ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Zeidi Araujo Trindade Maria Crisna Smith Menandro Mirian Béccheri Cortez Sibelle Maria Marns de Barros Thiago Drumond Moraes Orgs.
Volume 3
Zeidi Araujo Trindade Maria Crisna Smith Menandro Mirian Béccheri Cortez Sibelle Maria Marns de Barros Thiago Drumond Moraes (Organizadores)
ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES REPRESENT AÇÕES SOCIAI SOCIAISS Volume 3
Vitória, Espírito Santo
BRASIL 2012
Conselho Científico Volume 3 Anderson Scardua Oliveira Angela Arruda Ariane Franco Lopes da Silva Ariane Franco Lopes da Silva Brígido Vizeu Camargo Célia Regina Rangel R angel Nascimento Nascimento Celso Pereira de Sá Divaneide Lira Lima Paixão Edson Alves de Souza Filho Eduardo Augusto omanik Eugenia Coelho Paredes Evelyn Rúbia de Albuquerque Saraiva Guiomar de Oliveira Passos Helenice Maia Gonçalves Ivany Pinto Nascimento Kirlla Cristhine Almeida Dornelas Laura Camara Lima Leandro Castro Oltramari
Lídio de Souza Luciano Antonio Furini Marcos Aguiar Souza Marcus Eugênio Oliveira Lima Maria Cristina Smith Menandro Maria do Carmo Eulálio Mariana Bonomo Mariana Bonomo Marinalva Lopes Ribeiro Pedro Humberto Faria Campos Priscilla de Oliveira Martins da Silva Priscilla de Oliveira Martins da Silva Rita de Cássia Pereira Lima Rosimeire de Carvalho Martins Sabrine Mantuan dos Santos Coutinho Silvana Carneiro Maciel atiana Lucena Valeschka Martins Guerra
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Univ Universidade ersidade Federla do Espírito Santo, ES, Brasil) E82
Estudos em representações sociais / Zeidi Araujo Trindade ...[et al.], organizadores. – Vitória, ES : GM Editora, 2012. 3 v. : il. Inclui bibliografa. ISBN: 978-85-8087978-85-8087-047-3 047-3 (v.1). – ISBN: 978-85-808 978-85-8087-048-0 7-048-0 (v.2). – ISBN: 978-85-8087-049-7 (v.3) 1. Represent ações sociais. 2. Psicologia social. I. Trindade, Zeidi Araujo, 1946-. CDU: 316.6
Ilustração da capa: capa: Porte-Fenetre a Collioure (HENRI MAISSE, 1914) Editoração: Editoração: Edson Maltez Heringer / 27 8113-1826 /
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APRESENTAÇÃO
Os trabalhos reunidos neste livro, todos eles apresentados na VII Jornada Internacional e V Conerência Brasileira sobre Representações Sociais, oerecem um panorama do que é atualmente o campo de estudos sobre as Representações Sociais. A diversidade de abordagens teóricas, metodológicas e temáticas, característica já conhecida do campo, está aqui reunida. O motivo principal dessa reunião, mais do que aquele necessário para a composição de uma obra, é também característica do campo. Já incentivada por Moscovici, na agora cinquentenária obra sobre a representação social da psicanálise na sociedade rancesa, a busca pela diversidade de aportes às representações sociais é uma característica undamental para uma proposta teórica que procura integrar dierentes conceitos e objetos da psicologia social. Como consequência dessa proposta integradora, os conceitos de representações sociais ormulados pelos pesquisadores do campo, ao mesmo tempo em que especificam o objeto afinando-o segundo a abordagem teórica utilizada, procuram manter aberta a flexibilidade exploratória inicialmente almejada. Assim, é esse caráter, por princípio empiricamente exploratório, o que abre o campo de estudo das representações sociais ao diálogo com outras áreas do conhecimento. A união desse princípio a uma teoria já consistente possibilita que investigações sobre a representação social de diversos objetos sociais possam ser conduzidas com objetivos finais que contemplem desde a elaboração de propostas de intervenção, como é o caso característico das pesquisas nas áreas de saúde e de educação, até a compreensão de como se dá, por exemplo, a interação social em ambientes virtuais. Por fim, e de orma coerente, podem ser observados nos trabalhos aqui reunidos dierentes procedimentos de coleta e de análise de dados. O campo de estudos sobre as representações sociais é, provavelmente, na psicologia social, um dos espaços de maior investimento no desenvolvimento de procedimentos de pesquisa que possibilitem identificar as várias aces de um objeto social na sua estrutura, nos seus contextos comunicativos e nas práticas cotidianas que ele orienta. Por todos os motivos que acabo de indicar, esse é um campo de estudos que mantém a sua vitalidade, o seu aspecto promissor e, consequentemente, o seu interesse. É o que atestam os trabalhos a seguir apresentados. Boa leitura.
Adriano R. A. do Nascimento
Belo Horizonte, Julho de 2012.
SUMÁRIO
APRESENAÇÃO .......................................................................5 A MÍDIA JORNALÍSICA E A DIMENSÃO AFEIVA DAS REPRESENAÇÕES SOCIAIS SOBRE O ENVELHECIMENO...............................................9 Vannessa de Resende Cardoso Rabelo Angela Arruda A REPRESENAÇÃO SOCIAL DA MULHER SOLEIRA CONEMPORÂNEA NO MUNDO FEMININO ................................................................................15 Ingrid Cristina Lúcio dos Santos Celso Pereira de Sá ARCO MEROPOLIANO DO RIO DE JANEIRO: REPRESENAÇÃO SOCIAL DO SEU IMPACO ...............21 Sirléa de Vargas Soeiro Guimarães arso B. Mazzotti AS REPRESENAÇÕES SOCIAIS SOBRE INCLUSÃO EDUCACIONAL PARA PROFESSORES DE MAEMÁICA .........................................................................28 Ana Paula Silva Oppenheimer Forte Alcina Maria esta Braz da Silva “BOM ALUNO”: SUPOSA ZONA MUDA DE SUAS REPRESENAÇÕES SOCIAIS ...............................37 Andreza Maria de Lima COMO UNIVERSIÁRIOS REPRESENAM O QUE ACONECE NA REDE PÚBLICA DE ENSINO? .................44 Eugenia Coelho Paredes Léa Lima Saul Simone Vicente Sanches CONSUMO DE ÁLCOOL EM ESCOLA PÚBLICA: ESUDO DE REPRESENAÇÕES SOCIAIS ........................52 Ingryd Cunha Ventura Felipe Antonio Marcos osoli Gomes DIÁLOGOS PSICOSSOCIAIS ENRE LICENCIANDOS DE FÍSICA E QUÍMICA DA UFRN SOBRE RABALHO DOCENE.........................59 Márcia Cristina Dantas Leite Braz Maria do Rosário de Fátima de Carvalho EXPECAIVAS FRUSRADAS: GÊNERO E VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES CONJUGAIS ......................67 Mirian Béccheri Cortez Danielle Guss Narjara Portugal Silva Clarisse Lourenço Cintra José Agostinho Correia Junior Guilherme Vargas Cruz
FIGURAS DO ALCOOLISMO EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA ....................................75 Luiz Gustavo Silva Souza Maria Cristina Smith Menandro Paulo Rogério Meira Menandro HISÓRIA DE VIDA E O ALCOOLISMO: REPRESENAÇÕES SOCIAIS DE ADOLESCENES......................................................................82 Sílvio Éder Dias da Silva Maria Itayra Padilha O NÚCLEO CENRAL DAS REPRESENAÇÕES SOCIAIS DE “BOM ALUNO” ENRE PROFESSORAS..........................................................................88 Andreza Maria de Lima Laêda Bezerra Machado POR QUE O PROFESSOR NÃO SE INCLUI NA CENA DA AULA? .............................................................95 Edna Maria da Cruz Kadydja Karla Nascimento Chagas Maria do Rosário de Fátima de Carvalho “PULA PRA FORA DIABO!”: A REPRESENAÇÃO SOCIAL DA MACUMBA NO YOUUBE..................................................101 ammy Andrade Motta Gustavo assis Baptista Adriano Pereira Jardim Diemerson Saquetto REPRESENAÇÕES ENDOGRUPAIS: CIGANIDADE ENRE CIGANOS CALON DO ESPÍRIO SANO ...........................................................108 Lídio de Souza Mariana Bonomo Fabiana Davel Canal Julia Alves Brasil André Mota do Livramento REPRESENAÇÕES MASCULINAS DE GÊNERO: CONCEPÇÕES E PRÁICAS DE CONJUGALIDADE E VIOLÊNCIA CONJUGAL ..............115 Mirian Beccheri Cortez José Agostinho Correia Junior Guilherme Vargas Cruz Narjara Portugal Silva Danielle Guss Clarisse Lourenço Cintra
REPRESENAÇÕES SOBRE QUALIDADE DE VIDA DE MULHERES EM MUNICÍPIO DE MINAS GERAIS ................................................................122 Luciene Silva Campos Amanda Rodrigues Garcia Palhoni Marta Araújo Amaral Regiane Veloso Santos Priscila Fantaguzzi Cláudia Maria de Matos Penna REPRESENAÇÕES SOBRE VIOLÊNCIA DE MULHERES DE UM MUNICÍPIO DE MINAS GERAIS .....................................................................128 Amanda Rodrigues Garcia Palhoni Karine Letícia de Araújo Costa Lenice de Castro Mendes Villela Luciene Silva Campos Maione Silva Louzada Paes Pollyanna Ferraz Botelho Cláudia Maria de Mattos Penna REPRESENAÇÕES SOCIAIS DA INFLUENZA A PARA ESUDANES UNIVERSIÁRIOS DO SUL DO PAÍS ...................................................................134 Annie Mehes Maldonado Brito atiana de Lucena orres Micheli Etelvina Sebbem Lima Nicole C. Stutzer Everley R. Goetz
REPRESENAÇÕES SOCIAIS DE RABALHO DOCENE A PARIR DA PALAVRA ESÍMULO ‘DAR AULA’ .............................................................................171 Norma Patrícya Lopes Soares Maria do Rosário de Fátima Carvalho REPRESENAÇÕES SOCIAIS DE RABALHO PARA ADOLESCENES APRENDIZES .............................178 Renata Danielle Moreira Silva Zeidi Araujo rindade Lara de Sá Leal REPRESENAÇÕES SOCIAIS DO MAGISÉRIO EM NÍVEL MÉDIO POR ALUNOS CONCLUINES E INICIANES EM UM INSIUO DE EDUCAÇÃO ......................................185 Luiz Fernandes da Costa REPRESENAÇÕES SOCIAIS DOS PAIS DE ESUDANES DO ENSINO INFANIL SOBRE A ESCOLA ................................................................................192 André Felipe Costa Santos eresa Cristina Siqueira Cerqueira REPRESENAÇÕES SOCIAIS E NORMAS HIERÁRQUICAS DE CONDUA: ESUDO NA FORÇA AÉREA BRASILEIRA .......................................199 Marta Maria elles Celso Pereira de Sá
REPRESENAÇÕES SOCIAIS DE DISCENES DO CURSO DE PEDAGOGIA SOBRE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ..................................142 Adriana omaz Rita de Cássia Pereira Lima
REÓRICA DA IMAGEM COMO INSRUMENO DE PESQUISA EM ESUDO SOBRE REPRESENAÇÃO SOCIAL .................................................206 Maria da Penha de Souza Salgueiro arso Bonilha Mazzotti
REPRESENAÇÕES SOCIAIS DE FAMÍLIA SEGUNDO PSICÓLOGOS DO SISEMA ÚNICO DA ASSISÊNCIA SOCIAL ...................................149 Karina Andrade Fonseca Nayra Erlene Lima Rebeca Valadão Bussinger Célia R.R. Nascimento
SUBJEIVIDADE E REPRESENAÇÕES SOCIAIS: ESADO DA ARE DA PRODUÇÃO NACIONAL 2000�2010 .................................................................................214 Helenice Maia Clarilza Prado de Souza
REPRESENAÇÕES SOCIAIS DE PARICIPAÇÃO E POLÍICA ENRE JOVENS FILIADOS A PARIDOS POLÍICOS.........................................................156 Milena Bertollo-Nardi Maria Cristina Smith Menandro REPRESENAÇÕES SOCIAIS DE PAERNIDADE E MAERNIDADE PARA ESUDANES DE PÓS�GRADUAÇÃO ................................................................164 Naara Knupp de Oliveira Mariane Ranzani Ciscon-Evangelista Carla Rodrigues Barcelos Cleidiane Vitória da Silva Júlia Carvalho dos Santos Lara de Sá Leal Paulo Rogério Meira Menandro
ECNOLOGIA E ECNICISMO: INFLUÊNCIA NA HUMANIZAÇÃO DA ASSISÊNCIA .........................220 Ana Maria Lourenço Ferrari Gontijo Maria Angela Boccara de Paula INFORMAÇÕES SOBRE OS ORGANIZADORES ............226
ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 3
A MÍDIA JORNALÍSTICA E A DIMENSÃO AFETIVA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE O ENVELHECIMENTO Vannessa de Resende Cardoso Rabelo1 Angela Arruda1
Introdução Nesse trabalho iremos apresentar resultados preliminares de uma pesquisa de Doutorado que investiga as representações sociais sobre o envelhecimento em Juiz de Fora/MG. Uma das etapas da pesquisa corresponde à análise de imprensa. Foram selecionadas todas as matérias que se reeriram ao processo do envelhecimento, à velhice e ao velho, veiculadas nos três jornais da cidade. Essa coleta de jornais corresponde ao primeiro momento de coleta de publicações reerentes ao idoso juizorano sobre vários aspectos: políticas públicas, saúde, problemas sociais, eventos de toda ordem (político, social, público ou privado), as ações que envolvem o idoso, as denúncias, etc. O segundo momento será eito de junho a agosto de 2012, correspondendo também a 100 dias de coleta, com matérias que mencionarão os mesmos temas, nos mesmos jornais. A finalidade é comparar os dois momentos para perceber se houve algum tipo de mudança em relação às representações sociais sobre o envelhecimento e velhice, por meio da mídia jornalística. Nosso objetivo, no presente momento, é trazer uma análise preliminar destas mídias e da tonalidade aetiva encontrada nas suas matérias para explorar a dimensão aetiva do campo das representações sociais de Serge Moscovici e Denise Jodelet e verificar como cada mídia jornalística expressa aetos sobre o envelhecimento. Para perseguir nosso objetivo procedemos em dois planos. Um deles oi o entendimento das características desta mídia, a partir de entrevistas com alguns jornalistas daqueles jornais e de artigos publicados sobre esses periódicos, por um lado, e por outro, a análise de imprensa inspirada na grade utilizada por Moscovici, sobre a Psicanálise. O resultado deste conjunto de inormações possibilitou
compreender melhor a postura e a estratégia de cada jornal para divulgar a inormação. Além disso, tornou-se possível perceber a finalidade e o papel desses jornais no contexto de Juiz de Fora. O segundo plano oi o plano dos aetos, investigado por meio de uma análise de conteúdo categorial temática segundo Bardin (1977) cujos passos iniciais serão detalhados mais adiante. Os dados obtidos até o momento presente nos revelam dierenças entre os jornais com relação à quantidade de matéria sobre o envelhecimento, a velhice e o velho, os tipos de categorias de tonalidade aetiva e os tipos de matérias nas quais essas categorias aparecem.
A confecção do tecido de afetos das representações A matéria prima
Para entender a conecção desse tecido, destacaremos a matéria prima ou alguns ios teóricos e/ou instrumentos metodológicos que buscamos para tecê-lo. Dessa orma, primeiramente, é importante ressaltarmos que o cenário social brasileiro está passando por uma nova configuração devido à mudança na pirâmide populacional. Atualmente, pesquisadores e diplomatas de vários países vêm se reunindo para discutir o impacto do envelhecimento populacional em diversos âmbitos, com o intuito de planejarem-se políticas públicas mais adequadas a essa nova condição social. Gerontólogos apontam a problemática do boom de idosos na sociedade no sentido de alertar sobre a urgência de políticas públicas que atendam a população idosa com mais qualidade e trabalhem a amília e a sociedade para essa nova realidade (Rodrigues & Rauth, 2006).
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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
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Lane (1995), ao alar de usos e abusos do conA mídia jornalística juizorana revela este cenário com inormações sobre o aumento da ceito de representação social, ressalta que Jodelet expectativa de vida e, comumente, divulga maté- constata a necessidade conceitual de “englobar tanto rias sobre as ações voltadas para a terceira idade, aspectos mentais como aetivos e avançar para uma previdência, direitos, violência, saúde, destaque de concepção do ser humano essencialmente social, determinados idosos na sociedade, entre outros condição esta para que ele se individualize e se parassuntos. A veiculação dessas inormações tam- ticularize” (p. 61). Na pesquisa de Arruda, Gonçalves e Mululo bém revela como a mídia jornalística reproduz e produz as representações sociais sobre o processo (2008) sobre representações sociais e estereótipos, do envelhecimento, a velhice e o velho. Ressalta- que investigou a visão de estudantes sobre as natumos que o leitor irá adquirir inormações e que ralidades brasileiras, é destacada a dimensão aetiva estas,retrabalhadas por eles, vão penetrar na vida na estereotipia, o que provavelmente generaliza, cotidiana e engendrar comportamentos adequa- neutraliza ou enviesa a inormação, de acordo com dos, “colocando num contexto dierente as relações as autoras. Outra pesquisa, de Aragão e Arruda entre pessoas e a maneira como elas são vividas” (2008) sobre a representação social da Bahia para um grupo de estudantes universitários, também (Moscovici, 1978, p. 185). Para Jovchelovitch (2000), o estudo da mídia é revela a presença da dimensão aetiva. Verifica-se importante para a reflexão das representações so- a expressão de aetos positivos em relação ao povo ciais. Ela destaca que “o vínculo entre a ormação baiano, “produzindo a figura de um povo eliz e e a transormação das representações sociais e os descontraído” (p. 199). Detectar os aetos no estudo das representações meios de comunicação em massa merecem atenção cuidadosa, e como Farr (1993a) assinalou é preciso sociais parece ser uma tarea que exige o olhar minucioso do pesquisador. Para Lane (1995), a mediaestudar o conteúdo da mídia” (p.92). Portanto, para a análise da conecção desse te- ção emocional é “pouco detectável nas entrevistas cido pesquisamos os seguintes jornais da cidade de ormais com o pesquisador que deseja conhecer os Juiz de Fora: ribuna de Minas (), Diário Regional atos” (p. 69). Portanto, para detectar a dimensão aetiva das representações sociais sobre o envelhe(D) e JF Hoje (J). O atual tecido contém em sua textura as repre- cimento, buscamos pesquisar as reeridas mídias sentações sociais e a sua dimensão aetiva. Porém jornalísticas da cidade de Juiz de Fora. Moscovici a sua análise está ainda em processo de conecção. (1978) explica: “as representações sociais são entiAntes de apresentarmos o que conseguimos tecer dades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se até agora sobre como cada mídia expressa aetos cristalizam incessantemente através de uma ala, um com relação ao envelhecimento, buscaremos re- gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano” flexões provenientes de estudos que revelam as (p. 41). Pretendemos captar como a dimensão aeti va circula e é transmitida pelo universo jornalístico. representações sociais e os aetos. anto Campos e Rouquette (2003) como Os tons dos jornais Arruda (2009) apontam que a dimensão aetiva Dentre os três jornais pesquisados, o jornal no campo das representações sociais exige um trabalho conceitual e abre um leque para diversas ribuna de Minas é o mais antigo (1981), circula com maior número de exemplares e é direcionado investigações. Por meio da conversação, o pensamento e o ao público das classes A e B. O jornal é vendido, aeto circulam cotidianamente. Arruda (2009) ex- de terça-eira a sábado, a R$ 1,00 e domingo o plica que os aetos “estão na raiz, na estrutura e na seu valor é de R$ 2,00. O jornal não circula às interace em que a representação social se coloca segundas-eiras. Segundo o jornalista entrevistaao tornar-se uma linguagem de troca, uma mem- do, a maioria dos leitores está na aixa de 30 a 59 brana porosa que percola a comunicação humana anos. Este jornal possui jornalistas que receberam prêmios jornalísticos de renome. no cotidiano” (p. 88).
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O Diário Regional oi inaugurado em 1994 pelo proessor Josino Aragão, mas sua atividade no meio da comunicação iniciou-se em 1991, quando começou a organizar em Juiz de Fora o Sistema Regional de Comunicação, iniciando assim a VE Juiz de Fora. Em novembro de 1994, oi implantada a Rádio Juiz de Fora AM , hoje chamada Rádio Globo AM . Em janeiro de 2008, sob nova administração, o Sistema Regional de Comunicação tornou-se SIRCOM, um grupo que engloba a VE Juiz de Fora, o Diário Regional e a Rádio Globo- Juiz de Fora AM . Essa mudança correspondeu a uma reestruturação, com uma nova identidade visual e uma política de trabalho dierenciada. O jornalista entrevistado destacou que com a nova gestão houve uma mudança editorial e que “o jornal era muito ocado em política. Hoje o que a gente az é a política das ações sociais. em a política normal, o cenário político normal, mas a gente tem um oco muito mais das ações sociais da política”. Com relação ao perfil do leitor, de acordo com inormações veiculadas no site do jornal (www.diarioregionalj.com.br), a classe social que mais lê o jornal é a C (51%). O preço do jornal, de terça a sexta-eira, é de R$ 1,00 e domingo o seu valor é de R$ 2,00. O jornal não circula nem segunda e nem sexta-eira. O jornal JF Hoje oi inaugurado em dezembro de 2003. Inicialmente, se chamava Panorama. Em 2008, passa a se chamar JF Hoje, com o ormato tabloide e cunho mais popular. Este periódico é voltado mais para as classes C e D, segundo aquele jornalista. Circulou no novo ormato ao preço de R$ 0,50 (metade do preço dos
outros dois jornais) até novembro de 2010. Neste momento, que coincidiu com a coleta de dados, ocorreu a transição de jornal impresso a online e tivemos que continuar a coleta do material do JF Hoje por meio da internet. Assim, os dados que serão apresentados sobre ele são provenientes das duas versões. As ferramentas e o preparo do trabalho Apresentaremos a organização da coleta de matérias eita no período de 20-09-10 a 31-12-10. Com relação à dimensão aetiva, primeiramente, separamos as categorias de aetividade da seguinte orma: tonalidade aetiva expressa pelo autor e expressa pelo depoente. Posteriormente, realizamos uma análise de conteúdo categorial temática segundo Bardin (1977). Foi eita uma identificação preliminar e categorias oram identificadas em cada jornal em termos da dimensão aetiva das representações sociais,considerando aquelas expressas pelo autor da matéria e pelo depoente (entrevistado, maniestante, ator presente na matéria). O conjunto destas categorias encontra-se no Quadro 1. Ele constitui a matriz de análise preliminar, que está sendo submetida a três juízes para confirmação/ reormulação. Por isso, como assinalamos, o tecido está em conecção. Quando estas categorias orem revisadas pelos juízes poderá concluir-se a análise e tentar entender as dierenças entre os três veículos associando-as às características de cada mídia jornalística, considerando o contexto de cada uma.
Quadro 1 – Categorias preliminares de Aetividade ONALIDADE AFEIVA DO AUOR ONALIDADE AFEIVA DO DEPOENE 1 - Neutra 1 - Neutra 2 - Denúncia/Revolta/Indignação 2 - Denúncia/Revolta/Indignação 3 - Reconhecimento/Valorização 3 - Reconhecimento/Valorização 4 - error/Medo 4 - error/Medo 5 – Decepção/rustração 5 - Decepção/Frustração 6 - Emoção 6 - Emoção 7 - Choque/Abalo/Susto 7 - Choque/Abalo/Susto 8 – Alegria/Satisação 8 - Alegria/Satisação 9 - Perda 9 - Perda 10 - Carinho/Dedicação 10 - Carinho/Dedicação 11 - Ironia 11 - Lamentação/Reclamação 12 - Preconceito/Desrespeito/Humilhação 12 - risteza
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Quadro 1 – Categorias preliminares de Aetividade (continuação) ONALIDADE AFEIVA DO AUOR ONALIDADE AFEIVA DO DEPOENE 13 - Rebeldia 13 - Crítica 14 - Disputa/Desentendimento 14 - Alívio 15 - Opressão/Suocamento/Isolamento/Exclusão/Solidão 16 - Aflição/Insegurança/Irritação 17 - Recordação/Saudade 18 - Desejo 19 - Esperança 20 - Orgulho 21 - Prazer 2 2- Preconceito/Desrespeito/Humilhação Durante o período de coleta de jornais, reunimos 298 matérias (total dos 3 jornais),como mostra o Quadro 2. Foram incluídas todas aquelas que fizessem menção a envelhecimento, velhice e velho. ambém, há um número dierenciado de matérias que contém depoimentos. De 298 matérias, quase um terço (29,53%) possui depoimentos. Verificamos que o jornal que mais possui matérias que reerem estes temas é o Diário Regional
(49,33%). No jornal ribuna de Minas quase a metade das matérias contém depoimentos (46,66%) – a maior porcentagem dos três. Neste jornal, encontraram-se dez matérias de capa sobre o velho, a velhice e o envelhecimento (8,3% do total): oram publicadas na parte geral (3), no Caderno Dois (3), na Política (1), na parte Brasil (1) e na parte Voto e Cidadania (1).
Quadro- 2 – Jornais e o total de matérias N=298 Jornais ribuna de Minas () Diário Regional (D) JF Hoje (J)
otal de Matérias N % 120 40,27% 147 49,33% 31 10,40% 100 otal: 298
Dois estudos, um com relação ao ribuna de Minas (Oliveira, 2005) e outro com relação ao jornal Panorama (Silveira, 2005), oram eitos comparando as primeiras edições de cada um dos jornais com edições publicadas entre os dias 22 e 28 de maio de 2005. No estudo de Oliveira (2005), cujo objetivo oi observar como este jornal retratou os eventos que expressam a vivência da sociedade no decorrer de mais de 20 anos, veriicou-se oaumento de matérias locais. A conclusão de Oliveira (2005, p. 10) é que o ribuna de Minas “modernizou e achegou-se mais ao jornalismo de proximidade, ao abordar, em mais matérias, temas locais”. No entanto, Oliveira afirma que ele poderia aumentar a intensidade do compromisso com o local, trazendo reportagens que reflitam os problemas da
Matérias que contém depoimentos N % 56 46,66% 24 16,32% 8 25,80% otal: 88 29,53%
cidade a partir daquilo que é de interesse público. Segundo o estudo de Silveira (2005), que analisou a trajetória do jornal Panorama, verificou-se novo título do jornal ( JF Hoje) e a modificação para o ormato tabloide. Além disso, mudou a ormatação da primeira página e diminuiu o número de matérias. O mesmo estudo revela que essa mudança trouxe como destaque, na primeira página, a editoria policial, utilizando-se de otos e chamadas apelativas para noticiar crimes. O jornal passou a ser um prestador de serviço, deixando seu cunho político. O jornalista do jornal JF Hoje entrevistado por nós reafirma essa transição, explicando que essa nova proposta editorial “[...] era de cunho mais popular. Até mais popularesco assim, muita valorização de matéria de polícia. Essas coisas de mais apelo popular mesmo”.
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O arremate da costura Para arrematar a costura desse tecido apresentaremos o que analisamos até agora. No estágio atual, pareceria que há uma proporção maior da tonalidade neutra em todos os jornais e que as demais tonalidades aparecem de orma dierenciada entre elas. O jornal Diário Re gional apresenta a maior porcentagem de matérias com esta tonalidade. O assunto mais divulgado nesse periódico é sobre a previdência social. São 50 notícias de capa (34,01% do total) reerentes ao processo do envelhecimento, à velhice e ao velho. Dentre elas, 45 dizem respeito à previdência social. As matérias sobre a previdência encontram-se no Caderno de Economia e todas ocupam a metade da página do jornal. Além disso, todas apresentam tonalidade aetiva neutra do autor e nenhuma contém depoimento. O jornalista desse jornal entrevistado explicou porque aparecem muitas matérias sobre essa temática
As leis são muito dinâmicas no Brasil. Ora você tem questões de ganhos na justiça, ora perdas. É Senado que vota contra, é a Câmara dos Deputados que já vota a avor. Então, a gente vê essa batalha, a gente acompanha muito isso. São pessoas que são carentes dessas inormações. Muitas vezes não tem condição de ter um acompanhamento jurídico das ações, de processos [...]
Essa postura de neutralidade é menos marcante em outro jornal: de acordo com o jornalista entrevistado do jornal ribuna de Minas, este jornal possui uma postura crítica, “az denúncias”. Nos parece que, utilizando a matriz preliminar, podemos confirmar parcialmente essa opinião do jornalista, uma vez que encontramos a categoria Denúncia/ Revolta/Indignação, tanto nas maniestações expressas pelo autor da matéria quanto nas do depoente, mais no jornal ribuna de Minas do que nos outros três jornais. O Quadro 3 mostra exemplos dessa categoria.
Quadro 3 – Categorias-Aetividade x exemplos Categorias-Afetividade Denúncia/ Revolta/Indignação (autor)
Denúncia/Revolta/Indignação (depoente) Reconhecimento/ Valorização (autor)
Reconhecimento/Valorização (depoente)
Exemplos “Em Juiz de Fora, essa população acima dos 60 anos é estimada em cerca de 70 mil pessoas. Mesmo com o grande contingente (aproximadamente 13% do total de habitantes), ainda é comum o despreparo dos gestores públicos em lidar com os idosos”- Jornal ribuna de Minas. “É uma maldade com os idosos”, avalia a dona de casa Vera Lúcia do Amaral”- Jornal ribuna de Minas. “Hoje Academia Sueca corrigiu uma injustiça e finalmente lembrou do peruano Mario Vargas Llosa, que, aos 74 anos, vai receber o Nobel de Literatura por seis décadas dedicadas ‘à literatura, carreira que começou com uma peça de teatro escrita aos 16 anos, “La huida del Inca” (“A uga do Inca”)- Jornal ribuna de Minas. “Pelé é o Pelé dos Pelés. Ou seja: oi por intermédio do maior jorgador de utebol de todos os tempos que se criou um termo para se dizer que um sujeito é o melhor naquilo que az’- Jornal ribuna de Minas.
A categoria Reconhecimento/Valorização, tanto na tonalidade aetiva do autor quanto na do depoente, parece estar mais presente no jornal ribuna de Minas e no JF Hoje. Verificamos que no ribuna de Minas essa categoria está presente nas seguintes matérias: entrevistas com idosos, reportagens sobre
aqueles reconhecidos pelo meio social, divulgação cultural e destaque de idosos em coluna social. Já no jornal JF Hoje, a mesma categoria é mais encontrada em matérias de notícia. No jornal Diário Regional essa categoria aparece mais em notícias e coluna social (ver o Quadro 3 sobre exemplos dessa categoria).
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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 3
Na versão impressa do Jornal JF Hoje aparecem duas notícias de capa (12,5%) sobre o tema processo do envelhecimento, à velhice e ao velho. São notícias divulgadas na parte Cidade e o conteúdo é sobre idosos envolvidos em acidente direta ou indiretamente. Veriicamos a dimensão aetiva neutra do autor do texto em ambas as reportagens. Mas há depoimento apenas em uma matéria, cuja tonalidade aetiva é Lamentação. Observamos que havia uma dierença nas matérias sobre o envelhecimento entre o jornal JF Hoje impresso (este parou de circular no mês de novembro de 2010) e o online. Sobre esta observação, o jornalista deste jornal afirmou: “A gente não tem muito espaço. Até tem, mas se eu fizer 30 matérias, eu posso colocar no ar. Mas, se eu fizer 22 e as 22 mais elaboradas, é melhor. Menor quantidade, mais direcionada. Você chama mais a atenção do internauta”. Essa ala demonstra que, com a versão online, o espaço para notícias com relação ao envelhecimento ficou reduzido e não parece ser notícia de interesse do internauta. Acreditamos que a revisão da matriz pelos juízes acilitará finalizar esta análise e que, ao realizarmos a segunda etapa de coleta de matérias – correspondendo a 100 dias, de junho a agosto de 2012 – poderemos encontrar dierenças de um jornal para outro quanto à divulgação e quanto a categorias. ambém esperamos perceber algum tipo de mudança em relação às representações sociais sobre o envelhecimento e a velhice, na mídia jornalística.
Referências Aragão, C. O. M., & Arruda, A. (2008). Bahia, um Brasil evocado em exotismo: alegria, negritude, sabor e movimento nas representações sociais de universitários. Psicologia em Revista, 14 (2) 187-202. Arruda, A. (2009). Meandros da teoria: a dimensão aetiva das representações sociais. In A. M. Oliveira, & D. Jodelet (orgs.), Representações sociais: interdisciplinaridade e diversidade de paradigmas. Brasília: Tesaurus, p. 83-102. Arruda, A., Gonçalves, L. P. V., & Mululo, S. C. C. (2008). Viajando com jovens universitários pelas diversas brasileirices: representações sociais e estereótipos. Psicologia em Estudo, 13(3), 503-511. Bardin, L. (1977). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70. Campos, P. H. F, & Rouquette, M. L. (2003). Abordagem estrutural e componente aetivo das representações sociais. Psicologia, Reflexão e Crítica, 16 (3), 435-445. Jovchelovitch, S. (2000). Representações Sociais e Esera Pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil . Petrópolis: Vozes. Lane, S. . M. (1995). Usos e Abusos do conceito de Representação Social. In M. J. Spink (org.), O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense. Moscovici, S. (1978). A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar editora. Oliveira, L. F. (2005). As manchetes na história da ribuna de Minas/ Juiz de Fora – MG. In Anais do XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Rio de Janeiro. São Paulo: Intercom, 2005. Recuperado em 11 de maio de 2012 de http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/17194/1/R2660-1.pd Rodrigues, N. C., & Rauth, J. (2006). Os desafios do Envelhecimento no Brasil. In E. V. Freitas, L. Py, F. A. X. Cançado, J. Doll, & M. L. Gorzoni (Orgs.), ratado de geriatria e gerontologia (pp. 186 -192). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. Silveira, B. A. A. (2005). A história do Jornal Panorama/ Juiz de Fora- MG a partir de suas capas. In Anais do XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Rio de Janeiro. São Paulo: Intercom, 2005. Recuperado em 11 de maio de 2012 de http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/17191/1/R2614-1.pd
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A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA MULHER SOLTEIRA CONTEMPORÂNEA NO MUNDO FEMININO Ingrid Crisna Lúcio dos Santos 1 Celso Pereira de Sá2
Introdução Atualmente, nos grandes centros urbanos, o grupo de mulheres financeiramente independentes sem um companheiro é cada vez mais numeroso. De acordo com Lipovetsky(2000), este é um enômeno dos países desenvolvidos, resultado do próprio individualismo característico da nova modernidade em que vivemos. Sendo assim, nos deparamos com mulheres com esse perfil não só nas telas da televisão ou do cinema, como no seriado americano “Sex and the City” ou no filme “O diário de Bridget Jones”, mas no dia-a-dia. A temática da mulher solteira tem invadido nosso cotidiano de dierentes maneiras. Através da mídia, temos como exemplo a edição da revista Época de junho de 2008, que tem o título “Como o seriado ‘Sex and the City’ inventou a mulher moderna”. De acordo com a reportagem, a mulher com esse perfil acredita que seus direitos sociais já estão conquistados, e que agora é a hora de ir atrás da realização de seus interesses individuais. Mas não são apenas mensagens positivas que são transmitidas sobre essa mulher. Nesse sentido, Gonçalves (2007, p.87) afirma que: “O estar solteira, na mídia, é visto com mais simpatia quando percebido como um momento transitório de investimento pessoal, e o casamento como um sonho idealizado”. Dessa orma, a mulher que não tiver o altar como destino desejado ou que, ao chegar a uma determinada idade, não o tiver alcançado, está rompendo com um padrão de normalidade rente à sociedade. Uma ilustração desse raciocínio é o nosso outro exemplo da presença dessa temática no dia-a-dia. No dia 08 de agosto de 2009, oi transmitida, pelo programa “Fantástico” da Rede Globo de televisão, uma entrevista sobre as normas abusivas de trabalho. O consultor de recursos humanos Gustavo Parisi contou, nessa ocasião, que muitas vezes se depara com restrições preconceituosas na hora
de selecionar candidatos para empresas: “Mulheres, por exemplo, acima de uma certa idade, 35, 40 anos, solteira. Por que? Porque eles acreditam que ela possa ter algum problema comportamental.”
A teoria das representações sociais e a solteirice feminina A solteirice eminina é um tema contemporâneo, que tem constituído uma importante parte das discussões públicas na nossa sociedade, que se azem presentes não só na mídia, mas também em nossas variadas práticas cotidianas. Nesse sentido, configura-se como um objeto legítimo de estudo com base na teoria das representações sociais, pois, como afirma Sá (2007, p.596), “esta teoria se propôs, desde o início, a abarcar tudo o que constituísse questões com que a sociedade contemporânea estivesse se preocupando e se ocupando em sua vida cotidiana”. O termo “representações sociais” oi cunhado por Serge Moscovici, em sua obra La pychanalyse, son image et son public (1961/1976). Uma representação social pode ser entendida como o produto e o processo de construção de um saber e de uma realidade comum, que acontece através da interação entre os membros de uma sociedade em seu cotidiano (Vala, 2000; Sá, 2007). Os enômenos de representação social são caracteristicamente construídos no que Moscovici (2003) chamou de universos consensuais de pensamento, ou seja, o domínio do senso comum, que se distingue do chamado universo reificado, onde o saber da ciência é produzido. Não obstante, segundo Sá (1993), Moscovici considera ainda que o moderno senso comum resulta, com requência, da apropriação popular de conhecimentos científicos.
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Dentre as perspectivas complementares à teoria geral das representações sociais, a de Jean-Claude Abric (2000) oi a única que se ormalizou de ato como uma teoria, a teoria do núcleo central, que posteriormente passou a ser conhecida como a abordagem estrutural das representações sociais. Essa abordagem se ocupa especificamente do conteúdo cognitivo das representações sociais, concebendo-o como um conjunto organizado ou estruturado, não como uma simples coleção de ideias e valores (Sá, 1998). Os elementos cognitivos situados no núcleo central da representação são ligados à memória coletiva e à história do grupo, mostrando-se, por isso mesmo, coerentes e estáveis. Já no sistema periérico se encontram os elementos da representação reerentes às experiências e histórias individuais, sendo tal sistema capaz de suportar a heterogeneidade e as contradições do grupo (Sá, 2007). É de acordo com essa abordagem complementar que o objeto da presente pesquisa oi construído (Sá, 1998), que os dados obtidos oram analisados e que os seus resultados oram interpretados.
Objevo A presente pesquisa visou identificar, com base na abordagem estrutural das representações sociais, os principais elementos temáticos da representação do tipo de mulher que aos 30 anos, ou mais, se mantém solteira e sem filhos, construída pelas próprias mulheres.
Metodologia Sujeitos
Os sujeitos da pesquisa oram 100 (cem) mulheres, entre 18 e 50 anos de idade, de dierentes níveis de escolaridade, moradoras da cidade do Rio de Janeiro. Coleta de Dados
Apesar de a teoria das representações sociais não privilegiar nenhum método de pesquisa em especial, Abric (1994, citado por Sá, 2002) indica, para um levantamento inicial do conteúdo das representações sociais, a técnica de evocação ou
associação livre, em unção do caráter espontâneo das respostas. A essa espontaneidade inicial, entretanto, Abric agrega outra importante característica metodológica, que consiste em atribuir ao próprio sujeito a responsabilidade pela hierarquização das suas respostas, reduzindo assim a influência comumente exercida pela subjetividade do pesquisador na interpretação dos dados. A coleta de dados oi realizada através de uma tarea de evocação livre, na qual oi solicitado à entrevistada que citasse as primeiras cinco palavras ou expressões que lhe viessem à mente quando pensasse em alguém com o seguinte perfil: “Mulher, com 30 anos ou mais, solteira e sem filhos”. Logo depois, oi-lhe pedido que colocasse as palavras ou expressões por ela evocadas em ordem de importância, atribuindo o grau “1” à mais importante e “5” à menos importante, de orma que os próprios sujeitos inormavam assim como os elementos cognitivos levantados se estruturavam em sua representação comum. A essas tareas oi ainda associado um questionário, com perguntas echadas, que visava a uma caracterização sócio-demográfica da amostra, em termos de idade, estado civil, nível de escolaridade e se era ou não mãe. Análise dos dados
Os dados coletados através da evocação livre oram processados com auxílio do sofware Evoc, e analisados de acordo com a abordagem estrutural das representações sociais (Abric, 2000). O programa calculou a requência simples de cada palavra evocada e a requência média de média de todas as palavras, a ordem média de importância atribuída a cada palavra e a média das ordens médias de importância, visando à identificação dos conteúdos temáticos que estariam situados no núcleo central e nas instâncias periéricas da representação da mulher solteira com mais 30 anos e sem filhos.
Resultados e discussão O tratamento dos dados, a partir da técnica utilizada, resultou na construção de um quadro de quatro casas ou quadrantes (Figura 1). No alto e à esquerda (quadrante superior esquerdo – QSE) ficam situados os termos que oram evocados em alta requência e considerados mais importantes
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pelos sujeitos, os quais, por esses critérios combinados, constituem, provavelmente, o núcleo central da representação estudada. As palavras localizadas no quadrante superior direito (QSD) e no quadrante inerior esquerdo (QIE) são, respectivamente, os elementos da primeira perieria, no qual se encontram os termos de alta requência, mas de menor importância, e a zona de contraste,
no qual estão os termos que tiveram uma requência menos elevada, mas oram considerados muito importantes por aqueles poucos sujeitos que os evocaram. As palavras localizadas no quadrante inerior direito (QID) são as que tiveram menor requência e menor importância atribuída, constituindo assim os elementos mais nitidamente periéricos da representação (Sá, 1996).
Figura 1 – Quadro de quatro casas a partir das evocações pelos sujeitos de temas associados à Mulher Solteira. N = 100. Frequência mínima: 6. Rio de Janeiro, 2009. ema evocado Freq. O.M.I. ema evocado Freq. O.M.I. Independente 73 2,45 Ineliz 48 3,44 Profissão 51 2,35 Solidão 34 3,06 Liberdade 23 2,95 Cara-metade 17 3,41 Encalhada 20 2,90 Inteligente 17 3,52 Escolha 19 2,74 Resolvida 15 3,00 Guerreira 12 2,25 Moderna 11 3,45 Determinada 11 2,18 Consciente 9 3,56 Madura 8 2,50 Seletiva 9 3,11 Segura 6 1,83 Não-maternal 8 4,00 Vida 8 3,75 Vaidosa 6 3,83 Dinâmica 6 4,50 Egoísta 6 4,00 Para melhor compreensão da leitura dos resultados, cabe esclarecer que, quanto menor or a “ordem média de importância” (OMI)de cada palavra ou tema, mais ele terá sido considerado importante pelas pessoas que o evocaram para compor o perfil de mulher solicitado, e que, quanto maior or a OMI, menos tal tema terá sido importante para a composição de tal perfil, ou seja, relembrando, o da “mulher, com 30 anos ou mais, solteira e sem filhos”. Considerando as respostas de todas as mulheres participantes da pesquisa, oram evocadas 500 pala vras, sendo 81 delas dierentes, e a média das OMI oi igual a 3 (numa escala de 1 a 5). Como oram menosprezadas as evocações cuja requência oi igual ou menor que 5, encontrou-se uma requência média de evocação igual a 14. A análise combinada desses dois tipos de dados resultou no quadro de quatro casas apresentado a seguir. A Figura 1 evidencia a seguinte distribuição dos temas: no QSE, estão encalhada, escolha, independente, liberdade e proissão, que são os possíveis elementos centrais da representação;
no QID, constituindo os elementos nitidamente periéricos (segunda perieria) da representação, estão os temas consciente, dinâmica, egoísta, moderna, não-maternal, seletiva, vaidosa e vida; nos elementos considerados intermediários, os temas cara-metade, ineliz, inteligente, resolvida e solidão localizam-se no QSD, e determinada, guerreira, madura e segura estão no QIE. Observa-se, no QSE, que a representação que as mulheres do Rio de Janeiro construíram sobre a “mulher com mais de 30 anos, solteira e sem filhos” é centralmente marcada por elementos de certa orma contraditórios, mas sem deixar de caracterizar a mulher contemporânea. Pode-se afirmar que o núcleo central é mais e melhor caracterizado pelas evocações profissão e independente, pois além do ato de terem a maior requência, há uma grande dierença entre suas requências e as demais. No núcleo central essa “nova mulher” oi identificada pelas palavras encalhada, escolha, independente, liberdade e profissão. A palavra independente, que tem a maior requência e que oi considerada
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muito importante, evidencia um sentimento de autonomia, refletindo o ato de que, na atualidade, ela não precisa depender de ninguém para sobreviver. É importante destacar que essa independência é muito caracterizada, segundo as entrevistadas, pela questão financeira. Gonçalves (2007) aponta a mídia como a grande responsável pelo ato de a imagem das mulheres solteiras estar altamente vinculada à profissão e à independência financeira, pois através dela é bastante veiculada a imagem da mulher executiva e bem sucedida no campo profissional. O tema liberdade, embora menos requente, pode estar relacionado à independência financeira que oi tão citada. Essa independência financeira seria originada pela liberdade que a mulher solteira tem para se dedicar à profissão, já que está mais disponível para isso por não ter que cuidar de marido e filhos. A palavra encalhada revela o estigma ainda existente em relação a quem não se casa ou “demora” – tempo que varia de sociedade para sociedade – a se casar, demonstrando assim que o casamento ainda tem uma grande importância social atualmente. O posicionamento, de certa orma contraditório, dos sujeitos perante esse perfil de mulher, mostra que, embora uma mulher que rompe com o perfil tradicional tenha esse poder de escolha,ela ainda é tratada como encalhada, o que não se dierencia em nada das expressões “antigas” como “solteirona” ou “ficar para titia”. Isto pode indicar ainda um grande conservadorismo, apesar da luta pela liberdade, pelas próprias mulheres. Na primeira perieria, como mostrado no QSD, observa-se a presença de temas que reorçam o núcleo central e que constituem um conteúdo relacionado à como os sujeitos creem que a mulher solteira se sente. As evocações de ineliz e solidão oram as de maior requência nesse quadro, o que permite supor que, para os sujeitos da pesquisa, casamento e filhos seria algo undamental para uma mulher ser eliz e, consequentemente, eliminar o “risco” de se sentir só. Esse resultado e sua interpretação são corroborados pela pesquisa de rindade e Enumo (2002) sobre as representações sociais da inertilidade eminina entre mulheres de dierentes estratos
sociais, na qual os principais elementos representacionais oram: tristeza, incompleta, rustração, cobrança dos outros, solidão, pessoa inerior, adoção, busca de soluções, evidenciando assim a concepção da inertilidade como uma condição estigmatizante para a mulher. al representação, construída sob a ótica do valor social da maternidade, contribui para que a condição de inértil se apresente como uma transgressão das prescrições e expectativas socialmente impostas. Nesse sentido, a uma mulher com mais de 30 anos que não tenha filhos logo costuma ser atribuída a característica de inértil, sendo apenas em último caso considerada (quando é considerada) a possibilidade de a evitação da maternidade ter sido uma escolha. Em ambos os casos, entretanto, essa mulher não estaria correspondendo às expectativas da sociedade. O perfil de mulher que mais evocou solidão oi de mulheres que ainda não tinham atingido a aixa etária dos 30 anos, eram solteiras e ainda não eram mães. Isso é uma possível demonstração da grande expectativa que as mulheres, principalmente as mais jovens (18 a 29 anos), tem de que irão se “desvencilhar” de uma possível solidão através da constituição de uma amília. A terceira palavra mais evocada oi cara-metade, da qual, segundo as entrevistadas, a mulher solteira de 30 anos na realidade estaria à procura. Isso sugere a existência, entre as mulheres, de uma alta associação entre o encontro da alma gêmea e o casamento, seguindo o raciocínio de que só não casa quem ainda não encontrou a sua outra metade ideal. As evocações inteligente e resolvida podem estar relacionadas com a imagem que a mídia tem passado dessa “nova mulher”, que seria uma executiva, bem vestida, geralmente com um certo poder de decisão no setor em que trabalha. Essa ideia tem sido muito diundida, pelas revistas eministas, desde que as mulheres conseguiram se destacar no mercado de trabalho, sendo muitas vezes o “chee da amília” (Gonçalves, 2007). Na zona de contraste, exibida no QIE, apareceram as palavras determinada, guerreira, madura e segura. Pode-se perceber que neste quadrante há uma consistência, ou seja, não há dispersão na requência das evocações nem, muito menos, termos contraditórios. Sendo talvez a representação de
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um grupo minoritário, mas bastante firme em sua concepção sobre o perfil de mulher traçado. alvez por a mulher solteira assumir essa autonomia e independência, segundo as entrevistadas, ela seja vista como guerreira. É certo que há muito tempo existem muitas “chees de amília” (mulheres que são a principal onte de sustento da amília) que não se enquadram no perfil de ser solteira e sem filhos, mas também tem como característica ser guerreira, que luta contra diversas dificuldades que encontra em seu dia-a-dia. O dierencial da mulher aqui estudada seria que a mulher nessa posição, de ser solteira e sem filhos, estaria expondo mais a sua disponibilidade de “contar apenas com ela mesma”, não só financeiramente, mas também em aspectos emocionais, e por esse motivo seriam vistas como guerreiras. A evocação determinada pode ter relação significativa com as evocações independente e profissão, queapareceram no núcleo central. De acordo com as entrevistadas, essa mulher, que se caracteriza por ter 30 anos ou mais, ser solteira e não ter filhos, teria dado mais prioridade à sua vida profissional deixando em segundo plano a constituição de sua amília. Assim, essa mulher seria tão determinada em alcançar suas metas profissionais, com o possível objetivo de ser independente, que deixou de pensar ou investir no sonho de realização do matrimônio e da maternidade. A caracterização da mulher estudada como madura e segura pode ter total ligação com a idade (30 anos) que não oi escolhida casualmente. Segundo Levine (2009), de acordo com o tempo, a idade, as mulheres se tornam mais seguras e capazes de lidar com as situações da vida. Além do ato de que a idade de 30 anos é a aixa etária “limite” em que a mulher tem mais acilidade para engravidar (Maldorado, 2007), o que pode ser motivo de essa idade ser “um divisor de águas”. Os elementos periéricos, mostrados no QID, podem ser interpretados como valores, atitudes e disposições supostamente características da mulher solteira que são transmitidas e vivenciadas no cotidiano dos sujeitos. Pode-se considerar, também, que as palavras moderna, consciente, seletiva, vaidosa e dinâmica podem, novamente, expressar uma dimensão imagética ligada à mídia.
As evocações não-maternal e egoísta teriam um significado altamente correlacionado. A ideia de instinto materno ainda vive orte na sociedade, apesar de estudos que sugerem a sua não-existência (Neuman, 2007). Como Lipovetsky (2000) aponta, a maternidade ainda é considerada como parte da essência da mulher, que tem como uma de suas “realizações” dar amor e carinho ao seu marido e filho(s). Assim, uma mulher que não tem filhos, além de ser “não-maternal ”, seria uma mulher egoísta, por não querer oerecer carinho e atenção a ninguém. Já oi colocado que os elementos periéricos de uma representação social estabelecem a interace entre o núcleo central e a realidade concreta na qual são elaboradas e uncionam essas representações. Observa-se que o resultado apresentado é compatível com essa assertiva, tendo em vista que os elementos do núcleo central expressam mais elementos subjetivos e, de igual orma, acontecem na perieria dessa representação.
Conclusão Veriica-se nos resultados uma tendência à incorporação ao núcleo central de conteúdos reerentes ao posicionamento das mulheres perante esse determinado perfil de mulher, contudo, os elementos periéricos ainda evidenciam de orma expressiva conteúdos ligados aos sentimentos e estigmas, como ineliz e solidão, que guardam estreita relação com o núcleo central dessa representação, caracterizando a unção organizadora desse núcleo. As cinco palavras mais evocadas pelos sujeitos oram independente (73%), profissão (51%), ineliz (48%), solidão (34%) e liberdade (23%). A requência das evocações independente, profissão, ineliz e solidão sugere a possível existência de uma alta associação entre sucesso profissional e insucesso aetivo na representação dessa dita mulher moderna. As mulheres mais novas (18 a 29 anos) não descreveram o perfil de mulher traçado como em busca da chamada e tão procurada cara-metade, mas oram as que mais classificaram a “nova solteira” como encalhada (40%). alvez a evocação encalhada reflita a imagem de uma mulher que já “passou da hora” de estabelecer o compromisso do matrimônio. Seguindo essa lógica podemos
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entender que, de acordo com a representação eminina, ainda haveria um prazo “pré-determinado”, pela sociedade, para contrair o matrimônio, nos remetendo aos pensamentos tradicionais, em que os caminhos da história de vida da mulher já eram traçados antes mesmo de seu nascimento. Pode-se perceber, então, que os termos pejorativos como “solteirona” e “ficar para titia”, apesar de passos terem sido dados para que as mulheres tivessem liberdade de escolha, ainda estão vigentes em nossa sociedade, mais especificamente na sociedade eminina. Assim, corroborando as conclusões de Gonçalves (2007), confirma-se que o tom sobre a solteirice eminina pode ter mudado, mas a essência de ideias antiquadas, inelizmente,ainda permanece viva. A crença que esteve consolidada durante muitos séculos, de que o desejo de cumprir a tradição de casar e ter filhos seria algo inerente à mulher, parece ainda estar presente na concepção das próprias mulheres. E por esse motivo a quebra dessa tradição não seria simplesmente uma escolha entre tantas outras disponíveis à mulher moderna, mas a representação de uma alta dos componentes básicos constituintes da “órmula da elicidade eminina”. De acordo com os dados obtidos, não casar e não ter filhos não seria visto como um projeto de vida eficaz para encontrar a tão sonhada elicidade. Isso é evidenciado pela alta requência das evocações ineliz e solidão. A temática que mais se sobressaiu nessa pesquisa oi a importância que o casamento ainda tem para as mulheres, principalmente como orma de “escapar” da solidão e atingir a elicidade. Importância essa que variou de acordo com a aixa etária, as mulheres mais velhas (40 a 50 anos) oram as que menos evocaram solidão (20,6%) e as que mais evocaram escolha (42,1%) demonstrando eetivamente perceber na solteirice como mais uma das possibilidades de estilo de vida. Enquanto as mulheres mais novas (18 a 29 anos) oram as que viram com maior intolerância essa “solteirice” posta em questão. Ainda existem pontos a serem melhor estudados sobre a representação eminina aqui apresentada. Espera-se que este estudo tenha contribuído para um conhecimento inicial acerca da representação
eminina sobre essa “nova solteira” que está cada vez mais presente em nosso cotidiano.
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ARCO METROPOLITANO DO RIO DE JANEIRO: REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO SEU IMPACTO Sirléa de Vargas Soeiro Guimarães 1 Tarso B. Mazzo 2
Introdução As pererecas têm mais valor que os moradores[ala sorrindo, pára, fica pensativa e reorça] é, muito mais valor. [leva uma das mãos no rosto e fica pensativa]. Moradora desapropriada de Nova Iguaçu.
Neste artigo discutiremos as prováveis representações sociais de impactos socioambientais produzidos pelo Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, tratada a partir daqui simplesmente como Arco. O Arco é uma rodovia idealizada na década de 1970, projetada para contornar a área urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro conectando rodovias ederais (BR-040, BR-116, BR-465 e BR-101) que atualmente atravessam a cidade do Rio de Janeiro e sua região metropolitana, bem como de algumas estradas estaduais (RJ-085, RJ-111, RJ093 e RJ-125).
Busca interligar as principais rodovias de acesso a cidade do Rio de Janeiro, sem intererir com os sistemas viários locais já sobrecarregados com o tráego urbano, promovendo a ligação do Pólo Petroquímico de Itaboraí ao Porto de Itaguaí, com cerca de 145 km, passando por Itaboraí, Guapimirim, Magé, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Japeri, Seropédica (Figura 1). As obras do Arco iniciaram em 2009, com conclusão prevista em 2012. A pesquisa em curso ocorre no momento de construção da rodovia, por meio da análise do Estudo de Impacto Ambiental do Arco Metropolitano. ambém oram realizadas entrevistas com os atores sociais locais, tendo por objetivo compreender as representações sociais do impacto socioambiental do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro produzidas por seus proponentes, pelas lideranças comunitárias e pelos proessores que atuam em seu entorno, comparando-as para
Figura 1 – raçado do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro. Fonte: RIMA, 2007, p. 6
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Mestranda em Educação, UNESA, Rio de Janeiro. E-mail: sirleia
[email protected] Proessor Adjunto do PPG Educação, UNESA, Rio de Janeiro. E-mail:
[email protected]
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verificar os valores que as sustentam, e como essas representações orientam as práticas de educação ambiental. O impacto social da obra torna-a objeto de conversações nos diversos grupos sociais, o que provavelmente produz representações sociais de “impacto ambiental” que nos permite compará-las e, eventualmente, obter elementos para orientar as atividades em Educação Ambiental. A Educação Ambiental propõe-se a sensibilizar as pessoas acerca de “problemas ambientais”, assim como, desenvolver conhecimentos e competências para ações que visam a sustentabilidade, o que supõe mudanças nas atitudes e condutas das pessoas (Garcia-Mira, 2000). É neste âmbito que a pesquisa de representações sociais ornece elementos relevantes para inormar e condicionar as práticas educativas, em geral, e ambientais, em particular.
Representações sociais de impactos socioambientais A abordagem psicossocial de objetos originários das ciências, depois objetos sociais em geral, proposta por Moscovici (1978) permite a identificação dos valores, atitudes e conhecimentos produzidos nos grupos sociais acerca desses. A representação social apresenta em sua estrutura duas aces indissociáveis: a figurativa e a simbólica. Os processos de representação têm por unção destacar uma figura e atribuir-lhe um significado, integrando o objeto novo no campo cognitivo e aetivo dos membros de um grupo social, o que se az por meio dos processos de objetivação e ancoragem. Andrade e Sousa (2008, p. 41), afirmam que a objetivação busca “tornar algo abstrato em algo mais concreto”. E a ancoragem, trata de estabelecer a relação entre as ideias estranhas com as categorias habituais. A análise destes processos, segundo Alves-Mazzotti (1994, p. 4) “permite compreender como o uncionamento do sistema cognitivo interere no social e como o social interere na elaboração cognitiva”. Ambas relacionam e articulam as três unções básicas da representação: a unção cognitiva de integração da novidade, a unção de interpretação da realidade e a unção de orientação das condutas nas relações sociais.
Atualmente, no Brasil são poucos os trabalhos produzidos undamentado na teoria das representações sociais que têm por objeto o meio ambiente, apesar do grande interesse das novas gerações de pesquisadores. Reigota (2007) sustenta que, a partir dos anos 1980, as pesquisas sobre representações sociais aparecem no Brasil em artigos e eventos, particularmente nas Jornadas Internacionais e Conerências Brasileiras sobre Representações Sociais. Em relação aos trabalhos relacionados à Educação Ambiental, de acordo com estudos de Carvalho e Farias (2011), que realizaram um balanço da produção científica em Educação Ambiental de 2001 a 2009, observam que este assunto ainda se encontra em processo de legitimação científica e pedagógica, apesar de reconhecida como área de conhecimento, especialmente após a sua instituição como tema transversal nos currículos escolares. Quanto à produção científica acerca de impactos socioambientais, verifica-se grande carência. Poucos são os trabalhos e menos ainda os relacionados com a teoria das representações sociais. Dentre estes poucos, há o de Mazzotti (1997), que tratou da representação social de “problema ambiental”. Ainda que a maioria dos entrevistados por Mazzotti não apresente representação social de “problema ambiental”, grupos institucionais sustentam uma representação. Esta considera que a ação do “homem” sobre a “natureza” produz problemas, especialmente quando visam o lucro. O autor constatou que os “ambientalistas” consideram melhor ou desejável o equilíbrio da natureza. No entanto, este é considerado de maneira estática, como se osse uma balança de dois pratos, para os quais a sustentabilidade ambiental é como sinônimo de equilíbrio, o qual tem por reerente o suposto equilíbrio orgânico, do corpo humano. Logo, o “problema ambiental” é como uma “doença”, cujo diagnóstico e terapia cabe aos “ambientalistas”.
A dimensão afeva e cultural da representação social Arruda (2009, p. 90) deende a necessidade de tratar as “nuances do aeto e os meandros que ele
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percorre no labirinto da invenção de uma representação social”, incentivando novas investigações que tratem e avancem nessa direção. Com isso, reere-se à reflexão de Campos e Rouquette (2003), na qual a autora recorda a relação não aleatória da dimensão aetiva com o núcleo central, em que os elementos aetivos participam na estruturação da representação social. Nesse trabalho abordamos aspectos aetivos envolvidos na elaboração das representações sociais, em que a desigualdade, a exclusão e a injustiça social permeiam o quotidiano dos atores. Campos (2005, p. 96) considera que “o estudo da cidadania-prática, em seu nível de explicação psicossociológico, deve estar centrado no estudo do cidadão-pensador e não no nível do cidadão-pensado (pelas instituições ou pelos cientistas).” Pensar o “cidadão-pensador” como um sujeito do conhecimento, sujeito coletivo e social, protagonista de representação social, implica compreender a dinâmica psicossociológica envolvida no trato da intervenção de uma grande construção rodoviária no território desses cidadãos. Jovchelovitch (2004, p. 23) apresenta que a “representação é uma construção ontológica, epistemológica, psicológica, social, cultural e histórica”, em que todas essas dimensões são simultâneas. Nesse contexto, aderimos às considerações eitas por Campos e Rouquette (2003) e de Arruda (2009), para os quais a dimensão aetiva é mais do que um pano de undo ou menção passageira, uma vez que opera na estruturação do núcleo central das representações, em que o aeto e a cognição caminham juntos na relação sujeito-objeto. Como observamos na ala de uma moradora de Nova Iguaçu da área rural que não oi desapropriada e que ficou isolada na localidade: Meus parentes oram desapropriados [reere-se a sua amília que morava no mesmo terreno que ela]. Minha avó de oitenta anos morreu por causa de desgosto, minha avó de setenta anos também morreu, tudo por causa desta estrada [chora e fica em silêncio]. Ah! se essa estrada não passasse... fiquei eu e meus três filhos... moro a 28 anos, sou nascida e criada ali.
rata-se do território das pessoas. Haesbaert (2002) sustenta que o território, tal como Hall (1977), é um espaço dotado de identidade constituída pelas pessoas, um ato ou dimensão cultural. Pensar o território é pensá-lo política e culturalmente, uma vez que é uma produção simbólica indissociável das relações de poder. Essa dimensão cultural deveria ser considerada no planejamento de intervenções territoriais, o que Hall (1977) salienta ao dizer ser [...] preciso que arquitetos, planejadores urbanos e construtores convençam-se de que, para evitar a catástroe, devem começar a ver o homem como um interlocutor de seu ambiente, um ambiente que estes mesmos planejadores, arquitetos e construtores estão agora criando, com pouca reerência as necessidades proxêmicas 3 do homem (Hall, 1977, p. 17).
Esta dimensão oculta pode ser explicitada por meio de pesquisas acerca de representações sociais? Parece-nos que sim, no caso do Arco Metropolitano, pois se trata de uma “situação-limite” (Ewald, 2005, p. 224), em que há um “desconorto” da população das áreas do entorno da obra.
Método O estudo ocaliza a articulação entre representações sociais (Jodelet, 1995; Moscovici, 2010) e metáoras (Lakoff & Jonhson, 2002). Considerando a hipótese da existência da “zona muda” proposta por Abric (2003a; 2003b), parece relevante utilizar a técnica de indução de metáoras (Andrade & Souza, 2008; Mazzotti, 1998). Segundo Mazzotti (1998), as metáoras caracterizam-se por serem esquemas organizadores do discurso, dos processos cognitivos e aetivos que assimilam o ‘novo’. Parece que a identificação de metáoras que condensam e coordenam representações sociais permite apreender os conteúdos silenciados nas representações
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ermo criado pelo autor para se reerir a observações e teorias interrelacionadas, relativas ao uso que o homem az do espaço como elaboração especializada da cultura.
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sociais, ao evidenciar os antagonismos entre o que se diz e o que se pensa. Nessa primeira etapa de coleta e análise de dados, analisamos discursos das entrevistas indi viduais e coletivas semi-estruturada realizada com moradores (12), lideranças comunitárias (8) e proessores (5) que atuam nas áreas de influência direta nos cinco municípios de impacto direto onde está sendo construída a rodovia (Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Japeri, Seropédica e Itaguaí). Os sujeitos oram selecionados por terem participado dos encontros proporcionados pelo Programa de Educação Ambiental do Arco Metropolitano ou em Audiência Pública relacionada ao Arco, em seus respectivos municípios. Os sujeitos da pesquisa oram encorajados a responder a pergunta indutora de metáora: “Se o Arco Metropolitano osse um animal, que animal seria? E por quê?”. As inormações colhidas oram analisadas neste primeiro momento segundo a técnica de análise retórica, na qual as metáoras são tomadas como suporte metodológico da pesquisa em andamento intitulada “Representações sociais dos impactos socioambientais do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro nas práticas de Educação Ambiental no seu entorno”. Pela análise retórica podemos identificar e apreender os esquemas utilizados para persuadir, como as metáoras e as metonímias (Mazzotti, 2008). Assim, neste trabalho adotamos para a análise do discurso a proposta de Perelman (2002), que busca a unção interpretativa por meio das técnicas usuais nas atividades retóricas, por meio de um modelo investigativo que se sustenta nas perguntas: Quem ala? Para quem ala? Onde ala? Por que ala? A análise retórica é empregada na busca da analogia entre o tema e o oro para apreender as figuras de pensamento metáora e metonímia. O tema é o que se quer significar ou resignificar; e o oro é de onde se extrai os significados a serem transeridos ao tema. A análise retórica de documentos teve por corpus o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Arco Metropolitano, bem como, o vídeo oficial de apresentação da rodovia, para verificar a adesão dos atores sociais ao discurso por este veiculado.
Resultados Autores do estudo de impacto ambiental
Ao levantar as autorias do EIA, por meio da identificação de sua ormação, do local em que residem e o discurso em que se sustenta a necessidade do Arco, constata-se que é um grupo taxonômico urbano, 78% deles residem na região metropolitana da Cidade do Rio de Janeiro. A maioria de seus membros é de engenheiros (23%) e sociólogos (23%), seguidos de arqueólogos (15%), biólogos (12%) e técnicos de geoprocessamento (12%), 4% de outros técnicos. Seus discursos sustentam a necessidade do Arco, apresentando uma representação de região geopolítica produzida a partir de uma perspectiva urbana, evidenciada pela metáora “vazio demográfico”, utilizada para caracterizar a zona rural da Região. Observa-se a presença desta metáora nos mapas (Figura 2) que diundem o traçado, no Estudo de Impacto Ambiental do Arco (EIA, 2007), elaborado pelo Consórcio Concremat ecnosolo Ltda. em 2007. A afirmação de que se trata de um “vazio demográfico” é identificável também em trechos do EIA, como aparece no Histórico da Justificativa do Empreendimento: [...] a RJ-109 procura se compatibilizar com os zoneamentos municipais, desenvolvendo-se sem conflitar com as áreas densamente habitadas, apresentando, ainda, a vantagem de se localizar em áreas de ocupação rareeita, portanto com menos impactos e com custos de desapropriações menos onerosas (EIA, Capítulo segundo, 2007, p. 8).
Aqui, a visão urbana do autor desconsidera o não urbano como justificativa para parar o projeto do Arco, pois a maior parte da área apresenta baixa densidade demográfica, ou “ocupação rareeita”, portanto produzindo “menos impactos”, donde “custos de desapropriações menos onerosas”. Professores de áreas limítrofes do Arco
O grupo institucional de proessores da área limítroe ao Arco considera que ele pode ser como
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um “boi”, com sua orça para derrubar o que está pelo caminho e proporcionar o desejável: agilidade do transporte. Esse grupo passa boa parte de seu tempo no trânsito entre uma escola e outra, bem como para suas residências. Esses proessores assistiram ao vídeo oficial de apresentação do Arco e aderem ao seu discurso afirmando a agilidade no transporte, mas não acreditam em outras melhorias para a população. Ao que parece, a representação social desse grupo é que constitui parte da “população esquecida”, a qual está “pagando o preço” por uma melhoria incerta. Essa incerteza parece ser a respeito de outras melhorias, além da agilidade presumida no luxo de veículos. Como airma Arruda (2009, p. 86), “confiar, acreditar, é preciso, para agir e interagir”, o que não parece ocorrer com os proessores entrevistados. De ato, nas entrevistas há duas vertentes nas considerações acerca do Arco: (a) a que tem esperança nas melhorias; (b) a descrente. ais vertentes podem ser verificadas por estas duas transcrições: A nossa esperança, que ele [o Arco], seja como um boi. O boi é um animal que a única coisa que não aproveitamos dele é o mugido, o resto, tudo você vai aproveitar. (Proessor E. em Duque de Caxias) Sou descrente nessa melhoria, porque o pessoal da Baixada é totalmente esquecido...vem pessoal do nordeste para trabalhar aqui, mas o pessoal de Caxias mesmo, não tem oportunidade, tem que acordar 5 horas da manhã para ir trabalhar no Rio [centro], sendo que tem uma empresa ao lado de sua casa. O negócio é “pagar” pra vê. (Proessor I. em Duque de Caxias)
Como grupo institucional, os proessores não parecem apresentar uma representação social do Arco, mas opiniões. Ainda que essas tenham eficácia para organizar seus discursos, esses não são definitivos e estruturados. Moradores
As metáoras produzidas pelos moradores e líderes comunitários mostram sentimentos mais ortes de impotência perante o objeto. Para eles, a auna e a flora são percebidas e evidenciadas pelos técnicos e ambientalistas, enquanto estes agentes
desconsideraram a população ao desenharem o traçado do Arco. Disseram que: Da onde ele veio ele se impõe independente da consulta ou da vontade da população... oi desapro priando valores,... ninguém aceita, mas... vem eroz como um leão... aspessoas sentem que o poder dele é como se osse de um rei... não dá importância para nada na sociedade.(Líder comunitário de Itaguaí) Eu acho uma covardia, somos ormiga brigando contra um eleante. (Líder Comunitário de Nova Iguaçu) O que eu fiquei chateada, é que, as árvores são importantes, mas tinha um senhor que recebeu vinte e cinco mil por um bambuzal... eu que tinha uma moradia com duas crianças recebi cinco mil e novecentos reais. (Moradora desapropriada de Nova Iguaçu)
Com o início das obras, nas Áreas de Influência Direta (AID4), populações urbana ou rural oram desapropriadas. Nas glebas rurais a invasão de máquinas e equipamentos, bem como de pessoas, impede que seus ex-proprietários mantenham-nas como produtivas. Estes ex-proprietários impediam a entrada de estranhos que ali pretendiam caçar animais, bem como extrair plantas, agora estão impedidos de azê-lo. Instalou-se um conflito, que não aparece na imprensa, por isso “invisível” para os que estão distantes da situação. Como estão estruturados os laços aetivos e de pertencimento dos desapropriados com sua antiga propriedade e entre os vizinhos? Quais são os impactos socioambientais do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro? As ações de educação ambiental desenvolvida centram-se nos aspectos de preservação da flora e auna desconsiderando as populações humanas? O Arco corta não apenas o espaço ísico, mas principalmente o espaço social, os territórios.
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No Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), as áreas de influência direta para o meio ísico, a partir do traçado, são ladeadas por aixas marginais com um mínimo de 1 km para cada lado. Para o Meio Biótico incluiu trechos externos às aixas de 1 km, delimitados por ambientes lorestais, cursos d’água ou áreas de preservação atingidas pelo empreendimento. Nos estudos sociais e econômicos, oi estabelecido o conjunto das comunidades diretamente aetadas, como bairros, distritos e localidades atingidas pelas obras e estruturas de apoio, principalmente quando identificadas as necessidades de desapropriação e/ou relocação.
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Por isso a necessidade de investigar as práticas de Educação Ambiental desenvolvidas nestas áreas.
Conclusões A pesquisa em curso permitiu identificar três conjuntos de metáoras que coordenam e condensam significados acerca do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro produzidas pelos técnicos que elaboraram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), pelos proessores da área de influência direta da obra, e de moradores e lideranças comunitárias da mesma área. Os engenheiros, sociólogos, arqueólogos, biólogos e técnicos de geoprocessamento consideram que a área rural apresenta baixa densidade populacional, como se osse um vazio demográfico. Por esta razão, os custos de desapropriações e os impactos sociais são considerados mínimos. Os proessores entrevistados consideram que o Arco é como um “boi”, que avança sobre o espaço ísico e social, mas também viabiliza o transporte. Essa metáora, pelas explicações oerecidas pelos entrevistados, expressa uma relação ambígua para com o Arco. Ele seria uma promessa de melhoria na circulação, mas não parece que produzirá melhorias na vida das populações de seu entorno. As lideranças comunitárias e moradores julgam que o Arco é como um animal poderoso, capaz de tudo destruir, como um “eleante” ou um “leão”. A impotência dessas populações, que não oram consultadas e cujas poucas iniciativas mostraram-se inrutíeras, se expressa tanto pelas metáoras que utilizam, quanto pela comparação entre valores pagos por desapropriações. Além disso, o Arco recortará seus territórios sociais, sem que tenham meios para acederem áreas anteriormente ligadas, bem como aastaram amiliares que vivam na mesma área há mais de 40 anos. Em lugar de um “vazio demográfico” há ou havia territórios sociais recortados pelo Arco. As preocupações dos que se identificam como ambientaistas oram sempre com a auna, a flora e com possíveis vestígios arqueológicos, enquanto as populações humanas ficaram invisíveis. Estas, por sua vez, não conseguiram organizar alguma ação eetiva para remodelar o traçado, mesmo quando
mostraram que áreas da flora seriam destruídas, utilizando os argumentos ambientalistas. As organizações não governamentais de ambientalistas não parecem ver as populações rurais, bem como as urbanas das perierias, dos bairros constituídos pela população de trabalhadores manuais. alvez o rural não seja compreendido pelos ambientalistas porque suas práticas são undamentalmente urbanas e apreendem o nãourbano por meio de um modelo sistêmico em que as trocas energéticas abstraem os humanos. Ainda que alem em socioambientalismo, o social é uma abstração sustentada em uma economia política voltada para um equilíbrio similar ao que dizem ser o orgânico. Esta hipótese precisa ser corroborada pelo exame de documentos e entrevistas com os agentes de educação ambiental, uma vez que são eles os produtores diretos da representação social de Ecologia. O que podemos sustentar é que as metáoras utilizadas nos documentos e pelos entrevistados mostram que o Arco é um objeto social representado tanto como indutor de desenvolvimento sustentável, pelos técnicos; ambíguo, pelos proessores; e destruidor de relações sociais humanas, por lideranças e moradores, os quais são impotentes perante a orça dos agentes que participam de sua construção.
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AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE INCLUSÃO EDUCACIONAL PARA PROFESSORES DE MATEMÁTICA Ana Paula Silva Oppenheimer Forte1 Alcina Maria Testa Braz da Silva2
Introdução Este trabalho tem como proposta oerecer uma relexão crítica sobre o tema da inclusão educacional junto aos proessores de Matemática, enatizando a necessidade de se rever conceitos, crenças, convenções e representações que, ao longo dos anos, vêm sendo construídas e cristalizadas no contexto escolar e nos cursos de ormação docente. A noção de Representação Social para a compreensão de atos educacionais, segundo Gilly (2001), “orienta a atenção sobre o papel de conjuntos organizados de significações sociais no processo educativo” (p. 321). Apesar dos estudos desenvolvidos no Brasil sob o enoque teórico das Representações Sociais no campo educacional terem iniciado em meados de 1980 conorme é destacado por Carvalho (2001), Madeira (2001) e Sousa (2002) afirmam que esse é um campo que tem crescido e buscado consolidação no meio científico. O trabalho apresentado neste artigo constitui um recorte da pesquisa realizada no Programa de Pós–Graduação em Psicologia, no curso de Mestrado da Universidade Salgado de Oliveira / UNIVERSO, etem como objetivo analisar as representações sociais no discurso dos proessores de matemática em serviço (ensino undamental e médio) e em ormação (UERJ, UFRJ e UNIVERSO).
consistiram em coletar os discursos de proessores em duas ases: Na ase I oram realizadas três entrevistas junto a 03 proessores (01 proessor em serviço e 02 em ormação), as entrevistas oram gravadas e depois de transcritos literalmente, os dados oram submetidos através da técnica de Análise de Discurso (Orlandi,1999, Vergara, 2005). Na ase II oram aplicados 20 questionários, com questões semiestruturadas junto à 20 proessores de Matemática (15 proessores em ormação nos cursos de licenciatura em Matemática e 05 proessores em serviço na rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro). Os dados oram analisados através da Análise Categorial emática. Durante a análise nas duas ases da pesquisa (questionários e entrevistas), ambas as análises oram com o suporte do sofware ALAS.ti (Muhr, 2001) que permitiu proceder a uma análise a partir da geração de redes semânticas para identificação das representações sociais presentes nesses discursos. O discurso tanto dos proessores de matemática em serviço (ensino médio e undamental II), assim como para os proessores em ormação nos cursos de licenciaturas em Matemática oram analisados segundo categorias por nós estabelecidas a partir da ala dos entrevistados e dos participantes durante a aplicação dos questionários, tais como: “Visão de Inclusão”.
Método Procedimentos da pesquisa
A investigação se inscreve na perspectiva qualitativa e de caráter exploratório, segundo Ludke e André (1986), a pesquisa qualitativa “envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no cotidiano direto do pesquisador com a situação estudada, enatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes” (p. 13). As etapas desta pesquisa de Mestrado
O percurso da pesquisa pode ser mais bem visualizado no Quadro 1, a seguir:
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Proª Msc. – Universidade Salgado de Oliveira/UNIVERSO/RJ Instituto Federal de Educação, Ciência e ecnologia do Rio de Janeiro/ IFRJ e PPG em Psicologia – Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO
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Quadro 1 – Procedimentos da pesquisa DESENHO DA PESQUISA E PROCEDIMENOS SUJEIOS S U COLEA ANÁLISE PARICIPANES D O ESUDO AS ENREVISAS PILOO écnica de Análise de rês (03) proessores de Matemática Discurso (02 em ormação e 01 em serviço na rede pública Entrevistas de ensino da cidade do Rio de Janeiro) 1ª OS QUESIONÁRIOS Análise F Categorial Vinte (20) professores de Matemática A emática Cinco (05) proessores em serviço S Ensino Fundamental II e Médio E
OBJEIVOS
Estudo exploratório acerca do objeto de investigação
Quinze (15) professores em formação
Cinco (05) licenciandos da UERJ Ambos com o suporte do Cinco (05) licenciandos da UNIVERSO ALAS Cinco (05) licenciandos da UFRJ Questionários
Resultados e Discussão O recorte deste artigo oi sobre o estudo exploratório acerca do objeto de investigação, oi abordado em duas ases; para cada ase oram utilizados instrumentos de coleta de dados dierentes, tais como: entrevistas e questionários. Fase I – As entrevistas
A primeira ase consistiu na realização de três entrevistas com proessores de matemática em ormação e em serviço (Ensino Fundamental II e Médio). abela 1 – Perfil dos participantes Identificação Sexo Idade Formação Entrevista A Masculino 39 anos Incompleta Entrevista B Feminino 35 anos Incompleta Entrevista C Feminino 27 anos Completa Conorme a tabela 1 é possível observar que participaram das entrevistas três proessores, sendo distribuídos da seguinte maneira: um proessor de matemática em exercício, ormado no Curso de
Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 39 anos de idade; duas proessoras em ormação dos cursos de Licenciatura em Matemática da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO e da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, na aixa etária entre 20 e 40 anos, com ormação incompleta. Fase II – Os Quesonários
A segunda ase consistiu na aplicação de vinte questionários com proessores de Matemática em serviço e em ormação conorme será apresentado na tabela 2. De acordo com a tabela 2, oi possível observar que entre os 20 proessores que participaram da pesquisa, 55% (11 proessores) são do sexo masculino e 45% (9 proessores) são do sexo eminino. Desse universo apresentam idade variando entre 20 a 50 anos de idade, sendo que 1% (1 proessor) com menos de 20 anos de idade e 1% (1 proessor) com mais de 50 anos de idade. Em relação ao nível de escolaridade é importante destacar que o grupo 2, proessores em ormação, encontramos proessores que estão azendo um segundo curso de graduação.
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abela 2 – Perfil dos participantes sujeito sexo idade p1 p2 p3 p4 p5 p6 p7 p8 p9 p10 p11 p12 p13 p14 p15 p16 p17 p18 p19 p20
masculino masculino masculino masculino eminino eminino eminino eminino eminino masculino masculino masculino masculino eminino masculino masculino masculino eminino eminino eminino
20 anos 29 anos 32 anos 44 anos 49 anos 21 anos 20 anos 23 anos 29 anos 30 anos 23 anos 21 anos 50 anos 33 anos 44 anos 48 anos 44 anos 31 anos 54 anos 19 anos
formação completa completa completa completa completa incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta incompleta
Análise das entrevistas e dos quesonários com o suporte do ATLAS. É importante destacar que, tanto nas entrevistas como durante a aplicação dos questionários, a categoria “Visão de Inclusão” diz respeito a um conjunto de signiicaçõesmaniestadas no discurso dos proessores de matemática em serviço (Ensino Fundamental II e Médio) e em ormação nos cursos de Licenciatura em Matemática sobre as condições de trabalho, as condições concretas das escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro e aspectos socioculturais de sua clientela, tais como: a inexistência de inclusão/ negação/ausência, a or-
em serviço (grupo 1)
em formação (grupo 2)
local escolas públicas – rj escolas públicas – rj escolas públicas – rj escolas públicas – rj escolas públicas – rj UERJ UERJ UERJ UERJ UERJ universo universo universo universo universo UFRJ UFRJ UFRJ UFRJ UFRJ
mação acadêmica, as dierenças sociais, os pontos negativos e positivos da inclusão. Por outro lado, no âmbito desta análise, verifica-se que os participantes, em geral, revelaram que a categoria “Visão de Inclusão” é problemática, sendo quase “um beco sem saída”, o verdadeiro lócus onde os problemas da prática pedagógica ocorrem. A seguir serão apresentadas as Redes Semânticas (redes de significados) destacando as seguintes subcategorias: “Dierenças sociais”, “A inexistência da inclusão/negação/ausência”, “Formação acadêmica”, “Pontos positivos da inclusão” e “Pontos negativos da inclusão” obtidas pelas análises realizadas com o suporte do sofware ALAS.ti nas duas ases do Estudo Piloto (entrevistas e questionários).
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Análise das redes semâncas As Entrevistas: Redes Semânticas: Visão de Inclusão – Entrevista A, B e C3 Figura 1 – Visão de Inclusão
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Legenda: Cor Azul – Categoria Cor verde – Subcategorias Cor Branca – Elementos Representativos
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Os Questionários Redes Semânticas: Visão de Inclusão – Grupo 14 Figura 2 – Visão de Inclusão Redes Semânticas: Visão de Inclusão – Grupo 2
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Grupo 1: Proessores em serviço Grupo 2: Proessores em ormação
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Figura 3 – Visão de Inclusão
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Apresentamos a seguir a discussão da análise reerente à ase exploratória da pesquisa, conorme a categoria “Visão de Inclusão”, as subcategorias e os elementos representativos correspondentes que emergiram no discurso dos proessores, em exercício e uturos profissionais, durante as três entrevistas e os 20 questionários. Os resultados encontrados sinalizam a existência de inúmeras barreiras que impedem que a Educação Inclusiva se torne realidade. Entre elas, algumas bastante significativas, têm sido apontadas pela pesquisa as seguintes: o despreparo dos proessores; o número excessivo de alunos nas salas de aula; a precária ou inexistente de acessibilidade ísica nas escolas; a rigidez curricular dos cursos de Licenciaturas; desvalorização profissional; desmotivação dos proessores; a descrença pela educação de qualidade para todos. •
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A teoria das Representações Sociais permitiu o entendimento da relação dinâmica existente entre o cotidiano da ormação e da prática dos proessores de matemática, com vistas a se olhar a Inclusão Educacional como um enômeno social, mobilizador de opiniões, de atitudes, crenças e condutas. A inexistência da inclusão no discurso destes proessores de matemática está associada a alta um proessor especializado para atender a pessoa com deficiência e conorme a ala a seguir: “nós temos a Educação que não tem essa inclusão, alta equipamentos e livre acesso. Existem outros interesses, [...] eles não pensam em atender a todos, a qualquer deficiência e até ao deficiente ísico” (Entrevista B/ em ormação). Observamos em outro relato que inclusão “que a inclusão sempre oi de orma condicionada e, na verdade, ela não existe na prática, conorme trecho destacado: “Eu vejo que ela não existe na prática [...] Porque existem pessoas que não querem que ela exista. Literalmente é isso” (Entrevista C/em serviço). No entanto, o que nos chama a atenção nos discursos destes profissionais é que, na prática, a
inclusão não existe, e esse discurso de inexistência é presente mesmo estando consciente de que a inclusão: “É um direito, e é o correto. Mas há uma lacuna entre ter o direito e azer com que o direito seja assegurado” (P.11/Grupo 2). Para os proessores em serviço e em ormação que participaram deste estudo piloto, o grande desafio do proessor de matemática que atua na Educação Inclusiva está na sua ormação acadêmica e conorme os relatos, “altou ormação específica para lidar com tal processo” (P. 1/ Grupo 1); a sua ormação oi “raca, não há obrigatoriedade de se aprender a lidar com o processo de Inclusão” (P.6/ Grupo 1), assim lamentam pela alta de inormação e destacam que é “na ormação que o proessor deve aprender como lidar com a inclusão” (P.5/ Grupo 1). Para Mizukami (2002), de maneira geral, as licenciaturas não têm adotado modelos ormati vos com uma orientação inclusiva para a atuação profissional, e este é um ato preocupante, pois os alunos com necessidades educativas especiais, bem ou mal, estão sendo incluídos. A inclusão na prática docente, não existe inclusão, e esta dificuldade de incluir os alunos com necessidades educativas especiais são apresentadas no discurso desses profissionais e uturos profissionais como o mal-estar docente, causado pela des valorização profissional, como os baixos salários, o excesso de trabalho e a dificuldade de buscar uma atualização e uma capacitação profissional. Esses aspectos acima oram destacados como os atores que não permitindo uma atuação responsá vel e comprometida com uma educação de qualidade para todos, conorme os extratos a seguir: O proessor precisa trabalhar muito em vários lugares por causa da remuneração, ainda mais o proessor de escola pública e, para trabalhar com aluno com esse tipo de deficiência, ele tem que ter um tempo disponível para isso, tanto para ele estar se reciclando como para ele doar esse tempo para o aluno (Entrevista A/em ormação). Primeiro, o proessor precisa ser bem remunerado, pois ganhando bem o proessor melhora sua qualidade profissional (P.5/ Grupo 2).
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A maior incidência nas respostas destes participantes recaiu na necessidade de ormação consistente que propicie um contato maior com os alunos com necessidades educativas especiais e, principalmente, poder vivenciar na prática esse processo de Inclusão Educacional, conorme a ala a seguir: “os proessores devem ser bem preparados e instruídos, sempre estimulados e acompanhados no desenvolvimento de seu trabalho para terem um bom desempenho” (P.6/ Grupo 2). O ponto negativo que está imbricado à ormação precária é o proessor de Matemática que sem acesso a ormação no discurso desses profissionais terá dificuldade de adaptação a esse novo seguimento, os alunos com necessidades educativas especiais, pela ausência de técnicas específicas, pela própria limitação dos alunos com necessidades especiais de aprenderem uma disciplina que é abstrata. Para Assmann (1998), “o conhecimento se constrói sobre a base de um novo novelo de ações, e é sobre a lógica desse entremeado de ações que é preciso agir para poder, justamente, abri-lo para a flexibilidade e a transormação” (p. 43). Sendo assim, acreditamos que a ormação não termina nos cursos de Licenciatura em Matemática, ela deve ser contínua, dando a oportunidade a esses profissionais de relacionarem conhecimento e prática através do processo dialético necessário a uma prática docente eetiva. Nesse sentido, concordamos com Oliveira (2003), de que a Inclusão Educacional ainda é pouco inclusiva. Esses profissionais, conorme as alas apresentadas culpam a ormação docente, a disciplina, a desvalorização profissional, os próprios alunos com necessidades educativas especiais, a alta de acesso e acessibilidade, e justificam de diversas maneiras a inexistência da inclusão em unção dos diversos atores que oram organizados para negar o seu papel de educador comprometido com a eetivação de uma Educação de Qualidade para odos, sem nenhuma orma de discriminação. Entretanto, conorme os dois grupos de proessores participantes deste estudo exploratório, observamos que o “ponto positivo da inclusão” está relacionada a ormação acadêmica adequada e que tenha como princípio ormar profissionais que tenham uma ormação competente e profissionais
inovadores e motivares, conorme a ala a seguir: “o ideal seria que todos os cursos de graduação para proessores fizessem, de alguma orma, uma adaptação em seus programas para especializar e adequar o uturo proessor a lidar com alunos com necessidades educativas especiais (P.1/Grupo 1). No entanto, conorme Dias, Silva e Braun (2007), o ponto positivo da inclusão não está somente na ormação acadêmica, mas reere-se ao modo de ensinar, às atitudes adotadas pelo proessor diante do processo ensino e aprendizagem, à relação de colaboração estabelecida entre os alunos com e sem deficiência e entre os proessores e os especialistas.
Conclusões Concluirmos que alguns resultados da presente pesquisa podem ser interpretados como um pedido de socorro dos proessores. A maioria dos proessores investigadas consegue perceber que possuem poucos recursos e sua ormação acadêmica não é a ideal para lidar com seus alunos de maneira adequada. Necessitam de ajuda especializada para orientar o seu trabalho durante o processo de inclusão. Os alunos com necessidades educativas especiais precisam ser atendidas em locais específicos. Ainda que estes pedidos pareçam, por um momento medicalizadores ou segregadores, as dificuldades de inclusão educacional, nos remetem, por outro lado, a uma percepção dos proessores de que, algo não vai bem. Porém, sentem-se impotentes diante de tantos desafios. Mas, em meio a tantas dificuldades, os proessores destacam que precisam reverter este processo. Destacaram ainda a necessidade de uma política pública de ormação que trate de maneira ampla, simultânea e de orma integrada tanto a ormação inicial como as condições de trabalho deste profissional, assim como, uma melhor remuneração e ormação continuada. Assim, acreditamos que cuidar da valorização dos docentes, da sua ormação e de um currículo vivo são medidas undamentais para a inclusão educacional.
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“BOM ALUNO”: SUPOSTA ZONA MUDA DE SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 1 Andreza Maria de Lima2
Introdução O termo “bom aluno” é comumente utilizado em uma série infindável de lugares sociais. O contato com o cotidiano de escolas municipais que oerecem os anos iniciais do Ensino Fundamental da cidade do Recie-PE, por exemplo, possibilitou perceber constantes reerências de proessores ao termo “bom aluno”. No âmbito pedagógico, essa expressão esteve vinculada, até os anos de 1970, sobretudo, a concepções de aprendizagem que reduzem o aluno a um sujeito passivo diante do objeto de conhecimento. Não obstante, o contexto de redemocratização do país, na década de 1980, propiciou condições avoráveis às discussões educacionais que questionaram o reducionismo a partir do qual era concebido o aluno. A partir desse período, registrou-se a diusão das pedagogias de Paulo Freire, Demerval Saviani e José Carlos Libâneo, das abordagens construtivista e sócio-construtivista da aprendizagem, bem como de políticas educacionais para o Ensino Fundamental, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) e as de ciclos que, para além das particularidades, deendem que o processo de aprender nada tem de mecânico do ponto de vista da criança que aprende. Este artigo recorte de pesquisa desenvolvida durante o curso de Mestrado em Educação na UFPE, teve como objetivo analisar o conteúdo geral e possível estrutura interna das representações sociais do “bom aluno” construídas por proessoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Rede Municipal do Recie-PE. O pressuposto subjacente é de que novas práticas educacionais nas quais as docentes estão imersas estariam intererindo nessas representações. Na revisão de literatura, constatamos que oi a partir da democratização da escola pública, na década de 1980 do século passado, que o “bom aluno” oi reconhecido em pesquisas que buscavam compreender os atores
intraescolares na produção do racasso escolar. A partir dos anos de 1990, passa a ser enatizado em estudos com distintas preocupações e reerenciais teórico-metodológicos (Rangel, 1997; Donaduzzi, 2003; Novaes, 2005; Luciano, 2006; Munhóz, 2007; Pinheiro, 2007, entre outros). Não obstante, constatamos que não há uma literatura vasta sobre o tema. Não obstante, constatamos que não há uma literatura vasta sobre o objeto. Localizamos vinte e um textos, publicados entre 1980 e 2008. Esses estudos evidenciaram a complexidade do objeto ao apontarem que concorrem para a construção simbólica do “bom aluno” elementos relacionados a questões como saúde, limpeza, cor, gênero, amília, atitudes e aprendizagem. A eoria das Representações Sociais inaugurada por Serge Moscovici oi o reerencial orientador da pesquisa, porque relaciona processos cogniti vos e práticas sociais, recorrendo aos sistemas de significação socialmente elaborados. Esta teoria desdobra-se em três correntes teóricas complementares: uma mais fiel à teoria original e associada a uma perspectiva antropológica, liderada por Denise Jodelet, em Paris; outra que articula a teoria original com uma perspectiva mais sociológica, proposta por Willem Doise, em Genebra; e uma que enatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações, chamada eoria do Núcleo Central, proposta por Jean-Claude Abric. Nesta pesquisa, adotamos esta última abordagem, porque toma como uma dimensão irrecusável as relações entre práticas e representações. Embora reconhecendo que outros trabalhos investigaram este objeto a partir da teoria proposta por Moscovici (Rangel, 1997; Donaduzzi, 2001; Luciano, 2003), não encontramos produções que o estudaram a partir da
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Apoio: Coordenação de Apereiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
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eoria do Núcleo Central. Consideramos o estudo relevante, pois além de adotar um suporte teórico pouco explorado nos estudos sobre o “bom aluno”, seus resultados suscitam reflexões acerca do que docentes pensam e esperam dos alunos e sinalizam novas sensibilidades para práticas ormadoras e políticas educacionais.
A Teoria das Representações Sociais A eoria das Representações Sociais surgiu com a obra seminal do psicólogo social romeno naturalizado rancês Serge Moscovici, intitulada “La psycanalise: son image et son public” publicada pela primeira vez na França, em 1961. Nesta obra, Moscovici apresenta um estudo, realizado em Paris no final da década de 1950, em que tenta compreender o que acontece quando uma teoria científica como a Psicanálise passa do domínio dos grupos especializados para o domínio comum. Para explicar esse enômeno, Moscovici cunha o termo representações sociais e operacionaliza, ao mesmo tempo, um modelo teórico aplicável a outros enômenos. Com esse estudo, Moscovici introduz um campo de estudos renovador no âmbito da Psicologia Social. Mas o objetivo do autor ultrapassa a criação de um campo de estudos, pois busca, sobretudo, redefinir os problemas da Psicologia Social a partir do enômeno das representações insistindo na sua unção simbólica de construção do real. A eoria das Representações Sociais é um reerencial teórico que trabalha o campo das produções simbólicas do cotidiano. Moscovici (1978) evidencia que essas produções não podem ser compreendidas em termos de vulgarização ou distorção da ciência, pois se tratam de um tipo de conhecimento adaptado a outras necessidades, obedecendo a outros critérios. Com eeito, conorme esclarece Sá (1998), Moscovici afirma que coexistem nas sociedades contemporâneas dois universos de pensamento: os consensuais e os reificados. Nos últimos se produzem as ciências em geral; nos consensuais são produzidas as representações. Moscovici (1978) afirma que a passagem do nível da ciência ao das representações sociais, isto é, de um universo a outro, implica uma descontinuidade e não uma variação do mais ao menos.
Arruda (2002) assinala que Moscovici reabilita o saber do senso comum, antes considerado equivocado. Moscovici (1978) ressalta que as representações não podem ser reduzidas a simples resíduos intelectuais sem relação alguma com o comportamento humano criador, pois “possuem uma unção constitutiva da realidade, da única realidade que conhecíamos por experiência e na qual a maioria das pessoas se movimenta” (p.27). Jodelet (2001) acrescenta que “trata-se de um conhecimento ‘outro’, dierente da ciência, mas que é adaptado à ação sobre o mundo e mesmo corroborado por ela” (p.29). A reerida autora assinala que sua especificidade constitui-se em um objeto de estudo epistemológico não apenas legítimo, mas necessário para compreender plenamente os mecanismos de pensamento.
A Teoria do Núcleo Central A eoria do Núcleo Central surgiu em 1976 através da tese de doutoramento de Jean-Claude Abric, deendida na Université de Provence, sob a orma de uma hipótese geral a respeito da organização interna das representações, qual seja: toda representação está organizada em torno de um núcleo central que determina, ao mesmo tempo, sua significação e organização interna. Em outras palavras, Abric deende, naquela ocasião, que não apenas os elementos da representação seriam hierarquizados, mas que toda a representação seria organizada em torno de um núcleo central que estrutura como a situação é representada e determina os comportamentos. Essa hipótese surge em estreita continuidade aos trabalhos conduzidos por Abric sobre as relações entre representações sociais e comportamento. Segundo Abric (2003), as representações se organizam em torno de um sistema central, porque em todo “pensamento social, certa quantidade de crenças, coletivamente produzidas e historicamente determinadas, não podem ser questionadas, posto que elas são o undamento dos modos de vida e garantem a identidade e a permanência de um grupo social” (p. 39). Conorme o autor, o sistema central desempenha três unções: geradora (é o elemento pelo qual se cria ou se transorma a significação dos
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outros elementos), organizadora (ele determina a natureza das ligações entre os elementos de uma representação) e estabilizadora (seus elementos são os que mais resistem à mudança). Uma série de trabalhos colocou em evidência que existem dois grandes tipos de elementos no núcleo central: os normativos e os uncionais (Sá, 2002). Segundo Abric (2003), os normativos são originados do sistema de valores se constituindo, pois, na dimensão undamentalmente social do núcleo; já os uncionais estão associados às características descritivas do objeto nas práticas sociais. Abric (2003) afirma que, embora os conteúdos do núcleo sejam estáveis, “ são susceptíveis de serem ativados dierentemente, segundo o contexto social” (p. 43). Assim, dentro do conteúdo estável que compõe o núcleo central, alguns elementos, em uma dada situação, vão ser mais utilizados que outros. Menin (2006), com base em Abric (2003), afirma que os elementos da representação que são contra normativos, isto é, as crenças que não são expressas pelo sujeito em condições normais de produção, por entrar em conflito com valores morais ou normas do grupo, ez surgir a hipótese da zona muda3. Menin (2006) pontua que o autor, partindo da consideração de que os elementos centrais podem ser uncionais ou normativos, afirma que os da zona muda seriam, sobretudo, os normativos, pois são mais ligados a avaliações e valores do grupo de pertença do indivíduo. Conorme a eoria do Núcleo Central, os outros elementos que entram na composição das representações azem parte do sistema periérico, que desempenha um papel essencial no seu uncionamento. Conorme Abric (2000), esse sistema é dotado de grande flexibilidade, pois preenche as seguintes unções: concretização (permite que a representação seja ormulada em termos concretos), regulação (permite a adaptação às mudanças no contexto), prescrição de comportamentos (garante o uncionamento instantâneo da representação como grade de leitura de uma dada situação, possibilitando orientar tomadas de posição), modulações personalizadas (permite a elaboração de representações individualizadas relacionadas às experiências pessoais) e proteção do núcleo central (absorve e reinterpreta as inormações novas
suscetíveis de por em questão os elementos do núcleo central). Uma representação social, para a eoria do Núcleo Central, é um conjunto organizado e estruturado de inormações, crenças, opiniões e atitudes, composta de dois subsistemas: central e periérico. O central constitui crenças, valores e atitudes historicamente associados ao objeto. O periérico está mais associado às características individuais e ao contexto imediato e contingente. Por isso, conorme Sá (1998), a eoria atribui aos elementos centrais as características de estabilidade, rigidez e consensualidade e aos periéricos um caráter mutável, flexível e individual, o que permitiu solucionar teoricamente o problema empírico de que as representações exibiam características contraditórias, já que se mostravam ao mesmo tempo estáveis e mutáveis, rígidas e flexíveis, consensuais e individualizadas” (p.77).
Metodologia A análise das representações, segundo a eoria do Núcleo Central, exige que sejam conhecidos conteúdo, estrutura interna e núcleo central. Por isso, utilizamos uma abordagem plurimetodológica. Neste artigo, apresentamos recorte da primeira ase do estudo, que teve como objetivo analisar o conteúdo e possível estrutura das representações do “bom aluno”. O campo empírico
O campo empírico concerne à Rede Municipal de Ensino do Recie-PE. A escolha desse campo deveu-se a implantação de políticas educacionais
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O que recentemente Abric (2003) denominou de “zona muda”, Arruda (2005) afirma que oi uma preocupação de Denise Jodelet no seu estudo das representações sociais da loucura. Não por acaso, portanto, Jodelet (2005) utilizou uma variedade de instrumentos, incluindo a observação participante, que permitiu captar a dinâmica cultural por meio de práticas significantes que expressaram o que havia sido silenciado até então. Pensamos que também o estudo seminal de Moscovici (1978) aponta elementos reerentes a esta questão. Naquela obra, o autor mostrou que a sexualidade, que na primeira concepção reudiana coneria um lugar importante à libido, não desempenhava papel algum no esquema estrutural das representações da psicanálise da população parisiense. O autor justifica esta ausência afirmando que os valores dominantes da socied ade contrapunhamse ao reconhecimento dos impulsos sexuais como orças essenciais da personalidade. Consideramos, porém, que Abric dá uma grande contribuição ao colocar essa problematização no centro do debate dos estudos em representações.
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inovadoras, que partem do entendimento de que o aluno é um sujeito ativo no processo de ensino e aprendizagem. Dentre elas, merece destaque a política dos ciclos de aprendizagem, implantada desde a gestão 2001. Procedimento de coleta
A écnica de Associação Livre de Palavras (ALP) se caracteriza como um tipo de investigação aberta que se estrutura na evocação de palavras ou expressões dadas a partir de um estímulo indutor. O instrumento oi dividido em duas partes. A primeira reeria-se a dados para caracterização dos participantes. A segunda a ALP propriamente dita. Essa técnica consistiu em solicitar a cada participante que registrasse, livre e rapidamente, no ormulário impresso estruturado, cinco palavras que lhe viesse imediatamente à lembrança a partir da expressão “O bom aluno é...” e, em seguida, eetuasse uma hierarquização dos termos, numa ordem do mais para o menos importante, justificando o termo indicado mais importante. As parcipantes
Participaram 200 proessoras que lecionavam nos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal. O critério para definição do grupo oi: ser proessor(a) eetivo(a). A maioria (59%) possuía pós-graduação lato sensu. Mais da metade (57%) das docentes que concluíram o curso superior se ormaram em Pedagogia. A maioria se ormou nos anos 1990 (38,5%). A maior parte (24,5%) possuía entre dezesseis (16) e vinte (20) anos de magistério. A maioria (40%) das docentes tinha de trinta (30) a trinta e nove (39) anos. O trabalho de campo
No decorrer do trabalho de campo a maioria das docentes demonstrou interesse em participar do estudo, embora lamentando a alta de tempo livre. Em relação à aplicação da técnica, cumpre pontuar que, mesmo não solicitando, docentes fizeram comentários reerentes ao objeto. Assim, por exemplo, algumas comentaram que certamente outras proessoras evocariam o termo “disciplinado” ou que a maioria de suas colegas certamente o evocaria.
Procedimento de análise
Para análise utilizamos o sotware Ensemble de programmes permettant l’analyse des evocativo ( EVOC), versão 2000. A técnica consiste na construção de um quadro de quatro casas, nas quais são distribuídas as palavras e discriminados o possível sistema central e periérico, considerando a requência (F) e a ordem média de evocação (OME). Neste estudo, porém, consideramos a requência (F) e a ordem média de importância (OMI). Essa decisão apoia-se em Abric (2003), citado por Oli veira et al (2005), que critica a adoção da ordem de evocação das palavras. Segundo ele, em um discurso as coisas essenciais não aparecem senão após uma ase de estabelecimento de confiança e redução dos mecanismos deesa.
Resultados e Discussão Ao observarmos o quadro de quatro casas (Quadro 1) constatamos, de modo imediato, que na construção das representações sociais do “bom aluno” do grupo está envolvida uma série de elementos. O reerido quadro releva não apenas o conteúdo geral das representações, mas também sua possível organização interna. As palavras agrupadas no quadrante superior esquerdo são aquelas que tiveram as maiores requências e oram as mais indicadas como importantes. Por isso, constituem, por hipótese, o núcleo central das representações sociais. Desse modo, atencioso, curioso, estudioso, interessado, participativo, questionador e responsável são os elementos que, hipoteticamente, determinam a significação e a organização interna das representações sociais do bom aluno do grupo.
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Quadro 1 – Conteúdo geral e possível estrutura das representações sociais do “bom aluno” das proessoras participantes F >=33 / OMI < 3,00 F Atencioso 76 Curioso 49 Estudioso 53 Interessado 75 Participativo 118 Questionador 48 Responsável 41 F < 33 / OMI <3,00 F Comprometido 15 Crítico 14 Dedicado 16 Disciplinado 31 Esorçado 16
OMI 2,855 2,633 2,774 2,173 2,593 2,521 2,829 OMI 2,400 2,714 2,938 2,871 2,875
O ato de o sistema central ser a parte mais estável de quaisquer representações não significa que não sora transormações, mesmo porque as representações “são uma constante construção; elas são realidades dinâmicas e não estáticas...” (Guareschi, 1995, p.218). Abric (2000) reconhece o papel das novas práticas na transormação das representações e explica esse metabolismo a partir do sistema periérico. Nessa linha, poderíamos dizer que a localização dos elementos curioso, questionador e participativo no quadro dá indícios de que a colaboração ativa do aluno no processo de aprendizagem, veiculada por novas práticas educacionais, sobretudo a partir dos anos de 1980, parece ter sido incorporada pelas docentes. Esse dado reorça a hipótese de que essas novas práticas na área educacional estariam intererindo na configuração das representações sociais do “bom aluno” do grupo.
F > =33 / OMI > 3,00 F 54 39
OMI 3,167 3,103
F < 33 / OMI > 3,00 F Alegre 18 Amigo 27 Carinhoso 10 Colaborador 16 Comportado 12 Criativo 22 Dinâmico 14 Inteligente 11 Obediente 10 Organizado 24 Respeitador 31 Solidário 10
OMI 3,111 3,556 4,200 4,000 3,917 3,273 3,500 3,455 3,400 3,417 3,613 3,300
Assíduo Educado
No contexto dos elementos possivelmente centrais, curioso teve a quinta maior requência (49) e a quarta menor OMI (2,633), o que significa dizer que oi relativamente apontada como importante. Jáquestionador , apesar de ter tido uma das menores requências (48), possuiu a segunda menor OMI (2,521), abaixo apenas daquela correspondente ao termo interessado. Isso significa dizer que o componente questionador oi considerado um dos mais importantes pelas proessoras. O termo participativo, por sua vez, além de ter tido a maior requência (118), teve a terceira menor OMI (2,593). Este resultado permite inerir que, juntamente com interessado, participativo é um dos mais importantes do possível núcleo. A organização das evocações no quadro possibilita afirmar que os elementos periéricos encontram-se distribuídos nos três demais quadrantes. Os localizados no superior direito são assíduo e
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educado; no inerior esquerdo comprometido, crítico, dedicado, disciplinado e esorçado e no inerior direito alegre, amigo, carinhoso, colaborador , com portado, criativo, dinâmico, inteligente, obediente, organizado,respeitador e solidário. Cada quadrante traz inormações que dão suporte à análise das representações. No superior direito são encontrados os periéricos mais importantes. No inerior esquerdo, denominado de zona de contraste, estão as palavras com menores requências, mas muito indicadas como importantes. No inerior direito, chamado segunda perieria estão os termos menos requentes e menos importantes. Desses resultados, cumpre reter, neste momento, o elemento “disciplinado”, localizado na zona de contraste. Embora marcado por certa polissemia, Veiga Neto (2006) afirma que na sua conotação mais remota, disciplina se reere “aquilo que as crianças aprendem, aceitam, estudam ou àquilo que elas devem aprender, aceitar e estudar” (p. 142). Nessa perspectiva, a disciplina baseia-se na complementaridade dos papéis do proessorautoritário e do aluno-submisso. Estrela (2002) acrescenta que “o mais que se pode aspirar neste tipo de pedagogia é a passagem da disciplina imposta à disciplina consentida levando o aluno a compreender e a aderir voluntariamente às regras do jogo...” (p. 20). Conorme a autora, as críticas que diversas tendências pedagógicas azem, desde o início do século XX, à escola tradicional denunciaram o caráter repressivo de suas práticas. Apesar disso, Estrela (2002) afirma que, nas regras da aula, subsistem “o predomínio daquelas que constituíram o pilar da pedagogia tradicional: o aluno deve estar calado, quieto, atento e ser obediente e respeitador” (p.20). O termo disciplinado oi alvo de comentários durante o trabalho de campo. Algumas docentes comentaram que certamente outras proessoras também o evocariam; outras evocaram outros termos e comentavam que o reerida palavra seria a mais dita pelas colegas. Partindo do princípio de que o sentido atribuído pelas proessoras diz respeito à submissão do aluno em termos cognitivos e/ou comportamentais, diríamos que a localização deste componente dá margem a hipótese de uma filtragem, por parte do grupo, dos valores dominantes da
nossa sociedade, que hoje se opõe à ideia do aluno submisso – o que sugere uma zona muda nessas representações. Como mencionamos, a zona muda são espaços de representações que, embora comuns a um grupo, não se revelam acilmente nos discursos diários e nas pesquisas, pois são considerados não adequados em relação às normas vigentes.
Considerações nais Nossos resultados mostraram que o conteúdo geral das representações sociais do “bom aluno” das proessoras envolve elementos de ordem cognitiva, comportamental, amiliar, entre outros. O possível sistema central é composto tanto por qualidades historicamente atribuídas ao “bom aluno” quanto por elementos relacionados às novas práticas educacionais. Esse dado reorça nosso pressuposto inicial. Durante o trabalho de campo, porém, parte das docentes comentou que o termo “disciplinado” seria o mais evocado. Entretanto, o reerido termo ficou localizado no quadrante periérico conhecido como zona de contraste, o que nos ez supor uma “zona muda” nessas representações. Esta hipótese aponta na direção de que, talvez, o ideário das novas correntes pedagógicas não tenha sido incorporado pelas proessoras em suas práticas. Reconhecemos, portanto, a necessidade de outros estudos, sobretudo de cunho etnográfico, que possibilitem aproundar esses achados. Os resultados do estudo apontam contribuições no campo educacional. Destacamos sua relevância para a prática docente, uma vez que a própria natureza do objeto suscita relexões acerca do que as proessoras pensam ou esperam para que possam ser “bons”. Para as políticas e as práticas ormadoras, os resultados sinalizam que não se pode perder de vista as representações sociais desses profissionais, mas, ao contrário, sugerem que elas sejam tomadas como ponto de partida para suas elaborações. Entendemos que o sistema das representações do “bom aluno” do grupo é um conhecimento autônomo que articula, num todo coerente, as contradições entre ideologia e realidade, assegurando sua unção de legitimação do sistema e a justificação das práticas. Apontamos, portanto, para a necessidade de as políticas
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educacionais e as práticas ormadoras articularem eficientemente teoria e prática para que o cotidiano docente avoreça a transormação da prática rente à teoria.
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COMO UNIVERSITÁRIOS REPRESENTAM O QUE ACONTECE NA REDE PÚBLICA DE ENSINO? Eugenia Coelho Paredes1 Léa Lima Saul 2 Simone Vicente Sanches3
Introdução e juscava Este trabalho constitui-se como recorte de uma investigação mais ampla, realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa em Educação e Psicologia (GPEP), do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFM), por um grupo de Pesquisadoras Associadas. Ao início dos encontros que resultaram na constituição do grupo, tomamos conhecimento de uma publicação denominada Radiografia da classe média em um país injusto, produzida por Frei Betto, na qual ele afirma: “A escola az de conta que ensina, o aluno finge que aprende, os níveis de capacitação profissional e cultural são vergonhosos comparados aos de outros países emergentes.” (2010, p. 1). Levantar o conteúdo e a estrutura de representações sociais (RS), respeitantes a afirmativa o aluno que finge que aprende, tornou-se o objetivo deste estudo, que principiou por observar se a temática pro vocava aceitação ou rechaço entre os discentes do Curso de Pedagogia da UFM, enquanto lhes apresentávamos o instrumento de coleta de dados. A tal propósito, não oram constatadas quaisquer expressões, incluídas as gestuais, que indicassem rejeição. Os undamentos teóricos que guiaram a produção e posteriores análises dos dados coletados embasaram-se na eoria das representações sociais (RS), de Serge Moscovici complementada pela eoria do Núcleo Central de Jean-Claude Abric. Segundo Moscovici (1978, 2003) as representações sociais elaboradas e partilhadas nas relações de pertencimento grupais, vinculam-se a um sistema de valores, noções e práticas, conerindo às pessoas as ormas de se orientarem em seu mundo material e social. Assim, representações guiam as comunicações, e, na sequência, as relações entre os membros de um grupo, ornecendo-lhes um código para nomear e classiicar os vários aspectos da vida social.
Abric (2003) airma que o sistema sóciocognitivo dito representacional, é composto por dois subsistemas: um de caráter central, e outro periérico. O primeiro se relaciona e expressa a uniormidade que possa existir no interior do grupo social, portanto evidencia aces mais homogêneas e duradouras das representações. Já o segundo espaço está sujeito à flutuação e diversidade de aspectos representacionais que ordinariamente coexistem dentro dos grupos. Ambos compõem o território em que se expressam e se buscam as representações de um dado grupo social.
Metodologia Para a coleta dos dados, oi utilizada a técnica denominada Associação livre de palavras (ALP), que vem sendo amplamente empregada em pesquisas desenvolvidas sob a ótica da teoria das representações sociais. Mas oi, sobretudo, a acilidade e a rapidez dos procedimentos envolvidos que levaram à escolha. Os sujeitos contatados constituíram um grupo de 113 alunos, oriundos do universo de 251 discentes do curso de Pedagogia do Instituto de Educação da UFM, matriculados no segundo, terceiro e quarto anos. A ALP oi aplicada de orma coletiva em salas de aula, com pesquisadoras trabalhando em duplas. Assim, ornecido o mote indutor o aluno finge que aprende solicitava-se aos sujeitos que explicitassem as cinco primeiras palavras que lhes viessem à cabeça. ambém era demandado aos alunos que, com a palavra eleita como a de maior importância, segundo seu próprio critério, osse elaborada uma rase, esclarecedora do sentido atribuído ao vocábulo.
UFM UFM/ UNIRONDON 3 UNIVAG/ SEDUC-M 1 2
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O conjunto de dados angariados oi processado mediante o uso do sofware Ensemble de Programmes Permettant l’Analyse des Evocations – EVOC, versão 2003. Como é bem sabido, o programa computacional tem como propósito quantificar os vocábulos expressos a partir da requência com que ocorreram e também pela média da ordem em que os mesmos oram evocados, dita ordem média de evocação (OME). Uma das dificuldades com que se derontam os pesquisadores que empregam a ALP diz respeito à compreensão do signiicado atribuído pelos sujeitos a determinados vocábulos. Para isto, a título de esclarecimento, por vezes precário, oram utilizadas as rases coletadas, já reeridas. odavia, nem sempre as explicações obtidas eram suficientemente esclarecedoras à interpretação dos atributos evocados. Por diversas vezes, a incerteza nos ez companhia quando pretendíamos entender o sentido de algumas palavras, o que só poderá ser corrigido ou sanado em etapas uturas da mesma investigação, mediante a utilização de escalas de atitudes e entrevistas. Obtidos os resultados estatísticos iniciais, oi dado início à tarea de categorizar os vocábulos. A categorização resultou de dois passos distintos: no primeiro deles o rol de palavras oi submetido à avaliação individual de cada membro do grupo de pesquisadoras, que, atuando como juízes independentes, apensavam palavras a categorias de sua própria eleição. Em um segundo momento, o trabalho assumiu um caráter coletivo, que se dava mediante a discussão respeitante às categorias e à relação de palavras que se alojaram em cada uma delas. odo momento de uma investigação científica apresenta aspectos peculiares, com dierentes níveis de dificuldade. Na sequência, com o intuito de perceber semelhanças e dierenças nos resultados acerca do conteúdo, organização e estrutura das representações sociais sobre o objeto mediante o trânsito dos vocábulos em cada procedimento metodológico, reorganizou-se o corpus, que passou a ser estudado não apenas a partir dos dados de OME, mas também pela ordem de importância, (OMI), que cada sujeito, após exercício cognitivo, atribuiu às palavras evocadas.
Resultados e discussões dos dados O mote indutor o aluno finge que aprende produziu um corpus constituído por 556 vocábulos que oram distribuídos em cinco categorias: Pessoal, Processual, Relacional, Contextual e Estrutural, às quais se juntaram um somatório de palavras que não se agasalharam sob qualquer uma delas e que oram descartadas por apresentarem requência menor que três, conorme se poderá observar na abela 1. abela 1 – Categorias com a participação de atributos em números absolutos e índice percentual, relativos ao mote: o aluno finge que aprende. ARIBUOS CAEGORIAS f % Pessoal 257 46,22 Processual 67 12,05 Relacional 58 10,43 Contextual 35 6,31 Estrutural 22 3,95 Palavras descartadas com <3 117 21,04 otal 556 100,00 A categoria Pessoal assumiu a mesma importância que pode ser vista nas pesquisas realizadas pelo GPEP, nas quais os sujeitos e suas características individuais são evocados para explicar e justificar os enômenos que ocorrem no âmbito da educação. (Paredes et al . 2001, 2005). Diz respeito tanto às peculiaridades atribuídas aos sujeitos situados no grupo social constituído pelos alunos, quanto às características que, usualmente, podem ser consignadas a boa parte dos seres humanos. A abela 2 enumera os atributos mais requentes do mencionado conjunto. abela 2 – Atributos que compõem a categoria Pessoal, reerente ao mote o aluno finge que aprende ARIBUOS f % desinteresse 86 35,69 desmotivação 46 19,11 dissimulação 30 12,44 preguiça 24 9,95 despreparo 18 7,51 passivo 11 4,50 desatento 6 2,48 incapaz 5 2,08 acrítico 5 2,08 baixa autoestima 5 2,08 insegurança 5 2,08 otal 241 100,00
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Um primeiro bloco semântico assinala para os problemas inerentes ao ser e que podem conduzi-lo a determinadas práticas, como, neste caso, fingir a aprendizagem; o segundo grupo de sentido aponta para atores que procedem de condições ligados ao papel discente e que podem, de certa orma, intererir na aprendizagem. Na abela 3, estão dispostas as palavras que caracterizam a categoria denominada Processual. abela 3 – Atributos que compõem a categoria Processual reerente ao mote o aluno finge que aprende ARIBUOS aprendizagem brincadeira decoreba educação repetição otal
f 15 13 9 9 8 54
% 27,78 24,07 16,67 16,67 14,81 100,00
A categoria reere-se às situações que se dão no âmago do processo de ensinar e aprender. Como esta categoria envolve as ações do cotidiano escolar oi possível supor que aprendizagem, a palavra de maior requência, estivesse relacionada ao mote com significado de alta de aprendizagem. A abela 4 apresentará os atributos da categoria denominada Relacional. A categoria reuniu atributos cujos significados apontam para as interações que ocorrem no espaço escolar. Pelos vocábulos que ali se encontram congregados nota-se um ambiente relacional demarcado por uma variedade de componentes a se imbricarem, os quais possivelmente colaboram para o ato do fingir que aprende. abela 4 – Atributos que compõem a categoria Relacional reerente ao mote aluno finge que aprende ARIBUOS f % vítima 10 25,65 medo 9 23,07 proessor 8 20,51 incompreendido 7 17,94 aluno 5 12,83 otal 39 100,00 A abela 5, apresentada na sequência, agrupa as palavras representativas da categoria denominada Contextual.
abela 5 – Atributos que compõem a categoria Contextual reerente ao mote aluno finge que aprende ARIBUOS f % uturo 6 17,15 problema 6 17,15 triste 4 11,42 costume 4 11,42 realidade 3 8,57 amília 3 8,57 rustração 3 8,57 racasso 3 8,57 desaeto 3 8,57 otal 35 99,99 A categoria agrupou palavras cujos significados apontam para circunstâncias que circundam o ambiente educacional. Assim, os termos uturo, problema, triste, costume, realidade, amília, rustração, racasso e desaeto parecem assinalar para um contexto de dificuldades circunstanciais que podem inviabilizar o ensinar e o aprender, permitindo, assim, a presença do fingimento.A participação percentual da categoria, diante do quadro geral, mostra presença apequenada do contexto como ator que possa influenciar no fingir que se aprende. Entretanto, percebe-se que a categoria Contextual organiza significados que podem, de certa orma, reorçar a aceitação ao mote indutor, principalmente a partir dos termos, problema, triste, costume e realidade. Embora a palavra amília e sua importância para o desenvolvimento da educação sejam evocadas em estudos que versam sobre o comportamento escolar discente, sua presença no estudo ora apresentado mostrou-se singela. As palavras, rustração, racasso e desaeto, mesmo com presença apenas igual a 3, oram consideradas visto que apresentavam requências idênticas às de amília, sendo assim, mantido o critério da equidade. A abela 6 apresenta as palavras da categoria Estrutural, conorme se pode apreciar a seguir. abela 6 – Atributos que compõem a categoria Estrutural reerente ao mote o aluno finge que aprende ARIBUOS f % escola 7 41,17 alta de recursos 4 23,52 alta de apoio 3 17,64 alta de projetos 1 5,89 baixo salários 1 5,89 Brasil 1 5,89 otal 17 100,00
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Aqui estão vocábulos que apontam para atores que influenciam a realização das atividades de ensino, e, por consequência, da aprendizagem. Existe aí a presença tanto da estrutura ísica necessária para o eetivo azer pedagógico quanto das normas, valores sociais e projetos políticos que possam intererir nas atitudes dos envolvidos no processo de escolar.
Análise dos elementos estruturais da representação A Ilustração 1 apresenta a disposição dos elementos constitutivos das RS, organizados a partir da ordem decrescente de requência.
Ilustração 1 – Elementos estruturais da representação reerentes ao mote indutoro aluno finge que aprende, de acordo com a Ordem Média de Evocações (OME) OME F
≥13
< 13
< 3,000 NÚCLEO CENRAL ARIBUOS F desinteresse 86 desmotivação 46 dissimulação 30 preguica 24 brincadeira 13 ZONA DE CONRASE ARIBUOS F decoreba 9 medo 9 repetição 8 acritico 5 prejuízo 4 reciprocidade 4 costume 4 triste 4
≥ 3,000 1ª PERIFERIA OME 2,570 2,957 2,700 2,000 2,154
ARIBUOS despreparo aprendizagem
F 18 15
OME 3,222 3,067
F 11 10 9 8 8 7 7 6 6 6 5 5 5 5 5 4 4 4
OME 3,455 3,400 3,333 3,625 3,875 3,000 3,571 3,333 3,833 3,833 3,000 3,200 3,400 3,600 3,600 3,000 3,750 3,750
2ª PERIFERIA OME 2,111 2,333 2,500 2,800 1,750 2,000 2,500 2,250
O total do corpus contabilizou 556 palavras, das quais 145 oram dierentes, sendo estas as consideradas no processo de categorização. O ponto de corte realizado gerou um aproveitamento igual a 70,90% do total de vocábulos. As requências, mínima e média oram equivalentes a 4 e 13, respectivamente, com OME de 3,000.
ARIBUOS passivo vítima educacao desrespeito proessor incompreendido escola uturo problema desatento desenvolvimento aluno baixa autoestima incapaz inseguranca dúvidas alta de recursos lerdo
A que serve a utilização de categorias? Embora este não seja um procedimento usual entre os trabalhos que lidam com análises estruturais, o próprio EVOC o sugere, na medida em que permite a composição de aglomerados dos atributos, agregados por categoria. Considerando-se a possibilidade que muitas vezes se az presente de existir grande quan-
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tidade de elementos estruturais, melhor pareceria agregá-los nas categorias em que se agasalham, para que a leitura do significado destas oereça maior prontidão ao interpretar. Assim, os atributos que pertencem à mesma classe de significação, podem expressar, com seu volume ampliado ou diminuído, a presença ou ausência, de conceitos que, embora possam assumir diversas acetas, concorrem ao mesmo propósito interpretativo. No que diz respeito ao núcleo central, doravante reerido como NC, os sujeitos evocaram atributos relacionados às características pessoais dos alunos, declarando que o fingir em aprender decorre do desinteresse, do desestímulo, da dissimulação e da pre guiça do discente. A classe Processual se apresenta com a palavra brincadeira, estando ausentes todas as demais categorias. Reconfigurando os elementos estruturais, realizando substituições de atributos por categorias, teremos a Ilustração 2. Ilustração 2 – Elementos estruturais da representação por categorias reerentes ao mote indutor o aluno finge que aprende com aproveitamento de 70,90% do corpus de acordo com a OME. NÚCLEO CENRAL CAEGORIAS Pessoal Pessoal Pessoal Pessoal Processual ZONA DE CONRASE Categorias Processual Relacional Processual Pessoal Relacional Relacional Contextual Contextual
1ª PERIFERIA CAEGORIAS Pessoal Processual
2ª PERIFERIA Categorias Pessoal Estrutural Relacional Relacional Relacional Relacional Estrutural Contextual Contextual Pessoal Processual Relacional Pessoal Pessoal Pessoal Processual Estrutural Pessoal
Com a intenção de aglomerar e quantificar as categorias presentes na Ilustração 2, elaborou-se a Ilustração 3, na qual a requência mostra a quantidade de vocábulos abarcados por categoria, em cada um dos quatro setores. Ilustração 3 – Elementos estruturais da representação, reerentes ao mote indutoro aluno finge que aprende, aglomerados por categorias NÚCLEO CENRAL Categorias Pessoal Processual
PRIMEIRA PERIFERIA f Categorias 186 Pessoal 13 Processual
f 18 15
ZONA DE CONRASE SEGUNDA PERIFERIA Categorias Relacional Processual Contextual Pessoal
f 17 17 08 05
Categorias Relacional Pessoal Estrutural Processual Contextual
f 38 36 16 09 06
Rearranjando os elementos, de modo tal que sejam somados os resultados das requências de vocábulos agasalhados em cada quadro, entretanto já propiciando uma leitura conjunta de seus comparecimentos nos quatro espaços, teríamos o que se pode ver na Ilustração 4: Ilustração 4 – Elementos estruturais da representação reerentes ao mote indutor o aluno finge que aprende, por requência de vocábulos nas categorias e zonas de inserção. CAEGORIAS
Contextual
NC ZC PP
SP
%
0 08
0
186 05
18
36 245 63.80
Processual
13 17
15
09
54 14.06
Relacional
0 17
0
38
55 14.32
Estrutural
0
16
16 04.16
Pessoal
otal
0
199 47
06
N
14 03.64
33 105 384 99.98
Isso az evidente a marcante presença da categoria Pessoal, que é seguida à distância pelas denominadas Processual, e Relacional, as três somando mais dos 90% dos atributos evocados. Contextual
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e Estrutural têm presenças discretas, sendo que a última apenas se apresentou entre os vocábulos pertencentes à segunda perieria. As práticas adotadas pelos sujeitos que elaboram ou partilham um determinado saber, são justificadas pelos membros de um grupo. Assim, Jodelet (2001, p. 18) compreende que as representações sociais “[...] nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os dierentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-se rente a eles de orma decisiva”. É, ainda, necessário relembrar que, no que tange à estrutura das representações sociais entende-se, considerando Flament (2002, p. 58): “[...] uma representação social é um sistema no qual o núcleo central é uma estrutura que está encarregada da organização de todo o resto do sistema, quer dizer a parte periérica”. A partir do quadro que organiza a estrutura das representações sociais é possível verificar as categorias, seus significados, bem como a relação estabelecida com unções das representações. Dessa orma, neste caso que apresentámos, as unções de saber da representação, aquelas que procuram proteger a identidade do grupo, estariam presentes nos atributos relativos à categoria Pessoal. Para justificar as condutas relativas ao fingimento, poder-se-ia buscar os significados constantes nas categorias Relacional e Processual, visto que os alunos parecem evocar tais sentidos para atribuir a responsabilidade da prática de fingir, que ora está na relação assimétrica de poder entre proessor e aluno, ora está nos processos adotados no ensino e na aprendizagem.
Ainda no intuito de justificar as práticas de fingimento verifica-se que as categorias Contexto e a Estrutura, apresentando presença apequenada no total do corpus, parecem querer apontar para atores externos à sala de aula, distanciando dos su jeitos envolvidos a responsabilidade pelas práticas de fingir . Ainda no cotejo das práticas verificamos as orientações das condutas sendo mencionadas também a partir da Categoria Relacional e Processual, uma vez que estas podem revelar conteúdos que instrumentalizam os sujeitos para a ação de fingir . Haveria, portanto, uma cisão em que o saber, representação social acerca da prática de fingir, estaria sustentado pelas características pessoais dos alunos, e pelas responsabilidades do proessor na manutenção da dinâmica do fingimento, resguardando assim a identidade do grupo. Nesse caso, tais conteúdos assinalam para a intersecção existente entre as categorias Pessoal e a Relacional, pois muitas características do aluno são sustentadas pela relação estabelecida com o proessor. Outro aspecto a ser apontado nessa configuração seria que, a categoria Processual, entendida como aquela que mais diretamente poderia orientar as condutas do grupo, seria resultado de uma interação ineficiente existente entre aluno e proessor, levando assim à ação de fingir a aprendizagem.
Análise comparava entre os elementos estruturais capturados através das ordenações OME e OMI Expõe-se a seguir os elementos estruturais da representação, organizados segundo os valores da Ordem Média de Importância, OMI.
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Ilustração 5 – Elementos estruturais da representação reerentes ao mote indutor o aluno finge que aprende, com aproveitamento de 70,90% docorpus,de acordo com o OMI. OMI < 3,000 ≥ 3,000 F NÚCLEO CENRAL 1ª PERIFERIA ARIBUOS OMI ARIBUOS OMI desmotivação 46 2,978 desinteresse 86 3,163 15 2,733 dissimulação 30 3,233 ≥12 aprendizagem brincadeira 13 2,154 preguiça 24 3,042 despreparo 18 3,111 ZONA DE CONRASE 2ª PERIFERIA ARIBUOS F OMI ARIBUOS F OMI decoreba 9 1,333 passivo 11 3,182 educação 9 2,333 vítima 10 3,100 medo 9 2,333 desrespeito 8 3,000 repetição 8 1,625 uturo 6 3,333 proessor 8 2,750 aluno 5 3,000 problema 6 2,667 baixa autoestima 5 3,200 < 12 desatento 6 2,833 desenvolvimento 5 3,200 incompreendido 7 2,571 incapaz 5 3,600 escola 7 2,857 dúvidas 4 3,000 acrítico 5 2,800 alta de recursos 4 3,000 insegurança 5 2,600 costume 4 3,500 reciprocidade 4 2,000 lerdo 4 4,000 triste 4 2,000 prejuízo 4 2,500 Algumas palavras, anteriormente dispostas no NC, deslizam para a perieria, após exercício cognitivo do sujeito acerca de suas evocações. al rearranjo pode querer significar uma tentativa de alterar os significados socializados pelo grupo a respeito do mote aluno finge que aprende, visto que mediante a reflexão dos discentes visualiza-se a tentativa de amenizar a culpa anteriormente atribuída ao aluno pelo insucesso da aprendizagem. Assim, desinteresse, dissimulação, preguiça e despreparo, embora apresentem alta requência, são banidas do NC e encaminhadas à perieria. Não é improvável que os sujeitos assumam um discurso que considerem politicamente correto. A partir de da importância atribuída à desmotivação (OME e OMI), inere-se que os sujeitos apontam para uma representação na qual a alta de estímulo justifica a prática de fingir a aprendizagem. Desta orma, o ambiente e suas circunstâncias, ao lado da figura docente, parecem receber maior responsabilização pelo ato do aluno fingir que aprende. É o que poderá ser percebido através de excertos de depoimento registrado a seguir. O racasso do aluno acontece porque altam ao proessor compromisso e profissionalismo. (Suj. 69, 29 anos, eminino, terceiro ano).
A vitimização parece ser um dos principais eeitos emanados da ação relativa à aprendizagem alsa, ou ausente. Isto possibilita pensar que o discente é o principal agente aetado pelo ato do fingir, vez que sore os danos causados por ele próprio e cuja consequência é o desalque do conhecimento que ele deixou de construir. Essa ideia parece ortalecida mediante a presença do atributo prejuízo, o que pode ser percebido pelos excertos dos sujeitos: O que o aluno não consegue perceber é que ele é o único prejudicado quando o ensino-aprendizagem não acontece. (Suj. 53, 21 anos, eminino, terceiro ano).
Os vocábulos desrespeito, proessor e aluno, parecem corroborar a ideia de uma relação ensinoaprendizagem a ocorrer de maneira conturbada, o que leva ao entendimento de que o educador também contribui para esta prática, embora o ônus incida mais diretamente sobre o discente. udo depende do contexto, o aluno só finge que aprende quando o proessor finge dar aula e não olha para seus resultados. (Suj. 36, 23 anos, eminino, quarto ano).
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Conclusões Na ase de aplicação do instrumento, oi constatado que inexistiram maniestações orais ou gestuais contra ou a avor do mote. odavia, estudando detidamente os sentidos dos atributos, em momento posterior, apareceram palavras que poderiam ser indicadoras de tais reações. Os vocábulos que estariam a serviço de demonstrar a aceitação ao mote oram: realidade, costume, preocupação, situação, sim, vergonha e importante; enquanto que, os vocábulos relativos à negação ao mote seriam: recusa, talvez e não. Isto, aliás, conecta-se com orientações da proessora Denise Jodelet 4 que sugeriu para etapa ulterior, a realização de investigações reerentes às reações ao próprio mote, por meio de coletas a serem realizadas mediante uso de escala de atitudes. No momento, esta ase se encontra em desenvolvimento, com a intenção de que seja obtida uma avaliação tão precisa quanto seja possível dos índices de adesão ou repulsa que fizeram alta ao estudo inicial que aqui se relata. O uso de alguns vocábulos parece demonstrar que, para não entrar em dissonância cognitiva, os sujeitos da pesquisa optaram por dar orça às características pessoais negativas como desinteresse, dissimulação, desmotivação, preguiça, despreparo, passivo, desatento e acrítico dos sujeitos ao invés de saírem em deesa dos alunos, preeriram não ir contra ao que oi perguntado, aluno finge que aprende. Vala (1987) entende por dissonância cognitiva a existência simultânea de cognições que não se ajustam entre si. Ao lidar com atributos das categorias Contextual e a Estrutural os sujeitos mostram que oram além do que lhes oi solicitado, uma vez que denunciaram problemas que não haviam sido mencionados. Isso pode ser percebido quando realizaram o exercício da OMI, pois palavras que pertenciam a categoria Estrutural e que se encontravam apenas na segunda perieria migraram para a zona de contraste, como educação e escola, permanecendo na segunda perieria a palavra alta de estrutura. A partir dos resultados, depreende-se que as palavras desinteresse e preguiça, ambas da categoria Pessoal , são comuns aos alunos do segundo ano e quarto ano, períodos distintos do curso de
Pedagogia. Isto mostra, que se preocupam com a Educação, discutem entre si o tema que oi proposto, possivelmente com os proessores, assim como nos textos acadêmicos, sustentados, portanto, na convivência e na troca. Em relação ao tema proposto, pode-se supor que os discentes inquiridos representam o fingir que aprende ancorados nas características pessoais objetivadas em comportamentos dos alunos expressos nas palavras desinteresse, dissimulação, desmotivação e preguiça.
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Orientação ornecida em junho de 2010, durante Seminário realizado no GPEP/UFM
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CONSUMO DE ÁLCOOL EM ESCOLA PÚBLICA: ESTUDO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Ingryd Cunha Ventura Felipe Antonio Marcos Tosoli Gomes1
Introdução O álcool é a droga mais consumida no mundo e traz diversos danos à sociedade, sendo considerado como um dos 10 comportamentos de maior risco à saúde e como causa da morte de 1,8 milhões de pessoas no mundo, entre os quais 5% são jovens entre 15 e 29 anos (Gorgulho, 2006). A escola se traduz, teoricamente, em um espaço saudável que promove a saúde, onde alunos e proessores interagem e se influenciam mutuamente, gerando um ambiente propício ao estímulo de valores, de atitudes positivas e ao desenvolvimento de conhecimentos e sentimentos, a fim de criar ou modificar hábitos e práticas que permitam alcançar estilos de vida saudáveis (Sigampa, Ferriani & Nakano, 2005). Diante da complexidade que a abordagem do enômeno das drogas enseja e, na medida em que a escola deve gerar um ambiente capaz de modificar hábitos, atitudes e valores de crianças, adolescentes e jovens em relação às drogas, aponta-se como objetivo: analisar a representação social dos proessores do ensino undamental acerca do álcool. Neste sentido, droga é definida como qualquer substância natural ou sintética que, administrada por qualquer via no organismo, aete sua estrutura ou unção. Ao longo do tempo, o ser humano experimentou e utilizou diversos tipos de substâncias psicoativas, com os mais dierentes fins: para tratar problemas de saúde, relaxar, diminuir inibições, lidar com problemas, pertencer a um determinado grupo social, obter prazer, em rituais religiosos e por curiosidade (Dias & Pinto, 2006). orna-se undamental ampliar as discussões sobre a atuação de diversos profissionais na abordagem do enômeno das drogas e produzir conhecimentos sobre a temática, auxiliando na proposição de novas perspectivas para a prática na promoção da saúde e prevenção de riscos. Importante salien-
tar a participação desses profissionais estimulando a reflexão dentro das escolas de nível undamental sobre a abordagem de questões de saúde, principalmente acerca do enômeno das drogas, ultrapassando os “muros” das instituições e serviços de saúde e inserindo-se nas comunidades.
Revisão teórica O conceito de representações sociais designa uma orma de conhecimento, o saber do senso comum, onde se maniestam conteúdos dos processos generativos e uncionais marcados socialmente, isto é, uma orma de pensamento. Segundo Jodelet (1984), a marcação social dos processos de representação e seus conteúdos “reere-se às condições e aos contextos nos quais emergem as representações, às comunicações pelas quais elas circulam, às unções que elas servem na interação com o mundo e com os outros” (pp. 361-2). Para compreendermos a complexidade da temática, serão apresentados os modelos explicativos para o uso de álcool e de outras drogas, propostos por Pillon e Luis (2004) para o entendimento das dimensões dos problemas desse uso. Nesta proposta, que contém cinco modelos de enoque sobre o uso de álcool e de outras drogas – ético/legal; moral; médico ou de doença; psicossocial; e sociocultural –, cada modelo concentra-se em um subconjunto ou aspecto específico dos problemas relacionados a esse uso. O modelo ético/legal traz sua concepção voltada para o direito e a segurança social, considerando os usos de álcool e outras drogas como um ato de transgressão que requer intererência da sanção legal, não tendo a visão da dependência. Neste modelo, a prevenção se apoia nas medidas de
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
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caráter punitivo e positivo, sendo conduzida dentro dos sistemas legislativo, judicial e policial (Pillon & Luis, 2004). No modelo moral, as autoras mostram que os indivíduos são responsabilizados pelo início, desenvolvimento e solução do problema, ou seja, as pessoas sentem-se culpadas por seu envolvimento com as substâncias e creem que lhes altam orça de vontade ou moral por não conseguirem alterar seu comportamento de orma definitiva. Em contrapartida, o modelo médico ou de doença se baseia na dependência da droga, trazendo o conceito de alcoolismo ou drogadição como doença, através de origens e maniestações ísicas que necessitam de tratamento médico (Pillon & Luis, 2004). Existe também o modelo psicossocial que se caracteriza pelo aprendizado social do comportamento pela observação e imitação; a interação amiliar enatiza o comportamento dos pais associado à negligência, distanciamento emocional, rejeição e tensão amiliar e a personalidade do indivíduo com características particulares como a alta de maturidade, conflitos pessoais e sociais, baixa autoestima e problemas psiquiátricos. Já o modelo sociocultural concebe a problemática das drogas como resultado de orças sociais em unção do meio cultural com suas crenças, valores e atitudes que conduzem, ou não, os grupos sociais para o uso de álcool e de outras drogas. Destaca-se, ainda, a importância do ambiente na conduta das pessoas e na interação de elementos sociológicos do grupo a qual pertence e dos elementos culturais produzidos pelos costumes e tradições desses grupos (Pillon & Luis, 2004). odos os modelos procuram explicar a origem dos problemas relacionados ao uso de álcool e de outras drogas, mas em geral procuram desencorajar a visão do problema no âmbito da moral, isto é, do individuo mau-caráter por ser um usuário. odavia, Montinho (2006) aponta que o uso de substâncias e o consequente comportamento apresentam questões complexas que necessitam de enoque ampliado em todas as áreas e dimensões, principalmente no entendimento dos motivos para o uso e sua aplicação na prática. Segundo este autor, o enômeno das drogas, diante de sua amplitude e magnitude, deve ter sua abordagem em vários campos dierentes de conhecimento, exigindo
interação eetiva entre as dierentes áreas de saber e eseras da sociedade.
Metodologia rata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa. Como reerencial teórico metodológico, adotou-se a teoria das representações sociais em sua abordagem psicossociológica. A coleta de dados oi realizada numa escola municipal do Rio de Janeiro. Foram pesquisados 26 proessores regentes de turmas que ministravam aulas para o turno regular da manhã e da tarde, incluindo todas as disciplinas disponibilizadas. Utilizou-se um roteiro de entrevista individual semiestruturada. A coleta ocorreu mediante autorização dos participantes, por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, e da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Protocolo 024.3.2008). Os dados obtidos, por sua vez, oram analisados por meio da análise de conteúdo segundo Bardin (2004) e sistematizada segundo Oliveira (2008). Após a coleta de dados, as entrevistas oram transcritas com auxilio do editor de textos para acilitar o processo de leitura flutuante, codificando-se as unidades de registro (UR). No material analisado oram selecionadas 382 URs, sendo agrupadas em 12 temas e confluindo-se para 5 categorias teóricas. A categoria representações sociais dos proessores sobre álcool (17,81%) será aproundada neste estudo, complementada por uma análise transversal sobre a temática no conjunto dos resultados.
Discussão dos resultados A categoria em tela oi composta pelo tema “representações sociais dos proessores sobre álcool”, agrupou 68 URs e representou 17,81% do total do material analisado. Para uma compreensão dos dados expostos, torna-se importante destacar a visão sobre o enômeno das drogas adotada, qual seja, a de que não são substâncias, coisas ou objetos prejudiciais ou inócuos biologicamente. Como tudo que aeta
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e diz respeito ao ser humano, também configuram – muito ortemente – uma construção social que se realiza na dialética dos interesses econômicos e dos aspectos políticos-jurídicos e ideológicos que constituem a dinâmica das sociedades [...]. Não são apenas um conjunto de substâncias naturais sintetizadas, nem enômenos bons ou maus [...] são criações dos seres humanos em sociedade, produtos sociais. (Minayo, 2003, p. 17)
Os discursos dos proessores apontam para concepções que elucidam posturas ideológicas, crenças e valores sobre o álcool, revelando significados sobre esta substância que se apresentam no cotidiano dos sujeitos. A prática profissional é permeada pelo campo do conhecimento e da sub jetividade, refletindo as crenças, as experiências, os valores e os sentimentos sobre os enômenos vivenciados e sore orte influencia das representações sociais. Em decorrência da análise dos depoimentos dos sujeitos, identificou-se que o discurso de alguns proessores mostra-se permeado de um conhecimento acerca do álcool, definindo-o como uma droga, como no depoimento: “É um tipo de droga, porque você sai de um determinado padrão de comportamento aceito socialmente, mas é que a bebida é mais aceita. Socialmente ela é aceita, ninguém recrimina propaganda, é nesse sentido que eu vejo” (E07). Observa-se que uma das primeiras dimensões representacionais acerca do álcool destacado pelos sujeitos é a do conhecimento, onde se verifica a presença de um discurso social hegemônico e midiático na construção das representações sobre este objeto. A questão da comunicação emerge no bojo desta representação como algo importante, englobando aspectos científicos (é uma droga e é nociva), normativos (comportamento aceito socialmente), midiáticos (propaganda) e práticos (desestrutura amília e causa acidentes). Nota-se, também, dois lados bastante distintos na representação, quais sejam, o que revela o lado sombrio e negativo do consumo da bebida alcoólica, com consequências graves sobre a vida humana, e o outro que ressalta a sua aceitação, ou pelo menos tolerância, em várias instâncias e instituições da sociedade, o que revela uma maneira política,
programática e cultural para lidar com este assunto em particular (Escohotado, 1997). Além disso, percebe-se que os atos comemorativos normalmente são atrelados ao uso abusivo de álcool, independentemente do motivo das reuniões em grupo (estas, casamentos, happy hour e promoção no trabalho, entre outros) e esse consumo é permitido, estimulado e aprovado como prática social. Essa prática dificulta a mudança de costumes que oram construídos ao longo do convívio em grupo e influenciam a adoção de hábitos de vida e a valorização da saúde, bem como se apresentam como consequência de representações sociais relacionadas ao bem estar ou à elicidade (Moutinho, 2006). Neste sentido, verifica-se, como consequência desta mesma representação, uma associação do consumo de álcool ao modelo psicossocial nos discursos dos participantes: “Para mim [o uso de álcool] é celebração, é conraternização, comunhão, é estar com outras pessoas. Eu seria incapaz de beber sozinha, não vejo graça nenhuma nisso. Eu vejo mesmo como uma postura social” (E21). A aceitação ou a rejeição social do uso de determinada substância psicoativa, como um conjunto complexo de representações, influencia diretamente na decisão pelo modo de consumo tanto quanto suas propriedades armacológicas e contribui para determinar o acesso às drogas e às consequências sociais ou legais decorrentes do seu uso (Escohotado, 1997). A análise dos depoimentos evidencia que o uso social de álcool de orma controlada é permitido e aceito pelos participantes, que mostram sua postura rente a esta prática. As contradições internas à representação social do álcool mostram-se de orma constante, em que a sua presença sore não só um processo de normalização em diversos grupamentos humanos, mas de construções identitárias em ace de alguns momentos, constituindo-se como um ritual de passagem de diversas ases da vida humana (admissão à universidade, ormatura acadêmica, casamento, nascimento de filhos, aniversários, celebrações de bodas e daí por diante), em que pese a explicitação de seus eeitos socialmente indesejáveis. Vivencia-se, consequentemente, um processo dúbio em relação ao álcool, em que a representação de bem-estar e elicidade o inclui (representação esta inclusive
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presente em músicas), mas se rejeita ostensivamente os indivíduos que sucumbiram ao seu consumo contínuo, perdendo filiações sociais importantes. Ao mesmo tempo, observa-se a influência do modelo ético/legal na construção da representação, refletindo a construção ideológica presente no imaginário social. Este enoque considera o enômeno por meio das atitudes antissociais de grupos transgressores que causam o problema à medida que acarretam danos aos indivíduos e à sociedade. O conteúdo dos discursos é permeado por expressões e ideias que refletem uma concepção sobre álcool vinculada a situações de ilegalidade: O problema é que ele é [uma droga] legal e a gente vê que é proibido para menores, mas o garoto vai lá e compra uma garraa de cerveja e diz que é para a mãe, então a padaria vende, o mercado vende, só que não é para mãe dele, é para ele mesmo ou para os colegas (E04).
Destaca-se que grande parte dos sujeitos classifica as drogas em dois grupos, lícitas e ilícitas. Esta divisão, adquirida no senso comum, tem maior importância do que os próprios eeitos causados. É possível perceber que os docentes, em seus discursos, trazem conhecimentos técnico-científicos e práticos para dar suporte à construção de suas representações sobre drogas em um processo semelhante ao descrito por Moscovici (1961), ao verificar que os universos reificados e consensuais se unem na reconstrução imaginária e simbólica de um enômeno. A visão do álcool como uma droga lícita e legal se estabelece como base para sua utilização permitida em socialização com o grupo. A partir da análise sobre a representação do álcool como droga é preciso sublinhar, mais do que o ato de o álcool ser ou não considerado como tal, a legitimidade de um discurso normatizador que classifica, compara e o considera como mais aceitável e menos nocivo do que outras drogas – apesar da literatura especializada que versa sobre os eeitos perniciosos de seu abuso sobre a saúde e o desempenho social e psicológico (Dias & Pinto, 2006). Se, por um lado, alguns docentes identificam o lado positivo do consumo de álcool, por outro, afirmam que podem resultar em consequências
danosas para a vida do usuário, como está explicito a seguir: “O álcool avorece muita desgraça. Ele não traz coisas boas, pelo contrário, a gente vê em exemplos de amílias e de casas que se desestruturam porque o pai bebe ou os pais se separam e traz muitas desgraças” (E19). É natural associarmos a palavra droga às ilícitas como o crack, a maconha e a cocaína, por exemplo, porque, em nosso país, essa palavra também é utilizada com o significado de algo ruim e que não presta. No entanto, é essencial avaliarmos quais substâncias que, apesar de não serem ilícitas, causam problemas maiores ou na mesma proporção que as outras drogas (Niel, 2009). Assim, as consequências do consumo excessivo de álcool podem variar de acordo com a perspectiva analisada, com a requência e a dose de bebida utilizada, bem como os danos sociais que estão atrelados a esta questão. As lesões orgânicas causadas no organismo vão desde a cirrose hepática, passando pela desnutrição e neurites (inflamação dos nervos) podendo chegar até às psicoses, conorme a constituição do indivíduo, tipo de bebida e condições ísicas e de vida do usuário. São descritos ainda alguns eeitos sociais provocados pelo comportamento de alcoolistas como acidentes de transito, de trabalho, suicídios, homicídios, agressões, atos violentos e prejuízos para suas amílias (Silva, Silva & Medina, 2005). Durante muito tempo, a questão das drogas oi abordada numa perspectiva de saúde, principalmente ligada à saúde mental. Isso se dá, sobretudo, na associação entre os modelos médico e ético/legal e a criminalidade, por práticas de exclusão sociais e por oerta de tratamentos nas quais se isola socialmente os usuários em clínicas de desintoxicação. Atualmente, o alcoolista é visto como um usuário que tem dependência do álcool e que necessita de ajuda para se recuperar. É importante destacar nos depoimentos que os princípios se interligam de tal maneira que a própria substância, o álcool, ganha representações da doença em si, o alcoolismo, e que seu uso se conunde com a dependência causando danos irreversíveis à saúde e à sociedade, como a expressão: “o álcool avorece muita desgraça”. Ao mesmo tempo em que os sujeitos compilam seus conceitos com as consequências negativas identificadas pelo
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uso de álcool, também trazem suas opiniões sobre o seu uso como ruim ou prejudicial para a vida do adolescente. A associação do uso de álcool com atividades ísicas ou em comemorações é recriminada por parte de alguns docentes: “[O álcool] não combina com atividade ísica, ainda mais na idade deles [alunos], que nessa idade existe uma acilidade maior de se viciar, que ele está adquirindo um vicio” (E09). As bebidas alcoólicas são as substâncias psicotrópicas mais consumidas por adolescentes. Apesar do consumo de álcool pelos jovens ser banalizado por nossa sociedade, pesquisas (Laranjeira, Pinsky, Zaleski & Caetano, 2007; Abramovay, 2005) apontam que começar a beber precocemente é ator preponderante para gerar problemas uturos com o álcool. O uso de bebidas alcoólicas pelos adolescentes pode ter várias consequências negativas como problemas sociais e com os estudos, prática de sexo sem proteção ou sem consentimento, maior risco de suicídio ou homicídio e acidentes relacionados ao consumo (Laranjeira et al., 2007). É importante destacar a influência da amília na experimentação e na decisão dos jovens em usar ou não o álcool, a associação entre as relações conflituosas no ambiente amiliar e a maior probabilidade de iniciar o hábito de consumo de bebidas alcoólicas. A atitude mais ou menos crítica dos pais e suas práticas e parâmetros de consumo podem reorçar ou minimizar a influência das instituições como acilitadores do processo de experimentação, além da legitimidade conerida ao uso desta substância (Abramovay, 2005). Entretanto, devemos ficar atentos para que não haja certa culpabilização do grupo amiliar pelo comportamento dos jovens, uma vez que estes vivem em uma sociedade cercados por diversos estímulos e pressionados pelos grupos sociais e pela mídia. Diante da análise das entrevistas, significativa parte dos proessores maniesta atitudes positivas permeadas pelo limite de beber socialmente e a perda do controle que o álcool pode trazer: “Eu não sou nem a avor, nem contrária [ao uso de álcool], desde o momento que a pessoa saiba se controlar, que a pessoa saiba aquele momento em que deve parar e que muitas vezes não acontece (E01)”. Nesse contexto, o discurso da população nor-
malmente é entremeado pelo padrão de consumo comum que é permitido, aquele que se tem controle, que az a pessoa parar de ingerir bebida alcoólica quando acredita estar em seu limite, e o uso abusivo do álcool que produz eeitos imediatos reprimidos pelos grupos sociais como algo moralmente discutido. A atenção que se expõe é o limiar tênue entre o consumo social e o uso problemático da substância. De ato, estabelecer o limite entre o uso recreacional e a dependência se torna diícil, sendo necessária, muitas vezes, a ajuda de um profissional especializado para azer o diagnóstico e encaminhamento do caso da orma mais conveniente. Contudo, para auxiliar nossa identificação, deve-se considerar que os principais aspectos que devem ser atentados para a dierenciação do padrão de uso é o prejuízo causado pela droga usada na vida do indivíduo e a perda de controle sobre o seu uso. (Niel, Moreira & Silveira, 2009). Identifica-se, também, o discurso dos proessores trazendo um aspecto de neutralidade rente ao uso ou normalização do consumo de álcool: “Não tenho nada contra o álcool. Realmente eu não sou a avor, mas também não tenho nada contra. Para mim, é uma substância qualquer. Não tenho nenhum tabu, não tenho recriminação. É uma substância normal” (E08). Os discursos, implicitamente, tratam da acilidade de acesso às bebidas alcoólicas como risco para a dependência. A venda de álcool acilitada em diversos pontos de comércio nas comunidades, com baixo custo e sem a devida fiscalização incentiva o adolescente a consumir esta substância. Este quadro insere o álcool no cotidiano da população, neutralizando esse enômeno. Os problemas decorrentes do uso de drogas lícitas são pouco veiculados na mídia, o que gera uma mistura de inormações e desinormação, produzindo uma saturação e ocultação dos problemas do enômeno das drogas no país (Spricigo & Alencastre, 2004). As representações dos docentes sobre o uso de álcool undamentam-se, principalmente, nas estruturas dos modelos psicossocial e ético/legal que estão inseridos na construção social do enômeno das drogas. Os docentes reconhecem amplamente os riscos nas eseras socioeconômica, política e individual que possibilitam a expansão de suas
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concepções sobre a temática. O predomínio destas visões pode decorrer do enoque que é dado nos cursos de graduação e, eventualmente, de capacitação e treinamento dos docentes. Além disso, muitos serviços de saúde e especialistas adotam o modelo médico associado a componentes sociais. Apesar de alguns dos depoimentos não estabelecerem relações causais, indicam que as transormações sociais vivenciadas são rutos do processo de globalização que transorma atos, produtos e inormações e contribui para a aproximação da experimentação das drogas e sua dependência.
Conclusão Diante da discussão realizada a partir dos dados obtidos, podemos concluir que os docentes apresentam representações dierentes, porém influenciadas pelas experiências vivenciadas por cada individuo previamente e pelo modelo de compreensão do álcool que mais se aproximam. Essas dierenças são marcadas essencialmente através das suas atitudes que se dierenciam em positivas, negativas e neutras com possíveis ortes influências nas estratégias pedagógicas e na adoção de ações educativas para a saúde. Para alcançar a proundidade necessária no ornecimento das inormações e orientações prestadas, torna-se necessário que os docentes estejam preparados para lidar com situações adversas a seus costumes e hábitos em relação ao álcool. Estes atores sociais, por sua importância dentro do espaço escolar, devem ser os alvos prioritários para a implementação eficaz de um programa de prevenção ao uso e abuso de álcool e de outras drogas neste ambiente. Além disso, eles devem ter suas necessidades emocionais e psicológicas atendidas para que possam desempenhar seu papel de educador com qualidade. Neste contexto, torna-se essencial a reormulação dos cursos de graduação que ormam docentes para atuarem nas diversas disciplinas escolares. A capacitação destes profissionais da educação acilita o processo de adesão e execução de atividades de prevenção dos riscos do uso de álcool em sala de aula juntamente com os alunos, de orma a não estimulá-los, mas a criar espaços de discussão sobre a temática.
Destaca-se, ainda, a importância das representações sociais dos docentes acerca do álcool, basicamente divididas entre uma compreensão positiva ou negativa deste objeto, na implementação de suas atividades docentes e na abordagem da questão junto aos discentes. Como as representações geram práticas e, ao mesmo tempo, são influenciadas por estas, percebe-se que estas são construídas a partir dos contextos biográfico, cultural, religioso e enomenológico desses indi víduos e determinam a metodologia adotada em suas aulas e nos relacionamentos estabelecidos nos intervalos e nos corredores escolares. Neste sentido, ressalta-se a necessidade de se considerar as representações sociais como um importante instrumento de intervenções nas questões relativas à saúde e às práticas sociais.
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DIÁLOGOS PSICOSSOCIAIS ENTRE LICENCIANDOS DE FÍSICA E QUÍMICA DA UFRN SOBRE TRABALHO DOCENTE Márcia Crisna Dantas Leite Braz 1 Maria do Rosário de Fáma de Carvalho
O trabalho docente como objeto simbólico A definição do objeto de estudo ‘trabalho docente’, amparada em visões do senso comum, enoca as unções que os proessores desempenham na escola e as ações que as caracterizam. Pensando o objeto a partir de ardi e Lessard (2005), “o trabalho docente não consiste apenas em cumprir e executar, mas é também a atividade de pessoas que não podem trabalhar sem dar um sentido ao que azem” (p. 38). Situando-o no campo simbólico, de enômeno a ser apreendido e compreendido pelo viés psicossocial, o objeto de estudo ‘trabalho docente’ requer uma base teórica que possibilite identificar conhecimentos interiorizados, com acuidade suficiente para captar e descrever visões de mundo, crenças e valores acerca dos temas relacionados ao exercício da docência, como a eoria das Representações Sociais (RS). A contribuição desta teoria para a interlocução com nosso objeto é o pressuposto da inseparabilidade entre a diusão de teorias científicas, relações e práticas sociais, além das relações imageantes com este saber científico, que acabam por inserir imagens e palavras no senso comum. ais construções simbólicas possibilitam a comunicação entre pares, a resolução de problemas habituais e a interpretação da realidade à nossa volta. Este jogo de transposições entre conhecimento científico e senso comum inclui as imagens e os laços mentais utilizados para prever soluções a problemas amiliares, cotidianos. Nas palavras de Moscovici e Hewstone (1985), o senso comum, É um corpo de conhecimentos baseados nas tradições compartilhadas e enriquecido por milhares de observações, de experiências sancionadas pela prática. O dito corpo das coisas recebe nomes, os indivíduos são classificados em categorias, se
azem conjecturas de orma espontânea durante as ações e comunicações cotidianas. (p. 683).
Segundo os autores, tais conhecimentos armazenados na linguagem, no espírito e no corpo dos membros de uma sociedade outorgam às ditas imagens, estes laços mentais, um caráter de evidência irreutável, de consenso em relação com o que todo mundo conhece. Desse modo, a RS, de acordo com Jodelet (2001), pela sua “vitalidade, transversalidade e complexidade” (p. 23), vem se caracterizando por ser um espaço seminal de microteorias que se empenham em descrever, prever e analisar comportamentos sociais. Por isso, o uso de métodos sistemáticos para apreender conteúdos simbólicos, na tentativa de explicar a complexidade do enômeno do conhecimento do senso comum, é pertinente. O objetivo deste estudo é, portanto, apresentar o Procedimento de Classificações Múltiplas (PCM) como reerencial metodológico de apreensão das representações sociais (RS) sobre trabalho docente de dois grupos de licenciandos, dos cursos de Física e Química, da UFRN. al como em estudo anterior (Braz, Carvalho, Lima, Sicca & David, 2011), o PCM oi adotado para explorar a orma como as pessoas categorizam e elaboram sistemas de classificação. Sua relação com as pesquisas em RS se deve ao ato de que, para analisar RS de grupos sobre determinados objetos simbólicos, se az necessário entender como os su jeitos classificam e categorizam o que apreendem da realidade em sistemas de constructos. Isto permite ao pesquisador aproximar-se das diversas acetas que uma RS pode apresentar. Ao longo do texto, as contribuições do PCM e das Análises Multidimensionais serão pontuadas,
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nas suas potencialidades, para o exame empírico de suposições teóricas e hipóteses de pesquisa. A partir da investigação de quais categorias são ormadas pelos sujeitos, de como as ormam e de como as empregam quando interagem com aspectos do objeto estudado, poderemos compreender como os sujeitos o inscrevem, de como o representam (Roazzi, 1995). São essas categorias e sistemas classiicatórios, verdadeiras matrizes cognitivosociais, que o PCM az sobressair dando-nos material empírico para conhecermos condições que permitiram aos sujeitos, individuais e coletivos, ancorarem e objetivarem aspectos específicos do objeto, no campo de representação.
Metodologia e análise dos dados Neste texto apresentamos o processo investigativo, realizado pelas autoras na UFRN, e que teve como base o PCM. Participaram 20 licenciandos da UFRN, 10 do curso de Física e 10 do curso de Química. Em cartelas, oram registradas 25 palavras, todas selecionadas de resultados de ase anterior da pesquisa e extraídas por meio da análise eita pelo programa inormático EVOC 2. As palavras são ajudar, alegria, aluno, amor, angústia, aprendizado, atenção, capacitado, companheiro, compreensão, compromisso, dedicação, diálogo, disciplina, educação, educador, ensinar, estudo, paciência, profissão, respeito, responsabilidade, sabedoria, sala de aula, vocação. odo o instrumental desta pesquisa oi construído no seio do projeto coordenado pelo Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade – Educação (CIERS-ed), a partir de decisões undadas em etapas sucessivas de discussão, elaboração e testagem. A partir da definição do instrumento e da sua aplicação aos grupos de licenciandos mencionados, o oco deste estudo oi a análise sociogenética das representações sociais, na busca de captar aspectos da objetivação e ancoragem, a partir do pressuposto da indissociabilidade entre discurso, instituições e práticas sociais, undamentado no desenvolvimento metodológico proporcionado pelas análises multidimensionais. No caso das classiicações dirigidas (CD) é oportuno e necessário tecer algumas considerações
sobre a análise estatística que as originou: a análise da estrutura de similaridade ou análise dos menores espaços (SSA, na sigla em inglês – similarity structure analysis or smallest space analysis), bem como a eoria das Facetas, undante das interpretações de mapas perceptuais. O SSA é um escalonamento multidimensional não métrico, mas que parte do pressuposto de que existe uma dierença quantitativa entre os dierentes itens analisados. Desta orma é possí vel se obter um mapa das variáveis em termos de configurações geométricas de dimensionalidade espacial mínima, em que esta mínima dimensionalidade é determinada a partir do coeficiente de alienação – uma medida de correspondência entre os coeficientes originais (coeficiente de Pearson) e os coeficientes de distância derivados. A distância entre os pontos reflete o grau de similaridade entre os elementos (palavras): quanto mais semelhantes, mais correlacionadas e maior é a proximidade no espaço euclidiano, ormando regiões de contiguidade: quanto maior a correlação entre dois pontos, menor a distância entre eles. A contribuição essencial da análise SSA diz respeito à orma das partições pela ordenação das acetas representadas na projeção da figura. Dependendo da natureza dos dados, se qualitativa ou quantitativamente dierentes, as regiões serão apresentadas espacialmente dierentes devido à ordenação de suas acetas. Segundo Roazzi (1995), as acetas quantitativamente dierentes, as regiões serão representadas espacialmente de maneira ordenada. Ao contrário, dierenças de caráter qualitativo apresentarão partições não ordenadas. Assim, o tipo de partição permite ao pesquisador conhecer quais acetas são ordenadas, qual a direção desta ordenação e quais acetas não são ordenadas (p. 27).
Identificada uma partição de acetas não ordenadas, esta será do tipo polar, pois cada elemento
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Sofware EVOC (Ensemble de Programmes Permettant l’Analysedes Évocations), requentemente utilizado em pesquisas sobre representações sociais. Permite reconhecer a estrutura das representações, ou seja, seus elementos centrais e periéricos, organizando as palavras evocadas por ordem de requência e média de evocação (Vergès, 1999).
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da aceta corresponderá a dierentes direções na projeção, emanando de um ponto de origem comum. No caso de uma aceta parcialmente ordenada, esta pode desempenhar um papel modular, em que os elementos são projetados em regiões concêntricas em volta de um ponto de origem comum, indicando uma ordem a partir dos elementos da área central para as áreas concêntricas
mais periéricas. Já uma aceta com ordem simples desempenha um papel axial, pois pela noção de ordem esta aceta não está relacionada com as outras, seu espaço de projeção é dividido por uma série de linhas paralelas entre si, refletindo uma ordem gradual de seus elementos. Na figura 1 estão apresentados de maneira esquemática os dierentes tipos de representações acima descritas.
Figura 1 – Exemplos de ipos de Partições
A eoria das Facetas, explicada por Bilsky (2003), é um marco de reerência para análises da estrutura de similaridades, esquematizando os diversos papéis que as acetas desempenham na análise multidimensional. Segundo o autor, essa teoria apresenta uma variedade de métodos para analisar dados, métodos esses que se destacam por um número mínimo de restrições estatísticas. Sua contribuição para esse estudo se destaca por acilitar expressões de suposições teóricas, isto é, hipóteses, podendo ser examinadas empiricamente suas validades, de tal orma que os dados empíricos refletirão estruturas supostas previamente, desen volvidas pela análise SSA. Buschini (2005) considera que os dados resultantes das classificações dirigidas (CD) são inicialmente projetados em colunas, correspondendo a um determinado item, e os sujeitos ocupando linhas. Em cada célula haverá um número indicativo da avaliação do item pelo sujeito, definido por um critério de natureza ordinal. Portanto, a base lógica desta teoria para as várias estruturas regionais é undamentada em considerações sobre ordenação-não ordenação entre os elementos de cada aceta. Uma aceta ordenada representa os
atributos quantitativos do universo contido: cada elemento sucessivo na ordenação denota maior grau do atributo que o elemento precedente. Uma aceta não ordenada, por sua vez, desempenha um papel polar: os elementos da aceta representam uma propriedade semântica não ordenada – aspectos qualitativos do universo contido. Feitas estas considerações esclarecedoras, seguem os mapas das classificações dirigidas com respectivos comentários.
Mapas perceptuais da classicação dirigida (CD) dos PCMs CD dos licenciandos de Física
No mapa a seguir, CD das palavras associadas ao trabalho docente pelos licenciandos em Física da UFRN, temos uma aceta parcialmente ordenada, com o tipo de partição modular. Os elementos são projetados em regiões concêntricas em volta de um ponto de origem comum, indicando uma ordem a partir dos elementos da área central para as áreas concêntricas mais periéricas. A aceta parcialmente ordenada, tipo modular, pode ser considerada como quantitativamente dierente.
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Figura 2 – Classificação dirigida das palavras associadas ao trabalho docente pelos licenciandos em Física da UFRN.
Denominamos a aceta mais concêntrica de ‘dar aula’. Seus sete itens: profissão; compreensão; ajudar; educação; capacitado; compromisso e ensinar aludem à ideia de que o trabalho docente está relacionado à profissão do educador e a unção do ensinar. Há uma divergência entre ensinar como educador e como proessor. Como educador, a unção de ensinar transcende o transmitir conteúdo, apelando para uma relação com o aluno de modo a acilitar o processo de aprendizagem. Para exercê-la, o educador precisa estar capacitado, ter compromisso, dominar a área específica e, sobretudo, saber transmiti-la. Como vemos em suas alas: A profissão como coloquei, além de tudo, proessor é ser uma profissão. Está capacitado, porque você pode saber do assunto, mas não sabe como passar pra o aluno, então tem que ser capacitado e ensinar, e educador, que seria a profissão (ala de S3).
O trabalho docente pra mim seria, o proessor teria que avaliar seus alunos bem em relação ao ponto de vista cultural, científico e levar seu aluno a compreender... não chegar no quadro e giz... como se osse demonstrando e o aluno aprendendo... não! Demonstrar não é aprender. E o aluno só olhar não é aprendizagem. Eu acho que ele deveria conhecer mais os alunos, do que somente a matéria. Porque ele iria ver em que ponto o aluno tem uma barreira pra estudar o assunto (ala de S5). Com certeza você vai ter que ajudar ao aluno a ele aprender, ensinando como educador. Ensinar como educador é dierente de ensinar como proessor, porque acho que o educador vai ensinar um pouco mais do que o proessor, porque acredito, que o proessor esteja mais voltado a ensinar algo mais específico, e o educador não, a ensinar algo mais variado assim... o proessor chega e dar a sua aula (ala de S10).
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A aceta intermediária ‘aluno’ concentra o maior número de itens. Ao todo são treze: diálogo; disciplina; sala de aula; sabedoria; atenção; paciência; companheiro; respeito; responsabilidade; dedicação; aprendizado; aluno; estudo. As justificativas maniestas nas alas dos licenciandos parecem indicar que ao investirem sentido ao aluno, alam deles mesmos, alunos do curso de Física, como também da utura relação entre seus alunos do ensino undamental e médio. Ao reerirem-se ao azer profissional, os licenciandos apelam para a imprescindibilidade da dimensão ética, implicativa no processo de aprendizagem. Como lemos: O primeiro grupo tem mais a ver com o trabalho docente, eu coloquei as palavras que estão associadas ao papel do educador na relação com o aluno e como aluno, a questão da paciência, o estudo, a aprendizagem e o compromisso. Compromisso com o aprendizado dos alunos, e estudo (ala de S5). Eu coloquei a disciplina, o diálogo, a responsabilidade, o aprendizado, e a dedicação. Você tem que ter disciplina, tem que saber o que você vai azer isso eu estou alando em relação ao proessor. A disciplina do proessor fica ligada a responsabilidade. Acredito que, a questão de chegar sempre no horário, não se atrasar, não ter um... se marcou para a próxima semana uma prova, cumprir, sempre tentar cumprir com as metas que você colocou. entar cumprir o programa, por mais que a galera não esteja acompanhando, mas você tenta dar uma reviravolta pra ver se eles conseguem acompanhar. Aí, esse diálogo que é necessário, não somente em sala de aula, aí o aprendizado que é muito e a dedicação. A questão de você sair de casa todos os dias (ala de S6).
A aceta ‘qualidades perfil-proessor ’ é a mais abrangente e distante das outras. Compõe cinco itens: angústia; alegria; amor; vocação e educador. Indicativos de estados emocionais e psicológicos compatíveis a quem se dispõe naturalmente e espontaneamente a exercer a profissão de educar, os licenciandos constatam a ausência desses itens em seus proessores ormadores. A necessidade de possuírem tais condições é tão orte que está para além da ormação. Como demonstra suas alas:
Educador, educação, amor, vocação e alegria. O proessor tem que ter a vocação, como eu alei, que hoje em dia está em alta e ela é primordial. Eu acho que não adianta você ser proessor sem ser vocacionado, até existe, mas você não vai trabalhar com vontade, com gosto. Vai está trabalhando como uma opção para sobreviver. Isso acontece muito hoje em dia. O mercado é amplo e aí... todo mundo...vai (ala de S2). A questão da alegria porque quando ele encara como profissão, aí pode ser que ele não tenha isso daqui, se ele encarar como profissão. Eu acho que ele deveria encarar a questão da profissão, deveria encarar mais pela vocação, do dom, do amor... de estar naquela sala de aula como se todos ossem filhos dele... será que ele aria daquela mesma orma que ele está azendo, se osse filhos dele? Porque muitas vezes ele é rude, não tem jeito de alar, às vezes até... em até aluno que tem medo de questionar com determinado proessor, porque ele sabe que pode dar uma resposta que todo mundo vai ficar rindo, caçoando... entendeu? E a última, a educação, alando desse modelo de proessor, alta a questão da educação, como o modo de alar, a questão do modo mesmo (ala de S6). A ‘angústia’ estou relacionando muito ao proessor, que muitos proessores têm um... Não gostam do que azem, azem com má vontade. Essa aqui não se encaixaria em um docente. Como posso dizer... Muita gente tem... Os proessores daqui da Universidade... eles tem angústia em dar aula, az com um sentimento ruim. Muitos proessores vêm dar aula, como se estivessem indo para morte, eles não queriam vir para sala de aula. Essa angústia estaria ligada a isso. Não é a angústia de um assunto novo, é aquela sensação que os proessores tem e passam quando vão dar aula. Não gostam daquilo (ala de S7).
CD dos licenciandos de Química O estudo das regionalizações, relacionadas pela SSA por meio de áreas, identifica como as acetas do enômeno estudado se apresentam e se organizam entre si. Qualificamos a figura 1, que apresenta as CD das palavras associadas ao trabalho docente pelos licenciandos em Química
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da UFRN, enquanto aceta ordenada (Bilsky, 2003), pois pudemos observar que seus agrupamentos compreendem elementos interconectados entre si, de tal orma que para cada elemento seguinte é mantido a respectiva característica de modo progressivo, dando-nos condições de prognosticar
a hierarquia de correlações entre campos, como observamos nas acetas: ‘dar aula’; ‘qualidades perfil-proessor ’; ‘aluno’. Devido à noção de ordem ser a mesma em mais de uma aceta, seu tipo de ordenação se dá numa configuração de tipo simples e axial.
Figura 3 – Classificação dirigida das palavras associadas ao trabalho docente pelos licenciandos em Química da UFRN.
Constituindo-se de uma esquematização progressiva da esquerda para a direita, as escolhas dos licenciandos em Química ao serem solicitados que categorizassem ‘trabalho docente’ a partir do direcionamento do pesquisador, demonstram intercorrelações de sentido maniestos em seus discursos. Eles pensam sobre o contexto dos seus azeres, indicado aqui pela aceta ‘dar aula’, as exigências preceptivas para tal exercício, pela aceta ‘Qualidades Perfil do proessor ’, e na relação com seus alunos, pela aceta ‘ Aluno’. Quando assim o azem, alam dos seus uturos alunos e deles mesmos numa relação especular. Os ragmentos de seus discursos correspondentes à aceta ‘dar aula’ são descritos a seguir. Não, tem mais a ver... eu coloquei a sala de aula, como ambiente de trabalho. Dentro dele o edu-
cador e o aprendizado do aluno, e é necessário que o proessor seja capacitado para isso. Seja profissional, porque tem muito caso de engenheiro dando aula no lugar do proessor, sem prática pedagógica. Para estar capacitado para a profissão, é o modo como as matérias... por exemplo: o engenheiro químico e um proessor de Química. O engenheiro químico, ele é... na hora de explicar ele é dierente, que nós temos o oco pra pedagogia, o modo como passamos a compreender a mente do adolescente, antes de jogarmos o conhecimento. O engenheiro não, tá mais ocado nos processos industriais, é voltado a outro oco (ala de S3) A sala de aula nos dá oportunidade de compreensão, no caso por parte dos alunos, onde deveriam estudar, aprender e o proessor iria dar uma educação entre aspas, e seria um lugar de alegria (ala de S7)
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As ‘qualidades-peril do proessor ’ são demonstradas nos trechos abaixo: No caso vi o educador com essas qualidades, o educador deve ter respeito, vocação para ser um educador ou proessor, tem que ter sabedoria e dedicação ao estudo. Vocação no sentido de quando você mistura a habilidade com a sua vontade de azer. Aí no caso, esse grupo tá numa ordem, ele tem que se dedicar para ser um educador, depois ele vai pensar na vocação dele, vê se ele tem habilidade para azer aquilo, isso ele vai ter que azer com respeito e sabedoria (ala de S5). A minha ideia é que o proessor tem que ter vocação, gostar da sala de aula, dedicação, respeitar os alunos e ter compromisso com aqueles alunos. em que saber dialogar com os alunos, ser capacitado para passar o assunto de modo que o aluno venha entender, ser compreensivo nas horas que o aluno não entenda a matéria, porque tem gente que quando o aluno não entende a matéria, se irrita. er responsabilidade junto da turma e a sabedoria do conteúdo. Eu acho que alguns proessores são capacitados para desempenhar sua vocação. A capacitação vem da universidade (ala de S6).
A aceta ‘aluno’ categoriza uma dimensão aetivo-relacional entre eles, uturos proessores, com seus alunos, mas também, em caráter mandatório, alam o que, para ser proessor, precisam ter, como lemos abaixo: Eu coloquei essas palavras porque pra ser o dono da ciência tem que gostar do que az, tem que ter amor, vocação, tem que ter paciência... É diícil porque a orma de pensar de cada um. Quando você trabalha com pessoas, com gente, cada um pensa de uma orma dierente. Você nunca consegue que todos pensem do seu jeito. Aí tem que ter paciência, pra mostrar que tá certo e tal, mostrar o caminho... porque na verdade, se você or analisar, o proessor... pronto tá aqui... ensinar, se or analisar, o proessor não ensina, ele mostra só caminho por onde você deve seguir. [...] Ainda tem mais a ver... eu botei alegria e tal...
A compreensão tem que ter muita compreensão, angústia, que você também fica angustiado, que você não tem certeza... O proessor também tem dificuldade de passar aquilo pros alunos, aí você tem que se dedicar bastante, pra isso, aí você ensina a ele, mostra o caminho (ala de S2). Acho que quem ama, tem alegria, tem que ter compreensão, respeito, diálogo, companheirismo e ajudar. Esse grupo eu pensei mais no contexto escolar, na relação entre os colegas, entre os alunos. Angústia... Eu acho que se a pessoa escolheu para ser proessor é porque gosta, não tem motivo de se angustiar... disciplina tem que ter disciplina em tudo o que az. Aqui estou alando com relação a se portar como proessor em sala (ala de S10).
Considerações sobre os resultados apresentados As análises mostram, à luz da RS, dierentes ormas de classiicação das categorias, entre as licenciaturas, como se observa nos mapas perceptuais: as classiicações dos alunos de Química resultaram no mapa de coniguração axial, numa ordenação crescente da esquerda para a direita, caracterizando uma aceta de ordem simples. O mapa dos licenciandos em Física apresentou uma partição parcialmente ordenada de caráter modular, em que a ordem de seus elementos centrais expande-se para as áreas periéricas. O grupo de licenciandos em Química, ao investirem valores simbólicos ao objeto ‘trabalho docente’, pensam sobre práticas de uma cultura escolar que se constrói na relação especular deles mesmos, alunos de licenciatura, e seus uturos alunos do ensino undamental e médio, ressaltando exigências preceptivas para tal exercício pedagógico. Já o ‘trabalho docente’ representado pelo grupo pesquisado dos licenciandos em Física está relacionado à profissão do educador e a unção do ensinar. Os preceitos de ordem emocional e psicológicos são para os ‘vocacionados’, postos como inegociáveis e imprescindíveis na profissão. Ausentes no modelo de proessor ormador, tais
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preceitos recebem um status superior que a própria ormação. Com undamento na teoria das acetas podemos dizer que estes mapas refletem estruturas sociocognitivas especíicas a cada curso, pois verificamos dierenças estruturais no interior das categorias, embora guarde certa ordenação, parcial na modular e de ordem simples na axial. As razões para estas dierenças merecem análises proundas e novas investigações com outros grupos relacionados com o trabalho docente. Uma primeira hipótese seria com relação à experiência ormativa, expressas nos currículos, projetos e planos pedagógicos de cada curso. A partir desse aparato institucional, são exercidas práticas sociais docentes e suas respectivas representações. O discurso que daí emana e passa a circular alimenta a si mesmo e às práticas, potencializando e atualizando as representações sobre trabalho docente, no meio social em geral, em dierentes níveis de institucionalização.
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EXPECTATIVAS FRUSTRADAS: GÊNERO E VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES CONJUGAIS Mirian Béccheri Cortez 1 , Danielle Guss , Narjara Portugal Silva2 , Clarisse Lourenço Cintra 3 , José Agosnho Correia Junior 4 , Guilherme Vargas Cruz5
Introdução Em nossa sociedade, ao nos reerirmos ao gênero eminino logo o associamos à esera amiliar e materna, e ao tratarmos do gênero masculino, imediatamente o ligamos ao homem provedor e protetor do lar. Giffin (1994) nos mostra que as dierenças entre gêneros estão permeadas por valores construídos socialmente e são dicotomizadas: homem orça/mulher rágil; homem mente/ mulher corpo; homem esera pública/mulher esera privada. Nas relações conjugais, os lugares culturalmente demarcados para o homem e para a mulher, muitas vezes considerados ‘normais/naturais’, podem acilitar situações de cobranças e humilhações entre os membros do casal. Estudos realizados por Alvim e Souza (2005) e Gavilanes (2007, citado por Aguiar & Gavilanes, 2010) mostraram que o descumprimento de expectativas sobre os papéis masculino ou eminino em um relacionamento é um dos atores que propiciam situações de violência. Segundo Souza (2004), os modos de pensar o outro são definidos pela cultura em que vivemos e geram situações de violência. Michaud, (1989, citado por Souza, 2004) destaca que o termo violência deriva do latim ‘violentia’ significando violência, caráter violento ou bravio, orça que está na ordem da tirania. Ruiz e Mattioli (2004) consideram que só haverá violência quando esta atender a um desejo de destruição avalizado pela sociedade, ou seja, é dentro de cada cultura que se define o reconhecimento da violência. Para Chauí (1985), violência é todo ato em que coisificamos o outro, azendo-o objeto a fim de diminuí-lo e domesticá-lo. Nas relações amorosas em que ocorrem situações violentas, verifica-se que as dierenças entre os pares são convertidas em desigualdades, e que tais práticas visam dominar, subjugar e oprimir o parceiro.
Segundo Ferreira (2010), a maior parte das agressões soridas por mulheres está sedimentada nos conflitos interpessoais, no meio privado, e a sua exposição ainda gera certo desconorto. Em estudo realizado no SOS Mulher/Família no município de Uberlândia, a autora identificou que as mulheres são as que mais procuram o atendimento quando a violência oi praticada pelo parceiro íntimo, num locus privilegiado que é o espaço doméstico. Cortez e Souza (2008), após pesquisa realizada com quatro mulheres que vivenciaram situação de violência, analisaram que as participantes, ao denunciarem seus parceiros, superaram barreiras ao longo da denúncia, por admitirem azer parte do grupo de mulheres ‘que apanham’ e enrentarem o medo de desestruturar a amília e mesmo a desaprovação por amiliares e amigos próximos. Neste sentido, há, então, uma disposição destas mulheres em buscar por mudanças. Ferreira (2010) afirma que várias ações oram realizadas com o intuito de dar maior visibilidade às ormas de violência vivenciadas no espaço privado, como a implantação e criação de Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs), na década de 1980, e a implantação da Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/06), em agosto de 2006. Essas iniciativas ortaleceram as discussões e ações sobre o combate à violência amiliar/ doméstica contra as mulheres, ao ortalecer a criminalização dos homens autores de violência contra mulheres e, ainda, no caso da Lei 11.340/06, instituir a necessidade de apoio psicossocial aos envolvidos, promovendo maior conscientização de seus direitos (Ferreira, 2010). Com essa lei, o conceito de violência oi ampliado, reconhecendo-se
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Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (PPGP-UFES). Graduandos em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
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a violência psicológica/emocional e patrimonial também como prejudiciais à saúde das mulheres.
Teoria das representações sociais Compreender a violência contra a mulher no contexto das relações conjugais através da eoria das Representações Sociais (RS) é apreender as ormas como se constroem as relações e comunicações humanas. Segundo Jovchelovitch (2009), as representações sociais (RS) emergem como um processo onde se constroem as relações sociais e as práticas de uma comunidade. As representações sociais contribuem para a construção de uma realidade comum, sendo desenvolvidas e compartilhadas na sociedade, possibilitando a comunicação. São capazes de refletir a situação dos indivíduos no que concerne aos assuntos presentes em seu cotidiano, constituindo um saber prático que torna aquilo que não é amiliar em algo amiliar e próximo (Jodelet, 1989; Moscovici, 1981, citados por Veloz et al., 1999).
Juscava Analisar relatos de mulheres envolvidas em relacionamentos violentos, suas concepções de
gênero, as RS de pai, mãe, esposa, marido, casamento, contribuem com as políticas públicas voltadas para este fim e, ainda, servem de base para a construção de ações preventivas e também de atendimentos àqueles já em situação de violência.
Objevo O objetivo deste trabalho oi investigar, atra vés de entrevistas individuais com mulheres que experenciaram/experenciam relações conjugais violentas, as RS que sustentam ações no contexto amiliar e social, considerando-se como temas base as suas compreensões de homem, mulher, marido, esposa, relacionamento conjugal e violência contra a mulher.
Método Participaram deste estudo sete mulheres com idades variando de 42 a 65 anos. Seis delas oram contatadas através da Secretaria das Mulheres na Serra e uma delas oi convidada após indicação de conhecidos da entrevistadora. A seguir, na abela 1, apresentam-se dados mais detalhados sobre as entrevistadas.
abela 1 - Dados relativos às participantes PARICIPANE
Nome Idade Escolaridade
No de filhos
Joelma
59
Ensino médio completo
Ana
61
Cleuza Rose aís Dalva
60 51 52 65
Sílvia
42
Ensino undamental incompleto Ensino undamental Ensino undamental Ensino superior Ensino undamental Incompleto Ensino undamental incompleto
RELACIONAMENO
Situação atual Acabou
Duração
2 – deste relacionamento
Renda mensal R$ 1.500,00
2 – deste relacionamento
R$ 510,00
Acabou
33 anos
2 – deste relacionamento 2 – deste relacionamento 1 – de outro relacionamento 5 – deste relacionamento
Do lar Permanece 35 anos R$ 510,00 Permanece 29 anos R$ 1.300,00 Permanece 12 anos R$ 510,00 Acabou 45 anos
3 – de outro relacionamento R$ 800,00
Quatro das participantes não conviviam mais com os ex-parceiros e as demais mantinham o relacionamento. Uma entrevistada não exercia atividade remunerada e as outras seis exerciam
Acabou
4 anos
7 anos
atividade remunerada ou já haviam se aposentado. Das sete participantes, cinco tinham filhos destes relacionamentos e, no caso das outras duas, os filhos eram de relações anteriores.
ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕ REPRESENTAÇÕES ES SOCIAIS - Volume 3
Instrumentos e coleta de dados As participantes oram contatadas em um núcleo de atendimento a vítimas de violência. Foram realizadas entrevistas individuais com as mulheres que se dispuseram a participar da pesquisa, após explanação dos objetivos da mesma. odas odas as participantes par ticipantes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido que garante a livre participação dos sujeitos, o sigilo de suas identidades e a desistência da participação na pesquisa no momento em que desejarem, como consta na regulamentação do código de Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde, Resolução 196/96. Para a coleta de dados oi utilizado um roteiro semiestruturado dividido em duas partes. A primeira recolheu dados relativos à idade, escolaridade, número de ilhos, religião, renda amiliar e/ou individual, questões estas relativas aos dados sóciodemográficos das participantes; também estavam incluídas questões acerca do relacionamento do casal (tempo de relacionamento e início das agressões). A segunda parte do roteiro tinha a proposta de investigar os papéis ocupados por cada um na dinâmica amiliar e conjugal: as vivências do casal, a rotina, as finanças, relatos sobre um episódio de agressão ocorrido no relacionamento e as percepções acerca da situação que viveram (rustrações e expectativas). As entrevistas oram realizadas em local e horário de preerência da entrevistada e gravadas com seu s eu consentimento. consentimento.
Tratamento dos dados As inormações coletadas na primeira parte do roteiro de entrevistas oram utilizadas para
caracterizar brevemente as participantes. Os dados da segunda parte do roteiro oram transcritos integralmente e submetidos ao sofware sofware Alceste Analyse Lexicale par Contexte d’um d’um Ensem Ensemble ble de ( Analyse Segments de exte exte), ), que tem como unção organizar inormações essenciais contidas em um conjunto de textos, como entrevistas, artigos ou ensaios literários, ou seja, az uma análise quantitativa dos dados textuais das entrevistas realizadas. O programa utilizado contribui significativamente com o trabalho do pesquisador, no entanto, entanto, como afirma Camargo (2005), o sofware sofware por por si só não ornece interpretações aos dados da pesquisa. Deste modo, utilizamos o procedimento de Análise de Conteúdo (Bardin, 1977/2002) para complementar e contribuir com as inormações ornecidas pelo Alceste.
Resultados e Discussão Classicação hierárquica descendente e Análise de conteúdo
A análise realizada pelo Alceste subdividiu o corpus em 546 UCEs, das quais 411 (75,27%) oram consideradas relevantes e analisadas pelo programa. Foram identificados dois eixos: o primeiro compreende as classes 1 e 3, com 75 e 59 UCEs respectivamente (32,61% dos dados analisados) e o segundo eixo corresponde ao subagrupamento das classes 2 e 4 contendo as demais UCEs analisadas (67,39%). A Figura 1 contém o dendrograma gerado pelo programa, já com as classes e eixos nomeados, os índices de proximidade (r) que indicam i ndicam a orça de associação existente entre as classes e os valores de qui-quadrado (X�) de cada uma. Esses últimos indicam a relevância semântica da palavra dentro de cada classe.
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Figura 1 - Dendrograma - Dendrograma das entrevistas realizadas com as mulheres.
Eixo A: Classes 1 e 3 – Relações de Gênero e Família
Este eixo A, Relações de Gênero e Família, compreende as classes 1 e 3, ortemente relacionadas (r=0,7). Contém elementos reerentes às relações de gênero e às unções que cada um deve cumprir tanto no ambiente amiliar e conjugal, como também na sociedade. São expostos as expectativas e valores valo res con construí struídos dos cult culturalm uralment entee acer acerca ca de mari marido do e esposa, homem e mulher, bem como demandas por uma dinâmica conjugal de maior companheirismo, compartilhamento e trocas aetivas. Classe 1 – Representações Sociais da família
O tema central desta classe é a dinâmica amiliar e remete à representação social de amília, e possui conteúdos que descrevem as unções do bom marido e, concomitante, da esposa dentro do lar. Segundo os relatos estudados, essa dinâmica é composta tanto por elementos undamentais para a boa relação aetiva do casal, como também pelo cumprimento das responsabilidades de cada um.
No corpus corpus analisado, analisado, avaliamos que, para que haja um bom convívio amiliar, as entrevistadas indicam a necessidade de ambos – tanto o pai quanto a mãe – atuarem juntos, participando na educação dos filhos, na criação e na transmissão de valores morais, morais, conorme conorme nos mostra mostra as seguintes seguintes alas (como descreveram Cortez e Souza, 2008, o símbolo #, inserido pelo sofware sofware Alceste, Alceste, indica as palavras mais ortemente relacionadas à classe): O casal tem que #compartilhar tudo, a educação #dos #filhos, a requência #nas escolas, em tudo. Pra ter uma #amília mesmo tinha que ter este companheirismo #dos dois, uma compreensão #dos dois.
Verificou-se também que a percepção sobre a mulher possui elementos dierentes dos tradicionais. Para as entrevistadas, a mulher não deve ser passiva e submissa, mas sim, ter posturas ativas rente às questões que as azem se submeter ao marido.
ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕ REPRESENTAÇÕES ES SOCIAIS - Volume 3
hoje em dia a mulher tem que ser independente. Ela tem que #estudar, #viver a #vida dela. Para #poder não ter que se submeter #igual #antigamente #aos #homens, como era #obrigada a #viver, ser submetida #aos homens.
A partir da RS, podemos apreender, nesta classe, que o conhecimento do senso comum relacionado às expectativas quanto ao ser homem e ser mulher nos contextos amiliares é constituído por elementos bastante tradicionais que dividem espaços com novos lugares e práticas também requisitados: Ser um bom homem tem que ser #honesto, um bom pai de #amília, responsá responsável vel com o #trabalho, com a #amília, isso iss o aí é ser um bom homem #né?
Identificamos nas representações dois conjuntos de elementos: um com esses elementos tradicionais e recorrentes e outro relacionado ao anterior, com elementos que refletem maior influência do contexto social imediato. i mediato. Neste sentido, apreendemos nas entrevistas um conteúdo que poderia ser analisado em termos de duas representações (homem e mulher) cujos conteúdos centrais agregam elementos tradicionais/patriarcais relacionados a gênero, ao passo que outros elementos, menos tradicionais, revelam novas unções que são ou deveriam ser exercidas e xercidas pelo homem e pela mulher. Parece interessante aqui, uma análise estrutural desses elementos, com base na proposta ormulada por Abric (1994, citado por Santos, Novelino & Nascimento, 2001), a qual seria adequadamente apreendida através do método de associação livre, em que evocações (palavras e pequenas rases) são emitidas após apresentação de um termo-evocador. Classe 3 – Representações sociais da mulher e do homem.
Nesta classe, temos a representação de homem e mulher,, no que concerne ao que é esperado de cada mulher um nas eseras pública e privada. É interessante notar a insatisação dessas mulheres ao se reerirem à rigidez marcada pelas unções masculinas e a assimetria nas relações que são estabelecidas com seus parceiros, seja em espaços sociais de trabalho,
seja nas relações amiliares aetivas. Destacamos alguns exemplos: Para mim a #mulher #continua sem ter o devido respeito que ela #merece. A sociedade #vê o #homem em primeiro #lugar. As #pessoas encaram o marido como ser principal. O marido #achar que manda na #mulher. #Acho isso #uma coisa muito séria, ele #achar que pode tudo e a #mulher nada.
Estes modelos tradicionais de gênero, bem discutidos por Giffin (1994), reaparecem nessa classe, reorçando reor çando nossa análise de que as ações e discursos das entrevistadas se baseiam em representações sociais tradicionais de homem e de mulher, o que ainda dá ao homem uma posição privilegiada em termos de inserção e direitos na sociedade. Eixo B: Classes 2 e 4 – Conitos e Violência
Este eixo compreende as classes 2 e 4 (r=0,3) e é composto por elementos que permitem relacionar as expectativas e rustrações com os parceiros dentro do contexto das relações aetivas e amiliares. anto a classe 2 quanto a classe 4 revelaram aspectos que, segundo essas mulheres, não iam ao encontro do que se espera ser um bom relacionamento. Fatores como alta de diálogo, alha na administração financeira por parte do marido, além das agressões ísicas, psicológicas e sexuais são queixas que omentaram as brigas dos casais, as rustrações e decepções com o casamento. Classe 2 – Violência: contextos e incidentes Nesta classe, as palavras organizam-se em torno de termos que revelam as situações de agressões ísicas, psicológicas e sexuais. Eu que #entrei debaixo da #mesa e comecei a gritar. Isso aí tudo #vai acumulando, #sabe? #vai acumulando e #chega um dia que a #gente dá um basta, #acabou. “(...) oi num sábado que eu estava com a barraca de comidas...ele saiu cedo e quando apareceu eu perguntei onde ele estava e ele disse não interessa o que importa é que eu cheguei. E a mulher que estava lá ouviu tudo e eu fiquei com muita
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vergonha e ora as que ele azia dentro do meu quarto só comigo... batia na minha vagina e dizia ai de quem encostar ali... a li... e ficava me ameaçando. ameaç ando.” (Silvia)
Em geral, as agressões surgiam quando havia cobranças por parte das esposas aos maridos para que esses tivessem uma participação mais eetiva dentro do lar (no cuidado com a casa, com os filhos, nos passeios em amília), como no exemplo: Nunca viajou, nunca #saiu com a #gente #para #passear pra #ir #numa pizzaria, juntar com as #crianças, #sabe? #num parquinho. Nunca.
Féres-Carneiro (2001) afirma que homens e mulheres concebem a conjugalidade como “cumplicidade, companheirismo companheirismo e possibilidade de compartilhar e dividir” (p.73). De ato, as participantes relatam a necessidade de um homem companheiro, companheiro, presente nas decisões e cuidados com a casa e que além de trabalhar traba lhar e prover, prover, também seja atencioso, carinhoso tanto com os filhos quanto com a esposa. No entanto, segundo relato das entrevistadas, verificou-se verificou -se que seus parceiros parceiros não se comportam comportam de acordo com tais expectativas. Nesse contexto, apreendeu-se que quando o marido não cumpre suas obrigações como chee do lar e protetor, as cobranças aparecem e os conflitos tendem a ocorrer. o correr. Além da violência ísica, í sica, outros tipos de violência oram também relatados. De acordo com Day et al. (2003, citado por Cortez & Souza, 2008) a agressão ísica ocorre quase sempre concomitante às agressões psicológicas, como no exemplo de Rose: “Eu tive muita violência ísica. Muita violência ísica. E verbal junto também. Olha, já ocorreu dentro de casa, já ocorreu oc orreu na rua... rua...””. Nesta pesquisa verificamos também que as expressões de violência não são restritas ao universo masculino, mas partiam também das mulheres: “Olha, eu nunca agredi o [parceiro] não. Fisicamente não, verbalmente sim.” (Rose). Outra descrição oi eita por Ana: “ele me empurrou empurrou e eu caí em cima de uma mesimesi nha... aí tinha um vaso, e eu apanhei aquele vaso
que tava na minha mão, apanhei e joguei na cara dele mesmo, de lá desceu e eu saí pra rua, ui embora..... Já. ambém embora... ambém já xinguei xi nguei ele muito. muit o.” (Ana)
Para Alvim e Souza (2005), as agressões ísicas das esposas contra seus parceiros podem ocorrer como tentativa de proteção do próprio corpo ou por iniciativa da própria mulher. A este respeito Martin (1999, citado por Alvim & Souza, 2005) mostra que as mulheres superam os homens na utilização de violência psicológica (gritos, xingamentos, ameaças), embora agressões ísicas também estejam presentes. Classe 4 – Economia do lar: desacordos e conitos.
Esta classe agrega conteúdos relacionados a desacordos sobre gestão financeira do lar. Praticamente todas as mulheres entrevistadas trabalhavam e contribuíam com o pagamento das contas da casa, casa , no entanto as queixas das participantes estavam em torno do marido que, segundo elas, apenas cumpria em parte sua unção de provedor, por exemplo, ao ornecer o alimento e ignorar outras despesas como contas a serem pagas. ais comportamentos eram vistos como prejudiciais para o bem-estar da amília e do casal: bom até um #tempo atrás minhas responsabilidades era tudo dentro de #casa. Ele era só #colocar #alimento e bens materiais. Então a #dificuldade que eu passei oi que ele pegava o #dinheiro e #gastava tudo com o alcoolismo.
As entrevistadas demonstram incômodo quando ocorre o descumprimento de uma atividade compreendida como ‘obrigação do homem’, qual seja, o provimento do lar e da amília. A insuficiência nesta unção e a utilização do dinheiro para outros fins, como o gasto com bebidas alcoólicas, gera rustração das expectativas relacionadas ao compromisso do marido como chee do lar e bom administrador da casa. ele não #botava nada dentro de #casa, só #paga va #água e #luz, depois #deixou #cortar tudo. A #casa não #pagava e ficou aquela enrolação, então melhor eu viver sozinha.
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As mulheres reivindicam por um esposo mais participativo, que compartilhe tareas no âmbito amiliar, que seja mais aetivo, companheiro e atencioso com os filhos e com a esposa. O homem descrito pelas participantes é, na descrição de Wagner, Predebon, Mosmann e Verza (2005) e Souza (2010) o ‘novo homem’. Para estes autores, a entrada das mulheres no mercado de trabalho e a sua contribuição nas finanças do lar reorçaram a (re)construção de um novo modelo amiliar.
inseridos em um contexto de violência de potencial doloso, tanto homens quanto mulheres podem comportar-se de orma violenta. Como bem descreve Minayo (2004), este enômeno é uma questão de saúde pública e pesquisas que contribuam para a reflexão das condutas dos diversos atores envolvidos nesses contextos de violência são essenciais para se omentar as construções de políticas públicas e com o objetivo de combater a violência.
Considerações Finais Referências Após análise do conteúdo das classes, avaliamos que a oposição entre os eixos A e B se deve aos valores tradicionais que demarcam as concepções de gênero tradicionais, naturalizadas e dicotômicas identificadas nas classes do eixo A e que, no eixo B, aparecem como características que precisam ser mantidas e valorizadas nas relações conjugais, ao mesmo tempo em que devem agregar novos valores que estão se configurando nas relações de gênero. As mudanças descritas pelas entrevistadas demandam, como descreveram Souza (2010), Wagner, Predebon, Mosmann e Verza (2005), o surgimento de um ‘novo homem’ que precisa atualizar-se para acompanhar as mudanças que estão ocorrendo no contexto da vida social. Verificamos, pois, como descreveram Alvim e Souza (2005) e Gavilanes (2007, citado por Aguiar & Gavilanes, 2010), que em situações em que as relações conjugais não atendem às expectativas dos parceiros, há maior possibilidade de ocorrer conflitos e mesmo situações de violência, o que implica destacar a necessidade de se buscar acilitar, de algum modo, a negociação das dierenças entre os casais. Acreditamos que parte da rede de apoio a vítimas de violência, por meio de atendimento psicossocial, possa atuar nesse sentido, dando suporte aos homens e mulheres para que possam manter seus relacionamentos (se esse or o interesse) ou construir relacionamentos uturos mais saudáveis. Outra questão a ser destacada é que a violência não é inerente ao universo masculino e está presente também nas ações emininas, pois, quando
Alceste 4.6. (sotware). oulose, França: Image – Inormatique Mathématiques de Gestion. Aguiar, N., & Gavilanes, H. A. (2010). Patriarcado e Gênero na análise sociológica do enômeno da violência conjugal/gênero. In M. F. Souza (Org.), Desigualdades de Gênero no Brasil: novas ideias e práticas antigas (pp. 91-109). Belo Horizonte: Argvmentvm. Alvim, S. F., & Souza, L. (2005). Violência conjugal em uma perspectiva relacional: homens e mulheres agredidos/agressores. Psicologia: eoria e Prática, 7 (2), 171-206. Bardin, L. (2002). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70. Camargo, B. V. (2005). Alceste: Um programa inormático de análise quantitativa de dados textuais. In A. S. P. Moreira, B. V. Carmargo, J. C. Jesuino, & S. M. Nóbrega (Orgs.), Perspectivas teórico-metodológicas em Representações Sociais (pp. 511-539). João Pessoa: Ed. Universitária UFPB. Chauí, M. (1985). Participando do debate sobre mulher e violência. In B. Franchetto, M. L. Cavalcanti, & M. L. Heilborn (Orgs.), Perspectivas Antropológicas da mulher4 (pp. 25-62). Rio de Janeiro: Zahar. Cortez, M. B., & Souza, L. (2008). Mulheres (in) subordinadas: o empoderamento eminino e suas repercussões nas ocorrências de violência conjugal. Psic.: eor. e Pesq, 24(2), 171-180. Féres-Carneiro, . (2001). Casamento contemporâneo: construção da identidade conjugal. In . FéresCarneiro (Org.), Casamento e amília: do social à clínica (pp. 67-80). Rio de Janeiro: Nau Editora. Ferreira, E.S. (2010). Entre Fios e ramas: a ampliação da violência denunciada. In M. F. Souza (Org.), Desigualdades de Gênero no Brasil: novas ideias e práticas antigas (pp. 11-125). Belo Horizonte: Argvmentvm.
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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 3
FIGURAS DO ALCOOLISMO EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA Luiz Gustavo Silva Souza, Maria Crisna Smith Menandro, Paulo Rogério Meira Menandro 1
Introdução No Brasil, assim como em outros países, problemas associados ao consumo de bebidas alcoólicas emergem como importante questão de saúde pública. Destaca-se a ambiguidade da apreensão social do álcool, relacionado à sociabilidade e à diversão e, simultaneamente, ao isolamento e à tragédia. Considerando que pesquisas e intervenções ligadas ao tema oram tradicionalmente eitas no campo biomédico, estudos psicossociais têm tentado ornecer novas contribuições, analisando sistemas de crenças e atitudes dirigidas ao alcoolismo. Um estudo sobre a representação social do alcoolismo em não-alcoolistas brasileiros e cubanos sugeriu que o núcleo figurativo da representação se constituía pelas ideias de “vício”, “doença” e “problemas/conflitos”. Mais de 90% dos participantes afirmaram que a atitude da sociedade rente ao alcoolismo é de exclusão, desprezo, discriminação e indierença (Alvarez, 2001). Outro estudo com objetivo similar, realizado com participantes ranceses, indicou a associação às ideias de descontrole (da vontade, da ala, do comportamento) e de isolamento social (beber sozinho, ser incapaz de cumprir os protocolos sociais após a bebedeira). As explicações científicas (genéticas, psicológicas, sociais) pareceram mais ambíguas e menos pregnantes que a imagem concreta da queda do alcoolista, de sua (auto)segregação e degeneração moral e social (Ancel & Gaussot, 1998). Há uma questão pertinente a ser salientada: essas crenças, percepções e atitudes são compartilhadas por profissionais de saúde? Espera-se que esses profissionais, vistos como legítimos portadores do saber técnico-científico, oereçam cuidados a pessoas com problemas com o álcool (Babor, Higgins-Biddle, Saunders, & Monteiro, 2001). Em dierentes países, estudos mostraram dificuldades na abordagem desses problemas por parte de
profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) (Pillon & Laranjeira, 2005; Johansson, Bendtsen & Akerlind, 2005; Malet et al., 2009). Estudos sobre crenças de profissionais da APS brasileira sobre o alcoolismo são ainda escassos (Ronzani, Higgins-Biddle & Furtado, 2009). A questão ganha relevância com as atuais diretrizes para o setor, que enatizam a importância do ornecimento de cuidados continuados aos usuários problemáticos de álcool, com suporte nas lógicas de acompanhamento longitudinal e redução de danos (Decreto n. 6.117, 2007).
Objevo A meta do presente estudo oi analisar as representações sociais (em especial, os processos de objetivação) do alcoolismo e dos alcoolistas, construídas por profissionais de uma Unidade de Saúde da Família (USF), instrumento central da APS brasileira. Espera-se contribuir para a superação de dificuldades de acolhimento e acompanhamento dos usuários com problemas com o álcool na esera do Sistema Único de Saúde.
Fundamentação teórica Adota-se a eoria das Representações Sociais (Moscovici, 2003) e, particularmente, o conceito de objetivação. A objetivação é um processo de construção das representações sociais que acontece pela seleção e organização ativa de ideias, imagens, crenças e padrões aetivos capazes de ornecer uma figura concreta para um conceito abstrato. Possibilita materializar o conceito abstrato de alcoolismo e reconhecer a figura concreta do alcoolista na realidade cotidiana.
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O estudo, eito com observação participante, buscou elucidar relações entre representações, atores e contextos, apreendendo não só expressões de processos cognitivos, como também expressões de processos aetivos, inscritos nas ações e no corpo. A análise seguiu duplo movimento, procurando entender: 1) como as representações orientavam as práticas e a organização do contexto; 2) como as práticas e o contexto determinavam a construção das representações (Jodelet, 1989).
Método Parcipantes e procedimentos
Realizou-se observação participante em uma USF que se localizava em município do sudeste brasileiro, com aproximadamente 330 mil habitantes. A USF atendia a população de cerca de 14 mil usuários, moradores de quatro bairros de classe popular. Contava com 6 equipes de Saúde da Família e com um total de 84 profissionais, todos eles considerados participantes da pesquisa. O pesquisador atuou apenas como observador, não se propondo a ser mais um dos profissionais da equipe. Foram observados diversos aspectos do uncionamento cotidiano da Unidade, como, por exemplo, a recepção dos usuários, os atendimentos de grupo, as reuniões de equipe. Foram adotados com maior requência três procedimentos para a produção de dados de campo: 1) inserção no cotidiano da Unidade; 2) observação de interações entre profissionais e entre eles e usuários (comportamentos, alas, expressões corporais de processos aetivos); 3) realização de entrevistas com característica etnográfica (conversas inormais contextualizadas), com profissionais e usuários (Olivier de Sardan, 2008). Foram realizadas 40 visitas à USF ao longo de 8 meses, cada uma com duração estimada de duas horas e meia. As inormações oram registradas em caderno de campo. Os registros oram simultâneos ou imediatamente posteriores à observação das interações.
Método de análise Os registros do caderno de campo oram digitalizados e tratados com análise de conteúdo temá-
tica (Bardin, 1977). Foram divididos em Situações, definidas como sequência de eventos e comportamentos com significado contextual, ocorridos em espaço e tempo determinados (por exemplo, sessão do grupo de apoio ao tabagista, entrega de remédios no guichê da armácia, reunião de equipe de Saúde da Família). Identificaram-se três eixos principais de uncionamento da Unidade: a) fluxo consultório-centrado; b) fluxo complementar (incluindo atendimentos de grupo) e c) fluxo de gestão. O agrupamento das Situações segundo esses eixos permitiu a elaboração de relato com características etnográficas. A elaboração do relato permitiu a extração de emas, definidos como núcleos de significação, padrões hegemônicos de uncionamento cognitivo, aetivo e comportamental. O procedimento indutivo revelou emas que estiveram presentes em diversas Situações organizando as interações dos participantes. Por fim, oram identificadas Figuras do alcoolismo e do usuário alcoolista, resultantes de processos de objetivação e de ancoragem, caracterizadas pelos emas e definidas como ormas hegemônicas de expressão das representações sociais investigadas.
Resultados O presente texto não abarca a totalidade do relato etnográfico e dos emas identificados. Portanto, serão descritas apenas algumas cenas especialmente relacionadas ao tópico do alcoolismo. As alas dos participantes serão destacadas com aspas ou recuo de parágrao. Os destaques dos autores serão eitos em itálico. Alguns participantes serão nomeados profissionais de nível superior (PNS-1; PNS-2), para garantir anonimato. As cenas ilustram importantes emas identificados pela análise e representam ormas específicas de objetivação dos usuários alcoolistas. Exemplificam as Figuras do alcoolismo e do usuário alcoolista, que serão abordadas mais adiante, e são descritas a seguir: Cena 1: reunião de equipe de Saúde da Família
com Equipe Matricial (equipe externa, de apoio em saúde mental), com a participação da psiquiatra da Equipe Matricial, médica, enermeira,
ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 3
agentes de saúde, auxiliar de enermagem e o assistente social da Unidade. Os profissionais discutiram o caso de um usuário descrito como jovem adulto, portador de transtorno psicótico, autor de violência ísica contra sua mãe. O usuário negava-se a tomar a medicação. A enermeira sugeriu a administração involuntária da medicação, misturada na comida (prática clínica comum na equipe). A médica afirmou: “tem que monitorar o uso desse vidrinho [de medicação], porque a mãe pode errar na dose ou exagerar para acalmar”. A mãe do usuário oi identificada como alcoolista. Seguiu-se um diálogo entre as profissionais: Psiquiatra: tem o alcoolismo da mãe que a gente tem que tratar, né. Imagina o dia inteiro sem azer nada, nesse calor, num barraco de Eternit. Médica: tá flambando! Psiquiatra: Pra eles, beber e cair na rua é normal. Agente: ela bebeu direto, do Natal até agora. É assim que ela bebe. Enfermeira: e ela pede desculpa quando vai azer exame: ‘Desculpa, eu bebi’. A rase “tem o alcoolismo da mãe que a gente tem que tratar” oi rapidamente naturalizada (e neutralizada) pelo comentário posterior sobre o “calor no barraco”. Dierentemente dos diversos casos de transtorno psicótico discutidos, a identificação do alcoolismo não gerou encaminhamentos ao longo da reunião. Cena 2: em entrevista, um enermeiro alou
sobre um usuário que chegou à Unidade com problema gastroenterológico grave. Na ocasião, veriicou-se que o problema era relacionado ao alcoolismo. Segundo o enermeiro, o caso mobilizou, durante uma tarde inteira, vários profissionais da Unidade, que conseguiram encaminhá-lo para um programa de atendimento à dependência do álcool em hospital geral. O acompanhamento posterior revelou que o usuário havia conseguido se manter abstinente, retornando ao trabalho e com requência regular à Unidade de Saúde. Entretanto, após episódio inesperado de recaída, o usuário aleceu rapidamente. O enermeiro afirmou em seguida:
Enfermeiro: era um caso diícil. É um usuário angustiante. Ele demanda todo mundo aqui. Não é como um preventivo, que você vai lá e colhe o material com uma usuária e pronto... Ele demanda toda a equipe. É uma questão meio angustiante pra gente. Cena 3: atendimento individual, baseado em
questionário estruturado, para inscrição no grupo de apoio ao tabagista, realizado pela profissional PNS-1 com usuário com cerca de 45 anos, apresentando sinais de alcoolização (rubor, orte cheiro de álcool). A profissional mostrou ansiedade na condução da entrevista, sobrepondo rapidamente uma questão à outra, sem proporcionar espaço para a ala do usuário. A profissional perguntou: “e bebida? Bebe todo dia?”, e o usuário respondeu “todo dia”. Em seguida, a profissional aplicou questionário de triagem específico para problemas com o álcool. Sua técnica de aplicação se ateve ao registro das respostas, sim ou não, sem espaço para aproundá-las junto ao usuário. Na única oportunidade que teve para expressar-se mais livremente, o usuário afirmou “eu não durmo à noite”. A ala não oi levada em conta pela profissional, que continuou a aplicação do questionário estruturado, perguntando, em seguida, “acorda e uma depois de quantos minutos?”. Logo após o atendimento, em entrevista, a profissional afirmou que se ressentia da alta de recursos da Unidade para tratar os casos de alcoolismo, reerindo-se especificamente à alta de medicamentos. Disse que, por causa da alta de fluxos específicos para esses casos, tentava às vezes “envolver” o médico de reerência. Afirmou que, junto ao usuário atendido, tentaria promover a abstinência (“azer ele parar” com o álcool e com o tabaco ao mesmo tempo). Mas, mostrou-se pessimista quanto à possibilidade de o usuário parar de umar: “acho que no caso [dele] vai ser muito diícil. Está associado com a bebida. Ele é alcoolista”. Cena 4: em entrevista coletiva, incluindo a
participação do diretor, os profissionais alaram sobre “bêbados” que costumavam ocupar uma
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calçada próxima à Unidade. Em tom de brincadeira e com risos, revelaram o apelido do local: “Calçada da Fama”. Seguem-se algumas alas: Dentista: nós temos até a “Calçada da Fama” ali. Pesquisador: como que é a “Calçada da Fama”? Agente: é na esquina, onde o pessoal fica bêbado. Pesquisador: ah, eles ficam sentados ali? Vários profissionais: quando dá nove horas [da manhã]... Agente: nove horas, ali já está cheio, você não consegue nem passar. Auxiliar: eles tão ali desde cedo, quando a gente vem pra Unidade, eles já estão ali. Quando você chega, sete horas eles já tão lá, aí quando dá nove horas eles vêm... Diretor: no final da rua ali. Pesquisador: se eu passar ali agora, eles vão estar ali? Vários profissionais: ão, tão! odo dia. O dia todo. Agente: mulher e homem. Eles têm uma mesinha ali que eles jogam. Dentista: ficam o dia inteiro jogando. Agente: então, ali que é a “Calçada da Fama”. Auxiliar: ali que é a “Calçada da Fama” [risos do grupo]. Na ocasião, o pesquisador se lembrou da observação de outra cena, em que dois auxiliares de enermagem aziam brincadeiras com um usuário alcoolizado na área de entrada da Unidade, próximo à dita calçada. Mantendo o tópico da conversa, o diretor afirmou: “na verdade, existem dois tipos de bêbados: tem bêbado gente boa, eliz da vida, que quer abraçar todo mundo, sorrindo... e tem aquele bêbado enjoado, que fica nervoso, que arruma conusão, que fica valentão... esse preocupa mais a gente”. Cena 5: um usuário alcoolizado, aparentando
ter cerca de 40 anos, apresentando marcha e ala descoordenadas, entrou bruscamente na Unidade, dirigiu-se ao guichê da armácia e começou a gritar em direção ao interior da sala. Constatou-se posteriormente que solicitava preservativos. Em outras ocasiões, profissionais
da Unidade reeriram-se a esse tipo de situação como “barracos”. Da cena, registraram-se as seguintes interações: Usuário: [gritando em direção ao interior da armácia] Doutora! Doutora! [em seguida, reclamou de um cartaz colado ao vidro do guichê] Eu sou militar! Eu sou polícia! [mostrando sua carteira aberta em direção ao interior da armácia]. [...] [O vigilante patrimonial se colocou ao lado do usuário]. [...] Funcionária da limpeza: [dirigindo-se ao vigilante patrimonial em voz baixa] Fique atento... talvez você tenha que agir. [...] [A auxiliar de armácia entregou sacola com preservativos ao usuário, ao mesmo tempo em que a profissional PNS-2 se posicionou ao lado dele]. [...] PNS-2: [colocou a mão no ombro do usuário – ele sorriu] Pronto! Certinho? [reerindo-se à entrega dos preservativos]. Vai pra casa agora? Usuário: Casa?... vou beber cachaça! PNS-2: [consternada] Então vai! [ez um gesto de repulsa, lançando a mão ao ar. Encerrou sua interação com o usuário e entrou novamente na armácia]. Usuário: [andando um pouco mais em direção ao interior da Unidade] em alguém dormindo aqui! Vou chamar o preeito! [em seguida, saiu da Unidade, repetindo ameaças]. A análise dessas cenas e de outras Situações permitiu isolar emas relativos ao alcoolismo e aos usuários alcoolistas. Do conjunto do relato etnográfico, depreenderam-se os seguintes núcleos de significação: A existência de sentimentos de consternação e de impotência diante do alcoolismo; A percepção de incapacidade da Unidade de Saúde de lidar com o caso de alcoolismo; A ausência de previsão de fluxos para a suspeita de problemas com álcool, levando ao improviso esporádico de encaminhamentos; •
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A percepção de que o tratamento do alcoolismo devia ser centrado na promoção da abstinência, associada à alta de menção ou clareza quanto a uma abordagem de redução de danos; A classificação da entrada de um usuário alcoolizado na Unidade (um “bêbado”) como “barraco”; Diante de um usuário embriagado e “barraqueiro”, a orientação dada à ação visava à sua expulsão e não a seu acolhimento.
Discussão As cenas descritas ilustram processos de objetivação do alcoolismo e dos usuários alcoolistas. Nelas, percepções, crenças e padrões aetivos oram selecionados e articulados pelos participantes, construindo representações capazes de orientar práticas. Na reunião mencionada na Cena 1, vários casos de saúde mental geraram indicações de ação para uma equipe de Saúde da Família. Entretanto, assim como em muitas outras ocasiões, o caso de alcoolismo oi citado de passagem, sem originar encaminhamentos específicos. Destacou-se ainda a naturalização do problema e a expressão de con vicção apoiada em perspectiva de alteridade com relação aos usuários que é bastante discutível: “pra eles, beber e cair na rua é normal”. O alcoolismo oi objetivado como doença citada e não abordada e a usuária alcoolista, como alcoolista ausente. A Cena é emblemática, pois a reunião com a Equipe Matricial era a instância mais diretamente ligada à gestão de casos de saúde mental no cotidiano da Unidade. Na Cena 2, o enermeiro entrevistado enatizou a rustração de profissionais com um caso de alcoolismo. O alcoolismo apareceu, aqui, como doença em tratamento e o usuário, qualificado de “angustiante”, apareceu como caso diícil . O episódio da Cena 3 pode ser interpretado como sinal da dificuldade em proporcionar espaços de expressão para os usuários em geral e para os problemas com o álcool em específico. A afirmação do usuário “eu não durmo à noite”, embora potencialmente interessante para a sequência do atendimento, não oi explorada em suas implicações clínicas e psicossociais. É interessante notar que a
profissional ez uma questão sobre o acordar logo após o usuário ter afirmado que não dormia. O alcoolismo surgiu, nessa Cena, como doença em co-morbidade, já que a queixa que levou o usuário à Unidade oi o tabagismo. O usuário alcoolista estava presente. Entretanto, construiu-se sua ausência, na medida em que sua ala não oi de ato acolhida e na medida em que sua representação como alcoolista não gerou encaminhamentos e outras estratégias específicas de intervenção. O usuário alcoolista estava presente e, no entanto, ausente. Os usuários alcoolistas eram percebidos também como iguras tragicômicas, como revela a Cena 4. A Calçada da Fama original (Hollywood Walk o Fame) é o lugar em que os mais conhecidos atores do mundo deixam sua marca. Comparar os usuários alcoolistas com esses atores pode ser interpretado como recurso de humor, gerado, nesse caso, pelo contraste. Ao comparar os alcoolistas aos artistas importantes, bem-sucedidos e amosos, reiterava-se, na verdade, sua caracterização como não-importantes, mal-sucedidos e anônimos. A figura do bêbado-cômico também oi evocada na ala do diretor (“bêbado gente boa, eliz da vida, que quer abraçar todo mundo, sorrindo”). O diretor mencionou também outro “tipo de bêbado”, um “bêbado enjoado, que fica nervoso, que arruma conusão, que fica valentão”, afirmando que “esse preocupa mais a gente”. rata-se do usuário da Cena 5, representado como bêbado-problema. Nessa cena, o alcoolismo apareceu como ameaça ao uncionamento normal da Unidade. A representação orientou comportamentos coordenados de diversos proissionais, que tenderam para a expulsão do usuário. O profissional imediatamente acionado para lidar com a situação oi o vigia patrimonial (o personagem cuja unção é a mais próxima àquela de um policial , no contexto). “er que agir”, como disse a uncionária da limpeza implicava retirar fisicamente o usuário da Unidade. A PNS-2, por sua vez, parece ter projetado, em sua ala, sua crença de que o usuário deveria “ir para casa”. Diante da insistência do usuário em “beber cachaça”, maniestou sua consternação e também exortou o usuário a deixar a Unidade com a maior brevidade possível (“então, vai!”, lançando a mão ao ar).
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O Quadro 1 resume essas análises, apresentando as Figuras do alcoolismo e do usuário alcoolista construídas contextualmente pelos profissionais.
No Quadro, também estão registradas hipóteses sobre os padrões aetivos dominantes relacionados a cada Figura.
Quadro 1 – Figuras do alcoolismo e do usuário alcoolista e hipóteses sobre padrões aetivos dominantes Figura do alcoolismo Figura do usuário alcoolista Hipóteses sobre os padrões afetivos dominantes Alcoolismo como doença Figura do alcoolista ausente Indierença citada e não abordada Alcoolismo como doença Figura do alcoolista como Frustração, tristeza, consternação, em tratamento caso diícil impotência Alcoolismo como doença Figura do alcoolista presente e, Ansiedade, consternação, impotência em comorbidade no entanto, ausente Alcoolismo como comédia Figura do bêbado-cômico Compaixão e bom-humor (propensão trágica para o lúdico e para o riso) Alcoolismo como Figura do bêbado-problema Ansiedade, medo, raiva obstáculo e ameaça As Figuras do alcoolismo e do usuário alcoolista são ormas hegemônicas das representações sociais do alcoolismo construídas pelos profissionais. São conhecimentos práticos, esquemas subjacentes mobilizados pelos profissionais segundo exigências de situações concretas, para orientar e justificar práticas sociais. As Figuras incorporavam elementos (crenças, valores) identificados nos emas, ormando teorias de senso comum sobre o objeto-alvo: o alcoolismo era representado como problema para o qual não existiriam instrumentos disponíveis na Unidade; cujo tratamento deveria ser centrado em medicações específicas e na abstinência; associado eventualmente à agressividade dos usuários. Sua construção se dava também por processos de ancoragem, inclusão de um objeto em um campo de significações compartilhadas, cuja análise extrapola o oco delimitado para este trabalho. Percebe-se que as representações apreendiam o enômeno tanto no campo das ciências da saúde (“alcoolistas”, nas três primeiras Figuras) quanto no campo do senso-comum (“bêbados”, nas duas últimas Figuras). As ormas de objetivação identificadas tinham em comum orientar práticas de exclusão ísica e simbólica do alcoolismo e dos usuários alcoolistas (sinalizadas no estudo de Alvarez, 2001). Os dados da observação participante ilustram com propriedade algumas dificuldades encontradas
por profissionais de saúde para abordar e acolher usuários problemáticos de álcool, constatadas em numerosos estudos nacionais e internacionais (Pillon & Laranjeira, 2005; Johansson et al., 2005; Malet et al., 2009; Ronzani et al., 2009). Além disso, os dados propiciam o reconhecimento de mecanismos psicossociais contextualizados por meio dos quais acontece a exclusão do alcoolista. Análises eetuadas em outro estudo indicaram que representações sociais do alcoolismo construídas por não-alcoolistas tinham a unção de dierenciar o alcoolista do bebedor normal, estabelecer ormas aceitáveis de consumo e controlar o medo relacionado ao álcool. Cumpriam a unção de proteger os sujeitos da identificação com os “bêbados”. Para tanto, operavam certa animalização e desumanização do alcoolista. Como consequência, justificava-se a eventual perda, por parte do alcoolista, de direitos (atenção, cuidado, respeito) associados ao humano (Ancel & Gaussot, 1998). Os dados e análises da presente pesquisa são condizentes com essas interpretações. A percepção do alcoolista como menos humano pode estar associada às práticas de exclusão ísica e simbólica que oram observadas. O estudo citado verificou que o alcoolista poderia ser representado alternada ou simultaneamente como “outro monstruoso” (percepção dominante), “igual em dificuldade” ou “artista” (Ancel & Gaussot,
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1998). Os dados obtidos na presente pesquisa apresentaram semelhanças. A percepção do alcoolista como “outro monstruoso” predominou entre os profissionais de saúde, o que pode estar relacionado à percepção de alteridade atribuída de orma generalizada aos usuários da USF (pessoas de classe popular). Adicionalmente, a identificação das Figuras do alcoolismo pôde iluminar processos de objetivação, de construção coletiva e contextual das representações, articulada a práticas sociais e a padrões aetivos. Entretanto, dierentemente do que oi relatado por Ancel e Gaussot (1998), na presente pesquisa, as representações sociais do alcoolismo apareceram menos como maneira de definir a própria conduta de alcoolização (o beber-bem, as ormas permitidas de relaxamento) e mais como sistemas de significados capazes de orientar interações com os demais profissionais de saúde e, especialmente, com os usuários identificados como alcoolistas.
Conclusões Sugere-se que os resultados e as análises da presente pesquisa sejam discutidos junto com os participantes. A parceria entre os serviços de saúde e o meio acadêmico pode se materializar, por exemplo, em reuniões de ormação permanente, em pesquisas e publicações conjuntas. Partindo do princípio de que a construção de novas práticas pode gerar condições para a transormação das representações sociais (Abric, 1994), sugere-se a criação conjunta de procedimentos (undamentados em concepções não excludentes) de acolhimento e acompanhamento de usuários problemáticos de álcool, incluindo não só a dependência, mas também o uso arriscado e o uso nocivo (Babor et al., 2001). Os dados da observação participante acilitam a criação contextualizada desses procedimentos. As reuniões de ormação permanente centradas nesse tema podem abordar a questão mais ampla do consumo de álcool na sociedade. Podem conduzir ainda à discussão da questão geral do acolhimento dos usuários e da escuta apurada de seus estilos de vida, representações e práticas, o que constitui tópico central para a Estratégia Saúde da Família.
Referências Abric, J. C. (1994). Pratiques sociales, représentations sociales. In J. C. Abric (org.), Pratiques sociales et représentations (pp. 217-238). Paris: PUF. Alvarez, A. A. (2001). Representacion social del alcoholismo. Estudio comparativo de dos muestras (brasilera y cubana) de personas no alcoholicas. Revista Cubana de Psicología, 18(2), 156-161. Ancel, P., & Gaussot, L. (1998). Alcool et alcoolisme: Pratiques et représentations. Paris: l’Harmattan. Babor, . F., Higgins-Biddle, J. C., Saunders, J. B., & Monteiro, M. G. (2001). Te Alcohol Use Disorders Identification est: Guidelines or use in primary care (2a ed.). Genebra: World Health Organization. Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Decreto n. 6.117. (2007, 23 de maio). Aprova a Política Nacional sobre o Álcool, dispõe sobre as medidas para redução do uso indevido de álcool e sua associação com a violência e criminalidade, e dá outras providências. Diário Oficial União, seção 1. Jodelet, D. (1989). Folies et représentations sociales. Paris: PUF. Johansson K., Bendtsen P., & Akerlind I. (2005). Factors influencing GPs’ decisions regarding screening or high alcohol consumption: a ocus group study in Swedish primary care. Public Health, 119, 781-788. Malet, L., Reynaud, M., Llorca, P. M., Chakroun, N., Blanc, O., & Falissard, B. (2009). Outcomes rom primary care management o alcohol dependence in France. Journal o Substance Abuse reatment, 36 , 457-462. Moscovici, S. (2003). Representações sociais: Investigações em psicologia social . Petrópolis: Vozes. Olivier de Sardan, J. P. (2008). La rigueur du qualitati: Les contraintes empiriques de l’interprétation socioanthropologique. Louvain la Neuve: Bruylant. Pillon, S. C., & Laranjeira, R. R. (2005). Formal education and nurses’ attitudes towards alcohol and alcoholism in a Brazilian sample.São Paulo Medical Journal, 123(4), 175-180. Ronzani, . M., Higgins-Biddle, J., & Furtado, E. F. (2009) Stigmatization o alcohol and other drug users by primary care providers in Southeast Brazil. Social Science and Medicine, 69, 1080-1084.
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HISTÓRIA DE VIDA E O ALCOOLISMO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ADOLESCENTES 1 Sílvio Éder Dias da Silva 2 Maria Itayra Padilha3
Considerações Iniciais A palavra droga deriva do termo holandês droog , que significa “produtos secos” e servia para designar um conjunto de substâncias para a alimentação e a terapêutica de doenças nos meados do século XVI ao XVIII. O termo também oi empregado na tinturaria ou significando “substâncias para obter prazer”. No período colonial do Brasil, as drogas representavam um conjunto de riquezas exóticas, produtos de luxo destinados ao consumo e ao uso médico, sendo posteriormente denominadas de especiarias (Carneiro, 2005). Com o passar do tempo, a ronteira entre estes dois conceitos oi definida e vigiada, sendo que as distinções não são mais naturais, mas um recurso artificial de controle político e jurídico. Dessa orma, as drogas passaram a ser conceituadas como lícitas e ilícitas (Carneiro, 2005). O álcool é considerado uma droga lícita. Estima-se que existam dois bilhões de consumidores de bebidas alcoólicas em todo o mundo e, destes, 76,3 milhões com diagnóstico de transtornos relacionados ao uso de álcool. Os índices de morbidade e mortalidade relacionados a essa realidade são consideráveis. Os acidentes automobilísticos ocupam índice proeminente nas estatísticas, pois, em todo o mundo, entre um quarto e a metade dos acidentes de trânsito com vítimas atais estão associados ao uso do álcool (World Health Organization, 2004). Percebe-se que o alcoolismo, ao ser inserido no cotidiano do adolescente, começa a azer parte do seu cognitivo e de suas comunicações com o seu grupo de pertença, passando a doença para uma dimensão psicossocial que poderá influenciar o seu comportamento diante da droga. Entende-se ser necessário desvelar essa experiência vivida pelo adolescente, por meio da apreensão da sua história de vida, a fim de compreender o seu presente, e
assim organizar uma orma de orientá-lo rente à problemática do alcoolismo. A diversidade de enoques teóricos e metodológicos é uma característica marcante da enermagem. Entre eles destaca-se a eoria das Representações Sociais (RS), que é muito empregada por ter a unção de interpretar a realidade que se almeja pesquisar, possibilitando a compreensão das atitudes e comportamentos de um determinado grupo social rente a um objeto psicossocial. Considerando que a representação social avorece conhecer a prática de um determinado grupo, ela permite à enermagem estabelecer intervenções que, por respeitarem as características específicas de cada segmento social, serão mais eficientes e eficazes.
Objevos A partir do exposto, delimitaram-se como objetivos do estudo: descrever as representações sociais dos adolescentes sobre o alcoolismo e analisar a inserção do alcoolismo na história de vida dos adolescentes.
Metodologia Este estudo oi descritivo-exploratório, com abordagem qualitativa, utilizando o método de história de vida para captar as representações sociais
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Este texto é parte da ese de Doutorado intitulada “Historia de Vida e alcoolismo: representações sociais sobre o alcoolismo” deendida em 27 de julho de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Enermagem da UFSC. Proessor Assistente da Faculdade de Enermagem da Universidade Federal do Pará (UFPa). Doutorando do DINER/UFPa/UFSC/ CAPES. Mestre em Enermagem pela EEAN/UFRJ. Membro do Grupo de Estudos de História do Conhecimento de Enermagem e Saúde (GEHCES) e do Grupo de Pesquisa Educação, Políticas e ecnologia em Enermagem da Amazônia (EPOENA). Belém (PA) Brasil. E-mail: silvioe [email protected]/silvioeder@upa.br Doutora em Enermagem. Proessora Associada do Departamento de Enermagem e da Pós-Graduação em Enermagem da UFSC. Pesquisadora do CNPq. Santa Catarina, Brasil. E-mail: padilha@ccs. usc.br
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dos sujeitos do estudo acerca do tema em questão. Esse método caracteriza-se como uma vertente da história oral que se compõe como um autêntico e eficiente instrumento de investigação quando o pesquisador atribui um aspecto científico ao seu estudo (Bertaux, 2005). A história de vida consiste na narrativa contada pelo sujeito, servindo como ponte de interação entre o indivíduo e o meio social, tendo como sua principal característica a preocupação com o vínculo entre pesquisador e sujeito. Assim ocorre uma produção de sentido tanto para o pesquisador quanto para o pesquisado. A abordagem qualitativa oi selecionada para investigar o objeto de estudo por meio da apreensão do universo subjetivo de um determinado grupo de indivíduos, pelo ato de se acreditar na indissociabilidade entre mundo real e simbólico. Esta modalidade de estudo tem como “undamento uma relação dinâmica, uma interdependência viva entre o indivíduo e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito” (Chizzotti, 2003, p. 79). Sendo assim, por meio da captação dos relatos da população estudada, acessa-se a realidade objetiva que a circunda. O método histórico possibilitará a compreensão do universo do adolescente a partir de seu passado com a construção de suas representações sociais sobre o alcoolismo, que serão primordiais para sua tomada de atitude rente à prática social de consumo de bebidas alcoólicas. O campo de pesquisa oi o Projeto ribos Urbanas, que é um programa da Preeitura de Belém (PA), criado há dois anos, com o objetivo de atender jovens e adolescentes que se envolvem com gangues. A iniciativa visa retirá-los das ruas e envolvê-los em atividades socioeducativas (Fundação Papa João XXIII, 2008). Os sujeitos do estudo oram 40 adolescentes de ambos os sexos, sendo 30 do sexo masculino e 10 do sexo eminino. Os critérios de inclusão na pesquisa oram: estar na aixa etária entre 12 e 20 anos; azer parte do programa da instituição mencionada; e ter a permissão dos adolescentes, e de seus responsáveis legais, para a participação no estudo. O período da coleta dos dados oi de março a julho de 2009. A técnica de coleta das narrativas dos adolescentes para a produção de ontes orais oi a entrevista
semiestruturada, que é uma técnica undamental para captação de dados de uma pesquisa, pois a ala que emerge a partir de sua realização é reveladora de categorias estruturais, de princípios de valores, normas e símbolos e ao mesmo tempo tem a magia de transmitir, por meio de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições históricas, socioeconômicas e culturais específicas (Padilha, Guerreiro, & Coelho, 2007).Nos trabalhos de representações sociais existe a necessidade de se trabalhar com um grupo social, pois somente neste tipo de grupo é elaborado o conhecimento consensual. Por tal motivo, o número de sujeitos da pesquisa tem que ser representativo de um grupo, ou seja, não pode ser um número insignificante. Foi empregada a técnica da saturação de dados, que diz respeito à repetição dos discursos como orma de delimitar a amostragem deste estudo (Minayo, 2007). A pesquisa oi orientada pela Portaria n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e oi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Pará, recebendo o número de protocolo 004/08 CEP-ICS/UFPA. Após o término das entre vistas, oi realizada a sua transcrição. Para trabalhar as inormações, optou-se pela análise temática, a qual consiste na significação que se desprende do texto, permitindo sua interpretação sob o enoque da teoria que guia o estudo. Esta técnica de análise propicia conhecer uma realidade através das comunicações de indivíduos que tenham vínculos com ela (Bardin, 2008). Buscou-se desdobrar a análise temática em três etapas: a 1ª é a pré-análise, que consistiu na seleção e organização do material, quando realizamos a leitura flutuante e a constituição do corpus; a 2ª é a exploração do material; e a 3ª, o tratamento dos dados (Bardin, 2008). Ao final da análise, chegamos às seguintes categorias temáticas: O alcoolismo na história de vida dos adolescentes e Alcoolismo, alcoolistas e suas representações sociais.
Resultados e Discussão Apresentam-se, a seguir, a análise e a discussão dos resultados encontrados no estudo, que culminaram nas duas categorias centrais. Na primeira, O alcoolismo e as histórias de vida dos adolescentes,
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é demonstrado como os sujeitos do estudo se aproximaram das bebidas alcoólicas a partir das suas histórias de vida e relações amiliares. Na segunda categoria, Alcoolismo, alcoolistas e suas representações sociais, apresenta-se o cerne das representações sociais na vida dos adolescentes por meio de duas subcategorias: Alcoolismo: doença, não; vício, sim; e Alcoolismo, uma doença dependente. O alcoolismo na história de vida dos adolescentes
O termo amília nos remete a uma imagem simbólica de indivíduos, em diversas ases do desenvolvimento humano, que convivem de orma harmoniosa e satisatória em um ambiente comum. A amília é constituída por vários componentes detentores de valores arraigados sobre a amília, que merecem ser respeitados. Ela é representada como um grupo de pessoas que por interagirem influenciam as vidas uns dos outros, quer compartilhem laços biológicos ou não. A amília é a célula social que soreu diversas alterações na sua conceituação e estrutura, mas permanece como instituição central nas sociedades ocidentais (Ávila, & Guareschi, 2009). A inância é o período crucial para elaboração de representações sociais, visto o inante estruturar sua visão de mundo a partir do que lhe é apresentado pelo adulto. A realidade criada pela criança é proveniente das representações que os adultos lhe re-apresentam. Sendo assim, apresentamos abaixo o modo como os sujeitos do estudo vivenciaram o uso do álcool em suas amílias. A minha mãe era alcoólatra. Ela começou a beber muito depois que se separou do meu pai, quando começou a trabalhar ora. Nas sextas-eiras, ela saía do emprego para beber com as amigas, depois ela começou a beber em casa, ela bebia até ficar de porre. (E6)
Percebe-se que o amiliar alcoolista dos adolescentes era o pai e/ou a mãe e estes oram responsá veis por apresentar um mundo no qual as bebidas alcoólicas eram permissíveis e que seu abuso era rotineiro. Na inância é que se representa a realidade que a criança irá conviver, ou seja, a realidade
re-apresentada pelo adulto. O mundo que é apresentado pelo adulto servirá como matéria-prima para o que será construído pela criança, no caso do estudo em questão, o mundo adulto estrutura o hábito de conviver com o consumo do álcool. A representação é um elemento de grande importância na inância, devido a ela florescer como um instrumento de cognição que conere um sentido e valores municiados pelo meio social para as sensações, ações e experiências, principalmente em relações e trocas com o outro. Dessa orma, a representação é simultaneamente um instrumento de socialização e de comunicação (Lauwe, & Feuerhahn, 2001). A criança, estando centrada no seio amiliar, vai usar os aspectos culturais deste, por meio da aprendizagem, para estruturar a sua interação na realidade social. Nessas situações, as crianças e os adolescentes estão adquirindo as habilidades tradicionais de uma série de condições bastante restritas (Duveen, 2002). O modelo de aprendizagem define que existem interesses comuns entre a criança e o adulto, sendo este visto como perito e o inante como aprendiz. O conflito sobre o valor que deve ser apreendido tem que desaparecer. Assim, o que este modelo propicia é um ruto para representação de relações sociais existentes em situações que são distinguidas pela assimetria de poder entre o aprendiz e o perito (Duveen, 2002). Esse modelo aprendiz e perito tem que ser visto sobre o ator da influência social, pois a criança, como aprendiz, irá seguir as determinações que o perito, ou seja, o adulto, lhe apresenta. Sob esse ponto de vista, percebe-se a importância da carga cultural do adulto que é passada para a criança e posteriormente ao adolescente. Quando nessa carga estão impressos atitudes e comportamento pró-alcool, este será undamental para a estruturação de representações sociais que tenham a bebida alcoólica como um bem sociável. A representação, por sua vez, irá condicionar atitudes e comportamentos no adolescente que tenham o álcool como centro motivador de interação grupal. Outro aspecto importante nos relatos diz respeito à inância, pois oi nela que ocorreu o primeiro contato desses indivíduos com as bebidas alcoóli-
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cas, cujo incentivo oram as reuniões amiliares, sendo que se destacaram no estudo Natal, ano-novo e aniversário. Nesses momentos, os participantes do estudo presenciaram o consumo de bebidas alcoólicas pelos seus amiliares, sendo que este contato com o álcool, muitas vezes, só se finalizava com a embriaguez, conorme se observa nas alas abaixo. As reuniões mais requentes em casa são o Natal e ano-novo. A amília se reunia, todo mundo comia junto, mas depois se debandavam. Eu achava di erentes essas reuniões porque a maioria chegava de porre lá, e como eu não sabia o que era aquilo eu achava estranho, eu curioso ficava só olhando e tentando entender. Nessas reuniões participava toda amília que a minha avó materna constituiu, eu não tenho muito aeto pela amília do meu pai. Em casa a gente consumia a bebida, as mais usadas eram a cerveja, vinho, cachaça e conhaque, a gente bebia tudo que tinha álcool. (E9)
Os atores amiliares, como inserção da bebida alcoólica no meio amiliar e seu uso de orma abusiva, são variáveis para o primeiro contato com o álcool e outras drogas, assim como os hábitos e os conflitos que os jovens percebem podem contribuir para a introdução deste tipo de droga nos seus costumes culturais e práticas sociais. A literatura assinala evidências de que problemas na amília são riscos para o uso de drogas lícitas e ilícitas. As amílias que consomem álcool apresentam disunções na área do aeto, do estabelecimento de limites e de papéis na estrutura amiliar. Alcoolismo, alcoolistas e suas representações sociais
Esta categoria se desdobra em duas subcategorias: a primeira é Alcoolismo: doença, não; vício, sim, na qual o adolescente representa o alcoolismo não como uma doença, conorme destacado no universo reificado, mas, sim, como um vício, sendo uma realidade presente no universo consensual da doença. Já a segunda, Alcoolismo: uma doença dependente, observa-se como os adolescentes identificam o principal sintoma do alcoolismo, que é a dependência, e como eles classificam que os alcoolistas tornaram-se dependentes devido a serem ‘pessoas racas’.
Alcoolismo: doença, não; vício, sim
Nesta subcategoria, evidencia-se que os adolescentes caracterizam o alcoolismo não como uma doença, mas, sim, como um vício. Esta realidade se az presente quando os depoentes caracterizam o vício como o hábito de consumir bebida alcoólica de orma contínua, mas, mesmo assim, não é elaborado como uma doença. Eu acho que o alcoolismo não é uma doença, mas, sim, um vício, porque a hora que tu quiseres parar de beber, tu paras, se osse uma doença, muitas pessoas que pararam de beber não conseguiriam. No meu entendimento eu vejo assim. (E16)
Os depoimentos dos sujeitos do estudo acerca da sua relação com o álcool se apresentam de um modo até certo ponto ingênuo, considerando doença e vício como algo dierente. Percebe-se que no universo consensual dos depoentes não existe a relação do vício como uma consequência da doença, mas, sim, que este substitui a doença. Os adolescentes entendem que as pessoas que consomem bebidas alcoólicas de orma abusiva não são portadoras de uma doença, mas detentoras de um vício. O vício é conhecido no universo reificado como dependência psicológica e é definido como o uso compulsivo de substâncias psicoativas apesar de trazerem consequências de aspectos ísico, emocional e social. A impressão que a realidade social implica ao alcoolista como um viciado encontra-se centrada nas representações sociais dos adolescentes. Esta representação se estrutura a partir das impressões que se encontram presentes no meio social, visto este servir de matéria-prima para a re-criação para gerações uturas. O vício é a característica do dependente químico, pois é o sintoma mais visível dele no meio social, por tal motivo ele se destaca nas representações sociais dos adolescentes em oposição à doença. Quando se reportam ao alcoolista, parece existir uma concepção dominante de que o que alta nesse indivíduo é vontade para interromper o consumo, acreditando que a pessoa pode ter o domínio sobre a ingestão do álcool, e que “se ela quiser” tem condições de largar o “vício” (Pinsky, & Jundi, 2008). O termo alcoolista é muito empregado atualmente como orma de se ugir do estigma gerado
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pela doença. A comunidade científica utiliza esse termo, ao invés de alcoólatra, apesar de constarem como sinônimos, em alguns dicionários, para definir o dependente do álcool. A palavra alcoólatra não é indicada, pelo meio científico, por conta de que o sufixo latra significa “adoração”, e o portador do alcoolismo é um enermo que usa o álcool por dele necessitar, e não por adorá-lo. Portanto, alcoólatra, ainda que de uso consagrado, não az jus à etiologia da doença (Silva, & Souza, 2004). No meio social, o indivíduo que é dependente químico é tido como uma pessoa dierente, raca. Este aspecto é caracterizado pelos adolescentes quando evidenciam o consumidor de bebida alcoólica como um indivíduo enraquecido, ou seja, devido a ser uma ‘pessoa raca’, alguém se aproxima do álcool de orma patológica. A visão de raqueza do alcoolista está centrada na representação social de que o indivíduo alcoolista az uso de orma abusiva da bebida alcoólica porque é uma pessoa raca. Na verdade o alcoolista é visto como um raco no universo consensual, do senso comum, mas no reificado este é diagnosticado como um portador de aspectos biopsicossociais que são relevantes para aquisição da dependência alcoólica. O universo consensual estrutura uma orma de saber dierente do saber erudito, mas por ser uma orma de saber prático, que avorece a adoção de comportamentos e atitudes rente a um objeto psicossocial, possui o mesmo valor. Nesta subcategoria, oi possível observar que na comunicação dos adolescentes estes representavam o alcoolista não como um doente, mas como um portador de um vício que é caracterizado como um indivíduo que não consegue parar de beber. Esta realidade existe pelo ato de os adolescentes estruturarem suas representações sociais a partir de representações preexistentes, que rotulam o alcoolista como uma pessoa viciada, e não como um doente, o que é de ato. Alcoolismo: uma doença dependente
No universo reiicado, o alcoolismo é tido como uma doença que é caracterizada por vários sintomas, entre os quais se destaca a dependência química. Esse saber erudito serve como matériaprima para a emergência de um universo consensual
que vincula os indivíduos que sorem da doença como seres dependentes da bebida alcoólica. Nota-se nesta subcategoria que o alcoolismo é percebido como uma doença que ocasiona dependência no seu portador. Cabe elucidar que a dependência é o sintoma mais característico de um indivíduo alcoolista. Essa impressão oi percebida a partir dos seguintes depoimentos. Sim, eu acho que o alcoolismo é uma doença que a pessoa fica dependente. Eu acho que é uma doença, porque no caso do meu pai, que ainda bebe até hoje e se não tiver o dinheiro pra beber fica doido, não se controla, dá um jeito de conseguir dinheiro, emprestado. (E37)
Esta representação social se estrutura a partir do conhecimento reificado que vincula o alcoolista a uma doença que tem como principal sintoma a dependência química, que pode ser compreendida como o desejo incondicional de consumir o álcool, ficando este como o principal motivo da vida do alcoolista. Ressalta-se que a doença possui uma contextualização psicossocial para o indivíduo doente. Faz-se necessário enatizar que a doença não pode ser entendida unicamente numa visão individualista, mas também sob o aspecto coletivo, pois o adoecimento altera o cotidiano individual e social do doente. O alcoolismo possui uma característica marcante, pois além do ato de não permitir a execução das atividades laborais do alcoolista, como a maioria das doenças realiza com seus portadores, ainda há um agravante – a visão ainda predominante na sociedade que julga o alcoolista como único responsável pelo seu adoecimento. Este paradigma inviabiliza a compreensão do alcoolismo como uma doença crônica, pois para o meio social o diabético ou o hipertenso não oram responsáveis pela aquisição de suas patologias, ato que não ocorre com o dependente do álcool, que ainda é tido como um ‘sem-moral’, pois ‘bebe porque deseja’. Nesta subcategoria, oi possível compreender que o alcoolista é tido como um indivíduo doente portador de uma dependência. Esta representação, por sua vez, emerge a partir do conhecimento reificado que tem o alcoolista como o portador de uma doença crônica, que tem como principal característica a dependência química.
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Considerações nais Nesta pesquisa oi possível identificar como o encontro do adolescente com o alcoolismo durante sua inância oi primordial para a estruturação de representações sociais, nas quais adotavam as bebidas alcoólicas para lidar com os problemas emergentes na realidade, sendo destacado que estas representações sociais serão responsáveis pela prática social dos sujeitos do estudo. A inância emerge como um período essencial para o adolescente estruturar suas representações sociais sobre o alcoolismo. Isso ocorreu devido à convivência dele quando criança com amiliares alcoolistas, que conceberam um mundo adulto com o hábito de consumir bebidas alcoólicas. Esta realidade re-apresentou representações sociais sobre o alcoolismo que oram incorporadas pelos adolescentes para reestruturar sua realidade social, na qual o consumo de álcool é permitido. A partir da adolescência, a busca pela liberdade permitida oi intensa, o que se materializou no rompimento com os vínculos amiliares que exerciam controle, e afirmação com novo grupo de pertença. Neste momento, todos os adolescentes passaram a ter contato com as bebidas alcoólicas de orma abusiva. O alcoolismo, também, oi definido de duas ormas: como um vício e como uma doença que ocasiona dependência. A primeira representação social surgiu de representações preexistentes que tinham em sua carga cultural o alcoolista como um viciado. Já a segunda emergiu a partir do conhecimento reificado que tem o alcoolismo como uma doença caracterizada pela dependência química, evidenciando-se que o conhecimento científico, não-amiliar, oi amiliarizado com o nascimento de um universo consensual, que viu o alcoolista como um dependente químico. O estudo mostrou a relevância de se desvelar o universo dos adolescentes sobre o alcoolismo por meio de suas histórias de vida, devido a avorecer a compreensão de um enômeno tão polêmico, como é o caso do consumo abusivo de bebidas alcoólicas pelos jovens. Ele mostrou a importância da elaboração de uma educação em saúde como orma de prevenção e promoção da saúde dos adolescentes.
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O NÚCLEO CENTRAL DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE “BOM ALUNO” ENTRE PROFESSORAS 1 Andreza Maria de Lima2 Laêda Bezerra Machado 3
Introdução O contato com o cotidiano de escolas municipais que oerecem os anos iniciais do Ensino Fundamental da cidade do Recie-PE possibilitou perceber constantes reerências de proessores ao termo “bom aluno”. A história da educação brasileira mostra que esse termo esteve vinculado, até os anos de 1970, sobretudo a concepções de aprendizagem que reduzem o aluno a um sujeito passivo no processo de ensino e aprendizagem. O contexto de redemocratização do país, nos anos de 1980, entretanto, propiciou inovações educacionais que deendem que o ato de aprender nada tem de mecânico do ponto de vista da criança que aprende, pois essa criança se coloca problemas, constrói sistemas interpretativos, pensa, raciocina e inventa ao buscar compreender os diversos objetos de conhecimento. A partir desse período, registrou-se a diusão das pedagogias de Paulo Freire, Demerval Saviani e José Carlos Libâneo, das abordagens construtivista e sócio-construtivista da aprendizagem, bem como de políticas educacionais para o ensino undamental, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) e as de ciclos que, para além das suas particularidades, deendem que o processo de aprender nada tem de mecânico do ponto de vista da criança que aprende. Este artigo recorte de uma pesquisa mais ampla, teve como objetivo identificar o núcleo central das representações sociais do “bom aluno” construídas por proessoras dos anos iniciais do ensino undamental da Rede Municipal do Recie-PE. O pressuposto subjacente é de que novas práticas educacionais estariam intererindo nessas representações. Na revisão de literatura, constatamos que oi a partir da democratização da escola pública, na década de 1980 do século passado, que o “bom aluno” passou a ser uma questão discutida em pesquisas que buscavam compreender os atores
intraescolares na produção do racasso escolar. Nos anos de 1990, essa questão passa a ser enatizada em estudos com distintas preocupações e reerenciais teórico-metodológicos (Rangel, 1997; Donaduzzi, 2003; Novaes, 2005; Luciano, 2006; Munhóz, 2007; Pinheiro, 2007, entre outros). Não obstante, constatamos que não há uma literatura vasta sobre o objeto. Localizamos vinte e um textos, publicados entre 1980 e 2008. Esses estudos evidenciaram a complexidade do objeto ao apontarem que concorrem para a construção simbólica do “bom aluno” elementos relacionados a questões como saúde, limpeza, cor, gênero, amília, atitudes e aprendizagem. A eoria das Representações Sociais inaugurada por Serge Moscovici oi o reerencial orientador da pesquisa, porque relaciona processos cognitivos e práticas sociais, recorrendo aos sistemas de significação socialmente elaborados. Esta teoria desdobra-se em três correntes teóricas complementares: uma mais fiel à teoria original e associada a uma perspectiva antropológica, liderada por Denise Jodelet, em Paris; outra que articula a teoria original com uma perspectiva mais sociológica, proposta por Willem Doise, em Genebra; e uma que enatiza a dimensão cognitivo-estrutural das representações, chamada eoria do Núcleo Central, proposta por Jean-Claude Abric. Nesta pesquisa, adotamos esta última abordagem, porque toma como uma dimensão irrecusável as relações entre práticas e representações sociais. Embora reconhecendo que outros trabalhos investigaram este objeto a partir da teoria proposta por Moscovici (Rangel, 1997; Donaduzzi, 2001; Luciano, 2003), não encontramos produções que o estudaram a partir da eoria do Núcleo Central. Consideramos o estudo relevante,
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Apoio: Coordenação de Apereiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Universidade Federal de Pernambuco – UFPE Universidade Federal de Pernambuco
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pois além de adotar um suporte teórico pouco explorado nos estudos sobre o “bom aluno”, seus resultados suscitam reflexões acerca do que docentes pensam e esperam dos alunos e sinalizam novas sensibilidades para práticas ormadoras e políticas educacionais.
A Teoria das Representações Sociais A eoria das Representações Sociais surgiu com a obra seminal do psicólogo social romeno naturalizado rancês Serge Moscovici, intitulada “La psycanalise: son image et son public” publicada pela primeira vez na França, em 1961. Nesta obra, Moscovici apresenta um estudo, realizado em Paris no final da década de 1950, em que tenta compreender o que acontece quando uma teoria científica como a Psicanálise passa do domínio dos grupos especializados para o domínio comum. Para explicar esse enômeno, Moscovici cunha o termo representações sociais e operacionaliza, ao mesmo tempo, um modelo teórico aplicável a outros enômenos. Com esse estudo, Moscovici introduz um campo de estudos renovador no âmbito da Psicologia Social. Mas o objetivo do autor ultrapassa a criação de um campo de estudos, pois busca, sobretudo, redefinir os problemas da Psicologia Social a partir do enômeno das representações insistindo na sua unção simbólica de construção do real. A eoria das Representações Sociais é, pois, um reerencial teórico que trabalha o campo das produções simbólicas do cotidiano. Ao inaugurar o campo de estudos, Moscovici (1978) evidencia que essas produções não podem ser compreendidas em termos de vulgarização ou distorção da ciência, pois se tratam de um tipo de conhecimento adaptado a outras necessidades,obedecendo a outros critérios. Com eeito, conorme Sá (1998), Moscovici afirma que coexistem nas sociedades contemporâneas dois universos de pensamento: os consensuais e os reificados. Nos últimos se produzem as ciências em geral; já nos consensuais são produzidas as representações sociais. Moscovici (1978) afirma que a passagem do nível da ciência ao das representações, isto é, de um universo de pensamento e ação a outro, implica uma descontinuidade e não uma variação do mais ao menos.
Arruda (2002) assinala que Moscovici (1978) reabilita o saber do senso comum, antes considerado equivocado. Spink (1995) corrobora que não se trata apenas de reabilitação do senso comum como orma válida de conhecimento, mas “de situá-lo enquanto teia de significados [...] capaz de criar eetivamente a realidade social” (p.120). Moscovici (1978) ressalta que as representações não podem ser reduzidas a simples resíduos intelectuais sem relação alguma com o comportamento humano criador, pois “possuem uma unção constitutiva da realidade, da única realidade que conhecíamos por experiência e na qual a maioria das pessoas se movimenta” (p.27). Jodelet (2001) acrescenta que “trata-se de um conhecimento ‘outro’, dierente da ciência, mas que é adaptado à ação sobre o mundo e mesmo corroborado por ela” (p.29). A autora assinala que sua especiicidade, justiicada por ormação e finalidades sociais, constitui-se em um objeto de estudo epistemológico não apenas legítimo, mas necessário para compreender plenamente os mecanismos de pensamento.
A Teoria do Núcleo Central A eoria do Núcleo Central surgiu em 1976 através da tese de doutoramento de Jean-Claude Abric, deendida na “Université de Provence”, sob a orma de uma hipótese geral a respeito da organização interna das representações, qual seja: toda representação está organizada em torno de um núcleo central que determina, ao mesmo tempo, sua significação e organização interna. Em outras palavras, Abric deende, naquela ocasião, que não apenas os elementos da representação seriam hierarquizados, mas que toda a representação seria organizada em torno de um núcleo central que estrutura como a situação é representada e determina os comportamentos. Essa hipótese surge em estreita continuidade aos trabalhos conduzidos por Abric sobre as relações entre representações sociais e comportamento. Segundo Abric (2003), as representações se organizam em torno de um sistema central, porque em todo “pensamento social, certa quantidade de crenças, coletivamente produzidas e historicamente determinadas, não podem ser questionadas, posto
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que elas são o undamento dos modos de vida e garantem a identidade e a permanência de um grupo social” (p. 39). Conorme o autor, o sistema central desempenha três unções: geradora (é o elemento pelo qual se cria ou se transorma a significação dos outros elementos), organizadora (ele determina a natureza das ligações entre os elementos de uma representação) e estabilizadora (seus elementos são os que mais resistem à mudança). Uma série de trabalhos colocou em evidência que existem dois grandes tipos de elementos no núcleo central: os normativos e os uncionais (Sá, 2002). Segundo Abric (2003), os normativos são originados do sistema de valores se constituindo, pois, na dimensão undamentalmente social do núcleo; já os uncionais estão associados às características descritivas do objeto nas práticas sociais. Abric (2003) afirma que todo questionamento do sistema central é sempre uma crise, não somente cognitiva, mas de valores. Isto ocorre porque a base do núcleo central de uma representação é constituída pelos valores do sujeito. O autor acrescenta que “ partilhar uma representação com outros indivíduos significa, então, partilhar com eles os valores centrais associados ao objeto concernido” (p. 40). Não é, portanto, o ato de partilhar o mesmo conteúdo que define a homogeneidade do grupo em relação a um objeto, mas a partilha dos valores centrais presentes nesse núcleo. Abric (2003) afirma: “procurar o núcleo central, é então, procurar a raiz, o undamento social da representação que, em seguida, modulará, se dierenciará e se individualizará no sistema periérico” (p. 40). Conorme a eoria do Núcleo Central, os outros elementos que entram na composição das representações sociais azem parte do sistema periérico, que desempenha um papel essencial no seu uncionamento. Segundo Abric (2000), esse sistema é dotado de grande flexibilidade, pois preenche as seguintes unções: concretização (permite que a representação seja ormulada em termos concretos), regulação (permite a adaptação às mudanças no contexto), prescrição de comportamentos (garante o uncionamento instantâneo da representação como grade de leitura de uma dada situação, possibilitando orientar tomadas de posição), modulações personalizadas (permite a elaboração
de representações individualizadas relacionadas às experiências pessoais) e proteção do núcleo (absor ve e reinterpreta as inormações novas suscetíveis de por em questão os elementos centrais). Uma representação social, para a eoria do Núcleo Central, é um conjunto organizado e estruturado de inormações, crenças, opiniões e atitudes, composta de dois subsistemas: central e periérico. O central constitui crenças, valores e atitudes historicamente associados ao objeto. O periérico está mais associado às características individuais e ao contexto imediato e contingente. Por isso, conorme Sá (1998), a eoria atribui aos elementos centrais as características de estabilidade, rigidez e consensualidade e aos periéricos um caráter mutável, flexível e individual, o que permitiu solucionar teoricamente o problema empírico de que as representações exibiam características contraditórias, já que se mostravam ao mesmo tempo “estáveis e mutáveis, rígidas e flexíveis, consensuais e individualizadas” (p.77).
Metodologia A análise das representações sociais, segundo a eoria do Núcleo Central, exige que sejam conhecidos conteúdo, estrutura interna e núcleo central. Por isso, utilizamos uma abordagem plurimetodológica. Neste artigo, apresentamos recorte da última ase do estudo, que teve como objetivo identificar a centralidade das representações sociais do “bom aluno”. O campo empírico
O campo empírico concerne à Rede Municipal de Ensino do Recie-PE. A escolha desse campo deveu-se a implantação de políticas educacionais inovadoras, que partem do entendimento de que o aluno é um sujeito ativo no processo de ensino e aprendizagem. Dentre elas, merece destaque a política dos ciclos de aprendizagem, implantada desde a gestão 2001. Procedimento de coleta de informações
O teste do Núcleo Central tem como objetivo identificar, a partir de cognições inicialmente le vantadas, àquelas que eetivamente compõem o
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núcleo. Os elementos possivelmente centrais, detectados no estudo inicial, oram: atencioso, curioso, estudioso, interessado, participativo, questionador e responsável . Foi apresentada por escrito a seguinte proposição: para cada uma das rases abaixo, assinale a opção que lhe parecer mais adequada. As rases envolviam os prováveis elementos centrais. “Por exemplo: Não se pode pensar em ser bom aluno (expressão indutora) sem pensar em ser responsá vel (evocação possivelmente central)”. Abaixo de cada rase estavam às opções não, não se pode, sim, se pode e não sei dizer. Adicionamos a estratégia de solicitar a cada docente que justificasse oralmente suas opções de resposta, que gravamos em áudio. As parcipantes
Participaram vinte (20) docentes que lecionavam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A maioria (12) cursou Pedagogia e possuía pósgraduação latu sensu. A maior parte (6) tinha de quarenta e um (41) a quarenta e cinco (45) anos. O tempo de serviço oscilou entre um (1) e quinze (15) anos. Nos resultados, serão identificadas pela letra P de Proessora, seguida do número de ordem das sessões e das iniciais do nível da ormação: PG (PósGraduação), CPG (Cursando Pós-Graduação), G (Graduação), CG (Cursando Graduação). O trabalho de campo
O trabalho de campo ocorreu nos meses de agosto e setembro de 2008. Houve boa receptividade das proessoras.Os locais disponíveis para a realização do teste oram: sala de aula, sala dos proessores, sala de inormática, direção e biblioteca. Durante as interações, buscamos estabelecer relações que permitissem um clima de confiança e de harmonia. Procedimento de análise das informações
Para o tratamento das inormações construímos, inicialmente, um quadro para o levantamento das requências com que as proessoras assinalaram as opções não, não se pode, sim, se pode e não sei dizer a cada uma das rases do teste. Definimos que seriam confirmados centrais os elementos que tivessem resposta a opção não, não se pode por, no mínimo, 90% das docentes. Definimos esse corte,
porque, para Abric (2000), é o sistema central que define a homogeneidade do grupo. Assim, consideramos que 90% era um percentual suficiente para se alar de homogeneidade. Após esse tratamento, analisamos o conteúdo das justificativas dadas pelas docentes. Buscamos, com isso, clarificar os sentidos que motivaram o processo de confirmação e reutação dos possíveis elementos centrais.
Resultados e Discussão Os elementos possivelmente centrais nas representações sociais do bom aluno do grupo detectados no primeiro estudo da pesquisa oram: atencioso, curioso, estudioso, interessado, participativo, questionador e responsável . Com o este do Núcleo Central, desses elementos apenas interessado oi confirmado. De orma mais imediata, podemos afirmar que a hipótese de que os elementos estreitamente relacionados com as discussões travadas no âmbito da literatura pedagógica mais recente e das políticas educacionais contemporâneas, isto é, curioso, participativo e questionador , estariam no sistema central das representações do “bom aluno” do grupo não oi confirmada. O ato de apenas interessado ter sido confirmado central é relevante, pois corrobora Abric (2003) que airma: “o núcleo central é constituído de um ou alguns elementos, sempre em quantidade limitada” (p.38). No primeiro estudo, o elemento interessado oi um dos mais importantes candidatos a núcleo central. Confirmado, nesta ase, por 100% das docentes enquanto componente central, interessado emerge como a evocação mais absoluta e incondicional na identidade do ser bom aluno para as docentes. Sendo assim, os elementos atencioso, curioso, estudioso, participativo,questionador e res ponsável não oram confirmados. Esses elementos integram, portanto, o sistema periérico. Isso não significa algo desprovido de importância, pois, conorme Abric (2003), o sistema periérico é a parte mais viva da representação. Para ele, “se o núcleo central constitui, de algum modo, a cabeça ou o cérebro da representação, o sistema periérico constitui o corpo e a carne” (p. 38). No que concerne ao elemento central, isto é, interessado, é válido resgatar que para o marco
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explicativo construtivista – que se tornou, na última década do século passado, predominante nos discursos educacionais, ser interessado implica em, pelo menos, duas condições: em primeiro lugar, o conteúdo deve ser potencialmente significativo e, em segundo lugar, o aluno deve estar motivado para relacionar os novos conhecimentos com os que já azem parte do seu repertório de saberes (Coll, 2000). Solé (2002) esclarece que o aluno estar ou não motivado não é uma responsabilidade apenas sua, já que além das situações escolares incluírem outros significativos para o aluno (proessor e colegas), o que ele traz para cada situação didática envolve instrumentos intelectuais e de caráter emocional. ambém em oposição à ideia de motivação como uma característica da pessoa ou da personalidade, Perrenoud (1995) rejeita o termo moti vação sugerindo libertar-nos das imagens que lhe são associadas. Na busca de uma outra linguagem menos normativa e mais construtivista, o autor propõe alar do sentido do trabalho, dos saberes, das situações e das aprendizagens escolares. Isso porque, para ele, o sentido não é dado a priori, mas constrói-se a partir de uma cultura, de um conjunto de valores e de representações em situação, numa interação e numa relação. Face, ainda, à ideia de que a motivação parece escapar ao sujeito e este ser passivo a ela, Perrenoud (1995) deende que qualquer ator com alguma experiência doseia o seu investimento na ação em que se envolve e, principalmente, no trabalho escolar, em unção das finalidades que se propõe atingir. Nessa linha, o reerido autor complementa: O discurso pedagógico tradicional sustenta, com acilidade, o mito que um “bom aluno” está sempre disposto a trabalhar. odos os outros teriam, então, alguma coisa de que se autocensurar. Construir uma cultura comum e um contrato claro é tomar o sentido oposto desta atitude normativa, é tentar explicar mais, em vez de prescrever. É aastar-se do mito e adoptar uma atitude de curiosidade, próxima da adoptada pelas ciências humanas e colocando a si próprias questões como estas: “Como é que isto está a ocorrer? Por que é que este ou aquele aluno hoje não disseram
nada? Por que é que aquela actividade uncionou tão bem, quando da última vez oi um insucesso lamentável? Por que é que determinado grupo aceita bem determinada tarea, enquanto outro o recusa?”... (p. 197)
Nas justificativas que as proessoras utilizaram para confirmar o caráter absoluto de interessado constatamos que todas evidenciaram que esse interesse estava relacionado a uma motivação intrínseca. Entretanto, enquanto a maioria deixou entrever que essa motivação estava imbricada exclusivamente a um querer, algumas docentes deram indicativos de que esse interesse poderia estar relacionado também ao contexto escolar imediato e/ou remoto e que, sendo assim, atores intra e/ou extraescolares poderiam intererir nesse processo. Nos depoimentos das proessoras que deixaram entrever que o interesse diz respeito exclusivamente a um querer constatamos que partiram da ideia que o processo de aprender pressupõe interesse, isto é, necessidade de saber. Observe um trecho: “Aí tem um peso. (...) Ele tem que demonstrar interesse, ele tem que gostar do que tá azendo, tem que demonstrar prazer (...). O interesse eu to [sic] colocando como uma coisa interior...” (P05PG). Como mencionamos, algumas proessoras afirmaram que esse interesse tem a ver com a motivação intrínseca, mas que não compreendiam essa característica como exclusiva do educando. Essas proessoras deram indicativos de que a motivação ou sua ausência poderia estar relacionada ao contexto escolar imediato ou remoto. Esse dado é significativo, pois aponta que essas docentes não desconsideram que outros elementos influenciam o aluno. Duas delas fizeram alusão à importância do seu papel em estimular esse interesse, revelando que a motivação pode ser construída durante as interações. Uma delas, porém, enatizou a possibilidade desta ação não ser suficiente para provocar o interesse do aprendiz. Observe: Aí eu concordo... O aluno ele tem que ter interesse. Se o aluno não tiver interesse, ele não vai aprender de jeito nenhum, que aquilo que você não quer, não tem quem lhe orce. Agora a gente precisa estudar essa alta de interesse, essa alta
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de interesse precisa ser uma causa de estudo pelo proessor, porque se o proessor procurar estudar e ver como é, talvez o aluno teja [sic] com problema em casa, talvez ele simplesmente seja apático mesmo, talvez o desnível dele seja tão grande que ele não tem interesse. Por exemplo, a minha menina da sala, Paloma, que eu disse que ela tem problemas, que tá sendo acompanhada, ela não tem interesse. (P18G)
Cumpre destacar que, em todas as justificativas das proessoras, o elemento interessado se sobressai como normativo; embora, algumas vezes, apareça, ao mesmo tempo, como normativo e uncional. Noutros termos, todas as docentes afirmaram que o aluno “tem que ter interesse” para ser considerado “bom” e apenas algumas trouxeram elementos das suas experiências concretas que lhes permitiram ortalecer o caráter inegociável desse elemento. As proessoras que não confirmaram os elementos atencioso, curioso, estudioso, participativo, questionador e responsável como centrais utilizaram uma linguagem, sobretudo, uncional, isto é, que inseria os educandos nas suas práticas concretas.
Considerações nais Os resultados gerais da pesquisa confirmaram nosso pressuposto inicial, pois evidenciaram representações sociais do “bom aluno” que se aproximam dos discursos da literatura pedagógica e das políticas educacionais contemporâneas. Os resultados apontaram, porém, como núcleo central dessas representações apenas “interessado” e revelaram o seu caráter undamentalmente normativo. odas as proessoras afirmaram que o aluno “tem que ter interesse” para ser “bom” e apenas algumas delas trouxeram elementos das suas experiências concretas que lhes permitiram ortalecer o caráter inegociável desse elemento. Desse modo, podemos afirmar que o componente interessado determina, ao mesmo tempo, a significação e organização interna das representações sociais do bom aluno construídas pelas proessoras. Constitui-se, como diria Abric (2003), sua cabeça e/ou o cérebro. Os demais elementos, sendo periéricos, são o seu corpo e carne e, sendo assim,
dão materialidade ao ser interessado. Assim, uma representação única (organizada em torno de um mesmo núcleo central) dá lugar a dierenças aparentes que estão relacionadas à apropriação individual ou a contextos específicos. Assim, a invariância do elemento interessado como núcleo central deixa entrever a polissemia subjacente a esta igualdade nominal, suas raízes sociais, simbólicas e suas implicações nas comunicações e condutas. Os resultados do nosso estudo apontam contribuições no campo educacional. Destacamos sua relevância para a prática docente, pois suscita reflexões acerca do que as proessoras pensam ou esperam dos seus alunos. Para as políticas e as práticas ormadoras sinalizam que não se pode perder de vista as representações sociais desses profissionais, mas, ao contrário, sugerem que elas sejam tomadas como ponto de partida para suas elaborações.
Referências Abric, J. -C. (2000). A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira, A. S. P. & Oliveira, D. C. de (Orgs.),Estudos interdisciplinares de Representação Social . Goiânia: AB. pp.27-38 Abric, J. -C. (2003). Abordagem estrutural das representações sociais: desenvolvimentos recentes. In: Campos, P. H. F. & Loureiro, M. C. da S. (Orgs.), Representações sociais e práticas educativas. Goiânia: UCG. pp.37-57 Arruda, Â. (2002, nov.). eoria das Representações Sociais e eorias de Gênero. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 117, pp. 127-147. Coll, C. (2000) A teoria genética da aprendizagem. In: ___. Psicologia e Ensino. Porto Alegre: Artmed. pp. 249-257. Donaduzzi, A. (2003). “Explico uma vez, eles azem” : a representação social do “bom aluno” entre proessoras do Ensino Fundamental. Dissertação de Mestrado, Universidade do Vale do Itajaí/UNIVALI. 100p. Jodelet, D. (2001). Representações Sociais: um domínio em expansão. In: ___ (Org.), As Representações Sociais. radução: Lilian Ulup. Rio de Janeiro: EdUERJ. pp. 17-44. Luciano, E. A. de S. (2006). Representações de proessores do ensino undamental sobre o aluno. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo. 171p.
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POR QUE O PROFESSOR NÃO SE INCLUI NA CENA DA AULA?1 Edna Maria da Cruz2
Kadydja Karla Nascimento Chagas2 Maria do Rosário de Fáma de Carvalho 2
Introdução Esse estudo surgiu de uma pesquisa onde se analisou as representações sociais de 107 proessores de diversas áreas de conhecimento do Instituto Federal de Educação, Ciência e ecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), a partir de sua prática educativa no ensino médio e superior. O objetivo central é identificar a representação social dos proessores sobre rabalho Docente a partir do termo indutor Dar aula. O estudo é importante e significativo se considerarmos que as condutas profissionais não podem ser delineadas em toda a complexidade sem se desvendar as representações sociais que os, próprios, proessores têm do seu ser e azer profissional. Para a compreensão da complexidade que compõe o trabalho docente em nossos dias recorremos à breve revisão de autores pontuais que analisam proundamente questões como ormação e profissionalização docentes. A reerência teórico-metodológica da pesquisa é a teoria do núcleo central das representações sociais, na perspectiva de Abric (1998). Para a coleta dos dados oram usados dois instrumentos, um questionário de perfil que subsidia a caracterização dos sujeitos, com inormações como: área de ormação, nível de pós-graduação, sexo e idade e a ALP- técnica de associação livre de palavras, cujas evocações obtidas oram analisadas com o sofware EVOC 2000. Neste texto são discutidos os resultados obtidos a partir do termo indutor Dar aula, cuja centralidade gira em torno do elemento aluno, e na posição periérica os elementos conhecimento,aprender, conteúdo, ensinar,materialdidático, estudar, escola e trabalho, remetendo ao produto almejado a aprendizagem, colocado em posição mais distante do núcleo central.Constatase que a palavra proessor não está presente em nenhum dos quadrantes do gráico do EVOC sobre o termo indutor Dar Aula, levando-nos
à indagação: Por que, estes proessores não se incluem na centralidade da ação de dar aula? Para encaminhar reflexões à questão posta, procuramos relacionar o perfil dos sujeitos entrevistados com o resultado do processamento de suas evocações a luz da argumentação dos teóricos de reerência.
Reexões sobre docência Sem a pretensão de esgotar o assunto, iniciamos com uma breve revisão das contribuições de autores relevantes sobre a profissão docente, enocando em especial o estudo da ormação e do trabalho docente, e como estes podem intererir no processo de profissionalização. Segundo ardi (2000) em países desenvolvidos, como América do Norte e Canadá é rotineiro o envolvimento dos proessores em processo de avaliação, onde são discutidos e examinados de orma recorrente os problemas da ormação para o magistério em contexto universitário, e lá, oi constatado que os problemas existentes eram motivados, em grande parte, pelo conservadorismo e pela estagnação das aculdades e dos departamentos de educação. Os cursos organizados segundo o modelo aplicacionista, ou seja, apreender conhecimento para em ase posterior aplicá-los na prática. Este modelo culmina em problemas, já conhecidos e documentados, é idealizado segundo uma lógica disciplinar; o conhecer e o azer, dissociados em unidades distintas e separadas, e ainda, não considera as crenças e as representações que seus alunos trazem a respeito do ensino. Portanto, podemos afirmar que, a prática não será a aplicação dos conhecimentos universitários e sim um
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Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e ecnológico – CNPq Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
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processo de filtração que os dilui e transorma de acordo com as exigências do trabalho. Os uturos proessores repetirão o modelo vivenciado em todo o seu processo de ormação. De acordo com Lortie (1975, citado por ardi, 2000). “Os proessores são trabalhadores que oram mergulhados em seu espaço de trabalho durante aproximadamente 16 anos (em torno de 15 mil horas), antes mesmo de começarem a trabalhar”. ardi (2000) alerta, não se deve conundir saberes proissionais com os conhecimentos transmitidos no âmbito da ormação universitária, o autor caracteriza os saberes dos proessores como sendo temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados. São temporais pelo menos em três sentidos; o que sabem sobre o ensino resulta de sua experiência na vida escolar; aprende a trabalhar na prática, por tentativa e erro, com uma aprendizagem diícil, laboriosa e quando já deve dar provas de competência, e finalmente, porque se desenvolvem e são utilizados em um processo de vida profissional de longa duração do qual azem parte dimensões identitárias e dimensões de socialização proissional. São plurais, porque são oriundos de diversas ontes, não ormam um repertório de conhecimento unificado, são ecléticos e sincréticos. Os saberes profissionais são personalizados, marcado pelas emoções, pensamentos, pela personalidade do proessor e suas ações, e mais, sorem a influencia da cultura, mas são também situados, isto é, construídos e utilizados em unção de um trabalho em particular, ou seja, de uma contextualização, onde esses saberes adquirem sentido. Dito isto, passamos à análise da questão identitária, ou seja, nos reportamos aos autores que abordam atores de construção da identidade profissional docente. Dubar (1991 citado por Ludke 2004) enoca muito bem a questão da composição de identidade do individuo, com base nas várias dimensões, tais como psicológica, antropológica e, sobretudo, a dimensão do trabalho. Em 2002 o autor se dedica a analisar a crise das identidades profissionais, na qual desenvolve várias reflexões que nos são oportunas neste momento. Inicialmente descreve a noção de trabalho como estando em plena
transormação. De obrigação explicita e prescrita, à qual se deve obediência, ele passa a um universo de obrigações implícitas, de investimento pessoal, que sendo dependente da criatividade individual e coletiva se torna cercado de inúmeras incertezas. O nível de exigência sobre o trabalhador cresce tanto como a competição entre eles e a concorrência entre as empresas, com a redução de empregos e a racionalização dos recursos humanos. Entra em cena o modelo da competência, traduzido em – saber, saber azer, saber ser-, qualidades esperadas tais como iniciativa, responsabilidade e trabalho em equipe. Entram em crise as identidades “categoriais” de oício, entrando em cena as identidades construídas a partir de conflitos sociais, mais de origem “profissional”. Estamos diante do cruzamento de dois paradigmas, ou seja, duas ormas de ver o processo de construção da individualidade e do grupo social. Em uma o predomínio do componente social e noutra lentamente surgindo com orça o componente pessoal e “societário”. Elemento que Dubar denomina “crise das identidades profissionais”. A identidade proissional dos proessores, portanto, parece ter sorido tanto quanto a dos outros grupos ocupacionais, as consequências das transormações ocorridas no mercado de trabalho, pois as identidades sociais não constituem uma inerência ao indivíduo, mas sim, um constructo, associadas a um contexto social e a uma história. Em nosso país, desde o final do século XX vem se adotando um discurso sobre a profissionalização docente que visa contemplar o novo cenário e nos parece legítima a afirmativa de que existe uma orte relação entre docência desprofissionalizada e ensino desqualificado, ou seja, a identidade profissional, na categoria docente, é influenciada pela baixa qualidade na ormação do proessor. Núñez e Ramalho (2008) afirmam que: O processo de busca de uma identidade profissional para a docência está relacionado com a autoimagem, a autobiografia e as representações que, os proessores azem de si mesmos e dos outros no seu grupo proissional, portanto, é necessário serem conhecidas e assumidas por eles próprios, quando se propõem participar de
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orma ativa da “produção de novas identidades profissionais”. (p.1)
Segundo os autores a proissionalização da docência, como processo de construção de identidades é muito complexa e depende diretamente do envolvimento dos sujeitos, na busca e na construção de um novo sentido da docência como atividade profissional; consiste em um movimento ideológico, visto que implica em novas representações da educação e do ser do proessor no interior do sistema educativo. É um processo complexo, que envolve socialização, comunicação, decisão e negociação entre os projetos individuais e profissionais, mas também é um processo político e econômico. A profissionalização tem dois aspectos, que constituem uma unidade, ou seja, um interno, chamado proissionalidade, e outro externo, o profissionalismo. Portanto a profissionalização se estrutura em torno dessas duas dimensões, como dimensões nucleares de construção das identidades proissionais. O proissionalismo como expressão da dimensão ética dos valores e normas, das relações no grupo profissional. É mais que um tema de qualificação e competência, é uma questão de poder e autonomia ace à sociedade, ao poder político, à comunidade e aos empregadores. A profissionalidade expressa a dimensão relativa ao conhecimento, aos saberes, técnicas e competências necessárias à atividade profissional. Por meio da profissionalidade, o proessor adquire as competências necessárias para o desempenho de suas atividades docentes e saberes próprios de sua profissão. Retomando a análise de Ludke (2004) sobre a profissionalização docente, a autora comenta sobre o modelo de proessor antes ter sido o religioso, envolvendo a docência em uma aura de vocação e sacerdócio, mesmo em se tratando de proessores leigos. Com a estatização se rompe essa relação vocacional e se dá um passo rumo à profissionalização, entretanto, o processo de estatização não oi capaz de levar adiante a construção de uma codificação deontológica da profissão, como as proissões liberais. Esta alta de autonomia do proessorado coloca em dúvida a existência de
uma “profissão” docente. Podemos no máximo pensar em um processo de profissionalização. Não se pode alar de profissionalização docente sem se reerir ao estabelecimento de ensino, pois a escola é praticamente o único espaço onde o proessor é considerado profissional ou onde dele é exigido um comportamento profissional . Para ardi (2000) a proissionalização do ensino passa por um momento diícil e acontece em um contexto paradoxal, visto que, se exige dos proessores que se tornem profissionais, justo no momento em que o profissionalismo, a ormação profissional e as profissões mais bem estruturadas vivem período de crise. Em um movimento internacional, a área educacional está envolvida por uma tendência de profissionalização dos agentes da educação em geral e dos proessores em particular. Para o autor, no mundo do trabalho, o que distingue as profissões das outras ocupações é, em grande parte, a natureza dos conhecimentos. Os profissionais, em sua prática, devem se apoiar em conhecimentos especializados e ormalizados, esses conhecimentos são adquiridos por meio de longa ormação de alto nível, essa ormação é sancionada por um diploma que assegura um título proissional, protegendo o território proissional dos não diplomados e dos outros profissionais. Isso assegura também, que só os profissionais são capazes de avaliar os seus pares, portanto, uma autogestão dos conhecimentos, autocontrole da prática, a competência ou a incompetência só pode ser avaliada por seus pares. Os conhecimentos profissionais exigem sempre uma parcela de ousadia com a improvisação e adaptações em situações novas e únicas que exigem reflexão e discernimento para que se possa alem de compreender e superar o desaio, também organizar e viabilizar os objetivos traçados, bem como os meios a serem usados para atingi-los. A autonomia e a competência, proissionais, trazem a imputabilidade dos proissionais e sua responsabilidade para com os clientes. Um proissional quando comete erros pode ser considerado técnica e legalmente responsável. Essas são, portanto, as principais características do conhecimento profissional e o que observamos é que o movimento de profissionalização docente
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tem sido como uma tentativa de reormular os undamentos epistemológicos do oficio de proessor e educador, no sentido de conseguir desenvolver e implantar essas características no ensino e na ormação de proessores.
Contexto empírico da pesquisa O estudo investiga proessores do IFRN – Instituto Federal de Educação, Ciência e ecnologia do Rio Grande do Norte em torno das representações sociais envolvidas com o objeto de estudo trabalho docente a partir de sua prática educativa no ensino médio e superior sobre Dar Aula. Participaram 107 proessores oriundos de dierentes campi do IFRN, sejam: Natal Central, Cidade Alta, Currais Novos, João Câmara, Santa Cruz e Caicó. O Instituto Federal de Educação, Ciência e ecnologia do Rio Grande do Norte atua nos níveis básico, técnico e tecnológico do ensino profissional, na graduação, na pós-graduação e na ormação de proessores desenvolvendo pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções tecnológicas de orma criativa e estendendo seus beneícios à comunidade, integrando o homem ao mercado de trabalho, capacitando-o para as necessidades da sua região. Os proessores possuem ormação básica em dierentes áreas, ou seja, 54,2% de ormação inicial na área das Ciências Exatas e écnicas, 42,1% da área de Ciências Humanas e Sociais e 3,7% das Ciências Biológicas. Quanto ao sexo, 61,7% são masculinos e apenas 38,3% emininos. Com idades entre 24 a 30 anos temos 42,9% e entre 31 e 41 anos 29,9%, com mais de 42 anos apenas 25,3% e apenas 1,9% com idade entre 20 e 23 anos. No que diz respeito à pós-graduação, 51,5% tem nível de mestrado, 24,3% nível de especialização e 20,5% com nível doutorado e apenas 3,7% não tem pós-graduação. Estes dados caracterizam os sujeitos como um contingente masculino jovem, cuja ormação acadêmica é predominante na área das Ciências Exatas e écnicas e de alta densidade crítica, visto o numero significativo de profissionais com pós-graduação em mestrado. Nesta caracterização dos sujeitos encontramos os elementos chave para a construção dos sentidos e compreensão dos mesmos.
Percurso metodológico Buscando a Representação Social do objeto de pesquisa, além do questionário de perfil aplicamos a ALP- técnica de associação livre de palavras, para conhecer o campo semântico em torno das expressões “Dar aula”, “aluno”, “proessor” e “brincar” uma vez que pretendíamos conhecer os elementos simbólicos, que pudessem revelar o conteúdo das representações, a partir dos termos indutores. Após a apresentação de cada termo indutor solicitamos aos proessores que escrevessem quatro palavras que lhes viessem à mente e que elegessem a mais importante, justificando-a. Para o presente texto, consideramos apenas os resultados do termo indutor “Dar aula”, visto que a ausência do elemento proessor em qualquer dos quadrantes nos gráficos gerados pelo sofware EVOC nos instiga e desafia. Segundo Abric (1998) o uso desse instrumento possibilita a revelação de representações em torno de um objeto, acontecimento ou experiência. Para o autor toda representação está organizada em torno de um núcleo central que determina, ao mesmo tempo, sua significação e sua organização interna. No núcleo central é alocado o conteúdo mais denso da representação, imagens naturalizadas e consensuais, ou seja, encontra-se aquilo que está arraigado na memória social de um grupo. Ele será, dentro da representação, o elemento que mais vai resistir à mudança. É necessário considerar que a centralidade de um elemento não pode ser atribuída apenas a critérios quantitativos, o núcleo central possui uma dimensão qualitativa. Nos elementos periéricos encontram-se os aspectos negociáveis e passíveis de transormação, portanto pode-se pensar que em uma estrutura de representações sociais convi vem elementos da memória coletiva e aspectos do presente operando a fim de evitar transormações repentinas, e garantindo coesão dos significados que sustentam a identidade do grupo. Os elementos ancorados na memória social podem ser traduzidos em imagens já rotinizadas Segundo Moscovici (1978), as representações sociais possibilitam a organização das relações do indivíduo com o mundo, direcionando condutas e comportamentos no meio social, sendo, portanto um sistema de interpretação da realidade.
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Resultados Para a análise dos dados inicialmente digitamos as evocações em planilhas do sofware Excel, em seguida procedemos à aproximação semântica e
eliminação de sinonímias e submetemos as planilhas ao sofware EVOC 2000. A tabela 01 apresenta o Núcleo Central, e as perierias correspondentes ao termo indutor “Dar aula”.
abela 01 – Distribuição dos elementos evocados sobre o termo indutor “Dar aula”. OME <2,0 2,0 ≥ Freq. med.
Tema evocado
Frequência
13 ≥
Aluno Conhecimento Sala de Aula Aprendizado
19 14 13 11
<13
OME Tema evocado
1,6 1,9 1,4 1,4
Aprender Conteúdo Ensinar Escola Estudar Material-didático rabalho
Frequência
OME
16 15 15 10 11 11 8
2,0 2,1 2,0 2,2 2,1 2,0 2,1
OME= Ordem média de evocação
Os resultados destacados pelo EVOC, apresentados na tabela 01 indicam o provável núcleo central (NC) das representações concentrado no elemento aluno. Este resultado confirma a ormulação da eoria do Núcleo Central como aquele que reúne elementos que possuem uma unção organizadora da representação social. Em consequência, compreende-se que não é possível pensar em dar aula ou em trabalho docente sem a presença do elemento aluno. Portanto, este elemento dá sentido à representação social de docência ou do azer, ser docente. Outros elementos dividem o quadrante que aloja o NC, entretanto, não com o mesmo grau de importância. Abric (2003) afirma que elementos que partilham o mesmo quadrante não são iguais entre si, ocupam ali espaços distintos em importância entre eles. Os elementos conhecimento e sala-de-aula se complementam. A sala de aula como o espaço onde ocorre o exercício da docência, e o conhecimento como trabalho cognitivo, seja do aluno ou do proessor, que acontece, inicialmente, neste espaço. Para ardi (2005) a docência é um trabalho, mormente cognitivo, cujo objetivo é permitir a construção de conhecimento e avorecer a aquisição de uma cultura, se é inegá vel que o componente cognitivo está bem no centro da docência ele não constitui, o elemento central desse trabalho. No quadrante intermediário, cujos elementos estão ainda próximos dos prováveis elementos do
núcleo central, se distinguem do quadrante principal, pelas requências e posições que ocupam, chegam a apresentar uma requência superior a dois dos elementos de menor requência do quadrante superior esquerdo, onde estão reunidas as evocações mais importantes, entretanto, o maior percentual contido na OME revela que as reeridas palavras não oram evocadas tão prontamente. Assim o elemento aluno indica concentrar a representação social de docência, seja pela posição ocupada seja pela unção geradora e organizadora dos elementos concentrados mais proximamente ao reerido elemento. Já o quadrante inerior direito, que congrega os elementos periéricos da representação, apresenta um maior numero de evocações, no entanto em condição de perieria devido a uma requência muito baixa, próximo da mínima definida pelo EVOC, correspondendo as evocações mais distantes do sentido Dar aula.
Considerações Com as análises constatamos que, através do termo indutor Dar aula, a centralidade da representação social se organiza em torno do elemento aluno, o que equivale a afirmar que o núcleo central desta representação social é o aluno. O gráfico obtido com o sofware EVOC indica ainda a ausência do elemento proessor nas evocações dos participantes da pesquisa, o que nos incita a questionar: por que os
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proessores não se incluem na centralidade da ação de dar aula? E mais: como elucidar o paradoxo entre o discurso circulante, e o cerne das evocações, visto que o pressuposto undante da literatura pedagógica se baseia na díade proessor/aluno, dita indivisível na perspectiva interacionista de docência. Inicialmente nos reportamos aos ensinamentos de Moscovici (2009) que afirma que a representação social constitui-se numa orma primordial de conhecimento, na qual é realçada a importância do senso comum para a apreensão da realidade social, portanto, a partir desta afirmativa podemos nos en volver na tarea de elucidação do aparente paradoxo entre o pressuposto interacionista e a configuração gráfica encontrado nesse estudo. Primeiramente convém lembrar que este grupo de proessores do Instituto Federal de Educação, Ciência e ecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN se constitui em sua maioria de jovens do sexo masculino, com ormação nas áreas das Ciências Exatas e ecnológica, exercendo a docência nos níveis de ensino médio e superior, portanto, para alunos jovens e adultos em cursos profissionalizantes. Encontramos ortes indícios de que a ormação destes proessores, que não passou pelas ciências da Educação, vem corroborar a afirmativa de que “os proessores são trabalhadores que oram mergulhados em seu espaço de trabalho durante aproximadamente 16 anos (em torno de 15 mil horas), antes mesmo de começarem a trabalhar (Lortie, 1975 citado por ardi 2000), e que embora não tenham cursado a licenciatura em pedagogia estes proessores se valeram do modelo vivenciado, em todo o seu processo de ormação, portanto, o que sabem sobre o ensino resulta da experiência na vida escolar; aprendendo a azer docência na prática. Podemos ainda considerar que os saberes destes proessores são personalizados, marcados pela especificidade de suas ações profissionais e sorendo a influência de uma cultura, mas são também situados, isto é, construídos e utilizados em unção de um trabalho em particular (ardi, 2000), ou seja, decorrentes da contextualização dos cursos profissionalizantes onde esses saberes adquirem sentido. Estando o elemento aluno como núcleo central da representação social, e sendo este núcleo possuidor da unção geradora e organizadora da represen-
tação social, sugerimos que para estes proessores, a cena da aula nos cursos profissionalizantes dispensa a necessidade de uma assistência tão marcante, pois os alunos são jovens e adultos com relativa autonomia em suas escolhas e na construção dos seus saberes discentes. Outro aspecto a ser considerado é o da identidade destes proessores, considerando a afirmação de Núñez e Ramalho (2008) sobre o processo de busca de uma identidade profissional estar relacionado com a autoimagem, a autobiografia e as representações que azem de si mesmos e dos outros no seu grupo profissional. Questionamos, então, se estes jovens engenheiros, arquitetos, matemáticos, assumem uma identidade docente. E concluímos considerando que esta representação social de docência vem trazer uma nova ideia, diversa daquela de que ‘proessores e alunos são eitos um para outro. ’ E mais: que o aastamento entre estes dois elementos não necessariamente coloca em crise a identidade do proessor, mas desvela a possível construção de um novo sentido e compreensão para esta relação.
Referências Abric, J. C. (1998). A abordagem estrutural das Representações sociais. In Paredes Moreira, A. S., & D.C. de Oliveira. Estudos Interdisciplinares de Representações Sociais (pp. 27-38). Goiânia: AB Editora. Ludke, M., & Boing, L. A. (2004). Caminhos da profissão e da profissionalidade docentes. Educação e Sociedade, vol.25, 1159-1180. Campinas-SP. Moscovici, S., (2009). Representações Sociais: Investi gações em Psicologia Social . 6ª ed.(P.A. Guareschi trad.). Petrópolis, RJ. Vozes. Nuñez, I. B., & Ramalho, B. L. (2008). A profissionalização da docência: um olhar a partir da representação de proessoras do ensino undamental. Revista Ibero americana de Educacion, 46(9). ardi, M. (2000). Saberes profissionais dos proessores e conhecimentos universitários – elementos para uma epistemologia da prática proissional dos proessores e suas consequências em relação à ormação para o magistério.Revista Brasileira de Educação, 13. ardi, M. (2005). O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. (J. B. Kreush. trad.) Petrópolis, RJ. Vozes.
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“PULA PRA FORA DIABO!”: A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA MACUMBA NO YOUTUBE Tammy Andrade Moa, Gustavo Tassis Bapsta 1 , Adriano Pereira Jardim2 , Diemerson Saqueo3
Introdução As entidades das religiões arobrasileiras tornaram-se, pela via do negativo, demônios a serem expurgados pelos crentes Neopentecostais. Ritos de exorcismo, comumente chamados de “descarrego”, têm apresentado a religiosidade arobrasileira como um precipitado social e identitário a ser expelido. Assim, a presente pesquisa buscou compreender um enômeno recorrente nestes ritos: o regurgitar presente nos cultos Neopentecostais que é associado à expulsão de demônios. Além da clara reerência ao modelo dos ritos do xamanismo animista apontado por Lévi-Strauss (1985), em uma antropologia do enômeno religioso em que o primitivo e o contemporâneo se coadunam, este enômeno de “pseudo-libertação” e expurgação apresenta a relação conflituosa, no aporte psicossocial, ora pela legitimação, ora pela perpetuação do preconceito, entre estes dois modelos religiosos. ais elementos são suicientes para justiicar a percepção da religiosidade como elemento visceral para a análise das relações sociais, digam-se conflitantes, entre estes grupos. Ao objetivar o estudo de tais religiões, se az necessário um delineamento histórico mínimo, assim como de características undantes da estruturação eclesiológica, litúrgica e doutrinária, destas maniestações. As relações antagônicas dos dois modelos religiosos, o Neopentecostal e o Aroconessional, apresentam uma estrutura identitária que marca, justamente pelo conflito histórico, os ditames de sua constituição no Brasil, indicador que justifica a escolha por estas religiões. A im de promover uma melhor compreensão sobre o tema e, a partir disto, analisar as relações de proximidade e antagonismo existentes entre estes dois campos dar-se-á ênase à eoria das Representações Sociais como modalidade suficiente de hermenêutica.
Por estar nossa coleta de dados embasada nos meios midiáticos, mais precisamente nos vídeos sobre a temática publicados no sítio “Youube” – Broadcast Yoursel , a eoria das Representações Sociais torna-se sine qua non, por reerir-se justamente da análise psicossocial do “senso comum”, espaço das relações não alicerçadas no científico, que melhor nos aproxima do enômeno em questão: a interação entre a religiosidade arobrasileira e a construção de sua Representação Social por parte de um grupo que lhe é antagônico; assim como por melhor apreender o meio em que tais experiências da cognição social são expressas: o público, o popular, o mais visto, que é a modalidade como o sítio do Youube classifica hierarquicamente suas amostras publicadas por qualquer indivíduo seguindo uma ordem de interesses de validação ou apresentação de dada inormação.
Entre neopentecostais e afroconfessionais - religião e cultura de conito na história O desenvolvimento da cultura religiosa brasileira oi evidentemente marcado por uma série de negociações, trocas e incorporações, no que algumas correntes da Sociologia, denominaram de sincretismo (Ferreti, 1995). Nesse sentido, ao mesmo tempo em que podemos ver a presença de equivalências e proximidades entre os cultos de origem aricana e as outras religiões estabelecidas no país como nas orientações de cunho cristão, também temos uma série de particularidades que definem várias dierenças.
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Alunos do curso de Psicologia da Faculdade Brasileira - Univix, Vitória, ES. Proessor Doutor da Faculdade Brasileira - Univix, Vitória, ES. Proessor do Instituto Federal do Espírito Santo - IFES, Colatina, ES.
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A história das religiões arobrasileiras se originou a partir do contexto das relações sociais, políticas e econômicas estabelecidas entre os grupos minoritários do Período Colonial (índios, negros e pobres em geral). Neste cenário, o desenvolvimento do movimento umbandista, por exemplo, oi marcado pela busca de um modelo religioso que pudesse integrar legitimamente as contribuições dos grupos que compunham a sociedade nacional marginalizada (Oliveira, 2003). Poucos, no entanto, sabem sobre a distinção entre a Umbanda e o Candomblé. Embora tenham uma raiz comum, se opõem pelo ato de a primeira representar o Brasil e a segunda, a Árica: “A Umbanda corresponde à integração das práticas aro na moderna sociedade brasileira. O Candomblé, ao contrário, significa a conservação da memória coletiva aricana no solo brasileiro” (Oliveira, 2003, p.10). Com isso, enatizam-se a “brasilidade” da Umbanda, que procurava reazer um Brasil onde as mazelas do passado e do presente pudessem ser recompensadas através da conraternização, em especial as possíveis pelo conorto do imaginário místico, em uma nova ordem mítica na qual esses grupos minoritários pudessem assumir por suas entidades divinas uma identidade. Os trabalhos de Nina Rodrigues (1977), Gonçalves Fernandes (1937), Arthur Ramos (1956), Verger (1981), Bastide (1971; 1973; 1978), Waldemar Valente, Herskovits, Juana Elbein, Sérgio Ferreti (1995), Patrícia Birman, Pierucci (1996) e Prandi (1990; 1996; 2004) dentre muitos outros, são exemplos do estudo sobre a aroconessionalidade. Paralelo a isto, enquanto o movimento religioso no Brasil assumia novos contornos em meados de 1960/1970, outro sistema teológico e doutrinário revelava a necessidade de reconhecimento identitário de grupos não integrados pelo cristianismo tradicional. O pentecostalismo se distinguia pela ênase do dom da cura divina, pelo proselitismo e por sua representação de “doutrina dos dons carismáticos” (Silva, 2007). Até este momento, portanto, com 40 anos de existência, o pentecostalismo se apresenta como uma religião que deende o ascetismo como uma orma de lidar com a desordem e desigualdade da vida social, dierente da religião
aro-brasileira, que não renuncia aos divertimentos e prazeres do corpo em prol de uma moral, mas busca por um “meio-termo” com base na manipulação mágica (Silva, 2007). Numa terceira ase, a partir da década de 1970, houve o acréscimo do prefixo “neo”, representando uma reormulação da doutrina, que ao sorer influência do sincretismo religioso no Brasil, somados elementos chamados “carismáticos” advindos dos Estados Unidos, passava a mesclar crenças católicas, espíritas e aro-brasileiras (Liberal, 2004), diminuindo o ascetismo e dando espaço e ênase aos rituais de “expurgação” ou “libertação”, e aos rituais de “cura” e aquisição de “prosperidade”. Neste cenário, as religiões aro-brasileiras começam a se tornar alvo de ataques, talvez como estratégia de atrair fiéis ávidos pela experiência “mediúnica” com a vantagem da legitimação social conquistada pelo cristianismo, onde se unda o neopentecostalismo. Deste modo, os neopentecostais reorçaram a ligação associativa e estereotipada dos cultos aroconessionais como magia negra, superstição e práticas diabólicas, acilmente identificadas pela presença de suas entidades como: Exu Caveira, Maria “Mulambo”, espírito de Porco, ranca-Rua, Pomba-Gira, Exu Capa-Preta, Zé Pelintra, quando a própria entidade demoníaca máxima da hierarquia satânica não se az presente em sua multiplicidade de alcunhas. Um aspecto relevante presente como característica das Igrejas Neopentecostais é a utilização da mídia, algo não presente nas Instituições de erreiro e Casas aroconessionais. Os autodenominados “evangélicos” passaram assim a crescer muito a partir da década de 1980, multiplicando fiéis e templos. Quando da compra de canais de televisão, em 1990, esse expansionismo se torna ainda maior. Exemplos disto são: a Rede Record, do bispo Edir Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Rede e marca Gospel, filiada à Igreja Renascer em Cristo (Liberal, 2004; Mariano, 1999). Os movimentos rituais associados à cura são muitos dentro dos dois circuitos religiosos, tanto nas de origem arobrasileira, quanto entre neopentecostais. Ambos associam à cura ao movimento de libertação, no entanto, entre neopentecostais a cura
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é justamente uma opressão associada às entidades dos cultos arobrasileiros, sendo a recíproca não verdadeira.
A teoria das representações sociais e fenomenologia Esta pesquisa contou com duas teorias de aporte analítico para a sua eetivação. A Fenomenologia como modalidade teórica para a coleta dos dados, e a eoria das Representações Sociais (RS) para a análise. Moscovici (1990) compreendia que as relações sociais estão intimamente ligadas à estruturação cognitiva do pensamento e à maneira como este é partilhado nos grupos. Percebendo que as relações religiosas são um conjunto de crenças ritualizadas e partilhadas entre os grupos, as representações sociais seriam então, a orça motriz que permitiria os vínculos identitários partilhados e comunicados entre os membros religiosos, e, portanto, necessária a esta pesquisa. As crenças, imagens e símbolos partilhados socialmente, são prenhes de sentido presentes no cotidiano, e assim organizam o modus vivendi e a prática social (Spink, 1996). A religião, e especificamente o enômeno estudado, corresponde a esta organização da prática social por meio da crença de que o vômito (no real) é a apresentação de um mal expurgado (no simbólico). Senso comum (Moscovici, 1978) que permite, como enômeno de representação social, perceber como os grupos religiosos transormam um dado externo em um contexto amiliar e partilhado no grupo como uma verdade ontológica em sua hermenêutica religiosa. As interpretações que os sujeitos azem do enômeno em questão são, antes de qualquer coisa, a transormação de um conteúdo ideal simbolizado tornado prática e diz-se, desta maneira, da relação do sujeito com este objeto (Sá, 1998). Por perceber esta reconstrução do real, a partilha de sentido e significação (Jovchelovitch, 2000:41) do enômeno, que este é indubitavelmente uma realidade interpretável como representação social. A Fenomenologia, por sua vez, em sua abordagem semiótica, nos permitiu a captação do enômeno, por estabelecer critérios eficientes de descrição dos eventos midiáticos. A descrição baseia-se na
demarcação de unidades de sentido dos intertextos ílmicos analisados possibilitando a emergência de um novo objeto da consciência enquanto experiência, tornando o dado analisável e categorizável. O método enomenológico (Gomes, 1998) busca compreender a essência do discurso, descrevendo não apenas as alas, mas todos os manejos da comunicação em seu contexto, e assim muito útil a nossa pesquisa, e avoravelmente associado às representações sociais.
Objevo Estudar o enômeno de interação conflituosa entre a religiosidade arobrasileira e a construção de sua representação social (RS) por parte de um grupo que lhe é antagônico, a saber, o de filiação Neopentecostal, especificamente através da análise dos discursos/imagens dos ritos de exorcismo Neopentecostal transmitidos na internet e vinculados à rede Youtube. A escolha deste site justifica-se por sua abrangência e popularidade, uma vez que torna público, por sua vinculação, enômenos característicos das redes sociais, espaço em que o estudo em RS é proícuo.
Metodologia Tipo de Pesquisa
rata-se de um estudo qualitativo-descritivo, cujo principal objetivo é delinear, ou analisar, características de um determinado enômeno (Campos, 2004), no caso, a interação entre a religiosidade aro-brasileira e a construção de sua representação social por parte de um grupo que lhe é antagônico, os Neopentecostais. Foram utilizados dois tipos de documentos como onte de dados: recursos audiovisuais (vídeos) e publicações especializadas (revisão bibliográfica). Procedimentos de Coleta de Dados
O espaço escolhido para a coleta de dados oi o da Rede Youube, página na internet que permite que seus usuários carreguem, assistam e compartilhem vídeos em ormato digital. O youtube em tradução significa “uma televisão onde a programa-
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ção é você”, o que, aliado ao slogan “transmita você mesmo” (Broadcast yoursel ), se configura numa rede social de grande abrangência e popularidade, o que justifica a escolha desse site para um trabalho cujo objetivo seja identificar e discutir representações sociais. Inicialmente realizou-se um levantamento dos vídeos contendo no título a palavra “macumba”, classificados por relevância pelo próprio esquema de busca do site, realizada no dia 26 de Abril de 2011. Essa busca resultou em aproximadamente 1100 vídeos, entre os quais oram selecionados apenas aqueles que estivessem em língua portuguesa e que de alguma orma reerenciassem a religião/ cultura aro-brasileira, totalizando em 100 vídeos. Estes oram classificados em: negativos (aqueles que de alguma orma promoviam alguma desqualificação da cultura aro-brasileira); positivos (aqueles que mencionavam aspectos positivos desta cultura), e neutros A e B (aqueles que possuíssem caráter puramente inormativo), sendo: A – produzidos por leigos, e B- produzidos por pessoas da própria religião aro-brasileira. Dentro desta amostra, a grande maioria dos vídeos (75%) apresentava conteúdo negativo, dentre estes se destacam em quantidade aqueles em que eram demonstrados eventos nos quais “macumbas” eram “deseitas” ou “expurgadas” através de exorcismo. Diante da relevância deste dado, oram selecionados 3 vídeos prototípicos, que expunham o ritual completo para uma análise das imagens e discursos, atendo-se à construção da imagem da macumba nesta rede social.
Procedimento de Análise de Dados Para a análise dos dados oi utilizado o método de Análise do Discurso, pois este se mostra como um método eficaz na apreensão de Representações Sociais por englobar os contextos nos quais os discursos se estabelecem bem como a maneira como são apresentados. Análise do Discurso é o nome dado ao procedimento de estudo sobre determinado enômeno a partir do discurso, considerando-o ‘ação do sujeito sobre o mundo’ e objetivando compreender de que
maneira determinado objeto simbólico produz sentidos para os sujeitos. A literatura aponta uma grande variedade de maneiras para se realizar este procedimento, contudo, todas elas surgem das mesmas tradições teóricas, sendo três delas: A linguística crítica, semiótica social ou crítica e estudos de linguagem; A teoria do ato da ala, etnometodologia e análise da conversação; e o pós-estruturalismo. Sendo assim, a análise deste trabalho oi desenvolvida nos parâmetros sugeridos por Gil (2002) e Spink (1985): 1. ranscrição e leitura; 2. ematização textual e visual; e, por fim, 3. Análise própriamente dita. Primeiramente os vídeos oram transcritos seguindo um mesmo padrão de registro detalhado, incluindo entonações e interrupções, e prezando a legitimidade dos dados ao não realizar sínteses e/ou correções. A leitura e releitura do material priorizou uma postura cética, ou seja, a suspensão de crenças e o olhar neutro, buscando ocar na compreensão das unções dos discursos, como sugerido por Gil (2002). Após a amiliarização com o texto, oi possível realizar a tematização do material, ou seja, a observação dos temas centrais, emergentes nas três transcrições. Além da tematização do material escrito, oi realizada uma descrição dos aspectos visuais, de orma que uma tematização deste material também osse possível. A última ase consistiu na interpretação dos significados e criação de hipóteses sobre as unções das características específicas dos discursos, e baseou-se no entendimento das representações sociais sobre as religiões aro-brasileiras. Por fim, os dados oram organizados de orma a compor dois tópicos gerais: um que descreve os elementos e aspectos visuais da sessão de descarrego; e outro que elege os principais temas emergentes na sessão, e serão apresentados a seguir.
Resultados Aspectos gerais
Alguns aspectos visuais chamaram a atenção nas filmagens e oram descritos a fim de amiliarizar e contextualizar o leitor, uma vez que a reapresentação dos vídeos não seria possível.
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A caracterização dos componentes do grupo
Os requentadores do culto são predominantemente do sexo eminino. Suas vestimentas são simples e refletem humildade e despojamento. Já no caso dos líderes, predominam homens, que se vestem com roupas sociais, estando sempre de posse de um microone e contando com auxiliares, também do sexo masculino. A predominância do gênero feminino como víma
Nos três vídeos analisados, somente mulheres oram apresentadas como vítimas das possessões. Aparente desconhecimento da religião à qual se direcionam os ataques
e apropriação específico, chama a atenção, pois aproxima-se de simplificações do senso comum. Principais temas emergentes a parr das transcrições
As transcrições oram analisadas e os conteúdos que ossem relevantes simultaneamente para os três vídeos transcritos oram identificados como temas emergentes do discurso dentro do contexto do rito, com o objetivo de observar e tematizar os pressupostos e elementos expostos como bases para o rito de exorcismo nesse grupo religioso. Abaixo se encontra a abela 1, com a relação dos temas emergentes e sua presença nos vídeos.
A utilização de termos típicos das religiões aro-brasileiras, em um contexto de generalização abela 1 – Categorização temática Doutrinação Sangue de Jesus Gloria a Jesus Em nome de Jesus Palmas Jesus É de Deus Só os evangélicos Irmãos e Irmãs
Demonização Macumba ranca rua Demônio rabalhos de rua Diabo Giramundo Inerno Resíduo Mal
odos os elementos contidos em um rito de exorcismo típico estão expostos na tabela. Os discursos analisados nos três vídeos podem ser divididos nessas quatro grandes categorias. Em cada tema as unções dos elementos se equivalem durante os rituais e justificam a escolha dos temas apresentados. No tema Doutrinação o discurso tem a unção de elevar as crenças do grupo Neopentecostal como o caminho para uma salvação espiritual, porém, esse discurso não é justificado por si mesmo durante esses ritos, mas é apoiado e justificado na Demonização de elementos da religião aro-brasileira, como elementos desvirtuantes que podem ser expurgados por esta religião. Por este motivo esses elementos oram destacados como um tema emergente importante no discurso dos pastores
Causalidade Doença Quebrar uma perna Matar Ferir Bebedeira Cachaça Destruir irar udo Dela Marido
Exorcismo Põe pra ora Queima á amarrada Contar até três Sai, já Soprar Expulsar Libertar De joelhos
durante o rito, afinal a partir dele se afirma que a religião cristã é capaz de libertar os fiéis de “contaminações mundanas” creditadas a “macumba” que seria causadora de doenças, problemas amiliares e até possessões por espíritos malignos. A doutrinação é uma orma também de apoio para o próprio rito do exorcismo. Na tabela, o tema Exorcismo diz respeito a todo o discurso que tem como unção a expulsão das macumbas do corpo dos fiéis, sendo dirigidas a estes, ou mesmo diretamente dirigidas às entidades malignas que possuíram os corpos das pessoas. O exorcismo é, em sua maior parte, seguido de doutrinação como, por exemplo, “queima em nome de Jesus”, sendo “em nome de Jesus” o elemento de virtude para os Neopentecostais responsável por qualificar o ato de “queimar” dirigido à
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“macumba”como sendo a libertação do elemento não virtuoso. O Pastor por vezes dirige-se aos fiéis para que estes o ajudem a comandar o exorcismo, através de “sopros” ou “contagem” coletivos, valorizando o vínculo com a Igreja. Quando o fiel é libertado, todos são convidados a comemorar, por exemplo, batendo palmas, em uma orma de afirmação da Doutrinação como positiva. O tema Causalidades diz respeito aos elementos apresentados como a motivação do ataque de orças malignas a estas pessoas ou o que as macumbas e espíritos maus pretendem realizar para esses fiéis. As causas do ataque se relacionam em geral com elementos tidos como pecaminosos ou mal vistos pela comunidade religiosa Neopentecostal, como problemas amiliares ou vícios, como o abuso do álcool. Nesse sentido, as ações da macumba teriam por finalidade a ragilização ou destruição do corpo dessas pessoas, erindo, matando e causando doenças. Os quatro temas classificados podem ser observados como categorias definidas ainda que, no discurso, dois ou mais temas apareçam simultaneamente. Esses temas constroem relações de sentidos que durante os discursos se apóiam e se justificam com a unção de delimitar nesse grupo os elementos bons- a religião Neopentecostal (Doutrinação); os ruins – elementos das religiões aro-brasileiras (Demonização); as consequências do envolvimento do fiel com o que é tido ruim- as Causalidades; e o poder daquela religião perante a macumba e dos espíritos malignos- o Exorcismo.
tos em que ambos estabelecem um campo simbólico de corporificação de princípios espirituais. A partir desse estabelecimento, as religiões neopentecostais aplicam uma lógica maniqueísta, delimitando dois campos opostos – o bem (nós) e o mal (o outro) – em choque no culto. Materializa-se assim a legitimação de um discurso excludente no qual o campo popular representado pelos elementos aro-brasileiros (o mulato, mestiço e aricano) deve ser “expelido” do corpo social, excluído da cultura e aniquilado em nome do campo “purificador”, da cultura dominante e representante do elemento branco eurocêntrico. O “homem de terno” é o justiceiro, o grande expurgador, o legitimador da lógica de dominação do campo popular. É a versão moderna do mulato que caçava negros ujões para o senhor do engenho. O corpo a ser expurgado é em geral eminino, mestiço, tremulante, e pleno de simbolismo da potência do “homem ou mulher das ruas”. A cada encontro se realiza o mesmo ritual: o pastor constrói o homem das ruas, exorciza-o, tortura-o e por fim o expulsa em uma finalização catártica. O projeto final se realiza: as ruas são vomitadas do corpo e este está limpo e pronto para voltar para casa, agora livre de seus elementos populares. Podemos concluir que a prática do exorcismo realiza no imaginário popular a representação dos dois campos que compõem a complexa constituição social brasileira: o campo popular, a ser vomitado, e o campo dominador, a ser legitimado como detentor de um poder histórico, econômico e politicamente constituído.
Discussão e Conclusão Referências Percebe-se que o neopentecostalismo se apropria do discurso das religiões aro-brasileiras, especialmente em suas práticas de transe mediúnico e culto a espíritos e entidades do panteão aricanista (Caboclos, Pretos Velhos, Exus e Pombas Giras). al apropriação se dá pela negativação dos elementos contrastantes como elementos a serem combatidos, mas sem os quais não haveria legitimidade dos elementos próprios (que se caracterizam por contraste em relação ao “outro”). Há similaridades entre os discursos, nos aspec-
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REPRESENTAÇÕES ENDOGRUPAIS: CIGANIDADE ENTRE CIGANOS CALON DO ESPÍ RITO SANTO1 Lídio de Souza2 , Mariana Bonomo2 , Fabiana Davel Canal 2 , Julia Alves Brasil 2 , André Mota do Livramento2
Introdução Como modalidade uncional do pensamento social, especialmente dos chamados grupos superiores, as representações hegemônicas retratam no plano conceitual a unidade depositária dos elementos largamente compartilhados, caracteristicamente estáveis e salientes, acerca de determinado objeto social (Moscovici, 2003). A propagação de estereótipos estigmatizantes e a manutenção de práticas excludentes são expressões dessa dimensão hegemônica, questões que se aplicam aos grupos étnicos ciganos. A categorização negativa a que os ciganos estiveram historicamente submetidos cristalizou representações e práticas de exclusão dirigidas aos homens, mulheres e crianças das comunidades tradicionais, os quais têm que enrentar cotidianamente a marca da dierença de uma identidade social ignorada ou considerada inerior (Casa-Nova, 2006; Mendes, 2008; Ventura, 2004). Apesar do incentivo do Plano Nacional de Direitos Humanos de 2002, que se renova em 2010, com o objetivo de “garantir as condições para a realização de acampamentos ciganos em todo o território nacional, visando a preservação de suas tradições, práticas e patrimônio cultural” (Brasil, 2010, p. 60), o que se constata na realidade é que os grupos ciganos brasileiros ainda permanecem invisíveis no que reere aos seus direitos, mas ganham a expressão pública sob a marca do preconceito e da humilhação social. Em levantamento sobre a presença de grupos ciganos nos 78 Municípios do Estado do Espírito Santo (ES) (Bonomo, Souza, Brasil, Livramento & Canal, 2010), constatou-se a negligência, a indierença e práticas discriminatórias por parte das instâncias político-administrativas locais, como a expulsão de um grupo de 100 amílias ciganas de uma cidade capixaba, sob o decreto judicial de não mais voltarem ao território. Sem acesso a água, esgoto, serviço de
saúde e escola, com a maioria dos adultos analabetos, a limitação de acesso a recursos undamentais à sobrevivência das comunidades ortalecem ainda mais a condição de cerceamento e pobreza em que muitos grupos se encontram. Embora alguns grupos já tenham estabelecido território fixo, mantendo as “viagens” apenas para fins de comercialização de produtos, arranjos matrimoniais e demais interesses da comunidade, os ciganos calon (etnia presente no ES) são os que ainda praticam requentemente o nomadismo (Moonen, 2008), o que tem tornado o desenvolvimento de estudos com essa população um verdadeiro desafio para os pesquisadores. Os dados encontrados nos estudos já realizados no ES são coerentes com resultados descritos sobre grupos ciganos de outras nacionalidades (Mendes, 2000, 2008; Silva & Silva, 2000). Orientada pelo desconhecimento e pelo medo, a população local associa os calon à ideia de vida primitiva, selvagens, sujos e criminosos, além de portadores de pragas e maldições (Bonomo, rindade, Souza &Coutinho, 2008). Com a orça desse imaginário, repleto de misticismo e de estereótipos negativamente valorados, os ciganos são lançados à margem das sociabilidades reconhecidas como legítimas, dinâmica que pode avorecer o enrijecimento das estratégias deensivas pelo grupo, como o ortalecimento do etnocentrismo ou o próprio apagamento de traços identificadores da dierença. No que se reere às práticas endogrupais características da cultura cigana, especialmente aquelas concernentes ao matrimônio e à conduta das mulheres (Fonseca, 1996; Pizzinato, 2007, 2009), são exercidas através de rígidas leis (reunidas na chamada Lei cigana) que contribuem para a preservação da identidade étnica do grupo rente ao
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Apoio: CNPq; CAPES Universidade Federal do Espírito Santo
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mundo não cigano. Sobre a valorização simbólica das práticas endogrupais, Mendes (2000) destaca: Os elementos etnicamente signiicativos são aqueles que se configuram como um instrumento válido para simbolizar uma oposição social, no contexto do grupo social em análise é de ressaltar a língua e a partilha de um quadro de valores, em que pontifica o casamento segundo a tradição, o casamento endogâmico, a virgindade da mulher solteira, a fidelidade da mulher, o rigor do luto, o respeito devido aos mais velhos, o cumprimento dos compromissos assumidos entre amílias e o respeito (a valorização) pela (da) criança (sp.).
Os estudos que se dedicam às relações intergrupais encontram na eoria das Representações Sociais (Moscovici, 2003) uma grande aliada para a construção de um quadro conceitual e uncional dos processos grupais, colocando em relevo os sistemas de valores, normas e crenças que caracterizam a pertença dos indivíduos aos diversos grupos sociais. No plano da afiliação grupal, os indivíduos possuem representações acerca de sua própria realidade, as quais poderão orientar os comportamentos nas suas interações com os demais grupos e nortear as identificações/dierenciações sociais. De acordo com Jodelet (1998): O trabalho de elaboração da dierença é orientado para o interior do grupo em termos de proteção; para o exterior, em termos de tipiicação des valorizante e estereotipada do dierente. Nessa construção se movem interesses que servem à comunidade, no interior da qual se define a identidade (p. 51).
endo em vista que conhecemos ainda muito pouco sobre como realmente vivem os ciganos brasileiros, bem como a variabilidade interna dos dierentes grupos existentes em território nacional, e considerando a orça das representações sociais no processo de elaboração das identidades, este estudo teve como objetivo a investigação dos significados de ciganidade entre membros de uma comunidade cigana do ES.
Estratégias Metodológicas Participaram da pesquisa 07 homens ciganos e 10 mulheres ciganas, pertencentes a uma comunidade cigana brasileira de etnia calon. Das mulheres, 04 casaram-se com homens ciganos (as chamadas ‘moradeiras’ ou ‘gadjin’) e assimilaram as características da cultura cigana, reconhecendo-se como ciganas. A coleta dos dados oi realizada na própria comunidade, situada no norte do estado do Espírito Santo. Foram realizadas entrevistas individuais com roteiro semiestruturado, contendo questões sobre o cotidiano das pessoas do grupo, conjunto de normas para homens e mulheres, relação entre ciganos e não ciganos e sobre o signiicado de ser cigano. odas as entrevistas oram gravadas e posteriormente transcritas para processamento do corpus de dados. A análise dos dados oi realizada através da Análise de Conteúdo emática, como proposta por Bardin (2002). Esta permite identificar as unidades de significado mais gerais, relacionadas a temas considerados nucleares ou de grande relevância para o discurso construído sobre um determinado objeto.
Resultados e Discussão Quando sujeito e objeto de representação são equivalentes, como na proposta de investigação desenvolvida neste estudo, temos eminentemente um enômeno de representações sociais cuja unção identitária está na base de sua gênese e uncionamento (Sá, 1998), campo epistêmico que pode ser mais claramente compreendido por meio das proposições que integram identidade e representações sociais como processos dialógicos (Breakwell, 1993; Jodelet, 2005; Marková, 2006; Souza, 1995).
A partir do propósito de conhecer as representações endogrupais (dimensionadas nos universos masculino e eminino) entre membros de uma comunidade cigana, apresentamos, a seguir, os resultados do estudo considerando a seguinte organização: (a) ciganidade entre os homens do grupo; (b) ciganidade entre as mulheres do grupo; e (c) discussão acerca da unção que tais significados assumem para a comunidade cigana abordada.
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Ciganidade e universo masculino
Entre os homens do grupo que oram entre vistados, identificamos em suas narrativas a ciganidade associada a três temas principais, que são complementares e refletem a organização social do grupo: as tradições culturais, a obediência às normas internas e o contato com outros grupos (ciganos ou não). Quanto às tradições culturais, o discurso dos entrevistados remete a uma representação com valoração positiva do modo de vida cigano. As narrativas dizem respeito às estividades, principalmente o casamento e às estas religiosas, ao estilo de moradia, que é valorizado em detrimento da vida em uma casa ou apartamento, e ao uso de uma linguagem própria, o romani, exclusiva dos ciganos, considerada pelo grupo como um dos recursos culturais que caracterizam seu pertencimento étnico. “Casamento cigano, eu acho muito dierente desse pessoal morador, porque nós az esta quinze dias antes, vai tomando cerveja direto, quinze dias, trinta dias”; “Cosme e São Damião, Aparecida e Bom Jesus da Lapa, Santa Luzia; um monte, nós tem muita devoção com eles”; “Pra alar a verdade se osse pra eu morar numa casa ou morar numa barraca, eu prefiro a barraca”; “em a própria linguagem da gente mesmo, é uma linguagem própria do cigano mesmo”.
As normas grupais são expressas pela vivência da “Lei Cigana”, que se reere, undamentalmente, ao que pode e ao que não pode ser eito pelos homens e mulheres da comunidade. A vida do homem é marcada pela liberdade, sendo a ele consentido o namoro antes do casamento (desde que não seja com uma cigana) e a autorização para sair do território do grupo, requentar estas e se relacionar com mulheres não ciganas, permissão que se mantém mesmo após o casamento, enquanto a mulher cigana tem uma vida repleta de restrições. “A lei cigana tem bastantes regras, tem muita coisa que mulher não pode azer, bastante coisa”; “É que o homem é liberado e a mulher cigana fica mais dentro da barraca, entendeu? A lei cigana é que a mulher não pode trair, ela não pode ficar saindo pra esta”.
As relações de gênero, nesse sentido, compõem uma dimensão central da organização sociocultural cigana e, por conseguinte, da própria representação do que seja a ciganidade para o grupo. Entre os entrevistados, evidenciou-se a ideia do homem como portador da identidade étnica, reflexo de uma cultura regida pela lógica patriarcal, restando à mulher a imagem de uma potencial traidora, capaz de desonrar seu marido e sua amília. O ragmento, a seguir apresentado, ilustra essa dinâmica. “É mais importante [o homem] porque o menino homem, pra cigano, vai garantir que não sai ama, vai garantir que não vão azer alta de respeito. Menina mulher quase sempre tem preconceito”.
Os papéis sociais também são orientados por essas normas grupais, desde a inância à vida adulta. Ao homem cabe a unção de prover a sua amília, geralmente, por meio da barganha (no dizer cigano, a catira) – comércio de animais e carros – e do empréstimo de dinheiro a juros. A vida da mulher, por sua vez, é restrita à barraca e as suas principais unções são cuidar dos filhos e realizar os serviços domésticos. O contato com outros grupos (ciganos ou não) é também um tema relevante aos signiicados associados à ciganidade. O conteúdo das alas diz respeito ao passado recente do grupo, época em que os ciganos realizavam viagens com tropas de animais e interagiam com dierentes comunidades ciganas, e também ao contato com a comunidade não cigana próxima do grupo. Ainda sobre a época dos chamados ciganos tropeiros, relatam as dificuldades vivenciadas e o apoio entre os grupos ciganos, destacando a solidariedade como um valor central que constituiria uma espécie de código de honra cigano. “Viajava estrada aora e o que acontecia? odo mundo montado em suas tropas, seus animais”; “Eu tô aqui nesse grupo e vai vim um grupo que é de outra cidade. Pra cá, pra cá todo mundo, chega pra rente. Põe as cadeiras, sentou. A mulher az uma comida pra gente almoçar! A mulher, imediatamente, em dez minutos, tá no jeito!”.
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Ciganidade e universo feminino
Com relação à análise das narrativas das mulheres do grupo, podemos destacar cinco grandes temas presentes em seu discurso: o abandono das meninas calin, a morte simbólica da mulher cigana, a relação existente entre mulheres calin (ciganas) e ‘moradeiras’ (mulheres não ciganas casadas com ciganos), o modo de vida cigano e a prática das viagens ciganas. Os dois primeiros temas estão ortemente relacionados e retratam a condição eminina de submissão aos homens. A respeito da prática de abandono das meninas calin logo após o seu nascimento, é importante esclarecer que esta tem sido identificada apenas em alguns grupos ciganos da região, não sendo uma prática característica da cultura cigana. endo em vista a centralidade que a honra masculina ocupa na organização sociocultural cigana, parece atuar a seguinte dinâmica: a mulher tem o poder de desonrar o homem (marido e pai) – por meio da traição, em caso de ser esposa, ou da perda da virgindade antes do casamento, se noiva. Assim, os homens têm medo e se sentem constantemente ameaçados pelas meninas calin, potenciais portadoras da desonra de sua amília e de seu grupo. “É muito diícil criar uma menina mulher aqui, é muito mais diícil”; “Os meninos homem, quer dizer, não traz muito problema pra amília, a mulher cigana a gente cria, tem que ser dentro da barraca, não pode tá alseando a amília”; “As meninas mulher vai criar problema pra amília, a gente já previne e dá”.
Caso as amílias decidam não doar as filhas meninas, é necessário que elas sejam criadas com muito cuidado, especialmente pela mãe, para assegurar a manutenção de sua virgindade. A virgindade eminina é undamental para a cultura cigana, visto que é ela que garante o valor e a integridade da mulher, permitindo que haja um casamento adequado no qual são honradas as amílias envol vidas e legitimados os novos laços e acordos grupais (Mendes, 2000). endo em vista que as relações de parentesco são undamentais na estrutura do grupo cigano, dimensão da organização grupal
que se materializa, principalmente, por meio do destino das ciganas, a doação das meninas calin, identificada na comunidade investigada, poderia ser interpretada como uma contradição. Considerando que as mulheres virgens são moedas de troca nos acordos matrimoniais desse grupo, a escassez de mulheres calin poderia colocar em risco sua organização sociocultural. Se, portanto, o grupo não possui mulheres virgens, não pode azer trocas e, por conseguinte, ortalecer os laços intergrupais e estabelecer dierentes acordos com demais grupos ciganos. Essa condição se refletiria, em linhas gerais, em uma dupla consequência: (i) risco de comprometimento da reprodução do tecido social cigano e (ii) progressiva entrada de mulheres não ciganas para suprir a escassez de calin, o que poderia resultar em uma nova configuração das relações endogrupais, mediada pelo encontro entre as culturas calon e gadjé . A morte simbólica da mulher cigana também reflete a ideia de que a mulher poderá desonrar o homem, neste caso com uma traição após o casamento, o que desonraria tanto o esposo, quanto a sua própria amília de origem. Se a traição ocorrer, o pai e o esposo têm o direito de puni-la a fim de resgatar a honra da amília. Como castigo, a mulher que trair poderá ser expulsa do grupo e esquecida pelo mesmo, como relatam algumas mulheres entrevistadas: “Os ciganos homem trai as mulher e não suja o nome da amília não. Agora, já a mulher suja”; “Mulher de cigano não pode trair os marido”; “No meio de cigano, quando suja eles manda embora também”.
Outro tema que não está presente nas alas dos homens, mas que pôde ser identificado no relato das mulheres ciganas, reere-se às moradeiras. Conorme inormado anteriormente, das 10 mulheres entrevistadas, 4 eram gadjin, introduzindo na narrativa concernente ao universo eminino inormações sobre sua experiência de entrada na comunidade cigana, marcada pelo processo de tensão provocada pela comparação entre modos de vida dierentes e pelo processo de assimilação da cultura, da língua, da vestimenta, das práticas
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grupais e dos costumes. Ainda em relação ao processo de identificação social com o grupo cigano pelas moradeiras, parece ser importante ressaltar que os significados com valoração negativa, caracteristicamente associados aos ciganos, são, possi velmente, ressignificados pelas novas integrantes do grupo, adquirindo conotação positiva. endo como reerência a perspectiva de análise a partir da lógica das identidades sociais, entendemos que essa estratégia visa garantir a entrada e permanência dessas mulheres no sistema cultural do grupo do qual passam a azer parte. “Engraçado que eu sinto mais segura aqui morando numa barraca do que se eu tivesse morando numa casa. Gostei de aprender oi a língua”; “É claro que pra mim teve algumas mudanças: eu vestia bermuda curta, vestia calça, eu vestia outros tipos de roupa que eu não posso vestir mais”.
As moradeiras apreendem, aos poucos, o modo de vida cigano, que é outro tema importante presente nas alas dos homens e mulheres entrevistados. É um modo de vida, um cotidiano que supõe dierentes atividades para homens e mulheres, ati vidades estas que são transmitidas ao longo do processo de socialização no interior do grupo cigano. À mulher cabe o cuidado com os filhos e a tareas a serem realizadas na barraca, como a arrumação e o preparo da comida. Aquelas que sabem ler a mão, também o azem, porém são poucas as mulheres que ainda mantêm a prática da quiromancia. E ao homem cabe a barganha, o sair da barraca para azer negócios com ciganos e não ciganos. É interessante notar como, para os ciganos, o trabalho não se configura da mesma orma como entendido pelos não ciganos. Enquanto que, para estes últimos, o trabalho é mais voltado para a produção e consumo de bens, os ciganos lidam com as atividades laborais de orma mais independente, procurando ser mais livres e autônomos em relação aos seus próprios negócios (Magano & Silva, 2000). Assim, como nos inormam estas mulheres, o modo de vida cigano: “É normal, o dia-a-dia de cigano, é como outro qualquer, de qualquer pessoa, porém um pouco dierente porque o homem brasileiro tem, digamos que ele tem unções e o cigano não tem”.
As viagens ciganas, ou o nomadismo, são práticas tidas como características do modo de vida cigano, especialmente no imaginário gadjé . Lembradas pelas participantes que vivenciaram o tempo das caravanas com tropas de burros, as memórias dessa época retratam as dificuldades e as alegrias da vida nômade. “Ficava um dia, dois e ia viajando de novo. Era bom, eu gostava.”; “Uns era bem recebidos, outros não”; “É da gente receber bem pra ser recebido bem.”; “Chegava, tinha que procurar água, viajava de animal, tinha que procurar água, às vez, nem encontrava”. Representações endogrupais e idendade cigana
Compreendidas como um saber prático que orienta as relações e pertenças sociais, as representações servem ao propósito de proteger o grupo, ordenando os territórios de pertencimento eregulando os processos de construção da identidade social. Por meio do estudo das representações endogrupais é possível, portanto, conhecer o sistema de crenças, normas e valores que norteiam a vida das pessoas a partir de um determinado contexto sociocultural (Breakwell, 1993; Jodelet, 1998). Na cultura cigana, a chama Lei cigana materializa os significados que traduzem o ser cigano. É através da aplicação e vivência do conjunto de normas e regras que a ciganidade é legitimada entre os membros do grupo, tornando-se homens e mulheres calon. Esse sistema normativo que orienta os indivíduos, conorme os resultados apresentados, se diunde e se perpetua, principalmente, através do comportamento eminino, tanto nas práticas internas à comunidade em que vivem, quanto nas possíveis interações sociais que venham a estabelecer com o contexto gadjé (Bonomo et al., 2008). O discurso masculino se undamenta, em grande parte, no ortalecimento desse conjunto de normas/regras que organiza as relações internas à comunidade. As representações endogrupais no universo de investigação abordado, ou o sistema de interpretação de sua própria realidade pelos integrantes do grupo, são construídas no processo de socialização
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de gênero (um dos eixos centrais da cultura cigana) (Mendes, 2000), que visa a transmissão intergeracional dos elementos simbolicamente relevantes à constituição da identidade étnica entre os membros da comunidade, dimensionados a partir dos universos masculino e eminino. De acordo com esta perspectiva de análise, a indissociabilidade gênero-etnia estaria na base dos processos identitários vivenciados pelos ciganos (Fonseca, 1996; Mendes, 2000; Pizzinato, 2007, 2009).
Considerações nais Considerando a configuração do campo de estudo em que sujeito e objeto de representação são dimensões equivalentes, as reflexões que orientaram o desenvolvimento da investigação das representações endogrupais entre ciganos calon de uma comunidade do ES undamentaram-se na descrição de categorias temáticas identificadas no discurso de membros do grupo e na discussão acerca da unção das representações endogrupais para a constituição da identidade étnica cigana. Os resultados indicaram que as representações endogrupais organizam-se, principalmente, a partir das relações hierárquicas de gênero, estruturadas por meio da Lei Cigana, recurso simbólico que define e orienta as regras de condutas à vida cotidiana dos membros da comunidade. A ciganidade, neste sentido, seria constituída por significados que valorizam as tradições e o modo de vida grupal, sendo o posicionamento das identidades de gênero (uni versos masculino e eminino) central à organização do pertencimento ao grupo social cigano. Os resultados apresentados ressaltam a relevância de realização de estudos que ocalizem as representações endogrupais entre grupos ciganos, visto que os significados constituintes e organizadores das pertenças sociais podem avorecer a compreensão da dinâmica grupal, tanto em sua dimensão interna (papéis sociais, relações de gênero, crenças/ valores, processo de socialização, entre outros) quanto externa (interação com dierentes grupos, ciganos ou não). Parece ser importante salientar ainda que são escassas as investigações sobre grupos ciganos no contexto científico brasileiro, especialmente no
campo da Psicologia. Acreditando nas inúmeras contribuições da disciplina para a compreensão dos processos identitários vinculados a esta categoria social – contribuição que poderá ganhar ainda mais consistência analítica a partir da eoria das Representações Sociais -, indicamos a importância de desenvolvimento de estudos que investiguem as representações de ciganidade entre não ciganos, universo de significação que poderia ornecer inormações chave à compreensão das práticas discriminatórias direcionadas a este grupo minoritário.
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Pizzinato, A. (2009). Identidade narrativa: papéis amiliares e de gênero na perspectiva de meninas ciganas. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 61(1), 38-48. Sá, C. P. (1998). A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ. Silva, M. C., & Silva, S. (2000). Práticas e representações sociais ace aos ciganos – O caso de Oleiros, Vila Verde. In IV Congresso Português de Sociologia. Associação Portuguesa de Sociologia. Coimbra, Portugal. Souza, L. (1995). “Olho por olho, dente por dente”: Representação de justiça e identidade social. Doutorado em Psicologia, Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo. Ventura, M. C. S. P. (2004). A Experiência da Criança Cigana no Jardim de Inância. Braga: Universidade do Minho.
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REPRESENTAÇÕES MASCULINAS DE GÊNERO: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE CONJUGALIDADE E VIOLÊNCIA CONJUGAL 1 Mirian Beccheri Cortez 2 , José Agosnho Correia Junior 3 , Guilherme Vargas Cruz , Narjara Portugal Silva , Danielle Guss , Clarisse Lourenço Cintra
Introdução A violência é um enômeno biopsicossocial que ocorre tanto em cenários públicos quanto em cenários privados (Minayo, 2003; OMS, 2002) e apresenta uma multiplicidade de conceitos, uma vez que cada pessoa vivencia a violência de maneira singular e subjetiva (Minayo, 2003). Partindo desse pressuposto, entende-se que a violência não pode ser reduzida a um conceito echado, pois “o que se pode é obter suas representações parciais” (Débarbieux, 2002, citado por Santos, 2004, p.132). Utilizamos neste trabalho o conceito de violência proposto por Chauí (1985). Segundo a autora, a violência pode ser entendida por dois ângulos: o primeiro se reere à conversão de uma assimetria numa relação desigual de dominação e exploração; o segundo, a tratar a violência como um ato que é destinado à “coisificação do sujeito”, onde este não é visto como um indivíduo pleno de seus direitos, mas, como uma “coisa”. (p.35) As relações de poder e exploração entre homens e mulheres podem ser analisadas através do conceito de gênero. Este termo é definido por Saffioti (2004) como a construção social do masculino e do eminino. Giffin (1994) afirma que as expectativas com relação ao masculino e eminino apresentam contrastes marcantes no que se reere à posição do homem e mulher na sociedade: o homem é visto como orte, racional, ativo, enquanto que a mulher é vista como rágil, sensível e passiva. Estes papéis social e culturalmente demarcados sustentam as relações desiguais entre os sexos, muitas vezes naturalizadas. Nessa perspectiva, ao tratar das relações de gênero devemos também levar em conta o modelo do patriarcado. Este modelo é definido por Saffioti (2004) como “o regime de dominação-exploração das mulheres pelos homens (p.45)”. A autora afirma
ainda que o patriarcado é um modelo civil que invade todos os espaços da sociedade, tem base material e corporifica-se como uma lei. Segundo Nolasco (1997), quando o homem é questionado acerca de seu desempenho como provedor, macho, viril e heterossexual, ele reage na maior parte das vezes com a violência. Seguindo esse raciocínio, “para um homem, o uso da violência pode ser entendido como uma resposta inconsciente à ameaça de eminilização” (p.27). Embora muitos pesquisadores apontem a mulher como a principal vítima das relações conjugais, é relevante o que Gomes (2003) e Izumino (2004) argumentam em relação à posição da mulher nessas relações. Segundo estas autoras, a mulher não é necessariamente passiva, submissa, configurando-se como vítima e como sujeito que se insere num conjunto de situações de violência. Uma pesquisa realizada por Rosa, Boing, Buchele, Oliveira e Coelho (2008), sobre a violência contra a mulher a partir da ótica do homem, mostrou que os principais motivos das agressões contra a companheira eram: presença de ações inadequadas da parceira; resposta à agressão ísica, verbal ou psicológica da companheira; domínio da mulher sobre o companheiro; dependência química e situação financeira dos homens, e a intererência de pessoas de “ora” no relacionamento do casal. A violência cometida pelo homem contra a mulher passa a ser criminalizada a partir da década de 1980 (Gomes, 2003; eles & Melo, 2009), período em que surgem as DEAMs, delegacias especializadas no atendimento de mulheres vítimas de violência. Após quase três décadas desse ato, oi promulgada a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria
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Apoio financeiro Facitec-Serra/ES; CNPq Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Universidade Federal do Espírito Santo. Graduandos em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.
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da Penha), que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e amiliar contra a mulher.
Teoria das representações sociais Para a compreensão do enômeno da violência conjugal, utilizamos os conceitos das “Representações Sociais” (RS), teorizado por Moscovici em 1961, pois acreditamos que os papéis masculinos e emininos (e suas práticas no contexto social e amiliar) são construídos nas relações sociais. Partindo das RS de gênero é possível compreender a naturalização da violência contra a mulher e os conflitos gerados nos relacionamentos amorosos. Jodelet (2001) define representação social como “uma orma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, tendo uma orientação prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (p.22). A autora ainda afirma que o estudo das RS constitui uma contribuição decisiva para a abordagem da vida mental individual e coletiva. Arruda (2002) aponta que há dois tipos de conhecimento dos quais ala a teoria das representações sociais (RS). O primeiro é o do senso-comum, caracterizado pelo conhecimento inormal, cotidiano, popular. O segundo é o reificado, que ocorre no campo científico e possui hierarquia de linguagem interna. abela 1 – Características dos participantes Nome Profissão Idade Gabriel Aposentado 64 Miguel Operador de máquinas 53 Raael Atleta 24
Juscava Investigar as RS de gênero, violência e conjugalidade, a partir da ótica de homens que vivenciaram relacionamentos conjugais violentos, possibilita-nos entender como o enômeno de violência se dá nas relações amorosas e como as expectativas de gênero e os desentendimentos se articulam nessas relações. Além disso, é importante trazer os homens para o debate de violência conjugal para que se possa eetivamente propor estratégias de promoção de saúde e qualidade de vida para os homens e suas parceiras, uma vez que ambos se inserem em situações de violência conjugal.
Objevo O objetivo deste trabalho é analisar casos de violência conjugal no município de Serra-ES, a partir de relatos de homens, e discutir, com base na RS, o modo como as RS de gênero se articulam nas vivências de violência.
Método Participantes Participaram desta pesquisa três homens (nomes fictícios) com histórico de violência conjugal contra a parceira. Algumas características estão na abela 1, a seguir.
Ensino Fundamental completo Fundamental completo Superior (cursando)
Contato com os parcipantes
Os participantes oram localizados por meio de duas ontes de indicação: 1) mulheres que vivenciaram situações de violência com seus parceiros (contatadas em reuniões de grupo de apoio as mulheres que sorem/soreram violência doméstica, realizado pela Secretaria da Mulher, Serra/ES, e 2) conhecida comum ao pesquisador e ao entrevistado que articulou o contato entre eles.
empo de Relacionamento 34 anos 5 anos 6 anos
Coleta e Tratamento dos dados
Entrevistas individuais oram realizadas na residência de cada participante de acordo com os horários combinados entre eles e o pesquisador. O roteiro semiestruturado que guiou a entrevista continha duas partes: uma relativa aos dados pessoais do entrevistado e outra relativa às RS de gênero e violência, vivências conjugais e violência no relacionamento. As entrevistas oram gravadas
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com consentimento dos participantes, que tiveram acesso aos objetivos e procedimentos da pesquisa e assinaram o ermo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados sócio-demográficos oram tabulados para caracterizar os participantes. Os outros dados oram processados pelo programa Alceste, com o objetivo de se identificar o campo comum do conteúdo das representações (Menandro, rindade & Almeida, 2010). A análise do relatório gerado pelo sofware oi complementada pela análise de conteúdo, a qual, segundo Silva, Gobbi e Simão (2005) é uma erramenta para a compreensão da
construção de significado exteriorizado no discurso dos atores sociais.
Resultados e Discussão O corpus oi subdivido pelo Alceste em 431 Unidades de Contexto Elementar (UCE), das quais 344 (79,81%) tiveram seu conteúdo considerado relevante e analisado pelo programa. O dendrograma apresentado a seguir (Figura 1) representa o produto da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e ilustra as relações interclasses.
Figura 1 – Dendrograma das entrevistas realizadas com os homens
O dendrograma nos permite identificar dois eixos ormados a partir da CHD. O primeiro eixo, nomeado “Violência e Relacionamentos”, oi subdi vidido em duas classes: Classe 1 – Relações interpessoais e violência; Classe 3 – Relacionamento aetivo e violência. O segundo eixo “Responsabilidade e Papéis” oi subdividido em outras duas classes: Classe 2 – Homem e Mulher na amília; Classe 4 – Homem e mulher na sociedade. As classes 1 e 3 apresentam uma moderada relação de proximidade (r=0,55),
enquanto as classes 2 e 4 apresentam uma relação um pouco mais raca de proximidade (r=0,4). Eixo 1: Violência e relacionamentos
Este eixo compreende conteúdos reerentes às relações que os participantes têm com as parceiras e com outras pessoas que azem parte do seu convívio (amigos, filhos, vizinhos, entre outros). Apresenta também alguns contextos de violência vividos por eles e os conflitos gerados em seus relacionamentos.
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Classe 1: Relacionamentos interpessoaise violência.
Nomeada “Relações interpessoais e violência”, esta classe reúne 70 UCE’s (20,35% do total analisado) e apresenta os contextos que possibilitam desentendimentos e brigas entre os entrevistados e suas parceiras, sendo muitas vezes testemunhados por pessoas de seu convívio, como filhos, vizinhos e amigos. É importante ressaltar que nesta classe um dos principais motivos desencadeador das brigas é o uso de bebidas alcoólicas. ambém se verifica, a violência como orma do homem reagir à possibilidade de questionamentos sobre alguns comportamentos deles considerados indesejáveis por suas parceiras. O que eu tinha de #livre era praia, #bater #papo com #os #amigos no barzinho. Era sempre assim, rente de #casa, batendo #papo com #os #amigos e #ia à praia bastante. #os #vizinhos #ficavam #reclamando muito da gente, porque a gente vivia #brigando. Ela sempre me #xinga. se eu #trabalho ate mais tarde e chego tarde, ela me #xinga. Ela #pegou e #ficou nervosa quando o meu #filho disse que eu não tinha #ficado em #casa. Eu tinha ido ao bar #beber e tinha #ficado atrasado ela me #deu um esporo e ai #pegou o guarda_chuva e #quebrou. (....) eu cheguei em #casa e ela #reclama que eu #sai para #tomar #cerveja.
Segundo Izumino (2004), quando os homens são questionados pelas mulheres ou têm suas atitudes desaprovadas por elas, podem reagir com violência, por sentirem ameaçadas suas posições de controle da relação. Cortez e Souza (2010) afirmam que o homem utiliza a violência para reafirmar sua masculinidade perante a companheira por meio do seu assujeitamento ísico, moral e/ou sexual. Em muitos casos os homens justificam a violência perpetrada contra a companheira pela a ingestão de bebida alcóolica, porém, como diversos autores apontam, o uso de álcool e drogas pode ser compreendido como acilitador de tensão e violência (Cortez & Souza, 2010; Zaleski, Pinsky, Laranjeira, Ramisetty-Mikler & Caetano, 2010), mas não como uma causa direta das mesmas.
Classe 3: Relacionamento afevo e violência
A Classe 3, nomeada “Relacionamento aetivo e violência” reuniu 87 UCE’s (25,29% das UCEs analisadas). Os destaques desta classe são: a dinâmica do relacionamento aetivo e as situações de violência e conflito que ocorrem entre o casal. Segundo os participantes, em alguns momentos as parceiras lhes dão carinho e respeito, em outros momentos, eles se sentem abandonados e não valorizados por elas. Revelam também que as cobranças eitas pelas parceiras em relação aos comportamentos deles são um dos disparadores para a violência. Após os episódios de violência, os homens mostram arrependimento e, a partir daí, afirmam desculpar-se com as conviventes. Os entrevistados revelam ainda terem sorido violência ísica e psicológica por parte das parceiras. Mas, pra mim, ela nunca #disse nada respecti vamente bom. nunca oi de #pô, meus parabéns! #tenho orgulho do que você #az, nada #disso. Mas, para os outros ela sempre #demonstrou extremamente #carinhosa, #amorosa, #dedicada mesmo. eu talvez cego, #nervoso eu nunca vi ela #amorosa, #carinhosa e tal. “E o pior, o outro que me marcou [episódio de violência] oi quando ela quebrou o meu portão de madeira. Ela derrubou tudo, quebrou as minhas plantas tudo, quebrou 15 telhão. Quebrou tudo, grade que eu tinha ali. E os vizinhos que não deixou e ela jogou água aqui dentro. Isso que me marcou. Eu tive vergonha e me mudei da minha casa”. (Miguel)
Para compreender os motivos pelos quais homens e mulheres são agredidos deve-se, então, entender como os parceiros constroem seus relacionamentos e quais são os eeitos para o casamento e o namoro (Alvim & Souza, 2005). A propósito das agressões emininas, Saffioti (1994, citada por Pinto, Meneghel & Marques, 2007, p.241) argumenta que “não se está, de orma alguma, afirmando que as mulheres são santas. Ao contrário, elas participam da relação de violência chegando mesmo a desencadeá-la”. A autora destaca que a mulher não compartilha do mesmo poder que o homem, há uma
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correlação de orças que muito raramente beneficia a mulher. Conorme apontam Pinto, Meneghel & Marques (2007), na violência há conflito de interesses entre as duas partes que participam da relação. Estudos realizados por diversos autores mostraram que o homem, na maioria das vezes, culpabiliza a mulher por ter desencadeado a briga (Gomes & Diniz, 2008; Cortez & Souza, 2010). Ainda que culpabilizem a mulher, os participantes mostraram-se arrependidos de terem cometido a violência e acreditavam que deviam se desculpar, relatos esses encontrados também no estudo de Wood (2004, citado por Cortez & Souza, 2010). mas um dia eu #vou #pedir #desculpas porque não #gosto #disso. não #quero que #pensem que eu sou pessoa desse tipo, porque tem gente que #az e #az mesmo. Eixo 2: Responsabilidades e papéis
Este eixo compreende conteúdos relativos às RS que os participantes têm acerca de gênero, relações conjugais e violência. O eixo oi nomeado de ‘Responsabilidades e Papéis’, pois os discursos dos entrevistados apresentavam suas visões sobre suas unções de casal, pai e mãe. No discurso também podem ser identificadas e analisadas as RS que os entrevistados têm do homem e da mulher perante a sociedade. Classe 2: Homem e Mulher na família
A Classe 2, nomeada “Homem e Mulher na amília” apresenta as representações que os homens têm de homem e mulher como pai e mãe. Eles discutem as principais responsabilidades que ambos devem ter com seus filhos. Os participantes reorçam a importância dos pais como cuidadores dos filhos. O homem aparece como o provedor, enquanto cabe à mulher cuidar da educação dos filhos. O papel de mãe, segundo os entrevistados, é inerente à condição da mulher, papel esse primordial para as relações amiliares. Além de ser uma boa mãe, cabe à mulher ser uma companheira fiel e “cúmplice total do homem”, mas “não submissa” (Raael), apoiando-o nas situações em que ele precisa. As UCE’s que apontam para isso são:
E chegava às vezes 10 horas #da #noite em casa, #dependendo do dia, #dependendo #da coisa. acho que na parte de #responsabilidade de eu #manter #alimentação, #roupa, #escola ate quando eu #pude eu paguei. É #importante que a mulher seja #mãe. eu não vou pegar e alar sobre #companheira assim e alar. eu acho que #companheira é assim, aquela que #cuida #dos seus #filhos, que #educa os seus #filhos.
Os entrevistados apresentaram em seus relatos conteúdos que se aproximam do modelo patriarcal de amília (Giffin, 1994; Saffioti, 2004). Estudo realizado por Silva, Rockembach, Comiran e Scandolara (2007) mostrou que o papel do homem como provedor é presente nas RS de homens acerca da masculinidade. Estudos realizados por Cortez e Souza (2010) e Féres-Carneiro (2001), mostraram que o modo de se perceber a esposa/mulher vai ao encontro do modelo patriarcal (cuidadora do lar, boa mãe, submissa), dado esse também encontrado no presente estudo. É importante ressaltar que o não cumprimento dessas unções por uma ou ambas as partes pode desencadear descontentamento e conflitos entre o casal, como descreveram Alvim e Souza (2005). Classe 4: Homem e Mulher na sociedade
A Classe 4 oi a que apresentou maior número de UCE’s analisadas (150 UCE’s, 46,30% do conteúdo analisado). Nomeada “Homem e Mulher na sociedade”, esta classe contém o discurso sobre as unções do homem e da mulher conorme determinação da sociedade. Segundo os participantes, houve uma “evolução” da mulher na sociedade e na amília. Hoje, além da inserção da mulher no mercado de trabalho e nas ocupações destinadas ao homem, observa-se também um novo modelo de mulher, independente e, muitas vezes, provedora do lar. Entretanto, o homem continua sendo o principal provedor da amília. odavia, os participantes reconheceram que parte da sociedade ainda se mantém conservadora em relação aos direitos da mulher.
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A #sociedade #vê e #dessa #orma. que a #mulher tem que ser #respeitada, que ela tem que #evoluir, tem que #participar, tem que ser #responsável, e claro em todas #as camadas, e no trabalho, #salários iguais. #uma #pessoa #responsável, #ne. porque quando você #adquire #uma amília, você esta adquirindo #uma responsabilidade que, que, que. você assume, #né? perante a #sociedade. então a #sociedade #vê, a #gente, o #homem #dessa #orma, que ele seja #responsável #pelos seus atos, #ne? que como chee de amília que ele consiga, alimentar a amília, #né?
Em relação ao questionamento dos homens de uma Lei que os assistam, assim como a Lei Maria da Penha assiste as mulheres, é importante observar que a mídia já tem divulgado casos em que juízes de dierentes estados aplicaram a Lei Maria da Penha na deesa de homens vítimas da violência conjugal, com base no princípio da isonomia. Apesar disso, entende-se, legalmente, que casos de ameaça, perturbação, injúria e lesão corporal leve contra homens devem ser levados aos Juizados Especiais Criminais, segundo a lei 9. 099/95.
Os homens admitem que a sociedade condena todo tipo de violência, bem como a violência contra a mulher e/ou “no matrimônio” e questionam a inexistência de uma lei específica de proteção para o homem, dada existência da Lei Maria da Penha para as mulheres.
A violência de gênero é um enômeno complexo, haja vista que o modelo patriarcal ainda está arraigado na sociedade e é utilizado para naturalizar e perpetuar a violência cometida pelos homens contra suas parceiras. É importante destacar que, segundo a análise aqui proposta, as relações de conflitos entre os participantes e suas companheiras parecem ter como um orte ator de desencadeamento a intolerância do homem ao se sentir controlado pela mulher. Os discursos dos participantes revelaram que a violência é a orma que o homem encontra para responder à ameaça que as mulheres representam à sua masculinidade. Essa percepção de ameaça está embasada nas representações que eles têm de homem e mulher. Ao considerarmos que as RS são um conhecimento socialmente partilhado que orienta práticas e ações (Sá, 1995), podemos concluir que as RS de homem e mulher atuam como base na construção dos relacionamentos conjugais e na avaliação desses. Desse modo, os participantes interpretam seus relacionamentos com base nessas representações e reagem negativamente quando as mesmas não são concretizadas ou quando são “contrariadas” pelas parceiras. Levando em conta que estamos inseridos em um meio cultural e sócio-histórico, podemos verificar que as RS identificadas ilustram valores tradicionais da cultura ocidental sobre as unções do homem e mulher. Essas questões tradicionais estão presentes no discurso dos entrevistados e são utilizadas como base para críticas às modificações
tem a #lei #maria da #penha que protege a #mulher. E agora, será que #existe alguma #lei que protege o #homem? não tem #uma #lei que protege o #homem, porque tudo esta #baseado que o #homem tem culpa de tudo, estou #colocando #dessa #orma
O discurso dos entrevistados ilustra a mudança das unções que as mulheres desempenham na sociedade. A inserção da mulher no mercado de trabalho possibilitou mudança na estrutura amiliar. A mulher contemporânea administra e participa das despesas da casa e do cuidado da amília. O homem, nesse cenário, divide as responsabilidades de provedor com a companheira. Entretanto, parte da sociedade ainda concebe as unções pai/mãe, homem/mulher, marido/esposa de orma naturalizada. A sociedade ainda se questiona sobre os valores atribuídos ao casamento. Dentre esses valores podemos destacar o respeito e o companheirismo que, na maioria das vezes, possibilita o diálogo e a negociação entre os casais. Além disso, constatamos que os entrevistados reconhecem que a sociedade desaprova a violência perpetrada contra a mulher, e eles mesmos não se reconhecem como autores de violência.
Considerações Finais
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nas práticas de gênero percebidas pelos mesmos, como pudemos observar nos relatos dos participantes Gabriel e Raael. O discurso dos entrevistados aponta para uma questão importante a ser trabalhada, que é a capacidade de negociação de unções e demandas existentes em um relacionamento. A proposição de intervenções psicológicas que abordem questões de gênero e relacionamento é uma das apostas que se pode azer com casais em situações de conflito, a fim de promover uma melhor qualidade nas relações conjugais. Para tanto, é importante a implementação de programas de aconselhamento psicológico (individuais ou para casais) e outros programas de assistência para os envolvidos em relacionamentos aetivos violentos.
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REPRESENTAÇÕES SOBRE QUALIDADE DE VIDA DE MULHERES EM MUNICÍPIO DE MINAS GERAIS Luciene Silva Campos, Amanda Rodrigues Garcia Palhoni 1 , Marta Araújo Amaral 2 , Regiane Veloso Santos3 , Priscila Fantaguzzi 4 , Cláudia Maria de Matos Penna
Introdução O presente trabalho é parte integrante de uma pesquisa sobre a representação social de violência e qualidade de vida de mulheres de uma zona rural, desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisa sobre Cultura, Cotidiano, Educação e Saúde (NUPCCES). A definição de qualidade de vida, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (World Health Organization, 1997), é a percepção que a pessoa tem sobre sua posição na vida com relação aos seus contextos culturais, de valores e também a respeito de suas metas, expectativas pessoais e preocupações. Percebe-se que esta definição de qualidade de vida considera que o ator subjetivo e os contextos de vida são primordiais para que cada indivíduo possa então ormular de maneira concreta seu próprio conceito a respeito do tema. É notável e comprovado na literatura que a violência aeta a qualidade de vida da população (Organização Pan-Americana da Saúde [OPAS], 2003; Minayo, 2005). As agressões aetam-na e repercutem na saúde da mulher com maniestações sejam essas ísicas ou psicológicas, como dor crônica, insônia, ansiedade, depressão, dentre outras (Anacleto, Njaine, Longo, Boing & Peres, 2009; Brasil, 2002; OPAS, 2003). Adeodato, Carvalho, Silqueira, e Souza (2005) deendem que a violência, além de provocar impacto na saúde e qualidade de vida do indivíduo que a sore, também produzem eeitos que aetam a sociedade como um todo e, principalmente, o sistema de saúde que arca com custos onerosos de assistência à saúde, tratamento e reabilitação pro venientes das situações de violência. Nesse contexto, o estudo pretende discutir as relações existentes entre qualidade de vida e violência com vistas a subsidiar discussões em busca de estratégias de enrentamento junto às mulheres que sorem de violência e buscam atendimento,
quase que diariamente, nos serviços de saúde. Pretende, também, que esses subsídios possam auxiliar os profissionais no atendimento às vítimas de violência, para contribuir para uma melhora na qualidade de vida delas e, consequentemente, das amílias. Assim, o objetivo desse trabalho é compreender a representação social de qualidade de vida, relacionando-a com a representação social de violência, de mulheres de um município de pequeno porte do Estado de Minas Gerais.
Método Aspectos teóricos
rata-se de um estudo com abordagem qualitati va no qual a undamentação teórico-metodológica utilizada oi a eoria das Representações Sociais de Serge Moscovici e a eoria do Núcleo Central de Jean-Claude Abric. O conceito de representação social surgiu a partir de 1960, por meio de influências da sociologia, em particular dos conceitos da teoria de Durkheim, e da antropologia. Porém, a teoria da representação social oi desenvolvida no campo da psicologia social por Moscovici em 1961 e aproundada por Jodelet. A teoria ganhou reconhecimento a partir de 1980 na França, ampliando sua influencia e sendo atualmente utilizada em muitos campos como o da saúde e da educação (Arruda, 2002). A eoria das Representações Sociais (RS) pressupõe um conceito para se apreender e estudar o pensamento social em sua dinâmica e em sua diversidade. A RS considera que existem ormas dierentes de conhecer e de se comunicar: o senso comum e o conhecimento cientíico. Porém, a 1 2 3 4
Mestrandas da Escola de Enermagem da UFMG Proessoras Doutoras da Escola de Enermagem da UFMG Mestre em Enermagem pela UFMG Aluna da Graduação em Enermagem da UFMG e Bolsista de Iniciação Científica
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RS não considera uma dierença que as separam, apenas se apresentam como propósitos distintos, mas ambas são eficazes e indispensáveis para a vida humana. O senso comum se constitui do cotidiano, das conversas inormais, enquanto o conhecimento científico possui linguagem, especialistas e hierarquia próprias. As representações sociais constroem-se, principalmente, a partir do senso comum, do saber popular, da consciência coletiva e está, dessa orma, acessível a todos e é também variável (Arruda, 2002). Para Moscovici, a realidade é socialmente construída e o saber é uma construção do sujeito que possui relação com seu contexto social, seus processos subjetivos e cognitivos (Arruda, 2002). Ciampone, onete, Pettengill e Chubaci (1999) apresentam o seguinte conceito de representação social: as representações sociais dizem respeito ao pensamento do senso comum, que por sua vez permeiam as relações humanas nas dierentes instâncias sociais, acreditando ser a compreensão do senso comum uma condição muito importante senão essencial para a compreensão da realidade social, quando se considera que os sujeitos dessas relações são agentes ativos no processo de criação e recriação da mesma.
Segundo a eoria do Núcleo Central criada pelo autor Jean Claude Abric em 1976, a representação social se organiza em torno de um núcleo central ormado por uma ou mais cognições que conerem significado à representação social. O núcleo central, também chamado pelo autor de núcleo estruturante, possui duas unções undamentais: unção geradora e unção organizadora. A unção geradora pressupõe que o núcleo central cria ou transorma o significado, o sentido dos outros elementos da representação. A unção organizadora consiste na característica do núcleo central ser o elo unificador e estabilizador da representação (Abric, 1998). Os elementos periéricos se organizam em torno do núcleo central e possuem três importantes unções: unção de concretização, unção de regulação e unção de deesa. A unção de concretização indica que os elementos periéricos são diretamente dependentes do contexto e da realidade na qual
a representação é construída. A unção de regulação aponta para a característica dos elementos periéricos como adaptadores da representação às evoluções do contexto, assim podem ser integrados elementos novos à perieria da representação. A unção de deesa implica que no sistema periérico podem aparecer contradições ou ponderações ao núcleo central (Abric, 1998). Considera-se que o núcleo central é estável, resistente a mudanças, está relacionado à memória e história coletiva de um determinado grupo sendo, dessa orma, consensual e homogêneo dentro do mesmo, e, por conseguinte, pouco sensível ao contexto imediato. Por outro lado, o sistema periérico possui um aspecto móvel e evolutivo da representação, é capaz de integrar experiências individuais, cotidianas e contextualizadas, tolera, assim, a heterogeneidade do grupo e as contradições, é flexível e sensível a mudanças do contexto imediato (Abric, 1998).
Procedimentos O cenário do estudo oi Rio Manso, que é um município de pequeno porte do Estado de Minas Gerais. Os sujeitos do estudo oram 102 mulheres com idade entre 20 e 50 anos moradoras do município. Os dados oram coletados em julho de 2010. Foram seguidos os princípios éticos que regem as pesquisas conorme a regulação CNS 196/96. Dessa orma, a pesquisa oi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP/UFMG). ambém oi dada autorização pelo preeito do município de Rio Manso para realização da pesquisa. Cada mulher sujeito da pesquisa era inormada e se concordasse em participar, assinava o ermo de Consentimento Livre e Esclarecido (CLE). A coleta de dados oi realizada por meio de entrevista eita a partir da técnica de evocação livre, com o uso do termo indutor qualidade de vida. Nessa técnica, cada sujeito da pesquisa diz cinco palavras ou expressões que vem à sua cabeça imediatamente em relação à palavra qualidade de vida. O termo indutor qualidade de vida e as suas cinco palavras evocadas eram precedidos pelo termo indutor violência e suas também cinco palavras
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evocadas. Em seguida, o sujeito da pesquisa atribui um valor positivo ou negativo e uma ordem de importância de um a cinco para as palavras evocadas. A análise de dados constituiu-se da construção de dicionário de palavras, da utilização do sofware EVOC 2000 e da técnica do quadro de quatro casas criado por Pierre Vergès.
Resultados Após a construção do dicionário de palavras e utilização dos dados no sofware EVOC 2000, oi obtido o quadro de quatro casas conorme se encontra a seguir: Núcleo Central
Frequência 1ª periferia
Saúde Família Educação
59 47 40
Paz Viver-bem rabalho
38 34 33
Humanidade Moradia Estabilidade Financeira Respeito Amor
Elementos Frequência 2ª periferia de contraste
Atividade ísica Liberdade Segurança Diálogo
Frequência
29 25 24 21 20 Frequência
10
Amizade
17
08
Acesso a serviços essenciais Alegria Alimentação Lazer
16
06 04
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No primeiro quadrante podem-se identificar, como núcleo central da representação social de qualidade de vida, os seguintes termos evocados: saúde, amília, educação, paz , viver bem e trabalho. Conorme já enatizado, o núcleo central traz os elementos mais constantes da representação social que carregam um orte ator histórico e estão menos susceptíveis a mudanças. Dessa orma, pode-se compreender a partir do núcleo central que a saúde é a cognição ligada diretamente à qualidade de vida em primeira instância e, portanto, representa historicamente o principal elemento que proporciona uma qualidade de vida satisatória.
Destacam-se, também, os termos evocados amília, educação, paz , viver-bem e trabalho. A amília representada aqui como ter uma ‘amília’, ‘boa estrutura amiliar’, ‘boa convivência’, dentre outros. A educação é entendida pelos sujeitos em seus mais variados aspectos desde ‘bons estudos’, ‘oportunidade de estudo’, ‘cultura’, ‘educação dos filhos até pessoa ser educada’ e ‘ter uma boa con vivência’. A paz oi reerida incluindo-se ‘tranquilidade’, ‘sossego’, pois ‘com ela pode-se acabar com a violência’. Para se viver-bem é necessário ‘não ter conusão’, ‘relacionar-se bem com os outros’, ‘viver sem violência’, dentre outros. Por último, encontra-se ainda a cognição trabalho compreendida, principalmente, enquanto ‘ter trabalho’, ‘um bom emprego todo mundo tem que ter’, e ‘sucesso profissional’. Apontam-se esses elementos do núcleo central como constituintes mais essenciais para a construção da representação social de qualidade de vida e que, por isso, influenciam os demais elementos presentes no sistema periérico da representação social. Pode-se relacionar esses elementos com aqueles encontrados no núcleo central da evocação de violência que oram: agressão, alta e crime. Destaca-se, aqui, principalmente a cognição alta, compreendida como o valor correspondente às carências sociais e também como origem dos processos de violência. Dessa orma, segundo os sujeitos da pesquisa, essas carências provocam a violência por meio dos termos evocados ‘alta de amor’, ‘alta de compreensão’, ‘alta de inormação (pode gerar violência)’, ‘pessoa sem estrutura amiliar’, ‘alta de união’, ‘alta de apoio’ e inúmeras outras. É interessante ressaltar que tanto o contexto social quanto a representação elaborada por essas mulheres indicam que as situações de violência se relacionam com as carências de elementos sociais como ‘união’, ‘compreensão’, ‘amor’, dentre outros. Por isso, tais carências encontram-se na origem dos processos de violência. Desta orma, a relação entre violência e qualidade de vida é representada como uma contraposição às altas e carências presentes no núcleo central da representação sobre violência por meio da cognição alta. Isto é, quando se tem estes elementos evocados no núcleo central da representação de
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qualidade de vida (saúde, amília, educação, paz , viver bem e trabalho) é possível suprir as várias privações seja de caráter social, pessoal ou interpessoal que azem surgir os processos de violência e, assim, atingir um nível de qualidade de vida tido como ideal. Os termos evocados sobre qualidade de vida presentes no sistema periérico e na zona de contraste são a representação simbólica de elementos que complementam os principais termos evocados que constituem o núcleo central. razem tanto aspectos subjetivos de ordem pessoal e de sentimentos (humanidade, respeito, amor , diálogo, amizade e alegria), quanto aspectos gerais de usuruto social que inluenciam em beneícios essenciais no desenvolvimento de uma qualidade de vida satisatória (moradia, estabilidade financeira, acesso serviços essenciais, alimentação, lazer , atividade ísica, liberdade e segurança). Na primeira perieria (quadrante superior direito) encontram-se os elementos humanidade, moradia, estabilidade financeira, respeito e amor . A humanidade, o respeito e o amor são compreendidos como componentes de um conjunto mínimo de características humanas condizentes para existir qualidade de vida dentro dos aspectos saúde, amília, educação, paz , viver bem, trabalho que são o núcleo central da representação. A moradia e a estabilidade financeira são itens que, por sua vez, se relacionam diretamente no sentido de complementar o significado da cognição trabalho presente no núcleo central. No quadrante inerior esquerdo, também chamado de zona de contraste, oram obtidos os seguintes termos: atividade ísica, liberdade, segurança e diálogo. Estes elementos de contraste constituem atores secundários para se obter uma qualidade de vida e se relacionam ao núcleo central complementando-o. Desse modo a atividade ísica relaciona-se ao termo saúde, pois sabe-se que a prática de exercícios ísicos contribui para a promoção da saúde e proporciona qualidade de vida. Os termos liberdade, segurança e diálogo se relacionam diretamente e complementam os significados trazidos pelas cognições paz , viver-bem, amília e educação.
A segunda perieria (quadrante inerior direito) é composta pelos elementos amizade, acesso a serviços essenciais, alegria, alimentação e lazer . Neste quadrante estão os elementos mais tardiamente evocados que azem parte do cotidiano das pessoas e que também se relacionam ao núcleo central complementando-o. Dessa orma, compreende-se, por exemplo, que alimentação e lazer contribuem para promover a saúde. Outra interpretação possível é que amizade e alegria são elementos undamentais para somar significado importante aos termos amília e viver-bem. Enquanto isso, acesso a serviços essenciais é representado aqui como um conjunto de necessidades sociais básicas (atendimento de saúde, saneamento básico, meio de transporte, boa estrutura na cidade) que se constituem em condições sociais de vida que aetam diretamente a saúde, que é, por sua vez, o principal elemento do núcleo central.
Discussão Os achados desse estudo corroboram com outro estudo que mostrou que a qualidade de vida encontra-se associada com saúde, bem-estar, convívio com os outros, atividades de lazer, apoio social e boas condições financeiras (ahan & Car valho, 2010). Em outro estudo, a qualidade de vida oi também representada por elementos subjetivos e objetivos como trabalho, moradia, amizade e amília (Castanha, Coutinho, Saldanha & Ribeiro, 2007). É interessante ressaltar a importância da presença da cognição saúde como principal elemento do núcleo central da representação sobre qualidade de vida e dos demais elementos da representação como cognições que a influenciam por se organizarem em seu entorno. Pode-se então relacionar essa estrutura representacional de qualidade de vida, em uma estreita ligação, com o conceito amplo de saúde, que muito tem sido discutido e construído e que engloba os diversos aspectos pertinentes para saúde como os sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais: a busca de uma relação harmoniosa que nos permita viver com qualidade, que depende de um
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melhor conhecimento e aceitação de nós mesmos, de relações mais solidárias, tolerantes com os outros, relações cidadãs com o Estado e relação de extremo respeito a natureza, em uma atitude de responsabilidade ecológica com a vida sobre a terra e com o uturo. Estas relações significam construir saúde em seu sentido mais amplo, radicalizar na luta contra as desigualdades e participar na construção de cidadania e da constituição de sujeitos. Sujeitos que amam, sorem, adoecem, buscam suas curas, necessitam de cuidados, lutam por seus direitos e desejos (Brasil, 2001, p. 12).
ambém condizente com a representação social de qualidade de vida elaborada pelos sujeitos dessa pesquisa, é a ideia deendida por Vido e Fernandes (2007) de que as condições de vida, trabalho e alimentação influenciam na saúde da população e de que, por isso, a saúde está mais relacionada à prevenção por meio de acesso a serviços, bens públicos e alimentação do que a números de centros de saúde e de leitos hospitalares. Na relação qualidade de vida e violência, destaca-se, principalmente, a cognição alta presente no núcleo central da representação de violência. Assim, a inerência que se az é que, ao se suprir as carências apresentadas na evocação ‘violência como alta de estrutura amiliar’, se poderia contribuir para uma melhor qualidade de vida o ato de ser ter amília. al interpretação é corroborada por Marinho (2003, citado por Dossi, Saliba, Garbin & Garbin, 2008) que afirma ser a violência doméstica mais incidente nos núcleos amiliares onde há uma desestruturação amiliar o que reflete direta ou indiretamente sobre os outros elementos apresentados no núcleo central, tais como, saúde, educação, viver-bem, trabalho.
Conclusões A representação social sobre qualidade de vida reorça a concepção cultural que se tem sobre a mesma ao incluir elementos sociais, econômicos, culturais e pessoais como constituintes do conceito de qualidade de vida. ais conceitos que compõem a representação são, portanto, influenciados por atores subjetivos e de contextos sociais de vida.
O estudo mostrou que as representações sociais de qualidade de vida relacionam-se à representação social sobre violência. al relação é percebida, principalmente, pela presença da cognição alta no núcleo central da representação de violência e pelas cognições do núcleo central de qualidade de vida (saúde, amília, educação, paz , viver bem e trabalho) que vêm suprir essas altas e carências de diversas ordens atuantes no processo de originar a violência e promover, assim, a qualidade de vida. Portanto, os termos evocados sobre qualidade de vida contradizem as altas que contribuem para a produção da violência. O estudo avoreceu subsídios para se pensar em ormas de enrentamento da violência contra a mulher em busca de uma melhoria na qualidade de vida uma vez que possibilitou uma aproximação do pensamento social de um grupo específico de mulheres por meio da representação social.
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REPRESENTAÇÕES SOBRE VIOLÊNCIA DE MULHERES DE UM MUNICÍPIO DE MINAS GERAIS Amanda Rodrigues Garcia Palhoni 1 , Karine Lecia de Araújo Costa2 , Lenice de Castro Mendes Villela 3 , Luciene Silva Campos4 , Maione Silva Louzada Paes5 , Pollyanna Ferraz Botelho6 , Cláudia Maria de Maos Penna 7
Introdução A violência é um enômeno que az parte da história da humanidade e se perpetua ao longo do tempo, sendo enunciada de várias maneiras a partir do espaço territorial, social e cultural das populações. Para Minayo (2005) a violência pode ser considerada como um acontecimento históricosocial, complexo e com múltiplos sentidos. ornou-se um problema de saúde pública, na medida em que amplia o impacto de seus eeitos nesse setor, compromete a saúde individual e coletiva, incluindo os cenários onde os atos de violência passam a ser o cotidiano dos profissionais. Além dos gastos, que não implicam em mortes, mas em custos com internações, com emergências, assistência, reabilitação e aqueles relacionados com perdas ísicas, psicológicas e econômicas da amília e dos indivíduos envolvidos. A criação e eetivação de estratégias de prevenção e combate à violência, a ormulação de políticas públicas para redução dos riscos e melhoria da qualidade de vida da população constituem um grande desafio para a sociedade brasileira e para os setores governamentais. Principalmente considerando que atualmente há certa banalização da violência da orma como vem sendo divulgada pelos veículos de comunicação e as discussões sobre segurança e sua disseminação é tema de campanhas políticas, sem, no entanto, transormar em propostas mais contundentes pelas instâncias públicas, apesar da relevância do tema. Nessa pesquisa, destaca-se especiicamente a violência contra as mulheres, considerada na atualidade como endêmica, que se expressa pela tendência crescente dos maus tratos soridos pelas mulheres, acrescidos pelos valores e crenças associados a esse evento. Os estudos de Palazzo et al. (2008) sobre a violência no mundo demonstram que 40% a 70% dos homicídios ocorridos no sexo
eminino são perpetrados por parceiros íntimos. No Brasil, no estado de São Paulo esta prevalência oi de 27% e em Pernambuco de 34%. No que se reere à violência ísica, destacam-se as mulheres na aixa etária de 20 a 29 anos, com prevalência superior (40,9%) em relação ao sexo masculino (21,1%). Segundo Domingues e Machado (2010) a violência pode ser classificada como ísica, psicológica e sexual. A violência ísica é aquela que utiliza da orça ísica para causar injúria, erida, dor ou incapacidade; a psicológica é caracterizada por diamação, injúria, calúnia, ameaça, constrangimento e humilhação que leva a mulher a ter uma baixa autoestima e dano emocional; já na violência sexual a vítima é obrigada a presenciar, manter ou participar de relação sexual ou atos libidinosos. Porém, além destes tipos de violência visíveis, ela também apresenta-se de orma dissimulada na aceitação passiva das imposições diárias às quais as mulheres estão expostas. Esta é apresentada por Bourdieu (1992) como “violência simbólica”, aquela advinda das relações sociais e culturais que não pressupõe uma coerção ísica, mas um certo consentimento por parte de quem a sore, o que pode subestimar uma das grandes causas da violência. Assim, diante das diversas acetas da violência, pretende-se neste estudo compreender a representação social de violência de mulheres do município de Rio Manso no estado de Minas Gerais.
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Enermeira, especialista em Enermagem Obstétrica pela UFMG e Gestão da Clínica pela ESP/MG, Mestranda em Enermagem pela UFMG e bolsista pela FAPEMIG. Bolsista de iniciação científica. Doutora.em Enermagem em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo / Ribeirão Preto. Docente da Escola de Enermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Enermeira, Mestranda em Enermagem pela UFMG e bolsista. Enermeira. Docente UNILESE – Campus Ipatinga. Bolsista de iniciação científica. Doutora em Filosofia da Enermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina. Docente da Escola de Enermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.
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Metodologia O presente estudo é parte de uma pesquisa realizada sobre violência e qualidade de vida na perspectiva de mulheres de zona urbana e rural, desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa sobre Cultura, Cotidiano, Educação e Saúde (NUPCCES) da Escola de Enermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os resultados apresentados reerem-se a um dos cenários estudados. Foi adotada a abordagem qualitativa undamentada na eoria das Representações Sociais de Moscovici (1978) e na eoria do Núcleo Central elaborada por Jean-Claude Abric (1998). Segundo Moscovici (2003, p. 46): as representações sociais devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos. Elas ocupam, com eeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que reproduzam o mundo de uma orma significativa.
Abric (1998) deende a ideia de que a representação social organiza-se em torno do seu núcleo central, sendo este ormado por elementos ligados à história e à memória do grupo social, que apresentam resistência às mudanças e conerem às representações identidade e estabilidade. Ao redor deste núcleo, o autor reere a existência de um sistema periérico, ormado por elementos que realizam a conexão do sistema central e a realidade cotidiana. São eles que dão mobilidade e flexibilidade às representações sociais, regulando e adaptando o núcleo central às necessidades dos indivíduos e grupos sociais. A coleta de dados oi realizada por meio de uma entrevista, através da técnica de associação livre de palavras com o estímulo indutor: violência. As participantes da pesquisa eram estimuladas a verbalizar cinco palavras ou expressões que viessem imediatamente à mente rente ao termo violência. Para a análise dos dados utilizou-se o sofware EVOC 2000 que os organiza segundo o quadro de quatro casas proposto por Pierre Vergès (2003). Os
sujeitos da pesquisa oram 102 mulheres residentes em zona rural do município de Rio Manso e com idade entre 20 e 50 anos, sendo que as participantes assinaram o ermo de Consentimento Livre e Esclarecido (CLE). A pesquisa oi realizada em consonância com os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto oi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujo número do protocolo é: EIC 0570.0.203.00009 e teve também a aprovação do preeito e do secretário de saúde do município.
Resultados Como norteador da discussão da representação social de violência oi utilizado o quadro de quatro casas proposto por Pierre Vergès (2003), considerado produto final das evocações livres. Segundo Oliveira et al. (2005) no quadrante superior esquerdo do quadro encontram-se os elementos de maior requência e ordem de evocação mais próxima de 1, ormando assim o provável núcleo central da representação. O quadrante inerior esquerdo é composto por elementos de baixa requência, porém importantes, constituindo a denominada zona de contraste. No quadrante inerior direito encontram-se elementos de baixa requência e ordem de evocação mais distante de 1, correspondendo aos elementos da segunda perieria A Figura 1 demonstra a representação sobre violência. Figura 1 – Estrutura da representação social de mulheres de um serviço de saúde de Rio Manso ao termo indutor “violência”. Palavra Evocada Agressão Falta Crime Maldade Não-aceita Abuso Doença Educação Pedofilia
Frequência 141 55 48 19 15 14 13 11 08
Palavra Evocada Sorimento Desrespeito
Frequência 30 27
Estupro Desumano Drogas Impunidade
24 24 22 22
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As cognições com características provavelmente centrais de acordo com o Quadro 1 oram: agressão, alta e crime. A agressão oi a mais prevalente, ou seja, a palavra mais evocada em toda a representação de violência. Percebe-se, ainda no núcleo central, a cognição crime que surgiu em terceiro lugar, com uma requência bem inerior à agressão. Porém o aparecimento desta cognição evidencia a interrelação violência-crime, assim, o crime aparece no sentido de dar mais visibilidade à violência social, pois é o ápice da agressão. No núcleo central surgiu também a cognição alta. Quando se compara a alta com a agressão e com o crime, pode-se observar que ela é abstrata e subjetiva, dierente da agressão e do crime que podem ser visíveis. Ao observar o significado de alta para as participantes, nota-se que se reerem principalmente à ausência de amor ao próximo, como percebe-se no relato de E4 “O que eu acho hoje é que as pessoas estão muito sem amor, é alta de amor, porque não tem amor ao próximo”. Observar-se que a alta de amor ao próximo viria como uma tentativa da entrevistada de justificar, ou de explicar a presença da violência na sociedade hoje. As entrevistadas também retrataram a alta associada à ausência de estrutura amiliar, ausência de inormação e de Deus. No quadrante superior direito, também conhecido como primeira perieria, oram identificados os elementos sorimento e desrespeito. O termo sorimento se relaciona a sentimentos negativos gerados pelo enômeno da violência, como dor, mágoa, decepção e tristeza. Então, o sorimento viria como uma consequência da violência, não apenas ísica, mas também a violência por gestos e por palavras como esclarece E20: “porque quando cê ala violência vem na sua cabeça dor, quem apanha sente dor, e às vezes nem é só violência de bater, às vezes a gente ala, né? pequenos gestos valem mais do que um tapa”.
O desrespeito é uma maniestação abstrata da violência reorçando a cognição alta do núcleo central. O desrespeito pode representar tanto um elemento causador da violência quanto um tipo propriamente de violência.
O sorimento advindo da violência é abstrato e não pode ser totalmente mensurado, porém suas implicações na saúde da pessoa são significativas. Ressalta-se que as cognições sorimento e desrespeito são caracterizadores da violência simbólica. A violência simbólica, de acordo com Bourdieu e Passeron (1975), é aquela que se baseia na abricação de crenças embutidas na sociedade, que induzem o indivíduo ase enxergar e a avaliar o mundo de acordo com critérios e padrões definidos por alguém. rata-se da construção de crenças coletivas que az parte de um discurso dominante, considerado natural para a sociedade, porém inaceitável para aquele que sore com a mesma. No quadrante inerior esquerdo encontram-se as cognições maldade, não aceita, abuso, doença, educação e pedoilia que integram a zona de contraste e que possuem uma evocação mais tardia, sendo elementos que exprimem o pensamento de cada sujeito em relação à violência. Não aceita pode significar algo novo na representação, pois não reorça nenhum elemento do núcleo central e representa um posicionamento diante da violência que pode sorer mudanças ao longo da história. As cognições maldade, doença e educação são elementos que de alguma maneira reorçam a cognição alta encontrada no núcleo central, pois as participantes ao se reerirem a estes elementos também tentam encontrar justificativas para os atos violentos praticados pelas pessoas, associando-os à maldade do ser humano que está relacionada à alta de Deus e, consequentemente, à alta de amor ao próximo; à alguma doença mental e à carência de educação escolar e amiliar. A relação doença mental e violência evidenciada no estudo reflete os estudos histórico-antropológicos de Monahan (1992), que apresenta a crença da associação entre as doenças mentais e violência sendo essa relação historicamente constante e culturalmente universal. Na cognição abuso as participantes expressaram as diversas ormas de abuso de autoridade, posição ou poder, como abuso de adultos sobre crianças, do patrão sobre a empregada e evidenciou principalmente a relação de dominação masculina dentro da relação conjugal que muitas vezes passa a ser uma orma de violência.
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A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (Brasil, 2003) descreve que a hegemonia masculina dentro das relações íntimo-aetivas é ruto de uma construção social, onde o homem é ensinado desde a inância que ele é quem tem a autonomia para exercer o poder e se necessário aplicar violência para demonstrar sua autoridade em distintas situações. O que ocasiona no homem sentimentos de poder e dominação sobre a mulher que mantêm ou manteve relacionamento aetivoamoroso. A pedofilia é considerada um tipo de agressão e consequentemente um crime, reorçando o núcleo central da representação. Na 2ª perieria encontram-se as cognições estupro, desumano, drogas e impunidade, enquanto dimensões presentes no cotidiano das pessoas e veiculadas diariamente pela mídia como algo desumano, covarde e, em muitos casos, ocorrem em consequência das drogas e são passíveis de punição. O estupro acarreta prejuízos à saúde da mulher, pode causar gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis e grande impacto sobre o estado psicológico da mesma. Estima-se que 12 milhões de pessoas a cada ano no mundo sorem violência sexual (Brasil, 2005). Já a cognição desumano, que significa a ausência de humanidade, é consubstanciada na palavra alta presente no núcleo central, reorçando as carências que podem influenciar comportamentos violentos. A cognição drogaspode expressar uma dimensão imagética, que az o uso de drogas como ator determinante para a agressão ou crime. É muito comum as pessoas associarem o uso de drogas com crimes bárbaros ou até mesmo pequenos roubos para manutenção do vício.endo em vista que a dependência química é um ator que contribui para a violência. Já a impunidade oi maniestada pelas participantes com um sentimento de injustiça, como o depoimento de E8 demonstra:“Impunidade. Geralmente não acontece nada com quem tá azendo, né? Só fica a desejar”. A impunidade é uma variável deste cenário de violência que tem orte relação com a cognição crime, uma vez que a mesma contribui para a reincidência dos crimes no Brasil.
Discussão Dessa orma, pode-se observar que as cognições agressão e crime, que são tipos de violência, ganharam grande importância na representação de violência por mulheres. O grande destaque à agressão deve estar relacionado ao ato de que para o senso comum, essa palavra é considerada como sinônimo de violência. Portanto, ao se trabalhar o termo violência, logo sobressaiu agressão. Para Abric (1998) o núcleo central está ligado à memória coletiva e de ato a agressão e o crime não são algo apenas do contexto atual, ou seja, acontecem desde o início da humanidade. Entretanto, torna-se importante também considerar esses elementos como parte do cotidiano das pessoas, seja vivenciado em situações ou acompanhado nos veículos de comunicação que demonstram esta realidade diariamente e, deste modo, invade o imaginário e a opinião publica brasileira. A violência visível, como o abuso, a pedofilia e o estupro também fizeram parte da representação de violência nesse estudo dando mais sentido aos tipos de violência que atingem diretamente o corpo da mulher, presentes no núcleo central. Entretanto, deve-se pensar que apesar de não di vulgado pela mídia, a violência sutil, ou violência simbólica como define Bourdieu (2009), que se apresenta de orma mascarada na nossa sociedade como modelos de masculinidade, também trazem repercussões para a saúde da mulher. A cognição alta, integrante do núcleo central, e o elemento que a reorça que é o desrespeito, presente na 1ª perieria, constituem prováveis explicações para a violência. Então, pôde-se perceber que em experiências de vida, essas mulheres buscaram dar um sentido para a violência e que oi demonstrado por determinadas carências por parte do agressor. Para Abric (1998, p. 28) a representação é: ...uma visão uncional do mundo, que por sua vez permite ao indivíduo ou ao grupo dar um sentido às suas condutas e compreender a realidade através de seu próprio sistema de reerências; permitindo assim ao indivíduo de se adaptar e de encontrar um lugar nessa realidade.
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Dessa orma, essa cognição se aproxima muito desse conceito de Abric no sentido de que é a partir do contexto de vida e de experiências que as mulheres buscam o significado e dão o significado a uma realidade complexa perpetuada pelo enômeno da violência. Segundo Fonseca, Galduróz, ondowski e Noto (2009) o uso do álcool para explicar a violência ainda é controverso devido ao ato de não existir consenso se essa associação é causal ou se o consumo do álcool é usado como desculpa pelo comportamento violento, entretanto, como resultado da sua pesquisa, oi alta a proporção de domicílios brasileiros com histórico de violência com agressores alcoolizados. Assim tais resultados corroboram com os desse estudo, no sentido de que mulheres associaram o uso de drogas à violência. A violência em suas diversas ormas de maniestação é geradora de sorimento e a localização desse sentimento negativo na perieria do quadro de quatro casas, vem de encontro ao que se espera encontrar nesse quadrante que, segundo Abric (1998), mostra elementos que integram experiências e histórias individuais, pois o sorimento é um sentimento que de quem já vivenciou o enômeno da violência, seja de orma direta ou indireta. Segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 2002) mulheres vítimas de violência procuram mais pelos serviços de saúde e, em geral, suas queixas são vagas e crônicas como palpitações, ansiedade, insônia e problemas gástricos. Então, essas queixas apesar de não virem acompanhadas de relato de violência, também azem parte do sorimento gerado pela violência.
Considerações nais Estudar as representações sociais de violência por mulheres nos permitiu entender que a violência ainda é causadora de grande impacto na vida das pessoas como evidenciada pela cognição sorimento também encontrada na pesquisa. Os atos violentos apresentados pela mídia continuamente influenciam sobremaneira o imaginário das pessoas e a opinião pública sobre a violência, representada enquanto o ato de agredir, visível. Entretanto, é necessário reconhecer que a violência
também é simbólica, percebida, relacionada com as marcas subjetivas, internas e não explicitadas. Assim, entendemos que as representações permitiram apreender o significado de violência pelas mulheres de maneira ampla levando em consideração seu contexto social, ideológico e histórico. Espera-se, que o estudo oereça subsídios para discussões de estratégias de enrentamento da violência e elaboração de programas e políticas públicas, considerando sua importância no cenário do setor saúde.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA INFLUENZA A PARA ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DO SUL DO PAÍS Annie Mehes Maldonado Brito1, Taana de Lucena Torres, Micheli Etelvina Sebbem Lima, Nicole C. Stutzer, Everley R. Goetz
Introdução A “gripe suína” teve sua caracterização rapidamente convertida de epidemia à pandemia devido ao número de países acometidos pela doença, tornando-se alvo de preocupação mundial no início do ano de dois mil e nove (Alvarez et al., 2009). Os resultados dos testes realizados pelo Ministério da Saúde apontam o vírus Influenza A (H1N1), de derivação suína, como o causador da doença, razão pela qual talvez tenha sido denominada popularmente como “gripe suína” (Machado, 2009). Segundo dados do Ministério da Saúde (2009), a “gripe suína” é uma doença respiratória causada pelo vírus influenza A (H1N1), transmitida de humanos para humanos. Pode ser contraída pela exposição a gotículas inectadas expelidas por tosse e espirros, também por contato com mãos e superícies contaminadas, embora não existe a possibilidade de contágio pela ingestão de carne de suínos, como o nome sugere. Os sintomas apresentados pelos indivíduos acometidos pela doença são diarreia, vômitos, ebre, tosse e dor de garganta, características comuns na gripe sazonal, e sendo, portanto, o provável moti vo de transormação da epidemia à pandemia tão velozmente verificada. A transmissão pode ocorrer um dia antes da maniestação dos sintomas, seguindo até cinco a sete dias depois, já que o período de incubação da doença é de dois a sete dias. Este quadro pode se agravar em crianças e pessoas com imunidade deficiente, podendo aumentar este prazo. (Machado, 2009). A prevenção para os pacientes se resume na utilização de máscara descartável, não compartilhamento de objetos pessoais, alimentos e louças, poupar olhos, nariz e boca de toque e lavar as mãos com água corrente e sabão, principalmente após tossir ou espirrar. O uso do álcool em gel é recomendável para todos os casos, pois há a com-
provação de que alguns vírus são eliminados pela solução, o que torna a medida aliada à prevenção (Machado, 2009). Neste sentido, o presente estudo utiliza o aporte teórico da eoria das Representações Sociais a partir da abordagem estrutural, desenvolvida por Abric em 1976, que postula as representações sociais (RS) sob o panorama estrutural (Campos, 2003; Sá, 1996). al abordagem tem sido utilizada para estudar a influência social e o processo de modificação das representações e já demonstrou seu valor heurístico e sua validade (Campos, 2003). O conjunto de ideias, crenças, atitudes e inormações que compõe as representações sociais de um objeto social, neste artigo representado pela “gripe suína”, se organizam em torno de uma estrutura e constituem um sistema sociocognitivo, ou seja, estes conteúdos se estruturam em elementos hierarquizados em um núcleo central e em torno deste se organizam os elementos periéricos. O núcleo central é constituído por cognições que singularizam e dão significados à representação, determinando sua organização interna, isto equivale afirmar que sistemas centrais dierentes constituem representações dierentes (Abric, 1998). Diante desta perspectiva teórico-metodológica, o presente estudo visa caracterizar as representações sociais da “gripe suína” para estudantes universitários considerando o impacto mundial produzido pela propagação da doença.
Método O presente estudo possui delineamento trans versal, exploratório e descritivo, do tipo levantamento de dados, com utilização de amostra aleatória e por conveniência. 1
Universida de para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí; Universidade Federal de Santa Catarina. PIBIC – UNIDAVI
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Instrumentos
Foi utilizado um questionário autoaplicado em situação coletiva, composto por sete questões que contemplaram: 1) Variáveis sociodemográicas (idade, sexo e renda amiliar), 2) Estrutura das representações sociais a partir de um teste de evocação livre com o termo indutor “Gripe Suína” e 3) Questões monotemáticas abertas sobre a “gripe suína”, na intenção de caracterizar o conteúdo das representações sociais sobre o enômeno estudado, tais questões oram: (a) O que é a “gripe suína” para você? e (b) O que você pensa a respeito da “gripe suína”? Parcipantes, local e critérios de inclusão
Participaram do estudo 226 estudantes universitários da universidade do Alto Vale do Itajaí, todos requentadores do período noturno. Os critérios de inclusão na amostra oram: (a) ser estudante uni versitário e (b) aceitar participar voluntariamente do estudo, assinando o ermo de Consentimento Livre e Esclarecido (CLE). Procedimento de análise de dados
Para as questões que compõe os dados sociodemográficos oi utilizada a análise estatística descritiva, através do Programa SPSS 17.0 (Statistical Package or the Social Sciences). A análise dos dados obtidos a fim de caracterizar a estrutura das representações sociais sobre a “gripe suína” oi lexicográfica e realizada por meio do programa inormático Evocation 2000, técnica desenvolvida por Vergès (Scano, Junique & Vergès, 2002). Nesta análise oram consideradas a requência e a ordem média de evocação das palavras. (Sá, 1996). al análise possibilitou a identificação da
estrutura da representação social, através de seus elementos centrais e periéricos. Por fim, as análises dos materiais textuais ad vindos das duas questões abertas oram realizadas com auxílio do sofware ALCESE ( Analise Lexicale par Contextes de Segments de extes), o qual realiza uma classificação hierárquica descendente. O corpus de análise oi ormado por UCIs (Unidades de Contexto Inicial) – que correspondem as respostas dos participantes. As linhas de comando, que precederam e codificaram cada UCI, oram compostas pelas seguintes variáveis: sexo, idade, renda e situação conjugal. O vocabulário mais significativo de cada classe oi selecionado com base em dois critérios: (1) requência, superior à média de ocorrências no corpus específico, e (2) associação à classe, determinada pelo valor do qui-quadrado.
Resultados Caracterização dos parcipantes
A amostra de participantes oi composta por aproximadamente 70% do sexo eminino. A média de idade oi de 23 anos e 5 meses (DP= 7 anos e 7 meses). Quanto à situação socioeconômica, 35% apresentaram renda entre 4 e 8 salários mínimos, e 18% acima deste valor. Os demais possuíam renda inerior a 4 salários mínimos. Representação Social da “gripe suína”
A partir da questão do instrumento, “O que é a gripe suína para você?” obteve-se 225 respostas, das quais, 93% oram incluídas em alguma classe. O corpus oi ormado por 4844 ocorrências de palavras, das quais oram identificadas 1005 ormas distintas, apresentadas na Figura 1.
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Figura 1 – Dendograma do corpus significado da “gripe suína”.
Os resultados da análise hierárquica descendente estão dispostos na Figura 1, que mostra a divisão de classes e a relação entre elas. Houve 3 divisões de classes. Na primeira a classe 1 se opôs as demais. Após esta partição, a classe 2 se opôs as classes 3 e 4. E por último, a classe 3 se opôs a classe 4. Estas partições indicam os distanciamentos ou proximidades que as classes estabelecem entre si, sendo que quanto mais distantes, maior dierença há em seu conteúdo semântico e vice-versa. Abaixo o conteúdo de cada classe, descrito a partir da ordem de classificação. Classe 1. Doença perigosa
A classe 1 correspondeu a 53 unidades de contexto elementar (UCE), 23% do corpus. Esta classe se opõe às demais e retrata o medo reerente aos perigos da doença, principalmente em relação às pessoas com imunidade baixa, chegando a causar óbitos e o alastramento rápido da epidemia. Nesta classe há um questionamento sobre a origem da doença. O seguinte excerto é ilustrativo desta classe:
“é uma doença de grande popularidade e perigosa, uma doença que já atinge vários países e que cada vez mais pode se espalhar, aetar a si e aos próximos (sexo eminino)”. Classe 2. Vírus contagioso
A classe 2 correspondeu a 43 UCE’s, 19% do corpus. Para os respondentes a “gripe suína” é originária de um vírus que contamina pessoas, uma variação da gripe comum, chamado H1N1, contagiosa principalmente através do contato com pessoas inectadas, ou acúmulo do vírus em lugares echados. “É um vírus contagioso, mas há tratamento e há possibilidade de evitar. O contágio acontece quando uma pessoa que já está contaminada entra em contato com outras pessoas (sexo eminino)”. Outro ponto marcante na definição da doença para este grupo é a relação com os sintomas que esta apresenta: “contaminação, vírus que causa ebre alta, dor de cabeça intensa e no corpo, cansaço, que se dá através do contato com outras pessoas (sexo eminino)”.
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Classe 3. Cuidados necessários
A classe 3 correspondeu a 50 UCE’s perazendo 22% do corpus. Demonstra a ideia de uma doença contagiosa, que necessita de cuidados e tratamento para prevenir a morte. O seguinte excerto de texto demonstra o significado contido nesta classe: “é uma doença contagiosa que pode matar, se tratada a tempo tem cura (sexo eminino)”. Classe 4. Semelhança com a gripe
A classe 4 correspondeu a 83 UCE’s, a maior do corpus, com 36%. Pessoas acima de 27 anos se associaram significativamente a esta classe. Importante salientar que os participantes nesta aixa etária oram minoria, o que pode ser constatado por meio da média de idade apresentada. Nesta classe os respondentes identificaram a doença como semelhante à gripe comum, sendo dierenciada pela gravidade dos sintomas: “um vírus com sintomas
semelhantes a uma gripe normal, porém com eeitos mais ortes e graves [...]. (sexo eminino)”; “É um tipo de gripe que tem uma orça desconhecida, os sintomas são semelhantes aos da gripe comum, porém mais intensos e com ortes dores de cabeça (sexo eminino)”. A questão “O que você pensa a respeito da gripe suína?” obteve 225 respostas, das quais, 75% oram incluídas em alguma classe. O Corpus oi ormado por 4510 ocorrências de palavras, das quais oram identificadas 1119 ormas distintas. Os resultados da análise hierárquica descendente estão descritos na Figura 2, que mostra a divisão de classes e a relação entre elas. As respostas oram inicialmente divididas em 2 subcorpus: 1 e 3 opondo-se às classes 2 e 4. Após esta partição, ocorreram duas novas subpartições, opondo a classe 1 à classe 3, e por último a classe 2 à classe 4.
Figura 2 - Dendograma do corpus pensamentos a respeito da “gripe suína”.
Classe 1. Necessidade de controle da doença A classe 1 correspondeu a 41 UCE´s, 22% do corpus. Sua ideia centra-se nos casos conhecidos da doença e nos cuidados a serem tomados para que
haja o devido controle. Esta classe esta associada, principalmente, com pessoas que possuem renda amiliar baixa, de até 2 salários mínimos. O seguinte excerto é ilustrativo da classe: “é uma doença que
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necessita de cuidados como qualquer outra e que na maioria dos casos que escutei que houve morte, as pessoas tinham outros problemas junto (sexo eminino)”. Outros já mostraram consciência da necessidade de cuidado e de terem atenção: “na nossa região não existem tantos casos, o que az com que isso não seja algo para se descuidar, mas sim, algo para ficarmos atentos, mas não tão ameaçados (sexo masculino)”. Classe 3. Necessidade de informação
A classe 3 que correspondeu a 47 UCE´s e 26% do corpus, se contrapõe a classe 1. Nesse contexto são expressos pensamentos de preocupação, principalmente em relação à mídia devido à alta de inormação objetiva e que alcance toda a população: “preocupação, relacionada ao desconhecimento da mesma, tratamentos, prevenção e alerta. O vírus circula livremente, muito se tem a azer, mas pouco se az a respeito (sexo eminino)”. Há também um sentimento geral de descontentamento em relação à negligência no atendimento as pessoas aetadas: “por alta de tratamento adequado e até mesmo alta de conhecimento por parte da população, aeta no tratamento e prevenção adequada (sexo eminino)”. Outro pensamento aparente nesta classe se reere à incoerência da mídia em criar sensacionalismo sobre a doença, negligenciando a necessidade de prevenção a tantas outras doenças: “sinto que existe uma preocupação exagerada da mídia e das pessoas em cima dessa gripe sendo que os dados das outras gripes não são inormados para a população, então a preocupação fica somente nesse vírus (sexo eminino)”.
Classe 2. Cuidados com contágio
A classe 2, que correspondeu a 45 UCE’s, 24% do corpus, está associada à idade acima de 27 anos. O grupo evidenciou saber a respeito dos cuidados necessários para que não haja contágio. Contrapondo-se ao medo explicitados na classe 4. Sentimentos de prontidão oram denunciados a partir de estar atento aos sintomas característicos, evitar lugares echados com muitas pessoas, evitar contato direto, e lavar sempre as mãos oram alguns dos cuidados necessários mais citados. O trecho que segue é ilustrativo desta classe: “deve-se tomar o máximo de cuidado possível para evitar o contágio, lavar as mãos constantemente [...] (sexo eminino)”. Classe 4. Medo de contaminação
A classe 4 oi a maior dentre as demais, com 50 UCE´s, num total de 28% do corpus. O pensamento em relação à doença é principalmente o medo de contraí-la, visto o poder epidêmico da doença que se alastrou pelo mundo, culminando numa pandemia. Este sentimento se agrava pela possibilidade de morte como consequência da doença. O seguinte excerto ilustra a classe: “sinto medo, muito medo em pegar a gripe ou amiliares e amigos peguem, estou muito preocupada com sua rápida orma de se propagar, na verdade não sei mais o que dizer, só que tenho muito medo (sexo eminino)”. Estruturação da representação social da “gripe suína”
A questão “Quais as cinco primeiras palavras que lhe vem à cabeça quando você lê o termo ‘gripe suína’?”, oi elaborada para investigar a constituição da estrutura da representação social deste objeto.
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abela 1 – Diagrama de quadrantes segundo requência e ordem média de evocação OME < 3 OME >=3 Elemento F OME Elemento Morte 93 2,82 Prevenção Doença 73 2,07 Contágio Febre 64 2,34 osse f>=25 Medo 46 2,93 Cuidado Epidemia 42 2,90 Higiene Virus 29 2,79 Preocupação 24 2,41 Hospital Porco 23 2,13 Risco Gripe 22 2,54 Dor Dor de Cabeça 20 2,70 Mídia Pandemia 19 2,58 Medicamento Febre Alta 14 1,78 Sintomas Falta Inormação 11 2,45 Isolamento Mal Estar 10 2,80 Saúde Alcool Gel 8 2,50 Dor no Corpo Dor de Garganta 6 2,83 Máscara Exagero 5 1,60 Imunidade F<25 Pânico 5 2,40 Dor Muscular Inormação Espirro Dúvida Alerta Cansaço ratamento risteza Coriza Ambiente Fechado Calarios Obteve-se 1110 evocações, sendo 199 palavras dierentes e requência média de aproximadamente 3 evocações por categoria semântica. O quadrante superior esquerdo da tabela apresenta os elementos da representação reconhecidos como centrais, suas requência s são maiores e oram mais prontamente evocados. O quadrante superior direito indica a perieria próxima aos elementos centrais com requência s altas, porém menos prontamente evocados. Já o quadrante inerior esquerdo contém elementos pouco evocados, mas mencionados com prontidão e se reerem a uma segunda perieria próxima. Este, juntamente com o superior direito, serve de suporte para o núcleo central da representação. São, portanto, cognições relacionadas. Por fim, o quadrante inerior direito é composto pelos elementos de menor requência
F 40 38 32 30 26
OME 3,70 3,42 3,31 3,40 3,04
23 20 17 16 13 12 11 11 10 9 8 7 7 6 6 6 6 6 6 5 5 5
3,09 3,10 3,42 3,87 3,77 3,42 3,45 3,82 3,20 3,11 3,37 3,00 3,29 3,00 3,50 4,00 3,50 3,67 3,67 3,20 3,80 3,80
e que oram menos prontamente evocados, denominada perieria longínqua. De acordo com a abela 1, o quadrante superior esquerdo é composto pelos elementos “morte, doença, ebre, medo, epidemia e vírus”, que correspondem aos possíveis elementos centrais da representação. Entre estes, os elementos “morte, doença e ebre” se destacaram com requência de evocação significativamente maior que os demais. Ao mesmo tempo em que o elemento “morte” possui maior requência (93), o elemento “doença” oi mais prontamente evocado (2,07) que o primeiro (2,82). A partir dos elementos apresentados acima, que compõem o primeiro quadrante, verifica-se o medo em torno desta doença que pode ocasionar a morte. Para os participantes, a “gripe suína” esta diretamente definida como um vírus, uma doença
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grave que gerou uma epidemia, tendo como sintoma primeiro, ou mais evidente, a ebre. O segundo quadrante (superior direito) indica os elementos periéricos com alto grau de ativação: “prevenção, contágio, tosse, cuidado e higiene”, constituindo a perieria próxima. Estes ancoram e auxiliam na significação dos possíveis elementos centrais demonstrando que é uma doença contagiosa, que requer cuidados preventivos relacionados à higiene, já aludindo à gravidade da doença. O quadrante inerior esquerdo é composto por elementos pouco evocados. Os elementos com maior requência deste quadrante são: “preocupação, porco, gripe, dor de cabeça e pandemia”. Estes elementos adicionam detalhes aos elementos reeridos anteriormente, destacando-se a orma como a doença se maniesta a partir de seus sintomas. ambém apresentando a preocupação e o pânico como sentimentos adicionais ao medo, reerido no primeiro quadrante. No quadrante inerior direito, a perieria mais distante do núcleo central da representação, constam os seguintes elementos enunciados com maior requência: “hospital, risco, dor e mídia”. Estes elementos constituem as particularidades de contextos condicionais dos participantes respondentes, demonstrando que a mídia tem um papel ativo no processo da inormação, que há necessidade de isolamento de quem contrai a doença, e que se az necessárias a hospitalização e medicação dos doentes. Foi possível verificar vários aspectos dierentes reerentes à representação social da “gripe suína”: 1) Definição geral da doença como um vírus contagioso e perigoso. 2) Sentimentos gerados por ela, como o medo e a preocupação. 3) Sintomas diversos característicos como ebre, dores de cabeça e no corpo, tosse. 4) Consequências causadas pela doença, de um lado a morte como resultado individual possível dos inectados, e a epidemia ou até pandemia devido ao contágio ácil e rápido. 5) Prevenção como necessidade primeira diante desta, destacando higiene, o contato em ambientes echados, álcool gel e isolamento. 6) ratamento, a busca de um hospital assim
que detectados sintomas, a necessidade de um medicamento específico para esta. 7) Inormação, que contribui de orma geral, na eficácia dos outros aspectos já citados, destacando a necessidade de alerta, a veemência de se ter inormação e o papel da mídia.
Discussão Reerente aos significados da “gripe suína”, o conhecimento compartilhado sobre a doença oi o perigo eminente, que pode ser expresso tanto pelos sintomas quanto pelo receio de ocasionar mortes. Estes aspectos são reiterados por Machado (2009) ao apontar que o contágio desta doença se relaciona com pessoas que possuem imunidade deficiente, como crianças e idosos. Já reerente aos pensamentos sobre a doença os significados oram expressos pelo medo, preocupação e descontentamento nas medidas preventivas adotadas. A partir de Alvarez et al. (2009) este receio e sentimentos negativos reerentes a esta doença se justificam já que a mesma se diundiu rapidamente, alarmando a população. Além disso, é transmitida também rapidamente podendo assinalar um quadro grave (Ribeiro, Brasileiro, Soleiman, Silva & Kavaguti, 2010). A questão responsável por apontar os elementos centrais e periéricos da RS oram coerentes e homogêneos em relação às outras duas questões já abordadas, com elementos demonstrando a preocupação com o alastramento da doença e a seriedade da mesma, o receio do contágio e a possibilidade de morte. Os sentimentos de medo e preocupação são compreensíveis ao se tratar de uma doença contagiosa que pode levar a morte, como aponta Machado (2009). Estes sentimentos não ocasionando somente pânico podem auxiliar a população a se dedicar a uma mudança de hábitos de higiene a fins de prevenção. Outro aspecto importante a ser levado em conta é a relevância da inormação. A inormação elaborada e bem distribuída contribui ortemente na eficácia da prevenção, tratamentos, e consequentemente da tranquilização da população, que passará a se sentir mais segura. Para Martinez (2009) os meios de comunicação em massa, incluindo a internet, são instrumentos undamentais para prevenção de epidemia de Influenza A (H1N1).
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As medidas tomadas pelo governo e por setores da saúde oram semelhantes às tomadas em meados da década de 20, quando eclodiu a pandemia da gripe espanhola, quando se veiculou inormações preventivas por todos os meios de comunicação possíveis no intuito de impedir a propagação do vírus. Há, no entanto, algumas importantes dierenças entre as duas epidemias, sobretudo nos seus resultados epidêmicos e no número de mortes reduzidas, seja devido ao desenvolvimento da medicina, seja também pelo próprio meio de transporte mais utilizado para viagens globais, que naquela ocasião era o navio, que contribuía para a disseminação da doença (Bertucci, 2009). Contudo, a despeito das dierenças, em ace deste acontecimento histórico e a similaridade da doença, as preocupações e o medo são justificáveis.
Considerações nais Na presente pesquisa constatou-se que a representação da gripe suína envolve diretamente aspectos relativos aos seus sintomas, ormas de contágio e principalmente relativos à prevenção. Outro aspecto importante é a inormação, a qual se az necessária para praticar comportamentos preventivos reerentes à doença. A estruturação desses aspectos da representação social corrobora a literatura identificando os aspectos preventivos como necessários a serem incorporados na rotina da população, a partir das seguintes práticas: utilização de máscaras em locais onde há suspeita de inectados, arejar requentemente locais echados, não compartilhar objetos pessoais, alimentos e louças, poupar olhos, nariz e boca de toque, lavar as mãos com água corrente e sabão, principalmente após tossir ou espirrar. O uso de álcool gel também é recomendado (Machado, 2009). A importância da inormação em seus vários âmbitos, diundida pelos meios de comunicação, são reconhecidos por Martinez (2009) como undamentais para a prevenção da epidemia de Influenza A (H1N1), auxiliando a população geral não apenas no conhecimento da doença em si, mas também no aprendizado de meios práticos para a prevenção e o tratamento da doença. Essas inormações contribuem para a conscientização da população de que,
quanto mais a população prevenir, menor será a possibilidade de contágio. Analisando os resultados gerais dessa pesquisa, conclui-se que a representação social estrutura-se de orma coerente e coincide com a literatura apresentada, confirmando, desde a definição da doença até a prevenção, a importância dos cuidados de higiene e a necessidade de inormação adequada para a população. Estes resultados obtidos podem ser considerados positivos, já que se pode considerar uma partilha de conhecimento adequada reerente ao objeto em questão.
Referências Abric, J. C. (1998). A abordagem estrutural das representações sociais. In A. S. P. Moreira & D. C. Oliveira (orgs.), Estudos interdisciplinares de representação social (pp. 27-38). Goiânia: AB. Alvarez, A., Carbonetti, A., Carrillo, A. M., Bertolli Filho, C., Souza, C.M.C., Bertucci, L.M. et al. (2009). A gripe de longe e de perto: comparações entre as pandemias de 1918 e 2009. História, Ciências, Saúde, 16 (4), 1065-1113. Bertucci, L. M. (2009) Gripe A, uma nova “espanhola’?. Revista da Associação Médica Brasileira, 55(3). Campos, P. H. F. (2003). O estudo das relações entre práticas sociais e representações. Estudos Goiânia, 30(1), 51-59 Machado, A. A. (2009). Inecção pelo vírus Influenza A (H1N1) de origem suína: como reconhecer, diagnosticar e prevenir. Jornal Brasileiro de Pneumolo gia, 35(5), 464-469. Martinez, J. A. B. (2009). Influenza e Publicações científicas. Jornal Brasileiro de Pneumologia, 35(5). Ministério da Saúde. (2009). Para entender a influenza A (H1N1): Perguntas e respostas. Portal da saúde. Brasília, DF: Autor. Recuperado em 06 de junho de 2011, de http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/deault.cm?pg=dspDetalheNoticia&id_ area=124&co_noticia=10161. Ribeiro, S. A., Brasileiro, G. S., Soleiman, L. N. C., Silva, C. C., & Kavaguti, C. S. (2010). Síndrome respiratória aguda grave causada por influenza A (subtipo H1N1). Jornal Brasileiro de Pneumologia, 36 (3), 386-389. Sá, C. P. (1996). Núcleo central das representações sociais. Petrópolis: Vozes. Scano, S., Junique, C., & Vergès, P. (2002). Ensemble de programmes permettant l’analyse des èvocation, EVOC2000. Aix em Provence: Manuel d’utilsateur.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE DISCENTES DO CURSO DE PEDAGOGIA SOBRE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM Adriana Tomaz1 Rita de Cássia Pereira Lima1
Introdução Discussões sobre avaliar a aprendizagem de alunos têm sido requentes desde algumas décadas, tanto no Brasil quanto em outros países, por exemplo, Estados Unidos e países da Europa, revelando alta de consenso para definir o tema. A avaliação pode ser vista como uma permanente relexão sobre as atividades humanas e, por conseguinte, constitui-se um processo intencional e interdisciplinar. Avaliar pode ser pensado como sinônimo de reflexão, expressando uma postura política (Gadotti, 1987). Para Haidt (1995), a “avaliação é um processo de coleta de dados, tendo em vista verificar se os objetivos propostos oram alcançados” (p.288). No Brasil, as discussões sobre avaliação aplicada à educação surgiram principalmente com yler (1949), considerado o pai da avaliação educacional. al autor, bem como Noizet (1985) e Caverni (1985), encaram a avaliação como a comparação constante entre os resultados, ou desempenho, e ob jetivos previamente definidos. A avaliação é, assim, o processo de determinação da extensão com que os objetivos educacionais se realizam. Daí resulta o conronto entre os que, no desejo de objetivar, deendem os métodos quantitativos e os outros que, preerindo olhar o indivíduo na situação e descrevê-lo a partir dos dados colhidos na obser vação direta, optam pelos métodos qualitativos. Na década de 60, Scriven (1967) apresenta a distinção entre avaliação somativa e avaliação ormativa. Esta primeira propõe que o trabalho pedagógico seja direcionado pela produção dos alunos, visando atingir os objetivos traçados inicialmente. Nesta perspectiva, compete ao proessor recolher inormações sobre a aprendizagem de seus alunos e emitir juízo de valor sobre avanços e dificuldades relativas à aprendizagem a fim de planejar novas estratégias. A segunda, avaliação ormativa, seria uma avaliação continuada do
processo de aquisição de conhecimento que acontece no dia-a-dia, envolvendo a interação constante entre proessor e aluno, para que o desempenho escolar seja orientado no sentido da realização de objetivos claros e sequenciados (Vianna, 2002). Guba e Lincoln (1989) destacam quatro gerações de avaliação. A primeira aparece associada à medida dos resultados escolares entendida, no sentido mais amplo, como coleta de inormação para analisar o estado atual do objeto ou situação que se pretende avaliar. Esta ase da avaliação como medida está intimamente ligada à ase de desenvol vimento da própria medida científica. Contudo, de acordo com Hadji (1994) a estreita relação entre avaliação e medida “apresenta o inconveniente maior de azer sair do campo da avaliação tudo o que não é diretamente mensurável” (p.36). A segunda geração, em voga até finais dos anos 50, tentou definir até que ponto que os objetivos da educação poderiam ser alcançados pelo programa de estudos e deste modo tentava verificar congruência entre o desempenho dos envolvidos e os objetivos de um programa (Guba e Lincoln, 1989). Nesta perspectiva, Stufflebeam (1985) menciona que é preciso, primeiro, identificar as necessidades educacionais e só depois elaborar programas de avaliação centrados no processo educativo para que seja possível apereiçoar este processo. A terceira geração inclui a noção de julgamento no ato de avaliar. É um juízo profissional da responsabilidade de um especialista: “há os que avaliam porque têm esse estatuto e esse papel e os que são avaliados pela mesma ordem de razões” (Pinto, 1992, p.5). Assim, os avaliadores produzem juízos, porém não ornecem simultaneamente com a avaliação os critérios em que esta se baseou, não
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Universidade Estácio de Sá – RJ
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permitindo apreciar a pertinência e a validade com que os utilizaram. A quarta geração, de acordo com Simões (2000), se enquadra em uma concepção construtivista que considera a avaliação como “uma construção da realidade, uma atribuição de sentido a situações, sendo influenciada por elementos contextuais diversos e pelos valores dos vários intervenientes no processo” (p.9). Entende-se, hoje, que a avaliação é uma atividade subjetiva, envolvendo envolven do mais do que medir a atribuição de um valor segund segundoo critér critérios ios que envolvem divers diversos os problemas técnicos e éticos. No âmbito escolar a avaliação é uma prática undamental, porém muito ainda há que se discutir sobre qual seria a melhor orma de avaliação da aprendizagem. De acordo com Villas Boas (2004), uma das unções da avaliação é promover promover a aprendizagem dos alunos, devendo ser praticada de maneira interativa pela comunidade escolar. Segundo essa autora, avaliação escolar é o processo pelo qual se analisa o trabalho pedagógico desenvolvido por toda a escola, a atuação de todos os que estão nele envolvidos e as aprendizagens de alunos e educadores. Do ponto de vista da legislação brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, cujo artigo 24 V determina que a verificação do rendimento escolar observe os seguintes critérios: a) Avaliação contínua contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais; b) Possibilidades de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar; obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preerência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos. Embora a legislação tenha trazido avanços, as discussõess sobre avaliação escolar no país parecem discussõe enatizar ora or a a “medida”, “medida”, ora uma abordagem mais qualitativa que envolve o acompanhamento do
aluno em sua aprendizagem. Um debate constante entre diversos autores que abordam o tema – Cool, C ool, (1999), Gaddoti (1997), Guba e Lincoln (1981), Hadji (1994), Hoffman (1997), Luckesi (1995), yler (1976) – reere-se reere-s e à dicotomia entre processo de aprendizagem e avaliação da aprendizagem. Pode-se dizer que, em grande parte das escolas brasileiras, a avaliação ocupa um lugar central na organização do trabalho escolar escolar,, contribuindo para a legitimação do insucesso dos alunos na escola. Pensar nessas questões no âmbito da ormação de proessores é relevante, especialmente a do pedagogo.. As novas Diretrizes Curriculares (DC) pedagogo para o curso de Pedagogia (2005) também azem menção ao tema ao proporem: [...] ormação inicial para o exercício da docência na educação inantil e nos anos iniciais do ensino undamental; aos cursos de ensino médio de modalidade normal e em cursos de educação profissional; na área de serviços de apoio escolar; em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. A ormação assim definida abrangerá integradamente integradamente a docência, a participação da gestão e a avaliação de sistemas e instituições de ensino em geral, a elaboração, e a execução, o acompanhamento de programas e as atividades educativas [...] (Brasil, 2005, p.6).
Na maioria dos currículos deste curso está pre visto o ensino da avaliação, em geral enatizando atender as demandas atuais da escola. Percebemos, neste contexto, contexto, uma maior aceitação da avaliação da aprendizagem na perspectiva dialógica e mediadora (Hoffman, 1997; Luckesi, 1995), direcionada para o processo de ensino e aprendizagem. Supomos que esta tendência pode acentuar controvérsias em torno da ormação oerecida pelo curso de Pedagogia, o que merece mais pesquisas sobre o tema. Neste contexto, acreditamos que estudos sobre representações sociais relacionados ao tema podem contribuir para a área, intenção de nossa dissertação de Mestrado (omaz, 2010) ao se undamentar na eoria das Representações Sociais (RS) proposta por Moscovici (1961). De acordo com este autor, “a representação social pode ser
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compreendida como uma modalidade de conhecimento particular que tem por unção a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (Moscovici, 1978, p. 26). E segundo Jodelet (2001, p.22), discípula e colaboradora deste autor:
sociais e integrando – ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação – a consideração das relações sociais que aetam as represen representações tações e à realidade material, social e ideativa sobre a qual elas têm de intervir (p. 26).
A representação social é uma orma de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, com um objetivo prático, e que contribui para construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como o saber do senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta orma de conhecimento é dierenciada entre outras do conhecimento científico. Entretanto é tida como um objeto de estudo tão legítimo leg ítimo quanto este devido a sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais.
Complementando esta ideia, Mosco Complementando Moscovici vici (2005) airma que não há representações sociais sem linguagem, do mesmo modo que sem elas não há sociedade. Para o autor, o lugar do linguístico na análise das representações sociais não pode ser evitado, pois “as palavras não são a tradução direta das ideias, do mesmo modo que os discursos não são nunca as reflexões imediatas das posições sociais” (p.219). Ainda de acordo com o mesmo autor,somos nós que criamos, construímos e damos significados às represen representações, tações, pois
Moscovici (1978), ao propor a RS, enatizou as dierenças entre os modelos cientíicos e os não-científicos e como pode haver deslocamento de sentido de um modelo ao outro. Para o autor, é nesse deslocamento que as representações sociais aparecem como “saber ingênuo ingê nuo”” ou “saber do senso comum”, em oposição ao saber produzido pela ciência, porém tão relevantes para a realidade social quanto esse último. Este saber organizado, por ser dinâmico e estar sempre em construção, orienta os indivíduos em suas relações ao mesmo tempo em que filtra no vidades, inormação e experiências que chegam, reconstituindo-as enquanto um saber próprio do indivíduo em suas pertenças e reerenciais. (Madeira, 2001). Uma das características da teoria moscoviciana é que as representações sociais têm potencial transormador, na medida em que o sujeito, ao representarr um objeto, pode construir e reconstruir representa a realidade em que vive, assim como se constituir nela. Elas são construídas em um espaço de intersubjetividades em que é possível apreender conrontos e convergências de ideias, noções, crenças, imagens. De acordo com Jodelet (2001), As representações sociais devem ser estudadas articulando-se elementos aetivos, mentais e
Representar alguma coisa (...) não é (...) simplesRepresentar mente duplicá-la, repeti-la ou reproduzi-la, é reconstruí-la, recortá-la, modificar-lhe o texto (...) [As representações] representações] são obra nossa, tiveram um começo e terão um fim, sua existência no exterior leva a marca de uma passagem pelo psiquismo pessoal e pelo social. (Moscovici, 1978, p.56).
Moscovici (1978) afirma que a representação tem duas aces, a figurativa e simbólica, explicitando que a toda figura corresponde um sentido e a todo sentido corresponde uma figura. Nesta colocação o autor começa a anunciar a existência dos processos ormadores das representações sociais, a objetivação e a ancoragem, posteriormente posteriormente reafirmados e mais detalhados por Jodelet (1984). ais processos permitem conhecer como as representações são construídas pelos sujeitos e grupos, mostrando indícios de como as pessoas pensam de uma maneira e não de outra, principalmente em unção de seu cont contexto exto sócio-cultural. O processo de objetivação transorma elementos conceituais em figuras ou imagens (Moscovici, 1978), ou seja, visa “transormar algo abstrato em algo quase concreto, concreto, transerir o que está na mente em algo que exista no mundo ísico” (Moscovici, (Moscovici, 2003, p. 61). A ancoragem, que se articula à objetivação, diz respeito à inserção do objeto representado no universo simbólico e significante das pessoas.
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rata-se de uma modalidade de pensamento caracterizada pela memória. A predominância de posições estabelecidas opera mecanismos gerais como classiicação, categorização, rotulação, denominação e procedimentos de explicação que obedecem a uma lógica específica (Jodelet, 1996). As representações sociais, portanto, são expressões de comportamentos de indivíduos no contexto cont exto social do qual azem parte, sendo que estes comportamentos as instituem e são instituídos por elas. Assim entendemos, como Madeira (2001, p. 126), que na relação rela ção com o outro o sujeito constrói o seu sentido com o objeto, da mesma orma que é construído por ele. A mesma autora ainda diz que “a aplicação das representações sociais no campo da educação permite tomar objetos de pesquisa no dinamismo que os constitui e lhes dá orma orma””. Estes objetos são constituídos de dierentes sentidos, mas não isolados e sim ligados integrando o objetivo e o subjetivo. É importante também ressaltar que esta teoria vem sendo cada vez mais utilizada no campo da Educação. Como afirma Madeira (2001, p.123): A consideração das representações sociais vem se revelando – e as publicações e pesquisas recentes o demostram, como um caminho promissor para análise de questões educacionais, já tão debatidas às vezes e, no entanto com respostas às vezes insuicientes ou insatisatórias. Isto porque o estudo da representação social permite ao pesquisador aproximar-se do objeto-definido, considerando-o no próprio dinamismo que o gera, articulando dimensões e níveis tradicionalmente tomados de orma isolada ou dicotômica. (Madeira, 2001, p.123)
É com este reerencial teórico-metodológico que pretendemos investigar as representações sociais de discentes de Pedagogia sobre avaliação da aprendizagem dos alunos. Acreditamos que tais representações poderão undamentar reflexões sobre a prática da avaliação na ormação e sobre a responsabilidade do ato de avaliar desses uturos profissionais.
Objevo Investigar as representações sociais de discentes do último período do curso de Pedagogia sobre avaliação da aprendizagem de alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Fundamental.
Método O estudo, de natureza qualitativa, oi realizado na cidade do Rio de Janeiro em uma universidade privada. Dois grupos do último período do curso de Pedagogia participaram: um com alunos já atuantes em sala de aula e outro com ormandos não atuantes. Partimos do princípio que eles estão terminando a graduação e deveriam se sentir preparados para executar, como docentes, a avaliação da aprendizagem escolar de seus alunos e/ou uturos alunos. Optamos pela utilização da técnica de Grupo Focal (Gatti, 2005) pelo ato da mesma avorecer a expressão de um grupo de pessoas p essoas que compartilha ideias sobre um determinado tema, ou objeto de representação, desta orma indo ao encontro da eoria das Representações Sociais. rata-se, portanto, portanto, de técnica adequada porque possibilita a obtenção de dados qualitativos sobre opiniões, atitudes e valores relacionados a uma temática específica. Foram convidados a participar da pesquisa 16 alunos de uma classe, porém p orém somente somente 11 aceitaram. Foram assim ormados dois Grupos Focais: um com seis alunas já atuantes em sala de aula (GF1), com ormação de curso Normal equivalente ao Ensino Médio, e outro com cinco discentes que atuavam somente por meio dos estágios (GF2). O local dos encontros oi a própria universidade, utilizando o horário de aula da disciplina Avaliação Institucional, com autorização da proessora responsável e da coordenação do curso. As entrevistas oram transcritas e analisadas com base na análise de conteúdo temática (Bardin, 2002) contando com apoio do sofware QSR (Qualitative Sofware Research) NVivo 2007. Segundo essa autora: [...] a análise de conteúdo envolve “um conjunto de análises das comunicações visando obter, obter, por
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procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inerência de conhecimentos relativos a condições de produção/recepção (variáveis ineridas), dessas mensagens” (Bardin 2002, p. 42).
Em um primeiro momento fizemos a leitura flutuante das duas entrevistas dos grupos ocais, o que nos permitiu posteriormente a apreensão de temas, palavras-chave e recortes capazes de proporcionar a categorização. Foram assim identiicados temas e respectivas categorias, considerados mais significativos para comp compreender reender as representações sociais dos discentes sobre avaliação da aprendizagem dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Fundamental.
Em cada um dos grupos tentamos encontrar o núcleo figurativo da representação sobre avaliação para uma aproximação dos processos de objetivação e ancoragem. No GF1, o núcleo figurativo da representação mostrou a “Postura do Avaliador” (Figura 1) e no GF2 o “Rótulo” (Figura 2). Esses esquemas serão discutidos no item seguinte. Figura 1 – 1 – Núcleo igurativo da representação social de discentes de Pedagogia a respeito da avaliação da aprendizagem (Grupo Focal 1)
Resultados Os resultados oram analisados à luz da teoria moscoviciana das representações sociais, com opção pela abordagem processual, que busca identificar os processos de objetivação e ancoragem (Moscovici, 1978). ais processos permitem conhecer como as representações são construídas pelos sujeitos e grupos, mostrando indícios de como as pessoas pensam de uma maneira e não de outra, principalmente em unção de seu contexto sócio-cultural. O processo de objetivação transorma elementos conceituais em iguras ou imagens (Moscovici, 1978) e a ancoragem,, articulada à objetivação e caracterizada ancoragem pela memória, diz respeito à inserção do objeto representado represen tado no universo simbólico e significante das pessoas. Ambos estão associados a um núcleo figurativo da representação, elemento que condensa seu significado, expressa sua organização e assegura a estabilidade da estrutura imageante. Moscovici (1978, p. 125-126) se reere a esse modelo igurativo como “uma reconstituição que torna compreensíveis as ormas abstratas”. O autor qualiica o modelo como igurativo porque “não se trata somente de um modo de ordenar as inormações, mas do resultado de uma coordenação que concretiza cada um dos termos da representação”.
Figura 2 2 – 0 Núcleo figurativo da representação social de discentes de Pedagogia a respeito da avaliação da aprendizagem (Grupo Focal 2).
Discussão No GF1, a “postura do avaliador” está objetivada na postura do avaliador. Ao tornar concreto o abstrato, ao transerir o que está na mente em algo palpável (Moscovici, 2005), as alunas associam a “postura do avaliador” a aeto, à justiça, ao saber prático, ao comportamento do aluno. aluno .
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No GF 2, o que condensa o significado da avaliação é o rótulo associado ao comportamento do aluno e a importância do saber prático para saber avaliá-lo. O sentido de “bagagem” pode ser condensado pela metáora “uma mala”, algo que existe no mundo ísico: os alunos trazem consigo conhecimentos práticos que a escola ormal não valoriza. As alunas se reerem a dierentes concepções de avaliação (tradicional e progressiva), reconhecem a importância dos saberes de vida prática dos alunos, porém não se sentem preparadas para avaliar a aprendizagem dos mesmos. Nas conversas entre as que já atuam e as que ainda estão azendo estágios, há valorização das dificuldades e subestimação do potencial de aprendizagem dos alunos. As alunas entrevistadas citam autores de reerência na área da educação com Vygotsky, Wallon e Piaget, mas que eetivamente não privilegiam estudos sobre avaliação, em especial uma avaliação que contemple a realidade da sala da maioria das escolas brasileiras e das políticas públicas implementadas. Percebemos uma lacuna na ormação. No GF1, por exemplo, as alunas parecem não ter se apropriado das ideias de autores que estudaram durante o curso de Pedagogia, ou já esqueceram os que constam na Estrutura Curricular do curso: Perrenoud (2001); Demo (2004); Luckesi (1995); Franco (2009), entre outros. Como a ancoragem é uma rede de significados em torno do objeto (Jodelet, 1993), percebemos que as uturas pedagogas, com prática ou não, já estão inluenciadas pela cultura escolar devido a suas experiências anteriores de avaliação, ditas tradicionais e apontadas por elas como negativas e classificatórias. Os indícios das representações sociais das uturas pedagogas sobre avaliação da aprendizagem de alunos do Ensino Fundamental mostram que elas não se apropriaram da temática avaliação conorme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Esta Lei, ao se reerir aos aspectos qualitativos, afirma a importância do aproundamento de cada conteúdo e não somente a quantidade dos mesmos. Percebemos que não podemos opor avaliação Progressiva versus radicional de orma simplificadora, uma boa e outra ruim, certa e errada.
Com uma grade curricular no curso de Pedagogia que pouca ênase dá à avaliação da aprendizagem dos alunos, é undamental que o tema seja discutido na graduação. Segundo Ludke (2002, p.95-96), “em paralelo ao descuido de nossos acadêmicos com “os jeitos de azer” avaliação, se situa outra questão pouco cuidada pela universidade. rata-se da velha e clássica questão da ormação de proessores: a ormação para o exercício da avaliação escolar”.
Conclusões A análise dos dois Grupos Focais mostrou que as alunas estão assimilando que avaliar de orma qualitativa é avaliar com base no aeto e sem critérios pedagógicos, que é injusto avaliar com provas e testes, dando uma nota. Nesse sentido a avaliação é pautada no comportamento em sala de aula revelando alta de compreensão de uma avaliação qualitativa com critérios que revelem o saber acadêmico do aluno, considerando o que ele possui em termos de estruturas cognitivas. Diante desses resultados, apontamos para um repensar no currículo, já que as aulas sobre avaliação encontram-se, na maioria das vezes, inseridas na Didática e a disciplina específica sobre avaliação é abrangente tratando da avaliação institucional. Os resultados mostram a necessidade de repensar o currículo do curso de Pedagogia, já que os uturos pedagogos também se ormam para avaliar alunos da Educação Inantil ao 5º ano do Ensino Fundamental. Propõe-se que a dicotomia avaliação qualitativa versus avaliação quantitativa seja mais discutida na ormação, sobretudo porque a prática da avaliação escolar é contínua, passando por avaliações de grande escala, pouco esclarecidas para os participantes dos dois GF. Consideramos que a pesquisa poderá contribuir para a ormação dos uturos proessores e sua atuação em sala de aula diante do ato de avaliar, já que sairão habilitados para atuar como profissionais de educação. Para os docentes que já estão atuando, é uma oportunidade de refletir sobre suas práticas avaliativas e revê-las.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FAMÍLIA SEGUNDO PSICÓLOGOS DO SISTEMA ÚNICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Karina Andrade Fonseca1 , Nayra Erlene Lima2 , Rebeca Valadão Bussinger 3 , Célia R.R. Nascimento4
Introdução A concepção de amília em nossa sociedade é dotada de características próprias, circunscritas a um dado contexto histórico e social. As transormações sociais e as novas configurações amiliares têm se tornado objeto de estudo, sobretudo nas Ciências Humanas. Ariès (1981) relata o surgimento e a evolução desses sentidos de amília a partir de estudos iconográficos relacionados ao período compreendido entre os séculos XV e XVIII. Segundo o autor, “o sentimento da amília era desconhecido da Idade Média e nasceu nos séculos XV-XVI, para se exprimir com um vigor definitivo no século XVII” (p.143). Sobre o surgimento dessa instituição no Brasil, Narvaz e Koller (2005) relatam que a estruturação da instituição amiliar iniciou-se com o “modelo patriarcal, importado pela colonização e adaptado às condições sociais do Brasil de então, latiundiário e escravagista” (p.129). As autoras afirmam ainda que o modelo de amília nuclear se instala no início do século XX, apesar de não se configurar como o modo de organização vigente nas classes populares. Entretanto, há autores que consideram que a constituição da amília brasileira tem desde seu início a influência da “multiplicidade étnica e cultural que undamenta a composição demográfica brasileira”, azendo reerencia também à contribuição das amílias escravas na ormação cultural da sociedade brasileira. (Neder, 2002, citado por Santos & Oliveira, 2005, p. 52). No entanto, ao analisarmos as representações de amília em nossa sociedade, é possível perceber certa normatização na conceituação dessa instituição, a partir da concepção de amília nuclear burguesa, que tende a influenciar nossas práticas cotidianas e profissionais (Szymansky, 2006). Santos e Oliveira (2005) também azem essa análise:
O modelo de amília nuclear burguesa passa, então, a ser o modelo de reerência no qual se ancora a representação social que se tem hoje de amília. A amília nuclear burguesa é naturalizada como se osse o único modelo existente. Essa representação social da amília guia as condutas cotidianas e, muitas vezes, as práticas profissionais. (p. 52)
Com relação à prática de proissionais que trabalham com amílias, Sarti (2004) alerta ainda para o risco de se identificar a noção de amília com reerências pessoais e normatizar os indivíduos e suas relações num padrão considerado “normal”: Há uma tendência a projetar a amília com a qual nos identificamos – como idealização ou como realidade vivida – no que é ou deve ser a amília, o que impede de olhar e ver o que se passa a partir de outros pontos de vista (Sarti, 2004, p. 16).
Para Bastos, Alcântara e Ferreira-Santos (2002), esse viés também pode estar presente nas ações do Estado que, ao privilegiar um tipo de amília, contribui para a estigmatização e exclusão das que não se enquadram no modelo. Essa análise é importante ao considerarmos a organização atual da política pública de Assistência Social, que elegeu a amília como o oco de suas ações, tendo seus projetos, programas e serviços direcionados à atenção e ortalecimento dos vínculos amiliares e comunitários de seus membros. Segundo a Política Nacional de Assistência Social – PNAS/SUAS (Brasil, 2004), a amília é compreendida da seguinte orma:
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Mestranda do PPGP/UFES; Mestranda do PPGP/UFES; Doutoranda do PPGP/UFES; Proessora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia/UFES.
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Independentemente dos ormatos ou modelos que assume, é mediadora das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando, continuamente, os espaços entre o público e o privado, bem como geradora de modalidades comunitárias de vida. (...) O novo cenário tem remetido à discussão do que seja a amília, uma vez que as três dimensões clássicas de sua definição (sexualidade, procriação e convivência) já não têm o mesmo grau de imbricamento que se acreditava outrora. Nesta perspectiva, podemos dizer que estamos diante de uma amília quando encontramos um conjunto de pessoas que se acham unidas por laços consanguíneos, aetivos e, ou, de solidariedade. Como resultado das modificações acima mencionadas, superou-se a reerência de tempo e de seu lugar para a compreensão do conceito de amília. (p.41)
Autores mostram que na história do país várias ações, de natureza pública ou privada, oram dirigidas às amílias e que estas têm ocupado lugar de centralidade nas políticas de proteção social (Carvalho, 2008; eixeira, 2010). Esse destaque para a amília nas políticas se deve à compreensão de que: “o Estado e a amília desempenham papéis similares, em seus respectivos âmbitos de atuação: regulam, normatizam, impõem direitos de propriedade, poder e deveres de proteção e assistência” (Carvalho, 2008, p. 268). A política pública de Assistência Social no país é executada por meio de um “modelo de gestão para todo o território nacional que integra os três entes ederativos e objetiva implementar um sistema descentralizado e participativo, instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei 8.742/1993)” (Brasil, 2004, p.81). Esse modelo se constituiu, posteriormente, no Sistema Único da Assistência Social – SUAS, que visa consolidar um sistema próprio de gestão da Assistência Social no país. Cabe aos municípios a organização dos serviços, programas e projetos destinados ao atendimento dos cidadãos e grupos em situação de vulnerabilidade, como: “amílias e indivíduos com perda ou ragilidade de vínculos de aetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e
sexual; exclusão pela pobreza” (Brasil, 2004, p. 33). Os serviços da Assistência Social se subdividem segundo a PNAS/SUAS (Brasil 2004) em dois níveis de proteção social, a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial de Média e de Alta complexidade. A Proteção Social Especial de Média Complexidade é composta por serviços que oerecem atendimento especializado a amílias e indivíduos que tiveram seus direitos violados, mas cujos vínculos amiliares e comunitários não oram rompidos. Atualmente, esses serviços têm sido oertados nos Centros de Reerência Especializados da Assistência Social – CREAS. O CREAS é unidade pública de atendimento especializado da assistência social de abrangência municipal ou regional da proteção social especial do Sistema Único da Assistência Social (SUAS). Nesses espaços, são oertados serviços de proteção a indivíduos e amílias vítimas de violência, maus tratos e outras ormas de violação de direitos (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Brasil, 2008, p. 59).
Segundo a ipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (Brasil, 2009), os serviços da Proteção Social Especial de Média Complexidade são: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI; Serviço Especializado em Abordagem Social; Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias e Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua. Os serviços previstos no Sistema Único da Assistência Social – SUAS, contam com equipes técnicas compostas por dierentes profissionais dependendo da especificidade do serviço e o tipo de atendimento realizado de acordo com os níveis de proteção descritos pela PNAS (2004) e SUAS (2005). Dentre os profissionais que integram grande parte das equipes dos serviços previstos pela PNAS/SUAS, encontra-se o profissional de Psicologia. Yamamoto e Oliveira (2010) inormam a diiculdade no estabelecimento de um marco de
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entrada do profissional de Psicologia no campo da Assistência Social, uma vez que não há registros suicientes que atestem cronologicamente esse processo. Com o advento do SUAS, em 2005, e sua organização a partir de equipes interdisciplinares, vemos que o profissional de Psicologia passou a ocupar uma posição importante na política de Assistência, compondo junto com o assistente social a equipe mínima nos programas e serviços desta política pública. O trabalho da equipe estrutura-se pela definição de grupos de vulnerabilidade, atendidos segundo os níveis de proteção do SUAS, que buscam articular o cotidiano do trabalho aos princípios deendidos pela PNAS, quer seja, a superação das situações de violência e violação de direitos sorida por grupos e indivíduos. No entanto a atuação de equipes interdisciplinares no SUAS tem sido objeto de inúmeros estudos que visam estabelecer parâmetros para atuação de profissionais na Assistência, pois poucos programas e serviços, estabelecem claramente quais ações, estratégias e unções devem ser executadas pelos seus profissionais (Yamamoto & Oliveira, 2010). Verificamos que o conceito de amília encontrado na PNAS propõe uma ruptura na ideia tradicional de amília nuclear burguesa, composta de pais, mães e filhos. endo em vista essa compreensão sobre a amília e a necessidade de estreitar os caminhos da produção de conhecimento na relação entre Psicologia e Assistência Social este estudo buscou investigar as seguintes questões: “Sobre qual modelo de amília trabalham os profissionais”? “O conceito de amília dos profissionais de Psicologia aproxima-se ou distancia-se do estabelecido na PNAS?”; “Como as representações sociais de amília destes proissionais têm inluenciado a intervenção”? A eoria das Representações Sociais se debruça sobre o conhecimento advindo do senso comum que é produzido a partir das relações estabelecidas entre os indivíduos e a realidade que os cerca. A esse respeito Jodelet (2001, p. 22) afirma que a representação social “é uma orma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”.
Nesse sentido, as representações sociais exercem a unção de orientadores para a ação dos indivíduos (Coutinho & Menandro, 2009). Moscovici (2004) esclarece que a representação social é uma “estratégia” utilizada por grupos e indivíduos para compreensão da realidade. Pelo caráter prescritivo das representações, podemos, através do estudo dos aspectos epistemológicos das representações sociais e suas expressões na vida cotidiana, relacionar o conteúdo desse conhecimento socialmente construído e compartilhado às práticas maniestadas pelos sujeitos em contextos de interação. Desta orma, considerando a recente inserção do profissional de Psicologia no contexto das políticas públicas e a legitimação deste novo campo de atuação profissional, torna-se de grande relevância a compreensão acerca das representações sociais, bem como das práticas do psicólogo no contexto das políticas públicas de Assistência Social. Desse modo, buscamos neste estudo investigar e analisar as representações sociais de amília para psicólogos que atuam em serviços do SUAS no município de Vitória/ES e analisar de que orma essas representações têm influenciado e orientado a atuação desse profissional em seu cotidiano de trabalho junto às amílias atendidas.
Método Parcipantes
Participaram desta pesquisa 19 psicólogos, sendo 17 mulheres e dois homens, atuantes nos três CREAS existentes no município de Vitória/ES. Procedimento de coleta e análise de dados
Os dados oram coletados em março de 2011. Foram aplicados questionários compostos por questões abertas relativas à prática do profissional de Psicologia no serviço, além de questões acerca de suas concepções sobre o tema amília. Os participantes responderam ao questionário em seus próprios locais de trabalho após autorização e agendamento prévio junto à coordenação local. Eles receberam o ermo de Consentimento Livre e Esclarecido para apreciação e posterior assinatura, caso concordassem em participar do estudo.
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Para análise dos dados, oi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo emática, proposta por Bardin (1977), na qual são buscadas, por meio de repetidas leituras, tanto a presença de núcleos de sentido quanto a requência com que aparecem. Após serem encontrados, são sucessivamente agrupadas as respostas que possuem conteúdo comum até serem ormadas classes ou categorias representativas do tema em análise.
Resultados e Discussão Os resultados estão apresentados considerando duas categorias principais que organizam as respostas dos participantes: o entendimento do que é “ser profissional do CREAS” e a “representação social de amília”. O prossional do CREAS: quem é e o que faz
A maior parte dos profissionais participantes da pesquisa é do sexo eminino, com média de 29 anos de idade e com aproximadamente quatro anos de ormação. odos possuem vínculo de trabalho do tipo celetista e tempo médio de atuação no CREAS de 2,5 anos. No entanto, a maioria já possuía trajetória profissional na Assistência Social. Segundo os participantes, os CREAS têm como objetivo o atendimento e acompanhamento dos usuários e amílias que soreram violação de direitos provenientes de situações de violência, além de atenderem pessoas de todas as aixas etárias, geralmente por meio de encaminhamentos realizados por outros equipamentos presentes no município, incluídos outros serviços da Assistência Social, como nos relataram os participantes: “O CREAS é um serviço classificado pelo SUAS como de média complexidade, as amílias atendidas soreram algum tipo de violação de direito e os vínculos estão ragilizados. Nosso papel é trabalhar essas violações através do acompanhamento psicossocial, ortalecer a amília para que ela supere suas ragilidades.” (B1) “Atendimento Psicossocial a amílias que estão ou estiveram em situação de violência. Violência de todos os tipos: financeira, sexual, negligência, discriminação, dentre outras.” (C3)
“Atender, acompanhar, orientar amílias que passam por uma situação de violência ou violação de direitos, mas que ainda mantém o vínculo amiliar.” (M6)
A atuação dos psicólogos ocorre mediante duas modalidades: 1) atendimento e acompanhamento psicológico, que pode ser individual, em grupo – definido por aixa etária ou pela aproximação das demandas levadas pelos usuários – ou ao grupo amiliar; 2) atendimento e acompanhamento psicossocial, que consiste em atendimento realizado por uma dupla de técnicos ormados pelo profissional de Psicologia e Serviço Social. As modalidades de atendimento e acompanhamento coniguram-se em ações de: escuta, acolhimento, apoio, orientação, articulação com outros serviços da rede na qual a amília ou usuário diretamente atendido esteja envolvido, visitas domiciliares e institucionais, estudo de caso, registro de atendimento e produção de relatórios. Ser prossional: ressignicar conceitos para atualizar a práca
Mesmo com clareza das atribuições, os psicólogos entendem que estas estão em construção. Relatam que sentem necessidade de ressignificar suas práticas cotidianamente, e consideram que tanto a política pública da Assistência Social como a inserção do psicólogo neste campo são recentes. Entendem que, ao ter se tornado uma política pública ocada na matricialidade socioamiliar, a Assistência Social saiu do assistencialismo padrão para práticas que objetivam o ortalecimento do indivíduo e de seu grupo amiliar em dierentes rentes, desde, por exemplo, a resolução de conflitos internos ao grupo amiliar até o enrentamento da miséria pelo empoderamento daqueles que são atendidos por essa política pública. Neste sentido, entendem que o psicólogo atuante no SUAS precisa ter clareza de que lidar com vulnerabilidades humanas, em seus diversos sentidos, reere-se à necessidade de uma prática ampla, sistêmica, que lide com a demanda do usuário para além do problema central relatado, que envolva outros atores da rede, e o sistema amiliar e comunitário no qual aquele sujeito ou grupo em atendimento esteja envolvido.
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Família: estabelecimentos de vínculos para apoio mútuo
Para os profissionais pesquisados, o conceito de “Família” não está restrito às unções de reprodução, criação de filhos, sucessão de bens e propriedades – se consideramos os aspectos legais balizadores das relações entre amília e Estado – e muito menos por relações de parentesco e/ou consanguinidade. Para eles, a amília apresenta-se, flexível, de composição diversa, definida na sua abertura à mudança e dotada de potencial de transormação, como ilustrado nas respostas a seguir: “Acredito em arranjos amiliares para explicar a palavra amília.” (B2) “Entendo como uma instituição que oge de uma condição estática e echada.” (M3)
Essa visão aberta e sistêmica de amília, narrada pelos profissionais, se contrapõe à visão do modelo burguês tradicional, ainda presente também no imaginário dos psicólogos. O reconhecimento de composições amiliares diversificadas é influenciado pelo conceito de amília deendido na PNAS e pelo cotidiano de intervenção profissional através do atendimento e acompanhamento prestado por estes às amílias. Sobre esse aspecto, Pereira e Bourget (2010) lembram que a diversidade das configurações amiliares é um enômeno contemporâneo, amparado pelos movimentos de transormação social que permitiram a emancipação da mulher, o redimensionamento da sexualidade e o questionamento de valores sociais, ainda que habite no imaginário social, como matriz normativa, a ideia de amília nuclear com rígidos papéis a serem desenvolvidos, tais como o de esposa, mãe, filho e marido. A tensão entre um modelo estanque e configurações amiliares diversas e flexíveis é resolvida pelos proissionais a partir da relativização do próprio conceito do que vem a ser amília, precisamente expresso na categoria que a define pelo estabelecimento do vínculo entre pessoas, pela sua unção de apoio e pela composição de um grupo com objetivos e interesses em comum. Para estes profissionais, amília pode ser definida como:
“Pessoas unidas por interesses e laços, que convi vem com um objetivo.” (M1) “amília passa a ser um grupo de pessoas ao qual você seleciona que são significativos e que se importam com você.” (M5)
Se a aparente relativização do conceito pelos profissionais ampara-se na ideia de que qualquer relação estabelecida entre dois ou mais seres humanos poderá ser nomeada de “amília”, retomamos a discussão trazida por Sarti (2005), que em seu estudo com amílias pobres destacou a configuração destas em rede, numa organização que enatiza a constituição de laços de solidariedade e apoio para enrentamento das condições de vida em detrimento da afirmação de relações de consanguinidade. Dessa orma, a amília é representada como um grupo de pessoas cuja marca é o estabelecimento de vínculos aetivos. Nesse ponto, os vínculos parecem gerar nos profissionais a expectativa de manutenção do grupo amiliar através do apoio mútuo entre seus membros. A amília é vista como unidade flexível que sore os impactos do cotidiano, das transormações do mundo, do decorrer da vida e que deve responder a estas mudanças, ainda que tais mudanças estejam relacionadas à precarização das condições de vida e às experiências de violações e violências. Nesse entremeio, são justamente aqueles que permanecem unidos, se apoiando ante as dificuldades, que são os que podem ser nomeados de amília. Família: unidade de violência e violação
A ideia de um núcleo flexível, porém coeso, diverso e aberto à mudança ganha sentido pelo contexto econômico, cultural e social no qual esses grupos amiliares estão inseridos. O elemento ameaçador da manutenção do apoio e coesão grupal é a violência social, responsável pelas rupturas e ragilidades nas relações amiliares. Ao serem questionados sobre as demandas trazidas pelas amílias ao serviço são requentes as respostas que sinalizam a presença da violência no cotidiano amiliar, tais como: “Abandono, negligência, maus tratos, violência ísica, psicológica e sexual, drogadição, conflitos com a lei, violência financeira.” (B6)
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Assim, a constatação dos aspectos que compõem o cenário da violência estrutural (como, por exemplo, a desigualdade social) e seus impactos na dinâmica amiliar se dá ao mesmo tempo em que este profissional compreende a limitação de seus recursos interventivos para lidar com tais questões. A estratégia apontada pelos profissionais de criação de uma ideia de amília baseada na escolha deliberada e intencional de seus membros undamenta-se nos recursos teóricos e técnicos que lhes são oerecidos, traduzido na ala dos profissionais como, por exemplo: “Segundo a ONU, ‘amília é gente com quem se conta’ e é desta perspectiva que procuro entendêla.” (B6)
Se o profissional de Psicologia percebe os limites existentes à eetividade de suas ações, e canaliza sua intervenção para o ortalecimento dessa amília para que ela desenvolva condições de enrentamento da vida a partir de seus próprios meios, vimos que o advento da PNAS conere legitimidade a esta posição, e demanda do profissional de Psicologia que atua na Assistência Social a responsabilidade de atuar diretamente na promoção social e pessoal das amílias atendidas.
Conclusões Veriicamos que os participantes buscaram definir “amília” a partir de duas categorias de respostas; uma se reere à construção e manutenção de vínculos aetivos entre pessoas em oposição às relações de parentesco e consanguinidade e pela ausência de papéis sociais rígidos na organização amiliar. Na outra categoria, verifica-se a presença de conflitos e a ragilidade das relações estabelecidas entre os membros, relacionando esta organização amiliar violenta e violada aos desafios enrentados pelas amílias à ascensão de uma vida digna e plena de direitos. A presença do elemento “conflito” oi determinante para a dierenciação entre as duas categorias e se relaciona à demanda trazida pelas amílias atendidas no serviço. Constatamos que a concepção de amília apresentada pela PNAS e a encontrada na prática
desses proissionais tem contribuído para a construção de uma representação social de amília mais ampla, que se contrapõe ao modelo tradicional de amília nuclear burguesa. Estas representações sociais de amília, uma vez ancoradas nos discursos técnico-normativos pelos quais a política de Assistência Social é executada, se objetiva na imagem da amília rágil, permeada de conflitos, mas também reconhecida pelo seu potencial de resistência e transormação. Quando buscamos a relação das representações sociais de amília dos psicólogos às práticas adotadas no cotidiano profissional, identificamos que a categoria “profissional do CREAS” incluiu dados descritivos dos participantes bem como as definições dos mesmos sobre o objetivo e as atribuições dos psicólogos no serviço. Já a categoria “ser profissional” revela a preocupação destes na revisão e elaboração de conceitos e estratégias de intervenção a partir da ascensão deste novo cenário que introduz e busca a articulação da gestão da política pública de Assistência Social às demandas da população. Nos relatos sobre o serviço chama à atenção a parca descrição das metodologias e técnicas utilizadas pelos profissionais no acompanhamento às amílias. Se isso parece sugerir um vazio destas mesmas técnicas e metodologias da Psicologia para a atuação na Assistência Social, nos deparamos com um grande caminho aberto para a criação e apereiçoamento de novas abordagens. Cabe ressaltar mais uma vez que os questionários oram aplicados no local de trabalho dos psicólogos, portanto, as representações de amília enunciadas estão intimamente atreladas àquilo que preconiza os documentos normativos e aos princípios deendidos pela gestão do serviço. Assim, é importante considerar a continuidade dos estudos que relacionam Família, Psicologia e Assistência Social, além de outros temas como gênero, ormação profissional, técnicas e estratégias de intervenção, que poderiam contribuir para o apereiçoamento e o delineamento de um campo de estudos que busca a interace entre as áreas atuantes nos Programas e serviços previstos pela Política Pública de Assistência Social.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PARTICIPAÇÃO E POLÍTICA ENTRE JOVENS FILIADOS A PARTIDOS POLÍTICOS Milena Bertollo-Nardi 1 , Maria Crisna Smith Menandro 2
Introdução Dentre os elementos que compõem a representação social de juventude, encontram-se aqueles relacionados à sua participação social e política. Ao mesmo tempo em que os jovens são representados como portadores da rebeldia e do desejo de mudança, outras características atribuídas a eles, como alienação, consumismo e individualismo, desvalorizam o seu potencial de participação ativa. Diversos autores têm apontado o distanciamento das ormas convencionais de participação política por parte dos cidadãos em geral e dos jovens em particular (Cross & Young, 2008; Pérez, 2006; Venturi & Bokany, 2005). Por outro lado, conorme aponta Pérez (2006), as instituições políticas têm se mantido intactas, o que reorça o papel dos partidos como interlocutores entre o sistema político e a cidadania. Os processos eleitorais continuam, portanto, sendo parte central do regime democrático e os partidos políticos continuam sendo indispensáveis para eles. Por essa razão, compreender as motivações, as posições ideológicas, os significados atribuídos e as relações que se estabelecem entre jovens militantes de dierentes partidos políticos, torna-se importante nesse contexto complexo de apatia e desejo de participação. A análise das representações de participação e política – oco deste trabalho – entre jovens atuantes politicamente pode contribuir para uma compreensão mais aproundada e menos preconceituosa sobre o envolvimento social e político dos jovens contemporâneos. Partimos do reerencial teórico da eoria das Representações Sociais, proposta por Moscovici (1978). A representação social, conorme definição clássica apresentada por Jodelet (2001), “é uma orma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui
para uma realidade comum a um conjunto social” (p. 22). Ainda de acordo com Jodelet (2001), criamos representações sociais devido à necessidade de estarmos inormados sobre o mundo à nossa volta, sobre como devemos nos comportar diante dele e sobre como identificar e resolver os problemas que se apresentam. Não estamos isolados nesse processo de conhecimento da realidade, mas “partilhamos esse mundo com os outros que nos servem de apoio, às vezes de orma convergente, outras pelo conflito, para compreendê-lo, administrá-lo ou enrentá-lo. Eis por que as representações são sociais e tão importantes na vida cotidiana” (Jodelet, 2001, p. 17). De ato, é nas relações sociais cotidianas que criamos representações sociais. De acordo com Sá (1995), a mobilização de tais representações acontece nas ocasiões e lugares onde as pessoas se encontram inormalmente e se comunicam: durante as reeições, nas filas de bancos e supermercados, no trabalho, na escola. As representações são, portanto, produtos sociais e só podem ser analisadas a partir do contexto social no qual são elaboradas e compartilhadas. De acordo com Joffe (2003), “as dierenças nas representações sociais que dierentes indivíduos sustentam podem ser atribuídas às dierentes posições sociais de cada indivíduo” (p. 315). Em relação aos objetos de representação que investigamos – participação e política – podemos considerar que existem diversos significados a eles atribuídos, de maneira dierente para dierentes atores sociais. Por isso, apesar das análises que afirmam a apatia e o descompromisso juvenil, optamos por conhecer e dar voz às representações de jovens engajados social, político e partidariamente. 1
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Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Universidade Federal do Espírito Santo Proª Drª do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Universidade Federal do Espírito Santo
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Objevo Considerando a importância da participação política juvenil, tanto para o uturo da democracia quanto para os próprios jovens, esta pesquisa teve como objetivo identificar e descrever as representações sociais de política e participação entre jovens filiados a dierentes partidos políticos.
Método Participaram da pesquisa oito jovens, com idades entre 19 e 25 anos, quatro do sexo eminino e quatro do sexo masculino, filiados a partido político pelo tempo mínimo de um ano. Apesar de quase todos os participantes estarem associados a alguma unção ligada ao poder legislativo, esse não oi um pré-requisito para a escolha dos sujeitos. odos se dispuseram a colaborar prontamente após o primeiro contato para convite e esclarecimento sobre a pesquisa. Os dados oram coletados por meio de entre vistas qualitativas individuais, realizadas a partir de um roteiro semi-estruturado, que abrangia os seguintes tópicos: caracterização do participante, trajetória de militância, reflexões sobre juventude e gênero, representações sociais de participação e política. O instrumento continha, ainda, um tópico
solicitando aos participantes que posicionassem seu partido dentro do espectro político brasileiro, com base em uma escala de sete pontos que ia da esquerda à direita. Esse tópico nos possibilitou trabalhar os dados de acordo com o posicionamento apresentado pelos próprios sujeitos. Após estarem cientes do caráter confidencial e voluntário da participação, assinavam o ermo de Consentimento Livre e Inormado. As entrevistas oram gravadas e posteriormente oram transcritas na íntegra. As entrevistas oram submetidas à Análise de Conteúdo (Bardin, 1977). As categorias de análise oram elaboradas a partir dos objetivos do estudo, dos tópicos de interesse contidos no roteiro de entrevista e do conteúdo das respostas obtidas.
Resultados Apresentamos abaixo uma tabela que resume características dos nossos participantes. Como orma de garantir o anonimato dos sujeitos, optamos por utilizar nomes fictícios, todos com origem na mitologia grega. Na escolha dos nomes não houve preocupação em relacionar o participante com qualquer característica do personagem escolhido – trata-se apenas de “licença poética”.
abela 1 – Caracterização dos participantes Nome
Partido
Partido(s) Idade Estado civil anterior(es) Não tem 22 anos Solteira P 22 anos Casada Não tem 19 anos Solteira
Clio Erato ália
PSOL PD P
Urânia
PSB
Não tem
19 anos
Solteira
Aquiles
PB
PMDB
23 anos
Solteiro
Hércules eseu Ulisses
PSC P PSDB
DEM e PP Não tem Não tem
23 anos 23 anos 25 anos
Solteiro Solteiro Casado
Como se pode observar, apenas três participantes têm história de filiação em partido anterior ao atual. Suas idades variaram de 19 a 25 anos e, com exceção de uma participante, todos exercem trabalho
Escolaridade Profissão Sup Incomp. Estudante Sup Incomp. Assessora parlamentar Sup Incomp. Estudante e estagiária da câmara Médio Comp. Cargo comissionado – governo do Estado Sup Comp. Assistente legislativo e técnico em inormática Sup Incomp. Assistente legislativo Sup Incomp. Assistente legislativo Sup. Comp. Analista de sistemas
Natural ES ES RJ ES ES ES ES ES
remunerado, em sua maior parte relacionado a representantes legislativos. Dos oito participantes, sete são nascidos no Espírito Santo.
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esquerda, mas estaria próximo ao centro com a intenção de ajudar, não de ficar aí protestando contra, mas levar soluções pra crescer junto, é por aí” (Erato, PD).
As representações sociais de parcipação e de políca
A seguir, a Figura 1 apresenta a descrição dos elementos de representações sociais de participação e de política identificados nos relatos dos participantes. Apresentamos também a posição atribuída por eles aos partidos dos quais participam. Nenhum participante posicionou seu partido à direita do espectro político brasileiro. Dois classificaram como de centro, quatro de centro-esquerda, um de esquerda e um de extrema-esquerda. Nota-se que os participantes optaram por uma escolha menos comprometedora, já que a maioria se considerou como de “centro” ou “centro-esquerda”. “Eu percebo que o PSB é um partido de esquerda, mas não é um partido que tem aquela linha de revolução devastadora, como muitos partidos de esquerda têm” (Urânia, PSB). “É, um pouco, mantendo-se como um partido de
Participar, segundo os rapazes e moças aqui em evidência, dierencia os jovens. As dierenças estão na orma de pensar tendo visão social mais ampla; porque se tornam mais politizados; porque se posicionam mais requentemente; são mais compromissados e; adquirem mais experiência de vida. Participar é ter consciência/visão maior do todo, da sociedade; é deesa/luta por uma causa; é importante para a vida de todos; é contribuir para mudar/ melhorar a vida da população e; é um aprendizado/ experiência importante. odos os elementos de representação indicam uma valoração positiva para a participação, que permite melhorar a vida das pessoas e a do próprio jo vem, a partir do crescimento e da experiência pessoal.
Figura 1 - Quadro descritivo da posição política atribuída ao partido, representações sociais de participação e representações sociais de política.
o o t a i l r C E
o o a d í i ã d ç u t r i a s b i p o r t P a o a
Extrema-Esquerda Esquerda Centro-Esquerda Centro Centro-Direita Direita Extrema-Direita
Dierencia jovens s e e o Consciência / visão maior do todo d õ e ã ç s a d ç o t s a Deesa de causa/luta t i p n n a i c e e s i c i Importante para todos e m r o t e p S r a l e P Contribuir para melhorar vida da população E R Aprendizado / experiência importante
s e s l s a e u i l u e i s c a n e i s i â u r l q é s á r e l T U A H T U
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o i l C
o a t i l a r á E T
s e s l a e i l u i c n u r â r q é U A H
s e u s e s i s l e T U
Intererir / mudar vida das pessoas / comunidades s i a i c e o S d a c s s e i t o í t õ l n ç o a P e t m n e e e l s d E e r p e R
Desgaste / imagem negativa Luta / dedicação a ideal Compromisso com povo / sociedade Está em tudo, no dia-a-dia Espaço masculino / poucas mulheres Paixão / projeto de vida / profissão Muda visão de mundo
Com relação à política, os dois elementos de representação mais comumente encontrados nos relatos dos jovens oram intererir/mudar a vida das pessoas/comunidade e desgaste/imagem negativa. Nota-se que o primeiro elemento reerido aparece de orma bastante semelhante na representação de participação – contribuir para melhorar a vida da população. Da mesma orma, luta/dedicação a ideal (política) guarda correspondência com deesa/ luta por uma causa (participação), e muda a visão de mundo e compromisso com povo/sociedade (política) são semelhantes aos significados presentes em dierencia jovens (participação). Política é também representada como algo que está em tudo, no dia-a-dia das pessoas mesmo que elas não se dêem conta desse ato. Outros dois elementos da representação social de política oram: espaço masculino/poucas mulheres e paixão/projeto de vida/profissão. O primeiro deles indica a orça do discurso tradicional sobre gênero que delimita papéis e espaços dierenciados de atuação para homens e mulheres. O segundo indica a presença do pensamento social de que para dedicar-se à política é preciso gostar, ter grande disponibilidade a ponto de azer dela seu projeto de vida.
Discussão O ato de nenhum jovem se considerar de direita pode estar relacionado com a representação de juventude como contestadora e desejosa de
mudança e para quem, de acordo com tal representação, não caberia um projeto neoliberal de direita, conorme podemos observar no relato de nossos participantes: “Porque o jovem tem essa coisa de querer mudar, e a esquerda está muito ligada a essa coisa de mudança” (ália, P). “Agora atrai muito a revolução, aquele jovem que é contra tudo e contra todos. E tem uma tendência muito grande do jovem pegar e ir pra esquerda” (Ulisses, PSDB).
Além disso, Bresser-Pereira (2007) afirma que no Brasil os partidos e os candidatos de esquerda são eleitos com mais requência do que os de direita e o motivo para essa constatação é a grande desigualdade social existente no país, que az com que os eleitores esperem dos políticos um discurso voltado para uma maior distribuição de renda. Nesse sentido, associar o seu partido com a esquerda e com o discurso da distribuição de renda significa dizer que é um partido preocupado com as questões sociais e, portanto, parece elevar sua importância. No entanto, a maioria dos participantes optou por uma posição menos comprometedora, que não se relaciona nem com as posições “extremadas” da esquerda, nem com a “insensibilidade social” da direita, visões socialmente diundidas e que oram identificadas nos discursos dos jovens entrevistados. al resultado também oi encontrado entre
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parlamentares do estado do Paraná, que optaram, em sua maioria, por se posicionarem no centro-esquerda (Perissonotto & Braunert, 2006). Com relação à representação de participação, ser dierenciado em relação aos jovens que não participam politicamente aparece como elemento presente nos relatos de todos os participantes. Esse parece ser um dos pontos básicos na definição de sua identidade, já que todos os elementos de representação indicam uma valoração positiva para a participação, que permite melhorar a vida das pessoas e a do próprio jovem, a partir do crescimento e da experiência pessoal. Os participantes atribuem características positivas ao próprio grupo, afirmando que os jovens que participam são mais críticos, mais conscientes e aprendem mais. Ao mesmo tempo, características negativas são atribuídas aos jovens que não participam politicamente: “... acho que o jovem que não está na política, ele não tem compromisso nenhum, sabe? Ele só quer saber de azer a aculdade dele, de assumir a empresa com o pai, ser um executivo de sucesso” (Aquiles, PB).
Ulisses (PSDB) também cita a dificuldade de realizar uma discussão crítica com amigos que não querem se envolver politicamente e Hércules (PSC) acredita que o jovem que não se interessa por política fica “alienado” do mundo em que vive. Abric (1998) destaca como parte das unções das representações sociais, a unção identitária, que situa os indivíduos e os grupos no campo social e permite a elaboração de uma identidade compatível com sistemas de normas e valores social e historicamente determinados. Ao compartilhar determinadas representações sociais, um grupo se define e se dierencia de outro grupo. Assim, os elementos da representação de participação possibilitam dierenciar os jovens que participam daqueles que não participam politicamente. Essas representações são compartilhadas e permitem compreender o enômeno da participação em coerência com os valores sociais compartilhados pelo grupo que representa – o grupo dos jovens engajados político-partidariamente.
De acordo com Camino (1996), é justamente por meio da participação ativa que um grupo constrói os valores e normas que ormam a identidade social dos sujeitos que a ele pertencem. (...) os jovens não só se adaptam a grupos já existentes, mas participam de grupos onde ativamente constroem suas normas e suas identidades sociais. Considera-se, portanto, que na dinâmica social, não são os indivíduos que se socializam individualmente, mas são os grupos que se socializam na dinâmica das relações que mantêm com os outros grupos (Camino, 1996, p. 32).
Com relação à representação social de política, apesar de seis dos oito participantes destacarem o desgaste e a imagem negativa (Brasil, et al., 2008; Wachelke & Hammes, 2009), a grande maioria dos elementos da representação podem ser valorados positivamente. Política é lutar ou dedicar-se a um ideal, é ter compromisso, é ter a possibilidade de intererir e mudar a vida das pessoas. Wachelke e Hammes (2009), ao investigar as representações sociais de política entre a população brasileira durante as eleições de 2006, encontraram associação entre os participantes sem orientação política e a visão de política como alida, corrupta e ineficaz. Por outro lado, os participantes que se posicionavam politicamente ressaltavam a visão de uma política eficiente, necessária e ideal. Os autores destacam que as pessoas não enga jadas politicamente enatizam primordialmente aspectos negativos da política ancorados, principalmente, pelas inormações passadas pelos meios de comunicação de massa. “Se as inormações que veiculam nos meios de comunicação tratam apenas de acetas desgastadas da política, e o grupo não conere um valor especial (dimensão de valorização social) ao objeto social em questão, a representação não pode de ato ser dierente” (Wachelke & Hammes, 2009, p. 526). No caso da presente pesquisa, trata-se de jovens engajados político e partidariamente. As representações que compartilham sobre a política estão ancoradas não apenas nas inormações obtidas pelos meios de comunicação, já que lidam com a política diretamente por meio da vida partidária e
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das discussões, debates e estudos que azem dentro do grupo a que são filiados. Assim, a participação ativa parece conerir maior valorização social ao objeto estudado, além de possibilitar o surgimento de sentimentos de empoderamento e de possibilidade de atuar ativamente (Sloam, 2007). De acordo com rindade, Santos e Almeida (2011), “a ancoragem permite ao indivíduo integrar o objeto da representação em um sistema de valores que lhe é próprio, denominando-o e classificando-o em unção dos laços que este objeto mantém com sua inserção social” (p. 110). Dessa orma, temos que as representações sociais não são simples reproduções de objetos sociais, mas são reacomodações e reconstruções que se processam em um contexto de valores e sentidos compartilhados. E nesse processo, elementos aparentemente contraditórios passam a coexistir nas representações socialmente compartilhadas, sem que um necessariamente exclua o outro. Outro elemento de representação diz respeito à noção de que a política continua sendo um espaço tradicionalmente masculino, no qual as mulheres ainda são minoria em termos quantitativos. Parece haver, no discurso dos rapazes, uma tentativa de valorização da participação eminina. Acreditam na importância e na influência positiva trazida pelas mulheres. Os motivos alegados, no entanto, nem sempre são compatíveis com uma visão mais igualitária de gênero. A caracterização da participação masculina e eminina, a exemplo do que ocorre com a caracterização de homem e de mulher, é permeada por elementos de representação tradicionais no discurso de nossos jovens entrevistados. As mulheres são representadas como sentimentais, emotivas, sensíveis e preocupadas com os problemas sociais. ais características emininas são consideradas importantes, pois complementam a participação dos homens: “(...) Então a mulher é importante por causa disso aí, que ela complementa o homem tanto na vida cidadã quanto na política” (Hércules). Por outro lado, os homens são representados como mais racionais, mais práticos, como aqueles que tomam decisões de orma mais rápida e estão mais preocupados com as eseras políticas e de poder. São, também, mais responsáveis pelas
ormulações políticas e ocupam os quadros de liderança partidária. Moraes, Mendes, Bertollo-Nardi e Menandro (2010) encontraram certa tendência a atribuir ao homem a unção de pensar o grupo como um todo, enquanto à mulher caberia pensar as peculiaridades de seus subgrupos. “Em unção disso, pode-se pensar que apesar dos conteúdos históricos terem se modificado, alterando consigo as práticas e sendo alteradas por eles, juntamente com os discursos, percebe-se que algumas características, mais estruturais, se mantiveram” (Moraes et al , 2010, p. 99). Outros elementos que aparecem com destaque na representação social de política são paixão, projeto de vida e proissão, citados por quatro dos nossos participantes. Além desses, outros três também associam política à dedicação a um ideal. Esses elementos parecem apontar para a representação social de política como possível carreira profissional. Ulisses (PSDB), por exemplo, aponta o interesse profissional como ator motivador de sua filiação partidária: “Sabe por que eu entrei pra política? Realização profissional. Eu quero ser ministro. (...) Eu entrei na política porque minha meta é ser ministro. Minha participação ativa se deu por causa disso” (Ulisses, PSDB).
Para Hércules (PSC) e Aquiles (PB) a oportunidade de trabalhar como assessor parlamentar oi anterior à decisão de se filiar partidariamente. Mesmo sem ter sido um critério de escolha dos participantes, seis deles, no momento da entrevista, se dedicavam a alguma unção no poder legislativo ou executivo. Segundo Recchi (1999), pesquisas mostram que políticos com carreira consolidada na Europa, em geral, e na Itália, em particular, iniciaram sua militância política ainda jovens nas organizações partidárias. Além disso, os candidatos com maior vivência político-partidária têm três vezes mais chances de se elegerem do que aqueles com menos tempo de experiência em um partido político. Essas noções parecem permear as representações dos jovens militantes que, conorme
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aponta Recchi (1999), independentemente de quais tenham sido suas intenções para se filiar a um partido político, já os colocam no rol dos possíveis candidatos a cargos eletivos. Assim, temos a participação política não só como compartilhamento de ideias e participação em um coletivo, mas como projeto profissional e pessoal.
Conclusões A partir desse estudo, percebemos a relação existente entre dierentes objetos de representação social. Os elementos de significação atribuídos à política, participação, juventude e gênero se articulam no processo de representação de tais objetos sociais. rata-se de objetos que estão diretamente relacionados à vida e aos interesses dos sujeitos pesquisados: jovens que, na contramão de análises que destacam a apatia e o desinteresse, optam por participar ativamente de espaços políticos, como partidos políticos, associações comunitárias, mo vimento estudantil. Suas representações, portanto, não estão ancoradas apenas nas notícias e análises divulgadas pelos meios de comunicação, mas são produzidas também nos espaços compartilhados de ormação e discussão política. Esses elementos de representação são ormas simplificadas que mostram como os participantes os significam e como condicionam as suas atuações políticas. As dierentes inserções sociais determinam representações e práticas políticas também dierenciadas, o que contribui para a análise das diversas ormas de pensar o enômeno político. As representações de direita e esquerda estão relacionadas, por exemplo, à representação de ju ventude como contestadora e desejosa de mudança. O ato de nenhum jovem se identificar com a direita e os motivos alegados para a identificação com a esquerda põem em destaque essa relação. Ao mesmo tempo, os significados atribuídos à atual geração de jovens como apáticos, alienados e desesperançados os aproximam na tentativa de alterar de alguma orma essa representação. Sentem-se, então, como um grupo – o grupo dos
jovens que participam politicamente. Nesse momento, conseguem lançar um olhar mais positivo sobre si mesmos e sobre os outros jovens que não se acomodam no estigma da geração dos que “não querem nada com nada”. Mais do que não se acomodar, tais jovens também pensam a política como uma orma de se desenvolver profissionalmente. De ato, os partidos políticos oerecem, em maior ou menor intensidade, um projeto de ormação política que parece se configurar para esses jovens como uma possível rede de segurança educacional e/ou profissional da qual podem e sentem que devem desrutar. Apesar de as representações sociais de homem e mulher compartilhadas por esses jovens estarem ancoradas em elementos bastante tradicionais, nenhum deles parece perceber essa questão. As práticas de militância relatadas como semelhantes entre os rapazes e moças e a não identificação de preconceito por parte das mulheres parecem apontar para a prevalência das questões geracionais em detrimento daquelas relacionadas ao gênero. Sem pretender desmentir as análises que afirmam a despolitização e apatia juvenil, esperamos que estes resultados tenham contribuído para se pensar de orma mais crítica a participação política da atual geração, não em comparação com as gerações anteriores, mas pensando o que é possível ser eito dentro do atual contexto sócio-político. Acreditamos que dar voz a esses jovens pode contribuir para que as utopias tenham sempre espaço garantido.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PATERNIDADE E MATERNIDADE PARA ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO Naara Knupp de Oliveira1 , Mariane Ranzani Ciscon-Evangelista, Carla Rodrigues Barcelos, Cleidiane Vitória da Silva, Júlia Carvalho dos Santos, Lara de Sá Leal, Paulo Rogério Meira Menandro
Introdução A partir do aumento expressivo do número de mulheres de classe média no mercado de trabalho, mudanças significativas com relação à ormação de amília, carreira e dierença de gênero se tornaram cenário para discussões e pesquisas nestas temáticas. O investimento cada vez mais longo na carreira tem eito com que um grande número de mulheres de classe média opte por adiar a união matrimonial e/ou a maternidade. A presença maciça e qualificada dessas mulheres no mercado de trabalho, que gerou mudanças nas relações de gênero, contribuiu, também, para ocorrências como: casamentos cada vez mais tardios; queda do número de filhos por casal; e concretização crescente da independência e da autonomia eminina em tal segmento populacional e do reconhecimento da igualdade de direitos em relação aos homens (Jablonski, 2007; eykal & Rocha-Coutinho, 2007). A partir disso, o modelo tradicional de amília nuclear, em que o papel do pai era o de provedor financeiro e da mãe a responsabilidade pelos cuidados da casa e dos filhos passou a ser questionado, principalmente por pessoas com maior nível de instrução ou com mais acesso às inormações concernentes a esse tema (Rocha-Coutinho, 2007). A amília em que apenas um dos genitores saía de casa para trabalhar agora se depara, habitualmente, com uma realidade em que ambos estão encarregados de trabalhar ora do espaço doméstico (Jablonski, 2007). Essa mudança na coniguração da amília tradicional de classe média permite a redefinição de papéis e de atribuições de homens e mulheres diante do novo modelo de amília (Gomes & Resende, 2004). A saída dessa mulher do ambiente amiliar pelo maior engajamento profissional ez com que as unções do homem na amília soressem impacto, não mais se limitando ao provimento
do sustento financeiro, já que as finanças da casa passaram a ser caracterizadas por co-provimento, nova condição que diiculta a permanência dos cuidados com filhos e casa na condição de atribuição exclusivamente eminina. Sendo assim, gradativamente, gradativamente o homem tem se envolvido mais com tareas relativas aos cuidados amiliares, relacionando-se de orma mais aetiva com os filhos, o que denota mudança nas unções relacionadas à paternidade e à masculinidade (eykal & Rocha-Coutinho, 2007; Welzer-Lang, 2001). Entretanto, é importante ressaltar, como az Jablonski (2007), que, embora a participação dos homens nos cuidados com a amília tenha aumentado, grande parte das tareas de casa ainda é exercida, na maioria dos casos, pelas mulheres, evidenciando distribuição desigual de responsabilidades entre os sexos e assimetria na configuração das unções próprias de cada um – o que permite alar em hierarquia de unções. Segundo abak (2003), as mulheres que constroem uma carreira têm de percorrer muitos obstáculos, como a conciliação da carreira com a vida amiliar, as responsabilidades destinadas ao gênero eminino de cuidados com o lar e ainda lidar com o preconceito ainda existente na sociedade machista em relação à competência eminina. odos esses atores azem com que muitas mulheres não consigam levar adiante o investimento na carreira e acabem optando por dedicar um tempo exclusivo à amília em detrimento do trabalho ora da esera doméstica. Embora a mulher esteja conquistando seu espaço no mundo do trabalho, suas atividades como cuidadora, no ambiente do lar, permanecem ativas, obrigando a divisão do seu tempo entre os aazeres relacionados ao trabalho e os cuidados com casa e filhos. 1
Universidade Federal do Espírito Santo – Rede de Estudos e Pesquisas em Psicologia Social
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O esorço para atender as expectativas culturalmente consolidadas de conciliar exigências do trabalho e da amília pode levar a mulher a devotar maior atenção e dedicação à amília. Por consequência, muitas acabam deixando de lado o investimento em carreiras de maior remuneração e status social (Rocha-Coutinho, 2007). Em pesquisas anteriores, Jablonski (2007) constatou que, na chegada da maternidade, mesmo mulheres que investiam muito na carreira profissional passaram a dedicar maior tempo maior aos cuidados com a amília. As mudanças ocorridas com a chegada de um filho colocam a mulher, caso suas condições socioeconômicas permitam, em uma encruzilhada de decisões e de estabelecimento de prioridades. O tempo maior investido na carreira precisa, agora, ser redefinido e compartilhado com os cuidados amiliares. odavia, mesmo com as dificuldades colocadas como óbices para o exercício profissional eminino, as pesquisas evidenciam grande aumento do contingente de mulheres que buscam trabalho ora de casa, não somente para complementar a renda financeira amiliar, mas objetivando sucesso da carreira profissional, que passou a ser vista como parte da realização pessoal e social, como afirmam Goldenberg (2000) e Rocha-Coutinho (2003). Para isso, o número de mulheres que investem seu tempo na ampliação da escolarização tende a aumentar com o passar dos anos, já que para ocupar cargos de níveis superiores no mercado de trabalho é necessário apresentar um bom nível de instrução acadêmica. Uma situação que ilustra de orma precisa essa realidade, e que interessa ao presente estudo, é a de homens e mulheres que dedicam-se à pós-graduação stricto sensu, que constitui extensão expressiva do tempo de estudo e que, muitas vezes, exige adiamento da entrada ormal no mercado de trabalho (preerencialmente, em tal caso, na carreira acadêmica). Para melhor expandir a análise das mudanças que vem ocorrendo nos novos moldes da amília contemporânea e na articulação da dierença entre homens e mulheres no que tange às escolhas entre ormação de amília e o investimento na carreira acadêmica, utilizou-se como reerência a teoria das representações sociais. De acordo com Moscovici (1961), a representação social consiste em “um
corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam a realidade ísica e social inteligível, se inserem num grupo ou numa relação cotidiana de trocas, liberam o poder da sua imaginação” (Moscovici, 1961, p.27-28). As representações sociais relacionam o conhecimento produzido no cotidiano com a apropriação de novas ideias, novos conceitos que podem passar a ser reconhecíveis e uncionais no âmbito das interações que ocorrem em determinado contexto cultural. Segundo Abric (2000), as representações sociais são compostas por um sistema que integra um núcleo central a camadas de núcleos periéricos, os quais têm unções específicas, mas que se complementam. A teoria do núcleo central oi proposta por Abric em 1994 e se aplicou ao estudo das Representações Sociais tanto no sentido de sua explicação como também ao processo de transormação das representações. O que oi observado por Abric (e também por outros pesquisadores, como Flament) é que as representações são compostas por elementos contraditórios que, ao mesmo tempo em que ornecem a elas um caráter rígido e estável também proporcionam flexibilidade que possibilita mudanças. Assim, surge um sistema duplo de unções numa representação: o núcleo central e o núcleo periérico. O núcleo central é o centro da representação em que contêm os valores, conceitos de uma cultura que perpassam as gerações, não se altera com acilidade, e tem como unção específica prover o significado central de uma representação. Os núcleos periéricos são todos os elementos que contribuem para a ligação entre o sistema central e o contexto real, com a responsabilidade de atualizar e modificar os conteúdos da representação, sendo, por isso mais flexível, e moldando-se às mudanças no decorrer do tempo. O processo de mudança das representações depende desse sistema, considerando que compete aos elementos centrais o processo de ressignificação ou manutenção de uma representação. No presente estudo oram levantados dados que dizem respeito à representação social de maternidade/paternidade, com a complementação
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das representações de amília e projeto profissional para estudantes inscritos em programas de PósGraduação scrito-sensu da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Objevos A partir do dilema potencial entre longo in vestimento em carreira acadêmica (vários anos dedicados à pós-graduação) e ormação de amília, e objetivando a compreensão das representações que embasam o processo de decisão e as estratégias de enrentamento de uma população que tem crescido na classe média, buscou-se identificar as representações sociais de maternidade, paternidade, amília e projeto profissional para os estudantes de Programas de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo.
Metodologia Participaram do estudo alunos matriculados em alguns dos 35 Programas de Pós-graduação (stricto sensu) da Universidade Federal do Espírito Santo. Para isso, buscou-se um conjunto de 120 participantes, procurando equilibrar a quantidade de homens e mulheres. Os participantes receberam um ermo de Consentimento Livre e Esclarecido, garantindo o sigilo das inormações compartilhadas, bem como a ausência de riscos durante o processo de coleta, que oi lido e assinado antes da aplicação do questionário. A coleta de dados oi realizada por meio de um questionário composto por três partes: dados sócio-demográficos, detalhando questões reerentes à ormação de amília; questões de evocação e
questões que complementaram as evocações. As evocações oram ormuladas e tratadas por meio do sofware EVOC (Ensemble de Programmesl’Analyse dês Évocations) (Vergè, 2000), que gera como produto da análise que executa um quadro contendo a requência e a ordem de evocação das palavras mais significativas.
Resultados De acordo com os dados analisados pelo sofware EVOC (2000), os termos indutores acerca das representações sociais que interessam ao estudo (a saber: “ser pai”, “ser mãe”, “amília” e “projeto profissional”) oram organizados em quadrantes apresentando as evocações deste público. O sotware EVOC (2000) gera um conjunto de quadrantes respectivos a cada termo indutor de uma representação social específica. Esses quadrantes estão dispostos de acordo com requência e a ordem de evocação das palavras. O primeiro quadrante à esquerda apresenta o que se pode considerar o núcleo central da representação, contendo ideias e conceitos estruturais de cada representação e não mudam acilmente. Ele constitui o elemento central da representação, ou seja, o que contém elementos considerados primordiais para a memória coletiva de um determinado grupo. Os demais quadrantes periéricos apresentam os elementos que se modificam com o passar do tempo e advêm de uma contextualização dos elementos centrais com os elementos do cotidiano, se tornando a parte da representação mais flexível e passível de modificações no decorrer no tempo (Abric, 2000). As representações sociais sobre amília são apresentadas na Figura abaixo:
Figura 1 – ermo indutor da evocação: Família Média < 2,5 Média >= 2,5 a amor 41 2,439 aeto i c 1 n 67 2,104 conflitos ê 1 suporte u = 63 1,905 elicidade q > vínculos e r f responsabilidade-dedicação a confiança 6 2,333 princípios-valores i c n 1 6 2,167 reerência ê 1 importante u 8 1,000 respeito q < tudo e r f
20 23 25 11 9 6 10
2,950 2,957 2,600 2,818 2,889 2,833 3,500
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No quadrante correspondente ao núcleo central do termo “amília” é possível perceber uma noção de amília ainda idealizada, constituída por “amor”, que propicia “suporte” ao pós-graduando, e na qual estão presentes “vínculos” entre seus membros. ermos presentes em quadrantes periéricos corroboram essa visão, enatizando a presença de “aetos”, “elicidade” e “confiança”, ao mesmo tempo em que se explicita a “responsabilidade-dedicação” e a apresentação da amília como contexto de aprendizagem de “princípios-valores”. Embora o termo “conflitos” tenha aparecido no segundo quadrante, ele não tem, necessariamente, caráter negativo, podendo estar apenas indicando que o conflito az parte do desenvolvimento dos indivíduos e aponta para uma ideia de amília menos romanti-
zada, possivelmente uma reerência mais pessoal. As palavras “suporte” e “confiança” remetem à ideia de amília como uma estrutura/suporte a fim de possibilitar o acesso deste público aos níveis mais altos de instrução, uma vez que a palavra “amília” aparece relacionada ao termo “projeto profissional”, ainda que na perieria mais distante. É possível perceber, portanto, que a amília representada como sendo undamental parece azer reerência mais direta à amília de origem do que à amília que se espera constituir. No entanto, como oi encontrado nos estudo de Jablonski (2007), o investimento na amília pode ser deixado um pouco de lado em relação à dedicação à carreira e, no caso mais específico das mulheres, em relação ao exercício da maternidade.
Figura 2 – ermo indutor da evocação: Maternidade Média < 2,4 a amor 65 2,138 i c 1 n renúncia 37 2,324 ê 1 u = 82 1,976 q > responsabilidade-dedicação e r cuidados-com-o-bebê 23 2,130 f amor-incondicional 4 1,750 1 1 filhos 8 2,000 < reerência 6 2,333 a i c 4 1,500 n sentimentos-ambíguos ê u q e r f
No núcleo central de “ser mãe” encontram-se as palavras “amor”, “renúncia”, “responsabilidadededicação” e “cuidados-com-o-bebê”, ou seja, palavras que expressam mais uma noção de responsabilidade do que aetiva. al noção de responsabilidade pode estar na base do processo que leva, muitas vezes, ao aastamento de mulheres ligadas ao mundo do trabalho do exercício da maternidade, já que esta demanda alto investimento de tempo e energia, segundo Rocha-Coutinho (2007). No segundo quadrante, a palavra “ocupação” indica como este investimento pode ser experienciado, relacionando-se, aqui, com o trabalho exercido ora da esera doméstica. No terceiro quadrante está o termo “sentimentosambíguos”, que se reere ao desejo pela maternidade acompanhado da noção de eventual desvantagem
Média >= 2,4 alegria-desejo companheira ocupação
42 11 11
2,452 2,545 2,545
casamento compreensão coragem ganhos-pessoais insegurança-medo respeito sustento
9 4 4 4 4 4 6
2,778 3,000 3,000 2,500 2,500 3,250 3,667
que ela pode implicar. Com isso, é possível a hipótese de relação com a queda do numero de filhos em tal grupo, já que outras unções, como o exercício da carreira, passaram a constituir elemento central na vida da mulher contemporânea desse grupo (Rocha-Coutinho, 2007) e a compor o espaço de realização, tradicionalmente ligado à maternidade. Embora o elemento “amor” apareça como aspecto significativo para a representação de “ser mãe”, não se evidencia romantização da representação de maternidade, o que indica esmaecimento da representação tradicional que conflita com a mulher profissional, com a qual os participantes do estudo têm mais contato e mais identificação. Isso se relaciona com o que Jablonski (2007) ressalta que a chegada da maternidade é momento em que o investimento na carreira fica um pouco de lado
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por conta do tempo que um novo membro na amília exige dessa mulher, azendo com que muitas delas mulheres deixem de lado, por um período, o exercício da carreira. Assim, “alegria-desejo” oi um termo evocado por vários participantes, mas na perieria mais distante é possível encontrar elementos como “coragem” e insegurança-medo”, que são opostos, mas com a mesma unção geral de retratar os desafios decorrentes da maternidade. A questão do “sustento”, antes exclusivamente relacionada ao pai, já começa a ser representada como uma das unções maternas. As palavras “ganhos-pessoais” e “casamento” encontram lugar
na perieria mais distante, denotando a ideia de elementos antes ortemente relacionados à maternidade e que agora já não são undamentais: não é mais preciso existir um casamento para se ter filhos, ao mesmo tempo em que se assinala que os ganhos pessoais existem para a mulher, mas eles são apenas mais um dos elementos, e não o mais importante. anto para homens quanto para mulheres participantes do estudo, é possível verificar um alto investimento na construção da carreira (acadêmica), como pode ser observado na Figura reerente a projeto profissional.
Figura 3 – ermo indutor da evocação: Projeto Profissional Média < 2,3 Média >= 2,3 conquistas-realizações 43 2,163 docência 30 a i estabilidade-remuneração 84 2,238 reconhecimento 12 c n 2 1 ê uturo 26 1,962 satisação 25 u = q > e qualificação-profissional 80 2,125 universidade 16 r f responsabilidade-dedicação 23 2,217 utilidade-social 13 a dificuldade 9 1,889 amília 9 i c n 2 7 2,143 ê 1 tempo
2,533 3,250 2,480 2,500 2,538 3,000
u q < e r f
No quadrante correspondente ao núcleo central de “projeto profissional” podem ser observados elementos que remetem ao “uturo” desejado, o qual é repleto de “conquistas-realizações”, proporciona “estabilidade-remuneração” por meio da “qualificação-profissional”, que acontece quando existe “responsabilidade-dedicação”. Este último elemento está ligado ao terceiro quadrante, o qual é definido pelas palavras “dificuldade” e “tempo”. Apesar de este representar a zona de contraste, o terceiro quadrante, com palavras que remetem aos custos de investir na carreira escolhida, não corresponde necessariamente a uma contradição, uma vez que é a dedicação no presente que possibilitará as recompensas do uturo, presentes no núcleo central.
O segundo quadrante demonstra a materialização desses sonhos, ao considerar as palavras “docência”, “universidade” e “utilidade-social”, esta última possibilitando considerar que existe um desejo que vai além dos beneícios próprios apresentados no núcleo central. A “satisação” e o “reconhecimento” são resultados das conquistas citadas no primeiro quadrante. A palavra “amília” está relacionada na perieria mais distante e pode estar vinculada à reerência à amília como suporte, como constatado anteriormente, ou ainda à amília que se deseja constituir e que está “tentando conseguir um espaço” em meio a tanto investimento na carreira. Seria de se esperar, hoje, dados desse tipo também da mulher/mãe, mas eles ainda aparecem como uma responsabilidade especialmente importante para o pai.
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Figura 4 – ermo indutor da evocação: Paternidade Média < 2,6 amizade 23 2,174 0 1 cuidado 32 2,219 = > exemplo 15 2,267 a i c amília 10 1,900 n ê u provedor 22 2,136 q e r responsabilidade 31 2,194 f
0 1 < a i c n ê u q e r f
abdicação atenção ausência compromisso diícil orça participação
3 5 3 6 5 4 5
2,000 2,600 1,333 2,333 2,200 2,500 2,400
No quadrante correspondente ao núcleo central sobre “ser pai”, companheirismo e amizade aparecem como principais ideias associadas à paternidade. Elementos que, por tradição, se poderia considerar mais ligados à maternidade, como “abdicação”, “realização”, “disponibilidade”, “elicidade” e “cuidado”, também estão presentes nas representações sociais de “ser pai”. ais mudanças estão relacionadas com as redefinições de papéis de homens e mulheres no modelo de amília contemporânea, em que o homem tem se envolvido mais com as questões de cuidado aetivo da amília, de acordo com eykal e Rocha-Coutinho (2007) e Welzer-Lang (2001). No núcleo central pode ser observado, ainda, o termo “provedor” que, aliada à palavra “trabalhador” encontrada no segundo quadrante, transmite a ideia de que o pai ainda é o responsável pelo sustento financeiro da amília, apesar da incorporação deste elemento nas representações de maternidade. Mesmo em um contexto de mudanças ainda se mantém a reprodução de modelos mais antigos relativos às unções exercidas pelo homem e pela mulher na sociedade, e assim o papel exercido pelo homem na amília continua sendo o de provedor inanceiro, de onde vem o sustento da amília. Costa e Camino (2003) sugerem a importância de considerar que o processo de idealização do que é ser-homem passa pela determinação biológica; logo, é unção do “macho” proteger sua prole e prover o sustento desta.
Média >= 2,6 aeto educar elicidade mudança protetor trabalhador apoio autoridade disponibilidade firmeza lúdico paciência presença realização respeito
51 15 16 10 10 11
2,745 3,067 2,625 2,900 2,800 2,909
3 4 3 3 6 5 7 5 6
3,000 2,750 3,333 4,000 3,000 3,200 2,714 3,400 3,000
Conclusões As evidências coletadas mostram que dierenças de gênero ainda se expressam com relativo vigor, mesmo no ambiente sociocultural acadêmico, no qual se espera que mudanças encontrem abrigo com maior acilidade. O aumento do número de mulheres no exercício da carreira acadêmica não é garantia de que estas assumem uma posição social no mesmo nível masculino, já que, como oi citado, as tareas da casa e o exercício da maternidade ainda são unções ortemente desempenhadas pelo contingente eminino e são corroboradas pela construção histórica e social do lugar ocupado pela mulher nas relações sociais concretas (Costa & Caminho, 2003). Para abak (2003) a razão pela qual o número pequeno de mulheres comparado ao grupo masculino se direciona para a carreira acadêmica se deve a uma gama de atores. Um deles é a alta de incentivo, principalmente da amília, em relação à escolha de carreiras que em nossa sociedade patriarcal são ainda parte do padrão de hegemonia masculina. No caso, pode estar em jogo o ato de tratar-se de ensino “superior” (já que em outros níveis de ensino há presença marcante de mulheres), e que envolve uma carreira que exige investimento e dedicação continuados, reduzindo a disponibilidade de tempo totalmente dedicado à amília. Romper com essa configuração de estereótipo sexual bem marcado pela profissão ainda é
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uma tarea a ser cumprida pelo público eminino que ingressa no contexto de academia. Embora tenha se construído uma idealização a respeito das unções sociais dos gêneros, as Representações Sociais a este respeito vão se modificando e contextualizando com as dierenças de práticas e características que se alteram com o tempo em uma sociedade. A partir disso, pode-se perceber, neste estudo, o avanço eminino diante das possibilidades de se construir uma carreira acadêmica às vezes conciliada à ormação de amília, às vezes não. Mesmo tendo de lidar com uma dupla jornada de trabalho (casa e trabalho) estudos como os de Goldenberg (2000) e Rocha-Coutinho (2003) indicaram que a busca pela construção de uma carreira não está apenas relacionada à complementação do sustento amiliar, mas constitui importante elemento da realização pessoal. Cabe também ressaltar que as práticas dos homens nas amílias passaram a incluir cuidado aeti vo maior com os filhos. A despeito de tal mudança, a execução de aazeres domésticos permanece, muitas vezes, a ser unção delegada às mulheres, ao mesmo tempo em que o sustento financeiro da amília permanece, em larga medida, a ser visto como responsabilidade masculina. Espera-se que a partir de novos estudos outros aspectos da articulação das relações de gênero com a carreira acadêmica sejam analisadas, buscando conhecimento sobre os múltiplos atores envolvidos em tal relação, e visando aprimorar a caracterização dessa categoria de indivíduos que se dirige para a carreira acadêmica e para a dedicação à pesquisa.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO DOCENTE A PARTIR DA PALAVRA ESTÍMULO ‘DAR AULA’ Norma Patrícya Lopes Soares, Maria do Rosário de Fáma Carvalho 1
Introdução Reconhecendo que o proessor é um ator social que partilha de experiências e saberes dada à sua condição de mediador do processo pedagógico e de sua historicidade como um ser inacabado e em contínuo processo de ormação, este artigo tem como oco de investigação científica as representações sociais de trabalho docente de alunos do primeiro período letivo (2008) dos Cursos de Pedagogia, Letras e Biologia na cidade de Picos/PI. Assim, a problemática central desta investigação é: qual a representação social de trabalho docente para estudantes dos primeiros anos de cursos de graduação da área de educação (Licenciatura em Pedagogia, Letras e Biologia) do Campus da UFPI/ Picos/Piauí/Brasil? O interesse em pesquisar as representações sociais de trabalho docente surgiu da necessidade de elucidar os sistemas de significação que são socialmente produzidos, partilhados e enraizados pelo grupo de discentes acima caracterizados. É importante que os proessores desses alunos apreendam os elementos propulsores das representações já que estas organizam ações, mudanças e interações sociais com vistas a proporcionar uma ormação profissional docente ecunda de conhecimentos científicos para que os mesmos possam ser partilhados e se tornem parte de suas representações sociais de trabalho docente. Para complementar a teoria das representações sociais (RS) utilizou-se a teoria do núcleo central (NC) criada em 1976, por Jean Claude Abric, que tem por unção unir e dar significado aos elementos da representação. Como suporte metodológico à identificação do núcleo central ez-se uso da técnica da associação livre de palavras (ALP), também desenvolvida por Abric e que se baseia nas palavras evocadas livremente pelos participantes, as quais são hierarquizadas pelo sofware EVOC 2000, programa disponibilizado por Vergès.
Aportes conceituais sobre representações sociais
A teoria de base que sustenta essa investigação assenta-se nas RS. Esta teoria oi criada por Serge Moscovici nos anos 50, na França, quando postulou que as RS são elementos simbólicos que os homens expressam mediante o uso de palavras e gestos. A representação em si (a imagem) consiste em modelar o que é dado do exterior na medida em que os indivíduos e os grupos se relacionam através dos sentidos, da imaginação, da memória ou do pensamento, sendo estes o resultado do que a mente produz (a concreticidade). Nesse momento, a linguagem se aproveita para circunscrever e arrastar o objeto representado para um fluxo de associações e impregná-lo de metáoras e projetá-lo em seu verdadeiro espaço que é simbólico. Assim, a representação ala, mostra, comunica e exprime, ou seja, “é uma modalidade de conhecimento particular que tem por unção a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos”. (Moscovici, 1978, p. 26). Conceituar as Representações Sociais não é tarea nada ácil dada à complexidade desta noção. Ela ocupa uma posição mista na encruzilhada de uma série de conceitos sociológicos e de uma série de conceitos psicológicos. Além disso, o próprio Moscovici resiste em apresentar um conceito por acreditar que tal tarea pode resultar na redução do seu alcance. Segundo Nóbrega (2001), a razão dessa mudança terminológica se justifica, de um lado, pela diversidade da origem tanto dos indivíduos quanto dos grupos, por outro lado, pelo reconhecimento da importância da comunicação enquanto enômeno que possibilita
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convergir os indivíduos (apesar de, e por causa da divisão social do trabalho) numa rede de interações em que qualquer coisa individual pode tornar-se social, ou vice-versa (p. 61).
Para Moscovici (2009), estaticamente [grio do autor], as representações sociais se mostram semelhantes a teorias que ordenam ao redor de um tema (as doenças mentais são contagiosas, as pessoas são o que elas comem, etc.) uma série de proposições que possibilita que coisas ou pessoas sejam classificadas, que caracteres sejam descritos, seus sentimentos e ações sejam explicados e assim por diante (pp. 209-210).
Assim, as representações sociais existem praticamente independentes, são quase palpáveis, elas circulam, se cruzam e se cristalizam incessantemente através da ala das pessoas, dos nossos gestos ou de nossos encontros em nosso universo cotidiano. Correspondem, por um lado, à substância simbólica que penetra nessas elaborações e, por outro, à prática que produz a dita substância de tal elaboração, tal como a ciência ou os mitos correspondem a uma prática científica e mítica. Representar uma coisa, um objeto, um estado, uma sensação, não significa simplesmente desdobrá-la, repeti-la ou reproduzi-la; é reconstituí-la, retocá-la, modificar-lhe o texto. A comunicação que se estabelece entre conceito e percepção, um penetrando no outro, transormando a substância concreta comum, cria a impressão de realismo, de materialidade das abstrações e de abstração das materialidades. Desse modo as representações individuais ou sociais azem com que o mundo seja o que pensamos que ele é ou deve ser. (Moscovici, 1978). Em se tratando de sua gênese e de suas unções, as representações sociais podem ser relacionadas a três eseras de pertença: a da subjetividade, a da intersubjetividade e a da transubjetividade. De acordo com a teoria das representações sociais, toda representação social é relacionada a um objeto e a um sujeito. Os sujeitos devem ser concebidos não como indivíduos isolados, mas como atores sociais ativos, aetados por dierentes
aspectos da vida cotidiana, que se desenvolve em um contexto social de interação e de inscrição. A noção de inscrição compreende dois tipos de processos cuja importância é variável segundo a natureza dos objetos e dos contextos considerados. Por um lado, a participação em uma rede de interações com os outros, por meio da comunicação social – aqui eu me refiro ao modelo da triangulação sujeito-outro-objeto proposto por Moscovici (Jodelet, 2009, p. 696).
Segundo Jodelet (2009) as representações, que são sempre de alguém, têm uma unção expressiva. Seu estudo permite acessar os significados que os sujeitos, individuais ou coletivos, atribuem a um objeto localizado no seu meio social e material, e examinar como os significados são articulados à sua sensibilidade, seus interesses, seus desejos, suas emoções e ao uncionamento cognitivo. De acordo com Moscovici (2009, p. 54) “a finalidade de todas as representações é tornar amiliar algo não-amiliar,...”. [grio do autor]. A dinâmica das relações é uma dinâmica de amiliarização, por isso durante esse processo azemos uso da memória e “esta prevalece sobre a dedução, o passado sobre o presente, a resposta sobre o estímulo e as imagens sobre a realidade” (2009, p. 55). O não-amiliar atrai e intriga as pessoas ao mesmo tempo em que as alarma e as obriga explicitar os pressupostos necessários ao consenso. Não é ácil transormar o não-amiliar (palavras, coisas, seres, ideias, ...) em amiliar. Para ocorrer esta passagem, dois processos se tornam necessários: a ancoragem e a objetivação. Por ancoragem entendemos, conorme Moscovici (2009) “um processo que transorma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada” (p. 61). Por objetivação entendemos a transormação de “algo abstrato em algo quase concreto, transerir o que está na mente em algo que exista no mundo ísico”. (p. 61). Ancorar é dar nome a alguma coisa, é classificar. Ao ancorarmos estamos tornando ideias estranhas em imagens comuns, amiliares. Através da classificação do que é inclassificável e de dar nome ao que
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antes não tinha nome, nós estamos imaginando e representando, pois a representação consiste neste processo de classificação e denotação, de alocação de categorias e nomes. A classificação significa “confinarmos a um conjunto de comportamentos e regras que estipulam o que é, ou não é, permitido, em relação a todos os indivíduos pertencentes a esta essa classe”. Já categorizar significa “escolher um dos paradigmas estocados em nossa memória e estabelecer uma relação positiva ou negativa com ele”. (Moscovici, 2009, p. 63). Nomear algo significa tirá-lo do anonimato, incluí-lo em um contexto, localizá-lo, dar uma identidade em uma cultura. Objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, é reproduzir um conceito em uma imagem. Nem todas as palavras podem ser ligadas a imagens, mas todas as imagens podem conter realidade e eficiência. Se existem imagens e se elas são essenciais para a comunicação e compreensão social é porque elas não existem sem realidade; assim aquelas se tornam elementos da realidade e não elementos do pensamento. A cultura nos leva a construir realidades a partir de ideias significantes e cada cultura possui seus instrumentos próprios para transormar representações em realidade, porém não são únicos. Assim, objetivamos tudo que encontramos, personificamos sentimentos, classes sociais, etc. E, ao escrevermos, estamos personificando a cultura. Como as representações sociais estão imersas em um movimento contínuo e incessante de comunicação elas possuem sistemas indutores de circulação dessas inormações, ou seja, a diusão, a propagação e a propaganda. De acordo com Nóbrega (2001, p. 80) “cada uma dessas ormas de comunicação tem por eeito a produção de representações sociais específicas, conorme a dinâmica das intenções realizadas entre os sujeitos e o objeto articulado no âmbito do pensamento social”. Assim, a diusão pode ser caracterizada por uma indierenciação dos laços entre emissor e receptor da mensagem, uma vez que os temas são ragilmente ordenados entre eles, os dierentes pontos de vista podem ser contraditórios. Esta noção é reatada à acepção de opinião. A propagação, ao contrário da diusão, já exige uma organização mais complexa das mensagens. Esta modalidade
de comunicação tem propriedades semelhantes às do conceito de atitude. Dissertando sobre a teoria do núcleo central esta se originou a partir das pesquisas experimentais de Jean-Claude Abric no ano de 1976 onde o autor afirmou que “toda representação está organizada em torno de um núcleo central (NC) (...) que determina, ao mesmo tempo, sua significação e sua organização interna” (Abric, 1994a, p. 73, citado por Sá, 1996, p. 67). Na concepção de Sá (1996), o NC é “um subconjunto da representação composto de alguns elementos, cuja ausência desestruturaria a representação ou lhe daria uma significação completamente dierente” (p. 67). É o NC que assegura o cumprimento de duas unções essenciais: a unção geradora – elemento pelo qual se cria ou se transorma a significação dos outros elementos; a unção organizadora – elemento unificador e estabilizador da representação. O NC é o elemento que mais vai resistir à mudança. (Sá, 1996). Desta orma podemos dizer que o NC determina o significado, a consistência e a permanência de uma representação social e resiste à mudança já que toda modificação do núcleo central provoca transormação completa da representação. Depreendemos, portanto, que o núcleo estruturante indica o consenso de um grupo (unção consensual ou consenso uncional) e contribui para a continuidade e permanência da representação. Aportes conceituais sobre formação docente
Estudar sobre a profissão docente implica inicialmente azer um levantamento do significado do termo profissão e, por conseguinte, docente para se chegar a uma possível compreensão da expressão. A literatura sobre ormação de profissionais tem analisado os processos como um aprendiz pode chegar a ser um profissional. Assim, pode-se definir a profissionalização como um processo no qual uma ocupação organizada, normalmente, mas nem sempre em virtude de uma demanda de competências especiais e esotéricas, e da qualidade do trabalho, dos beneícios para a sociedade, obtém, o exclusivo direito a executar um tipo particular de trabalho, controlar a ormação e o acesso, e controlar o direito para
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determinar e avaliar as ormas de como realizar o trabalho. (Ramalho, Nuñez & Gauthier, 2004, p.39).
Em outras palavras profissão pode ser considerada como as competências básicas necessárias ao exercício de uma ocupação. Assim, a transormação de uma ocupação em profissão significa a busca de um reconhecimento da especificidade dessa ocupação, a legitimação de espaços de autonomia e um maior status social. Iniciando a discussão sobre trabalho docente o entendemos como um processo que envolve ormação política, maniestação ética, capacitação científica e técnica. É um trabalho realizado por profissionais, geralmente ormados em nível superior ou médio, que para trabalhar necessitam de um credenciamento (concurso), são controlados, avaliados, possuem sindicato, sua ação é regida por certa racionalidade, seguem regras (o que os burocratiza), convivem com ambiguidades, incertezas, limitações e possibilidades, o que os leva a realizar e refletir sobre sua atividade. O trabalho docente “é uma das mais antigas ocupações modernas” (ardi & Lessard, 2008, p. 21). E a maioria da população mundial está envolvida com esta profissão, seja como aluno, seja como proessor. O trabalho do proessor conigura-se como uma das proissões com o maior número de profissionais e é indispensável ao contexto atual. Convém ressaltar que o trabalho docente não se limita nem às atividades de classe, nem às relações com os alunos, embora essas relações sejam essenciais ao exercício da profissão. A docência vai além do contexto escolar, participa do contexto social situado tanto dentro quanto ora da escola e é ao mesmo tempo uma atividade individual e coletiva. Por essa razão o docente se assemelha a um ator social que negocia diariamente com seus alunos, colegas de trabalho e demais agentes educativos. Constata-se, portanto, que o trabalho docente é uma construção social realizada por profissionais com ormação específica, de orma individual ou coletiva, que buscam interesses que lhes são próprios e que por razões diversas colaboram numa mesma instituição.
Primeiros indícios da pesquisa acerca de trabalho docente
Com este estudo pretende-se localizar os acontecimentos da vida pessoal dos sujeitos, ou seja, “procuraremos isolar quais representações são inerentes nas pessoas e objetos que nós encontramos e descobrir o que representam exatamente” (Moscovici, 2009, p. 36). Em virtude da natureza da investigação oram utilizados os procedimentos metodológicos do Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade – Educação (CIERS-Ed) apoiado pela Fondation Maison des Sciences del’ Homme (França) que tem como objetivo realizar investigações científicas no âmbito da educação por meio do estudo da teoria das representações sociais em articulação com outros reerencias teórico-metodológicos de modo a analisar e refletir sobre os processos educacionais, bem como seus consequentes sociais, desenvolvidos em instituições de ensino. A coleta de dados oi realizada por meio da teoria da associação livre de palavras (ALP) dada o seu caráter espontâneo e menos controlado e por permitir o acesso aos elementos constituintes do objeto estudado, ou seja, a ALP “permite atualizar elementos implícitos ou latentes que seriam suocados ou mascarados nas produções discursivas” (Abric, 2001, p. 59). Seu uso justifica-se, assim, pelo seu caráter projetivo, pois permite acender, pelas vozes dos participantes da pesquisa, os elementos constitutivos do universo semântico sobre os objetos das representações sociais, bem como seu conteúdo e sua organização. O total de sujeitos pesquisados oi 100 alunos do 1º ano dos cursos de Pedagogia, Letras e Biologia, sendo 30, 42 e 28, respectivamente. O ponto de partida da pesquisa oi a aplicação de um questionário iniciado com uma questão de associação livre. Essa técnica consiste na maniestação pelos participantes de palavras que lhes venham à mente a partir de um estímulo que pode ser na orma verbal, objetos ou imagens. Em nossa pesquisa utilizamos três palavras geradoras: ‘dar aula’, ‘aluno’ e ‘proessor ’. A partir dessas palavras cada sujeito escrevia as quatro palavras que primeiro lhes viessem à mente sobre a palavra geradora. Em seguida solicitamos aos
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alunos que hierarquizassem as palavras evocadas em ordem de importância. O restante do questionário perfil inclui questões echadas para levantamento de inormações pessoais e profissionais e um questionário carta com outras questões reerentes à escolha da profissão e à visão dos respondentes sobre o trabalho do proessor, sendo algumas destas questões abertas. Como o presente texto trata de uma pesquisa em andamento apresentaremos, a seguir, dados reerentes aos sujeitos investigados, bem como analisaremos, através do EVOC, a representação social de trabalho docente emergida, apenas, da palavra estímulo ‘dar aula’, ficando as demais para a construção da tese. Do universo pesquisado constata-se uma preponderância significativa do sexo eminino, ou seja, 83% dos sujeitos são mulheres e apenas 17% são homens. Esse dado é uma constante em algumas pesquisas a exemplo da realizada por Sousa, Pardal e Villas Bôas (2009). Com relação à idade, os 100 sujeitos assim se distribuem: 45% possuem entre 17e 19 anos de idade; 37% estão entre 20 e 23 anos de idade; 13% possuem entre 24 a 30 anos de idade; e apenas 5% estão acima dos 31 anos de idade. Isso revela que quase 50% dos sujeitos pesquisados são jovens com menos de 20 anos de idade, percentual este repetido também nos dados da pesquisa realizada por Sousa et al. (2009). odos os sujeitos da pesquisa estudam no turno da noite. A partir de um questionário carta que os alunos responderam no momento da coleta dos dados, fizemos a análise de 2 temas centrais: sua relação com a utura profissão e a opinião dos amigos em relação à escolha pela profissão. Com relação à intenção de lecionarem depois de ormados, 87% dos alunos pretendem lecionar depois de ormados e apenas 13% não tem essa pretensão. Pode-se atribuir o alto percentual de aceitação ao trabalho, talvez, à oerta de emprego na área educacional, que é um dos maiores no município onde ora realizada a pesquisa. Quanto ao que não pretendem lecionar, este pode estar ligado ao desejo de obtenção do grau de bacharéis como relataram alguns entrevistados. “... eu não quero parar como proessor, eu quero me apereiçoar mais, não quero
ficar só na licenciatura, quero me expandir mais, quero me especializar e tal” (S1). Já que Medicina é um curso muito caro e eu não tô podendo pagar, então eu tô começando por baixo. Eu resolvi escolher o curso de Biologia por ter vários espaços no mercado, posso trabalhar na genética, com clínicas, laboratórios. É por isso que eu escolhi o curso de Biologia, eu poderia escolher outro curso, queria escolher Bioquímico mesmo, porque Bioquímico pra mim é mexer com aquelas órmulas químicas, azer remédios, porque o meu sonho é o que? É ser Bioquímico e abrir uma armácia de manipulação aqui em Picos. (S2). ... eu gosto da natureza, assim eu também pretendo me especializar na área da genética pra ter um uturo mais alto (...) eu sei da área, de como a gente pode trabalhar além de lecionar. em várias opções que se você não quiser lecionar, você pode se especializar em diversas áreas também. (S3).
No tocante à opinião dos amigos sobre a escolha de ser proessor, os dados apontam que, segundo a opinião dos amigos, não vale a pena ser proessor, pois os percentuais são claros: 65% acreditam que não vale à pena exercer a profissão à qual pleitearão depois de ormados e 35% ainda acreditam na profissão docente. Com percentuais próximos (73%) aos produzidos pela pesquisa realizada por Sousa et al. (2009), os amigos e amiliares dos uturos docentes não creem que vale a pena ser proessor. O núcleo central de ‘dar aula’
Os dados obtidos a partir do mapa gerado pelo EVOC, com relação à palavra estímulo ‘dar aula’, levam a constatar que o NC é aluno e aprender, os quais figuram no quadrante superior esquerdo como ora definido por Abric (2001). O segundo quadrante, o superior direito, é o periérico, que estabelece uma interace ou uma ligação mais imediata ao NC e vem complementá-lo. Em nosso caso, este quadrante está em branco, o que pode significar que os sujeitos pesquisados creem que dar aula é uma tarea exclusiva do proessor o qual se encontra isoladamente no terceiro quadrante, o inerior esquerdo. No último quadrante, o inerior direito, é onde se encontram os elementos mais
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periéricos do núcleo central, ou seja, aqueles que já estão saindo da representação social ou ainda não azem parte do universo simbólico daqueles, no caso desta pesquisa são os elementos: ensinar, escola e transmitir. Assim, depreende-se que dar aula é uma atividade que gira em torno de um aluno que aprende por
meio do proessor ao qual cabe ensinar/transmitir numa instituição chamada escola. No gráfico abaixo é possível identificar os principais elementos da representação social do trabalho docente e a maneira como esses elementos estavam organizados para a construção dos sentidos que mobilizavam. Veja:
Mapa – EVOC de ‘dar aula’ Aluno Aprender
Proessor
Frequência > 24 25 29 Frequência ≤ 10 e < 23 21
OME < 2 1,64 1,621 OME < 2 1,857
Ensinar Escola ransmitir
Frequência > 24
OME > 2
Frequência < 24 19 13 11
OME > 2 2,316 2,385 2,091
Fonte: Dados do pesquisador obtidos a parti da ALP
Entendendo que o núcleo indica o consenso de um grupo (unção consensual) e contribui para a continuidade e permanência da representação, em torno deste NC existe todo um sistema periérico que indica as adaptações (objetivações e ancoragens) dos sujeitos em unção do vivido no contexto de seus saberes curriculares, disciplinares e/ou experienciais. (ardi, 2010). Nesse mapa constatamos que ‘dar aula’ tem um núcleo e que este é uma maniestação do pensamento social; e, em torno desse pensamento social, há certa quantidade de crenças, coletivamente produzidas e historicamente determinadas, devendo ser respeitadas, posto que elas são o undamento dos modos de vida e garantem a identidade e a permanência desse grupo social (Sá, 1996), elementos este revelados pelos quadrantes periéricos. Lembremos que o núcleo central corresponde ao que Moscovici (1978) denomina de parte não negociável da representação social e constitui a base comum e consensual de uma representação social, aquela que resulta da memória coletiva e do sistema de normas ao qual o grupo se reere.
Considerações nais Concluímos, a partir dessas inormações, que os sujeitos pesquisados, em sua grande maioria, são do sexo eminino, pretendem lecionar logo depois
de ormado, mas seus amigos acreditam não valer a pena ser proessor. Alguns alunos não estão azendo o curso pretendido dado à alta de oerta na região onde moram (interior do Estado do Piauí) como mostram os relatos obtidos nas entrevistas. Assim, provavelmente, suas representações sociais de trabalho docente sejam reflexos da limitada oerta de cursos nas instituições existentes na região. A representação social de trabalho docente a partir da palavra estímulo ‘dar aula’ está circunscrita à figura do aluno que aprende por meio do proessor que ensina e transmite (conhecimento) na escola. Essa representação pode ter sido originada a partir de uma objetivação de ‘dar aula’ associada livremente e ancorada na relação intrínseca de aluno/proessor/escola. ais conhecimentos provavelmente sejam advindos de saberes plurais que circulam nas atividades docentes tanto no ambiente escolar como ora dele. Convém ressaltar que esses dados ainda não podem ser conclusivos, visto ser uma pequena amostra da pesquisa maior e que apenas indica uma das ancoragens que os alunos chegaram às representações sociais de trabalho docente. É necessário o cruzamento das inormações resultantes da ALP e do PCM (procedimento de classificações múltiplas), os quais se encontram em processo de análise.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE TRABALHO PARA ADOLESCENTES APRENDIZES 1 Renata Danielle Moreira Silva 2, Zeidi Araujo Trindade3,
Lara de Sá Leal 4
Introdução O trabalho inanto-juvenil é uma preocupação que se destaca na sociedade brasileira e em organismos internacionais de deesa dos direitos humanos, como a Organização Internacional do rabalho (OI) e o Fundo das Nações Unidas para a Inância e Adolescência (UNICEF). O impacto que a atividade laboral tem para o desenvolvimento de crianças e adolescentes é um objeto de discussão e pesquisa no Brasil desde o início do século passado, quando o trabalho de adolescentes, e especialmente de crianças, oi percebido por alguns setores sociais como penoso, insalubre e pior remunerado que o trabalho dos adultos. Atualmente, apesar de haver um consenso jurídico e acadêmico sobre o trabalho inantil, considerando-o danoso e insalubre ao desenvolvimento das crianças, o trabalho juvenil é tema controverso e polêmico e ainda existem divergências na literatura sobre os eeitos do trabalho no desenvolvimento dos adolescentes. Duas das principais preocupações concernentes ao trabalho juvenil são: as condições de trabalho impostas às crianças e a adolescentes e os danos à escolarização, já que parte dos adolescentes que começam a trabalhar muito cedo apresenta deasagem escolar ou acaba evadindo (Alves-Mazzotti, 1998). Segundo Oliveira, Fischer, eixeira & Amaral (2003) vários estudiosos argumentam a avor dos aspectos positivos do trabalho afirmando que pode contribuir para o crescimento pessoal, aumento da autoestima e de sentimentos de realização. Porém outros autores, principalmente em trabalhos relacionados à área da Saúde Pública (Asmus et al , 2005; Minayo-Gomez & Meirelles, 1997; Martins et al, 2002; Oliveira et al , 2001), destacam consequências negativas do trabalho, como prejuízo do desenvol vimento ísico, emocional e escolar, diminuição do tempo para o lazer, convivência com os pares, amília e comunidade.
Se os significados do trabalho inanto-juvenil para pesquisadores e estudiosos da área são majoritariamente negativos, o mesmo não acontece no senso comum e a perspectiva de pais, empregadores e até mesmo dos adolescentes trabalhadores sobre o labor é predominantemente positiva. É inegável que situação de pobreza em que várias amílias brasileiras se encontram leva os adolescentes ao trabalho, porém outros atores, como desejo por autoafirmação, independência econômica e ideologia amiliar são outras razões apontadas pela literatura para a inserção laboral (Alves-Mazzotti, 2002; Sabóia, 1999). As representações sociais (RS) de jovens trabalhadores sobre a atividade laboral apresentam elementos negativos e positivos. Os negativos a relacionam ao cansaço causado pela dupla jornada, à responsabilidade excessiva, à alta de tempo para as atividades de lazer, ao ato de prejudicar os estudos e à sobrecarga ísica que causa dores no corpo (Oliveira, Fischer, eixeira, & Amaral, 2003; Oliveira et al 2001). Porém esses mesmos estudos mostram que o trabalho também é associado a elementos positivos como a importância do trabalho, a conquista da independência financeira, o trabalho como algo interessante e agradável, a possibilidade de ajudar a amília e a crença que o trabalho precoce contribuirá para a melhoria da condição de vida no uturo. De acordo com pesquisadores (Oliveira, Fischer, eixeira, &Amaral, 2003; Oliveira et al 2001), esses beneícios apontados pelos participantes são pertencentes à ordem moral por colaborarem para que o jovem adquira características atribuídas ao universo adulto. Mattos e Chaves (2006) identificaram elementos que indicam uma relação complexa entre a conciliação do trabalho com estudo e o aumento do estresse, Apoio Institucional: CNPQ (PPGP/UFES) 3 (DPSD/PPGP – Universidade Federal do Espírito Santo) 4 (Universidade Federal do Espírito Santo) 1 2
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porém não encontraram somente elementos representacionais negativos. Os entrevistados entendem que entre os eeitos dos trabalhos estão a obtenção de dinheiro que será utilizado para contribuir com as despesas amiliares e possibilitará certa independência e acesso e bens de consumo. Além disso, o trabalho é significado como orma de aprendizagem de uma profissão e onte de desenvolvimento pessoal. Em estudo sobre representações sociais de honra para adolescentes aprendizes (Silva, 2009) os entrevistados destacam majoritariamente aspectos positivos reerentes às mudanças percebidas no cotidiano após a inserção laboral. Em estudo sobre a experiência laboral de adolescentes aprendizes Amazarray et al (2009) concluíram que os participantes compreendem o ser trabalhador e o ser aprendiz como experiências semelhantes e dierentes ao mesmo tempo, pois a vivência de ser aprendiz não se dierencia de qualquer outro trabalho ao mesmo tempo em que admitem sorer menos cobrança que um trabalhador ormal. Os adolescentes significam o trabalho como meio de sobrevivência, independência financeira, possibilidade de melhorar a vida, ormação profissional privilegiada e valor moral, pois é percebido como algo dignificante e que traz crescimento. Abric (2001) define as representações sociais como visões de mundo que permitem aos grupos e indivíduos conerir sentido às suas práticas e compreender a realidade a partir de um sistema próprio de reerências. Independentemente do modo como são abordadas, a RS sustenta que as representações sociais não podem ser entendidas como reproduções, mas sim como construções socialmente compartilhadas (Vala, 2000). O processo de representar implica, portanto, a concepção de um sujeito ativo, produto e produtor da sociedade na qual se insere. A abordagem estrutural das representações sociais airma que representações sociais se organizam em um duplo sistema: o sistema central, também chamado de núcleo central, e o sistema periérico (Abric, 1993). O núcleo central tem uma determinação histórica e ideológica ligada ao sistema de valores, crenças e memórias sociais daquele grupo e caracteriza-se por ser estável, resistente a mudanças, não comportar incoerências e ser pouco sensível ao contexto imediato (Abric 1993; Sá 1996). Já o sistema periérico permite a
integração da representação social com o contexto social imediato. É mais lexível que o núcleo central e está associado às experiências individuais dos sujeitos, é tolerante à heterogeneidade e às contradições existentes (Abric 1993; Sá 1996). A ideia de as representações sociais terem uma estrutura pode remeter à rigidez e imutabilidade, porém o ato de os sistemas central e periérico serem integrados permite que a dicotomia Estrutura versus Processo seja superada (rindade, 1998). Desta orma, este estudo se undamenta na teoria proposta por Moscovici (1978) e na proposta complementar desenvolvida por Abric (1998) e tem como objetivo compreender as representações sociais (RS) de trabalho de jovens inseridos em contexto de aprendizagem profissional.
Método Participaram dessa pesquisa 191 adolescentes, 89 meninas e 102 meninos, com idades entre 14 e 17 anos, inseridos em um programa de aprendizagem profissional (adolescente aprendiz) de uma instituição da Grande Vitória-ES. O instrumento de pesquisa continha uma questão de associação-livre (Abric, 2003) organizada a partir dos seguintes termos indutores:trabalho e ser adolescente e trabalhar . Foi solicitado que os participantes escrevessem as cinco palavras, imagens e expressões que associavam aos termos indutores. É importante mencionar que os termos indutores não vinham escritos no instrumento e os participantes só tomavam conhecimento deles durante o procedimento de coleta de dados. O instrumento oi aplicado de orma coletiva, nas salas onde os adolescentes tinham as aulas reerentes à parte teórica do programa de aprendizagem. O procedimento oi realizado em todas as oito salas, quatro do turno matutino e quatro do turno vespertino. Primeiro as pesquisadoras apresentavam-se, explicavam os objetivos da pesquisa, o caráter voluntário e sigiloso da pesquisa e distribuía-se aos adolescentes que concordavam em participar o instrumento de pesquisa. O banco de dados recebeu ormatação adequada à análise do EVOC (Ensemble de Programmes Permettant L’analyse dês Évocations) que se caracteriza por ser um conjunto de programas que realizam
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a análise de evocações a partir dos parâmetros requência e ordem de aparecimento das evocações. O cruzamento desses dois critérios permite o levantamento dos elementos que provavelmente se associam ao termo indutor e permite o levantamento da organização interna das representações sociais associadas a esses termos
Resultados e Discussão Representações sociais da adolescência A abela 01 apresenta as RS de trabalho dos adolescentes. Abric (1998) afirma que representações sociais de dois grupos distintos são equivalentes quando organizadas em torno do mesmo núcleo central, portanto é possível afirmar que meninos e meninas aprendizes tem a mesma RS de trabalho. Mesmo os sistemas periéricos apresentam muitos elementos em comum, apenas a organização desses nos quadrantes é dierente, o que aumenta a similaridade das representações dos dois grupos. Os participantes do sexo masculino apresentam um termo a mais reerente a questões financeiras (comprar ) e relacionam trabalho à construção de
relacionamentos (amigos), ato ausente nas RS das participantes. As meninas apresentam um elemento negativo a mais (acordar cedo). Esses resultados são bastante próximos das RS de trabalho por adolescentes trabalhadores e não trabalhadores encontrados por Oliveira, Fischer, eixeira, Sá, & Gomes (2010). Os termos responsáveis e dinheiro também compõem o núcleo central das RS de trabalho e os elementos cansativo, esorço, acordar cedo, experiência, aprender são componentes do sistema periérico. As representações sociais de trabalho de adolescentes trabalhadores e não trabalhadores são constituídas por elementos majoritariamente positivos, com grande conotação moral e hegemonicamente estabelecidos pelo grupo social, resultados também encontrados no presente estudo. O núcleo central é constituído pelos elementos dinheiro eresponsabilidade que possuem conotação positiva e expressam uma representação social hegemônica (ou coletiva) visto quetem o seu ponto de ancoragem, sobretudo nas crenças e valores lar gamente diundidos, indiscutíveis, coercivos e que se reerem à natureza do homem e à natureza da ordem social (Vala, 2000, p. 9 ).
abela 1 – RS de trabalho de adolescentes aprendizes Meninas OME <2, 9 Freq. med. ema evocado Frequência OMI ≥ 43 Dinheiro 43 2,4 Responsabilidade 44 1,7 Acordar cedo 12 2,7 < 43 Aprendizagem 13 2,7 Cansativo 17 2,6 Compromisso 14 2,7 Respeito 11 2,5 Meninos OME <3,0 Freq. med. ema evocado Frequência OMI Dinheiro 59 2,1 ≥31 Responsabilidade 40 1,8 Compromisso 14 2,9 <31 Salário 14 2,4
ema evocado Experiência Salário
ema evocado
≥2,9 Frequência 12 12
≥3,0 Frequência
OMI 2,9 3,2
OMI
Cansativo
31
3,1
Amigos Aprendizagem Comprar Esorço Respeito
13 10 9 10 11
4,2 3,0 3,4 3,3 3,0
OME = ordem média de evocação do termo pelos participantes
De acordo com Araújo e Scalon (2005), é possí vel afirmar que trabalho, na sociedade contemporâ-
nea, adquire três significados distintos, que podem ser abarcados pelos elementos do sistema central e
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periérico dessa representação social de trabalho: realização pessoal, provimento das necessidades materiais e possibilidade de constituição de uma identidade positiva. O trabalho é onte de realização pessoal visto que conere status e se constitui elemento de afirmação econômica; ou seja, o trabalho pode conerir uma posição social positivamente destacada a quem o executar, além de possibilitar a aquisição dos bens de consumo que conerem status social. É uma necessidade econômica; em uma sociedade capitalista o trabalho adquire a configuração de moeda de troca econômica, vende-se a orça de trabalho por um determinado valor; que teoricamente possibilitará a aquisição dos bens de consumo mínimos para a sobrevivência. Em classes populares, como aquelas às quais pertence nosso conjunto de entrevistados, isso se torna muito mais imperativo e as pessoas se inserem no mercado de trabalho mais precocemente do que em outras classes economicamente mais privilegiadas. O trabalho é uma categoria central na constituição da identidade humana. De acordo com Jacques (1997), possibilita que os indivíduos incluídos no mercado produtivo sejam identificados pelo grupo social e se identifiquem como trabalhadores e
com todas as características positivas atribuídas socialmente a essa imagem, em oposição àqueles que não trabalham, como a responsabilidade, o compromisso, o esorço e o respeito. Essas características potencializam ainda mais a unção identitária das RS de trabalho, visto que os indivíduos e grupos utilizam essa categoria para se situar no campo social assegurando a elaboração de uma identidade pessoal e grupal adequada ao conjunto de normas e valores. Segundo Deschamps e Moliner (2009), representações sociais coletivas reerem-se às visões de mundo impostas aos indivíduos em uma sociedade em determinado momento histórico, que orientam os processos necessários às construções e dinâmicas identitárias. Portanto, quanto mais relevante or o objeto social para a constituição da identidade grupal (e o trabalho é um exemplo disso), mais chance haverá da representação desse objeto ser uma representação hegemônica ou de apresentar um número elevado de elementos hegemônicos. Representações sociais do ser adolescente e trabalhar
A tabela 2 apresenta as RS de ser adolescente e trabalhar dos participantes:
abela 2 - RS de ser adolescente e trabalhar de adolescentes aprendizes Meninas OMI <2,9 ≥2,9 Freq. med. ema evocado Frequência OMI ema evocado Frequência ≥15 Independência 15 1,7 Cansativo 19 Responsabilidade 52 2,1 Dinheiro 15 <15 Experiência 9 2,0 Futuro 10 Aprendizagem 12 2,3 Compromisso 11 2,6 Crescer 11 2,3 Dificuldade 12 2,6 Bom 10 2,6 Vida Corrida 9 2,8 Meninos OMI <2,9 ≥2,9 Freq. med. ema evocado Frequência OMI ema evocado Frequência ≥22 Dinheiro 22 2,7 Responsabilidade 43 2,0 Cansativo 26 2,8 <22 Experiência 12 2,7 Amigos 11 Aprendizagem 10 2,2 Crescer 12 Compromisso 9 2,6 Esorço 14 Dificuldade 10 2,3 Bom 15 Vida Corrida 15 2,7 OME = ordem média de evocação do termo pelos participantes
OMI 3,2 3,7 4,1
OMI
3,4 3,2 3,1 2,9
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As representações sociais de ser adolescente e trabalhar compartilham similaridades com as RS de “trabalho”, como a presença no sistema central dos termos dinheiro (meninos ) e responsabilidade (para meninos e meninas). Responsabilidade se destaca como o elemento central mais orte, com requência muito mais elevada do que qualquer outro vocábulo e apresenta vigorosas relações com termos valorativos do sistema periérico (compromisso, crescer, esorço, bom) e, por essas características, pode ser considerado um elemento representacional hegemônico. A semelhança do núcleo central das RS de “trabalho” e de “ser adolescente e trabalhar”dos participantes do sexo masculino possivelmente se deve ao ato do trabalho externo à esera doméstica ser histórica e ideologicamente identificado como trabalho masculino e somente nas últimas décadas do século passado essas situação começar a se alterar devido às lutas dos movimentos de emancipação eminina. ambém apresentam distinções importantes, por serem mais específicas da vivência cotidiana dos entrevistados dos que as RS da seção anterior. Por exemplo, o número de elementos negativos (cansativo, diiculdade, vida corrida) é maior quando os adolescentes se reerem à experiência laboral imediata. Independência (constituinte do núcleo central) exclusivo das RS de “ser adolescente e trabalhar” das participantes se ancora nas transormações demográficas, sociais e culturais ocorridas nas últimas décadas que resultaram no aumento da participação de mulheres no mercado de trabalho, ocasionando mudanças nos padrões culturais e nos valores relativos ao papel social da mulher (Bruschini, Ricoldi & Mercado, 2008). Independência está completamente ausente das representações sociais dos participantes do sexo masculino, não porque ela é irrelevante e sim porque as práticas sociais reerentes aos homens azem da independência algo totalmente naturalizado para esse gênero: ter um emprego, autonomia financeira e liberdade de circular livremente nos espaços externos à esera doméstica não são uma opção, muito menos algo a ser conquistado, é um imperativo de organização de identidades masculinas hegemônicas.
A Independência também se relaciona a questões do contexto social imediato das adolescentes: ser adolescente e trabalhar demanda que as adolescentes passem a maior parte do dia longe de casa, possibilita maior autonomia em relação aos pais, acarreta rendimentos mensais (dinheiro) que permitem relativa independência financeira e cria outra perspectiva de uturo relativa a uma ascensão profissional e continuidade dos estudos, possibilitando que a identidade eminina se volte cada vez mais para o trabalho remunerado e seja uma alternativa ou coexista (tendência atual da dupla jornada de trabalho eminina) com as identidades tradicionais emininas voltadas para o trabalho não remunerado. Os ganhos financeiros resultantes da atividade laboral (dinheiro) significam, para os adolescentes do sexo masculino, a possibilidade de se aproximar da figura do provedor e da pessoa financeiramente bem sucedida, imperativos de um ideal de masculinidades hegemônicas ideológica e historicamente construídos (Oliveira, 2004). Representam também para meninos e meninas a possibilidade de contribuição para as necessidades amiliares e de acesso a bens de consumo socialmente valorizados como roupas “da moda”, joias e bijuterias (brincos, cordões e anéis de prata) e celulares, objetos que além da unção material possuem um sentido simbólico de acilitar a filiação e identificação do jovem com o grupo de pares. Quando o jovem compra o tênis de marca ganha de brinde o ingresso no grupo – no grupo dos que reconhecem a marca e valorizam a moda de que ela é sintoma (Soares, 2004, p.149). Cansativo compõe o núcleo central das RS dos participantes do sexo masculino e aparece no sistema periérico das RS das participantes. Esse termo, correntemente encontrado em pesquisas sobre percepções do trabalho para adolescentes trabalhadores (Oliveira et al , 2010; Oliveira et al ., 2005; Oliveira, Martins & Sá, 2003; Oliveira et al . 2001) oi o único aspecto negativo que os adolescentes do corrente estudo atribuem ao “ser adolescente e trabalhar”. Associa-se com os termos periéricos dificuldade e vida corrida para se reerir às consequências de se realizar uma dupla jornada de atividades e conciliar trabalho e escola: menos
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tempo para os estudos o que pode incutir em queda do desempenho escolar, menos atividades de lazer, menos tempo para descanso, pouco tempo para se deslocar entre trabalho e escola e realizar as reeições entre esses dois períodos. A vida corrida, apesar de ter enoque negativo também pode ser compreendida sob outra perspectiva: apesar de os adolescentes no início terem dificuldade de conciliar a ampliação das atividades diárias, podem encarar esse processo de orma positiva por percebê-lo como uma chance de desenvolver habilidades como a flexibilidade, a organização e o planejamento das atividades cotidianas, como indicam os estudos de Mattos e Chaves (2006, 2010) sobre representações sociais do trabalho para adolescentes aprendizes.
dupla jornada de trabalho. Há dierenças de gênero nessas representações: dinheiro como componente do sistema central das RS dos participantes do sexo masculino associado à possibilidade de aproximação com os modelos de masculinidades hegemônicas relativas à figura do homem provedor e bem sucedido financeiramente. Para as adolescentes, a presença do elemento independência no sistema central das RS sugere que percebem o trabalho como possibilidade de obtenção de autonomia e de descolamento de uma identidade eminina associada exclusivamente ao trabalho doméstico e não remunerado.
Referências
Considerações nais Ser e adolescente e trabalhar, apesar dos aspectos negativos reerentes ao cansaço, representa para os participantes uma experiência que incorre em um processo de desenvolvimento pessoal e em uma avaliação positiva que os adolescentes azem de si próprios como mais responsáveis e comprometidos. Significa também a oportunidade de crescimento profissional por ser, na perspectiva dos participantes um processo de aprendizagem e de aquisição de experiências que acilitarão a inserção no mercado de trabalho ormal. As representações sociais de trabalho se caracterizam por serem hegemônicas: são constituídas pelo núcleo central “dinheiro e responsabilidade”, ancorado em crenças e valores amplamente diundidos e muito consensuais nos grupos constituintes dessa sociedade. Há dierenças de gênero na representação do trabalho e presença da divisão sexual do trabalho: presença de elementos como dinheiro e cansativo, respectivamente associados à provisão e ao esorço ísico ocupando posições mais centrais nas RS dos participantes do sexo masculino do que as das meninas. A experiência de trabalhar na adolescência é significada como algo positivo, apesar da existência de elementos negativos, como cansaço e vida corrida, relacionados à dificuldade de conciliar
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO MAGISTÉRIO EM NÍVEL MÉDIO POR ALUNOS CONCLUINTES E INICIANTES EM UM INSTITUTO DE EDUCAÇÃO Luiz Fernandes da Costa 1
Introdução A ormação docente ocupa lugar de destaque no cenário brasileiro. A partir da década de 90 do século XX, essas discussões se intensificam, talvez como consequência da participação do Brasil, em 1990, na Conerência Mundial de Educação em Jomtien, na ailândia. Na interlocução nacional da carta-compromisso de Jomtien, a partir de um evento realizado em 1995 em São Paulo, o Ministério do rabalho patrocinou o Programa Brasileiro de Produtividade e Qualidade. Na ocasião, oi aprovada uma carta-educação recomendando a valorização da prática de ensino e um redesenho de nova estrutura para ormação de proessores no Brasil em nível superior. A flexibilização e diversificação de oerta de vagas para ormação em nível superior, durante a década de 90, ouscou a ormação de proessores em nível médio, já que essa era considerada insuficiente para o exercício da docência. Diante desse quadro, procurou-se resolver esta deficiência com a criação do Curso Normal Superior (Decreto n. 3276, 1999). Contudo, com o fim do Curso Normal Superior em 2006 e finalizando a 2ª Década da Educação, em 2007, vem se observando uma retomada e expansão do Curso Normal em nível médio em alguns estados brasileiros, consolidando essa modalidade de ensino como permanente nas políticas públicas. A Escola Normal, desde que oi criada, sobrevive a um sistema de descontinuidade que se agravou a partir das orientações da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nº 9.394 (Brasil,1996), que em seu artigo 62, reproduzido a seguir, orienta que: a ormação de docentes para atuar na educação básica ar-se-á em nível superior, em cursos de licenciatura, de graduação plena, em universidade e institutos superiores de educação,admitida como
ormação mínima para o exercício do magistério na educação inantil e nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, a oerecida em nível médio na modalidade normal.
Nesse contexto se encontra o Instituto de Educação Sarah Kubitschek. Seu nascimento se dá em 3 de maio de 1959 com o nome de Escola Normal Sarah Kubitschek, oerecendo a modalidade de ormação de proessores em nível médio, sendo reconhecida através da Lei Orgânica de n.8530, de 2 de janeiro de 1946, ruto da Reorma Capanema. Essa Lei legaliza o curso, o que avorece sua ramificação por todo o país. Apesar do crescimento em unidades, o desen volvimento do Curso Normal oi tolhido, pois a política educacional vigente não era compatível com a sua proposta. Estava em voga um acordo de cooperação e apoio ao ensino elementar patrocinado pelos Estados Unidos da América (EUA) através do Programa da Assistência Brasileiro-Americana de Apoio ao Ensino Elementar (PABAEE). Esse programa oi administrado pelo MEC e pelo United States Agency o International Development (USAID) no período de 1957-1965 com o ob jetivo de rever a metodologia de ensino aplicado ao Curso Normal, pautando-a em direção à Psicologia. No entanto, essa empreitada não trouxe beneícios para à escola brasileira uma vez que se apresentava como modelo tecnicista, excludente e descompromissada com a educação básica pública. Haidar e anuri (2001) explicam que as teorias importadas eram de dupla ace: ao serem disseminadas em nosso território, incorporavam o esboço de uma sociedade capitalista.
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Universidade Estácio de Sá (UNESA/RJ) e Instituto de Educação Sarah Kubitschek(IESK/RJ)
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Com a promulgação da LDB n. 4024 em 20 de dezembro de 1961 (Lei 4024, 1961), o currículo da Escola Normal ganha maior flexibilidade sem, com isso, aproximar o que esse currículo oerece com a real necessidade da sociedade brasileira, dando início ao seu retrocesso. A partir do golpe militar de 1964, as questões educacionais oram centralizadas pela Presidência da República através da sua Secretaria de Planejamento. A educação básica mais uma vez é ignorada e, em seu lugar, é priorizada a educação para o trabalho, o que se consolida com a Lei de n. 5540/68. Essa Lei promove uma reorma universitária (Rothen, 2008) e aponta a ormação do proessor para o nível superior, por meio das licenciaturas plenas a se realizar nas Faculdades de Educação. Com o seu advento são incorporadas as disciplinas Metodologia de Ensino do 1º Grau e Prática de Ensino da Escola de 1º Grau ao currículo da Escola Normal, atrelado ao estágio supervisionado. O modelo burocratizado dessas mudanças esvaziou a autonomia do proessor transormando-o em mero transmissor de conhecimentos. Sob a égide do capital humano emerge a LDB n. 5692, de 11 de agosto de 1971 (Lei 5692, 1971), que impulsionou o ensino para o tecnicismo, impedindo o cumprimento do papel da educação como agente de transormação. Assim, nos anos 1970, surgem os Cursos de Habilitação Profissional de 2º Grau, transormando o Curso Normal em um curso profissionalizante. Com o enraquecimento dos cursos técnicos no final da década de 80, a Escola Normal ganha nova visibilidade. Sua ressurreição, no entanto, traz as marcas indeléveis dos prejuízos soridos e as sequelas que impedem seu retorno ao estado original. Diante desse panorama, busca-se conhecer as visões sobre a ormação docente em nível médio, o que revela a necessidade de investigar não só as representações sociais de ormação para o magistério, elaboradas por proessores, mas também por alunos iniciantes e concluintes. Neste artigo o oco se dirige aos alunos da 1ª série e da 4ª série do curso, buscando entender a gênese dessa representação social dentro do Instituto de Educação Sarah Kubitschek.
Teoria das representações sociais Segundo Berger e Luckman (2002) os conhecimentos na vida cotidiana azem emergir representações em contato com a linguagem e a realidade. Cada homem interpreta a vida segundo sua subjetividade e sua inserção social. Dessa inserção, surge o grupo, que imprime uma identidade de pertença. Nesse processo, passa a circular no grupo um saber ingênuo, por ele produzido em sua cotidianidade, por meio de conversações, gestos e interações que se cristalizam. Em decorrência, o grupo passa a ser regido por um código comum que é responsável pela ormação de condutas ou práticas sociais que orientam as comunicações reconstruindo o objeto representado. Conhecer as representações de ormação para o magistério, elaboradas tanto por alunos concluintes como por alunos iniciantes no curso normal de um instituto de educação, ganha relevância porque vai ao encontro dos saberes partilhados por esses grupos. ais saberes geram atitudes, crenças e instituem valores que norteiam as práticas pedagógicas eetivadas em sala de aula e, consequentemente, o trabalho docente. A eoria das Representações Sociais permite compreender os sentidos atribuídos à ormação e à natureza dos obstáculos que proessores e, possivelmente, uturos proessores encontrarão para realizar seu trabalho. Isso decorre do ato de que as práticas educativas se realizam em consonância com as representações sociais – e vice-versa – tornando possível sua identificação por meio do discurso desses profissionais, suas concepções e ações que intererem na ormação dos alunos. As representações sociais possibilitam compreender como o comportamento humano orienta e é orientado pelas práticas sociais. Ela é de natureza psicossocial, mas seu olhar é sociológico. Um sistema que possui uma lógica e linguagem própria, na qual é classificado como sujeito aquele que atribui sentido à sua experiência em um universo social, aastando-se de estruturas pre viamente ornecidas pela sociedade. Para Moscovici (2003, p. 40), o “importante é a natureza da mudança, através da qual as representações se tornam capazes de influenciar o comportamento
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do indivíduo participante de uma coletividade”. Historicamente a eoria das Representações Sociais é uma abordagem que se constitui na Psicologia Social. Surgiu na Europa com a obra “La psychanalyse: son imagem et son public”, publicada por Serge Moscovici em 1961. Essa abordagem restabelece o aspecto social dentro da Psicologia Social, evocando o conceito das representações coletivas identificadas por Durkheim. Moscovici (1978) reconhece que Durkheim, ao sugerir a expressão “representação coletiva”, contribuiu para ressaltar a importância das distinções entre elementos sociais e individuais nas representações humanas: Foi Durkheim o primeiro a propor a expressão “representação coletiva”. Quis assim designar a especificidade do pensamento social em relação ao pensamento individual. Assim como, em seu entender, a representação individual é um enômeno puramente psíquico, irredutível à atividade cerebral que o permite; também a representação coletiva não se reduz a soma das representações dos indivíduos que compõem uma sociedade. Com eeito, ela é um dos sinais do primado social sobre o individual, da superação deste por aquele (p. 25).
O encaminhamento de Moscovici para o caráter dinâmico das representações sociais permitiu ao autor caracterizar essas representações como uma orma de conhecimento particular, que tem por unção “a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (Moscovici, 1978, p. 26). A partir de 1970, segundo Lage (2002), a eoria das Representações Sociais passou a contar com duas abordagens: a processual e a estrutural. Segundo a autora, a processual corresponde à orientação original proposta por Serge Moscovici e complementada por Denise Jodelet, que cuidam do estudo do grupo em unção do lugar que ele ocupa na sociedade, enquanto que a estrutural busca entender a construção de um objeto a partir do ponto de vista cognitivo, sendo seu principal expoente Jean Claude Abric. Nessa pesquisa optou-se por trabalhar com a abordagem estrutural, teorizada por Abric (2006)
e que esclarece que a representação social de um objeto está estruturada por meio de um núcleo central e um sistema periérico. O núcleo central é rígido e impede mudanças ocasionais na estrutura, por isso o núcleo central é determinado “de um lado pela natureza do objeto representado, de outro, pelo tipo de relações que o grupo mantém com esse objeto e, enfim, pelo sistema de valores e normas sociais que constituem o meio ambiente ideológico do momento e do grupo” (Abric, 1998, p.31). Enquanto o núcleo central condensa os elementos estáveis e rígidos da representação, o sistema periérico traz para si os elementos móveis e flexíveis. Esse sistema dual é necessário à existência de uma representação social. Para Gilly (2001), o estudo das representações sociais ganha relevância na educação por permitir a compreensão de enômenos educacionais numa perspectiva ampla e também para estudar aspectos do cotidiano escolar como saberes, relações pedagógicas e outros atores que compõem a teia comunicacional de uma instituição escolar. Nesse aspecto, Souto (2007) constata que, apesar dos educadores reconhecerem a necessidade da ormação específica e continuada, suas crenças e valores ainda estão estabelecidos na profissão como missão e sacerdócio. Na 59ª Reunião da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC) a autora socializou sua pesquisa sobre a representação dos licenciandos sobre a profissão docente e mostrou que eles a identificam ora como sacerdócio, ora como profissão relativa ao ensino. Nessas circunstâncias, segue o Curso Normal em nível médio em uma política que mescla estabilidade/instabilidade de oerta do curso, com um ensino dicotômico, conorme aponta Bueno (1999), o que impossibilita uma preparação capaz de lidar com a diversidade social e cultural que aguarda os novos profissionais nas escolas, permitindo a reprodução do estereótipo do proessor transmissor de conhecimentos. Note-se, daí, a necessidade de se empreender estudos sobre representações sociais de ormação docente, sobretudo aqueles relacionados ao nível médio, nível de ensino que ocupa lugar de incertezas no cenário educacional. Este trabalho procura contribuir com este debate.
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Representações Sociais de formação para o magistério
Neste estudo, optou-se por empreender uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico. Bogdan e Biklen (1999) consideram que “ao escolher esse modelo de pesquisa, o pesquisador tem por objetivo compreender melhor o comportamento e a experiência humana” (p. 70). Já Patton (1986 citado por Alves-Mazzotti &Gewandsznajder, 1999, p. 131) assinala que as pesquisas qualitativas assumem como característica principal a natureza compreensiva ou interpretati va. Pressupõe-se que os seres humanos atuam em “unção de suas crenças, percepções, sentimentos e valores e que seu comportamento tem sempre um sentido, um significado” que depende de um tempo para que seja desvelado. A pesquisa oi realizada durante um ano, entre maio de 2008 e abril de 2009, com duas visitas semanais ao Instituto de Educação Sarah Kubitschek, investigando as relações cotidianas no espaço escolar e procedendo à análise documental. Na sequência, oi aplicado teste de livre evocação aos alunos do 1º ano (iniciantes) e do 4º ano (concluintes), pois se pretendia comparar as representações sociais de ormação para o magistério dos dierentes grupos. Teste de livre evocação
Ao desenvolver a abordagem estrutural, Abric (2006) considerou que uma representação social é definida por seus conteúdos e por sua estrutura interna, que organiza os elementos que a constitui. Para melhor levantar o conteúdo de uma representação, Abric (2006) sugere a utilização da técnica da associação, pois a partir de palavras indutoras, o sujeito associa outras palavras que lhe vêm à mente quando aquelas são mencionadas. Devido à característica da técnica de associação livre de ser espontâneo e da dimensão projetiva a ela relacionada, é possível chegar de maneira mais acilitada aos elementos que constituem o “universo semântico” daquilo que se estuda. Nesta pesquisa, oi aplicado um teste de livre evocação. Foi solicitado aos alunos participantes que escrevessem três palavras que lhes viessem à mente quando ouvissem a expressão indutora “ormação para o magistério” e que as ordenassem da
mais importante para a menos importante, justificando em um pequeno texto as palavras evocadas. De posse das palavras evocadas, estas oram agrupadas quanto ao nível semântico. Em seguida oram submetidas ao sotware EVOC (Vérges, 1992) que identifica os possíveis elementos do núcleo central considerando a requência (F) e a ordem média (OME). A requência (F) de uma evocação é o somatório de suas requências nas diversas posições; a requência média (FM) é a média aritmética das diversas requências obtidas por uma evocação. A ordem média de uma evocação (OME) é calculada pela média ponderada obtida mediante a atribuição de pesos dierenciados à ordem com que, em cada caso, uma dada evocação é enunciada. Os resultados oram distribuídos em dois eixos ortogonais com as palavras de maior requência e menor OME, situadas no quadrante superior esquerdo e que corresponde ao núcleo central. No quadrante superior direito se encontra a primeira perieria, considerado o fluído social. No quadrante inerior direito, está à segunda perieria, onde se localizam os elementos de maior requência e evocação mais tardia. No quadrante inerior esquerdo estão os elementos de contraste, definidos por Abric (2006) como elementos estranhos podendo indicar subgrupos representacionais. As seções em sequência apresentam e discutem a possível estrutura da representação social de ormação para o magistério elaborada por alunos concluintes (AC) e alunos iniciantes (AI) de Curso Normal em nível médio. Alunos concluintes (AC):
Dentre os concluintes, participaram as turmas 4001, 4002, 4003, 4004, 4005 e 4006 (ormandos de 2009).Responderam ao teste de livre evocação 188 alunos, dos quais nove são do sexo masculino e 179 do sexo eminino. Quanto às idades registrou-se que 41 alunos têm 17 anos; 82 alunos, 18 anos; 23 alunos, 19 anos; nove alunos, 20 anos; e 33 alunos tinham mais de 20 anos de idade. A abela 1 mostra a possível estrutura da representação social de ormação para o magistério elaborada por alunos concluintes.
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abela 1 – possível estrutura da representação social de ormação para o magistério elaborada por alunos concluintes (AC) de Curso Normal em nível médio. Núcleo Central Frequência > 23 OME < 1,93 1ª periferia Frequência > 23 OME > 1,93 Responsabilidade Educação Vocação Elementos de contraste Crianças Ensinar Aluno Proessor
34 31 23 Frequência < 23
1,85 1,74 1,91 OME < 1,93
19 16 9 2
1,63 1,62 1,88 1,92
Encontrada a centralidade dessa representação, procurou-se conhecer seu conteúdo a partir das justificativas registradas por meio da proposta desenvolvida por Bardin (1977). A análise teve como ponto de partida cada elemento que compunha o núcleo central: ‘responsabilidade’, ‘educação’ e ‘vocação’. Na perieria próxima encontram-se os elementos ‘amor’, ‘paciência’ e ‘dedicação’. A palavra ‘responsabilidade’ possui significados dierenciados. O que se percebe a partir da análise das justificativas é que ela está relacionada a ‘cuidado’, ‘necessidade’, ‘qualidade’. Eis um exemplo da evocação da palavra ‘responsabilidade’ como ‘necessidade’: “é undamental para todas as ações” (AC 158) e, como ‘qualidade’: “para ser proessor de vemos ter muitas qualidades, penso eu que uma das mais importantes é a responsabilidade” (AC 145). Quando se trata de profissionalização, as orientações e experiências dos proessores ormadores quanto à realidade escolar parecem não intererir significativamente na visão que os alunos constroem durante a ormação, mesmo com eetiva participação nos estágios. Percebe-se que um grupo de alunos está mergulhado em um mundo mítico, onde sonhar az bem. Lecionar é o mesmo que se apossar de um grande prêmio, o que dá ao postulante, um sentimento de eterna gratidão: “o amor, o respeito, o carinho devem sempre envolver o trabalho docente. Amar os alunos, a profissão, ser cuidadoso e mostrar o quão são importantes nossos alunos e a nossa profissão” (AC 231). Ao se atribuir inúmeras responsabilidades ao proessor, ato que descaracteriza a docência,
Amor Paciência Dedicação 2ª periferia Respeito Futuro Compromisso
55 2,07 34 1,97 29 2,20 Frequência < 23 OME > 1,93 16 14 9
2,12 2,14 2,00
acaba-se também atribuindo ao proessor “outros poderes”: porque no magistério, um proessor é como um médico que tem vidas em suas mãos, depende dele a sobrevivência ou morte dessa vida. O proessor tem em suas mãos o aprendizado, ele ensina, a criança aprende; se ele não ensinar, a criança não aprenderá e não conseguirá sobrevi ver na sociedade em que vive (AC 143).
O ensino também é concebido como cuidado, principalmente no 1º segmento do Ensino Fundamental. E esse cuidado, depende da paciência: “é preciso ter paciência para cuidar e administrar a turma bem porque cuidar de crianças não é tão ácil quanto parece por isso é preciso ter paciência” (AC 199). Para Rocha (2000 citado por Maia, 2009), o ‘cuidar’, o ‘doar-se’, o ‘amor’ que se revelam a partir do século XIX como características emininas, consideradas inerentes à boa educação, parecem ainda constituir a tônica da profissionalização dos docentes, em vez da qualificação mais profissional. Alunos iniciantes (AI):
Participaram da pesquisa 67 alunos iniciantes (1ª série), dos quais 13 do sexo masculino e 54 do sexo eminino. Quanto às idades, se registraram sete alunos de 14 anos; 50 alunos com 15 anos e 10 alunos com 16 anos. Solicitou-se aos alunos a colaboração na pesquisa, o que oi prontamente aceito. Inicialmente todos
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preencheram a parte do perfil. A seguir oi lida a expressão indutora “ormação para o magistério”, a qual cada um procurou se empenhar nas respostas.
A abela 2 mostra a possível estrutura da representação social de ormação para o magistério elaborada por alunos iniciantes.
abela 2 – possível estrutura da representação social de ormação para o magistério elaborada por iniciantes (AI)de Curso Normal. Núcleo Central Ensinar Proessor Elementos de contraste Responsabilidade Estudo rabalho
Frequência > 11 15 14
OME < 1,88 1ª periferia 1,53 Educação 1,57 Paciência
Frequência > 11 23 14
OME > 1,88 1,91 2,21
Frequência < 11
OME < 1,88 2ª periferia
Frequência < 11
OME > 1,88
10 9 7 7
1,90 2,11 2,43 2,00
8 7 7
1,62 1,71 1,71
O núcleo central é composto pelos elementos ‘ensinar’ e ‘proessor’. Para alguns dos alunos iniciantes, a palavra ‘ensinar’ está relacionada a adestrar: “ensinar crianças e adultos a enrentar a sociedade” (AI 6). Essa justificativa parece indicar que é preciso municiar o aluno para o enrentamento social. Provavelmente isso se deve à preparação para a competitividade, já que o ‘ensino’ az parte da vida. É uma constante busca de conhecimentos, sem que haja o alcance pleno do saber. Para alguns alunos, o ‘ensino’ assume o caráter tecnicista, ruto de um modelo “ultrapassado” que ainda prevalece nas escolas: “emos que ensinar aos alunos todos os trabalhos” (AI 9); “porque sem o ensino do proessor, o aluno não terá aquele aprendizado para passar os conteúdos para os alunos, que você no uturo poderá ensinar” (AI 13). O elemento ‘proessor’ indica um modelo a ser seguido. Nele habitam verdades incontestáveis; ele tem nas mãos a chave do uturo. É ele quem aponta caminhos, sendo um companheiro eficaz na preparação para a vida: “ser proessor é ter ideologia. Mostrar os seus conhecimentos para seus alunos. Ensiná-los a ter um uturo melhor” (AI 12). Quanto à palavra ‘educação’ que aparece na perieria próxima, evocada por muitos alunos, é possível perceber a crença no poder de transormação que ela exerce sobre os indivíduos, como se pode ler na justificativa do aluno: “só através da educação pode-se mudar um país, pois as crianças
Respeito Alunos Escola Aprendizagem
que hoje são bem educadas, amanhã serão adultos bem mais humanizados” (AI 1). Já o elemento ‘paciência’ carrega o sentido de suportar, aturar: “paciência, porque é diícil aturar o filho dos outros que não tem educação” (AI 11). No entanto, um dos respondentes vê na paciência uma virtude, um atributo necessário à realização do trabalho docente: “é preciso ter paciência, porque a criança não entende as coisas como nós. Outras têm mais dificuldade e precisamos explicar quantas vezes or necessário” (AI 17).
Conclusões Os resultados encontrados abrem espaço para uma reflexão mais prounda sobre a ormação de proessores. Comparando-se os núcleos centrais das representações sociais de ormação para o magistério, é possível conjecturar que os quatro anos de curso imprimiram a cultura do ormador aos concluintes, por meio de doutrinamento educacional. Observa-se ainda que o sistema periérico da representação social dos concluintes parece reorçar os dotes emininos, que são os delineadores do protótipo do proessor das séries iniciais da educação básica. Já o núcleo central da representação dos alunos iniciantes não possui elementos comuns com o núcleo central da outra representação, o que pode indicar que os alunos ao ingressarem no Curso Normal têm expectativas de aprenderem o oício de ser proessor, aprender a ensinar.
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Dessa orma os elementos do núcleo central ‘ensinar’ e ‘proessor’ dialogam com a ‘educação’ (elemento periérico) de orma dierente do outro grupo. Salvo exceções, percebe-se que a educação é vista por esses estudantes em sua orma instrumental, como um objeto de diálogo entre proessor e aluno. Quanto aos concluintes, os resultados podem indicar aproveitamento da prática e dos estudos literários. No núcleo central dessa representação surge o elemento ‘responsabilidade’, cujo sentido muito se aproxima do elemento ‘compromisso’. Quanto aos alunos iniciantes, eles parecem querer aprender. O dierencial é que a aprendizagem deve lhes garantir uma ormação capaz de promovê-los a proessores. Esses chegam para o curso com expectativa de profissionalização. rata-se da ormação com status para o primeiro emprego. Ao comparar as representações compartilhadas pelos dois grupos percebe-se que o aluno iniciante busca na ormação para o magistério profissionalização, que envolve produção/vencimento e conhecimento, que é objeto de troca. Durante o curso, as influências da atuação do proessor ormador sobre o que é ‘ser proessor’ parecem ser muito prementes, sendo os estágios, aulas práticas e inormações cotidianas sobre a proissão insuicientes para autorreflexão desses alunos. O que permite conjecturar que os ormandos se convertem ao discurso de seus ormadores, repetindo-o e alimentando a rigidez do grupo de pertença. Para maior entendimento dessas representações, entendo ser necessário buscar a gênese da ormação por meio do estudo de seus processos ormadores, a objetivação e a ancoragem. Até aqui conseguimos apenas um retrato da possível estrutura das representações sociais de ormação para o magistério de um corpo discente.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS PAIS DE ESTUDANTES DO ENSINO INFANTIL SOBRE A ESCOLA André Felipe Costa Santos1 , Teresa Crisna Siqueira Cerqueira 2
Introdução É corriqueiro, nas obras acadêmicas, nos derontarmos com o estudo da relação entre as duas instituições: amília e escola. A grande importância deste tema para a sociedade vem despertando o interesse dos pesquisadores (Bost, Vaughn, Boston, Kazura & O`Neal, 2004; Ferreira & Marturano, 2002) para esse campo do saber. Segundo Polonia (2005, p.303), as duas instituições, escola e amília surgem como desencadeadoras primordiais dos processos evolutivos dos sujeitos atuam, assim, como propulsoras ou inibidoras do desenvolvimento ísico, cognitivo e social. Já para Szymanski (2009), o que ambas as instituições tem em comum é a ocorrência de ormarem os membros jovens para a inserção utura na sociedade e, também, para o desenvolvimento de unções que possibilitem a continuidade da vida social, logo ambas as instituições desempenham uma relevante unção de preparação do individuo e cidadão. omando como base tais premissas, que ressaltam a importância da relação escola e amília no desenvolvimento do sujeito, objetivamos com este artigo a promoção de uma análise das representações sociais de pais de estudantes do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental do Distrito Federal sobre a escola, além disso, recorrendo aos aportes teóricos da eoria das Representações Sociais e da Psicologia da Educação pretendemos apontar melhorias no ambiente escolar.
Referencial Teórico Há muitos atores a serem levados em consideração nos estudos da relação amília/escola. É um dos principais atores a ser explorado é a pratica educativa que diere de ambas as instituições. Segundo Brandão (1981) nenhum sujeito escapa
da educação, sendo tal ação realizada nos espaço ormais ou até mesmo em inormais, ou seja, tanto em casa como também na escola. Para Zimbardo (1975) a amília por ser o primeiro ambiente social que o individuo tem contato é grande percussora do desenvolvimento humano do sujeito, tal instituição muito antes do individuo adentrar a um espaço de educação ormal já inicia um processo educativo. Por meio de conhecimentos e praticas tácitas passadas de geração para geração o ambiente amiliar acaba desenvolvente cogniti vamente e socialmente o sujeito. Desta maneira, se verifica o espaço amiliar como um dos primeiros lócus de aprendizado para o sujeito. No espaço de educação ormal, a escolar é responsável por propiciar estímulos e azer com que haja o desenvolvimento pautando-se em uma pratica de caráter pedagógico. De acordo com Penin & Vieira (2001) a escola é compreendida sendo a instituição que a humanidade inventou para propiciar a socialização do saber sistematizado, ou cientifico, assim sua unção social tem variado ao longo do transcorrer histórico, atualmente “mantém-se elementos comuns ao processo de transmissão de conhecimentos, valores e ormas de convivência social que constituem a essência da tarea escolar” (Penin & Vieira,2001,P.17). Por meio desta conceituação percebe-se que a escola tem como unção primordial a ação de educar/ensinar, desta maneira verifica-se que ambas as instituições realizam praticas/ações educativas. endo como base que ambas as instituições realizam o ato de desenvolver o sujeito nas eseras: sociais e cognitivas, Ben-Fadel (1998) assinala que a escola atualmente, ainda não esta preparada para lidar com o envolvimento da amília. Desta orma
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Graduando de Pedagogia da Universidade de Brasília- UnB Proessora Doutora da Universidade de Brasília – Faculdade de Educação
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proponho apresentar de orma sucinta a importância da interlocução destas duas instituições em prol do desenvolvimento do sujeito. Segundo Leite & assoni, 2002 apud Polonia (2005) quando a amília e a escola mantêm boas relações as condições para um melhor aprendizado e desenvolvimento da criança podem ser maximizada, logo os pais e proessores devem ser estimulados a discutir e buscar estratégias em conjunto. Pautados nesta real importância do dialogo entre a amília e a escola trazemos em voga a eoria das Representações Sociais (RS), que tem contribuído de orma edificante no campo educativo. Os primeiros estudos em Representações Coleti vas se deram no campo das Ciência Sociais, Mead, Mauss e Durkheim oram os principais pioneiros na construção desse estudo. ais estudos objeti vavam compreender o processo de construção do pensamento social. Utilizando a contribuição teórica da sociologia, na segunda metade do século XX, especificamente em 1961, com a publicação da obra seminal LaPsychanalise: som image et som public de Serge Moscovici inaugurou-se uma nova corrente de estudo na Psicologia Social, a chamada Representações Sociais. Serge Moscovici desenvolve a eoria das Representações Sociais gerando uma cisão teórica na Psicologia Social vigente da época, azendo utilização de uma perspectiva construtivista e interacionista da natureza social e tendo como base o materialismo histórico, Moscovici oi um dos pesquisadores que rescindiu com a ótica pragmática behaviorista da Psicologia Social dos Estados Unidos. A eoria das Representações Sociais traz em seu bojo o termo undamental, representações sociais, que é introduzido através de algumas definições para evitar uma restrição conceitual. Como primeiro ponto, compreende-se por representações: um conjunto de conceitos e explicações gerados na vida do dia a dia no curso da comunicação interpessoal, assim elas são confluentes na sociedade (Moscovici, 1981). As representações sociais, por sua vez, podem ser notadas em vários ambientes e ocasiões no nosso cotidiano, por serem ormas de agir na realidade comum, como um saber prático que visa responder questões que surgem na comunicação e
relacionamento interpessoal. Logo conceituasse representações sociais como “uma orma de conhecimento, socialmente elaborada e patinhada, que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 1989). Desta orma as representações sociais segundo Moscovici, tem um caráter socialicador e as ideias, os valores, as crenças comuns são percebidas como um caso particular da atividade coletiva de um grupo social, assim o Universo de opiniões particulares que pertencem a um dado grupo é um produto de um sistema de comunicação na qual a mensagem passa por uma decodificação, ou seja, a inormação é construída, dierenciada e também deormada (Anador, 2011). Serge Moscovici, em seu conhecimento de representações sociais, az uma releitura dos enômenos que antes eram atribuídos à magia/oculto, ou ao sagrado substituindo essas ontes pela ciência. Desta maneira Sà (1995) aponta que o campo das representações sociais undamentou-se em duas classes de pensamento: o universo reificado e o consensual. O universo reificado tem por característica que são representações construídas pela ciência e os elementos a ela relacionados como a objetividade e a teorização correspondem ao pensamento erudito. Já os universos consensuais obedecem ao pensamento cotidiano, são as “teorias” do senso comum, que exprimem as opiniões para solucionar as problemáticas diárias. Ambos os universos compartilham de uma relação interdependente onde, os universos consensuais são sustentados pelos universos reiicados, todavia também alimenta esse campo. Fazendo uso da compreensão dos universos de pensamento, Serge Moscovici aponta o aspecto estrutural/ormador das representações sociais trazendo dois conceitos undamentais na construção da RS: “objectivation” e “ancrage”. O primeiro termo, objetivar, tem a unção de duplicar um sentido por uma figura, dar materialidade a um objeto abstrato; o segundo por sua vez, é responsável pela unção de duplicar uma figura por um sentido, assim, ornece um contexto inteligível ao objeto, interpretá-lo, logo oi nomeado de “ancorar”. (Moscovici,1976, apud Sá, 1995, p. 34)
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Segundo Anadon & Machado (2011) objetivação é a ase na qual as noções, os conceitos abstratas de uma realidade se concretizam, ou seja, é a concretização de um conhecimento que se az “real” e “natural” em um grupo social, à medida que um conteúdo esquematizado ou que um modelo figurativo penetra no ambiente social paralelo ao processo de construção da realidade do grupo. Por sua vez o outro processo ormador das representações sociais, ancoragem, segundo Sá (1995, p.34) “consiste na integração cognitiva do objeto representado a um sistema de pensamento social pre-existente e nas transormações implicadas em tal processo”, não obstante Moscovici (1984 apud SÀ,1995) sugere que neste processo ocorre duas operações: classificação e denominação. Sá (1995) avalia que a avaliação se dá mediante a escolha de um paradigma com o qual é comparado o objeto representado e decidido se é incluído na classe ou não. A denominação seria retirar do anonimato um objeto e introduzi-la num conjunto de palavras que permite localizá-la dentro da identidade social. Mediante a isso, temos que os processos de ancoragem e objetivação convergem na proposição: “transormação do não- amiliar em amiliar”. As representações sociais surgem devido à necessidade de transormação do que e reconhecido em amiliar (Moscovici, 1981). Outra característica da eoria das Representações Sociais é que por ter caráter transdisciplinar e envolver várias interaces tal teoria tem a vocação de interessar a todas as ciências humanas Jodelet (1998). Desta maneira, atualmente a RS tem contribuído de orma ediicante nos mais diversificados campos do conhecimento: Política Publica, Sociologia, Psicologia, Saúde, Educação e outras áreas. À luz destes apontamentos sobra a RS desenvolvida por Serge Moscovici passamos, nesta oportunidade, a explanar a cerca da capital importância do conhecimento em representações sociais no espaço educacional. Representações sociais na esfera educacional
Mediante aos desafios atuais do século XXI no âmbito educacional muito se discute sobre a unção social da instituição escolar. A escola, em sua complexa tessitura de relações interpessoais, constitui
uma realidade para qual a psicologia social tem muito a contribuir (Rodrigues, 1981). Percebendo a relevância dos estudos em Psicologia Social no campo educativo trazemos em voga as contribuições da RS. As pesquisas acadêmicas que envolvem o espaço educativo têm sido marcadas nas ultimas décadas pela grande cautela metodológica e exploratória, conorme Demo (2004), a escola por ser uma instituição primordial na sociedade tem de ser tratada no campo da pesquisa como objeto principal da academia. Consoante a esta reflexão de Pedro Demo, Ludke & André, (1986) apresentam que as os estudos no espaço educativo deva adotar uma análise social, para melhor compreender a tal conjuntura. Ainda, para Ludke & André, (1986) um dos desafios atualmente lançados à pesquisa educacional é exatamente o de tentar captar essa realidade dinâmica e complexa do seu objeto de estudo, em sua realização histórica. Com base nestes apontamentos da necessidade da uma analise social no espaço educativo, verificas-se que a RS por se pautar na exploração das representações em um contexto social pode trazer grandes contribuições no estudo da relação amília e escola. Compreender o espaço educativo utilizando as reflexões das representações sociais é de undamental importância, haja vista que “trazem indicações potenciais para as intervenções educativas” (Costa; Gomez, 1999, p. 161), ou seja, o aporte da RS vem a auxiliar as: práticas pedagógicas, didáticas, sociais, processo de ensino- aprendizado e compreender os comportamentos dos atores sociais envolvido em dada instituição. O estudo em representações sociais na esera da educacional, segundo Gilly (1989), sore uma grande escassez de pesquisas, pois geralmente os pesquisadores/autores se limitam a estudar certos enômenos e maniestações sem trabalhar realmente o estatuto das representações sociais em educação. Gilly aponta ainda que o interesse “essencial da noção de representação social para a compreensão de atos da educação é que ela orienta a atenção sobre o papel de conjuntos organizados de significações sociais no processo educativo” (1998, p. 15).
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Já para Jodelet (2001, p.322) o campo educativo é “privilegiado para se observar como as representações se constroem e evoluem no interior dos grupos sociais (...)”. Outro relevante subsídio que tal estudo oerece é que conorme Anadon & Machado (2011), compreender as representações sociais do campo educativo e do grupo social que compartilha com tal ambiente permite identificar determinadas atitudes e comportamentos, logo conhecer a maneira como um determinado papel social é concebido em uma escola. Desta orma fica notório o grande auxílio que os estudos centrados em representações sociais na educação podem apresentar. Para Souza (2009) o estudo das eorias das RS no meio educacional “envolve muitas discussões e temáticas, uma vez que essas representações possibilitam à compreensão dos atores sociais, psicológicos e cognitivos que influenciam a ormação de conceitos e significados”, logo por meio desta conceituação emerge o estudo da relação amília/ escola. endo em ace esse preâmbulo, que retrata a grande contribuição e importância de estudos envolvendo representações sociais na esera educativa e pautados no interesse basilar deste artigo que é o estudo das representações sociais da escola na perspectiva da amília, especificamente pais de estudantes do 4º e 5º ano de Ensino Fundamental do Distrito Federal. Gilly (1989) sugere que um estudo em representações sociais dos pais permite que se veja as amílias, segundo a sua origem social, ou seja, cada grupo social tem um comportamento variado em relação a escola.
Metodologia A pesquisa se desenvolveu no segundo semestre do ano de 2010, e teve um caráter exploratório e adotou-se como matriz epistemológica o método qualitativo vale ressaltar, ainda, que tal pesquisa se desenvolveu levando em consideração os paradigmas éticos de uma pesquisa cientifica. Os participantes deste estudo oram setenta e seis (76) pais de estudantes do 4ºe 5º ano do Ensino Fundamental de escolas publicas do Distrito Federal, Brasília. Os participantes eram cinquenta
e oito (58) do sexo eminino e dezoito (18) do sexo masculino, sendo que se encontravam na aixa etária de 28 aos 37 anos. O instrumento adotado para obtenção dos dados oi o questionário pautado na écnica de Associação Livre de Palavras (ALP) apropriada ao campo da Psicologia Social, por Di Giácomo, consiste em um tipo de investigação aberta que se estrutura na evocação de respostas dadas com base em um ou mais estímulos indutor, esta técnica possibilita evidenciar os universos semânticos das palavras que se reúnem em determinadas populações, ou ainda, permite a visualização de elementos implícitos ou latentes que seriam escamoteados nas produções discursivas. O questionário aplicado aos pais tinha como único estímulo indutor a sentença: “Para você a Escola do seu filho é...” . Os pais deveriam colocar seis rases ou palavras que deveriam remeter à escola e depois hierarquizá-las pelo grau de importância as evocações. Demais disso, os pais deveriam preencher um pequeno questionário relacionados à identificação (inormações sobre idade e sexo). Com os dados coletados, utilizamos o sofware desenvolvido por Vergès, denominado EVOC (Ensemble de programmes permettant l’analyse des evocations) – versão 2003. Adotou-se tal sofware no presente estudo, pois ele possibilita uma hierarquização gráfica dos termos enunciados pelos sujeitos e também, por ser uma erramenta acilitadora para a análise da estrutura e organização de uma representação social. Quanto aos aspectos procedimentais, inicialmente oram realizados análises quantitativas dos dados que oereceram as requências e números de Evocações, com isto oram eitas análises qualitati vas que possibilitaram as interpretações dos termos enunciados pelos pais.
Resultados e discussões Para os pais pesquisados, obtivemos o total de 76 respostas, 16 enxergam a escola por meio da palavra Aprendizado, principal representação. Já para as palavras Educação e Socialização aparecem com 10 respostas cada. Amizades com 9. Outras representações ficaram empatadas: Formação, Respeito às Dierenças e Respeito com 6 cada; Cidadania
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com 5. Por último as representações, Cultura e Desenvolvimento com 4 cada. Para categorizarmos agrupamos as palavras: Socialização, Amizades, Respeito às Dierenças, Respeito, Cidadania e Cultura totalizando 40 respostas, sendo a principal
categoria nomeada de Social. Outra categoria é a Cognitiva, ormada pelas representações: Aprendizado e Educação com 26. Em seguida, a palavra Formação e Desenvolvimento geram menor categoria Social/Cognitiva com 10 evocações.
Gráfico 1 – Representações sociais dos pais, sobre a escola
Pautados nestas requências, oriundas das evocações dos pais sobre as suas representações sobre a escola, vale a pena ressaltar, que Abric (1994) aponta a importância de que seja criado um conjunto de categorias com as palavras utilizadas mais amiúde, de modo a que se possa verificar se, realmente, se trata de elementos organizadores da representação. Assim sendo, as palavras evocadas pelos pais oram divididas em três categorias: Social, Cognitiva e Social & Cognitiva. Compreendendo o sentido que as representações: Socialização, Amizades, Respeito as Diferenças, Respeito e Cidadania considerando que estas palavras azem parte da construção e desenvolvimento no aspecto social do individuo. Nomeamos a principal categoria de Social, tendo um total de 40 respostas, equivalentes a 53% do total. Outra categoria que surge é a Cognitiva como o total de 26 respostas composta pelas representações: Aprendizado, Educação e Aprender, ou seja, correspondendo a 34%, desta maneira constata-se que, relativamente esta categoria apresenta números bastante significativos. Em seguida, a palavra
Formação e Desenvolvimentoque não se encaixa exclusivamente em nenhuma das categorias anteriores, pois pode ser incluída nas duas, dependendo do significado atribuído. Já que também pode estar relacionada com a ormação pessoal de valores ou a ormação profissional continuada, bem como a ormação intelectual; desta orma gera uma nova categoria (Social & Cognitiva) composta por 10 respostas que representa 13%, caracterizando-se a categoria com menor expressão. Como ilustra o gráfico seguinte: Gráfico 2 – Áreas de Concentrações das Evocações.
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Balizados na RS, Abric em um linha estrutural propõe a eoria do Núcleo Central, ou como atualmente é chamada “sistema central” (Abric, 1994, Rateu,1995) segundo Abric as representações sociais se organizam em um sistema central e um sistema periérico, com características e unções distintas.O núcleo central tem como propriedade ser o mais estável dos elementos das representações desta maneira é o elemento que apresenta maior rigidez às transormações. Vale ressaltar que quando ocorre à mudança do núcleo central ocorrem às mudanças totais das representações. Os elementos periéricos, por sua vez, se ordenam em torno do núcleo central, constituído o conteúdo no undamental das representações. Conorme Abric (1998) os elementos periéricos respondem por três unções de concretizações: concretização, regulação e deesa. Mediante a esta breve apresentação da eoria do Núcleo Central, Vergès desenvolveu o sofware EVOC (Ensemble de programmes permettant l’analyse des evocations) em 2003, onde possibilitou uma grande contribuição nas analises dos dados sobre representações sociais. Utilizando uma requência mínima de 4 e requência intermediaria de 6, obtivemos como núcleo central das representações sociais dos pais de 4º e 5° ano do Ensino Fundamental do Distrito Federal sobre à escola, a palavra Aprender e Educação, já nas zonas periéricas explicitaram-se seis palavras tendo orte caráter representativo a palavra Socialização, sendo mencionada dez vezes. Como explicitado no organograma abaixo: Rang< 3,4 Rang>=3,4 Fréquence Aprendizado (12) Amizades (9) Educação (10) Formação (6) >= 6 Respeito as Dierenças (6) Respeito (6) Socialização (10) Cidadania (5) Aprender (4) 4 <= Cultura (4) Fréquence Desenvolvimento (4) <5 Fonte: Quadrantes do sofware EVOC, versão 2003.
Por meio a os dados apresentados e tendo o auxílio do aporte teórico das representações sociais, da Psicologia Social e da Psicologia da Educação
acreditamos que esses dados apresentam resultados acentuados no aspecto social da escola e também no desenvolvimento cognitivo que tal instituição propicia. Os resultados apontam que na perspectiva dos pais o ambiente escolar é visto como um espaço de desenvolvimento cognitivo, ou seja, um lugar de Aprender como apresentado pelo EVOC, não obstante, os pais citam ainda que a escola também desenvolva a socialização dos sujeitos. Estes resultados podem estar relacionados com o que no entendimento de Sousa (2009), à escola contemporânea vem passando, o novo cenário mundial az com que a instituição escolar passe a ter três unções: socializadora, instrutiva e educativa. Ainda em Sousa (2009) a escola contemporânea por estar modificando sua unção, acarreta transormando os atores sociais que estão inseridos naquele ambiente, desta orma há um redesenhar da conjuntura de tal espaço e dos atores sociais. Baseado nesta premissa veriica-se que os pais pesquisados compreendem a escola, justamente como servidora destas três unções, haja vista que os dados apresentaram destaques nos aspectos Cognitivos e Sociais que a escola desenvolve. Outro aspecto que se pode verificar é que os resultados assinalam que na perspectiva dos pais de estudantes o espaço escolar do século XXI modificou-se, pois mesmo historicamente a escola sendo percebida como a instituição responsável pelo ensino-aprendizado, muitas correntes tradicionalistas visando somente o aprendizado acaba vam abandono do desenvolvimento social, critico e aetivo dos sujeitos (Aranha, 2009). Atualmente nota-se que os pais enxergam a escola como um espaço onde os processos de ensino-aprendizagem se dão nas praticas sociais, desta orma nota-se que o caráter da escola contemporânea esta alinhada como os princípios da eoria Interacionista. Fundamentado por esta perspectiva interacionista, verificamos a importância da interação dos sujeitos e dos procedimentos didáticos aplicados nestes. Juntamente a isto nota-se a valia da integração social da amília e escola no processo pedagógico, pois de acordo com Libâneo (2000). “A pedagogia amiliar não deve estardesarticulada da pedagogia escolar” (p.85), assim deve haver uma
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consonância entre ensinamentos das duas instituições. Outra sentença que reorça esta parceria de conhecimentos das instituições é que para Vonk (2000, p. 13) a escola deve ser aberta para o mundo externo, ou seja, o ambiente escolar deve ser incorporado como uma das instituições undamentais de cada comunidade.
Considerações Finais Constata-se com esta pesquisa que o espaço escolar, para o grupo social de pais dos alunos do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental de escola públicas e particulares do Distrito Federal no Brasil, possui representações de modo edificante para a vida social da criança, já que grande parte das evocações aponta, inequivocamente, para uma socialização dos discentes. Os pais concebem o espaço escolar como sendo não somente um local de aprendizado acadêmico e de conhecimento, mas, um espaço apropriado e apto a avorecer o aspecto social do indivíduo, relacionado ao convívio e respeito. É importante ressaltar, também, que mesmo aparecendo um vasto número de evocações sobre a socialização dos alunos, os pais notam que a escola apresenta ainda a unção primordial de gerar aprendizado e conhecimento para os alunos. Como se verifica nesta pesquisa, tais representações refletem de orma bastante concisa todo o ideário dos pais sobre o espaço escolar neste início da segunda década do século XXI. Acredita-se que essa pesquisa contribui na abertura de novos caminhos para que o tema amília/escola seja abordado e discutido sob outros vértices, como as Ciências Sociais, e ainda dentro da própria Psicologia Social.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E NORMAS HIERÁRQUICAS DE CONDUTA: ESTUDO NA FORÇA AÉREA BRASILEIRA 1 Marta Maria Telles 2, Celso Pereira de Sá3
Introdução Por se tratar de uma organização com características próprias, as Forças Armadas Brasileiras despertam o interesse na investigação da sua estrutura e uncionamento organizacionais, principalmente ao se considerar que elas estão alicerçadas em dois pilares undamentais, a hierarquia e a disciplina, conorme preconizado no Estatuto dos Militares que normatiza a conduta a ser seguida, como declarado no Art 1º: “[...] regula a situação, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas dos membros das Forças Armadas”. (Brasil, 1980). Analisando a história, é possível observar que a organização nas Forças Armadas é linear, porque existe uma linha direta e única de autoridade e de responsabilidade entre superiores hierárquicos e subordinados, estando o poder decisório centrado na pessoa do comandante, aquele que está à rente de seus comandados conduzindo-os, orientando-os e servindo de interlocutor do grupo. Sua estrutura é sustentada pela precedência de postos e graduações e mantida por meio do acatamento às normas e às condutas, regras que definem o comportamento dos militares na vida da caserna. O presente artigo ocaliza, na perspectiva da Psicologia Social, as reações emocionais e julgamentos de um grupo de militares da Força Aérea Brasileira (FAB), constituído por cadetes da Academia da Força Aérea (AFA), alunos da Escola de Especialistas da Aeronáutica (EEAR) e alunos do Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR), a respeito das normas hierárquicas de conduta que começaram a lhes ser exigidas, por ocasião do ingresso no curso de ormação, e seus desdobramentos no decorrer da carreira. O estudo tem, portanto, como objetivo analisar as representações sociais construídas pelos militares da FAB acerca das normas hierárquicas de conduta vivenciadas na instituição militar durante o curso de
ormação e no decorrer da carreira. Com base na teoria das representações sociais – em especial, na sua abordagem processual – propôs-se estudar as representações sociais que emergem da interação social no cotidiano e qual a relação destas com o comportamento dos militares pesquisados. Nas escolas de ormação os alunos passam por um processo de adaptação para que um conjunto de valores, comportamentos e disposições seja adquirido com o objetivo de integrá-los à cultura organizacional. De acordo com Shinyashiki (2002), essa etapa é denominada de socialização, processo em que o aluno tornar-se-á um membro da escola de ormação e aprenderá os códigos, as normas e as regras de relacionamento hierárquico, próprios à instituição militar. No meio castrense, o acatamento às regras envolve a pertença ao ambiente, visto que somente se enquadram e se inserem neste sistema estruturado aqueles que compartilham os valores normativos e aetivos exigidos na caserna. Essa identidade sustenta-se pelo espírito de corpo que é estimulado para reorçar a manutenção do cumprimento aos regulamentos e proporcionar a coesão do grupo. Segundo Huntington (1964), a profissão militar deve ser organizada em uma hierarquia de obediência imediata por parte dos níveis subordinados porque, de outro modo, torna-se impossível o desempenho das unções. Este grau de respeito e acatamento que há entre superiores e subordinados é a disciplina que, juntamente com a hierarquia, constituem os pilares norteadores da vida militar no cumprimento do dever, conorme
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O presente artigo corresponde a um recorte da tese de Doutorado “A construção da representação social de hierarquia na Força Aérea Brasileira”, orientada pelo Pro. Dr. Celso Pereira de Sá, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e deendida em março de 2011. Doutora em Psicologia Social pela UERJ e 1º enente do Quadro Complementar de Oficiais da Aeronáutica, pertencente ao eetivo da Universidade da Força Aérea (UNIFA). Proessor Doutor itular de Psicologia Social da UERJ.
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preconiza o Estatuto dos Militares (Brasil, 1980) no Art. 14, § 1º: “a hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis dierentes, dentro da estrutura das Forças Armadas”. Para Moscovici (2003), uma sociedade não se deine unicamente pelo agrupamento de indivíduos hierarquicamente organizados com suas bases alicerçadas no poder e nos interesses coletivos, mas, sim, pela existência de representações ou valores que dão sentido àquele grupo e cujas crenças garantem a existência comum, pois a realidade é constituída pela soma de ideias que se transmite de uma geração a outra. Percebidas desse modo, de acordo com Moscovici (2003), as representações sociais não podem ser compreendidas a partir de discursos espontâneos ou de um conjunto de ideias isoladas, mas, sim, por meio de um sistema estruturado de comunicação ou, como airma Sá (1993), “[...] por meio da mesma ‘arte da conversação’ que abrange tão extensa e significativa parte da nossa existência cotidiana” (p. 27). Procurando esclarecer um pouco mais esse conceito, Jodelet (2001) caracteriza a representação social como “[...] uma orma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. (p. 22) Entendendo, como Duveen (2003), que a representação reproduz a realidade vivida e estreita as relações, tal ato ocorre entre os alunos pelo interesse comum em serem militares e pela necessidade de adaptação. Considerando-se o pertencimento anterior ao meio civil, tudo aquilo que diz respeito ao círculo militar apresentase como uma novidade que precisa tornar-se conhecida para que ocorra a integração à nova realidade. Conviver com as normas hierárquicas de conduta é um ato novo e é necessário aos militares passar por um processo de adaptação que lhes permitirá algo ainda estranho tornar-se-lhes amiliar. Como ressaltado por Moscovici (1978), as representações sociais têm a unção de transormar algo estranho em amiliar. Assim, para tornar compreensíveis as novas regras a que terão que se submeter, os alunos produzem uma representação
que reflete as normas de conduta militar. “[...] um enômeno desconhecido [...] resultante das mudanças nas condições de vida de um grupo, se suficientemente relevante, inicia um processo de comunicação coletiva para torná-lo inteligível e controlado” (Wagner, 2000, p.10). Os processos undamentais na criação de uma representação social são a ancoragem e a objeti vação que, juntas, tornam amiliar aquilo que não é amiliar. Em relação à hierarquia, a ancoragem possibilita a integração da novidade à realidade dos alunos e os orienta nas situações cotidianas de acatamento às ordens superiores, de respeito, de manutenção da disciplina e das relações sociais, por ser “[...] um processo permanente nas representações sociais, pelo qual a representação cria e mantém viva suas raízes nos sistemas sociocognitivos” (Campos, 2003, p. 34). A partir dessa ideia, é possível inerir que os militares limitem inicialmente a hierarquia a um conjunto de regras que, de acordo com Moscovici (2003) “[...] estipulam o que é, ou não é, permitido, em relação a todos os indivíduos desta classe” (p. 63). Assim, na ase de adaptação os alunos passam por um processo de distanciamento e de resistência, porque ainda não se amiliarizaram com o modo de atuação militar. Por outro lado, Moscovici (2003) explica que “depois de uma série de ajustamentos, o que estava longe parece ao alcance de nossa mão, o que parecia abstrato, torna-se concreto e quase normal” (p. 46). Esse processo é a objetivação. Sendo assim, elementos de um domínio específico tornam-se comuns, são incorporados ao dia a dia, e a imagem transorma-se em uma realidade convencional (Moscovici, 2003). Consequentemente, quando incorporadas ou ancoradas, as características específicas do ambiente castrense são aceitas e praticadas pelos militares no decorrer da carreira. Esse modelo institucional representa-os no conjunto e individualmente, posto, que são ideologias inerentes à tradição militar, transmitidas de geração em geração. Logo, “uma realidade social, como a entende a teoria das Representações Sociais, é criada apenas quando o novo ou não amiliar vem a ser incorporado aos universos consensuais” (Sá, 1993, p. 37).
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Metodologia Para analisar as representações sociais construídas pelos militares da FAB, acerca das normas hierárquicas de conduta vivenciadas na instituição militar durante o curso de ormação e no decorrer da carreira, oram selecionados 600 militares de ambos os sexos, sendo 200 cadetes da AFA, escola de ormação de oficiais, 200 alunos da EEAR, escola de ormação de sargentos, 136 oficiais e 64 graduados, alunos do CIEAR, escola que ministra cursos nas diversas especialidades da FAB. Na coleta dos dados aplicou-se um questionário de conteúdo contendo duas perguntas abertas que indagaram, respectivamente, sobre as primeiras reações emocionais e julgamentos a respeito das normas hierárquicas de conduta que oram exigidas no curso de ormação e sobre quais são, hoje, as reações emocionais e julgamentos acerca das normas hierárquicas de conduta exigidas. Para o tratamento das questões abertas, primeiramente procedeu-se à leitura lutuante do conjunto de respostas. Em seguida, as respostas dos militares pesquisados, a cada uma das perguntas abertas, oram classificadas e agrupadas em categorias. De acordo com Oliveira (2005), essa “análise categorial considera a totalidade do texto na análise, passando-o por um crivo de classificação e de quantificação, segundo a requência de presença ou ausência de itens de sentido”. (p. 2)
Resultados e discussão Considerando o ingresso na instituição militar, o primeiro questionamento se reeriu às primeiras reações emocionais e julgamentos a respeito das normas hierárquicas de conduta que oram exigidas no curso de ormação. As respostas oram divididas em duas categorias: reações positivas e reações negativas. As reações positivas declaradas pelos militares oram sintetizadas em situações de “tranquilidade”, “naturalidade”, “normalidade” e “aceitação”. Já tinha conhecimento de como era, por já ter amília militar e estudar em Colégio Militar, e por isso não me espantou. (Graduado, eminino).
ranquilas, pois já vim de um ambiente amiliar caracterizado pelo respeito e pela disciplina. (Oficial, masculino). A educação amiliar recebida também contribuiu para a aceitação da rotina militar tranquilamente. (Graduado, masculino). Passei tranquilamente por já estar acostumada. A única dierença é ter que ficar em um semiinternato. (Aluno da EEAR, eminino).
Esses militares mostram, em seus depoimentos, que as inormações prévias sobre a vida militar e a educação recebida acilitaram a integração ao novo ambiente. De acordo com Santos (2008), assim ocorre porque as experiências anteriores trazidas pelos alunos, não se perdem. Outros respondentes declararam ainda o enrentamento do período de adaptação com naturalidade. Encarei com naturalidade, sem reagir ou contestar o estado de coisas, porém com certa estranheza em algumas situações. (Oficial, masculino). A reação oi natural, sem surpresas, pois já esperava as normas hierárquicas adotadas pelo militarismo. (Aluno da EEAR, eminino).
De acordo com os depoimentos, observa-se que esses militares demonstraram algum conhecimento sobre a vida militar e, por essa razão, tranquilidade emocional. Para outros militares, pela necessidade de se ajustarem ao meio, as reações oram de aceitação às regras impostas, tendo em vista que, para o enquadramento e a inserção ao novo contexto, é indispensável compartilhar os valores normativos da instituição, conorme explicitam estes ragmentos de texto. Aceitação e respeito, pois sabia que teria que me adaptar à doutrina militar. (Aluno da EEAR, eminino). Plena aceitação dos pilares básicos da vida na caserna. (Oficial, masculino).
Nesse sentido, os pesquisados julgaram que o rigor das normas encontrado quando do ingresso no curso de ormação oi “necessário” e “condizente ao meio militar”.
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Percebi que era necessário para a profissão na qual escolhi ingressar. (Oficial, masculino). Julguei as normas hierárquicas de conduta que me oram exigidas pereitamente condizentes ao meio militar. (Aluno da AFA, eminino).
Por outro lado, comparativamente às reações positivas, as principais reações negativas relatadas oram “choque”, “temor”, “susto”, “estranhamento”, “conusão”, “vontade de desistir”, “questionamento”, “incompreensão”, ”resignação”.Esses sentimentos, comuns na ase inicial da ormação, são maniestados, porque o aluno vive um processo de ruptura quando da passagem do meio civil para o meio militar (Rattenback, 1972). Essa transição suscita comparações entre os dois ambientes e evidencia dierenças, significativas, quanto ao rigor, conorme estes relatos. Pensei que osse diícil a adaptação a tamanha rigidez. No início causa um certo choque e az parecer que um civil não será adaptável a este novo mundo. (Aluno da EEAR, eminino). Não oi muito ácil de se adaptar, a vida militar tem certos rigores que dierenciam muito da civil, me senti um pouco reprimido, inconormado, mas aos poucos acostumei com o dia a dia. (Aluno da EEAR, masculino).
Nas duas alas reveladas pelos militares pesquisados, é possível perceber a dierença mencionada entre a vida civil e a vida militar a partir das expressões “novo mundo” e “vida civil”. As declarações parecem assinalar para os eeitos alcançados pela instituição militar no processo de socialização dos alunos. Esse resultado se assemelha ao identificado por Castro (2004a, p. 82), junto aos cadetes do Exército, em que o autor verificou o reconhecimento do mundo militar como “aqui dentro” e o mundo civil, como “lá ora”. Ao tornar-se militar, o indivíduo necessita aprender a cultura organizacional que, por suas características, distingue-se da vida civil, situação, em um primeiro momento, desconhecida e temerosa, como ilustrado nestes relatos. A primeira coisa que reparei é que, para ser militar, tem que se abdicar de grande parte das
regalias do mundo civil e essa adaptação passa pela alienação do mundo externo e oca somente a doutrina militar. (Aluno da EEAR, masculino). Foi muito diícil. É realmente gritante a dierença entre o mundo civil e o militar e a dificuldade começa quando começamos a ter que nos desvincular dos hábitos civis. (Aluno da EEAR, eminino). O choque com a vida militar a princípio é assustador e de diícil entendimento. Emoções boas se misturaram com o medo. (Aluno da EEAR, eminino).
As expressões “alienação do mundo externo”, “desvincular dos hábitos civis” e “choque com a vida militar”, presentes nas alas dos depoentes, sinalizam que, no processo de socialização, a intensidade da desvinculação da vida civil se deve à necessidade de incorporação de novos padrões de comportamento que leve os indivíduos a aderirem à cultura organizacional da instituição militar. Os pesquisados também assinalaram sentiremse conusos com as relações hierárquicas no período de adaptação, conorme ilustram suas alas: Conusas, pois demorei um pouco a entender os princípios da hierarquia e sua neutralidade (não é a pessoa e sim o posto). Cadetes mais novos (idades) mandando em mim e suboficiais mais velhos me chamando de Senhor. (Aluno da escola de ormação de oficiais, masculino). No primeiro dia de adaptação tomei um susto, pois nunca ninguém tinha gritado no meu ouvido e ainda assim eu dizia para aquela pessoa, que era praticamente da minha idade, sim senhor ou não senhor. (Aluno da escola de ormação de oficiais, masculino).
A observação do aluno da escola de ormação de oficiais acerca das relações de comando e subordinação se reerirem ao posto, e não à pessoa, é um dos primeiros aprendizados adquiridos, pois, na interação com os instrutores, vivenciam, cotidianamente, relações de mando e obediência, que lhes são exigidas com rigor. A dominação do instrutor sobre os alunos e a figura de autoridade que lhe é investida têm a finalidade de incutir nos subordinados a cultura da organização. Entretanto, como
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a convivência com as normas hierárquicas é uma situação nova e ainda não há amiliaridade com esse modo de atuação militar, é comum os alunos passarem por um processo de distanciamento e de resistência. Por essas razões, os novos militares relatam como um período “diícil”, “assustador”, de “cobrança”, de “repressão”, de “proibição” e com normas hierárquicas “rígidas”, ”desnecessárias”, “exageradas” – a ase de ingresso na escola de ormação, conorme estes relatos. Foram as piores possíveis, pois não estava acostumada a certas situações. (Aluno da EEAR, eminino). Foi bem assustador, pois eu estava acostumada a uma vida completamente dierente, dependente dos meus pais e não era tão cobrada. Ouvir uma voz de comando bem orte no início não era ácil, dava vontade de voltar para a proteção dos meus pais. (Aluno da EEAR, eminino).
É interessante observar nas alas emininas que a mudança brusca na rotina de vida parece ter sido ator relevante para os julgamentos negativos. alvez as mulheres tenham mais sentimentos negativos pela necessidade de passar por situações inesperadas e dierentes da rotina até então vivenciada. Por outro lado, nas alas masculinas, nota-se que a alta de conhecimento preponderou na vivência e avaliação negativas do período de adaptação. A princípio julguei-as muito rígidas, principalmente pelo desconhecimento. (Aluno da escola de ormação de oficiais, masculino). A reação inicial oi a de repressão. Sem saber, à época, da necessidade da rigidez no trato com as pessoas, achava um certo exagero o trato dos superiores com os subordinados. (Aluno da EEAR, masculino). Foram muito ortes, a cobrança era muito grande com relação à disciplina principalmente. (Aluno da escola de ormação de oficiais, masculino).
Castro (2004, p. 20) afirma, em sua pesquisa, que a palavra mais usada pelos cadetes do Exército (AMAN), ao alarem da adaptação, é ”pressão” e que ela estaria relacionada não somente ao aspecto
ísico, mas também, ao aspecto psíquico. Para esse autor, a finalidade é identificar os alunos que apresentam vocação ou orça de vontade para o ingresso na carreira militar. Estes ragmentos de texto sinalizam as maniestações dos militares inseridos nesta pesquisa, relacionadas a esse mesmo sentimento. Inicialmente, não estava adaptado a sorer em tão pouco tempo tantas pressões psicológicas, mas, com o decorrer do tempo, ui me adaptando e percebendo que esse tratamento me deixara mais orte. (Aluno da escola de ormação de oficiais, masculino). A princípio me assustei com a adaptação, mas aprendi o verdadeiro valor da palavra superação ao longo dos anos. udo muitas vezes não passa de pressão psicológica. (Oficial, eminino). Foi um pouco assustador, pois é uma mudança muito brusca sair do meio civil para uma Academia Militar, onde a pressão psicológica oi grande. Mas reagi como se osse algo necessário para minha ormação. (Oficial, eminino).
Por outro lado, quando perguntados sobre quais são, hoje, as reações emocionais e julgamentos acerca das normas hierárquicas de conduta exigidas, relataram apenas reações e julgamentos positivos. Os militares afirmaram vivenciar, com naturalidade, o modelo institucional e as reações assinaladas oram de “compreensão”, “amadurecimento”, “equilíbrio”, “costume”, “acatamento”, “subordinação”. Para o grupo pesquisado, as normas são compreendidas e aceitas, parecendo haver consenso sobre sua importância nas atividades diárias, tanto pessoais, quanto profissionais. As alas expressam comportamentos que antes pertenciam apenas à instituição, mas agora, incorporados, pertencem ao sujeito, conorme ilustram os seguintes relatos: Compreendo as normas e continuo considerando imprescindíveis, no entanto, consigo posicionar-me de maneira contrária, com respeito, quando necessário. (Oficial, eminino). Hoje existe maior compreensão e julgo que certas situações são necessárias para que ocorra uma adaptação. (Aluno da EEAR, eminino).
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Como se nota, quando as bases concretas estão estabelecidas, não são mais questionadas. Por essa razão pode-se inerir, por meio das palavras “costume” e “hábito”, presentes nas alas a seguir, que a adaptação e o costume aos preceitos militares se deram devido ao condicionamento, processo em que, repetidas vezes, as normas e regras oram exercitadas e praticadas pelos alunos. Passei a me acostumar com os hábitos militares. Vi que as normas hierárquicas são extremamente necessárias para o estilo de vida do militar. ambém da civil, pois preza a educação, o respeito, a boa conduta. (Aluno da EEAR, eminino). Não sinto reação dierente, pois virou costume. (Ind 122 – Aluno da AFA, masculino).
Esse ajustamento permitiu ao grupo aproximarse daquilo que antes parecia distante e abstrato. Agora, próximo à realidade, esse mesmo grupo compreende a necessidade das normas hierárquicas de conduta e as considera normais. Os pesquisados também julgam que as normas hierárquicas são vivenciadas e entendidas como “normais”, ‘úteis”, “aceitáveis”, “necessárias”, “justas”, “rotineiras”, conorme os seguintes depoimentos: Hoje a maioria das normas hierárquicas já está no sangue e às que ainda não estão procuro obedecer sem problemas. (Aluno da EEAR, eminino). Hoje não há mais uma reação emocional de impacto, simplesmente já az parte de mim. (Aluno da escola de ormação de oficiais, masculino).
As expressões “já está no sangue” e “já az parte de mim” ilustram, com clareza, como os valores já incorporados maniestam-se, espontaneamente, nos sentimentos, nas atitudes e nos comportamentos dos militares. Estes excertos ilustram depoimentos que reorçam esse posicionamento, depois de concluída a adaptação à cultura organizacional da instituição militar. Hoje consigo ver a necessidade dessas normas, que servem para disciplinar, para que, no caso de uma guerra, possamos executar as ordens de nossos superiores sem ponderação, pois, caso contrário,
causaríamos o caos dentro da guerra, o que nos levaria à derrota. (Aluno da AFA, eminino). Hoje são comuns à minha rotina essas normas e consigo assimilá-las com acilidade. (Aluno da EEAR, eminino).
Considerações nais Diante dos discursos dos pesquisados, percebeu-se que ingressaram na vida militar levando consigo um padrão de reerência, baseado na tradição, e se utilizaram desse mesmo padrão para mensurar as situações que não lhes eram amiliares. Ao derontar-se com as normas hierárquicas de conduta, objeto, em princípio, abstrato e sobre as quais só havia conhecimentos de ontes inormais, os militares reagiram, positiva ou negativamente, às circunstâncias apresentadas. As reações positivas podem ser divididas em três dimensões. Na dimensão da normalidade, enquadram-se os militares, cujos pais ou parentes pertencem ao meio militar; na dimensão da naturalidade, encaixam-se os militares que já apresentam algum conhecimento prévio sobre a carreira militar e, na dimensão da aceitação, os militares que aceitam as regras impostas por almejarem se ajustar a elas. odos esses militares julgaram o período de adaptação “necessário” e “condizente ao meio militar”. Por outro lado, percebeu-se que as reações negativas parecem ser devidas ao medo daquilo que é estranho. Para Moscovici (2003), “isso se deve ao ato de que a ameaça de perder os marcos reerenciais, de perder contato com o que propicia sentido de continuidade, de compreensão mútua, é uma ameaça insuportável” (p. 56). As expressões “mundo novo” e “vida civil”, presentes nos discursos, parecem retratar a ameaça sentida pelos militares sobre a possível perda dos marcos reerenciais da vida civil para inserirem-se nesse novo mundo, o militar. Essa transição é percebida pelos pesquisados como “alienação do mundo externo”, “desvincular dos hábitos civis” e “choque com a vida militar”. Nessa passagem de um polo ao outro, de um mundo ao outro, como percebem os pesquisados, verificou-se que as normas hierárquicas de conduta, antes abstratas, aos poucos, vão tornando-se concretas, visto que, consoante Sá (1993), apenas quando o novo se
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incorpora aos universos consensuais, a realidade é apropriada pelo grupo. Os discursos assinalam que a atitude de rejeição oi substituída pela de compreensão, a partir do momento em que ocorreram mudanças de valores e sentimentos. Esse resultado permite concluir que as normas hierárquicas de conduta, anteriormente incompreensíveis para muitos militares, tornaram-se amiliares e aceitas. Essas inerências podem ir ao encontro das explicações de Moscovici (2003) ao afirmar que “[...] as imagens, as ideias e a linguagem compartilhadas por um determinado grupo sempre parecem ditar a direção e o expediente iniciais, com os quais o grupo deve tentar se acertar com o não amiliar”. (p. 57)
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RETÓRICA DA IMAGEM COMO INSTRUMENTO DE PESQUISA EM ESTUDO SOBRE REPRESENTAÇÃO SOCIAL Maria da Penha de Souza Salgueiro 1, Tarso Bonilha Mazzo 2
Introdução A teoria das representações sociais de Serge Moscovici (1961) considera que elas são construções simbólicas produzidas nos grupos para organizar suas cognições e aetos, condicionando ou determinando as condutas de seus membros. No caso da pesquisa aqui relatada, o grupo de gestores constitui o significado do objeto induzido “criança” a partir do exame de 16 otografias, adredemente preparadas. Segundo Moscovici (2003), as representações sociais são estruturas cognitivas que se constroem no âmago das interações e das práticas sociais. É uma orma de conhecimento – o saber do senso comum – construída nas relações grupais e intergrupais, integrando a experiência e a vivência dos sujeitos que a constroem. Nesse processo, os sujeitos buscam “tornar amiliar algo não amiliar” (Moscovici, 2003, p. 54) ancorando a novidade que passa a azer parte do seu dia-adia, em sua maneira de alar e de agir, como uma “orma de saber prático ligando o sujeito a um objeto” (Jodelet, 2001, p.27). Essas representações “circulam nos discursos, são trazidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e imagens midiáticas (grio acrescentado), cristalizadas em condutas e em organizações materiais e espaciais” (Jodelet, 2001, p. 18). O delagrador de representações sociais é alguma novidade para o grupo, como oi a nova orientação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil (Lei 9394/96) para a Educação Inantil. Essa mudança implica deixar de lado o caráter assistencialista para o que se considera educativo, objetivando a “autonomia” da criança. Isto nos remete a questão central desta pesquisa: qual a representação de criança que orienta as ações de gestores de Educação Inantil em instituições privadas? Ela coincide com a da associação ao qual
pertencem? Como interpretam as Diretrizes para a Educação Inantil? Para isso utilizamos imagens otográicas produzidas por um profissional orientado para realizar instantâneos em duas instituições, como relataremos mais adiante. Para analisar o discurso dos gestores buscamos suporte teórico na retórica da imagem, inaugurada por Barthes (1964) e undamentada em Perelman e Olbrechts-yteca (1958; 1996). A seguir, teceremos algumas considerações sobre otografia como instrumento de pesquisa em representações sociais.
O uso de imagens fotográcas em representações sociais Apesar de a otografia ter cerca de 150 anos, somente na década de 30 do século anterior, Walter Benjamin escreveu acerca do impacto que a otografia, como arte, exerce sobre a sociedade. Seus textos oram traduzidos para o inglês na década de 1960 e, no final do século XX, oram reconhecidos como relevantes para compreender o novo contexto artístico, na área da otografia, do filme e, mais recentemente, da internet (Roque, 2008). Para Benjamin, a otografia e o filme poderiam oerecer novas ormas de expressão artística, modificando radicalmente as ormas com que olhamos e compreendemos técnicas mais anteriores. Com a técnica de captura de imagem oi possível tornar amiliar outras realidades que escapam do olhar desprovido das otografias e filmes, como nos diz Kassoy (2001). Em 1942, Bateson e Mead em seu livro ‘Balinese character: A photographic analysis’ deram início ao que veio a ser denominado como “antropologia visual”. A otografia deixava de ser uma ilustração 1 2
Universidade Estácio de Sá – UNESA Universidade Estácio de Sá – UNESA
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dos ambientes e pessoas, para se tornar objeto de estudos procurando compreender seus significados (Recuero, 2007). O uso da imagem otográfica com o mesmo peso de um texto em trabalhos científicos é recente, e oi conceitualizado por Roland Barthes (1962). Um dos pioneiros no estudo da Semiologia dierenciou-se dos demais semiólogos estruturalistas, seguidores de Ferdinand de Saussure, por acrescentar à noção de signo a de sujeito. Um signo deve ser compreendido considerando a intervenção do sujeito que o observa. Se a otografia não soresse a intervenção pessoal do observador que pode ver num signo muito mais que uma representação do real, ela não passaria de um simples registro documental. No entanto, apesar de também cumprir este papel, a otografia ultrapassa os limites de simples registro, na medida em que, enquanto signo recebe um reconhecimento particular por parte do sujeito (Leite, 2007). Para Barthes (1980), a otografia é sempre a imagem de algo vinculado ao reerente histórico que a gerou. Ler uma otografia implica reconstruir no tempo seu assunto, derivá-lo no passado e o conjugar num uturo virtual. A oto é o registro de um momento que não se reproduzirá. Sob o ponto de vista documental, sua validade é contestada, pois pode ser utilizada tanto para alsificar atos como para enaltecer acontecimentos. A leitura de um texto envolve uma ação ótica e mental do leitor. Primeiro decira as letras, em seguida assimila o significado de cada palavra e finaliza estabelecendo o significado da rase. Dierentemente, a leitura otográfica processa-se da percepção da imagem, sua identificação e interpretação. Esta dierença provoca reações emocionais espontâneas e mais intensas que um texto, o que reorça o dito popular de que: “Uma imagem vale mais que mil palavras”. Sob o mesmo ponto de vista Aumont (2008) assinala que a imagem existe para ser vista por um sujeito espectador em um contexto. O significado atribuído a uma imagem é socialmente constituído, aastando a hipótese de um olhar ocasional, vale dizer, neutro. É na relação do sujeito que observa com o objeto de sua observação, que a imagem constitui-se envolvendo emoções, histórias, crenças e memórias.
O uso de imagens otográficas como instrumento de pesquisa vem, paulatinamente, ganhando espaço nos estudos de representações sociais. Nos estudos que têm a escola por objeto, as imagens revelam e a identificam como um espaço simbolizado, ormado de múltiplas relações entre o real e o imaginário (Sousa, 2002). Assim, a pesquisa aqui relatada é uma continuidade de trabalhos de vários autores que utilizam a imagem otográfica como instrumento de pesquisa.
Retórica da Imagem Reboul (2004, p. 83) confirma que “o pontapé inicial da retórica da imagem, oi dado por Roland Barthes em seu artigo publicado em Communication, no ano de 1964”. Neste artigo Barthes trata os signos como análogo ao signo linguístico, tal como Saussure propôs: um significante e um significado. Barthes (1990, p. 28) toma por objeto a imagem publicitária, em ace de generalizada ideia de sua inconteste intencionalidade que “[...] a mensagem publicitária é ranca, ou pelo menos, enática”. Seu estudo, baseado na análise de um anúncio das massas Panzzani, constata tanto a denotação, materializada por legumes e pacotes de macarrão saindo de uma sacola, quanto à conotação persuasi va, constituída pelas cores verde, branca e vermelha sugerindo ‘italianidade’; os legumes sugerindo rescor e a natureza a sacola remetendo a uma cozinha artesanal, muito embora as massas sejam rancesas e industrializadas (Reboul, 2004, p. 83). Barthes (1990), ainda no campo da publicidade, identifica na imagem a existência de três mensagens: primeira linguística – legendas e etiquetas inseridas no natural da cena sob o código da língua rancesa; segunda de natureza icônica – caracteriza o entendimento da denotação e a terceira é simbólica – operando no campo da conotação. Assim, a tônica da metodologia barthesiana para uma retórica da imagem, encontra-se no “sistema que adota os signos de outro sistema, para deles azer seus significantes, é um sistema de conotação; podemos desde já afirmar que, a imagem literal é denotada e a imagem simbólica é conotada” (Barthes, 1990, p. 31). Como a imagem é sempre polissêmica ou ambígua, a maioria das
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imagens publicitárias é acompanhada de algum tipo de texto. Não sem razão Gemma Penn (2004, p. 322) entende que “o texto tira a ambiguidade de uma imagem – uma relação que Barthes denomina de ancoragem, em contraste com a relação mais recíproca de revezamento, onde ambos, imagens e texto, contribuem para o sentido completo”. Dessa maneira, a retórica da imagem, no âmbito publicitário pode, com relativa acilidade, usar o recurso textual para direcionar o espectador/ leitor na direção da compreensão da mensagem. Utilizando o recurso da fixação ou ancoragem, “o texto dirige o leitor através dos significados da imagem e o leva a considerar alguns deles e a deixar de lado outros. [...] e ao uso do relais/revezamento “o texto e a imagem se encontram numa relação complementar” (Penn, 2004, p. 322). As palavras, como as imagens, “são ragmentos de um sintagma mais geral e a unidade da mensagem se realiza em um nível mais avançado” (Barthes, 1964, p. 38-41). Se certo é que “a imagem é sempre polissêmica e ambígua” e que o texto tem as finalidades acima, como azer quando na imagem não se pode usar algum texto? Que recurso a Retórica nos oerece para que as imagens “despertem” em seu intérprete a noção de autonomia, que oi o caso da pesquisa aqui relatada? Como garantir que o intérprete entenderá o “argumento” apresentado pela imagem? Estas oram as questões postas no início da pesquisa que relatamos. Isso porque a introdução de algum texto orientaria as respostas. Como, então, produzir imagens sem texto que permitiriam estimular os sujeitos a alarem do “ser criança”, especialmente de “autonomia” na Educação Inantil. O início da resposta nos é apresentado por Barthes (1964, p. 34) ao mostrar que uma imagem nunca é puramente denotativa. “[...] mesmo que conseguíssemos elaborar uma imagem inteiramente ingênua, a ela se incorporaria, imediatamente, o signo da ingenuidade e a ela se acrescentaria uma terceira mensagem, simbólica”, na prática utópica, pois “[...] não há imagem puramente denotada que se contente em representar desinteressadamente uma realidade desinteressada; ao contrário, toda imagem veicula numerosas conotações provenientes do mecanismo de certos códigos (eles mesmos
submetidos a uma ideologia)”, reorçando e confirmando a sua terceira mensagem (simbólica, cultural ou conotada) que, em verdade, constitui a sua retórica da imagem, que é “[...] específica na medida em que é submetida às imposições ísicas da visão (dierentes, por exemplo, das imposições onadoras), mas em geral, na medida em que as figuras nunca são mais do que relações ormais de elementos” (Barthes, 1964, p. 40). Podemos supor que as conotações da imagem podem “persuadir” seu expectador, operando com “eeitos argumentativos”, vale dizer, é possível valer-se da conotação da imagem para provocar nova significação, materializando a sua “orça retórica” na adesão dos auditórios. Por isso, nos aastamos da posição de Reboul (2004, p. 85) quando afirma que “[...] 1º) A retórica da imagem desenvolve o oratório em detrimento do argumentativo. 2º) A imagem não é eicaz, nem mesmo legível, sem um mínimo de texto. A imagem é retórica a serviço do discurso, não em seu lugar.” Mas com ele nos alinhamos quando afirma que “[...] a imagem é, porém notável para amplificar o etos e o patos (Reboul, 2004, p. 83)”. É dele também que nos valemos acerca da existência de uma “[...] teoria do discurso persuasivo”, cujos autores, partindo “de um problema não linguístico nem literário, mas filosófico: Como undamentar juízos de valor?” Assim, acabam por encontrar “a lógica do valor, paralela à da ciência”, na antiga retórica, complementada pela dialética, onde os autores constroem uma lógica do verossímil, denominando-as de argumentação (Reboul, 2004, p. 88). rata-se da chamada Nova Retórica constituída por Perelman e Olbrechts-yteca em ‘ratado da Argumentação: A Nova Retórica’ publicada em 1958, na Bélgica. Mais adiante, Reboul (2004, p. 89) em ácida crítica aos undadores da Nova Retórica, assim resume sua posição: “Em suma, uma retórica centrada na invenção, e não na elocução”. Pois é exatamente por estar centrada no inventio que ela torna-se o lócus ideal para construir imagens e não textos, cujas conotações “dialoguem” com seu expectador/auditório, persuadindo-o para obter a sua adesão à noção de “ser criança”. odavia, na construção das imagens procuramos usar o me-
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nor número possível de figuras argumentativas, evitando, ao máximo, que o expectador caísse na ambiguidade, ou seja, que a imagem exibida tivesse seus elementos denotativos dispostos de orma tal que diminuísse suas conotações.
Metodologia de Pesquisa Elaboração do instrumento de pesquisa Para Loizos (2004), uma das alácias do discurso a respeito da otografia é que ela é simples e universalmente acessível, ou seja, que ela opera transculturalmente, independendo dos contextos sociais, de tal modo que todos vêm e entendem nela um mesmo conteúdo. Como, então, por em cena a noção de “desenvolvimento da autonomia” em otogramas? Por que estudar essa noção? A escolha na noção “desenvolvimento da autonomia” em imagens otográficas oi uma opção dos pesquisadores por sua importância nos primeiros anos de vida da criança. A constituição da identidade e da autonomia az-se por meio das interações sociais (vínculos) estabelecidas desde o nascimento. Gradativamente a criança percebe-se e percebe o outro acionando seus próprios recursos nas situações, cuja desenvoltura torna-se uma marca que a distingue das demais. Esta capacidade de se conduzir e tomar decisões, considerando as regras, valores, em sua perspectiva pessoal, bem como a perspectiva do outro constitui o que se diz ser autonomia (Brasil, 1998, v.2). Para Kamii (1997, p. 108), discípula de Piaget: [...] a essência da autonomia é que as crianças se tornem capazes de tomar decisões por elas mesmas. Autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa. Autonomia significa ser capaz de considerar os atores relevantes para decidir qual deve ser o melhor caminho da ação.
A noção de autonomia também está presente no Reerencial Curricular Nacional para a Educação Inantil – RCNEI (Brasil, 1998, v. 1, p. 63).
Captação das imagens fotográcas A noção de ‘ser criança’ é retratada em otos de atividades que avorecem o desenvolvimento da autonomia, com o propósito de veriicar a existência de representação social de criança pelos gestores. Foram tomadas 240 imagens, que nunca ti veram intererência de adultos nas cenas e que, apesar de não aparecerem nas otos, sempre estavam presentes no ambiente otograado. Esta opção objetivou dar maior autenticidade às cenas. As otos passaram por três juízes (doutores com conhecimento de otografias ou com trabalhos em representações sociais) que selecionaram 16 otos de crianças com mais de 18 meses. Por tratar-se de imagens com crianças, estas oram autorizadas pelos pais atendendo a todas as exigências da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Da escolha das fotos à noção de ser criança
O principal aspecto distintivo identificado e presente nas imagens capaz de remeter, de imediato, à autonomia inantil é a ausência de um adulto que a proteja. Assim o expectador/auditório oi levado a acreditar que a cena exibida não contou com a participação de outrem capaz de levar a criança a realizar tal ação em decorrência do sentimento de segurança proporcionado pela presença do adulto. As imagens produzidas são ricas em elementos denotativos que, quando tomados em associação de uns com os outros, denotam, além da ausência de adultos, situações em que as crianças estão realizando atividades que sugestionam, persuadem e convencem o expectador de que elas estão eetivamente desenvolvendo a autonomia. Cada oto oi interpretada, segundo a definição dada pelo Reerencial em sua categoria predominante (ver Figura 1).
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Figura 1 – Fonte: Regina Reis – Fotógraa
As entrevistas e a análise da oto representativa As entrevistas oram individuais sendo entregues nas mãos dos entrevistados 16 otografias, obedecendo aos seguintes passos: 1º) Para estimular a memória de atos ou imagens do objeto pesquisado, azia-se o primeiro pedido: “Olhe atentamente uma a uma, as 16 otografias”. 2º) Depois oi solicitado: “Agora, separe as otos em grupos de no mínimo dois e no máximo
quatro grupos, segundo seus próprios critérios”. 3º)Com as otos ainda na mesma posição, perguntava-se: “Qual o critério utilizado para a ormação dos grupos”? Justifique. 4º) “Agora eu gostaria que você juntasse todas as 16 otos e respondesse, escolhendo uma única oto: qual dessas otos melhor representa ser criança”? Justifique.
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Optamos por privilegiar, neste artigo, somente o discurso dos gestores quando da escolha da oto que melhor representa ser criança. Na análise das otos, por se tratar de representação de um grupo social cujo objetivo era saber o que pensam sobre a criança, recorremos a Mazzotti e Alves-Mazzotti (No prelo) para entendermos o discurso do grupo, em que: A identidade e coesão dos grupos sociais é undada em certo número de crenças, coletivamente engendradas e historicamente determinadas, que não possam ser postas em questão por constituírem o undamento do modo de vida e do sistema de valores do grupo.
Segundo os autores, na tentativa dos grupos de se manterem coesos, utilizam procedimentos que censuram ou louvam valores, ao reafirmarem o que consideram preerível azer ou ter. Este gênero retórico oi denominado por Aristóteles de epidítico. No discurso epidítico o que está em questão são os valores presentes, avaliados pelos ouvintes, que decidem se aderem ou não a eles. Como a representação social reere-se a uma orma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada, com o objetivo prático (Jodelet, 2001, p. 22), ajuda-nos a compreender atos e ideias que orientam e justificam o comportamento do grupo ao tomarem posições que consideram coerentes com os valores e crenças com relação ao objeto social: criança. As imagens permitiram expor o implícito nos discursos dos gestores acerca de criança e sob dierentes denominações, a noção de autonomia emerge designando independência ou ormação de hábitos de vida diária. A análise das otos permite concluir que a oto de nº 15 é a mais representativa de “ser criança” (29,63%). Os gestores disseram que o menino saltando de um banco de cimento expressa: liberdade, conquista, enrentamento de desafios, ausência de medo, sendo o desejável, como mostrou, por exemplo, Chombart de Lauwe e Feuerhahn (2001, p. 289), em que “a criança representa um ‘mundo outro’, investida de valores positivos ‘o mundo ideal’, ruto da projeção dos desejos de uma sociedade” que graças à evolução do conhecimento resultou
um novo olhar sobre a criança, sujeito autônomo. A metáora condensada na imagem é “salto para a liberdade”, em que a objetivação é o salto e a ancoragem é a liberdade, dada pela autonomia que se deseja para a criança atual. Retórica e dissociação de noções
Analisamos as otos escolhidas por meio do esquema retórico denominado, por Perelman e Olbrechts-yteca, dissociação de noções. Que, como recorda Oliveira (2010), relaciona-se com as técnicas de ligação utilizadas quando esquemas de raciocínios “operam estabelecendo vínculos entre elementos distintos, buscando construir uma espécie de solidariedade que configura ao pensamento coerência e consistência” (p. 39). No caso das otos a ligação entre as cenas e o que dela se pensa são solidárias pelo que denotam e conotam. Já a dissociação opera “tanto desazendo os elos estabelecidos pelo orador, quanto cindindo noções que esses elementos tomam por reerência” (Oliveira, 2010, p. 48). Ora, se a noção de criança está associada à ase da vida em que o indivíduo não pode prescindir dos cuidados do adulto e, se para representar nas imagens o desenvolvimento da autonomia az-se necessária exatamente a ausência deste, fica claro que a dissociação da noção de criança opera na constituição dos significados de ‘ser criança’ e ‘autonomia’.
Considerações nais A noção de ‘autonomia’ estabelecido nos Reerenciais Curriculares Nacionais de Educação Inantil, que oram objetivadas nas imagens e escolhidas pelos gestores, é instituída pela relação de alta, em que heteronomia é o termo I da dissociação na qual autonomia é o termo II, que apresenta as boas e superiores qualidade de uma Educação Inantil desejável. O termo II determina e controla os significados do termo I, que é definido pelo que alta para ser o termo II. Além disso, supõe-se existir uma transição do termo I ao II por meio do preenchimento das qualidades ausentes. A Figura 2 apresenta as otos mais escolhidas.
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O termo II da dissociação da noção de criança considera preerível a autonomia do que a heteronomia, mesmo na situação escolar. A heteronomia, que aparece no discurso do gestor preocupado com o que pode resultar das ações não supervisionadas, cede à pressão social que afirma o “salto para a li-
berdade”. Mostrando que este conflito está presente nos gestores, ainda que eles apoiem aquele salto como expressão da meta desejável e inscrita em documentos oficiais acerca do desenvolvimento da autonomia das crianças, por meio da Educação Inantil.
Figura 2 – Dissociação da noção de “autonomia” da criança
De ato, essa é uma situação curiosa, pois se educar é conduzir, como deixar de o azer para garantir a liberdade de escolha e decisões pelas crianças? Ainda que esse tema seja relevante, dele não tra-
taremos, pois nosso objetivo oi o de mostrar ser actível uma análise retórica de imagens e discursos, podendo constituir em mais um instrumento metodológico para pesquisas em representações sociais.
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SUBJETIVIDADE E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS:ESTADO DA ARTE DA PRODUÇÃO NACIONAL 2000-2010 Helenice Maia1, Clarilza Prado de Souza 2
Introdução Embora Serge Moscovici tenha desenvolvido a eoria das Representações Sociais nos anos 1950 e sua primeira publicação date do início nos anos 60 na França, é somente a partir dos anos 1980 que estudos que a ocalizam vão gerar intensas discussões sobre as origens, os undamentos, as operações e as unções de uma representação social, assim como sobre as variações da teoria. O próprio autor já registrara que a teoria sorera grande resistência, sendo submetida a inúmeras críticas, tais como: “não oerece definições claras, não estabelece relações simples entre suas proposições, ou ainda que ela não enuncia hipóteses que possam ser submetidas à verificação” (Moscovici, 1995, p. 10). Nos anos 1990, para responder a estes questionamentos, o autor elegeu quatro pontos que considerou mal compreendidos por seus interlocutores: o papel que a teoria conere ao saber do senso comum; os métodos aplicados ao estudo das representações sociais; a complexidade e a elasticidade da teoria; e o dualismo do mundo individual e do mundo social. Esse último ponto é o oco deste estudo, que se insere em outra mais ampla denominada “ rabalho docente e subjetividade: aspectos indissociáveis da ormação do proessor” realizada no âmbito do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD) da Coordenação de Apereiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
O Dualismo do mundo individual e do mundo social Moscovici (1995) chama a atenção para a articulação entre os enômenos individuais e enômenos coletivos e para como é colocado o problema indivíduo-sociedade. Rejeita o dualismo que se estabeleceu entre o mundo individual e o social,
afirmando que tal dicotomia impede de ver enômenos como conflitos e dissonâncias em toda sua amplitude e significado. Procura superar tal dicotomia voltando-se para os enômenos marcados pela subjetividade, deendendo que há reciprocidade entre os enômenos psicológicos e sociais. Afirma que o papel das representações partilhadas é assegurar a coexistência entre individualização e socialização, necessária para compreender o dinamismo da sociedade e as mudanças das partes que a compõe. Para ele, é na interação entre sujeitos e grupos que a representação social ganha orma, sendo indissociável a relação que se estabelece entre sujeito e sociedade. A teoria das representações sociais tem como pressupostos a não separação entre o interno e o externo, entre o sujeito e o objeto da representação e a aceitação de que a realidade é construída simbolicamente. Ao representar um objeto, os sujeitos não o reproduzem passivamente, mas o reconstroem e nessa atividade, se constituem como sujeitos, se situando no universo social e material (Moscovici, 1978). Portanto, as relações e interações interpessoais assim como as intenções dos atores sociais não podem deixar de ser considerados, uma vez que as representações sociais são dinâmicas, estabelecidas pela interação entre sujeito e sociedade, que produzem e reproduzem conceitos, imagens e símbolos. A discussão sobre a articulação entre subjeti vidade e representações sociais é ainda insipiente. Portanto, entendemos que o estado da arte da produção nacional sobre subjetividade e representações sociais nos últimos dez anos, recorte que abrange os primeiros estudos sobre o tema, pode contribuir para o aproundamento dessa articulação.
UNESA PUC-SP/FCC
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Metodologia As pesquisas qualitativas definidas como “estado da arte”, que abarcam determinada área de conhecimento em suas diversas modalidades de produção, buscam mapear e discutir a produção acadêmica sobre um determinado tema por meio de uma metodologia de caráter inventariante e descritivo. Para a elaboração do estado da arte dos estudos nacionais sobre subjetividade e representações sociais realizados nos últimos dez anos, oi realizado um levantamento de artigos publicados em 16 periódicos qualificados pela CAPES (estratos A e B, qualificação realizada em evereiro de 2010) disponíveis na base Google Acadêmico.
Resultados Foram selecionados 16 periódicos sendo três classificados como A1, sete como A2, dois B1, três B2 e um B4. A partir da busca por meio das pala vras chave subjetividade(s) e representação(ões) social(is), oram identificados 398 artigos. Em 95 dos 398 artigos, as palavras chave ocorreram simultaneamente, sendo categorizados quanto ao tema de acordo com a classificação de trabalhos estabelecida pela Comissão Organizadora da VII Jornada Internacional e V Conerência Brasileira sobre Representações Sociais realizada em 2011, que definiu 12 categorias temáticas: (1) Educação; (2) Comunicação e mídia; (3) Saúde; (4) Política e cidadania; (5) Meio ambiente; (6) Memória, história e cultura; (7) Religiosidade; (8) Violência e exclusão; (9) Diálogos teóricos e metodológicos; (10) Gênero e sexualidade; (11) rabalho; e (12) Etnia e raça. Para essa pesquisa, oi proposta ainda a categoria “Outros” na qual oram classificados trabalhos que não se encaixavam em nenhuma daquelas outras. Assim, oram determinadas 13 categorias, nas quais os 95 artigos oram categorizados. Após proceder a categorização, verificou-se que nos 95 artigos selecionados, as maiores requências (ƒ≥10) se encontravam na categoria Saúde (27), Diálogos teóricos e metodológicos (20), Educação (16) e Gênero e sexualidade (10) Dentre esses 95 artigos, 52 apresentavam pesquisas empíricas e 43 textos descritivos e analíticos ou não empíricos.
Como essa pesquisa está voltada à produção sobre representações sociais e subjetividade no campo da Educação, os 16 artigos aí categorizados oram então analisados, sendo que 11 desses trabalhos são empíricos e cinco não empíricos. Nos cinco artigos não empíricos, os dois temas são apresentados separadamente, ora um, ora outro, não tendo sido identificada intenção e/ou preocupação dos autores em estabelecer articulações entre representação social e subjetividade. O artigo de Spósito (2000) se reere à expansão e democratização do ensino público, à presença popular no contexto dos movimentos sociais e educação e às ormas de ação coletiva. A autora afirma que há representações enraizadas no pensamento conservador na sociedade brasileira e uma exacerbação da esera íntima e de natureza individualista. Deende que uma crise de compreensão da participação estudantil gerou representações sociais que se constituíram como modelos de ação coletiva. Entretanto, não se reere especificamente às representações sociais, o que pode ser verificado inclusive pelas reerências ao final do artigo: o único título citado é uma tese de doutorado em que são analisadas as possibilidades de constituição de um movimento negro em três momentos da história republicana brasileira. Spósito (2000) ocaliza o tema subjetividade ao citar pesquisa sobre subjetividades conservadoras e apontar dierentes práticas coletivas entre jovens, inclusive as redes sociais. Fundamentada na análise teórica da sociedade contemporânea e ao conceito de experiência social, busca ouraine para declarar que o ator coletivo e o sujeito se constroem juntos; de Dubet, toma o conceito de ação. A partir daí, seu olhar se volta para a construção de identidades juvenis, identidades individuais e coletivas, deendendo que o consumo cultural propicia tal construção. Explica que trocas sociais propiciam a construção de identidades comuns, de sentimentos de pertença e de canais de expressividade, orma de pertencimento que se torna dominante. Fleuri (2001) aborda as representações sociais quando define culturas populares e afirma que se as dierentes visões de mundo e as representações sociais orem ignoradas ou desrespeitadas, corre-se o risco de invalidar os saberes desses grupos sociais.
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Entretanto, as representações sociais não são mais ocalizadas no restante do artigo e nem são utilizados títulos que se reerem ao tema para discuti-lo. Quanto à subjetividade, esta é abordada segundo a ótica de Guattari. Sem colocar em discussão os dois temas, sub jetividade e representação social, Fleuri dirige seu oco à identidade dos sujeitos coletivos, buscando em Sader a deinição de que esses sujeitos são resultados das interações que estabelecem entre si, reconhecendo-se reciprocamente, sendo suas posições mutáveis e intercambiáveis. ambém não propõe articulações entre os três temas e conclui que a lógica binária e de oposição não basta para interpretar as relações complexas que se estabelecem entre sujeitos, processos e dispositivos que produzem práticas discursivas. Em sua análise do discurso, raversini (2009) busca em Foucault o conceito de sujeito e utiliza os conceitos de técnicas de dominação e de técnicas de si que, de acordo com ela, permitirão a compreensão da noção de governamento. Quanto às representações sociais, a autora cita apenas uma pesquisa sobre escola noturna, e não aprounda o tema, o que contribui para não serem realizadas reflexões acerca de representações sociais e técnicas de si. A autora afirma que a subjetividade não se relaciona apenas ao invisível mundo interior do sujeito e se reere ao estudo de Rudiger sobre a categoria indivíduo na literatura de autoajuda para explicar que nas práticas de autoajuda as pessoas procuram utilizar seus recursos interiores para transormar sua subjetividade. Rohden (2009, p. 172) ao apresentar a undamentação pedagógica e o modelo de execução de um curso de ormação à distância afirma que “aos valores e as representações sociais sobre gênero, orientação sexual e raça/etnia [que] são transmitidos desde a mais tenra idade”. Nada mais não é acrescentado sobre representações sociais. A sub jetividade é mencionada somente nos resultados, quando a autora conclui que o objetivo undamental do curso oi atingido. Ao ocalizar trabalho docente e modelos de ormação, Barretto (2010, p. 427) afirma que se propõe a discutir “o peso das representações relativas ao exercício da profissão docente e seu enraizamento
histórico”. Em unção desse objetivo, mostra que os modelos de ormação devem ser analisados na perspectiva das políticas da subjetividade, e é somente nesse ponto do texto que surge a palavra. O tema não é explorado ao longo do artigo, mesmo quando a autora se reere à exclusão conorme posto por Dubet para explicar que o indivíduo é responsável por seu próprio destino. Nos 11 artigos que retratavam pesquisas empíricas, 10 oram realizadas em instituição escolar – oito públicas e duas particulares, sendo uma delas um seminário católico – e uma numa ábrica. No que se reere aos sujeitos, em cinco pesquisas estes eram alunos e em duas, alunos e proessores. Em cada uma de outras quatro, oram sujeitos: proessores; alunos (bebês), proessores e mães; proessores e mães; e alunos não trabalhadores, alunos trabalhadores e dirigentes. Com relação ao nível de ensino, duas pesquisas oram realizadas no âmbito da Educação Inantil; três nos anos iniciais do Ensino Fundamental; uma envolvendo alunos de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental e de 1º ao 3º ano do Ensino Médio; duas no Ensino Médio (o Seminário Católico oi aí incluído); e duas no Ensino Superior. Os sujeitos na pesquisa realizada na ábrica tinham escolaridades variadas. Entrevistas (5), questionários (4) e análise de conteúdo (4) oram as metodologias de coleta e de técnica de análise de dados mais utilizadas nessas pesquisas. Identificou-se também o uso de programas como Alceste, EVOC e QSR NUD* IS® (Nonnumerical Unstructured Data Indexing Searching and Teorizing by Qualitative Solutions and Research) em três desses estudos. As duas pesquisas realizadas no âmbito da Educação Inantil ocalizaram processos de interação social. O objetivo de Rossetti-Ferreira, Amorim e Silva (2000) era apreender os processos de co-construção e as mútuas transormações dos sujeitos, um dos aspectos ligados ao desenvolvimento humano, undamentados em Vygotsky e Wallon. Explicam que os dierentes significados atribuídos a determinado objeto podem ser coletivos e construídos ao longo do tempo histórico, como é o caso das representações sociais. Revelam que, durante a análise do material coletado, buscaram identificar concepções e representações sociais dominantes, mas isso posto,
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não se dedicam ao estudo dessas representações. Reerem-se à subjetividade de modo aligeirado, registrando que o comportamento é um processo continuamente constituído e transormado, significado pelo contexto, situação, ações do sujeito e do outro. Araújo e Sper (2009) não deram atenção a possíveis articulações entre representação social e sub jetividade: o primeiro aparece em dois parágraos, o segundo em apenas um. No primeiro parágrao, os autores se reerem à teoria desenvolvida por Moscovici, afirmando ser esta um bom recurso para entender questões sobre o estabelecimento de limites e a relação do aluno com normas instituídas; no segundo, concluem que a diusão das teorias psicológicas e pedagógicas estimularia não somente a produção de representações sociais idealizadas de inância e de parentalidade, como também contribuíram para que os proessores não se sentissem à vontade para colocar limites nos alunos de maneira firme, temendo prejudicar sua individualidade e espontaneidade. Quanto à subjetividade, esta aparece no momento em que os autores se reerem à queda de prestígio da escola por estar distanciada da realidade dos alunos e atuar “em uma lógica dierente da que rege a subjetividade da criança” (Araújo & Sper, p. 192). Das três pesquisas realizadas no âmbito das séries iniciais do Ensino Fundamental, uma tem proessores como sujeitos. Almeida, Rossi e Santos (2006) iniciam seu artigo argumentando que a omissão decorrente de crenças, pontos de vista e conceitos equivocados baseados, entre outros atores, nas representações distorcidas da realidade, constitui um empecilho para desempenho que a sociedade espera que a escola tenha. E é por essa razão que elegeram como objeto de seu estudo as representações sociais, o que constitui um equí voco, uma vez que o objeto ocalizado por elas é a violência intraamiliar. A partir daí, desenvolvem uma breve apresentação da teoria, e como estão interessadas nas inormações, nas atitudes e no campo de representação, se voltam para as dimensões da representação social de violência intraamiliar. Há um pequeno indício de articulação entre representação social e subjetividade quando explicam, num parágrao, que na interação com a sociedade, os indivíduos compartilham sua subjetivida-
de “estabelecendo dierenças entre realidades vividas e outras que existem na consciência” (Almeida et al., 2006, p. 278), mas não dão continuidade a ela. Gazzinelli (2002) investigou a influência das representações sociais de proessores na implementação de um currículo de Educação Ambiental numa escola pública próxima, pois as representações que eles têm da natureza, da relação homem natureza e do processo pedagógico aetam a aprendizagem dos alunos. Partindo dessa premissa, a autora considera que conhecer essas representações é importante porque, além delas definirem práticas, possibilitaria a elaboração de novos modos de pensamento que desafiariam padrões de relacionamento já estabelecidos entre homem e meio ambiente. No entanto, a única menção à eoria das Representações Sociais é eita em nota de rodapé. Com relação à subjetividade, declara que procurou compreender as construções subjetivas dos proessores, uma vez que os sistemas ecossociais dependem dos homens para sua transormação. Passa a citar o estudo de Burnham que busca suporte teórico em Castoriadis. Sousa (2009) considera que a eoria das Representações Sociais é o “abrigo conceitual” que ornece explicações sobre comportamentos que não são puramente individuais e revela que encontrou como ponto de contato entre essa teoria e o paradigma do pensamento complexo de Morin. Em seu entendimento, essa proximidade com Moscovici é porque as representações sociais são produções reais dos homens. Entretanto, essa afirmação não garante a proximidade entre as duas teorias, pois a autora deixa de lado o conceito de sujeito elaborado por Morin. A autora toma de Vygotsky o conceito de sujeito e de produção de sentidos e significados e a relação que ele estabelece entre pensamento e linguagem, mas não vai além disso e não discute possíveis aproximações entre a eoria das Representações Sociais e a eoria Sócio-Histórica, o que seria de interesse para a pesquisa que vem sendo realizada no âmbito do PROCAD. Duas das três pesquisas realizadas no âmbito do Ensino Médio têm trabalho como objeto e uma delas também ocalizou as séries finais do Ensino Fundamental (5ª a 8ª). Oliveira, Sá, Fischer, Martins e eixeira (2001) declaram que oi utilizada a teoria inaugurada por Moscovici em 1961 e a teoria do
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núcleo central proposta por Abric (1994), este último porque avançou “nas tentativas de uma definição das representações sociais, destacando a subjetividade e o caráter social das da s representações” (Abric, p. 246). Apóiam-se em Bourdieu para explicar que as representações sociais podem ser uma orma de restituir a objetividade à subjetividade e deendem que seu trabalho aborda as representações sociais como processo social e particular. Como não era oco de seu s eu estudo, não aproundam essa discussão. Com relação às representações sociais, após breve consideração sobre subjetividade, os autores mostram como desenvolveram sua pespe squisa, buscando o conteúdo e a estrutura (elementos centrais e periéricos) da representação social de trabalho undamentados em Abric e Flament. Na sessão que aborda representações sociais, Franco e Novaes (2001, p. 173) inormam que tomaram Leontiev como base para seu estudo e que as representações sociais são “comportamentos em miniatura” e que apresentam um caráter preditivo, permitindo, “a partir do que o sujeito diz, inerir suas concepções de mundo e, também, deduzir sua orientação para a ação”, o que desconsidera os processos ormadores de uma representação social, a objetivação e a ancoragem. Deixam de lado o conceito de sujeito, pois para Leontiev, embora o homem se relacione com o mundo por meio de suas ações, que são dirigidas por motivos, por fins que ele quer alcançar, há um sujeito interno cujo uncionamento é resultado de suas ações, o que o distancia de Moscovici. Quanto à subjetividade, em um parágrao as autoras lembram que é preciso “articular a reconstrução do “saber escolar” com os elementos da subjetividade e da iniciativa própria. rata-se de reconhecer que é central verificar em que medida se harmoniza, no cidadão, o sujeito do conhecimento com o sujeito social” (Franco & Novaes, p. 181). Nada mais é trazido ao texto, sobre o tema. Benelli e Costa-Rosa (2003, p. 101) estavam interessados na configuração da subjetividade seminarística e para entender como se produz a sub jetividade no contexto contexto institucional institucional,, inicialmente, inicialmente, utilizaram Goffman como reerencial teórico relati vo às inst institui ituições ções tot totais. ais. In Inorma ormam m que, em seguid seguida, a, a pesquisa oi ampliada e desenvolvida a partir da contribuição de Foucault, uma vez que “o Seminá-
rio pode ser investigado como um estabelecimento que encarna o poder disciplinar e as instituições disciplinares que esse poder implementa implementa””. Subjeti vidade e sujeito sujeito são, então então,, apresen apresentados tados segundo a perspectiva oucaultiana. As representações sociais surgem, no texto, na sessão intitulada instrumentos, para explicar que o discurso do sujeito coletivo expressa representações sociais e é construído “com pedaços de discursos individuais”. Após essa sessão, são apresentados os resultados e não aparecem reflexões sobre um dos dois temas. Leite et al (2007, p. 667) ao versarem sobre representações sociais, afirmam afir mam que elas “são modos pelos quais, por meio das interações, o conhecimento é construído ou apropriado e esse processo se reflete na prática” e que “indicariam posições subjetivas dos atores acadêmicos, construídas por meio de processos sociais, de influências e aprendizagens partilhadas”. razem o conceito de transindivíduo de Goldmann que parece se aproximar do conceito de transubjetividade posto por Jodelet (2009), pois a definem como o espaço onde se encontram as representações do mundo externo, do mundo social. No entanto, aproximações entre essas perspectivas não são empreendidas e novo conceito é trazido à cena para explicar as representações sociais das avaliações de universidades encontradas: o conceito de achada de Goffman. Daí em diante, subjetividade e representação social não são mais abordadas e na conclusão, as representações sociais encontradas são discutidas à luz das ormulações de Goffman. Vieira e Barros (2008, p. 515) utilizaram a “categoria de representações sociais voltada às situações cotidianas e complexas, complexas, [pois ela] observa as pessoas em seus próp próprios rios territórios e a interação que desenvolvem, tomando como erramenta sua própria linguagem”. A subjetividade é entendida segundo a abordagem sócio-histórica, cuja aproximação com a das representações sociais é uma linha tênue, uma vez que seus sujeitos não são os mesmos, assim como seus campos de estudo. Além de não apresentarem considerações sobre essas questões, que são undamentais para justiicar possíveis aproximações entre as duas abordagens, se reerem a processos identitários para explicar que cada época produz modos de subjetivação
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dierenciados, sem estabelecer relações entre representações sociais e identidade. i dentidade.
Conclusão Inicialmente, percebeu-se que dos 15 periódicos, dois se destacaram por apresentar maior número de produções publicadas sobre os dois d ois temas, separadamente, no período que compreende esse estudo. Nos 12 artigos categorizados no campo da Educação constatou-se que não houve muita preocupação por parte dos pesquisadores brasileiros em desenvolver estudos sobre as relações que se estabelecem entre representações sociais e subjetividade, sobre o dualismo do mundo individual e do mundo social. Isto é, tal articulação não é um problema que tem merecido ser investigado pelos pesquisadores. Verificou-se, ainda, que a maior parte dos artigos apresenta pesquisas empíricas em detrimento de estudos teóricos que coloquem em diálogo o individual e o social ou que levem em consideração o surgimento da eoria eoria das Representações Sociais S ociais como um campo multidimensional que possibilita levantar questionamentos sobre a natureza do conhecimento e a relação indivíduo-sociedade. Mais ainda, não oram identificados estudos que procurassem articular enômenos individuais e enômenos coletivos e para como é colocado o problema indivíduo-sociedade. Da análise das reerências bibliográficas desses artigos, nove autores oram citados com maior requência (Moscovici, Jodelet, Abric, Sá, Jovchelo vitch, Spink, Spink, Freud, Freud, Foucault Foucault e Gonzales Gonzales Rey). Foi Foi elaborada uma planilha dos artigos pesquisados que poderá ser utilizado como banco de dados para estudos mais aproundados sobre o tema.
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TECNOLOGIA E TECNICISMO: INFLUÊNCIA NA HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA Ana Maria Lourenço Ferrari Ferrari Gonjo1, Maria Angela Boccara de Paula 2
Introdução O profissional da saúde, ao se posicionar como principal agente executor da assistência, deve compreender que o relacionamento humano é elemento essencial para que sua prática atinja os objetivos esperados, quis sejam a cura, a diminuição do sorimento ou a recuperação da saúde. Nesta relação profissional-pessoa assistida, a prática humanizada contribui para o sucesso da ação assistencial (Brasil, 2001). O ato de humanizar em saúde se reere ao resgate do respeito à vida humana, levando-se em conta as circunstâncias sociais, éticas, educacionais e psíquicas presente em todo relacionamento humano, bem como o acolhimento do desconhecido e o reconhecimento de limites (Brasil, 2001). Na relação usuário e profissional em que se enatizam os aspectos técnicos não há “atenção” suficiente na prática da humanização, na qual se propõe um vínculo víncu lo de cuida cuidado do real, uma interaç interação ão eetiv eetivaa (Caprara & Franco, 1999). No entanto, vivemos a era da tecnologia, que leva o homem a tornar-se um proundo admirador dos recursos proporcionados por esta, e que produz até mesmo um modo de agir no contexto social. No âmbito da saúde, essa realidade não é dierente. O enômeno tecnologia em saúde integra pensamentos e inormações que mobilizam um crescente desenvolvimento que geram reflexões e discussões sobre a assistência humanizada num ambiente tecnológico. “A “A tecnologia tecnologi a é empregada empregad a para controlar, c ontrolar, transormar ou criar coisas ou processos naturais ou sociais” (Sancho, 1998, p.31). A tecnologia é utilizada no ambiente hospitalar como uma orma de tornar mais eficiente o trabalho do enermeiro, gerando a possibilidade de melhor qualidade no tratamento ao paciente. Daí que sua utilização na realidade hospitalar seja imprescindível, porém sua eficiência está relacionada
à orma como será utilizada, aliada a assistência humanizada. É importante que cada profissional ou equipe de saúde se interrogue acerca do por que, como e quanto se responsabiliza em relação aos projetos da prática da humanização da assistência, preocupando-se ao mesmo tempo com o seu papel, com o significado desse conceito e com a ação, uma vez que são participantes participantes e conhec conhecedores edores de suas responsabilidades e de suas limitações para com a vida humana humana (Mo (Mota, ta, Martins, Martins, & Veras, Veras, 2006). 2006). Esse Esse reconhecimento de limites em relação ao paciente está em considerar que o usuário dos serviços prestados pode ter suas próprias opiniões, azer escolhas de acordo com elas e agir com base em valores e crenças pessoais. Dessa orma é que se reconhece o acolhimento do paciente pelo profissional da saúde (Pessini, 2002). A ormação de uma cultura de humanização da assistência é necessária, mas só será sustentável se orem construídas ormas de disseminação desta concepção ideológica contra-hegemônica, e pela ormação de alianças entre os profissionais da saúde e a instituição hospitalar, para garantia de adesão a esses preceitos e sua continuidade. A humanização se caracteriza principalmente pri ncipalmente por uma reorganização do trabalho em saúde que se utiliza da realidade percebida e vivenciada no cotidiano profissional (Deslandes, 2004). A importância do papel humano nas práticas de humanização e assistência envolve a consciência do homem rente à realidade, a percepção das necessidades do outro, o reconhecimento das dimensões subjetivas e, assim, é capaz de integrar em si mesmo uma conduta realmente humana humana,, não
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Universida de de aubaté – UNIAU Universidade UNIAU – SP Proessora Doutora da Universidade de aubaté aubaté – UNIAU UNIAU – SP
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baseada simplesmente em aspectos padronizados de um programa de humanização pré-estabelecido (Brasil, 2001). Conhecer o significado e a prática da humanização da assistência para enermeiros no contexto hospitalar pode contribuir para ampliar a consciência dos envolvidos com o tema. Focando o desenvolvimento humano, deve-se investigar a interação de profissionais de diversas áreas que se estabelecem a partir das práticas e opiniões sobre as representações represen tações sociais (RS) da tecnologia e tecnicismo na prática da humanização da assistência. Conhecer essas representações representações pode servir ser vir de subsídio para a elaboração de programas de capacitação profissional, alteração de conteúdos na ormação dos profissionais de saúde e, especialmente especia lmente avorecer a prática da humanização, por meio da atenção ao comportamento ético/humano com o cuidado técnico-científico, já construído, conhecido e dominado, incorporando a necessidade de explorar e acolher o imprevisível, o dierente, o incontrolável e singular. rata-se, portanto, de um agir inspirado em uma disposição de acolher e de respeitar o outro como ser autônomo e digno. Conhecer os modos de cuidar dos enermeiros nos ambientes tecnológicos possibilita identificar os atores que intererem na construção da RS dos enermeiros sobre a tecnologia e tecnicismo, na prática da humanização da assistência.
Objevo O objetivo deste estudo oi conhecer as RS sobre a tecnologia e tecnicismo e sua influência na prática da humanização da assistência.
Método Estudo descritivo de abordagem qualitativa à luz da eoria das Representações Sociais (RS). Projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de aubaté (protocolo CEP UNIAU n. 476/10). Realizado com oito enermeiros atuantes nas clínicas: Cirúrgica, Médica Geral, Obstétrica, Pediátrica, e também Maternidade, Ortopedia, UI adulto, UI Inantil
e UI Neonatal de um hospital do Vale do Paraíba Paulista, que atuavam há um ano ou mais na profissão. Os dados oram coletados no mês de dezembro de 2010, janeiro/evereiro/2011, por meio de entrevista semiestruturada. A primeira parte da coleta reere-se ao preenchimento do instrumento que visa à identificação do participante por meio das seguintes inormações: sexo, idade, religião, ormação, especialidade, tempo de atuação como profissional e chee de equipe. A segunda parte reere-se à entrevista propriamente dita e teve como base a pergunta norteadora do estudo: “o que é a Humanização da Assistência para você hoje?”. As entrevistas oram gravadas em mídia digital, e posteriormente transcritas, sendo que, após a transcrição, as inormações armazenadas oram apagadas. A análise dos dados oi realizada por meio da análise de conteúdo, proposta por Bardin (2010), que consiste em um conjunto de técnicas de análise das comunicações.
Resultados Foram sete os enermeiros participantes do estudo, sendo 87% do sexo eminino e um (13%) do sexo masculino. Quanto ao estado civil, três (38%) eram solteiros, dois (25%) casados, um (12,5%) não inormou, um (12,5%) separado e um (12,5%) declarou-se divorciado. divorciado. A idade i dade média dos entrevistados oi de 35 anos. Quanto à religião, relig ião, quatro (50%) eram da religião católica, dois (25%) da religião evangélica, e dois (25%) não inormaram. odos os entrevistados possuíam curso de pós-graduação lato sensu, sensu, nas seguintes áreas: três (37%) em UI, dois (25%) em Enermagem do rabalho, um (12%) em Administração Hospitalar, um (12%) em Saúde da Criança, um (12%) em Obstetrícia, um (12%) em Pediatria, um (12%) em Dermatologia e um (12%) em Saúde Pública. A média de tempo de ormados oi de oito anos e trabalhavam, trabal havam, em média, há três anos na instituição. A partir dos dados coletados nas entrevistas, oi definida a seguinte unidade temática: tecnologia e tecnicismo e seus respectivos subtemas: despersonalização do paciente, paciente , ‘toque’ humano como atenção, atenção, respeito ao corpo e sentimentos do paciente. paciente.
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Discussão Unidade temática: tecnologia e tecnicismo A tecnologia e o tecnicismo são imprescindí veis na prática assistencial assistencial no contexto contexto hospitalar hospitalar,, conorme assinalados pelos enermeiros. Nesta unidade, alguns outros aspectos relacionados à temática deram origem aos seguintes subtemas: despersonalização do paciente, ‘toque’ humano como atenção, respeito ao corpo e sentimentos do paciente. paciente. Observa-se que, no mundo do trabalho, transormações estão ocorrendo ao longo l ongo do tempo, inclusive no campo da saúde e assistência ao paciente no contexto hospitalar. hospitalar. A tecnologia contribui para essa realidade, exigindo capacitação técnica específica, implementando e apereiçoando a eficácia dos serviços serv iços prestados nos hospitais. Porém, não se pode esquecer que esses recursos não substituem a relação interpessoal que deve permear a interação profissional-paciente. Watson, Burckhardt, Brown, Bloch e Hester (1979) classificam as atividades da enermagem em instrumental e expressiva. A atividade instrumental ocaliza mais o aspecto ísico, o atendimento das necessidades do paciente pac iente tais como, medicação, higiene, entre outros. A atividade expressiva engloba o aspecto psicossocial, tal como oerta de suporte emocional, as duas atividades são imprescindíveis na prática do enermeiro. O trabalho de enermagem, que inicialmente era executado de maneira integral por uma pessoa (mesmo que leiga), passa a ser ragmentado em “técnicas” ou “tareas”, que vão possibili possibilitar tar o desenvo desenvolvimen lvimento to da prática de enermagem denominada uncional, que visa economia de tempo e maior agilidade na execução do serviço (Watson et al., 1979). Nesse aspecto a despersonalização do paciente oi um subtema enatizado pelos enermeiros, pois na prática diária da enermagem os aspectos tecnológicos podem sistematizar o atendimento ao paciente limitando o olhar humano e valorizando o tecnicismo, o diagnóstico. Observa-se essa maniestação nos seguintes recortes: “não é nem o ‘Seu João’... é o leito 14, leito 15” (E1); “porque perde a identidade do paciente”(E1); “tem muito profissioprofissional, tanto da parte do enermeiro, como auxiliar,
tratam como se ossem objeto... trata a doença, não trata o paciente” (E5). Percebe-se, assim, a assistência ao paciente de orma ragmentada. Há dicotomia entre o discurso e a ação, entre a teoria e a prática, na qual o aspecto expressivo da assistência de enermagem é pouco desenvolvido em comparação ao aspecto instrumental que continua tendo a maior atenção por parte do enermeiro. Em complemento a isso, um grupo de estudiosos da área afirma que, mesmo havendo um movimento de transormação na concepção dos currículos de enermagem, preocupados com os aspectos filosóficos e pedagógicos, existe, ainda, ênase maior na competência técnica-profissional em detrimento do processo de crescimento cresci mento interno de cada um (Espiridião, Munari & Staciiarini, 2002). A representação social é uma orma de reconhecimentos em que o sujeito procura adaptar o conhecimento científico às suas necessidades, por meio dos recursos de que dispõe (Moscovici, 1978). De ato, verifica-se que os aspectos técnicos abordados na enermagem começaram a se organizar como meio de trabalho do enermeiro, não tanto para dar conta do objeto de trabalho, ou seja, prestar o cuidado de enermagem, mas para dar conta da grande demanda destes cuidados devido ao maior número de internações, pelo aumento do número de hospitais e pelo maior fluxo de pacientes devido ao menor tempo de internação (Almeida, 1984), bem como das atividades burocráticas assumidas pelo enermeiro. Dentro desse sistema, os cuidados a serem prestados aos pacientes são distribuídos entre os elementos da equipe de enermagem que, supostamente, tenham competência técnica para executá-lo, visto que as tareas são divididas por grau de complexidade, azendo com que um mesmo paciente seja atendido por vários vár ios elementos da enermagem, a saber, auxiliares, técnicos de enermagem e enermeiros enermei ros (Waldow, (Waldow, 1998). Nesse contexto o paciente é atendido por dierentes profissionais, profissionais, os quais estabelecem relações e maneiras diversas de atendimento. Assim o ‘toque’ humano como atenção oi atenção oi considerado pelos enermeiros como uma orma de atenção, pois o paciente encontra-se em situação de vulnerabilidade
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e os procedimentos para o cuidado cui dado envolvem dor e sorimento.. Nos recortes a seguir sorimento s eguir constatamos esses aspectos: “aperta minha mão, aperta o outro lado... Mexe as pernas... pernas.. . Abra o olho... Vou Vou ver sua pupila agora” (E1); ou ainda: igual ao que eu alo prá equipe: a gente tem que explicar tudo. [...] ‘Olha vou azer uma punção’... O que é isso? em gente que não ala, pega o braço e já az aquela punção. A gente explica... ‘É uma picadinha, uma dor, não sei o que... está tudo bem?’ (E5).
O processo de cuidar é entendido nas dimensões ísica, psicológica, social, ambiental, e cultural, de orma interativa num movimento que conduz a transormação (Waldow, 1998). Dessa orma, cuidar compreende aspectos pessoais e sociais, sensibilidade, respeito solidariedade, interesse. Reere-se a uma interação e responsabilidade com o outro, com o intuito de proporcionar seu bem estar ou aliviar seu sorimento (Souza, Sartor, Padilha & Prado 2005). Nesse sentido a tecnologia aplicada no cuidado em saúde se constitui num enômeno que leva a uma prática representacional pelos enermeiros, na medida em que sua incorporação em ambientes tecnológicos de cuidado provoca um pensar e um agir relacionados ao modo como se constrói o conhecimento em relação a esta questão, bem como a orma como se experienciam e vivenciam as mudanças no cotidiano do trabalho (Silva & Ferreira, 2009). Os aspectos inerentes à enermagem oram alterados pelas mudanças tecnológicas, pois passou a ter um tecnicismo devido à apropriação da ciência, no qual pode se estar desenvolvendo uma prática excessivamente centrada no diagnóstico diag nóstico e no tratamento. A utilização da tecnologia no contexto hospitalar veio trans transorm ormar ar e amp ampliar liar as possib possibilidade ilidadess de cuidado ao paciente, no entanto o respeito ao corpo e sentimentos do paciente, paciente, se mostra necessário de acordo com os seguintes recortes: Eu procuro assim quando eu aço visita, conhecer melhor meu paciente, saber quais são os seus medos, as ansiedades [...], por p or que daí é um olhar-
zinho mais caído é um mexer de orma contínua com as mãos, são alguns sinais que eles vão me dando (E1); O paciente, quando chega aqui, ele está muito vulnerável [...], e ele tem os problemas dele também, que ele traz com ele [...] Eu procuro ficar mais um tempo com o paciente... entando escutar e ver o que ele está sentindo [...] Eu vejo que ele chega muito ansioso, tenso, cheio de dúvidas... Eu, como enermeira, procuro esclarecer todas as dúvidas (E4).
De acordo com Waldow Waldow (1995): (1 995): “A “A enermagem ener magem é a profissionalização da capacidade humana de cuidar, através da aquisição e aplicação de conhecimentos atitudes e habilidades apropriadas aos papéis prescritos à enermagem” (p.17). Humanizar é garantir a dignidade ética, reconhecer o sorimento humano, as percepções de dor ou de prazer no corpo. Para serem humanizadas as palavras que o sujeito expressa devem ser reconhecidas pelo outro. Pela linguagem azemos as descobertas de meios pessoais de comunicação com o outro, sem o que, nos desumanizamos reciprocamente (Brasil, 2000). A humanização constitui um processo que visa à transormação de um contexto contexto,, por meio da construção coletiva de compromissos éticos e de métodos para as ações de atenção à saúde, esse conceito amplo abriga as diversas visões da humanização que permitem a realização dos propósitos propós itos para os quais aponta sua definição (Rios, 2009). Conorme um dos nossos entrevistados, reerindo-se a práticas humanizadas, você tem que tratar como se s e osse você. Como você gostaria de ser tratado, respeito, educação, tudo, envolve envolve tudo isso, não só a doença em si, a doença a gente trata prá ficar bem, mas ele (paciente) como um todo... odos os seus aspectos [...] Existe essa parte também, da pessoa sentir, vamos dizer assim adotada, prá que acuda a dor dela. É assim (E5).
Essa conduta humana resgata aspectos acerca das RS do profissional da saúde em atuação, desse homem que interpreta sua prática profissional, e
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inclui novo significado por meio da humanização da assistência. Nesse sentido o Ministério da Saúde propõe a necessidade de se rever às práticas da humanização da assistência nas instituições de saúde, buscando maneiras dierentes de atendimento e de trabalho que preservem os aspectos éticos no contato pessoal e no desenvolvimento desenvolvimento de competên competências cias relacionais (Brasil., 2001). As RS são modalidades de pensamento prático orientadas para a comunicação, a compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal (Spink, 1993). A humanização da assistência no contexto hospitalar surge de um paradoxo entre a essência do ser, da capacidade do humano e da necessidade da construção de um espaço concreto, nas instituições de saúde que legitime o humano das pessoas que, por vocação, escolheram trabalhar com a tênue e delicada relação entre a vida e a morte (Zaher, 2005).
indivíduo apresenta. Na realidade hospitalar, essa reerência pode ser transormada no momento em que a tecnologia e o tecnicismo são priorizados no atendimento, excluindo-se a assistência humanizada e tornando o usuário-paciente em um corpo que precisa ser “consertado” , não se considerando os aspectos subjetivos que transormam este corpo em um ser humano. As inovações tecnológicas tecnológicas e o tecnicismo trazem à discussão as representações na relação com a humanização da assistência. Nos hospitais os recursos tecnológicos e tecnicistas são imprescindíveis, porém não se deve esquecer que esses recursos jamais irão substituir a essência humana, de orma a garantir e proteger a dignidade de cada ser humano na relação profissional-paciente.
Referências
Considerações nais No contexto da saúde a tecnologia e o tecnicis vêm ampliar as possibilidades no tratamento, mo vêm mo uma vez que esses recursos viabilizam possibilidades de recuperação, cura ou uma melhor qualidade de vida para o paciente. Nesse estudo as RS estabelecidas na influência da tecnologia e tecnicismo na humanização da assistência se caracterizaram pela despersonalização do paciente, o ‘toque’ humano como atenção, e respeito ao corpo e sentimentos do paciente. paciente . A despersonalização do paciente oi paciente oi enatizada pelos enermeiros como prejudicial à prática da humanização da assistência, assistência , uma vez que o paciente é caracterizado por um número ou por uma patologia, esse indivíduo deixa de ter uma existência enquanto pessoa. A presença do ‘toque’ humano humano estabelece a condição de atenção e cuidado enatizado no contexto da humanização da assistência, pois o paciente encontra-se em situação de vulnerabilidade, e os procedimentos para o cuidado envolvem dor e sorimento. O respeito ao corpo e sentimentos do paciente paci ente,, oi uma necessidade observada pelos enermeiros, pois o corpo é a reerência de pessoa que um
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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 3
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