Fichamento do capítulo 7 do livro “Introdução à organização burocrática”, de Motta e
Bresser-Pereira A crítica administrativa da burocracia - A época em que Weber escreve a sua teoria da dominação é justamente uma época turbulenta da história alemã: a sua reunificação no final do século XIX, e a primeira guerra mundial, em 1914. A Alemanha, portanto, estava em um contexto em que o Estado era dominante sobre a sociedade civil, situação econômica instável, contexto social e político de crise e fraqueza, e o Parlamento sem poder algum. - Plano econômico: Alemanha integrava a Tríplice Aliança, junto de Áustria e Itália, mas não conseguia trocar seus produtos por conta da Tríplice Entente, de Reino Unido, França e Rússia; a sociedade estava dominada por trustes e cartéis e, portanto, o povo não conseguia fruir muito bem da economia. - Weber estuda a burocracia nesse contexto, levando a uma criação de uma sociologia, nem positivista, nem marxista, colocando o tema da dominação como pauta principal. - As teorias administrativas se desviaram do elemento central da teoria weberiana e passaram a apenas estudar o tipo ideal de organização burocrática, e se as organizações reais se adaptavam ou não a esse tipo. Perdeu-se de vista o princípio fundamental que é a teoria da dominação. - Dominação: estado de coisas no qual as ações dos dominados aparecem como se estes houvessem adotado, como seu, o conteúdo da vontade manifesta do dominante. - Weber busca entender como uma comunidade social, aparentemente amorfa, transforma-se em uma sociedade dotada de racionalidade. Essa passagem se dá pela ação a ção comunitária, cujo aspecto principal é a dominação. - Qualquer dominação se manifesta em forma de governo, porque as tarefas a serem realizadas exigem um crescente treinamento e experiência, favorecendo, pela necessidade técnica, a continuidade de funcionários, levando à dominação mediante organização. - A dominação organizada possui um número pequeno de pessoas, que facilita na decisão de ações racionais. À medida que cresce o número de indivíduos dificulta esse processo, mas as
disposições que regem a socialização sempre dão ao chefe a disposição de possuir um grupo de pessoas interessadas em participar no mando e em suas vantagens. - Estrutura de uma forma de dominação: o relacionamento entre o chefe, seu aparato administrativo e os dominados. Essa estrutura tomará forma nos tipos de dominação tradicional, carismática e racional-legal. - A dominação legal fundamenta-se nas regras e normas que a estabelecem, e manifesta-se puramente na forma da burocracia – burocracia como um tipo ideal, ou seja, como uma construção conceitual a partir de certos elementos empíricos que se agrupam, logicamente, em uma forma precisa e consistente, mas que, em sua pureza, nunca se encontram na realidade. - O formalismo, a impessoalidade e o profissionalismo traduzem-se como administração heterônoma,
em que autoridade flui de cima para baixo, com caráter monocrático, e a
obediência a partir da unidade de comando. - Heteronímia burocrática: ausência de qualquer autonomia respeitante à participação no processo administrativo; a ação individual claramente limitada pelas posições na pirâmide organizacional. - Segundo Weber: Organização = Burocracia, pois ambas dividem o trabalho de forma racional visando a fins, coerência da relação de meios e fins visados. - Weber via a burocratização do mundo moderno como uma ameaça às liberdades individuais e às instituições democráticas do ocidente, e por isso devia sempre ser controlada pelo Parlamento. Profundo desagrado com a burocracia, por parte de Weber. Sobre os críticos da burocracia - Para Robert K. Merton (1910 – 2003) a burocracia apresenta tanto funções quanto disfunções, o que nos ajuda a entender a diferença entre o tipo ideal e a realidade. A burocracia pode ser estudada em termos do seu direcionamento para a precisão, confiança e eficiência, e das limitações para atingir esses fins, segundo Merton; ele parte da necessidade de controle da burocracia para seu funcionamento satisfatório. - A burocracia exerce pressão sobre o funcionário no que tange ao comportamento, por conta da necessidade de se obter um alto grau de confiança na conduta dos funcionários. Isso se
torna acima do necessário, substituindo as relações personalizadas pelo apego excessivo aos procedimentos burocráticos; isso o condiciona a adaptar os seus pensamentos, ações visando às perspectivas que a carreira pode lhe oferecer, estimulando seu conformismo. - A submissão à norma induz o burocrata a enxerga-la não como um meio para atingir um fim, mas um fim em si mesma, acarretando em um deslocamento de objetivos. Sobretudo, o burocrata se torna alguém rígido no seu comportamento, dificultando seu trato com o público. A origem disso é justamente o desestímulo ao comportamento inovador, mas estímulo ao conforto pela obediência cega aos regulamentos. - A rigidez de comportamento leva ao surgimento de uma organização informal defensiva, ligada mais aos seus objetivos próprios do que aos dos clientes ou da burocracia. - Philip Selznick (1919 – 2010), assim como Merton, desenvolveu um modelo que mostrava algumas formas pelas quais a burocracia acaba obtendo resultados indesejados. Teve como base a agência TVA, dos Estados Unidos, e enquanto Merton salientava a decisão através da exigência de controle, Selznick salienta o papel da delegação de autoridade. - Segundo Selznick, as burocracias se caracterizam pela busca constante de integração de objetivos de subgrupos à doutrina oficial da organização. A hierarquia delega autoridade, estabelecendo departamentos diversos para assuntos diversos. Os funcionários acabam se centrando em um tipo específico de problema e se aperfeiçoam nele. - Delegação de Autoridade = Delegação de Funções. - Selznick observa um problema:
Deve-se lembrar que não só o teor das decisões organizacionais tende a se modificar, como também a produção de ideologias de subgrupos tende a se desenvolver: a delegação de autoridade internaliza ainda mais os subobjetivos dos subgrupos. A operação de tarefas especializadas será responsável pela criação de precedentes constituídos pela reação comum, tornando-se padrões repetitivos e internalizando cada vez mais os objetivos dos subgrupos, não da alta cúpula administrativa.
- Selznick e Merton buscavam explicar teoria e realidade através de modelos, o que BresserPereira e Motta criticam, já que quanto mais claros menos valor explicativo. Isso ocorre porque o modelo é seletivo, parte de hipóteses preferenciais, sem estar inserido em uma teoria histórica. A escolha das variáveis é o que dá o fundamento do modelo.
- Selznick não escapa da crítica da teoria administrativa da burocracia: a expressão da razão do poder, muito mais do que o poder da razão (não sei o que quer dizer). - Segundo Alvin Gouldner (1920 – 1980), a origem dos problemas das organizações está na adoção de diretrizes gerais e impessoais, como forma de solução para o controle da cúpula burocrática. - “Nivelamento por baixo”: os funcionários enxergam nas normas uma brecha para produzirem o mínimo aceitável. Não há internalização dos objetivos da organização pelos funcionários, os padrões de comportamento exigidos são muito acima do aceitável, então eles passam agir com o mínimo possível. - Gouldner tentou colocar o tipo ideal de Weber na realidade e ver o que ficou de fora, o que obviamente não deu certo, e chegou a conclusões previsíveis e que já foram consideradas. - Gouldner tentou criticar Weber e só falou merda e se fudeu. - Michel Crozier (1922 – 2013) tentou fundamentar a sua análise do sistema burocrático na luta pelo poder e sua manutenção. Conseguiu descrever um modelo essencial com quatro traços, mas sem uma perspectiva histórica também:
A extensão do desenvolvimento das regras impessoais;
A centralização de decisões;
O isolamento dos níveis ou categorias hierárquicas; e
O desenvolvimento de relações de poder paralelas.
- Crozier não conseguiu perceber o real espírito da burocracia, e fez a leitura de Weber fora da perspectiva da História. - Grupo de Aston (?), no Reino Unido, pretendeu demonstrar que o conceito de burocracia é pluridimensional, ao contrário do que o tipo ideal sugere. Utilizou um teste empírico de uma construção teórica que não é empiricamente testável. Pretendeu invalidar o tipo ideal de Weber, com base na descoberta de uma correlação negativa entre estruturação de atividades e centralização na tomada de decisões.
- Weber parece ter relacionado, na verdade, concentração de poder no topo da hierarquia e atividades altamente estruturadas, que nada tem a ver com centralização ou descentralização da tomada de decisões. - Problemas de natureza conceitual, metodológica e operacional: falha na definição de variáveis, baixo campo amostral – podendo ser quase impossível não ter correlação entre centralização e tomada de decisões
Empreendimento
intelectual infeliz, segundo os
autores. - Existem outras críticas que fogem ao paradigma da crítica administrativa, como as feitas por Guerreiro Ramos, pelo Tavstock Instituto de Londres, Eugene Enriquez, Max Pages, etc. No plano específico da organização da educação, há críticas à burocracia muito interessantes, como a feita por Michel Lobrot, em que a pedagogia burocrática é fundamentalmente a pedagogia da coação. - O grande problema da crítica administrativa da burocracia, e da produção intelectual funcionalista, reside na incapacidade de enxergar a burocracia como forma de poder, historicamente situada.