volume 6
OFTALMOLOGIA
ISBN 978-85-7925-214-3
CAPÍTULO
Conceitos gerais
1
Daniel Cruz Nogueira
1. Anatomia
B - Vias lacrimais
O olho é o órgão responsável pelo início do processo visual. O raio luminoso deve atravessar uma série de meios transparentes sofrendo refrações antes de alcançar a re tna, que transforma a luz em impulsos elétricos conduzidos pelo nervo óptco até o lobo occipital do encéfalo, no qual a visão é formada. O olho ocupa de 1/5 a 1/3 da cavidade orbitária, envolto parcialmente e movimentado por tecidos acessórios – fáscia, gordura, músculos, vasos, nervos, conjuntva e glândulas (Figuras 1 e 3). Os anexos oculares são: pálpebras, cílios, supercílios, glândulas lacrimais, vias lacrimais e músculos.
As vias lacrimais (Figura 1) são formadas pela produção e escoamento da lágrima. A produção é realizada pela glândula lacrimal principal, localizada na porção superolateral anterior da órbita. As glândulas acessórias são pequenas e adjacentes à principal. O escoamento é feito pelos pontos lacrimais superior e inferior, ambos na porção medial das pálpebras, destes, a lágrima passa para os canalículos, que se juntam e formam o canalículo comum, desembocando no saco lacrimal. Este é localizado na fossa do osso lacrimal e a lágrima contnua pelo ducto nasolacrimal que se abre no meato nasal inferior.
A - Pálpebras As pálpebras são divididas em superiores e inferiores, e nelas se inserem os cílios, que têm como função a proteção ocular. A epiderme palpebral, semelhante à pele da face, é a mais fina do corpo humano. Nela estão os cílios, cujos folículos apresentam glândulas sudoríparas apócrinas (glândulas de Moll) e sebáceas (glândulas de Zeis). Em uma região chamada “junção mucocutânea”, a epiderme modifica-se abruptamente para epitélio pavimentoso estratficado não queratnizado, abaixo do qual se encontra o tarso palpebral, uma estrutura fibroelástca em cujo interior se encontram as glândulas de Meibomius (ou também chamadas “glândulas meibomianas” ou “glândulas tarsais”). O músculo orbicular é inervado pelo nervo facial (VII) e sua função é fechar as pálpebras. O músculo levantador da pálpebra é inervado pelo nervo oculomotor (III), com a função de levantar a pálpebra superior. O suprimento sanguíneo é principalmente das artérias oálmica, zigomátca e angular.
Figura 1 - Olho e estruturas periorbitais
1
OFTALMOLOGIA C - Bulbo ocular O comprimento do olho é de aproximadamente 24mm, com formato aproximado de uma esfera, mas com a metade anterior um pouco mais protrusa, devido ao aumento da curvatura da córnea. O olho pode ser dividido, grosso modo, em 3 túnicas: - Fibrosa (a mais externa): formada por esclera e córnea; - Vascular ou úvea (a média): formada por íris, corpo ciliar e coroide; -
Neurossensorial (interna): formada pela retna. O interior do bulbo ocular pode ser dividido em 3 câmaras (Figuras 3 e 4): -
Câmara anterior: localizada entre a face posterior da córnea e a face anterior da íris;
-
Câmara posterior: entre a face posterior da íris e a anterior do cristalino;
-
Câmara vítrea: é a maior câmara do olho, situa-se atrás do cristalino e é preenchida por um gel, chamado humor vítreo.
D - Córnea
Figura 2 - Histologia da córnea
E - Esclera, episclera, tenon e conjun tva A esclera (branco do olho) corresponde a 5/6 da superfcie do bulbo, é formada por tecido conjun tvo denso de
É a porção anterior do bulbo, corresponde a 1/6 da túnica fibrosa, é transparente e com alto poder de refração da luz, cerca de 2/3 do poder refracional do olho (Figura 3).
fibras
A córnea mede 11,5mm de diâmetro na ver tcal e 12mm na horizontal e é formada pelas seguintes camadas (Figura 2):
vascularizado. Ainda mais externamente à tenon, e na porção anterior do bulbo, está a conjuntva bulbar, palpebral e o fórnix (transição entre as 2 anteriores). Por meio do limbo a esclera se liga à córnea e os músculos extraoculares se inserem nela.
-
Epitélio: estratficado, escamoso e não queratnizado. A renovação do epitélio ocorre principalmente pelas stem cells, que se localizam no limbo, com migração celular centrípeta, mas também ocorre pela membrana basal do epitélio;
-
Camada de Bowman: camada acelular do estroma;
-
Estroma: corresponde a 90% da espessura da córnea, composto principalmente por fibrilas de colágeno;
-
Membrana de Descemet: fina trama de fibrilas de colágeno;
-
Endotélio: consiste em uma camada única de células hexagonais que não se regeneram. Tem o papel fundamental de manter a deturgescência (estado de baixa hidratação) corneana.
A córnea é avascularizada, e junto com a deturgescência e a organização colágena é responsável pela transparência. A oxigenação chega principalmente do ar atmosférico, dissolvido na lágrima. Os nutrientes e também o O 2 chegam pelo humor aquoso e pelos vasos perilimbicos. Embora seja avascular, a córnea é ricamente inervada por ramo oálmico do trigêmeo.
2
colágenas, pouco vascularizada, mas sua porção externa (episclera) é mais vascularizada. Logo acima da episclera, está a cápsula de tenon, que é um tecido elástco e
F - Íris É um tecido que limita a câmara anterior da posterior, está entre a córnea e o cristalino, e funciona como um diafragma óptco, deixando mais ou menos luz entrar no interior do olho através de um orifcio central, a pupila, que pode variar de 0,5 a 8mm de diâmetro, dependendo das condições de iluminação. O diâmetro da pupila é controlado pelo sistema nervoso autônomo, por intermédio de 2 diferentes músculos lisos: o esfncter da pupila, com fibras circulares concêntricas à pupila, inervado por fibras parassimpátcas (colinérgicas) provenientes do nervo oculomotor (III), que, quando estmuladas, contraem-se, levando à miose; e o músculo dilatador da pupila, que apresenta fibras musculares radiais, inervado por fibras simpátcas (adrenérgicas), provenientes do plexo simpátco cervical, que, quando estmuladas, levam à midríase. A íris apresenta as seguintes camadas (do anterior para o posterior do olho): - Epitélio simples; - Estroma da íris;
CONCEITOS GERAIS
-
Epitélio de dupla camada; nele são encontrados os melanócitos, que tornam a íris uma membrana opaca à luz. Quanto mais melanina a íris possui, mais escura ela é. Íris com colorações verdes e azuis apresentam menos melanina.
IA G O L O M L A T F O
Figura 3 - Globo ocular em corte sagital
G - Corpo ciliar O corpo ciliar situa-se posteriormente à íris e ao limbo corneoescleral e, anteriormente, à ora serrata e coroide (Figuras 3 e 4). É mais espesso que a íris e a coroide e tem formato triangular. Da extremidade central saem fibras chamadas de zônulas ou ligamentos suspensórios, que se inserem na periferia da lente 360°. O estroma do corpo ciliar contém fibras do músculo ciliar, um músculo liso, inervado por fibras parassimpátcas. A sua ação através das zônulas na lente é responsável pela acomodação, que é a focalização dos objetos quando eles se aproximam. O estroma do corpo ciliar é ricamente vascularizado, revestdo por um epitélio não pigmentado na camada mais super ficial e pigmentado mais próximo do estroma. Epitélios como esse são os responsáveis pela produção do humor Figura 4 - Circulação do humor aquoso na câmara anterior do olho aquoso e principalmente o não pigmentado.
3
OFTALMOLOGIA H - Coroide
K - Nervo óptco
É a camada mais posterior da úvea, ricamente vascularizada, por isto é considerada a camada nutritva do olho, partcularmente para as camadas mais externas da retna. É pigmentada, contribuindo para o escurecimento do interior do bulbo ocular.
Suas fibras iniciam-se nas células ganglionares da re tna e vão até o lobo occipital do encéfalo, cerca de 1.000.000 de neurônios. Divide-se em: - Porção bulbar: 1mm de comprimento intraocular e 1,5mm de diâmetro; o disco óptco;
I - Cristalino ou lente É uma lente biconvexa transparente que é suspensa pelos ligamentos suspensores, com poder refra tvo alto (1/3 do olho), mas menor que o da córnea (2/3) e ainda é capaz de realizar a acomodação. É consttuído por uma cápsula fibrosa fina, um epitélio cúbico simples subcapsular (somente na face anterior); e a massa interna é composta por células impactadas, alongadas e ricas na proteína cristalina. É avascularizado, e sua oxigenação e nutrição vêm do humor aquoso e do humor vítreo.
-
Intraorbital: 25 a 30mm;
-
Intraóssea: 4 a 9mm;
-
Intracranial: 5 a 16mm, tem contnuidade com o quiasma óptco.
L - Humor vítreo É um gel transparente que ocupa a cavidade vítrea e 4/5 do volume do bulbo ocular. Ele é composto por 99% de água e o restante de ácido hialurônico, glicosaminoglicanos, colágeno e outros.
J - Retna
M - Músculos extrínsecos oculares
É a camada neurossensorial do olho, responsável em transformar a luz em impulsos elétricos ao encéfalo, através do nervo óptco e das vias óptcas. A retna inicia-se posteriormente à ora serrata e o seu centro é a mácula; e o centro da mácula é a fóvea, responsável pela visão de alta definição. A retna é formada por 10 camadas, conforme o esquema a seguir.
Responsáveis pelo alinhamento visual, têm srcem na órbita e estão inseridos na esclera do bulbo ocular. São eles, com suas respec tvas inervações: reto superior (III – oculomotor), reto inferior (III), reto lateral (VI – abducente), reto medial (III), oblíquo superior (IV – troclear) e oblíquo inferior (III). O desequilíbrio de suas funções gera o estrabismo.
Figura 6 - Músculos extrínsecos oculares
2. Equipamentos oalmológicos Figura 5 - Camadas da re tna
A re tna tem os seus 2/3 externos nutridos pela coroide e o seu 1/3 interno por rami ficações da artéria central da retna, ramo da artéria o álmica. Os cones e bastonetes são os fotorreceptores; na fóvea há maior concentração dos cones, que dão a visão de cores e de maior de finição. Na periferia há maior quan tdade de bastonetes, que oferecem melhor visão noturna, de preto e branco e de movimentos.
4
Para realizar um diagnóstco preciso, o oalmologista necessita de aparelhos desenvolvidos para avaliar a visão, o olho e seus anexos. Existem dezenas de aparelhos e centenas de modelos de todos os tamanhos e preços. Vamos nos centrar nos 5 principais tpos, que ajudam no diagnóstco da grande maioria das enfermidades:
A - Tabela ou projetor de acuidade visual Com ela, é possível quantficar a visão de cada olho do paciente.
CONCEITOS GERAIS
IA G O L O M L A T F O
Figura 7 - Tabela de Snellen com optótpos que não necessitam de alfabetzação
Figura 9 - Lâmpada de fenda
B - Refrator subjetvo
D - Tonômetro
É usado para medir a refração do paciente.
É usado para medir a pressão intraocular e pode ou não ser acoplado à lâmpada de fenda.
Figura 8 - Refrator de Greens
C - Lâmpada de fenda É um microscópio com feixe de luz em fenda ou difuso e utlizado para biomicroscopia anterior e de fundo de olho.
Figura 10 - Tonômetro de Perkins
5
OFTALMOLOGIA E - Oalmoscópio Avalia a retna e o vítreo.
Figura 11 - Oalmoscópio direto
6
CAPÍTULO
2
Erros de refração Wilson Takashi Hida / Juan Carlos Izquierdo / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
1. Introdução Os vícios de refração consttuem a principal causa de diminuição da acuidade visual e atngem, de maneira crescente, todas as faixas etárias. A correção óp tca, aos 60 anos, é necessária em quase 100% dos casos, para longe e/ou para perto. Os óculos são a principal opção de correção óp tca. Por outro lado, a partr da década de 1960, o uso de Lentes de Contato aumentando chegando a cerca de 22%(LC) dasvem correções óp tcas no nosmundo, EUA e 16% entre os estudantes de uma comunidade universitária no Brasil. Há muitas décadas, procura-se uma correção definitva nos casos de ametropia (situação em que se necessita de correção óptca para melhorar a visão).
2. Conceitos
gem formada na retna é idêntca à formada por máquinas fotográficas com filme: é invertda e menor que o objeto. A reinversão acontece no córtex cerebral; - Comportamento dos raios luminosos: Superfcie anterior da córnea (poder óp tco 40 a 45dp); Substância da córnea; Humor aquoso; Superfcie anterior do cristalino (poder óptco 16 a 20dp); Substância do cristalino; Superfcie posterior do cristalino; Humor vítreo. - Índice de refração: Ar (n = 1); Córnea (n = 1,37); Cristalino (n = 1,42); Substância do cristalino periférico (n = 1,38); Substância do cristalino central (n = 1,41); Núcleo (n = 1,37). •
• • •
• • •
• • •
Erros de refração ou vícios de refração:são patologias muito comuns, caracterizadas por alterações na focalização da imagem na retna; - Refração:é a alteração da direção de propagação da luz (ângulo de desvio) quando esta passa de um meio para o outro, onde a sua velocidade de propagação é diferente; - Dioptria: é a unidade que expressa o poder de refração de uma lente e equivale à sua longitude focal em metros. É popularmente chamada de “grau” da lente; - Acomodação: é o processo responsável pela mudança do poder refratvo do olho, por meio de mudanças no formato do cristalino, por ação do músculo ciliar. Garante a focalização da imagem de perto e de longe no plano retniano; - Emetropia: é a situação em que o olho não necessita de correção óptca ou acomodação para focar a imaFigura 1 - Comportamento dos raios luminosos conforme o índice gem na retna, para raios de luz paralelos provenientes de refração das superfcies oculares em um olho emétrope (no sende um objeto situado no infinito (Figuras 1 e 2). A imatdo da córnea para a retna) -
• • •
7
OFTALMOLOGIA Diferenças entre as imagens - Afacia monocular com correção de +12, 50D = 25%.
Figura 2 - Formação da imagem na retna em um olho emétrope (imagem invertda e menor que o objeto); AB: objeto; cd: posição da superfcie de refração do olho reduzido; ANB ou aNB: ângulo visual
Ametropia: os raios luminosos não focalizam exatamente a retna com o olho em estado de repouso. Consttui um erro de refração (miopia, hipermetropia, astgmatsmo); - Anisometropia: diferença do estado refra tvo dos 2 olhos. Está presente quando existe uma diferença de 2 dioptrias ou mais, esférica ou astgmátca; - Aniseiconia: diferença do tamanho ou forma das imagens formadas nos 2 olhos. A causa mais comum é a diferença de magnificação inerente nos óculos de correção de pacientes com anisometropia. -
3. Tipos de lentes A - Lentes convergentes, convexas ou posi tvas Convergem os raios luminosos e são de bordas finas. Quanto maior o poder da lente, mais próximo fica o Foco (F) e maior será o aumento que ela proporcionará. Sua potência é medida em dioptrias.
Tabela 1 - Aniseiconia Causas - Anatômica (receptores retnianos); - Refratva (anisometropia).
Figura 3 - Lente convergente
B - Lentes divergentes, côncavas ou negatvas Divergem os raios luminosos e são de bordas largas. Os raios refratados nesta lente não convergem para um ponto, no entanto o prolongamento desses raios converge para um ponto antes da lente (F). Quanto maior o poder da lente, maior é a minimização do objeto que ela faz, diminuindo os objetos. Sua potência é medida em dioptrias.
Diferenças entre as imagens - 1%: assintomátcos; - Entre 1 e 5%: pode apresentar sintomas; - Acima de 5%: binocularidade ausente; - 1% para cada dioptria de anisometropia; - Cada dioptria: 1% de aumento; - Astgmatsmo: calcula-se cada meridiano;
8
Figura 4 - Lente divergente
C - Lente cilíndrica ou tórica Pode ser côncava ou convexa. Em um eixo destes cilindros, a superfcie é plana, portanto não sofre refração, que
ERROS DE R EFRAÇ ÃO
ocorre apenas na sua super fcie perpendicular. Sua potência é medida em dioptrias cilíndricas. Estas lentes servem para corrigir superfcies refratoras irregulares, em que parte do foco está correta e outra parte está antes ou depois. IA G O L O M L A T F O
Figura 6 - Imagem formada na miopia
Na miopia, há redução da visão a distância. Tal redução costuma ser proporcional ao grau da miopia. Fotofobia e baixa visão ao entardecer também fazem parte do quadro clínico. a) Classificação de acordo com o defeito da anomalia de refração - Miopia simples: não se associa a lesões degeneratvas e não supera 5 ou 6D; - Miopia degeneratva: as lesões degenera tvas se iniciam a partr dos 50 anos. Mais comum em mulheres, é frequentemente hereditária. b) Epidemiologia A miopia é mais encontrada na raça oriental. Causa de 5 Figura 5 - (A) Lentes cilíndricas côncavas e (B) lentes cilíndricas convexas
4. Ametropia Raios luminosos não focalizam exatamente na re tna com o olho em estado de repouso. Isso consttui um erro de refração (miopia, hipermetropia, astgmatsmo). Classificação do ponto de vista óptco: 1 - Axial: aumento ou diminuição do diâmetro anteroposterior; é o mais frequente. 2 - De curvatura: alteração da curvatura da córnea ou do cristalino. 3 - De índice: aumento ou diminuição da potência dióptrica no cristalino. Todas essas 3 alterações podem resultar em miopia, hi-
a 10% da cegueira legal. c) Tratamento Por meio de correção óp tca de óculos ou LC com lentes negatvas (sinônimos: lentes côncavas ou divergentes), ou correção cirúrgica com ceratotomia radial, cirurgia laser (PRK, LASIK) ou lentes intraoculares.
B - Hipermetropia Os raios luminosos, ao penetrarem no olho hipermétrope, formam a imagem atrás da retna. Associam-se a olhos pequenos; não somente o diâmetro, mas também a córnea pode ser de menor tamanho (Figura 7).
permetropia e/ou astgmatsmo.
A - Miopia A miopia ocorre quando o globo ocular possui o diâmetro anteroposterior maior, ou o mecanismo de focalização do olho (córnea e cristalino) é poderoso demais, e os raios de luz são focalizados na frente da retna. A imagem retniana não será um ponto, mas um círculo proporcional ao grau de miopia (Figura 6).
Figura 7 - Imagem formada na hipermetropia
A visão do hipermétrope varia de acordo com a idade e o grau. Na idade abaixo de 6 anos, quando não há distúr-
9
OFTALMOLOGIA bios da musculatura extraocular, geralmente não é necessário corrigir a hipermetropia, devido à grande amplitude de acomodação e à pequena solicitação da visão de perto. A hipermetropia geralmente diminui na idade pré-puberal, pois o olho vai crescendo com a idade, assim como o seu poder dióptrico. Após os 20 anos, mesmo os hipermétropes leves podem tornar-se sintomátcos, e a necessidade de correção óptca para a sua hipermetropia aumenta gradatvamente com a idade e piora com a chegada da presbiopia, por volta dos 40 anos. a) Clínica O estado de acomodação determinará os sintomas, como cefaleias e cansaço devido ao esforço visual (astenopia). Geralmente, os pacientes apresentam uma câmara anterior pouco profunda, com risco de glaucoma de ângulo estreito. b) Tratamento Em geral, usam-se lentes positvas (sinônimos: convergentes ou convexas). Em caso de crianças com hipermetropia fisiológica, somente aquelas que apresentam sintomas e erros refratvos maiores que 3D requerem correção óptca. Em adultos e idosos, depende muito do seu trabalho; prescreve-se a máxima correção sem cicloplegia (paralisia medicamentosa do músculo ciliar). A manipulação de LC é difcil, em decorrência da má visão de perto. Pode-se fazer o tratamento cirúrgico com laser (LASIK ou PRK), eindicada tambéma existe a técnica de implante de lente intraocular, pacientes acima de 40 anos.
C - Astgmatsmo O astgmatsmo existe quando a super fcie corneana é desigualmente curva ou devido às irregularidades do cristalino, de modo que os raios luminosos de diferentes meridianos não podem ser focados no mesmo ponto da re tna, formando linhas de conoide ou círculos de menor confusão (Figura 8).
Figura 8 - Imagem formada no astgmatsmo
10
- Classificação a) Astgmatsmo regular São produzidos 2 pontos focais em vez de 1 ponto. Podese corrigir com lentes cilíndricas, e sua srcem geralmente se dá na córnea. Uma forma adquirida é o astgmatsmo pós-cirúrgico, especialmente devido à cirurgia de catarata e à ceratoplasta. O astgmatsmo regular divide-se em: - Simples: um dos focos está na retna; corrige-se com um cilindro; - Composto: associado a defeito esférico; -
Misto: um dos focos é hipermétrope e o outro é míope.
b) Astgmatsmo irregular Não existem focos definidos. Acontece em patologias da córnea, como ceratocone, cicatrizes e ceratoplastas. Para o seu tratamento, as lentes devem ter o grau mais próximo do valor tolerado pelo paciente. Isso depende das dioptrias, do eixo, da relação binocular e do defeito esférico associado. Ao corrigir astgmatsmos altos, pode-se provocar uma astenopia acomodatva. Podem-se usar LC tóricas ou rígidas. As técnicas cirúrgicas consistem em incisões relaxantes para aplainar o eixo e aumentar a curvatura (sutura), ou excimer laser (LASIK ou PRK).
D - Presbiopia A palavra “presbiopia” significa olho velho e se refere a um distúrbio visual observado na velhice. Corresponde à redução fisiológica da amplitude de acomodação, de modo que o ponto próximo se afasta do olho, lenta e grada tvamente. Em condições normais, a acomodação permite focar o objeto entre o in finito e a distância de leitura (33cm). Quando existe uma acomodação inferior a 3D, há uma dificuldade para a visão próxima. Isso ocorre geralmente a partr dos 40 anos, aumentando até os 60, quando a acomodação se perde definitvamente. a) Sintomas - Dificuldade para enxergar objetos próximos; - Distorções na distância de leitura (33cm); - Acentuação dos sintomas com pouca luminosidade e no final do dia. b) Tratamento Em geral, adiciona-se uma lente positva à refração prévia do paciente. Esta correção pode ser feita por meio apenas do uso de óculos para perto (se o paciente não tem ametropia para longe) ou de óculos ou LC bifocais ou mul tfocais. Existem, hoje, lentes intraoculares (LIO) acomoda tvas e multfocais. As LIOs monofocais, apesar de proporcionarem uma excelente visão funcional, não tornam o paciente independente do uso de óculos para presbiopia. As LIOs multfocais e as acomodatvas surgiram, justamente, para preencher essa lacuna e proporcionar uma visão funcional
ERROS DE R EFRAÇ ÃO
simultânea em todos os níveis. Por isso, estão cada vez mais presentes no cotdiano das pessoas.
5. Ambliopia IA G O L O M L A T F O
É a perda visual de finitva em 1 ou ambos os olhos por falta de esmulo da área cortcal responsável pela visão, o qual ocorre até por volta dos 7 anos de idade. As causas mais frequentes são, em ordem: estrabismo, erros refracionais, catarata congênita, entre outros. O tratamento com oclusores oculares deverá ser imediatamente realizado, além da prescrição óptca adequada. A oclusão visa penalizar o olho sadio para que o olho mais fraco se desenvolva, pois, na maioria das vezes, com os 2 olhos abertos, o olho mais fraco fica suprimido.
6. Resumo Quadro-resumo Erros ou vícios de refração
Alterações na focalização da imagem pela retna.
Refração
Alteração da direção da propagação da luz.
Dioptria
“Grau” da lente.
Acomodação
Garante a focalização da imagem de perto e de longe, por meio de mudanças no formato do cristalino pela ação do músculo ciliar.
Emetropia
Situação em que o olho não necessita de correção óptca ou de acomodação para focar a imagem na retna.
Ametropia
Quando se necessita de correção óptca para focar a imagem na retna.
Miopia
O poder refracional do olho (córnea e cristalino) é muito forte, formando a imagem antes da retna. Corrige-se com lentes esféricas negatvas.
Hipermetropia
O poder refracional do olho é insuficiente para focar a imagem na retna, formando a imagem atrás dela. Corrige-se com lentes esféricas positvas.
Astgmatsmo
O poder refracional do olho é irregular em diferentes pontos, formando imagens mais próximas e mais afastadas da retna. Corrigese com lentes cilíndricas posi tvas ou negatvas.
Presbiopia
Perda da capacidade de focalização da imagem de um objeto próximo, decorrente da idade (cerca de 40 anos). Corrige-se adicionando lentes esféricas positvas à dioptria prévia do paciente para longe.
Ambliopia
Perda visual de 1 ou ambos os olhos por falta de estímulo adequado.
11
OFTALMOLOGIA
CAPÍTULO
3
Pálpebras Wilson Takashi Hida / Liang Shih Jung / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
1. Introdução As pálpebras formam a 1ª estrutura ocular externa ao olho e são as estruturas mais importantes para a proteção do bulbo ocular. Dividem-se em pálpebras superior e inferior, estruturalmente semelhantes. A epiderme palpebral, semelhante à pele da face, é a mais fina do corpo humano. Nela se inserem os cílios, cujos folículos apresentam glândulas sudoríparas apócrinas (glândulas de Moll) e sebáceas (glândulas de Zeis). Em uma região chamada “junção mucocutânea”, a epiderme modifica-se abruptamente para epitélio pavimentoso estratficado não queratnizado, abaixo do qual se encontra o tarso palpebral, uma estrutura fibroelástca em cujo interior são encontradas as glândulas de Meibomius (Figura 1). As pálpebras também são formadas por tecido subcutâneo (tecido conjuntvo frouxo), camada muscular e camada mucosa (Figura 1).
Figura 1 - Anatomia da pálpebra
12
PÁLPEBRAS
2. Blefarite A - Classificação Trata-se de qualquer processo inflamatório das pálpebras. Pode ser classificada em: - Dermatoblefarite: processos alérgicos, infecciosos associados a doenças dermatológicas; - Blefarite marginal: acometmento das margens palpebrais, subdividida em: Anterior: frequentemente associada a infecções •
às queixas de blefarite esta filocócica, e, ao exame ocular, os achados de crostas grandes aderidas aos cílios podem indicar a infecção por estafilococos. O tratamento preconizado é semelhante ao da blefarite estafilocócica, incluindo medidas de higiene e medicamentos tópicos e sistêmicos. Mais raras, as infecções fúngicas surgem de maneira secundária nas pálpebras. A candidíase palpebral, mais frequente em imunodeprimidos, assemelha-se à esta filocócica. A blastomicose também pode acometer as pálpebras, região ocular mais afetada por esse fungo. O tratamento
bacteriana (estafilococo), viral (herpes) e parasitária (pitríase), ou apresentando a forma seborreica; Posterior: comprometimento das glândulas de Meibomius (chamada também de meibomite), que pode estar associado a alterações sistêmicas (rosáceas).
cons de higiene e ut pomada deser anfotericina tB.tui-se Em casos rebeldes à lização terapiade tópica, deve considerado o uso de an tfúngico sistêmico. As infecções parasitárias palpebrais mais comuns são provocadas por Demodex e Phthirus pubis. O Demodex pode afetar até 100% dos pacientes acima dos 70 anos de idade. Os sintomas são inespecíficos, semelhantes aos de A blefarite marginal anterior estafilocócica pode apreblefarites de outras etologias. Como não existe medicação sentar-se de forma aguda ou crônica. A forma aguda, uniespecífica eficaz, o mais aconselhável é adotar medidas de lateral, é mais predominantemente causada pelo S. aureus, higiene e usar antbiótcos tópicos e/ou sistêmicos. Já o que pode acometer folículos ciliares e glândulas lacrimais Phthirus pubis pode ser encontrado também em regiões de acessórias. A crônica pode ser causada tanto pela espécie grande concentração de pelos, como axilas, couro cabeluaureus quanto pela epidermidis e tende a ser bilateral. do, barba e pelos pubianos, assim como na base dos cílios. O paciente com blefarite esta filocócica pode ser totalmenO tratamento é feito com pomada de óxido amarelo de te assintomátco ou queixar-se de sensação de corpo estranho mercúrio a 1%, 2x/dia, por 1 semana. ocular, prurido, queimação e irritação, que são mais intensos As infecções virais mais comuns são por herpes-simples pela manhã e melhoram no decorrer do dia. A margem palpe- e herpes-zóster. Outros vírus incluem poxvírus (molusco bral na base dos cílios pode apresentar-se ulcerada, gerando contagioso) e papilomavírus. O tratamento é feito à base de exsudação defibrina que, quando endurecida, forma crostas antvirais específicos, sendo necessária, em alguns casos, a envolvendo os cílios. Nas formas crônicas, podem-se observar excisão cirúrgica do molusco contagioso. alterações destes, como madarose (ausência), poliose (perda da coloração, tornando-se esbranquiçada) e triquíase (cílios 3. Hordéolo que crescem em direção ao bulbo ocular). O hordéolo (ou terçol) é uma infecção aguda esta filocócica das glândulas de Meibomius, que pode estar relacionada B - Tratamento à blefarite. O quadro clínico pode iniciar-se abruptamente, Baseia-se na higiene local com xampu neutro de bebê com sinais flogístcos localizados. À palpação, verifica-se uma diluído em água morna ou géis o almológicos, que tamárea endurecida e dolorosa que, com o passar dos dias, torbém auxiliam na drenagem da secreção proveniente das na-se nodular, flutuante, podendo haver drenagem esponglândulas de Meibomius. Quando necessário, o an tbiótco tânea. Em indivíduos predispostos, existe uma tendência à tópico (pomada ou colírios), como eritromicina, cloranfenirecidiva, no mesmo local ou naoutra pálpebra. O tratamento col ou ciprofloxacino, 3x/dia, por 7 a 14 dias, pode ser de é feito com compressas mornas, antbiótco tópico e/ou sisgrande valia. Convém associar um lubri ficante em forma de têmico, dependendo da severidade, e cortcoterapia tópica, colírio, já que em muitos casos o paciente também pode em casos de acometmento da conjuntva bulbar. apresentar olho seco. Se existr acometmento corneano (por reação de hipersensibilidade tpo III ou IV), como a ceratte marginal, pode-se considerar o uso de cor tcoide 4. Calázio tópico. Em casos crônicos, a administração sistêmica de doO calázio é um processo inflamatório não infeccioso das xiciclina (200mg/dia por 7 dias e redução para 100mg/dia glândulas de Meibomius, decorrente da reação granulomapor 1 ou 2 meses) ou tetraciclina (1g/dia por 7 dias e depois tosa à secreção da glândula por tecidos vizinhos (Figura 2). A 500mg/dia por 1 ou 2 meses) pode auxiliar na resolução. diferença em relação ao hordéolo é que este é uma infecção A blefarite seborreica está fortemente associada à derdentro da própria glândula, e não há reação granulomatosa matte seborreica, sendo, portanto, crônica e de difcil traadjacente. Pode, ainda, ocorrer um calázio infectado secuntamento. Outras regiões do corpo podem apresentar as dariamente comS. aureus, conhecido como hordéolo intermesmas lesões. As queixas dos pacientes são semelhantes no. O tratamento do calázioconsiste na exérese cirúrgica. •
13
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA 6. Tumores benignos p alpebrais
Figura 2 - Calázio
5. Anomalias da margem palpebral A - Ptose palpebral É o abaixamento da pálpebra superior, pode ser uni ou bilateral, constante ou intermitente, congênita ou adquirida. A srcem pode ser: neurogênica (defeito de inervação), miogênica (causada por miopata do próprio músculo levantador da pálpebra ou por defeito dos receptores neuromusculares – ex.: miastenia grave), aponeurótca (defeito da aponeurose do músculo levantador da pálpebra) ou mecânica (causada por efeito gravitacional de uma massa ou cicatriz).
São os tumores mais frequentes das pálpebras. A maior importância do diagnóstco é excluir os tumores malignos, mas as recuperações estétca e funcional têm o seu papel. Os tumores mais frequentes são: - Papiloma de células basais (verruga senil, verruga seborreica ou ceratose seborreica): é uma afecção comum e de crescimento lento, encontrada na face, membros e tronco de indivíduos idosos. Placa marrom verrucosa; - Papiloma de células escamosas (pólipo fibroepitelial): é pedunculado e da cor da pele. Aspecto escamoso; - Ceratose acnica: tpicamente afeta indivíduos idosos, de pele clara e submetdos ao sol excessivamente. Placas hiperceratótcas e descamatvas. Tem o potencial de transformar-se em carcinoma de células escamosas; - Nevo melanocítco adquirido: tem o potencial de malignização; - Nevo melanocítco congênito (Figura 4): é histologicamente idêntco ao adquirido, mas pode ter uma extensão muito maior;
B - Entrópio
É a inversão da margem palpebral. Pode ser congênito ou involucional. Este últmo ocorre por degeneração senil dos tecidos elástcos e fibrosos da pálpebra. O constante atrito dos cílios na córnea e na conjuntva pode levar a lesões.
C - Ectrópio É a eversão da pálpebra inferior, expondo a conjun tva palpebral. Resulta em irritação ocular e epífora (lacrimejamento por falta de drenagem da lágrima). Pode ser involucional, cicatricial, paralítco (comprometmento do nervo facial-VII) e mecânico (Figura 3).
Figura 3 - Ectrópio
14
Figura 4 - Nevo melanocítco congênito -
Hemangioma capilar (nevo “em morango”) (Figura 5): embora raro, é um dos tumores mais comuns da infância e manifesta-se logo após o nascimento. É uma lesão vermelha extremamente vascularizada;
Figura 5 - Hemangioma capilar
PÁLPEBRAS
Granuloma piogênico: proliferação de tecido granulomatoso, geralmente precedida por cirurgia, trauma ou infecção. Aspectos polipoide e vascular; - Xantelasmas: placas subcutâneas amareladas; são depósitos lipídicos. Está associada a níveis séricos elevados de colesterol. -
8. Resumo Quadro-resumo Processos alérgicos, infecciosos associados a Dermatoblefarite doenças dermatológicas. Frequentemente associada a infecções bacterianas (estafilococo), viral (herpes) e paraBlefarite anterior sitária (pitríase), ou apresentando a forma seborreica. Blefarite posterior
Blefarites
Hordéolo
Uma infecção aguda estafilocócica das glândulas de Meibomius; pode estar relacionada à blefarite. No tratamento, compressas mornas e antbiótcos tópicos ou sistêmicos.
Calázio
Processo inflamatório não infeccioso das glândulas de Meibomius, decorrente da reação granulomatosa à secreção por tecidos vizinhos. No tratamento, exérese cirúrgica.
Figura 6 - Xantelasmas -
Neurofibroma: neurofibromas plexiformes afetam tpicamente crianças com neurofibromatose tpo 1 e os neurofibromas solitários tendem a ocorrer em adultos.
Comprometmento das glândulas de Meibomius (chamada também de meibomite), que pode estar associado a alterações sistêmicas (rosáceas). No tratamento, higiene local, e podem-se usar antbiótcos tópicos e sistêmicos associados.
7. Tumores malignos palpebrais O carcinoma de células basais (CBC) é a neoplasia maligna humana mais comum. Na pálpebra, representa 90% dos casos. O carcinoma de células escamosas (CEC) é menos comum, porém mais agressivo (Figura 7). Outros tumores malignos são melanoma, carcinoma de glândulas sebáceas e sarcoma de Kaposi.
Figura 7 - CEC em estágio avançado
15
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA
CAPÍTULO
4
Conjuntva Wilson Takashi Hida / Liang Shih Jung / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
1. Introdução A conjuntva é um tecido conectvo transparente e vascularizado que recobre internamente as pálpebras (conjuntva palpebral) e envolve o globo ocular (conjuntva bulbar) e a região de transição entre as 2 citadas (fórnice conjuntval). A drenagem linfátca da conjuntva e das pálpebras ocorre pelos sistemas pré-auriculares e submandibulares, por isso, nas afecções conjuntvais, estes gânglios podem estar infartados.
O quadro clínico compõe-se de surgimento abrupto de hiperemia conjuntval, lacrimejamento, fotofobia e sensação de corpo estranho. Ao exame oalmológico, observam-se folículos conjuntvais (Figura 1), geralmente associados à linfadenopata pré-auricular. Em casos mais severos, pode-se encontrar hemorragia subconjuntval.
2. Conjuntvite Conjuntvite é todo processo in flamatório que acomete a conjuntva. Pode ser totalmente benigna ou levar a sequelas visuais importantes, dependendo do agente etológico e da imunidade do hospedeiro.
A - Ceratoconjuntvite viral Dez dos 31 sorotipos de adenovírus estão relacionados à causa de conjuntivites virais. O espectro da doença varia de um quadro clínico leve, aparentemente assintomático, até a apresentação de 1 das 2 síndromes: febre faringoconjuntival (FFC) ou ceratoconjuntivite epidêmica (CCE). A FFC é causada pelos adenovírus tpos 3, 4 e 7 e afeta crianças. O quadro ocular associa-se a Infecção de Vias Aéreas Superiores (IVAS). A CCE é mais frequentemente causada pelos tpos 8 e 19 e não se associa a quadros sistêmicos. Em ambas as situações, o período de transmissibilidade é de até 2 semanas, quando se deve evitar o contato direto ou indireto (fômites).
16
Figura 1 - Folículos conjuntvais causados por adenovírus
a) Tratamento Baseia-se em medidas de suporte (higiene, compressas com água gelada na região periocular, colírios lubrificantes) para diminuir os sintomas. Geralmente, o quadro tem remissão espontânea em 2 semanas, porém, dependendo da virulência e do sorotpo adenoviral, pode-se ter comprometmento corneano e formação de pseudomembrana conjuntval (Figura 2), com a chamada cera tte viral, mais frequente na FFC e mais rara na CCE. A esses casos se indicam cortcoides tópicos.
CONJUNTIVA
O quadro clínico é composto por olho vermelho crônico unilateral, com secreção mucopurulenta. Ao exame o almológico, observam-se folículos na conjuntva palpebral, e em casos severos há acometmento do tarso superior, uma estrutura fibroelástca de sustentação da pálpebra. Com a progressão da doença, a conjun tva que recobre o bulbo ocular é afetada. É comum observar linfadenopata pré-auricular. A diferenciação etológica entre clamídia e vírus pode ser realizada por exames complementares, como citologia por coloração de Giemsa ou imuno fluorescência direta. Figura 2 - Retrada de pseudomembrana conjuntval
b) Outras formas Conjuntvite hemorrágica, causada pelo enterovírus 70, da família dos picornavírus. O quadro clínico é semelhante ao provocado pelo adenovírus, assim como as medidas terapêutcas, uma vez que a conjuntvite é autolimitada. Outra causa de conjuntvite viral é a provocada pelo poxvírus, estreitamente relacionado com o desenvolvimento do molusco contagioso palpebral. O tratamento definitvo inclui a excisão cirúrgica da lesão palpebral, seja mecanicamente, seja por crioterapia ou cauterização.
B - Conjuntvite bacteriana aguda A conjuntvite bacteriana aguda é uma doença comum e geralmente autolimitada, causada pelo contato direto do olho com secreções infectadas. Os organismos causadores mais frequentes são H. influenzae, S. pneumoniae, S. aureus e Moraxella catarrhalis. O quadro clínico diferencia-se do quadro da viral, pois há papilas conjuntvais ao invés de folículos. Pode até começar com secreção aquosa, mas depois evolui para mucopurulenta. As pálpebras podem ficar aderidas ao acordar, devido à secreção. Cerca de 60% regridem sem tratamento dentro de 5 dias. Colírios antbiótcos de amplo espectro devem ser utlizados para acelerar a recuperação, como cloranfenicol, quinolonas, neomicina e polimixina B, além de higiene e compressas com água gelada.
O tratamento medicação tópica da de tetraciclina,compõe-se 4x/dia, porde 6 semanas) e uso de (pomadrogas sistêmicas; tetraciclina, 250mg, 4x/dia por 6 semanas, ou eritromicina, 250mg, 4x/dia, por 6 semanas, em casos de contraindicação à tetraciclina). b) Tracoma O tracoma é causado pelos sorotpos A, B, Ba e C da clamídia. Trata-se de uma das principais causas evitáveis de cegueira no mundo, já que está relacionada com populações habitantes de regiões com baixo índice de desenvolvimento humano. A doença surge na infância e acomete as conjun tvas bulbares e palpebrais. Com o aparecimento de folículos e papilas (Figura 3), inicia-se um processo de in flamação crônica, levando a conjuntva à cicatrização. Esse processo causa desvios de crescimento dos cílios (triquíase) e cicatrização corneana. As fossetas de Herbert são achados patognomônicos de tracoma e, fisiopatologicamente, são cicatrizes dos folículos no limbo. c) Tratamento É similar ao da conjuntvite por inclusão do adulto, porém a medida mais importante e e ficaz é a prevenção por meio de higiene pessoal, principalmente entre as crianças.
C - Conjuntvite por Chlamydia trachomats O acometmento conjuntval por clamídia (bactéria Gram negatva) acontece em 3 situações distntas: conjuntvite por inclusão do adulto, tracoma e conjuntvite por inclusão neonatal.
Figura 3 - Folículos e papilas em conjuntva palpebral no tracoma
a) Conjuntvite por inclusão do adulto Esta forma de conjuntvite tem srcem na doença sexualmente transmissível causada por Chlamydia trachomats (sorotpos D a K). As lesões oculares surgem por volta de 1 semana após o contato sexual e podem estar associadas a uretrites ou cervicites.
d) Conjuntvite neonatal por clamídia A causa mais frequente de conjuntvite neonatal é a infecção por clamídia. Clinicamente, apresenta-se com conjuntvite aguda mucopurulenta de 5 a 14 dias após o nascimento. A reação encontrada nessa situação é papilar e
17
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA não folicular, uma vez que, na criança de até 3 meses, não existem linfócitos maduros. O tratamento baseia-se no uso de pomada de tetraciclina e eritromicina sistêmica, 25mg/kg, 2x/dia, por 14 dias. Como se trata de infecção durante o parto, é importante que a mãe seja avaliada quanto à presença de DSTs.
3. Conjuntvite por gonococos Outra infecção neonatal é a conjun tvite gonocócica, que pode acontecer entre 1 e 3 dias após o parto. O quadro clínico é de conjuntvite hiperaguda purulenta associada à quemose (edema conjuntval), com formação de membranas inflamatórias conjuntvais. O tratamento é feito com benzilpenicilina ou cefotaxima sistêmica. O importante é iniciar o tratamento o mais rápido possível, para evitar o desenvolvimento de complicações como ceratte secundária e perfuração. Deve-se tratar também a mãe, pois a Neisseria gonorrhoeae (diplococos Gram negatvos) é transmitda pelo canal de parto. A instlação preventva de nitrato de prata a 1% pelo pediatra nos olhos do recém-nascido, na sala de parto, ajuda a prevenir a infecção por esta bactéria. Como DST, a conjuntvite gonocócica pode comprometer o adulto de modo semelhante (Figura 4).
A formação de complexos an genos-antcorpo IgE leva à liberação de mediadores como histamina e leucotrienos, responsáveis pelo quadro clínico, caracterizado pela presença de crises transitórias de prurido ocular, lacrimejamento e hiperemia. Os achados principais ao exame são quemose (edema conjuntval) e reação papilar difusa. Em casos severos, as pálpebras também podem se apresentar edemaciadas.
B - Conjuntvite alérgica aguda Trata-se de uma reação ur tcariforme, que frequentemente acomete crianças após contato com grama ou animais de estmação. Clinicamente, observam-se quemose conjuntval e edema palpebral de início súbito. A maior parte dos casos tem remissão espontânea em questão de horas e não necessita de medicação.
C - Ceratoconjuntvite vernal Esta subdivisão das conjuntvites alérgicas se assemelha à conjuntvite sazonal. Tem grande incidência em pacientes por volta dos 5 anos e diminui com a chegada da puberdade. Todos os sintomas previamente citados podem fazer parte do quadro clínico da ceratoconjun tvite vernal. Três tpos podem ser diagnostcados: palpebral (presença de papilas gigantes na conjuntva tarsal – ou palpebral-superior), limbar (presença de nódulos de Trantas – papilas no limbo corneoescleral) e misto. Além disso, nessa condição a córnea também pode estar acometda, com a presença de lesões erosivas no nível do epitélio ou alterações cicatriciais, o que demonstra a cronicidade da doença.
D - Ceratoconjuntvite atópica
Figura 4 - Conjuntvite gonocócica com secreção purulenta
4. Conjuntvite alérgica Didatcamente, divide-se a entdade conjuntvite alérgica em conjuntvite alérgica sazonal, conjuntvite alérgica tvite vernal, ceratoconjuntvite atópica aguda, ceratoconjun e conjun tvite papilar gigante.
A - Conjuntvite alérgica sazonal Também chamada de febre do feno, a conjuntvite sazonal pode ser desencadeada por an genos provenientes de pólen, pelos, lã e outros tecidos. Trata-se de uma reação de hipersensibilidade tpo I, mediada por antcorpos IgE ligados à membrana de mastócitos presentes na conjuntva.
18
Afecção rara, porém severa, que geralmente acomete pacientes do sexo masculino com dermatte atópica. Classicamente, atnge a região lateral do pescoço e as fossas poplítea e cubital. Além do quadro dermatológico, os pacientes também podem apresentar asma, ur tcária, rinite e enxaqueca. Os sintomas oculares surgem anos após o desenvolvimento de outros sintomas de atopia e são muito similares aos da ceratoconjuntvite vernal. Ao exame, observam-se papilas na conjuntva palpebral. Em casos avançados, há formação de aderências conjuntvais (simbléfaros) e/ou queratnização da conjuntva, próxima à margem palpebral. A ceratopata secundária pode levar à diminuição gradual O datratamento visão, por formação de cicatrizes corneanos. consiste em esteroidese neovasos tópicos e ant-histamínicos VO.
E - Conjuntvite papilar gigante Conjuntvite associada à presença de corpos estranhos, como lentes de contato, próteses oculares externas e atrito com fios de sutura expostos. O tratamento definitvo consiste em afastar os fatores desencadeantes.
CONJUNTIVA
F - Tratamento das conjuntvites alérgicas Dependendo da gravidade de cada uma das conjuntvites alérgicas, todas podem ser tratadas com colírios estabilizadores da membrana dos mastócitos, inibidores da migração de eosinófilos, ant-histamínicos e lágrimas artficiais. Cortcoides tópicos estão reservados para casos mais graves.
IA G O L O M L A T F O
5. Conjuntvites autoimunes A - Penfigoide cicatricial Doença idiopátca, autoimune (relacionada à HLA-B12), crônica, progressiva, caracterizada por bolhas na pele e Figura 5 - Pterígio nas mucosas, levando à formação de cicatrizes. Os sintomas mais frequentes são sensação de olho seco, ardor e 7. Distúrbios do olho seco lacrimejamento. Ao exame, observa-se formação de bolhas subconjuntvais que, ao se romperem, srcinam lesões ulceO olho seco ocorre quando há volume ou função inaderadas. Cronicamente, o processo de fibrose leva à retração quada da lágrima, resultando em um filme lacrimal instável conjuntval. As maiores complicações são olho seco e fore doença da superfcie ocular. mação de simbléfaro (adesão das conjuntvas palpebral e O filme lacrimal apresenta 3 camadas: bulbar) e anquilobléfaros (adesão entre as pálpebras supe- Lipídica: a mais externa, secretada pelas glândulas de rior e inferior, no canto lateral). O tratamento é feito à base Meibomius; de esteroides tópicos e sistêmicos, agentes imunossupressores e lentes de contato esclerais para evitar a formação - Aquosa: intermediária, secretada pelas glândulas lade aderências. crimais;
B - Síndrome de Stevens-Johnson Também denominada eritema multforme major, pode acometer a conjuntva em 90% dos casos. A reação papilar conjuntval e a inflamação local podem levar à formação de membranas inflamatórias e de placas fibrosas. As complicações oculares são queratnização conjuntval, metaplasia dos cílios e disfunção lacrimal. O tratamento é idên tco ao do penfigoide ocular.
6. Pterígio Trata-se do crescimento fibrovascular subepitelial e triangular de um tecido conjuntval degeneratvo que atravessa o limbo e invade a córnea (Figura 5). Há correlação com pessoas expostas a traumas oculares e exposição excessiva ao sol. O tratamento é a remoção cirúrgica, nos casos que progridem com perda de campo visual e nos casos em que haja incômodo com a esté tca e a irritação ocular. Para os casos mais brandos, apenas tratamentos sintomátcos com colírios lubrificantes ou ant-inflamatórios não hormonais.
Mucina: a mais interna, secretada principalmente pelas células caliciformes da conjuntva. Sendo que as camadas mucosa e aquosa interagem entre si, formando pratcamente uma única camada. -
Qualquer desequilíbrio nos componentes e quan tdade da lágrima pode levar ao olho seco e pode ser classificado em: -
Ceratoconjuntvite seca: refere ao olho com algum grau de ressecamento;
-
Xeroalmia: define o olho seco relacionado à deficiência de vitamina A;
-
Xerose: refere à secura ocular extrema e queratnização que ocorrem nos olhos com cicatrização conjun tval grave.
Os sintomas iniciais do olho seco são ardência, vermelhidão, irritação, queimação, sensação de corpo estranho e fotofobia. Secreção de filamentos mucosos e embaçamento visual transitório são frequentes. Nos casos mais graves pode levar a baixa visual permanente. O tratamento consiste em corrigir as causas e administrar colírios ou pomadas lubrificantes.
19
OFTALMOLOGIA Na Tabela 1, estão as causas mais frequentes de olho seco: Tabela 1 - Causas de ceratoconjuntvite seca por deficiência de produção - Hipossecreção primária associada à idade. - Destruição do tecido lacrimal: · Tumor; · Inflamação. - Ausência ou redução do tecido da glândula lacrimal: · Remoção cirúrgica; · Raramente congênita. - Cicatrização conjuntval com obstrução dos ductos da glândula lacrimal: · Queimaduras químicas; · Pênfigo cicatricial; · Síndrome de Stevens-Johnson; · Tracoma antgo. flexo sensorial ou motor: - Lesões neurológicas com perda do re · Disautonomia familiar; · Doença de Parkinson; · Diminuição da sensibilidade corneal (cirurgias refratvas e uso de lente de contato).
- Deficiência de vitamina A. - Síndrome de Sjögren. Tabela 2 - Causas de ceratoconjuntvite seca evaporatva - Disfunção das glândulas de Meibomius: · Blefarite posterior; · Rosácea; · Ceratoconjun tvite atópica; · Ausência congênita das glândulas de Meibomius. - Lagoalmo: · Proptose avançada; · Paralisia do nervo facial; · Cicatriz palpebral; · Pós-operatório de blefaroplasta. - Habituais: · Uso de lente de contato; · Ar condicionado; · Atvidades que diminuem o re flexo de picas (por exemplo: computador).
8. Resumo Tipo Viral
Quadro-resumo Agentes mais frequentes Adenovírus
H. influenzae, S. Bacteriana aguda pneumoniae, S. aureus e M. catarrhalis
20
Tratamentos Higiene, compressas geladas e colírios lubrificantes Idem + colírios antmicrobianos de amplo espectro
Tipo
Agentes mais frequentes
Tratamentos
Conjuntvite por inclusão do adulto
Tópica (pomada de Chlamydia trachoma- tetraciclina) e tetrats (D a K) ciclina VO ou azitromicina
Tracoma
A, B, Ba e C da clamídia
Conjuntvite neonatal por clamídia
Pomada de tetraciChlamydia trachomaclina e eritromicina ts (D a K) sistêmica
tvite por Conjun gonococo
Neisseria gonorrhoeae
Benzilpenicilina cefotaxima IV ou
Conjuntvite alérgica
Alérgica aguda, ceratoconjuntvite vernal, ceratoconjuntvite atópica e conjuntvite papilar gigante
Afastar condições que desencadeiam alergia, lubrificantes, antalérgicos tópicos e sistêmicos e cortcoides tópicos para quadros graves
Conjuntvites autoimunes
Cortcoides tópicos Penfigoide cicatricial, e sistêmicos e imusíndrome de Stevensnossupressores sisJohnson têmicos
Idem
CAPÍTULO
5 1. Introdução A esclera é formada pelo estroma fi( bras colágenas), uma camada interna (lâmina fosca) e uma externa (episclera).
2. Episclerite A episclerite é uma doença comum, benigna e autolimitada. Não há uma causa determinada, mas pode estar relacionada com doenças sistêmicas. Caracteriza-se por vermelhidão unilateral associada a desconforto, queimação e lacrimejamento. O tratamento, feito com lubrificantes oculares, cortcoides tópicos e/ou AINEs tópicos ou sistêmicos, nem sempre é necessário.
3. Esclerite É uma inflamação granulomatosa da escleró tca, menos frequente que as episclerites. Variável, esse quadro apresenta desde episódios triviais e autolimitados até processos necrosantes. Associações a doenças sistêmicas ocorrem em 50% dos pacientes. A artrite reumatoide é a associação mais frequente. A esclerite pode, também, associar-se a infecções ou ser procedimentos oculares. Umprovocada teste prátpor co para diferenciar acirúrgicos episclerite da esclerite anterior é a instlação de colírio de fenilefrina a 10%; a ação da fenilefrina provoca a vasoconstrição dos vasos da episclera, não agindo nos da esclera. Portanto, na episclerite, os vasos congestos diminuem com a ins tlação do colírio.
A - Classificação Ocorre em lugares anatômicos da inflamação:
Esclera e episclera Juan Carlos Izquierdo / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
a) Esclerite anterior -
Não necrosante: difusa ou nodular; Necrosante: com ou sem inflamação.
b) Esclerite posterior.
B - Esclerite anterior não necrosante O quadro é similar ao da episclerite, embora o desconforto seja mais intenso. a) Esclerite difusa Inflamação disseminada que afeta o segmento do globo ocular ou toda a esclerótca anterior. É benigna e não progressiva ao tpo nodular, e não se transforma em necrosante. b) Esclerite nodular É similar à episclerite nodular, contudo uma observação detalhada mostra que o nódulo não se move sobre o tecido subjacente. - Tratamento • •
AINEs VO; Prednisolona VO, de 40 a 80mg/dia.
C - Esclerite anterior necrosante com inflamação É a forma mais grave de esclerites, com dor progressiva. Sinais em ordem cronológica: - Distorção ou oclusão dos vasos sanguíneos nas áreas afetadas e surgimento de placas avasculares no tecido episcleral; - Necrose escleral e visibilidade do tecido uveal; - Extensão de necroses desde o foco primário até focos separados;
21
OFTALMOLOGIA -
Presença de uveíte anterior indicando comprometmento grave do corpo ciliar.
a) Complicações Comprometmento corneal, cataratas e glaucoma secundário. A visão pode ser afetada em 75% dos casos. Cerca de 25% dos casos levam à morte por enfermidade vascular sistêmica associada em 5 anos, a contar do início da enfermidade.
E - Esclerite posterior Inflamação escleral que se srcina por trás do equador do globo ocular; - Representa 20% de todas as esclerites, e 30% têm enfermidade sistêmica associada; - Em torno de 85% desenvolvem piora visual por maculopata, neuropata óptca ou desprendimento de retna; - Sintomas: dependendo do local da lesão, apresenta dor e afeta a visão; -
-
Sinais externos: observam-se edema de pálpebra e o almoplegia; Oalmoscopia: inflamação do nervo óptco e edema macular; - Outros sinais possíveis: desprendimento coroidal anular, massa subretniana e depósitos brancos intrarre tnianos lipídicos (Figura 3); - A USG ocular é de grande valia em casos de esclerite posterior. -
- Tratamento Pacientes com doença sistêmica associada são tratados como os que têm esclerite anterior necrosante. Em pacientes jovens sem doença sistêmica, o tratamento é feito com AINEs.
Figura 1 - (A) Área avascular e (B) área de necrose escleral
b) Tratamento - Prednisolona: VO, 60 a 120mg/dia, por 2 a 3 dias, agentes imunossupressores como ciclofosfamida, azatoprina ou ciclosporina; - Terapia combinada: metlprednisolona IV, 500 a 1.000mg, e ciclofosfamida, 500mg.
D - Esclerite necrosante anterior sem in flamação Conhecida por escleromalácia perfurante, é mais frequente em mulheres com artrite reumatoide de longa evolução. Começa com uma placa necró tca amarela e, ocasionalmente, grandes áreas da úvea ficam expostas, como resultado do afinamento da esclerótca. O tratamento não é eficiente. Podem-se realizar tentatvas de enxerto de esclera, mas sem bons resultados.
Figura 3 - Exsudação lipídica subretniana no mapeamento de retna
4. Resumo Quadro-resumo Tipos
Tratamentos
Episclerite
Lubrificantes, cortcoides tópicos, AINEs tópicos ou sistêmicos.
Esclerite anterior não necrosante
AINEs e/ou cortcoide sistêmico.
Esclerite anterior
Cortcoide sistêmico, agentes imunossu-
necrosante com inflamação
pressores como ciclofosfamida, azatoprina ou ciclosporina.
Esclerite necrosante anterior sem infla- Sem tratamento efetvo. mação Esclerite posterior Figura 2 - Escleromalácia perfurante avançada
22
Cortcoide sistêmico, agentes imunossupressores como ciclofosfamida, azatoprina ou ciclosporina. Para jovens sem doença sistêmica, AINEs sistêmicos.
CAPÍTULO
6
Córnea Wilson Takashi Hida / Jonathan Lake / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
1. Introdução A córnea, junto com a lágrima, forma a 1ª interface da luz ao entrar no olho e é a estrutura de maior poder dióptrico (refracional). Ela está exposta quase todo o tempo e depende de um equilíbrio delicado entre fatores de proteção, crescimento, nutrição e inervação para manter sua integridade. Por ser a porção mais exposta do olho, é a região mais propensa a agressões externas. A córnea mede 11,5mm de diâmetro na ver tcal e 12mm na horizontal e é formada pelas seguintes camadas (Figura 1): - Epitélio: estratficado, escamoso e não quera tnizado (mais internamente, a membrana basal, seguida das células basais, células aladas e células da superfcie). A renovação do epitélio ocorre pelas stem cells, que se localizam no limbo; - Camada de Bowman: camada acelular do estroma; - Estroma: corresponde a 90% da espessura da córnea, composto principalmente por fibrilas de colágeno; - Membrana de Descemet: fina trama de fibrilas de colágeno; - Endotélio: consiste em camada única de células hexagonais que não se regeneram. Tem o papel fundamental de manter a deturgescência (estado de baixa hidratação) corneana. Figura 1 - Córnea A abordagem nos casos de inflamação da córnea depende da identficação do agente de forma precisa e do tempo de intervenção. O equilíbrio entre a resposta in flamatória e a eliminação do agente desencadeador éo que garante o sucesso terapêutco. As inflamações corneais ou cerattes serão divididas, neste capítulo, nos seguintes grupos: cera ttes infecciosas, cerattes interstciais e cerattes imunológicas.
2. Cerattes infecciosas Trata-se de quadros de difcil identficação e tratamento. Embora alguns agentes apresentem característcas clínicas específicas, não é incomum a sobreposição de sinais e sintomas.
23
OFTALMOLOGIA A - Cerattes bacterianas Potencialmente, qualquer bactéria pode causar ceratte, porém, na Oalmologia, 4 grupos principais podem ser identficados: estafilococos, estreptococos, pseudomonas e enterobactérias (Serrata e Proteus). Duas abordagens são fundamentais para Cerattes Bacterianas (CB): identficação clínica seguida por identficação laboratorial. O quadro clínico da CB caracteriza-se por dor, olho vermelho e turvação visual. Esta decorre de in filtrado no estroma da córnea, que tem aspecto normalmente esbranquiçado e deve ser caracterizado quanto à sua localização, profundidade e quantdade (1 ou mais focos, Figura 2). Diversas bactérias podem apresentar aspectos especí ficos. Bactérias Gram negatvas tendem a causar quadros mais exuberantes, enquanto bactérias Gram positvas são mais insidiosas. Independente da suspeita clínica, a lesão precisa ser minuciosamente medida e descrita. É necessário coletar raspado da lesão para verificação do Gram e semeação em diversos meios de cultura, afim de identficar a bactéria. O tratamento, devido ao potencial risco de perda visual permanente, deve ser imediato, com antbiotcoterapia de amplo espectro, tópico e fortficado (com aminoglicosídeo e cefalosporina associados) para úlceras centrais ou >2mm. Para as <2mm periféricas, pode-se utlizar a monoterapia com quinolona. O resultado do Gram e da cultura com antbiograma servirá de referência caso seja necessário trocar a terapia em caso de bactérias resistentes. Casos que não respondem a tratamento ou evoluem rapidamente para perfuração com risco de infecção geral do olho, são subme a transplante terapêu tdosocular, tco de córnea.
Na córnea, a lesão da ceratte herpétca caracteriza-se por aspecto dendriforme, com bulbos terminais. Em caso de evolução, este aspecto pode se apresentar de maneira ameboide. Esta manifestação limita-se ao epitélio e ao estroma. A manifestação endotelial do herpes simples ocorre por meio de opacidade profunda, com depósitos in flamatórios no endotélio. O tratamento do tpo estroma/epitelial é feito com antviral sistêmico (aciclovir, 1.600 a 2.000mg/dia, divididos em 5x/dia) ou tópico, com aciclovir. A forma endotelial exige o uso de cortcoterapia tópica, por ser uma manifestação imunológica com cera ttedevem herpétser ca estão sujeitosdoà herpes. recidivaIndivíduos da doença, portanto sempre orientados quanto a procedimentos ou situações que possam diminuir a imunidade.
C - Herpes-zóster O Herpes-Zóster (HZ) leva ao quadro exuberante que acomete a hemiface do paciente, com surgimento de lesões crostosas na pele respeitando a linha média e que podem evoluir para necrose. Dentre as manifestações diretas do olho, têm-se lesões na pálpebra e conjuntvite. A córnea deve ser monitorada por lesões. As lesões corneais por HZ são semelhantes às do herpes-simples, dendritformes, porém sem bulbos terminais (Figura 3). O tratamento para HZ envolve uso sistêmico de aciclovir no dobro da dose do herpes-simples e acompanhamento clínico até a resolução das lesões. Pode ocorrer comprometmento dos nervos cranianos, levando à paresia ou paralisia. O 3º nervo é o mais comprometdo, seguido pelo 4º e pelo 6º. Nesses casos, além do antviral sistêmico, associa-se cortcoide sistêmico.
. Figura 2 - Ceratte bacteriana avançada Figura 3 - Herpes-zóster oálmico com comprometmento facial
B - Ceratte herpétca
A ceratte herpétca é causada mais frequentemente pelo vírus herpes-simples tpo I. O tpo II raramente acomete os olhos. A causa do surgimento desse tpo de infecção é semelhante à de outras manifestações do mesmo vírus, caso do herpes labial. A manifestação do herpes na córnea pode ser acompanhada de lesões na conjuntva e na pálpebra, caracterizadas por folículos conjuntvais e lesões crostosas na pele.
24
D - Outras infecções virais Infecções virais da conjuntva podem acometer também a córnea (ceratoconjuntvite).
E - Ceratte fúngica Dentre todas as cerattes infecciosas, esta é a de iden tficação clínica e tratamento mais difceis. Como este agente
CÓRNEA
é oportunista, existem alguns fatores de risco para o surgimento de infecções fúngicas na córnea: trauma prévio, medicação tópica imunossupressiva (cor tcosteroides), cirurgia e inflamações. O aspecto clínico da Ceratte Fúngica (CF) é muito semelhante ao da CB, porém de evolução mais branda. Alguns fatores que podem estar presentes diferenciam essa doença de outras: início insidioso e evolução lenta, in filtrado profundo, bordas mal de finidas e lesões satélites. Porém, não é frequente a apresentação de 1 ou mais desses sinais juntos. Fungos leveduriformes (cândida) tendem a formar fi
tco etológico é mais difcil, pela necessidade de investgar
diversas doenças que, em muitos casos, apresentam como única manifestação ou como manifestação tardia a ceratte interstcial. Não é infrequente o diagnóstco e tológico ser de exclusão. As cerattes interstciais caracterizam-se pela manifestação de infiltrado profundo esbranquiçado com a presença de vasos-fantasma, denominados assim por serem ves gios de neovasos estromais que regrediram, deixando um espaço transparente em forma de vaso. Dentre as causas de cerattes interstciais, podem-se citar herpes (a mais comum),
fi
lesões-satélite com inhifas. ltrados brancos, e fungos lamentosos tendem a formar Assim como na CB, é fundamental coletar raspados para Gram e cultura. Dentre os meios de cultura, está o Sabouraud, que permite o crescimento de fungos. Infelizmente, a recuperação de agentes por cultura é demorada, portanto o tratamento depende da evolução clínica. Em caso de culturas negatvas e evolução da doença, é necessário realizar biópsia de córnea, que tem maior índice de positvidade. O tratamento de CFs é feito por meio de an tfúngicos tópicos e sistêmicos, conforme o tpo de fungo identficado. Polienos (anfotericina B, natamicina) são u tlizados para fungos filamentosos, e imidazólicos ( fluconazol, cetoconazol) são u tlizados para leveduriformes, porém ambos, em diferentes combinações, podem ser e ficientes para os 2 agentes. A terapia medicamentosa é dificultada pela di fcil penetração e pela toxicidade dos an tfúngicos, por isso a terapia an tfúngica é autorizada mediante o resultado da cultura, salvo exceções. Em caso de perfuração iminente, é frequente optar por transplante de córnea terapêutco como tratamento de finitvo. No entanto, o risco de recidiva é maior do que quando se adota este procedimento na CB.
F - Ceratte por acanthamoeba A ceratte por acanthamoeba apresenta os mesmos fatores de risco da CF, por ser um agente oportunista. O aspecto clínico desse tpo de infecção é o de um in filtrado na córnea anelar, porém sua evolução leva a um aspecto mais inespecífico, com diagnóstco clínico mais difcil. O diagnóstco laboratorial é realizado por meio de biópsia da lesão, com observação direta ao microscópio após uso de corante. O tratamento medicamentoso utliza amebicidas tópicos (isotanato de propamidina + poliexame tleno de biguanida). No entanto, não é incomum a necessidade de transplante terapêutco, para evitar ou tratar perfurações e eliminar o agente.
3. Cerattes interstciais Inflamações do estroma da córnea, que ocorrem por reação a alguma infecção prévia ou em outro sí to do organismo humano. Justamente por esse mo tvo, o diagnós-
filis, tuberculose, lepra, brucelose, doença de Lyme, casí xumba, rubéola, leishmaniose, doença de Cogan, linfomas e sarcoidose. O tratamento das cerattes envolve a iden tficação da causa e seu tratamento (se necessário); já o tratamento da opacidade corneal se dá conforme o grau de acome tmento visual, e geralmente usam-se cortcoides tópicos.
4. Cerattes imunológicas A córnea, por ser uma estrutura ricamente inervada e composta essencialmente por colágeno, está sujeita às mesmas doenças autoimunes que atacam partes moles e especialmente o colágeno no organismo humano. Não é infrequente a 1ª manifestação de alguns distúrbios imunológicos ser ocular.
A - Artrite reumatoide A principal manifestação ocular da artrite reumatoide é a ceratoconjuntvite seca, em que há diminuição importante da produção de lágrima, o que leva à formação de afinamentos com in filtrados e ulcerações. Outras manifestações da artrite são in flamações da conjun tva e da esclera, que levam à piora deste tpo de quadro. O tratamento envolve controle clínico da artrite e medidas de controle ambiental do olho, com o objetvo de o tmizar a presença e a produção de lágrima, recorrendo, se necessário, a lágrimas ar tficiais.
B - Colagenoses As colagenoses podem levar ao surgimento de olhos secos, afinamentos e ulcerações da córnea. Dentre elas, podem-se citar lúpus eritematoso sistêmico, policondrite, polimiosite, dermatomiosite e esclerose sistêmica.
C - Vasculites As vasculites levam a inflamações progressivas da córnea, com afinamentos periféricos e eventuais perfurações. O tratamento causal é sistêmico, com tentativas de manutenção da integridade ocular. Dentre as vasculites, podem-se citar granulomatose de Wegener, poliarterite nodosa, síndrome de Churg-Strauss e arterite de células gigantes.
25
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA 5. Resumo Quadro-resumo Cerattes
Agentes
Tratamento
Cerattes bacterianas
Colírios fortficados com antmicrobianos de amplo esEstafilococos, estreptococos, pseudomopectro ou monoterapia com quinolona. Sempre colher nas e enterobactérias. cultura.
Ceratte herpétca
Herpes-simples tpo I ou II.
Herpes-zóster
Varicela-zóster.
Aciclovirsistêmico.
Ceratte fúngica
Leveduriformes (cândida) oufilamentosos.
Tópico e sistêmico:fluconazol, cetoconazol para leveduriformes, anfotericina B, natamicina parafilamentosos.
Ceratte por acanthamoeba
Agente oportunista:acanthamoeba.
Isotanato de propamidina + poliexametleno de biguanida.
Cerattes interstciais
Reação a alguma infecção prévia ou em Investgação do síto e tratamento específico, e outro síto do organismo humano. cortcoide tópico.
Cerattes imunológicas
Artrite reumatoide, colagenoses e vasculites.
26
Aciclovir tópico ou sistêmico.
Tratamentos específicos + lubrificação ocular.
CAPÍTULO
7
Cristalino Wilson Takashi Hida / Juan Carlos Izquierdo / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
1. Introdução O cristalino ou lente é uma estrutura biconvexa, transparente, avascular e envolvida por uma cápsula ligada ao músculo ciliar através de zônulas. Na acomodação, ocorre uma modelagem do cristalino, a partr da ação do músculo ciliar nas zônulas e estas na cápsula, resultando na focalização da imagem na re tna.
2. Catarata Catarata (Figura 1) é quando o cristalino perde a transparência por qualquer motvo. É a principal causa mundial de cegueira, responsável por 50% dos casos de incapacidade visual. Há um número estmado de 17 milhões de cegos por catarata no mundo. Pessoas idosas têm maior chance de desenvolver catarata, e a maioria das pessoas com catarata está acima dos 50 anos. Isso significa que, com o aumento da expecta tva de vida, mais pessoas desenvolverão catarata, e o número de casos de cegueira aumentará. A perda visual aqui é progressiva (podendo levar semanas ou anos), e não existem outros sintomas relacionados diretamente.
3. Etologia As causas desta patologia são: - Catarata relacionada à idade ou senil (mais comum); - Traumátca: Não penetrante (concussão ocular); Penetrante (no cristalino). - Choque elétrico; - Radiação ionizante; - Radiação infravermelha; - Metabólicas: Diabetes; Galactosemia; Manosidose; Doença de Fabri; Síndrome de Lowe; Síndromes hipocalcêmicas. - Tóxicas: Esteroides; Clorpromazina; Miótcos; Bussulfano; Amiodarona; • •
• • • • • •
• • • • • •
-
Ouro (usado ocasionalmente no tratamento da artrite reumatoide). Secundárias: Uveíte; Glaucoma; Alta miopia; Distrofias hereditárias da retna (retnite pigmentar, amaurose congênita de Leber, atro fia girata, síndrome de Wagner, síndrome de Stckler); • • • •
Figura 1 - Catarata total
27
OFTALMOLOGIA •
Congênita (rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus, drogas ingeridas pela mãe durante a gravidez, como esteroides e talidomida).
4. Classificação A opacidade pode ser classi ficada morfologicamente em 3 tpos: subcapsular posterior, nuclear e cortcal. Tem como finalidade definir seu tpo e diversidade. Em linhas gerais, a classificação é feita in vitro ou in vivo. A 1ª
foi desenvolvida com base na observação de núcleos extraídos com a técnica cirúrgica intracapsular de catarata (o cristalino era extraído inteiro junto com o saco capsular); avaliava-se a cor do núcleo como parâmetro de severidade. O sistema mais aceito é o de classificação de opacidades do cristalino III (Lens Opacites Classificaton Systems III – LOCS III), que utliza 6 padrões de cor para opacidade nuclear e 5 graus de opacidade cortcal e subcapsular. O número indica a severidade de cada tpo de catarata (Figura 2).
Figura 2 - Sistema de classificação de opacidade do cristalino: LOCS III
5. Tratamento O tratamento da catarata é exclusivamente cirúrgico. Indica-se a cirurgia quando a diminuição da visão prejudica a qualidade de vida do paciente. A cirurgia de catarata consiste na remoção do cristalino opaco, substtuído por uma lente intraocular, visando à melhora da qualidade visual. Na atualidade, existem 2 técnicas de cirurgia:
intraocular. Alguns pontos de sutura são necessários para o fechamento da incisão (Figura 4).
A - Extração extracapsular da catarata Anteriormente à técnica extracapsular, o cristalino era extraído juntamente com o saco (facectomia intracapsular), deixando o paciente sem o implante da lente intraocular (Figura 3). Posteriormente surgiu a técnica que extrai o cristalino inteiro por uma incisão corneoescleral e capsulotomia (abertura do saco capsular). Deixa-se uma parte su ficiente de saco capsular para a implantação de uma lente
28
Figura 3 - Técnica de extração intracapsular da catarata
CRISTALINO
IA G O L O M L A T F O
Figura 4 - Técnica de extração extracapsular
B - Facoemulsificação Técnica que utliza tecnologia avançada, tanto nos equipamentos como nos insumos, e apresenta constante evolução. A evolução da técnica e da tecnologia utlizada na cirurgia de catarata, verificadas nas últmas 2 décadas, trouxe como consequências imediatas o encurtamento do tempo da cirurgia, a rápida recuperação fsica e visual e a redução do tempo de internação hospitalar. Esta técnica cirúrgica usa incisões bem menores (na maioria das vezes, dispensa pontos de sutura). Após a abertura do saco capsular, fragmenta-se e aspira-se o cristalinodentro do saco, utlizando instrumentais cirúrgicos apropriados e a caneta de facoemulsificação (emite vibrações ultrassônicas). Após a limpeza do saco, introduz-se a lente intraocular. Na atualidade, os pacientes estão preferindo operar da catarata cada vez mais precocemente, devido à maior exigência visual, à ó tma recuperação pela facoemulsificação e às modernas lentes intraoculares, que diminuem a dependência dos óculos.
Figura 6 - Início de uma cirurgia por facoemulsificação
6. Resumo Quadro-resumo - Etologia: · Catarata relacionada à idade ou senil (mais comum). - Traumátca: · Metabólica; · Tóxicas; · Secundárias. - Tratamento: · Cirurgia.
Figura 5 - Técnica de facoemulsificação: (A) fragmentação e (B) aspiração da catarata, preservando a cápsula ou saco capsular
29
OFTALMOLOGIA
CAPÍTULO
8
Glaucoma Wilson Takashi Hida / Daniel Cruz Nogueira
1. Introdução
principalmente o não pigmentado, por 2 vias: secreção tava (bomba de Na/K-ATPase, mediado pela ação da anidrase carO glaucoma é um grave problema de saúde ocular, e al- bônica), sendo esta a principal via; e a secreção passiva (ulguns autores evidenciam que é a maior causa de cegueira trafiltração e difusão). O HA é lançado na câmara posterior, irreversível do mundo. A maior dificuldade está no diagnóstentre a íris e o cristalino, passando para a câmara anterior, co, pois a perda visual acontece da periferia para o centro da sendo então absorvido principalmente pela via convencional visão, e o paciente só percebe a alteração quando a doença (90%) e 10% pela via alternatva. já está muito avançada. Esse fato ressalta ainda mais a importância dos exames oalmológicos preventvos (Figura 1).
Na via convencional ou trabecular o HA segue o seguinte trajeto: trabeculado uveal trabeculado corneoescleral trabeculado endotelial ou justacanalicular canal de Schlemm canais coletores veias episclerais. Na via alternatva ou uveoescleral, o HA passa do corpo ciliar e íris para o espaço subcoroidiano, no qual é drenado pela circulação venosa do corpo ciliar.
Figura 1 - Visão tubular no glaucoma avançado
Glaucoma não é sinônimo de aumento da pressão intraocular (PIO). Épor uma neuropatpicas a óptdo ca disco crônica caracterizada alterações ópprogressiva, tco e da camada de fibras nervosas da retna, repercutndo na perda do campo visual. Na maioria das vezes, vem acompanhado do aumento da PIO.
- Fisiologia do humor aquoso O Humor Aquoso (HA) é o líquido que mantém a pressão do olho. É produzido pelo epitélio do corpo ciliar (Figura 2), Figura 2 - Trajeto do humor aquoso
30
GLAUCOMA
2. Glaucoma primário de ângulo aberto ou glaucoma crônico simples O Glaucoma Primário de Ângulo Aberto (GPAA) é o tpo mais comum de glaucoma, com maior incidência em raça negra, há correlação com hereditariedade e idade (geralmente após os 65 anos) e sem predileção por sexo. Para o diagnóstco do GPAA, devem-se avaliar a escavação do disco óptco, a PIO, a espessura corneal (paquimetria), o campo visual (perimetria), o ângulo camerular (avaliada pela gonioscopia) e o aspecto das fibras nervosas da retna. Uma PIO é considerada normal entre 11 e 21mmHg (medida pelo tonômetro). Uma relação escavação/disco óptco normal, na maioria das vezes, é de até 0,3 (Figura 3). Maior do que 0,3, já se pode suspeitar de glaucoma (Figura 4).
- Tratamento É tratado com ant-hipertensivos oculares, existndo diversas classes de drogas: beta-bloqueadores (diminuem a produção do HA), alfa-agonistas (diminuem a produção do HA e aumentam o fluxo uveoescleral), inibidores da anidrase carbônica (diminuem a produção do HA) e as prostaglandinas (aumentam o fluxo uveoescleral). Na maioria das vezes, o controle da PIO com monoterapia ou terapia combinada é satsfatório. Para os casos com resposta insu ficiente ao tratamento medicamentoso, a cirurgia está indicada: trabeculoplasta, trabeculectomia.
3. Glaucoma de PIO normal É uma variante do GPAA, mas com a PIO <21mmHg; Geralmente os pacientes são mais idosos que no GPAA; - As mulheres têm mais riscos; - Maior incidência nos japoneses. -
- Tratamento Idêntco ao GPAA, o maior parâmetro não é o nível da PIO e sim o aumento da escavação e a perda do campo visual.
4. Glaucoma primário de ângulo fechado Ocorre quando o fluxo de drenagem do HA é bloqueado parcial ou totalmente pela íris periférica. O diagnóstco de-
Figura 3 - Escavação em disco óptco de 0,3
pende mais da câmara anterior e da óp gonioscopia do quedas do alterações fundo de olho (escavação do disco tco), e campos visuais normais não excluem o diagnóstco. Pode ser crônico e apresentar crises agudas (glaucoma agudo). O glaucoma agudo ocorre por fechamento abrupto e total do ângulo, apresentando perda dolorosa da visão. Cons ttui uma urgência que, se não tratada de imediato, ocasiona perda total da visão. - Fatores de risco: Idade acima de 60 anos; Mais frequentes em mulheres: 4:1; Histórico familiar; Mais frequente nos asiátcos; Hipermetropia. • • • • •
O paciente procura o pronto-socorro referindo baixa visual dolorosa, associada a sintomas inespecíficos, como náuseas e-mal-estar. O olho congesto com (Figura )5: Injeção ciliar pelaapresenta-se hiperemia dos vasos do limbo e da conjuntva; Edema de córnea; - Câmara anterior rasa; - Reação celular no humor aquoso; - Pupila oval no sentdo vertcal, em midríase média paralítca; - Vasos irianos dilatados; -
Figura 4 - Escavação em disco óptco de 0,7/0,8
31
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA -
PIO severamente aumentada (de 50 a 100mmHg); Edema e hiperemia do disco óptco.
- Tratamento
minuem à drenagem do HA. Tratamento com iridectomia e colírios antglaucomatosos; -
Glaucoma secundário ao cristalino: a) facolítco: relacionado a cataratas hipermaduras, cujas proteínas atravessam a cápsula íntegra do cristalino, obstruindo o trabeculado. Tratamento com colírios an tglaucomatosos e cor tcoides, e facectomia; b) facomór fico: relacionado a catarata intumescente, o aumento do volume do cristalino cria uma condição semelhante ao glaucoma agudo. Tratamento com colírios an tglaucomatosos, iridectomia e facectomia;
-
Glaucoma pseudoesfolia tvo: decorrentes à síndrome de pseudoesfoliação da cápsula do cristalino. Obstruem o trabéculo. Tratamento semelhante ao glaucoma primário de ângulo aberto;
-
Glaucoma pigmentar: decorrentes à síndrome de dispersão pigmentar da íris. Obstruem o trabéculo. Tratamento semelhante ao glaucoma primário de ângulo aberto;
-
Glaucoma neovascular: decorrente a neovasos na íris e ângulo camerular. Estes neovasos provêm de doenças neovasculares da re tna. Tratamento retniano com fotocoagulação da re tna, injeção de drogas ant-VEGF, cirurgia de implante de válvula antglaucomatosa e ciclofotocoagulação;
-
Glaucoma in flamatório: secundário a processo in flamatório de uveítes, trauma tsmos ou cirurgias. Além
No glaucoma de ângulo fechado, deve-se realizar a iridotomia a laser (uma abertura na periferia da íris, que comunica a câmara anterior com a posterior), para ajudar a prevenir as crises agudas ou a sair delas. Na crise aguda, além de colírios hipotensores, pode-se ins tlar colírio miótco, usar soluções hipertônicas IV ou VO e hipotensores oculares sistêmicos, além de analgesia para a dor.
Figura 5 - Pupila dilatada, edema de córnea e injeção ciliar no glaucoma agudo
5. Glaucomas secundários São os glaucomas secundários a outras patologias que interferem no aumento da PIO: - Glaucoma por células fantasmas (hemácias degeneradas no humor aquoso): decorrentes a sangramentos na câmara anterior. O tratamento consiste em colírios antglaucomatosos, cortcoides e eventualmente cirurgia para remover o sangue; - Glaucoma na fstula carótdo-cavernosa: o aumento da pressão do retorno venoso diminui o retorno do humor aquoso. Tratamento com colírios antglaucomatosos. Dependendo da gravidade, correção cirúrgica dafstula; - Glaucoma em tumores intraoculares: bloqueia a drenagem do HA. Tratamento com colírios antglaucomatosos e tratamento específico; - Glaucoma no descolamento ciliocoroidiano: leva à lesão do trabéculo. Tratamento com colírios an tglaucomatosos; - Glaucoma na invasão epitelial: o epitélio da córnea invade o interior através de uma ferida, obstruindo o trabeculado. Tratamento com colírios antglaucomatosos, excisão cirúrgica do epitélio distópico e cirurgias antglaucomatosas podem ser necessárias; - Glaucoma na iridosquise: associado 90% ao glaucoma de ângulo fechado, a separação dos folhetos da íris di-
32
da medicação an tglaucomatosa, cor tcoides tópicos devem ser considerados; -
Glaucoma congênito primário: ocorre por redução da drenagem do HA por malformação congênita na via de drenagem e aparece nos primeiros anos de vida. Um ou os 2 olhos ficam exuberantes, de coloração azulada (bulalmo), mas com o tempo a córnea fica turva e com perda visual progressiva. Sintomas como lacrimejamento e fotofobia acentuada podem estar presentes. O tratamento cirúrgico deve ser o mais rápido possível, além do uso dos colírios an tglaucomatosos.
6. Resumo Quadro-resumo É uma neuropata óptca crônica progressiva, Glaucoma
picas do disco caracterizada por alterações óptco e da camada de fibras nervosas da retna, repercutndo na perda do campo visual.
PIO normal
10 a 21mmHg.
GPAA
É o mais comum, com maior incidência em negros.
Glaucoma de Uma variante do GPAA, mas com PIO <21mmHg. PIO normal
GLAUCOMA
É quando o fluxo de drenagem do HA é bloqueado parcial ou totalmente pela íris periférica. Pode ser crônico e apresentar crises agudas Glaucoma (glaucoma agudo). O glaucoma agudo ocorprimário de re por fechamento abrupto e total do ângulo, ângulo fechaapresentando perda dolorosa da visão. Este do - glaucorepresenta uma urgência, e, se não tratada de ma agudo imediato, o paciente pode ter a perda total da visão. Em questões, sempre aparece a palavra “midríase”. Glaucomas
São os glaucomas secundários a outras patolo-
secundários Glaucoma congênito primário
gias que interferem no aumento da PIO.
IA G O L O M L A T F O
Ocorre por redução da drenagem do HA por malformação congênita na via de drenagem.
33
OFTALMOLOGIA
CAPÍTULO
9
Uveítes Juan Carlos Izquierdo / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
1. Introdução
3. Classificação clínica
A úvea é formada por íris, corpo ciliar e coroide. Uveíte é a inflamação do trato uveal e de estruturas anexas à úvea, inflamadas concomitantemente. Pode ser classificada com base na: - Anatomia; - Clínica; - Etologia.
a) Uveíte aguda: início sintomátco abrupto que persiste durante 8 semanas ou menos. Se reaparecer, denomina-se aguda recorrente.
2. Classificação anatômica
4. Classificação etológica
a) Uveíte anterior: irite (afeta, predominantemente, a íris), iridociclite (afeta a íris e parte anterior do corpo ciliar pars plicata). b) Uveíte intermediária:afeta a parte posterior do corpo ciliar pars plana e periferia externa da retna e da coroide. c) Uveíte posterior: inflamação da coroide e da re tna posterior. d) Pan-uveíte: afeta todo o trato uveal.
a) Uveíte exógena: causada por lesões externas à úvea ou invasão de micro-organismos ou outros agentes externos. b) Uveíte endógena: causada por micro-organismos ou agentes já presentes no paciente. Os principais são: - Enfermidade sistêmica;
b) Uveíte crônica: persiste durante 3 meses; tem início insidioso, pode ser assintomátca; às vezes, podem aparecer exacerbações agudas ou subagudas da in flamação.
-
Infecções;
-
Entdades com uveíte específica idiopátca;
-
Entdades com uveíte inespecífica idiopátca.
5. Achados clínicos A - Uveíte anterior Fotofobia, dor, hiperemia, diminuição da acuidade visual e lacrimejamento. Na uveíte crônica, o olho pode estar branco e com sintomas mínimos. Figura 1 - Classificação anatômica da uveíte
34
a) Injeção ciliar: geralmente, está associada à miose.
UVEÍTES
f) Nódulos de Busacca: menos frequentes, localizados na íris, afastados da pupila.
IA G O L O M L A T F O
Figura 2 - Injeção ciliar na uveíte anterior aguda
b) Precipitados corneais (PK): são depósitos sobre o endotélio corneano. Formam-se nas partes média e inferior da córnea. PKs finos aparecem nas uveítes anteriores: - Os PKs médios são produzidos na maioria das uveítes agudas e crônicas (Figura 3); - Os precipitados cerátcos grandes são chamados “gordura de carneiro”, quando têm aspecto de cera, e aparecem na uveíte granulomatosa; - Os PKs recentes tendem a ser brancos e redondos; - Os PKs antgos são pigmentados, como vidro ba tdo (hialinizado).
Figura 4 - (A) Nódulo de Koeppe e (B) nódulo de Busacca
g) Sinéquias posteriores: aderências entre a superfcie anterior do cristalino (cápsula anterior) e a íris. São exemplos de uveíte anterior: espondilite anquilosante, síndrome de Reiter, artrite psoriátca, artrite juvenil, colite ulceratva, doença de Crohn, Behçet, hanseníase, síndrome uveítca de Fuchs e herpes-zóster.
B - Uveíte intermediária
Figura 3 - Precipitados corneais médios
c) Células: células do humor aquoso indicam in flamação atva e se classificam de acordo com o número de células, na faixa de zero a 4+. Células do humor vítreo anterior se comparam, em densidade, com as do humor aquoso. d) Flare no humor aquoso: o humor aquoso turvo é resultado da perda de proteínas dos vasos sanguíneos lesados na íris. Não indica, necessariamente, in flamação atva. Classificação de zero a 4+. e) Nódulos de Koeppe: são pequenos e situados no bordo pupilar.
Os sintomas podem ser “moscas volantes” ou apresentar perda de visão por edema macular cistoide. - Sinais: vitreíte (inflamação do humor vítreo), com poucas células na câmara anterior, e ausência de lesões no fundo do olho. São exemplos doença de Whipple, sí filis (também pode ser posterior) e sarcoidose (a forma mais comum é a anterior, mas pode apresentar a forma intermediária e a posterior).
C - Uveíte posterior Existem 3 tpos: unifocal, multfocal e geográfica (Figuras 5 e 6); - Os sintomas incluem “moscas volantes” e baixa da acuidade visual; -
35
OFTALMOLOGIA As mudanças no humor vítreo incluem células, aspecto turvo, opacidades e descolamento do vítreo posterior. Coroidites são manchas cinza ou amarelas com bordos bem marcados. As lesões inatvas aparecem como áreas brancas com bordos pigmentados. Podem aparecer reações secundárias na câmara anterior, como células e flare; - São exemplos citomegalovírus, necrose re tniana externa progressiva (PORN, tpo de varicela-zóster), necrose aguda de retna (herpes-simples), rubéola con-
gênita, toxoplasmose (uveíte mais comum no Brasil), toxocaríase, pneumocistose coroidiana, histoplasmose, candidíase.
Figura 7 - Vasculite
D - Pan-uveíte A pan-uveíte é composta por sinais e sintomas de todas as apresentações de uveíte. São exemplos a tuberculose (também pode dar a forma isolada anterior, intermediária e posterior), a sarcoidose e a síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada.
6. Tratamento Figura 5 - Coroidite focal atva
Para realizar o tratamento das uveítes em geral, temos os objetvos: - Prevenir complicações que comprometam a acuidade visual; - Diminuir ao máximo a sintomatologia; - Tratar a doença de base, se possível. Para isso, dispomos de colírios midriá tcos, cor tcoides, imunomodulador es, an tmetabólicos e bloqueadores biológicos.
A - Midriátcos Para aliviar o espasmo do músculo ciliar e do esfncter pupilar. Pode-se usar atropina por 1 semana e, em seguida, tropicamida ou ciclopentolato, que são drogas com duração de ação mais breve; - Para prevenir as sinéquias posteriores; -
-
Figura 6 - Coroidite multfocal antga
A retnite tem um aspecto nebuloso; é di fcil diferenciar quando existe retna saudável ou afetada. A vasculite (inflamação dos vasos sanguíneos) pode aparecer e, em alguns casos, também afeta as arteríolas (Figura 7).
36
Para romper as sinéquias.
B - Cortcoides -
Cortcoides tópicos para uveíte anterior: dexametasona, betametasona e prednisolona. Interrompe-se o tratamento dentro de 5 a 6 semanas para as uveítes agudas; também são usados quando há reação de câmara anterior decorrente à uveíte posterior ou intermediária;
UVEÍTES
-
Uveíte anterior crônica: a in flamação pode durar meses ou anos. Usa-se, na reagudização, 1 gota de 2/2 horas por 2 a 3 dias e depois se reduz de forma gradual, até a ausência dos sintomas;
-
Complicações do tratamento: glaucoma, catarata subcapsular anterior, alterações da córnea, diminuição da imunidade;
-
Injeções perioculares: de efeito prolongado, alcançam concentrações até na parte posterior do cristalino. O tratamento é feito com acetato de triancinolona ou acetato de metlprednisolona;
-
Injeções intraoculares: indicadas para tratamentos refratários às opções anteriores; casos de edema macular cistoide. O acetato de triancinolona ou pellet de liberação lenta de dexametasona pode ser u tlizado;
-
Sistêmicos: indicado para uveítes intermediárias refratárias a injeções subtenonianas posteriores; uveítes posteriores que ameacem a visão ou pan-uveíte. Predinisolona ou prednisona.
C - Imunomodulares É a droga de escolha para Behçet, podendo ser u tlizada para uveíte intermediária, síndrome de Vogt-KoyanagiHarada, retnocoroidopata de Birdshot, oalmia simpátca e vasculite retniana idiopátca. Usam-se ciclosporina e, como alternatva, o tacrolimo.
D - Antmetabólicos
e das cápsulas das ar tculações, resultando em anquilose óssea do esqueleto axial. Afeta tpicamente homens e o HLA-B27 é posi tvo em 95%. A uveíte anterior aguda ocorre em 25% dos pacientes; - Artrite psoriátca: a uveíte anterior aguda ocorre em 7% dos pacientes. Há um aumento da prevalência de HLA-B27 e HLA-B17.
B - Artrite idiopátca juvenil A Artrite Idiopátca Juvenil (AIJ) compromete crianças com menos de 16 anos de idade, é uma artrite inflamatória, com, no mínimo, 6 semanas de duração. É a doença mais comum associada à uveíte anterior na infância. Classifica-se pelo número de artculações comprometdas: - AIJ pauciartcular: até 4 ar tculações comprometdas, representa 60% dos casos. A uveíte afeta 20% das crianças; - AIJ poliartcular: 5 ou mais artculações, representa 20% dos casos. A uveíte afeta 5% dos casos; - AIJ sistêmica (doença de Stll): representa 20% dos casos. Não está associada à uveíte. A uveíte na AIJ é anterior crônica e não granulomatosa. Bilateral em 70% dos casos.
C - Sarcoidose É um distúrbio inflamatório granulomatoso não caseo-
Usado nas uveítes que ameaçam a visão, as quais geralmente são bilaterais, não infecciosas, reversíveis e refratárias à terapia com esteroides ou para diminuir a dose e os efeitos colaterais dos cortcoides sistêmicos. Podemos usar metotrexato, azatoprina e micofenolato de mofetla.
so, mediado por linfócito e de srcem Pode acometer levemente um Tórgão ou ser desconhecida. multssistemicamente letal. No olho, pode levar à uveíte anterior aguda ou crônica, uveíte intermediária, periflebite, infiltrados coroidiais, coroidite multfocal, granulomas retnianos, neovascularização de retna periférica e granuloma, e edema de nervo óp tco.
E - Bloqueadores biológicos
D - Síndrome de Behçet
São usados principalmente em transplantes de órgãos, ainda em caráter experimental nas uveítes. São os antagonistas do receptor IL-2 e a terapia com o fator de necrose anttumoral alfa (TNT alfa).
Doença multssistêmica, idiopátca, caracterizada por episódios recorrentes de ulcerações orogenitais e vasculite, que pode comprometer veias e artérias de pequeno, médio e grande calibres. A doença ocular manifesta-se num período de 2 anos após a ulceração oral, mas, raramente, pode levar até 14 anos. Complicações oculares comprometem até 95% dos homens e 70% das mulheres afetadas. - Sinais:
7. Etologias t
A - Espondiloartropa as
Síndrome de Reiter: conhecida também como artrite reatva, caracteriza-se por uma tríade: artrite, conjuntvite e uretrite inespecífica. Oitenta e cinco por cento dos pacientes apresentam HLA-B27 positvo. A uveíte anterior aguda ocorre em cerca de 12%, e, mais raramente, a uveíte intermediária; - Espondilite anquilosante: caracteriza-se por in flamação, calcificação e, por fim, ossificação dos ligamentos
•
-
• •
• •
Uveíte anterior aguda recorrente: pode ser uni ou bilateral, frequentemente relacionada a hipópio (depósito celular na câmara anterior) móvel e transitório em um olho calmo; Vasculite retniana: pode levar a oclusões; Vazamento vascular: pode levar ao edema difuso da retna, edema cistoide de mácula e de disco óptco; Infiltrados retnianos; Vitreíte.
37
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA E - Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada É uma doença autoimune, multssistêmica, idiopátca, que atnge melanócitos, causando in flamação dos tecidos que os contêm, como pele, úvea, ouvido e as meninges. -
Sinais: •
•
Uveíte anterior: geralmente não granulomatosa durante a fase aguda, exibindo aspectos não granulomatosos durante as recidivas, que acontecem apenas no seguimento anterior; Uveíte posterior: ocorre em pacientes com doença de Harada e é frequentemente bilateral. Os achados são, em ordem cronológica: * Infiltração coroidal difusa;
Figura 8 - Retnocoroidite por toxoplasmose: lesões branca (atva) e negra (antga) -
* Descolamentos multfocais da retna sensorial e edema de disco;
•
* Descolamento exsudatvo da retna;
•
* A fase crônica caracteriza-se por atrofia difusa do epitélio pigmentar da retna.
F - Uveíte por toxoplasmose É a mais frequente uveíte do Brasil. A re tnocoroidite por Toxoplasma gondii, protozoário intracelular obrigatório, pode ser adquirida pré ou pós-natal. Episódios recorrentes de inflamação são comuns e ocorrem quando os cistos se rompem, liberando centenas de taquizoítos para as células retnianas normais. As cicatrizes, que são as fontes de recidivas, podem ser resíduos de infestação congênita ou, mais comumente, manifestação tardia da forma adquirida. O homem é um hospedeiro intermediário deste parasita, e o gato é o definitvo. - Diagnóstco: baseia-se na lesão compa vel visibilizada por oalmoscopia e na sorologia positva para antcorpos da toxoplasmose; -
Sinais: •
•
•
Surgimento súbito unilateral de “moscas volantes”, perda visual e fotofobia; Comumente uveíte anterior aguda granulomatosa; Foco inflamatório solitário próximo a uma cicatriz pigmentada antga (Figura 8);
•
Múltplos focos são incomuns;
•
Vitreíte severa.
38
Complicações: quase 25% dos olhos têm grave perda visual em decorrência de:
•
-
Comprometmento macular; Comprometmento primário ou secundário à papila óptca; Oclusão de um vaso sanguíneo.
Tratamento: visa diminuir as complicações, a duração e as recidivas: •
•
•
•
Bactrim F (sulfametoxazol, 800mg + trimetoprim, 160mg), 12/12h, por 45 dias; Daraprim (pirimetamina), dose de ataque, 50mg VO, 12/12h, e dose de manutenção, 25mg VO, 12/12h, associada ao ácido folínico, 5mg/dia e sulfadiazina, 2g VO, dose única, depois 1g VO, 6/6h, por 3 a 4 semanas; Clindamicina 300mg, 6/6 horas por 3 a 4 semanas; Cortcoide sistêmico (prednisona ou prednisolona) podem ser utlizados se houver comprometmento visual. Tópicos sempre que tver reação anterior, associado a colírios midriátcos.
G - Toxocaríase Infecção por Toxocara canis, verme intestnal de cães. Pode se apresentar de 3 formas: endoalmite crônica, granuloma de polo posterior e granuloma periférico. a) Endoalmite crônica Geralmente ocorre na idade dos 2 aos 9 anos, com leucocoria (Figura 9), estrabismo ou perda visual unilateral.
UVEÍTES
Sintomas
Fotofobia, dor, hiperemia, diminuição da acuidade visual e lacrimejamento. Frequentemente aparece a palavra “miose” (pupila fechada) nas questões.
Tratamento
Depende do agente, geralmente com colírios de cortcoides associados ao tratamento específico.
Figura 9 - Leucocoria: re flexo retniano branco -
Sinais Uveíte anterior; Vitreíte; Granuloma periférico; A retna periférica e a pars plana podem estar cobertas de um denso exsudato branco-acinzentado. • • • •
O tratamento para diminuir a in flamação é feito com esteroides sistêmicos e perioculares. O USG é usado para diferenciar outras causas de leucocoria. O prognóstco é sombrio e casos de descolamento de re tna e atrofia ocular são frequentes, podendo levar à enucleação. b) Granuloma de polo posterior A forma pica de apresentação é a perda visual unilateral, entre os 6 e 14 anos de idade. - Sinais: Ausência de inflamação intraocular; Presença de granuloma sólido único no polo posterior; Traves vitreorretnianas e descolamento de retna podem estar presentes. • •
•
c) Granuloma periférico Compromete adolescentes e adultos. Pode ou não levar à perda visual. - Sinais: Ausência de inflamação intraocular; Presença de granuloma periférico; Traves vitreorretnianas e tração na mácula e disco óptco podem estar presentes. • • •
8. Resumo Quadro-resumo - Anterior; Classificação
- Intermediária; - Posterior; - Pan-uveíte.
Mais frequente no Brasil
Toxoplasma gondii(uveíte posterior).
39
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA
CAPÍTULO
Retna
10 1. Introdução A re tna é a porção neurossensorial do olho, como um prolongamento do encéfalo por meio do nervo óp tco. É responsável pela transformação da luz em impulso nervoso que é percebido como imagem pelo córtex cerebral, além de ser composta por diversas células especializadas, entre elas os cones (responsáveis pela visão de cores e de maior nitdez) e os bastonetes (visão em preto-e-branco e percepção de movimentos). É dividida anatomicamente em 10 camadas. Como todo tecido nervoso, sua regeneração a injúrias é pratcamente inexistente. A re tna é nutrida principalmente pela coriocapilar (camada da coroide) e também pela artéria central da re tna, a qual é dividida em arteríolas, formando a rede capilar e posteriormente as vênulas, que drenam para a veia central da retna. Usualmente, os oalmologistas chamam as arteríolas e vênulas de artérias e veias da retna.
Daniel Cruz Nogueira
nitas da retna e vítreo, retnopata hipertensiva avançada e inflamações de retna e coroide. Quanto ao tratamento, aplicações de laser na retna de forma isolada são úteis na prevenção do descolamento em retnas predisponentes ao DR. Intervenções cirúrgicas variam conforme o tpo do DR e a sua localização, podendo ser retnopexia pneumátca, introflexão escleral ou vitrectomia.
2. Descolamento O Descolamento de Retna (DR) é uma separação entre a retna neurossensorial e o Epitélio Pigmentado da Re tna (EPR), além de ser um quadro muito grave, caracterizando uma urgência oalmológica, e o procedimento cirúrgico é quase inevitável para minimizar as sequelas (Figura 1). A maioria dos DRs ocorre espontaneamente em retnas com fragilidades anatômicas que predispõem ao descolamento, associadas ou não às trações vítreas, levando à baixa visual súbita, sem outros sintomas. Dentre essas predisposições, destacam-se as retnas de pessoas com alto grau de miopia. Outras causas de DR são traumatsmos oculares/ cranianos, retnopata diabétca proliferatva, degenerações retnianas, retnopata da prematuridade, alterações congê-
40
Figurade 1 -um Evidência rente rasgão de um DR em região superior de re tna decor-
3. Doença macular relacionada à idade A mácula é responsável pela visão central, com imagem de melhor definição e cor. No seu centro, encontra-se a fóvea, e nesta estão apenas os cones. Os bastonetes localizam-se na mácula e na periferia da re tna.
RETINA
A doença macular de maior importância epidemiológica é a Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI), a maior causa de perda visual irreversível após 50 anos no mundo ocidental. A perda visual central na DMRI é o resultado de alterações que ocorrem como resposta ao depósito de material anormal subretniano. Esse material denomina-se drusas e é derivado do EPR, cuja função de eliminação desse resíduo está falha (Figuras 2 e 3).
A Retnopata Diabétca (RD) altera primeiramente os capilares, as arteríolas pré-capilares e as vênulas pós-capilares. Com a evolução da doença, os vasos de maior calibre também são acometdos. A 1ª alteração vascular é a formação do microaneurisma, o qual leva à transudação de plasma formando o edema retniano e os exsudatos duros (lesões amarelas céreas). Os microaneurismas podem evoluir, também, para micro-hemorragias intrarretnianas. As manchas ou exsudatos algodonosos são enfartamentos da camada de fibras nervosas decorrente das oclusões de arteríolas pré-capilares. Anormalidades microvasculares intrarretnianas (IRMAS ou AMIR) representam derivações (shunts) que fluem das arteríolas para as vênulas (Figura 4).
Figura 2 - Retna sem alterações
Figura 4 - Retnopata diabétca avançada com microaneurismas, micro-hemorragias, exsudatos duros, edema retniano e IRMA (seta)
Figura 3 - Drusas difusas na re tna com maior concentração na mácula (seta)
A DMRI pode ser seca ou exsudatva, sendo a últma de pior prognóstco, pois há formação de membrana neovascular subretniana, que transuda na re tna. O tratamento para a DMRI seca consiste no uso de antoxidantes orais, mesmo assim ela ainda pode evoluir para DMRI atrófica, restando apenas os recursos óptcos de visão subnormal. Na DMRI exsudatva, há o uso de injeções intraoculares de substâncias antangiogênicas e aplicação de laser na retna.
4. Retnopata diabétca A DM tpo I ou tpo II associada à duração da doença, quando descontrolada, causa, entre outras alterações, distúrbios vasculares em todo o organismo, incluindo os vasos da retna. Como é possível avaliar visualmente de forma não invasiva as alterações vasculares na re tna, clínicos e endocrinologistas solicitam o mapeamento de re tna para avaliar a progressão das alterações do DM.
De acordo com a gravidade dos achados fundoscópicos, a RD não proliferatva é classificada em RD muito leve, moderada, avançada e muito avançada. Quando há neovasos retnianos ou de disco óptco, é chamada de RD proliferatva (estágio mais avançado). O tratamento na RD não proliferatva está indicado quando há edema macular clinicamente significatvo, podendo ser feitas aplicações de laser na retna ou aplicações de drogas intravítreo (cortcoides ou antangiogênicos). Para as RDs proliferatvas, sempre é necessário aplicar sessões de laser na retna, e o uso de drogas antangiogênicas pode ser associado. Complicações da RD proliferatva são hemorragia vítrea, fibrose
vitreorretniana (predispõe ao DR tracional), membranas opacas retnianas e neovascularização da íris (pode levar ao glaucoma neovascular). A triagem para o exame de retna e a acuidade visual nos diabétcos deve ser feita em todos os últmos acima dos 12 anos, controle anual dos casos leves e moderados, semestral para os avançados, precoce para os casos com comprometmento macular e de urgência para os casos de RD proliferatva.
41
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA 5. Retnopata hipertensiva A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) provoca alterações arteriolares em todo o organismo, inclusive nas arteríolas da retna. A visibilização direta desses vasos no exame de mapeamento de retna serve para avaliar o grau da re tnopata hipertensiva e oferecer informações da HAS aos clínicos, cardiologistas e nefrologistas. Didatcamente, a HAS é dividida em alterações hipertensivas (H0 a H3, conforme a gravidade clínica) e arteriosclerótcas (A0 a A3). A 1ª alteração hiperten siva é a vasoconstrição. Na fase aguda, o sinal é focal; com a cronicidade, este se torna difuso. Se a hipertensão for grave, poderá ocorrer a obstrução de arteríolas, formando exsudatos algodonosos. Vazamentos vasculares também são propensos a acontecer, levando a hemorragias intrarretnianas “em chama de vela”, edema de re tna, exsudatos duros e até edema de disco óptco. A arteriosclerose implica o espessamento da parede vascular, com hialinização da túnica íntma, hipertrofia da média e hiperplasia endotelial. Em sequência de alterações, temos aumento do reflexo dorsal das arteríolas, deflexão das vênulas nos cruzamentos com as arteríolas (sinal de Salus), arteríolas “em fio de cobre”, elevação das vênulas distalmente aos cruzamentos A/V (sinal de Bonnet), afilamento das vênulas em cada lado do cruzamento (sinal de Gunn) e arteríolas “em fio de prata” (Figura 5). A HAS também pode comprometer os vasos da coroide. O tratamento oalmológico visa prevenir as seguintes
da retna. As causas são as mesmas, porém a 1ª tende a ser mais grave. - Causas: Trombose relacionada à aterosclerose; Embolismo proveniente da bifurcação da artéria carótda comum: pode ser êmbolo de colesterol, fibrinoplaquetário ou de cálcio; Arterite de células gigantes; Embolismo cardíaco; Periarterite; Doenças tromboflicas. • •
• • • •
São achados oalmológicos: hemorragias “em chama de vela”, exsudatos algodonosos, edema de retna, isquemia retniana, estreitamento de arteríolas e vênulas e fios de prata (Figura 6). O tratamento da oclusão arterial de retna é uma urgência, pois, na maioria das vezes, leva à perda irreversível da visão, principalmente quando ocorreu há mais de 24 horas. Há alguma chance de sucesso a pacientes com menos de 48h de oclusão. São medidas que visam mobilizar o trombo ou êmbolo: massagem ocular, isordil e diminuição da PIO e estreptoquinase intravenosa.
complicações: - Oclusão de artéria e veia da retna; - Macroaneurisma arterial da re tna; - Neuropata óptca isquêmica anterior; - Paralisia do nervo oculomotor.
Figura 6 - Oclusão de ramo arterial temporal superior: hemorragias “em chama de vela”, exsudatos algodonosos, estreitamento de arteríolas e veias, fio de prata e edema, e isquemia de re tna
7. Oclusão venosa Pode ser de veia central ou de ramo de veia; claramente, a de veia central causa maior comprome tmento visual.
Figura 5 - Retnopata hipertensiva estágio H1 A1; seta branca: vasoconstrição focal; seta preta: sinal de Bonnet
arteriosclerose é o principal fator da oclusão venosa, pois aA artéria e a veia têm uma bainha adven cia comum. Assim, o espessamento da artéria comprime a veia, ocluindo-a. - Associações correlacionadas: Idade avançada; Sistêmicas: HAS, hiperlipidemia, diabetes, tabagismo e obesidade; Pressão intraocular elevada; Doenças inflamatórias oculares; •
6. Oclusão arterial A oclusão arterial da re tna pode ser dividida em oclusão de artéria central da re tna e oclusão de ramo arterial
42
•
• •
RETINA
Hiperviscosidade sanguínea; Doenças tromboflicas. - Achados oalmológicos: hemorragia “em chama de vela”, edema de retna, aumento da tortuosidade e dilatação venosa, manchas algodonosas, neovascularização de retna e disco óptco (podem levar ao glaucoma neovascular) e hemorragias vítreas (Figura 7). • •
Estágio: determina a gravidade dos achados da ROP, de 1 a 5. Quanto maior o estágio, mais grave é. Estágio 1: linha de demarcação da vascularização; Estágio 2: forma uma crista de demarcação; Estágio 3: proliferaçãofibrovascular extrarretniana; Estágio 4: DR parcial; Estágio 5: DR total. - Triagem: bebês nascidos com ou antes de 31 semanas de idade gestacional e/ou pesando 1.500g ou menos; - Tratamento: o acompanhamento é importante, mas apenas 8% dos bebês triados requerem tratamento. -
• • • • •
Elação este adepende gravidade, podendovia serpars fotocoagulaser ouda cirurgia (vitrectomia plana), para os casos com DR.
9. Resumo Quadro-resumo Descolamento de retna
Figura 7 - Oclusão de veia central da re tna: hemorragias “em chama de vela” difusa, edema re tniano, ingurgitamento e aumento da tortuosidade venosa -
Tratamento: deve-se realizar o acompanhamento para identficação das complicações e u tlizar aplicação de laser na retna, antangiogênicos ou cortcoides intravítreo quando há edema macular ou neovascularização.
8. Retnopata da prematuridade A re tnopata da prematuridade (ROP) é uma retnopata proliferatva que afeta crianças prematuras (geralmente menores que 32 semanas), com muito baixo peso de nascimento (geralmente, <1.500g) e que foram expostas a ambientes com alta concentração de oxigênio (Figura 8).
Baixa visual súbita, sem outros sintomas associados na maioria das causas. Degeneração macular relacionada à idade Perda visual central. A maior causa de perda visual é irreversível após 50 anos no mundo ocidental. Retnopata diabétca – achados Altera primeiramente os capilares, as arteríolas pré-capilares e as vênulas pós-capilares. Com a evolução da doença, os vasos de maior calibre são acometdos. Os microaneurismas são as pritniano, meiras alterações vasculares, evoluindo para edemamanchas re tnianas, exsudatos duros, micro-hemorragias intrarre ou exsudatos algodonosos, anormalidades microvasculares intrarretnianas (IRMAS ou AMIR) e neovascularização de retna.
Retnopata hipertensiva – achados tVasoconstrição, exsudatos algodonosos, hemorragias intrarre nianas “em chama de vela”, edema de retna, exsudatos duros e até edema do disco óp tco. A arteriosclerose implica espessaflemento da parede vascular e pode acarretar aumento do re xo dorsal das arteríolas, deflexão das vênulas nos cruzamentos com as arteríolas (sinal de Salus), arteríolas “emfio de cobre”, elevação das vênulas distalmente aos cruzamentos A/V (sinal de Bonnet), afilamento das vênulas em cada lado do cruzamento (sinal de Gunn) e arteríolas “em fio de prata”.
Oclusão arterial da retna – achados Hemorragias “em chama de vela”, exsudatos algodonosos, edema de retna, isquemia retniana, estreitamento de arteríolas e vênulas, e fios de prata.
Figura 8 - Prematuro
O ROP pode ser dividido em estágios e zonas: - Zona: área de extensão da vascularização, de 1 a 3. Quanto maior a extensão, mais a retna está vascularizada (zona 3), sendo mais benéfica a ROP;
Oclusão venosa da retna – achados Hemorragias “em chama de vela”, edema de re tna, aumento da tortuosidade e dilatação venosa, manchas algodonosas, neovascularização de retna e disco óptco (podem levar a glaucoma neovascular) e hemorragias vítreas. Retnopata da prematuridade Triagem: bebês nascidos com ou antes de 31 semanas de idade gestacional e/ou pesando 1.500g ou menos.
43
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA
CAPÍTULO
11
Órbita Wilson Takashi Hida / Gustavo Malavazzi / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
1. Introdução A órbita, uma cavidade óssea em “forma de pera”, cujo caule é o canal óptco, protege o bulbo ocular e os seus anexos. O olho ocupa de 1/5 a 1/3 do espaço de 30mL; o restante é preenchido por gorduras e músculos.
2. Celulite orbitária A - Definição A celulite orbitária consttui uma situação aguda, extremamente grave. Ocorre secundariamente por extensão da infecção de tecidos vizinhos, trauma acidental ou cirúrgico (de 48 a 72 horas após o trauma) ou, menos frequentemente, por via hematogênica. A celulite pré-septal a tnge de forma aguda os tecidos palpebrais na região anterior ao septo orbitário; caso tal processo ultrapasse os limites desse septo, a condição passa a ser considerada celulite orbitária.
B - Etologia Os agentes etológicos envolvidos na celulite orbitária e pré-septal de crianças tendem a ser patógenos aeróbicos simples, como Haemophilus influenzae, Streptococcus sp, S. aureus e pneumococo. Os pacientes adultos tendem a ter infecções mais complexas causadas por flora mista, podendo conter micro-organismos anaeróbicos e ser mais refratárias ao tratamento clínico. A celulite derivada da sinusite é, sem dúvida, a mais comum, com cerca de 90% dos casos. Frequentemente, deriva da sinusite etmoidal e a tnge crianças e adultos jovens. É mais frequente no inverno, independe de raça e de sexo e pode ser consequente, também, a trauma cutâneo, ex-
44
tensão de infecção local ou de infecções distantes por via hematogênica.
C - Classificação a) Celulite pré-septal ou periorbitária: quando a inflamação está limitada à pálpebra, sem acometmento dos tecidos orbitários (anterior ao septo orbitário – Figura 1). b) Celulite orbitária ou pós-septal: quando ocorre edema difuso do conteúdo orbitário, com infiltração da gordura orbitária por células inflamatórias e bactérias, com ou sem a formação de abscesso. c) Abscesso subperiosteal: há coleção de pus entre a parede óssea orbitária e a periorbitária. d) Abscesso orbitário: caracterizado pela formação de abscesso dentro da gordura orbitária (Figura 2). e) Tromboflebite do seio cavernoso: complicação muito grave que consiste na extensão da infecção para o seio cavernoso.
D - Quadro clínico A instalação da celulite caracteriza-se por ser rápida, unilateral, com presença de quemose, proptose e dolorosa diplopia. Ao exame fsico, o paciente apresenta-se prostrado e febril. A proptose normalmente é lateral e inferior, e as pálpebras têm edema, hiperemia, calor local e dor à palpação. Os movimentos oculares estão prejudicados e dolorosos. Em casos avançados, a acuidade visual está diminuída e pode apresentar defeito pupilar aferente. Nos casos de infecção secundária por sinusite, é comum observar secreção nasal purulenta. Existem complicações potenciais que podem afetar os casos mais graves. Meningite, abscesso cerebral e trombose de seio cavernoso acometem até 4% dos casos; absces-
ÓRBITA
so subperiorbital, mais frequente nos casos secundários a traumas (acidental ou cirúrgico); ceratopata, aumento da pressão ocular, oclusão da veia ou da artéria central da retna e neurite óptca.
E - Diagnóstco laboratorial e tratamento O médico normalmente reconhece a celulite orbitária sem a necessidade de exames complementares. No entanto, a determinação de sua causa pode exigir maior inves tgação, incluindo o exame dos dentes e da boca, radiogra fias e Tomografia Computadorizada (TC) dos seios da face, em cor-
3. Tumores benignos orbitários O hemangioma capilar é o tumor orbitário mais comum entre as crianças, enquanto, entre os adultos, o mais comum é o hemangioma cavernoso. Os demais tumores são bem menos frequentes. Em geral, a conduta compreende apenas observação clínica.
4. Doença ocular treoidiana A - Definição
tes axial e coronal. Frequentemente, o médico coleta amosExoftalmopatia tireoidiana, orbitopatia de Graves, tras do revestmento do olho e da pele, de sangue, da garganta ou dos seios da face para a realização de cultura. Esses doença ocular tireoidiana ou exoftalmopatia endócrina. exames ajudam a determinar otpo de bactéria responsável Esta doença pode ou não estar associada ao hipertireoipela infecção e o tratamento que deve ser ins ttuído. dismo. Nos casos leves, administram-se antbiótcos orais e, nos A exoalmia é a protuberância do olho anteriormente casos graves (pós-septais), antbiótcos intravenosos, com in- para fora da órbita. A exoalmia endócrina é uma das afecternação. O antbiótco inicialmente utlizado pode ser muda- ções mais frequentes da órbita e pode levar a inúmeras aldo quando os resultados das culturas dos materiais enviados terações funcionais e estétcas. ao laboratório sugerem que outro é mais fi e caz. Algumas veA Orbitopatia de Graves (OG) pode ser definida como zes, a cirurgia é necessária para drenar umabscesso (coleção uma doença autoimune órgão-específica. Na maioria purulenta) ou um seio da face infectado (Figura 2). dos casos, está associada ao hipertireoidismo decorNas crianças menores de 5 anos, a an tbiotcoterapia deve, rente do bócio difuso tóxico, sendo, portanto, uma das obrigatoriamente, cobrirHaemophilus influenzae. Trata-se via principais manifestações da doença de Graves descrita parenteral com ampicilina, 200mg/kg/dia, associada à penicina literatura europeia no século XIX por Flajani, Parry, lina, 100mg/kg/dia. Nos adultos, a terapia parenteral abrange antbiótcos de amplo espectro, com cefalosporina de 3ª ou 4ª Graves e Basedow. Embora seja mais frequente em mugeração e metronidazol para cobertura de anaeróbios. Em ca- lheres adultas entre 40 e 60 anos, a OG pode acometer sos de intolerância ou sensibilidade a essas drogas, podem ser pacientes de ambos os s exos, de diferentes faixas etárias, incluindo neonatos, crianças e adultos acima de 50 anos. usadas clindamicina ou vancomicina. Na população adulta, a OG é a causa mais comum de proptose, uni ou bilateral. Aproximadamente, 80% dos pacientes com OG apresentam acometimento da órbita dentro de 18 meses. A doença de Graves consttui a forma mais comum de hipertreoidismo (de 60 a 80%). A maioria dos estudos relata taxas de incidência de 0,5/1.000 indivíduos/ano.
B - Classificação Figura 1 - Celulite pré-septal, em decorrência de hordéolo de pálpebra superior direita
Figura 2 - Celulite pós-septal, com abscesso orbitário; aspecto após drenagem de abscesso
O desenvolvimento da doença tem 2 estágios. O 1º é o de atvidade inflamatória, em que os olhos ficam hiperemiados e dolorosos. Tende a regredir dentro de 3 anos, e somente 10% dos pacientes desenvolvem sequelas oculares. No 2º estágio, os olhos estão calmos, embora ainda dolorosos movimentação. Nesse estágio, ocausada indivíduo pode apresentaràde leve desconforto à cegueira, pela exposição prolongada da córnea ou por uma neurite óp tca. Nunery dividiu os pacientes em 2 tpos: - Tipo I: não apresenta miopa ta restritva, e o exoalmo acontece por uma produção aumentada de ácido hialurônico, promovida pelos fibroblastos; - Tipo II: apresenta miopata restritva e pode apresentar diplopia.
45
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA C - Etologia e fisiopatologia O hipertreoidismo da doença de Graves é caracterizado imunologicamente por infiltração linfocitária da glândula treoide e atvação do sistema imune, com elevação dos linfócitos T circulantes e aparecimento de autoan tcorpos que se ligam ao receptor do TSH (TRAb) e estmulam o crescimento e a função glandular. O mecanismo da exoalmia endócrina se dá por uma reação autoimune órgão-específica, em que os antcorpos (IgG) são responsáveis pelas seguintes alterações: a) Hipertrofia dos músculos extraoculares: causada por um aumento dos aminoglicanos, os músculos podem atngir até 8 vezes o seu tamanho srcinal. b) Infiltrado celular: presença de linfócitos, células plasmátcas, macrófagos e mastócitos. Pode levar à degeneração das fibras musculares, assim como fibrose, que exerce contenção do músculo envolvido, levando à miopata restritva e à diplopia. c) Proliferação de gordura orbitária, tecido conec tvo e glândulas lacrimais: ocorre retenção de líquido e glicosaminoglicanos. A oalmopata infiltratva é habitualmente bilateral e observada em cerca de 75 a 90% dos doentes com doença de Graves.
D - Quadro clínico As principais estruturas orbitárias envolvidas no complexo processo autoimune da doença são os músculos extraoculares e o tecido adiposo. O aumento das dimensões da musculatura extraocular é um achado frequente, podendo variar de um incremento mínimo de alguns músculos a um enorme alargamento de todos os músculos, especialmente os retos medial e inferior. Além de estrabismo restri tvo, a hipertrofia muscular está fortemente associada à neuropata óptca, uma das mais temidas complicações da OG, pelo risco de deficiência visual grave e permanente. Existem inúmeros sinais que se podem iden tficar nesses pacientes, como a margem da pálpebra superior permanecer 2mm posterior ao limbo. Retração palpebral consttui suspeita sempre que a pálpebra superior está no nível do limbo superior ou acima dele (sinal de Dalrymple). A pálpebra não acompanha o olhar para baixo na mesma velocidade (sinal de von Graefe), e há aparência de um olhar assustado, em virtude da retração palpebral (sinal de Kocher).
E - Diagnóstco e tratamento O diagnóstco deve ser cuidadosamente realizado com exames laboratoriais e de imagem. O paciente deve ser tratado em conjunto pelo o almologista e pelo endocrinologista. O uso de lubrificantes para os que têm exposição prolongada da córnea e o uso de antbiótcos tópicos deve ser considerado para tardar e prevenir manifestações oculares mais graves.
46
Muitos pacientes com retração de pálpebra não necessitam de tratamento, e há remissão espontânea do quadro em cerca de 50% dos casos. Se não há remissão do quadro palpebral, pode-se optar por ressecção do músculo reto inferior, müllerectomia, ressecção dos retratores, blefaroplasta, tarsorrafia lateral e até toxina botulínica. Além de tratamento clínico e radioterapia, vários procedimentos cirúrgicos podem ser necessários no tratamento desta afecção. Pode-se realizar a descompressão orbitária na fase aguda da doença, para tratar a perda visual decorrente de lesão da córnea ou do nervo óptco (ocorre, em ta por compressão 5% dossanguíneo casos, neuropa direta ou suprimento inadequado, com defeito de campo visual e de cores) ou na fase crônica, para corrigir a deformidade estétca decorrente da proptose. Tal procedimento pode ser feito por várias vias de acesso: lateral, anterior, inferior, superior, medial ou associações destas. A maioria das técnicas utlizadas atualmente combina a remoção de 2 ou mais paredes orbitárias. A remoção das paredes inferior e medial pode ser feita por via transtarsal, transconjuntval ou palpebral. Outros autores combinaram a remoção das paredes medial e inferior com a da lateral ou u tlizaram a remoção de parte das 4 paredes orbitárias para a correção de grandes exoalmias. As diversas técnicas de descompressão óssea da órbita têm sido consideradas procedimentos cirúrgicos agressivos com muitas complicações possíveis, em especial, os desequilíbrios da mo tlidade ocular extrínseca. Porém, muitas das complicações decorrem de cirurgias extensas para obter uma correção muito grande da proptose.
5. Resumo Quadro-resumo Celulite Ocorre secundariamente por extensão da infecção de tecidos vizinhos, trauma acidental ou cirúrgico (de 48 a 72 horas após o trauma) ou, menos frequentemente, por via hematogênica. a) Celulite pré-septal ou periorbitária biotcoterapia (ATB) VO.
→
ant-
b) Celulite orbitária ou pós-septal → ATB IV. Classificação c) Abscesso subperiosteal → ATB IV + drenagem e tratamento do abscesso. d) Abscesso orbitário → ATB IV + drenagem do abscesso. e) Tromboflebite do seio cavernoso→ ATB IV. Tumores benignos orbitários Crianças
Hemangioma capilar.
Adultos
Hemangioma cavernoso. Doença ocular treoidiana
Pode ou não estar associada ao hipertreoidismo (frequentemente associada). Compromete mais mulheres, tabagistas e idade entre 40 e 60 anos. Há hipertrofia dos músculos extraoculares e da gordura orbitária, e ocorrem infiltrados celulares. Tratamento Clínico, endócrino e sintomátco e/ou cirúrgico.
CAPÍTULO
12
Tumores malignos Wilson Takashi Hida / Jonathan Lake / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
1. Tumores malignos de pálpebra
B - Carcinoma espinocelular
As prioridades nos tumores de pálpebra são a sua iden te o diagnóstco. Alguns tumores têm aspecto semelhante a quadros inflamatórios palpebrais, portanto a evolução clínica e a história devem ser realizadas minuciosamente. Excisões do tumor devem ser realizadas com margens de 3 a 5mm de segurança, e um patologista deve examinar todas as margens do tecido para confirmar a remoção total.
Manifestação ocular característca de aspecto eritematoso, endurecido, com placa queratnizada ou nodular com margens imprecisas. Tais tumores têm uma incidência de cerca de 5%, acometem geralmente indivíduos idosos, estão associados a fatores intrínsecos (xeroderma, albinismo) e ambientais (raios UV, radiação ionizante, PUVA, HPV), desenvolvem-se a partr de queratoses acnicas e apresentam potencial metastátco. Seu tratamento é feito por meio
ficação
A - Carcinoma basocelular O carcinoma basocelular (CBC), o tumor maligno mais comum (de 85 a 95%) da pálpebra, acomete o canto medial e apresenta aspecto nodular, plano com telangiectasias. O CBC não apresenta disseminação metastátca. Geralmente, acomete pessoas da raça branca (99%) entre 40 e 80 anos (95%). O tratamento é feito com a excisão confirmada por histologia, biópsia de congelação ou incisional até reconstrução palpebral. Radioterapia, fototerapia e crioterapia podem ser utlizadas como terapia adjuvante. Tipos histológicos: - Ulcerado; - Pigmentado; - Esclerosado; - Superficial; - Fibroepitelioma.
fi
de remoção extensa com con rmação todascirúrgica, as margens, ou seja, nos casos iniciais, opta-se pelade excisão radioterapia ou crioterapia; em casos graves, pode levar até a exenteração (retrada do bulbo ocular e de seus anexos).
Figura 2 - Carcinoma espinocelular na região periorbicular medial
C - Carcinoma de células sebáceas
Figura 1 - Carcinoma basocelular na pálpebra inferior
O carcinoma de células sebáceas srcina-se das glândulas de Meibomius ou das glândulas sebáceas dos cílios, carúncula e sobrancelha, além de ser rela tvamente raro. As manifestações oculares de aparência variada (calázio ou hordéolo) podem estender-se para canalículos, via lacrimal e cavidade nasal, e apresentam maior grau de malignidade, com possibilidade de disseminação para órbita e linfonodos. Sua apresentação multfocal pode exigir várias excisões
47
OFTALMOLOGIA com margem de segurança; se houver comprome tmento da conjuntva ou órbita, procede-se à exenteração e, se houver comprometmento ganglionar, deve-se encaminhá-lo para o especialista em cabeça e pescoço.
Figura 4 - Rabdomiossarcoma na pálpebra inferior
Figura 3 - Carcinoma de células sebáceas
Trata-se de uma lesão irregular e elevada com 2 fases de crescimento. A incidência aumenta com a idade, é comum na raça branca e equivale a 1% dos tumores malignos; o tumor srcina-se a par tr de nevos ou melanomas conjun tvais. Há a associação sistêmica à síndrome do nevo displásico. Sua disseminação é vertcal e profunda. Como pode levar a óbito e é responsável por 66% das mortes por câncer, o tratamento do carcinoma de células sebáceas (quando a massa tumoral é >1,5mm e apresenta extensão vascular e/ ou linfátca ou exenteração) é feito por meio de remoção extensa com margem de segurança, esvaziamento ganglionar e crioterapia. Estudos demonstram que a sobrevida dos pacientes que apresentam tumor <0,76mm é de 100% após 5 anos, enquanto, em casos de tumores >1,5mm, essa taxa cai para 50%. Tabela 1 - Tipos histológicos (melanoma cutâneo) - Tipos histológicos (melanoma cutâneo); - Lentgo maligno 5%; - Superficial 70%; - Nodular 16%*; - Outros 9%. * Tem pior prognóstco e apresenta-se com crescimento rápido, sangramento e ulceração.
2. Tumores malignos de órbita Os tumores malignos de órbita são bastante raros, porém muito graves. O diagnóstco precoce é fundamental para a preservação da vida do paciente. Os mais frequentes são carcinoma de glândula lacrimal, glioma do nervo óptco, meningioma da bainha do nervo óptco, neurofibroma, linfoma, rabdomiossarcoma (Figura 4) e tumores metastátcos. Em geral, a conduta compreende exérese cirúrgica e/ ou radioterapia.
48
3. Tumores malignos do bulbo ocular Os tumores malignos que acometem o bulbo ocular têm diferentes apresentações de acordo com o local de invasão. Tumores que acometem a superfcie ocular são de difcil tratamento e podem prejudicar a visão do paciente. Apresentam crescimento lento, infiltração somente local e raramente são metastátcos. Tumores intraoculares são mais graves, além de comprometerem locais importan ssimos, como a retna e a úvea. Caso não sejam tratados a tempo, podem levar a metástases e ao óbito.
A - Tumores malignos de super fcie a) Neoplasia intraepitelial conjuntval A Neoplasia Intraepitelial Conjuntval (NIC) é uma proliferação de epitélio espinhoso displásico. Acomete, com mais frequência, indivíduos da raça branca, expostos à luz solar. A região acometda mais comumente é o limbo corneoconjuntval (95%) na região interpalpebral. Diversos autores encontraram relações da NIC com o HPV (subtpos 6, 8 e 11), sendo provável que sua srcem seja mul tfatorial. O aspecto é de lesão esbranquiçada que aumenta de forma lenta, até acometer, em alguns casos, toda a conjuntva. Esse tpo de neoplasia não é metastátco e não ultrapassa a membrana basal. O tratamento é feito por meio de excisão cirúrgica com margem de segurança de 2mm e crioterapia das bordas remanescentes. A taxa de recidiva pode chegar a 50% caso não seja realizada a remoção total. b) Carcinoma espinocelular invasivo (CEC) O CEC de conjuntva pode surgir como evolução de uma NIC não tratada. Clinicamente, apresenta um aspecto mais elevado, que envolve regiões maiores e maior número de vasos e pigmentos. Nesses casos, ocorre invasão da membrana basal. O tratamento é realizado por excisão cirúrgica com margens de segurança de 2mm e crioterapia agressiva. Caso seja constatada invasão intraocular, é indicada enucleação (retrada completa) do olho. Se constatada a invasão
TUMORES MALIGNOS
orbital em casos extremos, é necessária a exenteração (remoção total) da órbita. Poucos casos na literatura relatam disseminação metastátca. c) Displasia corneal Trata-se de uma alteração lenta do epitélio da córnea e limitada somente à sua super fcie. Acredita-se que apresente espectros que podem variar de benigno a maligno com infiltração local. Normalmente, as lesões são limitadas e podem ser removidas por meio de raspagem simples. d) Carcinoma mucoepidermoide Este, considerado uma variante do CEC, apresenta evolução clínica muito mais rápida do que o próprio CEC, que normalmente é indolente. Localiza-se em qualquer região da conjuntva, e o tratamento é realizado com remoção agressiva com crioterapia. Caso seja constatada invasão intraocular ou orbital, torna-se necessário realizar a enucleação e a exenteração para cada caso, respec tvamente. e) Carcinoma de células fusiformes Pode surgir em qualquer região do limbo, córnea ou conjuntva, apresenta grande capacidade de invasão etem tratamento semelhante ao do carcinoma mucoepidermoide.
B - Tumores malignos intraoculares a) Melanoma maligno Trata-se do tumor intraocular mais frequente em adultos. Apresenta incidência de 0,4% em todos os pacientes oalmológicos. Ocorre, geralmente, após a 5ª década, é raro em indivíduos de raça negra, e a apresentação normalmente é unilateral.
A apresentação clínica dos melanomas pode variar bastante tanto em relação ao tamanho quanto em relação à pigmentação, que pode ser de amelanótca a muito pigmentada. Clinicamente, deve ser observado e fotografado ao longo dos meses o tamanho do tumor – em especial sua elevação, presença de placas, outras lesões, drusas (degeneração macular associada à idade), neovascularização e descolamento de retna. Todas essas condições indicam a evolução do tumor. Os exames auxiliares devem incluir retnografia seriada, angiofluoresceinografia e ultrassom modos A e B seriado a cada 3 a 4 meses. Com a confirmação do melanoma, devem ser colhidos exames sanguíneos de provas de função hepátca, além de exame fsico completo com estadiamento para verificar a presença de metástases. O tratamento depende do estadiamento e da progressão do tumor. Pequenos melanomas podem ser tratados por fotocoagulação a laser. Tumores atvos com menos de 10mm de elevação são tratados com placas radioatvas posicionadas por meio de cirurgia (braquiterapia). Tumores maiores em olhos, sem prognóstco visual, são tratados por meio de enucleação. E a exenteração é indicada caso haja recidiva orbital após enucleação. b) Retnoblastoma O re tnoblastoma é o tumor ocular mais comum na infância, com incidência de 1/20.000 nascimentos. Apresenta um dos maiores índices de cura para tumores malignos, no entanto, sem tratamento, tumores são invariavelmente fatais. É fundamental umacomo identesse ficação precoce, para a obtenção de alguma esperança de preservação visual futura, por meio de exame oalmológico em todas as crianças a partr dos 6 meses. Sessenta por cento dos retnoblastomas são não hereditários, e 40%, hereditários. Esse tpo de risco torna fundamental o aconselhamento genétco. A característca genétca do retnoblastoma manifesta-se por meio de anormalidade no síto 13q14.
Figura 5 - Apresentação do melanoma
Os tpos de melanoma variam de acordo com sua composição celular: fusiforme, epitelioide ou mista. O melanoma pode acometer diversas partes da úvea: a íris, o corpo ciliar e a coroide.
Figura 6 - Retnoblastoma (intensa proptose à esquerda)
49
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA 4. Resumo Quadro-resumo Tumores malignos de pálpebra Carcinoma basoO mais comum das pálpebras. celular Carcinoma espinocelular
Acomete geralmente indivíduos idosos e está associado a fatores intrínsecos (xeroderma, albinismo) e ambientais.
Raro, srcina-se das glândulas de Meibomius Carcinoma de ou das glândulas sebáceas dos cílios, carúncélulas sebáceas cula e sobrancelha. Tumores malignos de órbita Raros, porém muito graves. Figura 7 - Retnoblastoma
A manifestação clínica inicial mais importante do re tnoblastoma é a leucocoria (pupila branca). O estrabismo divergente é a 2ª manifestação mais comum. Outras manifestações, como proptose, pseudo-hipópio e metástases a distância são possíveis indicadores do tumor, porém já apresentam um péssimo prognóstco de vida para o paciente. O tumor tem aspecto róseo e arredondado na re tna. Além disso, pode apresentar 1 ou vários focos e crescer sob ou por cima da retna. As metástases geralmente ocorrem pelo nervo óptco para o sistema nervoso central. O tumor é classificado de acordo com tamanho, número de lesões e semeamento para o vítreo. O tratamento é realizado por radioterapia em casos mais favoráveis. A enucleação é realizada em casos mais graves em que há múltplos focos e envolvimento do vítreo. Outras opções de tratamento envolvem fotocoagulação, braquiterapia e crioterapia, geralmente u tlizadas como adjuvantes. c) Metástases uveais São as metástases mais frequentes do olho, em virtude da disseminação por via hematogênica. As principais srcens das metástases são câncer de mama e de pulmão. Apresentam-se como lesões multfocais disseminadas de aspecto esbranquiçado e irregular. As manifestações clínicas variam de acordo com o local acome tdo, e o diagnóstco é feito por fundoscopia, angio fluoresceinografia e, em algumas situações, biópsia. d) Outros tumores Tumores malignos raros que podem acometer a retna e a coroide são meduloepiteliomas, linfomas de retna e leucemia na retna. Esses tumores apresentam aspecto inde finido de inflamação ou sangramentos e são diagnos tcados por exclusão.
50
Carcinoma de glândula lacrimal, glioma do nervo óptco, meningioma da bainha do nervo óptco, neurofibroma, linfoma, tumores metastátcos e rabdomiossarcoma.
Mais comuns
Tumores malignos de superfcie do bulbo ocular Neoplasia Trata-se de uma proliferação de epitélio espiIntraepitelial nhoso displásico. Conjuntval (NIC) Carcinoma espiPode surgir como evolução de uma NIC não nocelular invasitratada. vo (CEC) Trata-se de uma alteração lenta do epitélio Displasia corneal da córnea e limitada somente à sua superfcie. Carcinoma mucoepidermoide
Este, considerado uma variante do CEC, apresenta evolução clínica muito mais rápida e agressiva do que o próprio CEC.
Pode surgir em qualquer região do limbo, Carcinoma de cécórnea ou conjuntva, e apresenta grande calulas fusiformes pacidade de invasão. Tumores malignos intraoculares Melanoma maligno
Trata-se do tumor intraocular mais frequente em adultos. Apresenta incidência de 0,4% em todos os pacientes oalmológicos. Ocorre, geralmente, após a 5ª década, e a apresentação normalmente é unilateral.
Retnoblastoma
É o tumor ocular mais comum na infância, com incidência de 1/20.000 nascimentos. Apresenta um dos maiores índices de cura para tumores malignos, no entanto, sem tratamento, esses tumores são invariavelmente fatais.
Metástases uveais
Sãodisseminação as mais frequentes olho, em virtude da por viado hematogênica. As principais srcens das metástases são câncer de mama e de pulmão.
CAPÍTULO
Estrabismo
13 1. Introdução O alinhamento normal dos olhos caracteriza-se pelo paralelismo dos eixos visuais no olhar para longe e pela interseção destes no ponto próximo de fixação. Esse alinhamento depende da ação sincronizada dos músculos extraoculares. Estrabismo é o não alinhamento ocular que, se não tratado na infância, pode levar à ambliopia (perda visual definitiva por falta de estímulo, que acontece até por volta dos 7 anos, da área cortical responsável pela visão).
Daniel Cruz Nogueira
O estrabismo é dividido basicamente em exotropia (desvia os olhos para temporal) e esotropia (desvia os olhos para medial). Há também desvios ver tcais e síndromes associadas.
2. Diagnóstco Geralmente, os pais trazem a criança já referindo que ela tem desvio nos olhos. O oalmologista realiza exames de motlidade ocular para identficar a presença e o tpo do estrabismo ou até mesmo um pseudoestrabismo.
Figura 1 - Testes para diagnóstco de estrabismo
3. Tipos de estrabismo a) Esotropias (Figura 3): podem ter componente refracional associado ou não; quando presente a hipermetropia, devem ser prescritas lentes positvas. Na esotropia essencial do lactente (esotropia congênita ou síndrome de Ciancia), a criança deve ser operada mais precocemente (até os 2 anos).
b) Exotropias (Figura 4): podem ser constantes ou intermitentes. Correção óptca significatva deve ser prescrita. c) Síndromes especiais: Duane, Brown, Mobius, síndromes por fibroses congênitas de músculos oculares. d) Paralisias ou paresias de músculos oculares: resultam em estrabismo. A causa da alteração motora deve ser investgada.
51
OFTALMOLOGIA 4. Tratamento Antes mesmo de nos preocuparmos com o desvio propriamente dito, devem-se avaliar a acuidade visual e/ou a capacidade de fixação ocular. São fatores que determinam o bom desenvolvimento visual; se houver sinais de ambliopia, o tratamento com adesivos oclusores oculares deverá ser imediatamente realizado, além da prescrição óptca adequada. A oclusão visa penalizar o olho bom para o olho mais fraco desenvolver-se, pois, na maioria das vezes, com os 2 olhos abertos, o fraco fica suprimido. Exceto nos casos sujeitos à contratura muscular (exemplo: esotropia congênita), a cirurgia pode ser realizada a qualquer momento. Além de devolver a visão do olho desviado e a visão binocular, o tratamento do estrabismo é cosmétco (devolve à pessoa uma aparência normal).
5. Resumo Quadro-resumo Ambliopia - Perda visual definitva por falta de esmulo, que acontece até por volta dos 7 anos, da área cor tcal responsável pela visão. Deve ser tratado precocemente com correção óp tca e oclusão do olho bom. Classificação
Figura 2 - Tipos de estrabismo: (A) esotropia; (B) exotropia; (C) hipermetropia e (D) hipotropia
- Esotropias; - Exotropias; - Síndromes especiais; - Paralisias ou paresias dos músculos oculares.
Figura 3 - Esotropia
Figura 4 - Exotropia
52
CAPÍTULO
14
Traumatsmos oculares Wilson Takashi Hida / Liang Shih Jung / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
1. Introdução Traumatsmos oculares de diversas formas são atendidos em serviços de atendimento de urgências gerais e oftalmológicas. São frequentemente associados a acidentes automobilístcos, do trabalho e domiciliares (em crianças, ocorrem por objetos pontagudos, brinquedos e substâncias químicas), e, em geral, outras regiões do organismo também estão comprometdas. Os traumatsmos oculares compreendem desde lesões fsicas, perda da integridade dos tecidos oculares, até corpos por estranhos, abrasões e queimaduras químicas, irradiaçãolacerações, ou térmicas. Independente da causa, o médico não especialista responsável pelo 1º atendimento deve identficar a extensão das lesões, formular as hipóteses diagnós tcas e adotar as condutas iniciais, visando diminuir as sequelas. O tratamento ocular, clínico ou cirúrgico, não é um procedimento de emergência, devendo-se dar prioridade à avaliação sistêmica do paciente. Os traumatismos oculares representam uma importante causa de incapacidade funcional, temporária ou definitiva da visão, com grande custo para o indivíduo e a sociedade. O traumatismo ocular contuso é mais frequente no adulto jovem e no sexo masculino, à proporção de 4:1 em relação ao sexo feminino; 38,7% dos traumatismos oculares acontecem por acidente de trabalho. Nos EUA, acontecem mais de 2.500.000 traumas anuais, e mais de 40.000 indivíduos ficam com deficiência visual importante, o que os impede de ter uma condição de vida satisfatória.
2. Diagnóstco No atendimento ao paciente politraumatzado, primeiramente devem ser avaliadas suas condições clínica e neurológica, e só posteriormente deverá ser feita a avaliação oalmológica.
A anamnese deve ser detalhada para obter o máximo de dados pelo paciente e/ou acompanhantes. Itens como local do acidente, uso de óculos ou lentes de contato, material que atngiu o olho, forma, velocidade e substâncias químicas são de extrema importância. Em crianças, a história pode ser difcil, uma vez que os próprios responsáveis podem não ter presenciado o ato traumátco. Apesar disso, a presença destes é legalmente necessária. O exame oalmológico inicia-se com a medida da acuidade visual monocular. Mesmo aqueles que estão sobre um leito, de medir a visão na objetos tabela padronizada, impossibilitados podem ser avaliados mostrando-lhes e questonando se o olho traumatzado consegue visualizar o que está sendo mostrado. A acuidade visual pobre ao exame inicial sugere prognóstco mais reservado, fato que deve ser informado ao paciente. Inicia-se, então, o exame externo, observando a presença de lesões do globo e deformações das regiões orbitária, periorbitária, da pálpebra e dos cílios. A inspeção detalhada pode identficar lacerações, corpos estranhos, equimoses periorbitárias (fraturas orbitárias ou da base do crânio) e proptoses (lesões mais complexas do cone orbitário). A presença de crepitação à palpação pode sugerir o comprometmento de seios da face. O globo ocular deve ser observado anotando-se sua forma e a presença de exoalmia ou de eno almia. A motricidade ocular deve ser avaliada. Na suspeita de traumatsmo aberto, o exame o almológico pode ser suspenso e completado sob anestesia geral, em que já se adotará a conduta de finitva, clínica e/ou cirúrgica naquele tempo anestésico. Exames complementares radiológicos, como tomografia, ressonância magnétca e ultrassonografia, podem ser necessários, a depender da suspeita. Costumeiramente, os traumatsmos são divididos em mecânicos (perfurantes e não perfurantes) e não mecânicos (queimaduras térmicas, elétricas, químicas e por irradiação).
53
OFTALMOLOGIA Didatcamente, podem-se classificar os traumatsmos oculares, quaisquer que sejam as causas, de acordo com o comprometmento visual (grau do trauma), local do trauma (zona) e característca da(s) lesão(ões). Tabela 1 - Classificação de traumatsmos oculares Traumatsmo ocular fechado Tipo A Contusão. B Laceração lamelar. C Corpo estranho superficial. D Misto. Zona I Externa (conjuntva bulbar, esclera e córnea). Segmento anterior (envolvimento de estruturas do segII mento anterior, incluindo a cápsula posterior do cristalino e a pars plicata). III Segmento posterior (todas asestruturas posteriores à cápsula posterior do cristalino). Traumatsmo ocular aberto Tipo A Ruptura. B Penetrante. C Corpo estranho intraocular. D Perfurante. E Misto. Zona I Córnea, incluindo o limbo corneoescleral. II Limbo, corneoescleral até 5mm posterior na esclera. III Posterior aos 5mm da esclera. 1 2 3 4 5
Grau (válido para traumas aberto e fechado) Acuidade visual ≥20/40. 20/50 a 20/100. 19/100 a 5/200. 4/200 à percepção luminosa. Sem percepção luminosa.
A avaliação do chamado “segmento anterior do olho”, composto por conjuntva, córnea, esclera, musculatura extrínseca ocular, câmara anterior, íris, ângulo camerular e cristalino, é realizada por meio da biomicroscopia, u tlizando-se a lâmpada de fenda. Na ausência desse aparelho, o uso de uma lanterna permite a identficação de soluções de contnuidade no tecido ocular, alterações pupilares (miose ou midríase), presença de sangramento (hifema) ou depósito inflamatório na câmara anterior (hipópio). O cristalino pode estar atópico (luxação ou subluxação), sugerindo ruptura das fibras zonulares que o sustentam. A hemorragia subconjuntval pode ser benigna, sugerindo ruptura de vasos superficiais, ou ser um sinal indireto de rotura do globo ocular. Diante dessa últma situação, a conduta de exploração cirúrgica deve ser adotada para con firmar ou afastar a possibilidade de uma rotura oculta. Lacerações conjuntvais podem estar associadas a ferimentos mais profundos, acometendo a esclera. Se houver con firmação de ferimentos conjuntvais e esclerais, haverá a necessidade de sutura escleral seguida da conjuntval. Na córnea, deve-se observar a presença de abrasões (Figura 2), opacidade, edema, lesões, corpos estranhos, perfurações (autosselantes ou não) e perda de tecidos. Abrasões corneanas podem acontecer por corpos estranhos, lentes de contato e objetos inadvertdamente levados ao globo ocular. Nos casos de corpos estranhos, estes devem ser retrados sob anestesia local, com colírio. Todos os olhos com abrasão corneana devem ser tratados por meio de oclusão ocular com pomada cicatrizante, com antbiótco de amplo espectro profilátco, reavaliando-se diariamente até a reepitelização.
3. Tratamento As lesões palpebrais devem ser cuidadosamente avaliadas. Lesões no canto medial podem indicar comprometmento das vias lacrimais. Se necessário, a reconstrução palpebral deve ser realizada após a reconstrução do globo ocular (Figura 1).
Figura 2 - Abrasão de córnea
Figura 1 - Laceração da pálpebra e hematoma periorbitário
54
O objetvo básico do tratamento das perfurações oculares é manter a integridade do globo ocular e a sua topografia, aplicando a técnica cirúrgica correta. Os tratamentos das lesões perioculares e de outros ferimentos faciais associados são secundários. A cirurgia o almológica é prioritária (Figura 3).
TRAUMATISMOS OCULARES
Figura 3 - Trauma perfurante após sutura corneal com catarata traumátca
O trauma orbitário pode ser resultante de fratura do assoalho da órbita (fratura “em blow out”). Nesta fratura, o bulbo ocular desloca-se para dentro da órbita (eno almo), limitando o movimento ocular para cima, pois o músculo reto inferior pode estar encarcerado (Figura 4). A avaliação clínica é importante, mas exames de imagem são fundamentais. A radiografia permite identficar a fratura, e a tomografia leva a uma melhor avaliação e, consequentemente, melhor planejamento cirúrgico, se necessário.
res, permitndo, assim, maior penetração do produto. Nas queimaduras por ácidos, a coagulação das proteínas impede maior penetração do produto, mas ainda assim consttui uma situação delicada. Tanto por álcali quanto por ácido, o olho acometdo deve ser irrigado copiosamente (com solução salina fisiológica, Ringer ou Ringer lactato por no mínimo 30 minutos) para re trar a substância da super fcie ocular. Após a irrigação, o exame na lâmpada de fenda pode evidenciar vesgios da substância ou do tecido necrosado, que devem ser retrados mecanicamente. O tratamento depende da gravidade da queimadura, e o principal fator é o grau da isquemia do limbo corneoescleral. Em casos de isquemia leve (extensão menor que 1/3 do limbo), o tratamento é clínico, à base de antbiótcos, cortcoides e cicloplégicos tópicos. Pode-se aventar a possibilidade de ocluir o olho com pomada cicatrizante ou uso de lente de contato terapêutca até a reepitelização. Em casos mais graves, opta-se por tratamento cirúrgico, para restabelecer a irrigação do limbo. A queimadura por irradiação mais comumente observada é secundária à solda elétrica. Seis a 12 horas após a exposição, iniciam-se fotofobia, dor, lacrimejamento e sensação intensa de corpo estranho. O tratamento consiste em oclusão ocular com pomada cicatrizante. As queimaduras químicas são mais raras e menos graves. O tratamento é adotado dependendo da gravidade e da extensão das lesões.
4. Resumo Causa
Quadro-resumo Tratamento
Perfuração de bulbo ocular
Cirúrgico se a lesão não for autosselante.
Abrasão corneana
Curatvo oclusivo com pomada cicatrizante.
Laceração de pálpebra
Sutura ou reconstrução palpebral.
Fratura de órbita Cirúrgico se compromete a mobilidade ocular.
Figura 4 - Sinal da “gota pendente” na fratura “blow out” de assoalho de órbita direita; TC corte coronal
Corpo estranho superficial
Retrada de corpo estranho + curatvo oclusivo com pomada cicatrizante.
Contusão de bulbo ocular
Tratamento com cortcoides tópicos e hipotensores oculares SN se apenas inflamação ou cirúrgico em caso de lesão de tecidos.
Queimadura térmica
Curatvo oclusivo com pomada cicatrizante.
Queimadura
Lavagem ocular urgente. Depende da gravida-
química de: tópico, sistêmico ou até cirúrgico. Observação: todo politraumatzado deve ser avaliado primeiramente pelo plantonista geral, e somente após a estabilidade clínica o tratamento oalmológico deve ser realizado.
As queimaduras oculares podem ser classificadas quanto à etologia. A queimadura química pode decorrer de contato direto com ácido ou álcali. As queimaduras por álcali são mais graves, pois há saponi ficação das proteínas ocula-
55
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA
CAPÍTULO
15
Manifestações oculares na SIDA Gustavo Malavazzi / Lincoln Lemes Freitas / Daniel Cruz Nogueira
1. Definição
3. Etologia
A síndrome da imunode ficiência adquirida (SIDA) é uma doença fatal (se não tratada), causada pelo vírus da imunode ficiência humana (HIV), caracterizada por linfocitopenia, infecções secundárias e tumores. Tornou-se um dos principais problemas de saúde pública, devido ao expressivo aumento de sua incidência desde 1981. Porém, com o surgimento do HAART (Highly Ac tve An t-Retroviral Therapy ), houve uma redução considerável no número
a) Lesões de anexos: herpes-zóster; sarcoma de Kaposi (pálpebra e conjuntva) – lesão de pálpebra mais comum na SIDA; molusco contagioso (pálpebra). b) Lesões de órbita: linfomas; celulite orbitária (Aspergillus). c) Lesões de segmento anterior: olho seco; vasculite; ceratte infecciosa (varicela-zóster, herpes-simples); uveíte anterior (provocada por medicações; CMV; herpes-zóster).
de manifestações oculares nos pacientes com SIDA, em função da redução da replicação do HIV e do aumento na contagem dos linfócitos T e CD4, com diminuição na morbidade e na mortalidade. Existe um grupo de indivíduos infectados, cerca de 60% na literatura (pré-HAART), que apresenta manifestações oculares isoladas ou múl tplas, que podem ser diagnos tcadas previamente e alertar o médico perante a doença. O paciente com contagem de CD4 <50 células/mm 3 deve ser examinado por um o almologista a cada 6 meses.
tnopata (HIV, herd) Lesõesrede segmento posterior: pes-zóster); por CMV; neuritereóp tnite tca por CMV; coriorretnite (Toxoplasma gondii); coroidopata (Pneumocysts jiroveci); necrose aguda da retna; endoalmite. e) Lesões neuro-oalmológicas: paralisia dos nervos cranianos; papiledema.
2. Classificação Podem-se classificá-las em 4 grupos: 1 - Retnopatas não infecciosas (alterações da microcirculação, incluindo os exsudatos algodonosos, talvez resultado direto da infecção pelo HIV). 2 - Infecções oportunistas causadas por bactérias, vírus, fungos e protozoários (como citomegalovírus (CMV), toxoplasmose, retnites herpétcas). 3 - Neoplasias como o sarcoma de Kaposi conjuntval ou palpebral, o carcinoma espinocelular e os linfomas. 4 - Lesões neuro-oftalmológicas (secundárias à lesão do SNC).
56
4. Quadro clínico A - Retnopata não infecciosa A retnopata não infecciosa é o achado mais comum em pacientes com SIDA (50 a 75%). Hemorragias super ficiais e profundas na retna, microaneurismas e exsudatos algodonosos são sinais precoces de infecção por HIV. As lesões podem desaparecer em algumas semanas, e é provável que a microangiopata se deva ao depósito de imunocomplexos e à própria infecção do endotélio dos vasos.
B - Infecções oportunistas O CMV afeta 30% dos pacientes com contagem de CD4 <50 células/mm3. Infecções mais raras incluem agentes como Toxoplasma gondii, varicela-zóster vírus ePneumocysts jiroveci. Na retnopata por CMV, o quadro pode ser diagnostcado pela fundoscopia indireta, que mostra necrose da retna
MANIFESTAÇÕES OCULARES NA SIDA
central ao longo das arcadas vasculares com áreas granulares brancas, geográficas, periexsudatos e hemorragias. A vitreíte é rara ou ausente, e o descolamento de re tna pode ocorrer entre 30 e 50% dos casos. A coriorretnite por Toxoplasma gondii só se manifesta em 1% dos pacientes com SIDA. Ela produz uma retnite necrosante similar à infecção por CMV. Aproximadamente, 80% dos pacientes têm pneumonia por Pneumocysts jiroveci, e 60% dos casos são provenientes de infecções oportunistas. A disseminação extrapulmonar pode causar coroidite, caracterizada por inúmeras lesões fl
elevadas e amareladas com pouca ou nenhuma neoformans in amação. As coroidites multfocais por Cryptococcus frequentemente são associadas à meningite criptocócica e chegam ao olho por via hematogênica.
C - Infecções oportunistas externas O molusco contagioso é uma infecção comum de pele causada pelo DNA viral. Pode ocorrer na pálpebra e na conjuntva em grande número e é resistente ao tratamento. Abscessos secundários causados por outros agentes, como Staphylococcus e CMV, já foram descritos, mostrando a chance de infecção secundária dessas lesões.
-
O paciente apresenta sintomas que definem AIDS; O diagnóstco e o tratamento de cada manifestação ocular seguem relacionados aos seus agentes etológicos e aspectos clínicos.
A - Uveíte anterior A uveíte anterior é diagnostcada pelo oalmologista com o exame de biomicroscopia. A terapia antrretroviral (ARV) deve ser recomendada pelo infectologista, considerando a carga viral, a contagem de CD4, os sinais e os sintomas clínicos. O uso de colírio cicloplégico e de cor tcoide ajuda a preservar a barreira hematoaquosa e diminui a inflamação, respectvamente.
B - Herpes-zóster Com base na história clínica e no exame fsico, realiza-se o diagnóstco. O tratamento consiste em aciclovir (10mg/ kg) IV a cada 8 horas, de 10 a 14 dias. A administração deve ser feita durante 1 hora, evitando lesão tubular renal. Podese associar valganciclovir VO até o fechamento das feridas (Figura 1).
D - Neoplasias O sarcoma de Kaposi é uma rara forma de neoplasia lenta que se manifesta como um nódulo de cor roxa na pálpebra e uma massa avermelhada na conjuntva. Pode ocorrer em 25% ou mais dos pacientes com SIDA.
E - Lesões neuro-oalmológicas O cérebro é frequentemente acometdo em estágios avançados da SIDA, tanto pela infecção direta do HIV como por infecções oportunistas. As lesões afetam de 10 a 15% os aspectos neuro-oalmológicos dos pacientes, resultando em visão borrada, problemas na motlidade ocular e diplopia.
5. Diagnóstco laboratorial e tratamento O principal tratamento específico que inibe a replicação viral do HIV é chamado terapia antrretroviral (ARV). Na metade da década de 1990, foram obtdos resultados de estudos clínicos que confirmaram a eficácia da combinação de 3 drogas, pertencentes a 4 classes distntas: nucleosídeo e Nucleodeo Reverso Transcriptase Inibidores (NRTIs, NtRTIs), Não Nucleosídeo Reverso Transcriptase Inibidores (NNRTIs), Protease Inibidores (PIs) e Fusão Inibidores (FIs). Essa associação é chamada HAART, e recomenda-se associar 1 droga PI ou NNRTI, combinada com 2 drogas NRTIs. O início de HAART baseia-se nos seguintes fatores: - O paciente tem sintomas da infecção pelo HIV; - O paciente tem pouca adesão a tratamentos; 3 - A contagem de CD4 é <350 células/mm ;
Figura 1 - Herpes-zóster com comprometmento ocular
C - Sarcoma de Kaposi A inspeção clínica das lesões e o exame histopatológico concluem o diagnóstco. O tratamento, quando necessário, é feito com quimioterapia sistêmica, criocirurgia, alfa-interferon, radioterapia ou excisão cirúrgica. A reconsttuição imunológica, principalmente com base na inibição da protease, pode resultar no fechamento das lesões (Figura 2).
Figura 2 - Sarcoma de Kaposi conjuntval
57
IA G O L O M L A T F O
OFTALMOLOGIA D - Microsporídio O diagnóstco é feito por biomicroscopia, raspado conjuntval e biópsia de conjun tva; HAART levando à recuperação imunológica.
E - Molluscum contagiosum O diagnóstco é feito pela inspeção clínica das lesões, e o tratamento inclui excisão cirúrgica, curetagem, crioterapia ou cauterização; HAART levando à recuperação imunológica.
F - Alterações neuro-oalmológicas O diagnóstco é feito por imagens radiológicas e avaliação neurológica. O tratamento deve ser conduzido por um neurologista.
G - Microangiopata O diagnóstco é feito pela fundoscopia indireta; HAART levando à recuperação imunológica.
H - CMV retnite e coroidite É a infecção oportunista mais comum nos pacientes com SIDA. O coquetel de antrretrovirais HAART leva à recuperação imunológica, diminuindo a incidência da CMV. O diagnóstco é feito pela fundoscopia indireta: retnite indolente ou retnite fulminante (Figura 3).
•
Aplicações intravítreas de ganciclovir, fomivirsen ou cidofovir estão reservadas aos casos mais graves ou resistentes à terapia sistêmica.
I - Necrose progressiva de retna externa (PORN) Causada pelo vírus varicela-zóster. O diagnóstco é feito pela fundoscopia indireta, e o tratamento, com altas doses de ganciclovir, foscarnete intravenoso e intravítreo, associado a aciclovir.
J - Toxoplasmose O diagnóstco é feito pela fundoscopia indireta, associada à dosagem de IgG e IgM plasmá tca. O tratamento é feito como na toxoplasmose sistêmica: atovaquona, 750mg, 8/8h, por cerca de 3 a 4 semanas, é a 1ª escolha para os pacientes com SIDA. Bactrim F (sulfametoxazol, 800mg + trimetoprim, 160mg), 12/12h, por 45 dias. Daraprim (pirimetamina), dose de ataque, 50mg VO, 12/12h, e dose de manutenção, 25mg VO, 12/12h, associada ao ácido folínico, 5mg/dia e sulfadiazina, 2g VO, dose única, depois 1g VO, 6/6h, por 3 a 4 semanas. Quanto aos pacientes com SIDA, a pirimetamina não deve ser o tratamento de 1ª escolha.
K - Sífilis Infecção peloTreponema pallidum, a sífilis ocular é incomum e ocorre entre os estágios secundários e terciários da doença. O diagnóstco é feito pela fundoscopia indireta na uveíte posterior, mas pode ocorrer também uveíte anterior. O tratamento é feito com penicilina G cristalina IV, por 2 semanas.
L - Tuberculose Infecção granulomatosa crônica causada pelo Mycobacterium tuberculosis e M. bovis. Pode apresentar uveíte anterior crônica, coroidite e periflebites. O tratamento é feito pelo esquema RIP nas doses habituais.
6. Resumo Quadro-resumo
Figura 3 - Retnite fulminante no CMV -
Tratamento: Ganciclovir IV (5mg/kg, 12/12h, por 14 a 21 dias, depois, 5mg/kg, 6/6h, por 21 dias); Valganciclovir VO (900mg, 12/12h por 21 dias, depois, 900mg, 6/6h); Foscarnete IV (60mg/kg, 8/8h, ou 90mg /kg, 12/12h, 14 a 21 dias). •
•
•
58
Lesões de anexos
Herpes-zóster; sarcoma de Kaposi (lesão de pálpebra mais comum na SIDA); molusco contagioso.
Lesões de órbita
Linfomas; celulite orbitária Aspergillus). (
Olho seco; vasculite; ceratte infecciosa Lesões de segmen- (varicela-zóster, herpes-simples); uveíte to anterior anterior (provocada por medicações; CMV; herpes-zóster). Retnopata (HIV, herpes-zóster); retnite por CMV; neurite óptca por CMV; coriorLesões de segmenretnite (Toxoplasma gondii); coroidopata to posterior (Pneumocysts jiroveci); necrose aguda da retna; endoalmite. Lesões neuro-oalmológicas
Paralisia dos nervos cranianos; papiledema.
volume 6
CLÍNICA MÉDICA
MEDICINA INTENSIVA
CAPÍTULO
1
Distúrbio do equilíbrio ácido-básico
1. Introdução Doenças sistêmicas estão frequentemente associadas a distúrbios no equilíbrio ácido-básico. Em algumas situações, essas alterações podem resultar em risco de morte, caso não sejam identficadas precocemente e adequadamente tratadas. Portanto, torna-se imprescindível o reconhecimento precoce dos desequilíbrios ácido-básicos e o tratamento das complicações. Em terapia intensiva, 90% dos pacientes têm algum distúrbio ácido-básico. O metabolismo do organismo produz ácidos. Citaremos alguns exemplos: - Metabolismo dos lipídios: produção de ácidos graxos; - Metabolismo das proteínas: produção dos aminoácidos; - Metabolismo dos carboidratos: produção de ácido pirúvico; - Exercícios fsicos: produção de ácido lá tco.
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga
mudança no pH de 7,2 para 7,4, muito embora a variação absoluta de 0,2 seja a mesma em ambas as situações.
2. Controle respiratório e metabólico do equilíbrio ácido-básico A relação entre o dióxido de carbono (CO 2) e o H + pode ser representada pela equação de dissociação do ácido carbônico: CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3-
Ácidos são definidos como substâncias que, em solução, dissociam-se em íons H+ e em ânions (Cl-, SO4-2). Bases, por sua vez, são substâncias que, em solução, se combinam com H+ e o removem do meio. Pela definição de Lewis, ácido é um potencial receptor de um par de elétrons, e base é um potencial doador de um par de elétrons. A maioria das alterações ácido-básicas tem srcem no interior da célula, e
De acordo com tal reação, aumentos na concentração de hidrogênio [H+] fazem com que a reação se desloque para a esquerda e, do mesmo modo, diminuições na concentração de hidrogênio [H+] levem ao desvio da reação para a direita. Há uma estreita relação entre a pressão parcial do CO2 (pCO2) e o pH. Para cada elevação aguda da pCO2 de 10mmHg acima ou abaixo de 40mmHg, o pH deve variar em, aproximadamente, 0,07 a 0,08 unidade. A pCO2 está diretamente relacionada com a ventlação alveolar, o que torna possível corrigir, de forma rápida, alterações no pH de srcem respiratória aumentando ou reduzindo a ventlação alveolar. O organismo trabalha com sistemas tampão (Tabela
exteriorizam-se por meio de distúrbios na composição do líquido extracelular. Os valores normais do pH no sangue arterial (meio extracelular) variam entre 7,35 a 7,45, no intracelular, o valor do pH varia entre 7 e 7,2. A relação entre o pH e a concentração de íons H+ é feita em escala logarítmica, de modo que variações discretas nos valores de pH expressam grandes oscilações na concentração de H+. Por exemplo, uma mudança no pH de 7 para 7,2 representa variação mais significatva na concentração de H+ do que uma
1) para manter a homeostase em seus diversos compar tmentos. Tampões são substâncias capazes de remover ou resttuir íons H+ de acordo com a necessidade, mantendo a composição do líquido extracelular e impedindo variações abruptas no pH. Geralmente, os tampões são formados por um ácido fraco e seu respec tvo sal, ou por uma base igualmente fraca e seu sal correspondente. Alterações no sistema extracelular provocam modificações no sistema intracelular e, após algum tempo, no sistema ósseo, levando
59
MEDICINA INTEN SIVA o organismo a um estado de equilíbrio. O bicarbonato é o principal tampão presente no líquido extravascular. Tabela 1 - Principais sistemas tampão do organismo Tampões do extracelular
Tampões do intracelular
Tampão ósseo
- Bicarbonato (principal tampão); - Proteínas (principalmente a albumina); - Fosfato. - Fosfato (orgânico e inorgânico, sendo este últmo o principal tampão); - Bicarbonato; - Proteínas; - Hemoglobina (para hemácias). Basicamente com fosfato e cálcio, alterações crônicas podem provocar uma remodelação óssea devido à “necessidade” do organismo em manter sua homeostase.
Ânion-gap = Na+ - (Cl- + HCO3-)
O valor normal do ânion-gap é entre 8 e 12. Aumentos no ânion-gap acima de 12mEq/L, representam acúmulo de ânions não mensuráveis. Acidose metabólica associada a um ânion-gap normal, pode ocorrer devido ao aumento na concentração de Cl- (acidose hiperclorêmica). Outra definição importante é a de excesso de bases ou base excess, que corresponde à quan tdade de ácido ou base necessárias para adicionar em uma amostra de sangue in vitro, restabelecendo o pH da amostra para 7,40, enquanto a PaCO2 é mantda em 40mmHg.
3. Diagnóstco laboratorial dos distúrbios ácido-básicos Quando ocorrem as alterações ácido-básicas, primeiramente ocorre um distúrbio primário (variações das concentrações de HCO3 ou CO2). Tais variações são detectadas por quimiorreceptores periféricos, com consequente alteração da ventlação pulmonar. Além disso, as concentrações de íons hidrogênio e de bicarbonato são reguladas pela excreção urinária, ou seja, o rim também alterará a excreção dessas substâncias a depender do desequilíbrio ácido-básico presente. O organismo, então, lança mão dos mecanismos compensatórios, que são distúrbios secundários que visam à conservação do pH em níveis próximos dos normais. Órgãos como pulmões e rins atuam nessa fase, além dos sistemas tampão. A ventlação alveolar é inversamente relacionada com mudanças na PaCO2 arterial e diretamente proporcional ao PCO2 produzido. Em relação ao rim, temos que tal órgão possui 2 importantes funções: a reabsorção do bicarbonato filtrado e a excreção dos ácidos não voláteis. De forma geral, após uma alteração no equilíbrio ácido-básico ocorrem: - Resposta imediata: feita pelo sistema tampão (tamponamento), responsável pelo controle do pH em curto tempo; - Resposta respiratória: por meio da alteração na ventlação, na qual ocorre após minutos a horas; - Resposta renal: por meio da alteração na excreção de bicarbonato, na qual leva horas a dias para ocorrer.
Figura 1 - Diferentes sistemas-tampão
Em geral, alterações na concentração de bicarbonato, acima ou abaixo do valor normal (24mmol/L), refletem alterações de srcem metabólica. Na avaliação do componente metabólico do equilíbrio ácido-básico, é importante calcular o chamado ânion-gap (subtração entre ânions e cátons não mensuráveis): Numa situação de equilíbrio, temos que: Na+ + K+ + cátons não mensuráveis = Cl- + HCO3- + ânions não mensuráveis.
60
O diagnóstco correto de distúrbios do metabolismo ácido-básico envolve a análise detalhada da gasometria arterial. A análise do pH pode revelar: - Acidemia: pH abaixo de 7,35, que indica que o sangue está com pH acidó tco; - Alcalemia: pH acima de 7,45, que indica que o sangue está com pH alcalótco. O fato de o pH estar fora da faixa de normalidade revela a existência de distúrbios no metabolismo ácido-básico; porém, o fato de haver acidemia não necessariamente leva à existência de acidose pura. Podem coexistr 2 ou mesmo
DISTÚR BIO D O EQUILÍBRIOCIDOÁ BÁSIC O 3 distúrbios associados. A correta interpretação do equilíbrio ácido-básico envolve a análise do quadro clínico e dos exames laboratoriais com o máximo de cuidado, além da correta aplicação de conceitos: - Acidose: processo em que há excesso de ácido ou falta de base; existe a tendência de diminuição do pH, mas este pode estar normal, a depender da associação de distúrbios que possa estar acontecendo; - Alcalose: processo em que há excesso de base ou falta de ácido; existe a tendência de aumento do pH, mas este pode ser normal quando houver associação de distúrbios. O componente respiratório é analisado pelas variações da pCO2 em torno do valor normal de 40±5mmHg. Uma pCO2 acima de 45mmHg sugere acidose respiratória; se abaixo de 35mmHg, sugere alcalose respiratória. A avaliação do componente metabólico considera as interações normais entre a pCO2 e o bicarbonato, estabelecidas pela equação de dissociação do gás carbônico. Nos distúrbios respiratórios crônicos, o rim tende a reter ou eliminar HCO3; e um aumento de cerca de 4mEq/L ou uma redução de 6mEq/L no bicarbonato sérico é esperado para cada elevação ou queda na pCO 2 de 10mmHg, acima ou abaixo do valor normal de 40mmHg. Os distúrbios respiratórios agudos têm variações esperadas menores, com uma oscilação em torno de 1 a 2mEq/L no bicarbonato sérico, para cada elevação ou queda da pCO de 10mmHg, acima ou abaixo do valor normal de 2 40mmHg. Variações mais acentuadas do bicarbonato em distúrbios respiratórios crônicos devem-se à compensação renal mais eficaz em reter ou eliminar bicarbonato. Quando, na presença de distúrbios respiratórios agudos ou crônicos, encontramos valores do bicarbonato diferentes dos esperados utlizando a regra anterior, devemos interpretá-los como expressão de distúrbios ácido-básicos mistos (associação do componente metabólico e respiratório). Distúrbios no equilíbrio ácido-básico ocorrem em uma ampla variedade de doenças graves e estão entre as alterações laboratoriais mais frequentemente observadas na terapia intensiva. Na avaliação dos desequilíbrios ácido-básicos, a ênfase deve ser sempre na iden tficação dos fatores causais. Corrigindo-se a causa, as variações do pH tenderão a normalizar-se, sem necessidade do emprego de medidas específicas para corrigi-las. Tabela 2 - Valores considerados normais Variáveis Valoresnormais pH
0,05 7,4 ±
PO2
96 - 0,4 x idade
PCO2
40 ± 5mmHg
HCO3BE Saturação de O2
24 ± 2mEq/L 2,5± 0 ≥94%
Variáveis Cloro
Valoresnormais 105 95 a
Ânion-gap ∆ ânion-gap/∆[HCO3-]
Osmolalidade estmada Gapo smolar
10 ± 2mEq/L 1,6a 1 290 ± 5mOsm/kg de H
O
2
Até10mOsm/kg
4. Abordagem sistemátca para diagnóstco dos distúrbios ácido-básicos Antes de iniciarmos tal abordagem, devemos nos lembrar do que são distúrbios primários, secundários e mistos. Os primários correspondem às alterações nas concentrações de CO2 ou de HCO3, que, se não corrigidas, levarão à alteração no pH; os secundários são os mecanismos compensatórios dos distúrbios primários, e os distúrbios mistos ocorrem nos casos de 2 ou mais distúrbios primários concomitantes. A Tabela 3 mostra as respostas compensatórias esperadas para cada distúrbio. Tabela 3 - Respostas compensatórias esperadas para cada di stúrbio Distúrbio primário Acidose metabólica Alcalose metabólica Acidose respiratória aguda/ crônica Alcalose respiratória aguda/ crônica
Distúrbio secundário
Magnitude da compensação esperada
Alcalose Para cada ↓ 1mEq/L do bic há respiratória ↓ 1,2mmHg da PaCO2 Acidose Para cada ↑ 1mEq/L do bic há respirató↑ 0,6mmHg da PaCO 2 ria - Para cada ↑10mmHg da Alcalose PaCO2 há ↑1mEq/L do bic; metabólica - Para cada ↑10mmHg da PaCO2 há ↑4mEq/L do bic. - Para cada ↓10mmHg da Acidose PaCO2 há ↓2mEq/L do bic; metabólica - Para cada ↓10mmHg da PaCO2 há ↓5mEq/L do bic.
A sequência de perguntas a seguir visa ao auxílio na análise dos distúrbios ácido-básicos, utilizando a gasometria e dados de eletrólitos plasmáticos. Esses passos são baseados em princípios fisiológicos, e requerem uma noção elementar de tais princípios para sua compreensão.
A - AExiste acidemia ou alcalemia? acidemia é definida por pH baixo no sangue; enquanto a alcalemia é definida por pH alto no sangue; portanto, para defini-las, necessitamos de Gasometria Arterial (GA). O pH mensurado na GA iden tfica o distúrbio como alcalêmico ou acidêmico: - pH do sangue arterial normal: 7,4 ± 0,05; - Acidemia: pH <7,35; - Alcalemia: pH >7,45.
61
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA B - O distúrbio primário é respiratório ou metabólico? Essa pergunta requer um passo prévio para determinar se o distúrbio afeta primariamente a PaCO2 arterial ou o HCO3- sérico. Um distúrbio respiratório altera a PaCO2 arterial (valor normal de 35 a 45mmHg); quando esse distúrbio está presente, deve-se partr para a 3ª pergunta (item C). O pH estará sempre mais próximo do distúrbio primário, independentemente da compensação. Um distúrbio metabólico altera o HCO 3- sérico (valor normal de 22 a 26mEq/L). Se o HCO 3- tem valor menor do que 22mEq/L, uma acidose metabólica está presente, devendo-se seguir para a 4ª pergunta (item D). Se o HCO 3tem valor acima de 26mEq/L, uma alcalose metabólica está presente, devendo ocorrer uma compensação respiratória. A 6ª pergunta define se essa compensação é adequada ou não (item F). Para o cálculo do pH existe a equação de Henderson-Hasselbach, que fornece a base do relacionamento entre o pH plasmátco, a PaCO2 e HCO3-. Ela se baseia no cálculo da constante de equilíbrio (k) da equação: CO2 + H2O ↔ H+ + HCO3K = [H⁺] x [HCO3⁻]/[CO2] [H⁺] = K x [CO2]/[HCO3⁻] pH= pK + log[HCO3⁻]/[CO2]
Tal equação é a base para todos os conhecimentos sobre os desequilíbrios ácido-básicos. A Tabela 4 sumariza as alterações das variáveis gasométricas nos diferentes distúrbios do equilíbrio ácido-básico.
Fórmulas para distúrbios metabólicos - Acidose metabólica:PCO2 = [(1,5 x bic) +8] ± 2; - Alcalose metabólica: ΔPCO2 = 0,6 x Δ Bic; Fórmulas para distúrbios respiratórios - Agudos: habitualmente, em um distúrbio respiratório agudo, o bicarbonato não varia mais do que 3 a 5mEq/L; - Acidose: Δ bic = 0,1 x ΔPCO2; - Alcalose: Δ bic = 0,2 x ΔPCO2; Crônicos - Acidose: Δ bic = 0,4 x ΔPCO2; - Alcalose: Δ bic = 0,4 a 0,5 x ΔPCO2.
Essas relações serão mais bem discu tdas a seguir, quando tentaremos identficar as diferentes respostas adaptatvas dos indivíduos.
D - Para uma acidose metabólica, o ânion-gap está normal ou aumentado? O cálculo do Ânion- Gap (AG) simplifica o diagnós tco da causa determinante da acidose metabólica, e seu valor normal é de 8 a 12mEq/L. O AG representa a diferença calculada entre os cá tons e os ânions dos eletrólitos medidos no plasma. O total de cá tons medidos é representado pelo sódio plasmá tco, e é maior do que os ânions medidos, representados pelo HCO 3- e Cl-. Analisando de outro ponto de vista, o AG também representa concentração de ânions não mensuráveis. Esta domina oa balanço entre os ânions não mensuráveis e os cá tons, como ilustrado na Tabela 6: Tabela 6 - AG reflete ânions não mensuráveis e cá tons
Tabela 4 - Distúrbios ácido-básicos simples Distúrbios
Tabela 5 - Respostas compensatórias nos diferentes distúrbios ácido-básicos
Ânions não mensuráveis
Cá tons não mensuráveis
pH
Bicarbonato
pCO2
Acidose metabólica
Diminui
Diminui
Diminui
Alcalose metabólica
Aumenta
Aumenta
Aumenta
- Proteínas, principalmente a albumina (15mEq/L);
- Cálcio (5mEq/L);
-
Acidose respiratória
Diminui
Aumenta
Aumenta
- Ácidos orgânicos (5mEq/L);
Alcalose respiratória
Aumenta
Diminui
Diminui
- Fosfato (2mEq/L);
- Potássio (4,5mEq/L);
- Sulfatos (1mEq/L).
- Magnésio (1,5mEq/L).
C - O distúrbio respiratório existente é crônico ou agudo? Uma acidose respiratória resulta do acúmulo de PaCO 2, e uma alcalose respiratória resulta da hiperven tlação, determinando uma PaCO2 baixa. Para distúrbios agudos, uma variação de 10mmHg na PaCO 2 é acompanhada por uma variação de 0,08 no pH. Um distúrbio crônico reflete trocas de HCO3- mediadas pelo rim; essa compensação renal requer várias horas para se desenvolver, e é máxima depois de 4 dias. Portanto, durante distúrbios crônicos, uma variação de 10mmHg na PaCO2 é acompanhada de pequenas alterações no pH, em torno de 0,02 a 0,03; além disso, a correção renal traz o pH próximo do seu valor normal, mas não o corrige completamente.
62
Total: 23mEq/L
Total: 11mEq/L
Raramente os ânions não mensuráveis alteram-se o bastante para prejudicar a interpretação do intervalo do AG. Assim, o conhecimento dos ânions não mensuráveis não é necessário para o cálculo do AG. No entanto, a compreensão desse conceito é necessária para o reconhecimento de situações raras em que o AG está alterado por outras razões que não a acidose metabólica. As causas de uma acidose com AG alterado diferem daquelas com acidose com AG normal. A determinação do AG é uma ferramenta excelente para reduzir a lista de causas potenciais de uma acidose metabólica. O cálculo simpli ficado é mostrado a seguir, e requer a dosagem dos valores plasmátcos do Na+, C- e HCO3-:
DISTÚR BIO D O EQUILÍBRIOCIDOÁ BÁSIC O AG = Na+ – (Cl- + HCO3-) -
Acidose metabólica com AG alterado: AG >12; Acidose metabólica com AG normal: 8 a 12.
associada de acidose metabólica com ânion-gap normal, e acidose metabólica com AG aumentado. Outra forma utlizada para verificar a concomitância de distúrbios ácido-básicos é a verificação do bicarbonato corrigido por meio da seguinte fórmula:
E - Existem outros distúrbios metabólicos coexistndo com uma acidose de AG alterado?
HCO3- corrigido = HCO3- + (AG – 12)
Uma acidose metabólica com AG normal ou uma alcalose metabólica pode coexistr com uma acidose de AG alargado. Essa determinação requer a quan tficação do quanto o AG aumentou, e qual foi a variação adicional do HCO3- que ocorreu. Para isso, introduziremos alguns novos conceitos, como a variação do AG (ou delta AG), e variação do bicarbonato (ou delta-bicarbonato). O delta AG é definido pela seguinte fórmula:
Quando a correção do HCO 3- varia significatvamente acima ou abaixo de 24, há um distúrbio misto metabólico. Para ser mais específico, se o HCO 3- é maior que 24, uma alcalose metabólica coexiste; se o HCO3- corrigido é menor que 24, uma acidose metabólica com AG normal coexiste. Por exemplo, um paciente com uma acidose metabólica de AG alargado apresenta HCO3- de 10mEq/L e um AG de 26. No cálculo de correção do HCO3-, se o valor encontrado é de 24, determina-se a não existência de outro distúrbio associado. Se o paciente tvesse um HCO3- de 15 e um AG de 26, então o HCO3- corrigido calculado seria 29, um valor significatvamente maior do que 24. Conclui-se então, que uma alcalose metabólica coexiste com uma acidose de AG alargado.
Δ ânion-gap = ânion-gap encontrado - 10
O delta bicarbonato, por sua vez, é definido por: Δ [HCO3-] = 24 – bicarbonato encontrado
A partr dessas definições, podemos estabelecer a relação entre a variação do AG e a variação do bicarbonato: Δ ânion-gap / Δ [HCO3-] = (ânion-gap encontrado - 10
24 – bicarbonato encontrado)
Os indivíduos podem apresentar mais de 1 distúrbio metabólico. Um paciente com cetoacidose pode acumular cetoácidos, e ainda apresentar vômitos que podem levar à alcalose metabólica. A combinação dessas 2 condições pode, ainda, levar a situações em que o pH, o bicarbonato e o PCO2 estejam normais e, não obstante, o doente apresente um distúrbio ácido-básico misto (acidose metabólica com alcalose metabólica). Em pacientes com acidose metabólica ocorre uma diminuição do bicarbonato. Para manter a eletroneutralidade ou haverá aumento do cloro, ou, necessariamente, um aumento do AG. Dessa forma, há 2 tpos de acidose metabólica: acidose hiperclorêmica e acidose por aumento do AG. Na vigência de um AG aumentado, especialmente quando o AG >25, é provável que exista acidose metabólica por aumento do AG. Assim, utlizamos a relação Δ AG/Δ [HCO3-] para diagnostcarmos a ocorrência de mais de 1 distúrbio metabólico: a) Δ AG/Δ [HCO3-] entre 1 e 2: toda a variação do bicarbonato é explicada pela variação do AG; tem-se uma acidose metabólica com AG aumentado, isoladamente. b) Δ AG/Δ [HCO3-] >2: a variação do AG é 2 vezes maior que a variação do bicarbonato; além da acidose por aumento do AG, há outro distúrbio metabólico que está aumentando o bicarbonato, ou seja, uma alcalose metabólica associada. c) Δ AG/Δ [HCO3-] <1: a variação do bicarbonato é maior que a variação do AG; podemos diagnos tcar a presença
F - O grau de compensação pelo sistema respiratório para o distúrbio metabólico é normal? O sistema respiratório responde rapidamente para a compensação de um distúrbio metabólico, principalmente para a acidose metabólica. A mudança na PaCO2 exibe uma correlação linear com a mudança no HCO 3-. A equação que prevê a resposta respiratória para uma acidose metabólica, é chamada de fórmula de Winter: PaCO2 esperado = [(1,5 x BIC) + 8] ± 2
No caso de uma acidose metabólica simples, a PaCO 2 medida cairá dentro do valor previsto pela fórmula de Winter. Se um distúrbio respiratório está ocorrendo concomitantemente com a acidose metabólica, isso poderia ser definido pela direção em que a PaCO 2 varia fora da faixa prevista pela fórmula de Winter, e não pela variação da PaCO2 do valor normal de 40. Por exemplo, se o HCO 3- sérico é de 10mEq/L, a PaCO2 deveria estar entre 21 e 25mmHg, segundo a fórmula de Winter. Se a PaCO2 medida está fora dessa faixa, um distúrbio respiratório adicional deve estar ocorrendo simultaneamente. Se a PaCO 2 é menor que 21, então o distúrbio adicional é uma alcalose respiratória. Se a PaCO2 é maior que 25, o distúrbio adicional é uma acidose respiratória. A fórmula de Winter não é capaz de prever a resposta respiratória para uma alcalose metabólica. Quando presente, a resposta respiratória para alcalose metabólica é a hipoventlação, mas o grau de aumento da PaCO 2 não tem relação linear com o HCO 3-. Duas regras gerais norteiam a resposta respiratória para uma alcalose metabólica: o paciente pode aumentar voluntariamente a PaCO2 acima de 40mmHg para compensar uma alcalose metabólica, mas nunca acima de 50 a 55mmHg de PaCO2; voluntariamente,
63
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA o paciente fica alcalêmico (pH >7,42) se a PaCO2 for elevada para compensar alcalose metabólica. Se o doente estver acidêmico (pH <7,38), uma acidose respiratória adicional está associada. A seguir, um algoritmo para a interpretação dos distúrbios ácido-básicos mais comuns. No entanto, vale ressaltar que essa abordagem não explica todos os distúrbios possíveis encontrados nos pacientes, porém resolve grande parte dos problemas da prátca clínica.
Figura 2 - Distúrbios ácido-básicos mais comuns
64
DISTÚR BIO D O EQUILÍBRIOCIDOÁ BÁSIC O Tabela 7 - Fórmulas para os cálculos das respostas compensatórias Distúrbio pri mário
Fórmula da re sposta c ompensatória
risco de barotrauma com a u tlização de volumes e pressões de distensão menores, permitndo elevações controladas na PCO2. Os estudos têm demonstrado que a “hipercapnia permissiva” é bem tolerada, e pode trazer bene fcios em pacientes selecionados. A Tabela 8 cita as principais causas de acidose respiratória.
Acidose metabólica
PaCO2 esperado = 40-1,2(24-bic) Δ PaCO2= 1,2 x bic PaCO2 esperado = 1,5 x bic + 8 (± 2);
Alcalose metabólica
PaCO2 esperado = 40+0,6(24-bic) Δ PaCO2= 0,6 x bic PaCO2 esperado = 0,9 x bic + 16 (±5);
Acidose respiratória aguda
Bic esperado = 24+0,1(PaCO2-40) Δbic = 0,1 x Δ PaCO2;
Mecanismos
Acidose respiratória
Bic esperado = 24+0,4(PaCO2-40)
Neuromuscular
crônica Alcalose respiratória aguda
Δbic = 0,4 x Δ PaCO2;
fias Deformidade da caixa torácica, distro musculares, miastenia grave, poliomielite, ta por cortcosteroides. polimiosite, miopa
Pulmonar
Barotrauma, DPOC, SARA, pneumotórax.
Alcalose respiratória crônica
Bic esperado = 24-0,5(40-PaCO2) Δbic = 0,5 x Δ PaCO2.
Bic esperado = 24-0,2(40-PaCO2) Δbic= 0,2 x Δ PaCO2;
5. Desordens ácido-base específicas A - Acidose respiratória Definida com uma PaCO 2 >45mmHg, independentemente do pH. Acidose respiratória resulta de hipoven tlação, que se manifesta pelo acúmulo de CO 2 e uma queda do pH no sangue. A hipoventlação pode ser aguda ou crônica, sendo aguda aquela que ocorre em menos de 24 horas e crônica, em mais de 24 horas. Como mecanismo compensatório ocorre a retenção de bicarbonato. Exemplos de causas específicas podem ser: - Depressão do sistema nervoso central (seda tvos, doença do SNC, apneia do sono); - Doença pleural (pneumotórax); - Doença pulmonar (DPOC, pneumonia); - Desordens musculoesquelé tcas (cifoescoliose, Guillain-Barré, miastenia grave, poliomielite, lesão medular alta). O tratamento nesses casos é dependente da causa específica. A acidose respiratória é caracterizada por aumento na PCO2, e aumento compensatório na concentração sérica de bicarbonato. A principal causa de acidose respiratória encontrada em UTI é doença pulmonar aguda ou crônica, com limitação na capacidade de ventlação alveolar relatva à produção de CO2. O tratamento da acidose respiratória é baseado na reversão dos distúrbios que culminaram em redução na ventlação alveolar, promovendo aumento do volume minuto e/ou redução do espaço morto. Para atngir esse objetvo, é quase sempre necessária a intubação traqueal e o emprego de ventlação mecânica. Mais recentemente, o conceito da chamada “hipercapnia permissiva” foi introduzido no manejo ventlatório de pacientes com asma grave e insuficiência respiratória aguda. O princípio está em limitar a distensão alveolar e, consequentemente, reduzir o
Tabela 8 - Principais causas de acidose respiratória Causas
Anestésicos, morfina, benzodiazepínicos, Rebaixamento SNC AVC, infecção, quadro metabólico com rebaixamento do nível de consciência. Vias aéreas
Asma, obstrução.
Outras
Hipercapnia permissiva, hipoventlação, obesidade.
B - Alcalose respiratória Definida como uma PaCO2 <35mmHg, independentemente do pH. A alcalose respiratória resulta de hiperven tlação, que se manifesta por eliminação do excesso de CO 2 plasmátco ocorrendo uma elevação no pH do sangue. Tabela 9 - Principais causas de alcalose respiratória Aguda - Ansiedade, histeria (síndrome da hiperven tlação); - Dor; - AVC; - Insuficiência hepátca; - TEP; - Edema pulmonar; - Hipóxia; - Febre; - Sepse. Crônica - Alta alttude; - Doença hepátca crônica; - Trauma, tumores ou infecção do SNC; - Intoxicação crônica por salicilatos; - Gravidez; - Anemia grave.
Paciente apresentando quadros dolorosos pode evoluir com hiperventlação. O tratamento da causa de alcalose respiratória, muitas vezes, é suficiente para garantr a melhora do paciente. A alcalose respiratória ocorre quando a ventlação alveolar está aumentada em relação à produção de CO2, e é caracterizada por uma redução na PCO 2 arterial. A compensação
65
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA renal é feita pela diminuição na excreção de ácidos e pelo aumento na excreção de bicarbonato. Essa alcalose é um dos distúrbios mais observados em UTI, e suas causas vão desde condições benignas até situações de grave risco de morte, cabendo ao intensivista ficar atento à presença de sinais que indicam sepse, doença pulmonar ou distúrbios do sistema nervoso central. Os principais es mulos para os centros respiratórios são a hipóxia, processos primários do SNC, vários hormônios e diversas toxinas. Nos pacientes sob ventlação mecânica, a ventlação inadequada é a mais importante e corrigível causa de alcalose respiratória. O tra-
Em pacientes com acidose metabólica leve, independentemente se com AG normal ou aumentado, esta pode ser bem tolerada e, até mesmo, conferir certa vantagem fisiológica ao facilitar a liberação de O 2 da hemoglobina na periferia; entretanto, em graus intensos de acidemia (pH <7,1), a contratlidade miocárdica pode ser deprimida, e ocorre diminuição da resistência periférica. O tratamento desses pacientes depende da causa. Em certas acidoses com AG aumentado (por exemplo, na cetoacidose e na acidose lác tca), o próprio tratamento da condição de base faz que os ânions orgânicos acumulados sejam,
tamento da Nos alcalose é oem tratamento da causa subjacente. casosrespiratória mais graves, que a alcalose respiratória soma-se a uma alcalose metabólica, como em pacientes ventlados mecanicamente que faziam uso crônico de diurétcos ou portadores de DPOC com retenção crônica de CO2, a sedação e o bloqueio neuromuscular podem ser necessários, a fim de controlar melhor a ven tlação.
tdos em bicarbonato. Isso já não ocorre em conver em horas, acidoses hiperclorêmicas (por exemplo, na diarreia), nem na acidose metabólica com AG aumentado da uremia, em que é necessária a reposição de bicarbonato. Exceto em situações de insu ficiência renal, ou quando ocorre perda renal ou fecal de álcalis, não há dados na literatura que permitem indicar ou contraindicar o uso de bicarbonato de sódio e de outros alcalinizantes com grau adequado de evidência do seu uso. O tratamento nos casos graves é feito com bicarbonato de sódio intravenoso. Lembrar que 1mL da solução de bicarbonato de sódio a 8,4% tem 1mEq de HCO3- e 1mEq de Na+. Como regra geral, disponível em livros-texto, considera-se que: se pH <7,1 a 7 (a recomendação da ADA em cetoacidose é repor se pH <7) e [HCO3-] <8mEq/L, devemos repor bicarbonato, não mais do que 50 a 100mEq ou 1mEq/kg em uma infusão ao longo de 2 ou 3 horas, exceto em condições extremas de acidemia, em que se pode infundir mais rapidamente. Deve-se elevar o bicarbonato para 8 ou 10mEq/L ou o pH para 7,15 ou 7,2. Por outro lado, na vigência de perda fecal ou urinária de base, devemos ser mais liberais no uso do bicarbonato, procurando manter uma concentração próxima do normal. Não é previsível a alteração do bicarbonato sérico com uma dada infusão, pois o espaço de distribuição do bicarbonato varia com o grau de acidose. Quando esta é muito grave, ele pode chegar a 100% do peso; entretanto, à medida que a acidose é corrigida, ele se aproxima da porcentagem de água corporal (entre 50 e 60% do peso). Geralmente, considera-se cerca de 0,6 x peso (kg) x (24 - HCO3-) o déficit total de bicarbonato. Não se deve repor inicialmente todo o déficit, mas calcular a diferença entre o bicarbonato desejado e o encontrado; por exemplo, em um homem jovem de 70kg, com diarreia grave e acidose metabólica hiperclorêmica, cuja gasometria indique um bicarbonato inicial de 4mEq/L, deve-se calcular uma reposição do bicarbonato para 8mEq/L, ou seja, 0,6 x 70 x (8 a 4) = 168mEq, que devem ser repostos nas primeiras 2 horas, por exemplo, com bicarbonato de sódio a 8,4%, concomitantemente à correção volêmica, lembrando também de verificar o potássio sérico. Se este já es tver baixo, com a correção da acidose, deverá cair ainda mais. As principais causas de acidose metabólica estão especificadas na Tabela 10.
C - Acidose metabólica Na acidose metabólica ocorre diminuição dos níveis séricos de bicarbonato (<22mmHg), independentemente do pH. Suas principais causas são: - Acúmulo de substâncias ácidas; - Perda de fluidos contendo bicarbonato; + - Retenção apenas de H .
D - Acidose metabólica com AG aumentado Acidose com AG elevado resulta de acúmulo de metabólitos ácidos, e é manifestada por um HCO 3- baixo e um AG >12. Exemplos de causas específicas: - Uremia; - Cetoacidose diabétca; - Abstnência alcoólica; - Intoxicação por álcool ou drogas (metanol, e tlenoglicol, paraldeído, salicilatos); - Acidose láctca (sepse, ICC).
E - Acidose metabólica com AG normal Resulta da perda de bicarbonato ou da infusão de ácido externo, e manifesta-se por um HCO 3- diminuído, mas o AG encontra-se <12. Exemplos de causas específicas: - Perda do TGI de HCO (diarreia); 3 - Perda renal de HCO ; 3 - Compensação para alcalose respiratória; - Inibidor de anidrase carbônica (diamox); - Acidose tubular renal; - Derivação intestnal do ureter; - Outras causas: infusão de HCl ou NH Cl, inalação de 4 gás clorado, hiperalimentação.
66
DISTÚR BIO D O EQUILÍBRIOCIDOÁ BÁSIC O Tabela 10 - Principais causas de acidose metabólica Acidose com AG normal (hiperclorêmica) Perda gastrintestnal de bicarbonato - Diarreia; - Fístula ou drenagem intestnal do intestno delgado; - Derivação ureteral (ureterossigmoidostomia); - Resinas de troca aniônica (colestramina); - Ingestão de cloreto de cálcio ou de cloreto de magnésio. Perda renal de bicarbonato ou falta de excreção renal de ácido - Acidose tubular renal (hipoaldosteronismo); - Diurétcos poupadores de potássio; - Inibidores da anidrase carbônica. Acidose com AG aumentado Produção ácida aumentada - Cetoacidose: diabétca, alcoólica, jejum; - Acidose láctca; - Intoxicações exógenas comgap osmolar presente: metanol, telenoglicol; - Intoxicação exógena comgap osmolar ausente: salicilatos.
Falência da excreção de ácido - Insuficiência renal aguda; - Insuficiência renal crônica. Miscelânea - Recuperação de cetoacidose; - Acidose dilucional; - Nutrição parenteral.
Uma das mais importantes causas de acidose metabólica hiperclorêmica ou com AG normal são as acidoses tubulares renais, situações em que ocorre perda de bicarbonato na urina ou perda da capacidade do rim de excretar ácidos na urina apropriadamente. Antes era classificada em 4 tpos, mas, atualmente, o tpo 3 (glomerular) não é mais considerado. A acidose do tpo 1 pode ser identficada por pH urinário maior que 5,5 em paciente na vigência de acidose sistêmica associada à alteração do AG urinário. As acidoses dos tpos 2 e 4, por sua vez, cursam com diminuição do pH urinário (incapacidade de reabsorver o bicarbonato da urina e deficiência em responder à aldosterona, respectvamente). Em pacientes com suspeita de acidose tubular renal, mas sem acidose no momento, pode-se realizar prova de acidificação da urina (por exemplo, cloreto de amônia).
Tabela 11 - Causas de acidose tubular renal, diagnós tco diferencial Tipo1(distal) Potássio sérico AG urinário
Tipo2(proximal)
Tipo4
Baixo
Baixo
Alto
Positvo
Positvo
Positvo
Não Sim
Sim Não
Não Não
Síndrome de Fanconi Calculose renal/nefrocalcinose pH urinário mínimo
>5,5
<5,5
<5,5
Porcentagem excretada da carga de bicarbonatofiltrada
<10%
>15%
<10%
Adquiridas: - Amiloidose; - Mieloma múltplo; - Toxicidade por metais pesados (chumbo, mercúrio, cádmio, cobre); - Acetazolamida.
Adquiridas: 1. Deficiência de aldosterona: - Insuficiência adrenal; - Uso de heparina; - Hipoaldosteronismo hiporreninêmico. 2. Resistência à aldosterona: - Drogas que fecham canais de sódio do túbulo coletor; - Nefrite tubulointerstcial.
Causas
Secundárias: - S. Sjögren; - LES; - Mieloma múltplo; - Hepatte crônica atva; - Hipercalciúria; - Anfotericina B.
Familiar: - Autossômica dominante; - Autossômica recessiva; Primária - Esporádica.
Associadas a doenças hereditárias: - D. de Wilson; - Cistnose; Primária - Esporádica.
Associadas a doenças hereditárias: - Pseudo-hipoaldosteronismo;
-
A acidose metabólica caracteriza-se por uma redução na concentração sérica do bicarbonato, com redução compensatória na concentração do CO2, e pode ocorrer em consequência da perda de álcalis por meio dos rins ou do intestno, ou pela adição de H+, como na acidose láctca e na cetoacidose. As causas de acidose metabólica podem ser divididas de acordo com os valores do AG.
67
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA O tratamento da acidose metabólica é feito pela abordagem da causa básica: na acidose láctca, com melhora na perfusão periférica e no aporte de O 2 para os tecidos; na cetoacidose diabétca, com reposição volêmica, eletrolítca e insulina; na intoxicação por salicilatos por meio da diurese alcalina e diálise. A reposição das perdas hídricas e eletrolítcas é, em geral, su ficiente para corrigir a acidose devido às perdas gastrintestnais. O emprego de bicarbonato de sódio na correção da acidose metabólica tem sido questonado. Sua administração provoca aumento na produção de lactato e também de CO 2 que, por sua vez, ao
Tabela 13 - Principais causas de alcalose metabólica Contração de volume, hipocalemia Origem gastrintestnal - Vômitos; - SNG aberta; - Adenoma viloso secretor em cólon; - Alcalose de contração (diminuição da volemia). Origem renal - Alcalose de contração, diurétcos, estados edematosos, depleção de potássio ou magnésio;
difundir-se rapidamente pelas membranas o pH intracelular. O bicarbonato aumenta celulares, a PCO2 e reduz reduz o nível de cálcio ionizado, contrabalanceando sua possível ação benéfica cardiovascular. Com base nessas observações e em estudos controlados, o uso ro tneiro de bicarbonato para correção do pH nas formas agudas de acidose metabólica não é recomendado, sendo seu emprego limitado às formas crônicas de acidose tubular renal, com o obje tvo de compensar as perdas renais e evitar a evolução da doença óssea associada.
- Síndrome de Barer e síndrome de Gitelman; - Recuperação de acidose metabólica (cetoacidose ou acidose látca prévia);
Tabela 12 - Efeitos indesejáveis no uso de bicarbonato de sódio
- Hiperaldosteronismo primário;
- Ânions não absorvíveis (penicilina, carbenicilina). Expansão de volume, hipertensão, hipocalemia Renina alta - Estenose da artéria renal; - Hipertensão acelerada ou maligna. Renina baixa
- Piora da hipóxia tecidual;
- Síndrome de Cushing;
- Hipervolemia e hipernatremia;
- Síndrome de Liddle;
- Hipopotassemia;
- Defeitos enzimátcos suprarrenais hereditários com perda de potássio e contração volêmica.
- Hipocalcemia sintomátca; - Alcalose de rebote.
F - Alcalose metabólica Ocorre aumento do bicarbonato sérico acima de 26mmHg, independentemente do pH. O mecanismo mais comum ocorre por perda de íons H + para as células ou para o meio externo, também podendo surgir menos comumente no excesso na oferta de bicarbonato. Exemplos de causas específicas: - Contração de volume (vômitos, diurese excessiva, ascite); -
Hipocalemia;
-
Ingestão de álcalis (bicarbonato);
-
Excesso de glicocortcoides ou mineralocortcoides;
-
Síndrome do Barer.
A alcalose – respiratória ou metabólica – promove discreto aumento na contratlidade miocárdica. Há, porém, redução no limiar excitatório da fibra miocárdica, favorecendo arritmias atriais e ventriculares, por vezes resistentes à terapêutca antarrítmica. A hiperventlação promove queda na pressão arterial e na resistência sistêmica. Na circulação coronariana, pode provocar espasmo arterial. Na alcalose, há mudança da curva de dissociação da hemoglobina com aumento na afinidade pelo oxigênio, o que pode dificultar a oxigenação tecidual em condições crítcas.
68
Carga exógena de base Administração aguda de substância alcalina - Bicarbonato; - Transfusão sanguínea (citrato); - Acetato; - Uso abusivo de antácidos + resina de troca iônica. Administração crônica de álcalis - Síndrome leite-álcali.
A alcalose metabólica decorre da retenção de bicarbonato pelo organismo ou da perda de H + pela via gastrintestnal ou rins, com elevação da PCO 2 como mecanismo compensatório. A alcalose respiratória aguda provoca vasoconstrição na circulação cerebral, com queda no fluxo sanguíneo cerebral, e se manifesta clinicamente por confusão mental, mioclonias e convulsões. Os principais esmulos para a retenção de bicarbonato pelos rins são a hipovolemia com perda de Cl–, hipocalemia ou aumento na a tvidade mineralocortcoide. Quando há perda de H+ por vômitos intensos ou aspiração nasogástrica connua, ocorre esmulo para absorção tubular de sódio, que, na presença de déficit de Cl–, é reabsorvido e associado ao bicarbonato. Na hipocalemia, o rim poupa K +, eliminando H+ em troca de Na+ e bicarbonato; a urina torna-se ácida e há maior absorção de bicarbonato. O excesso de mineralocortcoides promove aumento na secreção de H+ nos túbulos renais, com retenção de bicarbonato. As principais causas de alcalose metabólica
DISTÚR BIO D O EQUILÍBRIOCIDOÁ BÁSIC O são a drenagem nasogástrica, o uso de diuré tcos e de cortcosteroides. Pacientes em uso crônico de diurétcos ou portadores de doença pulmonar crônica, com retenção de CO 2, podem desenvolver alcalose grave quando hiperventlados. O tratamento da alcalose metabólica é feito procurando-se minimizar e repor as perdas devido à sucção nasogástrica, ou empregando-se bloqueadores H2 e repondo-se as perdas de potássio com solução de cloreto de potássio. Na alcalose secundária ao excesso de mineralocortcoides, uma combinação de restrição de sódio, suplementação de potássio e espironolactona, é necessária para controlar a alcalose. Nas formas graves de alcalose metabólica, com pH acima de 7,6 ou na presença de arritmias cardíacas refratárias, podem-se utlizar soluções de ácido clorídrico, infundidos em veia central a uma taxa de 20 a 50mEq/h, com rigoroso controle do pH.
- A abordagem sistemátca, com a análise do quadro clínico, a identficação da doença de base, a iden tficação do distúrbio primário e o uso de fórmulas para averiguação ou não da ocorrência de respostas compensatórias, é fi ecaz no diagnóstco da grande maioria dos casos de distúrbios no metabolismo ácido-básico.
A IC D É M A IC ÍN L C
6. Resumo Quadro-resumo tca clínica. Para o - Distúrbios ácido-básicos são comuns na prá correto diagnóstco do distúrbio de base, é necessário seguir uma abordagem lógica;
- O quadro clínico é fundamental, para nortear o diagnós tco e a terapêutca. É o quadro clínico que fornece dados para a elaboração do raciocínio clínico que vai levar ao diagnós tco do distúrbio primário; - Na grande maioria dos casos, o tratamento implica na correção da doença de base; - Mudanças no pH do sangue têm correlação com alterações de 3 grandes componentes: sistema tampão do sangue, ven tlação alveolar e função renal; - O bicarbonato é o principal tampão do sangue e sofre interferência da função renal e da ventlação pulmonar; - A acidose respiratória aguda é definida como redução do pH resultante de hipoventlação alveolar e retenção de CO2; - Alcalose respiratória tem, como grande causa, a hiperven tlação, ocasionando a redução da PCO2; - Acidose metabólica tem, como grandes causas: (1) aumento da produção de ácidos, (2) redução da excreção de ácidos, (3) perda de álcalis e (4) aquisição de ácidos externos (intoxicação exógena); - As acidoses metabólicas podem cursar com AG aumentado ou diminuído; essa diferenciação é importante na elucidação do diagnóstco da doença que está levando ao quadro em questão; - A alcalose metabólica pode ser causada pela ingestão (ou administração) de bicarbonato, perda de ácidos, reabsorção aumentada de bicarbonato pelos rins ou perda massiva de bicarbonato pelo TGI; - Podemos ter a combinação de distúrbios metabólicos e respiratórios. Para isso, é importante identficar, por meio do quadro clínico, o distúrbio primário, e estmar com o uso de fórmulas a resposta compensatória esperada. Com isso, podemos diagnostcar os distúrbios mistos; - Alterações respiratórias têm compensação metabólica muito pobre, principalmente em quadros agudos;
69
MEDICINA INTEN SIVA MEDICINA INTENSIVA
CAPÍTULO
Choque
2 1. Introdução Choque é uma síndrome clínica caracterizada por um quadro de hipoperfusão sistêmica aguda devido a uma incapacidade do sistema circulatório de atender às demandas metabólicas dos diversos tecidos, levando a distúrbios celulares graves, hipóxia tecidual, disfunção de múl tplos órgãos e morte. Por esse motvo, são de fundamental importância o reconhecimento precoce e a correção dos distúrbios teciduais e o tratamento da causa de base. Para a compreensão das diversas formas de apresentação clínica do choque, é necessária a revisão de alguns conceitos importantes de transporte de oxigênio e monitorização hemodinâmica.
2. Oferta e consumo de oxigênio A manutenção da oferta de oxigênio aos tecidos de forma adequada e constante depende da integração de variáveis respiratórias e hemodinâmicas. Essa integração vai desde a captação do oxigênio pelo capilar alveolar até o fornecimento aos seus sítos de utlização celular. Várias afecções relacionadas à terapia intensiva apresentam alterações em 1 ou mais dessas variáveis, levando à má perfusão sistêmica, insuficiência de órgãos e óbito. Por isso, uma perfeita compreensão da fisiopatologia da oferta e do consumo de oxigênio é crucial, assim comoda o conhecimento das técnicas relacionadas à monitorização oxigenação tecidual.
A - Oferta de oxigênio O processo de oferta de oxigênio inicia-se nos alvéolos, onde o O2 atmosférico se difunde até o sangue, e finaliza em nível capilar, com sua entrada na mitocôndria celular para a oxidação dos nutrientes. Resumidamente, ocorrem os seguintes passos:
70
José Paulo Ladeira / Kelly Roveran Genga
Difusão do O2 dos pulmões ao sangue; Ligação do oxigênio à hemoglobina; - Transporte para periferia (Débito Cardíaco – DC); - Difusão para mitocôndria. -
a) Difusão do O2 dos pulmões ao sangue O oxigênio atmosférico em nível do mar encontra-se aproximadamente a 150mmHg de nível pressão parcial. Ao ser inspirado, sua pressão parcial em alveolar é em torno de 100mmHg (só o vapor d’água no alvéolo possui 47mmHg). A partr desse ponto, o O2 alveolar se difunde para o sangue do capilar pulmonar. A quan tdade de O2 transferida para o sangue depende basicamente da relação ventlação-perfusão e da concentração de O 2 inspirado (FiO2). Outros fatores importantes são as característcas de difusão da membrana alveolocapilar, a concentração de hemoglobina no sangue e sua afinidade pelo O2. De modo geral, o oxigênio dissolvido no plasma em condições normais não é o suficiente para atender à demanda metabólica normal. Por isso, ele deve ser carreado por proteínas especialmente desenvolvidas para tal fim. Nos vertebrados, a hemoglobina assume essa função. b) Ligação do oxigênio à hemoglobina A hemoglobina é um complexo proteico composto por 4 cadeias polipepdicas (2 cadeias alfa e 2 beta), ligadas a um grupo heme por ligações não covalentes. Cada grupo heme possui 1 átomo de ferro em estado reduzido (ferroso ou Fe2+), ao qual o oxigênio se liga. Cada molécula de hemoglobina consegue carregar 4 moléculas de oxigênio. A ligação do oxigênio à hemoglobina tem as característcas de um sistema enzimátco homotrópico, ou seja, o próprio oxigênio regula e modula a a tvidade de ligação da hemoglobina. Dessa forma, na medida em que a 1ª molécula de oxigênio
CHOQUE
se liga, a próxima molécula encontra menor dificuldade para se ligar, e assim por diante. Em outras palavras, a a finidade pelo oxigênio da hemoglobina aumenta na medida em que ela se satura. Essa habilidade da hemoglobina de alterar sua afinidade pelo O2 a torna um carregador ideal. Nos capilares pulmonares, a ligação do oxigênio à hemoglobina é facilitada, enquanto que nos capilares periféricos é promovida a dissociação do O2. Além disso, a dissociação da oxi-hemoglobina em seus componentes apresenta uma forma sigmoide, o que representa graficamente essa propriedade de aumento da afinidade com aumentos da saturação. Por exemplo, valor Adediminuição pO2 de 100mmHg representa uma saturação deum 97,5%. da pO2 para 60mmHg causa uma pequena queda da saturação para 90%. Porém, a partr desse ponto, a curva apresenta uma in flexão acentuada, de tal forma que pequenas diminuições na pO2 representam quedas acentuadas da saturação. Outros fatores in fluenciam a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio.
possui 1,39mL de O2. O conteúdo de oxigênio no sangue (em mL de O2/dL de sangue) pode ser expresso, então, pela seguinte fórmula: Conteúdo arterial de O2 = (normal 16 a 22mL/dL) Conteúdo venoso de oxigênio (normal 12 a 17mL/dL)
Logo, percebe-se que os 2 principais componentes do conteúdo de oxigênio no sangue são a quan tdade de hemoglobina e a sua saturação. Já a oferta de oxigênio aos tecidos (DO2) depende do DC do paciente: Oferta de oxigênio (DO2 - mL O2/min) = CaO2 x DC x 10 (normal 700 - 1.400mL/min)
Fica evidente a importância do DC para a oferta de O2 aos tecidos. Quedas agudas da saturação ou anemias agudas podem ser compensadas por imediato aumento do DC. O consumo de oxigênio (VO2) é definido pela equação de Fick: Consumo de oxigênio (mL O2/min) = Ca - VO 2 x DC x 10 (normal 180 a 280mL/min)
A taxa de extração de oxigênio pelos tecidos descreve a habilidade da periferia em remover o O2 do sangue: Taxa de extração de oxigênio = VO/DO ou = (Sat art O - Sat 2 2 2 ven O2)/Sat art O2 (normal 20 a 25%)
d) Difusão para a mitocôndria
Figura 1 - Curva de saturação da hemoglobina
Aumento da afinidade (desvio da curva para a esquerda): - Diminuição da temperatura; - Aumento do pH; - Diminuição do pCO ; 2 - Diminuição do 2,3-DPG; - Alterações da hemoglobina (hereditárias). Diminuição da afinidade (desvio para a direita): - Diminuição do pH; -
Aumento do pCO2; Aumento da temperatura; - Aumento do 2,3-DPG. -
c) Transporte de O2 para periferia/oferta de O2 A oferta de oxigênio aos tecidos depende da quantdade presente no sangue e do DC. De modo geral, 1mol de hemoglobina carrega, quando completamente saturado, 4mols de oxigênio. Assim, cada grama de hemoglobina saturada
O processo de difusão do oxigênio do sangue para a mitocôndria segue simples princípios de difusão. É necessário saber que uma pressão parcial de oxigênio de apenas 1mmHg na mitocôndria é o su ficiente para o metabolismo aeróbico normal. Dessa forma, o gradiente de difusão do sangue para a célula é grande o su ficiente para que tal processo fsico suplemente a necessidade habitualmente. Porém, a importância da hemoglobina no transporte ainda persiste, pois é sua dissociação do oxigênio que permite uma oferta adequada. Caso contrário, o oxigênio dissolvido não seria o suficiente para atender às demandas periféricas. Outro aspecto a ser ressaltado é a importância da microcirculação para a distribuição do sangue oxigenado. O nível de perfusão dos diferentes tecidos é regulado por uma ação conjunta entre as arteríolas e a microcirculação. O controle do tônus arteriolar por efeito neuro-humoral-parácrino, o estado dos diferentes territórios capilares e o DC controlam a perfusão tecidual. Na periferia, a hemoglobina altera sua a finidade pelo oxigênio, com um desvio para a direita da curva de dissociação, o que ocasiona melhora da oxigenação tecidual. O aumento do PCO2, a queda do pH e outros fatores ocasio-
71
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA nam a diminuição da afinidade da hemoglobina pelo O2, o que promove melhor liberação para os tecidos. A distribuição do oxigênio aos tecidos também é determinada pelos mecanismos de controle da microcirculação local que controlam o fluxo total, o tempo de trânsito e o recrutamento capilar. Fatores autonômicos neurais e metabólicos regulam os esfncteres arteriolares de tal forma a aumentar a densidade capilar, um mecanismo defensivo muito u tlizado por órgãos capazes de grandes aumentos de capilaridade como os músculos esquelétcos. Órgãos com pouca reserva capilar apresentam-se em desvantagem durante a hipóxia, especialmente aqueles com sistema de contracorrente, como os vilos intestnais e a medula renal. Uma vez que chega à mitocôndria, o oxigênio deve funcionar como receptor final de elétrons provenientes do metabolismo aeróbico. Mesmo após entrar na mitocôndria, diversos mecanismos em determinadas patologias promovem a má u tlização do oxigênio no metabolismo, levando a uma utlização glicolítca anaeróbica da glicose e hiperlactatemia para geração de ATP apesar da presença de O 2. Alguns destes mecanismos são listados a seguir: -
Bloqueio da piruvato-desidrogenase, com desvio do piruvato para a geração de lactato em vez de ace tl-CoA;
-
Bloqueio de enzimas do ciclo de Krebs (aconitase);
-
Bloqueio de citocromos da cadeia de elétrons;
-
Estado hiperadrenérgico com hiperatvação da via glicolítca.
B - Relação entre oferta e consumo de oxigênio Observou-se, em modelos animais, a presença de uma relação não linear e bifásica entre DO 2 (oferta de oxigênio) e VO2. Na Figura 2, observa-se o consumo de oxigênio descrito em função da oferta de O 2. Com diminuições graduais da oferta, o consumo permanece constante devido a um aumento da extração periférica. Porém, diminuições progressivas podem superar a capacidade de adaptação da microcirculação, e a produção aeróbica de ATP cai abaixo da necessidade metabólica. A par tr desse ponto, também chamado de DO 2 crítco, a produção anaeróbica de ATP é iniciada. De modo geral, tal ponto se inicia a par tr de oferta de 10mL/min/kg. estudos nãouma demonstraram a existência Contudo, de um ponto de inclínicos flexão na relação entre oferta e consumo de oxigênio. Alguns demonstraram até que a relação é linear até pontos extremos de oferta de oxigênio. Acredita-se que tais achados experimentais se devam a um fenômeno de acoplamento matemátco devido à semelhança entre as fórmulas de oferta e consumo calculadas pelo cateter de artéria pulmonar.
72
Figura 2 - Consumo de O 2 em função de sua oferta Pacientes com sepse grave/choque séptco possuem a curva da relação DO2 x VO2 desviada para a direita e para cima, ou seja, o DO2 crítco é atngido com valores maiores de oferta e consumo de oxigênio, como pode ser visto na linha tracejada.
C - Monitorização da oxigenação A monitorização connua do equilíbrio entre transporte de oxigênio aos tecidos e sua u tlização pode ser feita à beira do leito, por meio de medidas sistêmicas e regionais. Essas últmas são fundamentais para leitos vasculares com alta suscetbilidade à hipoperfusão e hipóxia tssular secundária à anatomia microvascular especí fica. Exemplos claros são a mucosa do trato gastrintestnal e medula renal, em que sistemas de vasos em contracorrente, sob condições de hipoperfusão, geram gradientes decrescentes de pressões parciais de oxigênio e consequente hipóxia distal ao leito vascular. Tais característcas justficam a ocorrência de insuficiência renal por necrose tubular aguda e sinais de disfunção do TGI, mesmo sob condições hemodinâmicas estáveis e medidas sistêmicas de transporte de oxigênio adequadas. a) Medidas sistêmicas As medidas sistêmicas utlizadas são saturação venosa mista de oxigênio, lactato e relação DO 2/VO2. -
Saturação venosa mista de oxigênio (SvO2)
A queda da saturação venosa da hemoglobina evidencia alta taxa de extração periférica de oxigênio, secundária à hipoperfusão absoluta ou rela tva a tecidos com alta demanda metabólica. Em condições de circulação hipodinâmica e baixo débito sistêmico, o valor da SvO oferece boa avaliação da 2 perfusão global. Durante estados hiperdinâmicos distribu tvos, flete o somatório do fl a saturação venosa mista re euente de diversos leitos vasculares com perfus ão arterial e taxa metabólica local diferentes. Portanto, valores normais ou pouco elevados podem não refletr o estado de disóxia de determinados tecidos. Para sua monitorização, é necessária a passagem de cateter de artéria pulmonar, pois sua medida somente é possível no sangue proveniente do ventrículo direito ou da artéria pulmonar (Figura 3). Já a saturação venosaentral c é obtda por um cateter venoso central em veia cava superior.
CHOQUE
primeiras 24 a 48 horas de internação iden tficam pacientes com maior risco de disfunção orgânica e maior taxa de mortalidade. Entretanto, a maioria dos estudos com tonometria gástrica é muito heterogênea do ponto de vista do tpo de paciente estudado, e, devido a isso, o papel definitvo desse método em prever o prognóstco e guiar a terapêutca de pacientes graves ainda não está bem definido. O grande número de variáveis fisiológicas envolvidas, a resposta microvascular e metabólica heterogênea dos diferentes tecidos e, principalmente, a di ficuldade de mensurar a real taxa de disponibilidade, captação e utlização do fi
Figura 3 - Cateter de artéria pulmonar e sua localização após inserção, com as curvas de pressão da artéria pulmonar
Lactato A hiperlactatemia arterial ou venosa mista, embora funcione como índice prognóstco, não é marcador fidedigno de hipóxia tssular e metabolismo anaeróbio, principalmente em pacientes sép tcos após o 3º dia de instalação do choque. Após o 3º dia do início da doença, o aumento dos níveis séricos de lactato pode não ser de srcem hipóxica/ anaeróbia, sendo causado por outras alterações na cinétca do oxigênio. Como já dito, amostras colhidas da circulação sistêmica (arterial ou venosa mista) podem não re fletr com segurança o metabolismo regional de determinados sistemas. Porém, sua dosagem na fase aguda do quadro séptco consegue identficar pacientes mais graves, com maior mortalidade, aos quais uma terapêutca imediata e agressiva pode determinar melhor evolução. Além disso, níveis de lactato persistentemente elevados também têm valor prognóstco bem estabelecido. Terapêutcas que determinam queda do lactato ≥10% em 1 hora de tratamento indicam boa evolução.
oxigênio nível celular jus t cam complexidade da avaliação doem transporte de oxigênio aosa tecidos. A regionalização das medidas, com consequente redução do número de variáveis envolvidas, e a avaliação con nua na tentatva de identficar tendências evolutvas parecem facilitar a interpretação de números e servir como orientação terapêutca.
-
3. Monitorização hemodinâmica por cateter de Swan-Ganz A - Introdução A monitorização hemodinâmica por meio do uso do Cateter de Swan-Ganz (CSG) foi introduzida na prátca médica em 1970, permitndo, à beira-leito, registrar variáveis até então somente disponíveis em laboratórios especialmente equipados. Em 1972, inicia-se a determinação do DC pela técnica de termodiluição. Grandes transformações em termos de uso de drogas vasoatvas e inotrópicas ocorreram a partr de então, exigindo do médico o conhecimento de parâmetros fisiológicos e permitndo o tratamento mais racional dos pacientes em choque ou com instabilidade hemodinâmica (Figura 4).
b) Medidas regionais A avaliação da perfusão e oxigenação regionais assume um papel fundamental na monitorização de afecções que cursam com padrões heterogêneos de perfusão microcirculatória e metabolismo regional, como na sepse. A tonometria mucosa apresenta importante valor prognóstco e aplicabilidade clínica, consistndo na inserção de um balão de silicone para equalização da pressão de CO mucosa (gás2 trica ou intestnal) com o fluido ou gás que preenche o balão. Os valores encontrados de CO2 podem ser avaliados isoladamente ou inseridos na fórmula de Henderson-Hasselbach conjuntamente com valores de bicarbonato arterial para cálculo do pH intramucoso (pHi). Os valores de pH encontrados, embora possam não refletr adequadamente o real estado ácido-básico da mucosa avaliada (uso do bicarbonato arterial como extrapolação do bicarbonato mucoso), apresentam importância prognóstca comprovada em vários estudos. Valores persistentemente baixos (<7,32) nas
Figura 4 - Esquema de cateter de Swan-Ganz
B - Variáveis hemodinâmicas A avaliação clínica não invasiva nos pacientes graves não permite aferir medidas hemodinâmicas confiáveis para um tratamento mais racional. Já foi demonstrada a impossibilidade da determinação com um mínimo de precisão, de variáveis hemodinâmicas como DC, Pressão Capilar Pulmonar
73
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA (PCP) e Resistência Vascular Sistêmica (RVS), mesmo com acesso ao raio x e Pressão Venosa Central (PVC). Os erros eram próximos de 50%. Também se verificou que em até 30% das vezes havia mudança na conduta terapêutca quando as variáveis hemodinâmicas eram conhecidas. Assim, a busca pelo conhecimento dessas variáveis, independente se alterações prognóstcas venham a ocorrer ou não com as mudanças terapêutcas realizadas, foi um fator decisivo no aumento crescente do uso desse cateter. As variáveis hemodinâmicas mais comumente u tlizadas em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) podem ser classi ficadas em variáveis
é produto de 3 fatores distntos: pré-carga, pós-carga e contratlidade. A pré-carga é definida como a tensão na parede ventricular no final da diástole. A melhor maneira de aferi-la é a medida do volume diastólico final dos ventrículos. A pós-carga representa o estresse da parede ventricular durante a sístole. Na prátca, afere-se a pós-carga por meio do cálculo da resistência vascular pulmonar (para o VD) e resistência vascular periférica (para o VE). A contratlidade refere-se à capacidade intrínseca de encurtamento das fibras miocárdicas, representada pelo trabalho sistólico do VE. O DC é o principal componente no cálculo da oferta de
de determinação e variáveis (ou deaquelas determinação indireta).direta São variáveis decalculadas medida direta que envolvem a determinação da pressão e do fluxo, enquanto as variáveis relatvas à resistência vascular e trabalho são calculadas por fórmulas matemá tcas. As principais medidas de pressão são Pressão Arterial (PA), PVC, Pressão da Artéria Pulmonar (PAP) e Pressão da Artéria Pulmonar Ocluída (PAPO). O fluxo através do sistema vascular é ob tdo pela medida do DC. A PA é a pressão gerada nas paredes das artérias, resultante dos batmentos cardíacos e da resistência da parede do vaso ao fluxo sanguíneo. Seu valor normal é de 100 a 130mmHg para a pressão sistólica (PAS) e de 60 a 90mmHg para a diastólica (PAD). Pode ser aferida por métodos não invasivos ou invasivos, sendo estes úl tmos de eleição em hipertensos graves e pacientes em uso de drogas vasoa tvas e/ou instáveis hemodinamicamente. A PVC é a pressão existente no sistema venoso central intracardíaco. Na ausência de estenose tricúspide, reflete a pressão diastólica final do VD. Sua mensuração sofre influência da volemia, função cardíaca, venoconstrição periférica e aumento da resistência vascular pulmonar. Tem valor apenas quando monitorizada dinamicamente, ou seja, em resposta a infusões volêmicas. Seu valor normal é de 0 a 6mmHg (ou 0 a 8cmH 2O). A PAP e a PAPO são medidas pelo CSG e consttuem variáveis importantes em hemodinâmica. A PAP aumenta com embolia pulmonar, hipoxemia, DPOC, SDRA e sepse. A hipovolemia diminui a PAP. O valor normal da PAP é de 15 a 25mmHg para a PAS e de 6 a 12mmHg para a PAD. A PAPO é ob tda progredindo-se o CSG, com seu balão distal insu flado, até a oclusão de um ramo da artéria pulmonar. Na ausência de estenose mitral, existe boa relação com a pressão no átrio esquerdo e diastólica final do VE. Seu valor normal é de 5 a 12mmHg. Os valores estão diminuídos na hipovolemia e aumentados nos estados hipervolêmicos, na estenose e insuficiência mitral, nas alterações da complacência e disfunção do VE. Valores maiores que 15mmHg re fletem, muitas vezes, acúmulo de líquidos no pulmão. Outra forma recentemente disponível para uso clínico na avaliação da pré-carga para o coração é a medida do volume diastólico final do VD. Essa medida parece ser mais confiável do que a PAPO para avaliação da pré-carga. O DC é a quantdade de sangue bombeada pelo coração por minuto (DC = volume sistólico x FC). O volume sistólico
O2 aos tecidos. Seu maior determinante é o metabolismo orgânico global, seguido da pós-carga. O DC pode ser medido de forma invasiva (pela técnica de termodiluição) ou não invasiva. A medida frequente do DC em pacientes graves permite o acompanhamento e a manipulação da oferta de O2 e o cálculo de variáveis como RVS, RVP e trabalho sistólico. Seu valor normal é de 5 a 6L/min. O Índice Cardíaco (IC) expressa a relação do DC/superfcie corpórea, sendo seu valor normal de 3 a 3,5L/min/m 2. A sua interpretação deve levar em conta a demanda metabólica do indivíduo. Por exemplo, num indivíduo saudável, os valores mencionados anteriormente podem ser adequados à sua demanda, porém, em pacientes com quadro de sepse grave e/ou choque séptco, valores de DC considerados normais podem ser insuficientes para atender à sua demanda metabólica naquele momento. Dentre as medidas indiretas que o CSG pode calcular, têm-se:
74
-
Índice Vascular Sistêmica (IRVS) = PAM - PVC/ de IC xResistência 80; Índice de Resistência Vascular Pulmonar (IRVP) = PAPm - PAPO/ IC x 80; - Índice do Trabalho Sistólico do VE - ITSVE; - Índice do Trabalho Sistólico do VD - ITSVD. -
-
Determinantes do débito cardíaco •
• •
•
•
•
•
Pré-carga: Volume Diastólico Final do ventrículo (VDF) estmado pela Pressão Diastólica Final do ventrículo (PDF); determina o grau de distensão da fibra cardíaca imediatamente antes da sua contração durante a sístole; Volemia; RVS: tônus dos esfncteres pré-capilares arteriolares, que determinam, em parte, a impedância arterial; Tônus vasomotor venoso: determina o retorno venoso nos vasos de capacitância desse território; Pressão intratorácica: aumentada, diminui o retorno venoso (em situações como no pneumotórax hipertensivo); Contração atrial: determina cerca de 20 a 30% do enchimento ventricular; Taquiarritmia;
CHOQUE
•
•
Pós-carga: determinada pela pressão diastólicafinal em raiz de aorta e pela resistência vascular isstêmica; Contratlidade.
C - Variáveis metabólicas Das inúmeras variáveis metabólicas passíveis de serem aferidas à beira do leito, aquelas capazes de avaliar a oferta de oxigênio (DO2) e o consumo de oxigênio (VO2) são as que mais se relacionam ao prognóstco e, portanto, são as que mais devem ser mensuradas. A adequação da oxigenação tssular depende do volume de O2 transportado aos tecidos (DO2) e daquele consumido (VO2). Essa relação entre oferta e consumo pode ser determinada pela relação DO2/VO2. Logo, o transporte de O2 aos tecidos é fundamentalmente dependente do DC (principal determinante), da hemoglobina e da saturação arterial de O 2. O consumo de O2 (VO2), em geral, é de 25% daquilo que é transportado aos tecidos. O VO2 geralmente não é afetado por pequenas alterações no transporte e sim pelas demandas metabólicas. Somente quando níveis crítcos de transporte de O2 ocorrem é que o consumo de O2 começa a declinar, ocorrendo o processo de acidose látca (dependência fisiológica de oferta de O 2). Nos doentes graves, essa dependência se torna ainda mais estreita. Um aumento significatvo e imediato de VO 2 em resposta a um aumento no DO2 sugere que o metabolismo tssular estava inadequado e possivelmente limitado pelo transporte (dependência patológica da oferta de O 2). Entretanto, tal dependência patológica tem sofrido crítcas atualmente, o que tem levado ao abandono da otmização progressiva do transporte de O2 em busca de valores supranormais, como foi realizado no passado. Hoje, busca-se a terapêutca do “suficiente”. Com o CSG, pode-se coletar sangue venoso misto na porção proximal da artéria pulmonar, que reflete de forma global o equilíbrio entre a oferta e o consumo de O 2 dos tecidos perfundidos. Será obtda, assim, a mensuração da Saturação venosa de O2 (SvO2), cujos valores devem ser man tdos acima de 65% (VN 68 a 77%). Valores baixos re fletem hipoxemia, anemia, queda do DC e aumento de demandas, e valores elevados associam-se à sepse, politraumatsmo, pancreatte e cirrose (quadros hiperdinâmicos). Já existem disponíveis para uso clínico cateteres com mensuração connua da SvO2 e do DC.
Choque: diagnóstco diferencial; otmização do tratamento de todos os tpos de choque; - Insuficiência respiratória aguda: disfunção do VE associada, instabilidade hemodinâmica associada e controle de volemia na SDRA; - Tamponamento cardíaco; - Embolia pulmonar; - Cirurgias não cardíacas: cirurgias de grande porte com perda sanguínea importante em cardiopatas, cirurgia hepátca, cirurgias em portadores de insuficiência cardíaca grave, cirurgia de feocromocitoma; - Cirurgias cardíacas: com função do VE deprimida, anormalidades segmentares do VE, estenose grave do tronco da coronária esquerda, ressecção de aneurisma ventricular, troca mitroaórtca mais revascularização, hipertensão pulmonar grave; - Manuseio de situações obstétricas em pacientes especiais de alto risco; - Queimados graves; - Dúvidas diagnóstcas; - Pancreattes graves; - Pacientes séptcos, em SIRS ou em disfunção múl tpla de órgãos; - Alguns pacientes com IRA; - Politraumatsmos; - Cirurgias ortopédicas extensas em idosos. -
E - Complicações As complicações mais frequentes são as arritmias cardíacas, e as mais dramátcas, provavelmente, seriam a perfuração da artéria pulmonar, que se manifesta com hemoptse e morte. As complicações podem ser divididas em relatvas ao procedimento de punção (punção de artéria, pneumotórax, síndrome de Horner, lesão de plexo braquial, embolia gasosa e lesão do nervo frênico), relatvas à passagem do cateter (arritmias, enovelamento, perfuração da artéria pulmonar e danos valvulares), relatvas à presença do cateter na artéria pulmonar (trombose venosa, sepse, endocardite e infarto pulmonar). Tabela 1 - Padrões das medidas hemodinâmicas do CSG mais frequentemente relacionados aos tpos de choque Hipovolêmico
D - Indicações A indicação do CSG deve sempre considerar que dados obtdos por ele contribuirão para a decisão terapêu tca, sem acarretar riscos desnecessários ao paciente. A seguir, encontram-se alguns casos em que o CSG deve ser considerado: - IAM e angina instável: hipotensão refratária à reposição de volume, sinais de insuficiência do VD ou VE; - Insuficiência cardíaca (IVE aguda): nãoresposta ao tratamento ou dúvida quanto à srcem do edema pulmonar;
Obstrutvo
Cardiogênico
FC
Séptco
↓
PVC
↓
Variável
PAPO
↓
Variável
RVS DC
Neurogênico
↓
↓
↓↓
Variável
↓
↓
↓
↓
↓
↓
Variável
75
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA 4. Choque hipovolêmico e reposição volêmica A - Introdução Resulta de uma diminuição da pré-carga, caracterizando-se por baixo volume intravascular e, consequentemente, baixo DC. Trata-se de uma situação facilmente detectável na maioria dos casos, porém casos como pancrea ttes ou hemorragias retroperitoneais podem tornar seu diagnóstco difcil. - Hemorragias – hemorragias digestvas altas e baixas, ruptura de aorta, pancreatte hemorrágica, fraturas, traumas abertos; - Perda de líquidos – diarreia, vômitos, poliúria; - Sequestro de líquidos – queimaduras, peritonites, colites; - Drenagem de transudatos, ascite, hidrotórax.
B - Classificação O choque hipovolêmico pode ser subclassificado em 2 tpos: hemorrágico e não hemorrágico. O choque hemorrágico pode apresentar hemorragias aparentes externas a partr de lesões, sangramentos cirúrgicos, hematomas em região de coxa e pelve ou saída de sangue a par tr de drenos torácicos ou abdominais. Porém, como já dito, o sangramento pode não se exteriorizar devido à compartmentalização do sangue em cavidades (torácica, abdominal, retroperitoneal, pelve) ou para o trato gastrintestnal. O ATLS (Advanced Trauma Life Support) classifica o choque de acordo com parâmetros clínicos, como mostrado na Tabela 3. O choque hipovolêmico não hemorrágico ocorre em uma série de estados patológicos e se caracteriza por um estado hipovolêmico absoluto e/ou rela tvo, consequente à perda corporal de fluidos, como na diarreia e na desidratação, ou devido à perda de fluido celular do intravascular para o extravascular. Tabela 3 - Classificação do choque hipovolêmico
Perda volêmica (em mL) Frequência cardíaca (bpm)
Classe I
Classe II
<15
15a30
<750 <100
Classe III 30a40
Classe IV >40
750 a 1.500
1.500 a 2.000
>2.000
>100
>120
>140
Pressão arterial
Sem alterações
Sem alteHipotenHipotensão rações são
Enchimento capilar
Sem alterações
Reduzido Reduzido
Frequência respiratória (irpm)
<20
76
20a30
Classe I
Classe II
>30
20a30
Classe III
Classe IV
5a20
Desprezível
Nível de cons- Pouco ciência ansioso
Ansioso
Reposição volêmica
CristaCristaloi- Cristaloides loides + des + CH* CH*
Cristaloides
Ansioso/ confuso
Confuso/ letárgico
* CH = Concentrado de Hemácias
C - Reposição volêmica
Tabela 2 - Causas de choque hipovolêmico
Perda volêmica (em %)
Débito urinário (mL/h)
30a40
Reduzido >35
Os objetvos do tratamento com reposição volêmica são a restauração da perfusão tecidual, com a consequente recuperação do metabolismo oxidatvo; a correção da hipovolemia absoluta/relatva; e a melhora do DC pelo aumento da pré-carga. Obviamente, tais objetvos são interdependentes, e a recuperação da volemia leva imediatamente à melhora do DC e à normalização da perfusão tecidual.
D - Tratamento e monitorização Atualmente, tem havido muita discussão em torno da reposição volêmica antes da interrupção da fonte de sangramento. Alguns autores teorizam que, se isso for feito imediata e vigorosamente, a melhora do quadro hemodinâmico do paciente fará que haja sangramento adicional e, portanto, redução da sobrevida dos pacientes, especialmente naqueles atendidos fora do ambiente hospitalar. Esses mesmos autores advogam que a reposição volêmica só deve ser iniciada após a interrupção da fonte de sangramento, o que só é possível, na maioria das vezes, por profissional qualificado e dentro do ambiente hospitalar, e mesmo, mais especificamente, dentro do bloco cirúrgico, causando dificuldades operacionais importantes. Balizado principalmente pelo manual do ATLS, do Colégio Americano dos Cirurgiões, é de bom senso que a reposição volêmica no politraumatzado seja iniciada o mais rápido possível, e não se deve tolerar qualquer atraso para transportar o paciente para local onde se possa resolver o problema cirúrgico, com a interrupção da fonte de sangramento. Somente isso é capaz de tornar viável a redução da perda sanguínea, facilitando inclusive a reposição volêmica adicional. O tratamento do choque hipovolêmico inicia-se obrigatoriamente pela instalação de acessos vasculares que possibilitem a administração de volume de forma adequada. As vias de acesso vascular de eleição são as veias superficiais dos membros superiores. Somente na impossibilidade destas é que se faz a opção por outros acessos vasculares que, em geral, são de maior complexidade. As punções percutâneas de veias centrais em ambiente de emergência estão associadas a riscos de complicações muito maiores do que quando feitas em situações eletvas. Portanto, devem ser evitadas ou realizadas somente por profissionais altamente experientes. Um acesso vascular frequentemente esquecido é a punção da
CHOQUE
veia femoral. Ela tem marcadores anatômicos fixos e está longe de estruturas vitais, podendo ser considerada a 2ª opção em se tratando de acessos vasculares no atendimento do politraumatzado. Só na impossibilidade de obtenção de acessos vasculares pelas vias expostas anteriormente é que se deve partr para acessos alternatvos, sejam eles punções de veias centrais (jugular ou subclávia) ou dissecções de veias profundas (cefálica, basílica ou safena magna). Nesta opção, deve prevalecer a maior experiência do profissional que está realizando o procedimento. Em crianças menores de 5 anos, quando as di ficuldades são maiores, tem-se a opção da punção intraóssea, uma viaanterolateral segura e relatvamente simples. É realizada na super fcie da bia, 1cm abaixo da sua tuberosidade, em direção caudal, a fim de evitar a placa de crescimento. Posteriormente, esse acesso pode ser substtuído, de forma eletva, por outro acesso vascular. Seja qual for o acesso, deve-se ter em mente que os acessos curtos e de grosso calibre permitem administração de volumes grandes de fluidos em menos tempo, pois apresentam resistência menor ao fluxo. Uma das complicações da reposição volêmica que independem do fluido administrado deve ser mencionada. A hipotermia é uma complicação grave da reposição volêmica maciça quando o cuidado no aquecimento dos fluidos é negligenciado, sendo responsável por uma série de problemas, como os distúrbios da coagulação do sangue (disfunção plaquetária e aumento da viscosidade do sangue). A coagulopata leva à diminuição da perfusão dos pequenos vasos, reduz o metabolismo dos diversos sistemas, desvia a curva de dissociação da oxi-hemoglobina para a esquerda, dificultando o fornecimento de oxigênio para os tecidos, interfere no metabolismo do citrato e do lactato, além de poder levar a arritmias cardíacas potencialmente fatais e refratárias. Tudo isso pode ser evitado aquecendo-se as soluções desde o início da ressuscitação volêmica, também tendo o cuidado de manter o paciente sempre aquecido. O tratamento dessa complicação é muito difcil, e a melhor prátca é a sua profilaxia. O edema pulmonar causado por uma reposição excessiva, assim como coagulopata dilucional, são outras potenciais complicações.
râmetros para avaliação da volemia. Atualmente, há uma tendência a valorizar dados hemodinâmicos ditos dinâmicos (variáveis que se alteram com a respiração, sendo a sua principal representante a chamada variação da pressão de pulso – o delta PP). Tais dados predizem a resposta volêmica com melhor sensibilidade e especi ficidade que os dados estátcos, porém não predizem a necessidade, ou não, de volume. Durante um ciclo respiratório, há uma oscilação na pressão intratorácica, a qual se reflete numa variação no enchimento ventricular, de forma cíclica, produzindo pressões de pulso maiores e menores. Tais variações são mínimas em pacientes com volemias ditas normais. Em pacientes com volemia reduzida, com a elevação da pressão intratorácica, ocorre uma redução no enchimento ventricular, levando a uma menor pressão de pulso. A fração percentual do delta PP é expressa pela fórmula: ∆PP% = 100 x (Ppmáx – Pp min)/[(Pp máx + Pp min)/2]
Ppmáx = Pressão de pulso máxima Ppmin = Pressão de pulso mínima
A presença de delta PP acima de 13% prediz que pacientes serão responsivos à reposição volêmica, ou seja, apresentarão aumento do DC acima de 15% após a infusão de 500mL de coloide, como demonstrado em estudos clínicos. O delta PP possui especificidade de 97% e sensibilidade de 94% na predição da resposta hemodinâmica ao volume. É importante lembrar que tal medida deve ser feita com o paciente sob ventlação mecânica a volume controlado (Vt de 8 a 12mL/kg), sedado, na ausência de arritmias (para que não haja alteração no volume sistólico).
E - Formas de monitorização da reposição volêmica É de suma importância que a reposição volêmica seja acompanhada de uma monitorização adequada para uma maior efetvidade, sem excessos ou faltas, uma vez que ambas são igualmente deletérias ao paciente. Seja qual for a variável utlizada para determinar a contnuidade do tratamento de reposição de volume, o importante é determinar se o paciente está na fase ascendente da curva de Frank-Starling (fase volume-responsiva). Os parâmetros hemodinâmicos tradicionalmente utlizados para avaliar a volemia (PVC, PAPO) sofrem influência de diversos valores externos, como pressão intratorácica, alterações na complacência ventricular etc. Dessa forma, os trabalhos mais recentes não demonstram boa sensibilidade ou especificidade desses pa-
Figura 5 - Identficação da PPmáx e PPmin durante 1 ciclo respiratório
77
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA F - Tipos de solução para reposição volêmica O tpo de fluido a ser administrado e a rapidez da reposição volêmica serão ditados pelo conhecimento da condição do paciente e por cuidadosa monitorização clínico-hemodinâmica à beira do leito. A escolha do fluido a ser administrado depende da função que se pretende subs ttuir, levando em consideração os possíveis efeitos negatvos de cada tpo de fluido. Hoje, no mercado, existem várias soluções; o que não se tem ainda é uma resposta sobre qual a melhor solução para cada situação e, até mesmo, se cada situação exige um tpo especial de solução de reposição. a) Cristaloides Os cristaloides contêm água e eletrólitos em concentrações variáveis e podem ser hipotônicos, isotônicos ou hipertônicos em relação ao plasma. São os fluidos mais frequentemente utlizados na ressuscitação volêmica de pacientes graves, e existem vários trabalhos que demonstram a sua eficácia neste contexto. Os principais exemplos são o Ringer lactato e o soro fisiológico. Por causa do pequeno tamanho de suas moléculas, as soluções cristaloides cruzam livre e rapidamente o endotélio vascular, equilibrando-se em poucos minutos com o líquido extravascular. Isso pode levar a um rápido acúmulo de líquidos no espaço inters tcial. Também, por causa do rápido extravasamento do fluido para o extravascular, seus efeitos hemodinâmicos máximos acontecem imediatamente após a infusão e perduram por pouco tempo, sem produzir efeitos duradouros sobre o sistema cardiovascular, exigindo novas infusões para a manutenção do efeito hemodinâmico inicial. Existem estudos que demonstram que menos de 20% do Ringer lactato permanecem no espaço intravascular cerca de 2 horas após o término da sua infusão. De maneira geral, as soluções cristaloides são seguras, atóxicas, não reagentes, baratas e prontamente disponíveis. As complicações comumente descritas incluem as relacionadas à ressuscitação incompleta, como choque progressivo, insuficiência renal aguda etc., pois os pacientes podem precisar de quantdades muito grandes de fluidos. Outra complicação é o acúmulo de líquido no espaço interstcial, conforme citado, causando a um profissional menos experiente a impressão de que a necessidade de líquidos já foi contemplada. Existe muita discussão na literatura se esse edema excessivo é ou não prejudicial aos pacientes. A diluição das proteínas plasmátcas, com queda importante da pressão coloidosmótca, é uma complicação conhecida do uso de cristaloides e pode contribuir para o edema periférico. Concomitantemente, em pacientes com choque hemorrágico, a reposição volêmica pode levar a uma diluição das proteínas partcipantes da cascata de coagulação, responsabilizando-se pela perpetuação de distúrbios hemorrágicos. Complicações específicas de cada solução são possíveis, como o aparecimento ou agravamento da acidose hiperclorêmica quando se usa soro fisiológico, porém sua reper-
78
cussão clínica ainda é desconhecida. A simples presença ou a persistência desses distúrbios em pacientes ressuscitados com grandes volumes de infusão não podem ser explicadas como apenas secundárias ao uso de cristaloides, e outras causas devem ser averiguadas, com especial atenção para a reposição volêmica incompleta com persistência de um déficit perfusional. Uma vez que o sódio é um íon predominantemente extracelular, se esperaria que a infusão de Solução Salina Hipertônica (SSH) a 7,5% induzisse a expansão do volume intravascular em maior grau que o volume infundido, pois teoricamente a água deve sair do espaço intracelular em direção ao extracelular. Isso tem sido con firmado em uma série de estudos que demonstram, ainda, que existe um efeito adicional no aumento do DC e na redução da resistência vascular sistêmica, que é maior que a esperada simplesmente pelo aumento da volemia. Esse fato parece estar relacionado com fenômenos metabólicos vasculares na artéria pulmonar, pois não é reproduzido em corações isolados. Adicionalmente, a SSH é capaz de reduzir a pressão intracraniana de forma tão eficiente quanto o manitol, sendo um fluido bastante conveniente na ressuscitação de pacientes politraumatzados que se apresentem hipotensos e com traumatsmo cranioencefálico associado. De modo geral, a SSH é um expansor plasmátco e ficiente, com menor grau de edematogênese, tem baixo custo e é livre de riscos de infecção. Como efeitos indesejáveis, a SSH pode provocar aumentos significatvos da osmolaridade, do sódio e do cloro. Teme-se a redução rápida do volume cerebral com risco de sangramento intracraniano, bem como o desencadeamento de quadro neurológico grave conhecido como mielinólise fibropontna. Ainda, ao menos em tese, a rápida melhora hemodinâmica do paciente pode resultar em aumento do sangramento em vasos traumatzados e ainda não hemostasiados. Em pacientes com choque hemorrágico, a reposição volêmica inicial deve ser realizada com expansores cristaloides como o Ringer lactato ou o soro fisiológico. Para pacientes em choque séptco, o Ringer simples ou o soro fisiológico são os mais indicados. Nos grandes queimados, a reposição nas primeiras 24 horas é feita com Ringer lactato. b) Coloides A albumina é a principal proteína no soro e responde por 80% da pressão coloidosmó tca do plasma, sendo essa a sua principal função no organismo. Tem, ainda, importante papel como proteína transportadora de inúmeras substâncias, incluindo drogas, hormônios etc., além da capacidade de atuar como removedor de radicais livres, podendo limitar o processo lesivo da peroxidação dos lipídios. As soluções de albumina são extraídas do plasma humano e processadas com a finalidade de ina tvação de vírus, sem haver risco de transmissão de doenças infecto contagiosas com o seu uso, e são apresentadas soluções de 5, 20 e 25%.
CHOQUE
Deve-se lembrar que, no plasma humano, a albumina se encontra em solução a 5%, e que reposições com soluções acima disso levarão à transferência de líquido do espaço extra para o intravascular, existndo então a necessidade de repor líquido para completar esse espaço. A albumina administrada distribui-se inicialmente para oespaço intravascular, mas sofre redistribuição progressiva para o espaço inters tcial. Sua meia-vida no espaço intravascular é de 16 horas, muito maior, portanto, que a das soluções cristaloides. Atualmente, diversas crítcas têm surgido em relação ao uso da albumina como solução coloide de expansão volêmica, incluindo o seudeelevado em relação às soluções cristaloides e à falta estudoscusto que comprovem maior taxa de sobrevida com a sua utlização. Além disso, há relatos de piora da função respiratória quando se u tliza albumina na ressuscitação, mas isso não é unânime em todos os trabalhos que a compararam com cristaloides. Contudo, é inequívoco que ressuscitações feitas com soluções coloides necessitem de menores quantdades de fluidos e estejam relacionadas a menor ganho de peso durante o procedimento e possam ser feitas em um menor intervalo de tempo. A ocorrência de reações alérgicas é muito rara com o uso de albumina. Os hidroxietlamidos são uma classe de moléculas sintétcas semelhantes ao glicogênio. Tais soluções contêm parculas de vários pesos moleculares, resultando em misturas muito heterogêneas, mas que são designadas por seu peso molecular médio. O hetamido (Hetastarch®) foi produzido a partr de uma modificação da amilopectna submetda à hidroxilação, o que permite maior resistência à degradação pela amilase, aumentando sua meia-vida no plasma. O volume intravascular aumenta mais que a quan tdade infundida, visto que a pressão coloidosmó tca é alta e retra líquido do interscio. Sua permanência no intravascular é muito mais duradoura que a dos cristaloides e pode perdurar até 24 horas. Em inúmeros trabalhos clínicos, o hetamido mostrou-se tão eficiente quanto a albumina, ou até mesmo superior a ela. O fabricante recomenda uma dose-teto diária de até 20mL/kg, mas em inúmeros estudos essa quantdade foi ultrapassada sem que tvessem sido observadas complicações clínicas relevantes. Mais recentemente, novas modificações na fórmula do hetamido levaram ao aparecimento do pentamido (Pentastarch®), uma solução com peso molecular mais baixo, com um tamanho de parculas em solução mais homogênea e menor substtuição com hidroxietlamido. Essas mudanças levam a uma excreção mais rápida e homogênea, a uma geração de maior pressão coloidosmó tca e a um aumento proporcionalmente maior da volemia (cerca de 1,5 vez o volume infundido). No entanto, há menor duração do efeito hemodinâmico (em torno de 12 horas). O pentamido é apresentado como solução a 10%. O principal problema potencialmente relacionado à infusão de hetamido é o desenvolvimento de coagulopata. Em vários estudos clínicos, demonstrou-se a associação de
sua infusão ao aparecimento ou agravamento de distúrbios da coagulação sanguínea sem, contudo, estar relacionado a sangramento clinicamente evidente. Quando se utlizam as doses preconizadas pelo fabricante, raramente se observa o aparecimento de coagulopatas. A anafilaxia é um fenômeno raro, ocorrendo em menos que 0,085% das infusões. Com frequência, aumentos nos níveis séricos da amilase têm sido relatados, podendo a tngir até o triplo dos valores de referência sem, no entanto, serem observadas quaisquer alterações na função pancreátca. O pentamido apresenta os mesmos efeitos indesejáveis que o hetamido, mas parece interferir menos nos parâmetros da coagulação. O hidroxietlstarch a 6% é um hidroxietlamido relatvamente novo (Voluven®) e compreende a 3ª geração dos coloides. Possui as mesmas propriedades terapêutcas dos amidos de médio peso molecular, porém, com muito menor incidência de efeitos colaterais. É um dos amidos mais utlizados atualmente em terapia intensiva. Os dextranas são misturas de polímeros de glicose de vários tamanhos e pesos moleculares produzidos por bactérias em meio contendo sacarose. Seu peso molecular pode variar muito, mas os dextranas mais usados na prátca médica apresentam peso molecular médio de 40.000 dáltons (dextrana-40), comercialmente disponíveis em solução a 10%, ou 70.000 (dextrana-70), comercialmente disponíveis em solução a 6%. A expansão e a duração do efeito dos dextranas variam de acordo com o peso molecular médio e a velocidade de sua eliminação no plasma. As moléculas menores são rapidamente filtradas pelo glomérulo e podem determinar diurese leve. As moléculas maiores ficam armazenadas nos hepatócitos e células do tecido re tculoendotelial, sem qualquer toxicidade, e são finalmente metabolizadas a CO2 e água. O maior peso molecular do dextran-70 leva à excreção mais lenta, determinando expansão de volume mais prolongada, sendo esta a solução preferida quando o objetvo é a expansão de volume. Em um trabalho clínico, a infusão de 1L de dextran-70 levou a um aumento do volume plasmátco de 790mL, o que foi comparável com o hetamido a 6% e superior à albumina a 5%. A expansão volêmica com dextrana-40 a 10% é ainda mais potente que com o dextrana-70, visto que o 1º é mais hiperoncótco que o 2º; contudo, tal expansão dura muito menos tempo, pois sua excreção é mais rápida. O volume de expansão é cerca de 1,5 vez o volume infundido, mas a duração é máxima ao final da expansão e não ultrapassa 1,5 hora após o término da infusão. Ambos, mas em muito maior grau o dextrana-40, reduzem a viscosidade do sangue, o que pode facilitar o fluxo sanguíneo periférico em pacientes com choque circulatório. A infusão de dextranas pode estar relacionada a vários problemas potencialmente sérios. Moléculas de dextranas podem depositar-se nos túbulos renais, principalmente em pacientes hipovolêmicos e com disfunção renal prévia, com reabsorção atva de água nos túbulos, levando à insuficiência renal aguda. Isso é muito mais frequente com o dextrana-40, sendo o dextrana-70 raramente relacionado a essa
79
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA complicação. Reações anafilátcas e anafilactoides podem ocorrer e são descritas em 0,03 a 5% dos casos. Ambas as soluções produzem defeito na coagulação, que é dose-dependente e de srcem mul tfatorial, mas está principalmente relacionado com diminuições da adesividade e agregação plaquetárias, sendo mais comumente observado com o dextrana-70. Para evitar essa complicação, deve-se limitar a infusão dos dextranas a não mais que 20mL/kg/dia. Outros problemas também relatados com o uso de dextranas são a interferência com as provas cruzadas de tpagem sanguínea e dificuldades para dosar a glicemia. Gelatnas são polipepdios derivados do colágeno bovino e modificados e apresentam pesos moleculares de aproximadamente 35.000Da, o que leva à rápida eliminação renal de um grande percentual das soluções e a um tempo de permanência no espaço intravascular muito curto, com meia-vida de 2,5 horas. A mais importante toxicidade relacionada com gelatnas é a reação anafilactoide, ou até mesmo reação anafilátca, cuja incidência é estmada em 0,146%. A rápida infusão dessa solução está relacionada à liberação de histamina em alguns pacientes. Elas ainda podem causar redução dos níveis séricos de fibronectna, mas a importância clínica não é clara. Obviamente, todas as soluções discutdas neste capítulo não têm a capacidade de aumentar o transporte de oxigênio. Apesar de várias substâncias testadas para esse fim, nenhuma delas ainda está disponível para o uso clínico. c) Hemoderivados O Concentrado de Hemácias (CH) deve ser u tlizado somente quando há indicação especí fica de aumentar a capacidade de oferta de oxigênio do paciente. A prátca habitual dos bancos de sangue modernos é usar terapia com componentes, não sendo mais indicada a transfusão de sangue total. Existem muitas vantagens para terapia com componentes: 1 - o paciente recebe somente aquilo de que necessita, sem ser exposto a um volume excessivo ou a componentes desnecessários; 2 - isso permite uma utlização mais eficiente, racional e econômica de um recurso escasso; 3 - também permite que cada componente ou fração seja armazenado de forma a preservar por mais tempo sua respectva função; 4 - tudo isso leva a uma maior disponibilidade desses componentes para os casos em que realmente são necessários. O objetvo da transfusão de CH deve ser sempre aumentar a capacidade de oferta de oxigênio do sangue para os tecidos e, assim, aumentar o seu consumo, a condição metabólica de consumo dependente do fornecimento. Concomitantemente à reposição volêmica, a normalização do índice cardíaco e a manutenção de oxigenação adequada do sangue, o aumento do hematócrito pode ser eficiente. Contudo, muitas perguntas ainda não foram respondidas, como: qual é o valor ideal do hematócrito? O que se tem claro no momento é que não existe um valor mágico que contemple todos os pacientes e situações clínicas, e que cada situação deve ser avaliada isoladamente, levando-se em conta a reserva fisiológica dos diversos órgãos e sistemas, inclusive a reserva fisiológica coronária.
80
O Plasma Fresco Congelado (PFC) é a porção líquida de uma unidade de sangue centrifugada e rapidamente congelada com o intuito de preservar as proteínas da coagulação. Deve ser usado com o propósito único de repor fatores de coagulação, em pacientes que estejam clinicamente sangrando e, de forma ideal, guiado por coagulogramas (exceção feita a pacientes em choque sob reposição maciça e que estejam sangrando patologicamente). A utlização de PFC para reposição volêmica ou como suplemento nutri tvo é uma prátca condenável. O armazenamento correto é fundamental para a manutenção das funções hemostátcas plenas das plaquetas, necessitando serem conservadas entre 22 e 24°C e sob agitação connua; mesmo assim, não duram mais que 5 dias. Assim como o PFC, o Concentrado de Plaquetas (CP) não deve ser usado de forma pro filátca ou a partr de fórmulas fixas, mas somente em pacientes que apresentam plaquetopenia com a presença de sangramento microvascular. Nos últmos anos, tem havido uma dramátca reavaliação das indicações de transfusões de hemoderivados. Ao menos em parte, essa attude foi decorrente da epidemia da síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) e do conhecimento de outras doenças adquiridas a partr da transfusão de sangue e derivados. A transfusão de hemoderivados está sendo cada vez mais considerada, tanto pela comunidade médica como pelos leigos, como um procedimento potencialmente perigoso (em últma análise, um transplante de tecido). O risco de transmissão de doenças infecciosas é somente uma das complicações sérias da hemotransfusão. Qualquer micro-organismo existente pode ser transmi do pela transfusão. As hepattesno B esangue C são as doenças maistfrequentemente associadas a essa prátca. Apesar de se realizar pesquisa sistemátca para detecção do vírus HIV, pode haver transmissão durante a janela imunológica, período entre o momento da infecção e o aparecimento de an tcorpos detectáveis na corrente sanguínea. O risco atual é de cerca de 1 para cada 40.000 a 100.000 unidades ou menos. Aliadas à transmissão de doenças, existem as reações transfusionais que são, em sua maioria, leves, mas que podem eventualmente ser fatais ou levar a graves complicações, como a insuficiência renal ou a SDRA. Relatos recentes levam a crer que exista um efeito imunossupressor da transfusão, em que se associam o número de transfusões ao risco de desenvolvimento de infecções pós-operatórias e também de disfunção orgânica múl tpla. Ainda neste tópico, há preocupação em relação ao aumento do risco de recidiva tumoral ou reatvação de citomegalovírus.
5. Choque cardiogênico A - Introdução O choque cardiogênico é a forma mais severa de falência ventricular esquerda, leva a um estado de hipoperfusão tecidual devido à diminuição da função sistólica e do DC e ocorre em 5 a 10% dos casos de Infarto Agudo do Mio-
CHOQUE
cárdio (IAM), o qual é a sua causa principal. A mortalidade gira ao redor de 70%, apesar dos grandes avanços em seu tratamento. Além do IAM, pode também ser causado por tamponamento pericárdico, miocardiopata pós-CEC (circulação extracorpórea), disfunção valvular, arritmias, miocardiopatas, insuficiência ventricular direita e sepse. O estudo MILIS (Multcenter Investgaton of Limitaton of Infarct Size), publicado em 1989, apontou como fatores preditvos e independentes para o desenvolvimento de choque cardiogênico: idade superior a 65 anos, elevações de CPK-MB maiores que 160UI/L, fração de ejeção menor que 35%, dia-
do consumo de O2 (VO2). Consequentemente, surge acidose metabólica com hiperlactacidemia decorrente do metabolismo celular anaeróbico. Um fato de extrema importância é que o uso de cateter de artéria pulmonar não mostrou impacto sobre a mortalidade. Dentre os exames diagnós tcos importantes para o diagnóstco e a monitorização da terapêutca, podem-se citar eletrocardiograma, radiografia de tórax, ecocardiograma, marcadores de necrose miocárdica, fator natriurétco atrial (BNP), além da cineangiocoronariografia, este últmo fundamental também para o tratamento desta condição.
betes e IAM prévio. A incidência é maior no sexo feminino e nos pacientes com IAM de topogra fia anterior.
A seguir, os perficlínica s hemodinâmicos e clínicos possíveis dentro da condição de IC descompensada, em que o choque cardiogênico é caracterizado pelo per fil L e C (paciente frio, podendo ou não estar congesto). O edema agudo pulmonar é caracterizado pelo perfil B.
B - Fisiopatologia O estado de choque cardiogênico em pacientes com IAM resulta de um círculo vicioso que perpetua a isquemia e a falência miocárdica. A oclusão coronariana leva à isquemia miocárdica, ocorrendo diminuição da contratlidade ventricular esquerda e queda da performance cardíaca, causando hipotensão arterial. O estado de hipotensão, associado a mecanismos fisiológicos de resposta ao choque (sistema renina-angiotensina-aldosterona, catecolaminas), leva a um déficit de perfusão coronariana, taquicardia e aumento do consumo de O 2 (VO2) miocárdico, piorando a isquemia e comprometendo mais a função miocárdica. Os mesmos mecanismos de resposta associados ao baixo DC causam diminuição da perfusão tecidual e hipóxia regional e, consequentemente, dão início à disfunção de múl tplos órgãos. Tabela 4 - Causas de choque cardiogênico - Taquiarritmias; - Bradiarritmias; - Falência de bomba; - IAM; - Miocardiopatas; - Disfunção valvar aguda; - Ruptura do septo interventricular ou da parede livre.
C - Diagnóstco O quadro clínico caracteriza-se por hipotensão, congestão pulmonar, dispneia, oligúria e confusão mental, presentes na maioria dos casos de baixo débito. Como tais sinais e sintomas podem estar presentes em outras condições clínicas que não o choque cardiogênico, pode-se lançar mão da monitorização hemodinâmica invasiva pelo cateter de artéria pulmonar, tanto para diagnóstco como para orientação no tratamento. Os achados da monitorização invasiva mostram usualmente pressão sistólica menor que 90mmHg, índice cardíaco menor que 1,8L/min/m2, PCP maior que 18mmHg e índice de RVS maior que 2.000dyn/s/m 2. Além disso, ocorre um aumento na fração de extração do O2 decorrente da diminuição da oferta de O2 (DO2) e aumento
Figura 6 - Perfil hemodinâmico e clínico da IC/choque cardiogênico e medidas terapêutcas associadas. Na imagem são classi ficados como “úmidos” os pacientes que apresentam congestão, enquanto pacientes sem congestão são chamados “secos”. Pacientes com perfusão não adequada são classificados como “frios”, e pacientes com boa perfusão são classificados como “quentes”. PCP: Pressão Capilar Pulmonar e IC: Índice Cardíaco
D - Tratamento Apesar de o tratamento atual do IAM ter melhorado o prognóstco e a sobrevida a curto e longo prazos, a mortalidade no choque cardiogênico ocasionado por IAM permanece elevada, sendo relacionada ao grau de disfunção miocárdica resultante. As medidas terapêutcas do choque cardiogênico visam limitar a perda do miocárdio isquêmico e a manutenção de um DC adequado às necessidades metabólicas. Deste modo, a base do tratamento do choque cardiogênico relacionada ao IAM está no restabelecimento do miocárdio lesado e na limitação da área de necrose. A reperfusão precoce diminui a mortalidade associada ao choque cardiogênico pós-IAM (estudos GUSTO I e Shock
81
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA Trial), e a reperfusão mecânica ou cirúrgica cons ttui a base terapêutca. Deve-se garantr um suporte ventlatório que mantenha uma saturação de oxigênio acima de 90%, através do uso de oxigenoterapia por máscara oucateter, Ventlação Não Invasiva (VNI) ou ventlação invasiva a depender da gravidade do quadro. A VNI diminui a pré e a pós-carga, aumenta o DC e diminui o shunt pulmonar. Pacientes hipotensos sem sinais de congestão pulmonar devem receber expansão volêmica com cristaloides ou coloides, não albumina. Nos casos de hipotensão associada à congestão pulmonar, devem-se utlizar drogas vasopressoras, como a norepi-
tão direita. O método mais simples e confiável para o diagnóstco é a realização de eletrocardiograma com derivações à direita (V3R e V4R). Os achados hemodinâmicos são baixas pressões de artéria e capilar pulmonar com PVC muito alta. O tratamento do infarto do VD consiste na administração de volume para a obtenção de um enchimento adequadodo VD com a máxima utlização do mecanismo de Starling. A utlização de aminas simpatomimétcas é indicada à manutenção da frequência cardíaca e ao aumento do inotropismo. Dentre estas, drogas como a dopamina e a noradrenalina podem aumentar a RVP e dificultar o esvaziamento do VD, devendo
μg/min) nefrina (doses deTais 2 a 20 ou a dopamina (doses de 5 a 20 μg/kg/min). drogas aumentam o DC, melhorando a oferta de oxigênio aos tecidos. Agentes inotrópicos, como a dobutamina, são úteis, visto que melhora a contratlidade cardíaca, porém tal droga também leva a um aumento do consumo de ATP pelo miocárdio, com aumento no consumo de oxigênio. Além disso, aumenta o DC e diminui a resistência vascular sistêmica e pulmonar. Quanto aos pacientes refratários à dobutamina, podem-se utlizar os inibidores da fosfodiesterase, como a milrinona (doses de 0,5 a 0,75μg/kg/min), a qual leva a um aumento no inotropismo cardíaco e à vasodilatação sistêmica e pulmonar. O levosimendana é um sensibilizador de canais de cálcio, também inotrópico positvo. Existem estudos mostrando que tal agente pode ser utlizado no choque cardiogênico pós-IAM, com melhora na hemodinâmica vascular, sem levar à hipotensão. Drogas como nitroglicerina e nitroprussiato também podem ser utlizadas, com indicações específicas, como vasodilatação, mas não devem ser usadas no choque. Pacientes com IAM devem receber aspirina e heparina em dose plena, além dos inibidores de glicoproteína IIb/IIIa. Esta últma droga melhora o prognóstco de pacientes com angina instável de alto risco e IAM sem supradesnivelamento de ST. É importante lembrar que faz parte do tratamento, em situações específicas, o uso do suporte circulatório mecânico com Balão Intra-Aórtco (BIA), o qual é locado na aorta descendente torácica distal à artéria subclávia esquerda através da inserção via artéria femoral. Ele insufla na diástole e insufla na sístole, aumentando o fluxo diastólico para as coronárias e diminuindo a pós-carga na sístole, com consequente aumento no índice cardíaco. De acordo com a American College of Cardiology(ACC) e a American Heart Society (AHA), o BIA tem indicação classe I àqueles com choque cardiogênico não responsivo ao tratamento medicamento-
ser usadas criteriosamente. efeito é observado com a dobutamina, que pode serEsse utlizada nonão infarto do VD refratário à reposição volêmica, por apresentar efeito inotrópico e vasodilatador da árvore arterial pulmonar. A manutenção de ritmo sinusal com antarrítmicos, cardioversão ou uso de marca-passo é importante para garantr a contração atrial e preservar o enchimento do VD. Os vasodilatadores e diuré tcos devem ser evitados, pois reduzem o enchimento do VD. O BIA não se mostrou benéfico no caso de comprometmento isolado do VD.
so ou com complicações mecânicas.
E - Choque cardiogênico associado a infarto de ventrículo direito O infarto do VD ocorre em 33% dos casos de IAM inferodorsal, embora seja clinicamente evidente em 8% deles. O baixo débito decorrente resulta da incapacidade do VD de fornecer adequado enchimento ao VE. O quadro clínico mostra sinais de baixo débito associado a sinais de conges-
82
6. Choque obstrutvo O mecanismo principal do choque obstrutvo (Tabela 5) é o impedimento do enchimento adequado ventricular, consequência de um bloqueio mecânico aofluxo sanguíneo na circulação sistêmica ou pulmonar, com queda na perfusão tecidual. Os pacientes apresentam sinais e sintomas debaixo DC, como hipotensão, sudorese, taquicardia, taquipneia, oligúria, confusão mental. É sempre muito importante, em tais casos, a suspeita clínica para o adequado manejo do paciente. Exames como radiografia de tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma, gasometria arterial, D-dímero e tomogra fia de tórax helicoidal são importantes para a con firmação diagnóstca. O tratamento baseia-se naquele do choque hipovolêmico, associado à resolução da causa do choque, como pericardiocentese nos casos de tamponamento cardíaco, cirurgia na coarctação de aorta e uso de trombolí tcos ou embolectomia nos casos de embolia pulmonar. Tabela 5 - Causas de choque obstrutvo - Pneumotórax hipertensivo; - Doença pericárdica; - Tamponamento cardíaco; - Coarctação de aorta; - Embolia pulmonar.
7. Choque distributvo A - Introdução É caracterizado pela diminuição da resistência vascular sistêmica, associado frequentemente a um aumento no dé-
CHOQUE
bito cardíaco. Neste tpo de choque existe o que chamamos de shunt, ou seja, existem áreas com fluxo sanguíneo excessivo em relação à demanda metabólica e áreas com fluxo insuficiente para tal demanda. Tabela 6 - Causas de choque distributvo - Choque séptco; - SIRS; - Choque anafilátco e reações anafilactoides; - Choque neurogênico; - Reações a drogas e toxinas (picadas de insetos, reações transfusionais); - Insuficiência suprarrenal aguda; - Coma mixedematoso.
B - Choque neurogênico O choque neurogênico é forma infrequente de síndrome clínica de choque. Sua principal causa é o trauma cervical associado à lesão medular alta, geralmente acima de C5. Com a interrupção do controle autonômico do tônus vascular sistêmico ocorre grande redução da pré-carga, pois há diminuição do retorno venoso pela vasodilatação dos 2 territórios. Outro componente que auxilia no surgimento do choque neurogênico é a bradicardia que se desenvolve pela ausência da modulação parassimpátca. Assim, é frequente e chama a atenção para esta etologia quando ocorre a apresentação de hipotensão sem a taquicardia re flexa, característca das demais formas de choque. Seu tratamento é mediado por vasopressores, reposição volêmica e cronotrópicos.
C - Choque anafilátco O choque anafilátco é a forma mais grave e intensa da reação inflamatória alérgica e é caracterizado pela liberação maciça de histamina, um potente vasodilatador. O tratamento é baseado no uso de vasopressores, adrenalina e cortcoide.
D - Choque séptco Dentre as causas de choque distributvo, a sepse é a de maior relevância. A incidência de choque séptco tem aumentado progressivamente nas últmas décadas devido a diversos fatores, dentre os quais se destacam: o aumento da realização de procedimentos invasivos, maior emprego de terapia imunossupressora e aumento da população de faixa etária elevada. Apesar dos avanços no entendimento dos mecanismos fisiopatológicos da sepse, no desenvolvimento de novos recursos diagnóstcos, nas monitorizações hemodinâmica e metabólica e nos progressos terapêutcos, a mortalidade do choque séptco se mantém elevada, permanecendo com valores acima de 40%, sendo atualmente uma das principais causas de mortalidade na maioria das UTIs e a principal causa de morte não coronariana em UTI.
a) Diagnóstco e classificação da sepse Sepse é definida como um quadro de SIRS (síndrome da resposta inflamatória sistêmica) de srcem infecciosa, seja esta confirmada ou presumível. Qualquer agente infeccioso pode ser responsável por um quadro sép tco: bactérias, vírus, fungos ou outros agentes parasitários. A SIRS é definida pela presença de 2 em 4 critérios: - Febre ou hipotermia (temperatura maior que 38,3°C ou menor que 36°C); - Frequência cardíaca maior que 90bpm; - Frequência respiratória maior que 20irpm ou PaCO 2 -
menor que 32mmHg; Leucocitose (maior que 12.000 leucócitos), leucopenia (menor que 4.000) ou desvio à esquerda (mais que 10% de bastões no leucograma).
Realizado o diagnóstco de sepse, deve-se graduar a gravidade do paciente (Consenso de 1992), já que essa classificação tem implicações no seu tratamento e prognóstco: - Sepse: presença de SIRS em resposta a uma infecção; - Sepse grave: sepse associada à disfunção orgânica em 1 ou mais órgãos; - Choque séptco: sepse com hipotensão e hipoperfusão não responsivas à ressuscitação volêmica, necessitando do uso de drogas vasoatvas; - Disfunção de múl tplos órgãos: presença de função orgânica gravemente alterada em pacientes seriamente enfermos, nos quais a homeostase não pode ser mantda sem intervenção. Os casos de sepse grave ou choque séptco devem ser conduzidos, preferencialmente, em ambiente de terapia intensiva. b) Hemodinâmica da sepse As alterações hemodinâmicas observadas no choque séptco são marcadores do quadro metabólico (real determinante do prognóstco), produzido pelos mediadores da resposta inflamatória. Fisiopatologicamente, ocorrem: - Interação complexa micro-organismo-hospedeiro, dependendo do agente causador e local da infecção; - Liberação de inúmeros mediadores in flamatórios responsáveis por muitas das característcas clínicas; - Citocinas como IL-1, IL-6 e TNF-alfa levam ao aumento na produção de óxido nítrico (NO), responsável pela vasoplegia. A liberação de citocinas atva os leucócitos, com seu recrutamento no local da infecção, sua adesão ao endotélio, diapedese, com liberação nos tecidos de espécies rea tvas de oxigênio e enzimas, contribuindo para a Disfunção de Múltplos Órgãos e Sistemas (DMOS). A atvação das células do sistema imunológico ocasiona a cascata de coagulação com expressão de fator tecidual e inibição da fibrinólise, levando à formação de microtrombos nos capilares, reduzindo o fluxo sanguíneo e perpetuando a hipóxia.
83
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA A hipovolemia é uma complicação frequente nas fases iniciais do choque séptco, e diversos fatores contribuem para sua instalação, dentre eles, aumento na capacitância venosa, aumento na permeabilidade vascular e desidratação induzida por vômitos, diarreia, febre, taquipneia e poliúria. Outros fatores contribuintes são o sequestro de líquidos nos territórios esplâncnicos e o aumento generalizado na permeabilidade vascular sistêmica e pulmonar. O desvio na síntese proteica hepátca, no sentdo da produção de proteínas de fase aguda, promove queda na produção de albumina, que reduz a pressão oncótca plasmátca, agravando a hipovolemia. A magnitude daacentuada perda hídrica nas fases iniciais do choque sép tco pode ser e atngir volumes equivalentes de 1 a 2L de coloides, ou 4 a 8L de cristaloides. O DC na sepse é tpicamente normal ou elevado. A RVS é baixa, com tendência a aumento da resistência vascular pulmonar. Esse padrão hiperdinâmico, característco da sepse, só não é observado quando ocorre hipovolemia acentuada ou quando há limitação no desempenho cardíaco. É importante lembrar-se da disfunção cardíaca da sepse, na qual diversos fatores podem contribuir, dentre os quais se destacam as alterações na dinâmica do cálcio intracelular, o decréscimo na atvidade da ATPase miofibrilar e a presença de fatores circulantes com atvidade cardiodepressora. A monitorização da PVC é um procedimento ro tneiramente empregado para nortear a reposição volêmica em pacientes crítcos. Em pacientes séptcos, a confiabilidade da PVC em refletr a pressão de enchimento do VD se limita ao intervalo de baixos valores de PVC. Em outras palavras, uma PVC baixa permite reposição volêmica generosa com certa segurança; porém, na presença de PVC normal ou alta, apenas a medida da PCP pode orientar a reposição de volume necessária, sem risco de provocar edema pulmonar. Um desequilíbrio entre a demanda e a oferta de oxigênio é característco no choque séptco. Na presença de hipermetabolismo, a demanda de oxigênio encontra-se bastante aumentada, sendo necessário um aumento na oferta ou na extração de O 2 para manter o consumo equilibrado. Por ação das citocinas e do fator depressor miocárdico, ocorre limitação na capacidade de adequação entre oferta e consumo de O 2, o que se refletrá em isquemia tecidual e elevação do lactato. Nos períodos iniciais da sepse, a persistência de um quadro hiperdinâmico, com débito e frequência cardíaca elevados, por mais de 24 horas, associa-se a pior prognóstco. Os pacientes que, superada a fase inicial, conseguem manter um consumo de O2 adequado, com normalização do lactato, são os que têm melhor prognóstco. Nas fases iniciais da sepse, os principais substratos energétcos são representados pelos carboidratos (glicose, glicerol e lactato), os aminoácidos de cadeias rami ficadas provenientes da musculatura esquelétca e os ácidos graxos de cadeia média e curta. Nesta fase, há intensa liberação hepátca de glicose, devido ao aumento na gliconeogênese e glicogenólise, induzida pelos mediadores inflamatórios.
84
Com a evolução da sepse, a lipólise é aumentada, e há redução na atvidade da lipase lipoproteica (LLP). Com o aumento no catabolismo proteico, há perda de massa muscular e consumo aumentado de aminoácidos de cadeia ramificada, que leva a um aumento na excreção de nitrogênio urinário. Esse estado de catabolismo acelerado é es tmulado pelos mediadores inflamatórios. Uma vez interrompida sua atvidade, restabelece-se o balanço nitrogenado. c) Comprometmento dos órgãos na sepse Um dos critérios de disfunção orgânica u tlizados é o de Bone RC et al. (Tabela 7). Tabela 7 - Critérios de disfunção orgânica na sepse Disfunção orgânica
Sinaise sintomas
SNC
Alteraçãodoníveldeconsciência
Cardiovascular
PAS ≤90 ou PAM ≤65 ou uso de drogas vasoatvas a despeito da ressuscitação volêmica adequada
Respiratória
PaO2/FiO2 <300
Renal
Diurese <0,5mL/kg/h (por 2h) ou e/ou creatnina >2
Metabólica
pH <7,3 ou BE <-5 com lactato plasmátco <1,5 o valor normal
Hematológica
Plaquetas <100.000 ou queda de 50% em 72h e/ou INR >1,5 ou TTPA >60s
Hepátca
Hiperbilirrubinemia(BT ≥2mg/dL)
d) Princípios terapêutcos no choque séptco Embora os últmos anos tenham apresentado uma enorme expansão do conhecimento da fisiopatologia da sepse, com o reconhecimento das múltplas cascatas de inflamação e da coagulação, além de melhora dos recursos para a avaliação hemodinâmica, o tratamento con tnua a ser o de suporte. É verdade que as técnicas de suporte se desenvolveram, mas o impacto sobre a mortalidade ainda é modesto. O alvo principal do tratamento ainda é a erradicação da infecção. Utlização de antbiótcos e drenagem cirúrgica (quando indicada) são a pedra fundamental no tratamento. De forma geral, o principal objetvo terapêutco no manejo de pacientes em choque séptco é a manutenção de uma oxigenação adequada em todos os órgãos. De grande importância no manejo dos pacientes com sepse grave/choque séptco é a campanha denominada Surviving Sepsis Campaign (SSC). Trata-se de um projeto global, multorganizacional, criado em outubro de 2002, durante um Congresso Europeu/Barcelona e revisada no ano de 2006, com o objetvo de combater essa doença e reduzir os níveis inaceitáveis de mortalidade. Por esse projeto, foram desenvolvidas diretrizes para o tratamento desta condição clínica. Criaram-se os bundles (feixes) da sepse, que consttuem um grupo de intervenções relacionadas a um processo de doença que, quando executados juntos, resultam em melhor evolução do que quando implementa-
CHOQUE
dos isoladamente. O manejo da sepse foi dividido naquelas terapias que devem ser realizadas nas primeiras 6 horas do quadro e em outras que devem ser feitas nas primeiras 24 horas da sepse. e) Tratamento nas primeiras 6 horas - Coleta de gasometria arterial com lactato sérico; - Pacientes com dosagens de lactato acima de 1,5 vez o valor do limite superior da normalidade e/ou SvO 2< 70% devem receber a chamada terapia guiada por metas e dosagens seriadas do lactato devem ser realizadas; para estes pacientes, está indicada a ressuscitação hemodinâmica agressiva e precoce, guiando-se pelos valores de elevação da SvO2 e/ou queda do lactato sérico; - Coleta de culturas de sangue e outros materiais quando indicado; - Deve-se iniciar a antbiotcoterapia intravenosa dentro da 1ª hora do diagnóstco da sepse grave/choque séptco;
Deve-se guiar a escolha do antbiótco de acordo com o perfil de sensibilidade da ins ttuição; - Drenagem de abscessos, desbridamento de tecidos necrótcos quando tais condições estverem presentes. -
Em 2001, um estudo feito por Rivers et al. demonstrou que a manutenção, nas primeiras 6 horas de tratamento, ainda na sala de emergência, de uma saturação venosa central (saturação do sangue colhido de um cateter venoso central) acima de 70% melhorava o prognóstco de pacientes com sepse grave/choque séptco. Estudos posteriores demonstraram que a monitorização con nua da saturação venosa central (SvcO2) dessas pessoas era mais con fiável que avaliações intermitentes. Deve-se lembrar que a SvcO2 é maior que a saturação venosa mista (aquela ob tda do sangue colhido do cateter de artéria pulmonar, da via distal) em 5 a 18%. Entretanto, o acompanhamento longitudinal mostra boa correlação entre esses 2 índices, e a SvcO2 é menos invasiva. A seguir, o algoritmo usado nesse estudo e que guia atualmente a terapêutca dos pacientes com sepse grave/choque séptco (Figura 7).
Figura 7 - Protocolo de Rivers
85
A IC D É M A IC ÍN L C
MEDICINA INTEN SIVA f) Tratamento nas primeiras 24 horas Devem-se considerar: - Controles glicêmicos: manter níveis de glicemia abaixo de 180mg/dL; usar insulina em bomba de infusão connua, se necessário; - Cortcosteroides: utlizar cortcoides em doses baixas (200 a 300mg de hidrocortsona/dia). Deve-se saber que tal conduta não conseguiu reduzir a mortalidade desses doentes, e, segundo o SSC, tal conduta é apenas sugerida e não mandatória, por determinar apenas a redução no tempo de uso de droga vasoatva; -
Utlizar ventlação mecânica quando necessário com uso de estratégia protetora, ou seja, baixos volumes correntes (6 a 8mL/kg) e pressão de platô abaixo de 30cmH2O; a vada recom- Sugere-se a administração de proteína C t binante humana nas primeiras 24 a 48 horas do início da 1ª disfunção orgânica, sempre considerando a sua relação risco-benefcio, para pacientes com avaliação cínica de alto risco de morte por disfunção orgânica induzida pela sepse (2 ou mais disfunções orgânicas e/ou APACHE II >25) que não tenham nenhuma contraindicação. Atualmente, o uso de tal medicação, de acordo com o SSC, é apenas uma recomendação fraca. Drogas vasoatvas: -
Dopamina: efeito dose-dependente. 0,5 a 5mcg/kg/min: ação dopaminérgica: * Vasodilatação renal, mesentérica, coronária e cerebral; * Aumento do débito urinário. 5 a 10mcg/kg/min: ação beta-adrenérgica: * Aumenta DC e a FC; * Aumenta o retorno venoso; * Não aumenta a resistência vascular periférica total.
* Intensa vasoconstrição periférica, renal e esplâncnica; * Melhora a demanda de O2 para miocárdio; * Aumenta volume sistólico, o trabalho e contratlidade cardíacas. -
Anrinona e milrinona: inibidores da fosfodiesterase. Aumentam o AMP-c; Aumentam DC e VS; Diminuem a resistência vascular pulmonar e a PCP. • • •
-
Nitroprussiato de sódio: vasodilatador, predominantemente arterial. Não deve ser usado inicialmente em hipotensos. 0,25 a 10mcg/kg/min: * Diminui a congestão pulmonar; * Diminui a pós-carga. •
-
Nitratos: vasodilatadores predominantemente venosos. Não devem ser usados inicialmente em hipotensos. 10 a 100mcg/min: * Diminui a congestão pulmonar; * Diminui a pós-carga; * Diminui a pré-carga. •
8. Resumo Quadro-resumo
•
•
•
-
>10mcg/kg/min: ação alfa-adrenérgica: * Vasoconstrição renal; * Vasoconstrição sistêmica; * Aumento de RVP e PA; * Arritmias.
Dobutamina: efeito dose-dependente. 5 a 15mcg/kg/min : •
•
-
** Aumenta Diminui a contra resistência vascular periférica; tlidade cardíaca e volume sistólico; * Pouco efeito na FC. >30mcg/kg/min: * Arritmias; * Elevação de PA.
Noradrenalina: ação terapêutca al fadrenérgica. Dose inicial de 0,05mcg/kg/min: •
86
- Choque é uma síndrome caracterizada pela incapacidade do sistema circulatório em atender às demandas metabólicas do organismo; - No manejo clínico de pacientes com choque, independentemente da etologia, sempre levar em consideração a oferta de O 2 (DO2), ou seja, tentar medidas para que se t a nja um DO2 adequado à demanda metabólica dopaciente em questão, lembrando que DO2 = conteúdo arterial de O2 x débito cardíaco; - Pode acontecer com pressão arterial normal e nem todos os pacientes com hipotensão apresentam quadro de choque; - O quadro clínico de taquicardia e taquipneia é frequente; a ocorrência de hipotensão revela um quadro avançado, sendo que o reconhecimento precoce desse quadro é fundamental no tratamento e prognóstco da doença; - O indivíduo com quadro de choque deve ser prontamente monitorizado, receber oxigênio suplementar e ter pelo menos 2 acessos venosos calibrosos; - Exames gerais devem ser coletados: gasometria, lactato e saturação venosa central são essenciais para a mensuração das disfunções orgânicas; o reconhecimento da doença de base é passo fundamental no tratamento desses doentes; - Existem 4 grandes divisões de choque: hipovolêmico, cardiogênico, obstrutvo e distributvo; - As principais causas de choque hipovolêmico são: hemorragias, diarreia e desidratação;
CHOQUE
- A principal causa de choque cardiogênico é o IAM; outras causas são ICC descompensada, doenças valvares, miocardites, arritmias e contusão miocárdica; - O choque obstrutvo pode ser decorrente de pneumotórax hipertensivo, pericardite constritva, derrame pericárdico, tamponamento cardíaco, tromboembolismo pulmonar e hemotórax maciço; - A principal causa de choque distribu tvo é a sepse grave/choque séptco; - A ressuscitação volêmica éo tratamento principal na grande maioria dos doentes com quadro de choque; - Sepse é uma condição associada à alta morbimortalidade; custos elevados no tratamento e internação hospitalar prolongada; - O sucesso do tratamento de um quadro de sepse grave ou choque séptco depende, fundamentalmente, do reconhecimento e da precocidade de intervenções na sala de emergência (grande maioria das vezes);
A IC D É M A IC ÍN L C
- A abordagem correta de sepse grave/choque sép tco envolve: diagnóstco precoce, coleta de culturas e pesquisa de foco infeccioso, administração imediata de an tbiótcos e volume; monitorizar o paciente, se possível, com cateter venoso central e pressão arterial invasiva; - Manejar os doentes com sepse grave/choque sép tco de acordo com os bundles do Surviving Sepsis Campaign; - O manejo desses doentes geralmente requer o uso de drogas vasoatvas.
87
PNEUMOLOGIA PNEUMOLOGIA
CAPÍTULO
1 1. Introdução e definições
Tromboembolismo pulmonar Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Mar tns Valois
Em séries clínicas: Após um AVC (membro plégico): de 30 a 60%; Em doentes com IAM: de 5 a 35%; Em doentes com ICC: 12%. - Em séries cirúrgicas: Herniorrafia: 5%; Cirurgia abdominal de grande porte: de 15 a 30%; Cirurgia ortopédica de quadril: de 50 a 70%; Revascularização do miocárdio: de 3 a 9%. •
O diagnóstco de tromboembolismo pulmonar (TEP), um desafio para qualquer médico, é muito importante, pois, sem tratamento, a mortalidade pode chegar a 30%; com antcoagulação, fica em torno de 2 a 8%. Em estudos de autópsia, o TEP é encontrado em 12 a 15% dos doentes que estavam hospitalizados. Acredita-se que a sua incidência esteja aumentando devido a fatores como envelhecimento global da população e aumento de neoplasias, doenças respiratórias e doentes acamados. Conforme a repercussão clínica, a embolia pulmonar tem sido classificada como: - TEP maciço: caracteriza-se pela presença de instabili-
-
dade hemodinâmica (hipotensão ou choque); TEP submaciço: caracteriza-se pela presença de disfunção do Ventrículo Direito (VD) ao ecocardiograma, mas sem instabilidade hemodinâmica; TEP não maciço: caracteriza-se pela ausência dos critérios anteriores.
2. Etologia e fatores de risco A maioria dos eventos tromboembólicos é ocasionada por êmbolos provenientes das veias dos membros inferiores, principalmente do território ileofemoral; veias poplíteas ou mais periféricas podem ser responsáveis, mas com menor frequência. Assim, em geral, os fatores de risco para TEP são idêntcos aos associados à Trombose Venosa Profunda (TVP): fatores que interfiram na tríade de Virchow – lesão endotelial, estase venosa e estado de hipercoagulabilidade. São muitos os fatores de risco reconhecidos para TEP. O estudo PIOPED I identficou, como mais relevantes, antecedente de TVP/TEP, AVC com membro plégico, neoplasia, cirurgia ortopédica e imobilização. Por outro lado, sabe-se que muitos fatores ainda não sejam conhecidos. Alguns deles são citados nas Tabelas 1 e 2. Alguns dados ilustratvos da frequência de doença tromboembólica em séries clínicas e cirúrgicas são:
88
• •
• • • •
Há forte associação entre câncer e TVP/TEP: estudos recentes têm mostrado que até 10% dos chamados TEPs idiopátcos apresentam um câncer de base. Entretanto, uma investgação extensa desses doentes tem rendido resultados desapontadores. Recomenda-se investgação guiada por sintomas e sinais, conforme determinação das sociedades preventvas de rastreamento e promoção à saúde. Não há utlidade em proceder a múltplos testes diagnóstcos à procura de um câncer. Tabela 1 - Fatores de risco primários para TVP/TEP - Mutação do fator V de Leiden; - Hiper-homocisteinemia; - Deficiência de proteína C; - Deficiência de proteína S; - Deficiência de anttrombina; - Síndrome do antcorpo antfosfolípide (SAF); - Mutação no gene da protrombina (20210A); - Outros mais raros: deficiência do plasminogênio, deficiência do fator XII, ↑inibidor do atvador do plasminogênio. Tabela 2 - Fatores de risco secundários para TVP/TEP Maior risco (risco relatvo = 5 a 20) - Cirurgia abdominal de grande porte; - Cirurgia de quadril e joelho; - Pós-operatório em UTI; - Gravidez tardia e puerpério; - Cesárea;
TROMBOEMBOLISMO PULMONAR
Maior risco (risco relatvo = 5 a 20) - Trauma e fraturas de membros inferiores;
Tabela 3 - Alterações hemodinâmicas/pulmonares da embolia pulmonar
- Câncer abdominal, pélvico e metastátco;
- ↑ Pressão na artéria pulmonar;
- Internação com doente restrito ao leito (pouca movimentação);
- Hipocinesia de VD;
- TVP prévio.
- ↓ Débito cardíaco de VD; Menor risco (risco relatvo = 2 a 4)
- Abertura deshunts arteriovenosos;
- Doença cardíaca congênita;
- Desequilíbrio V/Q;
- Insuficiência cardíaca;
- Liberação de vários mediadores químicos;
- Uso de antconcepcional oral ou reposição hormonal;
- Atelectasia;
- DPOC;
- Hipoxemia;
- Doença neurológica com desabilidade; - Cateter venoso central;
- Taquicardia; - Enchimento do VE (restrição do pericárdio e dilatação de VD com desvio do septo interventricular).
- Doenças trombótcas e estados de hiperviscosidade; - Obesidade; - Outros: síndrome nefrótica, doenças mieloproliferativas, doença inflamatória intestinal, diálise crônica.
A magnitude das alterações é muito variável e pode depender de algumas partcularidades: - Estados cardiovascular e pulmonar prévios; - Comorbidades; - Tamanho do êmbolo: assim, quanto maior o trombo, maior a probabilidade de causar um grave distúrbio ventlação/perfusão (V/Q), shunt arteriovenoso, hipoxemia e redução do débito cardíaco (Tabela 3). Um paciente com um trombo grande, com ou sem limitação cardiovascular prévia, pode apresentar aumento súbito e significatvo da pressão em artéria pulmonar, que é transmitdo ao VD; este se dilata e pode comprimir o Ventrículo Esquerdo (VE), ocasionando redução do débito cardíaco e, assim, hipotensão e choque. Desta forma, um importante fator de pior prognóstco é a presença de disfunção de Ventrículo Direito (VD), manifestada clinicamente ou através de um ecocardiograma. A insuficiência respiratória, por sua vez, não é srcinada apenas pela obstrução vascular segmentar, o que ocasiona efeito espaço-morto (área do pulmão bem ventlada, mas mal perfundida); é a liberação de citocinas in flamatórias que seguem esse evento inicial que desregula a relação ventlação-perfusão do parênquima pulmonar, promovendo o chamado efeito shunt, com distúrbio importante da relação ventlação-perfusão. Quando os pacientes com tal condição apresentam hipoxemia, caracteristcamente, são necessários altos fluxos de oxigênio para normalizar a saturação de hemoglobina. A história natural do tromboembolismo é a resolução do processo dentro de 3 a 4 semanas em 97% dos casos, com a maioria tendo reabsorção do trombo na 1ª semana. Os 3% restantes, em que afibrinólise endógena não foi capaz de reabsorver o coágulo, terão organização fibrinosa do trombo, caracterizando o TEP crônico, que se apresenta, na prá tca diária, como uma das principais causas de hipertensão pulmonar.
Ciclo vicioso:hipertensão pulmonar,↓ débito cardíaco, hipoxe-
mia e choque.
3. Achados clínicos A apresentação clínica pode variar de formas assintomátcas a formas graves com instabilidade hemodinâmica e morte súbita. Em grandes estudos, 97% dos doentes tveram dispneia, taquipneia ou dor torácica, com as seguintes característcas:
A - Taquipneia e dispneia Mais frequentemente, indicam uma grande embolia e podem vir associados à dor torácica em aperto (o que indica isquemia do VD). Habitualmente, a dispneia é súbita, mas pode piorar e durar de horas a vários dias. A TEP deve sempre fazer parte do diagnóstco diferencial de ICC ou DPOC em pacientes com descompensação no pronto-socorro.
B - Dor torácica (com ou sem dispneia) Um dos sintomas mais frequentes. Os pacientes, usualmente, apresentam embolia em pequenas artérias periféricas subpleurais (o que ocasiona irritação pleurítca).
C - Síncope e hipotensão Indicam repercussão hemodinâmica importante e implicam maior mortalidade. Há uma série de alterações hemodinâmicas com aumento da resistência da circulação pulmonar, hipoxemia, do débito cardíaco e sinais de hipoperfusão (oligúria e extremidades frias). O dado que mais alerta o médico no dia a dia para a possibilidade de TEP é a instalação súbita de sintomas respiratórios, principalmente em pacientes com fatores de risco associados. Os sinais e os sintomas, entretanto, não autorizam o clínico a definir o diagnóstco, como demonstrado pelo estudo PIOPED I: os achados mais comuns em pacientes com TEP eram os mesmos dos casos em que exames complementares excluíram a possibilidade dessa condição. De acordo com tal estudo, os sintomas mais comuns foram dispneia (73%), dor pleurítca (66%), tosse (37%) e hemop-
89
A IC D É M A IC ÍN L C
PNEUMOLOGIA tse (13%); os sinais, taquipneia (70%), crepitações (51%),
taquicardia (30%), 4ª bulha (24%) e hiperfonese da 2ª bulha (13%). Assim, os exames complementares são imprescindíveis para o diagnóstco definitvo.
4. Exames co mplementares Os exames complementares em tromboembolismo são fundamentais para a definição diagnóstca. São inúmeros os testes propostos, alguns que auxiliam o diagnóstco e outros de caráter confirmatório ou excludente.
c) Eletrocardiograma Os achados mais comuns ao eletrocardiograma são alterações inespecíficas do segmento ST-T e taquicardia sinusal. Contudo, o exame pode ser absolutamente normal. Há um achado clássico, mas de baixa acurácia para o diagnóstco, que é a presença de padrão S1Q3T3 (onda S profunda em dL, onda Q em dIII e onda T invertda em dIII – Figura 2). Dados sugestvos de sobrecarga de câmaras direitas podem ser observados em pacientes com eventos mais graves.
A - Exames que auxiliam o diagnóstco a) Radiografia de tórax A radiografia de tórax tem maior u tlidade para excluir outras causas de dispneia e dor torácica, além de poder ser completamente normal (30% dos casos) ou mostrar: - Atelectasias laminares (achado mais comum); - Derrame pleural; - Elevação de cúpula diafragmátca; - Achados clássicos de TEP (raros): sinal de Hampton (imagem triangular periférica, sugestva de infarto pulmonar – Figura 1), sinal de Westmark (ou oligoemia focal, representando área do parênquima pulmonar com pobreza vascular focal) e sinal de Fleischner (dilatação anormal dos ramos principais das artérias pulmonares).
Figura 2 - Padrão S1Q3T3 em ECG de paciente com TEP
d) Ecocardiograma O ecocardiograma é útl na identficação de doentes com TEP que têm um pior prognóstco; achados de hipocinesia de VD, hipertensão pulmonar persistente, forame oval patente, trombo livre e flutuante no átrio direito identficam pacientes com alto risco óbito ou de tromboembolismo recorrente. Também é útde l para o diagnós tco diferencial de doentes que se apresentam com dispneia, dor torácica e colapso cardiovascular. Nessas situações, o ecocardiograma pode indicar um diagnóstco alternatvo, como infarto agudo do miocárdio, endocardite infecciosa, dissecção aguda de aorta, pericardite ou tamponamento pericárdico. e) Troponinas e pepdio natriurétco cerebral As troponinas e o pep dio natriurétco cerebral (BNP) não têm validade para firmar nem excluir o diagnóstco. São úteis para determinar prognóstco de pacientes com TEP, já que estão elevados nas situações de sobrecarga aguda de câmaras direitas. Assim, quando em níveis anormais, indicam a possibilidade de evento submaciço.
B - D-dímero Os D-dímeros são produtos de degradação da fibrina, Figura - Corcova de Hampton: opacidade aspecto1 triangular, com base voltada para homogênea a periferia eperiférica, ápice paradeodetectados no sangue sempre que o processo de coagulação-fibrinólise endógena acontece em dinâmica maior. hilo, sendo caracterís tca de infarto pulmonar secundário a TEP
b) Gasometria arterial A gasometria arterial pode ser normal em 20% dos doentes. Mesmo o gradiente alveoloarterial pode ser normal em alguns casos. Podem ocorrer graus variáveis de hipoxemia e hipocapnia, mas são inespecíficos.
90
Habitualmente, está elevado nos casos de TEP, mas inúmeras situações podem elevar os níveis dos D-dímeros, como idade avançada, insuficiência renal, gestação e puerpério, pós-operatório; assim, é deduvel ser um exame pouco específico, nunca útl para confirmar o diagnóstco de TEP (independente de seus tulos), mas que pode auxiliar na exclusão diagnóstca pela sua sensibilidade alta. Há várias
TROMBOEMBOLISMO PULMONAR
metodologias, e a mais acurada é a ELISA (pode ser utlizada para excluir embolia até em casos de probabilidade clínica intermediária).
C - Cintlografia de ventlação-perfusão (V/Q) A cintlografia usa como princípio a comparação da viabilidade das vias aéreas com a dos vasos pulmonares, através de administração de um marcador nuclear pelas vias inalatória e venosa (albumina marcada com tecnécio). Espera-se que um paciente com embolia apresente falha de perfusão localizada em segmento pulmonar com ventlação
segmentares). Em artérias subsegmentares ou menores, a sensibilidade diminui, e é possível, mesmo com aparelhos mais novos que pequenos coágulos não sejam iden tficados. A TC helicoidal revolucionou o manejo diagnós tco da embolia pulmonar (Figura 4). Hoje, apenas uma pequena porcentagem dos doentes necessita de arteriogra fia. O Consenso Britânico já recomenda o uso daTC helicoidal como 1º exame de imagem, mas somente após uma avaliação de probabilidade pré-teste e uma dosagem de D-dímeros. Outra vantagem da TC é a possibilidade de determinar a presença de outro diagnóstco, principalmente de doenças
normal (Figura 3).
pulmonares parenquimatosas. A TC helicoidal muito rapidamente, e as imagens e os detalhestem são evoluído cada vez mais sofistcados, o que proporciona a visualização de vasos cada vez menores. Tem sido recomendado já avaliar a presença de sobrea) Alta probabilidade carga de câmaras direitas pela tomogra fia helicoidal, pela Implica grandes chances de o doente ter, de fato, um TEP. avaliação comparatva dos diâmetros de ventrículos direito Com esse resultado, está indicada an tcoagulação, não neces- e esquerdo; essa relação, geralmente, é de 0,9, e valores sitando de exames adicionais (valor predi tvo positvo = 88%). superiores a esse (ou seja, VD de diâmetro igual ou maior que o VE) indicam tal sobrecarga, caracterizando o evento b) Normal como submaciço. Três estudos têm demonstrado que um V/Q normal e Há respaldo na literatura para não restringir seu uso em uma baixa probabilidade clínica de TEP, juntos, pra tcamengestantes, desde que seja baseado em suspeita diagnóstca te descartam TEP. adequada, não sendo justficada a realização intempestva c) Não diagnóstco (baixa ou intermediária probabilido exame. Os potenciais riscos devem ser debatdos com a dade) paciente, que pode, eventualmente, se negar a realizá-lo, indicando-se investgação com outro método. Limitações Em estudos em que tais pacientes foram subme tdos à corriqueiras à realização do exame são alergia ao contraste angiografia pulmonar (12 estudos com 1.529 doentes), foi e insuficiência renal. encontrado TEP em 25%. Isso implica que um V/Q não diagOutra possibilidade durante a tomografia helicoidal é nóstco necessita de exames adicionais. avaliar a presença de trombos veias dos membros inferiores, A cintlografia deve ser evitada em pacientes que já teprincipalmente quando há êmbolos pulmonares periféricos nham doença parenquimatosa pulmonar, já que dificilmenque não foram identficados pela tomografia. O método tem te será configurada alta probabilidade pelo exame (a captaboa correlação com a ultrassonografia, não adiciona custos, ção do marcador pela via inalatória sempre será anormal). tampouco é necessária uma dose adicional de contraste. Assim, um paciente com DPOC tem maior chance de ter um V/Q não diagnóstco. O laudo do exame geralmente é apresentado em termos de probabilidade diagnóstca:
Figura 3 - Cintlografia de ventlação e perfusão de paciente com TEP mostrando área de hipoperfusão com ventlação normal, denotando probabilidade alta de embolia
Figura 4 - TC helicoidal evidenciando falha de enchimento em ramo principal da artéria pulmonar direita (seta)
D - Tomografia helicoidal de tórax
E - Doppler de membros inferiores
O tamanho do êmbolo interfere na sensibilidade. A TC é A ultrassonografia tem boa acurácia para iden tficação melhor para TEPs em grandes artérias (lobares ou artérias de trombose venosa profunda, principalmente do territó-
91
A IC D É M A IC ÍN L C
PNEUMOLOGIA rio íleo-femoral. No contexto de um paciente com sintomas compa veis com embolia, a presença de trombose venosa é extremamente favorável ao diagnós tco de TEP. É um método barato, não invasivo, sem uso de radiação ou contraste, e que pode ser realizado mesmo em pacientes instáveis sem condições de transporte para realização de outro exame. Entretanto, o exame depende do examinador, pode falhar em alguns casos ou, eventualmente, o êmbolo pode ter sido srcinado de outro segmento. Assim, uma ultrassonografia normal não tem capacidade de afastar o diagnóstco de TEP.
Todos os doentes com suspeita de embolia pulmonar devem ser avaliados com escores de probabilidade antes que sejam solicitados exames complementares (D-dímeros, mapeamento V/Q, tomogra fia, ressonância, Doppler ou arteriogra fia). Isso re finará a probabilidade pós-teste e a razão de verossimilhança (likelihood rato). Recomendam-se os escores de Wells ou de Geneva (Tabelas 4 e 5). Tabela 5 - Escore de Geneva para TEP Geneva
Pontos
TVP ou TEP prévios Frequênciacardíaca>100bpm
F - Arteriografia pulmonar Ainda considerado o padrão-ouro para o diagnóstco de TEP, a arteriogra fia pulmonar compreende um exame invasivo, com taxas de complicações em torno de 3 a 4%, sendo que 10 a 20% dos doentes não conseguem realizá-la, devido a vários fatores, como alergia ao contraste, insuficiência renal, ICC grave, plaquetopenia grave ou estado geral ruim. A tendência é indicá-la cada vez menos, em uma estratégia que incorpore vários métodos diagnóstcos menos invasivos.
2+ +1
Cirurgia recente
3+
Idade de 60 79 aanos
1+
Idade >80 anos
2+
PaCO < 2
36mmHg
PaCOd2
36 ea 38,9mmHg
PaO < 2
48,7mmHg
PaOd2
48,7 e 59,9mmHg a
PaOd2
60 71,2mmHg ea
2 + 1+ 4+ 3+ 2+
PaO2 de 71,3 82,4mmHg a
5. Avaliação de probabilidade pré-teste e uso racional dos exames complemen-
1+
Atelectasia
1+
Elevação de uma cúpula diafragmátca
1
Baixaprobabilidade
tares Como são vários os métodos disponíveis, com sensibilidades e especificidades diferentes, é importante determinar a probabilidade clínica pré-teste de que o paciente tenha TEP. Existem alguns escores para es tmar tal probabilidade, e um dos mais u tlizados é o de Wells (Tabela 4), que foi validado para uso na sala de emergência, em pacientes recentemente admitdos ao hospital. Tabela 4 - Escore de Wells para probabilidade clínica de TEP Critério SinaisesintomasdeTVP
Pontos 3
Outro diagnóstcoépoucoprovável AntecedentedeTVPouTEP Taquicardia(FC>100bpm) Imobilização ou cirurgia recente (últmas 4 semanas)
Intermediáriaprobabilidade
5a8
Alta probabilidade
>9
Tabela 6 - Prevalência de TEP de acordo com a probabilidade pré-teste Probabilidade pré-teste
Porcentagem dos doentes que procuram o pronto-socorro
Baixa
53 58% a
Intermediária
37a41%
Alta
10% a4
TEPs comprovados (variação em %) 13% a5 38a40% 91% 67 a
3 1,5 1,5 1,5
Hemoptse
1
Neoplasia diagnostcada ou em tratamento (últmos 6 meses)
1
Probabilidade clínica Baixa
pontos <2
Intermediária
pontos 6a2
Alta
pontos >6
92
+ 0a4
Há inúmeros algoritmos diagnós tcos para avaliar pacientes com suspeita de TEP, mas não se sabe ao certo a forma ideal de proceder à investgação. A escolha pelo método inicial de avaliação deve, portanto, ser individualizada, considerando a disponibilidade local, a experiência especí fica com cada exame e a presença de contraindicações. As principais diretrizes internacionais sugerem ordens diferentes de realizações de exames, mas sempre fundamentados na avaliação de probabilidade clínica pré-teste (Figura 5). Independente de como se decide seguir a investgação, se houver probabilidade alta de TEP, a antcoagulação já deverá ser iniciada.
TROMBOEMBOLISMO PULMONAR
Probabilidade clínica de TEP Baixa ou intermediária
Alta
D-dímero (ELISA)
Iniciar tratamento
Normal
Elevado
Radiografia de tórax
Anormal
Diagnóstico
Normal
excluído Angiotomografia
Cintilografia
Normal
TEP
Dúvida
Normal
Alta probabilidade diagnóstica
Outro resultado
Diagnóstico excluído
Diagnóstico confirmado
Realizar exame adicional
Diagnóstico excluído
Diagnóstico confirmado
Realizar exame adicional
Alta probabilidade clínica?
A IC D É M A IC ÍN L C
Figura 5 - Diagnóstco para TEP
6. Diagnóstco diferencial O diagnóstco diferencial é amplo e inclui: -
Síndromes coronarianas agudas; Dissecção aguda de aorta; - Pneumotórax; - Pneumonia, asma e DPOC; - Insuficiência cardíaca congestva; - Pericardite; - Costocondrite, fratura de costela, pleurite e dor osteomuscular; - Hipertensão pulmonar idiopátca; - Embolia não venosa (gasosa, gordurosa, amnió tca); - Ansiedade. -
Deve-se dar atenção especial ao diagnóstco de embolia gordurosa, já que acontece em um cenário comum à embolia venosa – pacientes com fraturas ortopédicas e imobilizados. Na Tabela a seguir, estão listadas suas principais característcas. Tabela 7 - Característcas da embolia gordurosa - Ocorre por passagem de corpos gordurosos deossos longos fraturados (principalmente, em fraturas fechadas) para acirculação sanguínea, causando obstrução microvascular em circulação pulflamatória sistêmica na monar e sistêmica, além de resposta in forma de vasculite pelos ácidosgraxos circulantes; - É mais comum nas primeiras 24 a 48 horas após a fratura, pouco provável nas primeiras 12 horas ou após 1 semana;
- A tríade clássica é composta de dispneia, alteração da conscitva ocular e ência e petéquias (estas, mais comuns em conjun segmento superior do tronco); podem ser encontrados corpos tgmas de obstrugordurosos em exame simples de urina, ou es ção microvascular ao exame de fundo de olho;
- O diagnóstco é clínico, e não há um método complementar que o confirme; - O tratamento é de suporte; a antcoagulação é inefetva, e o uso de cortcosteroides, controverso; - A principal conduta médica associada à embolia gordurosa é a redução precoce das fraturas.
7. Tratamento A - Doente hemodinamicamente estável e sem disfunção de VD O tratamento de escolha é feito com Heparinas de Baixo Peso Molecular (HBPM) (Tabela 8). Após a con firmação do TEP, deve-se prescrever a varfarina sódica e ajustar para manter a Razão Normatzada Internacional (RNI) entre 2 e 3. Deve-se suspender a heparina apenas quando o RNI está acima de 2. Quando se compara a heparina não fracionada com a HBPM, os estudos mostram resultados semelhantes, isto é, o tratamento pode acontecer com quaisquer das heparinas; a vantagem da HBPM é que ela não necessita de bomba de infusão intravenosa nem controle com coagulograma.
93
PNEUMOLOGIA Tabela 8 - Tratamento do TEP: antcoagulação - A antcoagulação tem riscos, é complicada, cara e, por isso, deve-se buscar um diagnóstco de certeza de TEP. Entretanto, enquanto se aguardam os exames auxiliares, e se houver intermediária ou alta probabilidade de TEP, o doente deve ser antcoagulado; - Contraindicações à antcoagulação: sangramento atvo, plaquetopenia, hipertensão grave, trauma importante e cirurgia recente; - TEP não maciço: pode-se usar a HBPM (fracionada) ou a heparina não fracionada; - bomba Heparina fracionada: boluscom de coleta 80U/kgdeIVcoagulograma e manter em denão infusão a 18U/kg/h (TTPA) de 6/6h, e mantê-lo 1,5 a 2,5 vezes o controle. Em média, necessita de 1.000 a 1.250U/h); - HBPM: devido à facilidade, ao menor custo, além de uma mesma eficácia e segurança, a tendência é usá-la 1x/dia: · Dalteparina: 200U/kg de peso, SC, 1x/dia; · Enoxaparina: 1,5mg/kg de peso, SC, 1x/dia; · Nadroparina: 171U/kg de peso, SC, 1x/dia; · Tinzaparina: 175U/kg de peso, SC, 1x/dia. - TEP com uma causa reversível corrigida: an tcoagular por, no mínimo, 3 meses; - TEP idiopátco: antcoagular por, no mínimo, 6 meses; - TEPs/TVPs recorrentes: antcoagular por, no mínimo, 1 ano eavaliar, individualmente, amanutenção por tempo indefinido.
São complicações da terapia antcoagulante: - Sangramento: mesma incidência com quaisquer das -
-
heparinas; Eficácia (% de doentes adequadamente tratados ou de recorrência): também semelhante a quaisquer das heparinas. Plaquetopenia induzida pela heparina: muito mais frequente com heparina não fracionada e raro com HBPM. Com quaisquer das heparinas, é necessária a contagem periódica de plaquetas. Há 2 formas de plaquetopenia associada à heparina: •
•
Forma benigna: reversível, mais comum, ocorre precocemente, é não imune e reverte com suspensão da heparina; Forma grave: autoimune, é mais tardia (de 5 a 15 dias de tratamento) e pode desencadear trombose arterial ou venosa paradoxal. O tratamento é feito com suspensão da heparina e uso de análogos da hirudina (lepirudina ou argatrobana).
Situações especiais Insuficiência renal crônica As heparinas de baixo peso molecular têm eliminação renal, e podem ter seus níveis séricos aumentados em casos de disfunção renal grave. Quando se decide pela sua utlização, é obrigatório monitorizar seu efeito com monitorização da inibição antfator-Xa, exame que não é disponível -
•
94
na maioria dos hospitais. Portanto, se não for possível monitorizar, os doentes devem receber heparina não fracionada e monitorização com TTPA. Gestação A antcoagulação deve ser feita com heparina não fracionada ou, preferencialmente, HBPM, nas doses habituais; o uso de cumarínicos, entretanto, é proscrito por teratogenicidade e maiores riscos de complicações hemorrágicas da gestação. O tratamento não está associado a riscos maiores de abortamento ou sangramento grave. O parto deverá acontecer por •
cesárea, e caso a opção sido pela HBPM, esta ser trocada por heparina nãotenha fracionada subcutânea (em deve dose suficiente para manter o TTPA 1,5 a 2,5 vezes superior ao controle), que deve ser suspensa 12 horas antes do procedimento. Como o puerpério também representa fator de risco para trombogênese, a antcoagulação deve ser mantda por mais 4 semanas (ou até que sejam totalizados 3 meses de antcoagulação, contados desde o período gestacional), nesta fase com associação de cumarínico, que não é excretado no leite materno; a heparina é suspensa assim que o RNI atnge a faixa de 2,5 a 3,5.
B - Doente hemodinamicamente instável ou com disfunção de VD O suporte hemodinâmico e respiratório é essencial, e, se necessário, deve-se proceder à intubação, à ven tlação mecânica e ao uso de drogas vasoatvas. Doentes com TEPtêm quealta desenvolvem hipotensão e hipoperfusão periférica mortalidade, em especial nas primeiras horas após o início dos sintomas. A dopamina é a droga vasoatva que mais aumenta a pressão de artéria pulmonar e, se possível, deve-se evitá-la. Tais pacientes com hipotensã o e choque podem bene ficiar-se de trombolítcos. As complicações da trombólise em estudos mais antgos atngiam 14%, principalmente sangramentos em sítos de punção e hemorragia do SNC (1,9%). Acredita-se que, hoje, esses tais sejam muito inferiores. Como exemplo, em um estudo recente com trombólise com r-tPA em TEP, a incidência de sangramento fatal ou do SNC foi nula. a) TEP maciço Há indicação de trombólise, com janela terapêu tca de até 14 dias, embora o principal bene fcio aconteça nas primeiras 72 horas do evento. A trombólise reduz desfechos primários (óbito e/ou recorrência do TEP) em 45% (IC 95%: 4 a 67); com NNT de 14. Os trombolítcos recomendados são: - Atvador do plasminogênio tecidual (r-tPA): 100mg IV, em 2 horas (associado à heparina não fracionada); - Estreptoquinase: 1.500.000U IV em 2 horas (dose sugerida pelo Consenso Europeu); administrar um bolus de 250.000U IV em 30 minutos e após manter 100.000U/h durante 24 horas (outra opção); - Uroquinase: 4.400U/kg/h em 12 a 24 horas.
TROMBOEMBOLISMO PULMONAR
Há dúvida se indivíduos sem choque ou hipotensão, mas com ecocardiografia mostrando disfunção de VD e hipertensão pulmonar aguda, se beneficiariam da trombólise. Não há definição clara na literatura, sendo sugerida avaliação individualizada pelo médico que assiste o paciente.
Um estudo recente (duplo-cego, randomizado) apontou benefcio da trombólise nessa situação, e, hoje, a maioria dos autores a recomenda. b) Filtro de veia cava Há vários tpos de filtros, que podem ser inseridos por via percutânea (femoral ou jugular), o que facilita e diminui a chance de complicações. As principais indicações são: - Doentes com contraindicações à antcoagulação plena; - TEPs de repetção em doentes adequadamente antcoagulados.
8. Prevenção
Figura 6 - Tromboembolismo pulmonar com sinais de hipertensão pulmonar: notar aumento do hilo à direita
Em um grande banco de dados (estudo observacional, não randomizado) com 719 doentes normotensos e embolia grave (disfunção moderada à grave ao ecocardiograma), a mortalidade em 30 dias foi de: - Grupo trombólise (169 doentes): 4,7%; - Grupo antcoagulação (550 doentes): 11,1%.
A prevenção, um aspecto muito importante da embolia pulmonar, deve ser sempre insttuída caso sejam identficados fatores de risco exuberantes; apesar de não eliminar a possibilidade de sua ocorrência, reduz de forma signi ficatva essa probabilidade. Hospitalização prolongada, procedimentos ortopédicos, cirurgias com tempo de anestesia superior a 1 hora, politraumatsmo, uso de contraceptvos orais, neoplasias, insuficiência cardíaca e antecedente de TVP/TEP são os fatores de risco mais importantes. O risco deve ser estratficado, e a modalidade escolhida pode variar da deambulação precoce isoladamente ao uso de antcoagulantes orais (nos casos de trombofilia e fatores de risco adicionais) – Figura 7.
Idade ≥40 anos e mobilidade reduzida
Não
Mais de 50% do dia acamado ou sentado (excluído o sono)
Deambulação e reavaliação em 2 dias
Sim Fatores de risco A V Cp r é v i o C ân cer C at et eres c ent rai s Do en ça in fl am at ór ia in te st in al Do en ça re sp ir a tó ri a gr a ve Do en ça re um at ol ógic a agu da G r a vi d ez e pó s - pa r t o Hi s t ó r i a p r é v i a d e T E V IA M IC C c l a s s e III o u IV Idade ≥55 anos
In f e c ç ã o( e x c e t ot o r á c i c a ) In s u f i c i ê n c i aa r t e r i a l In t e r n a ç ã o e m UT I Ob es id ad e Pa re sia /p ar a li si a MMII Quím io /h ormo no te ra pi a Re p o s i ç ã o h o r m o n a l / c o n t r a c e p t i vo s Sí n d r o m e n e f r ó t i c a Tr o m b o f i l i a V ar i z e s /i ns uf i c i ê nc i a ve nos a c r ô ni c a
Não
Sim Contraindicações Sangramento ativo Úlcera péptica ativa AVCH com menos de 10 dias de evolução HAS não controlada (>180x110mmHg) Coagulopatia (plaquetopenia ou INR >1,5) Alergia ou plaquetopenia por heparina Insuficiência renalclearance ( <30mL/min) Cirurgia craniana ou ocular <2 se manas Coleta de líquido cefalorraquidiano <24h
Sim
Métodos mecânicos Meia elástica de compressão gradual Meia de compressão pneumática (reavaliar em 2 dias)
Não Profilaxia indicada HBPM SC 1 vez ao dia (enoxaparina 40mg ou dalteparina 5.000UI) ou HNF, 5.000UI SC 8/8h Manter por, mais ou menos, 10 a 4 dias ou enquanto persistir o risco
Preferir HNF
Insuficiência renal crônica (manter TTPA <1,5x), cateter central para nutrição parental Preferir HBPM
Obesidade, varizes, doenças reumatológicas e intestinais inflamatórias, síndrome nefrótica e neoplasias
Figura 7 - Recomendações para profilaxia de trombose venosa profunda e embolia pulmonar em pacientes hospitalizados (Adaptado de Projeto Diretrizes – AMB, 2005)
95
A IC D É M A IC ÍN L C
PNEUMOLOGIA 9. Resumo Quadro-resumo - O diagnóstco de TEP por vezes não é realizado. A mortalidade, quando o tratamento também não é realizado, pode chegar a 30%; com o tratamento, é de até 8%; - A maioria dos casos de TEP é secundária à trombose venosa profunda do território ileofemoral; raramente decorre de trombose poplítea, de veias de membros superiores, trombos intracavitários;
- A cintlografia pode demonstrar áreas de perfusão ruim, com ventlação normal, altamente caracterís tca de TEP; quando normal, exclui o diagnóstco. A principal limitação é para pacientes com doença parenquimatosa prévia, quando o exame apresenta, natuficit de inalação e perfusão; ralmente, algumas áreas de dé - A ultrassonografia tem vantagem de poder ser realizada à beira do leito; é bem indicada principalmente se há sinais clínicos de TVP, com boa acurácia para trombos em território ileofemoral; - Ecocardiograma, BNP e troponinas são úteis para definir disfunção de VD, que é característca de mau prognóstco;
- Os fatores de risco são os que interferem na tríade de Virchow (hipercoagulabilidade, estase venosa e lesão endotelial). Podem ser hereditários ou adquiridos. Os principais são TVP ou TEP prévios, cirurgia e imobilização recentes (3 meses), AVC com membro plégico, neoplasia. Dentre os fatores hereditários, o principal é o fator V de Leiden;
- O tratamento é feito com antcoagulação: heparina (baixo peso ou não fracionada) e an tcoagulante oral; aquela deve ser mantda até o efeito adequado do fármaco oral se estabelecer (RNI entre 2,5 e 3,5). A duração do tratamento depende da teologia e de recorrência do quadro, variando de 3 meses a inde finidamente;
- Clinicamente, caracteriza-se o evento em maciço (com instabilidade hemodinâmica), submaciço (sem hipotensão ou choque, mas com sinais de disfunção de VD) e não maciço (sem disfunção de VD);
- Os trombolítcos ainda são ponto de debate intenso: são indicados a casos de instabilidade hemodinâmica; mais recentemente, têm sido propostos em casos selecionados de TEP submaciço;
- O quadro clínico geralmente é representado por sintomas súbitse. Entretanto, tos, como dispneia, tosse, dor torácica e hemop as queixas e os dados do examefsico são inespecíficos e podem estar presentes em uma ampla lista de diagnós tcos diferenciais. Os exames complementares são fundamentais;
- O filtro de veia cava está indicado a pacientes com TEP na vigência de antcoagulação ou em casos de contraindicações à antcoagulação;
- A radiografia de tórax está anormal na maioria dos casos, mas com alterações inespecíficas como pequenas atelectasias. Achados clássicos estão presentes em cerca de 10% dos casos: corcova de Hampton (imagem triangular periférica), sinal de Westmark (oligoemia focal), sinal de Fleischner (alargamento das artérias pulmonares). Exames que podem definir ou afastar o diagnóstco são D-dímero, cintlografia pulmonar, ultrasfia de tórax e sonografia de membros inferiores, angiotomogra angiografia pulmonar; - A angiografia ainda é o padrão-ouro para o diagnóstco, mas é invasivo e tem morbimortalidade de cerca de 1,5%. Assim, os oufinir a sequência de exames, tros exames são preferidos. Para de é importante classificar o paciente conforme o grau de probabilidade clínica de ter TEP. Algumas escalas são propostas, como a de Wells, Pisa e de Genebra. Pacientes com probabilidade alta devem ser antcoagulados enquanto a investgação é realizada; - O método complementar ideal também depende de contraindicações, disponibilidade e experiência local; - Em pacientes com probabilidade baixa ou intermediária, o D-dímero pode ser solicitado (ELISA); se negatvo, exclui o diagnóstco, pois tem alta sensibilidade. Quando posi tvo, indica contnuidade de investgação. Não deve ser utlizado em casos de probabilidade alta; - A angiotomografia tem sido indicada como o melhor exame inicial. Além de poder visualizar o trombo, pode determinar diagnóstcos diferenciais e avaliar disfunção de VD (dilatação de parede). Pode falhar em casos de trombos pequenos e periféricos, e pode ser necessário outro exame em seguida. Sua principal desvantagem é a necessidade de contraste intravenoso;
96
- A profilaxia de TEP deve ser indicada a pacientes com fatores de risco identficados, envolvendo deambulação precoce após cirurgias, métodos mecânicos (meias elás tcas e de compressão pneumátca) e heparina subcutânea.
INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
1
Sepse Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Daniela Di Dea Bergamasco Ralcyon F. A. Teixeira / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução
lária, por exemplo). Veem-se muitas pessoas utlizando bacteremia e calafrios como sinônimos, mas isso não é correto.
A - Bacteremia
B - Síndrome da resposta inflamatória sistêmica
A bacteremia é definida pela presença de bactérias viáveis na corrente sanguínea. Muitas vezes, é preferível o termo infecção da corrente sanguínea ao termo bacteremia, já que aquele exprime a noção de infecção sanguínea e engloba a possibilidade de etologia por outros agentes, como fungos (fungemias). Com frequência há bactérias no sangue, de forma transitória e, geralmente, controlada pelo sistema imune. As fontes dessas bacteremias são, na maioria das vezes, a flora bacteriana normal da cavidade oral, do trato gastrintes tnal, das vias aéreas superiores previamente colonizadas e do trato genitourinário. Essas bacteremias silenciosas podem evoluir para sepse franca ou podem srcinar, concomitante ou secundariamente, infecções localizadas, como meningite, pneumonia, pielonefrite, osteomielite, celulite, peritonite e endocardite. A febre é o sinal mais prevalente de bacteremia e só está ausente no início, em um pequeno número de casos. A hipotermia, em vez de febre, pode ocorrer principalmente em extremos de idade: recém-nascidos e lactentes com menos de 3 meses, além de idosos. Durante ou após a bacteremia, podem surgir calafrios. As bacteremias podem ser primárias, quando não se define outro foco que as tenha srcinado, ou secundárias a outros focos, como pneumonias e outras infecções. Vale chamar a atenção para o fato de que nem todo quadro de calafrios é uma bacteremia. Reações a drogas, quadros alérgicos e outras doenças infecciosas que não causadas por bactérias podem ser causas de calafrios (ma-
A síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) é definida por liberação de mediadores inflamatórios e atvação de células do sistema imunológico de forma sistêmica, consequente a uma variedade de agressões ao organismo, infecciosas ou não infecciosas. São exemplos de agressões que desencadeiam a SIRS: queimaduras extensas, pancreatte aguda, trauma com esmagamento de membro e diversas infecções. Sua existência é definida pela presença de 2 ou mais dos achados da Tabela a seguir. Tabela 1 - Achados relacionados à SIRS - Temperatura >38°C ou <36°C; - FC >90bpm (não confundir com o conceito de taquicardia, que é de FC >100bpm); - FR >20irpm ou PaCO2 <32mmHg ou necessidade de ventlação mecânica; - Leucócitos >12.000 células/mm3 ou <4.000 células/mm3, ou filos. presença de >10% de formas imaturas de neutró
C - Sepse A síndrome conhecida hoje como sepse teve diversas denominações ao longo do tempo, até que, em consenso do American College of Chest Physicians e Society of Critcal Care Medicine, em 1991, foram estabelecidos os termos SIRS, sepse, sepse grave e choque sép tco utlizados até hoje. A sepse é de finida como a SIRS que decorre de um processo infeccioso confirmado ou suspeito de qualquer sí to, não sendo necessária hemocultura posi tva para confirmá-
97
INFECTOLOGIA -la. A invasão por micro-organismos é responsável por gerar uma reação sistêmica cuja intensidade é variável, determinada pelo componente gené tco do organismo infectado e pela virulência do agente. Essa reação se expressa, fenotpicamente, por meio da reação imune, da liberação de mediadores in flamatórios e an t-in flamatórios, da expressão de receptores de membranas e de outros mecanismos. A sepse é uma disfunção da expressão gênica, com up-regulaton dos genes pró-inflamatórios. Como resultado, têm-se a atvação de células imunes, a liberação de subs-
com repercussões no sistema nervoso central, disfunção renal e hepátca e CIVD. Alguns casos têm evolução insidiosa, outros são agudos e fulminantes. A intensidade e a velocidade de progressão da infecção dependem de par tcularidades do paciente (idade, estado imunitário, estado nutricional, doenças associadas) e do agente agressor (virulência, tamanho do inóculo, tropismo tssular, sensibilidade antmicrobiana). Nos pacientes imunocomprometdos, neutropênicos ou hospitalizados e submetdos a procedimentos invasivos/ de risco, aumenta a chance de sepse por Gram nega tvos
tâncias, como inflamatórios e ant-inflradicais amatórios, fatores demediadores aderência (selec tnas e integrinas), livres de O2 (ROS) e óxido nítrico (NO), e as alterações da hemostasia (atvação da coagulação e da fibrinólise). Há ainda a atvação do eixo neuroendócrino, que libera hormônios e aminas vasoatvas. Atualmente, deve-se evitar o termo septcemia, já que estava relacionado a uma sepse por bactérias, e se sabe que outros patógenos podem causar sepse.
(E. coli spp, Klebsiella spp, Enterobacter spp, t,aPseudomonas Serra spp, Acinetobacter spp) por Staphylococcus aureus, S. epidermidis e fungos.
D - Sepse grave A sepse grave caracteriza-se pela presença dos critérios de sepse associada à hipoperfusão ou à disfunção de, pelo menos, 1 órgão. Tabela 2 - Critérios de disfunção orgânica Sistema
Manifestação
Cardio- PAS <90mmHg ou PAM <70mmHg, ou queda de vascular 40mmHg na PAS basal. Renal
IRA ou débito urinário menor que 0,5mL/kg/hora.
Pulmonar
Hipoxemia, PaO2/FiO2 <300.
Gastrin- Disfunção hepátca (bilirrubina total >4mg/dL ou testnal aumento de transaminases) ou íleo paralí tco. SNC
Deterioração aguda do estado mental delirium, ( confusão).
Coagulopata: plaquetas <100.000 células/mm3 ou HemaRNI >1,5 ou TTPa >60s ou coagulação intravascular tológico disseminada (CIVD). Metabólica
pH <7,3 e ácido lá tco 1,5x maior que o limite superior da normalidade.
E - Choque séptco O choque séptco é definido pela presença de sepse grave associada à hipoperfusão ou hipotensão arterial refratárias à reposição volêmica adequada e que, por conseguinte, necessitam de abordagem com drogas vasoa tvas. Trata-se da associação do quadro infeccioso e inflamatório grave com os distúrbios hemodinâmicos característcos do choque. Frequentemente cursa com SDRA (Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo) ou pulmão de choque e, nos casos não revertdos, com disfunção de múltplos órgãos, uma combinação de disfunção cardiorrespiratória
98
F - Meningococcemia aguda A meningococcemia consttui quadro séptco grave e que pode levar à morte em poucas horas. É uma infecção sistêmica pelo meningococo, que pode apresentar-se isoladamente ou associada à meningite meningocócica. A infecção inicia-se com um pródromo febril inespecí fico, com manifestações de vias aéreas superiores; progride rapidamente para toxemia, febre alta, prostração intensa, deterioração do estado geral, rash cutâneo macular, petequial ou purpúrico, mialgia e artralgia. O exantema decorre de vasculites por lesão endotelial, que podem evoluir para trombose dos vasos acome tdos e necrose dos territórios correspondentes. Frequentemente, ocorre isquemia de extremidades,aguda. e outras complicações são insu ficiência renal e respiratória O choque é precoce e grave e, quando não tratado em seus estágios iniciais, rapidamente evolui para choque refratário. Em análise histopatológica, o exame de um fragmento de pele no local da formação da púrpura da meningococcemia revela vasos superficiais com trombos hialinos de fibrina, decorrente de CIVD. Esse fenômeno se repete em vários órgãos. As adrenais podem sofrer necrose hemorrágica, que se manifesta por insuficiência adrenocortcal aguda (síndrome de Waterhouse-Friderichsen). A meningococcemia aguda fulminante ocorre em 10% dos casos e leva a óbito em poucas horas. O exame do LCR muitas vezes é normal, pela rapidez da evolução do quadro. A progressão para meningococcemia parece estar mais relacionada ao hospedeiro do que à bactéria (por exemplo, pessoas com deficiência do complemento são mais susceveis). A mortalidade é alta (até 20%), e, além disso, o quadro pode deixar sequelas (retardo mental e psicomotor quando acomete crianças pequenas, dé ficit motor, epilepsia, necrose de extremidades).
2. Manifestações clínicas O choque séptco é classificado como um choque distributvo, assim como o choque anafilátco e o neurogênico, sendo caracterizado na sua fase inicial por Resistência
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL SEPSE
Vascular Sistêmica (RVS) diminuída e Débito Cardíaco (DC) normal ou aumentado. Apesar de o DC poder estar elevado, sempre ocorre algum grau de depressão miocárdica, e, em fases avançadas, o choque sép tco pode mimetzar um choque cardiogênico. Assim, em uma fase precoce, os quadros sép tcos podem apresentar-se com sinais de circulação hiperdinâmica, que, progressivamente, são subs ttuídos pelos sinais de choque. Nessa 1ª fase, notam-se taquicardia e taquipneia, pulsos amplos (pressão divergente, queda da PA diastólica por vasodilatação periférica e aumento da sistólica aumento débito cardíaco), tempo de enchimentopor capilar aindado preservado, pele e extremidades podendo se apresentar quentes e manutenção da diurese. Essa fase pode não ocorrer ou ser muito curta, sobretudo se o paciente está desidratado ou tem comprome tmento cardíaco primário. A 2ª fase, ou choque sép tco clássico, é, portanto, caracterizada pelos sinais de colapso vascular, com hipovolemia relatva (pela vasodilatação) e absoluta (pela alteração da microcirculação com perda de líquido intravascular), baixo débito cardíaco, aumento da acidose e hipoperfusão periférica. O tempo de enchimento capilar é prolongado (>3 segundos), por isso as extremidades são frias e há cianose periférica. Além disso, o paciente ainda pode apresentar pulsos finos, oligúria, agitação ou letargia e obnubilação (encefalopata metabólica e hipoperfusão cerebral). -
Disfunção orgânica múltpla
A sepse é a principal causa de óbito em pacientes em terapia intensiva, e a mortalidade decorre, principalmente, da disfunção orgânica múltpla (MODS – Multple Organ Dysfuncton Syndrome). A MODS é um processo connuo, e sua gênese é multfatorial, podendo envolver infecção não controlada, gravidade da SIRS, imunoparalisia, hipóxia tecidual, coagulopata na microcirculação, atvação endotelial, alteração da apoptose, quebra da barreira do trato digestório e do sistema monocí tco-fagocitário. Considera-se MODS quando se têm mais de 2 órgãos acome tdos (mais de 2 disfunções instaladas). Uma vez estabelecida a infecção e de flagrada essa cascata de alterações, o agente etológico deixa de ser necessário para a perpetuação do choque e a evolução para MODS. A seguir, exemplos de órgãos e sistemas mais acome tdos na sepse: Microcirculação: há descontrole da sua autorregu•
•
lação, com presença de estase sanguínea e formação de microtrombos, levando à diminuição de capilares funcionantes e dificultando a extração de O2 pelas células. Como consequência, ocorrem vasodilatação e aumento da permeabilidade capilar com grande perda de líquido proteico para o interscio; Coração: apesar de o DC estar aumentado no início, ocorre depressão miocárdica, que se apresenta pior nos pacientes com disfunção prévia;
•
•
•
Aparelho respiratório: frequentemente acometdo na sepse grave e no choque séptco. Ocorrem edema interstcial e alveolar, e a presença de polimorfonucleares aumenta o dano tecidual, causando distúrbios ventlatórios, lesão pulmonar aguda e SDRA; Rins: quase sempre são comprometdos quando há alteração circulatória significatva devido à sepse. Podem ocorrer oligúria e elevação das excretas nitrogenadas; Aparelho digestvo: ocorrem diminuição regional do fluxo sanguíneo, diminuição da mo tlidade intestnal e alterações da microbiota local. Todas essas
•
•
•
•
alterações dificultam a nutrição dos pacientes e podem levar, ainda, à translocação bacteriana; Fígado: a hiperbilirrubinemia e a colestase são mais comuns que a lesão hepatocelular na sepse; Sistema nervoso: encefalopata e neuropata periférica do doente crítco são as principais alterações; Coagulação: ocorre exacerbação da coagulação, com comprometmento dos sistemas de antcoagulação e fibrinólise, levando à trombose na microcirculação. Por outro lado, podem ocorrer plaquetopenia e aumento do tempo de tromboplastna atvado (TTPa), levando a fenômenos hemorrágicos; Outros: o sistema endócrino pode ser comprometdo com hiperglicemia do estresse, insuficiência adrenal e disfunções do eixo hipotálamo-hipófise, além do sistema imune, com diminuição da síntese de imunoglobulinas e alterações da resposta linfocitária.
3. Diagnóstco etológico Embora a recuperação do agente e tológico não seja condição sine qua non para o diagnóstco de sepse, é de suma importância para a adequação da antbiotcoterapia inicial. Portanto, além do diagnóstco do quadro séptco, fundamentalmente clínico e baseado nos achados já descritos, é importante a investgação dos possíveis focos de infecção: pneumonia, o tte, sinusite, mastoidite, faringoamigdalite, infecção urinária, abscessos super ficiais ou intra-abdominais, peritonite, flebite, artrite séptca ou osteomielite, cateteres infectados, celulite, meningite, enterocolite etc. Exames úteis na busca de focos de infecção são o raio x de tórax, USG de abdome, urina I e urocultura, e o exame do liquor (bioquímica, bacteriológico, cultura, látex). A punção lombar está contraindicada se há plaquetopenia grave, choque ainda não compensado, via aérea instável ou sinais de hipertensão intracraniana. As hemoculturas são importantes para o diagnós tco e devem ser colhidas prontamente, antes do início de qualquer antmicrobiano, no entanto vale lembrar que sua coleta não deve atrasar o início do antmicrobiano. Os resultados da cultura e do antbiograma podem orientar quanto a eventuais modificações no tratamento adotado inicialmen-
99
A IC D É M A IC ÍN L C
INFECTOLOGIA te. As hemoculturas apresentam 2 limitações importantes: o resultado final demora, em média, de 2 a 3 dias, e tem uma sensibilidade em torno de 50 a 75% (com amostra única). Por isso, podem ser úteis resultados preliminares com identficação das característcas das bactérias à coloração de Gram. Culturas de outros materiais, como urina, liquor, aspirado de abscessos, punções de lesões cutâneas bolhosas ou purpúricas também podem ser de grande ajuda. As principais causas de hemocultura nega tva em paciente com quadros sugestvos de sepse são uso prévio de an tbiótcos, síndrome inflamatória não infecciosa, sepse não bacterêmica ou sem bacteremia con nua, técnicas inadequadas de coleta, conservação, transporte e semeadura, e sepse por vírus, anaeróbios, fungos ou outros agentes. Para algumas bactérias encapsuladas, como S. pneumoniae, H. influenzae B, N. meningitdis e Streptococcus agalactae, técnicas de identficação etológica rápida, por meio de aglutnação com látex ou contraimunoeletroforese, podem ser úteis, entretanto a sensibilidade de tais testes é baixa, e sua utlidade clínica, restrita (com exceção das situações em que o Gram não iden tficou o agente nos exames de liquor nas meningites). Nos casos suspeitos, hemograma e leucograma seriados são parte da investgação laboratorial inicial. São achados frequentes, nesses exames, leucocitose com desvio à esquerda, neutrofilia e plaquetopenia, sendo, quanto mais intensa a leucocitose (acima de 15.000 leucócitos), maior a fi
possibilidadesão deobacteremia e sepse. aMais especí que a leucocitose desvio à esquerda, neutro filia, cos as granulações tóxicas e a vacuolização dos neutrófilos. A ocorrência de neutropenia indica mau prognóstco nos casos graves. Podem ocorrer anemia progressiva, por hemólise causada por endotoxinas, e plaquetopenia por CIVD associada. Provas de fase aguda, como proteína C reatva, pró-calcitonina e VHS, são muito sensíveis, mas inespecíficas; são mais úteis para afastar a presença de infecção do que para indicá-la. Exames gerais devem ser frequentes para monitorizar a repercussão sistêmica da infecção, como gasometria arterial, lactato, avaliação da função renal e hepátca e provas de coagulação.
4. Tratamento O tratamento atual deve seguir as recomendações do Surviving Sepsis Campaign, protocolo mundial de tratamento de sepse que tem direcionado as condutas. O tratamento do quadro sép tco tem, como objetvos, debelar o síto de infecção e proporcionar condições satsfatórias para a manutenção do metabolismo celular, que depende, basicamente, de oferta adequada de O 2 e substratos energétcos. Para adequada oferta tecidual de O 2, é necessário corrigir os distúrbios hemodinâmicos (débito cardíaco, pressão arterial, resistência vascular periférica) e manter o conteúdo de O2 arterial satsfatório.
100
Atualmente, estabelecem-se, em muitos serviços de emergência, ainda no pronto-socorro, protocolos para identficação da sepse e início precoce desse tpo de tratamento. São chamados bundles, termo que em inglês quer dizer pacote de medidas para tratamento precoce. O tratamento deve ser rápido no início, em que se obtêm melhores prognóstcos, com redução na morbimortalidade (ideal nas primeiras 6 horas). Alguns aspectos do tratamento de suporte são: - Pressão Venosa Central (PVC) entre 8 e 12cm de H O 2 em pacientes sem ventlação mecânica; -
Pressão Arterial≥Média (PAM) ≥65mmHg; Débito urinário 0,5mL/kg/hora; - Saturação venosa central acima de 70%; - Manutenção das taxas de hemoglobina em torno de 7g/dL por meio de transfusões (ou 10g/dL, se cardiopata moderada ou grave); - Suporte ventlatório: manter a saturação arterial de O 2 acima de 95%, usando a menor fração inspirada de O2 possível, à custa da PEEP ideal (pacientes em ventlação mecânica); - Correção das alterações hemodinâmicas com administração de volume, preferencialmente cristaloides (o uso de coloides é controverso), além de drogas vasoatvas quando necessário (noradrenalina ou dopamina). Na disfunção miocárdica, pode ser benéfica a associação de dobutamina; -Manutenção do aporte energé tco adequado, por -
meio de nutrição enteral ou até parenteral, caso a via oral não seja possível; Controle da glicemia, devido às disfunções endócrinas; - Tratamento especí fico baseado na fisiopatologia da doença: para alguns pacientes, indica-se o uso da proteína C atvada (drotrecogina alfa); - Alguns pacientes necessitam de terapia adjuvante com cortcoides, devido à insuficiência adrenal associada. -
- Terapêutca antmicrobiana A terapia antmicrobiana adequada e precoce reduz a mortalidade do paciente séptco. Quanto àqueles com quadro compavel com sepse, uma cobertura empírica deve ser imediatamente iniciada, tão logo sejam colhidas as hemoculturas. Nessa situação, a escolha do an tbiótco baseia-se nos prováveis micro-organismos do síto infeccioso em questão e se o paciente é proveniente da comunidade ou se trata de sepse intra-hospitalar. Por exemplo, em sepses secundárias a infecções do trato urinário comunitárias, inicia-se antbiotcoterapia dirigida para bactérias Gram negatvas, em que se pode u tlizar ceftriaxona (cefalosporina de 3ª geração) ou ciprofloxacino IV. Na presença de focos de infecção associados à presença de estafilococos (abscessos na pele ou dentes, piodermites), a oxacilina é acrescentada ao esquema de an tmicrobianos. A vancomicina é indicada quando há suspeita de infecção por
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL SEPSE
pneumococo resistente à penicilina, ou esta filococos resistentes à oxacilina. Nos casos em que o síto infeccioso é desconhecido, inicia-se abordagem ampla, com antbiótcos dirigidos contra Gram negatvos, Gram positvos e anaeróbios. Se a infecção é de srcem hospitalar, há indicação de cefalosporina de 3ª geração (ceazidima ou ceriaxona ou cefotaxima – desde que a flora hospitalar seja sensível a estes antbiótcos) ou de 4ª geração (cefepima). Se há indícios clínicos a favor da e tologia estafilocócica, o acréscimo de vancomicina pode ser necessário. Em infecções hospitala-
portador de doença ou condição imunossupressora não HIV (portadores de neoplasias, por exemplo). d) FOI associada ao HIV: temperatura >38,3°C, em várias ocasiões em um período de 4 semanas em paciente domiciliar, ou 3 dias em pacientes internados, ainda sem diagnóstco após 3 dias de investgação.
res ou nos quadros séptcos em pacientes que já estavam em uso de antbiótcos, torna-se importante considerar dados epidemiológicos fornecidos pela comissão de infecção hospitalar sobre as bactérias mais frequentes naquela situação clínica e seu padrão de resistência/sensibilidade aos antmicrobianos no serviço. Quando Pseudomonas spp é uma etologia provável, pode ser usada ceazidima ou outra droga ant-Pseudomonas. Alternatvas em infecções hospitalares graves, com suspeita de agentes resistentes, são o imipeném/meropeném e a piperacilina-tazobactam associados ou não à vancomicina ou teicoplanina. A resistência an tmicrobiana tem partcularidades importantes em diferentes hospitais, e estas devem ser consideradas no planejamento da antbiotcoterapia empírica e, de preferência, com acompanhamento conjunto com o infectologista. Deve-se lembrar que a presença de coleções e absces-
os grupos de doenças que mais levam à FOI clássica são: a) Infecções (30 a 50%): tuberculose extrapulmonar (causa mais comum no Brasil), síndrome de mononucleose prolongada (EBV, CMV e HIV), abscessos intra-abdominais, enterobacteriose septcêmica prolongada, osteomielite, endocardite infecciosa, meningite por criptococos e brucelose. b) Doenças inflamatórias não infecciosas (10 a 30%): artrite reumatoide, arterite de células gigantes, LES, doença de Stll do adulto, sarcoidose e doença de Crohn. c) Neoplasias (10 a 30%): doença de Hodgkin, linfoma não Hodgkin, leucemias, carcinoma de células renais, hepatocarcinoma e carcinoma de cólon. d) Idosos: as causas mais comuns são arterite de células gigantes, tuberculose e câncer de cólon.
sos cirúrgica, da anfitcada biotde coterapia. E a requer escolhaabordagem empírica inicial podealém ser modi acordo com a resposta sistêmica do hospedeiro, à medida que se tornam disponíveis os resultados do Gram e das culturas.
A avaliação é feita caso a caso, e a investgação da causa deve ser guiada pelas hipóteses mais prováveis e pelos achados clínicos. A posi tvidade dos exames é baixa, e vários protocolos já foram desenvolvidos na tentatva de uniformizar a conduta, porém não existe algoritmo universalmente aceito. Aqui, são colocados apenas os principais exames que devem ser lembrados diante de um caso de FOI. Deve-se lembrar, portanto, que não é possível traçar um plano de investgação laboratorial comum a todos os pacientes.
5. Febre de srcem indeterminada A - Introdução Na maioria dos pacientes que apresentam febre que dura de 1 a 2 semanas, o diagnóstco é logo estabelecido ou o processo desaparece espontaneamente. Em contrapartda, febres de duração maior que esse período são de diagnóstco mais difcil, apesar da realização de exames complementares habituais, e são consideradas Febres de Origem Indeterminada (FOI). a) FOI clássica: temperaturas maiores que 38,3°C, em várias ocasiões com duração de mais de 3 semanas e que permanecem sem diagnóstco mesmo após 3 dias de internação hospitalar, ou 1 semana de investgação ambulatorial “inteligente e invasiva”. b) FOI nosocomial: temperatura maior que 38,3°C, em várias ocasiões em paciente hospitalizado sem processo febril na ocasião da internação, e ainda sem diagnós tco após 3 dias de investgação. c) FOI associada à imunossupressão: FOI no indivíduo
B - Causas da FOI clássica As frequências relatvas de doenças que levam à FOI variam de acordo com os seguintes fatores: região geográfica, idade do paciente, tpo de hospital, entre outros. Em geral,
C - Conduta na FOI clássica
a) Exames não invasivos - Hemograma, urina 1, VHS, PCR, raio x de tórax, hemoculturas e urocultura: consttuem rotna básica inicial da investgação; - Sorologias para HIV, toxoplasmose, CMV e mononucleose devem ser solicitadas em alguns casos. A sorologia para HIV está se tornando obrigatória nos casos de FOI; - Investgação para doenças autoimunes (FAN, FR, complemento); - USG de abdome, TC de crânio e de abdome e ecocardiograma. b) Exames invasivos - Endoscopia digestva alta, colonoscopia e broncoscopia; - Mielograma, biópsias hepá tcas, de medula óssea e de outros sítos menos comuns (pele, pleura, artéria temporal etc.);
101
A IC D É M A IC ÍN L C
INFECTOLOGIA -
Laparotomia exploradora: um dos exames diagnós tcos finais vem sendo menos usado devido à evolução dos métodos de imagem. Quando realizada, deve seguir rígidos protocolos de execução com biópsia hepá tca, de epíploon, de gânglios mesentéricos e gordura retroperitoneal, de osso ilíaco e cultura de líquidos livres.
A obtenção do diagnóstco baseia-se, sobretudo, na anamnese detalhada e no exame fsico completo, cuidadoso e repetdo frequentemente em busca de novos achados. A antbiotcoterapia empírica não é recomendada ro tneiramente, a menos que existam sinais clínicos (neutropenia, imunossupressão, queda do estado geral, sepse) que justfiquem seu uso. O prognóstco da FOI é definido pela causa do processo febril e pelas doenças de base do paciente. Logo, idosos e portadores de doença maligna tendem a apresentar pior prognóstco.
6. Resumo Quadro-resumo Definições
- SIRS, bacteremia, sepse, sepse grave e choque séptco. - Fases do quadro séptco (1ª fase – precoce, 2ª fase – choque clássico);
Quadro clínico
- Definição de MODS e sua importância na sepse; - TRL: importância no diagnóstco.
Diagnóstco
- Hemoculturas (prós e contras). - Medidas precoces de tratamento S( urviving Sepsis Campaign);
Tratamento
Febre de srcem indeterminada
102
fico, relacionado - Antmicrobianos: foco-especí ao tpo de paciente (comunidade ou hospitalar).
- Definição; - Tipos de FOI; - Principais causas de FOI clássica.
INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
2
Principais antmicrobianos Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ralcyon F. A. Teixeira Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Antbiótcos Os antbiótcos podem ser divididos em um grande número de classes, conforme a Tabela a seguir: Tabela 1 - Classificação dos antbiótcos Naturais
tna. Penicilina V e penicilina G (benzilpenicilina): cristalina, procaína; e benza
Semissintétcas
Oxacilina e metcilina.
Penicilinas Aminopenicilinas
Ampicilina e amoxicilina.
Carboxipenicilinas Carbenicilina e tcarcilina. Ureidopenicilinas
Piperacilina.
Carbapenêmicos
Imipeném, meropeném e ertapeném.
Monobactâmicos
Aztreonam.
Beta-lactâmicos
Ácido clavulânico (amoxicilina). Inibidores da beta-lactamase
Sulbactam (ampicilina). Tazobactam (piperacilina).
Cefalosporinas
1ª geração
Cefalexina, cefadroxila, cefalotna, cefazolina.
2ª geração
Cefoxitna, cefuroxima, cefaclor.
3ª geração
Cefotaxima, ceriaxona.
3ª geração
Ceazidima (antpseudomonas).
4ª geração
Cefepima.
Aminoglicosídeos
Estreptomicina, neomicina, amicacina, gentamicina, tobramicina.
Macrolídeos
Eritromicina, claritromicina, azitromicina, roxitromicina.
Lincosamidas
Lincomicina, clindamicina.
Quinolonas
1ª geração
Ácido nalidíxico.
2ª geração
Norfloxacino.
3ª geração
Ciprofloxacina, ofloxacina.
Respiratórias
Levofloxacina, gatfloxacina, moxifloxacina, gemifloxacina.
103
INFECTOLOGIA Derivados da sulfa Sulfametoxazol, sulfadiazina. Glicopepdios
Vancomicina, teicoplanina.
Cloranfenicol tanCloranfenicol etanfenicol. fenicol Tetraciclinas
Tetraciclina e doxiciclina.
Glicilciclinas
Tigeciclina.
Derivados imidazólicos
Metronidazol.
Polimixinas
Colistna, polimixina B.
Oxazolidinonas Derivados das estreptograminas
Linezolida.
Lipopepdio
Daptomicina.
Quinupristna, dalfopristna.
A - Beta-lactâmicos Os beta-lactâmicos incluem penicilinas (naturais e semissintétcas), cefalosporinas (de 1ª a 4ª geração), carbapenêmicos, monobactâmicos e associações a inibidores da beta-lactamase. A principal característca do grupo é a presença do grupamento químico heterocíclico aze tdinona, denominado anel beta-lactâmico. Todos os antbiótcos beta-lactâmicos agem interferindo na síntese da parede bacteriana e são, em geral, bactericidas. A resistência aos beta-lactâmicos pode ser resultado de alterações no alvo do agente (proteínas ligadoras de penicilina), degradação antmicrobiana pelas beta-lactamases ou redução da permeabilidade da membrana bacteriana externa. a) Penicilinas Naturais A benzilpenicilina G tem 3 apresentações: cristalina, procaína e benzatna. Indicações e posologia -
•
O espectro de ação inclui bactérias Gram posi tvas não produtoras de penicilinase (estreptococos, corinebactérias), cocos Gram negatvos (Neisseria meningitdis), bactérias anaeróbias (exceto Bacteroides fragilis) e espiroquetas. * Cristalina (sódica/potássica): administrada por via parenteral (IV) e com meia-vida de 30 minutos a 2 horas. O intervalo de administração de 4 horas entre as doses deve ser respeitado, uma vez que o nível sérico diminui, consideravelmente, após esse período. Está indicada ao tratamento de meningite por Neisseria meningitdis e Streptococcus pneumoniae, dieria, sífilis (forma neurológica), infecções por anaeróbios (exceto Bacteroides fragilis), leptospirose (Leptospira interrogans), actnomicose (Actnomyces israelii) e infecções estreptocócicas (incluindo erisipela, endocardites e pneumonias). Em infecção pneumocócica invasiva
104
com hemocultura positva, deve-se verificar o perfil de sensibilidade doStreptococcus pneumoniae, pois existem algumas cepas com alta resistência. A associação a aminoglicosídeos pode ser bené fica em endocardites. Dose habitual: de 6.000.000 a 24.000.000UI/dia, divididos 4/4h, com ajuste necessário para insuficiências renal e hepátca; * Procaína: usada intramuscular, com meia-vida prolongada e nível sérico moderado, u tlizando-se o intervalo de 12 horas entre as aplicações (penicilina de depósito). A concentração sérica máxima é alcançada em 1 a 3 horas após a administração. É indicada ao tratamento das infecções de menor gravidade, como faringoamigdalite estreptocócica, erisipela e gonorreia. Dose habitual: 400.000UI IM a cada 12h, com ajuste necessário para insuficiências renal e hepátca; * Benzatna: é uma penicilina de depósito, com meia-vida maior e nível sérico menor do que a forma procaína, mantendo nível sérico por quase 1 mês. A concentração sérica máxima é obtda 8 horas após a administração (exclusivamente, intramuscular). É indicada, principalmente, para profilaxia da febre reumátca (a cada 21 dias) e para tratar faringoamigdalite estreptocócica e sífilis (exceto a forma neurológica). Dose habitual: 1.200.000UI (esquemas variados), com ajuste necessário para insuficiências renal e hepátca; * V: é capaz de resistr ao pH ácido do estômago e pode ser administrada por via oral. A meia-vida da droga é de 60 minutos, com eliminação predominantemente renal e baixa concentração liquórica. As indicações são semelhantes às da penicilina procaína, servindo, também, como alternatva para profilaxia de febre reumátca. Dose habitual: de 20 a 40mg/kg/dia, divididos em 4/4 a 6/6h, com ajuste necessário para insu ficiências renal e hepátca.
PRIN CIPAISANTIMICROBIANOS -
Semissintétcas (resistentes a penicilinases) Oxacilina: pertencente à família das isoxazolilpenicilinas, não apresenta atvidade contra anaeróbios. Sua meia-vida é de 30 a 60 minutos, e sua eliminação é renal. A principal característca da droga é a resistência à ação das penicilinases produzidas por Staphylococcus aureus. A administração deve ser feita em intervalos de 4 horas. As indicações clínicas limitam-se ao tratamento de infecções ocasionadas por Staphylococcus aureus sensíveis à oxacilina, como celulite, furunculose, endocardite, pneumo-
concentrações séricas 2 vezes maiores. A meia-vida é de 1 hora, e a concentração da droga no liquor é muito variável em pacientes com meningite, não sendo indicada para tal. Sua única apresentação é oral. Apresenta atvidade contra Salmonella typhi e é menos atva contra Shigella spp. Em comparação com a ampicilina, apresenta maior ação contra infecções por Haemophilus. As indicações terapêutcas incluem o tratamento do Helicobacter pylori (droga adjuvante) e da doença de Lyme. Dose habitual: de 1,5 a 3g/dia, dividida em 8/8h, com ajuste necessário para insuficiências renal e hepátca.
•
•
• •
•
nias e osteomielite.aureus Apesarresistentes do aumento de cepas de Staphylococcus à oxacilina, principalmente em ambiente hospitalar, contnua a ser a droga de escolha para cepas sensíveis, independentemente da gravidade da doença. Dose habitual: de 100 a 200mg/kg/dia, de 4/4h. Um trabalho recente com pacientes adultos demonstrou que doses menores que 4g/dia implicam piora de prognóstco. O ajuste de dose é necessário para insuficiências renal e hepátca; Metcilina: droga do mesmo grupo, porém não u tlizada rotneiramente; Aminopenicilinas; Ampicilina: apresenta estabilidade tanto para utlização oral quanto parenteral. Sua meia-vida é de 50 a 60 minutos, com eliminações renal e hepátca. Há grande concentração na bile, e a passagem para o liquor se situa em torno baixa). de 5 a Ainda 10% daassim, concentração sérica (considerada pode ser utlizada em meningites. É eficaz contra bactérias aeróbias Gram positvas (Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, Streptococcus viridans, Enterococcus faecalis, Listeria monocytogenes), anaeróbias Gram positvas (Clostridium spp, Peptostreptococcus spp e Actnomyces israelii), determinadas aeróbias Gram negatvas (Escherichia coli, Proteus mirabilis, Haemophilus influenzae, Salmonella typhi e não typhi, Neisseria meningitdis) e anaeróbias Gram negatvas (Bacteroides spp, exceto Bacteroides fragilis, Fusobacterium spp). Em comparação com outras penicilinas, apresenta maior t a vidade contra Haemophilus influenzae, Enterococcus faecalise Salmonella spp e menor atvidade contraStreptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitdis, Neisseria gonorrhoeaee Clostridium. É indicada para o tratamento de infecções de vias aéreas superiores (sinusite, otte, faringoamigdalite), infecções pulmonares, infecções urinárias, salmoneloses e meningites porListeria monocytogenese Streptococcus agalactae. Dose habitual: de 2 a 4g/dia, de 6/6h, oral, e de 100 a 200mg/kg/dia IV, com ajuste necessário para insuficiências renal e hepátca; Amoxicilina: semelhante à ampicilina, mas com absorção oral mais efetva, levando à permanência de
Carboxipenicilinas São derivados carboxílicos da penicilina G, destacando-se, principalmente, pela atvidade contra Pseudomonas aeruginosa. Há sinergismo de ação com aminoglicosídeos. Carbenicilina: disponível em apresentação intravenosa. Em meninges inflamadas, há concentração de 30 a 50% da concentração sérica. O espectro inclui cocos Gram positvos e Gram negatvos, porém com menor eficácia que as aminopenicilinas. A atvidade contra Pseudomonas aeruginosa, Proteus indol-positvo e cepas de Enterobacter, Acinetobacter, Serrata e Bacteroides fragilis jus tfica a sua utlização como opção em infecções hospitalares por tais agentes. Dose habitual: de 200 a 800mg/kg/dia, dividida em 4/4h, com ajuste necessário para insu ficiências renal e hepátca; -
•
•
-
Ticarcilina: tem propriedades semelhantes à carbenicilina, entretanto possui atvidade contra Pseudomonas aeruginosa 2 vezes maior do que a droga precursora. Não apresenta atvidade sobre Enterococcus, Klebsiella spp e Serrata spp. Dose habitual: de 400 a 600mg/kg/dia, com dose divida a cada 4 ou 6 horas, com ajuste necessário para insu ficiências renal e hepátca.
Ureidopenicilinas Piperacilina: derivado semissintétco piperazínico da ampicilina, apresenta maior atvidade antmicrobiana do que a carbenicilina sobre as enterobactérias e Pseudomonas aeruginosa. A droga é administrada por via intravenosa, e a penetração liquórica é insuficiente, com eliminação renal da droga. As indicações incluem infecções por Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella spp e Proteus indol-positvo. Dose habitual: de 200 a 300mg/kg/dia, de 4/4h a 6/6h. É necessário ajuste para insu ficiências renal e hepátca. •
b) Carbapenêmicos São os antbiótcos de espectro mais abrangente, com estrutura química semelhante à penicilina e substtuição no anel tazolidínico do ácido 6-aminopenicilânico do enxofre por carbono, com presença de dupla ligação.
105
A IC D É M A IC ÍN L C
INFECTOLOGIA -
Imipeném: foi sintetzado a partr da tenamicina, combinada com a cilastatna, responsável pela diminuição da eliminação renal. Portanto, a formulação inclui a combinação imipeném/cilastatna. Sua ação bactericida resulta da inibição da síntese da parede celular, apresenta grande estabilidade na presença de beta-lactamases e, por conseguinte, amplo espectro. O espectro de ação inclui bactérias Gram nega tvas, anaeróbios (exceto Clostridium difficile), cocos Gram positvos (exceto Staphylococcus aureus metcilino-resistente e enterococo) e Nocardia spp. A meia-vida
da droga écom de meninges 1 hora, e ainconcentração liquórica em pacientes flamadas se situa em torno de 10 a 40%. A administração deve ser realizada por via intravenosa. Na prátca clínica, o imipeném deve ser reservado a infecções hospitalares graves por bactérias Gram negatvas multrresistentes. A capacidade de induzir beta-lactamases em bacilos Gram negatvos contra outros antmicrobianos reitera a necessidade do uso controlado da droga. Os efeitos adversos incluem náuseas, e podem ocorrer convulsões, principalmente se o paciente apresenta lesão estrutural de SNC; - Meropeném: de estrutura química e espectro an tmicrobiano semelhantes ao imipeném. A meia-vida da droga situa-se em torno de 1 hora, com eliminação renal e boa concentração liquórica. Em relação ao espectro de ação, em comparação ao imipeném, possui maior atvidade contra bacilos Gram negatvos (enterobactérias e Pseudomonas aeruginosa) e menor eficácia contra cocos Gram posi tvos. A administração da droga é intravenosa, e a dose habitual é de 3 a 6g/ dia, dividida em 6/6h. É necessário ajuste de dose para função renal. É utlizado como opção ao imipeném, devido ao menor risco de convulsões; - Ertapeném: é um carbapenêmico de espectro menor que os outros, pois não tem ação sobre Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter spp. É indicado para o tratamento de infecções em pacientes complicados, além de permitr o uso em hospital-dia ou domiciliar por poder ser utlizado 1x/dia por via IV ou IM. A dose é de 1g/dia, com ajuste necessário para insuficiência renal. c) Monobactâmicos - Aztreonam: é o principal representante . Seu espectro é exclusivo contra bactérias Gram negatvas aeróbias, incluindo P. aeruginosa. Compreende um composto derivado do ácido 3-amino-monobactâmico. A meia-vida da droga é de cerca de 2 horas, e a sua administração é IV. A penetração liquórica aumenta de 1 para 40% em meninges inflamadas. A medicação apresenta, por meio do ácido sulfônico no anel monocíclico beta-lactâmico, uma propriedade bactericida específica. Indicada para tratamento de infecção por bacilos Gram nega tvos, especialmente enterobactérias ePseudomonas aeruginosa, a medicação pode ser útl aos pacientes alérgicos
106
à penicilina, pois não há nenhuma reatvidade cruzada evidente nesses pacientes, consttuindo uma boa alternatva aos aminoglicosídeos, devido ao menor número de efeitos adversos. A dose habitual é de 3 a 8g/dia, dividida em 8/8h ou 6/6h, sendo necessário ajustar dose para insuficiências renal e hepátca. d) Inibidores de beta-lactamase Apresentam atvidade antbacteriana mínima, mas são potentes. Além disso, são associados às penicilinas para obter espectro antmicrobiano mais amplo (incluindo anaeróbios) e atuam melhor nas enzimas codificadas por plasmídeos, apresentando pouca atvidade contra Pseudomonas aeruginosa, diversas enterobactérias,Staphylococcus epidermidis e Staphylococcus aureusmetcilino-resistente. - Ácido clavulânico + amoxicilina: atua nas beta-lactamases produzidas por Staphylococcus aureus, Haemophilus in fluenzae e bactérias anaeróbias. As infecções respiratórias altas (sinusite, otte, amigdalite) e infecções de cavidade oral com etologia anaeróbia consttuem as principais indicações clínicas. A dose é de 1,5g amoxicilina/dia dividida em 8/8h, sendo necessário ajuste pelas funções renal e hepátca (caso o paciente tenha insuficiência renal concomitante); - Sulbactam + ampicilina: possui perfil semelhante ao ácido clavulânico, contudo apresenta, também, ação bactericida contra Acinetobacter baumannii resistente às cefalosporinas e às quinolonas. A droga é administrada por via parenteral (IM ou IV), alcançando concentração sérica máxima em 15 a 30 minutos. No liquor, na presença de meninges inflamadas, há passagem de cerca de 30% da concentração sérica. A principal indicação está relacionada a infecções nosocomiais por Acinetobacter baumannii. Usado na dose de 2 a 6g/ dia de ampicilina associada a 1 a 3g/dia de sulbactam (6/6h), necessitando de ajuste para as funções renal e hepátca (em caso de insu ficiência renal); - Tazobactam + piperacilina:sua principal indicação clínica é o tratamento de Pseudomonas aeruginosa e de enterobactérias multrresistentes em ambiente hospitalar. A dose é de 12g/dia de piperacilina + 1,5g/dia de tazobactam (8/8h), com ajuste necessário para as funções renal e hepátca (caso haja insuficiência renal). e) Cefalosporinas Fazem parte do grupo dos beta-lactâmicos, pois sua estrutura química compreende esse núcleo no anel cefêmico. Apresentam grande semelhança de mecanismo de ação, espectro e efeitos adversos. Não devem ser usadas em endocardites estafilocócicas (baixa penetração na vegetação) e não são efetvas contra Enterococcus ou S. aureus oxacilino-resistentes. Esse grupo de antbiótcos age por meio da inibição da síntese da parede celular bacteriana, com ação bactericida. A excreção da droga é predominantemente renal. São divididas em 4 gerações, discutdas a seguir.
PRIN CIPAISANTIMICROBIANOS Primeira geração As cefalosporinas de 1ª geração apresentam atvidade contra diversas bactérias aeróbias Gram posi tvas e Gram negatvas, agentes de infecções comunitárias. Tais drogas não ultrapassam a barreira hematoliquórica, mesmo em meninges inflamadas. São indicadas para o tratamento das infecções por Staphylococcus aureus metcilino-sensível (abscessos cutâneos, foliculite, celulite), determinados estreptococos (erisipela), e alguns bacilos Gram nega tvos entéricos (Escherichia coli, Klebsiella spp e Proteus mirabilis). Dentre as bactérias Gram positvas, as cefalosporinas -
(de todas as gerações) nãocilino-resistente, apresentam a tvidade contra Staphylococcus aureus me Enterococcus, t cepas de pneumococo totalmente resistente à penicilina e Listeria monocytogenes. São utlizadas, habitualmente, na antbiotcoprofilaxia cirúrgica. Podem ser usadas durante a gestação. Cefalexina: está disponível em apresentação oral, com meia-vida em torno de 75 minutos e índice de ligação às proteínas plasmátcas em torno de 10%. A dose é de 2 a 4g/dia dividida em 6/6h, com ajuste necessário para a função renal; Cefadroxila: é usado por VO, na dose de 1 a 2g/dia, dividida em 12/12h; Cefalotna: tem apresentação parenteral, com meia-vida em torno de 40 minutos e índice de ligação às proteínas plasmátcas de 70%. O perfil de sensibilidade e indicações é semelhante ao da ce-
•
•
•
•
•
•
falexina, a cefalo para infecções graves oureservando-se não disponibilidade dotna trato gastrintes tnal para administração da droga oral. A dose é de 4 a 12g/dia, dividida em 6/6h, sendo necessário o ajuste para insuficiência renal; Cefazolina: na apresentação parenteral, tem meia-vida em torno de 110 minutos e índice de ligação às proteínas plasmátcas de, aproximadamente, 80%. É utlizada na dose de 3 a 6g/dia, dividida em 8/8h, e é necessário ajuste para a função renal.
Segunda geração As cefalosporinas de 2ª geração apresentam maior ação contra as cefalosporinases (beta-lactamases). Apresentam ação, também, contra bactérias anaeróbias Gram positvas (semelhante à cefalosporina de 1ª geração), cocos Gram negatvos, Haemophilus e enterobactérias. Alguns representantes possuem ação contra Bacteroides fragilis. Já Pseudomonas aeruginosa não é sensível ao uso das cefalosporinas de 2ª geração. Cefoxitna: deve ser administrada por via intravenosa, apresenta índice de ligação às proteínas plasmátcas em torno de 65%, e não há concentração adequada no liquor. Ocorre, entretanto, perda da atvidade contra Gram positvos, se comparada às cefalosporinas de 1ª geração. Com relação aos Gram negatvos, há ampliação do espectro com a -
inclusão de determinados gêneros, como Haemophilus spp. A bactéria anaeróbia Bacteroides fragilis também é sensível à cefoxitna. Trata-se de uma droga frequentemente utlizada para profilaxia de infecções em procedimentos cirúrgicos gastrintestnais. A dose utlizada é de 3 a 6g/dia, dividida em 8/8h, com ajuste necessário para função renal; Cefuroxima: é uma cefalosporina de 2ª geração, com ação contra Haemophilus influenzae e E. coli resistentes às cefalosporinas de 1ª geração. Há apresentação oral. Na apresentação intravenosa, fi écardíaca. u tlizadaApara e dosepro é delaxia 2,25dea cirurgia 4,5g/dia,neurológica dividida em 8/8h IV, IM e 0,25 a 1g/dia, dividida em12/12h VO, com ajuste necessário para a função renal; Cefaclor: tem, como principal indicação, o tratamento de infecções em que as cefalosporinas de 1ª geração são hidrolisadas, como H. influenzae. Tem apresentação oral com dose de 0,75 a 1,5g/dia, dividida em 12/12h, sem necessidade de ajuste de dose para insuficiência renal.
Terceira geração As cefalosporinas de 3ª geração caracterizam-se por melhor atvidade contra bacilos Gram negatvos, aumento da meia-vida da droga, permitndo posologias mais cômodas, maior resistência à ação das beta-lactamases e concentrações liquóricas adequadas para o tratamento de meningites bacterianas. Podem ser divididas em com e sem atvidade antpseudomonas. Cefotaxima: foi desenvolvida para uso parenteral, com meia-vida de 1,5 hora e índice de ligação às proteínas plasmátcas em torno de 30 a 51%. A concentração liquórica, em presença de meninges inflamadas, corresponde de 7 a 20% da concentração sérica, considerada adequada para o tratamento de meningites e abscessos cerebrais. A droga apresenta boa atvidade contra diversos Gram positvos e Gram negatvos, exceto Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Serrata spp. Destaca-se a atvidade contra enterobactérias, porém a sensibilidade do Staphylococcus aureus é inferior à cefalosporina de 1ª geração. As principais indicações da droga incluem o tratamento de Haemophilus spp produtores de beta-lactamase, meningites em neonatos (droga de escolha) e em adultos (Neisseria -
•
•
•
meningitdis, Streptococcus pneumoniae). No tratamento das peritonites bacterianas espontâneas, o uso da cefotaxima apresenta bons resultados, e a medicação é considerada o tratamento de escolha. A dose é de 3 a 6g/dia, dividida em 8/8h e dose máxima de 12g/dia, com ajuste necessário para insuficiência renal; Ceriaxona: apresenta formulações intramuscular e intravenosa. A meia-vida é de 7 a 8 horas. A pe-
107
A IC D É M A IC ÍN L C
INFECTOLOGIA netração liquórica, em presença de meninges inflamadas, situa-se em torno de 17% da concentração sérica, considerada efetva para o tratamento. O espectro de ação inclui patógenos Gram posi tvos e Gram negatvos, não apresentando atvidade contra anaeróbios, Pseudomonas aeruginosa, Legionella spp, Chlamydia spp, Mycoplasma spp e Listeria monocytogenes. O uso do ceriaxona não está indicado para Staphylococcus metcilino-resistentes ou pneumococos com elevado nível de resistência à penicilina. O ceriaxona apresenta atvidade inferior às cefalosporinas de 1ª geração nas infecções por bactérias Gram positvas. Por outro lado, observa-se melhor atvidade contra bacilos Gram negatvos, como Escherichia coli, Klebsiella spp, Proteus mirabilis, Salmonella spp, Shigella spp, Enterobacter spp, Morganella spp e Proteus indol-positvo. Outras bactérias dos gêneros Yersinia, Eikenella, Pasteurella, Haemophilus e Moraxella também apresentam sensibilidade. As principais indicações clínicas incluem meningoencefalites bacterianas (pneumococo, meningococo, Haemophilus e bacilos Gram negatvos), abscessos cerebrais em todas as faixas etárias e pneumonias comunitárias. Infecções sistêmicas graves por bacilos Gram negatvos também consttuem indicações para o uso de ceriaxona. A dose é de 2 a 4g/dia, dividida em 12/12h, e a dose de 4g/dia é reservada para o tratamento de meningites, sendo necessário ajuste para insuficiência hepátca. -
Terceira geração com ação antpseudomonas Ceazidima: destaca-se das demais cefalosporinas de 3ª geração pela atvidade antpseudomonas. A droga é administrada por via parenteral, e a concentração liquórica situa-se em torno de 25% (considerada baixa), decaindo com a diminuição da inflamação meníngea. O espectro de ação engloba, principalmente, enterobactérias, Haemophilus spp e Pseudomonas aeruginosa. Apresenta atvidade contra cocos Gram positvos inferior às cefalosporinas de 1ª geração, com destaque para a baixa atvidade contra pneumococo, sem justficatvas para terapêutcas empíricas nas quais há a remota possibilidade de etologia pneumocócica. A ceazidima deve ser reservada para infecções nosocomiais por Pseudomonas aeruginosa, como pneumonias, pielonefrites, meningoencefalites, osteomielites. Deve-se observar o perfil de sensibilidade na insttuição, uma vez que o surgimento de cepas resistentes é bastante comum em nosso meio. A dose é de 4 a 6g/dia, dividida em 8/8h, com ajuste necessário para a função renal. •
Quarta geração As cefalosporinas de 4ª geração foram desenvolvidas com o intuito de conservar a boa atuação contra bacilos -
108
Gram negatvos (incluindo a P. aeruginosa) e ampliar o espectro na tentatva de recuperação da a tvidade contra bactérias Gram positvas, em especial o Staphylococcus. Cefepima: pode ser utlizada por via intravenosa ou intramuscular. No 1º caso, a meia-vida sérica é de 2 horas. O espectro de ação para bacilos Gram negatvos é semelhante ao da ceazidima, mantendo a atvidade contra Pseudomonas aeruginosa. Em relação aos Gram positvos, possui atvidade contra o Staphylococcus aureus metcilino-sensível e alguns estreptococos, incluindo o pneumococo e excetuando os enterococos. As principais indicações estão relacionadas às infecções hospitalares graves (pneumonias, meningites etc.) por bacilos Gram negatvos sensíveis, sem etologia determinada ou como antmicrobiano inicial no paciente neutropênico febril. A dose é de 2 a 4g/dia, dividida em 12/12h, com ajuste necessário para a função renal. •
B - Aminoglicosídeos Os aminoglicosídeos são bactericidas e bacteriostátcos que alteram a síntese proteica bacteriana e não são atvos contra anaeróbios nem adequados para o tratamento de abscessos. Agem por meio de ligação à subunidade 30S ribossomal, determinando a formação de proteínas anômalas (efeito bacteriostátco). Além disso, determinam alterações da parede celular, resultando em efeito bactericida direto e partcipando como adjuvante na terapia combinada comAbeta-lactâmicos ouapresenta glicopepdios. classe de drogas pequena absorção oral. A distribuição ocorre de forma satsfatória nos líquidos cavitários (pleura, pericárdio, peritônio e líquido sinovial), parênquima pulmonar e vias urinárias (concentração, muitas vezes, superior à concentração sérica). A penetração liquórica, por outro lado, é considerada ineficaz, mesmo em meninges inflamadas. A excreção é, predominantemente, renal. Os aminoglicosídeos são, em geral, indicados ao tratamento de enterobactérias, bacilos Gram nega tvos (observar padrão de sensibilidade) e terapêu tca combinada no tratamento de endocardites ou outras infecções graves por cocos Gram positvos. Os efeitos adversos incluem nefrotoxicidade e ototoxicidade, principalmente afetando a função vestbular. Podem causar bloqueio neuromuscular e miopatas em pessoas com miastenia ou em uso de bloqueadores neuromusculares. Deve-se ter atenção à função renal durante o uso. Normalmente, a insu ficiência renal associada a aminoglicosídeos aparece após 1 semana de uso da medicação e é não oligúrica. Existem 3 mecanismos conhecidos de resistência bacteriana aos aminoglicosídeos: alteração dos sítos de ligação no ribossomo, alteração na permeabilidade e modificação enzimátca da droga. O desenvolvimento de resistência durante o tratamento é raro. - Estreptomicina: é administrada intramuscular ou intravenosa. As indicações para seu uso incluem o trata-
PRIN CIPAISANTIMICROBIANOS mento da tuberculose (casos resistentes às drogas de ª1 escolha ou intolerância), brucelose, peste e tularemia. Utliza-se, também, associada à penicilina ou ampicilina, para o tratamento de infecções graves por enterococos. A dose habitual é de 15mg/kg/dia, em dose única IV ou IM, com ajuste necessário para insuficiência renal; - Neomicina: é utlizada, principalmente, para o tratamento da encefalopata hepátca. Apresenta menor nefrotoxicidade, e a dose é de 2 a 8g, dividida em 4 doses; - Amicacina: apresenta meia-vida de 2 horas e índice de ligação às proteínas plasmátcas em torno de 10%. As indicações clínicas incluem infecções graves por enterobactérias, bacilos Gram negatvos. A dose habitual é de 15mg/kg/dia IV, dividida em 12/12h ou em dose única, com ajuste necessário para insuficiência renal; - Gentamicina: apresenta meia-vida de 2 horas e pode ser usada por via tópica, intramuscular e intravenosa. As indicações são semelhantes às do uso da amicacina. Pode ser u tlizada como terapia adjuvante (efeito sinérgico) no tratamento de endocardites por cocos Gram positvos. A dose habitual é de 3 a 6mg/kg/dia IV ou IM dividida em 8/8 ou 12/12h, sendo necessário ajuste para função renal; - Tobramicina: apresenta meia-vida em torno de 2 horas. A apresentação da droga pode ser intravenosa ou intramuscular. O espectro de ação é semelhante à gentamicina, todavia apresenta melhor atvidade contra Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter spp e Escherichia coli. A dose habitual é de 3 a 5mg/kg/dia (IV ou IM), dividida em 8/8h, ou dose única, sendo necessário ajuste para função renal.
C - Macrolídeos Os macrolídeos atuam na inibição da síntese proteica, impedindo a fixação do RNA transportador ao ribossomo e bloqueando a disponibilidade de aminoácidos. Podem apresentar atvidade bactericida ou bacteriostátca. Os efeitos adversos incluem náuseas, diarreia, dor abdominal, dispepsia e tonturas. Um estudo recente com eritromicina achou associação desta ao prolongamento do intervalo QT e arritmias cardíacas. - Eritromicina: há 4 formas de apresentação farmacológica da droga, sem disponibilidade do modo parenteral no Brasil. A formulação oral inclui base, estearato, e tlsuccinato e estolato (uso proibitvo da últma na gestação). A eritromicina não ultrapassa a barreira hematoliquórica, e, mesmo em casos de meninges inflamadas, é inadequada a concentração liquórica. A eliminação da droga é predominantemente hepátca e renal. Os agentes susceveis incluem bactérias aeróbias Gram positvas (Staphylococcus metcilino-sensível, estreptococos, corinebactérias, Listeria monocytogenes), cocos Gram negatvos (gonococo e meningococo),
espiroquetas (Treponema spp e Leptospira spp), actnomicetos, rickésias, Chlamydia trachomats, Mycoplasma pneumoniae, Legionella pneumophila, micobactérias (espécies não tuberculosis) e alguns anaeróbios. Os bacilos Gram negatvos são naturalmente resistentes à eritromicina. Ocorre resistência cruzada com outros macrolídeos e lincosamidas. A eritromicina pode substtuir a penicilina, em pacientes com antecedente de hipersensibilidade à droga, e consttui droga de 1ª escolha em casos de di eria, coqueluche, eritrasma e acne. Da mesma forma, é droga de escolha nas “pneumoniasLegionella apicas”, provocadas por Mycoplasma pneumoniae, pneumophila e Chlamydia pneumoniae, assim como nas uretrites ocasionadas por Chlamydia trachomats e Ureaplasma urealytcum. A dose habitual é de 1 a 2g/dia, dividida de 6/6 horas, com ajuste necessário para função renal; - Claritromicina: macrolídeo semissintétco derivado da eritromicina, apresenta atvidade contra estreptococos (incluindo o pneumococo) e esta filococos cerca de 4 vezes maior do que a eritromicina. Também apresenta atvidade contra Haemophilus influenzae, Haemophilus ducreyi, Mycobacterium leprae, Mycobacterium avium-intracellulare e Toxoplasma gondii. As indicações clínicas principais incluem faringites, amigdalites, ottes e sinusites purulentas. As pneumonias bacterianas, como as causadas por pneumococo Chlamydia pneumoniae, Legionella pneumophila e Mycoplasma pneumoniae, apresentam boa resposta clínica. Quadros de infecção por Mycobacterium avium-intracellulare devem receber esquemas terapêutcos com a inclusão de claritromicina. A dose habitual é de 1 a 2g/dia, dividida de 12/12h, com necessidade de ajuste para funções renal e hepátca (se houver insu ficiência renal); - Azitromicina: macrolídeo, também derivado da eritromicina, apresenta melhor atvidade contra bactérias Gram negatvas, porém tem menor e ficácia contra cocos e bacilos Gram positvos. Bacilos Gram negatvos como Klebsiella, Proteus, Citrobacter, Enterobacter, Serrata e Pseudomonas são, naturalmente, resistentes à ação da azitromicina, que pode ser utlizada para o tratamento de infecções respiratórias agudas (o ttes, sinusites, pneumonias), uretrites e cervicites ocasionadas pela Chlamydia trachomats, cancro mole (H. ducreyi) e doença de Lyme (Borrelia burgdorferi). A dose habitual em infecções leves é de 500mg no 1º dia e, nos dias 2 a 5, de 250mg. Quanto a pacientes com infecções mais graves, especificamente pneumonia comunitária, a dose é de 1g/dia IV ou VO, sendo necessário o ajuste para função renal; - Roxitromicina: a apresentação da droga é via oral. As indicações incluem infecções respiratórias altas e baixas (faringite, otte, sinusite, amigdalite e bronquite), uretrites não gonocócicas e piodermites. A dose ha-
109
A IC D É M A IC ÍN L C
INFECTOLOGIA bitual é de 300mg/dia, dividida de 12/12h ou 1x/dia, sendo necessário ajuste para as funções renal e hepátca (se houver insu ficiência renal).
D - Lincosamidas (lincomicina/clindamicina) As lincosamidas são medicações com algumas similaridades com os macrolídeos. Atualmente, a clindamicina é a única medicação utlizada da classe e atua inibindo a síntese proteica, por intermédio da ligação com a subunidade 50S ribossomal (efeito bacteriostátco). Apresenta espectro de ação contra, basicamente, bactérias aeróbias Gram positvas e bactérias anaeróbias. A meia-vida da droga é de aproximadamente 2,5 a 3 horas, com índice de ligação proteica de 84%, excreção renal e penetração liquórica ineficiente, mesmo em meninges in flamadas. As indicações clínicas incluem infecções comunitárias por Staphylococcus aureus (celulite, furunculose etc.), infecções de cavidade oral, osteomielite, infecções por bactérias anaeróbias (exceto Clostridium difficile) e alternatva ao tratamento de toxoplasmose e pneumocistose. Existe na apresentação oral e intravenosa. A dose habitual é de 600 a 2.700mg/dia, dividida em 6/6h ou 8/8h, com ajuste necessário apenas na insuficiência renal grave. Os efeitos colaterais incluem anorexia, náuseas, vômitos e diarreia, estando associada à colite pseudomembranosa.
E - Quinolonas São derivadas do composto quinoleína, substância presente em vários alcaloides e drogas an tmaláricas sintétcas. Apresentam ação bactericida, agindo por inibição da DNA-girase. As quinolonas podem levar a náuseas, vômitos, dispepsia e outros efeitos gastrintestnais. Também é descrito aumento de transaminases. a) Primeira geração - Ácido nalidíxico: possui ação bactericida contra bactérias Gram negatvas, entretanto não tem atvidade contra Pseudomonas aeruginosa. A concentração em vias urinárias é elevada, contrastando com a reduzida concentração tssular. A apresentação da droga é oral, a concentração liquórica da droga é baixa, sendo inadequada para o tratamento de meningoencefalites. A principal indicação é o tratamento de infecções urinárias baixas por enterobactérias do trato urinário. Com o surgimento de novas quinolonas, trata-se de uma droga pouco utlizada na prátca médica. A dose é de 2 a 4g/dia, com dose dividida em 6/6h, sendo necessário ajuste para funções renal e hepá tca. b) Segunda geração A introdução do grupamento piperazina ligado ao carbono 7 proporciona atvidade contra Pseudomonas aeruginosa, o que não acontece na 1ª geração. - Norfloxacino: é disponibilizada somente para uso oral, apresentando baixa taxa de absorção e, consequente-
110
mente, nível sérico insuficiente para infecções sistêmicas. Entretanto, apresenta excelente concentração em vias urinárias, justficando seu uso em infecções urinárias baixas. A excreção da droga é renal, com espectro de ação incluindo grande parte dos bacilos Gram negatvos entéricos (Escherichia coli, Klebsiellaspp, Salmonella spp, Shigella spp, Proteus spp, Enterobacter spp, Yersiniaspp, Morganellaspp e Citrobacterspp), Haemophilus spp, Neisseria spp e Pseudomonas spp. As indicações clínicas incluem infecções urinárias baixas, profilaxia de infecções urinárias recidivantes, prosta ttes nas quais o agente etNeisseria ológico seja a Escherichia coli ée uretrite/cervicite por gonorrhoeae. A dose de 800mg/dia, dividida em 12/12 horas, necessitando de ajuste para as funções renal e hepátca. c) Terceira geração As quinolonas de 3ª geração diferenciam-se pela ação terapêutca sistêmica e ampliação do espectro de ação para estafilococos. A administração da droga pode ser feita por via oral ou parenteral, e a eliminação é predominantemente renal. - Ciprofloxacino: pode ser u tlizada no tratamento de infecções por enterobactérias, estafilococos, Neisseria spp e Pseudomonas aeruginosa. Deve-se, obrigatoriamente, atentar ao perfil de sensibilidade dos patógenos na insttuição. As principais indicações incluem infecções urinárias altas e baixas, salmoneloses (incluindo febre tfoide), shigeloses, osteomielites, infecções das vias biliares e respiratórias (Haemophilus e enterobactérias). Deve-se ressaltar que o cipro floxacino não apresenta atvidade adequada contra estreptococos, em especial Streptococcus pneumoniae (assim sendo, não se recomenda o tratamento de pneumonias adquiridas na comunidade). A dose é de 500 a 1.500mg/ dia, dividida em 12/12h (VO) ou 400 a 1.600mg/dia, dividida em 12/12h ou 8/8h (IV), sendo necessário ajuste para as funções renal e hepátca; - Ofloxacino: não apresenta boa atvidade contra Pseudomonas aeruginosa e demonstra menor eficácia para bacilos entéricos se comparada à da ciprofloxacina. No entanto, apresenta melhor espectro de ação para patógenos responsáveis por quadros respiratórios e excelente atvidade contra Mycobacterium tuberculosis. A droga é disponível em apresentação oral e parenteral, com biodisponibilidade superior ao ciprofloxacino. Há boa penetração liquórica, mesmo na ausência de inflamação meníngea, com níveis entre 50 e 60% da concentração sérica. As indicações clínicas são similares às da cipro floxacina, devendo-se ressaltar comparatvamente a menor resposta microbiológica e pouca atvidade contra Pseudomonas aeruginosa. Todavia, há boa resposta em uretrites e cervicites por clamídias. Deve ser reservada para o tratamento de cepas de Mycobacterium tuberculosis resistentes aos esque-
PRIN CIPAISANTIMICROBIANOS mas habituais. A dose é de 400 a 800mg/dia, dividida em 12/12h (VO/IV), com ajuste necessário para as funções renal e hepátca. d) Quinolonas respiratórias - Levofloxacino: a meia-vida da droga situa-se entre 6 e 8 horas, com apresentação da droga tanto oral como intravenosa, com eliminação predominantemente renal. A concentração liquórica, em torno de 16% da concentração sérica, é insuficiente para o tratamento de meningites bacterianas. O espectro de ação inclui patógenos Gram positvos (Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes, Staphylococcus aureuse Enterococcus faecalis), Gram negatvos (Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis, Escherichia coli, Salmonella spp, Shigella spp, Yersinia enterocolitca) e agentes como Legionella pneumophila, Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia spp. O levofloxacino está indicado, preferencialmente, nas infecções respiratórias (alta e baixa), uma vez que a concentração tecidual, principalmente nas primeiras 24 horas, é considerada bastante sa tsfatória, além da sensibilidade da maioria dos patógenos. Outras indicações incluem infecções do trato urinário, gastrintestnal e partes moles. A dose é de 500mg/dia em dose única, VO ou IV, com ajuste necessário para as funções renal e hepátca; alguns autores recomendam dose de 750mg/dia para pneumonias; - Gatfloxacino: apresenta amplo espectro de ação contra diversos patógenos Gram positvos, Gram negatvos (aeróbios e anaeróbios) e agentes a picos. As indicações incluem pneumonias comunitárias, exacerbações de bronquite crônica, sinusite aguda, infecções de pele, infecções do trato urinário (não complicadas), pielonefrite e infecções gonocócicas não complicadas. A dose é de 400mg/dia em dose única IV ou VO, com ajuste necessário para as funções renal e hepá tca. Estudos recentes demonstraram aumento de efeitos adversos cardiovasculares e metabólicos, por isso foi retrada do mercado; - Moxifloxacino: tem espectro semelhante ao do ga tfloxacino, e suas apresentações são VO e IV, com dose de 400mg/dia em dose única, com ajuste necessário para as funções renal e hepátca; - Gemifloxacino: espectro semelhante ao do levo floxacino, porém com ação antpneumocócica até 30 vezes mais potente in vitro.
F - Derivados da sulfa São inibidores da síntese do ácido fólico, por meio da inibição da atvidade da enzima diidropteroato-sintetase, com diminuição da síntese do ácido diidrofólico. Os principais agentes utlizados na prátca médica são a sulfadiazina e a associação do sulfametoxazol a uma diaminopirimidina, o trimetoprim (SMX-TMP). - Sulfametoxazol: na maioria das infecções, usam-se
800mg de SMX com 160mg TMP a cada 12 horas (IV ou IM), para pneumocistose, 75 a 100mg/kg dia de SMX e 15 a 20mg/kg/dia de TMP, com a dose dividida a cada 6 horas ou 8 horas por 21 dias. É necessário ajuste para as funções renal e hepá tca. O espectro de ação engloba cocos Gram positvos (sensibilidade variável), fungos como Pneumocysts jirovecii, protozoários como Isospora belli, micobactérias como Mycobacterium kansasii, Mycobacterium marinum e Mycobacterium scrofulaceum e espécies como Nocardia asteroides. O SMX-TMP é a medicação de escolha para pneumocistose, isosporíase e nocardiose. Habitualmente, é utlizado para infecções urinárias (baixas) não complicadas por agentes sensíveis, donovanose, legionelose, salmonelose, doença de Whipple (terapia combinada), alternatva para toxoplasmose e infecções por Stenotrophomonas maltophilia. Os efeitos adversos incluem reações gastrintestnais, como náuseas e vômitos, e também são descritas anemia aplástca, anemia hemolítca e megaloblástca. Podem ocorrer reações cutâneas com dermatte esfoliatva, Stevens-Johnson e necrólise epidêmica tóxica, principalmente em idosos, mas são raras; - Sulfadiazina: apresenta propriedades semelhantes às do sulfametoxazol e é utlizada, prioritariamente, no tratamento de paracoccidioidomicose e toxoplasmose, em doses e esquemas variados.
G - Glicopepdios Os glicopepdios são agentes bactericidas, que atuam inibindo a síntese e o agrupamento do peptdoglicano da parede celular e alterando a permeabilidade da membrana citoplasmátca e a síntese do RNA. Dentre as principais drogas da classe de glicopepdios, destacam-se a vancomicina e a teicoplanina. - Vancomicina: as principais indicações clínicas envolvem infecções por agentes e tológicos, como o Staphylococcus aureus metcilino-resistente, Enterococcus resistente à ampicilina, pneumococo resistente à penicilina, Clostridium difficile (colite induzida por uso de antmicrobianos) e Staphylococcus epidermidis (principalmente, em pacientes com dispositvos intravasculares, próteses e imunossuprimidos). A associação a aminoglicosídeos (gentamicina/estreptomicina) no tratamento de infecções por Enterococcus é utlizada para o tratamento em casos graves. A administração da vancomicina é realizada via intravenosa, reservando-se a via oral, exclusivamente, aos casos de colite por C. difficile. Atravessa a barreira hematoencefálica somente em meninges inflamadas. A dose habitual é de 15mg/kg/dia (habitualmente 2g/dia), dividida em habitualmente 12/12h, necessitando de ajuste para função renal, de preferência com a dosagem de vancomicina sérica. Pode causar ototoxicidade e reações cutâneas e, em casos extremos, evoluir com a síndro-
111
A IC D É M A IC ÍN L C
INFECTOLOGIA me do homem vermelho, caracterizada por prurido e exantema eritematoso. Nefrite interstcial e necrose tubular aguda podem ocorrer, assim como reações de anafilaxia e quadros reversíveis de neutropenia. A dosagem sérica em pacientes com insu ficiência renal é necessária, e a medicação em associação à rifampicina e aminoglicosídeos pode ser sinérgica contra alguns Gram positvos. Discute-se cada vez mais a correção da dose para obesos desta droga; - Teicoplanina: o mecanismo de ação, o espectro e a eliminação são semelhantes aos da vancomicina. Possui
Os efeitos adversos incluem aplasia de medula óssea, acometmento clínico raro podendo ocorrer a cada 60.000 pacientes. Como atravessa a placenta e é encontrada no leite, seu uso deve ser evitado em gestantes e lactantes. Recém-nascidos prematuros podem desenvolver síndrome cinzenta com distensão abdominal e cianose. São descritos náuseas, vômitos, diarreia, glossite e neurite óp tca. Recomenda-se hemograma completo com tratamento prolongado, para checar o desenvolvimento de citopenias.
meia-vida mais longa, e pode-se são utlizar dose únicaàsdiária intramuscular. As indicações semelhantes da vancomicina, com possibilidade de administração ambulatorial por ser dose única diária em apresentações intravenosa e intramuscular, e alternatva terapêutca para reações de hipersensibilidade à vancomicina. Não há passagem da droga pela barreira hematoencefálica, mesmo em meninges inflamadas. A dose habitual é de 400 a 800mg/dia em dose única IM ou IV, e não são necessários ajustes para a função renal ou hepá tca.
As tetraciclinas são antmicrobianos caracterizados pela presença do anel tetracíclico em sua estrutura molecular e apresentam ação bacteriostátca, pois agem inibindo a síntese proteica bacteriana. Ligam-se, de maneira reversível, à porção 30S do ribossomo, bloqueando a ligação do RNA transportador, impedindo a síntese proteica. As principais são a tetraciclina, a oxitetraciclina (ação curta) e a doxiciclina (ação longa). Na prátca clínica, utlizam-se, no nosso meio, a tetraciclina e a doxiciclina, respec tvamente, tetraciclinas de ação curta e longa, que serão discutdas conjuntamente. O espectro de ação inclui diversas bactérias aeróbias e anaeróbias, porém o surgimento de resistência e toxicidade determinou muitas restrições com relação às indicações clínicas, consttuindo alternatva terapêutca para muitas infecções. As indicações incluem doença de Lyme (Borrelia burgdorferi), brucelose (terapia combinada), granuloma inguinal (Calymmatobacterium granulomats), infecções por
H - Cloranfenicol/tanfenicol O antmicrobiano mais barato no mercado apresenta ação bacteriostátca, sendo atvo contra Gram negatvos e Gram positvos, incluindo anaeróbios. Sua ação acontece pela inibição da síntese proteica através da ligação à subunidade 50S ribossomal, levando à inibição da ação da peptdiltransferase e impossibilidade de formação do pepdio. O espectro de ação inclui bactérias Gram posi tvas aeróbias,
como estreptococos (pneumococo, Enterococcus, grupo viridans), Staphylococcus aureus (metcilino-sensível) e Staphylococcus epidermidis, Listeria monocytogenes e Corynebacterium diphteriae. Bactérias Gram negatvas, como Haemophilus influenzae, salmonelas, Shigella spp, Escherichia coli, Proteus mirabilis, Citrobacter spp e Klebsiella spp também apresentam sensibilidade. O cloranfenicol possui atvidade contra anaeróbios, como clostrídios e Bacteroides fragilis e outros patógenos, como clamídias, micoplasma, rickésia e bartonelas. Alguns micro-organismos, comoPseudomonas aeruginosa, Serrata marcescens, Providencia spp e Proteus regeri são, naturalmente, resistentes, enquanto algumas enterobactérias, Haemophilus, estreptococos, estafilococos e Bacteroides fragilisdesenvolvem resistência secundária à droga. A utlização do cloranfenicol é restrita a determinadas situações específicas, como abscesso cerebral (excelente penetração liquórica e atvidade contra anaeróbios), salmonelose e meningite por hemó filos em crianças. É e ficaz no tratamento de rickesioses (febre Q, febre maculosa, tfo epidêmico), bartoneloses e infecções por anaeróbios como Bacteroides fragilis (apendicite, pelviperitonite, aborto séptco, perfuração de vísceras, abscessos). A dose habitual é de 50 a 100mg/kg/dia, dividida em 6/6h, com ajuste necessário para as funções renal e hepá tca VO ou IV.
112
I - Tetraciclinas (tetraciclina e doxiciclina)
Chlamydia trachomats (linfogranuloma venéreo, tracoma), Chlamydia pneumoniae (pneumonias), Helicobacter pylori, molésta inflamatória pélvica aguda, rickesioses, espiroquetas (leptospirose e sífilis) e cólera. A dose habitual é de 1 a 2g/dia, dividida em 6/6h VO, para as tetraciclinas. A doxiciclina é usada em dose de 200mg/dia, dividida em 12/12 horas, sendo necessário ajuste para as funções renal e hepátca. Os efeitos adversos gastrintestnais são comuns com dispepsia, náuseas, vômitos. É possível pancrea tte, assim como retardo no desenvolvimento ósseo de crianças. Pode interferir na ação renal do hormônio antdiurétco.
J - Derivados imidazólicos O principal deles é o metronidazol, derivado do 5-nitroimidazólico, cujo mecanismo de ação é a inibição da replicação do DNA. É atvo contra a maioria dos anaeróbios Gram negatvos, incluindo Bacteroides e muitas espécies de Clostridium. Também é atvo contra vários protozoários e parasitas, incluindo Trichomonas vaginalis, Giardia lamblia e Entamoeba hystolitca. As indicações clínicas incluem perfuração intestnal, peritonites e pelviperitonites, apendicite perfurada, aborto séptco, abscessos (hepátco, cerebral etc.) e colite pseudomembranosa. O metronidazol também pode ser utlizado no tratamento combinado da úlcera por Helicobacter pylori e é o tratamento preferido para colite pseudomembranosa.
PRIN CIPAISANTIMICROBIANOS A dose habitual é: - Giardia: 750mg/dia (8/8h); - E. hystolitca: 1,5 a 2g/dia (8/8h); - Anaeróbios: 1,5 a 2g/dia (8/8h ou 12/12h), IV ou VO. A dose deve ser ajustada para insu ficiência renal grave e insuficiência hepátca. Os efeitos colaterais mais comuns são náuseas, vômitos, gosto metálico, neuropatas (raras) e efeito “antabuse”. É o único antbiótco que não pode ser administrado com álcool. Também não pode ser administrado junto com ritonavir (contém álcool na dissolução) ou dissul firam quando em associação com álcool. E ainda, interage com varfarina e não deve ser usado na gravidez e na lactação. O tnidazol é outro agente imidazólico mais potente que o metronidazol contraTrichomonas vaginalis.
K - Polimixinas As polimixinas são an tmicrobianos polipepdios com mecanismo de ação distnto dos demais antmicrobianos utlizados atualmente. Dessa forma, a possibilidade de resistência cruzada com outros antmicrobianos é muito remota, permitndo que as polimixinas sejam atvas contra muitas espécies de bactérias multrresistentes. As polimixinas interagem com a molécula de polissacarídeo da membrana externa das bactérias Gram negatvas, retrando cálcio e magnésio, necessários para a estabilidade da molécula de polissacarídeo. Esse processo é independente da entrada do antmicrobiano na célula bacteriana e resulta em aumento de permeabilidade da membrana com rápida perda de conteúdo celular e morte da bactéria. - Colistna: é o principal agente do grupo, sendo um derivado da polimixina E. Apresenta pouca a tvidade antmicrobiana, mas, no organismo humano, é hidrolisada liberando a polimixina E, que é a tva. O espectro inclui quase todos os bacilos Gram negatvos aeróbios, incluindo Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella spp, Enterobacter spp, Salmonella spp, Shigella spp e outros. Está voltando a ser muito usada para o tratamento de bactérias Gram negatvas multrresistentes, todavia possui atvidade contra Proteus spp, Providencia spp e Serrata spp. A medicação apresenta efeitos colaterais, sendo o principal nefrotoxicidade, mas pode levar, ainda, a bloqueio neuromuscular, neurotoxicidade e alteração da coloração da pele (cor cinzenta). Pode ser administrada por via intravenosa ou intramuscular. A dose habitual é de 2,5mg/kg/dia, em 2com doses (máximo: 300mg/dia, em médiadividida 200mg/dia), ajuste de dose necessário para a função renal (1 milhão de unidades = 33,3mg); - Polimixina B: tem o mesmo espectro da colistna.
L - Oxazolidinonas As oxazolidinonas compreendem uma nova classe de drogas lançada no mercado brasileiro em 2000, como op-
ção aos glicopepdios para tratamento de cocos Gram positvos resistentes à vancomicina. O único representante dessa classe é a linezolida. - Linezolida: age por intermédio da inibição da síntese proteica, por fixar-se na subunidade 50S do ribossomo. É bacteriostátca contra a maioria dos micro-organismos sensíveis, e o espectro de ação abrange Staphylococcus aureus (mesmo resistentes a metcilina), estafilococos coagulase-negatvo, Streptococcus pneumoniae, Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis. Não há ação contra a maioria dos patógenos Gram netvos. Aé administração ga pode ser VO IV, e a dose habitual de 1.200mg/dia, dividida de ou 12/12h.
M - Estreptograminas As estreptograminas incluem a combinação quinupristna e dalfopristna e são dos grupos B e A. A medicação realiza a inibição da síntese proteica por meio de ação sobre o ribossomo e são bacteriostátcas isoladamente. In vitro, a associação é sinérgica e bactericida. O espectro de ação dessa associação inclui Enterococcus faecium, Staphylococcus spp, Streptococcus pneumoniae, portanto, infecções por cocos Gram positvos. É importante salientar que não possui boa atvidade contra Enterococcus faecalis. É considerada uma alternatva terapêutca contra infecções por agentes sensíveis em pacientes com intolerância a outras drogas, ou por agentes resistentes a glicopepdios e penicilinas. Seu uso é IV, e a dose habitual, de 22,5mg/kg/ dia, dividida de 8/8h.
2. Antfúngicos A - Azóis A família dos azóis pode ser dividida em 2 grupos: os imidazóis (clotrimazol, cetoconazol, miconazol) e os triazóis (fluconazol, itraconazol, voriconazol, posaconazol). Atuam, primariamente, inibindo a enzima lanosterol 14-alfa-dimetlase, que é citocromo P-450-dependente e necessária para a conversão do lanosterol em ergosterol. Este úl tmo é um componente essencial da membrana celular dos fungos, de modo que ocorre aumento de permeabilidade da membrana celular fúngica, resultando em lise e morte celular. a) Imidazóis Os imidazóis têm atvidade contra leveduras e dermatófitos e são efetvos contra Candida albicans, embora não sejam atvos contra outras espécies de Candida. O cetoconazol apresenta, também, atvidade contra Malassezia furfur, Pityrosporum orbiculare e Paracoccidiodes brasiliensis. Clotrimazol Os pacientes com essa medicação devem ter função hepátca monitorizada no início e durante o tratamento, pois -
113
A IC D É M A IC ÍN L C
INFECTOLOGIA existem relatos de hepatotoxicidade. Efeitos gastrintes tnais leves também podem ocorrer, e o uso da medicação tópica pode causar prurido, queimação ou irritação local. As doses utlizadas são: Candidíase orofaríngea: 10mg VO, 5x/dia, por 14 dias; Candidíase cutânea, pitríase versicolor, tnea pedis, tnea cruris e tnea corporis: creme, loção ou solução a 1%, aplicar 2x/dia, durante 2 semanas, no mínimo.
• •
•
•
•
•
Miconazol A formulação tópica é utlizada para tnea pedis, tnea cruris, tnea corporis, pi tríase versicolor e candidíase cutânea. Deve ser aplicada 2x/dia, com melhora dos sintomas em torno de 2 dias após o início do tratamento que, no entanto, deve ser mantdo por um mínimo de 2 semanas. A dose para o tratamento IV varia de 200 a 1.200mg por infusão até 3x/dia, chegando a uma dose total diária de até 3.600mg, a depender da severidade da infecção e da suscetbilidade do micro-organismo causador. O tempo de tratamento varia de 2 a 20 semanas, e pode ser necessário um novo tratamento por recidiva ou reinfecção. -
Cetoconazol O creme a 2% é indicado no tratamento de tnea pedis, tnea cruris, tnea corporis, pitríase versicolor, dermatte seborreica, candidíase cutânea, e deve ser aplicado 1x/dia nas áreas afetadas. O tratamento dura 2 semanas, à exceção da tnea pedis, que deve ser tratada por 6 semanas. O xampu a 2% pode ser u tlizado no tratamento da caspa e deve ser aplicado 2 vezes por semana, durante 4 semanas. O tratamento via oral está indicado em candidíase mucocutânea crônica, candidúria, candidíase oral, blastomicose, histoplasmose, cromomicose e paracoccidioidomicose. A documentação da infecção fúngica deve ser feita antes do início do tratamento. A dose inicial é de 200mg, 1x/dia, e o tratamento deve ter duração de 1 a 2 semanas para candidíase e de, no mínimo, 6 meses para as outras micoses. Pacientes com candidíase mucocutânea podem necessitar de tratamento de manutenção. O cetoconazol não deve ser u tlizado para meningites fúngicas, pois tem baixa penetração no SNC. Efeitos adversos incluem náuseas, vômitos e diarreia. Além disso, há relatos de hepatotoxicidade, e testes de função hepátca devem ser solicitados no início e a cada 3 meses de tratamento, e o tratamento prolongado em homens pode levar ao desenvolvimento de ginecomasta. -
b) Triazóis Fluconazol Está indicado em caso de candidíase vaginal, esofágica e infecções sistêmicas por cândida, e também está aprovado para uso em meningite criptocócica. Encontra-se disponível em formulação oral e intravenosa, atngindo até 90% de biodisponibilidade quando administrado por via oral. As doses utlizadas são: -
114
•
•
•
Candidíase vaginal: 150mg VO, dose única; Candidíase orofaríngea: dose de ataque de 200mg, seguida de dose diária de 100mg por, pelo menos, 2 semanas; Candidíase esofágica: dose de ataque de 200mg, seguida de dose diária de 100mg por 2 a 3 semanas, no mínimo, ou 2 semanas após a resolução dos sintomas. A critério clínico, podem ser u tlizadas doses de até 400mg/dia; Infecção urinária e peritonite por Candida: a dose utlizada é de 50 a 200mg/dia; Infecções sistêmicas por Candida: a dose e a duração ideal do tratamento não estão bem estabelecidas. No entanto, a dose de 400 a 800mg tem sido utlizada em estudos não comparatvos; Meningite criptocócica: 400mg no 1º dia, seguidos por 200 a 400mg diários, por 10 a 12 semanas após a negatvação da cultura do liquor (mas lembrar que o ataque deve ser feito com anfotericina); Profilaxia em transplante de medula óssea: 400mg/dia, contnuar até 7 dias após a 1ª contagem de neutrófilos >1.000.
Os efeitos adversos são, principalmente, gastrintestnais, incluindo náusea, dor abdominal, vômitos e diarreia. Também podem ocorre alterações de função hepá tca. Itraconazol Apresenta atvidade in vitro contra os seguintes micro-organismos: Candida albicans, Aspergillus fumigatus, Aspergillus flavus, Histoplasma capsulatum, Histoplasma duboisii, Cryptococcus neoformans e Blastomyces dermatdis. Tem atvidade variável contra Sporothrix schenkii, fungos do grupo Trycophiton, Candida krusei e outras espécies de Candida. Está indicado em candidíase, aspergilose, blastomicose, tnea unguium e histoplasmose. A dose utlizada no tratamento de aspergilose, histoplasmose, blastomicose e como terapia empírica para neutropenia febril é de 200mg IV em 1 hora, de 12/12 horas por 4 dias, seguida de 1 dose diária de 200mg até o final do tratamento. O tempo total da terapia antfúngica (venosa + oral) deve ser de, no mínimo, 3 meses, utlizando parâmetros laboratoriais e clínicos de resolução. A formulação intravenosa não deve ser u tlizada em pacientes com clearance de creatnina menor do que 30mL/min. Está associado a raros casos de hepatotoxicidade fulminante, inclusive pacientes sem comorbidades ou disfunção hepátca prévia. A função hepátca deve ser monitorizada antes do início do tratamento e durante todo o período de uso da droga. Outros efeitos relatados são náuseas, vômitos, diarreia, rash cutâneo, tonturas e cefaleia. No Brasil, só se apresenta como formulação em cápsulas, com grandes problemas de absorção intestnal. -
Voriconazol Apresenta ação fungicida para a maior parte das espécies de Aspergillus, incluindo A. terreus. É a droga de esco-
PRIN CIPAISANTIMICROBIANOS lha para o tratamento inicial de aspergilose invasiva após estudo randomizado publicado em 2002, em que mostrou superioridade de resposta e redução de mortalidade em relação ao deoxicolato de anfotericina B. Também é agente de 1ª escolha para infecções por S. apyospermum. É atvo contra todas as espécies de Candida e eficaz em candidíase esofágica, inclusive em doença refratária ao uso de fluconazol. Possui excelente atvidade in vitro contra Cryptococcus neoformans, sendo também atvo contra Fusarium, Paecylomices, Bipolaria, Alternaria, Histoplasma capsulatum, Blastomyces dermatdis, Coccidioides immits, Trichosporon asahii e Sacharomyces cerevisiae. Pode ser administrado via oral ou intravenosa, com disponibilidade de até 95% quando utlizado em jejum. Deve ser utlizada uma dose de ataque de 6mg/kg (VO ou IV) seguida de doses de 4mg/kg a cada 12 horas. Não deve ser administrado intravenoso a pacientes com clearance de creatnina menor que 50mL/min. A dose de manutenção oral é de 200mg/dose para pacientes com mais de 40kg e de 100mg para pacientes adultos com menos de 40kg. Em indivíduos com insuficiência hepátca de grau leve a moderado, a dose inicial deve ser a mesma, e a dose de manutenção reduzida à metade. Não existem estudos que demonstrem a segurança do voriconazol em pacientes com insuficiência hepátca severa. O efeito colateral mais comum é uma alteração ocular chamada fotopsia, que ocorre em até 30% dos pacientes. Rash cutâneo é o 2º efeito mais comum, geralmente de característca maculopapular. No entanto, já foram descritas reações severas, como síndrome de Stevens-Johnson e epidermólise tóxica. Todos os azóis causam hepatotoxicidade. Contudo, o voriconazol parece estar associado a um risco maior. A hepatotoxicidade pode manifestar-se, mais comumente, por elevação das transaminases, mas alguns pacientes manifestaram, primariamente, elevação de fosfatase alcalina. A função hepátca deve ser monitorizada antes do início do tratamento, nas primeiras 2 semanas, e a cada 2 ou 4 semanas depois. Elevações assintomátcas de transaminases são comuns e podem ser monitorizadas. Posaconazol Recentemente aprovado para uso no Brasil, entrou em comercialização no 2º semestre de 2010. É um azólico mais recente, assim como o voriconazol, mas com a vantagem de não ter correção para função renal e não tem hepatotoxicidade tão descrita quanto o voriconazol. Tem como indicações: Aspergilose invasiva em doentes com doença refratária à anfotericina B ou a itraconazol ou em doentes com intolerância a estes medicamentos; -
•
•
•
Fusariose em doentes com doença refratária à anfotericina B ou em doentes com intolerância a anfotericina B; Cromoblastomicose e micetoma em doentes com doença refratária a itraconazol ou em doentes com intolerância a itraconazol;
•
•
Coccidioidomicose em doentes com doença refratária a anfotericina B, o itraconazol ou ofluconazol, ou em doentes com intolerância a estes medicamentos; Candidíase orofaríngea: como terapêu tca de 1ª linha em doentes com doença grave ou imunodeprimidos, nos quais se espera uma fraca resposta a uma terapêutca tópica.
Existe apenas apresentação oral deste medicamento, o que dificulta o uso nas situações em que não há boa absorção no trato gastrintestnal. Por este motvo, sua dose precisa ser corrigida caso não seja administrado com alimentos, com necessidade de aumento da dose. A dose recomendada é de 400mg VO 12/12h para infecções fúngicas invasivas (ou 200mg 5x/dia se não administrado com alimentos); para candidíase esofagiana 200mg 1x/ dia no 1º dia e após 100mg por dia. Por últmo, sendo usado como profilaxia para doenças fúngicas invasivas 200mg 3x/ dia.
B - Anfotericina B A anfotericina B compreende um agente antfúngico de amplo espectro, cuja ação se baseia na afinidade da droga por esteróis, principalmente o ergosterol, levando a alterações na síntese da parede celular do fungo. Apresenta atvidade contra uma grande variedade de fungos, entre eles Candida spp, Aspergillus spp, Histoplasma capsulatum, Cryptococcus neoformans, Sporothrix schenkii, Coccidioides immits e Blastomyces dermatdis. O uso das formulações lipídicas tem sido indicado, preferencialmente, no caso de: - Pacientes com insu ficiência renal ou que desenvolveram insuficiência renal após o uso da anfotericina B convencional (creatnina >2,5 ou 3 vezes o valor de base); - Efeitos severos durante a infusão (resistentes à pré-medicação com cortcoides ou antemétcos); - Ausência de melhora ou progressão da doença após >500mg de dose cumulatva de anfotericina B; - A anfotericina B lipossomal é aprovada pelo FDA como terapia empírica para pacientes neutropênicos com febre persistente, apesar de terapia antmicrobiana ampla. A dose usual da anfotericina B para micoses sistêmicas é de 0,5 a 1,0mg/kg/dia em dose única (de preferência não ultrapassar a dose de 50mg/dia), administrada em infusão lenta (de 2 a 6 horas). Doses maiores são u tlizadas no tratamento de mucormicose e meningite por Coccidioides. A dose das formulações associadas a lipídios varia entre 3 e 5mg/kg de dose diária. A anfotericina B lipossomal tem dose variável de acordo com a indicação: - Tratamento empírico:3mg/kg/dia;
115
A IC D É M A IC ÍN L C
INFECTOLOGIA Infecção sistêmica por Aspergillus, Candida ou Cryptococcus: de 3 a 5mg/kg/dia; - Meningite criptocócica em pacientes HIV posi tvos: 6mg/kg/dia. -
Os efeitos adversos mais comuns incluem febre, rash, náusea, vômitos e calafrios. A anfotericina B lipossomal possui menor toxicidade relacionada à infusão do que as outras formulações. No ano de 2010, a anfotericina, apresentação deoxicolato, deixou de ser fabricada no Brasil, restando apenas as apresentações têm um custo muito superior,lipídicas. o que difiEstas cultaapresentações o seu uso, e favoreceu a disseminação de azólicos mais novos (voriconazol e posaconazol) e ainda equinocandinas. No entanto, para algumas doenças como a neurocriptococose, o tratamento ideal ainda se mantém com anfotericina.
C - Flucitosina A 5- flucitosina, após reação de desanimação formando o 5-fluorouracil, depois de entrar pela parede celular do fungo, interfere na síntese do DNA atuando como fungistátco ou fungicida, dependendo do micro-organismo envolvido. Apresenta uma alta taxa de resistência secundária, o que limita seu uso como monoterapia, está indicada no tratamento de infecções graves por cepas susce veis de Candida ou Cryptococcus, em combinação com a anfotericina B, e pode ser utlizada isoladamente no tratamento de cromomicose e em candidíase localizada, em que as drogas de escolha (os azóis) estejam contraindicadas. No entanto, mesmo nesses casos, o surgimento de resistência pode ocorrer, e a evolução clínica deve ser cuidadosamente observada. A dose utlizada varia entre 50 e 150mg/kg/dia VO (em média, 100mg/kg/dia) em 4 doses, com intervalo de 6 horas. Os níveis séricos da droga devem ser monitorizados em pacientes que recebem mais de 75mg/kg/dia por período prolongado, em crianças e pacientes com insu ficiência renal, sendo a concentração sérica ideal de 40 a 60mcg/mL. Se a dosagem do nível sérico não for disponível, o ajuste para insuficiência renal poderá basear-se no clearance de creatnina: - >50mL/min: sem alteração; - 20 a 50mL/min: 1/2 da dose usual (25mg/kg, 12/12h); - <20mL/min: 1/4 da dose (25mg/kg, 1x/dia); -
Hemodiálise: 1/2 da dose usual como suplemento pós-diálise; - Diálise peritoneal connua: 500mg a 1g, a cada 24 horas. Não é necessário ajuste da dose no caso de insuficiência hepátca. Deve ser solicitado hemograma completo no início do tratamento, e este repe tdo de 2 a 3 vezes por semana, caso os níveis séricos da flucitosina não possam ser
116
monitorizados, pois a toxicidade hematológica é um indício precoce de superdosagem. Efeitos colaterais são principalmente hematológicos e podem ocorrer anemia, trombocitopenia e até agranulocitose. Outros efeitos observados são rash, prurido, fotossensibilidade, ataxia, vertgem, alterações auditvas, alteração de enzimas hepátcas, insuficiência hepátca, confusão mental, alucinações, convulsões, hipoglicemia, hipocalemia, reações alérgicas.
D - Caspofungina A caspofungina pertence ao grupo das equinocandinas, drogas que inibem a síntese da beta-1, 3-glucan, que é um importante complexo responsável por formar a parede celular dos fungos. O componente principal da anidulafungina, o 1º dos antfúngicos dessa classe, foi descoberto em 1974, e o principal componente do caspofungina foi, por sua vez, descoberto em 1989. Outros componentes da classe foram descobertos posteriormente. As equinocandinas inibem a síntese do beta-(1,3)-D-glicano na parede celular de alguns fungos, levando à lise e morte celular. Essas medicações interferem na síntese de UDP-glucosiltransferase, responsável por produzir cadeias que formam grande parte da parede celular de espécies como Candida e Aspergillus, com menor atvidade contra outras espécies de fungos. A caspofungina é a tva contra Pneumocysts jiroveci (P. carinii), mas não foi desenvolvida para essa indicação. O espectro an tfúngico dessa classe é restrito a Candida e Aspergillus, são fungicidas in vitro e in vivo contra quase todas as espécies de Candida e fungistá tco contra os fungos Aspergillus. A concentração inibitória mínima necessária para os agentes dessa classe é bem menor em comparação com a anfotericina e o fluconazol em todas as espécies de Candida, exceto para C. parapsilosis e C. guilliermondi , em que existe igualdade de valores. No caso do Aspergillus, a inibição de crescimento ocorre com concentrações muito pequenas, menor em comparação com outros an tfúngicos. A medicação não é absorvida por via oral. A dose de ataque da caspofungina é de 70mg IV em 1 hora, seguida de uma dose diária de 50mg. A infusão pode ser administrada mais lentamente no caso de alguma reação adversa. As equinocandinas têm baixa toxicidade em comparação com outros antfúngicos. Reações à infusão, como febre, calafrios e flushing acontecem em menos de 1% dos pacientes e podem ser minimizados reduzindo a velocidade de administração. A função hepátca deve ser monitorizada antes do início do tratamento, nas primeiras 2 semanas e a cada 2 ou 4 semanas depois. Recentemente, outras equinocandinas entraram no mercado brasileiro, que são a anidulafungina e a micafungina. Em geral, tem o mesmo espectro de ação que a caspofungina, com pequenas partcularidades entre si.
PRIN CIPAISANTIMICROBIANOS Tabela 2 - Classes de antfúngicos e seus representantes Classe
Subclasse
Antfúngico - Cotrimazol;
Imidazóis
- Cetoconazol.
** Alguns autores recomendam iodoquinol e paromicina para erradicar cistos. *** Em malária grave, é recomendado o uso de artesunato intravenoso.
- Voriconazol; - Posaconazol.
Flucitosina
5-
Anfotericina
- Anfotericina B deoxicolato; - Anfotericina B lipossomal.
flucitosina.
- Caspofungina; - Anidulafungina; - Micafungina.
3. Antparasitários A Tabela a seguir sumariza o tratamento das principais parasitoses. Tabela 3 - Tratamento das principais parasitoses Agente Ancilostomíase
Tratamento de escolha
Alterna tva
- Mebendazol.
- Albendazol; - Pamoato de pirantel.
- Albendazol (eficaz em quase 100% dos
- Levamisol; - Pamoato de pirantel;
casos). - Metronidazol; - Tinidazol.
- Mebendazol.
Cistcercose
-Albendazol.
- Praziquantel.
Enterobíase
- Albendazol; - Mebendazol.
- Pamoato de pirantel.
Esquistossomose
- Praziquantel.
- Oxamniquina.
Estrongiloidíase
- Ivermectna; - Tiabendazol.
- Albendazol; - Cambendazol.
Tricuríase
-Albendazol.
-Mebendazol.
Giardíase
- Metronidazol; - Albendazol.
- Tinidazol; - Furazolidona.
Teníase
- Praziquantel.
- Niclosamida; - Albendazol; - Mebendazol.
Himenolepsíase
- Praziquantel.
- Niclosamida.
Toxocaríase
- Dietlcarbamazina; - Albendazol.
- Mebendazol.
Malária por P. falciparum***
- Mefloquina.
- Quinino e doxiciclina.
Ascaridíase* Amebíase**
Malária por P. - Cloroquina e primavivax e ovale quina.
- Anfotericina B e pentamidina.
tnal.
- Itraconazol;
Equinocandinas
Alterna tva
* Piperazina e óleo mineral em pacientes com obstrução intes-
- Fluconazol; Triazóis
Tratamento de escolha
- Antmoniais pentavaLeishmaniose lentes.
- Miconazol;
Azóis
Agente
Malária por - Quinino e doxiciclina infecção mista ou clindamicina.
- Emetna.
-
A - Albendazol A medicação leva à degeneração seletva dos microtúbulos citoplasmátcos do intestno e tegumento dos parasitas, e é utlizada no tratamento de helminases intestnais incluindo ascaridíase, ancilostomose, teníase, hidatdose, estrongiloidíase, cistcercose e tricuríase. A maioria das helminases intestnais é tratada com 400mg VO, em dose única, e a neurocistcercose é tratada com dose de 15mg/ kg/dia ou 400mg, dividida em 2 tomadas diárias.
B - Tiabendazol O tabendazol age por meio de inibição mitocondrial específica, sendo indicado para tratamento da estrongiloidíase e larva migrans. A dose é de 50mg/kg/dia, até dose máxima de 3g, por 2 a 5 dias. Em caso de larva migrans visceral, deve-se manter tratamento por 7 dias.
C - Pamoato de pirantel O pamoato de pirantel age por meio do bloqueio neuromuscular do parasita e é indicado para tratamento da enterobíase, ascaridíase e ancilostomíase. A posologia usual é de 500mg a 1g em adultos ou de 11mg/kg em crianças, em dose única.
D - Ivermectna A ivermectna age aumentando a permeabilidade da membrana celular a íons cloreto, levando à hiperpolarização de células musculares e nervosas, e à morte do parasita. É indicada para tratamento da oncocercose, filariose, estrongiloidíase e escabiose. A dose é de 0,15mg/kg no tratamento da oncocercose e de 0,2 a 0,4mg/kg nos outros casos em dose única VO.
E - Levamisol Medicação com ação imunomoduladora, impedindo crescimento celular em células específicas, o levamisol é indicado para tratamento da ascaridíase e pode ser usado no tratamento de ancilostomíase e estrongiloidíase. Além disso, é utlizado em dose única de 80 ou 150mg VO (em crianças, 80mg).
F - Mebendazol O mebendazol age bloqueando a captura de glicose e nutrientes pelos parasitas e é indicada para tratamento da
117
A IC D É M A IC ÍN L C
INFECTOLOGIA ascaridíase, ancilostomíase, oxiuríase, tricuríase, hidatdose e larva migrans. A dose recomendada é de 100mg, de 12/12 horas, por 2 dias.
G - Artemisina Agente antmalárico que se liga com o ferro do pigmento do Plasmodium e produz radicais livres que dani ficam as proteínas do parasita, é indicado para o tratamento do Plasmodium falciparum resistente à cloroquina no paciente com malária grave. A adição de artesunato por 3 dias está associada à diminuição de falhas terapêu tcas, como demonstrado em meta-análise recente. Deve ser usada em combinação com doxiciclina ou clindamicina, pois, caso contrário, recidivas são comuns.
H - Oxamniquina A oxamniquina age por alterações no tegumento do parasita após 4 a 8 dias de tratamento e diminui a deposição de ovos pelo Schistossoma. É indicada para o tratamento da esquistossomose, e a dose recomendada é de 12 a 15mg/ kg, em dose única.
I - Antmônios pentavalentes: antmoniato de metlglucamina e estbogluconato de sódio São usados para o tratamento da leishmaniose. O modo de ação não é conhecido, mas se concentra no sistema retculoendotelial, e parece afetar o metabolismo do parasita. A dose é de 20mg/kg/dia em leishmaniose visceral, e 15 a 20mg/kg em leishmanioses cutâneas e cutâneo-mucosas, uso intravenoso por 15 dias ou 2 vezes por semana, por 5 semanas. Deve-se usar em bolus lento, ou diluir em SG a 5% e administrar em 20 minutos. O es tbogluconato de sódio não é disponível no país.
J - Cambendazol Com ação semelhante ao tabendazol, o cambendazol é usado para o tratamento da estrongiloidíase. A medicação é usada em dose única, 5mg/kg.
K - Dietlcarbamazina Medicação derivada da piperazina, usada para tratamento de toxocaríase,filariose e oncocercose, em dose de 2mg/ kg VO, 3x/dia, por 10 dias como tratamento da toxocaríase.
L - Emetna Agente alcaloide com ação emetzante e propriedades tóxicas a alguns micro-organismos, como a Entamoeba hystolitca. A dose é de 1mg/kg/dia com dose máxima de 60mg/dia, divididos em 2 doses IM ao dia, por 5 dias.
M - Furazolidona A medicação inibe uma série de reações enzimá tcas. É utlizada, principalmente, para o tratamento da giardíase,
118
mas também amebíase, tricomoníase e, eventualmente, salmoneloses e shigeloses. Adultos: 400mg/dia; maiores de 5 anos: entre 100 e 200mg/dia. Tais doses são em 4 tomadas de 1 mês a 5 anos, entre 32 e 100mg/dia.
N - Mefloquina A mefloquina possui ação semelhante à do quinino, utlizada para o tratamento do Plasmodium falciparum em dose de 1.000mg/dia ou 25mg/kg, em dose única.
O - Niclosamida A niclosamida age por alteração da oxidação fosforilatva e atvação do ATP mitocondrial com ação parasi tcida. É indicada para o tratamento da teníase e da himenolepíase, em dose única de 2g VO e, na himenolepíase, uso por 7 dias.
P - Piperazina A piperazina age impedindo a ação da acetlcolina, levando a bloqueio neuromuscular no parasita. A posologia para ascaridíase é de 75mg/kg por 2 dias, repetndo a dose em 2 semanas. Na oxiuríase, a dose é de 65mg/kg/dia, por 7 dias. Sua principal indicação é na oclusão intestnal por bolos de áscaris, devendo-se administrar óleo mineral ou outro laxatvo 2 horas antes.
Q - Pirimetamina A pirimetamina age inibindo a diidrofolato-redutase, resultando em diminuição da síntese do ácido fólico. É indicada para tratar toxoplasmose, pneumocistose e isosporíase. Na toxoplasmose cerebral em pacientes com AIDS, a dose de ataque é de 200mg e, posteriormente, 50 a 75mg diários por 14 a 21 dias; após 3 a 8 semanas, pode-se tentar reduzir a dose para 25mg/dia. Associa-se à sulfadiazina, 2 a 6g/dia, divididos em 4 doses diárias.
R - Praziquantel O praziquantel age aumentando a permeabilidade ao cálcio nos esquistossomos, levando a fortes contrações musculares e paralisia da musculatura do parasita. É indicada para tratar esquistossomose, teníase, cis tcercose e himenolepsíase. Na esquistossomose, a dose é de 40 a 75mg/kg/dia, dividida de 12/12 horas, por 1 dia. Na teníase, 5 a 10mg/ kg, dose única (máximo de 600mg) e, na cis tcercose, 50 a 60mg/kg, dividida de 8/8 horas, por 14 dias. Podem-se usar cortcosteroides nos primeiros dias, para diminuir a reação inflamatória.
S - Primaquina A primaquina age rompendo a mitocôndria e liga-se ao DNA dos plasmódios. Serve para o tratamento de Plasmodium vivax e Plasmodium ovale, na dose de 0,25mg/dia, por 14 dias.
PRIN CIPAISANTIMICROBIANOS
T - Quinino
C - Fanciclovir
O quinino age diminuindo a captura de oxigênio e o metabolismo de carboidratos, e é indicado ao tratamento do Plasmodium falciparum resistente à cloroquina. A dose de ataque é de 20mg/kg e, depois, 10mg/kg, de 8/8 horas na malária grave. Diante melhora do quadro clínico, pode-se passar para o uso oral. A medicação deve ser diluída em solução glicosada e infundida lentamente. O uso oral se dá por meio do sulfato de quinino, 650mg, de 8/8 horas, por 3 a 10 dias, associando-se à clindamicina (900mg, a cada 8 horas) ou a doxiciclina (200mg/dia).
O fanciclovir é um agente oral atvo contra VZV, HSV e EBV que inibe a HSVG-2 polimerase. É indicado para o tratamento de herpes-zóster agudo e para os episódios iniciais ou recorrentes de infecção por HSV genital. Sua e ficácia para outras infecções herpétcas não foi bem estabelecida. São esquemas posológicos: - Herpes-simples: 250mg VO, a cada 8 horas, por 5 a 7 dias; - Herpes-zóster: 500mg, a cada 8 horas, por 7 dias.
U - Tinidazol Agente citotóxico que causa dano ao DNA, o tnidazol é utlizado para o tratamento de giardíase, amebíase e tricomoníase. Os esquemas posológicos são: - Amebíase: 50 a 60mg/kg/dia, por 3 a 5 dias; - Giardíase: 30 a 50mg/kg/dia em dose máxima de 2g/ dia em dose única.
4. Antvirais Os agentes antvirais suprimem a replicação viral; a restrição ou eliminação viral exige uma resposta imunológica intacta do hospedeiro.
A - Aciclovir O aciclovir inibe a síntese de DNA e replicação viral por compe a desoxiguanosina trifosfato. É a tvo contra tção com o vírus herpes-simples (HSV) e o vírus varicela-zóster (VZV), mas não tem efeito nos herpes-vírus latentes. É indicado para o tratamento do herpes genital primário e recorrente, da estomatte herpétca grave e da encefalite por herpes-simples. Não há um consenso sobre a terapia an tviral das infecções não complicadas por VZV nos adultos normais, entretanto pneumonites por varicela-zóster disseminado e herpes-zóster oálmico são indicações para terapia com aciclovir. Pode ainda ser utlizado em infecções por citomegalovírus. Os esquemas posológicos são: - Herpes-simples: 200mg, 5x/dia, por 10 dias; - Herpes-zóster: 800mg, 5x/dia, por 10 dias; - Encefalite herpétca: 10mg/kg IV, a cada 8 horas, por 10 a 14 dias; - Zóster grave em paciente imunodeprimido: 10 a 12mg/kg, a cada 8 horas, por 7 a 14 dias.
B - Amantadina e rimantadina
D - Foscarnete O foscarnete é um inibidor compettvo de muitas das polimerases do RNA/DNA viral, indicado para re tnite por CMV nos pacientes com AIDS. Esse agente é uma alternatva aos pacientes imunocomprometdos com infecções por CMV, nos quais a terapia com ganciclovir não é efe tva, ou que não podem tolerá-lo. Também pode ser ú tl aos pacientes com infecções graves decorrentes de VZV ou HSV resistentes ao aciclovir e CMV resistente ao ganciclovir. Nefrotoxicidade ocorre em até 30% dos pacientes tratados com foscarnete. A dose utlizada é de 60mg/kg, a cada 8 horas, por 14 a 21 dias. Realizar a infusão em 1 hora.
E - Ganciclovir O ganciclovir age inibindo a síntese do DNA viral, sendo consideravelmente mais atvo que o aciclovir contra CMV EBV. Sua capacidade para inibir HSV e VZVda é equivalente àe do aciclovir. É indicado para o tratamento re tnite por CMV nos pacientes imunocomprometdos e pode ser útl na terapia de outras doenças por CMV. A dose é de 2,5 a 5mg/ kg, a cada 8 horas, por 14 a 21 dias.
F - Valaciclovir A medicação é convertda pelo fgado em aciclovir e usada por via oral e com as mesmas indicações deste. São esquemas posológicos: - Herpes genital e herpes-simples: 1g, a cada 12 horas, por 7 dias; - Herpes-zóster: 1g, a cada 8 horas, por 7 dias.
G - Oseltamivir Agente relatvamente recente, inibidor da neuramidase dos vírus, indicado para tratamento de gripe ou de influenza em adultos, eficaz se há menos de 2 dias de sintomas. A dose é de 75mg, 2x/dia, durante 5 dias.
Bloqueiam uma etapa inicial na replicação do vírus influenza A e podem ser u tlizadas pelos pacientes que correm alto risco de complicações (imunocomprometdos, ido-
sos e aqueles com doença pulmonar ou cardíaca) quando têm influenza. A dose é de 100mg VO, a cada 12 horas, ou 200mg/dia.
119
A IC D É M A IC ÍN L C
CARDIOLOGIA CARDIOLOGIA
CAPÍTULO
1
Parada cardiorrespiratória José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução Nenhuma situação clínica supera a prioridade de atendimento da parada cardiorrespiratória (PCR). A rapidez e a eficácia das intervenções adotadas são cruciais para o bom resultado do atendimento. Dados obtdos pelo DATASUS apontam que 35% das mortes no Brasil são de causas cardiovasculares, que perfazem 300.000 casos anuais. Nos Estados Unidos, estma-se que 250.000 mortes súbitas por ano ocorram por causa coronariana. A PCR é desencadeada, na sua grande maioria, por ocorrência de fibrilação ventricular associada a evento isquêmico miocárdico ou a distúrbio elétrico primário. O sucesso na ressuscitação cardiopulmonar depende da rapidez com que se atva a nova cadeia de sobrevida (Figura 1), que consiste em acesso rápido ao sistema de emergência, ressuscitação cardiopulmonar, desfibrilação precoce, suporte avançado de vida eficaz e cuidados pós-PCR.
Figura 1 - Cadeia da sobrevida
Em 2010, foi publicado o novo consenso da American Heart Associaton, que determinou algumas mudanças significatvas, descritas a seguir: - A RCP deve ser iniciada imediatamente se a ví tma não responde e não respira. A avaliação do pulso não é mais recomendada; a RCP deve ser iniciada imediatamente com as compressões torácicas em vez de abrir as vias aéreas e iniciar a respiração ar tficial; todos os
120
socorristas, treinados ou não, devem fornecer as compressões torácicas às vítmas de parada cardíaca; - A ênfase no fornecimento de compressões torácicas de alta qualidade contnua a ser essencial: os socorristas devem comprimir o tórax sobre superfcie rígida determinando uma depressão de 5cm no esterno, a uma frequência mínima de 100 compressões por minuto, tndo o retorno do tórax à posição de repouso; permi Os resga tstas treinados devem fornecer ventlação assistda na relação de 2 ven tlações intercaladas com 30 compressões torácicas; - Para os socorristas leigos, o serviço de emergência deve fornecer apenas instruções de compressões torácicas quando o auxílio é telefônico. -
2. Manobras de suporte básico de vida O suporte básico de vida visa ao reconhecimento e ao atendimento de situações de emergência, como obstrução aguda de via aérea, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e PCR. A abordagem inicial através dessas manobras visa insttuir as condições mínimas necessárias para manutenção ou recuperação da oxigenação e perfusão cerebral, já que é a viabilidade neurológica que de fine, em tco da vítma de PCR. Disso depengrande parte, às o prognós de o respeito prioridades da abordagem inicial: ABC ( Air way/Breathing/Cardiovascular). A seguir, enumeram-se e discutem-se os passos que consttuem o suporte básico de vida.
A - Avaliar o nível de consciência (responsividade) A ví tma de um evento agudo precisa ser abordada rapidamente. A checagem do nível de consciência fornece,
PARAD A CARDIORRESPIRATÓRIA em pouco tempo, informações valiosas. Se o paciente responde ao chamado, mesmo que a resposta seja incompreensível, isso demonstra que há fluxo sanguíneo cerebral suficiente para manter alguma a tvidade do sistema nervoso central, ou seja, a situação se afasta da condição de PCR (Figura 2). A checagem do nível de consciência deve ser feita por meio do chamado verbal e do contato fsico com a vítma. Se não há resposta, assume-se que a função do SNC está prejudicada, por exemplo, por hipóxia (como na parada respiratória) ou baixo fluxo sanguíneo cerebral (como no choque hipovolêmico). A ausência de resposta da vítma demonstra maior probabilidade de condição crítca como a PCR.
Figura 3 - Chamado de emergência e pedido de desfribilador
O DEA é um aparelho eletrônico portá tl que desencadeia um choque elétrico com corrente con nua sobre o tórax da vítma, organizando o ritmo elétrico do coração, quando necessário. Tal aparelho deve estar facilmente disponível nos ambientes de alto risco de evento cardiovascular, como áreas hospitalares, aeroportos ou áreas de grande aglomeração de pessoas, pois o tempo de chegada do des fibrilador até o paciente determina a sua sobrevida. A necessidade do chamado precoce de ajuda e do desfibrilador justfica-se pelo fato de que cerca de 80% dos eventos de PCR extra-hospitalares são desencadeados por 2 formas de arritmias letais: a Fibrilação Ventricular (FV) e a
Figura 2 - Checagem do nível de consciência da ví tma
Em quaisquer das 2 condições (consciente ou inconsciente), o passo seguinte deve ser o desencadeamento do sistema de emergência, chamando por ajuda e pelo Desfibrilador Externo Automátco (DEA). Essa orientação não é válida para atendimento de afogados e ví tmas de obstrução testemunhada da via aérea, em que o resgatsta deve aplicar 2 minutos de RCP antes de acionar o serviço de emergência (recomendação IIB).
B - Chamar por ajuda, pedindo o desfibrilador automátco O chamado de emergência consttui passo crucial no atendimento, pois não se pode definir de imediato o que aconteceu com a vítma. O evento pode ter sido desencadeado por uma simples hipoglicemia até uma situação de extrema gravidade, como a PCR. Nessa situação, o suporte básico de vida é fundamental para manter as condições mínimas de perfusão e oxigenação tecidual cerebrais e miocárdicas da vítma. No entanto, a medida principal que permite a reversão da PCR é o acesso rápido ao des fibrilador elétrico (Figura 3).
Taquicardia Ventricular (TV). estão presentes início da maioria dos casos deTais PCRritmos e apresentam bom índi-no ce de resposta à des fibrilação quando tratados em tempo hábil. No entanto, evoluem rapidamente para assistolia ou tornam-se progressivamente refratários ao choque se tratados tardiamente.
C - Posicionar a vítma para o resgate A posição correta da vítma durante o atendimento é o decúbito dorsal horizontal sobre super fcie rígida, em virtude da possibilidade de massagem cardíaca. Durante o posicionamento da vítma, deve-se lembrar a necessidade de manter sua coluna cervical sempre alinhada com o restante do tronco durante a mobilização. A suspeita da lesão cervical deve ser sempre lembrada quando a perda de consciência da vítma não foi presenciada ou quando a ví tma sofreu trauma de crânio ou cervical durante a queda.
D - Posicionar-se em relação à ví tma O posicionamento correto do resgatsta em relação à vítma é colocar-se à linha dos ombros do paciente, não importando o lado (direito ou esquerdo). Essa posição permite acesso rápido ao seguimento cefálico (via aérea) e ao tronco do indivíduo (massagem cardíaca). Em caso de 2 socorristas, ambos devem posicionar-se um de cada lado da vítma, à linha dos ombros.
121
A IC D É M A IC ÍN L C
CARDIOLOGIA E - Abrir vias aéreas e avaliar se o paciente respira Na avaliação da respiração recomendada anteriormente, era dedicado um tempo muito longo ao processo de abertura das vias aéreas e da avaliação da presença de ventlação espontânea (ver, ouvir, sentr), o que retardava o início da RCP. A recomendação atual orienta que, após a abertura das vias aéreas, deve ser realizada uma avaliação rápida e objetva, através apenas de observação direta do paciente, para definir a ausência de movimentos respiratórios (Figura 4). A presença de gasping não caracteriza ventlação espontânea e deve ser interpretada como ritmo respiratório indicatvo de PCR.
aplicação da abertura da via aérea ou da ven tlação assistda não é possível, devem-se aplicar apenas as compressões torácicas. A localização correta do ponto de compressão torácica é muito importante para a boa e ficiência da massagem cardíaca. O ponto de compressão torácica localiza-se na metade inferior do esterno (o centro do tórax) (Figura 5). Nesse ponto, coloca-se a região hipotenar da mão do braço mais forte, que servirá de base para a compressão cardíaca. A outra mão deve ser colocada paralelamente sobre a 1ª, mantendo os cotovelos estendidos. A compressão deve ser aplicada detórax, formaformando rápida e forte, causando uma depressão de 5cm no um ângulo de 90° com o plano horizontal (Figura 6). A frequência de compressões torácicas deve manter o alvo de, ao menos, 100 compressões ou mais por minuto.
Figura 4 - Avaliação das vias aéreas
A avaliação do pulso não é mais recomendada para leigos, bastando a definição de perda de consciência e ausência de respiração para de finir a situação de PCR no ambiente extra-hospitalar. Para profissionais de saúde, a pesquisa de pulso ainda é mandatória por até 10 segundos. Definida a ausência de pulso, deve-se iniciar a RCP imediatamente.
Figura 5 - Localização do ponto de compressão torácica
F - Iniciar a reanimação cardiopulmonar (C-A-B) Nas novas recomendações, indica-se que a massagem cardíaca seja iniciada antes das ventlações, após o reconhecimento da PCR (C-A-B, ao invés de A-B-C, como era orientado). Definida a PCR (paciente apneico e inconsciente), são iniciadas imediatamente as manobras de RCP, através das compressões torácicas alternadas com as ventlações assistdas: aplica-se a sequência de 30 compressões torácicas para 2 ventlações assistdas, iniciando-se com as compressões. Após a compressão, deve-se permi tr o retorno do tórax à posição normal. As compressões só devem ser interrompidas na chegada do DEA, da equipe de suporte avançado, ou quando são detectados movimentos espontâneos da vítma. Para o leigo, orienta-se aplicar apenas as compressões torácicas, não sendo necessárias as ventlações assistdas; quando habilitado, o leigo pode aplicar ventlações assistdas. Para os profissionais da saúde, a aplicação da ventlação assistda ainda é necessária. Quando a
122
Figura 6 - Posicionamento correto e lado da vitma para início das compressões cardíacas
PARAD A CARDIORRESPIRATÓRIA
G - Realizar a des fibrilação elétrica, se indicada Sabe-se que o ritmo mais frequente presente nos primeiros minutos da PCR extra-hospitalar é a FV. Quanto mais precoce a desfibrilação, melhores os resultados na sobrevida. Estudos demonstram que a desfibrilação precoce, quando empregada nos 3 a 4 primeiros minutos da PCR, determina a reversão do evento em até 75% dos casos. Portanto, a colocação das pás do desfibrilador sobre a vítma deve ser realizada assim que o aparelho está disponível, interrompendo as manobras de RCP para identficar o ritmo elétrico da PCR. O desfibrilador automátco/semiautomátco (Figura 7) possui um programa que lhe permite iden tficar e reconhecer os ritmos de FV e TV, indicando, então, o choque. Se o ritmo presente não for uma TV ou FV, o aparelho não indicará o choque, cabendo ao resgatsta manter a massagem cardíaca e as ventlações até a chegada do suporte avançado, mantendo ciclos de 2 ven tlações e 30 compressões torácicas, até que o DEA indique a necessidade de checar pulso.
o choque, quando se deve checar o pulso. Em caso de pulso presente, houve reversão da PCR, e deve-se manter suporte ventlatório até a chegada do sistema de emergência, checando o pulso a cada 2 minutos; se ausente, as manobras de RCP devem ser man tdas por mais 2 minutos até uma nova checagem de ritmo pelo desfibrilador. A PCR pode ser descrita em 3 fases distntas: 1 - Fase elétrica: é o início da PCR, quando a reversão da desorganização elétrica determina o retorno da circulação espontânea e não houve, ainda, grande comprometmento metabólico miocárdico e sistêmico. Tal fase se estende até fi
o 4º ou 5º minuto da PCR. A des brilação nessa fase é o tratamento prioritário. 2 - Fase hemodinâmica: já ocorre comprometmento metabólico intenso do miocárdio, que se apresenta debilitado em manter a atvidade elétrica inicial da PCR (FV ou TV). Quando a desfibrilação é feita nessa fase sem a aplicação prévia de RCP para reperfusão miocárdica, há maior incidência de reversão do ritmo inicial para ritmo elétrico não associado a pulso central (atvidade elétrica sem pulso ou assistolia). Para aumentar a chance de sucesso do choque nessa fase, recomenda-se a aplicação de RCP por 2 minutos antes da desfibrilação nas vítmas que não receberam RCP até o 5º minuto da PCR. É uma tentatva de melhorar a resposta do miocárdio não perfundido ao choque (recomendação IIB). Nas vítmas que receberam RCP antes do 5º minuto da PCR, a desfibrilação imediata é indicada assim que a FV/ TV sem pulso é identficada. 3 - Fase metabólica: é a fase de evolução final do sofrimento celular, em que a viabilidade miocárdica é terminal. Predomina a acidose metabólica láctca. Com a aplicação do suporte básico de vida, pode-se retardar o tempo de instalação e evolução dessas fases.
Figura 7 - Desfibrilador externo automátco
Quando indicado, o choque inicial é de 360J (monofásico) ou de 150 a 200J (na energia equivalente nos aparelhos bifásicos). O choque bifásico é preferível em relação ao monofásico para a reversão da PCR em FV. No momento do choque, o socorrista deve certficar-se de que ninguém está em contato com a vítma. Em vítmas atendidas após 4 a 5 minutos do evento e que não receberam suporte básico de vida e apresentam FV ou TV SM pulso, é aceitável a aplicação de 2 minutos de RCP antes da aplicação da desfibrilação. Imediatamente, após o choque, retoma-se a RCP por 2 minutos, quando o aparelho novamente reavalia a necessidade de novo choque. Se indicado, é aplicado na mesma energia empregada anteriormente, seguido de mais 2 minutos de RCP e assim por diante, até que o sistema de emergência se encarregue do atendimento ou ocorra mudança do ritmo. Quando esta ocorre, o aparelho não indica
Figura 8 - Suporte básico de vida para adultos
123
A IC D É M A IC ÍN L C
CARDIOLOGIA 3. Manobras de suporte avançado de vida Deve-se esclarecer que, por mais avançados que sejam os recursos disponíveis para o atendimento da PCR, o suporte básico de vida é fundamental à manutenção da perfusão e oxigenação cerebral e coronariana. O suporte avançado de vida implica a presença de profissional habilitado para a realização de procedimentos de risco, como a abordagem invasiva de via aérea, a aplicação de desfibrilação e o uso de medicações. Em nosso meio, tais procedimentos só podem ser realizados por médico habilitado. No suporte avançado, a identficação do ritmo cardíaco é feita por pás do monitor cardíaco, com o obje tvo de poupar tempo durante o atendimento, permitndo a rápida desfibrilação, caso seja indicada. Por meio da iden tficação do ritmo cardíaco pelas pás, pode-se dividir a PCR em 2 modalidades: ritmo de FV/TV sem pulso (ritmo que merece choque imediato) ou em ritmo de assistolia/atvidade elétrica sem pulso (ritmo que não merece ser chocado).
A - PCR em FV/TV sem pulso As formas mais frequentes de atvidades elétricas iniciais na PCR extra-hospitalar são a FV (Figura 9) e a TV sem pulso (Figura 10), encontradas em cerca de 80% dos casos. São as formas de melhor prognóstco para reversão, desde que tratadas adequadamente e em tempo hábil.
QRS alargados (≥0,12ms), idêntcos entre si, com frequência elevada e sem ondas P identficáveis ao traçado. Tal ritmo pode ou não gerar contração miocárdica efetva (pulso). Na ausência de pulso, a TV deve ser tratada como FV. Identficada a FV/TV sem pulso, o tratamento inicial depende do tempo decorrido do início do evento até a identficação desse ritmo. Quando o paciente é atendido rapidamente e a FV/TV sem pulso é iden tficada até o 4º ou 5º minuto da PCR, a medida imediata é a desfibrilação elétrica com choque único de 360J monofásicos ou em energia equivalente de choque bifásico (geralmente, entre 150 e 200J, recomendando-se energia máxima do equipamento). Quando o mesmo ritmo é identficado após o 5º minuto de PCR, 2 minutos de RCP podem ser aplicados inicialmente para, posteriormente, aplicar a desfibrilação. Isso se deve ao fato de a chance de evolução da FV/TV sem pulso para assistolia ou atvidade elétrica sem pulso ser grande, e ao fato de esse risco ser significatvamente reduzido quando se aplica um período de RCP prévio ao choque, aumentando a chance de reversão da FV/TV sem pulso para ritmo organizado com pulso. Imediatamente, após o choque mais 2 minutos de RCP devem ser aplicados. Após tal período, avalia-se novamente o ritmo, aplicando-se o choque se necessário e assim por diante. A segurança durante a desfibrilação é de responsabilidade de quem manipula o aparelho. Durante a administração dos choques, alguns cuidados devem ser adotados, como o correto posicionamento das pás, a aplicação de força sobre elas e a utlização de gel condutor. Tais medidas contribuem para maior taxa de sucesso na des fibrilação (Figura 11).
Figura 9 - Fibrilação ventricular
Figura 11 - Posicionamento correto das pás mostrado na imagem à direita (corrente percorre maior massa de miocárdio possível) e posição errada à esquerda: corte transversal
Figura 10 - Taquicardia ventricular sem pulso
A FV caracteriza-se por uma a tvidade elétrica caótca e desorganizada do coração, com ritmo incapaz de gerar contração cardíaca eficiente. Daí a ausência de pulso central nesse ritmo elétrico. A TV difere da FV por tratar-se de ritmo elétrico organizado, caracterizado por complexos
124
No suporte avançado de vida da FV/TV sem pulso, a checagem do pulso central deve ser feita apenas quando há mudança do ritmo visando reduzir ao máximo as interrupções da RCP. Caso ainda persista a FV/TV sem pulso após o 1º choque, são necessárias medidas de suporte avançado, como drogas que melhorem a condição hemodinâmica da PCR e medidas de auxílio no tratamento da PCR. Neste momento, são necessárias a instalação de um acesso venoso periférico (IV) ou intraósseo (IO), a colocação de via aérea de finitva para melhor oxigenação (O2) e a monitorização cardíaca através de eletrodos. Ou seja, após o 1º choque, man tda a PCR, deve-se proceder à aplicação de Monitor, Oxigênio e acesso Venoso (MOV) (Figura 12).
PARAD A CARDIORRESPIRATÓRIA ministradas inicialmente em qualquer modalidade de PCR são a epinefrina (1mg, a cada 3 a 5 minutos IV, ou na dose equivalente através da cânula endotraqueal – recomendação indeterminada) ou vasopressina em uma única dose de 40U. A vasopressina pode ser u tlizada em substtuição à 1ª ou à 2ª dose da adrenalina ou como droga inicial. A droga seguinte a ser utlizada é a amiodarona, na dose de 300mg IV em bolus, podendo ser repetda mais 1 dose de 150mg. A manutenção após retorno de ritmo com pulso é de 1mg/min por 6h e 0,5mg/min por mais 18h. Em um estudo recente, essa droga se mostrou superior à lidoca-
Figura 12 - Aplicação do MOV na ví tma
Após a intubação, procede-se à checagem primária da via aérea por meio da ausculta epigástrica e pulmonar (bases e ápices); a checagem secundária deve ser realizada através de equipamentos de confirmação (detector de CO 2, capnógrafo ou pêra esofágica), com preferência ao capnógrafo. Caso o acesso venoso não esteja disponível, deve-se administrar a droga desejada por meio da via IO ou da cânula traqueal sem demora. Recentemente, essa via foi padronizada para uso na PCR em adultos, podendo ser utlizada para infusão das drogas. Na impossibilidade absoluta de estabelecer um acesso venoso periférico ou da via IO para administração das drogas, é aceitável colocar um cateter em posição central. Enquanto qualquer outro acesso para a aplicação de drogas não está disponível, deve ser utlizada a cânula traqueal para a administração das drogas. Algumas drogas podem ser utlizadas via cânula traqueal: vasopressina, atropina, naloxona (antagonista opioide), epinefrina e lidocaína (Vanel). Para que tais drogas administradas através da cânula tenham o mesmo efeito da droga IV, é necessário administrar de 2 a 2,5 vezes a dose IV (com exceção da vasopressina, aplicada na mesma dose). Para melhorar a absorção da droga, a dose via cânula deve ser seguida de um bolus de 10mL de soro fisiológico 0,9%. No entanto, com a possibilidade do uso da via IO para infusão de drogas, a prioridade na intubação foi reduzida, não sendo incorreto retardá-la no início da PCR para priorizar outras medidas terapêutcas, como a desfibrilação e a aplicação das drogas. O uso de um vasopressor durante o atendimento da parada é necessário, pois determina melhora do retorno venoso e da perfusão coronariana. As drogas a serem ad-
ína na FV/TV refratária, em atendimento quanto à sobrevida na admissão hospitalar.extra-hospitalar, No entanto, a mortalidade intra-hospitalar não foi diferente nos 2 grupos. A lidocaína é aceita como an tarrítmico na dose de 1 a 1,5mg/kg de peso do paciente, na dose máxima de 3mg/kg. Pode-se usar o sulfato de magnésio para a reversão da arritmia quando hipomagnesemia for documentada ou na torsades de pointes; sua dose é de 1 a 2g IV em bolus. A procainamida não é mais u tlizada na PCR para reversão de FV/TV sem pulso. Quando ocorre a reversão da arritmia, em qualquer momento durante a PCR, uma dose de manutenção do últmo antarrítmico utlizado pode ser administrada por 12 a 24 horas para evitar a recidiva da arritmia. Caso não tenha sido administrado nenhum antarrítmico, pode ser aplicada uma dose de ataque de lidocaína (1 a 1,5mg/kg), seguida da infusão da dose de manutenção (Tabela 1). Tabela 1 - Antarrítmicos usados na FV/TV sem pulso Droga Dosede ataque Dose de manutenção Amiodarona
300mg; 2ª dose de 150mg
1mg/min/6h e 0,5mg/ min por mais 18h
Lidocaína
1 a 1,5mg/kg; dose máxima de 3mg/kg
2 a 4mg/min
Sulfato de magnésio*
2g a1
2g/h a1
* Em caso de hipomagnesemia.
B - PCR em Atvidade Elétrica Sem Pulso (AESP) ou assistolia Após a colocação das pás do des fibrilador no tórax da vítma, a identficação de qualquer atvidade elétrica diferente das atvidades de FV/TV sem pulso caracteriza uma PCR em ritmo não passível de choque (AESP ou assistolia). A AESP caracteriza-se por um ritmo elétrico que, usualmente, deveria estar associado a pulso central. São várias as atvidades elétricas englobadas nessa de finição (dissociação eletromecânica, pseudodissociação eletromecânica, ritmo idioventricular e outros), mas o tratamento é o mesmo para tais ritmos. Na verdade, o que ocorre é que existe um fator impedindo o acoplamento entre a atvidade elétrica organizada do miocárdio e a contração muscular efetva que deveria resultar dessa atvidade elétrica. Há várias causas de AESP, discutdas a seguir.
125
A IC D É M A IC ÍN L C
CARDIOLOGIA
Figura 13 - Ritmo sinusal bradicárdico progredindo para ritmo juncional, quando não associado a pulso central palpável, caracteriza a AESP
O tratamento da AESP nunca deve ser realizado por meio do choque, pois já existe uma a tvidade elétrica ventricular organizada potencialmente capaz de gerar pulso central. O choque poderia desorganizá-la, gerando mais um problema durante o atendimento. Como as pás do desfibrilador não são mais utlizadas após a iden tficação do ritmo, deve-se aplicar o suporte avançado de vida ao doente (RCP, monitor, intubação e acesso venoso). Uma attude clínica importante em relação à AESP é a determinação da sua causa e a aplicação do tratamento específico. São 11 as causas reversíveis, e pode-se denominá-las de forma simples para memorização, como 6Hs e 5Ts. O tratamento das causas da AESP é o fator determinante da reversão do quadro. Caso não se encontre uma dessas causas durante o atendimento, as chances de reversão da PCR se tornam muito reduzidas. A principal e mais frequente causa de AESP é a hipovolemia, que deve ser tratada pela administração de volume IV; o tratamento de cada uma das causas é descrito a seguir (Tabela 2). Vale lembrar que a trombólise do infarto agudo do miocárdio e do trom-
eletrodos (artefatos podem simular assistolia), aumentar o ganho do monitor cardíaco (a FV fina pode ser interpretada como assistolia num baixo ganho sobre o sinal do monitor) e, finalmente, checar o ritmo em 2 derivações. Todo cuidado na identficação desse ritmo é pouco, pois, em até 10% dos iden tficados como assistolia, através das pás, o ritmo de base verdadeiro é a FV. Isso pode acontecer em virtude de o eixo elétrico resultante da FV poder ser, naquele momento, perpendicular à derivação da monitorização através das pás, gerando um ritmo isoelétrico no monitor (assistolia), bem como por cabos ou eletrodos desconexos. As causas de assistolia são as mesmas da AESP, devendo-se iniciar infusão de volume e procurar tratamento adequado com base nas causas possíveis. O uso do marca-passo transcutâneo na assistolia não é mais indicado. A 1ª droga a ser administrada na AESP e na assistolia também é um vasopressor. Pode ser a epinefrina (1mg/dose, a cada 3 a 5 minutos) ou a vasopressina (40U, dose única); esta pode ser aplicada como 1ª droga ou em substtuição à 1ª ou à 2ª dose da epinefrina. A atropina não é mais recomendada no tratamento da AESP/assistolia por não ter bene fcio comprovado.
boembolismo pulmonarNo durante PCR é um de benefcio duvidoso. IAM, aaangiogra fiaprocedimento pós-PCR está relacionada a um melhor prognóstco. Tabela 2 - Causas de AESP: 6Hs e 5Ts Causa
Tratamento
Hipovolemia
Volume
Hipóxia
Oxigênio(intubaçãoendotraqueal)
Hipocalemia
AdministraçãodeKCl
Hipercalemia
Bicarbonato de sódio1mEq/kg
H+ (ac idose metabólica)
Bicarbonato de sódio 1mEq/kg
Hipoglicemia
Glicosehipertônica
Hipotermia
Reaquecimento
Tamponamento cardíaco
Punção pericárdica (Marfan)
Tromboembolismo pulmonar Volume + reversão da PCR* Trombose de coronária
Volume + reversão da PCR*
Pneumotórax hipertensivo Tóxicos
Punção torácica de alívio Antagonistaespecí fico
* Trombólise a critério clínico.
Na PCR, a assistolia é a forma de pior prognóstco e consiste na ausência de atvidade elétrica no coração, porém algumas situações determinam o erro diagnós tco. Para o diagnóstco correto de assistolia, deve-se proceder ao protocolo da linha reta que consiste em checar a conexão dos
126
Figura 14 - Suporte avançado de vida em adultos Tabela 3 - Atendimento inicial ao paciente com parada cardiorrespiratória Qualidade da RCP - Comprimir com força >2pol (5cm) e rapidez ≥(100/min) e aguardar o retorno total do tórax; - Minimizar interrupções nas compressões; - Evitar ventlação excessiva;
PARAD A CARDIORRESPIRATÓRIA
Qualidade da RCP - Alternar a pessoa que aplica as compressões a cada 2 minutos; - Se saem via aérea avançada, relação compressão-ven tlação de 30:2; - Capnografia quanttatva com forma de onda: · Se PETCO2 <10mmHg, tentar melhorar a qualidade da RCP. - Pressão intra-arterial: · Se pressão na fase de relaxamento (diastólica) <250mmHg, tentar melhorar a qualidade da RCP. Retorno da Circulação Espontânea (RCE) - Pulso e pressão arterial; - Aumento abrupto prolongado PETCO (normalmente,≥40mmHg); 2 - Variabilidade espontânea na pressão arterial com monitorização intra-arterial. Energia de choque
Bifásica
Recomendação do fabricante (120 a 200J); se desconhecida, usar máximo disponível. A 2ª carga e as subsequentes devem ser equivalentes, podendo ser equivalentes e consideradas cargas mais altas.
Monofásica
360J. Terapia medicamentosa
Dose IV/IO de epinefrina
1mg a cada 3 a 5 minutos.
Dose IV/IO de vasopressina
40 unidades podem substtuir a 1ª ou a 2ª dose de epinefrina.
Dose IV/IO de amiodarona
1ª dose: bolus de 300mg; 2ª dose: 150mg. Via aérea avançada
- Via aérea avançada supraglótca ou intubação endotraqueal; - Captografia com forma de onda para confirmar e monitorar o posicionamento do tubo ET; - 8 a 10 ventlações por minuto, com compressões torácicas connuas. Causas reversíveis - Hipovolemia; - Hipóxia; - Hidrogênio (acidose); - Hipo/hipercalemia; - Hipotermia; - Tensão do tórax por pneumotórax; - Tamponamento cardíaco; - Toxinas; - Trombose pulmonar;
4. Cuidados após a reanimação Após a reversão da PCR, alguns cuidados são necessários para possibilitar a melhor condição para a sua recuperação. A reabordagem do ABC deve ser realizada periodicamente, principalmente ao menor sinal de deterioração clínica do doente. A checagem do correto posicionamento da cânula e da adequação das ven tlações assegura a sua boa oxigenação. Após a reversão da PCR, o indivíduo pode ser colocado em ventlação mecânica, e a colocação de um oxímetro genação. de pulso permite avaliar a adequação da sua oxiA verificação do correto funcionamento do acesso venoso disponível e a checagem dos dados vitais através de um monitor de PA não invasiva, da monitorização da FC e do ritmo de base permitem avaliar e manipular a condição hemodinâmica do paciente por meio da infusão de volume, drogas vasoatvas e antarrítmicas quando necessários. Após a estabilização, pode-se providenciar o transporte para recursos mais adequados (UTI, sala de hemodinâmica etc.). Outra medida terapêutca recentemente aceita para aplicação clínica no período pós-PCR é a hipotermia induzida (temperatura central 32 a 34°C) por 12 a 24 horas de duração nos casos de encefalopata anóxica grave. Quando iniciada até 6 horas após a reversão, a hipotermia determina melhor prognóstco neurológico, bem como de mortalidade. Por outro lado, a hipertermia deve ser evitada a todo custo, assim como a hiperventlação. Embora não haja estudo especí fico com pacientes no período pós-ressuscitação, a recomendação de controle glicêmico a eles parece razoável, pois são grandes as evidências do seu bene fcio entre indivíduos em estado crítco. Falta, ainda, de finir os melhores valores de controle glicêmico.
5. Fatores prognóstcos Não existe exame laboratorial ou diagnós tco que permita uma predição adequada da evolução do paciente após reversão da PCR, principalmente nos pacientes subme tdos à hipotermia. No entanto, a presença de alguns sinais após 24 a 72 horas depois do evento está correlacionada a um pior prognóstco neurológico: -
Ausência de reflexo pupilar em 24 horas;
-
Ausência de reflexo corneano em 24 horas;
-
Ausência de reflexo de retrada do esmulo doloroso em 24 horas;
-
Sem resposta motora em 24 horas;
-
Sem resposta motora em 72 horas.
- Trombose coronária.
O término dos esforços deve ser considerado por meio da análise de diversos fatores (tempo de PCR até o 1º atendimento, prognóstco do paciente, idade da vítma, doença de base etc.).
127
A IC D É M A IC ÍN L C
CARDIOLOGIA Tabela 4 - Principais componentes de SBV para adultos, crianças e bebês Recomendações Componente
Adultos
Crianças
Bebês*
Não responsivo (para todas as idades) Reconhecimento
Sem respiração ou com respiração anormal (isto é, Sem respiração ou apenas comgasping apenas comgasping) Sem pulso palpado em 10 segundos, para todas as idades (apenas para profissionais de saúde)
SequênciadaRCP Frequência de compreensão Profundidade da compreensão Retorno da parede torácica
C-A-B No mínimo, 100/min No mínimo, 2 polegadas No máximo 1/3 diâmetro AP. No mínimo, 1/3 do diâmetro AP. (5cm) Cerca de 2 polegadas (5cm) Cerca de 1/1/4 polegada (4cm) fissionais de saúde, alternar as pessoas que Permitr retorno total entre as compreensões. Pro aplicam as compressões a cada 2 minutos
Interrupções nas compreensões
Minimizar interrupções nas compreensões torácicas. Tentar limitar as interrupções a menos de 10 segundos
Vias aéreas
Inclinação da cabeça-elevação do queixo (profissionais de saúde que suspeitarem de trauma: anteriorização da mandíbula)
Relação compreensão-ventlação (até 30:2. Um ou 2 socorristas a colocação da via aérea avançada) Ventlações: quando socorrista não treinado e não proficiente
30:2. Um socorrista. 15:2. Dois socorristas pro fissionais de saúde
Apenas compreensões
Ventlações com via aérea avançada 1 ventlação a cada 6 a 8 segundos (8 a 10 ven tlações/min). Assíncronas com compreensões tlação. Elevação visível do tórax (profissionais de saúde) torácicas. Cerca de 1 segundo por ven Desfibrilação
Colocar e usar o DEA/DAE assim que eleestver disponível. Minimizar as interrupções nas compreensões torácicas antes e após ochoque; reiniciar a RCP começando com compreensões imediatamente após cada choque
DEA/DAE: Desfibrilador Automátco Externo; AP: anteroposterior; RCP: ressuscitação cardiopulmonar; PS: Pro fissional de Saúde. * Excluindo-se recém-nascidos, cuja etopatologia da PCR é, quase sempre, asfixia. Fonte: Destaques das Diretrizes da American Heart Associaton 2010 para RCP e ACE.
6. Resumo Quadro-resumo tma não responde e não respira. A avaliação do pulso não é mais recomendada; - A RCP deve ser iniciada imediatamente se a ví
- A RCP deve ser iniciada imediatamente com as compressões torácicas em vez de abrir as vias aéreas e iniciar a respiraçãotfiarcial; - Todos os socorristas, treinados ou não, devem fornecer as compressões torácicas àství mas de parada cardíaca; - A ênfase no fornecimento de compressões torácicas de alta qualidade con tnua a ser essencial, a uma frequência mínima de 100 compressões/min; - Os resgatstas treinados devem fornecer ventlação assistda na relação de 2 ventlações intercaladas com 30 compressões torácicas; tlações assistdas é dispensável. O serviço de emergência deve fornecer apenas instruções - Para os socorristas leigos, a aplicação de ven de compressões torácicas quando o auxílio for telefônico;
- FV/TV devem ser revertdas com desfibrilação imediata; - A epinefrina ou a vasopressina são os vasopressores aplicados em todas as formas de PCR; - O benefcio da atropina na assistolia ou na AESP é ques tonável; - A hipotermia terapêutca reduz a mortalidade nos sobreviventes de PCR.
128
CARDIOLOGIA
CAPÍTULO
2
Hipertensão arterial sistêmica José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Introdução A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é uma doença que representa um dos maiores problemas em saúde pública no Brasil e no mundo, gerando elevado custo médico-social, principalmente por sua partcipação em complicações como na doença cerebrovascular, na Doença Arterial
muitas vezes difcil e necessita do uso combinado de várias drogas, o que tem impacto na redução da adesão ao tratamento medicamentoso.
2. Fisiopatologia Apesar de não estarem muito bem estabelecidos todos
Coronariana (DAC), na Insuficiência Cardíaca (IC), na insuficiência renal crônica, na retnopata hipertensiva e na insuficiência vascular periférica. É uma condição clínica multfatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados da Pressão Arterial (PA). Tem alta prevalência e baixas taxas de controle, sendo importante problema de saúde pública. No Brasil, desde a década de 1960, as doenças cardiovasculares têm superado as doenças infectocontagiosas como a principal causa de morte, com certa partcipação da HAS nesse fato. A HAS é um dos fatores mais relevantes para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Alguns autores consideram que 40% das mortes por AVC e 25% das mortes por DAC são decorrentes de HAS. No país, em 2003, 27,4% dos óbitos foram decorrentes
os mecanismos associados à HAS, existem 2 teorias que explicam a maioria dos casos: a neurogênica e a do desbalanço na absorção de sódio e água. A teoria neurogênica sustenta a ideia de que o sistema nervoso autônomo teria o seu set point pressórico alterado para um patamar mais elevado, determinando elevação da PA. A teoria do desbalanço do controle da absorção de sódio sustenta a ideia de que ocorre perda da capacidade de excreção adequada de sódio frente à quan tdade de sódio ingerido, determinando retenção de sódio e de água. O sistema renina-angiotensina-aldosterona é o principal mecanismo de regulação da pressão arterial. Em situações de hipoperfusão renal, (1) ocorre a liberação da renina, uma enzima renal. Por sua vez, a renina (2) a tva a angiotensina (3), um hormônio que provoca contração
de doenças cardiovasculares, atngindo 37% quando excluídos os óbitos por causas mal de finidas e violência. A principal causa de morte de srcem cardiovascular em todas as regiões é o AVC, acometendo as mulheres em maior proporção. Um dos principais desafios no tratamento da hipertensão é a realização do diagnóstco precoce devido à inexistência de sintomas precoces específicos. Dos pacientes com diagnóstco de hipertensão, atngir o alvo terapêu tco é
das paredes musculares das pequenas artérias (arteríolas), aumentando a PA. A angiotensina também desencadeia a liberação do hormônio aldosterona pelas glândulas suprarrenais (4), provocando a retenção de sódio e a excreção de potássio. O sódio promove a retenção de água e, dessa forma, provoca a expansão do volume sanguíneo e o aumento da pressão arterial. Esse é o principal sistema de modulação da PA.
129
CARDIOLOGIA não há como u tlizar o fator gené tco para predizer o risco de desenvolvimento da HAS.
4. Diagnóstco A medida da PA deve ser feita em toda consulta médica, porém isso nem sempre é feito corretamente. Deve ser aferida com manguito apropriado para a circunferência do braço (o cuff insuflável deve recobrir, pelo menos, 80% da circunferência do braço), com repouso de, no mínimo, 5 a 10 minutos e abstnência de nicotna, álcool e cafeína de
Figura 1 - Regulação da pressão arterial: sistema renina-angiotensina-aldosterona
3. Fatores de risco Existem vários fatores de risco para desenvolvimento da HAS e a maioria pode ser eliminada apenas com hábitos saudáveis e cuidados com a saúde. -
Idade: existe relação e desenvolvimento de HAS; acimadireta de 65entre anos,idade a prevalência é de 60%;
-
Gênero e etnia: até os 50 anos, a prevalência é maior em homens, invertendo-se esta tendência após esta idade. Também é mais prevalente nas raças não brancas. No Brasil, mulheres negras têm o dobro da incidência de HAS do que mulheres brancas;
-
Sobrepeso e obesidade: mesmo em jovens, a obesidade aumenta o risco de HAS; o aumento de 2,4kg /m2 acima do IMC adequado já eleva o risco de HAS;
-
Ingesta de sal: a ingesta excessiva de sal está associada a HAS; já foram iden tficadas populações indígenas onde o sal não faz parte da dieta e não foram encontrados casos de HAS;
-
Álcool: o consumo excessivo de álcool determina elevação da PA e aumento da mortalidade cardiovascular em geral;
-
Sedentarismo: a atvidade fsica protege o indivíduo de desenvolver HAS, mesmo em pré-hipertensos;
-
Fatores socioeconômicos: no Brasil, a HAS é mais prevalente em pessoas com baixa escolaridade;
-
História familiar: a contribuição de fatores gené tcos no desenvolvimento da HAS é bem estabelecida, mas
130
ao menos 30 minutos. Devem ser realizadas medidas nos 2 braços, considerando a medida de maior valor para referência e certficando-se de que o indivíduo não está de bexiga cheia, pernas cruzadas e nem pratcou exercícios nos últmos 90 minutos. Todos esses fatores podem influenciar a medida da PA. Para indivíduos com idade superior a 18 anos, o diagnóstco de HAS é feito sempre que se obtêm 2 ou mais medidas de pressão diastólica, em 2 visitas subsequentes, iguais ou acima de 90mmHg ou pressão sistólica maior ou igual a 140mmHg. Como pode haver grande labilidade da pressão arterial, as medidas devem ser feitas em diferentes ocasiões ao longo de semanas ou meses, a menos que ocorram sintomas. Há situações em que a medida de PA pode estar falsamente elevada, decorrente de estresse ou outros fatores, principalmente de aspecto psicológico. Nesses casos, pode-se lançar mão de 2 ar tfcios diagnóstcos: a Medida Residencial da Pressão Arterial (MRPA) ou a Medida Ambulatorial de Pressão Arterial (MAPA). O objetvo desses artfcios é minimizar ao máximo o estresse da visita ao médico, o desconforto do exame e da medida da PA e permi tr maior número de medidas, oferecendo ideia mais precisa da variação da PA durante o dia. O aumento transitório da PA associado a estresse ou ansiedade não cons ttui doença hipertensiva, mas pode indicar propensão para HAS no futuro. As principais indicações de MAPA são: - Suspeita de hipertensão do consultório ou do avental branco; - Suspeita de episódios de hipotensão arterial sintomátca. Avaliação da eficácia da terapêutca: - Quando a PA casual permanecer elevada, apesar da otmização do tratamento ant-hipertensivo para diagnóstco de hipertensão arterial resistente ou efeito do avental branco; - Quando a PA casual estver controlada e houver indícios da persistência ou da progressão de lesão de órgãos-alvo. A seguir, observe o fluxograma para diagnóstco de HAS no segmento ambulatorial.
HIPERTENSÃO ARTE RIAL SI STÊMICA
A IC D É M A IC ÍN L C
Figura 2 - Avaliação de normotensos com lesão de órgãos-alvo
A seguir, os procedimentos adequados para a aferição da PA (Tabela 1). Tabela 1 - Metodologia correta para aferição da PA Preparo do paciente para medida da pressão arterial
Procedimento de medida da pressão arterial 1 - Medir a circunferência do braço do paciente. 2 - Selecionar o manguito de tamanho adequado ao braço. 3 - Colocar o manguito sem deixar folgas, cerca de 2 a 3cm acima da fossa cubital.
1 - Explicar o procedimento ao paciente.
4 - Centralizar o meio da parte compressiva do manguito sobre a 2 - Oferecer repouso de, pelo menos, 5 minutos em ambiente calmo. artéria braquial. 3 - Evitar bexiga cheia. 4 - Não pratcar exercícios fsicos 60 a 90 minutos antes. 5 - Não ingerir bebidas alcoólicas, café ou alimentos e não fumar 30 minutos antes. 6 - Manter pernas descruzadas, pés apoiados no chão e dorso recostado na cadeira e permanecer relaxado. 7 - Remover roupas do braço no qual será colocado o manguito. 8 - Posicionar o braço na altura do coração (nível do ponto médio do esterno ou 4ª espaço intercostal), apoiado, com a palma da mão voltada para cima e o cotovelo ligeiramentefletdo. 9 - Solicitar para que não fale durante a medida.
5 - Estmar o nível da pressão sistólica (palpar opulso radial e inflar o manguito até o seu desaparecimento, desinflar rapidamente e aguardar 1 minuto antes da medida). 6 - Palpar a artéria braquial nafossa cubital e colocar a campânula do estetoscópio sem compressão excessiva. 7 - Inflar rapidamente até ultrapassar de 20 a 30mmHg o nível estmado da pressão sistólica. 8 - Proceder à deflação lentamente (velocidade de 2 a 4mmHg/s). 9 - Determinar a pressão sist ólica na ausculta do 1º som (fasede I Kotdas regulares, e, posrotkoff), que é um som fraco seguido de ba teriormente, aument ar ligeiramente a velocidadede deflação.
131
CARDIOLOGIA Procedimento de medida da pressão arterial 10 - Determinar a pressão diastólica no desaparecimento do som (fase V de Korotkoff). 11 - Auscultar cerca de 20 a 30mmHg abaixo do úl tmo som para flaconfirmar seu desaparecimento e depois proceder à de ção rápida e completa. 12 - Se os ba tmentos persistrem até o nível zero, determinar a pressão diastólica no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anotar valores da sistólica/diastólica/zero. 13 - Esperar de 1 a 2 minutos antes de novas medidas.
Acelerada: hipertensão acentuada, associada a perda rápida da função renal, exsudatos ou hemorragias no exame do fundo do olho, sem papiledema; - Maligna: hipertensão acentuada com papiledema e necrose fibrinoide da camada ín tma das pequenas artérias; - Complicada: HAS associada à lesão de órgãos-alvo: AVE, ICC, IRC, IAM e aneurismas. -
6. Avaliação A análise de exames gerais do paciente recém-diagnos-
14 - Informar os valores de pressão arterialtob dos para o paciente.
tcado permite uma melhor compreensão do contexto da
15 - Anotar os valores e o membro.
HAS (Tabela 4).
A partr dos valores encontrados, deve-se orientar o paciente para nova aferição e avaliação clínica, conforme a Tabela 2. Tabela 2 - Recomendações para reavaliação da PA Pressão arterial inicial (mmHg) Sistólica
Diastólica
<130
<85
Seguimento Reavaliar em 1 ano. Estmular mudanças no estlo de vida.
130a139
85a89
Reavaliar em 6 meses. Insistr em mudanças no estlo de vida.
140a159
90a99
Confirmar em 2 meses. Considerar MAPA/MRPA.
160a179
100 a109
Confirmar em 1 mês. Considerar MAPA/MRPA.
≥180
Realizar intervenção medicamentosa imediata ou reavaliar em 1 semana.
≥110
De acordo com o valor pressórico encontrado, o paciente é classificado por estágios da HAS, conforme a Tabela 3. Tabela 3 - Classificação da PA, de acordo com a medida casual em consultório (>18 anos) Pressão sistólica Pressão diastólica Classificação (mmHg) (mmHg) Ótma <120 <80 Normal <130 <85 Limítrofe
130a139
85a89
E stágio1 Hiper- E stágio2 tensão Estágio 3 Estágio 4
140a159 160a179 ≥180 ≥140
90a99 100a109 ≥110 <90
5. Classificação Essencial: não tem causa identficada; corresponde à grande maioria dos casos; - Secundária: representa de 5 a 10% dos casos, em que uma causa secundária é associada à gênese da hipertensão. Muitas vezes, essas causas são curáveis, resolvendo a HAS; -
132
Tabela 4 - Avaliação laboratorial do paciente com HAS Avaliação inicial de rotna para hipertenso - Análise de urina; - Potássio plasmátco; - Creatnina plasmátca*; - Glicemia de jejum; tcos**; - Colesterol total, HDL e triglicérides plasmá - Ácido úrico plasmátco; - Eletrocardiograma convencional; - Pacientes hipertensos diabétcos, hipertensos com síndrome metabólica e hipertensos com 3 ou mais fatores de risco: recomenda-se pesquisa de microalbuminúria – índice albumina/ creatnina em amostra isolada de urina (mg de albumina/g de creatnina ou mg de albumina/mmol de creatnina); - Normal <30mg/g ou <2,5mg/mmol; - Microalbuminúria: de 30 a 300mg/g ou de 2,5 a 25mg/mmol; - Pacientes com glicemia de jejum entre 100 e 125mg/dL: recomenda-se determinar a glicemia 2 horas após sobrecarga oral de glicose (75g); fia ventricular es- Em hipertensos estágios 1 e 2 sem hipertro querda ao ECG, mas com 3 ou mais fatores de risco, considerar fia ventricular o ecocardiograma para a detecção de hipertro esquerda; ficiência cardíaca, - Para hipertensos com suspeita clínica de insu considerar o ecocardiograma para a avaliação das funções sistólica e diastólica. * Calcular a Taxa de Filtração Glomerular Es tmada (TFGE) pela fórmula de Cockro-Gault 57: TFGE (mL/min) = (140 - idade) x peso (kg) / creatnina plasmátca (mg/dL) x 72 para homens; para mulheres, multplicar o resultado por 0,85. Interpretação: função renal normal: >90mL/min; disfunção renal leve: 60 a 90mL/min; disfunção renal moderada: 30 a 60mL/min e disfunção renal grave: <30mL/min.
** O LDL-c é calculado pelafórmula: LDL-c = colesterol total - HDL-c – triglicérides/5 (quando a dosagem de triglicérides for abaixo de 400mg/dL).
Estabelecido o diagnóstco de HAS, a avaliação do paciente deve ser focada em 3 aspectos: 1 - Estratficação de risco de doença cardiovascular: a estratficação de risco de pacientes com HAS é feita considerando os níveis pressóricos, a presença de fatores de
HIPERTENSÃO ARTE RIAL SI STÊMICA risco para doença cardiovascular e a lesão de órgãos-alvo (Figura 3), conforme a Tabela 5. A par tr da estratficação, estabelece-se a abordagem terapêutca.
3 - Determinação da probabilidade de causa secundária: deve-se suspeitar de hipertensão de causa secundária nos casos de início precoce (antes dos 30 anos), tardio (após os 50 anos), ausência de história familiar, descontrole inesperado da PA e hipertensão refratária. Outros sinais podem estar presentes e estão listados na Tabela 6. Tabela 6 - Indícios de HAS secundária - Início da hipertensão antes dos 30 anos ou após os 50 anos; - Hipertensão arterial grave (estágio 3) e/ou resistente à terapia; - Tríade do feocromocitoma: palpitações, sudorese e cefaleia em crises; - Uso de medicamentos e drogas que possam elevar a pressão arterial; - Fácies ou biótpo de doença que cursa com hipertensão: doença renal, hipertreoidismo, acromegalia e síndrome de Cushing; - Presença de massas ou de sopros abdominais; A IC - Assimetria de pulsos femorais; D É M - Aumento da creatnina sérica ou taxa defiltração glomerular A IC estmada diminuída; ÍN L C - Hipopotassemia espontânea; - Exame de urina anormal (proteinúria ou hematúria); - Sintomas de apneia durante o sono.
Figura 3 - Acometmento de órgãos-alvo na doença hipertensiva Tabela 5 - Componentes para a estratficação do risco individual dos pacientes Identficação dos fatores de risco cardiovasculares - ·Fatores de risco maiores: Tabagismo; · Dislipidemias; · DM; · Nefropa ta; · Idade acima de 60 anos; - História familiar de doença cardiovascular em: · Mulheres com menos de 65 anos; · Homens com menos de 55 anos. Lesões em órgãos-alvo e doenças cardiovasculares - Doenças cardíacas: · Hipertro fia do ventrículo esquerdo; · Angina ou infarto agudo do miocárdio prévio; · Revascularização miocárdicaprévia; · Insu ficiência cardíaca. - Episódio isquêmico ou acidente vascular cerebral; - Nefropata; - Doença vascular arterial de extremidades; - Retnopata hipertensiva;
São causas de HAS secundária: - Uso de estrogênios: mais comum em mulheres acima dos 35 anos. Em geral, a PA retorna ao normal algumas semanas após a suspensão da medicação; - Doença renal: causa mais comum de HAS secundária, pode ser resultado de doença glomerular, tubular, do-
tca ou nefropata diabétca; ença policís Doença renovascular: representa de 1 a 2% dos pacientes hipertensos. Em jovens, a causa mais comum é a displasia fibromuscular. No restante, deve-se à doença aterosclerótca da porção proximal das artérias renais; pode ser uni ou bilateral (25% dos casos – Figura 4).
- Demência vascular.
2 - Avaliação complementar – seus objetvos são: - Confirmar o diagnóstco de HAS; - Avaliar lesões de órgãos-alvo; - Identficar fatores de risco para doenças cardiovasculares; - Diagnostcar doenças associadas à HAS; - Diagnostcar causas secundárias.
Figura 4 - Hipertensão arterial sistêmica renovascular por estenose bilateral de artérias renais
Deve-se suspeitar de doença renovascular em casos de início precoce (antes dos 30 anos), tardio (após 50 anos), presença de sopro abdominal (epigástrico), presença de in-
133
CARDIOLOGIA suficiência arterial periférica e piora de função renal com inibidores da enzima de conversão. O exame de eleição para o diagnóstco é a arteriografia; testes não invasivos, como a ultrassonografia com Doppler de artérias renais, cintlografia renal com DTPA (com ou sem teste do captopril) e a angiorressonância também podem ser utlizados. Para a doença fibromuscular, o tratamento de escolha é a angioplasta com stent. Na doença aterosclerótca, grande parte dos indivíduos permanece hipertensa, mesmo após restauração do fluxo renal; a angioplasta é indicada apenas quando há hipertensão refratária ou perda de função renal. -
Feocromocitoma: caracteristcamente, apresenta-se de forma episódica e se acompanha de intensos sinais de atvação adrenérgica; - Hiperaldosteronismo primário: geralmente, por adenoma de suprarrenal ou hiperplasia; deve-se suspeitar na presença de hipocalemia e baixo nível de renina plasmátca. Antes considerado causa rara de hipertensão, alguns acreditam ser a principal causa de hipertensão secundária atualmente. Outros distúrbios endócrinos, como a síndrome de Cushing, a acromegalia, o hiper treoidismo e o hipo treoidismo também podem iniciar sua apresentação com HAS. A coarctação da aorta é uma situação rara em adultos. E a HAS associada a gestação também caracteriza uma forma secundária de hipertensão.
7. Tratamento
Tabela 8 - Identficação de fatores de risco associados a lesões em órgãos-alvo - Hipertrofia do ventrículo esquerdo; - Angina do peito ou infarto agudo do miocárdio prévio; - Revascularização miocárdica prévia; - Insuficiência cardíaca; - Acidente vascular cerebral; - Isquemia cerebral transitória; - Alterações cognitvas ou demência vascular; - Nefropata; - Doença vascular arterial de extremidades; - Retnopata hipertensiva. - A pacientes com 3 ou mais fatores de risco cardiovascular, considerar marcadores mais precoces da lesão de órgãos-alvo, como: · Microalbuminúria (índice albumina/creatnina em amostra isolada de urina); · Parâmetros ecocardiográficos: remodelação ventricular, função sistólica e diastólica; · Espessura do complexo íntmo-média da carótda (ultrassom vascular); · Rigidez arterial; · Função endotelial.
Após a classificação do risco de evento cardiovascular do hipertenso, é necessário determinar metas pressóricas a serem atngidas com o tratamento da HAS.
A decisão terapêutca considera, além de valores pressóri- Tabela 9 - Metas terapêutcas do paciente hipertenso cos, outros fatores, como a presença de lesão em órgãos-alvo Metas de valores da pressão a serem ob tdas com o tratamento e fatores de risco maiores associados a doenças cardiovascuMeta Categorias lares. A estratégia terapêutca, assim como as metas pressó(no mínimo) ricas a serem atngidas, é determinada pela estratficação de Hipertensos estágios 1 e 2 com risco cardio<140x90mmHg risco cardiovascular do paciente, como descrito na Tabela 7. vascular baixo e médio Tabela 7 - Estratficação de risco individual do paciente hipertenso Risco cardiovascular adicional de acordo com os níveis da pressão arterial e a presença de fatores de risco, lesões de órgãos-alvo e doença cardiovascular Fatoresderisco Pressãoarterial Hiperten- Hiperten- HipertenNor- Limítrosão são são mal fe estágio 1 estágio 2 estágio 3 Sem fator Sem risco adi- Risco Risco Risco alto de risco cional baixo médio Risco 1 a 2 fato- Risco Risco Risco Risco muito res de risco baixo baixo médio médio alto 3 ou mais fatores de Risco Risco risco ou Risco méRisco alto Risco alto muito lesão de alto dio alto órgãos-alvo ou DM Doença Risco Risco Risco Risco Risco muicardiovasmuito muito muito alto to alto cular alto alto alto
134
Hipertensos e limítrofes com risco cardiovascular alto Hipertensos e limítrofes com risco cardiovascular muito alto, ou com 3 ou mais fatores 130x80mmHg de risco Diabetes mellitus Síndrome metabólica ou lesão de órgão-alvo Hipertensos nefropat as com proteinúria >1g/L
Após a classificação do risco cardiovascular e da definição de metas terapêutcas do paciente hipertenso, é necessária a indicação da estratégia terapêutca (Tabela 10). Tabela 10 - Estratégia terapêutca para o paciente hipertenso, a partr do seu risco cardiovascular Decisão terapêutca da hipertensão arterial segundo o risco cardiovascular Categoriaderisco Sem risco adicional
Estratégia Tratamento não medicamentoso isolado
HIPERTENSÃO ARTE RIAL SI STÊMICA
Categoriaderisco
Estratégia
Risco baixo
Tratamento não medicamentososolado i por até 6 meses. Se não tangir a meta, associar tratamento medicamentoso.
Risco médio, alto ou muito alto
Tratamento não medicamentoso + medicamentoso.
Inicia-se sempre o tratamento com medidas não farmacológicas como orientação dietétca (Dieta DASH – Diet Approach to Stop Hypertension) e esmulo à a tvidade fsica. Essas modi ficações nos hábitos de vida são mais e fi-
Tabela 12 - Mudanças nos hábitos de vida e seus impactos nos valores da PA Modificação
Controle de peso
Padrão alimentar
Tabela 11 - Dieta DASH
- Comer muitas frutas e hortaliças, aproximadamente de 8 a 10 porções/dia (1 porção = 1 concha média);
- Comer oleaginosas (castanhas), sementes e grãos, de 4 a 5 porções/semana (1 porção = 1/3 de xícara ou 40g de castanhas, 2 colheres de sopa ou 14g de sementes, ou 1/2 xícara de feijões ou ervilhas cozidas e secas; - Reduzir a adição de gorduras. Utlizar margarina light e óleos vegetais insaturados (como, azeite, soja, milho, canola); - Evitar a adição de sal aos alimentos. Evitar, também, molhos e caldos prontos, além de produtos industrializados; - Diminuir ou evitar o consumo de doces e bebidas com açúcar.
As principais medidas são restrição de sal, controle do peso, restrição de álcool, restrição ao tabagismo, suplementação de Ca, K, Mg e prescrição de atvidade fsica. Após tais orientações, há a prescrição de medicação, lembrando que o controle dos níveis pressóricos deve ser mais rigoroso nos diabétcos, coronariopatas e pacientes com hipertrofia ventricular esquerda, pois estes têm maior risco de progressão para lesão de órgãos-alvo. Hipertensos com excesso de peso devem ser incluídos em de emagrecimento restrição ingestão programas calórica e aumento de atvidadecom fsica. A metadaé alcançar índice de massa corporal inferior a 25kg/m 2 e circunferência da cintura inferior a 102cm para homens e 88cm para mulheres, embora a diminuição de 5 a 10% do peso corporal inicial já seja suficiente para reduzir a pressão arterial sistólica em hipertensos leves. A seguir, as medidas de mudança do estlo de vida e seu impacto sobre os valores pressóricos (Tabela 12).
Manter o peso do corpo 5 a 20mmHg na faixa normal (índice de para cada 10kg massa corporal entre 18,5 de peso redue 24,9kg/m2). zido Consumir dieta rica em frutas e vegetais e alimentos com baixa densi-
8 a 14mmHg
Redução de consumo de sal
Reduzir a ingestão de sódio para não mais de 100mmol/dia = 2,4g de sódio (6g de sal/dia = 4 colheres de café rasas de sal = 4g + 2g de sal próprio dos alimentos).
2 a 8mmHg
Moderação no consumo de álcool
Limitar o consumo a 30g/ dia de etanol para os homens e 15g/dia para mulheres.
2 a 4mmHg
- Incluir 2 ou 3 porções de la tcínios desnatados ou semidesnatados por dia; - Preferir os alimentos integrais, como pão, cereais e massas integrais ou de trigo integral;
Redução aproximada na PAS
dade calórica e baixo teor de gorduras saturadas e totais.
cientes em se tratando de casos leves e moderados. - Escolher alimentos que possuam pouca gordura saturada, colesterol e gordura total. Por exemplo, carne magra, aves e peixes, utlizando-os em pequena quantdade;
Recomendação
Habituar-se à prátca regular de atvidade fsica aeróbica, como camiExercício fsico
nhadas por pelo menos 30 minutos por dia, 3 a 5 vezes/semana.
4 a 9mmHg
8. Tratamento farmacológico O objetvo do tratamento de HAS é, prioritariamente, reduzir a morbidade e a mortalidade por doenças cardiovasculares. O ant-hipertensivo ideal deve apresentar característcas como tratamento em dose única, baixo custo e poucos efeitos colaterais. Infelizmente, não há, até agora, droga para monoterapia com todas as característcas do medicamento ideal. Algumas classes específicas de drogas têm indicação preferencial em determinados pacientes por adicionarem benefcios ao controle e à evolução de outras doenças associadas. Tabela 13 - Forte indicação para escolha terapêutca da HAS Situaçãoclínica DM tpo 1 com proteinúria DM tpo2
Medicamento IECA IECA–inibidorAT2
ICC
IECA,beta-bloqueadorediuré tcos
Pós-IAM
Beta-bloqueadoreIECA
HAS sistólica isolada (idosos)
Diurétcos e bloqueadores de canais de cálcio
135
A IC D É M A IC ÍN L C
CARDIOLOGIA Tabela 14 - Escolha terapêutca preferencial em situações especiais Negros
Diurétcos / bloqueadores de canais de cálcio
Idosos
Diurétco + betabloqueador, bloqueadores de canais de cálcio, IECA e BRA
Gestantes
Alfa-metldopa, bloqueio de canais de cálcio, betabloqueadores
As classes disponíveis para tratamento são:
A - Diurétcos São drogas seguras, de baixo custo, amplamente utlizadas e aparentam melhor efeito em negros e idosos. São recomendadas como 1ª escolha para monoterapia ou associação a outra categoria de drogas e podem ter benefcio adicional em ICC e IRC. Os efeitos colaterais mais comuns são hiperuricemia, hiperglicemia, aumento de LDL, rash cutâneo, hipocalemia e impotência. Drogas que pertencem a tal grupo são a furosemida, a hidroclorotazida e a clortalidona.
B - Beta-bloqueadores Mais utlizados em jovens, trazem benefcio adicional a pacientes com angina estável, infarto agudo prévio, manifestações somátcas de ansiedade, enxaqueca e IC (apenas para carvedilol, bisoprolol e metoprolol). Associados a vasodilatadores, evitam a taquicardia reflexa. Devem ser usados com cautela em casos de diabetes, dislipidemias, bloqueios atrioventriculares e doença pulmonar obstrutva. Seus efeitos colaterais mais comuns são fadiga, indisposição, depressão, broncoespasmo, bradiarritmias, insônia, impotência sexual, hipertrigliceridemia, hiperglicemia, descompensação de IC e de insu ficiência arterial periférica. Também bloqueiam a resposta fisiológica à hipoglicemia e retardam a neoglicogênese, podendo mascarar os sinais clínicos da hipoglicemia. São drogas deste grupo o propranolol, o atenolol, o carvedilol e o metoprolol.
C - Bloqueadores de canal de cálcio Têm boa indicação para coronariopatas, com efeito melhor em negros e idosos, principalmente para controle da hipertensão leve e moderada. Nifedipina, amlodipina, verapamil e diltazem pertencem a tal grupo.
eventos mórbidos. Drogas de escolha na IC e na disfunção ventricular assintomátca, não alteram a glicemia e o per fil lipídico, sendo bem tolerados durante o uso. Podem desencadear tosse seca, angioedema, elevação transitória da ureia e da creatnina (em especial na presença de estenose bilateral das artérias renais). Drogas como captopril, enalapril, lisinopril e ramipril têm essa ação.
E - Inibidores de receptor de angiotensina II Há evidências de que possam reduzir risco cardiovascular em indivíduos hipertensos, diabé tcos e com insuficiência cardíaca. Seu custo mais elevado e efeito protetor semelhante limitam seu uso a pacientes que desenvolvem tosse com IECA. No entanto, parece haver menor incidência de efeitos colaterais. Drogas como losartana, candesartana e irbesartana pertencem a este grupo.
F - Agentes de ação simpatolítca central Metldopa e clonidina têm seu uso reduzido para a hipertensão severa, não controlada com as outras categorias de drogas. Agem estmulando os adrenorreceptores centrais, diminuindo o fluxo simpátco e gerando vasodilatação e redução da frequência cardíaca. Há baixa adesão de tratamento devido aos efeitos colaterais (impotência sexual, depressão, anemia hemolítca e teste de Coombs posi tvo) e ao risco de hipertensão rebote quando o uso é interrompido abruptamente.
G - Vasodilatadores arteriolares diretos Seus principais representantes são a hidralazina e o minoxidil. Podem causar taquicardia reflexa e, quando suspensos, produzir hipertensão rebote. São utlizados na hipertensão de difcil controle, principalmente quando em associação à alteração renal. A seguir, são listados efeitos benéficos do uso de determinadas classes de medicações no controle de outras doenças associadas (Tabela 15), assim como efeitos indesejáveis em algumas associações (Tabela 16). Tabela 15 - Possível efeito benéfico adjacente para nortear escolha terapêutca Situaçãoclínica
Medicamento
D - Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA)
Angina
Beta-bloqueador e bloqueador de cálcio
Doença aterosclerótca
IECA
São pouco eficazes em negros, mas têm sua e ficácia melhorada quando associada ao diurétco. São os agentes de escolha em pacientes com DM tpo 1 com microalbuminúria ou proteinúria, assim como disfunção renal. Há indicação, também, para pacientes com DM tpo 2 e alteração renal. Em pacientes com alto risco de eventos cardiovasculares, são capazes de reduzir a mortalidade e o número de
Fibrilação atrial
Beta-bloqueador
Tremor essencial
Beta-bloqueador
Enxaqueca
Beta-bloqueador e bloqueador de cálcio
Osteoporose
Tiazídicos
Prostatsmo
Bloqueador alfa (prazosina)
IRC
IECA–inibidorAT2
136
HIPERTENSÃO ARTE RIAL SI STÊMICA Tabela 16 - Provável efeito indesejável da escolha terapêu tca Situaçãoclínica
Posologia
Medicamento
Medicamentos
Broncoespasmo
Beta-bloqueador
Depressão
Beta-bloqueador e agonista alfa central
Gota
Diurétco
Bloqueio atrioventricular
Beta-bloqueador e bloqueador de canal de cálcio (não diidropiridínico)
ICC
Alfa-bloqueador, bloqueador de canal de cálcio e beta-bloqueador
Doença vascular periférica
Beta-bloqueador
Gravidez
IECAeinibidorAT2
IRC
AgentespoupadoresdeK
Doença renovascular bilateral
IECA e inibidor AT2
Anlodipino Felodipino Isradipina Lacidipino Diidropiri- Lercarnidipino dinas Manidipino
Inibidores da ECA
Bloqueadores de receptor AT1 Figura 5 - Algoritmo geral: tratamento da hipertensão Tabela 17 - Drogas para HAS e suas doses terapêu tcas Posologia
Medicamentos
Tiazídicos (diurétcos)
Alça
Número de toMínima Máxima madas/ dia
Clortalidona
12,5
25
1
Hidroclorotazida
12,5
25
1
Indapamida
2,5
5
IndapamidaSR
1,5
Bumetanida Furosemida
0,5 20
5 -
1 1
-
1a2 2a1
Piretanida
6
12
1
Poupadores de potássio
Amilorida
2,5
10
1
Espironolactona
25
100
1a2
Triantereno
50
100
1
Benzotazepinas
Diltazem AP, SR ou CD
180
480
1a2
Inibidor direto da renina
NifedipinoOros NifedipinoRetard Nisoldipino Nitrendipino Benazepril Captopril Cilazapril Delapril Enalapril Fosinopril Lisinopril Perindopril Quinapril Ramipril Trandolapril Candesartana Irbesartana Losartana Olmesartana Telmisartana Valsartana Alisquireno
Número de toMínima Máxima madas/ dia 2,5 10 1 5 20 2a1 2,5 20 2 2 8 1 10 30 1 10 20 1 30 20 5 10 5 25 2,5 15 5 10 5 4 10 2,5 2 8 150 25 20 40 80
60 60 40 40 20 150 5 30 40 20 20 8 20 10 4 32 300 100 40 160 320
1 2a3 21 a 2a3 1 32 a 1 2a1 2a1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
150
300
1
Alfametldopa 500 Clonidina 0,2 Guanabenzo 4 Moxonidina 0,2 Rilmenidina 1 Reserpina 12,5 Atenolol 25 Bisoprolol 2,5 Carvedilol 12,5 Inibidores Metoprolol e meto50 adrenérgi- prolol (ZOK) cos (betaNadolol 40 -bloqueaNebivolol 5 dores) Propranolol/propra40/80 nolol (LA) Pindolol 10 Inibidores adrenérgicos (ação central)
1.500 0,6 12 0,6 2 25 100 10 50
2a3 2a3 3a2 1 1 1a2 2a1 1a2 1a2
200
2a1
120 10 240/160
40
1 1 2 a 3/1 a2 2a1
137
A IC D É M A IC ÍN L C
CARDIOLOGIA
Medicamentos
Inibidores adrenérgicos (alfa-bloqueadores)
Doxazosina
Vasodilatadores
Número de toMínima Máxima madas/ dia 1 16 1
Cardiovasculares
Posologia
Prazosina
1
Prazosina XL
4
Terazosina
20 8
- Síndromes coronarianas agudas. Crises adrenérgicas graves - Crise de feocromocitoma; - Ingestão de cocaína e catecolaminérgicos.
1
1
20
Hidralazina
50
Minoxidil
2,5
diretos Bloqueadores dos canais VerapamilRetard de cálcio (fenilalquilaminas)
3a2
- Edema agudo de pulmão;
Associadas à gestação
2a1
- Eclâmpsia;
150
2a3
- Hipertensão maligna e acelerada (considerar emergência).
80
3a2
Urgências hipertensivas Hipertensão associada a - Insuficiência coronariana crônica;
120
480
1a2
9. Hipertensão arterial resistente Quando o paciente aderente ao tratamento não responde à terapia combinada de 3 classes diferentes (obrigatoriamente uma delas é um diuré tco) fica caracterizada a hipertensão resistente. Nesta condição, devem-se buscar causas que determinem este comportamento como obesidade, consumo excessivo de álcool, apneia do sono e causas secundárias de hipertensão. Na ausência destes fatores de refratariedade, a associação de espironolactona e simpatolítcos centrais e beta-bloqueadores é recomendada.
10. Emergência hipertensiva As emergências caracterizam-se pela presença de sofrimento tecidual de órgãos-alvo, com iminente risco de vida ao paciente, em geral, mas não necessariamente associado a altos níveis pressóricos. É o caso da encefalopa ta hipertensiva, da cardiopata isquêmica, do edema agudo de pulmão, da dissecção de aorta e do AVC. São situações de gravidade clínica acentuada, e o tratamento deve acontecer no ambiente da sala de emergência ou da terapia intensiva com infusão de drogas intravenosas, como o nitroprussiato de sódio.
- Insuficiência cardíaca; - Aneurisma de aorta; - AVCI (prévio); - Glomerulonefrites agudas; - Pré-eclâmpsia.
As urgências hipertensivas caracterizam-se por níveis pressóricos elevados, geralmente com níveis de PA sistólica >200mmHg e/ou PA diastólica >120mmHg, sem sinais evidentes de lesão de órgãos-alvo ou piora de lesão prévia. As drogas podem ser administradas via oral, e u tlizam-se benzodiazepínicos para ansiedade e analgésicos para dor. Caso não haja controle da PA com essas medidas, podem-se utlizar bloqueadores de canais de cálcio, beta-bloqueadores, diurétcos de alça e inibidores da ECA. A seguir, um breve relato a respeito de algumas patologias.
A - Dissecção aguda de aorta A dissecção de aorta é classificada em tpo A, se envolve a aorta ascendente, e tpo B, se não a envolve. Em geral, as dissecções proximais (tpo A) acontecem em indivíduos com anormalidades do colágeno (por exemplo, síndrome de Marfan), e as dissecções distais ( tpo B) em indivíduos com HAS de longa data. As dissecções tpo A respondem melhor ao tratamento cirúrgico, enquanto as do tpo B ao tratamento clínico, embora ambas devam ser estabilizadas com tratamento clínico emergencial.
Tabela 18 - Principais causas de emergências e urgências hipertensivas Emergências hipertensivas Neurológicas - Encefalopata hipertensiva; - Hemorragia intraparenquimatosa; - Hemorragia subaracnóidea. Cardiovasculares - Dissecção aguda de aorta; - Infarto agudo do miocárdio;
138
Figura 6 - Dissecções de aorta; (A) ascendente e (B) descendente
HIPERTENSÃO ARTE RIAL SI STÊMICA O quadro clínico manifesta-se por dor torácica severa, de início agudo, quase sempre anterior (retroesternal), irradiando-se frequentemente para o dorso (interescapular, inicialmente) e algumas vezes para o abdome, acompanhada de sintomas adrenérgicos. Essa apresentação ocorre em 90% dos casos e se deve à dissecção propriamente dita. Complicações da dissecção podem produzir outros sintomas, como síncope, sintomas neurológicos focais, sinais de isquemia em outros órgãos, insuficiência cardíaca, tamponamento cardíaco e paraplegia. Ao exame fsico, o paciente parece estar em choque, mas a PA quase sempre está elevada. Os pulsos podem apresentar-se assimétricos, e a PA medida em ambos os braços pode apresentar diferença significatva. É possível ouvir sopro de regurgitação aórtca, podendo-se encontrar sinais de tamponamento cardíaco e derrame pleural. O ECG pode mostrar sinais de hipertrofia ventricular esquerda decorrente da HAS crônica, ser normal ou, eventualmente, mostrar isquemia miocárdica aguda, predominantemente nas derivações inferiores, quando a dissecção envolve o ósto coronariano direito. Já a radiografia de tórax pode mostrar um alargamento de mediastno e um contorno aórtco anormal; é possível encontrar, ainda, sinais de derrame pericárdico e pleural. O exame normal não afasta o diagnóstco. O diagnóstco final pode ser obtdo com a angiotomografia de tórax ou o ecocardiograma transesofágico (sensibilidade de 98%), eventualmente, com ressonância ou angiografia. O ecocardiograma transtorácico também pode ser usado, porém apresenta uma sensibilidade menor (75% para dissecções do tpo A e apenas 40% para dissecções do tpo B). Para pacientes instáveis, deve-se u tlizar o ecocardiograma transtorácico e, se não diagnostcada a dissecção, o transesofágico. O principal fator que determina o risco de dissecção, a progressão da dissecção e suas complicações, além da pressão arterial, é o ritmo de aumento da onda de pulso aórtco (dP/dT – variações da pressão em relação ao tempo), que tem, como principais determinantes, a amplitude da pressão de pulso e a Frequência Cardíaca (FC). Assim, o tratamento clínico deve incluir, simultaneamente, a redução da PA sistólica (para próximo de 100 a 110mmHg) e a do fluxo aórtco pulsátl (dP/dT), o que pode ser obtdo com um ant-hipertensivo de ação rápida, como o nitroprussiato de sódio, e de um beta-bloqueador parenteral, como o propranolol ou o metoprolol, para a tngir uma FC = 60bpm. É importante lembrar que o beta-bloqueador associado a vasodilatador é imprescindível, uma vez que o uso de um vasodilatador isoladamente pode levar a uma taquicardia reflexa aumentando a dP/dT e produzindo resultados deletérios ao paciente. O propranolol pode ser usado
na dose de 0,15mg/kg, iniciando-se com 1 a 2mg IV em 5 minutos, e repetndo-se a dose conforme necessário. Pode-se utlizar o metoprolol (Seloken®), iniciando-se com 5mg a cada 3 a 5 minutos para a tngir a FC necessária (em geral, 15mg). É importante lembrar o alívio da dor, que pode ser alcançado com morfina, em doses de 3 a 6mg IV, até atngir analgesia adequada.
B - Encefalopata hipertensiva O fluxo sanguíneo cerebral é autorregulado dentro de limites específicos. Em indivíduos normotensos, o fluxo sanguíneo cerebral permanece constante entre PA média (PAm) de 60mmHg a 120mmHg. Quando a PAm ultrapassa o limite superior da capacidade de autorregulação do fluxo sanguíneo, há a hiperperfusão cerebral, levando a uma disfunção endotelial, quebra da barreira hematoencefálica com aumento da permeabilidade, edema cerebral e micro-hemorragias. Em indivíduos normotensos, sinais de encefalopata podem ocorrer com PA tão baixa quanto 160x100mmHg, enquanto indivíduos com HAS de longa data, por terem sua curva de autorregulação desviada para a direita, podem não apresentar sinais e sintomas de encefalopata com PAs = 220x110mmHg ou maiores. A encefalopata hipertensiva pode ser definida como uma síndrome cerebral orgânica aguda que resulta da falência do limite superior da autorregulação vascular cerebral. Clinicamente, caracteriza-se pordistúrbios início agudo ou (incluindo subagudo de letargia, confusão, cefaleia, visuais amaurose) e convulsões (podem ser focais, generalizadas ou focais com generalização). Em geral, a encefalopata está associada à HAS não tratada ou subtratada. Uma série de outras circunstâncias pode estar associada à hipertensão arterial, como doença renal, terapia imunossupressora, uso de eritropoetna e Púrpura Trombocitopênica Trombótca (PTT) ou eclâmpsia. O fundo de olho é obrigatório, devendo-se procurar por papiledema, hemorragias e exsudatos. Deve-se realizar TC de crânio para diagnós tco diferencial com AVC. Em geral, a encefalopata hipertensiva não produz sintomas neurológicos focais, ao contrário dos AVCs isquêmicos e hemorrágicos. O tratamento pode ser realizado com nitroprussiato de tconvulsivantes sódio e ande outratamento, benzodiazepínicos), em caso convulsões. Na(fenitoína 1ª hora de o objetvo é reduzir de cerca de 20% a PAm ou uma PA diastólica de 100mmHg (atngindo o valor mais alto dessas 2 opções). Deve-se ter muito cuidado com hipertensos de longa data e idosos, em quem uma redução abrupta da PA pode causar isquemia cerebral por redução significatva do fluxo sanguíneo cerebral. Em caso de piora do estado neurológico, deve-se suspender ou reduzir a infusão do an t-hipertensivo.
139
A IC D É M A IC ÍN L C
CARDIOLOGIA C - Hipertensão maligna A hipertensão maligna caracteriza-se por necrosefibrinoide das arteríolas e proliferação mioin tmal das pequenas artérias, manifestadas por neurorretnopata e doença renal. É uma doença incomum nos dias de hoje, ocorrendo em, aproximadamente, 1% dos hipertensos. Sua mortalidade, se não tratada adequadamente, chega a 90% em 1 ano. Clinicamente, caracteriza-se por hipertensão e alterações de fundo de olho(retnopata graus III e IV de Keith-Wagener), especialmente o papiledema (grau IV). Além disso, pode haver: -
Sintomas gerais: astenia, mal-estar, fadiga e perda de peso são muito frequentes;
-
Sintomas cardiovasculares: ICC (apresentação inicial em 11% dos pacientes) e doença coronariana;
-
Sintomas neurológicos: cefaleia, tontura, encefalopata hipertensiva e AVCs.
O envolvimento renal é comum, varia em gravidade e pode variar de proteinúria não nefró tca a franca perda de função renal. Há creatnina acima de 2,3mg/dL em 31% dos pacientes na apresentação. O tratamento da hipertensão maligna deve ser realizado prontamente, entretanto pode variar na dependência da forma de apresentação. Assim, em pacientes com hipertensão maligna não complicada (sintomas gerais, como papiledema, mas sem grande perda de função renal ou sintomas cardiovasculare s ou neurológicos importantes), pode-se considerá-la uma urgência hipertensiva, e a redução da PA é possível mais lentamente ao longo de 24 a 48h, com an t-hipertensivos via oral. Contudo, se a hipertensão maligna é complicada por outras emergências como insu ficiência coronariana aguda, edema agudo de pulmão ou encefalopata hipertensiva, deve-se considerá-la uma verdadeira emergência hipertensiv a e devem-se usar medicações parenterais, como o nitroprussiato de sódio, com o cuidado de não reduzir excessiva e abruptamente a PA. Deve-se estar atento, ainda, ao balanço hidroeletrolítco e à função renal, pois a depleção volêmica é muito comum entre esses pacientes. Tabela 19 - Achados de história e examefsico das diferentes emergências hipertensivas Emergênciahipertensiva
Anamnese
Exame
fsico
Comentários
- Estertores pulmonares; - Paciente angustado e com dificul- Às vezes, podem ocorrer sibilos - Baixa saturação de oxigênio; Edema agudo de pulmão
dade para falar; - Geralmente, já apresenta algum grau de disfunção ventricular.
- B3 e/ou B4; - Pode ter estase de jugulares (não é obrigatório).
importantes, deixando dúvidas com o diagnóstco diferencial de asma.
Síndrome Coronariana Aguda (SCA)
- Dor ou sensação de opressão precordial; - Pode ser acompanhada de náuseas, dispneia e sudorese fria.
- B4 presente; - Pobres achados propedêutcos geralmente.
- A caracterização minuciosa da dor é a etapa mais importante na investgação de SCA.
Dissecção aguda de aorta
- Dor lancinante, pode ser precordial ou irradiar-se para as costas.
- Pode ter pulsos assimétricos; - Pode ter sopro diastólico em - É fundamental diferenciar de SCA. foco aórtco.
Encefalopata hipertensiva
- Letargia, cefaleia,confusão, distúr- Pode não ter qualquer acha- - Usualmente, é necessário excluir bios visuais e convulsões, todos com do ao exame fsico. AVC com tomografia. início agudo ou subagudo.
Hipertensão maligna
- Astenia, mal-estar, oligúria, sintomas vagos cardiovasculares e/ou - Fundo de olho: papiledema.
neurológicos. Acidente vascular encefálico isquêmico candidato - Súbita alteração neurológica (gea trombólise ou hemorralmente, motora ou sensitva). rágico Eclâmpsia
140
- Gestante após a 20ª semana de gestação ou até a 6ª semana após o parto.
- Potencialmente fatal, seu diagnóstco rápido só é possível comexame de fundo de olho.
- Diagnóstco diferencial com várias - Alterações no exame neurooutras condições clínicas, como lógico. hipo ou hiperglicemia.
-
- Diagnóstco prévio de pré-eclâmpsia e que desenvolve convulsões.
HIPERTENSÃO ARTE RIAL SI STÊMICA
A IC D É M A IC ÍN L C
Figura 7 - Condições clínicas na hipertensão e papiledema Tabela 20 - Drogas para uso em emergências hipertensivas Medicamentos
Dose
Nitroprussiato de sódio (vasodilatador 0,25 a 10mg/kg/min IV arterial e venoso) Nitroglicerina (vasodilatador arterial e venoso)
5a100mg/minIV
Hidralazina (vasodilatador de ação direta)
10 a 20mg IV ou 10 a 40mg IM 6/6h
Metoprolol (bloque- 5mg IV (repetr ador beta-adrenérgi- 10/10min, se necessáco seletvo) rio até 20mg)
Esmolol (bloqueador beta-adrenérgico seletvo de ação ultrarrápida)
Ataque: 500/kg, infusão intermitente: 25 a 50/kg/min. ↑ 25/kg/min cada 10 a 20min. Máximo: 300g/kg/min
Início
Imediato
2a5min
10a30min
5a10min
1 a 2min
Duração
1 a 2min
3a5min
Efeitosadversoseprecauções
Indicações
Náuseas, vômitos, intoxicação por cianeto. Cuidado na insuMaioria das emerficiência renal e hepátca e na gências hipertenpressão intracraniana alta. Hipo- sivas. tensão grave. Cefaleia, taquicardia reflexa, taquifilaxia, flushing, meta-hemoglobinemia.
Insuficiência coronariana, insuficiência ventricular esquerda.
3a12h
Taquicardia, cefaleia, vômitos. Piora da angina e do infarto. CuiEclâmpsia dado com pressão intracraniana elevada.
3a4h
Bradicardia, bloqueio atrioventricular avançado, insuficiência cardíaca, broncoespasmo.
1 a 20min
Dissecção aguda de aorta (em Náuseas, vômitos, BAV 1º grau, combinação com espasmo brônquico, hipotensão. NPS). Hipertensão pós-operatória grave.
Insuficiência coronariana. Dissecção aguda de aorta (em combinação com NPS).
141
CARDIOLOGIA Medicamentos
Dose
Início
Duração
Furosemida (diurétco)
20 a 60mg (repetr após 30min)
2 a 5min
Fentolamina (bloqueador alfa-adrenérgico)
Infusão connua: 1 a 5mg. Máximo 15mg
1a2min
30 a 60min
3a5min
Efeitosadversoseprecauções
Indicações
Hipopotassemia
Insuficiência ventricular esquerda. Situações de hipervolemia.
Taquicardia reflexa, flushing, tontura, náuseas, vômitos.
Excesso de catecolaminas.
NPS: nitroprussiato de sódio.
11. Resumo Quadro-resumo - A forma de aferição da PA deve ser corretamente aplicada, pois os critérios diagnós tcos da HAS são dependentes da forma de aferição; tvas; - Os critérios para definição de HAS são baseados na aferição pressórica em 2 consultas consecu
- A partr dos valores da PA, fatores de risco associados e existência de lesão em órgãos-alvo, as metas dos valores pressóricos a serem atngidos são diferentes; - A existência de fatores de risco, história ou alterações laboratoriais suges tvas de causa secundária da HA demandam inves tgação; - O reforço na adesão às medidas de mudanças dos hábitos de vida e o uso adequado das medicações devem ser sempretes mulados no paciente hipertenso.
142
ENDOCRINOLOGIA
CAPÍTULO
1 1. Introdução A hipófise localiza-se na base do crânio, em uma reentrância óssea chamada “sela túrcica”, e tem a importante função de coordenar o funcionamento das demais glândulas endócrinas por meio da secreção de hormônios específicos. Pesa, aproximadamente, 0,5 a 1g no adulto. Pode-se dividir a hipófise em 2 partes: - Hipófise anterior (ou adeno-hipófise): possui células endócrinas especializadas para síntese e secreção hormonal e corresponde a 80% do volume da hipó fise. A regulação da secreção desses hormônios é feita pelo hipotálamo (que secreta, predominantemente, substâncias estmuladoras da hipófise, com exceção da dopamina, que tem ação inibitória sobre a secreção de prolactna) e pelo feedback negatvo exercido pelos hormônios das glândulas periféricas (glândulas-alvo dos hormônios hipo fisários); - Hipófise posterior (ou neuro-hipófise): é composta pelos axônios de neurônios cujos corpos celulares estão no hipotálamo. Assim, os hormônios neuro-hipofisários (ADH e ocitocina) são sinte tzados no hipotálamo (núcleos paraventriculares e supraóptcos), levados até a hipófise posterior através da haste hipofisária e secretados na neuro-hipófise.
Doenças da hipófise Leandro Arthur Diehl / Rodrigo Antônio Brandão Neto
Os hormônios secretados pela adeno-hipófise são: - Hormônio de crescimento (GH): é estmulado pelo GHRH hipotalâmico, inibido pela somatostatna e pelo IGF-1 e secretado por células chamadas somatotrofos (50% das células da adeno-hipó fise). Estmula o crescimento linear, regula o metabolismo intermediário e induz a produção de IGF-1 (fator de crescimento insulina-símile 1) no fgado; - Gonadotrofinas: hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo-estmulante (FSH) – secretados pelos gonadotrofos (10% das células da adeno-hipófise) – são estmulados pelo GnRH secretado pelo hipotálamo, e inibidos pelo estrógeno, testosterona e inibina. Estmulam a secreção hormonal nas gônadas (ovário e tesculo), a ovulação e a espermatogênese; - Prolactna: secretada pelos lactotrofos (15% das células da adeno-hipófise), é estmulada pelo estrógeno e pelo TRH e inibida pela dopamina hipotalâmica. Leva ao crescimento mamário e à secreção de leite durante a gravidez e lactação; - Tireotrofina (TSH): secretada pelos treotrofos (5%), é estmulada pelo TRH (hipotalâmico) e inibida pela somatostatna e pelo T3. Estmula o funcionamento e o crescimento da treoide; - Hormônio adrenocortcotrófico (ACTH): secretado pelos cortcotrofos (15%), é estmulado pelo CRH produzido no hipotálamo e inibido pelos glicocor tcoides. Estmula a síntese de glicocor tcoides e androgênios pelas adrenais. As células da adeno-hipófise também podem ser classide acordo com sua coloração no estudo histológico (conforme apresentado na Tabela 1). ficadas
Tabela 1 - Classificação dos tpos celulares da adeno-hipófise conforme coloração histológica Coloração Acidófilas Figura 1 - Anatomia da hipó fise
% das células da adenohipófise 30a50%
Secreção Hormônios proteicos
Hormônios secretados PRL e GH
143
ENDOCRINOLOGIA
Coloração
% das células da adenohipófise
Secreção
Hormônios secretados
Basófilas
5a15%
Hormônios glicoproteicos
Cromófobas
40 a 50%
PróACTH, betaopiomelanocortna endorfina (POMC)
LH, FSH, TSH
O hormônio antdiurétco (ADH, ou vasopressina) é secretado na neuro-hipófise e regula a osmolalidade plasmátca por meio do controle da sede e da diurese. A ocitocina, outro hormônio secretado na hipófise posterior, estmula as contrações uterinas durante o parto e tem algum efeito antdiurétco semelhante ao do ADH.
Tabela 2 - Causas de hipopituitarismo Lesões de massa - Adenomas hipofisários: · Esporádicos; · Associados a Neoplasias Endócrinas Múltplas tpo 1 (NEM1); · Granulomas; · Cistos da bolsa de Rathke; · Metástases para a hipófise (mama, rim, pulmão); · Tumores cerebrais: craniofaringioma, meningioma, germinoma, glioma, condrossarcoma etc.; · His tocitose X. Doenças vasculares/isquêmicas - Necrose hipofisária pós-parto (Sheehan); - Apoplexia hipofisária; - Anemia falciforme;
2. Hipopituitarismo
- Eclâmpsia e pré-eclâmpsia;
A deficiência de hormônios hipofisários pode ser isolada (um único hormônio) ou múltpla. A deficiência de todos os hormônios da adeno-hipófise é conhecida como pan-hipopituitarismo. Disfunções na própria hipó fise ou no hipotálamo podem levar ao hipopituitarismo, e podem ser adquiridas ou congênitas. Doenças que acometem a hipó fise geralmente determinam deficiências hormonais na ordem apresentada na Figura 2:
- Isquemia (AVC); - Aneurisma cerebral. Doenças infiltratvas/infecciosas - Hemocromatose; - Sarcoidose; - Granulomatose de Wegener; - Tuberculose; - Neurossífilis; - Tripanossomíase africana; - Encefalite; - Micoses. Doenças autoimunes - Hipofisite linfocítca. Agentes externos - Trauma cranioencefálico; - Cirurgia ou radioterapia cerebral. Causas congênitas
Figura 2 - Ordem e frequência de surgimento das deficiências hormonais no hipopituitarismo
- Deficiência de fatores de transcrição envolvidos na embriogênese da hipófise, acarretando deficiências de múltplos hormônios (PIT-1; PROP-1, HESX-1, LHX-3); - Deficiências isoladas (GH, gonadotrofinas, TSH, outras). Idiopátco
A - Etologia As causas mais comuns são as adquiridas. Os tumores da região selar (principalmente os adenomas hipo fisários), bem como as sequelas do seu tratamento (cirúrgico e/ou radioterápico), são o principal grupo de e tologias do hipopituitarismo (76% dos casos). A 2ª lesão tumoral mais comum a determinar hipopituitarismo é o craniofaringioma (13%), uma neoplasia que se localiza na região supra-selar, costuma apresentar componente cístco e calcificações, e pode atngir grande volume. Uma ampla gama de distúrbios da hipófise ou hipotálamo também pode determinar hipopituitarismo (Tabela 2).
144
A síndrome de Sheehan é uma causa de hipopituitarismo que está se tornando cada vez menos comum, graças às melhoras no cuidado obstétrico. Corresponde, atualmente, a fisária (parcerca 0,5%que dosocorre casos.quando Trata-sehá dahemorragia necrose hipo cial oude total) periparto volumosa, com repercussões hemodinâmicas (choque). Nesse período, a hipófise está aumentada em volume e função devido às necessidades da própria gestação, o que aumenta sua suscetbilidade à lesão isquêmica. Cursa com agalac ta e falta de retorno dos ciclos menstruais após o parto. Em jovens que sofrem um trauma cranioencefálico (TCE), principalmente com perda de consciência, pode sur-
DOENÇAS DA HIPÓFISE
gir hipopituitarismo até 1 ano após o TCE. Metade desses pacientes apresenta fratura craniana, e o dé ficit mais comum é o Diabetes Insipidus (DI). A histocitose X é um distúrbio do sistema retculoendotelial, caracterizado pela proliferação de macrófagos, com ou sem reação inflamatória associada de eosinófilos, neutrófilos e células mononucleares envolvendo o tegumento, o osso e as vísceras. Tem etologia desconhecida e deve ser considerada em jovens com DI ou hipopituitarismo. A sarcoidose responde por, aproximadamente, 1% dos casos. Cerca de 8% dos casos de hipopituitarismo são idiopá tcos. Causas congênitas de cursar hipopituitarismo são raras (1:8.000 nascidos vivos) e podem com de ficiências hormonais múltplas ou isoladas, a depender do gene mutado (Tabela 3). A causa mais comum de pan-hipopituitarismo congênito parece ser a mutação de PROP1. Tabela 3 - Principais síndromes genétcas que cursam com hipopituitarismo Padrão de herança PIT-1
PROP-1
HESX-1 LHX-3
Deficiências
Outros achados
Autossômica recessiva
GH, PRL, TSH
Hipoplasia hipofisária
Autossômica recessiva
LH, FSH, GH, PRL, TSH (ACTH)
Aumento hipofisário na infância, evoluindo tardiamente para sela vazia
-
Displasia septo-óptca
LH, FSH, TSH
Coluna cervical rígida
GH, TSH, ACTH
Tonsilas cerebelares anormais
Autossômica recessiva ou dominante Autossômica recessiva
LHX-4
Autossômica dominante
KAL (síndrome de Kallmann)
Ligada ao X
DAX-1
Ligada ao X
LH, FSH, ACTH
Hipoplasia adrenal
GH1
Autossômica recessiva ou dominante
GH
-
AVP1
Autossômica dominante
ADH
DIcentral
de PraderWilli
Esporádica
LH, FSH
Obesidade, hiperfagia
Síndrome de BardetBiedl
Autossômica recessiva
LH, FSH
Distrofia retniana, obesidade, polidactlia
LH, FSH
Anosmia
diagnostca a deficiência de um hormônio hipo fisário, deve-se pesquisar a presença de deficiência dos demais hormônios. a) LH/FSH Sua deficiência causa o chamado hipogonadismo hipogonadotrófico. Quadros adquiridos cursam com perda de pelos corporais (principalmente na axila e púbis), diminuição da libido, risco aumentado de osteopenia/osteoporose e infertlidade. Homens apresentam redução do crescimento da barba, disfunção erétl e perda de massa muscular, enquanto mulheres apresentam amenorreia. Micropênis e criptorquidia podem estar presentes em casos congênitos. Deficiência de LH e FSH na infância/adolescência cursam com atraso puberal e amenorreia primária. A causa mais comum da deficiência isolada de LH/FSH é a síndrome de Kallmann, uma doença recessiva ligada ao X que acomete, principalmente, o sexo masculino (5:1). Hiposmia ou anosmia são característcas, devido à hipoplasia do bulbo olfatório; metade dos pacientes também tem agenesia renal unilateral. Em laboratório, observam-se testosterona ou estradiol baixos (ou no limite inferior do normal) na presença de LH e FSH baixos (ou normais-baixos). b) GH Sua deficiência causa baixa estatura em crianças; em adultos, as manifestações podem ser menos característcas: obesidade central, hipertensão arterial, hipercolesterolemia, redução do débito cardíaco e da tolerância a exercício, astenia, perda de massa muscular, depressão e isolamento social. Essas alterações provavelmente respondem pelo risco aumentado de morte cardiovascular observado em tais pacientes. A deficiência de GH é encontrada em pratcamente todos os pacientes que apresentam de ficiência de 3 outros hormônios adeno-hipofisários. O IGF-1 está reduzido nas crianças de ficientes, mas não é muito con fiável em adultos ou idosos, já que pode estar normal em 50% dos adultos com deficiência de GH. Geralmente, é necessário um teste de esmulo para diagnóstco definitvo: hipoglicemia induzida por insulina (padrão-ouro, mas com efeitos adversos potencialmente graves), clonidina (apenas em crianças), arginina IV ou levodopa/carbidopa. A reposição de GH em adultos com deficiência de GH, apesar de melhorar a composição corporal, ainda não demonstrou bene fcios clínicos significatvos. c) TSH
Síndrome
fi
B - Quadro clínico e diagnóstco O quadro clínico depende do hormônio de ficiente e do grau de deficiência (parcial ou completa). Sempre que se
treoidismo O hipo secundário, pela de ciência de TSH, é uma causa rara de hipo tcausado reoidismo. Observam-se T4 livre baixo e TSH baixo (ou inadequadamente normal), mas, eventualmente, o TSH pode estar discretamente elevado (moléculas sem atvidade biológica).
d) ACTH Sua carência leva à insuficiência adrenal secundária. Geralmente, as manifestações clínicas são mais leves que na insuficiência adrenal primária (por patologias adrenais),
145
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA visto que a secreção de mineralocortcoides (regulada pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona, e não pelo ACTH) é preservada na insu ficiência adrenal secundária e perdida na insuficiência primária. O diagnóstco é feito com cortsol baixo (basal <4mcg/dL ou após esmulo com ACTH <20mcg/dL); o ACTH está baixo ou inadequadamente normal. Não há hiperpigmentação cutâneo-mucosa nem hipercalemia na insuficiência adrenal secundária; o achado dessas alterações sugere hipoadrenalismo primário. e) Prolactna Sua deficiência manifesta-se, principalmente, pela incapacidade de amamentar (agalacta) no puerpério. Entretanto, pode estar aumentada nos casos de doença hipotalâmica ou compressão da haste hipo fisária por tumores parasselares (pela perda da inibição tônica pela dopamina, produzida no hipotálamo). f) Outros achados Outros achados incluem pele seca e frágil, palidez, aumento das rugas faciais e astenia (no pan-hipopituitarismo). Pode haver alterações laboratoriais inespecíficas, como hipoglicemia, hiponatremia, anemia hipocrômica microcí tca, dentre outros. Hipercalemia não é observada. Na avaliação do hipopituitarismo, deve-se realizar o estudo por imagem da região da sela túrcica e hipotálamo. A ressonância magnétca é o exame de escolha, pela maior sensibilidade para lesões pequenas ou discretas. Tumores podem ser visualizados como lesões expansivas. A histocitose X pode produzir espessamento da haste hipo fisária. Causas congênitas podem cursar com hipoplasia hipofisária ou síndrome da sela vazia (preenchimento da sela túrcica por líquido cefalorraquidiano). Entretanto, muitas vezes o achado de sela “vazia” corresponde somente a uma debilidade congênita do diafragma selar, sem nenhum distúrbio hormonal de importância clínica.
C - Tratamento Deve-se tratar a doença de base, se possível. A exérese transesfenoidal de adenomas hipo fisários que comprimem o tecido hipofisário normal (ou a haste hipofisária) pode levar à reversão do hipopituitarismo em algumas situações. Entretanto, em grande número de casos, o tratamento consistrá na reposição permanente dos hormônios de ficientes. A reposição de glicocortcoides é feita com acetato de cortsona (25mg/dia, divididos em 2 a 3 doses), hidrocortsona (12 a 15mg/m2/dia, em 2 ou 3 doses) ou prednisona (5 a 7,5mg/dia, em 1 ou 2 doses). Mineralocor tcoides geralmente são desnecessários. Deve-se orientar o paciente a aumentar a dose de cor tcoide durante intercorrências médicas (2 a 3 vezes em intercorrências leves, ou hidrocortsona 50mg IV 6/6h durante problemas graves). A levotroxina é a medicação de escolha para reposição no hipotreoidismo. É importante ressaltar que ela só deve ser iniciada depois que uma possível insuficiência adrenal tver sido excluída ou tratada, pelo risco de piora da insufici-
146
ência adrenal no início da reposição de T4. A monitorização deve ser feita pelos níveis de T4 livre, e não pelo TSH. A dose média é um pouco menor do que no hipo treoidismo primário: 75 a 150mcg/dia. Os hormônios sexuais também podem ser repostos, após confirmação diagnóstca e definição da etologia do hipogonadismo. Em homens, está indicado o uso de testosterona (enantato ou cipionato), 200 a 300mg IM a cada 2 a 3 semanas ou, como alternatva, testosterona transdérmica (adesivos ou gel). A espermatogênese pode ser estmulada com injeções de gonadotro fina coriônica humana. Em mulheres, podem-se usar estrogênios equinos conjugados 0,3 a 1,25mg/dia, ou et(estrógenos nilestradiol, 20 a 50mcg/dia, ou estradiol, 0,5 a 2mg/dia), associados ou não a progestágenos (progesterona natural micronizada, 100mg/dia, ou acetato de medroxiprogesterona, 2,5 a 10mg/dia). Os progestágenos diminuem o risco de hiperplasia e carcinoma endometrial em mulheres com útero intacto, mas aumentam o risco de câncer de mama e eventos tromboembólicos; por isso, estão contraindicados a mulheres com carcinoma de mama, história de tromboembolismo, hepatopata ou gestação. Em mulheres com trombose venosa ou hipertrigliceridemia, deve-se usar estrógeno por via não oral (transdérmico ou intramuscular). Outras opções de reposição hormonal em situações especí ficas são os moduladores seletvos dos receptores estrogênicos (SERMS: raloxifeno, tamoxifeno), a tbolona e os fitoestrógenos. Em mulheres com queixa de perda de libido, pode-se tentar o uso de androgênios como a DHEA (30 a 50mg/ dia). A ovulação pode ser es tmulada com citrato de clomifeno ou similares. A de ficiência de GH é tratada com injeções subcutâneas diárias (noturnas) de hormônio de crescimento humano recombinante. A dose é de 0,1U/kg/dia em crianças e 0,3 a 2U/dia em adultos. A reposição de GH está indicada a crianças, para prevenir a perda signi ficatva de estatura associada à deficiência desse hormônio, e a adultos sintomátcos, em quem pode melhorar a energia, o psiquismo, reduzir a gordura visceral e reverter alterações metabólicas (resistência à insulina, dislipidemia). Entretanto, pode haver efeitos adversos, como edema, artralgia, pseudotumor cerebral, ginecomasta, síndrome do túnel do carpo, hipertensão e retnopata proliferatva, principalmente nos mais idosos; por isso, deve-se usar a menor dose efe tva, objetvando-se um nível de IGF-1 dentro da média normal para o sexo e faixa etária. Ao iniciar a reposição dos hormônios hipo fisários em pacientes com pan-hipopituitarismo, deve-se sempre iniciar pelos glicocortcoides antes das demais reposições (em 2º, o hormônio treoidiano, depois os hormônios sexuais e, por últmo, o GH). Pacientes em quem se repõe o hormônio treoidiano sem reposição adequada de glicocortcoides podem evoluir com piora da insuficiência adrenal (crise adrenal), já que o aumento dos níveis de T4 pode levar a um aumento agudo do catabolismo do cortsol.
DOENÇAS DA HIPÓFISE
Tabela 4 - Resumo do tratamento das deficiências de hormônios hipofisários Hormônio deficiente
Tratamento
Controle
- Acetato de cortsona 25mg/dia, dividida em 2 a 3 doses/dia ou; ACTH
- Hidrocortsona 12 a 15mg/m2/dia, Quadro dividida em 2 a 3 doses/dia ou; clínico - Prednisona 5 a 7,5mg/dia, em 1 a 2 doses/dia.
TSH
-Levo troxina, 75 a 150mcg/dia.
T4 livre
- Homens: testosterona (enantato ou cipionato, 200 a 300mg IM a cada 2 a 3 semanas; ou adesivo ou gel);
LH / FSH
GH
- Mulheres: estrogênios (conjugados 0,3 a 1,25mg/dia, ou etnilestradiol Quadro 20 a 50mcg/dia, ou estradiol 0,5 a clínico 2mg/dia), ou SERMS (raloxifeno), associados ou não a progestágenos (progesterona natural 100mg/dia ou acetato de medroxiprogesterona 2,5 a 10mg/dia). - GH recombinante SC 0,1u/kg/dia em IGF-1 crianças ou 0,3 a 2u/dia em adultos.
Observação: em pacientes com múltplas deficiências, sempre repor 1º os glicocortcoides.
3. Diabetes insipidus O DI é uma patologia incomum, que cursa com a excreção de grandes volumes de urina, caracteris tcamente diluída, hipotônica e insípida (srcem do nome da doença). Decorre da falta de ação do hormônio antdiurétco (ADH, ou vasopressina), devido à falta de secreção (DI neurogênico, ou central) ou à resistência ao seu efeito biológico (DI nefrogênico).
A - DI neurogênico O DI neurogênico é provocado por doenças que acometem o hipotálamo ou a haste hipo fisária. O acometmento isolado da hipófise posterior não causa DI, visto que o ADH é produzido pelos corpos celulares dos neurônios hipotalâmicos, portanto sua deficiência clínica só ocorre quando há destruição desses neurônios (lesão hipotalâmica). As e tologias do DI neurogênico podem ser divididas em 2 grupos: - Diabetes insipidus neurogênico secundário: mais comum que o primário, decorre de dano ao hipotálamo ou à haste hipofisária provocado por várias patologias possíveis: adenomas hipofisários, outras neoplasias da região, metástases, encefalopata anóxica, TCE, cirurgia, radioterapia, sarcoidose, histocitose X, infecções (tuberculose, sífilis, encefalite), hipofisite linfocítca e alterações vasculares (AVC, aneurismas). Após cirurgia sobre a região hipotalâmico-hipofisária, é frequentemente observado um DI transitório (30 a 60% dos
casos), com evolução trifásica: poliúria com urina hipotônica nos primeiros 4 a 5 dias de pós-operatório, seguida de oligúria com urina hipertônica e risco de hiponatremia nos próximos 5 a 7 dias, com retorno à normalidade ou evolução para DI permanente a seguir. Considera-se permanente o DI que dura mais de 15 dias, no pós-operatório; - Diabetes insipidus neurogênico primário: não há lesão identficável aos exames de imagem. Muitas vezes, é de fundo genétco, e pode ser esporádico ou familiar (em que costuma ser de herança autossômica dominante e relacionado a mutações no gene da própria vasopressina – gene AVP).
B - DI nefrogênico O DI nefrogênico é determinado por um defeito dos túbulos renais que diminui sua resposta ao ADH e, assim, diminui a reabsorção de água. Os pacientes apresentam secreção normal de ADH, mas não resposta ao hormônio endógeno ou à administração de ADH exógeno. Pode ser congênito ou adquirido. - Diabetes insipidus nefrogênico congênito: mais de 90% correspondem a mutações no gene AVPR2, com herança ligada ao X. É um quadro severo de DI, que se manifesta desde o nascimento, devido à expressão defeituosa do V2R, um receptor do ADH normalmente presente nos túbulos coletores renais. Cerca de 8% dos casos de DI nefrogênico congênito se devem a mutações do gene da aquaporina 2 (AQP2), um canal de água presente nos túbulos coletores renais, sensível à ação do ADH; tem padrão de herança autossômica recessiva; - Diabetes insipidus nefrogênico adquirido: mais comum, pode ser encontrado em várias situações, dentre elas, pielonefrite, amiloidose renal, mieloma múl tplo, hipocalemia, síndrome de Sjögren, anemia falciforme, hipercalcemia crônica e uso de medicações (cortcoides, diurétcos, demeclociclina, líto, foscarnete). Outra possível etologia é o DI gestacional, em que há degradação exagerada de ADH por aumento das vasopressinases placentárias, acarretando poliúria (transitória) no 3º trimestre e/ou puerpério. Um diagnóstco diferencial importante é a polidipsia primária, um distúrbio frequentemente associado a transtornos psiquiátricos bipolar) ou a lesões cerebrais com(esquizofrenia, alteração dos distúrbio mecanismos da sede, em que o paciente ingere grandes volumes de líquidos.
C - Quadro clínico e diagnóstco Clinicamente, o paciente apresenta poliúria (3 a 18L/ dia), além de enurese noturna, sede intensa (principalmente por líquidos gelados, no DI neurogênico), depleção e hipernatremia nos casos mais graves. Adultos podem
147
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA apresentar hiperuricemia. Considera-se anormalmente aumentado o volume de diurese maior que 50mL/kg/dia, ou >3L/dia para adultos, na ausência de expansão de volume. O diagnóstco requer a quantficação do volume de diurese e da ingestão hídrica, a determinação da osmolaridade urinária (menor que a do plasma) e da densidade urinária (menor que 1.006), e a exclusão de outras causas de poliúria e polidipsia: Diabetes Mellitus (DM) descompensado, polidipsia primária, hipercalcemia, síndrome de Cushing, medicamentos (líto) etc. Se a osmolaridade plasmátca for maior que 295mOsm/L
tco do paciente ao final do teste (antes da administração
de DDAVP): <5pg/mL no neurogênico, e em torno de 10 a 20pg/mL no nefrogênico. Nos casos centrais, deve-se realizar estudo por imagem da região selar, que pode evidenciar lesões expansivas ou, nos casos primários, a perda do ponto brilhante correspondente à neuro-hipófise na ressonância magnétca em T1 (Figura 3).
enós at urinária inferior à do plasma (urina hipotônica), o diagco de DI já poderá ser estabelecido. Caso isso não ocorra espontaneamente, deve-se realizar a confirmação com o teste de privação hídrica: mantém-se o paciente em jejum, sob observação, e seu peso, diurese, osmolaridade/ densidade urinária e natremia/osmolaridade plasmátca são avaliados de hora em hora, durante 4 a 8 horas. O teste é interrompido no momento em que o paciente perde pelo menos 3% do peso corporal ou a osmolaridade plasmá tca atnge valores >296mOsm/L. Nesse momento, administra-se DDAVP, um análogo sintétco do ADH, por via nasal (10mcg) ou subcutânea (1,2mcg), a ingesta de fluidos é liberada, e observam-se o débito urinário, a osmolaridade/ densidade urinária e a natremia/osmolaridade plasmá tca por mais algumas horas. Ao final do teste, a presença de diurese hipotônica, mesmo na presença de depleção volumétrica e/ou hiperosmolaridade plasmátca, confirma o DI. A administração de DDAVP, aofinal do teste, tem por objetvo diferenciar entre os quadros neurogênicos e nefrogênicos de DI. Caso haja resposta ao DDAVP, com aumento de 50% ou mais da osmolaridade urinária (bem como redução da diurese e aumento da densidade urinária), trata-se de uma etologia neurogênica; o nefrogênico não apresenta resposta ao DDAVP. Resposta menor que 50% pode ser vista em casos de DI nefrogênico parcial, neurogênico parcial ou polidipsia primária (Tabela 5). Tabela 5 - Interpretação do teste de privação hídrica Osmolaridade urinária (mOsm/L) Diagnóstco
Após restrição hídrica
Após DDAVP
>750
>750*
-Normal.
<300
>750*
- DI neurogênico completo.
<300
<300
- DI nefrogênico completo. - DI neurogênico parcial;
300a750
<750**
- DI nefrogênico parcial; - Polidipsia primária.
* Ou aumento >50% da osmolaridade urinária. ** Ou aumento <50% da osmolaridade urinária.
A distnção entre quadros parciais de DI neurogênico ou nefrogênico pode ser feita pela dosagem de ADH plasmá-
148
Figura 3 - Ressonância magnétca de sela túrcica, em corte sagital, de um indivíduo normal (na imagem de baixo) e de um paciente com DI neurogênico (na imagem de cima)
DOENÇAS DA HIPÓFISE
D - Tratamento O tratamento envolve uma adequada reposição hídrica, que pode ser o único tratamento necessário nos casos leves ou parciais. Nos pacientes com DI central ou gestacional, utliza-se o DDAVP, geralmente por via nasal (solução ouspray), na dose de 5 a 50mcg a cada 12 a 24h. Também há apresentações do DDAVP para uso oral (comprimidos de 100mcg, 1 a 12 comprimidos/dia) ou subcutâneo. Clorpropamida, carbamazepina e clofibrato também podem ser úteis. O DI nefrogênico completo é de difcil tratamento, pois não responde ao DDAVP. Nos casos de DI nefrogênico parcial, podem-se usar doses altas de DDAVP, associadas a uma dieta hipossódica. Uma alternatva é usar hidroclorotazida (50 a 100mg/dia) ou amilorida, além de an t-inflamatórios não hormonais (ibuprofeno, indometacina). O DI secundário ao líto geralmente reverte após a suspensão da droga.
4. Tumores hipofisários Diversos tpos de neoplasias podem acometer a região da hipófise e hipotálamo. Dentre os tumores da região selar (onde se encontra a hipófise), os mais comuns são os adenomas hipofisários, benignos, que respondem por 10% dos tumores cerebrais.
A - Manifestações clínicas dos adenomas hipofi
sários
As manifestações clínicas dos adenomas hipo fisários podem ser classificadas em 3 grupos: -
-
-
Síndromes de excesso hormonal: decorrentes da secreção exagerada de 1 ou mais hormônios hipofisários pelo próprio tumor (exemplo: acromegalia, no adenoma secretor de GH). Alguns adenomas, mesmo sem secretar prolactna em excesso, podem levar à hiperprolactnemia. Isso ocorre quando o adenoma comprime a haste hipofisária e interrompe a inibição tônica exercida pela dopamina hipotalâmica sobre a secreção de prolactna pela hipófise normal. A hiperprolactnemia, nesta situação, costuma ser leve a moderada (até 100ng/mL); Deficiências hormonais (hipopituitarismo): devidas à invasão/compressão da hipófise normal por um adenoma hipofisário volumoso ou invasivo; Sintomas decorrentes dos efeitos de massa: (cefaleia, compressão do quiasma óptco ou de estruturas nervosas vizinhas), nos adenomas volumosos ou suprasselares.
Sinais e sintomas da presença de um tumor na região selar dependem do volume da massa e de quais estruturas são invadidas e/ou comprimidas por ele. O quiasma óptco,
pela sua posição anatômica superior à sela túrcica, é uma das estruturas mais afetadas. O crescimento do tumor em direção cranial comprime a região medial do quiasma (por onde passam as fibras nervosas que inervam a parte nasal da retna), acarretando perda de visão, inicialmente, nos quadrantes temporais superiores (quadrantanopsia temporal superior), depois progredindo para a totalidade dos campos temporais (hemianopsia temporal bilateral) e, em últma instância, determinando amaurose completa. A perda de visão poderá ser reversível se a duração da compressão for curta, mas compressões de longa duração podem cursar com palidez e atro fia dos nervos óp cos. A avaliação t é feita por campimetria visual. Além do quiasma óp tco, os pares cranianos (III, IV e VI) podem sofrer compressão por tumores de crescimento lateral no ponto onde cruza o seio cavernoso. Tumores crescendo em direção caudal podem erodir o soalho da sela túrcica e invadir o seio esfenoidal ou até mesmo a nasofaringe (fstula liquórica).
B - Classificação dos adenomas hipofisários Os adenomas podem ser classificados, quanto à função, em clinicamente funcionantes (aqueles que levam a alguma síndrome de excesso hormonal), ou clinicamente não funcionantes (os que não causam repercussão clínica decorrente de algum excesso hormonal). Cerca de 25 a 35% dos tumores hipofisários são lesões clinicamente não secretoras, e, mais de 90% desses tumores são adenomas (benignos). A frequência dos diferentes adenomas, quanto à sua secreção hormonal, é apresentada na Tabela 6. Tabela 6 - Classificação dos adenomas quanto à sua secreção hormonal, com respectva frequência relatva Secreção hormonal Adenomas clinicamente não funcionantes Adenomasc linicamentef uncionantes Prolactnoma
Frequência rela tva 25 a 35% 70% 50% a40
Acromegalia
10 15% a
Doença de Cushing
10 a 15%
Tireotrofinoma
<1%
A denominação adenoma não funcionante não deve ser usada, pois muitos dos tumores que não causam alteração clínica ou laboratorial indica tva de hipersecreção hormonal sintetzam diversos pepdios (principalmente: LH, FSH e subunidade alfa) que não causam repercussão laboratorial ou clínica, e que só são detectados pela imuno-histoquímica no pós-operatório. A melhor denominação para esse tpo de tumor, portanto, é adenoma clinicamente não funcionante, ou clinicamente não secretor. Tais tumores geralmente provocam apenas sintomas de massa (pela compressão de quiasma óptco) ou de hipopituitarismo (quando interferem na função da hipófise normal adjacente, levando à hipofunção da mesma). Os adenomas hipofisários também podem ser classificados, quanto ao tamanho, em microadenomas (até 10mm
149
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA de diâmetro máximo) ou macroadenomas (maiores que 10mm) (Figura 4). A maioria dos tumores não secretores que causam sintomas é composta por macroadenomas (>10mm), alguns dos quais com extensão suprasselar e invasão de estruturas vizinhas. O exame de imagem de escolha para estudo da região hipofisária é a ressonância magné tca, pela sua melhor definição espacial e maior sensibilidade para lesões pequenas (Figura 3). O achado (nos exames de imagem) de uma lesão em região da sela túrcica deve motvar a pesquisa clínica e laboratorial de disfunções hormonais. Na tomografia, adefi
C - Outras lesões de massa da região selar Outras patologias que podem determinar lesões de massa na região selar estão listadas na Tabela 7. O craniofaringioma responde por 3% dos tumores intracranianos e até 10% dos tumores cerebrais em crianças. Surge dos remanescentes da bolsa de Rathke e cresce cranialmente, podendo atngir grandes volumes, apresentando à tomografia um aspecto cístco, muitas vezes com calcificações. Tabela 7 - Causas de lesões de massa na região selar
fi
nomas sários são após hipodensos emdorelação à hipó se normal,hipo principalmente a injeção contraste.
fi
- Adenomas hipo sários: · Funcionantes; · Não funcionantes. - Cisto da bolsa de Rathke; - Craniofaringioma; - Cistos aracnoides; - Cisto dermoide e epidermoide; - Meningioma; - Glioma; - Hamartoma; - Germinoma; - Cordoma; - Carcinoma de nasofaringe; - Metástases; - Aneurisma de carótda; - Sarcoidose; - Granuloma de células gigantes; - Hipofisite linfocítca (autoimune); - Gravidez; - Hipotreoidismo primário severo.
5. Hiperprolactnemia e prolactnoma A - Hiperprolactnemia A hiperprolactnemia ocorre por aumento na secreção de prolactna decorrente de causas fisiológicas (gestação, estresse, sono, exercício), medicamentosas, adenomas hipofisários e diminuição do tônus inibitório dopaminérgico. A causa mais comum de hiperprolac tnemia é o uso de medicações que bloqueiam as vias dopaminérgicas, inibidoras da secreção de prolactna, enquanto o prolac tnoma é a 2ª causa mais comum. As manifestações clínicas de hiperprolactnemia são
Figura 4 - Ressonância magnétca de sela túrcica mostrando vários tpos de adenoma hipofisário: (A) hipófise normal; (B) microadenoma hipofisário e (C) macroadenoma hipofisário
150
mais evidentes mulheres: galactorreia (30fico), a 80%), amenorreia (por em hipogonadismo hipogonadotró dispareunia, perda de libido, hirsu tsmo, acne e ganho de peso. Homens também podem apresentar galactorreia (12 a 30%), além de diminuição da libido, disfunção eré tl (em 75%), infertlidade (pelo hipogonadismo hipogonadotrófico) e, raramente, ginecomasta. A osteoporose pode ser uma complicação, relacionada ao hipogonadismo hipogonadotrófico. Apenas 50% dos casos de galactorreia são associados à hiperprolactnemia.
DOENÇAS DA HIPÓFISE
O diagnóstco diferencial da hiperprolac tnemia é amplo e, muitas vezes, difcil. Devem-se sempre colher pelo menos 2 exames, em dias separados, após repouso, para confirmar a presença de prolac tna elevada. As causas fisiológicas sempre devem ser pesquisadas, por serem muito comuns: gravidez, lactação, estresse, exercício, sono e es mulo das mamas. Dentre as não fisiológicas, a causa mais comum é o uso de medicações, sendo extensa a lista de substâncias que podem levar à elevação da prolactna. As drogas mais frequentemente associadas à hiperprolactnemia são apresentadas na Tabela 8.
a desconexão hipotalâmico-hipofisária por compressão da haste é a causa mais provável da hiperprolactnemia. Outra situação a ser lembrada é a chamada macroprolactnemia, caracterizada pelo aumento da prolac tna plasmátca na ausência de manifestações clínicas. Esse fenômeno se deve à presença de uma molécula anormalmente grande no plasma, chamada macroprolactna (big-gig prolactn), composta por várias moléculas de prolactna ligadas entre si por pontes de IgG, que apresenta pouco efeito biológico e não necessita de tratamento na maioria das vezes (exceto se o paciente é sintomátco). O diagnóstco de macroprolactnemia é oferecido pela precipitação do soro do paciente com
Tabela 8 - Substâncias que podem causar hiperprolactnemia - Neuroléptcos: haloperidol, clorpromazina, risperidona;
polietlenoglicol ou pela cromatografia líquida. A precipitação com etlenoglicol é o exame de escolha, por ser de menor custo. Se a recuperação da prolactna no sobrenadante for menor que 30% do valor inicial após a precipitação, será confirmada a macroprolactnemia; se a recuperação for >60 a 65%, afasta-se macroprolactnemia (predomínio das formas leves, monoméricas da prolactna); e se a recuperação for de 30 a 60 a 65%, o resultado será indeterminado e estará indicada a cromatografia para melhor avaliação. Se o paciente apresenta hiperprolactnemia, na ausência de gestação, hipo treoidismo primário ou uso de medicamentos/drogas, está indicado o estudo de imagem da região hipotalâmico-hipofisária (preferencialmente, por ressonância magnétca). Em alguns casos, não é encontrada a causa da hiperprolactnemia (ausência de causas secundárias e ressonância normal). Essa situação é denominada hiperprolac tnemia idiopátca e pode representar casos de microadenomas
- Antdepressivos: tricíclicos, fluoxetna; - Sedatvos: alprazolam; - Anorexígenos: anfepramona, femproporex; - Analgésicos opioides: morfina, tramadol, dolantna; - Antconvulsivantes: ácido valproico, fenitoína; - Drogas de abuso: maconha, cocaína, heroína, anfetaminas; - Antácidos: cimetdina, ranitdina; - Antemétcos: metoclopramida; - Ant-hipertensivos: metldopa, verapamil, atenolol; - Estrogênios; - Inibidores da protease; - Azatoprina.
Outras causas endócrinas de hiperprolactnemia são o hipotreoidismo primário (pelo aumento do TRH com consequente esmulo à secreção de prolactna pela hipófise, reversível com a reposição de levotroxina), a insuficiência adrenal e a síndrome dos ovários micropolicís tcos. Alguns tumores da região selar podem levar a aumento da prolactna por simples compressão da haste hipo fisária (interrompendo a inibição tônica da prolactna determinada pela dopamina hipotalâmica), sem secreção de prolac tna pelo tumor em si: são os pseudoprolac tnomas. Finalmente, doenças sistêmicas como a insu ficiência renal e a cirrose hepátca podem provocar hiperprolac tnemia por redução do clearance do hormônio. Nessas etologias (medicamentos, hipotreoidismo, ovários policístcos, compressão da haste hipo fisária), o nível de prolactna geralmente é pouco elevado e dificilmente excede 100ng/mL, embora as manifestações clínicas (especialmente no caso do uso de medicações) possam ser tão intensas quanto no prolactnoma. Já no prolactnoma, os níveis de prolactna tpicamente são maiores que 100 a 150ng/mL (valor normal: <25 a 30ng/mL). Em pacientes com dúvida entre hiperprolac tnemia tumoral e compressão de haste (por exemplo: presença de adenoma hipofisária e prolactna pouco elevada, <100ng/ mL), pode-se administrar uma dose pequena de bromocriptna (1,25mg) por 7 dias, e dosar a prolac tna no 8º dia. Se não houver normalização da prolac tna, o diagnóstco de prolactnoma será fortemente sugerido. Se normalizar,
hipofisários muito pequenos para serem detectados pelos exames de imagem. Um algoritmo útl para guiar a investgação dos casos de hiperprolactnemia é apresentado na Figura 5.
Figura 5 - Investgação da hiperprolactnemia
151
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA B - Prolactnoma O adenoma secretor de prolactna (prolactnoma) é a 2ª causa mais comum de hiperprolactnemia patológica (depois do uso de medicamentos) e o tpo mais comum de adenoma hipofisário clinicamente funcionante (correspondendo à metade destes). Prolactnomas são 10 vezes mais comuns em mulheres e geralmente cursam com níveis de prolactna bastante elevados (>100 a 150ng/mL). Geralmente, o nível de elevação da prolactna plasmátca guarda uma boa correlação com o tamanho do tumor, sendo os níveis mais altos de prolac tna observados em macroadenomas volumosos. Em até 10% dos prolactnomas, o adenoma pode secretar outros hormônios (por exemplo, GH) juntamente com a prolactna, por isso a dosagem de IGF-1 sempre está indicada na suspeita de prolactnoma. Formas familiares podem existr, relacionadas à Neoplasia Endócrina Múltpla tpo 1 (NEM-1). Devido ao fato dos sintomas serem mais discretos no sexo masculino, os prolactnomas geralmente são diagnostcados numa fase mais tardia em homens do que em mulheres. Assim, a maioria (90%) dos prolac tnomas em mulheres corresponde a microadenomas, enquanto em homens a maioria (80 a 90%) é de macroadenomas. Cefaleia é uma queixa comum e está presente em 50 a 63% dos prolactnomas. Alguns macroadenomas produtores de prolac tna podem apresentar-se com sintomas compressivos e sintomas compaveis com hiperprolactnemia (galactorreia, hipogonadismo), embora a dosagem de prolac tna não resulte tão elevada (<100 a 150ng/mL). Uma possibilidade, em tumores volumosos, é o chamado “efeito gancho”, que acontece quando os níveis plasmátcos de prolactna estão extremamente elevados, levando à interferência nos métodos laboratoriais utlizados e determinando valores falsamente baixos (ou não tão elevados) de prolac tnemia. Essa interferência só acontece com ensaios imunométricos de uma etapa. Pode-se evitar esse problema diluindo a amostra (em 100 vezes) ou usando ensaios imunométricos de 2 etapas, que não sofrem tal interferência. Deve-se suspeitar do efeito gancho em pacientes com tumores de grandes dimensões, bastante sintomátcos, mas com prolac tna pouco elevada. Tratamento dos prolactnomas O tratamento de escolha para prolactnomas, mesmo nos tumores volumosos, consiste no uso dos agonistas dopaminérgicos derivados da ergotamina, como a bromocriptna (5 a 10mg/dia) ou a cabergolina (0,5 a 1mg, 1 a 2x/ semana). Essas drogas são eficazes em reduzir os sintomas clínicos, normalizar os níveis de prolac tna e recuperar a função gonadal em 80 a 90% dos casos, além de levarem à redução do tamanho do tumor em mais de 70 a 80% das vezes, especialmente em microprolactnomas. A fertlidade é normalizada em 80% das pacientes, permitndo a gravidez na maioria. A bromocriptna é preferida para uso durante a -
152
gestação, mas raramente é necessária durante a gravidez (apenas em macroadenomas com tendência de crescimento). Em alguns pacientes, o uso prolongado das medicações consegue levar ao desaparecimento da lesão tumoral, permitndo a retrada gradual da droga em alguns casos. Possíveis efeitos colaterais incluem náuseas, vômitos, vertgem, cefaleia, hipotensão postural, fadiga, obs tpação intestnal e vasoespasmo digital, que geralmente são mais intensos no início do tratamento e podem ser reduzidos pelo início gradual da medicação (com aumentos graduais de dose). A cabergolina geralmente é preferida devido à menor frequência de efeitos colaterais, maior e ficácia (por ter maior afinidade pelos receptores dopaminérgicos D2) e maior comodidade posológica, embora tenha maior custo que a bromocriptna. A cirurgia por via transesfenoidal também pode ser indicada em microprolactnomas de fácil acesso (em que a taxa de cura é alta) ou em tumores refratários à medicação. A radioterapia é uma opção em tumores refratários à medicação, mas a sua e ficácia é baixa, e a redução dos níveis de prolactna pode levar de 5 a 10 anos para manifestar-se, além de apresentar alto risco de hipopituitarismo.
6. Acromegalia A acromegalia é uma síndrome causada pelo excesso crônico de hormônio de crescimento (GH) que, em mais de 95% dos casos, é causada por um adenoma hipofisário que secreta GH. Se o excesso de GH surgir antes do fechamento das ganho cartlagens de crescimento (infância/adolescência), ocorre excessivo de altura (gigan tsmo). A grande maioria dos tumores é de macroadenomas (80 a 90%). Os adenomas hipofisários podem produzir apenas GH (60%) ou serem compostos de mais de 1 tpo celular (tumores mistos), produzindo GH em associação a outro hormônio hipofisário (mais comumente, prolactna). Causas mais raras de acromegalia incluem a secreção ectópica de GHRH (5% – por carcinoides brônquicos ou gastrintestnais), o excesso de GHRH causado por doenças hipotalâmicas (1% – hamartoma etc.) e, muito raramente, o carcinoma hipofisário secretor de GH e os tumores extra-hipo fisários secretores de GH. Os adenomas hipofisários secretores de GH são, na maior parte das vezes, por mutações em ponto do gene da proteína G estmulatória (GSP) ou do gene transformador de tumores hipofisários (PTTG). A Neoplasia Endócrina Múltpla tpo 1 (NEM-1, causada por mutação no gene supressor tumoral menin, no cromossomo 11) e o complexo de Carney também podem estar associados à acromegalia/gigan tsmo. A acromegalia atnge igualmente ambos os sexos, é mais comum entre os 30 e 50 anos e determina aumento de 2 a 3 vezes na mortalidade, principalmente por causas cardiovasculares e respiratórias (sobrevida encurtada em 5 a 10 anos). Entretanto, é uma doença rara, com incidência estmada de 3 casos novos por milhão de habitantes/ano e prevalência de 50 a 60 casos/milhão.
DOENÇAS DA HIPÓFISE
As manifestações clínicas instalam-se de forma lenta e gradual, o que determina um atraso médio de cerca de 10 anos até o diagnóstco. Os sintomas picos do excesso de GH são o aumento das extremidades: crescimento das mãos e dos pés (alargamento dos dedos, anéis muito apertados, mãos “acolchoadas”, aumento do número dos calçados), crescimento grosseiro de protuberâncias faciais (orelhas, nariz, queixo, lábios, crista supraorbitária), afastamento entre os dentes, macroglossia e acrocórdons (skin tags) (Figura 6). Também pode haver aumento das vísceras: coração, rins, fgado e treoide. Hiperidrose e oleosidade da pele, bem como aumento das linhas e pregas cutâneas, são comuns. Artralgia é uma queixa muito comum, associada à osteoartrose severa e precoce (Tabela 9). O paciente também pode queixar-se de sintomas causados pelo efeito de massa do adenoma hipofisário: cefaleia, perda de visão (hemianopsia temporal) ou hipopituitarismo.
Figura 6 - Fácies pica e mãos grosseiramente aumentadas de uma paciente acromegálica (imagem à direita); as imagens da esquerda e central representam fotografias da mesma paciente quando mais jovem: notar a diferença nos traços com a progressão da doença Tabela 9 - Manifestações dos pacientes com acromegalia Órgãoousistema
Achadosclínicos
Neurológico
Cefaleia, frequentemente com característcas de cefaleia tensional, está presente em até 65% dos pacientes e não se correlaciona com tamanho da neoplasia, podendo ser desproporcional ao tamanho tumoral. Pacientes podem apresentar perda visual se compressão de quiasma e vias óptcas.
Cardiovascular
A maior causa de morte em tais pacientes é cardiovascular (mais de 60% dos óbitos). Pode ocorrer hipertensão arterial e aterosclerose acelerada. Apneia obstrutva do sono ocorre em
Respiratório
80% dos pacientes. Pode ocorrer por macroglossia e edema de partes moles, e também pode haver componente central.
Os pacientes apresentam aumento da resistência insulínica mediada pelo GH, Metabolismo de e pode ocorrer intolerância à glicose ou carboidratos e lipídios DM (em 30%). Hipertrigliceridemia e baixos níveis de HDL-colesterol também são possíveis.
Órgãoousistema
Achadosclínicos
Musculoesquelétco
O excesso de GH provoca alterações musculoesquelétcas e crescimento de extremidades (mãos, pés, nariz, orelhas, lábios). Cerca de 30% dos pacientes apresentam artralgias e síndrome do túnel do carpo ocorre em 1/3 dos casos.
Dermatológico
Sudorese excessiva, acantosenigricans, acne, cistos sebáceos, papilomas e skin tags são observados. Aumento de nódulos treoidianos e pólipos intestnais ocorrem, bem como
Neoplasias
um possívelmas aumento no risco dedocâncer de cólon, sem aumento risco para outras doenças malignas.
Complicações do excesso de GH incluem hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, aterosclerose grave e precoce, osteoartrose, apneia do sono (até 80%), síndrome do túnel do carpo (em 1/3 dos casos) e DM (em 30 a 50%). A hiperprolactnemia pode ser observada em cerca de 30 a 40% dos acromegálicos, com ou sem galactorreia. A acromegalia também aumenta o risco para neoplasia de cólon (pólipos e câncer) e talvez para tumores de mama, pele, estômago e treoide, embora as evidências nesse sen tdo sejam controversas. Acredita-se que a presença de skin tags sirva como marcador para a presença de pólipos intestnais. a) Diagnóstco da acromegalia O diagnóstco de acromegalia é feito pelo achado de IGF-1 (Insulin-like 1) e GH aumentados. A dosagem deGrowth IGF-I é Factor extremamente ú tl no diagnóstco e no seguimento de pacientes acromegálicos. Trata-se de um fator de crescimento de produção hepátca e tecidual, que aumenta em resposta à secreção de GH. Como os níveis de IGF-I não oscilam durante o dia, sua dosagem fornece ideia da secreção integrada de GH nas 24 horas. Os resultados devem ser interpretados considerando o sexo e a idade do paciente. Pratcamente todos os acromegálicos apresentam IGF-I aumentado para sexo e idade. Por isso, o IGF-1 é o exame mais sensível e deve ser o 1º exame a ser solicitado na suspeita de acromegalia. O IGF-1 normal, em comparação com a média para o sexo e idade, virtualmente exclui a presença de acromegalia. Na presença de IGF-1 aumentado, deve-se confirmar o diagnóstco de acromegalia, por meio da falta de supressão do GH. Como a secreção de GH é pulsá tl, a coleta de amostras ao acaso tem valor limitado, por isso é necessário o uso de testes de supressão farmacológica do GH para comprovar a presença de secreção autônoma (tumoral) desse hormônio. Entretanto, níveis séricos ao acaso de GH >0,4ng/mL são sugestvos de acromegalia. O padrão-ouro para o diagnóstco é o teste de supressão do GH com glicose. A hipó fise normal suprime a secreção de GH após uma sobrecarga de glicose. Usa-se glicose (75g VO), com dosagem de GH a cada 30 minutos por 2 horas. Em indivíduos normais, deve haver supressão do GH para
153
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA
um nadir <1ng/mL, o que não acontece em acromegálicos, mas resultados falsos posi tvos podem ocorrer em pacientes com DM, doença hepátca ou renal, anorexia nervosa e outras condições (Figura 7).
Figura 7 - Abordagem terapêutca nos pacientes com acromegalia
Deve-se também dosar a prolac tna e avaliar possíveis deficiências de outros eixos hormonais. Radiografia das mãos e dos pés pode mostrar aumento das partes moles e alargamento dos espaços artculares das falanges. O método de imagem de escolha para avaliação da hipó fise é a ressonância magnétca. Campimetria visual deve ser realizada para avaliar o grau de comprometmento do quiasma óptco. Colonoscopia e ecocardiograma também são ro tneiramente indicados, para avaliar possíveis complicações da acromegalia. Ultrassonografia de treoide e próstata, e mamografia podem ser indicados, dependendo do caso.
154
b) Tratamento da acromegalia
A 1ª escolha para tratamento é a cirurgia por via transesfenoidal, capaz de curar 80 a 90% dos microadenomas e 25 a 50% dos macroadenomas, além de aliviar os sintomas compressivos locais. A cura bioquímica é de finida como um nível normal de IGF-1 ajustado para a idade e o sexo do paciente, associado a nadir de GH <1ng/mL após supressão com glicose via oral. Pacientes que a tngem esses valores têm reversão do risco aumentado de mortalidade.
DOENÇAS DA HIPÓFISE
Nos casos em que esses índices não são atngidos, pode-se lançar mão da radioterapia (convencional ou estereotáxica), eficaz em reduzir os níveis de IGF-1 em cerca de 40 a 50% dos pacientes (após um período de latência de vários anos) e capaz de prevenir o crescimento adicional do adenoma. Um efeito adverso comum da radioterapia é o surgimento de hipopituitarismo. Outra opção, que está se tornando cada vez mais utlizada, são os análogos da somatostatna. Esta compreende um inibidor natural da secreção de GH, e análogos sinté tcos dessa molécula, com maior potência e meia-vida mais longa, estão disponíveis. Um exemplo é o octreo de, que pode ser usado por via SC (100 a 200mcg, 3x/dia)tou IM (forma de depósito – LAR – 20 a 30mg a cada 28 dias), obtendo redução do GH (<2,5ng/mL) e normalização do IGF-1 em cerca de 40 a 60% e 60 a 80% dos pacientes, respec tvamente. A redução do tamanho do tumor (de até 50%) ocorre em cerca de 30 a 40%. Muitos serviços estão adotando o octreotde como terapia inicial da acromegalia, principalmente em tumores grandes e/ou invasivos com pouca possibilidade de cura pela cirurgia. O octreotde e o lanreotda são agonistas dos receptores 2 e (em menor grau) 5 da somatostatna, mais frequentemente encontrados em adenomas secretores de GH. Novos agonistas dopaminérgicos estão sendo desenvolvidos com ação preferencial sobre o receptor 5 ou com ação sobre os receptores 1, 2, 3 e 5, para uso em pacientes refratários ao octreotde/lanreotda. O pegvisomanto (20mg/dia, SC) é um antagonista do receptor de GH capaz de normalizar os níveis de IGF-1 em
T3/T4 altos e TSH aumentado (ou normal). O tratamento inicial é cirúrgico, mas, como a probabilidade de cura é baixa (por se tratar de lesões grandes), frequentemente é necessário o uso de terapias complementares, como a radioterapia ou o uso de análogos da somatosta tna (drogas mais eficazes em controlar o hiper treoidismo).
9. Tumores clinicamente não funcionantes Adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes correspondem a uma grande parcela dos tumores hipo fisários (25 a 35%). Apesar de não determinarem manifestações clínicas ou laboratoriais de hipersecreção hormonal (e, por isso, são chamados de “clinicamente não funcionantes”), essas lesões muitas vezes secretam hormônios ou suas subunidades, mas em níveis insu ficientes para determinar repercussão clínica ou laboratorial. Os produtos mais frequentemente secretados por esse tpo de adenoma são as gonadotrofinas e a subunidade alfa dos hormônios glicoproteicos (LH, FSH, TSH). O tratamento dos adenomas clinicamente não funcionantes sintomátcos (com sintomas de massa ou hipopituitarismo) é preferencialmente cirúrgico, podendo-se associar radioterapia nos casos refratários.
10. Apoplexia hipofisária
90 a 97% dos pacientes com acromegalia, entretanto cursa com aumento dos níveis do GH nos primeiros 6 meses, e seu efeito sobre o tamanho do tumor ainda não é bem estabelecido; por esse motvo, é reservado para pacientes não controlados, apesar do tratamento com cirurgia e/ou octreotde, desde que não apresentem sintomas compressivos pelo tumor. Elevação das transaminases pode ocorrer. Os agonistas dopaminérgicos (cabergolina, em altas doses) têm uma eficácia limitada em controlar a secreção de GH (boa resposta em 10% com bromocrip tna e 40% com cabergolina, em doses altas), com melhores resultados nos pacientes com tumores mistos (GH e prolactna).
Caracteriza-se por um quadro vascular agudo na hipó fise, e suas manifestações podem variar desde uma apresentação assintomátca (apoplexia subclínica) até um quadro de emergência endocrinológica com cefaleia súbita e intensa, turvação visual, podendo ser acompanhada de hipotensão, hipoglicemia, febre e coma. Na maioria dos casos, decorre de hemorragia espontânea no interior de um adenoma hipofisário volumoso, mas pode também acontecer em hipó fises não tumorais, associada ao traumatsmo craniano, anemia falciforme e após choque hipovolêmico. Em cerca de 25% dos pacientes com apoplexia hipofisária clínica, podem ser encontrados fatores predisponentes: DM, hipertensão arterial sistêmica, uso de antcoagulantes, cirurgias, uso de circulação extracorpórea, testes endocrinológicos.
7. Doença de Cushing
A - Investgação
A doença de Cushing (adenoma hipo fisário secretor de ACTH) é a causa mais comum de síndrome de Cushing de srcem endógena (não medicamentosa), respondendo por 70 a 80% dos casos. Geralmente, é causada por microadenomas (em média, 5mm de diâmetro).
A maioria das pessoas com apoplexia hipo fisária não sabe referir lesão tumoral nessa glândula. Muitas vezes, são realizados diagnóstcos errôneos, como hemorragia meníngea por aneurisma ou malformação arteriovenosa, meningoencefalite, gastroenterite e enxaqueca. Se o fenômeno é hemorrágico, o que ocorre na maioria dos casos, a tomografia computadorizada sem contraste mostra uma área hiperatenuante, o que, em geral, dura cerca de 1 semana. Somente após essa fase, a ressonância magné tca de hipófise passa a ser superior à tomografia, observando-se a presença de hipersinal espontâneo em T1 e em T2 na região selar, compavel com sangramento (Figura 8).
8. Tireotrofinomas Os treotrofinomas (secretores de TSH) são raros (menos de 1 a 3% dos adenomas hipo fisários) e cursam com graus variados de hipertreoidismo, associados geralmente à cefaleia e perda visual (por compressão tumoral). Apresentam
155
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA o quadro hemorrágico é resolvido de forma espontânea. Se o paciente não apresenta rebaixamento do nível de consciência ou distúrbio visual, opta-se por seguir clinicamente. Nos casos de compressão quiasmátca, inicia-se glicocortcoide em altas doses (dexametasona, 4mg IV, 6/6h) para diminuir o edema, e encaminha-se o paciente para descompressão neurocirúrgica. O ideal é que ele seja operado em até 7 dias, a contar do início da perda visual. Pode ocorrer melhora clínica do distúrbio visual apenas com uso do glicocor tcoide, e, nessa situação, há a opção de seguir clinicamente. Após a firesolução do quadro agudo, deve-se avaliar a reserva hipo sária, pois, não raro, tais pacientes permanecem em hipopituitarismo e necessitam de reposição hormonal. A re trada da dexametasona deve ser feita de forma gradual, afim de evitar crise de insuficiência adrenal.
11. Resumo Quadro-resumo - O hipopituitarismo pode ocorrer por causas congênitas ou, mais comumente, causas adquiridas, sendo sua principal etologia os adenomas hipo fisários e seu tratamento (cirurgia/ radioterapia); - Quando ocorre lesão hipo fisária, a ordem do aparecimento das deficiências hormonais costuma ser: GH, FSH/LH, TSH e, por final, ACTH; - Ao iniciar a reposição hormonal em pacientes com panhipopituitarismo, sempre se deve iniciar com a reposição de glicocortcoides em 1º lugar; - A presença de poliúria (>3L/dia, ou >50mL/Kg/dia), na ausência de diurese osmótca ou sobrecarga de volume, sugere DI. O diagnóstco é confirmado pelo achado de osmolaridade plasmátca elevada (>295mOsm/L) e osmolaridade urinária inferior à do plasma (urina hipotônica); - Em alguns pacientes, é necessário o teste de privação hídrica para confirmar o DI. O teste permite diferenciar entre as causas neurogênicas (centrais) e nefrogênicas de DI; - O DI neurogênico pode ser congênito (mutação no gene AVP) ou adquirido. O DI neurogênico adquirido ocorre em pacientes com lesões hipotalâmicas que levam à perda da secreção de ADH. Lesões apenas à hipó fise não são capazes de produzir o DI neurogênico; Figura 8 - Apoplexia hipofisária à ressonância magnétca
- A causa mais comum de hiperprolactnemia é fisiológica tmulação (gravidez, lactação, estresse, sono, exercício, es
Deve-se, na ocasião da suspeita diagnóstca, fazer a coleta dos hormônios adeno-hipo fisários, com o objetvo de documentar déficits ou hipersecreções hormonais. É válido lembrar que os tumores secretantes podem evoluir para cura após o evento apoplétco.
mamária etc.); - Dentre as causas não fisiológicas de hiperprolactnemia, a mais comum é o uso de drogas ou medicamentos, e a 2ª causa mais frequente é o adenoma hipofisário secretor de prolactna (prolactnoma);
B - Tratamento O tratamento depende, principalmente, do nível de consciência e do grau de comprometmento visual, pois em geral
156
- Níveis de prolac tna acima de 150ng/mL são extremamente sugestvos de prolactnoma. Níveis de prolac tna <100ng/ mL, por outro lado, sugerem causas secundárias de hiperprolactnemia;
DOENÇAS DA HIPÓFISE
- Na investgação da hiperprolactnemia, deve-se pesquisar o uso de medicamentos/drogas, afastar gestação e lactação e excluir hipotreoidismo primário. Se nenhuma dessas condições for encontrada, estará indicada a ressonância magné tca de hipófise; tnoma (mesmo nos - O tratamento de 1ª escolha do prolac tumores volumosos) é clínico, com agonistas dopaminérgicos. A cabergolina é mais eficaz e mais bem tolerada que a bromocriptna, mas é mais cara. A bromocriptna é a droga preferível para uso na gestação;
- Na acromegalia, ocorre aumento crônico e insidioso das extremidades (mãos, pés), partes moles (macroglossia, síndrome do túnel do carpo) e vísceras (cardiomegalia, hepatomegalia). A mortalidade é aumentada por doençacardiovascular; - Na suspeita de acromegalia, devem-se colher IGF-1 e GH basais. IGF-1 elevado (comparado à média de pessoas do mesmo sexo e idade) e GH casual >0,4ng/mL são suges tvos. IGF-1 normal pratcamente exclui o diagnóstco;
A IC D É M A IC ÍN L C
- A confirmação de acromegalia deve ser feita com o teste de supressão do GH, usando 75g de glicose por VO, considerandose positvo se não houver supressão do GH para valores <1ng/ mL; - A maioria dos tumores hipofisários que causam acromegalia são macroadenomas; - A 1ª opção de tratamento na acromegalia geralmente é cirúrgica; - Nos casos refratários à cirurgia, podem-se usar análogos da somatostatna: octreotde ou lanreotda, com boa eficácia na normalização do IGF-1 (60 a 80%) e na redução tumoral (30 a 40%). Cabergolina em altas doses também pode ser útl, especialmente nos pacientes com hiperprolac tnemia associada; - O pegvisomanto é um antagonista do receptor de GH, capaz de normalizar IGF-1 em >90% dos pacientes. É t ulizado nos casos de acromegalia resistentes à cirurgia e aos análogos da somatostatna; - A apoplexia hipofisária se manifesta como quadro súbito de cefaleia, alterações visuais, podendo ocorrer hipotensão, hipoglicemia e coma. Além disso, deve-se a quadro hemorrágico agudo e pode acometer hipófises normais ou, mais comumente, afetadas por um adenoma.
157
ENDOCRINOLOGIA ENDOCRINOLOGIA
CAPÍTULO
2
Doenças das suprarrenais Leandro Arthur Diehl / Rodrigo Antônio Brandão Neto
1. Introdução As suprarrenais são glândulas localizadas no retroperitônio, responsáveis pela síntese de substâncias essenciais para a vida humana (catecolaminas, androgênios, esteroides, mineralocortcoides, entre outras), dentre as quais se destaca o cortsol, indispensável para a manutenção da vida.
(que estmula a secreção de aldosterona) (Figura 2). Além disso, a secreção de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) pela medula adrenal é regulada em grande parte pelo sistema nervoso autônomo.
Tabela 1 - Divisões estruturais das suprarrenais e seus respectvos produtos de secreção Camada Córtex
Secreção
Exemplo
-
-
Camada fasciculada
Glicocortcoides
Cortsol
Camada glomerulosa
Mineralocortcoides
Aldosterona
Camada retcular
Androgênios
Androstenediona, DHEA
Medula
Catecolaminas
Adrenalina
Figura 2 - Eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal
2. Insuficiência adrenal A insuficiência adrenal é um distúrbio caracterizado por redução ou perda da função do córtex adrenal, causando deficiência de glicocortcoides, associada ou não à de ficiência da secreção de mineralocortcoides e androgênios. As causas de insuficiência adrenocortcal podem ser classificadas conforme a Tabela 2: Tabela 2 - Classificação das causas de insuficiência adrenal Nomenclatura Insuficiência mária
Etologia
adrenal pri- Doenças que afetam o córtex adrenal (bilateral)
Insuficiência adrenal se- Doenças da hipófise (deficiência de cundária ACTH) Figura 1 - Anatomia das glândulas adrenais
A regulação da função do córtex das adrenais se dá pelo ACTH, secretado pela hipófise (que estmula a secreção de cortsol e androgênios) e pelo sistema renina-angiotensina
158
Insuficiência adrenal ter- Doenças do hipotálamo (deficiência ciária de CRH)
A insuficiência adrenal apresenta, muitas vezes, quadro inespecífico, gerando atraso no reconhecimento diagnóst-
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
co. Em alguns casos, sua manifestação inicial é sob a forma de crise suprarrenal, com risco de vida iminente para o paciente. A insuficiência adrenal primária é também conhecida como doença de Addison. A forma primária é a de maior prevalência, segundo estudo da Natonal Adrenal Disease Foundaton. A descrição clássica da doença foi feita por Thomas Addison, em 1855. É um distúrbio rela tvamente raro; acredita-se que a incidência da doença em países de 1º mundo seja de 0,8 casos a cada 100.000 pessoas/ano, com prevalência de 4 a 11 casos a cada 100.000 pessoas. O número de pacientes que morrem com a doença sem ter o diagnóstco confirmado não é conhecido.
Historicamente, a adrenalite tuberculosa era considerada a causa principal de insuficiência adrenal (nos casos de tuberculose disseminada, a prevalência aproximada de hipoadrenalismo é de 5%). Estatísticas mais recentes, produzidas em países desenvolvidos, relatam que, hoje, mais de 80% dos casos são de adrenalite autoimune. Entretanto, em países pobres, a etiologia tuberculosa continua a ser a causa mais comum. Dois estudos realizados em São Paulo observaram frequências de insuficiência adrenal de 6,8 e 15,8% entre portadores de tuberculose. A Tabela 3 cita as principais e tologias da insuficiência adrenal e suas característcas essenciais.
Tabela 3 - Etologia da insuficiência adrenal Causas primárias Etologia
Comentários
Adrenalite autoimune: - Isolada; - SPA tpo I; - SPA tpo II.
Causa mais comum de insuficiência adrenal primária (corresponde a 45 a 94% dos casos, na Europa).
Tuberculose
2ª maior causa de insu ficiência adrenal primária no Brasil (de 17 a 20% dos casos); ainda é a principal etologia em países subdesenvolvidos.
Paracoccidioidomicose
3ª maior causa de insuficiência adrenal primária na América do Sul; em algumas regiões do Brasil (por exemplo, interior de SP), é a 2ª causa mais comum.
Histoplasmose
FrequentenosEstadosUnidos.
Outros fungos
Blastomicose, coccidioidomicose, criptococose.
AIDS: Infecções oportunistas
Tuberculose, CMV, micobacterioseapica, micoses.
Drogas
Rifampicina,cetoconazol.
Metástases
LinfomanãoHodgkin,sarcomadeKaposi.
Metástases
Pulmão,mama,linfoma,melanoma,rins,cólon.
Infiltratvas
Hemocromatose,sarcoidose,amiloidose.
Hemorragia: Meningococcemia
Síndrome de Waterhouse-Friderichsen.
Distúrbiosdacoagulação
Usodean tcoagulantes; antcorpos antfosfolípides.
Doenças genétcas: - Adrenoleucodistrofia; - Hiperplasia adrenal congênita; - Hipoplasia adrenal congênita; - Síndrome de Kearns-Sayre; - Síndrome de Allgrove; ficiência de - Resistência ao ACTH (de glicocortcoide familiartpos 1 e 2).
A adrenoleucodistrofia, a 3ª causa mais comum em homens, deve-se ao acúmulo de ácidos culos e fgado, com desmielinização graxos de cadeia muito longa no cérebro, adrenais, tes do SNC na infância e insuficiência adrenal. A herança é recessiva ligada ao X (gene ALD – cromossomo Xq28).
Causas secundárias Etologia Causas adquiridas: - Cortcoterapia prolongada; - Neoplasias da região selar; - Cirurgia ou radioterapia; - Trauma cranioencefálico; - Síndrome de Sheehan; - Infecções (tuberculose, por exemplo); - Doenças infiltratvas.
Comentários
O uso de glicocortcoides em altas doses e/ou por tempo prolongado acaba levando a uma deficiência de ACTH (e CRH) devido ao intenso feedback negatvo sobre a hipófise e o hipotálamo. A suspensão abrupta da cor tcoterapia nesses pacientes pode desencadear uma ttuído tratamento adequado. crise adrenal, com sério risco de vida se não for prontamente ins
159
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA Causas secundárias Etologia
Comentários
Causas congênitas: - Deficiência isolada de ACTH; - Pan-hipopituitarismo.
deficiência
fise A de fatores de transcrição envolvidos no desenvolvimento embrionário da hipó (PIT-1, PROP-1, HESX, porexemplo) pode causarhipopituitarismo.
SPA = Síndrome Poliglandular Autoimune.
As principais causas de insuficiência adrenal serão comentadas a seguir.
tpo 1 na SPA-II) ou contra atreoide (ant-TPO ou ant-Tg, associados à treoidite crônica na SPA-II), dentre outros.
Cerca de 40 a 50% dos casos de insuficiência adrenal au-
A - Insuficiência adrenal primária
toimune são isolados, enquanto os restantes 50 a 60% dos casos se associam a outras doenças endócrinas autoimunes. a) Adrenalite autoimune A associação de adrenalite autoimune a hipopara treoidismo Esta é uma condição resultante de destruição autoimune e candidíase mucocutânea na infância é conhecida como das glândulas adrenais. As adrenais, neste caso, têm aparên- Síndrome Poliglandular Autoimune dotpo 1 (SPA-I). A associação, por sua vez, de adrenalite autoimune e hipo treoidiscia atrófica, com perda da maior parte das células cor tcais, mas com a camada medular mantda intacta na maioria dos mo autoimune e/ou treoidite crônica autoimune consttui a casos. Em 70 a 100% dos casos, autoantcorpos contra o cór- síndrome poliglandular autoimune dotpo 2 (SPA-II), também tex adrenal (ACA) ou contra enzimas esteroidogênicas (prin- conhecida como síndrome de Schmidt. Alguns autores, ainda, sugerem a existência de uma síndrome poliglandulartpo cipalmente, o ant-21-hidroxilase) são encontrados. 3 (SPA-III), caracterizada pela associação de treoidite crônica Também o antcorpo ant-17-hidroxilase e o antcorpo ant-P450scc são descritos, bem como, eventualmente, autoan- autoimune com diabetes mellitus tpo 1 (e, eventualmente, tcorpos contra outras células produtoras de esteroides (em com anemia perniciosa, vitligo ou alopecia), na ausência de 60 a 80% dos casos de SPA-I, associados a hipogonadismo insuficiência adrenal (síndrome de Carpenter). A Tabela 4 sintetza as principais característcas dessas hipergonadotrófico), contra angenos da ilhota pancreátca (ICA, ant-GAD ou ant-IA2, associados aodiabetes mellitus síndromes. Tabela 4 - Característcas das síndromes poliglandulares autoimunes I e II SPA-I
SPA-II - Insuficiência adrenal primária (100%); - Tireoidite autoimune (de 70 a 80%) e/ou diabetes mellitus tpo 1 (de 30 a 50%); - Outras: ooforite, vitligo, anemia perniciosa, hipofisite, alopecia, doença celíaca.
Componentes
- Distrofia ectodérmica; - Candidíase mucocutânea (de 70 a 100%); - Hipoparatreoidismo (de 80 a 90%); - Insuficiência adrenal primária (de 60 a 100%).
Idade de início
-Infância(<10anos).
População mais atngida
- Finlandeses, italianos, judeus, iranianos.
-
Autoantcorpos
- Antcórtex adrenal (de 80 a 100%); - Ant-21-hidroxilase.
- Antcórtex adrenal (de 80 a 100%); - Ant-21-hidroxilase (de 80 a 90%).
Herança
-Autossômicarecessiva.
Genes envolvidos
- AIRE (autoimune regulator) – cromossomo 21q22.3.
- HLA – DR3/DQ2, DR4/DQ8 CTLA4.
Outras denominações
- APECED; - Síndrome de Whitaker.
- Síndrome de Schmidt.
b) Causas infecciosas Os principais agentes são a tuberculose, infecções fúngicas (paracoccidioidomicose no Brasil, histoplasmose nos EUA, criptococose, coccidioidomicose, entre outras) e infecção por citomegalovírus (CMV). A doença de Addison causada por tuberculose ocorre devido à disseminação hematogênica da infecção. Nesses casos, a doença extra-adrenal costuma estar evidente.
160
-De20a40anos.
-Autossômicadominante.
Inicialmente, as suprarrenais apresentam-se aumentadas com granulomas extensos e casei ficação, sendo o córtex e a medula afetados (Figura 3). Durante a evolução, a fibrose aparece, com diminuição do tamanho das suprarrenais, ficando estas normais ou diminuídas, com calci ficações em cerca de 50% dos casos (Figura 4). Raras vezes, o tratamento da tuberculose leva à melhora da insu ficiência suprarrenal.
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
em que o diagnóstco foi realizado por exames de imagem, demonstraram sobrevida de 85%. d) Medicações Drogas que alteram a síntese de cortsol (etomidato, mitotano, aminoglutetmida, cetoconazol, metrapona) ou aceleram o clearance hepátco de cortsol (rifampicina, fenitoína, barbituratos) podem levar à insu ficiência adrenal, principalmente em pacientes com reserva hipo fisária ou suprarrenal limitada. e) Adrenoleucodistrofia
Figura 3 - Tuberculose adrenal (inicial); notar o aumento de tamanho das adrenais (setas) com liquefação central à TC
Esta é uma doença hereditária, ligada ao cromossomo X e, portanto, normalmente afeta meninos, a par tr dos 5 a 12 anos. Em 15% dos casos, a 1ª manifestação é a insuficiência adrenal. Há o defeito na beta-oxidação de ácidos graxos insolúveis de cadeia longa, os quais acabam se depositando nos tecidos, resultando em insu ficiência adrenal e doença neurológica desmielinizante progressiva e fatal. O óleo de Lorenzo, uma mistura de 2 tpos de glicerol, tem benefcio limitado, assim como a lovastatna e o fenofibrato. O transplante de medula óssea é o único tratamento comprovadamente útl, desde que seja realizado nos estágios iniciais da doença. f) Metástases tumorais Metástases suprarrenais são achados de necropsia, na maioria dos casos. Embora o acometmento das adrenais por metástases não seja raro, a insu ficiência adrenal re-
Figura 4 - Tuberculose adrenal (tardia); notar a diminuição de tamanho das adrenais (setas) e a presença de calcificações à TC
A insuficiência adrenal pode ocorrer associada à síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). É duvidoso que a infecção pelo HIV apresente papel direto como causa de doença de Addison, mas infecções oportunistas, in filtração das suprarrenais pelo sarcoma de Kaposi, hemorragias intra-adrenais e o uso de certas medicações (cetoconazol, rifampicina) podem levar ao aparecimento da doença. c) Infarto adrenal
sultante de metástases necessários o acometmento bilateral eé aincomum, destruiçãopois de,são aproximadamente, 90% do parênquima suprarrenal, para que os pacientes desenvolvam sintomas de hipoadrenalismo. Os principais carcinomas associados à insuficiência adrenal são os de pulmão, mama, linfoma e sarcoma. g) Hipoplasia suprarrenal congênita Trata-se de uma condição familiar rara (ocorre em 1:12.500 nascimentos), em que é interrompido o desenvolvimento embrionário do córtex adrenal. A forma ligada ao X é associada a mutações do DAX-1 e ao hipogonadismo hipogonadotrófico. Mutações no fator esteroidogênico 1 (SF-1) também resultam em insu ficiência adrenal, por hipoplasia da glândula.
A hemorragia intra-adrenal bilateral causada por hemorragia ou trombose da veia suprarrenal pode ser causa
h) Deficiência familiar de glicocortcoide Causa rara de hipoadrenalismo, apresenta caráter au-
de insuficiência adrenal, e associa-se, principalmente, à meningococcemia (síndrome de Waterhouse-Friderichsen), CIVD (coagulação intravascular disseminada) e síndrome dos antcorpos antfosfolípides. Infecções por Pseudomonas aeruginosa também estão associadas à hemorragia. Os achados são inespecíficos, e podem ocorrer dor abdominal, febre, sinais de hemorragia e hipotensão. Os exames de imagem, como a tomogra fia computadorizada, mostram hemorragia intraglandular. Estudos mais recentes,
tossômico recessivo. A principal característca é a falta de resposta adrenal ao ACTH, levando à deficiência de glicocortcoides, apesar do desenvolvimento anatômico normal das glândulas. O eixo renina-angiotensina-aldosterona permanece inalterado ou com alterações discretas, com o paciente mantendo a secreção normal de mineralocortcoide em resposta ao esmulo postural e à depleção de volume. A variante chamada “triplo A”, ou síndrome de Allgrove, é caracterizada por insuficiência adrenal, acalásia e alacrimia.
161
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA B - Causas secundárias e terciárias Estas podem ser causadas por qualquer processo que envolva o hipotálamo ou a hipó fise e altere o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal. Os pacientes apresentam deficiência de glicocortcoides e, eventualmente, de androgênios, mas não de mineralocortcoides (os quais são regulados pela renina, não pelo ACTH). A apresentação, nesses casos, costuma ser menos dramátca, com menos hipotensão e distúrbios hidroeletrolítcos. A causa mais comum é a parada abrupta do uso de cortcosteroides. O uso dessas medicações, mesmo em doses relatvamente baixas, pode manter o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal suprimido por vários meses. Os pacientes com processos destrutvos de hipófise anterior e hipotálamo podem apresentar múltplas deficiências hormonais, e, dependendo do processo patológico, pode ocorrer associação a diabetes insipidus.
C - Fisiopatologia da insuficiência adrenal É necessária a perda de cerca de 90% do córtex adrenal para que as manifestações clínicas de insuficiência adrenal se manifestem completamente. O quadro clínico será in fluenciado pela velocidade do acometmento das adrenais; na maioria das vezes, esse acometmento é gradual, levando a sintomas de insuficiência crônica. Porém, pode ocorrer destruição abrupta das glândulas, ocasionando apresentações agudas e severas (“crises adrenais”). Aproximadamente, 25% dos diagnóstcos de insuficiência adrenal ocorrem em pacientes em crise adrenal ou na iminência desta. Com a destruição gradual do córtex suprarrenal, os pacientes apresentam uma fase inicial (pré-clínica) em que se observa apenas diminuição da reserva de glicocor tcoides. Nessa fase, os pacientes apresentam secreção de glicocortcoides ainda dentro do normal em condições basais, mas, quando são submetdos a situações de estresse, como cirurgia ou trauma, as adrenais podem não conseguir aumentar adequadamente à síntese de cor tsol, levando ao surgimento das manifestações clínicas da insuficiência adrenal. Com a evolução do dano às adrenais, mesmo a secreção basal dos glicocortcoides e mineralocortcoides acabam se tornando deficientes, e o quadro clínico aparece mesmo fora de situações de estresse. Na insu ficiência adrenal primária, acontece uma marcante elevação dos níveis de ACTH, devido à falta de feedback negatvo do cortsol sobre o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal.
isso, muitas vezes o diagnóstco de insuficiência adrenal é realizado meses a anos após o início dos sintomas. a) Insuficiência adrenal primária crônica A deficiência de cortsol leva a sintomas consttucionais, como fadiga, fraqueza, anorexia e letargia, que ocorrem insidiosamente e podem passar despercebidos, devido à sua natureza inespecífica. A sensação de fraqueza é relatada de forma vaga e tende a ser mais acentuada nos membros inferiores. A anorexia é um sintoma precoce e precede o aparecimento de manifestações do trato gastrintes tnal, como náuseas, vômitos, diarreia e, embora com menor frequência, dor abdominal, costumeiramente nas regiões dos flancos. Os pacientes podem apresentar, ainda, febre baixa e perda de peso como parte das manifestações. A presença de hiperpigmentação se deve ao aumento secundário de ACTH, que apresenta afinidade pelo receptor MC1 dos melanócitos. Esse é o melhor sinal clínico para a diferenciação de insuficiência adrenal primária e secundária, pois a hiperpigmentação só está presente nos casos primários. Manifesta-se, principalmente, em superfcies expostas ao sol (face, pescoço, braços), em cicatrizes recentes e em áreas de pressão (dedos, joelhos e tornozelos), membranas mucosas, em partcular, mucosas oral e genital (Figura 5). Se a insuficiência adrenal for de etologia autoimune, poderá ocorrer vitligo concomitante.
D - Diagnóstco clínico O quadro clínico depende da extensão da destruição das suprarrenais, do tempo de instalação da insu ficiência (se aguda ou insidiosa) e do tpo de esteroides que estão deficientes (se apenas os glicocortcoides, ou também os androgênios e mineralocortcoides). As manifestações são inespecíficas, como fraqueza, fadiga, anorexia, náuseas, vômitos, entre outras, o que torna o diagnóstco difcil. Por
162
Figura 5 - Exemplos da hiperpigmentação de pele e mucosas, característca da insuficiência adrenal primária
A hipotensão manifesta-se em cerca de 90% dos pacientes, ocorrendo principalmente (ou exclusivamente) na
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
posição ortostátca, podendo ser acompanhada por lipotmia ou síncope. Também sugere uma causa primária para a insuficiência adrenal, pois se relaciona com a de ficiência de mineralocortcoides, cuja síntese não é diminuída em pacientes com insuficiência adrenal secundária ou terciária. Outro sintoma específico é a avidez por sal, que ocorre em até 20% dos casos. A deficiência de produção de andrógenos pelas adrenais pode levar à diminuição de pelos pubianos e axilares, um achado mais aparente no sexo feminino (já que, no sexo masculino, essa pilificação é mantda pelos androgênios de srcem tes tcular). Sintomas psiquiátricos, como depressão e alteração de memória, são possíveis em casos de longa data, fazendo parte das causas de transtornos mentais orgânicos. Hiponatremia e hipercalemia são achados laboratoriais clássicos da insuficiência adrenal. A 1ª ocorre em cerca de 90% dos casos e é possível pela deficiência do setor mineralocortcoide, mas também pela deficiência de glicocortcoide (redução do clearance de água livre, aumento da vasopressina), e tende a ser mais acentuada nos casos de insuficiência secundária. A 2ª acontece em cerca de 2/3 dos pacientes e se associa à deficiência de mineralocortcoides, observada quase exclusivamente na insu ficiência adrenal primária. A deficiência de glicocortcoides acarreta anormalidades hematológicas: leucopenia com linfocitose relatva, eosinofilia e anemia normocrômica normocítca. Podem ser observadas alterações reversíveis de transaminases hepátcas. Também é comum hipoglicemia em jejum. Tabela 5 - Achados clínicos e laboratoriais na insuficiência adrenal crônica primária Sintomas Fraqueza,fadiga,cansaço
Frequência(%) 100%
Anorexia
100%
Sintomas do trato gastrintestnal
92%
Náuseas
86%
Vômitos
75%
Constpação
33%
Dor abdominal
31%
Diarreia
16%
Avidez por sal
16%
Sensaçãodetonturapostural Dores musculares ou artculares Sinais Perda de peso Hiperpigmentação Hipotensão(PAS<110mmHg) Vitligo Calcificação auricular
12% 6a13% Frequência(%) 100% 94% 88a94% 20%a 10 5%
Achados laboratoriais
Frequência (%)
Alterações hidroeletrolítcas
92%
Hiponatremia
88%
Hipercalemia
64%
Hipercalcemia
6%
Azotemia
55%
Anemia
40%
Eosinofilia
17%
b) Insuficiência adrenal primária aguda (crise adrenal) Constde tuiuma umainsu emergência pode ser 1ª precimanifestação ficiência médica adrenaleaguda, ouaser pitada por algum agente estressor (cirurgia, infecção, trauma) em pacientes com insu ficiência adrenal crônica. A crise adrenal é característca da insuficiência adrenal primária, rara em portadores de insu ficiência adrenal secundária ou terciária. A principal manifestação clínica é a hipotensão, que pode ser grave e refratária. O principal determinante da crise adrenal é a de ficiência de mineralocortcoides, mas a deficiência de glicocortcoides também contribui, diminuindo a resposta vascular à angiotensina 2 e o seu efeito na musculatura lisa de vasos, reduzindo a síntese do substrato da renina, a sensibilidade às catecolaminas e a ação sinérgica dos glicocortcoides com os pep dios vasoatvos. Mesmo pacientes em uso de glicocortcoides podem apresentar crise adrenal, se a reposição de mineralocor tcoides não está sendo realizada adequadamente. A maioria dos pacientes apresenta fatores precipitantes, que aumentam agudamente a necessidade de cor tcosteroides, como: - Trauma; - Cirurgia; - Infecções; - Desidratação por diarreia ou vômitos; - Interrupção abrupta do uso de glicocortcoides; - Hemorragias; - Queimaduras. Outras manifestações clínicas incluem taquicardia, ver tgens, náuseas e vômitos, com rápida evolução para choque hipovolêmico (muitas vezes, refratário à reposição devolume e, até mesmo, às drogas vasopressoras). Dor abdominal pode ser uma queixa predominante. Febre baixa pode ocorrer, mas, quando há infecção associada, há possibilidade de temperaturas maiores. A hiperpigmentação sugere o diagnós tco, indicando insuficiência adrenal de longa data. E o achado laboratorial de hiponatremia e hipercalemia (ou de eosinofilia e hipoglicemia em pacientes cri tcamente enfermos) é, costumeiramente, uma das principais pistas diagnós tcas. c) Insuficiência adrenal secundária e terciária Apresentam quadro semelhante ao dos pacientes com insuficiência suprarrenal crônica, mas não apresentam de-
163
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA pleção de volume, hipercalemia ou hiperpigmentação, e hipotensão pode estar presente, mas não tão severa (já que a secreção de mineralocortcoides é preservada). O ACTH está diminuído, e não como nas formas primárias, que é aumentado. A hiponatremia pode ocorrer por secreção inapropriada de ADH. A causa mais comum desses distúrbios é a parada abrupta do uso de glicocortcoide exógeno, em pacientes que vinham fazendo uso crônico desse tpo de medicação. Em pacientes com doença hipotalâmico-hipofisária, podem ocorrer deficiências de outros hormônios, com suas mani-
(sistêmicos ou tópicos), pois o seu uso crônico vai levar à redução dos níveis de cortsol plasmátcos, dificultando a interpretação dos testes. O teste mais utlizado é o de esmulo com ACTH, que consiste na administração de ACTH sinté tco (Cortrosina®), 250mcg IV ou IM, com coletas de sangue aos zero, 30 e 60 minutos para dosagem de cortsol (ou, alternatvamente, apenas aos 60 minutos). Valores acima de 20mcg/dL excluem insuficiência suprarrenal, enquanto valores abaixo disso confirmam o diagnóstco. Esse teste pode ser feito a qualquer hora do dia, sem a necessidade de jejum. Uma op-
fi
festações clínicasem especí cas. Aespecialmente hipoglicemia severa ocorre principalmente crianças, em casos de insuficiência adrenal secundária (pela possibilidade de deficiência associada de GH). Tabela 6 - Principais diferenças entre a insu ficiência adrenal primária e secundária Insuficiência adrenal primária
ção é o ser teste comsensível ACTH em dosesdetectar mais baixas que parece mais e pode casos(1mcg), mais leves (apenas com redução da reserva adrenal) ou casos de insuficiência suprarrenal secundária de curta evolução. Outros testes que podem ser utlizados são a hipoglicemia induzida por insulina, o teste do glucagon, o bloqueio com me trapona e o esmulo com CRH (Figura 6).
- Hipotensão e hipercalemia evidentes (por deficiência associada de mineralocortcoides); - Hiperpigmentação de pele e mucosas; - ACTH elevado; - Associação com outras endocrinopatas nas síndromes poliglandulares autoimunes. Insuficiência adrenal secundária - Ausência de hipercalemia (eixo mineralocortcoide preservado) e de hiperpigmentação; - Hipotensão não tão acentuada quanto na primária; - ACTH baixo ou normal; - Associação com outras deficiências hormonais é frequente (por doença hipofisária ou hipotalâmica).
E - Diagnóstco laboratorial A confirmação do diagnóstco de insuficiência adrenal pode ser feita de 2 formas: pela dosagem de cor tsol basal ou pelo teste de esmulo. A dosagem de cortsol basal, entre as 8 e as 9h da manhã (quando ocorre o pico de cortsol sérico, determinado pelo ciclo circadiano), pode levar ao diagnós tco de insuficiência adrenal quando os valores resultam muito baixos, menores que 4mcg/dL (confirmando o hipoadrenalismo). Níveis de cortsol basal acima de 16mcg/dL, por outro lado, excluem a insuficiência adrenal. Tais valores de corte variam na literatura, havendo autores que sugerem valores de cortsol basal <3 ou <5mcg/dL, para con firmação de insuficiência adrenal, e valores >18 ou >20mcg/dL, para exclusão. Valores abaixo de 10 a 12mg/dL são bastante sugestvos de hipoadrenalismo, mas, geralmente, exigem con firmação diagnóstca. Em todos os outros casos, ou seja, quando os valores de cortsol basal resultam intermediários (entre 4 e 16mcg/dL), é necessário o uso de testes dinâmicos para definição diagnóstca. Um cuidado a ser tomado antes da coleta dos exames é a pesquisa do uso de cor tcoides exógenos
164
Figura 6 - Investgação de insuficiência adrenal
A dosagem de ACTH é sugerida por alguns autores. Valores inapropriadamente baixos de cortsol, acompanhados de valores aumentados de ACTH, são suges tvos de insuficiência suprarrenal primária. Caso os valores de ACTH estejam também diminuídos (<100pg/mL), sugere-se o diagnóstco de insuficiência suprarrenal secundária ou terciária. Quanto aos pacientes graves (crise adrenal), não é possível esperar pela realização de um teste dinâmico. Nessa situação, recomenda-se iniciar, imediatamente, o tratamento da provável insuficiência adrenal com dexametasona (um glicocortcoide sintétco que não interfere nas dosagens de cortsol sérico) e realizar um teste dinâmico no dia seguinte; ou, então, colher uma amostra de plasma imediatamente antes do início da administração de glicocor tcoides e armazená-la para posterior dosagem do cor tsol.
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
Alguns estudos com pacientes crítcos, internados em unidades de terapia intensiva, tentaram avaliar qual o melhor valor de corte do cortsol plasmátco para identficar os pacientes que teriam benefcio com a reposição de glicocortcoides (deficiência de reserva adrenal). Um dos estudos (Cooper & Stewart, 2003) de finiu os parâmetros apresentados na Figura 7, usando a dosagem de cortsol plasmátco colhido ao acaso (em qualquer momento do dia):
Figura 7 - Investgação de insuficiência adrenal em pacientes crí tcos (Cooper & Stewart, 2003)
Os antcorpos antadrenais podem ajudar a estabelecer a etologia. O antcorpo antcórtex adrenal (ACA) está elevado em 60 a 100% dos casos de adrenalite autoimune (especialmente, nos primeiros anos, com queda subsequente dos tulos), enquanto o ant-21-hidroxilase parece ser mais sensível e específico (positvo em cerca de 90% dos casos).
F - Tratamento a) Tratamento emergencial (crise adrenal) A crise adrenal representa uma emergência clínica, com necessidade de tratamento imediato. Caso não haja certeza quanto ao diagnóstco, idealmente se deve colher e armazenar amostra de sangue para posterior dosagem do cor tsol plasmátco, antes de iniciar a reposição de glicocortcoide. Uma dose inicial de 100 a 300mg IV de hidrocortsona deve ser feita, seguida da dose de manutenção de 50 a 100mg IV de hidrocortsona a cada 6 a 8 horas. Após 48 a 72 horas, a dose de reposição de glicocortcoide será diminuída gradualmente, a cada 1 a 3 dias, caso o fator precipitante da crise tenha sido resolvido. A reposição volêmica deve ser realizada com solução salina, sendo recomendados 1 a 2L/h de solução fisiológica a 0,9% nas primeiras horas. A hipoglicemia frequentemente está associada, portanto é necessário repor glicose conforme o resultado de exames laboratoriais. Quando da inter-
rupção da infusão salina, provavelmente será necessária a reposição de mineralocortcoides em doses usuais para insuficiência adrenal crônica. Alguns autores recomendam repor fludrocortsona a pacientes hipotensos, já no início do tratamento, mas esse medicamento pode levar vários dias para começar a fazer efeito; além disso, a hidrocortsona nas doses anteriores já consegue prover uma boa ação mineralocortcoide, razão pela qual a fludrocortsona geralmente é dispensável no tratamento da crise adrenal. Deve-se salientar a necessidade de pesquisar e tratar fatores precipitantes da crise adrenal, como infecções, desidratação, eventos cardiovasculares e outros estressores. b) Tratamento crônico (manutenção) O objetvo da reposição é mime tzar a secreção de cortsol normal, e a reposição de glicocortcoides e mineralocortcoides deve suprimir a secreção excessiva de CRH, ACTH e renina. Hoje, a dose recomendada pela literatura é de 15 a 25mg de acetato de cor tsona, dividida em 2/3 no período matutno e 1/3 ao final da tarde. Muitos pacientes, entretanto, sentem-se melhor com esquema de 3 tomadas ao dia (metade pela manhã e o restante dividido em 1 dose à tarde e outra à noite). Nos Estados Unidos, a droga de escolha é a hidrocortsona oral (de 12 a 15mg/m 2/dia). Outras opções são a prednisona (de 5 a 7,5mg/dia, em 1 ou 2 doses) ou dexametasona (0,25 a 0,75mg/dia, dose única diária). Esta mostrou associação a níveis de osteocalcina aumentados em relação à reposição com hidrocortsona. A prednisona tcos esem a dexametasona, além disso, são esteroides sinté ação mineralocor tcoide, enquanto a hidrocor tsona e a cortsona são mais semelhantes ao cor tsol natural e apresentam ação glicocortcoide + mineralocortcoide. A reposição de mineralocortcoide é, usualmente, necessária nos casos de insu ficiência adrenal primária e pode ser realizada com a fludrocortsona (o nome comercial é Florinef), em doses de 0,05 a 0,2mg/dia. Mulheres jovens podem beneficiar-se, também, da reposição do androgênio dehidroepiandrosterona (DHEA), na dose de 50mg/dia, associada à glicocortcoide e mineralocortcoide. O DHEA melhora a libido, a função sexual, o bem-estar e preserva a pilificação axilar e pubiana nessas pacientes. A dose de glicocortcoide é ajustada pela clínica (objetvando a ausência de sintomas ou sinais de hipoadrenalismo, como anorexia, perda de peso, mialgia, hiperpigmentação, hipoglicemia, eosinofilia), tendo-se o cuidado de evitar doses excessivas de glicocortcoides para não provocar sinais ou sintomas de hipercortsolismo. Os pacientes devem ser orientados a aumentar transitoriamente a dose de glicocortcoide em 2 a 3 vezes na presença de estresse leve a moderado (infecção, dor, febre). Na vigência de estresse importante (sepse, politrauma, cirurgias), a reposição deve ser feita IV (hidrocortsona, 50 a 100mg, a cada 6 a 8 horas). A dose de mineralocortcoide deve ser ajustada visando à eliminação dos sintomas (hipotensão postural) e à normalização dos níveis plasmátcos de sódio e potássio, evi-
165
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA tando-se doses excessivas que podem causar hipocalemia e hipertensão arterial. O portador de insuficiência adrenal, ainda, deve ser orientado a sempre portar uma pulseira ou cartão contendo a informação de que ele possui essa condição, e cuidadosamente conscientzado da importância do tratamento connuo.
3. Síndrome de Cushing A síndrome de Cushing é o conjunto de sinais e sintomas causados pela exposição prolongada e excessiva a quan dades elevadas de glicocor tcoides, sejam estes de srcemtexógena (farmacológica) ou endógena. Quando é provocada por um adenoma hipofisário secretor de ACTH, a síndrome passa a ser chamada de doença de Cushing.
A - Etologia A causa mais prevalente dessa síndrome é a cor tcoterapia exógena, ou seja, o uso de glicocortcoides em apresentações farmacológicas por tempo prolongado e em doses suprafisiológicas. Os cortcoides são ant-inflamatórios e imunossupressores potentes, com indicações de uso nas mais diversas patologias. É importante lembrar que não só as preparações para uso sistêmico (oral, injetável), mas também as preparações para uso tópico (colírios, soluções nasais, aerossóis, inalatórios, cremes, pomadas) podem provocar manifestações clínicas de hipercortsolismo, dependendo da dose e do tempo de exposição. O acetato de megestrol é um progestágeno com efeito glicocor tcoide moderado e foi associado a alguns casos de síndrome de Cushing. As causas endógenas, por sua vez, podem ser classificadas em ACTH-dependentes (causadas por excesso de ACTH ou CRH, com hiperesmulo às adrenais) e ACTHindependentes (em que 1 ou ambas as adrenais secretam excessivas quantdades de glicocortcoides de forma autônoma, ou seja, independente do esmulo do ACTH). Tabela 7 - Etologias da síndrome de Cushing Causas exógenas - Uso prolongado de cor tcoides: · Sistêmicos; · Tópicos. - Acetato de megestrol. Causas endógenas ACTH-dependentes (80%) - Doença de Cushing (80%); - Síndrome do ACTH ectópico (20%); - Secreção ectópica de CRH. ACTH-independentes (20%) - Adenoma adrenal; - Carcinoma adrenal;
166
ACTH-independentes (20%) - Hiperplasia macronodular; - Doença nodular pigmentada primária – isolada ou associada ao complexo de Carney; - Expressão de receptores aberrantes adrenais: pep dio inibitório gástrico, LH, catecolaminas.
Entre as causas endógenas, 80% são ACTH-dependentes, e, destas, 80% são causadas pela doença de Cushing. Em até 90% dos casos dessa doença, os tumores são microadenomas hipofisários (<10mm de diâmetro), e apenas em 10% dos pacientes ocorrem macroadenomas com invasão de estruturas. A prevalência da doença de Cushing é de 2 a 8 vezes maior em mulheres do que em homens, e a maior parte dos casos ocorre na 3ª a 5ª décadas de vida, embora possa ocorrer em crianças e até em pacientes idosos. A incidência da doença de Cushing varia de 0,6 a 6 casos por milhão/ano. Outras causas de síndrome de Cushing ACTH-dependente são a síndrome do ACTH ectópico (de 10 a 15%) e a raríssima síndrome do CRH ectópico. Dentre as e tologias da secreção ectópica de ACTH, as mais comuns são o carcinoma de pequenas células do pulmão (de 20 a 30%), o carcinoide brônquico (de 20 a 45%) e os carcinoides de pâncreas (10%) e tmo (10%). As causas ACTH-independentes são as mais comuns em crianças. Dentre elas, as mais prevalentes são o carcinoma adrenal e, em 2º lugar, o adenoma adrenal.
B - Diagnóstco a) Quadro clínico O quadro clínico é semelhante na síndrome de Cushing de srcem exógena (iatrogênica) e nas causas endógenas. Os principais sintomas são ganho de peso excessivo, letargia, fraqueza muscular, irregularidade menstrual, perda da libido, queixas depressivas, psicose e dor osteoar ticular. A obesidade é o sintoma mais comum e ocorre em 90% dos casos. A distribuição de gordura pica é a central, concentrando-se em face (“em lua cheia”), tronco e pescoço (“giba de búfalo”) e poupando extremidades (Figura 8). Tal padrão de ganho de peso, entretanto, é relatvamente inespecífico e pode ser observado na obesidade simples. O acúmulo de gordura na região supraclavicular (“saboneteiras”), entretanto, parece ser mais específico do hipercortsolismo. A deposição de gordura acontece, de preferência, no compartmento visceral, mas também, em menor grau, no subcutâneo. Crianças com Cushing apresentam ganho de peso associado à parada do crescimento. Paradoxalmente, pacientes com secreção ectópica de ACTH secundária a neoplasias malignas podem apresentar perda de peso e poucos estgmas de Cushing, devido à rapidez de instalação e à gravidade do hipercortsolismo.
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
cesso de pelos em áreas cutâneas não dependentes de androgênios), acne e alopecia. Estrias cutâneas violáceas no abdome inferior, coxas, pescoço e axilas (bastante sugestvas de hipercortsolismo quando sua largura excede 1cm) ocorrem em cerca de 70% dos pacientes (Figura 8). Equimoses aos mínimos traumas (re fletndo a fragilidade capilar e a atrofia cutânea por redução da produção de colágeno na pele) podem estar presentes em cerca de 50%. Acantose nigricans pode ser observada em cerca de 30% dos pacientes. Devido à imunossupressão causada pelo excesso de glicocortcoides, pode levar ao aparecimento de candidíase mucocutânea e outras micoses. Hipertensão arterial está presente em 75 a 90%, de predomínio diastólico, enquanto diabetes mellitus ou intolerância à glicose podem ser vistos em 40 a 80% (visto que o cortsol é um hormônio contrarregulador insulínico). Uma alteração hidroeletrolítca que é mais característca da síndrome de ACTH ectópico (em que ocorre em 80%), mas que também pode ser vista nos demais pacientes com Cushing, é a alcalose hipocalêmica. Hipogonadismo é comum, tanto em homens quanto em mulheres. A redução da função gonadal vem acompanhada de baixos níveis de gonadotrofinas (LH e FSH), apontando, portanto, para uma causa central (hipogonadismo hipogonadotrófico). Decorre do hipercortsolismo e cursa com infertlidade, amenorreia, osteoporose, redução da libido e disfunção erétl. Muitas vezes, é reversível com a correção do excesso de glicocortcoides. Os casos mais graves de síndrome de Cushing costumam Figura 8 - Paciente com manifestações cushingoides: fácies em lua cheia, pletora facial, hirsutsmo, acne, estrias violáceas
ser os provocados pela secreção ectópica de ACTH, pois os pacientes tendem a apresentar-se com níveis extremamente elevados de ACTH e cortsol. Em alguns casos de secreção ectópica de ACTH de instalação abrupta, o paciente pode apresentar-se apenas com hipocalemia e miopata severa, sem os estgmas picos da síndrome de Cushing.
Fraqueza muscular ocorre em cerca de 60% dos casos e, em geral, acomete a musculatura proximal, principalmente dos membros inferiores, sendo um dos sinais mais específicos para o diagnós tco, causando dificuldade para levantar-se da posição sentada ou para subir degraus. Também Tabela 8 - Característcas clínicas do hipercortsolismo pode ocorrer atrofia muscular. - Obesidade centrípeta (90%); Sintomas neuropsiquiátricos são comuns (mais de 50%) - Atrofia e fraqueza muscular (60%); e podem ser severos, variando desde apata, letargia ou - Estrias violáceas largas; depressão até euforia ou psicose. Perda de memória, dis- Fácies em lua cheia, com pletora facial; túrbios do sono e déficits cognitvos também podem estar - Equimoses por fragilidade capilar; presentes. Osteopenia é comum em pacientes com síndrome de - Hiperandrogenismo (acne, hirsutsmo); Cushing e ocorre em até 80% dos casos, decorrendo dos efei- Neuropsiquiátricos: depressão, euforia, psicose (>50%); tos do cortsol no metabolismo ósseo (redução da expressão - Hipogonadismo (amenorreia, perda de libido); de IGF-1, inibição direta dos osteoblastos) e também do hi- - Hipertensão arterial (70%); pogonadismo secundário ao hipercortsolismo. Também há - Diabetes ou intolerância à glicose (40 a 80%); redução da absorção intestnal de cálcio e vitamina D, agra- Osteoporose, necrose asséptca da cabeça femoral; vando o quadro. A hipercalciúria pode levar à nefroli ase. - Alcalose hipocalêmica; Necrose asséptca da cabeça do fêmur é um achado raro, - Infecções oportunistas (candidíase). mas deve ser pesquisada nos pacientes portadores dess a síndrome que se apresentam com dor no quadril e osteopenia/ b) Exames laboratoriais osteoporose, com aumento do risco de fraturas. A pletora facial acontece em 70% dos pacientes. Outras O 1º passo na investgação de uma suspeita de síndrome manifestações cutâneas são hirsutsmo, hipertricose (exde Cushing é determinar se o paciente está em uso de qual-
167
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA quer tpo de preparação contendo cortcoides. Se houver o uso prolongado dessas medicações, ficará determinado o hipercortsolismo exógeno, desde que as manifestações clínicas sejam compaveis. Esses pacientes vão apresentar valores reduzidos de cortsol plasmátco, devido à supressão das adrenais pelo uso de cortcoide exógeno. Quando o quadro clínico é sugestvo e o paciente não está em uso de cortcoterapia, a investgação laboratorial deve acontecer em 2 etapas distntas: - Confirmação do hipercortsolismo Os exames que podem ser utlizados para a con firmação do excesso de glicocortcoides estão discriminados na Tabela 9. Tabela 9 - Exames usados para confirmar a presença de hipercortsolismo endógeno
Exame
Característcas
Interpretação
Teste de supressão com dexametasona
Administração de 1mg de dexametasona VO às Normal 23h com dosagem de <1,8mcg/dL. cortsol sérico às 8h do dia seguinte.
Cortsol livre urinário de 24h
Dosagem da excreção de cortsol livre em uma amostra de urina de 24h; está aumentada em 95 a 100% dos casos de síndrome de Cushing.
Normal <60mcg/24h.
Cortsol sérico da meia-noite
Dosagem do cortsol à meia-noite; valores elevados refletem a perda do ciclo circadiano normal do cortsol. Uma opção é dosar o cortsol salivar (dispensa internação).
Normal <1,8mcg/ dL (soro), ou <0,13mcg/dL (saliva).
A dosagem do cortsol urinário livre nas 24 horas fornece medida integrada da secreção de cortsol durante o dia e não sofre influência de situações que alterem a CBG (Cortcosteroid-Binding Globulin), como o uso de estrogênios e a treotoxicose. A principal limitação da aplicação desse exame é na insu ficiência renal crônica (clearance de creatnina inferior a 30mL/min). Pode estar negatvo em até 15% dos pacientes com síndrome de Cushing (amostra isolada). Para aumentar sua sensibilidade, portanto, recomenda-se que seja repetdo 3 vezes; níveis normais nas 3 ocasiões excluem o hipercor tsolismo (sensibilidade entre 95 e 100%), exceto raros casos de hipercor tsolismo cíclico. Valores de 3 a 4 vezes maiores do que o limite superior do normal (em geral, acima de 300μg/24h) são altamente sugestvos de hipercortsolismo. Entretanto, elevações discretas podem ser observadas nos estados conhecidos como pseudo-Cushing, isto é, situações em que há uma hipera tvação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (depressão grave, alcoolismo, transtornos ansiosos, obesidade). A dosagem de cortsol urinário total (livre + ligado a proteínas)
168
apresenta menor sensibilidade devido aos fatores interferentes citados. Outro exame é o teste de supressão do cortsol com dexametasona na dose de 1mg, entre 23 e 24h, com dosagem do cortsol sérico na manhã seguinte, entre 8 e 9h. Níveis de cortsol inferiores a 1,8μg/dL tornam o diagnóstco de síndrome de Cushing pouco provável, com sensibilidade de 98% e especificidade entre 85 e 90%. Um problema com esse exame é a alta proporção de falsos posi tvos (30%) em pacientes com pseudo-Cushing. Uma alternatva é o teste com baixas dosesde dexametasona por 2 dias (0,5mg VO, de 6/6h, por 48h, com coleta do cortsol 6h após a últma dose), o qual parece ter menor taxa de falsos positvos, permitndo a diferenciação entre os estados de hipercortsolismo verdadeiro e os de pseudo-Cushing em alguns casos. Outro teste que poderia ser t úl para diferenciação entre o Cushing e o pseudo-Cushing seria o teste combinado com baixas doses de dexametasona e CRHovino. A dosagem de cortsol sérico à meia-noite também é útl para a confirmação do hipercortsolismo, pois uma das manifestações mais precoces de alterações do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal é a perda do ritmo circadiano de secreção do cortsol. Indivíduos normais apresentam diminuição da secreção de cortsol, atngindo o nadir (inferior a 1,8μg/dL) por volta da meia-noite. Esse é um limiar com sensibilidade alta (100%), mas com baixa especi ficidade, uma vez que muitos pacientes com estados de pseudo-Cushing podem ter cortsol sérico à meia-noite acima de 1,8μg/dL. Contudo, o achado de cortsol à meia-noite acima de 7,5μg/dL parece diferenciar, com especificidade próxima a 100%, os casos de doença de Cushing dos estados de pseudo-Cushing. As principais limitações da dosagem do cortsol sérico à meia-noite são a necessidade de hospitalização por, pelo menos, 48h e a disponibilidade do laboratório para a realização do procedimento nesse horário. Uma boa opção, que dispensa internação, é a dosagem de cortsol na saliva, que apresenta boa correlação com o t cor sol plasmátco. Valores de cortsol salivar da meia-noite acima de 550ng/dL identficam os casos de síndrome de Cushing com sensibilidade de 100% e especi ficidade de até 95%. Alguns autores sugerem, inclusive, que a avaliação de cor tsol salivar à meia-noite teria acurácia superior a todos os outros testes para confirmação do hipercortsolismo, devendo ser incluída na avaliação de todos os pacientes com suspeita de Cushing. A principal limitação da dosagem do cor tsol salivar é a indisponibilidade do método na maioria dos centros. tco Cabe que éaúavaliação de cortsoldeplasmá basal pelalembrar manhã não tl para con firmação hipercortsolismo, pois os valores de cortsol (não supresso pela dexametasona) nos pacientes normais se sobrepõem aos dos pacientes com Cushing.
- Definição da etologia Uma vez confirmado o hipercortsolismo pelos exames já citados, resta definir a etologia do quadro. O próximo passo é a dosagem de ACTH, que deve ser realizada em,
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
pelo menos, 2 ou 3 amostras colhidas entre 8 e 9h da manhã, com intervalos de, no mínimo, 15 minutos. Valores muito baixos ou indetectáveis de ACTH (<10pg/ mL) indicam uma etologia ACTH-independente; nesse caso, deve ser feita TC ou RNM de abdome para localizar um provável tumor de suprarrenal. O grande problema está nos pacientes com ACTH >10 a 20pg/mL, ou seja, apresentam uma etologia ACTHdependente. A maioria dos indivíduos nessa situação apresenta um adenoma hipo fisário secretor de ACTH (doença de Cushing), mas os eventuais pacientes com síndrome da
secreção ectópica de ACTH (de 10 a 15%) podem apresentar valores semelhantes de ACTH e cortsol nos testes bioquímicos, o que torna, muitas vezes, extremamente di fcil a diferenciação entre essas 2 etologias. Entretanto, tal distnção é obrigatória, pois é fundamental para definir a melhor estratégia terapêutca. Valores extremamente elevados de ACTH (>300pg/mL) são bastante sugestvos de secreção ectópica. Vários testes podem ser utlizados para tentar diferenciar a fonte hipofisária (doença de Cushing) das fontes ectópicas do excesso de ACTH. Esses testes são apresentados na Tabela 10.
Tabela 10 - Testes utlizados para definir a causa da síndrome de Cushing ACTH-dependente (diferenciar entre a doença de Cushing e a secreção ectópica de ACTH) Teste
Supressão com altas doses de dexametasona
DDAVP
Esmulo com CRH
Cateterismo bilateral dos seios petrosos inferiores para determinação de ACTH antes e após esmulo com CRH
Comentários A IC D tsol na doença de Cushing, mas não no ACTH Administram-se 2mg VO, de 6/6h, por 48h; há supressão do cor É M ectópico. Os adenomas hipofisários secretores de ACTH (cortcotropinomas), por serem derivados de cortcotrofos, A IC possuem receptores para glicocortcoides e, assim, são susceveis ao feedback negatvo por esses esteroides. ÍN L C A administração de dose alta dedexametasona deve, portanto, provocar a redução da secreção deACTH pelo tumor e, fisários, como os responsáveis por conseguinte, a redução da cortsolemia, o que não ocorreria em tumores extra-hipo tva de doença de Cushing a pela síndrome de secreção ectópica deACTH. Classicamente, considera-se resposta suges redução do cortsol sérico superior a50% dos níveis basais.Entretanto, aproximadamente 12% dos cortcotropinomas não apresentam supressão (falsos nega tvos), e cerca de 20 a 30% dos tumores carcinoides responsáveis pela tsol plasmátco em resposta à dexametasona secreção ectópica de ACTH podem exibir supressão semelhante do cor (falsos positvos), o que limita a utlização do teste. De fato, um estudo recente reavaliando suafiecácia diagnóstca demonstrou acurácia de apenas 71%, aquém da probabilidade pré-teste para a população feminina, o que impõe sérias dúvidas sobre a real utlidade do teste de supressão comdose alta de dexametasona na atualidade. Uma opção é o uso do cortsol urinário livre (70% dos pacientes com doença de Cushing suprimem o cor tsol urinário em >90%) ou do cortsol salivar (considerando-se positva uma supressão >65% do basal). DDAVP é um agonista dos receptores de vasopressina do tsub po V2, presentes em cortcotropinomas e nos cortcotrofos normais. O teste foi idealizado para iden tficar os cortcotropinomas pelo incremento do ACTH e/ou t cor sol após es mulo, uma resposta que estaria ausente nos tumores ectópicos. Aresposta sugestva de doença de Cushing é um incremento em relação ao basal de 20% para o cor tsol sérico e 35% para o ACTH, após administração IV de 10μg de DDAVP. Entretanto, aproximadamente 30% das pessoas normais e de 20 a 50% dos tumores ectópicos apresentam elevação do cortsol no teste do DDAVP (falsos posi tvos), além de que 25% dos cortcotropinomas não apresentam resposta (falsos negatvos), o que compromete a acurácia do teste. Um estudo recente mostrou baixíssima tco. acurácia diagnóstca (por volta de 50%), oque contraindicaria seu uso como ferramenta de auxílio diagnós O CRH (Cortcotrophin Releasing Hormone) é o principal hormônio hipotalâmico es tmulador da liberação de ACTH pelo cortcotrofo normal e também pelo tumoral. Os primeiros estudos com o teste, realizados na década de 1990, utlizando CRH ovino (100mcg ou 1mcg/kg, IV), demonstraram que os valores de corte dos incrementos de cortsol e ACTH indica tvos de doença de Cushing eram de 20 e 50% do basal, respec tvamente. Trabalhos mais recentes, feitos com CRH humano (atualmente, a forma mais disponível) mostram que um aumento do cortsol acima de 14% do basal e um aumento do ACTH acima de 10% é suges tvo de doença de Cushing, com especi ficidade de 100% e sensibilidade entre 70 e 85%. Outro parâmetro é o aumento do ACTH em 35% após 15 a 30 minutos da administração de CRH. Embora ainda existam respostas falsas nega tvas (de 8 a 10% dos casos de doença de Cushing) e falsas positvas (20% dos casos de secreção ectópica), o teste com CRH, atualmente, é o melhor não invasivo para dis tnção entre essas 2 etologias. fise, na doença de Cushing. É o padrão-ouro para Detecta maior concentração de ACTH na drenagem venosa da hipó a diferenciação entre a doença de Cushing e a secreção ectópica de ACTH. Os seios petrosos inferiores direito e esquerdo são cateterizados por meio de punçãode veia periférica, eamostras de sangue são colhidas para dosagem de ACTH, antes e depois do esmulo com CRH (ou outro secretagogo de ACTH, como o DDAVP). Os valores basais e estmulados colhidos nos seios petrosos si e com valor dees ACTH em uma periférica. gradiente centro-periferia maior que 2:1são no comparados estado basal,entre ou maior queo3:1 após mulo com CRH,veia sugere doençaUm ficidade tendendo a 100%. Outro dado ú de Cushing, com sensibilidade variando de 90 a 97% e especi tl é o gradiente fise que no outro (ou seja, um de lateralização – se o ACTH for >40% maior em um lado da drenagem venosa da hipó gradiente de lateralização maior que 1,4:1), será provável que o tumor esteja no lado dominante (em 75% doscasos), o que pode ajudar na programação cirúrgica. Contudo , variantes anatômicas de drenagem venosa da glândula podem interferir na lateralização, comprometendo a sua acurácia. O cateterismo de seios petrosos inferiores, entretanto, é um exame invasivo, com possíveis complicações (risco de AVC de 0,2%, além de hematomas e arritmias), e deve ser reservado para os casos em que os exames não invasivos (preferencialmente, teste com CRH) não conseguem distnguir entre a doença de Cushing e a secreção ectópica de ACTH.
169
ENDOCRINOLOGIA c) Exames de imagem Quanto aos estudos de imagem, a doença de Cushing deve ser avaliada com TC ou, preferencialmente, RNM de hipófise. Macroadenomas (>1cm de diâmetro) são facilmente detectados nos estudos radiológicos, mas a TC e a RNM apresentam sensibilidade baixa (50 e 65%, respectvamente) para os microadenomas (<1cm). Os adenomas responsáveis pela doença de Cushing costumam ser pequenos (diâmetro médio de 5 ou 6mm) (Figura 9).
rotulado como tendo secreção de ACTH de srcem desconhecida.
C - Diagnóstco diferencial Vários achados da síndrome de Cushing são inespecíficos e podem ser encontrados em outras condições, como a obesidade comum (que pode cursar com hipertensão arterial, diabetes, estrias e, até mesmo, giba de búfalo) ou a síndrome dos ovários policísticos (hirsutismo, acne, sobrepeso, irregularidade menstrual). Nesses casos, a investigação laboratorial geralmente descarta o hipercortisolismo. Entretanto, alguns casos de obesidade severa e doenças psiquiátricas (depressão, alcoolismo, ansiedade, pânico) podem apresentar aumento do cortsol livre urinário de 24h e, inclusive, ausência de supressão após 1mg de dexametasona. Tal quadro é conhecido como pseudo-Cushing e pode ser diferenciado da síndrome de Cushing verdadeira por meio de outros exames (supressão com doses mais altas de dexametasona, cortsol da meia-noite, supressão com loperamida) que resultam normais. Entretanto, muitas vezes, a distnção entre as 2 condições é difcil, trabalhosa e requer uma investgação mais agressiva e um acompanhamento prolongado. As Figuras 10 e 11 sumarizam, respec tvamente, a 1ª e a 2ª etapas da investgação laboratorial em pacientes com suspeita de síndrome de Cushing.
Figura 9 - Microadenoma hipo fisário (na metade direita da hipófise) à RNM
Deve-se ter muito cuidado na interpretação desses exames, pois os microadenomas correspondem a 80 a 90% dos casos de doença de Cushing; além disso, 10% da população normal podem apresentar uma imagem sugestva de microadenoma (“incidentaloma” hipofisário). Em geral, pacientes com clínica sugestva de doença de Cushing (sexo, idade, apresentação do hipercortsolismo), com testes compaveis confirmatórios do hipercortsolismo, e que apresentem tumor hipofisário com mais que 6mm de diâmetro, podem ser encaminhados para tratamento (cirurgia transesfenoidal) sem testes adicionais. Para os outros casos, inves tgação adicional com cateterismo dos seios petrosos pode ser necessária para evitar cirurgia de hipófise em “incidentaloma” não relacionado à síndrome de Cushing. Na síndrome do ACTH ectópico, o paciente deve ser submetdo à TC (ou RNM) de pescoço, tórax e abdome para pesquisa do tumor primário, que pode ser um carcinoide brônquico ou pancreátco, um câncer pulmonar de pequenas células, ou outros menos frequentes. Se não for encontrada a lesão primária, pode-se tentar a cin tlografia com Octreoscan®, mas sua sensibilidade é baixa. Em alguns casos, não é encontrada a fonte do ACTH, e o paciente é
170
Figura 10 - Confirmação laboratorial do hipercortsolismo, na suspeita de síndrome de Cushing endógena
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
Na síndrome de Cushing ACTH-independente, a terapêutica consiste na adrenalectomia unilateral (ou, eventualmente, bilateral), com grande possibilidade de remissão. Casos recorrentes ou refratários à terapia inicial (hipercortsolismo persistente) podem ser tratados por meio da adrenalectomia bilateral, ou, preferencialmente, com o uso de medicamentos bloqueadores da síntese de esteroides adrenais (cetoconazol, mitotano, metrapona) ou de antagonistas do receptor dos glicocor tcoides (mifepristona).
4. Síndrome de Nelson
Figura 11 - Investgação da etologia da síndrome de Cushing endógena
D - Tratamento A 1ª opção de tratamento para a doença de Cushing é a cirurgia hipofisária por via transesfenoidal para exérese do adenoma, com radioterapia complementar em casos selecionados. A cura acontece em 80 a 90% dos microadenomas e em torno de 50% dos macroadenomas. A radioterapia é tratamento de 2ª linha, com taxa de sucesso inferior à cirurgia, e o controle do hipercor tsolismo é lento e gradual, podendo levar vários anos para ser obtdo. O hipopituitarismo, que ocorre em, aproximadamente, 50% dos pacientes após alguns anos, e a possibilidade de complicações imediatas e tardias (radionecrose, lesão de vias óp tcas, indução de neoplasias secundárias) limitam o seu uso. A radiocirurgia estereotáxica já foi u tlizada para cortcotropinomas, com resposta variando entre 60 e 80% nos trabalhos iniciais. Contudo, não existem grandes séries de casos com seguimento por período su ficiente para que a segurança e a eficácia do método sejam adequadamente avaliadas. Na síndrome do ACTH ectópico, deve-se realizar o tratamento específico para a doença de base (remoção do tumor). Quando o tumor primário não é localizado, pode-se usar o cetoconazol, para inibir a síntese de cor tsol pelas adrenais, em doses iniciais de 200 a 400mg/dia, podendo-se aumentar as doses até 600 a 1.200mg/dia. Devem-se monitorizar as transaminases durante o uso do cetoconazol, devido à possibilidade de hepatotoxicidade.
A síndrome de Nelson ocorre em pacientes com doença de Cushing submetdos à adrenalectomia bilateral, devido à perda do feedback negatvo sobre a secreção de ACTH pelo adenoma hipofisário. Caracteriza-se por crescimento acelerado do adenoma hipo fisário preexistente, hiperpigmentação intensa e generalizada e níveis elevados de ACTH (>1.000pg/mL). Apoplexia hipofisária pode ser observada em 25% dos casos. Afeta cerca de 20% dos indivíduos com doença de Cushing submetdos à adrenalectomia bilateral, surgindo de 1 a 3 anos após a remoção das adrenais, principalmente na infância e no sexo feminino. O tratamento pode ser feito com cirurgia (com poucas chances de cura) ou radioterapia (estereotáxica ou convencional).
5. Hiperplasia adrenal congênita A Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC) compreende um conjunto de síndromes clínicas resultantes de defeitos congênitos na síntese dos esteroides adrenocor tcais. A causa mais comum (de 90 a 95% dos casos) é a deficiência de 21-hidroxilase, que leva a uma produção de ficiente de cortsol (e aldosterona, na maioria das vezes), com perda do feedback negatvo sobre a hipófise, aumento do ACTH, hiperesmulo às adrenais e resultante excesso de androgênios (cuja síntese não é prejudicada pelo defeito enzimá tco específico). A 2ª causa mais comum é a de ficiência da 11-beta-hidroxilase, que é mais comum em populações de srcem norte-africana (Marrocos). A deficiência de 21-hidroxilase é uma doença autossômica recessiva, causada por mutações no gene CYP21A2, localizado no cromossomo 6q21.3; é o distúrbio enzimá tco mais frequente das adrenais e pode ser encontrado em, aproximadamente, 1 a cada 10.000 crianças. A forma não clássica (tardia) provavelmente é a apresentação mais comum e pode ser observada em até 1 a 3% da população geral. A deficiência de 21-hidroxilase, na forma não clássica, é o distúrbio autossômico recessivo mais comum na espécie humana, sendo especialmente frequente em judeus Ashkenazi.
171
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA O principal determinante do tpo de apresentação clínica é o grau de a tvidade residual da enzima 21-hidroxilase. Observa-se, portanto, uma boa correlação entre o genó tpo (tpo de mutação ocorrida no gene da 21-hidroxilase, CYP21) e o fenótpo (atvidade de 21-hidroxilase, manifestação clínica), conforme exposto na Tabela 11. Tabela 11 - Correlação entre genótpo e fenótpo na HAC por deficiência de 21-hidroxilase Apresentação
Figura 12 - Resumo da esteroidogênese adrenal
A - Quadro clínico As manifestações clínicas da HAC causada pela deficiência de 21-hidroxilase dividem-se nas provocadas pela deficiência de glicocortcoides e mineralocortcoides e nas causadas pelo excesso reflexo da produção de androgênios. Em neonatos do sexo feminino (46,XX), a exposição intrauterina a altas concentrações de androgênios (DHEA, androstenediona) leva à genitália ambígua (pseudo-hermafroditsmo feminino), virilização progressiva, avanço da idade óssea e crescimento linear acelerado (com fechamento precoce das epífises e perda de estatura na vida adulta). Em casos mais leves, em que a de ficiência enzimátca não é tão severa (forma tardia ou não clássica da HAC), as manifestações de hiperandrogenismo podem surgir apenas na peripuberdade, sem virilização ao nascimento (srcinando um quadro semelhante à síndrome dos ovários policístcos). Quando há deficiência de mineralocortcoides associada (o que ocorre em 75% dos casos), a criança apresenta-se ainda no período neonatal com hipovolemia, hipotensão, choque, hipercalemia e acidose metabólica, com risco de morte se o diagnóstco não for efetuado rapidamente. A virilização associada à deficiência de aldosterona caracteriza a chamada forma clássica perdedora de sal, enquanto a virilização sem deficiência de mineralocortcoides consttui a forma virilizante simples da HAC.
172
Clínica
Forma clássica perdedora de sal
Virilização, genitália ambígua em meninas, hipovolemia, hipercalemia, acidose no período neonatal
Forma virilizante simples
Virilização no período neonatal, genitália ambígua em meninas
Forma não clássica (tardia)
Hirsutsmo, acne na infância, puberdade precoce, baixa estatura
Atvidade residual da 21-hidroxilase
Mutações mais comuns
<2%
I2 splice (íntron 2), Arg356Trp (éxon 8), del 8pb (éxon 3), cluster (éxon 6), Gli318stop (éxon 8), ins T (éxon 7)
De 2 a 20%
Ile172Asn (éxon 4), I2 splice (íntron 2), Arg356Trp (éxon 8)
>20%
Pro30Leu (éxon 1), Val281Leu (éxon 7), Pro453Ser (éxon 10)
B - Diagnóstco O diagnóstco é confirmado pela dosagem dos precursores dos androgênios adrenais, que se encontram aumentados – especificamente a 17-alfa-OH-progesterona (17OH-P). Esse aumento é marcante nas formas mais severas da doença, mas pode ser encontrado unicamente após um esmulo com ACTH exógeno em formas leves (tardias). Os androgênios adrenais também podem estar aumentados (androstenediona). Na suspeita de HAC, deve-se dosar, inicialmente, a 17OH-P plasmátca basal. Se >5ng/mL, faz-se o diagnós tco de HAC. Muitas vezes, entretanto, é necessária a realização de teste de esmulo com ACTH (250mcg IV ou IM), com coleta de sangue aos 30 e 60 minutos, para avaliar melhor o status do paciente, já que portadores da forma tardia podem apresentar 17-OH-P basal normal, com elevação somente após o esmulo. Se a 17-OH-P estmulada for maior que 10ng/mL, confirma-se a HAC. Alguns autores sugerem que se evite a coleta de 17-OH-P basal (devido ao risco de falsos negatvos), preferindo a realização de teste de es mulo com ACTH em todos os casos suspeitos. Na faixa de valores discretamente elevados (entre 10 e 17ng/mL) para 17-OH-P pós-esmulo, há ampla sobre-
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
posição entre indivíduos heterozigotos (geralmente, sem manifestações clínicas e sem necessidade de tratamento) e portadores da forma não clássica (tardia) da HAC. Por isso, muitos autores sugerem que se considere o diagnóstco inequívoco de HAC apenas com 17-OH-P pós-ACTH >17ng/mL. Em pacientes com 17-OH-P abaixo desse valor, muitas vezes é necessário o estudo molecular (rastreamento de mutações no gene CYP21) para definir se o paciente é portador de HAC ou heterozigoto assintomátco.
C - Tratamento O tratamento de urgência, em neonatos com a forma perdedora de sal, consiste na reposição salina, na correção de distúrbios hidroeletrolítcos e na reposição de glicocortcoides IV (hidrocortsona) até a estabilização do quadro. Após esta, o paciente deve ser man tdo indefinidamente em reposição de glicocortcoides (hidrocortsona, de 12 a 15mg/m2/dia em 2 a 3 doses diárias, ou acetato de cortsona, de 10 a 12mg/m 2/dia em 2 a 3 tomadas) VO, com a maior dose, de preferência, pela manhã, visando à supressão do ACTH e à redução da produção excessiva de androgênios. Outras opções são a prednisolona (que pode ser usada inclusive na infância), a prednisona ou a dexametasona (que devem ser reservadas para tratamento de adultos, pelo seu potencial efeito adverso sobre o crescimento). Os mineralocortcoides (fludrocortsona, de 0,05 a 0,2mg/ dia) devem ser associados nas formas perdedoras de sal. Os pacientes devem ser orientados a aumentar as doses de tcoides em 2 a 3 vezes nas situações de estresse. glicocor A genitália ambígua deve ser corrigida com cirurgia plástca nas meninas afetadas, preferencialmente antes dos 18 meses.
6. Hiperaldosteronismo O hiperaldosteronismo primário é a causa mais comum de hipertensão arterial secundária. Há relatos de que a produção excessiva/autônoma de mineralocortcoides (que caracteriza o hiperaldosteronismo primário) é encontrada em 2 a 10% dos hipertensos. O termo “hipertensão resistente ao tratamento” tem sido usado recentemente, e, com alguma surpresa, demonstrou-se que boa parte desses pacientes apresenta ótma resposta à espironolactona, sugerindo, também, um papel relevante da aldosterona na gênese da hipertensão arterial. Acreditava-se que a causa mais comum de hiperaldosteronismo primário era um tumor benigno da glândula adrenal, o adenoma produtor de aldosterona (também conhecido como aldosteronoma, ou síndrome de Conn). Geralmente, um tumor pequeno, com menos de 3cm, unilateral, 3 vezes mais frequente no sexo feminino. Entretanto, estudos recentes demonstraram que 70% dos casos de hiperaldosteronismo primário são causados por hiperplasia bilateral das suprarrenais, o que muitos autores denominam de hiperaldosteronismo idiopátco,
no qual ocorre uma secreção exagerada da aldosterona em resposta ao esmulo pela angiotensina II, sem o crescimento de um tumor. Causas mais raras incluem a hiperplasia suprarrenal primária, o adenoma responsivo à angiotensina, o carcinoma suprarrenal, a produção ectópica de aldosterona (como no arrenoblastoma, um tumor raro do ovário) e o hiperaldosteronismo supressível por dexametasona.
A - Diagnóstco A maioria dos pacientes com adenoma produtor de aldosterona é assintomá ca. O principal achadocomo é a hipertensão arterial, que pode tcursar com sintomas cefaleia e palpitações, e pode ser severa e refratária ao tratamento com ant-hipertensivos. Hipocalemia é uma característca clássica do hiperaldosteronismo, tendo sido descrita na maioria dos aldosteronomas, no entanto é encontrada, atualmente, em menos de 50% dos casos. Alcalose metabólica ocorre, principalmente, nos casos com hipocalemia, e sua presença pode acarretar poliúria, cãibras, tetania, parestesias, fraqueza muscular e, em casos de hipocalemia extrema, rabdomiólise, quadriparesia e fibrilação ventricular. Não há edema, mas pode haver intolerância à glicose ou diabetes em até 25% dos casos. Ainda há alguma controvérsia quanto às indicações para rastreamento do hiperaldosteronismo. Antgamente, a avaliação da secreção de aldosterona era reservada aos pacientes com hipocalemia, mas muitos autores defendem, atualmente, um leque mais amplo de situações em que a pesquisa de hiperaldosteronismo seria justficada (Tabela 12). Há, inclusive, autores que defendem o screening de hiperaldosteronismo em todos os pacientes hipertensos, principalmente aqueles com renina baixa. Tabela 12 - Indicações para rastreamento de hiperaldosteronismo - Hipertensos com hipocalemia espontânea ou facilmente induzida pelo uso de diurétcos; - Hipertensos jovens (<40 anos); - Hipertensos refratários (hipertensão persistente, apesar do uso de, pelo menos, 3 ant-hipertensivos de classes diferentes em doses efetvas); - Hipertensos com níveispressóricos extremamente elevados; - Portadores de incidentaloma adrenal; - História de hipertensão ou AVC em familiar com menos de 50 anos.
Na avaliação laboratorial, a Concentração de Aldosterona Plasmátca (CAP) pode estar elevada ou no limite superior da normalidade (12 a 20ng/dL). A Atvidade de Renina Plasmátca (ARP) costuma estar reduzida (<1ng/mL/h), mas esse é um achado inespecífico (pode estar presente em até 25% dos pacientes com hipertensão essencial). Por isso, o melhor parâmetro para screening do hiperaldosteronismo é a relação entre a CAP e a ARP (CAP/ARP), que se encontra caracteristcamente acima de 20. Alguns autores conside-
173
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA ram essa relação alterada apenas quando os valores são superiores a 30. Pacientes com relação aldosterona/renina plasmátca maior que 50 apresentam maior probabilidade diagnóstca, com cerca de 90% destes con firmando o diagnóstco de hiperaldosteronismo primário, sendo que alguns autores sugerem que valores acima de 200 poderiam prescindir de testes confirmatórios. Os valores de corte que parecem ter melhor acurácia incluem CAP/ARP >27 na presença de CAP >12ng/dL. Deve-se lembrar que a avaliação de CAP e APR pode ser alterada pelo uso de diversas medicações, como beta-bloqueadores, ant-inflamatórios não hormonais, diurétcos e Inibidores da Enzima Conversora da Angiotensina (IECA). Portanto, tais medicações devem ser idealmente suspensas ou substtuídas por alfa-bloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio por, pelo menos, 2 a 6 semanas antes da coleta desses exames. Se a relação CAP/ARP for sugestva, deve-se confirmar o diagnóstco por meio de testes dinâmicos para supressão da aldosterona. Podem-se usar, como testes, sobrecarga de sódio VO (3 dias com dieta com 200mmols de sódio), infusão IV de solução salina, fludrocortsona ou captopril. A sobrecarga de volume é o teste mais prá tco, realizada com a infusão de volume de 2 a 3L em 4 a 6h (500mL/h) com dosagem de aldosterona ao final da infusão. A resposta normal (fisiológica) seria a supressão da aldosterona. Valores maiores que 8,5 a 10ng/dL, neste momento, confirmam a produção autônoma de aldosterona, enquanto valores abaixo de 5ng/dL excluem tal possibilidade. O teste é contraindicado a pacientes com insuficiência cardíaca ou renal e deve ser realizado com cautela em idosos ou hipertensos graves. Nesses casos, uma opção seria o teste com fludrocortsona, com administração de 0,1mg desse medicamento de 6/6h por 3 dias, e dosagem de aldosterona ao final do período. E valores de CAP acima de 10ng/dL ou aldosterona urinária >10mcg/24h confirmam o hiperaldosteronismo (Figura 13).
Figura 13 - Avaliação diagnós tca do hiperaldosteronismo primário (HAP): CAP = Concentração de Aldosterona Plasmátca; APR = Atvidade Plasmátca de Renina
174
O cateterismo de veias suprarrenais é o exame padrão-ouro para diferenciar se a secreção aumentada de aldosterona é uni ou bilateral; a relação entre lados maior que 4 sugere a presença de aldosteronoma unilateral e, se menor que 3, sugere secreção bilateral por provável hiperplasia de suprarrenais. O exame não é necessário na grande maioria dos casos. Exames de imagem são úteis na localização do tumor; a técnica de escolha é a TC (acurácia de 90%). No hiperaldosteronismo idiopátco, não há massa tumoral, e as alterações laboratoriais costumam ser mais leves (menor supressão da ARP e menor CAP) em comparação ao adenoma.
B - Tratamento A terapêutca do aldosteronoma consiste na exérese cirúrgica do tumor adrenal (nos unilaterais), um procedimento que reduz a pressão arterial em, pra tcamente, 100% dos casos, entretanto apenas 50 a 60% dos pacientes têm normalização dos níveis pressóricos (cura da hipertensão). Nos casos refratários à cirurgia, ou quando não há lesão tumoral (como no hiperaldosteronismo idiopá tco), usam-se drogas antagonistas da aldosterona (espironolactona ou eplerenona) por tempo prolongado. Os efeitos deletérios da aldosterona não são limitados à hipertensão, podendo ocorrer fibrose miocárdica mesmo em pacientes normotensos, além de ser observado um aumento do risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC), hipertro fia de ventrículo esquerdo e arritmias cardíacas, bem como diabetes e dislipidemias. Assim, o tratamento preferencial, em pacientes com aldosteronoma, é cirúrgico, sempre que possível.
7. Feocromocitoma Feocromocitomas são tumores de srcem neuroendócrina, derivados das células croma fins, que produzem e secretam catecolaminas (principalmente, adrenalina e noradrenalina). A maioria desses tumores (90% em adultos e 70% em crianças) está localizada na medula adrenal. Tumores extra-adrenais são denominados paragangliomas, dos quais a maior parte está no abdome (região paraór tca, bexiga). No entanto, já foram descritos paragangliomas em todos os pontos da cadeia de gânglios do sistema nervoso simpá tco (desde a base do crânio até a cauda equina). Tumores extra-adrenais têm maior risco de malignidade. São uma causa rara de hipertensão arterial e respondem por 0,05 a 1% dos casos, embora esses valores possam ser subestmados. Atngem, igualmente, ambos os sexos e têm seu pico de incidência por volta da 4ª década de vida. Podem ser manifestação de algumas síndromes genétcas raras, como Neoplasia Endócrina Múltpla tpo 2 (NEM-2A e NEM-2B), síndrome de von Hippel-Lindau, neurofibromatose tpo I (de von Recklinghausen) e paraganglioma cervical
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
hereditário. A Tabela 13 resume as característcas principais dessas síndromes. Tabela 13 - Síndromes genétcas associadas ao feocromocitoma Síndrome
Característcas
NEM - 2A
Feocromocitoma (em 50%), carcinoma medular da treoide, hiperparatreoidismo primário.
NEM - 2B
Feocromocitoma (em 50%), carcinoma medular da treoide, neuromas mucosos múltplos, hábito marfanoide.
Síndrome de Feocromocitoma (em 20%), hemangioblastomas von HippelLindau
cerebelares e retnianos, carcinoma renal, cistos renais e pancreátcos.
Neurofibro- Feocromocitoma (em 1%), neurofibromas, matose tpo I manchas cutâneas café com leite.
A regra dos 10 é uma forma prátca de lembrar as característcas principais dos feocromocitomas (Tabela 14), embora não seja exata. Por exemplo: cerca de 25% dos feocromocitomas ocorrem em síndromes familiares (e não 10%), e, de acordo com casuístcas brasileiras, 100% dos feocromocitomas cursam com hipertensão. Mas ainda citamos a regra dos 10 devido à facilidade mnemônica. Tabela 14 - Regra das 10 (característcas clínicas do feocromocitoma) - 10% bilaterais; - 10% extra-adrenais; - 10% dos extra-adrenais são extra-abdominais;
Figura 14 - Formação de epinefrina e norepinefrina
As catecolaminas são metabolizadas por múltplas enzimas, incluindo a monoamino-oxidase (MAO), a catecol-O-metltransferase (COMT) e as sulfotransferases. A desaminação pela MAO é a principal via do metabolismo das catecolaminas, gerando o diidroxifenilglicol que, posteriormente, ao ser metabolizado pela COMT, irá gerar o metoxiidroxifenilglicol. Este, por sua vez, será metabolizado pelo álcool-desidrogenase, levando ao aparecimento do VMA, que é mensurado na urina para a realização do diagnóstco de feocromocitoma. A 2ª principal via de metabolismo das catecolaminas é a COMT, que transforma a norepinefrina em normetanefrina e a epinefrina em metanefrina. Esses compostos podem, posteriormente, ser sulfatados, transformando-se em sulfato de normetanefrina e sulfato de metanefrina, os quais, por sua vez, também são metabolizados pela MAO, tendo como produto final o VMA. A Figura 15 sintetza a via do metabolismo da epinefrina e da norepinefrina.
- 10% cursam sem hipertensão; - 10% ocorrem em crianças; - 10% malignos; - 10% familiares; - 10% recidivam após o tratamento.
A - Síntese e metabolização de catecolaminas O substrato para a produção das catecolaminas é a trosina, que sofre a ação da enzima trosina-hidroxilase, convertendo-se, então, em diidroxifenilalanina (DOPA). A DOPA sofre nova ação enzimátca, convertendo-se em dopamina. Esta fica armazenada em vesículas de depósito e, dentro destas, pode ser convertda, pela ação da dopamina-beta-hidroxilase, em norepinefrina (ou noradrenalina). A norepinefrina pode sofrer, em seguida, a ação da feniletanolamina N-metltransferase (enzima que se localiza, predominantemente, na medula suprarrenal), convertendo-se em epinefrina (ou adrenalina). A feniletanolamina N-metltransferase não está presente em todas as células cromafins. Podem-se distnguir, assim, 2 subpopulações de células cromafins: a de células adrenérgicas (que secretam epinefrina) e de células noradrenérgicas (que secretam norepinefrina). A Figura 14 mostra a formação dessas substâncias, a par tr da trosina.
Figura 15 - Vias do metabolismo da norepinefrina e da epinefrina
B - Quadro clínico
O quadro clínico dos feocromocitomas depende das substâncias secretadas por eles, e a sua maioria secreta catecolaminas. Tumores intra-adrenais pequenos secretam, predominantemente, epinefrina, enquanto tumores grandes e/ou extra-adrenais secretam, preferencialmente, norepinefrina. O sintoma de apresentação mais comum é a hipertensão arterial, sustentada ou paroxís tca. A hipertensão é,
175
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA caracteris tcamente, resistente à terapia medicamentosa e pode apresentar piora paradoxal com o uso de beta-bloqueadores. Os pacientes, frequentemente, apresentam episódios de hipotensão, na maioria das vezes postural, mas podendo aparecer sem tal correlação. Alguns feocr omocitomas malignos podem secretar dopamina em abundância, levando à hipotensão. A cefaleia é um sintoma relatado em 80 a 90% dos casos; costuma ser bitemporal ou holocraniana, sem fono ou fotofobia, assemelhando-se à cefaleia do tpo tensional. Sudorese, palidez e taquicardia também são relatadas com
co. Após as crises de feocromocitoma, os pacientes podem apresentar poliúria.
frequência. A tríade clássica do feocromocitoma é consttuída de cefaleia, palpitações e sudorese, normalmente acompanhadas de hipertensão. A presença dessa tríade deve levantar suspeita imediata para o diagnóstco de feocromocitoma. Deve-se salientar que a ausência da tríade diminui, sensivelmente, a probabilidade do diagnóstco desse tumor, embora não raramente este seja diagnostcado em hipertensos assintomátcos e em incidentalomas adrenais. Outros possíveis sintomas são dispneia e perda de peso; esta pode ocorrer apesar da manutenção de apette normal, provavelmente devido ao aumento da glicogenólise e da lipólise ocasionado pelo excesso de catecolaminas. Pelo mesmo motvo, também pode ocorrer hiperglicemia. Em casos menos comuns, o paciente com feocromocitoma pode apresentar-se com quadro de constpação, ocasionalmente mimetzando pseudo-obstrução e íleo paralítco. Outra apresentação apica é a febre de srcem indeterminada. As crises dos feocromocitomas, em geral, são consequência da liberação abrupta de catecolaminas e, ocasionalmente, de outros pep dios atvos, às vezes cossecretados pelo tumor. As crises tendem a manter padrão característco individual e apresentar reprodu tbilidade, mas com severidade e duração variáveis. As crises podem ocorrer sem fator precipitante identficado, mas vários fatores desencadeantes já foram descritos para as crises, dentre eles atvidade fsica, traumatsmo, procedimentos diagnóstcos e terapêutcos (endoscopia, anestesia), estmulação direta do tumor (compressão pelo útero gravídico, palpação abdominal) ou, ainda, o uso de medicações, como metoclopramida, metldopa, etanol, feno tazinas e tricíclicos, ou a ingesta de alguns alimentos, principalmente os que contêm tramina (queijos, vinho tnto) ou chocolate. Em paragangliomas localizados na mucosa da bexiga ou no reto, as crises podem ser desencadeadas pela micção ou pela evacuação, respectvamente. As crises dos feocromocitomas, usualmente, duram de 10 a 60 minutos. Cefaleia nas crises ocorre em 80% dos casos, associada à intensa sensação de mal-estar, sudorese e palpitações. Sensação de ansiedade e apreensão são comuns, podendo estar associadas à palidez e ao desconforto torácico ou abdominal. As crises podem ser confundidas com episódios severos de ansiedade ou ataques de pâni-
Tabela 15 - Indicações de rastreamento para feocromocitoma - Hipertensos jovens (<40 anos);
176
C - Diagnóstco Deve-se suspeitar de feocromocitoma em todo paciente que se apresente com a tríade clássica (cefaleia, palpitações e sudorese), especialmente na presença de hipertensão. Outras situações em que se deve suspeitar de feocromocitoma e realizar a investgação diagnóstca são as expostas na Tabela 15.
- Hipertensos com IAM, AVC, arritmias, convulsões ou insuficiência renal; - Episódios paroxístcos de hipertensão, palpitações; - Hipotensão ortostátca; - Choque inexplicado; - História familiar de feocromocitoma e carcinoma medular de treoide; - Neurofibromatose ou neuromas cutâneos; - Hiperglicemia; - Miocardiopata; - Labilidade da pressão arterial; - Hipertensão paroxístca em resposta à anestesia ou cirurgia, parto, procedimentos invasivos, drogas an t-hipertensivas; - Evidência radiológica de massa adrenal (incidentaloma).
O diagnóstco é confirmado pela dosagem de catecolaminas plasmátcas e metanefrinas na urina de 24h, aumentadas em 98% dos casos. O padrão mais comum nos feocromocitomas é o de elevação predominante de norepinefrina, podendo também ser encontrado padrão predominante de elevação de epinefrina. O aumento de dopamina sugere malignidade do feocromocitoma. A dosagem de catecolaminas ou seus metabólitos na urina de 24h teria a vantagem de mostrar a atvidade do sistema simpatoadrenal nesse período, eliminando os eventuais resultados falsos negatvos que ocorrem nos pacientes sem paroxismos. O ácido vanilmandélico urinário (VMA) já foi muito utlizado, mas sofre várias interferências e, portanto, é pouco confiável. Níveis aumentados de VMA têm alta especificidade para o diagnóstco de tumores produtores de catecolaminas, sendo esta próxima a 100% em algumas séries, mas têm baixa sensibilidade (pouco mais de 40%), o que é compreensível considerando os vários passos do metabolismo das catecolaminas até a formação do VMA. A dosagem de metanefrina urinária, por outro lado, tem sensibilidade próxima de 80% e especificidade acima de 90%. A dosagem de catecolaminas plasmátcas, por sua vez, tem alta sensibilidade e especificidade (94 e 97%, respectvamente). Entretanto, as catecolaminas produzidas na adrenal nem sempre atngem a circulação, mas os seus metabólitos, as metanefrinas (normetanefrina e metanefrina),
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
sempre aparecem aumentadas no plasma, pois vazam dos grânulos da medula suprarrenal. A dosagem de metanefrinas plasmátcas livres apresenta, portanto, sensibilidade e especificidade de 97 e 96%, respec tvamente, para casos familiares de feocromocitoma, e de 100 e 80%, respec tvamente, para casos esporádicos. Essas caracterís tcas tornam as metanefrinas plasmátcas o exame de escolha para o diagnóstco de feocromocitoma; entretanto, sua dosagem não está disponível em muitos serviços, o que limita o seu uso. Se os valores de metanefrinas ou catecolaminas (plasmátcas ou urinárias) estão aumentados mais de 5 vezes acima do limite superior da normalidade, esse achado define o diagnóstco de feocromocitoma. Alguns autores consideram que níveis mais de 2 vezes aumentados já eliminam a necessidade de testes estmulatvos ou provocatvos. A combinação de diferentes testes, com o valor de catecolaminas plasmátcas ≥2.000pg/mL e o de metanefrinas urinárias ≥1,8≥g/24h, apresenta acurácia diagnóstca de 98%, tanto para casos esporádicos como familiares. Nos casos em que a elevação desses parâmetros não ultrapassa de 1 a 5 vezes (ou de 1 a 2 vezes) o limite superior do método, a confirmação do diagnóstco exige a realização de testes dinâmicos, como o da clonidina e do glucagon. Esses testes não têm grande utlidade para os tumores produtores exclusivos de epinefrina, pois a clonidina bloqueia a secreção simpátca de catecolaminas, e a secreção de epinefrinas é quase exclusivamente adrenal. Deve-se tomar cuidado ao interpretar os resultados em
-hipertensivos parenterais, como a fentolamina 10mg IV, ou o nitroprussiato de sódio. Outra possibilidade é um tratamento de prova (teste terapêutco) com a fenoxibenzamina por 1 a 2 meses. Muitos preferem não realizar testes estmulatvos ou provocatvos, devido ao alto risco de efeitos adversos (hipertensão). Outros compostos que podem estar elevados no plasma são a cromogranina A (útl como marcador tumoral) e a enolase neurônio-específica (marcador de malignidade), além de serotonina, citocinas, VIP, somatostatna, opioides, ACTH, neuropepdio Y, dentre vários outros (dependendo da secreção pelo tumor).
relação às medicações de que o paciente vem fazendo uso; o atenolol pode, por exemplo, falsear os resultados, assim como o acetaminofeno, devendo ser descon tnuados por, pelo menos, 5 dias antes das dosagens. Da mesma forma, várias outras medicações podem interferir no resultado dos exames, a depender do método laboratorial utlizado.
b) Exames de imagem A tomografia computadorizada tem sensibilidade de 90 a 100% para tumores intra-adrenais. A RNM também pode detectar as lesões adrenais, com a vantagem adicional de que os feocromocitomas apresentam um aspecto muito característco nesse exame: hiperintensidade de sinal nas imagens em T2, em comparação ao fgado. Quando esses exames não detectam a massa (em paragangliomas, por exemplo), pode-se usar a cin tlografia com isótopos como a meta-iodobenzilguanidina (MIBG), o pentreotde marcado (Octreoscan®) ou o octreo tde radiomarcado, que parecem ter sucesso limitado na localização do feocromocitoma. A tomografia com emissão de pósitrons (PET-scan) com metabólitos como fluordeoxiglicose (FDG), 11-C-epinefrina, dentre outros, vem sendo estudada recentemente. O maior sucesso parece ser obtdo com o uso de 6-18F (fluordopamina), um agente simpatoneural que se acumula nas vesículas, onde as catecolaminas são estocadas, permitndo visualizar as células croma fins. Dados preliminares indicam que esse método é, provavelmente, superior ao MIBG. A Figura 16 sugere a abordagem diagnóstca dos pacientes com feocromocitoma.
a) Testes especiais Dentre os testes provocatvos, o de maior especificidade é o teste do glucagon. A administração IV de 1mg de glucagon pode causar crise de feocromocitoma em 90% dos pacientes. Dosam-se as catecolaminas plasmátcas 2 minutos após o glucagon. Em caso de aumento de 3 ou mais vezes nos níveis de norepinefrina, o teste é considerado positvo, apresentando alta especificidade. O teste da clonidina é realizado, principalmente, para os pacientes com níveis altos de norepinefrina. Usa-se dose-padrão de 0,3mg de clonidina VO, coletando amostras de sangue 2 a 3 horas depois. Caso os níveis de catecolaminas não diminuam para valores menores que o limite superior do normal para o método, ou não apresentem queda de, no mínimo, 50% dos níveis de norepinefrina, o teste é considerado positvo. Diminuições menores que as referidas são sugestvas de atvação simpátca. Caso os pacientes, durante o teste do glucagon, apresentem pressão arterial superior a 200x120mmHg ou sintomas de crise hipertensiva catastró fica, devem-se usar ant-
Figura 16 - Abordagem diagnóstca do feocromocitoma
177
A IC D É M A IC ÍN L C
ENDOCRINOLOGIA D - Tratamento A adrenalectomia unilateral (ou bilateral, quando o tumor acomete as 2 adrenais) é a terapêutca de escolha. Antes da cirurgia, é fundamental o preparo medicamentoso, para tentar reverter as anormalidades hemodinâmicas do paciente e reduzir o risco de instabilidade pressórica durante o ato operatório. Está indicado o uso de alfa-bloqueadores adrenérgicos (prazosina, doxazosina, fentolamina) por, pelo menos, 14 dias, bem como a expansão do volume plasmátco com solução salina. Os beta-bloqueadores podem ser usados como adjuvantes em pacientes que permanecem taquicárdicos, mas sempre após o início dos alfa-bloqueadores, pois o uso isolado de beta-bloqueadores na ausência de bloqueio alfa pode levar a uma piora paradoxal da hipertensão. Eventualmente, outras drogas podem ser necessárias para o controle adequado da pressão arterial, podendo-se utlizar bloqueadores de canais de cálcio, IECA ou bloqueadores do receptor da angiotensina II. É importante uma monitorização rigorosa da pressão arterial no intraoperatório, com medida direta por cateterismo arterial (PA invasiva) e uso de nitroprussiato ou noradrenalina, se necessário. A normalização da pressão arterial ocorre nas primeiras 2 semanas após a cirurgia em 80 a 90% dos casos.
8. Tumores e massas adrenais tcadas massas são, muitas em As exames de adrenais imagem realizados porvezes, algumdiagnos outro mo tvo (incidentalomas adrenais). A maior causa de massas suprarrenais são os adenomas do córtex adrenal (40% dos casos), que geralmente são unilaterais, pequenos (menores que 2 a 3cm de diâmetro), na maior parte das vezes, não funcionantes (ou seja, não levam a nenhuma síndrome de excesso hormonal). Cerca de 10 a 40% dos adenomas adrenais, entretanto, secretam cortsol (síndrome de Cushing ACTH-independente), e 1 a 3% secretam aldosterona (hiperaldosteronismo primário). O carcinoma adrenocortcal corresponde a 10% dos casos de massas adrenais diagnostcadas por acaso. É uma doença rara, mais comum em crianças jovens (<5 anos) e em adultos após a 4ª década. Costumam ser lesões grandes (geralmente, maiores que 5 a 6cm) de comportamento agressivo: 75% já se apresentam com metástases a distância no momento do diagnóstco. A maioria é funcionante – 45% produzem glicocor tcoides, 45% produzem glicocortcoides e androgênios e 10% secretam apenas androgênios. O prognóstco é reservado. Metástases para as adrenais são a 2ª causa mais frequente de massas nessas glândulas (20% dos casos), visto que as adrenais são, frequentemente, atngidas pela disseminação a distância de vários tpos de câncer, como mama, cólon, pulmão e linfomas. As lesões metastátcas são bilaterais em 60% dos casos.
178
Causas mais raras incluem o mielolipoma (um tumor benigno com aspecto muito característco à tomografia), a tuberculose (calcificações), a histoplasmose e a hiperplasia adrenal de acometmento assimétrico. Avaliação do incidentaloma suprarrenal Deve-se responder a 2 perguntas pela avaliação diagnóstca de uma massa suprarrenal encontrada ao acaso: 1 - É maligno? 2 - É funcionante? -
A investgação básica de todo incidentaloma adrenal (mesmo os assintomátcos) deve incluir tomografia ou ressonância magnétca; dosagem de SDHEA, cortsol pós-1mg de dexametasona, relação aldosterona/renina plasmá tca e metanefrinas/catecolaminas urinárias ou plasmátcas. Com base nos resultados dos exames citados anteriormente, deve-se indicar cirurgia em todos os casos com suspeita de malignidade ou com evidências de hiperfunção, conforme resumido na Tabela 16: Tabela 16 - Diagnóstco do incidentaloma adrenal Característcas
Diagnóstco provável
- Tumor com mais de 4 a 6cm de diâmetro; - Densidade tomográfica - Carcinoma adrenal (ou metás>10 unidades Hounsfield tase). (HU) pré-contraste ou >35 HU pós-contraste; - SDHEA elevado. - Cortsol sérico matnal elevado (>1,8ug/dL) após 1mg de dexametasona às 23h. - Relação aldosterona/renina plasmátca >30.
- Adenoma secretor de cortsol (síndrome de Cushing ACTHindependente). - Adenoma secretor de aldosterona (hiperaldosteronismo; síndrome de Conn).
- Metanefrinas ou catecola- Feocromocitoma. minas elevadas.
O aspecto tomográfico da massa também pode ser útl, desde que existam característcas sugestvas de malignidade: áreas extensas de necrose, hemorragia, margens irregulares ou infiltração dos tecidos vizinhos. Lesões bilaterais com característcas malignas devem suscitar a suspeita de metástases e motvar a pesquisa de focos primários de neoplasia. A punção adrenal guiada por ultrassom ou tomografia é um exame útl para distnguir entre lesões malignas primárias ou metastátcas. Tumores que não preencham nenhuma das característcas expostas na Tabela 16 são provavelmente benignos e não funcionantes, e podem ser seguidos clinicamente sem tratamento. Entretanto, deve-se considerar cirurgia se houver crescimento significatvo do tumor nas imagens subsequentes, especialmente em pacientes com <50 anos de idade.
DOENÇAS DAS SUPRARRENAIS
As estastcas mostram que aproximadamente 20% dos incidentalomas adrenais são funcionantes, e <5% são malignos; portanto, pratcamente 80% dos casos não terão necessidade de tratamento imediato.
9. Resumo Quadro-resumo - A insuficiência adrenal apresenta, frequentemente, quadro inespecífico, com reconhecimento atrasado. Entretanto, pode ser fatal se não reconhecida e tratada adequadamente; - A maior causa de insuficiência adrenal em países desenvolvidos é a adrenalite autoimune e, em países de 3º mundo, a tuberculose. No nosso meio, a paracoccidioidomicose também consttui uma causa importante; - Hipercalemia e hiperpigmentação cutâneo-mucosa são encontradas apenas na insu ficiência adrenal primária. Na insuficiência adrenal secundária, a secreção de mineralocortcoides (aldosterona) permanece intacta, pois é regulada pelo eixo renina-angiotensina-aldosterona, e não pelo ACTH hipofisário; - Níveis de cortsol sérico basal (colhido às 8h da manhã) abaixo de 4μg/dL são diagnóstcos de insuficiência adrenal, e >16μg/dL excluem tal possibilidade; - O teste de esmulo com o ACTH sintétco (cortrosina) é o exame de escolha para definir a presença de insu ficiência adrenal e deve ser realizado quando o cortsol basal é indeterminado (de 4 a 16μg/dL). O diagnóstco de insuficiência adrenal é confirmado por um cortsol pós-esmulo <20μg/dL; - Na crise adrenal (hipotensão severa, choque, hipoglicemia, hiponatremia, hipercalemia), deve-se repor volume plasmátco com grande quantdade de salina, administrar glicose IV, repor t tsona: 100 a 300mg inicial, depois 50 (hidrocor aglicocor 100mg coides IV a cada 6 a 8 horas), insttuir medidas de suporte e tratar os fatores predisponentes;
- No tratamento de manutenção da insuficiência adrenal, dáse preferência ao acetato de cortsona (25mg/dia, em 2 a 3 tomadas) ou à hidrocortsona (12 a 15mg/m2/dia, em 2 a 3 doses). A associação de mineralocortcoides é geralmente necessária na insuficiência adrenal primária: fludrocortsona, 50 a 200mcg/dia, em 2 doses. Mulheres podem ter melhora da libido com a reposição de andrógenos (DHEA, 50mg/dia); - A causa mais comum de síndrome de Cushing é o uso de cortcoides exógenos, principalmente as preparações sistêmicas, em altas doses ou por tempo prolongado. Entretanto, cortcoides tópicos também podem causar Cushing, dependendo da dose e tempo de uso; - Das causas endógenas de síndrome de Cushing, a mais comum em adultos é o adenoma hipo fisário secretor de ACTH (doença de Cushing). Em crianças, é o carcinoma adrenal; - O diagnóstco laboratorial da síndrome de Cushing é feito em 2 etapas: fi
tsolismo · cor Contsol rmação dolivre hipercor a dosagem do urinário nas 24h, teste (usando de supressão com 1mg de dexametasona ou dosagem de cortsol sérico ou salivar à fi meia-noite) – considera-se con rmado o hipercortsolismo se pelo menos 2 desses 3 testes estão alterados; · Investgação etológica (que começa com a dosagem do ACTH, para diferenciar as causas ACTH-dependentes, mais comuns, das ACTH-independentes). ACTH >10 a 20pg/mL sugere causa ACTH-dependente (podendo ser a doença de Cushing ou a secreção ectópica de ACTH); ACTH <10pg/mL sugere causa ACTH-independente (adenoma ou carcinoma de adrenal);
- Na síndrome de Cushing ACTH-independente, deve-se realizar imagem abdominal (TC ou RM) para detectar provável tumor adrenal; - Muitas vezes, é difcil diferenciar as causas de hipercortsolismo ACTH-dependente, pois a doença de Cushing e a secreção ectópica de ACTH podem ter apresentações clínica e laboratorial bastante semelhantes; - O cateterismo de seios petrosos inferiores é o padrão-ouro para diferenciar as etologias da síndrome de Cushing ACTHdependentes (doença de Cushing x síndrome do ACTH ectópico), mas é invasivo e pode ter complicações (trombose, hemorragia). Por isso, o 1º exame nessa situação é o teste com CRH (ou DDAVP), que parece ser o melhor teste não invasivo fica para essa diferenciação. O cateterismo seios reservado para os casos em que o teste de com CRHpetrosos (ou DDAVP) não é conclusivo para discriminar a causa da síndrome de Cushing;
- As causas mais comuns de secreção ectópica de ACTH são o carcinoide brônquico (20 a 45%) e o carcinoma pulmonar de pequenas células (20 a 30%); alguns casos também se devem a um carcinoide de pâncreas (10%) outmo (10%). Deve-se ter fise na suspeita de cuidado ao interpretar a ressonância de hipó doença de Cushing, pois a maioria dos adenomas é pequena (até 5mm) e pode não ser visualizada no exame de imagem. Além disso, até 10% dos indivíduos normais podem apresentar uma imagem hipofisária sugestva de microadenoma, que não corresponde à doença (“incidentaloma” hipofisário); - O tratamento de escolha da doença de Cushing é a cirurgia transesfenoidal. Nos casos refratários à cirurgia, pode-se usar cetoconazol em altas doses, um inibidor da síntese de cortsol; - A HAC é um defeito na esteroidogênese adrenal, que em 90% dos casos se deve à deficiência da enzima 21-hidroxilase, causando redução da síntese de cortsol (e aldosterona, em muitos casos) e síntese aumentada de androgênios adrenais. É uma causa comum de pseudo-hermafrodi tsmo feminino; - O diagnóstco de HAC é feito pela concentração plasmá tca elevada de 17-alfa-OH-progesterona, em condições basais ou após esmulo com ACTH; - O hiperaldosteronismo primário é a causa mais comum de hipertensão arterial secundária, presente em 2 a 10% dos hipertensos. Hipocalemia está presente em cerca de 50% dos casos; - O rastreamento de hiperaldosteronismo primário deve ser feito em hipertensos jovens, ou refratários, com complicações da hipertensão ou com hipocalemia espontânea. O rastreamento é feito com a relação aldosterona/renina plasmá tca, que se encontra elevada (>20 a 30); - Deve-se suspeitar de feocromocitoma em pacientes com hipertensão (mantda ou paroxístca) que apresentem a tríade clássica cefaleia + palpitações + sudorese, ou na presença de hipertensão severa, desencadeada por cirurgia/parto, ou hipotensão postural; - O diagnóstco de feocromocitoma é feito pela concentração elevada de catecolaminas ou metanefrinas, na urina de 24 horas ou no plasma; - Massas adrenais detectadas por acaso em exames de imagem são os chamados “incidentalomas adrenais”. A causa mais comum é o adenoma adrenal. Deve-se suspeitar de malignidade se a lesão tem mais de 4 a 6cm de diâmetro ou apresentar SDHEA elevado. Também se deve afastar hiperfunção, por mei o da dosagem de cor tsol após 1mg de dexametasona, relação aldosterona/renina plasmátca e metanefrinas/catecolaminas urinárias.
179
A IC D É M A IC ÍN L C
HEMATOLOGIA HEMATOLOGIA
CAPÍTULO
1 Parte 1 Abordagem inicial da hemostasia e trombose 1. Introdução e fisiologia da coagulação A hemostasia é o processo resultante do equilíbrio entre proteínas pró-coagulantes, antcoagulantes e fibrinolítcas, para manter o sangue fluido e, quando necessário, coibir o sangramento. Tal equilíbrio é alcançado pelo bom funcionamento de vasos sanguíneos (endotélio), plaquetas, proteínas da coagulação, da fibrinólise e dos antcoagulantes naturais. Muitos fatores, genétcos ou adquiridos, podem contribuir para romper esse equilíbrio, levando a estados de hipocoagulabilidade ou hipercoagulabilidade. Didatcamente, a hemostasia pode ser dividida em 3 etapas:
Figura 1 - Etapas da hemostasia
180
Hemostasia e trombose Fernanda Maria Santos / Marcos Laercio Pontes Reis
A - Hemostasia primária Após uma lesão endotelial, ocorrem exposição do colágeno e vasoconstrição reflexa. Plaquetas circulantes aderem ao colágeno por meio do Fator de von Willebrand (FvW), liberado pelo endotélio em razão do estresse de cisalhamento. Essa adesão ocorre por intermédio das glicoproteínas Ib (GPIb) e Ia-IIa localizadas, respec tvamente, na superfcie das plaquetas e do colágeno. As plaquetas aderidas ao colágeno são atvadas, liberando secreções dos conteúdos granulares (ADP, prostaglandinas, tromboxano A2, serotonina) e sofrem alteração de sua estrutura, expondo outra glicoproteína de membrana: GP IIb/IIIA, responsável pela agregação plaquetária por meio da ligação dessa GP ao fibrinogênio: agregação plaqueta/plaqueta (Figura 2). As secreções dos grânulos plaquetários são responsáveis por maior vasoconstrição, adesão, atvação e agregação plaquetária. Assim, forma-se o tampão plaquetário, responsável pelo controle do sangramento em poucos minutos. Por fim, o tampão plaquetário tem atvidade pró-coagulante, por meio da exposição de fosfolipídios pró-coagulantes e complexos enzimátcos na superfcie da plaqueta, que resulta em inter-relação entre atvação plaquetária e atvação da cascata de coagulação.
Figura 2 - Hemostasia primária
HEMOSTASIA E TROMBOSE
B - Hemostasia secundária Hemostasia secundária é o nome dado às reações da cascata da coagulação, que consistem na a tvação sequencial de uma série de pró-enzimas ou precursores proteicos inatvos (zimógenos) em enzimas atvas, resultando na formação de fibras de fibrina que fortalecem o tampão plaquetário. Todos os fatores de coagulação são produzidos pelo fgado, com exceção do fator VIII, que também é secretado pelo endotélio. da coagulação é dividida, didatcamente, em Essa 2 viascascata principais: a via intrínseca (desencadeada por fatores de contato, de carga negatva, presentes no intravascular) e a via extrínseca (desencadeada pelo fator tecidual), que confluem para uma via comum (Figura 3).
A IC D É M A IC ÍN L C
Figura 4 - Cascata da coagulação
Na via extrínseca, o fator VII circulante liga-se ao FT (tromboplastna) exposto pelo endotélio lesado e, juntos, atvam o fator-X (via comum). Na via intrínseca, o fator XII, na presença de Cininogênio de Alto Peso Molecular (CAPM) e pré-calicreína (PK), é a tvado por fatores de contato (substâncias de carga negatva, como toxinas bacterianas). O XIIa atva o fator XI, que atua-
Tal maneira clássica de apresentar a cascata da coagulação é importante para o raciocínio na interpretação dos exames laboratoriais, mas não é o que acontece no organismo. Fisiologicamente, sabe-se que o Fator Tecidual (FT) exposto após a lesão endotelial é o evento primário da cascata da coagulação, pois o complexo FT/VIIa ativa os fatores X e IX, gerando pequena quantidade de trombina, e que os fatores da antiga via intrínseca (como XI, IX, VIII) funcionam como amplificadores do processo dessa geração de trombina, “peça-chave” na formação do coágulo de fibrina. Tal amplificação ocorre na membrana das plaquetas ativadas (aquelas ativadas no processo da hemostasia primária), utilizadas como fonte de fosfolípides, importante para a localização do coágulo apenas no tecido lesado.
rá na atvação do fator IX. O fator IXa, na presença do VIIIa, atva o fator X. Após a geração de fator Xa por ambas as vias, este se associa ao fator Va e atva a protrombina (fator II) em trombina (fator IIa), sendo esta a responsável pela transformação do fibrinogênio em fibrina. O fator XIII é fundamental para a estabilização do coágulo de fibrina (Figura 4). Cálcio e fosfolipídios são cofatores importantes para a cascata de coagulação.
Três importantes substâncias agem como moduladoras da cascata da coagulação: anttrombina (AT), proteína C atvada/proteína S e inibidor da via do fator tecidual. A an ttrombina, produzida no fgado (e, possivelmente, nas células endoteliais), é um dos mais potentes inibidores da cascata da coagulação. Exerce seu papel como antcoagulante pela inibição da trombina, dos fatores XIIa, XIa, IXa, Xa e da calicreína. O inibidor da via do FT bloqueia a ação do complexo
Figura 3 - Hemostasia secundária
181
HEMATOLOGIA
VIIa-FT ao ligar-se com o fator Xa, diminuindo a geração de trombina em sua fase mais inicial. A principal fonte do inibidor da via do FT são as células endoteliais. Outra molécula importante no controle da cascata de coagulação é a proteína C. A trombina gerada pela cascata da coagulação liga-se à trombomodulina, presente no endotélio sem lesão. O complexo trombomodulina/trombina a tva a proteína C circulante (PCa), e esta, a proteína S. Tanto a PCa quanto a PSa exercem seus papéis como an tcoagulantes ao inatvarem os fatores Va e VIIIa, bloqueando a geração de mais trombina. Além dessa ação an tcoagulante, a proteína C atvada é capaz de bloquear a ação do PAI-1 (inibidor do a tvador do plasminogênio-1) e do TAFI (Thrombin-Actvatable Fibrinolysis Inhibitor – inibidor da fibrinólise dependente de trombina), diminuindo o efeito supressivo desses compostos sobre a fibrinólise. Portanto, a proteína C atvada apresenta um papel pró- fibrinolítco. Por fim, a proteína C a tvada também é capaz de reduzir a resposta in flamatória por vários mecanismos.
Figura 5 - Modulação da cascata da coagulação
182
HEMOSTASIA E TROMBOSE
Além desses mecanismos, o tromboxano, a prostaciclina e o óxido nítrico modulam a reatvidade da parede vascular e das plaquetas, contribuindo para o controle da cascata de coagulação e para a fluidez do sangue.
Além das proteases da coagulação (fatores de coagulação) e da antcoagulação, o organismo conta também com um sistema fibrinolítco. O plasminogênio é uma proteína inatva circulante no plasma, que se liga à fibrina à medida
se. Essa conversão ocorre pela ação do atvador tecidual do plasminogênio (tPA –tssue Plasminogen Actvator), sintetzados pelo endotélio; e do atvador do plasminogênio tpo uroquinase (UPA –Urokinase-type Plasminogen Actvator), secretado por diversos tecidos. A liberação endotelial do t-Pa é estmulada pela presença de trombina, serotonina, bradicinina, adrenalina e citocinas. Os compostos que controlam a fibrinólise são PAI (inibidor do atvador do plasminogênio), especialmente o PAI-1, TAFI (inibidor dafibrinólise atvado pela trombina) e alfa-2-antplasmina (age inibindo a plasmina). O TAFI é atvado
que o coágulo se forma, do a plasmina no momento de sua ligação come aé ficonver brina, tsendo esta a responsável pela dissolução do coágulo, iniciando, assim, a fibrinóli-
pelo trombina/trombomodulina e liga-se à brina já complexo parcialmente lisada, impedindo a ligação do plasminogênio e formação de mais plasmina.
C - Fibrinólise
fi
A IC D É M A IC ÍN L C
Figura 6 - Fibrinólise
D - Avaliação laboratorial da hemostasia
Os exames laboratoriais que devem ser solicitados para a avaliação da hemostasia primária são: a) Contagem de plaquetas com análise do sangue periférico (normal: 150 a 400.000/mm3) Sempre deve ser avaliada, tendo em vista que as plaquetas fazem parte da hemostasia primária. U tliza-se usualmente o antcoagulante EDTA (tubo de tampa roxa) para coleta de sangue periférico; este antcoagulante tem a capacidade de aglutnar plaquetas, resultando numa possível contagem final reduzida. Assim, um dos primeiros testes a ser solicitado é uma nova contagem de plaquetas u tlizando o antcoagulante citrato de sódio (tubo de tampa azul) e comparando-se o resultado encontrado. Pela análise de sangue periférico, pode-se avaliar a morfologia plaquetária (presença de macroplaquetas, comuns nas púrpuras trombocitopênicas imunes).
Figura 7 - Plaquetas aglutnadas, picas do uso de antcoagulante EDTA
Tempo de sangramento tos;b)teste de Ivy: 1 a 7 minutos)(teste de Duke: 1 a 3 minuAvalia a integridade da parede vascular, das plaquetas e do FvW, sendo um teste da função da hemostasiaprimáriain vivo; baseia-se em lesões de pequenos vasos, com perfuração de somente 1mm de profundidade. Podem ser realizados 2 testes: teste de Duke, em que a perfuração é realizada no lóbulo da orelha (pouco sensível, somente alteradas em distúrbios graves plaquetários e de hemostasia primária) e o teste de Ivy, em que serealiza corte padronizado em antebraço com esfigmomanômetro insuflado a 40mmHg. c) Perfil de von Willebrand Caracterizam-se basicamente pela dosagem do angeno de von Willebrand, dosagem do cofator de ristocetna e curva de agregação plaquetária (Figura 8). d) Curva de agregação plaquetária: avalia a função plaquetária in vitro Baseia-se na medida de formação de agregados plaquetários após exposição a agente agregante (ADP, adrenalina, ácido araquidônico, trombina, colágeno). Estes agregados, então, são medidos pelo agregômetro, que se utliza da espectrofotometria (capacidade de medir a variação de transmissão de luz por meio de uma suspensão de plaquetas). O resultado do teste, apresentado em porcentagem, re flete diretamente a quantdade de transmissão de luz, logo, de formação de agregados plaquetários.
183
HEMATOLOGIA
Figura 8 - Resultado de agregação plaquetária
Para a análise da hemostasia secundária, deve-se lembrar a divisão didátca em via intrínseca/extrínseca, pois assim é possível desenvolver raciocínio clínico com a história do paciente e os exames laboratoriais.
Figura 9 - Cascata da coagulação Tabela 1 - Interpretação laboratorial da hemostasia secundária Testes
Significado
Resultado normal*
Tempo de Protrombina (TP)
Avalia a via extrínseca, alterando-se nas deficiências dos fatores VII, X, V, II oufibrinogênio, ou quando há presença de inibidores.
11 a 14,5 segundos; pode ser expresso em porcentagem (tempo de atvidade de protrombina): 70 a 100%.
Avalia a via intrínseca, alterando-se nas deficiências dos fatores Tempo de XII, XI, IX, VIII, X, V, II Tromboplastna ou fibrinogênio, ou Parcial atvada quando há presença (TTPa) de inibidores. Sensível à presença de heparina.
184
25 a 30 segundos; pode ser expresso pela relação TTPA do paciente/TTPA normal (RTTPA), cujo valor normal está até 1,2.
Testes
Significado
Resultado normal*
Prolongado nas deficiências de fibrinogênio e na presença dos proTempo de Tromdutos de degradação 9 a 15 segundos. bina (TT) do fibrinogênio/fibrina. Muito sensível à presença de heparina. Fibrinogênio
Fornece quantficação dos níveis plasmátcos do fibrinogênio.
Produtos de degradação fibrina/ fibrinogênio (PDF)
fibrinólise e/ou fibri-
D-dímero
Avalia a ocorrência de lise da fibrina estabili- 68 a 494mg/dL. zada.
Avalia a presença de
195 a 365mg/dL.
Negatvo <5g/mL.
nogenólise.
* Os valores podem variar de acordo com laboratório de referência. Atenção: Apenas TP alargado: deficiência ou inibidor de VII. Apenas TTPa alargado: deficiência ou inibidor de VIII, IX, XI, XII, CAPM ou PK. TP e TTPa alargados: deficiência ou inibidores da via comum: V, X, II, fibrinogênio.
A variação nos reagentes comerciais u tlizados para a realização do TP resulta em sensibilidade variável para a detecção de alterações no teste. Para padronizar a monitorização da terapia com antcoagulante oral, a OMS estabeleceu um reagente de referência internacional e recomenda que o valor do TP seja dado na forma de razão: paciente/padrão internacional – RNI (Razão de Normatzação Internacional). O mesmo raciocínio se dá com o TTPA, que deve preferencialmente ser sempre expresso na forma da relação do TTPA (que é conseguido pela divisão do TTPA do paciente pelo TTPA normal do dia).
HEMOSTASIA E TROMBOSE
A diferença entre deficiência de fator e presença de inibidor é feita por meio do teste com o plasma do paciente misturado com plasma normal, à proporção 1:1. Em caso de deficiência, o alargamento do tempo em estudo será corrigido completamente, visto que foi ofertado o fator de ficiente. Em caso de presença de inibidor, após a mistura a 50%, o tempo não corrige ou o faz parcialmente. A utlidade dos testes de coagulação é avaliar a de ficiência de fator ou presença de inibidor, detectado pelo alargamento daqueles. O encurtamento dos testes pode ocorrer em algumas circunstâncias especiais, sendo as principais: erro de coleta ou técnica inadequada na realização dos testes – afastada essas causas, os fatores de coagulação podem estar aumentados em neoplasias malignas, coagulação intravascular disseminada ou após exercício, resultando no encurtamento dos testes. Finalmente, pode-se solicitar a dosagem dos fatores individualmente, como no caso da hemo filia A (fator VIII) e hemofilia B (fator IX). Para avaliar a fibrinólise, além dos testes anteriores, pode-se utlizar o teste do tempo de lise da euglobulina, que consiste em separar do plasma do paciente a fração de euglobulina (proteínas que incluem fibrinogênio, plasminogênio e T-Pa = atvadores da fibrinólise). Essa fração separada é ressuspensa juntamente com a trombina – a par tr daí, conta-se o tempo para a formação do coágulo. Tempo encurtado equivale à hiperfibrinólise, tempo alargado, hipofibrinólise.
Parte 2 Distúrbios da hemostasia primária 1. Introdução Os distúrbios da hemostasia primária são resultantes destes 3 mecanismos: - Maior fragilidade da parede vascular; - Alterações quanttatvas ou qualitatvas das plaquetas; - Alteração do FvW. A manifestação clínica dos distúrbios da hemostasia primária mais comum é o sangramento mucocutâneo (pele, gengivorragia, epistaxe, hematêmese/melena, hematúria, menorragia) espontâneo e/ou imediatamente ao trauma, muitas vezes pequeno.
A - Alteração da parede vascular Distúrbios microvasculares, inflamatórios ou não, podem cursar com quadro de sangramento mucocutâneo: são as chamadas púrpuras não trombocitopênicas. É um diagnóstco diferencial muito importante das púrpuras trombocitopênicas, visto que a manifestação clínica é semelhante:
petéquias, púrpuras, sangramento mucoso (gengivorragia ou epistaxe), e raramente apresentam sangramento digestvo ou urinário. Na investgação, é importante determinar se há púrpura palpável (representa depósito de fibrina, edema ou infiltração celular) ou não, se há sinais inflamatórios (calor local, dor ou eritema) e se há alteração nos exames laboratoriais que denotem causa hematológica (contagem e função plaquetária, coagulograma). Tabela 2 - Etologias mais frequentes das púrpuras vasculares Tipo de púrpura
Causa
Exemplos
Crioglobulinemia, doença de Disproteinemia Waldenström (depósito de imunoglobulina). Púrpura Necrose pela varfarina, deficipalpável não Púrpura trom- ência de proteína C e S, livedo inflamatória bótca retcular, síndrome do antcorpo antfosfolípide. Púrpura embólica
Êmbolo de cristal de colesterol.
Pioderma gangrenoso
Alteração do sistema imunitário.
Púrpura de Henoch-Schönlein Infecção
IVAS, medicamentos, alimentos, exposição ao frio. Meningococcemia, rickésia, sarampo.
Causado por infecção (MycoPúrpura Eritema mult- plasma, adenovírus, CMV) ou inflamatória forme medicamentos (sulfas, fenitoína, palpável ou AINH). não Infecção estreptocócica (especialmente em crianças), parvoPoliarterite vírus B19, HIV, vírus da hepatte B, tuberculose, doença intestnal nodosa inflamatória e trombose da veia cava inferior. Vasculites associadas ao ANCA
Wegener, Churg-Strauss.
Hipersensibilidade Por depósito de imunocomplea medicamen- xos. tos Púrpura não palpável, Púrpura senil, excesso de gliconão inflamacortcoide, deficiência de vitaDiminuição da tória mina C (escorbuto ou síndrome integridade de Scurvy), doença do tecido vascular conectvo (síndrome de Ehlers-Danlos).
185
A IC D É M A IC ÍN L C
HEMATOLOGIA Observação: Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS): principal causa de vasculite na infância, afeta predominantemente a população pediátrica (3 a 15 anos), 90% dos casos em crianças menores que 10 anos. Mais comum em meninos que em meninas (1,8:1). A causa não é bem esclarecida, mas credita-se que infecções virais, bacterianas (principalmente por Streptococcus), medicamentos, alergia alimentar ou picada de insetos possam ser desencadeadores. Ocorre uma vasculite leucocitoclástca por depósito de complemento e imunocomplexo (à custa de IgA e C3). Manifesta-se pela tétrade clínica: 1 - Púrpura palpável simétrica, na ausência de plaquetopenia ou alteração da coagulação (principalmente nos membros inferiores e nádegas). 2 - Artralgia/artrite. 3 - Dor abdominal de intensidade variável (com ou sem sangramento digestvo). 4 - Nefrite (glomerulonefrite aguda). O diagnóstco é clínico, e a biópsia do local afetado (pele ou rim) é reservada aos casos de apresentação clínica incompleta ouapica. É uma doença autolimitada necessitando apenas de tratamento de suporte (ingesta de líquidos, repouso e analgesia). O uso de cortcoide é reservado aos casos complicados com envolvimento renal ou não responsivos aos sintomátcos. O prognóstco é muito bom, apenas 1/3 dos casos apresenta recidiva nos 4 meses seguintes ao quadro inicial, de forma mais branda e com menor duração. A complicação com perfuração ou intussuscepção intestnal é rara, e 94% das crianças e 89% dos adultos que apresentam alteração renal evoluem com recuperação completa. Atenção: Telangiectasia hemorrágica hereditária (doença de Rendu-Osler-Weber): trata-se de um distúrbio autossômico dominante com aparecimento de vasos tortuosos, dilatados, com paredesfinas, geralmente na submucosa do tubo digestvo e na mucosa respiratória. Manifesta-se com epistaxes frequentes e sangramento de mucosa oral e gastrintestnal, consequentes à malformação vascular. No exame fsico, é característco o encontro de telangiectasias na face, nos dedos, na língua, nos lábios e no nariz. Parece púrpura, mas não é.
B - Trombocitopenias Trombocitopenia é definida como contagem de plaquetas <150.000/mm3, as causas são várias e podem ser agrupadas em diminuição da produção, aumento da destruição (imune ou não imune) e sequestro esplênico. A iden tficação da etologia é essencial para a indicação do tpo de tratamento, já que, em alguns casos, o uso de concentrados de plaquetas para transfusão pode piorar o quadro clínico. A trombocitopenia é causa importante de sangramento de pequenos vasos, e essas manifestações hemorrágicas estão relacionadas à etologia da trombocitopenia e à contagem plaquetária: sangramento clinicamente significatvo em geral não ocorre com contagem plaquetária abaixo de 20 a 10.000/mm3; e pacientes com PTI têm menor tendência a sangramento, pois, com a destruição periférica, ocorre maior produção medular, com plaquetas mais jovens circulantes e de maior poder hemostátco.
186
A pseudoplaquetopenia (plaquetopenia espúria) é um diagnóstco diferencial importante: aglutnação plaquetária in vitro, interpretada pelos contadores automátcos como plaquetopenia, geralmente relacionada ao EDTA (antcoagulante do tubo de coleta – tubo roxo). Esse diagnóstco é facilmente feito por meio da análise do esfregaço do sangue periférico ou da coleta da amostra de sangue em tubo contendo citrato como antcoagulante (tubo azul). A plaquetopenia dilucional acontece nas transfusões sanguíneas maciças, em que o aporte transfusional chega ao correspondente a uma volemia ou próximo disso. Transfusão de 15 unidades de hemácias em 24 horas resulta na contagem plaquetária entre 47 e 100.000/mm3, e transfusão de 20 unidades pode levar à contagem entre 25 e 61.000/mm3. A seguir, são analisadas as formas mais frequentes de plaquetopenia, suas manifestações clínicas e tratamentos. a) Plaquetopenia por déficit de produção Pode ser congênita ou adquirida. A 1ª é muito rara, destacando a síndrome de Wisko -Aldrich, síndrome de Bernard-Soulier e May-Haeglin. As formas adquiridas são mais comuns e podem ser causadas por: - Doenças primárias da medula óssea: como distúrbio na produção dos megacariócitos, anemia aplástca, mielodisplasia, infiltrações medulares por leucemias, tumores e mielofibrose. Destaca-se ainda a agressão medular por quimioterapia ou radioterapia, ou ainda por outros agentes tóxicos (benzeno, álcool); -
Carência nutricionalde de plaquetopenia vitamina B12 epor ácido causas importantes défifólico: cit de produção, geralmente acompanhada de anemia e/ou leucopenia; - Megacariopoese ineficaz: ocorre produção medular de megacariócitos anômalos, com liberação inadequada de plaquetas para o sangue periférico, sendo exemplo a mielodisplasia; - Quadros infecciosos: em especial o vírus HIV, levando à trombocitopenia nos primeiros estágios, por reações angeno-antcorpo e por supressão megacariocí tca direta pelo vírus. A hepatte por vírus C e o EBV causam frequentemente um quadro semelhante. b) Plaquetopenia por excesso de destruição - Púrpura trombocitopênica imunológica: destruição plaquetária por formação de antcorpos antplaquetários ou por interação dos antcorpos com outros elementos, em que a plaqueta atua como hapteno, ou ainda por produção ineficaz de plaquetas. Pode estar associada a outras doenças autoimunes, como Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), anemias hemolí tcas autoimunes, quadros infecciosos virais, ingestão de drogas, ou pode ser idiopá tca; - Destruição mecânica: como na hemólise por próteses valvares cardíacas, hemangioma cavernoso, aneurisma de aorta ou aterosclerose;
HEMOSTASIA E TROMBOSE
Consumo: por quadros inflamatórios ou infecciosos, como na meningococcemia, dengue hemorrágica, mononucleose, CMV, HIV e sepse; nas microangiopatas trombótcas, em que as plaquetas são consumidas em razão da trombose na microcirculação (PTT, SHU, HELLP, CIVD); - Medicamentos: como no uso de heparina, quinidina, ácido valproico, sulfas, interferon e vacina de catapora; - Púrpura aloimune: destruição plaquetária em razão de aloan tcorpos (antcorpo antplaquetário não presente no indivíduo, adquirido por transfusão ou transmissão materno-fetal, contra angeno presente na superfcie da plaqueta dele). Ocorre em indivíduos que recebem muitas transfusões de plaquetas e na púrpura aloimune neonatal; -
A IC D É M A IC ÍN L C
Figura 10 - Fatores etológicos da trombocitopenia
Trombocitopenia aloimune neonatal Acontece quando as plaquetas do feto contêm an genos herdados do pai, que a mãe não tem. Sendo assim, há o desenvolvimento de antcorpos maternos diretamente contra esses angenos plaquetários do feto (HPA 1a ou PLA1, principalmente), o que acontece na Doença Hemolí tca do Recém-Nascido (DHRN). A mãe passa a produzir antcorpos específicos (IgG) que cruzam a barreira placentária e destroem as plaquetas em formação. Os recém-nascidos podem apresentar plaquetopenia leve, moderada ou severa. Deve-se manter o nível de plaquetas >30.000 a 50.000, pois a maior complicação é o sangramento intracraniano, que acontece em 10 a 20% dos RNs acometdos, sobretudo nas primeiras 72 a 96 horas, ou ainda intraútero (25 a 50% dos casos). O quadro reverte-se em 1 a 4 semanas, período necessário para o clearance dos antcorpos maternos. Enquanto isso, devem-se transfundir plaquetas com an genos plaquetários compaveis com os da mãe (inclusive a própria plaqueta da mãe) e/ou administrar imunoglobulina. A transfusão será indicada se a contagem de plaqueta for <30.000 a 50.000/mm3, principalmente nas primeiras 96h, em que o risco de sangramento é muito alto. -
A taxa de recorrência nas gestações subsequentes é de 75 a 90%, sendo indicada transfusão intraútero imediatamente antes do parto e/ou infusão de imunoglobulina na mãe, associadas ou não a cor tcoide. Púrpura Trombocitopênica Imunológica/Idiopá tca (PTI) É a causa mais comum de plaquetopenia em adultos e crianças. Trata-se de uma doença autoimune, aguda (com duração de menos de 6 meses) ou crônica, que cursa com destruição plaquetária imunologicamente mediada por antcorpos, à semelhança do que acontece na AIDS, no LES, nas infecções virais e nas complicações de terapias medicamentosas diversas (púrpuras trombocitopênicas imunológicas secundárias). Essas etologias secundárias devem ser devidamente investgadas e descartadas, pois o diagnóstco de PTI é de exclusão. -
Patogênese A patogênese da PTI ainda é incerta, mas acredita-se que está relacionada: Ao aumento da destruição das plaquetas por antcorpos IgG produzidos por linfócitos B (pode coexistr IgM em 40% dos casos) contra os complexos glicoproteicos plaquetários IIb/IIIa e Ib/IX. As plaquetas -
•
187
HEMATOLOGIA opsonizadas após esta reação an geno-antcorpo são fagocitadas pelo sistema re tculoendotelial, levando à destruição plaquetária, principalmente no baço; À partcipação importante de linfócitos T-helper CD4+, tanto no esmulo da ação dos linfócitos B quanto na possível ação citotóxica direta; À sensibilização e destruição dos precursores plaquetários (megacariócitos), já que estes têm os mesmos angenos de membrana, sendo a plaquetopenia resultante não só do aumento da destrui-
manda medular, sem qualquer outra evidência de alteração no hemograma. Eventualmente, pode haver discreta anemia ferropriva (secundária aos episódios de sangramento). As outras linhagens celulares estão normais, porém 10% dos pacientes têm anemia hemolítca autoimune associada (síndrome de Evans). A análise do sangue periférico é importante para descartar pseudoplaquetopenia e presença de células anômalas (leucemia) e de esquizócitos (sinal de microangiopata). Ao mielograma, evidenciam-se linhagens celulares normais, podendo haver aumento do número de megacarióci-
ção, como também da diminuição da produção. Epidemiologia A incidência maior é na infância, porém pode afetar virtualmente todas as faixas etárias. Em crianças, é mais frequente o aparecimento da plaquetopenia após quadro viral ou vacina (principalmente a MMR – sarampo, caxumba e rubéola), iniciando-se, geralmente, 3 semanas após a infecção, com taxa de remissão espontânea nessa faixa etária bastante alta, chegando a 80%. Infecção pelo Helicobacter pylori tem sido associada à PTI em alguns relatos.
tos, muitos deles imaturos, basoflicos, com núcleo grande e não lobulado, demonstrando eritropoese acelerada e resposta medular elevada. Pode-se encontrar também número de megacariócitos normais ou diminuídos, nos casos em que os megacariócitos também são afetados. Logo, o mielograma não é importante para o diagnós tco da PTI, mas para a exclusão de outras doenças que afetem a medula. Deve ser solicitado em crianças (pela possibilidade de diagnóstco de leucemia aguda) e em idosos (pelo diagnós tco diferencial de mielodisplasia). Podem-se ainda detectar antcorpos antplaquetários por citometria de fluxo, porém a sensibilidade e a especificidade desse teste são muito baixas, não sendo u tlizados para o diagnóstco. Não há nenhum exame laboratorial que confirme PTI, sendo um diagnóstco de exclusão (sempre descartar outras doenças imunes associadas, infecções virais, principalmen-
•
•
-
te HCV e HIV, medicamentos, síndrome do an tcorpo antfosfolípide e microangiopata). Tabela 3 - Patologias a serem descartadas para diagnós tco de PTI - Doenças autoimunes; - Anemia megaloblástca; Figura 11 - Incidência de PTI por faixa etária
Quadros clínico e laboratorial A manifestação clínica é de um distúrbio da hemostasia primária, destacando a presença de petéquias, geralmente ascendentes. Pode ocorrer sangramento em virtualmente todos os tecidos do organismo, sendo mais comum a epistaxe, gengivorragia e menorragia. Pessoas idosas tendem a manifestar sangramentos mais graves como diges tvo ou urinário. O Sistema Nervoso Central (SNC) raramente apresenta fenômenos hemorrágicos potencialmente fatais, tendo em vista hiperfunção das poucas plaquetas presentes. Os pacientes são encontrados em bom estado geral e afebris, com ausência de esplenomegalia ou de outras alterações no examefsico, além de petéquias, púrpuras e equimoses. Diferentemente da PHS, a púrpura da PTI é indolor, não é palpável e não ocorre exclusiva ou principalmente nos membros inferiores. A contagem plaquetária pode alcançar valores abaixo de 10.000/mm3, muitas vezes com megatrombócitos circulantes (macroplaquetas), consequentes ao aumento da de-
188
- Doenças infecciosas, em especial VHC e HIV; - Agamaglobulinemia (solicitar eletroforese de proteínas e dosagem de imunoglobulinas); - Tireoidopatas; - SMD (principalmente idosos); - Leucemia aguda (principalmente crianças); - Uso de medicamentos. -
Tratamento
Considerando que nas crianças geralmente há remissão espontânea, e também em alguns poucos casos nos adultos (<10%), o início da terapia está indubitavelmente indicado apenas em 3 situações: nível plaquetário abaixo de 30.000/ mm3, quadro de sangramento atvo ou previsão de intervenção cirúrgica. Outras situações podem ser levadas em conta para a indicação terapêu tca objetvando plaquetometria maior, como o risco de trauma do paciente (geralmente idosos ou aqueles que exercem atvidade de risco), o uso de medicamentos antcoagulantes ou antagregantes e a presença de comorbidades.
HEMOSTASIA E TROMBOSE
A 1ª opção terapêu tca é o cortcoide, para reduzir a afinidade dos macrófagos com as plaquetas marcadas por antcorpos, além de reduzir a ligação dos an tcorpos à superfcie das plaquetas. Quando mantda a cortcoterapia por longos períodos, a produção de an tcorpos diminui. Há 3 opções de administração do cortcoide: - Prednisona, na dose de 1mg/kg de peso por dia, pelo mínimo de 4 semanas (mais u tlizada); - Pulsos com dexametasona, 40mg/dia, por 4 dias a cada 14 a 28 dias, quantas vezes forem necessárias para aumentar a contagem plaquetária; - Pulso com metlprednisolona na dose de 30mg/kg/dia, respeitando a dose máxima de 1g/dia, por 3 dias, seguido da prednisona na dose já descrita. Nessa opção, os pacientes obtêm resposta mais rapidamente, mas sem diferença na frequência ou duração de resposta completa, sendo reservada apenas a pacientes com quadro de sangramento importante ou refratários à dose convencional de prednisona.
as indicações de esplenectomia, mas ainda carece de estudos que comprovem superioridade quanto à sua ficácia, e principalmente em longo prazo, sendo reservado aos refratários à esplenectomia ou àqueles com contraindicação cirúrgica. Quanto aos pacientes que não apresentam resposta ao uso das medidas citadas, imunossupressores potentes, como a azatoprina, a ciclosporina e a ciclofosfamida podem ser utlizados, com resultados variáveis. Descreve-se também o uso do danazol, um agente anabolizante que, na dose de 600mg/dia VO, está associado à melhora em pacientes refratários a cortcoides. Os agentes estmuladores da trombopoese (eltrombopague), aprovado para uso nos pacientes refratários às terapias anteriores. Não induz à remissão, apenas melhora a plaquetometria durante o seu uso. Descreve-se, também, que o uso do danazol, um agente AC I anabolizante, está associado àmelhora em pacientes refratá- ÉD M rios a cortcoides, o mesmo acontecendo com o quimioterá- AIC pico ciclofosfamida e imunossupressor ciclosporina. Ressal- LÍNC ta-se, porém, que estes medicamentos são de 3ª linha, apresentando respostas menores que os demais supracitados.
O sangramento geralmente diminui de intensidade após o 1º dia de cortcoide, mesmo antes do início da elevação - Prognóstco plaquetária, talvez por aumento da estabilidade vascular. Após o início da cor tcoterapia, a contagem de plaqueNas crianças, a maior parte dos casos apresenta remistas pode levar até 4 semanas para se elevar. são completa (80%), nos adultos, a maioria dos casos (aproComo alternatva, metlprednisolona a pacientes com qua- ximadamente 60%) regride com o uso de prednisona. Os dro de sangramento importante ou refratários à prednisona, indivíduos sem resposta à terapêutca ou com recidivas frea imunoglobulina IV é um excelente recurso terapêu tco, em quentes nos primeiros 6 meses são considerados crônicos. que há rápida elevação dos níveis plaquetários e redução pre- Contudo, o prognóstco é bom na maioria dos casos, com coce dos sangramentos. Tal agente atua no bloqueio dos re- resolução após terapêutca medicamentosa ou esplenec-
ceptores dos macrófagos e na diminuição da captação de tomia. A mortalidade relacionada à PTI é pequena (<1%) e plaquetasFcrecobertas por an tcorpos. Preconiza-se uma dose secundária a sangramento ou infecção. de 400mg/kg de peso ao dia, por 3 a 5 dias ou 1g/kg/dia por 2 dias. Espera-se resposta laboratorial em 1 a 5 dias. Contudo, a imunoglobulina IV é uma terapêutca de alto custo, nem sempre disponível de forma imediata para uso, e seu efeito nos casos crônicos se mantém por apenas 1 a 2 semanas. Assim, reserva-se o uso a pacientes com sangramento atvo, em pré-operatório (partcularmente para a esplenectomia) e para gestantes, no preparo para o parto. A transfusão de plaquetas está contraindicada, recomendada apenas em caso de sangramento atvo e com risco de vida iminente (sangramentos em TGI ou SNC). Não há contraindicações para transfusões de concentrados de hemácias caso haja anemia severa sintomá tca associada, em razão das perdas. Para os casos refratários, a esplenectomia ainda é a 1ª opção, indicada aos casos em que não há resposta à prednisona, quando dependência de altas dosesaguardar do uso desta, ou quando háhá recidiva da doença. Deve-se pelo menos 6 meses para indicar este procedimento, tendo em vista a chance de remissão espontânea neste período. Entretanto, a cirurgia não é garan ta de sucesso a 100% dos pacientes, tendo um índice de resposta em longo prazo que varia de 60 a 90%, dependendo da série estudada. O antcorpo monoclonal ant-CD20 (rituximabe), responsável pela supressão de linfócitos B e, portanto, da síntese tde - an corpos, vem sendo bastante estudado na tenta tva de diminuir Figura 12 - Tratamento na PTI
189
HEMATOLOGIA -
Púrpura Trombocitopênica Trombótca (PTT)
-
Considerações gerais
Trata-se de uma microangiopata trombótca disseminada, caracterizada pela oclusão difusa de microcirculação por microtrombos plaquetários. Estes microtrombos causam anemia hemolítca microangiopátca com formação de esquizócitos. Pode resultar em isquemia de SNC e IRA, e alta chance de mortalidade se não tratada rápida e adequadamente. O principal mecanismo posto em evidência recentemente é a deficiência ou inibição (congênita ou adquirida) da metaloproteinase (ADAMTS13), responsável fisiologicamente pela degradação dos polímeros de alto peso do FvW em polímeros de baixo peso. A presença de antcorpos IgG antmetaloproteinase parece ser um fenômeno habitualmente associado às formas adquiridas de PTT, permanecendo, no entanto, pouco claros os mecanismos que levam esses antcorpos inibitórios a reconhecerem o complexo enzimátco, bem como a razão pela qual são produzidos. Por outro lado, as formas congênitas de deficiência da enzima parecem estar relacionadas a mutações no gene da ADAMTS13 (A Desintegrin And Metalloproteinase with ThromboSpondin I motf), situado no braço longo do cromossomo 9 (9q34). A disfunção endotelial é o elemento desencadeante da microangiopata, em que haverá a adesão plaquetária persistente pela presença constante dos mul meros de alto peso do FvW (já que não há ADAMTS13), srcinando direta e indiretamente a trombose microvascular e promovendo a formação de um trombo primariamente plaquetário na microcirculação (microangiopata trombótca disseminada). As hemácias, ao tentar vencer o trombo plaquetário, chocam-se, o que resulta em hemólise (anemia hemolítca microangiopátca) e formação dos esquizócitos. Uma lista crescente de agentes e tológicos tem sido descrita, com especial destaque para as toxinas bacterianas, vírus e fármacos, como alguns an tagregantes plaquetários – tclopidina e clopidogrel. Todavia, somente em 15% dos casos se detecta um fator causal.
Figura 13 - Fisiopatologia da PTT
190
Figura 14 - Formação de trombos plaquetários na PTT no (A) cérebro e no (B) rim
Esta síndrome predomina na idade adulta, com pico de incidência na 3ª década de vida e com uma razão sexo feminino/sexo masculino de 3:2. Os dados sobre a incidência são escassos, mas parecem indicar um aumento progressivo dela, com valores estmados de 3,7 casos/1.000.000/ ano. O quadro clínico assenta-se, sobretudo, no pêntade: trombocitopenia, anemia hemolítca microangiopátca (sinais de hemólise + esquizócitos), febre, disfunções neurológica e renal. Febre, púrpura e sinais neurológicosflutuantes são encontrados em cerca de 90% dos doentes. Em 40% dos casos, é identficado um quadro semelhante a uma síndrome gripal, que antecede imediatamente o aparecimento do quadro clínico pico de PTT. A púrpura é o sinal clínico inicial em 90% dos doentes, sendo a trombocitopenia comumente inferior a 20.000 plaquetas/L em razão do consumo na formação dos trombos plaquetários. A anemia é de moderada a grave. A febre está sempre presente, em algum momento da evolução da doença. Adisfunção neurológica está presente inicialmente em 60% dos doentes, ascendendo a 90% em qualquer momento da enfermidade. Nos sinais neurológicos, tpicamente transitórios e flutuantes, predominam síndromes confusionais, alterações do campo visual, parestesias e paresias, afasia, disartria, síncope, ver tgens, ataxia, paralisias centrais, convulsões e alterações do estado de consciência. Podem ainda ser observados distúrbios na condução miocárdica, associados ou não à insuficiência cardíaca, bem como infiltrados interstciais pulmonares. Antcorpos antnucleares (ANA) são identficados em até 20% dos doentes. O aumento de DHL é intenso e característco, indicando hemólise e lesão pela isquemia tecidual, e o acompanhamento dos níveis séricos de DHL é útl na avaliação da resposta ao tratamento. Geralmente, a insuficiência renal aguda não decorre da necrose cortcal, podendo cursar com hematúria e proteinúria; acomete 40% dos doentes, mas comumente é ligeira e transitória, e raramente torna-se crônica (ao contrário da Síndrome Hemolítco-Urêmica – SHU). A análise do sangue periférico é fundamental para o diagnóstco da PTT. O encontro de esquizócitos >1% do total de glóbulos vermelhos, resultado da fragmentação mecânica das hemácias na microcirculação, é fator determinante da presença da microangiopata.
HEMOSTASIA E TROMBOSE
antcorpos. Há controvérsia sobre o início imediato do cortcoide ou se deve utlizá-lo apenas em caso de resposta inicial ruim. O antagregante plaquetário compreende um tratamento adjunto que deve ser u tlizado quando a contagem plaquetária ultrapassa 50.000/mm 3. A transfusão plaquetária pode piorar os quadros neurológico e renal, sendo reservada apenas a casos de sangramento que coloquem o paciente em risco de vida. Em paciente refratário, opta-se por aumentar a troca plasmátca, realizando 2 procedimentos ao dia, u tlizando
Figura 15 - Esquizócitos
O diagnóstco da PTT é clínico. Como visto, nem sempre se encontram os 5 principais sintomas; assim, em qualquer plaquetopenia associada à presença de esquizócitos em sangue periférico, o diagnóstco de PTT deve ser lembrado. Associado ao achado de anemia microangiopátca e DHL alto, não há nenhum teste que con firme o diagnóstco. A dosagem da metaloprotease ADAMTS 13 é de difcil realização, e ainda não há a padronização dos seus resultados, não tendo utlidade no diagnóstco da doença, talvez apenas no prognóstco (quanto mais severa a deficiência, pior a sobrevida, mais lenta é a recuperação das plaquetas e maior o risco de recidiva). - Tratamento Antes do desenvolvimento de um tratamento e ficaz, o desfecho era fulminante. Atualmente, a mortalidade é inferior a 10% em caso de tratamento adequado. Recomenda-se início imediato de plasmaférese, mesmo diante da suspeita diagnóstca, pois o retardo do tratamento pode comprometer consideravelmente o prognóstco. O objetvo da plasmaférese é a re trada dos antcorpos ant-ADAMTS 13 (quando presentes) e dos mulmeros de alto peso, por meio da troca de grandes volumes de plasma (cerca de 40 a 60mL/kg ou uma volemia plasmá tca em cada sessão), com reposição de plasma fresco congelado normal, que contém a proteinase. A presença de depressão grave do estado de consciência não é contraindicação para plasmaférese, visto que, com tratamento eficaz, verifica-se a reversão completa do quadro neurológico. É possível que os sintomas neurológicos amenizem já nas primeiras horas e que o número de plaquetas e os níveis de hemoglobina comecem a elevar-se em 3 a 5 dias (porém, a normalização só é observada após semanas). A plasmaférese deve ser mantda, até a resolução do quadro neurológico e a normalização da contagem plaquetária e a estabilização do DHL, por pelo menos 3 dias. Cerca de 90% dos pacientes respondem ao tratamento nas primeiras 3 a 4 semanas. Recomenda-se o uso de prednisona 1mg/kg associado à plasmaférese, na tentatva de inibir a formação de mais
meros plasma isento deaumentar crioprecipitado (menos mulcom de alto peso), e por imunossupressão vincristna, rituximabe, ciclosporina ou azatoprina. A esplenectomia foi considerada tratamento de 1ª linha para PTT antes do uso das aféreses e não é mais indicada.
Diagnóstco diferencial Fazem parte do diagnóstco diferencial da PTT todas as causas de microangiopata, ou seja, anemia secundária à hemólise por trauma mecânico-microvascular, portanto, com presença de esquizócitos no sangue periférico e plaquetopenia de consumo: SHU, síndrome HELLP, vasculites e coagulação intravascular disseminada. -
Síndrome hemolítco-urêmica A SHU também é uma forma de microangiopata trombótca disseminada com anemia hemolítca microangiopátca; logo, clinicamente se apresenta com sintomas e achados -
laboratoriais PTT. Entretanto, a diferenciação entre estas 2 ensimilares extrema importância pelo tratatdades éa de mento diferenciado de cada entdade. SHU afeta principalmente crianças em 95% dos casos, independente do sexo, sendo ocasional em adultos. Existe a formação de microtrombos em circulação que a tngem principalmente rins, podendo causar insu ficiência renal oligoanúrica. A SHU pica é associada com febre, disenteria e infecção pela Escherichia coli produtora de verotoxina (VTEC). O subtpo O157:H7 está presente em aproximadamente 80% dos casos, mas pode ser causada ainda por outros sorotpos de E. coli produtores de toxina ou por Shigella dysenteriae tpo I. Aproximadamente 15% dos pacientes que cursam com diarreia pela E. coli VTEC evolui com SHU. O mecanismo fisiopatogênico exato desta entdade se mantém desconhecido, mas provavelmente se correlaciona com lesão renal vascular provocada pela toxina. Os demais tpos de SHU não são associados com VTEC, podendo se correlacionar com uso de medicamentos, em especial ciclosporina, quinidina, quimioterápicos, tclopidina e interferon. A maioria dos casos se apresenta com plaquetopenia, porém em níveis não tão baixos como na PTT. Sintomas neurológicos são bem menos comuns e menos severos: convulsões, coma e AVC ocorrem somente em 10% dos casos. Em compensação, os microtrombos em microcirculação renal são bem mais comuns, evoluindo com insu ficiência renal.
191
A IC D É M A IC ÍN L C
HEMATOLOGIA O objetvo do tratamento inicial da SHU é manter a perfusão renal com fluidos intravenosos, ao mesmo tempo em que se evita a congestão pelo excesso de líquidos. Aproximadamente 50 a 60% dos pacientes com insu ficiência renal evoluem para insuficiência renal oligúrica, necessitando de hemodiálise. Por outro lado, 90% das crianças sobrevivem com tratamento de suporte clínico. Não há benefcio adicional com infusão de plasma e/ou plasmaférese, enquanto o uso de antbiotcoterapia específica para os germes envolvidos é controverso. Infelizmente, em até 1/3 dos pacientes, haverá prejuízo da função renal por anos após o evento inicial da SHU.
(PG) liberação de ADPs, alterando agregação e a tvaçãoou plaquetárias.
Tabela 4 - Comparação entre PTT e SHU Característca
PTT
SHU
Hemólise microangioSim pátca
Sim
Trombocitopenia
Severa
Moderadaasevera
Idade
Abaixode40anos Infância
Gênero
Feminino
Recorrência
Comum
Rara
Infecção porE. coli
Ocasional
Presente
IRA
Incomum
SintomasSNC
Comum
Envolvimento de órMultorgânico gãos MulmerosFvW ADAMTS-13
Grandes Deficiente
-
Comum Incomum Renal Pequenos Normal
C - Plaquetopenia por sequestro esplênico Pacientes com esplenomegalia podem reter até 90% das plaquetas circulantes no baço, portanto a massa plaquetária do paciente pode ser normal, mesmo quando a contagem representa apenas 20% do valor normal. A causa mais importante desse tpo de plaquetopenia é a hepatopata crônica com hipertensão portal e esplenomegalia conges tva. Hiperesplenismo é uma situação dis tnta, em que a esplenomegalia está associada ao aumento da destruição de plaquetas, leucócitos e hemácias, juntamente com aumento dos precursores medulares (citopenia, esplenomegalia e medula hipercelular). Ocorre nas citopenias autoimunes, doenças infecciosas e inflamatórias, como lúpus, esquistossomose, mononucleose, malária, leishmaniose.
D - Defeitos qualitatvos das plaquetas Podem ser congênitos ou adquiridos e são responsáveis por quadro clínico semelhante ao das plaquetopenias. a) Defeitos congênitos -
Síndrome de Bernard-Soulier: doença autossômica recessiva em que há deficiência no complexo glicoproteico plaquetário GpIb, resultando em menor número de receptores para o FvW e defeito na adesão plaque-
192
tária. Além da alteração da função, também apresenta diminuição da contagem plaquetária; - Tromboastenia de Glanzmann: é uma síndrome hemorrágica rara, causada por um defeito autossômico recessivo com perda do receptor de fibrinogênio (GpIIb/IIIa), resultando em déficit de agregação plaquetária; - Storage pool disease: é uma “doença do armazenamento”, ocorrendo por defeitos das reações de liberação do conteúdo dos grânulos plaquetários, levando a respostas anormais na produção de prostaglandinas
b) Defeitos adquiridos tlsalicílico (AAS):que se liga de - Ingestão de ácido ace forma irreversível à cicloxigenase 2 (COX2), enzima responsável pela produção de PG e tromb oxane A2 na membrana plaquetária, levando à alteração da agregação plaquetária e ao aumento do tempo de sangramento; - Ingestão de outros an t-inflamatórios não hormonais: inibem reversivelmente a COX, também inibindo a agregação plaquetária, porém, de forma menos intensa; - Tienopiridinas: a tclopidina e o clopidogrel agem inibindo o receptor plaquetário de ADP, inibindo também a sua agregação; - Inibidores da glicoproteína IIb/IIIa: são drogas que inibem especificamente essa glicoproteína, impedindo a agregação plaquetária: abciximabe, eptfibatda e trofibana, utlizados no tratamento da insuficiência coronariana; - Uremia: o mecanismo exato para a alteração da função plaquetária é desconhecido. Altera a adesão, a agregação e a secreção de grânulos plaquetários. A gravidade do quadro clínico associa-se à severidade da insuficiência renal concomitante.
E - Doença de von Willebrand a) Considerações gerais Trata-se de distúrbio autossômico dominante (o tpo 1, forma mais comum, afetando cerca de 80% dos casos) ou recessivo (o tpo 3, mais raro), em que pode haver redução da síntese do FvW ou produção de substância alterada, ineficaz. É a coagulopata hereditária mais frequente e raramente pode ser adquirida, em geral associada a mieloproliferações ou a tumores sólidos. O FvW é uma glicoproteína multmérica sintetzada nos megacariócitos e nas células endoteliais, e circula no plasma como mulmeros de tamanhos variáveis. Só os mulmeros de alto peso atuam na adesividade plaquetária. DDAVP, trombina e colágeno estmulam a secreção de mulmeros ultragrandes, que são clivados na circulação pela metaloprotease ADAMTS 13, em mulmeros menores e menos atvos.
HEMOSTASIA E TROMBOSE
O FvW tem 2 funções na hemostasia: adesão plaquetária e manutenção adequada dos níveis de fator VIII, pois o FvW ligado ao fator VIII na corrente sanguínea protege este últmo da degradação plasmátca pela proteína C e S. Assim, na sua deficiência, além de existrem distúrbios da adesividade plaquetária, pode ocorrer a redução dos níveis de fator VIII. Tabela 5 - Tipos de doença de von Willebrand
•
•
-
Tipo 1 - Deficiência quanttatva parcial do FvW.
•
- Deficiência quanttatva virtualmente completa do FvW.
A pseudodoença de von Willebrand consiste em alterações da membrana plaquetária, com excessiva avidez pelas formas multméricas grandes, causando sua retrada precoce do plasma. b) Quadro clínico Ocorre manifestação clínica de patologia da hemostasia primária: sangramento mucocutâneo, com exceção do subtpo 2N, que se comporta como um hemoflico (deficiência de fator VIII), com sangramentos artculares e musculares profundos, e sangramento tardio após trauma. Deve-se ter atenção para a história familiar, que pode apresentar história de sangramento prolongado após extração dentária, procedimentos cirúrgicos, pós-parto e sangramento menstrual excessivo. O sangramento diminui na vigência de estrogênios ou durante a gravidez, pois essas situações aumentam a síntese de FvW. c) Diagnóstco laboratorial O diagnóstco laboratorial da DvW pode ser difcil, pois o nível sérico de FvW é influenciado por diversos fatores, e os resultados dos vários testes se relacionam mal com a gravidade da situação clínica. Esse fato exige frequentemente a repetção das análises se a suspeita clínica é grande e os resultados, inconclusivos. Vários testes podem e devem ser utlizados no diagnóstco da DvW e na sua classi ficação, e são agrupados em 3 níveis: testes de rastreamento; testes específicos para o FvW, que permitem estabelecer o diagnóstco; e testes classificatórios, que permitem caracterizar precisamente os diferentes subtpos da doença. -
Testes de rastreamento Tempo de sangramento: importante na suspeita inicial de muitos casos de DvW, pois estará aumentado em todos os tpos, exceto no subtpo 2N (deficiência de fator VIII); •
Testes específicos Dosagem do fator VIII plasmátco: estará diminuído no subtpo 2N e no tpo 3; •
- Deficiência qualitatva do FvW: · 2A: redução da função de ligação às plaquetas e ausência de grandes mulmeros de alto peso molecular; Tipo 2 · 2B: maior afinidade pela glicoproteína Ib; · 2M: redução da função da ligação às plaquetas sem ausência de grandes mulmeros de alto peso molecular; · 2N: redução da afinidade do fator VIII coagulante. Tipo 3
Tempo de tromboplastna parcial atvada: o TTPa pode ser normal ou prolongado, a depender do valor do fator VIII; Contagem plaquetária: estará normal, descartando outras patologias de hemostasia primária. Exceção ao subtpo 2b, em que, em razão da alta afinidade GpIb/FvW, é possível ter plaquetopenia.
•
-
tco: estará diminuído Dosagem do 1Age FvW plasmáou nos subtpos 3, e normal limítrofe no tpo 2, lembrando que um grande número de fatores pode alterar os níveis plasmátcos do Ag FvW, como o sistema ABO do sangue (os indivíduos do grupo O têm níveis de FvW plasmátco mais baixos que os AB); estrogênios; hormônios treoidianos; a idade e o estresse; Atvidade de cofator da ristoce tna (RCo): avalia alteração funcional do FvW. A ristoce tna é antbiótco capaz de induzir a interação entre o fator de von Willebrand e o complexo GP Ib/IX. Logo, a determinação do RCo estará diminuída em todos os tpos da DvW.
Testes classificatórios Eletroforese do FvW em gel de agarose: permite a análise dos diferentes mulmeros; Aglutnação plaquetária induzida pela ristocetna (RIPA): estará aumentada no subtpo 2b e diminuída nos demais tpos; O diagnóstco pré-natal da DvW já é possível por meio de análise genétca. •
•
•
Tratamento Deve-se evitar sempre o uso de ant-inflamatórios não esteroides e antcoagulantes orais. A desmopressina (DDAVP), um análogo sinté tco do hormônio antdiurétco, provoca um aumento dos níveis de fator VIII e FvW, mas não o aumento da pressão arterial, vasoconstrição nem contração uterina ou gastrintestnal, sendo bem tolerado pelos pacientes. Seu uso não está associado ao aumento de infecções virais, e o produto é comercializado em várias formulações (IV, SC ou inalatória) com um custo relatvamente baixo. Apresenta boa resposta terapêu tca na DvW tpo 1 e resposta variável no tpo 2. O uso de concentrados de fator VIIIy liofilizado (contendo FvW) é preconizado para os que não respondem a DDAVP, na dose de 20 a 50U/kg/peso/dose, a ser repe tda 3x/ dia enquanto for necessário. Agentes antfibrinolítcos, como o ácido tranexâmico ou o ácido épsilon aminocaproico e cola de fibrina, podem ser utlizados como terapêutca adjuvante durante pequenos procedimentos invasivos. -
193
A IC D É M A IC ÍN L C
HEMATOLOGIA O estrógeno pode ser utlizado em mulheres com sangramento menstrual excessivo, com boa resposta na DvW tpo 1 e resposta variável no tpo 2.
Parte 3 Distúrbios da hemostasia secundária
gotas do gene são assintomátcas. Raros casos de mulheres homozigotas foram descritos. Pode ser de 2 tpos, hemofilia A (fator VIII ou hemofilia clássica) e hemofilia B (deficiência do fator IX ou doença de Christmas). Em qualquer um dos tpos de hemofilia ocorre diminuição de fator VII ou IX, que pode ser secundária à de ficiência quanttatva ou qualitatva de síntese do fator. A classificação da hemofilia se dá de acordo com a quan tdade presente de fator, conforme a Tabela 7. Tabela 7 - Classificação da hemofilia
1. Introdução c onsiderações gerais secunAs coagulopatasepor alterações da hemostasia dária manifestam-se quase sempre por grandes equimoses ou hematomas após traumas menores e por tempo de coagulação prolongado após lacerações ou cirurgias. O sangramento é tardio após o trauma, diferente das alterações da hemostasia primária, em que o sangramento é imediato. Sangramentos artculares são bastante comuns e também possíveis no trato gastrintestnal. Quase todos os fatores de coagulação têm descrições de alterações, que podem ser adquiridas ou hereditárias. Tabela 6 - Diferenças entre hemostasias primária e secundária Alteração da hemostasia primária
Alteração da hemostasia secundária
Início do sangramento imediato Início do sangramento tardio ao trauma ao trauma
Classificação
Fator VIII ou IX
Grave
1% =
Moderada
5% a1
Leve
3% a5
HemofiliaA 70% 15% 15%
Hemo filia B 50% 30% 20%
Quadros clínico e laboratorial As hemofilias A e B são clinicamente indistnguíveis. Ocorrem hemartroses espontâneas (em grandes artculações, como joelhos, tornozelos, cotovelos), além de sangramentos musculares, do trato gastrintestnal e do trato geniturinário. As hemartroses são responsáveis por 80% das manifestações hemorrágicas. Em alguns casos, o diagnóstco é feito logo ao nascimento, pois pode haver hemorragia intracraniana ou subgaleal nos casos graves, no período perinatal. -
Petéquias e equimoses Hematomas profundos Hemartrose, sangramentos Sangramento cutâneo-mucoso profundos História familiar rara (exceto DvW)
História familiar comum
Predomínio no sexo feminino
Predomínio no sexo masculino
Adquiridas Geralmente, são deficiências múltplas, como no caso da hepatopata ou da deficiência de vitamina K (nesta últma, há menor síntese de fatores II, VII, IX, X e de proteínas S e C). Nas doenças hepátcas, há deficiência de síntese de todos os fatores de coagulação de síntese no fgado, inclusive os antfibrinolítcos. -
Hereditárias Geralmente, envolvem apenas 1 fator de coagulação deficiente. Por exemplo, as deficiências do fator VIII (hemo filia -
tpo A, mais comum) e do fator IX (hemo filia tpo B ou do-
ença de Christmas) são desordens com transmissão ligada ao cromossomo X.
A - Alterações hereditárias a) Hemofilia Doença de caráter recessivo ligado ao X, afetando partcularmente homens, pois as mulheres portadoras heterozi-
194
Figura 16 - Hemartrose em paciente hemo flico grave
Aos pequenos traumas ocorre parada do sangramento inicialmente, porém, após algum tempo, com difcil controle local, o sangramento retorna, podendo, muitas vezes, durar vários dias. De todos os tpos de sangramento, o mais temido é aquele que ocorre em SNC. Pode acometer virtualmente qualquer região (subdural, epidural, parenquimatoso, subaracnóideo) e deve sempre ser diagnostcado e tratado de forma agressiva. Sempre que houver episódio de cefaleia não habitual, intensa, que dure mais de 4 horas e que não responda à analgesia comum, é importante que se exclua este tpo de sangramento.
HEMOSTASIA E TROMBOSE
A artropata hemoflica crônica é complicação derivada de repetdas hemorragias em artculação, causando destruição da cartlagem artcular, hiperplasia sinovial resultando em deformidade artcular permanente e contraturas musculares. Pode ocorrer virtualmente em qualquer artculação, em especial joelho, tornozelos, cotovelos e arflamatório e fitculação coxofemoral. Todo este processo in brótco resulta em perda da função ar tcular (inclusive com artculação anquilosada) e intensa atrofia muscular.
Figura 17 - Artropata crônica em joelho
Os hematomas musculares são a 2ª causa mais comum de sangramento em hemoflicos. Quando em pequena quantdade, apresentam dor local e desconforto, sendo facilmente manejáveis; entretanto, nos hemo flicos graves, estes hematomas podem ser de volume crescente, fazendo compressão e dissecção de tecidos, com risco de complicações, podendo apresentar leucocitose, febre e dor intensa. Sangramentos espontâneos pós-traumá cospescoço de vias aéreas (língua, musculatura ououpartes molestdo ou garganta) podem aumentar rapidamente e causar compressão de vias aéreas, devendo ser rapidamente tratados.
Figura 18 - Hematomas em paciente hemoflico
De acordo com o local acometdo, os hematomas podem causar síndromes compressivas: no antebraço, podem causar paralisia dos nervos mediano ou ulnar, ou a contratura isquêmica da mão (contratura de Volkmann); sangramento abundante na panturrilha pode causar paralisia de nervo fibular. Em especial, devem-se destacar hematomas em músculo iliopsoas que, de acordo com o volume, podem acarretar dor no abdome inferior, simulando outras patologias abdominais cirúrgicas, como apendicite aguda.
Por sua vez, a hematúria é sintoma comum, ocorrendo em até 75% dos hemo flicos em algum momento de seu acompanhamento, em geral, após 12 anos de idade. Pode ser totalmente assintomátca ou ocasionar sintomas de dolorimento no flanco à dor no abdome inferior/disúria. Usualmente, este quadro é autolimitado, devendo-se, porém, sempre investgar causas do sistema geniturinário, especialmente em hematúrias de repetção. Pode-se ter ainda o chamado pseudotumor hemoflico, complicação pouco frequente, porém grave. Também chamado cisto hemorrágico, ocorre quando um sangramento abundante não é completamente reabsorvido, com a formação de uma lesão capsular cístca, contendo fluido serossanguinolento ou viscoso. Esta estrutura pode, por sua vez, crescer, ocasionando compressão óssea ou vascular e destruição tecidual. Os locais mais acometdos na pelve, fêmur e bia nos adultos, enquanto nas crianças ocorrem predominantemente nos ossos das mãos e dos pés. Laboratorialmente, o TTPa encontra-se prolongado, enquanto os tempos de sangramento e de protrombina, e a agregação plaquetária estão normais. Os níveis séricos de fator VIIIc (fator VIII “coagulante”) e de fator IX estão diminuídos. Tratamento O tratamento básico fundamenta-se no aporte dos fatores VIII e IX, hoje disponíveis na forma de concentrados liofilizados, tratados de forma a inatvar vírus como o HIV, pois são hemoderivados. -
Procuram-se alcançar níveis de fator hemorragias, VIII su ficientescomo para tratar o sangramento atvo ou prevenir em pré-procedimentos cirúrgicos. É importante destacar que o uso do fator tem como obje tvo suspender a hemorragia atva, enquanto o organismo reabsorverá por si só o hematoma formado. A dose de fator VIII é calculada assumindo que 1U/kg de peso de fator VIII aumenta em 2% o seu valor plasmátco. A partr desse valor, calculam-se o volume plasmátco do indivíduo e o número de unidades de fator que deverá receber para alcançar níveis de atvidade de fator VIII suficientes para tratar a condição do momento. Considera-se que, para sangramentos menores, 30% de atvidade do fator serão suficientes, ao passo que, para perdas moderadas, indica-se alcançar 50% de atvidade. Para grandes cirurgias, sugerem-se 100% de atvidade como nível seguro. As infusões de fator VIII devem ser repe tdas a cada 12 horas, para garantr a ação deste fator dentro da vida média do mesmo. As formas leves de hemofilia A podem ainda favorecer-se com o uso de DDAVP, já que esta substância aumenta a liberação de fator VIIIc. Na hemofilia B, utlizam-se concentrados de fator IX, na dose calculada de 1U/kg de peso de fator IX, o que leva a um aumento de 1% do seu valor plasmátco, pois o seu volume de distribuição tecidual é maior. O tempo de vida média do
195
A IC D É M A IC ÍN L C
HEMATOLOGIA fator IX é de 18 horas, o que reduz o número de infusões, não havendo indicação para uso doDDAVP nesta doença. Como medidas coadjuvantes, ainda, tem-se medidas locais (curatvos compressivos ou tampões com adrenalina), uso de agentes antfibrinolítcos como ácido tranexâmico ou ácido gama aminocaproico. O atendimento multdisciplinar, com orientações de Psicologia, Enfermagem, Nutrição e Odontologia é de extrema importância. Finalmente, deve haver treinamento de pais ou responsáveis para aplicação domiciliar de fator, prevenindo ao máximo as complicações da hemofilia, como artropata hemoflica crônica. Prognóstco Como complicações tardias da hemofilia, podem-se ter, além das anormalidades ortopédicas secundárias a hemartroses de repetção, a transmissão de infecção viral pelos derivados do sangue e desenvolvimento do antcorpo antfator VIII e IX. A disponibilidade de fator VIII lio filizado para reposição tem modificado a história natural da hemofilia A, e a inatvação viral eficaz dos concentrados de fator seguramente interferiu no aumento da sobrevida desses pacientes. Cerca de 40% dos pacientes desenvolvem an tcorpos inibidores do fator VIII e necessitam de uma abordagem mais específica, como aumento da dose do fator, uso de complexo protrombínico atvado (FEIBA) ou fator VII atvado (Novoseven). Já na hemofilia B, somente 6 a 10% dos pacientes evoluirão com inibidores de fator IX, lançando-se mão, nestes casos, das mesmas medidas para hemofilia A.
alizar a reposição do fator de ficiente nos casos de sangramento atvo ou em pro filaxia pré-procedimento invasivo. A deficiência do fator XII, partcularmente, não apresenta tendência hemorrágica, ou contrário, estuda-se a possibilidade de deficiências severas (<1%) estarem relacionadas a fenômenos trombótcos. É importante para diagnós tco diferencial de TTPA alargado, mas não exige nenhum cuidado para profilaxia de sangramento.
B - Alterações adquiridas a) Coagulação intravascular disseminada
-
fi
b) De ciência do fator XIIIque se manifesta por sangraDoença hereditária rara, mento persistente após procedimentos cirúrgicos ou traumas, com alteração da cicatrização. Caracteristcamente, apresenta persistência de sangramento no coto umbilical após queda do cordão umbilical. Na avaliação laboratorial, TP, TTPA, TS e contagem plaquetária estão normais. O diagnóstco é feito com o teste da uréase concentrada (5M). A quantdade de fator XIII para adequada hemostasia é extremamente baixa, sendo u tlizada para tratamento a transfusão de plasma fresco congelado na dose de 2 a 4mL/kg ou crioprecipitado. Como a meia-vida é longa (14 dias), a reposição com plasma, quando necessária, pode ser feita a cada 20 dias. c) Outras deficiências É possível apresentar deficiência de quaisquer dos fatores: XI (hemofilia C), V, X, VII, XII, fibrinogênio ou disfibrinogenemia ou, ainda, combinação dessas deficiências. O diagnóstco é feito pela manifestação hemorrágica e pela dosagem do fator deficiente. O tratamento é realizado por meio da reposição do fator de ficiente através da infusão de complexo protrombínico (para deficiência dos fatores II, VII ou X), fator VII atvado (para deficiência de fator VII), transfusão de crioprecipitado (para de ficiência de fibrinogênio ou disfibrinogenemia) ou de plasma fresco congelado nos casos que não dispõem de produto lio filizado. Deve-se re-
196
Considerações gerais A coagulação intravascular disseminada (CIVD) é uma síndrome adquirida, caracterizada pela atvação simultânea dos fatores da coagulação, plaquetas e fibrinólise, com manifestação clínica de trombose e/ou sangramento excessivo. É resultante da atvação maciça da cascata da coagulação ou da fibrinólise. A deposição de fibrina em excesso pode levar à oclusão microvascular e consequente comprometmento do fluxo sanguíneo, o que, em conjunto com alterações metabólicas e hemodinâmicas, pode contribuir para a falência de múltplos órgãos. O consumo e a consequente depleção dos fatores da coagulação e plaquetas, resultantes da a tvação connua da coagulação, podem levar ao quadro de sangramento em diversos sítos. -
Etologia e patogênese A CIVD pode ocorrer em associação a uma grande variedade de patologias. -
Tabela 8 - Causas de CIVD Situação
Doenças infecciosas
Comentário Infecções bacterianas são as mais associadas (Gram positvos e Gram negatvos). Exotoxinas de bactérias resultam em resposta inflamatória generalizada, com liberação sistêmica de citocinas e atvação de macrófagos. Estes expressam FT em sua superfcie e, juntamente com a lesão endotelial pela ação direta das toxinas, t a vam a cascata de coagulação. Mecanismos incluem liberação de gordura
Trauma grave
tssulares na circulação, hee fosfolipídios mólise e lesão endotelial.
Mecanismo envolvido parece estar relacionado ao Fator Tissular (FT) expresso na suTumores sólidos e perfcie das células tumorais. De 10 a 15% neoplasias hemato- dos pacientes com tumores metastátcos e lógicas de 15 a 20% dos pacientes com leucemia apontam evidências de atvação intravascular da coagulação.
HEMOSTASIA E TROMBOSE
Situação
Comentário
Forma distnta de CIVD caracterizada por Leucemia promiehiperfibrinólise decorrente da liberação locítca aguda (LMA de substância fibrinolítca dos grânulos dos M3) promielócitos patológicos. O descolamento de placenta e a embolia de líquido amniótco são relatos clássicos, e considera-se que a liberação de mateCondições obsté- rial tromboplástco é o que provavelmentricas te desencadeia o quadro. Pré-eclâmpsia e eclâmpsia, síndrome do feto morto retdo, rotura uterina e aborto séptco são outros exemplos. Como hemangiomas gigantes (síndrome de Kasabach-Merri) ou grandes aneurisDoenças vasculares mas de aorta, resultam em atvação local da coagulação pelo turbilhonamento não fisiológico.
Quando a CIVD é de instalação aguda, há consumo excessivo de fatores de coagulação, que o fgado não consegue “repor”. Esse fato, associado à fibrinólise intensa, explica os fenômenos hemorrágicos que acompanham a CIVD. Quando a CIVD é de instalação crônica, o consumo dos fatores de coagulação é compensado pela produção hepátca, e os pacientes apresentam alto risco de trombose. Como exemplo, têm-se as neoplasias malignas, que muitas vezes se apresentam inicialmente com quadro de trombose profunda ou tromboflebite superficial migratória (síndrome de Trousseau).
Figura 19 - Resumo da fisiopatologia da CIVD
Quadros clínico e laboratorial O quadro clínico é de sangramento importante em feridas operatórias, locais de punção ou drenos, petéquias, sangramento digestvo ou urinário, eventos trombótcos e falência multssistêmica em casos avançados. Os trombos formados podem ser encontrados em diferentes topogra fias (em ordem decrescente de frequência): cérebro, coração, pulmões, rins, adrenais, baço,fgado e hipófise, culminando nos casos mais avançados com a falência de múltplos órgãos. Nos exames laboratoriais, espera-se encontrar TP e TTPa prolongados, hipofibrinogenemia e trombocitopenia -
(consumo), anemia hemolítca microangiopátca (trauma mecânico), elevação dos produtos de degradação da fibrina e dos mulmeros de vW. A anttrombina e a proteína C podem estar diminuídas pelo mesmo motvo de consumo, contribuindo para eventos trombótcos. Em casos iniciais ou de CIVD crônica, encontram-se apenas contagem plaquetária discretamente alterada, D-dímero e PDF aumentados, podendo o TT também estar alargado (pelo aumento de PDF). Os demais exames (TP, TTPa e fibrinogênio) são normais. Tratamento Tratar a causa-base e estabilizar hemodinamicamente o mais rápido possível o paciente (early goal) reduzem claramente a mortalidade deste quadro. A reposição de plasma fresco e de concentrados de plaquetas deve ser criteriosa e usada apenas quando há fundamento laboratorial, sangramento atvo ou necessidade de procedimento invasivo/intervenção cirúrgica. Tentam-se manter TP e TTPa normais e as plaquetas acima de 50.000/ mm3 nesses casos. O fibrinogênio é reposto por intermédio do crioprecipitado, a fim de manter as concentrações acima de 100mg/ dL, sempre que há sangramento a tvo ou necessidade de intervenção invasiva. Não há evidência de que a transfusão de plaquetas, plasma fresco congelado ou crioprecipitado, na ausência de sangramento atvo ou risco de sangramento (procedimento invasivo), tragam benefcio ao paciente. Tampouco -
há estudos que comprovem o bene fcio do uso da heparina na CIVD aguda para melhora da disfunção orgânica, sendo reservada só aos casos de CIVD crônica com manifestação trombótca e antes de procedimentos cirúrgicos. A utlização de concentrado de proteína C recombinante é controversa, indicada em algumas situações de sepse grave, com risco de morte e disfunção de órgão; a an ttrombina recombinante não mostrou bene fcio entre os pacientes estudados e evidenciou maior risco de sangramento, e fator VII atvado é reservado para casos com sangramento muito grave, com risco de morte, sem melhora com a reposição de plasma fresco, plaquetas e crioprecipitado. Já a utlização de agentes antfibrinolítcos é contraindicada, pois, ao inibir a fibrinólise, aumenta-se o risco trombótco. Prognóstco A CIVD é uma complicação grave, com mortalidade chegando de 40 a 80%. Depende da causa-base, da rapidez no diagnóstco e da pronta insttuição de terapêutca adequada. -
b) Deficiência de vitamina K A vitamina K é essencial para a funcionalidade dos fatores de coagulação que apresentam radical glutâmico: fatores II (protrombina), VII, IX, X, proteína C e proteína S. Ela é sintetzada no organismo pela flora bacteriana intestnal, em pequenas quantdades. A ingesta alimentar de vegetais
197
A IC D É M A IC ÍN L C
HEMATOLOGIA de folhas verdes (que contêm a vitamina) é necessária para complementar a necessidade diária de 90 a 120mcg. Após a ingesta, a vitamina K é separada do alimento pelas enzimas pancreátcas e, por ser lipossolúvel, necessita de sais biliares para ser absorvida no intestno delgado. A função da vitamina K é de coenzima para a gama-carboxilação dos fatores de coagulação citados, juntamente com a enzima gama-carboxilase. Após esse processo, tem-se a formação da vitamina K na forma inatva (epóxido), que é novamente atvada pela enzima epoxidorredutase.
Figura 20 - Oxirredução da vitamina K e ação dos dicumarínicos sobre a vitamina K-redutase
São pessoas sujeitas à deficiência de vitamina K: - Alcoolistas crônicos: pela diminuição da ingesta e pela insuficiência pancreátca; - Pacientes com doença in flamatória intestnal ou pós-ressecção ileal: pois ocorrem diminuição da absorção e alteração da flora bacteriana; - Uso de antbiótcos e nutrição parenteral por períodos prolongados: levam à alteração daflora bacteriana; - Lactentes: em razão do fgado imaturo, ausência de vitamina K no leite materno e ausência de flora. Manifesta o quadro clínico da doença hemorrágica do recém-nascido, que consiste em sangramento cutâneo, gastrintestnal ou até intracraniano na 1ª semana de vida e pode ser prevenido pela administração de vitamina K, 0,5 a 1mg, IM; - Uso de dicumarínico: essa classe de medicamentos inibe a enzima vitamina K-redutase, diminuindo a a tvidade da vitamina K.
com risco de vida, transfundir plasma fresco congelado na dose de 10 a 15mL/kg, complexo protrombínico ou fator VII atvado, a depender da urgência e das condições do paciente. c) Hepatopata O fgado é o local de síntese de todos os fatores de coagulação, com exceção do fator VIII. Também é local de carboxilação dos fatores dependentes da vitamina K, de síntese de anttrombina e de síntese de fatores fibrinolítcos. Hepatopatas crônicos têm deficiência de vitamina K tanto pela falta de ingesta quanto pela diminuição da absorção pela colestase em estágios terminais. Diminuição da síntese dos fatores de coagulação, diminuição da carboxilação dos fatores dependentes da vitamina K, diminuição dasíntese de anttrombina e alfa-2-antplasmina, disfibrinogenemia (em razão do excesso de ácido siálico, que interfere na formação de fibrina) colocam o hepatopata em risco de sangramento e de trombose, sendo necessário um equilíbrio muito justo para não acontecer nenhum desses eventos. Muitas vezes, também cursam com plaquetopenia secundária à esplenomegalia, contribuindo para as manifestações hemorrágicas. O tratamento deve basear-se apenas na manifestação clínica, nunca em exame laboratorial. Pode-se administrar profilatcamente a vitamina K, e, enquanto o fgado for capaz de produzir fatores, ela será bené fica. Em casos de sangramento, deve-se transfundir plasma fresco congelado, e, em caso de trombose, antcoagulação cautelosa.
4 DistúrbioParte da hemostasia terciária 1. Introdução Anormalidade congênita da fibrinólise é uma condição muito rara, sendo mais comuns as alterações adquiridas. Como resultado dessas anormalidades, podem-se encontrar: - Aumento excessivo da plasmina decorrente do aumento dos atvadores do plasminogênio ou deficiência dos inibidores. Tais situações cursam com manifestação clínica de sangramento (hiperfibrinólise); - Aumento dos inibidores da fibrinólise ou deficiência dos atvadores – cursando com manifestação clínica de trombose (hipofibrinólise).
O diagnóstco é feito pelo TP alargado, visto que esse teste é altamente sensível para detectar redução nos fatores vitamina K-dependentes, sendo o fator VII o principal Tabela 9 - Causas de distúrbio dafibrinólise deles, pois apresenta baixa meia-vida (6h). Nas de ficiências Anormalidades congê- Anormalidades adquiridas (fibrinóliextremas, também pode prolongar o TTPa. No teste da misnitas se secundária) tura a 50%, observa-se a correção do tempo prolongado. A fibrinogenemia ou dis- CIVD: aumenta t-PA e diminui alfa-2A manifestação clínica é de equimoses ou hematomas após fibrinogenemia -antplasmina pequenos traumas. Nas deficiências severas, podem ocorHepatopata crônica: diminui clearanrer hematêmese, melena ou hematúria. Hipoplasminogenemia, ce de t-PA e síntese de alfa-2-antplasO tratamento é feito com a reposição de vitamina K na displasminogenemia mina dose de 1 a 10mg, VO, IM ou IV. Em casos de sangramento
198
HEMOSTASIA E TROMBOSE
Anormalidades congê- Anormalidades adquiridas (fibrinólinitas se secundária) Deficiência de PAI-1
Neoplasias: de próstata aumenta u-PA
Deficiência de alfa-2Cirurgias cardíacas -antplasmina -
Nos exames laboratoriais, encontram-se: Na hiperfibrinólise, o diagnóstco diferencial com CIVD aguda é muito difcil, visto que há alargamento de TP e TTPa, diminuição de fibrinogênio, aumento de D-dímero e PDF, encurtamento do tempo de lise •
•
•
da A diferença nem é queconsumo não há consumo de euglobulina. plaquetas, esquizócitos de anttrombina; Na hipofibrinólise, o diagnóstco é bastante difcil, visto que dosagem dos atvadores do plasminogênio e dos inibidores da fibrinólise é muito variável e sofre diversas interferências. O exame que sugere esse quadro é o tempo de lise da euglobulina alargado; No tratamento dos quadros de hiper fibrinólise, utlizam-se os antfibrinolítcos e, nos casos de hipo fibrinólise, antcoagulante oral.
Parte 5 Trombofilias 1. Introdução A ocorrência de trombose está relacionada ao desequilíbrio de um dos fatores da chamada tríade de Virchow: estase sanguínea, lesão endotelial e hipercoagulabilidade (Figura 21). Exemplos comuns dessas situações são a cirurgia com longos períodos de imobilização (estase), as doenças hereditárias ou adquiridas com redução das substâncias que atuam na modulação da cascata de coagulação ou fibrinólise, como a deficiência de anttrombina (alteração da coagulação), e a arteriosclerose, que provoca alterações endoteliais severas (lesão endotelial). Em 80% dos casos de trombose, é possível identficar um fator de risco para o evento trombó tco e, em muitos casos, é possível detectar múltplos fatores. Tabela 10 - Risco para tromboembolismo venoso - Idade >40 anos; - Obesidade (IMC >35kg/m2); - Diagnóstco de trombofilia hereditária; - Varizes ou insuficiência arterial periférica; - Câncer; - Anemia falciforme ehemoglobinúria paroxístca noturna; - Insuficiência cardíaca congestva classe funcional III/IV; - História prévia de trombose; - Síndrome nefrótca;
- Procedimento cirúrgico; - Imobilidade prolongada (estar acamado ou passar >50% do dia deitado ou sentado, por mais de 72h); - Trauma; - Gestação e puerpério; - Uso de antconcepcional oral ou reposição hormonal; - Alguns quimioterápicos (talidomida, asparaginase); - Infecção grave; - Acidente vascular cerebral; - Infarto agudo do miocárdio.
Pessoas com fatores de risco que sejam expostas a situações de risco devem receber pro filaxia para tromboembolismo venoso. A IC D É M A IC ÍN L C
Figura 21 - Tríade de Virchow
A - Trombofilias hereditárias Compreendem situações em que a trombose acontece por alteração de substâncias moduladoras da coagulação ou fibrinólise, herdadas por meio de mutação gené tca, associada ou não a fatores desencadeantes. Os pacientes, uma vez tendo apresentado um episódio de trombose, poderão necessitar de antcoagulação por toda a vida, a depender das circunstâncias nas quais a trombose ocorrer. As trombo filias hereditárias mais prevalentes são presença do fator Vde Leiden e da mutação do gene da protrombina, que compreendem juntas 50 a 60% dos casos. As trombofilias hereditárias mais associadas a eventos trombótcos, em ordem decrescente, são homozigose para o fator V de Leiden, de ficiência de anttrombina e deficiência de proteína C. O estudo para a pesquisa de trombofilias hereditárias mais comuns consiste em pesquisa molecular do fator V de Leiden e da mutação do gene da protrombina, dosagem de anttrombina (AT), proteína C e proteína S, pesquisa molecular para a mutação da enzima me tlenotetra-hidrofolato-redutase (MTHFr) – hiper-homocisteinemia. Diante de um evento trombó tco, aqueles que devem ser investgados para trombofilia hereditária são: - Trombose idiopátca; - Trombose em indivíduos menores de 50 anos; - História familiar de trombose (em familiares com menos de 50 anos);
199
HEMATOLOGIA Trombose recorrente; Trombose em locais pouco comuns; - Associação de trombose venosa e arterial; - Tromboflebite migratória; - Púrpura fulminante; - Resistência à heparina. -
-
-
a) Fator V de Leiden Trata-se de uma mutação genétca que resulta na formação de fator V mutante, resistente à inatvação pela proteína C. A resistência à proteína C atvada é um dos principais fatores de risco para o tromboembolismo venoso, sendo a mutação do fator V de Leiden uma das principais causas de resistência à proteína C. A presença da mutação aumenta o risco de doença trombótca em 3 a 10 vezes para portadores heterozigotos e em 80 vezes para homozigotos, e o risco aumenta quando associado a outros fatores de risco (u tlização de contraceptvos orais, gravidez, imobilização após cirurgias, traumatsmo ou doenças malignas). Essa mutação também favorece a ocorrência de abortos espontâneos, e descreve-se possível correlação com a síndrome microangiopátca, conhecida como síndrome HELLP. Estma-se que, no Brasil, tal gene esteja presente em cerca de 2 a 4% da população, e a detecção é feita por meio da pesquisa da mutação por biologia molecular. b) Deficiência da anttrombina Doença autossômica dominante, em que ocorre síntese reduzida do inibidor dos fatores IIa, Xa, XIa e IXa. Como a antcoagulação nos pacientes acometdos de trombose é feita inicialmente pela heparina não fracionada, caracteristcamente esses indivíduos têm maior dificuldade de alcançar níveis de antcoagulação, visto que a ação dessa heparina depende da AT. O diagnóstco é feito pela dosagem dos níveis da atvidade de AT sérica. c) Deficiência de proteína C Doença autossômica dominante que pode apresentar-se sob 3 formas clínicas característcas, além da trombose venosa profunda: - Tromboflebite superficial recorrente; - Púrpura fulminante neonatal: ocorre em recém-nascidos com deficiência grave, nos primeiros dias de vida, manifestando-se como tromboses venosa e arterial extensas e rapidamente progressivas, culminando em CIVD e falência de múltplos órgãos, caso não seja feita a reposição do fator deficiente; - Necrose cutânea induzida pela varfarina: necrose extensa e rapidamente progressiva que acontece nos primeiros dias de uso da varfarina (habitualmente, altas doses) em pacientes com de ficiência de proteína C, em razão do período transitório inicial de hipercoagulabilidade, visto que a proteína C é dependente da vitamina K;
200
O diagnóstco é feito pela pesquisa da a tvidade da proteína C sérica.
d) Hiper-homocisteinemia congênita Decorre da mutação gênica da enzima MTHFr, necessária para a formação da me tonina, a partr da homocisteína, na presença de cobalamina e metltetra-hidrofolato. Na deficiência dessa enzima, acumula-se a homocisteína, que é lesiva ao endotélio, predispondo a eventos trombótcos venosos e/ou arteriais, porém se observa que a reposição de vitaminas (B12, B6 e ácido fólico), com o obje tvo de diminuir o nível sérico de homocisteína, não tem bene fcio na prevenção secundária de eventos trombótcos.
B - Trombofilias adquiridas Gestação e puerpério: formam o principal exemplo de trombofilia adquirida. Estes, são associados ao risco de trombose 6 vezes maior em razão de diversos fatores: diminuição do nível sérico de proteína C, estase sanguínea pela compressão uterina, imobilização prolongada e obesidade; - Cirurgia e trauma:devido à exposição de grande quantdade de FT por lesão endotelial, imobilidade prolongada e patologia de base. O risco trombótco é bastante aumentado em pacientes submetdos a procedimento cirúrgico, principalmente cirurgias ortopédica, vascular, neurológica e oncológica. Outros fatores de risco que aumentam ainda mais o risco trombótco nessa popula-
tco prévio, trombofilia ção são a idade, evento trombó hereditária, tempo cirúrgico e imobilização prolongada. Os pacientes devem receber profilaxia anttrombótca primária no período pós-operatório, pois, sem isso, o risco de trombose venosa profunda sintomátca e embolia pulmonar é bastante alto; - Neoplasias malignas: decorrentes da exposição de FT em células neoplásicas, levando à formação excessiva de trombina, manifestando-se como tromboflebite migratória (síndrome de Trousseau), endocardite trombótca não infecciosa ou CIVD crônica; - Deficiência adquirida da an ttrombina: decorre de consumo (CIVD, pré-eclâmpsia e eclâmpsia), diminuição de síntese (doença hepátca) e perda urinária (síndrome nefrótca); - Deficiência adquirida de proteína C: em razão de consumo em infecções graves, CIVD e pós-operatório;
Hiper-homocisteinemia: por deficiência de folato ou vitamina B12; - Anemias hemolítcas: hemoglobinúria paroxístca noturna (trombose venosa, principalmente no leito hepátco, ou arterial), anemia falciforme e talassemia; - Hiperviscosidade: plasmátca (mieloma múl tplo, Waldenström), eritrocitária (policitemia vera), leucocitária (leucemia aguda) e plaquetária (trombocitemia essencial, mieloproliferação crônica); -
HEMOSTASIA E TROMBOSE
Medicamentos: talidomida, L-asparaginase, bevacizumabe e antconcepcional oral/terapia de reposição hormonal; - Síndrome do antcorpo antfosfolípide (SAAF). -
Tabela 11 - Causas de hipercoagulabilidade Adquiridas - Câncer; - Doenças inflamatórias crônicas (RCU, lúpus); - Doenças mieloproliferatvas; - Pós-operatório;
A não fracionada (HNF) inibe os fatores IIa, Xa, IXa, XIa, sendo necessário o controle do nível terapêutco por meio do TTPa (manter entre 1,5 e 2 vezes o valor basal). A de baixo peso molecular (HBPM – enoxaparina, dalteparina, tnzaparina, nadroparina) inibe apenas os fatores IXa, Xa e XIa, não necessitando do controle com o TTPa, mas, em casos especiais, como obesidade e insu ficiência renal, de monitorização por meio da dosagem do fator an t-Xa. A heparina deve ser iniciada imediatamente diante de um episódio agudo de trombose. Como complicação desse tratamento, podem-se ter sangramento e Trombocitopenia
Induzida pelaaHeparina (TIH). Em casos de está indicada interrupção do tratamento atésangramento, ser resolvida a causa. Em caso de sangramento severo, pode-se utlizar a - Trombocitopenia por heparina; protamina, um andoto da heparina. A TIH ou HIT acontece em 2 a 5% dos pacientes que re- Deficiência de vitamina B12 ou de ácido fólico. cebem heparina, é imunologicamente mediada e inicia enCongênitas tre o 4º e o 10º dias de uso. Mais associada à HNF, sendo - Deficiência de anttrombina; rara em HBPM. - Fator V resistente à proteína C (fator V de Leiden); A TIH está relacionada a eventos trombó tcos com po- Deficiência de proteína S; tencial risco de vida. Sua patogenia é explicada por um - Deficiência de proteína C; mecanismo imune, em que os pacientes desenvolvem an- Mutação do gene da protrombina; tcorpos contra complexo heparina – fator-4-plaquetário. Uma vez presentes, os antcorpos promovem atvação pla- Raros: disfibrinogenemia, plasminogênio mutante, hiper- homocisteinemia. quetária por meio dos seus receptores Fc. As plaquetas liberam mais fator-4-plaquetário, uma proteína encontrada - SAAF (síndrome do antcorpo antfosfolípide) nos seus grânulos alfa que possui alta a finidade de ligação Síndrome caracterizada por fenômenos trombótcos com a heparina. Essa ligação forma um complexo multmo(venosos e/ou arteriais) e presença persistente de antcorlecular heparina/fator-4-plaquetário, que é o alvo antgênipo antfosfolípide. co dos antcorpos formados. A ligação dos antcorpos aos Dentre as manifestações trombó tcas, consideram-se angenos se dá na superfcie das plaquetas e das células também as perdas fetais recorrentes. Dentre os an tcorpos endoteliais, resultando em agregação e destruição plaqueantfosfolípides, têm-se o antcoagulante lúpico, antcardiotária, e lesão das células endoteliais. Consequentemente, lipina e ant-beta-2-glicoproteína I. ocorrem atvação da cascata da coagulação e aumento na O antcoagulante lúpico é uma IgM ou uma IgG autoisíntese de trombina. Todos esses fatores aumentam o rismune, que provoca o prolongamento paradoxal do TTPa in co de complicações tromboembólicas, sendo os mais frevitro e que leva ao aumento do risco trombótco e a abortos quentes os tromboembolismos venosos, especialmente de repetção. O TTPa prolongado, que não se corrige com a trombose nos membros inferiores e embolia pulmonar. As adição de plasma normal, com TP e fibrinogênio normais, é complicações arteriais geralmente envolvem as grandes arbastante característco. O tempo de Russel, realizado com térias dos membros inferiores, levando à isquemia aguda veneno de cobra, é o teste mais específico. das extremidades. Os antcorpos antcardiolipina ou beta-2-glicoproteína I Diante da suspeita de TIH (diminuição de pelo menos também podem ser IgM ou IgG e afetam diretamente a ca- 50% da contagem plaquetária basal do paciente, sem justmada fosfolípide plaquetária, levando, paradoxalmente, à ficatva), é mandatória a suspensão imediata da heparina. plaquetopenia e à trombose, por atvação das plaquetas e A contagem de plaquetas geralmente se normaliza após 7 a formação de microcoágulos. Também está associada a abor- 10 dias da interrupção. Entretanto, só a sua suspensão não tamentos de repetção, por microtrombos placentários. é suficiente, devendo ser insttuída nova antcoagulação, A SAAF geralmente é idiopátca, mas pode estar associapelo alto risco trombó tco, até que a contagem plaquetária da a lúpus, neoplasia, infecções ou drogas. se normalize. A HBPM não é recomendada como alternatva para anC - Tratamento dos eventos trombótcos tcoagulação na TIH, por apresentar rea tvidade cruzada in vitro com os antcorpos formados em mais de 90% dos a) Heparina casos. Antcoagulantes orais também não devem ser usaA heparina é uma substância que atua ampliando em dos como substtutos da heparina: apresentam um lento 1.000 a 4.000 vezes a capacidade inibitória da an ttrombina. início de ação e promovem uma queda dos níveis de pro- Uso de antconcepcionais, gestação;
- Síndrome do antcorpo antfosfolípide;
201
A IC D É M A IC ÍN L C
HEMATOLOGIA teína C que, associada ao aumento na geração de trombina já existente nesses pacientes, coloca-os em um risco maior de complicações tromboembólicas. Seu uso tem sido associado à gangrena venosa de extremidades. A terapia com antcoagulante oral deve ser postergada até que a trombocitopenia seja resolvida. Em virtude da partcipação da trombina na patogênese da TIH, a alternatva ideal para antcoagulação deve incluir uma droga que reduza a síntese/ação de trombina. Entre essas drogas estão os inibidores diretos da trombina, a hirudina e o argatrobana, e um inibidor indireto da trombina,
de tratamento, concomitantemente ao início da heparinização, após se obterem os valores basais de TP (RNI) e TTPa. A dose atualmente preconizada é de 1 comprimido de 5mg 1x/dia, em jejum, com controle periódico do RNI nos primeiros dias de tratamento para ajuste da dosagem. Uma vez que as proteínas C e S são an tcoagulantes naturais também dependentes da vitamina K, pode haver uma diminuição mais acentuada dessas proteínas por ocasião do início da antcoagulação oral, precipitando eventos trombótcos, até que todos os fatores vitamina K-dependentes estejam diminuídos. Tais casos caracteristcamente cursam
o danaparoide. O tratamento dos episódios agudos de trombose, obviamente, baseia-se na antcoagulação. Exceto nos casos de plaquetopenia por heparina, sugere-se usar uma forma de heparina (não fracionada ou de baixo peso molecular) nos primeiros 2 a 5 dias, podendo-se iniciar o antcoagulante oral (varfarina sódica, por exemplo) concomitantemente, e retrando-se a heparina após ação evidente do cumarínico (prolongamento de TP, com INR acima de 2, por pelo menos 2 dias consecutvos).
com necrose de pele ecom subcutâneo, sendo especialmente comum em pacientes de ficiência hereditária de proteína C ou proteína S e também nos portadores da síndrome do antcorpo antfosfolípide. Essa complicação deve ser tratada com suspensão da varfarina, administração de vitamina K e heparinização plena. Nos casos severos, pode-se administrar proteína C recombinante. As complicações decorrentes de sangramento em consequência da antcoagulação excessiva (RNI >3) devem ser tratadas com reposição de vitamina K e, se houver sangramento com risco de vida, transfusão de plasma fresco congelado ou infusão do complexo protrombínico atvado (Tabela 12).
b) Antcoagulantes orais A classe de drogas genericamente conhecida como agentes cumarínicos compõe o arsenal terapêu tco u tlizado para a antcoagulação em longo prazo nos pacientes com TEV. Tais drogas agem no fgado, inibindo a gama-carboxilação dos resíduos de ácido glutâmico da região N-terminal dos fatores da coagulação dependentes da vitamina K (fatores II, VII, IX, X, proteínas C e S), por meio do bloqueio da ação da enzima vitamina K-redutase, importante na redução da vitamina K da forma inatva para a forma atva. São absorvidas no intestno e transportadas no plasma por meio de ligação à albumina. O metabolismo acontece também no fgado, e a droga é excretada sobre forma hidroxilada na urina. A alta sensibilidade do teste de protrombina para detectar redução nos fatores que são dependentes de vitamina K é o racional para o seu uso na monitorização dessa classe de medicamento. Existem 2 tpos de cumarínicos comercialmente disponíveis no Brasil: a varfarina (Marevan®) e a femprocumona (Marcoumar®). A varfarina tem vida média de 35 horas, e a femprocumona, de 4 a 5 dias. Pela menor meia-vida plasmátca da varfarina, tal droga apresenta melhor per fil para utlização clínica, com menores riscos de superdosagem e controle mais fácil da antcoagulação, justficando sua maior utlização nos ensaios clínicos em todo o mundo. Os fatores da coagulação dependentes da vitamina K também têm diferentes meias-vidas, sendo a mais curta a do fator VII (6h). As meias-vidas mais longas dos fatores IX (24h), X (25 a 60h) e II (50 a 80h) são as responsáveis pela latência no efeito terapêu tco dos antcoagulantes orais. No tratamento da TEV, a varfarina deve ser iniciada no 1º dia
202
Tabela 12 - Tratamento da antcoagulação excessiva INR
Conduta
3
Interromper por 1 dia e diminuir as doses subsequentes, monitorizar frequentemente até alcançar dose ideal.
5 ≤INR <9 sem sangramento
Suspender o medicamento até o INR ideal , tr o administrar vitamina K 2,5mg VO e repe INR em 24h. Ajustar as doses subsequentes do antcoagulante.
INR ≥9 sem sangramento
Suspender o medicamento, administrar vitamina K, 5 a 10mg VO. Repetr o INR em 24h e ajustar doses subsequentes.
Suspender antcoagulante, administrar vitaSangramento mina K 10mg IV e complementar com plasma excessivo indefresco congelado, complexo protrombínico ou pendente do fator VII atvado, a depender da urgência e das INR condições do paciente.
São inúmeros os fatores que interferem na dose ideal de cada paciente: fatores genétcos (alguns pacientes metabolizam muito lentamente os antcoagulantes orais, necessitando de doses extremamente baixas), alimentação (alimentos que contenham vitamina K) e diversos medicamentos (alteram o metabolismo da vitamina K e do antcoagulante oral). A utlização connua de antcoagulantes orais tem várias indicações (Tabela 13), porém os critérios variam entre as diferentes insttuições. A avaliação cuidadosa do risco trombótco de cada paciente e da resolução ou persistência dos fatores capazes de desencadear a trombose são os elementos fundamentais da u tlização racional dessa terapêutca.
HEMOSTASIA E TROMBOSE
Tabela 13 - Indicação para uso con nuo de antcoagulantes orais Indicação
Intervalo de INR ideal
Profilaxia de TVP para cirurgia de alto risco
2a3
Critério clínico
Tratamento de TVP: 1º episódio
2a3
3a6meses
Duração
ratorial, vantagem sobre as HBPM a administração oral, e a desvantagem de não apresentar an doto específico nos casos de sangramento.
Resumo Quadro-resumo Hemostasia primária
Alto risco de recorrência de TVP
2a3
Todaavida
Trombose por síndrome antfosfolípide
2a3
Todaavida
Tratamento de embolia pulmonar: 1º episódio
2a3
3a6meses
pós-traumas (petéquias, equimoses), após o trauma,leves predomina no sexo feminino; imediatamente
Alto risco de embolia recorrente
2a3
Todaavida
- Avaliação laboratorial:tempo de sangramento, contagem plaquetária, teste de agregação plaquetária, dosagem do fator de von Willebrand e cofator de ristocetna.
Prevenção de embolia sistêmica: prótese valvar biológica
2a3
IAM (se indicado, prevenir embolia sistêmica)
2a3
Critério clínico
Doença valvar cardíaca (após evento trombótco ou se o átrio esquerdo for >5,5cm).
2a3
Todaavida
Fibrilação atrial: Crônica ou intermitente
2a3
Todaavida
Cardioversão
3meses
- Elementos fundamentais: parede vascular, plaquetas e fator de von Willebrand; - Quadro clínico: sangramento mucocutâneo espontâneo ou
Púrpura de Henoch-Schönlein - Epidemiologia: predomínio em crianças; - Quadro clínico: púrpura palpável simétrica nos membros inferiores e nádegas, artralgias, artrite, dor abdominal; - Complicação: nefrite, intussuscepção intestnal; - Diagnóstco: quadro clínico. Complementação em caso de dúvida: biópsia – vasculite leucocitoclástca, depósito de IgA/C3; - Tratamento: autolimitado, suporte clínico, cortcoide para casos complicados ou não responsivos. Púrpura trombocitopênica idiopátca
2a3
3 semanas antes e 4 semanas depois da cardioversão, se o ritmo sinusal foi mantdo
Próteses valvares aórtcas: mecânicas
2a3
Próteses valvares aórtcas: biológicas
2a3
Próteses valvares trais: mecânicas
mi-
2a3
Todaavida
Próteses valvares trais: biológicas
mi-
2a3
3meses
Todaavida Critério clínico (3 meses)
c) Outros antcoagulantes Existem outros anticoagulantes que podem ser utilizados no tratamento da trombose, uns não disponíveis no Brasil (inibidores diretos da trombina: hirudina, argatrobana; inibidores do Xa: fondaparinux, idraparinux), outros em estudo (inibidores do fator VIIa, inibidores do fator IXa). No Brasil, existem antcoagulantes disponíveis para profilaxia primária de trombose em algumas situações (cirurgias ortopédicas), mas ainda não foram liberados para uso no tratamento da trombose, aguardando estudos. São exemplos os novos antcoagulantes orais: a rivaroxibana (inibidor do fator Xa) e a dabigatrana (inibidor direto da trombina), que apresentam como vantagem sobre os cumarínicos o fato de não necessitarem de monitorização labo-
- Epidemiologia: causa mais comum de plaquetopenia em adultos e crianças. Em crianças, é comum após infecção viral ou vacina; - Quadro clínico: bom estado geral, apenas petéquias ou sangramento mucoso, sem sintomas sistêmicos; - Diagnóstco: diagnóstco de exclusão, afastar outras causas de plaquetopenia: infecções virais (principalmente HIV e HCV), outras doenças autoimunes, medicamentos, microangiopa ta e doença medular. Dez por cento dos casos podem apresentar anemia hemolítca associada (síndrome de Evans). Alguns podem apresentar anemia ferropriva. A leucometria é normal. Antcorpo antplaqueta: baixa sensibilidade e especificidade; - Tratamento: apenas se plaquetas <30.000 ou sangramento tavo. Primeira linha: cortcoide. Em pacientes refratários: pulsoterapia com altas doses de cortcoide, imunoglobulina, esplenectomia, rituximabe, azatoprina e outros imunossupressores associados ou não aos es tmuladores da plaquetogênese. As crianças podem apresentar remissão espontânea em 80% dos casos. Púrpura trombocitopênica trombótca tologia: deficiência ou inibição da metaloprotease ADAMTS - E13;
- Quadro clínico: pêntade: febre, plaquetopenia, anemia hemolítca microangiopátca, sintoma neurológico e insuficiência renal; - Diagnóstco: quadro clínico + esquizócitos no sangue periférico, aumento de DHL e exclusão de outras causas de microangiopata;
203
A IC D É M A IC ÍN L C
HEMATOLOGIA Púrpura trombocitopênica trombótca
Trombocitopenia induzida pela heparina
- Tratamento: plasmaférese; - Diagnóstcos diferenciais principais: CIVD, síndrome HELLP, SHU, eclâmpsia, hipertensão maligna e vasculite. Hemostasia secundária - Elementos fundamentais:fatores de coagulação, cálcio, fosfolípides e vitamina K; - Quadro clínico: hematomas profundos, principalmente hemartroses, tardio após o trauma. História familiar comum com predomínio no sexo masculino. Alterações hereditárias - Hemofilia A: ligada ao X - afeta o sexo masculino, TTPa alargado, deficiência de fator VIII. A mais comum; - Hemofilia B: ligada ao X - afeta o sexo masculino, TTPa alargado, deficiência de fator IX; - Hemofilia C: autossômica, acomete homens e mulheres, princificiência de fator palmente judeus Ashkenazi, TTPa alargado, de XI. CIVD - Desencadeadores:infecção (meningococcemia), trauma grave, neoplasias, doenças obstétricas, doença vascular, LMA M3. - Diagnóstcos diferenciais: CIVD aguda
CIVD crônica
Hiperfibrinólise primária
PTT
Plaqueta
↓
Variável
Normal
↓
Fibrinogênio
↓
Normal ou ↑
↓
Normal
PDF
↑
↑
↑
Normal
D-dímero
↑
↑
↑
Normal
Antitrombina
Presente
Normal
Normal
Normal
Esquizócitos
↓
Presente
Ausente
Presente
Teste euglobulina
↓
Normal
↓
Normal
TP/TTPa
↑
Normal
Normal
Normal
Teste
Deficiência de vitamina K - Fatores dependentes:II, VII, IX, X, proteína C e S; - Fatores de risco:alcoolista crônico, doença intestnal, antbiótcos, nutrição parenteral, lactentes e dicumarínico; - Diagnóstco: alargamento do TP corrigido com mistura 50%. Trombocitopenia induzida pela heparina - Diagnóstco: diminuição de 50% do valor basal do paciente 4 a 10 dias após o início da heparina (mais a HNF que a HBPM); - Quadro clínico: necrose cutânea, trombose venosa ou arterial – principalmente dos membros inferiores e extremidades; - Conduta: suspender heparina, antcoagular com inibidor direto da trombina.
204
NEFROLOGIA
CAPÍTULO
1 1. Introdução Os distúrbios relacionados aos eletrólitos são muito comuns, não sendo característcos de qualquer especialidade. Além da frequência e abrangência, é importante que todos os estudantes e médicos saibam lidar com tal situação, por vários fatores: - O distúrbio eletrolítco pode ser a consequência de algo grave não claramente exposto (por exemplo, hiponatremia em um paciente com câncer de pulmão); - O distúrbio eletrolítco, por si só, pode causar a morte do paciente (por exemplo, diabétco que usa captopril e se apresenta com potássio de 8mEq/L); - O tratamento inadequado do distúrbio eletrolí tco pode o paciente a sequelas ou morte (por exemplo, olevar paciente está com sódio sérico = 108mEq/L, eé prescrita uma solução de sódio concentrada; o sódio sobe para 120mEq/L em 3 horas, causando mielinólise pontna central). Neste capítulo, descreveremos 6 situações: hipercalemia, hipocalemia, hipernatremia, hiponatremia, hipercalcemia e hipocalcemia.
2. Distúrbios do potássio O corpo humano é rico em potássio, com cerca de 50mEq de potássio/kg de peso. Entretanto, esse íon é predominantemente intracelular (cerca de 98%). O restante está no extracelular, que, por sua vez, é mantdo em uma rigorosa faixa de normalidade (3,5 a 5mEq/L). Essa relação do K+ intracelular (cerca de 150mEq/L) para o extracelular é essencial para o equilíbrio elétrico das membranas em repouso. A membrana celular é altamente permeável ao potássio, pois contém uma infinidade de canais desse elemento. A saída constante de potássio da célula mantém a membrana com potencial de repouso negatvo (em torno de -70mV), isto é, polarizada. A Na +-K+-ATPase joga o potássio de volta para o interior da célula, contra um forte gradiente elétrico, mantendo o gradiente de potássio transmembrana (150mEq/L → 4mEq/L).
Distúrbios hidroeletrolítcos: potássio, sódio e cálcio Rodrigo Antônio Brandão Neto / Natália Corrêa Vieira de Melo
Por modificar o potencial de repouso, a hipercalemia e a hipocalemia podem alterar a eletrofisiologia cardíaca, ao modificar a propriedade dos canais de sódio e dos próprios canais de potássio, interferindo no automa tsmo, velocidade de condução e refratariedade das fibras cardíacas e podendo provocar taquiarritmias e bradiarritmias. Em um indivíduo hígido, a calemia é mantda dentro da faixa adequada por mecanismos fisiológicos, apesar da grande variação da quantdade de potássio ingerida e excretada diariamente. Numa alimentação normal, consomem-se entre 40 e 150mEq/dia de potássio. A ingestão deste elemento químico produz um pequeno aumento transitório da calemia, logo tamponado pelas células (seu principal reservatório). Alguns hormônios contribuem para que essa entrada de potássio nas células ocorra de forma rápida e e ficaz: a insulina e a adrenalina. Após 6 a 8 horas, o potássio restante começa a ser eliminado pelos rins, por ação do principal hormônio regulador de potássio (a aldosterona). O equilíbrio corporal de potássio é mantdo pela fina regulação entre ingestão e excreção. Cerca de 40 a 120mEq/ dia de potássio são excretados através dos rins (90% do total), trato gastrintestnal e pele. É importante ressaltar que, em situações de insu ficiência renal, o trato gastrintestnal consegue aumentar a excreção de potássio (pode chegar a excretar até 60% do potássio corporal), embora os mecanismos sejam pouco conhecidos. Em suma, em condições normais, o rim é o responsável pela concentração sérica de potássio. O íon é livrementefiltrado (cerca de 800mEq/dia) e logo reabsorvido (em média, 80 a 95% da carga filtrada). O túbulo proximal e a alça espessa de Henle reabsorvem quase 90% do total. No túbulo proximal, a reabsorção é passiva, junto com o sódio e água; na alça espessa de Henle, há um transportador especí fico (Na+-K+-2Cl-). Isso permite que a quantdade de K+ que chega aos túbulos distais seja semelhante à quan tdade ingerida. Nesse momento, a excreção ou reabsorção do íon dependerá da quantdade sérica de K+ e dos seus estoques celulares. A excreção de potássio é aumentada por: - Hipercalemia: por si só, independente da aldosterona, estmula a perda renal de potássio;
205
NEFROLOGIA Aldosterona: hormônio produzido pela zona glomerulosa da adrenal em resposta à hipercalemia, aumento de renina e de angiotensina II. Nos túbulos coletores cortcais, através das células principais, a aldosterona estmula a reabsorção de sódio e aumenta a excreção de potássio e hidrogênio; - Fluxo urinário: quanto maior o débito urinário nos ductos coletores, maior a excreção de potássio; - Aporte de sódio aos segmentos distais do néfron: quanto mais sódio chega a esses segmentos, maior será a sua reabsorção, que, por consequência, aumen-
-
tará a excreção de potássio; Alcalose: nessa situação, há um aumento da excreção de potássio, de forma compensatória à redução da excreção de H+, que ocorre com o obje tvo de compensar a alcalose.
A - Hipercalemia O gradiente de potássio do intra/extracelular é responsável pela excitabilidade nervosa e muscular, inclusive do miocárdio. Pequenas alterações no potássio sérico podem implicar profunda alteração na condução e na excitabilidade do coração, o que pode alterar a função e o ritmo cardíacos e causar uma parada cardiorrespiratória (PCR). Dos distúrbios eletrolítcos, a hipercalemia é um dos mais graves e possivelmente letais, pois uma rápida alteração na concentração do potássio pode gerar consequências imediatas e ameaçadoras à vida. A hipercalemia é definida como uma concentração sérica de potássio maior que 5mEq/L. As etologias e os mecanismos que levam a esse distúrbio serão discutdos a seguir. a) Etologia e fisiopatologia A hipercalemia, em geral, deve-se à liberação de potássio das células ou à prejudicada excreção renal (Tabela 1). Tabela 1 - Causas de hipercalemia - Acidose metabólica; - Dieta (raramente causa hipercalemia isoladamente); - Medicamentos: ant-inflamatórios não esteroidais, antagonistas dos receptores da angiotensina II, beta-bloqueadores, diurétcos poupadores de potássio, inibidores da enzima conversora de angiotensinogênio, suplementos de potássio, intoxicação digitálica, succinilcolina, heparina, trimetoprim, ciclosporina, pentamidina; - Hemólise; - Hipoaldosteronismo hiporreninêmico (acidose tubular renal tpo IV); - Iatrogenia (administração excesso de potássio IV); - Insuficiência adrenal (doença de Addison); - Insuficiência renal aguda; - IRC: geralmente avançada, comclearance de creatnina <15mL/ min;
206
- Paralisia periódica hipercalêmica; - Pseudo-hipercalemia; - Rabdomiólise; - Síndrome de lise tumoral; - Estados hipercatabólicos (ex.: sepse); - Hiperosmolaridade (hipernatremia, hiperglicemia); - Exercício fsico extenuante.
Deve-se sempre estar atento à possibilidade de uma pseudo-hipercalemia (falso aumento sérico do potássio), que ocorre devido a vários fatores, como: - Coleta inadequada: uso de scalp fino, garroteamento firme, vácuo do tubo seco e um longo tempo entre a coleta e o processamento do exame. Sempre que possível, deve-se colher uma nova amostra, seguindo o rigor técnico da coleta; - Aumento do número de células:leucocitose importante, poliglobulia ou trombocitose. A dosagem deve ser repetda usando-se amostra de sangue fresco heparinizado colhido cuidadosamente para evitar hemólise. Não sendo pseudo-hipercalemia, deve-se buscar a causa do aumento de potássio. Alguns passos são importantes e devem ser seguidos: - Quais medicamentos o paciente usa? Uma minuciosa história medicamentosa é importante e não deve ser esquecida. Os medicamentos que mais comumente podem causar hipercalemia estão na Tabela 2. Tabela 2 - Fármacos que causam hipercalemia Ant-inflamatórios não esteroidais.
Suplementos com potássio.
Antagonistas de receptores da angioDiurétcos poupadores de potássio (amitensina II lorida, espironolactona, triantereno e (losartana, valsareplerenona). tana, irbesartana, candesartana). Beta-bloqueadores.
Intoxicação digitálica.
Inibidores de ECA (captopril, enalapril, lisinopril, fosinopril, ramipril).
Trimetoprim (em alta dosagem como no tratamento de pneumocistose).
Succinilcolina.
Heparinas.
Ciclosporina.
Pentamidina.
Qual é a função renal? A função renal reduzida é uma das principais causas de hipercalemia, especialmente quando associada a outros fatores (por exemplo, uso de IECA). Tanto a Insu ficiência Renal Aguda (IRA) quanto a Crônica (IRC) podem cursar com aumento sérico de potássio. Entretanto, na IRC só costuma haver hipercalemia quando o clearance de creatnina está muito baixo (<15mL/min). -
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
O paciente está acidótco? A acidose metabólica promove um deslocamento do potássio do intracelular para o extracelular em troca de íons hidrogênio, como fenômeno tampão do sistema ácido-básico do organismo. Em geral, o potássio volta ao normal com a normalização do pH. Entretanto, se o potássio é normal em um paciente com acidose grave, espera-se que diminua à medida que se corrige a acidose. Nesse caso, é prudente planejar a reposição do potássio mais precocemente.
da destruição das células produtoras de renina (células granulares que estão na parede da arteríola aferente), que faz parte do aparelho justaglomerular, causando diminuição da aldosterona. As causas principais são diabetes mellitus, nefropatas interstciais, nefropatas causadas por ant-inflamatórios, anemia falciforme.
-
- Há deficiência de insulina, hiperglicemia e/ou hiperosmolalidade? A insulina promove a entrada de potássio nas células, logo, em condições normais, a ingestão de glicose (que es tmula a secreção endógena de insulina) minimiza o aumento
- Há algum indício de hemólise, lise tumoral ou rabdomiólise? Em algumas situações, o potássio aumenta devido à que- de potássio sérico induzido pela ingestão concomitante de potássio na dieta. No entanto, nodiabetes mellitus desconbra ou lise celular como rabdomiólise, quadros hemolí tcos ou lise tumoral (espontânea ou associada ao início de quimiotera- trolado, a combinação de deficiência de insulina com a hiperosmolalidade induzida pela hiperglicemia frequentemente pia). Se houver qualquer indício, deve-se con firmar (por exemleva à hipercalemia, mesmo que o paciente tenha seus estoplo, hemólise, icterícia, aumento de desidrogenasetca). lá ques depletados pelas perdas primárias de potássio na urina. - Há redução do volume circulante efetvo? O aumento da osmolalidade leva a uma elevação do movimento osmótco da água das células para o extraceA redução do fluxo sanguíneo distal, que é decorrente lular, o que é acompanhado pelo movimento do potássio da redução do fluxo sanguíneo efetvo (como pode ocorrer para o extracelular. Além da hiperglicemia, pode ocorrer na insuficiência cardíaca, na cirrose ou na nefropata perdehipercalemia decorrente da hiperosmolalidade relacionada dora de sal), também pode levar à hipercalemia. à administração de manitol hipertônico e à hipernatremia, - A hipercalemia pode estar ocorrendo devido ao principalmente em portadores de insu ficiência renal. hipoaldosteronismo? - A hipercalemia é iatrogênica? Nessa situação, diminui a produção de aldosterona, di fiA iatrogenia é uma causa muito frequente de hipercultando a excreção tubular distal de potássio. Deve-se suscalemia em pacientes internados (reposição incorreta e peitar de hipoaldosteronismo em pacientes cronicamente excessiva de potássio), principalmente em portadores de hipercalêmicos que não sejam portadores de insu ficiência
renal avançada, nem de condições que causem redução do volume circulante efetvo (como a insu ficiência cardíaca avançada) e que não estejam em uso de diurétcos poupadores de potássio. Nos pacientes com suspeita de hipoaldosteronismo, deve-se inicialmente investgar o uso de medicamentos que prejudiquem a liberação de aldosterona, como ant-inflamatórios não hormonais, inibidores da ECA, ciclosporina e heparina. Se o uso de nenhum deles estver presente, devem-se investgar outras causas de hipoaldosteronismo como insuficiência adrenal primária (doença de Addison) e o hipoaldosteronismo hiporreninêmico (que pode ocorrer em portadores de nefropata diabétca e nefrite interstcial crônica). As causas mais comuns de hipoaldosteronismo encontram-se detalhadas a seguir: - Destruição da adrenal: denominada doença de Addison. Pode ser de etologia autoimune (mais comum nos Estados Unidos) ou por invasão e destruição da glândula (mais comum no Brasil) devido à tuberculose, fungos, vírus. Os sintomas são vagos, como fraqueza, perda de peso, dor abdominal. Ao exame fsico, podem-se notar escurecimento da pele (causada por aumento de conteúdo de melanina na pele, devido à alta concentração de ACTH) e hipotensão postural; - Hipoaldosteronismo hiporreninêmico: também denominada acidose tubular renal tpo IV, ocorre em virtude
insuficiência renal. Outras causas de hipercalemia: - Dieta rica em potássio, de forma isolada, raramente causa hipercalemia, mas pode ter um papel importante se associada à insuficiência renal e/ou ao uso de medicamentos retentores de potássio. Também pode ocorrer hipercalemia na paralisia periódica hipercalêmica (doença autossômica dominante em que ocorre paralisia hipercalêmica periódica geralmente precipitada por repouso após exercício fsico, jejum, exposição ao frio ou ingestão de pequenas quantdades de potássio); e na ureterojejunostomia (cirurgia de derivação urinária, em que a hipercalemia é provavelmente precipitada pela reabsorção jejunal do potássio excretado na urina). b) Achados clínicos A hipercalemia (definida como uma concentração sérica ficos, de potássio >5mEq/L) sintomas porém, na maioria das pode vezes,causar os pacientes sãoinespecí assintomá tcos. Os tecidos mais susce veis são o miocárdio e os músculos periféricos. As consequências são: - Miocárdio: extrassístoles, arritmias e PCR (mais comumente por fibrilação ventricular ou assistolia); -
Musculoesquelétco: fraqueza muscular, fadiga e, raramente, paralisia flácida ascendente e insu ficiência respiratória aguda.
207
A IC D É M A IC ÍN L C
NEFROLOGIA c) Exames complementares O eletrocardiograma (ECG) pode sugerir hipercalemia mesmo antes do resultado laboratorial. As principais alterações estão delineadas na Tabela 3. A onda T apiculada é um achado proeminente e, se não tratada, pode levar à progressiva alteração elétrica do miocárdio com consequentes arritmias letais. Entretanto, não há firme correlação entre a concentração de potássio sérica e a alteração de ECG. Isso depende mais da velocidade de instalação da hipercalemia do que do valor absoluto da concentração de potássio. Assim, um paciente com IRA pode ter alterações significatvas de ECG com potássio de 6 ou 7mEq/L; já indivíduos com IRC podem ter ECG normal com potássio sérico de 8mEq/L. Tabela 3 - Alterações progressivas do ECG na hipercalemia - Onda T apiculada (em tenda); - Achatamento da onda P; - Prolongamento do intervalo PR; - Alargamento do intervalo QRS; - Ritmo idioventricular; - Formação de onda sinusoidal; - Fibrilação ventricular ou assistolia.
As correlações entre os níveis de potássio e alterações eletrocardiográficas na hipercalemia estão explicitadas na Figura 1. Deve-se enfatzar que essa correlação não é perfeita.
Outros exames deverão ser solicitados, de acordo com a suspeita clínica: - Função renal, gasometria e urina tpo I: podem sugerir uma causa renal para hipercalemia; - Glicemia, cetonúria:suspeita de cetoacidose diabé tca; - Exames de função adrenal: suspeita de doença de Addison; - Creatnofosfoquinase: quando muito aumentada, sugere rabdomiólise; - Perfil hemolítco: suspeita de hemólise; - Gradiente transtubular de potássio (T TKG): em certas circunstâncias, é importante saber se o rim mantém a capacidade de excretar potássio. Isso é facilmente avaliado por este gradiente: TTKG =
K+ na urina/K+ plasma osmolalidade urina/osmolalidade plasma
Em indivíduos normais, os rins são capazes de excretar >200mEq de potássio ao dia em vigência de hipercalemia. Por isso, o TTKG normal esperado, na presença de hipercalemia, é >10, que representa uma capacidade normal do rim de excretar potássio. Quando o TTKG está <10, especialmente <5, na vigência de hipercalemia, os túbulos distais não estão funcionando corretamente, provavelmente por de ficiência de aldosterona. d) Tratamento da hipercalemia O tratamento depende de algumas variáveis, como a gravidade e a velocidade de instalação da hipercalemia, a condição clínica do paciente (idosos e cardiopatas são mais susceveis a arritmias) e se há ou não alteração de ECG. De acordo com a severidade da hipercalemia, a terapêutca pode incluir: - Medidas que não alteram o potássio sérico, mas promovem a estabilização elétrica da membrana celular; - Medidas que promovem a translocação do potássio do extracelular para o intracelular; - Medidas que promovem diminuição do pool corporal de potássio por meio do aumento da excreção de potássio; - Correção de causas potencialmente reversíveis de hipercalemia. Sobre essas medidas terapêutcas, algumas observações são importantes:
Figura 1 - Correlações entre os níveis de potássio e alterações eletrocardiográficas na hipercalemia
208
- Medidas que não alteram o potássio sérico, mas promovem a estabilização elétrica da membrana celular: O cálcio intravenoso, na forma de gluconato ou cloreto de cálcio a 10%, antagoniza diretamente os efeitos da hipercalemia na membrana celular, evitando o surgimento de arritmias potencialmente fatais. O efeito do cálcio intravenoso tem início em minutos após a administração, porém tem duração de ação curta (30 a 60 minutos). Por isso, a administração de cálcio intravenoso só está indicada quando há
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
alterações eletrocardiográficas secundárias à hipercalemia, não deve ser prescrita “profilatcamente”. A dose inicial de gluconato de cálcio é de 1.000mg (10mL da solução de gluconato de cálcio a 10%) infundido IV em 2 a 5 minutos, com monitorização cardíaca connua. No caso da u tlização de cloreto de cálcio, a dose inicial é de 500 a 1.000mg (5 a 10mL da solução de cloreto de cálcio a 10%) infundidos via IV em 2 a 3 minutos, também com monitorização cardíaca connua. A dose de ambas as formulações de cálcio pode ser repetda após 5 minutos, caso haja persistência das alterações eletrocardiográficas.
•
deve administrar bicarbonato de sódio hipertônico (solução a 8,4%) de forma rápida, pois o aumento abrupto da osmolalidade plasmátca pode causar a saída de água acompanhada de potássio das células, o que dificultaria a correção da hipercalemia; Solução polarizante ou glicoinsulinoterapia (glicose + insulina): a administração de insulina reduz a concentração sérica de potássio por aumentar o transporte do mesmo do extra para o intracelular, principalmente através do esmulo da Na-KATPase do músculo esquelétco, de forma seme-
- Medidas que promovem a translocação do potássio do extracelular para o intracelular: Essas medidas não reduzem o pool corporal de potássio, mas dão tempo para que as terapias capazes de remover o excesso de potássio do corpo possam agir. Essas medidas são usadas primariamente em 3 situações: pacientes com hipercalemia e alterações eletrocardiográficas; pacientes com potássio sérico maior que 6,5 a 7mEq/L; pacientes com potássio sérico <6,5mEq/L, porém aumentando rapidamente. As medidas que promovem a translocação do potássio do extracelular para o intracelular incluem: Beta-2-adrenérgico agonista inalatório: os beta-2-agonistas aumentam o transporte de potássio do extra para o intracelular, principalmente por meio do aumento da atvidade da bomba Na-K-ATPase do músculo esquelétco. Além disso, são eficazes no tratamento da hipercalemia, reduzindo o potássio
lhante ao mecanismo de ação dos beta-2-agonistas. Habitualmente, administra-se glicose com a insulina para evitar o desenvolvimento de hipoglicemia, no entanto, pode-se administrar apenas insulina, se a glicemia for maior que 250mg/dL. Um dos modos mais comuns de uso da solução polarizante consiste na administração de 10 unidades de insulina regular em 500mL de soro glicosado a 10% em 60 minutos. Outra forma possível de uso dessa solução consiste na administração de 10U de insulina regular em bolus, seguida de 50mL de glicose a 50%. Esse úl tmo esquema é mais eficaz na redução de potássio, no entanto, é mais comum a ocorrência de hipoglicemia. O efeito da insulina começa em 10 a 20 minutos e dura de 4 a 6 horas. Na maioria dos pacientes, a concentração sérica de potássio cai de 0,5 a 1,2mEq/L com a utlização da solução polarizante.
sérico em 0,5 de a 1,5mEq/L; Bicarbonato sódio IV: o aumento do pH pela infusão de bicarbonato de sódio leva ao aumento da saída de íons hidrogênios das células, como parte do efeito tampão. A saída de hidrogênio das células é acompanhada da entrada de potássio nas mesmas para manutenção da eletroneutralidade. No entanto, a administração de bicarbonato de sódio não está recomendada se a hipercalemia não estver acompanhada de acidose metabólica. O bicarbonato de sódio tem pouca eficácia quando há insuficiência renal crônica, podendo causar sobrecarga de volume, já que, para cada 1mEq de bicarbonato, há 1mEq de sódio. Deve-se também ter muito cuidado em caso de hipertensão arterial. Tanto na insuficiência renal quanto na hipertensão arterial, o bicarbonato de sódio pode levar a edema agudo de pulmão, se administrado rapidamente e em volumes excessivos. A dose recomendada de bicarbonato de sódio é de 1mEq/kg de peso (ou 1mL/Kg de solução de bicarbonato de sódio a 8,4%), administrado de forma intravenosa em 1 a 2 horas, até de 4/4 horas. Outra opção, se o paciente tolerar volume, é a administração de solução bicarbonatada isotônica (por exemplo, 150mL de bicarbonato de sódio a 8,4% em 1 litro de solução glicosada a 5%), de forma intravenosa, em 2 a 4 horas. Não se
- Medidas que promovem diminuição do pool corporal de potássio por meio do aumento da excreção de potássio: As medidas que promovem a translocação de potássio do extracelular para o intracelular só reduzem a concentração sérica de forma transitória. Logo, na maior parte dos casos, é necessária terapia adicional com o obje tvo de remover o excesso de potássio corporal; exceto em pacientes que apresentem hipercalemia reversível, resultante do aumento da saída de potássio das células, como ocorre na acidose metabólica. As 3 principais medidas para redução do potássio corporal são os diuré tcos, as resinas trocadoras de cátons e a diálise. Essas medidas encontram-se detalhadas a seguir: Diurétcos: os diurétcos de alça, como a furosemida (Lasix®), e os diurétcos tazídicos aumentam a excreção de potássio na urina, principalmente quando combinados com hidratação venosa com
•
•
•
•
solução salina, a qual mantém o aporte e o fluxo distal de sódio; Resinas trocadoras de cátons: a principal resina trocadora de cáton disponível no Brasil é o polies trenossulfonato de cálcio (Sorcal®). No intes tno, as resinas trocadoras de cátons se ligam ao potássio. Cada grama de resina pode se ligar a até 1mEq de potássio. A resina (Sorcal®) não é absorvida e costuma causar constpação. Recomenda-se diluir com
209
A IC D É M A IC ÍN L C
NEFROLOGIA
•
um laxante (manitol ou sorbitol). A diarreia osmó tca promovida pelo manitol também pode contribuir para a redução do potássio. A via preferencial é a oral, pois tem maior eficácia, mas, se houver vômitos, pode-se fazer via retal como enema de retenção. Nesse caso, dobra-se a dose; Métodos dialítcos (diálise peritoneal ou hemodiálise): a diálise é indicada se as medidas descritas anteriormente não forem su ficientes para a correção efetva da hipercalemia. A hemodiálise é a modalidade dialítca preferida para a correção da hipercalemia a sua taxa remoção potássio é, váriasporque vezes, maior que de a da diálise de peritoneal. A hemodiálise pode remover de 25 a 50mEq/h de potássio.
- Correção de causas potencialmente reversíveis de hipercalemia Diversos fatores podem causar ou agravar a hipercalemia, logo se deve tentar resolver esses fatores com o objetvo de corrigir a hipercalemia. Esses fatores incluem o uso de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona e as causas reversíveis de insu ficiência renal aguda, como hipovolemia, uso de ant-inflamatórios não hormonais e obstrução do trato urinário. No entanto, essas causas nem sempre podem ser revertdas rapidamente e sua correção nem sempre é suficiente para a normalização do potássio sérico. Por isso, quando o paciente apresenta hipercalemia moderada à grave, não se devem adiar as medidas que cau-
sam aumento da excreção do potássio. O manejo desse distúrbio está resumido na Tabela 4. 1,2 Tabela 4 - Tratamento da hipercalemia
Tipo
Leve* 5a6
Moderada* 6,1 a 7
Grave* >7
Diurétcos: furosemida, 1mg/ kg IV (até de 4/4 horas).
Sim
Sim
Sim
Resina (Sorcal®): 30g diluídos em 100mL de manitol a 10 ou 20% (8/8 a 4/4 horas); pode-se dobrar a dose, se necessário. Uso via oral (preferência) ou via retal (se houver vômitos).
Sim
Sim
Sim
Inalação com beta-2-agonista: fenoterol, 10 gotas, até de Sim 4/4 horas.
Sim
Sim
Solução 10 polarizante: insulina regular: unidades IV + 50g de glicose (SG 10%: 500mL) até 4/4 horas; cuidado com hipoglicemia; devem-se realizar glicemias capilares (dextrose) de horário.
-
Sim
Sim
Bicarbonato de sódio: 1mEq/ kg de peso IV lento até 4/4 horas.
-
Possível
Possível
210
Tipo
Leve* 5a6
Moderada* 6,1 a 7
Grave* >7
Diálise (hemodiálise é o tpo de diálise mais eficaz).
-
Possível
Possível
1. O tratamento da hipercalemia baseia-se muito mais nas alterações do ECG do que nos níveis séricos de potássio. 2. Cuidado com elevações muito rápidas no potássio sérico; isso pode ser mais importante do que um valor absoluto e isolado do potássio. * Potássio sérico: em mEq/L. -
Complicações do tratamento
As complicações tratamento estão descritas Hipoglicemiadoou hiperglicemia (soluçãoa seguir: pola•
•
•
rizante); Sobrecarga de volume e edema pulmonar (bicarbonato de sódio); Diarreia (Sorcal®+ manitol) ou constpação (Sorcal®).
B - Hipocalemia Há uma considerável diferença entre o potássio intracelular (140mEq/L) e o extracelular (3,5 e 5mEq/L). Esse gradiente é responsável pela excitabilidade nervosa e muscular, que inclui o miocárdio. Pequenas alterações no potássio sérico podem implicar profunda alteração na condução e excitabilidade do coração, alterar a função e o ritmo cardíacos e causar uma PCR. Hipocalemia é definida como uma concentração sérica de potássio menor que 3,5mEq/L e é um problema clínico comum. O potássio entra no corpo por ingestão oral ou infusão intravenosa, posteriormente é armazenado, em grande parte, nas células e é excretado na urina (e em menor quantdade no trato gastrintestnal e no suor). Logo, tanto a ingestão reduzida de potássio quanto a translocação do potássio para dentro das células e, mais frequentemente, o aumento das perdas na urina (ou trato gastrintes tnal ou suor) podem levar à redução dos níveis séricos de potássio. É frequente a coexistência de hipocalemia e alcalose metabólica. Em parte, explica-se isso pelo fato de a hipocalemia aumentar a reabsorção tubular proximal de bicarbonato e estmular a produção e a excreção de ácido pelo túbulo distal (o túbulo distal aumenta a reabsorção de K + em troca da excreção de H+). Da mesma forma, a hipocalemia pode se associar à intolerância à glicose (dificulta a secreção de insulina pelo pâncreas) e dificultar a reabsorção de água pelos ductos coletores (a hipocalemia pode levar ao diabetes insipidus nefrogênico). a) Etologia e fisiopatologia As principais causas de hipocalemia são (Tabela 5): - Diminuição da ingestão: isoladamente, é causa rara. É necessária uma ingestão de 0,5 a 1mEq/kg/dia para a reposição dos níveis basais de potássio, em indivíduos normocalêmicos, o que é facilmente obtdo com a alimentação normal, que contêm de 40 a 120mEq/dia. O rim é capaz de reduzir a excreção diária de potássio
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
até um mínimo de 5 a 25mEq/dia, quando há depleção corporal de potássio. No entanto, apesar de ser causa rara de forma isolada, a ingestão reduzida de potássio pode contribuir para a severidade da depleção corporal de potássio quando superimposta a outras causas, como terapia diurétca; - Translocação do extracelular para o intracelular: o gradiente normal de distribuição do potássio entre as células (que contém 98% do total de potássio) e o fluido extracelular é mantdo pela Na-K-ATPase presente na membrana celular. Entretanto, em algumas situações, ocorreoaumento da entrada de potássio dentro das células, que resulta em hipocalemia transitória. As principais situações em que ocorre esse aumento da translocação de potássio do extra para o intracelular e consequente hipocalemia estão descritas a seguir: Alcalose metabólica: tanto a alcalose metabólica quanto a respiratória podem promover um aumento da entrada de potássio dentro das células, com consequente hipocalemia. Nessas situações, íons hidrogênio saem das células para minimizar a alteração de pH extracelular, o que requer que haja entrada de potássio nas células para manutenção da eletroneutralidade; Uso de medicações como insulina, beta-2-adrenérgicos, teofilina, cafeína: essas medicações podem, por diferentes mecanismos, aumentar a translocação de potássio do extra para o intracelular. •
•
-
Paralisia periódica é umcasos distúrbio neuromuscular raro, nahipocalêmica: maior parte dos é hereditário, geralmente autossômico dominante. Envolve ataques de fraqueza muscular ou paralisia alternados com períodos de função muscular normal. Os ataques normalmente começam na adolescência, mas podem ocorrer antes dos 10 anos, variar de diários a anuais e durar de algumas horas a vários dias. Durante um ataque de fraqueza muscular, o nível sérico de potássio é baixo, porém, entre os ataques, são normais. Não há diminuição da quantdade de potássio total do organismo. O potássio flui da corrente sanguínea para as células musculares durante os ataques. Os níveis de insulina podem afetar o distúrbio em algumas pessoas, porque ela aumenta o fluxo de potássio para as células. A fraqueza afeta com mais frequência os músculos dos braços e das pernas, mas pode, algumas vezes, afetar os músculos dos olhos ou os envolvidos na respiração e deglutção (o que pode ser fatal). Ainda que a força muscular seja inicialmente normal entre os ataques, podem, eventualmente, causar fraqueza muscular progressiva e persistente. Eles ainda podem ser desencadeados pela ingestão de alimentos ricos em carboidratos, ocorrem, geralmente, após o sono ou o repouso e são raros durante um período de exercício, mas o repouso após um período de exercício pode desencadear um ataque;
Hipotermia e treotoxicose: podem aumentar a translocação de potássio do extra para o intracelular, levando à hipocalemia; - Tratamento de anemia megaloblástca: há grande risco de hipocalemia no início do tratamento, devido à síntese celular maciça e consequente translocação do potássio do extra para o intracelular. - Perdas pelo trato gastrintes tnal: perda de secreção gástrica ou intestnal por qualquer causa está associada à perda gastrintestnal de potássio e possível hipocalemia. São exemplos de perdas gastrintestnais que -
podem causar hipocalemia: Perdas gastrintestnais altas, acima do piloro (vômitos, alta drenagem de sonda nasogástrica e fstula gástrica): podem causar hipovolemia e alcalose, levando ao hiperaldosteronismo secundário que, associado à bicarbonatúria, pode ocasionar grande perda urinária de potássio; Perdas gastrintestnais baixas, abaixo do piloro (diarreia, fstula biliar, pancreátca ou entérica): são perdas ricas em potássio, diretamente pelo trato gastrintestnal. Eles apresentam acidose metabólica associada, e não alcalose, pois também perdem líquido rico em bicarbonato. - Perdas renais: explicam a maioria dos casos de hipocalemia crônica. São causas de perdas renais de potássio: Medicamentos: diurétcos de alça, diurétcos tazídicos e inibidores da anidrase carbônica (acetazolami•
•
•
•
•
tcos agem da) podem causar hipocalemia. Os diuré antes do túbulo coletor e, por isso, causam aumento do aporte de sódio a esse segmento do néfron, o que é importante fator estmulante da excreção urinária de potássio. O aumento da aldosterona, pela redução da volemia também estmula essa excreção. Além disso, o aumento dofluxo hídrico no néfron distal, por ação dos diurétcos, mantém um gradiente favorável para a excreção de potássio. No caso dos inibidores da anidrase carbônica, oprincipal fator caliurétco é a bicarbonatúria, pois o bicarbonato não é reabsorvido no néfron distal e leva com ele o potássio, de forma a manter a eletroneutralidade daurina; Poliúria: o aumento do fluxo de água no néfron distal aumenta a secreção de potássio no túbulo coletor, pois mantém um gradiente favorável à secreção deste íon; Hiperaldosteronismo primário: há aumento da concentração sérica da aldosterona, devido à liberação descontrolada da mesma por um tumor da adrenal (adenoma ou adenocarcinoma) ou pela hiperplasia adrenal idiopátca. O excesso de aldosterona estmula o túbulo coletor a reabsorver sódio à custa da excreção de potássio e bicarbonato o que leva à hipocalemia e à alcalose metabólica associadas à hipertensão (tríade clássica do hiperaldosteronismo primário);
211
A IC D É M A IC ÍN L C
NEFROLOGIA •
•
•
•
•
•
•
Hipertensão renovascular: a estenose de artéria renal é causa de hiperaldosteronismo hiper-reninêmico e pode causar hipocalemia por mecanismo semelhante ao do hiperaldosteronismo primário. A diferença básica entre essas entdades é que na hipertensão renovascular a renina encontra-se aumentada e no hiperaldosteronismo primário, suprimida; Hipercortsolismo: a síndrome de Cushing é outra causa de hipocalemia por perda renal de potássio, pois, quando em altos níveis plasmátcos (como os presentes na síndrome), o cortsol apresenta efeito mineralocortcoide e é capaz de causar hipocalemia de forma semelhante à da aldosterona; Acidoses Tubulares Renais (ATR): nas ATR tpos I e II ocorre espoliação de potássio com consequente hipocalemia. Na ATRtpo I (distal), há um defeito na secreção do hidrogênio no túbulo coletor, por isso o potássio é secretado em excesso associado à reabsorção do sódio, para manter a eletroneutralidade. Na ATR tpo II (proximal), ocorre bicarbonatúria, que estmula a excreção de potássio; Doenças tubulares hereditárias: as síndromes de Barer, de Gitelman e de Liddle são causas de espoliação de potássio, com consequente hipocalemia. A síndrome de Barer caracteriza-se por um defeito hereditário do carreador Na-K-2Cl da membrana luminal da porção ascendente da alça de Henle. Os efeitos dessa síndrome são semelhantes aos que ocorrem na intoxicação por diurétco de alça: hipocalemia, alcalose metabólica, hipovolemia e poliúria. Na síndrome de Gitelman, o defeito hereditário encontra-se no carreador luminal Na-Cl do túbulo contorcido distal e seus efeitos são semelhantes ao da intoxicação por diurétcos tazídicos. Na síndrome de Liddle, ocorre hiperfuncionamento do túbulo coletor responsivo à aldosterona, por isso, o resultado desse defeito é semelhante ao do hiperaldosteronismo: hipertensão, hipocalemia e alcalose metabólica. No entanto, nessa síndrome, os níveis de aldosterona são baixos, por isso se considera que essa síndrome seja causa de pseudo-hiperaldosteronismo; Hipomagnesemia: tem efeito caliurétco, o que justfica a refratariedade à reposição de KCl para correção da hipocalemia em alguns pacientes; Anfotericina B, aminoglicosídeos e penicilina G: a anfotericina B aumenta a permeabilidade luminal do túbulo coletor ao potássio, aumentando a sua secreção tubular. A administração de aminoglicosídeo pode cursar com tubulopata proximal e consequente perda urinária de potássio. A penicilina G em altas doses pode cursar com perda urinária de potássio que é excretado em conjunto com os ânions penicilinatos (carga negatva) de forma a manter a eletroneutralidade da urina; Uso de “cola de sapateiro” (tolueno): o uso de tolueno leva à produção do metabólito hipurato, que
212
quando em grande quantdade no túbulo coletor funciona como um ânion não reabsorvido que, por isso, carreia consigo o potássio. Tabela 5 - Causas de hipocalemia Diminuição da ingestão Translocação do extracelular - Alcalose metabólica; para o intracelular - Uso de medicações. Paralisia periódica hipocalêmica Hipotermia e treotoxicose Tratamento de anemia megaloblástca Perdas pelo trato gastrintest- - Altas, acima do piloro; nal - Baixas, abaixo do piloro.
Perdas renais
- Medicamentos; - Poliúria; - Hiperaldosteronismo primário; - Hipertensão renovascular; - Hipercortsolismo; - Acidoses tubulares renais; - Doenças tubulares hereditárias ; - Hipomagnesemia; - Anfotericina B, aminoglicosídeos e penicilina G; - Uso de “cola de sapateiro” (tolueno).
b) Achados clínicos As manifestações clínicas dependem de: - Intensidade da hipocalemia: raramente, há qualquer manifestação com potássio <3mEq/L; -
Velocidade de instalação da hipocalemia: na paralisia periódica hipocalêmica, há manifestações mais graves para uma mesma concentração sérica de potássio, porque a instalação é abrupta;
-
Doença de base: cardiopata prévia, principalmente isquêmica, idade avançada e uso de digital aumentam o risco de complicações da hipocalemia.
Nas hipocalemias mais graves (<3mEq/L), podem surgir: - Mialgia, fraqueza muscular, podendo evoluir para tetraplegia flácida: acontece devido ao menor potencial de membrana (isto é, mais nega tvo) em repouso ocasionado pela hipocalemia, dificultando a despolarização. Hipocalemia grave ou de rápida instalação pode causar fraqueza dos músculos respiratórios, a qual pode ser intensa o su ficiente para causar insuficiência respiratória. O envolvimento dos músculos do tnal pode causar íleo paralítco. Podem trato gastrintes ocorrer ainda cãibras, parestesias, tetania e, na hipocalemia crônica, atrofia muscular; -
Rabdomiólise: pode levar à mioglobinúria e insuficiência renal;
-
Distúrbios renais: a hipocalemia pode levar a uma série de alterações renais, que são, em geral, reversíveis com a reposição de potássio. Essas alterações incluem poliúria e nictúria, por redução da capacidade de con-
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
centração urinária, aumento da produção renal de amônia, aumento da reabsorção renal de bicarbonato e nefropata hipocalêmica (que pode contribuir para a poliúria). Hipocalemia pode ainda causar polidipsia, que pode contribuir para poliúria; -
Distúrbios do ritmo cardíaco: são decorrentes das alterações na excitabilidade de membrana secundárias à hipocalemia. Vários tpos de arritmia podem ser vistos na hipocalemia, incluindo bradicardia sinusal, taquicardia atrial e juncional paroxístca, bloqueio atrioventricular e fibrilação e taquicardia ventricular. Hipocalemia pode causar alterações característcas no ECG, que serão detalhadas a seguir, na sessão de exames complementares.
c) Exames complementares Exames complementares podem ser úteis para: -
Avaliar repercussão da hipocalemia no coração: eletrocardiograma. Não existe uma boa correlação entre a hipocalemia e alterações de ECG. Isso significa que
um paciente com potássio de 2,8mEq/L pode ter proeminente onda U, já outro indivíduo com potássio de 2mEq/L pode não tê-la. De forma geral, as alterações eletrocardiográficas podem ser suts, mas devem ser prontamente reconhecidas (Tabela 6). Tabela 6 - Alterações progressivas do ECG na hipocalemia - Achatamento da onda T; - Ondas U (concavidade para baixo aofinal da onda T); - Depressão do segmento ST; - Prolongamento do intervalo PR; finalao - Prolongamento do intervalo QU (início do QRS da onda U); - Arritmias (principalmente em cardiopa tas e uso de digitálicos);
- Atvidade elétrica sem pulso ou assistolia.
A explicação das correlações entre os níveis de potássio e alterações eletrocardiográficas na hipocalemia está na Figura 2. Deve-se acrescentar que essa correlação não é perfeita e depende mais da velocidade de instalação da hipocalemia do que dos valores absolutos de potássio sérico.
Figura 2 - Correlações entre os níveis de potássio e as alterações eletrocardiográficas na hipocalemia -
Diagnostcar outros distúrbios metabólicos: como glicemia (diabetes mellitus), sódio, magnésio, cálcio, função renal;
-
Diagnostcar a causa da hipocalemia (Figura 3): •
Gradiente urinário potássio (TTKG): espera-se que,transtubular em situações de de hipocalemia, os rins sejam capazes de reabsorver mais de 90% do potássio filtrado (excretar <15mEq ao dia). A hipocalemia com um TTKG >4 sugere que a depleção de potássio é de causa renal.
TTKG =
K+ na urina/K+ plasma osmolalidade urina/osmolalidade plasma
•
•
•
Acidose metabólica: sugere perda de potássio pelo trato gastrintestnal (diarreia), cetoacidose diabétca com extrema espoliação de potássio, uso de anfotericina-B, doença tubular proximal (acidose tubular renal tpo 2 com bicarbonatúria, fosfatúria, aminoacidúria e caliurese) ou acidose tubular renal tpo 1 (dificuldade para excretar H+); Alcalose metabólica: sugere uso de diurétco, vômitos, síndromes com hiperaldosteronismo ou síndromes raras (Barer, Liddle ou Gitelman); Sistema renina-angiotensina-aldosterona:as combinações entre os valores determinados para t a vidade de renina plasmátca e aldosterona sérica levam aos diagnóstcos prováveis indicados na Tabela 7.
213
A IC D É M A IC ÍN L C
NEFROLOGIA Tabela 7 - Combinações entre a atvidade de renina plasmátca e aldosterona sérica e os possíveis diagnóstcos Atvidade de renina plasmátca
Aldosteronasérica
Possíveisdiagnós
tcos
Elevada
Elevada
Hiperaldosteronismo secundário (estenose deartéria renal, hipovolemia, ou na rara síndrome de Barer).
Suprimida
Elevada
Hiperaldosteronismoprimário(produçãoautônomadealdosterona).
Suprimida
Baixa
Hiperfunção do néfron distal (síndrome de Liddle) ou na rara de ficiência da enzima 11-beta-hidroxiesteroide desidrogenase.
Figura 3 - Exames complementares e hipocalemia (excreção urinária de potássio em 24 horas)
d) Tratamento da hipocalemia Inclui o tratamento da doença de base e a reposição do potássio (Tabelas 8 e 9).
tações clínicas secundárias à hipocalemia. O potássio oral pode ser administrado na forma líquida ou na forma de comprimidos de liberação lenta. Deve-se evitar a adminis-
O grau depleção de potássio é variável, mas, como regradegeral, para cada 1mEq/Lcorporal de redução na concentração sérica, há um déficit corporal total de 200 a 400mEq. Isso tem uma implicação: após a correção da concentração sérica do potássio, podem ser necessários vários dias de reposição para recompor os estoques corporais do íon (no compartmento intracelular). O potássio pode ser reposto via oral, se a hipocalemia for leve e o paciente encontrar-se estável e sem manifes-
tração dede mais de 20 a 25mEq/dose oral, para evadir o surgimento desconforto gastrintestnal. A reposição intravenosa de potássio deve ser realizada em pacientes incapazes de se alimentar, ou de forma conjunta com a terapia oral em pacientes portadores de hipocalemia grave sintomátca. Em veias periféricas, o potássio deve ser administrado a uma concentração de 20 a 40mEq/L. Podem-se utlizar concentrações de até 60mEq/L em veia periférica, no entanto, soluções tão concentradas
214
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
podem ser bastante dolorosas. O KCl deve ser diluído, para reposição inicial, em soro fisiológico, pois o soro glicosado pode levar a uma queda adicional transitória do potássio sérico, pela liberação de insulina secundária à administração de glicose, o que pode agravar os sintomas do paciente. Em pacientes que não tolerarem altas quan tdades de volume e apresentam hipocalemia grave sintomá tca, podem-se administrar soluções mais concentradas (100 a 400mEq/L) em veia central. Na maioria dos casos, são utlizadas concentrações de 100 a 200mEq/L em veia central. A velocidade máxima habitual de infusão venosa de potássio édedehipercalemia. 10 a 20mEq/h, evitarem o risco de desenvolvimento Nopara entanto, pacientes com paralisia hipocalêmica ou arritmias graves secundárias à hipocalemia, podem-se utlizar velocidades de infusão de até 40 a 100mEq/h, devendo essa velocidade ser reduzida assim que os sintomas desaparecerem. As preparações de potássio mais u tlizadas encontram-se descritas a seguir: - KCl xarope 10%: 15mL têm 20mEq de potássio. Dose usual: 10 a 20mL após as refeições, 2 a 4x/dia; - KCl comprimido (Slow-K®): 1 comprimido tem 600mg de KCl, o que equivale a 8mEq de potássio. Dose usual: 1 a 2 comprimidos após as refeições, 3 a 4x/dia; - KCl 19,1%, intravenoso:cada 1mL tem 2,5mEq de potássio, logo, 1 ampola de 10mL tem 25mEq de potássio. Além da reposição de potássio e da correção, se possível, da causa base da hipocalemia, devem ser dosados os níveis de magnésio dos portadores de hipocalemia. Hipomagnesemia pode ser responsável por hipocalemia refratária à suplementação de potássio, logo, nesse caso, o magnésio deve ser reposto. Tabela 8 - Princípios da reposição de potássio - Sempre que possível, a viaoral é prioridade, pois émais segura; - Evitar usar potássio intravenoso quando a concentração sérica está acima de 3mEq/L; - Soluções de potássio muito concentradas devem ser evitadas na administração periférica, pois podem causarflebite e são muito dolorosas; - Concentração recomendada em veia periférica: 20 a 40mEq/L; - Concentração máxima em veia periférica: 40 a 60mEq/L; - Concentração recomendada em veia central: 100 a 200mEq/L; - Concentração máxima de veia central: 200 a 400mEq/L; - Velocidade ideal para reposição de potássio: 5 a 20mEq/h; - Velocidade máxima para reposição de potássio: 40 a 100mEq/h, deve ser utlizada apenas se o paciente apresentar paralisia ou arritmias graves secundárias à hipocalemia; - Em situações de hipocalemia, evitar repor potássio em soluções com glicose (glicose es tmula liberação de insulina, funcionando como polarizante, o que pode paradoxalmente piorar a hipocalemia); - Após normalização do potássio, contnuar a reposição via oral por vários dias a semanas, já que o déficit corporal é grande.
Tabela 9 - Preparações de potássio intravenoso: sugestão de prescrição - Em veia periférica: máximo de 16mL do KCl a 19,1% (40mEq de potássio) diluído em 1.000mL de soro (0,9 ou 0,45%); - Deixar em bomba de infusão: 125 a 250mL/h = 5 a 10mEq/h; - Em veia central: máximo de 80 a 160mL (200 a 400mEq de potássio) diluído em 1.000mL de soro (0,9 ou 0,45%). Recomendado de 40mL (100mEq de potássio) diluído em 1.000mL de soro; - Deixar a solução recomendada (100mEq/L) em bomba de infusão: 50 a 200mL/h = 5 a 20mEq/h; - Pode-se infundir o KCl mais rápido que 20mEq/h, no entanto o médico deve estar ciente de que, quanto mais rápida a infusão, maior o risco de hipercalemia iatrogênica. Outro fator é que uma infusão rápida de KCl leva a perdas excessivas do íon pela urina e diminui a recomposição dos estoques do potássio. Muito raramente, necessita-se infundir o KCl a 30mEq em 1 hora. Isso acontece em doentes instáveis, com hipocalemia grave e arritmias recidivantes. Após essa reposição rápida, recomenda-se a infusão a taxas mais seguras.
e) Complicações do tratamento - Hipercalemia iatrogênica; - Sobrecarga de volume e edema pulmonar; - Flebite; - Hipoventlação; - Rabdomiólise (pode levar à mioglobinúria e insu ficiência renal); - Arritmias e PCR.
3. Distúrbios do sódio
Cerca de 50 a 60% do corpo humano são formados por água, com a seguinte distribuição: - Entre 60 a 70% encontram-se no intracelular. - Entre 30 a 40% no extracelular que, por sua vez, está dividido em: Intravascular (dentro dos vasos): 25%; Espaço extravascular ou interstcial: 75%. • •
O sódio é atvamente bombeado do intracelular para o extracelular pela bomba Na+-K+-ATPase. Como resultado, cerca de 85 a 90% de todo o sódio encontram-se no extracelular, tornando-o o principal cá ton responsável pela osmolalidade e pelo volume do espaço extracelular. Um preciso mecanismo corporal é capaz de manter o sódio e a osmolalidade em níveis bastante estreitos. Indivíduos normais ingerem cerca de 100 a 150mEq de Na+ diariamente, e, em geral, a mesma quantdade é excretada por dia (rins, pele e trato gastrintes tnal). Após ser filtrado, 60 a 70% do Na+ são reabsorvidos nos túbulos proximais, em um processo eletroneutro e isosmótco. Adicional reabsorção (25 a 30%) é feita pela alça espessa de Henle através do cotransporte Na+- K +- 2Cl-, consttuindo um processo atvo e eletroneutro. Uma pequena porção de Na+ (5%) é reabsorvida no túbulo convoluto distal pelo cotransporte de Na +- Cl-, que é
215
A IC D É M A IC ÍN L C
NEFROLOGIA o local de ação dos tazídicos. Uma adicional reabsorção é feita nos ductos coletores cortcais e medulares. Os distúrbios da concentração do sódio são as alterações eletrolítcas mais frequentes encontradas na prá tca clínica. A hiponatremia, em partcular, dependendo do critério utlizado para sua definição, tem prevalência de 1% na população americana e incidência de 15 a 22% em pacientes internados. A prevalência aumenta com a idade e, em pacientes com mais de 65 anos, pode chegar a 7%. A hipernatremia, por sua vez, tem incidência que varia de 0,3 a 1% em adultos internados.
A - Hipernatremia A hipernatremia é definida como uma concentração sérica de sódio maior que 145mEq/L. O sódio é o principal determinante da osmolalidade sérica e o cáton mais importante do extracelular. Em condições normais, há um equilíbrio entre a osmolalidade através das membranas (entre o extracelular e o intracelular). A resposta corporal à hipernatremia é o aumento da sede e retenção máxima de água (implica urina hiperconcentrada). A principal consequência fisiopatológica da hipernatremia é a hiperosmolaridade, com desidratação celular. Isso proporciona um mecanismo de adaptação, que acontece durante dias, no qual as células acumulam solutos (osmóis idiogênicos), na tentatva de evitar a perda de água para o extracelular. Por isso, a correção rápida da hipernatremia ocasionar entrada de água nas células efatais, levar a edemapode celular, com consequências potencialmente sobretudo no sistema nervoso central (rebaixamento do nível de consciência, convulsões e morte). a) Etologia e fisiopatologia A hipernatremia é causada por um dé ficit relatvo de água em relação ao soluto. Embora possa ser causada pela administração excessiva de sódio hipertônico, geralmente resulta da perda de água livre. Essa perda de água livre pode ser secundária a perdas insensíveis pela pele e vias respiratórias, à diarreia ou a perdas urinárias (secundárias a diabetes insipidus central ou nefrogênico ou a diuré tcos osmótcos). A maior proteção contra o desenvolvimento de hipernatremia nas situações em que haja aumento da perda de água livre é o aumento da ingesta hídrica, pois o aumento da concentração de sódio es tmula o centro da sede por meio dos receptores hipotalâmicos. Logo, a hiponatremia geralmente ocorre em crianças pequenas ou em idosos, que não sejam capazes de pedir por água, apesar da possibilidade de terem o centro da sede intacto e sen trem sede. As principais etologias da hipernatremia estão descritas na Tabela 10. Dentre as causas de hipernatremia, deve-se destacar o diabetes insipidus, cuja principal característca é a perda de água livre pelos rins, devido à falta do ADH ou à resistência tubular ao ADH. A maioria dos pacientes tem o mecanismo
216
da sede preservado. Logo, eles apresentam, tpicamente, poliúria e polidipsia, com sódio apenas levemente aumentado ou no limite superior da normalidade. No entanto, pode ocorrer hipernatremia grave sintomátca em bebês com diabetes insipidus (que não podem pedir por água) ou na presença de lesões centrais que prejudiquem ao mesmo tempo a liberação de ADH e o centro da sede. São causas do diabetes insipidus: - Central: trauma cranioencefálico, tumores do SNC, cistos, histocitose, tuberculose, sarcoidose, aneurismas, meningite, encefalite, síndrome de Guillain-Barré e -
idiopátco; Nefrogênico: congênito e adquirido (hipercalcemia, hipocalemia, doença cístca medular, medicações como líto, demeclociclina, foscarnete e anfotericina).
O diagnóstco de diabetes insipidus é confirmado pela presença de hipernatremia na vigência de osmolalidade urinária diminuída ou densidade urinária menor que 1.010. Tabela 10 - Principais causas de hipernatremia - Medicamentos: diurétcos de alça, líto, anfotericina B, foscarnete e demeclociclina; - Alterações eletrolítcas: hipercalcemia ou hipocalemia (causando diabetes insipidus nefrogênico adquirido); - Hiperglicemia com diurese osmótca e perda de água; - Doença renal intrínseca (perda de água livre); - Fase poliúrica de necrose tubular aguda (inclui pós-alívio de obstrução de vias urinárias); - Perdas pelo trato gastrintestnal (vômitos, diarreia, fstulas, sonda nasogástrica); - Perdas pela pele (queimadura, sudorese excessiva, febre, exposição a altas temperaturas); - Diabetes insipidus central e nefrogênico.
b) Achados clínicos A hipernatremia pode ocasionar sede intensa, fraqueza muscular, irritabilidade, confusão, déficits neurológicos focais, convulsões e coma. A convulsão raramente é ocasionada pela hipernatremia por si só, e, muitas vezes, a sintomatologia se confunde com a da situação que levou ao aumento do sódio sérico (por exemplo, acidente vascular cerebral hemorrágico). Ao exame fsico, o paciente encontra-se desidratado. As alterações osmótcas desencadeadas pela hipernatremia no sistema nervoso central podem ocasionar ruptura vascular, sangramento cerebral, hemorragia subaracnóidea e sequela neurológica permanente. Na prá tca clínica, encontra-se um indivíduo muito desidratado com quadro neurológico proporcional à osmolaridade: - Maior que 320mOsm/L: confusão mental; - Maior que 340mOsm/L: coma; - Maior que 360mOsm/L: já é nível para levar à apneia e morte.
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
c) Diagnóstco O diagnóstco da hipernatremia é feito pela dosagem sérica do sódio (>145mEq/L). Uma completa e minuciosa propedêutca é importante na busca da causa da hipernatremia. Presença de diarreia intensa, poliúria, medicações ingeridas e antecedentes (idosos, demenciados e acamados são especialmente sensíveis à desidratação) são exemplos de dados da história clínica que podem sugerir a e tologia da hipernatremia. Outros exames complementares (além do sódio sérico) deverão ser solicitados de acordo com a hipótese clínica. Por exemplo: - Medida do volume urinário e da osmolalidade urinária: A resposta de um rim normal é diminuir o débito urinário (<500mL/dia) e concentrá-la ao máximo (>800mOsm/kg água). Isso implica que a hipernatremia se deve a perdas extrarrenais de água; Se, na vigência de hipernatremia, o paciente apresentar diurese excessiva e diluída, provavelmente ele será portador de deficiência de ADH (diabetes insipidus central) ou doença renal (diabetes insipidus nefrogênico). - Glicemia sérica: pode diagnostcar diabetes mellitus; - Potássio e cálcio séricos: podem ocasionar diabetes insipidus adquiridos; - Tomografia de crânio: avaliar presença de tumores, traumas, AVC, que podem causar diabetes insipidus central. •
•
A grande maioria dos casos de hipernatremia se deve à desidratação com perda excessiva de água em relação ao sódio. Os pacientes geralmente estão desidratados e com a urina concentrada. Pacientes não desidratados podem ter hipernatremia por uso de solução com grande quan tdade de sódio, como o bicarbonato de sódio. Cabe aqui uma breve discussão sobre o diabetes insipidus, que se caracteriza por uma síndrome poliúrica com urina hipotônica e consequente perda de grande quantdade de água livre. Essa síndrome poliúrica é causada por redução da secreção ou da ação de vasopressina (AVP), também conhecida como hormônio antdiurétco (ADH). A polidipsia pode ser classificada como primária (dipsogênica e psicogênica), hipotalâmica ou central (decorrente de síntese inadequada de AVP) e nefrogênica (incapacidade de concentração urinária na presença de AVP, por resistência dos receptores renais à ação da AVP). Quando o paciente, na vigência de hipernatremia e osmolalidade plasmátca aumentada, apresenta osmolalidade urinária baixa (<300mOsm/L), pode ser realizado o diagnóstco de diabetes insipidus. O diagnóstco do diabetes insipidus em pacientes sem osmolalidade plasmátca aumentada é realizado por um simples teste de restrição hídrica, seguido da administração subcutânea de 1,2mg (5 unidades) de desmopressina (l-desamino-8-arginina vasopressina, dDAVP), um análogo sintétco da vasopressina. O objetvo dessa prova é atngir,
com a restrição hídrica, a osmolalidade plasmá tca máxima, para que se possa observar a osmolalidade urinária. Pacientes com moderada poliúria podem iniciar a restrição hídrica na noite precedente ao teste; pacientes com grave poliúria devem iniciar a restrição hídrica no mesmo dia do teste, permitndo observação constante. Em geral, o tempo necessário para alcançar a osmolalidade urinária máxima varia entre 4 e 18 horas. O teste se inicia com medidas das osmolalidades plasmátca e urinária. Toda a ingestão de líquidos é suspensa, e são obtdas medidas horárias do peso corporal, osmolalidades urinária e plasmátca e dosagem da plasmát295mOsm/L, ca (opcional). Quando a osmolalidade plasmáAVP tca excede deve-se checar a osmolalidade urinária; se esta ainda é <300mOsm, o diagnós tco de diabetes insipidus pode ser realizado. Após isso, pode ser administrado um análogo do ADH, a desmopressina (DDAVP), ao paciente; caso ele apresente aumento adequado da concentração urinária, o diagnóstco de diabetes insipidus central pode ser realizado. Em pacientes com diabetes insipidus nefrogênico, não há resposta à administração do análogo do ADH, ou seja, a osmolalidade urinária alcançada no máximo da desidratação aumenta menos de 10% após a administração de desmopressina. O tratamento do diabetes insipidus nefrogênico pode ser feito com dieta hipossódica associada a alguns medicamentos, como os diuré tcos tazídicos e os Ant-Inflamatórios Não Esteroides (AINEs), como a indometacina. No diabetes insipidus, a osmolalidade urinária é fixa, logo o volume urinário é determinado pela necessidade de excreção de soluto. Dessa forma, se a dieta contver uma menor quantdade de sódio, haverá necessidade de um menor volume urinário para a manutenção da osmolalidade plasmátca e, consequentemente, haverá redução da poliúria. No diabetes insipidus, os diurétcos tazídicos (como a hidroclorotazida), apesar de serem agentes diuré tcos, agem de forma aditva à dieta hipossódica e causam, paradoxalmente, uma redução do volume urinário. Os diuré tcos tazídicos agem por meio de uma discreta redução da volemia. A hipovolemia, causada por esses diurétcos, induz ao aumento da reabsorção de sódio e água no túbulo proximal, o que, consequentemente, reduz o aporte de sódio e água no ducto coletor, sensível ao ADH. Essa redução do aporte de sódio e água no ducto coletor vai resultar em redução do débito urinário. Quanto aos AINEs, sua eficácia no tratamento do diabetes insipidus nefrogênico é decorrente da inibição da síntese renal de prostaglandinas (que antagonizam a ação do ADH, reduzindo a capacidade de concentração urinária). Nem todos os AINEs têm a mesma e ficácia terapêutca, a indometacina é um dos mais efe tvos deles no tratamento do diabetes insipidus. Em crianças, o diagnóstco e o tratamento precoces do diabetes insipidus nefrogênico são de suma importância, para evitar o retardo do desenvolvimento fsico e mental que pode ser decorrente de repetdos episódios de hipernatremia e desidratação. Em adultos, a decisão quanto à necessidade de tratamento vai depen-
217
A IC D É M A IC ÍN L C
NEFROLOGIA der da tolerância individual à poliúria e polidipsia, pois, na maioria dos pacientes, o mecanismo da sede é suficiente para manter os níveis plasmátcos de sódio na faixa superior de normalidade. O tratamento do diabetes insipidus central consiste na reposição do análogo do ADH, o acetato de DDAVP. Em pacientes com consciência preservada, pode-se confiar na presença de sede excessiva como alerta para a necessidade de tratamento do diabetes insipidus, o que não ocorre se o paciente está confuso, sonolento ou comatoso. O esquema a seguir sugere a abordagem nestes pacientes. Tabela 11 - Tratamento do diabetes insipidus de srcem central em pacientes internados Tratamento do diabetes insipidus central – com preservação da consciência Volume urinário >600mL/2h - Desmopressina (dDAVP) • Dose inicial 0,5 g (1/8 de ampola) SC, se sede excessiva e diurese >600mL/2h. - Estabelecer balanço hídrico e dosar sódio plasmátco 2 a 3 vezes em 24 horas; - Balanço hídrico positvo: • Água por gavagem; • Solução glicosada a 5%. - dDAVP.
d) Tratamento da hipernatremia O uso da fórmula de correção do sódio (Tabela 12) simplifica o manejo do paciente, pois permite o cálculo da variação esperada do sódio com 1L de qualquer solução. Isso tem grande implicação, pois a taxa de queda do sódio sérico é um dos parâmetros mais importantes no manejo dos pacientes, e uma queda muito rápida no sódio pode ser mais grave que a própria hipernatremia. Tabela 12 - Fórmulas importantes no manejo do sódio Preparação Soroglicosado
Quantdade de sódio Zero
Preparação Soro a 0,9% (fisiológico)
Quantdade de sódio 154mEq/L
Soro a 0,45% (soro ao meio) 77mEq/L Soro a 3% (soro hipertônico) 513mEq/L Água corporal total por sexo e idade Homemjovem Homemidoso
Peso(kg)x0,6 Peso(kg)x0,5
Mulherjovem
Peso(kg)x0,5
Mulheridosa
Peso(kg)x0,45
Variação esperada no sódio sérico com 1L de qualquer solução (contendo apenas sódio) ∆Na+ estmada =
(1L da solução)
218
Na
+
infusão - Na+ doente
água corporal total +1
Variação esperada no sódio sérico com 1L de qualquer solução (contendo sódio e potássio) ∆Na+ estmada=
(1L da solução)
(Na
+
+ K+) infusão - Na+ doente
água corporal total + 1
O tratamento da hipernatremia (Tabela 13) tem, como objetvos: - Interromper a perda de água livre; - Repor a água perdida (hidratação); - Tratar a causa de base (doença desencadeante); - Reduzir o sódio sérico. A es tmatva do déficit de água livre é importante para avaliar a quantdade de água livre necessária para a correção da concentração de sódio até valores normais (140mEq/L). No entanto, essa estmatva deve servir apenas para orientar a terapêutca inicial, que deve ser posteriormente ajustada de acordo com repetdas dosagens do sódio sérico. A estmatva do déficit de água livre em pacientes hipernatrêmicos pode ser feita pela fórmula a seguir. A água corporal total corresponde a aproximadamente 60% do peso em homens jovens e a aproximadamente 50% do peso de mulheres jovens, e é um pouco menor em idosos, cerca de 50% do peso de homens idosos e 45% do peso de mulheres idosas. Déficit água livre =
[(Na+) sérica - 140] x Água Corporal Total (ACT) 140
Nesse momento, deve-se perguntar: o que eu vou prescrever ao paciente hipernatremia? Tome-se, comocom exemplo, um homem de 30 anos, com 60kg, em tratamento para histoplasmose disseminada, em uso de anfotericina B há 25 dias. Ele notou que, nos úl tmos 15 dias, vem evoluindo com diurese clara e excessiva (mais de 6L/dia). Deu entrada no hospital com confusão e agressividade. PA = 110x80mmHg e FC = 88bpm. O sódio sérico medido foi igual a 168mEq/L. - Soro a ser prescrito: não pode ser fisiológico, pois a correção do sódio com essa solução levaria semanas. Deve-se prescrever soro hipotônico (ao meio ou a 1/4); - Cálculo do déficit de água livre: [(168 - 140)/140] x ACT, em que a ACT será 60 x 0,6. O déficit será, então, de 7,2L. Mais importante do que estmar o déficit de água livre é saber que a correção dos distúrbios de sódio deve ser realizada paulatnamente, devido aos riscos de complicação associada a essa correção, como a síndrome da mielinólise pontna associada ao tratamento da hiponatremia. Apesar dessas complicações associadas à correção inadequada das alterações da concentração de sódio, até recentemente não existam recomendações específicas acerca da variação da concentração de sódio com as diferentes soluções usadas para esta correção. Em 1997, Adrogué propôs uma fórmula para calcular a variação da concentração de sódio sérica com a infusão de 1L de solução, de forma a
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
tornar previsível e segura a correção dos distúrbios de concentração de sódio. Essa fórmula se baseia em princípios fsico-químicos de distribuição do sódio corporal e, devido à sua pratcidade, tem sido usada universalmente para a correção dos distúrbios do sódio em pacientes que necessitam de soluções intravenosas para correção das alterações da hiponatremia. O cálculo dessas variações será explicitado a seguir: - Vamos calcular a variação do sódio com a infusão de 1L de soro ao meio: ΔNa+ estmada = Na+ infusão - Na+ paciente
Água corporal total + 1 ΔNa+ estmada = 77 - 168 = 2,5
36 + 1 Limite seguro para variação do sódio sérico: Máximo de 0,5 a 1mEq/h ou Máximo de 12mEq em 24 horas. - Prescrição: soro a 0,45%: 1.000mL de 6/6 horas. Com isso, espera-se que o sódio caia 10mEq em 24 horas. -
• •
a) Etologia e fisiopatologia Alguns passos poderão ser úteis na busca da e tologia da hiponatremia (Tabela 14). Tabela 14 - Investgação da causa da hiponatremia a) Pode ser uma pseudo-hiponatremia? b) Quais medicamentos o paciente usa? Ele(s) pode(m) causar hiponatremia? c) Há sinais de aumento do volume extracelular? tvo, avaliar d) Há sinais de desidratação ou hipovolemia? Se posi o sódio urinário; pode ser renal ou extrarrenal.
e) Há hiperglicemia? f) Pode ser transtorno psiquiátrico? g) Sempre pensar em hipotreoidismo e insuficiência adrenal. h) HIV? Uso de tazídico? i) Todos os itens anteriores negatvos? Pode ser uma SSIADH. Avaliar pulmão, sistema nervoso central ou câncer. -
Pode ser uma pseudo-hiponatremia? •
Tabela 13 - Princípios do tratamento da hipernatremia - Paciente hipovolêmico: a prioridade é o soro fisiológico, até conseguir estabilização hemodinâmica (pressão arterial e pulso adequados; - Após a estabilização hemodinâmica, deve-se trocar a reposição volêmica para soro hipotônico (0,45 ou 0,22%); - Taxa de redução do sódio sérico para evitar edema cerebralmáxima iatrogênico: • Máximo de 0,5 a 1mEq/L/h ou máxima de 12mE q em 24 horas.
-
B - Hiponatremia A hiponatremia é definida como sódio sérico menor que 135mEq/L. Sintomas decorrentes da hiponatremia ocorrem principalmente quando há reduções agudas e rápidas da concentração plasmátca de sódio e refletem as alterações neurológicas decorrentes do edema cerebral induzido pela instalação da hiponatremia e das respostas adaptatvas das células cerebrais. Nesse caso, a queda associada da osmolalidade plasmátca cria um gradiente osmótco que favorece a entrada de água nas células, levando ao edema cerebral.
Quais medicamentos o paciente usa? Na avaliação das causas de hiponatremia, uma etapa importante é detalhar todas as medicações que o paciente usa e checar se ela(s) pode(m) causar hiponatremia. •
- Deve-se sempre calcular a variação es tmada do sódio com 1L de qualquer solução a ser infundida.
e) Complicações do tratamento As complicações do tratamento estão descritas a seguir: - Da própria hipernatremia: devido à desidratação do SNC, pode haver ruptura de vasos, levando à hemorragia do SNC; - Correção rápida do sódio: leva a edema cerebral, convulsões e coma. Por isso, deve-se corrigir o sódio com cautela, usando as fórmulas descritas; - Excessiva quantdade de volume: edema agudo de pulmão.
Pseudo-hiponatremia (hiponatremia isotônica) pode ocorrer em graves hipertrigliceridemias ou quando há substancial quantdade de paraproteínas no sangue (como no mieloma múltplo). Isso só ocorre nos aparelhos de espectrofotometria de chama que só detectam o sódio em fase aquosa. Tal erro não acontece nos aparelhos com eletrodos íon-específicos.
Se positvo, deve(m)-se suspendê-la(s) e aguardar. Algumas característcas em comum são: -
Frequentemente, a hiponatremia é normovolêmica (síndrome de secreção inapropriada do hormônio antdiurétco – SSIADH);
-
O risco de hiponatremia é maior no início do tratamento (primeiras 2 semanas) e parece não depender da dose do medicamento;
-
A normalização do sódio habitualmente acontece em 15 dias, mas pode chegar a 28 ou mais dias se houver comorbidades;
-
Fatores que aumentam o risco de hiponatremia são idade avançada (>75 anos), sexo feminino, uso de vários medicamentos, insuficiência renal e presença de comorbidades.
Os principais medicamentos que podem causar hiponatremia são os descritos na Tabela 15.
219
A IC D É M A IC ÍN L C
NEFROLOGIA Tabela 15 - Fármacos que causam hiponatremia Diurétcos tazídicos Antpsicótcos clássicos.
Opioides Clorpropamida.
Estabilizadores do humor: líto, Antdepressivos tricíclicos, tecarbamazepina, ácido valproico, tracíclicos e apicos. gabapentna e lamotrigina. Inibidores da recaptação de Benzodiazepínicos: lorazepam, serotonina. alprazolam, clonazepam e outros. Clofibrato.
Ciclofosfamida.
Antpsicótcos apicos.
Vincristna.
cemia maior que 100, deve-se somar 1,6, portanto a variação da glicemia será 7 x 1,6 = 11,2 e o Na + corrigido = 125 + 11,2 = 136,2mEq/L. O paciente está normovolêmico? Quando o doente está com volemia normal (nem em estado edematoso nem desidratado/hipovolêmico), tem-se uma hiponatremia hipotônica euvolêmica. Nesse caso, algumas perguntas são importantes: Pode ser hipotreoidismo? Se sim, deve-se pedir um TSH; Pode ser insuficiência adrenal? Deve-se suspeitar em pacientes com quaisquer das seguintes manifestações: dor abdominal, hipotensão, vômitos, escurecimento da pele, hiponatremia acompanhada de hipercalemia. Se positvo, internar e investgar; Pode ser transtorno psiquiátrico? Nesse caso, chama-se polidipsia primária. O paciente ingere muitos litros de água compulsivamente, “lavando” a medula nos rins, impedindo o mecanismo fisiológico de concentração urinária. -
•
•
-
O paciente está com edema de membros inferiores ou em anasarca? Devem-se buscar sinais de aumento do volume do espaço extracelular, isto é, se o paciente apresenta algum estado edematoso (ascite, edema de membros inferiores). Se positvo, estaremos diante das hiponatremias hipotônicas hipervolêmicas, cujas principais causas são insuficiência cardíaca, insuficiência hepátca, insuficiência renal e síndrome nefrótca. É importante lembrar que, nesses casos, quanto menor o sódio, pior o prognóstco do paciente; a hiponatremia está apenas refletndo uma doença avançada. O paciente está desidratado? Se o paciente tver sinais ou sintomas de desidratação ou de hipovolemia, o quadro provavelmente será de hiponatremia hipotônica hipovolêmica. Nesse caso, deve-se fazer a avaliação através do local de srcem onde o paciente está perdendo sódio: Dos rins: o sódio urinário é maior que 20mEq/L. Exemplos: diurétcos, hiperglicemia com diurese osmótca, insuficiência adrenal, nefropata perdedora de sal ou acidose tubular renal; Fontes extrarrenais: o sódio urinário é menor que 10mEq/L. Exemplos: diarreia, vômitos, hemorragia, perda de fluidos para 3º espaço (pancreatte, obstrução intestnal, peritonite), esmagamento muscular ou queimaduras. •
•
Qual é a glicemia do paciente? Há outro soluto no sangue, causando aumento da osmolalidade (por exemplo, glicose), que ocasiona perda de sódio pela diurese osmó tca junto com uma translocação de água do intra para o extracelular na tentatva de diminuir a osmolalidade plasmátca. Por isso, em hiperglicemias graves há um componente translocacional para hiponatremia. Pode-se corrigir o sódio, pela hiperglicemia, com a seguinte fórmula: -
Na+ corrigido = Na+ medido + variação da glicemia Variação da glicemia = 1,6 para cada 100mg/dL de glicemia >100mg/dL
Assim, um paciente com glicemia de 800mg/dL e sódio medido de 125mEq/L terá 700mg/dL de glicemia maior que 100mg/dL (800 - 100 = 700mg/dL). Para cada 100mg de gli-
220
•
-
Pode ser uma SSIADH?
Se os passos anteriores não o levaram a um diagnóstco, a maior possibilidade é de uma SSIADH. A seguir, uma breve discussão sobre essa entdade. A SSIADH é uma das principais causas de hiponatremia euvolêmica. Na SSIADH, a volemia é man tda por meio da liberação do pepdeo atrial natriurétco, que mantém uma elevada urinária Por de sódio, tendênciaexcreção à hipervolemia. isso, nacontrabalançando maioria dos casos,a o sódio urinário é maior que 40mEq/L. O es mulo natriurétco também aumenta a uricosúria, por isso, os níveis de ácido úrico são habitualmente baixos nessa síndrome. As principais característcas da SSIADH são: - Hiponatremia hipotônica euvolêmica; -
Ureia e creatnina normais;
-
Concentração sérica de ácido úrico baixa;
-
Urina inapropriadamente concentrada e hipertônica (osmolalidade urinária >100 a 300mOsm/L).
Medicamentos como a carbamazepina e a clorpropamida são causas de SSIADH. Além de medicamentos, 4 são as principais causas etológicas de SSIADH (Tabela 16): - Dor + pós-operatório: aumentam o risco de SSIADH e hiponatremia, especialmente devido ao uso de soluções hipotônicas; - Doença do sistema nervoso central: AVCI, AVCH, hemorragia, lesões com efeito de massa, trauma, doenças inflamatórias; -
Doença pulmonar: insuficiência respiratória aguda, ventlação mecânica, tuberculose, abscesso pulmonar;
-
Síndrome paraneoplásica: câncer de pulmão, mediastno, rins, linfomas, outros.
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
Tabela 16 - Causas de SSIADH
-
Medicamentos - Carbamazepina; - Clorpropamida;
Manifestações neurológicas: costumam ser progressivas e dependem do valor do sódio sérico e da velocidade de instalação. Incluem sonolência, confusão, convulsões e coma.
Conforme já citado, outros sinais e sintomas podem surgir de acordo com a etologia da hiponatremia; alguns exemplos são: - Insuficiência cardíaca: dispneia, edema de membros inferiores, hepatomegalia dolorosa, turgência jugular, B3, crepitações pulmonares; - Insuficiência hepátca: ascite, edema de membros inferiores, telangiectasias, eritema palmar, ginecomasta, circulação colateral; - Diarreia aguda: desidratação, hipotensão, taquicardia.
- Barbitúricos; - Haloperidol; - AINE; - Morfina; - Ocitocina; - Vincristna; - Ciclofosfamida; - Bromocriptna; - Vimblastna; - Ecstasy. Doenças neurológicas - TCE; - Abscesso cerebral; - Tumores do hipotálamo; - Meningite;
c) Exames laboratoriais Além do sódio sérico, sódio urinário e glicemia, outros exames poderão ser necessários para o diagnóstco da causa da hiponatremia: - Medida direta da osmolalidade plasmá tca: nesse caso, há 3 situações: Hiponatremia com osmolalidade elevada: o mais comum é o diabetes mellitus; Hiponatremia com osmolalidade normal:é a pseudo-hiponatremia. As 2 causas mais frequentes são hiperlipidemias e hiperproteinemias (paraproteínas); Hiponatremia com osmolalidade baixa: os outros diagnóstcos. •
- AVCI, AVCH; - Hemorragia subaracnoide. Doenças pulmonares - Pneumonia; - Tuberculose;
•
•
- Abscesso pulmonar;
-
- Ventlação mecânica; - Atelectasia; - Pneumotórax; - Legionelose. Neoplasias - Pulmão; - Próstata;
Medida direta da osmolalidade urinária: hiponatremia com urina bem diluída deve apontar para polidipsia psicogênica ou primária. É importante lembrar hiponatremia associada à baixa osmolalidade e: Estados edematosos: ICC, cirrose e doenças renais; Normovolemia: medicamentos, SSIADH, hipotreoidismo, HIV, insuficiência adrenal; Hipovolemia: avaliar o sódio urinário (em s eguida). - Concentração urinária de sódio: se menor que 10mEq/L, indica perda de sódio extrarrenal (pele, trato gastrintestnal) e, se maior que 20mEq/L, perda de sódio através dos rins. Neste últmo caso, as principais causas são: Diurétcos; Insuficiência adrenal; Nefropatas perdedoras de sal; • •
•
- Bexiga; - Linfoma; - Pâncreas; - Medias tno; - Rins. Outras - Pós-operatório de cirurgia de grande porte; - AIDS; - Idiopá tca; - Guillain-Barré; - Porfiria intermitente aguda.
b) Achados clínicos A hiponatremia, por si só, pode manifestar-se com: - Sintomas sistêmicos: fraqueza, adinamia, anorexia, fadiga, vômitos, mal-estar;
• • • •
-
Acidose tubular com bicarbonatúria. Outros: devem serrenal solicitados de acordo com a hipótese clínica: Dosagem de TSH; Cortsol sérico basal e pós-estmulação com cortrosina (ACTH); Radiografia ou tomografia de tórax: avaliar doenças pulmonares; Tomografia de crânio: doenças neurológicas. • •
•
•
221
A IC D É M A IC ÍN L C
NEFROLOGIA d) Tratamento da hiponatremia Os princípios do tratamento são: - Tratar a causa de base; - Aumentar o sódio sérico: em pacientes com hiponatremia sintomátca, apesar do risco de mielinólise pontna, considerando-se maior o risco de edema cerebral, e, nas primeiras 3 a 4 horas de tratamento, considera-se seguro corrigir a hiponatremia com velocidade de 1,5 a 2mEq/L/h. Posteriormente, essa correção deve ser realizada na velocidade de 0,5 a 1mEq/L e não exceder 12mEq/L nas primeiras 24 horas de tratamento. Outros pontos do tratamento são importantes: - Estados edematosos: quando o paciente está assintomátco do ponto de vista neurológico, o tratamento consiste em restrição de água para 800 a 1.000mL em 24 horas. Se necessário, pode-se associar furosemida, pois a diurese induzida é hiposmolar (perde-se mais água do que sódio). A restrição hídrica isoladamente leva à correção lenta do sódio (<1,5mEq/L/dia); - Hiponatremia associada à perda de volume (desidratação): a prioridade é o soro fisiológico, até restaurar boa perfusão periférica e renal. Habitualmente, nesse caso, a hiponatremia resulta de secreção máxima de ADH induzida pela hipovolemia. Por isso, a restauração da volemia suprime o mecanismo básico da hiponatremia, corrigindo-a; - SSIADH: o rim tem uma enorme capacidade de excretar sódio. Assim, por exemplo, em 1L de urina, há capacidade de excreção de mais de 1.000mEq de sódio. Em uma secreção inapropriada de ADH, se for infundido 1.000mL de soro a 3% (513mEq de sódio), facilmente o rim excretará essa carga de sódio e acabará piorando a hiponatremia devido à retenção do litro de água. Por isso, na secreção inapropriada de ADH grave, além de soro hipertônico, pode ser necessário associar furosemida para aumentar a excreção de água livre.
- Na SSIADH, pode ser necessário associar solução hipertônica à furosemida ou antagonizar o ADH com líto ou demeclociclina.
e) Complicações do tratamento Uma grave complicação do tratamento inadequado da hiponatremia é a desmielinização osmótca. Os grupos de maior risco são mulheres jovens, e os de menor risco, mulheres na pós-menopausa e homens em qualquer idade. Fatores adjacentes podem colaborar para maior dano cerebral: hipóxia, alcoolismo e estado pós-operatório. As células de indivíduos com hiponatremia tentam eliminar osmóis para o extracelular, na tentatva de diminuir a osmolalidade intracelular para se assemelhar àquela sérica. O aumento rápido iatrogênico do sódio sérico pode levar a consequências graves, especialmente no sistema nervoso central. Isso pode resultar em perda de água da célula com o aumento do risco de mielinólise pon tna central. Isso é ocasionado por variação rápida na osmolalidade celular no SNC e desmielinização de neurônios no tronco cerebral, principalmente na ponte. Os pacientes de maior risco são: - Mulheres jovens: a excreção de osmóis é di ficultada pela presença de estrógeno; - Com hipóxia concomitante; - Em pós-operatório; - Alcoolistas; - Com doença neurológica estrutural prévia.
Com o advento da ressonância magné tca, observou-se que pode haver desmielinização em outros locais do sistema nervoso central, e esses quadros de mielinólise pontna e extrapontna passaram a consttuir o que se denomina síndrome de desmielinização osmótca. As principais característcas dessa entdade são: - Quadro clínico: tetraparesia espás tca, paralisia pseudobulbar (mutsmo, disartria, disfagia), labilidade emocional, agitação, paranoia, depressão, coma, alterações pupilares, ataxia, parkinsonismo, incontnência urinária; Tabela 17 - Princípios do tratamento da hiponatremia - Curso clínico: geralmente, bifásico. Com a correção rá- Não corrigir rapidamente o sódio sérico, para evitar a síndrome tca (como a mielinólise pon tna central); de desmielinização osmó pida do sódio sérico, pode haver melhora neurológica transitória, e em 2 a 6 dias surgem os sinais de mielinó- Variação máxima do sódio sérico: 0,5 a 1mEq/L/h ou 12mEq lise. Eventualmente, o curso é monofásico. As sequelas em 24 horas; mais comuns são espastcidade, disartria e déficit de - Usar a fórmula da Tabela 2 para correção do sódio. Observar memória; que a fórmula para variação do sódio é t úl tanto em hiponatremia quanto em hipernatremia; - Métodos de imagem: não há correlação entre o tamatca, - Nas hiponatremias dilucionais (ICC, cirrose, síndrome nefró nho das lesões e a gravidade da doença. A ressonância insuficiência renal), sem sintomas neurológicos, o tratamento magnétca tem melhor sensibilidade que a tomografia é apenas restrição hídrica; computadorizada, e as primeiras imagens podem levar - Em doentes com hiponatremia associadas à desidratação/hipomais de 7 dias para surgir; volemia, o tratamento é feito com cloreto de sódio a 0,9% a até - Liquor: pode haver aumento de proteínas; estabilização hemodinâmica;
- Usar soluções hipertônicas (NaCl 3%) apenas quando há sinais/ sintomas no sistema nervoso central (confusão, rebaixamento do nível de consciência, convulsões);
222
-
Eletroencefalograma:mostra lentficação generalizada; Causa: correção rápida da hiponatremia;
-
Tratamento: apenas de suporte.
-
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
O algoritmo a seguir sumariza a investgação da hiponatremia:
A IC D É M A IC ÍN L C
Figura 4 - Investgação da hiponatremia
4. Distúrbios do cálcio O adulto apresenta cerca de 1.000 a 1.500mg de cálcio, 99% em forma de hidroxiapatta no esqueleto e 1% no compartmento extracelular e nos tecidos moles. O cálcio tem 2 papéis fisiológicos importantes no organismo. No osso, confere integridade fisiológica ao esqueleto; no compartmento extracelular, é responsável pela manutenção e controle de vários processos bioquímicos. O cálcio é o íon que predomina no compar tmento extracelular, e seus níveis séricos são mantdos por alguns hormônios reguladores, como o paratormônio (PTH), a vitamina D e a calcitonina. O objetvo desses hormônios é manter a calcemia dentro da normalidade (8,5 a 10,5mg/dL). A ingestão de cálcio é de cerca de 1g/dia, dos quais 300mg são absorvidos pelo intes tno. O cálcio é absorvido por mecanismo atvo através de metabólitos da vitamina D, principalmente a 1,25-diidroxicolecalciferol (calcitriol); e absorção passiva por mecanismo paracelular por meio de ATPase cálcio-dependente. A excreção do cálcio é realizada pelos rins, processo muito influenciado pelo PTH. Os hormônios reguladores apresentam o seguinte papel no controle da calcemia. - PTH: tem secreção regulada pela calcemia, com variação inversa à sua concentração. Age em ossos levando a aumento da atvidade de osteoclastos e, consequen-
temente, aumento da reabsorção óssea, portanto, aumentando a concentração sérica do cálcio. O PTH também age nos rins, aumentando a absorção tubular distal de cálcio e a excreção renal de fósforo. Além disso, o PTH estmula a síntese de 1-alfa-hidroxilase nos túbulos proximais e, por conseguinte, a conversão de calcidiol em calcitriol; -
Vitamina D: as principais fontes são a dieta e a síntese na pele. A luz solar transforma o 7-diidroxicolesterol em pré-vitamina D, que, após a reação de isomerização, forma a vitamina D3 (colecalciferol). Após outros passos, é formado o metabólito 1,25-diidroxicolecalciferol (calcitriol), principalmente no rim. A sua principal ação é aumentar a absorção intestnal do cálcio. A vitamina D também estmula, de forma menos intensa, a absorção intestnal de fosfato. Nos rins, sua ação envolve a reabsorção tubular de fósforo. A depleção de vitamina D está associada à diminuição de reabsorção tubular de cálcio, e a sua reposição está associada ao efeito contrário. No tecido ósseo, es tmula a diferenciação de osteoclastos (com consequente reabsorção óssea) e, nas paratreoides, age diminuindo a secreção de PTH. Por meio dessas ações, o calcitriol contribui para a manutenção da concentração plasmá tca de cálcio e fósforo, permitndo a mineralização do osso
223
NEFROLOGIA recém-formado e prevenindo a hipocalcemia e/ou hipofosfatemia sintomátca; - Calcitonina: atua nos osteoclastos, diminuindo sua atvidade e consequentemente a reabsorção óssea. Quando os níveis de cálcio aumentam agudamente, observamos aumento proporcional de sua secreção. Porém em situação de hipocalcemia e hipercalcemia prolongada, seus efeitos são pequenos. As alterações do cálcio podem levar a quadros de apresentação dramátcos, necessitando de cuidado de emertcamentedo tcos. gência, ou a aquadros pra assintomá Serão comentadas, seguir, as alterações cálcio e seu diagnóstco diferencial e manejo.
A - Hipercalcemia A hipercalcemia é definida como cálcio sérico >10,5mg/ dL ou cálcio iônico acima do valor normal. Vários fatores influenciam a dosagem do cálcio sérico, entre eles as proteínas séricas, gamopatas monoclonais, desidratação, distúrbios do equilíbrio ácido-básico, entre outros, portanto deve-se ter cuidado ao avaliar paciente com achado de hipercalcemia laboratorial. A hipoalbuminemia, apesar de diminuir o cálcio total, não interfere na concentração de cálcio ionizável. A calcemia deve ser corrigida de acordo com a concentração sérica de albumina, conforme a fórmula a seguir. Ca corrigido = Ca medido + [(4,0-albumina) x 0,8]
A ligação do cálcio com as proteínas é pH-dependente. A alcalose aumenta a ligação do cálcio com proteínas e, portanto, diminui o cálcio ionizado. O contrário pode acontecer em quadros de acidose. Portanto, em pacientes com hipoalbuminemia importante e distúrbios do equilíbrio ácido-básico, é importante verificar o cálcio ionizado e não apenas o cálcio total. a) Etologia e fisiopatologia A maioria dos casos de hipercalcemia é causada por aumento da reabsorção óssea (o cálcio da dieta e sua absorção não parecem apresentar papel predominante). A hipercalcemia do hiperparatreoidismo ou a hipercalcemia da malignidade, que juntos correspondem a mais de 90% dos casos de hipercalcemia, estão relacionados ao aumento da reabsorção óssea por mecanismos de atvação de osteoclastos, que não são completamente compreendidos. O hiperparatreoidismo primário é a principal causa de hipercalcemia e ocorre principalmente em ambiente ambulatorial. A maioria dos pacientes é assintomá tca no momento do diagnóstco. Neles, secreção aumentada de PTH e hipercalcemia decorrem da redução da sensibilidade das paratreoides ao cálcio (set point de inibição de secreção do PTH pela concentração de cálcio está mais elevado) e aumento da massa dessas glândulas.
224
Ocorre 1 caso a cada 500 a 1.000 pessoas. Dentro das endocrinopatas, só é menos prevalente que o diabetes mellitus e o hipotreoidismo. Em 80% dos casos, é causado por adenoma solitário de paratreoide, e, em 5%, o adenoma a tnge 2 glândulas paratreoides. Em cerca de 15% dos casos, apresenta-se como hiperplasia das glândulas para treoides, podendo ocorrer de forma esporádica ou dentro das síndromes de neoplasia endócrina múltpla. O carcinoma de paratreoide corresponde a menos de 0,5% dos pacientes. A hipercalcemia hipocalciúrica familiar, doença com herança autossômica dominante com 100% de penetrância, também apresenta hipercalcemia e hipofosfatemia, de forma semelhante ao hiperparatreoidismo primário. O achado diferenciador é a presença de calciúria relatva, causada por mutações no receptor sensor de cálcio. A hipercalcemia da malignidade é a e tologia mais comum da hipercalcemia em pacientes internados, e os carcinomas de pulmão e mama são responsáveis por cerca da metade dos casos. A hipercalcemia da malignidade pode acontecer por vários mecanismos: - Produção tumoral do PTHrp: os tumores que produzem PTHrp são principalmente da linhagem epidermoide, incluindo carcinoma de pulmão, cabeça e pescoço, mama, células renais, bexiga, entre outros. O PTHrp mimetza os efeitos do PTH com hipercalcemia, hipofosfatemia, geração de AMP-cíclico e síntese de vitamina D. A produção tumoral de PTHrp é responsável por cerca de 80% das hipercalcemias em pacientes com neoplasias; - Metástases osteolítcas: o PTH costuma estar normal, assim como o fósforo. As metástases esquelé tcas liberam citocinas e outros fatores que levam à reabsorção óssea mediada por osteoclasto; - Secreção ectópica de PTH pelo tumor: é possível, mas é um evento raro; - Linfomas: podem apresentar hipercalcemia devido à produção aumentada de 1,25-diidroxicolecalciferol pelo tecido linfoide, que resulta em hipercalcemia por aumento da absorção intestnal de cálcio. Doenças infecciosas granulomatosas como tuberculose, hanseníase, histoplasmose e outras doenças fúngicas, assim como condições não infecciosas granulomatosas como sarcoidose, granulomatose de Wegener e granuloma eosinoflico estão associadas com produção aumentada de 1,25-diidroxicolecalciferol e com absorção intestnal aumentada de cálcio. Algumas medicações são associadas à hipercalcemia. A intoxicação por vitamina D resulta em absorção intestnal de cálcio aumentada. Também o uso excessivo de álcalis é descrito como causa de hipercalcemia. O hipertreoidismo aumenta o turnover ósseo. A triiodotronina é descrita como fator que aumenta a atvidade osteoclástca e pode ser causa de hipercalcemia.
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
Em pacientes com IRC, pode ocorrer hiperparatreoidismo terciário, com função autônoma das para treoides, e consequente hipercalcemia. A Tabela 18 resume as principais causas da hipercalcemia e a Figura 5 apresenta um algoritmo auxiliar para o diagnóstco da causa etológica da hipercalcemia.
- Doenças granulomatosas: aumento da conversão de 25-hidroxivitamina D em 1,25-hidroxivitamina D por aumento da expressão da enzima 1-alfa-hidroxilase na lesão;
Tabela 18 - Causas de hipercalcemia
- Insuficiência adrenal;
- Síndrome de Williams. Outras causas - Tireotoxicose;
- Hipercalcemia dependente do PTH;
- Insuficiência renal aguda;
- Hiperparatreoidismo primário;
- IRC com doença óssea adinâmica;
- Hiperparatreoidismo terciário;
- Imobilização;
- Hipercalcemia hipocalciúrica familiar;
- Feocromocitoma; - Doença de Jansen;
- Hipercalcemia secundária ao lí to; - Hipercalcemia independente do PTH. Oncogênica - Dependente de PTHrp; - Metástases osteolítcas e mieloma múltplo. Excesso de vitamina D - Intoxicação por vitamina D;
- Doença de Paget. A IC D É M A IC ÍN L C
Drogas - Intoxicação por vitamina A; - Síndromemilk-álcali; - Diurétco tazídico; - Antestrogênicos (tamoxifeno); - Ganciclovir.
Figura 5 - Investgação da causa da hipercalcemia
b) Achados clínicos A maioria dos pacientes com hipercalcemia leve é assintomátca, e esta representa um achado incidental em exame laboratorial. O diagnóstco de hipercalcemia em mais da metade dos casos é feito em pacientes assintomátcos, e, na
O quadro clínico é representado, em geral, por sintomas inespecíficos, como letargia, fraqueza muscular, confusão mental, anorexia, náusea, vômitos, constpação, poliúria e polidipsia. As complicações decorrentes da hipercalcemia são desidratação, nefroliase, nefrocalcinose, insuficiência
maioria das vezes, estes apresentam hiperpara treoidismo primário. Alguns pacientes com hipercalcemia crônica leve apresentam-se com mal-estar inespecífico, e outros, após a resolução da hipercalcemia, referem melhora do estado geral. Em pacientes com câncer, na maioria das vezes, a apresentação é com sintomas relacionados à neoplasia, porém em alguns a hipercalcemia é a 1ª manifestação de doença neoplásica.
renal, hipertensão, crea e até coma.arritmias cardíacas, úlcera pép tca, pantte Sintomas gastrintestnais resultam do relaxamento da musculatura lisa. Constpação é o sintoma mais comum. Anorexia, náuseas e vômitos também podem ocorrer. Sabese que pacientes com hiperparatreoidismo têm incidência de 15 a 20% de doença ulcerosa pép tca (não se sabe se outras situações de hipercalcemia estão associadas ao aumento de doença ulcerosa).
225
NEFROLOGIA Os sintomas neuropsiquiátricos são variáveis, e os pacientes apresentam desde sintomas vagos, como dificuldade de concentração, até alterações de personalidade e depressão. Quando a hipercalcemia é aguda, a apresentação pode ser dramátca, com confusão mental, psicose orgânica e letargia, que pode progredir para estupor e coma. Alguns pacientes estão assintomátcos mesmo com calcemia em níveis de 15mg/dL, enquanto outros já se apresentam com sintomas, com calcemia de 12mg/dL, demonstrando que a apresentação de sintomas também depende da velocidade com que aparecem a hipercalcemia e outras condições como uremia. A hipercalcemia pode diminuir os potenciais de ação miocárdica, o que resulta em encurtamento do intervalo QT; também é descrita miocardiopata. Hipertensão arterial é mais frequente nesses pacientes, possivelmente por alterações renais secundárias à hipercalcemia ou vasoconstrição secundária ao cálcio. O quadro clínico clássico de hiperparatreoidismo descreve pacientes com profunda fraqueza muscular e miopata, mas a maioria das séries de casos recentes relata apenas leve fraqueza muscular ou mesmo ausência de sintomas musculares. São descritos quadros reumatológicos como pseudogota, condrocalcinose e gota. O hiperparatreoidismo primário é associado a uma doença óssea conhecida historicamente como osteíte fibrosa cístca, que se caracteriza por reabsorção subperiostal das
(D) nefrocalcinose (aumento de ecogenicidade da medula renal – setas). Manifestações renais, como a nefroliase, ocorrem em pacientes com hipercalcemia crônica e quase invariavelmente são associadas à hiperparatreoidismo primário, embora a sarcoidose possa ser associada a aumento de formação de cálculos renais. As manifestações renais mais frequentes do hiperparatreoidismo primário incluem nefroliase, hipercalciúria, nefrocalcinose (Figura 6D), insuficiência renal crônica e redução da capacidade de concentração tubular (diabetes insipidus nefrogênico)
A hipercalcemia crônica se associa a defeito na habilidade da concentração renal, que pode induzir poliúria e polidipsia em até 20% dos casos, levando a quadro de diabetes insipidus nefrogênico. Insuficiência renal secundária pode ocorrer por diminuição da taxa de filtração glomerular causada por vasoconstrição direta e por contração de volume induzida por natriurese. Podem ainda acontecer nefropata crônica interstcial por calcificação, degeneração e necrose de células tubulares, atrofia tubular, fibrose interstcial e nefrocalcinose secundários à hipercalciúria. A crise hipercalcêmica é uma condição emergencial em que os pacientes se apresentam marcadamente desidratados. Anorexia, náuseas, vômitos e confusão mental ou sonolência são indicatvos de gravidade da crise hipercalcêmica. Os pacientes, apesar de profunda desidratação, na maioria das vezes não apresentam hipotensão arterial, pois o cálcio aumenta o tônus vascular. Deve-se ainda atentar para a presença de bradiarritmias, bloqueios atrioventriculares ou de ramos e parada cardiorrespiratória. t
falangesde distais (Figura 6A), regiões distaisno dacrânio, clavícula e regiões escalpo e crânio; o que forma, uma imagem radiológica classicamente descrita como “sal e pimenta” (Figura 6B) e, em ossos longos, forma cistos ósseos e os chamados tumores marrons (Figura 6C).
c) Diagnós co e exames complementares O achado laboratorial de cálcio aumentado deve ser confirmado em novas dosagens ambulatoriais, e deve-se descartar a influência da hipoalbuminemia e do equilíbrio ácido-básico sobre a concentração sérica do cálcio. Após a confirmação da hipercalcemia, deve-se investgar a etologia desta. Serão discutdos a seguir os princípios para estabelecer o diagnóstco etológico da hipercalcemia: - Verificar o PTH: este só pode ser interpretado juntamente com a dosagem de cálcio. A presença de PTH elevado em pacientes com hipercalcemia e sem insu ficiência renal faz o diagnós tco de hiperparatreoidismo primário. As únicas outras possibilidades diagnós tcas são o uso de lí to ou a hipercalcemia hipocalciúrica familiar, que evolui com fração de excreção renal de cálcio menor que 1%. A concentração de PTH diminuída é compa vel com as outras causas de hipercalcemia; Verificar o pepdio relacionado ao PTH (PTHrp): a presença de níveis elevados de PTHrp confirma o diagnóstco de hipercalcemia da malignidade, porém esse é um teste diagnóstco muitas vezes não disponível na maioria dos serviços; - Vitamina D e metabólitos: níveis elevados de calcidiol indicam ingestão excessiva de vitamina D. A concentração de 1,25-diidroxicolecalciferol aumentada pode -
Figura 6 - Alterações do hiperparatreoidismo em exames de imagem: (A) reabsorção subperiostal das falanges distais; (B) crânio em “sal e pimenta”, (C) tumor marrom na ulna distal (setas); e
226
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
indicar produção desta por doenças granulomatosas ou linfoma, ou ainda, produção renal aumentada da 1,25-diidroxicolecalciferol secundária ao hiperparatreoidismo. Deve-se observar que a produção de PTHrp não leva a aumento de secreção de vitamina D; - Outras causas: a presença de níveis diminuídos de PTH, PTHrp e de vitamina D e seus metabólitos sugere outras causas de hipercalcemia, como hipertreoidismo ou doença de Paget, que devem ser investgados. d) Tratamento da hipercalcemia O tratamento hipercalcemia depende da sua severidade. Os pacientesdacom hiperparatreoidismo e hipercalcemia assintomátca leve nem sempre necessitam de tratamento cirúrgico; a maioria deles pode ser manejada clinicamente e permanecer com densidade óssea e parâmetros bioquímicos por vezes estáveis por muitos anos. O tratamento deve ser partcularizado em algumas situações. Por exemplo, pacientes com sarcoidose e doenças granulomatosas devem ser tratados com dieta pobre em cálcio, cortcosteroides e tratamento específico para causa. A dose de prednisona em pacientes com hipercalcemia sintomátca e doenças granulomatosas é de 20 a 40mg/dia. Valores de calcemia maiores que 14mg/dL classi ficam a hipercalcemia como grave, que é associada, em grande número de casos, com confusão mental e necessita de atendimento imediato e agressivo. O tratamento também é recomendado de urgência se calcemia maior que 12mg/dL e presença de sintomas. A hidratação vigorosa é o 1º passo no manejo dos doentes. A hipercalcemia predispõe à desidratação, e a reposição com salina fisiológica é recomendada, frequentemente sendo necessários de 4 a 6L nas primeiras 24 horas de tratamento, dependendo do grau de desidratação e comorbidades presentes, como insu ficiência cardíaca e/ou renal. Um esquema recomendado é o de 300mL de salina fisiológica por hora, procurando manter débito urinário entre 100 e 150mL/h. Os diurétcos de alça podem ser usados conjuntamente; embora sua eficácia para tratamento da hipercalcemia seja questonável, podem prevenir a hiper-hidratação. A dose recomendada é de 20 a 40mg/dia de furosemida intravenosa. A terapia antrreabsortva óssea é de extrema importância, e os bifosfonados são a droga de escolha. O início de ação destes últmos para diminuição da calcemia leva de 1 a 3 dias, ao contrário da salina, que diminui a calcemia em horas. O pamidronato é atualmente o agente de escolha para o tratamento da hipercalcemia da malignidade, embora provavelmente o ácido zoledrônico o substtua como agente preferencial. Alguns autores sugerem a dose de pamidronato de 30mg, se a calcemia for <12mg/dL; 60mg, se a calcemia estver entre 12 e 13,5mg/dL e 90mg, se calcemia for >13,5mg/dL, em dose única. Outros autores sugerem dose de 90mg em dose única para todos os pacientes, que
é a dose com máxima resposta em diminuir a calcemia. A medicação é diluída em salina e deve ser usada em infusão de 2 a 24 horas (geralmente 4 a 6 horas). A normalização da calcemia ocorre em 70% dos pacientes, e a medicação não deve ser repetda pelo menos por 7 dias. A medicação controla a calcemia por 2 a 4 semanas, com média de 15 dias. O ácido zoledrônico é o bifosfonado mais potente, de uso intravenoso e com efeito imediato. Ele consegue uma normalização do cálcio em menos de 3 dias, em 80 a 100% dos pacientes. A dose é de 4mg, infundido em 15 minutos, e pode ser repe tdo outras vezes, até a normalização do cálcio. A calcitonina apresenta vantagem de ter início terapêutco rápido, podendo ser usada no começo do tratamento, até que os efeitos dos bifosfonados se iniciem. Entretanto, não deve ser usada isoladamente para tratamento da hipercalcemia, devido ao efeito de taquifilaxia induzido pelo medicamento. Outras medicações utlizadas para o tratamento da hipercalcemia são o nitrato de gálio, que é um potente agente antrreabsortvo. Deve ser usado por 5 dias consecu tvos, em dose de 200mg/m 2. Apresenta nefrotoxicidade e tem início de ação após 5 a 6 dias; por esses mo tvos, tem sido pouco utlizado no tratamento da hipercalcemia. A mitramicina também tem ação an trreabsortva. Usada por via IV na dose de 25g/kg em 3 a 6 horas de infusão. A Tabela 19 sumariza o tratamento da hipercalcemia. Tabela 19 - Tratamento da hipercalcemia Hipercalcemia leve a moderada (cálcio sérico <14mg/dL) 1. Hidratação vigorosa com sorofisiológico: 4 a 6L em 24 horas. ficatva da A hidratação isoladamente já causa uma queda signi concentração sérica de cálcio. 2. Pamidronato: 90mg IV, durante 4 a 6 horas. A hidratação, furosemida e pamidronato conseguem normalização do cálcio em 90% dos pacientes. 3. Furosemida: 20 a 40mg IV de 12 em 12 horas, até de 6/6 horas. Iniciar apenas após caso se obtenha uma adequada reidratação e boa diurese. 4. Cortcosteroides: 1mg/kg de peso de prednisona. Devem ser prescritos em linfoma, mieloma e doenças granulomatosas e evitado em outras condições. Hipercalcemia grave (cálcio >14mg/dL) 1. Hidratação, pamidronato efurosemida:conforme descrito. 2. Calcitonina:4 a 8U/kg de peso IM ou SC de 12/12 horas por 24 horas.
B - Hipocalcemia A hipocalcemia é definida por cálcio total menor que 8,5mg/dL ou cálcio ionizado inferior aos limites da normalidade, além de representar uma condição frequentemente encontrada na Medicina. Em seu extremo, os pacientes podem apresentar-se com quadro de hiperexcitabilidade neuromuscular grave e tetania.
227
A IC D É M A IC ÍN L C
NEFROLOGIA a) Etologia e fisiopatologia A hipocalcemia pode ser subdividida em hipocalcemia com baixos níveis de paratormônio (PTH), caracterizando quadros de hipoparatreoidismo, e hipocalcemia com PTH aumentado, o que caracteriza o hiperpara treoidismo secundário. No compartmento extracelular, 50% do cálcio estão sob a forma de cálcio ionizável, e o restante está ligado a albumina ou formando complexos com outros íons. Porém, essa proporção de cálcio sérico total 2:1 em relação ao cálcio ionizável pode ser alterada por condições como acidose, alcatlação. Por exemplo, pacientes lose e hiperven com metabólica hiperventlação podem apresentar quadro de parestesias e contrações musculares com es mulo mínimo, estas ocasionadas pela redução transitória do cálcio ionizado. A seguir, serão comentadas as principais causas de hipocalcemia. -
Hipoparatreoidismo: distúrbio clínico que se manifesta quando o montante de PTH produzido pela para treoide é insuficiente para manter adequado o metabolismo do cálcio. O hipoparatreoidismo pode ser causado por alteração no desenvolvimento da para treoide, destruição das glândulas paratreoides, diminuição de função da glândula com produção alterada de PTH e alteração na ação do PTH, caracterizando os quadros de pseudo-hipoparatreoidismo. As anormalidades de desenvolvimento da paratreoide são mais comuns como parte de síndromes com malformações congênitas, por exemplo, na síndrome de DiGeorge (em que os pacientes apresentam alterações faciais, palato em ogiva, doença cardíaca congênita e anormalidades orofaringianas associadas ao hipoparatreoidismo). A causa mais comum de hipoparatreoidismo, em adultos, é a retrada cirúrgica das glândulas paratreoides secundária às treoidectomias realizadas para câncer da treoide. Após cirurgias treoidianas, pode ocorrer hipoparatreoidismo transitório devido a edema ou hemorragia nas paratreoides e, por vezes, a síndrome do osso faminto ou hungry bone syndrome (mais comum em portadores de doença óssea, secundária a hiperparatreoidismo grave, prévia à cirurgia) e, algumas vezes, secundária à hipomagnesemia pós-operatória. Outra causa de hipoparatreoidismo é a destruição autoimune das glândulas paratreoides, podendo ocorrer isoladamente ou em associação a outras doenças autoimunes. A doença poliglandular autoimune do tpo
1 representa a principal associação de hipopara treoidismo a outras doenças imunes, que ocorre em 80 a 90% dos casos. Devem-se lembrar ainda das doenças infiltratvas da paratreoide, como hemocromatose, doença de Wilson e doenças granulomatosas; - Pseudo-hipoparatreoidismo: também denominada síndrome de resistência ao paratormônio. Os pacientes, nesse caso, apresentam achados laboratoriais compaveis com hipoparatreoidismo (hipocalcemia
228
e hiperfosfatemia), com níveis de PTH aumentados e falta de resposta dos tecidos-alvo ao paratormônio. A hipomagnesemia é causa de resposta alterada ao PTH em tecidos-alvo e deve ser descartada antes que possa ser feito o diagnóstco de pseudo-hipoparatreoidismo; - Outras causas: a hipoalbuminemia pode levar à mensuração de cálcio total diminuído, por este motvo a concentração de cálcio sérico deve ser ajustada para a concentração de albumina, conforme fórmula apresentada na seção anterior sobre hipercalcemia. A Tabela 20 cita as principais causas de hipocalcemia. Tabela 20 - Causas de hipocalcemia Causas associadas com PTH diminuído - Agenesia da paratreoide (isolada ou associada a outras anormalidades, como na síndrome de DiGeorge); - Destruição da paratreoide (radiação, cirurgia, metástases e doenças infiltratvas); - Doença autoimune das paratreoides (isolada ou associada à doença poliglandular autoimune tpo 1); - Defeitos de função da paratreoide (alterações genétcas do PTH, hipomagnesemia, síndrome do osso faminto e alteração dos receptores sensores do cálcio); - Causas associadas com PTH aumentado (hiperpara treoidismo secundário); - Deficiência de vitamina D; - Resistência a vitamina D (raquitsmo e osteomalácia); treoidismo ou - hipomagnesemia); Resistência ao paratormônio (pseudo-hipopara
- Medicações; - Pancreatte aguda; - Lise tumoral maciça; - Metástases osteoblástcas; - Sepse; - Hiperventlação.
A hiperfosfatemia pode induzir o paciente à hipocalcemia, assim como a infusão de citrato também é descrita como causa dessa deficiência. O aumento da atvidade osteoblástca, também descrito como causa de hipocalcemia, é possível na chamada síndrome do osso faminto que ocorre após para treoidectomia e pode ser distnguida do hipoparatreoidismo pós-operatório devido à hipofosfatemia e níveis aumentados de PTH característcos da 1ª. A presença de extensas metástases osteoblástcas pode causar hipocalcemia e ocorre principalmente nos pacientes com carcinomas de próstata. Em pacientes gravemente doentes, a hipocalcemia também pode ocorrer, como naqueles com sepse grave. Na pancreatte aguda, formam-se complexos de ácidos graxos com cálcio. Medicações também são causa de hipocalcemia: drogas antrreabsortvas como os bifosfonados, antconvulsivantes, entre outros, podem ocasioná-la.
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: POTÁSSIO, SÓDIO E CÁLCIO
b) Achados clínicos O determinante dos sintomas é a concentração de cálcio ionizável. Portanto, em condições como alcalose metabólica, embora o cálcio total possa estar normal, os pacientes podem apresentar sintomas de hipocalcemia. Os sintomas dependem da severidade e da cronicidade da condição e estão relacionados principalmente com a hiperexcitabilidade neuromuscular, além de alterações de dentes e anexos, cardíacas e o almológicas. A hipocalcemia aguda tem, como marca registrada, a tetania. Em casos leves, os pacientes apresentam parestesias
c) Exames complementares e diagnóstco Pacientes com hipoalbuminemia, como os hepatopatas, podem apresentar hipocalcemia laboratorial sem apresentar esta de fato (principal causa artefatual de hipocalcemia). Para a avaliação da etologia da hipocalcemia, devem ser dosados magnésio e fósforo. A hipomagnesemia pode induzir resistência ou deficiência de PTH, levando à hipocalcemia. A dosagem de fósforo ajuda na determinação do diagnóstco diferencial. As principais causas em pronto-socorro de hipocalcemia são hipoparatreoidismo, deficiência ou metabolismo anor-
de extremidades e periorais e, em casos graves, o espasmo mal da vitamina D, insu ficiência renal e hipomagnesemia. carpopedal, laringoespasmo e contrações muscularesgraves. Nos pacientes com hipoparatreoidismo, o cálcio sérico Os sintomas de tetania normalmente ocorrem com con- é baixo, com fósforo alto e PTH indetectável. As concentracentrações de cálcio ionizável menores que 4mg/dL. Alguns ções de 25-hidroxivitamina D e 1,25-hidroxivitamina D são pacientes mesmo com hipocalcemia grave não apresentam usualmente normais. Os pacientes com quadro de pseudosintomas. -hipoparatreoidismo apresentam quadro laboratorial seOs sintomas de tetania iniciam-se usualmente com quamelhante, porém os níveis de PTH se apresentam elevados. dro de parestesias acrais. A ansiedade e a hiperven tlação Os pacientes com IRC, a causa mais comum de hipopodem exacerbar as parestesias. Os sintomas motores surcalcemia na maioria das estastcas, apresentam fósforo gem em seguida, com mialgias, espasmos musculares e rigielevado, com fosfatase alcalina, creatnina e PTH também dez muscular. O espasmo da musculatura respiratória pode elevados. Nesses casos, os níveis de 25-hidroxivitamina D levar a estridor laríngeo e cianose. estão usualmente normais, mas a 1,25-hidroxivitamina D Os achados clássicos de irritabilidade neuromuscular está diminuída. são os sinais de Trousseau e Chvostek. O 1º sinal consiste d) Tratamento na indução do espasmo carpopedal ao insu flar o manguito O tratamento irá depender da etologia e severidade da de pressão arterial acima da pressão arterial sistólica por hipocalcemia. 3 minutos. Já o sinal de Chvostek consiste na contração de músculos faciais ipsilaterais ao se percutr o trajeto do nervo facial próximo à orelha. Convulsões, seja na forma de crises de ausência, focais ou crises tônico-clônicas generalizadas, podem ser a única manifestação de hipocalcemia. Alterações de movimento semelhantes ao parkinsonismo, com distonias, hemibalismo e coreoatetoses podem ocorrer em 5 a 10% dos casos, assim como disartria e ataxia. Sabe-se que pacientes com hipocalcemia crônica podem apresentar calcificações de gânglios da base, mas a contribuição dessa lesão para os sintomas neuromusculares é discu vel. Em pacientes com hipocalcemia grave, podem-se encontrar papiledema e neurite óptca, que melhoram com a correção da hipocalcemia. Alterações psiquiátricas, como labilidade emocional, ansiedade e depressão também são descritas. Cataratas e, menos frequentemente, ceratoconjun tvite, podem ocorrer, mas a correção da hipocalcemia diminui sua progressão. Hipoplasia dentária e alteração da mineralização dos dentes são manifestações crônicas associadas. Os pacientes podem ainda apresentar disfunção cardíaca sistólica e prolongamento do intervalo QT, com arritmias cardíacas secundárias. As alterações esquelétcas são em grande parte dependentes da causa da hipocalcemia. E manifestações endocrinológicas autoimunes associadas, como insuficiência adrenal, podem estar presentes.
-
Pacientes com hipocalcemia leve assintomátca: com cálcio iônico acima de 3,2mg/dL ou cálcio total entre 8 e 8,5mg/dL, são usualmente assintomátcos e podem ser tratados apenas com reposição de cálcio pela dieta ou através de formulações por via oral de cálcio. O aumento em 1.000mg/dia na ingesta de cálcio é usualmente suficiente para controle. A suplementação de cálcio pode ser feita com carbonato de cálcio ou citrato de cálcio. Apesar de o citrato de cálcio apresentar melhor biodisponibilidade, não foi demonstrada superioridade deste em comparação ao carbonato; - Hipocalcemia sintomática: os sintomas geralmente aparecem quando o cálcio ionizado é <2,8mg/dL ou o cálcio total é <7mg/dL. Os pacientes apresentam parestesias e sinais de irritabilidade neuromuscular, muitas vezes com sinal de Trousseau e Chvostek positivos. Nesse caso, a preferência é realizar o tratamento com cálcio intravenoso, repondo 100 a 200mg de cálcio elementar (equivalente a 1 a 2g de gluconato de cálcio). Cada mL da solução de gluconato de cálcio a 10% tem 9mg de cálcio elementar, e cada mL de solução de cloreto de cálcio corresponde a 27mg de cálcio elementar. Reposição deve ser feita em 10 a 20 minutos, diluída em solução de salina e preferencialmente administrada via acesso central. Reposições rápidas de cálcio se associam a
229
A IC D É M A IC ÍN L C
NEFROLOGIA arritmias e, até mesmo, parada cardíaca. A reposição inicial emergencial de cálcio deve ser seguida por reposição lenta IV com 0,5 a 1,5mg/kg/h de cálcio elementar. Posteriormente, essa infusão será progressivamente diminuída com a normalização do cálcio, sendo ins ttuída reposição de cálcio por via oral e tratamento conforme a e tologia da hipocalcemia. A reposição de vitamina D também é recomendada a esses pacientes, e o calcitriol em dose inicial de 0,25 a 0,5mcg ao dia é a medicação de escolha para indivíduos com hipocalcemia aguda, pois tem início de ação mais rápido. Ospois pacientes comresistência hipomagnesemia tê-la corrigida, ela induz e diminuidevem à secreção do PTH. A reposição de 2g de sulfato de magnésio (2 ampolas a 10% de 10mL) em 100mL de salinafisiológica em 10 minutos costuma ser suficiente; - Hipocalcemia crônica e hipoparatreoidismo: o objetvo do tratamento é restaurar os níveis de cálcio e fósforo para o mais próximo do normal possível, em geral para níveis de cálcio entre 8 e 8,5mg/dL. O fator limitante para restauração da calcemia normal é o aparecimento de hipercalciúria, o que predispõe a formação de calculose renal. Inicialmente, o paciente é tratado com a reposição por via oral de cálcio, em doses iniciais de 1,5 a 2g/dia de cálcio elementar. A orientação dietétca inclui uso de alimentos ricos em cálcio e pobres em fosfato. Essas medidas são su ficientes para diminuir os níveis de fósforo. Caso a reposição de cálcio seja insuficiente para a correção satsfatória da calcemia e da hiperfosfatemia, é recomendada a reposição de vitamina D na dose inicial de 50.000 unidades ao dia ou o equivalente em forma de calcitriol, 0,25 a 1mcg/dia. A calciúria deve ser mensurada ro tneiramente a esses pacientes, e, em caso de níveis elevados, o uso de pequenas doses de diuré tcos tazídicos pode ser efetvo, pois os diurétcos tazídicos inibem a secreção de cálcio no túbulo contorcido distal e, dessa forma, reduzem a calciúria; - Pacientes com IRC: raros pacientes em tal situação se apresentam com hipocalcemia sintomátca. O principal objetvo do tratamento é prevenir a doença óssea, não corrigir a calcemia. O objetvo inicial é usar quelante de fósforo, com a preferência pelo uso do carbonato ou acetato de cálcio (o citrato aumenta a absorção de alumínio). A reposição de vitamina D na forma de calcitriol também é necessária na grande maioria dos casos, principalmente se há hiperparatreoidismo grave associado.
230
5. Resumo Quadro-resumo - O ECG pode sugerir hipercalemia mesmo antes do resultado laboratorial. As alterações decorrentes da hipercalemia no ECG incluem: onda T apiculada, achatamento da onda P, prolongamento do intervalo PR, alargamento do intervalo QRS, ritmo idioventricular, formação de onda sinusoidal,fibrilação ventricular e assistolia; - Em pacientes com hipercalemia associadaà alteração eletrocardiográfica, o cálcio intravenoso é utlizado para estabilizar eletricamente o miocárdio, não para reduzir a concentração sérica de potássio; - O bicarbonato de sódio só é utlizado na hipercalemia em condições que cursem com acidose; - O tratamento da hipercalemia inclui medidas que deslocam o potássio do meio extracelular para ointracelular, como a solução polarizante, e medidas que diminuem o potássio sérico como as resinas e diálise; - A hipocalemia podecursar com alterações na excitabilidade neuromuscular; - A presença no ECG de ondas U, achatamento de onda T edepressão do segmento ST pode ocorrer na hipocalemia; - Os pacientes com hipernatremia apresentam hipertonicidade e hiperosmolaridade, que podem levar à confusão mental ecoma; - A prioridade inicialdo tratamento da hipernatremia é restaurar a volemia; após conseguir boa perfusão tecidual,iniciar lentamente a correção da hipernatremia; - A correção da hipernatremia é realizada na velocidade máxima de 12mEq em 24 horas. Correções mais rápidas levam a edema cerebral; - O diabetes insipidus é uma situação em que a hipernatremia ocorre na vigência de urina hipotônica; tco o mais comum em - A hiponatremia é distúrbio hidroeletrolí pacientes internados; - A correção rápida da hiponatremia pode levar à mielinólise pontna; - A correção da hiponatremia deve ser realizada com velocidade de 0,5 a 1mEq/L/h; no máximo, 12mEq em 24 horas; - Usar fórmulas específicas para correção tanto da hiponatremia quanto da hipernatremia; - O hiperparatreoidismo primário é a maior causa de hipercalcemia em pacientes ambulatoriais, e as neoplasias são a maior causa em pacientes internados e em unidades de emergência; - O PTH deve ser dosado em todos os pacientes com hipercalcemia. Caso aumentado, o diagnóstco é de hiperparatreoidismo primário; - A hidratação com salina fisiológica é o tratamento inicial para pacientes com hipercalcemia; - Os bifosfonados são a medicação de maior fiecácia para o controle da hipercalcemia, destacando-se o pamidronato e o ácido zoledrônico; - A interpretação laboratorial da hipocalcemia dependede fatores como concentração sérica de albumina e equilíbrio ácido-básico; tco diferencial das diferentes etologias - Para realizar o diagnós da hipocalcemia, é preciso analisar outros eletrólitos, entre eles o fósforo e o magnésio; - O tratamento da hipocalcemia nopaciente assintomátco é realizado preferencialmente com cálcio via oral e direcionado para a etologia da hipocalcemia; - Pacientes com crise hipocalcêmica devem ser tratados com cálcio parenteral.