Felizmente há luar! Contextualização Século XIX: Absolutismo •
Em 1807, com as invasões francesas a corte parte para o Brasil, deixando em Portugal um Concelho de Regência.
•
Para o Brasil confluem somas avultadas de dinheiro com a finalidade de sustentar a corte.
•
Em Portugal a situação é cada vez mais miserável: há cada vez mais pobres pobres (crise (crise social social), ), a agricu agricult ltura ura e a ind indúst ústria ria fragil fragiliza izam-s m-see (crise (crise económica) económica),, a Regência Regência torna-se cada vez mais tirânica, tirânica, sob a influência influência de Beresford.
•
As forç forças as absol absolut utis ista tass repr reprim imia iam m toda toda e qualq qualque uerr mani manife fest staç ação ão ou movimento que pudesse dar origem a desordem, e que pudesse pôr em perigo a “estabilidade” do país. As pessoas não se podiam agrupar na rua e as associações secretas foram proibidas.
•
Surgem os delatores, informadores, que a troco de benesses traem muitas vezes os da sua própria classe (Morais Sarmento e Andrade Corvo).
•
A rebelião de 1817 pretende implantar um regime liberal que defendia a limitação aos direitos do rei, liberdade de religião, de imprensa e de palavra, liberdade de comércio e de indústria (crise ideológica).
•
Descob Descobert ertaa esta esta rebeli rebelião, ão, foram foram execut executado adoss 12 ind indiví ivíduo duos, s, entre entre eles eles Gomes Freire d’Andrade, acusados de conspiração.
•
Os membros do governo concluíram que a sentença só poderia ser a morte dos revoltosos. O processo de condenação foi sumário, pois não interessava provar a culpa ou a inocência. Interessava apenas mostrar nomes e castigá-los, mostrar que os revoltosos eram facilmente controlados.
•
Esta execução viria a transformar estes homens em mártires da liberdade e veio estimular os opositores ao regime. Até os mais acomodados perceberam que tamanha tirania não cederia sem acções mais agressivas.
Século XX: Salazarismo e Estado Novo •
Na década de 60, vigorava o Estado Novo, cujo chefe de governo, António de Oliveira Salazar, se regia por princípios autoritários e totalitários.
•
O método escolhido para manter a “estabilidade” do país era a repressão, não reconhecendo direitos de liberdade de expressão, de manifestação ou de associação.
•
A repressão era exercida sobretudo pela polícia política (P.I.D.E.) que punia todos os que prevaricassem.
•
Em 1926, tinha sido instituída a censura que passava revista a todos os textos publicados ou representados, eliminando as partes consideradas perigosas.
•
Portugal vivia também uma crise social com grande miséria nos grupos agrícolas e assalariados urbanos; uma crise ideológica com constantes tentativas sufocadas de discordância ou rebelião.
•
Da ala dos inconformados, surge o General Humberto Delgado que se candidata à Presidência da República.
•
Os votos são manipulados, o General perde e posteriormente é atraído à fronteira espanhola, onde será assassinado por elementos da P.I.D.E.
Século XIX- metáfora/ Século XX- realidade O exemplo do passado (século XIX) serve unicamente para conduzir o espectador à compreensão do presente (século XX). •
Ideais de autoritarismo, opressão, ditadura.
•
Tentativas falhadas de revolução no sentido do triunfo das ideias liberais.
•
Aliança entre Igreja e Estado.
•
“Agentes secretos” que informam de existência de revoltosos, silenciandoos.
•
“Mártires da liberdade” perseguidos e condenados.
•
Abismo entre ricos e pobres.
•
Luta do povo oprimido, explorado, desarmado, exausto e ansioso por mudança (liberdade).
Gomes Freire d’Andrade-
lutara nas campanhas francesas ao lado de Napoleão, era um
estrangeirado, ou seja, bebera dos ideais da Revolução Francesa e estudara no estrangeiro. Quando Napoleão foi derrotado em 1814, Gomes Freire regressa a Portugal e faz parte da maçonaria. Era inquestionavelmente um homem de ideias progressivas, o que facilitou a tarefa os opressores em Portugal. William Carr Beresford-
vem para Portugal para disciplinar o exército e consegue dar combate
aos franceses, afastando-os. Depois da retirada dos franceses, Beresford demora-se em Portugal, fazendo parte do trio governativo. É ele que quer impor uma disciplina de ferro a todo o país e, para isso, encontra-se com o rei D. João VI no Brasil, de onde vem investido de plenos poderes.
Maçonaria Sociedade secreta que remonta aos grupos de pedreiros (“maçon” em francês) franceses medievais que deixavam sinais secretos uns aos outros nas obras em que trabalhavam. Pretendiam preservar o espírito de classe.
Este grupo evoluiu e no séc. XVIII adoptam até uma constituição: o indivíduo, receptáculo de Deus, está em permanente e progressivo aperfeiçoamento, honrando assim o Grande Arquitecto do Universo (Deus).
Ser “maçon” poderá significar o desejo de reencontrar o espiritualismo e a verdadeira comunicação com Deus, negando os valores puramente materiais.
O que se pretende construir na Terra é um reino de fraternidade e de amor, onde coexistam a solidariedade, a responsabilidade e a liberdade.
Gomes Freire era grão-mestre da maçonaria desde 1816, e em 1817 constitui-se, em Portugal, um movimento paramaçónico -“Supremo Conselho Regenerador de Portugal, Brasil e Algarves”- que tinha como objectivo afastar os estrangeiros do controlo do país.
Gomes Freire, por ser um estrangeirado, e por pertencer àquele movimento, corporiza os ideais revolucionários da Revolução Francesa - Fraternidade, Igualdade, Solidariedade. É, portanto um alvo a abater.
ANÁLISE DAS CATEGORIAS DO TEXTO DRAMÁTICO TIPOLOGIA DA OBRA
Drama épico, pois importa sobretudo a reflexão do leitor/espectador em contacto com o texto ou com a representação. Ao contrário do texto clássico, em que se pretendia um efeito de catarse no espectador, com este tipo de texto pretende-se substituir a emoção pelo pensamento. É suposto que o espectador consiga perceber que a acção que vê desenrolar-se é intemporal e que pode ocorrer em qualquer sítio e em qualquer altura. Cria-se, portanto um efeito de distanciação, que mantendo o espectador não envolvido emocionalmente no que vê, lhe permite pensar sobre o que vê e, em última instância agir. Este tipo de teatro, também designado brechtiano, encara o homem como um ser em permanente transformação e responsável por essa mesma evolução. O efeito de distanciação pode ser conseguido, por exemplo, através da ausência de cenários muito específicos para determinada época. Em Felizmente há luar! não há didascálias que refiram trajes ou mobílias específicas de 1817, sendo assim a acção uma metáfora do que se passava em 1960. ACÇÃO
a) Justificação do título “Felizmente há luar” terá sido uma frase efectivamente escrita por D. Miguel Forjaz a propósito da noite da execução. Raul Brandão reprodu-la em Vida e Morte de Gomes Freire, e Sttau Monteiro dela se apropriou para entitular a sua obra. Esta frase surge, de facto, duas vezes ao longo do texto, pronunciada por personagens diferentes e com intenções claramente opostas. D. Miguel Forjaz (pág. 131) Matilde de Melo (pág. 140) A morte de Gomes Freire serviria de A morte do marido serviria de lição a •
•
exemplo a todos os que tentassem ir
todos os que observassem aquela
contra a ordem estabelecida, o luar
execução e nela percebessem a
permitiria que todos observassem o
crueldade e a injustiça
exemplo e não o seguissem. •
A morte do conspirador facilitaria a
•
A luz da lua sobrepor-se-ia às trevas e permitiria que a morte desse lugar à
•
afirmação do poder, ainda que fosse
vida (justiça e liberdade). Seria um
pela força e pelo medo.
exemplo a seguir para pôr termo a um
As reticências manifestam a calma
regime autoritário e injusto.
expectativa
na
consecução
do
O ponto de exclamação demonstra a
•
objectivo
urgência, a ânsia cheia de esperança de Matilde.
b) Estrutura externa A peça está dividida em dois actos, sem que haja qualquer referência explícita à divisão em cenas. É aqui que o jogo de luzes ganha especial relevância, pois à medida que ilumina só uma personagem ou alastra para focar um grupo, temos mudança de cena sem que tenha havido entrada ou saída de personagens e sem que tal esteja expressamente referido. c) Estrutura interna Exposição-corresponde à parte introdutória da acção, aquela em que é apresentado o assunto, a personagem principal e em que é feita a localização espacial e temporal (pág.21: ”Se ele quisesse...”); Conflito-corresponde ao desenrolar da acção dramática em que se descobre a conspiração de 1817, se definem os “culpados” e se decide a sentença (pág.21 a 137: “É por mim que estou de luto, Matilde! Por mim...”); Desenlace-corresponde ao final trágico em que em que Freire d’Andrade é morto (pág.137 até ao final) e em que Matilde se despede do seu companheiro. d) Paralelismo estrutural entre o 1º e o 2º acto
Este aspecto remete para a circularidade da acção, pois também a situação do povo se mantém inalterada ao longo do texto. É Manuel que abre os dois actos, sozinho em cena, coloca exactamente a mesma questão e das duas vezes não lhe é dada resposta. É a imagem da impotência do povo. Acto I •
Acto II Manuel interroga-se sobre o que
•
Idem
fazer para alterar a sua situação e a da sua classe social. •
O povo lamenta a sua miséria.
•
Idem
•
Chegada de polícias que procuram
•
Os
Vicente para que este traia a sua
polícias
proíbem
os
ajuntamentos.
classe. •
Os diálogos entre os governadores,
•
Os diálogos entre os governadores e
Vicente, Andrade Corvo e Morais
Matilde significam a efectivação das
Sarmento funcionam como o plano
intenções dos representantes do
de preparação para a condenação de
poder-destruir Gomes Freire.
Gomes Freire. •
Termina com a prisão de populares
•
Termina com a morte do General
que conspiravam contra o governo e
(ainda que, em simultâneo, ecoe o
com o apelo de “morte ao traidor
grito de esperança de Matilde).
Gomes Freire d’Andrade”, feito por D. Miguel.
e) Unidade de acção Esta é conseguida através da personagem Gomes Freire, que apesar de estar sempre ausente, funciona como um elemento de ligação entre as diversas situações, pois é sempre dele que se trata. Nesta acção são fundamentais os elementos físicos, paraliteráros (o tipo de cenário, a música, a luz, a coreografia) na construção do sentido do episódio a que assistimos.
PERSONAGENS
Manuel Povo
Rita Antigo Soldado Outros populares Morais Sarmento
Traidores
Andrade Corvo Vicente
Principal Sousa Governantes
D. Miguel Forjaz Marechal Beresford
Matilde de Melo Sousa Falcão Gomes Freire d’Andrade a) Personagem Principal •
Gomes Freire d’Andrade é sempre caracterizado directamente pelas
outras
personagens
(heterocaracterização).
A
sua
caracterização é quase exclusivamente psicológica. •
Não aparece em cena, mas é ele que motiva as outras personagens: para o povo é um herói; para os governadores, um homem perigoso; para Matilde, o companheiro e para Sousa Falcão, o amigo de todas as horas.
•
Representa, simbolicamente, a integridade e a recusa na subserviência (pág.71). A sua capacidade de liderança e a coragem na defesa dos seus ideais (pág.87) remete para o Portugal do passado-nação gloriosa e triunfante
•
A sua morte remete para a manutenção de uma ideologia fossilizada e para Portugal do presente-nação paralisada pelo medo, pela denúncia e pela suspeição (págs.63 e 95).
b) Personagens secundárias
São
caracterizadas
(heterocaracterização)
directamente e
definem-se
pelas
outras
também
a
personagens si
mesmas
(autocaracterização); são caracterizadas indirectamente quando o espectador conclui do seu carácter por aquilo que as vê fazer ou dizer. D. Miguel Pereira de Forjaz-primo de Gomes Freire é o símbolo do país decadente que governa. É megalómano, prepotente, cobarde e calculista. Desprovido de integridade e corrupto, personifica a traição aliada à vingança (págs.65, 69 e 71). Principal Sousa-representante do poder eclesiástico e dogmático. Fanático na defesa de uma doutrina que não pratica (págs.123, 124). Entende-se a si próprio como um guardião de um rebanho tresmalhado (pág.38). Evolui negativamente, pois se de início se sente desconfortável com a solução de condenar alguém inocente, depois já congemina numa espécie de vingança pessoal (págs.61, 66, 67, 72, 74). William Carr Beresford-principal figura na perseguição a Gomes Freire, é o símbolo do calculismo e do materialismo (págs.57, 63). É trocista, sarcástico (págs.54, 57), despreza o país onde tem de viver (pág.55), sente-se ameaçado nos seus privilégios, pois teme ser substituído pelo General Gomes Freire, soldado brilhante amado pelo povo. É então que decide escolhê-lo como vítima a sacrificar (págs.63/64, 70/71). Vicente-representa a hipocrisia e o oportunismo. É servil e materialista (págs.25, 34, 35, 38). Despreza a classe social a que pertence (pág.27), é ardiloso jogando com as palavras e espicaçando os ânimos (págs.22, 23). Trairá e denunciará para ter uma ascensão social rápida (págs.31, 32), é ele que despoleta os acontecimentos que culminarão na morte de Gomes Freire.
Matilde de Melo-mulher de carácter forte, apaixonado, é a companheira fiel do General. Como ele, recusa a hipocrisia, a injustiça e o materialismo. Revela-se como um “alter ego” de Gomes Freire e será assim que tentará provar a sua inocência (págs.89 a 96). •
Mas há outra Matilde, símbolo de feminilidade, expressa no desespero dos seus diálogos, é o símbolo da mulher que ama e sofre por amor, que sozinha, apartada daquele que ama, perde identidade (pág.120).
•
O discurso de Matilde funciona como uma resposta ao discurso oficial: caracteriza as atitudes e valores veiculados pelos governadores do reino e denuncia as consequências sociopolíticas e culturais que advêm da conduta governativa, o que está presente no diálogo entre ela e ao Principal Sousa (págs120 a 128).
•
Nesta personagem impõe-se a dimensão individual à dimensão social, pois acaba por manifestar o egoísmo que a torna representante da alma feminina.
•
É uma personagem modelada que evoluiu da rapariga aldeã para a companheira do General, tendo sofrido grandes alterações de valores que se manifestam nas suas atitudes.
António de Sousa Falcão-representa a impotência perante o despotismo, é sempre leal a Matilde e ao General (pág.86), está consciente da impossibilidade de que se faça justiça (págs.116, 117). •
Assume uma dimensão humana, não isenta de culpa, pois perante o exemplo de honestidade, de integridade e coragem de Gomes Freire, ele sente-se cobarde e mesquinho (págs.136, 137). Aproxima-se, assim de uma personagem modelada, que evoluiu e se surpreende consigo própria (pág.136).
Manuel-representa o povo português oprimido na miséria e faminto que se sente impotente para alterar o seu destino (págs.15, 16). Sente-se resignado.
•
Deposita todas as esperanças no General, quando este é preso, o desencanto, a tristeza transformam-se em raiva,
•
primeiro, e em cansaço depois, na consciência de que as vidas daqueles homens são como sombras num vazio que não se consegue preencher (págs. 105, 109).
•
Terá a função de coro, pois as suas interrogações, no início de cada acto, predizem o destino da sua classe.
Populares-funcionam como o coro que vai informando/comentando sobre os episódios da acção dramática (pág.80), as suas falas denunciam a pobreza e mostram que a ironia é a sua arma (pág.17), situam-nos no tempo histórico (pág.18).
ESPAÇO
a) O espaço cénico-outras linguagens estéticas Nesta peça o cenário é muito importante porque dele depende, também, a correcta interpretação de sentido do texto. O próprio autor afirma que “tudo o que se vai passar no palco tem um significado preciso” (pág.15). Assim, os jogos de luz/sombra e a posição das personagens em palco são formas de enfatizar as situações mais relevantes. Servem para caracterizar o espaço social e revelam a dimensão ideológica da obra. Por exemplo, no início dos dois actos, de um fundo escuro, destaca-se Manuel, só sobre ele recai a luz e está “ao centro e à frente do palco” (pág.15). As didascálias fornecem informações ao nível da luminosidade, da sonoplastia, da apresentação exterior das personagens, mas não caracterizam um espaço definido. Só as personagens, através dos seus diálogos e monólogos, nos situam no tempo e no espaço físicos (o Rato, S. Julião da Barra, época pós-invasões francesas, regência de Beresford). Exceptuam-se raras referências a alguns objectos que, metonimicamente, estão associados às personagens, como as cadeiras dos regentes (pág.47).
O paralelismo ao nível do espaço no início de cada um dos actos, remete para a ideia de que a situação de cada um dos actos, remete para a ideia de que a situação não se altera ao longo da peça, tudo se mantém na mesma. A escuridão que envolve Manuel é a simbologia do abismo que o engole, que o deixa impotente e sem perspectivas, e este aspecto prende-se com a ideologia da obra: a crítica à opressão sobre a classe popular. b) O espaço físico É a partir das didascálias e das falas das personagens que nos situamos no espaço: Lisboa com a sua Baixa, onde se situa a sede da Regência; o Rato, onde fica a casa do General; o Campo de Sant’Ana, local das execuções; a Serra de Stº António de onde se vê S. Julião da Barra. Há ainda referências ao Tejo, onde Manuel descarregava as barcaças e à Sé, onde os pobres pediam esmola. Lisboa surge assim como o símbolo do país, o local onde germina a revolução que se estenderá a todo o país (pág.55). c) O espaço social Opõem-se dois grupos sociais: o povo (pobre) e os governadores (poder). O clima de pressão e de revolta, ainda que velada, está sempre presente, e é evidente a intenção do autor, à maneira de Brecht, de que assistamos, distantes, a acontecimentos da nossa história que merecem a nossa reflexão e análise crítica. A repressão faz-se sentir a todos os níveis: material, social e cultural: LINGUAGEM E ESTILO
A linguagem é regra geral simples, caracterizada frequentemente por marcas do código oral, para que implique rapidamente o leitor/espectador e para que seja cumprida a intenção didáctica que preside a esta obra. Identificamos, nos monólogos e nos diálogos entre os interlocutores, várias marcas do discurso oral, o recurso a diferentes registos de língua, o uso de expressões populares e de expressões bíblicas, de acordo com o estatuto social, com o grau de instrução e
de afectividade entre as personagens, servindo de modo eficaz a individualização de cada uma. Esta variedade confere verosimilhança à acção. 1. Níveis de Língua a) nível de língua familiar: “Vai, amor da minha vida...”, frase proferida por Matilde (pág. 139); b) nível de língua popular: “Eles vão para casa encher a pança!”, frase proferida por ______________(pág. 22); c) nível de língua corrente: globalmente, é este o nível de língua que predomina em Felizmente há Luar!, contudo algumas personagens individualizam-se pelo recurso ao registo cuidado, como é o caso de algumas intervenções de Matilde, do Principal Sousa, de Sousa Falcão e de Beresford. d) nível de língua cuidado: “Diz o Eclesiastes que, tendo Deus dividido o género humano em várias nações, a cada uma delas deu um príncipe que a governasse...”, frase dita por________________, (pág.36). Marcas do Discurso Oral Adjectivação irónica Diminutivos com valor irónico Frases curtas
“Soldado distinto, súbdito fiel...” (pág.31) “Dê-nos uma esmolinha por alma de quem lá tem...” (pág. 31) “A Rita dorme.” (pág.16)
Frases exclamativas
“Vê-se a gente livre dos franceses, e zás!, cai na mão dos ingleses” (pág.16) Frases interrogativas “Em que guerra é que vossemecê andou?” (pág.19) Interjeições
“Bestas!” (pág.21) “Idiotas” (pág.21) (recurso “Eram quase cinco horas pelo meu relógio de ouro.” (pág.17)
Ironia preferencial) Onomatopeias
“Catrapum! Catrapum! Catrapum, pum, pum!” (pág.21)
Provérbios e “Nenhum de vocês tem onde cair morto.” (pág.21) expressões populares “Diz-me com quem andas e explicar-te-ei quem és...” (pág.39)
“Deus escreve torto por linhas direitas.” (pp.103-104) “Deus não nos deu nozes, e os homens tiraram-nos os dentes...” (pág.109) “Entre os três o diabo que escolha...” (pág.16) “Se eu souber fazer render o peixe.” (pág.30) “Há quem diga que a voz do povo é a voz de Deus...” (pág.35)
Repetições
“Que posso eu fazer? Sim: que posso eu fazer?” (pág.15)
Suspensões frásicas
“O que não lhes digo é que se ele não fosse estrangeirado era...era como os outros... era mais um senhor do Rossio” (pág.25)
3. Adaptação Da Linguagem Às Personagens E À Situação Manuel: é um elemento esclarecido do povo, reflecte sobre a situação histórico política do país, usando com frequência expressões populares; Rita e os outros populares: identificam-se pelo registo popular, e revelam uma fina ironia sarcástica que radica na exploração secular dos mais pobres; Vicente: tem uma forma de se expressar ambígua, pois ora fala como os seus iguais, ora eleva o nível de vocabulário quando se dirige aos governadores; Os polícias: usam a linguagem do poder, ou seja, expressam-se frequentemente através de frases imperativas; Principal Sousa: usa uma linguagem moralista, cínica em que invoca constantemente Deus ou outros termos ligados à religião e à Bíblia; Beresford: de acordo com o seu perfil de militar, pragmático objectivo, também a sua forma de se expressar é clara, objectiva; D. Miguel: sendo um governador, a sua expressão é marcada por vocábulos da área política e por formas de tratamento específicas de acordo com o estatuto social dos seus receptores. O seu discurso revela a sua personalidade preconceituosa e elitista; Matilde: é uma mulher culta e emotiva que expressa estas características no seu discurso. Como pretende convencer os seus destinatários da justiça das suas atitudes e das suas palavras, o seu discurso é marcado pela argumentação; Sousa Falcão: sendo o amigo de sempre do General, usa com os amigos uma linguagem afectuosa, e com os opressores uma linguagem objectiva, vigorosa e clara; Frei Diogo: a sua linguagem expressa o eu bom carácter e a sua simplicidade. A linguagem das personagens conduz-nos ao conhecimento do seu carácter e serve para as integrar num dos dois núcleos que constituem a trama: o poder e o contrapoder.
A linguagem do contrapoder é poética, logo conotativa e subjectiva (por exemplo, as palavras de Matilde são dotadas de grande sensibilidade e poder metafórico); já a linguagem do poder remete para o domínio do material, para a política e para o exercício do próprio poder (por exemplo, as palavras de Beresford, do Principal Sousa ou de D. Miguel têm um sentido prático, utilitário e material.) O discurso do autor/encenador, presente nas didascálias laterais, é um discurso com grande carga afectiva, valorativa, cheia de nomes abstractos e de adjectivos. 2. Texto Didascálico Todo o segmento textual que não se destina a ser dito na representação. Orienta a encenação, a movimentação das personagens em palco e, no caso específico do texto brechtiano, há outras funções a ter em conta. a) explicitações do autor que se assume enquanto tal (pág.15); b)
referência à posição das personagens em cena (pág. 16);
c)
indicações aos actores (pág.78);
d)
caracterização do tom de voz das personagens e suas flexões (pág. 16);
e)
indicação das pausas (pág.16);
f)
saída ou entrada das personagens (pág.53);
g)
apresentação da dimensão interior das personagens (pág.17);
h)
indicações sonoras ou de ausência de som (p´p.21, 71); i)
ilações que funcionam como informações e como forma de
caracterizar personagens (pp20, 42); j) sugestão do aspecto exterior das personagens (pág.41); k) movimentação cénica das personagens (pp27, 73); l)
expressão fisionómica dos actores, linguagem gestual a que, por
vezes, se acrescenta a visão do autor (pág,24); m) expressão do estado de espírito das personagens (pp35, 46); n) acesso à interioridade das personagens (pág.27); o) indicações de luz/sombra (pág15)
Marcas Principais do Discurso de Matilde
1. inquietação/indignação presentes na sucessão de frases interrogativas presentes na pág. 101; 2. o desespero traduzido nas frequentes pausas com que se entrecorta o
discurso na pág.120 e com as palavras que profere na pág.130; 3. a exaltação interior evidente nas acusações que lança ao Principal Sousa
nas pp 123 e 124; 4. a superioridade moral patenteada no libelo com que ataca o Principal
Sousa, e a prática da religião católica, prática que demonstra ser o contrário dos ensinamentos evangélicos, nas pp 124, 125 e 126; 5. o desprezo explícito nas palavras que dirige ao Principal Sousa na
pág.128; 6. a raiva concretizada nas pragas que lança contra o Principal Sousa na
pág.129; 7. o amor apregoado nas várias vezes em que repete a expressão “meu
amor” e em expressões afins; 8. a esperança gritada nas palavras finais.
IDEOLOGIA DA OBRA
Felizmente há luar! é uma metáfora política da Portugal durante o Estado Novo. Os contextos ideológicos e sociológicos do país são análogos nas duas épocas, e D. Miguel Forjaz poderia ser o arquétipo de Salazar. As palavras de Salazar, “Sinto que a minha vocação era ser o primeiro-ministro de um rei absoluto”, a ideia, para este ditador, de que o povo deveria ser disciplinado pelo “silêncio”, pela “invisibilidade” são aspectos que poderiam ser defendidos por D. Miguel. No rescaldo da campanha de Humberto Delgado, em que figuras da oposição são punidas com a prisão, Salazar diz que “Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua História; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral... Não acredito no sufrágio
universal (...). Não creio na igualdade, mas na hierarquia.” Também os governadores do reino sustentavam que as suas decisões eram vontade de Deus e em função da Pátria. Há, portanto, similitude entre valores e atitudes nos dirigentes das duas épocas. TEMPO
a)
Tempo histórico A acção desenrola-se em 1817, época em que se pretendia instaurar o regime liberal. Este é uma metáfora de Portugal nos anos 60, em que se procurava instaurar a democracia (vide paralelismo histórico). b)
Tempo histórico / tempo dramático O tempo dramático está condensado. No segundo acto, o vocábulo “hoje”
concentra cinco meses e há referências a acontecimentos que não têm lugar em palco (o que contribui para a condensação): -invasões francesas -aliança com Inglaterra -as guerras em que participou Gomes Freire -alusões à maçonaria e ao jacobinismo -alusões à juventude de Matilde A progressão do tempo real, na peça, corresponde a espaços distintos, às alterações de luz e a marcadores temporais referidos pelas personagens. Do desespero de Matilde perante a sentença (25 de Maio 1817) ao seu desespero no dia da execução (18 de Outubro 1817) decorrem cinco meses em tempo real, mas no texto este tempo não é definido. As referências temporais são: “Esta madrugada prenderam Gomes Freire...”; “Desde aquela noite que só penso em si...”; “Só ao fim de seis dias lhe abonaram dinheiro para comer.”.
SIMBOLOGIA
Tambores-símbolo da autoridade, da repressão, associados à noite, à morte. Provocam o medo e prenunciam a ambiência trágica da acção. Luar-símbolo de redenção e de renovação. A luz da lua que permite que tudo se veja, permite também que o exemplo de coragem, de ousadia e liberdade se propague e funcione como exemplo. Ou seja, esta luz dá a certeza de que o bem acabará por triunfar. Fogo / fogueira-ritual de purificação, das cinzas haverá o renascimento (conquista de liberdade). Símbolo dos ideais que “incendiarão” o povo português. Noite-símbolo do período de gestação, sendo um período negro dá lugar à luz do dia (a seguir ao período de repressão, virá a liberdade). Verde-a saia vinda de França está conotada com os ideais da Revolução Francesa (solidariedade, fraternidade, igualdade), sendo verde representa a esperança. Moeda-dada por Manuel a Matilde, e por esta ao Principal Sousa, representa a traição da Igreja anquilosante e inquisitorial, a venalidade dos homens. É também símbolo de desrespeito dos mais poderosos pelos mais desfavorecidos.