PROCESSO, IGUALDADE E COLABORAÇÃO: OS DEVERES DE ESCLARECIMENTO, PREVENÇÃO, CONSULTA E AUXÍLIO COMO MEIO DE REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES NO PROCESSO CIVIL Igor Raatz dos Santos Mestrando em Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Especialista em Direito Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Área: Direito Processual Civil
Resumo: O direito fundamental à igualdade pode ser visualizado sob diversos enfoques no âmbito do direito processual civil. Nessa senda, sobreleva o papel da igualdade material, cujo corolário processual é o direito fundamental à paridade de condições entre as partes. O mote do presente trabalho é o de tratar da redução das desigualdades do processo a partir dos deveres de cooperação dos quais resta incumbindo o juiz frente às partes. Dessa forma, a promoção da igualdade não corre o risco de descambar em arbitrariedades ou de comprometer a imparcialidade do juiz, na medida em que os referidos deveres devem ser aplicados indiscriminadamente, tendo como reflexo, conforme o caso, a redução das desigualdades no processo civil. Palavras-chave: Paridade de condições - Deveres de cooperação - Igualdade. Resumo: The fundamental right of equality may be seen from many perspectives within the civil process. In this path, the role of material equality, which brings as consequence the fundamental right to equal conditions between the litigants, is raised. The motto of this paper is to address the reduction of inequalities in the civil process through the duties of cooperation assigned to the judge before the litigants. Thus, promotion of equality in the civil process does not incur in the danger of revealing an arbitrary act, or affecting the impartiality of the judge, because it extends indiscriminately to the litigants, and as reflect of this, as appropriate, reduces inequalities in civil process. Palavras-chave: Parity of conditions - Duties of cooperation - Equality. SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais; 2. Da igualdade no Estado Liberal Clássico à igualdade no Estado Democrático de Direito; 3. O direito fundamental à igualdade no processo civil; 4. O modelo cooperativo de processo: os deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio como mecanismos para a redução da desigualdade processual; 4.1 O dever de esclarecimento; 4.2 O dever de prevenção; 4.3 O dever de consulta; 4.4 O dever de auxílio; 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.
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1 Considerações Iniciais Ao tratar do tema da igualdade no âmbito do processo civil, Carnelutti afirmava que "a desigualdade, por desgraça, constitui não a exceção, mas a regra"1. O perfeito equilíbrio entre as partes seria uma raridade. E as inúmeras razões de desigualdade entre elas influiriam, com frequência, sobre a eficácia do contraditório.2 Longe de ser um problema hoje resolvido, a questão trazida por Carnleutti assume, atualmente, especial relevância. É que, no Estado Democrático de Direito, muito se tem falado acerca do contraditório, o qual, inegavelmente é o principal pilar de uma concepção democrática de processo. Porém, sem a utilização constante de mecanismos que visem a diminuir a desigualdade dentro do processo, não só o contraditório, mas também os demais direitos fundamentais que formam o denominado processo justo, correm o risco de se tornarem artificiais3 e insuficientes para assegurar a efetiva participação das partes no processo4. Atenta a esse problema, a doutrina costuma visualizar a igualdade a partir de diferentes enfoques. Dentre eles, pode-se mencionar as questões envolvendo a distribuição dinâmica dos ônus probatórios, os prazos processuais diferenciados para a Fazenda Pública, as tutelas de urgência e as chamadas tutelas específicas. No presente trabalho, as desigualdades processuais serão analisadas em face do modelo cooperativo de processo5. A ideia central, portanto, é a de demonstrar como os deveres de cooperação do juiz para com as partes podem servir como elemento redutor das desigualdades no processo. Para tanto, é imprescindível, em um primeiro momento, definir a ideia de igualdade com a qual será desenvolvido o tema. É o que se passa, de imediato, a fazer.
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CARNELUTTI, Francesco. Estudios de derecho procesal. v. 1. Traduccion de Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1952, p. 97. 2 CARNELUTTI, Francesco. Derecho y proceso. Traduccion de Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1971, p. 294. Conforme Carnelutti, "então, quem tem experiência do processo sabe que as razões de desigualdade entre as partes são infinitas; um perfeito equilíbrio de forças entre elas é mais raro do que se poderia crer. Riqueza ou pobreza, astúcia ou simplicidade, falta ou existência de escrúpulos, maior ou menor habilidade e autoridade de defensor, são razões muito frequentes que influem sobre a eficácia do contraditório" (Idem. Ibidem). 3 Conforme Rui Portanova, “sem que as partes estejam em igualdade de condições de postular seus direitos, o contraditório é uma farsa” (PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 47). 4 Segundo Calamandrei, “não basta que diante do juiz estejam duas partes em contraditório, de modo que o juiz possa ouvir as razões das duas; mas é necessário também que estas duas partes se encontrem entre si em condição de paridade não meramente jurídica (que pode querer dizer meramente teórica), mas que exista entre elas uma efetiva igualdade prática, que quer dizer paridade técnica e também paridade econômica” (CALAMANDREI, Piero. Processo e Democraciza. In: Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1956, p. 690). 5 A noção de um modelo cooperativo de processo será melhor delineada no item 4 do presente ensaio.
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2 Da igualdade no Estado Liberal Clássico à igualdade no Estado Democrático de Direito As concepções adotadas acerca do igual e do desigual resultam na estrutura da própria sociedade e do seu Direito.6 Isso para o processo tem repercussões muito relevantes, uma vez que o processo civil reflete a organização política em que está inserido7, a qual terá um efeito imediato na distribuição de poderes de direção da causa entre as partes e o juiz.8 Assim, o conceito de igualdade que presidiu os primórdios do Estado Liberal não pode ser o mesmo que constituiu o Estado Social e, muito menos, o Estado Democrático de Direito.9 A forma como a igualdade vem concebida no Estado Liberal Clássico tem origem no repúdio às desigualdades que marcaram o Estado Absolutista.10 A valorização do indivíduo em razão de sua origem e classe social, junto de acentuados privilégios existentes na época, formaram o ambiente propício para o florescimento da ideia que os homens deveriam ser tratados de forma igual.11 Ao ser proclamado, com a Revolução Francesa, que os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos se está, portanto, suprimindo os privilégios do clero e da nobreza, sendo acertado dizer que "antes da revolução, os franceses eram muito mais desiguais em direito que na realidade, enquanto que com a revolução se suprime a desigualdade em direitos, porém não na realidade"12. Não se tratava, pois, de verificar se os homens eram, em essência,
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ROSA, André Vicente Pires. Igualdade. In: Dicionário de filosofia do direito. Coordenação Vicente de Paulo Barretto. São Leopoldo: Unisinos, 2006). São Leopoldo: Unisinos, 2006. p. 456. 7 Conforme Ângela Espíndola: "tratar sobre jurisdição, sua concepção e sua função é também discutir sobre o perfil do Estado. Antes de se defender um sentido de jurisdição, é preciso observar o Estado que se possui" (ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da Silveira. Superação do racionalismo no processo civil enquanto condição de possibilidade para a construção das tutelas preventivas: um problema de estrutura ou função? (ou: porque é preciso navegar em direção à ilha desconhecida e construir o direito processual civil do Estado Democrático de Direito. Tese (Doutorado em Ciências Jurídicas) – Programa de PósGraduação em Direito. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2008. p. 93). No mesmo sentido, MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. DAMAKSKA, Mirjan R. I volti della giustizia e del potere - Analisi comparatistica del processo . Trad. Andrea Giussani e Fabio Rota. Bologna: Il Mulino, 2005. 8 DAMAKSKA, Mirjan R. I volti della giustizia e del potere. op. cit. p. 38. 9 Rosa, André Vicente Pires. Igualdade. In: Dicionário de filosofia do direito . op. cit. p. 457. 10 Segundo Carlos S. Fayt, no Estado Absolutista, “os valores vinculados a ordem e a segurança eram considerados mais importantes que a liberdade. A burguesia reclamava estabilidade de proteção para realizar suas atividades. A ordem somente poderia lograr-se mediante a concentração do poder nas mãos do rei ou do parlamento, porém esses poderes deveriam ser, por natureza, ilimitados. Sem autoridade ilimitada o governante estava impedido de impor a paz e assegurar a ordem. Os valores supremos são, assim, a paz, a segurança, a ordem. Os desvalores, por conseguinte, a guerra, a anarquia, a desordem (FAYT, Carlos S. El absolutismo. Buenos Aires: Bibliografica Omeba, 1967, p. 21). 11 Rosa, André Vicente Pires. Igualdade. In: Dicionário de filosofia do direito . op. cit. p. 457. 12 PANIAGUA, Jose Maria Rodriguez. Historia del pensamento juridico: v. I. De heráclito a la revolución francesa. 8a ed. Madrid: Universidad commplutense seccion de publiaciones, 1996, p. 304.
4 iguais. Importava apenas que a lei lhes desse o mesmo tratamento13, garantindo, assim, o ideal da igualdade.14 Trata-se, portanto, de uma igualdade formal15, prevalecendo a máxima de que "todos os homens não nascem iguais em força, em riqueza, em inteligência, em moradia, em espírito e em talento: mas as desigualdades desaparecem perante a lei"16. Há uma abstração das características reais das pessoas, o que se dá, no âmbito político, mediante ao reconhecimento de direitos iguais para todos.17 A lei não deveria tomar em consideração as diferentes posições sociais18, pois o fim era dar tratamento igual às pessoas apenas no sentido formal.19 13
ROSA, André Vicente Pires. Igualdade. In: Dicionário de filosofia do direito. op. cit. p. 458. O contexto em que a igualdade formal torna-se uma garantia aos cidadãos é bem retratado por Paulo Ferreira da Cunha: "no plano mítico, agitam-se os fantasmas feudais, as trevas de velhos direitos escritos em papéis gastos, in-fólios presos com cadeados pesadíssimos, que muito se aparentam com as grulhetas dos condenados que todos parecem ser, na sociedade apesar de tudo ainda muito estratificada do Antigo Regime (...) Frente a esses fantasmas, a esses "direitos feudais", a essa direito inseguro, incerto, mastodôntico e de desigualdade, opõe-se o cheiro fresco de tinta nova dos novos textos, prometendo clareza, igualdade e simplificação (CUNHA, Paulo Ferreira da. Constituição, direito e utopia : do jurídico-constitucional nas utopias políticas. Coimbra: Coimbra, 1996, p. 334) 15 A concepção formal da igualdade revela toda sua pujança com o desenvolvimento das ideias liberais primitivas. Em momentos em que o absolutismo e as atitudes arbitrárias que dele decorriam violavam os mais comezinhos princípios do Direito e no qual havia uma clara valorização do indivíduo em razão de sua origem e classe social - os da família real, os integrantes da corte e outros estamentos jamais eram considerados do mesmo modo que os demais súditos - encontrava-se o meio adequado para o florescimento da ideia de que os homens necessitavam ser tratados como se fossem iguais. Ou seja, com a derrubada do regime e dos valores que o constituíam não mais se justificava a manutenção de privilégios inaceitáveis. (...) No lugar dos privilégios antes concedidos a determinados segmentos, passa-se a exigir que todos os homens sejam considerados como iguais. (...) Daí chega-se facilmente à convicção de que o Estado não pode fazer distinção entre os antigos súditos, agora cidadãos. (...) A questão jurídica aqui não passa necessariamente por afirmar-se que os homens são iguais (em essência), mas que devem receber o mesmo tratamento legal. Sendo ou não iguais, devem ser considerados como iguais para efeito da aplicação da lei. Essa concepção será chamada de igualdade formal, igualdade frente à lei ou igualdade perante a lei (ROSA, André Vicente Pires. Igualdade. In: Dicionário de filosofia do direito. op. cit. p. 457-458). 16 JOUANJAN, Olivier. Le principe d´egalité devant la loi en droit allemande . Paris: Economica, 1992. p. 37. 17 CAPELLA, Juan Ramón. Fruta prohibida: una aproximación histórico-teorética al estudio des derecho y del estado. Madrid: Trotta, 1997, p. 113. Ao falar da construção jurídico política da modernidade Juan Ramón Capella afirma que: “a primeira das operações necessárias para conceber os membros da população como cidadãos consiste em prescindir de todas estas qualidades físicas e sociais suas. Ainda que todos os seres humanos sejam diferentes, todos os cidadãos são (no relato político) iguais. O primeiro passo para formalizar essa igualdade consiste em haver abstração de suas características reais; em quitálas. Por suposto, fazê-lo mentalmente é fácil. Para que além disso a realidade política se acomode à teoria é preciso também que funcionalmente - isto é, em suas atuações políticas - os cidadãos não possam valerse de nenhuma das qualidades que possuem fora da esfera pública (que possuem materialmente). Após esse primeira operação intelectual de despojamento, de privação de suas qualidades como seres humanos, para assumir o papel de cidadãos (...) se precisa de uma segunda operação: a de dotar a estes seres sem qualidades de um revestimento de direitos: justamente, os direitos dos cidadãos, ou direitos políticos (...) para ser cidadãos os seres humanos já despojados de qualidades se revestem de iguais direitos todos eles. Deste modo se apresentam como iguais (Fruta prohibida: una aproximación histórico-teorética al estudio des derecho y del estado. Madrid: Trotta, 1997, p. 113). 18 A justiça na sociedade de Estados da Prússia, por exemplo, era marcada por uma acentuada desigualdade. Nesse sentido, Christian Wollschläger, afirma: Parte essencial dos privilégios aristocráticos 14
5 Todavia, o desenvolvimento do Estado Liberal, que era regido exclusivamente pela lei, acabou por transfigurar o seu próprio objetivo de garantir a liberdade. O exercício de direitos e garantias individuais, na prática, estava, na maioria das vezes, submetido às desigualdades criadas pelo próprio modelo político e econômico, o que veio, segundo Nelson Saldanha, a “desnaturar a idéia de liberdade e por dar a deixa para a famosa pergunta de Proudhon: ´Oú est la liberte du non proprietaire?´ (Onde está a liberdade do não proprietário)?”20. A lei era, pois, impregnada, na sua essência, pela generalidade, visando assegurar a imparcialidade do poder frente aos cidadãos, que, por serem “iguais”, deveriam ser tratados sem discriminação21 – somente podendo ser chamada de lei a norma intrinsecamente igual para todos22 –, e pela abstração , no objetivo de garantir a estabilidade do ordenamento jurídico e, por conseguinte, a certeza e previsibilidade no direito.23 Isso permitiu, conforme Luiz Guilherme Marinoni, “que a sociedade se desenvolvesse sob um asséptico e indiferente sistema legal ou mediante a proteção de uma lei que, sem tratar de modo adequado os desiguais, tornou os iguais em carne e osso mais desiguais ainda”24. Não havia, por conseguinte, como dar vida a uma sociedade igualitária.25
era o foro privilegiado dos tribunais superiores. Aí deviam os nobres ser acusados, a fim de ter assegurado o julgamento através de seus pares ou, pelo menos, de juízes com formação adequada. Para os processos contra os burgueses eram competentes os tribunais de primeira instância (tribunais das cidades, Ämter reais (tribunais rurais da coroa), tribunais senhorais). Esta delimitação das competências segundo os estados podia permitir esclarecer o recurso à justiça das partes nobres ou burguesa através da comparação do volume global dos processos nos tribunais superiores e nos de primeira instância. (...) a prestação da justiça, por parte do Estado, não se distribuía de igual forma pelas diversas camadas da sociedade estruturada por estados (...) As diferenças quantitativas são ainda agudizadas pela qualificação totalmente desigual dos juízes entre si. Os tribunais superiores, providos de juízes nobres ou com formação jurídica, forneciam naquele tempo as melhores condições para uma aplicação competente do direito. (...) Quanto menor era o recurso aos tribunais, pior era a prestação da justiça que ofereciam. Pelo contrário, a oferta nos tribunais superiores era melhor, aí onde a nobreza dela mais necessitava. A competência dos juízes e a procura do direito eram directamente proporcionais. (WOLLSCHLÄGER, Christian. Desigualdade na prestação da justiça e na frequência dos processos civis na sociedade de estados da Prússia cerca de 1750. In: HESPANHA, António Manuel. Justiça e litigiosidade: história e prospectiva. Lisboa: Fundações Calouste Gulbenkian, 1993, p. 239-252 ). 19 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 36. 20 SALDANHA, Nelson. “O que é o Liberalismo?”. In: Estado de Direito, Liberdade e Garantias (Estudos de Direito Público e Teoria Política). São Paulo: Sugestão Literária, 1980, p. 89. 21 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Teoria Geral do Processo . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 1, p. 27. 22 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. Tercera edición. Traducción de Marina Gascón Abellán. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 29. 23 Idem. Ibidem. p. 29. 24 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. Teoria geral do processo. op. cit. p. 30. 25 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Organizado por Michelangelo Bovero. Tradução Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 2 99.
6 Portanto, no processo liberal, idealizou-se uma concepção formal de igualdade, pressupondo-se a inexistência de disparidades entre os indivíduos.26 Afinal, perante a lei todos eram iguais. Consequentemente, há uma propensão em dificultar ou mesmo impossibilitar o aumento dos poderes do órgão judicial, privilegiando-se o predomínio das partes no processo. O juiz tem um papel de passividade, o que dá azo à lentidão e ao abuso, uma vez que as partes e seus defensores tornam-se árbitros praticamente absolutos.27 Juntamente com essa posição passiva do juiz, o processo resta infenso a valores, refletindo a neutralidade do Estado, concebido como um “dispositivo técnico capaz de servir a todas as possíveis ideologias e, em virtude da tolerância que uma tal concepção pressupunha, abrigar em seu seio as mais variadas e contraditórias correntes de opinião”.28 O elemento formal insinua-se mediante rígida previsão dos atos processuais, com a disponibilidade privada da tutela jurisdicional, a exigência de certeza jurídica e o acolhimento do princípio da igualdade abstrata das partes.29 Dá-se primazia à tutela pecuniária, uma vez que, sendo todos os bens iguais, poderiam ser transformados em dinheiro, restando impensável uma tutela específica.30 No âmbito da prova, esta é distribuída de forma estática, sendo que tal imobilidade, encampada no artigo 333, do Código de Processo Civil, tem por premissas justamente um processo civil liberal.31 O papel do juiz cinge-se à declaração da lei32, sendo vedado interpretá-la, 26
NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2009. p. 74. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 41. 28 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica . 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 111. 29 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil . op. cit. p. 43. 30 Conforme Luiz Guilherme Marinoni, “se todos são iguais - e essa igualdade deve ser preservada no plano do contrato -, não há razão para admitir uma intervenção mais incisiva do juiz diante do inadimplemento, para que então seja assegurada a tutela específica (ou o adimplemento in natura). Se o princípio da igualdade formal atua da mesma forma diante do contrato e do processo, o juiz somente poderia conferir ao lesado a tutela pecuniária. A sanção pecuniária teria a função de "igualizar" os bens e as necessidades, pois, se tudo é igual, inclusive os bens - os quais podem ser transformados em dinheiro -, não existiria motivo para pensar em tutela específica. No direito liberal, os limites impostos pelo ordenamento à autonomia privada são de conteúdo negativo, gozando dessa mesma natureza as tutelas pelo equivalente e ressarcitória (...) Se as pessoas são iguais, e não precisam ser tratadas de forma diferenciadas, não há razão para pensar na tutela na forma específica, que assume importância apenas em um contexto de Estado preocupado em cuidar de maneira diferenciada determinadas situações já tomadas em consideração pelo direito material, garantindo àqueles que são proclamados titulares de determinados direitos o seu efetivo gozo ( Técnica processual e tutela dos direitos . op. cit. pp. 59 e 61). Segundo Adolfo Di Majo, “na doutrina jurídica do oitocentos foi recuperado o princípio da prevalência da condemnatio pecuniaria (...) A tendência era excluir "a possibilidade de obtenção da reintegração in natura dos valores alterados, ou seja, formas de satisfação coativa dos direitos. Uma tal reintegração suporia uma consideração diferenciada e articulada , dos interesses e das necessidades para as quais e pede tutela, consideração diferenciada que contrasta com o princípio da abstração dos sujeitos (do mercado) e com aquela da equivalência dos valores ( La tutela civile dei diritti . 2a edizione. Milano: Giuffrè, 1993, p. 156) 31 KNIJNIK, Danilo. As perigosíssimas doutrinas do ônus dinâmico da prova e da situação de senso comum como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e superar a probatio diabolica In: Fux, Luiz; 27
7 o que corrobora um regime de irresponsabilidade frente às partes, seja no andamento do processo, seja na aplicação do direito.33 Estes são somente alguns aspectos relevantes do processo civil no Estado Liberal Clássico. A partir do Estado Social, começam a avultar algumas mudanças, na medida em que a igualdade deixa de ser apenas um ponto de partida, para ser, também, um objetivo a ser alcançado. Os homens não só têm o direito de serem tratados igualmente, mas também de se tornarem mais iguais.34 Ganha destaque a concepção de igualdade material, concebida no sentido do tratamento diferenciado de situações concretas
dessemelhantes, tendo em vista evitar o aprofundamento das desigualdades realmente existentes na sociedade.35 Com o advento do Estado Democrático de Direito a igualdade é assumida como um objetivo do próprio Estado. Não basta a limitação ou promoção da atuação estatal,
Nery Júnior, Nelson; Alvim, Teresa Arruda (coord.).. Processo e Constituição: Estudos em Homenagem Ao Professor José Carlos Barbosa Moreira, São Paulo : Rev. dos Tribunais, 2006, p. 944. 32 Conforme MONTESQUIEU, “Nos governos republicanos é da natureza da constituição que os juízes observem literalmente a lei. (...) Os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor” (MONTESQUIEU, Barão de. Do Espírito das Leis. In: Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 1997, p. 116 e 208). Essa concepção de um juiz boca da lei, hoje, não mais se sustenta, principalmente, porque o contexto histórico em que vivemos difere sobremaneira daquele em que foi concebida. Com a Revolução Francesa, e a tomada do poder econômico e político pela burguesia, esta se vê frente a uma classe de magistrados comprometidos com o sistema anterior, haja vista que estes eram detentores do feudo. Em face da impossibilidade de substituir a magistratura, já que é uma classe altamente técnica, a maneira encontrada para domesticá-la, e impedir que julgasse contrário aos ideais da revolução, foi aplicar o sistema da separação dos poderes, baseando-se em Platão, mas tornando o judiciário um poder nulo, a quem caberia somente declarar a vontade da lei, criada pela burguesia, que então passava a deter o poder. A respeito, ver MERRYMAN, John Henry. A tradição da Civil Law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina / John Henry Merryman, Rogelio PérezPerdomo. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Sérigo Antonio Fabris, 2009. TARELLO, Giovanni. Storia della cultura giuridica moderna: assolutismo e codificazione del diritto. Bologna: Il Mulino, 1976. 33 Conforme Alessandro Giuliani e Nicola Picardi, o princípio da irresponsabilidade dos juízes nos confrontos com as partes é um produto do jusnaturalismo moderno: esse eliminou os resíduos da responsabilidade profissional, que o direito romano comum tinha elaborado com base na classificação romanística dos "quase delitos" (...) No século XVI se perfilha já - particularmente na França e Alemanha - o problema da subordinação dos juízes ao soberano; neste contexto a responsabilidade profissional, como veremos, foi utilizada inicialmente pra fins disciplinares (....) a doutrina da responsabilidade do juiz pressupõe a fratura entre a patologia da conduta e a patologia da decisão, entre o momento ético e o momento lógico no raciocínio judicial. A sua configuração - como aplicação mecânica, técnica, rigorosa das regras pré-constituídas - não deixa espaço nem para o poder decisional, nem para a responsabilidade do juiz: o erro é reparado pelo sistema através dos meios de impugnação (...) o juiz é vinculado a um rigoroso dever de obediência e de lealdada nos confrontos com o soberano (...) mas a soberania é incompatível com a responsabilidade; o juiz funcionário não é responsável frente às partes, mas somente frente ao soberano (PICARDI, Nicola. GIULIANI, Alessandro. La responsabilità del giudice. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1995, p. 10-15). 34 ROSA, André Vicente Pires. Igualdade. In: Dicionário de filosofia do direito. p. 459. 35 DRAY, Guilherme Machado. O sentido jurídico do princípio da igualdade: perspectiva luso-brasileira. Revista brasileira de direito constitucional. n2. jul./dez. 2003, p. 116.
8 sendo referendada a transformação do status quo.36 Tem-se, dessa forma, a incorporação efetiva da questão da igualdade como um conteúdo próprio a ser buscado, garantindo juridicamente as condições mínimas de vida ao cidadão e à comunidade.37 Há, por assim dizer, uma síntese das fases anteriores (Estado Liberal de Direito e Estado Social de Direito), “agregando a construção das condições de possibilidades para suprir as lacunas anteriores, representadas pela necessidade do resgate das promessas da modernidade”38. A igualdade vai, então, concebida, consoante o próprio Preâmbulo da Constituição brasileira, como valor supremo a ser assegurado no Estado Democrático de Direito. Ganha destaque a concepção material de igualdade, sem descuidar-se da igualdade formal, vindo ambas a balizar a conformação do processo civil.
3 O Direito fundamental à igualdade no processo civil O direito fundamental à igualdade (art. 5º, I, da CRFB e art, 125, I, do CPC) apresenta-se no processo em duas perspectivas. Do ponto de vista estático, diz respeito à estruturação do processo, o qual deverá ser organizado de forma isonômica, evitando privilégios e corrigindo eventuais desigualdades a partir da previsão de técnicas processuais que possibilitem essa finalidade. Em perspectiva dinâmica, por sua vez, a igualdade relaciona-se à direção do processo, que deverá assegurar a paridade de tratamento às partes39 40. A perspectiva estática da igualdade, portanto, toca diretamente ao legislador, o qual se vê impossibilitado de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações 36
MORAIS, José Luiz Bolzan de; STRECK, Lenio Luiz. Ciência Política e Teoria Geral do Estado . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 91. 37 Idem. Ibidem, p. 94. 38 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(em) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 39. 39 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: volume 1: teoria geral do processo civil e parte geral do direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2010. p. 33. 40 Relativamente à estrutura do processo, podem ser colhidos alguns exemplos mencionados por Barbosa Moreira: “assim, por exemplo, as regras sobre impedimento e suspeição do juiz (arts. 134 e 135) inspiram-se, à evidência, no propósito de evitar que relações objetivas ( v.g., parentesco) ou subjetivas (v.g., amizade íntima ou inimizade capital) permitam a um dos litigantes gozar de favorecimento presumível por parte do órgão judicial. O art. 333, parágrafo único, II, averba de nula a convenção sobre distribuição do ônus da prova, quando torna "excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito": busca a norma obstar ao rompimento do equilíbrio entre os contendores, em tão delicada matéria, conforme ocorreria se o contratante mais forte pudesse livremente impor o pacto, prevalecendo-se da situação de necessidade do outro. Especialmente importantes são os corolários do princípio em tudo que se refere à preservação da garantia ao contraditório na atividade de instrução: o art. 398, exemplificativamente, trata de preceituar expressis verbis a audiência do adversário, sempre que qualquer das partes requeira a juntada de documento aos autos. (A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das partes na direção e na instrução do processo. In: Temas de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984).
9 iguais ou tratamento igual a situações desiguais41. Mostra-se possível estabelecer diferenças de tratamento sempre que houver uma justificação objetiva e razoável adequada a uma finalidade42. A igualdade, enquanto dever de tratamento igualitário, portanto, só surge quando, para alcançar determinada finalidade, os sujeitos são comparados por critérios relevantes e congruentes relativamente à finalidade em questão.43 No entanto, nem sempre é possível atingir a igualdade no processo mediante fórmulas abstratas. Por mais que o legislador tente estabelecer condições para diminuir as desigualdades, muitas vezes é somente à luz do caso concreto que será possível aquilatar a medida da desigualdade entre as partes. Isso não quer dizer que as normas abstratamente concebidas não possam servir de ponto de partida para promoção da igualdade. Porém, nessa perspectiva dinâmica, a igualdade está diretamente ligada à atividade do juiz44, o qual, tomando as normas processuais como ponto de partida, passa a desempenhar um importante papel no afã de manter o equilíbrio processual. Afinal, o
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MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de. Devido processo legal e proteção de direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 210. 42 PICÓ I JUNOY, Joan. Las garantías constitucionales del proceso. Barcelona: J.M. Bosch, 1997, p. 132. 43 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária . São Paulo: Malheiros, 2008, p. 42. Conforme Humberto Ávila “a igualdade prescritiva só se completa quando estão presentes os seguintes elementos: sujeitos, critério ou medida de comparação, elemento indicativo da medida de comparação e finalidade. A igualdade é a relação entre esses elementos (...) a igualdade pode, portanto, ser definida como sendo a relação entre dois ou mais sujeitos, com base em medida(s) ou critério(s) e comparação, aferido(s) por meio de elemento(s) indicativo(s), que serve(m) de instrumento para a realização de uma determinada finalidade (...) Os sujeitos, objeto de comparação, devem, no entanto, ser comparados ou medidos com referência a uma medida comum de comparação (...) O essencial é que, sem uma diferença real, concretamente existente, a diferenciação normativa é arbitrária. (...) No entanto, não basta ter existência para que a medida de comparação seja válida. É preciso que, além disso, ela seja pertinente à finalidade que justifica sua utilização (...) Para saber como comparar dois sujeitos é preciso, antes, saber a finalidade da comparação. (...) A medida de comparação utilizada só pode ser aquela que mantenha uma relação de pertinência com a finalidade buscada pela diferenciação (...) A questão da igualdade só se completa com a introdução do elemento indicativo da medida de comparação e com a exigência de (47) relação de congruência não só entre ele e a medida de comparação, como entre a medida de comparação e a finalidade que justifica sua utilização. ( Teoria da igualdade tributária. op. cit. pp. 42-48). Adotando outra perspectiva para o tratamento da igualdade, especificamente para o processo civil, Francisco Glauber Pessoa Alves enumera três critérios para averiguar se está havendo ou não quebra de igualdade no processo: a) o primeiro é o elemento tomado como fator de desigualação; b) o segundo é a existência de correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) o terceiro é a consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e estar juridicizados (ALVES, Francisco Glauber Pessoa. O principio juridico da igualdade e o processo civil brasileiro . Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 242) 44 MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de. Devido processo legal e proteção de direitos . op. cit. p. 210.
10 contraditório não se identifica com igualdade estática, puramente formal, das partes no processo.45 Nesse perfil dinâmico, costuma-se referir à igualdade como direito fundamental à paridade de armas , que, na lição de Trocker, constitui nada mais que um aspecto da
noção mais ampla de um processo équo frente a um tribunal independente e parcial.46 Parece mais adequada, de qualquer sorte, a adoção do termo paridade de condições, dada a advertência de Barbosa Moreira, no sentido de que a expressão paridade de armas denota, com força demasiada, uma concepção de processo como duelo47. Exigese, nessa linha, que as partes sejam postas em absoluta paridade de condições48, de modo que ambas tenham as mesmas possibilidades de atuar e também de estarem sujeitas às mesmas limitações.49 Não significa, entretanto, paridade absoluta, mas, sim, na medida em que as partes estiverem diante da mesma realidade, igualdade de situações processuais50. O importante é que diferenças eventuais de tratamento sejam justificáveis racionalmente, à luz de critérios de reciprocidade e de modo a evitar, seja como for, que haja um desequilíbrio global em prejuízo de uma das partes.51 Tem-se admitido, por exemplo, a dinamização do ônus da prova, a qual “importa um deslocamento do onus probandi, segundo forem as circunstâncias do caso, em cujo mérito aquele pode cair, verbi gratia, na cabeça daquele que está em melhores condições técnicas, profissionais ou fáticas para produzi-las, independente da condição de autor ou demandado ou tratar-se de fatos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos”52. Assim, caso a parte onerada pela prova de determinada alegação de fato 45
GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual: de acordo com a Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 6-7. Conforme Luiz Guilherme Marinoni, “o princípio do contraditório, por ser informado pelo princípio da igualdade substancial, na verdade é fortalecido pela participação ativa do julgador, já que não bastam oportunidades iguais àqueles que são desiguais” (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. op. cit. p. 102.) 46 TROCKER, Nicolò. Il nuovo articolo 111 della costituzione e il giusto processo in materia civile: Profili generali. Rivista Trimestrale Di Diritto e Procedura Civile., Milano, a. giuffre, v. 55, n.2, p.381410, giugno, 2001. p. 396. 47 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. La igualdad de las partes en el proceso civil. In: Temas de direito processual: quarta série. São Paulo: Saraiva: 1989, p. 70. Nota 6. 48 MIRANDA, Jorge. Constituição e processo civil. Revista de Processo, São Paulo, rev. dos tribunais, 2000. v.98, p. 36. 49 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. La igualdad de las partes en el pr oceso civil. op. Cit. P. 70. 50 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 27. 51 CHIAVARIO, Mario. Processo e garanzie della persona. v.2. Milano: Giuffrè, 1982, p. 19-20. 52 PEYRANO, Jorge W. Nuevos lineamentos de las cargas probatorias dinámicas. In: PEYRANO, Jorge W. LÉPORI WHITE, Inês (Org.). Cargas probatorias dinámicas. Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2004, p. 19-20. No mesmo sentido, ver, PENDINO GIL, Maria Luz. El desplazamiento del onus probandi y la doctrina de las cargas probatorias dinamicas. Revista Electronica., Rosario(ar), Colegio de Abogados, n. 1, set. 2003. Na doutrina nacional, ver, CARPES, Artur Thompsen. Ônus dinâmico da prova. Coleção
11 não tenha condições de provar a sua veracidade e, em contrapartida, a parte desonerada esteja em melhores condições de assim proceder, garante-se a igualdade substancial através de uma distribuição dinâmica dos ônus probatórios.53 Também, o instituto da antecipação da tutela permite distribuir de forma isonômica o peso representado pelo tempo no processo54, de modo a permitir que o autor não tenha de esperar o final do processo para ver realizado um direito que se apresenta muito provável no seu curso.55 Como forma de mitigar as desigualdades no processo tem-se enfatizado a necessidade de munir o juiz de poderes, exercendo, assim, um papel mais ativo.56 Nesse sentido, cobra-se uma participação efetiva e conjunta do juiz na produção probatória, evitando, então, que desigualdades repercutam no resultado do processo57. Afinal, não seria admissível que se chegasse a uma discrepante da realidade fática submetida a julgamento tão-somente em razão da condição desigual de uma das partes.58 A intensificação da igualdade no processo impõe ao magistrado, com efeito, "desenvolver concretamente providências que permitam que se nivelem as partes no processo, independentemente de circunstancial desigualdade (técnica, econômica, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira estudos de processo e constituição. v.1. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. DALL'AGNOL JÚNIOR, Antonio Janyr. Distribuicao dinamica dos onus probatorios. Revista Jurídica., Porto Alegre, notadez informacao, 2001. v.280, p.5-20. 53 CARPES, Artur Thompsen. Ônus dinâmico da prova . op. cit. p. 86. 54 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: volume 1: teoria geral do processo civil e parte geral do direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2010, p. 35. 55 Conforme Luiz Guilherme Marinoni, "a técnica antecipada nada mais é que uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo" (...) Nesse sentido, "a percepção de que o tempo do processo é um ônus obriga o legislador e o juiz a pensarem em técnicas processuais destinadas a distribuí-lo entre o autor e o réu. A semente dessa intenção do legislador foi posta no inciso II do art. 273, quando deixou claro que a tutela antecipatória poderia ser concedida em caso de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu ( A antecipação da tutela . 8a ed. São Paulo: Malheiros, 2004. pp. 329-330). 56 A respeito do termo, é importante fazer algumas considerações. Michelle Taruffo, enfrentando a tese lançada principalmente por Franco Cipriani e Montero Aroca de que um juiz com poderes instrutórios seria indicativo de um processo autoritário, afirma: “uma coisa é o juiz potencialmente “ativo” ao integrar a iniciativa probatória das partes, mas inserido em um contexto processual no qual são asseguradas as garantias das partes no âmbito de um sistema político democrático, enquanto coisa completamente diversa é o juiz inquisidor inserido em um sistema político e processual de molde autoritário” (Poteri probatori delle parti e del giudice in Europa. In: Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano, A Giuffrè, v. 60, ano LX, n. 2, Giugno 2006. p. 468). Ainda nessa linha, Taruffo afirma que a contraposição fundamental no âmbito da matéria não se dá entre liberalismo e autoritarismo, mas entre estado democrático e estado autoritário. Para ele, a diferença é importante porque existiram sistemas políticos inspirados na ideologia liberal que não podem ser definidos como autoritários e, por outro lado, existiram diversos regimes autoritários nos quais o processo civil permanecia impregnado pelo monopólio das partes a respeito da condução do processo e da disponibilidade dos meios de prova, como é o caso do código napoleônico de 1806. Arremata, assim, que a equação do tipo “poderes instrutórios do juiz = regime autoritário” e “juiz passivo = regime liberal” são vagas e genéricas e se resumem a slogans polêmicos e privados de valor científico (Idem. Ibidem. p. 458). 57 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 74. Nessa linha, o autor afirma que “o processo não é um jogo, em que o mais capaz sai vencedor, mas um instrumento de justiça, com o qual se pretende encontrar o verdadeiro titular de um direito” (Idem. Ibidem). 58 Idem. Ibidem. p. 74
12 social) que possa haver entre elas".59 A grande dificuldade é estabelecer parâmetros para essa conduta do magistrado, evitando que este, no ímpeto de dirimir as desigualdades, não acabe se tornando arbitrário. Dessa forma, em que pese os relevantes esforços doutrinários no sentido de utilizar fórmulas sobremaneira vantajosas para a promoção da igualdade em setores pontuais do processo civil, como a questão envolvendo a dinamização do ônus da prova60, em muitos outros casos avultam-se dificuldades no desenvolvimento do tema. Consequentemente, o órgão julgador acaba vendo-se inibido de promover a igualdade material entre as partes, dado o receio de comprometer sua imparcialidade. Ou então, quando exerce seus poderes em prol da parte que está em situação desvantajosa acaba gerando igualdades ainda maiores, favorecendo demasiadamente o polo mais fraco da relação processual. Por isso, a ideia de um juiz ativo deve ter em mira a colaboração deste com as partes, de modo que juiz ativo não signifique, necessariamente, litigantes passivos.61 E, sob este aspecto, na medida em que o processo passa a carregar no seu âmago a pauta da colaboração, tornar-se um ambiente profícuo para tornar menores as desigualdades entre os sujeitos processuais, sem que, para tanto, o julgador utilize elementos eminentemente subjetivos. Isso porque, tornar o juiz ativo pelo mote da colaboração tem o condão de
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DALL'AGNOL JÚNIOR, Antonio Janyr. Comentários ao Código de Processo Civil: v.2, do processo de conhecimento. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 2000, p. 106 60 Nesse sentido, a construção formulada por Artur Carpes, com base na teoria da igualdade desenvolvida por Humberto Ávila: “A finalidade buscada através da atividade probatória das partes é a formação do juízo de fato (...) O critério (medida de comparação) é a participação das partes para o alcance dessa finalidade. Ambas as partes devem estar em condições isonômica de participação na formação do juízo de fato. Assim, a participação deve ser pautada pela igualdade a partir dos limites de suas efetivas possibilidades para colaborar com o alcance da verdade (...) A questão apenas se completa com a introdução do elemento indicativo da medida de comparação e com a relação de congruência não somente entre este e o critério como entre o critério e a finalidade que justifica sua utilização. Tal elemento é constituído pela distribuição dos ônus probatórios, na medida em que, como se observou anteriormente, sua funcionalidade está essencialmente vinculada à estruturação da atividade probatória das partes. (...) Revela-se inegável que a disciplina normativa do art. 333 do CPC funciona como elemento indicativo da medida de comparação, na medida em que serve de guia estruturante da atividade probatória das partes e, por via de conseqüência, da sua colaboração para a formação do juízo de fato (...) Convém notar, todavia, que nem sempre o elemento indicativo da medida de comparação positivado na lei processual estará em relação de congruência com a finalidade a ser buscada, isto é, a adequada formação do juízo de fato (...) A quebra dessa relação de congruência entre a disciplina dos ônus probatórios e a finalidade de formação de um juízo de fato o mais aproximado possível da verdade resulta na quebra da relação de igualdade entre as partes ( Ônus dinâmico da prova . op. cit. pp. 82-85). 61 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Saneamento do Processo e Audiência Preliminar. In: Revista de Processo, n. 40, ano 10, out.-dez. 1985, p. 127. Ainda conforme Barbosa Moreira, “a ampliação dos poderes do órgão judicial não tem como contrapartida necessária o amesquinhamento do papel das partes, nem a eliminação, ou sequer a redução, das garantias a que fazem jus, e tampouco da responsabilidade que sobre elas pesa” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Função Social do Processo Civil Moderno e o Papel do Juiz e das Partes na Direção e na Instrução do Processo. In: Revista de Processo, n. 37, p. 147).
13 impor-lhe deveres para com as partes, os quais têm reflexos de suma relevância no sentido de concretizar o direito fundamental à igualdade no processo civil.
4 O modelo cooperativo de processo: os deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio como mecanismos para redução da desigualdade processual Há, portanto, uma notável imbricação entre igualdade e colaboração, que tende a guiar a organização do processo, o que foi bem percebido por Eduardo Grasso em ensaio seminal a respeito do assunto.62 O enfoque dado à matéria atualmente pela doutrina permite melhor delinear essa relação entre igualdade e colaboração, temática que irá permear as próximas linhas do presente ensaio.63 Na tradição jurídica liberal, o juiz, durante a instrução da causa, está acima das partes (super partes), não somente em razão da sua autoridade, mas simplesmente porque seria inconcebível que o magistrado desenvolvesse atividade análoga, na substância e objeto, aquela exercida pelas partes. E, nessa senda, o juiz teria o papel de moderador, atuaria como um árbitro, restando excluída a possibilidade de concebê-lo no mesmo nível que os demais sujeitos processuais.64 De fato, caminhando pelo paradigma liberal do processo, é possível situar-se facilmente em um modelo no qual as partes são as figuras centrais e o juiz um personagem passivo e desinteressado.65 Afigura-se inegável que o papel do juiz e a sua relação com as partes acaba variando de acordo com as ideologias dominantes na organização do Estado. Assim, enquanto o liberalismo clássico, de inspiração burguesa, construiu um processo dominado pelas partes e caracterizado pela passividade do juiz66, 62
GRASSO, Eduardo. La collaborazione nel processo civile. Rivista di diritto processuale., v. 21, p.580609, 1966. 63 O que não significa dizer, contudo, que a colaboração apenas tenha o condão de promover a igualdade ou tenha tão somente este fundamento. Em que pese não seja alvo do presente trabalho, a relação entre colaboração e os direitos fundamentais que compõem o processo justo pode ser surpreendida, dentre outros aspectos, também no que concerne à promoção do direito fundamental ao contraditório - a partir do dever de consulta ou diálogo – e do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva, o que se dá com a relativização do binômio direito e processo e a aplicação dos deveres de prevenção, esclarecimento e auxílio. 64 GRASSO, Eduardo. La collaborazione nel processo civile. Rivista di diritto processuale., v. 21, p.580609, 1966, p. 595. 65 PINTO, Junior Alexandre Moreira. O regime processual experimental português. Revista de Processo, São Paulo , v. 32, n.148, p. 169-180, jun. 2007, p. 172. 66 Segundo Giovanni Tarello, todas as legislações processuais liberais têm em comum uma série de princípios, que dão lugar a um modelo processual típico, o qual, segundo o autor, vai caracterizado por diversos aspectos, dentre os quais, para o presente ensaio, cumpre destacar os seguintes: a demanda judicial está no absoluto domínio do particular, que a pode jogar como quiser, por fins privados, ainda que de modo temerário; as partes não obtém nenhuma colaboração por parte do juiz na fixação da prova; a igualdade formal dos cidadãos traduzia-se na igualdade formal das partes no processo civil. (TARELLO, Giovani. Il problema della riforma processuale in Italia nel primo quarto del secolo: per uno
14 as várias ideologias liberais, de caráter autoritário ou de orientação democrática e social conduziram a um processo submetido ou, pelo menos, comparticipado pela atividade do julgador.67 Para lidar, portanto, com a questão da distribuição das posições das partes e do órgão judicial68, mostra-se imperioso, no Estado Democrático de Direito, a adoção de um modelo de organização processual, no qual, seguindo a linha preconizada por Eduardo Grasso, o juiz desenvolva o diálogo no mesmo nível das partes69. Reclama-se, portanto, para equacionar problema da divisão do trabalho entre o juiz e as partes70, um modelo cooperativo de processo71, o qual se constitui em cenário profícuo para maximizar a cooperação entre o órgão julgador e as partes.72 Partindo-se da constatação que nem as partes, nem o juiz, solitariamente, são capazes de atingir o melhor resultado do processo, erige-se, pela máxima da cooperação, a necessidade de trabalharem em conjunto.73 Embora o juiz dirija o processo de forma ativa, passa a fazê-lo "de maneira dialogal, colhendo a impressão das partes a respeito dos eventuais rumos a serem tomados no processo, possibilitando que studio della genesi dottrinale e ideologica del vigente codice italiano di procedura civile. In: GUASTINI, R.; REBUFFA., G. Dottrine del processo civil: studi storici sulla formazione del diritto processuale civile. Bologna: Il Mulino, 1989. p. 15-17) 67 SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista Forense, Rio de Janeiro, 1997. v.338, p. 150. 68 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil . op. cit. p. 134. 69 GRASSO, Eduardo. La collaborazione nel processo civile. op. cit. p. 609. 70 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O problema da "divisão do trabalho" entre juiz e partes: Aspectos terminológicos. Revista de Processo, São Paulo , v.11, n.41, p. 7-14, jan. 1986. p. 7. 71 Quem, na doutrina nacional, melhor delineou a concepção de um modelo cooperativo de processo, foi Daniel Mitidiero na sua tese de doutoramento. Segundo o autor, "o processo cooperativo parte da idéia que o Estado tem como dever primordial propiciar condições para organização de uma sociedade livre, justa e solidária, fundado que está na dignidade da pessoa humana. Indivíduo, sociedade civil e Estado acabam por ocupar assim posições coordenadas. O direito a ser concretizado é um direito que conta com a juris prudentia, nada obstante concebido, abstratamente, como scientia juris. Por essa vereda, o contraditório acaba assumindo novamente um local destaque na construção do formalismo processual, sendo instrumento ótimo para viabilização do diálogo e da cooperação no processo, que implica de seu turno necessariamente a previsão de deveres de conduta tanto para as partes como para o órgão jurisdicional (deveres de esclarecimento, consulta, prevenção e auxílio). O juiz tem o seu papel redimensionado, assumindo uma dupla posição: mostra-se paritário na condução do processo, no diálogo processual, sendo, contudo, assimétrico no quando da decisão da causa. A boa-fé a ser observada no processo, por todos os seus participantes (entre as partes, entre as partes e o juiz e entre o juiz e as partes), é a boa-fé objetiva, que se ajunta à subjetiva para realização de um processo leal. A verdade, ainda que processual, é um objetivo cujo alcance interessa inequivocamente ao processo, sendo, portanto, tarefa do juiz e das partes, na medida de seus interesses, persegui-la" ( Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 102). 72 Na doutrina nacional, costuma-se, principalmente, extrair a cooperação processual a partir da cláusula da boa-fé objetiva e dos direitos fundamentais ao contraditório, à solidariedade e à participação. Nesse sentido, parece correto afirmar que todos esses aspectos contribuem para que se possa falar em um processo civil cooperativo, de modo que não se excluem, mas se complementam. 73 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 217.
15 essas dele participem, influenciando-o a respeito de suas possíveis decisões"74. O contraditório passa a informar a atividade das partes e do próprio órgão julgador75, deixa de ser meio de luta egoística, passando a significar, nesse ambiente de cooperação, conforme Antonio do Passo Cabral, um pressuposto do próprio julgamento no cenário democrático, fornecendo um aspecto discursivo ao processo e criando um mandamento constitucional do diálogo entre as partes e o órgão julgador para a formação do juízo76, “substituindo com vantagem a oposição e o confronto, dando azo ao concurso das atividades dos sujeitos processuais, com ampla colaboração tanto na pesquisa dos fatos quanto na valorização da causa"77. O processo é encarado, pois, como produto de uma atividade cooperativa78, de modo que a cooperação fica na base de uma "comunidade de trabalho" entre as partes e o julgador.79 Nesse contexto, o processo justo80 deve ser um processo cooperativo, informado pela boa-fé81, tanto no seu aspecto subjetivo, quanto objetivo82. A cooperação, com 74
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil . op. cit.. p. 73. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil . op. cit.. p. 74. 76 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno. op. cit. p. 235. O modo de realizar o processo, conforme Adolfo Gelsi Bidart, "es el dialogal, que supone el respeto de cada uno de los sujetos intervinientes en lo que corresponde (al juez como autoridad, a cada parte e la situación que asume en el proceso), el intercambio de los conocimientos y planteamientos respectivos y el desarrollo en común de tales indicaciones sobre el hecho y el derecho, para que pueda adoptarse una decisión al respecto" (GELSI BIDART, Adolfo. La humanizacion del proceso. Revista de Processo. v.9. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 115). 77 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil . op. cit. p. 14-15. 78 DIDIER JÚNIOR, Fredie. O principio da cooperação: Uma apresentação. Revista de Processo, São Paulo, rev. dos tribunais, n. 127, p. 75-79, set, 2005, p. 76. 79 GOUVEIA, Lucio Grassi de. A função legitimadora do princípio da cooperação intersubjetiva no processo civil brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, v.34, n.172, p. 32-53, jun. 2009, p. 36. 80 Conforme Carlos Alberto Alvaro de Oliveira e Daniel Mitidiero, "a fórmula mínima do processo justo está em estruturar-se o formalismo processual de modo a nele terem lugar os direitos fundamentais à tutela jurisdicional adequada e efetiva (art. 5º, inciso XXXV, CRFB), ao juiz natural (art. 5º., incisos XXXVII e LIII, CRFB), à representação técnica (art. 133, CRFB), à paridade de armas (art. 5º, inciso I, CRFB), ao contraditório (art. 5º., inciso LV, CRFB), à ampla defesa (art. 5º., inciso LV, CRFB), à prova (art. 5º., inciso LVI, a contrario sensu, CRFB), á publicidade (arts. 5º., inciso LX, e 93, IX CRFB), à motivação da sentença (art. 93, inciso IX, CRFB), à assistência jurídica integral (arts. 5º., inciso LXXIB, e 134, CRFB) e à duração razoável do processo (art. 5º., inciso LXXXVIII, CRFB). Fora daí, fere-se nosso perfil constitucional de processo" ( Curso de processo civil : volume 1: teoria geral do processo civil e parte geral do direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2010, p. 28). 81 A propósito, Luigi Paolo Comoglio afirma que os direitos fundamentais do processo justo são os "os mais caros valores de civilidade jurídica, colocados como base do moderno Estado Democrático de Direito. Próprios para salvaguarda efetiva daqueles valores - no quadro geral dos direitos invioláveis do homem, que cada Estado moderno não cria, mas reconhece e garante - consente de dar corpo aos indeléveis componentes éticos da própria noção de "justo processo", fazendo assim que o indivíduo como pessoa seja sempre considerado o centro dos acontecimentos pessoais que o envolvem, como sujeito de direitos fundamentais inalienáveis (ou de poderes e também de deveres), mas não mais aquele titular de posições de mera sujeição no confronto do imperium judicis ou, pior ainda, como mero objeto de indagação, verificação e análise, na dialética do acertamento judicial (L´informazione difensiva nella cooperazione giudiziaria europea. In: Revista de processo, nº 157, 2008, pp. 86-87). 82 A ideia de que a boa-fé impõe deveres aos sujeitos processuais, estabelecendo verdadeiras regras de conduta, não é nova no direito brasileiro. Já em 1961, Jonatas Milhomens retratava o estado da doutrina 75
16 efeito, sobreleva como expoente máximo do processo civil na consecução da justiça do caso concreto.83 Nessa senda, inegáveis são os reflexos exercidos na atuação das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, inclusive o órgão julgador. O fato de as partes serem parciais e interessadas no resultado da causa não significa que estejam isentas de agir com lealdade e boa-fé, sendo possível falar em um verdadeiro fair play processual84. Da mesma forma, devem colaborar com o juízo na solução da causa. A boa-fé objetiva, ao balizar a conduta das partes, poderá representar deveres, obrigações ou ônus processuais.85 Nesse sentido, por exemplo, tem-se o dever
pátria a respeito do tema, asseverando que, no direito processual “a) devem os sujeitos do processo comportar-se honestamente; b) presume-se que tenham agido de boa-fé; c) pune-se a transgressão do dever de lealdade” (MILHOMENS, Jônatas de Mattos. Da presunção de boa-fé no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1961). Hodiernamente, o Código de Processo Civil brasileiro prevê diversos deveres a todos aqueles que de qualquer forma participam do processo (art. 14 e seguintes, do CPC), encampando, no âmbito processual o princípio da boa-fé objetiva. É de relevo notar que a construção do tema do direito processual parte do amplo material doutrinário elaborado no direito civil. A propósito, ver COSTA, Judith Hofmeister Martins. A boa-fé no direito privado: Sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 1999. SILVA, Clovis Veríssimo do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2007. CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1984. FERREIRA RUBIO, Delia Matilde. La buena fe; el principio general en el derecho civil. Madrid: Montecorvo, 1984. 83 COSTA E SILVA, Paula. Acto e processo. O dogma da irrelevância da vontade na interpretação e nos vícios do acto postulativo. Coimbra: Coimbra, 2003. p. 597. Conforme Michele Tarrufo, para aquiltara a justiça da decisão, é necessário seguir três critérios, dentre eles "o emprego de um procedimento válido e justo para chegar à decisão" (TARUFFO, Michele. Idee per uma teoria della decisione giusta. In: Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile . v. 51. n. 2. Milano: Giuffrè, 1997. p. 319.). A justiça da decisão deverá ser aquilatada no caso concreto, porém o processo justo constitui condição de possibilidade para se chegar a soluções justas, mas, não é suficiente para a produção de decisões justas, conforme afirma Sergio La China, no sentido que a justiça procedimental do processo jurisdicional é uma justiça imperfeita (CHIARLONI, Sergio. Giusto processo, garanzie processuali, giustiza della decisione. Revista de processo. ano 32. n. 152. out/2007. p. 103). 84 É interessante notar que, apesar de as partes atuarem como antagonistas no processo, isso não significa que estejam isentas de deveres de lealdade de boa-fé, sendo possível falar em um verdadeiro fair play processual, à semelhança do que acontece nos esportes. A teoria da democracia cooperativa de John Dewey, apesar de ser desenvolvida em outro campo de aplicação, é bastante elucidativa: “Dewey sabe perfeitamente que, no contexto de um processo tão livre, e tão intrinsecamente autocorretivo de intercomunicação, é inevitável que surjam conflitos entre os indivíduos, dado que cada um tem a sua própria maneira de enxergar necessidades, fins e conseqüências (afinal, a democracia é um modo pessoal de vida). A solução para tais conflitos é a “cooperação amigável” – que, como nos esportes, pode incluir a rivalidade e a competição, porém não a força – que se exerce, no âmbito do debate e da inteligência, por meio da tentativa constante de aprender-se alguma coisa com aqueles de quem discordamos e, nessa medida, fazer deles amigos em potencial. Em outras palavras, as disputas e controvérsias devem ser transformadas em empreendimentos cooperativos em que as duas partes aprendem ao possibilitar, uma à outra, a chance de expressar-se. E essa chance deve ser conferida não porque consiste em um direito das pessoas, mas porque representa uma crença na expressão das diferenças, que, por sua vez, consiste em “um meio de enriquecer a experiência de vida pessoal de cada um” (POGREBINSCHI, Thamy. A Democracia do Homem Comum: resgatando a teoria política de John Dewey. Revista de Sociologia e Política, n. 23. Curitiba: UFRP, p. 51). O termo fair play processual também é utilizado por Fábio Milman (MILMAN, Fábio. Improbidade processual: comportamento das partes e seus procuradores no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007) 85 RIBEIRO, Darci Guimarães. O sobreprincípio da boa-fé processual como decorrência do comportamento da parte em juízo. In: Da tutela jurisdicional às formas de tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 134. A respeito dos deveres, obrigações e ônus processuais das partes no processo,
17 do executado de indicar os bens passíveis de penhora, conforme a gradação legal do art. 655, do CPC, sob pena de incorrer em ato atentatório à dignidade da justiça, hipótese na qual incidirá multa conforme o art. 601, do CPC, o ônus do réu de contestar, sob pena de se reputarem verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, consoante o art. 319, do CPC, e a obrigação de indenizar a parte contrária em decorrência dos prejuízos sofridos pela atuação desleal do litigante de má-fé, nos termos do art. 18, do CPC. Por outro lado, também o órgão julgador deve agir com lealdade, cooperando com as partes. Os deveres processuais são estendidos aos próprios magistrados86, afirmando-se a cooperação como trave mestra do processo civil contemporâneo.87 Sobre o órgão julgador, portanto, recairão deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio, traduzindo, portanto, o dever de colaboração do juízo para com as partes. Estes deveres exercem um papel sobremaneira importante, dentre outros, o de mitigar as desigualdades processuais, sem que para tanto o julgador corra o risco de comprometer a sua imparcialidade, uma vez que são postos com a finalidade de alcançar a justiça do caso concreto, e não para beneficiar uma parte em detrimento da outra. Tanto é assim que, segundo Paula Costa e Silva, a cooperação não tem uma conotação de parcialidade, na medida em que vem associada ao caráter social do processo e ao princípio da igualdade substancial das partes. Dessa forma, através do diálogo com os sujeitos processuais o tribunal teria a possibilidade de minimizar as diferenças extraprocessuais.88 Isso, no entanto, não equivaleria à parcialidade do julgador. Esta tem um aspecto diverso, pois pressupõe que, perante uma identidade de situações, o juiz adote determinados comportamentos conforme sua intervenção se dirija a uma parte ou a outra, baseando-se em critérios estranhos ao exercício da sua função jurisdicional.89 Diferentemente, quando o juiz é chamado a colaborar com as partes, deve fazê-lo buscando a justiça do caso concreto, e não o favorecimento das partes.
4.1 O dever de esclarecimento O dever de esclarecimento consiste no dever do julgador em se esclarecer, junto das partes, quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em ver, também, EISNER, Isidoro. La prueba em el proceso civil. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1964. pp. 51 e seguintes. 86 FREITAS, José Lebre. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais. 2ª ed. Coimbra: Coimbra: 2006, p. 163-164. 87 Idem. Ibidem. p. 168. 88 COSTA E SILVA, Paula. Acto e processo. op. cit. p. 600. 89 Idem. Ibidem. p. 601.
18 juízo, evitando que sua decisão tenha por base a falta de informação e não a verdade apurada.90 A matéria a ser esclarecida pode dizer respeito tanto aos fatos da causa, quanto às questões jurídicas, estando situado nesses dois planos. No primeiro, diz respeito a qualquer esclarecimento que o julgador pretenda obter sobre a alegação dos fatos da causa, de modo a ter a perfeita compreensão do seu conteúdo. No segundo, às partes pode ser pedido que esclareçam a sua posição quanto aos fundamentos de direito do pedido e das exceções91. Trata-se de um dever recíproco, na medida em que as partes são obrigadas a prestar os esclarecimentos solicitados, salvo se tiverem alguma causa legítima para recusar a colaboração requerida92. O dever de esclarecimento, no Código de Processo Civil brasileiro, estaria explicitamente encampado em alguns dispositivos. É o caso dos arts. 340, I e 342, do CPC, que prescrevem o dever da parte de comparecer em juízo, respondendo ao juiz o que lhe for interrogado e permitindo que o juiz, de ofício, em qualquer estado do processo, determine o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa.93 Por outro lado, no tocante aos pressupostos processuais, segundo Fredie Didier Júnior, quando o magistrado estiver em dúvida sobre o preenchimento de um requisito processual de validade, deverá providenciar esclarecimento da parte envolvida ao invés de determinar imediatamente a consequência prevista em lei pelo não cumprimento de tal requisito94. Da mesma sorte, não deve o magistrado indeferir a petição inicial, tendo em vista a obscuridade do pedido ou da causa de pedir, sem antes pedir esclarecimentos ao demandante.95 É dever do magistrado o de proporcionar essa clareza o mais breve possível.96 Dessa forma, estará assegurado maior paridade de condições entre as partes, notadamente naqueles casos em que a parte financeiramente mais débil não possui recursos para contratar bons escritórios de advocacia.97 No entanto, ao assim agir, o magistrado não coloca em xeque sua própria imparcialidade, uma vez que referido dever não incide somente em favor da parte com melhores condições econômicas ou 90
SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil po rtuguês. op. cit. p. 151. FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil . op. cit. p. 165. 92 SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil po rtuguês. p. 151. 93 GOUVEIA, Lucio Grassi de. Cognição processual civil: Atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, dialética, 2003. n.6, p. 51. 94 DIDIER JÚNIOR, Fredie. O principio da cooperação: Uma apresentação. op cit. p. 7 7. 95 DIDIER JÚNIOR, Fredie. O principio da cooperação: Uma apresentação. op cit. p. 7 7. 96 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo civil. op. cit. p. 305. 97 GOUVEIA, Lucio Grassi de. Cognição processual civil: Atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. op. cit.. p. 51. 91
19 técnicas, mas, sim, em face de qualquer questão que demande ser esclarecida para proporcionar um julgamento mais adequado da causa.
4.2 O dever de prevenção Em face do dever de prevenção, o julgador se vê incumbido de prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos98. Constitui-se em um convite ao aperfeiçoamento pelas partes dos seus articulados ou das conclusões das suas alegações de recurso.99 O dever em questão tem aplicação para todas as situações em que o êxito da ação a favor da qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo.100 Sua aplicação se dá, segundo Miguel Teixeira de Sousa, em quatro áreas fundamentais: a explicitação dos pedidos pouco claros, o caráter lacunar da exposição dos fatos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de uma certa atuação.101 No direito brasileiro, a doutrina costuma trabalhar com o dever de prevenção frente a algumas situações específicas. Assim, no que tange ao tema das nulidades processuais, quando for verificado um defeito formal no juízo de admissibilidade, o magistrado deve inadmitir o ato, indicando expressamente qual o vício de forma e permitindo a retificação, se ainda houver prazo.102 Tem o juiz, igualmente, o dever de sugerir a especificação de um pedido indeterminado, de solicitar a individualização das parcelas de um montante que só é globalmente indicado, de referir as lacunas na descrição de um fato, de se esclarecer sobre se a parte desistiu do depoimento de uma testemunha indicada ou apenas se esqueceu dela e de convidar a parte a provocar a intervenção de um terceiro103, podendo, ainda, surgirem diversos outros exemplos das mais variadas situações postas no caso concreto. Relativamente ao direito à emenda da petição inicial, costuma-se mencionar que, em sendo verificado pelo juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de dez dias. Com efeito, não deve o juiz, na hipótese em exame, somente determinar que o 98
SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil po rtuguês. p. 151. Idem. Ibidem. p. 151. 100 DIDIER JUNIOR, Fredie. O princípio da cooperação: uma apresentação. op. cit. 79. 101 SOUSA, Miguel Teixeira. Estudos sobre o novo processo civil. 2a ed. Lex: Lisoba, 1997. p. 66. 102 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo civil . op. cit. p.305. 103 GOUVEIA, Lucio Grassi de. Cognição processual civil: Atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. op. cit.. p. 52. 99
20 autor emende a inicial, mas deve preveni-lo das falhas que a referida peça apresenta. O indeferimento da petição inicial somente é permitido se for oportunizada a correção do defeito.104 Assim, estará o juiz, inclusive, evitando que a parte seja prejudicada por falhas técnicas do profissional escolhido105, e, em última análise, proporcionando a paridade de condições entre as partes, uma vez que a parte não poderá ser prejudicada por uma posição passiva do órgão julgador, pois as deficiências e insuficiências apresentadas poderão ser sanadas na oportunidade concedida.106 Porém, ainda que o dever de prevenção acabe redundando na mitigação das desigualdades, seu foco principal é evitar que o direito material acabe soçobrando frente a exigências formais ou a eventuais falhas na condução do processo pelas partes. 107
4.3 O dever de consulta O órgão julgador tem o dever de consultar as partes sempre que pretenda conhecer de matéria de fato ou de direito sobre a qual elas não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem, seja porque enquadra juridicamente a situação de forma diferente daquela que é a perspectiva das partes, seja porque pretende conhecer de ofício certo fato relevante para a decisão da causa.108 Seu escopo é evitar decisões surpresa109, resguardando o contraditório e o direito de participação das partes. Por sinal, o direito de participação, segundo Nicolò Trocker, configura um direito de incidir sobre o desenvolvimento e sobre o êxito da controvérsia110. O contraditório, nessa vereda, tem como núcleo essencial a participação111, que não pode ser somente aparente e fictícia, razão pela qual ao direito da parte de pronunciar-se em juízo corresponde o dever do juiz de escutá-la.112 Dessa forma, o destinatário do 104
DIDIER JUNIOR, Fredie. O princípio da cooperação: uma apresentação. op. cit. . p. 79. LOPES, João Batista. Os poderes do juiz e o aprimoramento da prestação jurisdicional. Revista de Processo, São Paulo , v.9, n.35, p. 24-67, jul. 1984., p. 29. 106 GOUVEIA, Lucio Grassi de. Cognição processual civil: Atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. op. cit. p. 52. Nesse sentido, Barbosa Moreira afirma: No propósito de contribuir para a mitigação das desigualdades substancias entre as partes, tem-se cogitado de conferir ao juiz a faculdade (ou mesmo o dever) de prestar-lhes informações sobre o ônus que lhes incumbem, convidando-as, por exemplo, a esclarecer e a complementar suas declarações acerca dos fatos, ou chamando-lhe a atenção para a necessidade de comprovar alegações. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A função social do processo. op. cit. p. 52). 107 Note-se que o dever de prevenção, nesse sentido, guarda também íntima relação com o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva. 108 SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. p. 151. 109 Idem. Ibidem. p. 151. 110 TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione; problemi di diritto tedesco e italiano . Milano: Giuffrè, 1974, p. 170. 111 Idem. Ibidem. p. 377. 112 Idem. Ibidem. p. 371. 105
21 provimento jurisdicional deve ter a possibilidade de influir sobre a formação deste113, estando, pois, em grau de participar do processo de concretização através do qual se fixa o direito para o caso específico.114 Conforme Eduardo Grasso, na regra da colaboração encontra-se um seguro fundamento para a necessidade que o juiz coloque ao exame das partes todas as questões de fato reveladas de ofício, antes de decidir sobre elas, da mesma forma que deve submeter às partes a norma que lhe parece adequada ao caso, todas as vezes que tenham indicado uma norma diversa ou não tenham indicado nenhuma, suscitando, assim, a discussão sobre a possibilidade de aplicá-la.115 Portanto, sob tal perspectiva, o dever de consulta, cujo substrato nodal é o contraditório, impõe ao juiz o “dever de provocar o debate acerca de todas as questões, inclusive as de conhecimento oficioso, impedindo que em 'solitária onipotência' aplique normas ou embase a decisão sobre fatos completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as partes".116 Exige-se que sejam evitadas quaisquer decisões surpresa117, seja no âmbito dos fatos da causa, seja no âmbito de questões jurídicas.118 Por consequência, tem-se que às partes é assegurada igual possibilidade de participar do processo, uma vez que todas as questões deverão ser submetidas ao debate. Potencializa-se, assim, a participação das partes e o direito fundamental à igualdade no processo.
113
Idem. Ibidem. p. 377. Idem. Ibidem. p. 378. 115 GRASSO, Eduardo. La collaborazione nel processo civile. op. cit. p. 608-609. 116 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle José Coelho. Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da atividade processual. Revista de Processo. São Paulo, v.34, n.168, p. 107-141, fev. 2009, p. 125. A respeito do tema, ver, ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. A garantia do contraditório. In: Revista AJURIS, n. 74, 1998. 117 COMOGLIO, Luigi Paolo. Il "giusto processo" civile in italia e in europa. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004. n.116, p. 132. 118 Conforme Giuseppe Tarzia, "a participação no 'diálogo' não reclama somente que tenha havido aviso da audiência e conhecimento dos pronunciamentos emitidos pelo juiz, e, portanto, a sua comunicação, quando não tenham sido proferidos na audiência. A extensão ao juiz do princípio do contraditório, pelo menos na sua versão mais moderna, comporta a ideia de obrigação em relação ao próprio juiz - e, para aquilo que nos concerne, especificamente para o juiz da execução - de submeter à discussão prévia das partes as questões releváveis de ofício, sobre as quais crê necessário dever pronunciar-se (por exemplo, as questões relativas a competência, a jurisdição, e outras das quais se falou acima), atuando dessa forma, a "tuteladas partes contra o perigo das surpresas", que parece ser essência num processo efetivamente dominado pelo princípio que agora se está examinando" (TARZIA, Giuseppe. O contraditório no processo executivo. Revista de processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, out/dez, 1982, p. 74-75). Nesse sentido, também, MONTESANO, Luigi. La garanzia costituzionale del contraddittorio e i giudizi civili di "terza via". Rivista Di Diritto Processuale. Padova , v.55, n.4, p. 929-947, out. 2000. p. 931. A propósito do tema, ver, ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. op. cit., p. 35-43. 114
22
4.4 O dever de auxílio O juiz tem o dever de auxiliar as partes na superação de eventuais dificuldades que impeçam direitos ou faculdades, ou o cumprimento de deveres ou ônus processuais. Assim, sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de uma faculdade, ou o cumprimento de um ônus ou dever processual, o juiz deve sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.119 Como exemplos do dever de auxílio, o juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa, que se ache em seu poder ou ainda determinar a exibição de documento ou coisa que esteja em poder de terceiro, consoante dispõem os artigos 355 e 360, do CPC. Poderá, ainda, inspecionar pessoas ou coisas para esclarecer fato que interesse à decisão da causa (art. 440, do CPC), tudo com o fito de impedir que a parte seja prejudicada por não ter conseguido obter documento ou informação imprescindíveis para o julgamento do seu pedido ou para o desenvolvimento da sua defesa120. O dever de auxílio também se faz presente quando o juiz requer informações junto a órgãos públicos sobre o endereço da parte que não foi localizada para a prática de determinado ato processual.121 A remessa dos autos ao contador judicial para a elaboração de cálculo de liquidação quando a parte dispõe do benefício da gratuidade (art. 475-B, §3º, do CPC), assim como a dinamização do ônus da prova e a determinação no sentido de que o executado indique bens passíveis de penhora122, constituem-se, igualmente, em manifestações do dever de auxílio. Em todas essas situações, o cumprimento do dever de auxílio tem o condão de promover considerável redução nas desigualdades surgidas no processo.
5 Considerações finais
119
SOUSA, Miguel Teixeira. Aspectos do novo processo civil português. p. 151. GOUVEIA, Lucio Grassi de. Cognição processual civil: Atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da verdade real. op. cit.. p. 57. 121 Também no direito português, José Lebre de Freitas afirma que, “se, falecida uma parte, o autor invocar dificuldade séria em identificar os seus herdeiros ou em provar a qualidade destes, deve o juiz notificar o co-réu ou um terceiro familiar do falecido para que preste as informações necessárias à observância do ónus de requerer a habilitação para poder, seguidamente, prosseguir a causa” (FREITAS, José Lebre. Introdução ao processo civil . op. cit. p. 167). 122 Trata-se de outro exemplo também manifestado no processo civil português como hipótese de cumprimento do dever de auxílio “na açção executiva, quando o agente de execução não encontre bens penhoráveis e o exequente não os indique, é solicitado ao executado que o faça, ficando sujeito a sanção pecuniária compulsória se não indicar bens existentes ou fizer indicação falsa” (Idem Ibidem. p. 167). 120
23 Em pleno Estado Democrático de Direito, a desigualdade entre os sujeitos processuais é uma realidade ainda constante, na medida em que alguns se apresentam mais iguais que outros.123 No afã de lidar com essa preocupante realidade, tem-se buscado munir o juiz de poderes no sentido de desenvolver um papel mais ativo na condução do processo, assegurando, por conseguinte, a igualdade de condições entre as partes. Todavia, em inúmeras situações esse papel ativo do magistrado em busca da igualdade material não tem o condão de proporcionar um equilíbrio entre os sujeitos processuais; acaba reduzindo as desigualdades de um lado, mas aumentando de outro. O presente trabalho procurou desenvolver, a partir dos deveres de cooperação que devem nortear o processo, uma forma fecunda de tratar o problema da desigualdade no processo, propiciando que as desigualdades sejam reduzidas sem o intuito de favorecer uma ou outra parte, uma vez que devem ser seguidos indiscriminadamente. Cumpre advertir, no entanto, que falar em cooperação não significa ver as partes contribuindo uma com a outra imoderadamente, esquecendo-se do papel de antagonistas que desempenham. O próprio Carnelutti, citado no início deste trabalho, mencionava que “se os litigantes fossem anjos, ao invés de homens, de astúcia nenhum, nem outro teria necessidade; mas a verdade é que, em tal caso, nem mesmo o processo seria necessário”124. Porém, isso não significa esvaziar o processo do seu conteúdo ético e olvidar da lealdade, que deverá alicerçar tanto o agir das partes, quanto do órgão julgador, o qual passa a ter nos deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio um mecanismo extremamente útil para elevar a dimensão ética do processo e, ao mesmo tempo, reduzir as desigualdades entre os litigantes.
Referências Bibliográficas ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. ________. A garantia do contraditório. In: Revista AJURIS, n. 74, 1998 ________. MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil : volume 1: teoria geral do processo civil e parte geral do direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2010.
123
Mesmo no Estado Democrático de Direito ainda retumba a célebre passagem do romance alegórico de George Orwell, Animal Farm, no sentido de que “todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros” (ORWELL, George. A revolução dos bichos. Tradução Heitor Aquino Ferreira; posfácio Christopher Hitchens. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 106), a qual, mesmo distante do ambiente em que foi concebida criticamente, serve para retratar a questão do problema que envolve as desigualdades no Estado brasileiro. 124 CARNELUTTI, Francesco. Giuoco e processo In: Studi In Onore Di Vincenzo Arangio-Ruiz: Nel XIV Anno Del Suo Insegnamento , Napoli : Jovene, [199-?]. v.3, p. 7.
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