INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Ewerton Rodrigo Cardoso da Silva – 3º ano Direito – Faculdade de Direito de Franca / Franca- SP
PRIMEIRA AULA I. OBJETIVOS GERAIS Desenvolver no futuro bacharel noções básicas referentes à atuação do profissional em Direito, nas diversas áreas, esclarecendo-o a respeito dos variados ramos de sua possível atividade, além das opções que terá após diplomado. Da mesma forma, procurar desenvolver nele senso crítico no que se refere à atividade profissional a que irá se dedicar, bem como situar essa atuação na realidade atual. Desenvolver no futuro profissional da área jurídica o interesse pela filosofia do Direito, pela interdependência dessa ciência com os demais ramos de conhecimento humano, assim como pela ética profissional, postura e necessidade de fácil f ácil e adequada expressão verbal e escrita.
II. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Preparação do aluno da área jurídica para o estudo das disciplinas específicas do primeiro ao quinto ano, dotando-o de conhecimentos básicos e de natureza instrumental, que lhe facilitem a manipulação dos conceitos técnicos dos diversos ramos do Direito. preparação para o enfrentamento da realidade profissional, procurando-se demonstrar o funcionamento do espírito de pesquisa e aprofundmanto dos conceitos ensinados.
III.CONTEÚDO PROGRAMÁTICO PROGRAMÁTICO 1.Acepções da expressão Direito -Origem dos vocábulos Direito e jurídico -Direito -Nas línguas línguas modernas encontramos dois conjuntos de termos utilizados para exprimir a idéia de Direito. -Primeiro conjunto ligado ao vocábulo “direito” que encontra similar em todas as línguas neolatinas e, de forma geral, nas línguas ocidentais modernas: Droit (francês); Diritto (Italiano); Derecho (espanhol); Recht (alemão); Right (inglês); Dreptu (romeno). Essas palavras têm sua origem num vocábulo do baixo latim: directum ou rectum que significa “direito” ou “reto”. Rectum ou directum é o que é conforme a uma régua.
-Jurídico
Ao mesmo tempo encontramos palavras ligadas ao vocábulo jurídico, que também encontram similar em quase todas as línguas modernas. A etimologia desta palavra encontra-se no termo latino jus (juris), que significa “direito”. Ao procuramos o significado originário deste vocábulo ( jus ), ), encontramos, pelo menos duas origens diferentes, indicadas pelos filósofos. Alguns entendem que jus se tenha constituído do idioma latino, derivando de jussum , particípio passado do verbo jubere , que significa: mandar, ordenar. Outros entendem que o vocábulo jus seja uma derivação de justum , isto é, aquilo que é justo ou conforme a justiça. Na língua portuguesa falada no Brasil encontramos como exemplos de significados da palavra direito: -lado direito; -que não é curvo -aprumado - ereto; -íntegro - probo - justo - honrado - leal - franco - sincero; O mestre Aurélio também indica: - o que é justo, reto conforme a lei; - faculdade legal de praticar ou deixar de praticar um ato; - prerrogativa que alguém tem de exigir de outrem a prática ou abstenção de certos atos ou a respeito a situações que lhe aproveitam; - ciência das normas obrigatórias que disciplinam as relações dos homens em sociedade. Caio Mário da Silva Pereira o conceitua como: “direito é o princípio de adequação do homem à vida social”. Miguel Reale o define: “direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateralatributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos e valores”. 2.Pluralidade de significações do direito André Franco Montoro destaca cinco realidades fundamentais dos significados do direito, analisando as expressões seguintes: 1. O direito não permite o duelo; Neste caso, direito significa a norma, a lei, a regra social obrigatória. 2. O Estado tem o direito de legislar;
Nesta expressão direito significa a faculdade, o poder, a prerrogativa, que o Estado tem de criar leis. 3. A educação é direito da criança; criança ; Aqui direito significa o que é devido por justiça 4. Cabe ao direito estudar a criminalidade; criminali dade; Direito significa ciência, ou, mais especificamente, a ciência do direito. 5. O direito constitui um setor da vida social. Direito é considerado como fenômeno da vida coletiva, é um fato social.
1.DIREITO-NORMA É uma da acepções mais comuns do vocábulo. Neste aspecto, importante o exame do direito nas suas mais variadas realidades: - direito positivo : conjunto de normas elaboradas por uma sociedade determinada, para reger sua vida interna, com a proteção da força social; social ; - direito natural : constituído pelos princípios que servem de fundamento ao Direito positivo; - direito estatal : normas jurídicas elaboradas pelo estado para reger a vida social ex: Constituição - Código Civil - leis federais, estaduais municipais etc.; - direito não estatal ou social : normas elaboradas por diferentes grupos sociais e destinadas a reger a vida interna destes grupos - ex: direito universitário - direito esportivo - direito religioso - usos e costumes internacionais. Clóvis Beviláqua conceitua o Direito como: “regra social obrigatória”. O direito como norma de comportamento distingue-se das demais normas por ter estrutura bilateral, porque, enquanto atribui uma “prerrogativa” (faculdade, direito subjetivo) ou “competência” a uma parte, impõe uma “obrigação” a outra. Nas palavras de Paulo Dourado de Gusmão, a característica do direito enquanto norma é a coercibilidade.(possibilidade do emprego da força material para fazê-lo ser observado, ou melhor, na possibilidade de se recorrer ao Poder Judiciário para fazê-lo ser respeitado.
2. DIREITO-FACULDADE Direito faculdade ou direito poder que é o poder de uma pessoa individual ou coletiva, em relação a determinado objeto (direito de votar, de usar um imóvel, cobrar uma dívida, propor uma ação). Cada um desses direitos é uma prerrogativa ou faculdade de agir. Definido por Meyer como “o poder moral de fazer, exigir ou possuir alguma coisa”. Ortolan, como “a faculdade de exigir dos outros uma ação ou inação”. Ihering “é o interesse protegido pela lei”. Também se identifica como direito subjetivo. Este último se divide em direito-interesse e direito-função. Ao Direito concedido ou reconhecido no interesse do seu titular (satisfação de suas necessidades materiais ou espirituais - direito à vida, integridade física, liberdade, de usar um imóvel) denomina-se direito-interesse.
Por outro lado há direitos subjetivos instituídos em benefício de outras pessoas (pátriopoder - conferido ao pai no interesse do filho), que se intitulam direito-função.
3.DIREITO-JUSTO Relaciona o direito com o conceito de justiça. (ex. 1.salário é direito do trabalhador - palavra direito significa aquilo que é devido por justiça; 2.não é direito condenar um anormal - o que significa que não é conforme à justiça)
4.DIREITO CIÊNCIA A expressão direito, neste caso é empregada para designar a ciência do direito. (ex: estudar direito, doutor ou bacharel em direito).
5.DIREITO FATO SOCIAL Direito considerado como setor da vida social. Sob este aspecto, Gurvitch define o direito como “uma tentativa para realizar, num meio social, a idéia de justiça, através de um sistema de normas imperativo-atributivas”. Também é, em fórmula mais atual, o conjunto das condições de existência e desenvolvimento da sociedade, coativamente asseguradas.
SEGUNDA AULA 1. RELAÇÕES DA CIÊNCIA JURÍDICA COM AS DEMAIS DEMAIS CIÊNCIAS
1.1. CIÊNCIAS SOCIAIS Os séculos XIX e XX modificaram profundamente a noção do homem culto e da fonte do saber. Assim, até bem pouco tempo, bastava ao jurista, para ter cultura geral compatível com o seu papel social, ser iniciado em Filosofia e História. Hoje, a Filosofia, que perdeu muito de sua supremacia, é somente uma das fontes do saber utilizada pelo jurista para compreender, em sua totalidade, a realidade social de seu tempo. Desta forma, em nossa época, não mais se pode pensar em estudar o direito sem o conhecimento de outras ciências que facilitam a exegese, a aplicação e, principalmente, a criação do Direito. Entre tais ciências, destaca-se as ciências sociais, pela importância que tem para o direito, pois não se pode construir, interpretar ou aplicar o direito sem o seu conhecimento. O desconhecimento dessas ciências muito tem contribuído para a perda do papel social que desempenhou o jurista no nosso passado até os anos 60, para o qual concorreu também a crise do ensino jurídico, divorciado das demais ciências sociais, destinado exclusivamente a formar profissionais eficientes, “doutores em lei”, e não juristas. As ciências sociais são as que tem por objeto material o comportamento humano, apesar de cada uma delas ter por objeto formal próprio, ou seja, a perspectiva mediante a qual contempla o homem e estuda os fatos de sua conduta.
HANS KELSEN classifica as ciências sociais em: a) causais - as que se ocupam do comportamento do homem segundo o princípio da causalidade, procurando explicar aquela conduta como é de fato . Ex.: a psicologia, a história e a sociologia; b) normativas - as que tratam da conduta recíproca dos homens, não como efetivamente se realiza, mas como ela, determinada por normas positivas, deve realizar-se. Ex.: a ciência da moral e a ciência jurídica. A ciência jurídica é uma ciência social normativa distinguindo-se da história do direito, da psicologia forense, da sociologia jurídica, que, embora sejam ciências sociais, são causais. A ciência do direito vem sendo empregada em sentido ampla e em sentido estrito. Em sentido amplo o termo ciência do direito indica qualquer estudo metódico, sistemático e fundamentado dirigido ao direito, abrangendo nesta acepção as disciplinas jurídicas, tidas como ciências do direito, como a sociologia jurídica, a história do direito etc. Em sentido estrito o termo abrange a ciência do direito propriamente dita. É preciso ter em mente que não existe um conceito unitário de ciência do direito, por depender sua conceituação de diferentes pressupostos adotados pelo jurista. Para que o jurista tenha uma visão atual do direito é necessário que seja iniciado nas ciências sociais dentre as quais destacamos a Sociologia, pela importância que tem para o direito, pois, hoje não se pode formular, interpretar, ou aplicar o direito sem o conhecimento dessas ciência
e muito menos, construir a ciência jurídica, como autêntica ciência, sem uma visão sociológica. Sorokin define a Sociologia “não só a ciência da relações e correlações entre várias classes de fenômenos sociais (correlações entre os fatores econômicos e os religiosos; a família e a moral; o jurídico e o econômico; a mobilidade e os fenômenos políticos etc.), como, também, o estudo das relações entre os fenômenos sociais e os não sociais (geográficos, biológicos etc.), que a habilita a dar as características gerais comuns a toda classe de fenômenos sociais e a entendê-los como realmente são. E assim é porque a Sociologia estuda os fatos sociais, ou seja, os fenômenos sociais. Ora, o direito é um fato social, resultante do impacto de diversos fatores sociais (religião, moral, econômico, demográfico, geográfico etc.). A sociologia versa sobre os costumes e as normas sociais; ora, é sabido que, em suas origens, o direito se apresenta sob a forma de costumes. A Sociologia é, também, a ciência das instituições sociais; ora, o direito dá forma jurídica a muitas instituições sociais, como, por exemplo, a família, a propriedade etc. A Sociologia Jurídica é inconcebível sem a Sociologia, da qual é uma especialização. O estudo do fenômeno social da delinqüência é inconcebível sem o auxílio da Sociologia, principalmente o fenômeno da delinqüência juvenil, que reflete a dissolução dos costumes, a crise de afetividade, a crise do mercado de trabalho e a crise da família de nossos dias. A História, ou seja, o conhecimento do passado humano, ou ainda, o estudo do conjunto das manifestações da atividade e do pensamento humanos, considerados cronologicamente e em sua sucessão, seu desenvolvimento e suas relações de conexão ou dependência, é de grande utilidade para o jurista, por ser o direito um fenômeno histórico, que tem largo passado, ou seja, que tem História, relacionada com outros fatos e acontecimentos históricos. O Código Civil francês seria incompreensível sem a Revolução Francesa, bem como a Lei das XII Tábuas dos romanos sem a luta entre patrícios e plebeus ou as clássica Declarações de Direito sem as Revoluções Americana e Francesa. A Teoria da Divisão dos Poderes resultou do conflito entre a Coroa e o Parlamento Inglês, enquanto o direito do trabalho tem suas origens nas reivindicações trabalhistas da primeira fase da Revolução Industrial. A História fornece ao jurista as fontes históricas do direito. O direito atual tem suas raízes no passado. Governado pela força da tradição, o direito antigo encontra-se nas bases do direito vigente. Poder-se-ia pensar em direito alemão, francês ou italiano sem o direito romano ou em direito brasileiro sem as Ordenações Reais? Mas não é só, pois a História, dando a conhecer os direitos antigos, os erros cometidos pelos legisladores do passado e os bons e maus efeitos sociais das legislações antigas, aponta ao jurista e ao legislador de hoje o caminho que não deve seguir. Não se pode, pois, fazer ciência do direito sem o conhecimento da História. O jurista, disse Savigny, não pode deixar de ser um historiador. É importante notar que a História possui um segmento que tem por objeto o direito considerado como fato histórico. Grande é a importância dos estudos históricos do direito, pois, revelando os efeitos históricos das legislações, da jurisprudência e da doutrina, facilitam a compreensão do direito atual, além de fornecer aos jurista, ao legislador e ao juiz lições que devem ser aproveitadas. A Economia, ciência que versa sobre os problemas da produção, distribuição e consumo de bens e com os concernentes a preços, bem como em satisfazer as necessidades básicas do homem em promover o bem-estar social, oferecendo soluções para a reforma da ordem econômica, com a previsão de meios que o tornem viável, é outra com a qual o direito tem laços estreitos de parentesco. Não que o direito seja, como sustenta Stammler, a forma jurídica das relações econômicas ou o reflexo, como quer Marx, de ditas relações, mas porque há largo campo do jurídico em que os fatos econômicos têm importância fundamental. A intervenção do Estado no campo econômico, desde a Grande Depressão de 1929, ampliou o número de relações e atos
jurídicos de conteúdo econômico. As crises econômicas periódicas alteram os sistemas jurídicos. o controle de preços de gêneros alimentícios de primeira necessidade ou o congelamento de alugueres e salários, resultantes da crise de 1929, para a qual o direito então vigente não oferecia solução adequada, exigindo legislação especial, é exemplo que demonstra, de forma inequívoca, a dependência do direito do fator econômico e a importância da Economia, como ciência, para o legislador, o juiz e o jurista. A industrialização, entre nós, acelerando-se após os anos 30, fez evoluir o direito do trabalho. o direito econômico, que controla a produção e a circulação das riqueza, é ramo novo do direito, que apareceu devido à importância adquirida pelas relações econômicas depois da Primeira Guerra Mundial. O valor da Economia para o jurista tornou-se tal, que nas Faculdades de Direito foi criada a cadeira de Economia Política. Por isso, não se pode negar as relações estreitas entre Economia e Direito e o valor que tem para o jurista. A Moral, que tem por objeto o comportamento humano regido por regras e valores morais, que se encontram gravados em nossas consciências, e em nenhum código, comportamento resultante de decisão da vontade, que torna o homem, por ser livre, responsável por sua culpa quando agir contra as regras morais, tem relações muito próximas com o Direito. Não se precisa ir muito longe para admiti-las porque norma, liberdade, culpa, responsabilidade e sanções são temas básicos da moral. Por isso, tem ela importância fundamental para o Direito, que é controle social eficaz da conduta humana. Muitas regras morais foram acolhidas pelo direito; não matar (implícita na punição do homicídio), não causar dano injusto a outrem (fonte da obrigação de reparar), respeitar a palavra dada (básica no direito dos contratos) etc. Na Moral e na Religião encontra-se a origem do direito antigo. A Justiça, valor jurídico fundamental é valor moral. O estudo da Moral, de suas regras e dos costumes é, pois, relevante para o jurista, principalmente para humanizar as relações econômicas e o mundo materializado de nossos dias. A Ciência política, que estuda o pode, o governo do Estado, os costumes políticos, as ideologias etc., tem laços estreitos com o direito, por ser o direito estatal o direito por excelência no mundo atual. A Ciência Política é, pois, de importância fundamental para o direito constitucional.
1.2. MEDICINA LEGAL É o emprego de conhecimento médico-cirúrgicos com o objetivo de constituir prova, quando o homem em si é objeto dela. A Medicina legal facilita a interpretação e a aplicação da lei penal quando esta emprega noções que só ela pode definir, como, por exemplo, aborto, virgindade, morte, lesão corporal etc. Perrando a define como parte da ciência médica que se dedica a “todos os problemas biológicos e médico-cirúrgicos, que têm relação com a evolução das ciências jurídicas e sociais, bem como, de forma sistemática, fornece noções técnicas indispensáveis à solução das questões de índole técnica nos procedimentos judiciários”. Os conhecimentos médicos são valiosos tanto no direito penal como no direito civil . Assim, por exemplo, do exame de sanidade mental pode resultar na interdição de pessoa de maioridade; no direito de família muitos casos dependem de perícia médica, como, por exemplo: determinação da capacidade para o ato sexual motivadora de anulação de casamento, a investigação de paternidade etc.
1.3. PSICOLOGIA JUDICIÁRIA
É a parte da psicologia a serviço do Judiciário, que, servindo-se da psicologia possibilita descobrir o falso testemunho e a autoria de delitos. Não reduz suas investigações ao delinqüente, mas se dedica mais ao testemunho como meio de prova. Ao tratar do delinqüente, não indaga os fatores psicológicos do delito - objeto da psicologia criminal, mas colabora na formação da convicção do juiz sobre a veracidade ou falsidade do depoimento do delinqüente. Trata também da psicologia do magistrado, do advogado e do promotor. Analisa documentos e fatos em função da personalidade de seus autores e da idade, do sexo e estado de saúde dos mesmos. Oferece meios para descobrir verdades, falsidades, simulações etc. Pode ser definida como a técnica psicológica a serviço do processo judicial, com o objetivo de descobrir a verdade, falsidade ou simulação de atos, confissões , depoimentos, condutas etc.
1.4. CRIMINOLOGIA A Criminologia é o estudo do homem criminoso, isto é, do delinqüente do crime, não do ponto de vista legal, mas dos fatores que o determinam. Funda-se, exclusivamente, em métodos científicos, alheada das definições e das categorias jurídico-penais. Trata do crime como um fato, sem cogitar de seus “elementos normativos”. Assim, a Criminologia não cogita do crime no sentido jurídico, da pena como sanção jurídica, mas do crime como fato, como expressão da personalidade do delinqüente e do meio social. Estuda, pois, o delinqüente, não a lei penal, indagando as motivações (individuais e sociais) que o levam a delinqüir. Visa conhecer melhor o criminoso, para melhor recuperá-lo e prevenir melhor. Por isso, é o estudo das causas ou fatores da criminalidade como objetivo de evitar ou reduzir a criminalidade e de obter a recuperação do delinqüente. Indaga as causas e os fatores do crime de modo a predizer, com certa probabilidade, as condições favoráveis à criminalidade e os meios de evitá-la ou reduzi-la. Considera, funcionalmente, a pena como meio de readaptação do criminoso à vida em sociedade e como meio preventivo, sem levar em conta seu aspecto retributivo. Assim, para a criminologia vale mais o aspecto "corretivo" da pena do que o “retributivo”. Compreende a antropologia criminal, a psicologia criminal e a sociologia criminal, que, juntas, constituem o que se tem denominado criminologia teórica. A história da criminologia começa na Itália, com Lombroso (1835-1909), fundador da “escola antropológica” também denominada “escola italiana”, aparecida em 1871, com a publicação do livro L’uomo Delinquente, em que Lombroso defende a tese de o criminoso ser reconhecível por caracteres morfológicos.
1.5. ANTROPOLOGIA CRIMINAL É a parte da criminologia que estuda as causas endógenas (que cresce para dentro ou no interior) do delito. Estuda o delito como resultado de fatores orgânicos e biológicos. Pesquisa as características orgânica e morfológica (estudo da formação e da transformação dos corpos orgânicos) dos criminosos, servindo-se nessa pesquisa do método estatístico. Interpreta o crime como reflexo de uma personalidade, resultante de vários fatores (somático - relativo ao corpo, psicológico, social). Querendo resumir, é lícito dizer que a Antropologia Criminal estuda o delito
como resultante de fatores orgânicos e biológicos, ou melhor, como resultante de fatores orgânicos e constitucionais. É muito útil na avaliação da periculosidade do delinqüente.
1.6. PSICOLOGIA CRIMINAL Pesquisa os “processos psíquicos do homem delinqüente” (Guarnieri). Interessa-se pelos motivos que o levaram a delinqüir. Não cogita do delinqüente anormal ,objeto da Psiquiatria Criminal. A Psicologia Criminal nos dá uma lista de tipos de delinqüentes, caracterizados por um dos processos psicológicos: instintivos (dominados pelo instinto de conservação ou de procriação), neuróticos (movidos por neuroses), afetivamente pervertidos (insensíveis, indiferentes, egoístas) emotivos, emocionais, vingativos etc. Os menores delinqüentes têm merecido dela estudo aprofundado, demonstrando a Psicologia que eles são levados à delinqüência pela imaturidade, por erros de educação, por problemas afetivos, pela crise da família, pela falta de amparo dos pais, pelos maus exemplos etc.
1.7. SOCIOLOGIA CRIMINAL Investiga os fatores ambientais e sociais do delito. Trata o delito como fato social. Reconhece que o delito resulta de vários fatores sociais, para o qual concorre o indivíduo, com seus fatores somáticos e psicológicos. A Sociologia Criminal concentra-se nos fatores sociais da delinqüência (morais, econômicos, políticos, raciais, climáticos, educacionais etc.)
1.8. CRIMINALÍSTICA Entende-se como a ciência que trata das provas criminais: prova pericial (médica, antropométrica, datiloscópica etc.), bem como das técnicas para descobrir o autor do crime e o falso testemunho. Ramo da ciência penal que tem por objeto a investigação dos delitos.
APLICAÇÃO DO DIREITO O momento da aplicação da norma jurídica é característico do direito positivo. As normas positivas existem para ser aplicadas por um órgão competente, juiz, tribunal, autoridade administrativa ou particular. A aplicação do direito é decorrente da competência legal. O juiz aplica as normas gerais ao sentenciar; o legislador, ao editar leis, aplica a Constituição; o Poder Executivo, ao emitir decretos, aplica norma constitucional; o administrador ou funcionário público aplica sempre normas gerais ao ditar atos administrativos; simples particulares aplicam norma geral ao fazer seus contratos e testamentos. Este estudo irá ater-se, principalmente à aplicação feita pelo Poder Judiciário que consiste em submeter um caso particular ao império de uma norma jurídica. A finalidade das normas jurídicas é a composição dos conflitos realizada pelos juizes, baseados, principalmente na lei. A composição é, na realidade, um silogismo, em virtude do qual se aplica a norma geral e prévia a um caso concreto. A premissa maior é a norma jurídica regulando uma situação abstrata, e a premissa menor é o caso concreto devidamente esclarecido pelas partes. A conclusão é a sentença judicial que aplica a norma abstrata ao caso concreto. Cabe às partes alegar e provar as questões de fato, devendo o juiz dar a norma jurídica competente para resolver o conflito. A aplicação coercitiva do direito é da competência exclusiva do Estado, no que concerne ao direito interno, e das organizações internacionais, no que diz respeito ao direito internacional. No primeiro caso, é ato de direito público pelo qual a autoridade administrativa ou judiciária competente impõe as conseqüências jurídicas previstas na norma jurídica a um caso concreto. É,
assim, o ato de direito público que transforma a norma geral em norma individual sob a forma de sentença ou de decisão administrativa. A autoridade administrativa pode aplicar de ofício ditas conseqüências, sem ser provocada pela parte, desde que ocorra a condição (fato) prevista na norma para a produção de seus efeitos. Já o juiz (autoridade judiciária) só as aplica quando provocado pela parte interessada. O meio de provocar a aplicação judicial do direito é a ação, regida pelas leis processuais, que completa e protege a pretensão que tem todo titular do direito subjetivo, ou seja, que completa e protege a faculdade de exigir de outrem uma prestação, componente do direito subjetivo. Torna efetiva a pretensão, possibilitando que o Estado, monopolizador do poder coercitivo, a faça ser direta ou indiretamente atendida. Na sociedade primitiva não era assim, por nela imperar a justiça privada. A toda pretensão corresponde uma ação, como a todo direito subjetivo, uma pretensão. Sem a ação, o direito está desarmado, passando a pertencer ao reino da Moral, como ocorre quando há prescrição, em que a prestação não pode mais ser exigida judicialmente, ficando o cumprimento da mesma dependendo exclusivamente da vontade do devedor. Assim, o titular do direito, além de ter o direito subjetivo, ao qual corresponde uma pretensão, tem, por ser titular, direito de ação, ou seja, o direito autônomo de provocar a prestação jurisdicional do Estado por meio de uma ação (direito subjetivo público) .Ação pode ser definida como o meio processual, previsto na lei processual, pelo qual é pleiteável a tutela do Estado para o direito ameaçado, contestado ou lesado, ou, então, o meio de provocar a prestação jurisdicional do Estado para a proteção de um interesse legítimo. Ajuizada a ação, contestada, isto é, com a “resposta” do réu, produzida a prova, chega o momento da aplicação do direito, na fase final do processo. Nesse momento o juiz tem que, primeiro, determinar a natureza da demanda e precisar a pretensão das partes. Feito isto, verifica a norma jurídica aplicável ao caso sub judice. Em regra, aplicável é o direito nacional, em virtude do princípio da territorialidade das leis, que prescreve estarem todas as pessoas, nacionais ou estrangeiras, que se encontrarem no território do Estado, submetidas às suas leis. Mas pode ao caso ser aplicável mais de um direito, o direito nacional e o estrangeiro, por serem, por exemplo, as partes estrangeiras, ou por ser só uma delas, por ter sido o ato celebrado no estrangeiro etc. Em tal ocorrendo, há conflito de leis no espaço, dirimido pelo direito internacional privado. Pode ocorrer que o ato tenha tido o começo de sua formação sob o império de uma lei já revogada, no qual tenha se formado quase totalmente, tendo sido concluído, entretanto, na vigência de outra lei. Quando tal ocorrer haverá conflito de leis no tempo, surgindo a questão da retroatividade ou da irretroatividade da lei nova ou de sua aplicação imediata. Pode ser argüida por uma das partes a inconstitucionalidade da lei, ou seja, a incompatibilidade da lei, aplicável ao caso concreto, com a Constituição. Mas, havendo dúvida quanto à constitucionalidade, deve o juiz seguir a lição de Black: “Havendo razoável dúvida, resolve-se em favor da constitucionalidade”. Pode ser argüida a revogação tácita da lei quando incompatível com lei nova da mesma natureza, em vigor ao tempo do julgamento, que a torna inaplicável ao caso sub judice. Finalmente, pode ocorrer não ser o caso concreto previsto no direito vigente, ou seja, pode inexistir norma aplicável ao mesmo. Aí, diz-se haver lacuna do direito, sanável pela analogia, pelos costumes e pelos princípios gerais do direito. Se o caso concreto for trabalhista, a lacuna poderá ser preenchida pela eqüidade. Assim, mesmo havendo lacuna, o juiz terá meios para encontrar a norma jurídica aplicável a questão não prevista. Mas, se se tratar de questão criminal, havendo lacuna, inaplicável a analogia, bem como se se tratar de restrição de direitos. Determinada afinal a norma jurídica aplicável ao caso concreto, o juiz deverá interpretá-la. Pela interpretação estabelece o exato sentido da norma, o seu alcance, as suas conseqüências jurídicas e os elementos constitutivos do caso típico nela previsto. Interpretada, verificará o juiz se o caso concreto corresponde ao caso típico legal. Se corresponder, aplicará ao mesmo as conseqüências jurídicas previstas na norma. Tal aplicação tem a forma do raciocínio silogístico. Daí denominar-se silogismo jurídico ou judicial a atividade mental de aplicação do direito. Dito silogismo tem por premissa maior a norma jurídica; por premissa menor, o caso concreto a ser
decidido pelo juiz, e por conclusão ou corolário, a sentença, que impõe a uma das partes ou a ambas as conseqüências previstas na norma jurídica. Assim, por exemplo, ocorrendo bigamia, teríamos o seguinte raciocínio - premissa maior: nulo é o casamento se ocorrer bigamia (preceito legal); premissa menor : Fulano, casado, escondendo tal situação, casa-se com Beltrana, solteira, que pode desconhecer o estado civil do seu noivo; conclusão: nulidade do casamento, além do procedimento penal. Podem existir silogismos jurídicos sucessivos, que ocorrem quando a aplicação de uma regra de direito supõe a aplicação preliminar de outras regras, tendo, então, de se “decompor o raciocínio em uma série de silogismos sucessivos”. Como, por exemplo, no caso em que houver conflito de leis no espaço. Para Kelsen a conclusão, ou seja, a sentença, é norma jurídica individual, por ser a concretização de uma norma geral, tendo em vista as particularidades do caso concreto. Mas, o silogismo nem sempre é simples, podendo haver, na premissa maior, recurso ao direito intertemporal, se se tratar de norma revogada, ao direito internacional privado, se se tratar de dúvida quanto à legislação aplicável (nacional ou estrangeira) ou a mais de uma lei, enquanto o caso concreto pode apresentar particularidades que obriguem o juiz a recorrer a mais de uma regra jurídica para resolver a questão principal ou os incidentes. Pode se afirmar que o julgamento é um silogismo, porém, não se deve acreditar ser a atividade judicial simples operação lógica, não só porque na aplicação do direito entram fatores psíquicos e apreciações de interesses, especialmente na determinação do sentido da lei, como também porque o juiz nunca deixa de ser uma personalidade que pensa e tem uma consciência e vontade, para ser degradado a um autômato de decisões. Dramática, muitas vezes, é a aplicação do direito, bastando lembrar, por exemplo, a aplicação do direito de família no tocante à posse e guarda de filhos menores quando separados estão os pais. Muitas vezes, nesses casos, há drama na consciência do juiz entre a frieza da lei ( dura lex, sed lex ), os interesses dos menores, que comandam a decisão, e o sofrimento do pai ou mãe ao perder a guarda do filho. A norma contém, em si, uma generalidade, procede por abstração, fixando tipos, referindo-se a uma série de casos indefinidos e não a casos concretos. De modo que essa abstração de normas, em virtude de seu processo generalizante, implica seu afastamento da realidade, surgindo um antagonismo entre normas jurídicas e fatos. Contudo, essa oposição não é uma hiato insanável, porque os fatos individuais apresentam o geral determinado no conceito abstrato, ou seja, uma “nota de tipicidade” que permite sejam enquadrados nos conceitos normativos. Deveras, a norma jurídica só se movimenta ante um fato concreto, pela ação do magistrado, que é o intermediário entre a norma e a vida ou o instrumento pelo qual a norma abstrata se transforma numa disposição concreta, regendo uma determinada situação individual. Assim, o dispositivo do Código Civil que estabelece a proteção possessória, garantindo o possuidor, permanece como norma abstrata até o momento em que o possuidor, alegando uma turbação da posse, pede ao órgão judicante a aplicação da norma protetora . A aplicação do direito, dessa forma concebida, denomina-se subsunção. O conceito normativo contém uma potencialidade que possibilita a subsunção dos objetos individuais por ele abarcados, excluindo os que não o são. A subsunção revela a perseverança do juiz em se aproximar mais da realidade fática, completando o pensamento abstrativo contido na norma. A norma de direito é um modelo funcional que contém, em si, o fato, pois sendo um tipo geral oposto à individualidade concreta, pode ser adaptada a esta última. Logo, o tipo contido no preceito normativo tem dupla função: é meio de designação dos elementos da hipótese de fato, e forma de apreensão e exposição de relações jurídicas. A subsunção tem como problema central a qualificação jurídica dos casos sub judice, que apresenta dificuldades, devido a dois fatores: 1º) A falta de informação sobre os fatos do caso. Com freqüência, o juiz ignora se o caso concreto pertence ou não a uma classe, a um tipo legal, porque não possui as informações necessárias. P. Ex: mesmo sabendo que todo ato de alienação é gratuito ou oneroso, ele pode ignorar se a alienação que “A” fez de sua casa a “B” foi a título oneroso ou gratuito, simplesmente porque
desconhece se “B” pagou ou não uma importância pelo imóvel. Essa dificuldade de se saber se “A” dispôs da casa a título oneroso ou gratuito pode originar-se de outra fonte, ou seja, a indeterminação semântica, vaguidade ou ambigüidade, dos conceitos gerais contidos na norma. Mesmo conhecendo todos os fatos do caso, pode o magistrado, ainda, não saber se a soma de dinheiro que “B” entregou a “A” como pagamento pelo imóvel constituía ou não um preço, em sentido técnico. Suponha-se, p. ex., que essa quantia fosse muito inferior ao valor econômico da casa. Hipótese em que podem surgir dúvidas sobre o fato: trata-se de uma compra e venda ou de uma doação encoberta? Essa primeira dificuldade - falta de conhecimentos empíricos - é de uma certa forma remediável pelas presunções legais, que permitem ao órgão jurisdicional suprir sua falta de conhecimento dos fatos e atuar como se conhecesse todas as circunstâncias relevantes do caso; levam-se em conta o princípio do onus probandi , segundo o qual todo aquele que afirma a existência de um fato deve prová-lo, e uma série de outras presunções: a da boa fé, a da onerosidade dos atos mercantis etc., que constituem um conjunto de regras auxiliares para a determinação da existência jurídica dos fatos. A produção da prova visa criar no juiz a convicção da existência de certos fatos, direta ou indiretamente relevantes, descobertos sempre com base nas normas que regem os meios de prova admitidos em direito (confissão, depoimento testemunhal, documentos, perícia etc.) 2º) A indeterminação semântica dos conceitos normativos, que não pode ser totalmente eliminada, podendo, porém, em certo ponto, ser mitigada mediante a introdução de terminologia técnica, o emprego de conceitos técnicos, introduzidos por meio de definições explícitas que estipulam suas regras de aplicação. A subsunção do caso individual sob um genérico encontra-se ante a questão: o caso concreto tem solução, mas o magistrado não sabe qual é, ou porque falta informação sobre algum fato relevante (lacuna de conhecimento) ou porque o caso individual cai dentro da zona de vaguidade ou de penumbra de algum conceito relevante (lacuna de reconhecimento). Na determinação do direito que deve prevalecer no caso concreto, o juiz precisa verificar se o direito existe, qual o sentido exato da norma aplicável e se esta aplica-se ao fato sub judice. Para a subsunção, resolvendo-se os problemas oriundos das lacunas de conhecimento e de reconhecimento, é necessária uma interpretação para saber qual a norma que incide sobre o caso sub judice, ou melhor, para determinar a qualificação jurídica da matéria fática sobre a qual deve incidir uma norma geral. Para subsumir o órgão precisa interpretar. A subsunção está condicionada por uma prévia escolha de natureza axiológica, entre as vária interpretações possíveis. Quando o magistrado não encontra norma que seja aplicável a determinado caso, e não podendo subsumir o fato a nenhuma norma, porque há falta de conhecimento sobre um status jurídico de um certo comportamento, devido a um defeito do sistema normativo que pode consistir na ausência de uma solução, ou na existência de várias soluções incompatíveis, estamos diante de um problema de lacuna normativa, no primeiro caso ou de lacunas de conflito ou antinomia, no segundo. A lacuna constitui um estado incompleto do sistema que deve ser colmatado ante o princípio da plenitude do ordenamento jurídico. Daí a importante missão do art.4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que dá ao magistrado, impedido de furtar-se de uma decisão, a possibilidade de integrar ou preencher a lacuna, de forma que possa chegar a uma solução adequada. Trata-se do fenômeno da integração normativa. É um desenvolvimento aberto do direito, dirigido metodicamente, em que o aplicador adquire consciência da modificação que as normas experimentam, continuamente, ao serem aplicadas às mais diversas relações da vida, chegando a apresentar, na ordem normativa, omissões concernentes a uma nova exigência da vida. O juiz tem permissão para desenvolver o direito sempre que se apresentar uma lacuna. Ao lado do princípio da plenitude do ordenamento jurídico situa-se o da unidade da ordem jurídica, que pode levar-nos à questão da correção do direito incorreto. Se se apresentar uma antinomia, ter-se-á um estado incorreto do sistema que precisará ser solucionado, pois o
postulado desse princípio é o da resolução das contradições. O sistema jurídico deverá, teoricamente, formar um todo coerente, devendo, por isso, excluir qualquer contradição, assegurando sua homogeneidade e garantindo a segurança na aplicação do direito. Para tanto, o jurista lançará mão de uma interpretação corretiva guiado pela interpretação sistemática, que o auxiliará na pesquisa dos critérios a serem utilizados pelo aplicador do direito para solucionar a antinomia. É preciso frisar que o princípio lógico da não contradição não se aplica às normas conflitantes, mas às proposições que as descrevem . Antinomia é o conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. Havendo lacuna ou antinomia, o jurista, ante o caráter dinâmico do direito, ao sistematizá-lo, deve apontar critérios para solucioná-las. O processo de sistematização jurídica compreende várias operações que tendem não só a exibir as propriedades normativas, fáticas e axiológicas do sistema e seus defeitos formais (antinomias e lacunas), mas também a reformulá-lo para alcançar um sistema harmônico, atendendo aos postulados de capacidade total de explicação, ausência de contradições e aplicabilidade fecunda do direito a casos concretos. Logo, havendo lacuna ou antinomia, a sua solução é encontrada no sistema jurídico elaborado pelo jurista. O magistrado, como dissemos, ao aplicar as normas jurídicas, criando uma norma individual, deverá interpretá-las, integrá-las e corrigi-las, mantendo-se dentro dos limites marcados pelo direito. As decisões dos juizes devem estar em consonância com o conteúdo da consciência jurídica geral, com o espírito do ordenamento jurídico, que é mais rico de conteúdo do que a disposição normativa, pois contém critérios jurídicos e éticos, idéias jurídicas concretas ou fáticas que não encontram expressão na norma do direito. Por isso, a tarefa do magistrado não é meramente mecânica, requer um certo preparo intelectual, ao determinar qual a norma que vai aplicar. A aplicação jurídica encerra as seguintes operações técnicas: 1º) construção de conceitos jurídicos e ordenação sistemática do direito pela ciência jurídica; 2º) determinação da existência da norma jurídica no espaço e no tempo, pelo órgão; 3º) interpretação da norma pelo jurista e pelo órgão; 4º) integração do direito pelo órgão; 5º) investigação corretiva do direito pelo órgão e pelo jurista; 6º) determinação, pelo órgão, da norma ou das normas aplicáveis, por servirem de fundamento de validade à norma individual (sentença); 7º) estabelecimento de uma relação entre a norma individual, criada pelo órgão para o caso sub judice, com outras do ordenamento que se sabe válidas. Ao Poder Judiciário está reservada a grande responsabilidade de adequar o direito, quando a sua vigência social apresenta sintomas de inadaptabilidade em relação à realidade social, mantendoo vivo. Desta afirmação não se infere que o juiz tenha uma liberdade onímoda. (Que abrange tudo, que não tem restrições, que é ilimitado) O órgão judicante é livre não só para aplicar a norma que julgar adequada ao caso, ainda que não haja sido invocada no processo, e mesmo em grau de recurso, mas também para solucionar antinomias e preencher as lacunas, de conformidade com os meios previstos no art. 4º da nossa Lei de Introdução ao Código Civil, que permite uma integração analógica, introduzindo uma norma não expressa, que autoriza a utilização de normas costumeiras e o recurso aos princípios gerais de direito, que leva à introdução no sistema de normas generalíssimas não explícitas. Seria este artigo uma espécie de norma de “reconhecimento” ou de identificação, cujo conteúdo, além de oferecer critérios caracterizadores para a inclusão da norma de conduta latente no sistema, confere ao magistrado o poder de criação da norma individual completante, permitindo assim o desenvolvimento judicial aberto, em caso de lacuna. Contudo o juiz, ao aplicar o direito, não deve exceder aos ditames jurídico-legais, nem prejudicar terceiros.
Dentro da ordem jurídica, o poder de jurisdição do magistrado tem uma zona de liberdade, dentro da qual pode exercer sua atividade. A liberdade de julgar só é garantida nos limites da órbita jurídica que lhe corresponde; se o órgão judicante ultrapassar esses marcos, invade órbitas jurídicas alheias e sua atividade torna-se uma perturbação da ordem, um abuso de direito. Percebe-se que o problema do abuso do direito, ou desvio de poder, está em íntima conexão com o direito subjetivo, pois este apresenta-se na vida jurídica como uma posição diante da norma, uma autorização dada pela norma a um sujeito, de fazer ou de ter algo, em face de alguém que se obriga. Logo, se o magistrado exceder tal permissão que lhe foi dada normativamente estará agindo de modo abusivo. Assim sendo, o poder jurisdicional está limitado pelas normas, visto que, além de se ater às normas processuais, deve, por exemplo: 1) circunscrever-se aos fatos em que se funda a relação jurídica litigiosa; 2) deter-se nos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; 3) obedecer a normas legais sobre formas probatórias dos atos jurídicos; 4) considerar as presunções legais; 5) levar em conta, ao solucionar antinomias e ao preencher lacunas, o espírito informador do ordenamento jurídico, fixando-se no complexo daquelas convicções sociais vigentes, que integram o sistema valorativo da ordem jurídica em vigor, bem como no disposto nos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. As decisões dos juizes estão condicionadas pelo sistema jurídico em seus três subconjuntos: normativo, valorativo e fático. Se, nos casos de lacuna, o magistrado julga sem lei, até mesmo contra ela, para preencher omissão legal, atendendo às necessidades emergentes da vida social e aos reclames da justiça, é o sistema, em seu todo, que o autoriza a criar norma individual sem relação lógica de subalternação a uma lei. A norma individual possui, portanto, um limite, que seria a sua plena e pacífica compatibilidade com o ordenamento jurídico a fim de nele poder penetrar sem causar-lhe incongruências. Se assim não fosse, a ciência do direito não teria como considerar válida a norma individual do juiz, que julga caso inédito. A tarefa do órgão judicante é criadora, por dar como explícito algo já implícito no sistema jurídico, estabelecendo a norma individual relativa ao caso sub judice.
O juiz, diante de cada caso, deve distinguir as questões preliminares das questões de mérito e, no campo destas, deve, ainda, subdividir os problemas que podem surgir em questões de direito e em questões de fato. A questão preliminar é a de que depende a admissão do debate; abrange os problemas referentes à capacidade das partes e à competência do juiz. Assim, nas questões preliminares é que se aprecia se a parte é legítima, se está devidamente representada e se o juiz é competente para dirimir o conflito. A competência pode depender da natureza do interesse em litígio ou do domicílio das partes, ou, ainda, de outros critérios fixados pelo Direito Processual.
VALIDADE DA LEI Tomando o termo validade como gênero, nele distinguimos a vigência como validade formal ou técnico-jurídica, a eficácia como validade fática, e o fundamento axiológico como validade ética. Logo, a validade seria um complexo, com aspectos de vigência, eficácia e fundamento. Estes três aspectos essenciais da validade são os requisitos para que a norma jurídica seja legitimamente obrigatória. Há na norma uma relação necessária entre validade formal, fática e ética. Vigência, validade formal ou técnico-jurídica, é uma qualidade da norma de direito.
Para Hans Kelsen, vigência seria a existência específica da norma, indicando uma propriedade das relações entre normas. Assim , uma norma inferior só será válida se se fundar em uma superior, reveladora do órgão competente e do processo para sua elaboração. A norma válida, então, será a promulgada por um ato legítimo de autoridade, não tendo sido revogada. A existência de uma norma positiva, isto é, sua vigência, é diferente da existência do ato de vontade que a põe. A norma pode ser vigente até mesmo quando o ato de vontade de seu elaborador deixou de existir. O indivíduo que criou uma norma jurídica não precisa continuar a querer a conduta normada para que a norma seja vigente. Logo, a validade da norma independe do ato volitivo de seu elaborador, que é tão-somente condição de existência. A norma será vigente, portanto, mesmo que não tenha sido aplicada ou ainda que seu criador não mais exista. Será imprescindível para que tenha vigência (sentido amplo) a presença de alguns requisitos, como: 1º) elaboração por um órgão competente, que é legítimo por ter sido constituído para tal fim; 2º) competência ratione materiae do órgão, isto é, a matéria objeto da norma deve estar contida na competência do órgão; 3º) observância dos processos ou procedimentos estabelecidos em lei para sua produção, que nos EUA se denomina due process of law. A validade formal ou vigência, em sentido amplo, é uma relação entre normas (em regra, inferior e superior), no que diz respeito à competência dos órgãos e ao processo de sua elaboração. Vigente será a norma se emanada do poder competente com obediência aos trâmites legais. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., a norma válida é aquela cuja autoridade, ainda que o conteúdo não seja cumprido, é respeitada, sendo tecnicamente imune a qualquer descrédito. Logo, o valer de uma norma não depende da existência real e concreta das condutas que prescreve: mesmo descumprida, ela vale. Será válida a norma se a autoridade legiferante for tecnicamente competente e se agiu de conformidade com as normas de sua competência legislativa, hipótese em que se terá uma validade condicional. Também será válida a norma cuja autoridade legisladora agiu dentro dos fins estabelecidos pelo ordenamento, caso em que haverá uma validade finalística. Fácil é denotar que para ser válida a norma precisará estar integrada no ordenamento, retirando sua validade de outras normas que condicionam a competência e/ou determinam os fins. Validade formal é, pois, sob esse ponto de vista, uma qualidade da norma cuja relação autoridade/sujeito (cometimento) é imune, por estar ela conforme o ordenamento, tanto quanto às condições como quanto aos fins por ele estabelecidos. O âmbito temporal de validade constitui o período durante o qual ela tem vigência (sentido estrito) e o espacial diz respeito ao espaço em que se aplica. Pode-se afirmar que as normas jurídicas têm vida própria, pois nascem, existem e morrem. Esses momentos dizem respeito à determinação do início, da continuidade e da cessação de sua vigência. Vigência temporal é uma qualidade da norma atinente ao tempo de sua atuação, podendo ser invocada para produzir efeitos. Seria, então, um termo com o qual se demarcaria o tempo de validade de uma norma. A vigência pode coincidir com a validade, mas nem sempre, pois nada obsta que uma norma válida, cujo processo de produção já se aperfeiçoou, tenha sua vigência postergada (LICC, art. 1º). As normas nascem com a promulgação, mas só começam a vigorar com sua publicação no Diário Oficial. De forma que a promulgação atesta sua existência e a publicação, sua obrigatoriedade, visto que ninguém pode furtar-se a sua observância, alegando que não a conhece (LICC, art. 3º). É obrigatória para todos, mesmo para os que a ignoram, porque assim exige o interesse público. Vigor é uma qualidade da norma relativa à sua força vinculante, pela qual não há como subtrair-se ao seu comando. A obrigatoriedade da norma não se inicia no dia de sua publicação, salvo se ela assim o determinar. A escolha de uma ou outra determinação é arbitrária, pois o órgão elaborador pode fazer com que a data da publicação e a entrada em vigor coincidam, se julgar inconveniente ao interesse público a existência de um tempo de espera; pode, ainda, estipular data precisa e mais remota
quando verificar que há necessidade de maior estudo e divulgação devido à importância da norma, como ocorreu com o Código Civil, promulgado a 1º de janeiro de 1916 e com início de vigência estabelecida para 1º de janeiro de 1917 (CC, art. 1.806). A norma jurídica pode ter vigência temporária ou determinada, pelo simples fato de que o seu elaborador já fixou-lhe o tempo de duração, p. ex., as leis orçamentarias, que fixam a despesa e a receita nacional pelo período de um ano. Tais normas desaparecem do cenário jurídico com o decurso do prazo preestabelecido. A norma jurídica pode ter vigência para o futuro sem prazo determinado, durando até que seja modificada ou revogada por outra. Não sendo temporária a vigência, a norma não só atua, podendo ser invocada para produzir efeitos, mas também tem força vinculante (vigor) até sua revogação. Trata-se do princípio da continuidade, que assim se enuncia : não se destinando a vigência temporária, a norma estará em vigor enquanto não surgir outra que a altere ou revogue (LICC< art. 2º). Contudo, as normas só podem ser revogadas por outras de hierarquia igual ou superior. Revogar é tornar sem efeito uma norma, retirando sua obrigatoriedade. A revogação é gênero, que contém duas espécies: a ab-rogação, suspensão total da norma anterior; e a derrogação, que torna sem efeito parte da norma. Logo, se derrogada, a norma não sai de circulação jurídica, pois somente os dispositivos atingidos é que perdem a obrigatoriedade. A revogação pode ser, ainda: expressa, quando o elaborador da norma declarar a lei velha extinta em todos os seus dispositivos ou apontar artigos que pretende retirar; ou tácita, se houver incompatibilidade entre a lei nova e a antiga, pelo fato de que a nova passa a regular inteiramente a matéria tratada pela anterior (LICC, art. 2º, par. 1º)
O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE A lei, a partir do momento em que entra em vigor, é obrigatória para todos os seus destinatários, não podendo o juiz negar-se a aplicá-la ao caso sub judice. Entrando em vigor, a ninguém é lícito ignorar a lei. Qual o fundamento desse princípio? A doutrina, seguida pela maioria dos juristas do século passado, encontrou-o na presunção absoluta do conhecimento da lei. A justificação desse princípio decorre, segundo a opinião moderna, da necessidade social de que, publicada a lei, transcorrida a vacatio legis, deve ser a lei aplicada mesmo aos casos em que for argüida sua ignorância. Na verdade, a multiplicidade de leis, fenômeno característico de nossa época, dificulta o conhecimento de todas as leis pelos próprios juristas, quanto mais pelos leigos. Assim, esse princípio só pode ser justificado tendo em vista razões de ordem social. Portanto, depois da publicação ou decorrida a vacatio legis, a lei torna-se obrigatória, não podendo ser alegada sua ignorância: nemo jus ignorare censetur , sendo aplicada, mesmo àqueles que a desconhecem, porque o “interesse da segurança jurídica exige esse sacrifício”. Por isso, a obrigatoriedade da lei não está condicionada ao seu efetivo conhecimento, pois a lei é aplicável a todos, desde que publicada, independentemente de seu conhecimento. Se a aplicação da lei dependesse de seu efetivo conhecimento, não haveria segurança nas relações jurídicas, pois, como o conhecimento é subjetivo, não se poderia provar a falsidade da alegação de sua ignorância. Conseqüência da obrigatoriedade da lei, independente de seu efetivo conhecimento: o erro de direito não anula os atos jurídicos. Em regra, o erro de direito não justifica: error juris non excusat , salvo quando for a causa única ou principal do negócio jurídico. No direito penal, no que diz respeito às normas que fixam crimes e penas, não tem nenhum valor o erro de direito, porém, nas contravenções penais, desde que excusável, tem valor relativo, pois o juiz pode, no caso de error juris , deixar de aplicar a pena.
TERCEIRA AULA 1. DIREITO POSITIVO Definindo o DIREITO como “conjunto de normas executáveis coercitivamente, reconhecidas ou estabelecidas e aplicadas por órgãos institucionalizados (estatais ou internacionais)”, passaremos a seguir a definir Direito Positivo e Direito Objetivo, para, em seguida, distinguirmos o Direito da Moral.
Caio Mário da Silva Pereira, em seu Livro Instituições de Direito Civil, Vol. I, define Direito Positivo como o conjunto de princípios que pautam a vida social de determinado povo em determinada época. É nessa acepção que nos referimos ao direito romano, ao direito inglês, ao direito alemão, ao direito brasileiro etc...Não importa seja escrito ou não escrito, de elaboração sistemática ou de formação jurisprudencial. O direito positivo é o que está em vigor num povo determinado, e compreende toda a disciplina da conduta, abrangendo as leis votadas pelo poder competente, os regulamentos, as disposições normativas de qualquer espécie. Paulo Dourado de Gusmão o define como o direito histórica e objetivamente estabelecido, efetivamente observado ou então, passível de ser imposto coercitivamente, encontrado
em leis, códigos, tratados internacionais, costumes, resoluções, regulamentos, decretos, decisões de tribunais etc. é, assim, o direito determinável na história de um país com pouca margem de erro, por se encontrar em documentos históricos (códigos, leis, repertórios de jurisprudência, compilação de costumes, tratados internacionais etc.). É o direito vigente ou que teve vigência. É direito positivo tanto o vigente hoje como o que vigorou ontem ou no passado longínquo, como, por exemplo, o Código de Hamurabi ou o direito romano. Direito positivo é a garantia da certeza do direito. É o direito cuja existência não é contestada por ninguém. Direito positivo tem dimensão temporal, pois é direito promulgado (legislação) ou declarado (precedente judicial, direito anglo-americano), tendo vigência a partir de determinado momento histórico, perdendo-a quando revogada em determinada época. Tem dimensão espacial ou territorial, pois vige e tem eficácia em determinado território ou espaço geográfico em que impera a autoridade que o prescreve ou o reconhece, apesar de haver a possibilidade de ter eficácia extraterritorial. Espaço que geralmente coincide com o território do Estado que o impõe, porém pode ser mais amplo. O direito positivo tem ainda caráter formal, pois é instituído por meio de fonte formal (tratado, lei, decreto-lei, costume, precedente judicial, regulamento etc.). Caracteriza-se, também, por auto controlar a sua própria criação, modificação ou revogação, pois estabelece regras para a elaboração legislativa. Finalmente, impõe uma ordem em que há hierarquia de suas normas, sendo as superiores, como, por exemplo, a constitucional, mais ricas em conteúdo e quantitativamente reduzidas em número, enquanto as inferiores ou subordinadas, à medida que particularizam a matéria jurídica, tornam-se mais gerais, por isso mais numerosas.
1.2. DIREITO OBJETIVO Direito objetivo é a consideração normativa do direito, ou seja, a compreensão do direito como norma obrigatória. Segundo Washington de Barros Monteiro, Direito Objetivo é a regra de direito, a regra imposta ao proceder humano, a norma de comportamento a que o indivíduo deve se submeter, o preceito que deve inspirar sua atuação. À respectiva observância pode ser compelido mediante coação. O Direito objetivo designa o direito enquanto regra.
2. DIREITO E MORAL A análise comparativa entre a ordem moral e a jurídica é importante não apenas quando indica os pontos de distinção, mas também quando destaca os focos de convergência. Direito e Moral são instrumentos de controle social que não se excluem, antes, se completam e mutuamente se influenciam.
2.1. NOÇÃO DE MORAL A pesquisa quanto ao nível de relação entre o Direito e a Moral exige o conhecimento prévio das notas essenciais destes dois setores da Ética. A Ética se identifica, fundamentalmente, com a noção de bem, que constitui o seu valor. Esta é a palavra-chave no campo da Moral. Para o estoicismo o bem consistia no desprendimento, na resignação, em saber suportar serenamente o sofrimento, pois a virtude se revelava como a única fonte da felicidade. Para o epicurismo a idéia de bem se identificava com o prazer, não um prazer desordenado, mas concebido dentro de uma escala de importância. Paulo Nader considera bem tudo aquilo que promove o homem de uma forma integral e integrada.Integral significa a plena realização do homem, e integrada, o condicionamento a idêntico interesse do próximo. Dentro desta concepção tanto a resignação quanto o prazer podem constituir-se em um bem, desde que não comprometam o
desenvolvimento integral do homem e nem afetem igual interesse dos membros da sociedade. A fonte de conhecimento do bem há de ser a ordem natural das coisas, aquilo que a natureza revela e ensina aos homens e a via cognoscitiva deve ser a experiência combinada com a razão.
1.2. DISTINÇÕES ENTRE DIREITO E MORAL 1.2.1. Distinções de ordem formal a) Determinação do Direito e a Forma não concreta da Moral - Enquanto o Direito se manifesta mediante um conjunto de regras que definem a dimensão da conduta exigida, que especificam a fórmula do agir, a Moral estabelece uma diretiva mais geral, sem particularizações. b)A Bilateralidade do direito e a Unilateralidade da Moral - As normas jurídicas possuem uma estrutura imperativo-atributiva, isto é, ao mesmo tempo em que impõem um dever jurídico a alguém, atribuem um poder ou direito subjetivo a outrem. Daí se dizer que a cada direito corresponde um dever. Se o trabalhador possui direitos, o empregador possui deveres. A moral possui uma estrutura mais simples, pois impõe deveres apenas. Perante ela, ninguém tem o poder de exigir uma conduta de outrem. Fica-se apenas na expectativa de o próximo aderir às normas. Assim, enquanto o Direito é bilateral, a Moral é unilateral. Chamamos a atenção para o fato de que este critério diferenciador não se baseia na existência ou não de vínculo social. Se assim o fosse, seria um critério ineficaz, pois tanto a Moral quanto o Direito dispõem sobre a convivência. A esta qualidade vinculativa, que ambos possuem, utilizamos a denominação alteridade, de alter, outro. Miguel Reale denomina esta característica do Direito de bilateralidade atributiva, sendo que o autor apresenta a bilateralidade (simples, no caso), como atributo da Moral. c) Exterioridade do Direito e Interioridade da Moral - O direito se caracteriza pela exterioridade, enquanto que a Moral, pela interioridade. Com isto se quer dizer, modernamente, que os dois campos seguem linhas diferentes. enquanto a Moral se preocupa pela vida interior das pessoas, como a consciência, julgando os atos exteriores apenas como meio de aferir a intencionalidade, o Direito cuida das ações humanas em primeiro plano e, em função destas, quando necessário, investiga o animus do agente. d) Coercibilidade do Direito e incoercibilidade da Moral - Uma das notas
fundamentais do Direito é a coercibilidade. Entre os processos que regem a conduta social, apenas o Direito é coercível, ou seja, capaz de acionar a força organizada do Estado, para garantir o respeito aos seus preceitos. A via normal de cumprimento da norma jurídica é a voluntariedade do destinatário, a adesão espontânea. Quando o sujeito passivo de uma relação jurídica, portador do dever jurídico, opõe resistência ao mandamento legal, a coação se faz necessária, essencial à efetividade. A coação, portanto, somente se manifesta na hipótese de não-observância dos preceitos legais. A Moral, por seu lado, carece do elemento coativo. É incoercível. Nem por isso as normas da Moral social deixam de exercer uma certa intimidação. Consistindo em uma ordem valiosa para a sociedade, é natural que a inobservância de seus princípios provoque uma reação por parte dos membros que integram o corpo social. Esta reação, que se manifesta de forma variada e com intensidade relativa, assume caráter não apenas punitivo, mas exerce também uma função intimidativa, desestimulante da violação das normas morais.
1.1.2. Distinções quanto ao conteúdo a) O significado de Ordem do Direito e o sentido de Aperfeiçoamento da Moral - Ao dispor sobre o convívio social, o Direito elege valores de convivência. O seu objetivo limita-se a
estabelecer e a garantir um ambiente de ordem, a partir do qual possam atuar as forças sociais. A função primordial do Direito é de caráter estrutural: o sistema de legalidade oferece consistência ao edifício social. A realização individual; o progresso científico e tecnológico; o avanço da Humanidade passam a depender do trabalho e discernimento do homem. A Moral visa ao aperfeiçoamento do ser humano e por isso é absorvente, estabelecendo deveres do homem em relação ao próximo, a si mesmo e, segundo a Ética superior, para com Deus. O bem deve ser vivido em todas as direções. b) Teorias dos Círculos e o “Mínimo Ético” b.1) A teoria dos círculos concêntricos - Jeremy Bentham, jurisconsulto e filósofo inglês, concebeu a relação entre o Direito e a Moral, recorrendo à figura geométrica dos círculos. A ordem jurídica estaria incluída totalmente no campo da moral. Oos dois círculos seriam concêntricos, com o maior pertencendo à Moral. Desta teoria infere-se: a) o campo da Moral é mais amplo do que o do Direito; b) o Direito de subordina à Moral. As correntes tomistas e neotomistas, que condicionam a validade das leis à sua adaptação aos valores morais, seguem esta linha de pensamento. b.2) A teoria dos círculos secantes - Para Du Pasquier, a representação geométrica da relação entre os dois sistema não seria a dos círculos concêntricos, mas a dos círculos secantes. Assim, Direito e Moral possuiriam uma faixa de competência comum e, ao mesmo tempo, uma área particular independente. De fato, há um grande número de questões sociais que se incluem, ao mesmo tempo, nos dois setores. A assistência material que os filhos devem prestar aos pais necessitados é matéria regulada pelo Direito e com assento na Moral. Há assuntos da alçada exclusiva da Moral, como a atitude de gratidão a um benfeitor. De igual modo, há problemas jurídicos estranhos à ordem moral, como por exemplo, a divisão de competência entre um Tribunal de Alçada e um Tribunal de Justiça. b.3.) A visão Kelseniana - Ao desvincular o Direito da Moral, Hans Kelsen concebeu os dois sistemas como esferas independentes. Para o famoso cientista do Direito, a norma é o único elemento essencial ao Direito, cuja validade não depende de conteúdos morais. b.4) A teoria do “mínimo ético” - Desenvolvida por Jellinek, a teoria do mínimo ético consiste na idéia de que o Direito representa o mínimo de preceitos morais necessários ao bem-estar da coletividade. Para o jurista alemão toda sociedade converte em Direito os axiomas (verdade intuitiva, máxima) morais estritamente essenciais à garantia e preservação de suas instituições. A prevalecer essa concepção, o Direito estaria implantado, por inteiro, nos domínios da Moral, configurando, assim, a hipótese dos círculos concêntricos. Paulo Nader emprega a expressão mínimo ético para indicar que o Direito deve conter apenas o mínimo de conteúdo moral, indispensável ao equilíbrio das forças sociais. Para Paulo Dourado de Gusmão, a bilateralidade e a coercibilidade são, de modo geral, notas específicas ao direito. É incompatível com a moral o constrangimento; o dever moral deve ser observado voluntariamente, enquanto constrangimento é essencial ao direito. A consciência, a vontade e a intenção em si são incontroláveis juridicamente. A sanção jurídica é bem diferente da sanção moral.
O dever moral não é exigível por ninguém, reduzindo-se a dever de consciência, ao tu deves, enquanto o dever jurídico deve ser observado sob pena de sofrer o devedor os efeitos da sanção organizada, aplicável pelos órgãos especializados da sociedade. Assim, no direito, o dever é exigível, enquanto na moral, não. O direito, apesar de acolher alguns preceitos morais fundamentais, garantidos com sanções eficazes, aplicáveis por órgãos institucionais, tem campo mais vasto que a moral, pois disciplina também matéria técnica e econômica indiferente à moral, muitas vezes com ela incompatíveis, como por exemplo, alguns princípios orientadores do direito contratual, fundados no individualismo e no liberalismo, inconciliáveis com a moral cristã e, portanto, com a moral ocidental. Mas, apesar disso, o jurídico não está excluído de julgamentos éticos. Existem, mesmo no direito das altas civilizações, infiltração da moral no direito. Infiltração constatável facilmente no direito privado e no direito penal. Neste, regras morais, como, por exemplo, não matar, não furtar, respeitar os mortos, os túmulos, o culto e os símbolos sagrados, são impostas pela norma penal, enquanto no direito privado é no direito de família que os deveres e regras morais estão mais presentes. Mas nem todas as prescrições morais são tuteladas pelo direito, pois se o fossem, o direito seria a imposição, pelo poder social, da moral de uma época, civilização ou sociedade. Muitas das prescrições morais, que não são essenciais à paz, à segurança e ao convívio sociais, não se encontram no direito. O autor conclui: “o direito é heterônomo, bilateral e coercível, enquanto a moral é autônoma, unilateral e incoercível.” Washington de Barros Monteiro também coloca como a principal diferença entre a moral e o direito repousa efetivamente na sanção. A moral, tendo em vista o fim a que se destina, só comporta sanções internas (remorso, arrependimento, desgosto íntimo, sentimento de reprovação geral). Do ponto de vista social, tal sanção é ineficaz, pois a ela não se submetem indivíduos sem consciência e sem religião. O direito, ao inverso, conta com a sanção para coagir os homens. Se não existisse esse elemento coercitivo, não haveria segurança nem justiça para a humanidade. O campo da moral é mais amplo, abrangendo os deveres do homem para com Deus, para consigo mesmo e para com seus semelhantes, enquanto o Direito é mais restrito, compreendendo apenas os deveres do homem para com os semelhantes. A moral visa à abstenção do mal e à prática do bem, enquanto o objetivo do direito é evitar que se lese ou prejudique a outrem. A moral dirige-se ao momento interno, psíquico, volitivo, à intenção que determina o ato, ao passo que o direito se dirige ao momento externo, físico, isto é, ao ato exterior. Embora não se confundam, diz o autor, ao contrário, separando-se nitidamente, os campos da moral e do direito entrelaçam-se e interpenetram-se de muitas maneiras. Aliás, as normas morais tendem a converter-se em normas jurídicas, como sucedeu, por exemplo, com o dever do pai de velar pelo filho e com a indenização por acidente de trabalho.
DIREITO E HETERONOMIA As normas de direito são postas pelo legislador, pelos juízes, pelos usos e costumes, sempre por terceiros, podendo coincidir ou não os seus mandamentos com as convicções que temos sobre o assunto.
Podemos criticar as leis, das quais dissentimos, mas devemos agir de conformidade com elas, mesmo sem lhes dar adesão de nosso espírito. Isso significa que elas valem objetivamente, independentemente, e a despeito da opinião e do querer dos obrigados. Essa validade objetiva e transpessoal das normas jurídicas, as quais se põem, por assim dizer, acima das pretensões dos sujeitos de uma relação, superando-as na estrutura de um querer irredutível ao querer dos destinatários, é o que se denomina heteronomia. Na definição do Mestre Aurélio: “Heteronomia é a condição de pessoa ou de grupo que receba de uma elemento que lhe é exterior, ou de um princípio estranho à razão, a lei a que se deve submeter”. Foi Kant o primeiro pensador a trazer à luz essa nota diferenciadora, afirmando ser a Moral autônoma, e o Direito heterônomo. Nem todos pagam imposto de boa vontade. No entanto, o Estado não pretende que, ao ser pago um tributo, se faça com um sorriso nos lábios; a ele, basta que o pagamento seja feito nas épocas previstas. Diz-se que o Direito é heterônomo, visto ser posto por terceiros aquilo que juridicamente somos obrigados a cumprir. Daí Miguel Reale afirma: “Direito é a ordenação heterônoma e coercível da conduta humana.”
BILATERALIDADE ATRIBUTIVA Miguel Reale, dá exemplo de Petrazinski, com algumas alterações, para caracterizar a imperatividade atributiva: Imagine-se que um homem abastado, ao sair de sua casa, se encontre com um velho amigo de infância que, levado à miséria, lhe solicita um auxílio de cinco rublos, recebendo uma recusa formal e até mesmo violenta. Em seguida, a mesma pessoa toma um coche para ir a determinado lugar. Ao terminar o percurso, o cocheiro cobra cinco rublos. A diferença de situação é muito grande entre o cocheiro que cobra cinco rublos e o amigo que solicitava a mesma importância. No caso do amigo, que pedia uma esmola, havia um nexo de possível solidariedade humana, de caridade, mas, no caso do cocheiro, temos um nexo de crédito resultante da prestação de um serviço. No primeiro caso, não há laço de exigibilidade, o que não acontece no segundo, pois o cocheiro pode exigir o pagamento da tarifa. Eis aí ilustrado como o Direito implica uma relação entre duas ou mais pessoas, segundo uma ordem objetiva de exigibilidade. Há bilateralidade atributiva quando duas ou mais pessoas se relacionam segundo uma proporção objetiva que as autoriza a pretender ou a fazer garantidamente algo. Bilateralidade atributiva é, pois, uma proporção intersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer, garantidamente algo. Esse conceito desdobra-se nos seguintes elementos complementares: a) sem relação que una duas ou mais pessoas não há Direito (bilateralidade em sentido social, com intersubjetividade); b) para que haja Direito é indispensável que a relação entre os sujeitos seja objetiva, isto é, insuscetível de ser reduzida, unilateralmente, a qualquer dos sujeitos da relação (bilateralidade em sentido axiológico);
c) da proporção estabelecida deve resultar a atribuição garantida de uma pretensão ou ação, que podem se limitar aos sujeitos da relação ou estender-se a terceiros (atributividade).
QUARTA AULA 1. AXIOLOGIA JURÍDICA A parte da Filosofia que estuda os valores em seu caráter abstrato, sem considerar a sua projeção nas diferentes ciências, denomina-se teoria dos valores ou axiologia. Axios, do grego, apreciação, estimativa, é a parte da filosofia que se ocupa dos valores, tais como o bem, o belo, o verdadeiro etc. Os valores específicos, concretos, ficam a nível das próprias ciências. Assim, os valores jurídicos são abordados na Filosofia do Direito; os econômicos, nas chamadas Ciências econômicas; os políticos, na Ciência Política.
Axiologia jurídica é, naturalmente, o estudo dos valores jurídicos, na base dos quais está a justiça. Recebe, por isso, também as denominações de Teoria dos valores jurídicos, Teoria do direito justo, Estimativa jurídica, Teoria da justiça e outras. O homem é um ser em ação, que elabora planos e dirige seu movimento, com o objetivo de alcançar determinados fins. A escolha desses fins não é feita por acaso, mas em função do que o homem considera importante à sua vida, de acordo como os valores que elege. A atividade
humana, em última análise, é motivada pelos valores. Estes assumem a condição de fator decisivo, determinante dos projetos que o homem constrói e de cada providência que toma. A idéia de valor está vinculada às necessidades humanas. Só se atribui valor a algo, na medida em que este pode atender a alguma necessidade. Assim, a necessidade gera o valor; este coloca o homem em ação, que por sua vez vai produzir algum resultados prático: a obtenção de algum objeto natural ou cultural, ou a mentalização e vivência espiritual de objeto ideal ou metafísico. Como todo conceito-limite, o valor não comporta uma definição lógica ou real. Podese dizer, contudo, que a idéia de valor se compreende na noção que temos entre o bem e o mal, entre as coisas que promovem o homem e as que o destroem. O valor não existe no ar, desvinculado dos objetos. Vem impregnado na realidade, na existência. Todo projeto cultural é estruturado com vista à realização de um valor próprio. A estética existe em função do belo, a técnica visa a alcançar o útil, a Moral projeta o bem, a Religião valora a divindade, e o Direito tem na justiça a sua causa principal.
1 1. Caracteres. - Paulo Nader assinala quatro caracteres fundamentais para os valores: a) correspondem a necessidades humanas: para que algo possua valor, é indispensável que seja dotado de algumas propriedades, capazes de satisfazer às necessidades humanas. Se o homem não possuísse necessidades, não haveria sequer a idéia de valor; b) são relativos; como as necessidades humanas não são padronizadas, não obstante se possa acusar uma faixa comum, os valores não se apresentam com idêntico significado para todas as pessoas. Assim, um código é sempre valioso para um estudante de Direito e não possui tal importância para o aluno de Engenharia. Diante da coisas o homem pode assumir três posições básicas: atribuir valor positivo, negativo ou manter-se neutro. A intensidade de valoração também é relativa, de acordo com o grau de necessidade da pessoa; c) bipolaridade: a cada valor positivo corresponde um valor negativo ou desvalor. Exemplos: justiça e injustiça; amor e ódio. Essa estrutura polar dos valores é designada por polaridade essencial, pelo filósofo Johannes Hessen; d) possuem hierarquia: o homem estabelece uma linha de prioridade entre os valores. Esta também é variável de um ser humano para outro. De um ponto de vista objetivo, considerando-se as necessidades e interesses do gênero humano, pode-se estabelecer uma graduação entre os valores, de forma estável. Assim, os valores espirituais ocupariam um plano superior aos de ordem material. Entre estes, os de sobrevivência teriam primazia em relação aos de ostentação. 1.2). Localização - Quanto à localização dos valores, há basicamente, três posições: a) no sujeito; b) no objeto; c) na relação entre o sujeito e o objeto. A primeira teoria, que se pode chamar de subjetiva, tem como ponto básico a circunstância de que o sujeito é portador de necessidades. A segunda, objetiva, apoia-se no fato de que o objeto, que irá suprir a necessidade, possui certas propriedades que o fazem valioso perante o homem. A última é uma teoria eclética, para a qual o valor não existe isolado, mas na co-participação do sujeito e objeto.
2. JUSTIÇA Dentro do núcleo comum de princípios, aceitos pelas diversas escolas, situa-se o reconhecimento de que a justiça é o valor fundamental do direito. Podem algumas correntes, como o positivismo jurídico, considerá-la um elemento exterior ao direito, em sentido estrito. Mas,
não se trata de negação da justiça, que foi amplamente estudada por Kelsen, mas da recusa em incluí-la no campo da investigação jurídica, definida em termos estritamente formais. A justiça não é um conceito meramente formal e vazio de conteúdo, como pretendem alguns autores. Pelo contrário, em oposição às relações sociais de dominação e de submissão, ela representa a exigência concreta de respeito à personalidade de cada homem e de todos os homens. A justiça quer que cada homem seja reconhecido e tratado por todos os outros como um ser que é senhor de seus próprios atos. As exigências concretas da justiça se alimentam desse princípio; elas voltam continuamente à consciência dos homens; realizam-se por um trabalho permanente; transformam o direito em vigor. Imanente e sempre renovada em nosso espírito, a idéia de justiça se encontra em todas as leis, mas não se esgota em nenhuma. É ela que dá sentido e significação a todo direito positivo. A idéia de justiça que nós, ocidentais, temos é herdada, em grande parte, de Platão, Aristóteles e dos juristas romanos. Os dois primeiros deram a ela o sentido ético e formal, enquanto os romanos o sentido jurídico e material. A justiça - pensa Platão - é virtude suprema, harmonizadora das demais virtudes. A harmonia é sua nota fundamental. Mas Platão também considera-a como equilíbrio. Como equilíbrio e proporção a definiu Aristóteles. É clássica a distinção que formulou entre justiça distributiva e justiça corretiva (sinalagmática ou comutativa) em função do critério da proporção e da igualdade. A primeira, pelo critério da proporção, distribui os bens correspondentes ao mérito e às necessidades de cada um, enquanto a justiça corretiva ou sinalagmática, com base no princípio de igualdade, torna justas as trocas entre as pessoas. A distributiva dependeria do Estado, que pode distribuir bens e honras, levando em conta o mérito de cada um. Já a sinalagmática preside as relações entre os homens, equilibrando-as de modo que cada um receba o que merece, o que lhe é devido. Esta última subdivide-se em comutativa, em sentido estrito, e judicial. A primeira preside as relações de troca, isto é, as relações contratuais, enquanto a judicial (juiz ou árbitro) aplica a sanção adequada e proporcional ao direito. Em síntese, de Aristóteles acolhemos duas notas formais características da justiça: igualdade e proporcionalidade. Vieram depois os romanos, que, com seu espírito prático, não cogitaram dos aspectos formais da justiça, mas de seus princípios, de seu conteúdo. A definição romana de justiça : “justiça é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu”. “Dar a cada um o que é seu”, eis a regra fundamental da justiça dos romanos, complementada com outra: “não causar dano injusto a outrem” ou “a ninguém ofender”. Eis os preceitos do direito justo romano que serviram de fonte e de manancial inesgotável para as legislações da Civilização Européia. Com tais princípios, o Ocidente, através de sua história, criou a sua idéia de justiça, formulando, em função de situações histórico-sociais, um conceito do justo, que, variando com a modificação dessas situações, não se alterou em sua substância.
Resumindo: justiça é igualdade de tratamento jurídico, bem com proporcionalidade da pena ao delito, da indenização ao dano, do preço à coisa vendida, da prestação à contraprestação etc. Daí ser a justiça :
1) comutativa, tendo por critério a igualdade, aplicável às relações entre os indivíduos (direito de família, direito dos contratos, direito da sociedades comerciais etc.);
2) distributiva, tendo por critério a proporcionalidade, que rege o direito penal, a reparação dos danos, o direito fiscal, a distribuição de bens ou de encargos etc. Mas o Ocidente não se limitou a construir apenas uma teoria da justiça, pois, desde os romanos, vem elaborando teorias jurídicas para atender a necessidades sociais com o objetivo de legitimar a ordem jurídica dominante. Não se satisfez, portanto, em formular os elementos componentes da idéia de justiça, por ser muito mais importante encontrar o meio de realizá-la historicamente. Desse propósito resultou outra questão: a da relação entre justiça e direito. Já vimos que o direito é norma executável coercitivamente, enquanto a justiça é finalidade, ou melhor, exigência moral de realizá-la no meio social (nem sempre atendida), valor, que pode ou não influir no legislador, apesar de dever influí-lo. A diferença, portanto, que existe entre direito e justiça é semelhante à que há entre ideal e realidade (fato). A justiça não é coercível, enquanto o direito é; a justiça é autônoma, pois não é imposta à nossa consciência, brotando nela como os demais ideais e valores, sendo, assim, valor moral, enquanto o direito é heterônomo, por termos a consciência de nos ser ele imposto pela sociedade (costumes) ou pelo poder público (legislação). A justiça é a meta a ser atingida pelo direito e, desta forma, distinguese deste como o “meio” da “finalidade”. É critério das leis, das condutas e das sentenças judiciais. Mas, apesar de não se confundir com o direito, a justiça desempenha tríplice papel em relação ao mesmo: 1) meta do direito; 2) critério capaz de julgá-lo e de aperfeiçoá-lo; 3) fundamento do direito histórico. Torna-o problemático e revela, quantas vezes, a sua imperfeição, injustiça e desumanidade. A justiça, escreveu Alain, é a dúvida sobre o direito que salva o direito. O direito é um fato cultural, cujo “sentido” consiste em achar-se sempre a serviço da justiça. O direito pode, também, ser considerado como um valor ou dever ser: justiça, bem comum, e ser estudado nessa perspectiva.
QUINTA AULA 1. JUSNATURALISMO A Teoria do Direito natural é muito antiga , estando presente na literatura jurídica ocidental desde a aurora da Civilização Européia. Na descoberta ateniense do homem, parece encontrar-se a semente desse movimento, que atende ao anseio comum, em todos os tempos, a todo os homens, pôr um direito mais justo, mais perfeito, capaz de protegê-los contra o arbítrio do governo. Considerado expressão da natureza humana ou deduzível dos princípios da razão, o direito natural foi sempre tido, pelos defensores desta teoria, como superior ao direito positivo, como sendo absoluto e universal por corresponder à natureza humana. Antes de Cristo, seja em Atenas, , seja em Roma, com Cícero (De res publica) assim era concebido. Direito que, através dos tempos, tem influenciado reformas jurídicas e políticas, que deram novos rumos às ordens políticas européia e norte-americana, como, por exemplo, é o caso da Declaração de Independência (1776) dos
Estados Unidos, e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), da Revolução Francesa. Lê-se no art. 2o. da citada declaração dos Direitos do Homem de 1789: “o fim de toda associação é a proteção dos direitos naturais imprescritíveis do homem”. Fácil é encontrar a sua presença na Declaração Universal dos Direitos (1948) da ONU. Assim, o jusnaturalismo é a corrente tradicional do pensamento jurídico, que defende a vigência e a validade de um direito superior ao direito positivo. Corrente que se tem mantido de pé, apesar das várias crises por que tem passado, e que, apesar de criticada por muitos, mantém-se fiel ao menos a um princípio comum: a consideração do direito natural como direito justo por natureza, independente da vontade do legislador, derivado da natureza humana (jusnaturalismo) ou dos princípios da razão (jusracionalismo), sempre presente na consciência de todos os homens. Esse modo de concebê-lo engloba uma plêiade (grupo de pessoas de uma certa classe ou profissão) de juristas e uma variedade de teorias que divergem não só quanto à sua fonte (natureza ou razão), como, também, quanto aos meios de deduzi-lo ou apreendê-lo (lógicos ou intuitivos) e, quanto à conceituação da natureza humana: belicosa (Hobbes), boa e pacífica (Locke, Rosseau), racional, social, individualista etc. Corrente que, presente em todas as épocas da Civilização Européia, tem sofrido crises. Porém, sobrevivendo-as, tem renascido quando de acreditava estar irremediavelmente morta, talvez por ser a única salvaguarda do Homem em um mundo que transformou o direito em mero instrumento técnico e, muitas vezes, de opressão. Por isso, têm razão Landsberg e outros quando se referem ao eterno retorno ao direito natural, apesar de haver uma eterna crise do direito natural. mas, os “retornos” e “crises” atestam somente a vitalidade e as potencialidades criadoras da idéia do direito natural, porque cada uma de suas reapresentações no cenário jurídico é rica em substância. A constante redefinição e a divergência que impera entre os jusnaturalistas a respeito do que seja e do que prescreve o direito natural impedem a formação de uma “escola” bem definida, apesar de ter havido, nos séculos XVII e XVIII, uma escola de direito natural, que transformou o ‘jusnaturalismo” em “jusracionalismo”, surgida no meio protestante, fruto do racionalismo. Nela se encontram Grocio (jurista holandês), seu chefe, sustentando ser o direito natural deduzido da razão, de conformidade com a natureza humana, Pufendorf (jurista alemão), o consolidador desse movimento, além de Leibniz (filósofo alemão), e, de certa forma, de Kant. As idéias defendidas pelos corifeus (diretor, chefe, mestre) dessa escola não estavam longe das de Cícero (jurista e filósofo romano), que o considerava a “lei conforme a reta razão, congruente à natureza, conhecida por todos, eternamente a mesma”. Mas, primeiro com o Kantismo, que abriu a crise do racionalismo dogmático, depois, com o positivismo, o historicismo e o sociologismo, que despontaram no século XIX, ocorreu o primeiro abalo do direito natural. O culto dos códigos, que haviam incorporado muitos princípios defendidos pelos jusnaturalistas, e a veneração da lei, por um lado, e, por outro, a obra gigantesca dos pandecistas alemães, criadores da ciência do direito, abriram o caminho para a filosofia do direito positivo, seja como Analytical Jurisprudence, seja como Etnologia Jurídica, ou Teoria Geral do Direito, que passaram a ocupar lugar de destaque no cenário jurídico outrora privativo da Teoria do Direito natural. Mas a revolução Industrial, processada segundo os princípios do individualismo jurídico e do contratualismo, frutos da Teoria do Direito natural, criou um clima de tal injustiça social, que acabou gerando a chamada “questão social” até hoje preocupante. O menor apreço ao homem nas fábricas insalubres do século XIX e nos campos de batalha de 1914, principalmente nos de Verdum, a crise econômica oriunda da Primeira Guerra mundial e a agonia da Era Vitoriana, sepultada definitivamente em 1929, motivaram a Renaissance du Droit Naturel (1910), título sugestivo de um livro de Charmont. Mas o retorno foi só à idéia do direito natural, e não doutrina do direito natural dos séculos XVII e XVIII. O novo posicionamento preocupou-se em conciliar a antiga idéia com os resultados da Sociologia, bem como o historicismo dominante e com a nova ciência do direito. Para isso os seus defensores tiveram de reduzi-lo a pouquíssimos
princípios generalíssimos, válidos por si mesmos, socialmente necessários e indispensáveis ao respeito da dignidade humana. Nessa corrente reduzidora do conteúdo do direito natural encontramos Gény, defendendo o irredutível direito natural , identificado com a idéia de justiça, e Del Vecchio, definindo-o como conteúdo mínimo do direito positivo, completado com preceitos formulados com elementos históricos. Transformações bruscas e violentas do mundo a partir da Revolução Industrial tornaram necessária a adaptação do direito natural a um mundo em mudança. Eis a razão de Stammler defender o direito natural de conteúdo variável, formal, sem conteúdo próprio, semelhante à “lei do dever” de Kant, enquanto Renard, o direito natural de conteúdo progressivo, que sem admitir modificações na essência do direito natural, admite a possibilidade de progresso de seu conhecimento através do tempo. As transformações sociais e culturais, sem arquivar o direito natural, conduziram, assim, à modificações de sua conceituação. Essas idéias estavam em choque com o relativismo jurídico de Radbruch, em moda depois de 1914, destacando o revezamento no tempo e no espaço dos valores jurídicos ao sabor de pressões históricas, e com a Teoria Pura do Direito de Kelsen, uma das teorias mais importantes de nosso século. Nesse tempo, em 1929, entravam em crise a economia e a democracia. A sombra de uma nova guerra começa então a lançar-se sobre a Europa, que não tardou a ser deflagrada, esgotando de 1939 a 1945 a Civilização Européia, como se estivesse sendo cumprida a profecia de Spengler: “A Decadência do Ocidente”. Mas as atrocidades e desumanidades praticadas em muitos países com aparência jurídica, os horrores da guerra de 1939-45, culminando com o lançamento da bomba atômica, suas trágicas conseqüências, o progresso ameaçador da tecnologia, da eletrônica e do poder econômico multinacional, o agigantamento da empresa e do Estado, levaram juristas, por diferentes caminhos, a admitirem a validade de um direito superior ao legislador, que por ele deveria ser respeitado, fundado no valor da personalidade humana, impondo o respeito à vida e liberdade. Assim é que juristas, outrora indiferentes à idéia do direito natural ou que a consideravam mera ideologia, depois de terem sofrido ou presenciado as atrocidades praticadas com apoio na lei, passaram a admitir “valores do direito”, como fez de certa forma o próprio Kelsen, ou a existência de um direito supralegal, como fez inequivocamente Radbruch. As ameaças que pairam sobre o homem e a Civilização fazem com que juristas, por caminhos diversos, defendam um direito superior à lei. Chega-se a pensar em defini-lo como a “lei da justiça”, que determina o que corresponde a cada um, segundo a idéia de ordem social de conformidade com a natureza, que impõem, por meio de coação, a sua estrita observância, apesar de outros, que o admitem, como é o caso de Dabi (jurista belga), negaram a sua natureza jurídica, considerando-o mera prescrição da Moral, não passando de “direito natural moral”, destinado a inspirar e a nortear o legislador, e não “direito natural jurídico”. Os vários caminhos que levam ao moderno direito natural, desembocaram, em 1948, na Declaração Universal do Direitos do Homem da ONU, que, em seu art. 1o., prescreve nascerem todos os homens “livres e iguais em dignidade e direitos”, devendo, por serem dotados de razão e consciência, “comportar-se fraternalmente uns com os outros”. Ao examinar criticamente a concepção tradicional do direito natural e, especialmente a doutrina tomista, Miguel Reale afirma: “Os preceitos apontados como cardeais ou “primeiros” apresentam-se vazios de conteúdo, como aquele que manda dar a cada um o que é seu, deixando em aberto a determinação do devido a cada qual como próprio “segundo proporções estabelecidas pela natureza das coisas”. Se toda gente convém em dar a cada um o que é seu, a dificuldade começa tão logo se procure saber precisamente o que é devido a cada um. Na realidade, na concepção ora examinada, ou se perde de vista a experiência concreta, da qual se pretende inicialmente partir para se atingiram por indução e abstração conceitos e valores universais de juridicidade, ou então, passam a predominar as determinações ulteriores, pouco significando os limites abstratos admitidos como intransponíveis. parece-nos, em suma, que o normativismo ético, por sua carência de sentido histórico concreto e por sua distinção abstrata entre o juridicamente ético e o ilícito, só determinável com referência a uma ordem moral pré-constituida, não logra compreender a realidade jurídica na
totalidade autêntica de seus elementos. De certa maneira, o elemento axiológico da norma permanece fora do processo, no qual o fato se ordena normativamente em virtude de valores real e concretamente vividos. A crítica de Miguel Reale incide fundamentalmente sobre três pontos:
a) os princípio do direito natural são vazios de conteúdo; b) falta a essa doutrina o sentido histórico concreto; c) de certa maneira, “o elemento axiológico da norma permanece fora do processo” da realidade jurídica.
CONTEÚDO DO DIREITO NATURAL SEGUNDO ANDRÉ FRANCO MONTORO É certo que os princípios do direito natural, sendo “princípios”, são necessariamente gerais e têm conteúdo limitado a certos preceitos fundamentais. É, aliás, princípio lógico que a compreensão de um conceito é tanto menor quanto maior for a sua extensão. Mas não é exato que eles sejam vazios de conteúdo. É oportuno lembrar a distinção que S. Tomás estabelece entre os primeiros princípios e os precitos secundários de direito material. Dabin, por exemplo, dedicou um longo capítulo de seu notável estudo sobre La philosophie de l’ordre juridique positif, que ele considera uma série de preceitos, que correspondem às exigências essenciais e permanentes da natureza humana. Eis, em síntese, a lição do ilustre jurista: a) O conceito de natureza humana, comum a todos os homens e particular ao homem, não é um conceito vazio; seus traços fundamentais podem ser fixados com segurança. O homem é um ser essencialmente solidário e dependente dos outros homens ; é natural ao homem entrar em relação com outros, porque sem a ajuda de seus semelhantes ele seria incapaz de viver e de se desenvolver material e espiritualmente; o meio social é para o homem como a atmosfera que ele respira, ou como a terra para a planta ; b) Além dessa solidariedade humana geral, existem solidariedades naturais mais restritas, relativas a sociedades necessárias, como a família e a sociedade política . o homem começa por receber de outros o dom da existência: é o fato social primário, a solidariedade de pais e filhos; e esta geração resulta de outra solidariedade, a de pessoas de sexo diferente, que se unindo criam a vida. Ademais, o homem é um animal inserido numa unidade social superior aos indivíduos e aos grupos privados, sujeito às diretrizes de uma autoridade encarregada de promover, com o consenso dos membros, a defesa e a prosperidade comuns ;
c) A essas tendências fundamentais, conhecidas pela observação e pela reflexão mais simples e confirmadas como fato histórico elementar, correspondem preceitos de direitos natural;
d) o primeiro preceito de direito natural interindividual: é o de que o homem dotado de natureza específica, diferente da planta e do animal, deve ser tratado como homem, como ser racional com um fim pessoal, e não como uma planta ou um animal; o homem deve respeitar o homem: é o dever de justiça. “O sentimento do justo e do injusto escreveu Duguit, é um elemento permanente da natureza humana, o primeiro dever do homem para com o homem, o mais urgente, o mais necessário, é o dever de justiça, fundado na “alteridade” ou distinção de
pessoas substancialmente iguais”, o que o obriga a respeitar a pessoa do próximo em sua dignidade moral e integridade física, a reparar os danos que lhe cause injustamente, a respeitar a equivalência das prestações etc.; e) No plano político, há, em primeiro lugar, deveres de direito natural da parte das autoridades públicas: dever preliminar de respeitar os direitos que pertencem aos cidadãos por sua qualidade de homens; direito à vida, à honra, a certos bens e liberdades; dever de atuar para o bem comum e não em benefício individual; dever de encaminhar uma distribuição eqüitativa dos benefícios e encargos sociais; dever de atribuir funções públicas aos mais capazes etc. Existem, além disso, obrigações dos cidadãos para com a sociedade civil: impostos, serviço militar ou civil e prestações diversas; obediência às leis, às decisões da justiça e às ordens legítimas das autoridades; cooperação para o bem comum etc.; f) No plano familiar, os preceitos do direito natural podem se referir aos pais: obrigação de cuidar, alimentar e educar a prole, usar da autoridade paterna como um serviço em função do aperfeiçoamento pessoal do filho; da parte dos filhos: dever de respeito, obediência e assistência em caso de necessidade; da parte dos cônjuges: fundamentalmente o dever de amizade e cooperação em benefício dos filhos e do casal. Paulo Nader, também se posiciona com brilhantismo sobre o tema.
O motivo fundamental que canaliza o pensamento ao Direito natural é a permanente aspiração de justiça que acompanha o homem. Este, em todos os tempos e lugares, não se satisfaz apenas com a ordem jurídica institucionalizada. o Direito Positivo, visto como expressão da vontade do Estado, é um instrumento que tanto pode servir à causa do gênero humano, como pode consagrar os valores negativos que impedem o pleno desenvolvimento da pessoa, por inclinação, ao questionar o Direito Positivo vigente, o homem busca, em seu próprio sentimento de justiça e de acordo com a sua visão sobre a ordem natural das coisas, encontrar a legitimidade das normas que lhe são impostas. o contrário, a atitude acrítica, seria a admissão de que não existe, para o legislador, qualquer limite ou condicionamento na tarefe de estruturar a ordem jurídica. A idéia do Direito Natural é o eixo em torno do qual gira toda a Filosofia do direito. o jusfilósofo ou é partidário dessa idéia ou é defensor de um monismo jurídico, visão que reduz o direito apenas à ordem jurídica positiva. Conforme expõe Benjamin de Oliveira Filho, há dois posicionamentos básicos, a rigor, na Filosofia do Direito: o do positivismo jurídico, que é uma concepção relativista do direito, e o da velha escola do Direito natural. O mais, diz o autor, “não passa de tentativas efêmeras de inovação, logo apagadas no curso do tempo”. Chama-se naturalismo a corrente de pensamento que reúne todas as idéias que surgiram, no correr da história, em torno do Direito Natural, sob diferentes orientações. Durante esse longo tempo, o Direito Natural passou por altos e baixos, por fases de grande prestígio e por períodos críticos. Na metade do atual século, após ter enfrentado um rigoroso inverno, causado pelos ventos frios do positivismo e devido também aos excessos de seus próprios adeptos, reacendeu, no espírito dos juristas, o entusiasmo pelo Direito natural, que hoje se encontra no apogeu, na fase que a História da Filosofia do Direito registra como a de seu renascimento. O ponto comum entre as diversas correntes do direito natural tem sido a convicção de que, além do direito escrito, há uma outra ordem, superior àquela e que é a expressão do Direito justo . É a idéia do direito perfeito e por isso deve servir de modelo para o legislador. É o direito ideal, mas ideal não no sentido utópico, mas um ideal alcançável . A divergência maior na conceituação do Direito natural está centralizada na origem e
fundamentação desse direito. O pensamento predominante na atualidade é o de que o Direito natural se fundamenta na natureza humana.
O antiquíssimo Livro dos Mortos, do Egito Antigo, revela as preocupações daquele povo em relação aos critérios de justiça e que os egípcios consideravam o Direito como manifestação da vontade divina. o morto, segundo aquele registro, comparecia ao Tribunal de Osíris, ante a deusa Maat, cujo nome significava lei, ordem que governava o mundo, e que segurava em uma das mãos um cetro e na outra o coração, símbolo da vida. o morto devia, para alcançar a felicidade supra terrena, conforme relata Victor Cathrein, dizer a oração dos mortos, em sua defesa: “Eu não matei, nem causei prejuízo a ninguém. Não escandalizei no lugar da justiça. não sabia mentir. Não fiz mal. Não obriguei, como superior, a trabalhar para mim durante todo o dia os meus criados. Não maltratei os escravos por ser superior a eles. Não os abandonei na fome. Não lhes fiz chorar. Não matei. Não ordenei matar. Não rompi o matrimônio. Não fui impudico. Não esbanjava. Não diminuí os grãos. Não rebaixava nas medidas. Não alterava os limites do campo etc.” O raciocínio que nos conduz à idéia do Direito natural parte do pressuposto de que todo ser é dotado de uma natureza e de um fim. A natureza, ou seja, as propriedades que compõem o ser, define o fim a que este tende a realizar. Para que as potências ativas do homem se transformem em ato e com isto ele desenvolva, com inteligência, o seu papel na ordem geral das coisas, é indispensável que a sociedade se organize com mecanismos de proteção à natureza humana. Esta se revela, assim, como a grande condicionante do Direito Positivo. O adjetivo natural, agregado à palavra direito, indica que a ordem de princípios não é criada pelo homem e que expressa algo expontâneo, revelado pela própria natureza. A presente colocação decorre da simples observação de fatos concretos que envolvam o homem e não de meras abstrações ou dogmatismos. A premissa básica de nosso raciocínio, com toda evidência, se revela verdadeira. Conforme asseverou Max Weber, “não existe ciência inteiramente isenta de pressupostos e ciência alguma tem condições de provar seu valor a quem lhe rejeite os pressupostos”. Com outras palavras, Jacques Leclercq fez a mesma afirmação: “Sem admitir determinadas evidências, não é possível viver”. Como destinatário do direito natural, o legislador deve ser, ao mesmo tempo, um observador dos fatos sociais e um analista da natureza humana. Para que as leis e os códigos atinjam a realização da justiça - causa final do Direito - é indispensável que se apoiem nos princípios do direito natural. A partir do momento em que o legislador se desvincular da ordem natural, estará instaurando uma ordem jurídica ilegítima. O divórcio entre o direito positivo e o natural cria as chamadas leis injustas, que negam ao homem o que lhe é devido. A origem do direito natural se localiza no próprio homem, em sua dimensão social, e o seu conhecimento se faz pela conjugação da experiência com a razão. É observando a natureza humana, verificando o que lhe é peculiar e essencial, que a razão induz aos princípios do direito natural. Infelizmente, uma falsa compreensão leva alguns jurista, ainda hoje, a um visível preconceito em relação ao direito natural, julgando-o idéia metafísica ou de fundo religioso. É indiscutível que se levarmos em consideração que a ordem natural das coisas foi estabelecida pelo Criador, este, em última análise, seria o autor do direito natural. Contudo, a ordem de raciocínio mais recomendável é a de se partir diretamente da idéia que envolve a natureza humana e o fim a que tende realizar. O jusnaturalismo atual concebe o direito natural apenas como um conjunto de amplos princípios, a partir dos quais o legislador deverá compor a ordem jurídica, Os princípios mais apontados referem-se ao direito à vida, à liberdade, à participação na vida social, à união entre os
seres para a criação da prole, à igualdade de oportunidades. O chamado direito natural normativo, erro do século XVIII, que pretendeu estabelecer códigos de direito natural, é idéia inteiramente abandonada. Tradicionalmente os autores indicam três caracteres para o direito natural: ser eterno, imutável e universal; isto porque, sendo a natureza humana a grande fonte desses direitos, ela é, fundamentalmente, a mesma em todos os tempos e lugares. Eduardo Novoa Monreal (jurista chileno), apresenta um elenco bem mais amplo de caracteres: 1) universalidade (comum a todos os povos); 2) perpetuidade (válido para todas as épocas); 3) imutabilidade (da mesma forma que a natureza humana, o direito natural não se modifica); 4) indispensabilidade (é um direito irrenunciável); 5)indelebilidade (no sentido que não podem os direitos naturais ser esquecidos pelo coração e consciência dos homens); 6) unidade ( porque é igual para todos os homens); 7) obrigatoriedade (deve ser obedecido por todos os (homens); 8) necessidade (nenhuma sociedade pode viver sem o direito natural); 9) validez ( seus princípios são válidos e podem ser impostos aos homens em qualquer situação em que se encontrem). Os partidários da idéia do direito natural têm a consciência de que os princípios que expressam os valores essenciais de proteção ao homem formam uma ordem apta a legitimar o Direito Positivo. Na medida em eu o Estado dispõe de estatutos legais que firam os direitos do homem, os jusnaturalistas recusam a legitimidade dessa ordem. Com base no Direito Natural, levantam uma bandeira de reivindicação, no sentido de colocar o Direito Positivo em harmonia com a ordem natural. o jusnaturalismo revela-se, assim, como um meio ou instrumento a atacar todas as formas de totalitarismo. E é por esse motivo, como lembra Jacques Leclercq, que “os governantes não gostam de ouvir falar de Direito Natural, porque este só é invocado para se lhes opor resistência”. Para a deflagração da Revolução Francesa, o pensamento jusnaturalista colaborou de forma decisiva. Em nome do Direito Natural foram condenadas as velhas instituições francesas, que se revelaram impróprias aos ideais de justiça social. O homo juridicus que se identifica com o valor justiça não se acomoda diante das opressões e desigualdades. luta em favor de uma ordem legítima; combate as distorções sociais; clama pela efetiva proteção à vida e à liberdade. Se necessário, lançase ao recurso extremo: a revolução. Se a idéia do Direito Natural é útil no processo de aperfeiçoamento das instituições jurídicas, pode, em contrapartida, falsamente ser utilizada como instrumento de conservação de uma ordem jurídica injusta e ilegítima, por força de manobras de quem detém o poder. O jurisfilósofo espanhol Elías Díaz denuncia o regime de seu país pela utilização dessa ideologia jurídica: “Aqueles grandes e sacrossantos princípios - defendidos pelos jusnaturalista espanhóis - Têm sido os utilizados nesse largo e negro período como ideologia reacionária para sua incorporação à legislação, à prática política ou à administração e aplicação do Direito. A esta altura cumpre uma distinção necessária. Não se pode acusar o Direito Natural de servir de base aos regimes injustos. A falsa definição dos direitos naturais, os sofismas, os artifícios de toda ordem, sim, é que podem desempenhar esse papel desastroso. A execução dessa prática, contudo, é a própria negação do Direito natural; é a postergação dos princípios que orientam a ordem natural das coisas, é o anti-direito, é a ilegitimidade. A crítica ao Direito Natural se divide em dois níveis: a dos que se opõem ao substantivo “Direito” e a dos que atacam o adjetivo “natural”. A oposição ao substantivo visa a
contestar a concepção do Direito Natural ontológico, segundo a qual esta ordem expressa o ser do Direito. A crítica ao adjetivo é propriamente ao Direito Natural deontológico e tem a finalidade de negar qualquer tipo de influência e de importância ao jusnaturalismo, recusando-lhe até a condição de valor ético.
2. POSITIVISMO JURÍDICO O Positivismo jurídico é a manifestação, no campo do direito, do positivismo, ou seja, da doutrina de Comte, na forma apresentada no seu Cours de pholosophie Positive. Dando grande importância à ciência no progresso do saber, restringindo o objeto da ciência e da filosofia aos fatos e à descoberta das leis que os regem, o positivismo pretendia ser a filosofia da ciência, ou seja, o coroamento do saber científico. Excluindo do seu domínio a metafísica, acabou sendo o saber fundado no fatos tout court . No domínio jurídico, pondo de lado a metafísica, definindo o direito positivo como fato, passível de estudo científico, fundado em dados reais, o positivismo jurídico tornou-se a doutrina do direito positivo. Nesse sentido tem razão Bobbio quando diz ser o positivismo jurídico a corrente do pensamento jurídico para a qual “não existe outro direito senão aquele positivo”. Consequentemente, opõe-se à Teoria do Direito natural, bem como a todas as formas de metafísica jurídica. Por isso, a identificação até o século XIX, da Filosofia do Direito com a Filosofia do Direito Natural, obrigou os positivistas a substituírem-na pela Teoria Geral do Direito, idealizada pelos alemães, ou pela Analytical Jurisprudence, do inglês Austin, formuladas com base no direito positivo. Fora da experiência, do fato ou do direito positivo, direito algum existe para o Positivismo Jurídico, que se caracteriza por identificar o direito positivo com o direito estatal ( legislado ou jurisprudencial), considerando a experiência jurídica a única fonte do conhecimento jurídico; por se antijusnaturalista, negando natureza jurídica ao direito natural; por ser antijusracionalista, negando o poder legislativo da razão, encontrando somente na vontade do legislador ou do juiz, manifestada na sentença, a fonte imediata do direito, e por afastar os valores e o direito natural da ciência jurídica e da filosofia do direito, reduzida à síntese dos resultados da ciência do direito. Identificando o direito com a lei ou com o código, com os precedentes judiciais, ou ainda, com o direito estatal, escrito ou não escrito, o positivismo jurídico resultou, na França, no culto da vontade do legislador e dos códigos, considerados sem lacunas. Desse culto resultou a escola de exegese, apegada aos textos, defendendo a subordinação do juiz à vontade do legislador. Já o positivismo jurídico alemão, acolhendo as lições do historicismo jurídico, não se preocupou com as relações do direito com o legislador, mas em delinear a teoria do direito positivo, que, partindo dos direitos históricos, acabasse formulando as noções jurídicas fundamentais. A Teoria Geral do Direito, cujos conceitos básicos são devidos aos pandecistas alemães (jurista alemães, especializados em direito romano), entendida como teoria geral do direito positivo, resultou do emprego da metodologia cientifica ao direito. Já o positivismo jurídico inglês, reduzindo o direito aos costumes, aos precedentes judiciais e à lei, independente de sua eticidade, de serem justas ou injustas as suas prescrições, caracteriza-se também, principalmente com Austin (jurista inglês), por ser a análise e a sistematização do direito positivo, com o objetivo de formular os conceitos jurídicos fundamentais. Por isso, diz-se ser a Analytical Jurisprudence de Austin, afastada dos “juízos de valor”, tendo por objeto o direito positivo, o embrião da Teoria Pura do Direito de Kelsen. Aliás, uma das obras de Austin denominase Philosophy of Positive Law.
No positivismo jurídico enquadram-se todas as teorias que consideram expressar o direito a vontade do legislador, definindo-o como comando e reduzindo-o ao direito do Estado. Esse positivismo tem sido rotulado de positivismo estatal ou positivismo normativista, por dar preponderância à lei sobre as demais fontes do direito ou ao precedente
judicial e por fazer depender o direito do Estado. Para essa versão do positivismo, o direito é identificado com o direito estatal: é o criado ou reconhecido pelo Estado, manifestação, portanto, de sua vontade. O positivismo se caracteriza, portanto, por ser antimetafísico e antijusnaturalista, por ser empirista, por afastar do estudo científico do direito os valores e por considerar o direito positivo o único objeto da Filosofia e Ciências jurídicas. As várias formas de positivismo encontram no fato social, na autoridade, nas razões de Estado, no poder ou nas necessidades decorrentes das relações humanas o fundamento do direito. Francesco Carnelutti situa o positivismo como um meio-termo entre dois extremos: o materialismo e o idealismo. Para o materialismo a realidade está na matéria, rejeitando toda abstração e assumindo uma posição antimetafísica. Para o idealismo a realidade está além da matéria. O positivismo mantém-se distante da polêmica. Ele simplesmente se desinteressa pela problemática, julgando-a irrelevante para os fins da ciência. O positivismo filosófico floresceu no século XIX, quando o método experimental era amplamente empregado, com sucesso, no âmbito das ciências da natureza. O positivismo pretendeu transportar o método para o setor das ciências sociais. O trabalho científico deveria ter por base a observação dos fatos capazes de serem comprovados. A mera dedução, o raciocínio abstrato, a especulação, não possuíam dignidade científica, devendo, pois, ficar fora de cogitação. O método experimental, adotado pelo positivismo, compõe-se fundamentalmente de três fases: a) observação; b) formulação de hipótese; c) experimentação. A observação é o ponto de partida. O pensamento humano é atraído por algum conhecimento ou fenômeno. A sucessão de fatos observados sugere a formulação de uma hipótese, que deverá explicar os fatos. Finalmente, a experimentação. Aqui o cientista põe à prova a sua hipótese, o seu pensamento. A experimentação deverá ser a mais ampla possível. Alcançado o êxito, ou seja, a confirmação do suposto, o conhecimento terá alcançado um valor científico. Na teoria de Augusto Comte, considerado fundador desta corrente filosófica, há dois aspectos que se destacam: 1 - a lei dos três estados; 2 - a classificação das ciências.
1. A lei dos três estados - o pensamento humano, historicamente, passa por três etapas e, correlativamente, as organizações sociais: a teológica ou mitológica, a metafísica e a positiva. Etapa teológica: nesse período, os fenômenos que ocorriam eram atribuídos aos deuses, demônios, duendes e espíritos. Predominava a imaginação, a mera fantasia. Os chefes e imperadores eram considerados representantes dos deuses. Etapa metafísica: a explicação das coisas passa a ser feita através de princípios abstratos. Esse estágio é dominado pela especulação filosófica. A natureza é explicada pelas causas e pelos fins. Etapa positiva: esse período representa uma reação contra as fases anteriores. Caracteriza-se pelo exame empírico dos fatos. Alguns autores qualificam a “lei dos três estados” de metafísica, de vez que, envolvendo afirmações categóricas, não foi comprovada cientificamente. 2. Classificação das ciências - Augusto Comte formulou uma classificação das ciências, adotando o critério de caminhar das mais gerais às mais específicas e, ao mesmo tempo, das mais simples às mais complexas. A ordem foi a seguinte: matemática, astronomia, física, química, biologia, sociologia. Essa classificação é incompleta, de vez que enumera apenas as ciências da matéria, deixando de citar as do espírito. A sociologia, cujo vocábulo foi por ele criado, achava-se ainda na etapa teológica, segundo o autor, que atribuiu a si a missão de elevá-la ao estágio positivo. Para Comte, o direito era uma seção da sociologia e a psicologia, por influência de Gal, denominou-a de biologia transcendental.
O positivismo jurídico, fiel aos princípios do positivismo filosófico, rejeita todos os elementos de abstração na área do Direito, a começar pela idéia do Direito natural, por julgá-la metafísica e anticientífica. Em seu afã de focalizar apenas os dados fornecidos pela experiência, o positivismo despreza os juízos de valor, para se apegar apenas aos fenômenos observáveis. Para essa corrente de pensamento o objeto da ciência do direito tem por missão estudar as normas que compõem a ordem jurídica vigente. A sua preocupação é com o direito existente. Nessa tarefa o investigador deverá utilizar apenas os juízos de constatação ou de realidade, não considerando os juízos de valor. Em relação à justiça, a atitude positivista é a de um ceticismo absoluto,. Por considerá-la um ideal irracional, acessível apenas pelas vias da emoção, o positivismo se omite em relação aos valores. Para o positivismo jurídico só existe uma ordem jurídica: a comandada pelo Estado e que é soberana. Eis, na opinião de Eisnmann, um dos críticos atuais do direito Natural, a proposição que melhor caracteriza o positivismo jurídico: “Não há mais Direito que O Direito Positivo”. Assumindo atitude intransigente perante o Direito Natural, o positivismo jurídico se satisfaz plenamente com o ser do Direito Positivo, sem cogitar sobre a forma ideal do Direito, sobre o dever-ser jurídico. Assim, para o positivista a lei assume a condição de único valor. Como método de pesquisa e de construção, só admite como válido m método indutivo, que se baseia nos fatos da experiência, recusando valor científico ao método dedutivo, por julgá-lo dogmático. Julius Moór afirma: “O positivismo jurídico é uma idéia segundo a qual o direito é ditado pelo poder dominante na sociedade, em um processo histórico. Segundo essa concepção, só é direito aquilo que o poder dominante determina, e o que ele determina só é direito em virtude dessa circunstância mesma”. A chamada Escola da Exegese desenvolveu programa típico do positivismo. Essa Escola, já vencida pelo tempo, defendeu o fetichismo legal. A sua doutrina era o codicismo. Este, no dizer de Carnelutti, “é uma identificação exagerada ou exasperada do Direito com a lei”. Era a idéia de que o código tinha solução para todos os problemas. O direito repousa exclusivamente na lei. O positivismo jurídico, que atingiu o seu apogeu no início de nosso século, é hoje uma teoria em franca decadência. Surgiu em um período crítico da história do direito natural, durou enquanto foi novidade e entrou em declínio quando ficou conhecido em toda a sua extensão e conseqüências. Com a ótica das ciências da natureza, ao limitar o seu campo de observação e análise aos fatos concretos, o positivismo reduziu o significado humano. o ente complexo, que é o homem, foi abordado como prodígio da física, sujeito ao princípio da causalidade. Em relação à justiça, a atitude positivista é a de um ceticismo absoluto. Por considerá-la um ideal irracional, acessível apenas pelas vias da emoção, o positivismo se omite em relação aos valores. Sua atenção se converge apenas para o ser do Direito, para a lei, independentemente de seu conteúdo. Identificando o Direito com a lei, o positivismo é uma porta aberta aos regimes totalitários, seja na fórmula comunista, facista ou nazista. O positivismo jurídico é uma doutrina que não satisfaz às exigências sociais de justiça. Se, de um lado, favorece o valor segurança, por outro, ao defender a filiação do direito a determinações do Estado, mostra-se alheio à sorte dos homens. O direito não se compõe exclusivamente de normas, como pretende essa corrente . As regras jurídicas têm sempre um significado, um sentido, um valor a realizar. Os positivistas não se sensibilizaram pelas diretrizes
do direito. Apegaram-se tão-somente ao concreto, ao materializado. Os limites concedidos ao direito foram muito estreitos, acanhados, para conterem toda a grandeza e importância que encerra. A lei não pode abarcar todo o jus. A lei, sem condicionantes, é uma arma para o bem ou para o mal. Como sabiamente salientou Carlenutti, assim como não há verdades sem germes de erros, não há erros sem alguma parcela de verdade. O mérito que Carlenutti vê no positivismo é o de conduzir a atenção do analista para a descoberta do Direito natural: “a observação daquilo que se vê é o ponto de partida para chegar àquilo que não se vê”. Uma apreciação crítica do positivismo jurídico deve distinguir, entre suas diversas correntes, duas atitudes diferentes. Uma primeira, representada pelos juristas que se limitam ao estudo do direito positivo, sem discutir o problema do seu fundamento. Outra, constituída pelos que negam ao direito um fundamento moral, representado pelos conceitos de justiça ou direito natural, e pretende encontrar uma base exclusivamente física para o ordem jurídica. A primeira atitude é válida, na medida em que o jurista, como estudioso de uma ciência particular, deixa à filosofia - no caso `filosofia do direito - a discussão dos fundamentos da ordem jurídica. Mas aqueles que negam ao direito um fundamento ético ou moral e pretendem reduzir as bases da ordem jurídica a um dado positivo, como a coerção, a vontade geral, a autoridade social etc., na realidade contradizem sua posição positivista e contrariam a verdadeira natureza do direito. Contradizem sua posição positivista, porque em lugar de permanecer no estudo objetivo dos fenômenos, invadem o campo da filosofia e na realidade fazem metafísica. Nesse sentido, as discussões intermináveis sobre a natureza da consciência coletiva em Durkheim e nos seguidores de usa doutrina, constituem amostra ilustrativa. Com razão, observou Brethe de La Gressaye, tais positivistas, que só crêem nas realidades sensíveis, inventaram o mito da consciência coletiva, fazendo metafísica sem o saber. Da mesma forma, na doutrina de Kelsen, todas as normas do sistema jurídico são hierarquicamente subordinadas à norma constitucional, e esta a uma norma hipotética ideal, que se encontra extraída da sociedade e expressa pelo poder público. E, assim, esse positivismo acaba por basear todo o direito não em um fato positivo, mas numa norma, hipotética e vaga. Além disso, essas correntes contrariam a verdadeira natureza da ordem jurídica, na medida em que reduzem o direito à força. Realmente, negar à ordem jurídica seu fundamento na justiça e nas exigências da natureza humana significa reduzir o direito a um simples produto da força dominante no meio social, seja ela a vontade de um chefe, a deliberação de um órgão legislativo ou judicante, dotado de poder coercitivo, ou mesmo a opinião da maioria. Preceitos arbitrários e violentos, atentados à dignidade humana como os praticados nos campos de concentração e julgados pelo Tribunal de Nuremberg, seriam juridicamente inatacáveis se o direito se reduzisse a um imperativo da força coercitiva da sociedade. Washington de Barros Monteiro se posiciona sobre o Direito Positivo e Direito Natural como abaixo: O direito pode ser concebido sob uma forma abstrata, um ideal de perfeição. Os homens estão perenemente insatisfeitos com a situação em que se encontram e sua aspiração é melhorá-la cada vez mais.
Surge assim a distinção entre direito positivo e direito natural. O primeiro é o ordenamento jurídico em vigor num determinado país e numa determinada época; o segundo, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e suprema. Para a Escola Positiva só interessam o direito positivo, a moral positiva, a ciência positiva. Não podemos, todavia, deixar de reconhecer a existência de uma lei anterior e superior ao direito positivo. Leis existem realmente que, apesar de não escritas, são indeléveis, jamais se apagarão. Cada um de nós as traz gravadas no próprio coração. Sobre elas descansa a vida das comunidades. Elas ordenam o respeito a Deus, o respeito à liberdade e aos bens, a defesa da pátria, e constituem as bases permanentes e sólidas de toda legislação. O direito natural representa assim “a duplicata ideal do direito positivo”. Simboliza a perfeita justiça (justo por lei e justo por natureza). Constitui o paradigma em que deve se inspirar o legislador, ao editar suas normas. O direito natural é o princípio regulador do direito positivo, o ideal para o qual este sempre tende e do qual tanto mais se aproxima quanto mais se aperfeiçoa. É o guia supremo da legislação. Toda vez que o legislador dele se afasta realiza obra má ou injusta.
Saliente-se ainda que o direito natural, a exemplo do que sucede com as normas morais, tende a converter-se em direito positivo, ou modificar o direito preexistente. Caio Mário da Silva Pereira afirma que costuma-se dizer que o direito positivo se opõe ao direito natural, aquele representando o regime da vida social corrente, este o conjunto de princípios ideais, preexistentes e dominantes. Enquanto o direito positivo é nacional e contingente, o direito natural é universal e eterno. Não se poderá, entretanto, e em verdade falar em contraposição ou antinomia, pois que, se um é a fonte de inspiração do outro, não exprimem idéias antagônicas, mas, ao revés, tendem a uma convergência ideológica, ou, ao menos, devem procurá-la, o direito positivo amparando-se na sujeição ao direito natural para que a regra realiza o ideal, e o direito natural inspirando o direito positivo para que este se aproxime da perfeição.
Em mais de dois mil anos de civilização ocidental sempre se admitiu e ainda se afirma que nenhum sistema de direito positivo pode libertar-se das inspirações mais abstratas e mais elevadas. Não é possível situar o fenômeno ius no campo da pura elaboração legislativa, sendo forçoso reconhecer a existência de uma ordem superior e dominante, de uma justiça absoluta e ideal, que o direito positivo realiza dentro do contingente da norma legislada, e sem o qual esta dificilmente se distinguiria do capricho estatal. Cumpre assinalar que no caso de insubordinação do direito positivo ao direito ideal ou à justiça absoluta, caberá ao legislador corrigir a falha pela derrogação da lei má, mas não ao juiz recusar-lhe a aplicação em nome da justiça ideal. O anseio superior pela realização do justo abstrato deve sobrepairar ao ordenamento positivo, pois que, no dizer de Del Vecchio, é uma exigência fundamental da consciência humana conceber a idéia do justo como absoluta e admitir um critério absoluto e ideal da justiça e do direito, independente do fato de sua sanção positiva .
SEXTA AULA HISTÓRIA DO DIREITO 1.EVOLUÇÃO DO DIREITO POSITIVO O direito nos primeiros tempos, manteve-se vigente graças à memória dos sacerdotes, que foram os primeiros juízes; depois, da decisão dos mais velhos ou de um chefe, que tinham competência para decidir os litígios. Transmitiu-se oralmente a princípio. Era então tradição sagrada. Cada caso a rememorava e devia ser decidido como o antecedente. Nesse tempo, inexistiam códigos ou leis. Secreto era o conhecimento dodireito, guardado com muito zelo pelos sacerdotes ou pelos mais velhos., que assim mantinham suas posições sociais e privilégios. Com o tempo, o direito tornou-se o conjunto de decisões judiciais, casuística, mantido ainda em segredo. Muito depois, tais decisões, sendo ininterruptamente repetidas tornaram-se costumeiras. Surge assim da sentença o costume jurídico. Mas, em algumas comunidades a indiscrição de um escriba revela o segredo guardado pelos juízes (sacerdotes), tornando-o público, como ocorreu em Roma
com o Ius Flavianum, direito dos pontífices revelado em 304 a.C. pelo escriba Gneo Flavio. Então, das sentenças surgiu a lei, ou melhor, o código. Finalmente, em outras comunidades, reislegisladores-sacerdotes reduziram a escrito as principais sentenças imemoriais, como fizeram Hamurabi e os reis sumerianos anteriores. Nesses códigos nota-se perfeitamente a origem casuística de seus preceitos. Aí também da sentença surgiu a lei. Assim, parece-nos que o direito foi casusiticamente estabelecido, formulado em decisões judiciais, proferidas pelos iniciados em uma ciência jurídica secreta. Surgiu primeiro como sentença, que repetida originou o costume, a mais antiga fonte do direito. O direito, escreve Declareuil, mais antigo foi exclusivamente consuetudinário, tendo por origem, geralmente, a “decisão tomada um dia por um chefe ou uma sentença, conhecida ou não como tal”. A repetição e a autoridade do chefe que prolatavam as sentenças, tornaram-nas precedentes, surgindo assim o costume. À medida que as relações jurídicas multiplicaram-se, tornando-se complexas, e que as sociedades pluralizaram-se, tornaram-se incertos os costumes, sendo então compilados por sacerdotes ou por determinação real. Tal é a origem dos antigos códigos, como, por exemplo, o de Hamurabi. O direito primitivo era respeitado religiosamente, não só pelos às suas sanções draconianas e desumanas, como, também, por medo da ira dos deuses que poderia se manifestar por epidemias, secas, chuvas etc., como acreditavam os povos das primitivas culturas. Por isso, o direito primitivo tinha caráter religioso, era sagrado, sendo, em razão disso, como dissemos, os sacerdotes os primeiros juristas. A maioria dos legisladores antigos declarava ter recebido as suas leis do deus da cidade ou do grupo social. Os códigos sumerianos, dentre os quais o de Hamurabi, eram apresentados como transmitidos pela divindade da cidade à qual pertencia o rei-legislador. Daí o ilícito se confundir com o pecado, isto é, com o desrespeito à divindade que as ditou. Neles não há distinção entre direito civil e direito criminal, podendo-se dizer que do direito penal surgiu, como bem disse Ihering, o direito civil. A noção de culpabilidade lhe é estranha, respondendo o criminoso pelos seus atos, independente de culpa, juntamente com sua família, sendo destruídos os seus pertences e tudo o que ele houver tocado com suas mãos. Da mesma forma, débito não pago significava pecado, sendo o devedor faltoso sacrificado pela prestação não executada. O juramento dava segurança aos negócios. Predominava a crença de que não honrá-lo ofendia aos deuses. Se tal ocorresse, o grupo poderia sofrer as conseqüências da ira divina, salvo se o faltoso fosse exemplarmente punido Os sacerdotes-juízes ou os reis-juízes invocavam divindades para saber com quem estava a verdade, a fim de que, com sua intervenção, fosse apontado o criminoso, protegido o inocente, castigado o culpado. Os julgamentos de Deus (ordálio), sob a forma de prova de fogo, do veneno ou de duelo, eram empregados para descobrir o responsável pela falta. A princípio, a violação do costume deu lugar à justiça privada, a “Lei de Talião” (dente por dente, olho por olho), impondo represália igual à ofensa (pena privada). Porém tal solução, fonte de insegurança e intranqüilidade, acabou substituída pela composição pecuniária, a princípio maior que o prejuízo, em regra o dobro, inicialmente com caráter facultativo (pena privada), como prescrevia, por exemplo, o Código de Ur-Namu, descoberto depois da última guerra, contido na “tabuinha de Istambul”, muito anterior ao de Hamurabi. O formalismo, o cerimonial, caracteriza o direito arcaico, prevalecendo a forma, os atos simbólicos, os gestos, as palavras sagradas e os rituais sobre o conteúdo dos atos ou das ações. O formalismo era sua marca registrada. As pessoas não tinham direitos, que praticamente pertenciam ao grupo. Pertencer ao grupo importava ter deveres, e não direitos. O contrato era celebrado entre grupos. Os direitos individuais e os contratos individuais só tardiamente apareceram no Egito e na Mesopotâmia. Daí a procedência da lei de Maine: a evolução jurídica se caracteriza pela passagem do regime de status ao regime de contrato. Durkheim, e sua escola sociológica, também defendiam essa tese, acolhendo estudos de R. Smith, segundo os quais os primitivos contratos estariam concluídos com a observância do blood-covenant, isto é, com a mistura de gotas do sangue dos contratantes (chefes de tribos, de famílias) unificando status. Em Roma, a princípio, só os chefes de família tinham direitos. No seio da família, a vontade do pater familias era a lei, ou seja, a vontade do chefe da família tinha autoridade absoluta sobre os seus membros, sobre os
escravos e também sobre todas as coisas a ela pertencentes. Cabia-lhe, igualmente, julgar e punir os membros faltosos. Foi esse direito que permitiu a coesão e sobrevivência do grupo. Tivemos de esperar os romanos para termos a autonomia do direito em relação à Moral e à Religião.
1.1. FORMALISMO DO DIREITO ARCAICO O formalismo caracteriza, como dissemos, a vida social das sociedades antigas. No direito arcaico predomina o formalismo, presente até Roma. No entender de H. Lévy-Bruhl, é o regime no qual predomina a forma sobre o fundo, sendo suficiente a observância de formalidades preestabelecidas para produção de efeitos jurídicos, independente da intenção do autor do ato. O formalismo, segundo o ilustre jurista e sociólogo francês, supões certo automatismo, comparável a um mecanismo de precisão. Introduz nas relações sociais a segurança que reina na natureza. O emprego de uma fórmula, de um rito, de um símbolo, sem contestação possível, produz o resultado previamente conhecido. Marca o direito antigo em todos os seus aspectos, pois nele, como nota Fustel de Coulanges (A cidade antiga), o exterior, a letra, é tudo, não sendo pensável naquele tempo a investigação do sentido ou espírito da lei. As palavras são sagradas, devendo ser repetidas corretamente, para que sejam produzidos os efeitos jurídicos desejados. Devido a isso, o direito arcaico é constituído de formas e fórmulas sagradas, religiosamente conservadas, pelo receio de serem perdidas. Permitiu o formalismo por largo tempo que a norma jurídica desse visível, e assim possibilitava ter nos olhos o direito, não como conjunto de conceitos, mas de atos. Havia nas fórmulas sagradas “alguma coisa de misterioso que se temia violar e se respeitava como imposta por uma força superior. Esses símbolos não deviam ser substituídos, as palavras prescritas deviam ser repetidas sem variações, porque se receava mudar o efeito mudando a forma”. O formalismo jurídico compõe-se de duas partes distintas: atos e palavras. A princípio, o ato destaca-se; depois são mais importantes as palavras fielmente pronunciadas, do que as escritas. Da palavra “surgiu o direito; da fórmula, a ação judicial”. Com o tempo, a palavra e as fórmulas perderam o significados arcaico, sendo mantidas pelo uso. Tardiamente, o homem delas se libertou, não totalmente, pois até hoje, sem caráter sagrado, algumas fórmulas e formas são usadas em atos legislativos e em certos atos e negócios jurídicos, como, por exemplo, o compromisso no casamento ou a forma (escritura pública) na compra-e-venda de imóvel.
1.2. DIREITO EGÍPCIO Na civilização Egípcia predominou a Religião. Por isso, o direito egípcio sofreu a influência do elemento religioso. O seu estudo é difícil pela precariedade das fontes. Os documentos jurídicos egípcios (atos jurídicos e decisões judiciais) desafiaram os séculos em papiros, que o clima seco do Egito conservou até nós. O mais antigo que se conhece é o Papiro de Berlim, da VI Dinastia (2420-2294). Sabe-se que as terras eram de propriedade do rei, podendo as castas privilegiadas usufruí-las, pagando tributos altíssimos à Coroa. . Compra e venda de terras não era conhecida, reduzindo-se o direito de propriedade e dos contratos a locações de serviços e a transações com bens móveis, objetos de propriedade privada. As obrigações a serem cumpridas no futuro eram assumidas mediante juramento, com invocação do nome (não de deuses), mas do faraó, como garantia de sua observância. Em virtude da crença na continuidade da vida depois da morte, era comum haver contratos em que a parte que sobrevivesse obrigava-se a levar oferendas periódicas ao túmulo da que morresse primeiro. Tais contratos são equiparados ao compromisso de uma pessoa mandar celebrar missa pela alma de outra. No casamento, uma das formas de contrato, a mulher mantinha a propriedade de seus bens. O divórcio só o marido podia obtê-lo. Mais tarde, ao tempo dos
Ptolomeus, a mulher conquistou esse direito. A autoridade do marido e o pátrio-poder eram absolutos. O testamento, desconhecido. Entretanto, permitia o direito egípcio que, por ato inter vivos, pudesse ser feita a doação de bens móveis a outrem, produzindo efeitos após a morte do doador. O doador, para se garantir, retinha em seu poder o documento que a comprovava, que com sua morte era transferido para o donatário. A posse desse documento transferia a propriedade dos bens doados. Era comum o ato jurídico ser celebrado em ‘documento duplo”, sendo um deles, o original, selado, fechado, lacrado e arquivado; a cópia circulava; o original era aberto em juízo quando fosse posta em dúvida a autenticidade da mesma. Os atos jurídicos eram celebrados com observância de formulários preestabelecidos. Havia atos solenes, celebrados por escribas (funcionários), na presença de testemunhas, autenticados com o selo estatal. Os tribunais, cujos juízes eram os dignatários locais, julgavam em nome do faraó, orientados por um funcionário do Estado, que dirigia o julgamento. O tribunal só podia iniciar o julgamento com a presença desse funcionário. A tortura era meio de prova usualmente empregado não só aos acusados como também às testemunhas. As penas eram cruéis e draconianas. Para o homicídio, pena de morte; para o parricídio, a morte na fogueira; para o adultério, mutilações e vergastadas (pancadas com chicotes ou chibatas). Mas, se a mulher adúltera estivesse grávida, a execução da pena era suspensa, sendo executada depois do parto. Para o furto, escravização do ladrão ou mutilação. Assim, bastonadas, mutilações (ablações - cortes - das orelhas, do nariz, da língua ou das mãos), exílio, lançamento à fogueira com mãos e pés amarrados, eram as penas mais usadas no direito penal egípcio. O direito internacional parece ter sua pré-história no Egito. Conhece-se um tratado de aliança e paz celebrado por Ramsés II (1297-1231) com o rei Hitia Hattusibis III.
1.3. CÓDIGO DE HAMURABI (BABILÔNICO) Código gravado em enorme bloco cilíndrico de pedra negra, de 2,25 m de altura, com 2 m de circunferência, encontrado, em 1902, na cidade persa de Susa, para onde fora levado, por volta de 1175 a.C., como despojo de guerra. É a “estrela de Hamurabi “ que se encontra no Louvre. Acreditavam os babilônicos ter Hamurabi recebido esse código do deus Sol. A própria estrela, no alto, contém um relevo representando essa transmissão. O deus Sol o teria confiado a Hamurabi, tornando-o “rei do direito”, com a missão de decidir com eqüidade e “disciplinar os maus e os malintencionados e impedir que o forte oprima o fraco”. O código não é o mais antigo do mundo, como se supunha até 1948, pois na “tabuinha de Istambul”, descoberta em 1952, como dissemos anteriormente, encontra-se um código mais antigo, o Código de Ur-Namu, também mesopotânico. Mas, não sendo o mais antigo, é o mais famoso. É precedido de um prólogo de grande beleza literária. Não é um código especializado, pois contém todo o ordenamento jurídico da cidade: organização judiciária, direito penal, processual, contratos, casamento, família, sucessões, direito de propriedade. É, assim, código civil, código penal, código de processo, código comercial e de organização judiciária, com 282 artigos. Não é um sistema jurídico, mas uma coletânea de julgados ou de hipóteses acompanhadas de decisões. O casuísmo caracteriza-o, sendo muito minucioso no que concerne às punições. Os artigos apresentam um caso concreto acompanhado de sua solução jurídica. Os seus preceitos estão formulados em breves sentenças, como, por exemplo, esta: “A esposa que mandar assassinar o marido por gostar de outro homem, será empalada (antigo suplício em que o condenado era espetado pelo ânus com uma estaca)”. Talvez seja a compilação de decisões judiciais que tenha dado origem a uma forma de direito costumeiro. As proposições iniciam-se assim: “admitindo-se que...”, portanto, enunciam casos hipotéticos, como, por exemplo, o seguinte: “Quando um filho disser a seu pai: -Vós não sois meu pai, deverá ser marcado a ferro em brasa com o sinal dos escravos, acorrentado e vendido.” No terreno dos contratos, exige a forma escrita, reveladora da preocupação pela segurança das relações jurídicas. Deveriam ser celebrados na presença de testemunhas. No campo do direito de propriedade, as normas são precisas, protegendo a propriedade, não só a imobiliária como, também, a dos bens móveis e a dos escravos
equiparados aos bens móveis. O proprietário era responsável pela conservação dos canais de irrigação que passassem em suas terras. No que concerne à reparação dos danos, a pena de talião, “dente por dente, olho por olho”, era aplicada no caso de a vítima ser homem livre, mas, se escravo, a pena era pecuniária. No direito de família, a estabilidade da mesma era a finalidade precípua. Por isso, a esterilidade da mulher era caso de divórcio, ou, então, de o marido ter uma escrava como concubina, para ter descendentes, ou, ainda, esposa secundária para o mesmo fim, colocada em segundo plano no lar. O casamento tinha a forma de contrato que previa os direitos e deveres dos cônjuges, semelhante à compra e venda. No que concerne à sucessão, os filhos herdam todos os bens pertencentes à esposa, pois o marido, pela morte da mulher, a eles não tem direito. Igualmente, no caso de morte do marido, são seus herdeiros os descendentes, por não ser meeira a esposa. O código não prevê testamento, mas admite doações até a pessoas estranhas à família. O falso testemunho era severamente punido. Os crimes eram punidos com penas draconianas, tais como pena de morte, executados de forma cruel e desumana (afogamento, crucificação, mutilações, escravização); menos graves, penas pecuniárias. Para o roubo, pena de morte. o legislador babilônico teve a preocupação de fazer corresponder a pena ao prejuízo. Fixa o preço de gêneros de primeira necessidade, tais como trigo, azeite etc. Alguns preceitos do código: “Se um homem bater em seu pai, terá as suas mãos cortadas”. “Se um homem furar o olho de um homem livre, ser-lhe-á furado o olho”. “Se um homem der a um jardineiro um campo para ser transformado em pomar, se o jardineiro plantá-lo e dele cuidar durante quatro anos, no quinto ano o pomar será repartido igualmente entre os proprietários e o jardineiro; o proprietário poderá escolher a sua parte” etc.
1.4. LEI HEBRAICA A “lei” de Israel não contém exclusivamente matéria jurídica; prescreve preceitos morais e religiosos, acima de tudo rituais. Era (e é) considerada expressão da vontade de Deus, transmitida diretamente ao povo hebreu (“povo eleito”). Acreditavam (como acreditam) os hebreus como tendo origem divina. O Deuteronômio, atribuído pela Bíblia ao rei de Judá, Josias (621), era tido como o “Livro da Lei encontrado na casa de Yahvé (Jeová), pelo sumo-sacerdote”. A lei mosaica foi condensada no Torá; sofreu a influência do direito babilônico. Tinha objetivo certo: proteger o “povo eleito”. Por isso, proibia o casamento com estrangeiros. Vedava o empréstimo a juros entre os compatriotas, permitindo-o, entretanto, ao estrangeiro. Foi formulada com espírito ético: ”Quando teu inimigo tomba não te alegres” ou se “teu inimigo tem fome dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe água para beber”. Os humildes e os fracos eram protegidos contra a exploração dos poderosos. Prescreve o Deuteronômio: “Não oprimirás mercenário pobre e indigente, seja ele um de teus irmãos ou um dos estrangeiros que permanecem em teu país, às tuas portas. Dai-lhe o salário de sua jornada antes de se pôr o sol, porque ele é pobre e tem pressa de recebê-lo.” A lei hebraica previa os contratos de compra e venda, empréstimo, locação de coisas e serviços e o depósito. Disciplinou o direito de vizinhança. A vingança privada não era permitida. Admitia a lei hebraica a reparação do dano. Prescrevia a pena pecuniária para vários delitos. Draconianamente punia a idolatria, a blasfêmia e o adultério com pena de morte. No direito de família, era permitida a poligamia. Autorizava o “levirato”, ou seja, a obrigação da viúva sem filhos casar-se com o cunhado, para poder dar descendência ao morto. Tolerava o concubinato. O casamento, a princípio por compra da mulher, passou a ser celebrado com a entrega do dote aos nubentes. Marido e mulher tinham os mesmos direitos, mas a concubina, situação inferior. A propriedade imobiliária devia ser mantida com as famílias na forma distribuída por Moisés. O filho mais velho recebia, por morte do pai, mais do que os demais (direito da primogenitura). As filhas não herdavam, salvo na falta de varão. A organização da família era pratiarcal. Segundo a lei hebraica: “ninguém será condenado pelo testemunho de um só”. “Não se punirá o homicídio antes de ouvidas as testemunhas”. Ao falso testemunho correspondia a mesma pena que deveria sofrer o
culpado inocentado ou a sofrida pelo inocente sentenciado. No que diz respeito às sanções, não havia distinção entre ricos e pobres: todos poderiam sofrê-las.
1.5. CÓDIGO DE MANU O direito da Índia antiga era de fundo religioso, destinando-se a proteger e consolidar o regime de castas, então dominante. O nascimento marcava a posição social do homem até a morte; era, pois, inalterável. O Código de Manu, escrito em versos, é, apesar de ter fundamento religioso, mais jurídico do que os anteriores. Está em verso porque o verso é um dos expedientes adotados para auxiliar a memória e, assim, manter nela viva a lei. O credor podia escolher entre senhorear-se do devedor relapso, transformando-o em escravo temporário, obrigando-o a trabalhar até pagar a dívida, ou chamá-lo a Juízo. Se não comparecesse para se defender, estaria sujeito a penas draconianas. Como meio de prova admitia o ordálio (prova do fogo e do veneno) e a testemunhal. A mulher era venerada: “Não se bate em uma mulher nem mesmo com uma flor, qualquer que seja a falta por ela cometida”, prescrevia o Código de Manu. Mesmo assim, o homem desfrutava de posição privilegiada. A mulher, se solteira, estava sob a autoridade do pai; se casada, sob a do marido, e se viúva, sob a do filho mais velho.
1.6. DIREITO GREGO ARCAICO As leis gregas, a partir do século VI a.C., mais precisamente as de Atenas, diferenciavam-se das demais leis da antigüidade, por serem democraticamente estabelecidas. Não eram decretadas pelos governantes, mas estabelecidas livremente pelo povo na Assembléia. Resultavam, pois, da vontade popular. Devemos aos gregos parte de nossa terminologia jurídica, que passou para o direito romano, empregada até nossos dias, como, por exemplo, “sinalagmático”( vínculo contratual que obriga reciprocamente as partes) ou “quirografário” (ato escrito do devedor). Outros termos podem ser lembrados, como “enfiteuse”, “anticrese” ou “hipoteca”. Construíram os gregos tipos embrionários de contratos; aperfeiçoaram o contrato de permuta dos egípcios e dos babilônicos. Disciplinaram a propriedade privada, bem como construíram, principalmente com Platão, uma teoria da pena. O forte dos atenienses não foi o direito privado, mas o direito público. Lançaram as bases da democracia. Devemos a eles o princípio do primado da lei, incorporado à Cultura Ocidental. Para eles, as leis, sejam as tradicionais, sejam as históricas, eram sagradas. Promulgada a lei, impunha-se a todos, igual e uniformemente, sejam governantes ou governados. A justiça, podese dizer, era a meta do direito grego, confundida sempre com o bem da polis.
1.6. DIREITO ROMANO E MEDIEVAL Roma teve a vocação jurídica. Distinguiu o direito da Moral e da Religião. Dizer que Roma “organizou o direito não significa somente que teve grande número de leis. A quantidade na produção legislativa não é sinal de perfeição, sendo, muitas vezes, ao contrário. Outros povos anteriores tiveram mais leis do que os romanos, bem como outros que vieram depois.” Roma adquiriu a supremacia no campo do direito por haver “criado uma ciência e uma arte do direito”. Em sua origem o direito romano foi consuetudinário e jurisprudencial, encontrando as suas origens nos costumes e nas decisões dos pontífices. Entre duas legislações, encontra-se a história desse direito: a primeira, datando de 462 a.C., a “Lei da XII Tábuas”, que codificou o direito romano primitivo, exclusivo do cidadão romano, e, no seu crepúsculo, o Corpus Iuris Civilis, de Justiniano. Entre essas duas legislações, uma longa história, durante a qual o gênio dos
romanos aperfeiçoou o direito, estabelecendo as sua bases. É o direito herdado pelo Ocidente, que se encontra nas raízes de nossos códigos. A história desse direito começa, assim, com a Lei das XII Tábuas, que afastando do direito a religião, contém direito público, direito processual, direito penal e direitos privados. Não indicava a ação para proteção dos direitos. Impunha a “Lei de Talião” (“dente por dente, olho por olho”) e penas severíssimas para leves culpas (retaliação, exílio, penas de morte etc,), bem como estava dominada por formalismo obscuro, em que o gesto e as palavras eram sagrados. As obscuridades e lacunas dessa lei e o desenvolvimento dos negócios levaram à criação, em 367 a.C., do pretor, que em seus éditos indicava a ação cabível, a ser instruída pelas partes, com produção de provas, julgada por um árbitro. O édito, a princípio estabelecido para o caso submetido ao pretor, adquiriu, depois, força de lei, não podendo ser modificado nem mesmo pelo que o baixou e, muito menos, por seus sucessores. Forma-se, assim, o ius praetorium ou ius honorarium, que, a pretexto de interpretar a Lei das XII Tábuas, a corrigiu, a ampliou e a simplificou, tornando-a menos formalista e menos obscura. Dos éditos do pretor da cidade, competente para apreciar litígios entre cidadãos romanos, resultou o ius civile (direito do cidadão romano), enquanto dos éditos do pretor para estrangeiros, criado em 242 a.C., competente para litígios entre estrangeiros e entre estes e os romanos, nasceu um direito novo, fruto da eqüidade, desprovido de formalismo, o jus gentium. Roma cresceu, evoluiu economicamente, criando situações e relações jurídicas novas, para as quais a Lei das XII Tábuas não continha solução, nem tampouco os éditos dos pretores. Tornou-se, então, necessário o concurso de técnicos do direito para resolvê-las. Surgiu, então, nos séculos II e III, a praxe de solicitar a um jurista a solução para o caso não previsto na lei. Os pareceres desses juristas, principalmente os de Papiniano, Ulpiano e de Gaio, tinham força de lei; remodelaram o direito romano, criando a ciência jurídica. Augusto deu força de lei à opinião do eminentes jurisconsultos citados. No período bizantino, no Baixo-Império, esses pareceres foram compilados na Codificação de Justiniano. Prevaleceu em Roma o princípio da territorialidade do direito, submetendo todos, romanos ou estrangeiros, ao direito romano; os romanos, ao jus civile, os estrangeiros, ao jus gentium.
O direito criado desde a Lei das XII Tábuas, incorporado ao Corpus Iuris de Justiniano, constituiu o marco inicial do direito europeu, conseqüentemente do latino-americano. Os romanos criaram o vocábulo jurídico “pessoa”, deram ao chefe de família e ao marido plenos poderes. A mulher era incapaz, estando na dependência jurídica do pai, do marido ou de um tutor. O escravo era equiparado à coisa; a propriedade era entendida como o direito de usar e dispor da coisa sem limites. Reconheceram os romanos o direito de ser mantida e usada a coisa por quem não tem domínio, ou seja, a posse, bem como admitiram que a posse mansa e pacífica da coisa pudesse gerar domínio (usucapio ). Contrato, delito, quase-contrato (celebração de negócios lucrativos em benefício de outrem sem sua prévia autorização) e quase-delito (dano causado por culpa) eram fontes de obrigações. A escravidão por dívida foi a princípio substituída por trabalho forçado a favor do credor até o montante do débito; depois, no tempo de César, desapareceu, passando então a responder os bens do devedor por suas dívidas. A “Lei de Talião” foi aos poucos posta de lado, dando lugar à composição (preço do dano), e, depois, à reparação do dano, sempre na dependência de culpa.
1.7. IDADE MÉDIA. Caracterizada pela pluralidade de ordens jurídicas :direito bárbaro, direito dos senhorios, direito das corporações de mercadores, direito das cidades e direito canônico, vigentes muitas vezes no mesmo território. O comércio ascendente, exigindo flexibilidade jurídica, necessitava de direito especializado. As corporações de mercadores criaram-no seja por convenção, seja consuetudinariamente, flexível, sem formalismo, compilado, em 1056, em Gênova e, posteriormente, em Pisa e Milão. Como esse novo direito não era reconhecido pelos tribunais das
cidades, tornou necessário a criação de cortes nas corporações nas quais era aplicado, cujas decisões nele fundadas foram respeitadas espontaneamente pelos mercadores. Eram conhecidas como tribunais do pés poeirentos. Dessas decisões, dos costumes respeitados pelos mercadores e da convenções celebradas pelas corporações, surgiu, no mundo medieval, o direito mercantil, direito da classe de mercadores, bem diferente do direito romano. As cidades, a partir do século X, muito influenciadas pelo comércio, tiveram de se valer do direito das corporações, conciliando-o com o direito consuetudinário nelas dominante, e com fragmentos do direito romano, originando, graças às decisões dos juízes, um direito mais adequado à vida urbana. Dessa maneira, cada cidade, foi formando seu direito. Cercadas por muralhas, para se defenderam de assaltos, de cercos de inimigos, tornaram-se centros comerciais, nos quais, a partir do século XI, formou-se nova classe social: a burguesia (homens livres, que criaram as letras de câmbio, o crédito e os bancos. Fora das cidades dominava outro direito, com jurisdição própria, o dos senhorios, aplicável a servos e vassalos. Direito desigualitário, com privilégios, fundado no princípio de hierarquia e de subordinação. Com a descoberta de um texto completo do Digesto de Justiniano, interpretado por Inério (gramático erudito da Universidade de Bolonha), ressurge o direito romano na idade média. (Glosadores de Bolonha). Dos trabalhos dos glosadores resultou novo direito romano, adaptado à sociedade medieval cristianizada, que se transformou em direito comum, vigente em toda a Europa. Também concorreu para cunhar o direito privado medieval o direito da Igreja Católica, conhecido como Direito Canônico. Este direito contribuiu para acabar com a exclusão das mulheres do direito de receber por sucessão propriedades territoriais.
1.9. DO DIREITO MODERNO AO DIREITO CONTEMPORÂNEO No campo do direito constitucional, no século XVIII, o documento jurídico mais importante é a Constituição Americana (1787), a primeira constituição moderna, que institui o presidencialismo como forma de governo e o federalismo como forma de estado, exercendo forte influência sobre o Brasil. A Revolução Francesa necessitou de leis rígidas e intocáveis, que manifestassem e impusessem os princípios revolucionários de “igualdade” e de “fraternidade”, formulados na “Declaração do Direitos do Homem e do Cidadão”(1789). Foi criada uma legislação de transição, substituída depois pelo Code Civil de Français (1804). Mais tarde foi denominado Code Napoléon (1807) e, posteriormente, Code Civil, que, graças às interpretações atualizadoras dos tribunais franceses, ainda está em vigor. Funda-se nos princípios individualistas da liberdade contratual, da propriedade como direito absoluto e da responsabilidade civil fundada na culpa provada pela vítima. Lançou as bases do direito privado moderno. Em primeiro de janeiro de 1900 entrou em vigor o Código Civil Alemão (BGB), impregnado de direito romano. Exerceu forte influência no Código Civil brasileiro, no húngaro, no grego e até no japonês. Das codificações francesa e alemã, resultou o que se convencionou chamar de sistema continental, dominando o continente europeu, excluída a Inglaterra, também conhecido por sistema de direito codificado, tendo em suas raízes o direito romano. Característica desses sistemas é ser a lei a fonte principal do direito, sendo subsidiárias as demais fontes. Em oposição a esses sistemas está o da Common Law, também denominado sistema anglo-americano, em que o precedente judicial (sentança-padrão0 é a fonte principal do direito e em que a lei desempenha papel secundário. No terreno constitucional os norte-americanos optaram pela Constituição escrita. No sistema anglo-americano a influência do direito romano foi menor, pesando a da eqüidade e dos costumes na formulação de seus princípios e de suas regras jurídicas.
A Common Law, direito declarado pelo juiz, tem no precedente judicial a sua fonte principal. Surgiu na Inglaterra no século XII. Esse sistema domina na Inglaterra, País de Gales, Irlanda, Canadá (exceto Quebec), Nova Zelândia, Austrália e nos Estados Unidos (exceto Lousiana). A diferença entre os dois sistemas (Continental e Common Law), é mais de forma, pois, enquanto no primeiro predominam a lei e o código, no segundo dominam o precedente judicial, os repertórios de jurisprudência e o costume. Quanto ao conteúdo, as diferenças não são tão grandes. Com a Revolução Russa surgiu o terceiro sistema jurídico: o sistema soviético, que, quanto às fontes do direito, se enquadra no “sistema continental” por ser legislado, afastado, entretanto, do europeu, não quanto à forma, mas quanto ao conteúdo. Não admite a propriedade privada dos meios de produção e que subordina o exercício dos direitos à sua destinação econômico-social e que, ainda, instituiu governo colegiado de partido único. Vigorou no Leste Europeu até a queda do muro de Berlim.
2. EVOLUÇÃO DE INSTITUTOS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS 2.1. FAMÍLIA A família é a forma mais natural, espontânea e antiga da vida social. No âmbito da família, principalmente na aurora da Civilização Ocidental, na Grécia e em Roma, concentravam-se grandes poderes sociais. Era a guardiã das tradições e dos costumes. A família antiga difere da contemporânea, que é o conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade. Na Antigüidade, era o conjunto de pessoas com a mesma origem, cujo poder que detinham tinha a mesma fonte: os antepassados e a divindade da família, cultuada no altar familiar. Era constituída de pessoas vinculadas por parentesco místico. Muito numerosas, constituindo unidades de culto, resultantes das mesmas crenças sociais, formadas de pessoas unidas por um ancestral comum ou uma divindade comum. O varão mais idoso era o chefe, juiz e proprietário dos bens da família. Constituía verdadeira unidade política, com suas leis, seus julgamentos e seu culto. A família moderna reduziu o seu tamanho, passando a ser formada por pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, restringida ao grupo constituído do pai, da mãe e dos filhos. Identifica-se com a família conjugal (pai, mãe e filhos); com a família oriunda do casamento. Hoje, o conceito de família compreende tanto a família conjugal como a resultante do concubinato. Em sentido mais amplo: grupo formado pelos ascendentes, descendentes e colaterais mais próximos. (considerada para fins de sucessão e alimentos). Finalidade: primeiro, a constituição de um grupo solidário, afetivamente unido; depois, a prole e a educação dos filhos, de modo a integrá-los na vida social. Até pouco tempo, era constituída pelo casamento. Na sociedade arcaica, o matrimônio realizava-se mediante rapto, pela captura de mulheres de outros grupos sociais. Depois o rapto foi substituído pela compra-e-venda. (Dote é resíduo pouco utilizado deste precedente). Com o Cristianismo, o casamento, apesar de ser decidido pelos pais dos nubentes, não atribuía mais poderes absolutos ao marido. Muito depois o matrimônio passou a depender da vontade dos nubentes. Hoje, havendo coação paterna, o casamento é anulável. Com a Constituição de 1988, a família decorre da casamento como do concubinato. Na família moderna notam-se a humanização e o desaparecimento da autoridade marital. A incapacidade da mulher casada não mais existe. A lei dá a ambos os cônjuges direitos e deveres, colocando-os em pé de igualdade.
2.2. PROPRIEDADE E SUA EVOLUÇÃO
Propriedade é a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Do ponto de vista biológico, a propriedade é fruto do instinto de conservação. Deve ter sido primitiva na sociedade primitiva, tanto da terra como da coisas móveis, sejam armas utensílios etc. A comunhão de bens entre pessoas, vinculadas e identificadas com o grupo social, foi a primeira forma de propriedade. Tudo pertencia a todos e a ninguém em particular. A propriedade individual surgiu simultaneamente com a chefia do grupo. A princípio só ao chefe do grupo era atribuída a propriedade individual, principalmente imobiliária. Gradativamente, os bens de uso pessoal (roupas, armas, utensílios ou ornamentos), tornaram-se propriedade dos membros do grupo que o usavam ou portavam. Depois estendeu-se aos produtos do trabalho individual e, mais tarde, aos terrenos cultivados. Primeiro houve a propriedade das coisas móveis, depois, tardiamente, da terra. Inicialmente atribuía-se a titularidade à família. a propriedade familiar antecede à propriedade individual. Portanto, primeiro, comunhão de bens, depois propriedade do chefe do grupo social (rei, sacerdote-rei etc.), finalmente, propriedade familiar e, tardiamente, propriedade individual. Com o individualismo, esta última tornou-se absoluta. O Código de Napoleão prescrevia: “Direito de gozar e de dispor das coisas da maneira mais absoluta”. Sofre hoje o impacto do interesse (ou função) social. (CF 1988).
2.3. RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA EVOLUÇÃO A responsabilidade, na sociedade primitiva também era coletiva. A responsabilidade era de todos e de ninguém em particular. Respondia o grupo, a tribo ou a família do ofensor pelo ilícito, e não exclusivamente o causador do dano. A responsabilidade independia da culpabilidade ou da maturidade do causador do dano. A responsabilidade era coletiva e objetiva, não indagando capacidade ou culpabilidade do causador do dano (fosse menor, louco ou até animal). A sociedade primitiva exigia a punição. A exigência de punição, ou seja, de sanção, gerou a responsabilidade. Com a civilização, com as graves conseqüências do dente por dente, olho por olho e, com o surgimento da propriedade privada e com a formação do princípio individualizador, a “Lei de Talião” foi sendo substituída pela composição, passando a ser reparados os danos mediante compensações materiais, levando em conta o bem atingido, a idade, o sexo e a situação social do ofendido. Modernamente a culpa passou a ser base da responsabilidade civil e penal. Exceções podem ser vistas nas atividade de risco, causadoras de graves danos, que vieram com as novas tecnologias, que dificultavam a prova da culpabilidade, gerando a teoria do risco, onde se presume a culpa. O acusado tem o ônus de provar a sua inocência. No direito penal a responsabilidade continua dependendo da culpa ou do dolo.
2.4. CONTRATO E SUA EVOLUÇÃO Nas sociedades primitivas predominou o status , sendo estatutárias todas as obrigações jurídicas. Não dependiam da vontade da pessoa, decorrendo da posição da pessoa no grupo social, imposta pela norma jurídica. Não havia obrigação voluntariamente assumida, não havendo contrato, por independer a obrigação da vontade das partes. Havia somente obrigações legais. Os primeiros contratos foram celebrados entre grupos. Primeiros entre grupos sociais, depois, com a instituição do status de chefe-proprietário, entre chefes de grupo; posteriormente, entre chefes de famílias e, quando ocorreu a individualização da propriedade, entre pessoas.
Inicialmente, teve natureza delituosa. A inexecução da obrigação era crime, sujeitando o devedor a pena grave. A escravidão ou a morte do devedor impontual podia ser exigida e executada pelo credor. O vínculo obrigacional era sagrado, sendo inaceitável a inexecução da obrigação. O devedor dava sua pessoa como garantia do pagamento. Com a individualização da propriedade, humanizou-se a situação do devedor, que podia oferecer seus bens em lugar de seu sacrifício. Nessa fase, o credor podia escolher a vida, a escravização do devedor ou seus bens. Posteriormente, desapareceu essa faculdade, respondendo exclusivamente os bens do devedor pela inexecução da obrigação. A permuta e o empréstimo teriam sido os primeiros tipos de contrato celebrados na sociedade arcaica; a compra-e-venda só apareceu quando se convencionou converter certos bens (metais ou gado) em símbolo de unidade de medida. Com a moeda tornou-se o principal tipo de contrato. Eram verbais os primeiros contratos, garantidos pelo juramento, pelo medo de castigos sobrenaturais, caso não fossem executados, ou pela cruel vingança do credor. Depois vieram os compromissos assumidos sob a forma escrita: “documento caseiro” do Antigo Egito (3188-1700 a.C.), “duplo documento” do período ptolomaico (322-20 a.C.). A partir dos romanos, o contrato passou a depender da vontade das partes. Estava estabelecido o princípio da autonomia da vontade ou liberdade contratual dominante no direito contratual até 1914. Hoje este princípio está enfraquecido. As convenções coletivas de trabalho, os contratos de adesão e a revisão contratual dos contratos leoninos, propugnada pelo direito moderno, vão fazendo declinar a teoria individualista do contrato. Paulo Dourado de Gusmão, juntamente com outros respeitados autores entendem que caminhamos para uma teoria social dos contratos, em que os interesses gerais pairem sobre os interesses individuais.
2.5. DIREITO DAS SUCESSÕES E SUA EVOLUÇÃO O direito das sucessões só apareceu depois da individualização da propriedade. A princípio, só entre chefes de tribo se processava a sucessão. Depois, a sucessão processou-se entre os chefes de família, pois a propriedade pertencia à família. Com a individualização da propriedade, a sucessão passou a ser entre pessoas. A princípio, antes da propriedade familiar, a sucessão compreendia só bens móveis, transmitidos aos descendentes e parentes. Inicialmente, falecido o varão mais velho, sucedia o chefe de família mais velho. Só o homem podia herdar. Primeiro, só o filho mais velho, depois, o direito se estendeu aos demais, excluídas as mulheres, que não herdavam. Não deixando o de cujus, herdeiro varão, herdavam os parentes varões da linha paterna. Inexistindo varões nesta linha, os bens , inicialmente, revertiam para a comunidade; depois foi deferida a sucessão aos parentes varões do ramo materno; só tardiamente as mulheres começaram a ter direitos sucessórios, somente quando não houvesse varões. Foi em Roma, com a Lei das XII Tábuas, que à mulher foi concedido o direito de suceder. Complementando-se a individualização da propriedade, foi permitida a partilha da herança entre os herdeiros.