc.) sob a recuperação lexical. Geralmente, os estudos utilizam figuras em tarefas de nomeação ou priming ou palavras escritas em tarefas de produção frasal. Atualmente despontam em grande número os estudos de simulação, que testam os modelos de produção de linguagem no computador. A área da inteligência artificial vem contribuindo muito para os avanços nessa área e o conhecimento sobre a produção da linguagem vem se ampliando enormemente por meio de
Discurso Verbosidade fora de tópico No que concerne ao estudo do discurso produzido por idosos, um dos aspectos mais encontrados na literatura sobre a produção do discurso se refere a uma característica de fala de uma minoria de idosos sem patologias neuropsicológicas. Esta característica da fala de alguns idosos, encontrada em vários estudos, é denominada verbosidade fora de tópico (VFT). Caracteriza-se por fala aumentada e por mudanças súbitas e repentinas de tópico. Idosos com VFT falam “copiosamente” e exibem uma perda contínua do foco no discurso, realizando diversas mudanças de tópico, o que demonstra falta de coerência no discurso (Arbuckle e Gold, 1993; Gold et al., 1993; Gold e Arbuckle, 1995). A VFT tem sido atribuída a diferentes razões, gerando um debate entre hipóteses. Achados sobre a produção do discurso de indivíduos idosos demonstram que a verbosidade fora de tópico surge no discurso do idoso em conversações que têm tópicos autobiográficos (Arbuckle e Gold, 1993). Esses dados le-
QUADRO 8.4 O filme sintático Evidências a respeito do planejamento sintático vêm sendo observadas comparando-se a produção e o tempo de processamento de frases compostas por uma só oração e frases compostas por mais de uma oração. Smith e Wheeldon (1999) demonstraram que participantes, descrevendo um filme, levaram mais tempo para iniciar frases compostas por mais de uma oração do que frases de uma só oração. Esses resultados indicam que o falante não planeja previamente a estrutura sintática inteira. Parece que, quando iniciamos a fala, já completamos o acesso no nível de palavra para a primeira oração, porém ainda não completamos o processamento do restante da frase. Os estudos sobre complexidade sintática vêm despontando cada vez mais na literatura sobre a linguagem do idoso.
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vantam um debate acirrado entre as pesquisas que se têm posicionado a favor da hipótese do déficit de inibição e os estudos que defendem a hipótese da mudança pragmática. A hipótese do déficit de inibição postula que uma minoria de idosos saudáveis sofre um declínio específico no mecanismo de inibição, considerado uma função executiva do lobo frontal do cérebro (Sweeney et al., 2001). O mecanismo de inibição é fundamental na expressão e compreensão da linguagem, além de em outras habilidades (Arbuckle e Gold, 1993). (Ver Capítulo 6 – Funções executivas e envelhecimento.) Pesquisadores liderados por Gold (Gold et al., 1988, 1993; Arbuckle e Gold, 1993; Gold e Arbuckle, 1995), trabalhando com a hipótese do déficit de inibição, têm realizado estudos que comparam as narrativas de idosos mais jovens e idosos mais velhos, relacionando os dados de verbosidade fora de tópico com resultados de testes cognitivos como o Wisconsin Card Sorting Test (Milner, 1964), o Trail Making Test (Reitan e Davison, 1974), o Stroop (Trenerry et al., 1989) e o Teste de Fluência Verbal (Benton e Hamsher, 1976). Esses são considerados instrumentos relacionadas à função de inibição. Testes psicológicos que avaliam neuroticismo, extroversão, saúde, bem-estar, experiências de vida, suporte e atividade social também vêm sendo utilizados para verificar possíveis relações da VFT com aspectos psicossociais. Os resultados demonstram que parte dos idosos produz fala mais prolongada e irrelevante ao assunto, caracterizando verbosidade fora de tópico (Arbuckle e Gold, 1993; Pushkar et al., 2000). Os dados de VFT apresentam associação significativa com o baixo desempenho nos testes usados para avaliar a inibição em tarefas não-discursivas e não apresentaram associação com outras variáveis intelectuais, como vocabulário. Os autores relacionam a identificação de VFT com os achados de processos de declínio das funções do lobo frontal em idosos. Os dados também confirmam a mediação de fatores psicossociais. No entanto, os autores relacionam as variáveis psicossociais à característica de fala aumentada (talkativeness), afirmando que os fatores psicossociais não são realmente
associados à verbosidade fora de tópico, mas ao aumento da fala. Em outras palavras, segundo esses estudos, os fatores psicossociais não atuam como causas da verbosidade fora de tópico, mas como facilitadores. A experiência provocada por níveis de vigília alterados e a necessidade de lidar com o estresse provavelmente reduzem a capacidade cognitiva disponível para a inibição da fala irrelevante. Além disso, indivíduos com personalidades extrovertidas e sociáveis são habitualmente mais falantes. A combinação de estresse e extroversão pode levar ao aumento da fala irrelevante, expondo o já deficitário controle de atenção inibitório. O pensamento não-verbalizado de indivíduos menos extrovertidos e falantes e de sujeitos menos estressados pode apresentar a mesma falta de coerência, mas não ser tão aparente, devido ao menor tamanho do discurso. Além disso, os autores sugerem ser possível que o empobrecimento da atenção possa levar ao aumento do estresse psicológico e que a verbosidade fora de tópico possa causar diminuição do contato familiar. Esta suposição contraria a idéia de que fatores psicossociais seriam a causa da verbosidade fora de tópico. Vários autores apresentam a hipótese de que os fatores psicossociais não só podem servir como desencadeadores da verbosidade fora de tópico, como podem também ser o efeito da mesma (Arbuckle e Gold, 1993; Gold et al., 1988, 1993; Gold e Arbuckle, 1995). Críticas a esta abordagem foram levantadas, argumentando-se que a verbosidade fora de tópico aparece apenas em narrativas autobiográficas, devido ao desejo do idoso de relatar suas experiências, não sendo observada essa característica em descrições de figuras (Burke, 1997; James et al., 1998). No entanto, um estudo mais recente, do mesmo grupo que apóia a hipótese do déficit de inibição, apresentou uma tarefa diferente da narração e descrição para demonstrar que a verbosidade fora de tópico emergiria em qualquer contexto discursivo. Arbuckle, Nohara-Le Claire e Pushkar (2000) apresentaram uma tarefa de comunicação a sujeitos idosos com o objetivo de verificar se a verbosidade fora de tópico afetaria a comunicação de informações
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não-autobiográficas. A tarefa proposta consistiu em um “jogo” realizado em duplas. Foi feita uma análise da eficiência comunicativa dos jogadores, incluindo o número total de palavras e tópicos irrelevantes à tarefa. Os resultados demonstraram que escores altos de verbosidade fora de tópico estão associados à comunicação ineficiente de informação na tarefa comunicativa. Os jogadores com escores altos de verbosidade fora de tópico levaram mais tempo, usaram mais palavras, produziram menos símbolos e forneceram informações mais redundantes, confusas e difíceis de compreender. Ademais, pareceram menos “afinizados” com seu companheiro de jogo, fornecendo descrições de modo a emitir informações desnecessárias ou até mesmo não-apropriadas. Os autores concluíram que a verbosidade fora de tópico afeta a fala em diferentes contextos e o conteúdo da fala irrelevante pode modificarse de acordo com a tarefa. Os resultados demonstraram que as informações irrelevantes ao tópico não são apenas de natureza pessoal, como observado em narrativas. A indicação de verbosidade fora de tópico relacionou-se à falta de coerência, pois os idosos demonstraram dificuldade em manter o foco do discurso, apresentando informações repetidas e inadequadas.
Mudança pragmática A hipótese de mudança pragmática é defendida pelos pesquisadores que criticam a hipótese do déficit de inibição, postulando que a intenção comunicativa é determinante na qualidade e no estilo do discurso. Por este ponto de vista, a competência cognitiva não tem relação com o estilo de discurso considerado verboso e fora de tópico. Segundo os defensores da hipótese da mudança pragmática, a teoria do déficit de inibição não apresenta um modelo bem especificado para a predição de novos achados, produzindo confusão entre inibição em tarefas cognitivas e inibição no discurso. O determinante da mudança de tópicos no discurso dos idosos está no contexto social e na identidade do falante. Segundo os seguidores dessa hipótese, os resultados que demonstram discurso com verbosidade fora de tópico
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podem ser atribuídos a fatores como vocabulário diminuído e aspectos psicossociais. Além de enfatizarem o não-aparecimento de verbosidade fora de tópico em descrições, esses autores atribuem qualidade superior às narrativas dos idosos (Burke, 1997; James et al.,1998). A análise de conversação, como método para verificar a significância da história de vida ou narrativa pessoal, tem dado suporte para a perspectiva da mudança pragmática. Com esta abordagem, as pesquisas demonstram que a lembrança do passado é freqüente nas conversas entre idosos, aparecendo bem menos na interação de jovens. As narrativas pessoais ocorrem com grande freqüência na fala de indivíduos mais velhos, dada a tendência natural dos idosos em se tornarem “contadores de histórias”. A categoria tempo percorre a construção dos tópicos, que se bipartem entre o passado e o presente. O passado é utilizado para a análise do presente, sendo mais importante para o falante idoso, pois ele crê e pretende demonstrar os valores de antigamente. Assim, ele apresenta o objetivo de preservar sua imagem social através da linguagem (Boden e Bielby, 1983; Preti, 1991). Preti (1991) refere-se ao julgamento de uma melhor qualidade nas histórias dos idosos afirmando que, apesar dos tópicos serem guiados pelo interesse pessoal do idoso – talvez mais do que pelo interesse de seu interlocutor – seu discurso geralmente é considerado interessante pelo ouvinte. Justifica-se o sucesso nas narrativas pelo grau de originalidade. Segundo o autor, quanto mais os fatos se apresentam como inusitados, tanto maior a atenção do ouvinte ao discurso narrativo. Esta característica dos fatos é, de certa forma, uma condição que favorece sua ativação na memória episódica, mais preservada em idosos do que a memória de trabalho. Justamente a característica de contar fatos inusitados, mais fixados na memória, valoriza o discurso do idoso, fazendo “desfilar perante o ouvinte cenas, fatos públicos, episódios familiares, tipos humanos que podem remontar há mais de meio século” (p. 108). O idoso, com suas experiências passadas e referências familiares e culturais, apresenta
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uma possibilidade diferente de memória do que aquela apresentada pelos jovens. O idoso possui uma espécie de um “pano de fundo” para sua memória atual. A lembrança do passado não representa para ele um descanso em seu cotidiano. O idoso se ocupa dela de forma atenta em sua vida. É como se ele apresentasse o comprometimento social de lembrar (Bosi, 1995). Autores que se posicionam dentro da corrente pragmática sugerem uma série de mudanças positivas na produção e compreensão da narrativa com o envelhecimento. Embora ocorra uma diminuição do tempo que resta ao idoso para viver novas experiências, reduzindo a expectativa de construir novas histórias, a “narrativa interna” não deixa de se expandir, e não há uma diminuição da capacidade de interpretar sua história pessoal. Ao contrário, com o envelhecimento, parece surgir um tempo de encontrar sentido para a história de vida. O idoso tende a expressar mais apreciações subjetivas e a expressão de suas emoções apresenta mais nuanças. Pode haver um aumento da complexidade na expressão subjetiva, devido à riqueza de experiências pessoais, que o jovem ainda não possui. Em virtude do enorme número de associações e memórias relacionadas às experiências de vida do idoso, a história pessoal pode tornar-se mais intensa no que concerne à emissão de conteúdos relacionados à emoção (Randall, 1999). Os idosos estão mais interessados no relato pessoal, na reminiscência e no estabelecimento de sua identidade no discurso. Apresentam intenção de comunicar descrições significativas do passado e não descrições concisas de ações. Parece que, em vez de violarem as regras de relevância, os idosos apresentam objetivos que requerem mais informação subjetiva do que os jovens em narrativas pessoais (James et al., 1998). O estudo realizado por Brandão (2002), que investigou a produção oral de narrativas pessoais e fictícias, apoiou a idéia de que a linguagem do idoso passa por uma mudança pragmática. Os resultados desse estudo também demonstraram que os idosos optaram por um estilo menos objetivo e conciso do que os jovens, privilegiando a ex-
pressão de sentimentos e opiniões e manifestando preferência por contar histórias fictícias em que eles próprios eram protagonistas. Esta característica da narrativa dos idosos se destaca nas tarefas de reconto de histórias. De acordo com Soedberg e Stine (1995), que investigaram o recontar de histórias, os idosos apresentam um maior número de avaliações subjetivas e menores continuações temporais em suas produções. Esses dados foram interpretados como indicativos de um maior distanciamento psicológico entre o leitor e o texto, ou seja, uma maior elaboração pessoal e uma menor fidelidade literal à fonte. Segundo Reyna (1995), o estilo narrativo dos idosos baseia-se mais na integração da informação em um esquema de interpretação do que na fidelidade aos detalhes de uma história. Adams e colaboradores (1997) demonstraram que idosos recontaram histórias com menos conteúdo literal do que jovens. No entanto, quando solicitados a interpretarem as mesmas histórias, esses idosos produziram maior número de representações profundas e sintéticas do significado interpretativo das histórias do que os jovens, demonstrando, além disso, uma preferência por esse estilo de narrativa. A habilidade de adultos idosos em adaptar o reconto de histórias memorizadas à idade de ouvintes infantis foi constatada no estudo de Adams e colaboradores (2002). Mais do que os contadores jovens investigados, os idosos produziram elaborações e repetições das histórias, simplificando também as histórias mais complexas para as crianças. Esses resultados se contrapõem aos estudos de Arbuckle, Nohara-Le Claire e Pushkar (2000), que sugerem que os idosos estão menos “afinizados” com seus interlocutores.
Produção frasal Em relação aos estudos sobre a produção sintática de idosos, os estudos de Kemper e colaboradores (Kemper et al., 2001; Kemper e Sumner, 2001) demonstram que a habilidade de produzir um maior número de frases complexas, como aquelas que apresentam orações
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subordinadas, parece declinar com o avanço da idade e que idosos emitem um número menor de frases complexas do que jovens. Essa constatação é acompanhada da hipótese de que a memória de trabalho impõe restrições ao número de relações (particularmente relações hierárquicas) entre sentenças que podem ser formuladas em um só tempo. Cada sentença subordinada aumenta a demanda da memória de trabalho impondo o armazenamento de itens, como concordância sujeito-verbo, escolha pronominal, ordenação linear de adjetivos e outras regras gramaticais. Como a memória de trabalho declina com o avanço da idade, a complexidade sintática também é reduzida (Kemper, 1988).
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Recuperação lexical: o fenômeno da ponta da língua A queixa freqüente de idosos a respeito de suas dificuldades em encontrar palavras é feita quando ocorre o chamado “fenômeno da ponta da língua”. Consistentes com essas queixas, os estudos que apresentam tarefas de nomeação de figuras aos idosos demonstram que as dificuldades de recuperação lexical ocorrem muito mais em idosos do que em jovens. Palavras menos freqüentes e não utilizadas recentemente provocam com maior facilidade esse fenômeno, e observa-se que idosos que experimentam este estado conseguem relatar menos
QUADRO 8.5 O fenômeno “ponta da língua” Dentre os diversos trabalhos que dão suporte às idéias de Levelt estão os estudos sobre o fenômeno da ponta da língua. O fenômeno da ponta da língua é uma dificuldade temporária no acesso lexical. Quando o falante se depara com essa dificuldade, ocorre uma pausa na sua produção, o indivíduo refere que sabe qual palavra quer utilizar, mas não consegue recuperar sua forma fonológica. Esse fenômeno parece ser universal, aparecendo desde os 2 anos (Elbers, 1985) até a idade adulta e afeta principalmente os idosos. De acordo com Vigliocco (2002), a incidência desse fenômeno está relacionada a diferentes fatores. De um lado, fatores relacionados ao falante, como idade e existência de lesão cerebral. De outro lado, fatores relacionados à palavra, como freqüência de uso na língua e recência de produção. O fenômeno da ponta da língua se caracteriza pela possibilidade de o falante ter acesso a determinadas informações, como, por exemplo, o significado exato da palavra, a classe gramatical, o gênero (masculino ou feminino), o número de sílabas e até mesmo a primeira letra. A disponibilidade dessas informações reforça a idéia de que há um estágio de recuperação do lemma e outro de recuperação do lexema (Vigliocco, 2002). Existem teorias que tentam explicar o fenômeno da ponta da língua, como a hipótese da ativação parcial (Brown e Mc Neill, 1966) e a hipótese de bloqueio (Woodworth, 1938). Burke e colaboradores (1991) demonstraram evidências favoráveis à primeira, argumentando que esse déficit de recuperação se dá devido a uma conexão fraca entre os níveis semânticos e fonológicos. Já a hipótese de bloqueio postula que a palavra-alvo é suprimida por uma palavra fortemente competidora. Até agora, os estudos sobre o fenômeno da ponta da língua vem apoiando mais a hipótese de ativação parcial, pois os experimentos que tentaram dar suporte à hipótese de bloqueio apresentaram alguns problemas metodológicos. Palavras-estímulo foram utilizadas para simular competição com palavras-alvo para que produzissem o efeito de supressão no momento da recuperação. Porém, estudos que replicaram essa metodologia demonstraram que as mesmas palavras-alvo provocaram o fenômeno da ponta da língua, mesmo na ausência de interferência. Desse modo, a teoria corrente é a de que possivelmente uma ativação parcial da rede de nodos atinja níveis semânticos e sintáticos, porém seja fraca demais para alcançar os níveis fonológicos da palavra.
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características fonológicas da palavra-alvo, como, por exemplo, a primeira letra, e emitem espontaneamente um menor número de palavras fonologicamente similares à palavra-alvo (Rastle e Burke, 1996). Esses problemas de recuperação lexical em idosos têm uma ligação com o acesso à informação fonológica, já que somente quando são fornecidas pistas fonológicas, e não quando são fornecidas pistas semânticas, ocorre uma diminuição das dificuldades de recuperação lexical (Mitchel, 1989). Esses dados vêm ao encontro da hipótese de ativação parcial da rede lexical, que seria insuficiente para ativar a representação fonológica da palavra. Embora a maioria dos estudos sobre recuperação lexical utilize apenas tarefas de nomeação como base para os experimentos, existem estudos que buscam investigar como as dificuldades apresentadas nas tarefas de nomeação se expressam no discurso dos idosos. Le Dorze e Bédard (1998) utilizaram uma tarefa de descrição de figura para fornecer amostras do discurso dos idosos. Foi analisado o número de unidades de conteúdo, palavras de classe aberta, unidades de conteúdo repetidas e de comentários sobre dificuldades de recuperar nomes. A unidade de conteúdo representa um conceito verbalmente transmitido. Vários modos podem ser usados para transmitir um mesmo conceito, por exemplo, sinônimos, circunlóquios e pronomes. Todos esses modos de transmitir conceitos foram considerados lexicalizações por Le Dorze e Bédard (1998). Escores de eficiência comunicativa foram criados a partir do número de palavras de classe abertas (substantivos, verbos, adjetivos, advérbios) (Garett, 1975) emitidas em média por minuto e do número de unidades de conteúdo diferentes emitidas em média por minuto (repetições não foram contadas nesse escore). Comparados a jovens, idosos necessitaram de maior tempo para transmitir a mesma informação, verificando-se um declínio da eficiência comunicativa relacionada tanto ao número de unidades de conteúdo quanto ao de palavras de classe aberta expressas por minuto. Também foi observada uma tendência de
repetir as mesmas lexicalizações e de comentar problemas de recuperação lexical. Comparando o desempenho na tarefa de descrição com o desempenho em uma tarefa de nomeação, os autores verificaram que havia correlação positiva entre o número de unidades de conteúdo emitidas por minuto e o escore na tarefa de nomeação, indicando que as unidades utilizadas na análise de discurso parecem realmente refletir a capacidade de recuperação lexical dos sujeitos. Idosos que foram mais eficientes em nomear figuras foram também mais eficientes em encontrar unidades de conteúdo para descrever a figura. O estudo de Le Dorze e Bédard (1998) apóia a hipótese de que as dificuldades de recuperação lexical observadas na produção da linguagem de idosos decorrem devido a problemas na ativação dos nodos lexicais. A tendência para a repetição de unidades de conteúdo pode ser explicada por esse defeito de ativação da rede lexical. Porque os idosos apresentam dificuldades em recuperar novas palavras, são acessadas aquelas que foram recentemente usadas, cuja ativação requer uma menor demanda do sistema.
CONCLUSÃO Os modelos teóricos apresentados no início deste capítulo explicam a produção on-line da linguagem, desde a fase pragmática de planejamento inicial do discurso até a fase em que a representação proposicional do discurso é organizada na forma de sentenças, em que são inseridas palavras. Como se vê, os modelos têm sido unânimes em postular que a produção da linguagem ocorre em diferentes níveis. Os resultados das pesquisas vêm apontando para explicações mais recentes de que esses níveis, embora sejam seriais, interagem e, além disso, podem ser processados de forma paralela. A metodologia dos estudos sobre a produção da linguagem de idosos geralmente é experimental e faz uso do delineamento transversal. A comparação do desempenho de amostras classificadas por idade em tarefas discur-
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sivas e tarefas de nomeação e priming é comum nos estudos sobre a produção da linguagem de idosos. As pesquisas nessa área vêm debatendo hipóteses de declínio e de mudanças no estilo cognitivo dos idosos. No que concerne à produção do discurso, embora os estudos discordem quanto à adoção de um paradigma de declínio ou de mudança pragmática, parece que há uma possibilidade de conciliação dos resultados das pesquisas de ambas as correntes. A mudança de objetivos comunicativos ocorre à medida que a idade avança. A preferência pelo relato pessoal é bastante comum entre idosos, e as narrativas expressam um maior número de apreciações subjetivas. No entanto, existem evidências suficientes para confirmar que uma minoria de idosos apresenta verbosidade fora de tópico relacionada a níveis mais baixos de inibição ligados a aspectos psicossociais, como ansiedade e insatisfação social. A complexidade sintática declina com a idade, porém os idosos não perdem a habilidade de produzir frases mais complexas. A produção de frases de período simples passa a ser maior não por um déficit de competência lingüística, mas por uma diminuição da capacidade processual da memória de trabalho. Os idosos apresentam dificuldades de recuperação lexical importantes. Experimentam o fenômeno da ponta da língua com uma freqüência muito maior que a dos jovens. Devido a isso, apresentam desempenhos mais baixos em tarefas de nomeação. Esses dados obtidos com tarefas de recuperação lexical estão ligados a características presentes nos resultados de tarefas discursivas, que evidenciam, entre outros achados, uma maior repetição de lexicalizações. As perspectivas dos estudos sobre a produção da linguagem do idoso apresentam um amplo espectro de possibilidades para o futuro. Os estudos sobre o discurso parecem caminhar para uma compreensão maior a respeito das mudanças no uso de linguagem ligadas ao envelhecimento, contribuindo, assim, para o rompimento de estereótipos negativos a respeito da cognição do idoso. As pesquisas sobre a complexidade sintática estão se aprofundan-
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do nas relações existentes entre a linguagem e outras funções cognitivas, como a memória de trabalho. A consideração de outras funções cognitivas nos modelos de linguagem possibilita avanços na construção de teorias sobre a produção. Os trabalhos a respeito de recuperação lexical vêm utilizando a tecnologia das simulações com modelos conexionistas, que têm desempenhado papéis importantes na busca de explicações sobre as dificuldades de recuperação lexical.
LEITURAS SUGERIDAS Pretti, D. (1991). A linguagem dos idosos: Um estudo da análise da conversação. São Paulo: Contexto. Comentário: Focaliza a área da lingüística, mas falta a visão neuropsicológica Rabadán, O. J. (1998). Lenguaje y Envejecimiento: bases para la intervención. Barcelona: Masson, 1998. Comentário: Modelos teóricos resumidos e excelentes revisões sobre os temas abordados neste capítulo. Van Dijk, T. (1988/1996). Cognição, discurso e interação. In Ingedore Grunfeld Villaça Koch (Trad. e Org.). São Paulo: Contexto. Comentário: Serve de introdução à teoria de Kintsch e van Dijk, além de aprofundar mais nos aspectos pragmáticos desenvolvidos por Van Dijk. Kemper, Herman, R.; Lian, C. (2003). Age differences in sentence production. Journal of Gerontology B Psychological Sciences and Social Sciences, 58, 260-268.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Que processos mentais ocorrem durante a fase pragmática de produção da linguagem? 2. Crie um fluxograma, ilustrando o processamento semântico do discurso de forma detalhada. 3. Quais as fases de produção da linguagem, segundo a teoria de Garrett? Explique cada uma. 4. Quais as diferenças e semelhanças entre os modelos de Garrett e de Dell? Faça uma análise crítica. 5. Como ocorre a recuperação lexical, de acordo com o modelo de Levelt?
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6. Que argumentos favoráveis e desfavoráveis podem ser traçados sobre as hipóteses de déficit de inibição e de mudança pragmática? 7. Quais os achados de estudos sobre a produção sintática de idosos? Apresente sugestões sobre pontos desse tema que você considera que poderiam ser mais investigados. 8. Como se apresenta o “fenômeno da ponta da língua”? Qual a explicação sustentada pela literatura sobre sua ocorrência em idosos? 9. Quais os métodos empregados nos estudos sobre a recuperação lexical dos idosos? 10. Quais as principais mudanças na produção da linguagem relacionadas ao envelhecimento cognitivo?
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9 Compreensão da linguagem no envelhecimento Rochele Paz Fonseca Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
CONCEITOS TRABALHADOS
dulos cuja função não é específica a priori, mas sua ação depende de um nível de ativação.
Arquiteturas funcionais: forma gráfica de representação dos modelos conceituais que mostra a disposição das diferentes memórias graficamente representadas com “caixas” e suas interconexões representadas por flechas.
Regras sintáticas transformacionais: regras de gramática gerativa que estabelecem as transformações necessárias para gerar as frases de uma língua. A complexidade de uma frase depende do número de transformações necessárias.
Via direta: processamento da palavra que acessa diretamente seu significado. Nessa via, a palavra é processada globalmente.
Superestrutura: composição dos elementos estruturais da narrativa.
Via fonológica ou indireta: via do modelo conceitual de processamento da palavra, que segmenta o estímulo oral ou gráfico em unidades fonológicas ou grafêmicas, antes de acessar o significado.
Orientação ou situação: primeiro elemento da narrativa, em que o narrador apresenta o cenário da narrativa.
Decodificação fonológica: processo de segmentação de uma palavra em sílabas e fonemas.
Avaliação: situação da trama no contexto da narrativa.
Memória lexical fonológica: memória que identifica uma cadeia de fonemas que forma uma palavra como conhecida no léxico do indivíduo.
Resolução: quarto elemento, em que o falante aponta a resolução da trama.
Modelos conceituais: modelos que postulam que uma função cognitiva é realizada por memórias com funções específicas. Modelos conexionistas: modelos que postulam que uma função cognitiva é realizada por nó-
Complicação: segundo elemento da narrativa que expõe a ação inicial da trama.
Moral: elemento opcional, em que o narrador avalia a narrativa de acordo com seu ponto de vista. Hierarquia de estruturas de causa/conseqüência: teoria que propõe ser a compreensão de uma narrativa uma resolução de problemas em que
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o ouvinte busca relações de causa e conseqüência, dispostas em níveis hierárquicos. Teoria de construção-integração: teoria criada por uma série de trabalhos de Kintsh e Van Dijk que parte das limitações da memória de curto prazo para propor um mecanismo em ciclos e uma reconstrução do texto de acordo com a experiência do ouvinte e com graus de ativação hierárquica das diferentes proposições.
TAREFAS DESCRITAS Nível de palavra: 1. Emparelhamento palavra oral (ouvida) e figura 2. Decisão lexical 3. Definição de significados 4. Julgamento semântico 5. Associação semântica Nível de frase: 1. 2. 3. 4.
Emparelhamento frase oral/figura Julgamento sintático Julgamento semântico Tarefas de complementação frasal
diárias prejudicadas por transtornos comunicativos. Neste capítulo, o desenvolvimento da compreensão da linguagem no envelhecimento será enfocado. A compreensão da linguagem será subdivida em três níveis em ordem ascendente de complexidade: 1. Processamento da palavra (léxico-semântico). 2. Processamento da sentença (sintático). 3. Processamento do discurso (semântico-pragmático). Primeiramente, serão apresentados alguns modelos de compreensão lingüística da palavra, da sentença e do discurso. Os dois primeiros níveis serão discutidos de forma mais genérica, pois geralmente são preservados na compreensão dos idosos. Maior ênfase será dada em nível de discurso. Posteriormente, serão abordados os principais métodos utilizados nas investigações sobre a compreensão da função em pauta. Por fim, um panorama dos estudos sobre compreensão da linguagem no envelhecimento será promovido.
MODELOS DE COMPREENSÃO DA LINGUAGEM
Nível de discurso: 1. Recontos parciais (parágrafo por parágrafo) 2. Recontos integrais 3. Discurso dialógico ou conversacional 4. Questionários sobre o texto 5. Reconhecimento de frases e julgamento falso/verdadeiro
INTRODUÇÃO Sendo o envelhecimento um fenômeno biopsicossocial, não se pode esquecer da importância da linguagem como uma ferramenta de interação social e relacionamento interpessoal. Este papel psicossocial da função lingüística fica evidente nos casos de idosos que têm sua qualidade de vida e suas atividades
Processamento lexical Os estudos sobre o processamento lexical dentro do enfoque cognitivo derivam do modelo de Morton (1970) denominado logogem. Estes modelos, também chamados conceituais, são representados graficamente por “arquiteturas funcionais”, gráficos que representam o fluxo da informação e seus respectivos processos mentais. Neles, “caixas” representam memórias específicas, e “flechas”, a direção desses processos. Nessa abordagem, a linguagem é formada por um conjunto de memórias lingüísticas. Isso porque, durante o desenvolvimento, ocorre o aprendizado lingüístico que arquiva em nossa mente diferentes informações da linguagem, como os fonemas e o léxico de uma lín-
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gua, memórias de esquemas de movimentos articulatórios que possibilitarão a produção desses sons, etc. Caramazza e Hillis (1990) desenvolveram um modelo que ficou conhecido como o modelo da Tulipa (Figura 9.1). Ele considera que, dependendo do tipo de estímulo, diferentes vias cognitivas serão utilizadas. Quando um estímulo for visual, será realizada uma análise visual que atinge diretamente o sistema semântico. Se o estímulo for uma palavra emitida oralmente, ele poderá ser processado por duas diferentes rotas: uma que acessa diretamente o sistema semântico, com a compreensão imediata da palavra, e outra com acesso indireto, passando por uma decodificação fonológica, em que uma memória de entrada segmenta a palavra em seus componentes fonêmicos. Após
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essa análise, os componentes podem ser enviados a processamentos de saída (produção) sem ter acesso ao significado, no caso de uma repetição de não-palavras ou de palavras desconhecidas. Depois da segmentação fonológica, pode também ocorrer um reagrupamento para que a informação seja reconhecida como palavra de uma língua. Para tal, as unidades fonológicas são transferidas à via lexical. Uma memória lexical transmite a informação à memória semântica que reconhece seu significado. A terceira possibilidade de compreensão da palavra refere-se à palavra escrita (parte direita da Figura 9.1) e é discutida no Capítulo 12. Nos modelos conceituais, existe uma polêmica se em nosso léxico mental há apenas um ou vários sistemas semânticos. Os que pos-
FIGURA 9.1 Adaptação do modelo da Tulipa, mostrando apenas as possíveis rotas para a compreensão. As setas contínuas mostram o acesso direto, e as pontilhadas, o indireto, que envolve conversão fonografêmica ou grafofonêmica.
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tulam a última alternativa acreditam que é possível um sistema semântico visual e outro lingüístico, os outros propõem um sistema semântico amodal. Outro tipo de modelo cognitivo, o modelo conexionista, considera que a mente é formada por uma rede de módulos homogêneos. Sua atividade não é seletiva, mas dependente do grau de ativação. Em função das evidências de diferentes processos lingüísticos independentes, os modelos conexionistas atuais levam em conta diferentes níveis: fonológico, lexical e semântico (ver Figura 8.3, na p. 140). Se os modelos conceituais têm sido bastante profícuos para a descrição dos componentes lingüísticos, os conexionistas são mais apropriados para explicar fenômenos de reabilitação e de plasticidade (ver Capítulo 17).
Processamento sintático O interesse sobre o processamento sintático da linguagem sempre foi bastante difundido na psicologia. Para Belinchon, Rivière e Igoa (1996), Wundt, pioneiro ao realizar uma teoria psicolingüística, focalizou as atividades mentais que precedem e acompanham a compreensão e a expressão de frases. Para ele, a ordem das palavras irá influenciar o processamento de reconstrução do significado (Gesamtvorstellung). Entretanto esta influência é bem pequena, pois após reter o significado, o ouvinte esquece as palavras exatas que ouviu, priorizando o sentido. O início da psicolingüística cognitiva também é marcado por uma teoria sobre processamento sintático. Para Chomsky (1957), um dos fundadores desta abordagem, a forma lógico-semântica (o conteúdo mental expresso pela linguagem) deverá ser traduzida por regras sintáticas transformacionais (atualmente denominadas movimentos sintáticos). Garret (1984) complementa a idéia de Chomsky propondo que, no processamento proposicional, cada unidade lexical engloba no seu significado o seu “papel temático”, que determina as outras unidades lexicais de uma frase. Por exemplo, o verbo “dar” precisa de
um agente, um tema e um objetivo (alguém = agente; dá alguma coisa = tema; para alguém = objetivo). Além disso, os papéis temáticos precisam ser organizados em uma estrutura sintática, especificada pelo chamado “argumento verbal” (sujeito, objetos direto e indireto). Nas chamadas frases diretas, os papéis temáticos coincidem com a estrutura sintática, no sentido de que o agente é o sujeito e o paciente assume a posição de objeto do verbo. Entretanto, nas frases ditas reversivas, como na voz passiva, o objeto torna-se agente, e o sujeito, paciente.
Compreensão de texto As palavras, quando compõem uma frase, criam entre si um vínculo de dependência que altera o significado individual de cada uma e dá lugar a um novo significado. Um processo semelhante ocorre com as frases quando integram um texto. Apesar de cada uma delas ter um sentido próprio, quando agrupadas em uma narrativa, ele se modifica para formar um único significado. Contudo, isso não indica que o sentido do texto é dado pelo somatório daqueles que resultam de cada frase, ao contrário, eles precisam ser alterados para formar um significado. Não é a extensão que define um texto. Segundo Fávero e Koch (1988), um texto pode possuir apenas dois signos lingüísticos, um dos quais suprimido pela situação. O mais comum é considerar texto um grupo de sentenças delimitadas por um início e um final expressos de modo mais ou menos explícito. Os limites, na realidade, dependem da interação pragmática dos indivíduos, e cada tipo de texto possui regras de encadeamento de suas sentenças. Pelo menos duas características determinam se esse conjunto de frases é considerado um texto: 1. As frases aglomeram vários significados para expressar um significado geral do texto, que lhe é singular. 2. Elas estão relacionadas entre si, o que se chama articulação frasal de um texto.
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As frases textuais são escolhidas de acordo com a intenção explícita ou implícita do narrador. A partir dela, o narrador busca, na maioria das vezes de forma inconsciente, os elementos semânticos traduzidos em frases. O ouvinte, por seu lado, ao ouvir a narrativa composta de uma seqüência de frases, constantemente procurará descobrir a intenção do narrador para compreender a lógica dessa seqüência. Desta forma, um texto tem um significado em si mesmo, que lhe é singular. As frases que o compõem, modificam e ampliam o significado das frases precedentes e, ao mesmo tempo, justificam o significado geral do significado. A compreensão de um texto, segundo Kintsch (1998), só ocorre quando se estabelece uma relação significativa entre os elementos visíveis contidos na narrativa (palavras, frases, parágrafos) e aqueles que são relevantes para a ocorrência deste processo (percepção, idéias, imagens e emoções). Portanto, para haver compreensão é necessário combinar o reconhecimento de itens literais e lexicais com a interpretação de informações exteriores através do uso dos conhecimentos internos e cognitivos estocados (Van Dijk, 1996, 2003). Durante a compreensão textual, as atividades cognitivas do ouvinte não se restringem apenas à compreensão do enredo e das seqüências da narrativa. É preciso também inferir as intenções do autor que, na maioria das vezes, são manifestadas implicitamente no estilo escolhido. Como várias versões de uma mesma história podem ser criadas transmitindo diferentes mensagens, o ouvinte, ao ouvir a história, precisa estar atento para entender o porquê da organização do relato, da ordem dos eventos, da inserção de comentários e de significados correlatos, que têm como finalidade salientar o foco que o autor deseja enfatizar. Assim, uma das estratégias para compreender uma história é descobrir quais as intenções do autor que explicam as relações entre as proposições do texto, os eventos e as ações. Conseqüentemente, como toda história ouvida ou lida é apresentada em uma ordem seqüencial de diferentes frases (Kintsh e Van Dijk, 1978; Kintsh, 1988), pode-se supor que os ouvintes
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estão realizando continuamente inferências sobre qual a seqüência de fatos provável e confirmando se a informação subseqüente da história corresponde às suas expectativas. A narrativa é considerada a forma mais freqüente de expressão textual de várias frases. Em função dos múltiplos processos cognitivos que envolvem a narrativa, não é de se admirar que existam várias teorias, cada uma valorizando um processo. Uma primeira abordagem valoriza os elementos estruturais que a distingue de uma descrição ou de uma argumentação (apesar de um texto raramente ser apenas descritivo, narrativo ou argumentativo). Os elementos estruturais formam a superestrutura de uma narrativa. Segundo Labov-Walesky (1967, citado por Fávero e Koch, 1983), uma narrativa é composta de quatro ou cinco elementos essenciais: orientação ou situação, em que o narrador situa seu interlocutor; complicação e avaliação, partes em que as ações são mais preponderantes; resolução, em que o falante aponta o término da narrativa. O quinto elemento, denominado “moral”, é facultativo e apresenta a visão subjetiva do autor a respeito da narrativa. Esta abordagem é mais descritiva e não considera os mecanismos cognitivos do ouvinte para captar o significado do discurso. Um segundo grupo de autores considera a compreensão textual uma tarefa de resolução de problemas e propõe que uma pessoa, ao ouvir uma história, forma em sua mente uma estrutura hierarquizada de causa e conseqüência (Van Der Broek, 1994; Van Der Linden e Hupet, 1994). Ele busca a idéia principal, formada por uma relação causa e conseqüência de primeira ordem, a qual irá determinar as demais estruturas de causa/conseqüência. Desta forma, a fim de compreender as relações entre frases, é preciso descobrir seus antecedentes e conseqüentes causais. Buscando os objetivos causais, o ouvinte estabelece um texto-base composto de objetivo principal e dos subobjetivos necessários para realizá-lo. Infelizmente, relações causais têm sido definidas de forma muito genérica. Elas incluem “relações de causas físicas e motivacionais, assim como capacidades muito vagamente definidas” (Richards e Singer, 2001, p. 112).
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Essa falta de precisão pode decorrer do fato de que, além de relações causais, intenções dos autores e motivos dos protagonistas precisam ser entendidos a fim de se obter o sentido do texto. Em uma terceira abordagem, delimitando as interações entre o emissor e o ouvinte, Chali (1996) e Virbel (1997) propõem mecanismos lógicos de relação pergunta-resposta que estabelecem a articulação frasal e auxiliam o receptor a compreender a intenção do narrador e o significado geral do texto. Um quarto modelo de compreensão textual, proposto por Kinsth e Van Dijk (1978), enfatiza o processamento on-line e a atuação de mecanismos de memória de curto prazo associados a mecanismos de memória episódica para que possa ser possível distinguir as idéias essenciais (macroestrutura), daquelas expressas na narrativa (microestrutura). Mais recentemente, Kinsth (1988) apresenta um modelo conexionista de ativação, no qual cada elemento da narrativa ativa significados apresentados e mantidos na memória de curto prazo, assim como significados armazenados na memória de longo prazo. Esta ativação possibilita processos de inferência, importantes para a compreensão de uma história e para a correta articulação de suas frases e respectivos significados. Kintsch (1988, 1998) agrupou suas idéias na chamada teoria de construção-integração. Essa teoria propõe que, devido às limitações da memória de curto prazo, a compreensão é realizada em ciclos. As proposições são extraídas e arrumadas em uma rede, construída por dois tipos de inferências: aquelas que conectam as idéias explícitas semanticamente do texto e aquelas que dependem do conhecimento prévio (knowledge-based). Durante uma fase posterior, de integração, as proposições que têm maior número de conexões recebem um maior grau de ativação, enquanto as proposições irrelevantes recebem um baixo grau de ativação. Nesse sentido, a teoria de construção-integração prediz uma hierarquia entre as proposições que prediz a probabilidade de reconto. Em suma, esta breve revisão de modelos cognitivos sobre compreensão de linguagem
aponta que, em nível de compreensão de palavra oral, pode haver mecanismos de acesso direto ao significado e mecanismos indiretos que decodificam fonologicamente a palavra ouvida. Na compreensão de frases foram salientados os movimentos sintáticos e o papel temático dos elementos da frase. Por fim, na compreensão de texto, foram expostos dois modelos diferentes: um que salienta capacidade de resolução de problemas, outro que salienta a atuação de diferentes sistemas de memória. Observamos, então, que, se no nível de palavra são necessárias memórias lingüísticas de tipo fonológica, lexical ou semântica, a compreensão em nível de frases requer, além dessas, a correta atuação de memória de trabalho, episódica, funções executivas e de resolução de problemas.
MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO DA COMPREENSÃO DA LINGUAGEM Encontram-se muitos estudos sobre compreensão de linguagem de indivíduos em todas as fases do desenvolvimento humano. No que concerne às pesquisas com o objetivo de investigar o desempenho lingüístico durante o envelhecimento, apesar de haver estudos longitudinais, o delineamento transversal comparativo entre dois ou mais grupos etários predomina. Deste modo, são comparadas habilidades de compreensão lingüística entre grupos de idosos saudáveis menos longevos – de 60 a 75 ou 80 anos – e de grupos mais longevos – a partir de 75 anos ou com mais de 90 anos. Contrastam-se, ainda, grupos de idosos saudáveis com idosos portadores de alguma patologia neurológica típica da terceira idade, como, demências e afasias. Salienta-se, porém, que os grupos contrastantes mais comuns nesta linha de pesquisa são adultos jovens e idosos. Os procedimentos de investigação incluem subtestes de baterias padronizadas de avaliação da linguagem ou tarefas neuropsicológicas que mensuram a compreensão lingüística. Os métodos utilizados variam de acordo com o nível de linguagem estudado. Os estí-
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mulos podem ser apresentados na forma visual – escrita, pictórica, em vídeo, computadorizada e/ou auditiva. As respostas são analisadas, em geral, quanto à acurácia (quantidade de acertos e erros e precisão), ao tempo de reação e ao número de unidades lingüísticas emitidas. No nível da palavra, diferentes procedimentos são delineados para investigar a compreensão léxico-semântica. As tarefas mais tradicionais são as de emparelhamento palavra oral (ouvida) e figura, com estímulos distratores de semelhança fonológica, semântica, ou pictórica, assim como sem nenhuma semelhança com o estímulo-alvo. Outros estudos utilizam tarefas de decisão lexical, por exemplo, os participantes são solicitados a decidir se palavras com sílabas ou grafemas invertidos são realmente palavras verdadeiras como fuamaç (fumaça). Outros estudos utilizam tarefas de explicar ou definir significados de determinadas palavras, que podem ser apresentadas isoladamente ou dentro de um contexto lingüístico (frase, parágrafo curto ou texto). Além disso, outras tarefas bastante comuns na literatura são o julgamento semântico e a associação semântica. Na primeira, um par de palavras é apresentado auditiva e/ou visualmente ao participante, e lhe é solicitado dizer se existe ou não relação entre os vocábulos e qual é o elo de ligação entre eles, por exemplo, tanque e pia (com relação de uso) ou pia e carro (sem relação semântica). Na segunda tarefa, geralmente os estímulos são pictóricos, são apresentadas três figuras, uma na parte superior da folha de estímulos e duas na inferior, uma das duas de baixo possui alguma relação de significado com a figura de cima; por exemplo, a figura de cima é o desenho de um circo e as duas de baixo são um leão e um inseto. Por fim, a tarefa mais incluída nos instrumentos formais de avaliação da compreensão lingüística no nível da palavra é a de apontar a figura correspondente à palavra verbalizada pelo examinador. No nível da sentença, a compreensão da sintaxe das frases é examinada por meio de emparelhamento frase oral/figura; julgamento sintático, julgamento semântico e tarefas de complementação frasal. Geralmente é realiza-
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da uma manipulação da estrutura sintática, a fim de verificar diferentes graus de complexidade. As sentenças consideradas mais complexas são aquelas que demandam um maior tempo de reação e são acompanhadas por uma maior quantidade de erros de compreensão. Algumas condições são mais encontradas na literatura: orações coordenadas ou subordinadas apresentadas à esquerda ou à direita da oração principal, por exemplo: Embora fosse difícil de acertar o ponto, Maria conseguiu fazer um suflê bem saboroso ou Maria conseguiu fazer um suflê bem saboroso, embora fosse difícil de acertar o ponto; sentenças gramaticalmente corretas ou sentenças consideradas agramaticais; como exemplo, citam-se as frases com ausência de conectivos; frases ambíguas a serem completadas, exemplifica-se com a sentença Mostrei fotos, meu bebê, que pode ser compreendida de duas formas – o sujeito da sentença mostrou fotos do seu bebê para um terceiro ou mostrou fotos para o seu bebê; extensão sintática – sentenças curtas e longas. Os estudos que avaliam o nível do discurso são efetuados por dois métodos principais: método que mensura a quantidade de linguagem compreendida e o método que mensura a quantidade de informação entendida. Ambos examinam a compreensão do discurso, geralmente a partir de recontos parciais (parágrafo por parágrafo) ou integrais (o texto inteiro) de histórias lidas e/ou ouvidas ou mediante perguntas de compreensão textual. Muda, então, somente o modo de analisar as respostas dos participantes: o primeiro método quantifica o número de palavras ou o número de sentenças, enquanto o segundo quantifica a informação a partir da análise proposicional (número de proposições recontadas). O método baseado na análise de proposições visa a averiguar a compreensão da macroestrutura pelas tarefas de produção de títulos das histórias ouvidas ou lidas, sublinhar os tópicos principais, resumir a história ou encontrar a moral do texto. Além disso, este método também verifica a compreensão da microestrutura, principalmente mediante a mensuração da quantidade e da acurácia de referentes utilizados para o reconto ou para expressar o entendi-
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mento da relação entre as personagens e as informações narradas. O processamento do discurso também é avaliado em tarefas de discurso dialógico ou conversacional. O examinador observa a interação do participante com algum familiar ou inicia uma conversa baseado em categorias de análise discursiva, com temas previamente estabelecidos. Ressalta-se, ainda, que a velocidade de apresentação auditiva (ou visual, no caso de tarefas computadorizadas) é manipulada em alguns estudos, em qualquer nível de processamento. Pode-se constatar que a maioria dos métodos utilizados para analisar a compreensão lingüística depende de respostas de produção. Por essa razão, além do reconto, é solicitado que o indivíduo responda questionários, ou realize o reconhecimento de frases relacionadas ao texto como verdadeiras ou falsas. Além disso, questiona-se se as provas utilizadas avaliam exclusivamente habilidades de compreensão da palavra, da sentença e/ou do discurso, uma vez que Casanova (1987) comenta que um teste ou subteste raramente avalia de modo específico apenas uma função mental independente. Assim como várias tarefas de memória envolvem estímulos lingüísticos, na compreensão de frases com muitos movimentos sintáticos ou de textos, é preciso o processamento da memória de trabalho e da memória semântica, assim como de processos atencionais, para a decodificação adequada do estímulo da linguagem.
ESTUDOS SOBRE COMPREENSÃO DA LINGUAGEM NO ENVELHECIMENTO Nota-se na literatura um aumento importante de pesquisas sobre compreensão da linguagem na população idosa desde a segunda metade do século XX. Inicialmente, destacavam-se estudos sobre o processamento da palavra e/ou da sentença. Desde a influência da pragmática na década de 1970, a temática foi expandida para o processamento do discurso. Este propicia um comportamento lingüístico mensurável para que estudos interdisciplinares
sejam conduzidos. A natureza inerente do discurso constitui uma interface entre aspectos sociais, cognitivos e lingüísticos. Além disso, estes autores apontam outro fator que colaborou para a extensão dos estudos para o nível do discurso: a necessidade de explicar os resultados contraditórios encontrados nas investigações sobre os níveis lingüísticos da palavra e da sentença. Essa controvérsia é evidenciada na consulta à literatura específica em que alguns estudos demonstraram habilidades sintáticas sem prejuízos com o envelhecimento (por exemplo, Cannito, Hayashi e Ulatowska, 1988), enquanto outros constataram prejuízos em tais habilidades em indivíduos idosos (por exemplo, Kynette e Kemper, 1986). Por outro lado, diferentemente da palavra e da sentença, o discurso parece propiciar uma maior estabilidade, uma vez que consiste na forma natural de linguagem usada no dia-a-dia. Na literatura consultada, encontram-se divergências quanto ao efeito do envelhecimento no processamento das funções lingüísticas. Alguns estudos apontam declínio em tarefas de compreensão lingüística nesta população (Cohen, 1979; Juncos-Rabadán, 1996), enquanto outras investigações ou metanálises apontam habilidades de compreensão de linguagem preservadas em indivíduos idosos (Kemper e Kemtes, 2000; Parente, Capuano e Nespoulous, 1999; Parente et al., 1999; Stine, Wingfield e Myers, 1990; Wingfield, 2000). Nota-se, então, que o desempenho lingüístico provavelmente é afetado de modo dissociado no decorrer do avançar cronológico. Conforme Ska e Goulet (1989), algumas habilidades mantêm-se intactas até a idade avançada, como o reconhecimento lexical e a compreensão de sentenças contextualizadas. A piora neste desempenho torna-se mais evidente, entretanto, quando as tarefas utilizam estímulos lingüísticos mais complexos, ou seja, frases entrecortadas e com ordem inversa de seus elementos temáticos (Worrall e Hickson, 2003). Nota-se, então, que estes autores não generalizam a ocorrência de um declínio para todos os componentes da linguagem. Apenas um consenso pode ser identificado na literatura: o de-
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clínio no processamento lingüístico tende a ser mais evidente no nível da produção da linguagem do que no da compreensão (Mackay, Abrams e Pedroza, 1999; Wingfield, 2000). O declínio da compreensão lingüística nem mesmo chega a representar uma queixa da população idosa, conforme salienta Woodruff-Pak (1997).
Estudos sobre o processamento no nível da palavra A maioria dos autores consultados relata achados que demonstram mudanças positivas no processamento léxico-semântico da população idosa (Maxim e Bryan, 1994; Ulatowska e Chapman, 1991, Woodruff-Pak, 1997), ou seja, o nível da palavra é conservado no decorrer do envelhecimento tanto nos aspectos conceituais como fonológicos (Rabadán, 1998). Há, geralmente, um aumento do vocabulário associado à crescente experiência lingüística. Burke e Harrold (1988), responsáveis por uma linha de pesquisa na área da compreensão semântica, observaram uma similaridade consistente no decorrer da adultez quanto ao processamento semântico de estímulos lingüísticos. A única diferença encontrada entre jovens e idosos foi uma diminuição na velocidade dos últimos na interpretação de significado de palavras em sentenças. Com o mesmo objetivo das autoras acima, McGinnis e Zelinski (2003) investigaram o papel da idade na habilidade em definir palavras a partir de determinados contextos. Os idosos produziram menos informações dos significados das palavras, assim como interpretações mais gerais do significado preciso. Assim, pode-se concluir que estes achados indicam que os idosos devem possuir certa dificuldade em interpretar o significado de palavras não-familiares, mesmo a partir de pistas contextuais. Este resultado vai de encontro à relatada facilitação do processamento semântico e sintático de estímulos lingüísticos contextualizados (por exemplo, Cohen, 1979; Wingfield, 2000). Outros estudos preocupam-se com o desempenho desta população na nomeação de
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palavras. Spieler e Balota (2000) examinaram a relação entre a idade e a influência de três fatores no desempenho em tarefas de nomeação de palavras: freqüência, extensão e vizinhança ortográfica das palavras. Constataram que idosos demonstraram uma grande influência da freqüência das palavras, enquanto essa influência foi reduzida no que concerne aos outros dois fatores. Tal achado vai ao encontro das conclusões do estudo de McGinnis e Zelinski (2000), mencionado anteriormente, no qual se evidenciou uma dificuldade de interpretação de palavras desconhecidas a partir do contexto no qual elas estavam inseridas. O nível da palavra parece estar mais afetado no processamento de produção. Muitos estudos baseados em tarefas de evocação lexical ou fluência verbal evidenciam quantidades de vocábulos significativamente inferiores nos idosos quando comparados ao número de palavras emitidas por adultos jovens (Arbuckle e Gold, 1993; Arbuckle, Nohara-Le Claire e Pushkar, 2000; Fonseca, 2004; Lezak, 1995; Radanovic e Mansur, 2002). Na literatura, o declínio com o avançar da idade em duas habilidades cognitivas potencialmente subjacentes à execução da tarefa de evocação lexical é associado a um desempenho prejudicado dos idosos neste teste: déficit de inibição em idosos (Bryan e Luszcz, 2000; Lezak, 1995) e diminuição da velocidade processual (Salthouse, 1996). Em contrapartida, a manutenção ou ampliação de habilidades verbais representadas principalmente pelo conhecimento léxicosemântico é considerada um fator que compensa o declínio nas demais habilidades cognitivas, podendo promover um bom desempenho nas provas de fluência verbal (Gisletta e Lindenberger, 2003; Hughes e Bryan, 2002; Beausoleil, 2001). Ao contrário dos achados das pesquisas de produção lingüística com evocação lexical, estudos com base no julgamento semântico demonstram habilidades preservadas de compreensão no nível da palavra. Fonseca (2004), por exemplo, não encontrou uma diferença estatisticamente significativa entre adultos jovens e idosos nessa habilidade. O desempenho dos dois grupos foi semelhante tanto na avalia-
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ção da habilidade de identificar a presença ou a ausência de relação semântica entre dois vocábulos como no exame da habilidade de explicar qual era esta relação. Este resultado está de acordo com os achados de Taylor e Burke (2002), que constataram que as funções semânticas em relação à palavra se mantêm preservadas durante a adultez, enquanto as habilidades de recuperação fonológica e ortográfica podem sofrer um declínio importante. Além disso, Verhaeghen (2003), ao avaliar escores verbais em 210 investigações publicadas, evidenciou que os idosos identificam significados de vocábulos com a mesma ou maior eficiência do que os adultos jovens, devido, provavelmente, ao seu conhecimento semântico e à sua experiência verbal adquirida. É possível pensar em, pelo menos, dois fatores que provavelmente contribuem para o bom desempenho dos idosos em tarefas de julgamento semântico. O primeiro fator diz respeito à representação semântica da primeira palavra ouvida pelos idosos, que pode ocasionar uma ativação automática do significado dela e uma transmissão da excitação para representações de outras palavras a ela relacionadas semanticamente – efeito priming semântico, tão eficiente na terceira idade quanto na adultez inicial (Burke, Mackay e James, 2000; Rabadán, 1998; Wingfield e Stine-Morrow, 2000). Dessa forma, por exemplo, ao ouvir o vocábulo maçã, o significado das demais frutas, palavras do mesmo campo semântico, é ativado, possibilitando aos idosos identificar tão adequadamente quanto os jovens a interpretação associada do par de palavras maçã-ameixa. O segundo fator está relacionado à freqüência lingüística das palavras usadas como estímulos em tarefas de compreensão, como a de julgamento semântico. No caso de palavras familiares, por serem utilizadas nos atos comunicativos diários, seus significados devem ser mais facilmente acessados. Tal hipótese é corroborada pelos resultados do estudo de Spieler e Balota (2000), segundo os quais, o fator freqüência foi o que mais influenciou a performance dos idosos em tarefas de nomeação de palavras. Portanto, o processamento léxico-semântico parece ser realizado com eficiência pelos
idosos. O desempenho bem-sucedido desta população na habilidade de compreensão do nível da palavra sugere uma adequada aplicação do conhecimento verbal e um adequado efeito priming.
Estudos sobre processamento no nível da sentença Alguns estudos referem compreensão prejudicada de estruturas sintáticas complexas em indivíduos idosos. Kynette e Kemper (1986) estudaram o desempenho de idosos e jovens na compreensão sintática de sentenças com a condição de ordem das orações coordenadas e subordinadas manipulada. Os participantes eram solicitados a repetir as sentenças gramaticalmente corretas e a corrigir as agramaticais. Os idosos apresentaram mais dificuldade em corrigir as sentenças gramaticalmente incorretas quando as orações coordenadas ou subordinadas estavam localizadas à esquerda do que quando eram apresentadas à direita da oração principal. Os adultos jovens não demonstraram esta disparidade na compreensão sintática. Os autores formularam a hipótese de que as sentenças localizadas à esquerda demandam maior sobrecarga da memória de trabalho, já que estas não podem ser totalmente compreendidas até que a informação da oração principal seja fornecida. Norman e colaboradores (1991) também encontraram maior dificuldade dos idosos em provas de compreensão e repetição de sentenças mais longas. Em concordância com estas pesquisas, Kemper e Sumner (2001) evidenciaram que os idosos repetiam sentenças gramaticalmente complexas com frases menos extensas e menor diversidade lexical. No entanto, outros estudos demonstram habilidades de compreensão sintática preservadas. Kemper (1992), por exemplo, encontrou uma compreensão estável de sentenças complexas em idosos de até 70 anos. Idosos com idades superiores, no entanto, tiveram mais dificuldade em compreender e repetir sentenças gramaticalmente complexas. Tais dificuldades evidenciadas na literatura decorrem provavelmente do fato de os
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estímulos sintáticos serem apresentados de forma descontextualizada, ou seja, os participantes idosos das pesquisas são solicitados, por exemplo, a explicar o significado de sentenças isoladas, que foram extraídas de um determinado contexto lingüístico não apresentado. Deste modo, observa-se uma tendência de aplicação de tarefas mais artificiais, distantes do uso lingüístico diário da população idosa.
Estudos sobre processamento no nível do discurso No que concerne à compreensão do discurso narrativo, Parente, Capuano e Nespoulous (1999), ao estudarem o recontar de histórias, identificaram que os jovens lembravam de uma maior quantidade de informações da narrativa. No entanto, tanto jovens quanto idosos relembraram melhor as macroestruturas do que as microestruturas, não tendo sido encontradas diferenças significativas entre os grupos quanto à quantidade de inferências, reconstruções e interferências realizadas. Além disso, constataram que os jovens preferem o relato de ações e os idosos, o relato subjetivo. Os autores explicam a distinção quantitativo-qualitativa pela hipótese de uso maior de estratégias de memória episódica, em virtude da redução da memória de trabalho. Sasser-Coen (1993) reforça tal idéia à medida que salienta a maior ênfase dada pelos idosos aos aspectos gerados pela experiência pessoal. Uma menor quantidade de informações lembradas pelos idosos também foi evidenciada no estudo de Cohen (1979). Os participantes recontavam eventos da história narrada, mas não especificavam relações entre eles, as quais eram apresentadas no discurso pelo uso de modificadores (de quantidade – mais; de tempo – recentemente; de local – no norte; de conexão lógica – porque). Quanto à velocidade em que o discurso é apresentado, Light, Zelinsky e Moore (1982) constataram que os idosos apresentaram maior dificuldade quando comparados aos jovens em uma tarefa em que deveriam responder a questões diretas de compreensão de um texto lido
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em velocidade acelerada. Além disso, a diminuição da velocidade em que o estímulo é apresentado aumenta a competência dos idosos na compreensão da linguagem (Wingfield, 2000). A diferença quantitativa encontrada no reconto de histórias lidas ou escutadas geralmente é associada a uma diminuição da habilidade de memória de trabalho inerente ao envelhecimento. Brébion (2003) conduziu um estudo para entender esta relação. Constatou que, como estratégia para tal déficit, os idosos tendem a sacrificar a manutenção de informações concorrentes para conseguirem manter um processamento on-line do que está sendo narrado. Deste modo, algumas informações não são recontadas por não terem sido armazenadas. No que diz respeito ao efeito do envelhecimento no desempenho em discursos dialógicos, Fonseca e colaboradores (2004) não identificaram diferenças significativas de compreensão de conversação entre adultos jovens e idosos. Neste contexto de informalidade, Stine, Wingfield e Myers (1990) investigaram a compreensão de adultos idosos das informações diárias fornecidas pelos discursos orais de programas de televisão, solicitando que os participantes recontassem o que foi ouvido. Concluíram que as habilidades lingüísticas dos idosos neste nível de processamento mantêm-se preservadas. As poucas diferenças relatadas na compreensão de discursos parecem, então, decorrer basicamente de dois fatores: influência da qualidade da produção do discurso e influência da dificuldade aumentada da memória de trabalho e de acesso lexical. Quanto ao primeiro fator, menciona-se um estudo sobre o efeito do envelhecimento na produção de discurso narrativo. James e colaboradores (1998) mensuraram a quantidade de verbosidade fora do tópico, ou seja, de verbalizações cujo significado não era diretamente relevante ao tópico enfatizado na narrativa. Os indivíduos idosos produziram maior quantidade de palavras do que os adultos jovens, principalmente em temáticas pessoais, o que está de acordo com a preferência pela subjetividade encontrada no estudo de Parente, Capuano e Nespoulous (1999). Além disso, expressaram, também, maior número de verbosidades fora do tópico,
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o que foi mais evidente em narrativas com temas subjetivos e pessoais. Assim, James e colaboradores (1998) defendem a hipótese pragmática, a partir da qual se considera que as intenções comunicativas determinam a qualidade e o estilo do discurso. Deste modo, o aumento de verbosidade e de quantidade de conversação reflete um estilo da terceira idade, condizente com o contexto e identidade sociais dos indivíduos que dela fazem parte. Tal estilo lingüístico pode estar influenciando os resultados da compreensão discursiva relatados na literatura, à medida que a compreensão é geralmente analisada a partir da expressão lingüística, ou seja, de um reconto ou reprodução de um discurso anteriormente ouvido ou lido. O segundo fator diz respeito à sensação de falta de palavras, verbalizada freqüentemente por idosos em situação de avaliação e em sua rotina comunicativa diária (por exemplo, Fonseca, 2004; Rabadán, 1998; Worral e Hickson, 2003). Esta referência a um “branco” corresponde à ocorrência de anomia. Trata-se de um aumento da dificuldade na recuperação ativa do vocabulário, mais incidente com o avançar da idade (Lezak, 1995; Stuart-Hamilton, 2002). Como a compreensão do discurso geralmente é avaliada a partir do reconto de uma história, algumas palavras podem não estar sendo adequadamente recuperadas, o que contribui para uma menor quantidade de informações lembradas pela população idosa.
CONCLUSÃO Pode-se notar, pela breve revisão apresentada, que dois grandes questionamentos norteiam os pesquisadores em suas investigações sobre a compreensão da linguagem no envelhecimento. Eles estão preocupados em identificar a natureza das diferenças encontradas entre adultos jovens e adultos idosos em suas habilidades de processamento lingüístico, ou seja, se é de ordem quantitativa e/ou qualitativa. Além disso, desejam saber como os idosos organizam seu sistema lingüístico, buscando averiguar as estratégias utilizadas para a compreensão de palavras, de sentenças e de
textos. As respostas encontradas não representam um consenso da literatura. Os resultados contraditórios podem indicar a influência de variáveis sociais, culturais, cognitivas, emocionais, entre outras. Muitos autores atribuem as diferenças de desempenho na compreensão lingüística entre idosos e jovens ao prejuízo de processos cognitivos não-lingüísticos, tais como as funções executivas, principalmente atenção, inibição e memória de trabalho, cuja demanda de solicitação tende a aumentar quanto maior for a complexidade do estímulo lingüístico. Além disso, mudanças na velocidade de processamento e nas habilidades perceptuais auditivas também podem estar contribuindo para as dificuldades encontradas na compreensão lingüística na população idosa (Au e Bowles, 1991; Carpenter, Miyaki e Just, 1994; Maxim e Bryan, 1994; Pickora-Fuller, 2003; Wingfield e Stine-Morrow, 2000; Woodruff-Pak,1997). Talvez não seja possível distinguir as mudanças inerentes ao envelhecimento nos processos mnemônicos e cognitivos em geral das mudanças que ocorrem nos processos lingüísticos. Essa difícil distinção fica bastante evidente nos estudos baseados em tarefas de compreensão discursiva, nas quais a competência lingüística está relacionada a uma demanda da memória de trabalho. Além destas variáveis cognitivo-biológicas, fatores culturais como hábitos de leitura e escrita também parecem representar um papel significativo no desenvolvimento da compreensão lingüística na fase tardia da adultez. Fonseca (2004), por exemplo, encontrou correlações positivas entre a quantidade de hábitos de leitura e de escrita e o desempenho em tarefas de compreensão lingüística. Spieler e Balota (2000) e Stuart-Hamilton (2002) também salientam que esta associação é muito importante para a manutenção das habilidades cognitivas na população idosa. Para o adulto mais velho, a continuidade da leitura e da escrita é fundamental. Outro ponto que deve ser mais aprofundado diz respeito à idade em que mudanças lingüísticas ocorrem com maior freqüência. A faixa etária dos participantes considerados idosos varia muito entre as pesquisas consultadas.
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Pode-se notar que, com o aumento da longevidade, tais mudanças tendem a se manifestar em fases mais tardias da velhice. Alguns autores têm mencionado um ponto de corte de aproximadamente 75 anos (Rabadán, 1998; Mackenzie et al., 1999; McGinnis e Zelinski, 2003). Assim sendo, frente à heterogeneidade de métodos e resultados relatados na literatura específica e à existência de muitas questões acerca das modificações lingüísticas que acompanham o envelhecimento que merecem ser melhor estudadas, as pesquisas desta linha devem continuar sendo conduzidas em busca de respostas mais aprofundadas. Já que a população idosa está crescendo em nível mundial, há uma tendência de muitas linhas de pesquisa em psicogerontologia serem construídas. Neste contexto, o estudo dos aspectos biopsicossociais concernentes ao envelhecimento, entre os quais se encontra a cognição e a linguagem, é muito importante para que melhores condições de saúde e de qualidade de vida sejam promovidas tanto para idosos portadores de patologias específicas quanto para aqueles considerados saudáveis. A continuidade de estudos nesta linha de pesquisa pode contribuir para a elaboração de programas de prevenção e de estimulação cognitivolingüística voltados para esta população.
LEITURAS SUGERIDAS Wingfield, A. (2000). Speech perception and the comprehension of spoken language in adult aging. In D. Park; N. Schwarz (eds.), Cognitive aging: a primer (p. 175-195). Philadephia: Psychology Press Kemper, S.; Kliegl, R. (1999). Constraints on Language. Aging, Grammar, and Memory. Norwell: Kluwer Academic Publishers.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Quais estímulos e quais instruções favorecem a compreensão textual de idosos? 2. Quais habilidades lingüísticas estão falhas e quais encontram-se preservadas?
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3. É possível que algumas funções lingüísticas melhorem com o envelhecimento? 4. Como se explica a interação entre memória de trabalho e compreensão da linguagem? 5. Qual a atuação da memória episódica e da memória semântica na compreensão textual? 6. Como as hipóteses de déficit de inibição e de diminuição processual explicam as dificuldades dos idosos na compreensão da linguagem? Dê exemplos. 7. Como o efeito de priming pode auxiliar a compreensão em atividades lingüísticas cotidianas? 8. Em quais situações o processamento de uma frase torna-se falho para o idoso? 9. Em quais níveis de linguagem o grau de dificuldade na compreensão pode estar dissociado do de expressão e vice-versa?
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10 Inferências e compreensão de metáforas no envelhecimento Rochele Paz Fonseca Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
CONCEITOS TRABALHADOS Inferência: representação mental construída pelo indivíduo na compreensão de discursos escritos ou orais, mediante a interação entre as informações lingüísticas explicitadas pelo interlocutor e o conhecimento de mundo do leitor ou ouvinte. Metáfora: figura de linguagem que expressa um significado conotativo, descrevendo um domínio de conhecimento usando o conceito de outro domínio, que originalmente tem outro sentido literal. Ato de fala indireto: expressão lingüística que conota as intenções, implícitas do falante ou escritor e seu efeito no interlocutor. Aspectos paralingüísticos: são aqueles atributos das manifestações de comunicação que dizem respeito às regras do discurso, englobando regras de pressuposições e inferências, assim como quaisquer aspectos extra-sentenciais dependentes do contexto comunicativo. Abrangem os aspectos da linguagem verbal e da nãoverbal.
Aspectos extralingüísticos: são os atributos das manifestações de comunicação ligados às características prosódicas, de ênfase e entonação, que também transmitem significado e contribuem para o entendimento e a expressão da linguagem. Inferências conectivas: atividades mentais que possibilitam o estabelecimento de relações semânticas entre duas unidades lingüísticas. Elas unem partes explícitas da mensagem oral ou escrita. Hipótese minimalista: hipótese teórica sobre o processamento inferencial que propõe que as únicas inferências geradas automaticamente durante a leitura ou a escuta de um discurso são aquelas baseadas em informações explícitas facilmente disponíveis. As inferências automáticas são produzidas habitualmente, sem esforço. Hipótese construcionista: hipótese teórica sobre o processamento inferencial que se apóia na noção de um sistema cognitivo com função de gerar ativamente informações durante o processamento. O leitor ou ouvinte faz um esforço para elaborar as informações implícitas a partir das explícitas.
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TAREFAS DESCRITAS Paradigmas de tempo de reação e acurácia Provas de recordação livre com e sem pistas Compreensão e produção de narrativas Bateria de função comunicativa (Bateria MEC).
INTRODUÇÃO O processo de comunicação engloba não apenas as habilidades lingüísticas formais, ou seja, os componentes gramaticais ou estruturais da linguagem: fonologia (combinação dos sons para a formação de palavras); morfologia (regras de formação lexical); sintaxe (regras de organização de frases) e semântica (significado). Engloba também as habilidades pragmáticas e prosódicas. Este capítulo focaliza estas últimas, genericamente denominadas habilidades comunicativas. Serão aprofundados apenas dois aspectos comunicativos: o processamento inferencial e a compreensão e emissão de metáforas. Para cada um desses tópicos, serão abordados aspectos conceituais e modelos de processamento, métodos de investigação e estudos encontrados sobre o efeito do envelhecimento na comunicação humana. A diferenciação entre a competência lingüística estrutural e a lingüística pragmática tem um substrato orgânico. O hemisfério esquerdo (HE) é reconhecido historicamente como dominante para a linguagem e o hemisfério direito (HD) é caracterizado no que tange às especializações hemisféricas de diferen-
tes funções cognitivas. Quanto à linguagem, as especializações hemisféricas giram em torno da demarcação de seus componentes estruturais (Bogen, 1997), como pode ser visto no Quadro 10.1. A partir da metanálise de dados obtidos por diversos estudos, Paradis (1998) relaciona a competência lingüística estrutural e a competência lingüística pragmática com a lateralização hemisférica, no uso normal da linguagem. A primeira faz referência à interpretação literal do significado das sentenças, à medida que é independente do contexto, sendo sua interpretação semântica derivada do significado explícito das palavras e da estrutura gramatical inerente à formulação das frases. Ela está associada às habilidades lingüísticas específicas do HE. A segunda diz respeito às regras do discurso, englobando regras de pressuposições e inferências, assim como quaisquer aspectos extra-sentenciais dependentes do contexto comunicativo. É chamada pelo autor de competência paralingüística por estar associada ao processamento da comunicação, que inclui tanto aspectos da linguagem verbal quanto da não-verbal (prosódia, por exemplo). Embora cada hemisfério apresente diferentes especializações, a comunicação efetiva é considerada por Brownell e colaboradores (1995) um produto do funcionamento complementar de ambos. Para que haja um entendimento mútuo entre interlocutores por meio de um discurso oral ou escrito, torna-se essencial, além da compreensão e da expressão literal adequada da forma da linguagem utilizada
QUADRO 10.1 Especializações hemisféricas da linguagem HE
HD
Semântica Aspectos estruturais da linguagem: fonologia, morfologia, sintaxe Informações comunicativas explícitas e literais Linguagem denotativa
Semântica Aspectos funcionais da linguagem: pragmática e prosódica Informações comunicativas implícitas e não-literais Linguagem conotativa ou figurada
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Cognição e Envelhecimento
(sintaxe, morfologia e fonologia), o processamento receptivo e expressivo de aspectos nãoverbais ou paralingüísticos. Assim, a partir destas habilidades comunicativas pragmáticas e prosódicas, o indivíduo pode apreender as mensagens que não são explicitadas por seu interlocutor por considerá-las óbvias. Ao se procurar estudar a função comunicativa como um todo, torna-se necessário enfocar os aspectos lingüísticos, paralingüísticos (contextuais) e extralingüísticos (prosódicos), em vez de apenas se investigarem os componentes formais da linguagem verbal (sintaxe, morfologia e fonologia). Este enfoque diz respeito ao aspecto funcional da linguagem, que se reflete nas habilidades de processamento de inferências, essencial na compreensão de discursos narrativos, de metáforas, de atos de fala indiretos (Beeman, 1993; Joanette, Goulet e Hannequin, 1990, 1996) e de processamento da qualidade emocional do discurso, requerido na produção e na compreensão de prosódia lingüística e emocional (Joanette e colaboradores, 1990, 1996; Scherer, 1986).* Apesar de os pesquisadores do campo de estudo neuropsicológico tenderem a analisar amostras de indivíduos com lesões neurológicas, o interesse em pesquisas neuropsicológicas com populações normais vem crescendo (Springer e Deutsch, 1998). No que concerne às diferenças de uso da linguagem durante o envelhecimento, Brandão e Parente (2001) comentam que tal temática tem sido um foco cada vez mais freqüente de pesquisas nas áreas da psicologia e da lingüística. Os principais objetivos dessas investigações resumem-se em identificar transformações e detectar os fatores etiológicos de possíveis modificações na linguagem decorrentes do processo de envelhecimento.
*
Os processamentos discursivo e léxico-semântico, que abrangem aspectos funcionais e estruturais da linguagem, são abordados nos capítulos sobre produção e compreensão da linguagem no envelhecimento (8 e 9). Além disso, o processamento prosódico também será enfocado em outro capítulo (11).
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PROCESSAMENTO INFERENCIAL: CONCEITOS E MODELOS Dentre as funções comunicativas ligadas às habilidades pragmáticas, encontra-se o processamento de inferências. As inferências consistem em representações mentais que o leitor ou ouvinte constrói na compreensão de um texto ou discurso, a partir da aplicação de seus próprios conhecimentos às indicações explícitas da mensagem (Gutiérrez-Calvo, 1999). As informações explícitas, conectadas a conhecimentos prévios relevantes ao entendimento do conteúdo lingüístico, induzem à inferência, ou seja, à compreensão de informações implícitas por relação ou associação causal, temporal, espacial, semântica ou pragmática. Todos os tipos de discurso não-literais, como humor, metáforas e atos de fala indiretos (intenções expressas indiretamente na mensagem verbal), requerem o processamento de inferências contextuais (Beeman, 1993; Chantraine, Joanette e Ska, 1998; Joanette et al., 1996). O tipo de discurso não-literal conhecido como metáfora é definido, no Longman Dictionary of Contemporary English (1992), como uma expressão que significa ou descreve algo com palavras que originalmente significam outra idéia. Nicola e Infante (1992) salientam que a metáfora é uma figura de linguagem que vai além de uma simples comparação, uma vez que há uma transferência de um termo para um âmbito de significação que não é o seu de origem, não havendo uma relação objetiva entre as palavras, mas subjetiva. Apesar de essas definições não distinguirem entre metáforas simples (pouco familiares) e expressões idiomáticas (muito familiares), Bottini e colaboradores (1994) ressaltam que a compreensão de metáforas novas (pouco familiares) requer uma atividade cognitiva complexa. Harley (2001), ao abordar o processamento da linguagem figurativa, conceitua as expressões idiomáticas como metáforas fixas, congeladas, com uma forma determinada e só assim compreendidas pelo seu uso comum. De acordo com a teoria da metáfora conceitual de Lakoff e Johnson (1980, 2002), em sua obra Methaphors we live by (Metáforas
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da vida cotidiana), a metáfora é conceituada como a experienciação e compreensão de uma coisa em termos de outra. Para estes autores, as expressões metafóricas não são simples formas de dizer, mas modos de pensar e agir. A habilidade comunicativa em pauta une razão e imaginação, sendo uma racionalidade imaginativa essencial para a ciência e para a literatura. É uma propriedade emergente das interações do indivíduo com o mundo, e não de suas mentes individuais. Sua natureza é conceitual e inerente ao nosso aparato cognitivo. Estes autores ressaltam que a maioria dos conceitos abstratos é metafórica e que as metáforas conceituais fazem parte do sistema metafórico de uma determinada cultura. Tais noções provêm de dois paradigmas da teoria da metáfora conceitual: a metáfora representa uma forma de conceituar, constituindo-se em uma atividade essencial da cognição para a formação de conceitos; o sistema de metáforas depende da experienciação, ao apresentar a vivência corpórea como base. De tal modo, mediante as vivências diárias, os indivíduos vão estruturando metaforicamente seus sistemas conceituais, de onde se originam as metáforas como expressões lingüísticas. Por exemplo, das metáforas conceituais FELIZ É PARA CIMA e TRISTE É PARA BAIXO, são geradas, respectivamente, as expressões lingüísticas metafóricas “meu astral subiu” e “eu caí em depressão”. A base experiencial corporal destas metáforas consiste na vivência de postura ereta indicando estados emocionais positivos e de postura caída indicando estados emocionais negativos. Assim, o domínio-alvo (felicidade) é definido em termos do domínio-fonte (postura corporal). Além de serem essenciais para a compreensão de metáforas, as habilidades de processamento de inferências também são importantes no entendimento de atos de fala. A teoria de atos de fala, formulada por Searle (1969; 1979), baseia-se na visão de que a linguagem é um comportamento intencional. Assim, a mensagem verbal não está limitada à transmissão de informações literais, mas é utilizada para comunicar uma intenção. Deste modo, há intenções implícitas em algumas expressões comunicativas, tais como ordens, pe-
didos, promessas, desejos ou afirmações. As diferentes intenções comunicativas são denominadas pelo autor atos de fala, consideradas as unidades básicas da comunicação humana. Searle (1969) salienta que freqüentemente o que é expresso, ou seja, o conteúdo da mensagem, significa mais do que realmente é dito. Neste contexto, o autor contrapõe os atos indiretos e os diretos, considerados os casos mais simples de significação nos quais o falante tem a intenção de que o ouvinte compreenda a mensagem exatamente como ela lhe é dita. Nos atos de fala indiretos, ao contrário, o falante comunica ao ouvinte informações implícitas além daquelas explícitas, utilizando-se das informações verbais e não-verbais de base por eles compartilhadas, assim como das capacidades de inferência que o ouvinte deve apresentar. Por exemplo, quando uma mãe vê seu filho entrando em casa com os sapatos sujos de lama e diz “Meu filho, olhe, você está sujando toda a sala!”, ela não está solicitando que ele olhe a sala, mas que tire os sapatos. O estudo de intenções comunicativas relaciona-se aos pressupostos da teoria da mente (Belinchón, Rivière e Igoa, 1996). Esta consiste na atribuição de estados mentais aos outros ou a si mesmo. Isto implica o emprego de objetos teóricos com fins de predição, tais como desejos, crenças e intenções. Clark e Lucy (1975) e Searle (1979) construíram uma teoria considerada padrão sobre o processamento da linguagem figurada (Harley, 2001). A linguagem não-literal é processada em três estágios. No primeiro, o sentido literal é apreendido. No segundo, ocorre uma comparação entre o significado literal e o contexto para se verificar a consistência do primeiro com o último. No terceiro estágio, caso o significado literal não seja condizente com o contexto, o significado metafórico é a alternativa cognitiva de escolha. Glucksberg, Gildea e Bookin (1982), todavia, concluíram em sua pesquisa sobre compreensão de metáforas que há um processamento simultâneo dos significados metafórico e literal. Embora haja controvérsias quanto à seqüência de processos cognitivos, evidencia-se que, para a compreensão de uma metáfora, é necessário um certo afastamento do significado concreto das pala-
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Cognição e Envelhecimento
vras que a compõem para que os conceitos a elas correspondentes sejam tratados em um nível abstrato. Exemplificando-se esses processamentos, menciona-se a seguinte sentença componente de um texto: “Minha mãe chorou sobre o leite derramado”. Nesse caso, não ocorreu o fato concreto do leite derramado, mas sim esta realidade foi utilizada como uma metáfora para conotar o arrependimento da mãe. Quanto às hipóteses sobre o processamento de metáforas, Lakoff e Johnson (1980, 2002) defendem que as representações de metáforas conceituais podem não necessariamente estar pré-armazenadas em sua totalidade no léxico mental das pessoas; parte delas pode ter que ser reconstruída ou construída de diferentes maneiras em diferentes ocasiões, ou seja, demanda adaptações pragmáticas aos diferentes contextos comunicativos. Além disso, metáforas conceituais préarmazenadas podem não ser imediatamente ativadas quando as pessoas compreendem a linguagem metafórica. A unidirecionalidade do domínio-fonte para o domínio-alvo é a chave desta teoria. O modelo de mapeamento estrutural, de Gentner (1989), parte da noção de que a metáfora consiste em um tipo de comparação analógica. Segundo este modelo, há um estágio inicial em que o processamento de metáforas é simétrico, ou seja, há um pareamento entre os dois sistemas de conhecimento com neutralidade de importância para os dois domínios: fonte (também conhecido como veículo ou base) e alvo (também denominado tópico). O processamento passa a ser direcional em um estágio mais tardio, a partir de uma projeção inferencial. Por exemplo, para a compreensão da metáfora “minha irmã é uma baleia”, inicialmente, um sistema comum de conhecimentos do domínio irmã e do domínio baleia é estabelecido a partir de um alinhamento simétrico entre elementos destas duas representações. Posteriormente, o papel da informação do domínio “baleia” possibilita projeções inferenciais direcionais para a compreensão do que é definido sobre a irmã quando definida por este animal. Já o modelo de categorização atributiva, de Glucksberg e Keysar (1990), defende uma
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hipótese diferente da que embasa o modelo anterior. A metáfora é considerada uma inclusão de categorias. Para seu processamento, há um estágio inicial, que já é direcional, e estágios intermediários e finais, em que a interpretação resulta de negociação entre categorias prototipicamente associadas ao veículo e às dimensões da descrição do tópico. Deste modo, há um processo de atribuição de propriedades do veículo para o tópico que ocorre desde o início do processamento de uma metáfora, assimétrico por natureza. Por exemplo, ao ouvir a metáfora “o cirurgião daquele hospital é um açougueiro”, o ouvinte seleciona categorias potenciais do açougueiro, como cortar carnes de modo grosseiro, e projeta-as para o cirurgião, compreendendo que este não deve ser um médico eficiente em sua especialidade. Nota-se, então, que os modelos de mapeamento estrutural e de categorização atributiva, apesar de diferirem quanto ao momento em que o processamento metafórico passa a ser assimétrico, reforçam a hipótese de Glucksberg e colaboradores (1982). Assim, de acordo com estes pesquisadores, há uma independência entre os processamentos de informações literais e não-literais, o que contradiz a teoria de Searle (1979) sobre a necessidade de um estágio inicial de apreensão do significado literal para um posterior entendimento do significado figurado. A inferência exigida para o entendimento de textos está baseada predominantemente na associação de informações contextuais com o conhecimento prévio do indivíduo. Podemse identificar fatores determinantes para o processamento inferencial tanto no discurso oral ou escrito quanto no ouvinte ou leitor. Os fatores do discurso englobam a presença de implicações – palavras ou frases indutoras de inferências, relevância da informação implicadora na estrutura hierárquica de coerência textual e a distância no texto – e a quantidade de informações intermediárias entre as informações explícitas e as implícitas. Os fatores do ouvinte ou leitor correspondem aos conhecimentos prévios de mundo que este possui, assim como à sua capacidade de memória de trabalho (memória operacional).
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As inferências podem ocorrer durante a compreensão do texto ou do discurso oral ou durante sua recuperação. No primeiro momento, elas são processadas na recepção da mensagem oral ou escrita, ou seja, elas são construídas ao representar o componente operativo da ocorrência de inferências. No segundo momento, seu processamento se dá após a recepção da mensagem quando o ouvinte ou o leitor se recorda do texto, reconstruindo-o, o que indica o componente representacional das inferências. Além do momento de ocorrência, para o entendimento dos aspectos conceituais do processamento de inferências, torna-se ainda importante o estudo de sua classificação (Belinchón et al., 1996; Gutiérrez-Calvo, 1999; Harley, 2001). Há dois critérios que a norteiam, possibilitando a categorização de inferências quanto ao valor de verdade que assumem ou à sua função na compreensão do discurso. De acordo com o primeiro critério, podem ser lógicas ou pragmáticas. As inferências lógicas são aquelas baseadas em regras formais (por exemplo: Luisa tinha três balas e deu uma à Carla. Inferência: Logo, Luisa ficou com duas balas). As pragmáticas correspondem ao conhecimento que representa a realidade de modo provável, não sendo totalmente certas (por exemplo: Luisa tinha três balas e deu uma à Carla. Inferência: Logo, Luisa é uma criança que se relaciona bem com seus pares.). As inferências pragmáticas dividem-se em conectivas ou elaborativas. As conectivas ou retroativas dão coerência local à mensagem oral ou escrita, mediante o estabelecimento de uma relação semântica entre unidades lingüísticas (por exemplo: Minha vizinha caiu do 10 o andar. Seus amigos estavam tristes no funeral. Inferência: Ela morreu.). As elaborativas ou proativas são opcionais, à medida que apenas ampliam as informações textuais explícitas (por exemplo: Minha vizinha caiu do 10 o andar. Inferências possíveis: ela morreu, ela está hospitalizada e ela se salvou com pequenas lesões corporais.). Dois modelos teóricos explicam o desencadeamento de inferências: o modelo ou hipótese minimalista e o modelo ou hipótese construcionista. O primeiro, formulado por McKoon
e Ratcliff (1992), preconiza que as inferências conectivas são feitas automaticamente e que as inferências elaborativas são processadas em uma quantidade mínima. O conteúdo lingüístico é compreendido a partir da ativação automática do que está na memória, ou seja, usamos somente as informações que estão disponíveis para o processamento inferencial. A hipótese minimalista não nega que os leitores possam fazer outras inferências, mas estas outras não são automáticas, e sim estratégicas. A hipótese construcionista, em contrapartida, defende a idéia de que o processamento de inferências está relacionado à construção de uma representação do texto (Singer, 1994). Os ouvintes ou leitores realizam inferências considerando os componentes mais importantes da história – personagens principais, seus objetivos e ações relacionadas ao plano principal da história –, e não a detalhes. Desta forma, enquanto a hipótese minimalista é baseada na memória, a construcionista é baseada na necessidade de saber e de conhecer.
MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO Paradigmas experimentais de tempo de reação e acurácia A habilidade de processar inferências pode ser avaliada pelos seguintes métodos: medidas de ativação (on-line) e medidas de memória. Nas primeiras, a compreensão de informações implícitas é detectada durante seu processamento. As tarefas mais comumente usadas são as de mensuração do tempo de leitura de uma frase implicadora ou indutora de inferência textual ou de decisão lexical – o tempo de decisão do leitor ao tentar reconhecer se um conjunto de letras forma ou não uma palavra com significado, após a apresentação de uma frase indutora. Por exemplo, em uma tarefa de medida de tempo de leitura, após a leitura de um determinado texto, os indivíduos devem ler uma versão indutora de inferência ou uma versão de controle, não indutora. Presume-se que o tempo de leitura de uma frase indutora seja menor do que o tempo de leitura
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de uma frase-controle. Já, em uma tarefa de decisão lexical, os indivíduos seriam orientados a ler uma frase indutora de inferências, como “Marcos jogou o livro no fogo”. Logo após, uma série de letras unidas, que podem ou não compor uma palavra com significado, é mostrada para que as pessoas decidam se formam ou não palavras com sentido. Hipotetiza-se que o tempo de decisão se a seguinte seqüência “quiemuo”, representando “queimou”, é menor quando a inferência foi processada.
Provas de recordação livre As medidas de memória detectam como as inferências que ficaram armazenadas são obtidas geralmente por meio de tarefas de recordação livre e de recordação com pistas ou indícios. Por exemplo, em uma prova de recordação livre, o sujeito deve ler um texto ou uma frase. Depois de um tempo determinado, deve recontar o que leu ou escutou, sendo a quantidade de intrusões, informações acrescentadas ou inventadas no reconto, que não haviam sido explicitamente expressas no texto ou no discurso, mensurada. Em uma prova de recordação com pistas, primeiramente as pessoas devem ler frases ou textos em uma condição inferencial (por exemplo: Maria uniu as folhas de sua monografia) e em outra condição-controle (por exemplo: Maria uniu com um grampeador as folhas de sua monografia). Na primeira, alguma informação indutora de inferência é omitida e, na segunda, essa informação é explicitada. A seguir, uma palavra inferencial é apresentada e, a partir dela, é solicitado ao sujeito que recorde a frase ou o texto. Deste modo, se os indivíduos que leram a frase indutora recordam o texto tanto quanto aqueles que leram a frase-controle, pode-se concluir que a palavra inferencial acarretou o processamento da inferência planejada. Enfim, Gutiérrez-Calvo (1999) ressalta o cuidado que se deve ter na elaboração de materiais e na seleção das condições de controle. Geralmente, textos ou frases que induzem o processamento de inferências são construídos, como o são palavras e/ou frases que possibilitam sua representação e sua posterior identifi-
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cação. Assim, os materiais indutores devem ser suscetíveis de desencadear inferências e os materiais de mensuração devem representar com precisão as prováveis inferências a serem produzidas. Quanto ao planejamento de condições de controle, este deve permitir que a ocorrência da inferência seja determinada. Para tanto, é necessária a comparação entre os efeitos produzidos pela apresentação da frase indutora de inferência e os efeitos produzidos pela apresentação da condição que não a induz (condição-controle). As características a serem consideradas incluem a extensão das frases, a freqüência lexical das palavras e a semelhança de palavras-conteúdo. Os efeitos diferenciais destas características nas frases indutoras de inferências e nas frases-controle devem ser eliminados.
Tarefas de compreensão e produção de texto As habilidades pragmáticas e de processamento de inferências são também testadas em tarefas de compreensão e produção de narrativas que requerem processamento de compreensão dependente do contexto, como em tarefas com textos de humor, sarcasmo e ironia, assim como em provas de encontrar a moral em fábulas. Pode-se, ainda, manipular a extensão dos discursos não-literais, sendo alguns mais longos e outros compostos por um único parágrafo pequeno. Além disso, a modalidade de apresentação do estímulo também pode interferir. Por exemplo, a combinação de apresentações auditiva e ortográfica de narrativas facilita a execução das tarefas de compreensão de textos e processamento de inferências, enquanto apenas uma dessas modalidades prejudicaria tal desempenho.
Bateria de função comunicativa (Bateria MEC) Um conjunto de provas para avaliar a função comunicativa foi agrupado na chamada Bateria Montreal de Avaliação da Comunica-
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ção (Bateria MEC), de autoria de Côté, Eck, Ska e Joanette (2002, 2003), adaptada para o português por Fonseca (2004). Ela inclui, 14 subtestes, entre os quais incluem-se tarefas de compreensão de inferências textuais, de metáforas e de atos de fala indiretos. A tarefa intitulada discurso narrativo examina o reconto parcial e integral de discursos narrativos. Em um segundo momento, para testar a compreensão deste tipo de discurso, são realizadas 13 perguntas sobre a mensagem do texto para se avaliar a habilidade de compreender um texto e de processar inferências necessárias para um entendimento global do discurso narrativo. O processamento de inferências textuais requer uma análise profunda e abstrata das informações presentes no texto, além do seu significado literal (Harley, 2001). Para que o conhecimento novo (fatos narrados) seja derivado do conhecimento de mundo já adquirido, isto é, para que o processamento de inferências ocorra, é necessário que as informações textuais estejam organizadas e apresentadas coerentemente. A tarefa de compreensão de metáforas tem por objetivo verificar a compreensão de 20 sentenças metafóricas. Os autores utilizaram critérios de familiaridade: as 10 primeiras são pouco familiares e as 10 últimas são bastante familiares. A orientação é para que os indivíduos leiam cada uma das metáforas, expliquem o que estas sentenças significam e, posteriormente, assinalem uma entre três alternativas que melhor representa sua mensagem. Estas alternativas são apresentadas nas modalidades auditiva (leitura pelo examinador) e visual. Nesta tarefa, as primeiras 10 expressões metafóricas são desconhecidas pelos participantes (metáforas novas), sendo as palavras referentes aos dois conceitos principais familiares. O indivíduo, apenas por seu conhecimento de cada conceito, deve saber explicar a ligação entre os dois vocábulos. Por exemplo, na metáfora “o professor é um sonífero”, a expressão em si não é familiar, mas as palavras “professor” e “sonífero” são. As próximas 10 consistem em expressões idiomáticas, ou seja, mais familiares. Por exemplo, na metáfora “Este homem joga dinheiro no lixo”, a expressão “jogar dinheiro no lixo” é familiar na língua portuguesa.
A compreensão de atos de fala indiretos também é averiguada na Bateria MEC. As provas que utilizam como estímulos atos de fala indiretos também avaliam o processamento de inferências e a competência pragmática. Com base na teoria de atos de fala, formulada por Searle (1969; 1979), tarefas são construídas, incluindo-se estímulos formados por expressões comunicativas, tais como ordens, pedidos, promessas, desejos ou afirmações. Nessa prova, os participantes são orientados a escutar, com atenção, 20 situações breves lidas pelo examinador e, após, explicar o que as protagonistas destes pequenos textos querem dizer. Por exemplo, na situação “Mariana olha seu carro estacionado na rua e diz a seu marido: Querido, o carro está sujo!”, ela quis dizer que deseja que o marido lave ou mande lavar o carro. São alertados para a existência de sentenças com informações subentendidas (atos de fala indiretos, não-literais) e de sentenças sem informações subentendidas (atos de fala diretos, literais). Deste modo, pode-se observar que o processamento de inferências pode ser avaliado em tarefas construídas com estímulos textuais ou frasais. O conteúdo destes estímulos deve, então, representar discursos não-literais, tais como metáforas, atos de fala indiretos, entre outros.
RESULTADOS DE ESTUDOS SOBRE ENVELHECIMENTO Os estudos sobre as habilidades comunicativas em idosos são bem mais recentes do que os sobre os aspectos estruturais da linguagem e apresentam resultados divergentes. Hamm e Hasher (1992) evidenciaram declínio no processamento inferencial na terceira idade em tarefas nas quais os participantes deveriam julgar se as palavras apresentadas eram ou não coerentes com a interpretação esperada de uma narrativa. Os idosos efetuaram mais inferências incorretas do que os adultos jovens. Em concordância com este achado, Wright e Newhoff (2002) constataram maiores dificuldades nesta população na realização desta habilidade, apresentando, em suas funções cogni-
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tivas em declínio, um papel importante em seu mau desempenho lingüístico. Entretanto, alguns estudos não demonstram tais dificuldades. Com o objetivo de examinar a interação entre o processamento de inferências coerentes e a construção de estruturas, Beeman (1993) promoveu um estudo comparativo com pacientes lesados de HD e indivíduos idosos normais. Entre seus achados, observou-se que o primeiro grupo foi menos capaz de realizar a tarefa do que o segundo, sendo que ambos responderam adequadamente às perguntas explícitas sobre textos. Os idosos apresentaram um desempenho levemente inferior nas perguntas desencadeadoras de inferências, quando suas respostas nesta tarefa eram comparadas com as perguntas sobre informações explícitas. Assim, a expectativa inicial, de que as habilidades de linguagem de grande ativação do HD estivessem deterioradas em idosos, não foi confirmada nesta investigação. Além da compreensão de informações implícitas em discursos narrativos, as mudanças na habilidade de processar inferências, decorrentes do envelhecimento, também são testadas por provas de compreensão de sentenças não-literais, sejam elas compostas por metáforas, provérbios ou atos de fala indiretos. O desempenho nestas provas está relacionado à organização conceitual, ou seja, à capacidade de tratar informações em um nível abstrato. Conforme uma metanálise feita por StuartHamilton (2002), os indivíduos idosos apresentam dificuldades em passar do concreto para o abstrato. Um dos achados que demonstra esta dificuldade é a diminuição da habilidade de interpretação do significado de provérbios apresentada pelos idosos (Albert, Duffy e Naeser, 1987). Em um estudo sobre compreensão de metáforas na adultez, entretanto, Gregory e Waggoner (1996) não encontraram diferenças significativas entre adultos idosos e jovens quanto à seleção de interpretações para as metáforas que descreviam emoções. Os idosos, todavia, narravam histórias sobre os sujeitos das metáforas ao tentarem explicá-las, enquanto os jovens restringiam-se aos atributos dos termos metafóricos. A partir destes resultados,
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pode-se hipotetizar que os idosos não apresentam dificuldades cognitivas propriamente ditas quanto à habilidade de compreender metáforas, mas possuem um estilo cognitivo diferente (maior subjetividade) daquele característico dos jovens (maior objetividade). Este estilo cognitivo característico da população idosa também pode ser observado no estudo de McGinnis e Zelinski (2000). Ao investigarem o papel da idade na habilidade de definir palavras a partir de determinados contextos, notaram que os idosos produziram menos informações dos significados das palavras, além de interpretações mais gerais do significado preciso. Assim, pode-se concluir que estes achados indicam que os idosos devem possuir certa dificuldade em interpretar o significado de palavras não-familiares a partir de pistas contextuais. Na avaliação do processamento inferencial no envelhecimento pela Bateria MEC, em Fonseca (2004), foram encontradas diferenças significativas entre os jovens e os idosos na compreensão de metáforas, enquanto tais diferenças não foram observadas nos atos de fala indiretos. Na primeira tarefa, o pior desempenho dos idosos não parece ter sido causado por dificuldades no processamento de inferências. Por exemplo, como explicação para a metáfora “A enciclopédia é uma mina de ouro” um indivíduo idoso disse: “... em uma enciclopédia, a gente pode encontrar muitos esclarecimentos de palavras, de situações”. Pode-se notar que a riqueza e o valor destes conhecimentos não foram ressaltados. Outro exemplo foi a resposta de um idoso para a metáfora “o professor é um sonífero”: “sonífero, pra mim, é um remédio. Professor é um remédio”. Para esta mesma sentença não-literal, outro participante comentou: “o professor é um tipo de calmante, porque sonífero é aquele remédio que se toma pra dormir”. Além disso, uma particularidade metodológica inerente a esta prova pode ter contribuído para o desempenho inferior dos idosos. Ao ser formada por sentenças metafóricas isoladas, não fornece informações contextuais, exigindo a compreensão não-literal das metáforas novas e das expressões idiomáticas apenas com base na experiência lingüística dos participantes.
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CONCLUSÃO
LEITURAS SUGERIDAS
As habilidades comunicativas discutidas neste capítulo encontram-se ligadas ao aspecto pragmático da comunicação humana. As diferenças, quanto à compreensão e à expressão de aspectos pragmáticos, depende de uma grande demanda de memória, o que conduz, muitas vezes, a interpretações equivocadas de dificuldades de compreensão de linguagem na população da terceira idade. Outras variáveis podem contribuir para a divergência evidenciada na literatura entre bom e mau desempenho lingüístico na população idosa. Dentre elas, encontramse condições físicas de saúde, presença de depressão, expectativas dos interlocutores (idéia pré-concebida de que os idosos apresentam dificuldades comunicativas, por exemplo) e mudanças no funcionamento cognitivo geral (como o declínio das habilidades fluidas). Assim, frente à possível influência dessas variáveis e às distinções metodológicas presentes entre os estudos, torna-se necessária certa cautela na análise dos resultados encontrados em estudos comparativos entre jovens e idosos. Entretanto, no contexto de relação entre efeitos da lesão do HD na linguagem e o envelhecimento, Mackenzie e colaboradores (1999) compararam os efeitos comunicativos dessa alteração neurológica em indivíduos com idade inferior a 75 anos (chamados de não tão idosos) e com idade superior a 75 anos (muito idosos). Seus achados levam à conclusão de que as habilidades de linguagem relacionadas ao HD encontram-se alteradas apenas em etapas mais tardias da terceira idade. De um modo geral, atualmente, há uma tendência de considerar que os adultos idosos são bem-sucedidos nas habilidades comunicativas testadas. As diferenças significativas entre grupos de jovens e de idosos, delineamento geralmente utilizado nas investigações transversais, mostram um efeito de idade nãoindicativo de falhas comunicativas, mas de distintos estilos cognitivos durante a adultez ou, ainda, da existência de uma heterogeneidade no grupo de idosos (variabilidade individual no processo de envelhecimento).
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QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Qual é a principal diferença entre a competência lingüística estrutural e a competência lingüística pragmática? Que substrato orgânico embasa tal diferença? 2. O que é o processamento de inferências? Quando ele pode ocorrer? 3. Por que a compreensão de metáforas e de atos de fala indiretos demanda processamento de inferências? 4. Como a linguagem figurada é processada? 5. Como a metáfora é processada a partir dos modelos de mapeamento estrutural e de categorização atributiva? 6. Quais são os fatores determinantes para o processamento inferencial? Elabore um exemplo englobando todos os fatores no processamento de uma metáfora e de um ato de fala indireta. 7. Quais são os tipos de inferências estudados? Formule um exemplo para cada classificação. 8. Explique os pressupostos das hipóteses minimalista e construcionista do processamento inferencial. 9. Dê dois exemplos de procedimentos dos paradigmas experimentais de tempo de reação e de acurácia. 10. Resuma os principais achados sobre o processamento inferencial em indivíduos idosos.
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11 Processamento prosódico e envelhecimento Rochele Paz Fonseca
CONCEITOS TRABALHADOS
ção. Relacionada aos atributos freqüência e duração.
Prosódia: conjunto de características suprasegmentais das expressões faladas, incluindo padrão de entonação, ênfase, pausas e duração de palavras e sentenças.
Pausa: ausência de emissão sonora ou silêncio entre fonemas, sílabas, palavras e/ou sentenças.
Prosódia lingüística: conjunto de características entonacionais que possibilita a diferenciação entre sentenças declarativas afirmativas, interrogativas e imperativas. Prosódia emocional: conjunto de características entonacionais que diferencia expressões lingüísticas que transmitem sentimentos distintos, tais como tristeza, alegria, raiva, surpresa, entre outros. Duração: tempo em que ocorre a emissão lingüística (breve ou longa). Freqüência: quantidade de vibrações das pregas vocais no período de um segundo. Diferencia tons graves de agudos. Intensidade: volume das emissões. Distingue sons fracos de fortes. Ênfase: intensidade dada a determinados sons, sílabas ou palavras. Tonicidade ou acentua-
Entonação: curva melódica formada por variações na freqüência vocal: combinação de tons altos, baixos, ascendentes e descendentes. Unidades tonais coesivas: unidades melódicas que permitem que tons usados com enunciados sucessivos de um só vocábulo se integrem coesivamente dando a impressão de um todo. Paratons: unidades fonológicas maiores formadas mediante a combinação de grupos tonais, possibilitando a percepção da unidade de fala como um todo.
TAREFAS DESCRITAS Compreensão de prosódia lingüística Repetição de prosódia lingüística Compreensão de prosódia emocional Repetição de prosódia emocional Produção espontânea de prosódia emocional
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Julgamento de tom emocional do discurso Reconhecimento de emoções Investigação de prosódia na análise conversacional Julgamento de sentenças normais e pseudo-sentenças Sentenças degradadas
Friederici e Alter, 2004). Neste contexto, poucos pesquisadores preocupam-se em investigar como a prosódia é processada no decorrer do envelhecimento.
INTRODUÇÃO
A prosódia é um elemento comunicativo importante, apontada como um dos principais atributos extralingüísticos presentes na comunicação oral. Há diversas definições de prosódia, todas similares. Para Monrad-Krohn (1947), ela consiste na linha melódica do discurso produzida por variações na freqüência, no ritmo e na ênfase das emissões. Hargrove e McGarr (1994) afirmam que a prosódia representa o uso lingüístico dos aspectos vocais da fala. Ou seja, este conceito engloba os parâmetros psicolingüísticos e psicoacústicos que compõem a prosódia. Deste modo, diz respeito aos seguintes aspectos: duração, freqüência, intensidade, ênfase, pausa, entonação (Harley, 2001; Issler, 1996). A investigação sobre essas características prosódicas é proveniente tanto da fonética, baseada na gramática normativa, quanto da fonologia, baseada na acústica e na lingüística (Issler, 1996). Na abordagem dos estudos de aquisição da linguagem, a prosódia é pesquisada pela perspectiva teórica gerativista, que estuda a percepção e a produção dos sons valendo-se das fonologias gerativa, natural e prosódica (Vihman, 1996). Ou seja, segundo esta perspectiva, os traços prosódicos têm a mesma função dos fonemas: a de distinguir unidades lingüísticas. Quanto à classificação da prosódia, dois tipos são mencionados na literatura e serão abordados com ênfase neste capítulo: a prosódia lingüística e a prosódia emocional. De acordo com Joanette, Goulet e Hannequin (1990), a prosódia lingüística consiste no uso da entonação para transmitir ênfase e acentuação a determinadas palavras. Monrad-Krohn (1947) ressaltou que esta prosódia é composta por dois subtipos: intrínseca e intelectual. A prosódia intrínseca refere-se às entonações características de sentenças declarativas ou in-
A delimitação entre os conceitos de linguagem e de comunicação não é bem clara na literatura. De um modo geral, comunicação é um termo mais amplo do que linguagem, que, por sua vez, é mais amplo do que fala. A linguagem abrange o estudo dos aspectos lingüísticos gramaticais – fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. A comunicação enfatiza o estudo dos aspectos paralingüísticos – pragmática e prosódia. Observa-se, então, que as habilidades comunicativas consideram a intenção dos interlocutores em uma interação em diferentes contextos de comunicação. Já, as habilidades lingüísticas se referem predominantemente à estrutura ou forma que permite que tal interação comunicativa ocorra. Este capítulo tem por objetivo abordar aspectos teóricos e metodológicos do estudo das habilidades de processamento prosódico no envelhecimento. Para tanto, parte-se de uma breve revisão sobre os conceitos de prosódia, seus componentes, suas classificações e as hipóteses teóricas sobre seu processamento. Na seqüência, abordam-se os principais métodos de investigação da habilidade comunicativa de processar a prosódia. Por fim, serão apresentados alguns resultados de estudos sobre esta função no envelhecimento. Na literatura consultada sobre processamento prosódico, três tendências destacam-se: estudo da prosódia na aquisição e desenvolvimento da linguagem em crianças (por exemplo, Weppelman et al., 2003); investigação das relações entre o processamento prosódico e os processamentos lexical, sintático e discursivo (por exemplo, Shriberg et al., 1998) e busca por modelos de processamento neurocognitivo interhemisférico da habilidade prosódica em indivíduos normais e lesados (por exemplo,
CONCEITOS E MODELOS DO PROCESSAMENTO PROSÓDICO
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terrogativas. A prosódia intelectual diz respeito à ênfase dada a determinadas palavras em uma frase ou a certas sílabas de palavras com a mesma grafia, determinando diferentes significados. A prosódia emocional consiste na transmissão de estados emocionais pelo uso de diferentes modulações vocais. Assim, enquanto a primeira permite ao interlocutor identificar sentenças declarativas, interrogativas ou exclamativas, a segunda possibilita a expressão e a compreensão de sentimentos de raiva, tristeza, felicidade, surpresa, entre outros. Estes dois tipos de prosódia relacionamse à dimensão pragmática da comunicação, conforme salientado por Monnot e colaboradores (2001). Para que a intenção dos interlocutores seja adequadamente apreendida, é necessário que os indivíduos tenham competência no estabelecimento de uma relação entre o conteúdo verbal da mensagem e a variação melódica utilizada na sua emissão. De tal forma, no processamento lingüístico, informações consideradas segmentais – fonemas, elementos sintáticos e léxico-semânticos – e as supra-segmentais – prosódia – devem ser produzidas e compreendidas para uma comunicação efetiva. Os atributos prosódicos não são importantes apenas para o processamento fonológico, mas também para os processamentos semântico, sintático e discursivo. Neste contexto, serão abordadas algumas hipóteses teóricas sobre como as características prosódicas são processadas.
HIPÓTESES TEÓRICAS SOBRE O PROCESSAMENTO PROSÓDICO A prosódia lingüística foi inicialmente estudada pelos pesquisadores da fonologia. Scarpa (1985) menciona a teoria das macroestruturas entonacionais, formulada por CouperKuhlen no início da década de 1980. Na fala das crianças de aproximadamente 24 meses, uma sucessão de unidades tonais coesivas emerge. Grupos tonais combinam-se em um nível superior para que unidades fonológicas maiores sejam formadas – os paratons. Deste modo, esta teoria baseia-se na noção de que a
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entonação cria Gestalts fonológicas que resultam na unidade de fala percebida como um todo, com início e fim limitados e internamente coesiva. Friederici e Alter (2004) formulam o modelo dinâmico da dupla passagem. Justificam a relevância de sua teorização pelo fato de que os estudos psicolingüísticos enfatizam um papel importante da prosódia no processamento da linguagem oral e na dificuldade de especificar as bases neurais destas relações sintaxe-fonologia-prosódia. Sucintamente, de acordo com este modelo, as informações sintáticas e semânticas são primeiramente processadas na passagem pela região temporo-frontal do hemisfério esquerdo, enquanto o nível da prosódia é processado na passagem da região temporo-frontal do hemisfério direito. Assim, a interação entre os elementos sintáticos e fonológicos durante a compreensão auditiva deve-se a interações interhemisféricas dinâmicas. A prosódia emocional é pesquisada desde o ponto de vista das emoções em geral até como uma habilidade específica. As emoções são comunicadas entre os indivíduos por elementos lingüísticos verbais e não-verbais, inclusive prosódicos (Arndt e Janney, 1991; Bryden, 1982; Plante et al., 2001; Van Lancker, 1997). Assim, manifesta-se nos processamentos lexical (por exemplo: “Hoje estou triste”, a palavra “triste” representa o sentimento de tristeza), prosódico (a frase anterior é emitida com uma curva melódica característica de tristeza), de expressão corporal (esta sentença é produzida por uma pessoa com postura inclinada anteriormente) e de reconhecimento facial (a mímica facial deste interlocutor sugere sentimento de tristeza). Em relação às hipóteses psicolingüísticas, de acordo com Joanette e colaboradores (1990), a prosódia emocional pode assumir três funções comunicativas: extinguir a ambigüidade de uma sentença neutra, enfatizar o significado da mensagem verbal ou contrariar o significado literal de uma mensagem verbal. No contexto de busca pelas bases neuropsicológicas da habilidade de processar a prosódia afetiva, um modelo de reconhecimento de prosódia emocional foi proposto por
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Adolphs, Damasio e Tranel (2002) a partir de um estudo de lesões tridimensionais. Este modelo preconiza que a compreensão de prosódia emocional apresenta uma natureza distribuída em múltiplos processos cognitivos, promovidos por múltiplas estruturas neurais. O córtex auditivo primário participa no processamento perceptual inicial e final das características auditivas dos estímulos prosódicos. A amígdala e o córtex frontal contribuem para a conexão das representações auditivas a estruturas que podem desencadear respostas motoras. Além disso, estruturas motoras e pré-motoras têm um papel de simular o estado emocional corporal, geralmente associado à expressão de cada tipo de emoção. A hipótese que embasa este modelo anátomo-funcional defende que o reconhecimento da prosódia emocional nos interlocutores requer do ouvinte uma reconstrução de imagens dos componentes somáticos e motores associados com a produção da emoção presente no estímulo. Além de teorizações sobre como a prosódia lingüística ou a emocional é processada, algumas hipóteses teóricas englobam explicações sobre o processamento de ambas. Buscam determinar os substratos neurais do processamento prosódico. Inicialmente, tais hipóteses eram provenientes apenas de teorias da neuropsicolingüística, ou seja, eram formuladas a partir da análise de disfunções prosódicas em pacientes com lesões cerebrais ou do exame da função prosódica em indivíduos normais mediante o auxílio de neuroimagens. A hipótese de lateralização funcional, formulada por Van Lancker (1980), por exemplo, preconiza que o processamento prosódico varia ao longo de um continuum. Nesse continuum, o tom fonêmico representa o início da função lingüística da prosódia e a modalidade sintática (declarativa, interrogativa ou imperativa) consiste em uma fase intermediária que culmina com o tom emocional, que representa o extremo afetivo deste espectro funcional. O processamento dos elementos lingüísticos da prosódia parece ser efetuado predominantemente pelo hemisfério cerebral esquerdo. Dentre eles, encontram-se a ênfase de fonemas ou de palavras e a modalidade sintática.
Além dessas hipóteses de ordem neuropsicolingüística, tem sido notado um ressurgimento do interesse pelo estudo do processamento prosódico na literatura psicolingüística, anteriormente presente nas pesquisas de fonologia. O tema predominante refere-se ao processamento lingüístico normal. Deste modo, alguns estudos evidenciam o uso de pistas prosódicas na compreensão sintática, principalmente em casos de ambigüidade. Entretanto, segundo Baum e Dwivedi (2003), o momento em que os parâmetros prosódicos contribuem para o processamento de sentenças ainda está indefinido, ou seja, há controvérsias se esta influência ocorre on-line ou se o processamento sintático é autônomo, necessitando das pistas entonacionais apenas no fim.
MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO Quanto aos métodos mais utilizados no estudo do processamento prosódico, observase na literatura delineamentos comparativos entre grupos de indivíduos normais que se diferenciam por variáveis como idade e escolaridade e entre grupos de pessoas com lesão cerebral no hemisfério esquerdo e no hemisfério direito. Há, também, delineamentos exploratórios ou de levantamento de perfil prosódico de um grupo de sujeitos com uma mesma característica (normais idosos; portadores de demência de Parkinson, por exemplo; lesados de lobo frontal; lesados de um ou outro hemisfério), de casos múltiplos ou de caso único. No que diz respeito aos procedimentos e instrumentos de análise do processamento prosódico, as investigações das prosódias lingüística e emocional em indivíduos adultos incluem, em geral, tarefas de compreensão ou de percepção, produção espontânea e/ou produção repetida do conjunto de características psicoacústicas (Côté et al., 2003; Wertz et al., 1998). Os estímulos podem ser sons nãolingüísticos (tons prosódicos puros), sílabas, vocábulos, sentenças e discursos, sendo o mais comum o uso de estímulos sintáticos.
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Cognição e Envelhecimento
Nas tarefas de compreensão da prosódia lingüística, os indivíduos devem reconhecer, pela entonação da voz do examinador, a modalidade sintática, isto é, se a frase ouvida é uma pergunta, uma afirmação ou uma ordem. Nas provas de repetição, o participante deve repetir cada frase respeitando as entonações vocais utilizadas pelo experimentador. Para que o objetivo desta tarefa seja alcançado, ou seja, avaliar a habilidade dos indivíduos de reconhecer a entonação de cada frase apenas pela compreensão de suas variações prosódicas, as sentenças apresentam equivalência semântica e sintática para que pistas lingüísticas não sejam fornecidas. No exame da compreensão da prosódia emocional, o participante é orientado a reconhecer, pela modalidade auditiva de apresentação dos estímulos, com ou sem o auxílio de imagens correspondentes a cada entonação (por exemplo, desenhos ou fotografias representando expressões faciais indicativas de diferentes sentimentos) se a pessoa está triste, alegre, surpresa, assustada, brava, sem reação, entre outros estados emocionais. Na tarefa de repetição, os indivíduos devem repetir cada sentença, respeitando as entonações vocais utilizadas pelo examinador. Já na prova de produção espontânea, o sujeito ouve e/ou lê um pequeno texto, contextualizando o sentimento a ser expresso; posteriormente, deve emitir uma determinada frase na entonação que melhor representa a emoção a ser demonstrada. Há, ainda, tarefas que solicitam dos participantes o julgamento do tom emocional do discurso que ouvem (Berk, Doehing e Bryans, 1983; Heilman, Scholes e Watson, 1975; Joseph, 1996). Tais tarefas podem incluir, também, a instrução de reconhecimento de emoções pela compreensão de expressões faciais e de entonações vocais em estímulos planejados (Charbonneau et al., 2003) ou em situação mais natural, como em prova de discurso conversacional ou dialógico (Couper-Kuhlen e Selting, 1996). A análise conversacional, por exemplo, possibilita a investigação da prosódia em termos de um contexto seqüencial de turnos de conversação em que pistas entonacionais se combinam com características léxi-
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co-sintáticas para que o conteúdo do diálogo seja interpretado. Esta análise pode ser promovida a partir de conversas diárias, programas de rádio, interações professor-aluno, troca de informações em uma sala de controle de vôos e entrevistas informais. Para o exame do processamento prosódico e suas relações com os elementos lingüísticos, algumas condições são manipuladas nos estímulos sintáticos. Assim, são também mencionados na literatura experimentos de solução de ambigüidade sintática (Jusczyk, 1997). Os indivíduos são orientados a escolher entre duas ou mais estruturas sintáticas ambíguas, a partir da identificação de diferentes pistas prosódicas. Estas pistas incluem contornos entonacionais, padrões de acento, pausas, entre outros, como marcadores potenciais de unidades sintáticas na cadeia da fala. Além desses, há estudos que contrapõem sentenças normais e pseudo-sentenças para verificar a lateralização cerebral (por exemplo, Meyer, Alter e Friederici, 2003). As primeiras são frases com palavras que expressam conteúdo (por exemplo: “o gato matou o rato”). As últimas são sentenças formadas por pseudopalavras que têm inflexões morfológicas e conectivos preservados (“o frequi filuo o patcha”). Os participantes são orientados a identificar quais as sentenças que contêm palavras com significado. Outras pesquisas incluem, ainda, sentenças degradadas, ou seja, sem informações morfossintáticas ou lexicais, formadas apenas por elementos prosódicos. Nos métodos apresentados, quando o objetivo é avaliar a qualidade ou os dados objetivos da curva prosódica emitida pelos participantes, as respostas são registradas em equipamento de áudio simples ou em gravadores digitais com conectores para computador. As emissões podem ser analisadas subjetivamente (por dependerem do julgamento de pessoas) durante a avaliação e/ou depois desta. Podem, ainda, quando registradas em ferramentas digitais, ser obtidos dados objetivos de cada parâmetro psicoacústico que compõe a prosódia (intensidade, freqüência, etc.), a partir de uma análise computadorizada das curvas prosódicas produzidas espontaneamente ou mediante repetição de um modelo.
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RESULTADOS DE ESTUDOS SOBRE O ENVELHECIMENTO Diferentemente da grande quantidade de estudos sobre o processamento prosódico em indivíduos normais na infância e em pessoas com lesão de hemisfério direito ou esquerdo, há poucas investigações específicas relacionando tal habilidade ao envelhecimento. Kiss e Ennis (2001), por exemplo, com o intuito de examinar a percepção de afeto no discurso em adultos idosos e jovens, observaram que os primeiros participantes foram significativamente pior na realização desta tarefa. Tais achados foram corroborados pela pesquisa de Orbelo, Testa e Ross (2003), em que os indivíduos foram solicitados a produzir e a compreender estímulos lingüísticos com diminuição gradativa de significado (por exemplo, em ordem decrescente de significado, alguns estímulos foram “Eu vou ver um filme”, “babababa” e “aaaaahhhhh”) com entonações de diferentes estados emocionais. Quanto à produção, não foram identificadas diferenças entre jovens e idosos; entretanto, nas provas de compreensão, quanto menor o significado do estímulo, maior a dificuldade dos idosos em identificar o sentimento de base da curva prosódica. Quanto à prosódia lingüística, Kjelgaard, Titone e Wingfield (1999) investigaram a sua contribuição na interpretação de ambigüidade sintática temporária* por adultos jovens e idosos. Concluíram que o seu uso na resolução desta ambigüidade consiste em uma estratégia efetiva no envelhecimento. O declínio das habilidades periféricas de audição e de produção fonoarticulatória é relacionado às dificuldades de processamento prosódico no decorrer do envelhecimento, assim como a depressão. Na terceira idade, ocorrem mudanças estruturais ao nível laríngeo e em áreas adjacentes, tais como calcificação de
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O paradigma experimental da ambigüidade sintática temporária refere-se a casos em que fica temporariamente pouco claro se a condição de uma sentença foi ou não alcançada pelo que foi escutado até um determinado momento.
cartilagens, redução da elasticidade mucosa e muscular e ressecamento tecidual, que tendem a acarretar uma diminuição da capacidade de promover inflexões vocais, seja pela elevação e depressão da laringe ou pelo encurtamento e alongamento das pregas vocais (Boone e McFarlane, 1994; Colton e Casper, 1996). O processo de produção deste tipo de prosódia, por sua vez, envolve parâmetros acústicos de duração, freqüência e intensidade (Harley, 2001), modulados por variações melódicas vocais desencadeadoras de diferentes contornos entonacionais que distinguem sentenças declarativas de interrogativas (Joanette et al., 1990). Para que tais variações melódicas sejam possíveis, a promoção de inflexões vocais por um órgão laríngeo elástico é requerida. Além destas modificações fonoarticulatórias inerentes ao envelhecimento anatomofisiológico do ser humano, ocorre uma progressiva perda da sensibilidade auditiva e da habilidade de discriminar e julgar diferenças de freqüência e melodia, ocasionada pela atrofia neurossensorial do sistema auditivo (Russo, 1999; Stuart-Hamilton, 2002; Zimerman, 2000). O exame do processamento prosódico efetuado por Fonseca (2004) evidenciou um desempenho significativamente pior dos idosos nas tarefas de prosódia lingüística – compreensão – e de prosódia emocional – compreensão, repetição e produção. Um possível fator desta dificuldade pode ser a inibição acarretada pela artificialidade das tarefas. Outros fatores que contribuíram para a diferença encontrada foi um provável declínio no processamento periférico de compreensão e da produção de parâmetros acústicos paralingüísticos, causados pelos conhecidos quadros de diminuição das habilidades periféricas de audição e de emissão vocal melódica. O outro fator, enfim, o efeito da idade observado no processamento prosódico examinado neste estudo deve-se, provavelmente, aos quadros típicos de presbiacusia e presbifonia. As pesquisas sobre prosódia e envelhecimento incluem, geralmente, a relação desses fatores com depressão ou estado depressivo. A depressão é um transtorno psiquiátrico ou um estado psicológico comum na terceira idade (Fernandez, Levy, Lachar e Small, 1995), sen-
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Cognição e Envelhecimento
do sua relação com o processamento prosódico ilustrada no estudo de Alpert, Pouget e Silva (2001), no qual constataram que participantes idosos depressivos apresentaram curva prosódica, ou seja, variação da entonação no decorrer do discurso, inferior àquela demonstrada por idosos sem depressão (ver Capítulo 13). De um modo geral, pode-se observar que há uma tendência de dissociação das habilidades prosódicas com o envelhecimento. O processamento da compreensão das diferentes entonações parece ser mais prejudicado com as modificações do avançar dos anos do que o processamento da produção prosódica. Tal dissociação é inversa àquela referida nos estudos do processamento lingüístico no envelhecimento, ou seja, os idosos apresentam maior dificuldade em produzir elementos lexicais, semânticos e sintáticos do que em os compreendê-los.
CONCLUSÃO A compreensão e a produção de aspectos prosódicos, tanto lingüísticos quanto emocionais, consistem em processamentos comunicativos muito importantes para o dia-a-dia dos idosos. Esta importância é ilustrada pelos estudos da perspectiva interacional (CouperKuhlen e Selting, 1996), que salientam que as características da prosódia relacionam-se sistematicamente com outros componentes lingüísticos nas interações comunicativas entre os idosos e seus interlocutores. A produção de significado depende muito das habilidades prosódicas dos indivíduos. Assim sendo, como a prosódia tem uma influência significativa na produção e percepção lingüísticas, todos os indivíduos contam com esta habilidade para a funcionalidade de sua comunicação social. Apesar da pequena quantidade de estudos sobre processamento prosódico no envelhecimento, alguns achados podem ser evidenciados. A habilidade de compreender e produzir os estímulos prosódicos encontra-se preservada, em geral, quando tais estímulos estão associados a pistas lingüísticas, ou seja, quando uma frase com significado é emitida pelo examinador com diferentes curvas entonacio-
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nais, por exemplo. Entretanto, conforme o estímulo prosódico vai sendo isolado da forma e do conteúdo lingüísticos, a habilidade de compreender e produzir curvas prosódicas tende a ser prejudicada. Além disso, outros fatores podem contribuir para a piora deste processamento: presbiacusia (perda parcial de audição característica do envelhecimento biológico), presbifonia (perda das características vocais da fase adulta própria do envelhecimento biológico do aparato fonador) e depressão (patologia prevalente na população idosa).
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Por que o estudo da prosódia remete a uma discussão sobre os conceitos de linguagem e comunicação? 2. Defina prosódia, prosódia lingüística e prosódia emocional. Dê exemplos de cada conceito. 3. Quais são os atributos psicoacústicos da prosódia? 4. Quais são as hipóteses teóricas sobre o processamento prosódico? Explique cada uma delas. 5. Quais são os delineamentos mais freqüentes no estudo do processamento da prosódia? 6. Selecione dois procedimentos utilizados para o estudo de prosódia e dê um exemplo para cada um. 7. Como o processamento da prosódia é caracterizado no envelhecimento? 8. Que patologias podem contribuir para o aparecimento de dificuldades no processamento prosódico em indivíduos idosos?
LEITURAS SUGERIDAS Adolphs, R.; Damásio, H.; Tranel, D. (2002). Neural systems for recognition of emotional prosody: a 3-D lesion study. Emotion, 2(1): 23-51. Issler, S. (1996). Articulação e linguagem. São Paulo: Lovise. Scarpa, E. (2000). Estudos de prosódia. Campinas: Unicamp.
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12 Leitura e escrita e o envelhecimento Maria Teresa Carthery-Goulart Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
CONCEITOS TRABALHADOS Movimentos oculares espasmo-pausa: movimentos dos olhos realizados na leitura de frases e de textos, que se dirigem a determinados pontos de fixação, impulsionados pelos movimentos sacádicos dos olhos (espasmos). Esses movimentos podem seguir a direção do texto ou retornar quando for necessária uma maior compreensão. Via lexical: via que reconhece unidades em nível lexical, ou seja, a palavra (ou morfema) de forma global. Esta via geralmente tem um acesso direto ao sistema semântico. Quando este não ocorre, a via é denominada lexical direta. Via perilexical: via que reconhece unidades menores do que a palavra: sílabas, letras e fonemas. Também é chamada via fonológica. Módulos: segundo a teoria que propõe ser a mente um sistema modular, esta é composta por módulos, ou seja, sistemas cognitivos independentes. Sistema de análise visual: identifica um estímulo gráfico como uma palavra e a identidade abstrata das letras.
Léxico visual de entrada: memória da atividade de leitura que identifica uma palavra escrita como familiar. A memória correspondente na escrita chama-se léxico fonológico de entrada, em vista da característica fonológica dos mecanismos de entrada em um ditado. Léxico de saída da fala: memória da função da leitura que armazena a seqüência sonora de uma palavra para enviar aos processos de produção. Na escrita, a memória correspondente a esta etapa de saída é denominada léxico ortográfico de saída, em vista do caráter ortográfico da escrita. Conversão grafofonêmica: transformação de representações gráficas em representações fonêmicas. Esse mecanismo é característico da via perilexical da leitura. Na escrita, a conversão em sentido inverso é denominada conversão fonografêmica. Mecanismos de soletração: diferentes processos e armazenamentos cognitivos que possibilitam a transformação de um estímulo verbal em sua manifestação gráfica. Grafismo: processos periféricos que constituem a execução motora da escrita.
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Processamento literal: um dos processamentos da leitura ou da escrita que analisa as letras que compõem o estímulo. Este processamento realiza a nomeação de cada uma das letras compostas pela palavra escrita ou ouvida. Buffer grafêmico: memória de curto prazo ativada para manter as informações pelo tempo necessário da produção do grafismo seqüencial das letras de uma palavra. Por exemplo, ao escrever [construção], esta memória mantém ativadas as últimas letras enquanto uma pessoa está escrevendo as iniciais. Forma alográfica: diferentes formas gráficas de uma mesma letra. Construção e análise dos estímulos de leitura e escrita: critérios psicolingüísticos: tipos de estímulos que devem ser incluídos para avaliar aspectos lingüísticos e não-linguísticos da leitura e da escrita. Os critérios mais importantes são: freqüência, extensão, familiaridade e concretude. Análise de tipos de erros: análise qualitativa das respostas que permite fazer inferências sobre o funcionamento mental e sobre mecanismos cognitivos falhos e mantidos. Os erros na leitura são denominados paralexias e os erros na escrita paragrafias. Os tipos mais freqüentemente observados são: verbais, fonêmicos ou grafêmicos, erros de regularização, dificuldades com regras de conversão, comportamento de extração semântica e erros grafomotores.
INTRODUÇÃO Se, por um lado, existem vários trabalhos que focalizam a produção da emissão e a compreensão da linguagem oral, pouco é encontrado sobre a leitura e escrita no envelhecimento. É importante perguntar qual a causa da negligência dos estudos sobre envelhecimento dessas atividades cognitivas, significativas para indivíduos alfabetizados e que constituem formas de desenvolvimento e melhora cognitiva durante todos os períodos da vida de um indivíduo. Uma das razões é que essas habilidades não constituem queixas freqüentes dos idosos –
mesmo daqueles escolarizados que as utilizam com freqüência – deixando transparecer que são funções preservadas durante o envelhecimento. Na literatura sobre envelhecimento patológico, existem alguns estudos sobre as disfunções gráficas: a leitura é considerada uma capacidade que se mantém, mas a escrita já começa com falhas, logo nos primeiros sinais demenciais. Como será visto no capítulo sobre demência do tipo Alzheimer, na realidade é a leitura automática que fica mantida, sendo bastante afetada sua compreensão. Esta falha vai influenciar a leitura de jornais e livros. Freqüentemente familiares de pacientes com leves graus de demência observam que o paciente folheia o material a ser lido e logo perde o interesse. Na leitura de textos mais longos, além da extração de significado, mecanismos cognitivos como memória de trabalho e funções executivas também estão envolvidos. Portanto, a patologia aponta que é preciso diferenciar processos de leitura de palavra isolada da leitura de textos. É importante perguntar se essas falhas já se encontram presentes em idosos com idade mais avançada ou se a perda da leitura e da escrita constituem marcadores importantes para diferenciar o envelhecimento normal do patológico. Cabe ressaltar o trabalho de Snowdon e colaboradores (1996) que coletaram escritos de diários de freiras durante sua vida e observaram que havia uma correlação entre falhas na escrita e na utilização lexical com a incidência de demência do tipo Alzheimer. Para esses pesquisadores, o estudo da escrita possibilitou elaborar marcadores indicativos de processos demenciais. A ausência de trabalhos sobre as atividades de leitura e escrita no envelhecimento normal justifica o pequeno tamanho desse capítulo, mas também sua presença é bastante relevante para mostrar sua importância tanto para o envelhecimento cognitivo normal como para o patológico. Nesta direção, as contribuições deste capítulo serão: descrever os processos cognitivos envolvidos na leitura e na escrita, apresentar métodos experimentais para sua avaliação e relatar os estudos que mostraram alterações que ocorrem no envelhecimento normal. Um aprofundamento sobre falhas de
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Cognição e Envelhecimento
leitura e escrita no envelhecimento patológico será desenvolvido no Capítulo 15.
DEFINIÇÕES E MODELOS COGNITIVOS Leitura Apesar de ser aparentemente uma atividade simples e fácil para a maioria dos adultos escolarizados, a leitura exige vários processos perceptivos e cognitivos, bem como um bom conhecimento da língua e da gramática. Alguns dos processos envolvidos na leitura dizem respeito à identificação e à extração de significado de palavras individuais. Outros processos operam no nível da frase ou sentença e ainda outros tratam da organização global ou da estrutura temática de toda uma história ou livro (Eysenck e Keane, 1994). Os processamentos em nível frasal e textual parecem ser independentes da modalidade (oral ou gráfica) e a descrição de seus modelos já foi referendada nos Capítulos 8 e 9. Desta forma, os modelos descritos neste capítulo serão restritos aos movimentos oculares exigidos na leitura e aos processos de transformação do estímulo gráfico ao fonológico e vice-versa, na leitura e escrita da palavra isolada. O padrão dos movimentos oculares durante a leitura é o de espasmo-pausa, pois o texto permanece imóvel enquanto os olhos o percorrem. Os espasmos que movem os olhos adiante são conhecidos como sacádicos e as pausas como fixações. Os sacádicos, na maioria das vezes, levam o leitor avante no texto, mas aproximadamente 15% deles são regressões, ou seja, voltam no texto. Isso ocorre quando o leitor não conseguiu compreender o trecho lido. A informação é extraída do texto apenas durante cada fixação e não durante os sacádicos. Existe uma pequena área de alta acuidade no centro da retina conhecida como fóvea, onde a percepção visual é muito mais precisa. No entanto, a região parafoveal também é utilizada na leitura, uma vez que palavras apresentadas nesta região apresentam menor tempo de fixação.
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O alcance perceptivo consiste na região de captação de informações durante uma fixação, e, nos sistemas de escrita que vão da esquerda para a direita, é maior à direita, ao passo que, em outros sistemas, é maior à esquerda. O tempo de fixação em uma palavra em uma frase é determinado por vários fatores, entre eles a quantidade de processamento semântico exigida para entender tal palavra. Assim, uma palavra extremamente previsível com base nas informações contextuais é fixada por menos tempo do que uma palavra relativamente imprevisível (Balota, Pollatsek e Rayner, 1985). O fato de uma palavra ser fixada por mais tempo do que outra justifica a afirmação de que algumas são reconhecidas mais facilmente. Assim, foram desenvolvidas muitas pesquisas psicológicas que envolvem a identificação de fatores que determinam a facilidade de reconhecimento de palavras. Alguns destes fatores são a familiaridade, a frequência, a idade da aquisição, a repetição, o significado e contexto, a regularidade de correspondência entre ortografia e som e a interação destes fatores (Ellis, 1995). Estes parâmetros psicolinguísticos tornaram-se importantes a partir dos anos 1970, quando a neuropsicologia cognitiva fez ressurgir o interesse científico pelos transtornos adquiridos da linguagem escrita. Primeiramente, tomou como base hipóteses do processamento de leitura e de escrita de indivíduos normais no estudo da patologia. Tal atitude metodológica possibilitou não apenas a verificação destes modelos pela ruptura causada por lesão cerebral, mas também a compreensão dos mecanismos falhos e utilizados pelos disléxicos. E, em segundo lugar, observando a consistência dos erros em um determinado paciente, diversas formas de dislexia e disgrafia foram descritas. Os erros foram interpretados a partir de modelos de duas vias: uma que processa o estímulo lexicalmente e outra, seqüencialmente, em unidades sublexicais. Existem vários modelos cognitivos que explicam o processamento da leitura. Baseado neles, Ellis (1995) apresentou um modelo simples que salienta áreas de amplo consenso en-
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tre autores (Figura 12.1). Este modelo tem como idéia básica o fato de que o reconhecimento de palavras é o produto de uma atividade orquestrada que ocorre dentro de diversos subsistemas cognitivos que operam, pelo menos em parte, independentemente uns dos outros. Esses subsistemas são chamados módulos (Fodor, 1983). O modelo apresentado por Ellis (1995) para explicar o processamento da leitura possui cinco memórias cognitivas: o sistema de análise visual, o léxico visual de entrada, o sistema semântico, o nível do fonema e o léxico de produção da fala. O sistema de análise visual tem duas funções principais. Uma delas envolve a atividade de identificar o conteúdo de uma página impressa como diferentes letras do alfabeto. Essa identificação seria feita no sentido de detectar “identidades abstratas de letras”, o que não deve ser confundido com nomes ou sons de letras. A outra atividade do sistema de análise visual seria notar a posição de cada letra em uma palavra. Ele tem conexões com o nível do fonema, que será descrito posteriormente, e com o léxico visual de entrada. O léxico visual de entrada consiste em uma memória que tem a função de identificar
as cadeias de letras como palavras familiares, funcionando como uma espécie de depósito mental de palavras que contém representações das formas escritas de todas as palavras familiares que podem ser chamadas de “unidades de reconhecimento de palavras”. O léxico visual de entrada está ligado ao sistema semântico e ao léxico de produção da fala. O sistema semântico está relacionado com o acesso ao significado de uma palavra que está sendo lida e é o depósito de todo o conhecimento sobre os significados de palavras familiares. Já o léxico de saída da fala envolve o acesso às pronúncias das palavras. Finalmente, o nível do fonema é um depósito de curto prazo no qual os fonemas convertidos em seqüências de movimentos articulatórios podem ser armazenados por curto prazo durante o intervalo entre o resgate do léxico de produção da fala e a articulação. No modelo apresentado por Ellis (1995), podemos diferenciar três vias de processamento de leitura: a lexical (rota 1), a lexical direta (rota 2) e a perilexical (rota 3). A rota lexical é aquela em que a palavra escrita é convertida em som, passando pelo sistema semântico, por meio de seu reconhecimento pelo léxico visual de entrada e poste-
FIGURA 12.1 Modelo cognitivo apresentado por Ellis (1995) para explicar o processamento da leitura. INDEX BOOKS GROUPS
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rior emparelhamento com sua representação fonológica no léxico de produção da fala. A lexical direta é semelhante à primeira com a diferença de que o emparelhamento da representação do léxico visual de entrada e o léxico de produção da fala são feitos sem passagem pelo sistema semântico. O processamento realizado por estas duas rotas descritas acima, entretanto, só explica a leitura de palavras familiares, que possuem representação no léxico visual de entrada. A leitura de palavras não-familiares é explicada pela existência da terceira rota, a perilexical. Quando a leitura é feita por esta via, há uma conexão entre o sistema de análise visual e o nível do fonema. Assim, palavras não-familiares ou palavras nunca anteriormente lidas passam pelo procedimento de conversão grafofonêmica, sendo convertidas em som. Quando o estímulo lido é uma palavra familiar que nunca foi lida, pela sua conversão em fonemas, a pessoa pode chegar ao significado. O procedimento para a conversão de letras a sons deve fazer mais do que associar identidades individuais a letras e fonemas individuais. As sutilezas da ortografia (irregularidades) exigem que ele também deva ser sensível ao agrupamento de letras.
Escrita Os modelos cognitivos de escrita pressupõem a existência de diferentes memórias de armazenagem e de procedimento envolvidas no processamento dessa função. Esses modelos servem como hipótese para a análise do desempenho de um paciente, pela determinação dos processamentos preservados e falhos após comprometimento neurológico. De acordo com os mesmos, o processamento da escrita de palavras pode ser dividido em duas partes: uma central (lingüística) que corresponde à soletração – processamentos lingüísticos (lexicais ou fonológicos) que determinam a seqüência de grafemas que constituirá uma palavra escrita – e uma periférica (não-lingüística) que consiste na seqüência de eventos que permitem a execução motora do grafismo.
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A soletração pode ser efetuada por uma via que trata o estímulo em unidades lexicais (morfemas e palavras), a via lexical (Figura 12.2A) e por outra que trata o estímulo em suas unidades sublexicais (fonemas, letras, grafemas e sílabas), a via fonológica (Figura 12.2B). A primeira tem acesso direto ao significado, enquanto a segunda requer mecanismos de conversão fonografêmica anteriores à obtenção do significado. O modelo de Lecours e Parente (1997) explica os processamentos centrais envolvidos na escrita de palavras e não-palavras sob ditado, em códigos alfabéticos. Na Figura 12.2, podem ser observados os elementos deste modelo e também os mecanismos periféricos, incluídos por Carthery (2000). Os primeiros passos na realização da tarefa de escrita sob ditado são ouvir o estímulo (tratamento da informação aferente) e reconhecê-lo como uma seqüência de sílabas da língua. Esse reconhecimento das sílabas da língua é realizado no registro fonossilábico de entrada. Para a realização da soletração, estas sílabas poderão sofrer três tipos de processamentos: lexical, segmentar silábico ou segmentar literal (escrita letra por letra). No processamento lexical, as sílabas reconhecidas no registro fonossilábico de entrada são conduzidas ao léxico fonológico de entrada, uma memória na qual estão armazenadas todas as palavras da língua que um indivíduo conhece. Esta memória retém informações fonológicas, ou seja, auditivas. Caso a seqüência de sílabas for correspondente a uma palavra familiar, o estímulo será reconhecido e a memória semântica poderá ser acessada para dar significado ao que foi ouvido. As informações semânticas serão então emparelhadas com suas representações ortográficas, armazenadas em uma memória denominada léxico ortográfico de saída. Estas representações, por sua vez, passarão por um procedimento de codificação logoliteral, ou seja, serão segmentadas em suas unidades literais e reconhecidas pelo registro alfabético de saída. Por fim, as informações literais serão enviadas para um estoque mnésico denominado buffer grafêmico, no qual a seqüência de grafemas que compõe aquela palavra ficará ativa enquanto os movimentos do
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Legenda: (A,A’,B e C) Processamento central (lingüístico); (B) Processamento segmentar silábico; (A) Processamento lexical; (C) Processamento segmentar literal; (A’) Processamento lexical sem acesso ao sistema semântico; (D) Processamento periférico (não-lingüístico). OBS: Registro Fonossilábico de Entrada e Registro Alfabético de Saída constituem processamentos centrais comuns às três vias.
FIGURA 12.2 Modelo cognitivo que explica o processamento da escrita sob ditado em códigos alfabéticos (adaptado de Lecours e Parente, 1997).
grafismo são programados e executados. Esses últimos mecanismos periféricos serão descritos de forma detalhada mais adiante. É importante salientar que existe um tipo de processamento lexical que não envolve o acesso à memória semântica (Figura 12.2A’). Esse processamento pode ser observado em casos patológicos, nos quais há uma disfunção, ou na memória semântica ou no seu acesso. Em sujeitos normais, esta via é utilizada na escrita de palavras freqüentes que têm pouco conteúdo semântico como, por exemplo, pala-
vras de classe fechada (preposições, conjunções). Nesses casos, o estímulo identificado no léxico fonológico de entrada é emparelhado diretamente à sua representação ortográfica no léxico ortográfico de saída. No processamento segmentar-silábico, as representações silábicas provenientes do registro fonossilábico de entrada passam por um processamento de conversão fonografêmica ou fonografossilábica (transformação de informações silábicas de natureza fonológica em informações de natureza gráfica). Uma vez con-
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vertidas em grafemas, estas representações são emparelhadas a representações silábicas armazenadas no registro grafossilábico de saída. Deste registro as informações podem ser segmentadas em grafemas no registro alfabético de saída (procedimento de codificação silaboliteral), armazenadas na memória grafêmica e a partir daí ativar a programação motora manual. Podem também ser conduzidas ao léxico ortográfico de saída na via lexical para acessar a memória semântica, caso o estímulo seja uma palavra real pouco freqüente. No processamento segmentar literal, as informações provenientes do registro fonossilábico de entrada são fragmentadas em unidades literais e reconhecidas em um registro denominado registro fonoliteral de entrada. Lecours e Parente (1997, p. 72) consideram que este registro “torna possível a evocação de nomes convencionalmente atribuídos a cada uma das letras de um alfabeto aprendido” (p. 72). Desse registro, as letras que compõem uma palavra vão sendo emparelhadas às suas representações gráficas no registro alfabético de saída, anterior à programação motora. Após a soletração, seja por processamento silábico, literal ou lexical, a seqüência de grafemas selecionados deve ser armazenada temporariamente até que seja escolhido o estilo de letra apropriado e que sejam programados os movimentos manuais da escrita. A memória, na qual tal seqüência é armazenada, é denominada buffer grafêmico (Caramazza et al., 1987). A escolha do estilo da letra (maiúscula, minúscula, cursiva, de forma) é feita pela seleção de padrões armazenados em uma memória alográfica que contém os diversos estilos em que uma letra pode ser escrita (Ex. B, b). Nesse nível, cada representação abstrata e conceptual de letra (grafema) é transformada em fontes (formas alográficas) que podem ser escritas de várias formas (Ex. F, f) (Catala, Fontaine e Rancurel, 1994). O último estágio envolve a programação e execução de movimentos manuais para a realização do grafismo. Indivíduos com apraxia ou déficit motor afetando a mão dominante terão dificuldades de escrita por alterações nesse nível.
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MÉTODOS EXPERIMENTAIS DE AVALIAÇÃO Na investigação da leitura são utilizadas listas de palavras e textos, na da escrita, ditado, cópia de palavras e escrita de narrativas. Apesar de a leitura e a escrita de palavras serem atividades corriqueiras e utilizadas em todas as avaliações de leitura e escrita, a abordagem da psicologia cognitiva impõe duas características que as difere de outras abordagens. A primeira é a análise da influência de variáveis psicolingüísticas, que irá determinar o tipo de palavras empregadas na avaliação, e a segunda é a análise de tipos de erros.
Análise da influência de variáveis psicolingüísticas As provas de leitura em voz alta e de ditado devem incluir vários tipos de estímulos, a fim de verificar a presença ou ausência de alguns efeitos aos quais as vias lexical e perilexical são sensíveis. A via lexical é sensível ao efeito de lexicalidade, freqüência e imageabilidade, ao passo que a via perilexical é sensível aos efeitos de regularidade e extensão. Assim, de acordo com Lecours e Parente (1997), alguns estímulos que devem ser incluídos na prova são: – palavras e não-palavras, pois apenas a via perilexical pode processar as últimas; dessa forma, a presença do efeito de lexicalidade (melhor desempenho em palavras que em não-palavras), poderá evidenciar lesões funcionais na via perilexical; – palavras de ortografia regular e de ortografia irregular, pois apenas a via lexical pode processar as últimas, de modo que, a presença do efeito de regularidade (melhor performance na leitura de palavras regulares do que na de irregulares) poderá ser sugestiva de alterações na via perilexical de leitura; – palavras de função gramatical e palavras polimorfêmicas, para verificar a
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integridade das conexões diretas entre os dois léxicos (via lexical direta); – palavras freqüentes e não-freqüentes, pois, considerando que as unidades lexicais são armazenadas com o uso, é preciso verificar o efeito de freqüência, que sugere danos na via lexical; – palavras concretas e abstratas, uma vez que a presença do efeito de imageabilidade (melhor desempenho em palavras concretas do que em abstratas) tem sido considerada como indicativo de danos na via lexical, pelo menos na via léxico semântica; – palavras curtas e longas, uma vez que a via perilexical faz um processamento serial e sua leitura deve ser vulnerável ao efeito de extensão de palavras.
– Paralexias fonêmicas ou paragrafias grafêmicas: são os erros de fala ou escrita nos quais é possível reconhecer o alvo, mas a produção possui uma ou várias omissões, adições, deslocamentos (metáteses) e/ou substituições que envolvem um ou vários fonemas. Nestes tipos de paralexias e paragrafias, a resposta do paciente corresponde a uma não-palavra. – Regularizações: erros que ocorrem quando o indivíduo escreve ou lê uma palavra irregular utilizando regras de conversão grafema-fonema ou fonema-grafema. – Regra: erros que ocorrem porque o indivíduo não utiliza ou faz uso incorreto de uma regra contextual. Alguns erros específicos da leitura são:
Análise dos tipos de erros Na compreensão dos mecanismos de leitura, além dos acertos, é importante uma análise de tipos de erros. As respostas incorretas são denominadas paralexias na leitura e paragrafias na escrita. Os tipos mais comuns de erros são: – Verbais: substituição de uma palavra por outra na leitura ou na escrita. O termo paralexia ou paragrafia verbal – sem outra especificação – é utilizado, geralmente, quando a palavra-alvo e a que lhe substituiu não têm semelhanças quanto ao significado nem quanto à forma. As paralexias e paragrafias verbais dividem-se em três diferentes tipos: verbais semânticas (o erro caracteriza-se por uma substituição lexical que mantém uma relação conceitual – semântica – com o alvo), verbais formais (o erro tem relação formal, ou seja, fonemas ou grafemas comuns à palavra-alvo) e verbais semântico-formais (substituição lexical em que é possível reconhecer um certo grau de semelhança conceitual, assim como, uma semelhança formal).
– Paralexias literais: substituição de uma letra por outra de forma parecida. Normalmente tais paralexias são incorporadas nas paralexias fonêmicas. Entretanto, Lecours e Parente (1997) consideram conveniente fazer uma distinção entre estas paralexias, pois as causas psicolinguísticas destas dificuldades estão relacionadas a falhas de processamento visual, algumas vezes específicas para agrupamentos complexos. Ex. = /tegume/. – Comportamento de extração semântica: um comportamento é classificado desta forma quando o leitor não consegue emitir a forma fonológica da palavra, demonstrando, com seus comentários, que atingiu o sentido do que se apresenta escrito. Ex. = para dormir. Alguns erros específicos da escrita são: – Grafomotores: erros que ocorrem por falhas no grafismo. Podem ocorrer por dificuldades no nível da memória alográfica (por exemplo: o indivíduo escreve “CaFé”, utilizando um /F/
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maiúsculo no meio da palavra) ou por falhas no nível da programação e execução de movimentos quiroarticulatórios (Exemplos: t sem cortar, i sem pingar, letras malredigidas). Entre os últimos erros podem ser incluídas as “perseverações” que se caracterizam pela escrita de parte de um grafema ou de um grafema inteiro repetidamente (por exemplo: Amnor – o grafema “m” foi escrito com quatro “pernas” ou “bbanho”).
ALTERAÇÕES DA LEITURA E DA ESCRITA NO ENVELHECIMENTO NORMAL Apesar do elevado número de estudos sobre linguagem no idoso, poucos trabalhos abordam as funções da leitura e da escrita. Isso pode ocorrer devido ao impacto menor do declínio dessas habilidades sobre a comunicação e sobre as atividades de vida diária. Assim, alguns autores como De Beni e colaboradores (2003) consideram que, embora idosos, sobretudo acima dos 70 anos, possam sofrer declínio em alguns aspectos da capacidade de leitura, essa habilidade permanece ainda suficientemente preservada para permitir uma qualidade de vida aceitável a esses indivíduos. Desta forma, embora alguns aspectos da leitura e da escrita possam sofrer declínio, quadros de dislexia ou de disgrafia parecem não ocorrer no processo de senescência saudável. A compreensão dos modelos acima descritos e da forma de avaliação torna-se importante para compreender as dificuldades que ocorrem nos processos demenciais. Na leitura, duas características parecem declinar com o aumento da idade: a velocidade de leitura (Walker et al., 1981; Jackson e Kemper, 1993; Hartley et al., 1994; Harris, Rogers e Qualls, 1998) e a compreensão de textos (Obler, Nicholas e Albert, 1985; Speranza, Daneman e Schneider, 2000; De Beni et al.; 2003; McGinnis e Zelinski, 2003). Walker e colaboradores (1981) comparam velocidades de leitura em vários grupos etários mostrando declínio sobretudo em gru-
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pos acima dos 70 anos. Os autores observaram também diferenças na velocidade de fala que foram menos expressivas. Em relação à compreensão, alguns trabalhos apontam declínio da capacidade de entender estruturas sintáticas, especialmente para frases complexas e frases semanticamente improváveis (Obler, Nicholas e Albert, 1985). Outros explicam as alterações de leitura por problemas de abstração, dificuldades para fazer inferências sobre o significado de palavras não-familiares e maior dependência do contexto para compreensão (McGinnis e Zelinski, 2003; Speranza, Daneman e Schneider, 2000). Tem sido descrito que os problemas são maiores em indivíduos acima dos 70 anos, verificando-se escores menores em tarefas de compreensão nesse grupo de idosos, sem que estas alterações tenham impacto funcional. Neste caso, o declínio é explicado por redução da capacidade da memória de trabalho com preservação de habilidades metacognitivas (De Beni et al., 2003). Defasagem da capacidade de memória de trabalho em relação a jovens também foi encontrada no estudo de Ehrlich, Brebion e Tardieu (1994). Os autores, no entanto, não encontraram diferenças na capacidade de compreensão de frases nos dois grupos. Qualls e Harris (2003), inclusive, apontaram melhor compreensão de idosos em relação a jovens, quando controlada a influência da memória de trabalho. Os autores verificaram que idosos tiveram melhor desempenho que jovens na compreensão de expressão idiomática e metonímia. Outro fator relacionado às habilidades de memória operacional é a capacidade de inibir idéias irrelevantes. Mcginnis e Zelinski (2003) consideram que o envelhecimento ocasiona problemas nesta habilidade, particularmente após os 75 anos. Assim, é possível que o desempenho de idosos seja afetado por dificuldades para inibir pensamentos pessoais ou outros estímulos irrelevantes durante a realização das tarefas utilizadas para avaliar a leitura. Em trabalho conduzido com indivíduos brasileiros (Carthery-Goulart, 2005), observouse que idosos tiveram mais dificuldade que jovens em provas de compreensão de leitura envolvendo frases extensas e que continham es-
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truturas sintáticas complexas. Essa diferença de desempenho foi constatada em grupos emparelhados quanto à escolaridade e quanto a hábitos de leitura e de escrita. As dificuldades foram atribuídas a problemas para operar sobre o conhecimento lingüístico, estando associadas à redução da capacidade de memória operacional, encontrando-se correlação positiva entre a capacidade de memória operacional e o número de acertos nas provas de compreensão. Como se observa, não há um consenso quanto à natureza das dificuldades de compreensão. Esta é uma área em que outros estudos devem ser conduzidos, verificando-se a inter-relação entre dificuldades de linguagem e de memória. As alterações da escrita no envelhecimento caracterizam-se por mudanças lingüísticas e periféricas. As alterações lingüísticas têm impacto sobre o conteúdo da produção e se referem a dificuldades na construção de frases e textos e em aspectos lexicais. As mudanças periféricas referem-se ao aspecto da forma, ou seja, às características do grafismo. Do ponto de vista do conteúdo, analisando diários de idosos em perspectiva longitudinal, Kemper (1987) verificou progressiva redução da complexidade sintática das frases conforme o aumento da idade. MacKay e Abrams (1998), por outro lado, estudaram aspectos ortográficos (escrita de palavras irregulares) em jovens, idosos e idosos muito-idosos e constataram que o envelhecimento ocasiona alterações no processo de acesso ao conhecimento ortográfico, comparável ao déficit de acesso lexical observado na produção oral e que é freqüentemente descrito nesta população (anomia). Os autores também verificaram que idosos mais velhos estavam conscientes de seu declínio na habilidade de escrever. Como Mackay e Abrams (1998), Carthery-Goulart (2005) também observou presença de erros de regularização em indivíduos muito idosos (acima dos 70 anos). Na prova de ditado utilizada para avaliar este aspecto observou-se efeito teto em jovens (20 a 40 anos) e idosos até 70 anos na escrita de palavras irregulares. Somente indivíduos acima dos 70 anos tiveram regularizações, apesar de emparelhados quanto à es-
colaridade e aos hábitos de leitura e escrita com os indivíduos das outras faixas etárias. Como o grupo estudado foi pequeno (16 indivíduos), outros estudos devem ser conduzidos para confirmar estes achados. Mackay, Abrams e Pedroza (1999) consideram a hipótese de problemas de acesso, e não de perda, do conhecimento ortográfico. Nesse estudo, os autores observaram que idosos não tinham dificuldades no reconhecimento da ortografia correta de palavras irregulares. Em relação a aspectos motores da escrita, alguns autores referem alterações na coordenação espacial de movimentos de pulso e dedos (Contreras-Vidal, Teulings, Stelmach, 1998), mudanças no grafismo (Walton, 1997) e redução da velocidade psicomotora (Dixon, Kurzman e Friesen, 1993).
CONCLUSÃO Entre as habilidades preservadas no envelhecimento normal, encontram-se a leitura e escrita no que se refere à capacidade de transcodificação entre a representação sonora e a gráfica e vice-versa. As falhas que ocorrem em leitura parecem ser oriundas de dificuldades de memória e atenção que podem estar afetando particularmente a compreensão textual e talvez a elaboração sintática. Na escrita foram encontradas simplificações sintáticas e outras dificuldades decorrentes de limitações motoras e perceptuais do idoso. Assim como na linguagem oral, os trabalhos têm indicado que a escrita textual de um indivíduo pode sofrer alterações, conforme o avanço da idade. Se por um lado, o discurso oral do idoso pode ser mais prolixo e mais subjetivo, sua escrita, segundo os estudos citados neste capítulo, torna-se mais simplificada. Entretanto, cabe mais uma vez salientar que as evidências no que se refere aos estudos de escrita ainda são incipientes e necessitam de mais estudos de investigação. Por exemplo, não foi observado estudo algum que considerasse o aumento de conhecimentos e hábitos de leitura e escrita com a idade, e se a “sabedoria” poderia estar influindo no estilo da escrita.
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Um aspecto importante e que merece ser salientado são os estudos que consideraram a escrita como um preditor de declínio degenerativo. Provavelmente porque o registro escrito pode ser encontrado retrospectivamente, enquanto o declínio da linguagem oral requer um registro intencional para elaboração de estudos longitudinais. Por outro lado, se realmente a leitura e a escrita constituem habilidades bastante preservadas no envelhecimento, é importante lembrar seu papel de transmissão de conhecimentos, o que deve promover o enriquecimento cognitivo pessoal, assim como representar um meio de comunicação importante quando as possibilidades de locomoção ficam mais restritas.
LEITURAS SUGERIDAS Lecours, A.R.; Parente, M.A.M.P. Dislexias na escrita do Português. Porto Alegre: Artmed, 1997. Ellis, A. W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 1995.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Quais os efeitos dos movimentos espasmo-pausa na leitura de um texto? 2. Que variáveis psicolingüísticas determinam os movimentos sacádicos na leitura de um texto? 3. Quais estímulos gráficos são lidos necessariamente pela via lexical? 4. Quais estímulos gráficos são lidos necessariamente pela via fonológica ou perilexical? 5. Dificuldades de memória de curto prazo devem provocar que tipos de erros na escrita? 6. O que é grafismo e como ele pode ser influenciado pelo envelhecimento? 7. Como as dificuldades sintáticas de idosos diferem-se na oralidade e na escrita? 8. Por que a escrita tem servido como um indicador cognitivo do envelhecimento patológico?
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Cognição e Envelhecimento
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PARTE IV Cognição nos transtornos do envelhecimento
APRESENTAÇÃO Nesta quarta parte, são apresentados três quadros de envelhecimento patológico que afetam significativamente os processos cognitivos: o transtorno cognitivo da depressão geriátrica, ou pseudodemência depressiva (PSD-d), o declínio cognitivo leve (DCL) e a demência do tipo Alzheimer (DTA). Eles foram selecionados em função de sua maior freqüência nos distúrbios cognitivos do envelhecimento, ficando fora da abrangência do presente livro outros processos demenciais como a demência frontal, a afasia progressiva primária, a demência semântica, etc. A seqüência dos capítulos pode sugerir um contínuo ou uma hierarquia de gravidade, isso porque a PSD-d tem um caráter reversivo (pelo menos em sua definição) e o DCL, ainda que apresente falhas cognitivas persistentes, pode não evidenciar o declínio progressivo necessário para o diagnóstico de DTA. Entretanto, o que é discutido nesta parte é o entrelaçamento entre as três síndromes e, conseqüentemente, a dificuldade diagnóstica entre elas. Nesse sentido, a excelente discussão elaborada por Xavier no Capítulo 13 demonstra que, apesar dos sintomas depressivos serem reversíveis, as falhas cognitivas podem persistir. Além de uma minuciosa discussão sobre os fa-
tores causais da PSD-d, também é discutido se esta síndrome representa um sinal precoce ou um fator de risco para a demência. Por outro lado, o capítulo também mostra a importância de uma avaliação precisa e ao mesmo tempo abrangente das dificuldades cognitivas do idoso, além de descrever diferentes quadros de PSD-d, as de início precoce e as de início tardio, cada uma com diferentes conseqüências na cognição e no prognóstico. Em face dessa diversidade, Xavier também postula a existência de outros tipos de PSD-d associados à diversidade fisiopatológica dos quadros demenciais. No Capítulo 14, Wagner, Brandão e Parente colocam em relevo as confusões terminológicas e conceituais em torno do chamado declínio cognitivo leve (DCL – Mild Cognitive Impairment), apontando-as como decorrentes da falta de critérios claros das diferenças de desempenho entre jovens e idosos. Abordam também a dificuldade em distinguir processos iniciais da demência do tipo Alzheimer (DTA) de declínios degenerativos. Uma ampla discussão é realizada questionando se as falhas descritas nos DCL correspondem aos declínios cognitivos encontrados no envelhecimento normal, mas não suficientemente graves para o diagnóstico de uma demência. Será que a patologia reflete um contínuo de perdas cognitivas? Um levantamento
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atualizado dos trabalhos publicados sobre DCL mostra os domínios cognitivos mais afetados e a variedade das provas aplicadas em sua investigação. Este capítulo enfoca e polemiza o diagnóstico e abre o campo para um número maior de estudos que apresentem uma coerência entre as bases teóricas e as formas de avaliação. O Capítulo 15 é mais didático, em princípio por três razões: as dificuldades diagnósticas, de certa forma, foram abordadas anteriormente, ao discutir outros quadros que não representam, necessariamente, um declínio degenerativo; diferentemente dos quadros anteriores, existe uma grande quantidade de trabalhos sobre a DTA, de forma que, ainda que extenso, o capítulo representa um levantamento sucinto das investigações atuais sobre a doença; a gravidade do quadro exige uma abordagem clara e cautelosa. O capítulo tem por objetivo mostrar a complexidade das diferentes áreas cognitivas afetadas pela DTA: memória, linguagem, leitura e escrita, funções executivas e visuoespaciais. Nesse sentido, é bem interessante notar como os autores indicam a maneira como o aumento da gravidade vai afetando os diferentes tipos de memória. A questão da memória semântica e da linguagem ocupa um importante espaço, tendo em vista que sua falha afeta a comunicação do sujeito com seus familia-
res e o acesso ao significado do mundo que o rodeia. Interessante também é a discussão entre falhas de escrita e uma leitura relativamente preservada, porém pouco significativa, uma vez que a maioria dos manuais sobre a DTA omite a expressão e a compreensão escrita. Em outras palavras, essas perdas ainda são pouco investigadas e, como salientado em capítulos anteriores, podem constituir marcadores cognitivos da doença em indivíduos alfabetizados. Segue uma discussão sobre falhas executivas, exaustivamente abordadas nos capítulos sobre envelhecimento normal, pois, em vista da sensibilidade dessas funções ao envelhecimento, não é de se admirar que fiquem também afetadas no envelhecimento patológico. Por fim, algumas palavras sobre o processamento visuoespacial indicam cuidados na avaliação dessa função que constitui uma queixa freqüente dos familiares. As discussões levantadas nesta parte têm como objetivo auxiliar o diagnóstico complexo dos quadros de declínio cognitivo no envelhecimento, considerando-se que os limites entre os três quadros não são assim tão nítidos. Observa-se que a complexidade desse diagnóstico requer um trabalho multidisciplinar, com avaliações médicas, neuropsicológicas, incluindo um diagnóstico psicológico de personalidade, além de avaliações de atividades de vida diária.
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13 O transtorno cognitivo da depressão geriátrica ou a “pseudodemência depressiva” do idoso Flávio Merino de Freitas Xavier
CONCEITOS TRABALHADOS Pseudo-demência (ou síndrome demencial da depressão, demência da depressão, transtorno cognitivo da depressão senil): quadro de alteração cognitiva associado a um episódio depressivo em pessoas com mais de 65 anos. Uma das características mais particulares é seu caráter reversível, ou seja, as perdas cognitivas melhoram em concordância com a melhora do quadro depressivo. Depressão de início precoce/tardio: segundo dados epidemiológicos, a maior parte dos primeiros episódios depressivos – ou a maior parte dos pacientes – tem seu primeiro episódio depressivo em torno do final da adolescência. Além dessa característica, os sujeitos com depressão maior apresentam vários episódios durante a vida, sendo ela uma doença crônica e recorrente. Portanto, um padrão de primeiro episódio após os 65 anos é menos freqüente (é inusual ou atípico) e tem sido objeto de pesquisa. Pessoas com primeiro episódio depressivo na velhice têm, como grupo, aspectos
já evidenciados: a presença de mais fatores de risco cardiovasculares, bem como mais sinais de neuroimagem de lesão vascular no encéfalo. Pródromo: em semiologia médica, um sinal prodrômico é aquele sinal que anuncia a chegada de um quadro futuro. Um sinal prodômico é aquele que antecede a apresentação evidente de uma doença. Hipercortisolemia: um nível elevado de cortisol na corrente sanguínea. Hiperintensidades: no jargão da radiologia, a lesão encefálica na ressonância nuclear magnética aparece como “hiperintensidades” neste exame de imagem. Demência vascular: demências são perdas cognitivas que têm intensidade tal que chegam a interferir nas atividades da vida diária. A causa mais freqüente desse distúrbio é a demência do tipo Alzheimer, pelo menos nos Estados Unidos. Naquele país, as lesões vasculares do tecido cerebral são a segunda causa mais freqüente de demência. As demências decorrentes de uma pluralidade grande de doenças vasculares (des-
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de grandes enfartes encefálicos até lesões microvasculares) são um grupo denominado demências “vasculares”. Pseudodemência progressiva: nas percepções clínicas que se tornaram clássicas nas últimas décadas, era consenso que as perdas cognitivas dos quadros depressivos em idosos tinham como característica mais peculiar a reversibilidade: idosos que apresentavam perdas cognitivas pela depressão, ao resolverem o episódio depressivo, resolveriam também o quadro de perda cognitiva. Na visão mais antiga e mais aceita, a perda cognitiva do idoso deprimido não era uma demência verdadeira por não ser definitiva, por isso “pseudo”. Ao mesmo tempo, ao contrário da demência do tipo Alzheimer, não era progressiva e definitiva, por isso seria reversiva. Estudos mais recentes determinam quadros de exceção em que há perdas cognitivas em sujeitos idosos deprimidos que não resolvem após o final do episódio depressivo, são quadros cognitivos que pioram, e por isso estão sendo estudados com a denominação de pseudodemência progressiva: neste novo contexto, a denominação é empregada para dar conta dos casos em que a perda cognitva após a resolução da depressão não só não melhora como segue evoluindo para uma perda ainda maior (e muitas vezes mesmo evoluindo para uma “verdadeira demência”).
INTRODUÇÃO O conceito Uma considerável proporção de pacientes geriátricos deprimidos apresenta um declínio cognitivo. Este declínio, apesar da possibilidade de ter uma intensidade tão marcada como a de uma demência, difere da disfunção cognitiva da demência pela sua reversibilidade. Justamente por esse caráter reversível, essa síndrome demencial que ocorre durante um episódio depressivo em idosos tem sido chamada de “pseudodemência”. Outros nomes bem menos conhecidos na literatura científi-
ca, mas seguramente mais precisos para o mesmo quadro seriam: síndrome demencial da depressão, demência da depressão ou transtorno cognitivo da depressão senil. Segundo revisão de Barjau e colaboradores (2001), a noção da ocorrência de perda cognitiva durante o episódio afetivo já vinha sendo descrita desde 1883, quando Albert Meiret publicou um trabalho sobre a “demência melancólica”, tendo outros autores referido o fenômeno em termos como “melancolia atônica”, “depressão estúpida”, “demência vesânica”. Foram contudo os trabalhos de Kiloch em 1961 e de Wells em 1979 que cunharam o termo “pseudodemência depressiva”.
Reversível, mas até que ponto? Ainda que a definição de pseudodemência depressiva (PSD-d) inclua a noção de reversibilidade, ou restauração da função cognitiva a padrões normais após a solução do episódio depressivo, evidências mais recentes demonstram que o tanto de recuperação possível não seria total. Mesmo que melhorem dos sintomas afetivos, é possível que os pacientes não voltem a ter o mesmo desempenho em testes cognitivos que os anteriores à depressão. Podemos encontrar trabalhos que mostram retorno do desempenho cognitivo ao nível normal (Abas et al., 1990; Tarbuck et al., 1995). McNeil (1999) atestou que metade dos sujeitos com PSD-d tratados com sucesso para depressão melhoravam cognitivamente em dois ou três meses. Mesmo com a melhora, o trabalho observa que – passados três anos – o grupo voltava a ter queda cognitiva: após este tempo de evolução, o desempenho dos sujeitos retornava ao nível de comprometimento igual ao do tempo em que em que ainda havia a depressão. Esse achado, segundo os autores, evidenciaria duas conclusões: (a) deve haver conexão entre PSD-d e (b) risco para demenciação e os três anos de melhora do funcionamento cognitivo não seriam desprezíveis, havendo evidente valor clínico em um período tão longo de preservação da funcionalidade.
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Por outro lado, outros estudos têm demonstrado a persistência dos déficits cognitivos mesmo após a remissão do quadro de humor (Paradiso et al., 1997; Butters, 2000). Lentificações na velocidade de processamento e na memória de trabalho persistiriam (Nebes et al., 2000). Há muitos fatores que podem explicar esses resultados conflitantes entre estudos que mostram reversibilidade e os que mostram não recuperação cognitiva após solução da depressão. Muitos trabalhos que demonstraram melhora no desempenho cognitivo não incluíram grupo-controle. Assim, não fica claro o quanto a melhora nos escores dos pacientes reflete uma restauração da função cognitiva associada com a melhora do humor ou apenas um aprendizado dos pacientes sobre os testes neuropsicológicos (TNP). Neste sentido, Nebes e colaboradores (2003) observaram que o tamanho do incremento dos escores de idosos com PSD-d, após a solução do episódio depressivo, não era maior do que o crescimento dos escores observados em grupos-controle apenas devido a repetição e o aprendizado sobre o teste (ou seja, prática). Butters e colaboradores (2000), mesmo observando melhora da cognição após o tratamento do humor, viram que o nível atingido não era necessariamente o normal. Idosos deprimidos que faziam PSD-d, quando comparados aos que não faziam, tinham ainda escores piores de memória e de funções executivas (iniciação/perseveração) pela escala Mattis de demência após a resolução do quadro afetivo.
Depressão de início precoce, depressão de início tardio (DIT) A depressão no idoso é uma entidade heterogênea. Alguns idosos deprimidos apresentam depressões recorrentes desde jovens, enquanto outros apresentam o surgimento do primeiro episódio depressivo na velhice, quando as mudanças neurofuncionais da idade são proeminentes. Mudanças estruturais no cérebro podem ter um papel importante na etio-
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logia e patofisiologia de muitos casos de depressão de início tardio (DIT). Estudos de ressonância nuclear magnética (RNM) mostram mais associação entre presença de patologia cerebrovascular (pelos radiologistas, a imagem da lesão é referida como “hiperintensidades” e estas são evidenciadas na substância branca e na matéria cinzenta subcortical) nos quadros de depressão de idosos (em particular, as lesões ocorrem mais freqüentemente nos casos de depressão de início tardio). Comparados com os idosos deprimidos de apresentação mais precoce (na idade adulta ou antes), pacientes com DIT parecem ter menos história familiar de transtorno do humor, mais prevalência de transtorno demencial, maior disfunção nos testes neuropsicológicos, maior prevalência de desenvolvimento demencial posterior no seguimento, maior comprometimento neurossensorial de audição, maior alargamento de ventrículos cerebrais laterais e maior hiperintensidade em substância branca na ressonância nuclear magnética (Alexopoulos et al., 1990). Quando comparados com sujeitos com depressão de início precoce, os sujeitos com depressão de início tardio apresentam-se com um mais alto índice de sofrimento por doença médica e mais freqüentemente apresentam doenças neurológicas associadas (Alexopoulos et al., 2002). O conjunto dessas diferenças sugeririam a hipótese (por ser melhor confirmada) de que a DIT seria algo distinto da simples depressão geriátrica, uma categoria mais próxima da demência ou uma entidade fronteiriça com os transtornos vasculares.
Apresentação clínica e postura dos pacientes com PSD-d durante a testagem Pacientes com o quadro de perdas cognitivas da depressão freqüentemente apresentam ansiedade proeminente, confusão, perda da habilidade para se vestir e para higiene, porém a orientação para tempo e espaço está preservada (Burke et al., 2000). Pearlson e cola-
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boradores (1989) descreveram que pacientes com PSD-d diferenciavam-se de pacientes com depressão apenas pela maior presença de delírio, pela ansiedade mais severa e pelo índice maior de atrofia em achados de neuroimagem (Pearlson, 1989). Atualmente, o diagnóstico de PSD-d se fundamenta na constatação retrospectiva de recuperação do funcionamento intelectual após um tratamento bem-sucedido com antidepressivos. Contudo, alguns autores acreditam que com refinamento semiológico e com certos parâmetros clínicos seja possível fazer o diagnóstico de PSD-d sem recorrer a critérios de resposta ao tratamento (Barjau et al., 2001). A entidade clínica PSD-d não está classificada nos atuais consensos diagnósticos da CID-10 e do DSM-IV, eventualmente por ter sido considerada um conceito por demais provisório ou controverso, sem ainda a suficiente validade de constructo, ou um conceito em estudo. Na entrevista e testagem do paciente com PSD-d, tipicamente se encontram respostas do tipo “não sei”, “não consigo”, “não me lembro”, “sou incapaz de”. O paciente apresenta com mais freqüência queixas detalhadas sobre sua função cognitiva, magnifica e exagera suas incapacidades e problemas de memória, se angustia significativamente frente a seus fracassos. É essa angústia e sobrevalorização que trouxe o paciente voluntariamente à consulta. Na testagem neuropsicológica, o paciente com PSD-d está pouco cooperativo, faz pouco esforço para recordar ou render bem, reprisando seus fracassos, ou mesmo negando-se a fazer a avaliação. Essas respostas de “má-vontade” (ou apenas erradas) aos testes de memória são diferentes das respostas detalhadas e claras dadas às perguntas sobre a vida pessoal passada e presente: falando sobre sua entrevista com uma psicóloga, um sujeito com PSD-d contava que não conseguira lembrar a palavra funil apresentada como uma figura na testagem; contudo, o sujeito lembrava semanas depois o nome da psicóloga. Pode-se encontrar ainda uma importante variabilidade ao executar tarefas de similar dificuldade, sendo também o déficit cognitivo variável com o tempo: na PSD-d as alterações cognitivas são variáveis com o tempo, obtendo-se flutuações se aplicados testes cognitivos
seriados ao longo do tempo (Barjau et al., 2001).
Quatro hipóteses sobre a natureza da associação entre depressão e disfunção cognitiva Frente à freqüente ocorrência de disfunção cognitiva entre idosos deprimidos, diversas sugestões e hipóteses foram pensadas sobre a natureza (Causal? Causal em que direção?) dessa associação. Primeiro, a depressão poderia ser uma reação emocional do idoso ao perceber um quadro de demência inicial. Neste conceito, a depressão seria apenas uma situação de prédemência (um pródromo). Uma segunda hipótese explicativa sugere a existência de uma causa comum subjacente no sistema nervoso central que poderia levar tanto à depressão como também ao declínio cognitivo em sujeitos idosos. Neste sentido, foi demonstrado que sujeitos idosos deprimidos têm mais freqüentes e mais graves anormalidades em substância branca e em outras áreas subcorticais em imagens de ressonância nuclear magnética (RNM). Como a depressão se associa com a elevação dos níveis de cortisol, a terceira hipótese explicativa leva em conta a possibilidade desta hipercortisolemia levar à morte de neurônios em hipocampo e desregulação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, com conseqüente atrofia hipocampal e conseqüente declínio cognitivo. Por fim, ainda que exista uma freqüente associação entre a presença de depressão e de disfunção cognitiva, alguns autores lidam com a possibilidade de não existir uma relação causal entre ambas. Devanand e colaboradores (2003) publicaram um estudo em que trabalham com a noção de que a depressão e a disfunção cognitiva não-demencial (disfunção cognitiva leve) sejam apenas duas doenças de apresentação co-mórbidas. Dado o fato de que ambas as categorias são altamente prevalentes e independentes uma da outra na terceira idade, a simultânea ocorrência das duas bem poderia não ter uma relação causal.
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Existindo ou não uma relação causal entre declínio cognitivo e depressão, é fato que ambos são prevalentes isoladamente na terceira idade e mais prevalente ainda em concomitância: segundo Alexopoulos (2002), a prevalência da coocorrência de perdas cognitivas e depressão dobra a cada cinco anos após os 70 anos entre residentes na comunidade, de forma que aos 85 anos, um percentual de 25% dos idosos terá clínica de depressão combinada com perdas cognitivas.
Depressão: pródromo ou fator de risco da demência A freqüente evolução dos quadros de PSD-d para efetiva demência irreversível posterior leva um conjunto de autores a perguntar se não se deveria tomar a depressão geriátrica (e ainda mais a DIT) como um pródromo (um sintoma muito inicial) da demência. Alexopoulos e colaboradores (1993) referiram que uma evolução para demência irreversível era mais provável no seguimento do grupo de deprimidos com PSD-d (43%) do que no grupo de deprimidos sem perdas cognitivas (12%). Deste resultado, Alexopoulos (1993) sugeriu que a PSD-d poderia ser uma entidade clínica que contivesse dentro de si um subgrupo de pacientes com estágios muito iniciais de demência. A relação entre disfunção cognitiva e depressão geriátrica coloca questões sobre o curso e evolução deste tipo de depressão. A depressão geriátrica é pródromo de demência? É fator de risco para demência? Será a disfunção cognitiva a expressão clínica de uma anormalidade cerebral (estrutural) que influi (predispondo? precipitando? perpetuando?) no curso dos sintomas depressivos? Os achados disponíveis na leitura de Alexopoulos (2002) sugerem que, entre as depressões geriátricas, apenas a DIT poderia ser pródromo de demência do tipo Alzheimer (DTA). É possível que exista algum tipo de relação biológica entre DIT e demência. Harwood e colaboradores (2000), estudando mais de 3 mil sujeitos idosos na comunidade, encontra-
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ram mais história familiar de demência entre parentes de primeiro grau de idosos com depressão do que entre os de idosos sem depressão. O dado sugeriu aos autores que a depressão poderia ser um princípio de demência (um pródromo), ou ainda, alternativamente, que existiria algum tipo de agregação familiar entre demência e depressão de idosos. Se a depressão geriátrica não é pródromo de demência, existe a possibilidade alternativa de que seja um fator de risco para demência. Paterniti e colaboradores (2002) evidenciaram que altos índices de sintomas depressivos (apenas se persistentemente mantidos) estavam associados com posterior declínio cognitivo. Ainda não é claro o quanto a presença da depressão pode elevar o risco de demência subseqüente entre pacientes idosos. Harwood e colaboradores (2000) citam diversos estudos que mostram os transtornos do humor como um fator de risco para a DTA. Devanand e colaboradores (1996) observaram que o humor depressivo em uma primeira avaliação aumentava o risco de incidência de DTA em um seguimento de um a cinco anos. Geerlings e colaboradores (2000) demonstraram que – exclusivamente entre idosos com mais de oito anos de escolaridade formal – sintomas depressivos eram um fator de risco para uma posterior demenciação. Por outro lado, também existem diversos trabalhos que não encontraram evidências da depressão como um fator de risco para demenciação. Cervilla (2000) não encontrou evidência de que sintomas depressivos nove anos antes fossem fator de risco para demenciação posterior. Chen e colaboradores (1999) atestaram que sintomas depressivos não aumentavam o risco para DTA. Porém, a presença de demência aumentava o risco de subseqüente depressão, indicando que, antes de ser a causa de uma demência, a depressão seria uma conseqüência. Para uma discussão sobre achados que negam a evidência do papel da depressão como um fator de risco para demência, ver Alexopoulos (2002). O conjunto de dados disponíveis, na opinião de Alexopoulos (2002), sugere que a depressão precoce (a de início da fase de adulto jovem ou antes) seria fator de risco para demência do tipo Alzheimer, enquanto, por outro lado
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a depressão tardia seria pródromo (e não fator de risco) muitas vezes de doenças demenciais.
Quem tem mais risco de fazer pseudodemência depressiva Entre pacientes idosos deprimidos, ocorre grande variabilidade no desempenho em testes cognitivos, e permanece difícil de elucidar por que alguns exibem consideráveis déficits na testagem, enquanto outros não (Naismith, 2003). Existem fatores que, epidemiologicamente, foram associados com risco maior de perda cognitiva na depressão geriátrica, por exemplo: maior intensidade do sofrimento com doenças médicas, retardo psicomotor, depressão do tipo melancólico, ansiedade co-mórbida com a depressão, disfunção executiva, número de episódios prévios de depressão, hospitalização, presença de sintomas psicóticos, presença de DIT e depressão vascular. Ainda que a presença de depressão do subtipo melancólico tenha sido anteriormente apontada como fator de risco para PSD-d, estudos controlando a intensidade dos sintomas depressivos não confirmaram essa evidência (Naismith et al., 2003). Parece que seria a maior intensidade de sintomas depressivos, e não qualquer subtipo clínico de depressão, que traria mais risco de PSD-d (Beats et al., 1996). A presença de depressão psicótica não traz mais risco de perdas de memória, mas associa-se a uma lentificação psicomotora e a certo prejuízo na atenção e na capacidade de aprendizado (Naismith et al., 2003). Ainda segundo Naismith, há evidências sugerindo que idosos com depressão recorrente (vários episódios prévios) teriam mais déficits de aquisição de informação do que idosos com história de apenas um único episódio depressivo.
Doenças médicas Diversas doenças médicas (independentemente da depressão que podem e costumam ocasionar) são fatores de risco para perdas
cognitivas. Craft e colaboradores (2003) descrevem quais são as alterações cognitivas específicas vistas comumente em situações como hipertensão, diabetes, déficits nutricionais, hipotireoidismo, DBPOC, apnéia do sono e no pós-operatório de cirurgias cardíacas. Ancelin e colaboradores (2001) demonstraram a persistência de declínio cognitivo em 56% dos sujeitos idosos após três meses da aplicação de anestesia geral. Além desses efeitos diretos (não mediados pela depressão) dos quadros médicos/cirúrgicos sobre a cognição, sabe-se que essas situações de clínica geral, mais comumente do que a velhice saudável, predispõem à depressão, sendo um fator de risco para disfunção cognitiva. Estima-se que até 40% dos idosos hospitalizados em enfermarias geriátricas apresentem depressão maior (Xavier e Veronese, 2003).
Depressão geriátrica no ambiente das doenças clínicas Na verdade, se a depressão é epidemiológicamente incomum entre idosos saudáveis da comunidade (algo em torno de 3%), ela se torna bastante freqüente entre idosos doentes (em torno de 40%). Assim, quando o idoso tem depressão geriátrica, muito mais provavelmente será uma depressão sobreposta a diversas doenças e fármacos clínicos do que sobreposta a uma velhice saudável. E essas doenças clínicas de base apresentam – independentemente da depressão – potencial de impacto não desprezível sobre a função cognitiva. Esta associação entre presença de enfermidade médica e depressão é tão comum na terceira idade que há autores que entendem que quase a totalidade dos quadros de depressão geriátrica ocorram no setting (no contexto) das enfermidades médicas: “a depressão geriátrica afeta principalmente indivíduos com outros problemas médicos e psicossociais, incluindo disfunção cognitiva, perda da autonomia ou da funcionalidade (para atividades da vida diária), enfermidades médicas e isolamento social” (Alexopoulos et al., 2002).
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Vista como a superfície aparente de um quadro mais amplo de doenças médicas e sofrimento por disfunção, a depressão geriátrica é mais bem entendida. Mesmo as perdas cognitivas observadas na depressão geriátrica passam a ser encaradas como de etiologia bifatorial: tanto doenças médicas quanto a depressão podem levar à disfunção cognitiva. Nesta complexidade, fica evidente a dificuldade posta para a pesquisa sobre PSD-d em separar os determinantes de clínica médica geral (remédios, enfermidades, disfunção) dos determinantes propriamente depressivos da perda cognitiva.
CAUSAS PRESUMÍVEIS VASCULARES PARA A PSD-d Presença de lesões microvasculares isquêmicas em região frontal são a causa tanto de depressão de início tardio (DIT) quanto de PSD-d? Uma possível explicação para sujeitos deprimidos desenvolverem disfunção cognitiva é a presença de patologia cerebrovascular. Uma das anormalidades mais consistentes, observada em sujeitos idosos deprimidos, é o aumento da freqüência em que se observam alterações em neuroimagem (como ressonância nuclear magnética) sugestivas de lesões vasculares, particularmente em áreas de substância branca e subcortical cinzenta. Os radiologistas denominam essas lesões de “hiperintensidade” de substância branca (HSB). Estas lesões vasculares têm sido associadas com disfunção cognitiva durante os episódios depressivos e também com disfunção cognitiva residual (isto é, não responsiva ao tratamento bem-sucedido do quadro do humor). Embasados em parte na neuroimagem (evidenciando associação entre lesões isquêmicas vasculares e depressão geriátrica), no desenvolvimento de depressão geriátrica e, em parte, nas evidências de epidemiologia sobre a associação entre fatores de risco cardiovasculares (hipertensão, dislipidemia, arritmias, placas ateroescleróticas, doença vascular periférica, por exemplo),
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Alexopoulos e outros autores vêm propondo a noção do que batizaram de “depressão vascular”. Já que a causa de HSB na RNM são mudanças microvasculares, e que essas lesões estão consistentemente associadas com a disfunção cognitiva na depressão, é possível que a disfunção cognitiva que ocorre durante um episódio depressivo possa estar relacionada com um aumento na patologia microvascular. Para uma revisão e fundamentação das referências desta hipótese de causas vasculares não apenas da PSD-d, mas mesmo da depressão geriátrica, ver Alexopoulos (2002). Recentemente, um grupo argentino conseguiu aumentar o efeito de antidepressivos em sujeitos com depressão vascular associando um bloqueador do canal de cálcio, a nimodipina (Tarangano et al., 2001). Desconexão fronto-estriatal. Entre idosos deprimidos, essas lesões evidentes na RNM, como HSB, ocorrem mais em lobo frontal. Recentemente, a pesquisa vem procurando precisar ainda mais a localização dessas lesões, trabalhando com a noção de que seriam lesões em pontos críticos ou então acúmulo de diversas lesões que levariam a uma ruptura de vias que ligam a região do córtex pré-frontal com estruturas aferentes subcorticais (particularmente o componente estriado dos gânglios da base). Isso vem sendo chamado de hipótese da desconexão frontoestriatal. Butters e colaboradores (2000) sugerem – desta maneira – que a depressão geriátrica, e mais particularmente a depressão geriátrica de início tardio, tenham, como substrato neuropatológico, essa ruptura de circuito de neurônios decorrente de um sofrimento vascular do tecido cerebral. “Desconexão” pressupõe irreversibilidade? É possível supor como conseqüência da noção de “dano” estrutural a idéia conseqüente de “irreversibilidade” do quadro de disfunção cognitiva (e também da não-melhora do quadro afetivo). A favor da noção de “dano irreversível”, estão os casos de não-melhora cognitiva após o tratamento bem-sucedido da depressão e as evidências de que presença de lesão de substância branca na depressão geriátrica au-
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mentaria significativamente o risco de futura demência em cinco anos (Kramer et al., 2000). Indo contra essa noção estão não apenas os casos de melhora cognitiva após o tratamento bem-sucedido dos sintomas afetivos, mas também os achados de neuroimagem funcional com SPECT, que mostram uma hipoperfusão dos lobos frontais durante o episódio depressivo, perfusão que, contudo, se normaliza quando da remissão do quadro afetivo (Navarro et al., 2002). Como proposto por Cho e colaboradores (2002), diferenças na evolução entre sujeitos podem falar a favor da existência de dois tipos de PSD-d, da existência de duas entidades dicotômicas: uma entidade central de disfunção cognitiva mais persistente e resistente ao tratamento e outra entidade de disfunção reversível com pronto surgimento da melhora cognitiva com os antidepressivos. A mesma alteração cerebrovascular em região subcortical, de preferência frontal, poderia levar, simultaneamente ao quadro depressivo do humor, à disfunção cognitiva. De fato, achados de pesquisa também encontraram associação entre lesão (hiperintensidades) de substância branca frontal não só com depressão geriátrica, mas também com retardo psicomotor (Hickie et al., 1995) e com alterações nas funções executivas (Lesser et al., 1996). Tomados juntos, esses achados sugerem uma relação entre as presenças de depressão geriátrica (muito mais particularmente a depressão de início tardio), na clínica, de hiperintensidades na neuroimagem (especialmente na substância branca profunda do lobo frontal e do caudato) e de disfunção executiva na testagem neuropsicológica. Esses três fatores costumam ocorrer em associação, concomitância que sugere algum tipo de natureza causal entre eles.
A disfunção executiva na lesão frontal de natureza vascular As funções executivas englobam a capacidade de planificação, de seqüenciação, de organização e de abstração. São funções do lobo frontal a fluência verbal, a memória de traba-
lho, a comutação da atenção (Portella e Marcos, 2002). Uma série de habilidades depende da função executiva como a capacidade de solucionar problemas, de lidar com novidades, de selecionar estratégias e monitorar o desempenho, e estas, por sua vez, são importantes para outras atividades cognitivas como a memória episódica (Fossati et al., 2002). A capacidade de trocar rapidamente a atenção entre os processos mentais em curso e as tarefas da testagem é vista como dependente do controle executivo, uma capacidade de papel importante em muitas operações mentais mais complexas (Nebes et al., 2003). Na depressão geriátrica, observa-se disfunção executiva com déficits em atividades que exijam funções típicas do lobo frontal. Os idosos deprimidos (e mais ainda os idosos com depressão de início tardio) apresentam mais dificuldades com tarefas complexas que exijam um processamento com esforço e atenção sustentada do córtex pré-frontal, ou seja, que demandem concentração, atenção e intencionalidade (Elderkin-Thompson et al., 2003). Segundo Portella, na depressão de início tardio, encontramos a desmotivação para executar a ação e dificuldade para organizar temporalmente a ação, ou seja, para poder seguir uma ordem lógica, ordenada e coerente que permita chegar a uma finalidade, a um objetivo. “Os sujeitos idosos com DIT não fariam uso do processo de autocorreção, do feedback informativo sobre a adequação progressiva ao objetivo último” (Portella e Marcos, 2002). Concebendo o papel do córtex pré-frontal dorsolateral como sendo o de intérprete entre a formulação e a execução dos planos de ação, entende-se que lesões estruturais (microvasculares) nessa região possam causar disfunção executiva. Para Portella, é a disfunção executiva o achado neuropsicológico mais específico da depressão de início tardio: tanto a diminuição da velocidade de processamento de informações quanto os déficits de memória ocorrem na depressão do adulto jovem e na depressão de início tardio. Já a disfunção executiva é mais particular da depressão de início tardio. Neste mesmo sentido, Lesser e colaboradores (1996)
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Cognição e Envelhecimento
encontraram disfunção executiva exagerada entre idosos com DIT, quando comparados com idosos com depressão de início na fase de adultos jovens ou antes.
A síndrome depressão-disfunção executiva Alexopoulos (2001) cunhou o termo de “síndrome da depressão-disfunção executiva” para referir os quadros em que exista a concomitância de achados do humor depressivo com evidências neuropsicológicas de comprometimento em testes que utilizam habilidades frontais. Algumas características clínicas de sujeitos com a síndrome são: resposta mais retardada, menos provável, mais “instável” (Alexopoulos, 2000) e sujeita a recaídas e recorrências aos atuais antidepressivos; retardo psicomotor; desconfiança; comprometimento nas atividades instrumentais da vida diária (pela escala de AIVDs) com relativamente poucos sintomas vegetativos. Pacientes com a síndrome têm pior resposta ao tratamento com antidepressivos. A presença de disfunção executiva, para diferentes autores a expressão neuropsicológica da desconexão frontoestriatal, foi relatada como preditora de pobre ou lenta resposta aos antidepressivos na depressão geriátrica, enquanto a disfunção de memória não influía na resposta aos antidepressivos (Kalayam et al., 1999). Pobre ou lenta resposta aos antidepressivos esteve associada com retardo psicomotor – um distúrbio do comportamento associado com disfunção frontoestriatal (Alexopoulos et al., 2001).
CAUSAS PRESUMÍVEIS NEURODEGENERATIVAS PARA PSD-d Apesar de existir mais de uma dezena de tipos de demências, a grande maioria dos casos (mais de 80%) de demência se deve a apenas dois tipos: a demência vascular e a demência do tipo Alzheimer (DTA). Em uma visão clássica que perdurou nos últimos 30 anos so-
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bre a etiopatogenia destas duas síndromes, a demência vascular teria uma etiopatogenia calcada em lesões vasculares, seja microvasculares, seja em lesões vasculares maiores, enquanto a DTA teria etiopatogeneia calcada em lesões do neurônio, ou lesões neurodegenerativas (os novelos neurofibrilares e as placas de depósito de amilóide). Essa visão esquemática sobre a etiopatogenia de ambas as demências mais comuns está em crise hoje, dadas as diversas confluências e sobreposições de lesões vasculares, como base da DTA, e o encontro de neurodegeneração em quadros de demência vascular. Contudo, de forma esquemática ainda se podem dividir as demências em duas etiopatogenias principais: as demências vasculares de natureza em lesões vasculares e as demências do tipo Alzheimer, de natureza neurodegenerativa. Na Parte II, foram expostas evidências – principalmente de estudos de ressonância nuclear magnética, um exame de anatomia – de associação entre lesões microvasculares com a PSD-d. Contudo, existem evidências recentes de associação de PSD-d também com lesões neurodegenerativas não apenas vasculares. As evidências são tanto de estudos de evolução posterior de quadros de PSD-d para Alzheimer, quanto evidências de estudos por SPECT. Evidências de evolução: Estudos de Harwood e colaboradores (2000) e de Devanand e colaboradores (1996) mostram que sujeitos com PSD-d tinham mais evolução para demência do tipo Alzheimer no acompanhamento prospectivo. Evidências por estudos de SPECT. As evidências de associação de PSD-d com lesões neurodegenerativas são baseadas em um exame não anatômico (da forma) cerebral, mas de funcionamento cerebral (SPECT). Fazendo uso deste método de exame das anormalidades na quantidade de fluxo cerebral em diversas áreas, Cho e colaboradores (2000) comparam o padrão no SPECT em quatro grupos de idosos: 1. sujeitos com PSD-d; 2. sujeitos só com depressão e sem perdas cognitivas;
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3. sujeitos normais; 4. sujeitos com demência do tipo Alzheimer (DTA). O objetivo do estudo era ver se o padrão de disfunção no SPECT se pareceria mais com padrão dos deprimidos ou mais com o padrão dos sujeitos com DTA. Pela comparação dos grupos, os autores concluíram que sujeitos com PSD-d tinham uma apresentação de diminuição de fluxo temporo-parietal típico da DTA, antes que o padrão de menor fluxo em região frontal, típico da depressão. Essa evidência levou os autores a concluírem que a PSD-d pode ser qualitativamente diferente da depressão e que o padrão funcional pelo SPECT da PSD-d é parecido com o padrão de uma demência neurodegenerativa (particularmente do tipo Alzheimer). Comparando os padrões de fluxo entre sujeitos com PSD-d e sujeitos com DTA, os autores concluíram ainda que, apesar de os dois grupos apresentarem diminuição de fluxo na mesma área (em região parieto-temporal), sujeitos dementes já tinham um comprometimento bem mais avançado e grave (significativo menor fluxo dos com DTA em comparação aos com PSD-d em região temporal direita, em ambas as regiões frontais e parietais). Por conta do acúmulo de evidências da associação de PSD-d tanto com lesões vasculares (estudos de RNM) quanto com lesões neurodegenerativas (estudos de SPECT), Alexopoulos e colaboradores (2002) afirmam que “as causas da disfunção cognitiva na depressão geriátrica sejam provavelmente multifatoriais com contribuições, tanto de processos neurodegenerativos como de processos vasculares”. Outra possibilidade é a de que existam subgrupos de doentes com PSD-d relacionada à doença vascular, e subgrupos com PSD-d relacionada com doença neurodegenerativa.
O PADRÃO DOS TESTES NEUROPSICOLÓGICOS DE IDOSOS COM PSEUDODEMÊNCIA DEPRESSIVA Apesar do excesso de domínios cognitivos apontados nos diferentes estudos como alte-
rados na PSD-d, existe um consenso de que os idosos com depressão geriátrica apresentam principalmente três alterações mais importantes na testagem neuropsicológica: diminuição da velocidade de processamento da informação, disfunção na memória de trabalho e disfunção executiva. Alguns autores (Portella e Marcos, 2002) defendem que as duas primeiras alterações não são específicas da depressão geriátrica, e sim da depressão em qualquer faixa etária. Outras áreas citadas de forma mais recorrente na literatura como alteradas na PSD-d seriam a função visuoespacial, a atenção sustentada e a motivação. Apesar de o consenso mais recente apontar apenas a velocidade de processamento de informação, a memória de trabalho e a função executiva como os domínios comprometidos na PSD-d, há ainda, de forma não consensual, outros que também já foram citados na literatura. Há evidências de diferentes qualidades científicas apontando os mais variados domínios da cognição como comprometidos, o que gera certa confusão pelo provável exagero e falta de confirmação posterior de dados. O Quadro 13.1 ilustra uma coleção completa de domínios já citados, procurando diferenciar com base em dois critérios a qualidade das evidências que suportam a afirmação de que cada domínio estaria comprometido na PSD-d: recorrência das evidências e comprometimento dos autores mais importantes com a citação. Essa quantidade de domínios cognitivos encontrada pelos diversos autores como disfuncionais na PSD-d é elevada e não-acurada por diversos motivos, podendo existir diversas razões para a imprecisão na pesquisa do padrão neuropsicológico na PSD-d: a) Cada autor usa uma bateria cognitiva diferente e um referencial particular das funções mentais. b) Idosos comumente apresentam doenças clínicas (tanto cerebrovasculares quanto não-cerebrovasculares) e uso de medicações que podem levar tanto à disfunção cognitiva quanto à depres-
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Cognição e Envelhecimento
c)
d)
e)
f) g)
*
são, e esta variável raramente é controlada nos estudos.* Muitos estudos incluem inadvertidamente casos de demência muito inicial como pseudodemência depressiva. Não é fácil na prática clínica precisar de forma acurada quem tem depressão de início tardio ou de início na juventude. Diversos sintomas não-cognitivos do deprimido podem influir na testagem cognitiva levando a resultados falsamente positivos de disfunção em um domínio cognitivo: pouca motivação, fadiga, pouca energia, diminuição da atenção, pouco interesse, intrusão, desamparo aprendido (Miller, 1975), aumento da ansiedade devido ao fracasso em testagens anteriores (Elliot et al., 1996), ou a presença entre os deprimidos do uso de uma estratégia conservadora com objetivo de evitar o risco de cometer erros (Mialet et al., 1996; Burt et al., 1995). Nesta linha, Pálsson e colaboradores (2000) descobriram que os sintomas de retardo psicomotor e pouca concentração tinham mais associação com o baixo desempenho nos testes do que os sintomas afetivos. Diferentes idades nos diversos estudos; Para Butters e colaboradores (2000), apesar dos numerosos estudos que descrevem o funcionamento cognitivo na depressão dos idosos, apenas
Para uma visão da complexidade etiológica da depressão do idoso que leve em conta doença cerebrovascular, disfunção cognitiva, sofrimento médico total, disfuncionalidade para atividades da vida diária e adversidades psicossociais ver o modelo de Alexopoulos e colaboradores em Biol Psychiatry (2002). Este autor mostra um interessante modelo de influências mútuas desses fatores e da depressão e alerta para o fato de que uma intervenção terapêutica, para ser eficaz, deve ter a necessária complexidade de atender simultaneamente todos estes campos.
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quatro deles empregaram uma avaliação de fato ampla e não-parcial dos domínios da cognição.
Função executiva e atenção Idosos com depressão apresentam caracteristicamente um pior desempenho em testes que exijam habilidades frontais como a manutenção da atenção de forma sustentada e mantida intencionalidade. Por outro lado, a capacidade para testes de baixa necessidade de atenção sustentada está preservada na depressão. As funções executivas estão comprometidas entre idosos deprimidos e, interessantemente – em estudo de Butters e colaboradores (2000) – era a disfunção executiva o fator de pseudodemência que mais melhorava após o término do episódio depressivo, ao contrário da memória, que, nesse estudo, mostrava uma manutenção do funcionamento ruim após a solução dos sintomas afetivos. A presença de disfunção executiva na PSD-d, mais do que a presença de problemas de memória, de conceitualização ou de atenção, era a variável de maior associação com disfunção nas atividades da vida diária em um estudo (Kiosses et al., 2001). O teste do desenho do relógio é um teste que avalia a função executiva junto às habilidades de memória e às habilidades visuoconstrutivas e reflete o funcionamento de lobos frontais, temporais e parietais. Pálsson e colaboradores (2000) evidenciaram um mau desempenho no teste entre deprimidos idosos, não na construção final do relógio e nem na disposição dos ponteiros no horário solicitado, mas as disfunções encontradas foram na observação, por parte do aplicador, de retardo psicomotor na execução do desenho, menor concentração no exercício e maior freqüência de queixas de culpa e falta de valor durante a testagem dos idosos deprimidos.
Memória A Figura 13.1 esquematiza as funções de memória, ilustrando quais aspectos são man-
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QUADRO 13.1 Lista das diferentes áreas cognitivas citadas como disfuncionais na PSD-d, qualidade das evidências e coleção de citações que referiram/demonstraram empiricamente o comprometimento do domínio Importância relativa
Função
Referências
Consensual
Função executiva
Abas, M.A. et al. Psychol Med 1990; 20:507-520. Abrams, R. Psychological Medicine 1987; 17: 359-362. Alexopoulos, G.S. Arch Gen Psychiatry 1997;54:915-922. Austin, M.P. et al. Psychol Med 29:73-85. Beats, B.C. Psychol Med 1996; 26:591-603. Boone, K.B. et al. J of neuropsy e clinical Neuroscience 1994; 6:267-272. Boone, K.B. Neuropsychology 1995: 9: 390-8. Butters, M.A. Am J Psychiatry 2000;157:1949-54. Drevets, W.C. Annu Ver Med 1998:49:341-61. Drevets, W.C. J Neurosci 1992:12:3628-41. Elliot, R. Trends Cogn Sci 1998; 2:447-454. Franke P, Psychopatology 1993; 26:76-84. Hart, R.P. Psychology e aging 1987: 2:111-15. Kindermann, S.S. Am J Geriatr Psychiatry 2000; 8:57-65. Kindermann, S.S. J of Clin Exp Neuropsychol 1997; 19: 625-42. Lesser, I.M. Am J Psychiatry 1996:1531280-7. Lesser, I.M. J Neuropsychiatry Clin Neurosci 1991; 3:33-40. Lichtenberg, P.A. J of Gerontology 1995: 50b:p25-32. Lockwood, K.A. Am J Geriatr Psychiatry 2000; 8:201-208. Nebes, R.D. J of Psychiatr Research 2003: 37;99-108. Portella, M.J. Ver Neurol 2002;35(9):891-894. Salloway, S. Neurology 1996; 46:1567-74. Sobin, C. Am J Psychiatry 1997;154:4-17.
Consensual
Memória de trabalho
Nebes, R.D. Psychological Med 2000;30:679-691. Veil, H.O.F. J of Clin and Expermental Neuropsycho 1997;19:587-603. Zakzanis, K.K. Neuropsychology and Behavioral Neurology 1998;11:111-9.
Consensual
Velocidade de processamento da informação
Boone, K.B. Neuropsychology 1995: 9: 390-8. Kindermann, S.S. Am J Geriatr Psychiatry 2000; 8:57-65. Kindermann, S.S. J of Clin Exp Neuropsychol 1997; 19: 625-42. Lockwood, K.A. Am J Geriatr Psychiatry 2000; 8:201-208. Nebes, R.D. J of Psychiatr Research 2003: 37;99-108. Veil, H.O.F. J of Clin and Expermental Neuropsycho 1997;19:587-603. Zakzanis, K.K. Neuropsychology and Behavioral Neurology 1998;11:111-9.
Domínio referido de forma recorrente e por pesquisador respeitado
Atenção (atenção sustentada)
Abas, M.A. et al. Psychol Med 1990; 20:507-520. Austin, M.P. et al. Psychol Med 29:73-85. Bäckman, L. Jabnorm Psychol 1996;105:97-105. Beats, B.C. Psychol Med 1996; 26:591-603. Christensen, H. Am J Int Neuropsychol Soc 1997;3:631-651. Elliot, R. Trends Cogn Sci 1998; 2:447-454. Jorm, A.F.; Aust, N.Z. J Psychiatry 1986;20:11-22. Kindermann, S.S. Am J Geriatr Psychiatry 2000; 8:57-65. Lockwood, K.A. Am J Geriatr Psychiatry 2000; 8:201-208. Mialet, J.P. Psychol Med 1996;26:1009-1020. Miller, W.R. Psychol Bull 1975:82: 238-260. Rogers, M.A. Brain Research Bulletin 1998; 47:297-310. Salloway, S. Neurology 1996; 46:1567-74. Veil, H.O.F. Am J of Clin and Expermental Neuropsycho 1997;19:587-603. Zakzanis, K.K. Neuropsychology and Behavioral Neurology 1998;11:111-9.
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Cognição e Envelhecimento
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QUADRO 13.1 (continuação) Importância relativa
Função
Referências
Domínio referido de forma recorrente e por pesquisador respeitado
Função visuoespacial, habilidades visuoconstrutivas
Boone, K.B. Neuropsychology 1995: 9: 390-8. Cummings, J.L. Br J Psychiatry 1986; 149:682-97. Hart, R.P. Psychology e aging 1987: 2:111-15. Lesser, I.M. Am J Psychiatry 1996; 153:1280-1287. Skoog, I. Acta Neurol Sacnd 1996;93:142-148.
Domínio referido de forma recorrente e por pesquisador respeitado
Retardo psicomotor
Austin, M.P. Am J Psychiatry 2001; 178:200-6. Beats, B.C. Psychol Med 1996; 26: 591-603. Boone, K.B. Neuropsychology 1995: 9: 390-8. Burt, D.B. Psychol Bull; 117: 285-305. Christensen. J int Neuropsychol Soc 1997; 3:631-51. Cummings, J.L. Br J Psychiatry 1986; 149:682-97. Del’innocenti, A. Acta Psychiatr Scan 1998;97:182-188. Hart, R.P. Psychology e aging 1987: 2:111-15. Hartlage, S. Psychol Bull 1993; 113:247-278. Hickie, I. Psychiatr Res 1999;92: 75-81. Kindermann, S.S. J of Clin Exp Neuropsychol 1997; 19: 625-42. Krishnan, K.R. J Clin Neuropsychiatry Clin Neurosci 1991; 3:387-91. La Rue, A. Psychology and Aging 1995;10:30-33. Lemenin, S. J Psychiatr Res 1998;32:81-8. Mialet, J.P. Psychol Med 1996;26:1009-1020. Miller, W.R. Psychol Bull 1975;82:238-260. Nebes, R.D. Psychological Medicine 2000; 30:679-691. Pálsson, S. Act Psychiatr Scan 2000:101:185-193. Skoog, I. Acta Neurol Sacnd 1996;93:142-148. Tarbuck, A.F. Psychol Med 1995; 25:285-296.
Citações isoladas
Motivação
Abas, M.A. et al. Psychol Med 1990; 20:507-520. Austin, M.P. et al. Psychol Med 29:73-85. Bäckman, L. Jabnorm Psychol 1996;105:97-105. Beats, B.C. Psychol Med 1996; 26:591-603. Dykman, M.B. J Pers Soc Psychol 1998;78:139-158. Elliot, R. Trends Cogn Sci 1998; 2:447-454. Hartlage, S. Psychol Bull 1993; 113:247-78. Miller, W.R. Psychol Bull 1975:82: 238-260. Portella, Ver de neurologia 2002;35(9):891-894. Salloway, S. Neurology 1996; 46:1567-74.
Citações isoladas
Ansiedade
Beats, B.C. Psychol Med 1996; 26:591-603. Elliot, R. Psychol Med 1996;26:975-989. Mialet, J.P. Psychol Med 1996;26:1009-1020.
Citações isoladas
Memória episódica Bäckman, L. J Abnorm Psycholy 1994;103:361-370. Pálsson, S. Acta Psychiatriatrica Scand 2000;101:185-93. Veil, H.O.F. J of Clin and Expermental Neuropsycho 1997;19:587-603. Zakzanis, K.K. Neuropsychology and Behavioral Neurology 1998;11:111-9.
Citações isoladas
Memória visual
Boone, K.B. Neuropsychology 1995: 9: 390-8. Cassano, G.B. J Clin Psychiatry 2002; 63; 396-402.
(Continua)
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Maria Alice de Mattos Pimenta Parente & cols.
QUADRO 13.1 (continuação) Importância relativa Função
Referências
Citações isoladas
Memória imediata
Austin, M.P. J Affect Disord 1992;25:21-30. Hart, R.P. Psychology e aging 1987: 2:111-15.
Citações isoladas
Memória não-verbal
Abas, M.A. Psychological Med 1990; 20:507-520. Boone, K.B. J of Neuropsychiatry & Clinical Neuroscience 1994;6:267-272. Boone, K.B. Neuropsychology 1995;9:390-398. La Rue, A. Psychology and Aging 1995;10:30-33.
Citações isoladas
Memória verbal
Channon, S. Psychological Med 1993;23:87-91. Hart, R.P. J of Consult e Clin Psychol 1987; 55:101-105. Hill, C.D. J of Neuropsych 1993;5:277-282. King, D.A. Journal of Neuropsych e Clin Neurosci 1991;3:163-168. La Rue, A. J of Psycho and Aging 1989; 1:69-77.
Citações isoladas
Memória
Austin, M.P. Am J Psychiatry 2001; 178:200-6. Austin, M.P. J Affect Disord 1992;25:21-30. Basso, M.R. Neuropsychology 1999;13:557-63.
Citações isoladas
Aprendizado
Abas, M.A. et al. Psychol Med 1990; 20:507-520. Austin, M.P. Am J Psychiatry 2001; 178:200-6. Austin, M.P. Psychol Med 1999;29:73-85. Beats, B.C. Psychol Med 1996; 26:591-603. Elliot, R. Trends Cogn Sci 1998; 2:447-454. Emery, L.B. J of Gerontology 1989;44:M85-m92. King, D.A. J of Neuropsy e Clin Neurosci 1991; 3:163-168. Mialet, J.P. Psychol Med 1996;26:1009-1020. Miller, W.R. Psychol Bull 1975;82:238-260. Salloway, S. Neurology 1996; 46:1567-74. Tarbuck, A.F. Psychol Med 1995;25:285-296.
Citações isoladas
Geração de palavras e fluência verbal
Hart, R.P. Psychology e aging 1987: 2:111-15. Boone, K.B. Journal of Neuropsy e Clinical Neuroscience 1994;6:267-272. Franke, P. Psychopath 1993;26:76-84. King, D.A. J of Neuropsych e Cli Neuroscience 1991; 3:163-168.
Citações isoladas
Insight
Alexopoulos, G.S. Arch Gen Psychiatry 1997; 54:915-922.
Obs1: O Quadro toma emprestado diretamente das referências as denominações das diferentes funções executivas, sem preocupação de organização em grupos lógicos (p. ex., o insight, a motivação, a fluência verbal e em certa medida a atenção têm contribuições das funções executivas frontais).
tidos (=) e quais funções se deterioram apenas pelo envelhecimento em si. A chamada memória de curto prazo inclui dois componentes: a memória primária e a memória de trabalho (ou operativa). A memória primária seria um armazenamento passivo de pequenas informa-
ções recém-adquiridas. Poderia ser avaliada com o teste dos dígitos diretos, não sofrendo impacto do envelhecimento. Já a memória de trabalho ou operativa diminui um pouco com o envelhecimento. A memória de trabalho pode ser definida como um armazenamento e uma
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Cognição e Envelhecimento
FIGURA 13.1 Esquema ilustrativo das modificações dos campos de memória decorrentes do envelhecimento.
manipulação da informação e serve para manter por no máximo alguns minutos a informação que está sendo processada no momento. Outro campo da memória é a chamada memória de longo prazo constituída – de acordo com os seus conteúdos – por memória episódica, semântica e procedimental. Para lembrarmos o que jantamos ontem ou se fechamos a vidraça do quarto antes de sair de casa, fazemos uso da memória episódica, que tem conexão com os fatos dos quais participamos, eventos a que assistimos, o colégio onde estudamos. A memória episódica é o tipo de memória que mais se deteriora apenas pelo envelhecimento normal. Já a memória semântica, que armazena as informações independentemente de quando e onde o fato foi aprendido (p. ex., o significado de uma palavra, a noção de que o canário é amarelo), não sofre influência do envelhecimento por si. Tampouco a memória procedimental (ou implícita), que denomina habilidades como andar de bicicleta, sofre qualquer declínio apenas pelo envelhecimento. Com a depressão geriátrica, a função de memória mais impactada parece ser a memória operativa. Dificuldades na memória operativa causam disfunção no dia-a-dia para os pacientes deprimidos: O que vim buscar mesmo na cozinha? Onde estão meus óculos? Como começava o parágrafo que estou acabando de ler? Mesmo que haja um consenso acerca do que seja a memória operativa, nem todos os autores concordam sobre o tipo de memória comprometido na PSD-d. Existem autores que encontraram que os processos da memória secundária (processos associados com aquisição
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e recuperação das informações anteriormente apreendidas) estariam mais comprometidos do que os processos da memória operativa e da memória primária (Miller, 1975; Brown et al., 1994; Pálsson et al., 2000). Independentemente do tipo do comprometimento de memória, a conclusão mais generalizada é a de que idosos deprimidos apresentam alterações neuropsicológicas que afetam de um lado funções do lobo temporal e do hipocampo (problemas de memória, lentificação psicomotora e dificuldade de aprendizado) e, por outro lado, alterações neuropsicológicas relacionadas com áreas frontais (perseveração, má seqüenciação, má planificação). Se a natureza das alterações frontais já foi anteriormente referida na hipótese das lesões microvasculares, o tipo de alteração que a depressão possa causar no hipocampo (memória) é bem menos entendida. Sapolsky (1990) vem desenvolvendo a noção de que os glicorticóides e o hipercotisolismo (típicos do estresse e da depressão) possam lesar neurônios do hipocampo, o que seria uma hipótese explicativa.
Motivação Alguns investigadores aplicaram o paradigma cognitivo condutual da “motivação” para explicar o deterioro neurocognitivo observado na depressão. Ainda que não se consiga explicar todo o padrão de disfunção cognitiva da PSD-d apenas por esse modelo, concorda-se, entretanto, que a desmotivação depressiva tem influência no resultado da testagem e na avaliação de outros domínios. Costuma-se definir a motivação como a habilidade de iniciar uma atividade adequada, seja espontaneamente, seja em resposta a estímulos ambientais. A falta de iniciativa é observada entre idosos deprimidos. O conhecimento sobre motivação se embasa principalmente na observação de pacientes com lesões neurológicas no lobo frontal nos quais a motivação (e também o afeto) estão marcadamente comprometidos. Parece correta a noção de que um déficit motivacional tenha o potencial de deteriorar a realização de qualquer tarefa neurocognitiva.
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Ansiedade Freqüentemente, a depressão vem associada com a ansiedade. Estudando octogenários residentes na comunidade, Xavier e colaboradores (2001) encontraram que, enquanto controles tinham apenas 2% de transtorno de ansiedade generalizada (TAG), idosos com episódio depressivo maior tinham 40% de comorbidade com TAG. A ansiedade – quando sobreposta à depressão – pode piorar ainda mais o desempenho cognitivo nos testes dos idosos deprimidos. Neste sentido, Kizilbash e colaboradores (2002) notaram que a presença de ansiedade isolada melhorava o desempenho em testes cognitivos entre idosos, que o desempenho de idosos com depressão isolada era comprometido e que esse comprometimento era ainda grave entre idosos deprimidos com ansiedade co-mórbida. Já Pálsson e colaboradores (2000) não encontraram este tipo de associação entre ansiedade/depressão com pior desempenho cognitivo em estudo de pacientes acima de 85 anos.
Recursos de processamento Um grupo de pesquisadores em neuropsicologia da Universidade de Pittsburgh (Nebes et al., 2000) estudou o constructo dos “recursos de processamento”, a quantidade total de atenção à disposição (a “quota” de atenção sustentada) que cada sujeito tem para suas capacidades cognitivas. Esse grupo encontrou que idosos deprimidos tinham diminuição dos recursos de processamento e que essa escassez de recursos mediava o pior desempenho em teste de outros domínios (por exemplo, memória episódica ou capacidade visuoespacial). Nesse estudo, Nebes e os outros autores especularam que o “gasto/roubo” de recursos de processamento se deveria – nos deprimidos – ao excesso de uso desses recursos no foco dos pensamentos negativos e temas relevantes para os deprimidos. Nessa linha, Niederehe e Camp (1985) evidenciaram que idosos deprimidos tinham mais facilidade de reter conteúdos tristes ou neutros do que conteúdos
positivos: há recursos de processamento apenas para os temas tristes, e não para as atividades afetivamente sem significado típicas de uma testagem. Uma outra hipótese para explicar a diminuição dos recursos de processamento evidenciada entre idosos deprimidos é que a quantidade total de recursos transforma-se não por “consumo” em pensamentos tristes, mas por um motivo biológico associado com depressão (p. ex., disfunção de dopamina ou déficit de atenção noradrenérgico). Para os autores da Universidade de Pittsburgh, operacionalmente, a quantidade de “recursos de processamento” é o resultado das contribuições das funções de memória operativa (ou de trabalho) e da velocidade de processamento das informações. A memória de trabalho é definida neste contexto como uma capacidade limitada (cada sujeito teria um limite desta capacidade) de trabalho mental, envolvendo tanto o armazenamento de curto prazo da informação como a simultânea manipulação dos conteúdos deste estoque pelas funções executivas. A memória de trabalho, antes que um simples estoque passivo de informação, é um armazenamento a serviço de operações cognitivas em curso (ou seja, ocorre a manutenção de resultados intermediários ou produtos de prévias etapas do processamento mental, produtos necessários para operações cognitivas que virão). Como tal, a memória de trabalho tem papel fundamental em diversos processos mentais desde a linguagem até o pensamento. A velocidade de processamento é a máxima capacidade com que as operações cognitivas elementares podem ser executadas. Muitos processos mentais mais complexos dependem de um acesso simultâneo a múltiplas fontes de informação. No processo de envelhecimento normal, pensa-se que a lentificação da velocidade de processamento de informação seja a fonte mais importante das quedas cognitivas observáveis. Na pessoa com depressão e envelhecimento, podemos supor um agravamento da já esperada lentificação, levando o funcionamento cognitivo a um nível ainda mais disfuncional nas atividades da vida diária. Especificamente quanto à velocidade de processamento de informações, sabe-se que
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Cognição e Envelhecimento
deprimidos apresentariam um pior desempenho em testes que precisem de velocidade para serem resolvidos (Pálsson et al., 2000). Na verdade, a diminuição da velocidade parece ser um dos fatos mais característicos da disfunção cognitiva provocada apenas pelo envelhecimento (Nebes et al., 2000), de forma que a depressão geriátrica entraria agravando ainda mais esta já lentificada velocidade de processamento de informações.
CONCLUSÃO Apesar de existirem, como um todo, padrões médios esperados de disfunção cognitiva entre idosos deprimidos, há grande variabilidade de caso para caso: apenas um grupo de idosos tem perdas cognitivas marcadas (os que apresentam PSD-d), enquanto um outro grupo de idosos durante a depressão não apresenta qualquer comprometimento. A PSD-d pode ser qualitativamente diferente da depressão isolada (Cho, 2002). A literatura sobre o padrão de perdas cognitivas se torna confusa devido a: alguns autores estudarem a função cognitiva de qualquer (e de todo) deprimido, o chamado padrão cognitivo médio da depressão geriátrica; outros estudarem o padrão dos sujeitos com depressão de início tardio; outros estudarem apenas o padrão cognitivo do subgrupo que apresenta PSD-d. Assim como existem pacientes com depressão geriátrica que desenvolvem perdas cognitivas e pacientes que não desenvolvem, entre os sujeitos com PSD-d há também variabilidade: há casos reversíveis e casos irreversíveis, sendo possível que sejam realidades clínicas distintas; há casos em que as perdas cognitivas, além de não melhorarem podem se agravar, evoluindo para demência. Como existem principalmente dois tipos de demência – a demência vascular de base em lesões vasculares e a do tipo Alzheimer, de base neurodegenerativa –, é possível especular que existam dois tipos de pródromos de demência: as depressões (ou PSD-d) vasculares e as depressões (ou PSD-d) neurodegenerativas. Atualmente existem evidências de neuroimagem (RNM) associando a PSD-d a lesões vascula-
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res e evidências de evolução e de SPECT associando a PSD-d ao Alzheimer. O conjunto de dados disponíveis sugerem que a depressão precoce (a de início na fase adulta jovem ou antes) seria fator de risco para demência do tipo Alzheimer, enquanto, por outro lado a depressão tardia seria pródromo (e não fator de risco) muitas vezes de doenças demenciais. A natureza da associação entre perdas cognitivas e depressão geriátrica é pouco conhecida e diversas hipóteses especulativas propõem diferentes explicações. O Quadro 13.2 resume as diferentes hipóteses. O padrão de disfunção cognitiva de sujeitos com PSD-d inclui comprometimento dos domínios velocidade de processamento de informações, memória operativa e de funções executivas.
LEITURAS SUGERIDAS Alexopoulos, G.S.; Buckwalter, K.; Olin, J.; Martinez, R.; Wainscott, C.; Krishnan, K.R.(2002). Comorbidity of late life depression: an opportunity for research on mechanisms and treatment. BiolPsychiatry. Sep 15; 52(6): 543-58. Barjau, R.J.M.; Prado, G.D.; Pinero,-V.M. (2001). Seudodemencia depresiva: implicaciones clinicoterapeuticas. [Depressive pseudodementia: clinicotherapeutical implications]. Med-Clin-(Barc). Dec, 117(18): 703-8.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Por que a perda cognitiva da depressão foi denominada de “pseudodemência”? 2. Liste três características clínicas associadas com depressão de início tardio. 3. Cite quatro variáveis clínicas que aumentam o risco do idoso deprimido por perda cognitiva. 4. A presença no exame de imagem de hiperintensidade de substância branca se associa com a não-melhora da cognição após o tratamento bem-sucedido (efetivo) do quadro de humor? 5. Em que quadro é mais esperada a presença de depressão geriátrica na clí-
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QUADRO 13.2 Diferentes hipóteses propostas para explicar a natureza da associação entre depressão geriátrica e disfunção cognitiva Hipótese das doenças clínicas: quando o idoso tem depressão geriátrica, muito mais provavelmente será uma depressão sobreposta a diversas doenças clínicas do que sobreposta a uma velhice saudável. Essas doenças clínicas de base (bem como os fármacos clínicos usados) apresentam – independentemente da depressão – potencial de impacto não desprezível sobre a função cognitiva. A PSD-d como fator de risco de demência. A PSD-d como pródromo de demência. Como existem principalmente demências de dois tipos – demências vasculares e demência do tipo Alzheimer –, pode-se especular que existiram PSD-d também de natureza vascular e PSD-d de natureza neurodegenerativa. Se a PSD-d inclui um grupo de demência inicial, é provável que este grupo tenha tido depressão de início tardio. PSD-d e perdas cognitivas leves são concomitantes e independentes. As perdas cognitivas leves são altamente prevalentes nos idosos e poderiam ser coocorrências independentes da depressão. A depressão é um sentimento frente à demência inicial. A relação causal é invertida: a demência é fator de risco para a depressão, ou para algo se parece com depressão sem ser (apatia, empobrecimento de iniciativas, empobrecimento cognitivo). Há um substrato comum de fundo (seja vascular, seja neurodegenerativo do tipo pré-Alzheimer, seja ambos), uma causa que é a mesma para a depressão e para a perda cognitiva na PSD-d. Clinicamente o padrão cognitivo da PSD-d se parece com o padrão cognitvo das demências subcorticais, mas não há mais que apresentação clínica (ou neuropsicológica) similar. Apesar de terem apresentações clínicas parecidas, as demências subcorticais são uma coisa e a PSD-d é outra. Nesta visão, a PSD-d poderia ser apenas um outro tipo de quadro frontal.
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nica e hiperintensidades na neuroimagem: em idosos com ou sem disfunção executiva na testagem neuropsicológica? Quais são as funções executivas? Descreva a síndrome depressão-disfunção executiva. Quais são as três alterações na testagem neuropsicológica mais marcantes/importantes na pseudodemência depressiva? Descreva a atenção de idosos com pseudodemência depressiva na testagem neuropsicológica.
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Cognição e Envelhecimento
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14 Disfunções cognitivas no declínio cognitivo leve Gabriela Peretti Wagner Lenisa Brandão Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
CONCEITOS TRABALHADOS
domain): déficit cognitivo com uma função diferente da de memória.
Declínio cognitivo leve (DCL): quadro caracterizado por dificuldades cognitivas, sem que haja prejuízo social e/ou ocupacional, sendo estas dificuldades não suficientemente graves para um diagnóstico de demência. Este quadro tem recebido diferentes nomes: esquecimento benigno da velhice, demência questionável, déficit de memória associado à idade, distúrbio neurocognitivo leve, declínio cognitivo associado ao envelhecimento e declínio cognitivo relacionado à idade. A origem e as características desses termos são apresentadas no Quadro 14.1.
Efeitos de coorte: efeito gerado pelo estudo de um grupo de pessoas claramente definido que é avaliado durante um período de tempo para determinar a incidência de determinadas características.
DCL – tipo amnéstico (MCI – amnestic): dificuldade cognitiva saliente na área da memória. DCL – múltiplos domínios cognitivos levemente deteriorados (MCI – multiple domains slightly impaired): déficit cognitivo em duas ou mais funções cognitivas. DCL – um único domínio cognitivo afetado, exceto a memória (MCI – single nonmemory
ESCALAS E INSTRUMENTOS DESCRITOS Instrumentos de triagem: MMSE (Mini-Mental State Exam) CDR (Clinical Dementia Rating) GDS (Global Deterioration Scale) Avaliações de ampla gama de domínios cognitivos: CAMDEX (Cambridge Mental Disorders of Elderly Examination) SIDAM (Structured Interview for Diagnosis of Dementia of Alzheimer-Type, Multiinfarct Dementia and Dementia of other Etiology) CERAD (Consortium to Establish a Registry for Alzheimer’s Disease)
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Maria Alice de Mattos Pimenta Parente & cols.
Escalas de desempenho funcional: IDDD – (Interview for Deterioration of Daily Living in Dementia) Escala de Blessed Escala ADL (atividades básicas da vida diária) Escala IADL (atividades instrumentais da vida diária).
INTRODUÇÃO Este capítulo tem por objetivo discutir conceitos e critérios diagnósticos, manifestações clínicas e estudos experimentais a respeito do envelhecimento patológico, focalizando o declínio cognitivo leve (DCL). O DCL e a DTA nos estágios iniciais constituem grandes polêmicas nos estudos sobre falhas cognitivas no envelhecimento. Com o aumento da expectativa de vida, é crescente a preocupação com déficits cognitivos durante o envelhecimento. Por outro lado, quando uma pessoa percebe que vem apresentando dificuldades cognitivas, tem muito receio de receber o diagnóstico da demência do tipo Alzheimer (DTA), em virtude da irreversibilidade do quadro e dos prejuízos progressivos provocados. As falhas cognitivas podem ser: 1. Normais durante o envelhecimento. 2. Mais marcantes do que o esperado para o envelhecimento normal, mas não evoluindo para um quadro demencial. 3. Ou ainda podem corresponder ao estágio inicial da DTA. Dificuldades cognitivas maiores do que as esperadas para o envelhecimento têm sido classificadas por Petersen e colaboradores (1999) como declínio cognitivo leve (mild cognitive impairment). Entretanto, é grande a dificuldade de diagnóstico. Embora apenas cerca de 50% dos indivíduos com declínio cognitivo leve (DCL) progridam para a DTA, o seu diagnóstico pode ser um bom preditor para o seu desenvolvimento, assim como os fatores de risco genéticos (Collie e Maruff, 2000). Por outro lado, Busse, Bischkopf, Riedel-Heller e Angermeyer (2003a) acrescentam que os dados sobre prevalência e taxas de
conversão para demência variam de acordo com os critérios aplicados em cada estudo, o que dificulta o diagnóstico e promove confusão acerca dos critérios e dos conceitos. Lautenschlager (2002) afirma que, dependendo dos critérios utilizados para definir o DCL, as taxas de conversão, após os 50 anos, podem variar de 5,8 a 18,5%. O autor acrescenta que, utilizando os critérios de Petersen e colaboradores (1999), 17% dos idosos com mais de 65 anos e 30% dos indivíduos com mais de 85 anos sofrem do DCL. Além disso, de acordo com estudos de seguimento (follow-up), indivíduos portadores de DCL desenvolvem demência em taxas que variam de 1 a 30% ao ano (Lautenschlager, 2002).
DECLÍNIO COGNITIVO LEVE – NOMENCLATURA E CONCEITOS As publicações de doenças médicas e psiquiátricas ainda não delinearam claramente os critérios diagnósticos do que hoje se conhece por Declínio Cognitivo Leve (DCL). O quadro mencionado é caracterizado por dificuldades cognitivas, especialmente de memória, sem que haja prejuízo social e/ou ocupacional, sendo estas dificuldades não suficientemente graves para que um diagnóstico de demência seja possível (Petersen et al., 1999; Petersen et al., 2001a). Nos últimos anos, diversos autores têm descrito quadros de déficits cognitivos não suficientemente graves a ponto de configurarem quadros demenciais. Cada autor, por sua vez, denomina e descreve o quadro de DCL de maneira diferente. Muitos termos foram utilizados para identificá-lo e classificá-lo, como o esquecimento benigno da velhice (benign senescent forget fulness), demência questionável (questionable dementia), déficit de memória associado à idade (age-associated memory, impairment), distúrbio neurocognitivo leve (mild neurocognitive disorder), declínio cognitivo associado ao envelhecimento (aging associated cognitive decline), declínio cognitivo relacionado à idade (age-related cognitive decline) e, finalmente, declínio cognitivo leve (mild cognitive impairment). O Quadro 14.1 apresenta a lista dos diferentes nomes atribuídos ao
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Cognição e Envelhecimento
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QUADRO 14.1 Principais conceitos associados ao declínio cognitivo leve Constructo
Autor
Critérios diagnósticos Inabilidade para recordar informações relativamente pouco
Esquecimento benigno no envelhecimento (Benign Senescent Forgetfulness – BSF)
Kral (1962)
Demência questionável (Questionable Dementia – QD)
Hughes et al. (1982)
CDR 0,5; indivíduo não é saudável nem demenciado; déficits de memória que não interferem significativamente na vida do indivíduo.
Déficit de memória associado à idade (Age-associated Memory Impairment – AAMI)
Crook et al. (1986, em Collie e Maruff, 2000)
Queixas de memória; ausência de demência; escore abaixo de 1 DP em testes neuropsicológicos de memória.
Distúrbio neurocognitivo leve (Mild Neurocognitive Disorder – MND)
American Psychiatric Association (1994, em Collie e Maruff, 2000)
Déficits em pelo menos dois domínios cognitivos; ausência de demência ou de outra doença mental; função social prejudicada; associação com alguma condição fisiológica geral.
Declínio cognitivo associado ao envelhecimento (Aging Associated Cognitive Decline – AACD)
Levy et al. (1994)
Queixa de declínio cognitivo por parte do indivíduo ou de um informante; declínio gradual e presente por pelo menos seis meses; prejuízo em alguma(s) da(s) funções cognitivas; prejuízo cognitivo em avaliações quantitativas (abaixo de 1 DP); ausência de doenças psiquiátricas e neurológicas.
Declínio cognitivo relacionado à idade (Age-related Cognitive Decline – ARCD)
American Psychological Association (1998)
Julgamento clínico por parte de psicólogos baseado em avaliação neuropsicológica ou testagem cognitiva compreensiva; deve-se comparar o nível de funcionamento atual e o pré-mórbido; exclusão de quadros depressivos; obter informações de familiar ou informante acerca do paciente.
Declínio cognitivo leve (Mild Cognitive Impairment* – MCI)
Joanette (1999)
Queixas de declínio cognitivo do paciente, informante, ou desacordo entre eles; déficits prejudicam atividades complexas da vida diária; ausência de demência; dificuldades de desempenho em testes de memória ou em outra habilidade cognitiva (abaixo de 1,5 DP).
Declínio cognitivo leve (Mild Cognitive Impairment* – MCI)
Golomb, Kluger, Ferris e Garrard (2001)
Globalmente, escores de 0,5 no CDR e 3 no GDS; declínio cognitivo leve, reportado pelo paciente ou um informante e confirmado objetivamente; o declínio leve envolve a memória e geralmente outro domínio cognitivo; atividades comuns da vida diária intactas, mas pode haver declínio súbito das atividades complexas; usualmente representa um pródromo de demência provocada por doença neurodegenerativa.
Declínio cognitivo leve (Mild Cognitive Impairment* – MCI)
Petersen et al. (1999), Petersen et al. (2001a)
Queixa de memória, corroborada por um informante; comprometimento objetivo da memória; funções cognitivas gerais normais; atividades da vida diária intactas; ausência de demência.
importantes como datas e experiências em alguns momentos. No entanto, em outros momentos essas informações podem ser recordadas.
(Continua)
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Maria Alice de Mattos Pimenta Parente & cols.
QUADRO 14.1 (continuação) Constructo Declínio cognitivo leve (Mild Cognitive Impairment* – MCI)
Autor
Critérios diagnósticos
Petersen et al. (2001b)
Os critérios constituem os mesmos citados anteriormente. Variam os domínios cognitivos. As possibilidades são as seguintes: apenas a memória é afetada (MCI – amnestic); um único domínio cognitivo é afetado, exceto a memória (MCI – single nonmemory domain); múltiplos domínios cognitivos são levemente afetados (MCI – multiple domains slightly impaired).
* Observa-se que o termo declínio cognitivo leve é utilizado nas quatro últimas referências da tabela com diferentes critérios diagnósticos.
quadro conhecido por declínio cognitivo leve. Ela evidencia a existência de uma diversidade de constructos e uma confusão conceitual entre os mesmos, o que dificulta a utilização de tais critérios pelo profissional de saúde mental. Houve uma evolução histórica da nomenclatura, mas ainda existem divergências entre os autores quanto aos termos e quanto às funções cognitivas afetadas. Petersen e colaboradores (2001a) ressaltam que, apesar de o declínio cognitivo leve ser considerado sinônimo de quadros como o déficit de memória associado à idade (AAMI) e declínio cognitivo associado ao envelhecimento (AACD), na prática, existem diferenças. Por AAMI, os autores definem um déficit de memória que sofre um aumento com o passar da idade. Quanto ao AACD, afirmam que consiste num declínio leve em múltiplos domínios cognitivos. Mais tarde, Petersen e colaboradores (2001b) acrescentam que os termos esquecimento benigno do envelhecimento (BSF), déficit de memória associado à idade (AAMI) e declínio cognitivo associado ao envelhecimento (AACD) estão mais próximos da descrição dos extremos do envelhecimento normal do que propriamente da identificação de um quadro precursor do envelhecimento patológico. Kirshner (2002), por sua vez, afirma que o DCL é sinônimo de esquecimento benigno do envelhecimento (BSF) e do déficit de memória associado à idade (AAMI). Afirma também que, no presente, não é possível distinguir o DCL das alterações iniciais da DTA com precisão, com
base em métodos clínicos e comportamentais (Kirshner, 2002; Petersen et al., 2001a). De acordo com Lautenschlager (2002), não há critérios diagnósticos internacionalmente aceitos. Contudo, a American Academy of Neurology publicou recentemente os critérios de Petersen e colaboradores (1999) como guidelines. Estes são os critérios mais difundidos para a determinação do DCL (Petersen et al., 1999; Petersen et al., 2001a): 1. Queixa de falta de memória por parte do indivíduo e corroborada por um informante. 2. Comprometimento objetivo da memória, diagnosticado por testes. 3. Funções cognitivas gerais normais. 4. Ausência de alterações das atividades da vida diária. 5. Manifestações não suficientemente graves para o diagnóstico de demência. Entre as manifestações clínicas do quadro estão a existência de evidência objetiva de déficits de memória e dificuldades de concentração durante a testagem clínica. O indivíduo pode apresentar, como queixa, dificuldades em lembrar de nomes de pessoas a quem ele tenha sido recentemente apresentado. Neste estágio, o paciente pode reter pouco material de uma passagem lida em algum livro. Decréscimos de desempenho passam a ficar evidentes quando existe demanda em situações sociais e
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Cognição e Envelhecimento
profissionais. O paciente pode perder objetos de valor ou guardá-los em locais diferentes, além de se perder quando viajar para algum local pouco familiar. Podem ocorrer manifestações de ansiedade leve ou moderada acompanhando os sintomas (Reisberg, Ferris, Leon e Crook, 1982). Lautenschlager (2002) acrescenta que os portadores de DCL apresentam, em testes de memória, uma recordação tardia empobrecida e que freqüentemente não são beneficiados por pistas (cues) semânticas durante testes de aprendizado de memória verbal. Petersen e colaboradores (2001b) afirmam que existe uma heterogeneidade do quadro conhecido por declínio cognitivo leve (DCL). Os autores também perceberam que nem todos os indivíduos portadores de DCL que demenciam evoluem necessariamente para a DTA. Alguns indivíduos desenvolvem demência vascular, demência frontotemporal, afasia progressiva primária, etc. Por exemplo, um indivíduo que tivesse inicialmente apenas déficits atencionais (em termos de domínio cognitivo afetado) poderia ter um risco aumentado para desenvolver demência do tipo frontotemporal. Caso o sujeito tivesse déficits cognitivos na linguagem, poderia, por exemplo, evoluir para afasia progressiva primária. Em vista disso, propuseram uma classificação mais específica, abrangendo subtipos de declínio cognitivo leve: 1. DCL – tipo amnéstico (MCI – amnestic), com tendência a evoluir para DTA. 2. DCL – múltiplos domínios cognitivos levemente deteriorados (MCI – multiple domains slightly impaired), com tendência a evoluir para DTA, demência vascular ou poderia ser associado ao envelhecimento normal (esta última relação ainda não está bem-estabelecida). 3. DCL – um único domínio cognitivo afetado, exceto a memória (MCI – single nonmemory domain), com tendência a evoluir para diversos quadros, como demência frontotemporal, demência associada aos corpúsculos de Lewy, demência vascular, afasia progressiva primária, demência do tipo Alzheimer (DTA) e doença de Parkinson.
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Busse e colaboradores (2003b) realizaram um estudo objetivando avaliar a validade destes critérios. Os autores fizeram uma modificação dos critérios diagnósticos excluindo o primeiro (queixa subjetiva de memória), acreditando que este pode ser questionável e não oferece valor preditivo adicional. Entre os achados, os autores salientaram que os três subtipos, quando agrupados, possuem o maior poder preditivo para o início de demência. Além disso, quando associados, os três subtipos foram mais sensíveis e mais específicos quanto ao poder preditivo para o início de demência, isto é, uma maior relação sensitividade e especificidade foi constatada. Entretanto, quando cada um dos subtipos era considerado isoladamente, o poder preditivo era menor. Para os autores, esses achados não suportam os dados de Petersen e colaboradores (2001b), em que cada um dos três tipos de DCL está associado a um risco aumentado de desenvolver quadros particulares de demência. Existem autores que consideram a existência de um continuum nos quadros de déficits cognitivos. Tal fato é também apontado por Golomb, Kluger, Ferris e Garrard (2001) que determinam que o declínio cognitivo leve constitui um estágio intermediário entre o envelhecimento normal e o quadro demencial. Na verdade, a seqüência seria, pensando na progressão gradual da patologia: indivíduos normais, indivíduos portadores do déficit de memória associado à idade, pessoas com DCL e pessoas com DTA. Diante do que foi exposto, percebese um certo desacordo entre os autores. Em primeiro lugar, cada autor “batiza” o quadro de uma forma, mas os critérios definidos são semelhantes. Em segundo, enquanto alguns restringem os déficits às funções de memória (Kral, 1963; Crook et al., 1986, em Collie e Maruff, 2000; Joanette, 1999; Petersen et al., 1999; Petersen et al., 2001a), outros apontam a possibilidade de que outras funções cognitivas estejam alteradas, mas não referem quais devem estar afetadas (Golomb et al., 2001; Hughes et al., 1982; Levy et al., 1994). Em terceiro, alguns determinam que as atividades da vida diária não devem estar prejudicadas (Petersen et al., 1999; Petersen et al., 2001a), enquanto outros definem que as atividades
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complexas devem sofrer alguma falha (Golomb et al., 2001; Joanette, 1999). Busse e colaboradores (2003a, b) acrescentam que os critérios para o esquecimento benigno do envelhecimento (BSF) e o déficit de memória associado à idade (AAMI) têm sido criticados tanto pela falta de clareza de suas definições (BSF) quanto por se referirem a um grupo muito heterogêneo (AAMI), dificultando a utilização clínica. Apesar de nenhum dos autores restringir ou determinar uma idade mínima para o início do quadro, subentende-se que o mesmo está associado ao processo de envelhecimento. Além disso, há a tentativa de quantificar os déficits cognitivos, sendo que o critério para mensuração varia de 1,0 a 2,0 DP (ou menos) abaixo da média determinada para a idade e escolaridade em testes para avaliação cognitiva. Entretanto, torna-se difícil arbitrar algo desta maneira, uma vez que os indivíduos podem apresentar déficits de memória ou de outras funções cognitivas anteriores à instalação do quadro, o que afeta a possibilidade de um diagnóstico preciso. Tal questionamento remonta à discussão que ocorre entre profissionais de saúde acerca do que é normal e do que é patológico nos quadros cognitivos pertinentes ao envelhecimento. Sabe-se que alguma perda cognitiva é esperada durante o envelhecimento, uma vez que, mesmo na ausência de doença cerebral reconhecida, indivíduos idosos obtêm escores menores em testes cognitivos quando comparados a adultos jovens. Para dificultar o estabelecimento de um marco entre o que é normal e o que é patológico, de acordo com Lindeboom e Weinstein (2004), há diferenças individuais quanto ao desempenho cognitivo de idosos, mesmo entre indivíduos com as mesmas características demográficas (sexo, idade e educação). Diversos fatores explicam a variabilidade entre pacientes de acordo com os autores (ver capítulo sobre questões metodológicas no estudo sobre envelhecimento). Em primeiro lugar, mesmo que doenças neurológicas sejam excluídas, os idosos podem não estar livres de problemas de saúde. Com o processo de envelhecimento, um decréscimo geral de funções e habilidades é esperado. Em segundo lugar, em
estudos transversais, a comparação entre grupos por idade pode ser contaminada por efeitos do coorte*. Por exemplo, condições ambientais nas quais as pessoas crescem podem ser menos favoráveis para o desenvolvimento intelectual para o grupo de idosos do que para o grupo dos indivíduos mais jovens. Quanto aos estudos longitudinais, é possível que efeitos de idade sejam subestimados. Os resultados podem ser intensificados pelos efeitos das repetidas testagens, uma estratégia válida para sujeitos com funcionamento cognitivo melhor, mas há pouca sensibilidade naqueles que tenham um desempenho cognitivo empobrecido. Em terceiro, o desempenho dos idosos, quando comparado ao dos jovens, pode ser prejudicado por fatores irrelevantes às capacidades testadas, como diminuição da acuidade visual, perda auditiva e fadiga (Lindeboom e Weinstein, 2004). Confirmando o que foi visto nos capítulos anteriores, Kirshner (2002) afirma que existem funções cognitivas resistentes ao processo de envelhecimento, outras nem tanto. Entre as resistentes, encontram-se habilidades motoras, informações autobiográficas, conhecimento semântico (vocabulário, compreensão lingüística e leitura), habilidade de lembrar de aspectos essenciais de determinada informação e habilidade de recordar aspectos por priming. Aliás, vocabulário e leitura são habilidades tão resistentes ao envelhecimento que são utilizadas para estimar o nível intelectual pré-mórbido de pacientes demenciados. Outras funções, no entanto, sofrem deterioração mais rapidamente com o passar dos anos. Nesse grupo, estão incluídas as capacidades para o aprendizado de material não-familiar, expressão lingüística (nomeação) e conteúdos abstratos, entre outras. Por outro lado, estudos psicométricos sugerem a existência de habilidades de “inteligência fluida”, que aporta habilidades em tarefas novas, e habilidades de “inteligência cristalizada”, que é responsável por tarefas que
*
“Um grupo de pessoas claramente definido que é estudado durante um período de tempo para determinar a incidência de morte, doença ou acidente” (Jekel, Elmore e Katz, 2002).
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Cognição e Envelhecimento
envolvem informação cultural já aprendida (Woodruff-Pak, 1997). Pesquisas que recorrem a essa proposição consideram que a inteligência fluida sofre declínio na velhice, enquanto a inteligência cristalizada se mantém constante, podendo até mesmo desenvolver acréscimos nesta fase da vida (Horn, 1982 – ver também Capítulo 2). Evidências de estudos mais recentes (Cuningham e Tomer, 1990) demonstraram a existência de um declínio menor da inteligência fluida, ocorrendo em idades mais avançadas do que o previsto pelo estudo de Horn (1982). O que parece ficar claro, portanto, é uma necessidade de que sejam desenvolvidos critérios capazes de identificar indivíduos que sofram algum declínio cognitivo não suficientemente grave para preencher critérios para demência (Levy et al., 1994). Mais do que isso, os critérios devem ser objetivos, claros e passíveis de aplicação e replicação, uma vez que é difícil distinguir o normal do patológico. Em termos práticos, as fronteiras entre o envelhecimento normal, o DCL e os quadros demenciais ainda não estão bem definidas e fixas.
ESCALAS E AVALIAÇÕES UTILIZADAS NO DIAGNÓSTICO DE DCL O estabelecimento de um DCL ocorre pelo diagnóstico diferencial com a DTA. Conseqüentemente, os instrumentos para o diagnóstico de ambos os quadros são os mesmos. Alguns instrumentos são de aplicação breve, do tipo screening; outros constituem conjuntos de avaliações abrangendo uma ampla gama de domínios cognitivos. Algumas escalas permitem o diagnóstico diferencial entre o DCL e a demência (CDR e GDS), enquanto outras foram idealizadas como sendo específicas para quadros demenciais estabelecidos (CERAD, CAMDEX e SIDAM). Os instrumentos podem ser classificados em: 1. Instrumentos de triagem (screenings): de aplicação breve, são apropriados para o diagnóstico diferencial. Entre eles estão, por exemplo, o MMSE (Mini-Mental Status Exam – Folstein,
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Folstein e McHugh, 1975), o CDR (Clinical Dementia Rating – Hughes et al., 1982; Morris, 1993) e o GDS (Global Deterioration Scale – Reisberg et al., 1982). 2. Avaliações de ampla gama de domínios cognitivos, idealizadas para o estudo de quadros demenciais específicos. Entre elas encontram-se, por exemplo, o CAMDEX (Cambridge Mental Disorders of Elderly Examination – Roth, Tym, Mountjoy, Huppert et al., 1986), o SIDAM (Structured Interview for Diagnosis of Dementia of Alzheimer-Type, Multiinfarct Dementia and Dementia of other Etiology – Zaudig, Mittelhammer, Hiller, Pauls, Thora, Morinigo e Mombour, 1991) e o CERAD (Consortium to Establish a Registry for Alzheimer’s Disease – Morris, Richard, Mohs, Rogers, Fillenbaum e Heymann, 1988). 3. Escalas de desempenho funcional, que focalizam as atividades do indivíduo em seu cotidiano, como, por exemplo, a IDDD (Böhm et al., 1998), a Escala de Blessed (Blessed, Tomlinson e Roth, 1968) e os instrumentos de Katz, Ford, Moscowitz e colaboradores (1963) e Lawton e Brody (1969), respectivamente para avaliação das atividades básicas (ADL) e instrumentais da vida diária (IADL).
Instrumentos de triagem O miniexame do estado mental (MiniMental State Exam – MMSE) foi idealizado por Folstein, Folstein e McHugh (1975) e constitui um instrumento para rastreio do comprometimento cognitivo. Além disso, “como instrumento clínico, pode ser utilizado na detecção de perdas cognitivas, no seguimento evolutivo de doenças e no monitoramento de resposta ao tratamento ministrado” (Brucki et al., 2003, p. 777). Quanto ao DCL, o desempenho no MMSE deve indicar escores em torno de 26, de acordo com Busse e colaboradores (2003a). Para a DTA, Chaves e Izquierdo (1992) apon-
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tam o ponto de coorte 24. Small e colaboradores (2003) revisaram alguns estudos e acrescentam que ocorrem déficits de desempenho no MMSE em indivíduos com demência do tipo Alzheimer, os quais variam entre três e sete anos antes do diagnóstico. Os mesmos autores concluem que déficits no desempenho cognitivo precedem o diagnóstico de demência do tipo Alzheimer em anos, talvez décadas. Almeida (1998) realizou um estudo em idosos brasileiros avaliando a influência da idade e da escolaridade sobre a pontuação final da escala. De acordo com o autor, o ponto de coorte para idosos sem escolaridade foi 19/20, enquanto para os idosos com alguma escolaridade, o ponto de corte foi de 23/24. Golomb e colaboradores (2001) mencionam que, para definir a existência de DCL, é possível utilizar escalas de avaliação do funcionamento cognitivo global. As escalas mencionadas pelos autores são a Global Deterioration Scale (GDS) e a Clinical Dementia Rating (CDR). A escala GDS é utilizada para a identificação de demências degenerativas de causa primária. São definidos sete estágios, os quais variam da ausência de declínio cognitivo (estágio 1) até a identificação da DTA em grau grave (estágio 7). A delimitação de cada estágio é baseada na descrição de características clínicas e medidas psicométricas concomitantes (Golomb et al., 2001; Reisberg et al., 1982). A escala CDR descreve cinco etapas: 0 para nenhum decréscimo; 0,5 para declínio questionável; 1 para déficit leve; 2 para prejuízo moderado e 3 para o grave. Em cada etapa são avaliadas seis categorias de funções cognitivas: memória, orientação, julgamento e solução de problemas, afazeres na comunidade, hobbies e hábitos no lar e cuidado pessoal (Golomb et al., 2001; Hughes et al., 1982; Morris, 1993). Para definir o DCL, os autores afirmam que muitos estudos têm utilizado o estágio 3 para a GDS e 0,5 para a CDR. A escala GDS determina os estágios 4, 5, 6 e 7 respectivamente para DTA leve, moderada, moderadamente grave e grave, sendo específica para este tipo de demência (Golomb et al., 2001). Todavia, as escalas GDS e CDR têm sido criticadas
por apresentarem critérios operacionais inespecíficos para o exame cognitivo (Busse et al., 2003a). Petersen e colaboradores (2001b) acrescentam, por sua vez, que as escalas CDR e GDS não necessariamente coincidem clinicamente com os quadros de envelhecimento normal, DCL e DTA leve. Quanto à escala CDR, alguns autores mencionam o escore de 0,5 para o DCL, enquanto outros incluem nesta pontuação tanto indivíduos portadores de DTA leve quanto de DCL. No que tange à escala GDS, há autores que afirmam que o DCL pode ser classificado tanto no estágio 2 quanto no 3.
Avaliações amplas O CERAD (Morris et al., 1988) foi desenvolvido para estabelecer padrões confiáveis para a avaliação da DTA, envolvendo mais de um protocolo. A bateria clínica segue as seguintes etapas: 1. Dados sociodemográficos. 2. Inventário das medicações utilizadas pelo paciente. 3. Dados da história do paciente, baseada nos relatos do mesmo e de seu informante; nesta etapa são preenchidos instrumentos funcionais, como a escala de Blessed (Blessed et al. 1968) nas versões original (preenchida pelo informante) e reduzida (respondida pelo paciente). 4. Exame físico e neurológico. 5. Exames laboratoriais. 6. Impressão diagnóstica. A bateria neuropsicológica é administrada no momento da admissão do paciente, novamente depois de um mês e, a partir de então, anualmente. Esta bateria é constituída pelos seguintes testes: 1. Fluência verbal por categoria semântica (animais). 2. Versão modificada do Boston Naming Test (apresentação de 15 objetos para avaliação de disnomia). 3. MMSE.
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Cognição e Envelhecimento
4. Memória para lista de palavras (dez palavras em três séries). 5. Praxia construtiva (pela solicitação da cópia de um círculo, um diamante, retângulos e de um cubo). 6. Recordação da lista de palavras. 7. Reconhecimento da lista de palavras (as 10 palavras já apresentadas são misturadas a outras 10 palavras distratoras).
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itens, divididos em nove subescalas. Estas avaliam memória, linguagem, expressão, concentração, apraxia, agnosia, pensamento abstrato, cálculo e avaliação de tempo (Roth et al., 1986). O SIDAM (Zaudig et al., 1991) constitui um instrumento que permite a avaliação de demências de etiologias variadas. De acordo com os autores, as principais partes do SIDAM são:
1. Seção A – dados do paciente acerca dos estados físico e mental atual, bem como sintomas prévios diversos e história familiar. 2. Seção B – avaliação cognitiva, a qual engloba o MMSE (Folstein et al., 1975) e outros testes. 3. Seção C – observações do entrevistador a respeito do paciente. 4. Seção D – sinais e sintomas neurológicos, cujo objetivo é demências de causas primárias e secundárias. 5. Seção E – resultados de exames laboratoriais e radiológicos. 6. Seção F – lista de medicações atualmente em uso pelo paciente. 7. Seção G – aspectos adicionais obtidos no curso da entrevista. 8. Seção H – entrevista com familiares e/ou outros informantes.
1. Revisão clínica semi-estrutrada, realizada com o paciente e/ou o informante, com o objetivo de coletar dados sobre o passado do indivíduo e sua história médica e psiquiátrica presente. 2. Teste contendo 40 itens para avaliação cognitiva. As respostas corretas são somadas, resultando em escores que podem variar de 0 a 55; estes escores podem ser subdivididos em 10 subescores, que avaliam áreas como memória, julgamento e orientação. 3. Lista estruturada para julgamento clínico, contendo os escores isquêmicos de Hachinski e colaboradores (1975) e o de Rosen e colaboradores (1980), para o diagnóstico de demência vascular. 4. Classificação de severidade para demência, com base no DSM-III-R e na CID-10. 5. Lista de doenças médicas atuais e anteriores. 6. Lista de todos os escores do SIDAM. 7. Algoritmo para facilitar o acesso ao diagnóstico, baseado em alguns dos critérios da CID-10 e do DSM-III-R, para demência.
Essas oito seções podem ser agrupadas em três: uma primeira seção contém uma entrevista clínica estruturada, cujo objetivo é coletar dados acerca do estado atual do paciente, bem como da história pregressa e familiar; a segunda corresponde a uma bateria de testes cognitivos; e a terceira é destinada ao informante ou familiar, a fim de obter informações independentes a respeito do paciente. A seção de avaliação cognitiva do CAMDEX é denominada CAMCOG. É composta de 65
Resumidamente, consiste em uma bateria de avaliação neuropsicológica composta pelo MMSE, uma seção para julgamento clínico e outra para avaliar informações acerca da existência de dificuldades psicossociais. Os domínios cognitivos avaliados pelo SIDAM são orientação, memória (imediata, de curto e longo prazo), habilidades intelectuais (pensamento abstrato e julgamento), habilidades verbais e cálculo, habilidades construtivas (visuoespaciais), afasia e apraxia (Busse et al., 2003a).
O CAMDEX consiste em uma entrevista estruturada para o diagnóstico de demência e outras patologias psicogeriátricas freqüentes na velhice, idealizada por Roth e colaboradores (1986). O instrumento possui oito seções, que compreendem os seguintes tópicos:
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Avaliações funcionais Existem diversos instrumentos para a avaliação funcional do paciente com demência. Entre eles, é possível citar o IDDD (Interview for Deterioration of Daily Living in Dementia – Böhm et al., 1998), desenvolvido por Teunisse e Derix (1991). Essa escala foi desenvolvida para investigar limitações funcionais em pacientes com demência, baseada nas informações obtidas dos cuidadores destes pacientes. A mesma possui itens que avaliam aspectos que exigem comportamentos mais complexos. Böhm e colaboradores (1998) fizeram uma adaptação da escala para comunidades de língua espanhola. O IDDD é composto por duas seções, as quais avaliam: 1. As atividades básicas da vida diária (IDDD – BADL) como, por exemplo, escovar os dentes, pentear o cabelo, preparar uma fatia de pão, comer, vestir-se, entre outras. 2. As atividades instrumentais da vida diária (IDDD – IADL), como fazer compras, utilizar o telefone, fazer pagamentos, iniciar um diálogo, ler e escrever, etc. A importância de se avaliarem as atividades simples (IDDD – BADL) e complexas (IDDD – IADL) reside no fato de que as primeiras são afetadas em estágios mais avançados da demência, enquanto as outras constituem as que sofrem interferência em estágios leves. Shapira (1997) menciona os instrumentos de Katz e colaboradores (1963) e Lawton e Brody (1969). De acordo com o autor, o instrumento de Katz e colaboradores (1963), denominado ADL (Activities of Daily Live) avalia AVDs (atividades da vida diária), que permitem a independência do paciente, como o banho, o vestir-se, higiene íntima, alimentação, controle de esfíncteres (continência) e capacidade de fazer alguns movimentos (transferência da cama para outro lugar sem ajuda, por exemplo). Já o instrumento de Lawton e Brody (1969), que recebe a sigla IADL, avalia atividades instrumentais como usar o telefo-
ne, fazer compras, preparar refeições e cuidar das próprias finanças, entre outras (AIVD). Por fim, há a escala de Blessed (Blessed, Tomlinson, e Roth, M., 1968). Esta escala permite a avaliação funcional do paciente. Divide-se em três grandes grupos: 1. Mudanças no desempenho de atividades da vida diária (como realização de tarefas de casa, habilidade de lidar com dinheiro, capacidade de orientação dentro de casa e em ruas conhecidas, etc.). 2. Mudanças de hábitos (de alimentação, vestuário e controle esfincteriano). 3. Mudanças de personalidade, interesse e impulsos (por exemplo, alterações de respostas emocionais e de comportamento sexual, diminuição da iniciativa ou apatia crescente e hiperatividade sem propósito, entre outros). Os instrumentos descritos nesta seção podem ser utilizados como auxiliares no diagnóstico de DCL e DTA. Ressalta-se, porém, que enquanto na DTA e em outras demências há prejuízos nas atividades da vida diária (avaliações juncionais), no DCL as AVDs estão preservadas.
ÁREAS COGNITIVAS AFETADAS NO DCL E AVALIAÇÕES ESPECÍFICAS Arnáiz e Almkvist (2003) realizaram um levantamento de estudos transversais e longitudinais sobre a cognição em pacientes com DCL. O trabalho deles mostrou uma grande preferência pelo estudo de diferentes tipos de memória, principalmente nos estudos transversais. Collie e Maruff (2000) listaram uma série de estudos longitudinais realizados com medidas neuropsicológicas de domínios cognitivos afetados. Alguns deles avaliavam mais de um domínio. Dos 26 artigos revisados pelos autores, 22 avaliavam habilidades de memória, incluindo memória episódica (verbal e visual) e semântica. Outros domínios investigados foram funções executivas e funções cognitivas gerais.
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Cognição e Envelhecimento
A Tabela 14.1 mostra os diferentes domínios cognitivos estudados em pacientes classificados como portadores de DCL, segundo o levantamento realizado por Arnáiz e Almkvist (2003), Collie e Maruff (2000) e De Jager, Hogervorst, Combrinck e Budge (2003). Observa-se uma predominância de estudos referentes às habilidades de memória (41 listados no total) em detrimento de outras funções cognitivas. Isso talvez se deva ao fato de que déficits de memória são freqüentes nesses pacientes (Arnáiz e Almkvist, 2003). Dentro deste domínio cognitivo, a memória episódica, principalmente verbal, tem sido a capacidade mais estudada. Observa-se também uma grande variabiliade de testes utilizados, a maioria já descrita nos capítulos anteriores. Em outras palavras, a metodologia utilizada para o estudo cognitivo de portadores de DCL é semelhante à utilizada nos estudos sobre o envelhecimento normal. Para Collie e Maruff (2000), o desempenho nas medidas de memória episódica constitui o melhor indicador para o desenvolvimento ou não de demência. Arnáiz e Almkvist (2003), em concordância com esses achados, afirmam que, em estudos transversais, a memória episódica constitui o domínio cognitivo que melhor discrimina a demência do tipo Alzheimer, a DTA pré-clínica e controles. Por outro lado, quanto a estudos longitudinais, os mesmos autores afirmam que as medidas neuropsicológicas preditivas de DTA não são
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homogêneas entre os estudos. As medidas de memória semântica e de memória visual episódica foram encontradas em alguns estudos, mas não em outros, de acordo com os autores. Outras funções cognitivas que podem ser consideradas preditoras do desenvolvimento de DTA são as habilidades verbais (incluindo a fluência por categorias e por letras) e funções executivas e visuoespaciais. Os autores ressaltam, entretanto, que esses estudos foram realizados com amostras menores. Todavia, muitos estudos longitudinais têm em comum as medidas de memória verbal episódica como principal preditora para o desencadeamento de demência, em concordância com a revisão de estudos transversais. Entre os testes utilizados, de acordo com os estudos revisados pelos autores (Arnáiz e Almkvist, 2003; Collie e Maruff, 2000; De Jager et al., 2003), estão o Weschler Memory Scale (WMS e WMS-R, principalmente os subtestes logical memory, visual reproductions e verbal paired associates), o Rey Auditory Verbal Learning Test (RAVLT), o Buschke Selective Reminding Test (Free or Cued), o Warrington’s Recognition Memory (Faces and Words), o Rivermead Paragraph Recall e o California Verbal Learning Test, entre outros. Na avaliação da linguagem, foram mencionados o Boston Naming Test (BNT, que também foi usado na avaliação de memória semântica), os testes de fluência (como o FAS ou fluência por categorias) (Arnáiz e Almkvist,
Tabela 14.1 Número de ocorrências de estudos dos diferentes domínios cognitivos no declínio cognitivo leve Domínio Cognitivo
Ocorrências
Memória Episódica (verbal e/ou visual) e/ou Memória Semântica e/ou Aprendizagem Linguagem (nomeação, fluência, compreensão, etc.) Inteligência Habilidades Visuoespaciais Funções Executivas e/ou atenção Cognição Geral Velocidade de Processamento Percepção
41 08 05 05 05 02 02 01
Fonte: Arnáiz e Almkvist (2003), Collie e Maruff (2000), De Jager, Hogervorst, Combrinck e Budge (2003).
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2003; Collie e Maruff, 2000) e o Token Test (De Jager et al., 2003). Na avaliação da inteligência, o teste mais utilizado foi o WAIS-R, sendo que a escala era às vezes utilizada por completo, às vezes apenas em alguns dos subtestes. Para funções executivas e atenção, utilizou-se o Trail Making Test, o Stroop Test, o Wisconsin Card Sorting Test e o subteste Mental Control (WMS-R) (Arnáiz e Almkvist, 2003; Collie e Maruff, 2000). No que tange às habilidades visuoespaciais, utilizaramse alguns subtestes de execução da escala WAISR (Arnáiz e Almkvist, 2003; Collie e Maruff, 2000), além dos testes Bisecting Lines e Spatial Rotation (De Jager et al., 2003). Para avaliação da percepção, utilizou-se o Incomplete Letters and Drawings (De Jager et al., 2003).
CONCLUSÃO Ainda existe muita diversidade nos estudos sobre o DCL. Em primeiro lugar, existem diversos conceitos e critérios diagnósticos para a classificação dessa patologia, conforme se pode observar no Quadro 14.1. Em segundo lugar, existem múltiplas formas de investigação, ou seja, há uma variedade de testes e, conseqüentemente, uma não-uniformidade de avaliação. Cabe salientar que em função do estabelecimento bastante recente do quadro clínico de DCL não existem testes específicos e os conhecimentos sobre as áreas afetadas ainda são incipientes. Em função disto, qualquer investigação coerente e robusta em suas bases teóricas poderá contribuir muito para o conhecimento dessa síndrome. Nesse sentido, são relevantes as discussões entre teoria e avaliações de diferentes funções cognitivas, desenvolvidas nas Partes II e III deste livro. Em terceiro, conforme afirmado anteriormente, há um predomínio de estudos que avaliam a memória, e poucos para outras funções cognitivas. Apesar da necessidade de se constatar um déficit objetivo de memória (constitui um dos critérios diagnósticos), a avaliação de outras funções cognitivas pode permitir um melhor conhecimento a respeito das manifestações do quadro. Espera-se que o desenvolvimento de estudos sobre DCL possibilite uma padronização
dos critérios e das formas de avaliação, a fim de criar diagnóstico único, que facilite a comunicação entre profissionais de saúde e o uso de critérios e testes na prática clínica. Por outro lado, a realização de mais estudos relativos a outros domínios cognitivos (não apenas à memória) pode contribuir para universalizar e homogeneizar o quadro.
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QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Defina Declínio Cognitivo Leve. 2. Quais as taxas de conversão para quadros demenciais apresentadas por indivíduos portadores de DCL? 3. Qual a importância do estudo sobre o quadro de DCL? 4. Quais são as escalas que distinguem DCL de processos demenciais e quais os pontos de coorte entre os dois quadros? 5. Que áreas cognitivas devem ser avaliadas para distinguir um quadro de DCL de um de DTA? 6. Descreva as etapas que devem ser seguidas na avaliação de um paciente com DCL. 7. Quais são as perspectivas de estudos na área do DCL?
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REFERÊNCIAS Almeida, O.P. (1998). Mini-exame do estado mental e o diagnóstico de demência no Brasil. Arquivos de Neuropsiquiatria, 56 (3-B), 605-612. American Psychological Association. (1998). Guidelines for the evaluation of dementia and agerelated cognitive decline. American Psychologist, 53 (12), 1298-1303. Arnáiz, E.; Almkvist, O. (2003). Neuropsychological features of mild cognitive impairment and preclinical Alzheimer´s disease. Acta Neurologica Scandinavica, 107 (Suppl.179), 34-41. Blessed, G.; Tomlinson, B.E.; Roth, M. (1968). The association between quantitative measures of dementia and of senile change in the cerebral grey matter of elderly subjects. British Journal of Psychiatry, 114, 797-811. Böhm, P.; Peña-Casanova, J.; Aguilar, M.; Hernández, G.; Sol, J.M.; Blesa, R.; NORMACODEM group. (1998). Clinical validity and utility of the Interview for Deterioration of Daily Living in dementia for spanish-speaking communities. International Psychogeriatrics, 10 (3), 261-270. Brucki, S.; Nitrini, R.; Caramelli, P.; Bertolucci, P.; Okamoto, I. (2003). Sugestões para o uso do miniexame do estado mental no Brasil. Arquivos de Neuropsiquiatria, 61 (3-B), 777-781. Busse, A.; Bischkopf, J.; Ridel-Heller, S.G.; Angermeyer, M.C. (2003 a). Mild cognitive impairment: Prevalence and predictive validity according to current approaches. Acta Neurologica Scadinavica, 108, 71-81. Busse, A.; Bischkopf, J.; Ridel-Heller, S.G.; Angermeyer, M.C. (2003 b). Subclassifications for mild cognitive impairment: Prevalence and predictive validity. Psychological Medicine, 33, 1029-1038. Chaves, M.L.F.; Izquierdo, I. (1992). Differential diagnosis between dementia and depression: A study of efficiency increment. Acta Neurologica Scandinavica, 85, 378-382. Collie, A.; Maruff, P. (2000).The neuropsychology of preclinical Alzheimer´s disease and mild cognitive impairment. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 24, 365-374. Cunningham, W.; Tomer, A. (1990). Intelectual abilities and age: concepts, theories, and analyses. In E. A. Lovelace (Org.). Aging and cognition: Mental processes, self-awareness and interventions. (p. 379-406). New York: Elsevier Science Publishers. De Jager, C.A.; Hogervorst, E.; Combrinck, M.; Budge, M.M. (2003). Sensitivity and specificity of neuropsychological tests for mild cognitive impairment and Alzheimer´s disease. Psychological Medicine, 33, 1039-1050.
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15 Disfunções cognitivas na demência do tipo Alzheimer (DTA) Lenisa Brandão Gabriela Peretti Wagner Maria Teresa Carthery-Goulart
CONCEITOS TRABALHADOS
sença de doenças sistêmicas ou cerebrais que não correspondam à causa do quadro demencial.
Demência: consiste em uma síndrome de causas diversas, que provoca prejuízos das habilidades cognitivas, sociais e ocupacionais. Pode ser progressiva e degenerativa ou reversível.
Doença de Pick: uma das formas de demência frontotemporal, de início insidioso e de evolução gradual. Entre os principais sintomas, destacam-se as manifestações comportamentais de desinibição social, apatia e abulia. Quanto aos sintomas cognitivos, há preservação relativa da memória e prejuízo das funções executivas.
DTA: demência do tipo Alzheimer, forma mais comum de demência provocada por alterações nos neurônios colinérgicos e suas projeções. Síndrome de início insidioso, degenerativa e progressiva, que provoca principalmente alterações cognitivas e motoras. Apresenta como marcas histopatológicas a deposição de placas senis neuríticas (extracelular) e o acúmulo de emaranhados neurofibrilares (intracelular). DTA provável: quadro demencial, de início insidioso e progressivo, que causa alterações cognitivas, porém não provocado por outras doenças sistêmicas ou cerebrais. Uma vez que o diagnóstico definitivo de DTA só é possível em exames post mortem, excluindo-se outras causas dos déficits cognitivos, utiliza-se a denominação DTA provável. DTA possível: similar à DTA provável, mas o diagnóstico de DTA possível pode ser efetuado na pre-
Doença dos Corpúsculos de Lewy: provocada pela entrada de um tipo de glóbulo branco nos neurônios, podendo estar associada a pacientes com doença de Parkinson ou Alzheimer. Apresenta curso progressivo, com sintomas flutuantes e de evolução rápida. Doença de Parkinson: doença degenerativa e progressiva caracterizada pelos seguintes sintomas motores principais: bradicinesia, tremor de repouso e rigidez. Pode provocar sintomas demenciais, apesar de estes não serem os mais comuns. Coréia ou Doença de Huntington: quadro demencial com sintomas motores (coréia), de herança genética autossômica dominante. Os sintomas cognitivos e psiquiátricos podem preceder em anos as manifestações motoras.
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Hidrocefalia por pressão normal: aumento do volume dos ventrículos, cujos principais sintomas são demência, incontinência urinária e apraxia. É provocada pela deficiência de absorção de liquor. Esclerose múltipla: doença que ataca a bainha de mielina neuronal, dificultando a transmissão de impulsos nervosos. Provoca falta de coordenação, fraqueza, dificuldades de fala e visão. É dita múltipla porque o distúrbio ataca muitas áreas do sistema nervoso ao mesmo tempo. Confabulações: emissão oral com sintaxe e fonologia adequadas mas sem coerência com a realidade do paciente. Anomias: dificuldade de nomear objetos. Parafasia: troca de uma palavra por outra. Hiperônimos: substituição de uma palavra por outra mais genérica dentro do mesmo campo semântico. Agnosia visual: dificuldade perceptual de reconhecimento visual de objetos. Hiperpriming: excesso de ativação de informações adquiridas implicitamente. Efeito de interferência: dificuldade de atenção seletiva, na qual os estímulos apresentados, que não deveriam ser o foco da atenção, ficam ativados e são incorporados na resposta do paciente.
TAREFAS DESCRITAS Miniexame do estado mental “Mini-Mental” Teste de aprendizagem de palavras Teste de memória para textos Testes de nomeação de figuras Nomeação de múltipla escolha Testes de fluência Teste de Stroop Stroop numérico
INTRODUÇÃO Neste capítulo, serão examinadas as principais disfunções cognitivas da demência do
tipo Alzheimer (DTA). A primeira parte do texto visa a expor o leitor à nomenclatura e aos critérios diagnósticos para a detecção da demência e, mais especificamente, da DTA. Discussões longas sobre procedimentos diagnósticos serão evitadas, porque acabariam por ocupar uma parte muito grande do texto e, de certa forma, já foram expostas nos capítulos precedentes. O tema “demência do tipo Alzheimer” é de inquestionável importância no estudo do envelhecimento cognitivo. Consiste na causa mais comum de demência, sendo que o número de casos vem crescendo devido ao aumento da expectativa de vida nas últimas décadas. No Brasil, os idosos constituem quase 10% da população, isto é, cerca de 14,5 milhões de pessoas possuem 60 anos ou mais no país. Quanto à DTA, estima-se que atinja entre 600 mil e 1 milhão de idosos brasileiros (Ministério da Saúde [MS], 2004). Nos Estados Unidos, a DTA tem incidência menor do que 1% aos 65 anos e prevalência de cerca de 3%. Por volta dos 85 anos, incidência e prevalência assumem, respectivamente, os valores de 8% e 50% (Kirshner, 2002).
NOMENCLATURA E CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS Por demência, define-se um distúrbio de funções intelectuais previamente intactas, sendo provocada por um processo difuso e multifocal dos hemisférios cerebrais (Kirshner, 2002). Os critérios diagnósticos, segundo a American Psychiatry Association, descritos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), são os seguintes: 1. Desenvolvimento de déficits múltiplos, que se caracterizam por comprometimento da memória e de pelo menos outra disfunção cognitiva (como afasia, apraxia, agnosia ou disfunção executiva). 2. Curso caracterizado por início gradual e declínio cognitivo contínuo. 3. Prejuízos social e ocupacional significativos, representando um declínio em relação ao nível prévio de funcionamento.
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4. Critérios de exclusão: os déficits não se devem a outro transtorno ou ao uso de drogas, não ocorrem apenas em associação ao delirium e não podem ser explicados por outros transtornos psiquiátricos. Existem diversas possíveis etiologias para os quadros demenciais. Entre as mais freqüentes, encontram-se as degenerativas (DTA, doença de Pick, doença dos corpúsculos de Lewy, doença de Parkinson, Coréia ou doença de Huntington, demência por príons, hidrocefalia de pressão normal e esclerose múltipla), as vasculares, as anóxias, as lesionais (principalmente expansivas), os traumatismos (traumas graves ou leves, repetitivos ou não), as infecções (encefalites, neurossífilis, HIV), as deficiências vitamínicas (B12, folato, tiamina) e tóxicas (álcool e envenenamento por metais pesados) (Almeida e Nitrini, 1995; Green, 2001). Diante da variedade de etiologias, o principal objetivo em termos de urgência de diagnóstico é identificar as causas potencialmente tratáveis de demência, a fim de evitar danos irreversíveis (Kirshner, 2002). De acordo com Green (2001), as neoplasias, os distúrbios metabólicos, alguns traumas e quadros demenciais provocados pelo acúmulo de algumas toxinas, infecções, distúrbios auto-imunes, distúrbios nutricionais, quadros demenciais provocados pelo uso de medicamentos e distúrbios psiquiátricos constituem causas potencialmente tratáveis de demências. O mesmo autor afirma que distúrbios degenerativos, demências vasculares, algumas demências de origem traumática e algumas infecções, por sua vez, constituem causas irreversíveis de quadros demenciais. O desempenho no Mini-Mental State Exam (MMSE; Folstein, Folstein e McHugh, 1975), instrumento mencionado posteriormente para identificar comprometimento cognitivo e auxiliar no diagnóstico de DTA (Brucki et al., 2003), é indicativo de demência quando o escore for de 23, conforme adaptação para a população brasileira, de Almeida (1998). Nesta, os índices de sensibilidade e especificidade foram respectivamente de 84,3% e 60,3% para o ponto de coorte 23/24. Cabe ressaltar que, quanto maior o nível de instrução e quanto
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mais jovem o indivíduo, tanto mais alto é o escore final no MMSE. Chaves e Izquierdo (1992) também realizaram um estudo, comparando o desempenho no MMSE de indivíduos com demência, com depressão e controles normais. Respectivamente, os pontos de coorte foram 20, 25 e 29. A DTA provoca um processo degenerativo do sistema nervoso central (SNC) caracterizado clinicamente por uma demência progressiva e histologicamente pela presença de placas senis e pela degeneração neurofibrilar principalmente no hipocampo e em áreas associativas e límbicas. Devido à impossibilidade de detectar a presença de tais características histológicas em idosos vivos, o diagnóstico fornecido é de “provável” ou “possível” Alzheimer, na ausência de indicadores para outras causas de declínio cognitivo. McKhann e colaboradores (1984) afirmam que, para o diagnóstico de DTA “provável”, é necessária a identificação de um início típico insidioso e progressivo de demência e ausência de outras doenças sistêmicas ou cerebrais (as quais podem explicar os déficits progressivos de memória ou outras dificuldades cognitivas). Os critérios para o diagnóstico clínico incluem, de acordo com McKhann e colaboradores (1984): 1. A identificação do quadro demencial, estabelecido pelo MMSE ou Escala de Blessed (ou outra escala similar), confirmada por testes neuropsicológicos. 2. Existência de déficits em dois ou mais domínios cognitivos. 3. Piora progressiva da memória e de outras habilidades cognitivas. 4. Ausência de distúrbios da consciência. 5. Início entre as idades de 40 e 90 anos, mas com maior freqüência após a idade de 65 anos. 6. Ausência de doenças sistêmicas ou outras patologias cerebrais (que poderiam explicar os déficits progressivos na memória ou em outra função cognitiva). O diagnóstico de DTA “provável” é corroborado por:
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1. Deterioração progressiva de funções cognitivas específicas como linguagem (afasia), habilidades motoras (apraxia) e percepção (agnosia). 2. Padrões de comportamento alterados e declínio das atividades da vida diária. 3. História familiar de doenças similares, principalmente se confirmadas por exames neuropatológicos. 4. Exames de laboratório que apóiem o diagnóstico. O diagnóstico clínico de DTA “possível” é efetuado na presença de outras doenças significativas já que, com base no julgamento clínico, a DTA é considerada uma das maiores causas de demência progressiva. O diagnóstico clínico fundamenta-se nos seguintes critérios (McKhann et al.,1984): 1. Baseado na síndrome demencial (mas na ausência de outras doenças neurológicas psiquiátricas ou sistêmicas que poderiam causar demência), podendo abranger variações no início, na apresentação e no curso da doença. 2. Pode ser feito na presença de uma segunda doença sistêmica ou cerebral suficiente para produzir demência, mas que não pode ser considerada a causa da demência. 3. Deve ser realizado quando um déficit cognitivo severo é gradualmente progressivo e não há outra causa identificável que o explique. 4. O diagnóstico de DTA “definitiva” deve apenas ser feito com base em exames histopatológicos, associado à presença dos critérios clínicos de DTA “provável”.
DIFICULDADES COGNITIVAS As dificuldades de memória, linguagem, habilidades visuoespaciais e de controle emocional são consideradas os principais sinais cognitivos da DTA (Peña-Casanova, Bertran-
Serra e Del Ser, 1994; Robles, Amom e PeñaCasanova, 2002). De acordo com McKahnn e colaboradores (1984), para que seja possível o diagnóstico diferencial da demência do tipo Alzheimer, é necessária a adoção de critérios tais como a utilização de escalas do tipo MiniMental State Exam (MMSE) e instrumentos funcionais como a Blessed Deterioration Rating Scale (BDRS; Blessed, Tomlinson e Roth, 1968), que demonstram alterações de pelo menos duas funções cognitivas e consideráveis dificuldades na realização de atividades da vida diária (AVD). A avaliação das atividades da vida diária assume grande importância no estabelecimento do diagnóstico de demência (Böhm, et al., 1998). De acordo com os critérios de Petersen e colaboradores (1999; 2001), indivíduos portadores de declínio cognitivo leve (DCL) mantêm as atividades da vida diária preservadas, e, portanto, a avaliação das mesmas tem uma função central no diagnóstico da demência. Em outras palavras, uma das diferenças entre DCL e demência consiste, respectivamente, na ausência e presença de alterações das AVD. As disfunções cognitivas podem diferir entre os portadores da DTA, sendo possível observar inclusive dissociação dupla entre pacientes (Martin, 1990). Entretanto, a doença evolui de maneira mais ou menos homogênea, sendo descrita clinicamente em sete estágios progressivos de deterioração por Reisberg e colaboradores (1982). Em termos cognitivos, a maioria dos portadores da DTA tem como principal problema em comum a perda da memória.
Memória na DTA O padrão cognitivo típico da DTA é o déficit progressivo da memória (Dalla Barba e Rieu, 2001). Como se sabe, existem diversos sistemas de memória. Todos estes sistemas são mais ou menos afetados no curso da doença, sendo que se optou pela descrição das principais disfunções dos sistemas de memória explícita nesta seção. Definida de forma simples, a memória de trabalho (MT) é um tipo de memória de curto
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prazo usada durante a resolução de tarefas cognitivas (Baddeley, 1986). A memória de trabalho é comprometida já no quadro inicial da doença (Belleville, Peretz e Malenfant, 1996). As lesões no lobo frontal causadas pela DTA afetam diversas funções que atuam em colaboração e que são coordenadas pela MT, como a capacidade de armazenar informação a curto prazo (span), a capacidade de manter a atenção em atividades simultâneas e as funções de busca e recuperação de informações. A DTA pode provocar déficits de algumas dessas funções e, ao mesmo tempo, preservar outras, isso porque muitas dessas funções são desempenhadas por diferentes áreas do lobo frontal. Embora possam surgir diferentes padrões de déficit, geralmente os pacientes com DTA não conseguem realizar mais de uma atividade ao mesmo tempo e demonstram dificuldades em manipular informações necessárias para a realização de tarefas. A literatura na área vem concordando com a idéia de que o baixo desempenho do portador de Alzheimer demonstrado nas tarefas que avaliam a MT estaria relacionado a um distúrbio no sistema executivo central (ver Capítulo 6). A memória episódica, definida por Tulving (2002) como o sistema neurocognitivo que permite ao ser humano recordar experiências passadas, pode ser avaliada sob diferentes prismas. Testes de aprendizagem de palavras medem a habilidade de recordar informação previamente estudada, enquanto testes de memória para textos (prose memory) são utilizados para verificar se os indivíduos são capazes de recordar os eventos principais de uma história curta. Um dos fatores mais marcantes do déficit da memória episódica apresentado por portadores de DTA é a rapidez com que ocorre o esquecimento em testes de aprendizagem de palavras. O esquecimento da informação episódica na fase inicial da doença pode estar relacionado aos recursos atencionais, podendo refletir uma dificuldade de codificação e armazenamento, mais do que um problema de recuperação. No entanto, há evidências de que o déficit da memória semântica está intrinsecamente relacionado ao pior desempenho da memória episódica, apoiando a idéia de que a
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preservação da memória episódica depende da integridade da memória semântica. A memória para textos também é prejudicada nos estágios iniciais da doença (Dalla Barba e Rieu, 2001). Entretanto, é preciso levar em consideração que pacientes com demência do tipo Alzheimer não somente falham em recuperar informação episódica, mas também apresentam distorções da mesma. Os estudos sobre distorções da memória episódica têm investigado a tendência para a produção de intrusões nos testes de aprendizagem. As intrusões ocorrem quando o indivíduo evoca palavras não estudadas na lista de aprendizagem. A detecção dessas intrusões está correlacionada com o grau de anosognosia (falta de consciência) do déficit de memória e tem sido considerada uma ferramenta de diagnóstico diferencial que possibilita excluir outros tipos de demência. Existe ainda um outro tipo de memória episódica, a memória autobiográfica. A memória autobiográfica é responsável por armazenar fragmentos da experiência passada. Este tipo de memória episódica possibilita que os sujeitos recuperem eventos selecionados no curso do tempo, eventos estes que provavelmente são importantes para a formação da personalidade, permitindo a permanência da identidade (Dall’Ora, Della Sala e Spinnler, 1989). A memória autobiográfica é reduzida no decorrer da progressão da doença, observando-se o esquecimento de eventos recentes e, em etapas bem avançadas, também o esquecimento de eventos remotos da vida do paciente (Dalla Barba e Rieu, 2001). De acordo com Reisberg e colaboradores (1982), que descrevem os estágios da doença nas fases iniciais, os portadores da DTA já começam a esquecer sua história pessoal, assim como já demonstram declínio da memória de eventos diários. As distorções da memória autobiográfica podem manifestar-se quando, por exemplo, o portador da doença crê que pagou uma conta, quando, na realidade, apenas pensou em fazêlo. Distorções mais graves são denominadas confabulações, que consistem em ações ou afirmações verbais e relatos incongruentes em relação à história e à situação atual do indivíduo.
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De acordo com Orange e Kertesz (2000), testes de memória episódica para textos revelam que componentes cruciais da narrativa são omitidos, assim como partes de outras narrativas emergem e se tornam intrusões. Em muitos casos, estas intrusões correspondem à fala tangencial, motivada pela história pessoal do falante. As intrusões e confabulações têm sido observadas no discurso espontâneo e nas conversações, que são marcadas pela dificuldade em manter e em mudar o tópico, demandando freqüente compensação pelo interlocutor. Dalla Barba e Rieu (2001) verificaram a presença de confabulações no discurso de indivíduos portadores da DTA que foram solicitados a narrar um episódio pessoal e a relatar um plano pessoal para o futuro. Esses autores sugeriram que a DTA produz uma consciência patológica do tempo, o que provavelmente se refere ao que Tulving (2002) denominou autonoesis, explicada como um tipo especial de consciência que permite a “viagem” mental no tempo. Dall’Ora, Della Sala e Spinnler (1989), que também estudaram a confabulação no discurso de portadores de Alzheimer em estágios iniciais, demonstraram que a recuperação da informação autobiográfica estava gravemente comprometida em seus participantes, mas que raramente a confabulação apareceu, não sendo atribuída uma relação desta com a consciência temporal.
Memória semântica e linguagem Falhas precoces da memória semântica também são evidenciadas principalmente em testes de nomeação de figuras. A memória semântica, sistema referente ao conhecimento relacionado ao significado das palavras, conceitos e fatos, apresenta falhas que podem ser tomadas como sinais cognitivos da DTA no estágio inicial, servindo como importantes marcadores para o diagnóstico diferencial de outras demências como a demência vascular. Sabe-se, ainda, que comprometimentos severos da memória semântica assinalam que a doença atingiu um estado avançado (Appell, Kertesz e Fisman, 1982). A perda do conhecimento semântico manifesta-se na aparente di-
minuição da definição de conceitos, com redução das relações de significado. A maior parte dos estudos sobre a linguagem dos portadores da DTA focaliza-se nos prejuízos da memória semântica, sendo que os participantes desses estudos têm fornecido considerável material de análise para o entendimento do processamento semântico (Chertkow e Bub, 1990). As anomias (dificuldades de nomeação) e parafasias (substituições de palavras) são observadas na fala dos portadores da DTA, porém de forma diferente do que é observado na fala de pacientes com lesões focais que apresentam afasia (Emery, 2001). Muito mais do que os afásicos, os portadores da DTA apresentam dificuldades em achar substantivos, o que se destaca na fala espontânea, observando-se também o uso de termos gerais, como palavras superordenadas ou hiperônimos (ex.: animal para cachorro) e termos indefinidos (ex.: pega esse negócio) (Huff, 2001; Obler, Albert e Helmestabrooks, 1985). Nos estágios iniciais, as parafasias são raramente produzidas de forma espontânea e, quando surgem, são trocas do tipo semânticas, e não fonêmicas (Glosser e Desser, 1990). Estudos que buscam investigar o aparecimento das anomias e parafasias relatam que os portadores da demência de Alzheimer apresentam desempenhos piores em testes de nomeação de figuras, falhando na nomeação ou apresentando um maior tempo de reação comparados a participantes-controle (Appell, Kertesz e Fisman, 1982; Chertkow e Bub, 1990; Huff, 2001). Esses autores discutem as causas da dificuldade de nomeação em portadores de Alzheimer, levantando hipóteses como: perda da informação semântica ou comprometimento do acesso à memória semântica; déficit de recuperação da palavra, caracterizado pela dificuldade em nomear um objeto que foi identificado com sucesso. Para investigar essas hipóteses, as pesquisas sobre memória semântica em doentes de Alzheimer têm lançado mão da repetição posterior do teste de nomeação (Chertkow e Bub, 1990, repetiram o teste após um mês), no intuito de verificar se há uma variação dos itens que o sujeito não consegue nomear. A presença de
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variação no desempenho é tomada como um indicativo de que há problemas no acesso lexical, e não uma perda da informação semântica. Além da repetição do teste depois de determinado tempo, tarefas neuropsicológicas adicionais têm sido utilizadas para avaliar esse sistema, sendo que cada uma dessas tarefas pode fornecer pistas sobre a manutenção ou não do conhecimento semântico, do acesso semântico-lexical, da recuperação da palavra e da ativação na rede semântica. As principais avaliações utilizadas consistem nas tarefas de nomeação por múltipla escolha (Huff, 2001), fluência verbal ou categorial (Appell, Kertesz e Fisman, 1982; Huff, 2001) e priming lexical (Chertkow e Bub, 1990; Margolin, Pate e Friedrich; 1996). A nomeação por múltipla escolha consiste na apresentação das figuras de nomeação acompanhadas por cinco palavras escritas, sendo uma correspondente ao nome da figura. O participante deve ler em voz alta as opções e, então, referir qual a resposta correta. Este teste não avalia a capacidade de recuperação da palavra, pois esta deve ser reconhecida na ficha. Portanto, essa tarefa parece avaliar o acesso ao significado. O melhor desempenho nesse teste, com piores resultados na tarefa de nomeação de figuras, pode significar um déficit da recuperação da palavra (Huff, 2001). Os testes de fluência requerem que o indivíduo cite membros de categorias como animais (fluência categorial) ou palavras que comecem com uma letra específica (fluência verbal). O tempo de um minuto é concedido para a emissão do participante, sendo que o escore final corresponde ao número de emissões corretas. Os testes de fluência excluem dificuldades de processamento visual, pois não apresentam estímulos visuais, e parecem sugerir maiores dificuldades de acesso às palavras do que perda do conceito das mesmas (Appell, Kertesz e Fisman, 1982). Pacientes com a DTA emitem menos palavras do que sujeitos normais, principalmente no teste de fluência categorial. Essa dificuldade aparece antes do déficit em testes de nomeação de figuras. Talvez o déficit de recuperação da palavra represente uma forma leve de déficit léxico-semântico, pois, nos estudos de Huff (2001) e de Ramage e Holland (2001), todos os pacientes
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com sinais de déficit semântico-conceitual apresentavam déficit de recuperação da palavra. Ramage e Holland (2001) verificaram, ainda, que pacientes no estágio leve apresentavam dificuldades de recuperação da palavra, enquanto doentes no estágio moderado demonstravam perda da informação conceptual. Esses achados parecem sugerir um padrão de progressão dos déficits semânticos observados à medida que a doença avança (Huff, 2001; Ramage e Holland, 2001). O priming semântico baseia-se na idéia de espalhar ativação na memória semântica de forma passiva através de um prime (palavra ou figura), e seu efeito é medido pelo desempenho no reconhecimento de um alvo subseqüente que apresenta uma relação semântica com o prime. Em pessoas normais, espera-se uma diminuição do tempo de reação no reconhecimento subseqüente (efeito facilitatório), quando o alvo e o prime apresentam relações semânticas. Estudos que investigam o efeito do priming lexical (Chertkow e Bub, 1990; Margolin, Pate e Friedrich, 1996) de portadores da demência do tipo Alzheimer e participantes-controle encontraram resultados inesperados de acordo com hipóteses de perda do conhecimento semântico-conceitual. Chertkow e Bub (1990) realizaram diversas tarefas para detectar se as falhas no desempenho refletiam dificuldades de acesso lexical ou perda do conhecimento semântico-conceitual em um grupo de portadores da demência do tipo Alzheimer que não apresentavam deficiências da percepção visual, bem como percepção da palavra escrita ou falada. Ao constatarem, entre outros achados, que os portadores da demência do tipo Alzheimer apresentavam desempenho constante na repetição dos testes de nomeação após um mês, os autores supuseram que a DTA provocaria uma perda do conhecimento semântico-conceitual, e não uma dificuldade eventual (variável com o tempo) de acesso semântico. De acordo com essa hipótese, a tarefa posterior de priming das palavras não-nomeadas demonstraria ausência do priming semântico, pois a perda de informação não possibilitaria ativação de conceitos na memória semântica. Entretanto, os autores verificaram um estranho aumento do efeito priming, demonstrando um maior efeito para
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os itens semânticos degradados do que itens intactos em testes posteriores. Esses resultados demonstraram que o efeito priming em portadores da doença não se apresenta simplesmente presente ou ausente, mas patologicamente aumentado. Embora esses autores tenham tentado explicar esses resultados controversos apenas como uma conseqüência da degradação da memória semântica, Margolin, Pate e Friedrich (1996) esboçaram uma hipótese mais explicativa para a presença do efeito “hiperpriming” no desempenho de portadores da DTA. Ao encontrarem resultados semelhantes na investigação que realizaram com portadores de Alzheimer, Margolin e colaboradores (1996) consideraram a hipótese de um déficit inibitório na rede semântica. De forma consistente com o modelo conexionista de redes semânticas, apresentado anteriormente no capítulo sobre produção da linguagem, os autores sugeriram que o aumento da ativação provocada pelo priming estaria relacionado não exatamente a um déficit semântico, mas a um problema de desativação da rede.
Alterações da leitura e da escrita em processos degenerativos A degeneração progressiva da linguagem oral na DTA tem sido bastante documentada, mostrando uma dissociação entre a perda léxico-semântica e a preservação de habilidades fonológicas. Estudos sobre as alterações da linguagem escrita nessa população são mais recentes e apontam para uma dissociação entre leitura e escrita, estando a primeira preservada até seus estágios mais avançados.
Alterações de escrita na DTA Os estudos sobre habilidades de escrita na DTA têm demonstrado que a agrafia é uma manifestação freqüente e de instalação precoce na doença (Appel, Kertesz, e Fisman, 1982; Cummings Benson, Hill e Read, 1985; Horner Heyman, Dawson e Rogers, 1988). Esses pacientes podem apresentar déficits tanto orto-
gráficos quanto práxicos e motores da escrita. Essas alterações são geralmente mais graves do que as da linguagem oral, podendo inclusive antecedê-las (Horner et al., 1988). As pesquisas recentes sobre agrafias em pacientes com DTA podem ser subdivididas em dois grupos: aquelas que se dedicaram à análise da produção escrita em frases e narrativas e as que se ocuparam da análise da produção escrita em palavras, de acordo com a abordagem cognitiva. O primeiro grupo de estudos buscou caracterizar o desempenho dos pacientes com DTA em tarefas que envolvem tanto aspectos específicos da modalidade de produção escrita (soletração e execução motora) como operações que também fazem parte da linguagem oral, tais como coerência de idéias, acesso lexical e sintaxe, não sendo específicas da escrita. Horner e colaboradores (1988), Henderson e colaboradores (1992) e Neils, Boller, Gerdeman e Cole (1989) avaliaram a produção escrita de pacientes com DTA de leve a grave. Em tarefas de elaboração de narrativas a partir de estímulo visual, verificaram que, do ponto de vista pragmático e semântico, os textos produzidos eram pobremente organizados, repetitivos, pouco informativos e continham informações irrelevantes. Também chamaram a atenção para a alta ocorrência de erros ortográficos, do tipo grafêmicos (substituições, acréscimos, omissões e alterações da posição de um grafema na palavra) e para alterações práxicas. Os estudos enfatizaram a heterogeneidade das alterações de escrita na DTA, sugerindo que elas resultam da interação de distúrbios lingüísticos e de outras funções cognitivas, sobretudo problemas de construção e percepção visuais, de memória e de atenção. A escrita de textos também foi utilizada para determinar fatores preditivos da ocorrência de demência. Snowdon e colaboradores (1996) analisaram aspectos sintáticos da produção textual escrita de 93 religiosas, em um estudo longitudinal. O diário escrito por ocasião do ingresso no convento foi o material considerado. Os autores observaram que as religiosas cujo estudo anátomo-patológico postmortem confirmou o diagnóstico de DTA, já na
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juventude apresentavam traços preditivos do desenvolvimento posterior da doença. Os autores valorizaram indicadores sintáticos (“simplificação da sintaxe”), que evidenciavam, indiretamente, a pobreza de conteúdo semântico como fator de risco. Esses dados vão ao encontro de hipóteses que associam “reserva cognitiva (funcional)” à menor suscetibilidade de degeneração cerebral (Coffey, et al., 1999; Scarmeas e Stern, 2003; Staff, Murray, Deary e Whalley, 2004). Os estudos na abordagem cognitiva são recentes e têm chegado a diferentes conclusões sobre os distúrbios de escrita na DTA, ora descrevendo alterações lingüísticas, ora mencionando disfunção em mecanismos periféricos. Rapcsak e colaboradores (1989) observaram escores significativamente mais baixos para palavras irregulares e predomínio de erros de regularização. Os autores sugeriram que os pacientes apresentavam disfunção da rota lexical (agrafia lexical) devido à perda de representações ortográficas no léxico ou dificuldade de acesso a estas representações. Seus resultados foram comprovados em estudos posteriores, entre eles os de Croisile, Carmoi, Adeleine e Trillet (1995); Eustache e Lambert, (1996) e Lambert e colaboradores (1996). No entanto, há controvérsias quanto à interpretação dos achados. Se por um lado, Rapcsak e colaboradores (1989) e Croisile e colaboradores (1995) associam a agrafia lexical ao distúrbio léxico-semântico que ocorre na doença, subjacente às alterações da linguagem oral, Eustache e Lambert (1995) afirmam que essa alteração se deve a um déficit lexical independente e próprio da escrita. Entre os estudos que descreveram alterações periféricas da escrita na DTA, temos os de Neils e colaboradores (1995) e Glosser e colaboradores (1999) que atribuíram a agrafia na DTA à disfunção do buffer grafêmico. Esses autores observaram redução do número de acertos em todos os tipos de estímulos (palavras regulares, irregulares e pseudopalavras), sendo predominantes os erros grafêmicos, sobretudo em palavras de maior extensão. Alterações puramente práxicas foram discutidas por Neils-Strunjas, Shuren, Roeltgen e Brown
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(1998) pelo estudo da escrita de um paciente com DTA de grau moderado, cuja produção caracterizava-se pela alta ocorrência de perseverações sem alterações lingüísticas associadas. O padrão de funções preservadas e comprometidas sugeriu uma disfunção no mecanismo periférico de programação e execução de padrões motores gráficos. Os autores interpretaram essa dificuldade como decorrente de falhas atencionais, pois o paciente era incapaz de modificar seu foco de atenção da produção de um grafema para outro e as perseverações ocorriam especificamente em tarefas lingüísticas, não sendo verificadas em tarefas de praxias construtivas. Dados sobre a evolução do distúrbio de escrita foram publicados por Platel e colaboradores (1993) que estudaram longitudinalmente pacientes com DTA de leve a moderada, com o objetivo de encontrar um padrão lógico de evolução do distúrbio de escrita na doença. Identificaram um curso lógico da progressão destes distúrbios dividido em três fases. A primeira seria caracterizada por poucos erros do tipo regularizações. Na fase intermediária, haveria uma maior ocorrência de regularizações, no entanto predominariam erros fonologicamente não-plausíveis (grafêmicos), em pseudopalavras e palavras irregulares. Na fase avançada, seriam observadas desordens extremas afetando todos os tipos de palavras, com a ocorrência de vários tipos de erros e presença de dificuldades grafomotoras que, quando muito graves, impossibilitariam a escrita (respostas incompletas ou ausência de respostas). A heterogeneidade dos distúrbios de escrita na DTA também foi constatada em pacientes brasileiros em estudo transversal no qual 28 pacientes com DTA provável (15 com DTA leve e 13 com DTA moderada) e 30 controles foram submetidos a provas de escrita sob ditado, cópia e soletração (Carthery, 2000; Carthery et al., no prelo). Foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos de pacientes com DTA e o grupo-controle em todas as modalidades de escrita, entretanto, somente na prova de soletração oral (que requer mais recursos de memória operacional) foram detectadas diferenças entre os grupos
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com DTA leve e DTA moderada. O estudo de casos múltiplos, de acordo com a abordagem cognitiva, permitiu identificar perfis diferentes de distúrbios de escrita: agrafias centrais (lingüísticas), periféricas e mistas. No grupo com DTA leve, o quadro mais freqüente foi a agrafia lexical, e no grupo com DTA moderada, a agrafia mista, com comprometimento da rota lexical e de um ou mais processamentos periféricos da escrita. Dois pacientes, um com DTA leve e outro com DTA moderada tiveram desempenho normal em todas as provas. Em outro estudo (Carthery, et al., 2001), 14 desses pacientes foram reavaliados no período de 12 a 18 meses. Os autores constataram uma piora significativa da escrita sob ditado, sobretudo para palavras extensas e não-palavras. Apesar da heterogeneidade no grau de evolução dos distúrbios, os autores sugerem um sentido de progressão dos déficits, em que mecanismos centrais, especificamente a via lexical, são acometidos primeiramente, seguidos por déficits na via fonológica e/ou em mecanismos periféricos. Duas hipóteses têm sido postuladas para explicar o distúrbio de linguagem na DTA. A primeira propõe que os distúrbios de linguagem resultam de disfunção cortical difusa. Relacionada a essa hipótese, uma segunda interpretação sugere que os distúrbios de linguagem na DTA representam um exagero quantitativo das mudanças lingüísticas observadas no envelhecimento normal, o que é defendido por Glosser e Kaplan (1989), que verificaram que as alterações de escrita entre pessoas idosas e portadores de DTA são qualitativamente semelhantes, diferindo apenas do ponto de vista quantitativo. A segunda hipótese postula que os distúrbios de linguagem na DTA dependem de mudanças degenerativas nas zonas clássicas da linguagem do hemisfério esquerdo. Implícita nesta abordagem está a noção de que cada distúrbio cognitivo e/ou comportamental na DTA reflete disfunções em um sistema neurológico focal. Essa hipótese prevê que o distúrbio psicolingüístico na DTA inclui todas as características de uma afasia fluente, na qual há lesão de áreas específicas. Desta forma, os pa-
cientes com DTA podem apresentar outros distúrbios não-lingüísticos, os quais representam expressões independentes de outros focos de degeneração neuropatológica na DTA. Nos distúrbios de escrita, Penniello e colaboradores (1995) defendem esta hipótese. Esses autores estudaram a neuroanatomia funcional dos distúrbios de escrita na DTA em tomografia por emissão de pósitrons (PET) e testes neuropsicológicos especialmente elaborados para avaliar os componentes lexicais e fonológicos da escrita. Seus achados demonstraram o papel do giro supramarginal e do giro angular esquerdos nos processos centrais da escrita. Já Eustache e Lambert (1996) mencionaram que os distúrbios de escrita podem ser causados tanto por lesões focais como por lesões difusas. Se a disfunção for central, a disgrafia estará relacionada a alterações focais no hemisfério esquerdo, nos giros supramarginal (agrafia fonológica) e angular (agrafia lexical). Se a alteração for periférica, a disgrafia estará associada a lesões difusamente distribuídas nos lobos frontal e parietal de ambos os hemisférios. Todos esses estudos mostraram que as dissociações neuropsicológicas em fases iniciais da DTA, assim como as lesões cerebrais focais, podem ser exploradas para aumentar nosso entendimento da neuroanatomia funcional das operações cognitivas necessárias para a atividade escrita.
Alterações da leitura na DTA A leitura em voz alta é uma atividade complexa que requer diversos processamentos de entrada visual, processamentos centrais e de saída fonológica. Nesta perspectiva da teoria de processamentos, ela tem uma seqüência oposta à escrita sob ditado, que requer processamentos de entrada fonológica e de saída visuomotora. A independência dessas duas manifestações da linguagem gráfica foi confirmada pelas dissociações encontradas após lesões cerebrais focais: uma lesão cerebral focal pode causar apenas dificuldades de escrita, o que foi denominado agrafia pura, ou apenas
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dificuldades de leitura, a dislexia sem agrafia. Na evolução da DTA, observa-se também essa dissociação, em função do automatismo da leitura em voz alta. Para a psicologia cognitiva (Fodor, 1983), um processamento automático é aquele que é iniciado por uma imposição do estímulo externo ao sujeito. Ao contrário, um processamento controlado é aquele que o indivíduo tem o controle de efetuá-lo no momento em que quer realizá-lo. O leitor deste capítulo poderá verificar como a leitura é um processamento automático. Basta tentar ler a palavra abaixo sem acessar seu significado: FLOR
Essa é uma tarefa impossível para uma pessoa bem-alfabetizada, conhecedora da língua que a escrita representa. Na DTA, as falhas de processamento semântico impedem a compreensão do significado da leitura, mas a decodificação grafema-fonema fica mantida até os estágios mais avançados. Alguns trabalhos que focalizaram a escrita incluíram tarefas de leitura para investigar os processamentos subjacentes à produção gráfica. Lambert e colaboradores (1996) submeteram um grupo de 12 pacientes com diagnóstico de Alzheimer “provável” a três tarefas de leitura silenciosa: tarefa de decisão fonológica, na qual os pacientes apontavam palavras escritas que rimam, apesar de escrita diferente; tarefa de decisão lexical, na qual selecionavam, entre palavras, uma não-palavra; e tarefa de decisão semântica, na qual designavam em um grupo de palavras aquela de categoria semântica diferente. Apenas na tarefa de decisão lexical, os pacientes com DTA tiveram um desempenho semelhante ao dos idosos do grupo-controle. Esses resultados foram correlacionados aos erros de escrita, foco de atenção do trabalho, e apoiaram a hipótese da preservação do conhecimento ortográfico, dissociada da perda do conteúdo léxico-semântico. A preservação da tarefa de decisão lexical levou os autores a acreditarem na manutenção da capacidade de leitura dos pacientes com
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DTA (apesar de os autores não terem descrito esta capacidade nos 60 casos estudados) e a afirmarem a existência de processos independentes: um para a leitura e outro para a escrita. Entretanto, a leitura não depende apenas de processos de decisão lexical, inclui também uma decodificação fonológica e uma compreensão semântica, dois processos em que os pacientes do trabalho de Lambert e colaboradores (1996) apresentaram dificuldades. Recentemente O’Carrol e colaboradores (1995) estudaram 68 pacientes com demência do tipo Alzheimer e encontraram uma correlação positiva entre a gravidade da demência, medida pelo Mini-Mental, e a habilidade de leitura, em um teste usualmente utilizado para medir capacidades pré-mórbidas (NART). Dividindo o grupo de pacientes com demência leve, moderada e grave, os autores observaram que as dificuldades de leitura já ocorriam significativamente em pacientes classificados como moderados. Tais afirmações questionam o postulado da preservação da leitura em pacientes com Alzheimer (Cummings, Houlihan e Hill, 1986). Por outro lado, apesar de não terem utilizado uma explicação pela teoria de processamentos, a dificuldade no teste NART parece estar relacionada à leitura de palavras irregulares, o que sugere falhas de leitura léxico-semântica. Parente, Ferreira, e Sparta (2001) estudaram um grupo de 10 pacientes portadores de demência quanto à linguagem oral e gráfica. Eles foram submetidos à: 1. exame de linguagem oral; 2. prova de emparelhamento emissão oral de palavras e figura; 3. prova de emparelhamento figuras e escrita; 4. leitura de frases; 5. leitura de palavras e não-palavras. As autoras observaram que o emparelhamento emissão oral com figuras, que testava a compreensão de palavras, não se diferenciou da repetição de palavras, enquanto o emparelhamento entre figuras e palavras escritas foi muito mais difícil do que a leitura em voz alta de
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palavras. Assim, na modalidade oral, não foram encontradas diferenças entre compreensão e repetição, mas quando foi exigida a decodificação do estímulo escrito, ou seja, na modalidade de leitura, a compreensão foi bem inferior à leitura. O mesmo ocorreu quando as tarefas foram em nível frasal: apenas a compreensão escrita de frases foi significativamente mais difícil do que a leitura. A compreensão oral e a repetição de frases não apenas evidenciou resultados similares, como também apresentou uma correlação positiva. No trabalho citado, alguns pacientes não apresentavam erros de leitura, outros apresentavam um número reduzido de erros. Dois pacientes, entretanto, apresentaram nítidas dificuldades de leitura, como erros de regularização, fonêmicos e formais – em ambos os casos – erros de acentuação em um e morfológicos em outro. A presença de diferenças significativas entre a leitura em voz alta e a compreensão questionam a integridade do processamento de leitura nesses pacientes. Ficou evidente que o processamento lingüístico, com entrada pelo sistema visual (leitura), tem características diversas do processamento com entrada pelo sistema fonológico (escrita). As dificuldades no processamento de leitura de frases evidenciam a importância de um denominador na leitura e na repetição. Talvez falhas na ativação dos componentes lingüísticos da memória de trabalho – circuito fonológico e retroalimentação articulatória – necessários para a adequada recepção oral sejam a base das dificuldades nesse nível. Não há dúvidas de que, na degeneração, o automatismo da leitura, descrito por Fodor (1983), mantém-se por um tempo mais longo do que os processos mais voluntários. Isto fica evidente no caso mais grave (NC) que, diante de qualquer estímulo escrito, vocalizava em voz alta, misturando outras vocalizações sem sentido de sua fala logorrêica. Esta transcodificação ortográfico-fonológica era feita de forma tão automática que, algumas vezes, não percebia que transcodificava da direita para a esquerda, como no caso da palavra ASSIM, falando MISSA. A atividade cognitiva realizada
por esta paciente é uma transcodificação ortográfico-fonológica automática, sem referência a qualquer significação, estando bastante distante do que chamamos, hoje, de atividade de leitura.
Funções executivas Como já mencionado, os problemas de memória de trabalho fazem parte de um quadro geral de declínio das funções executivas (funções cognitivas associadas ao lobo préfrontal), as quais envolvem formulação de um objetivo, antecipação, planejamento, monitoramento e desempenho efetivo na realização de tarefas. Portadores da DTA apresentam baixo desempenho em tarefas executivas, podendo demonstrar déficit precoce de algumas habilidades executivas, como a inibição e a capacidade de coordenar a informação a ser armazenada e processada (Collette, Van der Linden e Salmon, 1999). O declínio das capacidades atencionais tem sido estudado e revisado por vários autores (para uma leitura mais detalhada, ler Eviatar, 1998). Balota e Faust (2001) revisaram os principais estudos a respeito de atenção em portadores da DTA, analisando os resultados obtidos em termos de atenção seletiva, dividida e manutenção da atenção (sustained attention). Os autores concluíram que há uma considerável piora da atenção seletiva, especialmente aquela avaliada por tarefas que requerem que os sujeitos inibam estímulos irrelevantes que competem com a demanda, como o teste Stroop (Trenerry, Crosson, DeBoe e Leber, 1989). De acordo com Balota e Faust (2001), o evidente fracasso precoce do sistema de atenção seletiva, que desempenha um papel essencial no sistema executivo central, pode ser a origem de uma série de déficts cognitivos observados nos portadores da demência do tipo Alzheimer. Girelli, Sandrini, Cappa e Butterworth (2001) investigaram as mudanças do sistema inibitório em portadores da DTA. Estes autores detectaram déficts da atenção seletiva pelo
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teste Stroop de números, tarefa que utiliza números em vez de cores (Stroop de cores e palavras).* A utilização dessa tarefa alternativa deve-se às dificuldades de linguagem apresentadas pelos portadores da DTA, dificuldades essas que prejudicam o uso do teste de cores e palavras como uma tarefa válida para avaliar a inibição. Na versão numérica do Stroop, os indivíduos comparam a grandeza numérica com o tamanho físico de dois números arábicos (apresentados em uma tela) que variam nessas dimensões. O efeito de congruência ocorre em duas tarefas: o tamanho físico incongruente interfere na comparação numérica e o tamanho numérico incongruente interfere na comparação física. Os autores buscavam verificar se o processamento da informação numérica é afetado pela demência, devido à possível dificuldade de acessar a informação semântica de quantidade. Caso as dificuldades de processamento numérico (avaliado na tarefa de comparação numérica) demonstrem prejuízo no desempenho dos participantes, o Stroop numérico não seria considerado uma tarefa adequada. Os autores verificaram manutenção do processamento numérico automático, sugerindo que o acesso e recuperação da informação relativa a números apresenta certa resistência à deterioração nos estágios iniciais da DTA. Desse modo, foi possível observar apenas o efeito de interferência, indicando dificuldade dos participantes em ignorar informação numérica, o que sugere que o Stroop numérico pode ser uma alternativa válida para analisar a inibição de pessoas portadoras da DTA.
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O teste Stroop de cores e palavras consiste em verificar a capacidade que a pessoa apresenta em inibir uma resposta habitual em favor de uma nãohabitual, conforme demandas modificadoras. O instrumento requer o funcionamento da leitura e processamento de cores, examinando o quanto a leitura do nome das cores (processamento automático) interfere na denominação das cores em que as palavras estão escritas (Trenerry, Crosson, DeBoe e Leber, 1989)
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Traykov e Boller (1997) destacam o fato de que a literatura de referência na área (APA, 1994) não destaca as graves alterações da atenção que os portadores da DTA apresentam. No entanto, Traykov e Boller (1997) enfatizam que os estudos que realizam análises detalhadas das funções executivas desses pacientes demonstram que há muitos portadores da DTA com graves deficiências da atenção. Pesquisas sobre a capacidade de resolução de problemas também têm contribuído muito para a investigação sobre o comprometimento que a doença causa nas funções executivas. Em um estudo sobre raciocínio relacional, Waltz e colaboradores (2004) demonstraram que portadores da DTA apresentaram dificuldades na resolução de problemas que requeriam a integração de mais de uma relação entre estímulos. O desempenho dos sujeitos estava relativamente preservado na resolução de problemas que requeriam somente uma relação. O grau de comprometimento dessa função cognitiva esteve associado ao baixo desempenho em outras tarefas que avaliavam funções executivas, demonstrando que o raciocínio relacional é uma variável importante para a detecção de problemas executivos em pacientes com DTA.
Funções visuoespaciais Problemas no processamento visuoespacial também podem ser observados em portadores da DTA. É importante diferenciar entre esses problemas e as dificuldades de cunho lingüístico nos testes que requerem o uso de figuras. Pacientes que apresentam dificuldades de processamento visual demonstram sinais desse distúrbio na vida diária, como problemas para discriminar plantas e ervas daninhas em seu jardim, assim como tendência de se equivocar na hora de manejar ingredientes de uma receita, por exemplo, na troca de feijão por lentilha. Paradoxalmente, os problemas de reconhecimento visual geralmente vêm acompanhados de comentários precisos sobre detalhes visuais irrelevantes. O processamento visual ocorre nos respectivos estágios:
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1. De descrição estrutural, em que o objeto é representado de forma a codificar informações relacionadas ao contorno, orientação e organização espacial de suas partes. 2. De identificação, em que a descrição estrutural do objeto é usada como input para acessar informação na memória semântica referente à aparência de diversos tipos de objetos, sendo que durante esse estágio há um julgamento sobre a categoria do objeto antes de sua identificação. Após a identificação visual do objeto, a informação referente ao seu conceito semântico deve ser recuperada, como o contexto típico em que ele aparece e suas relações com outros objetos. Dentre as avaliações neuropsicológicas de processamento visual, estão as tarefas de reconhecimento e a interpretação de objetos representados em figuras escondidas ou sobrepostas, categorização de objetos, pareamento por função, interpretação de seqüências de figuras, decisão com figuras de não-objetos, cores de objetos e codificação de figuras na memória de curto prazo (Schwartz e Chauluk, 1990). Segundo Levine, Lee e Fisher (1993), em alguns casos, a DTA pode afetar regiões posteriores dos hemisférios cerebrais, causando uma demência dominada por distúrbios visuais. Alguns autores que investigam o processamento visual de portadores da DTA afirmam que a doença causa agnosia visual, provocando comprometimentos de reconhecimento visual que não podem ser explicados por defeitos da acuidade visual ou de campo visual, déficit de atenção ou déficit geral das habilidades mentais (Giannakopoulos et al., 1999). No entanto, Cormack, Tovee e Ballard (2000) alertam para o fato de que a DTA pode causar problemas de acuidade visual e redução da sensibilidade para contrastes. De acordo com os autores, as controvérsias da literatura são muitas, e esses distúrbios podem ter origem tanto central como periférica (lesões nas células da retina e nervo óptico). Portanto, no momento de utilizar tarefas visuoespaciais, é necessário cautela, pois qual-
quer que seja a origem dos problemas de acuidade e sensibilidade ao contraste, os mesmos podem influenciar e muito os resultados de testes que visem a investigar problemas no processamento cognitivo visual.
CONCLUSÃO O presente capítulo apresentou de forma sucinta o conceito de demência, resumindo fatores etiológicos e critérios de identificação. Em seguida, a DTA foi enfocada, expondo-se os fundamentos do diagnóstico clínico de “provável” e “possível” DTA. Aspectos cognitivos foram então descritos, e a DTA foi abordada em termos das disfunções que provoca nos sistemas de memória, de linguagem (oral e escrita), de execução e de visualização espacial. A DTA é uma demência que compromete uma ampla gama de funções cognitivas, acarretando a perda gradual da independência para a realização das atividades da vida diária. Os problemas de memória comprometem a capacidade de manipular informações de curto prazo, e surgem dificuldades para aprender e recordar informação episódica. O vocabulário do portador da DTA parece diminuir com a progressão da doença, e problemas no sistema lexical antecedem uma possível perda no nível semântico. As habilidades executivas são afetadas provocando, dentre outras dificuldades, déficits atencionais e falhas na resolução de problemas. A função visuoespacial também pode ser afetada, comprometendo a capacidade para reconhecer e identificar visualmente objetos e figuras.
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QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. O que é a demência do tipo Alzheimer? 2. Defina DTA provável, DTA possível e DTA definitiva. 3. Quais são os primeiros sintomas cognitivos da DTA? 4. Descreva as alterações de memória que ocorrem na DTA. 5. Indivíduos portadores de DTA tendem a apresentar alterações nas habilidades de leitura e escrita. Quais são elas? 6. Descreva as dificuldades visuoespaciais que podem estar presentes em indivíduos portadores de DTA. 7. Quais as disfunções executivas mais comuns em portadores de DTA? 8. Descreva os distúrbios lingüísticos mais comuns em indivíduos com DTA.
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PARTE V Intervenção e apoio ao paciente com demência
APRESENTAÇÃO A demência do tipo Alzheimer é progressiva e de um prognóstico difícil. Por essa razão, as intervenções terapêuticas que não estejam voltadas a medicamentos têm sido desconsideradas. Esta posição esquece que o percurso da doença pode ser longo e, a partir dos conhecimentos de dissociações cognitivas, ou seja, de que a degeneração não ocorre de forma homogênea em todas funções cognitivas, é possível criar formas de intervenção cognitiva e verificar seus efeitos. Mesmo que as expectativas de melhora sejam limitadas, as intervenções podem organizar as atividades do paciente, promovendo uma melhor qualidade de vida. Este é o tema do Capítulo 16. Holderbaum, Rinaldi, Brandão e Parente conceituam diferentes formas de intervenção, mostrando seus objetivos e limites quando são dirigidas para a demência do tipo Alzheimer. Depois realizam um amplo levantamento das diferentes abordagens empregadas nesses pacientes. Os autores mostram como essas intervenções são recentes, quais são as que tem por base experiências empíricas e quais se baseiam em conhecimentos teóricos expostos nas partes precedentes. Também mostram que algumas pro-
postas abordam estimulações cognitivas globais, outras são mais específicas para as dificuldades de memória. Nas últimas já existem várias técnicas e procedimentos específicos que podem ser empregados em diferentes pacientes, conforme a gravidade da doença ou conforme fatores socioculturais que influenciam a escolha do procedimento a ser adotado. Um terceiro grupo de intervenções focaliza a reestruturação ambiental indicando a necessidade de cuidados com familiares. No Capítulo 16, as dificuldades dos familiares e as atitudes adequadas no trabalho com os pacientes são abordadas de forma genérica, por ser o tópico do Capítulo 17. Os autores Bandeira, Gonçalves e Pawlowski mostram, a partir dos resultados de suas investigações, que a sobrecarga de trabalho com pacientes demenciais pode provocar uma série de sintomas físicos e psicológicos, sendo os mais freqüentes o estresse, a depressão e a ansiedade. Eles salientam, entretanto, que as alterações causadas devem ser analisadas de forma multidimensional, pois a atitude frente a um parente com demência do tipo Alzheimer pode diferenciar-se conforme o sexo do cuidador, características de sua personalidade, história sociocultural e, principalmente, conforme suas redes de apoio.
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Esses dois capítulos desta parte evidenciam a necessidade de aplicação dos estudos sobre as funções cognitivas do envelhecimento na criação de diferentes formas de intervenções. Como bem salientam Bandeira, Gon-
çalves e Pawlowski, as intervenções devem englobar o(s) familiar(es) cuidador(es) e o doente, podendo alterar funcionamentos do sistema familiar e fortalecer o vínculo entre eles.
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16 A intervenção cognitiva para pacientes portadores de demência do tipo Alzheimer Candice Steffen Holderbaum Juciclara Rinaldi Lenisa Brandão Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
CONCEITOS TRABALHADOS
INTRODUÇÃO
Intervenção: qualquer tipo de abordagem ou tratamento que visa ao benefício de pacientes ou da comunidade. Reabilitação: tratamentos dirigidos à volta de funções perdidas. Reabilitação cognitiva: tratamento que tem por objetivo recuperar uma função perdida ou adaptar o paciente às falhas adquiridas. Intervenção cognitiva: abordagem que visa a estimular funções cognitivas. Esse termo tem sido empregado no lugar de reabilitação cognitiva quando o prognóstico de melhora é bastante limitado. Reorganização funcional: forma de reabilitação cognitiva que aproveita funções preservadas para suprirem as dificuldades adquiridas. Plasticidade neural: capacidade do sistema nervoso de criar novas conexões sinápticas após perda ou falha das mesmas.
Além do desenvolvimento dos estudos sobre as dificuldades cognitivas nos últimos anos, várias publicações focalizaram formas de tratamento junto àqueles que apresentam dificuldades cognitivas esperadas com o envelhecimento ou decorrentes de doenças degenerativas que afetam a cognição, sendo a principal delas a demência do tipo Alzheimer. Apesar do ceticismo generalizado quanto a possíveis melhoras desses pacientes, estudos sugerem que intervenções cognitivas melhoram sua qualidade de vida e podem lentificar o processo degenerativo nos estágios iniciais, principalmente quando completados por terapias medicamentosas. De uma forma geral, existe uma descrença quanto à eficácia da reabilitação de pacientes com disfunções cerebrais adquiridas, mesmo quando elas são focais, e essa descrença aumenta quando o prognóstico decorre de uma doença degenerativa.
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O tratamento de pacientes com lesões cerebrais foi desconsiderado pelos médicos por aproximadamente meio século. Apenas na última década do século XX, foram elaborados trabalhos científicos que verificaram sua eficácia em certas abordagens. Intervenções cognitivas controladas em idosos e em pacientes com demência do tipo Alzheimer são poucas e recentes. Elas têm por base os estudos sobre reabilitação em geral, mas a noção de eficácia e seus objetivos divergem. Podemos esperar alguma melhora cognitiva, por meio das intervenções, nas dificuldades de idosos e de pacientes com déficit cognitivo leve. Porém, em pacientes com quadros degenerativos, espera-se a manutenção das habilidades, a lentificação no declínio, o uso de estratégias paliativas ou a adaptação ao meio ambiente. Uma especial ênfase é dada aos familiares e ao meio social. Neste capítulo, antes de entrar nos trabalhos de intervenção para idosos com dificuldades cognitivas, serão discutidos: 1. o conceito de intervenção; 2. as bases terapêuticas obtidas dos estudos sobre reabilitação de pacientes com lesão focal; 3. a noção de plasticidade. Com base em um levantamento bibliográfico, as intervenções cognitivas para idosos com dificuldades são divididas em globais e em psicoestimulativas. Estes programas englobam técnicas de trabalho para dificuldades de memória e de comportamento. Por fim, é abordada uma área não menos importante: a reestruturação ambiental e o trabalho com familiares.
CONCEITOS Qualquer abordagem utilizada em benefício de pacientes e da comunidade que os cercam é conhecida como intervenção englobando prevenção, tratamento e uma possível recuperação. Este termo genérico abrange processos cirúrgicos, auxílios medicamentosos, terapias emocionais e estimulações cognitivas.
Quando se trata de intervenção cognitiva, utiliza-se freqüentemente o termo oriundo do trabalho com lesados cerebrais: reabilitação cognitiva. Este termo surgiu no final da década de 1980, sendo utilizado pela neuropsicologia para definir a recuperação de uma função cognitiva perdida. Seu conceito está inserido no espectro da intervenção cognitiva como uma das possibilidades de tratamento de pacientes que apresentam problemas neuropsicológicos. Segundo Wilson (1997), a melhor definição de reabilitação é dada pela Organização Mundial da Saúde. Foi elaborada em um encontro na Finlândia em 1986, estabelecendo que a reabilitação implica a restauração física, psicológica e social para o mais alto nível de adaptação possível. Isso inclui todas as medidas que reduzem o impacto das incapacidades e deficiências e a dificuldade das pessoas para atingir uma integração social adequada. Quando o prognóstico é desfavorável, quanto às possibilidades de recuperar funções perdidas, o programa terapêutico é focalizado em formas de adaptação ou de lentificação de perdas cognitivas inevitáveis; emprega-se, então, o termo intervenção cognitiva. Em muitos casos, o termo intervenção é utilizado como sinônimo de reabilitação, no entanto, defendemos que a intervenção é um processo mais amplo do que a reabilitação, pois ela direciona sua aplicação na tentativa de recuperar os processos cognitivos disfuncionais.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA Apesar de os conceitos acima não estarem consolidados na literatura científica, o esboço das técnicas utilizadas atualmente começou a ser estudado há muito tempo. Na primeira metade do século passado, as guerras mundiais tiveram um papel importante no desenvolvimento da reabilitação devido ao aumento do número de jovens soldados que sobreviveram a lesões cerebrais. Os governos, cobrados por sua responsabilidade com relação aos danos causados à saúde dos soldados,
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criaram centros e hospitais destinados à reabilitação dos sobreviventes. Durante as duas Grandes Guerras, o psicólogo Alexandr Romanovich Luria (1970) dedicou-se a estudar as disfunções cognitivas em militares vítimas de traumas cranianos. Ele propôs uma teoria sistêmica das funções superiores, investigando as rupturas causadas pelas lesões cerebrais e elaborando formas de melhorar a condição em que elas se encontravam. Em sua teoria, ele sugere que os sistemas funcionais em humanos possuem plasticidade, permitindo uma reorganização funcional (Kagan, 1997). A pedra angular de sua abordagem tem como base a noção de que as chamadas funções corticais superiores (linguagem, percepção visual, atenção, memória, etc.) são sistemas cognitivos complexos e envolvem áreas cerebrais diferentes. Cada uma delas é responsável por um nível de um determinado sistema. Desta forma, uma lesão cerebral em uma área específica pode prejudicar apenas um nível ou tipo de processamento de uma determinada função. A análise dos aspectos preservados e dos falhos é a base da reorganização funcional. Ela consiste no aproveitamento dos processos mantidos de forma que uma atividade possa ser executada apesar das falhas provocadas pela lesão. Em outras palavras, as atividades realizadas por uma função cognitiva prejudicada deverão ser reorganizadas, aproveitando os processamentos intactos. Entre os inúmeros exemplos de reorganização cognitiva apresentados no livro Traumatic Aphasia, Luria sugere: 1. Uma dificuldade no processamento fonológico das afasias de Wernicke pode ser abordada pela memória visual estimulada pela lembrança da palavra escrita. 2. A leitura prejudicada na alexia pura, devido à impossibilidade de reconhecimento visual de letras, pode ser reorganizada pelos sistemas motor e somestésico intactos, ou seja, por meio da escrita que provoca um reconhecimento somestésico.
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Uma possível conseqüência do processo de reorganização cerebral é a formação de conexões entre áreas cerebrais intactas. Luria enfatiza que esta reorganização difere do aprendizado “normal”, quando são utilizadas todas as capacidades cognitivas e quando todas as regiões cerebrais estão intactas (Luria, 1970). A reorganização funcional pode ser dividida em dois tipos: intersistêmica e intrasistêmica. A primeira, exemplificada acima, é a incorporação de uma nova relação entre processos e funções derivados de um sistema funcional. A segunda é a transformação de um ato reflexo em uma ação com controle voluntário. Por exemplo, a fala pode ser usada para aprender a monitorar conscientemente uma tarefa que antes era feita inconscientemente (Kagan, 1997). As idéias de Luria ainda fornecem um rico material de pesquisa para neuropsicólogos interessados em reabilitação cognitiva (Wilson, 1997).
ASPECTOS GERAIS DE REABILITAÇÃO E INTERVENÇÃO COGNITIVA Aqui abordaremos alguns aspectos gerais descritos nos programas de reabilitação que também são utilizados para programas de intervenção. Wilson (1991) discute a possibilidade de tratamentos grupal e individual, sendo o individual recomendado pela autora, pois permite direcionar o tratamento conforme a necessidade do paciente. Na realidade, os dois tipos complementam-se com seus respectivos aspectos. Por exemplo, ao contrário da terapia individual defendida por Wilson (1991), a terapia em grupo proporciona um contato entre os pacientes, o que favorece habilidades comunicativas e a quebra da monotonia, como foi verificado no estudo feito por Book (1975). Independentemente do tipo de intervenção cognitiva (individual ou grupal), o desenvolvimento de uma terapia eficaz é altamente influenciado pela interação entre o terapeuta e o paciente. Os autores (Book, 1975) levantaram hipóteses de que:
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1. se o paciente deixasse a enfermaria, aconteceria uma melhora em seu quadro; 2. se houvesse o envolvimento do terapeuta, o paciente teria um progresso maior. As hipóteses levantadas foram confirmadas nos resultados do estudo. A quebra da monotonia no dia-a-dia dos pacientes, a presença do terapeuta como auxiliar na melhora do ambiente e a interação com outros pacientes foram apontados como decisivos para os resultados positivos encontrados no experimento. Por isso, o uso combinado de intervenções individual e grupal é recomendado para obter sucesso mais amplo no tratamento. Por outro lado, Parente e Carthery (2002) mostram que a reabilitação possui três momentos complementares: a avaliação, a terapia propriamente dita e a alta. Entendemos que estes três momentos também podem ser encontrados no processo mais amplo da intervenção cognitiva. No processo de avaliação neuropsicológica, existe a possibilidade de analisar quais funções – memória, linguagem, atenção, percepção e outras – estão falhas e quais estão mantidas, permitindo decidir em que direção o tratamento será realizado. A intervenção não deve ser usada somente para a restituição das funções perdidas, mas deve incluir também estratégias compensatórias. Ao realizar um planejamento de reabilitação ou de intervenção, três possibilidades são possíveis para abordar a relação entre processos falhos, preservados e estratégias compensatórias: 1. Reestabelecer as funções falhas. 2. Reorganizar a função aproveitando os processos mantidos. 3. Utilizar estratégias paliativas. No caso de uma proposta de reestabelecimento das funções falhas, trabalha-se com processos de reativação ou reaprendizagem, sendo possível uma nova aquisição de funções que se encontravam prejudicadas. Essa proposta pressupõe capacidades cognitivas ligeiramente prejudicadas, sendo desta forma apli-
cável em quadros leves da demência do tipo Alzheimer como indica a técnica de facilitação da memória explícita residual, relatada adiante neste capítulo. Na intervenção que busca beneficiar-se das funções mantidas, os procedimentos usados são os de reorganização, já propostos por Luria em meados do século XX e uso de estratégias paliativas. A estimulação de tarefas específicas por meio da abordagem da memória implícita preservada e a aprendizagem sem erros, descritas mais adiante, assumem como base um processo de reorganização de funções cognitivas em pacientes com demência do tipo Alzheimer. No uso de estratégias paliativas, as funções perdidas são compensadas por técnicas auxiliares. No trabalho com pacientes de Alzheimer, algumas vezes são criados apoios eletrônicos e/ou não-eletrônicos, ou elaborados tratamentos com apagamentos de pistas. Por fim, a verificação da eficácia possibilita, segundo Parente e Carthery (2002), observar a adequação do tratamento e também confirmar ou rejeitar determinada hipótese do funcionamento neurocognitivo e dos processos de intervenção. Formas de verificação de eficácia têm sido extensivamente discutidas em tratamentos de lesados cerebrais. Se nesses grupos a eficácia representa melhora, em quadros degenerativos ela representa a manutenção das atividades. São poucos os trabalhos que discutem como medir adequadamente a manutenção das funções cognitivas no envelhecimento. Esse problema torna-se mais complexo em função da variedade do declínio encontrada na demência do tipo Alzheimer (Puel, 1991).
Plasticidade cerebral Embora a pesquisa sobre reabilitação cognitiva tenha sido iniciada com jovens militares, logo foi estendida a outras faixas etárias da população, incluindo crianças com distúrbios de desenvolvimento, idosos e pacientes com deficiências degenerativas. No entanto, diferenças fundamentais entre essas faixas etárias tornaram necessários estudos mais aprofundados para cada uma delas. A disparidade fun-
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damental está na capacidade de regeneração do cérebro, também conhecida como plasticidade cerebral, termo introduzido por volta de 1930 pelo fisiologista alemão Albrecht Bethe (Ferrari, 2001). Uma mudança adaptativa na estrutura e nas funções do sistema nervoso pode ser chamada de plasticidade cerebral, ocorrendo em qualquer estágio da evolução humana como resultado das interações com o ambiente interno e externo dos traumatismos ou das lesões que prejudicam o sistema nervoso (Ferrari, 2001). Pesquisas na área da neurobiologia têm mostrado que a estrutura e a rede neural podem ser modificadas (Breuil, 1994). No final da década de 1960 e início da década de 1970, Raisman, Bjorklund e seus colaboradores demonstraram as primeiras evidências da capacidade de regeneração do sistema nervoso central. Esses resultados, em nível neural, são um suporte orgânico à recuperação cognitiva que tem como objetivo melhorar o déficit causado por diversas patologias (Breuil, 1994). Sabe-se que a plasticidade cerebral, bastante reduzida em idosos, limita as possibilidades de reabilitação cognitiva. Entretanto, o envelhecimento normal está associado com a sua redução, e não com a perda completa. Conseqüentemente, como já discutido acima, a intervenção cognitiva em idosos tem objetivos mais modestos: de manter as funções existentes e permitir que elas compensem as funções comprometidas com menor expectativa de sua recuperação (Singer, 2003).
INTERVENÇÕES PARA PACIENTES COM DECLÍNIO COGNITIVO Segundo Francés (2003), os tipos possíveis de intervenção que encontramos na literatura científica compreendem: 1. Os que enfocam a estimulação cognitiva. 2. Os que possuem como finalidade a diminuição da dependência do paciente pela reestruturação do ambiente. 3. Os que abordam a família do paciente.
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O tratamento não-farmacológico é apropriado para pacientes com prejuízos cognitivos de leve a moderado da demência do tipo Alzheimer, pois, nesses casos, os pacientes ainda possuem capacidade de aprendizagem e podem beneficiar-se de estratégias para compensar a perda das habilidades (Abrisqueta-Gomez, 2002). As intervenções não-farmacológicas mais estudadas podem ser divididas em dois grupos. O primeiro grupo consiste nas chamadas Intervenções de Estimulação Cognitiva Global, que propõem uma estimulação generalizada. Dentre elas estão: a terapia de orientação à realidade (TOR) e a terapia de reminiscência (TR). Em um outro grupo, os programas de psicoestimulação propõem terapias mais individualizadas para distúrbios de funções específicas de cada paciente. Um número importante desses programas refere-se a dificuldades de memória, como: a facilitação da memória explícita residual com suporte cognitivo, a aprendizagem específica por meio da memória implícita preservada e o uso de estratégias compensatórias utilizando suportes externos (Francés, 2003). Essas abordagens serão apresentadas a seguir.
Programas de estimulação cognitiva global Terapia de orientação à realidade (TOR) Segundo Book (1975), os princípios básicos da TOR são: a estimulação pela repetição e a retirada do paciente do isolamento para que possa interagir com outras pessoas. A TOR foi descrita primeiramente por Folsom como uma técnica que melhora a qualidade de vida da pessoa idosa em estado de confusão (Francés, 2003). O tempo, o espaço e as pessoas são pontos que dizem respeito à orientação, que possibilitam ao paciente se orientar no mundo, promovendo uma sensação de controle e interferindo, conseqüentemente, na sua autoestima. Os estudos que investigaram os possíveis benefícios da TOR enfatizaram a participação de equipes multidisciplinares e recomendaram o engajamento da equipe na terapia, estabelecendo interação com os pacientes e
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levando-os a se sentirem mais seguros com relação à equipe de trabalho. Essa terapia utiliza as atividades da rotina diária do paciente, como ver vídeos, fotografias ou dizer o nome de familiares, para auxiliálo na orientação de suas tarefas. A TOR, por ser uma das primeiras terapias utilizadas, é também uma das mais avaliadas pelos pesquisadores (Francés et al., 2003). Spectro e colaboradores (2000) realizaram uma revisão sobre a TOR e concluíram que o período mínimo ideal de aplicação é de três semanas com 10 sessões durante esse período. Nessa mesma revisão, foi possível concluir que o uso da TOR traz resultados positivos para a área da cognição e do comportamento dos pacientes que a utilizam, embora não mencione os resultados a longo prazo. No estudo realizado por Francés e colaboradores (2003), a TOR foi repetida por 15 semanas, em média, para pacientes com demência do tipo Alzheimer em nível moderado. Os resultados mostraram uma diminuição no declínio cognitivo ao final do acompanhamento de um ano e uma melhora considerável, se comparada aos pacientes nas mesmas condições, mas com apenas quatro semanas de uso da TOR.
Terapia de reminiscência (TR) Os primeiros trabalhos sobre a TR foram realizados por Butler em 1963, na obra intitulada Life review. Segundo Butler, a reminiscência é um processo que ocorre de maneira natural em que se traz à consciência experiências passadas e conflitos não-resolvidos (Francés, 2003). A estratégia utilizada nessa terapia consiste em reuniões grupais, de pelo menos uma vez por semana, nas quais se pede aos participantes que lembrem eventos passados, usando como auxílio fotografias, música, objetos e vídeos. Os objetivos dessa terapia são manter ou restaurar a memória autobiográfica apresentando continuamente informações relacionadas à vida do paciente, reduzindo, assim, sua necessidade de ajuda e melhorando o seu envolvimento com o ambiente. De acordo com Francés e colaboradores (2003), que introduziram a idéia de “grupos
de autobiografia guiada para idosos”, a reminiscência vem sendo proposta com diferentes objetivos e representa um meio eficiente de alcançar uma série de benefícios relacionados ao desenvolvimento humano. Segundo uma revisão desses autores, a reminiscência aplicada a idosos vem demonstrando resultados positivos relativos à aceitação da morte, funcionamento cognitivo, adaptação (coping), depressão, orientação para o futuro, integração, significado da vida, funcionamento da memória, resolução do passado e auto-estima. Como se percebe, a TR é bastante ampla e não apresenta objetivos específicos no que concerne à intervenção cognitiva. Sendo assim, os portadores de demência em estágios iniciais podem beneficiar-se da reminiscência, que auxilia a orientação espaço-temporal pela identificação de eventos passados. Evidentemente, a TR requer uma certa preservação das habilidades lingüísticas, sendo desaconselhada para indivíduos em estágios mais avançados da demência. Não existem evidências suficientes para inferir qualquer conclusão sobre a eficácia da TR em pacientes com Alzheimer, embora a prática da observação clínica sugira que possa haver efeitos benéficos. Estudos mais recentes mostram efeitos positivos da TR quanto à socialização, à participação e a outros sinais de mudanças no comportamento dos pacientes (Francés, 2003).
Programas de psicoestimulação Uma crítica feita às duas terapias citadas anteriormente (TOR e TR) é que elas desconsideram as particularidades de cada paciente, generalizando a demência do tipo Alzheimer (Francés, 2003). Por esse motivo, surgiram os programas de psicoestimulação mais específicos do que os anteriores. As atividades são programadas conforme o problema do paciente, combinando atividades grupal e individual. Em um estudo feito por Breuil (1994), 56 pacientes com demência, tratados em ambulatório, foram divididos em grupos de, no máximo, 10 integrantes entre os que recebe-
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ram estimulação cognitiva e os que não a receberam. Embora a amostra não se constituísse exclusivamente de pessoas com diagnóstico de demência do tipo Alzheimer, 90% dela possuía a demência. Os resultados, considerados parciais pelos autores, mostraram uma melhora significativa no desempenho da memória dos pacientes com demência degenerativa. Além disso, a melhora não foi influenciada pela idade, sexo, educação e uso de medicamentos. Analisando os estudos de psicoestimulação (Ball, 2002), foi postulado que é possível reverter, pelo treinamento, as perdas cognitivas do envelhecimento normal, mas não de dementes. Francés e colaboradores (2003) acreditam que os pacientes que foram trabalhados com programas de psicoestimulação obtiveram ganhos em seu desempenho quando submetidos à comparação pré e pós-tratamento.
Reabilitação da memória Um capítulo importante dos programas de psicoestimulação é o que aborda a intervenção das dificuldades de memória. Programas de melhora da memória eram tradicionalmente desenvolvidos com base em práticas de repetição. Entretanto, recentemente, uma abordagem mais científica parte de teorias sobre sistemas e processamentos de memória e da relação entre sistemas prejudicados e mantidos. Também são encontrados programas que utilizam as estratégias de treinamento para que a pessoa use ou aprenda a utilizar o auxílio externo, minimizando, assim, seus problemas (Kessels, 2003). Na demência do tipo Alzheimer, primeiramente são afetadas a memória episódica e semântica, ambas do sistema de memória explícita. O sistema de memória implícita permanece mais preservado até estágios mais avançados da demência. A aquisição dessa memória é realizada de forma verbal e/ou não-verbal, sem que o indivíduo se dê conta desse processo. Existem muitas evidências de que as memórias implícita e explícita envolvem diferentes processos neuronais. Enquanto os pacientes que sofrem de amnésia demonstram ter
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prejuízos nas tarefas de avaliação da memória explícita, a memória implícita permanece relativamente intacta. Por esse motivo, os métodos de reabilitação que foram desenvolvidos recentemente promovem o uso das estratégias baseando-se na memória implícita residual (Kessels, 2003). Os principais enfoques utilizados para a melhora da memória em pacientes com demência ou com prejuízos cognitivos refletem as três diferentes possibilidades de abordar disfunções cognitivas falhas, apresentadas no início deste capítulo. Como propostas para a reabilitação de lesados cerebrais: a facilitação da memória explícita residual com suporte cognitivo propõe reestabelecer funções falhas, a estimulação da memória implícita é uma proposta de reorganização cognitiva, pois aproveita processos mantidos e o uso de estratégias compensatórias utilizando suporte externo, caracteriza-se pela utilização de estratégias paliativas. Explicaremos, a seguir, os procedimentos utilizados nos dias de hoje, no que diz respeito à reabilitação da memória. De forma geral, essas intervenções têm sido aplicadas e têm produzido efeitos significativos apenas em pacientes com Alzheimer em estágios entre leve e moderado.
Facilitação da memória explícita residual com suporte cognitivo É o mais tradicional de todos os procedimentos de intervenção de memória. Baseia-se no suporte tanto de codificação quanto de recuperação da informação. A técnica oferece ao paciente a melhor maneira de aprender, de recuperar ou de manipular mentalmente a informação. Essa intervenção de memória pode ser utilizada apenas em pacientes com demência do tipo Alzheimer em estágio inicial, ou com déficit cognitivo leve, com o objetivo de melhorar a codificação e a recordação por meio das funções da memória explícita residual, ou seja, aquelas funções que permanecem ativas. Em conseqüência, ela pode retardar temporariamente a progressão do declínio cognitivo e da perda de habilidades funcionais (De Vreese et al., 2001).
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Estimulação de tarefas específicas utilizando a memória implícita preservada A intervenção cognitiva com portadores da demência do tipo Alzheimer deve buscar o aproveitamento de funções cognitivas que permaneceram relativamente intactas, evitando a sobrecarga de funções cognitivas bastante afetadas desde o curso inicial da doença, como a memória de trabalho. Uma das formas de prevenir uma grande demanda da memória de trabalho é evitar o excesso de instruções e de informações fornecidas ao paciente. Também a velocidade da fala do terapeuta e dos cuidadores deve ser controlada. A fala em velocidade aumentada produz uma demanda espacial muito alta para a memória de trabalho. Já a fala em velocidade demasiado diminuída produz uma demanda de tempo de armazenamento muito alta. Ambas as formas provocam o esquecimento de idéias anteriores. Além disso, devido aos problemas de memória de trabalho, situações que exigem processamento simultâneo de informações também devem ser evitadas (Kotler-Cope, 1990). Bayles (2003) recomenda estratégias de comunicação que levam em consideração o déficit da memória de trabalho. Terapeutas e cuidadores devem “quebrar” as instruções em unidades menores. Além disso, devem permitir que o paciente realize uma tarefa por vez. A autora recomenda que a linguagem dirigida ao portador de Alzheimer seja simplificada. As frases devem ser de período simples, evitando-se o uso de orações subordinadas e coordenadas. Frases subseqüentes devem mencionar o nome dos referentes evitando o uso de pronomes referenciais, já que estes demandam que o paciente com demência do tipo Alzheimer recupere, da memória de trabalho, o referente anterior. Outras estratégias que aproveitam o funcionamento de habilidades mais preservadas incluem fornecer pistas verbais e visuais durante conversações. Segundo Bayles (2003), o interlocutor proporciona suporte contextual ao oferecer pistas de reconhecimento. O uso de perguntas fechadas, do tipo que requerem res-
postas “sim” ou “não”, e perguntas em que sejam fornecidas opções de respostas favorecem a comunicação com o paciente, pois o mesmo tem dificuldades de recuperação lexical e melhor desempenho em tarefas de reconhecimento (Bayles, 2003). Técnicas específicas estimulam a memória implícita preservada a fim de desenvolver mecanismos explícitos. Estudos sugerem que é possível levar os pacientes a aprenderem novas informações, objetivando uma maior autonomia no dia-a-dia, usando a capacidade de aprendizagem que permanece intacta (Francés et al., 2003). No relato do caso de um paciente amnésico, foram utilizadas as técnicas de ensino de prática repetitiva e de aprendizagem sem erros, para enfrentar o desafio de reabilitar a memória do paciente. O treinamento foi de 14 semanas em tarefas ensinadas no computador. Além disso, foram feitas sessões individuais de psicoterapia e de aprendizagem de estratégias compensatórias para a memória (agenda e caderno de memória). Foram feitas avaliações de memória pré e pós-treinamentos, tendo essas últimas demonstrado permanecer intactas. O desempenho nas 14 semanas de treinamento demonstrou uma curva de aprendizagem dos comandos do computador: os pacientes conseguiram, ao longo do treinamento, desempenhar as duas atividades que haviam sido propostas: de papel personalizado e de cartão de visitas (Bolognani, 2000). Essa estimulação está dividida em:
Método de recuperação espaçada A técnica consiste em levar o paciente a se lembrar de uma determinada informação em intervalos de tempo cada vez maiores. O objetivo é conseguir que o paciente recorde corretamente a informação após 15 minutos, sendo este intervalo de tempo considerado suficiente para que o armazenamento da informação atinja a memória de longo prazo (Francés et al., 2003). No primeiro momento, o paciente procura lembrar livremente, caso ele falhe na
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recordação, será dada uma dica/pista para auxiliar o paciente a trazer a informação corretamente, procurando minimizar os erros. Assim, seguem os outros momentos em que o paciente será questionado para recordar determinada informação. Essa é uma técnica utilizada com sucesso para os portadores de demência do tipo Alzheimer, pois os ganhos são mantidos por semanas, e é utilizada para que o paciente aprenda o nome das pessoas da equipe que está tratando dele, lembre-se de endereços e telefones que são importantes (De Vreese et al., 2001).
Apagamento de pistas É uma técnica de aprendizagem em que as pistas são dadas gradativamente até que o paciente consiga responder corretamente. A partir desse momento, as pistas são retiradas uma a uma, até que o paciente não dependa delas para a recuperação da informação (Francés et al., 2003). Por exemplo, com o objetivo de que o paciente lembre uma palavra a partir de sua definição, a evocação da palavra é auxiliada dando-se a primeira letra desta palavra e sucessivamente as letras seguintes, até que ele consiga executar a tarefa. Em uma segunda fase, as dicas são repetidas novamente, diminuindo o número de letras oferecidas para ajudá-lo. A estratégia do apagamento de dicas tem auxiliado pacientes com dificuldades de aprender pela memória explícita (Kessels, 2003).
Aprendizagem sem erro Essa técnica consiste em levar o paciente a aprender novas informações sem cometer erros no momento do aprendizado. A experiência exclusiva de informações corretas e o conseqüente armazenamento na memória aumentam a eficácia do aprendizado. Entretanto, a experiência com erros pode interferir na recuperação da informação correta (Bourgeois et al., 2003). Ou seja, diminuindo os erros ao má-
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ximo durante a aprendizagem, a aquisição de novas informações é favorecida. Há evidências de que os erros são armazenados pela aprendizagem implícita intacta, enquanto a memória explícita atua em processos de sua correção. No caso da memória explícita prejudicada, esses erros podem vir a se consolidar na memória implícita, que não possui muita possibilidade de corrigi-los. Os resultados de uma revisão sobre esta técnica, criada por Kessels (2003), mostraram que pacientes lembraram mais corretamente utilizando as estratégias de aprendizagem sem erros, assim como suas respostas tornaram-se mais rápidas. Recentemente, esse método tem sido adaptado para o uso clínico, mostrando-se eficaz também na recuperação dos problemas de memória na vida diária. Em um estudo feito por Ávila (2003), no qual foi acompanhada por 30 meses uma paciente com diagnóstico de demência do tipo Alzheimer leve, observaram-se resultados positivos no escore do Mini-Mental e estabilização das funções cognitivas. O estudo consistiu na reabilitação neuropsicológica da paciente com tratamento grupal e individual, sendo o grupal com sessões semanais de 90 minutos cada. Em março de 2001, iniciou-se a reabilitação individual em sua casa, onde uma neuropsicóloga a atendia por 60 minutos em sessões semanais. Os treinos realizados basearam-se na aprendizagem sem erro, sempre lembrando a paciente para não tentar adivinhar a informação, mas para pedir pistas. Em comparação ao início do estudo, o escore do Mini-Mental aumentou três pontos e, por uma bateria neuropsicológica, foi observado que não houve deterioração das funções cognitivas. Tendo em vista os resultados acima e estudos anteriores, quanto mais precoce o diagnóstico da demência e quanto mais cedo é iniciado o tratamento, melhores são os resultados obtidos. Clare (2001) acompanhou um paciente com demência do tipo Alzheimer após o tratamento, a quem foi ensinado reconhecer rostos e nomeá-los pelo método da aprendizagem sem erros, do desaparecimento de pistas e da recordação espaçada. Observou-se que a recor-
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dação foi aumentando no desenrolar da intervenção e chegou a 100% após o término, quando foram feitas as testagens no acompanhamento do 1o, 3o, 6o e 9o mês. São hipóteses para a manutenção dos ganhos a longo prazo: (1) a intervenção com o uso de tarefas que têm relação com a vida diária da pessoa; (2) quando o paciente está consciente de sua dificuldade de memória e motivado para usar as novas aprendizagens na vida.
Desenvolvimento da memória procedural A técnica consiste em desenvolver as habilidades motoras do paciente para as atividades da vida diária, com maior ou menor grau de complexidade (Francés et al., 2003). Para De Vreese e colaboradores (2001), desenvolve-se essa técnica através do instrumental diário que a pessoa utiliza, por exemplo, usar o telefone e preparar uma refeição. Os resultados dos estudos dessa técnica têm sido positivos, pois eles se mantêm por um período de tempo razoável. Com estudos sobre a memória procedural foi possível perceber que, para aprender tarefas, o paciente utiliza a memória implícita que se encontra relativamente preservada.
Uso de estratégias compensatórias com a utilização de suporte externo Estratégias compensatórias podem ser criadas espontaneamente pelo próprio paciente ou pelo terapeuta. Não restam dúvidas de que as primeiras são mais eficazes; entretanto, alguns pacientes precisam aprender e automatizar o uso das estratégias compensatórias. Em alguns casos, os pacientes esquecem de utilizá-las e precisam do auxílio de familiares para lembrá-los, demandando tempo e esforço para fazê-los usar as novas estratégias compensatórias (Bourgeois et al., 2003). As estratégias compensatórias dividem-se em não-eletrônicas e eletrônicas, estando descritas a seguir:
Auxílio externo não-eletrônico São vários os auxílios externos sugeridos para compensar a perda da memória. Entre eles encontram-se: cartão de dicas, horários escritos, agendas, planejamento diário ou semanal, etc. Os lembretes escritos na forma de sinais e quadros de orientação também são usados como pistas pelos pacientes para recordação e orientação (Bourgeois et al., 2003). Bourgeois e colaboradores (2003) fizeram um estudo sobre duas estratégias para ensinar pessoas com demência a utilizar a ajuda externa: a estratégia de espaçamento de recuperação da informação e a hierarquia de pistas. A estratégia de espaçamento de recuperação é um método de aprendizagem e de retenção de informação, pelo qual o acesso das informações fica disponível na memória por longo período de tempo. Se a recuperação é bem-sucedida, o tempo é aumentado; entretanto, se falhar, é dita a resposta correta e o paciente é solicitado a repeti-la. Após essa fase, retorna-se ao intervalo utilizado para a última resposta bem-sucedida e repete-se o processo. Esse método utiliza as vantagens do princípio da intervenção “aprendizagem sem erro” já descrito anteriormente. A hierarquia de pistas constitui o estabelecimento de uma seqüência sistematizada e gradual de dicas. Conforme a dificuldade de memória do paciente são oferecidas pistas para a recuperação da informação. O resultado mais evidente do estudo de Bourgeois e colaboradores (2003) é que pacientes com demência podem adquirir novas informações usando essas estratégias. Entretanto, para que o uso de auxílio externo seja bem-sucedido, é necessário treiná-los adequadamente a usar as estratégias.
Auxílio externo eletrônico O auxílio externo eletrônico possibilita maior independência para os pacientes, pois não requer a presença dos cuidadores ou familiares a todo o momento para lhes lembrar das suas atividades diárias (Francés et al., 2003). Para De Vreese e colaboradores (2001), o de-
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safio é fazer o paciente tornar-se o mais independente possível. Um exemplo é a agenda eletrônica que pode ser programada para sinalizar ao paciente a informação necessária, no horário previamente determinado. Embora essa ajuda não seja freqüentemente utilizada, ela demonstra ser uma estratégia eficiente para pessoas que possuem problemas de memória, deixando-as mais seguras e dando-lhes autonomia.
Intervenções para pacientes com problemas de conduta Se os tratamentos para dificuldades de memória têm focalizado pacientes em estados iniciais da demência do tipo Alzheimer e portadores de distúrbios cognitivos leves, propostas de intervenções que focalizam a conduta dirigem-se para pacientes portadores de demência no estágio moderado ou grave. Em função da gravidade cognitiva, as abordagens visam ao controle do comportamento, como detalha Cabbalo (2003) em seu livro Tratamento cognitivo-comportamental dos transtornos psicológicos. Segundo o autor, os principais problemas comportamentais que surgem nas demências são: incontinência urinária, deambulação e desorientação e falta de cuidado pessoal. As três intervenções possíveis de serem feitas para a incontinência urinária são: o controle do comportamento, o trabalho farmacológico e a intervenção cirúrgica. A intervenção comportamental é menos invasiva e perigosa e, conseqüentemente, a mais apropriada. Podem fazer parte dessa intervenção o treinamento de hábitos (urinar e evacuar estabelecendo períodos adequados ao paciente), o manejo das contingências (manipulação sistemática dos antecedentes e das conseqüências da evacuação inapropriada, para diminuir a freqüência deste comportamento) e o biofeedback (procedimentos de condicionamento operante para ensinar os indivíduos a controlar as respostas da bexiga e do esfíncter). O comportamento de deambulação, ou seja, o hábito de andar sem destino, está muito relacionado às demências, podendo ter como
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conseqüências os pacientes perderem-se ou sofrerem lesões físicas. Conseqüentemente, seus cuidadores ficam bastante preocupados e existe uma maior probabilidade de que o paciente seja internado em uma instituição. As melhores intervenções comportamentais nesses casos implicam a manipulação dos antecedentes e/ou das conseqüências do comportamento deambulatório. Sinais no chão, cobertura nas maçanetas e espelho na porta de saída são alguns exemplos que já foram utilizados e ajudaram pacientes. Cuidados são necessários para não extinguir completamente o comportamento deambulatório, pois este apresenta pontos positivos como: proporcionar exercícios, com conseqüente melhora na capacidade física bem como aumentar a estimulação, diminuindo o isolamento e aumentando as probabilidades de socialização. Outros comportamentos que podem estar presentes nas demências e que afetam os familiares e cuidadores são a agressão e a agitação. A agressão, na maioria das vezes, se dá de forma verbal, seguida pela física e sexual; ela pode ser dirigida à outra pessoa ou a si mesmo. Esse comportamento, muitas vezes, é reforçado pelos familiares, sem que esses percebam. Outras vezes, a agressão pode funcionar como fuga ou evitação. Para tentar alterar essa situação, as manipulações ambientais que se mostraram satisfatórias foram: o uso de cores neutras, a eliminação da televisão, passar lentamente pelo campo visual do paciente, possibilitar um sono adequado durante a noite e a diminuição do consumo de medicação. Com o agravamento da doença, os cuidados pessoais vão diminuindo, o que aumenta a necessidade de assistência nas atividades cotidianas. Pouca pesquisa empírica foi feita no sentido de verificar intervenções comportamentais eficazes para esse caso. Em uma pesquisa realizada pela Universidade do Grande ABC em Ribeirão Pires, oito pacientes demenciados foram acompanhados. Eles participaram da oficina de reabilitação, que foi planejada para trabalhar atividades de higiene pessoal, auto-imagem, percepção de forma geral, memória, atenção, concentração, entre outras. No final do projeto, foram encontrados avanços
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significativos dos pacientes no campo emocional, nos aspectos cognitivos e nos cuidados pessoais. Isso trouxe benefícios relacionados à qualidade de vida e ao ajustamento das funções psicossociais dos participantes.
plo, ter cuidado com produtos que possam ser nocivos à saúde dele (medicamentos, inseticidas, armas de fogo e munições).
Reestruturação Ambiental (RA)
Quando é informado que um de seus membros está com diagnóstico de demência do tipo Alzheimer, a família sente-se injustiçada, com raiva e com medo. Freqüentemente, ela não sabe como agir frente a essa nova situação. A melhor forma de tranqüilizá-la é explicar tudo o que pode vir a acontecer e deixar claro que cada caso possui suas particularidades. Assim, nem tudo vai acontecer como eles leram ou ouviram de outras pessoas que possuem a demência. Outra preocupação freqüente é a possível hereditariedade dessa doença. Como conseqüência, os familiares temem a possibilidade de outros membros e de eles próprios virem a desenvolver a doença. Com o avanço da demência, os cuidados ao paciente tornam-se crescentes. Na maioria dos casos, o responsável pelo doente é um familiar, sendo a pessoa que responde pela alimentação, pela higiene, pelos medicamentos, pelas visitas ao médico, entre outros cuidados. Em alguns casos, as famílias optam por contratar uma pessoa que permaneça exclusivamente com o paciente, mas como os custos normalmente são elevados, nem todas as famílias podem fazer uso desta forma de cuidado. No caso de um familiar se tornar o cuidador do demente, geralmente ele desconhece muitas das necessidades que a demência vai criando com o passar do tempo na vida do paciente. Por esse motivo, o acompanhamento de profissionais da área da saúde é indispensável. Não são raros os casos em que uma única pessoa da família fica como cuidador, tendo de pensar sozinha em todos os aspectos que envolvem o paciente, ficando sobrecarregada e, muitas vezes, tendo de abdicar de sua vida particular em prol do familiar. Em decorrência disso, são freqüentes vários tipos de doenças em cuidadores, principalmente o estresse. Quando a família não possui mais condições de cuidar do portador de Alzheimer,
A reestruturação ambiental (RA) objetiva diminuir a dependência do paciente, fazendo com que ele seja capaz de executar tarefas diárias e consiga tomar decisões sozinho. Em um estudo feito por Reeve(1985), foram oferecidas ao paciente informações verbais e não-verbais para ajudá-lo a se orientar em seu dia-a-dia dentro da enfermaria onde se encontrava. Os autores procuraram observar como a manipulação do ambiente e a orientação à realidade informal influenciaram positivamente os pacientes em estado de confusão que se encontravam em um hospital de Sidney na Austrália. Em uma réplica desse estudo, dois anos mais tarde Williams e colaboradores (1987) levantaram a hipótese de que um trabalho combinado utilizando-se a Manipulação do Ambiente (EM) e a Orientação Informal à Realidade (IRO) acarretaria melhoras no comportamento e nas funções cognitivas dos pacientes. Além disso, ao ser acrescida a Aprendizagem Orientada à Realidade (CRO), a melhora dos pacientes seria mais marcante. Finalmente, a última hipótese do estudo era de que, ao interromper a CRO, seriam mantidos os ganhos alcançados até aquele momento. Os resultados sugeriram a possibilidade de as técnicas serem utilizadas por pacientes com demência ou com suspeita da doença não somente em enfermarias mas também em suas próprias casas. A adaptação do ambiente em que o paciente com demência do tipo Alzheimer vive é imprescindível, pois favorece a organização diária dele e de seu cuidador (Fundación, 1999). O local deve ser seguro, e as adaptações devem ser feitas de forma gradual, criando uma rotina de atividades diárias e procurando deixar sempre nos mesmos locais os objetos pessoais. Com a progressão da doença, é necessário modificar alguns hábitos para que o ambiente seja seguro para o paciente, como, por exem-
A família do paciente
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uma possibilidade é a internação em um centro especializado no tratamento de pessoas com este diagnóstico. Essa decisão pode ajudar na saúde do paciente e na de sua família. Algumas atitudes que as pessoas que cuidam de pacientes de Alzheimer devem ter, segundo Fundación (1999): 1. Respeitar o paciente, suas crenças e sua doença, não falando dele para outras pessoas. 2. Estimular o relacionamento afetuoso e o bom humor entre o cuidador e o paciente. 3. Ser compreensivo e tolerante, procurando não fazer comentários negativos na frente do doente. 4. Demonstrar empatia, isto é, tentar entender suas emoções e sentimentos. 5. Ser flexível, tentando adaptar-se ao seu ritmo e às suas necessidades. Bottino e colaboradores (2002) realizaram uma pesquisa no Brasil analisando a eficácia do tratamento combinado, fármaco e treinamento cognitivo em um grupo de pacientes com diagnóstico de demência do tipo Alzheimer leve, sendo eles acompanhados por um período de sete meses. Os familiares desses pacientes também foram atendidos em um grupo semanal de suporte e aconselhamento durante cinco meses. O grupo dos familiares e cuidadores tinha dois objetivos principais: ajudar a família a lidar melhor com sua sobrecarga emocional e ocupacional, gerada pelo cuidado intensivo, e dar subsídios para a família ajudar o paciente em suas dificuldades. Os resultados encontrados foram satisfatórios. Foi observada, também, a estabilização ou pequena melhora dos déficits cognitivos e das atividades de vida diária dos pacientes; e a estabilização ou a redução dos níveis de depressão e ansiedade nos pacientes e também nos familiares. Os autores concluíram que o tratamento combinado (fármaco + treinamento cognitivo) pode auxiliar na estabilização ou resultar em alguma melhora dos déficits cognitivos e funcionais de pacientes com Alzheimer leve, e que as intervenções de suporte e aconselha-
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mento podem reduzir o nível de sintomas psiquiátricos de seus familiares.
CONCLUSÃO Esse capítulo mostrou que as formas de intervenção apresentadas nas publicações científicas variam desde um enfoque genérico até aqueles dirigidos à funções específicas, como memória e conduta. Além de atuações diretas aos pacientes até as indiretas visando a auxiliar os cuidadores. Com certeza ele não cobre todas as possibilidades de intervenção junto a idosos com falhas cognitivas. Em decorrência dos enormes avanços alcançados pela medicina, especialmente pelo desenvolvimento da neurociência e o aperfeiçoamento da neurocirurgia, a expectativa de vida continua a aumentar e torna necessário o desenvolvimento de técnicas que possibilitem a intervenção para os distúrbios cognitivos do envelhecimento. O campo da reabilitação cognitiva foi, então, fundado com base na idéia de que déficits funcionais causados por lesões cerebrais podem ser superados por intermédio de uma variedade de estratégias de reabilitação e compensação. Grande quantidade de evidência empírica foi acumulada a partir dos estudos com lesados cerebrais, sugerindo que a remediação de déficits cognitivos específicos pode ser obtida com sucesso se forem utilizadas as técnicas adequadas. Tanto cuidadores pessoais como cuidadores profissionais de pessoas com a demência do tipo Alzheimer freqüentemente questionam os esforços dispensados em intervenções cognitivas, referindo que a pessoa com Alzheimer “somente piorará”. O ceticismo é tão grande que até mesmo alguns profissionais que atendem pacientes com Alzheimer questionam a ética de intervenções cognitivas com esses pacientes, afirmando que não se pode esperar que os mesmos se beneficiem dessas intervenções (Hopper, 2003). No entanto, vários pesquisadores têm rompido com a barreira do ceticismo, dedicando-se a investigar a eficácia de intervenções cognitivas com pacientes com demência do tipo
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Alzheimer. Muitos fatores contribuíram para abrir caminho a essas pesquisas: a) A compreensão de que a memória não é um fenômeno unitário e que é formada por vários subsistemas. b) O reconhecimento de que certos tipos de memória são relativamente preservados na demência do tipo Alzheimer. c) A idéia de que certos tipos de memória, como a memória semântica, estão preservados em boa parte do curso da demência. d) E finalmente, o melhor entendimento sobre como ocorre a aprendizagem (Bayles, 2003). As recentes pesquisas que investigam a intervenção cognitiva de pacientes com demência do tipo Alzheimer vêm demonstrando que a evolução da doença pode ser retardada e várias estratégias de intervenção podem melhorar a qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares. As terapias não-farmacológicas têm a finalidade de diminuir o prejuízo que a demência causa. As diretrizes internacionais para a prática clínica do tratamento de demência recomendam a aplicação da intervenção que incremente a autonomia funcional e a melhora do estado afetivo dos pacientes e cuidadores (Francés et al., 2003). A demência do tipo Alzheimer está sendo muito estudada. Entretanto, ainda é uma área a ser mais pesquisada, principalmente no que se refere a intervenções não-farmacológicas. De forma especial, diferentes abordagens devem ser construídas para atender a variabilidade desses pacientes e de outros tipos de processos demenciais.
Francés, I.; Barandiarán, M.; Marcellán, T.; Moreno, L. (2003). Estimulación psicocognoscitiva en las demencias. An. Sist. Sanit. Navar, 26(3), 405-422 Ferrari, E.; Toyoda, M.; Faleiros, L.; Cerutti, S. (2001). Plasticidade Neural: Relações com o comportamento e abordagens experimentais. Psicologia: Teoria e Pesquisa
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Quais as razões da utilização do termo intervenção para o trabalho de estimulação cognitiva em pacientes com declínio cognitivo? 2. É possível plasticidade neural e funcional em pacientes idosos? Explique. 3. Qual a relação da reorganização funcional com a teoria de modularidade cognitiva? 4. Quais são os programas de estimulação cognitiva e quais suas limitações? 5. Como as diferentes terapias de memória se apropriam dos conhecimentos sobre múltiplos sistemas de memória? 6. Relacione o uso de estratégias compensatórias por meio do suporte externo com a abordagem “Ganhos como uma função de perdas” descrita no capítulo “Teorias abrangentes sobre envelhecimento cognitivo”. 7. Elabore uma orientação a um familiar de um paciente com Alzheimer, justificando as atitudes sugeridas. 8. Quais são as perspectivas dos trabalhos sobre intervenção cognitiva em pacientes com processos demenciais?
REFERÊNCIAS
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Cognição e Envelhecimento Ball, K.; Berch, D.; Helmers, K.; Jobe, J.; Leveck, M.; Marsiske, M.; Morris, J.; Rebok, G.; Smith, D.; Tennstedt, S.; Unverzagt, F.; Willis, S. (2002). Effects of Cognitive Training Interventions with older adults: A randomized controlled trial. The Journal of the American Medical Association, 288(8), 2271-2281. Bayles, K. (2003). Effects of working memory deficits on the communicative functioning of Alzheimer´s dementia patients. Journal of Communication Disorders, 36(3), 209-219. Bolognani, S.; Gouveia, P.; Brucki, S.; Bueno, O. (2000). Memória Implícita e sua contribuição à reabilitação de um paciente amnéstico. Arquivo NeuroPsiquiatria, 58(3). Book, P.; Degun, G.; Mather, M. (1975). Reality Orientation, a Therapy for Psychogeriatric Patients: A controlled study. Brit. F. Psychiatric, 127, 42-45. Bottino, C.; Carvalho, I.; Alvarez, A. (2002). Reabilitação cognitiva em pacientes com doença de Alzheimer: relato de trabalho em equipe multidisciplinar. Arquivo Neuro-Psiquiatr., 60(1), 70-79. Bourgeois, M.; Camp, C.; Rose, M.; White, B.; Malone, M.; Carr, J.; Rovine, M. (2003). A Comparison of training strategies to enhance use of external aids by persons with dementia. Journal of Communication Disorders, 36, 361-378. Breuil, V.; De Rotrou, J.; Forette, F.; Tortrat, D.; Ganansia-Ganem, A.; Frambourt, A.; Moulin, F.; Boller, F. (1994). Cognitive Stimulation of patients with Dementia: preliminary result. International Journal of Geriatric Psychiatry, 9, 211-217. Cabbalo, V. (2003). Tratamento cognitivo-comportamental dos transtornos psicológicos. São Paulo: Santos. Clare, L.; Wilson, B.; Carter, G.; Hodges, J.; Adams, M. (2001). Long-term maintenance of treatment gains following a cognitive rehabilitation intervention in early dementia of Alzheimer type: A single case study. Neuropsychological Rehabilitation, 11(3/ 4), 477-494. De Vreese, L.; Neri, M.; Fioravanti, M.; Belloi, L.; Zanetti, O. (2001). Memory Rehabilitation in Alzheimer´s disease: a review of progress. International Journal of Geriatric Psychiatry, 16, 794-809. Ferrari, E.; Toyoda, M.; Faleiros, L.; Cerutti, S. (2001). Plasticidade neural: relações com o comportamento e abordagens experimentais. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Fontes, V.; Sampaio, A.; Barbosa, A.; Pretel, A.; Belzunces, E.; Lima, S.; Souza, S. Oficina de (re) habilitação cognitiva de pacientes com síndromes psicorgânicas. Francés, I.; Barandiarán, M.; Marcellán, T.; Moreno, L. (2003). Estimulación psicocognoscitiva en las demencias. An. Sist. Sanit. Navar, 26(3), 405-422.
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17 Envelhecimento e dependência: impacto sobre familiares-cuidadores de portadores de síndrome demencial Denise Ruschel Bandeira Tonantzin Ribeiro Gonçalves Josiane Pawlowski
CONCEITOS TRABALHADOS Estressor: estímulos do ambiente que causam distúrbios no equilíbrio físico e/ou emocional do organismo. Estresse de alerta: ocorre quando acontece um contato primário com o estressor, frente ao que o indivíduo produz adrenalina e sente-se com mais energia e vigor. É uma fase de produtividade e preparo para a luta, considerada, portanto, positiva. Estresse de resistência: considera-se a entrada do sujeito nesta fase, a qual ainda não é vista como patológica, quando ocorre o acúmulo de estressores ao longo do tempo e o organismo tende a resistir, adaptando-se de alguma forma à situação. Estresse de quase-exaustão: é uma fase de estresse já considerada patológica, na qual o corpo e a mente começam a manifestar rea-
ções notadamente negativas diante da situação estressora. No entanto, ainda se pode sair desta fase sem prejuízos definitivos à saúde. Estresse de exaustão: fase em que o organismo exaure sua reserva de energia adaptativa diante de estressores contínuos e ausência de qualquer estratégia para lidar com eles. Emotividade negativa: expressão de emoções negativas frente a estímulos e condições aos quais se está sendo exposto. Neuroticismo: nível crônico de ajustamento e instabilidade emocional que representa as diferenças individuais quando as pessoas experienciam padrões emocionais associados a um desconforto psicológico. Estratégias de enfrentamento (coping): conjunto de mecanismos de que o organismo faz uso em reação aos agentes de estresse, representando a forma como cada pessoa avalia e lida com essas agressões.
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INTRODUÇÃO De uma forma geral, o Brasil passa por um processo de transição demográfica, que aponta para uma mudança no padrão de causas de morte, passando de um perfil de doenças infecto-contagiosas para um perfil de doenças crônico-degenerativas. Entre essas, encontram-se as síndromes demenciais, doenças que afetam diretamente a memória, associadas a um déficit em pelo menos uma das seguintes áreas: linguagem, praxia, agnosia ou funções executivas. A demência do tipo Alzheimer (DTA) é a que prevalece entre os casos de demência, atingindo em maior proporção o sexo feminino. Estima-se, atualmente, que 37 milhões de pessoas sejam afetadas pela doença (Organização Mundial de Saúde – OMS, 2004), o que aumenta o interesse sobre as possibilidades de reabilitação e tratamento, bem como sobre o impacto na família e, especialmente, sobre o cuidador principal. A DTA caracteriza-se pela degeneração lenta e gradual das funções cerebrais ocasionando alterações acentuadas na memória, linguagem e expressão, além de mudança de comportamento e de personalidade. Em função de suas características, pode exigir a presença constante de um cuidador. O cuidador deve ter como objetivo manter o funcionamento do indivíduo, reduzir as dificuldades relativas às perdas no funcionamento mental, reorganizar as rotinas para aproveitar ao máximo as áreas de funcionamento ainda preservadas, minimizar as funções perturbadoras, como sintomas psicóticos, agitação e depressão, e prover apoio aos familiares (OMS, 2004). Atualmente, os pesquisadores ainda não conseguiram provar como se instala a doença (OMS, 2001). Sabese que sua maior incidência se dá em idade mais avançada, época na qual sua evolução é ainda mais lenta. O cuidador pode ser tanto um profissional quanto um familiar disposto a realizar a função de cuidar. Na maioria das vezes, são familiares ou amigos muito próximos que ajudam o doente em suas tarefas diárias. No início da doença, o cuidado envolve aspectos sim-
ples como a ingestão de medicações e o manejo do dinheiro. Com sua evolução, a ajuda envolve até aspectos como higiene e alimentação. O envolvimento pode chegar a 24 horas diárias, dependendo da evolução da doença. Dificuldades de ordem afetiva e comportamental também caracterizam a DTA. O paciente pode apresentar depressão, agitação, raiva e/ou estados de desorientação espaço-temporal. Tais comportamentos exigem do cuidador atenção integral e algum preparo para lidar com esses sintomas. Dessa forma, o cuidador, sem uma real intenção, adquire uma carreira profissional inesperada (Haley, 1997) envolvendo-se nessa tarefa muitas horas de seu dia. Em um estudo conduzido no Rio Grande do Sul, os 129 cuidadores avaliados acompanhavam, em média, 16 horas por dia o paciente por mais de quatro anos (Pawlowski, et al., 2004). Como a maioria dos cuidadores é familiar do paciente, o estresse gerado pela situação se agrava já que, muitas vezes, possuem jornada dupla, o que ocasiona conflitos familiares e econômicos. Na amostra brasileira, por exemplo, 51,9% eram filhos dos doentes, 33,3% eram cônjuges e 14,7% tinham outro grau próximo de parentesco (Pawlowski et al., 2004). Em relação a outras características sociodemográficas, os estudos internacionais mostram que a maioria dos cuidadores é do sexo feminino e possui em torno de 60 a 70 anos (Cacioppo et al., 1998; Garrido e Almeida, 1999; Haley, 1997; Vitaliano, Zhang e Scanlan, 2003). Essas características também foram encontradas no estudo com amostra brasileira, no qual 106 (82,2%) eram do sexo feminino e 23 (17,8%) eram do sexo masculino e a média de idade era de 60,31 (Pawlowski et al., 2004). Frente às dificuldades apresentadas pelo quadro demencial, cuidar de alguém com essa doença caracteriza-se por uma excessiva sobrecarga tanto física como emocional. Contudo, ainda não se sabe ao certo a extensão dos prejuízos causados à saúde do cuidador. Sabe-se que o cuidado influencia a saúde, mas ainda
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não se pode afirmar que ele, por si só, gere doenças ao cuidador (Vitaliano et al., 2003), especialmente de cunho psicológico.
CONDIÇÕES DE SAÚDE E SINTOMAS RELACIONADOS À SITUAÇÃO DE CUIDADO As condições de saúde de pessoas que se dedicam ao cuidado de um indivíduo com demência têm sido um tema recorrente entre os pesquisadores. A situação de cuidado é considerada um estressor crônico (Lazarus e Folkman, 1984) devido à longa duração da doença e em função das demandas impostas ao cuidador (Goode et al., 1998; Russo et al., 1995; Vitaliano, Young e Zhang, 2004). Essa condição é geradora de sobrecarga na vida do cuidador, sendo observados prejuízos em sua saúde. A respeito disso, a revisão de Pinquart e Sörensen (2003) de 84 estudos sobre os efeitos da condição de cuidado sobre a saúde do cuidador apontou a presença de níveis mais elevados de estresse e depressão, bem como níveis menores de bem-estar subjetivo e saúde física quando comparados a controles. Diversos estudos investigam os fatores relacionados aos prejuízos percebidos na saúde de indivíduos após o início da tarefa de cuidado, buscando compreender o que influencia na piora do estado de saúde do cuidador. Segundo Vitaliano e colaboradores (2004), embora o cuidado pareça não ser um fator de risco direto para o adoecimento, ele pode potencializar doenças adquiridas antes do início da atividade de cuidado. Apesar de fatores prévios estarem relacionados à piora da saúde frente à situação de cuidado, os cuidadores enfrentam e revelam maior sobrecarga quando comparados a controles. Dentre os sintomas e patologias que podem apresentar, será abordada neste capítulo a presença de estresse, depressão e ansiedade entre os cuidadores. Tais sintomas são apontados em diversas pesquisas em níveis mais elevados para os cuidadores de portadores de síndrome demencial quando comparados a controles (Bauer et al., 2000;
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Dura, Stukenberg e Kiecolt-Glaser, 1991; Pinquart e Sörensen, 2003).
Estresse Muitos estudos que investigam o estresse no cuidador utilizam escalas de auto-relato nas quais é indicado o nível de estresse percebido na situação de cuidado. Os estressores podem ser tanto a própria tarefa, por exemplo, a assistência às atividades que o doente não consegue realizar independentemente, assim como o manejo do cuidador frente aos problemas de comportamento e prejuízos de memória do doente. Entretanto, Goode e colaboradores (1998) indicam que o aumento desses estressores não influencia diretamente em mudanças nos resultados de variáveis de saúde, pois teriam maior importância as variáveis de recurso psicossocial do cuidador para lidar com a situação. Pode-se pensar, portanto, que diferenças na forma de lidar com a situação de estresse advinda do cuidado resultem em níveis maiores ou menores de estresse. Em um estudo com uma população local (Pawlowski et al., 2004), foram encontrados níveis mais elevados de estresse em um grupo de cuidadores quando comparados a controles. Foi utilizado o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (Lipp, 2000), que apresenta uma série de sintomas físicos e psicológicos e fornece quatro possibilidades de níveis de estresse por ordem de gravidade, a saber: estresse de alerta, de resistência, de quase-exaustão e de exaustão. Atestou-se que, em média, os cuidadores apresentam-se na fase de resistência, conforme normas nacionais, enquanto o grupo-controle não revela índices patológicos de estresse. A fase de resistência representa o acúmulo de estressores ao longo do tempo, ocasionando a tentativa do organismo de resistir. Essa é uma fase de cautela, ainda não considerada patológica, na qual o corpo está sinalizando um excesso de ritmo e a necessidade de obtenção de alívio (Lipp, 2000). Quando a situação de estresse estende-se por muito tempo, o organismo tende a buscar uma
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adaptação; no entanto, essa experiência provoca sensações de desgaste e cansaço. A caracterização da fase do estresse de resistência tem muitas semelhanças com a vivência de cuidado aos portadores de síndrome demencial. Dentre os tipos de sintomas relacionados ao estresse, o cuidado a um portador de demência parece estar associado tanto a sintomas físicos quanto a psicológicos. Entre os sintomas físicos encontram-se: mal-estar generalizado sem causa específica, sensação de desgaste físico constante, mudança de apetite, dificuldades sexuais e náusea. Quanto aos sintomas psicológicos, os mais freqüentes são: sensibilidade emotiva excessiva, diminuição da libido, irritabilidade excessiva e sem causa aparente, angústia e ansiedade diária, vontade de fugir de tudo e perda do senso de humor (Pawlowski et al., 2004).
Depressão Assim como o estresse aparece em nível mais elevado entre indivíduos expostos à sobrecarga da tarefa do cuidado, tais demandas também podem precipitar sintomas depressivos entre os cuidadores. Schulz e Williamson (1991) encontraram em seu estudo níveis mais elevados de depressão para homens e mulheres cuidadores comparados às médias da população de indivíduos com idade similar. Tal como este, o estudo de Pawlowski e colaboradores (2004) avaliou, pela Escala Beck de Depressão (adaptada e validada por Cunha, 2001), os níveis de depressão em cuidadores e apontou diferenças significativas em relação a controles em todos os níveis do sintoma sugeridos pela escala (mínimo, médio e moderado a grave). Dessa forma, pode-se perceber a tendência de maior severidade de depressão entre os cuidadores. Existem divergências entre os estudos quanto a diferenças entre os sexos com relação à presença de depressão concomitante à execução da tarefa de cuidado. Enquanto Schulz e Williamson (1991) encontraram diferenças entre os sexos, sendo apontados maiores níveis de depressão entre as mulheres, Pawlowski e colaboradores (2004) não encontraram di-
ferenças significativas entre homens e mulheres nos escores da medida desse sintoma. É importante considerar que em ambos os estudos prevaleceram participantes do sexo feminino, 71% no primeiro e 85,4% no segundo. Dessa forma, amostras com número maior de participantes do sexo masculino poderiam apresentar resultados diferentes, quando consideradas diferenças entre os sexos para as medidas de depressão durante a realização do cuidado. Da mesma forma que sintomas depressivos são apresentados em nível maior pelos cuidadores, inovando estudos quanto a esse aspecto, a pesquisa de Pawlowski e colaboradores (2004) também encontrou diferenças marcantes nos níveis que apontam maior severidade de desesperança. Considerando o objetivo da escala de desesperança que avalia a extensão das expectativas negativas a respeito do futuro imediato e remoto (Beck e Steer, 1993, citado por Cunha, 2001), podemos pensar no impacto da situação de cuidado e nas conseqüências negativas sobre a perspectiva de vida e futuro dos cuidadores, acrescidas da possibilidade de interação com sintomas depressivos. Assim, níveis maiores de desesperança entre os cuidadores podem ser uma reação ao enfrentamento da situação de cuidado e à necessidade de lidar com o agravamento da doença de um familiar portador de síndrome demencial. A DTA, que abrange grande parte da população atingida por demência, apresenta curso irreversível, contando com fases de agravamento até uma situação de prejuízos que podem levar à morte do doente. Diante da possibilidade de perda do familiar, que pode ser percebida como um fator estressor, o cuidador pode demonstrar mais expectativas negativas frente ao futuro, assim como isso pode precipitar a depressão.
Ansiedade Apontando níveis de maior severidade de sintomas de ansiedade para os cuidadores comparados a controles, avaliados por meio da Escala Beck de Ansiedade, o estudo de Pawlowski e colaboradores (2004) corrobora achados de Anthony-Bergstone, Gatz e Zarit (1988) e Dura
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e colaboradores (1991). Os estudos encontraram resultados mais elevados entre os cuidadores em uma subescala de ansiedade, quando comparados à população normativa, e na avaliação da presença de transtorno de ansiedade, quando comparados a controles. Já o estudo de Pawlowski e colaboradores encontrou níveis elevados de ansiedade (moderado e grave) no grupo de cuidadores, mas também níveis leves de ansiedade no grupo-controle. Isso pode indicar a presença de fatores de risco não investigados nesse estudo. A ansiedade é um sintoma precipitado por diversas situações da vida diária, porém os níveis de maior severidade encontrados entre os cuidadores indicam potenciais fatores estressores gerados pela situação de cuidado, os quais podem acarretar níveis patológicos do sintoma, tal como a presença de transtorno de ansiedade generalizada.
CONSIDERAÇÕES QUANTO À PRESENÇA DE SINTOMAS ANTERIOR AO INÍCIO DA TAREFA DE CUIDADO Os estudos de Dura, Stukenberg e KiecoltGlaser (1990) e Dura e colaboradores (1991) revelam que cuidadores sem uma história pessoal ou familiar de transtornos depressivos anterior ao início da tarefa de cuidado desenvolveram transtornos de ansiedade e de depressão concomitante ao cuidado. Avanços em relação a isso foram apresentados no estudo de Russo e colaboradores (1995) que indicou a probabilidade maior de cuidadores, com uma prévia história psiquiátrica ao início da DTA do cônjuge, experienciarem um episódio ou a recorrência de transtorno depressivo maior ou transtorno de ansiedade generalizada após o início do cuidado, quando comparados com cuidadores sem história psiquiátrica. Portanto, o estresse enfrentado na situação de cuidado pode potencializar o aparecimento de sintomas de transtornos de ansiedade e de depressão. Apesar de no estudo de Pawlowski e colaboradores (2004) não terem sido avaliadas as situações prévias ao cuidado dos participantes quanto a esses sintomas, a comparação com o grupo-controle indica a possibilida-
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de da situação de cuidado contribuir na aquisição de sintomas de ansiedade e depressão.
RECURSOS PSICOSSOCIAIS DO CUIDADOR O modelo cognitivo-fenomenológico de estresse proposto por Lazarus e Folkman (1984) postula que somente os estressores não explicam a variabilidade na adaptação à situação estressora. De acordo com esse referencial, o estresse não é visto simplesmente como uma força externa que automaticamente produz efeitos negativos em todos os indivíduos que o experimentam, mas sim como uma relação entre o indivíduo e seu ambiente. Lembrando dos importantes impactos causados pela situação de cuidado e pelas características da doença nas relações familiares e sociais, nas finanças, no lazer e no trabalho, ainda assim podemos considerar a existência de diferentes repercussões dessa situação sobre a resposta de estresse dos cuidadores. Portanto, considerase que existam diferenças individuais na habilidade dos cuidadores para lidar com situações que aparentemente revelam-se semelhantes. Deste modo, a partir da avaliação das características psicológicas e sociais dos cuidadores e de como estas influenciam no modo como cada um irá experimentar e lidar com a condição de cuidado, revela-se essencial a compreensão multidirecional dos efeitos dessa situação nessa população. Essa perspectiva de análise apresenta resultados consistentes na literatura, incluindo dimensões como os fatores de personalidade, a avaliação subjetiva da situação, o coping e o apoio social. Esses aspectos podem, assim, mediar e/ou moderar os efeitos da situação de estresse provocada pelo cuidado, podendo resultar em efeitos negativos e/ou protetivos sobre a saúde mental e física. Os estudos na área indicam que os aspectos que denotam vulnerabilidade psicológica e social nos cuidadores podem ser detectados por meio de medidas psicológicas e de auto-relato, podendo orientar intervenções preventivas (Haley, Levine, Brown, Bartolucci, 1987). Os fatores relacionados à personalidade estão intimamente ligados ao processo de avaliação subjetiva da situação, isto é, ao modo
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como o indivíduo atribui significados às situações da vida por meio de um processo interativo em que a personalidade assume um papel central. Desta maneira, é preciso considerar que a influência da personalidade é estabelecida de forma indireta sobre a percepção de estresse. Estudos que relacionam personalidade e saúde concordam que certas características de personalidade como estado emocional negativo, hostilidade e raiva mostram-se preditoras importantes de doenças em geral e, especificamente, doenças do coração (Scheier et al., 1989). Especificamente quanto aos cuidadores, os aspectos da personalidade que mais se relacionam com a avaliação de sobrecarga são a raiva, a emotividade negativa e o neuroticismo (Hooker et al., 1992; Vitaliano et al., 1991). Muitos familiares de portadores de síndrome demencial assumem atividades de cuidado diário durante muitos anos, podendo acumular sentimentos de raiva, de hostilidade e de culpa, o que, por sua vez, aumenta as chances de desenvolver problemas de saúde física e mental. Portanto, a forma como cada um irá significar o cuidado e a doença relaciona-se com as reações emocionais que a situação irá provocar no cuidador. Neste sentido, Morano (2003) encontrou evidências de que uma avaliação de sobrecarga media os efeitos da situação de cuidado (estresse) sobre as queixas somáticas e a depressão nos cuidadores. Por sua vez, a avaliação de satisfação modera os efeitos do estresse sobre o senso de ganho pessoal e satisfação de vida. Estudos mais recentes têm apontado a importância de incluir a avaliação dos aspectos positivos trazidos pelo cuidado e qual a relação disso com medidas de avaliação clínica como ansiedade, depressão e estresse (Haley et al., 1996; Morano, 1991). Seja por fatores de personalidade, história de vida ou aspectos trazidos pela própria situação, os cuidadores podem desenvolver diferentes estratégias de enfrentamento – coping – para lidar com o estresse do cuidado crônico e com algumas das características agravantes das síndromes demenciais, como a alteração de humor e personalidade, a perda parcial da memória, dificuldades de reconhecimento e dependência física. Pesquisas na área identifi-
cam que a utilização de análise lógica da situação, estratégias de resolução de problemas, busca de informações e regulação afetiva predizem efeitos menos nocivos sobre a saúde física e mental dos cuidadores. Sentimentos de auto-eficácia, senso de domínio e controle da situação contribuem para um enfrentamento cognitivo mais positivo dos problemas de comportamento e memória trazidos pela doença. Ao mesmo tempo, a utilização da descarga emocional relaciona-se com altos níveis de depressão (Haley et al., 1987). Deste modo, o bem-estar subjetivo e a satisfação de vida dos cuidadores parecem ser diretamente influenciados pelas formas de avaliação cognitiva da situação e pelo coping. Mais recentemente, alguns autores têm incluído os fatores de sexo e raça no modelo de processo de estresse proposto, inicialmente, por Lazarus e Folkman (1984). Isso tem ocorrido porque pesquisas têm demonstrado efeitos distintos do cuidado entre negros e brancos. Os motivos destas diferenças relacionamse com um modelo de maior utilização de coping cognitivo por parte dos cuidadores negros e um perfil de emprego de coping comportamental pelos cuidadores brancos (Haley et al., 1996). Neste sentido, propõe-se que aspectos culturais influenciem na avaliação subjetiva da situação de cuidadores negros, já que esses parecem encarar a responsabilidade pelo cuidado de alguém como algo que lhes fornece um lugar social de maior respeito e privilégio, enquanto para os brancos esta condição está associada a algo que não pode ser evitado e que não encontra significado de produtividade social na comunidade. No que diz respeito ao sexo, a maior parte da população de cuidadores estudada é do sexo feminino. A partir disso, podemos pensar na delegação social de determinados papéis às mulheres e sobre os diferentes impactos sobre homens e mulheres do efeito do cuidado prolongado de um familiar portador de síndrome demencial. Nesta direção, Pinquart e Sörensen (2003) indicam que os resultados de maior severidade nos efeitos de cuidado são encontrados em estudos com maior número de mulheres. Assim, se por um lado entendemos que o sexo possa estar determinando algum nível
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de vulnerabilidade aos efeitos do cuidado prolongado nas mulheres, por outro lado aspectos metodológicos podem explicar, em parte, estas diferenças. Por fim, destacamos o apoio social como um aspecto de crucial importância na relação entre efeitos do cuidado e recursos psicossociais. Diversos estudos que utilizaram escalas para avaliar o apoio social encontraram alguns indícios de que a quantidade e a satisfação com o apoio social recebido influenciam na resposta de estresse e na presença de outros sintomas psicológicos (Goode et al., 1998; Haley et al., 1996; Vitaliano et al.,1991). Por outro lado, é importante considerarmos que o envolvimento ostensivo com o cuidado de um familiar doente possa também acelerar a diminuição das relações e contatos sociais, a qual ocorreria naturalmente com o avanço da idade. A participação dos cuidadores em grupos de apoio, orientação e informação específicos à doença, bem como em grupos religiosos, parecem influenciar no modo como estes avaliam a situação estressante e contribuem para a elaboração de recursos psicológicos e materiais para lidar com o cuidado e com o familiar doente (Haley et al., 1996; Bodnar e Kiecolt-Glaser, 1994; Morano, 2003). A partir dos elementos discutidos até aqui propomos um modelo gráfico explicativo do processo de estresse em cuidadores (Figura 17.1).
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PLANEJAMENTO DE INTERVENÇÕES COM FAMILIARES CUIDADORES Os possíveis efeitos do cuidado constante, conjugados com as questões sociais relativas ao envelhecimento e ao gênero, alertam para a importância de se atentar para determinados riscos à saúde física e psicológica dos cuidadores de portadores de síndrome demencial e, indiretamente, dos pacientes. A revisão teórica realizada até aqui demonstra a relevância clínica de observarmos tais efeitos sobre o cuidador, bem como a necessidade de uma abrangência multidirecional nas intervenções realizadas com cuidadores. Os aspectos cognitivos do cuidador, tais como a resolução de problemas, busca de informações e análise lógica, e de reforçamento e/ou reorganização da rede de apoio social são apontados como focos principais no planejamento de estratégias terapêuticas com esta população. Além disso, é necessário lembrar a importância de se considerar os três subsistemas implicados na doença demencial no contexto familiar: o paciente e a sua enfermidade, a família e sua rede social e os serviços de saúde. Para o enfoque sistêmico, a doença crônica é caracterizada como uma crise vital com efeitos significativos para as famílias (McDaniel, Hepworth e Doherty, 1994). Nesse referencial, propõe-se o conceito de perda antecipada para
FIGURA 17.1 Modelo explicativo do processo de estresse em cuidadores. INDEX BOOKS GROUPS
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entender situações que envolvem doenças crônicas, afirmando-se que algumas famílias experimentam sintomas de luto verdadeiro antes mesmo de uma perda provável ou iminente. Quando ocorre a dependência de um dos membros da família, obrigando outro a assumir o papel de cuidador, são provocadas bruscas alterações no cotidiano doméstico e nas relações familiares, reestruturando os arranjos funcionais na dinâmica familiar e as próprias habilidades e sentimentos do cuidador. Assim, na fase crônica da doença, após a crise inicial e a confirmação do diagnóstico, a família precisa adaptar-se, reorganizar-se de acordo com o agravamento da doença, experimentando sentimentos contraditórios de exaustão, desejo da morte, culpa e vergonha. A respeito da DTA, discute-se especificamente a relação entre a morte psicológica anterior à morte física, a qual provoca uma situação de perda ambígua na qual não se tem clareza sobre quem realmente está dentro ou fora do sistema familiar. Alguns autores defendem que a ambigüidade familiar gera intenso estresse e hesitação frente à possibilidade de aceitar a perda (Rolland, 1998). Nesta direção, aponta-se a necessidade de centralizar as intervenções na resolução de tais ambigüidades e na facilitação da readaptação funcional familiar e no processo de luto. Em relação ao doente e às características do transtorno, algumas abordagens terapêuticas podem diminuir os efeitos do estresse sobre os cuidadores e, ao mesmo tempo, oferecer a possibilidade de estimulação cognitiva do doente, focalizando suas intervenções nas díades cuidador-doente. Essas abordagens propõem o treinamento dos cuidadores para que promovam atividades diárias de estimulação da memória, resolução de problemas e fluência de conversação para seus familiares doentes. A utilização de pré e pós-testagem em alguns estudos aponta que este tipo de treinamento diminui os níveis de estresse e sobrecarga nos cuidadores, bem como aumenta a satisfação desses com a interação em função da mudança comportamental provocada no doente (Corbeil, Quayhagen e Quayhagen, 1999). Assim, essas intervenções abordam con-
juntamente familiar cuidador e doente, podendo alterar funcionamentos do sistema familiar e fortalecer o vínculo entre eles.
CONCLUSÃO Finalizando, percebe-se que a situação de cuidado pode gerar ou potencializar sintomas psicológicos e físicos. No entanto, a resposta à situação de cuidado é mediada por variáveis demográficas, pelas próprias características das condições de cuidado, pelas estratégias de coping utilizadas pelo cuidador, pela avaliação que ele faz da situação estressora, bem como pelo apoio social recebido. Além de afetar a saúde do cuidador, a forma como cada um irá lidar com a situação de cuidado e os próprios sintomas podem também influenciar na saúde do doente. Assim, manter a saúde psicológica do cuidador implica maiores possibilidades de estabilização do paciente frente à doença.
LEITURAS SUGERIDAS Lazarus, R. S.; Folkman, S. (1984). Stress, appraisal and coping. New York: Springer Publishing Company. Lipp, M. (2003). Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress: teorias e aplicações clínicas. Porto Alegre: Casa do Psicólogo. Pinquart, M.; Sörensen, S. (2003). Differences between caregivers and noncaregivers in psychological health and physical health: A meta analysis. Psychology and Aging, 18(2), 250-267.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Por que a situação de cuidado pode ser considerada um estressor crônico? 2. Que conseqüências a situação de cuidado pode trazer à condição de saúde geral dos cuidadores de portadores de síndrome demencial? 3. Pensando em um modelo multidimensional, quais fatores podem influenciar os efeitos sobre a condição de saúde física e mental dos cuidadores?
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4. Que aspectos podem contribuir positivamente para um enfrentamento da situação de cuidado crônico pelos familiares? 5. Que intervenções e atendimentos podem ser oferecidos aos cuidadores e qual a sua importância para o doente?
REFERÊNCIAS Anthony-Bergstone, C. R.; Zarit, S. H.; Gatz, M. (1988). Sypmtoms of psychological distress among caregivers of dementia patients. Psychology and Aging, 3(3), 245-248. Bauer, M. E.; Vedhara, K.; Perks, P.; Wilcok, G. K.; Lightman, S. L.; Shanks, N. (2000). Chronic stress in ceregivers of dementia patients is associated whit reduced lymphocyte sensitivity to glucocorticoids. Journal of Neuroimmunology, 103, 84-92. Bodnar, J. C.; Kiecolt-Glaser, J K. (1994). Caregiver depression after bereavement: Chronic stress isn’t over when it’s over. Psychology and Aging, 9, 372-380. Cacioppo, J. T.; Poehlmann, K. M.; Kiecolt-Glaser, J. K.; Malarkey, W. B.; Burleson, M. H.; Berntson, G. G.; Glaser, R. (1998). Cellular imune responses to acute stress in female caregivers of dementia patientes and matched controls. Health Psychology, 17(2), 182-189. Corbeil, R. R.; Quayhagen, M. P.; Quayhagen, M. (1999). Intervention effects on dementia caregiving interaction: A stress-adaptation modeling approach. Journal of Aging and Health, 11(1), 79-95. Cunha, J. A. (2001). Escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo. Dura, J. R.; Stukenberg, K. W.; Kiecolt-Glaser, J. K. (1990). Chronic stress and depressive disorders in older adults. Jornal of Abnormal Psychology, 99(3), 284-290. Dura, J. R.; Stukenberg, K. W.; Kiecolt-Glaser, J. K. (1991). Anxiety and depressive disorders in adult children caring for demented parents. Psychology and Aging, 6(3), 467-473. Garrido, R.; Almeida, O. P. (1999). Distúrbios de comportamento em pacientes com demência: Impacto sobre a vida do cuidador. Arquivos de NeuroPsiquiatria, 57(2B), 427-434. Goode, K. T.; Haley, W. E.; Roth, D. L.; Ford,G. R. (1998). Predicting longitudinal changes in caregiver physical and mental health: A stress process model. Health Psychology, 17(2), 190-198. Haley, W. E. (1997). The family caregiver’s role in Alzheimer’s disease. Managing Alzheimer’s Disease: Articles, 48(5), 25S-29S.
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PARTE VI A pesquisa sobre o envelhecimento cognitivo
APRESENTAÇÃO Esta última parte é dirigida ao estudante interessado em pesquisar e obter novos conhecimentos ou em ler criticamente trabalhos de pesquisa sobre o processo do envelhecimento cognitivo. Ela é composta de dois capítulos. O primeiro discute a pesquisa realizada em humanos, e o segundo, a elaborada com o modelo animal. No Capítulo 18, Parente insere a pesquisa sobre envelhecimento dentro do paradigma de pesquisa do desenvolvimento, ou seja, aquela pesquisa que tem por base a idéia de mudança. Esta é uma perspectiva antiga e remonta a autores clássicos de psicologia, mais especificamente de psicometria, que questionam o que é medir mudanças. O capítulo é dirigido pelas perguntas básicas de uma pesquisa: o que medir, quem medir e quando medir, de forma a dirigir o jovem pesquisador na sua leitura. Também são discutidas algumas soluções estatísticas, enfatizando a importância de uma coerência entre o método de pesquisa escolhido e o tipo de modelo estatístico. A autora enfatiza que mais importante ainda é ter, já no início do trabalho, bem claras as perguntas que pretende responder com o estudo e que o pesquisador tenha uma boa base teórica, principalmente se a abordagem estiver dentro da psicologia cognitiva.
No Capítulo 19, Oliveira e Bizarro mostram a grande contribuição de modelos animais para o conhecimento de alguns paradigmas cognitivos, principalmente em suas associações com substratos orgânicos específicos, fatores genéticos, bioquímicos e outros. É salientada a possibilidade de maior controle de variáveis específicas, que em seres humanos torna-se inviável. Como salientam os autores, a pesquisa com animais permite “a verificação de hipóteses específicas, estudadas em condições controladas, com métodos específicos que podem ser considerados antiéticos ou impossíveis de serem testados em humanos”. Como mostram os autores, uma das áreas muito apropriadas para a pesquisa em animais é a eficácia de novos medicamentos e a compreensão dos mecanismos subjacentes e causais da doença de Alzheimer. Neste aspecto, são explicados modelos bioquímicos e transgênicos da DTA, possíveis de serem conhecidos e testados com animais. Já foi salientado anteriormente que há pouco surgiu, nos meios universitários, um número considerável de grupos de estudo e de pesquisa sobre o envelhecimento. Esta parte tem por objetivo responder às necessidade desses grupos, incentivando o espírito crítico do jovem pesquisador e estimulando a criação de novas pesquisas sobre envelhecimento cognitivo.
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18 Questões metodológicas no estudo sobre o envelhecimento Maria Alice de Mattos Pimenta Parente
CONCEITOS TRABALHADOS
Análise de tarefas: estudo das funções cognitivas que estão envolvidas em uma tarefa.
Delineamento de pesquisa ou desenho experimental: processo que inclui a escolha de um método, forma de avaliação dos participantes e tipos de comparações ou análises estatísticas.
“Brinley Plots”: escatergramas que comparam o desempenho entre duas populações, no caso jovens e idosos.
Coeficiente de estabilidade: correlação entre duas séries de medidas de um mesmo atributo, efetuadas sobre o mesmo grupo após certo tempo decorrido entre as duas avaliações. Hipótese nula: um subconjunto de possíveis valores do parâmetro a propósito do qual verifica-se se a amostra observada será compatível com a hipótese de que o parâmetro se encontra no subconjunto. Delineamento “planned missingness”: delineamento que não requer a aplicação de todas provas a todos os participantes ou a todas as ocasiões. Um plano-diretor define a variação nas diversas aplicações e é efetuada uma estimativa de todos os parâmetros.
Modelos multivariados: modelos que procuram estabelecer a função causal das mudanças cognitivas durante o envelhecimento. Eles podem ser classificados em modelos medicional e de influência. Dissociação simples: diferença evidente entre a facilidade de desempenho em uma tarefa ou em uma função cognitiva com relação à outra, em um mesmo paciente. Dissociação dupla: dissociação entre dois pacientes quando cada um apresenta uma dissociação simples em sentido inverso.
Escore de mudança: magnitude da diferença de desempenho entre dois períodos da vida.
Linha de base: correção do escore bruto a partir de um desempenho inicial ou a partir de uma tarefa denominada de base. Esta é escolhida como base por requerer todas as funções cognitivas da tarefa estudada, menos a função que se deseja medir.
Grau de mudança: magnitude da perda em um determinado tempo, medido em número de meses ou anos.
Medida de escolha randômica: oriunda da teoria dos sinais, ela considera que a quantidade de informação necessária para tomar uma de-
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cisão é menor, se as alternativas forem bem nítidas, e maior, se forem pouco nítidas ou semelhantes.
INTRODUÇÃO O aumento da expectativa de vida tem produzido um crescente interesse da comunidade científica em diferentes tópicos do envelhecimento cognitivo. Entretanto, em vista de um grande número de resultados contraditórios e de diferentes modelos teóricos propostos para o envelhecimento cognitivo, recentemente, surgiu o debate sobre aspectos metodológicos adequados para seu estudo. Esse debate tem suas raízes em uma polêmica antiga sobre a validade em medir mudanças levantada já há várias décadas por psicólogos interessados em psicometria e em desenvolvimento em geral, como Cronbach e Furby (1970). Este capítulo, portanto, dirige-se aos estudantes interessados no envelhecimento que, ao ler diferentes pesquisas, desejam compreender causas ou nuanças que podem gerar resultados diferentes, até mesmo antagônicos. Ele também se dirige àqueles que estão iniciando suas pesquisas sobre envelhecimento, apontando algumas idéias e problemas que precisam ser abordados ao elaborar um projeto e, portanto, antes de começar o trabalho. Além de descrever a polêmica clássica sobre medidas de mudança, questões mais específicas sobre o envelhecimento cognitivo serão levantadas, referindo-se à escolha de um delineamento adequado e à coerência entre pressupostos sobre o envelhecimento cognitivo formulados pelo pesquisador com as análises estatísticas utilizadas. Muitos achados contraditórios na literatura decorrem de falhas metodológicas ou de simples diferenças entre os métodos empregados. O fato é que diversas pesquisas sobre o envelhecimento têm sido publicadas sem que os pesquisadores tenham consciência das limitações do método escolhido. Desta forma, não restam dúvidas de que a pesquisa sobre o envelhecimento cognitivo terá um maior crescimento se estiver atenta ao impacto dos seus delineamentos nas conclusões apresentadas e
nas inferências realizadas a respeito do assunto (Hertzog e Nesselroade, 2003). O objetivo deste capítulo é levantar os principais pontos críticos dos métodos utilizados na pesquisa sobre envelhecimento descritos pela literatura internacional. Abordaremos, primeiramente, o debate clássico sobre a validade de medidas de mudança, e depois serão abordadas questões sobre o delineamento da pesquisa e sobre a coerência entre análise estatística e teorias sobre o envelhecimento.
UMA POLÊMICA HISTÓRICA: É POSSÍVEL MEDIR MUDANÇAS? As pesquisas sobre envelhecimento têm como hipótese a existência de alguma mudança, mesmo que ela não ocorra. Nos estudos longitudinais, normalmente, mede-se mudança realizando uma avaliação em um período X e outra no período Y (teste-reteste); nos estudos transversais, comparam-se dois, ou mais grupos de idades. Apesar de todos sabermos o que é mudança e que existem diversas mudanças durante todo o ciclo da vida de um indivíduo, a melhor forma de medi-la tem sido bastante polemizada. Cronbach e Furby (1970) lembram que a forma de medir mudança é a mesma da medida de fidedignidade. Fidedignidade refere-se à consistência de uma medida. Ela é assegurada quando existe uma alta correlação em pelo menos dois escores obtidos nos mesmos indivíduos (ou seja, pela aplicação teste-reteste). Esta correlação entre teste-reteste, ao medir diferenças em dois diferentes pontos temporais, é chamada de coeficiente de estabilidade. Nos estudos sobre o efeito de idade (desenvolvimento ou envelhecimento), quando se encontram diferenças entre teste e reteste, a falta de estabilidade (ou presença de mudanças) pode ser confundida com a falta de confiabilidade. Neste caso, torna-se impossível saber o grau real de instabilidade da variável. Em segundo lugar, como a estabilidade é uma medida indireta e não considera o período de tempo entre as duas variáveis, torna-se difícil prever graus de mudanças que tenham algum sen-
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tido no curso de tempo percorrido. Muitas vezes, torna-se difícil estabelecer o significado da mudança quando não existe uma dimensão física que a justifique. Além disso, a diferença entre dois pontos ignora a possibilidade de diferentes padrões de mudanças durante o intervalo examinado. Em sua crítica severa a respeito da possibilidade de medidas de mudanças, Cronbach e Furby (1970) sugerem, como solução, o aumento da estabilidade, ou seja, o uso de um maior número de medidas em períodos mais curtos. Esta alternativa, que será discutida mais adiante no item “quando medir?”, levou os estudiosos sobre o desenvolvimento a proporem o aumento da estabilidade (múltiplas medidas) a fim de suprir a falta de confiabilidade.
PROBLEMAS DO DESENHO EXPERIMENTAL Toda pesquisa é construída para responder a uma pergunta (um problema). A partir dessa pergunta, busca-se o delineamento apropriado para fornecer a resposta. Dessa resposta surgem novas perguntas, e o campo científico se amplia. Assim, uma das características de um pesquisador, em qualquer área, é formular uma boa pergunta e encontrar o melhor método para respondê-la. Os problemas do desenho experimental serão discutidos neste capítulo a partir de diferentes perguntas sobre envelhecimento cognitivo que determinam o tipo de pesquisa e as conclusões (ou respostas) possíveis. Muitas dessas perguntas e respostas estão implícitas no delineamento. Com freqüência, pesquisadores inseridos em um determinado paradigma metodológico de um grupo de pesquisas não têm conhecimento das implicações e limitações desse paradigma. Várias são as perguntas que focalizam o desenho experimental. Por exemplo, o envelhecimento cognitivo pode ser pesquisado pelos estudos transversais ou apenas por trabalhos longitudinais? O que nos informam as comparações entre o desempenho de jovens adultos de 20 anos com o de idosos com 85? Como captar as diferenças intra-individuais? Como
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evitar efeitos de aprendizagem em estudos longitudinais que podem influenciar as estimativas das mudanças pela idade? Etc. Na realidade, tais questões deveriam ter sido pensadas antes da construção do delineamento da pesquisa. Elas serão agrupadas em três categorias: “Quem medir?”, “Quando medir?” e “O que medir?”.
Quem medir? Um dos primeiros problemas em uma pesquisa sobre envelhecimento é: “Quem deve ser medido?”. Primeiramente, temos o problema da escolha das idades: nos estudos transversais, essa pergunta irá determinar a idade dos grupos a serem comparados; nos longitudinais, o intervalo entre as medidas. Grande número de trabalhos compara jovens adultos com idosos, cuja média de idade atinge por volta de 70 anos. Esses jovens são freqüentemente alunos do curso de psicologia que ganham pontos por participarem nas pesquisas de seus professores. Na comparação entre grupos, a escolha de extremos auxilia a encontrar diferenças. Esse resultado geralmente deixa um pesquisador muito contente, por ir ao encontro de sua hipótese, mesmo sabendo que um trabalho de pesquisa científica de qualidade é aquele que possui uma metodologia correta, e não apenas aquele cujos resultados coincidem com a hipótese. Torna-se difícil estabelecer um escore de declínio, pois o uso da análise de regressão a partir de grandes diferenças também pode produzir erros, ao confundir mudança atual com uma mudança média. O problema de um desenho experimental que compara extremos é que ele só possibilita dizer que houve mudanças, mas não permite dizer quando elas ocorreram. Existem, no mínimo, três possibilidades de declínio: 1. a dificuldade cognitiva apresenta um declínio contínuo; 2. a dificuldade ocorre logo no início da fase adulta; 3. a dificuldade é típica da terceira idade (Figura 18.1).
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FIGURA 18.1 Possíveis declínios durante a vida adulta. A linha A mostra um declínio a partir dos 60 anos, enquanto na linha B o declínio inicia-se aos 40 e na C já é evidente a partir dos 20 anos.
Há uma tendência dos trabalhos que utilizam comparações entre grupos etários extremos em afirmar que tais resultados constituem características dos idosos, ou seja, tais falhas ocorrem na terceira idade. Entretanto, no caso das duas primeiras possibilidades descritas acima, as falhas já se iniciaram na fase adulta. Sob o ponto de vista estatístico, o problema das comparações extremas é discutido, de uma forma bastante irônica, por Perfect e Maylor (2000). Estes autores lembram que, nas primeiras aulas de estatística, aprendemos que a base da comparação entre dois grupos é a rejeição da hipótese nula (the null hypothesis), ou seja, que não existem diferenças entre os grupos estudados. Na comparação de vários grupos, o tratamento estatístico depende dessa hipótese nula. Entretanto, são tão evidentes as diferenças entre o desempenho de um jovem de 25 anos com o de um idoso de 85 anos, que se torna ridículo levantar uma hipótese de igualdade. Para os autores, a null hypothesis torna-se uma dull hypothesis (hipótese boba, enfadonha, sem graça). Eles concluem que seria bem mais interessante encontrar ausência de diferenças ou diferentes graus de declínio, conforme a função cognitiva estudada. Nos estudos sobre envelhecimento e funções cognitivas, salvo raras exceções, a idade não é o único fator que influencia o declínio. Freqüentemente ele está associado ao passado cultural, ao nível de vida e de educação, à presença de doenças e, com certeza, a todos estes
fatores associados (Teri, McCurry e Logsdon, 1997). Se o interesse é verificar o efeito da idade em uma função cognitiva X, o ideal é homogeneizar os grupos quanto à educação, qualidade de vida, nível socioeconômico, hábitos culturais, prevenção de doenças, saúde atual e pré-mórbida, etc. Assim, obtêm-se dois (ou mais) grupos ideais e chega-se a um efeito ideal da idade na função cognitiva estudada. Mas é isso que realmente ocorre durante o percurso de vida? O grau de desempenho encontrado pode ser generalizado para os idosos em geral? Em outras palavras, na escolha de “Quem Medir?”, é importante deixar bem clara a pergunta do estudo: Deseja-se estudar o efeito da idade em si mesmo? Qual o declínio durante o curso de vida? ou Como é o comportamento de idosos e quais as características da terceira idade?
Quando medir? O corolário de “Quem medir?” é “Quando medir?”. A variabilidade de graus de declínios nas funções cognitivas é uma dificuldade para estipular o intervalo de tempo entre teste e reteste(s) dos estudos longitudinais e as diferenças de idade entre os grupos dos estudos transversais. Park e colaboradores (1996) realizaram várias provas cognitivas em 307 adultos de 20 a 90 anos de idade. Os autores observaram um declínio constante a partir dos 20
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anos em provas que envolviam velocidade de processamento, assim como em provas de memória de trabalho. O declínio no desempenho em provas de memorizar palavras com ou sem pistas foi bem mais drástico somente após os 70 anos. Por fim, os escores das provas de vocabulário não apresentaram uma queda no desempenho, ao contrário, uma ligeira melhora após os 50 anos. Assim, os achados de Park e colaboradores (1996) mostram que o intervalo de mudanças no tempo depende da função estudada (assunto abordado nos diferentes capítulos da Parte V). Nem sempre é fácil encontrar o intervalo adequado para as diferentes medidas em estudos longitudinais. Intervalos curtos ou muito longos podem provocar supersensibilidade aos erros de medida devido ao excesso de comparações, ou, ao contrário, uma insensibilidade às mudanças cognitivas. Diferenças individuais também podem dificultar o estabelecimento dos intervalos adequados. Uma mesma pessoa pode variar seu desempenho em dias diferentes do mês, de uma semana ou em horas diferentes de um mesmo dia. Sabe-se que o desempenho dos indivíduos em tarefas de rapidez, atenção e de funções executivas variam em função do estado de alerta e do cansaço, variações estas que podem ser mais nítidas com o aumento da idade. Tais dificuldades dos estudos longitudinais apontam, de um lado, a necessidade de várias observações e, de outro, a criação de formas elegantes para evitar o aprendizado das tarefas. Como alternativa, McArdle, Ferrer-Caja e Hamagami (2002) propuseram um delineamento denominado planned missingness. Nesse método, nem todas as provas são aplicadas a todos os participantes ou em todas as ocasiões. Um plano diretor define a variação nas diversas aplicações e é efetuada uma estimativa de todos os parâmetros.
O que medir? Escore de mudança ou grau de mudança? Um pesquisador pode estar interessado em obter um escore de mudança ou um grau
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de mudança. No primeiro caso, ele deseja saber a magnitude das diferenças entre grupos etários ou entre períodos de tempo, no segundo, qual a magnitude da perda de X em um tempo T. A preocupação com o escore de mudança é mais freqüente e tradicional e se traduz nas perguntas: O desempenho entre X idades é diferente? O quanto é diferente? A preocupação com o grau de mudança, por outro lado, tem uma relevância social e epidemiológica. Ela se traduz nas seguintes questões: Com a idade, há um grande aumento da dificuldade em X?. Se uma pessoa tem um escore Y em uma tarefa, qual será a perda daqui a 10 anos?. O estabelecimento de graus de mudança, obviamente, só é possível quando existe uma variação entre dois pontos no tempo (um escore zero significa que não houve mudanças e, portanto, não é possível prever um grau de mudança). Análises de regressão não-lineares são utilizadas neste caso, que, por sua vez, têm como limitação o tipo de medida (categorial e de preferência dicotômica). Esta limitação exige, em alguns casos, a transformação de escores em categorias, o que pode eliminar importantes variações individuais. As análises de regressão não-lineares possibilitam estabelecer curvas de mudanças ao longo do tempo, uma forma muito elegante de apresentar o declínio em função do envelhecimento. Entretanto, elas não invalidam um escore de mudança como uma descrição útil da variação ocorrida entre dois pontos (Hertzog e Nesselroade, 2003).
Análise de tarefas e instruções A investigação cognitiva é realizada por provas que devem refletir uma determinada função cognitiva e, freqüentemente, é difícil encontrar a melhor definição operacional para o fenômeno psicológico em estudo. Outras variáveis estão freqüentemente envolvidas em uma mesma tarefa. Em conseqüência, o envelhecimento pode causar maior impacto nas outras funções cognitivas, e não nas em estudo. Sempre é preciso realizar uma cuidadosa análise das tarefas, detectar os possíveis mecanismos envolvidos e verificar se as variáveis
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operacionais estudadas aproximam-se do tópico de estudo (validade de constructo). A análise de tarefa depende de um modelo cognitivo do pesquisador. Por exemplo, em uma tarefa simples de memória, como a de repetição livre de 10 palavras, um pesquisador que segue a teoria do processamento da informação deverá levar em conta diferentes mecanismos cognitivos, como: recepção auditiva, span, associação semântica, velocidade de processamento e de resposta, capacidades de expressão da fala e da articulação, etc. Quanto mais complexa a atividade, maior o número de processos cognitivos que pode intervir nos resultados. Conseqüentemente, muitas vezes, é difícil concluir qual aspecto cognitivo sofre influência da idade. Como visto, na prova de memória de palavras, pode influir uma maior lentidão no processamento que impede o armazenamento de muitas palavras. Se for esse o caso, o baixo desempenho de idosos não seria por dificuldade de memória (ou armazenamento), mas sim por falhas na velocidade de processamento. Para verificar tais suposições, a posteriori são necessárias outras provas e estudos correlacionais. Uma solução adequada é selecionar diversas medidas do mesmo constructo teórico para minimizar a interferência de fatores dependentes do método de avaliação. A literatura sobre metodologia de pesquisa psicológica tem salientado a importância do tipo de instrução para que os participantes realmente dirijam recursos cognitivos apropriados para a função cognitiva em estudo. Não há dúvidas de que, conforme a instrução, os participantes podem utilizar funções mais ou menos sensíveis ao envelhecimento. Um exemplo desse fato encontra-se nos estudos de reconto de histórias. De forma geral, a partir da instrução “narre com todos os detalhes possíveis”, diferenças de idade têm sido encontradas. Entretanto, com a instrução “narre as idéias principais”, idosos apresentam o mesmo desempenho de jovens. Em questionários, a forma de investigar os fenômenos pode também ser mais ou menos sensível às mudanças. Geralmente, referências a momentos estáticos produzem maior efeito de mudanças do que referências a
processos. Nesse sentido, perguntas com a expressão “geralmente me sinto...” são menos sensíveis às mudanças do que as “como estou me sentindo neste momento (ou no momento X)”.
COERÊNCIA ENTRE ANÁLISE ESTATÍSTICA E PRESSUPOSTOS SOBRE O ENVELHECIMENTO Na pesquisas quantitativas, a escolha de uma análise estatística apropriada é extremamente importante. Ela precisa ser coerente com as questões levantadas no estudo e com certos pressupostos sobre o envelhecimento. Entre esses pressupostos encontram-se hipóteses que o pesquisador tem sobre o percurso do envelhecimento. Por exemplo: As perdas de uma determinada função são lineares? Os diferentes grupos etários resolvem a tarefa estudada alocando os mesmos recursos cognitivos? Duas diferentes perspectivas no estudo do desenvolvimento divergem quanto ao método estatístico de análise dos dados. Uma procura encontrar um fator comum que determina o envelhecimento cognitivo. Em outras palavras, ela busca o elemento comum que provoca a queda do rendimento de várias funções. A outra perspectiva estuda funções ou componentes de uma mesma função e como eles são afetados ou preservados com o avanço da idade. Essa segunda abordagem considera que o ciclo de cada função pode ter um declínio diferente e independente de outra função, sendo neste caso previstas dissociações, ou seja, algumas funções são preservadas, enquanto outras tornam-se falhas. Cada uma dessas perspectivas tem problemas de pesquisa bastante diversos: a primeira pergunta a causa do envelhecimento cognitivo, enquanto a segunda, focaliza a função propriamente dita e busca auxiliar formas de apoio ou intervenção. Elas também diferem quanto ao tratamento estatístico aplicado aos dados. A busca de um elemento comum prioriza procedimentos correlacionais e análise de regressão, enquanto o enfoque em uma função ou em dissociações na perda cognitiva prioriza análises comparativas paramétricas (testes de Student ou análises de variâncias) ou não-paramétricas.
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Nos estudos sobre o envelhecimento cognitivo, existe uma disputa entre as duas pesquisas descritas acima: as diferenças na cognição são mais bem explicadas como tendo uma natureza genérica e global ou como um grupo de efeitos de idade específicos para cada processo? Salthouse (2000) postula que a primeira visão é mais interpretativa, uma vez que busca um elemento causal que explicaria as diversas mudanças cognitivas ao longo do tempo, enquanto a segunda visão é apenas descritiva, apesar de detalhar cada uma das funções no percurso de envelhecimento. Entretanto, cabe lembrar que um estudo que focaliza uma função ou que compara dissociações entre duas funções é essencial para a clínica do envelhecimento. Isto porque ele possibilita determinar normas de performance para diferentes faixas ou grupos etários, assim como elaborar estratégias adaptativas que privilegiam as funções mais preservadas.
Estudos que buscam um fator comum no envelhecimento cognitivo Brinley Plots Nos estudos sobre o envelhecimento cognitivo, Brindley Plots têm sido muito utiliza-
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dos. Eles são escartergramas com os escores de jovens e de idosos em suas coordenadas (Figura 18.2). Foram usados com maior freqüência em estudos de tempo de reação, mas alguns trabalhos também utilizaram os Brindley Plots para análises de erros. Cada ponto no espaço representa um par composto por um jovem e um idoso. O primeiro ponto associa o jovem com o desempenho mais rápido com o idoso mais rápido; o segundo ponto os representantes de cada categoria um pouco mais lentos e assim por adiante (para uma revisão, ver Perfect e Maylor, 2000). A hipótese nula é abordada pelos Brindley Plots da seguinte maneira: Se existem diferenças entre idade, a curva ficará inclinada para a coordenada dos mais lentos ou com mais dificuldade (ou seja, dos idosos). Muitas vezes, os Brindley Plots são utilizados para comparar duas situações experimentais, cuja utilização precisa evitar variações individuais que podem ficar ocultas quando se focalizam apenas as tarefas. O Brindley Plot é uma forma elegante de mostrar diferenças entre grupos de jovens e de idosos. Entretanto, ele tem por pressuposto que o declínio cognitivo é linear, o que nem sempre é o caso. Algumas vezes, as estratégias utilizadas pelos idosos são diferentes das utilizadas pelos jovens, tornando problemáticas as interpretações do Brindley Plot.
FIGURA 18.2 Brindley Plot que compara o desempenho de idosos e de jovens em uma tarefa X. A curva, ao inclinar para o alto, em direção da abscissa (idosos), mostra que existe um grupo maior de idosos com desempenhos piores do que os do grupo de jovens. INDEX BOOKS GROUPS
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Análises de correlação e de regressão Uma das críticas às análises de comparação entre grupos é que estas, erroneamente, caracterizam a idade como um fator causal, enquanto, na realidade, a idade deveria ser analisada como um contínuo, no qual ocorrem fatores que influenciam as diferenças cognitivas (Salthouse e Ferrer-Caja, 2003). Nesta visão, a relação idade/função cognitiva é correlacional, e não causal. Análises correlacionais têm sido muito utilizadas nos estudos sobre o envelhecimento, principalmente pelos autores que propõem um único fator presente em diferentes tarefas como responsável pelo declínio cognitivo. Ao serem utilizadas por aqueles que buscam um primitivo (ou fator de primeira ordem) responsável pelo declínio, o pesquisador precisa de um certo grau de inferência, uma vez que nenhuma prova mede apenas aquela função que ela pretende estudar. Como as correlações não implicam casualidade, análises de regressão e path analyses são mais poderosas em determinar implicações mútuas. Análises de regressão logísticas, que utilizam dados binários, podem também estabelecer graus de probabilidade de mudança, os odds radio. Por exemplo, se um indivíduo com 50 anos tem a capacidade mnemônica de sete itens, ela pode indicar qual a provável capacidade mnemônica quando o mesmo indivíduo chegar aos 75 anos. Esta pode ser uma informação bastante interessante nos estudos sobre o desenvolvimento e possibilita a formação de curvas de declínio cognitivo ao longo do percurso da vida, como já visto acima.
Modelos multivariados Sabe-se que muitas funções podem apresentar declínio durante o envelhecimento. Uma questão relevante é verificar se existe um fator causal único que, por sua vez, influencia tais funções, ou se elas apresentam declínios independentes. Salthouse e Ferrer-Caja (2003) descrevem dois tipos de modelos que investigam fatores comuns no envelhecimento. O primeiro modelo, denominado modelo mediacional
(mediational model) postula que uma variável cognitiva influi nas demais causando as dificuldades cognitivas. As primeiras são chamadas fatores de primeira ordem, sendo descritas pela literatura com maior freqüência as que se seguem: inibição e memória operacional (memória de trabalho). O segundo modelo, denominado modelo de influência comum (shared influence model), propõe que o fator de primeira ordem é uma variável não cognitiva, de tipo perceptual ou motora (como por exemplo, medida de acuidade visual ou de discriminação auditiva, força ou rapidez de movimento). Ambos os modelos medicional e de influência comum estão apoiados em análises estatísticas de regressão hierárquica, path analyses ou equações estruturais. Segundo Salthouse e Ferrer-Caja (2003), a maioria dos estudos omite dois aspectos importantes: as relações entre tais funções cognitivas que ocorrem independentemente da idade e fatores de mesmo nível podem correlacionar-se e o fator comum pode estar diretamente relacionado aos de primeira ordem ou aos de segunda, ou seja, as explicações podem não ser restritas a níveis hierárquicos. Os autores ilustram essa complexidade com quatro possibilidades básicas (Figura 18.3). A primeira supõe que os fatores de primeira ordem são totalmente independentes entre si e derivam da correlação entre algumas tarefas específicas para cada fator de primeira ordem (alternativa A na Figura 18.3). A segunda possibilidade acrescenta à primeira uma correlação entre os fatores de primeira ordem (alternativa B na Figura 18.3). A terceira mostra uma relação entre os fatores de primeira ordem que depende de um fator comum (alternativa C na Figura 18.3). A quarta possibilidade, ao contrário da terceira, postula que o fator comum depende da relação entre os fatores de segunda ordem, sendo os de primeira ordem independentes entre si. Para testar os quatro modelos, Salthouse e Ferrer-Caja (2003) submeteram 204 adultos entre 20 e 91 anos a tarefas de percepção espacial, raciocínio, memória e velocidade. Eles observaram um quadro semelhante às alternativas C e D, ou seja, composto de um fator comum, mas mais complexo. Neste estudo, os
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efeitos da idade influenciavam tanto o fator comum às três áreas estudadas quanto a velocidade de processamento e os processos de memória. Os autores acreditam serem necessárias três diferentes explicações para cada um dos efeitos encontrados e sugerem a realização de trabalhos que verifiquem seus correlatos neurofuncionais. Por exemplo, uma análise de conjunção cognitiva (cognitive conjunction analyses) mostraria que mesmas regiões corticais
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seriam ativadas para tarefas associadas a um mesmo fator. Neste sentido, como o fator comum parece ser influenciado por processos de manutenção dos objetivos, atenção e quantidade de alocação de energia, uma ativação de regiões pré-frontais deverá ocorrer em qualquer tarefa. Por outro lado, tarefas relacionadas ao fator de memória produzirão ativação do hipocampo, enquanto aquelas relacionadas com o fator rapidez não terão localização específica.
FIGURA 18.3 Quatro diferentes estruturas de fatores de primeira ordem, segundo Salthouse e Ferrer-Caja (2003) INDEX BOOKS GROUPS
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Estudos sobre desenvolvimento de funções específicas
em uma função e outro grupo (B) em outra. A dissociação dupla não pode ser explicada pelo critério de complexidade entre as duas funções. Ela indica, ao contrário da simples, que tais funções são independentes. Teremos:
A busca de dissociações A maioria dos estudos adota um paradigma transversal, ou seja, a comparação de desempenhos de grupos de idades diferentes. São utilizadas análises estatísticas que têm por objetivo rejeitar a hipótese nula, ou seja, a ausência de diferenças entre os grupos. Como já apontado no item “Quem medir?”, muitas vezes, afirmar que existem diferenças entre idosos e jovens não aporta grande novidade ao que já é evidentemente conhecido. O interessante é, ao contrário, saber quais funções ou processos apresentam diferentes magnitudes de diferenças no avançar da idade. Nesse sentido, adota-se a visão de que o envelhecimento cognitivo pode ter um declínio heterogêneo, ou seja, o declínio das funções cognitivas está dissociado. A noção de dissociação é muito utilizada nos estudos neuropsicológicos, podendo ser uma dissociação simples ou uma dissociação dupla. A dissociação simples ocorre quando uma função piora e outra não. Nos estudos sobre envelhecimento ela é interessante, mas a dissociação simples tem a limitação de não indicar uma independência entre as duas funções estudadas. Por exemplo, ao examinar duas funções (a) e (b), observa-se que (a) encontra-se preservada e (b) falha nos participantes A, enquanto as duas estariam preservadas nos participantes B. Existe a possibilidade das duas funções serem etapas diferentes de uma terceira (c), onde a preservada (a) seria uma etapa mais simples e mais básica, ao passo que a falha (b) seria uma etapa mais complexa. Assim teremos: c=(a+b), onde uma dificuldade leve ou parcial prejudicaria apenas (b) e uma dificuldade grave afetaria (a+b). Portanto, a dissociação simples só garante que um grupo é pior do que outro. Entretanto, na dissociação dupla, um grupo de participantes (A) pode ter dificuldades
Participantes A → desempenho = a < b Participantes B → desempenho = b < a No caso da dissociação dupla, espera-se encontar uma interação na análise estatística, e o ideal seria a interação evidenciada na Figura 18.4a. Entretanto, uma interação pode ser encontrada quando existe uma magnitude maior em uma das duas funções ou tarefas (Figura 18.4b). Esse foi o resultado do experimento de Somberg e Salthouse (1982) que apresentaram a jovens e idosos uma tarefa de memorização de um ou quatro dígitos com posterior reconhecimento de um dígito degradado ou não. A tarefa era apertar um botão o mais rápido possível, indicando se o dígito apresentado para reconhecimento tinha sido apresentado ou não. Foi encontrada uma interação entre a tarefa “simples” e a “complexa”, cuja curva pode ser visualizada na Figura 18.4b. Os autores, em vez de afirmar a existência de dois processos diferentes, postularam que os resultados mostravam um declínio monolítico com a idade. Isto porque observa-se que as tarefas complexas foram mais difíceis para ambos os grupos e os idosos já apresentavam maior dificuldade também nas tarefas simples, ou seja, a linha de base (tarefas simples) já mostrou uma lentidão maior nos idosos. Os autores salientam a importância de considerar as linhas de base para cada grupo.
Correções de desempenho bruto: uso de linhas de base e medidas de tomada de decisão Linhas de base têm sido amplamente utilizadas pela pesquisa em psicologia nos estudos longitudinais que verificam o efeito de um certo aprendizado. Nesses, mede-se inicialmente o comportamento de um indivíduo, animal ou humano, antes do tratamento (medida pré-
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FIGURA 18.4 Em cima (a) encontra-se um gráfico de uma interação ideal que evidencia uma dissociação entre funções. Ao lado (b) o gráfico mostra uma interação mais freqüentemente encontrada nos estudos sobre envelhecimento (ver discussão no texto).
teste). Uma nova medida é realizada ao final do tratamento (medida pós-teste). O efeito do tratamento corresponde à medida pós-teste subtraída da pré-teste. Assim, um indivíduo menos capaz inicialmente pode ter se desenvolvido menos do que um mais capaz inicialmente, mas terá um efeito de tratamento semelhante. Teremos: I1+T(tratamento) = A e I2 + T(tratamento) = B Onde I=indivíduo, T=tratamento e A e B são escores do comportamento. Sendo T(tratamento) uma constante, se I1 for maior do que I2, A será maior do que B. Esta noção dos estudos longitudinais é aplicada pela psicologia cognitiva em medidas cognitivas para determinar um efeito específico de uma das funções exigidas por uma tarefa. Como já citado, nenhuma tarefa exige apenas uma função, no mínimo, para fatores periféricos, motores e centrais, envolvidos para sua adequada solução. Por exemplo, sabe-se que uma atividade de memória inclui o armazenamento da informação e sua recuperação, se o objetivo é estudar apenas a recuperação mnemônica, o desempenho em uma tarefa, como a repetição de palavras, deverá ser subtraído do desempenho de uma outra tarefa com as mesmas características perceptuais, centrais e motoras, mas que não contêm uma tarefa de
recuperação. É essa a lógica da interpretação clínica das tarefas de reconhecimento, quando comparadas com tarefas de evocação livre. Se um indivíduo tem dificuldades na evocação livre, mas não na de reconhecimento, pode-se supor que sua dificuldade encontra-se na evocação. Linhas de base são freqüentes, também, em estudos sobre o efeito de inibição no teste de Stroop. Toma-se uma medida de leitura e uma de relato de cor em palavras que designam cores diferentes. Uma fórmula que considera a diferença proposicional entre a primeira tarefa e a última é considerada a medida da capacidade de inibição do indivíduo. Passando o raciocínio de linha de base para os estudos sobre o envelhecimento, estipula-se uma “tarefa-base”, na qual, provavelmente, os idosos terão escore inferior ao dos jovens. Depois, se compara o desempenho de uma tarefa mais complexa que envolve as funções cognitivas da tarefa-base mais a função cognitiva em estudo. O escore de cada sujeito será a relação entre seu próprio escore, a tarefa “complexa” e a de base. É preciso estar atento ao tipo de relação estabelecida entre as diferentes medidas. Subtrair a tarefa de base da complexa pode produzir um efeito falso por não considerar a amplitude do desempenho. Em outras palavras, um indivíduo que, na tarefa base, obteve o 2 e que atinge, no teste, o escore 3, com certeza teve uma diferença muito maior do que aque-
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le que inicia com o escore 202 e atinge 203 (ambos com diferença bruta de 1). Mais adequadas são as relações proporcionais. Novamente, o grande problema das linhas de base é que a relação proporcional implica diferenças lineares com o avanço da idade e também não considera a utilização de diferentes estratégias nos grupos de comparação. Segundo Perfect e Maylor (2001), para utilizar medidas proporcionais é preciso testar se a medida significa a mesma coisa nos dois grupos, o que raramente é verificado. A tomada de linha de base é uma forma de correção do escore bruto. Outras fórmulas têm sido utilizadas, sendo muito freqüentes as medidas que consideram perdas de informações e a escolha randômica (random walk). Myerson (1990) formulou um modelo matemático no qual considera a influência da perda de informação durante o processamento dos idosos. Ele parte do pressuposto de que toda tarefa exige vários estágios de processamento e que, na passagem de um estágio para outro, é preciso ter uma quantidade suplementar de informações e que, nesse momento, ocorre uma perda de informação. O modelo prevê que existe maior perda de informações em tarefas complexas – com maior número de etapas – do que em tarefas simples. Os autores verificaram que a perda de informações modifica-se com a idade e que a curva desse modelo pode ser representada pelo Brindley Plot com uma alta função linear ascendente em direção à abscissa (escore dos idosos), ou seja, maior perda de informação por parte de idosos. A medida de escolha randômica (random walk) refere-se a tarefas com tomada de decisão, ou seja, escolha entre duas alternativas, no mínimo, e apóia-se na teoria dos sinais. Ela tem como pressuposto que uma quantidade de informação é necessária para tomar uma decisão. Essa quantidade é menor se as alternativas forem bem nítidas, tornando a decisão fácil (rápida e sem erros). Entretanto, quando as alternativas forem muito próximas, a decisão será lenta e provocará mais erros. A teoria dos sinais apresenta fórmulas de análises e de apresentações de curvas de desempenho que evidenciam esses processos.
CONCLUSÃO Este estudo sobre as formas de analisar e de pesquisar o envelhecimento cognitivo com certeza não é exaustivo. Ao levantar as polêmicas metodológicas que podem gerar resultados contraditórios, seu objetivo é didático e busca provocar o jovem pesquisador interessado nas questões sobre o envelhecimento cognitivo. Ao iniciar uma pesquisa, pergunta-se qual o método adequado a ser empregado. Na maioria das vezes, essa resposta não é fácil, e o mais importante é conhecer diferentes soluções metodológicas, suas abrangências e limitações. Nesse sentido, a ênfase dada neste capítulo foi a importância da relação entre o paradigma de pesquisa e a análise estatística aplicada, mostrando que para existir coerência é necessário que o pesquisador conheça as conclusões possíveis dos resultados obtidos, e ainda mais importante é ter, já no início de seu trabalho, bem claras as perguntas que pretende responder com seu estudo. Evidentemente, o estabelecimento do método sempre deve ter um fundamento teórico robusto, principalmente no campo da psicologia cognitiva.
LEITURAS SUGERIDAS Perfect, T., J.; Maylor, E. A. (2000). Rejecting the dull hypothesis: the relation between method and theory in cognitive aging research. In T. Perfect J.; E. A. Maylor (Eds.), Models in Cognitive Aging (p. 118). New York: Oxford University Press. Hertzog, C.; Nesselroade, J. (2003). Assessing Psychological Change in Adulthood: An Overview of Methodological Issues. Psychology and Aging, 18(4), 639-657.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. Quais as reservas de Cronbach e Furby (1970) com relação às medidas de mudança? 2. Liste os problemas em comparar jovens universitários com idosos.
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3. Porque a hipótese nula foi considerada pouco interessante no estudo dos idosos? 4. Como estabelecer um intervalo adequado entre as avaliações para medir mudanças? 5. Como saber que uma determinada tarefa está realmente medindo a eficácia de uma específica função cognitiva? 6. Como um Brindley Plot mostra diferenças entre jovens e idosos? 7. Liste métodos estatísticos utilizados para encontrar uma função básica para o envelhecimento cognitivo. 8. Quais os principais objetivos de pesquisar sobre os efeitos do envelhecimento em uma função cognitiva específica?
REFERÊNCIAS Cronbach, L. J.; Furby, L. (1970). How we should measure “Change”- or should we? Psychological Bulletin, 74(1), 68-80. Hertzog, C.; Nesselroade, J. (2003). Assessing Psychological Change in Adulthood: An Overview of Methodological Issues. Psychology and Aging, 18(4), 639-657. McArdle, J. J.; Ferrer-Caja, E.; Hamagami, F. (2002). Comparative longitudinal structural analyses of the
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growth and decline of multiple intellectual abilities over the life span. Developmental Psychology, 38, 115142. Myerson, H.; Hale, S.; Wagstaff, D.; Poon, L. W.; Smith, G. A. (1990). The information-loss model: A mathematical theory of age-related cognitive slowling. Psychological Review, 97, 475-487. Park, D. C.; Smith, A. D.; Lautenschlager, G.; Earles, J.; Frieske, D.; Zwahr, M., et al. (1996). Mediators of long-term memory performance across the life span. Psychology and Aging, 11(3), 521-637. Perfect, T., J.; Maylor, E. A. (2000). Rejecting the dull hypothesis: the relation between method and theory in cognitive aging research. In T. Perfect, J.; E. A. Maylor (Eds.), Models in Cognitive Aging (p. 118). New York: Oxford University Press. Salthouse, T. A. (2000). Steps toward the explanation of adult age differences in cognition. In T. Perfect, J.; E. A. Maylor (Eds.), Models in Cognitive Aging (p. 19-49). New York: Oxford University Press. Salthouse, T. A.; Ferrer-Caja, E. (2003). What Needs to Be Explained to Account for Age-Related Effects on Multiple Cognitive Variables? Psychology and Aging, 18(1), 91-110. Someberg, B.; Salthouse, T. A. (1982). Divided attention abilities in young and old adults. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance 8, 651-665. Teri, L.; McCurry, S. M.; Logsdon, R. G. (1997). Memory, thinking, and aging. What we know about what we know. Western Journal of Medicine, 167 (269-275), 269-275.
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19 O uso de modelos animais e sua contribuição para o estudo do envelhecimento Alcyr Alves de Oliveira Junior Lisiane Bizarro
CONCEITOS TRABALHADOS Modelo animal: preparação experimental desenvolvida em uma espécie com o propósito de estudar e descrever um fenômeno que ocorre em outra. Validade de face: refere-se às semelhanças entre o modelo animal especificamente e o comportamento ou característica humana de interesse. Validade preditiva: implica manipulações que sabidamente influenciam o estado patológico e devem apresentar efeitos similares no modelo. Validade de constructo: relaciona-se às similaridades entre o pressuposto teórico que subjaz ao modelo animal e ao comportameno humano. Células colinérgicas: neurônios que liberam o neurotransmissor acetilcolina que, com freqüência, está implicado em distúrbios de memória e atenção. Placas neuríticas: também conhecidas como placas amilóides, as placas neuríticas são depósitos anormais de proteína amilóide encontrados em cérebros de pacientes com doença de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas. Emaranhados fibrilares: também conhecidos como emaranhados neurofibrilares, são feixes
retorcidos de filamentos neuronais chamados neurofibrilas que tipicamente aparecem em áreas de lesões do cérebro de pacientes com demência do tipo Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas. Prosencéfalo basal: área do cérebro onde está localizada uma grande quantidade de corpos de neurônios colinérgicos que enviam prolongamentos axonais para o neocórtex e são destruídos nos primeiros estágios da demência do tipo Alzheimer. Sistema colinérgico: rede de conexões e ligações entre neurônios colinérgicos, com importante função em processos de atenção e memória. Ablação axotômica da via fímbria-fórnix: técnica cirúrgica para produzir interrupção do sistema colinérgico pelo corte de fibras que fazem a intersecção de uma via prosencefálica chamada fímbria-fórnix. O fórnix é um grande trato que emerge do fim posterior do hipocampo, faz uma volta circundando o tálamo, desce e termina nos corpos mamilares. Neuroimunotoxinas: são substâncias conjugadas a anticorpos que possuem um alvo celular específico, ligadas a uma toxina capaz de destruir uma célula, mais especificamente, um neurônio.
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Excitotoxinas: são compostos que, em geral, agem em receptores glutamatérgicos e destroem neurônios por um processo onde agonistas produzem despolarização maciça e permanente de células pós-sinápticas até que as membranas celulares e suas bombas de cálcio associadas entrem em colapso perdendo a habilidade homeostática.
INTRODUÇÃO Em função do progressivo aumento na expectativa de vida das populações por todo o mundo, nos últimos anos a pesquisa sobre o envelhecimento tem apresentado espantoso crescimento. Grande parte desse desenvolvimento é gerado fazendo uso de animais em modelos experimentais de envelhecimento normal e patológico. Contudo, o uso de animais em experimentação representa um tema controverso com questões éticas e práticas de considerável importância. A busca por condições ideais de pesquisa que respondam aos questionamentos e investiguem hipóteses de estudo leva o cientista a optar por um maior controle de suas variáveis. Como saber se os principais determinantes de uma doença são genéticos, bioquímicos, anatômicos, fisiológicos, ambientais ou sociais se estes aspectos forem considerados simultaneamente? Além da impossibilidade de considerar todos esses fatores ao mesmo tempo, eles são influenciados uns pelos outros. Com freqüência, a opção que diminui o risco à saúde humana e traz melhores chances para o controle adequado das variáveis pesquisadas é o uso de sujeitos não-humanos. Com o uso de modelos animais é possível controlar a história de vida, a determinação genética e todos os aspectos menos relevantes à testagem de uma hipótese sobre a etiologia de uma doença. Neste capítulo, daremos atenção aos critérios validativos pelos quais um modelo animal ajusta-se ou não ao estudo do distúrbio associado ao envelhecimento mais estudado: a demência de Alzheimer. Procuramos destacar alguns aspectos cognitivo-comportamentais e neuropatológicos de modelos animais do envelhecimento e da demência de Alzheimer re-
levantes ao entendimento deste tipo de investigação.
MODELOS ANIMAIS DE NEUROPSICOPATOLOGIA A melhoria das condições de saúde da população idosa em geral e as novas estratégias para tratamento de doenças neurodegenerativas são fortemente dirigidas pelo conhecimento mais recente oriundo da neurobiologia e do uso de modelos animais, técnicas in vitro, neuroimagem e genética. Para entender um modelo animal de qualquer neuropatologia, é necessário entender tanto as características funcionais (conseqüências cognitivo-comportamentais) quanto as constitucionais (neurofisiologia e morte celular) de sua manifestação clínica. Em neurociências, o uso de modelos animais tem um papel importante na determinação dos mecanismos comportamentais e neuronais que subjazem ao comportamento normal bem como à ação de drogas, lesões cerebrais e outras patologias comportamentais. Alguns modelos animais são usados para desenvolver e testar hipóteses neuropatológicas. Outros têm servido para dar sustentação a teorias das relações cérebro-comportamento (Sarter e Bruno, 2002). Um modelo animal pode ser descrito como uma preparação experimental desenvolvida em uma espécie com o propósito de estudar e descrever um fenômeno que ocorre em outra (McKinney, 1984). O argumento básico para o uso de animais em pesquisa comportamental é que tais modelos permitem a verificação de hipóteses específicas, estudadas em condições controladas, com métodos específicos que podem ser considerados antiéticos ou impossíveis de serem testados em humanos. O conceito de “modelo” está entre os termos mais usados e menos entendidos em psicologia (Overmier e Paterson, 1988). A razão para a confusão está na variedade e sobreposição do uso, com freqüência utilizado para representar um sistema ou abordagem teórica (p. ex. modelo freudiano, modelo piagetiano). Por vezes, o termo é usado para representar um tratamento ou manipulação (modelo far-
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macológico, modelo ambiental). Em outras ocasiões, o termo modelo é usado para certificar que uma determinada situação experimental representa uma analogia, e não um caso real (modelo computacional, modelo patológico). Apesar da confusão, a expressão “modelos animais” tem sido usada para se referir ao uso de animais em experimentos que contribuem para construir teorias sobre a etiologia e mediação neuronal em distúrbios neuropsicológicos (Willner, 1991). Como exemplo podemos citar os efeitos dos benzodiazepínicos em ratos no labirinto em cruz elevado (Rodgers, 1997) ou os efeitos de lesões induzidas do sistema colinérgico cerebral de ratos, produzindo respostas análogas às observadas na demência do tipo Alzheimer (Gaykema, et al., 1991). Em modelos animais de condições humanas, produz-se uma analogia quando se leva em conta as similaridades entre a condição humana e animal e/ou uma homologia quando se considera que as mesmas funções fisiológicas expressas por humanos e outros animais são responsáveis por manifestações comportamentais peculiares a cada espécie (McDonald e Overmier, 1997). A pressuposição do princípio de homologia é que o comportamento expressa-se em um continuum que segue a evolução das espécies e que, embora a expressão do comportamento (analogia) possa ser diferente, a função e o mecanismo fisiológico desta função obedecem o mesmo continuum. Animais normais podem ser modificados física, genética ou quimicamente e usados para demonstrar total ou parcialmente as características de uma doença. O modelo pode ser análogo (p. ex.: o comportamento de voar de insetos e aves assemelha-se, mas não partilha a mesma anatomia ou fisiologia), homólogo (p. ex: a agressividade em peixes é bem diferente da agressividade em outros animais, especialmente mamíferos, mas partilha uma função evolutiva equivalente e depende em parte dos mesmos neurotransmissores) ou ambos (p. ex.: a obesidade em ratos e humanos é análoga quanto ao ganho de peso e massa gordurosa, mesmo que as espécies alimentem-se diferentemente; ao mesmo tempo os genes ou fatores hormonais responsáveis pela obesidade são homólogos entre essas espécies). Pelos mo-
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delos, os pesquisadores podem estudar os mecanismos subjacentes de uma patologia e testar terapias que beneficiem grande parte da população humana. Se estamos tentando entender a patofisiologia de uma doença, pode ser desejável eliminar todas as variáveis que não sejam de interesse. Como modelos podem ser usados de diferentes maneiras, é importante explicitar a pergunta experimental e como o modelo ajudará a responder a uma determinada questão. Modelos animais da demência do tipo Alzheimer são elaborados para reproduzir várias condições patológicas, bioquímicas e clínicas, além de ajudar a elucidar os mecanismos envolvidos na doença e auxiliar na investigação de estratégias potenciais para tratamento. Entretanto, uma vez que o envelhecimento e suas patologias têm causas e extensão variadas, não existe um modelo completo e totalmente válido. Nenhum modelo pode mimetizar completamente o espectro de alterações comportamentais, cognitivas, neuroquímicas e neuropatológicas envolvidas no processo de uma doença. Mesmo assim, várias preparações experimentais podem simular muitas facetas de uma patologia e modelar a maioria dos aspectos de interesse (Bartus, 2000; Bartus et al., 1985; McDonald e Overmier, 1997). Apesar disso, como evidência da importância do uso de modelos para a criação de novas estratégias de tratamentos, está o fato de que a maioria dos tratamentos efetivos para demência do tipo Alzheimer são originários de estudos pré-clínicos em modelos animais.
VALIDADE DOS MODELOS ANIMAIS A importância da avaliação dos modelos animais tem sido exaustivamente discutida na literatura (ver Wilner, 1998; Sarter e Bruno, 2002). Existem pelo menos três critérios que ajudam a avaliar a adequação do uso de modelos animais: validade de face, validade preditiva e validade de construto. Validade de face refere-se às semelhanças entre o modelo animal especificamente e o comportamento ou característica humana de interesse. Este é o critério de validação mais direto de todos. En-
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tretanto, é freqüentemente tomado como o mais fraco de todos critérios por que o repertório espécie-específico de animais de laboratório pode confundir a interpretação (Sarter e Bruno, 2002). Por exemplo, o aumento das latências para encontrar uma plataforma submersa no labirinto aquático de Morris pode refletir não apenas perda de memória espacial sobre a localização da plataforma submersa, mas também os efeitos pró ou anti-amnésicos sobre a capacidade sensório-motora ou exploratória. Uma segunda razão é a de que muitos sintomas importantes de transtornos psiquiátricas têm características que não podem ser diretamente modeladas em animais, como, comportamento verbal ou alucinações. Contudo, alguns dos componentes cognitivos envolvidos nessas patologias podem ser descritos e, assim, modelados. Já a validade preditiva implica manipulações que sabidamente influenciam o estado patológico e devem apresentar efeitos similares no modelo. Em princípio, isso significa que o modelo animal deve ser sensível a agentes farmacológicos clinicamente efetivos e insensível aos inefetivos. Em outras palavras, o efeito de um tratamento no ambiente clínico humano é a base para os efeitos observados no modelo animal em laboratório. Muitos fatores necessitam ser considerados em relação aos efeitos de drogas em animais, e existe ampla literatura sobre o assunto. Entretanto, um importante fator que, em geral, passa despercebido necessita ser considerado: a classificação clínica de drogas como ativas ou inativas pode, às vezes, estar incorreta. Drogas creditadas como ativas com base em testes abertos são freqüentemente descobertas como inativas em testes bem controlados. Um fármaco pode parecer inativo devido ao aparecimento de efeitos colaterais ou pode mascarar uma condição subjacente. Assim, é possível que a falha de um modelo em predizer acuradamente uma resposta tenderá a pesar contra o modelo. Por outro lado, pode ocasionalmente levar a uma reavaliação dos princípios clínicos que despertaram o interesse. A validade de constructo relaciona-se às similaridades entre o pressuposto teórico que
subjaz ao modelo animal e ao comportamento humano. Refere-se a uma abordagem complexa e multifacetada que tem por objetivo mapear uma teoria do comportamento desordenado ou anormal no modelo, e representa o pressuposto teórico do próprio distúrbio e os meios de colocar duas teorias em alinhamento. Isto pode ser feito se a teoria clínica ocupar um cenário apropriado e claramente deixar a dimensão subjetiva da psicopatologia fora da posição central na teoria. Muitos autores defendem a primazia de cada um dos critérios de validação. Contudo, na prática, parece que a maneira mais equilibrada de se considerar a validade de um modelo é assumir uma abordagem na qual a visão de validade do modelo é formada somente depois de consideradas todas essas três fontes de evidência.
DESENVOLVIMENTO DE MODELOS ANIMAIS PARA A DEMÊNCIA DE ALZHEIMER Na criação de um modelo animal, as características da condição humana devem estar razoavelmente bem entendidas. A confiabilidade de um modelo animal deve ser entendida a partir do seu grau de validade, compreendendo as limitações (afinal, não é uma realidade, mas um modelo) em sua correspondência à condição humana. Tendo isso em mente, passaremos agora a descrever algumas características da neuropatologia relacionada ao envelhecimento mais estudada: a demência do tipo Alzheimer. A demência de Alzheimer faz parte de um grupo de condições patológicas conhecidas como demências senis e representa uma das principais e mais debilitantes afecções observadas em idosos acima dos 60 anos. Caracteriza-se pela progressiva perda de memória para fatos recentes e o empobrecimento na retenção de novas aprendizagens, perturbações da atenção, alterações do ciclo sono/vigília, apatia, ansiedade e depressão, que são comportamentos modeláveis em animais. Dimensões mais complexas da sintomatologia como déficits nas capacidades cognitivas de julgamento,
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raciocínio abstrato, anomia, apraxia e afasia não são ainda modeláveis em animais. Além dessas características, podem ser enumeradas variações acentuadas de humor, emocionalidade alterada, ansiedade e medo. Para o desenvolvimento, aprimoramento e entendimento de modelos animais que sejam adequados a essas condições, é necessário conhecer as características dos déficits e distúrbios causadores. Em outras palavras, é importante conhecer a doença a partir de suas conseqüências comportamentais e suas modificações estruturais, celulares e moleculares. Entre as alterações morfológicas e estruturais da demência de Alzheimer, encontramse a presença de emaranhados fibrilares neuronais e numerosas lesões focais no cérebro, em especial, no córtex. Estudos recentes com neuroimagem funcional mostram sinais de atrofias cerebrais, como o alargamento dos ventrículos e sulcos cerebrais, embora estas sejam características nem sempre presentes em pacientes afetados. Não obstante, ainda hoje, mesmo com o uso das mais avançadas técnicas, um diagnóstico definitvo das alterações patológicas da demência de Alzheimer precisa ser confirmado post-mortem no cérebro autopsiado. Um dos achados mais consistentes que norteiam os modelos experimentais atuais da doença é o fato de que a autópsia de doentes de Alzheimer revelou uma redução no número de células colinérgicas cujos corpos celulares encontram-se no prosencéfalo basal e de suas projeções axonais para áreas corticais como o córtex frontal e parietal. Sendo assim, boa parte das investigações que utilizam modelos concentra-se nas dificuldades cognitivas mais relevantes relacionadas a estas projeções, que são a memória e a atenção. Por exemplo, em estudos da farmacologia comportamental, animais podem ser treinados a desempenhar tarefas que exijam memória visuoespacial e depois seu desempenho é desafiado por drogas que atuem em sistemas de neurotransmissores relevantes para estas funções. Em estudos neuropsicobiológicos, podem-se produzir lesões em áreas do cérebro que se apresentam atrofiadas em doentes de Alzheimer e verificar se estas lesões produzem déficits cogni-
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tivos semelhantes nos animais. Pode-se ainda, por manipulações genéticas, produzir camundongos transgênicos que expressem, acima ou abaixo do normal, genes reguladores de aspectos como deposição de placas neuríticas, gliose, produção de proteína beta-amilóide e prejuízos cognitivos concomitantes.
SISTEMA COLINÉRGICO E OS MODELOS ANIMAIS DA DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER Na demência do tipo Alzheimer, todos os sistemas de neurotransmissores são afetados. Contudo, a degeneração do sistema colinérgico ocorre mais cedo e com maior consistência do que em outros sistemas. A correlação entre o declínio progressivo da memória e a perda de neurônios colinérgicos no prosencéfalo basal conduziram à chamada hipótese colinérgica da demência de Alzheimer. A inervação difusa oriunda desta área, mais precisamente dos núcleos de Meynert (nbM) e do septo medial (MSA) alcança várias áreas do cérebro como a formação hipocampal, os córtices frontal e parietal, o bulbo olfatório e a amígdala (Bartus e Emerich, 1999; Butcher, Oh e Woolf, 1993; Coyle et al., 1983; Johnston, McKinney e Coyle, 1979). Essas ligações anatômico-estruturais sugerem que a deterioração dos neurônios do prosencéfalo tem papel fundamental na modulação da atenção, aprendizagem, memória, emoção e processamento de informação (Baxter et al., 1995; Decker, Curzon e Brioni, 1995; Gray et al., 2000; Muir, 1997). Tais características conduziram à criação de vários modelos que tentam dar conta de características neuropatológicas da doença de Alzheimer. Certas condições podem ser observadas no cérebro de animais idosos ou geneticamente modificados (Sato, Sato, e Uchida, 2002; Turrini et al., 2001; Uchida, Suzuki, Kagitani e Hotta, 2000; Wellman e Pelleymounter, 1999). Em outros modelos se faz uso de destruição mecânica para inativar conexões colinérgicas, como a ablação axotômica da via fímbria-fórnix, interrompendo as ligações entre a área septal medial e seus alvos no hipocampo.
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Outra maneira para induzir lesões no cérebro é por infusões intracerebrais de agentes destrutivos para populações específicas de células ou mesmo de estruturas cerebrais inteiras. Alternativamente, o uso de corrente elétrica ou a ingestão crônica de álcool provêm alternativas para os procedimentos de lesão. Entretanto, lesões produzidas por estes métodos são consideradas mais inespecíficas e, portanto, bastante inadequadas para o estudo das vias envolvidas em modelos de demência ou na demência do tipo Alzheimer.
ANIMAIS IDOSOS, DEMÊNCIA E DOENÇA DE ALZHEIMER Um das estratégias mais óbvias para um modelo da doença de Alzheimer ou demência senil seria, essencialmente, um modelo geriátrico, isto é, animais idosos. Entretanto, as principais características patológicas da doença, placas neuríticas, emaranhados fibrilares e degeneração das vias colinérgicas no prosencéfalo basal, são excepcionalmente raras em animais de laboratório. Ainda assim, essas não são características patológicas únicas da espécie humana. O surgimento de placas neuríticas em animais foi relatada em grandes mamíferos como cães (Nakayama et al., 2001), gatos (Nakayama et al., 2001), ursos (Tekirian et al., 1996), macacos e camelos (Nakayama et al., 2001). Ainda que os traços neuropatológicos do envelhecimento muito raramente apareçam em ratos de laboratório, certas modificações neuroquímicas típicas do envelhecimento ocorrem como conseqüência do declínio dos níveis de dopamina, noradrenalina, serotonina, e marcadores colinérgicos (Godefroy e Lamour, 1989; Lee et al., 2001; Ponzio et al., 1982, ver Capítulo 3). Ratos são os principais sujeitos de pesquisa laboratorial, sendo assim, de crucial importância o reconhecimento dos processos neuroquímicos envolvidos no envelhecer destes animais. A principal vantagem do uso desta espécie como modelo geriátrico é que um rato de laboratório pode ser considerado idoso com pouco mais de 18 meses de vida (com uma expectativa de vida entre 24 e 36 meses).
Como nas populações humanas, o declínio cognitivo associado ao envelhecimento não é um processo uniforme. Indivíduos diferem enormemente nas susceptibilidades e severidade dos sintomas. As perdas cognitivas observadas em ratos idosos correspondem ao declínio degenerativo do prosencéfalo basal e os déficits colinérgicos mais severos ocorrem naqueles animais que apresentam maior empobrecimento no desempenho de tarefas de memória espacial, atenção e memória (Muir, Fischer e Bjorklund, 1999; Yau et al., 2002). Comportamentalmente, já foi relatado que animais idosos demonstram um declínio na performance em várias tarefas experimentais como: no labirinto aquático (Hodges et al., 2000), no labrinto radial (Fukui et al., 2002), na caixa de esquiva-passiva (Sherman et al., 1981), no campo aberto (Miyagawa et al., 1998), na tarefa de tempo de reação serial de cinco escolhas (Muir et al., 1999) e outros testes. Existem diversos relatos de melhoria de desempenho em animais que receberam diferentes tipos de tratamentos. Por exemplo, animais que receberam injeções locais de NGF (fator de crescimento de nervo, da sigla em inglês para nerve growth factor); ou transplantes neurais de células-tronco ou células enriquecidas com NGF; ou drogas antidepressivas. A validade de face parcial dos modelos de envelhecimento é o que faz deles uma proposição razoavelmente atrativa. Entretanto, são modelos limitados, uma vez que correlacionam sintomas comportamentais com déficits neuroquímicos quando estudos correlativos não deveriam implicar em causação. Manipulações de regiões do cérebro e vias neuroquímicas disponibilizam uma demonstração mais direta de fatores que governam efeitos comportamentais de forma mais precisa do que nas observadas em animais idosos.
INFUSÕES INTRACEREBRAIS DE TOXINAS Entre os modelos da doença de Alzheimer mais usados está a destruição de células colinérgicas em regiões específicas do cérebro pela infusão de toxinas de alta afinidade. Esta afinidade é produzida pela identificação de
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neurônios produtores de um determinado neurotransmissor e a existência de um alvo. Em modelos animais da doença de Alzheimer, a zona mais usada como alvo é conhecida como projeção colinérgica prosencefálica (PCP) e o sistema neuronal é o colinérgico. Essas lesões podem ser produzidas por infusões de neuroimunotoxinas ou de excitotoxinas.
Neuroimunotoxinas Imunotoxinas são conjugados de anticorpos monoclonais, que possuem um antígeno específico para um alvo celular, ligados a uma proteína inativadora do ribossoma celular. Imunotoxinas têm sido usadas já há algum tempo como terapia para câncer ou imunossupressão. Neuroimunotoxinas são substâncias com as mesmas características das imunotoxinas mas com grande afinidade por células neuronais. O desenvolvimento de uma substância com características imunotóxicas vem apresentando resultados bastante confiáveis e específicos. A 192 IgG-Saporin foi a primeira imunotoxina anti-neuronal seletiva para neurônios colinérgicos a ser considerada eficaz, gerando um modelo de degeneração que pode ser usado para responder a questões fundamentais sobre o funcionamento desse sistema. Baseada no acoplamento de um poderoso inativador ribossomal derivado de uma planta chamada Saponaria officinalis e um anticorpo monoclonal, 192 IgG, elaborado para identificar um NGF de baixa afinidade (p75NTR) (Wiley, Oeltmann e Lappi, 1991), a imunotoxina tem como alvo os receptores p75 localizados nos terminais colinérgicos, no neocórtex, hipocampo e corpos celulares colinérgicos, no prosencéfalo basal e nas células de Purkinje no cerebelo, mas não em células colinérgicas encontradas no tronco encefálico superior. Como o anticorpo 192 IgG é específico para receptores p75NTR de ratos, a saporin é supostamente inativa em células que não contenham este receptor. Assim, a 192 IgG-Saporin pode produzir lesões limpas, focais e efetivas em relativamente curtos períodos de tempo. Os efeitos de destruição desta imunotoxina são,
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entretanto, dependentes do grau de pureza do composto, do volume injetado, concentração, sítio de administração, duração do experimento pós-injeção e qualidade do produto usado. Adicionalmente, lesões incompletas e/ou concomitantes a danos às células de Purkinje deixam espaço para interpretações relativas aos experimentos com 192 IgG-Saporin (Wrenn e Wiley, 1998). As conseqüências cognitivo-comportamentais assemelham-se às observadas em outros tipos de lesões das vias colinérgicas produzidas por outras toxinas (Perry, Hodges e Gray, 2001).
Excitotoxinas O uso de excitotoxinas para produzir destruição colinérgica é de longe o método mais comum para produção de lesões intraparenquimais. Infusões de excitotoxinas, como aspartato, kainato, ibotenato, quisqualato e ácido propiônico (AMPA), têm sido amplamente usadas para produzir dano colinérgico intracerebral. Esses compostos agem em receptores glutamatérgicos destruindo os corpos de neurônios por um processo há muito conhecido como excitotoxicidade, em que agonistas glutamatérgicos produzem despolarização maciça e permanente de células pós-sinápticas até que as membranas celulares e suas bombas de cálcio associadas entrem em colapso e percam sua habilidade de manter homeostase. Assim, as células morrem por excesso de estimulação (Barker e Dunnet, 1999). Apesar da grande variabilidade de potência e especificidade relatada para todos os compostos excitotócicos, AMPA tem sido consistentemente relatado como o mais seletivo para destruição colinérgica (Page et al., 1991; Waite, Chen, Wardlow e Thal, 1994). Entretanto, é considerado menos seletivo quando injetado em outras áreas do cérebro (Inglis e Semba, 1997). Uma outra toxina muito usada em estudos de destruição das vias colinérgicas é o AF64A. Para entender seu mecanismo de ação, é necessário uma pequena explicação sobre a formação e manutenção de acetilcolina. A ace-
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tilcolina é sintetizada pela enzima colina acetiltransferase no terminal sináptico a partir da entrada de colina do meio extracelular para dentro do terminal sináptico, por meio de um sistema transportador ativo, e de acetil-CoA originado no Ciclo de Krebs. O processo que limita a síntese de acetilcolina é chamado de sistema de transporte de colina de alta afinidade ou HAChT (da sigla em inglês high affinity choline transport system), cuja atividade é regulada pela taxa de liberação de acetilcolina (Walsh et al., 1984). Um agente colinotóxico chamado etilcolina aziridium (AF64A) combina uma estrutura de colina que é reconhecida pelo sistema HAChT. Devido a sua semelhança com a colina, o sistema HAChT acumula AF64A e, uma vez dentro do terminal, a alta reatividade do aziridium induz a uma cascata de eventos bioquímicos que resulta em morte celular. Em outras palavras, o AF64A é um “Cavalo de Tróia” que se mascara de colina e libera um assassino quando dentro do terminal. Alguns achados, entretanto, têm apontado para a inespecificidade do AF64A, sendo geralmente desacreditado das vantagens de produzir um modelo colinérgico com validade de face.
amiloidose (depósitos de beta-amilóide). Outras linhagens têm mutações para a proteína chamada presenilina, que só irá desenvolver placas amilóides quando possuir os genes mutantes para o precursor amilóide. Modelos mutantes de outros animais como drosófilas têm sido usados para o estudo do papel de receptores celulares como o Notch, que tem um papel importante no controle do desenvolvimento celular. Muitos trabalhos têm demonstrado a utilidade dos modelos envolvendo a manipulação de genes que reproduzem algumas das principais características da demência do tipo Alzheimer, proporcionando um melhor entendimento da sintomatologia e aumentando as perspectivas de propostas terapêuticas. O aparecimento de emaranhados fibrilares e placas neuríticas no cérebro de portadores dessa demência representa um dos principais marcos da doença. A tecnologia para produção de animais transgênicos possibilita o desenvolvimento de modelos mais específicos e com maior grau de validade para pesquisas dessa natureza.
CONCLUSÕES MODELOS TRANSGÊNICOS DA DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER Animais transgênicos são comumente usados para estudar as conseqüências genéticas de determinadas manipulações em alelos do genoma de animais. Na neuropatologia da demência do tipo Alzheimer, os modelos transgênicos têm sido usados para investigar os efeitos da formação da proteína amilóide na formação dos emaranhados fibrilares e placas senis. Linhagens de camundongos transgênicos são elaboradas para modelar os aspectos parciais mais próximos da demência do tipo Alzheimer e para expressar genes que produzam proteínas encontradas apenas em humanos, como, por exemplo, o alelo E4 do gene APO (Apolipoproteína E) e a proteína tau. Uma linhagem que carrega genes mutantes para o precursor da proteína amilóide desenvolve
Neste capítulo, comentamos sobre a importância do uso e desenvolvimento de modelos animais da mais estudada patologia da idade avançada, a demência do tipo Alzheimer. Modelos animais são tratados e estudados de forma que representem uma determinada condição humana análoga ou homóloga. O uso de modelos animais em pesquisa sobre o envelhecimento, bem como, de qualquer condição humana, é de crucial importância tanto sobre uma perspectiva ética quanto prática. A melhoria nas condições de vida e saúde tem gerado um progressivo aumento da população idosa mundial. Embora esse seja um fator de saúde populacional positivo, a incidência de patologias típicas da idade avançada, antes raras, agora tornam-se comuns. Demências senis, como a demência do tipo Alzheimer, produzem dificuldades crescentes para pacientes, familiares e cuidadores. Uma
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grande parte do conhecimento atual, a respeito do envelhecimento e de doenças ligadas ao envelhecimento, origina-se em pesquisa com modelos animais. Acompanhada do uso de modelos animais pré-clínicos que priorizam o adequado controle de variáveis intervenientes, a pesquisa sobre o envelhecimento tem se desenvolvido no mundo todo. A busca por formas mais consistentes e permanentes de tratamento passam necessariamente pelo aperfeiçoamento de modelos animais que orientem as pesquisas para a melhoria da condição da vida humana.
LEITURAS SUGERIDAS Kapczinski, F.; Quevedo, J.; Izquierdo, I. (2004) Bases biológicas dos transtornos psiquiátricos. 2. ed. Porto Alegre: Artmed. Boulton, A.; Baker, G.; Martin-Iverson, M. (1991) Animal models in Psychiatry I. Clifton, New Jersey: Humana Press.
QUESTÕES DE COMPREENSÃO 1. O que são modelos animais? 2. Quais os motivos que levam os cientistas a usar animais em modelos experimentais de doenças do envelhecimento? 3. Que critérios são usados para se entender a validade de um modelo animal? 4. Por que animais idosos são pouco usados como modelos experimentais de demências? 5. Ao criar-se um modelo animal de envelhecimento patológico, qual é a intenção de infundir uma excitotoxina no cérebro? 6. O que são neuro-imunotoxinas? 7. Qual o sistema de neurotransmissores normalmente usado como alvo em modelos animais da demência do tipo Alzheimer? 8. Quais as principais características cognitivo-comportamentais almejadas nos modelos animais mais conhecidos da demência do tipo Alzheimer?
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