CAPÍTULO
Risco cirúrgico e estado f sico sico
1
José Américo Bacchi Bacchi Hora / Marcelo Simas de Lima / Eduardo Bertolli Bertolli
Pontos essenciais
ASA
Fatores predivos para intercorrências cirúrgicas; - Orientação perioperatória nas comorbidades clínicas. -
Tabela 1 - Classi fi cação cação ASA: deve ser acrescentado o fator E em cirurgias de emergência; nessas situações, considera-se o dobro do risco cirúrgico ASA I
Definição Paciente com saúde normal
Exemplo
Mortalidade pela anestesia 0,08%
Mortalidade pela anestesia
II
III
Paciente com doença sistêmica limitante, mas não incapacitante
IV
Paciente com doença sistêmica incapacitante DPOC oxigênioque lhe constui -dependente ameaça à vida
7,8%
V
Paciente moribundo, com sobrevida esmada menor que 24 horas, com ou sem cirurgia
Insuficiência de 3 ou mais sistemas orgânicos
9,4%
VI
Doador de órgãos e tecidos
-
2. Fatores preditvos A idade avançada, isoladamente, é um signi ficavo fator predi vo para a mortalidade. A capacidade funcional dos órgãos é diminuída com a idade, o que resulta em baixa reserva fisiológica dos sistemas. Outros fatores de risco incluem cirurgias de grande porte ou de emergência, emergência, doenças preexistentes (hipertensão, doenças cardíacas, diabetes mellitus, mellitus, insuficiência renal, doenças hepá cas e respiratórias), neoplasias, nutrição inadequada (principalmente hipoalbuminemia hipoalbuminemia e anemia) e dé ficits de mobilidade. A Sociedade Americana de Anestesiologia ( American ( American Society of Anesthesiologists – Anesthesiologists – ASA) criou uma classi ficação do risco de mortalidade cirúrgica de acordo com a presença de comorbidades (Tabela 1).
Exemplo
Hipertensão Paciente com doença controlada com sistêmica branda, medicação de controlada uso diário e avidade f sica sica
1. Introdução Com o aumento da expecta va de vida da população em razão dos avanços nas ciências médicas e do conhecimento de comportamentos mais saudáveis, aumenta também a presença de comorbidades clínicas em pacientes que poderão ser submedos a procedimentos cirúrgicos. O cirurgião precisa estar atento à possibilidade de complicações peri e pós-operatórias relacionadas a essas comorbidades, realizando o correto manejo durante o pré-operatório.
Definição
DM descompensado com lesão secundária em órgão alvo
0,27%
1,8%
-
Diversas outras escalas de risco são empregadas na avaliação pré-operatória. Destas, uma das mais difundidas é a escala de Goldman e cols., 1977, para avaliação do risco cardíaco, que associa dados clínicos e laboratoriais a uma pontuação. Essa pontuação permite estra ficar o risco de complicação cardiovascular no pós-operatório. Tabela 2 - Escala de Goldman: pontuação História
Exame f sico sico Eletrocardiograma Tipo de cirurgia
Idade acima de 70 anos
5 pontos
IAM nos úlmos 6 meses
10 pontos
Galope (B3) ou estase jugular
11 pontos
Estenose aórca importante
3 pontos
Estado clínico geral precário
3 pontos
Ritmo não sinusal ou ESV
7 pontos
Mais de 5ESV/min
7 pontos
Intraperitoneal, torácica ou aór ca
3 pontos
Emergência
4 pontos
1
CIRURGIA IRURGIA GERAL Tabela 3 - Classi fi cação cação de Goldman para risco cardiológico Nenhuma ou Complicações Morte pequenas com ameaça à cardíaca (%) complicações (%) vida (%)
Risco (pontos) I (0 a 5)
99
0,7
0,2
II (6 a 12)
93
5
2
III (13 a 25)
86
11
2
IV (>26)
22
22
56
A escala de Torrington & Henderson avalia o risco de complicações pulmonares pós-operatórias a par r de dados clínicos e espirométricos. Tabela 4 - Escala de Torrington & Henderson: pontuação
Espirometria
Dados clínicos
Local da cirurgia
CVF <50%
1 ponto
65 a 75%
1 ponto
CVF 1/CVF 50 a 60%
2 pontos
<50%
3 pontos
Idade >65 anos
1 ponto
Obesidade
1 ponto
Tabagismo nos úlmos 2 meses
1 ponto
Sintomas respiratórios
1 ponto
Doença pulmonar
1 ponto
Torácica
2 pontos
Abdominal alta
2 pontos
Outras
1 ponto
Tabela 5 - Escala de Torrington & Henderson para risco de complicações pulmonares Risco
Pontos
Sem complica ções (%)
Com Mortalidade complicações (%) (%)
Baixo
0a3
94
5
2
Moderado
4a6
77
23
6
Alto
Acima de 7
65
35
12
O risco de desenvolver tromboembolismo pulmonar (TEP) segue a escala de Hull (1985), que categoriza os pacientes em 3 grupos: baixo, moderado e alto risco. Tabela 6 - Escala de Hull para risco de desenvolver TEP - Idade <40 anos; - Cirurgias não complicadas; Baixo risco - Tempo cirúrgico <30 minutos e sem risco adicional (anconcepcional oral, puerpério, episódio recente de TVP).
Risco moderado
2
- Idade >40 anos;
Alto risco
- Cirurgias ortopédicas de grande amplitude ou dos membros inferiores; - Cirurgia ginecológica ou pélvica por malignidade; - História recente de TVP ou embolia pulmonar; - Pacientes internados em UTI.
O risco de embolia pulmonar fatal no grupo de alto risco varia de 1 a 5%.
3. Infarto agudo do miocárdio O Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) é uma das maiores causas de morte pós-operatória, e o risco aumenta entre os pacientes com doença cardiovascular preexistente. O IAM costuma acontecer dentro de 3 dias após a cirurgia, sendo o 1º dia de maior risco para o evento. Tende a ser mais “silencioso” no idoso e no portador de diabetes, pelo uso de analgésicos no pós-operatório, por efeitos residuais do anestésico e pelo baixo nível de consciência após o início do despertar anestésico, além da circulação colateral que, por vezes, se desenvolve concomitantemente à aterosclerose, determinando os chamados infartos não Q. As alterações do ECG incluem elevação do segmento ST e surgimento de onda Q. Os níveis de enzimas cardíacas podem não ser relevantes na fase inicial. Há também aumento das enzimas musculares, principalmente da crea na-fosfoquinase (CPK), em virtude da manipulação operatória. As medidas da isoenzima da crea naquinase ou da troponina T e I são mais u lizadas. O pico dos níveis ocorre entre 12 e 24 horas após o IAM, e estes retornam à normalidade após 14 dias. O diagnósco de lesão miocárdica depois da cirurgia somente deve ser feito em conjunto com as alterações eletrocardiográficas. A cirurgia ele va deve ser adiada pelo menos em 6 meses após o evento isquêmico (Tabela (Tabela 7). A dúvida é se o paciente será capaz de aumentar o débito cardíaco quando for necessário. Novas avaliações devem ser empregadas, como o ecocardiograma seriado ou ecocardiograma de estresse com dobutamina, para avaliação da função ventricular esquerda, e o teste ergométrico. Cirurgia de revascularização do miocárdio ou angioplas a percutânea coronária devem ser empregadas entre os pacientes de alto risco, com limitação cardíaca ou angina instável. Considera-se o uso de beta-bloqueadores no período perioperatório por ser a única classe de drogas que demonstra redução do risco perioperatório de isquemia miocárdica. Tabela 7 - Risco est mado mado de IAM perioperatório
- Idade >40 anos;
Cirurgia não cardíaca e idade >60 anos
0,1%
- Cirurgia sob anestesia geral;
História de doença coronariana
4%
- Tempo cirúrgico >30 minutos;
IAM prévio
4 a 5%
- O risco eleva-se à medida que aumenta a idade e se associam outros fatores de risco para TVP (tumores malignos, imobilidade prolongada, varizes, ICC).
IAM prévio e idade >65
5 a 6%
IAM no intervalo de 3 a 6 meses
30 a 40%
IAM no intervalo superior a 6 meses
30 a 40%
CIRURGIA IRURGIA GERAL Tabela 3 - Classi fi cação cação de Goldman para risco cardiológico Nenhuma ou Complicações Morte pequenas com ameaça à cardíaca (%) complicações (%) vida (%)
Risco (pontos) I (0 a 5)
99
0,7
0,2
II (6 a 12)
93
5
2
III (13 a 25)
86
11
2
IV (>26)
22
22
56
A escala de Torrington & Henderson avalia o risco de complicações pulmonares pós-operatórias a par r de dados clínicos e espirométricos. Tabela 4 - Escala de Torrington & Henderson: pontuação
Espirometria
Dados clínicos
Local da cirurgia
CVF <50%
1 ponto
65 a 75%
1 ponto
CVF 1/CVF 50 a 60%
2 pontos
<50%
3 pontos
Idade >65 anos
1 ponto
Obesidade
1 ponto
Tabagismo nos úlmos 2 meses
1 ponto
Sintomas respiratórios
1 ponto
Doença pulmonar
1 ponto
Torácica
2 pontos
Abdominal alta
2 pontos
Outras
1 ponto
Tabela 5 - Escala de Torrington & Henderson para risco de complicações pulmonares Risco
Pontos
Sem complica ções (%)
Com Mortalidade complicações (%) (%)
Baixo
0a3
94
5
2
Moderado
4a6
77
23
6
Alto
Acima de 7
65
35
12
O risco de desenvolver tromboembolismo pulmonar (TEP) segue a escala de Hull (1985), que categoriza os pacientes em 3 grupos: baixo, moderado e alto risco. Tabela 6 - Escala de Hull para risco de desenvolver TEP - Idade <40 anos; - Cirurgias não complicadas; Baixo risco - Tempo cirúrgico <30 minutos e sem risco adicional (anconcepcional oral, puerpério, episódio recente de TVP).
Risco moderado
2
- Idade >40 anos;
Alto risco
- Cirurgias ortopédicas de grande amplitude ou dos membros inferiores; - Cirurgia ginecológica ou pélvica por malignidade; - História recente de TVP ou embolia pulmonar; - Pacientes internados em UTI.
O risco de embolia pulmonar fatal no grupo de alto risco varia de 1 a 5%.
3. Infarto agudo do miocárdio O Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) é uma das maiores causas de morte pós-operatória, e o risco aumenta entre os pacientes com doença cardiovascular preexistente. O IAM costuma acontecer dentro de 3 dias após a cirurgia, sendo o 1º dia de maior risco para o evento. Tende a ser mais “silencioso” no idoso e no portador de diabetes, pelo uso de analgésicos no pós-operatório, por efeitos residuais do anestésico e pelo baixo nível de consciência após o início do despertar anestésico, além da circulação colateral que, por vezes, se desenvolve concomitantemente à aterosclerose, determinando os chamados infartos não Q. As alterações do ECG incluem elevação do segmento ST e surgimento de onda Q. Os níveis de enzimas cardíacas podem não ser relevantes na fase inicial. Há também aumento das enzimas musculares, principalmente da crea na-fosfoquinase (CPK), em virtude da manipulação operatória. As medidas da isoenzima da crea naquinase ou da troponina T e I são mais u lizadas. O pico dos níveis ocorre entre 12 e 24 horas após o IAM, e estes retornam à normalidade após 14 dias. O diagnósco de lesão miocárdica depois da cirurgia somente deve ser feito em conjunto com as alterações eletrocardiográficas. A cirurgia ele va deve ser adiada pelo menos em 6 meses após o evento isquêmico (Tabela (Tabela 7). A dúvida é se o paciente será capaz de aumentar o débito cardíaco quando for necessário. Novas avaliações devem ser empregadas, como o ecocardiograma seriado ou ecocardiograma de estresse com dobutamina, para avaliação da função ventricular esquerda, e o teste ergométrico. Cirurgia de revascularização do miocárdio ou angioplas a percutânea coronária devem ser empregadas entre os pacientes de alto risco, com limitação cardíaca ou angina instável. Considera-se o uso de beta-bloqueadores no período perioperatório por ser a única classe de drogas que demonstra redução do risco perioperatório de isquemia miocárdica. Tabela 7 - Risco est mado mado de IAM perioperatório
- Idade >40 anos;
Cirurgia não cardíaca e idade >60 anos
0,1%
- Cirurgia sob anestesia geral;
História de doença coronariana
4%
- Tempo cirúrgico >30 minutos;
IAM prévio
4 a 5%
- O risco eleva-se à medida que aumenta a idade e se associam outros fatores de risco para TVP (tumores malignos, imobilidade prolongada, varizes, ICC).
IAM prévio e idade >65
5 a 6%
IAM no intervalo de 3 a 6 meses
30 a 40%
IAM no intervalo superior a 6 meses
30 a 40%
RISCO CIRÚRGICO E ESTADO FÍSICO
4. Insuficiência cardíaca congestva
A prevalência da Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) aumenta com a idade e está associada a risco aumentado de isquemia miocárdica e disfunções ventricular e renal. Há, também, o risco de variações na pressão arterial durante o ato operatório porque a sensibilidade dos baroceptores está diminuída para as oscilações dos volumes dos fluidos corporais durante a cirurgia. Geralmente, a terapia an-hipertensiva é empregada no dia da cirurgia e man da para o melhor controle da pressão arterial. Uma pressão arterial diastólica >110mmHg contraindica uma cirurgia ele va. Situação de hipertensão arterial, sem tratamento prévio, necessita de controle e medicações por, pelo menos, 2 semanas antes do ato operatório. Inibidores da enzima de conversão de angiotensina podem exacerbar a queda de pressão arterial ocasionada pela anestesia. An -hipertensivos de ação central são pouco empregados atualmente (reserpina (reserpina ou clonidina), e a sua suspensão abrupta determina o efeito rebote (pico hipertensivo agudo). Os beta-bloqueadores são empregados amplamente por seus efeitos cardioprotetores, cardioprotetores, embora, entre idosos, os efeitos colaterais colaterais sejam maiores, como bradicardia, hipotensão, depressão e fadiga.
entre diabécos é de 22%, enquanto entre os não diabé cos é de 1%. Os primeiros apresentam maior número de complicações cardiológicas, principalmente com isquemia silenciosa, e de complicações infecciosas. Entre eles, ocorre também diminuição do processo cicatricial decorrente da pouca resposta leucocitária, diminuição da fagocitose e alteração da permeabilidade capilar, que retardam a fase in flamatória da cicatrização. Portanto, as feridas operatórias apresentam maiores riscos de infecções nos diabé cos, principalmente estafilocócicas e Gram nega vas mistas, que não se comportam da mesma forma que entre os não diabé cos. Anbiócos devem ser usados sempre que há possibilidade de contaminação da área operada. O tempo de evolução do Diabetes Mellitus (DM) Mellitus (DM) também é importante e se relaciona a outras complicações. É fundamental quesonar sobre tempo de duração, medicação em uso e presença de sintomas de neuropa a somáca (ex.: parestesia “em bota e luva”) ou autonômica (ex.: hipotensão postural, impotência, gastroparesia, di ficuldades com esvaziamento vesical, alteração da mo lidade intesnal). As complicações pós-operatórias são diminuídas com os cuidados da glicemia no pré-operatório e o uso de insulina regular intravenosa com doses ajustadas de acordo com as medições periódicas da glicemia capilar, em conjunto com a ingestão calórica adequada. O jejum pré-operatório deve ser maior para os pacientes cujo histórico seja compa vel vel com gastroparesia diabéca. A agressão cirúrgica e o estresse da anestesia acentuam a intolerância à glicose. As modi ficações frequentemente necessárias da alimentação e da hidratação, durante esse período, complicam ainda mais o tratamento. O controle completo do açúcar sanguíneo dentro dos limites normais não é exequível. Os pacientes que recebem glicose intravenosa podem apresentar glicosúria acentuada com hiperglicemia apenas moderada. Por essa razão, as concentrações da glicose sanguínea e da cetona sérica serão avaliadas pelo menos 2 vezes ao dia, durante 1 a 3 dias após a cirurgia, para correlacionar com as concentrações de açúcar urinário e avaliar melhor o controle do paciente diabé co. O paciente em cetoacidose grave apresenta risco elevado para qualquer cirurgia, exceto incisão, drenagem ou pequena cirurgia de urgência. O adiamento de 4 a 6 horas (se possível, um tempo ainda maior) é o ideal antes do ato cirúrgico para, nesse período, corrigir a cetoacidose (DM po 1) ou o estado hiperosmolar (DM po 2) antes da cirurgia. Deve-se atentar para desidratação, hiponatremia hiperosmolar, hipocalemia e acidose, que acompanham essas condições.
6. Diabetes mellitus
7. Doença pulmonar
Com o aumento da idade, aumenta também a prevalência de diabetes. Diabé cos submetem-se à porcentagem maior de cirurgias de urgência e têm maior mortalidade associada. Por exemplo, a mortalidade por colecis te aguda
O envelhecimento afeta a ven lação pulmonar, a troca gasosa alveolar, a complacência, a força muscular e os mecanismos de defesa da árvore respiratória. Na população idosa, há maior prevalência de Doença Pulmonar Obstru -
A presença de Insu ficiência Cardíaca Conges va (ICC) é outro fator adverso após a cirurgia. Recomenda-se tratamento da ICC com diuré cos e vasodilatadores no pré-operatório. A monitorização intensiva durante a cirurgia é essencial, e a avaliação do débito urinário pela sonda vesical é mandatória. Existem os riscos de desidratação e hipovolemia com as medicações diuré cas e de edema agudo de pulmão nas hidratações excessivas. excessivas. Nas cirurgias de grande porte, um cateter na artéria pulmonar (Swan-Ganz) capaz de determinar a pressão do capilar pulmonar ou um ecocardiograma transesofágico podem ser empregados para a medida do enchimento ventricular esquerdo e do débito cardíaco. Os pacientes portadores de ICC e alto risco de isquemia miocárdica devem ser monitorados por um período mínimo de 3 dias no pós-operatório para sinais de depressão do segmento ST – esse é o marcador especí fico de isquemia. Dosagens de níveis de troponina são marcadores mais sensíveis do que os níveis de CPK ou as alterações do segmento ST. O controle da dor é fundamental, e devem ser u lizadas medicações efe vas e esquemas agressivos de analgesia para reduzir o estresse fisiológico da cirurgia nos pacientes.
5. Hipertensão
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G R U R I C
CIRURGIA GERAL va Crônica (DPOC), e o maior fator de risco é o tabagismo. Nos tabagistas e nos ex-tabagistas com en fisema, a dispneia piora com a idade. As doenças pulmonares estão associadas ao aumento da morbidade pós-operatória (pneumonia, hipóxia, atelectasias) e da mortalidade. Fatores de risco para complicações pulmonares incluem intubação endotraqueal, cirurgia prolongada, anestesia geral, DPOC, asma, tabagismo e deformidades torácicas. Reserva pulmonar diminuída pode ser relatada pelo paciente quando este revela fadiga extrema após subir 1 ou 2 pavimentos de escada. O volume expiratório forçado deve ser diretamente medido com o espirômetro em todos os casos de história de restrição respiratória. Detectada essa condição, os pacientes são bene ficiados com um programa pré-operatório de cessação do tabagismo, uso de broncodilatadores, fisioterapia (para treino de tosse e expansão pulmonar) e, se indicada, administração de an biócos. A anestesia geral exerce efeitos diretos na função respiratória. A anestesia regional tem suas vantagens sobre a geral, e os resultados são uma baixa incidência de complicações pós-operatórias de hipoxemia e depressão respiratória. Fatores que contribuem para a anestesia regional são os menores efeitos das drogas anestésicas sobre a musculatura respiratória e o bloqueio neuromuscular. Para os idosos, preferem-se as drogas de ação curta e intermediária neuromuscular às de efeito prolongado. Quando se empregam estas, é necessário aplicar novas drogas (antagonistas) para reverter seus efeitos no final da cirurgia. Emprega-se suplemento de oxigênio através de cateter nasal ou máscara para prevenir hipóxia por vários dias de pós-operatório.
8. Estado nutricional Em 1936, Studley demonstrou que a perda de peso era um indicador básico de risco operatório. A perda de mais de 15% do peso corporal durante o período de 6 meses antes da cirurgia está associada ao aumento da incidência de complicações pós-operatórias, incluindo di ficuldade de cicatrização de feridas, decréscimo da função imunológica e inabilidade de manutenção ven latória adequada. Edema periférico e sinais de avitaminose são suges vos de má nutrição severa. Pacientes obesos, por sua vez, necessitam frequentemente de cirurgias para doenças das vias biliares, osteoartrites, hérnias e outras doenças relacionadas ao sobrepeso. Perda de peso pré-operatória deve ser encorajada, mas os resultados são desanimadores. Entre os portadores de obesidade mórbida, cuidados devem ser empregados para evitar complicações respiratórias e cardiovasculares, infecções de ferida e tromboembolismo. Avaliação do estado nutricional no pré-operatório pode ser mandatória se o paciente apresenta perda ponderal acentuada em poucos meses. O planejamento nutricional é realizado de forma gradual e com acompanhamento pro fissional. Todas essas medidas diminuem as complicações que poderiam surgir com a agressão cirúrgica.
4
9. Sistema endócrino As condições endócrinas devem ser corrigidas ou pelo menos estabilizadas enquanto o paciente espera a admissão para o programa cirúrgico. A doença de Graves, por exemplo, necessita de cuidados intensivos no pré-operatório, incluindo a administração de bloqueadores do hormônio reoidiano, iodo e beta-bloqueadores. O hipo reoidismo é tratado com hormônio da reoide. O feocromocitoma não será submedo ao procedimento cirúrgico até o paciente alcançar níveis de bloqueadores adrenérgicos adequados. O DM necessita de todos os cuidados aqui enumerados para evitar as descompensações metabólicas. Pacientes em uso crônico de cor costeroides devem receber nova dose antes de qualquer procedimento.
10. Insuficiência renal e balanço hídrico A função renal diminui com a idade. Há redução do fluxo glomerular sanguíneo e da taxa de filtração glomerular, diminuição da função tubular renal e decréscimo de renina e aldosterona séricas. Acrescenta-se a isso a de ficiência do mecanismo da sede. Esses fatores, associados às alterações de renina-angiotensina, levam a uma maior tendência de desenvolver desidratação e distúrbios hidroeletrolí cos. Em pacientes gravemente desnutridos, um nível sérico de creanina normal provavelmente decorre da diminuição da massa muscular e não de função renal normal. Aumento moderado de crea nina está associado ao aumento da morbidade pós-operatória. Determinar o Ritmo de Filtração Glomerular (RFG) e a fração de excreção de sódio é a melhor forma de avaliar a função renal no pré-operatório. O paciente de maior risco é o que tem RFG entre 5 e 25% do predito e pode se tornar dialí co na presença do menor descuido. A monitorização da diurese é um cuidado essencial no pós-operatório de idosos e mais bem avaliada com o uso de cateter vesical. É necessário cuidado nos volumes intravenosos aplicados diariamente, devido ao risco de hipervolemia e de má distribuição dos fluidos corporais nos idosos, consequências da baixa filtração glomerular e do débito cardíaco mais deficiente. Se ocorrer hipotensão arterial no pós-operatório, o paciente deverá receber drogas vasoconstritoras e drogas inotrópicas, e deverá haver cautela na infusão de hidratação intravenosa. Insu ficiência cardíaca e edema pulmonar são mais prevalentes nos idosos. Os pacientes mais velhos levam 2 vezes mais tempo do que os mais jovens para excretarem o excesso de água (10 contra 5 dias). Entre portadores de Insu ficiência Renal Crônica (IRC), é importante afastar a presença de anemia, secundária à deficiência de eritropoe na; checar a função plaquetária, que pode estar alterada pela presença de uremia; corrigir os distúrbios hidroeletrolí cos (acidose, cálcio e fósforo); e agendar diálise no pré e no pós-operatório com 24h de intervalo, para pacientes com RFG <5%.
RISCO CIRÚRGICO E ESTADO FÍSICO
11. Hepatopatas Pacientes hepatopatas têm a avaliação da reserva funcional hepáca pela classificação de Child-Pugh (Tabela 8). Tabela 8 - Escala de Child-Pugh Pontos
1
2
3
Albumina (g/dL)
>3,5
2,5 a 3,5
<2,5
Bilirrubina total (mg/dL)
<2
2a3
>3
Encefalopa a
Ausente
Mínima (graus 1 e 2)
Avançada (graus 3 e 4)
Ascite
Ausente
Fácil controle
Dif cil controle
50 a 70%/1,7 a 2,3
<50%/>2,3
Avidade de >70%/<1,7 protrombina/INR Pontos
Child-Pugh
Função hepátca
≤6
A
35 a 100%
7a9
B
20 a 35%
≥10
C
<20%
Observação: colangite esclerosante primária e cirrose biliar primária têm valores diferentes de bilirrubinemia (mg/dL): <4 (= 1 ponto); 4 a 10 (= 2); 10 (= 3)
Pacientes Child-Pugh C ou com hepatopa a aguda só devem ser operados para realização de procedimentos de urgência. Deve-se atentar para a presença de hipertensão portal associada e administrar vitamina K para pacientes com icterícia obstru va. Pacientes com ascite devem ser pesados diariamente e receber an biocoprofilaxia antes de qualquer procedimento invasivo. Função hepatocelular abaixo de 15% é incompa vel com a vida.
12. Pacientes em vigência de quimioterapia A quimioterapia an neoplásica representa o tratamento sistêmico dos tumores malignos e pode ser u lizada isoladamente, porém é usada com mais frequência como parte da abordagem terapêuca muldisciplinar associada à cirurgia e/ou à radioterapia. Alguns medicamentos atuam em todas as fases do ciclo celular, como os agentes alquilantes, e outros agem em fases especí ficas do mesmo ciclo, como os anmetabólitos, interferindo na síntese do DNA. Certos alcaloides promovem bloqueio da divisão celular na mitose. Como regra geral, os agentes citotóxicos agem sobre as células neoplásicas e as células normais; seus efeitos ocorrem principalmente nas células com maior capacidade proliferava e de percorrer o ciclo de divisão celular, como as células mais jovens e mais indiferenciadas. Portanto, dentre as células normais, as células da medula óssea, da mucosa do tubo diges vo, dos folículos pilosos, da mucosa vesical e das gônadas são mais sensíveis aos efeitos dos quimioterápicos. Esse fato explica os efeitos tóxicos mais comuns atribuídos a esses agentes como leucopenia, estoma te, mucosite, náuseas, vômitos, diarreia, alopecia, oligoespermia, entre outros.
A medula óssea é o sistema mais afetado pelos agentes citotóxicos porque são as células que necessitam ser rapidamente repostas, constuindo-se em um sí o de alta avidade replicava dentro do organismo. A toxicidade hematológica implica a redução do número absoluto das diferentes linhagens celulares (anemia, leucopenia, trombocitopenia). É comum que pacientes por volta do 10º ao 15º dia após a quimioterapia entrem no chamado Nadir, em que a contagem de células a nge o menor valor antes de retomar a proliferação. Procedimentos invasivos nesse período devem ser evitados pelos riscos de sangramento e infecção. As células que compõem a mucosa oral têm rápido turnover (são trocadas a cada 5 a 14 dias), por isso sofrem ação semelhante à dos agentes citotóxicos como descritos na medula óssea. A estoma te surge paralelamente com a toxicidade hematológica. São lesões mais ou menos difusas na mucosa oral (e também, às vezes, nos lábios, que começam com sensação de secura, ardor e odinofagia). Se o processo for intenso, poderá ocasionar baixa ingesta oral e determinar desidratação e desnutrição associada. Às vezes, é necessária terapia nutricional intensiva. Infecções locais (monilíase, bacteriana e herpé ca) e hemorragias podem ocorrer, e processos dentários podem estar associados. O tecido cardíaco pode ser afetado pela quimioterapia, da mesma forma que os sistemas hematopoé co e gastrintesnal, porém com uma diferença importante. Enquanto nos outros sistemas o tecido se recicla de maneira rápida e, por isso mesmo, é frequentemente afetado e também rapidamente restuído, o tecido cardíaco é afetado mais raramente; mas, quando isso acontece, sua recuperação é mais lenta, justamente porque possui uma taxa de replicação lenta. As drogas cardiotóxicas podem afetar o coração de diferentes maneiras, sobretudo na forma de arritmias cardíacas ou depressão da contra lidade miocárdica. O efeito miocárdico pode ser agudo ou tardio. A toxicidade pulmonar aumenta nas condições de in filtrados pulmonares decorrentes de infecção no imunodeprimido, metástase linfangí ca pulmonar, insuficiência cardíaca esquerda e toxicidade pulmonar por quimioterapia. Em geral, a toxicidade pulmonar é suspeita por exclusão dessas condições. As manifestações são tosse seca e dispneia progressiva; febre pode estar associada. Estudos laboratoriais demonstram distúrbios de difusão com gasometria arterial demonstrando hipoxemia e alcalose respiratória. Os agentes que causam a lesão pulmonar são a bleomicina, a gencitabina, a mitomicina, a cispla na e o tamoxifeno, a citarabina e o metotrexato. É necessário que o cirurgião e o anestesista estejam familiarizados com os efeitos sistêmicos do tratamento quimioterápico. Pacientes em pós-operatório, recentemente submedos a grandes cirurgias, não devem ser subme dos à quimioterapia até que se tenham recuperado completamente, sem complicações, já estejam se alimentando e se encontrem em balanço nitrogenado posi vo. A época mais
5
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G R U R I C
CIRURGIA GERAL precoce para iniciar o tratamento é a par r da 3ª semana de pós-operatório.
13. Resumo Quadro-resumo - O cirurgião deve conhecer as comorbidades clínicas de seu paciente e compensá-las antes do procedimento; - As classificações de ASA, bem como as escalas clínicas de risco, fornecem dados importantes preditores de risco cirúrgico; - IAM é a principal causa de mortalidade pós-operatória; - Doentes diabécos estão mais sujeitos a complicações cardiovasculares e infecciosas; - Condições como insuficiência renal e hepáca devem ser bem avaliadas e compensadas antes de procedimentos cirúrgicos; - Pacientes em vigência de quimioterapia podem apresentar alterações sistêmicas importantes que devem ser avaliadas antes de uma cirurgia.
6
CAPÍTULO
Anestesia local
2
Pontos essenciais Definições; - Farmacocinéca; - Intoxicação por anestésicos locais. -
1. Definição Um Anestésico Local (AL) pode ser de finido como uma droga que bloqueia reversivelmente a transmissão do impulso nervoso na região em que foi aplicada, sem afetar o nível de consciência. De maneira geral, os ALs ligam-se aos canais de sódio no estado ina vado, impedindo a subsequente avação do canal e o grande in fluxo transitório de sódio associado à despolarização da membrana. Podem ser administrados para dessensibilizar uma pequena área cutânea por um curto período. Na sua estrutura molecular, os anestésicos geralmente possuem uma estrutura hidrofóbica lipídio-solúvel do grupo aromáco e uma porção hidro f lica no seu grupo “amida”. A ponte que une esses 2 grupos determina a classe da droga e pode ser aminoamida ou aminoésteres (Figura 1). A lidocaína, a bupivacaína e a prilocaína são exemplos de aminoamidas. Os grupos aminoésteres incluem a cocaína e a ametocaína.
Figura 1 - Estrutura química básica dos anestésicos locais
Eduardo Bertolli
O conceito de bloqueio local consiste em uma in filtração, no subcutâneo, de uma porção pequena de área com o agente anestésico. O efeito é mais longo que na forma tópica. Nesse po de anestesia, a interrupção dos impulsos nervosos acontece por meio de um bloqueio à condução, feito pela interferência no processo de origem do potencial de ação. A in filtração do anestésico nos tecidos é o método mais usado, e os tecidos a serem manipulados ou operados estarão bloqueados para o procedimento (Tabela 1). Tabela 1 - Característ cas ideais para um anestésico local - Irritação mínima; - Bloqueio reversível; - Boa difusibilidade; - Baixa toxicidade sistêmica; - Eficácia; - Início rápido de ação; - Duração de ação adequada.
- Estrutura dos nervos A classificação dos nervos pode ser feita pelo diâmetro de suas fibras, revesmento de mielina, velocidade de condução e função (Tabela 2). A importância desses dados na ação do AL será descrita posteriormente. Tabela 2 - Principais fi bras nervosas e suas característ cas DiâmeVel. de Tipo de Mieli- Sensibilitro condução Função na dade a AL fibra (micra) (m/s) Motor, A-alfa 13 a 22 70 a 120 + Pouca proprio cepção Motor, A-beta 8 a 13 40 a 70 + Moderada proprio cepção Tônus A-gama 4 a 8 15 a 40 + Moderada muscular, tato Dor, tempe A-delta 1a4 3 a 15 + Alta ratura, tato
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CIRURGIA GERAL Tipo de fibra
Diâmetro (micra)
Vel. de condução (m/s)
B
1a3
3 a 14
C
0,1 a 2,5
0,2 a 1,5
Mieli- Sensibilina dade a AL +
-
Extrema
Alta
Coeficiente de pKa Ionização partção (lipossolubilidade)
Função Autônoma préganglionar Dor, autônoma pósganglionar
2. Tipos de anestesia Tabela 3 - Tipos de anestesia - Bloqueio de troncos nervosos – troncular/regional; - Bloqueio de raízes nervosas do espaço extradural – peridural e caudal; - Bloqueio das raízes nervosas do espaço subdural – raquianestesia; - Bloqueio dos terminais sensivos – local.
Em um bloqueio de campo, a injeção do anestésico é feita ao redor do tecido a ser operado. É u lizada para pequenas intervenções (re rada de tumores de pele ou do subcutâneo, drenagem de líquidos corporais super ficiais e remoção de corpos estranhos), além do tratamento de feridas traumácas e do desbridamento de tecidos desvitalizados, e como complemento da analgesia pós-operatória das feridas cirúrgicas, nos casos em que não foi possível realizar o bloqueio espinhal. Na anestesia regional, a injeção do agente químico se dá juntamente a troncos nervosos, distante do local a ser operado, acometendo ou não a capacidade motora.
Prilocaína
7,9
76
129
55
Ropivacaína
8,1
83
775
94
Cloroprocaína 8,7
95
810
Nd
Procaína
8,9
97
100
6
Tetracaína
8,5
93
5.822
94
Quanto menor o diâmetro da fibra nervosa, maior a ação local do anestésico e vice-versa. Além disso, existe um comprimento mínimo da fibra que deve ser exposto ao AL nas fibras mielinizadas. Do ponto de vista prá co, as fibras B pré-ganglionares são bloqueadas mais prontamente que fibras C, mesmo tendo um diâmetro maior. Acredita-se que o diâmetro pequeno e a presença de mielina nessas fibras as tornem mais susce veis aos efeitos dos ALs do que as outras fibras. A adição de um vasoconstritor po adrenalina não tem o objevo de minimizar os efeitos colaterais do AL, mas de o mizar sua ação em uma determinada região do corpo pela vasoconstrição. Dessa maneira, o uso de lidocaína com adrenalina é contraindicado em extremidades, pelo risco de isquemia. Alguns ALs podem ter outros efeitos no organismo. A lidocaína, em baixas doses, é classi ficada como uma droga anarrítmica (classe I), sendo indicada no tratamento de arritmias ventriculares (extrassístole ventricular, taquicardia ventricular e fibrilação ventricular). Além disso, ela deprime a resposta venlatória à hipóxia e deve ser u lizada com cuidado em pacientes com DPOC. Já a bupivacaína deprime mais acentuadamente o coração, diminuindo a condução e podendo levar a ba mentos ventriculares ectópicos e fibrilação ventricular.
4. Intoxicação por anestésico local
3. Ação A ação do AL dependerá de fatores como a capacidade de ligação às proteínas plasmá cas e aos tecidos (receptores) onde a droga vai atuar, a capacidade de atravessar a membrana celular dos neurônios e o pH do tecido em que se espera a ação da droga (relação pH e pKa do AL – Tabela 4). Feridas contaminadas, como abscessos, têm pH ácido, o que dificulta a ação do AL nesses sí os. Tabela 4 - Propriedades f sico-químicas das amidas e dos ésteres Coeficiente de pKa Ionização partção (lipossolubilidade)
Ligação proteica
A dose recomendada do AL depende da adição ou não do vasoconstritor. Com adrenalina, recomenda-se uma dose entre 7 e 10mg/kg. No anestésico sem adrenalina, a dose segura é de 5 a 7mg/kg. O diagnósco de intoxicação por ALs é clínico. Inicialmente, o paciente apresentará sensação de dormência na língua ou gosto metálico. Formigamento de extremidades e alterações visuais também podem ocorrer em fases iniciais. Se não reverda, a intoxicação por ALs evolui com convulsões po tônico-clônicas. O evento final é a parada respiratória e normalmente é dose-dependente (Tabela 5). O tratamento envolve, primeiramente, oxigênio e suporte ven latório, seguidos da administração de benzodiazepínicos.
Bupivacaína
8,1
83
3.420
95
Levobupi
8,1
83
3.420
95
Edocaína
7,7
66
7.317
94
Lidocaína
7,9
76
366
64
Concentração plasmátca (μg/dL)
Mepivacaína
7,6
61
130
77
1a5
8
Ligação proteica
Tabela 5 - Efeitos tóxicos da lidocaína em relação à dose-dependente Efeitos - Analgesia.
ANESTESIA LOCAL
Concentração plasmátca (μg/dL)
Efeitos - Delírio;
5 a 10
- Zumbido; - Parestesia da língua.
10 a 15 15 a 25 >25
- Convulsão tônico-clônica; - Perda de consciência. - Coma; - Parada respiratória. - Depressão cardiovascular.
O único efeito colateral sistêmico associado a um AL especí fico é o desenvolvimento de meta-hemoglobinemia seguido da administração de grande quan dade de prilocaína. Existe uma correlação entre dose de prilocaína administrada por via epidural e grau de meta-hemoglobinemia. Em geral, doses acima de 600mg de prilocaína são necessárias para o desenvolvimento de meta-hemoglobinemia, clinicamente significava, em pacientes adultos sem patologias prévias. O metabolismo hepá co da prilocaína resulta na formação de ortotoluidina, que é a responsável pela oxidação da hemoglobina para meta-hemoglobina. A meta-hemoglobinemia associada ao uso de prilocaína é espontaneamente reversível na maioria dos casos. Entretanto, nos mais graves, ocorre cianose, que não responde bem ao oxigênio. Nessas situações, a terapia de escolha é a administração intravenosa de azul de me leno, na tenta va de deslocar a ortotoluidina da molécula de hemoglobina.
6. Resumo Quadro-resumo - Anestésicos locais são drogas que bloqueiam reversivelmente a transmissão do impulso nervoso ligando-se aos canais de sódio no estado inavado, impedindo a subsequente avação do canal e o grande influxo transitório de sódio associado à despolarização da membrana; - Sua ação dependerá de fatores como a capacidade de ligação às proteínas plasmácas e aos tecidos, a capacidade de atravessar a membrana celular dos neurônios e o pH do tecido em que se espera a ação da droga; - O quadro de intoxicação inicia-se com sensação de formigamento e gosto metálico, passa por convulsões e pode chegar até a parada cardiorrespiratória. O tratamento inicial é garan r via aérea pérvia para suporte respiratório e, se necessário, hemodinâmico.
5. Exemplo de bloqueio Se a lesão não é extensa e passível de sutura no pronto atendimento, planeja-se o bloqueio por meio de in filtrações dentro da ferida (intralesional) ou por bloqueio local extralesional (Figura 2). É muito dolorosa, mas permite a limpeza da ferida de corpos estranhos e o preparo dos retalhos para a sutura. A agulha deve ser grossa e ser in filtrada, paralelamente, sob o tecido celular subcutâneo. In filtra-se enquanto se retrocede a agulha e aplica-se nas extremidades da lesão, formando um losango de bloqueio. Ferimentos mais extensos podem exigir aplicações do anestésico nas porções intermediárias da lesão.
Figura 2 - In fi ltração extralesional do couro cabeludo
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SUPORTE VENTILATÓRIO NÃOCIRÚRGICO
CAPÍTULO
3
Anestesia José Américo Bacchi Hora / José Eduardo de Assis Silva / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais Avaliação pré-anestésica; - Manejo das vias aéreas; - Farmacologia e toxicidade dos anestésicos locais; - Raquianestesia e anestesia peridural; - Farmacologia dos anestésicos venosos; - Recuperação pós-anestésica e complicações em anestesia; - Hipertermia maligna. -
1. Avaliação pré-anestésica A avaliação pré-anestésica, por definição, consiste na obtenção de múlplas informações do paciente durante um processo que inclui a anamnese em visita (ao leito) ou em consulta (em consultório), a revisão do prontuário médico, o exame f sico e a complementação com exames laboratoriais. A consulta pré-anestésica traz vantagens ao setor público, às operadoras de saúde, aos médicos e aos pacientes: - Menor número de diária hospitalar; - Menos exames pré-operatórios; - Menos suspensões de anestesias/cirurgias; - Menor custo hospitalar; - Remuneração médica pela consulta; - Menor taxa de ocupação em UTI; - Melhor documentação sobre o histórico médico do paciente.
A - Objetvos Reduzir a morbimortalidade do paciente cirúrgico (principal obje vo); - Obter informações sobre as condições f sica e psíquica do paciente; - Planejar o ato anestésico (monitorização, abordagem de via aérea, acesso venoso); - Fazer ajuste ou manutenção de medicamentos; - Orientar e diminuir a ansiedade dos pacientes e familiares; - Orientar jejum adequado. -
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B - Anamnese e história clínica Todo paciente deve ser entrevistado antes da realização da cirurgia. As informações podem ser ob das por preenchimento de ques onários com perguntas especí ficas ou entrevista conduzida pelo anestesiologista. À anamnese, é importante obter o máximo de informações orientadas objevamente pela patologia cirúrgica, considerando, também, doenças concomitantes e suas implicações na anestesia planejada, a saber: - Estado geral atual; - Atude mental diante da doença; - Avidade f sica e tolerância ao exercício; - Antecedentes rela vos às comorbidades, tentando alcançar o maior número de doenças preexistentes (neurológicas, cardiovasculares, pulmonares, renais, endócrinas, gastroenterais, hematológicas, imunológicas); - Antecedentes de alergias (medicamentosas e, par cularmente, ao látex); - Uso de medicamentos (an -hipertensivos, anarrítmicos, anconvulsivantes, digitálicos, AAS, hipoglicemiantes, ancoagulantes e outros) e fitoterápicos (ginkgo biloba, alho, ginseng etc.), devido às suas possíveis interações; - Uso de drogas lícitas e ilícitas (tabagismo, álcool, maconha, cocaína etc.); - Antecedentes de febre não infecciosa ou desconhecida, relacionadas a miopa as como hipertermia maligna; - Antecedentes cirúrgicos e/ou obstétricos: di ficuldade para intubação, parada cardíaca, di ficuldade ou complicações durante a execução de bloqueio regional (parestesias, cefaleia pós-punção); - Antecedente de quimioterapia ou radioterapia (podem causar ICC, hiporeoidismo); - Uso de sangue e derivados, e consen mento para eventual hemotransfusão; - Para mulheres em idade fér l, data da úl ma menstruação;
ANESTESIA
-
Antecedentes anestésicos relevantes, como náuseas, vômitos e tolerância à dor, além de experiências traumácas, como despertar no intraoperatório.
Mesmo em emergências, o anestesiologista tem a obrigação de conhecer o paciente e de registrar suas informações no prontuário médico. Caso ele não esteja consciente, um familiar mais próximo deve ser ques onado para a obtenção de um mínimo de informações. O exame f sico deve ser sempre realizado. Portanto, apenas em caso de risco de morte iminente ou de o paciente achar-se inconsciente e sem um acompanhante é que, eventualmente, se realiza anestesia sem avaliação pré-anestésica. Em casos como esses, a revisão de prontuário pode ajudar com informações relevantes. A revisão de prontuário é um recurso de valor tanto em casos elevos como de urgência. Dele constam dados como peso, altura, sinais vitais, mo vo da internação, resumo da doença atual e histórico cirúrgico e anestésico, com informações sobre di ficuldades para intubação, realização de bloqueios regionais, intercorrências anestésicas etc. É especialmente válido quando o paciente tem di ficuldade para se comunicar (grave estado geral, dé ficit audivo ou de fonação, senilidade, retardo mental etc.) ou em casos de urgência/emergência. Entre os dados a serem ob dos na história clínica, são importantes: a invesgação de antecedentes de alergias e a suspeita de hipertermia maligna. a) Alergias Em geral, o paciente sabe informar se já apresentou um quadro grave ou importante de alergia. A incidência de reação ao látex tem aumentado em todo o mundo e deve ser invesgada durante a avaliação pré-anestésica. Vários casos de parada cardíaca súbita ou de causa ignorada foram concluídos, em inves gação posterior, como alergia aos derivados do látex. São fatores de risco para o desenvolvimento de reação anafiláca ao látex: - História de exposições múl plas a seus derivados; - Atopia e/ou alergias a determinados alimentos ( kiwi , banana, abacate, maracujá e frutas secas); - Pacientes subme dos a múl plas cirurgias e/ou sondagens vesicais; - Crianças com defeitos de fechamento do tubo neural (em especial, meningomielocele); - Profissionais de saúde e usuários de látex (cabeleireiros, profissionais de limpeza). Dos grupos de risco, as crianças com meningomielocele têm a maior incidência de reação aos derivados do látex, variando entre 13 e 73% quando são atópicas e quando foram submedas a múlplas cirurgias. Pacientes com histórico de alergia ao látex (qualquer po de borracha) devem ser avaliados pelo alergista ou imunologista para a con firmação ou não da sensibilidade. Se posiva, as equipes médicas e de enfermagem devem
ser alertadas, e o paciente deve usar material latex-free durante toda a internação, uma vez que a reação pode ocorrer a qualquer momento em que haja contato com o derivado do produto. b) Miopatas Devem ser invesgadas, mesmo em pacientes supostamente hígidos e seus familiares. História de miopa as ou quadros de febre grave inexplicada (não infecciosa), durante ou fora do ato anestésico, levam à suspeita de hipertermia maligna, e o paciente e/ou seus familiares devem ser encaminhados a centros apropriados de invesgação.
C - Aspectos relevantes ao exame f sico - Exame f sico geral É importante realizar a inspeção do paciente sobre seu aspecto clínico geral com atenção à presença de febre, icterícia, cianose de extremidades ou mucosa, hidratação cutâneo-mucosa, descoramento mucoso e avaliação de sinais vitais. A pressão arterial deve ser aferida em ambos os braços ou, no mínimo, 2 vezes no mesmo braço, com alteração de posição (sentado ou deitado e de pé). A hipertensão arterial sistêmica é a doença associada mais frequente entre pacientes cirúrgicos e a principal causa de cancelamento ou adiamento de cirurgias. É importante sua detecção em tempo hábil para tratamento ou compensação, além da de finição sobre quais são os realmente hipertensos e quais são os hipertensos no momento da consulta, pela ansiedade ou por outros fatores (manguito inadequado, sem calibração ideal). É importante realizar a ausculta cardíaca, atentando para possíveis alterações de ritmo e fonese das bulhas cardíacas e presença de sopros, assim como a ausculta pulmonar, especialmente em bases, veri ficando a presença de ruídos adven cios (estertores, roncos e sibilos). Também são importantes a observação de estase jugular, ausculta caro dea, avaliação da perfusão de extremidades e presença de edema. A avaliação das vias aéreas superiores deve ser minuciosa, observando a presença de alterações de den ção, próteses, anormalidades bucais, cavidade oral, mento e pescoço. A via aérea nasal também deve ser avaliada, bem como a mobilidade cervical (possibilidade de assumir a posição olfatória – ó ma para intubação) e temporomandibular. Vários testes foram propostos para a predição de di ficuldade na intubação orotraqueal, mas nenhum deles é e ficaz em 100% das vezes. O teste de Mallampa é realizado com o paciente sentado, o pescoço em posição neutra (perpendicular ao chão), a boca em abertura total, e a língua em protrusão máxima e sem fonação. O observador deve estar sentado, com os olhos à mesma altura da linha dos olhos do paciente. A cavidade oral é classificada em 4 classes (Figura 1), e há correlação entre a maior classe e a di ficuldade de exposição da fenda glóca durante a laringoscopia.
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CIRURGIA GERAL devem ser conhecidos pelo anestesiologista. Deve-se ter atenção especial às possíveis interações medicamentosas e a cuidados especiais com an coagulantes, hipoglicemiantes, fitoterápicos e an-hipertensivos. a) Ant-hipertensivos
Figura 1 - Variações anatômicas da cavidade oral distribuídas em classes (I a IV)
Classe I: palato mole, pilares, úvula e tonsilas pala nas anterior e posterior visíveis; - Classe II: palato mole, pilares e úvula visíveis; - Classe III: palato mole e base da úvula visíveis; - Classe IV: palato mole parcialmente visível. -
As classes III e IV são suges vas de intubação di f cil. Em gestantes, foi observado um aumento do número de casos de Mallampa IV, sem correlação com aumento da dificuldade de intubação. Na distância esterno-mento, com o paciente sentado, pescoço em extensão máxima, boca fechada, mede-se a distância entre o bordo superior do esterno (manúbrio) e o mento. Distância ≤12,5cm é considerada sugesva de intubação dif cil.
D - Exames laboratoriais A tendência atual é solicitar e realizar exames segundo dados posivos da história clínica e do exame f sico, de acordo com a necessidade de cirurgiões ou clínicos. Determinados exames podem sofrer alterações, ainda que sem modificações clínicas percep veis. Conforme a inclusão do paciente em uma população de alto risco para alguma condição especí fica (câncer, por exemplo), mesmo que sem dados clínicos presentes, é necessária a inves gação de alguma alteração laboratorial associada. Em pacientes de estado f sico ASA I e II, os exames podem valer até 1 ano, desde que não sofram alterações frequentes pela patologia a ser tratada (como mulher jovem com miomatose uterina e importante sangramento ou glicemia em paciente diabé co).
E - Consultas especializadas Pacientes com doenças associadas, compensadas ou não, mas que apresentem disfunção importante do órgão acomedo, devem ser encaminhados a um especialista com os objevos de avaliação do estado da doença e grau de compromemento funcional, além de tratamento da doença, visando à cura ou terapêu ca até o melhor resultado possível.
F - Medicamentos em uso A orientação é para a manutenção de drogas de uso con nuo no período pré-operatório. Suas doses e horários
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A hipertensão arterial é comumente associada a complicações perioperatórias. Hipertensos podem apresentar hipertrofia ventricular esquerda, doença coronariana, insuficiência renal e doença cerebrovascular. Pacientes com hipertensão arterial grave (PAS >180mmHg e PAD >110mmHg) devem ter níveis tensionais corrigidos antes do procedimento cirúrgico. De maneira geral, todos os an -hipertensivos podem ser mandos. Os beta-bloqueadores têm comprovada proteção cardiovascular, e sua re rada está associada à taquicardia e crise hipertensiva. Os diuré cos merecem atenção pelo risco de depleção volêmica e eletrolí ca. Os Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA) estão associados à hipotensão arterial signi ficava, hipovolemia e maior perda sanguínea no intraoperatório, por isso alguns autores recomendam sua re rada no dia da cirurgia. b) Hipoglicemiantes e insulinas É consensual a suspensão dos hipoglicemiantes de longa duração no período pré-operatório. Dependendo do porte cirúrgico, durante o jejum, o paciente pode receber hidratação venosa com glicose e eletrólitos (sódio e potássio) e realizar controle glicêmico a par r da glicemia capilar, usando insulina regular subcutânea. A me t ormina piora a acidose lácca e deve ser suspensa 48h antes dos procedimentos cirúrgicos. Quanto aos pacientes subme dos a contraste iodado, deve ser reintroduzida após 48h, e deve ser realizada avaliação renal. Para cirurgias de pequeno porte, usuários de insulina de lenta ou intermediária duração, compensados e atendidos em regime ambulatorial, devem passar a usar insulina regular 24h antes do procedimento e ser monitorizados quanto à glicemia em domicílio e à chegada ao hospital. Já indivíduos internados podem fazer uso de insulina lenta ou intermediária, uma vez que podem receber infusão de glicose durante o jejum pré-operatório e ser monitorizados quanto à glicemia a cada 2h durante a cirurgia e pós-operatório imediato. c) Antdepressivos Usados no tratamento de várias patologias (depressão, síndrome do pânico, dor crônica), os an depressivos estão entre as drogas mais prescritas do mundo e disponíveis em grande número de fármacos com diferentes mecanismos de ação (esmulantes da liberação de dopamina, inibidores da captação da serotonina). Com isso, mudam condutas clássicas anteriores, como a suspensão de inibidores de monoamino-oxidase (IMAO) 3 semanas antes do procedimento ou cuidados especiais com interações medicamentosas com os andepressivos tricíclicos. A orientação é pela manutenção,
ANESTESIA
com o cuidado de conhecer a medicação e as suas possíveis interações, evitando, se possível, drogas simpatomimé cas, halotano, meperidina e tramadol.
das, a complexidade da operação e, até mesmo, a habilidade e o nível de conhecimento do anestesiologista.
d) Fitoterápicos Apesar de o efeito combinatório dos fitoterápicos com outras drogas não ser inteiramente esclarecido, acredita-se que éfedra, ginseng, ginkgo biloba, ginger , avelós e vitamina E aumentem o sangramento intraoperatório, especialmente em pacientes em uso de an coagulantes. A erva-de-são-joão pode prolongar os efeitos da anestesia geral. É possível que o alho possa interagir com an depressivos e vasopressores, aumentando a frequência cardíaca e a pressão arterial. Muitos pacientes fazem uso de fitoterápicos e suplementos vitamínicos, e não o informam aos seus médicos. A orientação é para que sejam suspensos, pelo menos, 15 dias antes da cirurgia.
2. Manejo das vias aéreas
e) Antcoagulantes Receptores de medicações que alteram a coagulação sanguínea devem ter coagulograma recente, mesmo que elas não alterem a coagulação isoladamente. É importante avaliar o risco-benef cio do uso de an coagulantes em relação ao procedimento cirúrgico e à técnica anestésica a ser adotada. Medicações que interferem em outros componentes da hemostasia podem potencializar riscos sem alterar o INR (AAS, AINEs, clopidina, clopidogrel, heparina não fracionada e heparina de baixo peso molecular), mas estudos com grande número de pacientes sugerem que o AAS (ácido acelsalicílico) e os AINEs (An -Inflamatórios Não Esteroidais) não são fatores maiores de risco para a formação de hematoma após bloqueio espinhal. Usuários de varfarina (por exemplo, prótese cardíaca metálica, trombose venosa profunda) devem ter o an coagulante suspenso 5 dias antes do procedimento e subs tuído por heparina de baixo peso molecular, em caso de pro filaxia imprescindível. Devem-se aguardar 12h após a úl ma dose de heparina de baixo peso molecular para a realização de bloqueio regional, e essa heparina pode ser reintroduzida 4h após a realização do bloqueio. O controle clínico deve ser feito com o INR, aceitável para cirurgia quando abaixo de 1,5 (considerado seguro para bloqueio regional). Em casos de urgência, os pacientes podem receber plasma fresco, infusão de complexo protrombínico ou fator VII avado, e a anestesia geral deve ser a 1ª opção. f) Outras drogas Drogas ulizadas no controle de arritmias, asma, doenças da reoide, gastrite e re fluxo gastroesofágico devem ser connuadas no período pré-operatório.
G - Avaliação do risco cirúrgico Na maioria dos casos, o risco anestésico é di f cil de ser avaliado de forma isolada. As complicações perioperatórias e as mortes são habitualmente causadas por uma combinação de fatores, incluindo o estado f sico, as doenças associa-
Segundo a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA), o manejo inadequado da via aérea é a causa mais frequente de complicações em anestesia e responsável por 30% dos óbitos de causa exclusivamente anestésica. Venlação dif cil, falha em reconhecer intubação esofágica e di ficuldade, ou mesmo impossibilidade de intubação, são responsáveis pela maioria das complicações. Sabe-se que a maioria dos óbitos ou danos cerebrais por problemas de venlação é perfeitamente evitável. Sabendo-se que a anestesia geral e alguns procedimentos cirúrgicos requerem intubação orotraqueal (IOT), deve-se realizar uma adequada avaliação das vias aéreas.
A - Dificuldades no processo de intubação traqueal A via aérea di f cil é uma situação em que um anestesista em treinamento tem di ficuldade na ven lação manual com máscara, na intubação traqueal ou em ambas. O diagnósco de uma potencial di ficuldade de intubação deve ser feita antes de um anestésico ser administrado. Quando esse problema não é antecipado, vários fatores contribuem para piorar a situação: estresse do operador, falta de equipamento necessário, respostas improvisadas para situações dif ceis, pedir ajuda muito tarde e fazer múl plas tentavas de intubação, o que, geralmente, torna a ven lação e/ou a intubação ainda mais di f ceis. Uma anamnese cuidadosa e um exame f sico completo idenficam possíveis situações de di ficuldade de intubação, permindo um melhor preparo, que pode impedir o fracasso da venlação e consequentes parada cardíaca e morte. Tal avaliação varia conforme a situação: programada (cirurgia eleva) ou não programada (intubação de urgência em pronto-socorro ou UTI). A venlação sob máscara dif cil é de finida como a incapacidade em manter a saturação arterial de oxigênio acima de 90% em um paciente que apresentava tal condição antes da tentava de intubação, mesmo usando oxigênio a 100% e venlação com bolsa/válvula/máscara. A laringoscopia di f cil caracteriza-se pela impossibilidade de observar uma parte das cordas vocais. A intubação endotraqueal dif cil é definida quando são necessárias mais de 3 tentavas ou mais do que 10 minutos para a introdução do tubo traqueal, usando-se laringoscopia convencional. A tolerância à venlação inadequada e à hipóxia resultante depende da idade, do peso e do estado f sico do paciente. O tempo é restrito e representa um aspecto fundamental para a sobrevida. A seguir, é possível observar como o paciente dessatura em apneia após uso de bloqueador neuromuscular de curta duração (succinilcolina) antes mesmo de seu efeito ser reverdo (7 a 10 minutos). A hipoxemia é acentuada em obesos, crianças e adultos com patologias prévias.
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CIRURGIA GERAL
Figura 2 - Curvas de dessaturação durante a apneia
As principais consequências associadas ao manejo inadequado das vias aéreas são óbito, lesão cerebral, parada cardíaca, traqueostomia desnecessária e trauma na via aérea ou nos dentes. a) Condições associadas ao comprome tmento das vias aéreas Doenças congênitas: Pierre Robin, Marfan, higroma císco, fissura palana; - Trauma: fratura ou instabilidade da coluna cervical, queimaduras; - Afecções endócrinas: obesidade, diabetes, acromegalia; - Processos inflamatórios: espondilite anquilosante, artrite reumatoide; - Câncer: tumores em via aérea alta e/ou baixa, radioterapia prévia; - Infecção: epiglo te, bronquite, abscessos, pneumonia; - Corpo estranho; - Testes como Mallampa, determinação da distância reomentual, abertura da boca (espaço interincisivo) e mobilidade do pescoço podem ser usados para determinar dificuldade de intubação. No entanto, não existe teste com 100% de sensibilidade e 100% de especi ficidade, e parece improvável que algum teste como esse seja desenvolvido futuramente. -
Incisivos centrais superiores longos; - Retrogna smo passivo; - Pescoço curto; - Pescoço largo; - Limitação da protrusão mandibular; - Palato ogival. -
c) Sinais sugestvos de ventlação dif cil 2 - IMC ≥30kg/m ; - Presença de barba; - Classificação de Mallampa ≥III; - Idade >57 anos; - Protrusão mandibular reduzida; - Distância reomentual <6cm; - História de ronco. Tabela 1 - Escore de intubação (Airway Di ffi culty Score – ADS) Parâmetro x pontuação
1
2
3
Distância reomentual
>6cm
5 a 6cm
<5cm
Índice de Mallampa
Classe I
Classe II
Classe III ou IV
Abertura bucal
4cm
2 a 3cm
1cm
Mobilidade do pescoço
Normal
Reduzida
Sem flexão
Normais
Proeminentes
b) Sinais sugestvos de intubação di f cil
Incisivos superiores Ausentes
Distância reomentual <6cm; - Abertura bucal ≤3cm; - Mobilidade atlanto-occipital reduzida; - Classificação de Mallampa ≥II; - Complacência reduzida do espaço submandibular;
Se escore ≥8, provável venlação ou intubação dif ceis.
-
14
B - Avaliação clínica para facilitar a intubação traqueal A avaliação clínica permite conhecer as reservas respiratórias e circulatórias do paciente, pois a laringoscopia e a in-
ANESTESIA
tubação são acompanhadas de alterações nesses sistemas. No sistema nervoso, as manobras de intubação podem elevar a hipertensão intracraniana preexistente ou agravar uma lesão raquimedular. É importante saber se já houve di ficuldade de intubação. Presença de dispneia, disfagia, trauma ou cirurgia anterior na região do pescoço, tumores ou abscessos nas vias aéreas superiores, compromemento da mobilidade do pescoço, desvios da laringe, disfonia, trauma de laringe ou edema, instabilidade de coluna cervical (ou suspeita de lesão cervical) são sinais suges vos de dificuldade. Hipoplasia de mandíbula, retrogna smo e micrognasmo estão associados à dificuldade de laringoscopia e intubação. A avaliação do jejum é muito importante, pois a lesão pulmonar por aspiração de suco gástrico (síndrome de Mendelson) é uma das complicações mais graves associadas à intubação. As gestantes têm maior risco de aspiração de conteúdo gástrico. Ao final da gravidez, o esvaziamento gástrico e o tônus do es f ncter inferior do esôfago estão diminuídos, e aumenta a pressão intragástrica. Se necessária venlação com máscara, deve ser feita pressão na car lagem cricoide (manobra de Sellick) até que o tubo traqueal esteja corretamente posicionado e o cu ff (balão), insuflado. No exame f sico, alguns dados também podem auxiliar. A anatomia da face, as dimensões das narinas, a permeabilidade das fossas nasais, a abertura da boca, a mobilidade da mandíbula, as dimensões da cavidade oral e da língua, a denção e as próteses dentárias e a mobilidade cervical são aspectos igualmente relevantes nessas circunstâncias.
Indicações - Indicações especí ficas, como procedimentos cirúrgicos sob anestesia geral, também podem requerer intubação traqueal; - Posição diferente da supina; - Procedimentos cirúrgicos prolongados; - Neurocirurgia, cirurgias o álmicas ou de cabeça e pescoço.
Pode-se ulizar a intubação nasotraqueal quando a rota oral está indisponível ou é impossível (Tabela 3). Ela pode ser realizada com o paciente acordado, com sedação e consciente (às cegas, sob visão direta com laringoscópio ou com fibrobroncoscópio) ou já anestesiado (sob laringoscopia direta). A introdução do tubo via narina direita está relacionada a menor ocorrência de trauma de corneto. Tabela 3 - Intubação nasotraqueal Vantagens - Mais bem tolerada por pacientes em intubações prolongadas; - Cuidados de enfermagem mais facilitados; - Ausência de riscos de o paciente morder o tubo; - Menor necessidade de manipulação cervical. Indicações - Cirurgia endoral ou oromandibular; - Incapacidade de abrir a boca (trauma, tumores, espondilite anquilosante); - Intubação prolongada. Contraindicações
C - Manejo: posicionamento, ventlação sob máscara facial e intubação traqueal
- Fratura da base do crânio (em especial, de etmoide);
A intubação oral é a técnica mais frequentemente usada para a manipulação da via aérea (Tabela 2). Em procedimentos elevos clássicos, é realizada após a indução anestésica com opioide, hipnó co e bloqueador neuromuscular. Em Pediatria, é possível a execução da IOT usando apenas indução inalatória, mas opioides, hipnó cos e bloqueadores neuromusculares também podem ser u lizados. Em urgências/emergências, em situações com risco de aspiração pulmonar ou via aérea di f cil prevista, pode ser indicada a intubação traqueal com o paciente acordado.
- Epistaxe e coagulopaa;
Tabela 2 - Intubação orotraqueal Vantagens - Controle da via aérea pelo tempo necessário; - Diminuição do espaço morto anatômico; - Facilidade à aspiração de secreções brônquicas; - Impedimento da passagem de ar para o estômago e intes no. Indicações - Oxigenação ou ventilação inadequada; - Perda dos mecanismos protetores da laringe; - Traumasmos sobre as vias aéreas; - Métodos diagnóscos (tomografia, ressonância magnéca, endoscopias etc.);
- Fratura de nariz; - Desvio acentuado do septo nasal; - Polipose nasal (contraindicação rela va).
D - Manejo: intubação com o paciente consciente/acordado É indicada nas situações a seguir, tanto para intubação oral como nasotraqueal: - Intubação di f cil já prevista/avaliada; - Dificuldade na ven lação sob máscara facial no período pré-intubação, por doenças ou caracterís cas anatômicas; - Necessidade de manutenção da consciência para avaliação neurológica; - Risco de aspiração de conteúdo gástrico (síndrome de Mendelson). Sempre que possível, havendo habilidade do anestesiologista e equipamento disponível, deve-se u lizar o broncofibroscópio. Além disso, é muito importante que o paciente seja esclarecido quanto à indicação da técnica e sua execução, para que ele se mantenha calmo e possa colaborar. Quando há risco de regurgitação de conteúdo gástrico, deve-se usar apenas anestesia tópica nasal, evitando
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CIRURGIA GERAL anestesia da laringe ou traqueia, devido à perda de seus reflexos protetores. Na ausência desse risco, é possível usar, também, o bloqueio do nervo laríngeo superior e a injeção transtraqueal de anestésico local, obtendo-se, assim, uma intubação traqueal indolor e sem tosse.
E - Dispositvos supraglótcos
Contraindicações - Paciente sem jejum; - Hérnia hiatal; - Obesidade extrema; - Gravidez; - Politrauma (estômago cheio, instabilidade cervical); - Baixa complacência pulmonar;
a) Máscara laríngea
- Patologias faríngeas (tumores, obstrução, abscessos);
A Máscara Laríngea (ML) é um disposi vo supraglóco desenvolvido para o manejo das vias aéreas, podendo ser considerado funcionalmente intermediário entre a máscara facial e o tubo endotraqueal (Figura 3). Dispensa o uso de laringoscópio ou instrumentos especiais para sua inserção, além de ser considerada uma boa opção para o manejo da via aérea di f cil nos algoritmos publicados pela Associação Americana de Anestesiologia e o Conselho Europeu de Ressuscitação (Figura 4).
- Limitação para extensão ou abertura bucal (espondilite anquilosante, artrite); - Neuropaas com retardo de esvaziamento gástrico; - Profissional sem treinamento.
As restrições para o uso da ML relacionadas ao maior risco de regurgitação e baixa complacência pulmonar são clássicas para os casos de ro na. Porém, nas situações de emergência, as vantagens da ML como disposi vo superam as contraindicações. As MLs são confeccionadas em silicone especial e isentas de látex (Figura 3) e possuem diversos formatos funcionais, possibilitando a inserção de tubo traqueal ou de broncofibroscópio pelo seu lúmen.
Figura 3 - Máscaras laríngeas e tubo endotraqueal acoplados
Inicialmente concebida apenas para o manejo da via aérea em anestesias convencionais, foi rapidamente consagrada como equipamento indispensável nos casos de via aérea dif cil. Tem a desvantagem de não proteger a traqueia contra regurgitação de conteúdo gástrico. A ML está disponível em vários tamanhos, possibilitando o uso desde em lactentes até em adultos. Corretamente posicionada, sua face convexa posterior estará em contato com a parede da faringe e a face anterior sobreposta à laringe, de forma a permi r a venlação. Sua ponta aloja-se sobre o esf ncter esofágico superior.
b) Tubo esofagotraqueal de dupla via
Tabela 4 - Máscara laríngea Indicações - Para intubação traqueal em casos: venlável, mas não intubável; - Situação de emergência: não intubo, não venlo; - Via aérea definiva para prosseguir um caso não emergencial: paciente anestesiado, que não pode ser intubado, mas é facilmente venlável com máscara facial; - Como conduta para intubação traqueal com paciente acordado.
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Figura 4 - Via aérea di f cil com uso da ML
fibra
ópca no
O tubo esofagotraqueal de dupla via (Combitube®) é uma sonda descartável dotada de 2 balonetes (um orofaríngeo e outro esofágico) e de dupla luz, uma convencional (tubo nº 2 – a via mais clara e mais curta) e outra mul fenestrada (tubo nº 1 – via azul mais longa) no segmento correspondente à orofaringe, sendo ocluída distalmente (Figura 5). Trata-se de uma opção, em alguns casos, em que não se consegue fazer a intubação da traqueia por métodos con-
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vencionais, reanimação cardiopulmonar ou acesso às vias aéreas em ambiente extra-hospitalar (Figura 6). É introduzido às cegas e permite ven lação adequada independentemente de seu posicionamento final – esofágico (94 a 99% dos casos) ou traqueal. É disponível em 2 tamanhos; 37F para paciente de 1,40 a 1,80m de altura, e 41F para pacientes com mais de 1,80m de altura.
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Tabela 5 - Tubo esofagotraqueal de dupla via Vantagens - Técnica de fácil aprendizagem; - Venlação sasfatória em posição esofágica ou traqueal; - Efevo em via aérea dif cil, casos de sangramento ou vômitos que impeçam a visualização das pregas vocais; - Não requer laringoscopia (mas o laringoscópio pode ser usado para facilitar a inserção) e exige mínima movimentação cervical; - Balão esofágico previne aspiração e permite drenagem de conteúdo gástrico e vômitos. Desvantagens - Não disponível em tamanho pediátrico; - Possibilidade de complicações graves (laceração esofágica, mediasnite); - Necessita de altas pressões nos balonetes; - Não permite acesso à via aérea (aspiração, fibroscopia), exceto em modelos especiais. Contraindicações - Paciente com altura inferior a 1,40m; - Paciente consciente com reflexo nauseoso presente; - Paciente com doença esofágica ou ingestão de soda cáus ca.
Figura 6 - Via aérea di f cil, incluindo técnicas invasivas e Combitube®
3. Farmacologia dos anestésicos locais
Figura 5 - (A) Tubo esofagotraqueal de dupla via (Combitube®) e (B) tubo esofagotraqueal colocado
Os anestésicos locais são substâncias capazes de bloquear, de forma totalmente reversível, a geração e a propagação do potencial de ação em tecidos eletricamente excitáveis. Agem em qualquer parte do sistema nervoso e em todo po de fibra, além de serem capazes de produzir bloqueio tanto sensi vo quanto motor.
F - Vias cirúrgicas para acesso às vias aéreas A cricoreoidostomia e a traqueostomia são acessos cirúrgicos para via aérea. Enquanto esta compreende um procedimento ele vo para uma via aérea de longa permanência, aquela é, em geral, u lizada como acesso de urgência e por curto período de tempo. O acesso cirúrgico de emergência é visto como a úl ma abordagem do paciente que não pode ser intubado. Atualmente, ambos os acessos podem ser realizados por meio da técnica percutânea.
4. Anestesia subaracnóidea A 1ª anestesia subaracnóidea foi realizada por Auguste Bier e seu assistente em 1898, com injeção de cocaína e subsequente cefaleia no período pós-anestésico. Embora não haja indicação absoluta para a técnica, o fato de produzir profunda analgesia sensorial com relaxamento muscular requer pequena dose e volume de fármaco, e simplicidade de realização mantém a raquianestesia presente no arsenal técnico da Anestesiologia há mais de 1 século.
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CIRURGIA GERAL A - Anatomia A coluna é formada por 33 vértebras unidas por 5 ligamentos superpostos: 1 - Ligamento supraespinhoso. 2 - Ligamento interespinhoso. 3 - Ligamento amarelo. 4 - Ligamento longitudinal anterior. 5 - Ligamento longitudinal posterior. Recobrindo a medula, há 3 meninges: dura-máter (mais externa e resistente), aracnoide-máter (delicada e avascular) e pia-máter ( fina e vascularizada, que recobre a super f cie da medula, aderindo a ela). Tais ligamentos e meninges delimitam os espaços raquidianos: espaço peridural (entre os componentes ligamentares e a dura-máter), espaço subdural (existe virtualmente, entre a super f cie interna da dura-máter e a aracnoide) e espaço subaracnóideo (entre a pia-máter e a aracnoide, contém o líquido cerebrospinal). A parr do 3º mês de gestação, a coluna vertebral aumenta em extensão mais do que a medula, e, ao nascimento, esta se posiciona no nível de L3. Quando o indivíduo é adulto, apresenta-se, na maioria das vezes, em L1. Abaixo de L2, o espaço subaracnóideo contém as raízes nervosas em forma de cauda equina e o filamento terminal, permindo a punção lombar sem risco para a medula. Desta úlma, saem 31 pares de raízes espinhais. A área cutânea inervada por um nervo, e seu correspondente segmento medular chama-se dermátomo. O líquido cerebrospinal tem volume entre 90 e 150mL, secretado connuamente (20mL/h) em sua maior parte pelo plexo coroide dos ventrículos encefálicos (3º, 4º e laterais). É incolor, claro, cristalino e não coagulável, ligeiramente alcalino e proveniente do plasma. O anestésico tende a bloquear, inicialmente, as fibras autonômicas, posteriormente as fibras condutoras de calor, dor, propriocepção, pressão, tato e, por úl mo, bloqueio motor.
Podem-se também ulizar outros agentes adjuvantes, como opioides, clonidina etc. Os opioides mais u lizados são o fentanila, o sufentanila e a mor fina, que possuem ação analgésica, melhorando a qualidade do bloqueio. A analgesia resulta da a vação dos receptores opioides especí ficos (MI, delta ou kappa) situados, principalmente, na substância cinzenta do corno posterior da medula. Causam, entretanto, efeitos colaterais, que variam desde prurido até depressão respiratória tardia. Os opioides hidrof licos, como a mor fina, ocasionam óma analgesia, mas sua penetração na medula é lenta (início de ação de 60 a 90 minutos) e sua permanência no LCE é prolongada (até 24h), com risco de depressão respiratória tardia. Os opioides lipo f licos mais usados na via subaracnóidea são o sufentanila e o fentanila. Apresentam rápido início de ação (3 a 5 minutos), duração variável (3 a 9h), pouco risco de depressão respiratória imediata e quase nenhum risco de depressão respiratória tardia. Os efeitos colaterais dos opioides empregados por via subaracnóidea ou epidural são os mesmos em qualidade; porém, pela via subaracnóidea, a intensidade dos efeitos é maior. Os principais efeitos observados dos opioides são prurido (pode ser tratado com a difenidramina), depressão respiratória (pode ser tratada com a naloxona), sonolência, náuseas e vômitos; e retenção urinária.
C - Técnica As 2 agulhas mais ulizadas, atualmente, são as de Quincke e Whitacre (ponta de lápis), obje vando, sempre, minimizar a incidência de complicações, como a cefaleia pós-raquianestesia.
Tabela 6 - Classi fi cação das fi bras nervosas Fibra
Diâmetro Mielina (μm)
Velocidade de condução
Função
A alfa
6 a 22
+
30 a 120
Motor e propriocepção
A gama
3a6
+
15 a 35
Tônus muscular
A delta
1a4
+
5 a 25
Dor, toque, temperatura
B
<3
+
3 a 15
Função autonômica
C
0,3 a 1,3
-
0,7 a 1,3
Dor, temperatura
Figura 7 - Técnica de punção da coluna
B - Farmacologia Os anestésicos locais disponíveis no Brasil são, principalmente, a lidocaína, com duração intermediária, e a bupivacaína, com longa duração, e podem ser isobáricas, hipobáricas ou, adicionando-se glicose, hiperbáricas.
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Figura 8 - Delimitação anatômica do local de punção
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O bloqueio pode ser realizado com o paciente sentado, em decúbito lateral ou ventral, em condições de an ssepsia rigorosa. É pracado, usualmente, nos espaços L2-L3, L3-L4 ou L4-L5, principalmente por via mediana, a fim de evitar o plexo venoso peridural. Assim, há progressão pela pele, tecido celular subcutâneo, ligamento supra e interespinhoso, ligamento amarelo, penetração no espaço peridural e na dura-máter. O correto posicionamento é con firmado pelo refluxo de LCE. Há, também, a via de acesso paramediana, que atravessa a musculatura paravertebral e ange o ligamento amarelo na linha mediana. Nas gestantes, o aumento da lordose lombar reduz o espaço intervertebral, podendo di ficultar a execução da anestesia espinhal. O aumento do quadril eleva a porção lombossacra da coluna quando a parturiente é colocada em decúbito lateral, facilitando a dispersão cefálica do anestésico local e elevando o nível do bloqueio.
venosa central ocasionada pelo bloqueio simpá co. Há vasodilatação abaixo do bloqueio e redistribuição do volume sanguíneo central para extremidades inferiores e leito esplênico. A bradicardia pode ocorrer por alteração no balanço autonômico cardíaco, com predomínio do sistema parassimpáco, principalmente pelo bloqueio das fibras cardioaceleradoras. E o tratamento baseia-se em hidratação e administração de agentes vasoa vos.
Tabela 7 - Anestesia subaracnóidea
-
Vantagens - Facilidade de execução; - Bloqueio motor; - Relaxamento abdominal mais intenso que o do bloqueio peridural; - Latência curta; - Bloqueio da resposta ao estresse cirúrgico; - Diminuição da perda sanguínea intraoperatória; - Diminuição da incidência de eventos tromboembólicos no pósoperatório; - Redução na morbimortalidade de pacientes cirúrgicos de alto risco; - Analgesia pós-operatória; - Terapia da dor aguda cirúrgica ou não. Contraindicações - Absoluta: recusa do paciente; - Hipovolemia; - Hipertensão intracraniana; - Coagulopaas ou trombocitopenia; - Sepse e infecção no local da punção.
A anestesia subaracnóidea pode ser, então, u lizada amplamente em cirurgias pediátricas, ambulatoriais, obstétricas, cardíacas etc.
D - Complicações Secundárias à própria técnica: - Hipotensão, bradicardia, bloqueios atrioventriculares, parada cardíaca; - Prurido, náuseas, vômitos; - Retenção urinária; - Depressão respiratória. A hipotensão é de rápida instalação e acontece pela diminuição da resistência vascular sistêmica e da pressão
Provocadas por causa conhecida: - Acidente mecânico por trauma direto (lesões osteoligamentares nervosas); - Acidente pelo extravasamento de líquido cerebrospinal (cefaleia, f stula liquórica cutânea, herniações etc.); - Acidente pelo uso do cateter; - Complicações infecciosas (meningite assép ca, abscesso peridural e espinhal). Cefaleia pós-punção A cefaleia pós-raquianestesia resulta da perda de líquido cerebrospinal por meio do ori f cio da dura-máter criado após sua punção. Como consequência, há tração dos folhetos meníngeos e das estruturas vasculares, ocasionando fenômenos dolorosos. É mais frequente em mulheres e jovens, com maior incidência em pacientes obstétricas. A frequência é variável e depende de 2 fatores fisiopatológicos: idade do paciente e caracteríscas da agulha. A cefaleia tem intensidade alta, de caráter postural, bifrontal e occipital, podendo irradiar para pescoço e ombros, iniciando-se nos primeiros dias de punção. Pode estar associada a náuseas, ver gens, distúrbios audi vos, fotofobia, visão borrada e depressão do humor. É autolimitada, porém, às vezes, incapacitante, requerendo tratamento com tampão sanguíneo peridural (blood patch) quando o tratamento clínico (repouso, hidratação e sintomá cos) não se mostra eficaz. Outras neurológicas: - Síndrome da cauda equina; - Sintomas neurológicos transitórios (parestesias, cefaleia pós-punção); - Hematomas compressivos espinais.
5. Anestesia peridural O espaço peridural situa-se entre a dura-máter e o canal vertebral e é preenchido por tecido adiposo e plexo venoso. Nesse espaço, há pressão subatmosférica variável com a respiração e influenciada pela pressão intra-abdominal e torácica, e pela pressão liquórica, o que facilita sua iden ficação. Vários anestésicos locais podem ser usados, a depender da duração de ação, e ficácia e latência, adequando-se à cirurgia. Substâncias adjuvantes, como epinefrina e opioides, também são úteis para prolongar a duração do bloqueio e melhorar sua qualidade. Com a lidocaína, o bloqueio se es-
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CIRURGIA GERAL tabelece rapidamente, durando 90 a 120 minutos. Com a bupivacaína, a latência é maior, porém a duração também é mais longa (de 3 a 5 horas). O bloqueio peridural, ao contrário do subaracnóideo, é segmentar, espraiando-se tanto caudal quanto cefalicamente. O 1º sinal de bloqueio é a sensação de calor na área bloqueada com perda da discriminação térmica. A seguir, perda da sensação de picada (dolorosa), posteriormente, perda do tato com progressiva perda da força, até a anestesia completa com bloqueio motor e insensibilidade generalizada. O bloqueio espalha-se de forma centrífuga, o bloqueio simpáco alcança níveis mais altos que o sensi vo, e este, mais alto que o bloqueio motor. É necessário um preparo clínico adequado para a realização do bloqueio. A presença de coagulopa as ou o uso de medicação ancoagulante podem, por exemplo, representar uma contraindicação absoluta ou rela va para o procedimento, além de deformidades da coluna, que di ficultam sua realização. Como na anestesia subaracnóidea, a recusa do paciente apresenta-se como contraindicação absoluta para o procedimento anestésico, bem como infecção no local da punção, hipovolemia e choque circulatório. A anestesia peridural pode ser realizada em, pra camente, toda a coluna vertebral, embora o local mais comum seja a coluna lombar pela facilidade de punção. Além disso, uliza-se, também, cateter para infusão con nua do anestésico, que possibilita injeção durante a cirurgia, prolongando o bloqueio, além da realização de analgesia pós-operatória.
A - Critérios de execução a) Indicações da anestesia peridural - Anestesia para procedimentos cirúrgicos dos membros inferiores, pelve e abdome; - Analgesia pós-operatória com ou sem opioide em técnica con nua; - Tratamento da dor radicular aguda ou crônica; - Analgesia prolongada para tratamento de dor pós-operatória ou crônica, por meio do PCA (Pat ent-Controlled Analgesia). b) Contraindicações - Absoluta: recusa do paciente. - Relatvas: Coagulopaas ou uso de an coagulantes; Hipotensão, hipovolemia ou sepse; Infecção no local da punção; Deformidade da coluna vertebral. • • • •
c) Critérios para execução de anestesia peridural em pacientes em uso de an tcoagulantes - Antcoagulantes orais (varfarina): suspender a medicação, medir o INR e realizar bloqueio quando INR abaixo de 1,4;
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Aspirina e AINEs: parece não haver riscos para sangramentos ou hematoma espinhal, quando usados isoladamente. O risco parece aumentar quando associados à heparina, cumarínicos ou trombolí cos; tcos: têm alto risco de hematoma e sangra- Fibrinolí mento, especialmente se associados à heparina. Recomendam-se 10 dias entre o uso de fibrinolí cos e a punção peridural. Paciente com cateter peridural que necessite de trombolí co deve ser avaliado neurologicamente, a cada 2h; - Heparina de baixo peso molecular: se possível, o bloqueio subaracnóideo é a melhor alterna va. O bloqueio peridural deve ser realizado 12h após a úl ma dose (quando pro filáca) e após 24h (quando dose plena). O cateter peridural deve ser re rado 12h após a úlma dose. -
B - Peridural torácica A Anestesia Peridural Torácica (APT) apresenta várias aplicações clínicas em diversas especialidades médicas, como cirurgias na parede torácica e no tratamento das dores aguda e crônica. Passou a ter uso extensivo por um grande número de anestesiologistas, principalmente nas cirurgias pláscas. Quanto aos aspectos anatômicos favoráveis à sua u lização com segurança, pode ser relacionada ao conhecimento prévio dos processos espinhosos de T1 a T12 com uma inclinação extrema e acentuada entre T5 e T8, obrigando o correto posicionamento da agulha e obedecendo a esses conceitos. O espaço peridural torácico apresenta uma profundidade entre 2,5 e 5mm de profundidade, sendo maior no segmento torácico inferior. A membrana da dura-máter é constuída de fibras colágenas e eláscas, angindo uma espessura na região torácica de 1mm, o que propicia maior resistência, dificultando uma perfuração acidental. Muitos estudos têm contribuído para o conhecimento das alterações fisiológicas e farmacológicas dessa técnica, principalmente as alterações cardiopulmonares, com seus múlplos mecanismos de ações. Os efeitos cardiovasculares observados com a APT são complexos e variáveis, dependendo de muitos fatores, como a extensão do bloqueio simpáco, o equilíbrio do sistema nervoso autônomo, a ação local e sistêmica dos anestésicos locais, a adição de adrenalina no anestésico, dentre outros. Os principais efeitos bené ficos no sistema cardiovascular são, principalmente, a queda da excitabilidade cardiovascular, diminuindo a frequência cardíaca, reduzindo o consumo de oxigênio pelo miocárdio, melhores resultados na isquemia miocárdica refratária ao tratamento convencional e, principalmente, em se tratando de cirurgias pláscas, menor sangramento, mantendo níveis hipotensivos seguros para a sua realização. Em cirurgias abdominais altas e torácicas, a disfunção diafragmáca é um fator determinante das complicações
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respiratórias no pós-operatório e pode ser atenuada pelo bloqueio peridural. As vantagens da APT para cirurgias plás cas são função pulmonar preservada, manutenção dos re flexos de vias aéreas, anestesia segmentar e menor incidência de tromboembolismos, sangramento, náuseas e vômitos, ana filaxias e retenções urinárias. Pode ser realizada com segurança no bloco operatório adequado para todas as situações de emergência, com uma avaliação pré-anestésica bem detalhada, ulização de fármacos em concentrações reduzidas e menos cardiotóxicas, monitorização mandatória (ECG, PANI, FC, oxímetro e capnogra fia nasal). A ulização da técnica com cateter apresenta uma série de vantagens, principalmente a redução da dose do anestésico e a segurança quanto ao tempo cirúrgico e à qualidade do procedimento. Atualmente, u lizam-se, após a dose-teste, a passagem do cateter e a injeção do anestésico local, lento e correlacionado com a clínica.
C - Anestesia peridural con nua Antes de iniciar a técnica con nua, deve-se verificar se o cateter passa facilmente pela agulha. O bisel desta deve ser direcionado na posição cefálica, embora isso não garanta que o cateter tomará tal direção. O instrumento pode encontrar resistência para ultrapassar a curvatura da ponta da agulha, mas a pressão constante consegue vencer o obstáculo. Se o cateter não progride além da ponta da agulha, é possível que esta não esteja completamente introduzida no espaço peridural e alguma estrutura esteja impedindo a sua progressão. Nesse caso, a introdução cuidadosa da agulha 1 a 2mm, movendo-a a 180°, pode ser ú l. Essa é uma manobra que aumenta o risco de punção acidental da dura-máter. Se o cateter avança uma pequena distância além da ponta da agulha, não progredindo, é necessário que esta seja reposicionada. Deve-se, então, rerá-la com o cateter em seu interior, pois somente a re rada do cateter que já ultrapassou a ponta da agulha pode quebrá-lo. O instrumento deve ser introduzido 3 a 5cm, para evitar a punção das veias peridurais e das meninges e a saída pelos forames intervertebrais, enrolando-se ao redor das raízes dos nervos. Após a fixação do cateter, é obrigatória a dose-teste antes da administração de drogas.
D - Dose-teste peridural Seu objevo é idenficar se a agulha ou o cateter foram introduzidos no espaço subaracnóideo ou em veias do espaço peridural. A aspiração da agulha ou do cateter para iden ficar a presença de sangue ou de líquido cerebrospinal pode ser úl para prevenir injeções inadver das de anestésico local, mas a incidência de teste falso nega vo é alta. A dose-teste mais u lizada é a de 3mL de anestésico local (lidocaína) contendo 5 μg/mL de adrenalina (1:200.000). Ela deve ser suficiente para que, introduzida no espaço subaracnóideo, determine anestesia e, introduzida em um
vaso sanguíneo, ocasione aumento médio da frequência cardíaca em 30bpm entre 20 e 40 segundos após a injeção. Em pacientes que u lizam beta-bloqueador, não se observa aumento nos bamentos cardíacos, podendo, inclusive, haver diminuição. Entre esses indivíduos, o aumento da pressão arterial sistólica ≥20mmHg indica injeção intravascular. O paciente deve estar sempre monitorizado. a) Fatores que in fluenciam a extensão do bloqueio peridural - Volume e concentração da solução anestésica; - Idade e altura: a dose reduz com a idade. A altura é indiferente, salvo extremos de idade; - Velocidade de injeção: aumenta a difusão e o desconforto; - Nível da punção: em nível cervicotorácico, devido ao menor volume do espaço, pequenos volumes (8 a 10mL) produzem bloqueio semelhante ao ob do com 15mL em nível lombar. b) Complicações Relacionadas ao anestésico São consequência de injeção inadver da ou absorção de doses elevadas do anestésico e alergia. Os primeiros sinais de intoxicação são gosto metálico, zumbido, tontura, seguindo para dislalia, tremores, convulsão clônica generalizada, insuficiência respiratória, colapso circulatório e parada cardiorrespiratória. Iniciam-se rapidamente assistência respiratória, anconvulsivante venoso e intubação traqueal. A alergia, muito rara com os anestésicos do grupo amida, caracteriza-se por prurido, eritema, broncoespasmo, edema de Quincke e hipotensão arterial, tratando-se com an-histamínicos, corcoides e epinefrina. -
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Relacionadas à técnica Raquianestesia total: perfuração da dura-máter não detectada e injeção subaracnóidea de dose elevada do anestésico local; Cefaleia pós-punção da dura-máter: perfuração da dura-máter com agulha de grande calibre, ocasionando cefaleia intensa; Bloqueio simpátco e hipotensão arterial: vasoplegia venosa, queda do retorno venoso, do enchimento cardíaco e, consequentemente, do débito cardíaco e da pressão arterial. Tratamento com cristaloide e vasopressor; Náusea e vômito: consequência de hipotensão arterial ou hipoxemia; Depressão respiratória; Infecção: muito rara, porém grave, podendo apresentar sinais de compressão medular; Sangramento e hematoma peridural: geralmente, o sangramento peridural não causa problema, desde que não se injete anestésico local. Em heparinizados ou com distúrbio de coagulação, há risco •
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CIRURGIA GERAL elevado de hematoma com compressão medular aguda, que deve ser tratado cirurgicamente.
Tabela 9 - Principais agentes anestésicos venosos Classe medicamentosa
Medicações mais utlizadas
Hipnócos
Propofol, benzodiazepínicos, etomidato, opental.
Opioides
Morfina, meperidina, fentanila e derivados, cetamina.
Bloqueadores neuromusculares
Despolarizantes: succinilcolina. Adespolarizantes: atracúrio, pancurônio, cisatracúrio.
A - Hipnótcos a) Propofol
Figura 9 - Anatomia do canal medular Tabela 8 - Raquianestesia x anestesia peridural Variável analisada Início de ação
Raquianestesia Rápido
Anestesia peridural Mais lento
Altura do bloqueio Imprevisível
Previsível
Limite inferior
Sasfatório (S5)
Variável
Densidade do bloqueio
Profunda
Variável
Duração do bloqueio
Agente dependente
Agente e técnica dependente
Absorção sistêmica
Desprezível
Importante
Hipotensão
Rápida/comum
Lenta/gradual
Cefaleia
Variável/ imprevisível
Não, ou em punção acidental
Analgesia pósoperatória
Alto risco e sem viabilidade
Ideal por infusão via cateter
6. Farmacologia dos anestésicos venosos Os objevos básicos da anestesia são obtenção de inconsciência, analgesia, bloqueio de re flexos e relaxamento muscular, o que é obdo com o uso de medicamentos com finalidades bem especí ficas, cuja ação conjunta resulta em sinergismos e interações (Tabela 9). Os hipnó cos promovem a inconsciência e a manutenção do sono (propofol, midazolam, diazepam, etomidato, opental etc.). Os opioides são analgésicos e, em altas doses, sedavos (meperidina, morfina, fentanila, sufentanila, alfentanila, remifentanila). Os relaxantes musculares conferem imobilidade e paralisam a musculatura, facilitando a intubação traqueal, a venlação mecânica e o ato cirúrgico; os mais u lizados são o atracúrio, cisatracúrio, pancurônio, rocurônio, succinilcolina etc.
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Trata-se de um hipnó co com rápido início de ação com paraefeitos mínimos, além de potencial a vidade aneméca, sem ação analgésica. Além disso, diminui a pré e a pós-carga cardíacas por ação direta na musculatura lisa vascular e por diminuição do tônus simpá co. Seu uso deve ser cuidadoso em se tratando de pacientes hipovolêmicos. A hipotensão é mais intensa em idosos. É o mais potente depressor do miocárdio dentre os hipnó cos. Durante a indução com esse hipnó co, objevando diminuir dor à injeção, podem ser u lizadas veias de grosso calibre ou, ainda, pode ser associada lidocaína à solução. No entanto, podem-se ter, como para-efeito, apneia, hipotensão arterial e, muito raramente, trombo flebites nas veias puncionadas para a sua injeção. Clinicamente, pode ser u lizado tanto para indução e manutenção da anestesia como para sedação em cirurgia e em UTI. Em adultos, a dose de indução anestésica compreende 1 a 2,5mg/kg. Já em crianças a par r de 8 anos, ulizam-se cerca de 2,5mg/kg. Abaixo dessa idade, normalmente se ulizam doses maiores. Entretanto, não é recomendado o uso em crianças com idade menor que 3 anos. b) Midazolam Compreende um benzodiazepínico de ação curta, com propriedades ansiolí cas, sedavas, amnésicas, anconvulsivante e miorrelaxante, e ao qual o anel imidazólico confere alta hidrossolubilidade, facilitando as misturas intravenosas (com Ringer lactato ou soro fisiológico) e diminuindo a incidência de trombo flebites, ao contrário do diazepam. Ainda em comparação com o diazepam, tem início de ação mais lento, duração de ação mais curta, maior efeito amnésico e 3 a 4 vezes a potência seda va. Sem ação analgésica, suas vias de administração são intravenosa, intramuscular, nasal e oral. É muito usado para sedação de pacientes sob ven lação mecânica em ambiente de terapia intensiva. Por seus efeitos amnésicos e ansiolí cos, é o fármaco mais prescrito como medicação pré-anestésica. Proporciona tranquilidade, diminuição das manifestações sistêmicas ao estresse (taquicardia, hipertensão, consumo de oxigênio pelo mio-
ANESTESIA
cárdio), redução da incidência de náuseas e vômitos pós-operatórios e maior sasfação global com o procedimento. Seus efeitos são antagonizados pelo flumazenil, usado em doses intermitentes de 0,2mg até uma dose total de 1mg. Pacientes em uso crônico de benzodiazepínicos podem apresentar quadro de agitação psicomotora em resposta à administração desse medicamento. Os efeitos depressores do midazolam no sistema cardiovascular e SNC são potencializados por álcool, narcó cos e anestésicos voláteis. A hipotensão e a depressão respiratória podem ocorrer rapidamente quando o midazolam é administrado em conjunto com opiáceos. No sistema cardiovascular, promove redução da pressão arterial média sistêmica e da frequência cardíaca de forma discreta, e não apresenta avidade arritmogênica. A depressão respiratória é maior entre pacientes geriátricos, com DPOC ou enfermidades graves (estado f sico ASA III a V). c) Diazepam Um dos benzodiazepínicos mais usados no mundo, com efeitos relacionados à sua ação quase exclusiva no SNC. Os mais marcantes são a sedação, a hipnose, o relaxamento muscular, a amnésia e a comprovada a vidade anconvulsivante. A ansiólise e o relaxamento muscular acontecem via aumento da disponibilidade do neurotransmissor inibitório glicina. De todos os benzodiazepínicos, possui uma das mais altas solubilidades lipídicas, o que lhe permite atravessar rapidamente a barreira hematoencefálica e distribuir-se aos tecidos gordurosos periféricos, apresentando uma meia-vida superior a 24 horas. Os produtos do metabolismo do diazepam são excretados, na maior parte, por meio dos rins. A meia-vida de eliminação diminui com a elevação da idade e a presença de obesidade. Também tem sua ação rever da pelo flumazenil. Suas vias de administração são intravenosa, bucal (oral e sublingual), intramuscular e, em preparações especiais, retal. A via sublingual evita o metabolismo hepá co de 1ª passagem, e a intramuscular caracteriza-se por absorção irregular, lenta e dolorosa. A intravenosa também é dolorosa, em virtude da baixa hidrossolubilidade da droga. d) Etomidato Trata-se de um hipnó co não barbitúrico que não possui avidade analgésica e age potencializando o efeito inibitório do ácido gama-aminobu rico. Apresenta início e duração de ação muito rápidos, com metabolização hepá ca. Reduz o metabolismo cerebral, o fluxo sanguíneo cerebral e a pressão intracraniana. Em razão dos seus efeitos mínimos sobre a pressão sanguínea sistêmica, é mais bem-sucedido que o propofol e o opental na manutenção da pressão de perfusão cerebral. Podem ocorrer movimentos mioclônicos em cerca de 1/3 dos pacientes na indução e são devidos à desinibição da supressão subcor cal da avidade extrapiramidal, podendo ser reduzidos com a pré-medicação com benzodiazepínicos ou opioides.
Em doses terapêucas, apresenta efeitos mínimos sobre o metabolismo miocárdico, débito cardíaco e circulação pulmonar ou periférica. A resistência vascular coronariana diminui sem alterar a pressão de perfusão coronariana e não sensibiliza o miocárdio às catecolaminas. É o hipnó co de escolha nas induções em que se deseja a estabilidade cardiovascular (ex.: pacientes com doença coronariana). Não causa liberação de histamina nem aumento da resistência das vias aéreas e pode ser usado em asmá cos. Causa, em infusões prolongadas, supressão da adrenocor cal, fato já relacionado à morte em alguns estudos, além de náuseas e vômitos no pós-operatório. e) Tiopental Este é um obarbitúrico de ação ultracurta. Deprime o SNC e leva à hipnose, mas não à analgesia. É usado para proteção cerebral, pois diminui o fluxo sanguíneo cerebral, o ritmo metabólico cerebral e a pressão intracraniana. Trata-se de um indutor ainda usado na prá ca clínica, embora, na sua recuperação, sejam relatados tontura, sedação, cefaleia, náuseas e vômitos. Também pode causar liberação de histamina e broncoespasmo e é contraindicado a pacientes asmácos e portadores de por firia.
B - Opioides O termo opioide refere-se a toda substância exógena, natural ou sinté ca, que se liga, especi ficamente, a quaisquer das subpopulações de receptores opioides, produzindo, assim, algum po de efeito agonista. De maneira simplificada, os opioides podem ser classi ficados em: - Opioides naturais: alcaloides derivados do ópio; - Opioides fenantrênicos: morfina e codeína; - Opioides semissinté tcos: melmorfina e heroína; - Opioides sinté tcos: possuem núcleo fenantrênico da morfina, porém manufaturados por processos de síntese química. Incluem os derivados da metadona, derivados da fenilpiridina (meperidina, fentanila e congêneres). Os mais usados em anestesia são mor fina, fentanila, alfentanila, sufentanila e remifentanila. A morfina, muito usada em bloqueios regionais, intensificando a analgesia pós-operatória, libera histamina e pode provocar prurido após administração oral, sistêmica, peridural e intratecal. Também provoca náuseas, vômitos, conspação intesnal e retenção urinária. Quanto ao fentanila, devido às suas caracterís cas farmacocinécas, grandes doses (10 a 15ng/mL de concentração plasmáca) são acompanhadas de recuperação prolongada, estando somente indicadas a procedimentos com previsibilidade de recuperação também prolongada. De modo semelhante aos demais opioides, o fentanila pode causar bradicardia (antagonizada pela atropina), rigidez muscular (rever da pelos bloqueadores neuromusculares), depressão respiratória (antagonizada pela naloxona), náuseas e vômitos atribuídos à esmulação da zona de ga lho
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CIRURGIA GERAL quimiorreceptora, localizada na área postrema no assoalho do 4º ventrículo, próximo ao centro respiratório, diminuição da molidade gastrintesnal e retardo do esvaziamento gástrico. Já o sufentanila é muito potente (5 a 10 vezes a potência do fentanila). As principais vantagens sobre os demais opioides são o maior efeito seda vo e a maior capacidade em reduzir os es mulos neuro-humorais causados pelo estresse. Essa ação sedava é bastante desejável, pela possibilidade de o paciente ficar consciente durante o ato anestésico-cirúrgico. O alfentanila é um opioide 5 a 10 vezes menos potente que o fentanila, porém com rápido início de ação e curta duração de efeito. Por causa dessas caracteríscas, é muito ulizado na técnica de anestesia balanceada. Está associado a maior grau de hipotensão e bradicardia que o produzido por fentanila e alfentanila. O remifentanila é o mais recente opioide a ser empregado em clínica deriva da fenilpiperidina. A principal caracterísca desse fármaco é ser um éster rapidamente metabolizado por esterases, não especí ficas, sanguíneas e teciduais. O efeito das esterases sobre o remifentanila causa menor variabilidade nos parâmetros farmacociné cos entre pacientes, e tais parâmetros são pouco alterados pela idade, obesidade ou insu ficiências hepáca e renal. Do mesmo modo que os outros opioides, seus efeitos são rever dos pela naloxona. A principal caracterís ca que o diferencia dos demais opioides é a duração de efeito extremamente curta como resultante da sua rápida metabolização (de 7 a 10 minutos). Na circulação, é rapidamente hidrolisado pelas colinesterases, não especí ficas, do plasma e dos tecidos, produzindo vários metabólitos ina vos. Devido aos efeitos extremamente curtos do remifentanila, as doses são mais bem administradas por infusão con nua. A desvantagem potencial desse opioide está também relacionada à sua curta duração de ação. Com a recuperação rápida, o paciente pode ter dor no pós-anestésico, e o anestesiologista deve ter um esquema de analgesia plane jado. Outro inconveniente é a possibilidade da interrupção acidental da infusão de remifentanila, durante a anestesia. Em suma, o remifentanila tem propriedades farmacocinécas únicas, como rápido tempo de ação (pequena latência, similar ao alfentanila = 1 a 2 minutos) e rápida recuperação, independente da duração da sua administração. Com essa úlma propriedade, torna-se um fármaco de fácil manejo, tanto em anestesias de curta duração, mas que requeiram intensa analgesia, quanto para períodos prolongados sem que o anestesiologista se preocupe com uma recuperação prolongada. Por fim, a cetamina (Ketalar®), derivada da fenilciclidina, leva à analgesia dissocia va agindo nos receptores N-mel-aspartato, subgrupo dos receptores opioides, e produz inconsciência e analgesia dose-dependente. Os efeitos hemodinâmicos (dependentes da integridade da resposta simpáca) são aumento da pressão arterial, frequência car-
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díaca, débito cardíaco e da pressão pulmonar. Também há aumento da pressão intraocular e intragástrica. Alucinações são comuns após administração rápida ou de altas doses.
C - Bloqueadores neuromusculares São compostos de amônio quaternário com estrutura similar à da acelcolina, o que lhes permite ocupar os receptores de acelcolina da junção neuromuscular. Os despolarizantes avam os receptores de maneira semelhante à acelcolina, enquanto os adespolarizantes evitam a a vação do receptor pela ace lcolina. Os bloqueadores neuromusculares podem ter suas ações potencializadas por anestésicos inalatórios, an biócos, hipotermia, opioides e insu ficiência renal. Pacientes com doenças neuromusculares (como miastenia gravis) respondem de maneira anormal aos bloqueadores neuromusculares. Nesses casos, o uso deve ser cuidadoso e, em algumas situações, evitado. Tais bloqueadores são divididos em 2 grupos: a) Despolarizantes Promovem bloqueio não compe vo, pois mimezam a ação da acelcolina. Atuando no receptor da ace lcolina, abrem os canais iônicos, gerando um potencial de ação do músculo e, com isso, uma contração muscular. São representados pela succinilcolina e pelo decametônio. São caracteríscas da succinilcolina: - Apresenta rápido início de ação IV (de 30 a 60s) e IM (de 2 a 3 minutos); - Tem curta duração (de 4 a 6 minutos); - Pode desencadear crise de hipertermia maligna; - Provoca fasciculações e dores musculares; - Aumenta as pressões arterial, intracraniana, intraocular e intragástrica; - É usada na prá ca clínica para intubações em sequência rápida. b) Adespolarizantes Promovem bloqueio compe vo por fármacos que se ligam, por ação principal, aos receptores de ace lcolina, impedindo a abertura do canal iônico e o surgimento do potencial de placa terminal. São divididos em: - Curta duração: mivacúrio; - Duração intermediária: atracúrio; cisatracúrio; rocurônio; - Duração longa: pancurônio; alcurônio; pipecurônio; doxacúrio. O mivacúrio e o cisatracúrio são importantes liberadores de histamina e podem causar broncoespasmo, principalmente se injetados rapidamente. O cisatracúrio, um dos isômeros que compõem o atracúrio, é 3 vezes mais potente e libera muito menos histamina. O atracúrio e o cisatracúrio são degradados por eliminação de Ho ff man (degradação química espontânea que ocorre em pH e temperatura fisiológica) e não possuem metabólitos a vos.
ANESTESIA
Dentre os bloqueadores adespolarizantes, o rocurônio é o que tem início de ação mais rápido (1 minuto, na dose de 1,2mg/kg), sendo uma boa opção para intubação em sequência rápida. Apresenta as excreções hepáca e renal.
7. Recuperação pós-anestésica Todos os pacientes submedos à anestesia geral ou regional devem ser encaminhados à sala de Recuperação Pós-Anestésica (RPA) por um período mínimo de 1h. Após anestesia geral ou locorregional, o paciente pode evoluir com rebaixamento do nível de consciência, instabilidade hemodinâmica (bradicardia/assistolia), insu ficiência respiratória (hipoxemia/hipercarbia), náuseas, vômitos e outras ocorrências relacionadas a alterações fisiológicas do próprio ato cirúrgico, ao nível do bloqueio regional realizado e ao efeito residual dos fármacos u lizados. O paciente deve ser transportado para a sala de RPA sob a supervisão do anestesiologista. Durante o transporte, devem-se ter os mesmos cuidados tomados durante a cirurgia, avaliando os sinais vitais, evitando perda de calor e administrando oxigênio, se necessário.
A - Rotna do paciente ao ser admitdo na sala de RPA Administração de oxigênio, se necessário, ou Ven lação Mecânica Assisda (VMA) (previamente comunicada pelo anestesiologista); - Monitorização: nível de consciência, ECG, oximetria de pulso, pressão arterial, temperatura, analgesia, diurese (espontânea ou por sonda vesical); capnogra fia (se venlação assisda, intubação traqueal ou traqueostomia); pressão arterial invasiva ou pressão venosa central, em caso de indicação; - Preenchimento dos dados com iden ficação, cirurgia e anestesia realizadas, acessos venosos, pontuação da 1ª avaliação e anotação de recomendações especiais, se houver (anbiócos, alergias, coleta de exames etc.). -
B - Critérios de alta do paciente sob o ponto de vista anestésico O paciente pode receber alta da sala de RPA caso obtenha os seguintes critérios: -
Capacidade de manter adequada ven lação alveolar e desobstruir as vias aéreas;
-
Manter-se acordado, alerta e bem orientado;
-
Capacidade de manter perfusão tecidual adequada sem suporte farmacológico e não requerer monitorização con nua cardiovascular;
-
Presença de diurese.
Os critérios de alta da sala de RPA para os pacientes submedos à anestesia espinhal têm sido muito empíricos e baseiam-se na regressão do nível sensi vo até T10 e no retorno da função motora às extremidades inferiores. Alguns autores acreditam que tais critérios aumentam o tempo de permanência na sala de recuperação e que a alta deveria fundamentar-se na estabilidade hemodinâmica, podendo o paciente receber alta antes mesmo do retorno da função motora ou sensiva. Os critérios de alta da sala de RPA podem ser avaliados por escalas numéricas; a de Aldrete e Kroulik é a mais usada em nosso meio. Tabela 10 - Escala de Aldrete e Kroulik
Atvidade
Respiração
Consciência
Circulação (PA)
SpO2
Item
Nota
Move 4 membros
2
Move 2 membros
1
Move 0 membros
0
Profunda
2
Tosse limitada
1
Dispneia/apneia
0
Completamente acordado
2
Desperta ao ser chamado
1
Não responde ao chamado
0
±20%, nível pré-anestésico
2
±20 a 49%, nível pré-anestésico
1
±50%, nível pré-anestésico
0
Mantém SpO2 >92% em ar ambiente
2
Mantém SpO2 >90% com O2
1
Mantém SpO2 <90% com O2
0
Os pacientes devem somar mais de 8 pontos antes de receberem alta da sala de RPA, e é importante que não apresentem 0 (zero) em parâmetros como a vidade, respiração e circulação. A depender do quadro clínico, o nível de consciência e a saturação de oxigênio podem ser mínimos antes do procedimento cirúrgico (demência senil, paralisia cerebral, DPOC grave), e pode haver alta considerando cuidados especiais ou encaminhamento para unidade de cuidados intensivos ou semi-intensivos.
C - Complicações a) Hipotermia A hipotermia determina alterações fisiopatológicas importantes, e sua presença durante os procedimentos anestésico-cirúrgicos deve ser evitada e reconhecida prontamente pelo médico anestesista. A monitorização deve ser realizada roneiramente, com uso de termômetro eletrônico que permita avaliação con nua. A nasofaringe, o esôfago distal e o reto são os locais de preferência para colocação do sensor. A temperatura da membrana mpânica é a que reflete mais precisamente a temperatura cerebral.
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CIRURGIA GERAL Tabela 11 - Mecanismos de perda de calor Mecanismo de perda de calor
Característca •
Irradiação
Perda por emissão de raios infravermelhos.
Evaporação
Perda transepitelial, da árvore respiratória e das cavidades abertas.
Condução
Perda proporcional à diferença de temperatura de superf cies.
Convecção
Passagem de calor da pele para o ar.
Os extremos etários são mais susce veis à hipotermia no transoperatório: os pediátricos, devido à grande superf cie corporal em relação ao peso; e os idosos, pelo baixo índice de a vidade metabólica. Entre recém-nascidos, ocorre termogênese sem calafrios, por meio da degradação de gordura marrom, com intensa a vidade metabólica e grande consumo de energia, e devem ter temperatura monitorizada em cirurgias com mais de 30 minutos. Apesar de alguns bene f cios, a gravidade das alterações é proporcional ao grau de hipotermia existente (Figura 10). No sistema cardiovascular, podem ocorrer diminuição do débito cardíaco, aumento do consumo de O 2 em até 400%, aumento da resistência vascular, bradicardias, arritmias e isquemia miocárdica. No sistema respiratório observam-se hipóxia, aumento do espaço morto, diminuição da ven lação (apneia do recém-nascido) e desvio da curva de dissociação da oxi-hemoglobina desviada para a esquerda. Nas alterações neurológicas, têm-se alteração do nível de consciência, diminuição do fluxo sanguíneo cerebral e potencialização da ação de drogas (bloqueadores neuromusculares, anestésicos locais). Em relação às alterações metabólicas, ocorre hiperglicemia causada pela diminuição da liberação de insulina, provocada por diminuição do fluxo sanguíneo pancreá co e aumento das catecolaminas circulantes. Diversas medidas podem ser empregadas para evitar a hipotermia durante e após a cirurgia: -
Prevenção passiva: Sala operatória aquecida (>22°C para adultos e >26°C para crianças); Diminuir a exposição; Cobrir a área exposta. •
• •
-
Prevenção atva: Cobertor térmico antes da indução de 30 a 60min. •
-
Tratamento passivo: •
•
•
•
-
Evitar perda por condução/convecção/evaporação/ irradiação; Controlar a temperatura da sala operatória; Evitar líquidos frios; Usar filtros e umidificadores para pacientes intubados.
Tratamento atvo: •
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•
Manter conduta de aquecimento passivo e u lizar:
•
Sistemas de aquecimento de ar forçado (preferencialmente, no tórax); Sistemas de aquecimento com circulação de água; Sistemas de aquecimento de líquidos intravenosos (hemocomponentes e cristaloides >2L).
Tabela 12 - Bene f cios e riscos da hipotermia Benef cios - Diminuição do metabolismo (5 a 8%/1°C); - Proteção contra hipóxia cerebral e da medula espinal; - Proteção contra hipóxia cerebral; - Retardo no desencadeamento e diminuição das consequências da hipertermia maligna. Riscos - ↑ na incidência de eventos cardiovasculares; - ↑ no consumo de oxigênio pelos tremores; - ↑ de catecolaminas circulantes; - ↑ da pressão arterial e frequência cardíaca; - ↑ de transfusões de hemocomponentes; - ↑ na incidência de infecção do sí o cirúrgico; - ↑ no tempo de hospitalização; - ↑ de custos hospitalares; - ↑ de tempo de despertar; - ↑ da ação de agentes inalatórios e venosos; - ↑ no tempo de duração dos bloqueadores neuromusculares – obrigatório monitorizar a função neuromuscular em hipotermia; - ↑ de desconforto térmico do paciente; - Alteração na coagulação; - Alteração da glicemia.
b) Complicações cardiovasculares - Hipotensão arterial: as causas mais comuns são hipovolemia, vasodilatação, diminuição do débito cardíaco, embolia pulmonar, pneumotórax e tamponamento cardíaco. No caso da hipovolemia, as causas mais frequentes são hemorragia, redução do volume plasmáco (queimaduras, f stulas) ou redução da água livre; devem ser tomadas medidas mecânicas para melhorar o retorno venoso, seguidas de infusão rápida de cristaloides; - Disritmias cardíacas: podem representar uma doença preexistente ou surgir em consequência de isquemia miocárdica pós-operatória; as taquiarritmias, que alteram circulação coronariana, e as bradiarritmias com bamentos ectópicos são as mais comuns; o tratamento inclui a remoção da causa e terapia medicamentosa (beta-bloqueadores, verapamil, digoxina etc.); - Hipertensão arterial: tem, como causas mais comuns, dor e ansiedade, além de hipercapnia, hipoxemia e distensão da bexiga. As causas de alteração da pressão arterial (hipo/hipertensão) correspondem a 70% do total das complicações cardiovasculares;
ANESTESIA
-
Isquemia miocárdica: pode ser causada por hipotensão intraoperatória, hiper-hidratação e dor durante a fase perioperatória, com aumento da a vidade simpáca. O segmento ST e a morfologia da onda T revelam isquemia antes que a hipotensão ocorra, apesar de a onda T não ser, por si só, fator indica vo de isquemia, visto que frequentemente aparece no pós-operatório. O tratamento consiste em administração de O 2, tratamento da dor e correção dos fatores desencadeadores como hipóxia, taquicardia, hipertensão ou hipotensão, sendo os agentes beta-bloqueadores muitos u lizados.
c) Complicações renais - Oligúria: quando o débito urinário é menor que 0,5mL/ kg/h; na sala de recuperação, geralmente é pré-renal, ou seja, devido à hipovolemia, hipotensão ou diminuição do débito cardíaco. No caso de oligúria pós-renal, as causas podem ser obstrução do cateter, transecção do ureter, perfuração da bexiga e compressão da veia renal por pressão abdominal alta; - Poliúria: ocorre, muitas vezes, quando a hidratação é um pouco maior do que o normal. Entretanto, quando permanece com débito de 4 a 5mL/kg/h por muito tempo, suspeita-se de desregulação da filtração glomerular, cujas causas mais comuns são hiperglicemia, diurécos ulizados e diabetes insipidus. d) Alterações neurológicas Podem ocorrer demora na recuperação da consciência após cirurgias prolongadas, principalmente em obesos, e bloqueio neuromuscular intenso, muitas vezes confundido com depressão do SNC. Monitores do relaxamento muscular são úteis nessa diferenciação. Pacientes com quan dade menor de colinesterase plasmá ca podem apresentar duração prolongada do bloqueio com succinilcolina, obrigando a manutenção da venlação até que haja retorno à respiração normal. Já com os bloqueadores neuromusculares adespolarizantes, pode-se fazer uso de substâncias an colinesterásicas e ancolinérgicas ou permi r que o bloqueio ceda espontaneamente. O uso de opioides pode provocar demora na recuperação da consciência, diagnos cado por sonolência, miose e padrão respiratório (frequência baixa e volume corrente alto), optando-se por manter o suporte ven latório. e) Outras complicações - Hipoglicemia: pode levar a um retardo na recuperação da consciência; - Náuseas e vômitos: manifestações muito frequentes e com diversos fatores envolvidos, como predisposição individual, fatores psicossomá cos, dor pós-operatória, fármacos ulizados, distensão gástrica e dependendo, também, do po e do local da cirurgia. Diversas drogas têm sido u lizadas, como o ondansetrona, o droperidol, a dexametasona e a metoclopramida, inclusive no tratamento preven vo;
Cetoacidose diabétca: situação oposta, em que há deficiência rela va ou absoluta de insulina. Clinicamente, há diurese osmóca, que provoca hipovolemia com hemoconcentração. Há, também, hipotensão e baixa perfusão periférica. Por causa da elevação da osmolaridade, há desidratação intracerebral com sua disfunção. O tratamento consiste na reposição da volemia, lentamente (para não provocar edema cerebral), e da insulina para deter a cetogênese. Deve-se também monitorizar o potássio, já que, com a entrada de glicose para o intracelular, há tendência à hipopotassemia; - Disfunção hepá tca: responsável pela recuperação tardia da consciência, pode estar com função alterada pelos anestésicos inalatórios ou pela hipotensão; - Alterações eletrolí tcas: relacionam-se com a demora da volta da consciência no pós-operatório. Podem ocorrer hiponatremia, hipocalcemia e hipermagnesemia. A hiponatremia pode acontecer por alteração do hormônio andiuréco ou absorção de água durante ressecção transuretral de próstata, tratando-se com reposição lenta com soro fisiológico e furosemida. A hipocalcemia pode ser causada por hipopara reoidismo após uma reoidectomia, por hiperven lação, administração excessiva de bicarbonato de sódio e administração rápida de sangue citratado. Essas condições são tratadas com cloreto de cálcio ou gluconato de cálcio. A hipermagnesemia é comum em pacientes com pré-eclâmpsia tratadas com sulfato de magnésio. Acima de certos níveis de magnésio, há depressão da resposta neuromuscular; trata-se com suspensão do sulfato de magnésio, mantendo ven lação e cálcio intravenoso. -
8. Hipertermia maligna A Hipertermia Maligna (HM) é uma doença hipermetabólica e farmacogené ca do músculo esquelé co, marcada pela alteração do metabolismo intracelular do cálcio em resposta aos anestésicos voláteis (halotano, en flurano, isoflurano, sevoflurano e des flurano) e succinilcolina, associados ou não. Ocorre na 2ª ou na 3ª indução anestésica em 1/3 dos casos, mas todos são sensíveis ao teste de contratura muscular induzido. Na gené ca, foram idenficadas 4 locações cromossomais de risco (receptor de ryanodine 19q13 e outros sí os – 17,7 e 3). O gene receptor ryanodine produz uma proteína que determina o fluxo de cálcio nos canais do re culo sarcoplasmáco do músculo esquelé co. A incidência é variável, a depender da forma clínica (1:3.000 a 1:250.000), e a população pediátrica é a mais acomeda, haja vista o frequente uso de agentes inalatórios nessa população. Aumento do ETCO 2 e da FC, os primeiros sinais clínicos e arritmias, decorrentes de acidose respiratória e metabólica, ocorrem em cerca de 73% dos casos. A febre é resultado, e não causa do estado hipermetabólico da musculatura esquelé ca, podendo não aparecer ou ma-
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CIRURGIA GERAL nifestar-se tardiamente. O aumento da concentração livre de cálcio mioplasmáco leva à rigidez do músculo masseter e de outros músculos, a vando a glicogenólise e o metabolismo celular. O resultado é a produção exacerbada de calor e ácido lác co e, ainda, o desenvolvimento de rabdomiólise. A CPK (creano-fosfoquinase) é uma enzima presente no sarcoplasma do músculo esquelé co, e o tempo de seu aumento é bem descrito (de 8 a 10h a 12 a 24h). O teste de contração muscular ao halotano e à cafeína é o padrão adotado internacionalmente para diagnós co de HM. A parr dessa análise, é possível discriminar indivíduos susce veis e normais. Na fase aguda, a base do tratamento consiste na interrupção da inalação de anestésicos, hiperven lação com oxigênio 100% e dantroleno sódico 2,5mg/kg repe do até o controle das manifestações. O dantroleno inibe a liberação de cálcio do re culo sarcoplasmáco durante o acoplamento excitação-contração. Tabela 13 - Abordagem da hipertermia maligna Medidas iniciais 1 - Suspensão de todos os agentes precipitadores (anestésicos voláteis). 2 - Hipervenlação com O2 puro. Não há necessidade de troca de circuito ou sistema de absorção de CO 2. 3 - Suspensão da cirurgia, se possível. 4 - Administração de dantroleno sódico IV 2,5mg/kg e medidas laboratoriais de CPK. 5 - Medição da temperatura corporal. 6 - Cobertura e aquecimento do paciente, evitando a va soconstrição. Medidas intermediárias 1 - Controle das arritmias persistentes com beta-bloqueadores. 2 - Controle da hipercalemia e acidose metabólica (bicarbonato de sódio e/ou solução com insulina). 3 - Resfriamento a vo: lavagem gástrica, vesical, retal e cavidades eventualmente abertas. 4 - Manutenção de diurese acima de 2mL/kg/h com hidratação ou diurécos (manitol/furosemida). Cuidados tardios 1 - Exames laboratoriais para detecção de coagulação intravascular disseminada. 2 - Amostras de urina para detectar a mioglobina e sua esmava. 3 - Avaliação de débito urinário para suspeita de insu ficiência renal. 4 - Promoção da diurese forçada com fluidos intravenosos/manitol. 5 - Repeção dos valores de CPK em 24 horas.
9. Resumo Quadro-resumo - Todo paciente deve ser avaliado no pré-operatório para estraficação do risco cirúrgico e eventuais compensações clínicas;
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- Entre as orientações pré-operatórias estão o manejo de medicações habituais, preparos especiais e reservas para a cirurgia; - A via aérea é essencial para qualquer procedimento anestésico. A técnica mais usada de via aérea de finiva é a intubação orotraqueal; - A máscara laríngea e o tubo esofagotraqueal são opções nos casos de via aérea di f cil; - Cricoreoidostomia e traqueostomia são vias aéreas de finivas cirúrgicas, com indicações precisas; - Os bloqueios regionais, raquianestesia e anestesia peridural, são boas opções em determinados procedimentos; mas exigem domínio da técnica e conhecimento das complicações; - As principais classes de anestésicos venosos são os hipnó cos, opioides e bloqueadores neuromusculares; - Deve-se invesgar o histórico pessoal e familiar de HM em todo paciente.
CAPÍTULO
Infecção em cirurgia
4
José Américo Bacchi Hora / Eduardo Bertolli
2. Patogenia
Pontos essenciais Fatores implicados nas infecções cirúrgicas; - Tipos mais comuns de infecção cirúrgica; - Anbiócos. -
1. Definições Infecção é todo processo in flamatório no qual existe um agente infeccioso. Dessa de finição, conclui-se que todas as infecções determinam uma in flamação. A inflamação é definida como a presença de edema, hiperemia, dor, aumento da temperatura no local e, algumas vezes, perda de função. A infecção cirúrgica pode ser de finida como a infecção que requer tratamento cirúrgico para sua resolução completa ou infecções que decorrem de complicações da cirurgia. Algumas podem abranger ambas as categorias. O termo bacteremia significa a presença de bactérias no sangue. Pode ser causada por uma ampla variedade de processos infecciosos, desde manipulações dentárias até neoplasias obstruvas do cólon. Em geral, a bacteremia transitória de pequeno grau é clinicamente insigni ficante, exceto em pacientes com próteses cardíacas ou ortopédicas ou cardiopaa reumáca. Esses indivíduos devem receber profilaxia anbióca antes de qualquer procedimento invasivo (por exemplo, extração dentária). Tabela 1 - Tipos de infecções e seus respec t vos quadros clínicos Definição
Quadro clínico - FC >90bpm;
Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS)
- FR >20irpm; - T >38° ou <36°C; - Leuc. >12.000, <4.000 ou >10% bastões (pelo menos 2 itens).
Sepse
- SIRS + foco infeccioso comprovado com cultura.
Sepse grave
- Sepse + choque circulatório.
Choque sépco
- Sepse grave + refratariedade a volume e necessidade de droga vasoava.
As infecções cirúrgicas caracterizam-se por 3 elementos comuns: agente infeccioso, hospedeiro susce vel e espaço fechado ou não perfundido. São fatores de risco do hospedeiro os extremos de idade (neonatos e idosos têm menor resistência imunológica), obesidade, desnutrição, choque (causando prejuízo dos mecanismos de defesa de combate à infecção), câncer, quimioterapia, uso de cor coides e imunossupressores em geral, diabetes não compensado, presença de infecções a distância, levando a episódios de bacteremia. Como fatores locais, têm-se, além dos espaços fechados, necrose e desvitalização tecidual importantes, presença de corpos estranhos, baixa perfusão sanguínea tecidual com hipóxia, hipercapnia e acidose.
3. Tipos especí ficos de infecções cirúrgicas A - Infecção da ferida pós-operatória Resulta da contaminação bacteriana durante ou após a intervenção cirúrgica. A infecção da ferida é classi ficada como infecção super ficial, que compromete a pele e o tecido celular subcutâneo, ou profunda, a ngindo as fáscias, aponeuroses ou planos musculares. As infecções super ficiais são as mais frequentes e se manifestam até o 21º dia após a cirurgia, a maioria delas com o paciente já em acompanhamento ambulatorial. O tratamento básico consiste em abrir a ferida e drenar a secreção. Habitualmente, não há necessidade de an biócos.
B - Furúnculo, carbúnculo e hidradenite supuratva O furúnculo e o carbúnculo são abscessos cutâneos, e o agente causal é o esta filococo. O furúnculo surge em folículos pilosos infectados, podendo ser múl plo e recorrente, observado em adultos jovens e relacionado a alterações hormonais. O carbúnculo começa sob a forma de furúnculo, porém a infecção disseca a derme e o tecido subcutâneo, formando uma miríade de túneis que estabelecem conexões entre si; à medida que o carbúnculo aumenta o
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CIRURGIA GERAL suprimento sanguíneo para a pele é destruído e o tecido central torna-se necró co. O tratamento do furúnculo consiste em drenagem, enquanto o carbúnculo requer excisão e anbiócos. A hidradenite supura va é a infecção das glândulas sudoríparas apócrinas da região das axilas, virilha e períneo, resultando em abscesso crônico e retrações cicatriciais, requerendo extensa excisão das glândulas da região, seguida de enxera de pele ou rotação de retalho, para a prevenção de recorrência. O agente causal mais frequente também é o estafilococo.
C - Erisipela São infecções da pele caracteris camente mais superficiais, determinando descolamento da epiderme com formação de bolhas (Figura 1A). Os limites são mais ní dos que os encontrados nas celulites, e a pele adquire uma vermelhidão mais intensa. A chance de o agente causal ser um estreptococo do grupo A é maior na erisipela do que nas celulites.
F - Gangrena gasosa Comumente causada pelo Clostridium perfringens. As feridas propensas ao desenvolvimento deste po de infecção são aquelas nas quais houve extensa destruição tecidual, com importante prejuízo do suprimento vascular, contaminação grosseira e tratamento retardado associado ao desbridamento cirúrgico inadequado. Os sintomas geralmente iniciam-se 48 horas após a injúria inicial, e a queixa mais comum é a dor intensa no local. Durante a evolução, o paciente desenvolve taquicardia, sudorese, palidez, delírios e hipertermia; secreção de coloração amarronzada e fé da pode drenar pela ferida associada ao surgimento de crepitação. O tratamento consiste em desbridamento adequado e anbiocoterapia. Câmara hiperbárica também pode ser usada. Uma variante da gangrena gasosa, a chamada gangrena de Fournier, ocorre quando a infecção acomete a região perineal e pode comprometer o escroto nos homens (Figura 2). Esse po de apresentação é especialmente comum em diabécos ou com algum grau de imunossupressão. O tratamento consiste em debridamento amplo, cura vos diários e anbiócos. Como se trata de uma região extremamente contaminada, por vezes torna-se necessária a realização de cistostomia e de colostomia para auxiliar no processo de cicatrização.
Figura 1 - (A) Erisipela na coxa e (B) celulite no membro inferior
D - Celulite Trata-se de uma infecção não supura va comum do tecido conjunvo, produzindo hiperemia, edema e hipersensibilidade local. É mais frequente nos membros inferiores de pessoas obesas com micoses e frieiras ou em outros locais em que haja porta de entrada (Figura 1B). O agente causador pode também infectar os linfá cos regionais e usualmente são os estreptococos do grupo A ou os esta filococos.
E - Fasceíte necrosante Trata-se de uma infecção bacteriana rapidamente progressiva, na qual vários micro-organismos invadem os planos faciais, causando trombose vascular e necrose tecidual. A pele sobrejacente pode aparecer normal, di ficultando a avaliação da severidade da infecção. Pode resultar de punções punformes, feridas operatórias ou trauma aberto, e geralmente envolve o períneo. Os agentes causais incluem a associação de estreptococos, esta filococos e aeróbios, e anaeróbios Gram nega vos que agem em sinergismo. O tratamento é cirúrgico, associado ao uso de an biócos. Geralmente, os pacientes acome dos são diabécos ou portadores de alguma de ficiência imunológica.
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Figura 2 - (A) Gangrena de Fournier e (B) aspecto pós-operatório do debridamento cirúrgico
G - Tétano É uma infecção anaeróbica mediada pela toxina do Clostridium tetani, produzindo irritabilidade nervosa e contrações musculares tetânicas. Este micro-organismo penetra em feridas hipóxicas contaminadas e nelas se desenvolve. O período de incubação gira em torno de 8 dias. Os primeiros sintomas consistem em dor ou formigamento na área da lesão, limitação dos movimentos da mandíbula (trismo) e espasmos dos músculos faciais (riso sardônico), seguidos por rigidez de nuca, di ficuldade de deglu ção e laringoespasmo. Geralmente, um curso básico de, no mínimo, 3 doses da vacina contra o tétano com reforço a cada 10 anos é o padrão internacional de vacinação. Entretanto, os pacientes podem estar deficientes em 1 ou mais doses e requerem a pro filaxia do tétano na sala de emergência. É o caso daqueles com uma ferida limpa, com a úl ma dose de reforço >5 anos, e requerem a aplicação de DT ou Toxoide Tetânico (TT).
INFECÇÃO EM CIRURGIA
Pacientes que não receberam o esquema de vacinação de 3 doses devem iniciar as aplicações programadas, porém devem receber, imediatamente, a imunoglobulina do tétano e DT ou TT. Aqueles que apresentem uma ferida grosseiramente contaminada e cuja última dose de reforço é superior a 5 anos requerem a imunoglobu-
lina e DT e TT. O tratamento requer também excisão e desbridamento da ferida, antibioticoterapia apropriada (penicilina) e controle do distúrbio do sistema nervoso. O peróxido de hidrogênio é amplamente utilizado para os desbridamentos, visto que o Clostridium sp é anaeróbio exclusivo.
L A R E G A I
G R U R I C
4. Antbiótcos Tabela 2 - Ant biót cos, penetração tecidual e espectro Droga/grau de penetração nos sí tos
Espectro
Ampicilina: boa penetração em quase todos os tecidos, exceto ossos e próstata.
Enterococcus sp, Streptococcus pneumoniae e sp, Listeria. Avidade irregular para enterobactérias e fraca ação ananaeróbica.
Ampicilina/sulbactam: boa penetração em todos os tecidos.
Infecções graves causadas por germes primariamente sensíveis à ampicilina, anaeróbios e, principalmente, Acinetobacter .
Amoxicilina: penetração semelhante à da ampicilina.
As mesmas da ampicilina.
Amoxicilina/clavulanato: o ácido clavulânico tem As mesmas da ampicilina, Staphylococcussp, anaeróbios, Haemophilus in fl uenzae, penetração terapêuca no osso. Moraxella catarrhalis. Sem avidade contra Serrat a e Enterobacter . Amicacina: não ange níveis adequados no liquor.
Enterobactérias, Staphylococcus (infecções graves em associação a amoxicilina ou cefalona) e Pseudomonas aeruginosa (em associação ao beta-lactâmico).
Aztreonam: boa penetração em todos os tecidos.
Gram negavos em geral, incluindo Pseudomonas aeruginosa. Sem ação contra germes Gram posivos e anaeróbios. Sinergismo com aminoglicosídeos.
Azitromicina: boa penetração na maioria dos tecidos.
Chlamydia, Legionella, Moraxella catarrhalis, Mycoplasma, Neisseria sp, moderada para Staphylococcus, Streptococcus e anaeróbios.
Anfotericina B: não atravessa bem a barreira hematoencefálica e não se concentra bem em coágulos sanguíneos, fibrina, humor vítreo, secreção brônquica e paróda.
Infecções fúngicas.
Cefalexina: boa penetração na maioria dos tecidos.
Streptococcus sp, Staphylococcus sp, Gram negavos sensíveis no anbiograma e anaeróbios de boca. Embora apresente a vidade in vitro para Neisseria, na práca não tem eficácia.
Cefalotna: não ange boa concentração no liquor.
O mesmo da cefalexina, sendo atualmente u lizado como alternava à oxacilina e profilaxia cirúrgica.
Cefazolina: não ange boa concentração no liquor.
O mesmo da cefalona.
Cefoxitna: não ange boa concentração no liquor.
Ação sobre Gram posi vos (menor ação), Gram nega vos (maior ação) e anaeróbios. Devido ao grande poder indutor de resistência, só é recomendado o uso para profilaxia cirúrgica.
Ceazidima: boa penetração na maioria dos tecidos.
Gram negavos em geral, pouca ação contra Gram posivos (Staphylococcus e Streptococcus). Principal indicação atualmente é para Pseudomonas aeruginosa, cujo efeito sinérgico é obdo com aminoglicosídeo ou quinolona (de ação sistêmica).
Ceriaxona: boa penetração na maioria dos tecidos.
Gram posivos (menor para Staphylococcus e sem ação para Enterococcus) e Gram negavos (menor para Pseudomonas).
Gram posivos (não age contra Enterococcus sp nem Listeria), excelente avidade contra Cefepima: boa penetração na maioria dos tecidos. Gram negavos, inclusive Pseudomonas aeruginosa. Sem ação contra Acinetobacter ou anaeróbios. Ciprofloxacino: boa penetração na maioria dos tecidos.
Gram posivos (menor contra Streptococcus) e Gram negavos (enterobactérias e Pseudomonas). Em infecções estafilocócicas graves, é recomendada associação à rifampicina (300mg, de 12/12h). Sem ação contra anaeróbios.
Claritromicina: boa penetração na maioria dos tecidos.
Staphylococcus, Streptococcus e pneumococo. Chlamydia, Mycoplasma, Moraxella, anaeróbios. Avidade moderada para Haemophilus.
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CIRURGIA GERAL Droga/grau de penetração nos sí tos
Espectro
Clindamicina: concentração baixa no liquor, mesmo na presença de meningite.
Gram posivos, exceto enterococo e anaeróbios.
Fluconazol: boa concentração na maioria dos tecidos.
Infecções fúngicas.
Imipeném/cilastatna: boa penetração na maioria dos tecidos.
Gram posivos, Gram negavos de forma geral e anaeróbios. Efeito sinérgico com aminoglicosídeos contra Pseudomonasaeruginosa. Pelo seu poder eliptogênico, deve ser evitada em infecções do SNC.
Levofloxacino: não ange concentração terapêuca no liquor.
Gram posivos, incluindo Staphylococcus, pneumococo, Mycoplasma e Gram negavos: enterobactérias, Haemophilus, Moraxella, Pseudomonas, Legionella. Efeito menor para enterococo e anaeróbios.
Metronidazol: boa penetração na maioria dos tecidos.
Anaeróbios.
Meropeném: boa penetração na maioria dos tecidos.
O mesmo do imipeném, porém o risco de convulsão é menor.
Norfloxacino: boa concentração somente no parênquima renal, vias urinárias, bile e fezes.
Enterobactérias, Haemophilus, Moraxella, Eikenella, Aeromonas, Pasteurella, Staphylococcus, menor ação contra Streptococcus e Enterococcus. Não tem ação contra anaeróbios.
Oxacilina: boa penetração na maioria dos tecidos.
Staphylococcus, menor para Streptococcus, não tem ação para Enterococcus. Nas estafilococcias, pode haver vantagem em associar aminoglicosídeos (nos primeiros 5 dias) ou rifampicina.
Penicilina G cristalina: boa penetração na maioria dos tecidos, exceto próstata e olho.
Gram posivos, menor para Staphylococcus, Gram negavos de orofaringe e anaeróbios, espiroquetas e acnomicetos. Nas infecções por Enterococcus, deve ser associada ao aminoglicosídeo. Não deve ser infundida concomitantemente ao aminoglicosídeo por inavá-lo.
Penicilina G procaína: não proporciona dose adequada no liquor.
Streptococcus, Neisseria gonorrhoeae, Treponema pallidum.
Piperacilina/tazobactam: boa penetração na maioria dos tecidos.
Gram posivos, inclusive Enterococcus, Gram negavos, mesmo Pseudomonas e anaeróbios.
Klebsiella, Escherichia, Enterobacter , Haemophilus, Salmonella, Shigella, Pasteurella, Polimixina B: não proporciona dose adequada no Vibrio, Pseudomonas. Não apresenta ação contra Proteus, Serrat a, Neisseria e Brucella. liquor nem humor aquoso. Tem efeito sinérgico com beta-lactâmicos. Gram posivo, incluindo Staphylococcus e Streptococcus, porém sem ação contra Sulfametoxazol/trimetoprima: difusão adequada Enterococcus. Gram negavos, enterobactérias, Haemophilus, Neisseria. Sem ação por todo o organismo. contra anaeróbios e Pseudomonas aeruginosa. Teicoplanina: não penetra bem no liquor nem no tecido gorduroso.
Gram posivos: Staphylococcus, Streptococcus, Enterococcus. Não tem ação contra Gram negavos e anaeróbios. Nas endocardites por enterococo, recomenda-se associação de aminoglicosídeo visando à ação sinérgica.
Vancomicina: não ange boa concentração no liquor de indivíduos sem meningite.
O mesmo da teicoplanina. O uso combinado com aminoglicosídeo ou rifampicina apresenta efeito sinérgico. Deve-se reservar a u lização para infecções por Gram posivos só sensíveis a essa droga ou pacientes alérgicos, pela possibilidade de emergência de mulrresistentes.
5. Resumo Quadro-resumo - As infecções cirúrgicas caracterizam-se por 3 elementos comuns: agente infeccioso, hospedeiro susce vel a espaço fechado ou não perfundido; - As infecções super ficiais de ferida operatória são as mais frequentes e se manifestam até o 21º dia após a cirurgia. O trata mento básico consiste em abrir a ferida e drenar a secreção; - O uso de an biócos deve ser baseado na flora do sí o contaminado e, sempre que possível, guiada por culturas.
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CAPÍTULO
5
Pontos essenciais - Avaliação pré-operatória; - Preparos especiais; - Suporte nutricional. 1. Introdução O propósito de qualquer cirurgia é oferecer uma qualidade de vida melhor do que a da situação atual. É necessário preparar o doente para o ato operatório. Deve-se lembrar que a cirurgia determina situações que não são isentas de riscos ou agravos à saúde do paciente e que todas as medidas prevenvas devem ser empregadas. Riscos de complicações existem para todos os atos cirúrgicos, que se iniciam na indução anestésica, permanecem durante a cirurgia e se prolongam no pós-operatório. Não se devem esquecer, também, os riscos de infecção que dependem do po de cirurgia a ser realizada (limpa, potencialmente contaminada, contaminada ou suja), da imunidade do paciente e da microbiologia presente no hospital. Todos os cuidados no pré-operatório devem ser empregados para evitar o s urgimento de novas condições clínicas, inesperadas, aumentando os riscos cirúrgicos no intraoperatório e no período posterior à intervenção. Uma história minuciosa dos antecedentes do paciente e seus problemas crônicos facilitarão as normas de rona a serem empregadas. Todos esses elementos, em conjunto, determinam o risco operatório para a cirurgia programada.
Pré-operatório José Américo Bacchi Hora / Marcelo Simas de Lima / Eduardo Bertolli
tório médico para o serviço de internação do hospital com todos os dados necessários e prescrição pré-operatória, bem como solicitações de reserva de hemocomponentes e vaga de UTI conforme necessários, além da avaliação pré-anestésica já realizada em nível ambulatorial, ou que deve ser solicitada durante a internação.
B - Exames pré-operatórios Devem ser solicitados criteriosamente, de acordo com as condições clínicas do paciente e com o porte cirúrgico, e não devem ser solicitados com o intuito de realizar diagnóscos (Tabela 1). Pacientes com menos de 40 anos, sem comorbidades, em teoria não necessitam de nenhum exame pré-operatório. Entre os pacientes sem comorbidades, exceto a que movou a cirurgia, com menos de 50 anos, o hematócrito e a hemoglobina (Hb/Ht) são su ficientes. Entre 51 e 60 anos, solicitar também um eletrocardiograma (ECG), e adicionar creanina e glicemia àqueles com mais de 60 anos e raio x de tórax quando a idade ultrapassa 75 anos. Pacientes com doença sistêmica bem controlada devem ter os exames de acordo com a patologia de base: ECG e bioquímica em doenças cardiovasculares e glicemia em diabécos. Somente entre os pacientes com quadros descompensados está indicada a chamada “bateria de exames”. Em resumo, deve-se ulizar principalmente o bom senso na solicitação desses exames. Tabela 1 - Exames pré-operatórios básicos
2. Pré-operatório A - Internação Cada paciente cirúrgico apresenta aspectos individuais a serem abordados. Apesar de a proposta cirúrgica poder ser a mesma para vários pacientes, os cuidados pré e pós-operatórios devem ser individualizados conforme a patologia de base, o procedimento proposto e o indivíduo em questão. No momento em que o paciente é admi do para uma cirurgia, é prudente que o cirurgião forneça um rela-
Paciente
Exames pré-operatórios necessários
<40 anos, sem comorbidades
Não necessitam desses exames
<50 anos, sem comorbidades
Hb/Ht
51 a 60 anos, sem comorbidades
Hb/Ht, ECG
60 a 75 anos, sem comorbidades
Hb/Ht, ECG, creanina e glicemia
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CIRURGIA GERAL Exames pré-operatórios necessários
Paciente >75 anos, sem comorbidades
Hb/Ht, ECG, creanina e glicemia, raio x de tórax
Doença sistêmica bem Exames de acordo com a doença controlada, independente (ex.: ECG em doentes hipertensos da idade <50 anos) Quadros descompensados, independente da idade
Exames gerais para avaliação global
C - Avaliação anestésica pré-operatória São avaliadas as comorbidades do paciente e como elas podem influenciar o resultado do processo de anestesia e/ ou a cirurgia. Patologias descompensadas clinicamente devem ser corrigidas antes de qualquer procedimento cirúrgico elevo. A Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) criou a estraficação dos doentes conforme o seu status clínico pré-operatório e o risco anestésico. Tabela 2 - Classi fi cação ASA: deve ser acrescentado o fator E em cirurgias de emergência; nessas situações, considera-se o dobro do risco cirúrgico ASA
Definição
Mortalidade pela anestesia
I
Paciente com saúde normal
0,08%
II
Paciente com doença sistêmica branda, controlada
0,27%
III
Paciente com doença sistêmica limitante, mas não incapacitante
1,8%
IV
Paciente com doença sistêmica incapacitante que lhe constui ameaça à vida
7,8%
V
Paciente moribundo, com sobrevida esmada menor que 24 horas, com ou sem cirurgia
9,4%
VI
Doador de órgãos e tecidos
--
Diversas outras escalas de risco são empregadas na avaliação pré-operatória. É importante inves gar, nos antecedentes do paciente, casos de hipertermia maligna. A hipertermia é uma condição fisiopatológica associada diretamente à anestesia, que é rapidamente fatal se não tratada prontamente. Os agentes precipitadores da hipertermia maligna são todos os agentes inalatórios e todos os relaxantes musculares despolarizantes (succinilcolina e decamethonium). Clinicamente, ocorrem hipermetabolismo, rigidez muscular, lesões musculares teciduais e um aumento da resposta do sistema nervoso simpáco. O hipermetabolismo é re fledo pela elevada produção de dióxido de carbono que precede o aumento da temperatura corporal. As medidas iniciais consistem em suspender os anestésicos inalatórios, aplicar venlação rápida para eliminar essas drogas e administrar dantroleno IV, 1mg/kg.
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3. Preparos especiais Diversas cirurgias necessitarão de preparos especiais. Outras medidas serão comuns aos diversos pos de procedimentos elevos.
A - Dieta e medicações O jejum deve ser de pelo menos 8 horas para diminuir o risco de broncoaspiração. Apesar de algumas evidências favoráveis ao consumo de líquidos claros até 2 horas antes do procedimento, essa práca ainda não é considerada padrão na maioria dos serviços. O cirurgião deve estar atento às medicações de uso habitual do paciente no pré-operatório para orientar sua u lização correta nos momentos que antecedem a cirurgia. Os beta-bloqueadores, an-hipertensivos, cardiotônicos, broncodilatadores, an convulsivantes, corcoides, inibidores de bomba protônica, an alérgicos, potássio e medicações psiquiátricas são medicações que devem ser mandas, quando em uso, até o dia da cirurgia. Os an coagulantes orais devem ser suspensos 2 dias antes da cirurgia e subs tuídos por heparina. Esta, por sua vez, deve ser suspensa no mínimo 6 horas antes da cirurgia e reiniciada de 12 a 24 horas após o procedimento. Entre os an agregantes plaquetários, o AAS deve ser suspenso de 7 a 10 dias antes da cirurgia, e a clopidina deve ser descon nuada 2 semanas antes. Hipoglicemiantes orais devem ser subs tuídos por insulina regular ou NPH na véspera do ato cirúrgico. Pacientes em uso de NPH podem receber metade da dose habitual na manhã da cirurgia, seguida da infusão de soro glicosado a 5%, ou pode haver a subs tuição por insulina regular na véspera. Em ambos os casos, é necessário o controle com glicemia capilar. No 1º dia de pós-operatório, pode ser retomado o esquema habitual. A prescrição de ansiolí co na véspera da cirurgia é recomendada para diminuir a ansiedade e evitar oscilações de PA e aumento da acidez gástrica.
B - Antbiótcos, tricotomia e antssepsia A práca de banhos de clorexidina ou PVPI vem caindo em desuso, sendo que, atualmente, a maioria dos serviços realiza apenas o banho normal antes da cirurgia. Quanto à tricotomia, a preferência atual é realizá-la no centro cirúrgico, durante a indução anestésica e na menor área possível de acordo com a cirurgia. O uso de an biócos dependerá da classi ficação da cirurgia em limpa, potencialmente contaminada, contaminada e infectada. Cirurgias limpas são procedimentos ele vos em que não há penetração dos tratos aéreo, diges vo ou geniturinário, seguindo normas adequadas de assepsia e anssepsia. O risco de infecção cirúrgica gira em torno de 1 a 2%, e não é necessário o uso de an biócos.
PRÉ-OPERATÓRIO
Tabela 3 - Orientação para as medicações no pré-operatório Medicação
Orientação
Beta-bloqueadores, anhipertensivos, cardiotônicos, broncodilatadores, anconvulsivantes, corcoides, inibidores de bomba protônica, analérgicos, potássio e medicações psiquiátricas.
Devem ser mandas, quando em uso, até o dia da cirurgia.
Ancoagulantes orais
Devem ser suspensos 2 dias antes da cirurgia e substuídos por heparina.
Heparina
Deve ser suspensa no mínimo 6 horas antes da cirurgia e reiniciada de 12 a 24 horas após o procedimento.
AAS
Deve ser suspenso de 7 a 10 dias antes da cirurgia.
Ticlopidina
Deve ser desconnuada 2 semanas antes.
Cirurgias potencialmente contaminadas são aquelas em que houve penetração em vísceras colonizadas, porém em condições controladas. As cirurgias limpas com uso de próteses sintécas, como telas, também são consideradas potencialmente contaminadas. Tabela 4 - Flora endógena esperada por topogra fi a corporal Topografia
Microbiota esperada.
Boca e dentes
Staphylococcus, Streptococcus, espiroquetas, acnomiceto, Bacteroides, Fusobacterium, fungos.
Seios paranasais
Streptococcus, Haemophilus in fl uenzae, acnomiceto, Bacteroides, Fusobacterium, Propionibacterium.
Garganta
Staphylococcus, Streptococcus, Haemophilus, Corynebacterium, Neisseria, Fusobacterium, Bacteroides, Candida.
Flora cutânea
Staphylococcus, Streptococcus, Corynebacterium, Propionibacterium, Micrococci , fungos.
Intesno delgado
Enterobactérias, Enterococcus, fungos.
Intesno grosso
Enterobactérias, Enterococcus, fungos, acnomiceto, Bacteroides, Clostridium.
Flora vaginal
Lactobacilos, Streptococcus, Corynebacterium, Mycoplasma, peptococo, acnomiceto, fungos.
Períneo e uretra
Staphylococcus, Streptococcus, Corynebacterium, Propionibacterium, fungos, Mycoplasma, acnomiceto, Bacteroides, Clostridium.
Cirurgias contaminadas são aquelas nas quais se encontra inflamação não purulenta já instalada ou nas quais houve extravasamento evidente do conteúdo luminar dos tratos explorados, ou ainda, falha da técnica assép ca. O risco de infecção varia de 10 a 20%, e preconiza-se a aplicação preempva de anbiócos. O diferencial para a aplicação terapêuca reside no fato de ainda não haver infecção
estabelecida, portanto a administração do an bióco pode ser interrompida mais precocemente. Cirurgias infectadas ou sujas são aquelas em que já existem abscessos intracavitários, ou para tratamento de feridas traumácas com contaminação. O índice de infecção é maior que 50%, e o uso de an biócos deve ser feito em caráter terapêuco, com cobertura para largo espectro. São prudentes a coleta de material contaminado durante a cirurgia e o encaminhamento para cultura e an biograma. Mesmo com seleção do an microbiano de acordo com o resultado da cultura, é possível que a resposta clínica do paciente seja inadequada. Isso pode acontecer quando o micro-organismo isolado na cultura não é o único responsável pelo processo infeccioso, em remoções mecânicas do foco infeccioso malsucedidas, em superinfecção, ou quando a droga escolhida não a nge concentração tecidual adequada no local da infecção.
C - Preparos especiais Preparo de cólon: é desnecessário em cirurgias do intesno delgado. Nas cirurgias colônicas, obje va a remoção das fezes de sua luz e a redução da população bacteriana. Pode ser feito por meio do preparo mecânico anterógrado com manitol associado ou não a agentes anmicrobianos de acordo com o protocolo do serviço. Algumas escolas preferem o método retrógrado com enteroclismas, que deve ser usado nos casos de obstrução intes nal. O ideal é internar o paciente na véspera da cirurgia, pela manhã, para iniciar o preparo em tempo hábil; avaliar periodicamente quanto à hidratação, vômitos, distensão abdominal e eficácia do preparo; alterar a prescrição de acordo com a observação clínica; ao término do preparo, solicitar Na+, K+ e Hb/Ht para controle; repor eletrólitos, se necessário; e hidratar bem após o procedimento; - Doente ictérico: além da hidratação, deve-se realizar a descompressão das vias biliares, correção de distúrbios hepácos e anbiocoprofilaxia adequada; - Estenose pilórica: deve-se realizar aspiração gástrica com Fouchet ou sonda nasogástrica calibrosa antes da cirurgia. Os pacientes frequentemente apresentarão algum grau de desnutrição e distúrbios eletrolí cos que deverão ser corrigidos no pré-operatório; - Feocromocitoma: além da hidratação vigorosa na véspera, devem ser realizadas medidas para prevenir a descarga adrenérgica, como bloqueadores alfa-adrenérgicos durante 2 ou 3 semanas antes da cirurgia; - Síndrome de Cushing: deve-se bloquear a produção de corsol semanas antes do procedimento. O cetoconazol, além de anmicóco, bloqueia o citocromo p450, impedindo a fase inicial da síntese dos cor costeroides; - Síndrome de Addison: preconiza-se administrar uma dose alta de corcoide na véspera (ex.: 50mg de cor sona) e realizar o descalonamento no pós-operatório; -
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CIRURGIA GERAL -
Hipertreoidismo: o paciente deve ser operado em eureoidismo. Até a véspera da cirurgia, administram-se propilouracil (PTU), de 200 a 800mg/dia, ou me mazol, de 5 a 50mg/dia. Em pacientes taquicárdicos ou intolerantes, é possível administrar beta-bloqueadores. O lugol vem caindo em desuso.
4. Reserva de sangue e hemoderivados Deve ser solicitado conforme o porte cirúrgico e as comorbidades do paciente (Tabela 5). Tabela 5 - Unidades transfusionais e indicações - Indicado às anemias crônicas ou aos casos agudos com repercussões clínicas; Concentrado de hemácias
- Hb <8g/dL em paciente saudável ou com perda aguda; - Hb <10g/dL em coronariopatas ou insuficiência pulmonar; - Anemia sintomáca.
Plasma fresco congelado
- Indicado a hemorragias decorrentes da deficiência de fatores de coagulação (hepatopaas, CIVD); - Reversão urgente de terapia com ancoagulante oral.
- Indicado a casos de hemo filia A (fator VIII), Crioprecipitado deficiência congênita de fibrinogênio e doença de von Willebrand (fator XIII). - Indicado a hemorragias por plaquetopenia (<20.000plt/m3 ou <50.000plt/m3 em doentes que sofrerão procedimentos Concentrado de invasivos); plaquetas - Disfunção plaquetária (trombocitopaas); - Transfusões pro filácas em doentes com <10.000plt/m3 em quimioterapia, hipoplasia medular ou infiltração tumoral. - Indicado a pacientes com hipoplasia medular, neutropenia, febre ou infecção Concentrado de refratária a 48 horas de an biócos; granulócitos - O uso deve ser mando por, pelo menos, 1 semana.
Uma unidade de sangue total eleva a hemoglobina em cerca de 1g/dL e o hematócrito em 3%, e cada unidade deve ser infundida num tempo inferior a 4 horas. Cada unidade de concentrado de plaquetas eleva a contagem em cerca de 5.000 a 10.000 células/mm3, sendo a dose usual 1 concentrado para cada 10kg de peso corporal. Efeitos adversos do uso de sangue e hemoderivados As reações transfusionais hemolí cas normalmente são causadas por incompa bilidade do sistema ABO e manifestam-se por dor e vermelhidão ao longo da veia infundida, dor e opressão torácica, febre, calafrios, oligúria, hemoglobinemia e hemoglobinúria. Choque e hipotensão podem levar a óbito se não forem rapidamente tratados. -
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O tratamento consiste em interrupção da transfusão, correção da hipotensão e es mulo à diurese com manitol ou furosemida. Apesar de um rígido controle do sangue doado, existe o risco de doenças infecciosas por contaminação bacteriana do sangue ou pela transmissão de doenças virais (vírus Epstein-Barr, CMV, vírus hepatotróficos, HTLV I e II, parvovírus B19, herpes-vírus 8 e HIV), bacterianas e protozoárias (sí filis, malária e doença de Chagas). Outra complicação clínica importante é a lesão pulmonar pós-transfusional, que se manifesta por dispneia, hipotensão, hipoxemia, febre e edema pulmonar não cardiogênico bilateral 4 horas após a transfusão. O tratamento é o suporte hemodinâmico e respiratório. A complicação mais grave do uso de hemoderivados é a reação enxerto contra hospedeiro, que ocorre quando linfócitos imunologicamente competentes são introduzidos em pacientes imunocompetentes, atacando os tecidos do receptor, principalmente a medula óssea. A mortalidade é descrita em 90% dos casos.
5. Dieta e suporte nutricional Todos os pacientes que não vêm se alimentando adequadamente devem receber apoio nutricional direcionado para as suas necessidades e carências. A má nutrição aumenta o risco de mortalidade operatória, e pode ser empregada nutrição enteral ou parenteral. Discussões sobre a necessidade de suporte nutricional no pré-operatório para idosos ou debilitados também não são claras, e a avaliação subje va global é a maior triagem desses indivíduos. São para esses pacientes “limítrofes” no seu estado nutricional que se pode aplicar a regra geral: se o grau de perda de peso, nível de albumina sérica ou contagem geral de linfócitos sugerirem má nutrição, o apoio nutricional deverá ser estabelecido por um período de 5 a 10 dias no pré-operatório. Assim, pode-se definir que elementos como o peso corporal prévio e atual, os níveis de albumina sérica, contagem de linfócitos, crea nina urinária, testes cutâneos de hipersensibilidade e a transferrina são marcadores laboratoriais da nutrição. O apoio nutricional está indicado para pacientes que tenham confirmada uma perda de peso involuntária de 10% num período de 6 meses, 7% em 3 meses ou 5% em 1 mês. Como a massa muscular é consumida juntamente com os depósitos de gordura durante a desnutrição, o grau de perda de peso é signi ficavo em obesos e magros.
A - Marcadores de desnutrição A albumina, a transferrina sérica e a contagem de linfócitos totais são os parâmetros laboratoriais mais u lizados para a avaliação do estado nutricional (Tabelas 6 e 7). Tabela 6 - Testes laboratoriais de avaliação do estado nutricional
PRÉ-OPERATÓRIO
Exame
Causa/significado de valores anormais - Possui vida média de 19 a 20 dias, portanto é insensível a mudanças agudas no estado nutricional; - Reflete o estado nutricional por meio das reservas proteicas viscerais, re flendo melhor a depleção proteica crônica do que a aguda; - Responsável pela manutenção da pressão oncóca; - Transportadora de Ca, Zn, Mg, ácidos graxos e outros;
Albumina
- Ocorre aumento na desidratação, no uso de esteroides anabólicos, no uso de insulina e na infusão exógena de albumina; - Ocorre diminuição em edema, doença hepáca, má absorção, diarreia, queimadura, eclâmpsia, IRC, desnutrição, estresse, hiper-hidratação, câncer, gestação, envelhecimento, perdas sanguíneas, perdas através de drenos, feridas (queimaduras), síndrome nefróca, insuficiência cardíaca congesva, remoção das glândulas reoide/ suprarrenal/pituitária; - Quando abaixo de 3g/dL, ocorre redução da ligação de drogas ácidas, determinando aumento do nível de droga livre. - Proteína carreadora do ferro; - Vida média de 8 a 10 dias, portanto mais sensível do que a albumina na avaliação nutricional;
- Elevada em reservas inadequadas de ferro, desidratação, anemia por deficiência de ferro, hepate aguda, policitemia, gestação, hipóxia, Transferrina perda sanguínea crônica, uso de estrogênios; - Diminuída em anemia perniciosa e falciforme, infecção, retenção hídrica, câncer, doença hepáca, desnutrição, síndrome nefró ca, talassemia, sobrecarga de ferro, enteropa as, queimaduras, uso de corsona e uso de testosterona. - Linfocitose em hepate viral, infecção por citomegalovírus, toxoplasmose, rubéola, infecção aguda por HIV, leucemia linfocí ca crônica e aguda; Linfócitos
- Linfocitopenia em infecções e enfermidades agudas, deficiência no sistema imunológico, depleção de proteínas viscerais (não muito preciso), doença de Hodgkin, lúpus, anemia aplásca, insuficiência renal, AIDS, carcinoma terminal.
Tabela 7 - Classi fi cação laboratorial do estado nutricional Grau de desnutrição
Dado laboratorial
Valores de referência
Leve
Albumina (g/dL)
>3,5
3 a 3,5
Transferrina (mg/dL) Linfócitos (mm3)
180 a 400 1.500 a 5.000
Moderada Severa 2,1 a 3
150 a 180 100 a 150 1.200 a 1.500
800 a 1.200
<2,1 <100 <800
A perda urinária de crea nina é proporcional à massa muscular. Níveis anormalmente baixos de crea nina urinária também indicam má nutrição. A excreção urinária normal de crea nina em 24 horas pode ser determinada ulizando tabelas especí ficas em que se calculam o peso, a altura e o valor correspondente de normalidade. Se as taxas são 90% do normal, signi fica má nutrição leve; 80% do normal, má nutrição moderada; e 70% do normal, má nutrição severa. Há o interesse em uma nova ferramenta capaz de acompanhar a evolução de pacientes crí cos, com caracteríscas adequadas de sensibilidade e especi ficidade, de u lização rápida, à beira do leito, bem como de baixo custo operacional. A bioimpedância (BIA) tem sido u lizada para avaliar modificações dos conteúdos de água e dos compar mentos intra e extracelulares.
B - Apoio nutricional A escolha da maneira ideal de fornecer apoio nutricional depende de alguns fatores. A forma preferencial deve compreender a orientação dieté ca adequada e o suporte via oral. Entretanto, em muitas situações, isso não é possível. A via enteral deve ser sempre preferencial. Pode ser realizada em domicílio, o que evita internações prolongadas e diminui o risco de infecções hospitalares. A Nutrição Parenteral Total (NPT) deve ser u lizada em situações precisas e iniciar-se pelo menos 10 dias antes da cirurgia. Também se preconiza que os pacientes con nuem o uso da NPT no pós-operatório, para evitar efeitos colaterais metabólicos. Não se deve associar a dieta enteral à parenteral.
6. Resumo Quadro-resumo - Os cuidados pré-operatórios devem ser individualizados. A visita pré-anestésica serve para avaliar, entre outras coisas, a possibilidade de complicações e formas de evitá-las; - Exames pré-operatórios não devem ser solicitados “em bateria” com intuito de diagnoscar condições desconhecidas; - O manejo de medicações de uso habitual, principalmente anticoagulantes e hipoglicemiantes, deve fazer parte das orientações pré-operatórias; - Preparos especiais e reserva de hemocomponentes, de acordo com as condições do paciente e o porte cirúrgico, devem ser programados com antecedência; - Cirurgias limpas não necessitam de an bióco. Cirurgias limpas com prótese ou potencialmente contaminadas requerem anbióco profiláco, e cirurgias contaminadas, an bióco terapêuco; - Sempre que possível, devem-se colher culturas para orientar o uso do anbióco; - Pacientes com algum grau de desnutrição necessitam de avaliação e suporte nutricional pré-operatório; - O ideal é iniciá-lo ao menos 15 dias antes da cirurgia.
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SUPORTE VENTILATÓRIO NÃOCIRÚRGICO
CAPÍTULO
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Pontos essenciais Conceito de choque; - Tipos de choque; - Monitorização dos dados hemodinâmicos; - Omização da oferta de oxigênio aos tecidos; - Alterações fisiológicas no choque; - Tratamento do choque hemorrágico. -
1. Introdução O equilíbrio fisiológico do organismo é denominado homeostase, para a qual é necessário exis r liberação de energia, ou seja, combus veis e oxigênio para as células. O choque é uma circunstância na qual a homeostase é rompida. O denominador comum universal no estado de choque é a liberação de ficiente de oxigênio para a mitocôndria das células, com aumento do metabolismo anaeróbio e de ácido láco. Como consequência, o metabolismo aeróbico não pode ser man do na taxa necessária para manter a função celular. A célula não pode se recuperar da interrupção do metabolismo aeróbico. Conforme as células morrem, advém a insu ficiência do órgão. Quando há a falência do sistema cardiovascular, num momento de desequilíbrio orgânico grave e mando, tem-se o choque. Uma ampla variedade de mecanismos pode provocar o choque como depleção do volume vascular, compressão do coração e dos grandes vasos, falha primária da bomba miocárdica, perda do controle autonômico do sistema vascular, inflamação sistêmica sem controle e controle parcial de uma resposta in flamatória sistêmica grave. O objevo da reanimação no choque é restaurar a oferta de oxigênio à mitocôndria.
Choque em cirurgia José Américo Bacchi Hora / Marcelo Simas de Lima / Eduardo Bertolli
- VDF = Volume Diastólico Final; - FE = Fração de Ejeção; - RVS = Resistência Vascular Sistêmica; - SaO2 = Saturação arterial do Oxigênio; - PAM = Pressão Arterial Média; - Hb = Hemoglobina; - FC = Frequência Cardíaca.
Se o desequilíbrio orgânico for grave, a pressão sanguínea e o DC serão insu ficientes para manter a perfusão periférica, e o choque pode comprometer outros órgãos (choque descompensado – Figura 1). Se o estado de desequilíbrio não for grave, haverá manutenção da perfusão tecidual periférica à custa de alto DC para manter a homeostase abalada (choque compensado). O choque compensado acontece com hemorragias de menos de 20% da volemia. Enquanto a perfusão é subó ma, os mecanismos fisiológicos agem para ajustar a RVS e manter a pressão arterial sistêmica média em torno de 70mmHg. No choque compensado, as perfusões do cérebro e do coração permanecem próximas do normal, enquanto outros sistemas de órgãos menos crí cos são, em proporção ao dé ficit de volume, hipoperfundidos.
Tabela 1 - Siglas mais frequentes - DO2 = Oferta do oxigênio aos tecidos (Delivery de Oxigênio); - VO2 = Consumo de oxigênio; - DC = Débito Cardíaco; - VS = Volume Sistólico; - CaO2 = Conteúdo arterial de O2;
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Figura 1 - Choque: fi siopatologia, diagnóst co e tratamento. (A) Representa um estado de choque em que o VO2 é dependente do DO2. É um estado de dependência de suplemento de O2 ; (B) é um ponto de saturação, a par tr do qual o aumento de DO2 não au-
CHOQUE EM CIRURGIA
menta o consumo (VO2 ). O aumento de DO2 , além desse ponto, não trará bene f cio e pode mesmo ser danoso (C), pois o doente só poderá usar O2 extra com medidas terapêut cas que podem causar arritmias e aumento do consumo miocárdico de O2. O objet vo do tratamento do choque é reverter o estado de dependência de O 2 (A); (C) representa o aumento do VO2 que ocorre na sepse ou nas queimaduras e re fl ete a extração máxima de O2. Alguns pacientes perdem a capacidade de extrair O2 por microtromboses ou shunts microvasculares
Os pacientes que desenvolvem choque não compensado tornam-se hipotensos porque o dé ficit de volume intravascular excede a capacidade dos mecanismos vasoconstritores compensatórios. Esses indivíduos estão em risco de morte em razão do aporte de ficiente de oxigênio para órgãos vitais e da produção reduzida de energia aeróbica mitocondrial. Além disso, precisam ter a perfusão celular restaurada antes que ocorra lesão irreversível das vias bioquímicas celulares. O choque hipovolêmico (causado por circulação inadequada de volume de sangue) é decorrente, na maior parte, dos estados hemorrágicos, mas pode ser também consequência de vômitos incoercíveis, diarreias, sequestros de fluidos intesnais (por exemplo, obstrução intes nal) ou perda de plasma em tecidos lesados por queimaduras. Para ter uma ideia da grande perda de proteínas nas lesões por queimaduras, os capilares normais não permitem a passagem de albumina (PM = 60.000). A vasodilatação decorrente da lesão tecidual pela queimadura forma verdadeiros buracos capilares, que possibilitam a passagem de moléculas com PM acima de 250.000. A fuga de proteínas, água e eletrólitos tanto para o inters cio quanto para o meio externo traz, como consequências, desidratação, choque hipovolêmico e insu ficiência renal. Nos estados de hipovolemia, ocorre redução do volume intravascular e do enchimento ventricular no final de cada diástole (VDF). O volume ejetado (Volume Sistólico = VS) determina um DC inadequado. Tabela 2 - Fatores determinantes do débito cardíaco DC = VS x FC Em que DC = Débito Cardíaco; VS = Volume Sistólico; e FC = Frequência Cardíaca
Quando mediadores in flamatórios passam a atuar causando prejuízo para a função do sistema cardiovascular, tem-se uma condição denominada de choque in flamatório. Em situações de trauma, por exemplo, além das repercussões da hipovolemia podem ser observados distúrbios da circulação pela ação dos mediadores in flamatórios (por exemplo, citocinas, bradicininas, ácido araquidônico etc.). A ação dos mediadores in flamatórios causa danos à microcirculação por lesão endotelial, vasodilatação da microvasculatura e depressão do miocárdio. O dé ficit de oxigênio celular determina um metabolismo anaeróbico, com menor rendimento na produção de energia e maior produção de resíduos, representados por elementos ácidos e produtos
de degradação moleculares incompletos, determinando uma resposta inflamatória bioquímica com elementos deletérios para todo o sistema (efeitos potencializadores do desequilíbrio circulatório tecidual).
2. Manipulação racional da oferta de oxigênio aos tecidos A omização da oferta de oxigênio representa o principal tratamento das condições de choque e outras condições associadas, como SIRS (síndrome da resposta in flamatória sistêmica), DMOS (Disfunção de Múl plos Órgãos e Sistemas) e SDRA (Síndrome do Desconforto Respiratório Adulto). Tabela 3 - Monitorização dos dados hemodinâmicos - DO2 = DC x CaO 2; - VS = VDF x FE; - DC = VS x FC ou DC = FC x VDF x FE; - CaO = (Hb x SaO x 1,34*) + (PaO x 0,0031) ** x 10; 2
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- DO2 = FC x VS x [(Hb x SaO 2 x 1,34) + (PaO2 x 0,0031)] x 10. * 1,34: é a quant dade de O2 carreado por grama de Hb. ** PaO2 x 0,0031: o soro é representado, basicamente, por H2O, que é um solvente pobre em O2 , logo contribui pouco para o CaO2.
Figura 2 - Oferta de oxigênio aos tecidos: o IC (Índice Cardíaco) é calculado com a divisão do débito cardíaco pela SAC (Super f cie de Área Corpórea); para avaliação de valores hemodinâmicos, deve-se considerar a SAC do indivíduo para obter valores mais precisos
O CaO2 depende, basicamente, do que é carregado pelas hemácias, ou seja, da Hb e da SaO2. Considerando todos esses elementos, a depender do po de choque, tenta-se omizar a oferta de O 2 aos tecidos.
A - Reposição de sangue (hemoglobina) O aumento da Hb eleva, até um limite fisiológico, a capacidade do sangue de carrear O 2. Por sua capacidade coloidosmóca, aumenta a pré-carga sem causar perda de líquido para o 3º espaço e aumenta a oferta do O 2 ao miocárdio, potencializando a contra lidade cardíaca. Em contraparda, leva a maior risco de doenças transfusionais, maior custo, limitação do estoque de sangue, reações transfusionais e risco de distúrbios da membrana alveolocapilar pulmonar (SDRA).
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CIRURGIA GERAL Surge a necessidade de indicar Hb ó ma, que normalmente é de 10g/dL. Abaixo desse valor, a extração máxima de oxigênio no miocárdio a nge um nível próximo do máximo, deixando o paciente com pouca reserva nas situações em que há aumento do consumo de O 2 (VO2). Como resposta, há aumento de FC para o mizar o DO2. A transfusão pode bene ficiar o paciente quando Hb chega a 13g/dL (HT 40%). O aumento do HT acima desse valor leva ao aumento da viscosidade, com elevação da pós-carga e diminuição do DC. Sugere-se que o HT ó mo esteja entre 30 e 40%.
B - Saturação arterial de O2 A saturação representa como a Hb é preenchida pelo O2. A SaO2 pode ser aumentada pela FiO 2 (Fração inspirada de O2) ou pelo PEEP (pressão expiratória posi va ao final da expiração). FiO 2 100% é tóxica para os alvéolos. Com 24 horas de FiO2 >50%, já se observa lesão alveolar, e mesmo com FiO2 de 40%, em 72 horas, as lesões também são observadas. A lesão alveolar difusa causada pela toxicidade do O 2 origina, a posteriori , dé ficit da oxigenação por prejuízo das trocas alveolares. Outro problema relacionado com a toxicidade do O 2 é que o nitrogênio se torna mais difusível quando os alvéolos se enchem. Quando o O 2 entra na circulação pela baixa concentração de nitrogênio, ocorre atelectasia (colapso alveolar), causando um desrecrutamento, a despeito da PEEP, o que aumenta o shunt intrapulmonar, piorando a relação venlação-perfusão. A melhor forma de recrutar alvéolos é usar PEEP, pois há aumento da capacidade residual funcional. Apesar disso, a PEEP acima de 12mmHg pode causar diminuição do DC.
C - Débito cardíaco e frequência cardíaca Não se deve aumentar a FC para aumentar o DC. Além de elevar o consumo miocárdico de O 2, o aumento da FC também compromete o enchimento ventricular, sendo uma medida ineficiente do ponto de vista metabólico. O aumento do consumo miocárdico de O 2 pode causar isquemia e arritmias, o que também reduz o DC. Além disso, a taquicardia é um indicador de descompensação hemodinâmica e pode estar associada à hipóxia, à arritmia, à ansiedade e à dor, logo não deve ser usada como recurso terapêu co.
D - Volume diastólico final ou pré-carga Seu aumento causa elevação do DC quando há FC e FE constante, uma vez que causa es ramento das fibras cardíacas, resultando numa contração muscular com maior força (lei de Frank-Starling). O aumento da contra lidade miocárdica em virtude da pré-carga pode ser explicado pela lei de Laplace quando P = 2xT/R, sendo P = pressão ventricular; R = o raio do ventrículo, que é proporcional ao VDF; T = tensão do miocárdio. Para que a pressão seja constante com o aumento do raio, o miocárdio deve gerar maior tensão na sua parede.
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A avaliação adequada da pré-carga pode ser uma tarefa dif cil (Figura 2). Uma pré-carga adequada para o coração, o encéfalo ou os pulmões pode não ser adequada para a perfusão dos rins ou do trato gastrintes nal, sobretudo quando há liberação de hormônios e substâncias vasoconstritoras, como vasopressina e norepinefrina, na circulação sistêmica. As medidas clínicas não são sensíveis e tornam-se evidentes apenas em situações de sobrecarga (estase jugular e estertoração por congestão pulmonar). A pressão venosa central é igual à pressão no átrio direito e pode ser equivalente à pressão do ventrículo direito ao final da diástole, em valor normal de 1 a 6mmHg (para converter em cmH 2O, basta mulplicar por 1,36). De acordo com a lei dos vasos comunicantes, a medida por meio de um cateter locado na veia cava superior ou átrio direito é equivalente à pressão no ventrículo direito ao final da diástole. O ponto zero da pressão venosa em um indivíduo deitado é ob do ao localizar a régua no tórax, onde o 4º espaço intercostal cruza a linha axilar média, é o ponto flebostáco e corresponde à posição dos átrios no paciente em posição supina. Pressões extravasculares, como a pressão intratorácica ou mesmo a pressão intra-abdominal, afetam a pressão intravascular. Por isso, pacientes em assistência ven latória mecânica com uso do PEEP terão valores discrepantes do valor real. A Pressão de Oclusão da Artéria Pulmonar (POAP) pode também ser imprecisa em pacientes crí cos. Conhecida como Pressão Capilar Pulmonar (PCP), é indicador da pré-carga, pois, quando um cateter oclui um ramo da artéria pulmonar, uma coluna estáca de sangue é criada entre o transdutor de força do cateter e o átrio esquerdo (normal de 6 a 12mmHg). Mais uma vez, o uso do PEEP e alterações da complacência pulmonar ou da complacência das câmaras cardíacas podem alterar a relação entre a PCP e a pré-carga. Atualmente, cateteres de artéria pulmonar vêm com recursos capazes de medir o VDF do ventrículo direito. Quando houver situações de insu ficiência ventricular direita ou doenças valvares, o ecocardiograma poderá avaliar a pré-carga de maneira mais adequada. Valores de Índice de Volume Diastólico Final do Ventrículo Direito (IVDFVD), em torno de 120 a 130mL/m 2, costumam se relacionar com pré-carga adequada para a maioria dos pacientes. Em jovens, ví mas de trauma, valores tão altos quanto 200mL/ m2 podem ser obdos pela reposição volêmica com o aumento do IC.
E - Pressão arterial média Trata-se de uma medida importante, pois é o gradiente criado por esta que leva o sangue pelos vasos, não a pressão arterial sistólica ou diastólica isoladamente. Valores normais da PAM estão entre 70 e 80mmHg. Sua medida é clinicamente úl, pois valores de PAS e PAD variam abruptamente, a depender do local do corpo em que é medida, o que não acontece com a PAM.
CHOQUE EM CIRURGIA
PAM = PAS + 2 x PAD 3 Valores adequados de PA não garantem perfusão adequada. Sua queda é uma manifestação tardia do choque. Um dos erros mais importantes durante o tratamento do choque é acreditar que a restauração da PA a determinado valor, em vez de garan r oferta adequada de oxigênio aos tecidos, avaliada por outros meios, é uma conduta suficiente. Toda vez que a PAM for <70mmHg, estará indicada a monitorização por meios invasivos, com punção arterial.
3. Marcadores clínicos do estado de choque A - Hipotensão A pressão baixa é um sinal especí fico, mas pouco sensível, de choque. PAS <90mmHg quase sempre indica uma forma de choque. A hipotensão postural também pode ser avaliada e é definida como a queda de mais de 10mmHg na PAS por um período maior que 30 segundos em um paciente que se levanta da posição supina. Em hipertensos, pressão sistólica de 120mmHg pode representar estado de choque. Dessa forma, em algumas situações, a hipotensão postural pode ter u lidade clínica.
B - Pressão diferencial (pressão de pulso) Acontece um aumento de re flexo da PAD pela vasoconstrição periférica associada aos choques hipovolêmico e cardiogênico, com estreitamento da pressão diferencial (PAS-PAD). -PAD). Essa manifestação clínica ocorre mais precocemente do que a hipotensão arterial propriamente dita, podendo ser ulizada. Valores <20mmHg indicam choque. Pacientes em choque hiperdinâmico têm vasodilatação, portanto, nesses casos, este marcador não é válido.
C - Taquicardia/bradicar aquicardia/bradicardia dia e taquipneia A taquicardia talvez seja a manifestação clínica mais evidente de choque. Entretanto, pode não estar presente em algumas situações, como entre indivíduos que u lizam beta-bloqueadores, indivíduos com excelente excelente reserva fisiológica (por exemplo, atletas) ou outros com resposta adrenérgica insu ficiente (pacientes idosos). Entre as grávidas, observa-se aumento fisiológico da FC, o que pode causar confusão na interpretação dos dados. A taquipneia é uma forma de compensar a acidose metabólica picamente observada no estado de choque.
D - Hipoperfusão cutânea A hipoperfusão cutânea, um dos primeiros sinais de choque, acontece em razão de uma descarga adrenérgica, pela liberação de vasopressina (potente vasoconstritor cutâneo) e angiotensina II. A pele é o maior órgão do corpo, e essa é uma forma de tentar compensar a redução do DC. A pele fica pálida, fria e pegajosa.
E - Alterações mentais Pessoas com choque descompensado grave habitualmente apresentam alterações mentais, variando de ansiedade a agitação e podendo evoluir para o torpor. Esses achados não são sensíveis, entretanto são especí ficos. O corpo protege o cérebro a todo custo; se o suprimento sanguíneo do SNC está inadequado, distúrbios do sensório acontecem, induzindo à instalação de delirium. delirium. Em traumazados, os distúrbios do sensório devem ser interpretados como hipoperfusão tecidual, e outras causas, como intoxicação por álcool ou drogas ilícitas, devem ser lembradas após afastar choque/hipóxia.
F - Oligúria Em muitos casos de choque compensado e em todos os casos de choque não compensado, cai o débito urinário. A oligúria é o mais sensível e especí fico dos sinais de choque, e a diurese é o parâmetro mais adequado para avaliação da reposição volêmica.
G - Isquemia miocárdica Um eletrocardiograma (ECG) em qualquer paciente com suspeita de choque pode mostrar sinais de isquemia, que pode ser causada por um problema cardíaco primário ou secundário (por exemplo, hipotensão por hemorragia). Deve ser prontamente tratada tratada a causa de base.
H - Acidose metabólica Acidose metabólica como sinal de choque pode manifestar-se com aumento da frequência respiratória e redução do BE e do bicarbonato, tanto nos estágios precoces do choque quanto nos avançados. Entretanto, alguns pacientes podem estar em choque sem mostrar manifestações de acidose metabólica. Se o fluxo sanguíneo for su ficientemente reduzido, os produtos do metabolismo anaeróbico ficarão na periferia e não cairão na circulação sistêmica até que se inicie algum grau de reanimação.
4. Classificação do choque Tabela 4 - Graus do choque hemorrágico Classe I
Classe II
Classe III
Classe IV
Perda volêmica (%)
15%
15 a 30%
30 a 40%
>40%
Frequência cardíaca (bpm)
<100
>100
>120
>140
PA (mmHg)
Norm Normal al
Norm Normal al
Pressão de pulso
Normal ou ↑
Frequência respiratória (irpm)
14 a 20
20 a 30
30 a 40
>35
>30
20 a 30
<5
Anúria
Débito urinário (mL/h) Sensório
Dimi Diminu nuíd ídaa Dimi Diminu nuíd ídaa
Dimi Diminu nuíd ídaa Dimi Diminu nuíd ídaa Dimi Diminu nuíd ídaa
Ansiedade Ansiedade Confusão leve
Letargia
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L A R E G A I
G R U R I C
CIRURGIA IRURGIA GERAL É uma classificação úl para informação didá ca sobre a gravidade, porém os pacientes podem responder clinicamente de forma diferente e de acordo com seu status fisiológico prévio. Tem por base as manifestações clínicas habituais de um homem hígido de 70kg e poderá ajudar na orientação terapêu ca. Entretanto, o melhor parâmetro para guiar as decisões do tratamento será a resposta individual do paciente à reposição de volume. Pacientes em choque classe I que perderam o equivalente a uma bolsa de sangue sa ngue normalmente não apresentam sinais de descompensação hemodinâmica e costumam responder adequadamente à reposição de cristaloides. Pacientes em choque classe II demonstram sinais clássicos de choque sem hipotensão e habitualmente respondem à infusão de cristaloides. Pacientes da classe III já se apresentam hipotensos, usualmente necessitam de hemoderivados, e o tratamento operatório deve ter prioridade. Pacientes em choque classe IV morrem em minutos caso não se obtenha controle adequado do sangramento precocemente, e a evolução para transtornos graves, como acidose metabólica grave, hipotermia e coagulopa a é comum em caso de sobrevivência. A reposição maciça de volume e hemoderivados será necessária. Pacientes em choque classe I pararam de sangrar ou apresentam sangramento persistente de baixo débito capaz de comprometer a perfusão tecidual sem s em causar manifestações clínicas evidentes; é o estado de choque compensado. Pacientes nas classes II e III estão em estado de choque não compensado, e o seu diagnós co costuma ser o mais claro. Pacientes em choque classe IV estão em choque profundo (em inglês, extremis) extremis) ou exsanguinação – essa é a forma mais extrema de choque, com graves repercussões fisiológicas, como já citado. As manifestações hemodinâmicas e as manifestações clínicas podem ajudar não apenas na iden ficação da gravidade, mas também na causa, orientando para o possível mecanismo fisiopatológico. Desta forma, podem-se estraficar pos de choque (Tabelas 5 e 6). Tabela 5 - Diagnóst co: co: resposta hemodinâmica Hipovolêmico
Séptco
Inicial alto, tardio Dimin iminuí uído do baixo
DC
Diminuído
RVS
Aumen umenttada ada Dimin iminuí uíd da
Volemia
Dimin iminuí uída da
Pré-carga Diminuída
Cardiogênico
Neurogênico Aume Aument ntad ado o
Estase jugular
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Sem es estase
Cor da pele
Pálida
Temperatura Fria da pele FC
Séptco
Cardiogênico
Neurogênico
Rosada
Pálida
Rosada
Quente
Fria
Quente
Aume umentada Aumentada Aument entada
Aumentada
Sensório Ansiedade
Ansiedade Ansiedade
Ansiedade
Diurese
Diminuída
Diminuída
Diminuída
Diminuída
5. Identficação e tratamento de condições de risco de morte Se o paciente mostra sinais de possível choque, o próximo passo é procurar e tratar possíveis causas que lhe poderiam trazer risco de morte. Entre elas, estão arritmias, ven lação inadequada, tamponamento cardíaco, sangramento etc.
A - Arritmias Uma vez em choque, qualquer paciente pode apresentar arritmias. Hipovolemia induz a a vidade elétrica sem pulso antes de evoluir para assistolia. Em agônicos com fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular, a cardioversão pode ser u lizada com sucesso; em doentes com assistolia, entretanto, a possibilidade de reanimação é remota. Os não agônicos devem ser tratados de acordo com as normas do ACLS. Em trauma, a principal arritmia é a taquicardia sinusal, e a sua presença deve sempre indicar choque hipovolêmico. Raramente, o trauma cardíaco contuso será outra causa de taquicardia sinusal, e o seu diagnós co deve ser lembrado quando se afasta por completo a hemorragia no trauma zado. Em pacientes com trauma cardíaco contuso, outras arritmias também podem levar a baixo DC, causando choque. Nas situações de tamponamento pericárdico, observa-se a diminuição da amplitude do complexo QRS. A descompressão do saco pericárdico deverá ser efetuada prontamente. Em estágio mais avançado, o tamponamento pericárdico levará à avidade elétrica sem pulso, indicando toracotomia de reanimação. Estados de baixo débito podem ocorrer em doentes com embolia gasosa maciça, quando ferimentos pulmonares ou lesões vasculares venosas levam à circulação coronariana de êmbolos gasosos com impactação, causando isquemia do miocárdio.
Aumentada Dimin iminuí uíd da
Aumentada Aumentada Norm ormal
B - Ventlação inadequada ou obstrução da via aérea
Diminuída
Quando o paciente consegue falar sem esforço ou não há ruído, pode-se assumir que a via aérea está pérvia. O compromemento da via aérea tem inúmeras causas possíposs íveis, desde perda dos re flexos de proteção até mecanismos obstruvos. Em casos de choque profundo, uma via aérea definiva deve ser ob da com a introdução de uma cânula endotraqueal. Após reanimação inicial com resolução do
Elevada
Diminuída
Tabela 6 - Diagnóst co: co: sinais clínicos Hipovolêmico
Hipovolêmico
Séptco
Cardiogênico
Sem es estase Distendida
Neurogênico Sem es estase
CHOQUE EM CIRURGIA
choque, o paciente poderá recuperar a consciência, tornando a ter condição de assumir a ven lação espontânea com segurança. A venlação mecânica não garante que o paciente será venlado adequadamente. Problemas com o ven lador ou com o tubo endotraqueal mal locado ou obstruído são sã o algumas das causas que devem ser prontamente diagnos cadas e tratadas com reintrodução e aspiração do tubo. Outras causas, como pneumotórax, hemotórax e sangramento brônquico também podem ocorrer. O tratamento imediato deve ser instuído com drenagem torácica, controle da hemorragia via endobrônquica ou até por via cirúrgica. A resposta inflamatória causada por trauma ou reposição maciça de hemoderivados pode resultar em SDRA com compromemento da troca gasosa e retenção de CO 2, simulando, muitas vezes, um quadro de congestão pulmonar. A evolução para essa condição também pode acontecer por complicações sépcas. Formas especiais de venlação mecânica com baixos volumes e obtenção de PEEP ideal, ven lação PRONA e inversão da relação inspiração/expiração inspiração/expiração são tentadas. Uma condição semelhante que causa transtornos da troca gasosa é a contusão pulmonar. pulmonar.
sangramento externo local, clampeamento do coto vascular visível e torniquete nas amputações traumá cas podem ser ulizados. Nos sangramentos provenientes da bacia, a fixação ortopédica externa é uma opção inicial e ficiente em muitos casos, pois tratar tratar,, fraturas de bacia que sangram avamente, por meio de cirurgia, não costuma ter bons resultados. O sangramento é mul focal e difuso. A arteriografia costuma ser úl nos casos em que há lesão de ramos dos vasos hipogástricos. No intraoperatório, as ligaduras de vasos e o tamponamento temporário com compressas constuem manobras rápidas e e ficientes na maior parte dos casos (Figuras 3, 4 e 5).
C - Compressão ou obstrução dos grandes vasos ou do coração Tamponamento cardíaco, ruptura diafragmá ca com migração de vísceras para a cavidade pulmonar, pneumotórax hipertensivo, ven lação com pressão posi va e tromboembolismo pulmonar maciço podem causar compressão ou obstrução direta ou indireta, tanto cardíaca quanto dos grandes vasos. Como consequência, há redução da pré-carga, dificuldade venlatória e, em úl ma instância, choque circulatório do po obstruvo. A descompressão do espaço pleural é o passo inicial no pneumotórax hipertensivo, seguido da drenagem pleural. A pericardiocentese, apesar de ilustrada em manuais e descrita como opção terapêu ca, costuma ser pouco ulizada. Normalmente, pacientes com tamponamento pericárdico costumam chegar à a vidade elétrica sem pulso, o que indica uma toracotomia de reanimação. A tríade de Beck (estase jugular, jugular, hipotensão arterial e abafamento de bulhas), classicamente descrita, ocorre em cerca de 35% dos pacientes. Também é comum o sangue acumular-se na face posterior do coração no paciente deitado e se formarem coágulos, di ficultando, sobremaneira, a punção pericárdica. Falsos nega vos em pericardiocentese para hemopericárdio por trauma chegam a 40%.
Figura 3 - Ligadura de veia cava inferior por FAF
Figura 4 - Angioembolização de ramo da artéria hipogástrica em trauma de bacia
D - Hemorragia O conceito fundamental da abordagem do paciente com sangramento resume-se em controlar precocemente o sangramento e restaurar a integridade fisiológica, mantendo a normalidade hemodinâmica, o equilíbrio ácido-básico, a normotermia e a função hemostá ca. O controle da hemorragia é necessário para que a reanimação inicial possa ser efe va. Compressão manual do
Figura 5 - Fixação externa externa em trauma de bacia
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CIRURGIA GERAL Da mesma forma que é necessário o controle da hemorragia, um acesso vascular deve ser ob do. O uso de veias superficiais dos membros superiores é preferencial, e deve ser realizada canulação com jelco de grosso calibre (nº 14 ou nº 16). Quando não é possível, a dissecção da veia safena é preferida. De acordo com a velocidade de infusão (fluxo) expressa pela lei de Poiseuille, deve-se optar por um cateter grosso, curto, pressurizar o sistema e administrar soluções cristaloides aquecidas. A velocidade de infusão é diretamente proporcional à 4ª potência do raio e ao gradiente de pressão do sistema, e inversamente proporcional à viscosidade do fluido e ao comprimento do cateter. As soluções de Ringer Lactato (RL) e salina a 0,9% (SF a 0,9%) são as preferidas para a infusão inicial de volume. Devem ser aquecidas a 39°C para prevenir hipotermia e administradas de acordo com a regra 3:1, pois apenas 1/3 do volume infundido permanecerá no intravascular. Apesar de a solução salina a 0,9% ser chamada de fisiológica, esta tem uma concentração de cloro acima dos valores séricos, e reposições maciças de SF a 0,9% podem causar acidose hiperclorêmica. Desta forma, a reanimação inicial com RL tem sido preferida. Nos traumas penetrantes com sangramento avo, uma forma de reanimação de finida como hipotensão permissiva tem sido ulizada com base no raciocínio de que infusões de volume em pacientes que sangram a vamente aumentam a pressão hidrostá ca no vaso lesado, favorecendo mais sangramento, causando hemodiluição, inclusive dos fatores de coagulação, e contribuindo para a hipotermia. Deve-se manter a PAS em torno de 70mmHg e controlar imediatamente o sangramento para, em seguida, proceder à reanimação com volume. Não deve ser u lizada em pacientes com trauma fechado, sobretudo ví mas de TCE grave, em que a hipotensão é extremamente deletéria. Outra forma de reposição de volume considera o uso de solução hipertônica de NaCl a 7,5%, evitando os efeitos da hemodiluição, e é responsável pela imunomodulação dos neutrófilos, reduzindo sua citotoxicidade. Tem demonstrado algum benef cio em pacientes com TCE, mas ainda não é considerada conduta standard em nenhuma situação de choque. As medidas de controle mecânico, principalmente nos doentes politraumazados, são discudas no material de trauma.
6. Resumo Quadro-resumo - Choque significa um estado de hipoperfusão tecidual que, se não reverdo, leva à acidose metabólica e disfunção celular; - Entre as causas de choque, as principais são depleção do volume vascular, falha primária da bomba miocárdica, perda do controle autonômico do sistema vascular, e in flamação sistêmica grave; - Se não reverdo, poderá haver compromemento de outros órgãos; - O diagnósco e a classificação do choque podem ser ob dos por medidas clínicas e objevas;
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- A monitorização invasiva está indicada na avaliação da resposta às medidas terapêu cas instuídas e em pacientes com diversas causas de choque; - O tratamento do choque requer o controle da causa de base e medidas para melhorar a oferta de oxigênio aos tecidos; como expansão volêmica (com ou sem hemotransfusão), suporte respiratório, controle de foco infeccioso e controle de hemorragias.
CAPÍTULO
7
Pontos essenciais Balanço hidroeletrolí co no pós-operatório; - Suporte nutricional; - Controle da dor; - Cuidados com sondas, drenos e tubos. -
1. Introdução O ato cirúrgico desencadeia no organismo uma resposta metabólica semelhante à experimentada no trauma. O cirurgião deve conhecer as alterações do organismo no pós-operatório e saber como lidar com elas, de modo a proporcionar a recuperação adequada do paciente.
2. Controle do balanço hídrico e equilíbrio ácido-básico no pós-operatório
Pós-operatório José Américo Bacchi Hora / Marcelo Simas de Lima / Eduardo Bertolli
madura, perda patológica de líquidos corporais ou no pós-operatório. Os mecanismos de defesa compensatórios que o organismo uliza são efevos em situações não muito intensas e de curta duração. Se a agressão for grande, tais mecanismos não conseguirão manter o equilíbrio corporal. Quando a agressão se apresenta, a resposta corporal será a contração em curto prazo da água intracelular, para preservar a água extracelular (manter seu tamanho efe vo), ou a mudança de direção dos líquidos inters ciais para o intravascular para manter a volemia ( fluxo sanguíneo adequado para os órgãos vitais). Tabela 1 - Balanço hídrico no indivíduo hígido Ganhos Ingesta líquida: 800 a 1.000mL
Diurese: 800 a 1.500mL
Ingesta sólida: 500 a 700mL
Evacuação: 0 a 250mL
Oxidação: 125 a 250mL
Perdas insensíveis: 600 a 900mL (25% pelos pulmões + 75% pela pele)
Água celular: 0 a 500mL
Sudorese: 0 a 4.000mL
A - Balanço hídrico A água corporal total distribui-se amplamente em 2 comparmentos, os espaços de água intracelular e de água extracelular. As membranas celulares são permeáveis à água, mas selevamente permeáveis a solutos. A água intracelular gira em torno de 66% da água corporal. Logo, 40% do peso magro corporal de um adulto do sexo masculino compõem-se, unicamente, de água nas células, principalmente células do músculo esquelé co. Já a água extracelular responde por 20% do peso corporal total. A água extracelular subdivide-se em plasma e em comparmentos intersciais. Líquido e solutos circulam do comparmento do plasma para os compar mentos intersciais e retornam ao 1º compar mento via linfácos. Múlplos fatores fisiológicos controlam o fluxo da água extracelular, entre eles a pressão hidrostáca da luz dos vasos, a drenagem linfáca e a pressão coloidosmó ca do plasma. Todo esse equilíbrio pode ser rompido em circunstâncias deletérias como choque, infecção generalizada, quei-
Perdas
O balanço hídrico no indivíduo hígido costuma apresentar ganhos e perdas bem de finidos (Tabela 1). O ganho diário de água é de 2.000 a 2.500mL, sendo 800 a 1.000mL de ingesta oral de líquidos, 500 a 700mL de ingesta de alimentos sólidos, 125 a 250mL de água de oxidação e até 500mL de água celular (após 4 a 5 dias de jejum). Já as perdas são de 800 a 1.500mL pela urina, até 250mL pelas fezes e 600 a 900mL de perdas insensíveis (25% pelos pulmões e 75% pela pele). A sudorese pode chegar a 4.000mL em estados febris prolongados. Entretanto, cada paciente pode apresentar uma par cularidade que implicará uma prescrição individualizada, respeitando as suas reservas orgânicas e limitações. O período pré-operatório determina tais questões, e o procedimento cirúrgico também determinará as normas a serem seguidas no pós-operatório. A presença de disfunção cardíaca, renal, pulmonar ou hepá ca afetará o po e a taxa de reposição
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CIRURGIA GERAL dos fluidos venosos no pós-operatório. Similarmente, a peritonite, a sepcemia, ou outras condições que afetam o volume plasmáco do paciente, e a sua permeabilidade capilar influenciarão a abordagem da terapia de fluidos. Em um paciente adequadamente hidratado, e que será submedo a um procedimento minimamente invasivo com perdas pequenas de sangue, a manutenção de fluidos será de pequeno volume e de permanência curta. A manutenção para um paciente de 70kg é de 100mL/h de soro glicosado 5% com associação de soluções salinas com 20mEq/L de sódio e de potássio (Tabela 2). De maneira simpli ficada, isso pode ser obdo com a administração de 1.000mL de SG5% acrescido de 30mL de NaCl 20% e 10mL de KCl 19,1% a cada 8 horas. Tabela 2 - Necessidades mínimas diárias de um indivíduo adulto de 70kg Água
2.000 a 2.500mL
Sódio
80 a 100mEq/dia
Potássio
60 a 80mEq/dia
Glicose
100g
De maneira geral, a reposição pós-operatória mínima deve conter de 2.000 a 2.500mL/dia de água (sem considerar a reposição das perdas), 80 a 100mEq/dia de sódio, 60 a 80mEq/dia de potássio e 100g de glicose. Os cristaloides são os fluidos mais empregados no pós-operatório. O uso de coloides não apresenta vantagens nos cuidados do pós-operatório, e seu alto custo di ficulta jusficar o seu emprego em vários pacientes. Em um caso de obstrução intes nal, isquemia intesnal ou perfuração de víscera, a manutenção de fluidos isoladamente não será adequada. Nessas situações, o reequilíbrio e as perdas de fluidos do espaço intravascular con nuam por várias horas após a cirurgia, consequentemente a ressuscitação deve ser intensa por muitas horas no pós-operatório; e a possibilidade de administração de 7 a 10L de fluidos nas primeiras 24 horas pode ser a expansão adequada. A monitorização da diurese, da pressão arterial, do pulso e da frequência cardíaca são parâmetros, a serem avaliados pelo médico, que dirão se a reposição está adequada ou não. Em um paciente normal, não subme do ao estresse cirúrgico, a ingestão excessiva de líquidos determinará a diminuição do hormônio an diuréco (ADH), e ocorrerá a excreção de urina diluída até que os níveis de sódio e a osmolalidade voltem ao normal. Vários fatores estressantes, incluindo os procedimentos cirúrgicos, resultam na inabilidade em diminuir os níveis de ADH e em eliminar a água livre. A administração de fluidos hipotônicos, associada à água livre do paciente, pode determinar hiponatremia no pós-operatório. Esta, por sua vez, pode causar danos graves com morbidade e mortalidade signi ficavas. Em procedi-
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mentos não complicados e de curta duração (por exemplo, herniorrafia, colecistectomia e cirurgia não complicada dos cólons), a resposta ao estresse cirúrgico será de curta duração, e o paciente poderá permanecer com fluidos nas primeiras 24 horas. Submedos à anestesia local não apresentarão a resposta neuroendócrina exagerada. Portanto, não há a necessidade de reposição de fluidos.
B - Hipovolemia A hipovolemia é o decréscimo no volume intravascular causado por perdas volêmicas externas (hemorragias) ou internas (perdas capilares ou de fluidos para tecidos lesados). O transporte de oxigênio e a perfusão tecidual são dependentes do débito cardíaco e na presença de hemoglobina suficientemente saturada em mais de 90% de tensão arterial de oxigênio e pressão arterial média de mais de 70mmHg. Um volume intravascular inadequado pode determinar uma perfusão pobre, seja por uma baixa pré-carga, seja pela baixa concentração de hemoglobina. Em jovens, há maior tolerância à anemia com incremento do débito cardíaco, desde que o volume intravascular esteja mando. Os idosos com doença coronariana são mais pre judicados pelos efeitos deletérios do baixo volume intravascular, anemia ou ambos. A monitorização da volemia inclui análise dos sinais vitais, estado mental e débito urinário. Devido aos efeitos da anestesia, tais elementos podem ficar prejudicados. Se o paciente está com sonda vesical, o decréscimo da diurese pode ser detectado de forma isolada. O peso corporal é um parâmetro que pode gerar erro de interpretação, sendo ulizado para as medidas do peso da água corporal total. Os dados podem ser superes mados, porque uma elevação do peso corporal pode não decorrer do excesso de fluidos, mas do decréscimo no espaço intravascular. Tal situação é comum entre os pacientes com perdas do volume intravascular e sangue com evolução para choque circulatório, perdas capilares e acúmulos de fluidos no inters cio e comparmento intracelular. O peso total é maior, mas o paciente está com hipovolemia. Estudos seriados de pacientes graves em UTI, que apresentavam instabilidade hemodinâmica, demonstraram que o estado volêmico não podia ser medido com precisão apenas seguindo parâmetros clínicos. A u lização da monitorização invasiva torna-se um instrumento de grande valor pela capacidade de medidas do compar mento intravascular e a habilidade do organismo de manter a perfusão tecidual. O uso do cateter central para medida da Pressão Venosa Central (PVC) e de cateter na artéria pulmonar (Swan-Ganz – Figura 1) determina a pressão de enchimento ventricular esquerdo e o débito cardíaco que, no geral, informam com maior precisão o estado volêmico do comparmento intravascular.
PÓS- OPERATÓRIO
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Figura 1 - Cateter de Swan-Ganz
A correção de distúrbios da volemia deve ter início com a expansão volêmica seriada e a avaliação clínica. O uso de diurécos deve ser limitado a portadores de insu ficiência cardiopulmonar ou doença renal avançada, e dependentes de diurécos. A administração desses medicamentos em um indivíduo com contração do volume intravascular pode resultar em piora da depleção volêmica, apesar da melhora da diurese. Outras técnicas úteis de monitorização da volemia incluem as medidas de sódio urinário, ecocardiograma e determinação de níveis séricos de lactato.
C - Hipervolemia O excesso de fluidos no pós-operatório apresenta-se com variada frequência. O grau em que o paciente se torna hipervolêmico (overloaded ) depende das condições clínicas no pré-operatório, como idade, existência de disfunções dos sistemas cardiopulmonar, renal e hepá co, tempo do procedimento cirúrgico, quan dade de fluidos administrados, presença ou não de infecção e mediadores da in flamação. É geralmente aceito que grandes quan dades de fluidos administrados determinarão aumento do peso corporal total e consequentes problemas no pós-operatório. O uso criterioso de fluidos no paciente e o conhecimento de seu risco cirúrgico auxiliarão as equipes médicas a tomarem as devidas precauções durante todo o procedimento anestésico e os cuidados posteriores ao período de convalescença. A aplicação dos princípios da monitorização invasiva trará informações sobre os efeitos dos volumes da ressuscitação sem as complicações do edema pulmonar ou insuficiência cardíaca conges va. Deve ser reconhecido, entretanto, que em pacientes em choque sép co ou que manifestam uma resposta inflamatória excessiva (com ou sem infecção bacteriana), ocorrerá a perda de fluidos capilares do compar mento intravascular e surgirá a anasarca. O resultante aumento no peso corporal associado a grandes quandades de infusão de fluidos dará a impressão de que o paciente está hiper-hidratado. Esta é a razão por que é dif cil determinar o volume intravascular de quem está seriamente doente, apenas observando parâmetros clínicos.
Portanto, aqueles suspeitos de hipervolemia secundária a excesso de fluidos devem ser cuidadosamente avaliados. Se não respondem às primeiras medidas para a correção de sua volemia, devem ser monitorizados de forma invasiva.
D - Hiponatremia A hiponatremia é causada pelo excesso de água livre no espaço intravascular, ou seja, dilucional na maioria das vezes. A concentração sérica de sódio não é uma medida acurada da concentração do sódio corporal total, mas re flete um valor relavo da quandade de água livre no compar mento intravascular. A concentração do sódio sérico não está relacionada ao volume do compar mento intravascular. Pacientes podem ser normovolêmicos, hipovolêmicos ou hipervolêmicos na presença de hiponatremia. Dida camente, as causas de hiponatremia podem ser divididas de acordo com a osmolaridade e o sódio total do corpo (Tabela 3). Tabela 3 - Causas de hiponatremia Tipo
Causas
Diagnóstco
Hipoosmolaridade e aumento total de sódio no corpo.
Desordens que produzem edema (ICC, cirrose e falência renal oligúrica).
Sódio urinário >30mEq/L. Osmolaridade urinária <400mOsm/L.
Hipoosmolaridade e nível total de sódio no corpo baixo.
Perdas con nuas de água e sódio não renais (sudorese, perdas gastrintesnais e formação de 3º espaço).
Urina concentrada, conteúdo de sódio baixo e função renal normal.
Hipoosmolaridade e nível total de sódio no corpo normal.
Síndrome da secreção inadequada do hormônio andiuréco (SIHAD).
Produção reduzida de urina, concentrada e hiperosmolar.
Osmolaridade aumentada.
Aumento de soluto não sódico (hiperglicemia, manitol, álcool).
Hiponatremia aparente.
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CIRURGIA GERAL No pós-operatório, ela está relacionada ao excesso de água livre. Isso acontece quando se u lizam fluidos hipotônicos, quando os níveis de ADH não caem devido ao estresse cirúrgico ou lesional. Esses fluidos não são eliminados pelo rim e determinam a hemodiluição do plasma. Em geral, após a agressão aguda, em 24 a 48 horas os níveis de ADH cedem, e os rins determinam a compensação do balanço hídrico adequado. Já os pacientes que se mantêm doentes ou sob estresse con nuo, e aqueles com disfunção renal, terão dificuldade em lidar com a água livre em excesso. Pode ser evitada se não forem administrados fluidos hipotônicos (“soro ao meio”, composto de metade de soro fisiológico 0,9% e a outra metade de água des lada ou soro glicosado 5%) no pós-operatório. Os sintomas dependem da severidade e da velocidade de instalação. Um estado hipo-osmolar agudo leva ao edema cerebral e todas suas complicações. Cãibras, fraqueza e vômitos são frequentes. Há mortalidade signi ficava se a hiponatremia se mantém abaixo de 120mEq/L. O tratamento depende das concentrações séricas de sódio encontradas. Pacientes com hiponatremia euvolêmica e assintomácos necessitam apenas de restrição hídrica. Estados de volemia depletados, se presentes, devem ser corrigidos anteriormente. Pacientes com perda rápida devem ser repostos de forma lenta, e aqueles com perdas crônicas podem ser assim tratados apenas com soluções salinas convencionais (soluções isotônicas de Ringer ou de soro fisiológico 0,9%). Soluções de maior concentração de sódio podem ser empregadas em 24 a 48 horas de reposição (solução salina a 3%).
E - Hipernatremia A hipernatremia é de finida como sódio plasmá co acima de 150mEq/L, sempre associado a um estado hiperosmolar, podendo haver um dé ficit de água corporal rela vo ou absoluto devido à troca de líquido intracelular para o espaço extracelular. Há 2 causas de hipernatremia. A 1ª é a sobrecarga excessiva de sal (reposição com soluções hipotônicas), e a 2ª é a perda de quan dades excessivas de água ou líquido hipotônico (perdas pela pele no grande queimado, perda renal aumentada no dano renal ou diabetes insipidus). Sintomas de hipertonicidade re fletem-se primeiramente no sistema nervoso central, onde o decréscimo no fluido intracelular leva à desorientação ou coma. Se o fluido extracelular for diminuído, surgem sintomas de hipovolemia. A hipernatremia causada por perda aumentada de água é tratada com reposição do dé ficit de água (Tabela 4). Se houver também hipovolemia, esta deverá ser corrigida em 1º lugar com cristaloide isotônico, seguido da reposição do déficit de líquido intracelular. Se há um estado de sobrecarga de sódio, com líquido extracelular e volume plasmá co normais ou aumentados, a remoção do sódio com diuré cos (desde que a função renal esteja adequada) e a reposição com fluidos hipotônicos compõem o tratamento de escolha. É importante diminuir o sódio no plasma ≤2mEq/h.
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Tabela 4 - Fórmula para cálculo de dé fi cit de água e correção de hipernatremia Déficit de água (L) = (0,6 x peso corporal em kg) – (140 / Na + plasmátco x 0,6 x peso corporal em kg)
3. Dieta no pós-operatório e suporte nutricional intensivo A necessidade calórica básica diária é variável, mas, geralmente, próxima de 25kcal/kg de peso corporal ideal. Ela pode ser maior em crianças e menor em idosos, mas a fórmula de cálculo é empregada na maioria dos casos. Nos pacientes de cons tuição média, o peso corporal ideal é o seu próprio peso corporal. Nos politrauma zados graves, a necessidade calórica aumenta para taxas de 30 a 35kcal/ kg e, em queimados com comprome mento >50% da área corporal, aumenta para 40kcal/kg. As necessidades diárias basais de proteínas variam de 0,65 a 1g/kg em adolescentes e 2g/kg em crianças e serão diferentes nas condições patológicas severas. De forma geral, pode-se empregar uma fórmula simples que considera tanto as necessidades basais como o estresse associado pela condição patológica atual, que consiste em 0,04g proteína/kcal necessária/dia. Aos portadores de insu ficiência hepáca e renal, empregam-se menores quandades de aminoácidos. Existem fórmulas especí ficas para essas condições, em que estão presentes aminoácidos selecionados. Quanto à dieta no pós-operatório, esta depende do po de cirurgia e do po e duração da anestesia. Em cirurgias abdominais e pélvicas, o paciente é man do inicialmente em dieta zero. Inicia-se a ingestão oral quando há ruídos intesnais e eliminação de gases. Iniciar com líquidos e, caso estes sejam tolerados nas primeiras refeições, progredir para uma dieta mais consistente (pastosa) até sólida (leve ou geral). Para pacientes com anastomoses gastrintesnais, o início e a progressão da dieta devem ser avaliados com maior critério. Nos casos em que a dieta por via oral não é possível, deve-se considerar, precocemente, o suporte nutricional por via enteral ou parenteral.
A - Terapia nutricional enteral Quando se pode u lizar o tubo diges vo, a nutrição enteral é melhor e de baixo custo em relação à parenteral. A enteral aumenta a síntese de proteínas por causa da liberação de substratos no sistema portal, além de ajudar a manter a integridade dos enterócitos e, assim, a barreira intesnal para os agentes microbianos Gram nega vos e endotoxinas locais. U lizam-se sondas de alimentação de poliuretano ou Silas c® de pequeno calibre (7 a 12Fr). São maleáveis e de consistência amolecida e trazem mais conforto para o paciente (Figura 2A).
PÓS- OPERATÓRIO
tomia. O tempo que se aguarda até a realização do procedimento varia entre os serviços. Nos principais hospitais de São Paulo, a tendência é aguardar cerca de 6 semanas (40 a 45 dias). Em 2007, a prova do INCA para especialidades cirúrgicas abordou esse tema. De acordo com a bibliogra fia do concurso, a resposta correta era 30 dias.
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B - Terapia nutricional parenteral
Figura 2 - Formas de administração de dieta enteral: (A) sonda nasoenteral; (B) e (C) gastrostomia pela técnica de Stam
A alimentação gástrica pela sonda enteral permite o uso de fórmulas poliméricas mais baratas, mas há o risco de as piração pulmonar do conteúdo gástrico e ex nção do apete. A alimentação enteral através de sonda de alimentação instalada no jejuno (sonda nasoenteral ou Dubb-Ho ff ), durante o ato operatório, diminui o risco de aspiração e não causa anorexia; porém, como contorna o duodeno (absorção de ferro), necessita do emprego de dieta monomérica fórmula-definida (elemental), que é mais cara, e com mais frequência causa diarreias e cólicas abdominais. Se o apoio nutricional for muito prolongado, a presença da sonda nasogástrica não será favorável por causar as complicações descritas. A diarreia é a complicação funcional mais comum. Diminuir a velocidade de infusão da dieta ou aumentar de forma gradava são condutas que auxiliam no controle da diarreia. Se ela persiste, deve ser avaliada a existência de medicações que possam estar interferindo na mo lidade intesnal (anbiócos, potássio, fosfato). Em quadro diarreico mais prolongado, deve ser considerada a suspeita de colite associada a an biócos. Anespasmódicos e medicações inibidoras da mo lidade intesnal (derivados narcócos) podem ser empregados nesses casos de di f cil controle. Náuseas, vômitos, distensão abdominal, cólicas intes nais e conspação podem impor uma necessidade de ajuste nas fórmulas enterais e na velocidade de infusão. As complicações metabólicas possíveis são desidratação, super-hidratação, deficiência de ácido graxo essencial, distúrbios da glicose ou eletrólitos, elevação dos testes de função hepáca, deficiência de vitaminas, ferro e oligoelementos. Medidas de reposição preven vas, se realizadas, evitam essas anormalidades metabólicas. Pacientes que necessitarão de suporte enteral por tempo prolongado apresentam risco aumentado para complicações infecciosas (como sinusites de repe ção) e são candidatos a vias cirúrgicas como gastrojejunostomia ou jejunos-
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O apoio nutricional, por meio de terapia parenteral, é indicado nas condições desfavoráveis do tubo diges vo, como grandes ressecções intes nais, f stulas entéricas e pancreates graves, entre outras. A solução básica para a Nutrição Parenteral Total (NPT) é uma mistura de glicose hipertônica e proteínas hidrolisadas, picamente 500mL de glicose 50% e 500mL de aminoácidos a 8%, à qual são adicionados eletrólitos, vitaminas e oligoelementos. Devido à hipertonicidade da solução (2.000mOsm/L), deve ser administrada por via central (cateter venoso central). Soluções de menor osmolaridade podem ser administradas em veia periférica, mas devem ser subs tuídas o quanto antes. A solução de NPT é formulada com vários pos de elementos em sua composição, exis ndo fórmulas adequadas para condições especí ficas como grande queimado, hipermetabolismo etc. Não se deve associar suporte enteral e parenteral simultaneamente. Além de não haver nenhum bene f cio do ponto de vista nutricional, há maior possibilidade de complicações, em especial as metabólicas e infecciosas. Carboidratos, gorduras e proteínas fornecem calorias na dieta enteral, enquanto que na nutrição parenteral somente carboidratos e gorduras são boas fontes de calorias. Isso decorre do fato de o gasto calórico necessário para converter aminoácidos, administrados por via parenteral, em proteínas, ser proporcional às calorias fornecidas pelos próprios aminoácidos. Portanto, na prá ca, durante a nutrição parenteral, as calorias vêm principalmente das soluções de glicose hipertônica. O emprego de soluções de lipídios é necessário para sasfazer às necessidades mínimas de ácidos graxos essenciais. Para evitar uma hipoglicemia rebote, a nutrição parenteral não deve ser suspensa abruptamente e pode ser reduzida no 1º dia, quando o paciente inicia a sua dieta oral ou enteral. Mesmo com o desmame progressivo, é necessário ainda manter uma solução glicosada de 10% para uma adaptação gradual do organismo e diminuir a hiperinsulinemia resultante das soluções hipertônicas por períodos prolongados. As complicações do uso de nutrição parenteral total são inúmeras (Tabela 5).
Tabela 5 - Complicações da nutrição parenteral Complicações do cateter Acidentes de punção com pneumotórax, derrame pleural ou tamponamento cardíaco grave ou fatal, se o cateter es ver posicionado dentro do mediasno durante a infusão da dieta. Deve-se checar a posição do cateter com raio x após punção percutânea.
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CIRURGIA GERAL Trombose venosa central (frequentemente da subclávia) Apesar de rara (1 a 2%), pode ser prevenida se aplicada heparina dentro da solução de nutrição parenteral (1 a 2 unidades/mL de solução parenteral). Complicações infecciosas Relacionadas ao cateter. Em caso de febre inexplicada, amostras de sangue são colhidas para cultura tanto da linha central como de uma via periférica. O cateter deve ser trocado se houver forte suspeita, e a sua ponta encaminhada para cultura. Complicações metabólicas A mais comum é a hiperglicemia. Também podem ocorrer distúrbios hidroeletrolí cos, sobrecarga de volume, hipervitaminoses ou deficiências vitamínicas de ácidos graxos essenciais e oligoelementos. Outras complicações raras Embolismo aéreo, lesão arterial, f stula arteriovenosa, fratura do cateter venoso e embolização central.
4. Controle da dor no pós-operatório O emprego de medidas anestésicas prescritas no pré-operatório possibilita a analgesia antes do procedimento cirúrgico, além de relaxamento emocional diminuindo as tensões e o risco de hipertensão arterial no pré-operatório. As técnicas que u lizam anestesia epidural ou bloqueios locorregionais determinam uma maior área de anestesia corporal com despertar sem dor no pós-operatório imediato. Nos casos de anestesia epidural, um cateter pode ser empregado para proporcionar o bloqueio da dor por vários dias após a operação. Essa abordagem é muito ú l aos submedos a cirurgias do andar inferior do abdome e extremidades. As medicações sistêmicas u lizadas para a dor do pós-operatório incluem os opioides, os an -inflamatórios não esteroides e outras drogas narcócas. O uso indiscriminado de opioides pode determinar situações bem estabelecidas de depressão respiratória, íleo prolongado, aumento das náuseas e vômitos. Uma maneira de escalonar o uso de analgésicos é a chamada “escada” analgésica proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS – Figura 3).
uma vez que já são bem estabelecidos os efeitos deletérios da privação de sono. Diante de pacientes oncológicos com doença tumoral avançada, o cirurgião pode, em determinadas situações, submetê-lo à cirurgia para alívio dos sintomas compressivos (por exemplo, bypass interno de segmentos de alças de delgado ou colostomia, nas situações de obstrução mecânica do tubo digesvo pelo tumor; videotoracoscopia para esvaziamento de derrame pleural metastá co e recidivante, e realizando a pleurodese química para controle local). Diante desse po de patologia, o pós-operatório apresentará maior prevalência da dor operatória, portanto, necessidade de várias combinações de drogas.
5. Profilaxia de trombose venosa profunda A Trombose Venosa Profunda (TVP) é uma condição na qual o desenvolvimento de trombos no sistema venoso profundo pode ocasionar obstrução ao fluxo sanguíneo. Outra complicação, muito mais mórbida, da TVP é o tromboembolismo pulmonar (TEP), que acontece quando um desses trombos se desprende e cai na circulação sistêmica até alojar-se nos pulmões. Es ma-se que o TEP pode causar ou contribuir com a morte de até 12% dos pacientes hospitalizados em casuíscas norte-americanas. A formação de trombos remete à tríade de Virchow. Alterações da coagulabilidade sanguínea, do endotélio ou do fluxo no interior do vaso podem predispor a formação de trombos. Esses fatores podem ser frequentemente encontrados nos pacientes após procedimentos cirúrgicos, de modo que a pro filaxia de TVP deve fazer parte das ro nas pós-operatórias. Inicialmente, é preciso de finir o risco de o paciente desenvolver TVP no pós-operatório (Tabela 6) antes de definir as medidas de prevenção. As medidas de prevenção dividem-se entre não farmacológicas e farmacológicas (Tabela 7). Entre as não farmacológicas, as principais são as meias eláscas de compressão, disposivos pneumácos de compressão e a deambulação precoce. As medicações mais comumente ulizadas são as heparinas não fracionadas (ex.: Liquemine®) e a heparina de baixo peso molecular (ex.: enoxaparina). Tabela 6 - Fatores predisponentes e risco de TVP e TEP (adaptado de Baruzzi et al., 1996) Risco baixo
Figura 3 - Escada analgésica proposta pela OMS
A anestesia regional e os an -inflamatórios não esteroides são bem efevos no controle pós-operatório. O controle adequado da dor também deve visar a um sono adequado,
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Cirurgia geral
Risco moderado
Risco alto
- Idade >40 anos; - Idade - Duração <40 - Idade >40 anos; <60min + anos; - Duração fator adicio- Duração >60min. nal (TVP ou <60min. TEP prévio, tumor extenso).
PÓS- OPERATÓRIO
Risco baixo Cirurgia ortopédica
-
Risco moderado
Risco alto - Artroplasa joelho ou quadril.
-
- Lesões extensas partes moles, fraturas de osso longo ou múlplas, politrauma.
Trauma
-
Condição clínica
- IAM, ICC, DPOC, - Acidente DM descomvascular pensado, AVCI, - Gravidez. cerebral, puerpério, paralisia dos antecedente de membros. TVP/TEP.
% de evento tromboembólico (sem profilaxia)
-
Risco baixo
Risco moderado
Risco alto
TVP distal
2
10 a 40
40 a 80
TVP proximal
0,4
2a8
10 a 20
TEP sintomáco
0,2
1a8
5 a 10
TEP fatal
0,002
0,1 a 0,4
1a5
Tabela 7 - Pro fi laxia da TVP (Adaptado de Baruzzi et al., 1996) Risco baixo
Risco moderado
Risco alto
- Enoxaparina 20mg - Enoxaparina 40mg SC SC ou nadroparina ou nadroparina 0,6mL 0,3mL SC 2h antes SC 12h antes da cirurgia da cirurgia seguiseguida de aplicação da de aplicação diária enquanto persiste diária enquanto Não farmacoo risco; persiste o risco; lógica - Heparina 5.000UI - Heparina 5.000UI SC (3x/ SC (2x/dia) dia) associado ou não a associado ou não medidas não farmacoa medidas não lógicas. farmacológicas.
Indivíduos com necessidade de pro filaxia para TVP, mas com contraindicações à heparina, são candidatos à passagem de filtro de veia cava durante o ato cirúrgico.
6. Cuidados com drenos, sondas e tubos no pós-operatório A - Sonda nasogástrica A sonda nasogástrica é indicada para remover líquido e gases do estômago ou conteúdos re fluídos para ele e impedir a passagem de ar para os intes nos, piorando a distensão abdominal e as tensões na sutura intes nal, se
realizada. É amplamente u lizada e muito ú l, fornecendo dados de débito e aspecto das secreções. Outras indicações de seu uso são vômitos incoercíveis de causa central, íleo paralí co pós-operatório e estados comatosos ou convulsivos com risco de aspiração pulmonar. Apesar de um instrumento funcional, a presença da sonda nasogástrica pode determinar problemas que não podem ser desprezados pelo médico cirurgião. As complicações são inúmeras e diretamente proporcionais ao tempo de ulização. As mais comuns são ulceração e necrose de asa nasal, respiração oral, interferência com a ven lação, esofagite distal (podendo evoluir até com estenoses) e complicações infecciosas. Débitos constantemente elevados devem alertar para a depleção eletrolí ca, em especial de íons, cloreto, potássio e hidrogênio da secreção gástrica, ou sódio, em secreções biliares. Débitos fecaloides são fortemente indica vos de oclusões intesnais baixas.
B - Drenos abdominais Os drenos são colocados, pro filacamente, para impedir o acúmulo de fluidos; como sennelas de anastomoses ou, terapeucamente, para promover o escoamento de líquidos que já se acumularam. Existem os drenos com coletores a vácuo (Portovac®, Jackson Pra®, Blake®), que drenam contra a força da gravidade. A vantagem desse sistema de sucção é impedir a lesão cutânea, no caso de secreções irritantes, e permir a mensuração segura do volume de drenagem removido. As secreções são direcionadas nos reservatórios, e podem-se avaliar a coloração e o aspecto delas. Os 2 úlmos pos apresentam válvula unidirecional, impedindo o refluxo das secreções para a cavidade corporal. Os drenos não devem ser colocados em espaços ar culares e ao longo de bainhas tendinosas, pois ocasionam reação excessiva e prejudicial à função. Nas vizinhanças de tendões, nervos, grandes vasos sanguíneos e órgãos sólidos, só devem ser usados drenos moles; caso contrário, pode ocorrer necrose de tais estruturas vitais. Os drenos atuam como um corpo estranho e ocasionam uma resposta tecidual com secreção em pequena quan dade, que desaparece após a re rada deles. Deve-se lembrar que o dreno é “uma via de mão dupla” e, dessa forma, permite o acesso de bactérias que podem desenvolver infecção local ou invasiva. Cura vos cuidadosos, trocas frequentes e remoção, sempre que possível, reduzem a possibilidade de infecção signi ficava. Devido ao fato de permi r infecção bacteriana e de impedir o fechamento da ferida, não se deve colocar o dreno pela incisão cirúrgica. Os drenos colocados profilacamente devem ser removidos tão logo seja evidente que não há mais drenagem significava, sem necessidade de tração progressiva. Os colocados terapeucamente são mandos no local enquanto drenam quandade significava de secreção. Quando cessar a drenagem ou o seu débito es ver diminuindo, traciona-se progressivamente, todos os dias (alguns cm). Dessa
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CIRURGIA GERAL forma, o trajeto de drenagem será fechado do fundo para a superf cie. Se todo o dreno é re rado de uma só vez, a pele fecha-se imediatamente, formando um compar mento interno com secreções. Essa condição pode determinar a formação de um abscesso e até a fistulização cutânea.
C - Dreno de via biliar (dreno de Kehr ou tubo T) É indicada a colocação do dreno de Kehr no colédoco (Figura 4) para descompressão e drenagem biliar após exploração de colédoco, coledocolitotomia (abertura cirúrgica do colédoco) ou em casos de colangite; como moldagem para a reparação de estenose de colédoco; ou para formação de f stula biliar externa nas obstruções de colédoco não passíveis de derivação interna. Pode-se empregar, hoje em dia, a punção transparieto-hepá ca, guiada por US, ao colocar o dreno no parênquima hepá co, em área de maior acúmulo de bile obstruída dentro do órgão. A colocação de prótese endoscópica no colédoco é outro método empregado. Pode ser locada via transtumoral, nas neoplasias de cabeça de pâncreas, ampola de Vater e das vias biliares. Obviamente, essa úlma condição pode falhar ou determinar riscos imediatos.
derrame pleural de repe ção e está no pré-operatório de cirurgia eleva abdominal, será necessária a drenagem do tórax no centro cirúrgico antes da cirurgia marcada. A indicação é para promover a assistência ven latória adequada no intra e no pós-operatório. O calibre do dreno e a quan dade dependem do po de cirurgia. Devem ser man dos conectados em sistema fechado sob selo d’água para drenagem valvular. U liza-se a drenagem aspirava quando se tem drenagem significava, principalmente com f stula aérea. U liza-se equipamento que produz 15 a 20cm de pressão nega va, chamado Emerson. Os drenos são removidos quando aparentemente o pulmão está bem expandido, que não existe escoamento de ar na ferida ou do pulmão, e quando se aspiram menos de 2.000mL de líquido em um período de 24 horas (esse valor pode variar de acordo com o serviço). Os tubos são removidos com a aspiração man da. Deve-se solicitar ao paciente que inspire profundamente e prenda a respiração (Valsalva) enquanto é removido o tubo. Um cura vo local é feito imediatamente (já preparado) sobre a ferida, logo que o tubo é removido, e permanece no local por 48 horas. A prá ca de raio x de controle também varia conforme a ins tuição.
7. Resumo Quadro-resumo - O balanço hídrico deve ser controlado diariamente para evitar ou controlar distúrbios da volemia, do equilíbrio ácido-básico e dos eletrólitos; - O suporte nutricional deve ser reiniciado precocemente no pósoperatório, ulizando a via enteral sempre que possível; - O controle adequado da dor está associado a menores complicações pós-operatórias; - A profilaxia de TVP está indicada em todo pós-operatório, e as medidas variam de acordo com o risco do paciente de desenvolver TVP e TEP; Figura 4 - (A) Dreno de Kehr e (B) aspecto do dreno na via biliar principal em colangiogra fi a
Nos tubos em T longos, a extremidade que entra no duodeno através da ampola de Vater pode obstruí-la e, assim, ocorrer a pancreate por obstrução do ducto pancreá co, além de permi r o refluxo de conteúdo duodenal no ducto comum que pode resultar em colangite. Deve-se fazer uma colangiografia através do tubo opostamente à extremidade externa. Assim, é possível avaliar se existe vazamento local do contraste, se a árvore biliar está bem contrastada e se há passagem de bile para o duodeno.
D - Drenos torácicos Tubos de drenagem intrapleural são colocados em casos de traumasmo torácico e após qualquer cirurgia intratorácica de magnitude. Esses tubos servem para remover fluidos, sangue e ar extrapleural. Se um paciente apresenta
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- Drenos podem ser terapêu cos ou sennelas e devem ser rerados logo que não estejam mais funcionando.
CAPÍTULO
Complicações pós-operatórias
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José Américo Bacchi Hora / Marcelo Simas de Lima / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais
Complicações sistêmicas
Respiratórias
Insuficiência respiratória aguda, atelectasias, aspiração, pneumonia, tromboembolismo pulmonar, embolia gordurosa, edema pulmonar, síndrome do desconforto respiratório agudo.
Cardíacas
Arritmias, infarto do miocárdio, insu ficiência cardíaca.
Complicações cardíacas;
Urinárias
Infecção do trato urinário, inconnência ou retenção.
-
Complicações peritoneais;
-
Complicações gastrintesnais;
Sistema nervoso Acidente vascular cerebral, delirium. central
-
Complicações do SNC;
Trato gastrintestnal
Distúrbios de molidade, pancreate aguda, insuficiência hepáca, coleciste, colite.
-
Rabdomiólise;
Outras
Rabdomiólise, disfunção sexual.
-
Disfunção sexual.
-
Febre;
-
Complicações respiratórias;
-
Complicações das feridas operatórias;
-
Deiscências de anastomoses;
-
Infecções urinárias;
-
1. Introdução As complicações pós-operatórias podem ser resultado da doença primária do paciente e de fatores não relacionados com a doença de base ou decorrentes do ato operatório (Tabela 1). Um cirurgião pode realizar uma operação tecnicamente perfeita e, ainda assim, haver uma complicação. Os sinais clínicos de anormalidade orgânica podem estar modi ficados no período de convalescença, e o diagnósco precoce pode ser de di f cil interpretação nesse período. Logo, avaliações frequentes devem ser feitas na suspeita de alguma anormalidade em curso, e exames complementares, solicitados para auxiliar na inves gação diagnósca. Tabela 1 - Principais complicações pós-operatórias Complicações cirúrgicas Ferida operatória
Hematoma, seroma, deiscência, infecção de ferida operatória.
Anastomoses
Deiscência e f stula.
Intracavitárias
Sangramentos (hemoperitônio, hemotórax, hematomas cervicais), síndrome comparmental abdominal.
Os custos financeiros das complicações cirúrgicas são incalculáveis, e sua presença não implica apenas a despesa hospitalar, mas também custos indiretos, como restrições na capacidade de trabalho, ruptura do equilíbrio familiar normal e estresse não esperado para empregadores e para a sociedade em geral (aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença). Além disso, há os custos f sico e psicológico das sequelas e do processo de reabilitação. A prevenção das complicações começa no pré-operatório com a avaliação detalhada do histórico do paciente e de seus fatores de risco cirúrgico. Possibilitar melhora clínica no pré-operatório é uma estratégia que traz bons resultados na prevenção de complicações futuras. Por exemplo, o abandono do tabagismo por 6 semanas antes da cirurgia diminui a incidência de complicações pulmonares no pós-operatório de 5 a 10%. A perda de peso diminui a pressão intra-abdominal, o risco de complicações da ferida e de problemas respiratórios no período de recuperação operatória. O cirurgião deve orientar seu paciente em todas as questões envolvidas no pós-operatório, e há a necessidade de cooperação dos familiares no auxílio ao indivíduo nessa fase de convalescença. Logo na manhã posterior à cirurgia, ele deve ser encorajado a sentar-se, tossir, fazer movimentos inspiratórios profundos e caminhar, se possível. A posição ortostá ca
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CIRURGIA GERAL permite a expansão dos segmentos basais pulmonares, e a deambulação aumenta a circulação das extremidades inferiores e diminui o risco de tromboembolismo venoso. Em severamente doentes, a con nua monitorização da pressão arterial e do débito cardíaco é capaz de iden ficar e promover a correção de anormalidades iniciais antes de evoluírem para situações clínico-cirúrgicas crí cas.
2. Febre A febre pós-operatória é produzida em resposta tanto a processos infecciosos quanto a não infecciosos. A prevalência da febre nesse período acomete até 40% dos casos. Mínimas elevações de temperatura corporal no pós-operatório de 1°C acima do normal ou durante mais de 2 dias devem ser consideradas signi ficavas, devendo-se realizar estudos diagnóscos para determinar a e ologia.
em submetdos a cirurgias de urgência, portadores de doenças crônicas preexistentes e idosos, pela baixa reserva orgânica, aumento do volume residual pulmonar e espaço morto.
A - Insuficiência respiratória aguda É definida como qualquer comprome mento na liberação, transporte ou uso de oxigênio, ou eliminação de CO 2, e que não é restrito à doença pulmonar. Processos patológicos que di ficultam o transporte de oxigênio como baixo débito cardíaco (por exemplo, choque cardiogênico) ou diminuem o uso celular efe vo de oxigênio (sepse) são causas potenciais de insu ficiência respiratória aguda (Figura 1).
Tabela 2 - Principais causas de febre no pós-operatório 24h
Atelectasia pulmonar.
Tosse, dispneia, alteração da ausculta pulmonar.
48h
Flebite.
Dor, eritema e endurecimento no trajeto venoso superficial.
72h
Infecção urinária.
Disúria, hematúria ou alteração do aspecto da urina em pacientes sondados.
Infecção Até o 5º de ferida dia operatória. Após o 7º dia
Coleção intracavitária, f stula.
Dor, hiperemia e saída de secreção purulenta pela ferida operatória. Taquicardia, distensão abdominal, íleo prolongado, exteriorização de conteúdo entérico ou purulento.
As e ologias de febre no pós-operatório costumam seguir uma sequência de aparecimento (Tabela 2). A febre nas primeiras 12 horas, geralmente produzida por alterações metabólicas ou endócrinas (crise reoidiana, insuficiência adrenocorcal), hipotensão prolongada com perfusão tecidual periférica inadequada ou reação transfusional, pode resolver-se espontaneamente. Nas primeiras 24 a 48 horas, a causa mais comum de febre são as atelectasias pulmonares. Flebites são a causa mais comum até o 3º dia, e infecções do trato urinário, até o 5º dia. Infecções de ferida costumam manifestar-se na 1ª semana. Febres após o 7º dia pós-operatório devem alertar para a presença de coleções intracavitárias.
3. Complicações respiratórias São as mais comuns nos procedimentos cirúrgicos e a 2ª causa mais comum de morte no pós-operatório de pacientes com mais de 60 anos. Os submetdos a cirurgias torácicas e do abdome superior são partcularmente candidatos a esses eventos. A incidência é baixa após cirurgias pélvicas e ainda menor em operações das extremidades corporais. Riscos aumentados também são identficados
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Figura 1 - Edema pulmonar por insu fi ciência cardíaca
B - Atelectasia A atelectasia é a mais comum das complicações pulmonares pós-operatórias e afeta 25% dos subme dos a cirurgias abdominais. É mais frequente em idosos, obesos e aqueles que fumam ou tenham sintomas de doença pulmonar prévia, nas primeiras 48 horas após a cirurgia; e é responsável por mais de 90% dos episódios febris durante esse período de convalescença. Na maioria das vezes, é autolimitada, porém áreas pulmonares atelectásicas por mais de 72 horas podem promover a formação de pneumonia. Costuma manifestar-se por febre, taquipneia e taquicardia, além de tosse produ va e com rolhas associadas à diminuição de murmúrios pulmonares. O raio x simples de tórax confirma o diagnósco (Figura 2). A atelectasia pós-operatória pode ser prevenida com exercícios respiratórios, deambulação precoce, uso do espirômetro e encora jando a tosse. Em casos extremos, a broncoscopia pode ser ulizada para toillete brônquica adequada.
COMPLICAÇÕES PÓS- OPERATÓRIAS
Figura 2 - Atelectasia pulmonar: (A) no lobo inferior esquerdo (pró ximo à silhueta cardíaca) e (B) no lobo superior direito
C - Aspiração pulmonar A aspiração de conteúdos da boca e do estômago é mais comum em pacientes sedados ou com outras causas de rebaixamento do nível de consciência. A inserção de sondas nasogástrica e endotraqueal e a depressão do sistema nervoso central por drogas interferem nos mecanismos de proteção do organismo e predispõem à aspiração. Outros fatores, como refluxo gastroesofágico, alimento no estômago ou posição do paciente aumentam esses riscos (Figura 3).
mente bem tolerada, mas pode evoluir para a formação de abscesso pulmonar. Os segmentos basais são mais afetados, apesar de os quadros de aspiração maciça serem mais comuns no lobo superior direito. Clinicamente, taquipneia e hipóxia estão presentes por horas. A manifestação de cianose, síncope e apneia é menos frequente. Nas aspirações maciças, a hipovolemia pode estar presente pela perda de fluidos para o pulmão, a qual determinará a evolução para choque e hipotensão. É possível evitar a aspiração com medidas preven vas, como jejum adequado na véspera da cirurgia, posicionamento adequado do doente na mesa cirúrgica e no leito, além de cuidados durante a intubação endotraqueal. O tratamento da aspiração envolve a manutenção de uma via aérea livre e previne novos riscos de aspiração e de lesão pulmonar. A aspiração através do tubo endotraqueal es mula a tosse e facilita a eliminação do conteúdo dos brônquios. A broncoscopia pode ser empregada para a re rada de corpo estranho alojado na via aérea. A expansão volêmica intravenosa reverte a hipotensão que pode ocorrer nos quadros maciços. E an biócos devem ser empregados nas situações de aspiração de grande volume ou na presença de repercussão clínica desfavorável.
D - Pneumonia pós-operatória
Figura 3 - Pneumonite aspira t va
Cerca de 2/3 dos casos de aspiração acontecem após cirurgias torácicas e abdominais, e, desses pacientes, metade desenvolve pneumonia. A taxa de mortalidade para aspiração maciça pulmonar e subsequente pneumonia gira em torno de 50%. O grau de lesão pulmonar produzida pela aspiração do fluido gástrico (síndrome de Mendelson) é determinado pelo volume do aspirado, seu pH, e a frequência do evento. Se o aspirado apresenta um pH de 2,5 ou menos, causa imediata pneumonite química, a qual resulta em edema local e in flamação, situações que favorecem a infecção secundária. A aspiração de material sólido resulta em obstrução aérea. Obstrução de segmentos distais do pulmão é inicial-
A pneumonia é a complicação pulmonar que mais comumente pode determinar a morte do paciente cirúrgico. Ela é diretamente responsável pela morte ou um fator contribuinte em mais da metade dos casos de infecção pulmonar. Pacientes com peritonite bacteriana no pós-operatório, longos períodos em ven lação mecânica para suporte de vida, atelectasias, aspirações e secreções aumentadas nas vias aéreas são importantes fatores de risco para o desenvolvimento de pneumonias. Mais da metade das infecções é causada por bacilos Gram nega vos. As defesas do hospedeiro incluem o re flexo da tosse, o sistema mucociliar e a a vidade das células dos macrófagos. Após a cirurgia, o mecanismo de tosse está enfraquecido, não sendo e ficiente para a limpeza da árvore brônquica. O sistema mucociliar apresenta-se dani ficado pela intubação endotraqueal, e a habilidade dos macrófagos alveolares está compromeda por inúmeros fatores que podem estar presentes, como oxigenação, edema pulmonar, aspiração, corcoterapia etc. Para completar, a perda dos movimentos ciliares predispõe a colonização bacteriana e a posterior infecção. As manifestações clínicas da pneumonia pós-operatória são febre, taquipneia e aumento das secreções, e o exame f sico confirma a consolidação pulmonar (macicez, broncofonia aumentada, pectorilóquia). Um raio x do tórax mostra a imagem de consolidação do parênquima (Figura 4). A mortalidade geral da pneumonia pós-operatória gira em torno de 20 a 40%. As taxas são maiores se a pneumonia se desenvolve nos subme dos à cirurgia de urgência.
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CIRURGIA GERAL
Figura 4 - Pneumonia no lobo médio do pulmão direito: (A) observar a área de condensação (setas) com presença de broncogramas aéreos na incidência anteroposterior e (B) incidência de per fi l
Alterações eletrocardiográficas associadas à embolia pulmonar não são diagnóscas e incluem as inversões de onda T e alterações inespecí ficas do segmento ST. Nas embolias pulmonares mais graves, o ECG pode estar associado a um padrão S1Q3T3, bloqueio do ramo direito ou desvio do eixo à direita. Os achados radiológicos tendem a ser inespecí ficos, mas, algumas vezes, pode ser observado um defeito em forma de cunha na base da pleura, conhecido como corcova de Hampton, fruto do colabamento alveolar que se segue à interrupção do fluxo pelas artérias pulmonares. Ocasionalmente, quando êmbolos muito grandes obstruem ramos da artéria pulmonar principal, pode haver interrupção abrupta dos ramos vasculares pulmonares no lado afetado, formando uma imagem de vazio, em cunha, conhecida como oligoemia focal de Westermark (Figura 5).
A manutenção da via aérea limpa de secreções já é uma forma de prevenção da pneumonia hospitalar. Exercícios respiratórios, respiração profunda e tosse frequente contribuem para evitar atelectasia, que é um precursor da pneumonia. O uso pro filáco de anbiócos não diminui a incidência de colonização Gram nega va da orofaringe, e o tempo de intubação está diretamente relacionado à ocorrência das pneumonias associadas à venlação.
E - Tromboembolismo pulmonar Qualquer procedimento cirúrgico aumenta o risco de Trombose Venosa Profunda (TVP) e embolia pulmonar. É fundamental recordar a tríade de Virchow, que explica a fisiopatologia de base desses eventos: lesão endotelial, estase venosa e hipercoagulabilidade. Sabidamente, a cirurgia causa lesão endotelial e estase venosa. O sistema venoso ileofemoral representa o local de onde se origina a maioria dos êmbolos pulmonares mais significavos. A gravidade clínica destes é uma função do tamanho do coágulo que se solta do sistema venoso periférico e viaja para a vasculatura pulmonar. Quando a embolia pulmonar é de maior grau, o paciente apresenta sintomas rapidamente progressivos de dispneia, dor torácica (pleuríca, apreensão) e tosse. A embolia maciça está associada à hemopse e síncope, mas é bem menos comum. Os sinais f sicos mais habituais são taquipneia e taquicardia. Em cerca de 1/3 dos casos, observam-se achados consistentes de trombose venosa dos membros inferiores. Entretanto, geralmente os sinais e sintomas associados à embolia pulmonar não são especí ficos e podem sugerir uma gama de problemas clínicos, incluindo infarto do miocárdio, pneumotórax, pneumonia e atelectasia. Quando um paciente se apresenta com dor torácica e dispneia, deve-se realizar uma bateria de exames não especí ficos, incluindo gasometria arterial, eletrocardiograma e raio x do tórax. Esses testes afastarão a possibilidade de outras causas para os sintomas. Qualquer indivíduo com gasometria arterial que apresenta PaO 2 inferior a 70cmH 2O é suspeito para o tromboembolismo.
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Figura 5 - Embolia pulmonar com interrupção da artéria pulmonar esquerda (sinal de Westermark)
Para a elucidação diagnós ca, durante anos usou-se a angiografia como padrão-ouro. Entretanto, tal exame é invasivo, com morbidade signi ficava associada. Por isso, foi desenvolvida a cinlografia de venlação/perfusão. Durante o exame, a fase venlatória era obda inalando-se um marcador (xenônio). Na fase de perfusão, eram u lizadas injeções marcadas de albumina-tecnécio. As imagens eram lidas como alta, intermediária e baixa probabilidades. Os pacientes com alta probabilidade eram tratados com ancoagulação sistêmica. Entretanto, os grupos de baixa probabilidade e intermediários geralmente necessitavam de angiogra fia pulmonar. Com o avanço tecnológico da tomogra fia, que passou a dispor de sistemas com muldetectores e possibilitou a qualidade da angiotomografia, reduzindo o distanciamento entre os cortes e o tempo de aquisição das imagens, passou-se a obter imagens precisas sem abordagem invasiva. É uma técnica nova com rapidez diagnósca, baixa morbidade, sensibilidade de 86% e especificidade de 92%. Raramente, um paciente desenvolve embolia pulmonar maciça, caracterizada por choque, hipóxia grave e, algumas
COMPLICAÇÕES PÓS- OPERATÓRIAS
vezes, cianose. O tratamento imediato inclui a administração de líquidos intravenosos e agentes inotrópicos, e a manutenção de um ritmo cardíaco favorável. Os indivíduos com embolia pulmonar necessitam de máscara facial de pressão para auxiliá-los na oferta basal de oxigênio, e, nos casos graves, pode ser necessária a intubação orotraqueal. Após o diagnósco, a terapia trombolí ca deve ser considerada aos casos em que não haja histórico recente de lesão intracraniana ou grande procedimento abdominal nos úlmos 10 dias. Agentes como a estreptoquinase, uroquinase e avador do plasminogênio tecidual recombinado podem ser considerados. Ainda mais raramente, a embolectomia pulmonar pode ser considerada uma tenta va extremada de salvar a vida do doente. Para aqueles em terapia de ancoagulação e que sofrem grande hemorragia, a instalação de um filtro na veia cava deve ser considerada para prevenir a migração de outros êmbolos para os pulmões.
F - Embolia gordurosa O embolismo gorduroso pode ser originário de causas externas, como transfusão, nutrição parenteral ou transplante de medula óssea. A síndrome do embolismo gorduroso consiste em sintomas neurológicos, insu ficiência respiratória e petéquias nas axilas, no tórax e nos membros superiores proximais. Originalmente, esse quadro foi descrito nas ví mas de trauma e fratura múl pla de ossos longos, e acredita-se que essa síndrome seja resultado de embolia da medula óssea. Há autores que ques onam tal quadro pulmonar pós-trauma. Caracteriscamente, o embolismo gorduroso inicia-se de 12 a 72 horas após o trauma, mas pode apresentar-se semanas mais tarde. O diagnós co é clínico, e o achado de êmbolos gordurosos no escarro e urina é comum após trauma, mas não especí fico. Geralmente, são observadas queda do hematócrito, trombocitopenia e outras alterações na coagulação. Outros sintomas aparecem, e o tratamento de suporte deve ser empregado para promover a ven lação adequada e a monitorização da insu ficiência respiratória para a melhora do quadro psiconeurológico. A insu ficiência respiratória é mais bem controlada com ven lação mecânica assisda com pressão final posiva expiratória e diuré cos. O prognósco está relacionado com o grau de compromemento.
G - Edema pulmonar Esta é uma condição associada ao acúmulo de líquidos nos alvéolos, o que determina redução da troca gasosa, desencadeando hipoxemia. O paciente pode incrementar o esforço respiratório, por meio do aumento da frequência respiratória e do uso elevado de musculatura acessória. O edema é causado pelo aumento da pré ou da pós-carga, com elevação da pressão hidrostá ca no pulmão (insuficiência cardíaca conges va, infarto agudo do miocárdio),
permeabilidade anormal dos capilares pulmonares (choque, sepse, transfusões maciças, bypass cardiopulmonar, “pulmões rígidos”, lesão craniana, queimaduras e inalação de agentes químicos industriais e drogas ilícitas), ou hipervolemia devido à ressuscitação agressivamente excessiva. Lesões pulmonares também determinam o extravasamento dos fluidos para dentro dos alvéolos, desencadeando resposta inflamatória excessiva e formação de maior derrame alveolar. No pós-operatório, as causas mais relacionadas são as iatrogênicas (excesso de fluidos intravenosos), disfunção miocárdica primária e hipertensão arterial não controlada. A infecção generalizada é outro fator de risco para aqueles com baixa reserva cardiopulmonar. O edema agudo de pulmão com hipertensão acontece como o resultado de um aumento agudo da resistência vascular periférica e uma redução da complacência ventricular. A disfunção diastólica aguda é a responsável pela congestão pulmonar que ocorre aos indivíduos com o quadro agudo pulmonar associado à hipertensão. O paciente apresenta-se agudamente dispneico e ortopneico. Taquicardia, cianose, ansiedade e sibilos audíveis são facilmente detectáveis ao exame clínico. Estertores crepitantes associados ao decúbito são audíveis em todos os campos pulmonares. O tratamento é imediato e depende da origem do edema agudo do pulmão, mas, em geral, tem como obje vo uma redução combinada da pré e da pós-carga. Para tanto, são u lizadas drogas como nitritos, diuré cos de alça (furosemida), nitroprussiato de sódio e mor fina.
H - Síndrome do desconforto respiratório agudo A Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) desenvolve-se após trauma ou sepse. Fatores de a vação da coagulação e agentes in flamatórios são liberados na presença de lesões teciduais extensas ou em tecidos corporais infectados, condições que podem surgir no paciente cirúrgico. Tais fatores determinam resposta in flamatória local e generalizada intensa devido à disseminação dos seus elementos pela microcirculação e circulação geral. Esses elementos bioquímicos lesam a parede do endotélio, e o plasma extravasa dentro do inters cio; no caso do pulmão, dentro do alvéolo. O edema pulmonar resultante impede a venlação e a oxigenação. A pressão arterial de oxigênio declina, e a concentração de dióxido de carbono aumenta. Os elementos responsáveis pela resposta in flamatória em cadeia são inúmeros: proteases, bradicininas, fatores do complemento, prostaglandinas, tromboxanas, leucotrienos, enzimas lisossomais e outros mediadores associados a agregados de plaquetas e leucócitos, ou, até mesmo, produtos do endotélio lesado em associação à ação das plaquetas in loco. Todas essas reações bioquímicas teciduais atraem mais plaquetas e leucócitos, fechando-se um ciclo vicioso que perpetua a ação deletéria em graus cada vez maiores. Após a ressuscitação de um paciente com lesão corporal grave ou quadro de infecção visceral ou cavitária, pode surgir a hipoxemia em 24 horas.
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CIRURGIA GERAL Afastadas as outras causas de hipoxemia (falência mecânica muscular, atelectasias, aspiração, embolia e trauma pulmonares), a suspeita incide sobre o desenvolvimento da SDRA. Os pulmões desenvolvem uma resposta in flamatória inespecí fica; monócitos e neutró filos invadem o inters cio. O edema aparece dentro de poucas horas, líquidos alveolares surgem dentro das 24 horas iniciais, e a cicatrização local se desenvolverá em 1 semana (Figura 6). Se o processo não é debelado, os pulmões tornam-se maciços e ingurgitados, sendo di f cil a venlação, processo chamado de hepazação pulmonar. Quando o processo cicatricial entra em ação, a fibrose começa a se desenvolver em 2 semanas. Se tratado prontamente, desde o início da resposta in flamatória, há a total regressão das alterações teciduais, impedindo a formação da cicatrização tecidual.
Pequenos Derrames Pleurais (DP) são comuns em cirurgias de andar superior do abdome e na maioria das vezes são reabsorvidos. Na ausência de insu ficiência cardíaca ou lesão pulmonar, o aparecimento de DP em grande quan dade ou no pós-operatório tardio deve alertar para a possibilidade de abscessos intracavitários ou até mesmo pancreate (DP à esquerda). O tratamento consiste em tratar a condição de base que levou à formação do derrame e na toracocentese aliviadora. Uma amostra do material aspirado deve ser enviada para avaliação bioquímica e bacterioscopia.
Figura 6 - SDRA: a di fi culdade em enxergar os campos pleuropulmonares se dá pelo edema e pelo líquido no interior dos alvéolos
4. Complicações da ferida operatória
Um consenso recente iden ficou a lesão pulmonar traumáca e a SDRA como 2 níveis diferentes de insu ficiência respiratória secundários ao trauma. Em contraste com o edema pulmonar, que está associado ao aumento da pressão encunhada e das pressões do lado direito do coração, a lesão traumáca do pulmão e a SDRA estão associadas a uma hipo-oxigenação causada por uma resposta in flamatória patológica, que leva ao acúmulo de líquido nos alvéolos, bem como ao espessamento no espaço entre os capilares e os alvéolos.
A - Hematoma
I - Derrame pleural
Figura 7 - Derrame pleural: (A) aspecto radiológico de derrame pleural volumoso à esquerda e (B) aspecto tomográ fi co de derrame laminar à direita
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J - Pneumotórax As principais causas de pneumotórax no pós-operatório são barotrauma (especialmente nos doentes em ven lação mecânica sob pressão) e punção iatrogênica durante acesso venoso central. Outras causas mais raras são lesões traqueobrônquicas (cirurgias torácicas e de esôfago), após traqueostomia, lesões de diafragma que passam despercebidas e manipulação do hiato diafragmá co. Quando não há DP associado, o tratamento pode ser feito com drenagem pelo sistema de válvula de Heimlich com dreno po pig tail . Na impossibilidade de excluir na DP ou quando há chance de contaminação do espaço pleural, realiza-se a drenagem pleural com dreno em selo d’água.
O hematoma da ferida operatória, uma coleção de sangue dentro da ferida fechada, é uma das complicações mais comuns, causada, principalmente, por hemostasia local não adequada. Pacientes usuários de aspirina ou baixas doses de heparina apresentam risco rela vo aumentado para desenvolver essas complicações. O risco é mais alto naqueles que recebem doses sistêmicas de an coagulação ou nos portadores de coagulopaa. Tosse persistente ou crises de hipertensão no pós-operatório podem contribuir para a formação de hematomas na ferida. Os hematomas determinam a elevação com coloração da ferida, afastamento de suas bordas, desconforto e secreção local. O sangue pode ser expelido espontaneamente da ferida, sendo necessária a reintervenção quando o sangramento surge precocemente. Hematomas cervicais, após reoidectomia ou cirurgias da caró da, são perigosos porque podem expandir rapidamente e comprimir as vias aéreas. Os pequenos hematomas podem ser reabsorvidos, mas aumentam o risco de infecção da ferida operatória. O tratamento consiste em evacuação dos coágulos sobre condições estéreis, ligadura dos vasos e fechamento primário da ferida (Figura 8A).
COMPLICAÇÕES PÓS- OPERATÓRIAS
Figura 8 - (A) Paciente no pós-operatório de dermolipectomia abdominal, realizando evacuação de hematoma e (B) seroma por ori f cio prévio de dreno. Na 1ª Figura, há predomínio do hematoma. O material mais fl uido observado na 2ª Figura é predominantemente seroma
B - Seroma O seroma resulta do acúmulo da gordura e linfa liquefeitas e frequentemente acompanha operações que envolvem a elevação de retalhos, grandes descolamentos e transecção de inúmeros canais linfá cos. Sua presença faz aumentar o risco de infecção da ferida operatória. Aqueles localizados abaixo da pele podem ser evacuados por aspiração com agulha em condições estéreis ou, eventualmente, até serem conduzidos com observação seriada. Nas cirurgias oncológicas em que há a necessidade de linfadenectomia regional, o seroma é frequente, e o uso de dreno a vácuo é mandatório no pós-operatório. Mesmo após a rerada do dreno, existe o risco de seroma. Se ocorrer o vazamento con nuo de fluidos na ferida, será necessária a ligadura dos vasos linfá cos para o controle local (em ambiente estéril do centro cirúrgico sob anestesia geral).
C - Deiscência de ferida operatória A deiscência pode ser total ou parcial de qualquer camada da ferida. A ruptura de todas as camadas da parede abdominal e a extrusão de vísceras abdominais é chamada evisceração. Vários fatores causais, sistêmicos ou locais, estão envolvidos.
a) Fatores sistêmicos A deiscência é rara em pacientes com faixa etária abaixo de 30 anos, mas pode afetar 5% dos pacientes acima de 60 anos submedos à laparotomia. É mais comum em pessoas com algum po de imunodepressão, como diabetes mellitus, uso de corcosteroides, químio e/ou radioterapia e sepse. Outras condições que podem estar associadas a deiscências são uremia, DPOC, icterícia, tabagismo, hipoalbuminemia, obesidade mórbida ou desnutrição severa. O controle pré-operatório dessas condições é imprescindível para melhores resultados cirúrgicos. b) Fatores de risco locais Os 3 fatores de risco mais importantes são técnica cirúrgica inadequada, aumento da pressão intra-abdominal e deficiência na cicatrização. A deiscência comumente resulta de uma combinação desses fatores e não apenas de um deles.
As principais causas de aumento da pressão intra-abdominal são: obesidade, distensão de alças por íleo paralí co (ou por obstrução intes nal), ascite ou tosse, e síndrome comparmental abdominal. A infecção cirúrgica é um fator associado a mais da metade das feridas deiscentes e, para o seu desenvolvimento, necessita de, pelo menos, 1 entre 3 fatores: número adequado de bactérias patogênicas, mecanismos de defesa inadequados do hospedeiro e um ambiente tecidual capaz de manter a propagação con nuada das bactérias. É importante considerar tais fatores de risco para minimizar a sua prevalência, permi r o diagnósco precoce e promover intervenção efe va.
c) Diagnóstco e tratamento Embora a deiscência seja possível em qualquer período do pós-operatório, é mais comum entre o 5º e o 8º dias. A deiscência de ferida pode ser a 1ª manifestação de abscesso intra-abdominal. O sinal mais precoce de deiscência da aponeurose é a descarga de secreção serossanguínea da ferida. Os pacientes com ascite são de risco para a perda de fluidos pela ferida operatória. O não tratamento do vazamento de fluidos na parede abdominal faz aumentar o risco de infecção da ferida e/ou da parede abdominal e, por disseminação retrógrada, ocorrer a contaminação da cavidade e peritonite. Uma medida preven va compreende o fechamento de uma das camadas com sutura con nua e das demais, de modo que não haja espaços entre os planos da parede abdominal. A evisceração é uma condição grave com alta morbimortalidade, e o paciente deve ser prontamente atendido, com cobertura das alças com compressas úmidas e mornas, iniciando-se cobertura an bióca imediata seguida de transferência para o centro cirúrgico e, sob anestesia geral, realização de inventário de toda a cavidade abdominal, lavagem exausva com fluidos aquecidos, desbridamento de tecidos desvitalizados e preparação de nova sutura com fios inabsorvíveis e de espessura maior. A taxa de mortalidade da evisceração gira em torno de 10% e é mais frequente quando existem fatores de risco como câncer ou sepse associados, os quais contribuem para a infecção local. A recorrência da evisceração após reparação cirúrgica é rara, embora as hérnias incisionais reapareçam em 20% dos casos. A deiscência de ferida sem evisceração é mais bem controlada com o fechamento dessa ferida. Se há rompimento parcial (eventração), o indivíduo está estável e possui baixo risco anestésico-cirúrgico, o tratamento pode ser adiado, e a hérnia incisional é tratada de forma ele va. Se o paciente é de alto risco operatório, não se indica reparação, e a hérnia incisional deve ser observada e cuidada de forma a ser aceita pelo paciente. No pós-operatório dos casos de reparação cirúrgica, todos os cuidados devem ser tomados a fim de evitar a recidiva da deiscência. Enfaixamento abdominal e adiamento da re rada dos pontos de pele são as medidas empregadas. Se há infecção da ferida, deve ser realizada coleta da secreção para cultura e an biograma, o tratamen-
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CIRURGIA GERAL to empírico com an biócos é logo iniciado, e, quando os resultados das culturas estão disponíveis, procede-se à adequação da anbiocoterapia. As feridas operatórias torácicas são menos propensas às deiscências, exceto as feridas de esterno. Quando uma ferida de toracotomia se rompe, há a saída de fluidos pleurais, ar e movimento paradoxal da caixa torácica. As deiscências do esterno, muito associadas à infecção óssea, produzem um tórax instável e requerem tratamento urgente. Se a infecção não es ver disseminada e o esterno apresentar osteomielite mínima, o paciente poderá ser encaminhado ao centro cirúrgico para reparo.
D - Infecção de ferida Febre que aparece após o 4º dia de pós-operatório é comumente causada por infecção de ferida, devido a germes entéricos ou a esta filococos. A localização da ferida operatória é importante por ser mais ou menos susce vel à infecção local. As feridas da cabeça e do pescoço raramente se infectam devido ao seu excelente suprimento sanguíneo e à rápida cicatrização. Os fatores de risco para infecção da ferida operatória são semelhantes aos envolvidos nas deiscências de suturas. Os cuidados de assepsia e an ssepsia do paciente e equipe cirúrgica também estão diretamente relacionados às complicações infecciosas. A manifestação clínico-cirúrgica da infecção de ferida é, na maioria das vezes, assinalada por elevações diárias da temperatura (padrão apiculado) semelhantes às de um abscesso. O paciente pode apresentar taquicardia, calafrios, mal-estar e leucocitose. A inspeção cuidadosa da ferida revela sensibilidade acentuada e celulite peri-incisional. Nas infecções estafilocócicas, há vermelhidão mais evidente, edema, temperatura cutânea elevada, e, frequentemente, podem ser palpadas áreas de flutuação. Caso o paciente esteja recebendo an biocoterapia por outro mo vo, pode exisr infecção dentro da ferida sem muitas das caracteríscas de inflamação aguda. A coloração pelo Gram e culturas do material encontrado dentro da ferida levarão à iden ficação do micro-organismo especí fico responsável. O 1º passo para o tratamento das infecções de feridas é a drenagem adequada, as quais requerem ampla abertura. Após essa drenagem, são usadas soluções anssépcas e a lavagem com soluções salinas, evitando o crescimento bacteriano na ferida e promovendo a formação do tecido de granulação em área limpa. An biócos sistêmicos são ulizados quando há evidências de piora progressiva local e sintomas clínicos gerais (febre, adinamia, bacteremia, toxemia). A cultura das secreções auxilia na escolha mais correta dos anbiócos, mas, em geral, u lizam-se as medicações de forma empírica. Deve-se tomar cuidado com os diabécos que podem apresentar evolução rápida da infecção e toxemia grave. Feridas perineais nestes úl mos merecem a vigilância constante de sua evolução, pelo risco de evoluírem para síndrome de Fournier.
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5. Deiscências anastomótcas A deiscência de uma anastomose entre 2 órgãos ocos é uma das complicações mais sérias que um cirurgião pode encontrar. O extravasamento de líquidos carregados de bactérias leva à formação de abscessos locais, f stulas, ruptura da anastomose, deiscência da parede abdominal, sepse e até morte. Para evitar uma deiscência anastomó ca, devem ser observados alguns itens. O órgão a ser tratado deve ter suprimento sanguíneo adequado até a borda da anastomose, e a sutura deve ser livre de tensão e com técnica adequada. A largura dos lúmens dos órgãos a serem conectados deve ser igual e ob da por meio de uma variedade de técnicas. Certas anastomoses são parcularmente dif ceis sob o ponto de vista técnico, logo mais propensas a uma deiscência anastomóca. Uma pancreatojejunostomia, após um procedimento de Whipple, apresenta índice de deiscência de 15 a 20%. Como o lúmen do intes no delgado é manipulado para acomodar o tamanho do pâncreas, pode ser feita uma anastomose não muito segura. Similarmente, como o esôfago não possui serosa, as esofagoenterostomias apresentam risco aumentado e devem ser feitas com muito cuidado. Anastomoses colorretais baixas são tecnicamente dif ceis, assim, deve-se considerar a confecção de ostomia de proteção. O 1º sinal da deiscência anastomó ca é a taquicardia. Habitualmente há febre, dor abdominal, mal-estar, íleo paralí co, recusa alimentar ou vômitos pós-prandiais e uma incapacidade geral de se recuperar. Exames de imagens podem ser empregados na tenta va inicial de fechar o diagnósco suspeito. O diagnós co deve ser considerado na presença de grandes coleções de líquido, níveis hidroaéreos em uma cavidade com abscesso, grande quan dade de líquido livre na cavidade peritoneal ou grande quan dade de ar livre (pneumoperitônio). O tratamento dependerá de cada caso. Nas situações em que a deiscência é pequena, com uma f stula controlada, pode ser u lizado o tratamento conservador até que cesse a drenagem do líquido. Se o paciente não está sép co, deve-se mantê-lo em jejum e ins tuir nutrição parenteral. Se a deiscência anastomó ca ocorreu nos cólons, deve ser realizada uma colostomia e criada uma f stula mucosa em uma zona anterior à ostomia. Nas f stulas biliares, coloca-se um dreno local para dirigi-la. Se ocorrer grande perda de material, estará indicada cirurgia para reconstrução e drenagem.
6. Complicações urológicas A - Infecção pós-operatória do trato urinário Os pacientes portadores de obstrução urinária e que apresentam dilatação do sistema pielocalicial devem ser submedos à passagem de cateter uretral para alívio do
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regime de hipertensão (cateter duplo J). Estes apresentam risco de infecção urinária, e, se con firmada a sua presença, o cateter deve ser re rado. Contaminação preexistente do trato urinário, retenção urinária e instrumentação local sã o os outros fatores contribuintes para o desenvolvimento do quadro infeccioso. Os germes mais comuns envolvidos são as bactérias entéricas Gram negavas. O local de infecção é, geralmente, a bexiga (cis te). Não raro, a infecção ascende para o trato urinário superior (pielite e pielonefrite). Em qualquer indivíduo com febre pós-operatória que se submeteu à cirurgia geniturinária ou na qual se introduziu cateter uretral, deve-se suspeitar de infecção do trato urinário. Bacteriúria está presente em, aproximadamente, 5% dos subme dos à cateterização vesical de curta duração (<48 horas). Os sintomas da infecção urinária incluem disúria, calafrios, aumento da frequência da micção e dor que se localiza sobre a área de infecção. Uma amostra de urina pode detectar bactérias e leucócitos.
B - Retenção e incontnência Pode ocorrer retenção transitória após bloqueios regionais como raquianestesia, que regridem conforme termina o efeito da anestesia. Caso o paciente venha a desenvolver bexigoma palpável e desconforto nesse período, a sondagem vesical de alívio costuma ser resolu va. Também podem ocorrer retenções mais prolongadas em cirurgias ginecológicas cuja manipulação pélvica altera a inervação vesical. Os pacientes, muitas vezes, necessitarão de técnicas como cateterismo intermitente e fisioterapia pélvica. É importante, porém, excluir causas mecânicas de obstrução do fluxo urinário antes de con firmar um diagnósco de retenção urinária de origem neurogênica. A inconnência acontece principalmente em cirurgias urológicas e pélvicas, seja por alteração da inervação, seja por intervenções locais como a confecção neouretral pós-prostatectomia. O tratamento pode incluir desde medicações, fisioterapia e até novas cirurgias.
7. Complicações cardíacas Podem ser autolimitadas e de controle adequado, contudo sua incidência diminui caso sejam adotadas medidas terapêu cas prévias. Dessa forma, o cirurgião, tendo conhecimento de que seu paciente é portador de doença cardíaca, deve solicitar exames complementares, como eletrocardiograma e ecocardiograma bidimensional com Doppler de fluxo, para uma avaliação global da função ventricular. A anestesia geral deprime o miocárdio. Alguns anestésicos predispõem às arritmias por sensibilizar o miocárdio às catecolaminas. A monitorização cardíaca e as medidas de pressão arterial detectam as arritmias e a hipotensão precocemente. Entre aqueles de alto risco cardiológico, a anestesia geral pode ser mais segura do que o bloqueio medular, mesmo para procedimentos abaixo do umbigo, por
não induzirem à vasodilatação comumente encontrada nos bloqueios. A duração e a urgência da cirurgia, assim como a perda de controle do sangramento com hipotensão, têm sido diretamente correlacionadas a sérias complicações cardíacas. Entre os portadores de marca-passo, a corrente do eletrocautério pode interferir na função do aparelho eletroes mulador. Complicações cirúrgicas não cardiológicas podem afetar o desempenho cardíaco, determinando aumento na demanda em pacientes com reserva diminuída. Sep cemia, má perfusão e hipoxemia são fatores de risco para complicações cardiológicas. Excessos de fluidos podem produzir falência ventricular esquerda. E os pacientes com doença coronariana, arritmias ou insu ficiência cardíaca devem ser monitorizados na unidade de terapia intensiva.
A - Arritmias cardíacas Podem ser perigosas quando causam redução do débito cardíaco e da pressão sanguínea arterial, ou interferem na perfusão de órgãos vitais. A maioria das arritmias aparece durante a cirurgia ou dentro dos primeiros 3 dias de pós-operatório. Elas são especialmente comuns nos procedimentos intratorácicos. Todos os fatores deflagradores para arritmias cardíacas poderão estar presentes durante o procedimento anestésico-cirúrgico. É um risco a todos os pacientes e depende dos cuidados pré-operatórios, da resposta neuroendócrina durante o trauma cirúrgico, das condições clínico-cirúrgicas encontradas antes, durante e após o ato operatório, além da técnica cirúrgica empregada. A incidência global de arritmias intraoperatórias é de 20%, e a maioria é autolimitada. A incidência é maior entre os portadores de arritmias e os pacientes que apresentam doenças cardíacas (35%). Somente 1/3 das arritmias ocorre durante a indução anestésica. Esse po pode ser causado por gases anestésicos, como o halotano ou o ciclopropano, ou por drogas simpa comimécas. A toxicidade digitálica e a hipercapnia são outras causas que devem ser lembradas. Nas arritmias, no período pós-operatório, deve-se avaliar se as causas são decorrentes de hipopotassemia, hipoxemia, alcalose, toxicidade digitálica ou estresse durante cirurgias de emergências. Ocasionalmente, arritmias no pós-operatório podem ser a manifestação de isquemia do miocárdio. A maioria das arritmias é assintomá ca, mas pode haver sintomas como dor torácica, palpitações ou dispneia.
B - Infarto do miocárdio pós-operatório Aproximadamente, 0,4% de todos os subme dos à cirurgia desenvolvem Infarto Agudo do Miocárdio (IAM). A incidência aumenta para 5 a 12% nos subme dos a cirurgias vasculares (por exemplo, enxerto aór co, endarterectomia de caródas). Outros fatores de risco importantes incluem a presença de insuficiência cardíaca no pré-operatório, isquemia idenficada na cinlografia cardíaca (dipiridamol-
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CIRURGIA GERAL -tálio) ou teste ergométrico, idade maior de 70 anos. Em portadores de angina, deve ser considerada a revascularização miocárdica antes do procedimento cirúrgico ele vo em outro órgão. O IAM pode ser precipitado por fatores como hipotensão ou hipóxia. As manifestações clínicas são dores torácicas, hipotensão e arritmias cardíacas. Cerca de 1/3 dos episódios de IAM, entretanto, é assintomá co. A ausência de sintomas deve-se a efeitos residuais da anestesia e à administração de analgésicos no pós-operatório; além disso, deve-se lembrar que os diabé cos têm maior incidência de infartos silenciosos. O diagnós co é obdo com 2 de 3 parâmetros alterados: eletrocardiograma, enzimas cardíacas e/ou dor pica. O exame eletrocardiográ fico demonstrará as alterações nas ondas de despolarização, com sinais de isquemia miocárdica (“corrente de lesão”). E ainda, elevação dos níveis de crea naquinase (CPK) – especialmente a fração MB – e níveis elevados da isoenzima da troponina. A taxa de mortalidade do IAM no pós-operatório é muito alta entre os grupos de alto risco (67%). O prognós co é melhor se esse é o 1º episódio de IAM, e pior se já exis u IAM prévio. A prevenção dessa complicação inclui adiamento da cirurgia por 3 meses ou, se possível, 6 meses após o evento isquêmico; tratamento da insu ficiência cardíaca congesva e controle da hipertensão arterial. A insu ficiência cardíaca congesva deve ser tratada com digitálicos, diurécos e vasodilatadores, se necessário. Os pacientes que desenvolveram IAM no pós-operatório devem ser monitorizados em unidade de terapia intensiva com adequado suporte de oxigênio e hidratação com fluidos e eletrólitos adequados. An coagulação, embora não seja possível após a cirurgia realizada, previne o desenvolvimento de trombose mural e embolismo arterial após o IAM.
C - Falência cardíaca A falência ventricular esquerda e o edema pulmonar acometem 4% dos pacientes acima dos 40 anos subme dos a procedimentos cirúrgicos com anestesia geral. Excesso de fluidos intravenosos naqueles com limitação da reserva miocárdica é a maior causa. O IAM pós-operatório e as arritmias cardíacas produzem maior pressão intraventricular e aumento do débito cardíaco. As manifestações clínicas são dispneia progressiva, hipoxemia com tensão normal de gás carbônico e congestão difusa dos pulmões no raio x. O tratamento da falência ventricular esquerda depende do estado hemodinâmico. Aqueles em choque circulatório requerem cuidados de UTI, passagem de um cateter na artéria pulmonar (Swan-Ganz) e redução da pré e da pós-carga. A redução desta é ob da por diurécos (e nitroglicerina, se necessário); a da pré-carga, pela administração de nitroprussiato de sódio. Os pacientes que não estão em choque circulatório, entretanto, podem u lizar digitálicos. A rápida digitalização (por exemplo, doses fracionadas de um total de 1 a 1,5mg em 24 horas, com monitorização dos níveis de
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potássio), a restrição hídrica e o es mulo diuréco podem ser suficientes nesses casos. A insu ficiência respiratória implica suporte ven latório invasivo (intubação endotraqueal) e venlação mecânica assisda controlada.
8. Complicações intracavitárias A - Hemoperitônio O sangramento é a maior causa de choque circulatório nas primeiras 24 horas de uma cirurgia abdominal. O hemoperitônio pós-operatório – uma condição aguda e de rápida evolução – é geralmente resultado de problemas técnicos de hemostasia, mas coagulopaas podem estar envolvidas. Nesses casos, o sangramento tende a ser generalizado, ocorrendo na ferida operatória, punções venosas, vias aéreas etc. O hemoperitônio, geralmente, torna-se aparente dentro de 24 horas após a cirurgia. Sua manifestação é semelhante à hipovolemia: taquicardia, queda de pressão arterial, queda do débito urinário e vasoconstrição periférica. Se o sangramento persiste, podem surgir febre e dor abdominal mais intensa. Mudanças no hematócrito não são geralmente evidentes nas 4 a 6 horas iniciais do quadro hemorrágico intra-abdominal, tendo valor diagnós co limitado. A manifestação clínica pode ser súbita, e o diagnós co, superesmado. O diagnósco diferencial de choque circulatório pós-operatório também inclui tromboembolismo pulmonar, arritmias cardíacas, pneumotórax, IAM e reações alérgicas severas. Expansão volêmica deve ser administrada tão logo seja possível, enquanto se inicia a inves gação diagnósca. Se a hipotensão ou outros sinais de hipovolemia persisrem, deve ser realizada reoperação. Durante a cirurgia, sangramentos são controlados, coágulos re rados, e a cavidade peritoneal, lavada com solução salina. Cirurgias pancreácas podem determinar corrosão da parede dos vasos por suco pancreá co que extravasa. Nelas, o hemoperitônio maciço e catastró fico pode acontecer já com alguns dias de pós-operatório, geralmente por sangramento da artéria esplênica.
B - Síndrome compartmental abdominal Define-se hipertensão intra-abdominal a elevação persistente ou intermitente da Pressão Intra-Abdominal (PIA) acima de 12mmHg (normal: 5 a 7mmHg). Síndrome Comparmental Abdominal (SCA) é de finida pela elevação persistente da PIA acima de 20mmHg, associada à falência orgânica não presente previamente. São fatores predisponentes para o aumento da PIA: choque hemorrágico, infusões maciças de cristaloide, politransfusão e grandes sangramentos intra-abdominais. Pacientes que apresentam esses fatores de risco, associados a repercussões sistêmicas, devem ser inves gados quanto à possibilidade de síndrome compar mental abdominal. Apesar de indireto, o método diagnós co mais empregado é a aferição da pressão intravesical (Figura 9).
COMPLICAÇÕES PÓS- OPERATÓRIAS
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Figura 9 - Aparelhagem para medição da pressão intra-abdominal
A graduação e o tratamento dependerão desse valor (Figura 10). Valores entre 12 e 20mmHg permitem uma reavaliação volêmica e o mização hemodinâmica. Valores entre 21 e 25mmHg associados à repercussão sistêmica grave, ou pressão acima de 25mmHg, são indicações de laparostomia descompressiva.
Figura 10 - Diagnóst co e tratamento da SCA
9. Complicações gastrintestnais A - Distúrbios da motlidade O peristalsmo gastrintesnal retorna em 24 horas após procedimentos que não invadam a cavidade abdominal, na maioria dos casos. Em geral, a cirurgia videolaparoscópica determina menor grau de íleo adinâmico do que a cirurgia aberta.
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CIRURGIA GERAL Após a laparotomia, o peristal smo gástrico retorna em 48 horas. A avidade colônica retorna após 48 horas, iniciando no ceco e, progressivamente, em direção caudal. A mo lidade do delgado é pouco afetada, exceto para os casos de ressecção segmentar deste, anastomoses e casos de obstrução intesnal. Vários fatores pioram o íleo pós-operatório ou prolongam o seu curso. Estes incluem medicações – especialmente opioides –, níveis anormais de eletrólitos, condições inflamatórias como pancreate ou peritonite e dor. A presença de íleo adinâmico determina distensão abdominal e ausência de sons intesnais. O retorno fisiológico do peristalsmo se manifesta com cólicas abdominais, eliminação de flatos e retorno do apete. Não há uma terapia especí fica para o íleo adinâmico, a não ser a descompressão gástrica por SNG e hidratação venosa. A obstrução intesnal pós-operatória resulta da falência da função intesnal determinada pelo íleo adinâmico persistente ou obstrução mecânica. Esta é a manifestação mais tardia e menos comum no período pós-operatório imediato e resulta de aderências ou da formação de hérnias internas. A maioria dos pacientes apresenta um período de melhora com funções fisiológicas normais antes de manifestar a obstrução mecânica. Aproximadamente, metade dos casos de obstrução no pós-operatório precoce decorre de cirurgias colorretais.
B - Pancreatte pós-operatória Representa 10% de todos os casos de pancrea te aguda e acontece em 1 a 3% dos pacientes subme dos à manipulação peripancreá ca e nas cirurgias das vias biliares (Figura 11). A pancrea te também é possível em cirurgias com circulação extracorpórea, cirurgias da paró da e transplante renal, e sua forma necrosante é mais habitual no pós-operatório. Infecção nos tecidos pancreá cos e outras complicações locais desenvolvem-se com frequência 3 a 4 vezes maior do que nas pancrea tes alcoólica e biliar. A razão da maior gravidade é desconhecida e gira em torno de 30 a 40%.
A causa, na maioria das vezes, relaciona-se a trauma mecânico no pâncreas ou no seu suprimento sanguíneo. A prevenção desse evento inclui a exploração manual criteriosa do órgão, evitando-se a manipulação forçada com dilatação do ducto biliar através do es f ncter duodenal, o que pode induzir a edema e obstrução do ducto pancreá co. A taxa de 2% de incidência nos casos pós-transplantados renais está, provavelmente, relacionada a fatores de risco como uso de cor costeroide ou azaoprina, hiperparareoidismo secundário ou infecções virais. Alterações agudas do cálcio sérico são responsáveis pela pancrea te, seguida da cirurgia das para reoides. A hiperamilasemia desenvolve-se na metade dos casos submedos à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea, mas a manifestação clínica de pancreate está presente em apenas 5% dos casos. O diagnósco de pancrea te pós-operatória pode ser di f cil, e a monitorização do órgão pode ser ob da realizando-se tomografia computadorizada sequencial.
C - Disfunção hepátca pós-operatória A disfunção hepá ca oscila de leve icterícia à insu ficiência hepáca fulminante e pode surgir em 1% dos casos submedos à cirurgia sob anestesia geral. A insu ficiência hepatocelular é a principal causa de icterícia pós-operatória, como consequência da necrose de células hepá cas, inflamação ou grande ressecção de tecido do f gado. Drogas, hipotensão, hipóxia e sepse estão entre as causas de icterícia por lesão parenquimatosa. Embora a hepa te pós-transfusional seja geralmente observada em um período tardio, tal complicação pode acontecer até a 3ª semana de pós-operatório. Todos os pacientes com icterícia no pós-operatório devem ser invesgados para avaliar se há necessidade de abordagem cirúrgica. A colestase pós-hepá ca aumenta o risco de colangite aguda e o desenvolvimento de sepse, portanto acarreta decréscimo na função hepá ca. Exames de função hepá ca não são determinantes para a causa da icterícia e não re fletem a gravidade desta. A função renal deve ser monitorizada porque a hiperbilirrubinemia pode causar o desenvolvimento de insu ficiência renal.
D - Colecistte pós-operatória
Figura 11 - Pancreat te aguda com solução de cont nuidade ao nível do corpo pancreát co (seta) (legenda: P = Pâncreas; B = Baço)
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A coleciste aguda pós-operatória pode surgir em qualquer po de cirurgia, mas é mais comum em procedimentos no trato gastrintesnal. Desenvolve-se logo após es fincterotomia endoscópica em 3 a 5% dos casos. A colecis te aguda química ocorre em subme dos à quimioembolização intra-hepáca com mitomicina e floxuridina, e alguns autores indicam a colecistectomia ele va antes da aplicação dessas drogas. Colecistes fulminantes de e ologia isquêmica podem acontecer após embolização da artéria hepáca por tumores malignos do f gado ou malformação arteriovenosa envolvendo a artéria hepá ca. Alguns pacientes com próteses metálicas autoexpansíveis para permear neoplasias obstruvas das vias biliares desenvolvem coleciste
COMPLICAÇÕES PÓS- OPERATÓRIAS
aguda de eologia ainda inde finida; acredita-se em 2 prováveis hipóteses: infecciosa, pela possibilidade de as censão das bactérias duodenais, e isquêmica, por compressão da artéria císca provocada pela prótese. A coleciste aguda pós-operatória difere em vários aspectos das formas de colecis te aguda. A forma acalculosa é a mais comum (de 70 a 80%), é mais frequente em homens (75%), progride mais rapidamente para necrose e não responde a tratamento conservador. As causas são bem conhecidas somente nas colecis tes química e isquêmica. Os fatores de risco são a estase biliar (com formação de barro biliar), infecção biliar e isquemia.
leções diafragmácas na manipulação do andar superior do abdome. Doença neoplásica intra-hepá ca também pode necrosar e evoluir para um abscesso. Em cerca de 20% dos casos, a eologia não será determinada. O tratamento minimamente invasivo com drenagem percutânea guiada por exame de imagem é u lizado sempre que possível. Múl plos abscessos, ou na impossibilidade do método, são indicações para tratamento cirúrgico (Figura 13).
E - Colite infecciosa por Clostridium di ffi cile A diarreia causada pelo agente microbiano Clostridium di ffi cile é uma causa comum de infecção nosocomial em pacientes cirúrgicos. A manifestação clínica é muito variável e se apresenta de formas assintomá cas de colonização a, raramente, colite severa tóxica. O risco principal é o uso de anbióco perioperatório. O diagnós co é estabelecido por meio da iden ficação da toxina citopá ca nas fezes, da cultura do organismo nas amostras de fezes ou swab retal ou, ainda, da retossigmoidoscopia que revela as pseudomembranas (Figura 12). A prevenção é a lavagem frequente das mãos, além da precaução ao lidar com secreções entéricas e minimização do uso de an biócos. Quando instalada a infecção intesnal por Clostridium di ffi cile, seu tratamento é instuído com o uso de metronidazol ou, para infecções com patógeno resistente, vancomicina oral.
Figura 12 - Diferentes aspectos colonoscópicos de colite pseudomembranosa (Clostridium di ffi cile)
F - Úlcera de estresse Os principais fatores de risco para úlceras no pós-operatório são insuficiência respiratória, coagulopa a, infecção grave, uremia e hemorragia diges va. A pro filaxia com inibidor de bomba protônica deve ser realizada nesses casos. H á serviços que, na ausência desses fatores, realizam pro filaxia com inibidores dos receptores H2. Nos politraumazados, as úlceras por estresse recebem o nome de úlceras de Cushing. Nos grandes queimados, esse quadro chama-se úlcera de Curling.
G - Abscessos hepátcos São raros os abscessos piogênicos no pós-operatório. O quadro clínico é de febre alta, dor no hipocôndrio direito e, ocasionalmente, icterícia. As causas mais comuns são as co-
Figura 13 - Aspecto tomográ fi co de grandes abscessos hepát cos
10. Complicações do sistema nervoso central O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a maior complicação neurológica que pode acometer os idosos. Ocorre mais na população com severa aterosclerose e que se mantém hipotensa durante ou após a cirurgia (decorrentes da infecção grave no pós-operatório, baixo débito cardíaco, hipotermia prolongada etc.) e é suspeita em todo quadro de dé ficit neurológico focal com duração superior a 24 horas. Os possíveis fatores eológicos da isquemia central são as reações adrenérgicas: taquicardia, hipertensão, hipotensão e hipóxia. Os fatores associados ao paciente são quadro de acidente cerebrovascular prévio, aterosclerose com obstrução caro dea parcial, hipertensão arterial, diabetes mellitus ou DPOC. A prevenção baseia-se na manutenção da estabilidade cardiovascular, na inibição de grandes variações da pressão arterial e no adequado controle da dor pós-operatória. A ansiedade e o medo são reações normais entre os cirúrgicos. O grau em que essas emoções são expressas depende de variáveis psicológicas e culturais. Depressão subclínica ou história de dor crônica podem levar os pacientes a superesmar os sintomas de dor no pós-operatório, com insônia e ansiedade extrema, além de alteração de comportamento. A fronteira entre as manifestações normais de estresse e a psicose pós-operatória é di f cil de ser estabelecida.
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CIRURGIA GERAL O delirium é outra condição que acontece, principalmente, entre idosos. Trata-se de um estado de disfunção cogniva com flutuação do nível de orientação temporoespacial, perda de memória e conversação incoerente. Essa condição deve ser diferenciada da demência, em que há uma global perda cogni va sem qualquer efeito sobre a consciência. Algum grau de delirium ocorre entre 5 e 60% dos pacientes senis após uma cirurgia. É mais prevalente nas cirurgias ortopédicas por fraturas de quadril. As principais condições que favorecem o quadro de delirium são infecções avas e distúrbios hidroeletrolí cos. Outras condições são abandono familiar, cirurgias prolongadas, hipóxia, perdas sanguíneas excessivas no intraoperatório, deficiência visual e audi va, demência senil preexistente, doenças malignas, drogas psicoavas, excesso de medicamentos ulizados para as doenças crônicas associadas, suspensão abrupta de drogas de u lização prolongada, retenção urinária aguda e falência renal. O delirium ocorre, em geral, no 2º dia de pós-operatório e está associado à internação prolongada e morbidade, mas é reverdo na maioria dos casos. Somente 1% tem piora progressiva das funções cogni vas. Se há a necessidade de sedação, aplicam-se doses baixas de haloperidol que não têm efeitos cardiovasculares maiores em relação a outros agentes sedavos.
11. Rabdomiólise Pode ser fruto de compressão muscular ou rea va a agentes anestésicos e é mais comum em obesos mórbidos submedos a cirurgias de longa duração. A elevação da CPK, que se deposita nos glomérulos, pode causar insu ficiência renal, com oligúria, coloração acastanhada e grumos. A proteção renal envolve a diurese forçada com hiper-hidratação, alcalinização da urina com infusão de bicarbonato e es mulo diuréco com furosemida e manitol. Se a causa da rabdomiólise for a síndrome compar mental nos membros inferiores, deve-se proceder com fasciotomias descompressivas o mais precocemente possível, para cessação da isquemia muscular. Ciclistas e maratonistas apresentam maior risco para essas complicações na musculatura das pernas hipertro fiadas.
12. Disfunção sexual É observada após certos procedimentos cirúrgicos, como prostatectomia, cirurgia cardíaca e reconstrução aórca. Em cirurgias pélvicas, pelo risco de lesão dos ramos sacrais do plexo, é importante apresentar essa possibilidade ao paciente antes de qualquer procedimento de risco. Outros procedimentos, como retossigmoidectomias, podem ocasionar ejaculação retrógrada pela lesão do plexo hipogástrico.
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13. Resumo Quadro-resumo - As causas de febre no pós-operatório costumam seguir uma sequência de aparecimento; - A causa mais comum nas primeiras 48 horas é atelectasia pulmonar; - As complicações pulmonares são as mais comuns. Pacientes submedos a cirurgias torácicas ou abdominais altas devem iniciar precocemente fisioterapia respiratória; - Pacientes com antecedente pessoal de cardiopaa devem ser cuidadosamente monitorizados; - O infarto agudo do miocárdio pode ser “silencioso” em doentes diabécos; - Sinais de choque hipovolêmico no pós-operatório de cirurgias abdominais devem sugerir a presença de hemoperitônio; - Complicações como hematomas e seromas de ferida operatória; ou deiscências anastomócas estão relacionados a fatores sistêmicos do paciente, mas também a técnica cirúrgica inadequada; - Pacientes subme dos à raquianestesia têm maior risco de desenvolver retenção urinária no pós-operatório. Cirurgias pélvicas podem evoluir com disfunções urológica e sexual pela manipulação dos plexos nervosos.
CAPÍTULO
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Resposta metabólica ao trauma
Pontos essenciais Iniciadores e propagadores da resposta metabólica; - Ulização de substratos energé cos; - Implicações clínicas. -
1. Introdução Traumas, infecções e condições que de flagram respostas inflamatórias constuem as bases das doenças cirúrgicas de maior gravidade. A mobilização e a u lização dos substratos energécos, como ácidos graxos, aminoácidos e glicose representam a mudança metabólica resultante desses eventos. Os reservatórios energécos lipídico, no tecido adiposo, e proteico, no sistema musculoesquelé co, garantem o fornecimento de energia para a manutenção das funções essenciais para a vida após o trauma como a ação dos órgãos viscerais, regulação e a vação do sistema imunológico e reparo de tecidos e órgãos lesados. É por meio de hormônios e mediadores in flamatórios que ocorrem o transporte e a distribuição dos substratos energé cos para os órgãos viscerais. Adicionalmente, eventos que acontecem concomitantemente à resposta ao trauma, como imobilização, jejum, intervenções terapêu cas (ação de drogas anestésicas, reposição maciça de hemoderivados etc.), isquemia regional e hipoperfusão tecidual global amplificam e prolongam as mudanças metabólicas que resultam em hipercatabolismo. Uma resposta metabólica efe va é capaz de reparar de forma adequada as lesões teciduais e atender as demandas do processo inflamatório até a sua resolução. Entretanto, não apenas a gordura é prontamente u lizada para essa proposta, mas também substratos contendo nitrogênio derivado da degradação proteica do sistema musculoesqueléco. Estes servem para a síntese de proteínas de fase aguda e a reconstrução dos tecidos lesados, além de serem precursores da gliconeogênese. Como prejuízo, pode ocorrer déficit na função locomotora e na ação dos músculos da caixa torácica, o que induz a convalescença prolongada e potencial morbidade ao paciente.
José Américo Bacchi Hora / Marcelo Simas de Lima / Eduardo Bertolli
Caso a resposta metabólica não esteja à altura das exigências do reparo tecidual e do processo in flamatório, o indivíduo sucumbe a esse insulto. Se o paciente o superar, passará para um período de convalescença, em que predomina o anabolismo (restauração da massa magra e dos estoques de gordura). Dida camente, todo esse processo pode ser dividido em 3 fases. Uma fase catabólica inicial, seguida de fases anabólicas, inicial e tardia.
2. Definições A resposta inflamatória pode evoluir em diversos estágios, dependendo do es mulo desencadeante. Os sinais cardinais que apontam para um evento in flamatório são dor, rubor, calor, tumor e perda de função (Figura 1). Considera-se síndrome da resposta in flamatória sistêmica todo doente que apresenta pelo menos 2 itens entre FC >90bpm, FR >20irpm, T >38° ou <36°C, leuc. >12.000, <4.000 ou >10% bastões.
Figura 1 - Sinais da in fl amação
Se o doente em SIRS apresenta foco infeccioso comprovado com cultura, diz-se que está em sepse. Se a sepse é acompanhada de choque circulatório, considera-se sepse grave. Se a instabilidade hemodinâmica não é rever da com volume e o doente necessita de droga vasoa va, define-se o choque sép co. Uma vez que acontece o evento desencadeante, inicia-se uma série de alterações neuroendócrinas com a a vação do eixo hipotalâmico-hipo fisário-suprarrenal (Figura 2).
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CIRURGIA GERAL A parr daí, ocorre o es mulo ou inibição à produção de determinados hormônios cujo obje vo final será o aumento da oferta de nutrientes (hiperglicemia) e a vasoconstrição.
Figura 2 - Resposta neuroendócrina ao trauma
3. Iniciadores e propagadores da resposta metabólica O aumento da demanda metabólica varia de acordo com a gravidade do trauma imposto, e a resposta metabólica pode ser notada por vários dias. O sí o de infecção ou a região anatômica traumazada representa o arco aferente da resposta metabólica, sendo essencial o papel do sistema nervoso. A manutenção dessa resposta metabólica é decorrente da descarga sistêmica dos hormônios contrarreguladores que representam o arco eferente. O Sistema Nervoso Central (SNC) é responsável pela iniciação da resposta metabólica diante do insulto. Já o Sistema Nervoso Periférico (SNP) atua na transmissão dos sinais aferentes. Observam-se o aumento dos hormônios contrarreguladores (glicocor coides, glucagon e catecolaminas), amplificação e manutenção da resposta metabólica pela ação de citocinas pró-in flamatórias (TNF, IL-1, IL-6) e aumento da avidade oxidante. Por outro lado, há diminuição da secreção de insulina e aumento da resistência insulínica. Na fase catabólica inicial, predominam catecolaminas, corcosteroides e glucagon, com queda signi ficava da insulinemia (Figura 3). Neste ambiente, ocorre balanço nitrogenado negavo, independentemente da oferta de glicose e quebra de proteínas e de triglicérides que acabam alimentando a gliconeogênese hepá ca, e a formação de corpos cetônicos. O catabolismo lipídico é mediado pelas catecolaminas, principalmente as que exercem a vidade beta. As
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de avidade alfa levam à inibição da reu lização de ácidos graxos.
Figura 3 - Atuação do glucagon e insulina; na fase catabólica inicial predomina o glucagon, consequentemente ocorre maior gliconeogênese hepát ca
Também pode ser observada, na resposta hipermetabólica, uma redução da a vidade endógena de agentes anabólicos (insulina, testosterona e hormônios reoidianos) que, somada à ação dos hormônios contrarreguladores, resulta em maior perda proteica. Além da ação dos hormônios contrarreguladores, ocorrem amplificação e manutenção da resposta metabólica pela ação das citocinas pró-in flamatórias (TNF, interleucinas VI, I e VIII), além de um aumento da a vidade oxidante, pela
RESPOSTA METABÓLICA AO TRAUMA
ação dos radicais livres e pela par cipação dos metabólitos do ácido araquidônico, ambos causando aumento da degradação proteica. Os mediadores pró-in flamatórios merecem atenção especial, pelo seu papel na propagação da resposta metabólica. Infusões de TNF (caquexina) em hospedeiros causam anorexia, a vam o eixo hipotalâmico-pituitário-suprarrenal e aumentam o catabolismo proteico, a lipólise e a gliconeogênese. Em altas doses, levam à disfunção de diversos órgãos e sistemas, resultando até em óbito (Tabela 1). Tabela 1 - Efeito do TNF na resposta do hospedeiro TNF (mg/2)
Resposta
Correlação clínica
A interleucina I (IL-I) em baixas concentrações es mula o sistema imunológico de forma posi va, mas em altas concentrações produz febre, hipotensão e proteólise. Em associação a TNF, tem efeito sinérgico. A IL-VI tem sido encontrada em grandes concentrações plasmá cas nos politraumazados e é responsabilizada por es mular a produção hepáca de proteínas de fase aguda. É também observada nos pacientes com pancrea te aguda grave, e, em ambos os casos, altos níveis de IL-VI se relacionam a maior gravidade e mortalidade nesses grupos. Níveis elevados de citocinas em sí os especí ficos são observados em diversas situações. Altos níveis de TNF e IL-VI são encontrados no líquido peritoneal no pós-operatório de cirurgias abdominais de grande porte. Também se observam níveis aumentados de IL-I e IL-VI no liquor de pacientes com TCE grave.
1
Redução nos estoques de ferro, mialgia, cefaleia, anorexia.
Infecções subclínicas, in fl uenzae.
2
Febre, taquicardia, hormônios contrarreguladores, proteínas fase aguda.
Apendicite aguda, abscessos intraabdominais.
4. Utlização de substratos energétcos na resposta metabólica
>500
Retenção líquida, linfopenia, hipotensão.
Grande queimado.
>620
Diminuição do nível de consciência, hipotensão grave, edema pulmonar, oligúria.
Sepse grave, pancreate aguda necrosante, grande queimado sépco.
A 1ª fase na resposta ao trauma caracteriza-se por um estado de hipercatabolismo, hiperglicemia, hiperlactatemia e mobilização simultânea de ácidos graxos e glicose como substratos energécos pelos processos de glicogenólise e gliconeogênese no f gado (Figura 4).
Figura 4 - Processos de gliconeogênese e glicogenólise
A produção de glicose no f gado é derivada da quebra do glicogênio, da síntese de carbonos reciclados (por exemplo, glicerol e lactato) e, em menor extensão, da u lização de aminoácidos precursores, como a alanina. Normalmente, o metabolismo periférico da glicose se equipara ao aparecimento de glicose sérica. A maior parte da glicose é metabolizada em CO 2 e água. Em alguns tecidos, ocorre isquemia locorregional, e a glicose, além de oxidada, pode ser m etabolizada em piruvato, que será transformado em lactato pela glicólise. Em doentes crí cos, é comum o aumento da concentração sérica de lactato. Embora possa re fler um estado de hipoperfusão tecidual em pacientes hipercatabólicos, pode haver aumento da produção de lactato sem haver hipóxia. Nesses
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CIRURGIA GERAL casos, o aumento da produção de piruvato é consequência da glicólise acentuada, tanto pelo aumento da captação de glicose pelos tecidos como pela quebra do glicogênio. O piruvato é degradado em lactato e hidrogênio, resultando em acidose lácca. Os ácidos graxos são fruto da hidrólise dos triglicérides do tecido adiposo e circulam no plasma em níveis superiores aos que se conseguem metabolizar. Os músculos re ram os ácidos graxos do plasma para oxidação, e o f gado, além de oxidar alguns ácidos graxos, também reesteri fica outros triglicérides que acabam se agrupando com proteínas e são excretados para o sangue como VLDL (Figura 5).
Figura 5 - Metabolismo dos ácidos graxos e triglicérides: após o ciclo de Lynen (e o ciclo de Krebs), ocorre formação de 80 ATP, com consumo de 1 ATP
Esses triglicérides são armazenados ou hidrolisados pela lipase lipoproteica e u lizados pelas células musculares. No tecido adiposo, os ácidos graxos são reesterificados em triglicérides. Em não alimentados, esses ácidos representam os substratos energécos predominantes. No trauma, há aumento simultâneo da mobilização de glicose e ácidos graxos. Associada à es mulação da lipólise, a produção da glicose hepá ca é aumentada pela glicogenólise e pela gliconeogênese. A u lização de glicose libera lactato, levando ao aumento do seu nível sérico, enquanto o aumento da lipólise causa elevação nos níveis séricos de ácidos graxos. Dentre os aminoácidos de cadeia rami ficada, o que sofre redução mais signi ficava é a glutamina que, além de ter sua degradação aumentada, tem sua produção diminuída. Trata-se do mais abundante aminoácido livre no meio intracelular. Em doentes crí cos, pode haver uma redução das concentrações de glutamina no músculo de até 80 a 90%. A glutamina e a alanina são formadas a par r de um mesmo
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precursor: o glutamato. Entretanto, preferencialmente, a 2ª é formada e u lizada como precursora da glicose por gliconeogênese. Assim, a maior produção de alanina implica menor produção de glutamina. Esse aminoácido serve como fonte de energia primária para o trato gastrintesnal e o sistema imunológico. Níveis baixos de glutamina induzem a atro fia das vilosidades da camada mucosa, com consequente redução na capacidade absorva intesnal e maior incidência de sepse por translocação bacteriana.
5. Implicações clínicas e a resposta metabólica no doente cirúrgico As manifestações iniciais após o trauma, a par r das alterações neuroendócrinas desencadeadas pelo evento traumáco, podem ser divididas em fisiológicas, metabólicas, clínicas e laboratoriais (Tabela 2).
RESPOSTA METABÓLICA AO TRAUMA
Tabela 2 - Manifestações iniciais após o trauma Fisiológicas - ↑ Débito cardíaco; - ↑ Venlação; - ↑ Transporte; - Perda ponderal; - Proliferação celular. Metabólicas - ↑ Catabolismo proteico; - ↑ Oxidação lipídica; - ↑ Gliconeogênese. Clínicas - ↑ Anorexia; - ↑ Taquicardia; - ↑ Taquipneia; - ↑ Febre. Laboratoriais - Hematocitose; - Hiperglicemia; - ↑ Níveis de proteína C reava; - ↑ Excreção urinária de nitrogênio.
A importância de eventos que adicionalmente exacerbam a resposta metabólica também deve ser considerada. Um exemplo é a isquemia regional, que acontece nas situações em que existe, por exemplo, hipovolemia. De acordo com uma curva de desempenho ventricular para descrever o mecanismo de Frank-Starling, pode-se observar que uma pré-carga por vezes adequada para a manutenção da perfusão de órgãos como coração, cérebro e pulmões pode não ser adequada para a perfusão de órgãos do território esplâncnico, como os rins e o trato gastrintes nal (Figura 6).
Quando o limite de resposta fisiológica é maior que a gravidade do trauma, a reserva do indivíduo é su ficiente para responder às demandas criadas pelo trauma e o paciente sobrevive, começando, então, a fase de recuperação ou anabólica. Na fase anabólica inicial, há queda dos níveis circulantes de corcosteroides, diurese do líquido re do e recuperação do apete. Há redução da gliconeogênese e da formação de proteínas de fase ava, com redirecionamento da síntese proteica para a recuperação muscular. O foco passa a ser a reconstuição dos tecidos lesados. O balanço nitrogenado torna-se posivo, com ganho de peso magro (máximo de 100g/dia) e força muscular, porém o ritmo de ganho nunca se iguala ao ritmo de perda da fase catabólica inicial. Na fase anabólica tardia, há redução do balanço nitrogenado posivo, que volta a se aproximar do normal, e redução do ritmo de ganho de peso. A restauração das reservas que caracteriza essa fase é medida pela recuperação dos depósitos de gordura, que consomem mais calorias, por isso acontece de forma mais lenta.
A - Controle da dor A dor influencia a resposta metabólica, pois limita a a vidade f sica do indivíduo, impedindo a sua recuperação, e esmula a fase catabólica com níveis persistentemente elevados de catecolaminas. Além de favorecer a imobilidade, a dor compromete a ven lação pulmonar e aumenta o consumo de oxigênio. A terapia analgésica deverá, portanto, fazer parte dos recursos para o controle da resposta metabólica. O bloqueio aferente por meio de técnicas anestésicas pode reduzir a resposta metabólica ao estresse cirúrgico. A administração de anestésicos locais e narcó cos no espaço peridural promove o controle efe vo da dor sem os efeitos seda vos da administração parenteral de narcó cos. A analgesia pós-operatória permite a mobilização precoce, reduz a u lização de An-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs) e atenua a liberação de hormônios contrarreguladores da hiperglicemia, reduzindo a resistência à insulina e o balanço hidrogenado negavo.
B - Jejum e avaliação metabólica
Figura 6 - Curva de desempenho ventricular
Reduções da perfusão de órgãos como os do trato gastrintesnal resultam em acidemia e hipercapnia, levando a mais vasoconstrição esplâncnica por meio de hormônios contrarreguladores que são secretados, decréscimo dos níveis de insulina e geração de radicais livres de oxigênio, citocinas pró-inflamatórias e avação de neutrófilos que, ao serem liberados para a circulação, esmulam a degradação proteica.
Não apenas o jejum absoluto do pós-operatório recente, mas também o jejum relavo em decorrência de exames e procedimentos terapêu cos causa limitação do fornecimento de substratos energé cos, resultando em consumo exclusivo dos estoques energé cos do corpo humano. Embora indivíduos sadios tolerem vários dias de jejum, o mesmo não acontece com doentes crí cos. O jejum deve ser limitado até, no máximo, 3 ou 4 dias quando se tratam pacientes crí cos, sendo o suporte nutricional introduzido o mais precocemente possível. O suprimento calórico deve ser su ficiente para suprir o aumento da avidade metabólica decorrente do trauma. Uma das maneiras de expressar a a vidade metabólica é
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CIRURGIA GERAL a parr da produção de CO 2. Com base na medição do CO 2 expirado, é possível fazer o cálculo de calorimetria indireta para obter o Índice Metabólico (IM, Tabela 3). Tabela 3 - Índice metabólico por calorimetria indireta Calor produzido = Gasto energéco = Índice metabólico IM (Kcal/m2/h) = Avaliação por calorimetria indireta [3,9 x VO2 (L/min) + 1,1 x VCO 2 (L/min)] x 60 (min/h) Superf cie corpórea (m2)
Os valores do IM em condições basais são reproduzidos e preditos com base na idade e no sexo do indivíduo, oscilando entre 1 e 12%. Valores acima desses indicam hipermetabolismo. O aumento da taxa metabólica basal é diferente conforme a situação clínica a que o paciente está submedo. Traumas ortopédicos podem aumentá-la de 10 a 30%. Doentes em sepse podem cursar com aumentos de 30 a 60%. Esse aumento pode chegar a 100% nos gravemente queimados. Existe um limite para o hipermetabolismo. A resposta do organismo ao trauma tem um limite fisiológico expresso pela relação entre a gravidade do trauma imposto e a reserva fisiológica do indivíduo (Figura 7). Desta forma, condições extremas podem levar à exaustão dos sistemas fisiológicos, com grave prejuízo para a saúde e até mesmo morte.
Figura 7 - Hipermetabolismo
6. Resumo Quadro-resumo - A resposta do indivíduo frente ao trauma divide-se em 3 fases: catabólica inicial, anabólica inicial e tardia; - Todo processo se dá por es mulos e inibições do eixo hipotálamo – hipófise – suprarrenal; - Na fase inicial, ocorrem aumento dos hormônios contrarreguladores (corcoides, catecolaminas e glucagon) e diminuição da insulina; - O organismo entra em estado de hiperglicemia e balanço nitrogenado negavo; - O principal substrato energéco do organismo é a glicose;
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- Ácidos graxos e aminoácidos são ulizados na gliconeogênese para obtenção de substrato energé co; - O objevo final das alterações neuroendócrinas geradas pelo trauma será o aumento da oferta de nutrientes (hiperglicemia) e a vasoconstrição; - Interleucinas e mediadores pró-inflamatórios também parcipam de toda essa cascata de reações.
CAPÍTULO
10
Hérnias da parede abdominal Eduardo Bertolli
Pontos essenciais -
Conhecimento dos principais pos de hérnias da parede abdominal e suas condutas;
-
Hérnias umbilicais;
-
Hérnias epigástricas;
-
Hérnias ventrolaterais de Spiegel;
-
Hérnias incisionais.
1. Introdução As hérnias representam uma das afecções mais frequentes nos serviços de cirurgia geral. Seu tratamento é eminentemente cirúrgico e consiste na cirurgia mais realizada, em serviços públicos ou privados. As hérnias são denominadas de acordo com sua região anatômica. Na parede abdominal, encontram-se as hérnias epigástricas, umbilicais, lombares, ventrolaterais de Spiegel, incisionais e periestomais. Na região inguinofemoral, sede comum de hérnias, podem-se encontrar as herniações inguinais, femorais e obturatórias. Neste capítulo, serão abordadas as hérnias da parede abdominal mais comumente diagnos cadas e suas caracteríscas.
2. Hérnias umbilicais Hérnias umbilicais ocorrem tanto em adultos quanto em crianças, mas o modo de apresentação, história natural e tratamento são diferentes (Figura 1). É de finida como a persistência do anel umbilical sem o fechamento de sua camada aponeuróca, com protrusão anormal do peritônio e da pele em função de um tecido adiposo pré-peritoneal, intesno ou grande omento. Mais recentemente, com o uso crescente da cirurgia videolaparoscópica, o umbigo passou a ser sede também de hérnias incisionais.
Figura 1 - Hérnia (A) umbilical na criança e (B) volumosa no adulto
Anatomicamente, o umbigo é formado por um anel fibroso coberto por pele, fáscia umbilical e saco peritoneal. O anel umbilical tem de 2 a 3mm de diâmetro, e, na parte inferior, estão os restos fibrosos das artérias umbilicais e do úraco. Na parte superior, há apenas a veia umbilical obliterada, que formará o ligamento redondo, que também se insere na borda inferior. Se a fáscia umbilical de Richet não esver presente, haverá uma área de fraqueza no umbigo por onde se desenvolverão as hérnias.
A - Etologia As hérnias umbilicais nas crianças são consideradas congênitas. São mais frequentes em recém-nascidos pré-termos, de baixo peso, em meninas, na raça negra e associadas a algumas doenças (hipo reoidismo congênito, mucopolissacaridoses) ou síndromes (Down, Beckwith-Wiedemann). No adulto, podem-se encontrar hérnias congênitas não tratadas ou hérnias adquiridas. As principais causas são obesidade, gravidez, trauma, ascite e outros estados que aumentam a pressão intra-abdominal. São mais comuns no sexo feminino.
B - Quadro clínico Observa-se abaulamento da cicatriz umbilical, que pode ou não ser reduzido espontaneamente. Em pacientes magros, é possível palpar o anel herniário. O ultrassom con firma o diagnósco na maioria dos casos. No adulto, os principais diagnós cos diferenciais são lipomas, hérnias da linha alba, linfonodos e tumores cutâneos. A conduta, porém, não muda com o diagnós co eológico.
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CIRURGIA GERAL Apesar de ser raro, as hérnias umbilicais podem encarcerar-se e, eventualmente, evoluir com sofrimento vascular. O quadro clínico será de dor abdominal e abaulamento não redu vel. História de oclusão intes nal pode acompanhar o quadro. Outras complicações podem surgir na pele, como úlceras, infecção, linfangite e eczema.
C - Tratamento Na criança, o tratamento vai depender da idade e do tamanho de anel herniário. O anel menor que 1,5cm de diâmetro pode fechar-se espontaneamente. O fechamento espontâneo acontece em 85% dos casos até os 3 anos e em 96% até os 6 anos. Hérnias maiores que 1,5cm de diâmetro ou que persistem após o 6º ano devem ser operadas. Em 15% dos pacientes, existe concomitância de hérnias umbilical e inguinal, que devem ser operadas ao mesmo tempo. No adulto, toda hérnia umbilical tem indicação de correção cirúrgica para evitar encarceramento. A cirurgia-padrão descrita por Mayo consiste na incisão semicircular, dissecção do saco herniário (e redução ou re rada do seu conteúdo, caso haja sinais de sofrimento vascular), sutura da aponeurose em sen do transversal (podendo-se realizar uma superposição das aponeuroses) e fixação da cicatriz umbilical na aponeurose. O uso de telas não é ro neiro e é reservado para grandes defeitos.
aponeurócas ou presença de mais de uma hérnia podem exigir o uso de telas. Quando é diagnoscada a diástase do reto abdominal, o tratamento consiste na reaproximação da linha alba com uma sutura de reforço po plicatura. As principais complicações pós-operatórias em ambas as cirurgias são infecção, seroma (em cirurgias com grandes descolamentos), deiscência e recidiva.
4. Hérnias ventrolaterais de Spiegel Caracterizam-se pela projeção do saco herniário por meio da linha semilunar ou pararretal externa, geralmente no nível da linha arqueada de Douglas, em que a formação da bainha do reto abdominal muda de con figuração e a aponeurose de Spiegel é mais larga (Figura 2).
3. Hérnias epigástricas Definem-se como a presença de saco herniário na região epigástrica (linha alba). Alguns autores u lizam o termo pseudo-hérnia epigástrica, quando o defeito aponeuró co é muito pequeno, permi ndo a passagem somente de gordura pré-peritoneal sem formar o saco herniário clássico.
A - Etologia
Figura 2 - Linha arqueada “de Douglas”
A - Etologia
Correspondem a 5% das hérnias e ocorrem pelo aumento da pressão intra-abdominal forçando a passagem do tecido adiposo pré-peritoneal. É comum encontrar mais de uma abertura aponeuró ca na linha alba, o que denota uma fraqueza de toda a parede. Podem ocorrer em ambos os sexos, normalmente dos 18 aos 50 anos, sendo mais comuns em homens.
Não há uma explicação sa sfatória para os defeitos na linha semilunar. Normalmente, a região de Spiegel apresenta uma resistência menor, de modo que o bom desenvolvimento muscular minimiza o aparecimento dessas hérnias. São mais comuns na 8ª década de vida, com discreto predomínio no sexo feminino. Na experiência pessoal do autor, esse po é mais comum em provas e concursos do que na práca clínica diária.
B - Quadro clínico
B - Quadro clínico
A maioria é assintomá ca ou apresenta dor à palpação. O principal diagnós co diferencial é a diástase do músculo reto abdominal. O ultrassom de parede abdominal pode fazer a diferenciação, mas ambos são de tratamento cirúrgico.
Como o orif cio geralmente é estreito, na maior parte dos casos as hérnias não são palpáveis ao exame f sico. O ultrassom é úl no diagnós co desses casos.
C - Tratamento A cirurgia consiste na incisão longitudinal, iden ficação e correção do saco e do anel herniário. O tempo principal da cirurgia é a dissecção do tecido subcutâneo até que seja encontrada aponeurose firme para o reparo. Grandes falhas
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C - Tratamento O tratamento é cirúrgico, podendo o acesso ser feito por inguinotomia ou incisão paramediana pararretal. Nos casos de anel herniário muito largo, o reparo do defeito pode ser feito com reforço transversal “em jaquetão”, uso de fáscia adjacente ou telas.
HÉRNIAS DA PAREDE ABDOMINAL
5. Hérnias incisionais São definidas como uma protrusão do conteúdo abdominal através de áreas na parede abdominal, enfraquecidas devido a intervenções cirúrgicas anteriores (Figura 3).
Alguns grupos empregam a técnica do pneumoperitônio progressivo. O paciente é internado, e é colocado um cateter para insuflação de pneumoperitônio. Esse procedimento é repedo até que se obtenha uma melhora da complacência abdominal a ponto de permi r a redução da hérnia sem prejuízo à função respiratória. O tratamento escalonado, com uso de telas e fechamento progressivo, também pode ser u lizado. Às vezes, não é possível o fechamento primário da pele. Então, deve-se aguardar o fechamento por 2ª intenção e correções da pele com cirurgia plásca a posteriori (Figura 4). Em situações de urgência, como no estrangulamento do conteúdo herniado, muitas vezes são necessárias enterectomias. O cirurgião deve estar sempre atento para evitar ressecções muito amplas para que o paciente não evolua com síndrome do intes no curto.
Figura 3 - Casos de hérnias incisionais
A - Etologia Sua incidência varia de 7 a 13%, podendo chegar a 30% em cirurgias contaminadas. Os principais fatores de risco são os mesmos das deiscências e falhas de cicatrização, como infecção, desnutrição, estados de imunossupressão (diabetes, uso de cor coides e quimioterapia ou radioterapia), aumento da pressão intra-abdominal (vômitos, íleo prolongado com distensão, obesidade, ascite, DPOC), técnica cirúrgica inadequada etc.
B - Quadro clínico Abaulamento em área de cicatriz cirúrgica prévia. As hérnias incisionais podem apresentar complicações locais, como escoriações e úlceras, ou intra-abdominais, como encarceramento, obstrução intesnal e f stulas enterocutâneas. Ultrassom e tomografia são os principais exames que podem ser ulizados.
C - Tratamento O tratamento é eminentemente cirúrgico e deve ser precoce. Hérnias incisionais volumosas são um desa fio para o cirurgião, devendo o tratamento ser cuidadosamente planejado. Hérnias com evolução arrastada podem se desenvolver com a chamada perda de domicílio do conteúdo herniado. Nesses casos, a simples correção, além de di f cil tecnicamente, pode evoluir com restrição respiratória e síndrome comparmental abdominal. Nesses casos, apesar de alguns autores defenderem o uso de cor coides no pré-operatório, a medida não é consensual.
Figura 4 - Hérnia incisional com fechamento da pele por 2ª intenção
6. Outros tpos de hérnias A - Hérnias lombares São hérnias que ocorrem por meio da ampla aponeurose do transverso, em 2 aberturas localizadas, uma abaixo da 12ª costela (superiores – hérnia de Grynfelt) e outra acima
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CIRURGIA GERAL da crista ilíaca (inferiores – hérnia de Pe t). As inferiores são mais comuns, mais frequentes em mulheres, principalmente acima dos 50 anos, e o tratamento é cirúrgico.
B - Hérnias obturatórias Consistem na protrusão visceral por meio do forame obturatório. São incomuns, normalmente unilaterais à direita, mas mais encontradas em mulheres longilíneas acima dos 60 anos, com queda ponderal, e mul paras. O principal sinal propedêuco, o sinal de Howship-Romberg, consiste na dor no trajeto do nervo obturatório. Pode apresentar em seu conteúdo o ceco, apêndice, tuba, bexiga e ovário.
C - Hérnias especiais e epônimos Hérnia de Richter: quando há pinçamento da parede lateral anmesentérica da alça; - Hérnia de Li ré: quando há um diver culo de Meckel no conteúdo herniado; - Hérnia de Amyand: quando o apêndice cecal faz parte do conteúdo herniado e existe o quadro de apendicite aguda; - Hérnia de Garengeot: semelhante à hérnia de Amyand, mas quando ocorre em hérnia femoral. -
7. Telas O uso de telas nas técnicas sem tensão é considerado rona pela maioria dos cirurgiões. As telas podem ser inabsorvíveis, de polipropileno (Prolene®) ou polipropileno associado à poligalacna (Prolene® e Vycril®). Também existem telas absorvíveis, quando há a necessidade do contato com alças intes nais. Podem ser naturais (de dura-máter, membrana amnió ca, pericárdio bovino) ou sinté cas (de poligalac na – Vycril® ou polidaxona – Proceed®).
8. Resumo Quadro-resumo - As hérnias umbilicais podem regredir espontaneamente nas crianças, dependendo do tamanho do anel herniário; - Hérnias umbilicais em adultos, epigástricas, lombares e incisionais são de tratamento cirúrgico; - Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de hérnias incisionais são infecção, desnutrição, estados de imunossupressão, aumento da pressão intra-abdominal e técnica cirúrgica inadequada.
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CAPÍTULO
11
Hérnias inguinofemorais Eduardo Bertolli
Pontos essenciais Noções anatômicas da região inguinofemoral; - Eologias das hérnias inguinofemorais; - Principais técnicas de correção cirúrgica. -
1. Hérnias inguinais As hérnias inguinais cons tuem o po mais comum de hérnia: respondem por 75% dos casos. Podem ocorrer na infância ou na vida adulta, com mecanismos e ológicos diferentes, e são mais comuns à direita (60%), seguidos da esquerda (30%) e bilaterais (10%). Mais frequentes em homens do que em mulheres, anatomicamente podem ser diretas ou indiretas, sendo as úlmas as mais comuns (Figura 1).
Figura 1 - Diferença entre hérnias inguinais indiretas e diretas; nos adultos, é comum o achado de hérnias mistas, com ambos os componentes
Nas crianças, acontecem pela persistência do conduto peritoneovaginal (hérnias indiretas). Nos adultos, na maioria das vezes, estão associadas à fraqueza da parede inguinal e ao esforço f sico (hérnias diretas). As hérnias podem ser classi ficadas segundo o esquema proposto por Nyhus:
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CIRURGIA GERAL I - Hérnias indiretas, com anel inguinal interno sem dilatação (crianças); - II - Hérnias indiretas, com anel inguinal interno dilatado; - III - a) Hérnias diretas; b) hérnias mistas; c) hérnias femorais; - IV - Hérnias recidivadas: a) diretas; b) indiretas; c) femorais; d) mistas. -
A - Anatomia da região inguinal A anatomia da região inguinal é complexa, pois, além de exigir do cirurgião um entendimento tridimensional da região, apresenta diversas estruturas que u lizam epônimos em sua nomenclatura (Figura 2).
Figura 2 - Vista anterior da região inguinal
Os principais músculos da região inguinal são o oblíquo interno, oblíquo externo e transverso do abdome. Todos se integram medialmente para formar a bainha do músculo reto abdominal. A aponeurose do músculo oblíquo interno dá origem à fáscia cremastérica e ao músculo cremáster. O espessamento inferolateral da aponeurose do músculo oblíquo externo constui o ligamento inguinal, cujo decurso da espinha ilíaca anterior até o tubérculo púbico é ligeiramente curvo e de convexidade voltada para baixo. Essa convexidade é espessada e recebe o nome de ligamento de Gimbernat. O anel inguinal externo também é formado pelas fibras do músculo oblíquo externo com sen do predominantemente oblíquo e lateromedial junto ao púbis. O anel inguinal interno encontra-se na extremidade lateral do assoalho do canal inguinal, entre o arco do músculo transverso superiormente e o ligamento ileopúbico de Thompson inferiormente, circundado pela fascia transversalis. O cordão espermáco, principal elemento anatômico na cirurgia da hérnia, é formado pelo músculo cremáster, canal deferente e vasos deferenciais, vasos cremastéricos, nervos (ileoinguinal, ílio-hipogástrico e genitofemoral) e artérias e
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HÉRNIAS INGUINOFEMORAIS
veias tesculares. As artérias tesculares são ramos diretos da aorta e localizam-se no retroperitônio, enquanto as veias se originam do plexo pampiniforme. A veia tes cular direita desemboca na veia cava inferior, e a veia tes cular esquerda termina na veia renal esquerda. O nervo ileoinguinal situa-se abaixo da aponeurose do músculo oblíquo externo e divide-se em ramos que vão inervar a pele da região púbica, a raiz do pênis e a parte superior do escroto, no homem, ou do grande lábio, na mulher. O nervo ílio-hipogástrico tem o mesmo trajeto e inervação sensorial que o nervo ileoinguinal, além de emi r ramos motores que inervam os músculos abdominais. A parr de reparos anatômicos, as hérnias inguinais são classificadas em diretas e indiretas. As primeiras surgem medialmente aos vasos epigástricos, na região conhecida como triângulo de Hesselbach, cujos limites são, medialmente, a aponeurose do músculo reto abdominal; lateralmente, o ligamento inguinal; superiormente, os vasos epigástricos. Essas hérnias são originadas da fraqueza do assoalho da região inguinal. As hérnias indiretas, que ocorrem pela passagem de conteúdo abdominal pelo anel inguinal interno, surgem lateralmente aos vasos epigástricos, na área conhecida como triângulo de Hessert (Figura 3).
(Figura 4). É di f cil diferenciar, mesmo com a propedêu ca adequada, as hérnias diretas e indiretas. Entretanto, essa diferenciação não muda a conduta, que é o tratamento cirúrgico. L A R E G A I
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Figura 4 - Apresentação clínica das hérnias: (A) hérnia inguinal indireta, (B) hérnia inguinal direta e (C) hérnia inguinal em mulher
As hérnias inguinais encarceradas ou estranguladas apresentam-se com quadro de abaulamento não redu vel e bastante doloroso (Figura 5). A presença de sinais flogíscos locais depende da duração do quadro. Como pode ser causa de abdome agudo obstru vo em todas as faixas etárias, a pesquisa de hérnias é tempo obrigatório no exame f sico de pacientes que se apresentam na emergência com esse quadro.
Figura 5 - (A) Volumosa hérnia inguinoescrotal estrangulada, cujo aspecto intraoperatório (B) con fi rmou o sofrimento das alças intest nais
C - Tratamento Figura 3 - Visão posterior da região inguinal: observar a passagem do cordão espermát co pelo anel inguinal interno (crural anterior) no sí to de origem das hérnias indiretas, lateralmente aos vasos epigástricos; bem como a região do triângulo de Hesselbach, sí to das hérnias diretas, medialmente aos vasos epigástricos
B - Quadro clínico Observa-se abaulamento inguinal, principalmente após esforço f sico, ou ainda em posição ortostá ca, que pode ou não ser reduzido espontaneamente. Durante o exame f sico, deve-se procurar palpar o anel inguinal interno e caracterizar se há ou não dilatação. A manobra de Valsalva (apneia em inspiração forçada) é ú l na maioria dos casos
O aforismo de que hérnia diagnos cada é hérnia operada é verdadeiro. Não se deve postergar o tratamento, salvo na presença de comorbidades clínicas importantes, pelo risco de encarceramento. Nos casos de hérnias encarceradas, as tentavas de redução manual devem ser desencorajadas pela dor do procedimento e por não modi ficarem a conduta, que é a cirurgia. Desde que Bassini descreveu a 1ª técnica de correção da hérnia, respeitando a anatomia da região inguinal, foram descritas diversas técnicas. A hernioplas a de Bassini consiste na sutura do tendão conjunto no ligamento inguinal (Figura 6). Apesar de ainda ser u lizada, está associada a quase 25% de recidiva por ser uma técnica com tensão.
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CIRURGIA GERAL A técnica de Lichtenstein é considerada hoje padrão-ouro na correção de hérnias inguinais por apresentar taxas de recidiva menores que 1%. É uma técnica dita sem tensão, que uliza uma tela colocada sobre a parede posterior do canal inguinal, fixada no púbis, ligamento inguinal e tendão conjunto, reforçando a musculatura e corrigindo eventuais dilatações do anel inguinal interno (Figura 8).
Figura 6 - Hernioplast a à Bassini: (A) oblíquo interno; (B) fascia transversalis; (C) ligamento inguinal; (D) oblíquo externo e (E) incisão de alívio
A técnica descrita no serviço de Shouldice, no Canadá, consiste no fechamento por planos com 4 linhas de suturas con nuas. Apesar da baixa taxa de recidiva relatada pelos criadores da técnica, esses dados são de di f cil reprodução em outros serviços, e a técnica não é empregada de ro na. A hernioplasa de Stoppa é considerada sem tensão por acesso extraperitoneal. O cirurgião acessa a região inguinal por via extraperitoneal, onde é colocada uma tela (Figura 7). A principal indicação para o uso dessa técnica são as hérnias inguinais bilaterais e/ou recidivadas.
Figura 7 - Técnica de Stoppa, já com a tela colocada, posterior às veias espermát cas (A) e à fascia transversalis (B)
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Figura 8 - Técnica de Lichtenstein, já com a tela fi xada ao tendão conjunto e ao ligamento inguinal
A correção por videolaparoscopia vem sendo bastante ulizada. À semelhança da técnica de Stoppa, o acesso é extraperitoneal, e a principal indicação são as hérnias recidivadas. As 2 principais técnicas são o TEP (Total Extra peritoneal Repair ) e o TAPP (transabdominal preperitoneal mesh repair ). A anatomia do canal inguinal pelo acesso retroperitoneal deve ser bem conhecida pelo cirurgião, em especial algumas regiões crí cas. A região conhecida como triangle of doom (ou triângulo do desastre) limita-se medialmente pelo ducto deferente, lateralmente pelos vasos gonadais e inferiormente pelos vasos ilíacos externos. Nessa região, encontram-se, além da artéria e veia ilíacas externas, a veia circunflexa profunda, o ramo genital do nervo genitofemoral e o nervo femoral. O cirurgião deve evitar o uso de grampos nessa região pela chance de lesão de um desses vasos. Outra região, conhecida como triangle of pain (ou triângulo da dor), limita-se medialmente pelos vasos gonadais, lateralmente pelo trato ileopúbico e inferiormente pela borda inferior da pele. Essa região contém os nervos cutâneos femoral lateral e femoral anterior da coxa. O uso inadverdo de grampos nessa região poderá acarretar neuralgias no pós-operatório.
HÉRNIAS INGUINOFEMORAIS
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Figura 9 - Acesso extraperitoneal: em vermelho, a região conhecida como triangle of doom, e em azul, a região conhecida como triangle of pain
Nos casos de hérnias encarceradas, o tratamento é a cirurgia de urgência. Pode ser realizada por inguinotomia, mas, na hipótese de sofrimento vascular, deve-se optar pela laparotomia mediana. A correção da hérnia deve ser realizada no mesmo procedimento.
mente, a fascia transversalis). O ori f cio miopec neo de Fruchaud consiste na projeção do triângulo de Hessert, de Hesselbach e do trígono femoral. Logo, essa região compreende todas as hérnias inguinofemorais (Figura 10).
2. Hérnia femoral A hérnia femoral resulta da projeção do saco herniário pelo trígono femoral, abaixo do ligamento inguinal. É mais comum no sexo feminino (4:1), e 90% são unilaterais, à direita.
A - Anatomia da região femoral O canal femoral limita-se, lateralmente, pela bainha dos vasos femorais, anteriormente, pelo ligamento ileopúbico (Thompson) e, inferiormente, pelo ligamento pec neo (Cooper, que consiste na aponeurose de inserção do músculo pec neo, onde também se insere, posterior e inferior-
Figura 10 - Ori f cio miopec neo de Fruchaud
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CIRURGIA GERAL B - Quadro clínico O quadro clínico é semelhante ao das hérnias inguinais (Figura 11). Não é incomum o cirurgião indicar a correção de uma hérnia inguinal e, durante o procedimento, não encontrar o defeito nessa região. Nesse caso, o mais provável é que se trate de hérnia femoral.
3. Resumo Quadro-resumo - As hérnias inguinais mais comuns são as indiretas, à direita; - A técnica considerada padrão-ouro para o tratamento é a cirurgia de Lichtenstein, que uliza uma tela sinté ca e é considerada técnica sem tensão; - As técnicas videolaparoscópicas ulizam acesso extraperitoneal; - A hérnia femoral é mais comum em mulheres, e o tratamento é feito pela cirurgia de McVay ou pela colocação de telas e próteses.
Figura 11 - Diferença entre (A) hérnias femorais e (B) hérnias inguinais
C - Tratamento O tratamento também é cirúrgico. A principal técnica descrita é a de McVay, pela qual o tendão conjunto é suturado ao ligamento de Cooper após a abertura da fascia transversalis (Figura 12). Na década de 1990, Gilbert descreveu a técnica de correção de hérnias com tela dupla (PHS – Prolene Hernia System®). A porção inferior da tela é colocada sobre o ori f cio miopec neo de Fruchaud, de modo que permita a correção de hérnias inguinais e femorais. Uma 3ª possibilidade é a correção com colocação de tela sobre a parede posterior (a semelhança da técnica de Lichtenstein) associada à colocação de um plug de material sintéco semelhante à tela para fechamento do ori f cio femoral.
Figura 12 - Técnica de McVay: (A) abertura da fascia transversalis com exposição do ligamento de Cooper e (B) fi xação do tendão conjunto ao ligamento de Cooper após redução do saco herniário
Nas hérnias femorais encarceradas, na impossibilidade de redução do conteúdo herniado, uma das opções é a secção do ligamento inguinal. As complicações mais temidas das hernioplasas femorais são as lesões vasculares, seja pela rafia acidental da veia femoral à parede posterior, seja pela compressão da artéria após o fechamento do ori f cio femoral.
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CAPÍTULO
12
Generalidades sobre o abdome agudo
Pontos essenciais Sinais clínicos clássicos do abdome agudo; - Avaliação clínica e principais exames complementares. -
1. Introdução Define-se abdome agudo uma síndrome dolorosa aguda de intensidade variável, que leva o doente a procurar o serviço de urgência e requer tratamento imediato, clínico ou operatório. Não tratado, evolui para piora dos sintomas e progressiva deterioração do estado geral. As caracteríscas semiológicas, observadas no exame clínico por meio da anamnese e do exame f sico, são os principais fatores que conduzirão o médico ao diagnós co e à possível conduta. As condições clínicas que simulam um abdome agudo devem ser afastadas para uma correta abordagem terapêuca.
2. Avaliação A - Anamnese e exame f sico Muitas das afecções agudas do abdome apresentam caracteríscas peculiares que podem ser sugeridas no momento da anamnese e do exame f sico. Para tanto, dados relevantes, como início dos sinais e sintomas, caracterís cas semiológicas da dor, febre, náuseas, vômitos, distensão abdominal, ruídos hidroaéreos intes nais, hematêmese e/ ou melena, entre outros, são de vital importância. A dor é o principal sintoma na síndrome do abdome agudo. A inves gação das caracteríscas da dor pode, muitas vezes, orientar a e ologia do quadro (Tabela 1). É possível classificar a dor em 3 pos: visceral, somáca e referida. A dor visceral normalmente é mal localizada, ao longo da linha média, causada por distensão ou es ramento dos órgãos e costuma ser a 1ª manifestação das afecções intra-abdominais. A dor somáca é mediada por receptores ligados a nervos somácos existentes no peritônio parietal e na raiz do mesentério, sendo responsável por sinais propedêucos como a contratura involuntária e o abdome “em
Eduardo Bertolli
tábua”. Por fim, a dor referida leva à percepção da sensação dolorosa no ponto de inserção da origem do órgão no segmento medular do corno posterior da medula. Como esta via faz sinapse na medula espinhal com alguns dos neurônios que recebem fibras de dor da pele, esse po de dor pode ser senda como se fosse super ficial (Figura 1). Tabela 1 - Característ cas da dor nos diversos t pos de abdome agudo Abdome agudo
Tipo de dor
Intervalo entre o início da dor e a admissão no serviço de emergência
Inflamatório
Insidiosa, progressiva
Geralmente longo
Obstruvo
Cólica
Variável
Perfuravo
Súbita, difusão precoce
Geralmente curto
Hemorrágico
Súbita, difusa
Curto
Vascular
Súbita, progressiva ou anginosa, associada às alimentações
Curto
Figura 1 - Principais localizações de dor referida de acordo com a et ologia
A febre é uma manifestação comum, geralmente discreta, nas fases iniciais de afecções in flamatórias e infecciosas, tornando-se elevada em fases mais avançadas. Em
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CIRURGIA GERAL imunodeprimidos, idosos e com doenças crônicas como o diabetes mellitus, a febre pode estar ausente, assim como outros sinais de alerta. Por vezes, o abdome agudo se apresenta como infecção grave acompanhada de manifestações sistêmicas como calafrios e toxemia, evoluindo, inclusive, para choque sépco, o que é mais frequente nos casos de peritonites graves. O exame f sico é imprescindível para o diagnós co. O paciente deve ser examinado em decúbito dorsal, com o abdome totalmente descoberto. As regiões do abdome, os movimentos, os aumentos de volume e as alterações na epiderme devem ser observados. A presença de cicatrizes abdominais tem importância e pode sugerir a e ologia da obstrução associada a aderências. A percussão auxilia nos casos de perfuração e suboclusão. A palpação é considerada a parte mais importante, pois é por meio dela que o médico poderá sen r a presença de peritonite localizada (apendicite e colecis te) ou difusa (úlcera perfurada) que se traduz pela contra lidade da musculatura de forma involuntária.
B - Exames complementares Devem-se solicitar exames laboratoriais como hemograma, amilase, lipase, bilirrubinas, transaminases e enzimas canaliculares, além de eletrólitos e gasometria. A urina I auxilia em diagnós cos diferenciais. Entre os exames de imagem, a ro na para o abdome agudo deve constar de uma radiogra fia do abdome em incidência anteroposterior em pé e em decúbito, e de uma radiogra fia do tórax anteroposterior com visualização das cúpulas diafragmácas. O decúbito lateral esquerdo com raios transversais (posição de Laurel) pode ser u lizado na suspeita de perfuração de víscera oca. Ultrassom (US) abdominal e Tomografia Computadorizada (TC) podem ser solicitados de acordo com a suspeita diagnós ca. Alguns exames podem ser diagnós cos e terapêu cos. É o caso da videolaparoscopia, da endoscopia diges va alta e da colonoscopia, cada qual com indicações e contraindicações.
3. Classificação Didacamente, é possível classi ficar o abdome agudo em 5 categorias: - Perfura vo; - Inflamatório; - Obstruvo; - Hemorrágico; - Isquêmico. Existem ainda situações clínicas que podem cursar com dor abdominal, mimezando abdome agudo como síndromes coronarianas, porfiria, doenças reumatológicas etc.
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CAPÍTULO
13 Pontos essenciais Apendicite aguda; - Coleciste aguda; - Pancreate aguda; - Diverculite aguda. -
1. Definições Didacamente, o termo abdome agudo in flamatório envolve as afecções intra-abdominais que geram um quadro de peritonite secundária a um processo infeccioso ou inflamatório. De modo geral, o quadro caracteriza-se por dor lenta, insidiosa e progressiva de início, normalmente com um intervalo longo entre o início dos sintomas e a procura ao serviço de emergência. Na propedêu ca abdominal, a palpação pode revelar defesa localizada ou generalizada, por meio da contração voluntária da musculatura abdominal. É um mecanismo de defesa, tendo em vista o comprome mento peritoneal. As causas mais comuns de abdome agudo in flamatório são a apendicite aguda, a colecis te aguda, a pancreate aguda e a diver culite aguda.
Abdome agudo inflamatório Eduardo Bertolli
A maioria dos casos de apendicite decorre de uma obstrução da luz apendicular por fecalito, tecidos linfoides hiperplásicos, cálculos ou parasitas. Após a obstrução instalada, a pressão intraluminal aumenta, o que determina isquemia, desenvolvendo um processo in flamatório transluminal. Segue-se a infecção bacteriana, que se instala em toda a parede apendicular, podendo ocorrer gangrena e perfuração em até 24 horas; no entanto, esse tempo é muito variável. Conforme a evolução do quadro, é possível classificar a apendicite aguda em fases. A classi ficação mais ulizada a divide em fases edematosa, fibrinosa, flegmonosa e perfurava ou gangrenosa (Figura 2).
2. Apendicite aguda A apendicite aguda, a afecção cirúrgica mais comumente atendida nos serviços de urgência, é a principal causa de abdome agudo em crianças, adolescentes e adultos jovens (Figura 1).
Figura 2 - Fisiopatologia e evolução da apendicite aguda
Figura 3 - Correlação da fi siopatologia com a evolução macroscó pica da apendicite na obstrução por fecalitos
Figura 1 - Risco de desenvolvimento de apendicite com a idade
O diagnósco de apendicite aguda é eminentemente clínico. O quadro clássico é de dor abdominal inicialmente periumbilical que migra para a Fossa Ilíaca Direita (FID),
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CIRURGIA GERAL acompanhada de anorexia, náuseas e vômitos, com estado subfebril ou ausência de febre no início do quadro. A dor se torna cada vez mais localizada na FID, e surge a irritação peritoneal local. A ausculta abdominal pode revelar ausência ou diminuição acentuada dos ruídos intes nais. A percussão dolorosa é a manobra propedêu ca importante. À palpação, revela dor no ponto de McBurney, anatomicamente localizado a 1/3 de uma linha imaginária que vai da espinha ilíaca anterossuperior até o umbigo. O sinal de Blumberg consiste na descompressão brusca dolorosa após a palpação da FID. Outros sinais propedêu cos que podem estar presentes na apendicite aguda estão descritos na Tabela 1. Tabela 1 - Sinais propedêut cos na apendicite aguda Sinal propedêu tco
Correspondência clínica
Blumberg
Descompressão brusca dolorosa após a palpação da FID no ponto de McBurney.
Rovsing
Dor na FID quando se palpa a Fossa Ilíaca Esquerda (FIE), ocasionando retorno gasoso com distensão do ceco.
Lennander
Dissociação entre temperatura retal e axilar >1°C.
Summer
Hiperestesia na FID.
Lapinsky
Dor à compressão da FID enquanto se solicita ao paciente para elevar o membro inferior direito.
Punhopercussão
Dor na FID à punho-percussão do calcâneo.
Exames laboratoriais são inespecí ficos e, na maioria das vezes, solicitados para afastar diagnós cos diferenciais. Entre os exames de imagem, o raio x de abdome fornece sinais indiretos, como borramento da linha do psoas, posição antálgica com escoliose côncava para o apêndice e alça ileal paréca próximo à FID. O achado de cálculo no quadrante inferior direito do abdome pode sugerir fecalito. A presença de pneumoperitônio na apendicite aguda é rara. O USG abdominal tem sensibilidade de 75 a 90%, especificidade de 86 a 100% e 90 a 98% de acurácia geral para apendicite aguda (Figura 5A). O achado de um apêndice não compressível costuma ser relatado como o dado mais especí fico, porém isso só pode ser considerado em pacientes magros. Também é possível localizar bloqueio pélvico ou coleção líquida na FID. A Tomografia Computadorizada (TC) pode iden ficar o apêndice distendido ou coleções e bloqueios locais. Também podem ser encontrados espessamento parietal do ceco, fecalito, ar extraluminal, ar intramural dissecando as paredes e flegmão do ceco (Figura 5B). A videolaparoscopia pode ser usada como recurso diagnósco e terapêuco. Suas indicações clássicas são obesos, gestantes e nos casos de dúvida diagnós ca.
Apresentações clínicas a picas são comuns em indivíduos que apresentam variações anatômicas do apêndice (Figura 4), imunocomprome dos (HIV, diabetes mellitus, lúpus, esclerodermia) ou por uso de imunossupressores (corcoides ou quimioterapia para câncer). Gestantes também poderão apresentar dores a picas no abdome, com di ficuldade diagnósca em virtude da posição cecal alterada pelo aumento do útero gravídico. Mulheres em idade fér l também apresentam diagnósco dificultado pelo maior leque de possibilidades diagnós cas.
Figura 4 - Posições anatômicas do apêndice
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Figura 5 - Apendicite aguda: (A) apresentação ultrassonográ fi ca e (B) tomogra fi a computadorizada; nota-se um apêndice distendido de 6mm de diâmetro com captação parietal (seta) – a seta triangular demonstra um fecalito
ABDOME AGUDO INFLAMATÓRIO
Confirmado o diagnósco, o tratamento é eminentemente cirúrgico através da apendicectomia. A 1ª descrição do procedimento em uma apendicite aguda não perfurada data de 1880. A incisão clássica u lizada é a descrita por McBurney (Figura 6). O chamado ponto de McBurney está situado no quadrante inferior direito, a 2/3 de distância do umbigo, em uma linha imaginária entre a espinha ilíaca anterossuperior e o umbigo. Realiza-se uma incisão oblíqua, sendo 1/3 acima dessa linha imaginária e 2/3 abaixo.
L A R E G A I
G R U R I C
B
Figura 6 - (A) Incisão de McBurney e (B) sí to s para colocação dos trocânteres na apendicectomia videolaparoscópica
Outras incisões possíveis são a incisão de Rockey-Davis (transversa, sobre o ponto de McBurney), de Ba le (paramediana, pararretal externa, infraumbilical à direita) e a incisão mediana. Esta deve ser indicada nos casos de diagnósco tardio, presença de plastrão palpável e suspeita de complicações como f stulas para outros órgãos. O ceco deve ser iden ficado primeiramente; caso isso não seja possível, deve-se considerar má rotação dos intesnos. Uma vez iden ficado o apêndice cecal, realiza-se a ligadura dos vasos do meso-apêndice, seguida da ligadura e da secção do apêndice na base. O coto cecal pode ser invaginado pela técnica de Osnher (bolsa de tabaqueiro) ou à Parker-Kehr (Figura 7).
Figura 7 - Apendicectomia: (A) incisão de McBurney; (B) ident fi cação do apêndice cecal; (C) ligadura do apêndice na base, após a ligadura do meso-apêndice; e (D) invaginação do coto apendicular pela técnica de Osnher ou bolsa de tabaqueiro
Em caso de apêndice normal no intraoperatório, deve-se estender a inves gação procurando por diver culo de Meckel, salpingite aguda e doença de Crohn. Preconiza-se a remoção do apêndice, mesmo que normal, a todos os pacientes que forem subme dos à incisão de McBurney ou Rockey-Davis. A abordagem laparoscópica facilita uma inves gação mais ampla e está associada a menor período de internação hospitalar e à recuperação mais rápida do paciente para suas avidades diárias.
3. Colecistte aguda A coleciste aguda representa a 3ª causa de internação nos serviços de emergência e está associada a cálculos em
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CIRURGIA GERAL mais de 95% dos casos. Resulta da obstrução do ducto císco por cálculo impactado no infundíbulo, tornando a vesícula inflamada e distendida. Do ponto de vista epidemiológico, a população mais frequentemente acomeda é a do sexo feminino, acima de 40 anos e com sobrepeso ou obesidade. A colecis te aguda aliásica pode ocorrer em 3 a 5% das vezes, principalmente em doentes crí cos em terapia intensiva, diabé cos e naqueles com recém-nutrição parenteral. O quadro clínico caracteriza-se por dor persistente no hipocôndrio direito (HCD), associada a náuseas e vômitos. Febre não é comum na fase inicial da doença. Outros episódios no passado com resolução espontânea ou a par r do uso de an espasmódicos são incomuns (cólica biliar). Ao exame f sico, nota-se defesa à palpação no HCD. O chamado sinal de Murphy consiste em comprimir o HCD e solicitar ao paciente que realize uma inspiração profunda. Na vigência de coleciste, a irritação peritoneal fará com que o paciente cesse a respiração. A avaliação laboratorial, além de hemograma e bioquímica, deve contar com bilirrubinas e enzimas canaliculares para avaliação de cálculos na via biliar. A USG abdominal é o método de eleição para diagnós co, revelando espessamento da parede da vesícula, líquido e/ou ar perivesicular, além de indicar a presença e a localização de cálculos (Figura 8A).
O tratamento da colecis te aguda é cirúrgico, mas o momento de indicação operatória pode variar. De maneira geral, preconiza-se a indicação precoce, sendo que a operação só não é realizada de imediato quando a doença se apresenta na forma não complicada em doente de alto risco operatório. A colecistectomia videolaparoscópica (CVL) é considerada padrão-ouro (Figura 8B). An biocoterapia é de curta duração, exceto quando houver infecção associada.
4. Pancreatte aguda A pancreate aguda é um processo in flamatório do pâncreas, geralmente de natureza química, provocada por enzimas produzidas por ele próprio, e que tem como resultado final uma autodigestão da glândula. A e ologia mais comum é a li ase biliar (70%), seguida de e lismo e hipertrigliceridemia. Algumas casuís cas relatam de 5 a 10% de casos de pancreate aguda idiopá ca. A dor abdominal é o elemento mais importante no quadro clínico, normalmente associada a vômitos. A apresentação da dor em faixa no abdome superior e no dorso está presente em cerca de 50% dos doentes. Sinais de toxemia, como febre e alterações circulatórias, denotam quadros avançados. Alguns sinais propedêu cos, como as manchas equimócas periumbilicais (sinal de Cullen) ou no flanco esquerdo (sinal de Grey-Turner), são secundários à hemorragia peritoneal ou retroperitoneal. Os principais exames para con firmação diagnósca são as dosagens de amilase e lípase sérica. Essas medidas são qualitavas, de modo que não se relacionam à gravidade do quadro. A avaliação da gravidade é realizada por dados clínicos e laboratoriais. Diversas escalas e escores são descritos na avaliação da gravidade e prognós co na pancrea te aguda, como Ranson, APACHE 2 e Glasgow. Os parâmetros de Ranson (Tabela 2) são avaliados na admissão e após 48 horas. A presença de 3 ou mais parâmetros indica pancrea te aguda grave. Tabela 2 - Critérios de Ranson na avaliação de gravidade da pancreat te aguda Admissão
Figura 8 - Colecist te aguda: (A) aspecto ultrassonográ fi co, evidenciando líquido perivesicular e espessamento da parede da vesícula, e (B) colecistectomia videolaparoscópica
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Após 48h
Idade >55 anos
Queda do Ht >10%
Leucócitos >16.000
Aumento BUN >5
Glicemia >200
Ca sérico <
DHL >350
PO2 arterial <60
TGO >250
Sequestro líquido >6.000mL
A USG abdominal pode con firmar a eologia biliar. A indicação de TC de abdome reserva-se aos quadros complicados para avaliação de complicações como presença de coleções e necrose. Preconiza-se a realização de TC após 72 horas do início dos sintomas àqueles com elementos sugesvos de gravidade.
ABDOME AGUDO INFLAMATÓRIO
A avaliação de gravidade da pancrea te aguda pela TC de abdome segue o trabalho clássico de Balthazar, que avalia o aspecto do parênquima hepá co, presença de coleções e porcentagem de necrose, conferindo uma pontuação a cada um desses itens (Tabela 3). A par r dessa pontuação, é possível prever a possibilidade de morbidade e mortalidade. Por exemplo, pacientes entre 0 e 1 ponto têm 0% de morbidade e mortalidade. Já aqueles entre 7 e 10 pontos apresentam 17% de mortalidade e 92% de morbidade. Tabela 3 - Escala de Balthazar para avaliação da gravidade da pancreat te aguda pela tomogra fi a computadorizada – adaptado de Balthazar, Radiology 2002 Pancreatte aguda graduada pela TC Gravidade
Achados tomográficos
A
Pâncreas normal.
B
Aumento focal ou difuso do pâncreas.
C
Inflamação pancreáca e/ou gordura peripancreáca.
D
Coleção líquida única peripancreáca.
E
2 ou mais coleções líquidas peripancreácas e/ou gás no pâncreas ou peripancreáco.
5. Divertculite aguda
Índice de gravidade Pontuação
que não responderam às medidas clínicas. A tendência é aguardar pelo menos 14 dias, após estabelecida a necrose, em cuidados clínicos intensivos, antes de indicar a cirurgia. A cirurgia precoce pode trazer problemas como maior sangramento, maior retirada de tecido sadio e maior possibilidade de fístula pancreática no pós-operatório. Entretanto, se um doente apresenta diagnóstico de infecção associado à falência orgânica, o tratamento operatório deve ser indicado independentemente do dia de evolução. Frequentemente, casos como esse necessitarão de novas laparotomias para limpeza da cavidade. Mesmo em serviços especializados, o prognóstico é bastante limitado.
A diverculite aguda é causada pela perfuração de um diver culo, resultado da ação erosiva de um fecalito ou do aumento demasiado da pressão intraluminal, levando ao quadro de peritonite. A classi ficação proposta por Hinchey em 1977 (Figura 9) considera a localização dos abscessos e a extensão do processo infeccioso.
*Necrose
Gravidade
Pontos
Porcentagem
Pontos adicionais
Índice de gravidade
A
0
0
0
0
B
1
0
0
1
C
2
<30
2
4
D
3
30 a 50
4
7
E
4
>50
6
10
* À pontuação tomográ fi ca, é somada outra pontuação de acordo com a porcentagem de necrose pancreát ca.
Formas leves podem ser tratadas com jejum, hidratação vigorosa e controle da dor. Se a e ologia é biliar, preconiza-se a realização da CVL na mesma internação para evitar novos episódios. Quadros graves, por sua vez, exigem internação em terapia intensiva. Além das medidas iniciais, devem-se avaliar a necessidade de sonda nasogástrica e a correção hidroeletrolí ca. Anbiócos são indicados nas complicações infecciosas, geralmente quando se observa ar em retroperitônio pela TC. O suporte nutricional é de suma importância nesses pacientes devido ao estado de catabolismo em que se encontram, de modo que nenhum doente com pancrea te aguda grave deve ficar em jejum por mais de 48 horas. Apesar de controvérsias em torno da melhor forma de oferecer suporte nutricional, nutrição enteral ou parenteral, a tendência da maioria dos serviços é a nutrição enteral com sonda nasoentérica locada após o ângulo de Treitz por endoscopia ou radioscopia. A indicação de cirurgia é conduta de exceção. As necrosectomias devem ser realizadas em necroses extensas
Figura 9 - Classi fi cação de Hinchey para localização e extensão
O quadro clínico da diver culite aguda não complicada já foi descrito como “apendicite do lado esquerdo”. O paciente apresenta dor na FIE e febre persistentes. Ao exame f sico, há defesa e peritonite no quadrante inferior esquerdo. Podem ocorrer f stulas, sendo a retovesical a mais comum. Nesses casos, observam-se pneumatúria e infecção urinária que não responde ao tratamento clínico. O exame considerado padrão-ouro para avaliar a doença é a TC de abdome e pelve, que con firma a presença do processo infeccioso e afasta outras hipóteses diagnós cas. A colonoscopia e o enema opaco são contraindicados na fase aguda, pelo risco de desbloqueio de uma possível perfuração e contaminação da cavidade. O tratamento deve ser orientado conforme a apresentação da doença pela classi ficação de Hinchey (Tabela 4).
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L A R E G A I
G R U R I C
CIRURGIA GERAL Tabela 4 - Tratamento da diver tc ulite aguda baseado na Classi fi cação de Hinchey Hinchey I
Internação hospitalar para jejum, hidratação, anespasmódicos, anbiócos (cobertura de Gram negavos e anaeróbicos) e observação por 48 a 72 horas.
A falha no tratamento clínico de um abscesso pequeno ou a presença de uma grande coleção Hinchey II pélvica demandam drenagem, que pode ser feita preferencialmente por meio de radiologia intervencionista ou com abordagem cirúrgica. Ressecção cirúrgica e, dependendo do caso, Hinchey III anastomose primária. Pode ser realizada ressecção videolaparoscópica. Hinchey IV Cirurgia de Hartmann por laparotomia.
Deve-se ressaltar que casos tratados clinicamente ou apenas com drenagem do abscesso devem ser operados de forma eleva. Outros critérios de indicação cirúrgica são 2 ou mais crises bem documentadas em paciente com mais de 50 anos ou um quadro agudo em paciente com menos de 50 anos, presença de complicações ( f stulas, estenose segmentar, perfuração e hemorragia), imunodeprimidos e impossibilidade de excluir câncer.
6. Resumo Quadro-resumo Exame f sico Apendicite aguda
Blumberg, Rovsing, Lennander etc.
Diagnóstco
Tratamento
Eminentemente Sempre clínico cirúrgico Cirurgia, antes ou depois do uso de anbióco
Colecistte aguda
Murphy
Pancreatte aguda
Inicialmente Amilase e lipase. clínico, Cullens, Grey- A TC deve ser cirúrgico Turner usada nas nas formas complicações complicadas
“Apendicite Divertculite do lado aguda esquerdo”
90
USG
TC
Clínico ou cirúrgico, a depender da gravidade
CAPÍTULO
14 Pontos essenciais -
Quadro clínico e diagnós co; Conduta.
1. Etologia
Abdome agudo perfuratvo Eduardo Bertolli
O diagnósco pode ser con firmado com a visualização de pneumoperitônio ao raio x ou tomogra fia de abdome (Figura 1). Normalmente, grandes pneumoperitônios associam-se a perfurações colônicas. A prá ca de passar uma sonda nasogástrica (SNG) para injetar ar, apesar de favorecer a visualização do pneumoperitônio, pode destamponar a lesão e aumenta a contaminação da cavidade.
O abdome agudo perfura vo resulta da peritonite secundária a uma perfuração de víscera oca com extravasamento de material na cavidade abdominal. Em perfurações gástricas, a eologia mais comum são as úlceras pép cas, de modo que é comum o relato de uso de An -Inflamatórios Não Esteroides (AINEs). Perfurações do delgado são raras e devem alertar para a ingestão de corpo estranho. As perfurações colônicas normalmente estão associadas a patologias de base como diver culos ou tumores. Doenças infecciosas como citomegalovírus e tuberculose podem ser causas de perfuração intesnal em pacientes imunodeprimidos.
2. Quadro clínico Independente da e ologia, o quadro clínico costuma ser semelhante. O paciente relata uma dor súbita e intensa, de início bem determinado. A difusão precoce da dor traduz a disseminação do líquido gastrintesnal que é intensamente “irritante” ao peritônio. A queixa de dor em ombro e pescoço pode ocorrer pelo gás ou pela irritação do nervo frênico. Os antecedentes listados podem ser pesquisados com o intuito de diagnósco eológico. Ao exame f sico, o dado principal é o chamado abdome “em tábua”, com contratura generalizada. Outro dado propedêuco importante é o sinal de Joubert, que consiste no som mpânico à percussão do hipocôndrio direito pela interposição gasosa. Dependendo do po de perfuração, pode haver defesa localizada ou generalizada. Quando a perfuração é bloqueada ou tamponada, pode exis r dor localizada, sendo flácido o restante do abdome. Evoluções arrastadas cursam com sinais evidentes de sep cemia. Exames laboratoriais podem ser solicitados já para avaliação global, mas não alteram a hipótese diagnós ca.
Figura 1 - Pneumoperitônio: (A) raio x de tórax com cúpulas e (B) tomogra fi a computadorizada
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CIRURGIA GERAL 3. Tratamento O tratamento é eminentemente cirúrgico, por meio de laparotomia exploradora. A conduta intraoperatória dependerá da eologia do quadro. Úlceras perfuradas, na maioria das vezes, podem ser suturadas, associando ou não à proteção com retalho de grande omento (Figuras 2 e 3). É recomendado o uso de fios inabsorvíveis. A realização de gastrectomias é rara e acaba reservada a úlceras de grande diâmetro ou tenebrantes para o pâncreas.
4. Resumo Quadro-resumo - O diagnósco do abdome agudo perfuravo é eminentemente clínico, com base nos achados de dor súbita, irritação peritoneal generalizada, abdome “em tábua” e ausência de macicez hepáca; - Radiografia e tomografia de abdome podem confirmar o diagnósco sindrômico, mas, di ficilmente, o diagnósco eológico; - O tratamento é sempre cirúrgico.
Figura 2 - Sutura simples de úlcera pré-pilórica
Figura 3 - Sutura de úlcera com confecção de patch de epíploon
Perfurações de delgado também podem ser suturadas ou exigir enterectomias segmentares. Quando a origem é o cólon, é comum o achado de peritonite estercorácea. Dessa maneira, a maioria dos casos acaba sendo tratada com retossigmoidectomia à Hartmann. Suturas no cólon, com ou sem ostomias de proteção, são controversas e devem ser avaliadas individualmente, com base no grau de contaminação da cavidade e no estado hemodinâmico do paciente. Após a correção da perfuração, o paciente deverá ser orientado quanto ao tratamento da condição de base. Úlceras pépcas devem ser tratadas com inibidores de bomba protônica e suspensão do AINE logo no pós-operatório imediato. Patologias neoplásicas devem iniciar tratamento especí fico assim que o paciente se recupera da cirurgia.
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CAPÍTULO
15 Pontos essenciais Caracteríscas clínicas das obstruções intes nais; - Tratamentos clínico e cirúrgico do abdome agudo obstruvo. -
1. Classificação Qualquer afecção que di ficulte ou impossibilite o trânsito gastrintesnal pode ser de finida como obstrução intes nal. A obstrução intes nal constui a 2ª afecção abdominal aguda não traumáca mais frequente, sendo a obstrução do delgado mais comum que a do intes no grosso. Pode ocorrer em qualquer faixa etária, e a letalidade varia de 7 a 30%, dependendo da precocidade do diagnós co e da instuição de terapêu ca adequada. A classificação dos casos de obstrução pode ser adotada tanto para o diagnósco diferencial quanto para a conduta terapêuca. Didacamente, as obstruções podem ser divididas em altas (acima da válvula ileocecal) e baixas; funcionais (decorrentes de causas sistêmicas como fatores metabólicos ou infecciosos) e mecânicas (decorrente de causas extrínsecas ou intrínsecas ao cólon), ou simples e complicadas (com sofrimento vascular).
2. Etologia Historicamente, com o maior acesso ao atendimento médico, as hérnias foram suplantadas pelas aderências ou bridas como as causas mais comuns de obstrução intes nal de tratamento cirúrgico. Outras causas de obstrução mecânica comuns são as neoplasias, volvos e intussuscepções, corpos estranhos, íleo biliar, doença in flamatória intesnal, estenoses isquêmicas, diver culo de Meckel, bolo de áscaris e hematomas intramurais (Tabela 1). Tabela 1 - Causas mecânicas mais prevalentes de obstrução intes t nal - Bridas ou aderências pós-operatórias; - Hérnias de parede abdominal ou internas; - Tumores;
Abdome agudo obstrutvo Eduardo Bertolli
- Volvos; - Intussuscepção; - Diver culo de Meckel; - Corpos estranhos intra ou extraluminares; - Estenoses benignas.
Dividindo por faixas etárias, as principais causas de obstrução em crianças são hérnias estranguladas, diver culo de Meckel e intussuscepção. Em adultos jovens, predominam as hérnias e as bridas. Nos idosos, as causas mais comuns são aderências, íleo biliar, hérnias e tumores. Observa-se que as hérnias estão presentes em todas as faixas etárias, de modo que a procura por hérnias é tempo obrigatório da avaliação de doentes com obstrução intes nal. Genericamente, uliza-se o termo íleo adinâmico para caracterizar a interrupção funcional dos movimentos peristálcos e, consequentemente, do trânsito intes nal. As principais causas de íleo adinâmico são as doenças primárias do peritônio, as doenças de órgãos intraperitoneais e as molésas extra-abdominais ou sistêmicas. Diversas situações clínicas, como quadros infecciosos, desequilíbrio hidroeletrolí co e todos os demais quadros sistêmicos expressivos, podem ocasionar a obstrução funcional de intesno. O uso de drogas lícitas ou ilícitas também deve ser lembrado como causa prevalente de íleo paralí co.
3. Fisiopatologia Na obstrução mecânica simples, sem sofrimento de alça, há distensão do intes no proximal com acúmulo de líquido e gás a montante do ponto de obstrução. Posteriormente, há hiperproliferação bacteriana com produção acentuada de gás e piora da distensão gasosa. A presença de distensão abdominal depende do nível da obstrução e não da fase da doença ou do risco de estrangulamento. A translocação bacteriana sempre ocorre, contribuindo para os sinais sistêmicos de resposta in flamatória. À medida que a dilatação progride, há extravasamento de líquido para o 3º espaço, tanto pelo acúmulo intraluminal quanto para a cavidade peritoneal. Os vômitos também contribuem para a desidratação e hipovolemia que acompanham o quadro.
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CIRURGIA GERAL Na obstrução alta, ocorre alcalose metabólica hipocalêmica e hipoclorêmica, enquanto na obstrução baixa é mais comum haver acidose metabólica. O sofrimento de alça ou estrangulamento acontece quando há comprome mento da vascularização de um seguimento intesnal secundariamente à obstrução. As hérnias, os volvos e as intussuscepções intes nais são as formas de obstrução mais propensas ao estrangulamento. A drenagem venosa é compromeda mais facilmente que a irrigação arterial quando o mesentério é envolvido. O segmento gangrenado sangra para o lúmen e para a cavidade peritoneal, e pode ocorrer perfuração com peritonite. Os produtos da degradação da parede intes nal, da proliferação bacteriana e da coagulação sanguínea podem ter acesso à circulação, gerando toxemia e sepse.
4. Diagnóstco O quadro clínico é de dor abdominal, geralmente do po cólica, associada à distensão, vômitos e história de parada de eliminação de flatos e fezes. A dor é mais intensa nas obstruções de intes no médio e distal e pode ser considerada um desconforto abdominal pelos pacientes com obstrução alta. O predomínio de distensão ou de vômitos dependerá da altura da obstrução. Quanto mais baixa, mais evidente a distensão e menor a frequência dos vômitos. Os vômitos são, nas obstruções altas, alimentares e biliosos, e podem se tornar fecaloides na obstrução baixa, mas mantêm relação com a gravidade do quadro nos pacientes com obstrução alta. Ao exame f sico, a distensão pode ser facilmente percebida à inspeção está ca. Em indivíduos magros, é possível visualizar os movimentos peristál cos (peristalsmo de Kussmaul). Os ruídos hidroaéreos de mbre metálico indicam obstáculo mecânico ao trânsito intes nal, mas podem se tornar progressivamente menos intensos ou abolidos nas fases tardias da obstrução. Nas obstruções de intesno delgado, normalmente o paciente elimina o conteúdo retal e colônico, apresentando toque retal normal. Os sinais de choque hipovolêmico ou sép co são encontrados nas fases tardias e, na ausência de distensão abdominal, indicam o aparecimento de uma complicação secundária a obstruções do intes no proximal. Sinais clínicos de peritonite como dor con nua, febre e taquicardia podem sugerir sofrimento de alça. Os exames laboratoriais são inespecí ficos e permitem uma avaliação global. Pode haver leucocitose, e a dosagem bioquímica e de eletrólitos pode evidenciar distúrbios do equilíbrio ácido-básico. As radiogra fias simples de abdome e tórax podem trazer informações úteis quanto ao po, grau de evolução, presença de complicações e até e ologia da obstrução intesnal. A presença de gás no intes no delgado com níveis hidroaéreos e dilatação de alças sugere obstrução intesnal. O sinal de “empilhamento de moedas” é caracterísco das obstruções do delgado. A avaliação de presença ou de gás no cólon e reto está relacionada às obstruções parciais ou totais de intes no delgado (Figura 1).
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Figura 1 - Aspecto radiológico nas obstruções intest nais: (A) distensão à custa de delgado com sinal de empilhamento de moedas; (B) níveis hidroaéreos e (C) distensão do cólon com ausência de ar em ampola retal
Pneumatose intesnal (gás na parede do intes no), pneumoperitônio e a presença de gás nos ramos portais levam ao diagnósco de complicações graves. A aerobilia com presença de imagem hipotransparente no Quadrante Inferior Direito (QID) é suges va de íleo biliar. Nos casos de íleo paralí co, o gás se distribui de forma uniforme pelo estômago, intesno delgado, cólon e reto. Os estudos contrastados, como o enema opaco e o trânsito intesnal, podem ser úteis na iden ficação do ponto de obstrução e na diferenciação dos casos de íleo paralí co e obstrução mecânica. A u lização de contraste baritado deve ser evitada quando há sangramento ou outra suspeita de perfuração intes nal. A ultrassonografia de abdome não é um bom método devido à interposição gasosa. A tomogra fia computadorizada de abdome fornece as informações da radiogra fia simples, acrescidas de maior especi ficidade para o diagnós co de tumores, compressões extrínsecas, f stulas intesnais e doenças inflamatórias. A capacidade do paciente de ingerir contraste está diretamente relacionada à qualidade da informação obda.
5. Tratamento Os quadros de obstrução parcial devem ser tratados inicialmente de maneira conservadora, por meio de descompressão nasogástrica e reposição hidroeletrolí ca, com índices de até 90% de sucesso desde que haja passagem de gases e fezes e não sobrevenham sinais e sintomas de estrangulamento. A indicação de cirurgia pode ser feita em caso de estagnação do quadro após algumas horas. Alguns cirurgiões espulam 48 horas como limite para a indicação cirúrgica, mas isso não é consensual. A indicação deve ser baseada mais em critérios clínicos e na provável eologia do quadro obstruvo do que em datas-limite especí ficas. Com exceção dos casos de choque hiperdinâmico grave que não respondem ao tratamento clínico, a operação deve ser realizada somente após a reposição volêmica e eletrolí ca, quando as funções vitais estão recuperadas.
ABDOME AGUDO OBSTRUTIVO
Pacientes com obstrução parcial pós-operatória, por bridas, enterite ac nica e carcinomatose intes nal são aqueles para quem o tratamento cirúrgico trará menos bene f cios, o que adia a indicação de laparotomia o máximo possível. Já nos quadros de obstrução total, a operação deve ser retardada apenas o tempo necessário para o preparo clínico inicial, já que não há como excluir sofrimento de alça. Todos os pacientes com sinais e sintomas de estrangulamento devem ser submedos a operações de emergência, pois a mortalidade é bastante elevada nesse subgrupo. O cirurgião não deve esperar o desenvolvimento de sinais de piora com o tratamento clínico para indicar a laparotomia. A anbiocoterapia deve ser sempre associada ao tratamento clínico para tratar de forma preemp va a translocação bacteriana que ocorre. É importante, independente da opção terapêuca, garanr suplemento nutricional. Dessa maneira, candidatos a jejum prolongado devem iniciar precocemente dieta enteral. A chamada pseudo-obstrução intes nal ou síndrome de Ogilvie pode ser tratada com uso de neos gmina. A colonoscopia descompressiva também apresenta resultados sasfatórios quando realizada por endoscopistas experientes. Entretanto é importante a certeza diagnós ca antes de submeter o paciente a qualquer uma dessas medidas. A principal complicação desse quadro é a distensão de ceco, que pode evoluir com rotura em distensões maiores de 10cm ao raio x. O acesso cirúrgico preferencial é a laparotomia mediana. Por meio desse acesso, é possível o tratamento da maioria das afecções cirúrgicas abdominais responsáveis pelo quadro clínico. Alguns autores advogam a laparoscopia para o tratamento das aderências pós-operatórias, já que a menor agressão ao peritônio é bené fica nesses casos, porém o procedimento só deve ser realizado por cirurgião bem treinado no método e que tenha plena consciência das di ficuldades a serem encontradas na realização do pneumoperitônio e exploração da cavidade tomada pelas alças distendidas. Nos casos de hérnias da região inguinal, exceto quando há estrangulamento ní do, pode-se realizar a inguinotomia com avaliação da viabilidade de alças e necessidade de laparotomia mediana no intraoperatório.
(manobra de Bruusgaard). Entretanto, devido ao risco de novas torções, os pacientes necessitarão de um tratamento definivo. Os procedimentos mais indicados são a retossigmoidectomia ou a sigmoidopexia. A decisão dependerá da avaliação do comprome mento do cólon.
G R U R I C
Figura 2 - (A) Invaginação intest nal e (B) volvo de sigmoide
O íleo biliar, condição que acontece após uma f stula entre a vesícula e o intes no, que evolui com obstrução por cálculo no nível da válvula ileocecal, é a causa mais comum de obstrução intes nal em idosos sem cirurgia prévia. É possível encontrar no raio x a chamada tríade de Rigler, caracterizada por distensão à custa de delgado, aerobilia e imagem calci ficada no QID (Figura 3A). Para tratamento, preconiza-se enterotomia em íleo distal para re rada do cálculo com fechamento primário posteriormente. A correção da f stula colecistoentérica não deve ser realizada no mesmo ato operatório.
6. Casos especiais A intussuscepção ou invaginação intes nal é frequente em crianças, mas é possível ocorrer em qualquer idade. A mais comum é a ileocecocólica, seguida da ileoileal e colocólica (Figura 2A). O diagnós co pode ser con firmado por ultrassom (sinal da casca de cebola), e o tratamento inicia-se com a tenta va de redução manual. Quando não possível, devem-se realizar a enterectomia e a anastomose. Nos volvos por megacólon (Figura 2B), o raio x também é diagnósco. O achado clássico é o sinal de grão de café ou “Frimann-Dahl”, que corresponde à torção do sigmoide sobre seu próprio eixo (Figura 3B). O tratamento por descompressão com colonoscopia apresenta bons resultados
L A R E G A I
Figura 3 - (A) Íleo biliar, com níveis hidroaéreos em delgado e aerocolia, e (B) volvo de sigmoide
Pacientes com obstruções por tumores colorretais di ficilmente conseguirão ser tratados com princípios oncológicos na urgência. A retossigmoidectomia à Hartmann consiste na rerada do sigmoide com sepultamento do coto distal no nível do promontório e colostomia terminal, e é o procedimento mais indicado para re rar o paciente do
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CIRURGIA GERAL quadro agudo. Ressecções com anastomoses primárias são desaconselhadas em doentes com instabilidade hemodinâmica ou com grande contaminação da cavidade. Em casos de obstrução por carcinomatose, normalmente as ressecções não são fac veis, de modo que os pacientes acabam sendo submedos a bypass entre segmentos do intes no ou derivação externa para paliação dos sintomas.
7. Prognóstco Quando não há estrangulamento de alças, a mortalidade é baixa, geralmente se restringindo aos mais idosos, não ultrapassando 2% dos casos. Já nos casos de perfuração, peritonite e necrose de alça, os índices de mortalidade são diretamente ligados ao tempo entre o início do quadro e a operação, chegando a 25% quando a evolução é superior a 36 horas. A eologia de pior prognós co é a obstrução vascular, com mortalidade acima de 50%. Casos raros de pseudo-obstrução intesnal crônica primária têm prognósco muito pior que os quadros agudos, pois ocorrem em pacientes severamente desnutridos, que demoram a ter o diagnós co definivo estabelecido e, geralmente, passam por diversas laparotomias “brancas” antes do diagnósco definivo. Sabe-se que, para esses pacientes, a única terapêu ca definiva é o transplante de intesno que, por seus resultados pí fios, passou a ser mulvisceral. Uliza-se terapia nutricional parenteral, além de anbiocoterapia para redução da superpopulação bacteriana e controle da translocação. Câmara hiperbárica parece úl. É necessária biópsia de espessura total da parede intesnal que deverá ser avaliada pela microscopia eletrônica de varredura para observação do plexo mioentérico a fim de finalizar o esforço diagnósco.
8. Resumo Quadro-resumo - A obstrução intesnal é um quadro grave e pode acontecer em qualquer faixa etária; - Todo paciente com obstrução intesnal deve ser avaliado quanto à presença de hérnias; - O tratamento inicial é clínico. A cirurgia deve ser indicada aos casos que não respondem às medidas clínicas e nas obstruções mecânicas; - O prognósco está diretamente relacionado ao diagnós co e à intervenção precoces.
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CAPÍTULO
Abdome agudo hemorrágico
16
Eduardo Bertolli
Suspeita-se de gravidez ectópica nas mulheres em idade férl com atraso menstrual e quadro clínico suges vo. A suspeita de rotura de aneurisma da aorta abdominal deve acontecer em pacientes com frêmitos ou massas pulsáteis abdominais ou que já se saibam portadores de aneurismas.
Pontos essenciais Principais eologias; - Conduta. -
1. Etologia
2. Diagnóstco
Definem-se como Abdome Agudo Hemorrágico (AAH) os casos de dor abdominal associados ao quadro clínico de choque hemorrágico por sangramentos intracavitários. As principais causas de AAH são gravidez ectópica rota e rotura de aneurisma da aorta abdominal. Alguns autores consideram que as hemorragias diges vas pertencem a essa classe de urgência atraumá ca.
A dor abdominal costuma ser súbita, porém de localização difusa. Entre as alterações hemodinâmicas, a taquicardia é o sinal mais precoce, seguido de queda da pressão arterial, palidez, sudorese fria e agitação. É possível quanficar a perda volêmica por meio de sinais clínicos (Tabela 1).
Tabela 1 - Classi fi cação do choque hemorrágico Classe I
Classe II
Classe III
Classe IV
Perda sanguínea (mL)
Até 750
750 a 1.500
1.500 a 2.000
>2.000
Perda sanguínea (% volume sanguíneo)
Até 15%
15 a 30%
30 a 40%
>40%
<100
>100
>120
>140
Pressão arterial
Normal
Normal
Diminuída
Diminuída
Pressão de pulso
Normal ou aumentada
Diminuída
Diminuída
Diminuída
14 a 20
20 a 30
30 a 40
>35
Diurese (mL/h)
>30
20 a 30
5 a 15
Desprezível
Estado mental
Levemente ansioso
Moderadamente ansioso
Ansioso e confuso
Confuso e letárgico
Cristaloide
Cristaloide
Cristaloide e sangue
Cristaloide e sangue
Frequência cardíaca (bpm)
Frequência respiratória (irpm)
Reposição volêmica
Exames laboratoriais gerais servem para uma avaliação global do paciente, mas são inespecí ficos. A reposição volêmica não deve se basear nos valores de Hb e Ht na fase inicial do atendimento. Toda mulher em idade fér l admida em um serviço de emergência deve ser subme da à dosagem de beta-HCG e teste qualita vo. Esse exame pode confirmar a suspeita de prenhez ectópica.
Nos pacientes estáveis hemodinamicamente, os exames de imagem podem colaborar para a con firmação diagnósca. O ultrassom abdominal pode diagnos car as 2 principais causas de AAH. Na suspeita de aneurisma da aorta abdominal, a Tomografia Computadorizada (TC) pode oferecer mais dados como altura do aneurisma e comprome mento das camadas da parede arterial (Figura 1).
97
CIRURGIA GERAL
Figura 1 - Tomogra fi a computadorizada evidenciando aneurisma da aorta abdominal infrarrenal
3. Tratamento A 1ª conduta é a reposição volêmica de acordo com a perda sanguínea esmada. Nenhum exame complementar deve ser realizado em pacientes instáveis hemodinamicamente. Na prenhez ectópica, o tratamento é cirúrgico e pode variar de anexectomia unilateral à histerectomia total, dependendo da origem do sangramento. O sangramento de miomas subserosos é uma condição rara, mas pode ser tratada da mesma maneira. O tratamento dos aneurismas rotos pode ser feito por via endovascular, desde que esteja rapidamente disponível. Entre as opções cirúrgicas, é possível a colocação de próteses ou derivações vasculares, dependendo da altura do aneurisma (Figura 2).
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Figura 2 - (A) Aneurisma da aorta abdominal infrarrenal até bi furcação das ilíacas e (B) aspecto tomográ fi co após colocação de endoprótese
4. Resumo Quadro-resumo - O diagnósco do AAH pode estar associado a sinais de choque hipovolêmico; - O tratamento inicial envolve a reposição volêmica; - As causas mais comuns são prenhez ectópica e rotura de aneurismas da aorta abdominal.
CAPÍTULO
17 Pontos essenciais Principais eologias; - Conduta. -
1. Definições O abdome agudo vascular representa uma das formas mais graves entre as urgências abdominais não traumá cas, com índices de mortalidade de 46 a 100%. A insu ficiência vascular intesnal pode ser dividida em aguda (infarto intesnal) ou crônica (angina abdominal). Para diagnósco e tratamento, é necessário conhecer a anatomia vascular abdominal, em especial a irrigação do intesno (Figura 1). A Artéria Mesentérica Superior (AMS) é ramo direto da aorta e emite ramos jejunais, ileais, artéria ileocecocólica, artéria cólica direita e artéria cólica média. Além disso, é responsável pela irrigação de todo o intes no delgado, ceco, ascendente e transverso, até o ângulo esplênico por meio das anastomoses marginais. A Artéria Mesentérica Inferior (AMI) também é ramo direto da aorta e emite a artéria cólica esquerda, 3 ou 4 artérias sigmoidianas e a artéria retal superior, irrigando o cólon esquerdo e reto. A chamada arcada de Riolano consiste em um arco anastomó co que comunica a AMS e a AMI no nível do ângulo esplênico, área de maior susce bilidade à isquemia nas ressecções colônicas.
Figura 1 - Irrigação sanguínea do intest no
Abdome agudo vascular Eduardo Bertolli
2. Fisiopatologia A lesão isquêmica da mucosa intes nal ocorre quando há privação de oxigênio e nutrientes para o tecido manter o metabolismo e a integridade celular. A resposta fisiopatológica a um fluxo reduzido é inicialmente um aumento acentuado na a vidade motora intesnal, que resulta em aumento na demanda de oxigênio. À medida que a integridade capilar é comprome da, o intesno torna-se hemorrágico e edemaciado, com aumento da pressão hidrostáca intraluminal e que passa a comprometer mais ainda o fluxo sanguíneo. Além disso, a produção de metabólitos tóxicos pode exacerbar a lesão isquêmica. Com a perda da barreira de proteção da luz intesnal, aumentam as condições para translocação bacteriana e sepse. Os mediadores vasoavos e as endotoxinas bacterianas liberadas na cavidade peritoneal acarretam uma variedade de efeitos fisiológicos, como depressão cardíaca, choque sépco e insuficiência renal aguda. Esses efeitos podem levar a óbito antes mesmo da necrose completa da parede intesnal.
3. Diagnóstco O quadro clínico é variável e está na dependência do grau de oclusão. Na fase inicial, os sintomas são inespecíficos, com predomínio de dor abdominal po cólica. Antecedentes como arritmia cardíaca ou insu ficiência vascular periférica devem ser inves gados. Uma das caracteríscas dos quadros de abdome agudo vascular é a dissociação entre a queixa do doente e o exame f sico. O paciente relata dor de forte intensidade, mas o exame f sico não mostra sinais de peritonite. Isso acontece quando já ocorre necrose intes nal instalada e denota prognósco ruim. A angina abdominal, comum nos quadros de isquemia crônica, consiste em episódios de dor abdominal, normalmente desencadeados no período pós-prandial que melhoram espontaneamente, mas, progressivamente, vão aumentando de frequência e intensidade. Outro achado
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CIRURGIA GERAL bastante sugesvo de isquemia intes nal é a presença de fezes mucossanguinolentas ao toque retal (“geleia de framboesa”). Entre os exames complementares, a acidose metabólica persistente é um parâmetro importante no diagnós co de infarto intesnal. As enzimas séricas (desidrogenase lác ca, fosfatase alcalina, amilase e crea no-fosfoquinase) costumam estar aumentadas, mas são inespecí ficas. A radiografia simples pode fornecer sinais indiretos como pneumoperitônio, líquido livre na cavidade, espessamento na parede das alças e gás na circulação portal. O sinal classicamente descrito como alças “carecas” é altamente sugesvo de isquemia intes nal. Outros exames de imagem, como tomogra fia e ultrassom, são pouco elucida vos. A laparoscopia pode ser uma alterna va tanto para diagnósco quanto para evitar uma laparotomia desnecessária. Caso a condição clínica do paciente permita, o estudo angiográfico pode ser indicado para descartar uma embolia de AMS. A arteriogra fia seleva permite diferenciar a isquemia oclusiva da não oclusiva, iden ficando o local e a natureza da obstrução. São 4 as causas mais frequentes de abdome agudo vascular (Tabela 1), sendo a embolia de AMS a principal causa. Tabela 1 - Principais causas de abdome agudo vascular Origem
Característca
Tratamento
Embolia de AMS
Principal causa, normalmente com isquemia Embolectomia. do delgado.
Trombose arterial mesentérica
Diretamente relacionado à aterosclerose aórca.
Revascularização.
Trombose venosa mesentérica
Invesgar a presença de elementos da tríade de Virchow.
Ancoagulação com heparina.
Isquemia mesentérica não oclusiva
Normalmente associado a quadros de hipofluxo (hipovolemia, sepse etc.).
Papaverina intraarterial.
Diversas formas são propostas para avaliação da viabilidade intesnal como Doppler , termometria e fluoresceinoscopia. Entretanto, a avaliação da coloração da alça e da presença ou não de peristalse podem ser su ficientes na maioria das situações. O tratamento deve ser orientado de acordo com a e ologia, o que nem sempre é possível. Além disso, mesmo a embolectomia ou as revascularizações não apresentam resultados sasfatórios. Em se optando pela ressecção intes nal, deve-se avaliar o intesno remanescente. Pacientes que conseguem se recuperar da cirurgia, mas que acabam desenvolvendo a síndrome do intes no curto, são candidatos à nutrição parenteral definiva, além de sofrerem quadros de diarreia e disabsorção. Logo, observa-se que o resultado final é diretamente proporcional à precocidade do diagnós co e ao início de medidas gerais e especí ficas de suporte.
5. Resumo Quadro-resumo
4. Tratamento A fase inicial do tratamento consiste na compensação clínica do paciente. Não é infrequente o cirurgião indicar a cirurgia e, durante a laparotomia exploradora, deparar com necrose extensa sem nenhuma possibilidade terapêu ca (Figura 2).
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Figura 2 - Isquemia mesentérica extensa
- O diagnósco do abdome agudo vascular pode ser di f cil devido à inespecificidade dos sintomas e da dissociação entre a queixa e o exame f sico; - Pode ocorrer de forma aguda (infarto intes nal) ou crônica (angina abdominal); - A causa mais comum é a embolia de artéria mesentérica superior; - As taxas de mortalidade são elevadas, e o prognósco é diretamente proporcional à precocidade do diagnósco e tratamento.
CAPÍTULO
18
Hemorragia digestva alta varicosa
Pontos essenciais Fisiopatologia; - Diagnósco; - Conduta; - Tratamento na fase aguda e de finivo. -
1. Epidemiologia A hemorragia varicosa responde por 20 a 30% dos casos de HDA e é consequência da hipertensão portal. Cerca de 35% dos pacientes com hipertensão portal e varizes sangrarão, a maioria, pela ruptura de varizes esofágicas. O sangra-
José Américo Bacchi Hora / Eduardo Bertolli
mento das varizes gástricas e duodenais é um evento menos frequente. Aproximadamente, 40% dos sangramentos por varizes cessam espontaneamente, mas a mortalidade chega a 50% nesses pacientes.
2. Fisiopatologia As varizes do esôfago traduzem um desvio de sangue do sistema venoso portal para o sistema cava superior, em consequência da hipertensão portal, criando assim um fluxo hepatofugal. Quando o gradiente de pressão entre a veia porta e as veias supra-hepá cas é maior que 6mmHg, o sangue portal flui por intermédio de circulação colateral, havendo o risco de hemorragia.
Figura 1 - Mecanismos envolvidos na fi siopatologia da hipertensão portal
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CIRURGIA GERAL As varizes são cons tuídas geralmente por 3 ou 4 cordões vercais, de trajeto tortuoso e calibre variável, localizados na submucosa esofágica. Regimes de pressão portal acima de 12mmHg podem desencadear rotura das varizes e hemorragia diges va. Cerca de 60% dos pacientes com hepatopa a crônica desenvolvem varizes do esôfago (Figura 2). A função hepatocelular, medida pela classi ficação de Child-Pugh, o calibre das varizes e a presença de marcas vermelhas, os chamados red spots descritos pela endoscopia, são os maiores determinantes do risco de sangramento.
Figura 3 - Algoritmo sugerido pela Federação Brasileira de Gastroenterologia (Projeto Diretrizes – 2002) para a hemorragia digest va alta de et ologia varicosa
5. Tratamento da hepatopata
Figura 2 - Aspecto endoscópico de varizes do esôfago: (A) fi no calibre, (B) médio calibre e (C) grosso calibre e tortuosas
3. Quadro clínico O quadro clínico pico é de hematêmese e melena, podendo haver sinais de instabilidade hemodinâmica de acordo com o volume do sangramento. Deve-se suspeitar de hemorragia varicosa em sabidamente hepatopatas ou com esgmas de doença hepá ca crônica idenficados ao exame f sico de admissão crônica (ascite, icterícia, telangiectasias, eritema palmar, ginecomas a, desnutrição, circulação colateral na parede abdominal, edema). Nos demais, o diagnós co de hipertensão portal só será feito durante o exame endoscópico.
4. Conduta O tratamento do paciente hepatopata com HDA cons tui um desafio para toda a equipe que conduz o caso. Além do tratamento da hemorragia, a parte clínica deve ser muito bem equilibrada. Algumas medidas são u lizadas temporariamente até que haja condições para o tratamento definivo (Figura 3).
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Neste grupo de pacientes, além das complicações da volumosa hemorragia, também é preciso se preocupar com a descompensação da hepatopaa, com piora aguda da função hepáca e suas consequências, como a encefalopa a hepáca, a peritonite bacteriana espontânea e a síndrome hepatorrenal. Sempre que possível, esses doentes devem ser internados em ambiente de terapia intensiva, com acompanhamento por equipe especializada. Os cirrócos têm uma alteração da circulação esplâncnica, sendo necessário maior volume de cristaloides para a estabilização hemodinâmica. Além disso, pode ocorrer aumento do fluxo e da pressão portal pela reposição volêmica, que induz a agravamento da hemorragia e formação de ascite, em vez de estabilizar a pressão arterial. Por esse movo, ulizam-se drogas vasoavas que tendem a reverter essas alterações hemodinâmicas. A infusão de drogas vasoa vas (somatostana, octeotride ou terlipressina) deve ser iniciada imediatamente quando há suspeita de e ologia varicosa. Elas têm ação vasoconstritora na circulação esplâncnica, inibem a secreção ácida e são capazes de aumentar o sucesso da hemostasia endoscópica inicial e de reduzir os índices de ressangramento, mas ainda não foram capazes de reduzir a mortalidade dos cirró cos. A terlipressina, atualmente, é a preferida, pois pode ser administrada em bolus, sem a necessidade de bomba de infusão con nua, o que facilita muito o manejo clínico, além de causar menor número de reações adversas, como isquemia miocárdica. A dose é de 2mg IV de 4/4h nas primeiras 24 horas, seguida de 1mg IV de 4/4h na sequência. O octreode é um análogo sinté co da somatostana, ministrado também por via IV, na dose de 100mcg em bolus, seguida
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA VARICOSA
de infusão con nua de 50mcg/h. A dose da somatosta na é de 250mcg em bolus, seguida de infusão con nua de 250 a 500mcg/h. O tempo de manutenção dessas drogas varia de 2 a 5 dias. As complicações da hepatopa a decorrentes da hemorragia varicosa devem ser prevenidas. A lavagem intes nal está indicada aos pacientes com rebaixamento do nível de consciência ou antecedente de encefalopa a hepáca. A lactulose, que tem efeito catár co e acidi fica o cólon, reduzindo a absorção de compostos nitrogenados, está indicada e deve ser ministrada por via oral ou sonda, em doses variáveis que permitam de 2 a 3 evacuações. A neomicina, administrada na dose de 1g, VO, de 6/6h, diminui a flora bacteriana intesnal, reduzindo a produção de substâncias nitrogenadas. Restrições proteicas só estão indicadas para pacientes com encefalopa a hepáca instalada, e o aporte diário não pode ser inferior a 40g/dia, por meio de aminoácidos de cadeia rami ficada. As infecções bacterianas são documentadas em 35 a 66% dos pacientes com HDA varicosa, e a sua ocorrência é um importante fator prognós co. Além da peritonite bacteriana espontânea, as infecções de vias urinárias e vias aéreas também são prevalentes. Assim, a an biocoterapia é recomendável para todos os hospitalizados por HDA varicosa. As quinolonas são os mais u lizados, com a cipro floxacina IV ou o nor floxacino VO.
6. Tratamento da hemorragia A prioridade no atendimento de pacientes com HDA varicosa são as estabilidades respiratória e hemodinâmica. A reposição deve ser feita por acessos venosos periféricos e calibrosos. Ulizam-se, também, proporcionalmente, mais derivados do sangue, sempre visando à pressão arterial média de 70mmHg e evitando pressões sistólicas superiores a 100mmHg. Também já se demonstrou que a manutenção ideal do hematócrito é entre 25 e 30%, e que hemotransfusões para valores maiores que esses induzem a maior taxa de ressangramento. Ictéricos devem receber também reposição de vitamina K, de preferência 10mg de vitamina K3 (Kanakion®), intravenoso ou intramuscular, durante 3 dias consecuvos. Pacientes com sangramento persistente mesmo durante as medidas iniciais são candidatos à passagem do Balão de Sengstaken-Blakemore (BSB – Figura 4). O BSB deve ser colocado em doentes com via aérea protegida. Inicialmente, o balão gástrico é preenchido com 200 a 300mL de água deslada ou solução fisiológica, e então é tracionado para se posicionar no fundo gástrico. Em seguida, o balão esofágico é insu flado até angir a pressão de 30mmHg. Pelo alto risco de complicações, como necrose e perfuração esofágicas e broncoaspiração, deverá ser man do somente até a estabilização da pressão arterial e a reposição dos fatores de coagulação. O ideal é manter o balão locado por 24 horas e rerá-lo sob visão endoscópica.
L A R E G A I
G R U R I C
Figura 4 - Balão de Sengstaken-Blakemore
Uma vez estabilizada a parte respiratória e hemodinâmica, está indicada a EDA para a con firmação diagnósca e a tomada de conduta. É importante ressaltar que mesmo em doentes sabidamente hepatopatas, pode ocorrer HDA de origem não varicosa em até 30% dos casos. Apesar dos múlplos métodos endoscópicos disponíveis para tratamento, não há preferência especí fica por um deles. A ligadura elásca, a escleroterapia e a obliteração com cianoacrilato têm bons resultados nos hepatopatas (Figura 5). Nas varizes de fundo gástrico e nos pacientes Child-Pugh C, prefere-se a obliteração com cianoacrilato. Até 10% dos pacientes não terão sucesso no controle do sangramento ou podem apresentar ressangramento nas primeiras 24 horas depois da 1ª endoscopia. Nesses casos, uma 2ª tentava de hemostasia endoscópica deverá ser feita, obrigatoriamente, com método de hemostasia diferente do 1º. Persisndo o sangramento, está indicada a colocação do BSB. Há relatos de índices de ressangramento das varizes de até 40% nas 6 semanas após o 1º evento, sendo a maioria ainda na 1ª semana. Por isso, após o 1º episódio de sangramento, está indicada a pro filaxia secundária com beta-bloqueador e por meio de endoscopias seriadas. Realiza-se a erradicação das varizes, geralmente iniciando pela ligadura elásca e finalizando com sessões de escleroterapia que levarão à fibrose na submucosa, juntamente à transição esofagogástrica, retardando o aparecimento de recanalização ou neovascularização local. Para a escleroterapia, podem-se ulizar diferentes substâncias: oleato de etanolamina, glicose a 50%, polidocanol, álcool a 70%, em diferentes associações e dosagens.
103
CIRURGIA GERAL Situações de hipertensão portal não associadas à hepatopaa crônica, como acontece na forma hepatoesplênica da esquistossomose mansônica, estão associadas a menor mortalidade e a menor incidência de complicações. Um episódio de sangramento nesses pacientes já é indica vo de procedimento cirúrgico, preferencialmente ele vo e já com níveis de hemoglobina normalizados. Pacientes sem condições clínicas para a cirurgia são controlados com o manejo endoscópico. Figura 5 - Tratamento endoscópico das varizes de esôfago: (A) e (B) escleroterapia e (C) e (D) ligadura elást ca
Nos casos de insucesso da terapia endoscópica ou em pacientes com transfusão maciça, deve-se cogitar a realização de cirurgia de urgência. As derivações sele vas (porto-cava, mesentérico-cava, esplenorrenal distal) ou a desconexão ázigo-portal com esplenectomia são cirurgias de grande porte e estão associadas a prognós cos ruins. Procedimentos de menor porte, como a ligadura transgástrica das varizes ou a transecção esofágica com grampeador circular, também apresentam resultados controversos, mas à custa da gravidade desses indivíduos quando necessitam de cirurgia. Todo paciente que apresenta um quadro de HDA por varizes de esôfago passa a ter indicação de transplante hepáco. Obviamente, devido à demora para realizar esse procedimento, algumas medidas devem ser adotadas para controle das varizes e das outras situações consequentes à hipertensão portal. Uma delas é a realização de esclerose endoscópica periódica das varizes ambulatorialmente para evitar novos sangramentos. Uma medida que pode ser u lizada como ponte enquanto o doente aguarda o transplante hepá co é o TIPS (Transjugular Intra-hepa t c Portal Shunt – Figura 6). Consiste na colocação, por radiologia intervencionista, de um shunt intra-hepáco entre os sistemas porta e cava. Apesar de apresentar resultados superiores às cirurgias para tratamento da hipertensão portal, o TIPS ainda não está disponível na maioria dos serviços.
Figura 7 - Gastropat a congest va na hipertensão portal
Outra condição especial é o sangramento secundário à gastropaa hipertensiva portal. Nessa situação, a mucosa fúndica adquire aspecto “em mosaico”, ressaltando as áreas gástricas, e ocorre ectasia dos vasos da submucosa, sem inflamação da mucosa, o que explica o emprego do termo gastropaa em vez de gastrite (Figura 7). Pode ocorrer sangramento, raramente agudo, que só será controlado com a ulização de beta-bloqueadores ou realização de derivações portossistêmicas; sendo ineficaz a ulização de medicação anssecretória. Essa situação é lembrada neste capítulo por haver associação a varizes, apesar de o foco da hemorragia ser outro.
7. Resumo Quadro-resumo - O objevo inicial do tratamento da HDA varicosa é a estabilização hemodinâmica do paciente. Não se deve realizar a endoscopia em pacientes instáveis; - Mesmo na HDA varicosa, 30% dos pacientes apresentarão sangramento de outra eologia; - Na HDA varicosa, é necessário tratar as complicações da hepatopaa como encefalopaa hepáca e peritonite bacteriana espontânea; - Todo paciente com HDA por varizes de esôfago tem indicação de transplante hepáco. Algumas medidas podem ser usadas enquanto se aguarda o transplante como a erradicação das varizes ou o TIPS. Figura 6 - Esquema do TIPS
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CAPÍTULO
19
Hemorragia digestva alta não varicosa
Pontos essenciais Quadro clínico; - Conduta; - Causas incomuns de hemorragia diges va alta. -
1. Epidemiologia A Hemorragia Diges va Alta (HDA) não varicosa tem várias eologias possíveis, sendo as úlceras pép cas gastroduodenais as causas mais comuns, respondendo por 60% dos casos. O uso de An-Inflamatórios Não Esteroides (AINEs) é o principal fator causal nesses casos. A chamada Lesão Água da Mucosa Gástrica (LAMG) responde por 10 a 15% dos casos de HDA não varicosa. A síndrome de Mallory-Weiss pode estar presente em cerca de 5% dos casos. Outros eventos que podem cursar com HDA são neoplasias gástricas, esofagites, angiodisplasias, lesão de Dieulafoy, pólipos, hemobilia, hemosuccus pancreat cus e f stula aortoduodenal. A história natural mostra que 80% desses sangramentos cessam espontaneamente, 14% voltam nas primeiras 24 a 72h após interrupção inicial e 6% sangram de forma con nua. A magnitude do sangramento está mais relacionada à idade, às comorbidades e ao uso de an coagulantes do que à eologia da hemorragia. Porém, úlceras sangrantes na parede posterior do bulbo duodenal e na pequena curvatura do corpo proximal merecem atenção especial. Devido à proximidade anatômica às artérias, úlceras volumosas e mais profundas também têm maior taxa de ressangramento e mortalidade. Isso explica, inclusive, o baixo impacto do grande avanço dos métodos de diagnós co e hemostasia sobre a mortalidade, que persiste em 6 a 8% dos casos.
2. Quadro clínico A história é de hematêmese e melena na maioria das vezes, podendo estar associada a repercussões hemodinâmicas nos sangramentos mais volumosos. Antecedentes de doença pépca e de medicações em uso devem ser invesgados.
José Américo Bacchi Hora / Eduardo Bertolli
É importante, já na admissão do paciente, avaliar a presença de fatores de risco para ressangramento após as medidas iniciais de tratamento. A pontuação de Rockall (Tabelas 1 e 2) estrafica o risco de ressangramento e mortalidade, a parr de dados clínicos, atribuindo valores de 0 a 11 pontos. A estraficação do risco do paciente determina as condutas, como tempo de monitorização em terapia intensiva, momento de realimentação, e de alta hospitalar; por tudo isso, tem sido cada vez mais valorizada. Tabela 1 - Escore de Rockall para hemorragia digest va não varicosa Fator/pontos
0
1
2
Idade (anos)
<60
60 a 80
Pulso (bpm)
<100
>100
PA sistólica (mmHg)
>100
>100
Comorbidades
Endoscopia
Nenhuma
3
>80
>80
<100
<100 IRC, hepatopaa, neoplasia metastáca
Nenhuma ICC, ICO
Todos os Normal, outros MallorydiagnósWeiss cos
Neoplasias, úlceras com coágulo recente, vaso visível, sangramento avo
Tabela 2 - Estrat fi cação do risco de ressangramento e morte segundo o escore de Rockall Pontos
Risco
Ressangramento
Mortalidade
≤2
Baixo
<5%
<1%
3a7
Médio
14%
4,6%
Alto
52%
30%
≥8
3. Conduta A prioridade no tratamento são as estabilizações respiratória e hemodinâmica. A reposição volêmica deve ser feita por meio de acessos venosos periféricos calibrosos,
105
CIRURGIA GERAL e, dependendo da es mava da perda volêmica, pode ser necessário o uso de hemoderivados. Sempre que possível, os pacientes devem ser monitorizados em ambiente de terapia intensiva. O uso de Inibidores de Bomba Protônica (IBP) deve ser precoce, assim como a suspensão dos agentes que possam ter desencadeado o quadro. A aplicação de IBP também tem impacto sobre o ressangramento. Alguns autores defendem a infusão con nua desse medicamento em indivíduos submedos a procedimentos hemostácos. Também defendem a u lização de drogas como terlipressina ou somatostana na admissão de pacientes com hemorragia digesva, independentemente da e ologia. Entretanto, não existem, até o momento, evidências de literatura suficientemente fortes para estabelecer essa conduta como rona; e a maioria dos serviços no Brasil só administra a droga vasoava quando há suspeita de hemorragia varicosa, até por questões de custo. A tendência parece ser a ulização dessa opção para casos selecionados, como pacientes com sangramento incontrolável aguardando a realização da endoscopia, com sangramento incontrolável apesar da endoscopia e que aguardam cirurgia, ou, ainda, pacientes sem condições de serem subme dos à cirurgia. A Endoscopia Diges va Alta (EDA) tem papel diagnós co e terapêuco. É possível classi ficar as úlceras pelo aspecto endoscópico segundo a classi ficação de Forrest, que tem importância por estar relacionada ao risco de ressangramento (Tabela 3 e Figura 1).
O tratamento endoscópico reduz o ressangramento, a necessidade de cirurgia e a mortalidade. A precocidade do exame está relacionada à diminuição dos custos como menor tempo de internação e menor u lização de hemoderivados. Os métodos endoscópicos de hemostasia (Figura 2) são: - Injeção: adrenalina, álcool, etanolamina, polidocanol, trombina, cola de fibrina, cianoacrilato, glicose a 50%; - Térmico: eletrocoagulação monopolar, bipolar ou mulpolar (Bicap), heater probe, plasma de argônio, laser ; - Mecânico: hemoclipe, ligadura elás ca. Não há indicação para reper a endoscopia de forma roneira. Uma nova endoscopia deve ser feita quando há suspeita de ressangramento ou quando o 1º exame foi incompleto ou limitado pelas condições do momento, como nos casos em que uma grande quan dade de sangue na cavidade impede a avaliação de todo o órgão. A pesquisa de H. pylori deve ser feita no mesmo momento da hemostasia, e a sua erradicação após a 1ª semana diminui o ressangramento tardio. Toda úlcera deve ser biopsiada, principalmente em pacientes idosos ou com quadro clínico suspeito de neoplasia gástrica.
Tabela 3 - Classi fi cação de Forrest Classificação
Achado endoscópico
Risco de novo sangramento
IA
Sangramento “em jato”
>50%
IB
Sangramento “em babação”
20 a 30%
IIA
Coto vascular visível
30 a 50%
IIB
Coágulo vermelho
5 a 10%
IIC
Coágulo branco
<5%
III
Lesão cicatrizada, sem sinais de sangramento recente
<2% Figura 2 - Modalidades de tratamento endoscópico: (A) e (B) injeção de adrenalina, (C) heater probe e (D) hemoclipes
Figura 1 - Aspecto endoscópico de úlceras pépt cas segundo a classi fi cação de Forrest
106
Alguns fatores estão relacionados à falha do tratamento endoscópico. Úlceras profundas, com mais de 2cm de diâmetro, podem tornar a sangrar. A localização é outro fator importante, sendo as úlceras de parede posteroinferior (artéria gastroduodenal) e de pequena curvatura (artéria gástrica esquerda) as mais propensas à falha das medidas hemostácas. Os referenciados para a cirurgia de urgência geralmente são os mais graves, que já passaram por todas as outras etapas sem que se ob vesse o controle da hemorragia. As indicações mais comuns de cirurgia são falha na 2ª intervenção endoscópica; persistência da hemorragia com instabilidade hemodinâmica; necessidade de hemotransfusão maior ou
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NÃO VARICOSA
igual à volemia calculada para o paciente (dentro das 24h iniciais após a admissão); pacientes com mais de 60 anos, portadores de comorbidades graves e que chegam com instabilidade hemodinâmica; e as úlceras de di f cil acesso com o endoscópio. Quando optado pela cirurgia, a conduta deve ser individualizada. Em alguns casos é possível o controle do foco de sangramento por gastrostomia. Entretanto, podem ser necessárias gastrectomias dependendo da localização da úlcera. Os resultados são melhores quando a indicação cirúrgica é precoce.
4. Causas raras
Figura 3 - Causas raras de HDA: (A) Erosão de Mallory-Weiss; (B) lesão de Dieulafoy; (C) angiodisplasia; (D) esofagite; (E) úlcera de Cameron; (F) e câncer gástrico
Erosão de Mallory-Weiss: responde por 5% dos casos de HDA (Figura 3A). O quadro clínico é de vômitos com sangue após episódios de vômitos de repe ção. É frequente em e listas, pacientes com vômitos autoprovocados e na hiperêmese gravídica. Acontece pela laceração do esôfago distal e tem resolução espontânea na maioria dos casos; - Lesão de Dieulafoy: a principal causa de HDA com EDA normal (Figura 3B). Consiste em uma anomalia arterial na submucosa, principalmente em corpo alto e fundo gástrico, o que di ficulta a avaliação pelo endoscopista. Quando disponível, a arteriogra fia seleva é a melhor opção terapêuca. Alguns casos necessitam de conduta cirúrgica, e a preferência é pela ressecção ampla; - Anomalias vasculares: podem estar presentes em qualquer porção do trato digestório e determinam sangramentos agudos ou crônicos (Figura 3C). São responsáveis por 7% dos casos de hemorragias do trato superior e fazem parte das mais variadas condições sistêmicas, mas também podem ser um achado isolado. A incidência de telangiectasias isoladas aumenta entre os portadores de insu ficiência renal crônica. As doenças sistêmicas que determinam a presença dessas anomalias são: a telangiectasia hemorrágica hereditá-
ria (síndrome de Rendu-Osler-Weber); a síndrome de CREST (uma variante da esclerose sistêmica caracterizada por calcinose, fenômeno de Raynaud, distúrbios da molidade esofágica, esclerodac lia e telangiectasias); entre outras. O diagnós co é di f cil porque a presença dessas lesões não exclui a existência de outras possíveis causas de sangramento diges vo. Algumas vezes, são necessárias novas endoscopias para detectar o sí o do sangramento. O tratamento pode ser endoscópico ou arteriográ fico; - Esofagite erosiva: determinada por re fluxo gastroesofágico crônico, raramente causa sangramentos graves (Figura 3D e Figura 4), predominando as perdas crônicas e lentas. Quadros agudos geralmente estão associados a hérnias paraesofágicas encarceradas (úlcera de Cameron – Figura 3E), nas quais as úlceras surgem por isquemia do segmento herniado. O tratamento da hérnia hiatal normalmente é su ficiente para a resolução dessa úlcera;
Figura 4 - (A) Esofagite erosiva e (B) resíduos pós-hematêmese
Gastrite erosiva: por ser uma lesão super ficial da mucosa, é incomum sangramento diges vo grave (menos de 5% dos casos); determina, mais comumente, perdas crônicas de sangue. As causas mais comuns são o uso de AINEs, álcool ou estresse severo secundário à cirurgia ou doença grave. Quando ocorre sangramento significavo, o melhor tratamento é realizado com a associação de IBP e arteriografia, para injeção de vasopressina intra-arterial; - Neoplasia maligna gástrica: representa 1% das hemorragias digesvas (Figura 3F e Figura 5). Os pos ulcerados são os mais propensos ao sangramento. Na maior série nacional sobre os sintomas das neoplasias gástricas precoces, a HDA foi a apresentação clínica mais comum; -
Figura 5 - Aspecto endoscópico de diversos tumores gástricos; (B) e (C) aspecto ulcerado e com est gmas de sangramento recente
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L A R E G A I
G R U R I C
CIRURGIA GERAL Hemobilia: é o sangramento nas vias biliares, geralmente em consequência de trauma smo hepáco, neoplasia maligna do f gado, do pâncreas ou das vias biliares. Manifesta-se por icterícia, hemorragia digesva e dor abdominal no hipocôndrio direito (tríade de Phillip Sandblom) e pode ser decorrente da manipulação das referidas áreas por meios endoscópicos (biópsia; drenagem percutânea de bile, de cistos ou de abscessos pancreácos) ou cirúrgicos (colecistectomias ou ressecções hepácas). Se o sangramento ocorre nas vias pancreácas, em vez de nas vias biliares, dá-se o nome de hemosuccus pancreat cus, geralmente causado por pseudoaneurisma de artéria esplênica. O tratamento inicial é a embolização vascular seleva. No insucesso, deve-se realizar a ressecção cirúrgica; - Fístulas aortoentéricas: são situações graves e devem ser a 1ª hipótese diagnós ca em pacientes com antecedentes de aneurismas ou cirurgias vasculares intra-abdominais. Em 80% dos casos ocorre f stula aortoduodenal. O tratamento envolve reparo vascular e secção intesnal. -
5. Resumo Quadro-resumo - O objevo inicial do tratamento da HDA não varicosa é a estabilização hemodinâmica do paciente. Não se deve realizar a endoscopia em pacientes instáveis; - A eologia mais comum de HDA não varicosa é a úlcera pép ca pelo uso de AINEs. Entretanto, é necessário o conhecimento de causas mais raras de HDA; - A endoscopia serve como método diagnósco e terapêuco. No entanto, casos com risco de ressangramento devem ter indicação precoce de cirurgia.
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CAPÍTULO
20
Hemorragia digestva baixa José Américo Bacchi Hora / Marcelo Simas de Lima / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais -
Definição;
-
Principais causas;
-
Condutas na HDB.
1. Definição Considera-se Hemorragia Digesva Baixa (HDB) qualquer sangramento cuja origem esteja abaixo do ângulo de Treitz (após a transição duodenojejunal), ou seja, quase todo o intesno delgado e todo o segmento colônico e o reto. A maioria das HDBs origina-se no segmento colorretal (95% casos).
2. Etologia Existem inúmeras causas para HDB, e há íntima relação com a idade do paciente e a presença de doenças crônicas prévias (Figura 1). Na criança, o divertículo de Meckel é a causa mais comum de sangramento. Nos pacientes com idade abaixo de 50 anos, as causas mais comuns são colite infecciosa, doenças anorretais e doença inflamatória intestinal. Nos idosos, as hemorragias mais frequentes são decorrentes da doença diverticular dos cólons, ectasias vasculares, cânceres ou isquemia mesentérica. As doenças orificiais podem ser causa de HDB, normalmente referidas como sangramentos ru lantes, em pequena quandade. Em imunossuprimidos, a HDB pode ser consequente ao sarcoma de Kaposi no delgado, colite por citomegalovírus ou linfoma. Em 20% dos casos, não é idenficada a origem do sangramento.
Figura 1 - Causas de HDB visualizadas em colonoscopia: (A) doença diver tc ular dos cólons, (B) angiodisplasia, (C) hemorroidas internas, (D) pólipo, (E) adenocarcinoma de cólon e (F) sarcoma de Kaposi
As causas mais comuns de sangramento do intes no delgado são angiodisplasias, tumores (incluindo-se os benignos e os malignos primários ou metastá cos) e, com incidência muito menor, úlceras, diver culos, endometrioses, hemobilia, doença celíaca e f stulas aortoentéricas.
A - Doença divertcular dos cólons Esma-se que, acima dos 70 anos, 2/3 da população ocidental sejam portadores de diver culose colônica. As hemorragias acontecem em 3 a 5% dos casos. É a causa mais comum de HDB e apresenta-se como quadro agudo de hemorragia, com pouca dor abdominal, perda de grande volume de sangue amarronzado ou vermelho-claro, em pacientes com mais de 50 anos. A maioria para de sangrar espontaneamente, mas a recorrência pode se apresentar em torno de 25%. Os sangramentos se originam principalmente no cólon direito, onde os diver culos são mais hipotônicos, apesar de a diver culose predominar à esquerda.
B - Ectasias vasculares Responsáveis por 20 a 30% dos casos das HDB, a maioria tem perdas crônicas (perda de sangue oculto nas fezes), mas podem ocorrer quadros agudos, com hipotensão. Em alguns estudos, é considerada a causa mais comum de sangramento baixo nos pacientes acima de 70 anos e nos portadores de insuficiência renal crônica. Os segmentos mais acome dos são o ceco e a porção proximal do cólon ascendente.
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CIRURGIA IRURGIA GERAL C - Neoplasias Pólipos benignos e carcinomas determinam a perda de sangue de forma crônica, como sangue oculto ou perdas sanguíneas intermitentes. As neoplasias malignas podem se manifestar como HDB em mais de 10% 10 % dos casos.
D - Doença inflamatória intestnal Os quadros de colite ulcera va frequentemente apresentam diarreia com variável quan dade de hematoquezia. O quadro é acompanhado de dores abdominais, sensação de esvaziamento incompleto do reto após as evacuações (tenesmo retal) e urgência evacuatória.
E - Doenças anorretais O sangramento geralmente é pequeno, e raramente há maiores perdas sanguíneas. A presença de dor evacuatória está mais associada à fissura anal. A história mais comum é a presença de sangue durante a higiene anal ou perda de sangue de coloração vermelha no vaso sanitário (histórico de doença hemorroidária).
F - Colite isquêmica Esta patologia é mais comum entre os idosos, que apresentam doença arterioscleró ca generalizada. Há uma perfusão visceral menor nesses pacientes, determinando isquemia localizada. Há, desse modo, hematoquezia ou diarreia sanguinolenta, com dores abdominais de intensidade variável. Em geral, o sangramento é pequeno e limitado. Quadros graves de isquemia mesentérica envolvendo vários segmentos do trato digestório (intes nos delgado e grosso) apresentam evolução clínica catastró fica, com repercussão hemodinâmica grave. A enterorragia pode não se manifestar nesses casos.
temente da apresentação inicial, o sangramento costuma ser autolimitado, com parada espontânea em até 85% dos episódios, e a taxa de mortalidade gira em torno de 3%. Os critérios de gravidade da HDB são idade, condição hemodinâmica, volume de sangue exteriorizado, comorbidades, necessidade de hemotransfusões, entre outros. Quadros de sangramentos de coloração vermelho-viva sugerem perda sanguínea entre o cólon esquerdo e o reto baixo. Sangramentos do cólon direito têm aspecto mais escuro ou coloração marrom, misturado às fezes. Sangramentos mais volumosos podem se manifestar como franca enterorragia a despeito de sua origem, que é o que ocorre em 10% dos casos de HDB. Sangramentos de grande volume são mais comuns nos idosos. O sangramento con nuo nuo ocorre em poucos casos, apenas 15%. Diarreia sanguinolenta com dores fortes po cólica, urgência evacuatória ou tenesmo retal são mais caracterís cos de doença in flamatória intesnal, colite infecciosa ou colite isquêmica. O exame proctológico completo é indispensável na avaliação desses doentes, pois permite a correta avaliação quanto ao aspecto do sangramento e é capaz de diagnos car afecções anorretais. Exames laboratoriais gerais devem ser solicitados para avaliação hemamétrica e do estado geral. O enema opaco é de u lidade quesonável na urgência. O exame não é capaz de iden ficar o local do sangramento, não idenfica anomalias vasculares e atrapalha na realização de outros exames como a colonoscopia (Figura 2). Além disso, o efeito terapêu co de um eventual “tamponamento” da hemorragia com o bário é ques onável.
G - Outras causas A colite ac nica, nica, principalmente na forma de proc te ocasionada por irradiação pélvica prévia nos tratamentos de neoplasias malignas de colo uterino e próstata, cursa com sangramento. O tratamento pode ser feito com sessões repedas de ablação dos focos de hemorragia com bisturi de argônio, aplicado por meio de retossigmoidoscopia flexível ou por aplicação local, cuidadosa, de formalina a 4%. A disenteria aguda é acompanhada de exoneração sanguinolenta. Formas raras de sangramento baixo são isquemia por vasculite, vasculite, úlcera solitária retal associada à procidência, úlcera provocada por an -inflamatório não hormonal, diver culos culos de delgado e varizes do cólon. A enteropa a da hipertensão portal também é causa de hemorragia.
3. Diagnóstco
Figura 2 - Enema opaco evidenciando doença diver t c ular dos cótcular lons extensa
A severidade do sangramento diges vo pode variar de perdas impercep veis veis à hemorragia maciça. Independen-
A colonoscopia é um dos métodos mais importantes para a avaliação da HDB na urgência, pois é capaz de iden-
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HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA
ficar tanto a causa quanto o local da hemorragia, além de oferecer oportunidades terapêu cas. Endoscopistas expe-
rientes são capazes de realizar o exame mesmo na vigência de sangramento, o que acaba sendo importante na avaliação do sí o de origem. Entretanto, Entretanto, exames realizados na ausência de sangramento maciço e após preparo anterógrado do cólon proporcionam uma melhor visualização do intesno. Entre as possibilidades terapêu cas da colonoscopia, é possível realizar injeção de vasoconstritores, eletrocoagulação, hemostasia por calor (heater ( heater probe) probe) e polipectomia. A arteriografia seleva tem papel importante na inves gação de doentes com HDB. Como é capaz de diagnos car sangramentos de até 0,5mL/min, diagnos ca sangramentos não percep veis veis à colonoscopia desde que estejam a vos no momento do exame (Figura 3A). Uma vez diagnos cado, o sangramento pode ser coibido com injeção de substâncias vasoconstritoras ou embolização. Qualquer um deles deve ser feito da forma mais sele va possível. A injeção de drogas vasoconstritoras pode cessar a hemorragia em até 80% dos casos. A embolização intra-arterial é mais e ficaz (90%), porém as chances de complicações isquêmicas são maiores, com dores abdominais após o procedimento, febre e isquemia ou infarto segmentar do intes no (15% dos casos). A embolização pode ser feita de forma temporária, ulizando-se Gelfoam, ou permanente, com microesferas de Ivalon, molas de Gianturco ou associações. Hemorragias provenientes provenientes de tumores, aneurismas ou comunicações arteriovenosas são tratadas com embolização permanente. Quando a opção é a embolização temporária, as taxas de ressangramento chegam chegam a 50%, porém, com o foco hemorrágico idenficado e o paciente já estabilizado, a cirurgia é muito mais segura. A cinlografia com Tc99m pode diagnos car sangramentos de apenas 0,1mL/min, mesmo que intermitente (Figura 3B). Os inconvenientes são a correta localização da hemorragia e a impossibilidade de associação de medidas terapêucas ao método.
Figura 3 - (A) Arteriogra fi a evidenciando sangramento at vo vo (sinal do blush) e (B) cint logra logra fi a com Tc99m Tc99m evidenciando sangramento (seta)
4. Conduta A abordagem inicial dos casos consiste na estabilização hemodinâmica. Segue-se o esforço diagnós co para primeiramente localizar e posteriormente tratar o foco hemorrágico. A exclusão de sangramento diges vo alto deve ser a 1ª medida, uma vez que alguns casos de sangramento acima do Treitz podem manifestar ma nifestar-se -se como enterorragia. enterorragia. O limite dos esforços diagnós cos é determinado pela repercussão clínica da hemorragia. Assim, pacientes com sangramento de pequena monta, sem repercussões, não devem passar por procedimentos invasivos e de maior risco, enquanto aqueles com hemorragia muito grave podem não ter condições de cumprir todas as etapas diagnós cas.
A - Hemorragia de origem indeterminada Apesar de todos os exames complementares complementares apresentados, cerca de 5% dos casos permanecem sem iden ficação da causa do sangramento. Geralmente, são sangramentos do delgado e/ou lesões vasculares. Preconiza-se inicialmente a repeção de endoscopia e colonoscopia, desde que as condições do paciente o permitam. Outros métodos que podem ser u lizados são a cápsula endoscópica e a enteroscopia. A cápsula fotografa e captura imagens que são armazenadas e avaliadas após o percurso pelo trato gastrintes nal (Figura 4). A desvantagem do método é não permi r a aplicação terapêuca concomitante. A duração do exame depende das condições do trânsito intes nal. A tecnologia ulizada em cada cápsula descartável torna custoso o procedimento.
Figura 4 - Cápsula endoscópica e representação das imagens ob t das das
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L A R E G A I
G R U R I C
CIRURGIA IRURGIA GERAL Existem diversas modalidades de enteroscopia. A técnica convencional, com aparelho semelhante ao endoscópio, porém mais fino e mais longo, ange até 60cm distal ao ângulo de Treitz e tem alcance limitado. A enteroscopia com duplo balão funciona por meio de um sistema de overtubes e insuflação de balões, em que se consegue “ves r” o intesno do aparelho e explorar a par r das 2 extremidades (Figura 5). Além disso, permite analisar todo o intes no delgado com a vantagem do canal de trabalho que permite biópsias e procedimentos hemostácos. Em úl mo caso, pode-se realizar a enteroscopia intraoperatória com o auxílio do cirurgião, que guia o aparelho através de enterotomias realizadas no campo cirúrgico, de modo que o endoscopista localize o foco hemorrágico para a realização do tratamento definivo.
Figura 5 - Endoscópio com duplo balão
B - Tratamento cirúrgico Felizmente, a grande maioria dos sangramentos baixos cessa espontaneamente ou consegue ser controlada por colonoscopia ou arteriogra fia. Na falha ou impossibilidade diagnósca e/ou terapêu ca, a laparotomia pode ser u lizada como úl mo recurso. Indica-se cirurgia aos sangramentos connuados e que receberam mais de 4 a 6 unidades de concen concentrados trados de hemácias nas primeiras 24 horas da admissão. A maioria dos casos decorre de diver culos culos ou ectasias vasculares. A localização do sí o de sangramento no pré-operatório possibilita menores ressecções intes nais. Quando não há possibilidade de localização exata do sangramento ou a cirurgia está indicada com extrema urgência, é realizada a colectomia total, com alta taxa de mortalidade pós-operatória. A escolha de anastomose ou ileostomia deve basear-se nas condições clínicas do paciente durante a cirurgia.
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5. Resumo Quadro-resumo - Os sangramentos abaixo do ângulo de Treitz normalmente são autolimitados, mas podem se apresentar como hemorragias maciças e instabilidade hemodinâmica; hemodinâmica; - As causas mais comuns são doença diver cular dos cólons, angiodisplasias e tumores; - A sequência diagnósca envolve endoscopia, colonoscopia, arteriogra fia e, se disponível, cápsula endoscópica e enteroscopia. A cirurgia pode ser ulizada na falha de todos esses métodos.
CAPÍTULO
21
Bases da cirurgia videolaparoscópica
Pontos essenciais Aspectos técnicos; - Alterações fisiológicas; - Complicações do método. -
1. Introdução Com o advento das fibras ópcas de iluminação, con jugado com o desenho de instrumentais cirúrgicos que possibilitavam uma manipulação dos órgãos internos com menores áreas de dissecção, surgiram os primeiros procedimentos videolaparoscópicos. Na década de 1960, Semm substuiu 75% das operações ginecológicas abertas pela laparoscopia com baixo índice de complicações. Na cirurgia geral, a laparoscopia foi u lizada inicialmente para realizar biópsias hepá cas sob visão direta. Em 1977, De Kok realizou apendicectomias videoassis das. A 1ª colecistectomia videolaparoscópica foi realizada por Mouret, em 1987. Inicialmente, a cirurgia laparoscópica aumenta o custo inicial do procedimento em termos de equipamentos e manutenção, bem como no treinamento do cirurgião. No entanto, as vantagens da laparoscopia ultrapassam os custos de muitos procedimentos, tornando-a vantajosa nesses casos. Entre as principais vantagens, há uma menor permanência hospitalar e retorno precoce das a vidades normais do paciente, o trauma cirúrgico é menor, há menos dor pós-operatória, e o efeito esté co é superior.
Eduardo Bertolli
O pneumoperitônio é necessário para proporcionar espaço intra-abdominal e permi r a visualização da anatomia. O pneumoperitônio é feito com insu flação de CO2 e pode ser obdo pela técnica fechada, pela punção com agulha de Veress, ou aberta, pela técnica de Hasson (Figura 1). A pressão inicial para insuflação após a punção deve ser entre 6 e 8mmHg. O fluxo ideal deve ser de 1L/min, e a pressão durante a cirurgia deve se manter entre 12 e 15mmHg para evitar o quadro de síndrome compar mental abdominal.
Figura 1 - (A) Punção com agulha de Veress e (B) técnica de Hasson
2. Aspectos técnicos
Com a ópca inserida, realiza-se um inventário da cavidade. São então introduzidos os outros trocateres necessários para afastamento e dissecção, colocados sob visão direta. O número e a localização dos trocateres variam de acordo com a cirurgia. Uma possibilidade é o uso de single port , em que por meio de uma incisão coloca-se um disposivo capaz de alojar à óp ca os trocateres necessários para a cirurgia (Figura 2).
A preparação pré-operatória permanece a mesma dos procedimentos tradicionais no que diz respeito ao preparo do paciente, compensação clínica e avaliação pré-anestésica. Há situações nas quais o cirurgião terá de converter a cirurgia laparoscópica para a via aberta, de modo que todo paciente precisa estar ciente disso no pré-operatório. A cirurgia deve sempre ser realizada sob anestesia geral, e é prudente a passagem de sondas nasogástrica e vesical de demora para evitar distensão e minimizar a presença desses órgãos no campo operatório.
Figura 2 - Disposi tv o para single port
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CIRURGIA GERAL A - Alterações fisiológicas do pneumoperitônio Logo no início da insu flação, ocorre a liberação de mediadores neuroendócrinos. Isso jus fica a necessidade de uma indução lenta e gradual do pneumoperitônio. Do ponto de vista venlatório, a função respiratória fica compromeda pela diminuição da complacência pulmonar. Podem acontecer hipercapnia e acidose, rapidamente reversíveis com a desinsuflação do CO2. O pneumoperitônio (e o consequente aumento da pressão intra-abdominal) aumenta a pressão venosa central, a pressão capilar pulmonar em cunha (pré-carga), a pressão arterial média e a resistência vascular sistêmica (pós-carga). Essas alterações apresentam efeito duplo: o aumento da pré-carga aumenta o débito cardíaco, ao passo que o aumento da pós-carga o reduz, mas aumenta o trabalho cardíaco.
B - Contraindicações Não há nenhuma contraindicação absoluta ao método. Do ponto de vista técnico, a presença de cirurgias abdominais prévias e a consequente formação de aderências podem dificultar ou até impedir a introdução dos trocateres. Algumas aderências podem ser liberadas laparoscopicamente, mas múlplas cirurgias anteriores prejudicam essa técnica. Pacientes com obesidade mórbida podem apresentar panículo adiposo muito grande, di ficultando a colocação dos trocateres. O útero aumentado na gestante pode impedir a formação de espaço intra-abdominal su ficiente. Pacientes com doença cardiopulmonar grave podem piorar com a diminuição do retorno venoso pelo pneumoperitônio. Doentes com coagulopa as devem ser compensados e transfundidos antes do procedimento. Em caso de urgência, esses indivíduos devem ser operados por laparotomia. Apesar de possível, o tratamento das peritonites generalizadas também é mais bem realizado pela via convencional.
3. Aplicações Os procedimentos laparoscópicos fazem parte do arsenal de diversas especialidades cirúrgicas atualmente (Tabela 1). Tabela 1 - Principais procedimentos realizados por videolaparoscopia Especialidade Cirurgia geral
Procedimentos realizados por videolaparoscopia - Correção de hérnias inguinais e incisionais; - Apendicectomia.
- Colecistectomia; - Hiatoplasa e fundoplicatura; - Cirurgia bariátrica; Cirurgia - Esplenectomia; gastrintesnal - Hepatectomias (e segmentectomias hepácas); - Colectomia; - Retossigmoidectomia.
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Procedimentos realizados por videolaparoscopia
Especialidade
Urologia
- Nefrectomia (total e parcial); - Adrenalectomia; - Pieloplasa; - Correção de criptorquidia (ou orquiectomia ectópica).
Ginecologia
- Histerectomia; - Inventário e estadiamento no câncer de ovário; - Inventário e estadiamento na endometriose; - Avaliação de inferlidade.
4. Complicações A maioria das complicações acontece logo na 1ª fase do procedimento, decorrentes de punções iatrogênicas. O enfisema subcutâneo ocorre em até 2% dos casos e pode ser diagnoscado durante a cirurgia e tratado com esvaziamento do CO2 e nova punção. Entre as punções viscerais, podem ocorrer lesão gástrica em 0,027% dos casos e perfuração entérica em até 0,3% dos casos. O reparo primário muitas vezes é su ficiente e pode ser feito pela própria laparoscopia. A complicação associada a maior morbimortalidade é a punção de estruturas vasculares. No caso de sangramentos de grande monta, a conversão para a cirurgia aberta deve ser precoce. Outras complicações mais raras são embolia gasosa, colapso cardiovascular e hérnias incisionais, geralmente nas incisões de 10mm. De modo geral, o índice global de mortalidade dos procedimentos laparoscópicos é de 0,5% com morbidade de 4%. Cada procedimento poderá ter complicações especí ficas. A complicação mais comum da colecistectomia videolaparoscópica, por exemplo, é a lesão iatrogênica de vias biliares, principalmente do ducto biliar principal. A colangiogra fia intraoperatória é uma alterna va para evitar esse po de complicação, especialmente nos casos em que a anatomia das vias biliares não é clara.
5. Cirurgia endoscópica por orif cios naturais Definida como a abreviatura de Natural Ori fi ce Translumenal Endoscopic Surgery (cirurgia endoscópica transluminal por ori f cio natural), o termo NOTES denota uma gama de possibilidades de procedimentos endoscópico-cirúrgicos que têm o potencial de ser menos invasiva até que a cirurgia laparoscópica. Os primeiros relatos experimentais em NOTES ulizando a via transgástrica (Figura 3A) em animais foram publicados por Kalloo, em 2004. Rao, em 2005, foi o pioneiro a realizar cirurgias do apêndice por via transgástrica. No entanto, essa via ainda não pode ser considerada segura, pela possibilidade de peritonite. A via NOTES transvaginal foi realizada pela 1ª vez no mundo pela equipe do Dr. Ricardo Zarron, da Universida-
BASES DA CIRURGIA VIDEOLAPAROSCÓPICA
de de Teresópolis, Rio de Janeiro (Figura 3B). A equipe realizou, no início de março de 2007, as primeiras colecistectomias NOTES transvaginais sem auxílio de laparoscopia, em 4 pacientes do sexo feminino. Embora apresente bons resultados iniciais, sem deixar cicatrizes e com menos dor pós-operatória, esse po de cirurgia tem a desvantagem de só poder ser realizado em mulheres, e ainda precisa de mais estudos para estabelecer seu papel no tratamento dos pacientes.
L A R E G A I
G R U R I C
Figura 3 - NOTES: (A) Acessos transoral e transgástrico e (B) acesso transvaginal
6. Resumo Quadro-resumo - A videolaparoscopia é uma via de acesso segura e considerada padrão-ouro em diversos procedimentos devido a sua menor morbidade; - As principais repercussões fisiológicas ocorrem nos sistemas cardiovascular e respiratório; - As principais complicações estão associadas às punções iatrogênicas de vísceras ou vasos.
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SUPORTE VENTILATÓRIO NÃOCIRÚRGICO
CAPÍTULO
1
1. Sistema respiratório A resistência das vias aéreas é alta no Recém-Nascido (RN), que respira, quase exclusivamente, pelas narinas; por isso, usa-se sonda orogástrica para descomprimir o estômago e o trato digestório. O consumo de oxigênio no RN é de cerca de 7mL/kg/min (2 vezes maior que no adulto). Apneia perioperatória é mais comum em prematuros. No pós-operatório, ou após pequenos procedimentos realizados nos primeiros 2 a 3 meses de vida, os prematuros devem ficar sob período mais prolongado de observação (cerca de 24 horas).
2. Sistema cardiovascular O miocárdio do neonato tem capacidade limitada de aumentar o volume de ejeção, assim o aumento do débito cardíaco depende, exclusivamente, da capacidade de elevação da frequência cardíaca. Cerca de 50% dos prematuros têm ducto arterioso pérvio. A administração excessiva de volume pode reabrir o ducto arterioso recém-fechado.
3. Sistema nervoso central Variações no fluxo sanguíneo cerebral do RN, com vasos sanguíneos subependimários ainda não adequadamente desenvolvidos, parecem ser a causa principal da alta incidência de hemorragias intracranianas nessa faixa etária (frequente em prematuros). Outras causas de sangramento no SNC são rápida infusão de coloides ou soluções hiperosmolares, hiponatremia, acidose e ven lação com pressão posiva intermitente. Os RNs são par cularmente sensíveis aos efeitos depressores do sistema respiratório decorrentes da ulização de agentes anestésicos.
4. Homeostase térmica A manutenção da temperatura constante é um elemento crí co no RN em razão da grande super f cie corpórea em relação ao peso, da pequena quan dade de gordura subcutânea e da reduzida capacidade muscular para gerar calor. A associação desses fatores à perda de calor por meio da exposição de grandes super f cies durante a cirurgia, a adminis-
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Cirurgia pediátrica geral André Ribeiro Morrone
tração de soluções intravenosas em temperatura ambiente e o bloqueio do processo de autorregulação decorrente dos agentes anestésicos tornam o RN susce vel à hipotermia. Esta leva ao aumento da resistência vascular periférica, causa metabolismo anaeróbico e acidose, aumenta o consumo de energia, diminui o inotropismo e o cronotropismo cardíaco, deprime o SNC, diminui a a vidade enzimáca e altera o sistema de coagulação.
5. Hematologia e coagulação Os RNs têm concentração de Hb dependente do grau de transfusão placentária, em geral, por volta de 18g%, com predomínio de Hb do po fetal (HbF), que tem maior a finidade pelo oxigênio em relação à Hb do adulto, resultando em desvio da curva de dissociação da Hb para a esquerda. Pela maior velocidade de destruição e limitada produção, tem-se a anemia fisiológica nos primeiros 6 meses de vida. Nos primeiros dias de vida, em par cular nos prematuros, a síntese de fatores da coagulação dependentes de vitamina K (II, VII, IX e X) é inadequada e pode gerar um estado de hipocoagulabilidade (doença hemorrágica do RN), que pode ser corrigida pela administração de vitamina K.
6. Água e eletrólitos Nos prematuros, 80% do peso corpóreo são representados por água, caindo para 65% após o 1º ano de vida. Aos 2 anos, tal porcentagem assemelha-se à do adulto (55%). O volume plasmáco intravascular varia de 5% do peso corpóreo em adultos a 8% (80mL/kg) em neonatos. A água total corpórea é dividida em 2 compar mentos: o intracelular e o extracelular. O fluido extracelular representa 1/3 da água corpórea total e contém o sódio como principal cáon e o cloreto e o bicarbonato como principais ânions. Já o fluido intracelular representa 2/3 da água corpórea total e tem o potássio como principal cá on. A função renal dos RNs tem como caracterís ca uma baixa taxa de filtração glomerular (cerca de 25% da taxa dos adultos) e uma baixa capacidade de concentração urinária que os tornam menos tolerantes à desidratação.
CIRURGIA PEDIÁTRICA GERAL
O rim do RN pode concentrar a urina entre 500 e 600mOsm/L, e o do prematuro, 400mOsm/L (o adulto chega a 1.200mOsm/L), por isso requer de 2 a 4mL/kg/h para excretar os solutos (as crianças necessitam de 1 a 2mL/ kg/h, e os adultos, 0,5mL/kg/h).
Durante a anestesia, são observados os seguintes parâmetros: FC, FR, pressão sanguínea, saturação periférica de oxigênio (oximetria de pulso), temperatura e dor. O jejum é fundamental nos procedimentos ele vos, pois diminui o risco de aspiração e hipoglicemia.
7. Necessidades hidroeletrolí tcas e nutricionais
Tabela 4 - Jejum pré-operatório
Tabela 1 - Necessidades basais de água ≤10kg
100mL/kg/dia
11 a 20kg 1.000mL + 50mL/kg/dia para cada kg >10kg >20
1.500mL + 20mL/kg/dia para cada kg >20kg
Adulto
2.000 a 3.000mL/dia
3mEq/kg/dia (máximo 80mEq/dia)
Potássio
2,5mEq/kg/dia (máximo 40mEq/dia)
Sólidos
Líquidos sem resíduos
<6 meses
4 horas
2 horas
6 a 36 meses
6 horas
2 horas
>36 meses
8 horas
2 horas
- Sólidos: leite materno, fórmula, leite de origem animal e derivados; - Líquidos sem resíduos: água, chá, sucos sem polpa, gelana.
A avaliação da dor no pós-operatório auxilia na administração de medicamentos para supressão da dor.
Tabela 2 - Necessidades basais de sódio e potássio Sódio
Idade
A C I R T Á I D E P A I
G R U R I C
Tabela 3 - Necessidades nutricionais básicas diárias Até 10kg
11 a 20kg
>21kg
Calorias
100cal/kg
90cal/kg
80cal/kg
Proteínas
2,5g/kg/dia
2g/kg/dia
1,5g/kg/dia
Figura 1 - Escala de intensidade de dor; crianças >7 anos: escala numérica; crianças <7 anos: escala de faces
8. Sistema imunológico A avidade total do complemento do RN é 50% a do adulto. A concentração de C3, C4, complexo C5, fator B e properdina também está diminuída, em comparação à dos adultos. A IgM é ausente, pois não passa pela placenta.
9. Anestesia pediátrica O preparo pré-operatório em cirurgia pediátrica é fundamental. Nas cirurgias elevas, a consulta pré-anestésica é um instrumento muito importante para quan ficar os riscos durante o ato anestésico-cirúrgico e esclarecer os pais da criança. A anamnese junto com o exame f sico detalhado são fundamentais na avaliação. Não existe obrigatoriedade de colher exames pré-operatórios. Os exames podem ser solicitados de acordo com as caracterís cas da criança e da cirurgia a ser realizada. Geralmente procedimentos de menor porte não necessitam de exames laboratoriais. Na anamnese é importante perguntar sobre problemas cardiopulmonares, alergias (alimentar, medicamentos e látex), nascimento prematuro, história familiar de morte ou complicações durante atos anestésico-cirurgicos e doenças recentes. Segundo a Sociedade Americana de Anestesia Pediátrica, a incidência de mortalidade relacionada à anestesia é de 0,36 para cada 10.000 anestesias realizadas. No Brasil, esma-se em 9,8 para cada 10.000 anestesias realizadas. As principais causas foram: cardiovascular (36%), respiratória (27%), medicamentosa (18%) e de equipamentos (5%).
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SUPORTE VENTILATÓRIO NÃOCIRÚRGICO
CAPÍTULO
Gastrocirurgia pediátrica
2
1. Sinais e sintomas de alerta Vômitos biliosos; - Distensão abdominal; - Retardo, escassez ou não eliminação de mecônio; - Polidrâmnio materno; - Síndrome de Down; - História familiar: doença de Hirschsprung, mãe diabéca e atresia jejunal; - Parada na eliminação de gases e fezes; - Sangramento gastrintes nal; - Icterícia com acolia fecal; - Desconforto respiratório; - Malformações visíveis. -
2. Atresia de esôfago A atresia de esôfago é uma malformação congênita caracterizada pela interrupção da luz esofágica ao nível da sua porção torácica, com ausência de segmento em maior ou menor extensão. Devem-se conhecer os pos e a incidência: atresia de esôfago com f stula distal (87%), atresia de esôfago sem f stula (8%), f stula traqueoesofágica sem atresia (f stula em H, 4%), atresia de esôfago com f stula proximal (<1%) e atresia de esôfago com f stula proximal e distal (<1%). A classi ficação de “A” até “E” ou de po 1 até 4 ou 5 varia conforme a fonte.
Figura 1 - Tipos de atresia de esôfago: (A) atresia esofágica pura; (B) atresia esofágica com f stula traqueoesofágica proximal; (C) atresia esofágica com f stula traqueoesofágica distal; (D) atresia esofágica sem f stula e (E) f stula traqueoesofágica em H
A incidência é de 1:2.500 nascidos vivos. Na USG pré-natal, podem-se ter polidrâmnio e diminuição do volume
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André Ribeiro Morrone
gástrico. Na sala de parto, não é possível progredir a sonda até o estômago, e no berçário há salivação espumosa excessiva e cianose às mamadas. Neste momento, com a suspeita o paciente já deve ser man do em decúbito elevado, um proclive de 30°, e iniciado jejum. A avaliação radiológica con firma o diagnósco mostrando a sonda enrolada no coto. Se há dúvida, com apenas 1mL de contraste pela sonda pode-se notar o stop no coto e, além de fechar o diagnós co, ter uma medida da distância entre os cotos, para programar o tratamento cirúrgico. Há uma associação de malformações conhecida como síndrome de VACTERL: vertebral (hemivértebras e espinha bí fida), anal (ânus imperfurado), cardíaca (tetralogia de Fallot, CIA, CIV e ducto arterial), traqueoesofágica ( f stula), renal (agenesia renal e hipospádia) e limb (membro: displasia de rádio). Entre 50 a 70% das atresias de esôfago têm outras malformações associadas, a mais comum a cardíaca (35%). A correção cirúrgica é ele va, descartadas as malformações. Enquanto se aguarda, o RN deve ser man do em jejum, decúbito elevado, an biocoterapia, nutrição parenteral e sonda no coto esofágico em aspiração con nua com sistema de Venturi. O prognósco dependerá do peso e da presença de cardiopaa ou pneumonia associada. Há 2 classi ficações quanto ao prognósco da atresia de esôfago: Waterston (1962) e Spz (1994). Tabela 1 - Classi fi cação de Waterston Grupo
% Vida
Característca
A
100
Peso >2,5kg e bem.
B
85
Peso entre 2 e 2,5kg e bem ou peso >2,5kg e pneumonia discreta ou malformação associada de moderada gravidade.
C
65
Peso <2kg ou peso >2kg com malformação associada severa ou pneumonia grave.
- Classificação de Spitz: -
Grupo I: peso ≥1,5kg sem cardiopaa – 97% de sobrevida;
GASTROCIRURGIA PEDIÁTRICA
-
Grupo II: peso <1,5kg ou cardiopaa – 59% de sobrevida;
-
Grupo III: peso <1,5kg e cardiopa a – 22% de sobrevida.
O tratamento cirúrgico depende das malformações associadas e das condições pulmonares do RN. A via de acesso é a toracotomia posterolateral direita com acesso extrapleural, ligadura da f stula e anastomose terminoterminal do esôfago em 2 planos ou plano único. Quando o RN não está em condições clínicas para a cirurgia, inicialmente se realizam gastrostomia descompressiva e esofagostomia, com posterior correção cirúrgica de finiva. A gastrostomia não pode ser usada para alimentação, devido à presença da f stula esofagotraqueal. São complicações pós-operatórias: estenose ou f stula da anastomose esofágica, refluxo gastroesofágico, traqueomalácia (a qual é alteração congênita, não complicação pós-operatória) e reabertura da f stula esofagotraqueal (“ref stula”).
3. Estenose cáustca do esôfago As substâncias alcalinas provocam mais lesões mais frequentes e mais graves do que as ácidas. A soda cáus ca presente em vários produtos de limpeza é o agente que mais causa lesões, sendo a necrose de liquefação a mais grave, provocando intenso espasmo, o que leva toda a circunferência do esôfago ao contato com o agente cáus co. Se a dose ingerida é grande, pode haver necrose de toda a parede e consequente cicatrização com acentuadas estenoses. Tratamento: não se devem provocar vômitos na criança para não retornar o conteúdo ao esôfago, mas se deve proceder à EDA para avaliar a extensão da lesão. Se houver lesão grave do esôfago, passagem de sonda nasoenteral sob visão direta, que servirá como fio-guia nas próximas endoscopias, diminuindo o risco de perfuração, e possibilitar a alimentação precocemente. Acredita-se que a administração de corcoides diminua os índices de estenose que não respondem à dilatação. Iniciar tratamento com ampicilina na admissão. Após 48 horas, dieta líquida se não há salivação. Após 2 a 3 semanas, novo controle com EDA, se há estenoses, iniciar programa de dilatação. O prognós co depende do grau da lesão de assintomá cos àqueles com indicação de subs tuição esofágica (esofagocolonplasa ou esofagogastroplasa).
4. Enterocolite necrosante
Figura 2 - Radiogra fi a simples: atresia de esôfago com f stula distal – notar bolsa de ar e sonda no coto esofágico proximal e ar no abdome
A enterocolite necrosante (ECN) é uma doença intes nal e infecciosa que a nge principalmente RNs prematuros, produzindo lesão no trato gastrintes nal por meio da necrose de coagulação da mucosa, e podendo ocorrer o compromemento de toda a espessura da parede intes nal. A ECN inicia-se provavelmente após isquemia intes nal (em que os prematuros são mais susce veis e apresentam imaturidade da mucosa com maior permeabilidade a bactérias), porém pode estar associada a outros fatores, como início da dieta enteral, as fixia perinatal, cateter umbilical e outros casos de ECN na unidade de neonatologia, demonstrando a e ologia infecciosa. O quadro inicial confunde-se com outras infecções por inespecificidade, queda do estado geral, hipoa vidade, irritabilidade e má aceitação da dieta com alterações laboratoriais de hemograma e proteína C rea va, associada ou não ao quadro abdominal. Com o desenvolvimento da doença, o quadro abdominal se torna mais exuberante, com variedade dos sintomas. Os mais comuns, dor e distensão abdominal, são seguidos de vômitos, evacuação com sangue e resíduo gástrico. Nesta fase, deve iniciar-se o tratamento clinico precocemente mesmo sem evidencias de ECN. Anbiócos, sondagem orogástrica com sonda calibrosa e jejum, além de todo suporte clínico, são indicados. A radiografia mostra edema de parede das alças, níveis hidroaéreos e ar na parede das alças que evidenciam a doença (pneumatose intes nal).
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G R U R I C
CIRURGIA PEDIÁTRICA dem desenvolver síndrome do intes no curto. Se houver boa evolução pós-operatória, após pesquisa de estenoses no segmento do cólon distal, pode-se realizar a reconstrução do trânsito intes nal, não antes de 6 semanas. O prognósco depende mais de fatores infecciosos que do quadro abdominal e, obviamente, da extensão da doença. A presença de necrose maciça de todo o intes no torna o prognósco reservado com mortalidade de 100%.
Figura 3 - Pneumatose no ângulo esplênico do cólon
A evolução da doença pode levar a perfuração intes nal e peritonite, e o local mais envolvido é o íleo terminal. Nessa fase, o exame f sico mostra um RN mais grave, em mau estado geral, e pode apresentar alterações de cor na parede abdominal, plastrão palpável, eritema periumbilical.
Figura 4 - Pneumoperitônio gigante
A cirurgia é reservada às complicações, como perfuração intesnal e gangrena (necrose de toda a parede intesnal). Aos prematuros extremos (abaixo de 1kg), pode-se realizar apenas a drenagem da cavidade com dreno de Penrose, para melhorar a dinâmica ven latória, muito pre judicada pelo pneumoperitônio. A laparotomia consiste em ressecar o segmento intes nal acomedo e derivar o intesno com ileostomia. Deve-se evitar a anastomose no 1º tempo, pois ainda não se sabe o limite de progressão da necrose e se trata de um RN em estado grave. Complicações infecciosas e jejum prolongado são as principais causas de óbito. Alguns pacientes com grandes áreas ressecadas po-
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Figura 5 - ECN: notar a distensão abdominal e a coloração
5. Estenose hipertrófica do piloro Doença caracterizada por hipertro fia da musculatura do piloro, impossibilitando o adequado esvaziamento gástrico. Essa hipertrofia tem eologia desconhecida e uma incidência de 3:1.000 nascidos vivos, com predomínio em primogênitos do sexo masculino (4:1 até 10:1) e histórico familiar. O quadro clínico é bem caracterísco, com vômitos em jato não biliosos que se iniciam entre a 2ª e a 3ª semanas de vida, em um paciente saudável. Ao exame f sico, encontra-se um RN desnutrido, desidratado e irritado porque não consegue se alimentar adequadamente, estando sempre faminto. Em 50 a 70% dos casos, pode-se palpar uma massa móvel e indolor no hipocôndrio direito, a chamada oliva pilórica. A conduta inicial é a correção dos distúrbios hidroeletrolí cos, a alcalose metabólica hipoclorêmica, devido à perda de HCl pelos vômitos persistentes. Sem contar a sondagem gástrica com sonda calibrosa. Quando não se consegue palpar a oliva pilórica, podem-se fazer exame contrastado do estômago e duodeno que revelará o sinal do “bico do seio” ou do “ fio” ou do “guarda-chuva”, exames pracamente em desuso pela acurácia da USG. Os sinais na USG são: comprimento do canal pilórico >16mm, espessura do músculo >3mm e diâmetro >11mm. O tratamento é cirúrgico ele vamente e consiste na piloromiotomia de Fredet-Hamstedt-Weber, que consiste na incisão longitudinal no piloro até a extrusão da submucosa, sem abrir a mucosa (extramucosa). Devido ao quadro de irritação gástrica, os vômitos podem persisr ainda por 1 a 2 dias no pós-operatório. O prognósco é excelente.
GASTROCIRURGIA PEDIÁTRICA
Vater). A mais comum é a distal à papila duodenal, com a presença de vômitos biliosos desde as primeiras horas de vida. A suspeita diagnós ca existe desde a gestação com polidrâmnio detectado por meio do sinal da dupla-bolha à USG, radiografia simples de abdome com o mesmo sinal. São anomalias associadas síndrome de Down (20 a 30%), síndrome de VACTERL e anomalias do SNC e cardíacas. O tratamento inicial, como em qualquer quadro obstru vo intesnal, consiste em descompressão gástrica com sonda calibrosa e correção de distúrbio hidroeletrolí co. O tratamento cirúrgico é ele vo e realizado com duodenoduodenoanastomose e duodenoplas a, laterolateral na borda anterior, sem manipulação da via biliar. O prognós co depende da gravidade das malformações. Figura 6 - Radiogra fi a contrastada: estenose hipertró fi ca do piloro
A C I R T Á I D E P A I
G R U R I C
Figura 7 - Piloro hipertro fi ado
Figura 8 - Piloromiotomia extramucosa
6. Atresias e obstruções duodenais As obstruções duodenais podem ser intrínsecas (atresia, estenose e membrana) ou extrínsecas (pâncreas anular, má rotação intesnal com bandas de Ladd e duplicidade duodenal), proximais ou distais à papila duodenal (ampola de
Figura 9 - Radiogra fi a simples: sinal da dupla bolha
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CIRURGIA PEDIÁTRICA
Figura 10 - Duodenoduodenoanastomose (proximal transversal para longitudinal distal) em forma de diamante
7. Má rotação intestnal (rotação intestnal incompleta) A má rotação intesnal, ou rotação intesnal incompleta, é um defeito na rotação e na fixação do intesno que, na forma completa, tem a seguinte topogra fia: duodeno e intesno delgado à direita da coluna e intes no grosso à esquerda, com aderências fibrosas (bandas de Ladd) entre o duodeno, o ceco e o retroperitônio no quadrante superior direito. A incidência é de 3% da população, com predomínio entre os homens. Ao quadro clínico, há vômitos biliosos, obstrução duodenal, acidose metabólica e volvo de intes no médio; metade dos casos apresenta sintomas no período neonatal. O diagnósco radiológico é feito com radiogra fia simples e exame contrastado de Esôfago, Estômago e Duodeno (EED). O tratamento é cirúrgico e imediato, pelo risco de necrose do intesno. Consiste no procedimento de Ladd: redução do volvo por intermédio de rotação no sen do an-horário, colocação do delgado à direita da coluna, lise das bandas de Ladd, colocação do intes no grosso à esquerda da coluna e apendicectomia.
Figura 11 - EED: sinal do saca-rolha
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Figura 12 - Má rotação intest nal com volvo de intest no médio
Figura 13 - Bandas de Ladd
GASTROCIRURGIA PEDIÁTRICA
8. Atresia intestnal A atresia intesnal deve-se a um acidente vascular isquêmico mesentérico no período intrauterino. Acomete, frequentemente, o jejuno e o íleo, mais raramente o cólon, e pode ser múl pla em 10% dos casos. O diagnós co baseia-se na presença de vômitos biliosos, distensão abdominal, obspação e presença de polidrâmnio materno. Os sintomas são tão mais evidentes quanto mais baixa é a atresia. Nas atresias mais altas, vômitos mais precoces e pouca distensão. Nos casos de lesões mais baixas, vômitos mais tardios por vezes até fecaloides. Classi ficação das atresias intesnais, segundo Louw: - Tipo I: membrana mucosa, sem solução de con nuidade do mesentério; - Tipo II: cordão fibroso, sem falha no mesentério; - Tipo IIIa: com separação entre os cotos proximal e distal e falha no mesentério ( po mais comumente encontrado); - Tipo IIIb: atresia jejunal alta e íleo terminal curto e helicoidal, com irrigação retrógrada através das artérias ileocólica ou cólica direita (apple peel ); - Tipo IV: atresias múl plas. O tratamento cirúrgico consiste em anastomose intes nal com ulização de técnicas para corrigir a desproporção de diâmetro entre a alça proximal e a distal.
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Figura 15 - Radiogra fi a simples: atresia ileal
A radiografia simples deve ser realizada em 2 posições, em decúbito dorsal horizontal e em posição ortostá ca. São observados níveis hidroaéreos e ausência de ar nas porções terminais do intesno.
Figura 16 - Radiogra fi a simples: apple peel (“casca de maçã”)
Figura 14 - Radiogra fi a simples: atresia jejunal
Figura 17 - Atresia intest nal: apple peel
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CIRURGIA PEDIÁTRICA O tratamento inicial, como em qualquer quadro obstruvo intesnal, consiste em descompressão gástrica com sonda calibrosa e correção de distúrbio hidroeletrolí co. O tratamento cirúrgico é ele vo e deve visar ao estabelecimento do trânsito intes nal. A anastomose terminoterminal é realizada com técnicas para diminuir a grande desproporção entre os 2 cotos. É imperavo verificar a perviedade de todo o trato intes nal devido ao risco de outras áreas atrésicas. O prognósco depende do po da atresia e da presença de peristalse no pós-operatório tardio.
9. Íleo meconial O íleo meconial é uma doença que se inicia devido a uma consistência anormal do mecônio por secreção inapropriada de enzima. Relacionado com fibrose císca em até 80% dos casos, também pode ocorrer nos casos de hiporeoidismo, diabetes materna e doença de Hirschsprung. Diz respeito a uma obstrução intes nal geralmente no íleo terminal, devido ao mecônio anormalmente espesso, viscoso e pegajoso. O quadro clínico pode ser semelhante ao da atresia intesnal. Ocorre obstrução intesnal nas porções terminais do íleo com distensão abdominal e vômitos. Raio x revela níveis hidroaéreos e microcólon, além de um aspecto granular fino na porção obstruída pelo mecônio anormal. O mecônio tem diminuição de água e aumento de proteínas e mucoproteínas, como resultado da de ficiência da avidade de enzimas pancreá cas e do prolongamento do tempo do trânsito intes nal. Tal deficiência pode ser demonstrada com o teste da albumina no mecônio ( strip teste) posivo com concentrações acima de 20mg/g de mecônio. Pode-se realizar também a dosagem de sódio e cloro no suor para o diagnós co de mucoviscidose. O íleo meconial pode ser dividido em simples e complicado. O po simples tem tratamento conservador, inicialmente, com substâncias capazes de diluir e remover o mecônio espesso (diatrizoato de meglumina – gastrogra fina –, diatrizoato de sódio – Hypaque – e n-ace lcisteína – Fluimucil) e enzimas pancreácas. Na falha do tratamento conservador e nos casos de íleo meconial complicado, aplica-se o tratamento cirúrgico: ressecção e anastomose primária ou ileostomia que permita acesso à porção distal para irrigação com mucolí cos (técnica de Milulicz e Bishop-Koop).
Figura 18 - Ileostomia: (A) técnica de Mikulicz e (B) Bishop-Koop
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10. Doença de Hirschsprung (megacólon congênito) Descrita em 1887, é uma doença congênita causada por um defeito na migração de células ganglionares parassimpácas para os plexos intermuscular (Auerbach) e submucoso (Meissner) do intes no grosso. Ocorre em 1:1.000 a 1.500 nascidos vivos, com predomínio no sexo masculino (4:1) e RN de termo. O segmento aganglionar (sempre distal) não se relaxa adequadamente, funcionando como um segmento de pressão muito alta e espás ca (podendo ser demonstrado em exame de manometria), impedindo a evacuação normal. O quadro clínico é de cons pação que varia conforme a extensão do segmento aganglionar, desde quase assintomáco, onde só se descobre a doença mais tardiamente, até graves sintomas de obstrução intes nal na 1ª semana de vida. É caracterís co o exame f sico, em que há eliminação de fezes de forma explosiva após o toque retal. Se há suspeita da doença, deve-se indicar o enema opaco com bário à procura do chamado cone de transição. A radiografia após 24 horas (retardo) faz parte do exame. O diagnósco é confirmado através de biópsia retal demonstrando ausência de células ganglionares e aumento da a vidade da acelcolinesterase na submucosa.
Figura 19 - Radiogra fi a simples: megacólon com fecaloma
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(Duhamel, Swenson ou Soave). É muito importante a monitorização clínica dos pacientes pelo risco de desenvolvimento de uma complicação muito grave, o megacólon tóxico ou enterocolite.
Figura 22 - Abaixamento de cólon: (A) Duhamel; (B) Soave e (C) Swenson
11. Malformação anorretal (ânus imperfurado)
Figura 20 - Enema opaco per fi l: zona de transição – megacólon e enterocolite
Figura 21 - Megacólon e zona de transição
O tratamento cirúrgico consiste na ressecção da zona aganglionar e no abaixamento de cólon por via endoanal
Consiste num complexo grupo de defeitos congênitos, erroneamente chamado ânus imperfurado, que se deve a um defeito na divisão do septo urorretal. A incidência varia de 1:4.000 a 1:5.000 nascimentos. No sexo masculino, o defeito mais comum é a f stula retouretral e, no sexo feminino, a f stula retovesbular. São malformações associadas: geniturinárias (20 a 54%), anomalias vertebrais e sacrais (6%), gastrintes nais (10 a 20%), cardiovasculares (7%) e síndrome de VACTERL. Na sala de parto, ao exame f sico, já pode ser notada a anomalia. Impossibilidade de introdução da sonda pelo ânus, que sempre deve ser veri ficada, ou mesmo ori f cio anal fora do centro do es f ncter, deve ser pesquisada. Diante de um paciente portador de AAR, devem-se aguardar 24 horas para que progrida até as porções terminais do reto. As caracteríscas clínicas variam com o po de AAR, bem como a conduta. Esta, nos primeiros dias de vida, depende basicamente da complexidade da AAR. Anomalias mais simples podem ser corrigidas a um só tempo, já as mais altas e mais complexas são corrigidas mais tardiamente, e, nos primeiros dias de vida, indica-se apenas a colostomia para descompressão. Existem várias classificações de AAR, mas basicamente o que deve ser conhecido pelo cirurgião é a diferença de conduta nos 2 pos. Classificação e conduta: - I-AAR alta (complexa): presença de mecônio na urina ou f stula retovesbular ou cloaca ou invertograma (Wangensteen-Rice) com distância entre a marca anal e o reto >1cm. Conduta: colostomia em 2 bocas (no sigmoide) e, posteriormente, cirurgia de Peña (anorretoplasa sagital posterior). A cirurgia de Peña é especialmente ú l nas anomalias anorretais baixas, dificultada tecnicamente pelo aumento da distância do reto para a pele. Além disso, faz parte da técnica dessa cirurgia inserir a f stula ou o reto dissecado no
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CIRURGIA PEDIÁTRICA centro de contração do complexo es fincteriano, que em anomalias muito altas é ausente ou extremamente malformado; - II-MAR baixa: f stula perineal ou invertograma com distância entre a marca anal e o reto ≤1cm. Conduta: cirurgia perineal sem colostomia.
Figura 23 - MAR: f stula retouretral
A eologia é idiopá ca (associação a quadro de infecção respiratória), em 90% dos casos, ou secundária a fatores predisponentes (diver culo de Meckel, cisto enterógeno, pólipos, linfoma), em geral acima dos 2 anos. O quadro clínico pico é o de uma criança entre 6 e 9 meses, com história ou não de vacinação ou quadro viral respiratório há cerca de 15 dias. Inicia-se com choro muito forte e irritabilidade, inclusive arranhando os pais. A dor se apresenta em episódios, po cólica, e assim que ela cessa a criança desfalece, pálida e sudoreica até uma nova crise de dor. Desde o início do quadro, podem aparecer vômitos e distensão abdominal, porém estes são mais tardios. Ao exame f sico, podem-se palpar uma massa no lado direito do abdome. O toque retal é obrigatório se não há evacuação na fralda e pode evidenciar a famosa evacuação mucossanguinolenta, conhecida pelo aspecto “em geleia de morango”. Nesta fase, mesmo sem con firmação, deve ser passada sonda orogástrica de grosso calibre, iniciada correção de distúrbios hidroeletrolí cos e connuada invesgação, lembrando que se trata de uma emergência cirúrgica, pois existe um segmento intes nal com sofrimento por isquemia. O diagnósco é feito pela clínica, faixa etária, USG (sinal do “alvo” no corte transversal ou imagem de “pseudorrim” no corte longitudinal) e enema opaco. O tratamento é conservador (redução com enema de solução salina ou gás) nos casos com menos de 12 horas, com ausência de sangramento retal, de obstrução intes nal, de sinais de complicação, e crianças menores de 2 anos. Atualmente, o padrão-ouro é a redução com infusão de solução salina aquecida via retal, com acompanhamento pelo radiologista por meio de USG, e cirúrgica na falha ou na contraindicação de tratamento conservador, consisndo em redução cuidadosa por meio da compressão do segmento distal invaginado para o proximal. O índice de recidiva varia de 6 a 10%. E o prognós co é muito bom, só piorado se há alguma doença de base como linfoma ou mucoviscidose ou diver culo de Meckel.
Figura 24 - MAR: cloaca
O prognósco depende da complexidade da AAR e do sucesso na anorretoplasa, sendo a incon nência fecal e a conspação as principais complicações.
12. Invaginação intestnal (intussuscepção) A invaginação intesnal acontece quando um segmento proximal de alça intes nal penetra num segmento distal, causando compressão vascular do mesentério, com consequente edema, isquemia e necrose. O pico de incidência está entre o 5º e o 9º meses de vida e predomina no sexo masculino (60 a 70%). Localização: ileocecal (80%), ileoileal, cecocólica e jejunojejunal.
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Figura 25 - Invaginação ileocecal
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Figura 26 - Imagem em alvo
O desenvolvimento de câncer colorretal é regra e surge em média 10 anos após o desenvolvimento dos pólipos. Manifestações extracolônicas benignas e malignas podem estar associadas à PAF. AF. As benignas são pólipos no trato digesvo superior (estômago e duodeno), intes no delgado, reoide, suprarrenais, pâncreas e hipó fise; cistos sebáceos, lipomas, osteomas, dedos hipocrá cos, anormalidades dentárias (dentes supranumerários), lesões da re na e tumores desmoides. As malignas são tumores na região periampular, de ductos biliares, gástricos, no íleo, reoide, suprarrenal e sistema nervoso central. As manifestações extracolônicas mais comuns são os osteomas (mais comuns no ângulo da mandíbula) e alterações da pigmentação da re na (hipertro fia congênita do epitélio pigmentar da re na). A associação da PAF com cistos epidermoides e osteomas é conhecida como síndrome de Gardner; com tumores de sistema s istema nervoso central, como síndrome de Turcot. O tratamento consiste na proctocolectomia total com ileostomia definiva ou colectomia total mais proctectomia de mucosa retal e anastomose ileorretal ou ileoanal (bolsa ileal também pode ser usada). O seguimento desses pacientes é fundamental, pois é possível o aparecimento de manifestações extracolônicas após a colectomia. A inves gação nos familiares é importante por ser uma herança autossômica dominante.
14. Apendicite aguda A apendicite aguda é a causa mais comum de cirurgia de urgência em crianças, com pico de incidência de 10 a 12 anos. Ocorre por processo in flamatório agudo do apêndice cecal devido à obstrução de sua luz, ocasionando em acúmulo de secreção, e consequente infecção do conteúdo intraluminal.
- Quadro clínico
Figura 27 - Enema opaco: invaginação intest nal nal (sinal da taça)
13. Polipose adenomatosa familiar A Polipose Adenomatosa Familiar (PAF) é uma doença hereditária autossômica dominante, responsável por 1% dos casos de câncer colorretal na população. Em aproximadamente 20% dos casos, a doença pode decorrer de mutações genécas. Geralmente, manifesta-se na puberdade, com o aparecimento de pólipos adenomatosos na mucosa colorretal, podendo ser assintomá ca ou apresentar quadro clínico de sangramento retal, anemia, tenesmo e, mais raramente, raramente, dor abdominal.
Dor periumbilical (dor visceral) que evolui para dor em quadrante inferior direito e FID (dor somá ca), náuseas, vômitos, anorexia e febre. O diagnós co é essencialmente clínico. Exames subsidiários podem ser solicitados em caso de dúvida diagnósca, mas é importante saber que, em alguns casos, podem mais confundir do que ajudar. ajudar. Os principais são sã o hemograma, proteína C reava, radiografia simples de abdome, USG de abdome (diâmetro do apêndice maior que 6mm e presença de líquido ou pus periapendicular) e TC de abdome. Há alta incidência de perfuração do apêndice em crianças menores de 3 anos, devido a di ficuldade no diagnós co. Cerca de 15% dos apêndices têm localizações a picas picas (retrocecal, pélvica, quadrante superior esquerdo). A indicação de cirurgia é baseada fundamentalmente em critérios clínicos. O escore de Alvarado correlaciona sintomas, sinais e exames para o diagnós co de apendicite aguda. Baixo risco para apendicite ≤2 pontos, alto risco para apendicite ≥7 pontos e intermediário entre 3 e 6 pontos.
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CIRURGIA PE PEDIÁTR IÁTRICA ICA Tabela 2 - Escore de Alvarado Sintomas
Sinais
Laboratório
Migração da dor = 1 ponto
Dor no quadrante inferior direito = 2 pontos
Leucócitos >10.000 = 1 ponto
Anorexia = 1 ponto
Desvio à esquerda Dor à descompressão (>10% ou >7.500 ou tosse ou percussão = neutró filos) = 1 2 pontos ponto
Náuseas e vôFebr Febree (>38 (>38°C °C)) = 1 pont ponto o mitos = 1 ponto
O tratamento adequado da base apendicular, limpeza da cavidade e an biocoterapia são a base do tratamento, não importando a via de acesso para a cirurgia. O método de tratamento no coto apendicular também varia. Com o advento da videolaparoscopia, existe uma tendência de ligadura simples, se a sua base no ceco está em bom aspecto.
furação, bem como da gravidade do quadro infeccioso se houver. A peritonite meconial pode ser dividida em simples (casos com cicatrização espontânea da perfuração) e complexa (com obstrução intes nal e formação de pseudocisto). O tratamento cirúrgico está indicado aos casos de peritonite meconial complexa, e para tratamento da doença de origem.
16. Diver culo culo de Meckel O diver culo culo de Meckel é uma persistência parcial do conduto onfalomesentérico, na borda an mesentérica do íleo, com incidência de 2% na população e predomínio no sexo masculino (3:1). Pode ser assintomá co ou causar sintomas como: (40%): hemorragia intes nal baixa indo- Hemorragia (40%): hemorragia lor e volumosa, muitas vezes necessitando de correção volêmica, com pico aos 2 anos, raramente acima de 4 anos; (30%): devido a um cordão fibro- Obstrução intes tnal (30%): devido so que liga o diver culo culo à cicatriz umbilical; (20%): mais comum no adulto. - Divertculite (20%): mais A parede do diver culo culo de Meckel pode conter mucosa gástrica ou tecido pancreá co ectópico. No caso de sangramento, o mapeamento pode auxiliar de 2 maneiras: com 99mTc (pertecnetato de sódio) para pesquisa de mucosa gástrica ectópica e 99mTc-enxofre coloidal para detectar a presença de hemorragia a va (sangramento >0,1mL/min). O tratamento cirúrgico é feito com ressecção do diver culo culo e anastomose intes nal, e o prognós co é excelente. Alguns serviços indicam a videolaparoscopia e a diver culectomia com grampeador.
Figura 28 - Apendicectomia à Oschner: bolsa ao redor do coto apendicular
As principais complicações no período pós-operatório são abscesso da parede abdominal, íleo paralí co prolongado e coleções intra-abdominais.
15. Peritonite meconial A peritonite meconial é uma peritonite química e assépca que ocorre por perfuração intes nal durante o período fetal. O local mais comum de perfuração é o íleo distal, e 50% das peritonites meconiais cursam com obstrução intesnal. A USG pré-natal pode mostrar ascite, massa intra-abdominal, dilatação intes nal e calci ficações intra-abdominais. Podem cursar com essa peritonite atresias intes nais, volvo intesnal e íleo meconial. Apresenta-se Apresenta-se como distensão abdominal severa e progressiva com eritema e edema da parede abdominal logo após o nascimento, e os achados clínicos e radiológicos vão depender da natureza da obstrução que causou a per-
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culo Figura 29 - Diver c ulo de Meckel
17. Atresia de vias biliares O quadro clínico inicia-se na 2ª ou na 3ª semana de vida em um RN geralmente anictérico, aparecendo hiperbilirrubinemia direta, acolia fecal, icterícia, hepatomegalia e bom estado geral do lactente. Em cerca de 20% dos casos, há
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malformações associadas: poliesplenia, má rotação intes nal, situs inversus, inversus, veia porta pré-duodenal e ausência de veia cava inferior. inferior. Além do aumento da bilirrubina, é detectado aumento de enzimas canaliculares (fosfatase alcalina e gamaglutamiltranspepdase). O diagnós co diferencial é estabelecido com as hepa tes neonatais virais (TORSCH: toxoplasmose, rubéola, sí filis, citomegalovírus e herpes-vírus), em que o lactente apresenta mau estado geral e hepatoesplenomegalia. Devem ser realizadas USG ou colangiorressonância para afastar as possibilidades de dilatações congênitas das vias biliares. É fundamental o estudo cin lográfico do f gado gado para detectar se há ou não drenagem da bile para o duodeno, e este é realizado com derivados do ácido iminodiacé co (Disida). O tratamento é feito por meio do procedimento de Kasai (portoenteroanastomose em Y de Roux após colangiogra fia intraoperatória), no máximo até a 10ª semana de vida. A colangite é a complicação mais comum no pós-operatório. Nos casos de falha de portoenteroanastomose e falência hepá ca, está indicado o transplante hepá co. Acredita-se que, como a doença é evolu va, quase todos (cerca de 90%) os pacientes evoluirão para a necessidade de transplante hepá co, e todos devem ser encaminhados a um grande centro.
Figura 30 - Intraoperatório cirurgia de Kasai f gado gado endurecido com colestase
18. Dilatação congênita das vias biliares A dilatação congênita das vias biliares, por muitos chamada cisto de colédoco, é uma dilatação do colédoco com grande prevalência em orientais. A patogenia decorre de uma junção anômala do colédoco e do ducto pancreá co principal, e, como consequência, tem-se passagem con nua nua de suco pancreá co para o interior das vias biliares, causando lesão à sua parede e destruindo a camada muscular, com substuição por tecido fibroso e dilatação em intensidades e graus variados. A tríade clássica consiste em dor abdominal intermitente, icterícia e lesão palpável no hipocôndrio direito, geralmente na 1ª década de vida. O exame de eleição é a colan-
giorressonância, porém, se não possível, a USG apresenta grande sensibilidade. Classificação: I: dilatação císca isolada do hepatocolédoco (cisto de - I: dilatação colédoco); II: diver culo culo do hepatocolédoco; - II: diver III: dilatação do colédoco terminal com saliência para a - III: dilatação luz duodenal (coledococele); - IV: dilatação IV: dilatação do hepatocolédoco com dilatação de via biliar intra-hepá ca; - V: V: dilatação predominante da árvore intra-hepá ca (doença de Caroli); - VI: dilatação VI: dilatação cilíndrica ou “forma frustra” do cisto de colédoco, com ou sem dilatação da via biliar intra-hepáca. O tratamento cirúrgico consiste na ressecção do cisto e na derivação biliodiges va em Y de Roux. Nos quadros infecciosos graves, deve-se ter em mente o tratamento da colangite, complicação mais temida. Também se deve levar em conta o quadro de destruição do parênquima hepá co, e nos casos de doença recorrente com colangites pouco responsivas ao tratamento clínico podem ser necessárias hepatectomias parciais ou mesmo transplante hepá co.
Figura 31 - Derivação Derivação em Y de Roux
19. Hérnia inguinal A hérnia inguinal é ocasionada pela persistência do conduto peritoneovaginal, portanto é uma hérnia indireta ( po 1 de Nyhus). Predomina no sexo masculino (3:1 até 10:1), e o lado direito é o mais acome do (30%). Tem incidência maior no 1º ano de vida e pico no 1º mês de vida (RNT 1 a 4%). A idade de aparecimento varia, sendo mais comum nos primeiros meses de vida. A mãe nota abaulamento inguinal aos esforços (choro). No exame f sico, sico, deve-se sempre verificar o posicionamento tes cular e palpar os elementos do cordão inguinal estando espessado nos casos de hérnia. O encarceramento é frequente (10%), sendo mais grave nos primeiros meses de vida. Na consulta, é impera vo explicar aos pais todos os sinais de encarceramento e a necessidade
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CIRURGIA PEDIÁTRICA de urgência no tratamento para evitar necrose do conteúdo encarcerado. A cirurgia, sempre indicada, deve ser feita por ocasião do diagnósco. No 1º ano de vida, alguns cirurgiões indicam a cirurgia dos 2 lados. Outros cirurgiões indicam a exploração bilateral até os 2 anos de idade. A cirurgia consiste na ligadura alta do conduto peritoneovaginal.
negros, prematuros e portadores de síndrome de Down. O fechamento espontâneo pode ocorrer até 2 a 3 anos de vida. Existe abaulamento indolor, muitas vezes confundido com excesso de pele (umbigo cutâneo), e o encarceramento é raro. Sistemas de contensão como cintas, moedas etc., não têm nenhuma e ficácia comprovada. O tratamento cirúrgico está indicado aos casos em que não houve fechamento espontâneo, grandes hérnias (>1,5cm), quando não há evidencia de que a hérnia está regredindo e haverá algum outro procedimento associado e realização de derivação ventriculoperitoneal.
Figura 32 - Persistência do conduto peritoneovaginal: (A) fechamento completo; (B) hérnia inguinal; (C) hérnia inguinoescrotal; (D) cisto de cordão; e (E) hidrocele comunicante
Figura 35 - Hérnia umbilical
21. Hidrocele comunicante
Figura 33 - Prematuro: hérnia inguinal bilateral
Ocorre a passagem de líquido peritoneal para o escroto, valendo-se de um conduto peritoneovaginal pérvio e estreito. Existe história de alteração no volume escrotal independente de temperatura ambiente. Geralmente, o volume aumenta no decorrer do dia. O tratamento é semelhante ao da hérnia inguinal (ligadura alta do conduto peritoneovaginal) e, em geral, é feito após 1 ano de vida ou após a con firmação de que não se trata de hidrocele não comunicante.
Figura 36 - Hidrocele comunicante Figura 34 - Hérnia inguinal em menina
22. Distopias testculares 20. Hérnia umbilical Neste caso, o umbigo não se fecha após o retorno do intesno médio para a cavidade celômica (ao redor da 10ª semana de gestação). A hérnia umbilical é mais comum em
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As distopias tesculares são definidas como ausência do tes culo na bolsa. Há incidência aumentada de torção de tes culo. Cinco por cento dos meninos são acome dos, e é mais comum em prematuros, pois os tes culos completam sua descida nas úlmas semanas de vida intrauterina. Quando
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o defeito é bilateral, sugere-se estar associado a de ficiências hormonais. Quando unilateral, a principal causa de di ficuldade na descida tes cular é a hérnia inguinal. Tipos: a) Retrátl: parece fora da bolsa quando há contração do músculo cremáster, mas, ao exame f sico, chega ao escroto. b) Retdo: palpável em algum ponto do trajeto normal a parr do anel inguinal interno. c) Ectópico: fora do trajeto normal, canal inguinal. d) Não palpável: pode ser ausente ou intra-abdominal (criptorquidia).
quiectomia e fixação (orquipexia) do tes culo contralateral; se viável, realizam-se destorção e fixação dos 2 tes culos. O diagnósco diferencial é feito pela história clínica, exame f sico e USG Doppler evidenciando ausência de fluxo para o tes culo torcido. O prognós co é diretamente relacionado ao tempo entre o início dos sintomas e a reperfusão (destorção) do tes culo.
Quando há suspeita de dé ficit hormonal, antes do tratamento cirúrgico podem-se administrar 3 doses de gonadotrofina coriônica humana para esmular a descida dos tes culos. É de par cular importância o conhecimento dos estados intersexuais em pacientes em 2 condições, criptorquidia bilateral e criptorquidia associada a hipospádia. O tratamento é cirúrgico quando não há sucesso no tratamento hormonal ou quando este não tem indicação. Tem sido realizada operação cada vez mais precocemente, atualmente entre 1 e 2 anos de vida, e consiste na orquipexia com fixação subdárca do tes culo.
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A - Escroto agudo Escroto agudo é o termo que caracteriza o quadro clínico de dor escrotal, aumento do volume, edema e eritema locais, febre, náuseas e vômitos.
B - Torção de tes culo Pode ocorrer desde a vida intrauterina até a fase adulta. A distribuição é bimodal (2 picos no período neonatal e adolescência). As principais patologias compa veis com a clínica de escroto agudo são torção de tes culo, torção de anexos tesculares (hidáde de Morgagni), orquite, epididimite e hérnia inguinal encarcerada. A torção de hidá de é muito frequente como causa de escroto agudo. A paro dite viral (caxumba) é uma causa de orquiepididimite em crianças. O quadro clínico da torção de tes culo consiste em dor tes cular súbita, edema, eritema na bolsa tes cular, hidrocele reacional, reflexo cremastérico ausente (o tes culo encontra-se mais elevado) e sinal de Prehn (alívio da dor quando se eleva o tes culo) nega vo. Na torção extravaginal, mais comum no período neonatal (12% das torções), o tes culo torce em torno do cordão inguinal. Na torção intravaginal, mais habitual no período puberal, o tes culo torce em torno de sua circulação dentro da túnica vaginal. O diagnósco da torção de tes culo é essencialmente clínico. O tratamento cirúrgico da torção é de urgência, devido à isquemia e à possibilidade de necrose do tes culo; o ideal é realizar a cirurgia até 6 horas após a instalação do quadro. A via de acesso pode ser por inguinotomia (suspeita de hérnia inguinal ou neoplasia) ou incisão escrotal. Avaliase a viabilidade do tes culo: se necró co, realizam-se or-
Figura 37 - Torção extravaginal, já com aspecto necrót co, mais comum no período neonatal
Figura 38 - Torção de tes culo
C - Torção de apêndices testculares Os apêndices tesculares (o mais comum é a hidá de de Morgagni) também estão sujeitos a torção. A torção destes pode manifestar-se como escroto agudo. À palpação, pode-se diferenciar esse po de torção. Na transiluminação escrotal, é possível a visibilização do chamado blue dot , um ponto mais escuro onde se encontra o pequeno anexo isquêmico e necrosado. Se há con fiança no diagnós co, instaura-se o tratamento clínico, com AINH. Se há qualquer dúvida, deve-se proceder a uma exploração cirúrgica de urgência. O prognós co é excelente, sem sequelas.
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CIRURGIA PEDIÁTRICA D - Orquiepididimite Processo inflamatório e/ou infeccioso envolvendo o tes culo, o epidídimo ou ambos. A causa mais comum é a parodite epidêmica. Quadro clínico de escroto agudo, algumas vezes com história de trauma. Dor muitas vezes irradiada para a região inguinal. No exame clínico, têm-se dor, hiperemia e sinal de Prehn posi vo. Em 1º lugar, deve-se descartar torção tescular com USG com Doppler . Se houver qualquer dúvida, deve-se proceder a exploração cirúrgica de urgência. Exames para detectar infecções também devem ser solicitados: urina I, hemograma, testes para gonorreia e clamídia. O tratamento é eminentemente clínico, com repouso, suspensório escrotal e an biócos, se for o caso. A atro fia tescular é possível principalmente nos casos relacionados com parodite. Se ocorrer, estará indicada fixação do tes culo contralateral.
Figura 39 - Radiogra fi a simples: hérnia diafragmát ca de Bochdalek
23. Hérnia diafragmátca de Bochdalek
24. Hérnia diafragmátca de Morgagni
Trata-se de falha na separação da cavidade pleuroperitoneal durante o desenvolvimento embrionário, assim o intesno penetra na cavidade pleural e causa hipoplasia pulmonar. A hérnia diafragmáca é mais comum à esquerda (90%), na região posterolateral do diafragma (Bochdalek), com incidência de 1:2.000 nascidos vivos e mortalidade de 60%. A USG pré-natal pode evidenciar a presença de alças no tórax. O paciente deve ser encaminhado a um grande centro, pela possibilidade de gravidade. Quadro clínico, já pode aparecer na sala de parto: cianose precoce, acidose e desconforto respiratório, abdome escavado e tórax “em tonel”. Radiogra fia de tórax mostra alças intesnais no tórax. O prognósco depende de:
A hérnia de Morgagni, um defeito do diafragma na região anteromedial entre as origens esternal e costal do diafragma, representa menos de 2% dos defeitos do diafragma. Em 90% dos casos, é à direita e geralmente possui saco herniário. Frequentemente, é assintomá ca; crianças mais velhas e adultos podem referir pequeno sintoma gastrintesnal ou achado incidental durante raio x de tórax. São malformações associadas cardiopaa, onfalocele, trissomia do 21 e pentalogia de Cantrell. O tratamento é cirúrgico, realizado por toracotomia, com redução do conteúdo e sutura da falha diafragmáca.
-
Tempo de aparecimento dos sintomas (se <6 horas, pior prognósco);
-
Anomalias associadas (cardiopatia piora o prognóstico);
-
Grau de hipertensão pulmonar.
O principal desafio do tratamento é o controle da hipertensão pulmonar, principal fator prognós co nesta fase. O tratamento consiste em IOT, sonda orogástrica, surfactante pulmonar na sala de parto, correção da acidose, ven lação de alta frequência, ECMO, drogas para diminuir a hipertensão pulmonar (tolazolina, nitroglicerina, ace lcolina, prostaglandina E1, prostaglandina D2, prostaciclina e nifedipina). A cirurgia, que não é prioridade no tratamento, é realizada após melhora da hipertensão pulmonar e da acidose. A correção é realizada por laparotomia subcostal esquerda para redução do conteúdo herniado para a cavidade abdominal e sutura primaria do diafragma. Quando não é possível, pode-se fazer um patch de pericárdio bovino ou tela de Marlex.
132
Figura 40 - Radiogra fi a simples: hérnia de Morgagni: notar o ar no espaço retroesternal
25. Onfalocele A onfalocele é um defeito congênito da parede abdominal, originado na falha do fechamento da mesma parede na vida embrionária. Pode ser recoberta por peritônio parietal e âmnio. O diagnós co é feito na USG morfológica
GASTROCIRURGIA PEDIÁTRICA
fetal. Onde já são pesquisadas outras malformações. Não constui indicação absoluta para cesariana. A criança nasce então com o defeito onde o cordão umbilical está sempre no ápice e pode apresentar diversos tamanhos e conter quandade variável de alças intes nais, com ou sem f gado no seu interior. Tem alta incidência (40%) de malformações associadas: -
Síndrome da linha média ( fissura vesicointesnal, atresia cólica, extrofia de bexiga, ânus imperfurado, defeitos da coluna sacral e meningomielocele);
-
Pentalogia de Cantrell (defeito do esterno, diafragma, pericárdio e malformação cardíaca, inclusive ectopia cordis);
-
Síndrome de Beckwith-Wiedemann (defeitos da região umbilical, macroglossia, gigan smo e hipoglicemia por secreção inapropriada de insulina);
-
Trissomias 13-15 e 16-18.
Nos casos de onfalocele com a cápsula íntegra, o tratamento é ele vo. O tratamento é cirúrgico com urgência se há ruptura da cápsula, com fechamento primário, nos pequenos defeitos; nos grandes defeitos, o tratamento é escalonado (por etapas), por meio de silo de silicone.
-abdominal. O prognóstico depende das malformações associadas.
26. Gastrosquise A gastrosquise é um defeito congênito da parede abdominal, localizado à direita do cordão umbilical. Como na onfalocele, apresenta conteúdo abdominal exteriorizado, mas este é de vísceras ocas. O f gado e o baço são tópicos. Não há membranas recobrindo as vísceras, que se apresentam expostas ao nascimento. As alças intesnais ficam expostas prolongadamente ao líquido amnió co, tendo como consequência serosite, edema e espessamento de parede. Tem baixa incidência (15%) de malformações associadas, mas, quando presente, é representada pelas atresias ou estenoses ileojejunais. A prematuridade é mais comumente associada à gastrosquise. O diagnósco é feito na USG morfológica e não cons tui indicação absoluta de parto cesárea, que é muitas vezes indicado pelo risco de lesão das alças que estão fora da cavidade abdominal. A conduta inicial consiste em sondagem orogástrica com sonda calibrosa, tratamento com anbió cos, manutenção do RN em decúbito lateral e proteção das alças evitando hipotermia e posicionando-as de modo a evitar a obstrução arterial e a isquemia (volvo e compressão). O tratamento cirúrgico consiste no fechamento primário do defeito quando possível. No pós-operatório, é comum o íleo paralí co prolongado devido à serosite química causada pelo líquido amnió co e é um dos principais fatores prognóscos além do quadro infeccioso.
Figura 41 - Onfalocele: fechamento com silo de silicone
Figura 42 - Onfalocele gigante
A decisão de reduzir o conteúdo para a cavidade abdominal e fechar a parede depende da pressão intra-
Figura 43 - Gastrosquise: notar o cordão umbilical cateterizado
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A C I R T Á I D E P A I
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CIRURGIA PEDIÁTRICA
Figura 44 - Gastrosquise: colocação de silo
Figura 45 - Gastrosquise
27. Doença do refluxo gastroesofágico A DRGE é definida como disfunção do es f ncter esofágico inferior, com re fluxo do conteúdo gástrico para o esôfago. Apesar de sua incidência desconhecida, é uma das queixas mais comuns no 1º ano de vida. Nem sempre está associada à hérnia hiatal. A intensidade dos sintomas nem sempre tem relação com a quan dade do refluxo, e o quadro clínico é muito variável. Os pacientes podem estar totalmente assintomácos e, no outro extremo, com esofagite grave, estenoses e até lesões pré-malignas (esôfago de Barre ). É preciso separar da doença o re fluxo fisiológico. Neste, há regurgitação indolor e sem esforço num bebê saudável, com início entre o 1º e o 3º meses de vida e confusão com estenose hipertrófica do piloro. Não existe dé ficit de ganho ponderal ou doenças respiratórias e regride em até 18 meses, havendo grande melhora quando a criança se senta (entre 7 e 10 meses de vida). Quando o re fluxo é patológico, há sintomas como irritabilidade (azia), dé ficit no ganho ponderal e sangramento oculto nas fezes. Também são notórios os sintomas respiratórios, como tosse, cianose, ap-
134
neia, crises de broncoespasmo e doenças reacionais como pneumonite e displasia broncopulmonar além de infecções de repeção. Deve-se ressaltar que o sintoma mais comum é o vômito, e deve-se realizar o esofagograma para afastar malformações anatômicas como a hérnia de hiato, má rotação intesnal, membranas ou estenoses duodenais, f stula traqueoesofágica, compressões vasculares e acalásia. Não é um bom exame para detectar a presença de DRGE. A endoscopia digesva alta mostra anormalidades na mucosa esofágica. O teste de escolha para o diagnós co de DRGE é a pHmetria. O teste avalia o tempo de re fluxo, o número de episódios, o número de episódios de re fluxo acima de 5 minutos, o tempo para esvaziamento do conteúdo que re fluiu para o esôfago e o tempo total de re fluxo. O tratamento consiste em medidas posturais e dieta, medicamentos ou correção cirúrgica, conforme o caso. Atualmente, o procedimento mais indicado é a válvula an rrefluxo po Nissen, preferencialmente realizada por videolaparoscopia, com bom prognósco.
CAPÍTULO
3
1. Introdução
Cirurgia torácica pediátrica André Ribeiro Morrone
segmento de pulmão hiperinsu flado e pouco funcionante, por isso algumas vezes ocorre a drenagem do tórax por erro no diagnósco, pela confusão do en fisema lobar congênito com o pneumotórax hipertensivo. O diagnós co é feito pela tomografia, evidenciando a assimetria. A conduta é cirúrgica o mais precoce possível, para possibilitar o crescimento de pulmão normal nos lobos antes comprimidos pelo lobo doente. Consiste na lobectomia, e o patologista deve ser alertado a realizar uma contagem não ro neira de alvéolos, para fechar o diagnós co.
Figura 2 - Distribuição da incidência do en fi sema lobar congênito Figura 1 - Patologias torácicas
2. Enfisema lobar congênito O enfisema lobar congênito, uma malformação causada pela hiperinsuflação de um lobo pulmonar, acomete mais o sexo masculino (2:1). Existe, nessa doença, um crescimento desordenado de alvéolos nos bronquíolos, de forma que cada ácino tem um número excessivo de alvéolos. Em vez de 5 ou 6, de 11 a 13, por isso a doença tem sido chamada polialveolose. Acomete, preferencialmente, os lobos superiores (predominando o esquerdo) e, com menos frequência, o lobo médio; é raro o acome mento dos lobos inferiores. O quadro clínico é de desconforto respiratório desde discreto e progressivo até insu ficiência respiratória aguda (1/3 tem sintomatologia notada no nascimento, e 5% desenvolvem sintoma após os 6 meses de vida). Portanto, há um
Figura 3 - Radiogra fi a simples: en fi sema lobar congênito
135
CIRURGIA PEDIÁTRICA 3. Sequestro pulmonar O sequestro pulmonar, uma massa de tecido pulmonar normal sem comunicação com a árvore brônquica e com irrigação arterial sistêmica, é mais frequente no sexo masculino (3:1) e acomete, em 70% dos casos, o lobo inferior. Há 2 pos de apresentação:
A - Intralobar Está dentro do parênquima pulmonar e recebe irrigação arterial da aorta abdominal ou de vaso torácico.
B - Extralobar Não apresenta ligação com o parênquima pulmonar, e a irrigação arterial é variável. Há associação entre sequestro e hérnia diafragmá ca esquerda, duplicação gástrica e de cólon. O principal sintoma é a infecção de repe ção dos tecidos pulmonares adjacentes. O diagnós co pode ser feito pela radiogra fia simples de tórax e TC de tórax, porém com adequado estudo nos tempos de infusão do contraste. Com isso, a arteriografia tem caído em desuso. O tratamento cirúrgico é feito por meio da ressecção do sequestro e ligadura do pedículo no caso do extralobar, e por meio de lobectomia ou se possível só ressecção da lesão com segmentectomia em caso de sequestro intralobar. Todo cuidado com a irrigação deve ser tomado, pois, como visto, ela é provinda de uma artéria sistêmica e com fluxo volumoso, às vezes da aorta abdominal, e o acesso para a ressecção é a toracotomia. Portanto, pode haver sangramento oculto durante o ato operatório.
Figura 6 - Radiogra fi a simples: sequestro pulmonar
Figura 7 - Arteriogra fi a evidenciando artéria do sequestro pulmonar originada diretamente da aorta abdominal
Figura 4 - Sequestro intralobar
Figura 5 - Sequestro extralobar
136
Figura 8 - Arteriogra fi a evidenciando artéria sistêmica anômala em direção ao lobo inferior direito
CIRURGIA TORÁCICA PEDIÁTRICA
4. Malformação adenomatoide cístca A malformação adenomatoide cística é uma doença causada pela displasia do epitélio respiratório, levando à substituição do parênquima pulmonar por uma massa de tecidos sólidos e císticos com muco e sem comunicação com a via aérea. Existe a perda da arquitetura normal do parênquima, por isso é chamado por alguns de hamartoma torácico, formando lesões arredondadas, císticas e aéreas (após o nascimento e sólidas). O quadro clínico varia de insuficiência respiratória ao nascimento a quadros tardios de infecção de repetição no parênquima adjacente. À USG pré-natal, já se podem visibilizar, polidrâmnio, cistos ou o grave desvio de mediastino que leva a hidropisia fetal, requerendo atuação do especialista em medicina fetal para drenagem dos cistos maiores. O diagnóstico pós-natal é feito por tomografia de tórax. Lesões múltiplas, aéreas, arredondadas, podem ser confundidas com hérnia diafragmática. Se há dúvida, basta uma pequena dose de contaste via oral, que neste caso não aparece no tórax. Pode ser classificada, segundo Stocker, em: a) Tipo I: cisto único ou cistos múl plos, acima de 2cm de diâmetro, com epitélio ciliado colunar. b) Tipo II: múlplos cistos menores de 1cm de diâmetro, revesdos por epitélio ciliado cuboide, com bronquíolos respiratórios e alvéolos distendidos, sem car lagem. c) Tipo III: grandes massas não císcas, de estruturas semelhantes a bronquíolos reves dos de epitélio ciliado cuboide e massas alveolares revesdas de epitélio cuboide não ciliado.
Figura 10 - Radiogra fi a simples da malformação adenomatoide císt ca
G R U R I C
5. Cisto broncogênico O cisto broncogênico compreende malformações císcas centrais, geralmente em estreita relação com a traqueia ou o brônquio-fonte, que contêm muco em seu interior e não se comunicam com a via aérea. Cerca de 2/3 localizam-se no medias no, e 1/3 no parênquima pulmonar. O quadro clínico pode ser desconforto respiratório, cianose, infecção respiratória de repe ção, e cerca de 1/3 dos casos pode ser assintomáco. O diagnós co pode ser feito pela radiogra fia simples de tórax, que mostra área de opacificação arredondada na região central e, algumas vezes, área de hiperinsu flação pulmonar. O tratamento é feito pela ressecção do cisto.
A conduta é cirúrgica o mais precoce possível, para possibilitar o crescimento do pulmão normal.
Figura 11 - Radiogra fi a simples do cisto broncogênico
6. Cisto pulmonar congênito
Figura 9 - TC: malformação adenomatoide císt ca
A C I R T Á I D E P A I
O cisto broncogênico também pode ser periférico (só depende em que fase do desenvolvimento embrionário ele se formou) e único, acometendo qualquer lobo pulmonar, e tem comunicação com a árvore respiratória, apresentando-
137
CIRURGIA PEDIÁTRICA -se como áreas hiperinsu fladas, mas pode ser císco e com conteúdo líquido. É mais frequente no pré-escolar, com história de infecção de repe ção. O diagnósco é feito pela radiografia simples de tórax, e o diagnós co diferencial deve ser feito em relação à pneumatocele, caracterizada por paredes finas, história prévia de pneumonia esta filocócica, e, na evolução radiológica, mostra redução e posterior desaparecimento ao longo dos meses. O tratamento do cisto congênito é cirúrgico (lobectomia ou ressecção do cisto), enquanto o da pneumatocele é clínico (regressão espontânea na maioria dos casos) ou cirúrgico (se hipertensiva ou infectada). Figura 15 - Radiogra fi a simples da pneumatocele (paredes fi nas)
7. Empiema pleural
Figura 12 - Radiogra fi a simples do cisto pulmonar congênito
Figura 13 - Cisto broncogênico na TC
Figura 14 - Cisto broncogênico de conteúdo mucoide
138
Empiema é o acúmulo de pus em espaço naturalmente existente. Na cavidade pleural (empiema pleural), geralmente é secundário a outra doença, sendo a mais frequente a pneumonia bacteriana, porém também ocorre após traumas e procedimentos cirúrgicos, infecções vizinhas ou pneumopaa crônica supurava. O derrame pleural pós-pneumonia passa por 3 fases evolu vas: exsudava, fibrinopurulenta e organizada. A exsuda va caracteriza-se por líquido claro, fluido e baixa celularidade (derrame in flamatório parapneumônico). A evolução para a fase fibrinopurulenta (empiema) caracteriza-se pela presença de bactérias, aumento de polimorfonucleares, acúmulo de fibrina e aderências entre as pleuras parietal e visceral, com a formação de lojas e loculações. A fase do empiema organizado ocorre entre 2 e 4 semanas nos casos sem tratamento e consiste na migração de fibroblastos formando um espessamento pleural, que di ficulta a expansão pulmonar e leva à diminuição e à retração dos espaços intercostais. Porém, em crianças mesmo que em semanas, geralmente existe expansão pulmonar sem sequelas. A história clínica, na grande maioria dos casos, apresenta uma doença primária, com sintomas de infecção pulmonar alguns dias antes ou alguma outra. Na avaliação inicial de todos os processos pneumônicos, deve ser considerada a presença de derrame. No exame f sico, diferentemente da condensação pulmonar, encontra-se frêmito toracovocal abolido ou diminuído. Na radiogra fia de per fil, se não forem observados os 2 seios costofrênicos, será sugerido um derrame pleural de volume moderado. Devem-se, a par r daí, realizar a radiogra fia em decúbito lateral com raios horizontais (Laurel) e a medida da opacidade pleural. Se esta for maior do que 1cm, estará indicada a toracocentese. Pode ser realizada posteriormente abaixo do ângulo da escápula ou na linha axilar média no 6º espaço intercostal. Também se deve lembrar que o feixe intercostal neurovascular corre na borda inferior das costelas. As caracteríscas bioquímicas e macroscópicas do líquido determinam o diagnós co e ajudam na terapia imedia-
CIRURGIA TORÁCICA PEDIÁTRICA
ta. O principal componente é o aspecto macroscópico do líquido, isto é, se houver aspecto de pus, deverá ser drenado. Em casos de dúvida, a análise laboratorial pode ajudar na decisão. O líquido do empiema contém, picamente, <40mg/dL de glicose, >3mg/dL de proteína, pH <7,2 e DHL elevado, >1.000. O organismo mais frequentemente relacionado com empiema em crianças é o Streptococcus pneumoniae, seguido pelo Staphylococcus e pelo Haemophilus in fl uenzae. O tratamento é feito de acordo com a fase do empiema: nas iniciais, consiste em an biocoterapia sistêmica, drenagem torácica. Sendo de crucial importância e desprezada pela maioria dos médicos a fisioterapia respiratória intensa, para que ocorra a expansão pulmonar. Quando há di ficuldade na expansão pulmonar, formando lojas na pleura e encarceramento pulmonar, e mesmo com anbiócos adequados o paciente está evoluindo com quadro infeccioso de di f cil controle, com febre, adinamia, leucocitose, deve-se indicar a limpeza da cavidade pleural, que pode ser realizada por videotoracoscopia ou minitoracotomia para lise das lojas e aderências, além de drenagem torácica. Aos casos de paquipleuris estão indicadas a decorcação pulmonar e, em alguns casos, a pleurostomia. O prognósco depende do controle da infecção.
dio), mediasno posterior (entre a traqueia-pericárdio e os corpos vertebrais) e medias no médio (entre o medias no anterior e posterior). Algumas lesões, devido ao tamanho, ocupam 2 ou mesmo as 3 porções do medias no, logo causam alguma dificuldade no diagnós co. Devem-se, portanto, ter em mente todas as possibilidades nas lesões volumosas. As principais causas de massas medias nais são: Tabela 1 - Principais causas de massas mediast nais Mediastno anterior - Timo (hiperplasa, cisto, moma e carcinoma); - Teratoma (tumor de célula germinava e seminoma); - Linfomas; - Linfangioma; - Lipoma. Mediastno médio - Adenomegalia não neoplásica (tuberculose, histoplasmose, coccidiomicose); - Linfomas; - Cisto broncogênico; - Hamartoma. Mediastno posterior - Cisto neuroentérico; - Cisto esofágico; - Cisto enterógeno; - Cisto de duplicação; - Ganglioneuroma; - Neuroblastoma; - Lipoma; - PNET (tumor neuroectodérmico primi vo).
Figura 16 - Radiogra fi a simples: empiema
Figura 18 - Massas mediast nais Figura 17 - Radiogra fi a simples: empiema pós-drenagem
8. Lesões mediastnais Simplificadamente, o mediasno é dividido em 3 partes: mediasno anterior (entre o esterno e a traqueia-pericár-
O diagnósco depende de vários fatores, idade, história clínica, caracterísca radiológica e sintomatologia. O tratamento é cirúrgico na grande maioria delas. Nos linfomas, o procedimento cirúrgico restringe-se à biópsia para diagnósco. Nas neoplasias malignas, a conduta é par cular.
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SUPORTE VENTILATÓRIO NÃOCIRÚRGICO
CAPÍTULO
Cirurgia oncológica pediátrica
4
André Ribeiro Morrone
1. Introdução De maneira geral, simpli ficadamente pode-se ter a seguinte distribuição de neoplasias na faixa pediátrica. Tabela 1 - Distribuição de neoplasias na faixa pediátrica Tipo de neoplasia
Porcentagem do total
Leucemias
30
Tumores do sistema nervoso central
25
Linfomas
15
Neuroblastoma
8
Sarcomas
7
Tumor de Wilms (nefroblastoma)
6
Osteossarcoma
5
Renoblastoma
3
Tumores hepácos
1
Parcipando da equipe mul disciplinar, o cirurgião tem importância crucial. Procedimentos como ressecção dos tumores primários e das metástases respeitando princípios oncológicos, biópsias abertas ou com agulhas, implante de cateteres vasculares, e tratamento de complicações da quimioterapia como derrame pleural, abscessos etc. obrigam o cirurgião a ter conhecimentos em Oncologia. Além disso, deve ter em mente o tratamento das neoplasias mais comuns que invariavelmente contam com sua atuação.
-
III: tumor residual con finado no abdome;
-
IV: metástases hematogênicas (pulmão, f gado, osso e cérebro);
-
V: tumor bilateral.
O diagnósco e o estadiamento são feitos por USG de abdome (visualizar rim contralateral e veri ficar se há invasão vascular da veia renal), urogra fia excretora (distorção dos cálices renais ou exclusão renal), TC de abdome e tórax (metástase pulmonar é a mais frequente). O tratamento consiste na ressecção cirúrgica da massa tumoral, no exame do rim contralateral e na biópsia de linfonodos. Dependendo do estadiamento, serão realizadas quimioterapia e/ou radioterapia adjuvantes. O prognós co varia com o estadiamento e o po histológico. Histologia não favorável está relacionada às formas anaplásica, sarcomatosa e degeneração rabdoide. No estadio I, 95% dos casos ficam livres de doença e, considerando todos os estadios, 77%.
2. Tumor de Wilms (nefroblastoma) O tumor de Wilms é a neoplasia sólida intra-abdominal mais comum na infância, com pico de incidência entre 3 e 5 anos de idade. A apresentação clínica é a presença de massa abdominal, preferencialmente em flanco (60%), hematúria microscópica (15%), febre, perda de peso, anemia, varicocele à esquerda e hipertensão. Anomalias associadas são hemi-hipertrofia, pseudo-hermafrodismo, aniridia, síndrome de Beckwith-Wiedemann, trissomia do 18 e outras malformações geniturinárias. Estadiamento do tumor de Wilms: - I: tumor limitado ao rim e completamente ressecado; - II: tumor que se estende além do rim, mas completamente ressecado;
140
Figura 1 - Urogra fi a: tumor de Wilms (rim esquerdo) com distorção dos cálices
CIRURGIA ONCOLÓGICA PEDIÁTRICA
I: Tumor limitado ao órgão de origem; - II: Tumor disseminado localmente sem passar a linha média; - III: Tumor que ultrapassa a linha média; - IV: Metástases a distância (ossos, medula óssea, f gado e/ou outros órgãos); - IV-S: Pacientes com pequeno tumor primário e metástases limitadas ao f gado, pele, medula óssea sem evidência radiológica de metástase óssea. -
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Figura 2 - TC: tumor de Wilms (rim esquerdo)
G R U R I C
Figura 4 - TC: neuroblastoma suprarrenal esquerdo
Figura 3 - TC: tumor de Wilms bilateral
3. Neuroblastoma O neuroblastoma resulta da proliferação maligna de células derivadas da crista neural, portanto podendo ocorrer nos locais derivados dessa crista, como nos gânglios do sistema nervoso simpáco e na medula da suprarrenal: 3/4 dos neuroblastomas acontecem no abdome (50% na suprarrenal), 20% no medias no posterior, 4% no pescoço e 4% na pelve. É a neoplasia sólida extrassistema nervoso central mais comum na infância, frequente nos primeiros 5 anos de vida. Cinquenta por cento das crianças abaixo dos 2 anos de vida e 2/3 das crianças acima de 2 anos têm doença disseminada. A apresentação clínica pode ser massa abdominal (50 a 75%), hipertensão, perda de peso, diarreia, febre, dor óssea, opsomioclonia, síndrome de Horner, exo almia. O diagnósco e o estadiamento são feitos por USG de abdome, urografia excretora (sinal do lírio caído), radiogra fia simples de tórax e ossos longos, mielograma, dosagem urinária de ácido vanil mandélico (VMA) e homovanil mandélico (HVA), cinlografia óssea e TC e biópsia da lesão. Estadiamento:
Figura 5 - Urogra fi a: neuroblastoma suprarrenal esquerdo (sinal do lírio caído)
- Prognóstco desfavorável: 1 - Idade >1 ano. 2 - Pouca maturidade tumoral.
141
CIRURGIA PEDIÁTRICA 3 - Linfonodos posi vos. 4 - Níveis altos de ferri na. 5 - Enolase neuronal-especí fica. 6 - Células com DNA diploide. 7 - Amplificação do N-myc presente. O pequeno sucesso do neuroblastoma avançado faz os protocolos diferirem quanto ao uso da quimioterapia, radioterapia e cirurgia. Sabe-se que a quimioterapia é a pedra fundamental do tratamento inicial, pois melhora condições de ressecabilidade do tumor. No neuroblastoma inicial, o tratamento cirúrgico é o principal. -
Tratamento: •
•
•
-
Estadios I e II: cirúrgico; Estadios III e IV: controverso (quimioterapia e transplante de medula óssea); Estadio IV-S: pode sofrer regressão espontânea.
Sobrevida: •
•
•
•
•
Estadio I: 88%; Estadio II: 75%; Estadio III: 35%; Estadio IV: 10 a 20%; Estadio IV-S: 80%.
Figura 6 - Relação de um RMS com vasos do braço
4. Rabdomiossarcoma O rabdomiossarcoma é o sarcoma mais comum de partes moles na infância e representa de 5 a 15% de todos os tumores malignos sólidos. É um tumor altamente agressivo, com tendência a invasão local precoce, bem como disseminação hematogênica. Apresenta pico de incidência entre 2 e 5 anos e entre 10 e 15 anos. Na infância, localiza-se, mais frequentemente, na pelve e no pescoço, e é parates cular no adolescente. É classi ficado em embrionário, botrioide, alveolar, indiferenciado e sarcoma de Ewing extraósseo. O quadro clínico varia muito, dependendo da localização. Os sintomas mais comuns são massa palpável, às vezes dolorosa, e alteração da função, como estrabismo e exoftalmia (orbitários), epistaxe e rinorreia (face), paralisia de pares cranianos (seios da face), otorreia (ouvido médio), massas tesculares, sangramento vaginal, corrimento (sarcoma botrioide vaginal) etc. O diagnósco é feito por exames de imagem, radiografia, USG, TC, mas principalmente por RNM, exame que mostra com extrema clareza a relação da lesão com tecidos adjacentes para programação tanto da biópsia quanto do tratamento definivo. O estadiamento varia para cada tumor, mas de maneira geral obedece à classi ficação TNM acrescido da letra G, que inclui o po histológico. A mesma variação vale para o tratamento e para o prognós co.
142
Figura 7 - Metástase pulmonar de RMS test cular
O tratamento é muldisciplinar, feito com quimioterapia, radioterapia, braquiterapia e cirurgia (tanto da lesão primária quando das metástases).
5. Teratoma O teratoma é um tumor derivado dos 3 folhetos embrionários derivados de células to potentes. A grande maioria é constuída de tumores benignos (80%). A localização sacrococcígea é a mais comum (65%), seguida do medias no (10%) e das gônadas (10%). Seu principal marcador é a alfa-fetoproteína e pode ser dividido em maduro, imaturo e maligno.
CIRURGIA ONCOLÓGICA PEDIÁTRICA
O teratoma sacrococcígeo é a neoplasia mais comum do período neonatal, cerca de 80% em meninas. Mais de 90% são benignos e com alto potencial de cura. São classi ficados em: - I: tumor exteriorizado com componente pré-sacral mínimo; - II: tumor exteriorizado com extensão intrapélvica significava; - III: porção externa pequena e massa com predomínio pélvico e extensão para o abdome; - IV: massa pré-sacral sem parte externa. O tratamento consiste na ressecção da massa e do cóccix. Alguns casos de teratoma maligno e imaturo com níveis altos de alfa-fetoproteína no pós-operatório podem bene ficiar-se com quimioterapia adjuvante. Quando diagnos cados antes dos 2 meses, 90% são benignos, mostrando seu potencial de transformação maligna.
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Figura 8 - Teratoma sacrococcígeo
143
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃOCIRÚRGICO
CAPÍTULO
5
Outras malformações André Ribeiro Morrone
1. Linfadenopata cervical A linfadenopaa cervical, a causa mais comum de massa cervical em crianças, ocorre na região anterior do músculo esternocleidomastóideo e na região submandibular. Infecção viral é a causa mais frequente de adenomegalia cervical, que pode persis r por meses. A adenite supurava aguda pode ocorrer após faringite e deve ser tratada com anbióco e drenagem. A biópsia é indicada a linfonodos >2cm com rápido crescimento, coalescentes e duros. Outras causas de adenomegalia cervical são infecções por micobactérias, doença da arranhadura do gato e linfoma de Hodgkin.
Figura 2 - Vício postural em um RN com torcicolo congênito
Figura 3 - Fisioterapia para tratamento de torcicolo congênito
3. Cisto treoglosso Figura 1 - Adenite submandibular aguda
2. Torcicolo congênito Têm-se um encurtamento e fibrose do músculo esternocleidomastóideo. Clinicamente, apresenta-se como nódulo endurecido (o próprio músculo esternocleidomastóideo) na região cervical lateral com rotação da cabeça para o lado afetado; é mais comum nos primeiros 6 meses de vida. O tratamento consiste em fisioterapia por intermédio da rotação passiva do pescoço. Se o tratamento é tardio ou ineficiente, podem-se ter plagiocefalia (deformidade craniofacial), assimetria facial (hemi-hipoplasia), escoliose e atro fia ipsilateral do músculo trapézio. A esses casos, indica-se cirurgia de transecção do músculo esternocleidomastóideo.
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O cisto reoglosso, a causa mais comum de massa cervical anterior na linha média (2/3 dos casos), é mais frequente em meninos e na faixa etária de 4 anos. Ocorre por um defeito na involução do ducto reoglosso, canal que na vida embrionária se forma na base da língua, no chamado forame cego, e é composto de células que migrarão ao pescoço para formar a reoide. Apresenta-se como massa cís ca na linha média, indolor, móvel à deglu ção ou à protrusão da língua. Apresenta em alguns casos como um cisto com infecções recorrentes. O diagnós co é clínico, e deve ser excluída a presença de glândula reoide ectópica, através da cinlografia. O tratamento é realizado com a cirurgia de Sistrunk, que consiste na ressecção do cisto, da porção central do osso hioide, e do trajeto até o forame cego.