RESUMOS DE INTRODUÇÃO AO DIREITO I 1. Direito como conjunto de regras obrigatórias Quid ius – o que é o direito: sentido, função, finalidade Direito: conjunto de regras jurídicas que vinculam a conduta das sociedades, impondo determinados comportamentos que são assistidas de coercibilidade por regularem a convivência social. O direito é uma ordem porque se estabelecem relações ordenadas e organizadas, não se tratando de um conjunto aleatório de regras. Existem outras disciplinas com este tipo de relações, como as ordens biológicas, das quais o direito difere por ser humano. O direito é normativo porque o ordenamento jurídico é composto por normas jurídicas. Dizer que o direito é humano significa que, apesar de não conseguirmos viver em sociedade sem o direito, quem o criou foi a própria sociedade. O direito é assim uma ordem:
Normativa De liberdade e não de necessidade, porque há regras que temos liberdade de violar, enquanto não temos liberdade de violar a lei da gravidade, p. ex. De natureza cultural porque o nosso desenvolvimento biológico aumentou a nossa capacidade cultural e social, que se tornou tão complexa que trouxe associada a ordem jurídica. Prescritiva – prescreve regras não do ser mas do dever ser, ou seja, determina orientações.
Conclusão: o direito é criado pelo ser humano, e é vital porque este tem de sobreviver enquanto ser social, que tendo sentimentos e razão, tem de comunicar com outros, trocar experiências, produzir e trocar bens, etc. Sem esta convivência, o homem não seria homem. É contudo uma convivência com regras disciplinadoras que permitem a segurança. São necessárias regras organizadoras de conduta. A sua legitimidade (que é necessária porque o direito limita a liberdade) vem do facto de:
Serem decretadas pela autoridade Serem válidas eticamente (Conjunto de valores morais fundamentais ao ser humano.) estas regras fundamentais são prescritas e influenciam a conduta dos seus destinatários.)
Existem outras ordens, como a religiosa, a de trato social, e a ética-moral. O que distingue estas ordens da ordem jurídica é a obrigatoriedade. Porque apesar do direito ser uma ordem de liberdade, é obrigatória porque acarreta consequências em caso de violação. Além disso, ao contrário por exemplo do que acontece na ordem religiosa, o direito não depende da adesão, pois engloba toda a gente e não só aqueles que escolhem aderir. O direito é socialmente imposto, e todas as pessoas sob a jurisdição das entidades com autoridade estão a elas submetidas, independentemente da sua vontade. É, no fundo, um ordenamento que se impõe
aos indivíduos. Há também coercibilidade, porque há a escolha de cumprimento ou não das normas tendo conhecimento da possível sanção. 2. Direito como ordem normativa integrada num sistema institucional-coercivo que assegura a sua vigência, vs. Direito como ordem normativa orientada para a justiça (Batista Machado, Capítulo 2) Pode definir-se o direito como uma “ordem de coação”: “Existe direito quando a validade da ordem é garantida exteriormente pela probabilidade de uma coação (física ou psíquica) que, aplicada por uma instância humana especialmente instituída para este efeito, force ao respeito e puna a violação daquela ordem” - Max Weber A coação é uma ideia que está, no fundo, inerente ao direito, porque este controla a sociedade, e a quebra das suas normas implica uma sanção socialmente organizada. O direito é uma norma que se distingue das restantes exatamente por ter coercibilidade. Pode também definir-se como uma “ordem com sentido”: Porque para definir direito é preciso fazer referência à Justiça, dado que o direito é uma ordem justa. A justiça é uma caraterística intrínseca da ordem jurídica, e sem ela não faria sentido. De entre estas duas definições, a mais correta seria a do direito como ordem com sentido, porque o direito é uma ordem de convivência humana orientada para a justiça. Não existem normas que não tentem atingir uma ideia de justiça. Assim sendo, a coercibilidade não determina o direito, e o direito não é, na sua essência, coercibilidade. O direito é apenas um sistema de normas com poder coercivo, mas apesar da coercibilidade ser essencial, não é direito. Assim sendo direito e as leis têm uma existência no tempo e no espaço, que é visível pelo cumprimento das normas e pela aplicação das sanções associadas ao seu não cumprimento. A isto chama-se vigência do Direito – efetivação do direito num determinado tempo e espaço. Um direito justo mas sem vigência é inútil, ou seja, a vigência é essencial à existência do direito como direito. E, como a coercibilidade é essencial à vigência, podemos dizer que um direito sem coercibilidade é imperfeito. Mas as normas não se definem pela sua efetivação, esta deve ser garantida pelo estado como forma de atingir a legitimidade. Mas não podemos confundir o direito com a força nem com a instituição capaz de aplicar essa força. A legitimidade da coação: Uma norma não é válida devido à sua coercibilidade, mas pelo contrário, a coercibilidade é válida e surge porque a norma é uma norma de direito. A coercibilidade deriva da natureza do direito porque o que é direito é obrigatório - existe nesta ordem uma certa heteronímia que implica que todos estejam sujeitos ao direito, independentemente da sua adesão pessoal.
Esta heteronímia, em vez de limitar a autonomia e a liberdade individuais, ajuda a mantêlas: O homem só pode viver em sociedade, por isso a obrigatoriedade das normas que regulam a vivência em comunidade e o desenvolvimento da autonomia de todos ajudam a regular estes ideais. (“Sendo assim, aquela específica obrigatoriedade do Direito teria a sua raiz profunda na própria natureza social do homem e na necessidade de garantir aquela forma de vida (a vida social) indispensável à sua humanidade”.) A acrescentar a isto, o direito delimita a liberdade de cada um em relação ao resto da comunidade, pelo que o seu não cumprimento é tanto jurídica como moralmente exigível, sendo que a sua violação seria feita à custa das esferas de liberdade e de autonomia dos outros. A necessidade da coação: “O direito é uma ordem necessária: não há sociedade sem direito, este entra necessariamente na constituição social. A sociedade, por seu turno, é necessária, por natureza, ao homem.” Assim sendo, para haver uma sociedade, tem de haver Direito vigente, mas para este ser verdadeiramente Direito, tem de ter vigência social. (p.36) Esta vigência efetiva do direito requer coercibilidade, o que implica a ameaça de aplicação de sanções em caso de não cumprimento das normas, e implica também um poder social organizado capaz de impor essas sanções. 3. Direito e sociedade; O direito é um fenómeno social e humano. Isto porque também o homem é um animal social, e a existência de direito é necessária porque a sociabilidade é inata ao homem e por isso este tem de estar integrado numa sociedade. A ordem jurídica é necessária mas insuficiente para a compreensão do sentido do direito. Não basta a manifestação objetiva e estrutural do direito, pois o direito é uma ordem do dever ser (prescritivo-comunicativa) e não do “ser” (onto-descritiva) É necessário que esteja contextualizado na comunidade ou sociedade, ou seja, num quadro de linhas axiológico-culturais, prático-intencionais e intersubjetivas e numa perspetiva atual e histórica. Assim, o direito é o mais importante fator de integração social, que institucionaliza a relação de estatutos e papéis. A questão é se varia dependente ou independentemente das principais dimensões constitutivas ou condicionadoras da sociedade ocidental, como os interesses económicos, o poder político, e valores axiológico-culturais. 4. Outras ordens normativas
Ordem religiosa – associada a um movimento transcendente com base na relação do indivíduo com o divino. Normas que ordenam a conduta dos crentes na sua relação com Deus. Diferem por ser:
Instrumentais – preparam o que não existe no mundo terreno; Intra-individuais – existem no íntimo do homem, numa esfera privada, apesar de terem uma manifestação exterior; As suas sanções são aplicadas exclusivamente pelas igrejas;
Nota: a ordem religiosa é diferente do direito canónico, o direito específico da ordem religiosa. É uma ordem jurídica específica com natureza institucional, que regula a prática da ordem religiosa. A verdade é que as normas religiosas não deixam de estar presentes na sociedade, simplesmente o estão de um ponto de vista diferente, que é o dos deveres dos homens para com Deus e não de uns homens para os outros. Na época clássica, as normas jurídicas confundiam-se com a ordem religiosa, e a ordem religiosa confundia-se com a ordem moral; na idade média, a ordem jurídica também sofreu influências desta ordem. Contudo, deu-se uma progressiva secularização do direito, com a ideia da laicidade do estado, e atualmente são independentes. A ordem religiosa torna-se privada. (SJ). Nesta altura, distinguiu-se também a moral e o direito pela separação das ações internas e externas, sendo que ao direito só interessa a conduta externa. Ordem normativa moral - A moral é constituída por “preceitos, conceções e regras (…) obrigatórios à consciência, pelos quais se rege (…) a conduta dos homens numa sociedade”, quer segundo ou contrariamente ao direito. Caraterísticas: interioridade, absolutidade, espontaneidade. É muito vasta porque abrange toda a consciência humana. O homem sentese sempre compelido a cumprir o dever moral, sendo que a única sanção é a do remorso ou desgosto. A vida em sociedade é ditada pelas suas ordens de conduta. O valor fundamental da ordem moral é então o BEM, à volta do qual se estrutura. Para os gregos, a justiça, o bem e a moral não tinham diferenças definidas. Só com os romanos é que se desenvolveu a ideia de que a ordem jurídica se separava da ordem moral, mesmo que entre elas existam pontos de contacto. Só no iluminismo se dá a perfeita distinção entre moral, religião e ordem jurídica. Caraterísticas de diferenciação entre o direito e a moral:
Critério do mínimo ético: diz que de entre os valores e princípios da moral apenas se recolhem alguns para o direito, porque há regras morais que o direito não protege – Mínimo moral possível. Heteronímia/coercibilidade: a ordem jurídica é composta por normas impostas exteriormente ao sujeito. São leis socialmente impostas e não se exige que cada um se auto vincule ao direito, porque todos estão sujeitos às normas jurídicas e ao seu aparelho de coerção. Isto é válido mesmo que, para que a ordem jurídica se poder considerar legítima, seja necessário uma aceitação geral do direito por parte da sociedade; Pelo contrário, os princípios morais são impostos interiormente, sendo
assim um conjunto de regras de conduta individual e fundamental autoimposto. Já a ordem jurídica é fruto da autoridade externa e não exige adesão da nossa parte. No fundo, na moral não existem instituições de coerção como na ordem social, cuja consequência em caso de quebra das regras é sanção social. Apesar de fundamentadas em valores, as normas jurídicas impõe-se e vigoram na sociedade por serem institucionalmente garantidas. Mas não são estas estruturas que determinam o direito e a natureza jurídica das normas – o direito cria e legitima a sua própria estrutura de coesão. Exterioridade da conduta – o direito apenas considera relevantes atos exteriores, e só atenta nas manifestações sensíveis do comportamento. A interioridade do sujeito e as suas intenções pertencem ao campo da moral. Contudo, o direito atenta nas intenções apenas em alguns casos, por exemplo para fazer a distinção entre homicídio por negligência ou por dolo.
Em suma, para distinguir o Direito da Moral, todos estes critérios são válidos mas insuficientes, nenhum consegue estabelecer limites determinados. Temos de os articular e utilizar em diferentes situações. Mas apesar de haver situações de indiferença e de colisão, são muitas as vezes em que os valores morais e jurídicos se repetem (não matar, não furtar, etc.). A diferença essencial está na autovinculação versus imposição heterónima, bem como na importância dada à motivação da conduta versus importância dada aos aspetos externos da conduta. A moral é mais íntima que o direito, e têm uma superioridade que lhe permite criar, interpretar e aplicar direito. (SJ) Princípio da não litigância: o direito não pode ser recetáculo de uma ordem moral e individual, mas também não pode impor soluções imorais. Não cabe ao direito impor a moral, mas também não cabe ao direito opor-se à moral. Ordem de trato social - São “usos ou convencionalismos sociais destinados a tornar a convivência mais agradável.” Ex. forma de vestir, saudar, oferecer prendas, etc. Caraterísticas:
Impessoais – são práticas regularmente observadas e não concretas; Coativas – pressão exercida e sanção como perda de prestígio ou marginalização, etc.
Têm por isso semelhanças com as normas jurídicas:
São vinculativas; Gozam de sanção e coação – a diferença aqui é o facto de as sanções serem previstas e quantificadas no direito, e de haver órgãos específicos para a efetivação da coercibilidade;
Outra diferença é que o direito garante direitos, e a ordem de trato social não. (SJ) 5. O direito, o estado e a sociedade O direito e o estado (neste caso, o poder político) não são a mesma coisa nem se confundem. O Direito controla e legitima o poder do estado, ou seja há princípios no direito
que se impõem ao estado. A ordem jurídica criada por este está também submetida à justiça porque simultaneamente, o direito tem uma origem estatal. Na idade média não havia um único direito de determinado território: havia ordens diferentes e órgãos com direitos particulares (desde o costume no direito local ao direito internacional relativo ao comércio herdado pelos romanos). A ideia de poder absoluto (soberania) começou no séc. XVII. A partir daqui a criação de direito passa a ser prerrogativa do estado, e passa a haver um direito estadual, não se reconhecendo outras fontes ou sujeitos criadores. Atualmente, ainda existem zonas onde a criação de leis não está associada ao estado, desde o direito consuetudinário ou até pela influência da religião no estado. (ver parte da confusão entre direito e coercibilidade) A garantia de direitos do ser humano resulta da evolução do estado ao longo da história. Grande parte dos problemas dos povos atualmente e na história resultam da ausência de estado, mesmo que esta não seja a ideia de estado democrático europeu. Da mesma maneira, também a submissão do direito ao estado que se dá historicamente trouxe problemas, refletindo-se de forma negativa. Por isso é que a partir da segunda guerra mundial o estado é questionado e acusado de se ter tornado ineficiente. Mas será que o estado é o único criador de direito, ou o direito reconhecido e garantido pelo estado é o verdadeiro direito? Para isto precisamos de analisar o direito internacional: No qual não existe um poder supremo que exerça funções semelhantes às existentes num estado, o que pode dar a ideia de que este direito tem uma eficácia inferior – há uma falta de um poder organizado (falta de coercibilidade), há violações das normas internacionais, e por isso e há muitos que negam a existência deste direito. Contudo, a questão que se deve fazer é se existem ou não “normas reguladoras da sociedade internacional que tenham um caráter obrigatório tal que a sua violação legitime o recurso à coação”, e existem, tendo inclusive vigência na sociedade internacional. Um exemplo são as normas obrigatórias impostas a todos os estados a respeito da delimitação. A violação destas normas acontece em casos excecionais. Estas normas também inspiradas num ideal de Justiça, pelo que é legítimo o uso da coação no incumprimento, e isto significa que têm vigência nas relações entre os estados. Dizemos isso que têm Juridicidade, pelo que não se pode dizer que não exista Direito Internacional.
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O facto de não existir uma organização específica para a aplicação de sanções e de haver algumas violações das normas que não foram punidas não significa que o Direito Internacional não tenha juridicidade. 6. A autonomia do direito O direito é o mais importante fator de integração social, e institucionaliza a relação de estatutos e papéis. Não é possível aos juristas levarem a cabo a sua investigação sem se preocuparem com as suas aplicações práticas: O direito existe intrinsecamente na realidade, e usa conceitos jurídicos e abstratos para obter respostas a exigências da sociedade, e a
problemas fundamentais da relação entre as pessoas, que estabelecem relações intersubjetivas entre si. Assim sendo, na sociedade ocidental o direito pode legitimamente intervir em todas as funções sociais, que estão por isso jurisdicionalizadas. Os riscos disto são que o direito pode ser instrumentalizado por outras esferas sociais, e que o direito pode tornar-se uma variável dependente de outras que não domina. Isto retira autonomia ao direito, que se deve manter independente de outras esferas, como a económica, política e axiológica-cultural. O direito-função na sociedade:
Redução economicista – associação do direito à economia em termos de subordinação entre a infraestrutura económica e a supraestrutura do direito. Direito como parte da supra estrutura dependente da infra estrutura económica. o Crítica: a diferente racionalidade da economia e do Direito. A economia tem uma lógica instrumental para a utilização dos recursos disponíveis, e os intervenientes são meros fatores de produção, estatísticas e números. No direito, os intervenientes são considerados pessoas, indivíduos com direitos e deveres. É verdade que com a evolução económica foi necessário que se estabelecessem ligações entre regras e normas jurídicas de instituições jurídicas e económicas. Se este reducionismo do direito à economia se verificasse, estaríamos a reduzir os indivíduos a meros elementos pertencentes ao sistema económico, e o direito passaria a ter em vista a eficiência económica em vez da justiça e da segurança. Redução politico-ideológica – o direito como instrumento de concretização dos objetivos políticos legitimados democraticamente. O direito ao serviço da política, que é uma esfera da ação humana através da qual os seres humanos garantem recursos, justiça e organização; o Critica: apesar de o direito se interligar com a política, nunca pode ser influenciado por esta, porque a lógica da política é também diferente da jurídica. É finalista e estratégica, e os fins justificam os meios, enquanto no direito há uma lógica de correção dos procedimentos, que não tem em conta apenas os fins alcançados. Além disso, a validade do direito assenta num sistema jurídico autónomo face a entidades estatais. Redução axiológica – direito como pura manifestação ética e a-histórica. O que é puramente jurídico deve estar acima de tudo. O direito seria uma mera manifestação ética de valores morais, perdendo a consideração contextual e histórica que lhe é fundamental pela execução da prática que tem, perdendo também a sua real vigência visto que era perspetivado de forma a-histórica e o direito precisa de um tempo e espaço para efetivar a sua vigência. o Critica: se o direito se afastasse desta consideração contextual concreta, deixaria de ser uma ordem constituída por pessoas, o que vai contra o ideal de sociabilidade do ser humano. Cada sociedade tem o seu direito, a sua
organização, e no entanto há elementos de continuidade que prevalecem mesmo com a mudança de ideia de direito. A função do Direito na sociedade ocidental contemporânea:
Função integrante constitutiva (tutela dos valores e princípios fundamentais da sociedade) – especialmente importante numa sociedade plural, não homogénea e laica. Integra um conjunto de valores fundamentais de consciência legislativa e judicial na sociedade. Inicialmente isto era feito pela religião e pela moral. É no direito que encontramos os valores que determinam a evolução da sociedade. Função integrante-regulativa (dos interesses e conflitos) – preventiva e resolutiva, direito como estabilizador social e fator de estabilidade, que regula os conflitos sociais através da lei através de um mecanismo de instituições próprias que usa para impor e garantir as suas decisões. Função integrativa-ordenadora política – porque vivemos num estado de direito, ou seja, um estado que se desenvolve em função do direito, mas que também é legitimado por ele; Função critica-reflexiva – os juristas não são meramente técnicos da lei. Têm uma função de garantir que as funções do direito são aplicadas, e têm de ter a capacidade de crítica em relação ao real. Não devem ser mecânicos. Consciência de vários outros subsistemas sociais, que são regulados pelo direito.
Conclusão: se não for garantida a autonomização do direito, não se conseguem desenvolver estas funções e a partir daqui não se conseguiram desenvolver as funções essenciais de justiça e segurança Assim o direito apresenta-se como um quid autónomo socialmente integrado, que é abstrato e concreto, geral e individual. Isto porque estas funções garantem a unidade, pelo que a ordem jurídica se deve seguir por estes princípios. Mas a ordem jurídica integra-se num sistema jurídico, por isso é que a ordem jurídica funciona em articulação com o CASO: os princípios teóricos da generalidade da lei cruzam-se com o caso específico. Ou eja, além da ordem objetiva e do seu contexto macrosocial, o direito só se compreende como construção judicativa no “Caso”. A lei tem por isso uma formulação geral e abstrata, e as normas aplicam-se a todas as situações que preencham os pressupostos da lei. 7. A trindimensionalidade da ordem jurídica Fala-se do direito enquanto conjunto, usando-se o triângulo da justiça para o representar, porque faz sentido (justiça comutativa, distributiva, geral). Todas essas dimensões assentam na liberdade, porque a ordem jurídica tem como base as pessoas, que têm liberdade e autonomia. São livres para estabelecer relações jurídicas entre si. Liberdade/igualdade (Ex. contratos): É comparável à justiça comutativa, ou seja, entre iguais, porque nesta conceção as pessoas têm um mesmo estatuto jurídico e os mesmos direitos e deveres (dado que todos têm
personalidade jurídica idêntica). Não há portanto aqui nada que submeta uma parte à outra. Todos os sujeitos jurídicos são iguais porque todos os seres humanos são iguais. É por isso que a ordem em que é estabelecida é indiferente, porque os sujeitos são equivalentes. Há então SINALAGMATICIDADE – correspondência entre uma coisa e outra, equilíbrio, igualdade. Liberdade/solidariedade (ex. segurança social): “Onde há pessoas há sociedade, onde há sociedade há direito.” – os seres humanos relacionam-se entre si fruto da vivência em conjunto. Esta integração social implica uma relação entre a comunidade e os seus membros, na qual não há sinalagmaticidade. Todos os indivíduos participam. Todos os indivíduos participam para o bem comum, mas não o fazem de modo idêntico. Há sujeitos que contribuem mais, e que por isso têm prerrogativas diferentes. Estas são as diferenças que a justiça distributiva, à qual esta dimensão é comparada, tenta atenuar. Há uma distribuição não-igualitária. No século XX, esta diferença de participação passa a assentar também na necessidade. Dáse uma mudança na justiça distributiva e a partir daqui todos os seres humanos passam a poder exigir da sociedade um conjunto de prestações que ajudem a garantir a dignidade e a subsistência, que são variáveis segundo as pessoas. Liberdade/responsabilidade (ex. impostos): Ideia de Santo Agostinho de que todos os seres humanos que se integram numa sociedade têm responsabilidade de ajudar a atingir o bem comum dentro desta. Todos os sujeitos de direito, por se incluírem numa sociedade, são responsáveis por ela. Contudo, esta relação continua sem ser sinalagmática, porque os interesses comuns são superiores aos dos indivíduos. Esta dimensão é acentuada a partir das revoluções liberais (liberdade para todos, contrato social) porque todos são postos numa situação de igualdade em relação à responsabilidade que têm pelo bem comum. Dado que esta dimensão parte do indivíduo para a sociedade, a partir do séc. XX passa a haver a ideia de que esta prestação não é necessariamente igualitária, dado que a responsabilidade depende da capacidade. 8. O direito como ordem normativa geral e abstrata O direito é um conjunto de normas articuladas logicamente. Caraterísticas das normas:
Unidade – porque as normas são um grupo unificado; Hierarquia – porque há normas que são substancialmente mais importantes e por isso hierarquicamente superiores. Todas as leis abaixo devem respeitá-las; Coerência – porque dentro da hierarquia as leis devem ser coerentes umas com as outras; Sincronia – porque a ordem jurídica só vigora numa realidade, num tempo e espaço definido. Assim sendo, as normas atuais não podem ser invalidadas por normas anteriories;
Especialidade
9. Direito em sentido objetivo: “Corpo ou complexo de regras gerais e abstratas que organizam a vida em socidade sob os mais diversos aspetos” BM. É o equivalente a LAW, o conjunto de regras vigentes, aplicadas em sociedade, que foram criadas de modo legítimo e têm estruturas que as aplicam 10. Direito em sentido subjetivo: “Posição de privilégio, faculdade ou poder que, por aplicação das regras de direito objetivo, são atribuídos a pessoas determinadas” São direitos adquiridos pelas relações jurídicas, os equivalentes aos RIGHTS. Esta é a noção de direito subjetivo em sentido estrito, que se pode subdividir em poder de exigir (“quando, não obtendo a satisfação do seu direito, o titular pode solicitar ao tribunal que aplique determinadas medidas que lhe proporcionem a mesma ou uma vantagem equivalente” SJ) e poder de pretender (“o titular do direito subjetivo não pode reagir contra o adversário” SJ) Direito subjetivo em sentido potestativo é a faculdade de, por ato livre de vontade, produzir efeitos jurídicos que se impõem à contraparte, e podem ser por isso constitutivos (quando se cria uma nova relação jurídica), modificativos (quando se modifica uma relação jurídica já existente) ou extintivos (quando se extingue uma relação jurídica existente) SJ. Só podemos conceber os direitos subjetivos quando os assentamos no direito objetivo vigente. Todo o ser humano é sujeito de direito, e por isso também é sujeito de direitos. Classificações de direito subjetivo:
Inatos e não inativos – que nascem com a pessoa / restantes direitos adquiridos posteriormente ao nascimento. Essenciais e não essenciais – indissociavelmente associados à pessoa, como o direito à personalidade / direitos concebíveis sem a pessoa (Ex. contratos) Pessoais e patrimoniais – direitos irredutíveis a valor pecuniário / direitos suscetíveis a avaliação pecuniária. Absolutos e relativos – poder direito sobre uma pessoa ou um bem / direitos sobre a conduta de uma pessoa ou bem Disponíveis e indisponíveis – direitos que se podem separar do seu titular / direitos intransmissíveis Simples e complexos – pretensão específica / várias possibilidades de atuação
Direitos subjetivos públicos: Direitos que os cidadãos podem invocar contra o estado, quer sejam exigências, quer sejam limites. Já no pensamento medieval se considerava que o direito era “apenas um instrumento de revelação da justiça”, e por isso recusava a lei injusta. A ordem humana deve sujeitar-se à lei natural e por isso os direitos subjetivos são invioláveis. Mais tarde, encontramos a ideia de
direitos subjetivos públicos nas primeiras formas de governo representativo, e com a magna carta. Finalmente, no séc. XVIII afirma-se que o poder político deve respeitar a esfera privada do indivíduo. Assim sendo, os direitos subjetivos públicos relacionam-se com a limitação jurídica do poder político, por exemplo através da doutrina contratualista, e doutrinas de Locke e Rousseau. (ver SJ) 11. As finalidades do direito – segurança e justiça A segurança pode compreender-se em diversas subdivisões:
Ordem imanente à existência e ao funcionamento do sistema jurídico: procura preservar e manter a paz e a estabilidade social, o que significa a existência de um quadro de normas que as mantenha através de vias pacíficas mas também, caso seja necessário, usando a força (que é legitimada pelo direito) Segurança perante o estado: pois cabe ao direito legitimar e limitar o poder do estado, garantindo aos cidadãos que não há uma violação da sua esfera jurídica arbitrariamente. Os cidadãos sabem que têm uma ordem que garante que o estado não caia na arbitrariedade. Isto significa que o estado de direito serve como ressalva de proteção para os cidadãos, o que nos permite usar livremente os nossos direitos sem que o estado interfira na vida de outra forma que não pelo direito. O núcleo de direitos do cidadão fica por isso intacto, porque temos possibilidade de aceder a um poder neutro para defesa dos nossos direitos, liberdades e garantias, e porque a administração pública está sujeito ao princípio da legalidade.´ Segurança social: exigências do direito ao trabalho e à libertação da necessidade. Tentativa de assegurar a toda a gente a base material do seu sustento. Segurança enquanto certeza jurídica, que garante que cada um tem conhecimento do que esperar da lei. Se antigamente havia incerteza e arbitrariedade, atualmente há uma necessidade de garantir o direito enquanto certeza jurídica, porque os cidadãos desenvolvem a sua vida sem estarem sujeitos às decisões e interferências imprevisíveis das fontes do direito. O direito deve ser previamente definido e estável. Para isto contribui por exemplo a formulação clara e precisa das leis, sem ambiguidades ou lacunas. As normas têm por isso um caráter geral que permite que os seus destinatários as conheçam antes de agir.
Uma lei escrita e publicada é por isso garante do direito, enquanto antigamente não se sentia isso. Com a transição para o séc. XIX, o movimento de revolução industrial e o desenvolvimento do comércio, passa a ser fundamental assegurar a certeza dos direitos, porque a sua ação exige previsibilidade e um quadro que não estivesse sujeito à arbitrariedade através de um instrumento que era a LEI. Esta passa a ser a principal fonte de direito, e é capaz de garantir a certeza jurídica. Só vale para o futuro, e os cidadãos sabem qual é o sistema jurídico vigente. A isto chama-se o Princípio da não retroatividade da lei que ajuda a manter a segurança e certeza jurídicas. (BM)
A justiça Fala-se da justiça enquanto virtude social, aquela que pretende ordenar a vida dos homens na sociedade em que se integram. Uma das funções do direito é realizar esta justiça, cujas caraterísticas são:
Impessoalidade; Dinamismo – contínua evolução; Alteridade – orientada para o social
Os elementos lógicos da justiça são:
Proporcionalidade – proporção entre o que se dá e o que se recebe, entre os delitos e as penas, etc. Igualdade – decorre da proporcionalidade e tem a ver com o facto de as normas jurídicas serem gerais e abstratas. Alteridade – a justiça valora as condutas socialmente relevantes. Toda a pessoa possui o mesmo valor. O problema com estes elementos é o facto de serem caraterísticos da justiça formal e não da justiça real, que é realizada pelo direito. A justiça material só pode assumir-se em referência à realidade social, havendo por isso três premissas que apontam o atual sentido da justiça (?):
O pressuposto material; A participação pessoal; A integração comunitária;
Além disto, podemos dizer que existem três modalidades de justiça:
Comutativa – corrige desequilíbrios nas relações contratuais; Distributiva – repartição dos bens comuns pelos membros da sociedade; Geral ou legal – participação dos membros da sociedade nos encargos comuns;
À justiça opõe-se a equidade, que é a “justiça do caso concreto”. Esta evita que a dimensão geral das normas jurídicas, que se obtém pela via da abstração, conduza à injustiça de tratar igualmente casos cujas caraterísticas singulares os tornam desiguais. A equidade tem por isso as seguintes funções:
Dulcificadora – suaviza a lei e torna-a menos rija e indiferente às situações especiais. Resolutória ou decisória – critério de decisão dos casos. Flexibilizadora – ajuda a ajustar a norma jurídica ao caso a decidir, os conceitos indeterminados da lei são preenchidos. Interpretativo-aplicadora – adequa a norma geral ao caso concreta, e interpreta-a (?) Integradora – integração de lacunas; Corretiva – corrige, modifica ou restringe a lei.
Esta ideia de equidade já se pode considerar superada hoje em dia, dado que a justiça atual visa a realidade da ação concreta na vida história, e por isso o caso concreto é o centro
das preocupações. A equidade já não pode por isso diferir da justiça, mas é uma das suas dimensões. (p. 72 BM) Relação entre ambas A segurança não tem um lugar idêntico à justiça na ordem jurídica, porque decorre dela. A justiça assegurará a segurança: uma ordem organizada, com um conteúdo normativo assegurado pela justiça, em conjunto com os meios coercivos necessários, garante a segurança, a paz social, etc. numa sociedade na qual o estado respeita a liberdade dos cidadãos. Contudo, complementam-se:
Uma justiça que não implicasse segurança não seria eficaz; Uma segurança que fosse injusta seria imposta pela força – a ordem sem justiça é mantida pela força e também derrubada pela força, por isso a segurança tem de ser justa e exprimir uma ordem de direito, pois é em função do direito que se afere a segurança. A segurança está assim a serviço da justiça e legitima-se perante ela;
Não existe por isso uma opção entre segurança e justiça, mas algumas normas jurídicas estão mais orientadas em relação a uma ou a outra: existem normas cujo valor fundamental é a justiça, e outras cujo valor fundamental é a segurança. Genericamente, não são opostas, mas há situações em que se contrapõem, e aí o ordenamento jurídico faz prevalecer um. Exemplos de normas mais orientadas para a segurança:
O princípio ignorantia iuris non excusat O caso julgado – a partir do momento em que um caso foi decidido, a decisão não pode ser retirado A não retroatividade da lei; A usucapião; A prescrição; A caducidade;
Não há assim uma dualidade entre ambas as dimensões, mas uma união em dois momentos: o da estabilização ou de ordem traduzida pela objetivação ou realização do direito; e o da superação ou revisão que define um novo sentido jurídico que tende a estabilizar-se e a superar-se. OS SISTEMAS JURÍDICOS DO MUNDO: AS GRANDES FAMÍLIAS 12. O direito comparado “A comparação de direitos, enquanto estudo de figuras e institutos integrados em ordens jurídicas diferentes, no sentido de lhes encontrar semelhanças e diferenças e percebê-las, constitui o objeto do direito comparado.” Comparar direitos implica comparar a cultura de cada uma das áreas geográficas que está a ser analisada. Internamente significa um melhor conhecimento do direito vigente e uma
oportunidade para aperfeiçoamento das bases. A nível internacional, permite melhores relações entre os povos, e ajuda no movimento de internalização do direito. 13. Família jurídico ocidental – legado grego, romano, judaico-cristão. O homem, na sua autonomia, liberdade e dignidade é o centro do sistema jurídico. O sistema romano germânico:
Europa continental não-nórdica (e Ásia Russa); América Latina. Critérios: o Históricos – o direito romano – estudado nas universidades europeias a partir do século XII; serve de inspiração à codificação; o Fontes – a lei; o Estilo – dogmática geral abstrata e método lógico dedutivo
Os sistemas romano germânicos são principalmente influenciados pela importância do direito romano na europa, e mais tarde pela influência germânica que levam à queda do império no séc. V. Os povos germânicos instauram um conjunto de elementos jurídicos e de novos institutos que influencia do direito vigente. Os bárbaros recebem as ideias romanas nuns aspetos, e vice-versa. Outro aspeto importante é que o direito canónico mantém-se, pois o direito romano era já influenciado pelo cristianismo. O papa dizia que o poder da igreja era temporal, ideia que se mantém até à idade média. Nesta altura, apesar de já haver quadros jurídicos particulares, o direito canónico regia as relações no geral. Durante o renascimento das cidades, e com o desenvolvimento das universidades (p. ex. Bolonha) e a descoberta de textos jurídicos romanos, o pensamento jurídico desenvolve-se, e o direito romano passa a ser estudado nas Universidades europeias a partir do século XII. Aplicam-se os textos descobertos à realidade contemporânea. Em termos de fontes: a lei é a principal fonte nos sistemas romano germânicos. Isto porque o direito romano que se vem a descobrir é o do poder imperial, mais importante que por exemplo o costume. Por outras palavras, não se redescobre o trabalho do pretor, mas sim o Corpus Iuris Civiles de justiniano. Lei como ato natural e deliberativo da autoridade; Assim sendo, a elaboração de leis gerais e abstratas vem garantir a certeza e a segurança jurídicas, evitar o abuso dos magistrados e tornar mais fácil a realização do direito e da justiça. A respeito do estilo, o método romano germânico é essencialmente dedutivo, porque a aplicação do direito limita-se à aplicação, por dedução, de uma norma a um caso. Há sempre disposições previamente fixadas pelo legislador. Isto também reforça a ideia de lei como fonte de direito mais importante. O jurista tinha de conhecer as normas vigentes. O sistema da common law: Não tem influencia determinante do direito romano. Direito radicado na história e na tradição dos países anglo-saxónicos.
Reino Unido (Com exceção da Escócia), Irlanda, EUA, Commonwealth Critérios: o Fontes: costume, jurisprudência (regra do precedente obrigatório); o Estilo: dogmática e praxis casuística, método indutivo;
A maior diferença entre este sistema e o anterior é que o método jurídico aqui é casuístico e indutivo. Ou seja, a forma como o direito é efetivado não parte de uma premissa geral mas sim de situações concretas que devem ser solucionadas. É um sistema de direito jurisprudencial, em que as regras jurídicas são desenvolvidas pelos juízes a partir desse caso concreto. As soluções são procuradas a partir de precedentes, de casos análogos, e criam-se princípios casuisticamente. Estes princípios têm um alcance geral, mas são inspirados no caso concreto, e passam a ser aplicados a todos os casos análogos. A segurança como certeza jurídica assegura-se assim porque a jurisprudência tem importância que vem dos tribunais. Verificando-se uma situação no futuro à qual possa dar as mesmas razões, terá a mesma decisão (Stare decisis). Sistema então de direito jurisprudencial com regras geradas pela atividade dos juízes face ao caso concreto. As soluções não são procuradas por uma lei abstrata mas sim pelo precedente, que garante segurança. Quanto às fontes, o poder real no reino unido era débil porque havia muitos poderes locais. A lei nunca consegue ter uma grande importância no sistema jurídico britânico. A fonte maior é o costume, apesar de haver costumes muito diversos. A efetividade do costume exige alguma institucionalização que tem aplicação na jurisprudência. As leis consuetudinárias não são deixadas ao acaso. São por isso aceites pelos tribunais, e usadas então como “rule of precedent”. Por outras palavras, o costume é fonte de direito, não de forma inorgânica mas como reconhecida nos tribunais. Estes têm um lugar central na sistematização do costume, ma estruturação o direito, e no ordenamento jurídico – DIREITO DE MATRIZ JUDICIAL. Esta ideia aproxima o modelo do direito romano clássico, apesar de não ter tido influência deste, porque a lógica é semelhante. Trata-se de uma construção assente na jurisprudência, com uma lógia casuística, com construção geral a partir das situações particulares. Tal como o trabalho do pretor. Não existem formulas, que são desenvolvidas pelo jurisprudente. Se formalmente se recusa o legado romano, na prática há um paralelismo entre o método de pensar e efetivar o direito romano clássico e o das ilhas britânicas. Diferenças entre os sistemas romano-germânico e de common law:
Fontes de direito: lei vs. Privilégio do direito-dito pelos tribunais Função do juiz: papel passivo vs. Papel criador vinculado ao precedente Método de realização do direito: logico-dedutivo e abstrato vs. Caso concreto; Orientação dada à produção doutrinal: abstração e dogmática do sistema RG, vs pragmatismo do sistema de CL Tipo de formação imposta aos juristas: apreensão das estruturas teóricas pelos juristas vs. Contacto com a prática forense.
Sistemas híbridos:
Quebec – sistema romano germânico; Escócia – sistema romano germânico Louisiana – influencia jurídica francesa;
Família jurídica soviética – associada a uma ideologia, e à tentativa de edificação de uma sociedade sem estado nem direito. Nesta família, o direito é um instrumento ao serviço dos fins do estado, e não tem autonomia. Tenta-se que o direito discipline a educação do povo, o que passa principalmente pela criação de leis. Por isso diz-se que a lei é a principal fonte de direito. Sistema islâmico: África e Ásia. É o direito da comunidade religiosa islâmica. Direito não é autónomo da religião, por isso rege as relações sociais mas também o comportamento moral e religioso dos fiéis. As regras jurídicas encontram-se na Sharia. Aplica-se unicamente aos crentes. A força deste direito explica-se porque há um grande número de fiéis nesta religião, e porque é um direito flexível e aberto ao costume, à intervenção dos juristas, e à regulamentação administrativa levada a cabo pelos detentores do poder. Sistemas asiáticos:
Direito Hindu – direito religioso e tradicional. Não existe um conceito de direito, apenas o Dharma (Conjunto de regras/deveres de natureza moral, religiosa e social) revelado no Veda e inscrito na tradição e no costume social. Direito Chinês – o sistema jurídico-filosófico assente no Li (conjunto de regras/deveres sociais desenvolvidos pela tradição) e no Fa (Conjunto de regras heterónomas, gerais e abstratas impostas pelo poder). Este direito identifica as virtudes essenciais que existem no coração dos homens, e que devem ser por estes cultivadas. Além disso, não só reconhece direitos, mas também estabelece deveres que obrigam os homens para com a comunidade que integram. (v. apontamentos) Direito Japonês – sistema tradicional influenciado pelo sistema chinês; desenvolvimento de uma organização politico-jurídica feudal; modernização económico-jurídica ocidentalizante após o séc XIX, e modernização jurídica após a IIGM.
Sistemas africanos e de Madagáscar – Inclui sistemas jurídicos muito variados, mas com pontos comuns entre si: primitivos, com tradições tribais costumeiras e sincretismo jurídicosocial-natural-religioso; O verdadeiro sentido de justiça para estes povos prendia-se com a instituição da paz e com a restauração da harmonia da comunidade. a ocidentalização póscolonial significou a aproximação às famílias romano germânicas e da common law. 14. A convergência entre os sistemas romano germânicos e os de common law Em termos específicos, há muito mais que aproxima os dois sistemas do que os afasta. Só existem duas diferenças fundamentais:
Figura do direito patrimonial ou trust, que trata das fundações do património social. É caraterístico dos sistemas anglo-saxónicos e mostra-se p. ex. na sucessão depois da morte;
Método de pensar e efetivar o direito (mais importante): o direito é feito pelos juristas e pela jurisprudência no sistema Romano Germânico, e as normas são gerais e abstratas e feitas por instituições reconhecidas, sendo a partir daí aplicadas por casos concretos. Há uma lógica dedutiva – do geral para o particular. Já nos sistemas anglo saxónicos, passa-se dos casos particulares para uma conceção geral.
Tem havido contudo uma aproximação dos sistemas, do lado da common law devido a:
Crescente importância da legislação, resultado do desenvolvimento social e do progresso tecnológico, acompanhada da ideia de codificar o direito. Tendência para extrair grandes princípios, numa aproximação à elaboração doutrinal do continente.
Do lado do sistema Romano Germânico porque:
Necessidade de orientar a realização do direito por um pensamento problemáticoprático, devido à insuficiência do método logico-dedutivo, ou seja, capacidade de prestar atenção ao caso concreto. Valorização do papel dos juízes e da jurisprudência na realização do direito; O facto de as decisões dos tribunais de mais elevada hierarquia serem tão acatadas pelas instâncias inferiores como em Inglaterra.
De ambos os lados:
Existência nos países integrantes de um ideal de justiça semelhante, espelhado por valores também semelhantes. Colonização; Aproximação entre países dos vários sistemas Aproximação do intervencionismo do estado no direito – tentativa de regular a ação do estado e da coroa através do poder administrativo. Passa a haver uma prerrogativa especial pública e mais regulação do estado Integração na União Europeia (Europeização)
Assim sendo ambos os sistemas se consolidam e unem, e depois da segunda guerra mundial, por influência interna e do CEDH, e dá-se um processo de constitucionalização. Criam-se tribunais constitucionais em todos os estados europeus, que têm o poder de contestação do poder legislativo – agem como legislador negativo porque fiscalizam e apreciam o trabalho do legislador. Isto demonstra a importância da jurisprudência no sistema jurídico europeu A jurisprudência é fundamental para perceber a norma jurídica, e compreender a aplicação dos códigos. A lei só tem sentido através disso, e da institucionalização do sistema jurídico. 15. A globalização jurídica Induzida na economia e comércio internacionais pela promoção da democracia e do estado de direito e dos direitos humanos (ONU).
Torna-se necessária a criação de fórmulas e soluções idênticas nas várias famílias, que acabam por se modelar pelas orientações do diálogo ocidental (Cultura americana e europeia). Não é uma convergência igualitária, mas acaba por aproximar todas as famílias. As discussões centram-se, do ponto de vista jurídico, nos sistemas RG e de CL, com enquadramentos institucionais e conceituais ocidentais. A globalização jurídica é por isso induzida pela economia e comércio internacionais, pela globalização cultural (matriz ocidental, hábitos que se acentuam principalmente no território anglo saxónico). A globalização jurídica faz-se assim segundo princípios matriciais do direito ocidental:
Princípios gerais afirmados internacionalmente, por exemplo pelo direito internacional; Princípios da democracia representativa e do estado de direito, bem como dos direitos humanos.
Organizações internacionais tentam manter estes princípios e expandi-los pelo mundo. Ajudam na autodeterminação dos povos especialmente onde não são aceites, pelo que o objetivo é que a matriz se desenvolvesse. Aqui é de destacar a importância da ONU. Objetivos desta globalização (manifestações jurídicas concretas):
Constitucionalização – haver nos vários sistemas jurídicos uma organização politicojurídica com base na constituição, que incluía não só a limitação do poder político como também a afirmação dos direitos individuais; o objetivo é exatamente essa defesa dos direitos individuais. Codificação dos direitos, especialmente das regras do direito internacional criadas consuetudinariamente. Esta codificação tem influencia nos direitos nacionais, p. ex. em Portugal levou à criação do código civil, penal, etc. Isto tem acontecido por todo o mundo e é caraterístico dos sistemas romano-germânicos – leis sob a forma de códigos, e códigos como conjuntos articulados de normas congruentes entre si.
HISTÓRIA DO PENSAMENTO JURÍDICO OCIDENTAL Análise do pensamento jurídico ao longo da história, que apresenta elementos fundamentais das ordens jurídicas no ocidente. Divisões:
Da antiguidade à modernidade – desde as civilizações clássicas com influências cristãs até à idade média. Formação do pensamento jurídico ocidental; Modernidade – época moderna praticamente até aos nossos dias. Ainda somos muito marcados por esta segunda fase Contemporaneidade – com a introdução de certas caraterísticas do séc. XX. Tem elementos de rotura com a fase anterior mas assenta em bases desta e precisa de ser compreendida em função desta. Esta fase ainda não está completamente desenvolvida, está em continuação. Pode-se até dizer que ainda estamos na fase da
modernidade, o que não é propriamente mau porque esta trouxe elementos essenciais ao estado de direito. 16. Da antiguidade à modernidade Existem elementos fundantes que caraterizam os elementos jurídicos e a crença do direito que surgem nesta época. São os elementos perenes: 1 - Autonomia do direito, integrada numa ordem mais global – o direito como um subsistema social autónomo e distinto, que se distingue por ser normativo mas que, dentre outros sistemas normativos, também se distingue. Por outras palavras: direito como ciência autónoma do ponto de vista do conhecimento científico. Esta ideia desenvolve-se desde a época clássica: inicia-se na Grécia, consolida-se em Roma e afirma-se na idade média, revelando-se na modernidade, na qual vemos o direito plenamente enquanto sistema normativo autonomizado da política, da filosofia, da moral, da religião e de outras esferas. Hoje em dia isto é um dado adquirido, no ocidente, mas está em fase de exportação para outras latitudes – exportação da autonomia do direito (funções, finalidade, ponto de vista institucional). Do ponto de vista institucional, as instituições levam à autonomia axiológica do direito, e tem de existir uma cultura institucional autónoma para haver criação e efetivação do direito, e para haver afirmação de certas finalidades e funções. 2 - Natureza societária e pessoal do direito – importância da dignidade humana; ideia de onde há sociedade há direito, e o direito só funciona entre pessoas, que são tanto a origem como o fim único do direito. Existem também polos gravitacionais no direito, ou seja, dualidades segundo as quais o pensamento jurídico tem evoluído.
Idealismo vs. Positivismo: o direito como realidade normativa fundada com base em leis naturais que transcendem as várias sociedades, e como conjunto de direitos inerentes à natureza humana VS ideia de que as normas de organização social que determinam o modo como as relações sociais se desenvolvem são fruto de uma deliberação e da vontade de uma autonomia legítima. Direito como sistema de normas associado a uma estrutura institucional; Individualismo vs. Comunitarismo: o direito aplica-se com base na pessoa. O individualismo vê o direito como realidade autónoma, e prevalece no ocidente, onde se vê a comunidade como agregação de indivíduos com uma dignidade única. Os seres humanos são vistos per si e não apagados numa multidão VS ver os seres humanos como mais que indivíduos, incluídos numa sociedade. Não se consegue conceber a pessoa enquanto ser de direito se não for nas relações sociais – o direito só faz sentido porque somos um ser social. Há uma relação com os restantes na qual se afirma a individualidade, mas os interesses sociais estão acima. Ratio natural vs. Voluntas: direito jusracionalista, que se fundamenta na razão humana, como manifestação da razão VS voluntarismo, direito como pura vontade. Justiça vs. Estabilidade – não se anulam mas conjugam-se. Ainda que haja situações em que uma prevaleça sobre a outra, é possível conjugá-las.
1. Antiguidade clássica Textos exemplares: A República, de Platão; A Ética, de Aristóteles; Antígona, de Sófocles. A nossa civilização tem raízes na Antiguidade Clássica. Grande parte dos conceitos e instrumentos jurídicos para aplicação do direito formaram-se nessa altura, mesmo que o seu sentido tenha mudado ao longo do tempo. Pensamento grego: Na Grécia inicia-se o processo de autonomização do direito, mas não se completa. O direito é visto conforme o pensamento político e conforme o ser humano e a sociedade. Não é visto em separado destas realidades, estava integrado numa ordem cósmica e natural.
O relativismo (tudo o que existe é mutável e plural) e o voluntarismo da ordem jurídica humana, independentemente de uma ordem natural – esta ideia é realçada pelos sofistas. O direito integrado num continuum ideal ontológico e a-histórico e humano. O idealismo realista de Aristóteles – os homens tinha uma natureza essencialmente política, e a sociedade era organizada em vista do bem comum. Há uma conceção das relações humanas e do direito que se integrava numa ordem mais vasta.
Os juristas identificavam a justiça com a Natureza, e esta com Deus. O direito positivo era a manifestação histórica e contingente do direito natural. Havia uma ideia de ordem objetiva e indisponível das coisas Pensamento romano: O pensamento romano foi o principal fator de unificação dos direitos europeus. Caraterísticas principais:
Crença num direito imanente (ius naturale) Plena autonomização do Direito em relação à Filosofia – completam o legado dos gregos, dando-nos conceitos e normas fundamentais especialmente no espaço romano germânico. Pragmatismo – não pensam só sobre o direito, organizam-no enquanto sistema social autónomo, e organizam-no com base num propósito de resolução de conflitos e de problemas da realidade; Casuísmo – justiça como solução ajustada ao caso concreto. O sistema romano elabora-se com base nas soluções encontradas nos casos concretos. Elabora-se a solução à luz da justiça. Não universalista (com distinções); Carater jurisprudencial do direito: Desenvolvimento prudente da justiça através do qual o direito positivo alcança e concretiza o direito natural, sem haver contudo confusão entre os dois. – direito como jurisprudência, como criação dos juristas a partir do seu saber prático.
O pensamento jurídico é problemático-tópico e é uma prudência que se desenvolve numa praxis casuística – direito como saber prático, ou seja, constrói-se pela aplicação e não por um sistema normativo abstrato. Distinção entre ius e lex – é do direito que derivam as regras, e o direito não se confunde com a lei.
2. Transição para a idade média Na transição para a idade média, é muito importante a ideia de cristianismo e de pessoa enquanto ser absoluto. Santo Agostinho faz assim uma adaptação do pensamento platónico ao cristianismo, sendo muito influenciado por este. Entende que o direito é uma estrutura tripartida:
Lei Eterna - vontade de Deus, inacessível ao homem, que se faz corresponder à justiça. Não pode por isso ser posta em causa. Problema: se aceitamos isto, aceitamos que algumas situações e organização política de tirania sejam consideradas justas; Lei natural - inscrita por deus na natureza e no “coração” dos seres humanos. Só é acessível ao ser humano pela FÉ – perspetiva teológica e cristã, que impede a autonomização do pensamento jurídico face à religião, porque impede que o conhecimento humano seja uma forma de compreender a lei natural. Lei humana/Lei positiva/Direito positivo – existe porque a organização humana carece de um poder cuja legitimação é dada por Deus, que impõe esta forma de organização – há por isso o respeito pelos governantes, porque são eles a representação da vontade divina (problema disto: ainda que a lei seja tirânica, é feita de acordo com a vontade de deus)
Na teoria de Platão, Santo Agostinho mantém a associação do direito à política, e a defesa do pensamento positivista e voluntarista. 3. A idade média Entre o idealismo universal religioso e o positivismo idealista do poder:
O pensamento aquiniano neoaristotélico: a lei divina a-histórica e a lei natural dos princípios, a lei humana positiva, histórica e contingente, e aplicação dos princípios da lei natural à realidade, a fim de realizar o bem comum;
São Tomás de Aquino faz uma releitura do pensamento aristotélico, que supera o pensamento platónico de Santo Agostinho. Defende haver:
Lei divina, inacessível aos seres humanos, que se manifesta nas realidades natural e humana, e que se traduz na: Lei natural. A diferença no pensamento aquiniano é que o ser humano tem acesso a esta lei mas pela razão e não pela fé. Esta ideia é essencial porque permite autonomizar o direito em relação ao pensamento religioso. Direito humano/positivo. Adequa a lei natural à realidade. Isto pode não se concretizar, dando origem ao mesmo tipo de conflito que acontece no pensamento de
Santo Agostinho entre a justiça da lei natural e a justiça do direito positivo, mas enquanto a solução de Santo Agostinho seria a legitimação divina do governante, a de S. Tomás de Aquino é a do mal menor: o acatamento das leis verificar-se-á sempre que tal acatamento constituir um mal menor face à garantia do bem comum Isto pressupõe então que na Idade Média se dá a racionalização do pensamento jurídico (inspirada na lógica dialética aristotélica); Emerge a escolástica e o nascimento da dogmática jurídica. A sua utensilagem permanece até hoje. A sociedade medieval de que falamos era estamental, ou seja, organizada em corpos sociais diferentes entre si, que eram considerados fundamentais para a harmonia do povo e para o bem comum. Não se reconhece a circulação social. Assem sendo, os direitos e normas aplicados a cada um são diferentes. Havia assim um pluralismo de ordens jurídicas, sendo que, por exemplo, cada uma das ordens tinha o seu próprio direito, baseado no direito natural. O direito é pensado como uma pluralidade:
Espacial – com o desenvolvimento das cidades e do direito local rural, dado que havia uma diferença de necessidades entre estes dois espaços, e logicamente uma diferença de princípios e instituições; Pessoal – inicialmente o direito era o de uma sociedade feudal e dividida, mas ao longo da idade média dá-se uma centralização do poder no rei, que põe em causa a organização feudal e a dispersão do poder. Contudo, este poder central não apaga os poderes locais; Transnacional – nascimento do comércio internacional, cujas exigências específicas têm de ser reguladas. Origina a lex mercatoria, que, sendo transnacional, coexiste com os outros direitos;
Esta multiplicidade de direitos torna necessária uma articulação entre eles, a que se chama ius commune (conjunto de normas tidas como provenientes da razão natural), que surge durante o renascimento nas Universidades. Este é composto por duas ordens internacionais, a lex mercatoria e o direito canónico Direito canónico:
Modifica-se a liberdade de culto A igreja arroga-se toda a jurisdição sobre todas as matérias Hegemonia da igreja sobre os mecanismos políticos dos reis Importância da figura do papa Quando houvessem conflitos, a igreja tinha a ultima palavra.
A lex mercatoria, dá-lhe uma dimensão internacional e comum à europa. O Direito Canónico resiste à queda do império romano e serve de inspiração à construção e sistematização do direito comum. Além destes direitos havia os direitos locais. Caraterísticas gerais do Direito Comum Europeu:
Desenvolvido nas universidades, com base em textos descobertos do Direito Romano;
Sistematizado por juristas; Organiza a pluralidade de sistemas jurídicos existentes; Direito subsidiário com raízes romanas; Completa os direitos locais; Faz desenvolver os direitos estaduais Consiste na opinião comum dos doutores;
Em resumo, o pensamento jurídico medieval:
Casuístico e prático Multiplicidade de fontes não organizadas Adequado à sociedade fragmentada medieval.
4. Transição para a modernidade A crise induzida pelo empirismo e individualismo – ou seja, desenvolvimento da ideia que as pessoas devem limitar-te a conhecer aquilo que é sensível, o que impulsiona a laicização do direito A neoescolástica peninsular - tentativa de conciliação entre uma ordem teológica e uma ordem humana positiva, ou seja ente o direito natural “divino” e a ordem necessária imposta pela autoridade legitimada divinamente O advento do racionalismo humano e o corte epistemológico com a “metafísica” , ou seja, a emergência de um direito autónomo positivo, com base numa ordem natural mas ainda assim voluntário. Por outras palavras: O idealismo universal de natureza racional – o direito como razão natural humana – porque na idade média dá-se a criação do racionalismo jurídico, devido à ideia de que o direito é produto da razão, e de que o ser humano é racional independentemente da autoridade religiosa. Isto contribui para a laicização e fundamento voluntarista do Direito. Este é fruto da voluntas racional, seja contratualista ou legitimada divinamente, autoritária ou democrática. O direito autonomiza-se. Se todos os seres humanos são iguais, e todos são racionais, todos têm também a capacidade de atingir a lei natural sem precisar da fé. É durante este exercício da razão que surge o direito, e o racionalismo leva o conhecimento científico ao Direito. “Há uma clara autonomização da razão, os seres humanos são iguais, dotados da mesma capacidade racional. A razão pode ser objeto ou formação da vontade humana. O racionalismo leva assim o conhecimento científico ao direito, tornando o pensamento jurídico numa técnica – os conceitos da idade média são sistematizados. Esta sistematização e codificação é o culminar de um processo de racionalização.”
MODERNIDADE: DO JUSRACIONALISMO AO JUSPOSITIVISMO
5. Modernidade Contexto político e religioso
Criação de estados – organização institucional com influência da ideia do estado nação (3 elementos do estado: poder político, território, povo). Estado como comunidade que se desenvolve associada a um território, como produto humano e com fins estritamente humanos; Evolução da soberania e aniquilamento da pluralidade de poderes infra reais ou supra reais – Ideia de que não existe um poder acima do estado, a nível interno, e de que a nível externo o estado só encontra poderes soberanos idênticos. A soberania é o poder supremo (Maquiavel e Jean Bodin – poder soberano uno, indivisível e inalienável). Rutura religiosa da cristandade ocidental – rotura entre o catolicismo e o protestantismo. A religião passa a ser um assunto de estado no sentido em que cada soberano define a religião do território sobre o qual exerce soberania. Há uma diminuição do poder temporal do papa Laicização do poder e separação do poder temporal e espiritual - O senhor do poder temporal passa a ter legitimidade para eliminar a esfera espiritual, ao contrário do que acontecia na idade média; Além disso, o rei é o soberano legitimado pelo contratualismo, e não pelo poder divino. Ideia individualista: o individualismo com racionalidade manifesta-se através da fé. A religião é parte da esfera individual e não institucional.
Contexto filosófico, cultural e económico
Expansão dos ideais renascentistas a todo o ocidente – classicismo. Ideia da razão e da natureza como associadas - a razão é a melhor manifestação da natureza das coisas. A fundamentação do direito natural deixa de ser teológica e passa a ser racional. Assim sendo, o direito baseia-se na razão, o que é importante porque se opõe aos anteriores dogmas religiosos. Humanização da filosofia sob o império da razão e da experiência - a razão e a experiencia são inatos e acessíveis a todos os homens, e se o direito tem base na razão, então todos os indivíduos são sujeitos de direito – individualismo; O desenvolvimento das ciências exatas – o direito passa a ser visto como uma ciência exata cuja lógica é dedutiva. A matemática assenta numa série de premissas básicas que são um dado e são dedutivamente desenvolvidas para explicar outras coisas. Esta mesma lógica passa para o direito, que se transforma num sistema de axiomas (verdades absolutas que são verdades da razão). A partir destes axiomas desenvolvemse uma série de outros princípios e normas que constituem um sistema racional. O direito não é fruto da busca de soluções e de discussão, passa a ser uma lógica geral, abstrata e universal. O jurista ganha uma maior importância, mas faz-se uma separação entre o sujeito e o objeto – o jurista olha para as situações como um cientista, sem intervir e sem participar;
Descoberta de novos mundos, culturas e religiões: questionamento do pensamento divino face às culturas asiáticas que não tinham qualquer tipo de semelhança com o nosso sistema. Desenvolvimento do comércio;
6. O jusracionalismo Inicia-se com a eliminação das esferas normativo-jurídicas da idade média, ou seja, com a unificação igualitária das ordens jurídicas. Substitui-se a pluralidade pela unidade:
Construção de sistemas jurídicos nacionais, que querem absorver todos os domínios jurídicos daquele espaço, eliminando pretensões normativas de outras esferas. Querem criar um direito territorial e circunscrito, através da eliminação de outros sistemas iguais. Cada estado assume uma vocalização totalizante. Dá-se assim uma Europa de sistemas jurídicos que são todos iguais estruturalmente e com pretensões homólogas, mas que não se conjugam nem se entrecruzam. Isto difere do pluralismo da idade média exatamente por não haver este cruzamento. Agora em cada território há a pretensão de um só sistema que regesse todas as áreas, pretensão essa que é limitada pelo estado e reconhecida. Os sistemas justapõem-se. As normas do rei prevalecem, em relação aos costumes locais: existência de tribunais reais que são mais relevantes que a opinião comum dos doutores. Além disso, o rei passa a dominar todas as esferas locais. Afirmação de um património jurídico europeu – ius commune; Fim da importância do direito canónico com a afirmação do direito real: o direito canónico tem apenas os limites que o direito estadual oferece.
Na modernidade existe a rutura – a unificação do sistema jurídico mas através da pluralidade. Há a ideia de unidade do direito, a única exceção é o direito canónico. Só se pode ser súbdito de um único ordenamento jurídico. Toda a modernindade se organiza perante esta ideia mas ela não se concretiza imediatamente. Esta unidade simultaneamente tem uma pretensão de universalidade. Cientifização: Há o desenvolvimento das ciências, e este faz-se por separação da filosofia. Aqui o direito autonomiza-se por um exercício racional logico dedutivo, feito a partir do empirismo e da observação. Pelo que esta forma de ver a ciência não vai ficar indiferente ao direito, que pretende-se lógico e com lógica dedutiva. Racionalismo: o direito e uma ordem pre estabelecida, inscrita na natureza humana e das coisas, à qual se pode aceder mediante o uso adequado da razão.
A laicização do pensamento jurídico sob o império da razão – exercer o direito a partir da razão, ideia de S. Tomás de Aquino. A cientificização sintético-dedutiva: a codificação, determinada pelos três S: Sistemática (partes que se articulam de modo coerente), Scientífica (exata), Sucinta (depurada, não liga a questões acessórias).
O voluntarismo/positivismo – normas como resultado da vontade humana – todo o ser humano constrói a sua sociedade através de um pacto voluntário, quer benévolo (Locke) ou menos benévolo (Hobbes) Autonomização da ética (normas jurídicas como normas incidentes sobre ações intersubjetivas e dotadas de sanção);
Correntes jurídicas fundamentais
Escola dos glosadores: fidelidade ao texto justinianeu e caráter analítico e sistemático. Consideravam os textos quase sagrados, e limitavam-se a esclarecer o sentido das palavras para o momento atual. Criam uma linguagem técnica sobre o direito. Escola dos comentadores: surge devido ao esgotamento do método glosador. Comenta os textos medievais, que ultrapassam o sentido do que está escrito e introduzem novidades na ciência jurídica da época. Mos gallicus, escola culta francesa, humanista: movimento ligado ao ambiente cultural, filosófico, jurídico e social do século XVI. Reformam a metodologia jurídica dos comentadores, tentando voltar à pureza dos textos clássicos. Isto introduz o humanismo jurídico: o Depuração dos textos romanos, libertando-os das glosas e comentários medievais; o Tentativa de construção sistemática do direito; o Reforma no ensino jurídico para que atendesse ao verdadeiro texto e não aos comentários. o Atenção ao direito natural de cunho racionalista e sistemático; Usus modernus pandectarum – uso moderno das pandectas. Crítica alemã do facto de o direito romano ter de vigorar na Alemanha simplesmente porque os imperadores alemães são sucessores dos imperadores romanos. Consequências desta escola: o Novo interesse pela história jurídica nacional o Grande atenção pelo direito nacional que passa a ser sujeito a um tratamento dogmático o Maior adequação do ensino jurídico Às realidades do direito nacional. o Em suma, esta escola reformula o Direito romano e completa o sistema, tentando integrá-lo a nível nacional e às necessidades da época. Escola do direito natural e das gentes – tentativa de racionalizar o direito, e de acabar com as opiniões incoerentes. Pretende reconduzir o direito a um sistema sucinto, conjunto de axiomas, a partir dos quais podemos deduzir soluções. Assenta na ideia de razão, que está em todos os seres humanos e cujo exercício permite compreender a realidade humana e a natureza. Esta conceção implica um conjunto de direitos inerentes ao ser humano, os direitos naturais.
Conjugações paradoxais do jusracionalismo:
Universalismo racional/ particularismo político-jurídico – o direito é um sistema racional universal assente em princípios gerais da razão, válidos sempre e em qualquer lugar. Mas estão positivadas através de sistemas jurídicos particulares que se justapõem.
Objetivismo/subjetivismo – decorre do facto do direito ser uma manifestação da razão (individual) Individualismo/nacionalismo – o direito assenta na ideia de que o ser humano é racional, mas estes agregam-se em comunidades ou nações. É no quadro da nação que se afirmam os indivíduos enquanto participantes da vontade política e jurídica. Racionalismo/voluntarismo – o racionalismo é a iluminação que dispõe o soberano conferida por Deus – absoluto e iluminado. O voluntarismo decorre do facto de o direito partir de axiomas comuns, e de por isso ser uma manifestação da vontade nacional.
Vias fundamentais do direito na modernidade jusracionalista:
Racionalismo axiomático – assente em verdades que todos os seres humanos reconhecem. É uma conceção assente em ideais. Existe um conjunto de ideais presentes na razão e em relação as quais a realidade se vai encaixar. A realidade é uma manifestação dos valores presentes na nossa mente. Isto leva a um positivismo iluminista. Racionalismo individualista e contratualista: desenvolve-se na via contratualista. Se o direito está assente na razão, e todos têm acesso à razão, o direito é a afirmação da vontade racional do indivíduo. Contratualismo autoritário de Hobbes e liberal de Locke. Leva a um positivismo legalista. (importante, ver cp)
Problemas do antigo regime que o jusracionalismo quer superar:
Certeza da efetivação do direito; Costume – não era modelo de fonte no direito porque não parte da razão. Não era fruto do racionalismo nem do despotismo esclarecido. Arbítrio – conjunto de instituições cujo funcionamento não tenha critérios fundamentais, sendo realidades arbitrárias e irracionais em si, especialmente tendo em conta que o direito é uma ordem para a qual participa a razão.
Legados do jusracionalismo:
A sublimação jurídica da pessoa: os direitos individuais naturais, que se transformam em direitos subjetivos, e que atualmente podem ser considerados direitos constitucionais ou direitos humanos. A pessoa é um ser que por inerência tem uma esfera de direitos inalienáveis e incomprimíveis – inerentes, anteriores e superiores ao estado, e que este apenas reconhece e mantém. O direito natural não é DADO pelo estado. Apenas reconhecido. Os direitos subjetivos são é assim um dos grandes legados do jusracionalismo. A humanização e legalidade do direito penal – humanização das penas. Penas cruéis não são consideradas humanas ou civilizadas. O sistema de penas deve ser baseado no bem comum, e a pena mais grave é o retirar da liberdade das pessoas. A estadualização do direito, definido pela forma e pela coação – ou seja, a existência de liberdades que se afirmam contra o estado – direitos de primeira, segunda e terceira geração (acrescentos que se vão tornar direitos humanos – variáveis na extensão e dependentes de condições políticas.
A codificação e a vocação totalizante do direito; O pensamento jurídico e a tentação cientista (direito como objeto de análise e sistematização) – o direito constitui uma disciplina submetida a regras de valor necessário e objetivo, sendo por isso uma disciplina rigorosa e científica. Formação dos axiomas do direito. O Direito das gentes como manifestação imediata da recta ratio com os seus poucos princípios fundamentais universais;
7. Positivismo jurídico Contexto político:
A vitória do ideial demoliberal e nacionalista: o Os ideais da revolução americana (republicanismo, direitos naturais, governo do povo para o povo) e da revolução francesa (liberdade, igualdade, fraternidade) o Reação legitimista e a sua conciliação com a reivindicação da soberania popular – a vitória final da soberania democrática. o Separação de poderes como garantia contra o poder absoluto e as suas perversidades: A criação do direito cabe ao legislador, mas o poder está no povo que elege os seus representantes, criando assim a lei a que se submete, e podemos por isso dizer que o poder pertence democraticamente ao povo; ao poder executivo, que era do rei, cabe a condução da política e da administração; o poder judicial pertence ao juiz, a quem cabe a aplicação do direito, e não a sua criação. Os juízes são a boca do direito. o Dos ideais nacionalistas românicos ao nacionalismo radical do final do século. A cada nação um estado, e a cada estado uma nação. O estado como a forma de organização política da nação, e como forma mais elevada da organização política e social – multiplicação de estados na Europa e fim dos impérios. A cada nação corresponde um Estado e a cada Estado deve corresponder uma nação. O estado mínimo – garantia da esfera da sociedade civil contra a intervenção do estado. Garante a liberdade, a estabilidade e a segurança;
Onde a institucionalização do estado é débil, o direito, revelado nos costumes, é uma manifestação do povo/nação. A sua racionalização cabe a doutrina, e a sua aplicação aos juízes. Contexto socioeconómico:
A ascensão da burguesia e o paradigma individualista; A industrialização; A internacionalização da produção e comércio; O paradigma do equilíbrio automático do mercado;
Todos estes fatores exigem a abolição dos privilégios, a igualdade perante a lei, a liberdade e a proteção da propriedade. Tenta-se afirmar os interesses e liberdades dos indivíduos. Do ponto de vista jurídico, verifica-se a abolição dos privilégios. Liberdade comercial; Limitação da atividade do estado na economia.
No positivismo jurídico:
Direitos naturais – os direitos naturais originam os direitos subjetivos * Generalidade e abstração são garantias da liberdade e igualdade (ou seja, direito como conjunto de normas – regras criadas pela vontade geral para problemas de todos. O direito reconduz-se a um conjunto de regras gerais. A generalidade é o modo como se assegura a igualdade do direito. A manifestação do direito pelo individuo tem manifestação de vontade: O direito é positum, é voluntário, e distingue-se da sua aplicação; A doutrina como ciência hermenêutica e sistematizadora da lei, e não como criadora do direito. Tem um papel secundário. O pensamento jurídico é científico porque analisa o direito posto, e não porque assenta em especulações racionais ou afirma argumentos de autoridade. A doutrina tem aqui o papel de observar e interpretar os critérios maiores, mas não de criar. A jurisprudência como aplicadora mecânica das leis. O trabalho da jurisprudência é logico-dedutivo: encaixa uma lei geral e abstrata num caso concreto.
* “A relação entre os direitos subjetivos e direito objetivo elaborada pelo racionalismo contratualista vem a ser confrontada pelo institucionalimo do século XX”. O racionalismo contratualista está assente na ideia de que os seres humanos têm absoluta soberania e absoluta liberdade no seu estado originário, quer segundo a perspetiva de Hobbes, quer segundo a perspetiva de Rousseau. Dados os riscos da convivência entre seres humanos, celebram um contrato no qual atribuem o seu poder soberano ao estado (de novo com variações segundo a perspetiva do autor). Segundo Rousseau, mantemos contudo uma série de direitos naturais que prevalecem em relação ao legalismo. O direito subjetivo permanece assim em relação ao direito objetivo, porque se trata então dos tais direitos naturais que o estado não pode cumprir. O estado deve assim apenas RECONHECÊ-LOS. Pelo contrário, a conceção institucionalista vem contrariar este positivismo porque assenta na ideia de que a sociedade é composta por indivíduos, que não são vistos individualmente mas como parte da instituição onde nascem, se desenvolvem e morrem, por exemplo a família (instituição mais básica). As instituições transcendem o indivíduo porque são inerentes à natureza, e é por isso que o direito dessas instituições precede os direitos dos indivíduos. Não se trata do resultado de uma deliberação contratual. Por isso, segundo o institucionalismo, não existem direitos naturais inerentes à pessoa humana, apenas direitos atribuídos às pessoas a partir das instituições onde estão incluídos, mas que o direito objetivo precede. O interesse geral prevalece sobre o individual. 8. Escolas positivistas
Resultado do desenvolvimento das ciências para ciências empíricas, que avaliam o que existe, o que é posto na sociedade. As duas vias concretizam-se em duas escolas: Escola da exegese – positivismo legalista:
Surge no fim do século XVIII A nação está representada no parlamento, onde se cria o direito. Direito confunde-se com a lei, não há direito sem ser lei. – conjunto de regras gerais e abstratas concisas, simples e acessíveis a todos. À doutrina cabe apenas interpretar a lei vinculada à vontade do legislador histórico; A interpretação tem duas finalidades: o Finalidade de legislador; o Determinar o sentido concreto da lei. Aos juízes (jurisprudência) cabe aplicar mecanicamente a lei aos factos, recusando-selhes qualquer missão criadora: o Para garantir essa fidelidade preveniu-se o reenvio legislativo; o Para impedir o arbítrio judicial e garantir a fidelidade à consciência jurídica do povo institui-se o júri. Nesta escola, a legitimidade deriva da democraticidade. Importância do código, que deve sintetizar as ideias de forma acessível a todos. A lei sistematizada em código adquire o monopólio da manifestação do direito. É a isto que se chama positivismo legalista. Inovação legislativa aumenta, a lei torna-se banalizada e efémera.
Escola histórica alemã:
Em países como a Alemanha e a Itália, a consciência nacional manifesta-se contra a ideia de que o estado e o seu direito fossem a única forma de manifestar a identidade política e jurídica de uma nação. O Estado e os Códigos eram universais e artificiais, e valorizava-se as fontes tradicionais de direito. O direito não necessita de qualquer formulação geral e abstrata – anti universalismo. Recusa da codificação e do legalismo, porque não tinha qualquer relação a particularidades nacionais ou culturais. Ou seja, antilegalismo porque a lei e encarada como fator de destruição do direito, dado que introduz um elemento decisionista num mundo de normas orgânicas; congela a evolução natural do direito. Valorização das formas tradicionais e costumeiras de organização política O direito deve ser uma manifestação cultural/orgânica essencialmente consuetudinária e é constituído pelas normas criadas pelo costume; Sistematiza-se o direito consuetudinário através de critérios interpretativos usados na universidades. O papel da doutrina é a sistematização dessa ordenação emanada da cultura popular (mas intensamente imbuída de romanismo), havendo contudo costumes muito diferentes. Revaloriza-se a história do direito como forma de trazer para ele as tradições do passado para o direito.
Ambas as escolas pretendem que o direito se assuma como ciência, mas enquanto numa perspetiva o direito é o sistema de normas vigentes legitimadas democraticamente, noutra é constituído por normas consuetudinárias que os juristas podem sistematizar. De qualquer das formas, há nesta altura uma tentativa de apresentar o cientismo do direito (ideia de que é uma ciência dura tal como a matemática). Assim sendo, tudo o que fosse conceções de valor e de validade não eram consideradas científicas mas arcaicas. Os juristas queriam provar que as ciências sociais são também objetivas e compostas por dados racionais. Os conceitos do direito podem ser tão gerais e universais como os das outras ciências, sem estarem contaminados por considerações éticas, morais, religiosas, etc. A escola histórica alemã dá assim origem à Escola da Jurisprudência dos conceitos ou pandectística:
Direito como sistema autónomo em termos de valores, conotação social, política, etc. trata-se de um sistema pleno logica e normativamente, que não está aberto a exigências fora do seu próprio quadro. A influência de Kant e de Hegel; A sistematização dá-se em conceitos abstratos e autovalidantes integrados num sistema jurídico pleno, que se constrói indutiva e autonomamente a partir do direito positivo, em que os princípios fundamentais se desenvolvem em outros princípios e se especificam em regras, e que se concretizam dedutivamente na aplicação subsuntiva por meio de uma interpretação objetivista; o A sistematicidade do direito decorre do facto de ele ser uma emanação de um povo orgânico, e do espírito das instituições e do povo. o Os conceitos criados eram apenas identificados e neutralmente descritos – importância do formalismo. A autonomia do direito e do pensamento jurídico: o direito como sistema e método colocam-se ao abrigo das contingências e arbítrio políticos, ético-valorativos e casuísticos: o pensamento jurídico reassume uma função central, pois o direito não se confunde com a lei mas é um sistema cujo sentido tem de ser determinado. A cientificidade do direito continua a ser uma prioridade, e o resultado disto era a resolução neutra e objetiva dos casos. Exponente é BGB
Crítica à jurisprudência dos conceitos: é demasiado abstrata e lógica, e pretende proteger o direito de qualquer influência social, moral, etc. para garantir a sua juridicidade. O direito não pode ser fechado, nem pode ser axiologicamente neutro: acolhe e é também reflexo das finalidades a prosseguir socialmente, dos interesses e de considerações de natureza axiológica, porque pretende ser uma ordem de condutas pautada por valores. O direito tem uma função reguladora, que calibra interesses dos sujeitos de direito. Na interpretação das normas os interesses tem de ser tidos em conta para garantir a solução adequada e justa. O direito não é fechado na sua existência, tem de ser aberto a realidade onde vigora, seja na forma das normas, seja nas decisões de aplicação do quadro normativo vigente.
SÍNTESE: Relação entre racionalismo, individualismo, voluntarismo e positivismo A conceção racionalista do direito considera os indivíduos seres racionais. Se o direito é uma evidência racional, é alcançável pelo indivíduo, que através do exercício da razão constrói a sociedade. A manifestação da razão é a vontade, e por isso também o direito vem a assumir uma natureza voluntarista. Por isso enquanto a sociedade medieval tinha estruturas institucionais, que eram consideradas parte da ordem natural, que não eram resultado de uma deliberação racional, e os indivíduos nasciam nessas instituições com estatutos e direitos predefinidos. O racionalismo tem assim associado o individualismo, e a vontade é a manifestação da razão. A vontade passa a ser o critério fundamental da criação jurídica. Os indivíduos racionais criam a sociedade através de um pacto (vontade). Esse pacto pode ter duas vias: uma onde se dá ao soberano todo o poder, abdicando dos direitos e soberania; outra onde se dá um poder limitado ao soberano, mantendo um conjunto de direitos naturais. Encontramos o fruto da vontade racional dos indivíduos nas formas de manifestação positivistas:
Positivismo legalista (escola da exegese) – vontade da comunidade através da representação democrática; vontade racional, geral, que não era a vontade da maioria, mas sim da NAÇÃO. Era a manifestação de uma nação que transcendia os interesses dos seus participantes. O direito confunde-se com a lei. Positivismo da escola histórica alemão - práticas e tradições assentes ao longo do tempo, é assente no costume. Direito fundado no costume nacional de uma comunidade histórica localizada, que não tem nenhuma conotação racional.
9. Crise e crítica ao positivismo oitocentista e ÉPOCA CONTEMPORÂNEA Crise sentida no pensamento jurídico e refundação de propostas:
Contexto e fatores políticos, económico-sociais e culturais (crise do capitalismo, influencias marxistas, conceções humanistas cristãs) Limites e não adequação dos seus postulados – a crítica da plenitude lógica do sistema normativo perante uma realidade extensa e dinâmica. O direito não pode ser axiologicamente neutro.
Aqueles que focam a sua crítica na jurisprudência dos conceitos (ver parte anterior) chegam à conclusão que há necessidades que não são respondidas por esta forma e tentam responder a elas. VER SEBENTA 17. REFUNDAÇÃO DO POSITIVISMO
Institucionalismo: não é puramente jurídico, é sociológico com uma vertente jurídica. Opõem-se ao quadro oitocentista. A sociedade, nesta perspetiva, é formada antes de mais por instituições. Não podemos olhar para a sociedade como um conjunto de indivíduos, porque nascem e se desenvolvem em instituições, que têm regras especificamente criadas. A família é a primeira e mais importante. As instituições modelam as relações sociais. Criação de um interesse público que se superioriza aos direitos individuais. Dependem e são formulados pelo direito objetivo. São direitos sociais (Dados pelo estado e sociedade) e não naturais. 2 – Marxismo clássico e marxismo ocidental dos anos 60 – da determinação absoluta do Direito pela economia e depois instrumento da ditadura do proletariado, ao reconhecimento de uma relativa autonomia condicionada pelos restantes subsistemas sociais, mas com a possibilidade de exercer influência naqueles. 3 – Escola do direito livre – a recusa do conceitualismo e do legalismo. O direito vivo que enforma a sociedade e o direito positivo formal, aplicados nos tribunais. O direito é plural e a limitação ao direito formal e judicial não basta para o compreender. 4 – Institucionalismo – o anti individualismo e a instituição como realidade transidividual onto-normativa fundamental que enquadra os indivíduos e as respetivas relações, determinada pela função social desempenhada.
Influenciou decisivamente o direito público e o primado do direito objetivo direitos subjetivos (que passam a ser interesses juridicamente protegidos poder da vontade), e socializa o Direito Privado em virtude da função social. Justificação da limitação dos direitos e da liberdade; Influenciou o direito criminal, nomeadamente nos fins das penas O anti individualismo desenvolveu-se em formas de enquadramento das jurídicas e políticas corporativas antiliberais, algumas radicais (fascismo, socialismo)
sobre os e a não
relações nacional
5 – Realismo jurídico Norte americano
Pragmatismo e empirismo, recusa do formalismo conceitualista pretensamento elaborado autonomamente e assente na Common Law: o direito é facto humano das instituições que o aplicam – law in action. Interdisciplinariedade com a antropologia e a sociologia A indeterminação inerente ao direito judicial e a refundação em torno dos factos e da experiencia. O direito como instrumento de equilíbrio dos interesses e de orientação social.
6 – CLS 7 – Uso alternativo do direito 8 – new legal realismo - Neoinstitucionalismo
Refundação do realismo norte americano para dar bases mais sólidas. O direito não é um sistema normativo fechado mas é um sistema no qual as exigências sociais, os interesses, etc. são determinantes e estão presentes mas num enquadramento institucional, no qual se afirma a autonomia. É importante garantir esta objetivação a partir das instituições. Estas ideias são passadas para outros países, nomeadamente na Europa. Apesar disso, não conseguimos reproduzir a nível europeu as estruturas políticas e jurídicas dos estados assentes em calores como a soberania nacional. Podemos contudo criar sistemas de governance – formas de exercer a regulação, institucionalmente definidas com uma legitimação tecnocrática para responder adequadamente aos objetivos. Não tem o quadro tradicional da divisão de poderes. 10. – realismo jurídico escandinavo 11. – Refundação formalista Normativismo de Kelsen Autor positivista que procura fazer uma refundação do positivismo com propostas foram do tradicional. Propõe o normativismo: Vê o direito como autónomo, autorreferenciado, que se reconduz a uma ordem de normas jurídicas cuja validade não assenta em valores éticos, morais, políticos, mas numa lógica normativa. Cada norma jurídica é validada porque retira a sua validade de uma norma superior, e assim sucessivamente. Sistema autorreferencial que garante cientificidade; Kelsen foi protagonista do instrumento de garantia desta lógica normativa, o tribunal constitucional, porque a norma acima de todas é a constituição. O TC era necessário para garantir a respetiva autonomia, pois guardava a norma última que garante todo o sistema. Este é então um direito positivo normativista. Não é legalista porque a validade do direito não assenta numa legislação política, mas está assente no próprio sistema. É uma lógica puramente formal. Não está assente na ideia de que as normas jurídicas têm um valor substancial, mas sim puramente formal. Norma X é válida porque respeita norma Y. Problema: quem garante a validade da constituição? Esta pode ser instrumentalizada pelo poder. A fundamentação da constituição está numa NORMA HIPOTÉTICA que dita então a validade jurídica da norma superior. Defende-se uma conceção monística em que só se reconhece um direito. Não há um sistema jurídico nacional que só se integra no direito internacional. Este último não é uma esfera autónima. A nossa forma de pensamento assenta nesta ideia de constituição como principal. Na constituição estão os valores e princípios fundamentais que regulam o estado e a própria sociedade. Não tem por isso uma natureza formal de norma superior. O formalismo normativo social de hart
O direito como sistema de regras e comandos que estabelecem orientações à conduta humana, e padrões de crítica de tal conduta. Distingue-se pela previsão dos prodecimentos de criação e alteração das regras de conduta (normas de primeiro e segundo grau) e por uma pretensão reconhecida socialmente de primazia sobre outros padrões de conduta. A sua teoria aproxima-se assim da realidade kelsiana por defender 2 tipos de normas: o Normas de 1º grau - substantitvas – regulam substantivamente as questões e situações jurídicas. São normas que propõem as soluções jurídicas, mas são normas jurídicas porque esta natureza lhes é conferida pelas normas de 2º grau. o Normas de 2º grau - procedimentais – determinam como são adotadas e quais os requisitos das normas de 1º grau. o Aproxima-se de Kelsen por esta lógica de normatividade. Mas estas regras de segundo grau, porque são consideradas jurídicas? Porque a sociedade e as instituições socialmente competentes para as ditar, decidem sobre elas e as reconhecem. Os tribunais dão juridicidade É coordenado por uma regra de reconhecimento que estabelece os critérios de validade (e que pode incorporar princípios morais ou valores, mas tem de assentar numa legitimidade convencional para eliminar a incerteza). A regra de reconhecimento é uma regra judicial costumeira que somente existe se for aceite e executada nos atos dos tribunais de identificação do direito e aplicação deste. Determina conduções gerais que as decisões jurídicas concretas devem satisfazer, segundo critérios de validade. O irredutível poder discricionário criador dos tribunais, pois o sistema é incompleto. As fontes do direito são factos sociais (leis, sentenças, costume) e não as referencias morais e o sistema jurídico.
12. – racionalização “neoclássica” da analise económica do direito A maximização das utilidades e preferências como fundamento da orientação da conduta humana (a ‘teoria dos jogos’ e a ‘rational choice’), logo do sistema jurídico O Direito como um sistema regulador tendente à maximização utilitarista, i.e. à redução dos custos de transação 13. – refundação sistémica O direito como sistema autopoiético – Luhman
Autorreferencialidade identitária, de funcionamento e de evolução do sistema; Comunicação com o ambiente e mediação sistémica dos inputs. A reflexividade comunicacional entre os sistemas sociais
20. REFUNDAÇÃO JUSNATURALISTA Pressupõe a existência de uma realidade jurídica suprapositiva, intemporal, a-espacial, imanente, transcendente, arquétipo e fundamento de validade da ordem jurídica contingente
positiva, através de um quadro axiológico fundamental. Surge como reação ao legalismo e ao neutralismo axiológico. Linhas fundamentais:
Direito como irredutível indisponibilidade; Direito como “ciência do espírito” que não pode ser compreendida e concretizada pelos métodos científicos; Irredutível natureza problemática concreta que remete para métodos tópicos e dialéticos.
Assim, desdobra-se em dois tipos fundamentais: Jusnaturalismo laico:
Formalismo neokantiano – distinção entre ideia de “Direito” na sua forma apriori, abstrata e correspondente à justiça, e os fenómenos jurídicos positivos. Este formalismo abstrato permite a historicidade e contingência, pois reduz o direito natural a um conjunto reduzido de princípios formais cujo material é variável. Existencialismo – a dialética relacional entre a radical liberdade do “eu” e as circunstancias do mundo e do “outro”: o Direito natural como projeto humano aberto ao progresso e à promoção da pessoa e da humanidade, objetivo mas não dado. o Princípios fundamentais: reciprocidade, universalidade do imperativo categórico O essencialismo – há uma natureza das coisas ou do homem que se impõe ao Direito num quadro axiológico fundamental (que se densifica num conjunto restrito de princípios e direitos), ainda que não uma normação concreta e sobretudo de natureza negativa, como limite à intervenção regulativa positiva.
Contudo, a refundação jusnaturalista laica é precária e limitada, porque se reconduz a um ideal de justiça, fundamento de validade de um direito que ôntica e radicalmente só pode ser positivo. Assim, o pensamento jurídico ocidental, através de duas linhas e espiral, converge num vértice comum centrado na concretização casuístico-problemática da justiça, onde o que interessa é “como” e “quem” opera tal realização: a resposta contratualista, a resposta judicativa tópico-dialética e a resposta discursiva. Jusnaturalimo cristão A fundamentação do direito assenta na irredutível dignidade humana e na abertura ao transcentedente, onde se encontra um quadro de valores essenciais que se desenvolvem numa linha de liberdade onde se fundam os direitos individuais, e numa linha autónoma – o bem comum de uma sociedade assente em células sociais básicas como a família.