DIREITO COMUNITÁRIO Introdução ² AS ORIGENS DA IDEIA EUROPEIA
1.
Noção de Europa
É frequente situar em épocas recuadas da história o momento em que, pela primeira vez, se terá pressentido a existência de elementos que, contribuindo para definir um particular espaço físico e para individualuzar os povos da Europa, permitiram a estes arrogar-se a qualidade de membros de uma distinta família humana. A tomada de consciência da realidade europeia exigiu, porém, a superação de poderosos factores de dissociação de populações que, à partida, se achavam profundamente separadas pelas diferenças de origem, pela língua, pela cultura, pelo grau de civilização. Em primeiro lugar,a própria irregularidade do contorno geográfico e a duvidosa autonomia da Europa não se prestam a uma caracterização geográfica muito precisa, havendo quem apresente a Europa como um simples promontório da Ásia, enquanto outros a vêm estreitamente ligada à África. Ora, esta noção de elasticidade geográfica, com todos os elementos de diversificação de condições de vida que daí naturalmete decorrem, não podia favorecer uma satisfatória definição territorial da Europa . Analogamente, quando nos detemos a examinar a diversidade étnica e o antagonismo de interesses dos diversos povos que ao longo dos sucessivos períodos históricos se foram fixando no continente europeu, não deparamos com qualquer factor de unidade (salvo, a partir de certa época histórica, a comunhão de crença religiosa) cuja presença tivesse podido desempenhar , à semelhança do que ocorreu noutros espaços territoriais, uma acção catalisadora de múltiplos factores de desagregação . É bem conhecida como tal acção catalisadora foi no séc. XIX desempenhada no continente americano, tal como no séc. XX em África, pelo desejo comum da libertação do domínio ou da simples ingerência europeia ² traduzido, pelo que toca ao Novo Mundo, pela doutrina Monroviana da «América para os americanos» e no Continente Negro por um vasto movimento de emancipação expresso em fórmulas anticolonialistas e em comuns anseios de desenvolvimento económico e social capaz de permitir ultrapassar o generalizado atraso das condições de vida.
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2.
Uma comunidade de civilização
A comunidade de cultura e de civilização e a unidade espiritual em que a Europa viria a exprimir-se, superando a falta de unidade geográfica e a diversidade dos povos que ao longo dos tempos nela se instalaram, é, porém, antes de mais e fundamentalmente, obra de Roma. É certo que a tradição europeia deve o essencial do seu conteúdo tanto às instituições jurídicas e sociais romanas como ao espólio helénico e ao ideário judaico-cristão; mas Roma, não se limitando a justapor essas diversas contribuições, soube realizar a síntese dos seus elementos fundamentrais, transmitindo-a depois aos povos que submetera ao seu domínio e conquistara para a sua civilização. A ulterior incursão no Império , centrado sobre o Mediterrâneo e já então periclitante (que corria risco, perigo), de elementos culturais de origem germânica, viria a influenciar fortemente a definição do que mais tarde se convenciou denominar civilização europeia ² uma civilização cuja essência é o resultado da amálgama da tradição cultural da antiguidade greco-romana e do cristianismo, do mundo mediterrânico e dos povos germânicos. 2
3. A Europa sob o domínio da Roma Imperial adesão de toda a Europa ² desde a Lusitânia, sobre o Atlântico, até aos povos acantonados a leste do Elba, desde a Grécia à Britânia ² ao modelo romano de cultura e de civilização, permitiu que num vasto espaço geográfico, sensivelmente coincidente com a Europa Ocidental e Central dos nossos diais, se desenvolvessem sociedades humanas que embora etnicamente distintas, se subordinaram subordinaram a leis l eis e instituições comuns. Surge, assim, uma primeira noção política de Europa: Europa : uma Europa conquistada, mas tornada una, depois de submetida pelas legiões romanas, por virtude da superior civilização do conquistador e sobretudo da ordem jurídica com vocação unificadora de que este era portador. A unidade europeia sob o domínio de Roma não haveria, porém, de resistir muito tempo aos factores de desagregação interna e ao assalto de sucessivas vagas de bárbaros que, desencadeadas nas periferias, rapidamente convergiram para o coração do Império. A
2.
Uma comunidade de civilização
A comunidade de cultura e de civilização e a unidade espiritual em que a Europa viria a exprimir-se, superando a falta de unidade geográfica e a diversidade dos povos que ao longo dos tempos nela se instalaram, é, porém, antes de mais e fundamentalmente, obra de Roma. É certo que a tradição europeia deve o essencial do seu conteúdo tanto às instituições jurídicas e sociais romanas como ao espólio helénico e ao ideário judaico-cristão; mas Roma, não se limitando a justapor essas diversas contribuições, soube realizar a síntese dos seus elementos fundamentrais, transmitindo-a depois aos povos que submetera ao seu domínio e conquistara para a sua civilização. A ulterior incursão no Império , centrado sobre o Mediterrâneo e já então periclitante (que corria risco, perigo), de elementos culturais de origem germânica, viria a influenciar fortemente a definição do que mais tarde se convenciou denominar civilização europeia ² uma civilização cuja essência é o resultado da amálgama da tradição cultural da antiguidade greco-romana e do cristianismo, do mundo mediterrânico e dos povos germânicos. 2
3. A Europa sob o domínio da Roma Imperial adesão de toda a Europa ² desde a Lusitânia, sobre o Atlântico, até aos povos acantonados a leste do Elba, desde a Grécia à Britânia ² ao modelo romano de cultura e de civilização, permitiu que num vasto espaço geográfico, sensivelmente coincidente com a Europa Ocidental e Central dos nossos diais, se desenvolvessem sociedades humanas que embora etnicamente distintas, se subordinaram subordinaram a leis l eis e instituições comuns. Surge, assim, uma primeira noção política de Europa: Europa : uma Europa conquistada, mas tornada una, depois de submetida pelas legiões romanas, por virtude da superior civilização do conquistador e sobretudo da ordem jurídica com vocação unificadora de que este era portador. A unidade europeia sob o domínio de Roma não haveria, porém, de resistir muito tempo aos factores de desagregação interna e ao assalto de sucessivas vagas de bárbaros que, desencadeadas nas periferias, rapidamente convergiram para o coração do Império. A
4. A Europa sob a égide da Roma papal
Mas, ultrapassada a fase de profundas convulsões que acompanharam e se seguiram à derrocada do império Romano, é ainda sob a égide de Roma ² apoiada agora não na força das legiões mas, antes, no prestígio e autoridade que o Papado romano conseguira salvaguardar e impor ² que a Europa vai ser organizada e a sua unidade de civilização preservada. A difusão do cristianismo implicou a aceitação pelos diversos povos da Europa de concepções muito próximas sobre o mundo e avida, sobre o destino último do homem e o modo de o alcançar ² tudo traduzido no respeito de valores e na observância de regras de comportamento resultantes dos princípios de uma comum religião de matriz judaico-cristã e de uma vasta interpenetração de culturas em que o sistema jurídico e social de Roma, amoldado a novas formas de existência no contacto com as instituições dos povos bárbaros, marca uma presença inconfundível. Numa Europa assim submetida à religião cristã, a Igreja de Roma exerce uma influência e consegue mesmo um acatamento tão generalizado no domínio temporal que conseguiu impor à Europa uma unidade espiritual e formas de unidade política que ficaram a marcar para sempre a sua história. O império de Carlos Magno surge, neste especial ambiente da Europa medieval, como uma magnífica representação da «Civitas Dei» na concepção de Santo Agostinho, assente como esteve mum vasto território europeu submetido a uma autoridade dual ² política e religiosa ² mas que no topo da hierarquia, na pessoa, reencontrara transitoriamente uma certa forma de unidade. De igual modo, o Sacro Império Romano-Germânico conformase ainda com o modelo político de uma Europa unificada sob o signo da Igreja de Cristo. Neste contexto político-religioso, o movimento das Cruzadas ² dominante num longo período histórico em que eram ainda bem frouxis os conceitos de soberania nacional ² apresenta-se como expressão inequívoca de uma Europa una que, mobilizando as energias colectivas, surge perante os infiéis a defender ideias e objectivos comuns a povos e príncipes submetidos todos, espiritual e temporalmente, à autoridade voluntariamente acatada dos Papas de Roma .
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5. A desvalorização do papel político da Igreja
Não obstante a vitória alcançada sobre os Imperadores alemães, que permitira reafirmar a soberania temporal da Igreja, esta saiu consideravelmente enfraquecida das lutas que do séc. X ao séc. XIII os Papas se viram obrigados a sustentar. A partir do século XIV é com os Reis de França que se reacende a longa batalha entre o poder de Roma e o poder de Príncipes que, arrogando-se a qualidade de representantes directos de Deus na Terra, pretendiam eximir-se a qualquer ingerência do Papado no domínio temporal. A Igreja é agora, porém, nesta segunda fase da luta, a grande vencida ² com enorme prejuízo do seu anterior poder político e mesmo da sua influência epsiritual que até então exercera . A transferência dos Papas para Avinhão (1309), o Cisma do Ocidente (1378-1429) e, sobretudo, a Reforma protestante (1517), represntaram os momentos culminantes da decadência do prestígio e da autoridade de Roma sobre a Europa Cristã.
6. O despertar das modernas soberanias europeias e a quebra da unidade política e religiosa da Europa Entretanto, e não obstante o espírito de cristandade que domina as nações da Europa vinculando-as e solidarizando-as sobretudo na luta contra os inimigos da fé e permitindo-lhes resistir a graves ameaças asiáticas e islâmicas, as relações entre os diversos Estados europeus são dominadas por um clima de rivalidade permanente a exprimir-se frequentemente em luta armada . À medida que no quadro das diversas nações europeias se robustece o poder central e se afirma o princípio da unidade nacional, acentua-se o risco de confrontos directos ² que o Papado deixara de ter autoridade para arbitrar ² entre Estados que emergem, cada vez mais coesos, fortes e senhores dos seus destinos, de complexos processos de integração macional e de afirmação do poder absoluto dos respectivos soberanos. As guerras religiosas ² que representam um momento crucial do processo de afirmação da independência nacional em face do Papado e de elaboração de um novo mapa político da Europa ² dando ocasião a prolongadas e esgotantes provas de força, marcam também a época histórica em que se inicia um esforço sistemático na busca de
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fórmulas de equilíbrio das potências europeias, independentes e soberanas dentro dos limites territoriais do Estado . A comunidade da civilização mantém-se, certamente, mas a unidade religiosa e política da Europa, que o Papado preservara durante um milénio, essa parecia definitivamente perdida. 7.
O «Balance of Power» e o «Concerto Europeu»
A tentativa napoleónica de unificação do espaço europeu, fruto de um imperialismo apoiado na força de exércitos em movimento através do continente, só por um curto espaço de tempo interrompeu a aplicação, que desde o século XVI vinha a ser ensaiada, dos princípios e regras do «Balance of Power» baseado num sistema de alianças entre potências europeias, cujo eixo podia oscilar por razões conjunturais mas sem alteração profunda do peso das coligações em presença . A Santa Aliança ² que emerge do Congresso de Viena em que se procedera à liquidação por via diplomática da aventura imperial da França ² e a política do «Concerto Europeu» que se lhe seguiu, exprimem o pleno triunfo das soberanias nacionais em que o continente se achava retalhado ; soberanias que, forçadas a coexistir num estreito quadro geográfico, buscam fórmulas de convivência possível, moderam as irrupções de agressividade ocorridas aqui e além, arbitram autoritariamente, se necessário pela força das armas, os conflitos pontuais a nível interno ou internacional e retocam paulatinamente, atentas ao princípio das nacionalidades , o mapa político da Europa.
8. A paz fundada na cooperação e no respeito pelo direito internacional (1815-1914) Valorizando e utilizando no interesse geral uma comunidade de civilização que o contacto cada vez mais fácil e estreito permitia reforçar, dia a dia, a Europa soube construir ao longo do séc. XX, por sobre as fronteiras erguidas no decurso de um milénio e através de frequentes congressos políticos e conferências técnicas, um espírito de entendimento, de cooperação efectiva e de enriquecimento mútuo que proporcionou ao Velho Continente um século de paz e de enorme desenvolvimento económico, técnico e cultural .
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A evolução técnica, sobretudo na segunda metade do séc. XIX ² designadamente no domínio dos transportes e das comunicações ² dá lugar a um notável florescimento de organizações de cooperação internacional cuja iniciativa surge normalmente no quadro europeu, ainda então o verdadeiro centro do mundo civilizado. Em 1865 é instituída a União Telegráfica Internacional; em 1874 é criada uma União Postal Internacional que em 1878 adopta a designação de União Postal Universal (UPU); na Conferência de Berlim de 1906 é criada a União Rádio-Telegráfica Internacional; em 1875 surge a União para o Sistema Métrico; em 1883 a União para a Protecção da Propriedade Industrial; em 1886 a União para a Protecção da Propriedade Literária e Artístrica; em 1890 a União dos Caminhos de Ferro. A par disso, as potências europeias reúnem-se em frequentes conferências e congressos internacionais para tratarem dos problemas políticos da Europa e do Mundo que são a expressão da instituição, no quadro europeu, de um embrião de governo internacional assento no Concerto das grandes potências.
A guerra franco-prussina, de cruta duração, pareceu não ser mais, neste particular contexto, que um conflito episódico e circunscrito. Em breve a Europa, retomada a calma, se lançava de novo na busca do progresso através da cooperação e na consolidação da paz através do apelo ao Direito, de que as Conferências de Haia e as importantes convenções aí concluídas são a justa expressão. A guerra de 1914-1918 viria, tragicamente, impor uma interrupção brutal e sangrenta nos esforços, até aí bem sucedidos, no sentido do estreitamento da cooperação europeia. Porém, mal o conflito chega ao seu termo, logo diversas voze s ² e das mais autorizadas ² se erguem a proclamar a necessidade não apenas de retomar o interrompido esforço de cooperação mas, bem mais do que isso, de o ultrapassar mediante a recriação da perdida unidade da Europa.
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Capítulo I ² O ANSEIO DE UNIDADE EUROPEIA
Secção 1.ª ² Os Percursores
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Uma ideia mítica
A recriação da unidade europeia constituíra sempre, ao longo dos séculos, um anseio comum a homens «invulgares»: alguns, como Napoleão e Hitler, tentaram-no pela força das armas; mas o desfecho das suas aventuras sangrentas comprovou que a Europa só se uniria pela força de vontades livres . Foi, porém, no período entre as duas guerras mundiais, em pleno século XX, que se assitiu à criação de um clima particularmente favorável à divulgação do velho sonho de unidade política; e a tragédia europeia de 1939 -1945 viria a permitir a reposição, em novas bases, de projectos concretos de integração da Europa . 10.
O período entre as duas grandes guerras Uma ideia mobilizadora
Logo após a primeira grande guerra, Luigi EINAUDI, que viria a ser o Presidente da República Italiana, publicava uma primeira mensagem em que expunha a necessidade de congregar os povos europeus que acabavam de sair de uma luta prolongada e cruel e de os solidarizar na construção de uma Europa unida , capaz de desempenhar no mundo o tradicional e eminente papel que historicamente fora e deveria continuar a ser o seu. Apesar de esta ser uma ideia muito compartilhada entre muitos euorpeus de vulto, os conflitos de interesses desencadeados na altura de assinatura do Tratado de Versalhes contribuíram largamente para exacervar os nacionalistas reinantes, pouco propícios à aceitação imediata do pensamento de EINAUDI e daqueles que o retomaram, como foi o caso do Conde COUDENHOVE-KALERGI, de HERRIOT, de LOUCHEUR.
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A acção de COUDENHOVE-K ALERGI
Porém, pouco tempo volvido, surge um novo apelo à união dos povos da Europa, a que estava reservado bem mais amplo acolhimento. O Conde COUDENHOVE-KALERGI, jovem aristicrata austrohúngaro, tornou-se o apóstolo da unificação da Europa, tarefa à qual iria consagrar a sua vida. Os seus esforços alcançaram resultados encorajadores, sobretudo no que respeita à formação de uma opinião pública mais aberta ao anseio de uma Europa unida. Em consonância com a sua luta, o então ministro dos negícios estrangeiros de França, HERRIOT, lançou em 1925, no Parlamento Francês, um primeiro apelo oficial à união da Europa. Logo em 1926, diversos economistas e homens de negócios exprimiram a sua adesão à ideia de criação de uma « União Económica e Aduaneira Europeia» cuja designação exprime um objectivo ainda hoje perfeitamente actual na medida em que se considere que uma sólida união económica constitui a base necessária da desejada união política. Em 1927, o ministro francês LOUCHEUR propunha , por seu tirno, criação de cartéis europeus do carvão, do aço e dos cereais, « organizados pelos Governos no interesse geral e não apenas para satisfação do egoísmo dos produtores».
Desta forma, no curto espaço de cinco anos haviam sido lançadas as ideias, propostas de actuação e medids fundamentais de um projecto coerente de integração europeia : acção sobre a opinião pública, especialmente sobre a opinião parlamentar; e utilização da integração económica ² ainda que incialmente restringida a sectores bem delimitados ² como instrumento da integração política . 12.
O Manifesto de Viena
Por inciativa do referido Conde realizou-se em Viena de Áustria, em 1927, o Congresso Pan-Europeu . Num ambiente entusiasta, os apóstolos da Nova Europa fizeram a sua profissão de fé nos destinos de uma Europa unificada, a partir de uma tribuna decorada sobre as doutrinas dos grandes precursores: KANT e VITOR HUGO, SULLY e o Abade SAINT-PIERRE. O manifesto saído do Congresso exprimia um veemente apelo à unidade europeia.
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