s i a i c o a i s g s o a l i o c n m ê e i t c s i s p a e d
A letra grega
, adotada universalmente univ ersalmente
para simbolizar o prefixo prefi xo “micro” (pequeno), (pequen o), é usada nesta obra para representar o con junto das disciplinas relacionadas relaci onadas à área áre a de ciências sociais, em que se estudam aspectos sócio-históricos dos grupos humanos.
e pistemologia das c iências s ociais
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Ficha técnica Editora Ibpex
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Epistemologia das ciências sociais / [Obra] organizada pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). – Curitiba: Ibpex, 2008. 174p. isbn 978-85-99583-83-8 1. Epistemologia – Ciências sociais. 2. Ciências sociais – losoa e teoria. 3. Hermenêutica. 4. Correntes de pensamento. 5. Universidade Luterana do Brasil. I. Título. cdd 300 20. ed.
apresentação
Este texto foi elaborado com o objetivo especíco de servir de material didático para o curso de Ciências Sociais a distância da Universidade Luterana do Brasil. Mas acreditamos que os conteúdos aqui apresentados podem também subsidiar reexões teóricas para alunos de outros cursos ans que, porventura, sintam necessidade de uma fundamentação losóca e epistemológica em sua vida acadêmica. Não temos nenhuma pretensão de defender teses ou teorias inéditas na área das ciências epistemológicas. Pelo
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contrário, apresentamos as idéias e conceitos de alguns pensadores renomados e consagrados nessa área do conhecimento humano. Logo, não se trata de nenhuma produção cientíca propriamente dita, que siga as exigências dos padrões e métodos cientícos. Compilamos referenciais que acreditamos possibilitar uma melhor compreensão do fenômeno das ciências sociais e humanas. Com essa nalidade, dividimos o conteúdo em capítulos que retratam uma linha do tempo da construção do pensamento epistemológico. Iniciamos o texto abordando a questão do conhecimento, desde o tempo em que era analisada sob uma perspectiva mística até o momento em que surgiu a losoa, quando o homem passou a exercitar a razão. Depois, trabalhamos a epistemologia como uma ciência independente da losoa e zemos uma análise do conhecimento desde a Antiguidade até o período atual. No capítulo sobre o inatismo, retomamos a questão sobre a origem do conhecimento. Abordamos ainda as possibilidades do conhecimento, salientando suas principais correntes. Demos uma ênfase maior ao racionalismo, ao empirismo, ao positivismo, à dialética e à fenomenologia, por acreditarmos que são importantes para a fundamentação do conhecimento e para uma compreensão do desenvolvimento epistemológico do homem e da humanidade. Apresentamos ainda a ciência hermenêutica, que estuda o universo da cultura, esclarecendo seus princípios, leis e métodos de investigação. Chegamos, assim, à complexidade contemporânea para denir o que é ciência, principalmente ciências sociais e humanas, comentando sobre os métodos e formas de fazer ciência. Frisamos ainda o quanto é difícil fazer ciência na era da globalização, que não só fragmenta a razão, como também o indivíduo e a cultura, que perdem sua subjetividade e sua individualidade na grande aldeia global.
s umário
( 1 ) O caminho do mito ao logos , 9 ( 2 ) O conceito de epistemologia, 25 ( 3 ) O inatismo, 39 ( 4 ) As possibilidades do conhecimento, 51 ( 5 ) O que é racionalismo?, 63 ( 6 ) O que é empirismo?, 77
( 7 ) O que é positivismo?, 89 ( 8 ) O que é dialética?, 105 ( 9 ) O que é fenomenologia?, 121 ( 10 ) Hermenêutica, 133 ( 11 ) O que é ciência?, 143 ( 12 ) As ciências humanas e sociais, 157 Referências por capítulo, 169 Referências, 171 Gabarito, 173
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(1) o caminho do mito ao logos
Susana Salete Raymundo Chinazzo é graduada em Filosofia pela Fafimc, de Viamão, RS, e em Psicologia pela Ulbra de Canoas, RS, sendo mestre em Antropologia Filosófica pela PUC-RS, com a tese O eterno momento presente. Lecionou Filosofia, Antropologia Cultural e Epistemologia para diversos cursos universitários e Filosofia para o Ensino Médio. Atualmente, está fazendo o curso de formação em Psicoterapia Psicanalítica para Médicos e Psicólogos, no Instituto Wilfred Bion, de Porto Alegre, e atuando como psicóloga na área clínica.
Susana Salete Raymundo Chinazzo
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)
a s reexões desenvolvidas neste capítulo têm o objetivo de esclarecer e desmisticar o conceito de mito, além de descrever como se deu a passagem do mito à razão (logos) e como nasceu o conhecimento racional.
(1.1) o mito
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A cultura e a civilização ocidentais estão alicerçadas nos princípios da losoa grega e por eles são determinadas até os dias atuais. Mas no início, antes do surgimento do conhecimento losóco, predominava o mito. Mas, anal, o que é o mito? Segundo Marilena Chaui 1 , em sua obra Convite à losoa , “um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.)”. A palavra mito vem do grego mythos e deriva de dois verbos: mytheyo (“cantar, narrar, falar alguma coisa para outros”) e mytheo (“contar, anunciar, nomear, designar”). 2 O Dicionário de losoa, de Nicola Abbagnano3 , concebe o conceito de mito como “narrativa”, citando como exemplo a Poética , de Aristóteles, e enfatiza três visões diferentes sobre o mito na Antiguidade Clássica: “1) [...] era considerado como um produto inferior ou deformado da atividade intelectual. 2) [...] como uma forma autônoma de pensamento ou de vida. 3) [...] como um instrumento de controle social.” Para os leigos no tema, essa palavra passa, num primeiro momento, a idéia de narrações fantasiosas sobre personagens e atos heróicos do passado. Ou seja, imagina-se que o mito se restringe às lendas e tem pouco a ver com a vida nos dias atuais. Para o lósofo francês Georges Gusdorf4 , a consciência mítica, bem como a consciência losóca, é a maneira que o homem encontrou para organizar o conhecimento sobre a realidade. Representa uma forma de explicar os fenômenos
da natureza, a origem da vida e do cosmo, de entender a morte. Portanto, o mito tem a função de aquietar a angústia perante o desconhecido, diante daquilo que o conhecimento racional do homem não alcança. Conforme as autoras Aranha e Martins 5 , “o mito é uma intuição compreensiva da realidade, é uma forma espontânea de o homem situar-se no mundo. As raízes do mito não se acham nas explicações exclusivamente racionais, mas na realidade vivida, portanto pré-reexiva, das emoções e da afetividade”. O antropólogo Bronislaw Kasper Malinowski vê essa questão por um enfoque mais cultural e social. Ele diz que: o mito cumpre uma função sui generis intimamente ligada à natureza da tradição e à continuidade e com a atitude humana em relação ao passado. A função do mito é, em resumo, a de reforçar a tradição e dar-lhe maior valor e prestígio unindo-a a mais alta, melhor e mais sobrenatural realidade dos acontecimentos iniciais.6
Nessa perspectiva funcional, o mito é conhecimento que fundamenta e consolida a convivência humana. Nele e por ele acontece a vida associada, convencendo os homens a compartilhar a origem e o destino de suas vidas. E é por isso que a narração mítica tem como cenário a vida comunitária. Ao narrarem o mito, as pessoas da comunidade narram acontecimentos do seu cotidiano, como o nascimento, a morte, a família, as crenças, as práticas religiosas, as festas, as danças, as atividades de sustento etc. Ler o mito dá acesso à vida das comunidades míticas. Há uma identidade entre o mito e a comunidade. Nessa mesma linha de raciocínio, o lósofo alemão Cassirer vê o mito como um suposto cultural, que alimenta uma coesão social por meio de relatos e fábulas de geração a geração.7
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Vários outros lósofos reetiram sobre essa questão. Para os pensadores do empirismo cientíco, o mito era um conhecimento irracional e infundado, produto de uma atividade intelectual pré-lógica. Para Platão, era conhecimento da realidade. Sua losoa se constituiu à base de mitos e seu método era ocultar as grandes doutrinas dentro deles. Já Aristóteles armava que “o lósofo é, em certo sentido, amigo dos mitos porque o mito diz coisas que maravilham”8. Freud descreveu a psique do ser humano recorrendo aos mitos, como, por exemplo, ao de Eros, Tanatos, Ananke e Édipo, personagens da dramaturgia psicanalítica. Enquanto o mito tiver força de identicar os indivíduos e a comunidade, ele se manterá vivo. A sua função parece ser ainda hoje realimentar a cultura, formando uma tradição capaz de controlar a conduta dos homens.
(1.2) o logos
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A passagem do mito ao logos (“razão”) teve início com os lósofos pré-socráticos, ou seja, anteriores ao lósofo Sócrates (séc. V a.C.). A função do logos consistia em revelar a verdade oculta nos mitos dos deuses e a losoa surgia com uma atitude de inquietação e admiração perante o mundo. Buzzi faz uma analogia entre o losofar e o vôo da coruja da Grécia. Ao cair da tarde ela se inquieta e inicia o vôo de exploração do dia grego, do fazer já feito dos aqueus. Com ele começa a filosofia. Começa quando o vigor e o entusiasmo do dia chegam ao acaso. O que leva o vôo da coruja? A vontade de conhecer
a aurora do dia que se agasalhou junto de si na penumbra da noite. Ao descobrir as coisas e os efeitos do dia no silêncio da noite, ele admira e se angustia. E isso o torna filósofo. A curiosidade, a admiração e a angústia impulsionam o vôo da coruja. São as coisas que inquietam o homem e o levam a filosofar.9
Sócrates inquietava os atenienses de dia e de noite. E essa inquietação tornou-se o símbolo da losoa. Assim também pensava Nietzsche: “Torna-se inquietante tudo aquilo que muito se pensa”10. Segundo Aristóteles, a admiração é a paixão fundamental do lósofo, porque permite que o ser o interpele e o prepare para compreendê-lo. Esse ato próprio do homem, a admiração, os gregos chamaram de thauma , que signica “espanto, admiração, perplexidade”. Como dizia o estagirita, “é a admiração que leva os homens a losofar com que esbarram; depois avançam pouco a pouco e começam por questionar as fases da lua, o momento do sol e dos astros e por m a origem do universo inteiro” 11. Platão, na obra Teeteto, arma categoricamente que a admiração é o princípio da losoa: “Esta emoção, a admiração, é próprio da losoa, não tem a losoa outro princípio além deste”12. Aristóteles, em Metafísica , concebe a losoa como a “sabedora” (sophia), como objeto de Eros, do amor. E a dene como a “ciência do ser enquanto ser”, a “ciência dos primeiros princípios e das primeiras causas” e a “ciência da causa absolutamente primeira”, do “primeiro motor”. Assim diz o estagirita 13: É pois evidente que a sabedoria (sophia) é uma ciência sobre certos princípios e causas. E, já que procuramos essa ciência, o que deveríamos indagar é de que causas e princípios é ciência a sabedoria. Se levarmos em conta as opiniões que temos a respeito do sábio, talvez isso se torne mais claro. Pensamos, em primeiro lugar, que o sábio sabe tudo, na medida do possível,
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sem ter a ciência de cada coisa particular. Em seguida, consideramos sábio aquele que pode conhecer as coisas difíceis, e não de fácil acesso para a inteligência humana (pois o sentir é comum a todos e por isso é fácil, e nada tem de sábio). Ademais, àquele que conhece com mais exatidão e é mais capaz de ensinar as causas, consideramo-lo mais sábio em qualquer ciência. E, entre as ciências, pensamos que é mais sabedoria a que é desejável por si mesmo e por amor ao saber, do que aquela que se procura por causa dos resultados, e [pensamos] que aquela destina a mandar é mais sabedoria que a subordinada. Pois não deve o sábio receber ordens, porém dá-las, e não é ele que há de obedecer o outro, porém deve obedecer a ele o menos sábio. Tais são, por sua qualidade e seu número, as idéias que temos acerca da sabedoria e dos sábios.
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O lósofo Sören Aabye Kierkegaard dene a admiração como “sentimento apaixonado do devir”. Devir é o ser que aconteceu, é a realidade em presença, é a história. “Se o lósofo não admira nada, ele é por isso estranho à história [...] A incerteza do devir não pode exprimir-se senão mediante essa emoção necessária ao lósofo e própria dele.”14 Essa denição leva a pensar que viver o mundo sem admiração equivale a viver sem losoa, de maneira não crítica. O lósofo é crítico e a losoa é sempre crítica. O lósofo convive junto à realidade no admirável de sua manifestação e na ignorância absoluta de seu saber. Em outras palavras, é inconcebível a idéia de o homem viver em contato com a realidade e não se questionar, não perguntar e não car perplexo com os fenômenos que ocorrem na natureza. É como se vivesse uma vida sem ter consciência de nada, até mesmo da sua existência. Isso remete ao lósofo Sócrates, que dizia: “Uma vida sem reexão não merece ser vivida”15.
(1.3) o s primórdios da losoaa A passagem do conhecimento mítico para o conhecimento racional não ocorreu num passe de mágica, rompendo radicalmente com todos os conhecimentos do passado. O surgimento da losoa foi produto de um processo muito lento e preparado pelo mito, cujas características não desapareceram como por encanto na nova abordagem do mundo. Aristóteles armava que o primeiro lósofo havia sido Tales de Mileto (séc. VII-VI a.C.). O pai da losoa, reconhecido matemático e astrônomo, foi citado entre os sete sábios da Grécia por sua atuação política para unir as cidades-Estados da Ásia Menor numa confederação. É importante ressaltar que, no período de Tales de Mileto, surgiram vários pensadores em diferentes cidades da Grécia, entre eles, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Xenófanes de Cólofon, Pitágoras de Samos, Demócrito de Abdera, Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia. Chamados de pré-socráticos, foram considerados os primeiros lósofos, por seu grande saber teórico e prático. Esses pensadores tinham conhecimento para prever eclipses, determinar a posição de navios no mar (Tales de Mileto), traçar mapas da Terra, construir relógios de sol (Anaximandro de Mileto). Ocupavam-se de questões como essas – hoje não mais associadas à losoa, mas a ciências empíricas como a física –, porque tinham o propósito de explicar a origem e a existência do mundo a partir de
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a. A seção 1.3 é baseada em CHAUI, M. Convite à losoa. São Paulo: Ática, 1994; 2003.
elementos concretos, de estruturar uma física com métodos losócos. Seu objetivo era constituir uma cosmologia (explicação racional e sistemática das características do universo) que substituísse o antigo conhecimento baseado em mitos. Os lósofos da física buscavam o princípio substancial existente em todos os seres materiais (a arché , que em grego signica tanto “começo” quanto “fundamento de todas as coisas”). Queriam encontrar a matéria-prima ou a substância-mãe que possibilitou a constituição de todas as coisas, que explicasse a origem do mundo.
Tales de Mileto
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Tales de Mileto foi o primeiro pensador que perguntou: qual é a causa última, o princípio supremo de todas as coisas? Ele queria saber se era possível derivar a realidade de um único princípio, de uma única substância-mãe. Encontrou como resposta o elemento água, dizendo que ela tinha prioridade sobre todas as outras substâncias. Então, para ele, a água era o princípio de tudo. Tudo o que existia no mundo tinha sua origem nela. Suas observações baseavam-se no cotidiano, em que tudo o que é quente necessita de umidade para viver e o que está morto seca, em que todos os germes são úmidos e todo alimento é cheio de suco. Ora, parecia natural que cada coisa se nutria daquilo de que provinha.
Pitágoras Pitágoras b (cerca de 570 a.C. – cerca de 490 a.C.), outro lósofo pré-socrático, foi considerado um personagem decisivo no
b. Pitágoras nasceu na cidade de Samos, foi lósofo e matemático e fundou na colônia grega de Crótona a escola pitagórica.
desenvolvimento do pensamento racional e cientíco, por seus estudos matemáticos. Com Pitágoras, a matemática libertou-se da condição de mera técnica para constituir-se em ciência pura. Para ele, a arché das coisas era o número, do qual derivam problemas como nito e innito, par e ímpar, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e quadrado etc. Dizia que a diferença entre os seres era essencialmente uma questão de números (limite e ordem das coisas) e, sem dúvida, seus pensamentos inuenciaram Platão. Conhecida até hoje por suas contribuições aos campos da matemática (Teorema de Pitágoras), da música e da astronomia, a escola pitagórica, paradoxalmente, era tam bém uma crença mística cujos seguidores apregoavam, entre outras coisas, a imortalidade da alma, a reencarnação dos pecadores e o respeito a rígidas condutas morais.
Heráclito de Éfeso Heráclito de Éfesoc (cerca de 540 a.C. – cerca de 470 a.C.) viveu uma geração antes de Parmênides, seu principal opositor. Considerava a Natureza (o mundo, a realidade) um “uxo perpétuo”, o escoamento contínuo dos seres em mudanças perpétuas. A realidade, para ele, era a harmonia dos contrários, que não cessavam de se transformar uns nos outros. “Tudo ui” ( panta rei), “tudo está em devir”, tudo está em movimento e nada dura para sempre e, por essa razão, “não podemos entrar duas vezes no mesmo rio”, pois, quando se entra pela segunda vez no rio, tanto a pessoa quanto o rio já não são mais os mesmos. Segundo Heráclito, não há um ser estático nas coisas.
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c. Pouco se sabe a respeito da vida de Heráclito. Acredita-se que sua família pertencia à aristocracia de Éfeso e que foi a f undadora da cidade.
O que existe é um ser dinâmico, no qual é possível fazer um corte, uma ruptura, que não será arbitrário. Portanto, as coisas não são e nenhuma coisa pode ter a pretensão de ser o ser em si. Nada existe, porque tudo o que existe é naquele instante e, no instante seguinte, já não é mais o mesmo. O existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não sendo, um devir perfeito, um constante uir. Em síntese, dir-se-ia que o absoluto é a unidade do ser e do não-ser. Pergunta-se: se tudo está em transformação permanente, como explicar as coisas estáveis, duradouras e permanentes que a nossa percepção nos mostra? Heráclito dividiu o conhecimento em dois tipos: o primeiro é o que os sentidos oferecem e o segundo é o que se alcança pelo pensamento. O primeiro oferece uma imagem de estabilidade e o último revela uma verdade em contínua mudança.
Parmênides de Eléia
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Parmênides de Eléiad (cerca de 500 a.C. – cerca de 475 a.C.) é visto como um pensador pré-ontológico. É dele o pensamento que criou o campo de força necessário ao aparecimento das questões ontológicas. Sem dúvida, suas idéias foram revolucionárias e continuam ainda hoje presentes na história do pensamento losóco. Segundo esse lósofo, só podemos pensar sobre aquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, não podemos pensar sobre coisas que são e não são, ora são de um modo e ora são de outro, contrárias a si mesmas, contraditórias. Conhecer é alcançar o idêntico, o imutável. Os
d. Natural de Eléia, no sul da Itália, Parmênides parece ter pertencido a uma família rica e de alta posição social.
sentidos nos oferecem a imagem de um mundo em constante mudança. Pensar é dizer o que um ser é em sua identidade profunda e permanente. Parmênides acreditava que somente o que é pode ser pensado ou numerado verdadeiramente e somente o que pode ser pensado pode ser. Logo, o real deve ser o mesmo que o concebível e deve ser também logicamente coerente com o que é pensável pela razão ( logos), opondo-se, assim, aos sentidos. O real é a única coisa que se pode “numerar” ou “formular”. O pensamento (noein) se diferencia das crenças e dos sentidos. A doutrina desse lósofo armava que o ser é único, uno e eterno. Se assim não fosse, teria um começo e um m. E se tivesse um começo ou um princípio, antes de o ser começar, haveria o não-ser. Dizer, porém, que há o não-ser é dizer que o não-ser é. Segundo o pensamento do autor, isso é contraditório, absurdo. Admitir que houvesse o nãoser é dizer que o não-ser é. Armar-se-ia, então, o ser do não-ser, o que é inadmissível. Por conseguinte, o ser, além de único e eterno, é imperecível, como o próprio autor fala: “Resta-nos, assim, um único caminho: o ser é. Nesse caminho, há grande número de indícios: não sendo gerado, é também imperecível; possui, com efeito, uma estrutura inteira, inabalável e sem término; jamais foi, nem será, pois é, no instante presente, todo inteiro, uno, contínuo.”16 Tanto Parmênides de Eléia como Heráclito de Éfeso, chamados de pensadores eleáticos, questionavam sobre a divergência e as opiniões contrárias. Foi a partir dessa discussão sobre os contrários, o ser e o não-ser, que se iniciaram o estudo sobre o conhecer e o estudo sobre o ser (ontologia) e suas relações recíprocas.
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Demócrito de Abdera
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Demócrito de Abderae (460 a.C.– 370 a.C.) desenvolveu uma teoria sobre o ser ou sobre a natureza que recebeu o nome de atomismo, por pregar que a realidade é constituída por átomos. A palavra átomo tem origem grega e signica “o que não pode ser cortado ou dividido”, ou seja, seria a menor partícula indivisível de todas as coisas. Os seres surgem por composição dos átomos, transformam-se por novos arranjos deles e morrem por sua separação. Para o autor, o átomo seria o equivalente ao conceito de ser para Parmênides. Além dos átomos, existiria o vácuo, que representaria a ausência de ser (o não-ser). No vácuo, não é possível o movimento do ser. Demócrito concordava com Heráclito e Parmênides de que havia uma diferença entre o que se conhece por meio da percepção e o que se conhece apenas pelo pensamento. Não considerava a percepção algo ilusório, mas apenas um efeito da realidade sobre as pessoas. A grande contribuição deixada pelo atomismo de Demócrito à história do pensamento é a concepção mecanicista, segundo a qual “tudo o que existe no universo nasce do acaso ou das necessidades”. Isto é, “nada nasce do nada, nada retorna ao nada”. Tudo tem uma causa última no mundo.
Os sofistas O período pré-socrático se caracterizou pela busca de explicações racionais para o universo e pela procura de um princípio primordial (arché ) para todas as coisas existentes.
e. Demócrito de Abdera foi o mais viajado dos lósofos pré-socráticos, tendo visitado a Babilônia, o Egito e, segundo alguns autores, a Índia e a Etiópia. Depois, esteve também em Atenas.
Seguiu-se a esse período uma nova fase na losoa, marcada pelo pensamento dos sostas. Etimologicamente, a palavra sosta signica “sábio”. Eram professores viajantes que vendiam seus ensinamentos práticos de losoa. Levando em conta os interesses dos alunos, davam aulas de eloqüência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados. Platão fez críticas severas à forma como davam aula e comercializavam o saber sem levar à arete (“verdade”). Perante a pluralidade e o antagonismo das losoas anteriores, os sostas concluíram que não se pode conhecer o ser, mas só ter opiniões subjetivas sobre a realidade. A verdade é uma questão de opinião e de persuasão, e a linguagem é mais importante do que a percepção e o pensamento. Protágoras (480 a.C. – 410 a.C.), o primeiro sosta, dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”. Se essa máxima fosse considerada verdadeira, o conhecimento humano estaria limitado pelos sentidos, sempre variáveis. Se houvesse algum acordo, este seria fruto da comunicação e não do conhecimento de uma suposta verdade absoluta. Da mesma maneira, as formas de organização social e política seriam reexos das circunstâncias e das convivências. Em outras palavras, os sostas armavam que o conhecimento cientíco não existe, que cada homem é a medida de sua verdade, que aprender é impossível, que a falsidade não existe nem a contradição. Mas, sobretudo, defendiam a tese de que há uma cisão irremediável entre o physis (“natureza”) e o nomos (“homem”) e que o homem não tem outro fundamento além do arbítrio e da convenção humana. Esse pensamento abre perspectivas perigosas no campo da ética, da liberdade e da política e fecha a possibilidade da ciência.
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Aristóteles refutava a doutrina da relatividade e verdade dos contrários e da negação do princípio da contradição: O primeiro [...] expresso por Protágoras, que afirmava ser o homem a medida de todas as coisas [...] outra coisa não é senão aquilo que parece a cada um também o é certamente. Mas, se isto é verdade, conclui-se que a mesma coisa é e não é ao mesmo tempo, e que é boa e má ao mesmo tempo e, assim, desta maneira, reúne em si todos os opostos, porque amiúde, uma coisa parece bela a uns e feia a outros, e deve valer como medida o que parece a cada um.17
i ndicações culturais ▪ BUZZI, A. R. Introdução ao pensar: o ser, o conhecimento, a linguagem. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1983. ▪ CHAUI, M. Convite à losoa. São Paulo: Ática, 1994. ▪ _______. _______. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. ▪ GAARDER, J. O mundo de Soa: romance da história da losoa. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. ▪ GRIMAL, P. A mitologia grega. São Paulo: Brasiliense, 1987. 24 s s a i a d i c a i o s g o s l a o i c m n e ê t i s c i p E
atividades 1. 2. 3.
Faça uma enquete para saber o que as pessoas pensam sobre mito. Procure identicar mitos modernos e explique sua função. Elabore um quadro comparativo entre o conhecimento losóco e o mito.
(2) o conceito de epistemologia
Susana Salete Raymundo Chinazzo
(
)
n este
capítulo,
abordamos o conceito de epistemologia, desde o início da história da losoa até a atualidade. Analisamos também duas correntes do pensamento epistemológico contemporâneo: a tendência histórica e a tendência analítica. A epistemologiaa ou teoria do conhecimento é um ramo da losoa “que indaga pela possibilidade, origem,
a. O termo epistemologia é usado pelos anglo-saxões. Entre os povos de língua neolatina, a teoria do conhecimento é também chamada de gnosiologia.
essência, limites, pelos elementos e pelas condições do conhecimento”1. Composta de dois termos gregos – episteme (“ciência”) e logia (“conhecimento”) – a palavra epistemologia signica conhecimento losóco sobre a ciência. Como seu próprio nome indica, a teoria do conhecimento tem como objetivo explicar ou interpretar losocamente o conhecimento humano. Busca um critério de certeza sobre ele, ou seja, a adequação entre o objeto do conhecimento e seu conteúdo, a coerência entre o pensamento e a realidade por ele intencionada.
(2.1) h istória da epistemologia
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O que é essencial a todo conhecimento e em que consiste a sua estrutura? A indagação sobre a essência do conhecimento se iniciou com os questionamentos losócos do homem. Os gregos abordavam os problemas do conhecimento como questões metafísicas ou ontológicas. Há muitas reexões epistemológicas, sobretudo em Sócrates, Platão e Aristóteles. Na Idade Média, concebia-se essa questão como vinculada aos dados da realidade. Na Idade Moderna, a epistemologia surgiu como uma disciplina autônoma, o que se deveu principalmente a John Locke, que tratou as questões da origem, da essência e da certeza do conhecimento de maneira sistemática em sua obra Ensaio sobre o entendimento humano (1690). O autor, na introdução da obra, diz: “Tendo, portanto, meu propósito de investigar a origem, certeza e extensão do conhecimento humano, justamente com as bases e graus de crença, opinião e assentimento, não me ocuparei agora
com o exame físico da mente”2. É importante ressaltar que alguns autores armam que o verdadeiro fundador da teoria do conhecimento é Immanuel Kant. Na sua obra Crítica da razão pura (1781), ele apresenta uma fundamentação crítica do conhecimento cientíco dos fenômenos por meio do método transcendental e investiga a realidade do conhecimento. A partir de Kant, o problema do conhecimento não só começou a ser objeto da teoria do conhecimento como tornou-se um tema central para muitos pensadores. As questões clássicas da teoria do conhecimento foram apresentadas de forma sucinta por Johanes Hessen, em sua obra Teoria do conhecimento. São as seguintes 3: 1. Pode o sujeito apreender ou conhecer realmente o objeto? Questão da possibilidade. 2. De onde se originam os conteúdos da consciência cogniscente: da razão ou da experiência? Questão da origem do conhecimento humano. 3. Em que consiste o conhecimento? Questão da essência do conhecimento. 4. Há outro conhecimento além do racional? Questão das formas de conhecimento humano. 5. Que critério nos diz se um conhecimento é ou não verdadeiro?
A teoria do conhecimento permite que a metodologia possa analisar as condições e os limites de realidade dos meios de investigação e dos instrumentos lingüísticos do saber cientíco. Atualmente, a epistemologia vem perdendo muito de seu signicado tradicional. Para muitos analistas contemporâneos, o tema central não é mais o conhecimento, mas a linguagem e seus processos.
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A contribuição do Círculo de Viena
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A teoria do conhecimento passou, sem dúvida, por uma mudança radical com a fundação do Wiener Kreis (Círculo de Viena), em 1927. Pela primeira vez na história, reunia-se um grupo de epistemólogos com o objetivo de trocar idéias e mesmo de elaborar coletivamente uma nova epistemologia: o empirismo lógico, abandonando, assim, a reexão losóca individual e isolada. A construção do conhecimento passou a ser complementada com trabalho em equipe, à imagem e semelhança do que já se zera nas ciências. Pertenceram ao Círculo de Viena matemáticos, lósofos, historiadores, cientistas naturais e sociais. Participaram desse grupo ou com ele estiveram relacionados de um modo ou de outro os primeiros epistemólogos prossionais, entre eles Moritz Schlick, Rudolf Carnap, Hans Reichenbach, Viktor Kra, Herbert Feigl e, tangencialmente, Karl Popper e Ferdinand Gonseth. O Círculo de Viena durou menos de uma década, mas seu trabalho foi intenso e muito inuente na ciência. Seus membros reuniam-se semanalmente e inspiravam grupos ans na Alemanha, na França, na antiga Tchecoslováquia e na Suíça. Organizaram em Paris o primeiro Congresso Internacional de Epistemologia, em 1935, e fundaram a revista Erkenntnis. Sem dúvida, o Círculo de Viena alterou a técnica da losoa ao pôr em prática e desenvolver o programa de Bertrand Russell e de fazer losoa de maneira geométrica (more geometrico) , particularmente com a ajuda da lógica matemática. A epistemologia transformou-se, em suma, numa área do saber importante da losoa tanto conceitual como prossionalmente e, por conseguinte, revelou a importância e a utilidade do seu papel na ciência. As principais preocupações dos membros do Círculo de
Viena incluíam, dentre um amplo programa de investigação, a aplicação de conceitos lógicos para a construção racional dos conceitos cientícos, a exigência de vericabilidade dos enunciados, a procura de critérios de signicados empíricos e a recusa da metafísica, a separação da distinção entre ciências naturais e ciências sociais humanas, recorrendo à tradição geral para a linguagem da ciência unicada.
(2.2) novas tendências
da epistemologia
O epistemólogo sabe que não pode car afastado da pro blemática do seu tempo ou car meramente estudando idéias cientícas do passado. Ele está atento à ciência do seu tempo, procurando ser útil, uma vez que pode participar do desenvolvimento cientíco, contribuir para mudar positivamente os alicerces losócos da pesquisa e da política cientíca. Em particular, está ligado à ciência e às ferramentas formais da losoa contemporânea, podendo dar grandes contribuições para o conhecimento cientíco. O autor Bunge4 enumera uma série de utilidades da nova epistemologia: ▪ Trazer à tona os pressupostos losócos, em particular semânticos, gnosiológicos e ontológicos, de planos, métodos ou resultados de investigações cientícas da atualidade. ▪ Elucidar e sistematizar conceitos losócos empregados em diversas ciências, tais como os de objeto físico, sistema químico, sistema social, tempo, causalidade,
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acaso, prova, conrmação e explicação. Ajudar a resolver problemas cientíco-losócos, tais como o de saber se a vida se distingue pela teleonomia e a psique pela inespacialidade. Reconstruir teorias cientícas de maneira axiomática, aproveitando a ocasião para pôr a descoberto seus pressupostos losócos. Participar das discussões sobre a natureza e o valor da ciência pura e aplicada, ajudando a esclarecer as idéias a respeito, inclusive com a elaboração de políticas culturais. Servir de modelo a outros ramos da losoa, em particular a ontologia e a ética, que podem beneciar-se de um contato mais estreito com as técnicas formais e com as ciências.
Conforme armado anteriormente, a epistemologia busca um conhecimento que tenha objetividade e validade universal, o que permite incluir tanto o conhecimento cientíco quanto o losóco. Na Antiguidade, o conhecimento era visto na sua totalidade, ou seja, não havia áreas especícas. Mas, na Idade Moderna, por inuência do lósofo René Descartes, iniciou-se a ruptura da losoa com a ciência. No contexto atual, ao se estudar o conceito de epistemologia, faz-se necessário descrever como se processou a relação entre racionalidade e historicidade no âmbito epistemológico. O autor Bombassaro5 apresenta duas tendências epistemológicas: a analítica, também denominada teoria analítica da ciência, e a histórica. A tendência analítica foi predominante na primeira metade do século XX e sustentou-se sobre a orientação teórica adotada pelo empirismo lógico, cuja inuência mais signicativa foi o Círculo de Viena e, posteriormente, o
pensador Karl Popper. A tendência histórica, também chamada de nova losoa da ciência, nasceu no cenário epistemológico contemporâneo, mais especicamente nos últimos anos da década de 50, tendo como objetivo a crítica às concepções defendidas pela tendência analítica. Essas tendências serão vistas com mais detalhes a seguir, mas é importante salientar que não se tem aqui o propósito de aprofundar as peculiaridades de cada teoria que compõe tanto a tendência histórica quanto a analítica, nem o pensamento de seus respectivos autores, mas sim de caracterizar cada uma delas.
A tendência analítica Segundo Georg Henrik von Wright, o positivismo lógico e o empirismo lógico ou neopositivismo dos anos 1920 e 1930 foram as principais inuências do pensamento losó co hoje conhecido como losoa analítica, que se subdivide em duas correntes distintas – a losoa da linguagem ordinária e a losoa analítica da ciência – e se baseia no atomismo lógico de Russell, nas teorias de Wigenstein e no neopositivismo do Círculo de Viena. Em suma, a tendência analítica tem como característica epistemológica a racionalidade e a historicidade vinculada ao positivismo. Entre suas múltiplas contribuições, destacam-se a concepção de signicado e verdade defendida por David Hume, o monismo metodológico do positivismo de Auguste Comte e John Stuart, o fenomenalismo de Ernest Mach e Richard Avenarius, as conclusões de Golob Frege nos campos da lógica e da semântica, o desenvolvimento da lógica e da losoa da matemática operada por Alfred Whitehead e Bertrand Russell, o formalismo de David Hilbert e, fundamentalmente, a teoria do signicado, desenvolvida na obra
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Tratado lógico-losóco , de Ludwig Wigenstein. Além disso,
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é importante mencionar os estudos em losoa da ciência realizados por Pierre Duhem e Henri Poincaré, que alme javam novos fundamentos para o conhecimento. Cabe ainda destacar a teoria da relatividade, de Albert Einstein, responsável por uma das maiores revoluções do pensamento cientíco, e a obra A construção lógica do mundo , de Rudolph Carnap, publicada em 1928. Carnap defende nessa obra a tese da possibilidade da construção lógica do mundo a partir de “experiências elementares” e a “teoria constitucional dos objetos”, armando que constituir um objeto signica reduzi-lo a outros. Portanto, Carnap queria formular uma teoria geral que permitisse indicar a possibilidade de substituir um enunciado que contém o primeiro objeto por outro objeto enunciado que não o contém. Com o domínio das “experiências elementares”, buscava constituir unidades fechadas e indivisíveis. As propostas de Hans Reichenbach também ajudam a compreender a tendência analítica. Esse autor menciona o “contexto de descoberta” e o “contexto de justicação”, armando que a epistemologia deveria ocupar-se exclusivamente do “contexto de justicação”. Estabeleceu, assim, os limites especícos dos elementos metodológicos da investigação cientíca, separando-os dos elementos psicológicos, sociológicos e históricos. Não se pode deixar de destacar ainda as idéias de Karl Popper, conhecidas epistemologicamente como racionalismo crítico. Popper é considerado o principal responsável pelo movimento de renovação da losoa da ciência e um dos nomes mais inuentes da tendência analítica. Para ele, uma teoria, para ser considerada cientíca, tem de ser considerada falsa pela experiência, ou seja, “o critério que dene o status cientíco de uma teoria é a sua
capacidade de ser refutada ou testada”6. Defendia, assim, a falsabilidade como o único critério possível de demarcação entre ciência e não-ciência. Na sua concepção, a lógica dedutiva possibilita uma avaliação segura quanto à validade das proposições cientícas. Sendo assim, Popper criou critérios de limites com os quais a epistemologia deveria se ocupar para, dessa forma, poder distinguir as teorias cientícas das pseudocientícas.
A tendência histórica Bombassaro7 arma que a tendência histórica, também conhecida como nova losoa da ciência, cujas manifestações teóricas ocorreram no nal da década de 1950, é mais difícil de denir, por ser abrangente e ter uma produção bibliográca vasta e com temática complexa. Tem três grandes vertentes teóricas. A primeira está vinculada aos trabalhos de Norwood Russell Hanson, Stephen Toulmin, Thomas Kuhn, Imre Lakatos e Paul Feyerabend. A segunda tem inuência das teorias de Gaston Bachelard, Georges Canguilhem e Michel Foucault. Embora esses autores partam de enfoques e tenham repercussões diferentes, há algo em comum neles: a negação do método da tendência analítica. A terceira vertente são as reexões da Escola de Frankfurt, especialmente as discussões polêmicas de Theodor Adorno, levadas adiante por Jürgen Habermas. A crítica básica da tendência histórica em relação à tendência analítica é a questão da metodologia cientíca. Os integrantes da nova losoa da ciência consideravam a metodologia da tendência analítica excessivamente simplista, pelo fato de que pressupunha uma análise do conhecimento cientíco pelo ângulo dos enunciados lógicos,
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deixando de considerar a ação efetiva dos pesquisadores que fazem ciência, o modo pelo qual essa ação é realizada. Portanto, consideravam a epistemologia da tendência analítica uma ciência imaginária, uma cção cientíca, e não uma ciência real. A nova losoa da ciência questionou os princípios losócos do positivismo e do empirismo, tanto que Habermas referia-se constantemente à tendência histórica como produtora de uma epistemologia pós-empirista. Além disso, questionou a armação de que os “nossos conhecimentos prévios e nossas crenças são constituintes da observação e do signicado que atribuímos àquilo que observamos” 8. Dessa forma, reviu os limites da tendência analítica, provocando uma revisão geral da teoria dos sentidos e uma avaliação do “contexto descoberto”, que antes era desprezado epistemologicamente. A nova losoa da ciência também criticou o monismo metodológico e o ideal de ciência unicada. Em contraponto, adotou o princípio da proliferação, segundo o qual se deve inventar e elaborar teorias alternativas aos pontos de vista comumente aceitos. O autor desse princípio foi Feyerabend, que na sua obra Against method propôs que o método cientíco da ciência passasse a ser plural, em vez de se reduzir a uma única metodologia. A proposta de uma ciência com um método pluralístico abriu novas possi bilidades para estudos de biologia, antropologia, etnologia, sociologia etc. Outro nome de destaque na tendência histórica foi Lakatos9 , que desenvolveu uma teoria sobre a metodologia dos programas de investigação cientíca e confrontou o princípio do falseacionismo de Popper. A tese fundamental de Lakatos para desmoronar esse princípio é que a própria história da ciência falseia o falseacionismo. Segundo ele, as decisões metodológicas adotadas pelos cientistas
para desenvolver seus programas de investigação estão freqüentemente ligadas a um núcleo metafísico de fundo10. Portanto, é compreensivo quando Lakatos arma, por exemplo, que a metafísica cartesiana teve um papel preponderante na ciência mecanicista, servindo como “um poderoso princípio heurístico”.
Pontos de contato entre as tendências histórica e analítica Para Kuhn11 , “um conjunto de compromisso de nível elevado [, que tem] [...] tanto dimensões metafísicas como metodológicas”, possibilita aos cientistas uma visão de mundo e um conjunto de regras que facilita a investigação. O que é e como se produz o conhecimento são questões essenciais e constantes na história do pensamento losóco. Tanto a tendência histórica como a tendência analítica deixaram entrever o princípio básico do processo epistemológico: a tentativa de superar a metafísica pela análise da lógica da linguagem.
i ndicações culturais ▪ ALVES, R. Filosoa da ciência. São Paulo: Brasiliense, 1982. ▪ CHAUI, M. Convite à losoa. São Paulo: Ática, 2003. ▪ COTRIM, G. Fundamentos da losoa: ser, saber e fazer. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. ▪ GARCIA, A. M. A experiência do conhecimento. In: HÜHNE, L. M. (Org.). Metodologia cientíca. 5. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1992. p. 34-35.
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atividades 1. 2. 3.
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Com base no texto, como se pode denir epistemologia? De acordo com o texto, como o problema do conhecimento foi abordado nos diferentes períodos históricos? Por que alguns autores consideram o lósofo Immanuel Kant como o fundador da teoria do conhecimento?
(3) o inatismo
Susana Salete Raymundo Chinazzo
(
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n este capítulo, analisa-se a concepção do inatismo, que teve como primeiro defensor o lósofo Platão e perdurou, de modo discreto, até os tempos modernos, quando foi retomada por René Descartes. Para Platão, a lembrança (anamnesis) é a raiz do conhecimento, é uma forma de recordar o que está no interior da alma. Vale ressaltar que a reminiscência ou lembrança seria o despertar do conhecimento intelectivo das idéias, sendo diferente da memória, cujo papel seria conservar as sensações, registrar as impressões deixadas por elas, que
ora são mais, ora são menos confusas. A doutrina da reminiscência pressupõe um apriorismo e uma espécie de inatismo da verdade. Segundo Platão, a alma preexistia no mundo das idéias, onde as contemplava. Por castigo, foi unida ao corpo do mundo sublunar. Uma das conseqüências dessa união foi o esquecimento das idéias que a alma havia contemplado no outro mundo. No entanto, ao entrar em contato com as coisas deste mundo, que são sombras das idéias, ela relembra o que havia contemplado. Portanto, aprender é recordar ou reconhecer. No sistema de Platão, a reminiscência exerce três funções1: 1. 2. 3.
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Provar a preexistência, a espiritualidade e a imortalidade da alma. Estabelecer uma conexão entre a vida antecedente e a vida presente. Revelar a importância do conhecimento sensitivo como instrumento para despertar a recordação das idéias.
No diálogo Ménon , Platão diz: “Já que toda a natureza é semelhante e a alma aprendeu tudo, nada impede que recorde uma só coisa (que é além disso, o que se chama aprender), encontre em si todo o demais se tem valor e não se canse na busca, já que buscar e aprender não são mais que reminiscência”2. É importante salientar que, para esse lósofo, o elemento que faz a alma acordar para o mundo inteligível é o sentimento chamado amor, que inicialmente é carnal e deseja um corpo belo e, aos poucos, passa a dese jar a própria beleza e o conhecimento de sua idéia. Em todas as obras de Platão, há a defesa do inatismo da razão ou das idéias verdadeiras. No diálogo acima citado, descreve Sócrates dialogando com um jovem escravo analfabeto e conseguindo, por meio de perguntas, fazer com
que demonstrasse sozinho um difícil teorema de geometria, o Teorema de Pitágoras. Platão arma que as verdades matemáticas surgiram no espírito do jovem justamente porque são inatas. Em A república , ele faz um esboço da teoria da reminiscência. Para isso, descreve Sócrates dialogando com Glauco sobre o mito da caverna.
Suponhamos uns homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a infância, algemados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do qual se construiu um pequeno muro, no género dos tapumes que os homens dos “robertos” colocam diante do público, para mostrarem as suas habilidades por cima deles. — Estou a ver — disse ele. — Visiona também ao longo deste muro, homens que transportam toda a espécie de objectos, que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é natural, dos que os transportam, uns falam, outros seguem calados. — Estranho quadro e estranhos prisioneiros são esses de que tu falas — observou ele. — Semelhantes a nós — continuei —. Em primeiro lugar, pensas que, nestas condições, eles tenham visto, de si mesmo e dos outros, algo mais que as sombras projectadas
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pelo fogo na parede oposta da caverna? — Como não — respondeu ele —, se são forçados a manter a cabeça imóvel toda a vida? — E os objectos transportados? Não se passa o mesmo com eles? — Sem dúvida. — Então, se eles fossem capazes de conversar uns com os outros, não te parece que eles julgariam estar a nomear objectos reais, quando designavam o que viam? — É forçoso. — E se a prisão tivesse também um eco na parede do fundo? Quando algum dos transeuntes falasse, não te parece que eles não julgariam outra coisa, senão que era a voz da sombra que passava? — Por Zeus, que sim! — De qualquer modo — armei — pessoas nessas condições não pensavam que a realidade fosse senão a sombra dos objectos. — É absolutamente forçoso — disse ele. — Considera pois — continuei — o que aconteceria se eles fossem soltos das cadeias e curados da sua ignorância, a ver se, regressados à sua natureza, as coisas se passavam deste modo. Logo que alguém soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de xar os objectos cujas sombras via outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe armasse que até então ele só vira coisas vãs, ao passo que agora estava mais perto da realidade e via de verdade, voltado para objectos mais reais? E se ainda, mostrando-lhe cada um desses objectos que passavam, o forçassem com perguntas a dizer o que era? Não te parece que ele se veria
em diculdades e suporia que os objectos vistos outrora eram mais reais do que os que agora lhe mostravam? — Muito mais — armou. — Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objectos para os quais podia olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que lhe mostravam? — Seria assim — disse ele. — E se o arrancassem dali à força e o zessem subir o caminho rude e íngreme, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol, não seria natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim arrastado, e, depois de chegar à luz, com os olhos deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo que agora dizemos serem os verdadeiros objectos? — Não poderia, de facto, pelo menos de repente. — Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, depois disso, para as imagens dos homens e dos outros objectos, reectidas na água, e, por último, para os próprios objectos. A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da Lua, mais facilmente do que se fosse o Sol e o seu brilho de dia. — Pois não! — Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para o Sol e de o contemplar, não já a sua imagem na água ou em qualquer sítio, mas a ele mesmo, no seu lugar. — Necessariamente. — Depois já compreenderia, acerca do Sol, que é ele que causa as estações e os anos e que tudo dirige no mundo
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visível, e que é o responsável por tudo aquilo de que eles viam um arremedo. — É evidente que depois chegaria a essas conclusões. — E então? Quando ele se lembrasse da sua primitiva habitação, e do saber que lá possuía, dos seus companheiros de prisão desse tempo, não crês que ele se regozaria com a mudança e deploraria os outros? — Com certeza. — E as honras e elogios, se alguns tinham então entre si, ou prémios para o que distinguisse com mais agudeza os objectos que passavam e se lembrasse melhor quais os que costumavam passar em primeiro lugar e quais em último, ou os que seguiam juntos, e àquele que dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia acontecer – parece-te que ele teria saudades ou inveja das honrarias e poder que havia entre eles, ou que experimentaria os mesmos sentimentos que em Homero, e seria seu intenso desejo “servir junto de um homem pobre, como servo da gleba”, e antes sofrer tudo do que regressar àquelas ilusões e viver daquele modo? — Suponho que seria assim — respondeu — que ele sofreria tudo, de preferência a viver daquela maneira. — Imagina ainda o seguinte — prossegui eu —. Se um homem nessas condições descesse de novo para o seu antigo posto, não teria os olhos cheios de trevas, ao regressar subitamente da luz do Sol? — Com certeza. — E se lhe fosse necessário julgar daquelas sombras em competição com os que tinham estado sempre prisioneiros, no período em que ainda estava ofuscado, antes de adaptar a vista — e o tempo de se habituar não seria pouco — acaso não causaria o riso, e não diriam dele que, por ter subido ao mundo superior, estragara a vista, e que não
valia a pena tentar a ascensão? E a quem tentasse soltá-los e conduzi-los até cima, se pudessem agarrá-lo e matá-lo, não o matariam? — Matariam, sem dúvida — conrmou ele. (República VII) Fonte: Platão. A R EPÚBLICA. 7. ed. Lisboa: Fu ndação Caloust e Gulbenk ian, 1993. P. 317-321.
O mito ou alegoria da caverna representa o mundo sensível, onde os homens se encontram algemados e só podem olhar para as paredes escuras nas quais se projetam as som bras. Se alguém conseguisse escapar da caverna, a luz do sol primeiro ofuscaria sua visão. Aos poucos, os olhos se acostumariam e poderiam ver o mundo inteligível. Para Platão, esse é o momento em que o lósofo se depara com a verdade e com o seu papel de investigar e de estimular a busca pelo conhecimento da verdade. Por isso, o retorno à caverna. Epistemologicamente, Platão explica com a alegoria da caverna a elevação do mundo sensível ao inteligível. Faz uma analogia do homem no mundo com a de um escravo algemado numa caverna subterrânea que somente pode visualizar as sombras projetadas das coisas e dos seres que estão fora dela. A losoaa seria o caminho para o homem sair da caverna e libertar-se para, então, retornar à caverna e libertar os companheiros. É importante reforçar que o conhecimento platônico está dividido em dois momentos. O primeiro é o da opinião (dóxa), em que as sombras simbolizam a imaginação (eikasía) e a visão das estátuas representa a crença. O segundo é o da ciência (epistéme). A passagem da visão das
a. Filosoa etimologicamente signica “amor à sabedoria”.
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estátuas para a visão dos verdadeiros objetos representa a ciência intermediária (dianóia) e a intelecção (noésis). O mito da caverna possibilita também comentar sobre os graus ontológicos em que a realidade se divide: os gêneros sensível e supra-sensível. As sombras simbolizam as aparências sensíveis das coisas; as estátuas, as próprias coisas; o muro representa a linha divisória entre as coisas sensíveis e supra-sensíveis. As coisas verdadeiras do outro lado do muro são representações do ser e das idéias. O sol simboliza a idéia do Bem. Segundo Platão, o processo do conhecimento é a passagem do mundo das sombras e imagens ao luminoso universo das idéias, com etapas intermediárias. Para ele, o que não é visto claramente no plano sensível, só podendo ser objeto de conjectura, torna-se objeto de crença quando se tem a condição de percepção nítida. Contudo, a evidência sensível permaneceria sob o domínio da opinião. Seria uma crença. A certeza só surgiria com uma demonstração racional, sendo, então, impulsionada para a esfera do conhecimento inteligível. Para Platão, alcança-se o grau superior de conhecimento quando o intelecto (a alma) reconhece as idéias ou formas (eidos) em toda a sua perfeição. Esse estágio do conhecimento se desvincularia totalmente dos sentidos e das palavras, estas incapazes de expressar a essência, a não ser de modo aproximado. As idéias só poderiam ser conhecidas pela noésis (“intuição intelectual”). A construção do conhecimento seria uma conjunção de intelecto e emoção, de razão e vontade. A ciência (epistéme) seria fruto da inteligência e do amor. Outro lósofo que também aborda a teoria das idéias inatas é René Descartes, considerado o fundador da losoa moderna. Ele se ocupou da questão do conhecimento, principalmente nos livros Discurso do método e Meditações
metafísicas. Descartes descreve que o nosso espírito tem três
tipos de idéias, que se diferenciam por sua origem e qualidade. A primeira idéia é a adventícia, que se originaria das nossas sensações, percepções, lembranças. Seriam idéias de experiências sensoriais ou sensíveis das coisas a que se referem. A segunda idéia é a ctícia, que se originaria das nossas fantasias e imaginações. A terceira idéia é a inata, que não poderia vir de nossa fantasia, pois não houve experiência sensorial que possibilitasse compô-la em nossa memória. Segundo Descartes, as idéias inatas são inteiramente racionais e só existem porque o homem já nasce com elas. Para ele, a idéia de innito e as idéias matemáticas, por exemplo, são claras e distintas, e não são inventadas pelo homem, estão presentes em algum lugar profundo da mente humana e vão surgindo à medida que se pensa na essência verdadeira, imutável e eterna das coisas, razão pela qual servem de fundamento para o saber cientíco. Esse lósofo tinha uma grande conança na razão. Para ele, a razão é a luz natural inata que permite ao homem conhecer a verdade. Em outras palavras, é a fonte do conhecimento verdadeiro e universalmente partilhado. A razão ou bom senso deniria o homem como homem, distinguindo-o de outros animais. Na primeira parte do Discurso do método , Descartes3 refere-se à razão da seguinte forma: O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo, pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis de se satisfazerem com qualquer outra coisa não costumam desejar mais bom senso do que têm. Assim, não é verossímil que todos se enganem; mas, pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina bom senso ou razão, é por natureza igual em todos os homens e, portanto, que a diversidade de nossas opiniões não decorre
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de uns serem mais razoáveis que os outros, mas somente de que conduzimos nossos pensamentos por diversas vias, e não consideramos as mesmas coisas. Pois não basta ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo bem. As maiores almas são capazes dos maiores vícios, assim como das maiores virtudes; e aqueles que só caminham muito lentamente podem avançar muito mais, se sempre seguirem o caminho certo, do que aqueles que correm e dele se afastam.
Para Descartes, as idéias inatas são as mais simples que o homem possui. Simples não no sentido de fáceis, mas no de não existir outras. A mais famosa das idéias inatas cartesianas é “Penso, logo existo”. Essas idéias seriam o ponto de partida da dedução racional e da indução, que se deparam com idéias complexas ou compostas. É importante salientar que, para Descartes, a dedução é o encadeamento das intuições, que são idéias simples. Das relações existentes entre elas, seria possível concluir novas idéias e relações. A dedução permitiria construir relações necessárias entre as proposições, de forma tal que a verdade das proposições intuitivas passaria a ser uma conclusão, partindo de uma verdade evidente para depois, dedutivamente, conhecer outros conhecimentos verdadeiros. Logo, só seria possível conceber a idéia de falso e verdadeiro porque no espírito existem, de forma inata, a razão e a verdade, que permitiriam entender se uma idéia corresponde ou não à realidade.
50 s s a i a d i a c o i s g o s l a o i c m n e ê t i s i c p E
atividades 1. 2.
Por que, para Platão, conhecimento é reconhecimento? Por que, segundo Descartes, as idéias inatas são inteiramente racionais?
(4) a s possibilidades
do conhecimento
Susana Salete Raymundo Chinazzo
(
)
f alar
sobre as possibilidades do conhecimento nos
remete aos temas clássicos que inquietam os epistemólogos, ou seja, a capacidade humana de conhecer a verdade, a origem e as formas do conhecimento, o critério que nos leva a armar que um conhecimento é verdadeiro ou não. Esses temas zeram surgir várias correntes de pensamento, que comentaremos neste capítulo.
(4.1) d ogmatismo
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A palavra dogmatismo vem de dogma, que, no Dicionário de losoa , signica “opinião” ou “crença”. Foi usada por Platão (Rep. 538c; Leis, 644d) e contraposta pelos céticos à epoché, ou suspensão do assentimento, que consiste em não denir a própria opinião em um sentido ou em outro (Diog. 4, IX, 74).1 É importante esclarecer que, para os antigos, principalmente para os céticos, o conceito de epoché consiste em não aceitar nem refutar, em não armar nem negar. Para eles, essa atitude seria a única possível para não se sofrer perturbações. Já para a losoa contemporânea, principalmente a fenomenologia, consiste em uma atitude de contemplação desinteressada, desvinculada de qualquer interesse natural ou psicológico pela existência das coisas do mundo ou pelo próprio mundo. Consiste em colocar em suspensão crenças prévias, uma redução de qualquer teoria e explicação apriorísticas. É, portanto, uma forma de observar o enigma sem a pretensão de claricá-lo, mas, sim, de protegê-lo. Kant entendia dogma como “uma proposição diretamente sintética derivada de conceitos” e, portanto, distinta de “uma proposição do mesmo gênero derivada da construção dos conceitos”, que é um matema. Em outras palavras, os dogmas seriam “proposições sintéticas a priori” de natureza losóca e, portanto, não se poderiam chamar de dogma as proposições do cálculo e da geometria. 2 No dicionário3 , a palavra dogma é denida como “decisão, juízo”, portanto decreto ou ordenação. Na Antiguidade (CICERO; Acad., IV9; SÊNECA; Ep., 94), indicava as crenças
fundamentais das escolas losócas e, mais tarde, as decisões dos concílios e das autoridades eclesiásticas sobre as matérias fundamentais da fé.4 Chaui dene dogmatismo como uma atitude muito natural e espontânea que o ser humano tem desde criança. É sua crença de que o mundo existe e é exatamente tal como o percebe, tendo essa crença porque é um ser prático, isto é, relaciona-se com a realidade como um conjunto de coisas, fatos e pessoas que são úteis ou inúteis para a sua sobrevivência.5 Epistemologicamente, o dogmatismo (ou doutrina) não vê problema no conhecimento. Parte da premissa de que o sujeito, a consciência, apreende o objeto. Cona na razão humana. O conhecimento não é visto como uma relação entre o sujeito e o objeto. O dogmatismo acredita que o objeto do conhecimento é construído pela razão, e não por obra da função intermediária do conhecimento. Assim também concebe os valores. Eles simplesmente existem para o dogmático. A atitude dogmática vê o mundo como já dado, pronto, pensado e transformado, em que a realidade natural, social, cultural e política forma uma espécie de moldura de um quadro no qual nos instalamos e existimos. Em outras palavras, não vemos nenhum problema na realidade exterior, mesmo sendo externa e diferente de nós. O dogmatismo concebe a existência de um espaço no qual o homem e os objetos estão submetidos à sucessão dos instantes. Santo Agostinho, na obra Conssões, encara o tempo e o espaço sem maior profundidade sobre o assunto. Como o autor diz: “Se ninguém me pergunta, sei; se alguém pergunta e quero explicar, não sei mais”6. Dentro do dogmatismo gnosiológico, existem duas variantes básicas7: 1) o dogmatismo ingênuo, que está
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presente no senso comum, cona plenamente nas possi bilidades do conhecimento e não vê problemas na relação sujeito conhecedor e obj eto conhecido, acreditando que, sem maiores diculdades, o homem percebe o mundo tal qual ele é; 2) o dogmatismo crítico crê que a razão do homem tem a capacidade de conhecer a verdade mediante os sentidos e a inteligência, através de um trabalho metódico, racional e cientíco.
(4.2) c eticismo
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O termo ceticismo deriva de sképsis , que signica “procura” ou “investigação”, revelando que a sabedoria não consiste no conhecimento da verdade, mas na sua procura. É uma demonstração de insatisfação e desconança contra todas as soluções losócas referentes à verdade. Os céticos entendem que o sujeito não tem possibilidade de apreender o objeto, duvidam de qualquer conhecimento apresentado e o questionam, pois, na sua concepção, o ser humano não pode formular juízos. Desse modo, atri buem exclusiva importância ao sujeito, no ato de conhecer, ignorando completamente as funções do objeto. O ceticismo absoluto nega radicalmente a possibilidade de conhecer a verdade. Como diz Górgias: “O ser não existe; se existisse não poderíamos conhecê-lo; e se pudéssemos conhecê-lo, não poderíamos comunicá-lo aos outros.” 8 É importante salientar que esse posicionamento radical leva à negação da premissa máxima do ceticismo: “O conhecimento é impossível.” Tem-se, pois, uma contradição, já que, quando se arma a impossibilidade do conhecimento,
concomitantemente nega-se a própria armação. Os críticos do ceticismo absoluto ou radical armam que essa é uma doutrina extremista que nega totalmente a possibilidade de conhecer, tornando-se, assim, uma teoria estéril e contraditória que não leva a lugar algum. Anula a si própria, pois, ao dizer que nada é verdadeiro, acaba armando que existe pelo menos uma coisa verdadeira: o conhecimento de que nada é verdadeiro. Alguns pensadores vêem o lósofo grego Pirro como o fundador do ceticismo absoluto. Para ele, é impossível o homem conhecer a verdade, por dois motivos. Um deles diz respeito ao fato de que os sentimentos, onde nasce o conhecimento, não são dignos de conança, pois induzem ao erro. O outro se relaciona à razão, que tem diferentes opiniões sobre os mesmos temas e revela, assim, os limites da inteligência humana. Logo, não haveria confronto de idéias e o conhecimento não seria possível. Assim, jamais se atingiria a certeza de alguma coisa. As grandes linhas do ceticismo pirrônico podem ser divididas em duas noções fundamentais: suspensão do juízo (epoché ) e indiferença (adiaforia). A primeira arma que a dialética de opiniões não revela um juízo absoluto. A consciência cognoscente não apreenderia o objeto. Logo, não haveria conhecimento. De dois juízos contraditórios, um seria tão verdadeiro como o outro. Isso signica uma negação das leis lógicas do pensamento, especialmente do princípio da contradição. Segundo Pirro, as teorias são relativas ao próprio sujeito e a postura de suspensão do juízo corresponde a uma total indiferença em relação às coisas. A segunda arma que a indiferença especulativa leva a uma indiferença prática, pois é uma renúncia ao saber, envolvendo suspensão do juízo sobre o bem e o mal. Logo, a felicidade resultaria da total indiferença ao bem e ao mal, levando
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conseqüentemente ao autodomínio e à independência. No campo da ética, em que se considera um valor a aspiração à verdade, o ceticismo não é aceito, porque não leva em conta a consciência humana sobre os valores morais. O perigo estaria em se reduzir a ética a uma visão subjetiva. No período moderno, o ceticismo se fez presente em uma nova epistemologia, que passou pela dúvida metódica do lósofo René Descartes, em que não há um ceticismo de princípio, mas um ceticismo metódico, e culminou na obra Crítica da razão pura , do lósofo alemão Immanuel Kant, que arma a incognoscibilidade da “coisa-em-si”. A diferença moral, aliada à evidência de uma verdade objetiva, deu lugar à defesa da tolerância como valor supremo. Outros dois personagens importantes do ceticismo são o lósofo francês Montaigne (1592), que armava ser um cético em relação à ética, e David Hume, um cético metafísico. Existe um ceticismo mais brando, conhecido como intermediário ou acadêmico, que defende a tese de que não há verdade nem certeza, apenas probabilidades. Segundo essa teoria, os juízos humanos não são verdadeiros, mas apenas prováveis. Mas essa forma de ceticismo contradiz o princípio inerente do ceticismo, pois o conceito de probabilidade pressupõe o de verdade, ou aquilo que se aproxima da verdade. Quem não admite a idéia de verdade tem de abdicar também da idéia de probabilidade. Há ainda o ceticismo metafísico, denominado de positivismo. Defendido por Auguste Comte (1798-1857), limita-se a aceitar o conhecimento que advém da experiência, da pesquisa das ciências empíricas, recusando qualquer especulação metafísica.
(4.3) p ragmatismo O pragmatismo foi criado em 1898 pelo lósofo americano William James (1842-1910), com base nas teorias de Peirce apresentadas no artigo “Como tornar claras as nossas idéias”, de 1878. Peirce diz ter preferido o termo pragmatismo , que signica “ação”, aos termos praticismo ou praticabilismo por conhecer a losoa kantiana. Kant atribui a idéia de “prático” à losoa moral, em que não há experimentação. Já a doutrina criada por Pierce tem a experimentação como base. Outro que preferia esse termo era o lósofo Friedrich Schiller, por estar ligado à teoria do signicado. A sua tese fundamental consiste em reduzir a verdade à utilidade e a realidade ao espírito. Para o pragmatismo, a verdade é útil, valiosa e funcionalista. Apresenta, assim, um novo conceito de verdade e uma nova concepção de ser humano, em que ele não é visto como um ser pensante, questionador perante os mistérios da natureza, mas sim como um ser prático, um ser que tem vontade e capacidade de agir. Logo, o intelecto humano estaria a serviço da praticidade e funcionalidade que o cotidiano do ser humano exige. Entre os adeptos do pragmatismo, pode-se citar o lósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Com base no seu conceito naturalista e voluntarista de ser humano, ele arma que: a verdade não é um valor teórico, mas apenas uma expressão para designar a utilidade, para designar aquela função do juízo que conserva a vida e serve a vontade do poder. [De modo mais paradoxo, o autor revela essa mesma idéia quando diz:] A falsidade de um juízo não é uma objeção contra esse juízo.9
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Apropriando-se da concepção de Nietzsche, Hans Vaihinger diz que o homem é, antes de tudo, um ser ativo, e que o intelecto, o qual trabalha de preferência com pressupostos conscientemente falsos, com frações, não foi dado a ele para que conhecesse a verdade, mas sim para que atuasse. Para Jorge Simmel, que defende o pragmatismo na sua losoa do dinheiro, a verdade é o “erro mais adequado”. Segundo ele, são verdadeiras aquelas representações que resultam em motivos de ação adequada e vital. Todos esses autores fazem distinção entre “verdadeiro” e “útil”. Conservam o sentido de verdade no sentido de concordância. Partem da premissa de que não há qualquer juízo verdadeiro, que a nossa consciência cognoscente tra balha com representações conscientemente falsas. A crítica que se faz ao pragmatismo deve-se principalmente à sua desconsideração do valor do pensamento humano e da autonomia ontológica, por vincular o conhecimento especicamente à supercialidade, às aparências e à praticidade dos afazeres cotidianos do homem e por não se focar na busca pela essência do conhecimento, herdada da tradição losóca grega.
(4.4) c riticismo O criticismo é uma teoria intermediária entre o dogmatismo e o ceticismo, compartilhando com aquele a conança na razão humana. Segundo essa doutrina, o conhecimento é possível, há uma verdade. Deve-se, porém, examinar todas as armações da razão e não aceitar nada
despreocupadamente, ou seja, deve-se perguntar pelos motivos e pedir contas à razão. O comportamento não deve ser dogmático nem cético, mas sua soma, que é crítico. O criticismo está presente em qualquer reexão episte mológica. Já existia na Antiguidade, nas obras de Platão e Aristóteles e nas teorias dos estóicos, assim como na Idade Moderna, no trabalho de Descartes, Leibnitz Locke e David Hume. Mas quem concebeu o criticismo como teoria foi Immanuel Kant, que buscou estabelecer limites ao intelecto humano por meio de leis, conciliando duas correntes de pensamento: o racionalismo dogmático e o empirismo cético. O racionalismo dogmático visava conhecer seus objetos absolutamente a priori e defendia com rigor a razão como fonte do conhecimento, fundamentado no princípio das idéias inatas e no método dedutivo-matemático. Os dogmáticos acreditavam no poder exclusivo da razão e apoiavam-se nos domínios dos juízos analíticos de explicação. Ao contrário do racionalismo dogmático, o empirismo cético fazia severas críticas à concepção de idéias inatas e buscava compreender a ciência sempre por meio dos juízos sintéticos a posteriori , juízos baseados na experiência. Kant reconhece que “sem a sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado. Os pensamentos sem conteúdos são vazios, intuições sem conceitos são cegas”10. Seu “método” de losofar consiste em investigar as fontes das armações e objeções e as razões que fundamentam a esperança de chegar à certeza. Kant, realizando uma síntese entre o racionalismo dogmático e o empirismo cético, demonstra que tanto a razão como as experiências possuem limites. Como diz o autor: “Nossa época é a época da crítica, a que tudo deve submeter-se” 11. Kant não pretendia tornar o seu tempo o apogeu da razão humana, mas apontou critérios pertinentes para uma
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avaliação no desenvolvimento de idéias. O seu criticismo reconhece limites na razão , desmisticando, assim, o autoritarismo e a onipotência da razão defendida pelo dogmatismo. A originalidade do pensamento kantiano está na idéia de vincular liberdade com razão humana. Para ele, “transcendental” não tinha nada a ver com “transcendente”, mas com as condições da razão para a constituição do conhecimento. Na estética transcendental , o lósofo trata da sensibilidade enquanto faculdade que possibilita as intuições dos objetos. As formas a priori da sensi bilidade são o espaço e o tempo existentes no sujeito. É importante distinguir o criticismo como método e o criticismo como sistema. Em Kant, o criticismo signica ambas as coisas: não só o método de que o lósofo se serve e que se opõe ao dogmatismo e ao ceticismo, mas também o resultado determinado a que se chega com a ajuda desse método.
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i ndicações culturais ▪ CHAUI, M. Convite à losoa. São Paulo: Ática, 1994. ▪ COTRIM, G. Fundamentos da losoa: ser, saber e fazer. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. ▪ HESSEN, J. Teoria do conhecimento. 8. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1987.
atividades 1.
2.
Podemos identicar na sociedade atual a presença do ceticismo, do pragmatismo, do dogmatismo e do criticismo? Exemplique e comente. Destaque o nome de um pensador para cada corrente losóca do conhecimento.
(5) o que é racionalismo?
Susana Salete Raymundo Chinazzo
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e ste capítulo é um convite para conhecer o racionalismo, que enfatiza categoricamente o conhecimento racional e que a razão é tão antiga quanto a losoa. O racionalismo concebe a razão (do latim ratio) como um instrumento capaz de conhecer a verdade. Mas o que é razão para essa teoria? É uma estrutura vazia, uma forma pura sem conteúdo. Essa estrutura é universal, é igual para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares, e é inata, isto é, não é adquirida por meio da experiência, como ocorre com os conteúdos. Segundo os racionalistas, é justamente
por ser inata que não depende de experiência para existir; a razão é anterior à experiência, epistemologicamente falando. Ou, como diz Kant, a estrutura da razão é a priori (vem antes) da experiência e não depende dela. Enquanto a estrutura da razão seria inata e universal, os conteúdos seriam empíricos e poderiam variar no tempo e no espaço, transformando-se com novas experiências.1
(5.1) o racionalismo
transcendental de platão
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Os pensadores pré-socráticos (os lósofos jônios, os eleáticos, Heráclito e os pitagóricos) conavam plenamente na capacidade de conhecer a verdade pela razão humana, voltando-se para a natureza, para a physis (o ser). Mas nesse período o conhecimento não era visto como relação ou inter-relação entre sujeito e objeto. A forma mais antiga de racionalismo é encontrada em Platão. Para ele, o verdadeiro saber se distingue pela necessidade lógica e pela validade universal. Platão propôs construir uma ciência absoluta, isto é, a determinação da estrutura lógica de uma ciência dos inteligíveis puros, em que a intuição e o discurso se aliariam um ao outro em uma unidade coerente. Segundo Platão, a losoa é o método para descobrir aquilo que é, o que é o ser, e que não pode ser outro, por meio da intuição intelectual, da razão, do pensamento, do nous , como dizem os gregos. Na sua concepção, o mundo da experiência está em contínua alteração e mudança e, por conseguinte, os sentidos não
podem conduzir a um verdadeiro saber. As idéias platônicas estão baseadas na essência das coisas, ou seja, naquilo que cada coisa realmente é. Platão usava o termo paradigma para indicar que as idéias representam o modelo permanente de cada coisa. As idéias seriam o modelo das coisas empíricas, que têm a sua maneira de ser, a sua essência peculiar, a sua forma (eidos). Esse lósofo acreditava na existência de uma realidade supra-sensível, ou seja, uma dimensão suprafísica do ser. Essa dimensão seria o mundo das idéias, que não tem uma ordem lógica, mas sim uma ordem metafísica, e contém um reino de idéias essenciais. Nesse mundo, reinaria o ser de Parmênides, que é o mundo das idéias eternas (da alma preexistente imortal), também chamado hiperurânio (lugar acima do céu). Existiria também o mundo material e sensível, em que predominam a multiplicidade e o movimento de Heráclito. O mundo das idéias seria o mundo do ser, o objeto de conhecimento verdadeiro e necessário, isto é, a sede da verdade. Platão apresentou sua teoria da anamnese como a raiz do conhecimento. Segundo essa teoria, todo conhecimento é uma reminiscência, uma recordação daquilo que já existe desde sempre no interior da alma, que contemplou as idéias no mundo das idéias e recorda-se delas na ocasião da percepção sensível. A raiz desse racionalismo é a teoria da contemplação das idéias, que pode ser chamada de racionalismo transcendentala.
a. Na visão platônica, transcendência signica “o estado ou a condição do princípio divino ou do ser que está além de tudo, de toda experiência humana (enquanto experiência de coisa) ou do próprio ser” (ABBAGNANO, 1982, p. 930).
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(5.2 5.2)) o racionalismo teológico de s anto agostinho
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Para Santo Agostinho b , Plat Platão ão foi o pensad pensador or que marcou profundamente a especulação cristã. O Bispo de Hipona considerava considera va o platonismo a mais pura e luminosa lumi nosa losoa da Antiguidade e acreditava que o papel da razão humana era aproximar o homem da grandeza e do mistério mistér io de Deus. Para ele, a natureza humana está ordenada a receber a natureza soberana de Deus. Todos os valores terrestres aos quais o homem está ligado seriam o reexo do único valor divino. O homem não estaria estar ia na Terra para si mesmo, mas para encontrar a Deus, que o criou para Ele. Esse pensamento é tão claro e lógico para o autor como como um dia bem ensolarado ou, matematicamente falando, como se dois mais dois fosse igual a quatro. Santo Agostinho arma que o ato de conhecer é a expressão suprema da existência humana. Em outras palavras, signica viver segundo a razão. Todavia, o que é, para ele, viver segundo a razão? Resumidamente falando, é a pesquisa da verdade das coisas humanas e divinas. A razão seria uma atividade voltada para um movimento interior que, pela análise anális e e pela síntese, revelava a unidade do objeto em sua pureza e em sua integridade. A essência do pensamento de Santo Agostinho é a busca por resolve re solverr o impasse i mpasse entre ent re a fé e a razão, ra zão, comum
b. Santo Agosti Agostinho nho (354-430), també também m conh conhecido ecido como Agostinho de Hipona, foi um bispo católico, teólogo e lósofo que nasceu em Tagaste, Tagaste, importante cidade da Numídia (hoje Souk-Ahras).
no período medieval. O Bispo de Hipona se defrontou com a questão da dúvida cética e, ao tentar superá-la, reconheceu o papel fundamental do conhecimento racional, antecipando, assim, o cogito cartesiano e admitindo que o ser humano é um ser que pensa e duvida. Em suas palavras: Contudo, quem duvida que vive, recorda, entende, quer, pensa, conhece e jul julga? ga? Porque Porque,, se duvida, vive; se duvida, lembra-se da dúvida; se duvida, entende que duvida; se duvida, é porque busca a certeza; se duvida, pensa; pens a; se duvida, sabe que não sabe; se duvida, é porque julga que não deve concordar temerariamente. E ainda que duvide de todas as outras coisas, não pode duvidar destas, pois, se não existissem, seria impossível qualquer dúvida.2
Como visto, as idéias, para Santo Agostinho, convertem-se nas idéias criadoras de Deus. O conhecimento teria seu lugar se Deus iluminasse ilumina sse o ser humano. Somente assim o homem conseguiria conseguir ia ter um comportamento moral. moral. Já nas últimas obras, reconheceu, além desse saber fundamentado na iluminação divina, outro campo do saber: a experiência. É importante salientar que, para Santo Agostinho, o saber, no sentido próprio e rigoroso, procede da razão humana ou da iluminação divina. Esse tipo de racionalismo, que se baseia na teoria da iluminação divina, é conhecido como racionalismo teológico. O problema central dessa losoa era conciliar as exigênexigên cias da razão humana com a revelação divina. A escolástica medieval se caracterizava por sua forma de abordar e solucionar esse problema problema..
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(5.3 5.3)) a contribuição da r enascença O Renascimento começou na Itália, no século XIV, como reexo do do crescimento cresc imento das cidades e das intensas intens as atividades mercantis. No ambiente urbano, surgiu um novo modo de vida, novos gostos, novas idéias, tudo isso promovido por uma nova classe em ascensão: a burguesia, que se dedicava às nanças e ao comércio. Foi nessa época que começou o chamado ciclo das navega navegações ções e dos descobrimentos. Nicola Nico la Abbagnano3 , em seu Dicionário de losoa , menciona as seguintes características do Renascimento:
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1. O humanismo, isto é, o reconhecimento do valor humano e a crença de que a humanidade se realizou em sua forma mais perfeita na Antigüidade clássica; 2. A renovação religiosa efetivada da tentativa de ligar-se novamente a uma revelação originária, na qual se teriam inspirado os próprios filósofos clássicos, como é o caso do platonismo,, ou através da tentativa de reatar o contato platonismo com as fontes originárias do cristianismo passando por cima da tradição medieval, como é o caso da reforma; 3. A renovação das concepções políticas efetivada com o reconhecimento da origem humana ou natural das sociedades e dos estados (Maquiavel) ou com a tentativa de voltar às formas históricas originárias (pré-naturalismo); 4. O naturalismo, isto é, o renovado interesse pela pesquisa direta da natureza, que se manifesta quer no aristotelismo ou nas orientações mágicas, quer na metafísica da natureza.
Os renascentistas renascenti stas inspiravam-se inspi ravam-se avidamente avidamente em velhos escritos e redescobriram o ideal artístico do mundo grecoromano, voltando ao passado para construir um mundo
novo. O Renascimento ainda não era a marcha triunfal da razão e do cientíco, pois ainda guardava marcas do pensamento medieval. Porém, criou condições para a arrancada cientíca do século XVII. O início desse século foi uma época de instabilidade e de perturbações políticas e sociais. A França vivia sob o reinado agitado de Luís XIV. A física de Galileu colocava radicalmente em questão as concepções aristotélicas do Cosmo e desaava a autoridade da Igreja. A Reforma provocou uma profunda divisão entre católicos e protestantes. Muitos se tornaram partidários do ceticismo de Montaigne. Poucos eram os defensores da religião e seus representantes limitavam-se a criticar os partidários da nova ciência. A condenação de Galileu pelo Santo Ofício, em 1633, assustou cientistas e lósofos. No nal do século XVI, começou-se a buscar novos caminhos, mais certos e seguros, para a investigação losóca. Surgiram, assim, duas grandes correntes de pensamento: o empirismo e o racionalismo. Os racionalistas acreditavam que a experiência sensorial gerava pensamentos errôneos e confusos sobre a realidade. Já a razão humana possibilitaria o conhecimento verdadeiro e universalmente aceito. Segundo a teoria do racionalismo, os princípios lógicos seriam inatos na mente humana. Por isso, a razão era vista como a fonte básica do conhecimento. A grandiosidade do racionalismo consiste em ter enfatizado com veemência o signicado do racional no conhecimento humano. Mas é exclusivista ao fazer do pensamento a única fonte do conhecimento e por defender a tese de que esse conhecimento precisava ser lógico e ter validade universal. Outra falha do racionalismo é acreditar dogmaticamente na razão humana e julgar ser possível penetrar na esfera da metafísica por meio do pensamento puramente
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conceitual. Esse posicionamento dogmático do racionalismo provocou uma série de desentendimentos com os empiristas.
(5.4 5.4)) o racionalismo de rené d escartes
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Como já visto, no nal do século XVI começou a busca por uma investigação cientíca mais rigorosa. O primeiro passo foi dado pelo lósofo René Descartes, que acrediacredi tava e conava na razão humana como instrumento para conhecer a verdade. verdade. No início do seu Discurso sobre o método , ele arma a igualdade de direitos, do bom senso ou da razão: “Todos nós possuímos a razão, ou seja, essa capacidade de bem julgar e de discer discernir nir o verdad verdadeiro eiro do falso.” Um homem de ciência e ao mesmo tempo um crente sincero, si ncero, Descartes busca mostrar que não há uma incompa i ncompatibilidade tibilidade entre as verdades da ciência e as verdades da fé cristã, erguendo, assim, o seu edifício losóco. Na obra acima citada , expôs seu método de pesquisa, enumerando uma série de passos para alcançar a verdade. Segundo ele, a nalidade e a utilidade desse método con sistiam em conduzir da melhor forma possível a razão ao se procurar a verdade nas ciências. Na sua concepção, se o homem almeja a verdade, não pode andar ao acaso, sem rumo, mas deve deve ter um caminho cami nho reto, seguro, certo, segu seguir ir uma ordem, ou seja, um método método.. É interessante observar que a palavra método etimolo-
gicamente signica “caminho”. Seguir um método correscorres ponderia, então, a caminhar em uma direção determinada, isto é, ter consciência do m a que se quer chegar. Segundo Descartes, o bom método é aquele que permite conhecer o maior número possível de coisas e com o menor número de regras. Segundo Segu ndo ele mesmo diz: Por método eu entendo regras certas e fáceis, graças às quais todos aqueles que as observam corretamente jamais suporão verdadeiro aquilo que é falso, e chegarão, sem fadiga e esforços inúteis, aumentando progressivamente sua ciência, ao conhecimento verdadeiro de tudo o que podem atingir. atingir.4
Descartes desejava estabelecer um método universal, inspirado no rigor da matemática e no encadeamento racional. Sua intenção era encontrar um método seguro para tornar a losoa cientíca necessária, nece ssária, universal u niversal e imutável, imutável, pois estava convencido de que a verdade existe e pode ser conhecida conhec ida pelo homem. Seu primeiro passo foi questionar as opiniões tradicionais, herdadas da Antiguidade e da Idade Média, para não se contaminar, car com a mente limpa, pensar de uma forma nova. Em seus estudos, partia de uma dúvida metódica, começando a partir part ir de um ponto absolutamente zero, e não de uma mera dúvida sistemática, como faziam os céticos. Para ele, essa era a via para se alcançar a certeza. O objetivo da dúvida cartesiana era encontrar a primeira pri meira verdadee impondo-se como absoluta certeza. A dúvida metóverdad dica era voluntária, provisória e sistemática. Descartes rejeitava os dados dos sentidos, pois os considerava enganosos, e também os raciocínios, pois achava que induziam a erros. Após duvidar de tudo, tudo, descobriu a primeira pri meira certeza: “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”). Como o autor mesmo diz:
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Logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria pensar que tudo era falso, cumpria cumpria necessariamente necessariame nte que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que estava, eu penso, logo existo, era tão firme e tão certo que todas as demais extrava gantes suposições dos céticos não seriam ser iam capazes de abalá-la, julguei jul guei que podia po dia aceitá-la, ac eitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava.5
A segunda parte do Discurso sobre o método revela a essência do cartesianismo: a crença na razão, individual e intemporal, descartando as opiniões, as incertezas, tudo o que esteja afastado da razão. Descartes formulou quatro famosas regras essenciais para se chegar a uma certeza indubitável:
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O primeiro era de nunca aceitar coisa alguma como verdadeira sem que a conhecesse evidentemente como tal, ou seja, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não incluir em meus juízos nada além daquilo que se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em e m dúvida. O segundo, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas fosse possível e necessário para melhor resolvê-las. O terceiro, conduzir conduzir por ordem meus pensamentos, pe nsamentos, começando pelos objet objetos os mais mais simp simples les e mais mais fáceis fáceis de conhecer conhecer,, para para subi subirr pouco a pouco pouco,, como como por degra degraus, us, até o conheci conhecimento mento dos mais compostos; e supondo certa ordem mesmo entre aqueles que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, fazer em tudo enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que eu tivesse certeza de nada omitir.6
Conforme essas regras, o primeiro princípio deveria deveria ser evidente por si mesmo, isto é, intuitivo. Para Descartes, a
intuição é um conhecimento direto e imediato. É uma idéia clara e distinta. A própria frase “Cogito, ergo sum” signica o reconhecimento da intuição como meio autônomo de conhecimento. Intuição “signica uma compreensão global e instantânea de uma verdade, seja de um objeto ou de um fato. É uma visão direta e imediata do objeto do conhecimento, ou contato direto e imediato com ele, sem necessidade de provar ou demonstrar para saber o que conhece” 7. O exemplo mais célebre de intuição intelectual, dentro da história da losoa, é o cogito cartesiano, isto é, a armação “Penso, logo existo”. Para Descartes, quando se pensa, sabe-se que se está pensando e não é preciso provar ou demonstrar isso, mesmo porque provar e demonstrar é pensar e para demonstrar e provar é preciso, primeiro, pensar e saber que se pensa, mas, quando se diz “Penso, logo existo”, arma-se racionalmente que se é um ser pensante ou que existe pensando, sem necessidade de provar e demonstrar. A intuição captaria, num único ato intelectual, a verdade do pensamento pensando em si mesmo. Após todas essas considerações, conclui-se que o pensamento fundamental do lósofo francês René Descartes é a rejeição de todo e qualquer conhecimento que não tenha sido submetido à razão. Ele proclamou a independência da losoa, ao submetê-la apenas à autoridade da razão, pois só a razão conhece. E essa exigência fundamental que Descartes xou para o saber foi estendida, no século XVIII, para os domínios da moral, da política e da religião. Proclamou também a independência da subjetividade, cujo primeiro ato de conhecimento é a reexão e a consciência reexiva de si mesmo. É a consciência de si como sujeito que conhece e do objeto como possibilidade de ser conhecido. É importante ainda ressaltar que a losoa de Descartes é uma losoa mecanicista, a qual sustenta que o universo
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é límpido aos olhos da razão e que tudo, exceto Deus e o espírito humano, pode ser explicado. Portanto, é uma lo soa do progresso, e não da conservação. Enquanto tal, destina-se a todos os homens, é universal, pois o que distingue os homens é a posse da razão, instrumento universal que lhes possibilita entender a si mesmos.
i ndicação cultural ▪ MENDONÇA, E. P. de. O mundo precisa de losoa. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1981. p. 177-178.
atividades 76 s s a i a d i c a i o s g o s l a o i c m n e ê t i s c i p E
1. 2.
Comente a diferença entre o uso da palavra razão na vida cotidiana e na losoa. Com base no texto, diferencie a concepção de conhecimento para os lósofos gregos e modernos.
(6) o que é empirismo?
Susana Salete Raymundo Chinazzo
(
)
não
há como negar que o empirismo é tão impor-
tante quanto o racionalismo. Com o enfoque empirista, tem-se outra leitura e explicação sobre o conhecimento. Para os empiristas, o conhecimento provém do exame da atividade da própria mente. Neste capítulo, conheceremos melhor essa teoria. O empirismo opõe-se à tese do racionalismo, que acredita na razão como verdadeira fonte de conhecimento. Já as idéias empiristas sustentam que todo conteúdo racional que chega a nosso intelecto passou por uma experiência,
isto é, a nossa razão seria uma folha de papel em branco, em que nada estaria registrado antes da experiência. Essas idéias desenvolveram-se inicialmente na Inglaterra, sendo representativas da burguesia desse país, a qual, a partir do século XVII, passou a ter uma repercussão tanto econômica quanto política, por meio da monarquia parlamentar, fato que marcou o nascimento do liberalismo. Muitos lósofos defenderam o empirismo, mas os mais reconhecidos são os lósofos ingleses dos séculos XVI ao XVIII, entre eles Francis Bacon, Thomas Hobbes, John Locke, George Berkeley e David Hume. Mas o que defendiam os empiristas?
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Que o conhecimento começa com a experiência dos sentidos, isto é, com as sensações. Os objetos exteriores ativam nossos órgãos dos sentidos e, com isto, podemos ver cores, cheirar sabores e odores, ouvir sons, sentir algo áspero, liso, quente, frio e etc. As sensações se reúnem e formam uma percepção, ou seja, uma idéia sobre um determinado objeto, que chegou até ao nosso intelecto, por meio de várias e diferentes sensações. As percepções se combinam ou se associam. A associação pode dar-se por três motivos: por semelhança, por aproximação e por sucessão temporal. A causa da associação das percepções é a repetição. Ou seja, de tanto algumas sensações se repetirem por semelhança, ou de tanto ocorrerem no mesmo espaço e tempo, cria-se o hábito de associá-las. Essas associações são as idéias. As idéias que surgem da experiência, através da sensação, da percepção e do hábito, são levadas à memória e de lá à razão, formando, assim, os pensamentos. Por isso que David Hume dirá que a razão é o hábito de associar idéias, seja por semelhança ou por diferença.1
Em outras palavras, pode-se dizer que acreditavam
que há uma experiência externa (sensação) e uma experiência interna (reexões). Os conteúdos da experiência seriam idéias ou representações, sendo umas mais simples e outras mais complexas.
(6.1) a s idéias de john l ocke e de david h ume John Locke é considerado o verdadeiro fundador do empirismo. Combateu com toda a veemência a teoria das idéias inatas e defendeu a tese de que todos os conteúdos do conhecimento procedem da experiência. Mas, segundo ele, há conhecimentos e verdades completamente independentes da experiência e, portanto, universalmente válidos. São as verdades da matemática, cujos fundamentos não residem na experiência, mas sim no pensamento. Percebe-se que, nesse ponto, Locke infringiu o princípio empirista, por ter admitido verdades a priori. David Hume dividiu as idéias em percepção e impressão. Entendia que as sensações e as idéias surgem por meio do contato com as coisas externas, as quais chegam ao intelecto pelos sentidos. Portanto, é compreensivo o princípio humeriano de que todas as idéias procedem das impressões. Hume, por sua concepção de que as idéias e o conhecimento vêm da experiência, é considerado o mais radical dos empiristas. Chegou a negar a realidade universal e abandonou os conceitos de substância e de causalidade, assim como a noção de necessidade a eles associada, e também a base intuitiva, a impressão correspondente.
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Segundo ele, a causalidade não é uma propriedade do real, mas sim o resultado de nossa forma habitual de perceber os fenômenos, relacionando-os como causa e efeito, a partir de sua repetição constante. Defendeu, assim, o princípio essencial do empirismo, segundo o qual a consciência cognoscente tira seus conteúdos, sem exceção, da experiência. Em suas palavras:
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se há alguma relação entre objetos que nos importa conhecer perfeitamente é a de causa e efeito. Sobre ela se fundamentam todos os nossos raciocínios sobre questões de fato e de existência. [...] A única utilidade imediata de todas as ciências é nos ensinar a regular e controlar os eventos futuros através de suas causas. Nosso pensamento e nossas investigações sempre se dirigem, portanto, a essa relação. Contudo, tão imperfeitas são as idéias que formamos a esse respeito que é impossível dar uma definição correta de causa; exceto o que tiramos do que lhe é estranho e exterior. Objetos semelhantes sempre se encontram em conexão com objetos semelhantes. Disso temos experiência. De acordo com essa experiência podemos definir uma causa como um objeto seguido de outro de tal forma que todos os objetos semelhantes ao primeiro são seguidos de objetos semelhantes ao segundo. Ou, em outros termos, tal que, se o primeiro objeto não existisse, o segundo também não existiria. O aparecimento de uma causa sempre traz à mente, por uma transição costumeira, a idéia de efeito. Disso também temos experiência. Podemos, assim, conforme essa experiência, formular uma outra definição de causa que chamaríamos de um objeto seguido de outro, e cuja aparição sempre conduz o pensamento à idéia desse outro objeto. [...] Ouso assim afirmar como uma proposição geral que não admite exceção que o conhecimento dessa relação não se obtém em nenhum caso pelo raciocínio a priori, mas que ela
nasce inteiramente da experiência quando descobrimos que objetos particulares estão em conjunção uns com os outros.2
Hume colocou em questão o caráter necessário da causalidade, como também questionou a concepção de identidade individual da consciência. O empirismo é caracterizado como uma forma de idealismo, já que sustenta a tese de que só se conhece da realidade aquilo que vem pelos sentidos. Para ele, as idéias se originam da experiência sensível e a nossa consciência é um “feixe de representações” formado pelo conjunto de idéias que adquirimos. Contudo, o conteúdo da nossa consciência variaria de um momento para o outro, de tal forma que, ao longo do tempo, essa consciência tem momentos diferentes, ou seja, conteúdos diferentes. Portanto, não existiria uma identidade permanente da consciência individual, como pensavam os racionalistas. Sobre esse assunto, Hume assim se manifesta: Há alguns filósofosa que imaginam que estamos a todo momento conscientes de algo a que chamamos nosso eu [self] e que sentimos sua existência contínua, tendo certeza, para além de qualquer evidência ou demonstração, de sua perfeita identidade e simplicidade. [...] Infelizmente, todas essas afirmações são contrárias a essa mesma experiência a que esses filósofos recorrem, nem temos qualquer idéia de eu do modo como a explicam. De que impressão poderia essa idéia ser derivada? A essa questão é impossível responder sem absurdo e sem uma contradição manifesta. E, entretanto, é uma questão que deve necessariamente ser respondida se
a. Sobretudo Descartes e os cartesianos, bem como o racionalismo em geral, conhecido, aliás, como a losoa da consciência ou do sujeito.
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quisermos que a idéia de eu passe por clara e inteligível. Deve haver uma impressão determinada para dar origem a toda idéia real. Mas eu ou pessoa não é uma impressão determinada, mas aquilo que se supõe que nossas várias impressões e idéias têm como referência. Se alguma impressão dá ori gem à idéia de eu, essa impressão deve manter-se variavelmente a mesma, durante todo o curso de nossas vidas, uma vez que se considera que eu existe dessa maneira. Mas não há nenhuma impressão constante e invariável. Dor e prazer, tristeza e alegria, paixões e sensações sucedem-se umas às outras, e nunca existem todas ao mesmo tempo. Não pode ser, portanto, de nenhuma dessas impressões, nem de nenhuma outra, que a idéia de eu é derivada, e conseqüentemente essa idéia simplesmente não existe.3 84 s s a i a d i a c o i s g o s l a o i c m n e ê t i s i c p E
Assim como Locke, Hume também reconheceu na esfera da matemática um conhecimento válido. Todos os conceitos desse conhecimento procederiam da experiência, mas as relações existentes entre eles seriam válidas independentemente da experiência. Filósofo contemporâneo de Hume, o francês Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780) transformou o empirismo no sensualismo. Condillac criticou Locke por ter admitido uma dupla fonte de conhecimento: a experiência interna e externa. A sua tese defendia, pelo contrário, a idéia de que só há uma fonte de conhecimento: a sensação.
(6.2) a s principais
idéias empiristas O signicado do empirismo para a história do problema do conhecimento consiste em ter assinalado a importância da experiência, opondo-se à importância dada à razão pela teoria do racionalismo. Mas acabou sustentando um extremo também, ao fazer da experiência a única fonte do conhecimento. Desde Francis Bacon, o empirismo caracteriza-se por defender uma ciência que se baseia em um método experimental, valorizando a observação e a aplicação prática. As leis cientícas são fundamentadas em resultados generalizados com base na observação da repetição dos fenômenos com características constantes. Esse procedimento denomina-se de indução, lógica da concepção empirista de ciência. Os empiristas defendiam a seguinte tese: “Nada está no intelecto que não tenha estado antes nos sentidos.” É por meio da sensibilidade que o entendimento produziria, por um processo de abstração, as idéias. O conhecimento seria probabilístico, dependendo sua certeza das vericações feitas por meio da experiência dos indivíduos. Segundo os empiristas, a experiência é sempre individual. Nesse sentido, Locke diz que: A idéia é o objeto do pensamento. Todo homem tem consciência de que pensa e de que, quando está pensando, sua mente se ocupa de idéias que tem de si. É indubitável que os homens têm em suas mentes várias idéias, que podem ser expressas pelos termos brancura, dureza, doçura, pensamento, movimento, homem, elefante, exercício, embriaguez,
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e outros. Deve-se examinar, então, em primeiro lugar, como ele as apreende. Sei que é aceita a doutrina segundo a qual os homens têm idéias inatas e caracteres originais impressos em suas mentes desde o início. Já examinei, em linhas gerais, essa opinião, e suponho que o que já disse no livro anterior será muito mais facilmente admitido quando tiver mostrado como o entendimento obtém todas as idéias que possui, e de que modo e graus elas penetram na mente, e para tal farei apelo à observação e experiência de cada um. [...]
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Todas as idéias provêm da sensação ou da reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em branco, vazio de todos os caracteres, sem quaisquer idéias. Como vem a ser preenchida? Como lhe vem esse vasto estoque que a ativa e ilimitada fantasia humana pintou nela com uma variedade quase infinita? Como lhe vem todo o material da razão e do conhecimento? A isso respondo com uma palavra: pela experiência. É na experiência que está baseado todo o conhecimento, e é dela que, em última análise, o conhecimento é derivado. Aplicada tanto aos objetos sensíveis externos quanto às operações internas de nossa mente, que são por nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação sempre supre nosso entendimento com todo o material do pensamento. Essas são as duas fontes de nosso conhecimento, das quais jorram todas as idéias que temos ou que podemos naturalmente ter.4
O empirismo, sobretudo de Hume, inuenciou fundamentalmente no pensamento de Kant. No prefácio de seus Prolegômenos , Kant fez referência ao fato de que foi despertado do seu sono dogmático pelo empirista David Hume. É importante ressaltar que as obras kantianas têm o intuito de responder às críticas do empirismo ao racionalismo, conciliando ambas as posições. O empirismo clássico foi retomado novamente no
século XIX. Na Inglaterra, um dos seus grandes nomes foi John Stuart Mill (1806-1873), que desenvolveu importantes trabalhos no campo da lógica e da losoa política. Para ele, não haveria proposições a priori válidas independentes da experiência, o que se estenderia até mesmo às leis lógicas do pensamento. Nos Estados Unidos, um dos expoentes dessa retomada do empirismo clássico foi William James, um dos fundadores do pragmatismo americano.
Indicação cultural ▪ HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 37. (Coleção Os Pensadores). 87
atividades 1. 2. 3.
Conforme o texto, o que se entende por empirismo? Dê exemplos de práticas do dia-a-dia que evidenciam a teoria empirista. Justique e comente. Argumente sobre a importância da prática empirista na produção do conhecimento cientíco.
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(7) o que é positivismo?
Susana Salete Raymundo Chinazzo
(
)
s alientamos
neste capítulo as idéias epistemológicas do pensamento positivista, que inuenciou categoricamente o conhecimento cientíco, como também a cultura e a política. Nicola Abbagnano, em seu Dicionário de losoa , menciona que: o termo positivismo foi empregado pela primeira vez por Saint Simon, para designar o método exato das ciências e a sua extensão à filosofia. Esse termo foi adotado por Auguste
Comtea, para a sua filosofia e, por obra de Comte, passou a designar uma grande corrente filosófica que, na segunda metade do século XIX, repercutiu com toda a intensidade no mundo ocidental. A característica fundamental do positivismo é a visão romântica em relação à ciência, a sua devoção como o único guia da vida individual e associada do homem, isto é, o único conhecimento, a única moral, a única religião possível.1
O positivismo é uma corrente losóca que representa uma reação negativa ao apriorismo, ao formalismo e ao idealismo, reivindicando a consideração para com a experiência e para com os dados positivos. 92 s s a i a d i a c o i s g o s l a o i c m n e ê t i s i c p E
(7.1) o positivismo de auguste comte Auguste Comte usa o termo losoa com o mesmo sentido que Aristóteles, isto é, como denição do sistema geral do conhecimento humano. Na obra Apelo aos conservadores (1855), traduziu o termo positivismo como o real, o útil, a certeza e o preciso, em oposição a quimérico, vago, ocioso e indeciso. O termo seria, ainda, o contrário de negativismo, indicando a tendência dessa teoria de substituir sempre o absoluto pelo relativo.
a. Auguste Comte (1798-1857) nasceu em Montpellier, na França, lho de uma família católica e monarquista. Em 1814, foi para Paris, para ingressar na Escola Politécnica. Em 1817, conheceu Saint Simon (1760-1825), de quem se tornou secretário e colaborador até 1824, quando ocorreu a ruptura denitiva entre os dois pensadores.
É importante salientar que o método de Auguste Comte está baseado na observação dos fenômenos, subordinando a indenição à observação. A essência da losoa comtiana consiste na idéia de que a sociedade só pode ser reorganizada por meio de uma grande reforma intelectual do homem. Enm, constrói uma proposta de organização moral e intelectual da sociedade. 2 O sistema comtiano está estruturado em três bases. A primeira é a losoa da história, com ênfase para a predominância da losoa ou do pensamento positivos entre os indivíduos. A segunda é a classicação das ciências com base no pensamento positivo. A última é a sociologia, que determinaria e estruturaria os processos de mudança da sociedade para possibilitar uma reforma prática das instituições. Conforme as escolas empiristas, deve-se certicar a verdade de todo conhecimento junto a certezas sensíveis por meio de uma observação sistemática, primeira condição fundamental de toda especulação cientíca sadia. Mas, segundo a losoa comtiana, o verdadeiro espírito positivo está afastado do empirismo, que se restringiria a uma “estéril acumulação de fatos”, como também da metafísica, que se limitaria a uma interpretação sobrenatural dos fatos. Comte revelou, porém, ter se inspirado nas escolas racionalistas. Segundo ele, só existe ciência quando se conhece os fenômenos por suas relações constantes de concomitância e de sucessão, isto é, pelas leis, possibilitando, assim, a previsão racional. Nas leis dos fenômenos consiste realmente a ciência, à qual os fatos propriamente ditos, em que pese à sua exatidão e ao seu número, não fornecem mais do que os materiais indis pensáveis. Ora, considerando a destinação constante dessas leis, pode-se dizer, sem exagero algum, que a verdadeira
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ciência, longe de ser formada por simples observações, tende sempre a dispensar [...] a observação direta, substituindo-a por essa previsão racional que constitui [...] o principal caráter do espírito positivo [...]. Assim, o verdadeiro espírito positivo consiste sobretudo em ver para prever, em estudar o que é a fim de concluir disso o que será, segundo o dogma geral da invariabilidade das leis naturais.3
Em outras palavras, o conhecimento positivista caracteriza-se pela idéia de “ver para prever”. A previsibilidade cientíca possibilitaria desenvolver uma técnica e o estado positivo corresponderia à indústria, no sentido de exploração da natureza pelo homem. 94 s s a i a d i a c o i s g o s l a o i c m n e ê t i s i c p E
(7.2) a lei dos três estados A losoa de Auguste Comte está sistematizada na lei dos três estados. Segundo ele, todas as ciências e o espírito humano passam por três estados distintos: a teologia, a metafísica e o positivo. Comte explica essa lei da seguinte forma: Estudando [...] o desenvolvimento total da inteligência humana em suas diversas esferas de atividades, desde seu primeiro vôo mais simples até nossos dias, creio ter descoberto uma grande lei fundamental a que se sujeita por uma necessidade invariável, e que me parece poder ser solidamente estabelecida, quer na base de provas racionais fornecidas pelo conhecimento de nossa organização, quer na base de verificações históricas resultantes dum exame atento do passado. Essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa
sucessivamente por três estados históricos diferentes: estado teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato, estado científico ou positivo. Em outros termos, o espírito humano, por sua natureza, emprega sucessivamente, em cada uma de suas investigações, três métodos de filosofar, cujo caráter é essencialmente diferente e mesmo radicalmente oposto: primeiro, o método teológico, em seguida, o método metafísico, finalmente, o método positivo. Daí três sortes de filosofia, ou de sistemas gerais de concepções sobre o conjunto de fenômenos, que se excluem mutuamente: a primeira é o ponto de partida necessário da inteligência humana; a terceira, seu estado fixo e definitivo; a segunda, unicamente destinada a servir de transição.4
No estado teológico, ocorreriam poucas observações dos fenômenos e, por isso, a imaginação desempenharia um papel fundamental. Perante a complexidade e diversidade da natureza, o homem só conseguiria assimilá-la e explicá-la mediante a fé na intervenção de seres sobrenaturais. Segundo Comte, o pensamento teológico constitui-se em um tipo de compreensão absoluta da natureza. O estado teológico apresenta-se dividido em três períodos: o fetichismo, o politeísmo e o monoteísmo. No período fetichista, o homem viveria uma espiritualidade voltada aos seres naturais. No período politeísta, abandonaria esses seres naturais e passaria atribuir uma vida anímica a outros seres, invisíveis e habitantes de um mundo superior. No monoteísmo, ele se afastaria desses seres invisíveis e de seus princípios explicativos e passaria a acreditar numa única divindade. O segundo estado é o metafísico, que, segundo Comte, é semelhante ao estado teológico, pois ambos tendem a buscar soluções absolutas para questões relacionadas à “natureza íntima” das coisas, sua origem e seu destino último,
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como também à forma como são produzidas. A diferença entre um estado e outro estaria no fato de que a metafísica coloca o abstrato no lugar do concreto e a argumentação no lugar da imaginação. O terceiro estado é o positivo, que se caracteriza pela subordinação da imaginação e da argumentação à observação, em que cada proposição corresponde a um fato, seja particular ou universal. A percepção positiva dos fatos levaria ao abandono da visão teológica e metafísica e a adoção da pesquisa e de leis. É nesse terceiro estado que se realizaria o verdadeiro espírito cientíco ou positivo: ater-se à observação dos fatos, limitar-se a raciocinar sobre eles e a vericar suas relações invariáveis, isto é, suas leis. O pensamento positivista vê como impossível a redução dos fenômenos naturais a um único princípio (Deus), como ocorre no estado teológico e no estado metafísico. Na losoa comtiana, há somente uma interconexão entre determinados fenômenos. Cada ciência se ocuparia apenas com um grupo especíco de fenômenos, irredutíveis uns para os outros. Para Comte, a unidade do conhecimento pode levar a uma leitura subjetiva, ao empregar um mesmo método, gerando, assim, teorias convergentes e homogêneas. Segundo ele, o conhecimento é, em princípio, incompleto e relativo, pois corresponde “à natureza do espírito positivo”. Essa relatividade se oporia às propostas metafísicas de um absoluto. Nossas pesquisas positivas devem essencialmente reduzir-se, em todos os gêneros, à apreciação sistemática daquilo que é, renunciando a descobrir sua primeira origem e seu destino final; importa, ademais, sentir que esse estudo dos fenômenos, ao invés de poder de algum modo tornar-se absoluto, deve sempre permanecer relativo à nossa organização
e à nossa situação. Reconhecendo, sob esse duplo aspecto, a imperfeição necessária de nossos diversos meios especulativos, percebe-se que, longe de poder estudar completamente alguma existência efetiva, de modo algum poderíamos garantir a possibilidade de constatar assim, ainda que muito super ficialmente, todas as existências reais, cuja maior parte talvez deva escapar totalmente.5
(7.3) a classicação das ciências Auguste Comte estabeleceu uma classicação das ciências de acordo com os seguintes critérios: a ordem cronológica de seu aparecimento; sua crescente complexidade; sua generalidade decrescente e sua dependência mútua. Como ele mesmo diz: “Queremos determinar a dependência real entre os diversos estudos cientícos. Ora, essa dependência só pode resultar da dependência dos fenômenos correspondentes”6. A matemática, para Comte, “é um berço e não um tronco”. Portanto, seria a verdadeira base de toda a losoa natural, uma espécie de lógica geral de todas as outras. Segundo ele, todas as ciências passam pelos três estados e, quanto mais simples e geral for uma ciência, mais rapidamente ela se torna positiva.
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(7.4) o surgimento da sociologia
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Auguste Comte deu grande atenção à criação de um sistema de valores que se adaptasse à civilização industrial, iniciada no século XIX. O objetivo era valorizar o ser humano, a paz e a concordância universal. Para atingi-lo, Comte criou a sociologia, que estudaria as ciências “abstratas”. Na classicação comtiana, a física social, ou sociologia, é a mais complexa, a menos geral e historicamente a mais recente das ciências. A sua idéia central era fortalecer uma base racional e cientíca na área intelectual e moral da sociedade, fundamentando, assim, uma sociedade que tivesse como base o espírito positivista. Portanto, Comte considerava a sociologia a mais importante das ciências, não por ser o resumo e o coroamento das demais, mas porque signica o ponto de partida da moral, da política e da religião positivas. Ele a descrevia do seguinte modo: Entendo por física social a ciência que tem como projeto pró prio o estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial das suas investigações. Assim, propõe-se explicar diretamente, com a máxima precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana, visto sob todas as suas partes essenciais; isto é, descobrir através de que encadeado necessário de transformações sucessivas é que o gênero humano, partindo de um estado ligeiramente superior ao das sociedades dos grandes símios, foi, gradualmente, conduzido ao
ponto em que hoje se encontra na Europa civilizada. O espírito desta ciência consiste, sobretudo, em ver no estudo apro fundado do passado a verdadeira explicação do presente e a manifestação do futuro. Encarando sempre os fatos sociais, não como objeto de admiração ou de crítica, mas como objeto, ocupa-se unicamente de estabelecer as suas relações mútuas e de captar a influência exercida por cada um deles sobre o conjunto do desenvolvimento humano.7
A sociologia de Comte compreende duas partes: a estática social, que estuda a harmonia entre as diversas condições da existência e estabelece a ordem social, e a dinâmica social, que investiga o desenvolvimento e a ordem da sociedade e estabelece as leis do progresso. Em sociologia, a divisão entre o estado estático e o estado dinâmico deve operar-se distinguindo radicalmente, a respeito de cada assunto político, entre o estudo fundamental das condições de existência da sociedade e o das leis de seu movimento contínuo. Essa diferença parece-me [...] bastante caracterizada, permitindo-se prever que [...] seu desenvolvimento espontâneo poderá dar lugar a dividir habitualmente a Física Social em duas ciências principais [...], estática social e dinâmica social [...] o estudo estático do organismo social deve coincidir, no fundo, com a teoria positiva da ordem, a qual, com efeito, somente pode consistir essencialmente em uma justa harmonia permanente entre as diversas condições de existência das sociedades humanas [...] o estudo dinâmico da vida coletiva da humanidade constitui necessariamente a teoria do progresso social que, afastando-se de qualquer vão pensamento de per fectibilidade absoluta e ilimitada, deve naturalmente reduzir-se à simples noção do desenvolvimento fundamental.8
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(7.5) o rdem e progresso
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Auguste Comte via a ordem e o progresso como uma forma de superar as duas principais correntes políticas do seu tempo. A primeira era a conservadora, a qual considerava que os problemas existentes na sociedade humana deviam-se à destruição da ordem anterior, ou seja, da ordem medieval, e exigiam sua imediata restauração. A segunda, originária das tendências críticas do iluminismo, considerava que esses problemas se deviam ao fato de que a ordem anterior não havia sido completamente destruída e que a revolução deveria continuar. Para Comte, havia complementaridade entre ordem e progresso e sua proposta era a síntese dessas duas correntes, visando restaurar a unidade social. A idéia essencial do positivismo era: “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por m.”
(7.6) o papel da moral
na losoa comtiana
Os estudiosos são unânimes ao armar que as idéias de Auguste Comte sofreram profunda inuência de Clotilde de Vaux b , mulher por quem se apaixonou. As questões
b. Em 1844, aos 47 anos, Comte conheceu Clotilde de Vaux, que inuenciou seus sentimentos e seu pensamento e, sobretudo, o estilo de sua obra. A paixão pela amada até sua morte precoce, dois anos mais tarde, era platônica.
afetivas passaram a aparecer com mais clareza no con junto de suas concepções. Ele buscava um caminho para a reforma moral e intelectual da sociedade, propondo “construir a nova fé Ocidental” e instituir o sacerdócio denitivo. Comte diz: “Numa palavra, a ciência real devia chegar primeiramente à sã losoa capaz, enm, de fundar a verdadeira religião”. Uma religião não fundamentada no sobrenatural, mas na busca da unidade moral humana. Com base nessa linha de raciocínio, anunciou a moral como o complemento da sociologia na escala das ciências, que seria: de fato, a mais útil de todas as ciências e também a mais com pleta, ou melhor, a única completa, dado que os seus fenômenos incluem subjetivamente todos os outros, ainda que lhes estejam, por isso mesmo, objetivamente subordinados. O princípio fundamental da hierarquia teórica faz, portanto, prevalecer diretamente o ponto de vista moral como sendo o mais complexo e o mais especial [...]. Eis como a moral, concebida como a nossa ciência principal, institui, em primeiro lugar, a Sociologia, cujos fenômenos são ao mesmo tempo os mais simples e os mais gerais, de acordo com o espírito de toda a hierarquia positiva.9
Sintetizando, a moral, segundo Comte, deve estar presente na organização da nova sociedade, tanto no aspecto político quanto no econômico. Na política, a moral despertaria nos súditos sentimentos de obediência e sujeição e, nos governadores, responsabilidade no exercício da autoridade. Na economia, a moral tornaria os ricos perfeitos administradores de seus bens e os pobres, satisfeitos com sua posição social e todos colaborariam “para a prosperidade, grandeza e realização da humanidade”. A moral de Comte é popularmente conhecida por suas teses: a exaltação do sentimento e do altruísmo, ou a negação dos direitos em
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favor dos deveres, e a crítica à liberdade de consciência. Com o objetivo de reformar a sociedade moral e intelectualmente, Comte fundou em Paris uma religião agnóstica, sem Deus, a religião da humanidade, em que esta era o Grande Ser, que ordenaria cada natureza individual e religaria todas as individualidades. Tomando como modelo o catolicismo romano, os sete sacramentos dessa religião eram: apresentação, iniciação, admissão, destinação, maturidade, retiro e incorporação. Tinha um culto à mulher, inspirado em Clotilde, semelhante ao culto à Virgem Maria, e o seu próprio calendário, em que os meses tinham nomes de grandes pensadores da história, como Descartes e Moisés, e os dias santos comemoravam as obras de Dante, Shakespeare, Adam Smith etc. A essência da religião positivista ou da religião da humanidade era a idéia de um homem solidário, que se ajudava mutuamente. Buscava, portanto, a comunhão de todos os homens, no tempo e no espaço.
(7.7) o positivismo no b rasil Sem dúvida, a losoa positivista teve grande impacto. No entanto, como seita religiosa, foi recusada pela maioria, com raras exceções, como Pierre Lae, que inuenciou o positivismo da América Latina. Outros, como Liré, Stuart Mill, Spencer e Taine, seguiram, cada um a seu modo, a proposta positivista quanto à losoa e à metodologia da ciência. De qualquer forma, as idéias positivistas permanecem até hoje, mesmo não se admitindo mais a metafísica. Auguste Comte empenhou-se para dar uma forma
“cientíca”, planejada e organizada, prevista e controlada em todos os seus níveis. No Brasil, o positivismo encontrou um solo fértil para seu desenvolvimento. As primeiras manifestações surgiram a partir de 1850, em teses de doutorado da Escola de Medicina e da Escola Militar. Na política, os temas positivistas passaram a ser discutidos em torno de 1870. No país, houve tanto positivistas ortodoxos, ou seja, seguidores éis de toda a doutrina, como Miguel Lemos e Teixeira Mendes, que fundaram no Rio de Janeiro a primeira igreja positivista no Brasil, quanto heterodoxos, que aceitavam apenas a losoa cientíca da obra de Comte, entre eles Luis Pereira Barreto, Alberto Sales e Benjamin Constant. No Rio Grande do Sul, manifestou-se um positivismo enraizado na política, protagonizado por Júlio de Castilhos, que exerceu uma expressiva liderança política, militar e civil em diferentes regiões brasileiras. Além disso, os positivistas inuenciaram o movimento pela Proclamação da República, em 1889, e a Constituição nacional de 1891. Não se pode também deixar de destacar que a bandeira brasileira ostenta o lema clássico do positivismo: “Ordem e progresso”.
i ndicações culturais ▪ MENDONÇA, E. P. de. O mundo precisa de losoa. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1981. p. 44-45. ▪ REZENDE, A. (Org.). Curso de losoa. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.
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atividades 1. 2. 3.
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De acordo com o texto, como se pode denir o positivismo? Comente a lei dos três estados idealizada por Auguste Comte. Qual foi o objetivo de Comte ao criar a ciência da sociologia ou física social?
(8) o que é dialética?
Susana Salete Raymundo Chinazzo
(
)
e ste
capítulo
apresenta um olhar epistemológico sobre a dialética, perpassando pelos principais lósofos e autores reconhecidos como tal. É importante ter consciência de que o método dialético esteve e está presente em todo o pensamento ocidental. Mostraremos aqui sua evolução gradativa na história da losoa. “A palavra ‘dialética’ vem do grego dia, que expressa a idéia de ‘dualidade’, ‘troca’, e lektikós, ‘apto à palavra’, ‘capaz de falar’. Daí o substantivo dialectike, a arte da discussão.”1 Essa palavra não foi usada pela primeira vez na
obra de Hegel, como muitos pensam. Já na Antiguidade, os lósofos gregos a tinham presente em suas discussões. Para eles, dialética signicava a arte do diálogo, a arte de discutir. Platão pergunta: “O que sabe interrogar e responder, não é o que chamamos um dialético?” (Platão, Crátilo, 390c). Diziam ainda que era a arte de separar, de distinguir as coisas em gêneros e espécies, de classicar as idéias para poder discuti-las melhor. (Platão, Sostas, 253c).2
(8.1) 108 s s a i a d i c a i o s g o s l a o i c m n e ê t i s i c p E
a dialética na história Segundo Aristóteles, o primeiro lósofo dialético foi Zenón de Elea. Para outros pensadores, foi Sócrates, que defendia a importância da losoa para os atenienses e para os políticos da sua época. Um exemplo disso foi que desaou os generais Lachés e Nícies a denir o que era a bravura e o político Caliclís a denir o que era a política e a justiça, com o objetivo de demonstrar a eles, por meio do diálogo socrático, que a losoa se preocupava com a essência daquilo que faziam, com suas atividades prossionais. Aristóteles criou princípios dialéticos para explicar o pensar metafísico. Para ele, todas as coisas têm determinadas potencialidades, isto é, estão em movimento, são potências que se atualizam. Segundo esse conceito de ato e potência, o movimento não seria uma ilusão ou algo supercial da realidade. Mas o pensador dialético mais radical, segundo alguns pensadores, foi o lósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso (540 a.C. – 480 a.C.). Para ele, tudo estava permanentemente em devir, isto é, em mudança.
Na Idade Moderna, a dialética passou a ser considerada o pensamento das contradições da realidade, vista essencialmente como em permanente transformação, e o lósofo alemão Immanuel Kant a deniu como a “lógica da aparência”. Segundo ele, a dialética seria uma ilusão, por basear-se em princípios subjetivos.
(8.2) o método dialético de s ócrates Como visto, no decorrer da história da losoa ocidental, o conceito de dialética assumiu diferentes signicados e esteve presente nos trabalhos dos grandes pensadores, dos lósofos pré-socráticos aos modernos. Mas foi com o alemão Georg Hegel (1770-1831) que a dialética passou a estar presente nos diversos momentos da reexão losó ca, revelando-se em todas as dimensões de seu objeto e de seu discurso. Para se conhecer o seu método dialético, é fundamental retomar a losoa de Sócrates. Sem dúvida, o ateniense Sócrates é um marco na história da losoa. Todo o Ocidente é devedor de sua mensagem e há quem arme que só com Sócrates surgiu a losoa propriamente dita. O auge da losoa grega se iniciou com ele, e a literatura passou a registrar uma série de novidades que permaneceram na cultura ocidental como inamissíveis. Sócrates nada escreveu. Sua biograa e seu pensamento chegaram a nós por meio das obras de Xenofonte, Aristófanes, Platão e Aristóteles. Aristófanes, em sua comédia As nuvens , fala de Sócrates como um charlatão, colocando-o ao lado dos sostas. Xenofonte ressalta o fato de que ele conversava com seus discípulos em uma praça pública.
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Platão vê seu mestre como “o homem mais justo de seu tempo”. Nos seus diálogos, é difícil distinguir as idéias de Sócrates das suas próprias. Os jovens atenienses careciam de conança na busca da verdade. Sócrates tentou restaurá-la, destruindo as certezas construídas histórica e culturalmente. Dizia que a essência do homem é a alma ( psique), pois é esta que o distingue de qualquer outra coisa. Por alma, entendia a razão, a sede de atividade pensante e a postura ética. Segundo o ateniense, a alma é o eu consciente, ou seja, a consciência e a personalidade intelectual e moral. Dessa maneira, originou-se o fundamento do qual se nutre até hoje a tradição moral e intelectual do Ocidente. Considerando que a essência do homem é a alma, cuidar de si mesmo signicaria cuidar da própria alma. Por isso, Sócrates advertia: “Conhece-te a ti mesmo”. Tendo como base a idéia de que a psique era a essência do homem, desenvolveu um método dialético para tirar a alma da ilusão do saber e revelar a verdade. O diálogo socrático possi bilitava um “exame da alma”, uma prestação de contas da própria vida. A dialética socrática consta de dois momentos essenciais: a refutação e a maiêutica, valendo-se do não-saber e da ironia. A ironia era aquele momento em que Sócrates ngia aceitar o ponto de vista negativo da refutação. O fato de o interlocutor tomar consciência de não saber o que antes acreditava saber libertava-o para buscar a verdade. Reconhecendo sua ignorância, podia dar à luz novas idéias. O não-saber socrático triunfava sobre o saber aparente. Quando Sócrates se ngia de ignorante, visava discernir as aptidões para, por meio de uma análise crítica, provar a autenticidade dos valores mais nobres. A refutação (no grego, elenchos) constituía a parte
destrutiva do método, ou seja, levava o interlocutor a reconhecer a sua ignorância. Primeiro, Sócrates fazia o interlocutor denir o assunto a investigar. Depois, analisava criticamente a denição fornecida, explicitando as carências e contradições implícitas. Finalizando o processo dialético, exortava o interlocutor a criar uma nova denição, que submetia ao mesmo procedimento crítico, numa seqüência, até que o outro se declarasse ignorante. O processo de desvelamento da verdade por meio do diálogo é a maior riqueza do método socrático denominado de maiêutica, que signica “dar à luz”, e também de obstetrícia. É a arte de parteirar, inspirada em sua mãe, Fenareta. Na obra Teeteto , de Platão, Sócrates diz: Ora bem, toda a minha arte de obstetra é semelhante a essa, mas difere enquanto se aplica aos homens e não às mulheres, e relaciona-se com suas almas parturientes e não com os corpos. Sobretudo, na nossa arte há a seguinte particularidade: que se pode averiguar por todo o meio se o pensamento do jovem vai dar à luz algo de fantástico e de falso, ou de genuíno e verdadeiro. Pois acontece também a mim como às parteiras: sou estéril de sabedoria; e o que muitos têm reprovado em mim, que interrogo por falta de sabedoria, na verdade pode ser-me censurado.3
A maiêutica implica dois elementos fundamentais: a indução e a denição universal. Sócrates foi o primeiro lósofo a introduzir essa denição universal de maneira sistemática. Levava o interlocutor a denir as coisas ao seu redor e as idéias éticas, formando, assim, um conceito universal e necessário que indicava a essência dessa realidade, isto é, o que fazia com que essa realidade fosse esta e não outra. Por exemplo: o que faz com que a justiça seja justiça e não bondade? Segundo Platão, o que Sócrates propõe
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é saber formular perguntas adequadas, ou seja, ter um método de investigação que direcione o pensamento para a essência das coisas. É importante sinalizar que Sócrates não ia diretamente à questão. Antes, discutia-a com o interlocutor, possibilitando, assim, o verdadeiro conhecimento, que se originaria do diálogo, seria desvelado no interior de uma discussão, sendo um verdadeiro trabalho de parto. Sócrates auxiliava os homens a manifestar o conhecimento que estaria oculto no seu interior, ou seja, ajudava-os a dar à luz esse saber. Mas revelava ser capaz unicamente de atuar como parteiro, e não de conceber por conta própria. Sobre isso, Rodolfo Mondolfo diz que: [...] este método supõe e afirma a existência, no interrogado, de uma potência espiritual intrínseca e, ao convertê-la de potência ao ato, tem que considerar que existe em seu espírito certo saber congênito, ou antes, certa capacidade cognoscitiva que tende a realizar-se. Em outras palavras, o método socrático da maiêutica contém em germe, mais ou menos conscientemente, a convicção que Platão externou na sua teoria da reminiscência, cujo verdadeiro significado é essencialmente ativista, de faculdades e esforços de conquista e não de mero vestígio passivo de uma inerte contemplação interior.4
Em outras palavras, a maiêutica assemelha-se ao papel da parteira. A mulher grávida precisa da parteira para ajudá-la a dar à luz. Da mesma forma, os homens, que teriam a alma grávida da verdade, necessitariam de um obstetra espiritual para ajudá-los a dar à luz essa verdade. Portanto, o saber congênito, para Sócrates, tinha a ver com o mundo interior ou moral do homem, e não com o mundo exterior. A losoa grega teve no diálogo a sua origem e sua forma literária. E a pesquisa losóca encontrou no diálogo
uma forma de realização perfeita. O essencial no diálogo é conversar, discutir, perguntar, responder. A comunicação se torna o espetáculo mais belo da Terra. O diálogo tem como princípio a tolerância. Nele, aprende-se a liberdade de respeitar e de suportar outros pontos de vista e de propor os seus princípios sem impô-los. Platão tinha apreço ao diálogo, pois servia para experimentar o convívio com o outro, no exercício da palavra. Segundo ele: meu não há, nem nunca haverá, tratado algum sobre este assunto. Não pode ele ser reduzido a fórmulas, como se faz nas outras ciências; só depois de longamente se haver travado conhecimento com esses problemas e depois de os haver vivido e discutido em comum, o seu verdadeiro significado se acende subitamente na alma, como a luz nasce de uma centelha e cresce depois por si só. (Platão, Carta VIII, 341c)
(8.3) o s signicados da dialética Como visto, a dialética sempre esteve presente na história da losoa, mas com vários signicados, aparentados entre si, mas não redutíveis uns nos outros ou a um signicado comum. Nicola Abbagnano, no Dicionário de losoa, distingue quatro signicados fundamentais para a palavra dialé tica: método da divisão, lógica do provável, lógica e síntese dos opostos. Esses quatro, conceitos se originaram de quatro doutrinas: a platônica, a aristotélica, a estóica e a hegeliana. Platão formulou o conceito de dialética como método da divisão. Para ele, era uma técnica ou um método de
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pesquisa que necessitava da colaboração de duas ou mais pessoas. Era o método socrático de perguntas e respostas, já exposto acima. O conceito de dialética como lógica do provável foi formulado por Aristóteles. Para ele, a dialética era simplesmente um processo racional não demonstrativo, em forma de silogismo, que são premissas prováveis, isto é, geralmente admitidas, e não verdadeiras. Os estóicos identicavam a dialética com a lógica, e não com a retórica. Consideravam a retórica como a ciência do bem falar, do discurso. A dialética seria a ciência do discurso, consistindo em perguntas e respostas. O conceito de dialética como síntese dos opostos foi usado pela primeira vez pelo lósofo Johann Golieb Fichte, em Doutrina da ciência, de 1794, como “síntese dos opostos por meio da determinação recíproca”. Para Hegel a dialética era “a própria natureza do pensamento” (Enc. §11). Portanto, seria a resolução das contradições em que a realidade nita, que, como tal, é objeto do intelecto, permanece enredada.
(8.4) a dialética de h egel É importante, antes de tudo, ressaltar qual o sentido da losoa para Hegel. Segundo ele, é a expressão mais elevada do espírito absoluto e tem a tarefa de compreender aquilo que é, não lhe sendo possível armar ou descrever como o mundo deve ser, por surgir sempre depois. Por isso, seria como a “ave de Minerva” (a deusa da sabedoria), que “só levanta vôo ao anoitecer”, isto é, quando o curso da realidade já está concluído.
A dialética hegeliana é formada por três momentos: o primeiro é a tese, denida como armação ou como uma situação inicial dada; o segundo é a antítese, a negação da armação, também chamada como oposição à tese. Do conito entre a tese e a antítese, surge a síntese, a negação da negação, que é vista como uma nova armação, isto é, uma situação nova que traz consigo elementos desse embate. A síntese é uma nova tese, que encontra uma nova antítese, gerando uma nova síntese, em um processo innito. Esses três momentos, tese, antítese e síntese, Hegel chamou respectivamente de intelectual, dialético especulativo e positivo racional. Por ter criado o terceiro tempo da dialética (a síntese), Hegel é considerado o criador da dialética moderna, que mantém a contradição como conguradora da substância da realidade. “O ser de uma coisa nita é trazer em si o germe de sua destruição; sua morte... Tudo caminha para seu m através do choque de contradições... A contradição é, pois, para Hegel, a fonte de todo o movimento e de toda a vida.” 5 Segundo esse autor, a dialética é um movimento como um todo, principalmente no resultado positivo e na realidade substancial. Para ele, há uma identicação do racio nal com o real. Nas suas próprias palavras, “o que é real é racional”. Portanto, não se poderia negar o real, caso contrário se estaria negando a razão. Hegel acreditava que a dialética não só era a lei do pensamento, mas a lei da realidade e dos seus resultados, não tratava de conceitos puros ou abstratos, mas concretos, isto é, da realidade verdadeira e necessária, determinações ou categorias eternas. A realidade move-se dialeticamente e a losoa hegeliana vê em tudo a tríade tese, antítese e síntese, em que a síntese é Aueben , isto é, superada e guardada. É importante salientar que a tríade não é um método, mas algo
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que deriva da própria dialética, da natureza das coisas. É importante esclarecer o que seria, segundo Hegel, o conceito de Aueben na dialética do Ser e do Nada:
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este é apresentado, pois como não-ser ou como superado (Onfgehaben) e assim não simplesmente como Nada, mas como Nada determinado ou um Nada de um conteúdo, ou seja, do este. Dessa forma, o sensível é ele mesmo ainda presente, não contudo como ele deveria ser na certeza imediata, como o singular pretendido, mas como universal, ou como isso que se determina como propriedade. O superar (Aueben) apresenta o seu sentido duplo verdadeiro, o que vimos no negativo; ele é ao mesmo tempo um negar (Negieren) e um conservar (Auewahren); o Nada, como o Nada do este, conserva a imediatidade e é ele próprio sensível, mas (é) uma imediatidade universal.6
Segundo Hegel, a dialética é a única forma pela qual é possível alcançar a realidade e a verdade como um movimento interno da contradição. Esse movimento seria a ferramenta fundamental das coisas, da substância. “A realidade não é apenas Ser, ela não é, por igual, apenas NãoSer. A realidade é uma tensão que liga Ser e não-Ser.” 7 O lósofo pré-socrático Heráclito já dizia que a verdade é o uxo eterno dos contraditórios, mas se equivocou ao julgar que os contraditórios eram pares de termos opostos. No sistema hegeliano, a verdadeira contradição dialética tem duas características principais: a contradição de seus predicados e a negação interna. Segundo Hegel, a dialética não se resume somente à armação e à contrariedade, pois é também consenso. Da discussão em forma de diálogo, na qual se apuram as diferenças entre a tese e a antítese, surge a síntese, uma conclusão que reúne o que existe de bom na tese com o que
existe de bom na antítese. De forma resumida, Franklin Trein apresenta em Curso de losoa a dialética presente na losoa hegeliana: (a) dialética do ser: “o ser e o nada é um e o mesmo”; (b) dialética da essência: “A essência é o ser enquanto aparece (Scheinen) em si mesmo”; (c) dialética do conceito: “O conceito é a unidade [dialética] de ser e essência”; (d) dialética da relação entre ser, essência e conceito: “[...] a essência é a primeira negação do ser, o qual desta forma se torna aparência; o conceito é a segunda, ou a negação dessa negação, isto é, o ser recuperado, porém enquanto infinita mediação e negatividade do mesmo em si próprio”; (e) dialética do ser, da essência e movimento do conceito: “transformar-se em outro é o processo dialético na esfera do ser e aparecer em outro [é o processo dialético] na esfera da essência. O movimento de conceito é, pelo contrário, desenvolvimento, através do qual ele só se torna aquilo que já contém em si próprio”; (f) dialética da idéia (absoluta): “A lógica representa assim o movimento próprio da idéia absoluta somente enquanto palavra originária, a qual é uma expressão, mas uma tal que, como exterior, desaparece imediatamente outra vez nisso que ela é; [...] a idéia é pois para ser percebida somente nessa determinação própria, ela existe no pensamento puro, no qual a diferença ainda [não tem] nenhum ser-outro, senão que é e permanece completamente transparente.8
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(8.5) o embate hegeliano com k ant e
com o romantismo losóco
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Para compreendermos o pensamento hegeliano, que abrange todas as grandes questões losócas, é preciso ter em mente duas correntes importantes: o idealismo crítico de Kant e o romantismo losóco. Kant, quando escreveu a Crítica da razão pura e a Crítica da razão prática , fez uma distinção profunda entre a realidade em si (coisa-em-si) e o conhecimento da realidade (fenômeno). Segundo ele9 , a coisa-em-si é inalcançável pelo entendimento humano, embora a razão humana aspire por ela, adotando, por isso, a metafísica como conhecimento racional das coisas-em-si. Para esse autor10 , conhecemos somente o modo como a realidade se apresenta a nós, como o fenômeno se manifesta à razão humana. Para que seja possível conhecer os fenômenos, é fundamental que se apresentem a nós segundo as formas do espaço e do tempo e segundo os conceitos ou categorias de nosso entendimento (substância, qualidade, quantidade, causalidade, atividade, possibilidade). Hegel não concordava com o pensamento de Kant, que, segundo ele11 , dava muita ênfase ao sujeito, nem com a solução romântica, que enfatizava demais a Natureza. Para Hegel, existiria somente o Espírito. A Natureza seria uma manifestação ou uma exteriorização do próprio espírito, assim como a Cultura, e ambas estariam interiorizadas nele. Quando reconhecidas, elas se manifestariam externamente como Natureza e Cultura.
Mas o que é o Espírito? Chaui, em Convite à losoa , assim o dene: É o verbo divino. Em grego: logos. O que é a vida do logos (a história)? É a lógica. Que é a lógica como vida do espírito? É o movimento pelo qual o espírito produz o mundo (Natureza e Cultura), conhece sua produção e se reconhece como produtor – é, portanto, o movimento da atividade de criação e de autoconhecimento do espírito. É a ciência da lógica, entendendo-se por ciência não a descrição e explicação dos fatos e de seus encadeamentos causais, mas a atividade pela qual o espírito se conhece a si mesmo ao criar-se a si mesmo, manifestando-se ou exteriorizando-se como Natureza e Cultura.12
É importante reforçar que, para Hegel, a fenomenologia do espírito é a descrição dialética própria do espírito que o transporta até o começo do losofar. A dialética faz o caminho que a consciência percorre para chegar ao espírito absoluto, em outras palavras o caminho que o espírito percorreu através da consciência humana para retornar a si mesmo. Faz-se necessário também destacar que, segundo Hegel, a separação entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido é apenas provisório, porque o sujeito, ao se encontrar com o objeto, incorpora-o na sua totalidade, ultrapassando a separação, e se reconhece também como totalidade, como idéia absoluta. No processo para alcançar o conhecimento, a dialética parte da certeza sensível da consciência, que evolui através da autoconsciência da razão até o espírito. É o movimento próprio da consciência nita em busca de sua innitude. Como diz Hegel: “Na alma desperta a consciência; a consciência põe-se como razão, que despertou imediatamente
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para ser a consciência que sabe de si mesma, a qual se liberta através de sua atividade para [ser] objetividade, para [ser] consciência de seu conceito”13.
(8.6) novos caminhos da dialética A dialética pode ser vista como uma teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento do homem. É denida como um modelo mental dos processos de modicações e de desenvolvimento do mundo. Enm, é o diálogo das coisas entre si, das coisas com os homens e dos homens consigo mesmos e com os outros homens. Em parte, ela faz renascer na consciência a importância do diálogo, que já se vericava na Grécia Antiga. A dialética moderna é um movimento losóco autocrítico, que começou com Hegel e continuou com Karl Marx, Lenine, Gramsci, Lucaks e outros. Em suma, é um conceito que permanece aberto na sua essência dialética.
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atividades 1. 2. 3.
De acordo com o texto, como era concebida a dialética na Idade Moderna? Explique o conceito de alma desenvolvido por Sócrates. Explique como funciona o método socrático da ironia e da maiêutica, na busca pelo conhecimento.
(9) o que é fenomenologia?
Susana Salete Raymundo Chinazzo
(
)
n este capítulo, abordamos a fenomenologia, uma corrente losóca que buscou sistematicamente um conhecimento absoluto e verdadeiro. Seu maior representante foi o lósofo Edmund Husserl, que estruturou o método fenomenológico como um caminho para a construção de uma ciência losóca. É fundamental e imprescindível conhecer esse método para aprofundar o entendimento sobre a epistemologia. O signicado etimológico da palavra fenômeno, do grego phainomenon , é “discurso esclarecedor a respeito daquilo
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que se mostra para o sujeito interrogador”. Portanto, a fenomenologia é o discurso sobre aquilo que se mostra como é. Essa corrente losóca caracteriza-se, assim, por voltar-se para o ser absoluto das coisas, por dirigir o conhecimento para o que há de essencial. É a losoa do inacabado, do devir, do movimento constante. A fenomenologia não assume a problemática da ciência nem seus métodos. Ela tem outra visão dos objetos. É uma ciência com métodos cientícos próprios, uma ciência da subjetividade pura. Ao passo que as ciências tradicionais observam e analisam o objeto sem levar em consideração a subjetividade do observador, a fenomenologia avalia tematicamente o que o sujeito vive de modo consciente, mas apenas enquanto está vivendo a experiência, naquele momento. Surgida na metade do século XIX, com base nas idéias de Franz Brentano sobre a intencionalidade da consciência humana, a fenomenologia procura denir, compreender e interpretar os fenômenos que chegam à percepção, defendendo a tese de que não existe separação entre sujeito e objeto.
(9.1) p rincipais pressupostos
da fenomenologia
Husserla , discípulo de Brentano, determinou-se a dar consistência cientíca à losoa e, assim, atingir as outras ciências,
a. Edmund Husserl (1859–1938) nasceu em Morávia, na Tchecoslováquia, e estudou em Berlim e Viena. Primeiramente, voltou-se para a matemática, inuenciado por Franz Brentano. Em 1901, começou a lecionar losoa em Gotinga Durante o regime nazista, sofreu pressões por ser judeu. Em 1938, morreu na cidade de Friburgo.
por meio de uma base sólida de racionalidade, como exige uma fundamentação rigorosa. Criou, então, a fenomenologia. Essa corrente apresenta a intencionalidade como uma estrutura, isto é, examina a experiência humana de forma rigorosa, por meio de uma ciência da experiência. O fenômeno seria a consciência temporal de vivências de determinado fato, ou a própria experiência da consciência que se tem da presença do objeto ele mesmo ou não. Husserl propôs a suspensão de qualquer julgamento, sem o passo radical fenomenológico, a epoché . Para os antigos, principalmente para os céticos, a epoché consistia em não aceitar nem refutar, em não armar nem negar. Essa atitude seria a única possível para não se sofrer perturbações. Já para a losoa contemporânea, principalmente a fenomenologia, consiste numa atitude de contemplação desinteressada, desvinculada de qualquer interesse natural ou psicológico pelas coisas do mundo ou pelo próprio mundo. Consiste em colocar em suspensão crenças prévias, refutando quaisquer teorias e explicações apriorísticas. A epoché seria uma maneira de olhar o enigma e o mistério, não com o intuito de resolvê-los, mas sim de protegê-los.
(9.2) o bjetivos da fenomenologia Segundo Husserl, a fenomenologia está voltada essencialmente para a descrição do fundamento da losoa da consciência, na qual a reexão emerge da vida irreetida e passa despercebida pelo homem. Uma de suas principais propostas era tornar a fenomenologia uma ciência que se ocupasse dos fenômenos de forma diferente das demais
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ciências exatas e empíricas. A diferença consistia na relação dos fenômenos vividos na consciência com os atos e com os correlatos dessa consciência. A essência de todo o pensamento fenomenológico está na tentativa de analisar o fenômeno nele mesmo, sem preconceitos ou pressupostos interpretativos. Por isso, Husserl deniu a fenomenologia como a ciência dos fenômenos, ressaltando-se que fenômeno seria aquilo imediatamente dado em si mesmo à consciência. Buscava com essa atitude uma fundamentação sólida e radical para a losoa e para a ciência. Estabeleceu, então, uma losoa primeira e criou uma ciência fundamentada na subjetividade pura, cuja consciência é a base primeira da objetividade. A losoa primeira é a fenomenologia da ciência descritiva eidética da consciência pura transcendental ou a doutrina pura descritiva das essências das estruturas imanentes da consciência.
(9.3) o papel da consciência
na fenomenologia
A intencionalidade da consciência é um dos princípios básicos da fenomenologia. A consciência seria sempre a consciência de alguma coisa, estaria sempre direcionada para um objeto. Olhando por um outro ângulo, o objeto seria sempre objeto-para-um-sujeito. Consciência e objeto se deniriam a partir da correlação que existe entre ambos. Não seriam entidades separadas na natureza. A consciência estaria para o objeto assim como o objeto estaria para a consciência. Fora dessa relação, não existiria nem
consciência nem objeto. Segundo essa atitude fenomenológica, a losoa é uma ciência do rigor. O ato de tomar consciência dos objetos seria a construção teórica do espírito, podendo restringir-se à descrição objetiva dos fatos individuais e subsistentes em si mesmos. Como ciência rigorosa, exigiria do homem uma postura fenomenológica que o conduziria às raízes últimas de todas as coisas. Husserl deniu essa idéia por meio do conceito de Lebenswelt , que signica “o mundo da vida”.
(9.4) a questão da l ebenswelt
e a crise da civilização
Lebenswelt é o mundo histórico-cultural concreto, sedimen-
tado intersubjetivamente em usos e costumes, saberes e valores entre os quais se encontra a imagem do mundo ela borado pelas ciências. O Lebenswelt é o âmbito da originária “formação de sentido”, em que nasce a consciência. Segundo Husserl, o mundo da vida é um a priori dado à subjetividade transcendental. A falha da objetividade foi esquecê-lo ou desvalorizá-lo como se fosse subjetivo. Para ele, as teorias lógicas e matemáticas substituíram o mundo da vida pela natureza idealizada na linguagem dos símbolos. Contudo, a fenomenologia tenta resgatar o homem, tirando-o do anonimato, e colocando-o no novo universo dos fatos objetivos. O homem pertence ao universo, enquanto pessoa, enquanto eu. O homem tem ns, persegue metas, refere-se às normas da tradição, às normas da verdade, normas eternas.
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Essas idéias de Husserl referem-se à crise das ciências, ao seu signicado para a vida humana. Seu objetivo foi chamar a atenção para o fato de que a ciência abandonou seu projeto, um mundo ético-político, e voltou-se para o mundo concreto. Da mesma forma, esse autor quis advertir sobre a questão do desinteresse da técnica quanto aos seus ns para se concentrar nos meios. A losoa fenomenológica denunciava a crise da civicivi lização, interpretando-a como uma crise das ciências européias. Segundo Husserl, a causa não eram as questões teóricas, mas o erro das ciências em relação à compreensão do homem. Era a convicção de que a verdade do mundo se encontrava apenas no que é enunciável no sistema de proposições da ciência objetiva, ou seja, no objetivismo. Assim como o realismo crítico, a fenomenologia acreditava que as coisas não são constituídas da maneira ma neira como as observamos. Mas negava qualidades como a forma, a extensão, o movimento e as questões espaciais e temporárias, tirava-as da consciência, consciênc ia, ao passo que, para para a corrente do realismo crítico, elas eram imprescindíveis. Segundo Segu ndo Kant, o espaço e o tempo tempo são as únicas ún icas formas da intuição, da sensibilidade, que dispõem as sensações numa justaposição e numa sucessão ou as ordenam no espaço e no tempo de forma inconsciente inconsc iente e involuntária. É importante salientar que a fenomenologia não se reduz a isso. is so. Para Husserl, Husserl, as propriedades conceituais das coisas, e não somente as intuitivas, procedem da consciência. Segundo ele, os conceitos supremos não representam as propriedades objetivas das coisas, pois são formas lógicas subjetivas subjet ivas do entendimento humano, o qual ordena os fenômenos e faz surgir, desse modo, esse mundo objetivo que, na opinião do homem ingênuo, existe sem a sua cooperação e depende exclusivamente do conhecimento. con hecimento.
(9.5 9.5)) a relação entre
consciência e objeto
Retomando-se a idéia da relação consciência-objeto, observa-se que o campo de análise da fenomenologia está atrelado à relação noesis-noema. Noesis signica o ato intencional da consciência, isto é, a disposição do sujeito para ver um objeto. Noema signica aquilo que é visto. Ao se deparar com um determinado fenômeno, a consciência, na sua intencionalidade i ntencionalidade,, quer a essência desse fenômeno, apreendendo o seu signicado. Para que se possa atingir a essência, é necessário se desprender de tudo o que não seja fundamental para a compreensão do objeto, utilizando, assim, a técnica de variação eidética, que dá ao pensamento a garantia de car apenas com o essencial do fenômeno. Para Capalbo1: é pela descrição e pela variação imaginária dos aspectos que se chega à essência ou ao invariante, ou ao ser enquanto esse se manifesta tal como ele é em sua essência. A intuição é doadora de significação, isto é, ela é um ver intelectual que constitui seus objetos. Ela não é um mero olhar, mas sim um ver discernido, um ver inteligente, cuja característica básica é a de significar ou dar sentido a algo.
A fenomenologia tem como idéia central a compreensão dos fenômenos na vivência vivência cotidiana, cotidia na, procurando uma compreensão do homem por outro viés, a partir dele sendo-no-mundo,, isto é, um olhar mais minucioso para a vida do-no-mundo e para a relação do homem com a vida. v ida.
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A fenomenologia como ciência de pesquisa qualitativa está voltada para a compreensão do fenômeno interrogado. Portanto, não se fundamenta em nenhum pressuposto ou em explicações generalizadas, generaliz adas, como também desconsidera informações a priori , , mas enfati enfatiza za e valoriza o mundo-vida dos sujeitos que vivenciam o fenômeno em questão. Em outros termos, realizando a epoché , o pesquisador da fenomenologia procura estabelecer um contato direto com o fenômeno situado. É por meio de suas experiências que será possível ao pesquisador pesqu isador interrogar o mundo ao redor. redor. A essência da pesquisa fenomenológica está na investigação dos signicados que os sujeitos atribuem às suas experiências vividas, signicados que são desvelados a partir das exposições desses sujeitos. Descrição “[...] tem o signicado de des ex-crivere , , isto é, de algo que é escrito para fora”2. A descrição é a forma de diferenciar os atributos que os sujeitos criam. Por vezes, a entrevista é o complemento da descrição do sujeito. A pesquisa fenomenológica traz em si a questão da subjetividade, porque o sujeito e os fenômenos estão no mundo-vida com outros sujeitos, que também percebem os fenômenos. Os sujeitos inseridos nessas experiências em comum têm compreensões, interpretações, comunicações. Constitui-se, assim, a intersubjetividade para se atingir a objetividade.
(9.6 9.6)) a trajetória fenomenológica Segu ndo Husserl, Segundo Husserl, a fenomenologia fenomenologia não tem um u m método unívoco e pronto a ser seguido. Existem trajetórias que podem
revelar caminhos adequados na busca da compreensão do fenômeno. Trata-se de um caminho gradativo, relacionado ao próprio desenvolvimento da fenomenologia, enquanto alternativa metodológica de pesquisa nas ciências humanas. Para ele, os três momentos da trajetória fenomenológica são: a descrição, a redução e a compreensão. O lósofo fenomenológico Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) enfoca que a descrição fenomenológica compõe-se por três elementos: a percepção, a consciência que se dirige para o mundo-vida e o sujeito que se vê capaz de experimentar o corpo-vivido por meio da consciência. A redução fenomenológica é o momento em que são selecionadas as partes da descrição consideradas essenciais. A compreensão fenomenológica se dá em conjunto com a interpretação. É o momento em que se tenta obter o signicado essencial na descrição e na redução. Para os seguidores dessa teoria, o método fenomenológico foi desenvolvido devido ao fracasso do método das ciências naturais, utilizado pelos pesquisadores para explicar os fenômenos das ciências humanas. Segundo eles, esse método possibilitaria obter uma compreensão mais pura do ser humano.
(9.7) a intersubjetividade
na fenomenologia
A losoa fenomenológica caracteriza-se pelo estudo do conceito e da experiência da intersubjetividade, especialmente no que se refere a uma concepção de ser humano
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que integraria em sua constituição a experiência da alteridade. A intersubjetividade seria a possibilidade de conhecer a experiência do outro, assim como o mundo objetivo. Nessa perspectiva, a subjetividade passaria para o plano da intersubjetividade por meio da experiência co-constituinte, que pertence a todos e a ninguém em particular. O lósofo Merleau-Ponty deteu-se detalhadamente no conceito de intersubjetividade, com um enfoque epistemológico diferente. A intersubjetividade e a investigação voltada para como eu sinto e vejo o outro eram os focos centrais da sua losoa. Merleau-Ponty é considerado o maior autor da transição do questionamento epistemológico do outro para a busca de uma ética da alteridade. É importante salientar que a fenomenologia não pode ser confundida com o fenomenalismo, que não dá ênfase à intencionalidade da consciência em relação aos fenômenos. Para o fenomenalismo, tudo o que existe são sensações ou possibilidades permanentes das sensações, o que os fenomenólogos chamam de fenômenos. Já a fenomenologia está meticulosamente atenta à relação entre a consciência e o ser.
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atividades 1. 2. 3.
Qual a etimologia da palavra fenômeno e qual sua relação com a ciência fenomenológica? Por que a intencionalidade da consciência é um dos princípios básicos da fenomenologia? Com base no texto, explique a diferença da atitude da fenomenologia perante as demais ciências.
( 10 ) h ermenêutica
Susana Salete Raymundo Chinazzo
(
)
não
há como estudar epistemologia sem conhecer
os princípios fundamentais da hermenêutica. Por isso, apresentamos neste capítulo os conceitos de alguns dos pensadores que priorizaram a arte de interpretar e compreender. A palavra hermenêutica é derivada do termo grego hermeneutike. O primeiro homem a empregá-la, como termo técnico, foi o lósofo Platão. A hermenêutica é a ciência que estabelece os princípios, leis e métodos de interpretação. É a teoria que interpreta os sinais e os símbolos de uma cultura. As ciências hermenêuticas são consideradas
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as ciências humanas ou as ciências do espírito, em alemão Geisteswissenschaen . A hermenêutica procede da palavra indo-germânica Herm , que signica “transmitir, trazer mensagens”. Desse étimo Herm derivam verbum, word, Wort. Hermes era o mensageiro dos deuses. As ciências hermenêuticas estudam o universo da cultura. Os fenômenos humanos estariam associados a signicados, tanto para os agentes como para os espectadores. Essas ciências trabalham essencialmente com a categoria do sentido. A metodologia de decifrar ou interpretar um texto proporciona-lhes seu modelo. Em outras palavras, a hermenêutica busca atingir a palavra ou o sentido do que acontece na cultura, analisando o modo de ser dos homens, pois a ação humana se revela sempre cheia de sentido (Sinnha) e carregada de valor (Wertbezogen).
(10.1) o modelo de ciência
da hermenêutica
O conceito de ciência não é universal. Na verdade, não existe a ciência universal, mas as ciências, cada qual com sua linguagem própria, seus paradigmas e métodos. A partir do conceito de ciência em geral, é possível discernir o conhecimento vulgar ou o senso comum – os gregos já usavam o termo epistéme para o saber criticamente fundamentado em oposição à opinião. Com o desenvolvimento histórico-cultural, as ciências se dividiram em áreas e subáreas, tornando-se difícil estabelecer critérios para ordenar tanta variedade. Para classicá-
las, ora usam-se critérios baseados no objeto ora baseados na atividade do sujeito. Há um grande debate em relação às ciências humanas, entre elas a psicologia, a história, a economia, a política e a sociologia. Esse debate gira em torno de questões como: elas seriam ou não ciência? Seriam redutíveis às ciências empírico-formais? Teriam como modelo as ciências puras? Para a ciência hermenêutica, há somente um modelo de ciência, o modelo formal-operativo, exemplicado pela matemática. Cienticamente, conhecer consistiria numa formalização matemática do real. Pergunta-se: que realidade as ciências hermenêuticas pretendem conhecer? A ciência hermenêutica estuda as diversas atividades do homem, avalia os elementos que as compõem e que interagem entre si. Para ela, é possível submeter esse material a cálculos e esquemas de medidas. O cientista hermenêutico busca descobrir as leis da mecânica da ação humana, como Newton buscava as leis mecânicas do movimento dos corpos celestes. É importante frisar que a ação tem um valor diferente nas ciências humanas e nas ciências da natureza. As ciências humanas são hermenêuticas quando salientam o pleno sentido da ação. A crítica feita pela hermenêutica a elas é que muitas vezes empregam com exatidão o esquema operatório da ação, mas não valorizam o sentimento da ação. Por esse motivo, são vistas como históricas. Segundo os princípios hermenêuticos, é o sentido que move a ação, que é invariável. Por exemplo, a ciência política varia de um país, de um estado e de uma cidade para outra porque a ação está presente em cada povo e comunidade, cujos valores são diferentes. Outra crítica feita às ciências humanas diz respeito à invasão de ideologias, à difusão de determinados valores e o desprezo de outros. Tudo isso em nome de uma retórica
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da objetividade das ciências, que esconde o espírito ou o sentido de cada povo, ou seja, mascara a realidade. Para a hermenêutica, os povos submetem-se atualmente às propagandas ideológicas das ciências humanas e não seguem livremente o ritmo ou o espírito da sua história. Segundo essa teoria, o conhecimento cientíco signica o diálogo da inteligência com a realidade, fundamentado na experiência sensível, um diálogo que vê o real no modelo matemático operativo, formando assim, uma realidade “cientíca”. Contudo a “realidade cientíca” seria apenas alegoria da realidade natural. No caminho da ciência diante da realidade natural, haveria um dilema para o cientista, para a civilização moderna, que é o observar as coisas em si, ou seja, chegar o mais próximo possível do espírito ou do sentido das coisas.
(10.2) a hermenêutica losóca de g adamer O lósofo Hans-Georg Gadamer (1900–2002) esboçou uma hermenêutica losóca em sua obra Verdade e método. Segundo alguns pensadores, sua obra foi recebida como uma contraposição às ciências do espírito que interpretam mal a palavra “compreender” como método. Gadamer pretendia apresentar o ato de compreender e de interpretar como parte de um acontecimento que surge do próprio texto a ser interpretado. Queria também salientar a questão de que as ciências históricas do espírito estavam abalando as bases da conança da losoa na razão,
que tinham se estabelecido desde a Antiguidade. Com base na obra Ser e tempo, de Heidegger, Gadamer assimilou uma nova concepção de tempo: se o tempo era o o condutor do entendimento, as teorias necessariamente passariam a tornar-se construções históricas e tal fato alteraria a essência da razão. Seus estudos sobre os gregos, a losoa clássica alemã e a fenomenologia levaram-no a concluir que a tradição não podia mais sustentar as interpretações da losoa metafísica da razão e zeram-no introduzir a hermenêutica. A losoa hermenêutica de Gadamer se deparou com uma razão diluída do ponto de vista da história efetiva. Esse autor não tinha a intenção de recuperar a metafísica nem a ontologia, mas de resgatar a razão e a historicidade do sentido, baseando-se na autocompreensão que o homem adquire como agente participativo e intérprete da tradição histórica.
(10.3) c oncepções sobre
a compreensão
Nicola Abbagnano1 , no seu Dicionário de losoa , dene a hermenêutica como uma técnica de interpretação, freqüentemente associada à interpretação da Bíblia. A hermenêutica é a arte do interpretar, ou melhor, de decifrar os signos obscuros de forma transparente e legível. Gradativamente, tornou-se uma ferramenta fundamental para as ciências humanas e para a losoa, ao tratar sobre a compreensão humana e a interpretação de textos escritos.
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Paul Ricouer buscou superar a dicotomia entre a explicação das ciências naturais e a compreensão das ciências humanas esclarecendo a idéia de compreensão. Segundo esse autor, compreender um texto é fazer surgir um novo discurso no discurso do texto. Isto é, não haveria reexão sem meditação sobre os signos; não haveria explicação sem a compreensão do mundo e de si mesmo. Heidegger, em sua reexão sobre a compreensão, dizia que toda compreensão revela uma “estrutura circular”. “Toda interpretação, para produzir compreensão, deve já ter compreendido o que vai interpretar.” Para ele, o ato de interpretar permite desenterrar os pensamentos e as intenções do autor e a relacioná-los com algo mais amplo, possi bilitando um signicado mais abrangente. Em sua obra Ser e tempo (1927), Heidegger apresentou sua concepção de ser humano, que, segundo ele, é um ser que, em si mesmo, compreende e interpreta. Com essa concepção, a hermenêutica tornou-se um tema central na losoa continental. Friedrich Schleiermacher (1768-1834) concebia a hermenêutica não como um saber teórico, mas sim prático, isto é, como uma práxis ou uma técnica da boa interpretação de um texto falado ou escrito. Concebia-a também como a arte de afastar as ambigüidades. Para ele, a compreensão era o conceito básico e a nalidade essencial de toda a questão hermenêutica. Schleiermacher marcou essa corrente losóca por sua exegese das escrituras sagradas, com base em princípios rigorosos e metodológicos, e por ter dado os primeiros passos de aproximação da hermenêutica com a losoa, com o intuito de torná-la universal. A partir do século XIX, a hermenêutica passou a ter uma nova dimensão, tanto losóca como epistemológica. Devido à contribuição de Schleiermacher, passou a
ser vista como uma teoria universal da compreensão e da interpretação de todos os momentos praxísticos e dogmáticos da hermenêutica anterior. A hermenêutica desvela-se, assim, como uma teoria universal da compreensão e da interpretação das objetivações signicativas da vida histórica. A sua essência reside hoje na possibilidade que a consciência histórica tem de reconstruir as coisas ou fatos, com base nas signicações da vida xadas de modo duradouro na intenção e na circunstância originária do autor.
atividades 1. 2. 3. 4.
Elabore uma denição sobre o que é a ciência hermenêutica. Descreva o modelo de ciência da hermenêutica. Com base no texto, explique quando as ciências humanas são hermenêuticas. Com base no texto, descreva o objetivo central da hermenêutica hoje.
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( 11 ) o que é ciência?
Susana Salete Raymundo Chinazzo
(
)
n este
capítulo,
abordamos a questão da ciência. Falar de ciência é falar de conhecimento, é falar da vida, é falar do homem e de suas relações subjetivas e objetivas com a natureza, com os outros e com ele próprio. A ciência rompe com o mito e o senso comum. Suas palavras contêm uma racionalidade que a diferencia destes. A idéia que hoje temos sobre ciência deve-se ao tra balho do físico e astrônomo Galileu Galilei (1564-1642), reconhecido pelas suas descobertas cientícas e invenções técnicas. Mas o que o tornou célebre foi a introdução do
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método experimental ou cientíco no estudo dos fenôme nos da natureza. Para ele, as teorias e leis cientícas devem basear-se na experiência, que conrma se é possível ou não conar na teoria. A razão imaginaria hipóteses, leis e teorias universais; a experiência e os experimentos os julgariam para saber se são ou não verdadeiros. Com essa posição, Galileu colocou-se entre o racionalismo e o empirismo, duas correntes irreconciliáveis no que diz respeito à aquisição do conhecimento cientíco. Segundo ele, o objetivo da pesquisa cientíca é desco brir as relações reais e constantes existentes entre os fenômenos da natureza, isto é, as leis naturais que os regem, expressando-as depois em símbolos matemáticos. A linguagem cientíca seria, portanto, matemática. Galileu dizia que a ciência se baseava no sistema geométrico-matemático. Segundo ele: a ciência está escrita naquele imenso livro (a saber, o universo) que temos constantemente diante dos olhos. Mas não podemos compreendê-lo se antes não tivermos aprendido sua linguagem e os símbolos nos quais está escrito. Ele foi escrito em linguagem matemática cujos símbolos são os triângulos, os círculos e outras figuras geométricas sem os quais é humanamente impossível compreender suas palavras.1
De acordo com esse texto, a ciência representa um esquema operatório, uma espécie de tabuleiro no qual o homem move a realidade, como os jogadores movem as peças de xadrez. Portanto, o objetivo da ciência seria apresentar a realidade, medida e inventada pela razão. Por isso, seria uma reapresentação ou reinvenção, e não o aparecimento real da sua naturalidade, que é algo sem peso e medida. Outro lósofo que tratou do tema da ciência foi
Heidegger. Segundo ele, “a ciência é a teoria do real” 2. Ela não só romperia com o mito e o senso comum, como tam bém com a losoa. Mas o que é teoria? A palavra teoria vem do grego theorein , que signica “ver o aspecto sob o qual a coisa presente aparece”. Seria um ver que nos coloca perto da coisa. E o que signica estar-perto-da-coisa? Signica a solidariedade ao aspecto, a comunicação com o que aparece, o envolvimento com a claridade da coisa presente. Em outras palavras, é estar ciente da coisa. A teoria nos aproxima da coisa, como se estivéssemos analisando profundamente a coisa. Isto é, signica a invenção de esquemas ou sistemas com os quais se calcula e se opera um universo de dados empíricos. Analista da moderna atividade cientíca, Kant assim se manifestava sobre a ciência: “Eu armo que em toda teoria particular da natureza só pode haver ciência propriamente dita na medida em que houver matemática”3. Nessa mesma linha de raciocínio, destaca-se o pensamento de Bachelard, que armava: “Como se distanciam disso os sonhadores impertinentes que pretendem ‘teorizar’ longe dos métodos matemáticos!”4 Na proposta cientíca de Descartes, a ciência só estudaria o que é corpo, considerando-o uma máquina. A máquina consistiria numa teoria operatória, numa ciência que não é estática ou dogmática, mas que está em progresso, buscando superar-se, no sentido de ampliar sua capacidade operatória. Para outros autores, entre eles Goethe, a teoria ou a ciência não é a realidade, mas uma abstração mental. Atualmente, as pessoas cultas reconhecem as desco bertas cientícas e suas aplicações técnicas. Sem dúvida, a ciência transformou o mundo com uma rapidez incrível nessas últimas décadas. No entanto, ainda não se tem uma idéia bem formada do que seja a ciência. Fica a pergunta:
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em que consiste a ciência moderna? A ciência moderna, independente da sua área de estudo, constitui-se a partir de um conjunto de proposições comparadas e relacionadas entre si, formando um todo. Tanto a razão como a experiência contribuem para a construção desse conhecimento. Com o uso da razão, o cientista imagina, inventa ou descobre as leis; pela experiência, conrma-as ou rejeita-as. Pela razão procura explicar, compreender e unicar os fatos observados; pela experiência e por experimentos, tenta mostrar que suas explicações são, de fato, verdadeiras ou que são falsas, produzindo, então, uma nova teoria. Para que uma teoria ou lei possa ser reconhecida cienticamente, tem de estar de acordo com determinadas exigências, estabelecidas nas regras do método cientíco.
(11.1) c aracterísticas ou propriedades
do conhecimento cientíco
Epistemólogos e cientistas já atribuíram várias características ou propriedades à ciência moderna. Seguem alguns exemplos dessas características: objetiva , porque estuda objetos concretos; experimental , porque necessita estar baseada na experiência e nos experimentos; precisa , porque deve ser exata o máximo possível; metódica , porque deve observar cuidadosamente todas as regras do método cientíco; resível , porque pode modicar-se e corrigir-se; prática , porque pode ter aplicações concretas por meio da técnica; provável, porque muita coisa que está sendo vericada
pode ser tomada como muito próxima da verdade; sistemática , porque uma verdade cientíca está relacionada com outra, formando um todo. O conhecimento cientíco é uma construção lógica e intelectual que está solidicada nas regras cientícas da coerência dos princípios teóricos, da observação e da experimentação. Espera-se que os resultados obtidos possam contribuir para a mudança dos princípios teóricos ou construir novos. Mas isso não signica que esses princípios apresentam a realidade em si mesma. Eles apenas revelam a estrutura e o modelo de funcionamento da realidade, por meio das explicações sobre os fenômenos observados. Portanto, a ciência não arma nenhuma verdade absoluta e sim uma verdade próxima da realidade, que está sujeita a modicações, complementos teóricos ou até mesmo à substituição por outra teoria mais apropriada. O discurso cientíco apropria-se do poder do evento, coisa que o discurso mítico não fazia. Isso gerou no homem moderno a convicção de que o discurso da ciência é poderoso e que o conhecimento mais recente é o mais poderoso, porque lutou contra os outros, “refutou-os” e venceu. Mais do que um progresso na compreensão da experiência humana, as ciências demonstram a vontade do homem de ampliar seu poder sobre a natureza e sobre a própria condição humana. Com isso, espera-se que o homem vença aspectos angustiantes, tendo uma existência mais jubilosa. A ciência representa um projeto grandioso de autonomia humana e o sonho de uma existência assegurada. Viabiliza o poder da razão, que signica previdência e providência da condição humana. Esse era o lema proposto por Descartes: “Penso, logo sou”. Nesse lema, a razão representa a vontade de autonomia. Dessa forma, o homem conseguiria, dentro de certos limites, prever e cuidar da sua existência.
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Thomas Hobbes (1588-1679) foi o primeiro a falar metodicamente sobre a possibilidade de o homem construir na natureza o reino estável e seguro da ciência. Mas, para isso, precisaria se unir, fazer um pacto de solidariedade, estatuir um acordo. Esse pacto não permitiria que o homem fosse um lobo para o outro, sempre pronto a armar uma guerra contra seu semelhante. A condição natural do homo homini lupus geraria uma situação de permanente bellum omnium contra omnes.
(11.2) o s limites da ciência
experimental
A questão que aqui se levanta é a demarcação das fronteiras da ciência experimental. Entende-se por ciência aquele conhecimento ou teoria que pode ser confrontado e relacionado com fatos concretos, mediante a aplicação das normas do método experimental. São conhecimentos submetidos à experiência e a experimentos. A pergunta que ca é a seguinte: será que existe algum critério que permite separar as proposições cientícas das demais proposições? Para o epistemólogo Karl Raimund Popper (1902-1994), é possível. Segundo ele, devem ser chamados de cientícos somente os enunciados que podem ser relacionados, confrontados e julgados pelos fatos. Segundo Popper, o que faz uma proposição ser cientíca é seu conteúdo experimental, e não sua veracidade ou falsidade. Ou seja, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, pode ser colocado diante dos fatos para ser julgado
é cientíco, mesmo que seja falso. Cientíco é sinônimo de testável, experimentável, falsicável. É importante salientar que existem muitos temas que não têm natureza experimental e, portanto, não podem ser submetidos a uma abordagem pela ciência experimental. Não é possível aplicar o método cientíco aos conhecimentos losócos, teológicos e matemáticos. O fato de o conhecimento cientíco estar baseado em fatos não garante que seja mais certo e mais objetivo que outros tipos de conhecimento. É interessante ressaltar que o conhecimento cientíco é somente uma forma de conhecimento. Não é a única, nem a melhor, nem a mais certa. A sua vantagem é poder ser julgado pelos fatos mais facilmente. O lósofo Karl Popper fez uma reelaboração no conceito losóco-cientíco da verdade. Durante muitos séculos, considerou-se que a correspondência exata, ou a verdade entre uma idéia e a realidade, estava na coerência interna dos conceitos. No período moderno, tinha-se a concepção de que o falso ou a inverdade de uma teoria signicava falta de coerência e que a contradição entre seus princípios ou entre seus conceitos era sinônimo de falta de conabilidade. A proposta do autor era ver a teoria cientíca por outro ângulo, ou seja, pela possibilidade de uma teoria ser falsa ou falsicada. Segundo Popper, a riqueza de uma teoria cientíca está justamente na possibilidade de estar aberta a novos fatos, desconstruindo, assim, princípios e conceitos tidos como verdadeiros. Nessa nova leitura de ciência, o valor de uma teoria não se restringe à verdade, mas à sua falseabilidade. A idéia de progresso cientíco é essencialmente ver uma teoria se constituindo e se corrigindo por meio de novos fatos, e não enclausurada dentro de conceitos e de princípios fechados. Em outras palavras, uma teoria é um conceito.
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(11.3) e volução e progresso cientíco 152 s s a i a d i c a i o s g o s l a o i c m n e ê t i s i c p E
As idéias de evolução e progresso surgiram no século XVIII e XIX e defendiam a tese de que o tempo era uma linha reta contínua e homogênea. Deixavam também transparecer a noção de superioridade do presente em relação ao passado e do futuro em relação ao presente. Evolução signicava tornar-se superior, melhor e mais apropriado do que antes. Progresso signicava uma direção superior. E esses conceitos estavam intimamente ligados às mudanças cientícas, à idéia de ciência. A losoa da ciência parte do pressuposto de que as construções cientícas e os ideais de cienticidade são diferentes e descontínuos. A idéia de evolução e de progresso cientíco não se reduz à troca de uma teoria pela outra, até porque essas teorias se basearam em princípios, conceitos, demonstrações e tecnologias diferentes. Portanto, há uma descontinuidade e uma diferença temporal entre as teorias cientícas, que se devem a uma série de fatores, entre eles o método de pesquisa e a tecnologia utilizada no momento. Não existe uma teoria que seja mais evoluída ou progressista que a outra. O lósofo Gaston Bachelard deniu essa nova visão cientíca como uma ruptura epistemológica. Mas, segundo ele, para se efetuar concretamente essa mudança epistemológica, é necessário um posicionamento forte e audacioso do pesquisador diante das teorias, dos métodos e das tecnologias existentes. Já o lósofo Khun chamava essa ruptura epistemológica de revolução cientíca, que consistia na criação de novas teorias. Portanto, a revolução cientíca ocorreria quando o pesquisador descobrisse novos paradigmas para
explicar um fenômeno ou um fato que os paradigmas anteriores ainda não haviam explicado. O pesquisador perce beria o quanto é importante e fundamental buscar novos métodos e recursos para fazer ciência, gerando, assim, novos paradigmas. Portanto, para Khun, a ciência não tem uma linearidade contínua e progressiva, mas sim revoluções signicativas de paradigmas. Mas ca a pergunta: o que nos leva a ter a ilusão de progresso e de evolução no conhecimento cientíco? Marilena Chaui5 apresenta dois principais motivos:
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1.
2.
A visão do cientista é querer saber mais e melhor do que antes, pois os paradigmas anteriores não são sucientes para conhecer os objetos e os fenômenos presentes na natureza. Passa-se, assim, uma idéia de que o passado estava errado e que suas teorias são, portanto, inferiores às do presente. Aos olhos do cientista, progresso signica uma vivência segura. Mas o lósofo da ciência percebe a ruptura e a descontinuidade cientíca, além da diferença temporal. A visão dos não-cientistas fundamenta-se na crença ideológica de que progresso e evolução signicam algo “novo” ou “fantástico”. Outro fator que alimenta essa crença é o resultado tecnológico das ciências, como, por exemplo, naves espaciais, computadores, satélites, fornos microondas, telefones celulares, cura de doenças que pareciam incuráveis, objetos plásticos descartáveis etc. Esses resultados tecnológicos são apresentados ao povo como sinônimo de “progresso” e não como diferença temporal.
É importante comentar que o conhecimento na Antiguidade era visto como um antídoto para se acabar com o medo do desconhecido, com as superstições e com as
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crenças daquela época. Na modernidade, o conhecimento cientíco passou a ter outro enfoque, outro m especíco: proporcionar ao homem uma vida mais fácil e longeva. Portanto, há uma aplicabilidade desse conhecimento na natureza e na vida do homem, se consideradas as condições dos antigos. Por isso, foi a idéia de evolução e progresso que prosperou na história. Mas, olhando-se pelo viés das teorias cientícas, a noção de progresso não se restringe aos exemplos citados acima.
(11.4) a inuência da ciência
na cultura e na história
O Renascimento foi um marco do conhecimento cientíco e, de lá para cá, a ciência vem cada vez mais dominando a cultura e a história. Principalmente nos dias atuais, sua presença e suas conquistas têm grande impacto na humanidade. A ciência se impõe com autoridade por meio da sua objetividade, racionalidade e exatidão. O homem moderno é racionalista e empirista, o que se reete claramente no seu dia-a-dia. Basta observar, por exemplo, que o currículo escolar é voltado para o estudo das ciências e a formação nas escolas é técnico-cientíca. Sem dúvida, quando se estuda a história, é impossível deixar de mencionar as grandes descobertas cientícas e suas conquistas, principalmente nos períodos moderno e contemporâneo. A ciência e a técnica foram importantes e decisivas nesses últimos séculos, chegando a mobilizar
pensadores e lósofos para uma reexão minuciosa e criteriosa sobre elas, a m de entender o rumo que a humani dade estava tomando. Não se nega a importância da ciência para a vida do homem. Mas ela pode tanto beneciar quanto prejudicar a humanidade, dependendo do modo como é feita e usada. Nos dias atuais, não é mais tolerável ter uma atitude ingênua e um entusiasmo fervoroso em relação a tudo que a ciência faz, como se fosse maravilhoso e perfeito. Faz-se necessário um posicionamento crítico sobre ela, tendo em vista os fatos concretos e a realidade.
atividades 1. 2. 3.
Por que a ciência não trabalha com verdades absolutas? Descreva as características ou propriedades do conhecimento cientíco. Por que, para Marilena Chaui, temos a idéia equivocada de que existe progresso e evolução no conhecimento cientíco?
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( 12 ) a s ciências humanas e sociais
Susana Salete Raymundo Chinazzo
(
)
n este capítulo, abordamos as ciências humanas e sociais, que estudam os aspectos do homem na sua subjetividade e como um ser social. São elas a antropologia, a losoa, a história, a sociologia, a ciência política, a lingüística, a psicologia, a economia, a geograa e o direito. É importante salientar, antes de discorrermos sobre esse tema, que elas se apresentam como possibilidade de aquietar os dese jos ou as necessidades de conhecer melhor a essência do ser humano. O período moderno foi marcado pela revolução cien-
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tíca que ocorreu no século XVII, como também pela ruptura da losoa com as ciências exatas, nascendo, assim, uma nova forma de se fazer ciência. Essa separação entre a losoa e as ciências exatas é vista como a separação das lhas da mãe Filosoa. A partir desse momento, a ciência adotou um outro modo de conhecer o real, distinto do conhecimento losóco, até então supremo. Passou a ter como critérios a objetividade e a cienticidade, nos moldes da matemática, e não mais nos da losoa, que se preocupava por excelência com o sujeito que conhece.
(12.1) o dilema das ciências
humanas e sociais
As ciências humanas e sociais surgiram somente no nal do século XIX e início do século XX, com o objetivo de fazer ciência nos moldes das ciências naturais. As duas grandes questões levantadas com o surgimento das ciências humanas e sociais foram as seguintes: não se estaria eliminando denitivamente a losoa da ciência? Seria possível a objetividade e a cienticidade nessas ciências? Com a revolução cientíca, a ciência buscou novos modelos e métodos para assegurar sua cienticidade e credibilidade, nos moldes da matemática, vista como exata, rigorosa, objetiva, universal, necessária e desprendida da subjetividade e do valor. Passou, assim, a ser denida como produtora de um conhecimento que se apropria do real e explica-o de forma objetiva, por meio de leis universais. Tendo em vista o modelo de cienticidade e de objeti-
vidade que as ciências da natureza seguem rigorosamente, ca a pergunta: as ciências humanas e sociais, tendo uma especicidade própria, conseguem usar o mesmo molde das ciências naturais? E se elas não usarem esse método, deixarão de ser ciências? Com o desenrolar do tempo, pensadores e epistemólogos passaram a questionar a cienticidade das ciências naturais no que se referia à objetividade, além de abordar a questão da subjetividade e da objetividade nas demais ciências. Esse questionamento ressaltou a problemática dessas questões e motivou a crise dos fundamentos cientícos das ciências no nal do século XIX e no decorrer do século XX.
(12.2) novos paradigmas da ciência Pensar um novo modelo de cienticidade ou de paradigmas para as ciências humanas e para a losoa, como tam bém repensar o modelo que está sendo empregado para as ciências naturais, é o objetivo da epistemologia. Keller1 comenta a necessidade de se repensar a relação entre sujeito e objeto para um novo “paradigma”, em que o sujeito deve reconhecer sua dependência. Mas a linguagem desse novo paradigma, do meu ponto de vista, é peculiarmente abstrata. Isso quer dizer que em vez de ter um sujeito autônomo, agora temos um sujeito que reconhece sua dependência de um contexto anônimo do qual adquire entropia para a sua auto-organização.2
Segundo essa autora, as ciências que estudam as relações humanas requerem uma orientação para um modelo ou
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um ideal de sujeito muito diferente, bem como uma concepção diferente de subjetividade daquela até então adotada. Para o professor Morin3 , o indivíduo é constituído pela sociedade e a sociedade é constituída pelos indivíduos. Mas, segundo Keller, o importante é olhar a ciência como produzida pelos seres humanos a partir de uma consciência humana. Em lugar de se tomar a objetividade como um produto cientíco auto-evidente, deve-se examinar, como se vem fazendo nos últimos dez anos, o aspecto subjetivo da objetividade. No conito entre os modelos de intersubjetividade, um dos extremos é representado pelo positivismo de Auguste Comte, que buscou passar para as ciências humanas o ideal de inteligibilidade e de cienticidade que fundamenta as ciências naturais, opondo-se a um grupo de autores signicativos da segunda metade do século XIX, entre eles Droyselr e Dilthey, que defendiam tenazmente a autonomia metodológica das ciências humanas e sociais. Karl Popper também analisou essa questão, quando expôs seu critério de refuta bilidade, com a intenção de estabelecer a distinção entre as ciências humanas e sociais e as ciências naturais, estabelecendo as formas de conhecimento e as condições de atingir a objetividade. Atualmente, permanece a dúvida sobre como praticar o saber das ciências humanas e sociais, e também sobre como resolver suas questões metodológicas e epistemológicas, sem cair na concepção das ciências naturais. As ciências humanas e sociais buscam conquistar um campo especíco de pesquisa com base na idéia de “homem” e “humano” em nossa cultura. As pesquisas especializadas em história, lingüística, educação, antropologia, sociologia, psicologia etc. contribuem essencialmente para uma reexão sobre o futuro e para uma melhor compreensão sobre o humano e o homem.
Sem dúvida, as ciências humanas e sociais encontram-se condicionadas à sociedade moderna. Não podemos também deixar de constatar que estão passando por uma crise profunda de identidade, vivendo um mal-estar. Contudo, as pesquisas e o interesse pelas disciplinas humanas e sociais vêm aumentando signicativamente no mundo da ciência, com a realização de várias obras especializadas, inúmeros congressos, colóquios, simpósios, encontros e seminários nessas áreas.
(12.3) o conhecimento
na pós-modernidade
Com a pós-modernidade, o conhecimento dividiu-se em áreas, isto é, a razão fragmentou-se e perdeu-se a visão de universalidade que se tinha antes do período moderno. Atualmente, a ciência não tem mais o intuito de defender a idéia de um projeto unicador e há certa cautela em se armar verdades radicais, mesmo que provisórias. Os discursos cientícos e políticos modernos são vistos como metanarrativas. Na concepção pós-moderna, as metanarrativas são denidas como obsoletas, nas suas explicações sobre o mundo. A fragmentação e a heterogeneidade das sociedades fazem parte do grande cenário cientíco em que as práticas não têm mais o caráter de legitimidade com a pretensão de totalizar o conjunto da experiência humana. O período pós-moderno é caracterizado pela provisoriedade de seus dados cientícos, pois diariamente surgem novas informações.
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É caracterizado também pela crise do projeto moderno, que possibilita condições para novas leituras e críticas desse projeto. Sem dúvida, a crise do discurso teve início com a questão dos movimentos de identidades raciais, étnicas, sexuais, locais etc. Em outras palavras, não há uma hegemonia cultural, ou melhor, não há uma razão universal que predomina, como ocorreu no período iluminista, em que dominava a razão branca da burguesia. A ciência, hoje, tem um olhar mais especíco para cada cultura, cada grupo e cada indivíduo, rejeitando a antiga concepção de universalidade da história da humanidade. Conseqüentemente, as soluções não serão as mesmas, nem mesmo as soluções técnicas. Surge uma nova visão de história, um novo discurso que origina outras formas de códigos e de mundo, admitindo uma grande heterogeneidade. Perante tal constatação de mudança de paradigmas, as ciências estão reformulando e redenindo questões como verdade/objetividade e falsidade/subjetividade, não denidas nas relações entre sujeito e objeto. Isto é, o cientista, ao analisar seu objeto de pesquisa, não parte mais objetivamente de dados a priori , pois acredita que os resultados serão subjetivamente constituídos. Essa postura cientíca demonstra a crise do modelo cartesiano, que marcou categoricamente o modelo de conhecimento da ciência moderna. Essa nova postura de fazer ciência leva pensadores e epistemólogos a questionar a objetividade e a idéia de uma ciência universal, observando, assim, a ilegitimidade e a insuciência do método para explicar os fenômenos complexos, sejam eles naturais, sociais, políticos, sexuais, étnicos etc. Segundo Maturana, a “ciência é como um sistema cognitivo somente pode gerar descrições e armações a respeito de objetos especicados estruturalmente [sic]”4. Em outras palavras, o autor concebe a organização dos seres
vivos através da noção de autopoiese, ou seja, considera que o ser vivo é autocriativo e os organismos, como sistemas vivos, são autopoiéticos, criadores de si mesmo. Conforme o autor5 , perde-se a autopoiese quando o ser vivo morre ou se desintegra. Com base nessa premissa epistemológica, o conhecimento não é mais concebido como uma representação exata da verdade, mas sim como uma forma de explicar a realidade, ou melhor, como uma construção da realidade. A incerteza, a contextualidade, a contingência, a singularidade e a particularidade fazem parte do novo cenário cientíco, e não mais aquela idéia de um conhecimento que consegue abarcar a totalidade, descobrir a verdade e, conseqüentemente, estabelecer as leis cientícas. Diante dessa situação, o homem tem concepções e respostas diferentes sobre o mundo, sobre as coisas e sobre o seu próprio futuro. Esse olhar subjetivo possibilitou a ele ser um agente do mundo em que vive, e notar o quanto a visão universal exclui as diferenças e desrespeita o modo de ser de cada povo, cultura.
(12.4) a s ciências humanas e sociais
na era da globalização
Sem dúvida, a sociedade está passando por um processo de transformação em todos os níveis, social, econômico, político e cultural, que afeta a vida e a organização social da população mundial, denominado de globalização. Como diz Hobsbawm6:
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Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou três últimos séculos. [...] As forças geradas pela economia tecnocientífica são agora suficientemente grandes para destruir o meio ambiente, ou seja, as funções materiais da vida humana. As estruturas das sociedades humanas, incluindo mesmo algumas funções sociais da economia capitalista estão na imanência de ser destruídas pela erosão do que herdamos do passado humano. Nosso mundo corre o risco de explosão e implosão.
A questão central epistemológica que ca é sobre a cultura e o próprio conhecimento, isto é, a cienticidade como tal. Segundo alguns antropólogos: o mundo pode ser visto como um pequeno viveiro ligado pela abrangente força da mídia e do capitalismo internacional. [...] [Essa visão] é o pano de fundo que serve de base ao empenho de muitos intelectuais à atividade [...]. Uma das coisas que a tecnologia realmente revoluciona é a escala, ou são as escalas, em que operam as relações sociais.7
A crise atual com que as ciências humanas e sociais se deparam diz respeito à constituição do sujeito, isto é, qual é a sua identidade? A que grupo pertence? Como dizem os cientistas políticos: Globalização diz respeito à multiplicidade de relações e interconexões entre Estados e sociedades, conformando o moderno sistema mundial. Focaliza o processo pelo qual os acontecimentos, as decisões e as atividades em uma parte do mundo podem vir a ter conseqüências significativas para indivíduos e coletividades em lugares distintos do globo.8
A globalização modela a subjetividade segundo os
interesses e as disputas dos capitais e das hegemonias políticas, tornando a relação da sociedade com o indivíduo extremamente complexa. Hoje, invadem-se culturas inteiras com pacotes de informações, entretenimentos e idéias, rompendo-se fronteiras e desconsiderando-se a história e as idéias que caracterizam o modo de ser de cada pessoa, ou seja, a sua individualidade. Como diz Marshall McLuhan 9: “A cultura eletrônica da aldeia global coloca-nos ante uma situação na qual sociedades inteiras comunicam-se mediante uma espécie de ‘gesticulação macroscópica’, que não é em absoluto linguagem no sentido usual”. O reexo dessa situação global está presente nas mídias de massa, que impõem padrões estéticos, éticos e políticos. Segundo Foucault, essas mídias têm tal poder sobre a sub jetividade que assumem o controle sobre certos comportamentos, determinando, assim, certos movimentos sociais e interferindo, sobretudo, no consumo de determinados produtos, em suma, invadindo a subjetividade e gerenciando a vida do indivíduo. Conforme a visão de Octavio Ianni10 , “a globalização ou o capitalismo é um modo de produção material e espiritual, um processo civilizatório revolucionando continuamente as condições de vida e trabalho, os modos de ser de indivíduos e coletividades, em todos os cantos do mundo”. O maior desao hoje é a idéia de autonomia em rela ção ao sujeito e ao objeto, visto que o objeto se autoconstrói. Faz-se necessária uma reorganização democrática da sociedade, perpassando pelo desenvolvimento da ciência e da técnica. Essas transformações estão diretamente ligadas à questão da subjetividade, mudando a visão de que as diferenças sociais não signicam desigualdade social, mas pluralidade. É preciso uma diversidade de experiências em dife-
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rentes grupos e indivíduos, dando espaço para que os grupos ditos excluídos possam mostrar suas identidades especícas, tornando-se sujeitos de suas vidas. O desao maior com que os cientistas se deparam no contexto atual é com a hierarquização das diferenças sociais e culturais. As ciências humanas e sociais buscam a constituição dos sujeitos contemporâneos para que possam desenvolver socialmente seus potenciais de diferença e preservar, assim, a sua individualidade e seu modo de ser, considerando seu sexo, raça, religião, cultura e as formas de manifestação de seus desejos e comportamentos. E que essa individualização ou subjetividade, ou identidade cultural, não seja legitimada como desigualdade social. A envergadura cientíca está justamente no âmbito das fronteiras mundiais, isto é, implica no resgatar, no pesquisar as nacionalidades, as regionalidades de cada povo e cultura, retomando, com isso, a criatividade e a subjetividade humana.
168 s s a i a d i a c o i s g o s l a o i c m n e ê t i s i c p E
atividades 1.
2. 3.
A revolução cientíca do século XVII marcou a distinção entre a losoa e as ciências exatas. Quais passaram a ser as características e os critérios da ciência? Qual é o critério no modelo de ciência atual que o diferencia do modelo de ciência do período moderno? Qual o efeito da globalização no modelo de ciência atual?
r eferências por capítulo
Capítulo 1
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
CHAUI, 1994, p. 28. Id. ABBAGNANO, 1982, p. 644. GUSDORF citado por SOUZA, 1995, p. 39. ARANHA; MARTINS, 1997, p. 22. MALINOWSKI citado por ABBAGNANO, 1982, p. 644. SOUZA, 1995, p. 39. ARISTÓTELES, 1969. BUZZI, 1983, p. 159. NIETZSCHE, 1989. ARISTÓTELES, 1969. PLATÃO, 1997. ARISTÓTELES, op. cit. KIERKEGAARD citado por BUZZI, 1983, p. 161.
15 PLATÃO, 1997. 16 PARMENIDES citado por BORNHEIM, 1993, p. 55. 17 ARISTÓTELES, 1969. Capítulo 2
1 2 3 4 5 6 7 8 9
ZILLES, 1994, p. 11. LOCKE, 1997, p. 145. HESSEN, 1987. BUNGE citado por BOMBASSARO, 1993, p. 42. BOMBASSARO, 1993. POPPER citado por BOMBASSARO, 1993. BOMBASSARO, 1993. Ibid., p. 33. LAKATOS citado por BOMBASSARO, 1993.
10 Id. 11 KUHN citado por BOMBASSARO, 1993. Capítulo 3
1 2 3
ZILLES, 1994, p. 59. PLATÃO citado por ZILLES, 1994, p. 59. DESCARTES, 1989, p. 5-6.
Capítulo 4
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
ABBAGNANO, 1982, p. 275. Id. Id. Id. CHAUI, 1994, p. 94. AGOSTINHO, 1997, p. 322. COTRIM, 1993, p. 72-73. Ibid., p. 71. HESSEN, 1987, p. 52. KANT, 1994, p. 89. Ibid., p. 5.
Capítulo 5
1 2 3 4 5 6 7
CHAUI, 1994. AGOSTINHO citado por COSTA, 1991, p. 77. ABBAGNANO, 1982, p. 819. DESCARTES citado por JAPIASSU, 1991, p. 88. DESCARTES, 1989, p. 44-45. Ibid., p. 26-27. CHAUI, 1994, p. 63.
170
Capítulo 6
s s a i a d i a c o i s g o s l a o i c m n e ê t i s c i p E
1 2 3 4
CHAUI, 1994, p. 120-121. HUME citado por SOUZA FILHO, 1991, p. 101. Ibid., p. 102. LOCKE citado por SOUZA FILHO, 1991, p. 100.
Capítulo 7
1 2 3 4 5 6
ABBAGNANO, 1982, p. 746. REZENDE, 1991, p. 120. COMTE citado por SIMON, 1991, p. 123. SIMON, 1991, p. 122. Ibid., p. 124. Id.
7 8 9
Ibid., p. 125. Ibid., p. 125-126. Ibid., p. 127.
Capítulo 8
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
ARANHA; MARTINS, 1997, p. 88. TREIN, 1991, p. 134. PLATÃO citado por ZILLES, 1994, p. 53. MONDOLFO citado por ZILLES, 1994, p. 54. SUCUPIRA FILHO, 1983, p. 68. HEGEL citado por TREIN, 1991, p. 142. CIRNE-LIMA, 1996, p. 19. REZENDE, 1991, p. 135. KANT, 1994. Id. HEGEL, 1995. CHAUI, 1994, p. 203. HEGEL citado por TREIN, 1991, p. 141.
Capítulo 9
1 2
CAPALBO, 1984, p. 139. MARTINS; BICUDO, 1989, p. 45.
Capítulo 10
1
ABBAGNANO, 1982, p. 472.
Capítulo 11
1 2 3 4 5
GALILEU citado por BUZZI, 1983, p. 112. HEIDEGGER citado por BUZZI, 1983, p. 110. KANT citado por BUZZI, 1983, p. 115. BACHELARD, 1977, p. 9. CHAUI, 1994.
Capítulo 12
1 2 3 4 5 6 7 8 9
KELLER, 1996. Ibid., p. 95. Ibid., p. 94. MATURANA, 1998, p. 19. Ibid., p. 18. HOBSBAWM, 1995, p. 562. MOORE, 1996, p. 7. MCGROW, 1992, p. 23. MCLUHAN citado por IANNI, 1996, p. 48. 10 IANNI, 1996, p. 59.
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g abarito
Capítulo 1
1. Compreender o quanto o conceito de mito é deturpado na sociedade. 2. Identicar os mitos existentes na atualidade e quais suas funções. 3. Conhecimento Filosóco: Racional, Sistemático Conhecimento Mítico: Narrativo, Fragmentado Capítulo 2
1. Compreender o conceito de epistemologia. 2. Reetir sobre as diferentes concepções do conhecimento nas losoas antiga, medieval, moderna e contemporânea.
3. Compreender que, a partir de Kant, o problema do conhecimento não só começou a ser objeto da teoria do conhecimento, mas também se tornou uma questão central para muitos pensadores. Capítulo 3
1. Compreender o processo proposto por Platão: 1) o conhecimento das idéias; 2) o esquecimento dessas idéias; 3) e a relembrança. 2. Compreender a origem e o processo do surgimento das idéias. Capítulo 4
1. Identicar na sociedade fatos que possam
ser caracterizados como um conhecimento cético, pragmático e crítico, conforme as denições que o texto apresenta, e comentar cada um deles. 2. Ceticismo – David Hume; Pragmatismo – Friedrich Schiller; Dogmatismo – Santo Agostinho; Criticismo – Immanuel Kant. Capítulo 5
1. Reetir sobre as diferenças entre losoa de vida e losoa como ciência. 2. Compreender que, para os gregos, o conhecimento signicava conhecer a essência das coisas, ou seja, conhecer o ser, e que no período moderno o conhecimento passou a ser visto como uma relação entre sujeito e objeto. 3. Compreender as quatro regras essenciais denidas por Descartes para se chegar a uma certeza indubitável. 4. Compreender que, para Santo Agostinho, o conhecimento só é possível se Deus iluminar o ser humano. Capítulo 6
1. Compreender o conceito de empirismo. 2. Identicar no cotidiano como se processam fatos ou práticas empiristas. 3. Perceber a necessidade e a importância do método experimental no processo da construção do conhecimento cientíco. 174 s s a i a d i a c o i s g o s l a o i c m n e ê t i s c i p E
Capítulo 7
1. Compreender o conceito de positivismo. 2. Compreender a distinção entre as fases teológica, metafísica e positivista. 3. Reetir sobre o motivo que levou Comte a criar uma ciência dos fenômenos sociais. Capítulo 8
1. Compreender o conceito de dialética na Idade Moderna. 2. Compreender o conceito de alma, segundo Sócrates. 3. Ampliar a compreensão sobre dois momentos essenciais da dialética socrática: ironia e maiêutica.
Capítulo 9
1. Compreender o conceito de fenômeno e sua relação com a fenomenologia. 2. Perceber a correlação entre consciência e objeto na fenomenologia. 3. Perceber que enquanto as ciências em geral se ocupam com o estudo dos fenômenos, a fenomenologia também toma como objeto de análise a consciência desses fenômenos. Capítulo 10
1. Compreender o conceito de hermenêutica. 2. Compreender o modelo formal-operativo da hermenêutica. 3. Compreender que a ciência humana é hermenêutica quando está relacionada à ação. 4. Perceber a essência da hermenêutica na atualidade. Capítulo 11
1. Compreender que a ciência arma uma verdade próxima da realidade, sujeita a modicações e até mesmo à substituição. 2. Ampliar a compreensão sobre o conhecimento cientíco por meio do estudo de suas características. 3. Compreender que, na concepção de Chaui, essa idéia equivocada se formou, entre outros motivos, pela busca da superação de paradigmas anteriores e pelos resultados tecnológicos da ciência, como as naves espaciais, os computadores, os satélites etc. Capítulo 12
1. Compreender que a ciência aborda a objetividade e a cienticidade, nos moldes da matemática. 2. Compreender que o modelo de ciência atual enfatiza o humano e o homem. 3. Compreender as conseqüências da glo balização para a ciência.