CAPÍTULO
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Osteoartrite Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na na de Medeiros Ribeiro / Aleksander Snioka Prokopowistch Prokopowistch / Hérica Crist ani ani Barra de Souza
1. Introdução A osteoartrite, artrose ou osteoartrose (OA), é a mais comum das afecções reumá tcas, pois atnge aproximadamente 1/5 da população mundial, sendo considerada uma das causas mais frequentes de incapacidade labora tva após os 50 anos. A osteoartrite pode ser de finida como uma síndrome clínica que representa a via final comum das alterações bioquímicas, metabólicas e fisiológicas que ocorrem, de forma simultânea, na car tlagem hialina e no osso subcondral. Compreende uma variedade de subgrupos com fatores etológicos distntos tendo, como substrato patológico, a diminuição do espaço ar tcular devido à perda cartlaginosa e a formação de osteófitos, e é considerada uma doença degenera tva da cartlagem hialina.
2. Epidemiologia É uma doença de caráter crônico e evolução lenta, sem comprometmento sistêmico, afetando ar tculações periféricas e axiais. Na grande maioria dos indivíduos, desenvolve-se de maneira silenciosa. A prevalência da OA está correlacionada com a idade e o sexo, e a incidência predomina no sexo feminino. É incomum um quadro franco de osteoartrite abaixo dos 40 anos, quando a prevalência entre os sexos é semelhante. A par tr daí, entre a 4ª e a 5ª década e no período da menopausa, a incidência aumenta bastante com a idade e se torna mais frequente em mulheres. Estma-se que atnge 85% da população até os 64 anos e, aos 85 anos, torna-se pra tcamente universal. Além disso, cons ttui importante causa de morbidade e a principal indicação de cirurgias de próteses de quadril e joelho. Os fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento da osteoartrite (Tabela 1) são: Idade: crescente, principalmente acima dos 40 anos - Idade: (todos os sí tos); - Sexo feminino: a OA é mais frequente em mulheres, principalmente de joelhos e mãos;
Suscetbilidade genétca: ca: todos os sí tos, principalmente a osteoartrite de mãos; - Obesidade: mulheres Obesidade: mulheres obesas têm uma chance maior em 4 a 5 vezes para terem os joelhos acome tdos. A perda de peso leva à redução da sintomatologia s intomatologia da OA de joelhos; - Trauma e ocupação: ocupação: as principais injúrias agudas do joelho, lesões lesões de ligamentos ligamentos e meniscos são causas cocomuns de OA secundária; - Deformidades preexistentes: preexistentes: pacientes pacientes com anormalidades anatômicas de joelhos e quadris, que estão presentes ao nascimento ou durante o crescimento, podem ter predisposição a OA precoce, como genu varum, varum, genu valgo, valgo, subluxação congênita do quadril, doença de Legg-Calvé-Perthes e displasia acetabular. acetabular. -
Tabela 1 - Fatores de risco para osteoartrite - Idade crescente; - Sexo feminino; - Predisposição genétca; - Obesidade; - Traumas e ocupação; - Deformidades prévias.
3. Classificação A osteoartrite pode ser classi ficada de acordo com a causa do processo e a distribuição anatômica das alterações. De acordo com a presença ou não de causa anatômica subjacente, pode ser: - Primária ou idiopá tca: ca: sem causa aparente, relacionada com a idade e o sexo, com distribuição característca; Secundária: relacionada a processos traumá tcos e/ - Secundária: ou inflamatórios que desencadearam o processo de degeneração da car tlagem, como osteoartrite pós-trauma, ou artrite infecciosa, doença reumatoide, ne-
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REUMATOLOGIA crose asséptca, doenças neurológicas etc. (Tabela 2). A localização é variável e vai depender de onde ocorre o processo inicial que lesiona a car tlagem. Tabela 2 - Doenças associadas à osteoartrite secundária Fatores localizados - Trauma artcular; - Deformidades ar tculares preexistentes; - Osteonecrose; - Artrite reumatoide; - Gota; - Condrocalcinose; Condrocalcinose; - Artrite séptca; - Hemofilia; - Neuropata; - Osteocondrite; - Doença de Paget. Fatores sistêmicos - Hemocromatose; - Ocronose; - Hiperparatreoidismo; - Doença de Wilson; - Gota; - Condrocalcinose; Condrocalcinose; - Acromegalia; Acromegalia; - Amiloidose; - Síndrome de hipermobilidade; - Doença de Ehlers-Danlos. Ehlers-Danlos.
Quanto à localização, a osteoartrite primária pode ser: Periférica: acometendo ar tculações do esqueleto - Periférica: apendicular (membros); - Axial: acometendo Axial: acometendo a coluna vertebral; - Generalizada: osteoartrite Generalizada: osteoartrite primária acometendo 3 ou mais sí tos, podendo ser todos eles periféricos ou 2 periféricos e 1 axial. Tabela 3 - Classi fi cação cação da osteoartrite osteoartrite Quanto à causa: - Primária ou idiopátca: distribuição ca: distribuição característca; - Secundária: distribuição de acordo com o processo que desencadeou a lesão da car tlagem. Quanto à distribuição (osteoartrite primária): - Periférica: artculações do esqueleto apendicular, principalmente mãos, quadris, joelhos e pés; - Axial: ar Axial: artculações da coluna (cervical e lombar); - Generalizada: 3 Generalizada: 3 ou mais sí tos de acometmento.
4. Fisiopatologia As característcas histopatológicas principais da osteoartrite são a perda focal e gradual da car tlagem artcular e o comprometmento do osso subcondral. s ubcondral.
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A cartlagem normal tem 2 componentes componentes principais: a matriz extracelular, rica em colágeno e proteoglicanos; e os condrócitos, inseridos na matriz. Os componentes da matriz são responsáveis por suas s uas característcas de elastcidade e resistência. Os condrócitos são responsáveis pela síntese da matriz extracelular e por sua renovação, através de proteinases, mantendo um equilíbrio entre a formação e a degradação de matriz. Com o passar dos anos, os componentes da matriz se alteram: ocorrem irregularidades na rede de colágeno, e os proteoglicanos proteoglicanos se alteram qualitatva e quanttatvamente, diminuindo sua capacidade de reter água. Ocorre rarefação dos condrócitos em alguns sí tos e hipertro fia em outros, mas eles passam a ser mais catabólicos, desequilibrando o processo de formação e degradação da matriz. A car tlagem envelhecida contém menos água, condrócitos condrócitos mal distribuídos e desequilibrados, proteoglicanos alterados e colágeno fissurado, o que leva a uma matriz menos resistente e menos elás tca, mais susce vel vel aos traumas mecânicos, com espessura diminuída. A car tlagem começa a apresentar microfraturas e, posteriormente, fissuras vertcais, junto ao osso subcondral. Fragmentos de car tlagem se descolam e ficam livres no espaço ar tcular e desencadeiam o processo in flamatório discreto da osteoartrite. Esse descolamento provoca também exposição do osso subcondral, com microcistos. Nesses locais de exposição óssea, os osteó fitos provocam neoformação óssea subcondral, com esclerose do osso subcondral. A redução do volume e das propriedades da cartlagem e as suas irregularidades levam a maior atrito entre as estruturas, redução do espaço ar tcular e alteração dos vetores normais de força dentro da ar tculação. Com isso, ocorrem áreas de maior pressão sobre o osso subcondral, contribuindo para a esclerose subcondral e o crescimento de espículas ósseas, os osteó fitos, nas margens artculares por pressão e por tração, levando à tríade radiológica da osteoartrite: redução do espaço ar tcular, esclerose óssea subcondral e formação de osteó fitos. Somando-se a isso, o envelhecimento provoca frouxidão ligamentar e capsular, hipotro fia muscular e diminuição da sensibilidade propriocep tva artcular, que contribuem para a instabilidade ar tcular com a idade. Tabela 4 - Fatores de risco e processo inicial da osteoartrite Fatores de risco
Processo inicial
Osteoartrite
- Idade crescente;
- Irregularidades na rede de colágeno;
- Redução de espaço artcular;
- Predisposição Predisposição genétca;
- Proteoglicanos;
- Microfraturas na cartlagem;
- Excesso de peso;
- Desidratação da cartlagem;
- Fragmentos osteocartlaginosos soltos e cistos subcondrais;
- Traumas e ocupação;
- Irregularidade na distribuição e função - Inflamação leve; dos condrócitos;
OSTEOARTRITE
Fatores de risco
Processo inicial
Osteoartrite
- Deformidades prévias;
- Desequilíbrio entre - Esclerose óssea formação e degradasubcondral; ção da matriz;
- Fatores hormonais.
- Matriz menos elástca - Formação de ostee menos resistente. ófito.
5. Manifestações clínicas A osteoartrite pode provocar dor ar tcular, rigidez bem curta (<30 minutos), limitação de movimentos, crepitações, ocasionalmente derrame ar tcular e graus variados de in flamação local. É uma doença de caráter crônico e evolução lenta, sem comprometmento sistêmico. Na grande maioria dos indivíduos, desenvolve-se de maneira silenciosa. O que leva o paciente com OA ao médico é a dor ou algum tpo de deformidade. A dor tem caracterís tcas mecânicas, aparece ou se exacerba no início dos movimentos (dor protociné tca), melhora levemente após alguma movimentação, mas volta pior com o uso prolongado da artculação. Nos estágios mais avançados, não é incomum o paciente ter dor, mesmo quando em repouso, acordando algumas vezes durante a noite. A rigidez ma tnal do segmento afetado pode ocorrer, porém na OA, diferentemente do que ocorre na doença reumatoide e em outras artrites in flamatórias, é de curta duração, sempre inferior a 30 minutos. Um sinal importante para o diagnós tco é a crepitação, que pode ser fina ou grosseira. É a sensação palpável de atrito entre as estruturas ar tculares, graças à presença de irregularidades na super f cie cie da car tlagem e fragmentos osteocartlaginosos soltos. A crepitação é um achado de palpação, mas pode chegar a ser audível. Outro achado comum é a deformidade ar tcular. Com a redução e a irregularidade da car tlagem, ocorrem redução do espaço ar tcular e crescimento nas bordas da super f cie cie óssea, com formação de osteó fitos. Isso leva ao aumento do volume ar tcular, com consistência óssea, limitando a amplitude de movimento e, muitas vezes, provocando desvio de eixo ar tcular. A in flamação decorrente do processo pode provocar aumento discreto da temperatura e derrames (principalmente nos joelhos). Nos membros superiores, a OA primária costuma acometer as interfalangianas proximais (IFPs) e distais (IFDs) das mãos, a artculação trapézio-metacarpo na base do polegar (rizartrose) e a acromioclavicular. As deformidades das IFPs são descritas como nódulos de Bouchard, e as das IFDs, como nódulos de Heberden (Figuras 1 e 2). O acome tmento dos dedos pode iniciar-se dedo a dedo, de forma inicialmente assimétrica, mas, à medida que mais ar tculações são acometdas, o envolvimento vai se tornando simétrico. Classicamente, são poupadas na OA primária as artculações metacarpofalangeanas, os punhos, cotovelos e ombros (glenoumerais). O acome tmento por OA dessas artculações sugere que seja OA secundária.
Nos membros inferiores, é comum o acome tmento dos quadris (coxartrose), joelhos (gonartrose), primeiras metatarsofalangianas e as interfalangianas dos pés. Os joelhos podem apresentar-se aumentados de volume, com discreto aumento de temperatura, edema e alteração de eixo, sendo mais comum a acentuação de joelho varo. O comprome tmento crônico dos joelhos, com dor e limitação funcional, leva a hipotrofia muscular dos quadríceps femorais, que ajudam a instabilizar ainda mais tais ar tculações. As metatarsofalangianas ficam com aumento de volume, e o hálux comumente se desvia lateralmente (hálux valgo). Classicamente, são poupadas na OA primária as demais ar tculações metatarsofalangianas, os tornozelos e o tarso. O acome tmento por OA dessas artculações sugere que seja OA secundária. A OA axial se caracteriza pelo acome tmento das ar tculações interapo fisárias. Os segmentos mais atngidos são o cervical e o lombar (maior mobilidade). A dor é também de natureza mecânica, protociné tca, com curta rigidez (<30 minutos). Pode haver re tficação e perda da lordose cervical ou lombar ou hiperlordose lombar e perda de amplitude de movimentos, sobretudo com desencadeamento de dor à extensão. Dor muscular paravertebral associada é comum, e compressões neurológicas também podem ocorrer. ocorrer. Apesar da classificação entre OA axial e periférica, é muito comum a associação entre ambas e também de osteoartrite generalizada, generalizada, em que 3 ou mais ma is grupos ar tculares são comprometdos, como OA de mãos, joelhos e coluna. Os diferentes graus de perda de função podem ser avaliados pela anamnese e pelo exame f sico. sico. O paciente informa sobre sua capacidade para realizar a tvidades diárias, como subir e descer escadas, fazer caminhadas, realizar tarefas doméstcas, pratcar esportes etc. Isso leva a formar uma ideia de suas limitações e serve como parâmetro na evolução do quadro clínico.
Figura 1 - Nódulos de Heberden (IFD) e Bouchard (IFP)
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REUMATOLOGIA
Figura 2 - Nódulos de Heberden (IFD) Tabela 5 - Resumo das manifestações clínicas da osteoartrite primária - Dor ar tcular mecânica, protociné tca; - Rigidez matnal curta (<30 minutos); - Limitação de movimentos com deformidades; - Crepitações;
do espaço ar tcular é assimétrica, acometendo mais um compartmento artcular que outro. No quadril, a porção superior da ar tculação é mais comumente afetada. Já nos joelhos, é mais comum o acometmento do compar tmento femorotbial medial e do femoropatelar lateral, levando os achados da tríade a serem encontrados de forma assimétrica. Podem ocorrer também cistos subcondrais com bordas esclerótcas (Figuras 3 e 4). Existe uma grande dissociação clínico-radiológica na OA. A presença de alterações radiológicas não se correlaciona necessariamente com a presença de sintomas. Cerca de 80% dos indivíduos a par tr de 40 anos podem apresentar característcas radiológicas compa veis com OA em ar tculações que sustentam peso, embora apenas 30% apresentem dor. Imagens de ressonância magné tca têm sido usadas para avaliação da OA, permitndo a visualização direta da cartlagem artcular e a detecção de anormalidades de meniscos e ligamentos. Porém, radiografias convencionais ainda são recomendadas devido ao seu baixo custo.
- Possibilidade de derrame ar tcular discreto. - Nódulos de Bouchard – IFPs das mãos; - Membros superiores
- Nódulos de Heberden – IFDs das mãos; - Rizartrose – artculação trapézio-metacarpo na base do polegar; - Artculação acromioclavicular. - Coxartrose (quadris);
- Membros inferiores
- Gonartrose (joelhos); - Primeiras metatarsofalangianas (hálux valgo); - Interfalangianas dos pés.
- Osteoartrite axial
- Acometmento das artculações interapofisárias.
- Osteoartrite generalizada
- 3 ou mais sí tos acometdos (cada sí to corresponde a 1 seguimento anatômico, como osteoartrite em IFP, gonartrose e acometmento axial).
6. Achados radiológicos O diagnóstco clínico da osteoartrite usualmente é confirmado com radiogra fias das artculações acometdas. O clássico achado radiológico é a tríade da osteoartrite, que se consttui de: (1) redução do espaço ar tcular; (2) esclerose do osso subcondral e (3) presença de osteó fitos (proliferação óssea nas margens ar tculares) (Figuras 3 e 4). Tabela 6 - Tríade da osteoartrite - Espaço artcular reduzido; - Esclerose do osso subcondral; - Presença de osteó fitos.
Diferentemente da artrite reumatoide e de outras artrites inflamatórias, o acometmento artcular é focal e assimétrico dentro de cada ar tculação. Assim, a redução
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Figura 3 - Osteoartrite de joelho (gonartrose): redução assimétrica ento medial do do espaço ar tc ular, mais evidente no compar tm joelho (à direita), a esclerose subcondral (osso mais branco ao raio x) e a presença de osteó fi tos (espículas ósseas laterais)
OSTEOARTRITE
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Figura 4 - Osteoartrite de coxofemoral (coxartrose) avançada: total perda de espaço ar tc ular, a esclerose subcondral com grandes cistos subcondrais de bordas esclerót cas Figura 7 - Osteoartrose do joelho, esclerose e formação de osteó fi to
7. Achados laboratoriais
Figura 5 - Ar tc ulação do quadril: OA. Setas: esclerose e redução do espaço ar tc ular
Os exames laboratoriais de ro tna habitualmente são normais e u tlizados para identficar outras condições que podem estar associadas. Avaliação da hemoglobina, crea tnina, potássio e transaminases é necessária antes de iniciar a terapia com AINEs. As provas de atvidade inflamatória (velocidade de hemossedimentação – VHS – e Proteína C Rea tva – PCR) são comumente normais. Alguns pacientes com sinais in flamatórios mais intensos podem apresentar uma velocidade de hemossedimentação levemente aumentada, porém nunca comparável aos valores presentes na artrite reumatoide, polimialgia reumátca, processos infecciosos ou tumorais. A VHS também pode subir com a idade, mas isso não se correlaciona com a OA. Na OA, o teste para a detecção do fator reumatoide é negatvo, porém se deve lembrar que 20% dos indivíduos idosos saudáveis têm esse teste posi tvo, o que pode levar à confusão com o diagnós tco de artrite reumatoide. A análise do líquido sinovial comumente revela um perfil não in flamatório, com viscosidade normal e baixa contagem celular (<2.000 células/mm 3). Excepcionalmente, quando ocorre derrame ar tcular, alguns pacientes podem apresentar líquido sinovial levemente in flamatório, com pequenos aumentos na celularidade e discreta diminuição da viscosidade.
8. Diagnóstco
Figura 6 - Esclerose subcondral (seta)
O diagnóstco baseia-se nos achados clínicos e radiográficos. Atenção especial para curso crônico e insidioso, artculações tpicamente envolvidas com suas deformidades clássicas, idade do paciente (>50 anos), dor mecânica e protocinétca, com rigidez ma tnal curta (<30 minutos), comprometmento assimétrico dentro das ar tculações en-
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REUMATOLOGIA volvidas (ao raio x) e provas de a tvidade inflamatória normais. No caso de ar tculações não classicamente acometdas estarem envolvidas, curso agudo, artrite franca, em surtos, dor inflamatória com rigidez ma tnal prolongada, idade precoce, comprome tmento simétrico dentro de cada artculação e alteração nas provas de a tvidade inflamatória, considerar diagnós tco diferencial (artrite reumatoide, artrites reatvas, gota, pseudogota, artrite psoriásica etc.). Tabela 7 - Osteoartrite: pistas diagnóst cas Considerar osteoartrite se: - Curso crônico e insidioso; - Artculações tpicamente envolvidas com suas deformidades clássicas; - Idade do paciente (>50 anos); - Dor mecânica e protocinétca; - Rigidez matnal curta (<30 minutos); - Comprometmento assimétrico dentro da artculação (ao raio x); - Provas de atvidade inflamatória normais. Considerar outro diagnóstco se: - Curso agudo; - Artculações não classicamente acometdas; - Idade precoce (<30 anos); - Artrite franca ou em surtos; - Dor inflamatória com rigidez matnal prolongada; - Comprometmento simétrico dentro de cada ar tculação; - Alteração nas provas de atvidade inflamatória.
Figura 8 - Diagnóst co diferencial entre OA (osteoartrose) e AR (Artrite Reumatoide) de acordo com as principais ar tc ulações acomet das. Fonte: Livro ABC of Rheumatology, 4ª edição, 2010
9. Tratamento A abordagem terapêu tca da osteoartrite deve ser individualizada, priorizando os seguintes pontos: diminuição da dor e do grau de in flamação e retardo da progressão da degradação artcular.
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A - Tratamento não farmacológico Tabela 8 - Tratamento não farmacológico - Programas educatvos: esclarecimento sobre a doença, motvação ao tratamento, es mulo à prátca de atvidade f sica, orientação ao uso de rampas e escadas, orientação quanto à ergonomia no trabalho; - Fisioterapia: fortalecimentos muscular, condicionamento f sico e alongamento; - Órteses e equipamentos de auxílio à marcha; - Estabilização medial da patela: goteiras elás tcas; - Palmilhas antvaro; - Termoterapia e eletroterapia analgésica.
B - Tratamento farmacológico O principal obje tvo do tratamento farmacológico na osteoartrite é o alívio da dor. Existem várias modalidades terapêutcas, como ant-inflamatórios, analgésicos sistêmicos, analgésicos tópicos, infiltrações, antmaláricos e condroprotetores. a) Analgésicos sistêmicos: Não narcótcos: o paracetamol pode ser u tlizado como 1ª escolha nos casos de OA leve e moderada. A dose efetva é de aproximadamente 4g/dia. Alguns estudos defendem que ele seja tão e ficaz quanto os AntInflamatórios Não Hormonais (AINHs), mas outros apontam os AINHs como mais e ficazes. Entretanto, por ter menos efeitos cardiovasculares e gastrintes tnais, contnua como uma opção de terapia inicial; - Narcótcos: eventualmente, pode associar-se um opioide (codeína, tramadol) para potencializar a analgesia, com amplos cuidados para evitar abuso, dependência química e efeitos colaterais. Seu uso está reservado a pessoas com osteoartrite com dor intensa refratária a analgesia simples, AINHs e medidas não farmacológicas, geralmente em quadros de OA de grandes ar tculações de membros inferiores que sustentam carga (joelhos, quadris, tornozelos). Deve-se preferir uso de demanda, ou seja, quando o paciente tem um quadro mais forte de dor ou vai fazer uma a tvidade que comumente desencadeia dor. Casos com indicação cirúrgica, inelegíveis para cirurgia por algum mo tvo podem requerer acompanhamento multdisciplinar para a dor. -
b) AINHs: serão indicados quando houver dor de moderada a grave, refratária a analgesia simples, associada a quadro inflamatório mais exuberante e nas eventuais crises de agudização. Os AINHs agem com inibidores da cicloxigenase (COX), que tem 2 isoformas: COX-1 e COX-2. A COX-1 é consttutva e importante na síntese de prostaglandinas responsáveis pela proteção an tácida da mucosa gástrica. A COX-2 é a mais importante na síntese de prostaglandinas que causam dor e in flamação. Há 2 tpos de AINHs: os
OSTEOARTRITE
não seletvos (diclofenaco, nimesulida, meloxicam etc.), que agem sobre as 2 formas, tendo um maior risco de sangramento/perfuração gastrintestnal (por úlceras gástricas e duodenais), e os sele tvos de COX2 (celecoxibe), usados preferencialmente na presença de fatores de risco para eventos adversos no trato gastrintestnal (Tabela 9). Não há superioridade de um tpo sobre o outro nem efeito adi tvo, e não se deve u tlizar a combinação de AINHs. A resposta do paciente é individualizada, e, na falha a 1 ou mais AINHs, outro pode ser tentado, independente da classe. Pode ser usado concomitantemente com paracetamol, com efeito sinérgico. Independente do tpo de AINH, deve-se iniciar o tratamento com a menor dose terapêu tca possível e aumentar de acordo com a resposta terapêutca ou surgimento de efeitos colaterais. Os principais efeitos colaterais a serem monitorizados são hipertensão arterial, piora da função renal, retenção hídrica, hipercalemia (podem ocorrer com todos os tpos), sangramento (que pode ser assintomá tco) ou algia gastrintestnal. Certos AINHs sele tvos de COX2 foram apontados como responsáveis por aumentar o risco de eventos cardiovasculares maiores, mas esse risco pode ser inerente a todos o AINHs. Os AINHs não sele tvos devem ter seu uso associado aos inibidores da bomba de prótons, principalmente em indivíduos idosos, em tratamento prolongado e com maior risco de sangramento diges tvo (uso concomitante de antcoagulantes orais e história de úlcera gastrintestnal). Pacientes com hipertensão arterial mal controlada e insu ficiência renal não devem fazer uso de AINHs contnuamente. Evitar dose máxima e uso crônico e sugerir uso de demanda. Tabela 9 - Fatores de risco para efeitos adversos em trato gastrintest nal alto - Idade ≥65 anos; - Outras condições médicas; - Glicocortcoides orais; - História de úlcera péptca; - História de sangramento gastrintes tnal; - Antcoagulantes. Fonte: Consenso Brasileiro para o Tratamento da Osteoartrite.
c) Diacereína: indicada principalmente para osteoartrite de mãos e joelhos, essa droga age inibindo a IL-1. Seu uso deve ser con nuo e de demanda. Pode ser usada na dose de 50 a 100mg/dia. A resposta clínica é variável, mostrando pacientes com ótma resposta e outros sem melhora apreciável. Um efeito colateral comum é a diarreia. d) Antmaláricos (hidroxicloroquina e difosfato de cloroquina): são utlizados principalmente nos casos de OA erosiva de mãos. As doses usuais são de 400mg/dia para a hidroxicloroquina e 250mg/dia para o difosfato de cloroquina. Os pacientes devem ser orientados a fazer exame de fundo de olho periódico (a cada 6 a 12 meses) com o almologista devido aos efeitos colaterais visuais decorrentes da deposição dessas drogas na re tna. Geralmente, a ma-
culopata por cloroquina é reversível se diagnos tcada precocemente pelos exames periódicos. Pode ocorrer também depósito na pele de coloração acinzentada. A hidroxicloroquina tem menos efeitos de depósito que o difosfato de cloroquina. e) Sulfatos de glicosamina e condroi tna: não se conhece o mecanismo exato de ação dessas drogas, usadas por via oral. Podem ser usadas em associação. Os estudos que comprovam sua eficácia são, em sua maioria, patrocinados pelas companhias farmacêutcas. No entanto, uma meta-análise evidenciou melhora da dor, mas sugeriu que pode haver viés nos estudos. Outros estudos sugerem que apenas a glicosamina seria suficiente para trazer os bene f cios terapêutcos, que seriam discretos. Recomenda-se a glicosamina, associada ou não à condroitna, principalmente em pacientes com osteoartrite de joelhos moderada a grave. A dose usual de glicosamina é de 1.500mg/dia, e a de condroitna, 1.200mg/dia. f) Agentes tópicos: Analgesia local: AINHs tópicos em forma de gel ou capsaicina, um agente à base de pimenta que age pela inibição da substância P, podem ser usados para analgesia local em casos de osteoartrite de joelhos e mãos, 2 a 4 vezes ao dia. - Infiltrações intra-ar tculares: Cortcosteroides: podem ser muito úteis quando bem indicados, ou seja, nos com componente in flamatório associado ou com derrame ar tcular, para alívio da dor. O alívio pode durar alguns dias ou se estender por meses. A in filtração com cortcosteroides não deve ser repe tda mais de 3 vezes por ano e deve ser considerada terapia adjuvante; Ácido hialurônico: a infiltração com ácido hialurônico é conhecida como viscossuplementação. Parece ter melhor efeito em quadros de osteoartrite de joelho em estágios iniciais. É aplicado semanalmente por 3 a 5 vezes. -
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C - Tratamento cirúrgico Pacientes com prejuízo da vida diária e falha do tratamento conservador devem ser encaminhados ao ortopedista para avaliação. Podem ser realizados ostomias, desbridamentos artroscópicos, artroplastas e artrodeses. A artroplasta total é muito efe tva para paciente com dor intensa e osteoartrite avançada de quadril ou joelho, mas não é tão indicada para outras ar tculações. O sucesso do tratamento cirúrgico depende não só do procedimento e da técnica escolhida, mas também da prevenção de complicações e de tratamento fisioterápico adequado antes e depois da cirurgia.
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REUMATOLOGIA 10. Resumo Quadro-resumo Osteoartrite - Redução de espaço ar tcular; - Microfraturas na car tlagem; - Fragmentos osteocar tlaginosos soltos e cistos subcondrais; - Inflamação leve; - Esclerose óssea subcondral; - Formação de osteófitos. Fatores de risco Figura 9 - Artroplast a de quadril
- Idade crescente; - Predisposição genétca; - Excesso de peso; - Traumas e ocupação; - Deformidades prévias; - Fatores hormonais. Processo inicial - Irregularidades na rede de colágeno; - Proteoglicanos; - Desidratação da car tlagem; - Irregularidade na distribuição e função dos condrócitos; - Desequilíbrio entre formação e degradação da matriz; - Matriz menos elástca e menos resistente. Diagnóstco - Clínico e radiográfico. Tratamento
Figura 10 - Artroplast a de joelho
- Não farmacológico;
Tabela 10 - Opções terapêut cas para a osteoartrite
- Farmacológico: analgésicos, AINHs, diacereína, glicosamina/ condroitna, antmaláricos;
- Educação do paciente; Tratamento - Perda de peso: osteoartrite de joelhos; não farma- - Condicionamento aeróbico; cológico - Fisioterapia individualizada; - Terapia ocupacional. - Analgésicos sistêmicos: não narcótcos e narcótcos; - Ant-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs): não seletvos e seletvos de COX2; Tratamento - Diacereína; farmacoló- Antmaláricos; gico - Sulfatos de glicosamina e condroi tna; - Agentes tópicos: analgesia local e infiltrações intra-ar tculares com cortcosteroides ou ácido hialurônico. - Artroplastas; Tratamento - Ostomias; cirúrgico - Debridamentos artroscópicos; - Artrodeses.
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- Agentes tópicos; - Infiltrações intra-ar tculares. Núcleo - Educação/acesso à informação; - Exercício de fortalecimento muscular; - Treinamento aeróbico; - Perda ponderal; - Redução de eventos mecânicos; - Paracetamol.
Opções - Anti-inflamtório tópico/oral; - Opioides; - Costicosteroide; - Hialuronato; - Dispositivos de assistência a marchar; - Acupuntura; - Termoterapia; - Eletroterapia; - Infiltrações; - Cirurgia.
CAPÍTULO
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1. Introdução A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença in flamatória autoimune crônica e progressiva de causa inde finida cuja manifestação principal é a sinovite persistente de grandes e pequenas artculações periféricas, de forma simétrica, nos membros superiores e inferiores, devido ao comprome tmento inflamatório da membrana sinovial das artculações. A in flamação provoca dano à cartlagem e erosões ósseas, marca registrada da doença, comprometendo a integridade artcular, gerando consequentemente possíveis complicações e deformidades. Apesar de seu potencial destru tvo, o curso da AR pode ser bastante variável. A evolução clínica pode variar de doença oligoar tcular moderada com duração curta e lesão ar tcular mínima a poliartrite progressiva irreversível com perda funcional acentuada.
2. Epidemiologia A AR é uma doença mundial e afeta todas as etnias, com prevalência de cerca de 0,5 a 1% da população, com predomínio de acometmento em mulheres (2,5 a 3 vezes maior do que em homens), aumentando com a idade. A diferença entre sexos diminui na faixa etária mais elevada. Em mulheres, o início acontece durante a 4ª e a 6ª década de vida, com 80% de todos os pacientes acome tdos com idade entre 35 e 50 anos, na fase tardia da menacme. Em homens, ocorre mais tardiamente, durante a 6ª e a 8ª década de vida. A AR causa aumento da mortalidade e é responsável por grande morbidade. Pelo fato de acometer indivíduos em idade produ tva para o trabalho e por potencialmente causar danos artculares irreversíveis nestes, esta patologia gera altos custos para estes pacientes e para a sociedade.
3. Etologia A causa da AR é desconhecida. Há uma predisposição genétca: a AR acomete 4 vezes mais os parentes de 1º grau de outros pacientes com AR do que a população ge-
Artrite reumatoide Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro / Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Crist ani Barra de Souza
ral. Aproximadamente, 10% dos pacientes com AR terão um parente de 1º grau acome tdo. Gêmeos homozigó tcos têm 4 vezes mais chance de desenvolver AR do que gêmeos heterozigó tcos. Entretanto, a maioria dos pacientes com AR não tem história familiar signi ficatva. Os mais importantes fatores genétcos envolvidos na AR estão relacionados aos alelos do complexo principal de histocompa tbilidade, MHC ou HLA, principalmente alelos do HLA-DRB1 e HLA-DR4, que estão fortemente associados ao desenvolvimento de AR. Mais recentemente, foi possível discriminar as sequências de nucleo deos dentro das variantes de alelos. Com isso, descobriu-se o “epítopo compar tlhado” ou shared epitope, uma sequência de aminoácidos na 3ª região hipervariável da cadeia DR beta. A presença dessa sequência de aminoácidos está fortemente associada a um aumento de suscetbilidade para desenvolver AR e a uma maior gravidade da doença. Genes fora do complexo HLA também contribuem para o desenvolvimento da doença. É possível que a AR esteja relacionada com uma resposta a um agente infeccioso em um indivíduo gene tcamente susce vel. Vários possíveis agentes são sugeridos, inclusive micoplasma, vírus EpsteinBarr (EBV), citomegalovírus, parvovírus e vírus da rubéola, mas ainda não há evidências convincentes. De todos os gatlhos ambientais potenciais, o único claramente associado ao desenvolvimento de AR é o tabagismo, o qual provoca citrulinização de proteínas pulmonares, que seriam expostas e levariam à formação de an tcorpos antcitrulina ou antpep dio C citrulinado, um an tcorpo especí fico para AR e relacionado à gravidade da doença.
4. Patologia e patogenia As artculações são revestdas externamente pela cápsula artcular e internamente por uma membrana sinovial. Entre elas, há uma camada de tecido conec tvo, com vasos e nervos. A membrana sinovial produz o líquido sinovial, que nutre e lubri fica a cartlagem artcular, e contém fibroblastos e macrófagos, que produzem citocinas. Lá, também
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REUMATOLOGIA chegam linfócitos e neutró filos pelo sangue. Na AR, linfócitos T autorreatvos chegam à ar tculação e produzem interferon-gama, que estmulam fibroblastos e macrófagos a produzir diversas citocinas pró-in flamatórias, como interleucina 1(IL-1), fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa), interleucina 6 (IL-6), prostaglandina E2 e metaloproteinases. A IL-1 e o TNF-alfa podem es tmular sua própria produção e autoperpetuar o processo. Como resultado desse processo inflamatório, há congestão, edema, exsudação e hiperplasia das células sinoviais. A produção local de citocinas parece responder por muitas das manifestações clínicas da AR. O TNF-alfa, a IL-1 e a IL-6 induzem direta e indiretamente respostas em vários tpos celulares (Tabela 1). A IL-1 e o TNF-alfa es tmulam fibroblastos e condrócitos locais a produzir enzimas proteolí tcas (colagenase e metaloproteinases), inibem a síntese de novas moléculas da matriz e es tmulam osteoclastos, promovendo desmineralização óssea por reabsorção. Com a progressão da lesão, a sinóvia se espessa e avança para o espaço artcular através de projeções vilosas e invade a cartlagem e o osso, consttuindo o pannus (Figura 1), também composto por fibroblastos, pequenos vasos sanguíneos e um número variável de células mononucleares. Além disso, formam-se estruturas semelhantes a centros germinatvos de tecidos linfoides secundários, com plasmócitos produzindo imunoglobulina policlonal, inclusive Fator Reumatoide (FR). Os complexos imunes formados entram na circulação e levam a várias manifestações da doença, como a vasculite sistêmica. A IL-1, o TNF-alfa e a interleucina 6 (IL-6) são responsáveis por muitas das manifestações sistêmicas da AR, como mal-estar, febre, emagrecimento e fadiga. A IL-6 é responsável pelo aumento das proteínas de fase aguda (VHS/PCR).
Figura 1 - Pannus
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Tabela 1 - Principais citocinas envolvidas na patogênese da AR Citocina
Fonte
Ação
Fator de necrose Linfócitos, macrótumoral-alfa (TNFfagos. -alfa).
Atvação de células inflamatórias, endoteliais e apresentadoras de an genos, aumento da toxicidade de linfócitos.
Interleucina 1 (IL-1).
Linfócitos, macrófagos, endotélio.
Coestmulação de linfócitos, atvação de fagócitos, expressão de moléculas de adesão, produção de prostaglandinas.
Interleucina 6 (IL-6).
Linfócitos T, macrófagos, endotélio.
Proliferação de linfócitos T, diferenciação de linfócitos B e síntese de proteínas de fase aguda.
Interferon-gama.
Linfócitos T.
Atvação de células inflamatórias, endoteliais e epiteliais.
5. Manifestações clínicas artculares Tabela 2 - Característ ca da doença ar tc ular na artrite reumatoide - Poliartcular; - Artrite em mãos e punhos – punhos, MCFs e IFPs; - Raro acometer IFDs – diferente de osteoartrite e artrite psoriátca; - Artrite cumulatva ou aditva; - Rigidez matnal >1h.
Caracteristcamente, a AR é uma doença crônica e progressiva, classicamente com início insidioso, acompanhada de sintomas cons ttucionais inespecí ficos como fadiga, anorexia, fraqueza generalizada, perda de peso e febre baixa. Inicialmente, os sintomas musculoesquelé tcos são vagos até o aparecimento da sinovite. Esse quadro prodrômico pode persis tr durante semanas ou meses e di ficultar o diagnóstco. Os sintomas especí ficos normalmente surgem gradualmente em várias ar tculações, especialmente mãos, punhos, joelhos e pés, de forma simétrica: artralgia inflamatória, que é pior após longos períodos de repouso, com melhora ao movimento, edema e espessamento artcular, além de rigidez ma tnal prolongada (mais de 1 hora de duração). A rigidez ma tnal por mais de 1 hora de duração é uma caracterís tca quase invariável de artrite inflamatória e pode ser ú tl na distnção de outras patologias não inflamatórias. Esse quadro pico ocorre em cerca de 2/3 dos pacientes. Em cerca de 10% dos casos, o quadro clínico inicial é mais agressivo, com o surgimento rápido de poliartrite, comumente acompanhada por sintomas consttucionais. Em aproximadamente 30% dos pacientes, os sintomas podem ser limitados inicialmente a 1 ou algumas ar tculações. O padrão simétrico é o mais frequente, embora o padrão de envolvimento ar tcular possa permanecer assimétrico em alguns pacientes. O pa-
ARTRITE REUMATOIDE
drão clássico de acome tmento artcular na AR é o envolvimento de grandes e pequenas ar tculações de membros inferiores e superiores, de forma simétrica, acometendo caracteris tcamente pequenas ar tculações das mãos, as metatarsofalangianas (MTFs), punhos, joelhos, cotovelos, tornozelos, quadris e ombros, geralmente nessa ordem de aparecimento (pequenas para grandes). O tratamento insttuído precocemente pode limitar o número de ar tculações acometdas. As mãos são o principal local de acome tmento na grande maioria dos pacientes. Esse acome tmento é mais habitual em punhos, ar tculações metacarpofalangianas (MCFs) e interfalangianas proximais (IFPs). As interfalangianas distais (IFDs) geralmente são poupadas, o que ajuda a distnguir a AR da osteoartrite e da artrite psoriásica, em que as IFDs podem ser acome tdas. A dor e o edema nessas artculações causam limitação funcional, com menor uso das mãos, levando à atrofia de músculos interósseos e ao achado clássico de alargamento de punhos com atro fia de interósseos. O envolvimento das MCFs pode provocar dor e edema difuso nessas ar tculações, mas quadros mais iniciais podem ser percebidos apenas pela compressão laterolateral (teste de squeeze) da 2ª à 5ª MCFs, desencadeando dor. Anéis que não passam pelas IFPs são uma queixa frequente pelo edema. À medida que a doença evolui, as ar tculações sofrem desvios característcos, como o desvio ulnar das MCFs e o desvio radial e posteriormente volar do punho. Nos quirodáctlos, podem ocorrer ainda deformidades “em pescoço de cisne” (swan neck ), com hiperextensão da IFP e flexão da IFD (Figura 3), dedos “em botoeira” (Figura 6) ( boutonnière) por hiperextensão da MCF e flexão da IFP, e polegar “em Z”, pela subluxação da 1ª MCF e IF (Figura 3). Inicialmente, a ar tculação pode estar desviada reversivelmente, apenas pela subluxação ar tcular (artculação de Jaccoud), mas a invasão do pannus costuma provocar limitações e desvios artculares fixos. O acometmento dos cotovelos, com sinovite dessa artculação, pode ser precoce e levar à contratura em flexão dos cotovelos. Nos pés, as artculações mais acome tdas são as MTFs. A avaliação de edema nesse local é di f cil, mas o teste de squeeze (compressão laterolateral conjunta de todas as MTFs) ajuda muito ao desencadear dor. A progressão do acometmento dessas artculações pode provocar subluxação plantar das cabeças dos metatarsos, alargamento do antepé, hálux valgo, desvio lateral e subluxação dorsal dos dedos do pé. Isso é causa de grande incômodo por provocar úlceras plantares nos pés e dorsais nos dedos encurvados. Artrite de tornozelos e de ar tculações subtalares também pode ocorrer e produzir dor intensa ao deambular. A eversão de tornozelos por fraqueza de tbiais posteriores é comum. E as erosões radiográ ficas são vistas mais precocemente nos pés que nas mãos.
Joelhos, quadris e ombros também podem ser acometidos. O comprometimento costuma ser simétrico e afetar cada articulação como um todo, em toda a superfície articular. Nos joelhos, isso ajuda a diferenciar a AR (em que os compartimentos medial e lateral são igual e gravemente acometidos) da osteoartrite (em que preferencialmente 1 dos compartimentos é atingido). O joelho desenvolve hipertrofia sinovial, derrame articular crônico e frouxidão ligamentar. Herniação posterior da membrana sinovial através da cápsula articul ar forma um cisto poplíteo (cisto de Baker), que pode levar a sensação de plenitude, dor e compressão de estruturas poplíteas. Seu rompimento provoca inflamação, com edema e muita dor na perna, podendo simular tromboflebite ou trombose venosa profunda. O diagnóstico diferencial é feito pelo ultrassom Doppler da região, que afasta trombose venosa e mostra o cisto roto com grande edema de partes moles. Virtualmente, qualquer ar tculação sinovial pode ser atngida, como as ar tculações temporomandibulares (ATM), esternoclaviculares e cricoaritenoides, que podem ser acometdas menos frequentemente, sobretudo em casos de doença de longa duração. O envolvimento das cricoaritenoides pode provocar sensação de plenitude na garganta, rouquidão ou até obstrução respiratória extratorácica. Na coluna, o acometmento geralmente é cervical alto e, na maioria dos casos, assintomátco, diferente das espondiloartrites, que podem acometer toda a coluna, com dor espinhal inflamatória (sobretudo lombar). Em pacientes com doença de longa duração, pode ocorrer subluxação atlantoaxial (desvio entre a 1ª e a 2ª vértebras cervicais), que pode levar a compressão medular, com dor, parestesias e perda de força nos membros, até tetraplegia. Dor e disfunção também podem ser causadas por compressão de nervos periféricos em áreas de sinovite. O local mais comum é o punho, desenvolvendo síndrome do túnel do carpo (compressão do nervo mediano), com parestesias na face palmar das mãos, poupando o lado medial do 4ª e o 5ª quirodác tlos, mas pode ocorrer compressão do nervo ulnar (síndrome do canal de Guyon) e do túnel do tarso. Tenossinovites, com in flamação dos tendões e suas bainhas sinoviais são comuns também nas mãos, principalmente no dorso, e podem ser um achado inicial. A persistência da in flamação pode levar a roturas de tendões com grande perda funcional. Cistos sinoviais podem ocorrer perto de qualquer ar tculação acometda, por herniação da membrana sinovial através da cápsula artcular sob pressão de líquido sinovial e deformidades que alteram os vetores ar tculares, como acontece principalmente no dorso dos punhos e mãos e, no joelho, no caso do cisto de Baker.
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REUMATOLOGIA da mão em aspecto de “dorso de camelo”
Figura 2 - Sinovite (in fl amação) da ar tc ulação IFP do 4º quirodáct lo direito em paciente com artrite reumatoide (dedo “em fuso”)
Figura 5 - Deformidade em extensão das IFPs e em fl exão das IFDs, caracterizando dedos “em pescoço de cisne” em paciente com artrite reumatoide: notar aumento de volume das MCFs
Figura 6 - Deformidade “em botoeira”
Figura 3 - Mão reumatoide: observar a atro fi a de musculatura interóssea, dedos “em pescoço de cisne” (3º a 5º) e espessamento sinovial de MTFs e punho
Figura 4 - Mão reumatoide: observar atro fi a de musculatura interóssea, presença de cisto sinovial em dorso de mão direita, dorso
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Figura 7 - Nódulos reumatoides em super f cie extensora proximal do antebraço
ARTRITE REUMATOIDE
Tabela 3 - Principais manifestações ar tc ulares/justa-ar tc ulares da AR - Início insidioso; - Sintomas consttucionais inespecí ficos: fadiga, anorexia, fraqueza generalizada, perda de peso;
Caracterís tcas gerais
- Acometmento simétrico de grandes e pequenas artculações de membros inferiores e superiores; - Artralgia inflamatória; - Edema e espessamento ar tcular (artrite); - Rigidez matnal prolongada (>1h); - 10% dos casos: quadro mais agressivo (surgimento rápido de poliartrite); - 30% dos casos: sintomas limitados inicialmente a 1 ou algumas ar tculações. Membros superiores
Artculações mais frequentemente acome tdas e achados de clínica ou exame f sico: - Punhos (alargamento de punhos, desvio radial e volar do punho); - Artculações metacarpofalangianas: edema, dor à compressão laterolateral (teste de squeeze), desvio ulnar, polegar “em Z”, atrofia de interósseos; - Interfalangianas proximais: edema, desvios fixos (dedos “em botoeira”, deformidade “em pescoço de cisne” e polegar “em Z”), deformidades não fixas (artculação de Jaccoud); Cotovelos (edema e contratura em flexão dos Acometmento cotovelos); de artculações Ombros. periféricas Membros inferiores Artculações mais acometdas: - Metatarsofalangianas (teste de squeeze desencadeia dor; deformidades: subluxação plantar das cabeças dos metatarsos, alargamento do antepé, hálux valgo, desvio lateral e subluxação dorsal dos dedos do pé, úlceras plantares nos pés e dorsais nos dedos encurvados); - Tornozelos e artculações subtalares (eversão de tornozelos); - Joelhos (derrame artcular crônico, frouxidão ligamentar, cisto de Baker); - Quadris também podem ser acome tdos. - Artrite de temporomandibulares (ATM), esternoclaviculares e cricoaritenoides;
Outras formas de acometmento
- Acometmento cervical alto (subluxação atlantoaxial, que pode levar a compressão medular); - Compressão de nervos periféricos em áreas de sinovite (síndrome do túnel do carpo e do túnel do tarso, compressão do nervo ulnar); - Tenossinovites (podem provocar roturas de tendões); - Cistos sinoviais (dorso dos punhos e mãos e no joelho).
6. Manifestações extra-artculares O acometmento das estruturas extra-artculares ocorre a uma frequência signi ficatva, principalmente em pacientes com fator reumatoide posi tvo, ant-CCP positvo, HLA classe II DRB1 e com nódulos reumatoides. Nódulos reumatoides ocorrem em 30% das pessoas com AR e são encontrados em estruturas periar tculares, em superf cies extensoras ou outras áreas expostas à pressão mecânica. Também podem ocorrer em outras regiões, como coração, pulmões, pleura, olhos e meninges. Locais comuns incluem a bursa do olécrano, a face extensora proximal do antebraço, o tendão de Aquiles e o occípito. Variam em tamanho e consistência, são raramente sintomátcos, podendo infectar após trauma local, e ocorrem quase exclusivamente em pacientes com FR posi tvo. A avaliação do nódulo em início de formação sugere que o processo inicial possa ser uma vasculite focal. O uso de metotrexato pode aumentar ou acelerar o desenvolvimento de nódulos reumatoides, provocando a síndrome de hipernodulose, que pode ocorrer independentemente do bom controle ar tcular.
Figura 8 - Nódulos reumatoides e seus sí to s comuns
A vasculite reumatoide pode afetar qualquer órgão, sendo comumente vista em pacientes com AR grave e tulos elevados de FR. Pode ser de pequenos vasos, tpo leucocitoclástca, ou de médio calibre. As formas mais agressivas se manifestam como polineuropa ta, mononeurite múl tpla, úlceras cutâneas (Figura 9), necrose dérmica, gangrena digital (Figura 10) e infarto visceral (isquemias miocárdica, pulmonar, intestnal, hepátca, esplênica, pancreátca e testcular, que são raras). As formas mais frequentes de apresentação são pequenas manchas acastanhadas ungueais e periungueais e nas polpas digitais das mãos, além de
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REUMATOLOGIA grandes úlceras isquêmicas, principalmente nos membros inferiores (Figura 11). As manifestações pleuropulmonares são mais comuns em homens e acontecem na forma de pleurite, fibrose interstcial, nódulos pleuropulmonares (Figura 12) e pneumonite. O derrame pleural apresenta níveis de glicose e pH muito baixos, na ausência de infecção, sendo muitas vezes confundido com empiema. A dosagem do complemento no líquido também é baixa em relação à do plasma. Na maioria dos casos, entretanto, são derrames muito pequenos e assintomá tcos. A fibrose pulmonar, na maioria dos casos, provoca alterações pulmonares discretas e é assintomátca. Entretanto, pode determinar redução da difusão pulmonar e causar dispneia, progredindo na tomografia de um padrão de vidro fosco para faveolamento. Os nódulos pulmonares podem aparecer isoladamente ou em grupos e evoluir com cavitação, que pode infectar, calcificar ou produzir pneumotórax ou f stula broncopleural. Pode ocorrer também a obstrução de via aérea superior cricoaritenoide ou da laringe pelo surgimento de nódulos reumatoides ou pela própria artrite desta ar tculação, podendo manifestar-se como dor para deglu tr, disfonia e, raramente, obstrução. A síndrome de Caplan acontece em pacientes com AR e pneumoconiose relacionada à exposição a poeiras minerais (carvão, asbestos e sílica) e se caracteriza pelo rápido desenvolvimento de múl tplos nódulos basais periféricos em associação a leve obstrução do fluxo aéreo. Essa síndrome pode complicar-se com o desenvolvimento de fibrose progressiva. Figuras 11 - Vasculite evoluindo com úlcera em membro inferior (pré-debridamento e pós-debridamento)
Figura 9 - Vasculite digital com úlceras cutâneas
Figura 10 - Vasculite de polpa digital evoluindo para gangrena
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Figura 12 - Nódulos pulmonares em paciente com artrite reumatoide
ARTRITE REUMATOIDE
As manifestações cardíacas são comumente assintomátcas. A pericardite pode acometer mais de 50% dos pacientes, geralmente sem clínica. O líquido apresenta baixa concentração de glicose e baixo pH, sendo habitualmente associado a derrame pleural. Muito raramente, ocorrem tamponamento cardíaco e pericardite constri tva. Nódulos reumatoides podem acometer miocárdio, sistema de condução (com bloqueios) e valvas cardíacas. Aor tte envolvendo segmentos da aorta tem sido descrita associada à insuficiência aórtca, dilatação e ruptura de aneurisma. Apesar de manifestações diretamente relacionadas à AR não serem clinicamente comuns, a doença vascular, principalmente doença coronariana, é responsável por grande morbimortalidade nesse grupo de pacientes, devendo ser diagnos tcada e tratada precoce e adequadamente. As manifestações renais e doença glomerular são extremamente raras na AR. Proteinúria pode se desenvolver secundária ao uso de medicamentos ou por amiloidose. Quanto às manifestações neurológicas, a AR tende a poupar o SNC. No entanto, pode haver mononeurite múltpla por vasculite, compressão de nervos periféricos como o nervo mediano (síndrome do túnel do carpo) por sinovite ou deformidades e acome tmento de raízes ou compressão medular devido à instabilidade da coluna cervical. O acometmento ocular é comum. A manifestação mais frequente é a ceratoconjun tvite seca (síndrome de Sjögren secundária), observada em cerca de 15% dos pacientes. Ocasionalmente, ocorrem uveíte e mesmo episclerite, que eventualmente perfura a esclera (escleromalácia perfurante – Figura 13).
nes circulantes estão habitualmente presentes, e pode ser encontrado o consumo de complemento. Um aumento na incidência de linfoma não Hodgkin tem sido descrito neste grupo de pacientes. Um grupo de pacientes pode apresentar síndrome dos grandes linfócitos granulares ( Large Granular Lymphocyte – LGL), em que a neutropenia se associa à presença de grandes linfócitos granulares, que podem ser confundidos ao hemograma com monocitose. Acreditase que essa síndrome seja uma leucemia de células T, mas com bom prognóstco no contexto da AR. Tabela 4 - Outras manifestações da AR Hematológicas - Anemia; - Neutrofilia; - Trombocitose; - Síndrome Felty. Neurológicas - Síndrome do túnel do carpo; - Mononeurite multplex; - Neuropatas periféricas. Pulmonares - Efusões pleurais; - Doença pulmonar interstcial; - Bronquiolite obliterante. Cardíacas - Pericardite; - Vasculite coronariana (rara). Cutâneas - Nódulo reumatoide; - Vasculite periférica; - Úlceras em pernas; - Alopecia. Oculares - Xeroalmia; - Esclerite; - Episclerite. Outras - Boca seca; - Osteoporose;
Figura 13 - Escleromalácia perfurante em paciente com AR
A manifestação hematológica mais comum é a anemia de doença crônica, associada à a tvidade de doença. A síndrome de Felty, uma rara manifestação, é descrita como a associação de AR, esplenomegalia e neutropenia. Hepatomegalia, plaquetopenia, linfadenomegalia, calafrios, úlceras de pernas de di f cil cicatrização e infecções bacterianas de repetção comumente estão associados. É mais comum em indivíduos com doença de longa evolução e que apresentam tulos elevados de FR, nódulos subcutâneos e outras manifestações sistêmicas da AR. Complexos imu-
- Perda de massa muscular. Tabela 5 - Principais manifestações extra-ar tc ulares da AR - Ocorrem em 30% dos casos;
Nódulos reumatoides
- São encontrados mais frequentemente em estruturas periar tculares e em super f cies extensoras; - Ocorrem quase exclusivamente em pacientes com FR positvo; - Podem paradoxalmente aumentar pelo uso de metotrexato.
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REUMATOLOGIA
Vasculite reumatoide
- Ocorre principalmente em pacientes com AR grave e tulos elevados de FR;
- A mais comum é a anemia de doença crônica, associada à atvidade de doença;
- Formas de apresentação: manchas castanhas periungueais e úlceras cutâneas em membros inferiores (mais comuns), polineuropata, mononeurite múltpla, necrose dérmica, gangrena digital e, mais raramente, infarto visceral.
- Síndrome de Felty (rara): associação de AR, esplenomegalia e neutropenia. Hepatomegalia, plaquetopenia, linfadenomegalia, calafrios e úlceras de pernas de di f cil cicatrização com infecções bacterianas de repetção comumente estão associados. É mais comum em doença de longa evolução, com FR em tulos elevados, nódulos subcutâneos e outras manifestações sistêmicas da AR;
- Mais frequentes em homens; fibrose
- Podem manifestar-se como pleurite, interstcial, nódulos pleuropulmonares e pneumonite;
Manifestações pleuropulmonares
- O derrame pleural tem níveis de glicose e pH muito baixos e geralmente são muito pequenos e assintomátcos; - Fibrose pulmonar: é geralmente assintomá tca, mas pode haver dispneia; - Nódulos pulmonares, isolados ou não, podem cavitar, infectar, calci ficar ou provocar pneumotórax ou f stula broncopleural; - Síndrome de Caplan: nodulose pulmonar com obstrução do fluxo aéreo e fibrose progressiva, em paci entes com AR e pneumoconiose (por carvão, asbestos e sílica). - Pericardite é comum, mas costuma ser assintomátca. O líquido pericárdico tem baixa concentração de glicose e baixo pH, geralmente associado a derrame pleural. Tamponamento cardíaco e pericardite constri tva são muito raros;
Manifestações cardíacas
- Nódulos reumatoides podem ocorrer no miocárdio, sistema de condução e valvas cardíacas; - Aortte pode provocar insuficiência aórtca, dilatação e ruptura de aneurisma; - Doença coronariana é responsável por grande morbimortalidade nesse grupo de pacientes, devendo ser diagnostcada e tratada precoce e adequadamente.
Manifestações renais
- Extremamente raras na AR; - Proteinúria pode se desenvolver secundária ao uso de medicamentos ou por amiloidose. - Geralmente, poupa o SNC;
Manifestações neurológicas
- Pode ocorrer: mononeurite múl tpla por vasculite, compressão do nervo mediano (síndrome do túnel do carpo) por sinovite ou deformidade dos punhos, compressão de raízes nervosas ou compressão medular devido à instabilidade da coluna cervical. - É comum;
Acometmento - Manifestação mais comum: a ceratoconjun tocular vite seca (síndrome de Sjögren secundária); - Outras manifestações: uveíte, episclerite.
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Manifestações hematológicas
- Aumento na incidência de linfoma não Hodgkin; - Síndrome dos grandes linfócitos granulares (LGL): neutropenia associada à presença de grandes linfócitos granulares, simulando monocitose. É uma leucemia de células T, com bom prognóstco no contexto da AR.
7. Achados laboratoriais Não existe marcador diagnós tco especí fico para AR. O Fator Reumatoide (FR) (imunoglobulina M contra a fração Fc da imunoglobulina G) é achado em mais de 85% dos pacientes com a doença, na forma estabelecida. A presença de FR não é especí fica para AR e é encontrada em 5% das pessoas saudáveis, aumentando a sua frequência com o avançar da idade (10 a 20% de indivíduos acima de 65 anos). Além disso, outras doenças crônicas com es tmulação persistente do sistema imunológico são associadas à presença do FR: LES, síndrome de Sjögren (maiores tulos encontrados), hepatopata crônica, sarcoidose, fibrose pulmonar interstcial, mononucleose infecciosa, hepa tte B, tuberculose, hanseníase, sí filis, endocardite bacteriana subaguda, leishmaniose visceral, esquistossomose, malária e crioglobulinemia. O FR pode surgir transitoriamente em indivíduos normais depois de vacinação ou transfusão e ser achado em parentes de indivíduos com AR. Sua presença não estabelece o diagnóstco de AR e tem baixo valor predi tvo para o diagnós tco. Menos de 1/3 de pacientes com FR posi tvo terá o diagnóstco de AR. A presença de FR pode ter signi ficado prognóstco, pois pacientes com tulos elevados tendem a ter doença artcular mais grave e progressiva, associada a manifestações extra-artculares, principalmente nódulos ou vasculite. Em pacientes com artrite inicial (menos de 6 a 12 meses de sintomas), a positvidade do FR é mais baixa (40 a 50%), tendo valor diagnós tco ainda mais limitado. Os antcorpos contra pep dio citrulinado cíclico (an t-CCP) apresentam sensibilidade de 70 a 75% e especi ficidade de 95%. Seu custo é alto, e a indicação é esclarecer quadros sugestvos de AR inicial, ainda sem erosão ou doença estabelecida ou para diagnós tco de pacientes com FR negatvo. Nenhum exame laboratorial é patognomônico de AR. Outros antcorpos inespecí ficos podem estar presentes, como o FAN (fator an tnúcleo) e o ANCA (an tcorpo antcitoplasma de neutrófilo, partcularmente com padrão perinuclear – p-ANCA), ambos em 30% dos casos.
ARTRITE REUMATOIDE
A anemia normocrômica normocí tca é frequente na doença atva, refletndo eritropoese inefe tva. Em geral, a anemia e a plaquetose se correlacionam com a tvidade. A linhagem branca geralmente não se altera, mas pode ocorrer discreta leucocitose; a leucopenia remete ao diagnós tco da síndrome de Felty. Eosino filia pode refletr doença sistêmica grave. A velocidade de hemossedimentação (VHS) é aumentada em quase todos os pacientes com AR a tva. A proteína de fase aguda PCR (Proteína C Rea tva) também fica acentuadamente elevada, geralmente correlacionada com a tvidade da doença e a probabilidade de lesão ar tcular progressiva. O complemento (CH100, C3 e C4) costuma estar elevado, exceto nos casos de vasculite, em que se encontra consumido, com presença de imunocomplexos circulantes. A análise do líquido sinovial con firma a presença de artrite inflamatória, porém não é um resultado especí fico. O líquido é normalmente turvo, com viscosidade reduzida, proteínas aumentadas e redução discreta da glicose em relação à glicemia sérica. A contagem de leucócitos varia entre 5 e 50.000 células/mL, com predomínio de polimorfonucleares. Uma contagem acima de 2.000 células/mL com mais de 75% de polimorfonucleares é altamente característca de artrite in flamatória, embora não diagnós tca de AR. Tabela 6 - Principais achados laboratoriais da AR - É uma imunoglobulina M contra a fração Fc da imunoglobulina G; - Achado em mais de 85% dos pacientes com a doença estabelecida e em 40 a 50% de pacientes com AR inicial; - Não é especí fico (pode ocorrer em pessoas saudáveis, após vacinação ou transfusão, em parentes de indivíduos com AR) e outras doenças: LES, síndrome de Sjögren, hepaFator topata crônica, sarcoidose, fibrose pulmoReumatoide (FR) nar interstcial, mononucleose infecciosa, hepatte B, tuberculose, hanseníase, sí filis, endocardite bacteriana subaguda, leishmaniose visceral, esquistossomose, malária e crioglobulinemia;
- Presença de antcorpos inespecí ficos em 30% dos casos: FAN (fator antnúcleo) e p-ANCA (antcorpo antcitoplasma de neutrófilo, partcularmente com padrão perinuclear);
Outros achados
- Anemia de doença crônica e plaquetose se correlacionam com atvidade de doença; - Leucopenia remete ao diagnóstco da síndrome de Felty ou toxicidade medicamentosa; - Eosinofilia pode refletr doença sistêmica grave; - VHS e PCR ficam elevadas durante atvidade da doença.
8. Avaliação radiológica Nenhum exame radiográ fico é patognomônico de AR. O raio x convencional é o método mais u tlizado na avaliação por imagem do dano estrutural ar tcular na AR. Os sinais radiográ ficos mais precoces são o edema de partes moles, a osteopenia justa-artcular (critério radiográ fico da doença) e os cistos subcondrais em ar tculações classicamente envolvidas na AR. A perda de car tlagem artcular (redução do espaço artcular) e erosões ósseas (outro critério radiográ fico da doença) se desenvolvem depois de meses de a tvidade con nua. As erosões acontecem como soluções de con tnuidade na super f cie artcular e devem ser pesquisadas nas artculações tradicionalmente acome tdas das mãos e dos pés. As alterações radiológicas nos pés costumam ser mais precoces que as das mãos. Com a evolução da doença, ocorre artrose secundária, com perda acentuada e simétrica do espaço artcular e intensa esclerose subcondral. Os desvios ósseos e as subluxações ficam aparentes, e pode haver grande destruição óssea subcondral (Figuras 14, 15 e 16). A ultrassonografia e a ressonância magné tca possuem maior sensibilidade na detecção do dano estrutural ar tcular, porém fatores econômicos ainda hoje limitam o uso desses métodos na prá tca clínica.
- Não estabelece o diagnóstco de AR: tem baixo valor preditvo positvo; - Valor prognóstco: doença artcular mais grave e progressiva, manifestações extra-artculares, como nódulos ou vasculite. - Apresentam sensibilidade de 65 a 80% e especificidade de 95%; Antcorpos contra pep dio citrulinado cíclico (ant-CCP)
- Custo elevado; - Principal indicação: esclarecer quadros sugestvos de AR inicial, ainda sem erosão ou doença estabelecida. Nenhum exame laboratorial é patognomônico de AR; - Valor prognóstco: associação a gravidade e manifestações extra-ar tculares da doença.
Figura 14 - Joelho em portador de artrite reumatoide: observar a redução acentuada do espaço ar tc ular, de forma simétrica (envolvendo os 2 compar tm entos), com muita esclerose subcondral e irregularidades na super f cie da ar tc ulação
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA A avaliação radiológica permite determinar a extensão da destruição de car tlagens e da erosão óssea produzida pela doença (par tcularmente, quando se tenta es tmar a agressividade da doença), monitorar o impacto da terapia com drogas modi ficadoras da doença e de finir o momento da intervenção cirúrgica. Outras avaliações, como a ultrassonografia e a RNM, são capazes de detectar alterações mais precocemente que a radiogra fia e podem ser indicadas em casos iniciais da AR, em que há dúvida diagnós tca, sobre a agressividade da doença e a necessidade de progressão terapêutca ou sobre atvidade residual de doença em paciente em remissão clínica em que se planeja reduzir o esquema terapêu tco.
Figura 15 - Mão reumatoide: desvio ulnar das MCFs direitas, redução dos espaços ar tc ulares em punhos, MCFs e IFPs, subluxação de IFP (polegar “em Z”); as IFDs são poupadas
a doença apresenta as característcas picas em 1 a 2 anos após seu início. O quadro pico de poliartrite in flamatória simétrica que envolve pequenas e grandes ar tculações em extremidades superiores e inferiores é suges tvo do diagnóstco. Característcas consttucionais indicatvas da natureza inflamatória da doença, como rigidez ma tnal, reafirmam a suspeita. Nódulos subcutâneos são achados diagnós tcos importantes. Associados a esses fatores, a presença do FR e os achados radiológicos de desmineralização justa-artcular e erosões ósseas sugerem fortemente o diagnós tco. O diagnóstco precoce é mais di f cil quando somente sintomas consttucionais, artralgias intermitentes ou artrite com distribuição assimétrica e oligoar tcular estão presentes. Em casos iniciais, se erosão e com dúvida diagnós tca, a dosagem do ant-CCP tem valor diagnóstco. O achado isolado de um teste posi tvo para FR ou VHS elevado, especialmente em idosos com artralgia, não deve ser usado como evidência de AR. Os critérios de 1987, do Colégio Americano de Reumatologia (Tabela 7), demonstram uma sensibilidade de 91 a 94% e uma especi ficidade de 89% quando usados para diferenciar os pacientes portadores de AR de outras doenças reumátcas. Porém, a ausência desses critérios, principalmente no início da doença, não exclui o diagnós tco, e são necessários 4 de 7 critérios para de fini-lo. Porém estes critérios não eram adequados para detecção de AR inicial, logo se fez necessária em 2010 a revisão de tais critérios pelo ACR/EULAR (Tabela 8). Estes não são critérios diagnóstcos e sim classificatórios. Tabela 7 - Critérios de classi fi cação para artrite reumatoide (ACR1987)
Figura 16 - Radiogra fi a de mão direita mostrando osteopenia justa-ar tc ular em metacarpofalangianas com erosão no dedo indicador (seta)
9. Diagnóstco Não existe achado patognomônico de AR. O diagnós tco baseia-se nos achados clínicos, laboratoriais e radiográficos e na exclusão de outras doenças. Na maioria dos pacientes,
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Rigidez matnal
Rigidez artcular com duração mínima de 1 hora por ao menos 6 semanas.
Artrite de 3 ou mais artculações
Ao menos, 3 regiões ar tculares acometdas simultaneamente, observadas por um médico, com edema, espessamento ou derrame artcular e não apenas crescimento ósseo. As 14 possíveis regiões artculares esquerdas ou direitas envolvidas são as IFPs, MCFs, punhos, cotovelos, joelhos, tornozelos e MTFs, por pelo menos 6 semanas.
Artrite em mãos
Artrite de punho, de MCF ou de IFG proximal, por pelo menos 6 semanas.
Envolvimento simultâneo das mesmas ar tcuArtrite simétrica lações em ambos os lados do corpo, por pelo menos 6 semanas. Nódulos reumatoides
Nódulos subcutâneos em proeminências ósseas, face extensora muscular ou regiões periartculares, observadas por um médico.
Fator reumatoide
Títulos alterados de FR.
ARTRITE REUMATOIDE
Alterações picas em radiografia de mãos e Alterações radio- punhos incluem rarefações e erosões ósseas lógicas localizadas na área ar tcular acometda ou em regiões adjacentes.
Tabela 9 - Diagnóst co diferencial das artrites Grupos de doenças
- Virais (por exemplo, dengue, HIV, parvovírus, citomegalovírus, vírus da hepatte);
Tabela 8 - Critérios classi fi catórios para AR 2010 ACR/EULAR População-alvo (quem deve ser escolhido?) - Paciente com pelo menos 1 artculação com sinovite clínica definida (edema)*; - Sinovite que não seja mais bem explicada por outra doença.
Doenças
Infecções
- Bacterianas (por exemplo, N. gonorrhoeae, S. aureus); - Micobacterianas; - Fúngicas; - Outras.
Acometmento artcular (0 a 5) 1 grande artculação
0
2 a 10 grandes artculações
1
1 a 3 pequenas artculações (grandes não contadas)
2
4 a 10 pequenas artculações (grandes não contadas)
3
>10 artculações (pelo menos 1 pequena)
5
- Artrites rea tvas (Chlamydia, Salmonella, Shigella, Yersinia); Espondiloartrites
- Espondilite anquilosante; - Artrite psoriásica; - Artrites enteropátcas. - Lúpus eritematoso sistêmico;
Sorologia (0 a 3)
- Polimiosite/dermatomiosite;
FR negatvo E ACPA negatvo
0
FR positvo ou ACPA posi tvo em baixos tulos
2
FR positvo ou ACPA posi tvo em altos tulos
3
- Esclerose sistêmica; Doenças reumá- - Síndrome de Sjögren; tcas sistêmicas - Doença de Behçet; - Polimialgia reumátca;
Duração dos sintomas (0 a 1) <6 semanas
0
- Vasculites sistêmicas;
≥6
1
- Outras.
semanas Provas de atvidade inflamatória (0 a 1)
PCR normal e VHS normal
0
PCR anormal ou VHS anormal
1
Pontuação ≥6 é necessária para classi ficação definitva de um paciente como AR. * Os diagnóst cos diferenciais podem incluir condições tais como lúpus eritematoso sistêmico, artrite psoriát ca e gota. Se houver dúvidas quanto aos diagnóst cos diferenciais relevantes, um reumatologista deve ser consultado. Fonte: Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2011 para o diagnóst co e avaliação inicial da artrite reumatoide.
10. Diagnóstco diferencial
Artrites microcristalinas Doenças endócrinas
- Gota; - Doenças por depósito de cristal de pirofosfato de cálcio ou outros. - Hipotreoidismo; - Hipertreoidismo. - Doença neoplásica metastá tca;
Doenças neoplásicas
- Linfoma; - Síndromes paraneoplásicas; - Outras. - Osteoartrite; - Hemocromatose;
Outras
- Amiloidose; - Sarcoidose; - Doença do soro;
O diagnóstco diferencial da AR inclui osteoartrite (sem componente inflamatório intenso, acomete IFDs), artrite reatva (oligoartrite predominante de membros inferiores, com entesites, dac tlites e envolvimento in flamatório axial), artrite psoriásica (pode assemelhar-se muito à AR, principalmente se tver o mesmo padrão de distribuição – pode acometer esqueleto axial e IFDs e, na maioria dos casos, tem FR nega tvo, na presença de lesão cutânea pica de psoríase), gota tofácea, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, pseudogota, polimialgia reumá tca etc. Síndromes virais podem causar artrite com 2 a 4 semanas de duração, como os vírus da hepa tte C, B, HIV, EBV, CMV, parvovírus e rubéola.
- Angioedema. Fonte: Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2011 para o diagnóst co e avaliação inicial da artrite reumatoide. Tabela 10 - Principais diagnóst cos diferenciais da AR Osteoartrite
- Geralmente, não tem componente in flamatório intenso; - Acomete artculações IFDs.
Artrite reatva
- Oligoartrite predominante de membros inferiores; - Presença de entesites, dac tlites e envolvimento inflamatório axial.
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REUMATOLOGIA - A forma AR-símile tem o mesmo padrão de distribuição; Artrite psoriásica
- Pode acometer esqueleto axial e IFDs; - Na maioria dos casos, tem FR nega tvo; - Presença de lesão cutânea pica de psoríase. - Gota tofácea; - Lúpus eritematoso sistêmico; - Síndrome de Sjögren;
Outros
- Pseudogota; - Polimialgia reumátca; - Síndromes virais causam artrite de curta duração (vírus da hepatte C, B, HIV, EBV, CMV, parvovírus e rubéola).
É recomendável uma avaliação da a tvidade da doença (de preferência, a cada 2 meses) até a tngir um estado de remissão ou baixa atvidade de doença. Reavaliações subsequentes ficarão a critério (normalmente intervalos de cerca de 3 meses). Os exames radiográficos de mãos, punhos e pés devem ser repetdos anualmente, a critério clínico, a fim de avaliar a progressão ou não da doença. Sugere-se avaliação objetva da atvidade da doença u tlizando um dos índices compostos de atvidade clínica (SDAI, CDAI, DAS ou DAS 28).
11. Evolução e prognóstco O curso da AR é variável e di f cil de ser predito individualmente. A maior parte dos pacientes apresenta a tvidade flutuante da doença, acompanhada por um grau variável de anormalidades ar tculares e prejuízo funcional. Após 12 anos do diagnóstco, menos de 20% dos pacientes não terão limitação funcional ar tcular. Dentro de 10 anos, metade dos pacientes terá limitações para o trabalho. Várias característcas são relacionadas a pior prognóstco (Tabela 11). Tabela 11 - Característ cas associadas à maior progressão radiográ fi ca e pior prognóst co em pacientes com AR - Sexo feminino; - Tabagismo; - Fator reumatoide e/ou ant-CCP em tulos elevados; - Provas inflamatórias (velocidades de hemossedimentação e/ou proteína C reatva) persistentemente elevadas; - Grande número de artculações edemaciadas; - Presença de manifestações extra-ar tculares; - Atvidade da doença elevada aferida por índices objetvos de atvidade da doença como DAS28 e suas variações, CDAI e SDAI; - Presença de erosões precocemente na evolução da doença; - Epítopo compar tlhado. Ant -CCP: ant corpos ant pep dios citrulinados cíclicos; DAS28: índice de at vidade de doença (28 ar tc ulações); SDAI: índice simpli fi cado de at vidade de doença; CDAI: índice de a t vidade de doença. Fonte: Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2011 para o diagnóst co e avaliação inicial da artrite reumatoide.
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A expectatva de vida em pacientes com AR é diminuída em 3 a 7 anos. Esse aumento da taxa de mortalidade parece ser limitado àqueles com acome tmento artcular mais grave e pode ser atribuído em grande parte a eventos cardiovasculares, infecções pela imunossupressão e hemorragia gastrintes tnal.
12. Tratamento As metas do tratamento da AR são o alívio da dor, redução da inflamação, proteção das estruturas ar tculares, preservação artcular e controle de envolvimento sistêmico. Nenhuma das intervenções terapêu tcas é curatva. O diagnóstco precoce e o início imediato do tratamento são fundamentais para o controle da a tvidade da doença, assim como também acaba por prevenir a incapacidade funcional e lesões ar tculares irreversíveis, prejudicando na qualidade de vida do paciente (a remissão completa é rara). É necessário lembrar que compõe o tratamento uma intervenção multdisciplinar; além disso, paciente e familiares devem ter conhecimento do que é e de como se trata a AR. O tratamento, por sua vez, deve ser reavaliado, a fim de melhor ajustar as opções mais efe tvas e resolutvas.
A - Tratamento medicamentoso a) Ant-Inflamatórios Não Hormonais (AINH): têm ação analgésica e ant-inflamatória, mas não alteram o curso da doença e não previnem a destruição ar tcular. Não devem ser usados isoladamente no tratamento da AR. O uso con nuo e em dose máxima é indicado quando a AR está em franca atvidade. Devem ser usados de demanda a casos parcialmente controlados, com crises de dor esporádica. Quando a doença está em remissão (fora de a tvidade), seu uso deve ser desaconselhado. Os AINHs agem com inibidores da cicloxigenase (COX), que têm 2 isoformas: COX-1 e COX-2. A COX-1 é consttutva e importante na síntese de prostaglandinas responsáveis pela proteção an tácida da mucosa gástrica. A COX-2 é a mais importante na síntese de prostaglandinas que causam dor e in flamação. Há 2 tpos de AINHs: os não sele tvos (diclofenaco, nimesulida, meloxicam etc.), que agem sobre as 2 formas, tendo um maior risco de sangramento/perfuração gastrintes tnal (por úlceras gástricas e duodenais), e os sele tvos de COX2 (celecoxibe). Não há superioridade de um tpo sobre o outro, nem efeito aditvo, e não se deve u tlizar a combinação de AINHs. Os principais efeitos colaterais a serem monitorizados são hipertensão arterial, piora da função renal, retenção hídrica, hipercalemia (podem ocorrer com todos os tpos), sangramento (que pode ser assintomá tco) ou algia gastrintestnal. Certos AINHs sele tvos de COX2 foram apontados como responsáveis por aumentar o risco de eventos cardiovasculares maiores, mas esse risco pode ser inerente a todos o AINHs. Os AINHs não seletvos devem ter seu uso associado aos inibidores da bomba de prótons, principalmente em indivíduos idosos, em tratamento prolongado e com maior risco de sangramento diges tvo (uso concomitante de cor t-
ARTRITE REUMATOIDE
coide, muito comum na AR, an tcoagulantes orais e história de úlcera gastrointes tnal). Pacientes com hipertensão arterial mal-controlada e insu ficiência renal não devem fazer uso de AINHs contnuamente. Não há diferença de eficácia entre os diversos AINHs. b) Cortcoides: utlizados em baixas doses no controle da dor e do processo in flamatório enquanto se aguarda a ação das drogas modi ficadoras do curso da doença. Pode ser necessário o uso con nuo, pois se acredita que previna dano radiológico. O uso de cor tcoide intra-artcular pode promover alívio sintomátco transitório em casos de mono ou oligoartrites persistentes. E a pulsoterapia pode ser necessária em caso de manifestações sistêmicas graves como vasculite. c) Drogas Modi ficadoras do Curso da Doença (DMCD): todos os pacientes com AR são candidatos ao uso de DMCD, pois estas têm a capacidade de reduzir e prevenir o dano artcular, preservando a integridade e a função ar tculares. O início das drogas modi ficadoras não deve ultrapassar 3 meses após o diagnós tco de AR. As drogas modi ficadoras mais comumente utlizadas no tratamento da AR incluem antmaláricos (difosfato de cloroquina, hidroxicloroquina), sulfassalazina, metotrexato, leflunomida e os novos agen-
tes biológicos. Aza toprina e ciclosporina podem ser usados em situações especiais. Muitos estudos têm demonstrado o controle dos sinais e sintomas, mudança no estado funcional, qualidade de vida e retardo das erosões radiográ ficas com o uso destas drogas. O benef cio do tratamento com DMCD ocorre de semanas a meses após o seu uso. Mais de 60% dos pacientes apresentam melhora signi ficatva como resultado da terapia com qualquer um desses agentes. Há também melhora dos exames de atvidade inflamatória (FR/VHS). O metotrexato emergiu como a DMCD de escolha como droga inicial por causa do seu início rela tvamente rápido de ação, da sua capacidade de melhorar clinicamente o paciente e pela maior adesão ao tratamento. A toxicidade é possível com quaisquer das DMCD, e o acompanhamento é necessário. A falta de resposta a um agente não exclui a troca por outro. Muitas vezes, é usada terapia combinada com mais de 1 DMCD para controle adequado da doença. São comuns as associações de antmaláricos, sulfassalazina e metotrexato (tripla terapia), antmaláricos, leflunomida e metotrexato e agentes biológicos com metotrexato. O uso de ciclofosfamida injetável é limitado a casos sistêmicos graves e agudos, como vasculites.
Tabela 12 - Drogas Modi fi cadoras do Curso da Doença (DMCD) DMCD
Tempo médio para ação
Dose usual
Monitoramento
Hidroxicloroquina (A)
3 a 6 meses (VO)
6mg/kg/dia
Exame oalmológico inicial a cada 6 meses e leucograma
Difosfato de cloroquina (C)
3 a 6 meses (VO)
4mg/kg/dia
Exame oalmológico inicial a cada 6 meses e leucograma
Sulfassalazina (A)
1 a 3 meses (VO)
0,5 a 1g/dia, 2 a 3x/dia (aumento de 0,5g/semana)
Hemograma completo, provas hepátcas a cada 2 a 4 semanas (primeiros 3 meses); a seguir a cada 3 meses
Metotrexato (A)
7,5mg/semana até 25mg/ 1 a 3 meses (VO, IM, SC) semana
Hemograma completo, provas de função hepátca (AST, ALT), creatnina – a cada 30 dias (primeiros 6 meses); a seguir a cada 1 a 2 meses Hemograma completo, provas de função hepátca (AST, ALT), fosfatase alcalina – a cada 30 dias (primeiros 6 meses); a seguir a cada 1 a 2 meses
Leflunomida (A)
1 a 2 meses (VO)
100mg/dia – 3 dias após, 10 a 20mg/dia
Azatoprina (A)
2 a 3 meses (VO)
1 a 2mg/kg/dia
Hemograma completo, provas de função hepátca (AST, ALT), fosfatase alcalina – inicialmente a cada 2 semanas
Ciclosporina (A)
2 a 4 meses (VO)
2,5mg/kg/dia, até 4mg/kg/dia em 2 tomadas
Pressão arterial e função renal (crea tnina) iniciais e a cada 2 semanas nos primeiros 3 meses
Fonte: Atualização do Consenso Brasileiro no Diagnóst co e Tratamento da Artrite Reumatoide, 2007. -
Antmaláricos: são a cloroquina e a hidroxicloroquina. São contraindicados a pacientes que apresentem alterações retnianas ou de campo visual, devendo ser realizados exames de fundo de olho a cada 6 meses devido aos efeitos colaterais visuais decorrentes da deposição dessas drogas na re tna. Geralmente, a maculopata por cloroquina é reversível se diagnos tcada
precocemente pelos exames periódicos. Pode ocorrer também depósito na pele de coloração acinzentada. A hidroxicloroquina tem menos efeitos de depósito que o difosfato de cloroquina. Podem ser u tlizados durante a gestação; - Metotrexato: é considerada a droga mais bem tolerada e o fármaco padrão no tratamento da AR. Bloqueia a
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA progressão das lesões radiológicas e está contraindicada a pacientes com insu ficiência renal, hepatopatas, etlismo e supressão de medula óssea. Mulheres em idade fértl devem receber an tconcepção. Sua administração deve estar feita semanalmente e ser associada ao uso de ácido fólico para minimizar os efeitos colaterais; - Sulfassalazina: está contraindicada a pacientes com alergia às sulfas, salicilatos e portadores de por firia. Muito utlizada em associação com metotrexato; - Leflunomida: está contraindicada a casos de insu ficiência renal e hepatopa tas. Os principais efeitos colaterais são diarreia, intoxicação gastrintestnal, toxicidade hepátca e hematológica. Mulheres em idade fér tl devem receber antconcepção; - Azatoprina: os principais efeitos colaterais são leucopenia, intoxicação gastrintes tnal, pancitopenia, aumento de transaminases e é mais usada em casos de lesões cutâneas ou sistêmicas associadas; - Ciclosporina: está contraindicada a pacientes com alteração da função renal e hipertensão e é mais usada em casos de lesões cutâneas ou sistêmicas associadas. As principais drogas e suas dosagens estão descritas na Tabela 13. d) Agentes biológicos: após a melhor compreensão de sua fisiopatologia, novas drogas têm sido desenvolvidas para tratamento da AR. Atualmente, há várias classes de drogas biológicas usadas em AR: - Agentes ant-TNF-alfa: o alvo é o TNF-alfa, citocina pró-inflamatória francamente ligada à AR. Existem 3 drogas no mercado brasileiro hoje com ação an t-TNF-alfa: o infliximabe (um an tcorpo monoclonal quimérico ant-TNF, de aplicação endovenosa), o etanercepte (uma proteína de fusão entre um receptor solúvel que bloqueia o TNF e uma porção Fc de imunoglobulina, de uso subcutâneo), o adalimumabe (um an tcorpo ant-TNF totalmente humano, também de uso subcutâneo) e o Golimumabe (uso subcutâneo). São medicações de alto custo, com resposta terapêu tca rápida e man tda. O principal efeito colateral desse grupo de agentes é a maior suscetbilidade para infecções, tanto por germes comuns como por germes intracelulares a picos (tuberculose, infecções fúngicas, virais). Pelo risco de desencadearem tuberculose em pacientes com tuberculose latente, deve-se veri ficar a história de contato prévio e solicitar radiogra fia de tórax e pesquisa de PPD. Pacientes com diagnós tco de tuberculose latente (raio x suspeito, PPD posi tvo >5mm ou história de contato) devem receber pro filaxia com isoniazida por 6 meses. Após 1 mês de pro filaxia, a medicação ant-TNF já pode ser aplicada. Além das infecções, efeitos colaterais descritos são ICC, doença desmielinizante de SNC e maior risco de linfoma. Não podem ser usados em casos de ICC descompensada, doença desmielini-
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zante prévia do SNC, durante a gravidez, em pacientes com tumor sólido recente; - Rituximabe: é um agente biológico an t-CD20, um receptor de linfócitos B. A droga age depletando linfócitos B, que teriam efeito importante na AR (apresentação de an genos, produção de antcorpos, incluindo o fator reumatoide). É usada intravenosa, em ciclos de 2 aplicações da droga. É aprovada no Brasil para casos refratários aos ant-TNF; - Abatacepte: é um agente que impede a coes tmulação entre linfócitos e células apresentadoras de an genos, enfraquecendo o es mulo imunológico e induzindo tolerância. Tem administração intravenosa mensal e é aprovado no Brasil para casos refratários a DMCDs e agentes ant-TNF; - Tocilizumabe: é um an tcorpo monoclonal que age contra o receptor da interleucina-6 (IL-6), bloqueando os efeitos pró-in flamatórios dessa citocina, que tem importante papel na fisiopatologia da AR e em suas manifestações extra-artculares. Tem administração intravenosa mensal e é aprovado no Brasil para casos que nunca receberam tratamento, refratários a DMCDs e agentes an t-TNF. Tabela 13 - Drogas biológicas ut lizadas no tratamento da AR no Brasil Antcorpo monoclonal Adalimumabe humano com ação ant-TNF-alfa
40mg SC a cada 14 dias
Etanercepte
Proteína de fusão com ação ant-TNF-alfa
50mg SC 1x/semana
Golimumabe
Antcorpo monoclonal humano com ação ant-TNF alfa
50mg SC 1x/mês
Infliximabe
Antcorpo monoclonal quimérico com ação ant-TNF-alfa
3 a 5mg/kg IV nas semanas 0, 2, 6 e então a cada 6 a 8 semanas
Rituximabe
Antcorpo monoclonal quimérico com ação depletora de linfócito B maduro
Ciclos de tratamento de 2g IV (1g nos dias 0 e 14), pode ser repetdo, se resposta, a cada 6 meses
Abatacepte
Proteína de fusão com ação antcoestmulação de linfócito T
10mg/kg nas semanas 0, 2, 4 e de 4/4 semanas
Tocilizumabe
Antcorpo monoclonal humano antrreceptor de IL6
8mg/kg a cada 4 semanas
Todos esses agentes biológicos são de alto custo. Geralmente, estão indicados na falha da combinação de 1 ou mais DMCDs tradicionais, sempre com MTX associado, como a terapia tríplice (MTX, an tmalárico e SSZ) ou a combinação MTX e le flunomida. Seu uso costumeiramente deve ser associado ao MTX, por ter seu efeito potencializado por ele, ou a outro DMCD. Não há indicação de uso concomitante de agentes biológicos pelo alto risco de infecções graves.
ARTRITE REUMATOIDE
Fase I
Sem contraindicações ao metrotrexato
Iniciar o metotrexato
Falha na fase I: passar à fase II
Diagnóstico clínico de artrite reumatoide
+
Contraindicações ao metrotrexato
Combinar com glicocorticoides em baixa ou alta dose em curto prazo
Não
A I G O L O T A M U E R
Iniciar leflunomida, ouro intramuscular ou sulfasalasina
+
Meta atingida dentro de 3 a 6 meses
Fase II
Adicionar uma droga biológica (especialmente em inibidor do TNF)
Falha na fase I: passar à fase II
Fase III
Não
Não
Continuar
Fatores de prognóstico desfavorável ausentes
Falha ou falta de eficácia e/ou toxicidade na fase I
Fatores de prognóstico desfavorável presentes como FR/AAPC, especialmente em níveis elevados, atividade da doença muito elevada e lesão articular precoce
Sim
Meta atingida dentro de 3 a 6 meses
Meta atingida dentro de 3 a 6 meses
Sim
Iniciar um segundo DMARD sintética: - Leflunomida; - Sulfassalazina; - MTX ou ouro intramuscular em monoterapia ou eventualmente em terapia combinada.
Continuar
Falha ou falta de eficácia e/ou toxicidade na fase I
Alterar o tratamento biológico: trocar por uma 2ª droga bloqueadora do TNF (+ DMARD) ou substituir a droga bloqueadora TMF por aabataceple (+ DMARD) ou rituximabe (+ DMARD) ou tocilizumabe (+ DMARD)
Meta atingida dentro de 3 a 6 meses
Sim
Não
Continuar
Figura 17 - Tratamento da AR baseado nas recomendações do EULAR, 2010
23
REUMATOLOGIA Terapêutica inicial
- Educação do paciente; - Terapia física e ocupacional; - AINHs para controle da dor e inflamação; - Corticosteroides em doses baixas e/ou intra-auricular; - Uso de DMCD: cloroquina, sulfasalazina, metotrexato.
Após 3 meses de AR e em uso de DMCD
Falta de resposta ou resposta parcial a DMCD
Intolerância ao metotrexato
Metotrexato + cloroquina Metotrexato + sulfassalazina Metotrexato + cloroquina + sulfassalazina
Leflunomida ou azatioprima ou ciclosporina
Metotrexato + leflunomida ou metotrexato + ciclosporina
Observação: Paciente sem resposta a pelo menos 2 dos esquemas acima, incluindo metotrexato, considerar terapia com agentes anti-TNF (adalimumabe, etanercepte, infliximabe) ou abatacepte. Na falta de resposta com agentes anti-TNF, utilizar rituximabe ou abatacepte. Acometimento extra-articular grave, considerar corticoide e/ou ciclofosfamida via oral ou como pulsoterapia.
Figura 18 - Terapêut ca da artrite reumatoide. Fonte: Atualização do Consenso Brasileiro no Diagnós t co e Tratamento da Artrite Reumatoide, 2007
B - Fisioterapia Esta forma de tratamento tem um importante papel em todas as fases da doença. Calor local alivia o espasmo muscular e reduz a rigidez. Exercícios passivos ajudam a prevenir ou minimizar a perda de função, e exercícios isométricos aumentam a força muscular e contribuem para a manutenção da estabilidade ar tcular. O uso de talas noturnas é importante para prevenir contraturas em flexão, especialmente dos joelhos e punhos. A avaliação e a orientação de rotna em casa e no trabalho e o uso de adaptadores certamente aumentam a habilidade do paciente em manter atvidade independente. A alternância entre repouso e exercício deve ser enfa tzada: a degeneração ar tcular na AR é maior quando o repouso é prolongado. Como estratégia, é importante alternar períodos de atvidades e repouso. Além da fisioterapia, há a colocação de órteses, que tem como objetvo aliviar as dores por estabilizar a ar tculação, proporcionando contenção e realinhamento.
C - Tratamento cirúrgico Para a indicação do tratamento cirúrgico, devem-se considerar: - Teste para avaliar a qualidade de vida do paciente;
24
-
Realizar cirurgia precocemente, quando indicada;
-
Indicação para pacientes a quem medicações e fisioterapia não controlaram os sintomas ou não permi tram um mínimo aceitável nas A tvidades da Vida Diária (AVD).
Tipos de procedimentos: -
Sinovectomia;
-
Sinovectomia associada à correção de tendões;
-
Artrodese;
-
Artroplasta total;
-
Debridamento artcular associado à ressecção artroplástca.
Embora possam ser realizadas artroplastas e próteses totais de várias artculações, os procedimentos com melhor resultado são aqueles realizados em quadris, joelhos e ombros. Os obje tvos desses procedimentos são o alívio da dor e a redução da perda funcional. Reparação cirúrgica das mãos pode proporcionar melhora cosmé tca e funcional. Sinovectomia aberta ou por artroscopia pode ser ú tl em alguns pacientes com monoartrite persistente, especialmente dos joelhos ou cotovelos.
ARTRITE REUMATOIDE
13. Resumo Quadro-resumo - AR: doença inflamatória autoimune sistêmica, cujos principais alvos são as ar tculações sinoviais, onde causa artrite crônica erosiva e deformante; - Epidemiologia: tem prevalência alta (cerca de 1% da população) e predomina em mulheres (2 a 3:1); - Manifestação clínica principal: sinovite crônica erosiva, geralmente adi tva e simétrica, evoluindo para deformidades crônicas se não tratada adequadamente; - Manifestações extra-artculares mais importantes: nódulos reumatoides, vasculite, derrame pleural, ceratoconjuntvite sicca, esclerites e episclerites, síndrome de Felty; - FR: presente em cerca de 80% dos casos, tem valor prognós tco (pior quando presente em altos tulos); - Antcorpos antpep dios citrulinados (ant-CCP, antfilagrina): têm maior especi ficidade para o diagnóstco, úteis em fases muito iniciais de doença; - Tratamento: AINHs (sintomátcos), cortcosteroides em baixas doses, drogas modi ficadoras do curso de doença (metotrexato – a principal delas, antmaláricos, sulfassalazina, leflunomida, azatoprina, ciclosporina), agentes biológicos (infliximabe, etanercepte, adalimumabe, rituximabe, abatacepte, tocilizumabe). Recomendações da Sociedade Brasileira de reumatologia para o diagnós tco e avaliação inicial da artrite reumatoide - O diagnóstco da AR deve ser estabelecido considerando-se achados clínicos e exames complementares. Nenhum teste isolado, seja laboratorial, de imagem ou histopatológico confirma o diagnóstco; - Deve-se dedicar especial atenção ao diagnóstco diferencial dos casos de artrite, considerando, entre outras causas, infecções, espondiloartrites, outras doenças reumá tcas sistêmicas, artrites microcristalinas, doenças endócrinas e doenças neoplásicas; - O fator reumatoide é um teste diagnóstco importante, porém com sensibilidade e especi ficidade limitadas, sobretudo na artrite reumatoide inicial. Fora do contexto clínico adequado, a positvidade do exame não confirma o diagnóstco, e a negatvidade não o exclui; - O ant-CCp é um marcador com sensibilidade semelhante a do fator reumatoide, mas com especi ficidade superior, sobretudo na fase inicial da doença. Recomenda-se a sua pesquisa em pacientes com suspeita clínica de artrite reumatoide e fator reumatoide nega tvo; - Embora inespecí ficas, provas inflamatórias (velocidade de hemossedimentação e/ou proteína C rea tva quanttatva) devem ser solicitadas em pacientes com suspeita clínica na artrite reumatoide; - A radiografia convencional deve ser empregada para avaliação de diagnóstco e prognóstco da doença. Quando necessário e disponível, a ultrassonografia e a ressonância magnétca podem ser utlizadas; - Pode-se utlizar critérios de classificação de AR (ACR/EULAR 2010), embora ainda não validados, como um guia para auxiliar no diagnóstco de pacientes com artrite inicial; - Deve-se utlizar um dos índices compostos (DAS28, SDAI e CDAI) para avaliação de a tvidade de doença; - Recomenda-se a utlização regular de menos de um instrumento de avaliação da capacidade funcional, sugerindo-se o mHAQ ou HAQ-DI; - Deve-se verificar, na avaliação inicial da doença, a presença ou não de fatores de pior prognós tco, como o acometmento poliartcular, fator reumatoide e/ou ant-CCP em tulos elevados, tabagismo e erosão ar tcular precoce. Legenda: Ant -CCP: ant corpos ant pep dios citrulinados cíclicos; DAS28: índice de at vidade de doença (28 ar tc ulações); SDAI: índice simpli fi cado de at vidade de doença; CDAI: índice de at vidade de doença; mHAQ: Health Assessment Quest onnaire modi fi cado; HAQ-DI: Health Assessment Quest onnaire – índice de incapacidade.
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA
CAPÍTULO
3
Artrite idiopátca juvenil Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro Hérica Crist ani Barra de Souza
1. Introdução A Artrite Idiopá tca Juvenil (AIJ) é a forma mais comum de artrite na infância e uma das mais frequentes doenças crônicas dessa fase, com causa desconhecida. Na verdade, trata-se de um grupo de desordens que tem a artrite in flamatória crônica como manifestação. O diagnós tco requer a combinação de dados da história, exame f sico e testes laboratoriais. Tabela 1 - Critérios para o diagnóst co da AIJ - Artrite persistente por mais de 6 semanas; - Início antes dos 16 anos de idade; - Exclusão de outras causas associadas ou mime tzando artrite.
2. Epidemiologia A prevalência da AIJ nos Estados Unidos é es tmada entre 57 e 132 casos para 100.000 crianças com menos de 16 anos. Em 50% dos casos, a doença mantém atvidade inclusive na fase adulta. Comparada com a artrite reumatoide no adulto, é uma doença muito menos prevalente, mas, em relação a outras doenças crônicas da infância, é rela tvamente comum, afetando aproximadamente o mesmo número de crianças com diabetes juvenil, 4 vezes mais que anemia falciforme ou fibrose cístca e 10 vezes mais que a hemo filia, leucemia linfoide aguda, falência renal crônica e distro fia muscular.
3. Achados clínicos A AIJ é um diagnós tco de exclusão e inclui uma lista de subtpos que têm em comum os seguintes critérios: (1) idade abaixo de 16 anos; (2) artrite persistente (Figura 1) em 1 ou mais ar tculações por pelo menos 6 semanas; e (3) exclusão de outros tpos de artrite em crianças. Para de finir artrite nesse grupo de pacientes, é necessária a presença de derrame ar tcular ou 2 ou mais dos seguintes critérios: limitação e dolorimento ar tcular e dor à movimentação.
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Figura 1 - Artrite em mãos de paciente com AIJ Tabela 2 - Critérios gerais para a de fi nição de AIJ - Idade abaixo de 16 anos; - Artrite persistente há mais de 6 semanas; - Exclusão de outros tpos de artrite em crianças. Critérios de artrite para AIJ: - Presença de derrame ar tcular ou 2 dos seguintes critérios: · Limitação artcular; · Dolorimento artcular; · Dor à movimentação.
A AIJ consttui um grupo heterogêneo de doenças. Pela classificação da Liga Internacional de Associações para o Reumatsmo (ILAR), a AIJ atualmente é classi ficada em 8 subtpos (Tabela 3): Tabela 3 - Subt pos da AIJ - Sistêmico; - Oligoartrite persistente; - Oligoartrite estendida; - Poliartrite com Fator Reumatoide (FR) posi tvo;
ARTRITE IDIOPÁTICA J UVENIL
- Poliartrite com FR nega tvo; - Artrite relacionada à entesite; - Artrite psoriásica juvenil; - Artrite indiferenciada.
4. Forma sistêmica ou doença de Stll Aproximadamente, 10% das crianças com AIJ têm a forma sistêmica, que é caracterizada por febre intermitente e presença de pelo menos 1 dos seguintes achados (extra-artculares):
culações envolvidas (≤4) terão uma recuperação completa. Os que fazem poliartrite terão curso mais progressivo, com deformidades e perda funcional. É o sub tpo de maior morbimortalidade. O diagnóstco diferencial da AIJ sistêmica deve ser feito com as seguintes condições clínicas. Tabela 5 - Diagnóst co diferencial de AIJ sistêmica Condição
Diferenciação com AIJ sistêmica
Infecções
Culturas positvas, febre con nua, rash
Leucemia
Febre não quotdiana, dor óssea, constante indisposição
Tabela 4 - Achados extra-ar tc ulares
Neuroblastoma
Febre não quotdiana, constante indisposição
- Febre diária característca;
CINCA*/ NOMID**
Rash fixo, febre flutuante, complicações neurológicas
Doença de Kawasaki
Rash fixo, sintomas mucocutâneos, dilatação de coronária
- Rash maculopapular eritematoso evanescente (Figura 2); - Hepatomegalia; - Esplenomegalia; - Linfadenopata; - Serosite.
Febre flutuante, rash fixo e doloroso ou púrOutras vasculites pura, comprometmento sistêmico constante primárias e envolvimento renal LES
Febre constante, FAN posi tvo e ant-DNA positvo, citopenias e envolvimento de outros órgãos e sistemas
* CINCA: Síndrome neurológica, cutânea e ar tc ular infant l crônica. ** NOMID: Doença in fl amatória mul ts sistêmica de início neonatal.
5. Forma oligoartcular Figura 2 - Rash cutâneo pico da AIJ sistêmica. Fonte: Pediatric Rheumatology in Clinical Prat ce, 2007 (imagem braço) e ABC of Rheumatology (imagem do tronco)
Os pacientes não podem ter achados que sugiram outra classificação, como psoríase, HLAB-27, sacroileíte, espondilite, uveíte, entesite, doença intes tnal inflamatória ou FR positvo. A doença pode desenvolver-se em qualquer idade abaixo dos 16 anos (a par tr daí, passa a ser doença de S tll do adulto), sendo mais comum entre o 1º e o 6º ano de idade. Meninos e meninas são igualmente acome tdos. Crianças com AIJ sistêmica frequentemente têm atraso de crescimento, osteopenia, anemia, leucocitose, trombocitose e elevação dos reagentes de fase aguda e da ferri tna. FR positvo e uveíte são muito raros e fazem parte dos critérios atuais de exclusão. Os achados extra-ar tculares são de gravidade leve a moderada e quase sempre autolimitados (Tabela 5). A maioria dos sintomas se resolve quando a febre passa, e eles podem preceder o início da artrite em semanas a anos. O prognóstco da AIJ forma sistêmica é determinado pela gravidade da que acomete 75% das crianças com doença de Stll, de 3 a 12 meses após os sintomas sistêmicos. Os locais em que mais ocorrem são os punhos, joelhos e tornozelos, mas coluna cervical, quadris, temporomandibulares e mãos também são envolvidas. Pacientes com poucas ar t-
Figura 3 - AIJ forma oligoar tc ular. Fontes: Pediatric Rheumatology in Clinical Prat ce, 2007 e ABC of Rheumatology
É a mais frequente da AIJ (50% dos casos) e acomete mais crianças com menos de 5 anos (pico de 1 a 3 anos), preferencialmente meninas (4 vezes mais que meninos). As artculações em que mais se manifesta são joelho, tornozelo, pequenas ar tculações das mãos e cotovelos. Na forma oligoartcular, tem-se o acome tmento de 4 ou menos artculações, durante os primeiros 6 meses de apresentação da doença. Depois disso, os pacientes são subdivididos em 2 grupos dis tntos: a forma oligoartcular persistente, que permanece oligoar tcular ao longo da evolução da doença, e a oligoar tcular estendida, que passa a acometer mais de 4 artculações depois dos 6 meses de evolução. Após 5 anos de doença, cerca de 50% dos casos de início oligoartcular se mantêm assim (persistente), e 50% evoluem para a forma estendida.
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA A forma oligoartcular persistente é a mais benigna, com melhor prognóstco, geralmente se manifestando em apenas 1 artculação, que é, na maioria das vezes, o joelho. A chance de remissão na fase adulta é de 75% dos casos. A forma oligoartcular estendida acomete pacientes mais jovens (1 a 5 anos), preferencialmente meninas (4 vezes mais que meninos), com fator an tnúcleo (FAN) posi tvo e elevado risco de desenvolver uveíte, que ocorre em 30 a 50% dos pacientes. Tem pior prognós tco artcular, cronificando-se, e se torna erosiva em 60% dos casos. A chance de remissão do quadro ar tcular na fase adulta é de apenas 12% dos casos. Fatores de risco iniciais da oligoartrite para evolução para fase estendida são artrite de mãos, punhos ou tornozelos, artrite simétrica, artrite em mais de 1 ar tculação, elevação da VHS ou da PCR e presença de FAN. O FAN é positvo em até 85% dos casos de AIJ oligoar tcular e está associado a elevado risco de desenvolver uveíte crônica anterior, sobretudo em meninas. Pode ser bilateral e provocar cegueira. A uveíte é assintomá tca em 50% dos casos e progride independente do curso da artrite. O processo inflamatório frequentemente acomete a câmara anterior (uveíte anterior) e é inicialmente assintomá tco ou oligossintomátco em 80% dos casos. Devido às alterações graves e irreversíveis, incluindo descolamento de córnea, catarata, glaucoma e perda visual parcial ou total, os pacientes com AIJ devem ser avaliados regularmente pelo o almologista, mesmo se assintomátcos. A frequência dessas avaliações é definida pelos fatores de risco para uveíte: idade, forma de AIJ e presença de FAN.
Figura 4 - AIJ forma poliar tc ular. Fonte: Rheumatology in Pract ce
Pacientes com FR posi tvo são comumente meninas (relação 3:1 entre meninas e meninos) com idade pouco mais elevada (em torno de 8 anos, até os 16), com HLA-DR4 posi tvo, artrite simétrica de pequenas ar tculações das mãos (metacarpofalangianas – MCF; interfalangianas proximais – IFP; e distais – IFD) e pés (metatarsofalangianas). Esse subgrupo tem elevado risco de desenvolver erosões, nódulos e perda funcional (Figura 5). A forma poliar tcular com FR positvo é a que mais se assemelha à artrite reumatoide do adulto. As manifestações clínicas extra-ar tculares são variáveis e incluem fadiga, anorexia, desnutrição, anemia, retardo de crescimento, retardo na maturação sexual e osteopenia.
6. Formas poliartculares (FR positvo ou negatvo) Para caracterizar a forma poliar tcular, a criança deve ter artrite em 5 ou mais ar tculações nos primeiros 6 meses da doença (Figura 4). Aproximadamente, 40% das crianças com AIJ têm envolvimento poliar tcular: 10% com FR posi tvo e 30% com FR nega tvo.
Figura 5 - Discrepância de membros como complicação de AIJ. Fonte: Rheumatology in Pract ce
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ARTRITE IDIOPÁTICA J UVENIL
7. Forma relacionada à entesite
8. Forma psoriásica
O envolvimento do esqueleto axial na AIJ pode levar muito tempo para ser diagnos tcado. Assim, um subgrupo de pacientes que desenvolve espondiloartrite antes dos 16 anos de idade, na maioria das vezes, iniciará um quadro de artrite associada à entesite. Esse grupo corresponde a até 10% dos casos de AIJ. O paciente será classi ficado nesse grupo se apresentar artrite com entesite ou artrite com um dos seguintes achados: 1 - Dor em sacroilíacas e/ou dor lombossacral in flamatória. 2 - HLA-B27 positvo. 3 - Acometmento em menino com 6 anos ou mais. 4 - Uveíte anterior aguda sintomá tca. 5 - Presença de parente de 1º grau com espondilite anquilosante, artrite relacionada à entesite, doença intes tnal inflamatória com sacroileíte, artrite rea tva ou uveíte anterior aguda.
A artrite psoriásica que se inicia antes dos 16 anos é tda com AIJ psoriásica. Essa forma corresponde a cerca de 2% dos casos de AIJ. Em apenas 10% dos pacientes, a artrite se manifesta concomitantemente à psoríase. No restante dos casos, pode manifestar-se antes ou depois. É de finida pela presença de artrite com psoríase diagnos tcada por médico ou artrite com 2 dos critérios: 1 - Dactlite (edema ar tcular e de partes moles de 1 ou mais dedos, geralmente assimétrico). nail ou unha “em dedal” (unha com depres2 - Pi ng sões picas de psoríase). 3 - Onicólise. 4 - Parente de 1º grau com psoríase.
Figura 7 - Dact lite e distro fi a ungueal em criança com AIJ forma psoriásica. Fonte: Pediatric Rheumatology in Clinical Pract ce, 2007
Figura 6 - AIJ forma relacionada à entesite. (A) redução da fl e xão lombar; (B) oligoartrite (joelho E); (C) entesite da inserção do tendão de Aquile; e (D) hálux valgo e pé plano secundário. Fonte: Rheumatology in Pract ce
A artrite geralmente é oligoar tcular (até 4 ar tculações acometdas) e geralmente a tnge joelhos, tornozelos e quadris. A entesite caracteriza-se pelo acome tmento da inserção do tendão ou ligamento no osso e se manifesta com dor no local, algumas vezes com calor e edema. Os locais mais comuns de entesite na AIJ são: suprapatelar, infrapatelar, na tuberosidade da bia, nas inserções do tendão de Aquiles e da fáscia plantar no calcâneo e no antepé. No início da doença, 80% dos casos têm envolvimento periférico e poliar tcular, e apenas 25% dos pacientes terão sintomas de envolvimento axial que, entretanto, com a evolução da doença, chega a 65 a 90%. Até 25% dos pacientes terão envolvimento ocular (uveíte anterior aguda), sintomá tco, com episódios intermitentes e unilaterais de olho vermelho com dor, edema, fotofobia e borramento visual.
Na maioria dos casos, a artrite é periférica, poliar tcular, assimétrica, com envolvimento das pequenas ar tculações das mãos e pés, joelhos e tornozelos. As sacroilíacas também podem ser acome tdas, mesmo com poucos sintomas, em 40% dos casos ao longo da evolução da doença. Até 20% dos pacientes poderão ter envolvimento ocular (uveíte anterior), e devem ser feitas avaliações periódicas com oalmologista.
9. Forma indiferenciada Alguns pacientes não fecham critérios para nenhuma das classificações e são diagnos tcados com AIJ indiferenciada. Estudos adicionais são necessários para indicar a evolução desses pacientes, se permanecerão como forma indiferenciada ou evoluirão para alguma outra categoria.
Figura 8 - Artrite em joelhos em paciente com AIJ
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA Tabela 6 - Comparação dos subt pos de AIJ e suas manifestações clínicas Subtpos Sistêmico (até 10%)
Oligoartrite (até 50%)
Poliartrite (até 40%)
Artrite relacionada a entesite (até 10% dos casos)
Artrite psoriásica juvenil (2%) Artrite indiferenciada
Idade e sexo
<16 anos
Envolvimento artcular
- Em 75% dos casos; - Artculações mais acometdas: punhos, joe- - Febre intermitente, eritema difuso, linfadenomelhos e tornozelos; galia difusa, hepato e/ou esplenomegalia, serosite; - Prognóstco determinado pela gravidade da - Subtpo de maior morbimortalidade. artrite.
- ≤4 artculações com artrite nos primeiros 6 meses; - Ar tculações mais acometdas: joelho, torno<5 anos (pico zelo, mãos e cotovelos; - FAN posi tvo em até 85%; de 1 a 3 anos) - 2 evoluções: - Forte associação com uveíte crônica anterior. M
8 a 16 anos M
- ≥5 artculações com artrite nos primeiros 6 meses da doença; - O FR pode ser + (1/4) ou - (3/4); - Associação entre FR+ e HLA-DR4; - Na poliartrite com FR+: artrite simétrica de - A poliartrite com FR+: mais se assemelha à artrite mãos (MCF, IFP e IFD) e pés (MTF); reumatoide do adulto. - Risco de desenvolver erosões, nódulos e perda funcional.
>6 anos M >F
- Artrite com entesite ou 1 dos seguintes achados: dor em sacroilíacas e/ou lombossacral inflamatória; HLA-B27+; menino ≥6 anos; uveíte - Geralmente <4 articulações com artrite; anterior aguda sintomática, parente de 1º grau - Principais: joelhos, tornozelos e quadris; com espondilite anquilosante, artrite relacio- Envolvimento axial: inicial em 25% dos canada a entesite, doença intestinal inflamatória sos – evolui para 65 a 90%. com sacroileíte, artrite reativa ou uveíte anterior aguda; - Uveíte anterior aguda sintomática: 25%.
<16 anos M=F
- Artrite periférica, poliarticular, assimétrica, em mãos e pés, joelhos e tornozelos; - Envolvimento axial possível.
- Artrite com psoríase diagnos tcada por médico ou artrite com 2 dos critérios: dac tlite, pi ng nail , onicólise ou parente de 1º grau com psoríase; - Uveíte anterior aguda: até 20%.
- Pacientes que têm artrite, mas não fecham critérios para nenhuma das classificações.
- Podem evoluir para outra classi ficação ou permanecer indiferenciada.
-
10. Achados laboratoriais e de imagem Os exames laboratoriais auxiliam, principalmente, no controle do tratamento, por meio da avaliação da a tvidade in flamatória, e na caracterização dos sub tpos da AIJ. As provas inflamatórias (VHS, PCR, glicoproteína ácida) podem estar normais nos pacientes com acometimento de poucas articulações, mas estão alteradas (elevados valores) nas formas poliarticular e sistêmica. A ferritina também costuma estar bem aumentada na forma sistêmica. Na AIJ sistêmica, há alguns achados frequentes no hemograma: plaquetose, anemia e leucocitose, de graus variáveis (média de 11.000 a 20.000/mm 3), que
30
Peculiaridades
também podem ocorrer em menor grau nas formas poliarticulares. Em relação aos exames de imagem, a radiogra fia evidencia, no início do quadro, um edema de partes moles, seguido por uma possível diminuição do espaço ar tcular e lesões erosivas, dependendo do curso da doença. O FAN deve ser dosado em todos os pacientes com AIJ, pois se associa a elevado risco de desenvolver uveíte crônica anterior, sobretudo em meninas, com quadro oligoar tcular. Como a relação entre o FAN e a uveíte é muito forte, sobretudo em crianças com início da AIJ com menos de 7 anos, devem-se submeter os pacientes a avaliações o almológicas periódicas, mesmo que assintomá tcos, com frequência variável de acordo com o FAN, o tpo de artrite e a idade de início da artrite (Tabela 7).
ARTRITE IDIOPÁTICA J UVENIL
Tabela 7 - Periodicidade das avaliações o almológicas em AIJ para diagnóst co de uveíte anterior assintomát ca Tipo de AIJ/ idade de início Sistêmico
<7 anos
>7 anos
Anualmente.
Anualmente.
Poliartrite e oligoartrite FAN positvo
A cada 3 a 4 meses por 4 anos, depois a cada 6 meses por 3 anos e, então, anualmente.
FAN negatvo
A cada 6 meses por 4 anos e, então, anualmente.
A cada 6 meses por 4 anos e, então, anualmente.
11. Diagnóstco diferencial Os diagnóstcos diferenciais incluem várias en tdades, de acordo com os diversos grupos da AIJ. Entre as doenças que se assemelham à forma oligoar tcular, têm-se as leucemias, artrite tuberculosa, doença de Hansen e Doença Inflamatória Intestnal (DII). A manifestação artcular tem, entre os diferenciais a serem pensados, leucemias, DII, LES, mucopolissacaridoses, espondiloartropatas e doença de Lyme. Por fim, dentre as en tdades que cursam com manifestação sistêmica, devem-se excluir leucemias, DII, LES juvenil, vasculites, infecções, entre outras.
12. Tratamento O tratamento da ARJ compreende um acompanhamento multdisciplinar, que inclui educação do paciente e da família, cuidados domiciliares, ajustes sociais, entre outros. O tratamento começa durante o diagnós tco. Pais e familiares devem ser esclarecidos de que, antes de estabelecer o diagnós tco, outras doenças precisam ser excluídas. Os objetvos terapêutcos incluem alívio de sintomas, manutenção do movimento ar tcular, fortalecimento muscular e manutenção do estado funcional. O programa de tratamento inclui componentes f sico, social e medicamentoso. Terapias f sica e educacional in-
cluem exercícios, 2 a 3 vezes ao dia, orientações para proteção artcular e minimização dos traumas. O programa social envolve readaptações e estudo vocacional. O tratamento farmacológico envolve o tratamento artcular, ocular e de outras manifestações da AIJ. O reumatologista pediátrico deve ser agressivo, devido ao risco de dano irreversível tanto ar tcular quanto ocular. O obje tvo do tratamento deve ser induzir a remissão completa do processo inflamatório com cortcoterapia e introdução precoce de medicamentos modi ficadores de doença. Os pacientes com manifestação ar tcular leve podem ser tratados com Ant-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs) isolados, os quais controlam a in flamação e a dor e são utlizados por longos períodos. O período de avaliação do AINH é de 4 a 6 semanas. A maioria das crianças tolera bem a terapia. Apenas 25 a 33% dos pacientes, principalmente os que têm oligoartrite, ficarão bem só com AINH. Não há evidência de superioridade de um AINH sobre outro, mas alguns pacientes respondem bem a um tpo de AINH e não a outros. Cortcoides sistêmicos também são u tlizados contnuamente no controle da in flamação e estão reservados a casos de serosite, acome tmento ocular, febre e artrites não responsivas aos AINHs, pois seus efeitos sobre o crescimento e ossos desencorajam seu uso em crianças. Devem ser usados como ponte terapêu tca até que imunossupressores surtam efeito. Injeções intra-ar tculares de cortcoides podem ser usadas em casos de mono/oligoartrites. Dois terços dos pacientes com AIJ não respondem ao ant-inflamatório isolado, sendo necessária a introdução de drogas de base, como metotrexato, sulfassalazina, le flunomida, ciclosporina ou medicamentos com ação biológica, como os medicamentos com ação an t-TNF-alfa, ant-IL-1, antcoestmulação de linfócitos T e an t-IL-6R (Tabela 8). O tratamento da inflamação ocular deve ser orientado pelo oalmologista, à base de cor tcoides tópicos. Imunossupressores são indicados se uveíte grave ou em pacientes dependentes de cor tcoide.
Tabela 8 - Tratamento medicamentoso da AIJ Droga
Grupo (ação)
Dose (mg/kg/dia) Variável de acordo com a medicação (liberados para crianças: naproxeno, ibuprofeno e meloxicam).
Indicação Todas as formas AIJ Apenas casos leves de oligoartrite ficam bem só com AINH.
AINHs
Ant-inflamatórios não hormonais.
Prednisona
Ant-inflamatório hormonal – usar 1 a 2mg/kg/dose. como ponte terapêutca.
Cortcoide intra-artcular
Ant-inflamatório hormonal.
Depende da artculação e do cortcoide.
Oligoartrite.
Metotrexato
Imunossupressor.
10 a 15mg/m2/semana.
Todos os tpos.
Ponte terapêutca em casos de serosite, uveíte, febre e artrite não responsiva a AINH; geralmente em pacientes com quadro sistêmico ou poliartcular.
31
A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA Droga
Grupo (ação)
Dose (mg/kg/dia)
Indicação
Imunomodulador.
15 a 25mg/kg 2x/dia.
Oligoartrite, poliartrite, artrite associada à entesite.
Leflunomida
Imunossupressor.
<20kg: 10mg em dias alternados; 20 a 40kg: 10mg/dia; >40kg: 20mg/dia.
Poliartrite.
Ciclosporina A
Imunossupressor.
2 a3mg/kg/dia.
Sistêmica.
Etanercepte
Biológico ant-TNF-alfa.
0,8mg/kg (até 50mg) 1x/semana SC.
Poliartrite, artrite associada à entesite, menos eficaz em sistêmica.
Adalimumabe
Biológico ant-TNF-alfa.
24mg/m2 (até 40mg) a cada 14 dias SC.
Poliartrite, artrite associada à entesite, menos eficaz em sistêmica.
Infliximabe
Biológico ant-TNF-alfa.
3 a 5mg/kg IV nas semanas 0, 2, 6 Poliartrite, artrite associada à entesite, e então a cada 6 a 8 semanas. menos eficaz em sistêmica.
Sulfassalazina
Anakinra (não aprovado Biológico com ação ant-IL1. no Brasil)
1 a 2mg/kg/d (até 100mg/d) SC.
Sistêmica.
Abatacepte
Biológico antcoestmulação de linfócito T.
10mg/kg nas semanas 0, 2, 4 e de Poliartcular (1 estudo de retrada). 4/4 semanas.
Tocilizumabe
Biológico ant-IL6 R.
8mg/kg a cada 2 semanas por 6 semanas.
Sistêmica (1 estudo de retrada).
13. Resumo Quadro-resumo Subtpos de AIJ Sistêmico (até 10%).
Oligoartrite (até 50%).
Poliartrite (até 40%).
Artrite relacionada à entesite (até 10% dos casos).
32
Idade e sexo
Envolvimento artcular
Peculiaridades
<16 anos; M = F.
- Em 75% dos casos; - Artculações mais acome tdas: punhos, joelhos e tornozelos; - Prognóstco determinado pela gravidade da artrite.
- Febre intermitente, eritema difuso, linfadenomegalia difusa, hepato e/ou esplenomegalia, serosite; - Subtpo de maior morbimortalidade.
- ≤4 artculações com artrite nos primeiros 6 meses; - Artculações mais acometdas: joelho, tornozelo, - FAN posi tvo em até 85%; <5 anos (pico de 1 a 3 mãos e cotovelos. - Forte associação a uveíte crônica anos); - 2 evoluções: anterior (especialmente quando FAN M
8 a 16 anos; M
>6 anos; M >F.
- ≥5 artculações com artrite nos primeiros 6 meses da doença; - Associação entre FR+ e HLA-DR4; - O FR pode ser + (1/4) ou - (3/4); - A poliartrite com FR+: mais se as- Na poliartrite com FR+: artrite simétrica de mãos semelha à artrite reumatoide do (MCF, IFP e IFD) e pés (MTF); adulto. - Risco de desenvolver erosões, nódulos e perda funcional.
- Geralmente <4 articulações com artri te; - Principais: joelhos, tornozelos e quadris; - Envolvimento axial: inicial em 25% dos casos – evolui para 65 a 90%.
- Artrite com entesite ou um dos seguintes achados: dor em sacroilíacas e/ou lombossacral in flamatória; HLA-B27 +; menino ≥6 anos; uveíte anterior aguda sintomátca, parente de 1º grau com espondilite anquilosante, artrite relacionada à entesite, doença intestnal inflamatória com sacroileíte, artrite reatva ou uveíte anterior aguda; - Uveíte anterior aguda sintomátca: 25%.
ARTRITE IDIOPÁTICA J UVENIL
Subtpos de AIJ Artrite psoriásica juvenil (2%). Artrite indiferenciada.
Idade e sexo
Envolvimento artcular
Peculiaridades
<16 anos; M = F.
- Artrite periférica, poliarti cular, assimétrica, em mãos e pés, joelhos e tornozelos; - Envolvimento axial possível.
- Artrite com psoríase diagnos tcada por médico ou artrite com 2 dos critérios: dactlite, pi ng nail , onicólise ou parente de 1º grau com psoríase; uveíte anterior aguda: até 20%.
- Pacientes que têm artrite, mas não fecham critérios para nenhuma das classificações.
- Podem evoluir para outra classi ficação ou permanecer indiferenciada.
-
33
A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA
CAPÍTULO
4
1. Introdução As artrites séptcas são condições infecciosas agudas, em que a sinóvia está in flamada pela presença direta de um micro-organismo. Podem ser divididas em 2 grupos: a artrite gonocócica, a forma mais comum entre adultos jovens sexualmente atvos, e a não gonocócica. Outras artrites infecciosas de curso mais crônico, como por tuberculose ou fungos, não serão abordadas. As artrites séptcas são emergências médicas, pois o atraso no diagnóstco e no tratamento pode levar a dano artcular irreversível e aumento da mortalidade. A taxa de dano é de 25 a 50%, com mortalidade de 5 a 15%, sendo maior quando a artrite sép tca se instala em imunossuprimidos ou acomete mais de uma ar tculação. Os fatores de risco para a artrite sép tca incluem artrites inflamatórias crônicas com dano ar tcular (como a artrite reumatoide), próteses artculares, uso de drogas injetáveis, extremos de idade e condições de imunossupressão. No caso de artrite gonocócica, o fator de risco é a a tvidade sexual desprotegida.
Artrites séptcas Ana Crist na de Medeiros Ribeiro / Aleksander Snioka Prokopowistch Hérica Crist ani Barra de Souza
2. Artrite não gonocócica A - Achados clínicos Os achados clássicos são o quadro de início súbito de edema monoartcular, com calor e dor que restringem os movimentos passivos e atvos. O paciente com monoartrite deve ser considerado portador de artrite sép tca até prova em contrário (Figura 1). Formas mais indolentes, de início mais arrastado e menos exuberantes, podem acontecer em indivíduos imunossuprimidos com doença reumá tca preexistente (como artrite reumatoide) ou no caso de infecção tardia de prótese ar tcular. O quadro é monoar tcular em 80 a 90% dos casos, acometendo mais ar tculações em 10 a 20%, quando se associa a uma mortalidade bem maior.
Tabela 1 - Fatores de risco para artrite sép t ca - Idade >60 anos; - Diabetes mellitus; - Artrite reumatoide; - Artculação protétca; - Imunodeficiências primárias ou secundárias; - Hemoglobinopatas; - Cirurgia artcular recente; - Abuso de drogas intravenosas; - Alcoolismo; - Infiltração intra-ar tcular prévia; - Infecções cutâneas; - Neoplasias. Fonte: UpToDate, 2011.
34
Figura 1 - Monoartrite de joelho direito aguda. Fonte: Rheumatology in prat ce
As artculações mais envolvidas são joelhos (40 a 50%), quadris (13 a 20%), ombros (10 a 15%), punhos, tornozelos,
ARTRITES SÉPTICAS
cotovelos e, menos comumente, pequenas ar tculações de mãos e pés. Bursites sép tcas olecranianas e pré-patelares podem anteceder o quadro de artrite sép tca. Febre ocorre em 60 a 80% dos casos e, em 20% dos pacientes que têm febre, também há calafrios por bacteremia. Focos de infecção em outros sí tos podem ser encontrados e devem ser minuciosamente pesquisados. Na verdade, as bactérias atngem a artculação por via hematogênica em mais de 50% dos casos, por inoculação direta em procedimentos ou traumas ar tculares ou por con tguidade de infecções de partes moles ou osso. Deve-se estar atento ao diagnós tco diferencial das monoartrite agudas (Tabela 2). Tabela 2 - Diagnóst co diferencial de monoartrite aguda Infecção - Bacteriana; - Fúngica; - Micobacteriana; - Viral; - Espiroquetas. Induzida por cristal - Urato monossódico (gota); - Pirofosfato de cálcio diidratado (pseudogota); - Hidroxiapatta; - Oxalato de cálcio; - Lipídios. Hemartrose - Trauma; - Antcoagulação; - Distúrbios de coagulação;
B - Achados laboratoriais Os pacientes podem apresentar leucocitose em 2/3 dos casos e, geralmente, têm aumento das provas de a tvidade inflamatória (VHS – velocidade de hemossedimentação; e PCR – Proteína C Rea tva). As culturas de sangue periférico são posi tvas em 50 a 60% dos casos. Na suspeita ou na presença de outros focos infecciosos, a cultura desses locais deve ser realizada. A análise do líquido sinovial é crí tca em qualquer paciente com monoartrite ou na suspeita de artrite sép tca (Tabela 3), costumeiramente realizada por punção ar tcular (artrocentese – Figura 2). No líquido sinovial, devem-se examinar os seguintes aspectos: - Aparência: a cor e a turvação do líquido são importantes, pois líquidos purulentos ou turvos sugerem artrite séptca; - Celularidade e diferencial: a celularidade é maior que 50.000 leucócitos/mm³ em 50 a 70% dos casos e pode ser menor bem no início da artrite, em casos de pacientes que já receberam an tbiótcos ou em imunossuprimidos. Na análise diferencial da celularidade, há predomínio de polimorfonucleares, em geral mais de 80%; - Bacterioscopia: é posi tva em 50 a 75% das vezes e extremamente especí fica. Sua nega tvidade, entretanto, não afasta o diagnóstco; - Culturas: são positvas em 70 a 90% dos casos, dependendo do micro-organismo. O S. aureus é o agente mais comumente implicado em monoartrite sép tca de artculações natvas (60 a 70% dos casos). Estreptococos, bacilos Gram negatvos e outros respondem pelo restante. A Tabela 4 mostra os organismos mais frequentemente envolvidos.
- Fraturas; - Sinovite vilonodular pigmentada. Tumor - Sinovite vilonodular pigmentada; - Condrossarcoma; - Osteoma osteoide; - Doença metastátca. Doenças reumátcas sistêmicas - Artrite reumatoide; - Espondiloartrites; - Lúpus eritematoso sistêmico; - Sarcoidose. Osteoartrite - Variante erosiva. Degeneração intra-ar tcular - Rompimento meniscal; - Osteonecrose; - Fraturas. Fonte: UpToDate, 2011.
Figura 2 - Artrocentese
35
A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA Tabela 3 - Análise do líquido sinovial Parâmetro
Normal
Não inflamatório
Inflamatório
Séptco
Volume (mL)
<3,5
Geralmente >3,5
Geralmente >3,5
Coloração
Transparente, claro
Transparente, amarelado
Translúcido-opaco, Opaco, amareloamarelo-opalescente -esverdeado
Sanguinolenta, vermelha
Elevada
Elevada
Baixa
Variável
Variável
Leucócitos (mm )
<200
200 a 2.000
2.000 a 100.000
15.000 a >100.000
200 a 2.000
PMNs (%)
<25
< 25
≥50
≥ 75
50 a 75
Cultura
Negatva
Negatva
Negatva
Às vezes positva
Negatva
Proteínas totais (g/ dL)
1a2
1a3
3a5
3a5
4a5
Glicose (mg/dL)
Quase igual à sanguínea
Quase igual à sanguínea
>25 abaixo da sanguínea
<25 abaixo da sanguínea
Quase igual à sanguínea
Viscosidade 3
Geralmente >3,5
Hemorrágico Usualmente >3,5
Fonte: UpToDate, 2011. Tabela 4 - Micro-organismos mais comumente envolvidos na artrite sépt ca não gonocócica Bactéria
Ocorrência
Comentários
Staphylococcus aureus
60 a 70%
É a bactéria mais comumente associada à artrite sép tca. Usuários de droga intravenosa têm maior risco de resistência à metcilina.
Espécies de estreptococos
15 a 20%
Geralmente do grupo A, mas também beta-hemolí tcos não A, especialmente em imunossuprimidos com infecções gastrintestnais ou genitais.
Bacilos Gram negatvos
5 a 25%
Mais frequentes em neonatos, crianças com menos de 2 meses, idosos, usuários de drogas e doentes crônicos (diabétcos, imunossuprimidos etc.).
1 a 5%
Os anaeróbios mais comumente encontrados são Bacteroides spp, Propionibacterium acnes e vários cocos anaeróbios Gram posi tvos. Em 50% dos casos, a flora é polimicrobiana. Fatores predisponentes: diabetes mellitus, imunossupressão, infecções de ferida cirúrgica em próteses totais artculares ou artroplastas. A suspeita é levantada na presença de líquido sinovial com odor pútrido ou gás intra-artcular ao raio x de uma ar tculação com artrite sép tca.
Anaeróbios
Tabela 5 - Associação do micro-organismo ao t po de hospedeiro Micro-organismo
Indícios clínicos
Staphylococcus aureus
Adultos saudáveis, lesões cutâneas, danos ar tculares prévios, artculação protétca
Streptococcus spp
Adultos saudáveis, disfunção esplênica
Neisseria gonorrhoeae
Adultos saudáveis (adulto sexualmente atvo), associado tenossinovites, pústulas vesiculares, deficiência de complemento e Gram e cultura do líquido sinovial negatvos
Bactéria aeróbica Gram negatva
Infecção gastrintestnal; comprometmento da imunidade
Bactéria anaeróbica Gram nega tva
Infecção gastrintestnal; comprometmento da imunidade
Micobactérias
Viagem recente ou residente de área endêmica; comprometmento da imunidade
Fungos
Comprometmento da imunidade
Espiroquetas
Exposição a carrapato, antecedente de rash e envolvimento da artculação do joelho
Mycoplasma hominis
Comprometmento da imunidade com manipulação prévia do trato urinário
Fonte: UpToDate, 2011.
C - Achados de imagem As radiografias são pouco úteis, a não ser para afastar osteomielite instalada. Em casos de infecção por E. coli ou anaeróbios, é possível observar gás dentro da ar tculação. A tomografia computadorizada ou ressonância magnétca podem ser solicitadas em casos de suspeita de artrite séptca de artculações de dif cil avaliação como quadril, ombro, esternoclaviculares ou sacroilíacas.
36
A tomografia é ideal em casos de envolvimento de artculação esternoclavicular e pode demonstrar erosões ósseas iniciais, envolvimento de partes moles e derrames, assim como pode facilitar uma artrocentese guiada, principalmente em casos de artrite em próteses ar tculares. A ressonância é ó tma para demonstrar edema de partes moles ou abscessos, detectar erosões precoces por osteomielite con gua subjacente. É ideal nos casos de suspeita de artrite sép tca em sacroilíacas.
ARTRITES SÉPTICAS
D - Tratamento Como já dito, trata-se de uma emergência médica que requer hospitalização. A ar tculação suspeita deve ser puncionada o mais rápido possível, e o material, enviado para coloração e culturas. A antbiotcoterapia intravenosa empírica deve ser iniciada imediatamente após a punção, com cobertura obrigatória para S. aureus. Se tratar-se de um indivíduo sexualmente atvo, a artrite gonocócica também deve ser tratada empiricamente, e também se deve fazer toda a inves tgação no sentdo de diagnos tcá-la. Culturas de sangue periférico devem ser colhidas. De acordo com o achado de coloração ou a cultura, os antbiótcos podem ser modi ficados. O tempo de tratamento é de 4 semanas, mas em casos de osteomielite aguda, vai para 6 semanas e, se osteomielite crônica ou infecção de prótese, chega a 6 meses. O tratamento pode ser inicialmente intravenoso, mas, com a boa resposta e a cultura con firmando sensibilidade, pode ser trocado para via oral após as 2 primeiras semanas, de acordo com as culturas. Um bom esquema inicial é a oxacilina, 8 a 12g IV para cobrir S. aureus (se não há suspeita de resistência a me tcilina), e gentamicina, 240mg/dia (dose única), ou cefalosporina de 3ª geração (para cobertura dos Gram nega tvos). Se houver suspeita de artrite gonocócica (indivíduos sexualmente atvos e vide abaixo), a cefalosporina de 3ª geração será preferível. Casos especí ficos, como indivíduos imunossuprimidos, hospitalizados, colonizados e usuários de drogas, devem ser considerados separadamente. A drenagem ar tcular é indicada para acelerar a melhora e evitar dano permanente. Pode ser feita uma lavagem artroscópica inicial com debridamento e drenagem ou punções artculares de repetção, para reduzir o risco de dano artcular permanente. A cirurgia aberta pode ser indicada a casos de falência de tratamento após 5 a 7 dias de terapia, osteomielite adjacente, ar tculações de di f cil abordagem (quadris, ombros e sacroilíacas), infecções em próteses ar tculares e artrite sép tca de quadril em crianças. Antibiótico parenteral
Gram positivo
Sim
Coco Gram positivo
Vancomicina
Não
Bacilo Gram negativo
Aguardar cultura
Cefalosporina de 3ª geração; adicionar aminoglicosídeo de Pseudomonas provável
Escolha de acordo com a sensibilidade na cultura
Drenagem articular
Outras articulações
Quadris, ombros e articulações axiais
Aspiração por agulha fina
Artroscopia ou drenagem aberta
A I G O L O T A M U E R
Resposta inadequada Artroscopia ou drenagem aberta
Figura 3 - Tratamento. Fonte: UpToDate, 2011
3. Artrite gonocócica A - Achados clínicos Esta é a forma mais comum de artrite sép tca entre adultos jovens sexualmente a tvos, causada pela disseminação hematogênica do gonococo (Neisseria gonorrhoeae) ou Infecção Gonocócica Disseminada (IGD). Essa disseminação hematogênica ocorre em 1 a 3% dos casos de infecção gonocócica não tratada é 2 a 3 vezes mais comum em mulheres, nas quais o risco de disseminação é maior 7 dias depois da menstruação, durante a gravidez ou no período pós-parto. A duração entre a infecção e a disseminação vai de 1 dia a 2 meses, mas o período médio é de 5 dias. Apenas 1/4 dos pacientes com IGD relata sintomas mucosos da infecção gonocócica, que podem ser geniturinários, faríngeos ou retais. A IGD caracteriza-se pela síndrome de poliartrite, tenossinovite e dermatte. Sintomas iniciais inespecí ficos como febre, calafrios e poliartralgia migratória antecedem a artrite franca, que pode se instalar nos joelhos, tornozelos ou punhos. Pode haver mais de 1 ar tculação com artrite na maioria dos casos. A ar tculação com artrite sép tca é quente, dolorosa, edemaciada, e a dor piora a qualquer movimentação, atva ou passiva. Tanto a lesão ar tcular como a cutânea são mediadas, na IGD, pela presença direta da bactéria no local, como por imunocomplexos circulantes. A tenossinovite geralmente é migratória e acontece em 2/3 dos pacientes, geralmente acometendo tendões do dorso das mãos, punhos, tornozelos e joelhos. A dermatte também acontece em 2/3 dos casos e se manifesta por lesões pustulosas, vesiculares ou maculopapulares, sobre uma base eritematosa, com centro necrótco, distribuídas pelo tronco e distalmente nos membros, incluindo os dedos (Figura 4). Podem ocorrer também eri-
37
REUMATOLOGIA tema multforme, bolhas hemá tcas e lesões vasculí tcas. Essas lesões são indolores e podem passar despercebidas. Sua biópsia revela in flamação perivascular e vasculite leucocitoclástca. Culturas para Neisseria gonorrhoeae podem ser positvas em até 10% dos casos de biópsias das lesões cutâneas. Pode haver complicações incomuns, como pericardite, meningite, aortte, endocardite, miocardite, piomiosite e osteomielite.
A análise do líquido sinovial, como já foi dito, é crí tca em qualquer paciente com monoartrite ou na suspeita de artrite séptca. Em relação à artrite sép tca não gonocócica, a IGD pode ter, no líquido sinovial, uma celularidade discretamente menos elevada (30.000 a 60.000 leucócitos/mm3). A bacterioscopia tem posi tvidade mais baixa, menos de 25%, e as culturas do líquido sinovial também têm menor positvidade que para outros germes, cerca de 20 a 50%. O líquido deve ser imediatamente colocado em meio especial (Thayer-Martn), e o período para crescimento pode ser maior que 48 horas. Culturas para Neisseria gonorrhoeae podem ser positvas em até 10% dos casos de biópsias das lesões cutâneas.
C - Tratamento
Figura 4 - Lesão pustulosa em mão de paciente com artrite gonocócica. Fonte: UpToDate, 2011
B - Achados laboratoriais Os pacientes podem apresentar leucocitose em 2/3 dos casos e geralmente têm aumento das provas de a tvidade inflamatória (VHS e PCR). As culturas de sangue periférico raramente são posi tvas na IGD. Na suspeita de IGD, deve-se proceder com um histórico de exposição sexual e sintomas mucosos. Culturas das regiões uretral, cervical uterina (em mulheres), faríngea e retal devem ser realizadas, e culturas geniturinárias são positvas em 70 a 90% dos pacientes com IGD.
Para a cobertura an tbiótca de Neisseria gonorrhoeae, dada a crescente taxa de resistência à penicilina pelo gonococo, recomenda-se o início de cefalosporina de 3ª geração, notadamente a ce riaxona, na dose de 1g/dia IM/ IV. Em caso de alergia a beta-lactâmicos, espec tnomicina (2g IM 12/12h) ou fluoroquinolonas (cipro floxacino, 400mg IV, 12/12h, ou levofloxacino, 500mg IV, 1x/dia, passando rapidamente para oral pela sua ó tma disponibilidade). Se a cultura é posi tva para o gonococo e o agente é sensível à penicilina, pode-se trocar o an tbiótco para ampicilina, 1g IV, 6/6h, passando para amoxicilina oral, 1g, 8/8h. O tratamento em casos não complicados dura 2 semanas. Em casos complicados por cardite, meningite, endocardite ou osteomielite, antbiótcos IV devem ser feitos por 2 a 4 semanas, com complementação de 2 semanas com an tbiótco via oral. Pela comum associação de infecção por Chlamydia trachomat s nos pacientes, costuma-se proceder com o seu tratamento concomitante (azitromicina ou doxiciclina). A artrite da IGD costuma melhorar rapidamente seus sintomas, em cerca de 24 a 48 horas. Artrocenteses de repetção são indicadas.
Tabela 6 - Resumo comparat vo entre artrite gonocócica e não gonocócica Artrite não gonocócica
Artrite gonocócica
Fatores de risco
- Artrites inflamatórias crônicas; - Próteses ar tculares; - Uso de drogas injetáveis; - Extremos de idade; - Imunossupressão.
- Atvidade sexual desprotegida.
Germes responsáveis
- S. aureus: mais comum (60 a 70% dos casos); - Estreptococos, Gram nega tvos, anaeróbios.
- Neisseria gonorrhoeae.
Disseminação
- Hematogênica; - Inoculação direta; - Contguidade de infecções.
- Hematogênica.
38
ARTRITES SÉPTICAS
Artrite não gonocócica
Artrite gonocócica
Clínica
- Monoartcular em 80 a 90% dos casos; - Artculações mais envolvidas: joelhos, quadris, ombros; - Bursites séptcas; - Febre, calafrios por bacteremia.
- Sintomas iniciais: febre, calafrios e poliartralgia migratória; - Artrite franca: joelhos, tornozelos ou punhos, geralmente em mais de 1 artculação; - Tenossinovite: migratória; - Dermatte: lesões pustulosas, vesiculares ou maculopapulares, sobre base eritematosa, com centro necró tco; - Outros: eritema multforme, bolhas hemátcas e lesões vasculí tcas.
Complicações
- Osteomielite.
- Pericardite, meningite, aortte, endocardite, miocardite, piomiosite e osteomielite.
Cultura de sangue periférico
- Positvas em 50 a 60% dos casos.
- Raramente posi tvas.
Outras culturas
- Realizar de acordo com suspeita de outros - Culturas das regiões uretral, cervical uterina, faríngea e focos infecciosos. retal: positvas em 70 a 90%.
Celularidade – líquido sinovial
- Celularidade >50.000 leucócitos/mL (em 50 a 70% dos casos); - Celularidade discretamente menos elevada (30.000 a - Predomínio de polimorfonucleares, geral- 60.000 leucócitos/mL). mente mais de 80%.
Bacterioscopia – líquido sinovial
- Positva em 50 a 75% das vezes, é extremamente especí fica.
-Positvidade mais baixa, <25%.
Culturas – líquido sinovial
- Positvas em 70 a 90% dos casos, dependendo do micro-organismo.
- Positvidade menor: 20 a 50%; - Colocar diretamente após punção em meio especial (Thayer-Martn).
Tratamento
- Cobertura obrigatória: para S. aureus; - Tempo de tratamento: 4 semanas; - Se osteomielite aguda: 6 semanas; - Se osteomielite crônica ou infecção de prótese: 6 meses; - Esquema proposto: oxacilina, 8 a 12g IV, e cefalosporina de 3ª geração; - Limpeza artcular: drenagem artcular com lavagem artroscópica, punções ar tculares de repetção ou cirurgia aberta.
- Recomendação: cefalosporina de 3ª geração, priorizando-se a escolha da ceriaxona na dose de 1g/dia IM/IV; - Se alergia: espectnomicina (2g IM, 2x/dia) ou fluoroquinolonas (ciprofloxacino, 400mg IV, 2x/dia ou levofloxacino, 500mg IV, 1x/dia); - Se cultura posi tva com sensibilidade à penicilina: ampicilina, 1g IV, 6/6 h, passando para amoxicilina oral, 1g, 8/8h; - Duração: 2 semanas. Se complicações, 4 a 6 semanas.
Fonte: UpToDate, 2011.
4. Artrite viral Três padrões principais devem levantar suspeita para artrite viral: - Aguda e autolimitada: Pp, parvovírus, B19 e rubéola; - Crônica: HBV, HCV, HIV; - Infecção latente com potencial rea tvação: varicela-zóster.
A - Parvovírus B19 Causa o eritema infeccioso (5ª doença); - Poliartrite, pequenas ar tculações (mime tza AR); - Mais de 50% de adultos sadios são IgG + para o vírus, indicando contato prévio; - Início agudo de poliartralgia ou, menos comumente, poliartrite. Às vezes inicia em 1 ou poucas ar tculações e evolui de forma adi tva; - Sintomas artculares duram em média 10 dias, porém a dor e rigidez podem persis tr por um período maior
e tendem a recorrer. Ao contrário da AR os sintomas nunca persistem por mais de 1 mês e não é erosivo; -
Eventualmente tem FR, FAN, an t-DNA e outros auto-Acs positvos. Descreve-se ainda a ocorrência de outras síndromes reumátcas, incluindo lúpus-like, vasculites ou citopenias;
-
Diagnóstco: detecção de an tcorpos IgM ant-B19 ou DNA B19 em PCR;
-
Tratamento é sintomá tco, em raros casos crônicos é necessário imunoglobulina.
-
B - Rubéola -
2 a 3 semanas após a infecção a rubéola produz exantema característco, febre, sintomas cons ttucionais, adenopata occipital posterior e cervical e rash maculopapular;
-
Artralgias ou artrites simétricas associadas a rigidez matnal, mimetzando AR, migratória;
39
A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA Cita-se a ocorrência de periartrite, tenossinovite e Síndrome do Túnel do Carpo (STC); - Quadro artcular é autolimitado e dura menos de 2 semanas; - Sintomatologias reumá tcas pós-vacina: artralgia, artrite, mialgia e parestesias, em geral 2 semanas após a vacina; - Tratamento: analgésicos e AINEs. -
C - Hepatte C 70 a 80% evoluem para cronicidade; - Condições autoimunes associadas: Vasculite crioglobulinêmica – 30 a 40% crioglobulinas positvas; Produção de auto-Acs; Citopenias autoimunes; GN membranoproliferatva; Síndrome sicca-like; Artralgias e artrite. -
•
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Manifestação artcular: Artrite não erosiva, não progressiva associada a tenossinovite e sintomas artculares desproporcional aos achados de exame f sico; AR-like, artrite mono-oligoartcular intermitente, sem evidência de erosões. Ao exame, nota-se mais dolorimento do que franca sinovite; Alta prevalência de FR posi tvo (50 a 60%), o qual não se correlaciona com os sintomas ar tculares. •
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Tratamento: Problemátco; Terapia antviral com interferon parece melhorar o quadro artcular. • •
D - Hepatte B 5 a 10% evoluem com as formas crônicas; - Poliartrite inflamatória, mimetzando AR, de início súbito, envolvendo punhos, joelhos e tornozelos e pequenas artculações de mãos de forma simétrica; - A artrite ocorre na fase prodrômica, de viremia; - Associado a fase ar tcular ocorrem sintomas cutâneos (urtcária ou rash maculopapular); - Em geral o quadro ar tcular é autolimitado; - Quadros crônicos podem ser evolução de PAN; - HIV; - Outros; - HTLV, Mayaro, Igbo, Ross River, O’nyong-nyong, Chikungunya etc. -
5. Micobactérias A - Mycobacterium tuberculosis -
Envolvimento osteoartcular ocorre em 5% dos casos;
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Em crianças ocorre classicamente por disseminação hematogênica durante a infecção pulmonar primária. Em adultos ocorre tanto por foco pulmonar quiescente quanto como sí to extrapulmonar; - PPD é posi tvo em muitos pacientes com Tb osteoar tcular e raio x tórax normal; - Diagnóstco definitvo é dado pela demonstração do Mycobacterium tuberculosis no líquido sinovial; - Tipos de manifestações: espinhal (“doença de Po ”), artrite periférica em ar tculações que suportam peso, tendões, bursas e ossos, artrite rea tva (“doença de Poncet”); - TB espinhal: “mal de Po ”. - Forma mais comum: Mais frequentemente acomete coluna torácica, seguida da lombar e menos comumente cervical e vértebras sacrais; Acomete a porção anterior do corpo vertebral, com subsequente envolvimento do disco, redução de espaço, destruição vertebral e colapso da porção anterior do corpo vertebral, causando deformidade em giba; Inflamação de partes moles adjacentes, como musculatura paravertebral, abscesso do psoas; Mimetza osteomielite vertebral causada por bactéria piogênica. Porém febre é menos comum na doença de Po ; A maioria dos pacientes sente dor lombar. - Manifestações neurológicas compressivas 12 a 50% dos pacientes; - Raio x: redução de espaço discal, colapso vertebral e abscesso paraespinhal. TC de fine bem as lesões. RNM mostra melhor o envolvimento neural; - Diagnóstco: biópsia guiada por TC; - TTO: igual da Tb pulmonar. -
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a) Artrite tuberculosa - Artrite monoar tcular afetando quadril ou joelho, mas pode envolver outras ar tculações; - Início tpicamente insidioso; - Dor e edema ar tcular presentes, mas os sinais in flamatórios são limitados; - Geralmente é rea tvação de foco latente, por via hematogênica; - Às vezes associada a osteomielite adjacente, mas não necessariamente isto ocorre concomitante com envolvimento artcular. Em adultos geralmente localiza-se de forma isolada, em metá fises de ossos longos; - Achados radiográ ficos: osteopenia justa-ar tcular, erosões marginais, redução gradual do espaço ar tcular (tríade de Phemister). Pode haver ainda edema de partes moles, cistos subcondrais, esclerose óssea, periostte e calci ficações; - Líquido sinovial: contagem de células elevadas, com predomínio de neutró filos, ocasionalmente de linfócitos. Glicose usualmente baixa. Cultura posi tva em 80% dos casos;
ARTRITES SÉPTICAS
Melhor diagnostcado pelos achados histológicos e microbiológicos da sinóvia. Cultura sinovial é posi tva em 90% dos casos. A histologia demonstra o granuloma não caseoso; - TTO: igual ao da TB pulmonar. -
b) Doença de Poncet - Forma de artrite rea tva que ocorre durante TB a tva; - Artrite poliartcular, tpicamente envolvendo mãos e pés; - Líquido sinovial estéril; - Sintomas melhoram com o tratamento da tuberculose.
B - Mycobacterium leprae Causa formas severas de artrite; - Hanseníase virchowiana está associada a ocorrência de eritema nodoso; - MC: nódulos SC, febre e artralgia/artrite; - Sintomas artculares mediados por mecanismo imunológicos, sendo que o isolamento do agente no líquido sinovial (artrite séptca) é infrequente; - Artrite crônica erosiva de grandes e pequenas ar tculações simulando AR que melhora com o tratamento da hanseníase é descrito; - Em estágios tardios de hanseníase, os pacientes desenvolvem artculação de Charcot como consequência da neuropata sensorial e consequente trauma repe tdo. -
6. Fungos A - Candida É causa comum de infecção oportunista, mas raramente causa infecção ar tcular; - Candida albicans é responsável por 1% das infecções em próteses artculares; - A artrite ocorre por inoculação direta (cirurgia ou artrocentese) ou disseminação hematogênica (durante candidíase disseminada); - Tipicamente indolente, monoar tcular e crônica; - Diagnóstco: cultura do líquido sinovial ou tecidual; - Tratamento: anfotericina B sistêmica ou intra-ar tcular. -
B - Coccidioidomicose Coccidioides immi ts ; - Ocorre durante infecção primária ou disseminada; - Primária em geral é assintomá tca. Síndrome de artralgia/artrite, autolimitada (valley fever ou desert rheumat sm), mediada por imunocomplexos; - Artrite poliar tcular migratória, resolvendo em 4 semanas a despeito do tratamento; - Disseminada: artrite e/ou osteomielite, mas o quadro mais frequente é de artrite crônica de 1 joelho. No raio x, se vê lesões lí tcas e erosões. Osteomielite ocorre em 10 a 20%, principalmente em ossos longos, crânio, vértebras e costelas; -
Diagnóstco: melhor isolamento em tecido que no líquido sinovial; - Tratamento: drenagem cirúrgica, debridamento, ou sinovectomia e anfotericina B (sistêmica ou intra-ar tcular). -
C - Esporotricose Sporothrix schenckii ; - Artrite, tenossinovite, osteíte ou miosite granulomatosa; - Artrite crônica, mono ou poliar tcular, envolvendo joelhos, punhos, pequenas ar tculações de mãos, tornozelos e cotovelos; - Raio x: lesões lí tcas com mínima perios tte; - Patologia sinovial: in flamação granulomatosa crônica, não caseosa; - Tratamento: anfotericina B com ou sem debridamento cirúrgico. -
D - Blastomicose Blastomyces dermatt dis; - 60% têm manifestação musculoesquelé tca; - Comum osteomielite: vértebra, costelas, bia e crânio; - Tipicamente artrite monoar tcular, mas pode ser poliartcular; - Joelhos são mais frequentemente envolvidos, seguidos de tornozelo e cotovelo; - Tratamento: anfotericina B, cetoconazol ou itraconazol. -
E - Criptococose Cryptococcus neoformans; - Forma disseminada ocorre em imunossuprimidos; - Acometmento agudo/subagudo: ossos longos, tarso, carpo, costelas e vértebras; - Infecção vertebral simula TB; - Raio x: lesões lí tcas com mínima reação periosteal; - Artrite criptocócica é infrequente, geralmente por extensão de osteomielite; - Diagnóstco: demonstração do fungo no líquido sinovial; - Tratamento: anfotericina B e/ou 5- fluorocitosina. Em imunocompetentes fluconazol é suficiente. -
F - Histoplasmose Histoplasma capsulatum; - A maioria das infecções é subclínica e autolimitada; - Infecção primária: poliartrite migratória aguda autolimitada com ou sem eritema nodoso e eritema mul tforme; - Forma disseminada: mais em idosos e imunossuprimidos. Artrite, osteomielite, tenossinovite e STC; - Diagnóstco: cultura de tecido; - Tratamento: anfotericina B, itraconazol e fluconazol. Debridamento cirúrgico pode ser necessário. -
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REUMATOLOGIA
CAPÍTULO
5
Espondiloartrites soronegatvas
1. Introdução As espondiloartrites são um grupo de doenças inter-relacionadas com certos aspectos em comum, como epidemiológicos, patogenétcos, clínicos e radiológicos. As entdades que compõem esse grupo incluem a Espondilite Anquilosante (EA), a síndrome de Reiter e outras artrites reatvas pós-infecciosas, a artrite psoriásica e as enteroartrites (relacionadas às doenças in flamatórias intestnais), a espondiloartrite de início na juventude e a espondiloartrite indiferenciada. São caracterizadas pelo envolvimento in flamatório das artculações axiais, como a coluna vertebral (espondilite) e as artculações sacroilíacas (sacroileíte), e pela presença de oligoartrite periférica assimétrica (de 2 a 4 ar tculações acometdas), entesites (inflamação na inserção óssea de tendões, ligamentos e cápsulas ar tculares) e pela ausência de fator reumatoide. Elas têm tendência a agregação familiar, associação ao HLA-B27 (principalmente o componente axial) e acome tmento ocular (uveíte anterior). De acordo com a doença em questão, pode ocorrer também o envolvimento da pele, de anexos e das mucosas. O envolvimento valvar e pulmonar é extremamente raro. Tabela 1 - Característ cas das espondiloartrites - Envolvimento inflamatório das ar tculações axiais, como a coluna vertebral (espondilite) e as ar tculações sacroilíacas (sacroileíte); - Presença de oligoartrite periférica assimétrica (de 2 a 4 ar tculações acometdas); - Entesites (inflamação na inserção óssea de tendões, ligamentos e cápsulas artculares); - Ausência de fator reumatoide.
São também conhecidas como espondiloartrites soronegatvas. O termo soronegatva foi estabelecido na década de 1970, pois a EA era considerada um componente axial da artrite reumatoide, mas na ausência do Fator Reumatoide (FR).
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Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Crist ani Barra de Souza
Apesar de as espondiloartrites terem vários aspectos em comum, alguns detalhes epidemiológicos (como a presença de comorbidades pessoais e familiares, psoríase e doença inflamatória intestnal), clínicos e radiológicos ajudam a distnguir umas das outras. Uma forma chamada espondiloartrite indiferenciada se caracteriza pela presença de achados sugestvos de espondiloartrites, sem que o paciente consiga fechar critérios para nenhuma das doenças do grupo. Isso ocorre comumente nos primeiros anos de doença, e um quadro inicialmente de finido com espondiloartrite inde finida pode evoluir para outra doença com o passar dos anos. Tabela 2 - Doenças classi fi cadas como espondiloartrites - Espondilite anquilosante; - Artrites reatvas; - Enteroartrites; - Artrite psoriásica; - Espondiloartrite indiferenciada.
2. Epidemiologia Manifestações de espondiloartrites têm sido descritas em todos os grupos étnicos e, geralmente, estão associadas à presença do HLA-B27. Entre os caucasianos e asiá tcos, a frequência do HLA-B27 é de 7%. A maior prevalência da EA tem sido descrita em certos grupos na tvos americanos, onde a frequência do HLA-B27 é maior que 50%. As espondiloartrites são menos comuns em negros, com frequência de HLA abaixo de 1 a 2%. Apesar de o HLA-B27 ser importante, outros múl tplos genes estão envolvidos. Fatores ambientais, sobretudo infecciosos, também têm sido propostos no desenvolvimento da EA, mas não há evidência clara dessa associação, como acontece com as artrites rea tvas.
3. Espondilite anquilosante A EA é o protó tpo das espondiloartrites, em que o envolvimento axial é o caracterís tco, com acometmento da
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS
coluna, levando a dor espinhal in flamatória (comumente lombar) e das sacroilíacas, causando dor in flamatória nas nádegas. Costuma ter início insidioso, no fim da adolescência ou começo da vida adulta, e é infrequente apresentar-se após os 40 anos. A média de idade de início é de 26 anos, com prevalência maior em indivíduos da cor branca. Tem como sinonímia: doença de Marie-Strümpell ou doença de Bechterew.
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A proporção entre homens e mulheres é de 3:1. Rigidez progressiva da coluna é comum, evoluindo com anquilose após anos de doença. A prevalência nas diferentes populações varia de 0,1 a 6%, e a e tologia é desconhecida. A associação a HLA-B27 está presente na maioria dos pacientes (90%).
A - Achados clínicos a) Envolvimento axial O sintoma clínico caracterís tco é a presença de dor lombar inflamatória no esqueleto axial (Figura 1). A dor in flamatória caracteriza-se por: (1) não melhorar com o repouso e melhorar com a movimentação (diferente da dor de origem mecânica, que piora com a movimentação e melhora com repouso); e (2) pela presença de rigidez ma tnal maior que 30 minutos. As dores têm início insidioso, com mais de 3 meses de evolução. Sua localização geralmente é lombar (mas pode acometer todos os níveis da coluna) e nas nádegas, uni ou bilateral, e pode ser alternante, decorrente da inflamação em sacroilíacas (Figuras 2 e 3). O paciente costuma acordar de madrugada pela dor e caminhar para que haja melhora.
Figura 2 - (I) TC no plano coronal oblíquo mostrando espaços art culares preservados e simétricos, com super f cies regulares. O espaço é considerado normal entre 2 e 4mm; (II) classi fi cação radiográ fi ca na avaliação das ar tc ulações sacroilíacas. Grau D – normal; (A) grau I – suspeito; (B) grau II – discreta irregularidade e esclerose das super f cies ar tc ulares, com o espaço ar tc ular preservado; (C) grau III – redução ar tc ular, além de intensa irregularidade e esclerose subcondral; (D) grau IV – anquilosa bilateral. Fonte: ASAS Handbook. Ann Rheum Dis 2009; 68 (Suppl II): ii1-ii44
Figura 3 - Cortes tomográ fi cos no plano coronal oblíquo demonstrando redução do espaço ar tc ular à direita, sendo preservado à esquerda. Observa-se, também, esclerose subcondral à direita, mais evidente na porção ilíaca. Fonte: ASAS Handbook. Ann Rheum Dis 2009; 68 (Suppl II): ii1-ii44
Figura 1 - Patogenia da lombalgia in fl amatória na EA
Além da dor na coluna, o paciente ainda pode ter dor nas artculações costovertebrais, dor espinhal em outros níveis (cervical ou dorsal) e acome tmento das cartlagens torácicas anteriores (costocondrite). O envolvimento das artculações costovertebrais e costocondrais pode provocar diminuição da expansibilidade torácica (<5cm de variação
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REUMATOLOGIA entre a inspiração e a expiração) e dor às manobras de inspiração profunda ou Valsalva. Podem estar presentes sintomas consttucionais, como fadiga, perda de peso e febre. Achados de exame f sico são incomuns no início da doença e são mais habituais com a doença estabelecida. Um dos achados iniciais é a perda da lordose lombar. Com o passar do tempo e a calci ficação dos ligamentos e ênteses na coluna em toda a sua extensão, ocorre perda de mobilidade, e o paciente acaba ficando “anquilosado” com perda da lordose lombar e cervical e acentuação da cifose torácica, curvando o corpo para frente. Para manter o equilíbrio, ele flete os quadris, os joelhos e os cotovelos e adquire a clássica “posição de esquiador”. Esse é um achado muito tardio na doença. Atualmente, dispomos de instrumentos de avaliação clínica das espondiloartrites, sendo o BASDAI um índice de a tvidade da doença (Tabela 3) que melhor acompanha periodicamente a evolução do tratamento da EA na prá tca clínica. Na avaliação de incapacidade funcional, dispõe-se do BASFI (Tabela 3).
Distância tragus-parede; - Flexão lombar; - Rotação cervical; - Flexão lombar lateral; - Distância intermaleolar. - Distância tragus-parede: avalia a perda da mobilidade da coluna no plano anteroposterior. Mede-se a distância entre o tragus e a parede, com o paciente com os tornozelos encostados nela, os joelhos estendidos e tentando encostar a cabeça na parede; -
Tabela 3 - BASDAI - índice de a t vidade da doença Coloque uma marca em cada linha a seguir, indicando sua resposta para cada questão relacionada à semana anterior 1. Como você descreveria o grau de fadiga ou cansaço que você tem tdo? 0_____________________________________________ 10cm Nenhum Intenso 2. Como você descreveria o grau total de dor no pescoço, nas costas e no quadril relacionado à sua doença? 0______________________________________________ 10cm Nenhum Intenso 3. Como você descreveria o grau total de dor e edema (inchaço) nas outras artculações sem contar com pescoço, costas e quadril? 0______________________________________________ 10cm Nenhum Intenso
Figura 4 - Distância tragus-parede. Fonte: ASAS Handbook, 2009 -
Flexão lateral do tronco: calcanhares e costas encostados na parede, joelhos eretos, fazer uma marca na coxa ao nível dos dedos (Figura 5A1). Em seguida pedir ao paciente para fazer flexão lateral do tronco e fazer nova marca após esta flexão (Figura 5A2). Após, registrar a diferença entre as 2 marcas. Uma alterna tva e registrar a medida da distância entre o dedo médio e o chão antes e após a flexão lateral. Fazer as medidas bilaterais e registrar a média das 2 aferições;
4. Como você descreveria o grau total de desconforto que você teve ao toque ou à compressão em regiões do corpo doloridas? 0______________________________________________ 10cm Nenhum Intenso 5. Como você descreveria a intensidade da rigidez ma tnal que você tem tdo a partr da hora em que acorda? 0______________________________________________ 10cm Nenhum Intenso 6. Quanto tempo dura sua rigidez ma tnal a partr do momento em que você acorda? 0______________________________________________ 10cm Nenhum Intenso BASDAI: soma dos valores das questões 1, 2, 3, 4 e a média dos valores da 5 e 6, dividindo este total por 5. Fonte: Consenso Brasileiro de Espondiloartropat as: Espondilite Anquilosante e Artrite Psoriásica, 2007.
As manobras mais u tlizadas no exame f sico para pesquisar o envolvimento axial, que compõem o índice denominado BASMI são:
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Figura 5 - Flexão lateral do tronco. Fonte: ASAS Handbook, 2009
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS
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Teste de Schöber modi ficado: detecta limitação da flexão da coluna lombar. Deve-se fazer uma marca na linha média, com o paciente em posição neutra, ao nível da espinha ilíaca posterossuperior, e outra 10cm acima. Pede-se ao indivíduo que realize flexão máxima do tronco, sem dobrar os joelhos, tentando alcançar o chão com as mãos. Mede-se a distância máxima entre os 2 pontos, que deve aumentar pelo menos 5cm e atngir 15cm (Figura 6);
Figura 6 - Teste de Schöber modi fi cado. Fonte: ASAS Handbook, 2009 -
também por dor em outras estruturas anatômicas locais; -
Teste de Gaenslen: com o paciente em posição supina, deixa-se uma perna cair por 1 dos lados da maca do examinador, enquanto a outra perna é flexionada pelo paciente em direção ao tronco. Essa manobra deve aumentar a dor na sacroilíaca no lado da perna caída (Figura 10);
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Teste de Patrick: com o paciente em posição supina, com o seu calcanhar sobre o joelho contralateral, faz-se uma pressão para baixo sobre o joelho flexionado. Assim, com o quadril em flexão/abdução e rotação externa (Fabere), haverá dor na ar tculação sacroilíaca contralateral (Figura 11);
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Expansibilidade torácica: medida no 4º espaço intercostal, a expansibilidade torácica (diferença da circunferência torácica em inspiração máxima e expiração máxima) normal é de, aproximadamente, 5cm. Em caso de envolvimento costovertebral ou costocondral, ela diminui.
Rotação cervical: paciente sentado na cadeira, cabeça ereta, com as mãos apoiadas nos joelhos. Colocar o goniômetro no topo da cabeça alinhado com o nariz. Pedir para o paciente fazer rotação lateral da cabeça o máximo que puder e anotar quantos graus de rotação ele obteve. Fazer a medida bilateral e posteriormente registrar a média das 2 medidas; Figura 9 - Expansibilidade torácica. Fonte: ASAS Handbook, 2009
Figura 7 - Rotação cervical. Fonte: ASAS Handbook, 2009 -
Distância intermaleolar: paciente em decúbito dorsal ou ventral, registrar a medida da distância entre os maléolos mediais;
Figura 10 - Teste de Gaenslen
Figura 8 - Distância intermaleolar. Fonte: ASAS Handbook, 2009 -
Palpação das sacroilíacas: palpam-se as ar tculações sacroilíacas e observa-se se há dor. A presença desta pode ser desencadeada não só por sacroileíte, mas
Figura 11 - Teste de Patrick (Fabere)
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REUMATOLOGIA Tabela 4 - Principais achados do compromet mento axial da EA Achados clínicos - Dor inflamatória no esqueleto axial; - Início insidioso (mais de 3 meses); - Rigidez matnal maior que 30 minutos; - Dor lombar ou em outros níveis vertebrais (dor espinhal); - Dor nas nádegas; - Dor nas ar tculações costovertebrais; - Dor nas car tlagens torácicas anteriores (costocondrite). Achados de exame f sico - Incomuns no início da doença; - Perda da lordose lombar; - Perda da lordose cervical; - Acentuação da cifose torácica; - Posição de esquiador (achado muito tardio). Manobras mais utlizadas - Distâncias occípito-parede e tragus-parede (envolvimento da coluna); - Teste de Schöber (envolvimento da coluna lombar); - Palpação das sacroilíacas, compressão pélvica, manobra do livro aberto, teste de Gaenslen e teste de Patrick (Fabere) – todas para envolvimento de sacroilíacas; - Expansibilidade torácica e palpação das ar tculações costocondrais (envolvimento das artculações costocondrais e costovertebrais).
b) Envolvimento artcular periférico O acometmento de ar tculações periféricas na EA acontece em cerca de 25% dos casos e costuma ser mono ou oligoartcular (1 a 4 ar tculações acometdas), costumeiramente de forma assimétrica e preferencialmente nos membros inferiores. Quadris, joelhos, tornozelos e ar tculações metatarsofalangianas são frequentemente acome tdas. O envolvimento do quadril é responsável por grande morbidade. Raramente, os membros superiores são afetados, com exceção dos ombros. A artrite periférica pode ocorrer anterior, concomitante ou posteriormente ao aparecimento dos sintomas axiais. Histologicamente, a sinovite é indis tnguível das outras doenças reumá tcas. c) Entesite A in flamação das ênteses (partes do tendão, ligamento ou cápsula que se inserem no osso) pode causar dor, rigidez e restrição de movimentos. É comum na EA (não tanto quanto na artrite rea tva) e pode ocorrer na fáscia plantar, inserção do tendão de Aquiles, ao redor da pelve (na tuberosidade isquiátca, cristas ilíacas e trocânter maior), na coluna (nas inserções ósseas de ligamentos e cápsulas de ar tculações discovertebrais e costovertebrais e nos ligamentos interespinhoso e paravertebrais), região anterior do tórax (junções costocondrais) e tuberosidade tbial, uni ou bilateralmente. Dactlite é incomum. A seguir, a ilustração dos pontos de possíveis entesites.
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Figura 12 - Pontos de possíveis entesites: (A) manúbrio do esterno; (B) processo xifoide; (C) e (D) crista e espinha ilíacas anterossuperiores; (E) espinha ilíaca posterossuperior; (F) coluna lombar e (G) calcâneo. Fonte: ASAS Handbook, 2009
d) Acometmento ocular É a manifestação extra-ar tcular mais comum na EA e acontece em 30% dos pacientes. Acomete a câmara anterior do olho (uveíte anterior – Figura 13) e costuma ser unilateral, geralmente alternante quando recorrente, com aparecimento de olho vermelho, dor, borramento visual, fotofobia e lacrimejamento. A injeção conjun tval ao redor da íris ( fl ush ciliar ) é característca. Está fortemente associada à presença do HLA-B27 e pode preceder o início dos sintomas artculares de EA em anos. Não tem relação com surtos de piora no acome tmento artcular. O diagnóstco é feito por oalmologista, com exame de lâmpada de fenda, que caracteriza células e in flamação na câmara anterior do olho. O aparecimento de quaisquer desses sintomas jus tfica encaminhamento imediato ao o almologista. A falta de tratamento pode gerar perda visual e irregularidade da pupila.
Figura 13 - Uveíte anterior em paciente com EA
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS
e) Outros A EA pode acometer outros sistemas, além das ar tculações. O envolvimento cardíaco, com a aor tte, dilatação do anel aórtco e insu ficiência aór tca, tem sido descrito em 1% dos pacientes. O risco de envolvimento cardíaco aumenta com a idade, presença de HLA-B27, tempo de doença e presença de artrite periférica. Podem ocorrer ainda distúrbios de condução e doença miocárdica. O envolvimento costovertebral e costocondral pode levar a diminuição da expansibilidade torácica, com leve restrição à prova de função pulmonar, sem alteração da difusão. Isso raramente provoca ven tlação insuficiente. Cerca de 1% dos pacientes desenvolve fibrose progressiva dos ápices pulmonares. Pode haver inflamação inespecí fica e subclínica dos intestnos grosso e delgado em 60% dos casos de espondilite. De 10 a 15% dos pacientes com EA vão desenvolver doença inflamatória intestnal. Não há achados cutâneos especí ficos. Acometmento compressivo neurológico por fraturas vertebrais, com síndrome de cauda equina, também pode ocorrer ou no caso de deformidade cervical em flexão grave. Já amiloidose renal secundária é possível pelo es mulo inflamatório crônico, mas isso é cada vez mais raro. E fibrose retroperitoneal é raramente descrita. Em nível pulmonar, pode ocorrer fibrose apical interalveolar ou pneumonia crônica fibrosante, infiltrado linfocitário e dilatação brônquica. Em estágios avançados pode evoluir com fibrose difusa, bronquiectasia e formação de cavidades.
os ângulos brilhantes (shiny corners ou sinal de Romanus – Figura 14). Na sequência, a in flamação provoca erosão e neoformação óssea periosteal, provocando a “quadratura” dos corpos vertebrais (normalmente bicôncavos) à radiografia lateral. A ossi ficação gradual das camadas super ficiais do ânulo fibroso leva à formação de pontes ósseas intervertebrais, que são os sindesmó fitos (Figuras 17, 18 e 19). Na EA e espondiloartrites associadas às doenças in flamatórias intestnais (enteroartrites), os sindesmó fitos são geralmente simétricos e regulares, bem ver tcalizados e marginais, ao contrário das artrites reatvas e da psoriásica, onde são geralmente assimétricos e irregulares, mais grosseiros. Também se distnguem dos osteófitos da osteoartrite, que tem orientação bem lateralizada. A fusão das interapo fisárias e a calcificação dos ligamentos espinhais, associadas à formação bilateral de sindesmó fitos, pode resultar em fusão completa da coluna vertebral, fornecendo o aspecto de coluna “em bambu”.
B - Achados radiológicos As alterações radiológicas são predominantemente observadas no esqueleto axial (sacroilíacas, interapo fisárias, discos vertebrais e ar tculações costovertebrais) e em locais de entesopata. O envolvimento das sacroilíacas pode ser observado em raio x simples da pelve, sobretudo se na posição de Ferguson. A sacroileíte das espondiloartrites envolve a porção sinovial, nos 2/3 inferiores da ar tculação sacroilíaca. Na EA, o acometmento é bilateral e simétrico, assim como nas espondiloartrites associadas às doenças intes tnais inflamatórias (enteroartrites). Já nas artrites rea tvas e na psoriásica, o acometmento geralmente é unilateral e assimétrico. O 1º achado radiográfico são as erosões, que aparecem como irregularidades no contorno da ar tculação. A progressão do processo erosivo resulta no pseudoalargamento do espaço artcular (a ar tculação parece mais larga do que deveria), seguindo-se a esclerose óssea subcondral, até a anquilose completa ou fusão ar tcular. Nos casos iniciais, mesmo com clínica, a radiogra fia pode não evidenciar as alterações. Na coluna vertebral, o processo in flamatório se inicia na inserção do ânulo fibroso nas bordas dos corpos vertebrais. O 1º sinal radiográfico, nesses casos, decorre da in flamação dessa estrutura, resultando em corpos vertebrais com
Figura 14 - Sinal de Romanus
Figura 15 - Evolução de lesões espinhais da EA. Fonte: ASAS Handbook, 2009
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REUMATOLOGIA Tabela 5 - Achados radiológicos (raio x) da EA, que já indicam um compromet mento mais avançado: a ordem dos achados é crescente em relação ao tempo de doença Sacroilíacas (fazer o raio x na posição de Ferguson) - Envolvimento da porção sinovial, nos 2/3 inferiores; - Acometmento é bilateral e simétrico; - Erosões (irregularidades no contorno ar tcular); - Pseudoalargamento do espaço ar tcular; - Esclerose óssea subcondral; - Anquilose completa ou fusão ar tcular. Coluna (fazer raio x lateral de coluna cervical e lombar) - Corpos vertebrais com os ângulos brilhantes (shiny corners ou sinal de Romanus);
- Entesite dos ligamentos espinhais; - Sindesmófitos/anquilose: pontes ou fusão óssea entre corpos vertebrais adjacentes – achado tardio.
Achados radiográficos periféricos podem ser vistos nas artculações acometdas, com osteoartrite secundária, levando a redução de espaço ar tcular difuso em toda a artculação, esclerose subcondral e formação de osteófitos. Isso é comum nos quadris. Podem ocorrer também irregularidades na inserção óssea dos tendões (geralmente na inserção do tendão de Aquiles ou na inserção calcânea da fáscia plantar), com calci ficações grosseiras ao longo do tendão, partndo de sua inserção.
- Quadratura dos corpos vertebrais (que são normalmente bicôncavos); - Sindesmófitos simétricos e regulares, bem ver tcalizados e marginais; - Coluna “em bambu”.
Mais recentemente, dados os avanços terapêu tcos no tratamento das espondiloartrites e a necessidade de diagnóstco inicial, em pacientes sem doença francamente deformante, a Ressonância Magné tca Nuclear (RMN) ganhou bastante importância. Novos critérios de espondiloartrites foram desenvolvidos recentemente, incluindo achados de RMN, que contnua a ter maior u tlidade nos quadros iniciais, em que não há achados à radiogra fia simples. A RMN para esse fim deve incluir sequências STIR ou com contraste, para realçar as alterações in flamatórias. A RMN pode prover dados importantes de a tvidade inflamatória inicial, bem antes das alterações encontradas no raio x, tanto nas artculações sacroilíacas (Tabela 6) como na coluna vertebral (Tabela 7).
Figura 16 - Sacroileíte bilateral: observar a redução do espaço nas sacroilíacas e a esclerose óssea
Tabela 6 - Achados de sacroileíte na RMN de sacroilíacas Lesões inflamatórias agudas - Edema de medula óssea (osteíte); - Capsulite; - Sinovite; - Entesite. Lesões inflamatórias crônicas - Esclerose; - Erosão; - Deposição de gordura; - Pontes ósseas/anquilose. Tabela 7 - Achados de envolvimento espinal in fl amatório na RMN de colunas - Espondilite: inflamação do corpo da vértebra; - Espondilodiscite: inflamação da placa cor tcal adjacente ao disco intervertebral; - Artrite das ar tculações zigoapofisárias: artrite costovertebral;
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Figura 17 - Formação de sindesmó fi tos na coluna vertebral
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS
eram adequados para a detecção da doença em estágios precoces. Logo, em 2009 o ASAS ( The Assessment of Spondyloarthri ts Internat onal Society ) forneceu os novos critérios de classificação das espondiloartrites (Tabela 9). Tabela 8 - Critérios de Nova Iorque modi fi cados para espondilite anquilosante (1984) Diagnóstco 1. Critério clínico: a) Dor lombar com rigidez por mais de 3 meses, que melhora com o exercício, mas não com o repouso. b) Limitação na mobilidade da coluna lombar nos planos sagital e frontal. c) Limitação na expansibilidade da caixa torácica. 2. Critério radiológico: - Sacroileíte: grau >2 bilateralmente ou grau 3 a 4 unilateralmente. Definição Figura 18 - Sindesmó fi tos bilaterais, com o aspecto de coluna “em bambu”
1. EA definida, se tver critério radiológico associado a pelo menos 1 critério clínico. 2. EA provável: a) Presença de 3 critérios clínicos. b) O critério radiológico está presente sem qualquer sinal ou sintoma que satsfaça os critérios clínicos (outras causas devem ser consideradas). Tabela 9 - Critério ASAS 2009 para as espondiloartrites Critérios do ASAS para a classificação das espondiloartrites axiais Aplicado para pacientes com dor lombar crônica de início antes dos 45 anos Sacroileíte em imagem + pelo menos 1 achado suges tvo de espondiloartrite* ou HLA-B27 positvo + pelo menos 2 achados suges tvos de espondiloartrite*
Figura 19 - Sindesmó fi tos
- Dor lombar in flamatória; - Artrite;
C - Achados laboratoriais Podem ocorrer leve anemia normocí tca normocrômica de doença crônica, leucocitose e trombocitose discretas. Os reagentes de fase aguda (PCR, VHS) estão aumentados em apenas 50% dos casos e estão associados à presença de artrite periférica. FAN e FR são nega tvos, e HLA-B27 é positvo em 90% dos pacientes brancos com EA. Em quadros em que o diagnós tco está claro, o HLA-B27 não tem indicação de pesquisa. Entretanto, no esforço de diagnos tcar casos mais precocemente, a Sociedade Internacional de Espondiloartrites (ASAS) estabeleceu novos critérios para espondiloartrites, incluindo o HLA-B27 tanto como critério maior como menor.
D - Diagnóstco Os critérios antgamente utlizados para a EA são os de Nova Iorque modi ficados (Tabela 8), porém estes não
- Uveíte; - Dactlite; - Psoríase; - Doença de Crohn ou retocolite; - Boa resposta aos AINH; - História familiar de espondiloartrite; - HLA-B27+; - PCR elevada. * Achados sugest vos de espondiloartrite.
O diagnóstco diferencial inclui todas as outras espondiloartrites soronegatvas, sobretudo na vigência de artrite periférica predominante, entesite, dac tlite ou manifestações mucocutâneas. O envolvimento da coluna pode ainda ser diferenciado de DISH, ocronose e síndrome SAPHO. Já o comprome tmento das sacroilíacas faz diagnós tco diferencial com uma série
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA de doenças que incluem infecções (tuberculose, brucelose, piogênicas), doença de Behçet, doença de Whipple, doença de Paget, neoplasias, febre familiar do Mediterrâneo, ocronose e síndrome SAPHO.
E - Tratamento Inicialmente, o paciente espondilí tco deve ser informado de que, embora a doença seja crônica, apresenta boas perspectvas terapêutcas nos dias de hoje, e de que a agregação familiar da doença somente costuma ser observada em famílias de pacientes HLA-B27 positvo. O amparo psicológico, visando perfeita integração à sociedade, é fundamental na condução terapêutca dos pacientes espondilí tcos. A fisioterapia deve ser realizada de maneira sistemá tca em todos os estágios da doença para educação postural, preservação de amplitude ar tcular e conservação de energia. Os Ant-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs) devem ser utlizados desde o início do tratamento e são modi ficadores de doença no que se refere ao quadro axial. Devem ser mantdos contnuamente, na maior dose tolerada (a máxima, se possível), mesmo que o paciente com quadro axial esteja assintomátco por uso de outra medicação (notar que essa a única indicação de uso con nuo de AINH em dose plena).
Os cortcoides em baixas doses (prednisona ou equivalente) estão indicados a casos de artrite periférica persistente. Seu uso intra-ar tcular pode ser uma alterna tva em casos de oligo ou monoartrite residual. Nos pacientes com doença axial não responsiva ao uso crônico de AINHs, estão indicados os agentes an t-TNF (adalimumabe, etanercepte e in fliximabe), que devem ser associados a um AINH. Em caso de doença residual predominantemente periférica, podem-se usar Drogas Modi ficadoras do Curso da Doença (DMCDs) tradicionais de ação prolongada, como a sulfassalazina (2 a 3g /dia), o metotrexato (7,5 a 25mg/semana) e a le flunomida (20mg/dia), os 2 úl tmos sem muita evidência cien fica, assim como os agentes biológicos com ação ant-TNF. Nesses casos periféricos, pode-se fazer a combinação entre DMCDs tradicionais entre si e um ant-TNF com 1 ou mais DMCDs tradicionais. Os an t-TNFs adalimumabe e infliximabe têm ação sobre os quadros oculares (uveíte), sobre as entesites e quadros intes tnais de colite associada, diferente do etanercepte, que age preferencialmente sobre o quadro ar tcular. Sintomas consttucionais como fadiga, depressão e alterações do sono podem ser tratados com an tdepressivos tricíclicos.
Tabela 10 - Drogas usadas comumente no tratamento da EA DMCD AINHs
Dose usual e via de administração
Indicações
Dose máxima de um determinado AINH deverá ser man tda O uso con nuo do AINH em dose máxima é o único tracontnuamente, mesmo se o quadro axial for assintomá t- tamento comprovadamente capaz de evitar progressão raco, caso o paciente não tenha uma contraindicação formal. diográfica da doença axial. Em EA, é considerado um DMCD. DMCDs tradicionais
Sulfassalazi1,5 a 3g/dia VO na
Artrite periférica refratária a AINHs, com alguma evidência cien fica.
Metotrexato
7,5 a 25mg/semana (considerado eficaz em doses >12,5mg/ Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência cien fica. semana). Pode ser dado VO, SC ou IM
Leflunomida
20mg/dia. Não é muito usado em EA.
Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência cien fica. Pouco usado depois do advento dos biológicos.
Azatoprina
1 a 2mg/kg/dia (50 a 300mg/dia dependendo do peso).
Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência cien fica. Pouco usado depois do advento dos biológicos.
2 a 3mg/kg/dia (100 a 300mg/dia dependendo do peso).
Artrite periférica refratária a AINHs, sem evidência cien fica. Pouco usado depois do advento dos biológicos.
Ciclosporina
DMCDs biológicas (apenas medicamentos com ação an t-TNF) Adalimumabe 40mg SC, a cada 14 dias.
Antcorpo monoclonal humano com ação ant-TNF-alfa, indicado em casos axiais refratários a AINH e periféricos refratários a AINHs ou DMCDs tradicionais. Também é eficaz para uveíte, entesite e doença intestnal inflamatória associada.
Etanercepte
50mg SC, 1x/semana.
Proteína de fusão com ação ant-TNF-alfa, indicada em casos axiais refratários a AINH e periféricos refratários a AINHs ou DMCDs tradicionais.
Infliximabe
3-5mg/kg IV nas semanas 0, 2, 6 e então a cada 6 a 8 semanas.
Antcorpo monoclonal quimérico com ação ant-TNF-alfa, indicado em casos axiais refratários a AINH e periféricos refratários a AINHs ou DMCDs tradicionais. Também é eficaz para uveíte, entesite e doença intestnal inflamatória associada.
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ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS
AINH Educação Exercício
Doença axial
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Doença periférica
Fisioterapia Reabilitação
Analgésicos
Sulfassalazina
Cirurgia
Associação de pacientes Corticosteroide local Grupos de ajuda
Bloqueador do TNF
Figura 20 - Tratamento das espondiloartrites. Fonte: ASAS Handbook, 2009
4. Artrite rea tva
Tipo de infecção
A artrite rea tva (ARe) é uma forma de artrite periférica, habitualmente acompanhada por 1 ou mais manifestações extra-artculares, que aparecem após certas infecções dos aparelhos geniturinário e gastrintes tnal. A maioria dos indivíduos afetados é de homens jovens (na 3ª década de vida), mas também podem ser acome tdos mulheres e indivíduos em qualquer idade. A relação entre homens e mulheres é de 9:1. Entre 50 e 80% dos pacientes têm o an geno leucocitário humano HLA-B27, e, quando ocorre envolvimento axial concomitante, a frequência do HLA-B27 é de 90%. Brancos são mais afetados do que outros grupos raciais ou outros grupos com baixa incidência de HLA-B27. Casos têm sido relatados após epidemias de doença diarreica por Shigella, Salmonella e Campylobacter , assim como infecções não gonocócicas do aparelho geniturinário, geralmente por Chlamydia trachoma t s. Devido à elevada frequência de HLA-B27, ao possível envolvimento do esqueleto axial de forma muito parecida com a EA, e ao envolvimento artcular periférico com oligoartrite de predomínio de membros inferiores e entesites, sem relação com a presença de fator reumatoide, a ARe também é classificada como uma espondiloartrite. A descrição original da ARe feita um jovem alemão, após um quadro de diarreia sanguinolenta, desenvolvendo a tríade clínica de uretrite não gonocócica, conjun tvite e artrite. O termo síndrome de Reiter, em sua homenagem, se restringe à ARe que se manifesta com essa tríade, mas tem sido recentemente desencorajado pelo seu envolvimento com crimes de guerra na 2ª Guerra Mundial. Tabela 11 - Infecções mais comumente associadas à artrite reat va Tipo de infecção Urogenital
Agente infeccioso - Chlamydia trachomat s; - Ureaplasma urealy tc um.
Agente infeccioso - Yersinia enterocoli tc a; - Yersinia pseudotuberculosis;
Trato digestvo
- Salmonella sp; - Shigella sp; - Campylobacter .
Trato respiratório
- Streptococcus; - Chlamydia pneumoniae.
A - Apresentação clínica A ARe tpicamente tem início agudo, de 1 a 4 semanas após uma infecção venérea não gonocócica ou gastroenterite. História anterior de infecção precedendo o quadro pode ser relatada, porém infecção genital comumente é assintomátca. Sintomas cons ttucionais, como febre e perda de peso, são possíveis. a) Manifestações artculares e periartculares O envolvimento ar tcular periférico é o mais característco da ARe (90% dos casos) e geralmente é agudo, adi tvo, assimétrico e oligoar tcular, com predomínio nas ar tculações dos membros inferiores, especialmente joelhos, tornozelos e pequenas ar tculações dos pés. Em média, 1/3 dos pacientes tem exclusivamente artrite de membros inferiores. O acometmento do quadril é incomum, mas ar tculações esternoclaviculares, ombros e temporomandibulares também podem estar acome tdos. As artculações afetadas pela ARe tpicamente encontram-se edemaciadas, quentes e dolorosas, podendo sugerir uma artrite séptca. Quando quirodác tlos e pododáctlos são acometdos, apresentam um edema difuso, e são denominados dedos “em salsicha” ou dac tlites (Figura 21), um achado característco da ARe e da artrite psoriásica. Na ARe, ocorrem em 50% dos casos.
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REUMATOLOGIA
Figura 21 - Dedo “em salsicha” ou dac t lite no 2º pododáct lo direito em paciente com ARe. Fonte: ABC of Rheumatology, 4th ed., 2010
Pode haver ainda inflamação dos tendões, ligamentos, fáscias e suas inserções. Entesite (Figura 22) é mais frequente na inserção da fáscia plantar ou na inserção do tendão de Aquiles no calcâneo, levando a uma das manifestações mais frequentes da doença: dor no calcanhar. Outros locais comuns de entesite incluem tuberosidade isquiá tca, crista ilíaca e tuberosidade tbial. Lombalgia e dor nas nádegas são comuns na ARe e ocorrem em aproximadamente 50% dos casos, provavelmente causadas por envolvimento in flamatório da coluna e da artculação sacroilíaca. Entretanto, as alterações radiográ ficas no esqueleto axial estão presentes em 20% dos pacientes. Nos casos que se tornam crônicos e não ficam autolimitados, o envolvimento radiográfico axial chega a 70%.
Habitualmente, C. trachomat s é causa de uretrite ou cervicite e o agente-ga tlho para a ARe. Neisseria gonorrhoeae também pode ser encontrada no trato genital e geralmente coexiste com infecção por Chlamydia, mas não causa ARe. Já Ureaplasma urealy t cum pode causá-la. Conjuntvite ocorre em 1/3 dos casos e, quando presente, geralmente acompanha a uretrite ou se desenvolve vários dias após. Como os sintomas são transitórios e leves, pacientes devem ser ques tonados sobre irritação ocular recente, especialmente pela manhã, o que sugere uma inflamação ocular. Os pacientes podem apresentar hiperemia conjuntval bilateral, com sensação de queimação e exsudato. A conjuntvite não tem relação com HAL-B27. Uveíte anterior aguda (irite) tpicamente é unilateral, mas pode ser bilateral, acompanhada de conjun tvite com eritema ocular importante, dor, borramento visual e fotofobia (Figura 23). Ocorre com menor frequência que na EA (15 a 20%) e pode ocorrer e recorrer em qualquer momento do curso da doença. Alguns pacientes podem desenvolver uveíte anterior crônica que pode resultar em perda da visão.
Figura 23 - Uveíte anterior aguda em paciente com artrite rea t va. Fonte: Rheumatology in Pract ce
O queratoderma blenorrágico (Figura 24) é um tpo de lesão cutânea papulodescamatva que acomete a região plantar e palmar, assemelhando-se à psoríase pustulosa. Ocorre em cerca de 25% dos pacientes com ARe e pode afetar outras áreas. Quando a tnge o leito subungueal, as unhas das mãos e dos pés podem tornar-se quebradiças e opacas, assemelhando-se às alterações encontradas nas infecções micótcas e psoriásicas.
Figura 22 - Entesite em tornozelo
b) Manifestações extra-ar tculares Uretrite não gonocócica, quando presente, em geral é a 1ª manifestação e acontece nas formas pós-venérea e pós-entérica. Disúria e descarga uretral purulenta são os sintomas mais picos no homem, mas estão presentes, ocasionalmente, prostatte e/ou epididimite. Mulheres podem ter disúria, corrimento vaginal, cervicite e/ou vaginite. Pacientes assintomátcos para inflamação genital frequentemente têm piúria estéril, principalmente na 1ª urina da manhã.
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Figura 24 - Queratoderma blenorrágico. Fonte: ABC of Rheumatology, 4th ed., 2010
A balanite circinada (Figura 25), uma lesão caracterís tca que envolve a glande peniana, aparece como ulcerações serpiginosas ao redor da uretra. Úlceras orais podem aparecer na língua e no palato, indolores. O paciente deve ser questonado sobre essas alterações.
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS
trombocitose discretas. Os reagentes de fase aguda (PCR, VHS) estão aumentados, FAN e FR são negatvos, e HLA-B27 é positvo em aproximadamente 50 a 80% dos pacientes brancos com AR. A análise do líquido sinovial mostra alterações do tpo inflamatória, podendo atngir altos níveis de leucócitos. A pesquisa de agentes infecciosos, incluindo gonococo, deve ser feita para excluir artrite sép tca.
D - Diagnóstco
Figura 25 - Balanite circinada: observar as lesões de aspecto ser piginoso
Outras complicações são menos comuns, como a aortte, que ocorre em 1 a 2% dos pacientes. Regurgitação de válvula aórtca e bloqueio cardíaco são consequências clínicas do processo inflamatório. Amiloidose por amiloide A tem sido descrita em alguns casos e se manifesta por proteinúria ou síndrome nefró tca. c) Associação a HIV A ARe tem sido relatada com frequência em pessoas com HIV, e sua prevalência e gravidade podem estar aumentadas em associação aos vírus. Estudos recentes mostram que o HIV isolado não causa a doença, mas sua associação a outras doenças, como infecção por Chlamydia, pode ser responsável pelo desenvolvimento de ARe.
B - Achados radiográficos Anormalidades na radiogra fia não são encontradas em fases iniciais da doença. Alterações encontradas são reação periosteal e erosões ósseas no calcâneo, na inserção da fáscia plantar e/ou tendão de Aquiles. Achados similares podem ser encontrados em pacientes com EA ou artrite psoriásica. Algumas alterações são mais comumente vistas nos pés, envolvendo as artculações metatarsofalangianas com destruição óssea. Alterações radiográficas do esqueleto axial incluem sacroileíte, frequentemente unilateral ou bilateral assimétrica, e sindesmófitos, mais grosseiros e unilaterais se comparados com a EA.
C - Achados laboratoriais Achados inespecí ficos podem incluir leve anemia normocí tca normocrômica de doença crônica, leucocitose e
O diagnóstco é feito por achados clínicos e laboratoriais. A presença de oligoartrite assimétrica, soronega tva (FR negatvo) em pessoa jovem, deve alertar o médico para o diagnóstco de ARe. Antecedentes de diarreia e doença venérea podem ser informações adicionais. Devem ser excluídas infecção gonocócica e outras formas de artrite sép tca. Em todas as pessoas com sinais de inflamação baixa do trato geniturinário, deve ser feita a pesquisa de N. gonorrhoeae e C. trachomat s. O diagnóstco diferencial inclui ainda outras formas de espondiloartrites, artrite reumatoide (que pode iniciar-se de forma oligoar tcular), infecção gonocócica disseminada, infecções virais agudas e endocardite bacteriana. Tabela 12 - Principais característ cas da ARe - Artrite periférica que se desenvolve após certas infecções dos aparelhos genitourinário e gastrintestnal (infecções geniturinárias não gonocócicas, geralmente por Chlamydia trachomat s ou doença diarreica por Shigella, Salmonella e Campylobacter ); - Acomete mais homens jovens (relação entre homens e mulheres é de 9:1); - Oligoartrite assimétrica com predomínio nos membros inferiores; - Entesites (por exemplo, calcaneodinia) e dactlites; - Pode ocorrer envolvimento axial, que se associa à presença de HLA-B27; - Início agudo (1 a 4 semanas após a infecção desencadeante); - Manifestações extra-artculares: uretrite não gonocócica, conjuntvite, uveíte anterior aguda (irite), queratoderma blenorrágico, balanite circinada; - Associação a HIV.
E - Tratamento Na fase artcular aguda, inicia-se o tratamento com AINHs. Os cortcoides estão reservados para casos de entesopata e artrites persistentes, sendo u tlizadas baixas doses de prednisona. Quando há evolução para doença ar tcular crônica, podem ser utlizados sulfassalazina ou metotrexato nos casos periféricos. Há relatos de uso de agentes an t-TNF (adalimumabe, etanercepte ou in fliximabe) em pacientes que cronificam o envolvimento ar tcular, sobretudo axial. A administração de antbiótcos deve ser considerada quando há infecção. Nas infecções entéricas, está indicado
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA o tratamento quando a infecção não é autolimitada. Os seguintes antbiótcos podem ser u tlizados: ciprofloxacino ou sulfametoxazol + trimetoprim. Em pacientes com infecção do trato geniturinário por Chlamydia, está indicada a tetraciclina ou seus derivados.
5. Artrite relacionada às doenças inflamatórias intestnais (enteroartrites) A - Apresentação clínica A artrite periférica acontece em cerca de 20% dos pacientes com Doença de Crohn (DC) ou Retocolite Ulcera tva (RU). A prevalência é ligeiramente maior na DC. Pode ocorrer acometmento periférico, com artralgias migratórias ou artrite aditva, não erosiva, oligoar tcular, usualmente assimétrica e predominantemente de membros inferiores, acometendo mais comumente joelhos, tornozelos e pés. Grandes derrames artculares, especialmente em joelhos, são comuns. Deformidades são raras. A artrite periférica pode acompanhar a a tvidade da doença in flamatória intestnal e melhorar com o controle da mesma. Na RU, a colectomia para controle da doença intes tnal pode levar à remissão da artrite, mas isso não acontece na DC. A presença de artrite periférica enteropá tca não se associa à presença de HLA-B27. Acometmento da coluna, incluindo sacroileíte, acontece em cerca de 10% das pessoas com doenças in flamatórias intestnais e frequentemente é assintomá tco. Homens desenvolvem complicações mais habitualmente que mulheres (3:1). O envolvimento axial tem um curso independente da atvidade da doença intestnal, e a colectomia terapêu tca não se reflete na atvidade de doença axial. O HLA-B27 é encontrado com menor frequência nessa doença (aproximadamente, 50% nos casos com envolvimento axial). Os sintomas clínicos, sinais e achados radiológicos das espondiloartrites associadas às doenças intes tnais são indistnguíveis da EA. O aparecimento da artrite pode anteceder os sintomas gastrintestnais, apresentando-se inicialmente como uma forma indiferenciada da EA. Manifestações extra-artculares da doença in flamatória intestnal também podem ocorrer em 24% dos casos: a complicação cutânea mais comum é o eritema nodoso, que costuma acompanhar a a tvidade inflamatória intestnal e artcular periférica. O pioderma gangrenoso é menos frequente, mas é mais grave, com aparecimento de úlceras profundas e dolorosas na pele. É possível haver úlceras orais recorrentes na DC, as quais re fletem a atvidade intestnal na DC. Uveíte anterior aguda, unilateral, alternante, similar àquelas encontradas nas outras espondiloartrites, são encontradas em 11% dos casos de enteroartrites. Na DC, pode ocorrer uma uveíte granulomatosa, mais grave e persistente. Febre e perda de peso também são comuns.
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B - Achados radiográficos A artrite periférica não é erosiva às radiogra fias, exceto no quadril. Os achados axiais são semelhantes aos da EA, com sacroileíte e envolvimento da coluna simétrica, com sindesmófitos bem ver tcalizados e delicados. A RMN pode mostrar sacroileíte inicial assintomátca nesse grupo.
C - Achados laboratoriais A anemia é comum e re flete inflamação crônica e perda sanguínea gastrintestnal. Pode haver leucocitose e trombocitose. As provas de fase aguda, como PCR e VHS, estão elevadas na atvidade da doença. FR e FAN são nega tvos, mas o ANCA pode ser posi tvo, geralmente padrão perinuclear (p-ANCA). Tabela 13 - Principais característ cas das enteroartrites - Artrite periférica (20% dos pacientes com DC ou RU); - Não erosiva, oligoartcular, assimétrica e predominantemente dos membros inferiores; - Pode acompanhar a atvidade da doença inflamatória intestnal e melhorar com o seu controle; - Artrite periférica enteropátca não se associa à presença de HLA-B27; - Envolvimento axial: mais comum em homens; - Curso independente da doença intestnal; - Associação a HLA-B27; - Sindesmófitos finos e regulares; - Sacroileíte frequentemente assintomátca; - Manifestações extra-artculares: eritema nodoso e pioderma gangrenoso; - Uveíte.
D - Tratamento Os princípios terapêutcos são os mesmos da EA. Os AINHs, entretanto, não são prescritos de ro tna em pacientes com artrite enteropá tca, pois podem desencadear a tvidade da doença in flamatória intestnal, partcularmente da DC. Além disso, é possível causar ulceração ou sangramento intestnal e confundir com a tvidade de doença. É preferível o uso de cor tcoides em baixas doses, podendo ser elevadas em casos de inflamação intestnal importante. Os cor tcoides também podem ser usados por via intra-ar tcular em casos de artrite periférica. As drogas de base mais u tlizadas para o tratamento dos surtos de a tvidade intestnal são os derivados da 5-ASA, a mesalazina e a sulfassalazina. Esta úl tma também pode controlar a tvidade artcular periférica, mas não axial. Nos casos periféricos, mesmo sem evidência cien fica clara, metotrexato e aza toprina podem ser indicados. Medicamentos com ação ant-TNF, partcularmente o infliximabe e o adalimumabe, têm se mostrado efe tvos no controle da doença intes tnal e artcular axial e periférica, inclusive com fechamento de f stulas na DC. O etanercepte
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS
se mostrou eficaz no controle da doença ar tcular, mas não da DC intestnal propriamente dita. Acredita-se que diferenças na forma de inibição do TNF sejam responsáveis pela diferença diferença na forma de tratamento.
6. Artrite psoriásica A Artrite Psoriásica (AP) forma um grupo heterogêneo de manifestações ar tculares inflamatórias crônicas em associação à psoríase, uma doença inflamatória cutânea, característca pela presença de lesões eritematodescamatvas, principalmente em faces extensoras do corpo, podendo acometer também o couro cabeludo, as palmas e plantas, áreas flexoras e unhas, com alterações característcas. A AP pode apresentar-se de muitas formas: monoartrite, oligoartrite assimétrica, envolvimento de ar tculações axiais (com caracterís tcas de espondiloartropa tas soronegatvas), poliartrite simétrica (semelhante à artrite reumatoide), e artrite mu tlante. A prevalência da AP é de aproximadamente 0,1 a 1%. A artrite ocorre em 10% dos pacientes com psoríase. O acometmento da pele costuma preceder a artrite em 75% dos casos, com início simultâneo em 10% dos pacientes. Na minoria restante (15%), a artrite pode anteceder o surgimento da psoríase em cerca de 2 anos. A relação entre homens e mulheres é de 1:1, exceto em sub tpos especí ficos, com predominância do sexo feminino na forma poliar tcular simétrica e do sexo masculino na forma com envolvimento axial. A idade de maior prevalência está entre os 30 e os 55 anos. A e tologia da psoríase é desconhecida. Fatores gené tcos, ambientais e imunológicos estão envolvidos na susce tbilidade e na expressão da doença.
A - Achados clínicos Classicamente, a AP apresenta 5 formas clínicas: - Oligoartrite assimétrica (70%): (70%): a forma clínica mais frequente acomete até 4 ar tculações, grandes e/ou pequenas, com predomínio de membros inferiores, geralmente de forma assimétrica. Dac tlites são comuns, caracterizando os dedos “em salsicha”; (15%): apresenta quadro ar tcular - Poliartrite simétrica (15%): apresenta muito semelhante ao da artrite reumatoide, com erosão e acometmento de carpo, metacarpofalangianas e interfalangianas proximais. Entretanto, pode acometer concomitantemente as artculações interfalangianas distais, classicamente não afetadas na artrite reumatoide (Figura 26); (5%): aco- Envolvimento de interfalangianas distais (5%): mete exclusivamente as ar tculações interfalangianas distais (Figuras 27 e 28), geralmente associado às lesões ungueais picas picas da psoríase (unha “em dedal” ou ng nail ); pi ); pode acometer conjuntamente conjuntamente pacientes com outros padrões em até 50% dos casos; - Artrite mu tlante (<5%): é (<5%): é a forma clínica menos frequente e mais grave, acometendo geralmente indi-
víduos jovens, na 2ª e 3ª décadas de vida. Afeta as pequenas artculações das mãos e dos pés, evoluindo para deformidades importantes (Figura 29) e encurtamento dos dedos (dedos “telescopados”); - Forma espondilí tca (5%): (5%): com envolvimento do esqueleto axial, com espondilite e sacroileíte. Pode acompanhar as outras formas em até 40% dos casos. As formas de apresentação da doença podem sobrepor-se com o passar dos anos. Pacientes com doença estabelecida têm mais doença poliar tcular. a) Artrite periférica Costuma ser oligoartcular no início da doença, mas, com o passar dos anos e um número maior de ar tculações sendo acometdas, tende a tornar-se poliartcular. Algumas característcas ajudam a diferenciar a AP da AR: a AP é mais frequentemente assimétrica, pode acometer as interfalangianas distais (poupadas na AR), tem FR costumeiramente nega tvo (embora possa ser positvo numa minoria de casos – <10% se medido por ELISA), acomete homens e mulheres igualmente e tem característcas radiográficas peculiares com a lesão tpo penc po pencil-i il-inn-cup. -cup. Pode ainda manifestar-se como artrite mu tlante. b) Envolvimento axial A AP pode acometer sacroilíacas e a coluna. Entretanto, Entretanto, assim como nas artrites reatvas e diferentemente da EA e das espondiloartropatas associadas à doença inflamatória intestnal, o envolvimento axial costuma ser assimétrico, com sindesmófitos grosseiros. Apenas parte dos pacientes com manifestações radiográ ficas tem clínica de dor in flamatória associada. A grave limitação do esqueleto axial como na EA também é menos comum. c) Outras manifestações ar tculares/periartculares Outras manifestações podem ser entesites, dac tlites e tenossinovites. As primeiras costumam acometer a inserção do tendão de Aquiles e da fáscia plantar no calcâneo, levando à pica pica dor em tornozelos das espondiloartrites (calcaneodinia). Pode acometer também as ênteses em joelhos, ombros e ossos da pelve. As dac tlites ou dedos “em salsicha” são picas picas da AP e da ARe, afetando principalmente os pés, mas também as mãos. A dac tlite resulta da artrite dos dedos com tenossinovite dos flexores do dedo envolvido, levando ao edema difuso do dedo. As tenossinovites costumam acometer os tendões flexores exores dos dedos e o extensor do carpo (pouco acome tdo na AR) e provocar nódulos e muita limitação funcional.
Figura 26 - Artrite psoriásica t po AR
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REUMATOLOGIA lar sugestvo de AP, na ausência de lesões em faces extensoras e ungueais, é mandatório pesquisar toda a super f cie cie corpórea do pacientes, desnudo, para buscais lesões em regiões mais escondidas.
Figura 27 - Artrite psoriásica com acomet mento mento de IFD
Figura 28 - Artrite psoriásica com acomet mento mento ungueal e de IFD
Figura 30 - Psoríase em joelhos
Figura 29 - Artrite psoriásica forma mu t lante lante
d) Manifestações cutâneas A psoríase cutânea cons ttui pré-requisito para o diagnóstco. A psoríase vulgar é a forma mais comum de apresentação associada a AP. A lesão psoriásica pica pica é bem delimitada, em placas, eritematosas e descama tvas (Figura 30), e se manifesta pelo acome tmento das superf cies cies extensoras, principalmente de cotovelos e joelhos. Pode acometer o couro cabeludo, as pregas glúteas, o sulco interglúteo e áreas flexoras exoras de membros e troco (sulcos inframamários, umbigo, região inguinal). A psoríase gutata também gutata também se associa a AP, mas é menos comum. O envolvimento das unhas pode ser o único achado clínico em pacientes que desenvolvem artrite. Os principais ng nail ou unha “em dedal” achados são depressões ( pi pi – Figura 31), onicólise, depressões transversais, queratose, descoloração amarelo-amarronzada (sinal da gota de óleo). Nenhuma dessas alterações é especí fica da psoríase. O envolvimento ungueal se correlaciona com o envolvimento das interfalangianas distais. Na presença de quadro ar tcu-
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Figura 31 - Observar a presença de depressões na unha (unha “em dedal” ou pi ng nail)
e) Outras manifestações extra-ar tculares Envolvimento ocular pico pico das espondiloartrites tem sido observado dos pacientes, com uveíte anterior aguda em 7% dos casos. Outros achados como insu ficiência aórtca, uretrite asséptca, colite inespecí fica, fibrose pulmonar de lobos superiores e amiloidose podem ocorrer, ocorrer, porém são raros e menos frequentes que nas outras espondiloartrites.
B - Achados radiológicos Diversos aspectos radiográficos podem ser encontrados na doença. A artrite periférica geralmente geralmente causa lesões assimétricas e se manifesta radiogra ficamente por erosões ósseas destrutvas, com proliferação óssea intensa associada, inclusive em interfalangianas distais. A destruição óssea intensa (osteólise) pode provocar esculpimento e a filamento
ESPONDILOARTRITES SORONEGATIVAS
da porção distal das falanges e lesão em aspecto de taça nas porções proximais. Uma falange a filada distalmente em artculação com outra cuja base foi alargada em forma de taça leva à caracterís tca lesão tpo pencil-in-cup po pencil-in-cup (Figura (Figura 32). A artrite mu tlante se manifesta radiograficamente por total desarranjo ar tcular e intensa (e até total) destruição óssea. O envolvimento axial é caracterizado por formação de sindesmófitos grosseiros, não marginais, na coluna, organizados de forma assimétrica e sacroileíte também grosseira e assimétrica. A anquilose na coluna e em sacroilíacas também pode acontecer.
Tabela 14 - Critérios classi fi catórios catórios de artrite psoriásica. Grupo Caspar, 2006 Doença artcular inflamatória estabelecida estabelecida e pelo menos 3 pontos nos seguintes critérios Psoríase cutânea atual
2 pontos
História de psoríase
1 ponto
História familiar de psoríase
1 ponto
Dactlite
1 ponto
Neoformação óssea justa-ar tcular
1 ponto
Fator reumatoide negatvo
1 ponto
Distrofia ungueal
1 ponto
D - Tratamento
tculações, Figura 32 - Observar o acomet mento mento assimétrico das ar t c ulações, mais evidente em IFD, o aspecto pencil-in-cup na 3ª interfalangiana distal
C - Diagnóstco Segundo os critérios de Caspar C aspar,, deve ser feito com base na presença de psoríase atual, história pessoal ou familiar de psoríase cutânea, presença de alterações ungueais de psoríase, negatvidade do fator reumatoide, presença de dactlite e evidência radiológica de formação óssea justa-artcular, que não osteó fitos. Os diagnós tcos diferenciais incluem artrite reumatoide, outras espondiloartrites, osteoartrite e síndrome SAPHO. A AR geralmente é poliar tcular simétrica (mas pode se iniciar oligoar tcular, e AP pode ser poliartcular), com fator reumatoide posi tvo em 75% dos casos contra menos de 10% nos casos de AP, sem lesões tpo pencil-in-cup po pencil-in-cup ou ou grande formação óssea adjacente às áreas de erosão, sem psoríase associada (embora AR e psoríase possam coexistr pela alta prevalência de ambas na população: 1 e 3%, respec tvamente), sem quadro ar tcular axial, dactlites ou entesites suges tvos de espondiloartrites e sem envolvimento da interfalangiana distal. As outras espondiloartrites se dis tnguem pelos achados mucocutâneos e radiográficos, e a osteoartrite, principalmente quando a AP acomete as interfalangianas distais, também envolvidas na osteoartrite. Segundo os critérios de Caspar, o diagnós tco de AP deve ser obtdo com base na Tabela 14.
Os ant-inflamatórios são utlizados para a dor ar tcular periférica e axial. Os cor tcoides podem ser u tlizados em baixas doses em casos de artrite periférica, mas devem ser evitados porque sua re trada pode piorar o quadro cutâneo. Injeções intra-ar tculares de cor tcoide podem ser feitas episodicamente em mono ou oligoartrites, tendo efeito sintomátco rápido, mas transitório. Só deve ser realizada caso de não haja lesão cutânea sobre a via de acesso ar tcular, pois a lesão da psoríase é infectada. Nos casos não responsivos com envolvimento periférico, podem ser u tlizados metotrexato, metotrexato, sulfassalazina, ciclosporina e leflunomida, todos com algum bene f cio cio artcular periférico e cutâneo, à exceção da sulfassalazina, sem benef cio cio cutâneo. Os agentes an t-TNF (adalimumabe, etanercepte e in fliximabe) têm bene f cio cio provado nas manifestações cutâneas e ar tculares axiais e periféricas. Quando houver quadro axial importante ou na falha de outros agentes para o quadro ar tcular periférico ou para a pele, esses agentes estão indicados. Entretanto, quando indicados para o quadro cutâneo, a dose dos an t-TNFs é maior do que a normalmente prescrita para o quadro ar tcular. Outros agentes biológicos usados no tratamento da psoríase cutânea (alefacepte, efalizumabe) não são usados na forma artcular, e outros agentes biológicos usados em AR não têm bene f cio cio provado em AP.
7. Miscelânea A - Síndrome SAPHO (Sinovite + Acne + Pustulose palmoplantar + Hiperostose esternocostoclavicular + Osteíte multfocal crônica recorrente) É um diagnós tco diferencial das espondiloartrites soronegatvas, sobretudo com a AP, que quadro de pustulose plantar, plantar, pode simular psoríase palmoplantar. palmoplantar. Pode provocar ainda sacroileíte, hiperostose vertebral e entesopata.
B - Doença de Whipple É uma doença crônica sistêmica rara, que é di f cil cil de diagnostcar. É potencialmente grave e envolve qualquer
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REUMATOLOGIA órgão, mas o intestno delgado é afetado na maioria dos pacientes. A relação entre a doença de Whipple e HLA-B27 não é clara, e os resultados de estudos recentes não suportam a inclusão da doença de Whipple no conceito de espondiloartropata. A doença de Whipple é muito mais frequente em homens que em mulheres (proporção 9:1). As queixas mais comuns são diarréia, perda de peso severa, febre e artrite. Linfadenopa ta cervical e axilar, hiperpigmentação generalizada e serosite também são caracterís tcas comuns. Raramente, o sistema nervoso pode estar envolvido. Artrite periférica é observada em 80% dos casos, e pode preceder as queixas intestnais por até cinco anos. Flares dos sinais artculares não estão relacionadas com os sintomas intestnais. O padrão de envolvimento ar tcular é principalmente poliartcular e simétrica. Achados laboratoriais: baixas concentrações séricas de caroteno e anemia, hipoalbuminemia e baixas concentrações de ferro sérico são as alterações laboratoriais mais frequentes, juntamente com um aumento de gordura nas fezes. O líquido sinovial contém número variável de células (4.000 a 100.000 células/mm3), que são predominantemente polimorfonucleares (até 100%). As lesões erosivas nas radiografias são geralmente ausentes, embora a artrite destrutva tenha sido relatada. A incidência de envolvimento axial é controversa, variando entre 8% a 20%. Tratamento: administração de antbiótcos adequados, geralmente tetraciclinas, pelo menos, um ano geralmente é curatva, mas a doença pode recorrer.
C - Artropata associada à doença celíaca Muitos distúrbios, tais como a derma tte herpetforme, hipoesplenismo e desordens auto-imunes, têm sido associados com a doença. Vários relatos têm-se centrado sobre a ocorrência de artrite relacionada à doença celíaca em um número limitado de casos. Vários pacientes nos quais a patologia do intes tno foi diagnostcada também apresentam artrite proeminentes que resolve com uma dieta livre de glúten. A distribuição da artrite varia. A coluna lombar, quadril, joelhos e ombros são mais comumente afetados, seguido do cotovelo, punho e tornozelo em menos de 50% dos pacientes. Comprometmento artcular periférico é rela tvamente simétrico e é acompanhada de rigidez ma tnal e edema artcular. As alterações radiográ ficas são raras. A alta frequência de HLA-B8, DR3 nos pacientes com doença celíaca tem sido repe tdamente relatados. O tratamento inclui ins ttuição de uma dieta isenta de glúten resolve ambos os problemas ar tculares e as alterações na permeabilidade intes tnal.
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D - Artropatas associados com a cirurgia bypass intestnal Entre 1954 e 1983, mais de 100.000 indivíduos foram submetdos à cirurgia de bypass jejunoileal como um tratamento para obesidade mórbida. Inicialmente, procedimentos de revascularização jejunocólicos foram realizados, mas, por causa de graves complicações metabólicas, foram abandonados e substtuídos por cirurgia de bypass jejunoileal. Entretanto, estas técnicas também levaram a complicações pós-operatórias em mais de 25% dos pacientes. Esta artrite iatrogênica associada à cirurgia de bypass jejunoileal, reconhecida como a síndrome da “artrite-derma tte”, levou a importantes avanços na compreensão das doenças ar tculares inflamatórias. A artrite do bypass também pode ocorrer em pacientes que não tenham sofrido cirurgia de bypass intestnal, mas que tenham tdo algum acometmento intestnal como quadro inflamatório ou diver tcular, ou ainda desarranjos intestnais que causem sobrecrescimento bacteriano.
8. Resumo Quadro-resumo EA Prevalência
>0,1%
Artrite psoriátca
Artrite reatva
0,1%
0,05 a 0,01%
Homem:mulher 3 a 5:1
1:1
9:1
Artrite axial
100%
20%
20%
Sacroileíte
Bilateral
Unilateral
Unilateral
Artrite periférica 25%
60 a 95%
90%
Uveíte
30%
15%
15 a 20%
Dactlite
Incomum
25%
30 a 50%
HLA-B27 +
90%
40%
50 a 80%
HLA-B27 + presença de artrite axial
90%
50%
90%
CAPÍTULO
6
1. Introdução A Febre Reumátca (FR) é uma doença in flamatória multssistêmica, desencadeada pela infecção da orofaringe pelo estreptococo beta-hemolí tco do grupo A de Lance field (EBHGA) e caracterizada por acome tmento do coração, das artculações, do sistema nervoso central, do tecido celular subcutâneo e da pele. Ocorre uma infecção estreptocócica da orofaringe, e a resposta imunológica provocada por ela medeia lesões ao tecido conjuntvo, por reação cruzada de reconhecimento antgênico. O paciente precisa ter tdo contato prévio com os an genos bacterianos para que o organismo os reconheça e a doença possa se estabelecer. Por isso, a FR ocorre, em geral, após os 3 anos.
2. Epidemiologia A FR geralmente afeta indivíduos entre 5 e 15 anos, de qualquer raça e em qualquer parte do mundo. Raramente ocorre antes dos 3 anos. Em adultos, os ataques iniciais ocorrem no final da 2ª e começo da 3ª década de vida. Sua incidência varia de acordo com a região geográ fica e as característcas socioeconômicas de cada população. Alguns fatores, como baixos níveis de higiene, alta densidade demográ fica e dif cil acesso ao sistema de saúde, favorecem o seu aparecimento. A OMS relata que, em países em desenvolvimento, como o Brasil, a incidência da FR excede 100 por 100.000. Estma-se que ela seja responsável por cerca de 60% de todas as doenças cardiovasculares em crianças e adultos jovens. No Brasil, a FR é responsável por 8.000 a 10.000 cirurgias cardíacas por ano na rede pública. Os Estreptococos Beta-Hemolí tcos do Grupo A (EBHGA) são a causa mais comum da faringite bacteriana, a tngindo principalmente crianças e jovens com idades entre 5 e 18 anos. Alguns estudos demonstram que até 70% das crianças em idade escolar em países europeus apresentam tulos significatvos (acima de 200 unidades Todd) de an-
Febre reumátca Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Crist ani Barra de Souza
testreptolisina O. Os soro tpos ditos “reumatogênicos” são,
entre outros, os sorotpos 1, 3, 5, 6 e 18.
3. Etopatogenia Nem todas as infecções por EBHAL causam FR, ou seja, nem todas as cepas desse grupo de bactérias são reumatogênicas, e nem todos os indivíduos são susce veis. As cepas que causam piodermites e infecções de tecidos moles não causam faringite nem FR, mas podem causar glomerulonefrite aguda. Das cepas que causam faringite, as ricas em proteína M, uma proteína externa da parede bacteriana, são mais artritogênicas. A patogenia da doença ainda não é totalmente compreendida, mas parece ocorrer através de reação cruzada, ou seja, mimetsmo molecular: a similaridade entre sequências antgênicas do ser humano e do EBHGA levaria a uma produção de antcorpos induzida pela infecção estreptocócica e direcionados contra an genos bacterianos, mas que agiriam contra estruturas do hospedeiro, desencadeando a lesão tecidual. Pacientes com FR apresentam altos níveis de an tcorpos contra a proteína M, e ela pode atuar como um superan geno, induzindo uma resposta imune excessiva e autoimunidade. Ela impede a fagocitose e a ação do complemento e ajuda a fixar a bactéria na célula epitelial da faringe. Entre 2 e 3% das crianças com infecção estreptocócica desenvolverão FR, o que mostra uma predisposição genétca de alguns indivíduos e que pode estar associada à presença de an genos leucocitários humanos (HLA) nas diversas populações, como DR4 em caucasianos, DR2 em negros e DR3 em indianos. Em nosso meio, foi observada maior frequência do HLA-DR7 e do HLA-DR53. Foram descritos aloan genos na super f cie de células B, não associados ao sistema HLA, denominados 883 e D8/17, que teriam uma forte associação à FR. No entanto, outros estudos não confirmaram esses achados, e o marcador gené tco definitvo para a doença ainda não foi encontrado.
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REUMATOLOGIA 4. Quadro clínico O quadro clínico se inicia após 2 a 3 semanas de um quadro de faringite estreptocócica. Entretanto, 1/3 dos pacientes não se lembra da faringite. A média de idade de acometmento é de 7 anos, principalmente na faixa dos 4 aos 9 anos. Não existe um exame laboratorial, sinal ou sintoma característco da FR. O diagnós tco baseia-se no reconhecimento e combinações de alguns achados clínicos e laboratoriais. Os critérios de Jones modi ficados (Tabela 1), u tlizados como guia para o diagnós tco da FR, baseiam-se na divisão dos achados clínicos e laboratoriais da doença em sinais maiores ou menores, segundo as respec tvas importâncias diagnóstcas. A presença de 2 sinais maiores ou de 1 sinal maior e 2 menores indica alta probabilidade diagnós tca, se acompanhados da evidência de infecção estreptocócica anterior. Nenhum dos critérios de Jones é especí fico de FR. Entretanto, a presença de coreia e/ou cardite (valvulite mitral) permite, habitualmente, maior segurança diagnós tca. Por ocorrer mais tardiamente na evolução da doença, quando os outros achados já passaram, e por ser mais especí fica, a coreia é o único sinal maior que isoladamente permite o diagnóstco de FR. A inespecificidade dos critérios (especialmente os menores), associada ao fato de crianças apresentarem com frequência evidência de infecção estreptocócica anterior, faz que os critérios de Jones (modi ficados) possam ser preenchidos mesmo em pacientes portadores de outras doenças, como artrite reumatoide juvenil, anemia falciforme, leucemia etc. Tabela 1 - Critérios de Jones modi fi cados (1992) para diagnóst co de FR: 2 sinais maiores ou 1 sinal maior e 2 menores, com evidência de infecção estreptocócica anterior, proporcionam alta probabilidade diagnóst ca Critérios maiores - Cardite; - Poliartrite migratória; - Coreia de Sydenham; - Nódulos subcutâneos; - Eritema marginado. Critérios menores Clínicos - Febre; - Artralgia. Laboratoriais - Elevação de reagentes de fase aguda; - Intervalo PR prolongado.
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Mais: evidência de infecção recente causada por estreptococo do grupo A, ou seja, cultura posi tva de orofaringe ou exames positvos para detecção rápida de an genos; e/ou elevação dos antcorpos estreptocócicos. Fonte: Harrison, Medicina Interna, 17ª edição, 2009.
A - Artrite O quadro artcular ocorre em 75% dos casos de FR e é o sintoma mais comum. É mais frequente e mais grave em adultos jovens (100%) e adolescentes (82%) portadores da doença do que em crianças (66%). O acome tmento artcular é precoce e costuma ser o 1º achado, embora cardite assintomátca possa precedê-lo. O quadro clássico é de poliartrite de grandes ar tculações, intensa, muito dolorosa, migratória e fugaz, com boa resposta aos ant-inflamatórios. A artrite manifesta-se em uma artculação, e, quando está regredindo, outra ar tculação é acometda. É assimétrica e começa nos membros inferiores. Há eritema, calor e rubor ar tculares, mas a dor é mais importante do que os sinais in flamatórios objetvos. O surto de artrite tem resolução espontânea e dura de 1 a 4 semanas. As artculações atngidas geralmente são grandes e médias artculações, como joelhos, tornozelos, punhos e ombros, mas pequenas ar tculações de mãos e pés também podem ser envolvidas. Radiografias realizadas nessa fase mostram aumento de volume de partes moles, mas podem estar normais. Tratase de uma artrite não deformante. Entretanto, surtos repetdos sem diagnóstco (o que é cada vez mais raro hoje em dia) podem provocar frouxidão ligamentar e de cápsula artcular, com subluxações e desvios ar tculares não fixos (artropata de Jaccoud). Na prátca, muitos pacientes com artrite e/ou artralgia são tratados empiricamente com salicilatos ou outro AINH. Por causa disso, a artrite pode melhorar rapidamente e não migrar para outras artculações, dificultando o diagnós tco. Na FR, a artrite é rapidamente responsiva aos salicilatos, de forma que a falta de resposta em 48 horas do uso desses agentes torna o diagnóstco improvável.
B - Cardite A incidência de doença cardíaca na FR ocorre em 50 a 60% dos pacientes, mas pode ser assintomá tca. Sua frequência, ao contrário do quadro ar tcular, diminui com a idade (90% em crianças pequenas e 15% em adultos jovens). O acometmento caracteriza-se por uma pancardite, em que endocárdio (mais comumente), miocárdio e pericárdio (menos comumente) estão envolvidos. Na fase aguda, o envolvimento miocárdico pode provocar cardiomegalia, taquicardia, distúrbios de condução e falência cardíaca conges tva. A pericardite pode se manifestar como desconforto ou dor torácicos, derrame ou atrito pericárdico e não costuma evoluir com pericardite constritva. Miocardite e pericardite sem endocardite não
FEBRE REUMÁTICA
são característcas de FR e sugerem inves tgação de outras causas. O dano valvar agudo caracterís tco decorre do envolvimento do endocárdio, provocando valvulite mitral e aórtca, com sopros novos de regurgitação ou estenose, que podem provocar insu ficiência cardíaca aguda. Anormalidades eletrocardiográ ficas encontradas são bloqueios cardíacos de vários graus, incluindo dissociação atrioventricular. A alteração radiográfica mais comum da cardite é a cardiomegalia (Figuras 1 e 2). Estudos u tlizando o ecocardiograma sugerem que esse exame seja mais sensível para detectar disfunções cardíacas. O envolvimento valvar persistente é a principal causa da grande morbimortalidade cardíaca associada à FR. Ocorre de 10 a 20 anos após o surto inicial, sendo a principal causa de doença valvular adquirida em todo o mundo. A válvula mitral é a mais acome tda, seguindo-se o envolvimento conjunto mitral e aór tco e, com menor frequência, o aór tco isolado. A estenose mitral se deve à calci ficação da válvula, que é o achado clássico. Na aór tca, é mais comum a insuficiência. Raramente, a tricúspide e a pulmonar são envolvidas (Figura 3). Este acome tmento valvar, por menor que seja, por si leva a maior susce tbilidade à endocardite infecciosa. Deve-se classificar a gravidade da cardite em: - Cardite subclínica: exame f sico, ECG e raio x normais, porém alteração no intervalo PR. Ecocardiograma com regurgitação mitral e/ou aór tca leves; -
Cardite leve: taquicardia desproporcional ao estado febril, B1 abafada, sopro sistólico mitral, raio x com área cardíaca dentro da normalidade, ECG com prolongamento do espaço PR. Ecocardiograma demonstra regurgitação que varia de leve a moderada e sem alterações de dimensão do ventrículo esquerdo;
-
Cardite moderada: taquicardia persistente e intenso sopro de regurgitação mitral com ou sem sopro aórtco diastólico associado. Pode-se evidenciar sopro de Carey Combs (ruflar mesodiastólico de ponta, baixa intensidade e frequência, melhor audível em decúbito semilateral esquerdo, diferente do sopro da estenose mitral, este não tem estalido de abertura e hiperfonese de B1). Presença de sinais incipientes de ICC e raio x tórax revelando aumento de área cárdica leve e sinais de congestão pulmonar. No ecocardiograma há regurgitação mitral leve a moderada, com ou sem regurgitação aórtca de mesmo padrão e aumento leve-moderado de câmaras cardíacas esquerdas;
-
Cardite grave: moderada + ICC estabelecida, arritmias, pericardite, sopros mais evidentes. RX tórax com intensa cardiomegalia e congestão pulmonar. ECG com sobrecarga de VE. Ecocardiograma com regurgitação mitral e/ou aórtca moderada a severa e aumento de moderado a grave de câmaras esquerdas.
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Figura 1 - Cardiomegalia em paciente com FR
Figura 2 - Radiogra fi a de tórax do mesmo paciente após o tratamento da FR
Figura 3 - Ordem do acomet mento valvar na cardite reumát ca
C - Coreia Coreia de Sydenham, coreia menor ou dança de San Vito, é a desordem neurológica que se manifesta por movimentos abruptos, involuntários e desordenados nos membros e na face. Os movimentos geralmente são mais evidentes em um lado do corpo, podem ser completamente unilaterais (hemicoreia) e desaparecem durante o sono. A coreia ocorre em menos de 10% dos pacientes, tem predomínio em meninas e aparece mais tardiamente que as demais manifestações, cerca de 6 a 8 semanas após a infecção estreptocócica, por isso pode ocorrer isoladamen-
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REUMATOLOGIA te e dar o diagnós tco de FR sem a presença de outros critérios. Tem duração de 1 semana a 2 anos (média de 8 a 15 semanas). Transtornos emocionais, choro e alterações psiquiátricas podem ser observados nestes pacientes. Alguns indivíduos com coreia podem não ter nenhum sintoma, mas o exame cardiológico deve ser realizado com atenção, para tentar-se diagnos tcar um sopro persistente.
Tabela 2 - Descrição dos critérios maiores para diagnóst co de FR - Ocorrência em 75% dos casos: sintoma mais comum de FR; - Maior frequência e gravidade em adultos jovens e adolescentes do que em crianças; - Poliartrite migratória e fugaz, muito dolorosa; Artrite
D - Nódulos subcutâneos (nódulos de Maynet)
- Início precoce e resolução espontânea em 1 a 4 semanas; - Artculações mais atngidas: joelhos, tornozelos, punhos e ombros;
Os nódulos subcutâneos da FR aparecem após semanas da doença e se associam à cardite. São pequenos (1 a 2cm de diâmetro), firmes e indolores, localizados mais comumente sob proeminências ósseas, próximas aos tendões, em superf cies extensoras, como cotovelos, joelhos, punhos, região occipital. Podem ser únicos ou múl tplos (Figura 4) e assemelham-se a grãos de arroz sob a pele, que não se encontra in flamada e geralmente pode ser móvel sobre os nódulos. Persistem por 1 ou mais semanas, mas raramente duram meses.
- Não deformante; - Resposta boa e rápida aos an t-inflamatórios. - Ocorrência em 50 a 60% dos pacientes; - Possibilidade de ser assintomátca; - Frequência diminui com a idade; - Pancardite: envolvimento do endocárdio, miocárdio e pericárdio; - Miocardite: cardiomegalia, taquicardia, distúrbios de condução e falência cardíaca congestva; Cardite
- Pericardite: desconforto ou dor torácicos, derrame ou atrito pericárdico; - Miocardite e pericardite sem endocardite não são característcos de FR; - Achados da endocardite: valvulite mitral e aórtca, sopro novo, insuficiência cardíaca aguda; - Dano valvar persistente; - Válvula mais acometda: mitral (estenose por calcificação), depois o envolvimento conjunto mitral e aórtco e o aórtco isolado (insuficiência).
Figura 4 - Nódulo subcutâneo no cotovelo de paciente com FR
- Movimentos abruptos, involuntários e desordenados nos membros e na face, que desaparecem durante o sono;
E - Eritema marginado Trata-se de um rash cutâneo de caráter evanescente, não pruriginoso, de coloração rósea a avermelhada, que acomete frequentemente o tronco, porção proximal dos membros e poupa a face. Essas lesões se estendem centrifugamente, enquanto a região central é de coloração normal, de limites bem delimitados (Figura 5). As lesões podem desaparecer em questão de horas, e banho quente pode torná-las mais evidentes. Eritema marginado usualmente é precoce durante a doença e está associado à cardite.
- Predomínio em meninas; Coreia
- Aparecimento tardio (6 a 8 semanas após a infecção estreptocócica); - Possibilidade de ocorrer isoladamente e fazer o diagnóstco sem a presença de outros critérios; - Duração de 1 semana a 2 anos (média de 8 a 15 semanas). - Associação a cardite;
Nódulos subcutâneos
- Nódulos pequenos (1 a 2 cm), firmes e indolores, únicos ou múltplos; - Aparecimento após semanas da doença e persistência por 7 dias ou mais. - Início precoce; - Associação a cardite; - Rash cutâneo evanescente, não pruriginoso, de coloração rósea a avermelhada;
Eritema marginado - Distribuição no tronco, porção proximal dos membros; poupa a face; - Extensão centrífuga; Figura 5 - Eritema marginado de localização na região dorsal
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- Possibilidade de ser desencadeado pelo calor e desaparecer em horas.
FEBRE REUMÁTICA
5. Achados laboratoriais Nenhum exame laboratorial é especí fico de FR. Alguns podem estar alterados e ter implicação no diagnós tco, como as provas de a tvidade inflamatória ou provas de fase aguda: a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a Proteína C Reatva (PCR), que costumam estar aumentadas, e sua alteração consiste em um sinal menor para o diagnóstco. Outro grupo importante de achados laboratoriais é o que denuncia infecção recente por estreptococo. Culturas de orofaringe usualmente são nega tvas na época em que a FR aparece, mas podem ajudar a isolar o micro-organismo (Figura 6). Portanto recomenda-se fazer 2 ou 3 culturas de orofaringe no momento da suspeita diagnós tca, antes de iniciar a an tbiotcoterapia. Alguns an tcorpos contra an genos bacterianos podem ser dosados, como os an tcorpos antestreptolisina O (ASLO), an t-DNAse B e ant-hialuronidase. O antcorpo mais utlizado é o ASLO, pela facilidade de obtenção e homogeneidade dos resultados, sendo encontrado em tulos elevados em até 80% dos pacientes no quadro inicial. Seus tulos atngem o pico de 3 a 6 semanas após a infecção. Na maioria dos serviços, seguem-se os critérios determinados por Décourt para ASLO, considerando o nível de 250UT (Unidades Todd) como normal para crianças com menos de 5 anos e, para finalidades prátcas, como anormais taxas acima de 333UT para crianças com menos de 5 anos e acima de 500UT para crianças acima dessa idade. Cerca de 80% dos pacientes com FR apresentam tulos elevados de ASLO. Se esse teste for nega tvo, outros antcorpos com pico de ttulação mais tardio (ant-DNAse B ou ant-hialuronidase) deverão ser dosados. O an tcorpo ant-DNAse B atnge seu pico entre 6 e 8 semanas após a infecção.
A I G O L O T A M U E R
Figura 6 - Swab de orofaringe para ident fi car o EBHGA
Outros exames podem auxiliar no diagnós tco. Radiografias de tórax seriadas podem ajudar no curso da cardite, mostrando variações no tamanho da área cardíaca. O ECG pode mostrar alargamento do intervalo PR (critério menor) ou do QT. Se houver derrame pericárdico, poderão ocorrer alterações difusas do segmento ST. O ecocardiograma é de grande valia, pois pode mostrar espessamento e diminuição da mobilidade das válvulas a tngidas, efusão pericárdica ou disfunção miocárdica.
6. Diagnóstco diferencial Como quadro clínico e alterações laboratoriais não são especí ficos da FR, e esse diagnós tco implica um tratamento prolongado, recomenda-se sempre excluir outras patologias possíveis e tentar evidenciar a infecção estreptocócica pregressa. O quadro de poliartrite na faixa etária da FR entra no diagnóstco diferencial de artrite idiopá tca juvenil, Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) juvenil e, em adolescentes, artrite gonocócica. A coreia pode ser encontrada em pacientes com síndrome an tfosfolípide e LES, em tumores de gânglios basais e na gravidez. A presença de sopro cardíaco novo com febre, poliartrite e aumento das provas de atvidade inflamatória exige a exclusão de endocardite bacteriana com ecocardiograma e pelo menos 3 pares nega tvos de hemocultura.
Tabela 3 - Diagnóst co diferencial das principais manifestações da FR Artrite
Cardite
Coreia
Nódulos subcutâneos
Eritema marginado
Infecciosas virais: periInfecciosas virais: rubéola, cardites e perimiocarcaxumba, hepatte. dites.
Doenças reumátcas: artriInfecciosas: encefalites, te idiopátca juvenil, lúpus Infecciosas: septcemias. virais. eritematoso sistêmico.
Doenças reumátcas: Bacterianas: gonococos, artrite idiopátca juvemeningococos, endocardinil, lúpus eritematoso te bacteriana. sistêmico.
Doenças reumátcas: lúpus eritematoso sistêmico.
Reatvas: pós-entéricas ou pós-infecções urinárias.
Reações e drogas.
Doenças reumátcas.
Outros: nódulos subcutâDoenças hematológicas: neos benignos. anemia falciforme. Outros: síndrome ant- Outros: síndrome antNeoplasias: leucemia linfofosfolípide, coreia fami- fosfolípide, coreia famiblástca aguda. lial benigna. lial benigna. Idiopátco. Doenças reumátcas: lúpus eritematoso sistêmico, artrite idiopátca juvenil, vasculites. Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Diagnóst co, Tratamento e Prevenção da Febre Reumá t ca, 2009.
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REUMATOLOGIA 7. Tratamento
Em caso de alergia à penicilina
Uma vez estabelecido o diagnós tco de FR, a terapêutca envolve 3 fases que, de modo geral, são realizadas quase simultaneamente: - Profilaxia primária ou erradicação do foco; - Tratamento sintomátco; - Profilaxia secundária ou prevenção das recorrências.
A - Profilaxia primária ou erradicação do foco O objetvo da profilaxia primária é erradicar o EBHGA da orofaringe do paciente com FR. Para tanto, é necessário um antbiótco com eficácia clínica e bacteriológica comprovada, de fácil aderência, baixo custo, espectro adequado e efeitos colaterais mínimos. Levando em conta os aspectos mencionados, o antbiótco de escolha para a profilaxia primária ainda é a penicilina e, nos casos de alergia, a eritromicina permanece como 1ª alterna tva (Tabela 4). O antbió tco deve estar presente em níveis tssulares adequados durante 10 dias. Uma única dose de penicilina benzatna é suficiente. Quando se opta pela penicilina (ou outro antbió tco) oral, a aderência passa a ser um fator importante no sucesso do tratamento. As cefalosporinas orais, os macrolídeos e outros an tbió tcos bactericidas não são contraindicados na pro filaxia primária, desde que seja possível garan tr a manutenção da terapêu tca durante 10 dias. Contactantes domiciliares de um caso de FR deverão ser submetdos à cultura de orofaringe e tratados quando o resultado for positvo. Muitas vezes, pela di ficuldade em realizar culturas, a pro filaxia primária é recomendada a todos os contactantes domiciliares, especialmente crianças em idade escolar e adolescentes. A tonsilectomia para evitar surtos de infecção em pacientes portadores de FR não tem indicação. Tabela 4 - Pro fi laxia primária da FR Medicamento/ opção Penicilina G benzatna
Penicilina V
Esquema Peso <20kg – 600.000UI IM; Peso ≥20kg – 1.200.000UI IM. 25 a 50.000UI/kg/dia VO 8/8h ou 12/12h;
Duração
Dose única
10 dias
Adulto – 500.000U 8/8h. Amoxicilina
30 a 50mg/kg/dia VO 8/8h ou 12/12h;
10 dias
Adulto – 500mg 8/8h. Ampicilina
100mg/kg/dia VO 8/8h.
10 dias
Em caso de alergia à penicilina Estearato de eritromicina
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40mg/kg/dia VO 8/8h ou 12/12h; Dose máxima – 1g/dia.
10 dias
15 a 25mg/kg/dia de 8/8h; Clindamicina
Azitromicina
Dose máxima – 1.800mg/ dia. 20mg/kg/dia VO 1x/dia (80); Dose máxima – 500mg/ dia.
10 dias
3 dias
Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Diagnóst co, Tratamento e Prevenção da Febre Reumát ca, 2009.
B - Tratamento sintomátco a) Ant-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs) De forma geral, os AINHs são excelentes para o controle da febre e da artrite, com desaparecimento dos sinais e sintomas da poliartrite migratória em 24 a 48 horas. Crianças com quadros artculares mal caracterizados, em fases muito iniciais, poderão ser tratadas com analgésicos, como o paracetamol ou codeína e medidas locais (gelo/ calor), de modo a permi tr uma melhor caracterização do quadro artcular e, consequentemente, um diagnós tco e tratamento mais adequados. Uma vez que os AINHs são sintomátcos e não interferem no curso da FR, a duração do tratamento deve ser es tmada, de modo a cobrir o período de atvidade da doença que, na presença de artrite isolada, varia de 1 a 6 semanas. b) Cortcosteroides Utlizados em pacientes com comprome tmento cardíaco, em especial a cardite moderada ou grave. O cor tcosteroide de escolha é habitualmente a prednisona, u tlizada inicialmente em dose alta (2mg/kg/dia) e fracionada (2 tomadas/dia) por aproximadamente 2 a 4 semanas (tempo de melhora dos sintomas e/ou tendência à normalização das provas de a tvidade inflamatória), passa-se para dose única pela manhã, e inicia-se a redução lenta até re trada completa da droga em cerca de 12 semanas, tempo médio de duração do surto de cardite. Se o paciente fizer uso de cortcosteroide, o uso do AINH se tornará desnecessário. Só será preciso usá-lo novamente quando a dose de prednisona for reduzida para menos de 0,5mg/kg/dia. A pulsoterapia com me tlprednisolona, na dose de 30mg/kg, máximo de 1g/dose, por 3 dias consecu tvos e eventual repetção, vem sendo utlizada para o tratamento das cardites graves. Apesar de a melhora laboratorial não diferir da observada com o uso de prednisona, a melhora clínica parece ser mais rápida, e o período de internação hospitalar, menor. Para crianças com comprometmento cardíaco, orientam-se o repouso no leito na fase aguda e a limitação das atvidades f sicas por períodos variáveis (1 a 6 meses), dependendo da gravidade da cardite. Diuré tcos, digitálicos, restrição hídrica e sódica poderão ser necessários em casos de insuficiência cardíaca.
FEBRE REUMÁTICA
c) Tratamento da coreia
Em caso de alergia à penicilina e à sulfa
Pacientes com coreia devem ser man tdos em ambientes tranquilos, sem muitos es mulos externos. Várias drogas, como tranquilizantes e seda tvos, poderão ser utlizadas de forma isolada ou em associação. O haloperidol permanece como a melhor opção terapêutca no controle sintomá tco dos movimentos, com melhora clínica após 5 a 6 dias, em média, e desaparecimento dos sinais em 30 a 40 dias, permi tndo à criança um retorno mais rápido às atvidades diárias. Apesar de serem raras as reações graves ou irreversíveis associadas ao uso de haloperidol, recomenda-se cautela na sua administração, e, quando doses superiores a 5mg/dia forem necessárias, será importante a monitorização em ambiente hospitalar, pelos riscos de impregnação. O ácido valproico pode ser uma alternatva terapêutca para crianças que apresentaram toxicidade ou que não podem ser supervisionadas durante a administração do haloperidol. O tempo de resposta é discretamente maior, e, apesar da possível hepatotoxicidade, em geral, nenhuma complicação importante está associada ao uso da droga.
Eritromicina
250mg VO.
12/12h
Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Diagnóst co, Tratamento e Prevenção da Febre Reumát ca, 2009.
Segundo a Associação Americana de Cardiologia, pacientes que tveram cardite devem manter a pro filaxia durante toda a vida, e aqueles que não tveram devem manter a profilaxia até 21 anos e pelo menos durante 5 anos após o últmo surto. Pacientes com regurgitação mitral leve ou cardite curada e baixo risco de contato com o estreptococo poderão suspender a pro filaxia com 25 anos e após 10 anos do últmo surto. A baixa adesão ao tratamento parece ser a principal causa de recorrência da FR. Tabela 6 - Duração da pro fi laxia secundária Duração
Nível de evidência
FR sem cardite prévia
Até 21 anos ou 5 anos após o últmo surto, valendo o que cobrir maior período
I-C
FR com cardite prévia; insuficiência mitral leve residual ou resolução da lesão valvar
Até 25 anos ou 10 anos após o últmo surto, valendo o que cobrir maior período
I-C
Lesão valvar residual moderada a severa
Até os 40 anos ou por toda a vida
I-C
Após cirurgia valvar
Por toda a vida
I-C
Categoria
C - Profilaxia secundária Independentemente da gravidade do surto inicial, pacientes portadores de FR apresentam riscos elevados (de 20 a 50%) de recorrência da doença após novas infecções estreptocócicas de orofaringe. Novos surtos da doença poderão agravar lesões cardíacas preexistentes ou propiciar seu surgimento, razão pela qual a pro filaxia secundária é obrigatória e seu obje tvo é prevenir novas faringites estreptocócicas, portanto, impedir as recorrências de FR. Há cerca de 40 anos, a droga de escolha para a pro filaxia secundária é a penicilina benza tna, por ser a que fornece proteção mais efetva contra faringite estreptocócica e contra recorrências de FR, quando comparada a outras drogas, como a penicilina oral ou a sulfadiazina. Com a utlização de 1.200.000U de penicilina benza tna a cada 4 semanas, a taxa de recorrência da FR se situa entre 5 e 8% em seguimentos de 5 a 6 anos, sendo essa a principal razão para a Organização Mundial de Saúde e a Associação Americana de Cardiologia recomendarem o uso de penicilina benzatna a cada 3 semanas em países em desenvolvimento, como o Brasil (Tabela 5).
D - Profilaxia da endocardite bacteriana
Tabela 5 - Pro fi laxia secundária da FR
8. Alergia à penicilina
Medicamento/opção Dose/via de administração Penicilina G benzatna Penicilina V
Intervalo
Peso <20kg 600.000UI IM; Peso ≥20kg 1.200.000UI IM. 250mg VO.
21/21 dias 12/12h
Em caso de alergia à penicilina Sulfadiazina
Peso <30kg – 500mg VO; Peso ≥30kg – 1g VO.
1x/dia
Fonte: Diretrizes Brasileiras para o Diagnóst co, Tratamento e Prevenção da Febre Reumát ca, 2009.
Procedimentos cirúrgicos ou dentários em pacientes com cardiopata reumátca devem ser acompanhados de doses suplementares de an tbió tcos. As recomendações variam de acordo com o procedimento e a idade do paciente. Para a profilaxia do Streptococcus viridans, responsável por 50 a 75% das infecções endocárdicas, recomenda-se a utlização da amoxicilina 1 hora antes e 6 horas depois do procedimento.
Estudos em pacientes tratados em longo prazo com penicilina mostram que somente 3,2% apresentam algum tpo de alergia. Reações ana filátcas graves apresentam uma incidência da ordem de 0,04 a 0,2% e que as reações potencialmente fatais são extremamente raras, da ordem de 0,001%. Na faixa etária pediátrica, essas cifras são ainda menores. Na ausência de reações após a 1ª aplicação de penicilina benzatna, a presença de reações à 2ª dose é extrema-
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA mente baixa. A 1ª aplicação deve ser realizada em local com disponibilidade de recursos para atendimento de possíveis reações alérgicas. Testes cutâneos para detecção de alergia à penicilina costumam ser inadequados, pela falta de u tlização dos determinantes antgênicos adequados e, ainda, por erros técnicos na sua execução e interpretação. A u tlização prévia de penicilina pelo paciente e a ausência de alergia nos familiares são dados importantes na caracterização da provável alergia. Os benef cios da utlização da penicilina benza tna na profilaxia secundária da FR superam os riscos.
9. Resumo Quadro-resumo - Febre Reumá tca (FR): condição inflamatória multssistêmica desencadeada por infecção por EBHGA de Lance field; - Mecanismo provável: mimetsmo molecular (reação cruzada entre proteínas humanas e do estreptococo); - Acometmentos principais: artcular (poliartrite migratória), cardíaco (cardite), neurológico (coreia) e cutâneo (nódulos subcutâneos e eritema marginado); - Diagnóstco através dos critérios de Jones: presença de 2 critérios maiores ou 1 maior e 2 menores, na presença de evidência de infecção prévia pelo EBHGA; - Tratamento: profilaxia primária (erradicação do EBHGA), tratamento dos sintomas e pro filaxia secundária; - Profilaxia primária e secundária: o antbiótco de escolha é a penicilina benzatna; - Tratamento sintomátco: inclui, conforme o caso, AINHs, cor tcosteroides e medicações para coreia (de escolha: haloperidol).
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CAPÍTULO
7
1. Introdução Gota é uma doença ar tcular inflamatória causada pelo depósito de cristais de monourato de sódio no tecido artcular e periar tcular, relacionada ao aumento da concentração sérica de ácido úrico (hiperuricemia). É classi ficada como artrite microcristalina, já que é o depósito de cristais que a causa. Tabela 1 - Característ cas gerais - Ataques recorrentes de artrite in flamatória aguda; - Artropata crônica; - Acúmulo de cristais de urato em forma de depósitos tofáceos; - Nefroli ase por ácido úrico; - A nefropata em paciente gotosos é mais comumente causada por outras comorbidades associadas.
2. Epidemiologia Gota é uma doença predominantemente de homens de meia-idade, a par tr de 5ª década de vida, mas existe um aumento gradual na prevalência tanto em homens quanto em mulheres. Após os 60 anos, a prevalência entre os sexos se torna equivalente. Raramente se observa gota em mulheres pré-menopausadas, a não ser em casos de erro inato do metabolismo ou associados a doenças subjacentes ou uso de medicação. A incidência e a prevalência de gota são paralelas à incidência e à prevalência de hiperuricemia na população geral. Muitos pacientes com ácido úrico elevado não têm gota, mas hiperuricemia está claramente associada ao risco da doença. São fatores correlacionados com aumento do ácido úrico e prevalência de gota: níveis séricos de crea tnina, peso elevado, hipertensão arterial e ingesta de álcool (Tabela 2). Tabela 2 - Principais fatores para aumento da prevalência de gota - Aumento da longevidade da população; - Aumento da prevalência de hipertensão;
Gota Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Crist ani Barra de Souza
- Aumento do uso de diurétcos e baixas doses de ácido ace tlsalicílico; - Aumento no consumo de álcool; - Aumento da prevalência de obesidade; - Aumento da prevalência de síndrome metabólica; - Aumento da prevalência de doença renal terminal; - Aumento do número de transplantes e uso de ciclosporina; - Aumento de doença coronária e falência cardíaca conges tva; - Opções limitadas no tratamento da hiperuricemia.
3. Fisiopatologia Os níveis séricos de ácido úrico (monourato de sódio) variam no homem (até 7mg/dL) e na mulher (até 6,5mg/dL). Acima desses valores, define-se hiperuricemia, e os fluidos que contêm ácido úrico ficam supersaturados, favorecendo a precipitação de cristais nos tendões, ligamentos, bursas, bainhas sinoviais, inters cio, túbulos renais e pavilhão auricular. A precipitação dos cristais está relacionada ao nível de ácido úrico e ao tempo em que o indivíduo fica com hiperuricemia. Algumas situações, como pH tecidual baixo e baixas temperaturas, favorecem a deposição dos cristais. O pool ou o conteúdo total de ácido úrico no corpo é resultante do equilíbrio entre a formação e a excreção de uratos (uricosúria), que é principalmente renal. Qualquer alteração levando à hiperprodução ou à hipoexcreção pode ocasionar hiperuricemia. Indivíduos podem ser hipoexcretores (90% dos casos) ou hiperprodutores (10%), com base na uricosúria: quem elimina menos de 800mg de ácido úrico na urina de 24 horas é hipoexcretor; quem consegue eliminar ao menos os 800mg em 24 horas é porque tem os rins funcionando adequadamente e elimina o excesso de ácido úrico produzido (hiperprodutores – Figura 1). Entretanto, pode haver a associação das 2 situações: um indivíduo pode ser hiperprodutor mas, por ter associadamente um rim hipoexcretor, elimina menos ácido úrico do que precisaria para se manter normouricêmico. Vários fatores, incluindo doenças, álcool e medicações (Tabela 4), são causas importantes de diminuição na excreção renal do ácido úrico.
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REUMATOLOGIA A eliminação intes tnal é responsável por uma pequena quantdade da excreção de ácido úrico (de 200 a 300mg/ dia). Essa pode chegar a ser a principal via de eliminação de uratos em pacientes com insu ficiência renal. Tabela 3 - Metabolismo do ácido úrico - 100% do ácido úrico são filtrados; - 100% são reabsorvidos pelo túbulo proximal; - 50% são secretados; - 40 a 44% são reabsorvidos; - 8 a 12% são excretados.
Quanto à produção, o ácido úrico se forma a par tr da síntese de purinas numa sequência de reações enzimá tcas. Os precursores das purinas que favorecem a produção de ácido úrico podem ter origem exógena (dieta rica em proteínas ou calorias – Tabela 5) ou endógena (pela síntese de purina “de novo” e pelo turnover celular). Assim, o ácido úrico pode elevar-se como consequência da dieta, do aumento do catabolismo tecidual provocado por várias doenças e medicações e por erros inatos envolvidos no metabolismo das purinas (Tabela 4). O álcool tem grande ligação com a hiperuricemia e age tanto aumentando a síntese como diminuindo a excreção de ácido úrico. As crises de gota sucedendo eventos com grande consumo de álcool são classicamente descritas.
Formação Catabolismo das proteínas tissulares
Purinossíntese “de novo”
Pool
Catabolismo das proteínas ingeridas
do ácido úrico
Renal
Intestinal
Eliminação
Figura 1 - Pool de ácido úrico Tabela 4 - Principais causas de hipoexcreção e hiperprodução de ácido úrico Causas de hipoexcreção (<800mg de uricosúria em 24 horas) Causas endócrinas - Obesidade; - Hipotreoidismo; - Cetoacidose diabétca; - Diabetes insipidus; - Hiperparatreoidismo;
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Drogas - Diurétcos (tazídicos e de alça); - Ciclosporina; - Etanol; - Salicilatos em baixa dose; - Pirazinamida; - Etambutol; - Laxatvos; Causas renais - Insuficiência renal crônica; - Desidratação; - HAS; - Restrição salina; - Doença renal policístca; Miscelânea - Toxemia gravídica; - Síndrome de Down; - Sarcoidose; - Acidose láctca. Causas de hiperprodução (>800mg de uricosúria em 24 horas) Doenças - Psoríase; - Hemólise; - Policitemia vera; - Doenças mieloproliferatvas; - Obesidade; - Glicogenose III, V e VII; - Síndrome de lise tumoral; - Hipertreoidismo; Drogas - Etanol; - Varfarina; - Vitamina B12; - Ácido nico nico; Agentes citotóxicos - Frutose; Distúrbios hereditários - Deficiência de HGPRT (hipoguaninafosforibosiltransferase) ou síndrome de Lesch-Nyhan; - Hiperprodução de PRPP (fosforibosilpirofosfato); - Deficiência de G-6-PD (glicose-6-fosfato desidrogenase). Tabela 5 - Alimentos hiperuricemiantes Dieta – componentes - Ingestão total de calorias;
Dieta – pratos - Bacon;
- Triglicérides; - Carboidratos; - Proteínas (aspartato, glutamina, glicina); - DNA;
- Cerveja; - Leguminosas; - Fígado; - Ostra; - Timo, pâncreas; - Fungos.
- RNA.
GOTA
Tabela 6 - Causas de hiperuricemia
4. Estágios clássicos
Aumento da síntese de purinas Defeitos enzimátcos - Superprodução de fosforibosilpirofosfato; - Deficiência de hipoguaninafosforibosiltransferase; - Deficiência de glicose-6-fosfatase. Doenças que cursam com aumento da produção de purinas - Doenças hemolí tcas; - Doenças mieloproliferatvas; Doenças que cursam com aumento da produção de purinas - Glicogenose II, V e VII; - Obesidade; - Policitemia vera; - Psoríase. Doenças medicamentos ou hábitos alimentares - Ácido nico nico;
A hiperuricemia é um achado bioquímico comum. Nos fluidos extracelulares, 98% do ácido úrico estão na forma de monourato no pH = 7,4. Em termos fisiológicos, qualquer valor acima de 6,8mg/dL compreende hiperuricemia, desde que exceda a concentração solúvel de monourato nos fluidos corporais. A maioria das pessoas com hiperuricemia nunca desenvolve sintomas associados a excesso de ácido úrico, como artrite gotosa, tofos e cálculos renais. A hiperuricemia não diagnos tca gota isoladamente nem é uma doença propriamente dita.
B - Gota aguda intermitente
- Dieta rica em purinas; - Drogas citotóxicas; - Etanol; - Frutose; - Vitamina B12 (pacientes com anemia perniciosa); - Varfarina. Defeitos na depuração renal de ácido úrico Doenças - Acidose látca; - Cetoacidose diabétca; - Desidratação; - Diabetes insipidus; - Doença renal policístca; - Hiperparatreoidismo; - Hipertensão arterial; - Hipotreoidismo; - Insuficiência renal crônica; - Obesidade; - Restrição salina; - Sarcoidose; - Toxemia da gravidez; - Síndrome de Bar er; - Síndrome de Down. Drogas e hábitos alimentares - Ciclosporina; - Diurétco; - Etambutol; - Pirazinamida; - Etanol; - Levodopa; - Salicilatos em pequenas doses; - Uso abusivo de laxantes.
A - Hiperuricemia assintomátca
O ataque inicial de gota aguda usualmente é precedido por décadas de hiperuricemia assintomá tca. O episódio de ataque de gota usualmente é uma dor de início agudo, acompanhada de calor, edema e eritema. A dor é intensa e a tnge o pico máximo entre 12 e 48 horas. O ataque inicial geralmente é monoar tcular e, na metade dos pacientes, envolve a 1ª ar tculação metatarsofalangiana, a chamada crise de podagra (Figura 2). Essa ar tculação é afetada em 90% dos indivíduos com gota. Outras ar tculações frequentemente envolvidas em estágio precoce são pequenas artculações do antepé, tornozelos, calcanhares e joelhos e, menos comumente, punhos, quirodác tlos e ombros. A dor geralmente é muito intensa. Sintomas sistêmicos, como febre, calafrios e mal-estar, podem acompanhar a gota aguda. O eritema cutâneo associado ao ataque agudo de gota envolve a ar tculação e pode se assemelhar a uma celulite bacteriana. O curso natural da gota aguda não tratada varia de episódios de dores moderadas que se resolve em algumas horas a ataques severos que duram de 1 a 2 semanas. O episódio entre os ataques pode durar anos, mas, com o tempo, a tendência é que os ataques se tornem mais frequentes, com maior duração e envolvimento de múl tplas artculações. O período intercrí tco é aquele em que as ar tculações estão fora do ataque agudo de gota. Apesar disso, cristais de monourato de sódio são frequentemente iden tficados no líquido sinovial. Nesse período, em estágios precoces da doença, a artculação se mantém assintomá tca, mas, com a recorrência dos ataques, fica comprometda; pode haver dor persistente, que indica evolução para gota tofácea crônica.
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA
Figura 2 - Podagra
Figura 4 - Presença de tofos em quirodáct los e dorso da mão
C - Gota tofácea crônica A gota tofácea crônica geralmente desenvolve-se após 10 anos ou mais de gota aguda intermitente, embora pacientes possam desenvolver tofos já no ataque inicial. A transição da gota intermitente para gota tofácea crônica acontece quando os períodos intercrí tcos não ficam livres de dor. O envolvimento ar tcular torna-se persistente, embora a intensidade da dor seja menor que a dos ataques agudos. O acometmento poliartcular é mais comum nessa fase, com envolvimento de pequenas ar tculações dos pés e das mãos de forma simétrica, podendo até confundir com artrite reumatoide. As ar tculações podem ficar deformadas, com desvios de eixo e tofos justa-ar tculares associados (Figura 3). Os tofos são decorrentes do depósito tofáceo de monourato sódico em tecidos periar tculares, que, inicialmente, podem não ser palpáveis. Eles podem ser encontrados em qualquer lugar do corpo, mas são mais comuns nos dedos (Figuras 3, 4 e 5), punhos, orelhas (Figura 6), joelhos, olécrano (Figura 7) e locais de maior pressão, como região ulnar e tendão de Aquiles. Seu aparecimento está relacionado com a severidade da hiperuricemia. Ocasionalmente, os tofos também in flamam, geralmente acompanhando crises agudas de artrite. Diferente dos cistos sinoviais que podem ocorrer na artrite reumatoide e na osteoartrite, os tofos são de consistência dura. Sua punção revela saída de material branco pastoso (Figura 7).
Figura 3 - Gota tofácea crônica
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Figura 5 - Presença de tofos em quirodáct los
Figura 6 - Presença de tofo em pavilhão auricular
Figura 7 - Presença de tofos em olécrano, tofo rompido drenando material rico em monourato de sódio
GOTA
Tabela 7 - Fases clínicas da gota - Achado bioquímico comum; - A maioria das pessoas com hiperuricemia nunHiperuriceca desenvolve sintomas; mia assintomátca - Só hiperuricemia não diagnostca gota; - Não é uma doença propriamente dita. - Precedida por décadas de hiperuricemia assintomátca; - Ataque clássico: dor ar tcular intensa, aguda, com calor, edema e eritema e pico entre 12 e 48 horas; - Ataques moderados se resolvem em algumas horas e ataques severos duram 1 a 2 semanas; - Ataque inicial monoartcular; - Podagra: ataque de gota na 1ª artculação metaGota aguda tarsofalangiana, é o 1º ataque em metade dos intermitente pacientes e 90% dos gotosos têm podagra em algum momento; - Outras ar tculações comumente envolvidas: antepé, tornozelos, calcanhares e joelhos; - Sintomas sistêmicos podem estar associados: febre, calafrios e mal-estar; - Curso natural: episódios sucessivos de ataques intercalados por um período intercrí tco variável, que pode durar anos, mas que, com o tempo, se torna mais curto. - Após anos de gota aguda intermitente; - Envolvimento artcular persistente: períodos intercrí tcos não ficam livres de dor, com aguGota tofácea dização nos ataques; crônica - Acometmento poliartcular, com deformidades e desvios de eixo; - Tofos justa-artculares.
5. Associações clínicas A - Doença renal Diversas formas de doença renal induzida por hiperuricemia são reconhecidas, incluindo nefropa ta crônica por urato, nefropata aguda por ácido úrico e nefroli ase por ácido úrico. Falência renal progressiva é comum em pessoas com gota. Hipertensão, diabetes, obesidade e doença isquêmica coronariana são as comorbidades mais importantes que contribuem para complicações. Nefropata crônica por urato é uma en tdade causada pela deposição de cristais de monourato de sódio na medular renal, associado à albuminúria. Falência renal aguda pode ser causada por hiperuricemia na síndrome da lise tumoral, que acontece em pacientes que recebem quimioterapia no tratamento de linfomas e leucemias. Com a liberação de purinas durante a lise tumoral, ocorre a precipitação de ácido úrico nos túbulos distais e ductos coletores no rim. Nefropa ta aguda por ácido úrico pode resultar em poliúria e anúria. Depósito renal de ácido úrico ocorre em 10 a 25% de todas as pessoas com gota. A incidência correlaciona-se diretamente com o nível sérico de ácido úrico, e cálculos se
desenvolvem em 50% dos pacientes quando o urato está maior que 13mg/dL. Sintomas de calculose renal precedem o desenvolvimento de gota em 40% dos pacientes, e cálculos contendo cálcio têm ocorrência 10 vezes maior em indivíduos com gota que na população geral. Tabela 8 - Tipos de acomet mento renal associados à hiperuricemia Nefropata Deposição de cristais de monourato de sódio na crônica medular renal, levando a proteinúria. Nefropata consequente ao do depósito agudo de ácido úrico decorrente da hiperuricemia na Nefropata síndrome da lise tumoral, em pacientes que reaguda cebem quimioterapia no tratamento de linfomas e leucemias. Nefroli ase por ácido Li ase renal por cálculos de monourato. úrico
B - Hipertensão Hipertensão está presente em 25 a 50% dos pacientes com gota, e 2 a 4% das pessoas com hipertensão têm a doença. As concentrações de urato sérico correlacionam-se diretamente com a resistência periférica e vascular renal, levando à redução do fluxo renal, o que demonstra a associação entre hipertensão e hiperuricemia. Fatores como obesidade e sexo masculino também se associam a estas 2 úl tmas condições.
C - Obesidade Hiperuricemia e gota correlacionam-se com o peso corporal em homens e mulheres, e indivíduos com a 2ª condição estão comumente acima do peso, comparados com a população geral. Obesidade pode ser o fator que une hiperuricemia, hipertensão, hiperlipidemia e aterosclerose.
D - Hiperlipidemia Os triglicérides séricos estão elevados em 80% das pessoas com gota. A associação entre hiperuricemia e níveis séricos de colesterol é controversa. Em vista do exposto, vem sendo estudada a gota como parte da síndrome plurimetabólica (Figura 8), também contribuindo para o aumento do risco para doenças coronarianas. Influências genéticas
Influências ambientais
- Obesidade; - Tabagismo; - Gorduras saturadas; - Sedentarismo.
Resistência à insulina - Alterações receptores; - Sinalização (C-JUN); - Enzimas metab. CH.
Metabolismo de glicose
Metabolismo de ácido úrico
Intolerância à glicose
Hiperuricemia Gota Urolitíase
Hiperinsulinemia
Dislipidemia
Hemodinâmica
Hipertrigliceridemia Hipercolesterofenia ↓ HDL-c ↑ LDL densas
Hiperatividadesimpática Retenção de Na Hipertensão
Hemostática
PAI-1 Fibrinogênio
Doençacoronariana
Figura 8 - Síndrome plurimetabólica
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REUMATOLOGIA 6. Achados radiográficos Os achados radiográficos nas fases iniciais podem não existr. Na artrite aguda, pode ser encontrado apenas um aumento de partes moles nas ar tculações afetadas. Na maioria dos casos, anormalidades ósseas e ar tculares podem se desenvolver após anos de doença, e podem ser vistos depósitos de cristais de urato (Figura 9). Mais frequentemente, as anormalidades são assimétricas e encontradas nos pés, mãos, punhos, ombros e joelhos. A erosão óssea da gota é radiologicamente dis tnta das alterações erosivas das artrites in flamatórias. Erosões da gota estão presentes nas margens ósseas (lesão em saca bocado – Figura 10). Osteopenia justa-ar tcular, um achado comum e precoce na artrite reumatoide, é ausente ou mínima na gota.
forma de agulha com intensa birrefringência posi tva ao microscópio de luz polarizada (Figura 11). Isso os dis tngue dos cristais de pirofosfato de cálcio, encontrados na pseudogota, que são curtos e rombos e têm birrefringência posi tva fraca. Os cristais usualmente são intracelulares durante os ataques agudos e extracelulares quando fora de crise. O líquido sinovial mostra in flamação intensa a moderada, com predomínio de neutró filos.
Figura 9 - Presença de depósito de ácido úrico no 1º pododác t lo com total destruição da porção distal do 1º metatarso
Figura 11 - (A) Cristal de monourato de sódio localizado intracelularmente e (B) sob luz polarizada: fusiformes e fortemente birrefringentes. Fonte: Rheumatology in Pract ce, 2010 Figura 10 - Lesão erosiva t po saca bocado: observar que ela está fora da cápsula ar t cular
7. Achados laboratoriais A elevação de ácido úrico tem sido considerada a chave no diagnóstco de gota. O nível normal de ácido úrico sérico para o sexo masculino é de cerca de 7mg/dL, e, para o sexo feminino, 6 a 6,5mg/dL. Na realidade, esse achado laboratorial não é diagnóstco. A maioria dos estados hiperuricêmicos não desenvolve gota, e os níveis de urato podem estar normais durante a crise, devido à precipitação tecidual. O diagnóstco definitvo de gota é possível pela aspiração do líquido sinovial ou do tofo que demonstra cristais de monourato de sódio. Os cristais geralmente assumem
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A dosagem de ácido úrico na urina de 24 horas é necessária para definir o tpo de paciente (hipoexcretor ou hiperprodutor) e, por conseguinte, o tpo de tratamento. Em uma dieta regular, a excreção de ácido úrico maior que 800mg em 24 horas sugere uma superprodução de urato. Pode-se calcular o clearance de ácido úrico, que é a taxa de filtração renal de ácido úrico, pois o indivíduo pode ter uma uricosúria alta (hiperprodutor), mas um clearance baixo, indicando dé ficit de excreção em relação ao valor da hiperuricemia. Da mesma forma, uma pessoa com uricosúria menor de 800mg (que seria classi ficada como hipoexcretor) pode excretar adequadamente em relação ao nível sérico de ácido úrico. O clearance normal está em torno de 8mL/min e pode ser calculado com a concentração urinária e sérica de ácido úrico e o volume urinário total.
GOTA
8. Diagnóstco
9. Tratamento
Em 1977, o American College of Rheumatology aprovou os critérios diagnóstcos propostos por Wallace et al., que se baseiam no encontro de cristais de monourato de sódio ou tofos ou 6 ou mais dos 12 critérios clínicos, radiológicos e laboratoriais (Tabela 9).
A gota pode ser tratada com sucesso, sem complicações. Os objetvos terapêutcos incluem tratar a crise aguda, promover rápido alívio da dor e in flamação, prevenir ataques futuros e prevenir formação de tofos, cálculos renais e artropata destrutva. No tratamento da gota, atenção também deve ser dada às comorbidades.
Tabela 9 - Critérios para classi fi cação de artrite aguda na gota primária Critérios maiores - Encontro de cristais de monourato de sódio no líquido sinovial intra-ar tcular na vigência de crise aguda; - Confirmação da presença de tofos. Critérios menores - Inflamação artcular súbita; - Mais de 1 crise de artrite aguda; - Comprometmento monoartcular; - Rubor local; - Comprometmento de 1ª MTF; - Comprometmento de 1ª MTF de modo unilateral; - Comprometmento tarsal unilateral; - Suspeita de presença de tofos; - Hiperuricemia; - Edema artcular assimétrico visto ao raio x; - Cistos subcondrais sem erosões vistos ao raio x; - Cultura negatva na vigência de crise.
A maioria dos pacientes diagnos tcados como gota tem história de monoartrite aguda, hiperuricemia e melhora importante dos sintomas com uso de colchicina e an t-inflamatórios. A resposta clínica à colchicina é uma forte evidência de gota, mas também é frequente em outros tpos de artrite microcristalina, incluindo por cristais de pirofosfato de cálcio (pseudogota) e hidroxiapa tta. Em um caso de monoartrite aguda com material puncionável, é preciso obter cultura e coloração para bactérias para excluir artrite sép tca, pois a presença dos cristais característcos de monourato de sódio, embora faça diagnóstco de gota, não exclui coexistência de infecção. Em alguns casos, como artrite de ar tculações maiores, como joelho, o início de antbiotcoterapia empírica está indicado até que se possa afastar infecção. Tabela 10 - Diagnóst cos diferenciais Artrite reumatoide - Diferenciar nódulo reumatoide (cotovelos) dos tofos; na AR não ocorre acometmento de IFDs. Artrite psoriásica - IFD + dac tlite (edema dos dedos). Esclerose sistêmica - Calcinose – depósito de hidroxiapa tta faz diferencial com os tofos. Infecção
A - Gota aguda Um ataque agudo de gota é marcado por in flamação intensa. Muitos agentes, incluindo An t-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs), colchicina, cor tcoides sistêmicos ou intra-artculares podem ser usados para eliminar a dor e os sintomas associados. A administração precoce desses agentes é essencial. Colchicina, por exemplo, funciona melhor quando insttuída minutos a horas depois do ataque. Drogas que abaixam o urato não devem ser ins ttuídas durante o ataque agudo. Entretanto, pacientes que apresentam ataque agudo e estejam fazendo uso de alopurinol ou agente uricosúrico devem ser con tnuados. a) AINHs: são as drogas de escolha no tratamento da crise aguda de gota. São administrados em dose plena ao 1º sinal de ataque e devem ser man tdos por, ao menos, 48 horas após o desaparecimento dos sintomas. Não encorajar uso crônico. Usa-se na vigência do ataque de gota agudo. AINHs podem causar significatvos efeitos colaterais, mais comumente, complicações gastrintes tnais. Seu uso deve ser evitado em hipertensos descontrolados e indivíduos com disfunção renal. b) Colchicina: é efetva no tratamento da crise aguda e promove alívio da dor em 48 horas na maioria dos pacientes. Além disso, inibe os microtúbulos envolvidos na quimiotaxia e fagocitose dos cristais de ácido úrico pelos neutrófilos. Além de reduzir a produção de IL-6, tem circulação êntero-hepátca, e os efeitos tóxicos podem ser ampli ficados em pacientes com doença hepá tca. Geralmente, é administrada em doses orais de 1,5mg/ dia (1 comprimido de 5mg, 8/8 horas), por 3 a 6 dias. Os principais efeitos colaterais são náuseas, vômitos, diarreia, cãibras e dor abdominal. A dose deve ser reduzida ou suspensa se esses sintomas aparecem. Dose excessiva pode resultar em supressão da medula óssea, falência renal, coagulação intravascular disseminada, falência cardiopulmonar, convulsões e óbito. O uso é limitado a pacientes com disfunção renal. As doses intravenosas usadas no passado até o surgimento de efeitos colaterais são totalmente desencorajadas atualmente. Também pode ser administrada na prevenção de ataques em pacientes com crises de repetção, na dose mais baixa de 0,5 a 1mg/dia. c) Cortcoides: podem ser usados (prednisona de 20 a 40mg/dia ou equivalente por 3 a 4 dias) para pacientes a quem a colchicina e AINHs são contraindicados ou inefe tvos. Gota usualmente responde a colchicina, AINHs ou cortcoides isolados. Entretanto, se a terapia falha ou o ataque
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REUMATOLOGIA é intenso, um único agente não é o su ficiente. Na maioria das situações, os agentes são u tlizados em combinação.
Paciente com gota estabelecida
B - Profilaxia
Ataque agudo com sinovite presente?
Dieta (Tabela 11) e modi ficação do estlo de vida reduzem a frequência dos ataques agudos e a necessidade de medicações. Dieta rígida com restrição de precursores de purina não está indicada, pois mesmo uma dieta rigorosa oferece pouco efeito no pool final de ácido úrico. No entanto, a retrada de determinado alimento pode ser e ficaz a alguns pacientes. A perda de peso reduz o urato sérico, e o álcool deve ser eliminado totalmente, pois ele aumenta a produção de urato e reduz a sua excreção. O uso sub-rep cio é comum e costuma ser responsável por ataques de gota aguda em pacientes sob tratamento adequado. Medicamentos que sabidamente contribuem para hiperuricemia (Tabela 4) devem ser subs ttuídos, se possível. a) Alopurinol: é um inibidor da xan tna-oxidase, enzima envolvida na síntese do ácido úrico. A pacientes com hiperprodução de ácido úrico, formação de tofos, nefroli ase, ou outras contraindicações para o uso de uricosúricos, é o agente de escolha. Também é a droga preferível em casos de insuficiência renal, mas sua toxicidade é possível quando a filtração glomerular está rebaixada. Toxicidade pode ser evitada se as doses são apropriadas. Terapia pica é iniciada com a dose de 300mg/dia, entretanto doses de 100mg ou menos podem ser apropriadas para idosos ou filtração glomerular <50mL/min. O tratamento prolongado com dose adequada de alopurinol pode resolver os tofos, porém depende da caracterís tca do mesmo, sendo alguns tofos mais resistentes. Os efeitos colaterais mais comuns são dispepsia, cefaleia e diarreia. O rash papular pruriginoso ocorre em 3 a 10% dos pacientes. Outros efeitos tóxicos incluem febre, ur tcária, eosinofilia, nefrite interstcial, falência renal aguda, supressão de medula óssea, hepatte, vasculite, toxicidade epidérmica. A síndrome de hipersensibilidade ao alopurinol é rara, mas consttui um quadro grave com mortalidade em torno de 20 a 30%. O FDA (Food and Drug Administra t on) indica o uso do oxipurinol, outro agente inibidor da xan tna-oxidase, para tratamento dos pacientes com hiperuricemia e intolerantes ao alopurinol. Não está disponível no Brasil. b) Agentes uricosúricos: são efetvos para os pacientes com filtração glomerular entre 50 e 60mL/min, com ingesta de 2L de fluidos e com bom fluxo urinário, sem história ou evidência ultrassonográ fica de nefroli ase. No Brasil, o agente disponível é a benzbromarona, na dose de 50 a 200mg/dia. Não deve ser administrada a indivíduos com uricosúria elevada (>750mg/24h). A combinação de alopurinol e uricosúricos pode ser indicada a pacientes com tofos extensos e função renal preservada. Os uricosúricos aumentam a excreção de grandes quantdades de urato solúvel, e o alopurinol reduz a formação de novos uratos.
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Não Gota em período intercrítico
Gota aguda
Terapia com AINH pode ser usada?
Sim AINH enquanto durar a crise
Não Corticoides são contraindicados?
Sim Colchicina oral
Não Mais de 1 articulação envolvida?
Não Corticoide intraarticular ou oral
Sim Corticoide oral ou intramuscular
Sintomas agudos resolvidos
Gota em período intercrítico
Figura 11 - Tratamento da gota
C - Recomendações do EULAR (liga europeia que estuda as doenças reumatológicas): Um ataque agudo de rápido desenvolvimento de dor intensa, edema e dolorimento que a tnge o máximo dentro de 6 a 12 horas, especialmente com eritema sobreposto, é altamente suges tvo de in flamação por cristais, ainda que não especí fico para gota; - Para apresentações picas da gota (por exemplo, podagra recorrente com hiperuricemia), um diagnós tco clínico isolado tem acurácia razoável, mas não de finitva sem confirmação dos cristais; - Demonstração de cristais de urato monossódico no líquido sinovial ou no aspirado do tofo permite o diagnóstco definitvo de gota; - A pesquisa de ro tna de cristais de urato monossódico é recomendada em todo aspirado de líquido sinovial obtdo de artculações inflamadas sem diagnóstco; - A identficação de cristais de urato monossódico em artculações assintomátcas pode permitr o diagnóstco definitvo de gota no período intercrí tco; - Gota e sepse podem coexis tr, então quando se suspeitar de artrite sép tca, a coloração pelo Gram e cultura do líquido sinovial devem ser realizadas, mesmo que sejam identficados cristais de urato monossódico; - Mesmo sendo o mais importante fator de risco para gota, os níveis de ácido úrico sérico não con firmam ou excluem gota, assim como muitas pessoas com hipe-
GOTA
ruricemia não desenvolverão gota, e durante as crises agudas os níveis séricos podem estar normais; -
-
-
Fatores de risco para gota e comorbidades associadas devem ser avaliadas, incluindo caracterís tcas da síndrome metabólica (obesidade, hiperglicemia, hiperlipidemia, hipertensão).
Excreção renal de ácido úrico deve ser determinada em um grupo de pacientes com gota, especialmente aqueles com história familiar de início precoce de gota, início antes de 25 anos de idade ou com li ase renal;
10. Tratamento da hiperuricemia isolada
Apesar das radiografias serem úteis no diagnós tco diferencial e mostrarem achados picos na gota crônica, elas não são úteis para con firmar o diagnóstco em estágios precoces da doença;
Há muita controvérsia no tratamento desta situação. Alguns autores recomendam o tratamento nesses casos, mas também há controvérsia quanto ao nível de uricemia que o indicaria.
Tabela 11 - Tratamento da gota - Drogas de 1ª escolha; - Iniciar ao 1º sinal do ataque e manter por 48 horas após o desaparecimento dos sinAnt-Inflamatórios Não Hortomas; monais (AINHs) - Usar dose máxima por curto período de tempo; - Evitar em hipertensos descontrolados e pacientes com disfunção renal.
Colchicina
- Promove alívio da dor em 48 horas; - Inibe os microtúbulos envolvidos na quimiotaxia e fagocitose dos neutró filos; - Realizar uso oral de 1,5mg/dia por 3 a 6 dias; - Doses crescentes intravenosas não mais recomendadas; - Evitar em pacientes com disfunção renal.
Cortcoide
- É indicado na contraindicação ou ineficácia de AINHs e colchicina; - Prednisona, 20 a 40mg/dia ou equivalente por 3 a 4 dias.
Dieta, peso e álcool
- Dieta rígida com restrição de precursores de purina não está indicada; - Perda de peso reduz o urato sérico; - Eliminar totalmente o uso de álcool; - Medicamentos que contribuem para hiperuricemia devem ser substtuídos, se possível.
Gota aguda
Prevenção de ataques futuAlopurinol ros e complicações Agentes uricosúricos (benzbromarona)
- Inibidor da xantna-oxidase, é indicado a pacientes hiperprodutores, tofos, nefroli ase ou contraindicações aos uricosúricos; - É preferível em casos de insu ficiência renal; - Corrigir dose de acordo com a função renal (dose padrão: 300mg/dia; doses de 100mg ou menos para idosos ou filtração glomerular <50mL/min). - São efetvos a pacientes com filtração glomerular acima de 50 a 60mL/min, com ingesta de 2L de fluidos e bom fluxo urinário, sem história ou evidência ultrassonográfica de nefroli ase dose: 50 a 200mg/dia; - Não usar se uricosúria elevada (>750mg/24 horas).
11. Condrocalcinose – pseudogota Artropata microcristalina caracterizada por depósito de cristais diidratados de pirofosfato de cálcio. Os depósitos atngem principalmente a car tlagem artcular, os meniscos, a sinóvia e as estruturas tendinosas e ligamentares. Pode mimetzar gota, artrite reumatoide, osteoartrite, artropata neuropátca ou ser assintomátca. É uma doença incomum, que a tnge principalmente pessoas na 6ª ou na 7ª década, sendo rara antes dos 40 anos. Algumas doenças metabólicas estão associadas ao desenvolvimento de pseudogota/condrocalcinose, destacam-se: - Hemocromatose; - Hiperparatreoidismo; - Hipofosfatasia; - Hipomagnesemia;
-
Gota.
Achados clínicos mais suges tvos: - Achados clínicos de gota em pacientes idosos, especialmente mulheres; - Sintomas sugestvos de gota com evolução a pica resposta ao tratamento; - Osteoartrite a pica (especialmente de início mais tardio e recorrente, episódios in flamatórios agudos; - Clínica com padrão de artrite reumatoide iniciando em idoso.
A - Quadro clínico Tipos mais comuns de apresentação clínica: a) Pseudogota isolada (25% dos casos): manifesta-se por surtos agudos ou subagudos autolimitados, habitual-
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REUMATOLOGIA mente tão severos quanto os da gota e com intervalo livre assintomátco. b) Forma pseudorreumatoide (5% dos casos): manifesta-se com rigidez matnal, artrite simétrica das pequenas artculações das mãos, espessamento sinovial, contratura em flexão. Em 10% dos casos, o FR é posi tvo. Os ataques duram de 4 semanas a vários meses. As ar tculações mais acometdas são punhos, cotovelos, metacarpofalangianas, joelhos e ombros. Devem-se buscar imagens de calci ficação artcular ao raio x de punhos, púbis e joelhos, que corroboram esse diagnóstco e afastar erosões picas de artrite reumatoide. c) Forma pseudo-osteoartrí tca (50% dos casos): o envolvimento geralmente é bilateral com degeneração progressiva de múl tplas artculações. Evolui cronicamente por meses ou anos, mas pode ter cursos de crises agudas. Compromete predominantemente os joelhos, punhos, ar tculações metacarpofalangianas, ar tculações coxofemorais, ombros, cotovelos e tornozelos. Devem-se buscar imagens de calcificação artcular ao raio x de punhos, púbis e joelhos, e observar o acome tmento de punhos e metacarpofalangianas (muito incomuns na osteoartrite primária). d) Artropata pseudoneuropátca: monoartrite destrutva grave, de curso crônico, dolorosa. A ausência de neuropata sensitva a diferencia da artropa ta neuropátca. e) Forma assintomátca (20% dos casos): casualmente, são vistas ao raio x calci ficações picas da condrocalcinose, principalmente nos joelhos, porém sem manifestações clínicas associadas.
Figura 12 - Condrocalcinose: correlação anatomoclínica
B - Achados radiológicos O depósito de cristal de pirofosfato diidratado de cálcio pode ser visto à radiologia simples e aparece na car tlagem hialina e fibrosa como calci ficação coalescente em linhas ou bandas paralelas à borda do osso subcondral (Figura 12). Os locais mais frequentemente acome tdos são menisco do joelho, ligamento triangular do carpo e fibrocartlagem da sínfise púbica. Qualquer ar tculação pode ser acome tda. Tais alterações são acompanhadas de lesões degeneratvas.
Figura 13 - Outras localizações de condrocalcinose
C - Exames laboratoriais O líquido sinovial com cristais de pirofosfato de cálcio é o achado caracterís tco. Os cristais são vistos à microscopia de luz polarizada, apresentando-se com birrefringência positva fraca e forma curta, com extremidades rombas (Figura 14) – diferentemente do de monourato de sódio, que é longo e pon tagudo.
Figura 14 - Cristal de pirofosfato de cálcio sob luz polarizada: romboides e fracamente birrefringentes
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As provas de atvidade inflamatória (VHS e PCR) podem estar aumentadas, sobretudo nos casos de crise aguda. Muitas vezes, é preciso afastar outras doenças que são comumente associadas à condrocalcinose: como diabetes mellitus, hiperparatreoidismo, hemocromatose, hipotreoidismo, doença de Wilson, hipofosfatasia, ocronose e acromegalia.
- Hiperparatreoidismo;
D - Diagnóstco
- Fibrodisplasia ossi ficante progressiva.
O diagnóstco baseia-se nos achados clínicos, radiológicos e laboratoriais. Entram no diagnós tco diferencial doenças que ela pode mime tzar (gota, osteoartrite, artrite reumatoide, artropata neuropátca) e as que podem estar associadas. Tabela 12 - Sugestões diagnóst cas para condrocalcinose Quando pensar em pseudogota? - Monoartrite aguda não tofácea intermitente: diagnóstco diferencial com gota, sobretudo se em associação a diabetes mellitus, hiperparatreoidismo, hemocromatose, hipotreoidismo, doença de Wilson, hipofosfatasia, ocronose e acromegalia; - Calcificações intra-artculares: picas em joelhos, sínfise púbica e punhos; - Quadro semelhante à osteoartrite, mas que a tnge artculações normalmente não acome tdas por osteoartrite primária: punhos, artculações metacarpofalangianas, ombros, cotovelos e tornozelos.
E - Tratamento Tratam-se as crises com AINHs, esvaziamento da ar tculação por meio de punção ar tcular e cortcoides injetáveis. Os pacientes devem ser orientados para que evitem traumatsmos artculares que são, com frequência, precipitantes de crises. O uso crônico de colchicina pode reduzir a frequência e a intensidade das crises.
12. Doença artcular por deposição de outros cristais Uma série de outros cristais pode produzir in flamação aguda osteomuscular. Dentre estes destacam-se a deposição de cristais de hidroxiapatta e de oxalato de cálcio. a) Deposição de cristais de hidroxiapa tta Os cristais de fosfato básico de cálcio (apa tta) estão associados a doenças artculares e periartculares, sendo frequente a causa de bursites e tendinites calci ficadas (Tabela 13). Tabela 13 - Condições associadas à deposição de hidroxiapat ta - Bursites e tendinites calci ficadas; - Periartrites calci ficadas (tecidos moles); - Osteoartrite; - Artropata destrutva; - Derrames hemorrágicos em idosos (ombro de Milwaukee); - Calcinose tumoral;
- Insuficiência renal crônica/diálise prolongada; - Doenças do tecido conjuntvo (esclerose sistêmica, LES, CREST, miosite); - Calcificações heterotópicas após patologias neurológicas (AVE, trauma raquimedular);
Os cristais de hidroxiapa tta causam artrite quando há quebra da homeostasia do produto cálcio-fósforo, principalmente quando este excede 75 mg 2/dL. A artculação mais comumente acometda é a do ombro, chamada às vezes de ombro de Milwaukee, sendo o lado dominante geralmente o mais envolvido. Pra tcamente qualquer ar tculação pode ser afetada, como quadril, punho, tornozelo, cotovelo e pequenas artculações da mão. A calci ficação de tendão, ligamento e cápsula ar tcular pode associar-se a processo inflamatório doloroso periartcular. A doença ar tcular por cristais de hidroxiapatta também pode progredir com artropata destrutva. É doença predominante em indivíduos idosos. O quadro clínico inclui de casos assintomá tcos (descobertos apenas nos exames radiográficos) até sinovite aguda, bursite, tendinite e artropa ta destrutva crônica. Na análise do líquido sinovial destes pacientes, a contagem de leucócitos é baixa, com predomínio de células mononucleares. Os cristais presentes no líquido sinovial são muito pequenos, não birrefringentes e muitas vezes detectados somente em microscopia eletrônica. Quando corados com vermelho S de alizarina são melhor visualizados. Os achados radiográ ficos não são diagnóstcos. É descrita a ocorrência de calcinose tumoral, em virtude do crescimento dos depósitos, em especial nos ombros, formando massas palpáveis e visíveis. A calci filaxia, que ocasiona calcificação de partes moles, calci ficação vascular e necrose isquêmica da pele, geralmente é vista em associação com níveis elevados de fosfato sérico. O tratamento é inespecí fico. Em geral, as crises agudas são autolimitadas. Pode-se usar AINHs, cor tcoides orais, injetáveis ou intra-ar tculares. Nos pacientes com doença destrutva e crônica o tratamento clínico é em geral ineficaz, requerendo medidas cirúrgicas para a remoção dos depósitos. Identficação e correção de um a tvo subjacente causa de hipofosfatemia ou hipercalcemia pode reduzir o risco de futuros ataques. b) Deposição de cristais de oxalato de cálcio (CaOx) Existem 2 formas de deposição de cristais de CaOx: a primária, um raro distúrbio metabólico e hereditário; e a secundária, uma anormalidade metabólica decorrente da Doença Renal Terminal (DRT). Nestes úl tmos ocorre deposição de CaOx em órgãos viscerais, ossos, cartlagens, sinóvia e vasos sanguíneos. Os agregados de CaOx liberam enzimas e com isso es tmulam a formação de sinovite nas artculações acometdas com progressivo dano ar tcular.
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REUMATOLOGIA Como achado radiográfico também podemos encontrar condrocalcinose, sendo esta indis tnguível da deposição de DPFC. O líquido sinovial destes pacientes não costuma ser inflamatório, com contagem total de menos de 2.000 leucócitos, com predomínio de mononucleares. O tratamento das crises agudas inclui AINH, colchicina e/ou cortcosteroides, associado ao aumento na frequência das sessões dialí tcas. Já na doença hereditária há relatos de melhora após transplante hepá tco.
13. Resumo Quadro-resumo - Gota: doença inflamatória artcular causada pela deposição de cristais de urato monossódico nos tecidos ar tculares e periartculares em condições de hiperuricemia; - Somente 25% dos indivíduos hiperuricêmicos desenvolvem gota. Há controvérsias sobre a indicação de tratamento dos hiperuricêmicos assintomátcos; - Fases da doença: hiperuricemia assintomá tca, gota aguda intermitente, gota tofácea crônica; - Pode evoluir para doença renal (nefropa tas agudas e crônicas por ácido úrico, nefroli ase); - Diagnóstco definitvo: encontro de cristais em forma de agulha com birrefringência negatva fagocitados por macrófagos no líquido sinovial; - Tratamento das crises agudas: AINHs, cor tcosteroides, colchicina; - Tratamento pro filátco (hipouricemiante): dieta (especialmente abstnência de álcool), alopurinol, agentes uricosúricos (benzbromarona); - Não se deve modificar ou introduzir tratamento hipouricemiante de base em vigência de crise aguda de gota; - Pseudogota: doença inflamatória artcular que se diferencia da gota por ser causada pela deposição tecidual de cristais de pirofosfato de cálcio. Diagnós tco diferencial entre gota e pseudogota Artrite induzida por cristais Caracterís tca
Gota
Pseudogota
Prevalência
1,5 a 2,6 casos por 1.000; aumenta com idade em homens e mulheres na pós-menopausa
<1 caso por 1.000; aumenta com a idade
Cristal
Urato monossódico
Pirofosfato de cálcio diidratado
Aparência
Birrefringência negatva; forma de agulha
Birrefringência fracamente positva; forma linear ou romboide
Envolvimento artcular
Monoartcular >oligoMonoartcular artcular; poliartcular >oligoartcular <30%
Artculações mais afetadas
1ª metatarsofalangiaJoelho, punho, na; tornozelo, joelho, outras outras
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Caracterís tca
Gota
Condições predisponentes/fatores de risco
Hiperuricemia, obesidade, hipertensão, hiperlipidemia, álcool, baixa ingesta alimentar, defeito enzimátco hereditário
Hipotreoidismo, hemocromatose, OA, IRC, diabetes, hiperparatreoidismo, hereditária (rara)
Opções terapêutcas
Crise aguda: AINH, colchicina, cortcoide
Crise aguda: AINH, colchicina, cortcoide
Manejos
Manejo crônico: uricosúricos, colchicina
Manejo crônico: AINH e/ou colchicina
Fonte: UpToDate, 2011.
Pseudogota
CAPÍTULO
8
Síndromes reumátcas dolorosas regionais Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Crist ani Barra de Souza
1. Introdução
tca
As síndromes dolorosas regionais formam um grupo de doenças musculoesquelé tcas heterogênea, cujas origens são múltplas, acometendo estruturas periar tculares em diversas partes do corpo. Representam um grande número de consultas na prá tca clínica, daí sua grande importância. Serão estudadas as principais síndromes dolorosas regionais, de acordo com a topogra fia dos sintomas.
2. Ombro Etologia
Pistas diagnóstcas
Tendinite do supraespinhal ou infraespinhal e bursite subacromial
Dor localizada no ombro ou no membro superior; piora com a abdução; comum dor noturna; manobras especí ficas no exame f sico.
Dor principalmente na face anterior do Tendinite da cabeça ombro; piora com a flexão; manobras eslonga do bíceps pecí ficas no exame f sico. Dor difusa no ombro; limita os movimentos tanto atvos quanto passivos.
Dor similar à tendinite do supraespinhal; Ruptura completa do impossibilidade de abdução atva comsupraespinhal pleta. Artrite glenoumeral
O manguito rotador, composto pelos tendões dos músculos supraespinhal, infraespinhal, redondo menor e subescapular, que se inserem nas tuberosidades umerais. O manguito fixa a cabeça do úmero na fossa glenoide durante a abdução, promove rotação interna (músculo subescapular e redondo menor) e externa (músculo infraespinhoso) do ombro e auxilia na abdução (músculo supraespinhoso); - A cápsula artcular da ar tculação glenoumeral, que pode estar acometda na capsulite adesiva. -
Tabela 1 - Causas mais comuns de dor no ombro
Capsulite adesiva (ombro congelado)
esportva, estão frequentemente associadas. Essa artculação possui grande mobilidade, o que confere grande instabilidade e favorece lesões. Quatro artculações conferem os movimentos do ombro: glenoumeral, acromioclavicular, esternoclavicular e escapuloumeral. Dentre as estruturas periar tculares mais importantes do ombro, destacam-se: - A bursa subacromial, localizada abaixo do acrômio e con nua com a bursa subdeltóidea, cobre a cabeça umeral. O músculo deltoide cobre a bursa;
Dor inflamatória; dor à mobilização a tva e passiva; limitação de mobilidade atva e passiva; mais artculações usualmente envolvidas.
Dor no aspecto superior do ombro; dor Doença acromioclavimecânica; dificuldade durante abdução cular e instabilidade extrema. Instabilidade glenou- Mais comum em pessoas jovens; recormeral rente.
Dor no ombro é uma queixa comum entre pessoas acima de 40 anos. Entre pessoas jovens, injúrias, devido à prá-
A - Distúrbios do manguito rotador Os distúrbios do manguito rotador incluem um espectro de doenças, como in flamação dos tendões (tendinite), desgaste e alterações degenera tvas da estrutura dos tendões (tendinose), rotura parcial ou completa dos tendões e compressão do manguito rotador no seu trajeto, levando à síndrome do impacto. A síndrome do impacto é uma das causas mais comuns de dor no ombro. A maioria dos casos tende a ocorrer em pacientes jovens e está associada à tendinite do supraespinhoso. A síndrome é provocada pela compressão do manguito, por edema em caso de tendinite, osteó fitos da artculação acromioclavicular ou anatomia variável do processo coracoide. O principal achado é a dor no ombro durante a abdução passiva, principalmente entre 60 e 120° (sinal do impacto).
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REUMATOLOGIA Vários são os sinais que indicam a síndrome do impacto, também conhecidos como manobras de impacto. Devemse realizar, de preferência, todos os testes para aumentar a sensibilidade: - Sinal do impacto: ou teste de Neer, é habitualmente positvo. Essa manobra é realizada quando o examinador abduz o braço do paciente estendido e em rotação neutra, rapidamente, enquanto a outra mão estabiliza a escápula (Figura 1). O sinal será posi tvo se a dor for desencadeada entre 60 e 120°; - Teste do impacto: realizado através da injeção de lidocaína no espaço subacromial, é considerado posi tvo se o sinal do impacto, antes posi tvo, se torna nega tvo, ou se a dor por ele desencadeada é aliviada signi ficatvamente; - Manobra de Hawkins-Kennedy: o examinador segura o braço do paciente, com elevação de 90°; flexiona o cotovelo a 90° e realiza rotação neutra, e então procede com uma rápida e passiva rotação interna (Figura 2). A manobra desencadeia dor; - Manobra de Yokum: o paciente apoia sua própria mão no ombro contralateral e o eleva rápida e a tvamente, sem elevar o ombro contralateral (Figura 3). A manobra desencadeia dor.
Figura 1 - Teste do impacto ou de Neer
Figura 2 - Manobra do impacto de Hawkins-Kennedy
Figura 3 - Manobra do impacto de Yokum
Muito comumente associadas à síndrome do impacto, estão as inflamações de tendões (tendinites) que pertencem ao manguito rotador. Os seguintes tendões podem ser acometdos: - Tendinite do supraespinhal: o músculo supraespinhal é responsável por parte da abdução do braço. Assim, a manobra para diagnostcar essa tendinite é feita com o paciente com o braço abduzido em 45°, estendido e em rotação interna (com o polegar para baixo), tentando fazer abdução contrarresistência do braço, sem elevar o ombro (Figura 4). Esse teste é conhecido como teste de Jobe; - Tendinite do infraespinhal: o músculo infraespinhal é responsável pela rotação externa do braço. A manobra
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SÍNDROMES REUMÁTICAS DOLOROSAS REGIONAIS
para diagnostcar essa tendinite é feita com o paciente com o braço abduzido a 90°, com o cotovelo fletdo também a 90°, tentando fazer a rotação externa contrarresistência (Figura 5). Esse teste é conhecido como teste de Pae; - Tendinite do subescapular: o músculo subescapular é responsável pela rotação interna do braço. A manobra para diagnostcar sua tendinite é feita com o paciente com a mão colocada na região lombar (dorso da mão ao nível de L5), com o cotovelo fletdo a 90°, tentando fazer a rotação interna contrarresistência (empurrando a mão para longe do tronco), o que provoca dor no ombro (Figura 6). Esse teste é conhecido como teste de Gerber ou li -o ff test. A incapacidade em realizar tal manobra está associada a provável ruptura do tendão do músculo subescapular.
As causas de tendinite no manguito rotador são mul tfatoriais, porém o uso excessivo, especialmente em movimentos acima da cabeça, contribui para o desencadeamento da síndrome. O tratamento consiste em repouso, orientação sobre preservação de energia e situações que pioram a dor e exercícios de fortalecimento (quando tolerados). An tinflamatórios não esteroides são bené ficos e frequentemente necessários por um curto período de tempo. Podem ser utlizadas injeções de cor tcoide no espaço subacromial.
B - Tendinite bicipital A tendinite bicipital raramente ocorre isolada e geralmente se associa à síndrome do impacto. Manifesta-se com dor, mais frequentemente na região anterior do ombro, com dificuldade para supinar o antebraço ou fletr o ombro acometdo. A palpação da goteira bicipital (Figura 7) pode mostrar um tendão fibrótco ou friável e desencadear dor. Esta também pode ser reproduzida pela supinação do antebraço contrarresistência (sinal de Yergason – Figura 8) e pela flexão do ombro com o cotovelo estendido contrarresistência (teste de Speed – Figura 9). O tratamento da tendinite bicipital, em linhas gerais, é o mesmo para o tratamento de tendinites do manguito rotador. Pode ser u tlizada a injeção de cor tcoide ao redor da bainha tendínea (Figura 10).
Figura 4 - Teste de Jobe para tendinite do supraespinhal
Figura 7 - Palpação da goteira bicipital Figura 5 - Teste de Pa e para tendinite do infraespinhal
Figura 6 - Teste de Gerber para tendinite do subescapular
Figura 8 - Teste de Yergason: supinação do antebraço contrarresistência desencadeia dor na tendinite bicipital
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REUMATOLOGIA ção de AINEs, fisioterapia e injeções de cor tcoide na ar tculação glenoumeral. Em casos refratários, pode ser necessário tratamento cirúrgico.
D - Síndrome do desfiladeiro torácico
Figura 9 - Teste de Speed: elevação do braço contrarresistência desencadeia dor na tendinite bicipital
Figura 10 - Injeção de cor tc oide na tendinite bicipital. Fonte: Rheumtext – Hochberg et al (eds)
C - Capsulite adesiva Conhecida também como ombro congelado ou pericapsulite adesiva, a capsulite adesiva caracteriza-se pela redução de amplitude de movimento a tvo e passivo do ombro, em todos os planos, com dor às tenta tvas de movimentação, provocada pelo espessamento e contratura da cápsula artcular, com redução do volume da ar tculação glenoumeral. É rara antes dos 40 anos, pode ser secundária a vários problemas no ombro e causada por artrite in flamatória, trauma e diabetes. Entretanto, muitos casos são idiopá tcos. É considerada uma doença benigna, autolimitada, com resolução espontânea em 1 a 2 anos, mas os pacientes geralmente ficam com limitação nas amplitudes de movimento do ombro. A forma associada ao diabetes pode ser bilateral e menos resistente ao tratamento. A artrografia ajuda a confirmar o diagnóstco pela demonstração de redução de volume da cápsula ar tcular do ombro. O ombro congelado pode ser tratado com a associa-
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A síndrome do des filadeiro torácico inclui um conjunto de sintomas resultantes da compressão do plexo braquial e da artéria e veia subclávias quando essas estruturas passam pelo desfiladeiro torácico, formado por clavícula, 1ª costela torácica e músculos escalenos anterior e médio. Os achados clínicos dependem do componente comprometdo. Sintomas neurológicos predominam na maioria dos pacientes. Os principais sintomas são paresia, dor e parestesia, com irradiação para pescoço, ombro, braço e mão, especialmente 4º e 5º quirodác tlos. Atvidades pioram os sintomas, e fraqueza e atro fia podem acontecer em fases avançadas. Os principais sintomas vasculares são alterações na coloração da pele, mudanças de temperatura e fenômeno de Raynaud. O diagnóstco diferencial é amplo, e o diagnós tco, de exclusão. O exame neurológico deve ser realizado cuidadosamente, assim como a avaliação arterial e venosa. No teste de Adson (Figura 11), o examinador palpa o pulso radial do paciente e se mantém assim com o braço do paciente com o cotovelo estendido, abduzido cerca de 70° e rodado externamente, com a palma da mão para a frente. O paciente faz uma inspiração profunda, estende o pescoço e vira o rosto para o lado que está sendo examinado. O teste é posi tvo quando o pulso radial diminui ou desaparece, desencadeando os sintomas de parestesia. Radiografias podem ser realizadas para avaliar costelas cervicais, processo transverso de C7 e exostoses ósseas. Testes de avaliação da velocidade de condução nervosa podem ser inconclusivos. Um angiograma ou venograma podem ser realizados em casos de compressão arterial ou venosa. De forma geral, o tratamento da síndrome do des filadeiro torácico é conservador. Uma boa postura deve ser enfatzada, e pode ser bené fico alongamento dos músculos escalenos e peitoral.
Figura 11 - Teste de Adson: é posi t vo quando a palpação do pulso radial desaparece ou diminui, desencadeando os sintomas de parestesias
SÍNDROMES REUMÁTICAS DOLOROSAS REGIONAIS
3. Cotovelo Tabela 2 - Principais lesões de partes moles do cotovelo Etologia
Pistas diagnóstcas
Epicondilite lateral Dor na face lateral do cotovelo e antebraço; (cotovelo do tedor à extensão do punho; dor a palpação nista) local. Epicondilite medial (cotovelo do golfista)
Dor na face medial do cotovelo e antebraço; dor à flexão do punho; dor a palpação local.
Bursite olecraniana
Dor na face posterior do cotovelo; edema e dolorimento local.
Trauma
História de trauma.
Artrite
Dor inflamatória; limitação dolorosa aos movimentos atvos e passivos; edema posteromedial.
Dor referida
Patologias do ombro, cervical e coração; exame local normal.
É comum em tenistas e acontece por in flamação da êntese do tendão extensor comum na sua inserção no epicôndilo lateral. Caracteriza-se por dor localizada no epicôndilo lateral, desencadeada à palpação (Figura 13) e aos movimentos referidos. As manobras mais u tlizadas para avaliação da epicondilite lateral são a dorso flexão (Figura 14) e a supinação do punho contrarresistência, com o cotovelo em extensão. O tratamento consiste em repouso, crioterapia (gelo local), órteses (Figura 15) e An t-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs). Também se pode aplicar cor tcoide tópico ou em forma de infiltração (Figura 16).
As principais lesões de partes moles do cotovelo são:
A - Bursite do olécrano A bursa do olécrano pode estar in flamada (Figura 12), geralmente secundária a processo crônico, trauma mínimo ou condição in flamatória sistêmica, como artrite reumatoide. Outras causas de bursite olecraniana são depósitos de monourato de sódio em crises de gota ou infecção bacteriana, sobretudo por S. aureus. A infecção secundária pode estabelecer-se em bursas previamente acome tdas por artrite reumatoide ou gota. A bursa, caracteristcamente, fica edemaciada e dolorosa quando pressionada, mas a dor pode ser mínima e os movimentos geralmente estão preservados. Em casos não infecciosos, aspiração isolada e proteção contra trauma são suficientes para resolver a condição, com ou sem aplicação de cortcoide local. A doença de base, se presente, deve ser tratada. Em casos de infecção, devem ser u tlizados antbiótcos intravenosos com ação contra S. aureus.
Figura 13 - Palpação do epicôndilo lateral desencadeia dor na epicondilite lateral
Figura 12 - Bursite olecraniana. Fonte: Rheumtext – Hochberg et al (eds)
B - Epicondilite lateral (“cotovelo de tenista”) A epicondilite lateral é uma condição comum entre pessoas que fazem uso excessivo dos braços, sobretudo movimentos forçados de supinação e/ou dorso flexão do punho.
Figura 14 - Dorso fl exão do punho contrarresistência, com o cotovelo em extensão desencadeia dor na epicondilite lateral
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REUMATOLOGIA
Figura 17 - Palpação do epicôndilo medial desencadeia dor na epicondilite medial Figura 15 - Órtese para epicondilite
Figura 18 - Flexão palmar do punho contrarresistência desencadeia dor na epicondilite lateral
D - Encarceramento do nervo ulnar Figura 16 - In fi ltração com cor tc oide para epicondilite lateral. Fonte: Rheumtext – Hochberg et al (eds)
C - Epicondilite medial (“cotovelo do golfista”) A epicondilite medial também é comum entre pessoas que fazem uso excessivo dos braços, mas com movimentos forçados de pronação e/ou flexão palmar do punho. É comum entre gol fistas e acontece por in flamação da êntese do tendão flexor radial do carpo na sua inserção no epicôndilo medial. Caracteriza-se por dor localizada no epicôndilo medial, desencadeada à palpação (Figura 17) e aos movimentos referidos. Para con firmar o diagnóstco, realizam-se as manobras de flexão palmar (Figura 18) e a pronação do punho contrarresistência, que são posi tvas quando desencadeiam ou exacerbam dor no epicôndilo medial. O tratamento é similar ao da epicondilite lateral.
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O acometmento do nervo ulnar na altura do cotovelo produz paralisia e parestesia no 5º quirodác tlo, na porção medial do 4º dígito e no cotovelo. A dor pode ser desencadeada quando é comprimido o nervo ulnar, localizado na porção posteroinferior do epicôndilo medial. Em casos avançados, pode haver atrofia e fraqueza musculares. O sinal de Tinel pode estar presente no cotovelo quando o nervo ulnar é percu tdo. Há várias causas para o encarceramento do nervo ulnar: compressão externa devida ao tpo de ocupação, compressão durante anestesia, trauma, repouso prolongado, fraturas e artrites in flamatórias. Testes de condução nervosa podem demonstrar lentficação motora e sensorial do nervo ulnar. Devem-se evitar a compressão do cotovelo e flexões repettvas para melhora do quadro. Em casos refratários, é necessária a correção cirúrgica.
SÍNDROMES REUMÁTICAS DOLOROSAS REGIONAIS
4. Punho e mão Tabela 3 - Principais patologias do punho e mão Estrutura
Nervos periféricos
Lesão
Síndrome do túnel do carpo
Pistas diagnóstcas - Parestesia nas mãos na região de inervação do nervo mediano; - Predominantemente noturna ou matnal; - Sinais de Tinel e Phalen positvos.
- Parestesia nas mãos na região de inervação do nervo ulnar; Síndrome do nervo ulnar - Sinal de Tinel positvo no túnel ulnar no cotovelo. - Dor na face lateral do punho e polegar; Tenossinovite - Dor mecânica; de DeQuer- Dor a palpação local; vain - Manobra de Finkelstein positva.
ajudar a prevenir recorrências. Em casos severos, indica-se cirurgia.
B - Tenossinovite de DeQuervain A tenossinovite de DeQuervain é o processo in flamatório dos tendões abdutor longo e extensor curto do polegar, que pode resultar de a tvidades repettvas de movimentos de pinça. Os sintomas são dor, aumento de temperatura local e, ocasionalmente, edema na localização do processo estloide do rádio. A manobra para diagnos tcar a doença é o teste de Finkelstein (Figura 19): com o punho cerrado e o polegar envolto pelos 4 quirodác tlos fletdos, o paciente faz o desvio ulnar forçado do punho. Essa manobra desencadeia muita dor na presença de tenossinovite. O teste também pode ser posi tvo na osteoartrite da 1ª artculação carpometacarpiana (rizartrose). O tratamento consiste no uso de órteses, injeção local de cortcoide e AINHs.
Bainha do - Dor mecânica ou in flamatória; Tenossinovite tendão e - Limitação à flexão dos dedos; dos tendões fáscia - Movimento de estalido dos flexores dedos (dedo “em gatlho”). Contratura de Dupuytren
- Fibrose e contração da fáscia palmar no aspecto palmar do 3º, 4º e 5º dedos.
Rizartrose
- Dor mecânica na base do polegar e face radial do punho. - Dor mecânica ou in flamatória;
Osteoartrite nodal Artcular
Artrite Referida
Coluna cervical
- Acomete interfalangianas proximais e distais; - Nódulos de Heberden e Bouchard. - Dor inflamatória; - Edema e ruborização ar tcular. - Exame local normal; - Manifestações associadas.
A - Ganglion ou cisto gangliônico Ganglion é um cisto sinovial com origem na sinóvia de uma artculação ou bainha sinovial, ocorrendo, mais comumente, no dorso do punho. A causa é desconhecida, mas pode desenvolver-se após trauma ou extensão prolongada do punho, quando uma situação de hiperpressão dentro do líquido sinovial faz a membrana sinovial herniar entre os tecidos moles, formando o cisto. Normalmente, o único sinal é o edema, mas um ganglion muito grande pode, ocasionalmente, produzir desconforto durante extensão do punho. O tratamento, se indicado, consiste na aspiração do fluido, com ou sem injeção de cor tcoide. O uso de órteses pode
Figura 19 - Teste de Finkelstein para tendinite de DeQuervain
C - Síndrome do túnel do carpo A síndrome do túnel do carpo é a causa mais comum de parestesia nas mãos. No punho, os tendões flexores e o nervo mediano atravessam um túnel formado pelos ossos do carpo (base do túnel) e pelo ligamento transverso do carpo (teto do túnel – Figura 20). A compressão do nervo mediano dentro desse túnel é que leva à síndrome. Várias desordens podem ocasionar a compressão: gravidez, trauma, lipoma, infecção (tuberculose, coccidioidomicose, esporotricose), doenças in flamatórias (artrite reumatoide, gota, pseudogota), hipo treoidismo, acromegalia. Quando a doença é sistêmica, geralmente os sintomas são bilaterais. No entanto, em muitos casos, a causa é desconhecida.
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REUMATOLOGIA
Figura 20 - Passagem do nervo mediano pelo túnel do carpo
Os sintomas são variados, sendo comuns episódios de dor em queimação e formigamento nas mãos, que geralmente pioram à noite e melhoram com o movimento. Alguns pacientes apresentam apenas formigamento, sem dor. Os pacientes podem ter sensação de mão edemaciada. Os sintomas são palmares, não dorsais, e a sua distribuição vai desde o 1º quirodác tlo até a metade radial do 4º quirodác tlo. As manobras de Tinel e de Phalen podem ser u tlizadas para desencadear os sintomas. O sinal de Tinel é dito posi tvo quando a digitopercussão do nervo mediano desencadeia sensação de “choque” no seu território de inervação (Figura 21). O teste de Phalen é realizado com o paciente segurando as mãos com os punhos em flexão de 90°, uma contra a outra, durante 1 minuto, e positvo quando é notada parestesia no território já descrito (Figura 22). Fraqueza e atro fia na região tênar podem ser observadas em casos crônicos, com envolvimento motor proeminente. O diagnóstco pode ser confirmado por estudos eletromiográficos (eletroneuromiografia). Em casos leves a moderados, órteses para o punho (Figura 23) e injeções locais de cor tcoide (Figura 24) na região do túnel do carpo diminuem os sintomas e podem ser utlizadas. Na falha desse tratamento ou em casos de grave acometmento motor à eletroneuromiografia ou com atrofia tênar (Figura 25) está indicada a descompressão cirúrgica. Mesmo com cirurgia, os sintomas podem ter recorrência. Na presença de alguma doença de base associada, esta deve ser tratada adequadamente.
Figura 21 - Teste de Tinel
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Figura 22 - Teste de Phalen
Figura 23 - Órtese de punho para STC
Figura 24 - Técnica para in fi ltração com cor tc oide para STC. Fonte: Rheumtext – Hochberg et al (eds)
SÍNDROMES REUMÁTICAS DOLOROSAS REGIONAIS
E - Contratura de Dupuytren
Figura 25 - Atro fi a tênar secundária à STC. Fonte: Rheumtext – Hochberg et al (eds)
D - Dedo “em gatlho” O dedo “em ga tlho” caracteriza-se pela di ficuldade de extensão de 1 ou mais dedos após flexão máxima (Figura 26), com dor. Com ou sem ajuda, o dedo se desprende subitamente, percebendo-se um “estalido”. A flexão do dedo é realizada sem di ficuldade; a complicação está na extensão. É resultante da in flamação da bainha sinovial que envolve o tendão flexor super ficial do dedo, que fica estreitada, enquanto o tendão internamente localizado fica edemaciado, caracterizando a tenossinovite estenosante do tendão sob a cabeça metacarpiana. Dentre as causas mais frequentes, têm-se artrite reumatoide, diabetes mellitus, hipotreoidismo, trauma e infecções. O tratamento baseia-se na redução das a tvidades manuais, fisioterapia, órteses, AINHs e in filtração local com cortcoide. A cirurgia está indicada a pacientes não responsivos ao tratamento conservador.
A contratura de Dupuytren caracteriza-se pelo espessamento e encurtamento da fáscia palmar, com a formação de um cordão fibroso, que pode impedir a extensão completa das metacarpofalangianas (Figura 27). A causa dessa condição é desconhecida, mas hereditariedade, alcoolismo, epilepsia e diabetes mellitus parecem estar envolvidos. Alguns pacientes podem ter outras manifestações fibrosantes difusas, como fasceíte plantar, doença de Peyronie e formação de nódulos tendíneos. O tratamento depende do estágio e da severidade da doença. Calor, alongamento e injeções intralesionais de cortcoide podem ajudar em fases precoces. É comum a recorrência dos casos, e, muitas vezes, a fasciotomia é efe tva.
Figura 27 - Contratura de Dupuytren
5. Quadril Tabela 4 - Principais manifestações clínicas do quadril Etologia
Achado clínico
Dor referida
Dor irradiada da coluna lombar, sacroilíacas, apêndice e trato urinário; manifestações associadas; exame local normal
Bursite trocantérica
Dor na face lateral do quadril; pior à noite; irradiação pseudociátca; dor a palpação local
Osteoartrite
Dor mecânica; início progressivo; limitação mobilidade atva e passiva; predomina em idosos
Artrite
Raramente monoartrite; dor in flamatória; contexto geral sugestvo; limitação de mobilidade atva e passiva
Tendinite dos adutores
Dor em região inguinal exacerbada pela abdução forçada; às vezes associada a patologia de quadril; dor a palpação local
A - Bursite trocantérica Figura 26 - Dedo “em gat lho”
A bursite trocantérica caracteriza-se pela in flamação da bursa trocantérica, a qual é muito frequente. O principal sintoma é de dor na região lateral do quadril, sobre a área
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REUMATOLOGIA do trocânter e na porção lateral da coxa (Figura 28), que piora ao caminhar e quando o paciente se deita em decúbito lateral sobre o lado afetado. O melhor meio para o diagnós tco da bursite trocantérica é a palpação da área do trocânter, na tenta tva de localizar o ponto de maior dor. Esta piora com rotação externa e abdução contrarresistência. São condições que podem contribuir para a bursite trocantérica: osteoartrite do quadril, discrepância no comprimento dos membros e escoliose. O tratamento consiste na injeção local de cor tcoide, gelo local, ant-inflamatórios, perda de peso e alongamento da musculatura (glúteo médio e trato ilio tbial).
Figura 28 - Local de in fl amação na bursite trocantérica
B - Bursite isquiátca Também chamada “nádega de tecelão”, a bursite isquiátca ocorre por trauma ou entre pessoas que permanecem muito tempo sentadas. A dor frequentemente é desencadeada quando o paciente se senta ou se abaixa. Como a bursa isquiátca se localiza, superficialmente, na tuberosidade isquiátca e separa o músculo glúteo máximo da tuberosidade, a dor pode irradiar-se para região lombar e glútea. Dor à palpação da tuberosidade isquiá tca está presente (Figura 29). O uso de almofadas, an t-inflamatórios, gelo local e in jeções de cortcoide pode ajudar.
mente sob o piriforme. A síndrome do piriforme caracteriza-se pela compressão do nervo ciá tco por uma contratura do músculo piriforme. O principal sintoma é de dor na região glútea, com irradiação para a perna, como uma ciatalgia (Figura 30), mas sem raiz individual acome tda e sem manobra de Lasègue posi tva. As mulheres são mais acometdas e o diagnós tco é obtdo pela palpação dolorosa do músculo piriforme super ficialmente ou ao exame retal ou vaginal. Dor é evidente na rotação interna do quadril contrarresistência. A injeção cuidadosa de lidocaína e cor tcoide pode ser aplicada para alívio dos sintomas, com fisioterapia para alongar o piriforme.
Figura 30 - Localização do músculo piriforme
D - Meralgia parestésica O nervo cutâneo lateral da coxa (L2-L3) é sensi tvo e inerva a porção anterolateral da coxa. A compressão desse nervo causa uma dor característca, em queimação, associada à parestesia em choques na porção anterolateral da coxa (Figura 31). Essa síndrome é vista com maior frequência em grávidas e obesos, cujo aumento de peso e roupas apertadas levam à compressão do nervo. Diabé tcos também podem ser acometdos com neuropata diabétca desse nervo. A extensão e a abdução da coxa, a posição ortostá tca por tempo prolongado e a deambulação podem piorar os sintomas, enquanto sentar-se pode aliviá-los. Estudos de condução nervosa podem ajudar a con firmar o diagnóstco. Perda de peso e correção da postura geralmente aliviam os sintomas. Pode também ser u tlizada injeção local com cor tcoide.
Figura 29 - Local de in fl amação na bursite isquiát ca
C - Síndrome do piriforme Em seu trajeto glúteo, o nervo ciá tco corre super ficialmente sobre os rotadores externos do quadril e profunda-
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Figura 31 - Raízes de L2-L3 e local de distribuição da dor na meralgia parestésica
SÍNDROMES REUMÁTICAS DOLOROSAS REGIONAIS
6. Joelho Tabela 5 - Patologias e manifestações clínicas que podem acometer os joelhos Etologia Osteoartrite Cisto de Baker
Achados clínicos - Dor mecânica; - Associação com obesidade. - Dor moderada na fossa poplítea; - Cisto palpável. - Dor na face medial do joelho; - Piora à noite e com exercício;
Bursite/tendinite anserina
Lesões de menisco
- Dor à palpação local; - Mais comum em mulheres obesas; - Frequentemente associado à doença artcular do joelho. - Episódios recorrentes de dor aguda no joelho; - Travamento ou deslocamento do joelho;
o paciente em pé. Nesse caso, a ultrassonogra fia pode estabelecer o diagnós tco. O cisto torna-se mais clinicamente significatvo caso ocorra sua rotura, o que provoca dor, edema e hiperemia na panturrilha, de início súbito, podendo simular tromboflebite ou trombose venosa profunda. No caso de rotura, um exame de ultrassonogra fia com Doppler é preciso para afastar a trombose venosa profunda. O ultrassom de partes moles releva as paredes murchas do cisto, o conteúdo heterogêneo (pelo sangramento) e o edema de partes moles. O cisto é tratado com injeção de cor tcoide dentro da artculação do joelho, que chega ao cisto pelo fluxo do líquido sinovial. O tratamento da doença de base é fundamental para evitar recorrência. No caso de rotura, o tratamento é sintomá tco com repouso, ant-inflamatórios e analgésicos.
- Predomina em pessoas jovens e atletas. Instabilidade do joelho Artrite
- Instabilidade e dor ao caminhar; - Associação com trauma ou doença ar tcular crônica. - Dor inflamatória; - Edema, efusão e calor local. - Dor difusa;
Dor referida
- Exame local inconclusivo; - Patologia da coluna lombar ou quadril. - Dor na face anterior do joelho;
Síndrome da dor anterior do joelho
- Ritmo variável, geralmente exacerbada ao caminhar; - Exame geralmente inconclusivo; - Predomina em mulheres jovens. Figura 32 - Cisto de Baker
A - Cisto poplíteo ou cisto de Baker O cisto poplíteo ou cisto de Baker (Figura 32) é um cisto sinovial que se origina de uma herniação da membrana sinovial da ar tculação femorotbial, que vai dissecando os tecidos moles de menor pressão e levando à formação do cisto, costumeiramente localizado na cabeça medial do músculo gastrocnêmio. O cisto de Baker con tnua a se comunicar naturalmente com a cavidade ar tcular do joelho, e um mecanismo de válvula entre a ar tculação e o cisto se forma, permi tndo que o líquido sinovial produzido no joelho se desloque para o cisto em direção única. O cisto de Baker em geral é secundário a uma artropa ta do joelho que leva ao aumento da pressão do líquido sinovial, como a artrite reumatoide e a osteoartrite. O cisto geralmente é assintomátco, mas pode levar à sensação de plenitude poplítea e ser visto ou palpado com
B - Bursite anserina A bursite anserina caracteriza-se pela in flamação da bursa anserina, localizada na porção medial do joelho, 1 ou 2cm abaixo da linha ar tcular, entre o ligamento colateral medial e os tendões tbiais (Figura 33). Produz dor à palpação da porção medial e inferior do joelho, sendo observada mais frequentemente em pessoas acima do peso, mulheres idosas e de meia-idade com osteoartrite de joelhos. O diagnós tco é estabelecido pela dor decorrente da palpação da bursa anserina e alívio da dor após injeção local de lidocaína. O tratamento consiste em repouso, gelo na região, injeção local de cor tcoide e alongamento da musculatura adutora e do quadríceps.
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REUMATOLOGIA
Figura 33 - Bursite anserina
C - Bursite pré-patelar A bursite pré-patelar manifesta-se com dor e edema na porção anterior da patela, resultante de trauma, frequentemente devido ao costume de ajoelhar-se (Figura 34). A dor geralmente é leve, exceto quando é exercida pressão sobre a patela. Assim como a bursa olecraniana, a bursa pré-patelar é bem super ficial, subcutânea e pode ser acome tda por bactérias, sobretudo S. aureus, caracterizando uma bursite séptca. No caso de sinais flogístcos exuberantes, deve-se proceder à punção do líquido da bursa e realizar microscopia e cultura, para afastar bursite sép tca. Se esta for afastada ou não for uma hipótese, o tratamento consis trá em repouso, gelo local e injeção de cor tcoide.
Figura 35 - Locais de in fl amação na bursite anserina (em preto, à direita), na bursite pré-patelar (em branco, à direita) e na paratendinite patelar (em cinza, à esquerda)
7. Tornozelo e pé Tabela 6 - Lesões e manifestações clínicas que acometem tornozelo e pés Localização Natureza da lesão Fasceíte plantar
Figura 34 - Mecanismo de lesão na bursite pré-patelar
- Dor na face plantar do retropé; - Exacerbada por carga local.
Tendinite do Aquileu
D - Paratendinite patelar Também chamada de tendinite do saltador ou jumper’s knee, a paratendinite patelar é observada, predominantemente, em atletas corredores e saltadores. Caracteriza-se pela dor no tendão patelar (Figura 35). O tratamento consiste em repouso, ant-inflamatórios, gelo local e alongamento da musculatura. A injeção local de cor tcoide deve ser evitada pelo risco de rotura do tendão.
Manifestações sugestvas
- Dor na face posterior do retropé; - Exacerbada ao caminhar. - Dor aguda pós-trauma;
Retropé Entorse
- Dor e prejuízo funcional; - Edema e/ou contusão. - Dor inflamatória;
Sinovite
- Dor à palpação e mobilização; - Edema e calor local.
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SÍNDROMES REUMÁTICAS DOLOROSAS REGIONAIS
- Dor mecânica; Osteoartrite Tarso
- Dor exacerbada com a inversão e eversão. - Dor mecânica;
Pé chato
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- Acentuação do arco anteroposterior do pé. - Dor mecânica;
Pé cavo-varo
- Acentuação do arco anteroposterior do pé. - Dor mecânica, às vezes com parestesia;
Metatarsalgia de Morton
- Agravada por calçado apertado; - Dor a palpação entre os metatarsos. - Dor mecânica sobre o polegar;
Hálux valgo
- Deformidade em valgo da 1ª metatarsofalangiana; - Ocasionalmente associado à bursite.
Antepé
Gota
Artrite de metatarsofalangiana
Dactlite
- Monoartrite aguda recorrente; - Predileção pela 1ª metatarsofalangiana. - Dor inflamatória; - Dolorimento local. - Edema e rubor difuso (dedo “em salsicha”); - Sugere artrite psoriásica.
Deformidade dedos
Figura 36 - Palpação do calcâneo para o diagnóst co de paratendinite. Fonte: Rheumatology in Pract ce
B - Fasceíte plantar Trata-se de uma entesite, localizada na inserção da fáscia plantar no calcâneo. É observada, com maior frequência, em pessoas entre 40 e 60 anos. Pode ter início após trauma, uso excessivo (atletas), caminhadas prolongadas ou uso de calçados inapropriados (totalmente retos) ou ser secundária às espondiloartropa tas soronegatvas, que, comumente, cursam com entesites (espondilite anquilosante, artrites reatvas, artrite psoriásica). A dor localiza-se na porção inferior e medial do calcanhar (Figura 37), é em queimação, lancinante e pior pela manhã, quando o paciente se levanta e põe o pé no chão. A palpação da região é, tpicamente, muito dolorosa. O tratamento inclui repouso rela tvo, ant-inflamatórios, uso de palmilhas e alongamento. A injeção local de cor tcoide habitualmente é bené fica.
- Dor mecânica agravada pelo calçado; - Deformidade visível.
A - Paratendinite do tendão de Aquiles Assim como o tendão patelar, o tendão de Aquiles não tem bainha sinovial, mas é envolto pelo paratendão. Assim, ele não é acome tdo por uma tenossinovite, mas por uma paratendinite. A paratendinite de Aquiles geralmente resulta de trauma, mas também pode ser causada por condições in flamatórias como espondilite anquilosante, artrites reatvas, gota, artrite reumatoide e pseudogota. Dor e edema podem ocorrer no tendão de Aquiles e na sua inserção. O tratamento consiste em an t-in flamatórios, repouso, correção dos calçados e palmilhas, e a injeção local de cor tcoide deve ser evitada pelo risco de rotura do tendão.
Figura 37 - Local de in fl amação na fasceíte plantar
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REUMATOLOGIA
Figura 38 - Palpação da inserção posterior da fáscia plantar. Fonte: Rheumatology in Pract ce
Figura 40 - Local do túnel do tarso, onde o sinal de Tinel desencadeia a dor com parestesia característ ca
D - Neuroma de Morton
Figura 39 - Palmilhas para fasceíte plantar. Fonte: Rheumatology in Pract ce
C - Síndrome do túnel do tarso Na região posteroinferior ao maléolo medial (Figura 40), há um túnel por onde passam os flexores dos dedos e o nervo tbial posterior, superiormente delimitados pelo re tnáculo dos flexores. Distalmente, o nervo divide-se em ramos plantar medial, plantar lateral e calcâneo posterior. A compressão do nervo tbial posterior nesse túnel caracteriza a síndrome do túnel do tarso, cujo desenvolvimento pode ser favorecido por trauma do pé (especialmente fratura), hálux valgo, hipermobilidade com valgismo do retropé e fatores ocupacionais. Os sintomas são parestesia e dor em queimação nos pododáctlos e na sola do pé a par tr do maléolo medial, que pode ser pior à noite. O sinal de Tinel pode ser posi tvo e é obtdo através da percussão na porção posteroinferior ao maléolo medial. Correção dos sapatos e injeção de cor tcoide no túnel do tarso podem ser bené ficos, mas, frequentemente, é necessária a descompressão cirúrgica.
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O neuroma de Morton, uma neuropa ta do nervo interdigital por compressão, é comum entre o 3º e o 4º pododáctlos. O paciente relata parestesia e dor tpo queimação no 4º dedo, os sintomas pioram com caminhadas e a posição na ponta dos pés, e a dor pode ser desencadeada pela palpação da 3ª e da 4ª cabeças dos metatarsos. O tratamento inclui a injeção local de cor tcoide ou a excisão do neuroma.
CAPÍTULO
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1. Introdução A fibromialgia é uma doença não in flamatória e não degenera tva que se caracteriza por fadiga, dores difusas crônicas e distúrbios do sono. Acomete mais mulheres e se relaciona a distúrbios do humor. Dor crônica e fadiga são sintomas muito prevalentes na população geral, especialmente em mulheres e pessoas de baixo nível socioeconômico. Seu diagnós tco é exclusivamente clínico e os exames subsidiários devem ser solicitados apenas para estabelecer o diagnós tco diferencial. É importante salientar que a orientação do paciente é crucial para o controle adequado da doença. A estratégia para o tratamento ideal depende de uma abordagem de tratamento multdisciplinar.
2. Epidemiologia A fibromialgia é uma síndrome muito comum, responsável por aproximadamente 15% das consultas em ambulatórios de Reumatologia, perdendo apenas para a osteoartrite como causa de dor musculoesquelé tca crônica. Sua prevalência é de 2% na população geral: em mulheres, é de 3 a 5% e, em homens, de 0,5 até 1,6%. Aproximadamente 75% dos pacientes são mulheres, em uma proporção média de 8 mulheres para 1 homem. Pode ocorrer também em crianças e idosos, mas a maioria dos pacientes está entre 30 e 50 anos. A fibromialgia pode associar-se a doenças in flamatórias do colágeno, com lúpus e artrite reumatoide. Seus sintomas podem se sobrepor aos da síndrome da fadiga crônica, da síndrome do cólon irritável e de outras síndromes dolorosas crônicas. Distúrbios psiquiátricos são frequentemente encontrados, principalmente depressão, ansiedade e distúrbios de personalidade. Sua prevalência é mais comum em doente com algumas patologias como: vírus do HIV (17%), diabetes (17%), pacientes em hemodiálise (7,4%) e com psoríase (8,3%).
Fibromialgia Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Crist ani Barra de Souza
Tabela 1 - Característ cas gerais da fi bromialgia - Doença não inflamatória e não degeneratva que se caracteriza por fadiga, dores difusas crônicas e distúrbios do sono; - Atnge 2% da população geral; - Acomete mais mulheres que homens (relação de 3:1); - Comumente associada a distúrbios do humor (depressão e ansiedade) e a distúrbios de personalidade, doenças in flamatórias do colágeno, síndrome da fadiga crônica, síndrome do cólon irritável e outras síndromes dolorosas crônicas.
3. Etopatogenia Atualmente, a etopatogenia da fibromialgia é desconhecida. Observou-se um aumento no risco para a síndrome de até 8 vezes em parentes de 1º grau de pacientes com fibromialgia. Foram descritos polimor fismos genétcos envolvidos no metabolismo das monoaminas, que estão envolvidas no processo sensorial e na resposta ao estresse. São descritas várias alterações na percepção da dor: es mulos elétricos, térmicos e de pressão têm um limiar mais baixo nesses pacientes. Isso acontece através de mecanismos de ampli ficação de es mulos sensitvos periféricos no sistema nervoso central desses pacientes, passando a provocar dor. Tal amplificação pode ser provocada pelo desbalanço entre substâncias pró-nocicep tvas (que aumentam a percepção da dor) e an tnociceptvas (que diminuem a percepção da dor). Na fibromialgia e em outros distúrbios de dor crônica, o nível da substância P, uma substância pró-nocicep tva, está aumentado nos grânulos secretórios dos nervos sensoriais. Enquanto isso, as vias an tnociceptoras serotonina/noradrenalina (monoaminas) podem estar comprome tdas nesses pacientes, o que é corroborado pelo fato de que inibidores da recaptação de serotonina/noradrenalina são efe tvos no tratamento da fibromialgia.
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REUMATOLOGIA Tabela 2 - E to patogenia da fi bromialgia - Ainda não completamente compreendida; - Há polimorfismos genétcos envolvidos no metabolismo das monoaminas relacionados à fibromialgia; - Amplificação de es mulos sensitvos periféricos no sistema nervoso central;
Problemas psicológicos, dificuldade de lidar com estresse do dia a dia, sintomas de ansiedade e depressão são comuns. Geralmente, mostram-se frustrados com suas queixas dolorosas e com a incapacidade médica em ajudá-los. Tabela 3 - Sintomas comuns na fi bromialgia História clínica
- Desbalanço entre substâncias pró-nocicep tvas e antnociceptvas;
- Sexo feminino, usualmente entre 20 e 65 anos;
- Aumento do nível da substância P (pró-nocicep tva);
- Dor generalizada, crônica >3 meses;
- Comprometmento da via das monoaminas noradrenalina e serotonina (antnociceptvas).
- Fadiga; - Distúrbios do sono e do humor; - Cefaleia; - Síndrome do intestno irritável.
Estilo de vida: sono não reparador, sedentarismo Fatores sociais: insatisfação no trabalho, isolamento, término de relacionamento
Individual
Exame f sico Fatores cognitivos: medo do futuro, desamparo, perda do controle
- Múltplas áreas dolorosas à palpação em músculos e tendões; - Sinais de doença muscular ou artcular não inflamatória. Testes laboratoriais
Trauma: injúrias física e psicológica
Fatores depressivos: ansiedade, depressão
- Normais. Fonte: UpToDate 2011.
Figura 1 - Fatores que in fl uenciam na percepção da dor
4. Manifestações clínicas - Sinais e sintomas O sintoma cardinal da fibromialgia é a dor difusa e crônica. Ela começa frequentemente localizada, torna-se generalizada e acomete os 4 quadrantes do corpo. A dor é relatada pelo paciente como em queimação ou peso, exaus tva e insuportável. Comumente, vem da musculatura axial (par tcularmente no pescoço e ombros) e se espalha pelo corpo, principalmente pelos músculos. Artralgias são comuns, com sensação subje tva de inchaço, não só ar tcular como de partes moles, que não se confirma ao exame f sico. Muitos pacientes relatam uma fadiga “profunda” (principalmente ao levantar-se pela manhã), dificuldade para dormir e sono super ficial. Fenômeno de Raynaud e frio excessivo, ver tgens, dificuldade de concentração, olhos e boca secos são comuns. Parestesias, especialmente em extremidades, estão presentes em mais de 75% dos pacientes, mas não seguem território de nervos especí ficos, e o exame neurológico é normal. É comum o relato de que as coisas caem das mãos e de que o simples toque dos familiares é extremamente doloroso. Dores crônicas regionais, como na ar tculação temporomandibular, dor pélvica crônica e cefaleia são comumente associadas, sendo esta últma presente, em cerca de 70% dos pacientes. Os distúrbios do sono são comuns. O paciente queixa-se de sono não restaurador e sensação de acordar cansado, como se não tvesse dormido. Distúrbios do sono podem ser demonstrados na polissonografia, partcularmente intrusões de ondas alfa no sono não REM, com ondas delta lentas.
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Ao exame f sico, o paciente apresenta-se em bom estado geral, sem evidência de doença sistêmica ou anormalidades artculares. Se não houver outra doença associada, o único achado ao exame f sico será a presença de dor em vários tender points, que são pontos dolorosos distribuídos pelo corpo simetricamente. A pesquisa desses pontos deve ser feita por meio da palpação de locais estabelecidos dentro dos critérios de classificação (Figura 2), u tlizando o polegar e o dedo indicador, e aplicando uma força equivalente a 4kg (até que o leito ungueal fique esbranquiçado). A palpação sistemá tca deve começar no sentdo craniocaudal preferencialmente (Tabela 4).
Figura 2 - Localização dos 18 pontos dolorosos da fi bromialgia
FIBROMIALGIA
Tabela 4 - Descrição dos 9 pares de pontos dolorosos da fi bromialgia
7 - Melhora com repouso, calor e condicionamento f sico.
1 - Occipital: na inserção no músculo suboccipital.
8 - Cefaleia crônica (enxaqueca, tensional).
2 - Cervical baixo: na projeção anterior do processo transverso de C5.
9 - Síndrome do cólon irritável.
3 - Trapézio: na porção média da borda do músculo trapézio. 4 - Supraespinhoso: acima da escápula, próximo à borda medial. 5 - Espaço intercostal: 2ª junção costocondral. 6 - Epicôndilo lateral: 2cm distalmente ao epicôndilo. 7 - Glúteo: quadrante lateral superior. 8 - Grande trocânter: proeminência trocantérica posterior. 9 - Joelho: na porção medial da interlinha artcular.
Os “pontos-controle”, como leito ungueal, no meio do braço e testa, podem ser palpados. Esses locais podem ser dolorosos à palpação, porém de intensidade menor quando comparados com os tender points.
5. Investgação laboratorial e radiológica Na ausência de comorbidades associadas, toda a investgação laboratorial e radiológica é normal. Alguns exames de triagem são úteis para excluir outras condições: hemograma, velocidade de hemossedimentação, proteína C reatva, transaminases, creatnofosfoquinase (CPK), FAN (fator antnúcleo), TSH (hormônio treoestmulante), cálcio, fósforo e fosfatase alcalina e urina 1. Excluir infecções virais crônicas como vírus C e HIV também é importante.
6. Critérios diagnóstcos O Colégio Americano de Reumatologia, em 1990, publicou critérios de classi ficação da fibromialgia, os quais também foram validados para a população brasileira. Segundo os critérios de classi ficação, os pacientes devem ter dor difusa por 3 meses, envolvendo as extremidades superiores e inferiores, os lados direito e esquerdo, assim como o esqueleto axial, associada à presença de 11 dos 18 pontos dolorosos à digitopressão (Figura 2 e Tabelas 4 e 5). Tabela 5 - Critérios diagnóst cos para fi bromialgia (Colégio Americano de Reumatologia – ACR – 1990) Critérios maiores 1 - Dor difusa com, no mínimo 3 meses de duração. 2 - Múltplos tender points em, pelo menos, 6 locais anatômicos especificados (11 de 18 tender points positvos). 3 - Ausência de doença subjacente como causa para fibromialgia. Critérios menores 1 - Introduções de ondas alfa na fase não REM do sono no EEG. 2 - Sono não restaurador. 3 - Rigidez matnal. 4 - Fadiga e cansaço diurnos. 5 - Edema e disestesias subje tvas. 6 - Agravamento com frio, estresse ou a tvidade.
Fonte: UpToDate, 2011.
No diagnóstco diferencial, devem ser lembradas as seguintes condições: síndrome da dor miofascial, polimialgia reumátca em maiores de 50 anos, polimiosite e outras doenças inflamatórias do tecido conjun tvo, como lúpus, artrite reumatoide, miopatas endócrinas (hipotreoidismo, hipertreoidismo, insuficiência adrenal) ou por álcool, neoplasias e efeito colateral de drogas (cor tcoides, cimetdina, estatnas, fibratos), osteomalácia, hiperparatreoidismo, infecções crônicas por vírus da hepatte C e do HIV etc. Essas doenças podem ser prontamente afastadas com a combinação de uma história e exame f sico cuidadosos, com exames de triagem nega tvos. Tabela 6 - Diagnóst co diferencial da fi bromialgia Diagnóstco diferencial AR e LES
Achados sugestvos Poliartrite simétrica, sintomas sistêmicos (dermatte, nefrite, elevação do VHS, anormalidades sorológicas (FAN, FR, ant-DNA e demais antcorpos)
Polimialgia reu- Idoso, VHS muito elevado, rigidez > dor, rápimátca da resposta a cortcoide Miosite
Fraqueza muscular e elevação de enzimas musculares
Hipotreoidismo Anormalidade nos testes de função treoidiana HiperparatireoiHipercalcemia dismo Neuropatas
Clínica e evidência eletroneuromiográfica de neuropata
Recebe destaque a síndrome da dor miofascial, que também provoca dor muscular crônica, às vezes com parestesias, mas localizada, diferente da fibromialgia. Nela, há a presença de “pontos-gatlho” ou trigger points que, quando palpados, desencadeiam dor em um grupo muscular. Tabela 7 - Exames rot neiros para excluir comorbidades e diagnóst co diferencial da fi bromialgia - Hemograma; - Velocidade de hemossedimentação (VHS) e Proteína C Rea tva (PCR); - CPK e transaminases; - Urina 1; - FAN (fator an tnúcleo); - Polimialgia reumátca em maiores de 50 anos; - Polimiosite e outras doenças in flamatórias do tecido conjuntvo, como lúpus, artrite reumatoide; - Creatnofosfoquinase (CPK) e transaminases; - TSH (hormônio treoestmulante); - Miopatas endócrinas (hipotreoidismo, hipertreoidismo, insuficiência adrenal);
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REUMATOLOGIA - Miopata por álcool, neoplasias; - Efeito colateral de drogas (cortcoides, cimetdina, estatnas, fibratos); - Cálcio; - Fósforo; - Fosfatase alcalina; - Osteomalácia, hiperparatreoidismo; - Sorologias virais contra o vírus C da hepa tte C e do HIV; - Infecções crônicas por vírus da hepa tte C e do HIV; - Anamnese e exame f sico; - Todas as doenças e síndrome miofascial.
-
Bloqueadores da recaptação de serotonina e adrenalina: podem ser mais eficazes que os agentes que inibem apenas a recaptação de serotonina. Podem ser usadas a venlafaxina, na dose de 150mg 2x/dia, e a duloxetna, na dose de 60 a 120mg/dia; e o milnaciprana na dose de 100 a 200mg/dia;
-
Relaxantes musculares de ação central: o mais comumente usado e com mais evidência na literatura é a ciclobenzaprina, agente tricíclico com estrutura similar à da amitriptlina; não apresenta efeitos an tdepressivos e é u tlizada como miorrelaxante na dose de 10 a 30mg/dia, antes de deitar. Se o paciente tolerar, a dose poderá ser dividida em mais tomadas diárias. Outras opções são o baclofeno e a tazinidina;
-
Drogas antepiléptcas: usadas em caso de sintomas com alodínia e hiperalgesia, também ajudam na sensibilidade dolorosa, no sono e na depressão; Pregabalina, na dose de 450mg/dia, tem evidência e ação na fibromialgia. Podem também ser usados a gabapentna (900a 2.400mg/dia) e o topiramato;
-
Benzodiazepínicos: devem ser evitados, pois a maioria altera a estrutura do sono, diminuindo a duração de ondas delta durante o sono profundo;
-
Cortcoides e AINH: não devem ser u tlizados, assim como os AINH não devem ser medicações de 1ª linha nos pacientes com fibromialgia.
7. Tratamento O tratamento baseia-se em medidas não farmacológicas e farmacológicas. Os obje tvos do tratamento são alívio da dor, melhora da qualidade do sono, manutenção ou restabelecimento do equilíbrio emocional e melhora do condicionamento f sico e da fadiga. Obje tva-se o controle dos sintomas, não a cura.
A - Tratamento não farmacológico O tratamento não farmacológico consiste no esclarecimento da síndrome ao paciente, informando que se trata de um quadro de dor real e que não causa deformidades. Há orientação de exercício f sico regular (aumenta a liberação de endor finas e melhora a qualidade do sono), inicialmente com programas de alongamento e conscien tzação corporal, e posteriormente exercícios aeróbios. Fatores emocionais também devem ser tratados e estão associados ao desencadeamento ou piora das dores. Suporte psicológico pode ser necessário.
B - Tratamento farmacológico Se houver doenças associadas, sobretudo causadoras ou perpetuadoras de dor, deverão ser tratadas adequadamente. Depressão deve ser diagnos tcada e tratada adequadamente. As dores da fibromialgia propriamente dita devem ser abordadas de forma múltpla, geralmente com mais de 1 agente, com mecanismos de ação diferentes. - Antdepressivos tricíclicos: são as drogas de escolha. Aumenta a duração da fase 4 do sono REM, melhorando os distúrbios do sono e diminuindo as alterações de humor desses pacientes. A droga de escolha é a amitrip tlina, na dose de 12,5 a 50mg, ministrada antes de deitar; - Inibidores seletvos da recaptação de serotonina (SSRI): podem amplificar a ação dos agentes tricíclicos e melhorar o bem-estar geral. A fluoxetna é o mais estudado e tem melhor efeito em doses mais elevadas, quando também tem ação de bloqueio da noradrenalina (20 a 80mg/ dia). A sertralina (de 50 a 150mg/dia) também pode ser usada; também está recomendada em consenso a associação de amitriptlina com fluoxetna;
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Tabela 8 - Tratamento da fi bromialgia Tratamento não farmacológico
Exercício f sico regular Inicialmente: programas de alongamento e conscientzação corporal Posteriormente: exercícios aeróbicos
Tratamento de fatores Pode ser necessário tratamento medicamentoemocionais so e/ou suporte psicológico. associados Amitriptlina – 12,5 a Antdepressivos tricí50mg/dia clicos Nortriptlina Fluoxetna – 20 a 80mg/ Inibidores seletvos dia da recaptação de seSertralina – 50 a rotonina (SSRI) 150mg/dia
Tratamento farmacológico
Venlafaxina – 150mg Bloqueadores da re2x/dia captação de serotoDuloxetna – 60 a nina e noradrenalina 120mg/dia Ciclobenzaprina – 10 a Relaxantes muscula- 30mg/dia res de ação central Baclofeno Tiazinidina Pregabalina – 450mg/ Drogas antepilépt- dia cas Gabapentna Topiramato Evitar benzodiazepíEvitar nicos
FIBROMIALGIA
8. Resumo Quadro-resumo Fibromialgia: condição dolorosa difusa crônica e não in flamatória, associada à fadiga e distúrbios de sono;
A I G O L O T A M U E R
Fisiopatologia: ainda obscura (desequilíbrio entre vias pró-nociceptvas e antnociceptvas); Achados clínicos mais comuns: dor generalizada, fadiga, sono não reparador, sensação subjetva de edema de extremidades e sintomas inespecí ficos (vertgens, parestesias etc.); Associação frequente: distúrbios do humor (depressão); Tender points: 11 dentre os 18 devem ser posi tvos para classifi-
car paciente como fibromiálgico; Tratamento não farmacológico: educação do paciente, exercícios f sicos (especialmente aeróbicos e alongamentos), terapia psicológica; Tratamento farmacológico: antdepressivos (tricíclicos, ISRS, bloqueadores da recaptação de noradrenalina e serotonina), relaxantes musculares (especialmente ciclobenzaprina), antconvulsivantes (pregabalina, gabapentna, topiramato).
97
REUMATOLOGIA
CAPÍTULO
10
Vasculites Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Crist ani Barra de Souza
1. Introdução
2. Classificação
As vasculites sistêmicas formam um grupo de doenças heterogêneas que apresentam, em comum, um processo inflamatório na parede vascular, podendo levar à diminuição de sua luz e trombose secundária ou à ruptura de sua parede e consequente sangramento. A maioria das vasculites sistêmicas inicia-se com sintomas consttucionais inespecí ficos que podem ser confundidos com uma série de outras doenças, di ficultando muito o diagnóstco. Sem tratamento, a maioria dos pacientes com vasculites sistêmicas evolui para óbito. O tratamento controla os sintomas e pode levar a remissões prolongadas.
As vasculites podem ser classi ficadas de vários modos. De uma maneira mais genérica, podem-se dividi-las em: - Primárias: a in flamação vascular é a manifestação primordial da doença; - Secundárias: a in flamação vascular é uma manifestação da doença de base (LES – Lúpus Eritematoso Sistêmico –, Sjögren, hepa tte B, hepatte C, neoplasia, drogas, pós-transplante).
Tabela 1 - Sintomas sugest vos de vasculite sistêmica - Mal-estar; - Febre; - Perda de peso;
Dentro das vasculites primárias, a classi ficação mais utlizada é a de Chapel Hill ( American College of Rheumatology , 1994, Tabela 2). Não existe nenhuma classi ficação ideal, e são encontradas várias adaptações na literatura. Tabela 2 - Classi fi cação das vasculites primárias de acordo com o tamanho do vaso envolvido (Chapel Hill – 1994) Predominantemente de grandes vasos
- Mialgia;
- Arterite de Takayasu;
- Púrpura palpável;
- Arterite de células gigantes (arterite temporal);
- Ulceração cutânea;
- Síndrome de Cogan.
- Úlceras orais;
Predominantemente de médios vasos
- Dor abdominal;
- Poliarterite nodosa;
- Diarreia;
- Doença de Buerger (tromboangeíte obliterante);
- Tosse;
- Doença de Kawasaki.
- Sibilância; - Hemoptse; - Dispneia; - Epistaxe;
Predominantemente de pequenos vasos - Poliangeíte microscópica; - Granulomatose de Wegener; - Síndrome de Churg-Strauss;
- Crostas nasais;
- Vasculite de hipersensibilidade (angiite cutânea leucocitoclástica);
- Sinusite;
- Púrpura de Henoch-Schönlein;
- Dor torácica;
- Vasculite urtcariforme;
- Prejuízo sensoriomotor.
- Crioglobulinemia.
98
VASCULITES
Dentro de cada um desses grupos, achados clínicos, laboratoriais e patológicos dis tnguem as diferentes vasculites. Serão estudadas, agora, as mais importantes.
3. Vasculite predominantemente de grandes vasos A arterite de células gigantes e a arterite de Takayasu são o protótpo das vasculites de grandes vasos, envolvendo a aorta e seus ramos, mas são doenças muito dis tntas clínica e epidemiologicamente.
A - Arterite de Takayasu A Arterite de Takayasu (AT), também conhecida como doença sem pulsos ( pulseless disease) ou aortoarterite primária ou síndrome aórtica média ou síndrome do arco aórtico ou tromboartropatia oclusiva, tem predomínio entre mulheres (relação 10:1), e seu início ocorre entre os 15 e os 40 anos (doença de adolescentes e adultos jovens). É uma poliarterite granulomatosa, com intenso in filtrado inflamatório no vasa vasorum, formação de granulomas e células gigantes. A in flamação pode destruir a camada média e substtuí-la por tecido fibrótco, enfraquecendo-a e favorecendo a formação de aneurisma ou proliferando e provocando o estreitamento da luz arterial. O acome tmento é “salteado”, com áreas normais e áreas afetadas e estreitadas ou dilatadas ao longo de um vaso. Pode acometer a aorta e quaisquer de seus ramos: subclávias, carótidas comuns, tronco braquiocefálico ou celíaco e artérias renais ou mesentéricas. É possível, também, o acometimento das artérias pulmonares ou seus ramos. Até 20% dos pacientes são assintomá tcos ao diagnóstco. As manifestações clínicas da AT são causadas por 2 componentes da doença: a fase in flamatória e a fase oclusiva. A síndrome in flamatória generalizada pode produzir febre, sudorese noturna, fadiga, mialgia, anorexia e perda de peso, sintomas que podem mime tzar um quadro infeccioso e estão ausentes em mais de 60% dos casos. A fase oclusiva leva a insu ficiência vascular que pode ser precedida por queixas de dor, especialmente em vasos cervicais superficiais (carotdínea). Os achados clínicos de complicações isquêmicas dependem do território vascular acometdo (Tabela 3). Os sintomas mais suges tvos são claudicação de extremidades, com os achados ao exame de diminuição de pulso braquial, diferença de pressão entre os membros superiores e presença de sopro subclávio ou no trajeto da aorta, que fazem parte dos critérios classi ficatórios (Tabela 4). Em até 14% dos casos pode ocorrer re tnopata, devido à oclusão da artéria caró tda interna, hipoperfusão da re tna ou mesmo por complicação direta da hipertensão.
As manifestações cardiopulmonares mais frequentes são dispneia, palpitações, angina, IAM, ICC e até morte súbita. Além de sintomas decorrentes de insu ficiência aórtca, estenose de artéria coronária e outros menos frequentes (miocardiopata, miocardite etc.). Pelo acometmento da artéria pulmonar pode ocorrer hemoptse, sinais de hipertensão arterial pulmonar e alterações de ventlação perfusão (fazendo diagnós tco diferencial com TEP). Como manifestação cutânea pode ocorrer: - Eritema nodoso; - Pioderma gangrenoso; - Eritema induratum; - Lesões ulceratvas e papulares. Com relação ao sistema renal, pode ocorrer hipertensão renovascular, doença glomerular e mais raramente amiloidose renal. O curso da doença é variável; pode comportar-se de forma rapidamente progressiva em alguns pacientes ou apresentar remissão espontânea em outros. Há uma signi ficatva taxa de mortalidade entre indivíduos não tratados. Tabela 3 - Aspectos clínicos da AT: correlação dos territórios vasculares compromet dos Leito vascular
Sintomas clínicos predominantes
Carótda comum Distúrbios visuais, AVE*, AIT**, síncope. Vertebral
Vertgens, alterações visuais.
Subclávia
Claudicação de membro superior, redução do pulso.
Arco aórtco
Insuficiência aórtca, insuficiência cardíaca congestva.
Pulmonar
Dispneia, dor torácica.
Coronárias
Infarto do miocárdio, angina.
Tronco celíaco
Angina abdominal.
Renal
Hipertensão.
Aorta abdominal
Claudicação, hipertensão, angina abdominal.
Ilíaca
Claudicação.
* AVE = Acidente Vascular Encefálico. ** AIT = Acidente Isquêmico Transitório.
Geralmente, suspeita-se do diagnós tco da AT em sua fase mais tardia, uma vez que é bastante di f cil em sua fase inicial (in flamatória). Os critérios mais u tlizados para classificar a doença são os do Colégio Americano de Reumatologia (Tabela 4). Suspeita-se do diagnós tco pela combinação de doença arterial vaso-oclusiva e in flamação sistêmica em paciente jovem. Os exames de imagem, como arteriografia (Figura 1), angiotomogra fia e angiorressonância, fornecem informações sobre o lúmen dos vasos, a distribuição e a gravidade da doença.
99
A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA Quanto ao diagnós tco diferencial, é bem amplo e di f cil, necessitando de minuciosa inves tgação laboratorial e de imagem (Tabela 5). Tabela 5 - Diagnóst co diferencial de AT - Arterite de células gigantes; - Síndrome de Behçet; - Síndrome Coagan; - Doença de Kawasaki; - Sarcoidose; - Artrite reumatoide; - Espondiloartrite; Figura 1 - Arteriogra fi a demonstrando dilatação do arco aór tc o
- Policondrite recidivante; - LES;
Tabela 4 - Critérios para classi fi cação da AT (ACR – 1990) Critério
Definição
- Tromboangeíte obliterante; - Aterosclerose;
Idade, até a instalação Desenvolvimento dos sintomas ou da doença, inferior a 40 achados relacionados à AT até a idade anos. de 40 anos.
- TEP;
Desenvolvimento e piora da fadiga e Claudicação de extremi- desconforto em músculos de 1 ou mais dades. extremidades, quando em uso, especialmente dos membros inferiores.
- Síndrome de Marfan;
Diminuição do pulso em Diminuição da pulsação em 1 ou amartéria braquial. bas as artérias braquiais. Diferença de pressão arterial sistólica Diferença de pressão aracima de 10mmHg entre os membros terial >10mmHg. superiores. Sopro audível à ausculta sobre 1 ou Sopro sobre artéria subambas as artérias subclávias ou aorta clávia ou aorta. abdominal. Estreitamento ou oclusão da aorta, seus ramos primários, ou das grandes artérias proximais das extremidades Anormalidades arteriosuperiores ou inferiores, não devido a gráficas. arteriosclerose, displasia fibromuscular ou causa similar, alterações geralmente focais ou segmentares.
Para o diagnóstco, o paciente deve preencher 3 dos 6 critérios. As imagens vasculares são fundamentais para o diagnóstco, e a arteriografia, o padrão-ouro.
Figura 2 - Classi fi cação angiográ fi ca da AT
100
- Síndrome de Ehler-Danlos; - Neurofibromatose; - Coarctação aórtca congênita; - Displasia fibromuscular; - Estenose traumá tca; - Infecções – sí filis, tuberculose, estafilococose, febre reumátca, entre outras.
O cortcosteroide é a terapia de escolha no tratamento da AT, na dose de 1mg/kg de peso de prednisona ou equivalente para controle in flamatório da doença. A monitorização das proteínas de fase aguda (VHS, PCR) é ú tl somente em uma parte dos pacientes. Baixas doses de aspirina podem ser u tlizadas para evitar trombose. Imunossupressores, como metotrexato, ciclosporina A, azatoprina e micofenolato de mofe tla, podem ser utlizados para o controle da in flamação. Em casos de estenose ou formações aneurismá tcas, cirurgia e angioplas ta são importantes no tratamento da AT.
B - Arterite de células gigantes A Arterite de Células Gigantes (ACG), também conhecida como arterite temporal, é a forma mais comum de vasculite sistêmica em adultos. Ocorre, quase exclusivamente, entre indivíduos acima dos 50 anos, com aumento da incidência conforme a idade. É 2 vezes mais frequente em mulheres que em homens. De causa desconhecida, afeta, primariamente, ramos extracranianos das carótdas. Não afeta artérias intracerebrais. Trata-se de uma panarterite, já que todas as camadas da parede arterial são acome tdas por um in filtrado inflamatório consttuído por células T e macrófagos. O in filtrado pode ser granulomatoso, com acúmulo de his tócitos e células gigantes multnucleadas. Trombose é incomum.
VASCULITES
As manifestações mais comuns são sintomas consttucionais (fadiga, perda de peso, febre e mialgia). Cefaleia, sintomas visuais, claudicação de mandíbula e polimialgia reumátca estão comumente presentes. Após os sintomas consttucionais, a cefaleia é o sintoma s intoma mais comum da ACG, classicamente descrita como dor moderada a intensa no território da artéria temporal, que pode estar espessada (Figura 3), dolorida, não compressível, nodular ou sem pulso. Como ela está alterada em 50% dos casos, a artéria temporal sem alterações não exclui ACG. Os sintomas visuais são comuns (1/3 dos casos), especialmente, perda visual e diplopia. A perda visual é a complicação mais temida, geralmente precedida por episódios de borramento visual ou amaurose fugaz, estabelecendo-se alguns meses após o início dos sintomas sistêmicos. Re flete neuropata óptca anterior isquêmica e pode ser prevenida pelo tratamento com doses altas de cor tcoide. A avaliação do fundo de olho pode ser normal quando a amaurose se estabelece, mas evolui com edema do disco óp tco e palidez, até atrofia. A diplopia acontece por o almoplegia (paralisia dos nervos motores devido à isquemia). Pode ocorrer claudicação intermitente da mandíbula pela isquemia dos músculos da mas tgação, e é o sintoma mais especí fico de ACG. Há di ficuldade em passar longos períodos mastgando ou em mastgar alimentos mais resistentes. Também Também é possível poss ível claudicação dos membros superiores por arterite em artérias braquiais.
dez em músculos do pescoço, cinturas escapular e pélvica, associada a sinais de in flamação sistêmica, como fadiga, perda de peso, sudorese e febre baixa, além de anormalidades laboratoriais, como aumento do VHS, PCR e anemia. Aproximadamente, Aproximadamente, de 30 a 50% dos pacientes com ACG desenvolvem PMR, que pode ocorrer isoladamente e é de 2 a 4 vezes mais frequente que a ACG. Além da coexistência das 2 doenças, compartlham fatores de risco como a faixa etária e o HLA. Entretanto, a PMR isolada responde rapidamente a doses baixas a moderadas de cor tcoide (<20mg/ dia) e não oferece risco de amaurose. A polimialgia reumátca simula diversas patologias, tais como as demonstradas na Tabela 7. Tabela 7 - Doenças que cursam com polimialgia - Artrite reumatoide; - Síndrome do manguito rotador; - Osteoartrite dos ombros e quadris; - Fibromialgia; - Dermato/polimiosite; - Espondiloartropa Espondiloartropata; - Lúpus eritematoso sistêmico; - Vasculites; - Mialgias paraneoplásicas; paraneoplásicas; - Mialgias associadas a infecções; infecções; - RS3PE – sinovite simétrica soronegatva com pi com pi edema (va ng edema (variante AR);
Tabela 6 - Critérios de classi fi cação cação das artrites de células gigantes
- Doença de Parkinson;
- Idade de início da doença ≥ 50 anos;
- Hipotreoidismo;
- Cefaleia de início recente ou novo tpo;
- Medicamentos – estatnas.
- Dor ou redução da pulsação em artéria temporal; - VHS elevado (≥50mm/h); - Alterações histológicas da arterite (lesão granulomatosa, usualmente com células gigantes mul tnucleares, ou infiltrado celular mononuclear difuso).
Figura 3 - Espessamento Espessamento da artéria temporal em paciente com ACG
Um quadro que, comumente, se associa à ACG, é a polimialgia reumátca (PMR), que se caracteriza por dor e rigi-
Não existem teste laboratorial patognomônico nem antcorpos especí ficos para ACG. A elevação das proteínas de fase aguda é um achado pico pico e auxilia no diagnós tco e seguimento dos pacientes após o tratamento: a velocidade de hemossedimentação encontra-se elevada, acima de 50mm na 1ª hora. Outras provas de fase aguda podem estar alteradas. FAN e fator reumatoide, em geral, são nega tvos. O diagnóstco de ACG deve ser considerado em pacientes acima de 50 anos com história inexplicada de cefaleia, sinais de isquemia em território vascular extracranial, perda da visão ou polimialgia reumá tca associada à evidência laboratorial de in flamação (aumento de proteínas de fase aguda). A biópsia da artéria temporal, o padrão-ouro para o diagnóstco, deve ser realizada sempre para con firmação diagnóstca. Caso seja nega tva, pode-se realizar a biópsia da artéria contralateral. O exame não deve retardar o tratamento, pois as alterações histopatológicas persistem por até 2 semanas após o início da cor tcoterapia. Os exames de imagem muitas vezes são necessários e cons ttuem importante método diagnós tco. É descrito que até 50% dos pacientes com ACG extracraniana possuem biópsia de artéria temporal nega tva. Os alvos primários são: artérias subclávias, axilares, vertebrais, carótdas (eventual). Dentre
101
A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA os principais exames de imagem dispWoníveis para o diagnóstco de ACG podemos citar: -
Angiografia tradicional;
-
Angiorressonância: •
-
-
Preferencial para ramos aór tcos e vasos do pescoço. Rápida informação sobre diâmetro aór tco, irregularidades e espessamento.
PET-scan PET-scan e e USG Doppler .
O Colégio Americano de Reumatologia apresenta critérios diagnóstcos para ACG (Tabela 8). Um paciente é classificado como portador da doença caso apresente 3 dos 5 critérios. Tabela 8 - Critérios de classi fi cação cação para arterite de células gigantes (ACR - 1990) Critério
Poliarterite nodosa A poliarterite nodosa (PAN) é uma forma de vasculite que afeta artérias de médio e de pequeno calibre. Pode ocorrer em qualquer idade, mas o pico se dá entre os 40 e os 50 anos, sendo 3 vezes mais comum em homens do que em mulheres. É muito rara em crianças e tem causa desconhecida, mas drogas, vacinas ou infecções podem estar relacionadas ao desencadeamento da doença. Em 30% dos casos, associa-se à infecção por hepa tte B e só melhora com o tratamento do vírus. A PAN atnge apenas vasos arteriais de médio e de pequeno calibre, com lesões segmentares em placas, observadas, principalmente, próximas a bifurcações. As partes inflamadas da parede arterial tornam-se mais fracas e, sob a pressão sanguínea, cedem, levando à formação de aneurismas. A imagem à arteriografia de segmentos de várias artérias com abaulamentos em suas paredes é que deu origem ao nome da doença (Figura 4). Caracteris tcamente, as lesões histológicas estão em diferentes estágios de evolução, acompanhadas de necrose fibrinoide, ausência de granulomas e presença de aneurismas da parede arterial. -
Tomogra fia computadorizada: •
4. Vasculite predominantemente de médios vasos
Definição
Idade de instalação da Desenvolvimento dos sintomas a partr doença >50 anos. dos 50 anos. Nova cefaleia.
Cefaleia recente ou um novo tpo de cefaleia.
Anormalidade da artéria temporal.
Sensibilidade dolorosa aumentada na artéria temporal à palpação ou diminuição de sua pulsação, não relacionada à arteriosclerose ou à lesão em artérias cervicais.
Velocidade de hemossedimentação aumentada.
VHS >50 na 1ª hora pelo método de Westergren.
Biópsia arterial demonstrando vasculite, caracterizada pela predominância de inAnormalidade arterial filtrado de células mononucleares ou forna biópsia. mação granulomatosa, geralmente com células gigantes multnucleadas.
Os cortcosteroides são efetvos na supressão das manifestações festações clínicas da ACG. Doses iniciais de 1mg /kg de peso de prednisona ou equivalente têm sido recomendadas até a reversão das manifestações inflamatórias da doença, com redução posterior. A maioria dos pacientes responde bem ao cortcoide, mas pode haver recidiva ou cor tcodependência. Nesses casos, podem ser u tlizadas drogas imunossupressoras, como metotrexato, metotrexato, ciclosporina, ciclofosfamida e azatoprina. Sintomas de in flamação sistêmica e provas de atvidade inflamatória, como VHS ou PCR, são úteis na detecção de recidivas e má resposta. No caso de PMG ocorrer isoladamente, a resposta é rápida e muito boa com baixas doses de cortcoide (<20mg/dia de prednisona), sem necessidade de imunossupressor. imunossupressor. Ocorrendo junto com ACG, o tratamento é ditado pelas manifestações da ACG.
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Figura 4 - Arteriogra fi a renal em paciente com PAN: observar a presença de aneurismas aneurismas saculares intraparenquimatosos intraparenquimatosos em artérias de médio calibre
A doença costuma começar com queixas vagas, febre baixa e emagrecimento. As manifestações clínicas são bastante variadas. Há uma predileção por pele, nervos periféricos, rins e trato gastrintestnal. As lesões cutâneas incluem livedo retcular (Figura 5), nódulos subcutâneos, úlceras vasculí tcas (Figura 6) e gangrena digital. A PAN cutânea é uma variante da PAN clássica, em que só a pele é acome tda, sem envolvimento visceral.
VASCULITES
Mais de 80% dos pacientes têm neuropa ta periférica por vasculite, tpicamente uma mononeurite múl tpla, que afeta nervos especí ficos, mais frequentemente os nervos fibular, tbial, ulnar, ulnar, mediano e radial, levando a sintomas e sinais nas extremidades distais, como pé e mão caídos (Figura 7). O acometmento de vasos mesentéricos leva à manifestação clássica de angina intes tnal: uma dor periumbilical pós-prandial. Pode haver perfuração ou isquemia do intestno, com sangramento intes tnal maciço. Envolvimento renal, presente universalmente nas autópsias, pode provocar insuficiência renal e hipertensão. Orquiepididimite também é possível. Lesões cardíacas podem levar a infarto miocárdico e falência cardíaca congestva, mas, em geral, são subclínicas. A PAN costuma poupar o leito arterial ar terial pulmonar. pulmonar. Quanto às alterações laboratoriais, as mais encontradas são aumento do número de leucócitos, elevação da velocidade de hemossedimentação e anemia discreta. Fator reumatoide e antcorpos antnucleares podem estar presentes em tulos tulos baixos. O diagnóstco parte da suspeita de uma doença sistêmica com febre, emagrecimento e astenia, além de manifestama nifestações em múltplos aparelhos, como certas associações fortemente sugestvas de PAN: vasculite cutânea, mononeurite múltpla, dor muscular e perda de função renal com hipertensão, num paciente com provas de a tvidade inflamatória elevadas. Para o diagnós tco, entretanto, é necessário excluir outras doenças sistêmicas infecciosas, neoplásicas ou inflamatórias. A con firmação por achados mais especí ficos de PAN é requerida: biópsias mostrando a vasculite necrosante em parede arterial podem ser realizadas em lesões cutâneas, músculos ou nervos. Os microaneurismas podem ser demonstrados em angiogra fias renais ou mesentéricas, mesmo na ausência de sintomas. O Colégio Americano de Reumatologia estabeleceu critérios para o diagnós tco, e devem estar presentes ao menos 3 dos 10 deles (Tabela (Tabela 9).
A I G O L O T A M U E R
Figura 6 - Úlcera cutânea em paciente com PAN
Figura 7 - Mão caída por acomet mento mento do nervo radial em paciente com PAN Tabela 9 - Critérios de classi fi cação cação para poliarterite nodosa (ACR – 1990) 1 - Perda de peso maior que 4kg. 2 - Livedo retcular. 3 - Dolorimento testcular. 4 - Mialgia, fraqueza ou dolorimento muscular. 5 - Mono ou polineuropata. 6 - Hipertensão arterial com PAD >90mmHg. 7 - Aumento de ureia ou creatnina. 8 - Presença de an geno geno do vírus ou antcorpo antvírus B. 9 - Anormalidades angiográficas; presença de aneurisma ou oclusão de artérias viscerais. Figura 5 - Livedo ret cular cular em paciente com PAN. Fonte: ABC of Rheumatology
10 - Biópsia de artéria de pequeno e/ou médio calibre com in filtrado de polimorfonucleares.
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REUMATOLOGIA O tratamento da PAN idiopá tca (não associada ao vírus da hepatte B) inclui cor tcoide em altas doses e terapia com imunossupressor. Aproximadamente, metade dos pacientes apresenta remissões ou cura com altas doses de cortcoide (1mg/kg/dia de prednisona ou equivalente). A pacientes mais graves está indicada a pulsoterapia com metlprednisolona 1g/dia, durante 3 dias consecu tvos. Pacientes com doença refratária aos cor tcosteroides e envolvimento grave de órgãos-alvo devem receber ciclofosfamida. No caso de PAN associada ao vírus B, é requerido o tratamento antviral. A plasmaférese também é uma opção nessas situações.
5. Vasculite predominantemente de pequenos vasos A classificação de Chapel Hill inclui várias vasculites como predominantes em pequenos vasos. Algumas são vasculites primárias, e outras podem estar associadas a outras doenças. Algumas são pauci-imunes, ou seja, não são mediadas por deposição de imunocomplexos, enquanto, em outras, o mecanismo fisiopatológico é a deposição de imunocomplexos, cuja classe varia de acordo com a doença. As apresentações clínicas e a faixa etária em que ocorrem são muito variáveis. A Tabela 10 mostra as principais diferenças entre elas.
Tabela 10 - Vasculites com predomínio em pequenos vasos ? a i r á m i r p e t i l u c s a V
Poliangeíte microscópica (PAM)
Granulomatose de Wegener
Síndrome de Churg-Strauss
Crioglobulinemia
Vasculite de hipersensibilidade (leucocitoclástca)
X
X
X
-
-
? e n u m i i c u a P
X
X
X
-
-
a c i m ê t n e m e l p m o c o p i H
-
-
-
X
-
a s o t a m o l u n a r G
-
X
X
-
-
A C N A a o ã ç a i c o s s A
Principais característcas
X
Acometmento pulmonar – hemorragia alveolar; Glomerulonefrite rapidamente progressiva; Principal causa de síndrome pulmão-rim; ANCA-relacionada (p-ANCA) ; Púrpura palpável; Mononeurite múltpla.
X
Infecções de repetção em vias aéreas superiores; Acometmento pulmonar; Glomerulonefrite rapidamente progressiva; ANCA-relacionada (c-ANCA).
X
Asma/rinite alérgica/polipose nasal; Eosinofilia; Infiltrados pulmonares transitórios, ocasionalmente, hemorragia alveolar; Neuropata vasculí tca.
-
Acometmento preferencial da pele; Artrite; Glomerulonefrite; Neuropata vasculí tca.
-
Vasculite cutânea; Pode ser precipitada por medicações e infecções, iden tficáveis em 60% dos casos,
Púrpura de Henoch-Schönlein
X
-
-
-
-
Púrpura palpável não trombocitopênica; Artrite; Glomerulonefrite; Dor abdominal; Depósito de IgA na parede dos vasos.
Vasculite urtcariforme
-
-
-
-
-
Queimação, dor ou prurido cutâneo que demora mais de 24 horas para melhorar.
104
VASCULITES
A - Vasculites pauci-imunes As vasculites pauci-imunes são assim chamadas porque o mecanismo de dano à parede vascular não se faz por meio de depósitos de imunocomplexos à histologia. Isso as difere das vasculites por imunocomplexos, em que o dano à parede vascular ocorre pelo depósito de imunocomplexos circulantes. São ditas relacionadas ao ANCA porque a maioria dos pacientes com vasculite de pequenos vasos pauci-imunes apresenta antcorpos contra determinadas proteínas especí ficas encontradas dentro dos grânulos citoplasmá tcos dos neutrófilos ou antcorpos antcitoplasma de neutró filos (ANCA). Há 2 padrões clássicos de ANCA, pela imuno fluorescência: o citoplasmá tco (c-ANCA) e o perinuclear (p-ANCA). Um padrão a pico, quando não há o c-ANCA nem o p-ANCA, também foi descrito. Posteriormente, puderam ser identficados os an genos correspondentes: o c-ANCA age contra a enzima an tproteinase-3 (ant-PR3), e o p-ANCA, contra a an tmieloperoxidase de neutró filos (ant-MPO). O c-ANCA é rela tvamente especí fico para granulomatose de Wegener e pode correlacionar-se com a a tvidade da doença. O p-ANCA é pouco especí fico, e seus tulos não se correlacionam com a a tvidade das doenças em que pode estar presente: poliangeíte microscópica, síndrome de Churg-Strauss, hepa tte autoimune e doença in flamatória intestnal. a) Poliangeíte microscópica A poliangeíte microscópica (PAM) é uma desordem que acomete vasos de pequeno calibre, incluindo capilares, vênulas e arteríolas, e vasos de médio calibre, como artérias e veias. É uma vasculite necrosante pauci-imune, sem depósitos imunes à histologia, e apresenta tropismo pelos rins (glomerulonefrite rapidamente progressiva) e pulmões (capilarite pulmonar), sendo a principal causa da síndrome pulmão-rim. As manifestações mais comuns são glomerulonefrite com hematúria, perda de função renal, hipertensão, perda de peso, lesões cutâneas purpúricas (Figura 8), mononeurite múltpla e febre. Capilarite pulmonar pode acarretar hemorragia alveolar (Figura 10) e hemop tse. A hemorragia pulmonar ocorre em até 30% dos casos e pode causar dispneia e hemoptse, com raio x mostrando in filtrado alveolar focal (Figura 9). Fibrose pulmonar pode ocorrer como consequência e está associada a pior prognóstco. As manifestações neurológicas que podem ocorrer na PAM incluem neuropata, presente em 30% dos casos menos comum que na PAN. Neuropa ta afetando nervos cranianos ou periféricos é mais comum que mononeurite multplex. Vasculite cerebral é rara e em geral causa AVC hemorrágico, convulsões ou cefaleias. Manifestações cardíacas são raras e quando presentes causam pericardite e insu ficiência cardíaca. Setenta por cento dos pacientes com PAM são posi tvos para o ANCA, sendo o padrão mais encontrado, na imuno-
fluorescência,
o perinuclear (p-ANCA), que corresponde à presença de antcorpos antmieloperoxidase. A ttulação do p-ANCA não se associa à atvidade de doença. Apresentam ainda achados incaracterístcos, tais como: anemia normo/ normo, trombocitose, hipoalbuminemia e elevação de provas inflamatórias (VHS e PCR).Os achados histopatológicos incluem: - Lesão renal pica: Glomerulonefrite focal e segmentar com necrose fibrinoide da parede do capilar glomerular levando à formação de crescentes; Pauci-imune. - Lesão pulmonar: Capilarite; Fibrose interstcial – 2ª a hemorragia alveolar recorrente. - Lesão cutânea: Vasculite leucocitoclástica necrotizante pauci-imune. •
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A pacientes com PAM com glomerulonefrite, hemorragia alveolar, mononeurite múl tpla ou outras manifestações graves, está indicado o tratamento com a combinação de cortcoide e ciclofosfamida. Pacientes com PAM têm resposta adequada com ciclofosfamida intravenosa combinada com altas doses de cor tcoide. Azatoprina, imunoglobulina intravenosa e metotrexato também podem ser u tlizados.
Figura 8 - Púrpura palpável nos membros inferiores
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REUMATOLOGIA mucosa nasal, parosmia, epistaxe e cefaleia. Perfuração do septo nasal, ulceração e erosão do vômer, levando à deformidade de nariz “em sela” (Figura 14), são achados clássicos. É comum o envolvimento granulomatoso dos seios da face, podendo haver invasão das estruturas con guas, como a órbita (Figuras 12 e 13). Tais lesões são frequentemente infectadas, secundariamente, por Staphylococcus aureus. Podem ocorrer otte média secretora, o tte média crônica, com perfuração da membrana tmpânica, otalgia e otorreia, assim como disfonia, estridor laríngeo, sibilos, ulceração e edema oral e gengivite, ceratoconjun tvite, esclerite e uveíte vasculí tcas. Pode ocorrer ulceração oral e alterações gengivais picas (Figura 11). Figura 9 - Raio x de tórax de paciente com PAM e hemorragia pulmonar
Figura 10 - Tomogra fi a computadorizada evidenciando hemorragia pulmonar
b) Granulomatose de Wegener A Granulomatose de Wegener (GW) é uma doença sistêmica caracterizada pela vasculite granulomatosa do trato respiratório superior e inferior com ou sem glomerulonefrite. É uma doença incomum, que afeta ambos os sexos igualmente e surge em todas as faixas etárias, sendo mais comumente encontrada em caucasianos (97%). Sua causa é desconhecida. As 3 característcas histopatológicas são granulomas necrosantes no trato respiratório superior ou inferior, vasculite necrosante envolvendo tanto as artérias quanto as veias nos pulmões e em outros órgãos e glomerulonefrite, que, usualmente, é focal e segmentar. Como sintomas gerais iniciais, o paciente costuma apresentar febre, anorexia, emagrecimento, fadiga e fraqueza. As vias aéreas superiores (seios da face, ouvidos, nasofaringe, orofaringe e traqueia), o trato respiratório inferior (brônquios e pulmões) e os rins são caracteris tcamente envolvidos. Nas vias aéreas superiores, podem ocorrer obstrução nasal crônica com rinorreia clara, ulceração e edema da
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Figura 11 - (A) Ulceração na língua e (B) “gengivas de morango” em paciente com GW
Como complicação do acometmento de vias aéreas superiores pode ocorrer estenose subgló tca, que é em geral assintomátca, mas pode dar como manifestação clínica rouquidão, dor, tosse, estridor e inclusive necessitar de traqueostomia. Deve ser suspeitado se ocorrer o tte, rinite ou sinusite persistente. - Lesões destru tvas das VAS: Sinais e sintomas sistêmicos: artralgias, perda de peso e elevação de provas in flamatórias. •
O envolvimento pulmonar também é extremamente comum. Tosse produtva, dispneia, hemoptse, dor e desconforto torácico são os principais sintomas. Anormalidades
VASCULITES
nas radiografias do tórax são vistas em mais de 90% dos casos e incluem lesões nodulares escavadas não calci ficadas, largas, múltplas e bilaterais (Figura 15). As característcas nefrológicas da GW são, predominantemente, representadas por glomerulonefrite focal necro tzante, que leva a hematúria, leucocitúria e anormalidades nos níveis de ureia e crea tnina, podendo provocar falência renal e morte. Tal acome tmento está presente em 80% dos pacientes em algum momento da evolução, porém apenas 20% dos casos como manifestação inicial. A glomerulonefrite rapidamente progressiva pode dar como achado hematúria, proteinúria (usualmente não nefró tca), cilindros hemátcos e elevação rápida e progressiva da crea tnina. As manifestações oculares incluem: pseudotumor orbital (imagem), uma massa inflamatória retrobulbar que leva a proptose, dor, diplopia e perda visual devido a isquemia do nervo óptco, esta consttui a lesão da GW mais refratária ao tratamento; esclerite, com dor e vermelhidão ocular, podendo complicar com escleromalacia perforans e cegueira; ceratte ulceratva periférica, que pode evoluir com perfuração da córnea e cegueira; outros: uveíte, conjun tvite, episclerite e obstrução do ducto lacrimal.
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Figura 14 - Nariz “em sela” e ulceração cutânea em paciente com Wegener. Fonte: ABC of Rheumatology
Figura 12 - Pseudotumor orbital na GW
Figura 15 - Nódulo pulmonar em paciente com granulomatose de Figura 13 - Pseudotumor retro-orbitário direito em paciente com GW
Wegener
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REUMATOLOGIA A classificação do ACR para GW apresenta sensibilidade de 88% e especi ficidade de 92%. É necessária a presença de pelo menos 2 dos 4 critérios: - Inflamação nasal ou oral: úlceras orais dolorosas ou não, secreção nasal purulenta ou sanguinolenta; - Anormalidades ao raio x de tórax: presença de cavitação ou nódulos não cavitários ou in filtrado fixo; - Alteração do sedimento urinário: micro-hematúria (>5 células hemátcas/campo) ou presença de cilindros hemátcos; - Biópsia: mostrando processo in flamatório granulomatoso na parede abdominal arterial ou em região peri ou extravascular. Os achados laboratoriais encontrados são anemia de doença crônica e aumento das provas de a tvidade de fase aguda, como a velocidade de hemossedimentação e a proteína C reatva. O FAN costuma ser negatvo, e o complemento, normal. A associação entre a GW e os an tcorpos antcitoplasma de neutrófilos (ANCA) é bem estabelecida. O c-ANCA ou o antcorpo antproteinase-3 é relatvamente especí fico para GW, podendo correlacionar-se com a a tvidade da doença. Ocorre em 60 a 90% dos pacientes. O diagnóstco diferencial inclui: - Outras vasculites; - Síndromes pulmão-rim: Doença de Goodpasture. - Infecções: Principalmente por fungos e micobactérias. - Neoplasias; - Desordens granulomatosas: Sarcoidose. - Condições autoimunes sistêmicas: LES, AR. •
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O tratamento atual da GW baseia-se na u tlização de drogas imunossupressoras, e as drogas de escolha são a ciclofosfamida via oral, na dose de 2mg/kg/dia, e a prednisona, na dose de 1mg/kg/dia, com posterior rebaixamento das doses. Azatoprina e metotrexato podem ser usados em casos menos graves ou com intolerância. Quanto aos mais graves, com riscos de morte ou perda de função renal, deve-se utlizar a pulsoterapia com me tlprednisolona. Pulsos mensais com ciclofosfamida resultam em menor toxicidade que a posologia diária, sendo efetvas na remissão da doença. A plasmaférese é indicada aos casos de síndrome urêmica associada à glomerulonefrite rapidamente progressiva, com indicação de terapia dialí tca. c) Síndrome de Churg-Strauss Também conhecida como angiite granulomatosa alérgica, a Síndrome de Churg-Strauss (SCS) é uma vasculite extremamente rara, que afeta vasos de médio e de pequeno calibres, com predileção por pequenas artérias, arteríolas, capilares e
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vênulas. Caracteriza-se pela síndrome que apresenta asma, rinite alérgica, eosinofilia (>10%) e febre, acompanhada por uma vasculite de vários sistemas orgânicos. Também se trata de uma vasculite associada ao ANCA. São relatados como fatores precipitantes desta enfermidade: - Alérgenos inalados; - Vacinas; - Infecção; - Antagonistas do receptor de leucotrieno. Estudos de necrópsias revelam alterações pulmonares com granulomas intra/extravasculares e lesões in flamatórias ricas em eosinó filos. É descrita na literatura a ocorrência de 3 fases da doença. História natural (3 fases): - 1ª: Prodrômica – pode durar anos: Asma, rinite alérgica, polipose nasal. - 2ª: Eosinofilia/infiltração tssular – pode recorrer por anos: Síndrome de Lö ffler, pneumonia eosino f lica crônica e gastroenterite eosino f lica. - 3ª: Vasculite sistêmica: Acometmento de vários órgãos. •
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Não é obrigatório que todas as fases estejam nesta ordem. O tempo médio é de 8 a 9 anos para o surgimento da 3ª fase após início da asma.Usualmente, a asma precede a vasculite por meses e anos, ocorrendo em 90% dos casos. O paciente pode ter um quadro de início recente ou piora de um quadro anterior de longa data. São também comuns os infiltrados pulmonares migratórios ou transitórios, observados à radiologia. A presença de rinite, sinusite e, ocasionalmente, nódulos pulmonares pode confundir com GW. Todavia, o acometmento nasal e dos seios da face em geral não é um processo destru tvo, mas alérgico, com presença de pólipos nasais. Como manifestações pulmonares, temos asma de início tardio, sendo de maior frequência e intensidade até a 3ª fase quando tende a entrar em remissão. Também são comuns os infiltrados pulmonares migratórios ou transitórios, observados à radiologia, presente em 38 a 77% dos pacientes. In filtrado focal e transitório com padrão alveolar é o achado mais pico. Opacificações parenquimatosas aleatórias ou periféricas é o achado mais comum de TC, porém não é um achado especí fico. Pode ocorrer ainda infiltrado pulmonar eosino f lico ou hemorragia alveolar. Alguns autores descrevem a ocorrência de derrame pleural, sendo este uni ou bilateral, em geral assintomátco e raramente presente no momento do diagnós tco, e a análise revela tratar-se de exsudato rico em eosinó filos com glicose baixa. A presença de rinite, sinusite e ocasionalmente, nódulos pulmonares, podem levar à confusão com GW. Entretanto, o acometmento nasal e dos seios da face em geral não é um processo destrutvo, mas alérgico, com formação de pó-
VASCULITES
lipos nasais. Até 70% dos pacientes tem rinite alérgica ou polipose sinusal. Alterações cutâneas podem estar presentes em 66% dos casos, e, dentre as manifestações mais comuns, estão púrpura (imagem), ur tcária, eritema e nódulos. Podem ocorrer mononeurite múl tpla, alterações do sistema nervoso central e glomerulonefrite (glomerulonefrite focal e segmentar necrotzante com presença de crescentes).
Histologia não tem granuloma e nem vasculite. - Síndrome hipereosino f lica: Ausência de asma ou história de alergia; Histologia não tem granuloma e nem vasculite; Resistência ao tratamento com cor tcosteroides. •
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A SCS possui boa resposta à cor tcoterapia. São u tlizadas altas doses de prednisona (1mg/kg/dia). Agentes citotóxicos, como ciclofosfamida, devem ser reservados a casos individuais graves e progressivos, com envolvimento renal, intestnal, cardíaco ou pulmonar. Tabela 11 - Diferenças entre as vasculites que causam síndrome pulmão-rim Caracterís tca
Figura 16 - Lesões purpúricas em paciente com SCS
Os achados laboratoriais incluem: anemia e provas de atvidade inflamatória elevadas em 80% dos casos; eosinofilia é constante, geralmente > 1.000/mm 3 e prontamente reduzida após uso de cor tcosteroide, sendo que o aumento na contagem geralmente precede um período de a tvidade da doença. Pode ocorrer elevação dos níveis séricos de IgE (75% dos casos). O p-ANCA – mieloperoxidase está posi tvo em uma frequência de até 40% e o FR pode ser posi tvo em 54% dos casos. O diagnóstco diferencial inclui: - Granulomatose de Wegener: Ausência de asma ou história de alergia; Eosinofilia não é comum; Envolvimento mais proeminente e grave; C-ANCA. - Pneumonia eosino f lica crônica: Não houve órgãos extrapulmonares; •
GW
PAM
SCS
ANCA positvo 80 a 90%
70%
50%
ANCA especí fico
MPO >PR3
MPO >PR3
PR3 >MPO
Vasculite leucociVasculite Achado histo- toclástca necrotleucocitológico zante, inflamação clástca granulomatosa
Infiltrado eosinof lico e vasculite
Perfuração de septo nasal; nariz Ouvido/nariz/ em sela; perda Ausente ou garganta auditva neuros- leve sensorial; estenose subglótca
Polipose nasal; rinite alérgica; perda auditva de condução
Ocular
Doença ocular Pseudotumor ocasional: orbital; esclerite; esclerite, episclerite; uveíte episclerite, uveíte
Doença ocular ocasional: esclerite, episclerite, uveíte
Pulmonar
Nódulos; lesões Asma; infiltrainfiltratvas ou Hemorragia do migratório; cavitárias; hemor- alveolar hemorragia ragia alveolar alveolar
Renal
Glomerulonefrite necrotzante segmentar
Glomerulonefrite necrotzante segmentar
Glomerulonefrite necrotzante segmentar
Cardíaco
Lesão valvar ocasional
Raro
Falência cardíaca
Nervo periférico
Vasculite neuropátca (10%)
Vasculite Vasculite neuropátca neuropátca (58%) (78%)
Eosinofilia
Leve e ocasional
Não há
Presente em todos os casos
B - Vasculite por depósito de imunocomplexos
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a) Crioglobulinemia As crioglobulinas são an tcorpos que se precipitam em condições de baixa temperatura, se dissolvem no calor e ocorrem em associação a inúmeras condições sistêmicas,
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REUMATOLOGIA podendo levar a complicações que incluem vasculites e hiperviscosidade. As crioglobulinemias são classi ficadas em tpos I, II ou III. - Crioglobulinemia do tpo I: contém antcorpos monoclonais (IgG ou IgM), sem a tvidade de fator reumatoide. Estão associados a certas doenças hematológicas malignas, como mieloma múl tplo e macroglobulinemia de Waldenström; - Crioglobulinemias dos tpos II e III: chamadas do tpo “mistas”, pois contêm an tcorpos IgM e IgG. O componente IgG é sempre policlonal. Já o componente IgM diferencia a do tpo II, quando é monoclonal, da do tpo III, em que é policlonal. Em ambos os casos, o FR é positvo, pois as IgMs têm atvidade contra o fator reumatoide. Crioglobulinemias II e III ocorrem em associação a algumas doenças, como hepa tte C, síndrome de Sjögren e LES. Podem provocar vasculites de pequenos e de médios vasos. Nessas condições, a vasculite resulta da deposição de complexos imunes na parede dos vasos e atvação do complemento. Por isso, são vasculites hipocomplementêmicas. A manifestação mais comum na crioglobulinemia é a presença de púrpura palpável nos membros inferiores. Outras manifestações são neuropata, glomerulonefrite, artralgia, mialgia e fadiga. O tratamento depende se há doença de base associada. Caso seja crioglobulinemia por vírus C, o tratamento com interferon alfa peguilado isolado ou combinado com ribavirina pode ser efe tvo. Para pacientes com mononeurite múltpla ou outras manifestações graves, podem ser usados cortcosteroides e ciclofosfamida. E a plasmaférese pode ser indicada a casos gravíssimos. b) Vasculite de hipersensibilidade Também denominada Angiite Cutânea Leucocitoclástca (ACL), a vasculite de hipersensibilidade é um tpo de vasculite confinada à pele e não associada a outras formas. Pode ser precipitada por medicações e infecções, iden tficáveis em 60% dos casos. No restante, não se encontra o fator desencadeante. Manifesta-se com lesões tpo púrpuras palpáveis, ur tcária, eritema multforme, vesículas, pústulas, úlceras superficiais e necrose, que ocorrem em regiões preferenciais, como membros inferiores e nádegas, sendo acompanhadas de prurido. As lesões encontram-se no mesmo estágio de evolução, devido à exposição simultânea ao an geno. Em razão da sua apresentação pleomór fica, pode mimetzar outros quadros vasculí tcos. A biópsia de pele em lesões atvas (<48h) confirma o diagnóstco pelo achado de vasculite leucocitoclástca em vênulas pós-capilares. Podem apresentar, na imunofluorescência indireta, depósito de imunoglobulinas e complemento. Em casos em que o agente desencadeante pode ser identficado, sua remoção leva à resolução do quadro em dias ou semanas. Alguns casos necessitam de an t-inflama-
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tórios não esteroides e/ou an t-histamínicos. Podem ainda ser utlizados colchicina, cor tcoide, hidroxicloroquina e dapsona. c) Púrpura de Henoch-Schönlein A Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS) pode desenvolver-se em qualquer idade, mas, em 90% dos casos, acontece em crianças. Nesse grupo, 2/3 dos pacientes relatam antecedente de infecção do trato respiratório superior, sugerindo que o processo infeccioso possa ser o desencadeador da doença. O paciente apresenta, tpicamente, um quadro agudo de febre, púrpura palpável em membros inferiores e nádegas (Figuras 17 e 18), dor abdominal, artrite e glomerulonefrite com hematúria. A púrpura pode ser extensa e con fluente e envolver braços e tronco. Dor abdominal pode ser causada pelo edema intes tnal e isquemia mesentérica; geralmente, é uma dor do tpo cólica e pós-prandial. Alguns pacientes relatam náuseas, vômitos e sangramento digestvo. Doença artcular pode manifestar-se como artralgia e artrite, especialmente de grandes ar tculações, como joelhos e tornozelos e, menos comumente, punhos e cotovelos. A principal manifestação da glomerulonefrite é uma hematúria microscópica acompanhada por proteinúria. Em geral, é benigna, mas pode evoluir com insu ficiência renal em 10% dos casos.
Figura 17 - Púrpura nos membros inferiores em paciente com PHS
Figura 18 - Púrpura localizada nas nádegas em paciente com PHS
A presença de púrpura palpável em menores de 20 anos, com angina abdominal, é altamente indica tva do diagnóstco. À histologia, tem-se o achado de granulócitos
VASCULITES
nas paredes dos vasos com depósito de IgA. Apesar de ser mediada por imunocomplexos, a PHS não provoca hipocomplementenemia. O tratamento inclui ant-inflamatórios não hormonais para artralgias, dapsona e cor tcoides. Casos graves de glomerulonefrite grave, com crescentes, podem ser tratados com pulsoterapia de cor tcoide e altas doses de cor tcoterapia via oral, além de imunossupressores, como aza toprina e ciclofosfamida.
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d) Vasculite ur tcariforme ou ur tcária vasculite A Vasculite Ur tcariforme (VU) é uma vasculite leucocitoclástca que se apresenta com prurido recorrente que dura mais de 24 horas, com componente purpúrico associado à queimação e prurido. Na maioria das vezes, associa-se a doenças inflamatórias do tecido conjun tvo, como LES. Há uma forma normocomplementêmica, um sub tpo da vasculite de hipersensibilidade, autolimitada e benigna, e uma forma hipocomplementêmica, frequentemente associada a doença inflamatória sistêmica. O tratamento inclui hidroxicloroquina, dapsona e baixas doses de cor tcoide. Um pequeno número de pessoas com VU hipocomplementêmica tem uma desordem grave, semelhante ao LES, com artralgia, febre e glomerulonefrite, além de angioedema: é a síndrome de vasculite ur tcariforme hipocomplementêmica, associada a autoantcorpos contra C1q. Pode, ainda, provocar uveíte e doença pulmonar obstru tva grave.
6. Miscelânea A - Doença de Behçet A Doença de Behçet (DB) é uma doença vascular inflamatória crônica de e tologia desconhecida. Ocorre em todo o mundo, com prevalência mais elevada em países do Mediterrâneo, Oriente Médio e Ásia. Acomete, principalmente, adultos jovens, com idade entre 25 e 30 anos. As aas orais são, usualmente, os primeiros sintomas. Geralmente são discretas, dolorosas e podem estar presentes na língua, gengiva e palato (Figura 19). Úlceras genitais podem ocorrer na vulva, vagina, escroto e pênis (Figura 20), e também podem estar presentes as perianais.
Figura 19 - A as orais em paciente com DB. Fonte: Primer.
Figura 20 - Ulceração em bolsa escrotal de paciente com doença de Behçet. Fonte: Primer
Lesões cutâneas são comuns e incluem eritema nodoso, pseudofoliculites, lesões papulopustulosas ou nódulos acneiformes. O teste da patergia posi tvo (uma resposta exacerbada da pele ao trauma, resultante da hiper-rea tvidade dos neutrófilos) é considerado altamente especí fico para DB. Para reproduzir o teste, uma agulha estéril é inserida perpendicularmente na pele e no subcutâneo, na região anterior do antebraço. Após 48 horas, aparece um eritema ou pústula (>2mm de diâmetro) nos locais onde ocorreu o trauma, considerando o teste posi tvo. Inflamação ocular, tpicamente, ocorre após as manifestações mucocutâneas. Os sintomas podem aparecer após anos, em geral são progressivos com curso crônico e recorrente, podendo afetar ambos os olhos. O achado ocular na DB é uveíte com hipópio (Figura 21). Além da uveíte anterior, é possível que ocorram pan-uveíte, envolvimento da câmara posterior e vasculites. Envolvimento de grandes vasos, tanto no território venoso como arterial, é comum, sendo a maior causa de morbimortalidade. Trombose venosa profunda é a complicação vascular mais comum. Podem, ainda, ocorrer trombose de veia cava, síndrome de Budd-Chiari, trombose venosa cerebral e varizes de esôfago. Lesões arteriais podem ocorrer na circulação sistêmica e no leito arterial pulmonar. Podem existr estenoses, oclusões e aneurismas. Doença do sistema nervoso central pode manifestar-se como AIT, meningite assép tca e tromboses. Sintomas gastrintestnais incluem melena e dor abdominal decorrentes de úlceras no íleo e ceco. As lesões gastrintestnais têm tendência a perfuração e sangramento. Outras manifestações clínicas da DB são artrites, glomerulonefrite e epididimite (raro). Reagentes de fase aguda podem estar aumentados, especialmente em pacientes com vasculite de grandes vasos. Dosagem do complemento, fator reumatoide e crioglobulinas são normais ou negatvos.
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REUMATOLOGIA nal. Muitas vezes, associa-se o fenômeno de Raynaud a cãibras musculares, geralmente nos arcos dos pés ou nas pernas, mas raramente nas mãos, braços ou coxas. À medida que a obstrução se torna mais grave, a dor é mais intensa e persistente. Por outro lado, é característco o aparecimento precoce de úlceras, gangrena ou ambas simultaneamente. A mão ou o pé tornam-se frios, existe uma sudação excessiva, e se tornam de cor azulada, provavelmente porque os nervos reagem à dor intensa e persistente.
Figura 21 - Hipópio: observar a formação de nível líquido. Fonte: Primer
O diagnóstco da DB em pacientes com história de a as requer a presença de lesões caracterís tcas e a exclusão de outras desordens sistêmicas que possam estar associadas a envolvimento mucocutâneo. São doenças que podem apresentar lesões semelhantes: herpes-simples, doença in flamatória intestnal, HIV. As lesões aosas são tratadas com cortcoide tópico ou dapsona. Colchicina é usada no tratamento de manifestações mucocutâneas, e talidomida e metotrexato também podem ser utlizados nesse tpo de acometmento. Azatoprina e ciclosporina têm sido u tlizadas no envolvimento ocular. Clorambucila ou ciclofosfamida podem ser usados em casos oculares incontroláveis, doença do sistema nervoso central e vasculites. E os cortcoides são úteis na supressão da in flamação na fase aguda da doença, principalmente no envolvimento ocular e do sistema nervoso central.
B - Doença de Buerger (tromboangeíte obliterante) A doença de Buerger, também conhecida como tromboangeíte obliterante, compreende a obstrução das artérias e das veias de pequeno e de médio calibre e decorre de uma inflamação causada pelo tabagismo. A doença costuma ser mais predominante em homens de 20 a 40 anos – cerca de 5 % são mulheres. Embora a causa seja desconhecida, só os tabagistas a contraem e estão sujeitos a agravamento do quadro, caso não parem com o hábito: o como e o porquê de o tabagismo ser a causa do problema contnua a ser uma incógnita. a) Sintomas Os sintomas decorrentes de uma redução no fornecimento de sangue aos braços ou às pernas aparecem de forma gradual; iniciam-se nas cabeças dos dedos das mãos ou dos pés e progridem pelos braços ou pelas pernas, até que, finalmente, causam gangrena. Cerca de 40% das pessoas com a doença também têm episódios de in flamação nas veias, partcularmente as veias super ficiais e as artérias dos pés ou das pernas. Notam-se frio, entorpecimento, formigamento ou ardor antes que se observe qualquer outro si-
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b) Diagnóstco Em mais de 50% dos casos, o pulso está fraco ou ausente em 1 ou mais artérias dos pés ou dos pulsos. Com frequência, as mãos, os pés e os dedos das mãos ou dos pés tornam-se pálidos quando se elevam acima da altura do coração e vermelhos quando se baixam. Podem, assim, aparecer úlceras na pele e gangrena em 1 ou mais dedos da mão ou do pé. A ecogra fia Doppler revela uma grave diminuição da pressão do sangue e do fluxo sanguíneo nos pés, nas mãos e nos dedos afetados. E as angiogra fias (radiografias das artérias) mostram artérias obstruídas e outras anomalias da circulação, sobretudo nas mãos e nos pés. c) Tratamento A pessoa com esta doença deve deixar de fumar, caso contrário o quadro se agravará, culminando em uma amputação. Também deve ser evitada a exposição ao frio; as lesões por calor ou frio, ou substâncias como o iodo ou os ácidos usados para tratar calos e calosidades; as lesões provocadas pelo calçado mais apertado ou por uma pequena cirurgia (por exemplo, alisar as calosidades); as infecções provocadas por fungos e por fármacos que podem levar a uma constrição dos vasos sanguíneos (vasoconstritores). Aconselha-se caminhar entre 15 e 30 minutos, 2 vezes por dia, exceto em casos de gangrena, Chagas ou dor em repouso, as quais, pelo contrário, podem necessitar de repouso na cama. Os pés devem ser protegidos com palmilhas adequadas. A cabeceira da cama pode ser elevada, para que a gravidade facilite o fluxo de sangue pelas artérias. Os médicos podem prescrever pentoxi filina, antagonistas do cálcio ou inibidores plaquetários como a aspirina, especialmente quando a obstrução é a consequência de um espasmo. Nas pessoas que deixam de fumar, mas que ainda têm oclusão arterial, os cirurgiões podem melhorar o fluxo sanguíneo cortando certos nervos próximos para evitar o espasmo das artérias. São raros os casos que evoluem para uma cirurgia de derivação (bypass) com enxertos – as artérias afetadas, normalmente, são muito pequenas.
C - Doença de Kawasaki A doença de Kawasaki, também conhecida como síndrome linfonodo-mucocutâneo, é uma doença aguda, febril, exantemátca e de etologia desconhecida. Predomina no sexo masculino e em crianças menores de 5 anos e consiste numa arterite necrosante de pequenas e médias artérias, na maioria das vezes, autolimitada.
VASCULITES
a) Diagnóstco
Fator de von Willebrand elevado. - As principais caracterís tcas são utlizadas como critérios diagnóstcos. -
Tabela 12 - Critérios para o diagnóst co, segundo o Comitê Japonês da Doença de Kawasaki - Febre alta de início abrupto presente por 5 ou mais dias; - Conjuntvas oculares hiperemiadas; - Alterações da cavidade oral incluindo eritema, secura, mucosa e orofaringe hiperemiada; - Alterações nas extremidades distais dos membros, incluindo rubor e edema endurado das mãos e dos pés e descamação periungueal; - Exantema eritematoso polimorfo (morbiliforme, escarla tniforme, maculopapular, eritema marginado), propagando-se das extremidades para o tronco. Dura cerca de 1 semana; - Aumento não supurado dos linfonodos cervicais.
O diagnóstco exige 5 dentre os 6 critérios anteriores. O início agudo e a evolução em surtos sugerem uma e tologia infecciosa. As manifestações clínicas estão relacionadas ao comprometmento multssistêmico, e as complicações mais graves são cardiovasculares, principalmente com o aparecimento de aneurismas. A morte pode ocorrer por trombose coronária com infarto do miocárdio ou por doença vascular oclusiva. Laboratorialmente, observam-se: - Aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS); - Leucocitose; - Trombocitose caracteristcamente a par tr da 2ª semana de doença;
b) Tratamento O tratamento consiste no emprego de: - Ant-inflamatórios; - Gamaglobulina intravenosa – a u tlização na fase aguda reduz o risco de aneurisma coronariano; - Medidas vasodilatadoras; - Trombolí tcos e an tcoagulantes.
Figura 22 - Doença de Kawasaki: arteriogra fi a evidenciando aneurismas e oclusões
7. Resumo Quadro-resumo - Vasculites: doenças inflamatórias que afetam a parede vascular, causando rotura ou oclusão dos vasos afetados; - Classificação: podem ser primárias ou secundárias; - Vasculites de grandes vasos: arterite de Takayasu, arterite de células gigantes; - Vasculites predominantemente de médios vasos: poliarterite nodosa, doença de Kawasaki, tromboangeíte obliterante; - Vasculites predominantemente de pequenos vasos: vasculites associadas ao ANCA (granulomatose de Wegener, poliangeíte microscópica, síndrome de Churg-Strauss), vasculite ur tcariforme, vasculite de hipersensibilidade, púrpura de Henoch-Schönlein, crioglobulinemia; - Arterite de Takayasu (“doença sem pulso”): afeta aorta e seus ramos primários (estreitamentos e aneurismas); - Arterite de células gigantes (“arterite temporal”): afeta ramos extracranianos das artérias caró tdas, com risco de amaurose de finitva por neuropata óptca isquêmica; - Poliarterite nodosa: acomete artérias de pequeno e médio calibre. Sintomas cons ttucionais marcantes. Predileção por pele, nervos periféricos, rins, trato gastrintes tnal e trato genital. Poupa os pulmões e é associada à hepatte B; - Poliangeíte microscópica: vasos arteriais e venosos de pequeno e médio calibre. Principal causa de síndrome pulmão-rim. Hemorragia alveolar, glomerulonefrite, mononeurite multplex, púrpuras. Associada ao p-ANCA; - Granulomatose de Wegener: vasculite granulomatosa de trato respiratório superior e inferior, com ou sem glomerulonefrite. Associada ao c-ANCA; - Síndrome de Churg-Strauss: vasculite granulomatosa de vasos pequenos e médios. Tríade clássica: asma, eosino filia e vasculite sistêmica. Presença de rinite alérgica/polipose nasal, doença obstru tva de vias aéreas, eosinofilia, infiltrados pulmonares, neuropata periférica e glomerulonefrite. Associada ao p-ANCA; - Crioglobulinemia: vasculite de pequenos e médios vasos associada à presença de crioglobulinas circulantes. Predileção por pele, artculações, sistema nervoso periférico e rins. Associada à infecção crônica pelo vírus da hepa tte C;
113
A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA - Púrpura de Henoch-Schönlein: vasculite sistêmica que predomina em crianças, caracterizada pela tétrade de púrpura palpável, artrite, dor abdominal e glomerulonefrite; - Doença de Behçet: vasculite sistêmica caracterizada pela presença de a ose oral e genital recorrente, acome tmento cutâneo, acometmento ocular e patergia; - Doença de Buerger (tromboangeíte obliterante): obstrução das artérias e das veias de pequeno e de médio calibre e é decorrente de uma inflamação causada pelo tabagismo; - Doença de Kawasaki: doença aguda, febril, exantemátca e etologia desconhecida. Faixa etária
Sexo M:F
Caracterís tcas clínicas predominantes
PAN (Poliarterite nodosa)
40 a 60
2:1
Febre, perda ponderal, livedo re tcularis, monopolineuropata, hipertensão arterial
GW (Granulomatose de Wegener)
30 a 50
1:1
Sinusite, úlcera oral, hemoptse, nódulos pulmonares, nefrite
SCS (Síndrome de Churg-Strauss)
40 a 60
2:1
Asma severa, eczema atópico, monopolineuropa ta, infiltrado pulmonar, eosinofilia
Vasculite leucocitoclástca
30 a 50
1:1
Às vezes associada a outras vasculites e drogas, púrpura palpável, eritema maculopapular, ulceração cutânea
Vasculite sistêmica
PHS (Púrpura de Henoch-Schönlein)
5 a 20
1:1
Púrpura palpável, eritema maculopapular, ulceração cutâneas em MMII e nádegas, dor abdominal, diarreia sanguinolenta, nefrite com deposição de IgA
ACG (Arterite de Células Gigantes)
60 a 75
1:3
Dor temporal, claudicação de mandíbula, fraqueza muscular em cintura escapular e pélvica, visão dupla, amaurose
DB (Doença de Behçet)
20 a 35
1:1
Úlceras orais e/ou genitais, pseudofoliculite, uveíte, trombo flebite, artrite
114
CAPÍTULO
11
1. Introdução A Síndrome de Sjögren (SS) é uma doença autoimune sistêmica cujos alvos in flamatórios são as glândulas exócrinas, principalmente as glândulas salivares e lacrimais, ou seja, trata-se de uma exocrinopa ta. Promove uma reação inflamatória que causa destruição dos tecidos ou prejudica seu funcionamento adequado, levando à redução na produção de saliva e lágrimas. A síndrome seca ou sicca é o achado caracterís tco da doença, com sensação de boca e olhos secos. Outros componentes epiteliais do corpo também podem estar envolvidos, incluindo glândulas exócrinas na pele e os sistemas urogenital, respiratório e gastrintes tnal. Outras manifestações autoimunes incluem sinovite, neuropa ta, vasculite, presença de autoantcorpos, partcularmente FAN (fator antnúcleo), antcorpos ant-SSA/Ro, ant-SSB/La e fator reumatoide. A SS pode ser primária, quando acomete indivíduos sem outras doenças inflamatórias sistêmicas, ou secundária, quando coexiste com outras doenças autoimunes, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica, polimiosite e treoidite autoimune. Dentre estas, a artrite reumatoide está mais comumente associada.
2. Epidemiologia No Brasil, não há uma base de dados con fiável sobre o exato número de portadores da SS. A média de idade é após os 40 anos, e a relação entre mulheres e homens é de 15:1. Devido à sua apresentação insidiosa, o diagnós tco pode ser retardado por vários anos.
3. Etopatogenia A causa ou as causas especí ficas da SS não são conhecidas, mas múltplos fatores provavelmente estão envolvidos, dentre os quais fatores gené tcos, ambientais e hormonais.
Síndrome de Sjögren Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Crist ani Barra de Souza
Especula-se que o contato com um agente ambiental (por exemplo, um vírus) pode desencadear uma cascata de eventos em hospedeiros gene tcamente susce veis, resultando no desenvolvimento da SS. Um grande número de vírus parece estar envolvido no acome tmento das glândulas salivares: Epstein-Barr, citomegalovírus, herpes-vírus humano e retrovírus. Pela maior incidência da SS em mulheres, tem-se postulado que fatores hormonais estejam envolvidos na patogênese da doença. A interação de tais fatores provoca in flamação em tecidos glandulares exócrinos, onde se acumulam, principalmente, células mononucleares como linfócitos T, alguns linfócitos B, macrófagos e mastócitos. Interações entre essas células resultam em produção de citoquinas, es tmulação, proliferação e diferenciação de células B que quando a tvadas produzem imunoglobulinas, levando à presença dos autoantcorpos como o fator reumatoide, an tcorpos antnucleares (FAN), antcorpos ant-SSA/Ro e ant-SSB/La, além uma atvação policlonal, que leva à hipergamaglobulinemia característca da doença.
4. Quadro clínico Os principais achados na SS são os sintomas de secura oral (xerostomia) e ocular (xero almia).
A - Manifestações oculares A infiltração linfocitária da glândula lacrimal pode resultar na redução da produção de lágrimas e na alteração na composição destas, o que acarreta dano ao epitélio corneal e conjuntval, uma condição conhecida como ceratoconjuntvite seca. O quadro ocular pode evoluir com complicações como úlcera de córnea, conjun tvite bacteriana e infecções, que requerem con nua avaliação oalmológica. O paciente queixa-se de secura nos olhos, “sensação de areia” ou “corpo estranho”, queimação, visão borrada e fotossensibilidade.
115
REUMATOLOGIA B - Manifestações orais Os sintomas orais mais comuns na SS incluem sensação de diminuição na produção de saliva, secura oral, necessidade de ingerir líquidos para mas tgar alimentos secos, que colam no céu da boca, alteração do paladar e intolerância a alimentos apimentados. Ao exame f sico, os pacientes podem apresentar cáries, úlceras orais, mucosa eritematosa, atro fia de papilas gustatvas, candidíase oral de repe tção (Figura 1). O comprometmento inflamatório agudo das glândulas paró tdas pode ser visualizado pelo aumento dessas glândulas, geralmente bilateral e em surtos de in flamação.
Figura 1 - Mucosa oral apresentando ressecamento, coloração eritematosa e lesões cariosas cervicais. Foto gen t lmente cedida por Crist ane Alencar
ção de acome tmento semelhante ao da artrite reumatoide, em pequenas ar tculações. Mialgias e dores musculares difusas ( tpo fibromialgia) também são comuns. Manifestações musculoesquelé tcas da doença de base (artrite erosiva na AR, miosite) acontecem na SS secundária; - Neurológicas: pode ocorrer neuropa ta periférica, com quadros de mononeurite múl tpla e neuropa ta distal “em luva ou bota”, associadas à vasculite. Pode ocorrer, também, acometmento do sistema nervoso central, com desmielinização semelhante à da esclerose múltpla; -
Hematológicas: a complicação mais importante na SS é malignidade de linhagem linfoide, geralmente linfoma não Hodgkin. O aparecimento de gânglios rea tvos é mais frequente, e deve ser descartada a possibilidade de malignidade nessas situações;
-
Geniturinárias: secura vaginal pode provocar dor, dispareunia, prurido e candidíase vaginal de repe tção. Irritação uretral não é incomum. Alterações renais incluem redução na concentração urinária, acidose tubular renal, nefrocalcinose e, menos comumente, nefrite interstcial e doença glomerular. Geralmente, a doença glomerular é uma glomerulonefrite membranosa pela deposição de imunocomplexos, com proteinúria. Já a glomerulonefrite prolifera tva é incomum, mas possível, sobretudo quando há crioglobulinemia;
-
Gastrintestnais: o paciente pode apresentar disfagia esofágica e/ou faríngea e esofagite de re fluxo. O pâncreas pode ser atngido por infiltração linfocitária, podendo provocar má absorção pela falta de suco pancreátco ou mesmo pancreatte linfocitária aguda. Pode haver hepatte autoimune ou cirrose biliar primária associadas. A infiltração linfocitária na mucosa gástrica pode provocar gastrite atró fica e anemia e, no intestno, síndrome de má absorção;
-
Outras: pode ocorrer pseudolinfoma com in filtração benigna de linfonodos e estruturas não glandulares. Há evolução para linfoma em menos de 5% dos pacientes com SS, na maioria não Hodgkin de células B.
C - Outras manifestações Cutâneas: pele seca, pela de ficiência na produção do componente aquoso do suor, pode ocorrer em metade dos pacientes, com prurido cutâneo devido ao ressecamento. Isso pode levar a liquenização e pigmentação da pele. Púrpuras palpáveis e não palpáveis podem decorrer de vasculite leucocitoclás tca, geralmente associada a hipergamaglobulinemia, crioglobulinemia e elevação dos imunocomplexos circulantes; - Respiratórias: o comprome tmento da mucosa nasal pode provocar secura e dor, prurido e sangramentos de repetção, além de diminuição do olfato. Secura nos seios da face predispõe a sinusites agudas e crônicas. A secura e o infiltrado inflamatório traqueobrônquicos podem provocar, respec tvamente, tosse não produtva e quadro pico de doença pulmonar obstru tva crônica. O tecido pulmonar pode ser in filtrado por linfócitos, com diferentes manifestações: bronquiolite folicular, pneumonite inters tcial linfocí tca, alveolite fibrosante, fibrose interstcial com restrição, vasculite pulmonar e pleurite; - Musculoesquelétcas: a SS pode provocar artralgia e artrite periférica, simétrica, não erosiva, com distribui-
116
5. Achados laboratoriais O fator reumatoide e os an tcorpos antnucleares (FAN) estão presentes em, respec tvamente, 90 e 80% dos casos, e os autoantcorpos ant-SSA/Ro e ant-SSB/La, em cerca de 60% das vezes. O 1º é mais frequentemente encontrado em casos de SS primária ou associada ao lúpus, e o úl tmo é mais especí fico para SS primária. Todos esses autoan tcorpos são importantes ao diagnós tco. Metade dos pacientes apresenta hipergamaglobulinemia, geralmente policlonal. Alguns apresentam gamopa ta monoclonal benigna, geralmente do tpo kappa. A velocidade de hemossedimentação costuma estar elevada.
SÍNDROME DE SJÖGREN
Anemia, leucopenia, trombocitopenia, hipocompletenemia, imunocomplexos circulantes e crioglobulinemia (geralmente mista tpo II com fator reumatoide IgM kappa) podem ocorrer e se associam a manifestações extra-ar tculares.
6. Outros exames Para o diagnóstco de SS primária ou secundária, é preciso que alguma evidência concreta de xero almia e/ou xerostomia seja observada, além da queixa do paciente. Pode-se obter o diagnóstco pela mensuração da produção lacrimal pelo teste de Schirmer, pela avaliação da estabilidade do filme lacrimal (break-up t me) ou pela quan tficação do dano ao epitélio corneano através do teste de Rosa Bengala, mais especí fico que o teste de Schirmer no diagnós tco da SS.
A - Testes confirmatórios de xeroalmia Teste de Schirmer: é feito através da introdução de papel de filtro com 30mm de comprimento no saco conjuntval na porção lateral da conjun tva inferior. Mantêm-se os olhos do paciente fechados por 5 minutos, então se remove o papel, anotando o comprimento da área umedecida. O comprimento <5mm é anormal (Figura 2A); - Break-up t me: colocam-se 2,5mL de solução de fluoresceína a 1% no fórnice inferior de cada olho, e pede-se para o paciente piscar. Com o microscópio de lâmpada de fenda, avaliam-se o intervalo de tempo da últma piscada e o aparecimento de áreas escuras não fluorescentes e, assim, a integridade do filme lacrimal. As áreas escuras correspondem às de perda da integridade do filme; - Rosa Bengala: avalia-se a alteração anatômica do epitélio da córnea, causada pela redução da secreção e da produção de mucina pela super f cie ocular. Ins tla-se solução de anilina a 1% que impregna no epitélio desvitalizado (Figura 2B). O olho é avaliado em 4 diferentes quadrantes, e é feito um score de desvitalização. -
Cintlografia de glândulas salivares: pode demonstrar hipocaptação ou hipoexcreção do radiofármaco pelas glândulas salivares; - Fluxometria de saliva: avalia a produção salivar observando-se o peso da saliva produzida em determinado período. Outro achado importante, também relacionado à xerostomia e que também é um critério diagnós tco, é o estudo anatomopatológico de glândulas salivares menores, pela biópsia interna no lábio inferior, buscando-se focos de in flamação no tecido salivar. -
7. Diagnóstco Vários critérios já foram formulados para o diagnós tco e a classificação da SS. Os mais comumente usados incluem dados de sintomas, achados obje tvos de síndrome seca e sorologia autoimune (Tabela 1). Tabela 1 - Critérios para classi fi cação da síndrome de Sjögren 1 - Sintomas oculares – xero almia Resposta positva para, pelo menos, 1 das 3 questões: 1 - Você tem olho seco, diária e persistentemente, por, pelo menos, 3 meses? 2 - Você tem sensação de areia nos olhos? 3 - Você faz uso de lágrima artficial mais de 3 vezes ao dia? 2 - Evidência obje tva de xero almia Evidência concreta de envolvimento ocular baseado em resultado positvo de, pelo menos, 1 dos seguintes testes: 1 - Teste de Schirmer (<5mm em 5 minutos). 2 - Score do Rosa Bengala 3 a 4. 3 - Sintomas orais – xerostomia Resposta positva para, pelo menos, 1 das 3 questões: 1 - Você tem sensação de boca seca, diariamente, há mais de 3 meses? 2 - Você tem inchaço de glândulas salivares, recorrente ou persistente, enquanto adulto? 3 - Você frequentemente ingere líquidos para facilitar a deglu tção, principalmente de alimentos sólidos? 4 - Evidência objetva de xerostomia Evidência concreta de envolvimento da glândula salivar baseada em resultado positvo de, pelo menos, 1 dos seguintes testes: 1 - Cintlografia da glândula salivar. 2 - Sialografia de parótda. 3 - Fluxo salivar não estmulado (<1,5mL em 15 minutos). 5 - Alterações histopatológicas
Figura 2 - (A) Teste de Schirmer e (B) Rosa Bengala
B - Testes de xerostomia -
Sialografia de parótdas: exame de radiologia contrastada das parótdas visando observar a anatomia dos ductos salivares. As alterações encontradas podem ser deformidades grosseiras do padrão arborizado normal e dilatação ductal (sialectasia);
- Focal na biópsia de glândulas salivares menores (foco de finido como aglomerado de, pelo menos, 50 células mononucleares; score focal definido como número de focos por 4mm 2 de tecido glandular). 6 - Autoantcorpos Presença de, pelo menos, 1 dos seguintes autoan tcorpos séricos: 1 - Ant-Ro/SSA. 2 - La/SSB.
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA O diagnóstco de SS primária é feito na presença de 4 dos 6 critérios, desde que o critério histopatológico ou os autoantcorpos sejam um deles, e na exclusão dos seguintes: linfoma preexistente, síndrome da imunode ficiência adquirida (AIDS), sarcoidose ou doença enxerto contra hospedeiro, história de radiação de cabeça e pescoço, hepa tte C, uso de agentes an tcolinérgicos ou de outras doenças inflamatórias sistêmicas do tecido conjun tvo, às quais a SS pode ser secundária. Se houve uma doença in flamatória sistêmica do tecido conjuntvo, o diagnóstco de SS pode ser ob tdo na presença de 1 dos critérios clínicos da síndrome seca (I ou II) e mais 2 de qualquer um dos outros critérios de III a V. É necessário estabelecer o diagnós tco diferencial com desordens não autoimunes ou síndromes de sobreposição, doenças infecciosas ou processos neoplásicos. Tabela 2 - Diagnóst co diferencial Manifestação clínica
Exemplos Secura ocular - Hipovitaminose A;
Deficiência de mucina
- Penfigoide ocular; - Queimaduras químicas; - Síndrome de Stevens-Johnson.
Anormalidades dos lipídios oculares Epiteliopata corneana
- Blefarites.
- Uso de lentes de contato. - Antdepressivos; - Ant-histamínicos; - Antcolinérgicos; - Diurétcos; - Neuroléptcos.
Psicogênica
- Ansiedade. - Síndrome de Sjögren; - Amiloidose;
Doenças sistêmicas
- Sarcoidose; - Infecção pelo HIV; - Diabetes mellitus descompensado; - Desidratação.
Hipertrofia de glândula salivar - Infecção bacteriana; - Sialadenite crônica; Usualmente unilateral - Obstrução; - Neoplasia primária (adenoma, adenocarcinoma, linfoma etc.).
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- Infecção viral (EBV, CMV, coxsackie A, caxumba); - Síndrome de Sjögren; - Amiloidose; Usualmente bilateral
- Doença granulomatosa (sarcoidose, tuberculose); - Infecção por HIV; - Hiperlipidemia; - Cirrose e alcoolismo; - Acromegalia; - Anorexia.
Fonte: UpToDate, 2011.
8. Tratamento Ressalte-se que o diagnós tco e a intervenção precoces podem alterar o curso da doença. O tpo de tratamento varia conforme o grau e o tpo de comprome tmento. O paciente deve sempre ser assis tdo por cirurgião den tsta, reumatologista e oalmologista.
A - Educação do paciente e cuidados próprios Deve-se deixar o paciente a par da doença e do tratamento de possíveis complicações, além de evitar o uso de medicamentos que possam exacerbar os sintomas de secura (agentes tricíclicos, diuré tcos) e abandonar o tabagismo.
- Disfunção do V par craniano; Secura bucal
Drogas
Hipertrofia de glândula salivar
B - Tratamento farmacológico e manifestações sistêmicas A pilocarpina é um agente agonista muscarínico que aumenta a secreção de saliva e lágrimas e de outras glândulas em algum grau, como sudoríparas, gastrintes tnais, pancreátcas e respiratórias. É usada por via oral e tem efeitos adversos comuns, como transpiração excessiva, calor e vermelhidão, aumento da mo tlidade intestnal e da bexiga. Se o número de receptores das glândulas salivares estver muito diminuído pela in flamação e/ou fibrose ou se antcorpos antrreceptores muscarínicos (an t-M3R) estverem presentes, a resposta pode não ser sa tsfatória. Outro agente utlizado como secretagogo é a cevimelina, um derivado da acetlcolina que se liga a receptores muscarínicos. Na glândula salivar são encontrados receptores M1 e M3 e, geralmente, cevimelina age sele tvamente nos receptores M1 e M3, levando à melhora da xerostomia e da ceratocon juntvite seca. Pode ser u tlizada na dose de 15mg ou 30mg 3x/dia. Efeitos adversos como náuseas, sudorese e dor abdominal podem ocorrer. O uso dos ácidos graxos essenciais em apresentação oral na forma de cápsulas de óleo de linhaça, por sua a tvidade ant-inflamatória, é considerado uma alterna tva para o tratamento de pacientes com olho seco. Os ant-inflamatórios não hormonais podem ser usados
SÍNDROME DE SJÖGREN
para artralgias inflamatórias e artrite, assim como cortcoides em doses baixas e an tmaláricos. Manifestações sistêmicas como vasculite e derma tte e o comprome tmento ocular grave podem ser tratados com cor tcosteroides sistêmicos e várias drogas imunossupressoras, como metotrexato, azatoprina, ciclosporina, ciclofosfamida, micofenolato de mofe tla etc. A hidroxicloroquina é um an tmalárico utlizado no tratamento de várias doenças reumatológicas e indicado na SS para o tratamento das manifestações musculoesquelétcas consttucionais, lesões cutâneas e como droga de base. Existem perspectvas do uso de agentes biológicos, sobretudo com ação an tlinfócito B, como o rituximabe. Há relatos na literatura de seu uso na SS, mas sem grandes evidências de melhora dos sintomas de secura (xerostomia e xero almia). Entretanto, manifestações sistêmicas como fadiga, sinovite, artralgia, vasculite por crioglobulinemia e manifestações neurológicas, renais e pulmonares parecem ter boa resposta ao tratamento com esse medicamento. Em decorrência do tratamento, os níveis de Fator Reumatoide (FR) caem, mas não dos autoantcorpos ant-Ro e ant-La. Casos associados a linfoma não Hodgkin responderam bem. Manifestações graves como mielite transversa, neuropata periférica, glomerulonefrite, vasculites graves, encefalopata e mielopata, quando presentes na SSp, podem ser tratadas com ciclofosfamida em pulsoterapia, esteroides, plasmaférese, gamaglobulina hiperimune e rituximabe. Atenção especial é des tnada para a acidose tubular renal. Nesse caso, devem-se usar drogas alcalinizadoras a fim de reduzir a acidose. Tabela 3 - Drogas usadas no tratamento da síndrome seca Nome farmacológico
Nome comercial
Ciclosporina tópica 0,05%
Restasis®
Pilocarpina
Salagen®
Cevimelina
Evoxac®
Cápsulas de ômega 3
C - Acometmento ocular (ceratoconjuntvite seca) O tratamento para os olhos secos inclui lágrimas ar tficiais à base de celulose e medicamentos sistêmicos. Há evidências de que o uso de cor tcoide e ciclosporina tópicos traz benef cio no tratamento da SS. A pilocarpina sistêmica pode melhorar os sintomas oculares. Em casos refratários, plugs são colocados no canal nasolacrimal, com o intuito de diminuir a drenagem e manter a lágrima (ou lubri ficante) por mais tempo na super f cie ocular.
tes lubrificantes, como gel ou pastas. Deve-se beber água com frequência, mas em pequenas quan tdades para evitar poliúria, hiponatremia e polidipsia. Candidíase oral é uma complicação comum, e podem ser usados clotrimazol ou nistatna. A presença de queilite angular pode requerer o uso de agentes an tfúngicos. E secretagogos, como a pilocarpina, podem ajudar. Tabela 4 - Tratamento tópico da xerostomia Tratamento tópico
Nome comercial
Saliva artficial
Salivan®
Chicletes sem açúcar com xilitol
Chicletes Valda®
Pastas ou verniz com liberação lenta de xilitol
Perioxidin®
Colutórios clorexidina (antbacteriano)
Periogard®, Noplak®, Colgate®
E - Outras securas de mucosas Lubrificantes à base de água podem ser usados para secura nasal e/ou vaginal. Pode-se apresentar candidíase vaginal recorrente, sendo necessário tratamento com nistatna ou, em caso de muitas recorrências, an tfúngicos orais e/ou tratamento tópico pro filátco. Umidificadores de ar e broncodilatadores podem melhorar a tosse seca rea tva.
9. Resumo Quadro-resumo - SS: doença autoimune inflamatória sistêmica que tem como alvo principal as glândulas de secreção exócrina; - Classificação: pode ser primária ou secundária (associada a outra doença do conectvo); - Principais manifestações clínicas: xeroalmia e xerostomia (síndrome sicca), pele seca, artrite periférica não erosiva, Raynaud, envolvimento pulmonar, vasculite/púrpura, mononeurite múl tpla, alterações renais; - Pode se associar: à cirrose biliar primária e a maior risco de desenvolvimento de linfomas; - Principais alterações laboratoriais: FAN e FR frequentemente positvos, associação à presença de an t-Ro e ant-La, hipergamaglobulinemia, VHS elevada; - Testes confirmatórios de xeroalmia: Schirmer, Rosa Bengala, break-up t me; - Testes para função das glândulas salivares: sialografia de parótdas, fluxometria salivar, cintlografia de glândulas salivares; - Tratamento: colírios lubrificantes, agentes secretagogos (pilocarpina, cevimelina), cortcoides sistêmicos/ant-inflamatórios não hormonais, cloroquina, imunossupressores.
D - Acometmento oral (xerostomia) Cuidados dentários são importantes nos pacientes com SS, e o uso de flúor é fundamental (3 vezes ao ano). Balas ou gomas de mascar sem açúcar podem es tmular o fluxo salivar. Podem ser u tlizados substtutos da saliva e agen-
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA
CAPÍTULO
12
1. Definição O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença in flamatória crônica, multssistêmica, de causa desconhecida e natureza autoimune, na qual ocorre lesão mediada por autoantcorpos e complexos imunes contra órgãos, tecidos e células.
2. Epidemiologia Pode acometer indivíduos de ambos os sexos, em todas as idades e todos os grupos étnicos, mas predomina em mulheres no período fér tl, iniciando-se geralmente por volta dos 20 ou 30 anos. A relação mulher:homem é de 9:1. A prevalência é maior em negros.
3. Etopatogenia A causa do LES é desconhecida. Acredita-se que um processo multfatorial seja responsável pela doença. As interações entre genes susce veis e fatores ambientais levariam a respostas imunológicas inapropriadas, com hiper-reatvidade de células B e T e falência do circuito imunorregulatório. A patogenia do LES está associada à presença de autot an corpos e à formação de imunocomplexos circulantes e locais. No LES, inúmeros grupos de autoan tcorpos são dirigidos contra complexos proteicos, DNA, RNA, membranas celulares e moléculas intracelulares. A ligação entre an genos próprios e autoantcorpos formaria imunocomplexos patogênicos sobre estruturas fixas ou circulantes, capazes de se depositar sobre várias paredes endoteliais. Os imunocomplexos que fixam complemento são responsáveis por lesões teciduais no LE por iniciarem agressão tecidual onde estão depositados. Entre os fatores associados à e tologia do LES, podemos citar: a) Genétcos A suscetbilidade para o LES é complexa e depende de múltplos genes, como alguns alelos do HLA-DR (2 e 3), ge-
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Lúpus eritematoso sistêmico Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Crist ani Barra de Souza
nes relacionados à apoptose e ao clearance de imunocomplexos. b) Ambientais A exposição à radiação ultravioleta, tanto UVA como UVB pode acelerar ou desencadear surtos da doença, principalmente os quadros cutâneos, mas também, mais raramente, quadros sistêmicos. c) Hormonais O predomínio em mulheres de idade reprodu tva sugere que os hormônios femininos estejam envolvidos na patogênese do LES. As pacientes podem iniciar ou exacerbar o quadro de LES durante ou logo após a gestação. Pacientes com quadro renal grave têm piora com uso de an tconcepcionais contendo estrógenos. d) Infecciosos Alguns agentes infecciosos como o vírus Epstein-Barr podem servir de gatlho imunológico e iniciar resposta imune anormal em indivíduos gene tcamente predispostos. e) Drogas Alguns medicamentos são capazes de induzir um quadro semelhante em alguns achados ao LES, chamado lúpus induzido por droga. Essa doença é clínica e sorologicamente diferente do lúpus idiopá tco. Tabela 1 - Fatores envolvidos na et opatogenia do LES Genétcos
Ex.: HLA-DR (2 e 3).
Drogas
Hidralazina, procainamida, minociclina, líto, fenitoína, carbamazepina.
Luz
Ultravioleta (UVA e UVB).
Infecções virais
EBV, CMV, retrovírus, parvovírus B19, por exemplo.
Hormônios
Prolactna, estrógenos, por exemplo.
Químicos e metais Sílica e mercúrio, por exemplo. pesados
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
4. Manifestações clínicas Tabela 2 - Frequência das principais manifestações clínicas no LES Manifestação clínica
(%)
Artrite
72 a 94
Alopecia
52 a 80
Rash cutâneo
74 a 90
Fotossensibilidade
10 a 62
Rash malar
37 a 90
Úlceras orais
30 a 61
Febre
74 a 91
Neuropsiquiátrica
19 a 63
Renal
35 a 73
Cardíaca
10 a 29
Pleuropulmonar
9 a 54
A I G O L O T A M U E R
Fonte: ABC of Rheumatology.
O LES pode acometer vários sistemas, com gravidade variável. A maior parte dos doentes apresenta crises com períodos de atvidade intercalados com períodos de remissão, mas muitos apresentam atvidade con nua. Poucos mantêm remissão prolongada. O uso con nuo de antmaláricos reduz o número de surtos de a tvidade. Sintomas inespecí ficos, como fadiga, mialgias, artralgias, leve queda de cabelo, febre, prostração e emagrecimento costumam estar presentes no início da doença e acompanhando os surtos de a tvidade. a) Manifestações ar tculares/musculares Setenta e seis a 100% dos pacientes com LES têm poliartralgia ou poliartrite intermitente, principalmente em mãos (interfalangianas proximais e metacarpofalangianas), punhos e joelhos, sem lesões erosivas, diferentemente da artrite reumatoide. Os surtos repetdos de atvidade artcular podem provocar frouxidão ligamentar, de cápsula ar tcular e de tendões, com subluxações não fixas das artculações, que são redu veis, sem destruição artcular (imagem raio x), o que é conhecido como ar tculação de Jaccoud. Deformidades ocorrem em apenas 10% dos casos (Figura 1).
Figura 2 - Radiogra fi a de mãos e pés em paciente com LES e artropat a de Jaccoud. Fonte: Imaging in Rheumatology, 2003
Dores localizadas e persistentes em uma única ar tculação, como joelho ou quadril, levam à suspeita de necrose asséptca, uma complicação associada ao LES propriamente, mas também ao uso de cor tcoide e síndrome do an tcorpo antfosfolípide (SAF). Quadros de monoartrite devem incluir artrite sép tca no diagnóstco diferencial, sobretudo quando o paciente está imunossuprimido. A miosite com fraqueza muscular e elevação da CPK pode ocorrer, apesar de infrequente. Síndromes de superposição de doenças (LES associado a dermato e/ou polimiosite), ou miopa ta por cortcoide ou antmaláricos estão no diagnóstco diferencial. b) Manifestações mucocutâneas
Figura 1 - LES: deformidade fi xa no 5º quirodáct lo “em pescoço de cisne”, semelhante à artrite reumatoide (o dedo permanece deformado) e não fi xo (ar tc ulação de Jaccoud) das metacarpofalangianas (na parte A, estão luxadas, com desvio palmar, mas voltam à posição normal na parte B)
Entre 80 e 90% dos pacientes têm manifestações cutaneomucosas e elas incluem 4 dos 11 critérios do ACR para LES: fotossensibilidade, rash malar ou em asa de borboleta, lúpus discoide e úlceras oronasais. As lesões podem ser agudas, subagudas e crônicas. Lesões agudas podem ser eritematosas, bolhosas (Figura 3) ou maculares, quase sempre em áreas fotoexpos-
121
REUMATOLOGIA tas e fotossensíveis (Figura 4). Costumam ser super ficiais e evoluem sem deixar sequelas. O rash malar é clássico (Figura 5), e se caracteriza por uma lesão eritematosa e descamatva, localizada na região malar e sobre o nariz, podendo ocorrer na testa e no mento, mas poupando o sulco nasolabial. Lúpus cutâneo subagudo (Figura 6) apresenta lesões intermediárias entre lesões agudas e crônicas. São pápulas eritematosas ou pequenas placas, de aspecto anular, que podem confluir em grandes regiões. São simétricas, com localização em áreas fotoexpostas, como ombros, pescoço, tórax superior e antebraços.
Figura 3 - LES bolhoso
Figura 4 - Eritema macular difuso com fotossensibilidade
Figura 5 - Eritema fotossensível na face de paciente lúpica, que compromete regiões malares e dorso do nariz (lesão “em asa de borboleta”), mas também fronte e mento, poupando o sulco nasolabial. Fonte: ABC of Rheumatology
122
Figura 6 - Lúpus cutâneo subagudo: lesões no antebraço, com as pecto in fi ltrat vo, anulares e marginadas
Lesões crônicas de LES incluem o lúpus discoide, o lúpus túmido e o lúpus profundo. O lúpus discoide se apresenta como pápulas ou placas eritematosas, espessadas, com áreas de hipo ou hiperpigmentação e atro fia central, que permanecem mesmo com o controle da doença. Quando a lesão está atva, as bordas ficam eritematosas e endurecidas. Acomete comumente áreas fotoexpostas na face, orelhas externas, região retroauricular e couro cabeludo, mas podem ocorrer em outras partes do corpo. A cicatriz atró fica no couro cabeludo leva a zonas de alopecia irreversível. O lúpus discoide pode ocorrer isoladamente, sem outros achados sistêmicos de LES e na ausência de autoantcorpos. A lesão inicial do lúpus discoide pode acumular mucina e se apresentar umedecida e eritematosa, caracterizando o lúpus túmido. O lúpus profundo ou paniculite lúpica é menos comum e acomete a derme profunda e a gordura subcutânea, com formação de nódulos. A super f cie fica intacta, mas a aderência aos planos profundos pode provocar depressões. Alopecia no LES pode ser difusa ou localizada, reversível ou permanente. As úlceras orais e/ou nasais costumam acometer palato duro, língua e mucosa jugal ou nasal (Figura 7). Na maioria das vezes são indolores. Lesões cutâneas podem ocorrer por vasculite, levando à urtcária, púrpura palpável, úlceras digitais ou pápulas eritematosas nas palmas e dedos das mãos (Figura 8).
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
A I G O L O T A M U E R
Figura 7 - (A) Erosões no palato e (B) úlcera oral em paciente com LES. Fonte: Rheumatology in Pract ce
c) Manifestações renais
Tabela 3 - Principais manifestações mucocutâneas do LES - Eritematosas, bolhosas ou maculares; Lesões agudas
- Quase sempre em áreas fotoexpostas e fotossensíveis; - Superficiais e não deixam sequelas; - Achado clássico: rash malar e sobre o nariz que poupa o suco nasolabial.
Lúpus cutâ- Pápulas eritematosas ou pequenas placas, de asneo subapecto anular, simétricas, em áreas fotoexpostas. gudo
Lesões crônicas
- Lúpus discoide: pápulas ou placas eritematosas, espessadas, com áreas de hipo ou hiperpigmentação e atrofia central, geralmente em áreas fotoexpostas. Pode ocorrer isoladamente, na ausência de LES; - Lúpus túmido: lúpus discoide umedecido e eritematoso pelo acúmulo de mucina; - Lúpus profundo ou paniculite lúpica: nódulos dérmicos e subcutâneos profundos, com aderências que provocam depressões. - Alopecia;
Outros
Figura 8 - Vasculite palmar
- Úlceras orais e/ou nasais no palato duro, língua e mucosa jugal ou nasal; - Outras: vasculites se manifestando como ur tcária, púrpura palpável, úlceras digitais ou pápulas eritema tosas nas palmas e dedos das mãos.
O comprometmento renal é frequente no LES e ocorre em metade a 2/3 dos pacientes. É um fator de mau prognóstco. Pode provocar nefrite com alteração do sedimento urinário com hematúria microscópica e leucocitúria, perda de função renal, hipertensão e proteinúria, que pode ser nefrótca. Em biópsias renais, o tpo histológico é importante para o diagnóstco, pois permite selecionar a melhor terapia e também avaliar os índices de a tvidade e cronicidade. Entretanto, a biópsia renal nem sempre está indicada, exceto em situações de mudanças de tratamento, como indefinição diagnóstca, suspeita de alto grau de cronicidade, achados clínicos incompa veis ou no retratamento. A atual classificação para nefrite lúpica foi revisada (Tabela 4). As formas mesangiais (classes I e II) são de bom prognóstco. Pode se manifestar com hematúria microscópica sem alteração de função renal, sem queda de complemento ou posi tvação do ant-DNA. As classes proliferatvas, sobretudo a difusa (classe IV), são graves e provocam hematúria microscópica, hipertensão, perda de função renal e proteinúria, que pode ser nefró tca. Elas estão associadas à positvação do ant-DNA e queda do complemento. A forma membranosa é responsável por quadros de proteinúria com síndrome nefró tca e pode provocar perda de função renal, geralmente hemodinâmica (pela diminuição do volume circulante).
Tabela 4 - Classi fi cação da nefrite lúpica e seus achados clínicos e laboratoriais Classe
Nomenclatura
Achados clínicos
Laboratório
Tratamento
I
Nefrite lúpica mesangial mínima.
-
-
-
II
Pode não ter neNefrite lúpica prolife- nhum sintoma; ratva mesangial. ocasionalmente, hipertensão.
Proteinúria discreta. Hematúria discreta. Creatnina normal.
Pode necessitar de cortcoide oral em doses moderadas a baixas (<20mg/dia de prednisona).
123
REUMATOLOGIA
III
Nefrite lúpica proliferatva focal; III A – lesões a tvas; III A/C – lesões atvas e crônicas; III C – lesões crônicas inatvas com cicatrizes.
IV
Nefrite lúpica proliferatva difusa; III A – lesões a tvas; III A/C - lesões a tvas e crônicas; III C – lesões crônicas inatvas com cicatrizes; Cada um dos sub tpos pode ainda ser dividido em segmentar (S) ou global (G).
V
Nefrite lúpica membranosa.
Pode haver hipertensão, síndrome nefrí tca ou mesmo nefrótca.
Presença de hipertensão, edema, pode haver oligúria, síndrome nefrí tca, nefrótca ou glomerulonefrite rapidamente progressiva.
Síndrome nefrótca.
Proteinúria; Hematúria; Creatnina normal ou aumentada; Complemento baixo; ant-DNA dupla fita (+).
Se evoluir com aumento de creatnina e sedimento atvo, pode necessitar de pulso de cortcoide (1g/dia de metlprednisolona por 3 dias consecutvos), com indução de ciclofosfamida (0,5 a 1mg/m2 de superf cie corpórea) mensal por 6 meses e manutenção com aza toprina (2 a 3mg/kg/dia) ou micofenolato de mofetla (dose ótma 3g/dia). Também pode ser feita indução com micofenolato de mofetla. Cortcoide VO em doses altas (1mg/kg/dia de prednisona) deve ser iniciado após pulso, com doses decrescentes a partr do 3º mês de tratamento.
Proteinúria (pode ser nefrótca); Hematúria; Creatnina elevada; Complemento baixo; Ant-DNA dupla fita (++++).
Necessita de pulso de cortcoide (1g/dia de metlprednisolona por 3 dias consecutvos), com indução de ciclofosfamida (0,5 a 1mg/ m2) mensal por 6 meses e manutenção com ciclofosfamida (0,5 a 1mg/m 2) bimensal por 12 meses. Cortcoide VO em doses altas (1mg/kg/ dia de prednisona) deve ser iniciado após pulso, com doses decrescentes a par tr do 3º mês de tratamento. Dependendo da rapidez da resposta, novas doses de pulsoterapia com cortcoide intravenoso podem ser necessárias.
Proteinúria nefrótca; Aumento de creatnina, geralmente hemodinâmico.
Cortcoides em pulsoterapia intravenosa ou em doses orais, dependendo da gravidade, o que também determina o uso de imunossupressores como ciclofosfamida, aza toprina e micofenolato de mofetla, usados nas doses previamente descritas. Quadros nefró tcos com perda de função renal podem necessitar de um esquema inicialmente semelhante ao tratamento dos quadros prolifera tvos, com cortcoide intravenoso em pulsoterapia e indução com ciclofosfamida. A glomerulonefrite membranosa tem um tempo de resposta mais lento que a proliferatva.
A nefrite lúpica tende a ser uma doença con nua, com surtos que requerem novo tratamento durante muitos anos. Consttuem fatores de pior prognós tco: cor negra, início da nefrite em idade jovem, proteinúria nefró tca, alto índice de cronicidade, doença renal inters tcial, hipertensão arterial, formação de crescentes, hipocomplementenemia e anemia (Tabela 5). Tabela 5 - Fatores de mau prognóst co em pacientes com nefrite lúpica, independentes da classi fi cação Achados de anamnese - Cor negra;
Achados de biópsia
Achados de laboratório
- Alto índice de croni- - Proteinúria cidade; nefrótca;
- Início da nefrite em - Doença renal inters- - Hipocompleidade jovem; mentenemia; tcial; - Hipertensão arterial.
124
- Formação de crescentes.
- Anemia.
d) Manifestações hematológicas Quaisquer dos componentes celulares do sangue pode ser atngido no LES, levando a citopenias. O hemograma é exame fundamental para diagnós tco e seguimento de pacientes lúpicos, pois as citopenias também podem ocorrer como complicações pelo uso de drogas (metotrexato, azatoprina, ciclofosfamida). Anemia ocorre em até 80% dos pacientes. Anemia normocí tca e normocrômica é a mais frequente, refletndo doença crônica. Também pode ocorrer anemia por de ficiência de ferro ou insu ficiência renal. Mas o quadro mais dramátco, que só ocorre em 10% dos casos, é o da anemia hemolí tca autoimune, de rápida instalação, com hiperbilirrubinemia indireta, re tculocitose, aumento de desidrogenase lá tca (DHL), teste de Coombs direto e consumo de haptoglobina, requerendo terapia com cortcoide em altas doses. A leucopenia também é comum, mas di ficilmente atnge valores muito baixos (<1.000/mm 3). Quase sempre ocorre
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
por linfopenia, sem necessidade de tratamento (a menos que a linfopenia a tnja valores <600/mm3 por tempo prolongado). Mais raramente, pode ocorrer granulocitopenia. A plaquetopenia crônica também é comum e pode a tngir valores muito baixos, com risco de sangramento espontâneo grave quando valores menores que 20.000/mm 3 são atngidos (Figuras 9A e B).
do SNC, investgação com tomogra fia ou ressonância e coleta de liquor são importantes para afastar comorbidades, sobretudo infecciosas. O liquor pode apresentar aumento da celularidade e das proteínas, mas na maioria dos casos é normal. Tabela 6 - Principais manifestações do LES no SNC e no SNP SNC - Meningite asséptca; - Doença cerebrovascular; - Síndrome desmielinizante; - Cefaleia (incluindo migrânea e hipertensão intracraniana benigna); - Desordens do movimento (incluindo coreia); - Mielopata; - Convulsão; - Estado confusional agudo; - Distúrbios de ansiedade; - Disfunção cognitva; - Distúrbios de humor; - Psicose. SNP - Polirradiculoneuropata desmielinizante inflamatória aguda (Guillain-Barré); - Disfunção autonômica; - Mononeuropata (isolada ou multplex); - Miastenia gravis;
Figura 9 - LES com manifestação de sangramento cutâneo (A – petéquias nos membros inferiores) e mucoso (B – petéquias pala t nas) por plaquetopenia grave
e) Manifestações neuropsiquiátricas Cerca de 2/3 dos pacientes lúpicos têm algum tpo de manifestação neuropsiquiátrica. Podem ocorrer síndromes neurológicas centrais, periféricas, autonômicas ou psiquiátricas, embora apenas as convulsões e a psicose sejam considerados critérios diagnóstcos. A manifestação central mais comum é a de ficiência orgânica cognitva, principalmente com di ficuldades de memória, atenção e argumentação. Pode também ocorrer estado confusional agudo, que se instala em um curto período de tempo, com flutuações de consciência e atenção ao longo do dia. A psicose pode ser a manifestação dominante e deve ser dis tnguida da psicose induzida por cor tcoide, que ocorre normalmente nas primeiras semanas de terapia com cortcoide em doses altas (>40mg de prednisona ou equivalente) e melhora após vários dias da diminuição ou suspensão da medicação. Podem ocorrer ainda cefaleias, crises convulsivas, coma, pseudotumor cerebral, meningite, encefalite por vasculite de SNC (Figura 10), mielite transversa, mononeurite múl tpla e polineuropa ta periférica. Em casos de acome tmento
- Neuropata de nervos cranianos; - Plexopata; - Polineuropata. Tabela 7 - Manifestações neuropsiquiátricas atribuíveis ao LES - Deficiência orgânica cognitva; - Estado confusional agudo; - Psicose; - Cefaleias; - Convulsões; - Coma; - Pseudotumor cerebral; - Meningite; - Encefalite por vasculite de SNC; - Mielite transversa; - Mononeurite múltpla; - Polineuropata periférica.
f) Manifestações vasculares Aterosclerose acelerada é uma importante causa de morbimortalidade em lúpicos. Ela ocorre mais prematuramente e pode ser independente dos fatores de risco tradicionais, estando associada à doença em si. Outros fatores como idade avançada, hipertensão, dislipidemia, presença
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA de antcorpo antfosfolípide (SAF) e uso de cor tcoide em doses elevadas aumentam o risco de eventos trombó tcos. A ocorrência de Acidente Isquêmico Transitório (AIT), Acidente Vascular Encefálico (AVE) e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) está aumentada e tem maior mortalidade em lúpicos que em populações não lúpicas pareadas.
Figura 10 - Ressonância magnét ca cerebral com imagens de com promet mento agudo por vasculite nas regiões occipitoparietais; a paciente mostrou remissão das lesões, sem sequelas, com a tera pêut ca inst tuída
g) Manifestações cardíacas A pericardite é a manifestação cardíaca mais frequente. Pode ser assintomátca ou se manifestar com dor que piora à inspiração e a manobras de Valsalva e pode vir acompanhada de pleurite. Derrame pericárdico é comum, pequeno ou moderado. Pericardite constri tva e tamponamento pericárdico são raros. O ECG pode mostrar supradesnivelamento difuso do segmento ST e no raio x pode haver alargamento de área cardíaca, mas o melhor exame é o ecocardiograma. A pericardite costuma responder bem à terapia ant-inflamatória e doses moderadas de cor tcoide; A miocardite é incomum e pode se manifestar com febre, dispneia, palpitações, arritmias, anormalidades de condução ou insu ficiência cardíaca. Comprometmento endocárdico pode ocorrer por várias razões, incluindo endocardite bacteriana em imunossuprimidos e a endocardite asséptca fibrinosa de Libman-Sacks (Figura 12), também denominada de endocardite marân tca. O envolvimento endocárdico pode conduzir à insu ficiência valvar, geralmente da válvula mitral ou aór tca ou por evento trombó tco (lembrar da associação com SAF). Arterite coronária é rara e geralmente coexiste com aterosclerose.
Figura 12 - Vegetação em paciente com LES e endocardite de Libman-Sacks. Fonte: UpToDate, 2011
h) Manifestações pulmonares
Figura 11 - Áreas de microinfartos cerebrais em paciente com LES, traduzindo uma vasculite de pequenos vasos. Fonte: Imaging in Rheumatology
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As manifestações pulmonares são comuns, mas raramente com risco de vida. A forma mais comum de acometmento é a pleurite com ou sem derrame pleural. Os derrames pleurais geralmente são bilaterais e de pequeno volume (Figura 13). Pode ocorrer dor pleurí tca e atrito pericárdico ou o derrame pode ser mais volumoso. O derrame tem característcas exsudatvas, com aumento de proteína, glicose normal, celularidade <10.000 e baixo nível de complemento. A pleurite pode ser controlada com an t-inflamatórios e cortcoides em doses moderadas por períodos curtos. Se o derrame for unilateral, ou predominantemente unilateral, ou houver algum indício de infecção como febre, deverá ser puncionado.
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
i) Manifestações gastrintestnais Manifestações gastrintestnais são incomuns. Dentre elas, destacam-se: peritonite autoimune, que pode ser confundida com abdome agudo cirúrgico; pancrea tte autoimune, gastroparesia e vasculite intes tnal, que pode provocar perfurações, isquemia, hemorragia intes tnal e choque séptco. Toxicidade hepá tca por drogas é comum, ao contrário da hepatte crônica atva associada ao LES. j) Manifestações oculares A síndrome de Sjögren secundária e cera ttes e conjun tvites inespecí ficas são comuns no LES, mas raramente ameaçam a visão. Ao contrário, a vasculite de re tna e a neurite óptca são manifestações graves, podendo determinar amaurose em dias. Figura 13 - Derrame pleural bilateral, mais volumoso à esquerda em paciente com LES. Fonte: Imaging in Rheumatology
O acometmento do parênquima pulmonar é mais raro e pode incluir: - Pneumonite inters tcial crônica, com alveolite (in filtrado em vidro fosco) ou in filtrado retculonodular (semelhante a outras colagenoses com miopa tas inflamatórias); - Pneumonite lúpica aguda, com quadro de febre, tosse, dispneia e in filtrados ao raio x, que são de di f cil diferenciação radiológica de um quadro infeccioso e 50% dos pacientes com derrame pleural; - Hemorragia alveolar difusa, decorrente de pneumonite, com queda do hematócrito e in filtrados difusos, insuficiência respiratória, com ou sem hemop tse e alta mortalidade (de 50%); - Embolia pulmonar; - Shrinking lung syndrome ou síndrome do encolhimento pulmonar (Figura 14): diminuição de volume pulmonar, possivelmente devido à miopa ta do diafragma, mas a fisiopatologia não é realmente conhecida; - Bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP); - Hipertensão pulmonar: rara, geralmente com prova de função pulmonar contendo difusão bem baixa com pouco ou nenhum distúrbio restri tvo associado. Pode ocorrer por microembolia pulmonar, associada à SAF.
5. Avaliação laboratorial O seguimento laboratorial permite estabelecer o diagnóstco, monitorização de um novo surto e iden tficação dos efeitos colaterais do tratamento.
A - Pesquisa de autoantcorpos Tabela 8 - Padrões de IFI observados em imprint de f gado de camundongo ou cortes de tecido de roedores e possíveis an genos envolvidos e associações clínicas Padrão de IFI
Periférico e homogêneo
Homogêneo
Possível an geno envolvido
Possível associação clínica
DNA natvo
LES, LES induzido por drogas, artrite juvenil idiopátca, síndrome de Felty, esclerose sistêmica, cirrose biliar primária, hepatte autoimune.
DNA natvo
LES, LES induzido por drogas, artrite juvenil idiopátca, síndrome de Felty, esclerose sistêmica, cirrose biliar primária, hepatte autoimune.
SS-A/Ro e/ou Pontlhado fino SS-B/La
Síndrome de Sjögren, LES, LES neonatal, LES cutâneo, AR, miosite e esclerose sistêmica, polimiosite.
Pontlhado grosso
Sm e/ou RNP
LES, DMTC, esclerose sistêmica.
Nucleolar
Esclerose sistêmica, poliAn genos nuclemiosite/ES, polimiosite/ olares dermatomiosite.
LES: Lúpus Eritematoso Sistêmico; AR: Artrite Reumatoide; DMTC: Doença Mista do Tecido Conect vo; CBP: Cirrose Biliar Primária. Fonte: 3º Congresso Brasileiro do FAN, 2009.
Figura 14 - Shrinking lung syndrome em paciente com LES
Na avaliação inicial do LES, tradicionalmente u tliza-se o FAN (fator antnúcleo). Ele é posi tvo em 99% dos pacientes com LES não tratado. Testes nega tvos repetdos sugerem
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA que o diagnós tco não seja LES. A presença de FAN posi tvo isolado não indica diagnós tco de LES, mas é um bom teste de triagem pela sua alta sensibilidade. O FAN pode ser positvo em uma série de condições autoimunes e não autoimunes (Tabela 9). Cerca de 20% das mulheres adultas têm FAN positvo. Tabela 9 - Possíveis interpretações de um FAN posi tv o - Associação evidente com uma condição autoimune; - Nenhuma associação evidente com uma condição autoimune: · Incidentaloma? · Autoantcorpos associados a doenças inflamatórias crônicas? · Distúrbio autoimune transitório? * Infecção? * Drogas? * Câncer? · Traço familiar de autoimunidade? · Manifestação mínima de um espectro de condições autoimunes? · Manifestação precoce de uma doença autoimune incipiente? Fonte: 3º Consenso Brasileiro do FAN, 2009.
O resultado do FAN é fornecido por meio de 2 variáveis: o tulo e o padrão de fluorescência. O tulo mostra a mais alta diluição em que o soro ainda apresenta rea tvidade. No LES encontramos tulo de moderado a alto (1/160 a 1/1.640). O padrão de imuno fluorescência determina contra quais estruturas celulares o FAN está direcionado e isso pode sugerir alguns an tcorpos especí ficos como responsáveis pela posi tvação desse FAN. An tcitoplasma, antnucléolo, antcentrômero e an taparelho mitótco, padrão homogêneo, pontlhado fino ou grosso são padrões de imu-
nofluorescência. O padrão pon tlhado fino em baixos tulos (<1/160) é o mais inespecí fico e seu achado isolado na ausência de manifestações suges tvas de LES pode confundir o diagnóstco, não devendo ser valorizado. Alguns autoantcorpos são importantes para o diagnóstco de LES, pois são especí ficos: o ant-DNA de dupla hélice ou dupla cadeia (an t-dsDNA), o ant-SM e o an t-P. Isto significa que sua posi tvidade, em um contexto clínico compa vel, indica fortemente o diagnós tco de LES. Destes, o an t-dsDNA e o ant-Sm são considerados critérios diagnós tcos. Outros antcorpos são inespecí ficos, podendo ocorrer em outras colagenoses e mesmo em outras doenças, como o ant-ssDNA (ant-DNA de hélice simples), o an t-Ro, o ant-La, o ant-RNP, dentre outros. Antcorpos antfosfolípides também não são especí ficos de LES, apesar de preencherem um critério diagnós tco. Eles podem identficar pacientes com SAF (síndrome do antcorpo antfosfolípide), com maior risco de evento trombótco. São 3 os an tcorpos antfosfolípides: o an tcoagulante lúpico, os an tcorpos antcardiolipina (IgG, IgM e, em situações especiais o IgA) e o an tbeta-2-glicoproteína (IgG ou IgM). Pacientes com SAF podem ter perdas gestacionais de repetção. A presença de an t-Ro indica risco aumentado para lúpus neonatal (com lesões cutâneas e bloqueio atrioventricular congênito) e associação com síndrome de Sjögren. O antcorpo ant-Ro deve ser pesquisado nas mulheres lúpicas gestantes. Sua presença requer monitorização da frequência cardíaca fetal com intervenção precoce se ocorrer sofrimento. O fator reumatoide (imunoglobulina IgM an t fração Fc de IgG) pode ser posi tvo no LES, sem nenhuma implicação prognóstca.
Tabela 10 - Associação e prevalência dos principais autoant corpos no LES Antcorpo
Prevalência
Padrão de FAN
Associação
Indicação
Ant-DNA de cadeia dupla (dsDNA)
70%
Especí fico de LES. Seus tulos se associam com glomerulonefrite proliferatva: a eleHomogêneo vação dos seus tulos se associa e pode até preceder atvidade renal – é útl no seguimento.
Ant-Sm (Smith)
25%
Pontlhado grosso
Especí fico para LES.
Por ser especí fico: pedir no diagnóstco. Sem indicação rotneira no seguimento.
20%
Pontlhado fino, citoplasmátco
Especí fico para LES. Associa-se a depressão, psicose e nefrite membranosa, podendo seus tulos estar associados e antecederem atvidade de psicose e de nefrite membranosa.
Por ser especí fico: pedir no diagnóstco. Pela associação com psicose e com nefrite membranosa: solicitar periodicamente em pacientes com psicose lúpica e/ou glomerulonefrite membranosa ant-P positvo.
30%
Pontlhado fino
Não é especí fico. Associa-se com lúpus neonatal + bloqueio atrioventricular e síndrome de Sjögren.
Não ajuda no diagnóstco de LES. Sem indicação rotneira no seguimento. Indicado em lúpicas grávidas pelo risco de lúpus neonatal e bloqueio atrioventricular.
Ant-P ribossomal
Ant-Ro (SS-A)
128
Por ser especí fico: pedir no diagnóstco. Pela associação com nefrite prolifera tva: solicitar periodicamente em pacientes com glomerulonefrite proliferatva e ant-dsDNA positvo.
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
Antcorpo
Ant-La (SS-B)
Ant-histona Antfosfolípides: antcoagulante lúpico, antcardiolipina, e antbeta-2-glicoproteína Ant-RNP
Prevalência
Padrão de FAN
Associação Não é especí fico. Geralmente concomitante à presença de ant-Ro. Associa-se com síndrome de Sjögren.
10%
Pontlhado fino
70%
Não é especí fico. Homogêneo Mais frequente no LES por droga.
Sem indicação rotneira no diagnóstco ou no seguimento. Sem indicação rotneira no diagnóstco ou no seguimento, mas pode ajudar no diagnóstco diferencial com lúpus induzido por drogas.
Indicação no diagnóstco para avaliar risNão são especí ficos. co de SAF, em caso de manifestações de Predisposição à trombose, abortos SAF para fechar diagnóstco e em lúpicas e plaquetopenia (SAF). que desejam engravidar.
50%
40%
Indicação
Pontlhado grosso
Não é especí fico. Títulos elevados na doença mista do tecido conjuntvo.
Sem indicação rotneira no diagnóstco ou no seguimento.
B - Outros exames Têm como objetvo avaliar o grau de envolvimento de órgãos-alvo nas crises e no acompanhamento do tratamento da doença. Incluem hemograma completo, crea tnina, eletroforese de proteínas, provas de fase aguda (VHS e PCR), urina do tpo I, proteinúria de 24 horas, clearance de creatnina e dosagem de complemento. O nível sérico de complemento total (CH50 ou CH100) e suas frações C3 e C4 costumam estar baixos durante a tvidade lúpica, sobretudo sistêmica, renal e de serosas. Não é especí fico. Outras doenças, inclusive do diagnós tco diferencial do LES podem ter consumo de complemento, como hepa tte C e endocardite bacteriana. Tabela 11 - Exames comumente solicitados para diagnós t co de LES e compromet mento de órgãos-alvo - Alta sensibilidade: positvo em 99% dos pacientes com LES não tratado; - Títulos repetdamente negatvos afastam o diagnóstco; - Títulos mais significatvos se maiores que 1/320; - FAN (fator antnúcleo)
- Baixa especificidade; - Padrão pontlhado fino em baixos tulos (<1/160) é o mais inespecí fico e seu achado isolado na ausência de manifestações sugestvas de LES pode confundir o diagnós tco, não devendo ser valorizado.
- Ant-DNA de dupla hélice ou dupla cadeia (ant-dsDNA); - Ant-SM; - Ant-P.
- Alta especificidade, mas baixa sensibilidade; - A positvidade de um deles ajuda a fechar o diagnós tco com mais certeza, na presença de quadro clínico compa vel; - O ant-dsDNA e o ant-P podem ter valor no seguimento (vide anteriormente).
- Hemograma completo.
- Mostra citopenias com anemia, leuco, linfo e plaquetopenia ao diagnóstco, ou no seguimento, causadas pelo próprio LES ou como complicação do tratamento (toxicidade pelo metotrexato, aza toprina, ciclofosfamida) etc.
- Teste de Coombs direto; - Dosagem de bilirrubina indireta; - Dosagem de desidrogenase lá tca (DHL); - Dosagem de haptoglobina; - Contagem de re tculócitos; - Dosagem de ferro, vitamina B12 e ácido fólico.
Indicados na presença de anemia com o u sem outras penas para o diagnóstico diferencial de: - Anemia hemolítica: Coombs direto positivo, hiperbilirrubinemia indireta, aumento de desidrogenase lática (DHL), queda de haptoglobina, reticulocitose; - Anemia de doença crônica: anemia normocrômica e normocítica com todos os exames normais; - Anemia carencial: deficiência de ferro, ferritina baixa, ou deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico.
- Dosagem de creatinina; - Urina do tipo I; - Proteinúria de 24 horas clearance de creatinina.
- Avaliar comprometimento renal; - Na presença de aumento de creatinina ou alterações de urina 1, os demais exames devem ser solicitados.
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REUMATOLOGIA
- Provas de fase aguda (VHS e PCR)
- Geralmente elevadas na vigência de sintomas sistêmicos, atividade articular ou serosa; - Elevadas na vigência de quadros infecciosos, que podem desencadear atividade, sobretudo em imunossuprimidos.
- Dosagem de complemento total (CH50 - Costumam estar baixos durante atividade lúpica, sobretudo sistêmica, renal e de seou CH100) e suas frações C3 e C4 rosas. Não é específico. - Raio x de tórax basal para observar derrames pleurais, cardiomegalia; - Raio x de tórax
- Se alterações ou queixas clínicas, pode ser preciso exames mais detalhados como TC de tórax, ecocardiograma, ECG, enzimas cardíacas etc.
- CPK, transaminases
- Afastar comprometimento muscular e hepático. Na presença de alterações, pedir exames mais detalhados.
- Raio x de mãos e pés
- Observar ausência de erosões ósseas, que ajudam no diagnóstico diferencial com AR, e outras artrites, já que a artrite do LES é não erosiva.
- Sorologias vi rais contra HIV, hepatite C, hepatite B
- Afastar essas doenças no diagnóstico diferencial de muitas manifestações (sintomas sistêmicos, citopenias, crioglobulinemia, vasculites) e afastar como comorbidades que podem limitar o tratamento.
6. Diagnóstco e diagnóstco diferencial O LES é uma doença com múl tplas apresentações; os critérios de classi ficação (Tabela 12) orientam o diagnós tco e a suspeita clínica. A presença de 4 ou mais destes critérios tem sensibilidade e especi ficidade de 96%. Embora seja incomum, podemos encontrar pacientes com LES sem apresentar 4 dos 11 critérios de classi ficação. Tabela 12 - Critérios de classi fi cação do lúpus eritematoso sistêmico 1. Eritema malar
Eritema fixo, macular ou papular, sobre os malares, poupando o sulco nasolabial.
2. Lesão discoide
Lesão eritematosa elevada com plugs de queratna ou foliculares; cicatriz atró fica pode ocorrer em lesões antgas.
3. Fotossensibilidade
Rash cutâneo resultante de reação anormal à luz solar (relatado pelo paciente ou observado pelo médico).
4. Úlcera de mucosa oral ou nasal
Ulcerações orais ou nasofaríngeas, geralmente indolores, observadas pelo médico.
5. Artrite não erosiva
Artrite não erosiva acometendo 2 ou mais artculações, caracterizada por dor, edema ou derrame artcular.
6. Serosite
- Pleurite: história de dor pleurí tca ou atrito pleural auscultado por médico ou derrame pleural ou - Pericardite: documentado por ECG, atrito pericárdico ou derrame pericárdico.
7. Comprometmento renal
- Proteinúria persistente >500mg/24h ou - Cilindros celulares: podem ser hemá tcos, de hemoglobina, granulares, tubulares ou mistos. - Convulsão ou
8. Comprometmento neurológico
- Psicose: qualquer um na ausência de drogas ou distúrbio metabólico, como uremia, cetoacidose ou desbalanço eletrolí tco. - Anemia hemolí tca com retculocitose ou
9. Comprometmento hematológico
- Leucopenia <4.000/mm3 ou - Linfopenia <1.500/mm3 em 2 ou mais ocasiões ou - Plaquetopenia <100.000/mm3, todos na ausência de drogas potenciais. - Ant-dsDNA ou - Ant-Sm ou
10. Comprometmento imunológico
11. Antcorpo antnuclear positvo (FAN)
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- Presença de antcorpo antfosfolípide: (1) antcardiolipina IgG ou IgM; (2) antcoagulante lúpico; ou (3) teste falso positvo para sí filis (VDRL), obrigatoriamente sendo repetdo em 6 meses e confirmado por teste treponêmico especí fico negatvo. O tópico “presença de células LE” foi re trado em 1997. FAN positvo por imunofluorescência ou método equivalente na ausência de drogas sabidamente associadas a lúpus induzido por droga.
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
Os principais diagnóstcos diferenciais de LES são: artrite reumatoide (artrite com FAN posi tvo), dermatomiosite (miosite, artrite, rash cutâneo), infecções virais crônicas como hepatte C com crioglobulinemia (artrite, glomerulonefrite, vasculite de SNC, queda do complemento), hepa tte B (vasculite), endocardite bacteriana (artrite, rash cutâneo, queda do complemento), entre outros.
7. Tratamento Não há cura disponível para LES e remissões completas são raras. Portanto, o obje tvo do tratamento consiste em monitorar e evitar novas crises da doença, por meio de estratégias para supressão dos sintomas em nível aceitável e prevenção de danos em órgãos-alvo. A estratégia terapêutca deve levar em conta vários fatores: se o acome tmento orgânico da crise envolve risco de vida ou lesão grave, se as manifestações são potencialmente reversíveis, escolher a melhor abordagem para prevenir complicações da doença e seu tratamento. O tratamento do LES envolve não só o tratamento medicamentoso, mas também orientações gerais e tratamento das comorbidades.
A - Orientações gerais Dieta rica em cálcio, a tvidade f sica regular, eliminar o tabagismo, tratamento da dislipidemia e hipertensão arterial sistêmica. Os pacientes com qualquer forma de acometmento cutâneo devem minimizar a exposição à luz ultravioleta, usando protetores solares e roupas com cobertura adequada.
B - Tratamento medicamentoso Os AINEs são usados nos casos de artrite e manifestações em partes moles. São normalmente u tlizados para a atvidade leve antes que cor tcosteroides em baixa dose se jam iniciados, ou associados a antmaláricos. Combinados com cortcosteroides, em um esforço para minimizar a dose de cortcosteroides, ou para suprimir a a tvidade do lúpus, quando cortcosteroides em dias alternados são u tlizados. Portanto, suas principais indicações são: no tratamento sintomátco de manifestações musculoesquelé tcas, serosite leve e característcas sistêmicas tais como febre. Antmaláricos estão indicados em pra tcamente todos os casos de LES e frequentemente melhoram sintomas menores como quadros cutâneos leves, artrite e a fadiga. O uso con nuo de agentes antmaláricos (cloroquina 250mg/ dia ou hidroxicloroquina 400mg/dia), mesmo em pacientes fora de atvidade, reduz a frequência de recidivas da doença. A toxicidade da ocular é responsável pela maior preocupação significatva no que diz respeito ao tratamento antmalárico. Deposição destes agentes na melanina da camada epitelial pigmentar da re tna pode dani ficar as hastes e cones. Lesão precoce geralmente é reversível, mas é, na maioria das vezes, assintomátca, por isso a necessidade
de exame oalmológico regular, incluindo acuidade visual, lâmpada de fenda, teste de campo visual e fundoscopia, normalmente a cada 6 a 12 meses. As mudanças iniciais da retna são notados na mácula, com edema, aumento da pigmentação e perda do re flexo foveal à luz brilhante. Já defeitos de campo visual são geralmente associados com alterações mais graves na re tna, incluindo a palidez do disco óptco e atrofia, atenuação das arteríolas re tnianas, alterações pigmentares granulares da re tna periférica, e proeminentes padrões coroidais nos estágios mais avançados. O desenvolvimento da re tnopata é geralmente dependente da dose e duração. Além dos efeitos terapêutcos dos antmaláricos nas manifestações do LES, os efeitos bené ficos têm sido relatados no que diz respeito à melhora nos per fis de lipoproteínas. Isto é par tcularmente importante em pacientes tratados com cortcosteroides ou com síndrome nefró tca e hipercolesterolemia secundária. Outro bene f cio potencial é de antmaláricos na pro filaxia contra eventos tromboembólicos. Nos casos de LES cutâneo, cor tcoides tópicos e an tmaláricos são efetvos na redução das lesões. Cor tcoide sistêmico está indicado em casos de derma ttes extensas. Nos quadros refratários, podem-se u tlizar dapsona ou talidomida. Doses moderadas de cor tcoide (<0,5mg/kg/dia de prednisona ou equivalente) costumam ser efe tvas no tratamento de serosites. Em casos de artralgia e artrite que não respondem, podem-se usar doses baixas de prednisona ou equivalente e ant-inflamatórios. Em casos de artrite franca, crônica e recorrente, uma boa opção é o metotrexato. Quadros hematológicos como anemia hemolí tca autoimune e plaquetopenia grave (<50.000) são tratados com prednisona na dose de 1mg/kg/dia. Para manutenção do tratamento, usam-se imunossupressores como a azatoprina (2 a 3mg/kg/dia) ou micofenolato de mofe tla (dose ótma 3g/dia). Pulsoterapia com me tlprednisolona (1g/ dia por 3 dias consecu tvos) ou imunoglobulina intravenosa (2g/kg divididos em 2 ou 5 dias) podem ser u tlizadas em casos refratários, assim como o rituximabe, um imunobiológico com ação antlinfócito B (an t-CD 20), na dose de 375g/ m2 de superf cie corpórea/dose em 4 doses com intervalo de 1 semana entre cada uma. Outras opções para plaquetopenia incluem danazol, plasmaférese e, se necessário, esplenectomia. A pedra angular no tratamento do LES é o cor tcoide. Tem rápido início de ação, na resolução da in flamação e quadros de atvidade da doença. Ele normalmente é prescrito por via oral em baixa, média (0,5mg/kg) ou doses elevadas (1mg/ kg), dependendo da manifestação alvo, em dose única matnal ou fracionada (2 a 4x/dia). Podem ser necessário pulsos de metlprednisolona 1g/dia por 3 dias consecu tvos a depender da gravidade da manifestação. Minipulsos (500mg por 3 dias) podem ser eficazes e com menos efeitos adversos em casos selecionados, quando controlada a doença de base e já introduzido um imunossupressor poupador de cor tcoi-
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REUMATOLOGIA de. Após controle da a tvidade, é necessária redução gradual de dose da prednisona. A rapidez da redução varia signi ficatvamente e depende das manifestações iniciais da doença, da duração do tratamento com cor tcosteroides, da resposta da doença do paciente e da tolerância do paciente, bem como da experiência médica individual. Normalmente não é reduzida por mais de 25% por vez. Embora a interrupção total de cor tcoide seja uma meta desejada, muitos pacientes necessitam de manutenção com dose baixa de cor tcosteroide (5 a 10 mg/dia) para evitar a recorrência. Monitoração de pressão arterial, colesterol, glicose, densidade óssea e da pressão ocular é uma importante medida adjuvante na monitorização dos eventos adversos destas drogas. A manutenção de um elevado índice de suspeição para o desenvolvimento de outras toxicidades, incluindo ulceração gastrointes tnal, necrose avascular, aterosclerose e miopata esteroide, também é importante no manejo de pacientes com cor tcosteroides. A maioria dos pacientes com um episódio de LES grave requer muitos anos de terapia de manutenção com cor tcoide em baixa dose, que pode ser aumentada para prevenir ou tratar novos surtos da doença. Tentatvas frequentes para reduzir o uso de cor tcoides são recomendadas, em virtude dos efeitos colaterais. A ciclofosfamida é uma medicação com grande importância também em casos de LES grave, como vasculites, quadros pulmonares com risco de vida e nefrite lúpica grave (biópsia renal com classificação proliferatva III e IV e nas formas graves da classe V), na forma de pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/m 2 de superf cie corpórea), aplicada inicialmente a cada mês. Imunoglobulina intravenosa (2g/kg divididos em 2 a 5 dias) e plasmaférese podem ser u tlizadas quando não houver resposta ao tratamento convencional, sendo u tlizada em casos especiais de acometmento hematológico (pla-
quetopenia ou anemia graves), pulmonar (pneumonite) e neurológico. A azatoprina (2 a 3mg/kg/dia) permite a redução da dose de manutenção do cor tcoide. É um análogo da purina gerada pelo acréscimo de um grupo imidazol na 6-mercaptopurina (6-MP). Imunossupressor mais usado na prá tca como agente poupador de cor tcoide. O tratamento de manutenção com azatoprina, em doses de 1,5 a 2,5mg/kg/ dia parece estar associado com uma menor taxa de desenvolvimento de formas graves da doença, tais como nefrite, ou comprometmento do sistema nervoso central. Além de seus efeitos sobre a medula óssea, pode causar hepatotoxicidade, geralmente em doses superiores a 2,5mg /kg/ dia. Hipersensibilidade a drogas podem também resultar em uma hepa tte aguda, com elevação das transaminases e necrose hepatocelular e estase biliar na biópsia hepá tca. Esta síndrome pode ser acompanhada de febre, dor abdominal e uma erupção cutânea maculopapular. Os resultados são geralmente reversíveis com a descon tnuação da droga. Pancreatte tem sido relatada em pacientes com LES que receberam azatoprina, mas sua ocorrência pode ter sido associada com outras caracterís tcas da atvidade da doença. Alguns relatos mostram risco aumentado de malignidade. O micofenolato de mofe tla (dose ó tma de 3g/dia) é efetvo em alguns pacientes com LES grave. É um inibidor reversível da inosina monofosfato desidrogenase, que limita a síntese de purinas. Em geral, MMF é bem tolerado. Os efeitos adversos mais comuns são GI, infecções e hematológicas. O micofenolato e a aza toprina são utlizados na manutenção do tratamento (após indução com ciclofosfamida intravenosa) de pacientes com LES renal e alguns estudos já apontam o micofenolato de mofetla como droga usada na indução de pacientes selecionados, com maior segurança, sobretudo em relação ao risco infeccioso. São também usados em casos de acome tmento hematológico, seroso, muscular e cutâneo.
Tabela 13 - Terapias comumente usadas no tratamento de LES Tratamento Protetor solar
Cortcoterapia
Dose usual e via de administração
Principais indicações
Tópica
- Todos os casos, principalmente com quadro cutâneo e fotossensibilidade.
- Dermatte de contato.
Tópica
- Quadro cutâneo leve.
- Atrofia cutânea, dermatte, foliculite, infecção, hipopigmentação.
Sistêmico em dose baixa (≤10mg/kg VO de prednisona ou equivalente)
- Quadros artculares refratários a an tmaláricos e ant-inflamatórios.
Dose moderada (<0,5mg/ kg VO de prednisona)
- Quadros cutâneos mais extensos, mas não com risco de vida; - Serosites.
Pulsoterapia IV (metlprednisolona 1g/dia por 3 dias - Esquema de ataque para qualquer manifesconsecutvos), seguida por tação grave de lesão de órgão-alvo ou com doses altas de cortcoide risco de vida. VO (prednisona 1mg/kg)
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Principais efeitos colaterais
- Infecção, hipertensão, hiperglicemia, hipocalemia, acne, ansiedade, necrose asséptca óssea, Cushing secundário, pele friável, insônia, osteoporose, psicose.
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
Dose usual e via de administração
Tratamento
Principais indicações
Principais efeitos colaterais
- Lesão de retna, agranulocito- Pratcamente todos os casos de LES, pois reduz se, anemia aplástca, ataxia, a frequência de recidivas da doença; cardiomiopa ta, tontura, mio- Sintomas menores (quadros cutâneos leves, pata, ototoxicidade, neuroartrite e a fadiga). pata periférica, pigmentação cutânea.
Antmaláricos: Hidroxicloroquina ou Difosfato de cloroquina
400mg/dia ou 250mg/dia VO
Metotrexato
- Artralgias ou artrite franca que não respon7,5 a 25mg/semana. Pode dem a doses baixas de cor tcoide via oral, ser dado VO, SC ou IM ant-inflamatórios não hormonais ou antmaláricos.
- Anemia, depressão medular, plaquetopenia, hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, infecções, neurotoxicidade, fibrose pulmonar, convulsão
2 a 3mg/kg/dia (50 a 300mg/dia dependendo do peso)
- Quadros hematológicos: anemia hemolí tca autoimune e plaquetopenia; - Terapia de manutenção para quadros sele- Pancreatte, hepatotoxicidade, cionados de nefrite lúpica (após indução com alopecia, febre. ciclofosfamida intravenosa ou micofenolato de mofetla); - Acometmento seroso, muscular e cutâneo.
Micofenolato de mofetla
1 a 3g/dia (dose ótma de 3g/dia)
- Terapia de indução e/ou manutenção para quadros selecionados de nefrite lúpica; - Acometmento hematológico, seroso, muscular e cutâneo.
Ciclofosfamida
Pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/ - Infecção, depressão medular, - Casos de LES grave, como vasculites, quadros m2 de superf cie corpórea), anemia, plaquetopenia, cistte pulmonares com risco de vida e nefrite lúpica aplicada inicialmente a hemorrágica, carcinoma de grave (biópsia renal com classificação prolifecada mês e depois espaçabexiga, alopecia, náusea, diarratva III e IV e nas formas graves da classe V). da para 2 meses reia, neoplasia, esterilidade.
Azatoprina
- Infecção, anemia, plaquetopenia, linfoma, neoplasias.
2g/kg divididos em: 2 dias (1g/kg/dia) ou 5 dias (0,4g/kg/dia
- Quadro hematológico grave (plaquetopenia e/ou anemia; autoimunes refratárias a cortcoide); - Quadro pulmonar grave e refratário (pneumonite); - Quadros neurológicos graves e refratários.
- Reações infusionais, nefrite.
Plasmaférese
-
- Quadros hematológicos (plaquetopenia ou anemia), pulmonares (pneumonite), neurológicos graves e refratários à cor tcoterapia intravenosa e imunoglobulina intravenosa.
- Reações transfusionais, contaminação sanguínea.
Rituximabe
375g/m2 de superf cie corpórea/dose em 4 doses - Quadros hematológicos (plaquetopenia ou com intervalo de 1 semana anemia autoimunes) graves e refratários. entre as doses
Imunoglobulina endovenosa
C - Novas terapias a) Deidroepiandrosterona A justficatva para a sua u tlização é baseada na influência hormonal conhecida de estrogênios e androgênios sobre atvidade do LES. Redução dos níveis séricos de DHEA tem sido demonstrada em alguns pacientes com LES, independentemente do nível de a tvidade da doença. DHEA também tem sido demonstrado que imunomoduladores têm efeitos sobre os linfócitos T. Em um estudo duplo-cego, randomizado, controlado com placebo, 191 pacientes do sexo feminino recebem 10 a 30mg de prednisona/dia no início. O tratamento com
- Reações infusionais, neutropenia, infecções.
200mg/dia de DHEA foi signi ficatvamente associado com uma redução sustentada da dose de prednisona <7,5mg/ dia, havendo manutenção ou melhoria na a tvidade da doença. Infelizmente, um ensaio subsequente falhou em mostrar benef cio significatvo na redução da a tvidade da doença com DHEA em comparação com placebo. b) Ant-CD20, rituximabe É um antcorpo monoclonal quimérico dirigido contra a molécula CD20 presente em linfócitos B. Agente aprovado para o tratamento de linfoma não Hodgkin de célula B, com relatórios publicados; a maioria de pequenas séries de casos de sucesso terapêu tco nas manifestações do lúpus re-
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REUMATOLOGIA fratário, com acome tmentos dos sistemas nervoso central, renal e hematológicos. Semelhantes à experiência oncológica com rituximabe, os eventos adversos mais frequentes têm sido reações à infusão, relacionada com a taxa de infusão. Infecções, par tcularmente oportunistas, não são aumentadas. Os pacientes podem desenvolver an tcorpos humanos antquiméricos (HACAs), que podem afetar a resposta a infusões subsequentes da medicação. A u tlização de pré-medicação adequada pode reduzir o desenvolvimento de HACAs. c) Transplante Transplante de célula-tronco e imunoablação Uma abordagem alterna tva, a ablação imunológica com imunossupressão em altas doses seguida de resgate com transplante autólogo de células-tronco hematopoétcas está disponível para doenças oncológicas e tem sido usada em casos de LES grave. A alta mortalidade associada ao procedimento juntamente com recaídas relatadas sugerem que o transplante de células não parece ser um procedimento viável para o tratamento de a tvidade grave ou refratária do LES. Opções alternatvas para a terapia immunoablat ve esve estão disponíveis. Uma opção é seguir imunoablação com células-tronco autólogas de resgate e, assim, poupar o paciente da exposição adicional e das potenciais complicações da ciclofosfamida necessária previamente. A 2ª abordagem é a imunoablação com ciclofosfamida em altas doses, sem posterior resgate com células-tronco. d) Estatnas Recentemente, as propriedades das esta tnas têm demonstrado prolongar para além de sua capacidade hipolipemiante para incluir a a tvidade imunomoduladora, que pode ser bené fica, mesmo em pacientes com lúpus com níveis lipídicos normais. Os ensaios clínicos controlados de estatnas destnadas a avaliar a sua capacidade de diminuir a a tvidade da doença no lúpus estão atualmente em fase de projeto. e) Belimumabe Belimumabe (Benlysta®) foi aprovado pelo FDA em março de 2011 para tratamento do lúpus, para redução de a tvidade da doença em adultos e para quadros refratários da terapia padrão máxima. O belimumabe bloqueia a ligação de BLyS solúvel, um fator de sobrevivência da célula B, aos seus receptores nas células B. O belimumabe não se vincula v incula às células B diretamente, mas ao vincular o BLyS, o belimumabe inibe a sobrevivência das células B, incluindo células B autorreatvas, e reduz a diferenciação das células B em plasmócitos que produzem imunoglobulina. O Benlysta® é disponibilizado apenas em pó lio filizado em frascos de uso único para infusão intravenosa e deve ser reconsttuído e diluído por um pro fissional de cuidado médico antes da administração.
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8. Prognóstco e sobrevida A sobrevida em pacientes com LES é de 90 a 95% em 2 anos, 82 a 90% em 5 anos, 71 a 80% em 10 anos e 63 a 75% em 20 anos. No momento do diagnós tco, o pior prognóstco (50% de mortalidade em 10 anos) está associado à crea tnina elevada (>1,4mg/dL), hipertensão, síndrome nefró tca, anemia, hipoalbuminemia, hipocomplementenemia e presença de antcorpo antfosfolípide. Pacientes que são transplantados renais apresentam maior índice de rejeição do enxerto e a nefrite lúpica pode ocorrer em 10% dos casos.
9. Situações especiais A - LES e gestação As condições férteis de homens e mulheres com LES são iguais às da população em geral. No entanto, o índice de perda fetal é maior em mulheres lúpicas. O óbito fetal é maior em mães com atvidade agressiva da doença, antcorpos antfosfolípides e/ou nefrite. A supressão da a tvidade da doença pode ser alcançada por administração de cor tcoide sistêmico e antmaláricos que podem ser man tdos durante a gestação. Os efeitos adversos pré-natais da exposição ao cor tcoide são o baixo peso ao nascer e anormalidades na formação do SNC. Pacientes com LES e SAF podem ter perdas gestacionais de repetção. Um problema potencial adicional para o feto é a presença de antcorpos ant-Ro, às vezes associada ao LES neonatal, com lesões cutâneas e bloqueio atrioventricular congênito. A presença de an t-Ro requer monitorização da frequência cardíaca fetal com intervenção precoce se ocorrer sofrimento. A gestação ocorre geralmente sem surtos da doença. Porém, uma proporção pequena desenvolve crises severas que requerem terapia imunossupressora agressiva ou interrupção precoce da gestação. Os piores resultados ocorrem em mulheres com nefrite a tva.
B - Lúpus e síndrome do antcorpo antfosfolípide A SAF está comumente associada ao LES (50% dos casos de SAF têm LES), mas pode ser secundária a outras doenças inflamatórias do tecido conjun tvo e mesmo aparecer isolada (SAF primária). Ela é uma coagulopa ta adquirida, provocada pelo efeito protrombó tco de autoantcorpos como o antcoagulante lúpico, a an tcardiolipina e a an tbeta2 glicoproteína. Pode manifestar-se pela presença de fenômenos trombótcos arteriais e/ou venosos e/ou perdas fetais repe tdas. A trombose venosa profunda com ou sem embolia pulmonar é a apresentação mais comum. Tromboses arteriais geralmente acometem SNC como Ataques Isquêmicos Transitórios (AIT) ou Acidente Vascular Cerebral tromboembólico (AVC). A SAF pode associar-se ass ociar-se também a eventos gestacionais, como perdas gestacionais, repe tção no 1º trimestre, morte fetal intrauterina por infartos placentários e nascimentos prematuros por insu ficiência placentária. Se a SAF se manifestar apenas com eventos gestacionais, sem tromboses
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
arteriais ou venosas associadas, a paciente é portadora de SAF gestacional. Outras manifestações comumente associadas são plaquetopenia leve (geralmente de consumo) e livedo re tcular. lar. Pode provocar também, mais raramente, coreia, mielite transversa e endocardite assép tca, que pode embolizar. A SAF catastrófica é uma complicação grave, que se caracteriza por múltplas tromboses que ocorrem em vários órgãos em curto espaço de tempo, com alta mortalidade (50%). Os critérios para diagnóstco de SAF estão listados na Tabela 14. Faz-se o diagnós tco na presença de pelo menos 1 critério clínico e 1 laboratorial. O tratamento das tromboses arteriais e venosas consiste em antcoagulação prolongada com cumarínicos. Inicialmente, sugeriu-se manter INR mais alto, de 3 a 4, mas estudos randomizados recentes mostraram a mesma e ficácia com INR mantdo entre 2 e 3. Enquanto o cumarínico não faz efeito, u tliza-se heparinização plena com heparina de baixo peso. Um estudo demonstrou que pacientes com LES, sem diagnós tco prévio de SAF, SAF, com um 1º AVC trombó tco e apenas uma dosagem de antcorpo antfosfolípide presente, podem ser man tdos com AAS sem antcoagulação, pois muitos não vão manter o an tcorpo presente e não terão diagnós tco de SAF. No caso de SAF gestacional, com perdas fetais anteriores, o tratamento com heparina não fracionada ou de baixo peso molecular e AAS em baixas doses (81mg/dia) aumenta significatvamente o número de nascidos vivos e reduz a morbidade gestacional. Tabela 14 - Critérios de classi fi cação cação da síndrome do ant corpo corpo an(Revisão de Sydney) Sydney) t fosfolípide (Revisão
- Trombose
- Morbidade gestacional
Pelo menos 2 dosagens positvas com intervalo mínimo de 12 semanas
Critério clínico - Arterial ou - Venosa ou - Microvasculopa Microvasculopata trombótca. - 3 ou mais perdas gestacionais do 1º trimestre ou - 1 ou mais perda fetal tardia ou - Parto prematuro por insu ficiência placentária grave. Critério laborato l aboratorial rial - Antcoagulante lúpico ou - An tcardiolipina IgG ou IgM em tulos tulos moderados ou altos ou - Antbeta-2 glicoproteína glicoproteína IgG ou IgM em tulos tulos moderados ou altos.
C - Lúpus induzido por drogas É uma doença diferente do lúpus verdadeiro, mas com sintomas similares, induzida pela exposição a determinadas drogas (Tabela 15). Essas drogas não agravam quadros de LES não induzidos por drogas. Não há critérios de finidos, mas a associação temporal com a exposição a drogas potencialmente causadoras (semanas a meses) e a resolução das manifestações manifestações com a interrupção da droga em algumas semanas fazem o diagnós tco. Entretanto, os autoan tcorpos podem persistr por 6 a 12 meses.
Os pacientes se apresentam com queixas cons ttucionais como fadiga, febre baixa e mialgia, além de artralgia, artrite e serosite (pleural e pericárdica). Nefrite e acome tmento de pele e SNC são mais raros. Os exames laboratoriais podem apresentar: FAN com padrão homogêneo e an tcorpos ant-histona são característcos. O ant-dsDNA e o an t-SM estão ausentes. Tabela 15 - Lúpus induzido por droga – característ cas cas - Predomínio de queixas consttucionais: fadiga, febre baixa e mialgia; - Quadro artcular (artralgia e artrite); - Serosite; - Quadro hematológico: anemia autoimune, plaquetopenia autoimune, neutro e linfopenia; - Não provoca envolvimento renal ou de sistema nervoso central; - Ausência dos antcorpos especí ficos de LES (ant-DNA e ant-SM); - Presença transitória de FAN e an tcorpos ant-histona; - Sintomas desaparecem após suspensão da droga indutora; - Autoantcorpos podem persistr por 6 a 12 meses. Tabela 16 - Drogas associadas ao lúpus induzido por drogas Procainamida Isoniazida - Propafenona; - Macrodantna; - Hidralazina; - Sulfassalazina; - Inibidores da enzima conversora da angiotensina; - Hidroclorotazida; - Beta-bloqueadores; - Lovastatna; - Propiltouracil; - Sinvastatna; - Clorpromazina; - Carbamazepina; - Lí to. - Fenitoína.
10. Resumo Quadro-resumo LES: doença autoimune inflamatória multssistêmica, com predomínio no sexo feminino (9 a 10:1) na idade fér tl; Principais acometmentos: mentos: mucocutâneo (eritema malar/discoide, úlceras orais, fotossensibilidade), ar tcular, cular, serosites (pleural/ pericárdica), renal (nefrite lúpica mesangial, proliferatva ou membranosa), hematológico (anemia hemolí tca, leucopenia/linfopenia, plaquetopenia), neuropsiquiátrico (convulsões/psicose); Múltplos autoantcorpos podem estar envolvidos, com FAN quase universalmente positvo. Principais autoantcorpos: ant-DNA (hélice dupla ou simples), ant-histonas (lúpus induzido por drogas), ant-Sm, ant-Ro, ant-La, ant-RNP e ant-P. Antcorpos antfosfolípides são frequentes e podem se associar à SAF; Antcorpos especí ficos para o LES: an t-DNA de dupla hélice, ant-Sm e ant-P. Os demais não são especí ficos para a doença, podendo ocorrer em outras condições clínicas; Ant-DNA de dupla hélice associa-se ao acome tmento renal, e ant-P, ao acometmento neuropsiquiátrico. Ant-Ro pode associar-se à síndrome do lúpus neonatal; Tratamento: cortcoterapia, antmaláricos e imunossupressores (metotrexato, azatoprina, mofetla, ciclofosfamida), a depender de cada caso.
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REUMATOLOGIA
CAPÍTULO
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Esclerose sistêmica Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na na de Medeiros Ribeiro Aleksander Snioka Snioka Prokopowistch Prokopowistch / Hérica Crist ani ani Barra de Souza
1. Definição
3. Etopatogenia
A Esclerose Sistêmica (ES), também chamada esclerodermia sistêmica, é uma doença crônica, mul tssistêmica, caracterizada caracterizada por alterações funcionais e estruturais de pequenos vasos sanguíneos, fibrose de pele e órgãos internos e autoimunidade.
Ocorrem 2 processos patológicos básicos na ES que explicam os sinais e sintomas da doença e determinam a extensão da sua morbimortalidade: - Desenvolvimento insidioso de fibrose nos tecidos e órgãos afetados; - Disfunção vascular de pequenas artérias e microvasos. No desenvolvimento da fibrose, ocorrem a tvação anormal do sistema imune por um es mulo mulo não identficado, atvação de linfócitos T e B autorrea tvos, liberação de citocinas e quimiotaxia de células in flamatórias, como os macrófagos. Essas células in flamatórias, em conjunto com as plaquetas a tvadas e o endotélio, liberarão fatores de crescimento, que são capazes de atrair e atvar os fibroblastos, levando à deposição excessiva de colágeno (principalmente, tpos I, III e VI).
2. Epidemiologia Trata-se de uma doença rara, de e tologia desconhecida. Todas as faixas etárias podem ser acome tdas, mas a maior incidência ocorre entre 30 e 50 anos. A relação entre mulher e homem é de 4 a 5:1. Incomum em crianças menores de 13 anos (0,1 caso/milhão), sendo que estas possuem menor incidência de crise renal, porém maior propensão a acometmento do sistema cardiopulmonar. A ES tem distribuição mundial e acomete todas as raças, mas com graus variáveis. Alguns índios norte-americanos podem ter quadros cutâneo e pulmonar graves, 100 vezes mais frequentes que em outras populações. Negros tendem a ter maior incidência de forma difusa, com comprometmento pulmonar e pior prognós tco e idade de início mais baixa, enquanto quadros cutâneos limitados são comuns em mulheres brancas. Na idade pós-menopausa ocorre uma pequena redução na prevalência em relação aos homens (2 a 4:1). A maioria ocorre esporadicamente, mas pode haver agrupamento familiar raramente. Alguns casos foram relatados em associação a exposição a solventes, sílica ou metais. A contribuição gené tca também tem sido estudada, havendo associação a HLA-A1, B8 e DR3. Os autoanticorpos anti-Scl-70 e anti-RNP U3 estão associados a doença mais severa, sendo mais frequentes em afro-americanos. O anticentrômero é mais frequente em brancos, estando associado a doença mais moderada.
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As alterações vasculares podem ser explicadas pela produção de maior quan tdade de fatores vasoconstritores (endotelina-1) e menor quan tdade de substâncias vasodilatadoras (óxido nítrico e prostaciclina), a tvação plaquetária, com formação de microagregadores de plaquetas nos capilares e vênulas e liberação de tromboxano A2 (vasoconstritor). Esse desequilíbrio a favor de uma vasoconstrição persistente provoca episódios repe tdos de isquemia e hipoperfusão tecidual, acarretando injúria celular, sendo o es mulo mulo principal para o acúmulo dos fibroblastos atvados e a formação de fibrose. O papel dos autoan tcorpos encontrados ainda não é conhecido até o momento.
4. Classificação O Colégio Americano de Reumatologia (ACR) estabeleceu critérios para a classi ficação da ES (Tabela 1), com sensibilidade de 97% e especi ficidade de 98%. A presença do critério maior (alterações cutâneas esclerodérmicas em qual-
ESCLEROSE SISTÊMICA
quer localização proximal às metacarpofalangianas), ou a presença de 2 ou mais critérios menores, faz o diagnós tco. Tabela 1 - Critérios diagnóst cos da ES: presença do critério maior ou pelo menos 2 menores fecha o diagnóst co Critério maior - Espessamento cutâneo proximal às metacarpofalangianas. Critérios menores - Esclerodactlia (lesões distais às metacarpofalangianas, restritas aos dedos); - Úlceras digitais ou pi ng scars;
de pacientes com a forma cutânea limitada tem a síndrome CREST (C – calcinose; R – Raynaud; E – dismo tlidade esofágica; S – esclerodac tlia; e T – telangiectasias; Figura 2), comumente benigna e de finida pela presença de 3 ou mais dos achados da sigla. A síndrome mais comum em mulheres com idade entre 35 e 50 anos e está associada a uma incidência elevada do an tcorpo antcentrômero, em torno de 80% dos casos. Tabela 2 - Diferenças entre as formas clínicas da ES Forma clínica
ES limitada
Distribuição do espessamento cutâneo
Limitado aos membros distalmente aos cotovelos ou joelhos, Tronco e extremida- poupando o tronco e des proximais (acima as extremidades prode joelhos e cotove- ximais. los), além de face, Subtpo: síndrome pescoço e porção CREST (calcinose, distal dos membros. Raynaud, dismotlidade esofágica, esclerodactlia e telangiectasias).
Quadro pulmonar mais associado
Fibrose interstcial pulmonar.
Hipertensão arterial pulmonar.
Antcorpo mais associado
Anttopoisomerase (ant-Scl-70).
Antcentrômero (ACA).
Prognóstco
Melhor que o da forReservado, associado ma difusa, mas limitaà gravidade do aco- do pela gravidade da metmento visceral. hipertensão arterial pulmonar.
- Fibrose pulmonar bibasal.
A ES pode acontecer em 2 formas: difusa e limitada, de acordo com a distribuição do acome tmento cutâneo, com implicações clínicas, sorológicas e prognós tcas.
ES difusa
Figura 1 - Esclerose sistêmica: (A) limitada e (B) difusa
Na forma difusa, o espessamento cutâneo está presente no tronco e nas extremidades proximais (acima de joelhos e cotovelos), além de face e porção distal dos membros. Essa forma está mais associada à fibrose pulmonar e à presença do antcorpo anttopoisomerase (ant-Scl-70), que está presente em 30% dos casos. Tem prognós tco mais reservado, principalmente pela gravidade do acome tmento visceral. A forma limitada tem espessamento cutâneo limitado aos membros distalmente aos cotovelos ou joelhos, poupando o tronco e as extremidades proximais. A face e o pescoço podem ser acome tdos sem interferir na classi ficação. Essa forma está mais associada à hipertensão pulmonar e à presença do an tcorpo antcentrômero (ACA) e tem prognóstco melhor que a forma difusa. Um subgrupo
Figura 2 - Síndrome CREST. Fontes: Primes e Rheumatology in Pract ce
Além da ES em suas 2 formas, difusa e limitada, que atnge órgãos internos (não só a pele), o espectro da esclerodermia compreende uma forma de esclerodermia localizada, que afeta áreas restritas à pele e estruturas adjacentes, poupando órgãos internos. Pode ocorrer em
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REUMATOLOGIA placas (morfeia – Figura 3), em áreas lineares (esclerodermia linear – Figura 4) ou na face (lesão “em golpe de sabre” – Figura 5). Apesar de raramente a esclerose ou esclerodermia sistêmica e a esclerodermia limitada ocorrerem juntas, são consideradas doenças dis tntas, inclusive epidemiologicamente. A esclerodermia limitada é muito mais frequente em crianças e adolescentes.
Figura 3 - Morfeia em placas
Podem ocorrer também quadros viscerais picos de ES, com fibrose pulmonar, envolvimento esofágico e achados sorológicos, na ausência de esclerose cutânea. Trata-se da esclerodermia sine esclerodermia. Pode haver ainda quadros de sobreposição entre ES e outras doenças do tecido conjun tvo, como LES, miopatas inflamatórias ou artrite reumatoide. Nesses casos, os critérios para as ES e a outra doença em questão são preenchidos, e elas comumente se manifestam independentemente uma da outra. Outro quadro, diferentemente da sobreposição de outras colagenoses com ES, é a Doença Mista do Tecido Conjuntvo (DMTC). Essa é uma doença à parte, em que o mesmo paciente apresenta sintomas picos de 2 das seguintes doenças: ES, LES e miopa tas inflamatórias, associados ao fenômeno de Raynaud ou edema de mãos, com o antcorpo ant-RNP em altos tulos. Outro grupo de pacientes pode não fechar o diagnós tco de nenhuma doença in flamatória do colágeno, mas apresentar alguns achados picos como fenômeno de Raynaud e sorologia posi tva, caracterizando o diagnós tco de doença indiferenciada do tecido conjun tvo. Esse diagnóstco muitas vezes é transitório, pois, com o tempo e o aparecimento de novos achados, o paciente acaba fechando o diagnós tco de uma doença de finida. Tabela 3 - Classi fi cação do complexo de doenças associadas à ES (doenças do colágeno) Forma difusa (acometmento cutâneo difuso): - Espessamento cutâneo presente no tronco e nas extremidades proximais (acima de joelhos e cotovelos), além de face e porção distal dos membros.
Figura 4 - Esclerodermia linear
Esclerodermia ou ES: acometmento cutâneo e visceral
Esclerodermia localizada: acometmento cutâneo sem envolvimento visceral
Figura 5 - Lesão “em golpe de sabre”
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Forma limitada (acometmento cutâneo limitado): - Espessamento cutâneo limitado aos membros distalmente aos cotovelos ou joelhos, poupando o tronco e as extremidades proximais. A face e o pescoço podem ser acometdos sem interferir na classificação; - Um subgrupo de pacientes tem a síndrome CREST. - Áreas de esclerose restrita à pele ou a estruturas subjacentes (subcutâneo, ossos, fáscias), poupando órgãos internos (pulmões, coração, rins, esôfago), podendo ocorrer em placas (morfeia), áreas lineares nas extremidades (esclerodermia linear) ou na face (lesão “em golpe de sabre”). Ocorre predominantemente em crianças e adolescentes.
ESCLEROSE SISTÊMICA
Esclerodermia sine esclerodermia
- Caracterizada por manifestações de órgãos internos, anormalidades sorológicas e vasculares, mas sem anormalidades cutâneas detectáveis. A I G O L O T A M U E R
Síndrome de sobrepo- - Associação de ES a LES, miopa ta sição (overlap) inflamatória ou artrite reumatoide.
Doença mista do tecido conjuntvo
- Doença distnta que mescla achados de pelo menos 2 das seguintes doenças: ES, LES ou miopa ta inflamatória, com fenômeno de Raynaud e/ou edema de mãos e ant-RNP em altos tulos.
- Achados clínicos muito sugestvos de colagenose, como fenômeno de Doença indiferenciada Raynaud, sorologia autoimune inesdo tecido conjuntvo pecí fica, mas sem achados de finitvos de ES ou outra colagenose.
5. Manifestações clínicas A ES é uma doença mul tssistêmica crônica. Os sintomas iniciais tpicamente são inespecí ficos e incluem fenômeno de Raynaud, fadiga e sintomas musculoesquelé tcos. Esses sintomas podem persistr por semanas e meses até o aparecimento de outros sinais. O 1º sinal clínico que sugere o diagnóstco de ES na pele é o edema dos quirodác tlos ou da mão. Os demais acome tmentos são variáveis e podem ser pulmonar, cardíaco, gastrintestnal e renal.
Figura 6 - Fenômeno de Raynaud - fases: (A) e (F) palidez (vasoes pasmo); (B) e (D) cianose – isquemia e dessaturação da hemoglobina; (C) e (E) eritema (hiperemia reat va)
O FRy presente na ES é considerado agressivo em mais de 90% dos casos, pois as alterações vasculares que o provocam também levam ao aparecimento de lesões cutâneas picas, decorrentes de perda tecidual provocada pela isquemia. Nas outras doenças do espectro da esclerodermia, como a DMTC, o FRy também tem essas caracterís tcas agressivas. Dentre tais lesões, destacam-se: - Reabsorção de polpas digitais (Figura 7); - Ulcerações por má circulação, conhecidas como pi ng scars (Figura 8); - Reabsorção óssea e perda de falanges (Figura 9), que ocorrem em casos extremos, que podem complicar com gangrenas digitais, sobretudo em caso de infecções.
A vasculopata responde pelo fenômeno de Raynaud, com úlceras digitais, pela hipertensão arterial pulmonar e pela crise renal esclerodérmica. Já o processo fibrosante é responsável pela fibrose cutânea e de estruturas viscerais (pulmões, coração, tubo diges tvo).
A - Fenômeno de Raynaud (FRy) Presente em até 95% dos pacientes. Caracteriza-se por alterações na coloração da pele das extremidades, na maioria das vezes desencadeados por temperaturas frias ou estresse emocional. Ocorre uma contratura da musculatura das artérias digitais e pré-capilares, que se manifesta como palidez cutânea (fase anêmica), seguida de cianose (fase cianótca) e, então, uma hiperemia rea tva (fase de hiperemia), até chegar à coloração normal, o que leva alguns minutos. A presença de 2 ou mais dessas fases, nesta ordem, define o FRy (Figura 6). A fase de hiperemia é a menos frequente. Na ES limitada o FRy precede as demais manifestações até em anos e na ES difusa em geral surge pouco antes ou coincidente com as alterações cutâneas.
Figura 7 - Reabsorção de polpa digital em paciente com ES difusa
Figura 8 - Fenômeno de Raynaud com pi ng scars ou úlcera digital por isquemia: no dedo à esquerda, a úlcera ainda está aberta; no dedo à direita, a úlcera já está cicatrizada
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REUMATOLOGIA
Figura 9 - Reabsorção de falanges distais em paciente com ES di fusa, FRy e pi ng scars: (A) infarto digital e (B) reabsorção de falanges distais
Na presença do FRy sem tais sinais de agressividade, uma forma de prever a possível agressividade do FRy é a realização da capilaroscopia, que é um exame do leito periungueal por microscopia. A presença de lesões e dilatações de capilares ou a ausência de capilares (deleções) caracteriza o padrão SD (Figura 10), que é característco da ES e também ocorre na DMTC e nas miosites in flamatórias, em menor frequência. Outras doenças reumatológicas que apresentam FRy, como lúpus, artrite reumatoide e síndrome de Sjögren, têm capilaroscopia normal ou com alterações leves e inespecí ficas, que não definem o padrão SD.
isso é possível também nos pés. Seu diagnós tco depende da exclusão de outros fatores que podem desencadeá-lo, como uso de drogas vasoconstritoras, tabagismo, distúrbios vasculares e as doenças inflamatórias do tecido conjun tvo, principalmente ES, lúpus, síndrome de Sjögren, DMTC e as miopatas inflamatórias (miosites, Tabela 4). Para diagnóstco do FRy primário, além de excluir causas externas e doença sistêmica pela anamnese e exame f sico, o paciente ainda deve ter provas de a tvidade inflamatória normal (VHS e PCR), autoan tcorpos negatvos (pelo menos FAN e FR) e capilaroscopia periungueal normal ou com leves alterações inespecí ficas (Tabela 5). Característcas gerais do FRy primário: - Mulheres jovens; -
História familiar parentes de 1º grau;
-
Ataques simétricos e brandos;
-
Ausência de ulcerações, gangrenas ou reabsorção de partes moles;
-
VHS normal;
-
Capilaroscopia normal (ectasia de capilares);
-
FAN não reagente (se reagente, analisar padrão e ttulação – 1/160 pontlhado fino).
Tabela 4 - Causas de fenômeno de Raynaud secundário Doenças reumatológicas
ES, LES, síndrome de Sjögren, artrite reumatoide, dermato e polimiosite, vasculites.
Causas mecânicas
Injúria por vibração, embolia ou obstrução vascular, síndrome do desfiladeiro torácico.
Doenças endó- Hipotreoidismo, feocromocitomas, síndrome crinas carcinoide. Doenças hema- Crioglobulinemia, paraproteinemia, policitetológicas mia. Drogas
Simpatcomimétcas (descongestonantes nasais), cafeína, derivados do “ergot”, agonistas serotoninérgicos, nicotna.
Tabela 5 - Exames necessários para o diagnóst co de FRy primário - Excluir causas externas e doença sistêmica pela anamnese e exame f sico; - Provas de atvidade inflamatória normais (VHS e PCR); Figura 10 - Capilaroscopia periungueal: observar a dilatação dos capilares (pontos escuros) e áreas sem capilares (deletados) – padrão SD
O FRy não é um sintoma exclusivo da ES ou de outras doenças reumatológicas. Na verdade, ele pode ocorrer isoladamente em indivíduos sem outra doença de base (FRy primário ou doença de Raynaud). O FRy primário é benigno e não apresenta alterações cutâneas secundárias como úlceras digitais ou perda e reabsorção de dedos. Ele acomete preferencialmente mulheres jovens e costuma ser simétrico, acometendo mãos, mas
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- Autoantcorpos negatvos (pelo menos FAN e FR); - Capilaroscopia periungueal normal. Tabela 6 - Frequência da ocorrência de FRy nas principais doenças autoimunes - >90% ES; - 85% DMTC; - 10 a 45% LES; - 33% Sjögren; - 20% dermato ou polimiosite; - 10% AR.
ESCLEROSE SISTÊMICA
B - Pele Os achados mais característcos da ES estão na pele. Além do espessamento ou esclerose da pele proximal às metacarpofalangianas e metatarsofalangianas, outras alterações são comuns: a esclerodac tlia (espessamento cutâneo restrito aos dedos), as telangiectasias, o edema de mãos, dedos e/ou pés, as lesões “em sal e pimenta”, as scars e calcinoses, as perdas de tecido digital como pi ng gangrenas e as úlceras cutâneas de tração. A esclerose da pele se caracteriza por espessamento e aderência aos planos profundos, com perda da elas tcidade (Figura 11). Como já citado, a distribuição da esclerose é responsável pela divisão da ES nas formas difusa e limitada. Na forma difusa, o espessamento cutâneo está presente no tronco e nas extremidades proximais (acima de joelhos e cotovelos), além de face e porção distal dos membros, e, na forma limitada, o espessamento cutâneo fica limitado aos membros distalmente aos cotovelos ou joelhos, podendo acometer face e pescoço.
proximalmente, acometendo mais os membros superiores que os inferiores. Pode haver limitação de movimentos pela perda de elastcidade da pele sobre várias ar tculações e, dependendo da gravidade do processo, contraturas em flexão (Figuras 14 e 15). Sobre as super f cies extensoras dessas artculações, é comum, pela tração da pele pouco elás tca, isquemia e traumas, ocorrer o aparecimento de úlceras de tração (Figura 15), que não têm relação com o fenômeno scars, que ocorrem nas de Raynaud, diferente das pi ng polpas digitais (Figura 8). Na face, o acome tmento da pele leva a perda de rugas, estramento da pele, a finamento dos lábios e nariz. A rima oral se reduz, provocando microstomia (Figura 16), o que pode di ficultar abordagens na boca, como avaliações e tratamento odontológicos ou mesmo a intubação.
Figura 13 - Fase fi brót ca Figura 11 - Espessamento cutâneo
Na fase atrófica, a pele fica mais afinada e se desprende dos planos profundos, com aparente “melhora” do quadro.
O processo de esclerose de pele passa por 3 fases: edematosa (Figura 12), fibrótca e atrófica. Na fase precoce ou edematosa, há edema difuso da pele e, em alguns casos, eritema. Este se deve ao in filtrado inflamatório e pode estar inicialmente restrito às mãos, dedos ou pés. Pode haver sensação de prurido e sensibilidade cutânea nessa fase pré-fibrose.
Figura 12 - Fase edematosa
Na fase fibrótca (Figura 13), a pele se torna espessada e aderida. O processo inicia-se distalmente e progride
Figura 14 - Observar o espessamento cutâneo e a retração da pele dorsal dos dedos (esclerodact lia) com contratura em fl exão de interfalangianas proximais e distais
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REUMATOLOGIA
Figura 15 - Observar o espessamento cutâneo no dorso das mãos (proximal às metacarpofalangianas), a posição de contratura dos dedos pela esclerodact lia, a hipopigmentação sobre as ar tc ulações e as úlceras de tração sobre a 3ª metacarpofalangiana e a 2ª interfalangiana proximal da mão direita
Figura 18 - Pacientes com síndrome de CREST: observar as telangiectasias na face e na língua
Figura 19 - Telangiectasias nas polpas digitais e na região tênar Figura 16 - A fi namento dos lábios e redução da rima oral
A pele ainda pode apresentar alterações de coloração, tanto hiper como hipopigmentações. É comum a lesão “em sal e pimenta” (Figura 17), com áreas de hipopigmentação alternadas com áreas de hiperpigmentação. As telangiectasias são outro achado característco, principalmente em pacientes com ES limitada, sobretudo aqueles com síndrome CREST. São mais comuns em mãos, rosto, pescoço e dorso e infrequentes nos membros inferiores. O maior problema que causam é cosmé tco. Podem acometer inclusive a língua e outras mucosas (Figuras 18 e 19), e o comprometmento do trato gastrintes tnal pode provocar perda crônica de sangue.
Figura 17 - Lesão em “sal e pimenta”
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Outro achado característco são as calcinoses subcutâneas, que correspondem a depósitos de cálcio no subcutâneo, geralmente sobre áreas expostas a microtraumas, como antebraços, mãos, cotovelos, joelhos, coxas e nádegas. São mais frequentes na ES limitada e é um dos critérios da síndrome CREST. Esse material pode provocar dor e desconforto, mas também ulcerar a pele e facilitar infecções. Tabela 7 - Alterações cutâneas associadas às fases da ES Fase edematosa - Edema difuso da pele, em mãos, dedos ou pés; - Pode haver eritema, prurido e maior sensibilidade da pele. Fase fibrótca - Espessamento e aderência da pele; - Perda de elastcidade e limitação de movimentos; - Contraturas em flexão; - Úlceras de tração; - Perda de rugas; - Afinamento dos lábios e nariz; - Microstomia; - Afinamento da pele. Fase atrófica - Aparência de melhora da aderência cutânea. Independente da fase - Fenômeno de Raynaud; scars; - Pi ng - Lesões “em sal e pimenta”; - Telangiectasias; - Calcinoses.
ESCLEROSE SISTÊMICA
C - Pulmão O acometmento pulmonar é a principal causa de mortalidade e pode dever-se à fibrose interstcial e/ou doença vascular pulmonar, provocando hipertensão pulmonar. Pacientes com a forma difusa da ES têm maior risco de doença interstcial pulmonar, enquanto aqueles com forma limitada têm maior risco de hipertensão pulmonar. Apesar disso, a correlação não é perfeita, e todos os pacientes devem ser monitorados, pois, em ambos os casos, os sintomas só aparecem tardiamente. A Doença Pulmonar Inters tcial (DPI) ou alveolite fibrosante (Figura 20) é inicialmente assintomá tca, e dispneia e tosse seca são sintomas tardios e inespecí ficos. Na evolução da doença, 20% dos casos precisarão de oxigênio suplementar. Tem forte associação à presença de an tcorpos anttopoisomerase (ant-Scl-70), mas não está restrita a esse grupo de pacientes. Provas de Função Pulmonar com difusão (PFP) devem ser realizadas precoce e periodicamente, mesmo na ausência de sintomas, e são o teste mais sensível para indicar doença interstcial pulmonar. Mostram alterações restritvas, com redução da capacidade vital forçada, dos volumes pulmonares e rda capacidade de difusão do monóxido de carbono. A Tomogra fia Computadorizada de Alta Resolução do tórax (TCAR – Figura 21) também é usada e bem mais sensível que radiografias simples para mostrar alterações interstciais. Pode ocorrer inicialmente alveolite, com achado de vidro fosco, que pode responder ao tratamento, mas que evolui com fibrose, apresentando infiltrado retculonodular e faveolamento. O lavado broncoalveolar (LBA) tem sido proposto em pacientes com TCARs alteradas para indicar alveolite a tva, com presença de neutró filos e eosinófilos.
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Figura 21 - Exemplos de padrões de anormalidades encontradas em tomogra fi a computadorizada de alta resolução, em tórax dos pacientes com ES: (A) faveolamento; (B) opacidades em vidro fosco associadas a opacidades ret culares; (C) opacidades ret culares; e (D) opacidades em vidro fosco Tabela 8 - Característ cas da DPI na ES - Principal causa de morbidade e mortalidade; - >90% dos pacientes tem anormalidades na função pulmonar (difusão gasosa); - 70% dos pacientes – achados histológicos em autópsias; - Redução de volumes pulmonares (distúrbio ven tlatório restritvo); - Redução da complacência pulmonar (estátca); - Redução da capacidade de difusão – hipoxemia em repouso e esforço.
Figura 20 - (A) Radiogra fi a de tórax e (B) TC correspondente em paciente com ES
A hipertensão pulmonar pode ter várias causas, inclusive fibrose pulmonar extensa, levando a redução do leito capilar pulmonar (Figuras 22, 23 e 24). Entretanto, na ES, sobretudo na forma limitada com anticorpo anticentrômero (ACA) positivo, ocorre hipertensão arterial pulmonar, em que o problema está na vasculopatia esclerodérmica do leito arterial pulmonar. Ela é inicialmente assintomática, e seu rastreamento precoce e periódico também é necessário. Na detecção precoce da hipertensão pulmonar, são importantes a PFP e o ecocardiograma. A PFP vai mostrar difusão reduzida de monóxido de carbono, sem as alterações restritivas da doença intersticial pulmonar. Já o ecocardiograma mostra refluxo ou regurgitação tricúspide com inferência da pressão arterial na pulmonar que, se estiver elevada (>40mmHg), indicará a necessidade de cateterização cardíaca para confirmação. Devem-se excluir outras causas de hipertensão pulmonar, como tromboembolismo pulmonar crônico e esquistossomose (no Brasil).
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REUMATOLOGIA Tabela 9 - Característ cas da HAP na ES - Complicação comum 7 a 12%; - Hipertrofia de VD (adaptação), seguida de insu ficiência de VD e óbito; - Critérios: PSAP >25mmHg em repouso ou >30mmHg esforço; - Prognóstco altamente dependente da capacidade de adaptação do VD, sendo pior nos pacientes com ES quando comparada com HAP idiopátca.
Figura 24 - Radiogra fi a torácica na HAP: (A) normal e (B) HAP com evidência de cardiomegalia e aumento das artérias pulmonares
Além dessas alterações, pode haver pneumopa ta por refluxo gastroesofágico, secundário à dismo tlidade gastrintestnal.
D - Gastrintestnal Figura 22 - Ilustra t vo da HAP
Figura 23 - TC com sinais suges t vos de HAP. (A) Janela para mediast no ao nível do tronco da artéria pulmonar com aumento do seu diâmetro (>2,9cm) e aumento da relação entre os diâmetros da artéria pulmonar e da aorta (>1) e (B) janela para parênquima evidenciando aumento da relação artéria-brônquio (>1)
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O aparelho digestório é o 2º mais a tngido depois da pele. O acome tmento neurológico do plexo mioentérico, com atrofia e fibrose da musculatura lisa, leva a dismo tlidade gastrintestnal. O esôfago acome tdo, principalmente nos 2/3 distais, pode chegar a ficar aperistáltco e provocar disfagia, principalmente para sólidos. O es f ncter esofágico inferior acometdo causa doença do re fluxo gastroesofágico (DRGE), com pirose, podendo evoluir com disfagia, erosões de mucosa, constrição esofágica, esôfago de Barre e até pneumopata secundária a aspiração. O acome tmento gástrico pode levar a gastroparesia, saciedade precoce, náuseas e vômitos. Pode ocorrer ainda dismo tlidade intestnal: no intestno delgado, pode provocar borborismo, pseudo-obstrução, distensão abdominal, diarreia, hipercrescimento bacteriano e síndrome de má absorção, necessitando de cursos intermitentes de an tbiótcos. No intes tno grosso, a dismotlidade causa constpação e pode provocar incon tnência fecal, caso atnja o es f ncter. Casos graves de pseudo-obstrução intestnal também são possíveis. Além da dismo tlidade, a ES pode provocar telangiectasias com sangramento e perda sanguínea crônicos. A atro fia da mucosa gástrica pode provocar ectasia vascular gástrica antral, também conhecida com estômago “em melancia”, que pode ser observada na endoscopia. Exames como radiografias contrastadas do EsôfagoEstômago-Duodeno (EED) mostram a dismo tlidade do tubo digestvo (Figura 25), doença do re fluxo e lesões constritvas. Pode ser necessária pHmetria para de finir a DRGE. Endoscopias periódicas para avaliar complicações e outras alterações são necessárias.
ESCLEROSE SISTÊMICA
A I G O L O T A M U E R
Figura 26 - Arteriogra fi a de paciente normal à direita e com crise renal esclerodérmica à esquerda
Figura 25 - Paciente com síndrome de CREST: dilatação e hipoperistalse do esôfago distal
E - Musculoesquelétco Podem ocorrer artralgias e mialgias inespecí ficas, contraturas artculares pela fibrose cutânea, inflamação dos tendões causando atrito ao movimento ar tcular e sinovites. Miosite também pode acontecer, geralmente com baixos níveis de enzimas musculares e baixa resposta a cor tcoide, com biópsia mostrando fibrose de fibras musculares com pouca inflamação, embora miosite in flamatória franca, com fraqueza proximal e in filtrado inflamatório, também possa ocorrer mais raramente, com boa resposta a cor tcoide. Nesse úl tmo caso, deve-se considerar associação a miopata inflamatória (poli ou dermatomiosite). Artrite de mãos e punhos, simétrica, também pode acontecer precocemente, sendo não erosiva e responsiva a terapia com imunossupressores. A sobreposição com artrite reumatoide leva a um quadro mais agressivo, erosivo. Um achado clássico é a osteólise ou reabsorção de extremidades ósseas distais, principalmente falanges dos quirodáctlos (Figura 9), devido à isquemia crônica pela vasculopata.
F - Renal A manifestação clínica mais importante é a crise renal esclerodérmica (Figura 26), caracterizada por hipertensão arterial acelerada com perda da função renal, proteinúria e hematúria microscópica. Pode ocorrer anemia e plaquetopenia microangiopá tcas, que se resolvem com o controle da hipertensão.
Fatores de risco para crise renal incluem doença cutânea difusa, doença precoce (4 primeiros anos), uso de a ltas doses de cortcoide e presença de an tcorpo ant-RNA polimerase III. Já foi a principal causa de morte em pacientes com ES, mas o uso dos Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA) revolucionou o tratamento, devendo ser rapidamente insttuída a terapia com um IECA no diagnóstco de hipertensão arterial em pacientes com ES. Fatores de mau prognóstco são sexo masculino, idade avançada e com crea tnina >3mg/dL.
G - Cardiovascular As manifestações da doença cardíaca são variáveis. Sintomas incluem dispneia, desconforto torácico, palpitações. Pode acometer miocárdio, com distúrbios de condução, arritmias e insuficiência cardíaca. Efusão pericárdica discreta pode ser observada em 30 a 40% dos pacientes assintomátcos. Pericardite sintomá tca é incomum.
6. Exames complementares Para diagnóstco de ES, é preciso ter, além da anamnese e do exame f sico (que pode indicar rapidamente o diagnóstco pelas alterações cutâneas), alguns exames para observação e rastreamento de acome tmento de algumas estruturas e aparelhos, além da sorologia autoimune. Dentro da sorologia autoimune, o fator an tnúcleo (FAN) é indispensável, pois está presente em mais de 95% dos pacientes com ES, tanto na forma difusa quanto na limitada. Ele é inespecí fico e pode ocorrer em indivíduos com outras doenças inflamatórias do tecido conjun tvo e mesmo em indivíduos normais. Geralmente, tem padrão nuclear, nucleolar ou centromérico, com tulos acima de 1/640. Os principais autoantcorpos presentes na ES são o an ttopoisomerase I (ant-Scl-70), o antcentrômero (ACA) e os ant-RNA polimerase. O antcorpo anttopoisomerase I (ant-Scl-70) é especí fico (especi ficidade de 98 a 99,6%) para ES, encontrado em 40 a 70% dos pacientes com a forma
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REUMATOLOGIA difusa e em apenas 10% daqueles com a forma limitada (20 a 40% no total). Está associado à extensão do envolvimento cutâneo, amplo comprometmento visceral, fibrose pulmonar e pior prognós tco. O ACA está presente entre 50 e 90% dos pacientes com a forma limitada e em menos de 10% dos pacientes com a forma difusa (20 a 40% no total). Associa-se à síndrome CREST, úlceras digitais, tendência maior para desenvolver
calcinose e telangiectasias. Pode ser encontrado em pacientes com síndrome de Sjögren e cirrose biliar primária. Outros antcorpos menos frequentes e normalmente não dosados de ro tna podem estar presentes, sendo rela tvamente especí ficos: os antcorpos ant-RNA polimerase I e III, os ant-Th/To e os an tfibrilarina. A presença do an tcorpo ant-RNA polimerase III aumenta o risco de crise renal esclerodérmica.
Tabela 10 - Autoant corpos corpos encontrados na ES Autoantcorpo
Frequência
Característcas
FAN FAN
- 95% dos pacientes com ES, tanto na forma difusa quanto na limitada.
- Conjunto de autoantcorpos direcionados contra estruturas nucleares; - Inespecí fico; - Alta sensibilidade: ajuda no diagnóstco; - Padrão nuclear, nucleolar ou centromérico, com tulos tulos acima de 1/640.
Anttopoisomerase I (ant-Scl-70)
- 40 a 70% na forma difusa; - 10% na forma limitada; - 20 a 40% no total.
- Especí fico (especificidade de 98 a 99,6%); - Associado à extensão do envolvimento cutâneo (forma difusa), amplo comprometmento visceral, fibrose pulmonar e pior prognóstco.
ACA
- 50 e 90% na forma limitada; - Menos de 10% na forma difusa; - 20 a 40% no total.
- Associado à síndrome CREST, úlceras digitais, tendência maior para desenvolver calcinose e telangiectasias; telangiectasias; - Pode ocorrer na síndrome de Sjögren e na cirrose biliar primária.
- Bem menos frequentes.
- Normalmente, não dosados ro tneiramente; - Relatvamente especí ficos; - O antcorpo ant-RNA polimerase III aumenta o risco de crise renal esclerodérmica.
Outros antcorpos: - Ant-RNA polimerase I e III; - Ant-Th/To; - Antfibrilarina.
O padrão SD encontrado no exame de capilaroscopia é altamente suges tvo de esclerodermia (Figura 26), sendo encontrado em quase todos os pacientes com ES.
Figura 27 - Capilaroscopia periungueal: (A) normal; (B) ( B) vasos tortuosos e dilatação segmentar; (C) capilares gigantes, desorganização da estrutura capilar e hemorragias e (D) áreas avasculares e áreas de neoformação capilar. capilar. Fonte: Rheumatology in Pract ce ce
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ESCLEROSE SISTÊMICA
Exames para observação e rastreamento de acome tmento de algumas estruturas e aparelhos incluem estudo contrastado EED, pHmetria e endoscopia diges tva alta para envolvimento gastrintestnal, PFP completa, TCAR, ecocardiograma, ECG e cateterismo cardíaco direito (Figura 27), para acome tmento pulmonar e cardíaco, entre outros. A I G O L O T A M U E R
Figura 28 - Cateterismo do coração direito: métodos padrão para acesso do cateter
Figura 29 - Rastreamento e diagnóst co co da HAP
7. Tratamento Não existe um tratamento especí fico para a doença, nem que combata todas as manifestações. Desta forma, a terapia deve ser individualizada de acordo com a apresentação da doença. Apesar de não serem cura tvos, alguns avanços mudaram o prognós tco na ES, como o uso dos IECA para a crise renal esclerodérmica e o de medicações
para hipertensão pulmonar. pulmonar. O tratamento clínico visa evitar a progressão para os estágios avançados da doença, quando ocorre a fibrose irreversível dos órgãos e tecidos acometdos. As drogas u tlizadas na ES são agentes an tfibrótcos e an t-inflamatórios, drogas com ação imunossupressora e de ação vascular. Medidas gerais, como proteção das extremidades contra o frio, fisioterapia e terapia ocupacional, ajudam a evitar
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REUMATOLOGIA a progressão das deformidades e estados de contratura. A d-penicilamina já foi usada como agente an tfibrótco, mas foi recentemente abandonada por não haver evidência em seu favor. Quadros cutâneos graves, difusos, com contraturas, podem se bene ficiar de ciclofosfamida injetável em pulsoterapia. Outros agentes imunossupressores usados em casos cutâneos mais graves são metotrexato, ciclosporina e micofenolato de mofe tla, com estudos de comprovação de ação limitados. Os cortcoides estão reservados a casos de serosites e na fase inicial (edematosa) do comprome tmento da pele, em doses baixas. Doses altas, sobretudo nos primeiros anos de doença, podem desencadear crise renal esclerodérmica. Será abordado o tratamento da esclerodermia de acordo com as principais manifestações sistêmicas desta doença, como o quadro cutâneo, o FRy, doença pulmonar, pulmonar, doença renal e gastrintes tnal.
A - Fenômeno de Raynaud Baseia-se em medidas farmacológicas e não farmacológicas. farmacológicas: abandono do tabagis- Medidas não farmacológicas: mo, interrupção de drogas como beta-bloqueadores e descongestonantes nasais com ação vasoconstritora, aquecimento das extremidades com luvas, meias e tecidos térmicos, térmicos, estabilização adequada da temperatura ambiente e corporal como um todo, evitar arrancar cu culas; culas; - Tratamento farmacológico: utlizam-se os antagonistas dos canais de cálcio, principalmente a nifedipina. Os inibidores da recaptação de serotonina, como a fluoxetna, podem ser usados em doses baixas por inibirem a agregação e atvação plaquetária. IECA e bloqueadores do receptor da angiotensina II também podem ser usados, mas sem ação dramá tca sobre o FRy. Na abertura de úlceras digitais pela má perfusão, torna-se necessária terapia mais agressiva: drogas efe tvas para a vasculopata pulmonar podem ser usadas em curso intermitente, como análogos da prostaciclina e o bosentana. O sildena fila e a nitroglicerina subcutânea também podem ser e ficazes. Alguns autores orientam uso do ácido ace tlsalicílico (AAS) por ser an tagregante plaquetário ou an tcoagulante por curto período, na vigência de grandes perdas teciduais isquêmicas.
B - Doença pulmonar A abordagem terapêu tca na doença pulmonar da ES visa ao controle da alveolite fibrosante e da vasculopa ta pulmonar, que podem acarretar, respec tvamente, fibrose pulmonar interstcial e hipertensão arterial pulmonar. O monitoramento precoce e seriado da doença pulmonar com PFP com difusão, TCAR e ecocardiograma ecocardiograma é fundamental para fazer o diagnós tco e seguir a evolução e o tratamento.
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Na alveolite fibrosante, é utlizada a ciclofosfamida, que pode ser administrada via oral ou em altas doses (pulsoterapia) mensalmente. A duração do tratamento dessa en tdade clínica parece incerta, podendo durar até 2 anos (24 pulsos), já que muitos autores a consideram ine ficaz após esse período. No caso de hipertensão arterial pulmonar na ES, com PFP sem restrição, mas com baixa difusão de monóxido de carbono e ecocardiograma com aumento da pressão estimada da artéria pulmonar, a confirmação deve ser feita com cateterismo cardíaco. O tratamento baseia-se no uso de um antagonista da endotelina-1 (como a bosentana), análogos da prostaciclina (como o iloprosta) e, mais recentemente, inibidores da fosfodiesterase (sildenafila).
C - Acometmento gastrintestnal A DRGE é grave na ES e pode ter complicações, como pneumonite por aspiração. Deve ser tratada agressivamente com inibidores da bomba de prótons, em doses altas, como o omeprazol ou lansoprazol. Drogas procinétcas, como a metoclopramida, bromoprida ou domperidona podem ser associadas. São indicadas medidas não farmacológicas, como evitar deitar-se antes de 2 horas após a úl tma refeição e agravantes como álcool, tabaco e cafeína, comer com frequência, mas em pequenas porções, e elevar a cabeceira da cama. Endoscopias seriadas ou na presença de complicações, como disfagia, devem ser realizadas. No tratamento da hiperproliferação bacteriana pelo acometmento do intes tno delgado, preconiza-se o uso de antbiotcoterapia rotatória, com doxiciclina, 100mg, 12/12h, ciprofloxacino, 500mg, 12/12h, e metronidazol, 250mg, 8/8h; em geral, cada antbiótco é utlizado por 10 dias, com intervalos de 15 dias em esquema de rodízio, com o objetvo de evitar a resistência bacteriana. A pseudo-obstrução intestnal pode ser tratada com aspiração nasogástrica e nutrição parenteral. Na desnutrição, deve-se insttuir nutrição parenteral prolongada. prolongada.
D - Acometmento musculoesquelétco Mialgias, artralgias, artrites e tendinites podem ser tratadas com ant-inflamatórios não hormonais. Terapia f sica sica deve ser ins ttuída precocemente para evitar contraturas. Podem-se utlizar cortcoide em doses baixas para artrite franca ou doses altas para miosite. Em ambos os casos, o imunossupressor de eleição é o metotrexato, mas outros podem ser usados.
E - Acometmento renal Qualquer paciente com ES evoluindo com perda de função renal deve ser prontamente inves tgado. No caso de hipertensão e crise renal esclerodérmica, está indicado IECA como 1ª escolha. O captopril, por exemplo, pode ser
ESCLEROSE SISTÊMICA
utlizado na dose inicial de 25mg, 8/8 horas, com aumento progressivo da dose até a normalização da pressão arterial, nos 3 primeiros dias de doença. Deve-se manter o IECA nos casos de crise renal esclerodérmica mesmo se ocorre insuficiência renal progressiva. Caso evolua com uremia ou hipercalemia, devem-se u tlizar os métodos dialí tcos, mas a contnuação do IECA é fundamental no processo fisiopatológico e na recuperação da função renal.
F - Acometmento cardiovascular Pacientes com distúrbios de condução, arritmias e insuficiência cardíaca devem ser tratados de acordo com a manifestação. Derrame pericárdico sintomá tco pode necessitar de cor tcoterapia em doses baixas e imunossupressores. Se houver risco de tamponamento, a drenagem pericárdica deverá ser realizada, com a cor tcoterapia e terapia imunossupressora para evitar novo derrame.
Tabela 11 - Principais alterações viscerais associadas a ES, exames diagnóst cos e tratamento Sí to
Pulmonares
Manifestações
Diagnóstco
Tratamento
Fibrose intersticial (alveolite fibrosante).
- PFP: restrição pulmonar e redução da difusão do CO; - TCAR de tórax: vidro fosco (alveolite), in filtrado retculonodular e faveolamento (fibrose).
- Ciclofosfamida via oral ou em pulsoterapia por até 2 anos.
Hipertensão arterial pulmonar.
- PFP: difusão reduzida de monóxido de carbono, sem alterações restri tvas; - Ecocardiograma: pressão arterial pulmonar elevada (>40mmHg); - Cateterização cardíaca: con firmação do aumento da pressão sistólica da artéria pulmonar.
- Bloqueadores dos canais de cálcio; - Antagonista da endotelina-1; - Análogos da prostaciclina; - Inibidores da fosfodiesterase; - Oxigenoterapia.
Pneumopatia por refluxo gastroesofágico.
- TCAR: alterações em locais de aspiração.
- Medidas antrrefluxo.
- Dismotlidade esofágica; - DRGE; - DRGE: inibidores da bomba de - Gastroparesia; prótons, em doses altas, medi- Dismotlidade intestnal; das não farmacológicas, drogas - Radiografias contrastadas do EED: dismo tlidade - Pseudo-obstrução; procinétcas; do tubo digestvo, DRGE e lesões constri tvas; Gastrintes tnais - Hipercrescimento bacte- Hipercrescimento bacteriano: - pHmetria: DRGE; riano; antbiotcoterapia rotatória; - Endoscopia: complicações e lesões vasculares. - Síndrome de má absorção; - Pseudo-obstrução: aspiração - Constpação; nasogástrica e nutrição paren- Telangiectasias mucosas com teral. sangramento.
Renais
Cardiovasculares
- Crise renal esclerodérmica; - IECA.
- Distúrbios de condução, arritmias e insu ficiência cardíaca (ICC); - Efusão pericárdica.
- Creatnina aumentada; - HAS acelerada; - Hemograma: anemia microangiopá tca (evidências de hemólise e microangiopata).
- Hipertensão e crise renal esclerodérmica: IECA deve ser mantdo, mesmo se ocorrer insuficiência renal progressiva. - Se uremia ou hipercalemia: diálise e contnuação do IECA.
- ECG, Holter , ecocardiograma.
- Distúrbios de ritmo e ICC: tratamento padrão de acordo com a manifestação; - Derrame pericárdico sintomátco: cortcoterapia em doses baixas e imunossupressores se necessário; drenagem, se risco de tamponamento.
8. Prognóstco A doença é crônica, sem cura de finitva, e o prognós tco está diretamente relacionado à extensão do acome tmento cutâneo e visceral. O diagnós tco do envolvimento visceral deve ser feito precocemente, com terapias necessárias ins ttuídas prontamente para evitar progressão rápida.
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA 9. Resumo Quadro-resumo - Esclerose Sistêmica (ES): doença caracterizada por fibrose cutânea e visceral, anormalidades vasculares e alterações autoimunes; - Duas formas: difusa e limitada (CREST – calcinoses, Raynaud, dismotlidade esofágica, esclerodactlia, telangiectasias); - Forma difusa: acometmento cutâneo difuso, associada a fibrose pulmonar e presença de ant-Scl-70, prognóstco mais reservado; - Forma limitada (CREST): acometmento cutâneo distal dos membros, face e pescoço; associada à hipertensão pulmonar e presença de antcentrômero; - Fenômeno de Raynaud: é universal na ES e pode ser bastante grave; padrão SD à capilaroscopia; - Acometmentos viscerais mais importantes: gastrintestnal, pulmonar e renal; - Antcorpos mais importantes: FAN positvo em mais de 95% dos casos, an t-Scl-70 (forma difusa), an tcentrômero (forma limitada); - Tratamento do quadro cutâneo: pode envolver metotrexato, D-penicilamina e, eventualmente, ciclofosfamida; - Tratamento dos quadros viscerais: depende dos sí tos acometdos e de sua gravidade.
150
CAPÍTULO
14
1. Introdução A síndrome antfosfolípide (SAF) é uma condição patológica de hipercoagulabilidade associada à presença no plasma de antcorpos antfosfolípides, cujas principais manifestações se relacionam a tromboses arteriais e/ou venosas, morbidades gestacionais e plaquetopenia. Es tma-se que 5% da população geral e 50% dos indivíduos portadores de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) possuam tais an tcorpos, mas apenas uma parte deles em algum momento termina por apresentar alguma manifestação clínica da SAF. Nos pacientes com LES portadores de an tcorpos antfosfolípides, o risco de trombose venosa é de, aproximadamente, 50% em 20 anos; os mais sujeitos ao quadro são aqueles com tulos mais elevados e persistentes de tais an tcorpos. A síndrome é denominada primária quando ocorre na ausência de doenças do colágeno, e secundária quando aparece associada a alguma colagenopa ta (LES, por exemplo). Tabela 1 - Manifestações comuns de SAF - Abortamentos de repetção sem causa aparente; - Trombose venosa ou arterial recorrente; - Livedo ret cularis; - Eventos cardiovasculares em indivíduos jovens; - Isquemia coronária transitória; - Trombocitopenia inexplicada.
2. Antcorpos antfosfolípides Os 3 principais tpos de an tcorpos antfosfolípides relacionados à SAF são: 1 - Antcoagulante lúpico: apesar do nome, sua a tvidade associa-se a um estado pró-coagulante in vivo, tendo sido assim denominado por ser capaz de prolongar, in vitro, o Tempo de Tromboplas tna Parcial Atvada (TTPA), não corrigível pela adição de plasma normal ao ensaio. A pesquisa do antcoagulante lúpico é um teste funcional de
Síndrome antfosfolípide Aleksander Snioka Prokopowistch / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro Hérica Crist ani Barra de Souza
coagulação para a detecção de an tcorpos antfosfolípides, sendo que mais de 1 an tcorpo antfosfolípide pode estar associado à atvidade do antcoagulante lúpico. 2 - Antcorpos antcardiolipina: são, geralmente, detectados por ELISA e podem ser da classe IgM, IgG ou IgA. Vale ressaltar que, aproximadamente, 50% dos pacientes com SAF portadores de an tcorpos antcardiolipina podem apresentar testes falsos positvos para VDRL, uma vez que, nesse exame, o substrato é formado por par culas contendo cardiolipina. No entanto, o VDRL falso posi tvo apresenta baixa sensibilidade e fraca correlação com a ocorrência de tromboses, não devendo ser usado como teste de screening para SAF. 3 - Antcorpo ant-beta2-glicoproteína-I (ant-beta2-GP-I): o beta2-GP-I é o an geno-alvo mais comum dos antcorpos antfosfolípides. Geralmente, os antcorpos antcardiolipina de pacientes com SAF são dependentes de beta2-GP-I; no entanto, nem sempre pacientes posi tvos para antcardiolipina são também posi tvos para ant-beta2-GP-I. Não há padrões internacionais para a detecção desse an tcorpo até o momento, e sua pesquisa ainda não é usual na avaliação da SAF. Há outros antcorpos antfosfolípides, como an tfosfatdilserina e antanexina-V, porém seu papel na SAF ainda é incerto, e sua pesquisa não faz parte da avaliação padrão da síndrome.
3. Critérios diagnóstcos Os critérios definidos pelo Colégio Americano de Reumatologia para a classificação da SAF são:
A - Critérios clínicos -
Trombose vascular: 1 ou mais episódios de trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos, em qualquer tecido ou órgão.
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REUMATOLOGIA -
Morbidades gestacionais: Um ou mais óbitos de fetos morfologicamente normais após a 10ª semana de gestação; Um ou mais partos prematuros de neonatos morfologicamente normais até a 34ª semana de gestação; Três ou mais abortamentos espontâneos até a 10ª semana de gestação. •
•
•
B - Critérios laboratoriais Detecção no sangue de an tcorpos antcardiolipina IgG ou IgM em tulos moderados a elevados em 2 ou mais ocasiões separadas por, pelo menos, 6 semanas; - Detecção no sangue de an tcoagulante lúpico em 2 ou mais ocasiões separadas por, pelo menos, 6 semanas, conforme os guidelines da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia. -
O diagnóstco da SAF de finida requer a presença de, no mínimo, 1 critério clínico e de, pelo menos, 1 critério laboratorial, sem limite de tempo decorrido entre a ocorrência dos eventos clínicos e os achados laboratoriais.
4. Quadro clínico Por se tratar de uma síndrome relacionada a um estado de hipercoagulabilidade, a SAF pode produzir eventos tromboembólicos em, virtualmente, qualquer tecido ou órgão. Como exemplos mais comuns e importantes, podem-se citar tromboses venosas profundas (em 32% dos casos), oclusões arteriais agudas de membros, acidentes vasculares encefálicos (em 13% dos casos), ataques isquêmicos transitórios do SNC (em 7% dos casos), tromboembolismo pulmonar (em 9% dos casos), infarto agudo do miocárdio, infartos hepá tcos ou esplênicos, síndrome de Budd-Chiari, insuficiência adrenal isquêmica e neuropa ta óptca. Do ponto de vista obstétrico, além das manifestações citadas nos critérios de classi ficação da SAF, são possíveis outras condições mórbidas durante a gravidez, como pré-eclâmpsia, eclâmpsia, síndrome HELLP e retardo de crescimento intrauterino. Outra alteração comum na SAF é a plaquetopenia (em 22% dos casos), causada por consumo ou mesmo por destruição imunomediada de plaquetas. Geralmente é leve, mas pode ser grave a ponto de predispor o paciente a quadros hemorrágicos variados. Também são frequentes alterações cutâneas, e o livedo retcular (20% dos casos de SAF-imagem) é uma das manifestações mais característcas (embora não especí fica) da síndrome. Outras morbidades cutâneas comuns na SAF são tromboflebites superficiais (9% dos casos) e úlceras de pele, especialmente nos membros inferiores.
152
Figura 1 - Livedo ret cular
Quanto às afecções neurológicas observadas na SAF, alterações cognitvas e síndromes demenciais são rela tvamente comuns, mesmo na ausência de manifestações isquêmicas evidentes do SNC. Da mesma forma, coreia e mielite transversa também podem ocorrer na SAF, sem associação a eventos trombó tcos. Por fim, vale lembrar a possibilidade da denominada SAF catastrófica, forma bastante grave de manifestação da síndrome caracterizada por múl tplas tromboses de grandes e pequenos vasos em diferentes órgãos e tecidos simultaneamente. A mortalidade da SAF, na sua forma catastró fica, pode chegar a 50%. Tabela 2 - Critérios de SAF catastró fi ca. Fonte: UpToDate, 2011 Critérios preliminares para a classificação de SAF catastrófica Critérios - Evidência de envolvimento de 3 ou mais órgãos, sistemas e/ ou tecidos; - Desenvolvimentos das manifestações simultaneamente ou em menos de 1 semana; - Confirmação histopatológica de oclusão de pequenos vasos em pelo menos 1 órgão ou tecido; - Confirmação laboratorial da presença de an tcorpos antfosfolipídicos (antcoagulante lúpico e/ou antcardiolipina). Classificação - SAF catastró fica definida – requer a presença dos 4 critérios; - SAF catastró fica provável – requer os 4 critérios, exceto pela presença de apenas 2 órgãos, sistemas e/ou sí tos teciduais envolvidos ou os 4 critérios, exceto pela con firmação laboratorial de, no mínimo, 6 semanas a par tr do óbito precoce em paciente nunca antes testado para antfosfolípides ou critérios 1, 2 e 4 ou 1, 3 e 4 e desenvolvimento de um 3º evento mais de 1 semana e menos de 1 mês, a despeito da an tcoagulação.
5. Diagnóstco diferencial O diagnóstco diferencial da SAF inclui, necessariamente, outras causas de trombofilias. Dentre as causas congênitas, podem ser citados fator V de Leiden, mutação de protrombina, deficiências de proteínas C e S, de ficiência de
SÍNDROME ANTIFOSFOLÍPIDE
anttrombina III e hiper-homocisteinemia. As causas adquiridas mais importantes de trombo filia são o uso de antconcepcionais orais, terapia de reposição hormonal, gravidez, neoplasias, traumas, cirurgias e imobilidade. Na sua forma catastrófica, a SAF pode requerer diagnóstco diferencial com quadros de púrpura trombocitopênica trombótca e de coagulação intravascular disseminada. Tabela 3 - Condições associadas
Doenças imunológicas
LES (25 a 50%), púrpura trombocitopênica idiopátca (30%), artrite reumatoide (33%), artrite psoriásica (28%), síndrome de Sjögren (42%), artrite de células gigantes/polimialgia reumátca (20%), doença mista do tecido conjuntvo (22%), esclerose sistêmica (25%), doença de Behçet (20%), poliarterite nodosa, dermatomiosite/polimiosite, anemia hemolítca autoimune, hepatte crônica atva. Observação: as porcentagens entre parênteses representam pacientes com AAF e não necessariamente a presença de manifestações clínicas da SAF.
Malignidade
Tumores sólidos, leucemia, desordens linfoproliferatvas/doença de Hodgkin, mieloma múltplo, micose fungoide.
Doenças hematológicas
Mielofibrose, doença de von Willebrand, para proteinemias.
Doenças infecciosas
Sí filis, hanseníase, tuberculose, micoplasma, doença de Lyme, malária, infecção pelo HIV, hepatte A, hepatte C, HTLV-1, mononucleose, adenovirose, parvovirose, sarampo, varicela, caxumba, infecções bacterianas (endocardite e sepse).
Doenças neurológicas
Síndrome de Sneddon, miastenia grave, esclerose múltpla, enxaqueca (hemicrania).
Medicações
Clorpromazina, fenitoína, hidralazina, procainamida, quinidina, clozapina, estreptomicina, fenotazinas.
6. Tratamento Tabela 4 - Objet vos - Profilaxia; - Tratamento das tromboses agudas; - Prevenção de futuros eventos trombó tcos;
risco de recorrência dos quadros trombó tcos. A intensidade de antcoagulação atualmente recomendada tem, como meta, a manutenção do valor de INR entre 2 e 3. Estudos recentes demonstraram que, em pacientes com SAF, a manutenção de INR nesses níveis é tão e ficaz quanto em níveis mais agressivos (3 a 4) para a prevenção de tromboses, não sendo indicada, portanto, antcoagulação de alta intensidade em longo prazo na SAF. Na gestação, a heparina e o AAS passam a ter papel central no tratamento da SAF, dados os riscos do uso de varfarina durante a gravidez. Em gestantes com SAF de finida e história de tromboses ou perdas embrionárias precoces (antes da 10ª semana de gestação), recomenda-se o uso de an tcoagulação plena com heparina de baixo peso molecular associada a baixas doses de AAS. Nos casos de gestantes com SAF e história de perdas fetais após a 10ª semana, mas sem antecedentes de tromboses, recomenda-se o uso de AAS durante a gravidez, associado a doses profilátcas de heparina de baixo peso molecular. Em gestantes com SAF e história de partos prematuros (antes da 34ª semana), ou em gestantes portadoras de an tcorpos antfosfolípides, mas sem manifestações clínicas de SAF, pode-se usar somente AAS durante a gravidez, especialmente no 2º e no 3º trimestres. Vale ressaltar que o uso de cortcoides no manejo da SAF durante a gravidez é contraindicado, devido ao aumento de morbidade materna (pré-eclâmpsia e diabetes). Em condições especí ficas, pode-se lançar mão de outras linhas terapêutcas. Quadros de plaquetopenia grave podem requerer prednisona e gamaglobulina intravenosa. Episódios de coreia e mielite transversa exigem o emprego de pulsoterapia com me tlprednisolona. Nos casos de SAF catastrófica, há necessidade de terapêu tca agressiva, incluindo, além da an tcoagulação com heparina, pulsoterapia com cortcoide e plasmaférese. Do ponto de vista pro filátco, em pacientes com LES, portadores de antcorpos antfosfolípides sem manifestações clínicas de SAF, pode-se considerar o uso de AAS associado à cloroquina, embora a e ficácia dessa medida não tenha sido rigorosamente demonstrada nos estudos realizados até o momento.
- Manejo adequado da gravidez em mulheres com SAF.
O tratamento inicial dos eventos trombó tcos agudos relacionados à SAF é o mesmo de qualquer outra trombose, requerendo antcoagulação com heparina. Podem ser usadas tanto a heparina subcutânea de baixo peso molecular em dose plena como também a heparina não fracionada em infusão intravenosa con nua. Em todos os pacientes com SAF con firmada, está indicada a antcoagulação oral com varfarina em longo prazo, muitas vezes por tempo indeterminado, dado o elevado
7. Resumo Quadro-resumo - SAF: condição de hipercoagulabilidade associada à presença de antcorpos antfosfolípides circulantes; - Antcorpos antfosfolípides: detectados através da pesquisa de antcoagulante lúpico, antcardiolipina ou antbeta-2-glicoproteína-I; - Tríade importante na SAF: tromboses vasculares, morbidades gestacionais e plaquetopenia;
153
A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA - Outros achados clínicos: cutâneos (livedo retcular, tromboflebites, úlceras) e neurológicos (demências, coreia, mielite transversa); - Tratamento: antcoagulação em longo prazo (meta de INR = 2 a 3, eventualmente 3 a 4 para eventos arteriais), heparina pro filátca e AAS (gravidez), cloroquina, cortcoterapia/gamaglobulina/plasmaférese (quadros mais graves).
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CAPÍTULO
15
Dermatopolimiosite e polimiosite
1. Introdução As miopatas inflamatórias idiopátcas formam um grupo heterogêneo de desordens raras caracterizadas por fraqueza muscular proximal e in flamação não supuratva do músculo esquelétco, com achados eletroneuromiográficos característcos e aumento de enzimas musculares. As doenças incluídas nesse grupo estão listadas na Tabela 1. - Dermatomiosite: está associada a uma variedade de manifestações cutâneas característcas — pápulas de Goron, “sinal do xale”, “sinal do V”, heliotropo e eritrodermia generalizada. É mais comumente associada à neoplasia. - Polimiosite: reflete uma injúria muscular direta mediada por células T, já a dermatomiosite caracteriza-se pela deposição nos vasos de complexos imunes (vasculopata imunomediada – Figura 1).
Figura 1 - (A) Vasculopat a da dermatomiosite – in fi ltrado in fl amatório perivascular – e (B) interst ciopat a da polimiosite – in fi ltrado
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Crist na de Medeiros Ribeiro / Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Crist ani Barra de Souza
in fl amatório interst cial com degeneração de miócitos. Fonte: UpToDate, 2011 Tabela 1 - Classi fi cação clínica das miopat as in fl amatórias idio pát cas - Polimiosite; - Dermatopolimiosite; - Dermatomiosite juvenil; - Miosite associada a neoplasia; - Miosite associada a doença vascular do colágeno; - Miosite por corpúsculo de inclusão.
2. Epidemiologia Possuem uma baixa incidência na população geral, em torno de 0,5 a 8,4 casos por milhão de pessoas. A incidência parece estar aumentando devido ao diagnós tco mais acurado. De forma geral, são encontradas em todos os grupos etários, mas há uma distribuição bimodal, com picos nas faixas entre os 10 e os 15 anos e os 45 e os 60 anos. Entretanto, de acordo com o tpo de miopata inflamatória encontrada, a incidência nos grupos etários pode ser bem diferente. Enquanto a distribuição da miosite associada à doença do colágeno segue a da doença de base à qual está associada, a dermatomiosite juvenil (DMJ) acomete crianças e adolescentes com menos de 16 anos, tendo algumas característcas clínicas peculiares. A miosite por corpúsculos de inclusão e a associada a malignidade são mais comuns após os 50 anos. Em todas as formas de miosite in flamatória, as mulheres são mais afetadas que os homens, em uma relação de 2:1, com exceção da miopa ta por corpúsculos de inclusão, que afeta mais o sexo masculino. Quando a miopata acomete fora do período de menacme, como em crianças e idosos, a distribuição é mais uniforme entre ambos os sexos, refletndo as influências hormonais sobre essas doenças.
155
REUMATOLOGIA Tabela 2 - Característ cas de miopat as in fl amatórias ) e a t ç i n M M s o i a P D i r c M (
p a l r e v O
e d a d i n g i l a M
Frequência
50
20
10
10
10
<5
-
Idade média – diagnóstco
45
40
10
35
60
>65
45
Gênero F:M
2:1
2:1
1:1
10:1
1:1
1:2 2,5:1
Raça B:N
5:1
3:1
1:1
3:1
2:1
l I a C r M e G
-
pélvica. O paciente se queixa de di ficuldade para realizar tarefas especí ficas que envolvam essa musculatura proximal, como levantar-se da cadeira, subir escadas (cintura pélvica), pentear o cabelo, lavar a cabeça e elevar os braços (cintura escapular). A musculatura do pescoço, principalmente a flexora, também pode estar acome tda, e o paciente tem dificuldade de elevar a cabeça quando deitado de costas. É necessário, ao examinar o paciente, fazer a graduação da força muscular de acordo com a Tabela 3, tanto para o diagnóstco quanto para o acompanhamento do tratamento destes pacientes.
3:1 Tabela 3 - Graduação da força muscular
3. Patogênese A etologia da doença muscular in flamatória é desconhecida. A hipótese mais aceita sugere a associação de múltplos fatores. As miopa tas idiopátcas inflamatórias são processos imunomediados, em que estão envolvidos vários fatores em pacientes gene tcamente susce veis. Duas hipóteses têm reforçado o envolvimento autoimune: a associação de outras doenças autoimunes ( treoidite de Hashimoto, miastenia grave, diabetes mellitus tpo 1, cirrose biliar primária e doenças do tecido conjun tvo), e a 2ª evidência é a presença de autoan tcorpos circulantes. A causa especí fica para desencadear o desenvolvimento de miopata autoimune é desconhecida, mas a presença de vírus tem sido envolvida, assim como a variação sazonal; dependendo da estação do ano, parece favorecer o desenvolvimento deste ou daquele autoan tcorpo. A importância de fatores gené tcos foi demonstrada: indivíduos com HLA-DR3 têm risco aumentado para o desenvolvimento de doença muscular in flamatória. Todos os pacientes com antcorpo ant-Jo-1 têm HLA DR52. As alterações patológicas reforçam a hipótese de um envolvimento imunomediado. Na polimiosite e na miosite por corpúsculo de inclusão, ocorre uma interação imunomediada citotóxica, em que as fibras apresentam uma invasão de células T. Ao contrário, na dermatopolimiosite, a resposta humoral parece ser o principal evento, ocorrendo uma invasão de infiltrado celular de localização perivascular. A vasculopata, tão proeminente na DMJ e ocasionalmente presente na forma adulta, é mediada por mecanismo humoral. Apesar de os mecanismos imunes que envolvem a polimiosite e a miosite por corpúsculos de inclusão serem semelhantes, a patologia é diferente. Na miopa ta por corpúsculos de inclusão, têm-se vacúolos, onde se deposita uma substância amiloide.
4. Quadro clínico O quadro clínico varia um pouco com a forma de miopata. Na polimiosite, a fraqueza muscular geralmente é progressiva, de início insidioso, levando de 3 a 6 meses para se instalar. O acometmento é simétrico e proximal, com comprometmento dos músculos das cinturas escapular e
156
Força
Definição
0
Ausência de contração muscular
1
Força muscular nitdamente visível
2
Movimento possível, se ação da gravidade for compensada
3
Movimento atvo contra ação da gravidade
4
Movimento atvo contra resistência
5
Força normal
Pode haver o comprometmento da parede posterior da faringe e do 1/3 proximal do esôfago (músculo esquelé tco), o que resulta em disfagia de transferência, isto é, di ficuldade em deglu tr com sincronismo o alimento, resultando, em casos avançados, em broncoaspiração. Pode ocorrer disfonia em alguns casos. Poupam-se as musculaturas facial e ocular. Dores musculares inespecí ficas e artralgias leves ocorrem, mas artrite franca e dor muscular especí fica nas cinturas pélvica e escapular são incomuns. A fraqueza é bem mais proeminente que a dor, e também pode ocorrer fenômeno de Raynaud. Artralgias e, com menor frequência, artrite acompanhada de rigidez ma tnal podem ser observadas. A distribuição do quadro ar tcular é semelhante ao da artrite reumatoide. Alguns pacientes podem apresentar subluxações e deformidades importantes, entretanto erosão óssea não é encontrada. Pode ocorrer o acome tmento interstcial, com alveolite atva evoluindo com fibrose pulmonar, simétrica, predominante nas bases e regiões pulmonares inferiores (Figura 2). O envolvimento cardíaco pode manifestar-se como arritmias, cardiomiopa ta e insuficiência cardíaca congestva. Um grupo de pacientes, a maioria com polimiosite, pode apresentar a síndrome an tssintetase, com marcadores sorológicos especí ficos (ant-Jo-1 e outros), acometmento pulmonar com fibrose interstcial, quadro artcular mais grave, acome tmento cardíaco e “mãos de mecânico” (uma alteração pica em que as laterais dos dedos e as palmas ficam ressecadas, com fissuras e linhas horizontais e coloração escuro-acastanhada, com aspecto sujo – Figura 3).
DERMATOPOLIMIOSITE E POLIMIOSITE
Figura 5 - Rash em heliotropo: pigmentação rosa ou violácea nas pál pebras de pacientes com dermatopolimiosite. Fonte: UpToDate, 2011
Outras manifestações são menos especí ficas, como: - Eritema macular fotossensível na face (região malar, queixo, sulco nasolabial e fronte – Figuras 6A e B);
Figura 2 - Doença interst cial pulmonar: observar a lesão “em vidro fosco” (alveolite) nas porções inferiores e posteriores dos pulmões, simetricamente Figura 6 - (A) Eritema ou rash facial nas regiões malares e mentoniana e (B) na fronte, na mesma paciente
Figura 7 - “Sinal do xale” nos ombros e pescoço. Fonte: UpToDate, 2011 Figura 3 - “Mãos de mecânico”. Fonte: UpToDate, 2011
A apresentação clínica da dermatomiosite assemelha-se bastante a da polimiosite, com a inclusão dos achados cutâneos característcos. Essas manifestações cutâneas têm frequência variável entre os pacientes. Os achados mais especí ficos são: - Pápulas de Go ron: lesões descamatvas, elevadas, simétricas, de coloração rosada, localizadas sobre as superf cies extensoras dos dedos, cotovelos (Figuras 4A e B), joelhos e maléolos mediais;
Sinal do “V do decote” na região anterior do pescoço; - Rash nas superf cies extensoras de dedos, cotovelos e joelhos (mesma distribuição que as pápulas de Goron); - Rash e fotossensibilidade em outras áreas: couro cabeludo, braços e coxas; - Cu culas distróficas, telangiectasia e hiperemias periungueais (Figura 8), vasculites cutâneas (nódulos sensíveis, infartos digitais, úlceras cutâneas em outras localizações) e fenômeno de Raynaud também podem estar presentes. -
Figura 4 - Pápulas de Go ron: (A) pápulas eritematosas nas super f cies extensoras de cotovelo e (B) das mãos, sobre metacarpofalangianas, interfalangianas proximais e distais -
Lesão em heliotropo (Figura 5): erupção violácea na pálpebra superior, geralmente acompanhada de edema periorbital.
Figura 8 - Cu culas distró fi cas, telangiectasia e hiperemias periungueais. Fonte: UpToDate, 2011
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA Uma forma rara de dermatomiosite é a sine miosite ou amiopátca, em que os sinais cutâneos, com biópsia compa vel, são encontrados sem comprome tmento muscular. A maioria desses casos evolui com o tempo para dermatomiosite, com algum grau de miosite, mesmo que subclínica. A DMJ pode ser muito semelhante às formas adultas, mas se diferencia pela maior prevalência de vasculite, calcinoses (calcificações ectópicas musculares ou subcutâneas) e lipodistrofia. O quadro de vasculite pode ser muito grave, inclusive com vasculite intes tnal, com sangramento e perfuração. A miosite associada à doença vascular do colágeno pode ser a queixa mais proeminente na apresentação de uma série de doenças, como lúpus, esclerodermia, doença mista do tecido conjun tvo e síndrome de Sjögren. A miosite associada à neoplasia costuma manifestar-se, mais comumente, como dermatomiosite e, em menor frequência, como polimiosite. A neoplasia pode ser diagnos tcada anteriormente, no momento ou mesmo anos após a instalação da miopata. Pacientes com dermato e polimiosite devem ser inves tgados para neoplasia por ocasião do diagnóstco e nos primeiros anos da doença. A neoplasia subjacente geralmente é uma neoplasia epidemiologicamente comum para o sexo e a idade, mas o câncer de ovário parece ser mais associado, devendo ser sempre excluído em mulheres. A miosite por corpúsculo de inclusão tem algumas característcas peculiares: curso mais insidioso, acome tmento de indivíduos com mais de 50 anos, maior frequência no sexo masculino, com miopata proximal e distal, assimétrica, com atrofia muscular e pouca ou nenhuma resposta ao tratamento. Os achados da biópsia são característcos, e as enzimas musculares têm elevação discreta.
5. Exames laboratoriais A maioria dos pacientes com miopa ta inflamatória tem aumento dos níveis das enzimas musculares em algum momento do curso da doença; a manifestação de tais enzimas na circulação demonstra a presença de dano muscular. A enzima muscular mais comumente dosada é a crea tnofosfoquinase (CPK), que apresenta, também, maior sensibilidade. O nível de CPK sérico se correlaciona com a a tvidade da doença. Na miosite por corpúsculo de inclusão, as enzimas são muito pouco elevadas. A crea tnoquinase isoenzima MB (CK-MB) pode estar elevada devido à isoforma presente no músculo esquelétco. Outras enzimas que podem ser dosadas e estar aumentadas são aldolase, aspartato aminotransferase (AST ou TGO), alanina aminotransferase (ALT ou TGP) e desidrogenase lá tca (DLH). As provas de atvidade inflamatória, velocidade de hemossedimentação (VHS) e Proteína C Rea tva (PCR) podem estar normais em uma grande parcela dos pacientes. Autoantcorpos contra an genos nucleares (FAN) são encontrados em 50% das miopa tas inflamatórias. Alguns autoantcorpos frequentes não são especí ficos para as mio-
158
sites e são encontrados em outras desordens autoimunes (ant-RNP, ant-Ro etc.). Outros autoan tcorpos pratcamente só são encontrados nos casos de miosite e, geralmente, são marcadores de caracterís tcas clínicas e prognós tco especí ficos: são os chamados autoantcorpos miosite-específicos. Ocorrem em, aproximadamente, 30% dos pacientes. Três grupos de autoan tcorpos miosite-especí ficos são definidos. O 1º engloba a presença de an tcorpos contra RNA-sintetases (o principal é o an t-Jo-1), que se associam à síndrome antssintetase (ver quadro clínico) e a doença persistente, principalmente em pacientes com polimiosite. O 2º grupo inclui indivíduos com an tcorpos ant-SRP (Signal Recognat on Par tc le ou par cula reconhecedora de sinal), associados ao envolvimento da musculatura cardíaca e doença aguda, com mau prognós tco. O 3º grupo é identficado com antcorpos ant-Mi-2 ou ant-helicase. Ocorre em pacientes com dermatomiosite, com “sinal do xale”, rash “em tronco” e alterações na cu cula, e apresenta bom prognóstco.
6. Outros exames A eletroneuromiogra fia (ENMG) ajuda no diagnós tco por demonstrar o padrão de envolvimento miopá tco, simétrico e proximal das miopa tas inflamatórias idiopátcas, diferenciando-o de outros padrões de miopa ta ou de neuropata. Na miopata inflamatória idiopátca, observam-se potenciais polifásicos de baixa amplitude e curta duração, fibrilações e complexos motores bizarros de alta frequência. Na miosite por corpúsculos de inclusão, a ENMG pode apresentar achados mistos de miopa ta e neuropata, além de comprometmento assimétrico e distal. A confirmação histológica de in flamação muscular é desejável em todos os casos, mas não é sempre realizada. A presença de achado in flamatório é importante, mas a variação no tamanho das fibras, necrose e degeneração, com atrofia de fibras tpo 2 e subs ttuição por colágeno são achados indiretos. Na polimiosite, predomina o in filtrado inflamatório focal e endomisial com macrófagos e linfócitos T CD8; na dermatomiosite, há predomínio de in filtrado por linfócitos T CD4, com predomínio perivascular e atro fia perifascicular. Na miosite por corpúsculo de inclusão, encontram-se vacúolos intracitoplasmátcos na microscopia comum e inclusões intranucleares ou intracitoplasmá tcas. Estudos de imagem, como tomogra fia computadorizada e ressonância magné tca, podem determinar o melhor lugar para uma biópsia. O uso da úl tma pode ser reservado para avaliar o curso da doença e a resposta à terapia, demonstrando áreas de inflamação muscular, edema, fibrose e calcificação.
7. Diagnóstco O diagnóstco de dermatopolimiosite é fundamentado em achados clínicos compa veis, associados a exames complementares (enzimas, eletromiograma – EMG –, biópsia).
DERMATOPOLIMIOSITE E POLIMIOSITE
Os critérios mais utlizados são os propostos por Bohan e Peter (1975): - Fraqueza muscular proximal simétrica; - Elevação de enzimas musculares (CK, aldolase, AST, ALT, DLH); - Anormalidades eletroneuromiográ ficas característcas; - Biópsia muscular: in filtração inflamatória e degeneração/regeneração ou atrofia perifascicular; pico da dermatomiosite: sinal de - Rash cutâneo Goron ou heliotropo. Para o diagnóstco de polimiosite, exclui-se o critério cutâneo e consideram-se polimiosite possível (2 critérios), provável (3 critérios) ou de finida (3 critérios). Na dermatomiosite, o esquema é o mesmo, incluindo-se o critério cutâneo.
8. Diagnóstco diferencial Diante de um quadro de miopa ta inflamatória, outras doenças que causam sintomas de miopa ta devem ser pesquisadas e excluídas, já que as miopa tas de origem autoimune são extremamente raras. Podem ser incluídas no diagnóstco diferencial: - Miastenia grave; - Síndrome miastênica de Eaton-Lambert; - Doença do neurônio motor; - Distro fia muscular de Duchenne; - Miopata por drogas (álcool, amiodarona, cocaína, colchicina, fibratos, cortcoides, zidovudina, lovastatna); - Infecções: vírus in fl uenza, agentes oportunistas, síndrome da imunode ficiência adquirida, fungos, toxoplasmose, CMV, rubéola, vírus Epstein-Barr etc.; - Desordens endócrinas: hipo treoidismo, deficiência de miofosforilase, miopata mitocondrial, doenças da adrenal e anormalidades eletrolí tcas. Tabela 4 - Principais causas de miopat as Inflamatórias - Polimiosite; - Dermatomiosite; - Miosite por corpúsculo de inclusão; - DMJ; - Vasculites; - Síndromes de sobreposição; - Artrite reumatoide; - Síndrome de Sjögren. Endócrinas - Hipotreoidismo; - Síndrome de Cushing. Distúrbios eletrolí tcos - Hipocalemia; - Hipofosfatemia; - Hipocalcemia; - Hiper ou hiponatremia.
Miopatas metabólicas - Desordens de carboidratos; - Desordens de lipídios; - Desordem metabolismo das purinas. Drogas e toxinas - Ilícitas (cocaína, heroína); - Álcool; - Cortcosteroides; - Inibidores da HMG-CoA; - Outras (colchicina, an tmaláricos, penicilamina, zidovudina, inibidores da HMG-CoA). Infecções - Vital (in fl uenza, parainfluenza, coxsackie, HIV, Epstein-Barr); - Bacteriana (piomiosite, miosite de Lyme); - Fúngica; - Parasitárias (tricomoníase, toxoplasmose). Rabdomiólise - Trauma; - Convulsões; - Abuso de álcool (delirium tremens); - Enxerto (queimaduras); - Cirurgia vascular; - Hipertermia maligna.
9. Tratamento A terapia f sica é importante no tratamento, e o repouso no leito é necessário em casos de in flamação severa. Exercícios passivos devem ser realizados a fim de manter o movimento e prevenir contraturas. Cortcosteroides são o tratamento de 1ª linha nas miopatas inflamatórias, inicialmente na dose de 1mg/kg/dia de prednisona ou equivalente. Em casos mais graves, pode ser utlizada metlprednisolona intravenosa em pulsoterapia. A melhora clínica pode ser observada nas primeiras semanas, mas pode ser mais demorada. Cerca de 90% dos pacientes têm alguma resposta com cor tcoide. Se o indivíduo não responde sa tsfatoriamente à cortcoterapia, se há recidiva do quadro ou o doente tem achados de maior gravidade ou de pior prognós tco, outros agentes podem ser u tlizados em associação ao cor tcoide, para que ele possa ser lentamente re trado, como metotrexato ou azatoprina. Outros imunossupressores que podem ser utlizados são ciclofosfamida, clorambucila, ciclosporina, micofenolato de mofe tla e, até mesmo, em casos refratários, os agentes ant-TNF-alfa (infliximabe, etanercepte, adalimumabe). A imunoglobulina intravenosa é uma boa opção a pacientes infectados ao diagnós tco ou em surtos de atvidade desencadeados por infecção, como aqueles com pneumonia aspiratva. Os antmaláricos (hidroxicloroquina e cloroquina) e cor tcoides tópicos podem ser usados no tratamento de lesões cutâneas da dermatomiosite, sem ação sistêmica.
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA 10. Dermatomiosite juvenil A DMJ é primariamente uma doença vascular capilar, enquanto polimiosite juvenil (PMJ) envolve invasão de células T direto das fibras musculares semelhante à observada em adultos.
A - Epidemiologia A DMJ acomete cerca de 2 a 4 por milhão de crianças, com pico de incidência entre 5 e 10 anos de idade. A proporção do acome tmento é de 2 a 5:1.
B - Patogênese Apesar de a e tologia ser desconhecida, tem sido proposto que a DMJ e PMJ são causadas por uma reação autoimune no tecido muscular de indivíduos gene tcamente susce veis, possivelmente em resposta às causas ambientais. A suscetbilidade genétca está relacionada aos fenó tpos do HLA: HLA-B8, HLA-DQA1 * 0501 e HLA-DQA1 * 0301. Polimorfismos genétcos em fator de necrose tumoral alfa e antagonista de receptor de interleucina-1 são conhecidos fatores de risco para o desenvolvimento da DMJ ou para a gravidade de sua apresentação.
C - Manifestações clínicas A fraqueza muscular é a principal caracterís tca da DMJ e PMJ. As crianças com DMJ e PMJ também podem ter sintomas consttucionais (febre, perda de peso, fadiga e cefaleia). A apresentação clínica da DMJ é variável. Sintomas mais comuns: - Erupção Go ron: 91%; - Heliotropo: 83%; - Eritema malar/facial: 42%; - Mudança capilar periungueal: 80%; - Mialgia/artralgia: 25%; - Disfonia ou disfagia: 24%; - Anorexia: 18%; - Febre: 16%. -
a) Rash Várias erupções distntas podem ocorrer simultaneamente com a par tcipação muscular, mas também pode ser proeminente antes da fraqueza muscular evidente. Rash é uma característca importante dis tnguir entre DMJ e PMJ, uma vez que não está presente na úl tma condição. Doença cutânea pode ser agravada pela exposição solar. - Alteração capilares periungueais: dilatação, tortuosidade a áreas avasculares; - Ulcerações cutâneas: dermatte ulceratva é uma manifestação grave e potencialmente fatal da DMJ. Úlceras refletem presumivelmente a vasculopa ta significatva na pele (com hipóxia tecidual e necrose), e
160
pode sinalizar doença vascular em outros órgãos (especialmente os pulmões e intes tno). Pacientes com lesões ulceratvas têm uma doença mais grave e pior prognóstco; - Calcinose: calcificação distrófica ou calcinose (calci ficação dos tecidos moles), geralmente desenvolve-se dentro de alguns anos de diagnós tco. Relatos de sua prevalência varia de 30 a 50%. Cinco padrões distntos de calcinose foram descritos: - Pequenas e dispersas placas super ficiais ou nódulos, geralmente nas extremidades. Essas lesões muitas vezes não interferem com a função, mas pode ser dolorosas e desenvolver celulite. Calcinoses super ficiais frequentemente regridem espontaneamente durante um período de anos; - Profundas calci ficações musculares tumorais frequentemente encontradas nos grupos musculares proximais que podem interferir com a mobilidade ar tcular. Estes depósitos podem ulcerar ou expulsar material calcificante através da pele. Estes podem requerer o debridamento cirúrgico, a fim de maximizar a função da artculação; - Depósitos difusos ao longo dos planos miofasciais, que podem limitar a mobilidade ar tcular e podem ser dolorosos; - Formas mistas dos 3 tpos citados podem ser vistos; - Extensos depósitos de cálcio exoesqueleto-like que resultam em sérias limitações na função. Os pacientes com esta forma de calcinose muitas vezes têm um histórico de grave e incessante evolução da doença associada com doença cutânea ulceratva. - A calcinose foi associada a fatores de risco: - O atraso no diagnós tco ou tratamento, ou tratamento inadequado; - Fator de necrose tecidual (TNF) alfa-308A genó tpo (este alelo é associado a aumento dos níveis de TNF alfa); - Pacientes abaixo de 5 anos de idade têm sido descritos como mais propensos a desenvolver calcinose. Entretanto, outro estudo não encontrou associação entre idade de início da DMJ e calcinose. b) Dermatomiosite amiopátca As manifestações cutâneas da DMJ podem aparecer na ausência de doença muscular clinicamente aparente em um pequeno número de crianças, que, com esta apresentação, nunca podem desenvolver fraqueza muscular, mas podem refletr uma fase inicial no curso da doença antes de fraqueza muscular ainda não desenvolvida. c) Fraqueza muscular Simétrica, proximal. Isso pode apresentar com limitações funcionais, como di ficuldade de se levantar do chão, entrar e sair de automóveis, ou subir escadas. Lavar rou-
DERMATOPOLIMIOSITE E POLIMIOSITE
pa ou pentear os cabelos pode representar um desa fio, e crianças gravemente afetadas podem não ser capazes de se alimentar. Em crianças muito jovens, quedas frequentes pode ser um sintoma importante. Um sinal de Gower está frequentemente presente. A fraqueza do músculo cricofaríngeo e do palato pode resultar em problemas de deglu tção, uma voz nasal, aspiração traqueal, e refluxo do alimento para a nasofaringe. Envolvimento da parte superior do esôfago pode levar a disfagia para sólidos e líquidos. d) Artrite Artralgia não erosiva e artrite podem estar presentes no momento do diagnós tco ou durante o curso da doença. As contraturas podem ser vistas, mas são geralmente relacionadas com a fraqueza muscular ao invés de artrite. e) Lipodistro fia Lipodistrofia e alterações metabólicas associadas, tais como resistência à insulina, acantose nigricans, e diabetes tpo 2 estão sendo cada vez mais reconhecidas em pacientes com DMJ. f) Outros achados - Comprometmento pulmonar: manifestações pulmonares são muito menos comuns nas crianças do que em adultos, mas a doença inters tcial pulmonar pode ocorrer; - Vasculopa ta gastrintestnal: relatvamente raro, mas pode ser fatal. Os pacientes acome tdos podem apresentar dor abdominal, pneumatose intes tnal, hemorragia digestva ou perfuração. Qualquer paciente com DMJ com dor abdominal que persiste ou progride merece uma inves tgação cuidadosa porque vasculopata GI pode ocorrer no final do curso da doença ou em um paciente com apenas miosite discreta. A necessidade de uma investgação mais aprofundada, como a ultrassonografia abdominal ou Tomogra fia Computadorizada (TC), deve ser guiada pela suspeita clínica de envolvimento GI signi ficatvo; - Anasarca: a presença de anasarca na apresentação pode ser um sinal de mau prognós tco indicando doença grave que pode responder muito lentamente ao tratamento e não pode responder aos cor tcosteroides sozinho. O edema generalizado pode ser o resultado de um vazamento capilar difuso resultante da lesão endotelial vascular.
•
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Goron (erupção eritematosa, papuloescamosa sobre a super f cie dorsal dos nós dos dedos); Elevação do nível sérico de uma das enzimas musculares; EMG demonstrando denervação e miopa ta; Biópsia do músculo exibindo necrose e in flamação.
A EMG e a biópsia são consideradas auxiliares no diagnóstco, sendo que em uma criança com quadro clínico pico estes 2 métodos são dispensáveis. Além disso, a ressonância magnétca foi classificada como uma ferramenta muito ú tl no diagnós tco da DMJ. a) Bases para o diagnóstco - Exame f sico: Rash característco: heliotropo e pápulas de Goron; Teste de força muscular: é essencial na avaliação de qualquer criança com suspeita ou con firmação de DMJ ou PMJ porque, a força muscular proximal e simétrica, é uma exigência para o diagnós tco; Childhood Myosi t s Assessment Scale (CMAS): medida objetva da força muscular em crianças. A pontuação é atribuída de 0 a 51, com uma maior pontuação indicando maior resistência. Pode ser utlizada para avaliações seriadas de pacientes com DMJ e PMJ para monitorar a resposta à terapia. •
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Capilaroscopia periungueal: 1 gota de óleo ou lubri ficante é colocada sobre a unha do paciente e vista em um microscópio de luz ou o almoscópio (usar o mais alto nível de ampliação). É usado para avaliar a dilatação dos capilares, áreas avasculares e o número total de capilares por milímetro. Avaliação con nua dos capilares ungueais pode ser ú tl para monitorar a a tvidade da doença e a resposta ao tratamento. - Enzimas musculares: elevados níveis séricos de enzimas musculares são marcadores de lesão muscular e quando presente, apoiam o diagnós tco de DMJ ou PMJ. As enzimas musculares testadas ro tneiramente na avaliação de miopata incluem: CPK; DHL; Aldolase; ALT e AST. -
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D - Diagnóstco -
Critérios de classificação e diagnóstco – 1975, Bohan e Peter: Fraqueza simétrica da musculatura proximal; Alterações cutâneas característcas, consistndo de heliotropo (rash vermelho-arroxeado nas pálpebras superiores com edema periorbital) e sinal de • •
Deve ser lembrado que a CPK, DHL, ALT e AST podem surgir de outras fontes que não musculares, mesmo na configuração de um paciente com fraqueza muscular. vale loembrar que alguns pacientes podem ter valores normais apesar de fraqueza clinicamente evidente. Assim, a elevação das enzimas musculares séricas auxilia no diagnós tco de DMJ e PMJ, mas níveis normais das enzimas não excluem.
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A I G O L O T A M U E R
REUMATOLOGIA -
Eletroneuromiografia: em pacientes com DMJ e PMJ há evidência de um aumento da irritabilidade da membrana da célula muscular que é demonstrada pela seguinte tríade clássica da EMG, que são caracterizadas pela presença de picos e ondas: Curtos, polifásicos, pequenos potenciais na unidade motora; Irritabilidade insercional, fibrilações espontâneas, ondas agudas positvas; Descargas repettvas de alta frequência. •
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Deve ser usada somente se o diagnós tco for incerto, por ser invasiva para crianças. EMG também pode ser usada para detectar áreas de in flamação e para determinar um local apropriado para realização de biópsia muscular. - Ressonância magnétca: é cada vez mais u tlizada no diagnóstco de miopata inflamatória na infância a fim de evitar a morbidade da biópsia muscular e EMG. As alterações incluem o aumento de intensidade do sinal (em T2 ou STIR) do músculo afetado, edema perimuscular e aumento da intensidade do sinal da gordura subcutânea. Esses achados correlacionam-se com diminuição da força muscular. Após a terapia, a intensidade do sinal no músculo volta ao normal. - Biópsia muscular: pode con firmar o diagnós tco de DMJ e PMJ, quando permanece a incerteza. Os achados histológicos caracterís tcos da DMJ incluem: Atrofias perifasciculares; Degeneração das fibras tpos I e II do músculo; Regeneração das fibras musculares associados com basofilia; Centralização de núcleos nas fibras musculares; Infiltrado mononuclear perivascular. • • •
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Em PMJ, a biópsia muscular mostra tpicamente um exsudato inflamatório composto por células mononucleares, que se acumulam no endomísio, cercam e invadem as fibras musculares. Local mais usado para biópsia é o quadríceps. Necrose muscular severa, vasculopa ta e fibrose endomísio foram associados com um curso crônico da DMJ. - Autoantcorpos: apesar de an tcorpos antnucleares (ANA) estarem presentes em 70% dos pacientes com DMJ e PMJ, FAN positvo não é especí fico e tem limitado valor diagnóstco. Antcorpos especí ficos, que estão associados com determinados subgrupos clínicos de pacientes adultos, só foram iden tficados em um pequeno número de crianças com miopa ta inflamatória e geralmente não são úteis para fazer o diagnós tco da DMJ.
O tratamento inicial varia de acordo com a apresentação clínica, que varia de doença leve, com fraqueza muscular e manifestações cutâneas a fraqueza fatal grave, danos nos órgãos internos e lesões ulcera tvas na pele. A intensidade dos aumentos da terapia inicial é de acordo com o aumento da gravidade dos sintomas. Por exemplo, ciclofosfamida intravenosa é reservada para pacientes com doença grave com risco de vida. a) Glicocor tcoides São os agentes iniciais de escolha no tratamento de pacientes com DMJ e PMJ. - Prednisona oral: tem sido o pilar do tratamento da DMJ e PMJ por muitos anos. Regime padrão inicial é de 2mg/kg/dia (até um máximo de 80mg/dia) em doses divididas por 6 semanas, após o qual é consolidado em 1 dose única diária. Ajustar a dose em relação à gravidade da doença com doses mais baixas em crianças com doença mais branda. Podem ser desmamados aos poucos de forma gradual durante um período prolongado. A força muscular e as enzimas são monitoradas para a evidência de recidiva. - Metlprednisolona intravenosa: devido aos quadros graves, partcularmente aqueles com doença vascular gastrintes tnal que podem ter diminuída a absorção de prednisona por via oral, o uso do pulso de me tlprednisolona intravenosa tem sido proposto como um regime alternatvo. O esquema mais u tlizado é na dose de 30mg/kg/dia (máximo de 1g) por 3 dias consecu tvos, seguidos por mais bolos semanal ou mensal, conforme necessário. b) Outros agentes A terapia da combinação usando glicocor tcoides e outro agente imunossupressor a par tr do momento do diagnós tco é a abordagem preferida para lidar com crianças com DMJ e PMJ devido ao seu potencial para diminuir a dose cumulatva total de esteroides e efeitos adversos relacionados. O metotrexato é o agente mais comumente usado. A adição de metotrexato para a terapia inicial encurta a duração da cor tcoterapia e reduz a dose cumula tva total de glicocor tcoides em relação à terapia glicocor tcoide sozinha. c) Metotrexato
E - Tratamento
É geralmente administrado em 1 dose de 15mg/m 2 (raramente superior a 25mg/dose) 1x/semana por VO ou SC. Os efeitos secundários podem incluir náuseas e vômitos em 12 a 24 horas após a administração. Outros efeitos adversos incluem aas orais, elevação das enzimas do f gado e aumento da susce tbilidade à infecção. As crianças devem ser desde que o ácido fólico (1mg/dia), a fim de limitar a toxicidade.
Os objetvos do tratamento são: controle da miosite inflamatória subjacente e prevenção e/ou tratamento de complicações (por exemplo, contraturas e calcinose).
d) Imunoglobulina intravenosa É relatado ser benéfica em vários estudos observacionais de crianças com DMJ que anteriormente não tnham
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