UNIVERSIDADE UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO HISTÓRIA INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
Gabrielle Reginatto do Carmo
Análise da obra “O Queijo e os Vermes”
RIO DE JANEIRO 2018
Antes de nos adentrarmos a análise da obra “O Queijo e os Vermes”, é
de extrema importância conhecermos seu escritor, no intuito de não entendermos somente o contexto de escrita do livro, como também quais foram as influências historiográficas que rondaram o autor. De origem italiana, Carlo Ginzburg ficou conhecido mundialmente por inaugurar, juntamente com Giovanni Levi, um novo método de recorte dos acontecimentos, que, por sua vez, é dado através de uma análise microscópica, a qual a singularidade dos fatos e a caracterização do documento como um sujeito histórico são características postas em evidência, fazendo com que todo o trabalho seja redigido em cima de perguntas, que irão proporcionar ao historiador um leque de respostas, diferentemente das correntes historiográficas que vigoraram durante o século XIX, as quais a História era conduzida de uma forma despersonalizada e as conclusões baseavam-se em generalizações. Assim, surgiu a micro-história - ou melhor, ressurgiu, uma vez que essa expressão já havia sido utilizada por historiadores Mexicanos, numa tentativa de produzir uma história das camadas consideradas subversivas (LIMA, 2006)-, que se propõe a trabalhar sob uma escala reduzida, no intuito de auxiliar o entendimento dos acontecimentos da História Geral, e, também, faz com que o Historiador assemelhe seu trabalho ao de um Antropólogo, uma vez que ele trabalhará de forma densa em cima das fontes, semelhante a um antropólogo que imerge numa determinada sociedade em seu trabalho etnográfico. Como esse gênero da historiografia ganhou força depois da segunda metade do século XX, mais precisamente entre o final da década de 70 e o início da de 80, seus precursores foram fortemente influenciados pela Escola dos Annales, principalmente pela dialética da duração redigida por Braudel, a qual é claramente vista na obra analisada a seguir.
1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OBRA “O QUEIJO E OS VERMES” A obra “O Queijo e os Vermes” se propõe a analisar a trajetória de um
moleiro do Nordeste da Itália, mais precisamente Friuili, durante o transcorrer do século XVI, chamado Domenico Scandella, conhecido como Menocchio. Menocchio não era “regular” para seu tempo, pois, apesar de exercer uma
profissão comum para seu século e condicionamento social, o moleiro se diferenciava dos camponeses de sua época por saber somar, escrever e ser
letrado, além de ter ocupado cargos de “privilégio” em paróquias, e, ao que os
documentos apontam, ter frequentado escolas públicas de nível elementar. Portanto, ele não é um exemplo típico do que era ser um camponês na Europa, contudo, é um exemplo grandioso de como as transformações da época, tanto as curtas quanto médias e longas duração, conseguiram entranhar na vida do indivíduo e dominar todos os aspectos de sua vida social. É importante nos atentarmos sobre a cosmogonia de Menocchio, para entendermos como funcionou sua teoria, que, por sua vez, o levou ao tribunal do Santo Ofício e a sua posterior condenação. Ela baseava-se numa metáfora ligada a teoria da geração espontânea, e retratava que o mundo havia sido originado da movimentação do caos, e, a partir dela, surgiu Deus – que foi do imperfeito ao perfeito-, os anjos – como ferramentas que o auxiliaram a criar o mundo-, e os homens. Além disso, compartilhava da ideia de que Jesus Cristo não era Deus, e sim um profeta – uma clara influência do Islamismo-, de que Nossa Senhora não seria virgem, e de que os padres não seriam necessários se a Igreja compartilhasse seus ensinamentos. Ginzburg procura evidenciar que ele praticava uma religiosidade efetiva, se aproximando mais dos homens do que de entidades abstratas e também mostrava uma certa intolerância contra autoridades, dogmas e cerimônias – o que talvez seja, para o autor, a maior das expressões de que Menocchio era um representante da cultura popular que vigorava pela Europa pré-industrial-. Essas características de seu conjunto de crenças podem ser explicadas através das transformações de média duração que ele presenciou como o advento da Reforma e o surgimento da imprensa, desfrutando do caráter questionador da época, e da liberdade, ainda que limitada, de pensamento acerca das crenças e da constituição do mundo. Foi a partir daí que Menocchio “pôde pensar em tomar a palavra e expor suas próprias opiniões sobre a Igreja e sobre o mundo” (GINZBURG, 1976, p. 104), além de possuir “palavras à sua disposição para exprimir a obscura, inarticulada visão de mundo que fervilhava dentro dele” (GINZBURG,
1976, p. 104). Assim, conseguimos perceber que Ginzburg, ao trabalhar com hipóteses verossímeis, tenta traçar a origem desse pensamento por meio não só de uma reconstituição das possíveis leituras, como também a partir do modo como essas elas foram efetivadas, e da reconstituição das conversas as quais o moleiro foi exposto em seus encontros nas Tavernas, e chega à conclusão de
que todo seu pensamento foi fundado pelo encontro da cultura oral - pré-cristã ligada ao ciclo da natureza-, com a escrita, num sistema de circularidade, o qual se estabelecia entre a cultura erudita e a popular, uma espécie de diálogo de mútua influencia. Ao contextualizar a vida de Menocchio, Ginzburg trabalha densamente sobre fontes advindas dos documentos arquivados pela Inquisição, principalmente àqueles referentes aos julgamentos, e, por isso, é importante nos atentarmos ao fato de que todos esses documentos foram manipulados por uma espécie de filtro, uma vez que o Inquisidor, ao lidar com os ditos hereges, adentrava uma cultura que não era a sua, e, assim, praticava uma espécie de manipulação. É por meio deles que seu trabalho floresce, ou seja, é a partir da análise de eventos de curta duração, como seus julgamentos e interrogatórios, que o autor tenta reconstituir toda forma pela qual o moleiro conciliava sua leitura ficcional – ênfase a leitura de “Viagens de Mandeville” -, sua leitura racional – ênfase para o
Fioretto della Bibbia-
e as transformações de sua vida
cotidiana. Assim, no decorrer da análise dos documentos, o autor consegue perceber que Menocchio não acreditava numa verdade absoluta, muito menos numa fé única, fazendo parte de um “terreno de migrações culturais”
(GINZBURG, 1976, p.103). Portanto, se faz essencial a leitura de “O Queijo e os Vermes” para
compreendermos não somente como a Micro-História pode auxiliar na construção da História das Mentalidades, mas, para entender também, o caráter social das mudanças ocorridas durante o século VXI, uma vez que Menocchio foi um exemplo vivo não somente do p oder da Igreja, como também de resquícios de curiosidade e questionamento trazidos com a Renascença, e, principalmente, foi um exemplo claro de como se constituía a cultura popular à época.
BIBLIOGRAFIA GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. LIMA, Henrique Espada.
Micro-História: Escalas, indícios e
singularidades. Editora: Civilização Brasileira, 2006.