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ANTROPOLOGIA
BÍBLICA [Estudo da Doutrina do Homem e do Pecado]
Heber Carlos de Campos
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Índice Índice .................................................. ................................................................................................... ....................................................................... ...................... 2 INTRODUÇÃO............................................................................... INTRODUÇÃO............................ ............................................................................... ............................ 11 A DOUTRINA DO HOMEM NA SISTEMÁTICA................................................. SISTEMÁTICA............................................................. ............ 12 PARTE 1 ....................................................................................... ................................................................................................................... ............................ 13 A CONDIÇÃO DO HOMEM ANTES DA QUEDA .......................................................... .......................................................... 13 CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. ............................................................................................................. 14 A CRIAÇÃO DO HOMEM ............................................... ........................................................................................... ............................................ 14 ANTROPOGENIA ........................................................................................... ....................................................................................................... ............ 14 Conceito Evolucionista da Origem do Homem ............................................................ ............................................................ 14 14 1. Evolucionismo Materialista ............................................ ................................................................................ .................................... 14 2. Evolucionismo Teísta............................................. ......................................................................................... ............................................ 15 Conceito Criacionista da Origem do Homem .............................................................. .............................................................. 15 A Unidade da Raça ........................................... ............................................................................................ ..................................................... .... 15 Criação Mediata ou Imediata? ........................................... ............................................................................... .................................... 16 A criação do ser humano completo ........................................................................ 16 Distinções entre o Homem e os outros Animais Inferiores ....................................... 16 CAPÍTULO II ............................................................................................................. ............................................................................................................. 18 A NATUREZA DO HOMEM ............................................................................ ........................................................................................ ............ 18 1. UM SER DEPENDENTE E RESPONSÁVEL ......................................... ............................................................. .................... 19 Livre Arbítrio & Livre Agência ................................................ .................................................................................... .................................... 20 20 2. UM SER SANTO ............................................... .................................................................................................. ..................................................... .. 22 Santidade Derivada e Finita ......................................................................... ........................................................................... .. 24 CAPITULO III ............................................................................................................ ............................................................................................................ 26 A NATUREZA CONSTITUCIONAL DO HOMEM ............................................... ........................................................... ............ 26 Base Escriturística da Natureza Constitucional do Homem ........................................ ........................................ 26 1. O HOMEM É CORPO (Adão foi criado um ser material ou físico) ............................. 27 2. O HOMEM É ALMA (Adão ( Adão foi criado um ser imaterial ou espiritual) ........................ 29 A Unidade do Homem .......................................... ........................................................................................... ..................................................... .... 29 A) A ESCRITURA FREQÜENTEMENTE DISTINGUE ENTRE CORPO- ALMA E/OU CORPO-ESPÍRITO. ............................................................................................................. ............................................................................................................... .. 30 (1) O VT SUGERE UMA DISTINÇÃO CORPO-ALMA (ESPIRITO), ............................. 30 (2) O NT TAMBÉM SUGERE A DISTINÇÃO CORPO-ALMA (ESPIRITO): ................... 31 B) A ESCRITURA PARECE, AO MESMO TEMPO, DISTINGUIR OS TERMOS ALMA E ESPÍRITO. ............................................. ............................................................................................... .............................................................................. ............................ 32 C) A ESCRITURA USA, FREQÜENTEMENTE, OS TERMOS ALMA E ESPIRITO INDISTINTAMENTE.......................................................................................... .............................................................................................................. .................... 33 (1) Alma e espírito são usados indistintamente quando a referência é a uma pessoa desincorporada. ...................................................................................................... ............................................................................................................... .......... 33 (2) Alma e espírito são usados indistintamente quando a referência é a expressões de emoção e de devoção. devoç ão. ................................................................................... ....................................................................................................... .................... 34 (3) Alma e espírito são usados indistintamente para descrever o objeto da obra redentora e santificadora de Cristo. ................................................................................ .................................................................................. .. 37 3. O HOMEM É CORAÇÃO ............................................ ........................................................................................ ............................................ 39 39 A) A ABRANGÊNCIA DO SIGNIFICADO DO TERMO ― CORAÇÃO” NA ESCRITURA: . 39 (1) Referência a ―coração‖ no Livro de Provérbios ................................................ ................................................ 39 39 (2) Referências a coração no uso de Jesus Cristo .............................................. ................................................ .. 40 (3) Referências a ―coração‖ na mensagem de Paulo ............................................. ............................................. 40 40 B) A ESCRITURA USA O TERMO CORAÇÃO COMO INDICATIVO DE: ..................... 40 1. Coração como Indicativo de Atividade Ativ idade Intelectual............................................ 41 41 2. Coração como Indicativo de Atividade Ativ idade Volitiva ................................................ 41 3. Coração como Indicativo de Atividade Ativ idade Emotiva ............................................... ............................................... 41 41
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Índice Índice .................................................. ................................................................................................... ....................................................................... ...................... 2 INTRODUÇÃO............................................................................... INTRODUÇÃO............................ ............................................................................... ............................ 11 A DOUTRINA DO HOMEM NA SISTEMÁTICA................................................. SISTEMÁTICA............................................................. ............ 12 PARTE 1 ....................................................................................... ................................................................................................................... ............................ 13 A CONDIÇÃO DO HOMEM ANTES DA QUEDA .......................................................... .......................................................... 13 CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. ............................................................................................................. 14 A CRIAÇÃO DO HOMEM ............................................... ........................................................................................... ............................................ 14 ANTROPOGENIA ........................................................................................... ....................................................................................................... ............ 14 Conceito Evolucionista da Origem do Homem ............................................................ ............................................................ 14 14 1. Evolucionismo Materialista ............................................ ................................................................................ .................................... 14 2. Evolucionismo Teísta............................................. ......................................................................................... ............................................ 15 Conceito Criacionista da Origem do Homem .............................................................. .............................................................. 15 A Unidade da Raça ........................................... ............................................................................................ ..................................................... .... 15 Criação Mediata ou Imediata? ........................................... ............................................................................... .................................... 16 A criação do ser humano completo ........................................................................ 16 Distinções entre o Homem e os outros Animais Inferiores ....................................... 16 CAPÍTULO II ............................................................................................................. ............................................................................................................. 18 A NATUREZA DO HOMEM ............................................................................ ........................................................................................ ............ 18 1. UM SER DEPENDENTE E RESPONSÁVEL ......................................... ............................................................. .................... 19 Livre Arbítrio & Livre Agência ................................................ .................................................................................... .................................... 20 20 2. UM SER SANTO ............................................... .................................................................................................. ..................................................... .. 22 Santidade Derivada e Finita ......................................................................... ........................................................................... .. 24 CAPITULO III ............................................................................................................ ............................................................................................................ 26 A NATUREZA CONSTITUCIONAL DO HOMEM ............................................... ........................................................... ............ 26 Base Escriturística da Natureza Constitucional do Homem ........................................ ........................................ 26 1. O HOMEM É CORPO (Adão foi criado um ser material ou físico) ............................. 27 2. O HOMEM É ALMA (Adão ( Adão foi criado um ser imaterial ou espiritual) ........................ 29 A Unidade do Homem .......................................... ........................................................................................... ..................................................... .... 29 A) A ESCRITURA FREQÜENTEMENTE DISTINGUE ENTRE CORPO- ALMA E/OU CORPO-ESPÍRITO. ............................................................................................................. ............................................................................................................... .. 30 (1) O VT SUGERE UMA DISTINÇÃO CORPO-ALMA (ESPIRITO), ............................. 30 (2) O NT TAMBÉM SUGERE A DISTINÇÃO CORPO-ALMA (ESPIRITO): ................... 31 B) A ESCRITURA PARECE, AO MESMO TEMPO, DISTINGUIR OS TERMOS ALMA E ESPÍRITO. ............................................. ............................................................................................... .............................................................................. ............................ 32 C) A ESCRITURA USA, FREQÜENTEMENTE, OS TERMOS ALMA E ESPIRITO INDISTINTAMENTE.......................................................................................... .............................................................................................................. .................... 33 (1) Alma e espírito são usados indistintamente quando a referência é a uma pessoa desincorporada. ...................................................................................................... ............................................................................................................... .......... 33 (2) Alma e espírito são usados indistintamente quando a referência é a expressões de emoção e de devoção. devoç ão. ................................................................................... ....................................................................................................... .................... 34 (3) Alma e espírito são usados indistintamente para descrever o objeto da obra redentora e santificadora de Cristo. ................................................................................ .................................................................................. .. 37 3. O HOMEM É CORAÇÃO ............................................ ........................................................................................ ............................................ 39 39 A) A ABRANGÊNCIA DO SIGNIFICADO DO TERMO ― CORAÇÃO” NA ESCRITURA: . 39 (1) Referência a ―coração‖ no Livro de Provérbios ................................................ ................................................ 39 39 (2) Referências a coração no uso de Jesus Cristo .............................................. ................................................ .. 40 (3) Referências a ―coração‖ na mensagem de Paulo ............................................. ............................................. 40 40 B) A ESCRITURA USA O TERMO CORAÇÃO COMO INDICATIVO DE: ..................... 40 1. Coração como Indicativo de Atividade Ativ idade Intelectual............................................ 41 41 2. Coração como Indicativo de Atividade Ativ idade Volitiva ................................................ 41 3. Coração como Indicativo de Atividade Ativ idade Emotiva ............................................... ............................................... 41 41
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c) A ESCRITURA APRESENTA O CORAÇÃO COMO A SEDE DO PECADO............... 41 41 No Antigo Testamento ............................................ ........................................................................................ ............................................ 41 No Novo Testamento .............................................................. .......................................................................................... ............................ 42 D)A ESCRITURA APRESENTA TAMBÉM O CORAÇÃO COMO O CENTRO DA OBRA REDENTORA DA GRAÇA. ............................................ ............................................................................................. ..................................................... .... 42 CAPITULO IV .................................................................................................. ............................................................................................................ .......... 44 TEORIAS SOBRE A ORIGEM DA ALMA HUMANA .......................................... ...................................................... ............ 44 1.PRE-EXISTENCIALISMO ................................................ .................................................................................... .................................... 44 2. TRADUCIANISMO (ou PROPAGAÇÃO) ............................................ ................................................................ .................... 44 a) Argumentos a favor do Traducianismo ........................................................... 44 (a) A Escritura parece favorecer a apresentação do traducianismo................... 44 (b) Pelas leis naturais da vida vegetal e animal ............................................. ............................................... .. 45 45 (c) As Leis genéticas gen éticas favorecem o Traducianismo ............................................ 45 (d) O Traducianismo oferece mais base para explicar a depravação moral e espiritual .................................................................................................................. .................................................................................................................. 45 b) Objeções ao Traducianismo ........................................................................... 45 3) CRIACIONISMO.................................... CRIACIONISMO..................................................................................... ............................................................. ............ 46 a) Argumentos a favor do Criacionismo .............................................................. .............................................................. 46 46 b) Objeções ao Criacionismo .............................................................................. .............................................................................. 46 4) PONDERAÇÕES FINAIS ................................................ .................................................................................... .................................... 47 47 a) Há que se ter prudência ao falar deste assunto............................................... 47 b) Alguma forma de criacionismo merece preferência .......................................... 47 CAPITULO V ........................................................................................................... ............................................................................................................. .. 48 A IMAGEM DE DEUS NO HOMEM ............................................................................ ............................................................................ 48 SOBRE O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS .................................................................. .................................................................. 49 ―Imagem‖ e ―Semelhança‖ ............................................. ......................................................................................... ............................................ 49 SOBRE A REFLEXÃO DA IMAGEM DE DEUS ................................................ ............................................................ ............ 49 De que consiste c onsiste o reflexo da imagem de Deus? ................................................. ................................................... .. 50 Reflexo 1 ....................................................................................................... ....................................................................................................... 50 Reflexo 2 ....................................................................................................... ....................................................................................................... 50 Reflexo 3 ....................................................................................................... ....................................................................................................... 51 Reflexo 4 ....................................................................................................... ....................................................................................................... 52 OS ESTÁGIOS DA IMAGEM DE DEUS........................................... ....................................................................... ............................ 52 1. A IMAGEM ORIGINAL............................................ ORIGINAL ........................................................................................ ............................................ 52 Composição da Justiça Original ................................................ ............................................................................ ............................ 52 Relacionamento Tríplice Perfeito ........................................................ ............................................................................ .................... 53 a) Relacionamento com c om Deus ......................................................... ............................................................................. .................... 53 b) Relacionamento Rel acionamento com c om o semelhante ............................................. ................................................................. .................... 53 c) Relacionamento com a natureza ................................................. ..................................................................... .................... 54 Posse Non Peccare ................................................. ............................................................................................. ............................................ 54 2.A IMAGEM DESFIGURADA ............................................ ................................................................................ .................................... 55 55 A Quebra do Relacionamento Tríplice .................................................... ........................................................................ .................... 55 a) O Homem quebrou o relacionamento com Deus ............................................ .............................................. .. 55 55 b) O homem quebrou o relacionamento r elacionamento com seu s eu semelhante .............................. .............................. 56 56 c) O homem quebrou o relacionamento com a natureza ...................................... 56 ...................................................................................... .... 56 Non Posse Non Peccare ................................................................................... 3.A IMAGEM I MAGEM RESTAURADA RE STAURADA .................................................................................. .................................................................................. 57 57 Posse non peccare (?) ............................................. ......................................................................................... ............................................ 58 4.A IMAGEM APERFEIÇOADA ................................................... ............................................................................... ............................ 58 Non Posse Peccare ................................................. ............................................................................................. ............................................ 59 A IMAGEM DE DEUS NA TEOLOGIA CRISTÃ ............................................................ ............................................................ 59 1) Catolicismo ....................................................................................................... ....................................................................................................... 59 2) Socinianismo ............................................... .................................................................................................. ..................................................... .. 59 3) Luteranismo ................................................. .................................................................................................... ..................................................... .. 59 4) Calvinismo .................................................................................... ........................................................................................................ .................... 60
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CAPÍTULO VI .................................................................................................. ............................................................................................................ .......... 61 O HOMEM NO PACTO DAS OBRAS ............................................... ........................................................................... ............................ 61 Teologia do Pacto ou Teologia Federal ............................................ ........................................................................ ............................ 61 O SIGNIFICADO DO TERMO ―PACTO‖ ―PACTO‖ ....................................................................... ...................................................................... 61 O NOME ―PACTO DAS OBRAS‖ ............................................................................... OBRAS‖ ................................................................................. .. 62 EVIDÊNCIA BÍBLICA DO PACTO DAS OBRAS ........................................................... 63 O PACTO DAS OBRAS E A LEI DE DEUS .................................................................. .................................................................. 64 1. Deus deu ao homem uma lei natural. ................................................ ............................................................ ............ 64 64 2. Deus deu ao homem uma lei expressa ex pressa em palavras. palavras . ....................................... 65 OS ELEMENTOS DO PACTO DAS OBRAS ............................................. ................................................................. .................... 65 65 1. Partes Contratantes .............................................. .......................................................................................... ............................................ 65 65 2. Promessa de Vida Condicionada à Obediência .................................................. .................................................... .. 66 Este é o ensino de Moisés .................................................................................. .................................................................................. 66 Este é o ensino de Davi .................................................. ...................................................................................... .................................... 66 66 Este é o ensino de Paulo ................................................ .................................................................................... .................................... 67 Este é o ensino de Jesus ................................................ .................................................................................... .................................... 67 67 Este é o ensino dos Padrões de Fé de Westminster ............................................. ............................................. 68 68 3. A Ameaça de Morte em Caso de Desobediência Des obediência .................................................. 68 4. O Sacramento do Pacto ..................................................................................... ..................................................................................... 69 69 A VIOLAÇÃO DO PACTO DAS OBRAS ....................................................................... ....................................................................... 70 70 A Gravidade da Violação do Pacto .............................................. .......................................................................... ............................ 70 A IDÉIA DE REPRESENTATIVIDADE NO PACTO DAS OBRAS .................................... 70 Adão é o Cabeça Natural da Raça .......................................................................... .......................................................................... 71 Adão é o Cabeça Representativo da Raça ............................................................... ............................................................... 71 Paralelo entre o Primeiro Adão e o Último Adão .......................................... ...................................................... ............ 72 FUNÇÃO ATUAL DO PACTO DAS OBRAS .................................................................. .................................................................. 74 Sentidos em que o Pacto das Obras Ainda Vigora ................................................. ................................................... .. 74 O Pensamento Arminiano ................................................................................ .................................................................................. .. 74 O Pensamento Reformado .............................................. .................................................................................. .................................... 74 Sentidos em que o Pacto das Obras Não Mais Vigora ............................................ .............................................. .. 75 PARTE 2 ....................................................................................... ................................................................................................................... ............................ 76 A CONDIÇÃO DO HOMEM E A QUEDA ................................................. ..................................................................... .................... 76 A LIBERDADE E A MUTABILIDADE PARA O PECADO ............................................. ............................................... .. 77 CAPITULO VII ............................................................................................... ........................................................................................................... ............ 79 A ORIGEM DO MAL MORAL .................................................. ...................................................................................... .................................... 79 A) DADOS BÍBLICOS SOBRE A ORIGEM DO MAL ................................................. 79 Análise de Is 45.1-7 .............................................................................. .................................................................................................. .................... 80 B) DADOS BÍBLICOS SOBRE O CARÁTER DO PECADO ........................................ 85 1) O Pecado é uma classe específica de mal ............................................ ........................................................ ............ 85 2) O Pecado tem um caráter absoluto ............................................. ................................................................. .................... 85 3) O Pecado tem a ver com a transgressão da Lei .............................................. ................................................ .. 86 C) A ORIGEM DO PECADO NO MUNDO ANGELICAL ............................................. ............................................. 86 86 D) A ORIGEM DO PECADO NO MUNDO DOS HOMENS ......................................... ......................................... 87 Análise de Gn 3.1-6 .................................................................................................. .................................................................................................. 87 PARTE 3 ....................................................................................... ................................................................................................................... ............................ 92 A CONDIÇÃO DO HOMEM DEPOIS DA QUEDA ............................................. ......................................................... ............ 92 (DOUTRINA DO PECADO) ............................................................................. ......................................................................................... ............ 92 CAPÍTULO VIII ...................................................................................... .......................................................................................................... .................... 93 A TRANSMISSÃO DO PECADO .............................................. .................................................................................. .................................... 93 CONEXÃO DO PECADO DE ADÃO COM O DA POSTERIDADE .................................. 93 A. OS QUE NEGAM ESTA CONEXÃO................................................. ..................................................................... .................... 93 1) Os Pelagianos ................................................... ................................................................................................ ............................................. 93 2) Os Semi-Pelagianos ....................................................................................... ....................................................................................... 95 95 3) Os Arminianos Consistentes Consis tentes ........................................................................ .......................................................................... .. 98 B. OS QUE AFIRMAM ESTA CONEXÃO ............................................................... ............................................................... 100
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1) Todos os que Sustentam a Teoria Realista .................................................... 100 2) Todos os que sustentam o Pacto das Obras .................................................. 101 a) A Relação Natural de Adão com a Raça ..................................................... 102 b) A Relação Pactual de Adão com a Raça ..................................................... 102 c) Distinção de sentido nas Palavras JUSTO e INJUSTO ............................... 103 d) A Base Bíblica da Imputação do Pecado de Adão ....................................... 104 Análise do texto de Rom. 5.12-21: ........................................................................... 104 O Princípio da Representação na Escritura ................................................... 108 3) Os que Sustentam a Teoria da Imputação Mediata ....................................... 109 CAPITULO IX .......................................................................................................... 111 AS CONSEQÜÊNCIAS DO PECADO NA VIDA DA RAÇA HUMANA ............................ 111 1. CONSEQÜÊNCIAS PARA ADÃO ....................................................................... 111 Análise de Gn 3.7-24........................................................................................... 112 2. CONSEQÚÊNCIAS PARA A RAÇA HUMANA ..................................................... 117 CAPITULO X ........................................................................................................... 119 O PECADO ORIGINAL ............................................................................................. 119 1. CULPA ORIGINAL............................................................................................ 119 Reatus Culpae ................................................................................................. 119 Reatus Poenae ................................................................................................. 120 2. CORRUPÇÃO ORIGINAL .................................................................................. 120 a) Ausência de Justiça Original ........................................................................ 120 Justiça ........................................................................................................ 120 Santidade .................................................................................................... 120 Conhecimento Verdadeiro ............................................................................ 121 b) Presença de um Mal Verdadeiro ....................................................................... 121 DEPRAVAÇÃO TOTAL ............................................................................................. 121 a) Descrição Bíblica da Corrupção do Pecado ....................................................... 121 b) Descrição Bíblica do Homem Corrupto ............................................................. 122 A DEPRAVAÇÃO DO CORAÇÃO HUMANO ............................................................... 122 OS VÁRIOS NOMES PARA DEPRAVAÇÃO NA ESCRITURA ....................................... 126 1. Corrupção do Coração ..................................................................................... 126 2. Cegueira do Coração ....................................................................................... 126 3. Dureza de Coração .......................................................................................... 127 4. Consciência Corrompida.................................................................................. 127 5. Escravidão do Pecado ...................................................................................... 128 6. Escravidão da Corrupção................................................................................. 129 7. Escravidão de Satanás .................................................................................... 129 CARACTERÍSTICAS DA DEPRAVAÇÃO .................................................................... 130 1. É comum a todos desde o Ventre Materno ....................................................... 130 2. Afeta a Totalidade do Ser Humano ................................................................... 132 A DOUTRINA DA DEPRAVAÇÃO TOTAL .................................................................. 133 Sobre o termo depravação ............................................................................ 133 Sobre o adjetivo "total" ................................................................................. 133 1. O CORPO ........................................................................................................ 133 2. ALMA .............................................................................................................. 134 a) Mente .......................................................................................................... 134 b) Emoções...................................................................................................... 137 C. Vontade ...................................................................................................... 141 A Vontade e os Motivos ................................................................................ 141 INCAPACIDADE TOTAL ........................................................................................... 144 1. O Homem é Incapaz de Sensibilidade Moral ................................................. 147 2. O Homem é Incapaz de Obediência Moral ..................................................... 149 3. O Homem é Incapaz de Amar a Deus ........................................................... 149 4. O Homem é Incapaz de Amar Aqueles que são de Deu s ................................ 150 5. O Homem ê Incapaz de Perceber e Fazer as Coisas Santas ............................ 151
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6. O Homem é Incapaz de Vir a Cristo .............................................................. 153 PARTE IV ................................................................................................................ 155 A CONDIÇÃO DO HOMEM NO PLANO REDENTOR DE DEUS .................................. 155 (A DOUTRINA DO PACTO) ....................................................................................... 155 CAPITULO XVI ........................................................................................................ 156 O HOMEM NO PACTO DA GRAÇA ........................................................................... 156 A Necessidade do Estabelecimento do Pacto da Graça .......................................... 156 O PACTO DA GRAÇA CONCEBIDO NA ETERNIDADE .............................................. 156 1. Este Pacto foi feito na Eternidade .................................................................... 156 2. Este Pacto foi feito entre o Pai e o Filho ............................................................ 157 3. Este Pacto teve Cristo como Fiador e Cabeça .................................................... 158 a) Cristo Como Fiador do Pacto .................................................................... 158 b) Cristo como Cabeça do Pacto ................................................................... 159 4. Este Pacto foi de Obras Para Cristo .................................................................. 159 5. Este Pacto possuía Requisitos e Promessas ...................................................... 159 a) Requisitos ................................................................................................ 159 b) Promessas ............................................................................................... 159 6. Este Pacto foi feito em favor do Pecador Eleito .................................................. 160 O PACTO DA GRAÇA REALIZADO NA HISTÓRIA ..................................................... 160 1. A Base para a Intervenção Graciosa de Deus ................................................... 160 2. A Intervenção Divina é Soberana e Incondicional ............................................. 161 AS PARTES CONTRATANTES .............................................................................. 161 AS PROMESSAS DO PACTO ................................................................................ 161 AS CARACTERÍSTICAS DO PACTO ...................................................................... 161 É um Pacto Gracioso ........................................................................................... 161 Com Origem Trinitária ........................................................................................ 161 Tem Conseqüências Eternas................................................................................ 161 Destinado a um Povo Especial ............................................................................. 161 É o mesmo em Ambas as Dispensações ............................................................... 161 O PAPEL DE CRISTO NA REALIZAÇÃO HISTÓRICA DO PACTO ........................... 161 ASPECTOS DO PACTO............................................................................................ 161 Relação Legal ...................................................................................................... 161 Relação de Comunhão de Vida ............................................................................ 161 AS VÁRIAS DISPENSAÇÕES DO PACTO DA GRAÇA ................................................ 161 1. PACTO DE DEUS COM NOÉ ............................................................................... 162 Sua Relação com os outros Pactos ............................................................... 163 As Promessas do Pacto com Noé .......................................................................... 164 As Características do Pacto com Noé .................................................................... 165 2. PACTO DE DEUS COM ABRAÃO ......................................................................... 165 Partes Contratantes ............................................................................................ 165 Um Pacto Incondicional ....................................................................................... 165 Um Pacto Amoroso .............................................................................................. 165 Um Pacto Eterno ................................................................................................. 165 A Eternidade do Pacto Afirmada ................................................................... 165 A Eternidade do Pacto Demonstrada ............................................................ 166 As Promessas desse Pacto ................................................................................... 166 Promessas Gerais ................................................................................................ 166 Promessas Específicas ......................................................................................... 167 a) Promessa de Deus estar presente no meio do povo .................................... 167 É uma promessa de restauração ........................................................... 167 É uma promessa de comunhão ............................................................. 168 b) Promessa de Yehovah ser o Deus da Descendência de Abraão ................... 168 c) Promessa de a Descendência de Abraão ser Povo de Yehovah .................... 168 O Povo de Yehovah é um povo Santo ..................................................... 169 O Povo de Yehovah é um povo Peculiar ................................................. 169
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O Sacramento do Pacto com Abraão .................................................................... 169 3. O PACTO SINAÍTICO ........................................................................................... 169 Partes Contratantes ............................................................................................ 169 O Estabelecimento do Pacto Sinaítico .................................................................. 170 Tipo - Um Pacto Condicional ............................................................................... 170 O Pacto é confirmado quando há a obediência ao Senhor .............................. 170 O Pacto é quebrado quando há a desobediência ao Senhor ........................... 170 O Pacto é Renovado quando há a volta sincera para o Senhor ....................... 170 A Singularidade do Pacto Sinaítico ...................................................................... 171 O Sacramento do Pacto Sinaítico ......................................................................... 171 Aspectos do Pacto Sinaítico ................................................................................. 171 O Pacto Sinaítico é uma continuação do Pacto Abraâmico ............................ 171 O Pacto Sinaítico é um Pacto da Graça ......................................................... 172 O Pacto Sinaítico é um Pacto Nacional ......................................................... 172 4. O PACTO DE DEUS COM OS LEVITAS ................................................................ 173 Tipo - Um Pacto Incondicional ............................................................................. 173 Estabelecimento do Pacto .................................................................................... 173 Um Pacto Perpétuo .............................................................................................. 174 A Violação Pacto.................................................................................................. 174 5. PACTO DE DEUS COM DAVI .............................................................................. 175 Estabelecimento do Pacto .................................................................................... 175 Aspectos do Pacto Davídico ................................................................................. 176 1. É uma Continuação do Pacto da Graça .................................................... 176 2. E um Pacto Eterno ................................................................................... 176 3. É um Pacto cumprido em Cristo ............................................................... 177 6. O NOVO PACTO .................................................................................................. 178 PARTES CONTRATANTES ................................................................................... 178 O ESTABELECIMENTO DO NOVO PACTO ........................................................... 178 TIPO - UM PACTO INCONDICIONAL .................................................................... 178 O TEMPO DO CUMPRIMENTO DO NOVO PACTO ................................................ 178 RELAÇÃO DO NOVO PACTO COM OS PACTOS ANTERIORES .............................. 179 Relação com o Pacto Abraâmico........................................................................... 179 Relação com o Pacto Sinaítico.............................................................................. 180 Relação com o Pacto Levítico ............................................................................... 180 Relação com o Pacto Davídico .............................................................................. 180 CONTRASTES ENTRE O VELHO PACTO E O NOVO PACTO ................................. 180 SEMELHANÇAS .................................................................................................. 181 Os dois pactos possuíam algumas promessas comuns ......................................... 181 Os dois pactos eram caracterizados pelo sacrifício de um Cordeiro ....................... 181 Os dois pactos são sancionados com sangue ........................................................ 181 Os dois pactos possuem o mesmo livro da lei ....................................................... 181 DIFERENÇAS ...................................................................................................... 181 1. O Antigo Pacto era Condicional e o Novo era Incondicional ............................... 181 2. O Novo Pacto ê superior ao Antigo Pacto .......................................................... 181 a) Superioridade quanto ao Sacerdócio ......................................................... 181 b) Superioridade quanto aos Sacrifícios ........................................................ 182 c) Superioridade quanto ao Lugar dos Sacrifícios .......................................... 182 c) Superioridade quanto à Administração da Lei: .......................................... 182 d) Superioridade quanto às Promessas ......................................................... 182 e) Superioridade quanto ao conceito de Redenção ......................................... 183 PROMESSAS DO NOVO PACTO ........................................................................... 183 1. A Promessa da doação de um novo coração ...................................................... 183 2. A Promessa da Interiorização da lei de Deus .................................................... 183 3. A Promessa de um Conhecimento Pessoal do Senhor ....................................... 185 a) É uma promessa de caráter pessoal.......................................................... 185
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b) É uma promessa de caráter universal ....................................................... 185 c) É uma promessa de caráter nivelador ....................................................... 185 d) É uma promessa de caráter eficaz ............................................................ 186 e) É uma promessa de cumprimento pleno no futuro .................................... 186 4. A Promessa de Ser o Deus do Povo e deles serem Povo de Deus ........................ 186 "Eu serei o seu Deus" ........................................................................... 186 "Eles serão o meu povo" ........................................................................ 187 5. A Promessa do Perdão dos Pecados .................................................................. 187 6. A Promessa deles terem o Temor de Deus no Coração ...................................... 188 7. A Promessa de Bênçãos Contínuas .................................................................. 189 8. A Promessa da Perseverança deles no Senhor .................................................. 189 9. A Promessa de terem para sempre o Tabernáculo do Senhor ............................ 190 10. A Promessa de prover o grande Pastor para o seu povo ................................... 190 a) Cristo é o Pastor Prometido ...................................................................... 191 b) Cristo é o Grande Pastor .......................................................................... 191 c) Cristo é o Único Pastor ............................................................................. 191 d) Cristo é o Pastor das Ovelhas ................................................................... 191 e) Cristo tornou-se Pastor Pelo Sangue do Pacto ........................................... 191 f) Cristo é o Pastor que venceu a morte ......................................................... 191 ASPECTOS DO NOVO PACTO ................................................................................. 191 1. É uma Continuação do Pacto da Graça ............................................................ 191 2. É um Pacto Eterno .......................................................................................... 192 3. É um Pacto que tem Jesus como o Fiador ........................................................ 192 4. É um Pacto que tem Jesus como Mediador ...................................................... 192 A CONTINUIDADE DO PACTO DA GRAÇA NO N.T. .................................................. 192 UNIDADE DO PACTO DA GRAÇA NOS DOIS TESTAMENTOS .................................. 192 1. A Expressão Resumida do Pacto é a Mesma nos dois Testamentos ................... 192 2. O Evangelho do Pacto é o mesmo nos dois Testamentos ................................... 192 3. O Modo da Recepção da Salvação é a mesma nos dois Testamentos ................. 193 4. O Mediador do Pacto é o mesmo em ambos os Testamentos ............................. 193 5. As promessas do Pacto são as mesmas em ambos os Testamentos ................... 193 a) A Promessa á Descendência de Abraão ser Povo de Deus no VT e NT ......... 193 Raça Eleita ........................................................................................... 194 Sacerdócio Real .................................................................................... 194 Nação Santa ......................................................................................... 194 Povo de Propriedade exclusiva de Deus ................................................. 194 Antes não éreis povo ............................................................................. 194 Agora sois povo de Deus ....................................................................... 195 b) A Promessa de Yehovah de ser o Deus da Descendência de Abraão no VT e no NT .......................................................................................................................... 195 c) A Promessa da Posse da Terra no VT e NT................................................. 196 6. Os Sacramentos do Pacto da Graça são os mesmos em ambos os Testamentos . 196 CAPITULO XIII ........................................................................................................ 197 OS PECADOS ATUAIS............................................................................................. 197 A ORIGEM DOS PECADOS ATUAIS ......................................................................... 197 Veja o Ensino de Jesus ....................................................................................... 197 Veja o ensino de Paulo ........................................................................................ 198 Veja o ensino de Tiago ......................................................................................... 198 OS VÁRIOS NOMES DOS PECADOS ATUAIS ........................................................... 198 OS PECADOS ATUAIS E SUA RELAÇÃO COM A LEI DE DEUS ................................ 198 A MULTIPLICIDADE DOS PECADOS ATUAIS ........................................................... 198 OS OBJETOS DOS PECADOS ATUAIS .................................................................... 199 Pecados diretos contra Deus ................................................................................ 199 Pecados contra o próximo .................................................................................... 200 Pecados contra si próprio .................................................................................... 200
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OS MODOS DOS PECADOS ATUAIS ....................................................................... 201 Pecados Internos ................................................................................................. 201 Pecados Externos ................................................................................................ 201 AS PARTES DOS PECADOS ATUAIS ........................................................................ 202 Pecados de Omissão ............................................................................................ 202 Pecados de Comissão .......................................................................................... 202 OS GRAUS DOS PECADOS ATUAIS ........................................................................ 203 Pecados de Ignorância ......................................................................................... 203 Pecados deliberados ............................................................................................ 204 A gravidade de ambos os pecados:................................................................ 204 DISTINÇÕES DOS PECADOS ATUAIS ..................................................................... 204 Pecados Remissíveis e Irremissíveis ..................................................................... 204 CAPITULO XV ......................................................................................................... 206 A PUNIÇÃO DO PECADO ........................................................................................ 206 A ORIGEM DA PUNIÇÃO ......................................................................................... 206 OS PROPÓSITOS DA PUNIÇÃO DIVINA ................................................................... 206 a) Vindicar a Retidão ou a Justiça Divina ............................................................. 206 b) A Reforma do Pecador ..................................................................................... 206 c) Fazer com que os homens desistam de pecar .................................................... 206 TIPOS DE PUNIÇÃO DIVINA.................................................................................... 206 (a) Castigos Naturais ........................................................................................... 206 (b) Castigos Positivos ........................................................................................... 207 A PUNIÇÃO DE MORTE .......................................................................................... 207 O Conceito de Morte ............................................................................................ 207 O poder sobre a morte ......................................................................................... 207 A Causa Judicial da Morte .................................................................................. 207 PUNIÇÃO NA EXISTÊNCIA PRESENTE .................................................................... 208 1. MORTE ESPIRITUAL ....................................................................................... 208 A Natureza dessa morte....................................................................................... 208 O tempo dessa morte .......................................................................................... 209 O Modo que essa morte chegou até nós ............................................................... 209 A Inescapabilidade dessa morte ........................................................................... 209 A Duração dessa morte ....................................................................................... 210 2. OS SOFRIMENTOS DESTA VIDA ..................................................................... 210 Sofrimentos no ser material ................................................................................. 210 Sofrimentos no ser Imaterial................................................................................ 210 Sofrimentos do ser Social .................................................................................... 210 3. MORTE FÍSICA ............................................................................................... 211 A Natureza da Morte Física .................................................................................. 211 O Processo da Morte Física .................................................................................. 211 A Inescapabilidade da Morte Física ...................................................................... 212 A Morte Física do Cristão .................................................................................... 213 Diferença entre o Cristão e o Ímpio na morte Física .............................................. 215 PUNIÇÃO NA EXISTÊNCIA FUTURA ........................................................................ 215 4. MORTE ETERNA ............................................................................................. 215 O Lugar desse Castigo ......................................................................................... 215 O uso da palavra grega Hades ...................................................................... 215 O Uso do Termo Grego Gehenna .................................................................. 216 O Uso do Termo Grego Tártaro ..................................................................... 217 A plenitude desse castigo .................................................................................... 217 O Tempo desse castigo ........................................................................................ 217 A Duração desse castigo ...................................................................................... 218 O Sentido da palavra “eterno" ....................................................................... 218 As Teorias dos Adversários das Penas Eternas .............................................. 219 A teoria da Não-Punição ....................................................................... 219
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A Teoria do Aniquilacionismo ................................................................ 219 A Teoria da Segunda Chance ................................................................ 219 A Teoria da Redenção Universal ............................................................ 219 Objeções a essas teorias .............................................................................. 220 A Condição em que se suporta esse castigo .......................................................... 220 Os sofrimentos desse castigo ............................................................................... 220 Os Objetos desse castigo ..................................................................................... 221 A Inescapabilidade desse castigo ......................................................................... 222
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INTRODUÇÃO Não devemos confundir essa matéria com a antropologia cultural, ou a ciência da raça, que inclui todas as outras ciências ligadas ao home m, como por exemplo: psicologia, sociologia, lingüística, etc. Neste capitulo estudaremos uma antropologia bíblica e teológica, não uma antropologia filosófica ou cultural. O homem sempre foi o centro das preocupações filosóficas, mas não será esta a preocupação deste estudo. Veremos o homem à luz do que Deus pensa dele. Esta é uma abordagem desafiadora, especialmente num tempo quando Deus não entra na conta dos homens, quando estes se estudam a si mesmos. Vamos analisar como o homem veio de Deus, qual foi seu c omportamento no Éden, quais foram as causas da sua queda, os resultados dela, e a redenção do home m em Cristo, no pacto da graça, tudo com base na revelação de Deus como está nas Santas Escrituras. Na antropologia bíblica vamos estudar o homem no seu relacionamento com Deus. É uma tolice tentar conhecer o homem sem que o conheçamos à luz da revelação divina. Por causa da tentativa de se estudar o homem à parte das informações que o próprio Deus dá do ser humano, muitos erros são cometidos na avaliação do homem pelo homem. Portanto, o estudo da antropologia tem que ser feito à luz da teologia que é baseada na revelação da Escritura. O estudo da antropologia é extremamente importante, especialmente dentro da esfera teológica. A teologia cristã foi elaborada quando, cientificamente, o homem pensava geocêntricamente, isto é, que a terra era o centro de tudo. O grande astro girava em torno da terra, e tudo servia a terra. Com a entrada de Nicolau Copérnico, o mundo passou a pensar heliocentricamente. Com essa mudança do geocentrismo para heliocentrismo, diz Verduin, a terra, a habitação do homem, pareceu muito menos importante. Com o advento do heliocentrismo, com a revolução Copérnica, a terra perdeu o seu lugar central. ―Esta mudança tendeu a diminuir o lugar e a importância do homem; esta mudança fé-lo sentir-se pequeno e menos importante‖. 1 A enormidade do universo veio à tona com a implementação das descobertas telescópicas. Cada vez mais a terra tornou-se menor, e menor ainda a importância daquele que foi feito ―menor do que Deus‖. De lá para cá, pouca atenção tem sido dada ao estudo do homem, como parte da criação de Deus. A diminuição da importância do homem devido à descoberta do tamanho do universo, e o empequenecimento de sua existência tão curta, em vista da suposta longa duração e existência do universo material, não devem desanimar o homem no estudo sério das suas origens e do seu comportamento. E este estudo tem crescido neste últimos dois séculos, mas sem as devidas precauções. Os cientistas têm desprezado as informações que Deus dá das origens e do comportamento dos homens na Sua Palavra. Isto tem levado a distorções sérias no estudo da antropologia. O estudo do homem deveria merecer uma atenção maior da parte de todos nós, não que o homem seja o centro absoluto do universo, mas pela dedicação e atenção que o próprio Deus lhe deu, quando o criou à sua própria imagem e semelhança. Essa atenção deveria ser dada, ao menos, pelos psicólogos, antropólogos e outros cientistas cristãos. Deveríamos devolver ao estudo da teologia, uma boa base de antropologia bíblica. Fazemos jus a uma boa antropologia bíblica, quando estudamos as origens do homem dentro da Escritura. Por essa razão, a primeira parte da antropologia tem a ver com a criação do homem.
1 Leonard
Verdum, Somewhat Less than God, (Eerdmans, 1970), 9-10.
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A DOUTRINA DO HOMEM NA SISTEMÁTICA E perfeitamente natural a transição do estudo do ser de Deus (Teontologia) para o estudo do ser humano (Antropologia). Este não é somente a coroa da criação, mas é o objeto especial da preocupação de Deus. A Escritura mostra essa preocupação de Deus nos muitos textos que tratam da criação, da queda e da redenção do homem. Na Escritura, o homem sempre é vist o nas suas relações com Deus e, como ato reflexo, em suas relações com os seus semelhantes. Estas relações mostram a grande importância para todos nós do estudo da antropologia. A transição da teontologia para a antropologia é absolutamente necessária, porque a primeira prepara o terreno para a segunda. A visão que temos do homem depe nderá, em última instância, do conceito que tivermos de Deus. Os departamentos da sistemática estão absolutamente interligados, de tal forma que o conceito que temos de um, determina o conceito de outro.
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PARTE 1
A CONDIÇÃO DO HOMEM ANTES DA QUEDA
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CAPÍTULO 1 A CRIAÇÃO DO HOMEM ANTROPOGENIA O livro do Gênesis, que é o livro dos começos, não trata simplesmente da cosmogonia, que é o vir à existência do cosmos material, mas também de antropogenia, que é o vir à existência do ser humano. A criação do mundo material foi em função da criação do dominador dele. Deus colocou o homem como governador e dominador de toda a criação, conforme nos diz o Salmo 8. Depois do propósito da glória de Deus, todas as coisas foram feitas para que o homem desfrutasse delas. O nosso planeta e o restante do cosmos foram designados para o bem-estar do último dos seres criados, o homem. Por isso é dito do homem como sendo a coroa da criação. O homem é apresentado na Escritura como o capeamento ou o acabamento da empreitada criadora total do Todo-Poderoso. Da criação do homem Leonard Verduin diz: ―Antes do homem entrar em cena, no fim de cada dia da atividade criadora de Deus, o Artífice Divino chama o produto da Sua criação ―bom‖; mas só após o homem entrar em cena ele é chamado ―muito bom‖. 2 Contudo, ignorando em parte aquilo que a narrativa da criação diz nos primeiros capítulos de Gênesis, no século passado alguns estudiosos tentaram derrubar tudo o que até então havia sido crido pela igreja cristã. Levantou-se no seio da igreja, especialmente na Europa, a doutrina do evolucionismo que permeou até os limites do cristianismo ortodoxo. O evolucionismo da criação do homem teve um número crescente de adeptos até algumas décadas atrás, mas o seu número está decrescendo ultimamente devido à queda de algumas das teorias anteriormente cridas, no mundo científico, pelos primeiros evolucionistas.
Conceito Evolucionista da Origem do Homem Há dois tipos de evolucionismo ainda vigentes no mundo teológico e científico, que devem ser analisados, mesmo que de maneira bastante superficial: o primeiro é o evolucionismo materialista (dentro dos círculos não-cristãos), e o segundo é o evolucionismo teísta (dentro dos círculos cristãos).
1. Evolucionismo Materialista Há muitas variações do evolucionismo, mas Berkhof resume dizendo que ―qualquer que seja a diferença de opinião que possa haver nesse ponto, é seguro que, segundo a evolução materialista, o homem descende dos animais inferiores no corpo e na alma, mediante um processo natural de perfeição, controlado totalmente por energias inerentes.‖ 3 A doutrina do evolucionismo materialista é um ataque frontal às doutrinas da Escritura. É uma negação de toda a história, como revelada por Deus, que é o fundamento de todo o cristianismo. Se os animais e os homens evoluem, então não houve os primeiros pais, não houve 2
Leonard Verduin, Somewhat Less than God, (Eerdmans, 1970), 9. Berkhof, Teologia Sistemática (Grand Rapids: Tell, 1981) 216 (edição castelhana).
3 Louis
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Paraíso, não houve queda. E se não houve queda, não houve necessidade de redenção. Jesus veio ao mundo sem qualquer razão. O evolucionismo nega tudo o que aconteceu, que é fundamental para a vida humana. O evolucionismo nega Deus.
2. Evolucionismo Teísta O problema do cristianismo hoje não é somente o evolucionismo materialista, mas o evolucionismo teísta, que se tem tornado palatável a vários teólogos modernos. O evolucionismo teísta crê que há um Deus, um Criador pessoal nas origens. Deus criou os céus e a terra, mas todas as coisas sofrem um desenvolvimento de acordo com certas leis inerentes criadas e colocadas na matéria por Deus. E uma espécie de deísmo, onde Deus cria e solta as espécies, sem intervir no seu desenvolvimento. Há também uma pequena variação de evolucionismo teísta que diz que Deus criou a terra original, mas então supõe que todas as plantas subsequentes e a vida animal evoluíram-se de uma forma mais baixa para uma mais alta, sem qualquer ato criador separado de Deus para cada espécie. E possível, portanto, ser um teísta, mas ao mesmo tempo sustentar o desenvolvimento da vida de uma forma protozoária para uma forma bem superior de vida, até chegar à vida humana. O problema é que a E scritura, que é fonte de autoridade para os cristãos genuínos, diz que os insetos, os répteis, os anfíbios, os pássaros, os outros animais e o s homens, foram originados em atos distintos e separados de Deus, não um sendo o desenvolvimento ou a evolução de outro. Os evolucionistas teístas tentam mostram que não há qualquer contradição ou conflito entre as narrativas do Gênesis e as teorias do evolucionismo. Todavia, é impossível alguém ser um evolucionista e, ao mesmo tempo, crer nas afirmações do Gênesis. Como pode alguém ser um evolucionista e ainda crer na criação de Deus em seis dias, como a Escritura afirma? A única saída para os evolucionistas teístas é interpretar o Gênesis alegoricamente. Nada da narrativa do Gênesis é literal, tudo é alegórico. O evolucionista teísta crê que Deus criou alguma coisa no começo, mas Ele deixou o que criou passar por um processo de evolução, como por exemplo uma célula viva que se desenvolveu até chegar a um animal primitivo, e deste ao homem. E esse o teísmo evolucionista deles.
Conceito Criacionista da Origem do Homem A Unidade da Raça O Testemunho da Escritura: Além da narração do texto de Gênesis, há outras indicações de que a raça humana tenha vindo de um só casal. Eles se multiplicaram e encheram a terra (Gn 1.28), como aconteceu com os animais. A raça humana não constitui somente uma unidade racial, mas todos os homens vêm de um só tronco, sendo todos membros da mesma árvore genealógica. Paulo, o apóstolo, ensinou isto claramente quando estava instruindo os sábios no Areópago. Referindo-se ao ―Deus desconhecido‖ dos helênicos, ele apresentou o Deus verdadeiro como sendo o Deus criador, que fez todas as cousas que há no mundo (At 17.24), o Deus auto-suficiente (v.25) e, então, mostra a unidade da raça humana, dizendo: ―de um só fez toda raça humana para habitar sobre a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação‖ (v.26). Citando provavelmente o poeta pagão Arato, Paulo diz que ―Dele também somos geração. Sendo, pois geração de Deus...‖ (v.28b-29a). Há uma ligação orgânica entre todos os membros da raça humana. Todos procedem de uma só raiz. Há outros textos da Escritura que indicam que a humanidade toda veio de um só homem (Rm 5.12,19; 1 Co 15.21-22). O Testemunho da Ciência : — As várias ciências têm corroborado para mostrar a veracidade do testemunho das Santas Escrituras com respeito à unidade da raça humana. O estudo da história tem mostrado a veracidade da Escritura. Muitos grandes eruditos têm crido que a civilização teve o seu começo nas terras mencionadas no Gênesis (região da Mesopotâmia, Armênia, Babilônia, etc.). Todos os homens vieram de uma região somente, e que,
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ao depois, se espalharam por todas as parte da terra. O estudo da filologia comparada tem mostrado o fato da íntima relação entre todas as divisões da raça humana. Todas as línguas tiveram a sua origem num centro com um. O estudo da psicologia tem mostrado que a parte imaterial do homem, a alma, seja onde for que ele viva, é essencialmente a mesma. Todos os homens, em todos os lugares, têm os mesmos apetites, os mesmos desejos, as mesmas inclinações, as mesmas capacidades mentais, afetivas e emocionais, o que aponta para a origem comum deles. O estudo da fisiologia aponta para a unidade da raça humana, também. As variedades de raças dentro da raça humana apenas apontam para as diferentes regiões onde vivem, mas basicamente todas as raças vem de um só tronco original. Todos os homens têm a mesma conformação física, não importa quão separadas as raças tenham estado por milhares de anos.
Criação Mediata ou Imediata? A Escritura parece indicar claramente que a criação do h omem não foi ex-nihilo, nem uma criação sem ter material pré-existente. Quando Deus criou o homem, Ele usou material pré-existente. Deus tomou o pó da terra e formou o homem, usando algo que já existia. Se por criação Imediata entendemos a operação direta de Deus, então a criação do homem foi imediata, pois Deus disse de Si para Consigo: ―Façamos o homem...‖; mas se por criação Imediata entendemos a feitura do homem sem ter qualquer material pré-existente, então, ela não foi imediata, mas mediata, usando os meios já existentes, como o barro, por exemplo. A alma do homem foi uma criação imediata, pois Deus não somente agiu diretamente, mas não usou nada já existente para criá-la. Todas as outras partes vivas foram criações mediatas, como a dos animais e das árvores (Gn 1.11-12, 20-21, 24-25), tudo foi feito, ―segundo a sua espécie‖, mas Deus agiu diretamente na criação do homem, criando-O à Sua imagem e semelhança. A criação do ser humano completo As Escrituras negam qualquer idéia de que o homem seja um mero produto de forças naturais não inteligentes. Elas se referem à existência do homem como um ato criativo de Deus: Nm 16.22 – ―Mas eles se prostraram sobre os seus rostos e disseram: Ó Deus, Autor e Conservador de toda vida, acaso por pecar um só homem indignar-te-ás contra toda esta congregação?‖ (ver 27.16) A inteligência, a consciência, o senso m oral, o poder de autodeterminação, etc., mostram que o homem não foi derivado, por um processo natural de desenvolv imento, a partir de criaturas inferiores, como ensina o evolucionismo. Somos compelidos a crer segundo o que prescreve a Palavra de Deus, quando diz: ―Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança...‖ (Gn 1.26). Deus é o autor tanto do corpo como do espírito (Gn 2.7; Hb 12.9; Ap 22.6), e o ser humano é muito superior às inteligências dos animais inferiores.
Distinções entre o Homem e os outros Animais Inferiores Berkhof diz que ―com respeito aos peixes, aves, e as bestas lemos que Deus os criou segundo a sua espécie, a saber, de uma forma típica própria. Sem dúvida, o homem não foi criado desse modo e muito menos conforme o tipo de uma criatura inferior. Com respeito a ele, Deus disse: ― Façamos o homem a nossa própria imagem, segundo a nossa semelhança ‖.4
4 Berkhof,
p. 215 (edição castelhana).
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A despeito de o homem ser considerado um animal, a diferença entre ele e os outros animais é enorme, como conseqüência da maneira especial como Deus o criou. As enormes diferenças entre eles podem ser consideradas desta forma: 1. O animal é consciente, mas não tem auto-c onsciência. O animal não reconhece-se a si mesmo, não tem nenhum conceito sobre mesmo. Jamais qualquer macaco pensaria de si mesmo: ―Eu sou um macaco‖, porque se isso acontecesse, ele deixaria de ser um macaco. Um animal não distingue a si mesmo de suas sensações. 2. Um animal percebe, mas somente o homem concebe. Os animais conhecem as coisas brancas, mas não sabe o que é a alvura. Ele lembra coisas, mas não as pensa. Só o homem tem o poder de abstração, o poder de derivar idéias abstratas de coisas particulares ou da experiência. 3. O animal não tem linguagem. Linguagem é a expressão de noções gerais através de símbolos. As palavras são símbolos de conceitos. Onde não há conceitos, não há palavras. Visto que a linguagem é sinal, ela pressupõe a existência de um intelecto capaz d e entender o sinal. Por que os animais não falam? Porque eles não têm nada a dizer. Eles não possuem idéias gerais que possam ser expressas em palavras. 4. O animal não é capaz de estabelecer um julgamento. Não sabe diferenciar uma cousa de outra. O animal não sabe associar idéias e nem tem senso do ridículo. 5. O animal não é capaz de raciocínio, de ligar os fatos, de saber que isto vem daquilo, acompanhado de um sentimento de que a seqüência é necessária. A associação de idéias sem juízo é o processo típico da mente animal. 6. O animal não é um ser religioso, não tem idéia para o sobrenatural, nem é um ser moral.
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CAPÍTULO II A NATUREZA DO HOMEM A quem Adão era semelhante antes da queda? A única fonte de informação que possuímos nesta matéria é a Escritura. Nenhuma outra fonte de informação confiável temos à nossa disposição. Segundo a Escritura, a condição de nossos primeiros pais era de perfeição natural. Estes podiam perfeitamente cumprir todas as exigências de Deus. Adão, por um certo tempo, foi um exemplo de vida natural perfeita e normal (relativo a norma), o que exatamente Deus queria de todos os seus descendentes. A única cousa anormal no Paraíso foi o pecado. Pecar era anormalidade, e ainda o é, embora seja extremamente comum. Foi por causa dessa anormalidade que Jesus Cristo teve que vir ao mundo. Ser normal para o homem é estar em Cristo, dizer o que Ele diz e fazer o que Ele faz. O homem foi originalmente criado num estado de perfeição, maturidade e liberdade. Isso não quer dizer que a humanidade em Adão, antes da queda, estava no seu mais alto estado de excelência. É bem possível que o estado de maior excelência seja aquele em que os homens estiverem após a completação da redenção deles, porque nem mesmo serão expostos ao pecado, em virtude de sua união com Cristo. Serão os homens, certamente, elevados a uma condição de maior glória do que aquela que Adão teve antes da queda. Contudo, é importante ter-se em mente que essa glória futura do homem é devida à sua união com Cristo, o redentor dos filhos de Deus. Quando dizemos que Adão foi criado num estado de maturidade, estamos dizendo que ele não foi criado num estado de infância, como todos os outros seres humanos que vieram ao mundo. Diferentemente dos outros humanos, Adão não teve um desenvolvimento de sua inteligência ou de outras das suas faculdades, como nós o temos. Deus fé-lo completo, sem lhe acrescentar nada posteriormente. Quando dizemos que Adão foi criado perfeito, estamos querendo dizer que ele era perfeitamente adaptado ao fim para o qual foi criado e na esfera na qual foi designado viver. Seu corpo e alma eram perfeitamente adaptados um ao outro. Adão era perfeito na sua criação. Era livre de qualquer corrupção ou deficiência. Não havia nada na sua natureza que pudesse dar a idéia de fraqueza ou falha. O estado primeiro de nossa raça, não foi como os livros científicos dizem, de primitivismo ou de barbarismo, que se evoluiu até se tornar o homo sapiens desenvolvido como o conhecemos hoje. De forma alguma! Deus criou o homem perfeito que, com o passar dos tempos e lev ado pela queda, veio a sofrer algum tipo de involução, passando a viver em estado de ―barbarismo‖. Quando dizemos que Adão foi criado num estado de liberdade, estamos querendo dizer que Ele possuía tanto a capacidade de permanecer na condição em que foi criado, isto é, santo, mas de tal forma que também pudesse cair do estado em que foi criado, agindo contra a sua natureza. Adão era livre de qualquer corrupção, doença ou morte. Não havia nada na sua constituição que pudesse denotar fraqueza ou falha. O estado primitivo de nossa raça, portanto, não foi de barbarismo, ou o produto de um processo de desenvolvimento longo e gradual. Pelo ensino geral das Santas Escrituras e das ciências, podemos concluir: — que o homem foi criado na perfeição de sua natureza. Por perfeito não queremos dizer num estado de pleno desenvolvimento, mas perfeito no sentido de não haver qualquer falha na sua natureza. Esta é uma matéria decisiva para os cristãos;
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— que que as tradições de todas as nações falam de uma "era dourada", da qual os homens caíram. Tem havido uma involução da raça, não uma evolução para um estado est ado melhor. O estado primitivo de homem segundo a narrativa da Escritura, está em harmonia com as melhores tradições de nações antigas; — que que os mais antigos registros em escritos e monumentos têm demonstrado a existência de nações no mais alto grau de civilização em períodos bem antigos da história humana; A teoria de que a raça humana passou através da idade da pedra, bronze, ferro, estágios de progresso do barbarismo para a civilização, é destituída de comprovado fundamento científico. Tem sido crença universal de que o estado original do homem é aquele que a Bíblia ensina. Seu mais alto estado começou no Éden. O que existe hoje são civilizações que vão se deteriorando, como já aconteceu no passado com muitas delas. E verdade que as civilizações mais modernas têm tido a oportunidade de desenvolve r suas potencialidades nas áreas das ciências e da filosofia, mas nunca houve um desenvolvimento na personalidade ou nas faculdades da alma humana. O homem foi sempre o mesmo em todas as épocas.
1. UM SER DEPENDENTE E RESPONSÁVEL Esta parte trata do homem como criatura e como pessoa. São dois aspectos distintos e muito importantes para que compreendamos as peculiaridades da ―coroa da criação‖. Como criatura o homem é dependente e como pessoa o homem é responsável. Esta matéria pode ser desenvolvida da seguinte maneira: Deus criou o homem à sua própria imagem e semelhança. Uma característica importante dessa criação é que o homem é uma pessoa humana ―que não existe autonomamente ou independentemente, independentemente, mas como uma criatura de Deus‖. 5 O fato de o homem ser uma criatura o torna absolutamente dependente. Para colocar de uma forma diferente, Shedd diz: ―A natureza dependente da santidade finita implica que ela é criada.‖6 Todas as coisas criadas têm um sentido de absoluta dependência do Criador (Ne 9.6). Não há nada que não precise da assistência providencial de Deus. Mas como uma pessoa que é, o homem tem um certo grau de independência, ―não uma independência absoluta, mas relativa. Ser uma pessoa significa ser capaz de fazer decisões, de estabelecer metas e de mover-se em direção às metas estabelecidas. Isto significa possuir liberdade — liberdade — ao ao menos no sentido de ser se r capaz de fazer suas próprias escolhas. O ser humano não é um robot cujo curso é totalmente determinado por forças externas. Ele tem o poder de auto-determinar-se e de auto-dirigir-se‖. auto-dirigir- se‖.7 O homem é, portanto, uma criatura e uma pessoa. Como criatura é dependente totalmente de Deus, e como pessoa possui uma independência relativa no sentido de poder tomar decisões, que não é o caso de outra criatura não racional. ―Ser uma criatura, portanto, significa que eu não posso mover um dedo ou emitir uma palavra sem a ajuda de Deus; Ser uma pessoa significa que quando meus dedos são movidos, eu os movi, e quando as palavras são emitidas dos meus lábios, eu as emiti. Ser criatura significa que eu sou barro e que Deus é o oleiro Hoekema, Created in God's Image, (Grand Rapids: Eerdmans, 1986), 5. Shedd, Dogmatic Theology, vol. 2, (Nashville: Thomas Nelson publishers, 1980 edition),
5 Anthony 6 W.G.T.
101. 7 Hoekema,
5.
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(Rm 9.21); ser uma pessoa significa que somos aqueles que moldamos nossas vidas pelas nossas decisões (Gl 6.7-8)‖. 6.7- 8)‖.8 É importante que se faça essa distinção para que vejamos a grande diferença que há entre nós e os seres irracionais, que agem instintivamente, e para que se tenha clara na mente a idéia de que dependência e liberdade não são conceitos incompatíveis entre si. Os dois conceit os estão claramente presentes na Escritura. Estas duas verdades devem ser preservadas para o correto entendimento do que seja o homem. Alguns conceit os antropológicos e soteriológicos são distorcidos justamente porque os estudiosos não distinguem corretamente o fato do homem ser criatura e pessoa. Há que se guardar ambas as idéias juntas, em equilíbrio. Se enfatizarmos em excesso o fato do homem ser criatura, subordinando sua pessoalidade, haveremos de cair num determinismo, onde o homem não tem qualquer participação na realização da sua própria história. Deus é o Senhor da história, mas o s homens, nesse caso, seriam meros robots. Nesse caso o homem ―é desumanizado‖. 9 Quando damos ênfase exagerada na pessoalidade, em detrimento do caráter de criatura do homem, ―o homem é divinizado divinizado e a soberania de Deus é comprometida.‖ 10 Neste caso a ênfase na pessoalidade faria Deus um servo do homem. Estes extremos devem ser evitados. Temos que ter uma visão equilibrada e bíblica da constituição da alma humana. Estes conceitos são muito importantes para que compreendamos o problema da responsabilidade do homem nos pecados e nos atos bons que são a expressão da santificação, assunto esse que já vimos no estudo est udo da providência de Deus.
Livre Arbítrio & Livre Agência Quando estudamos sobre a responsabilidade do ser humano, não podemos deixar de tocar no delicado assunto do livre-arbítrio. É uma pena que poucos volumes tocam seriamente neste assunto, à luz da Escritura. Grande desentendimento tem havido entre os estudioso desta matéria por causa da impropriedade no entendimento e no uso desses termos, mesmo nos círculos Reformados. Neste estudo fazemos uma diferença entre os dois termos usados acima. O primeiro foi uma propriedade singular de nossos primeiros pais; o segundo é propriedade inalienável de todos os seres humanos. Livre Arbítrio - Se por livre-arbítrio entende-se a liberdade que a vontade tem, sendo independente dos outros movimentos da alma humana, ou seja, da razão e das afeições, devemos negar a existência dele. A vontade, como uma das faculdades da alma humana, não é soberana ou independente das outras, mas depende do julgamento da razão ou das disposições afetivas que a influenciam. Uma pessoa não toma nenhuma decisão sem que seja levada pelo crivo da razão ou das emoções. Se por livre-arbítrio entende-se a escolha livre que a vontade faz, independente das outras partes do alma humana, temos que negar esse livre-arbítrio, porque a vontade humana não controla as outras faculdades, mas é serva delas. As decisões da vontade são sempre calcadas nas disposições das outras faculdades. Então, quer dizer que os Reformados negam a doutrina do livre-arbítrio? Não. A fé Reformada não nega o livre-arbítrio. A resposta a essa pergunta depende, portanto, do entendimento que temos dele. A fé Reformada afirma o livre arbítrio, mas o entende da seguinte forma: é a capacidade que nossos primeiros pais tiveram, quando criados, de escolherem as coisas que combinavam com a sua natureza santa, mas que, mutavelmente, pudessem escolher aquilo que era contrário à sua natureza santa. A Confissão de Fé de Westminster We stminster traduz essa idéia assim: 8 Hoekema,
6. Hoekema, 7. 10 Ver Hoekema, 6 9 Ver
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―O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder.‖ (IX, 2) Adão possuiu essa capacidade de fazer tudo o que era justo e santo, mas também foi dotado com a capacidade de fazer alguma coisa que era contrária à santidade com que foi originalmente criado. Ele possuiu aquilo que ninguém hoje mais possui, isto é, a capacidade de fazer algo que é contrário à sua natureza moral. Ele teve, nesse sentido, a capacidade para uma escolha contrária, isto é, com natureza santa, escolheu o que era mau. Livre Agência - Esta é uma capacidade que todos os seres humanos possuem. Ninguém pode prescindir dela, pois esta é uma característica de um ser racional. E essencial no homem a livre-agência. Sem ela o homem deixa de ser o que é: um ser racional. Homens e anjos agem de acordo com a natureza deles, sendo para eles impossível agir de modo c ontrário a ela. A livre agência, então, poderia ser definida como a capacidade que todos os seres racionais têm de agir espontaneamente, sem serem coagidos de fora, a caminharem para qualquer lado, fazendo o que querem e o que lhes agrada, sendo, contudo, levados a fazer aquilo que combina com a natureza deles. A CFW traduz este pensamento nestas palavras: ―Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, liberdade, que ele nem é forçado para o bem ou para o mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta de sua natureza.‖ (IX, 1) Os agentes livres agem espontaneamente, com a autodeterminação da vontade deles. Eles não São seres amorais. Sempre penderão para um lado ou para outro, dependendo de como são interiormente. Os seres racionais são seres morais que agem conforme as suas disposições interiores. A vontade deles não age independentemente da natureza deles. A vontade deles é sempre inclinada a pender para um lado ou para o outro em t ermos morais. Ela não existe num equilíbrio de indiferença. Anselmo contende que ―se a vontade do homem ou de um anjo é suposta ser criada num estado de indiferença, sem qualquer inclinação para nada, então, não poderia começar qualquer ato de forma alguma. Ela permaneceria indiferente para sempre, e nunca teria qualquer inclinação.‖ 11 Se a vontade do homem está est á em indiferença moral, nenhum homem pode ser responsabilizado por nada do que faz, porque ele não começa nenhum ato. Mas a Escritura apresenta o homem de uma outra maneira. Ele foi criado com disposição e com inclinação, e sua disposição ou inclinação está sempre ligada à sua condição moral. Adão foi criado não somente com a livre agência, mas também com o livre-arbítrio, com a capacidade de escolha contrária que nenhum de seus descendentes v eio a possuir. Ela foi perdida com a queda. Nesse sentido, nossos primeiros pais foram singulares. Os seus descendentes, agora, não mais podem agir de modo contrário à sua natureza. Mas é importante que não percamos de vista este ponto: o ser racional é sempre movido pelo seu ego. Nunca ele é movido por outra coisa que não seja por seu próprio ego. Quando ele faz coisas pecaminosas, ele obedece ao seu ser interior pecaminoso. Quando ele faz coisas santas e justas, ele o faz mediante o seu eu interior que foi renovado pelo Espírito Santo. A responsabilidade dele sempre estará diretamente ligada à voluntariedade do seu ato. Todos os atos dele devem ser auto-inclinados e auto-determinados. O homem possui responsabilidade em tudo que faz, porque tudo que faz é produto das disposições de sua natureza interior. Para fins didáticos é bom que se distinga a inclinação do ato volitivo. Shedd faz essa distinção que ajuda bastante: A ação central da vontade está na pronta inclinação; e a ação superficial em 11 Citado
por W.G.T. Shedd, Dogmatic Theology, vol. 2, p. 101.
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sua volição momentânea está num instância particular. O ódio de um assassino é a atividade central da sua vontade; o ato do assassinato é superficial. Ambos São auto-movidos, para que haja responsabilidade e culpa. E ambos São auto-movidos. O assassino não é forçado a odiar. Ele é desejoso no seu ódio, e em em todos os seus desejos morais e sentimentos;...Todavia, enquanto a atividade central e superficial são iguais no que diz respeito ao livre-movimento, elas são diferentes no que diz respeito à capacidade para coisas contrárias. A atividade superficial, ou o ato volitivo, é acompanhado com este poder; a atividade central, ou a inclinação, não é. O assassino pode refrear-se no ato de matar, por uma ação volitiva, mas ele não pode refrear o seu desejo interior, o ódio que pode levar ao assassinato. Uma volição pode parar uma outra volição, mas uma volição não pode parar uma inclinação. Um homem pode reverter sua volição pecaminosa, mas não pode reverter sua inclinação pecaminosa. 12 Portanto, para que haja responsabilidade, não é necessário que haja o poder de escolha contrária, mas sim, que haja o poder de autodeterminação, que a ação seja nascida nas inclinações do ser racional. ―A fim de responsabilizar o pecador por uma inclinação pecaminosa, não é necessário que ele seja capaz de reverter sua inclinação pecaminosa. E necessário somente que ele seja capaz de originar a ação, e que ele de fato a origine‖. 13 Para ser responsável por seus atos, portanto, o homem tem que simplesmente agir de acordo com sua vontade, espontaneamente, sem ser forçado de fora por ninguém. Apenas e le age de acordo com as suas disposições interiores. Originalmente, antes da queda, o homem teve tanto o livre arbítrio como a livre agência. Depois da queda o homem ficou somente som ente com a livre agência, pois perdeu tanto o desejo quanto a capacidade de fazer o bem, isto é, o poder de agir contrariamente à sua natureza pecaminosa.
2. UM SER SANTO A Confissão de Fé de Westminster, com tradição Agostiniana14 e Calvinista, assevera que o homem foi criado no estado de "inocência". Por inocência os padrões de Westminster querem dizer que o homem, quando q uando criado, não tinha qualquer mancha ou pecado, nem propensão para pecar, embora pudesse cair do estado em que foi criado. 15 Shedd contesta que a palavra inocência seja a melhor para explicar o estado de Adão antes da queda. Com precisão ele diz que ―santidade é mais do que inocência. Não é suficiente é suficiente dizer que o homem foi criado no estado de inocência. Isto seria verdadeiro, se ele houvesse sido destituído de sua disposição moral, para o errado ou para o certo. O homem foi criado não somente negativamente inocente, mas positivamente santo‖. 16 Deus fez o homem positivamente positi vamente santo no seu caráter. Nada errado poderia ter saído das mãos de Deus. Deus dotou os homens de ―inteligência, retidão e retidão e perfeita santidade, segundo a
12 Shedd,
vol. 2, p. 103-104. vol. 2, p. 105. 14 Agostinho disse: ―A natureza do homem, de fato, foi criada sem qualquer falha e sem nenhum pecado; mas aquela natureza do homem na qual cada um é nascido de Adão, necessita agora do Médico, What Augustine Says, porque ela não é sadia mais. (On Nature and Grace, 3, citado por Norman Geisler, What Augustine (Baker, 1982), p. 96. 15 Ver CFW, IX, ii. 16 W. G. T. Shedd, Dogmatic Theology, vol. 2, (Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1980 edition), p. 96. 13 Shedd,
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Sua própria imagem.‖ 17 Estas coisas têm sido cridas pelos grupos de tradição Agostiniana e Calvinista, mas têm sido negadas em movimentos teológicos na história da Igreja, como o Pelagianismo18 e o Semi-Pelagianismo.19 O Semi-Pelagianismo, que, com algumas variações, no protestantismo assume o nome de Arminianismo, através de alguns de seus defensores, nega o caráter original santo do homem por sustentar a tese do donum superadditum 20 à natureza constitucional do homem. O Calvinismo, contudo, afirma categoricamente a santidade original do homem, em consonância com as Sagradas Escrituras.21 Para os Calvinistas em geral, a santidade original do homem tem dois aspectos: 1) sua percepção e seu conhecimento; 2) sua inclinação e seu sentimento.22 1) O conhecimento tem a ver com o entendimento. A fim de que o homem seja santo ele tem que entender e apreender as coisas de Deus. O conhecimento que Adão e Eva possuíam antes da queda era diferente daqueles que tiveram depois da queda. Isto é provado por Gn 2.5 – ―Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus, e não se envergonhavam‖. - Eles estavam conscientes da sua santidade, e não possuíam nenhuma consciência de pecado. Mas quando eles se apartaram de Deus, o conhecimento do mal veio. Gn 3.7 diz: ―Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, c olheram folhas de figueira, e fizeram cintas para si.‖ Deus, então, após a queda do homem disse em Gn 3.22: ―Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal‖.23 Deus conhece o bem conscientemente, mas o mal intuitivamente, através de Sua onisciência. E Seu conhecimento do bem e do mal é perfeito, embora Ele nunca tenha conhecido este último experimentalmente. Antes da queda, contudo, o homem conhecia o bem conscientemente e o mal apenas especulativa e teoricamente. Nesse sentido, o seu conhecimento do mal foi imperfeito, porque ele 17 CFW,
IV, ii. Pelagianos não aceitam a santidade congênita do homem. A idéia do pelagianismo era que a vontade do homem era neutra, sem qualidades morais em si mesma. Através de um ato da vontade, o homem se torna bom ou mau. A neutralidade moral é característica do Pelagianismo. S hedd diz que ―a posteridade de Adão é nascida como ele, sem santidade e sem pecado.‖ (Shedd, vol. 2, p. 96). 19 O Semi-Pelagianismo também sustenta quase a mesma posição, embora considere os efeitos da queda, que o Pelagianismo não considera. O Semi-Pelagianismo crê que o homem tem a iniciativa nos atos maus, tanto quanto nos bons. Nestes últimos, ele tem a cooperação conseqüente de Deus. Shedd diz que o ―Semi-Pelagiano assevera que a santidade, igual ao pecado, deve ser auto-originada em cada indivíduo. A Antropologia Tridentina é uma mistura de Pelagianismo e Agostinianismo.‖ (Shedd, vol. 2, p. 96). 20 Qual é a razão desse posicionamento Semi-Pelagiano? A razão está no fato de a santidade ser algo acrescido posteriormente à criação do homem, não fazendo parte originalmente dela. A isso eles chamam ―donum superadditum ‖. O que é o donum superadditum? E um dom gracioso de Deus que foi acrescido apôs a criação, mas antes da queda. O conceito surge da dificuldade de se explicar o problema da capacidade hipotética de Adão e Eva de reterem a sua justiça original. Sem essa graça adicional, Adão não seria capaz de resistir no estado de retidão. Na verdade não houve uma concordância absoluta entre os teólogos medievais sobre se o donum superadditum fazia parte da natureza original do homem. Tomás de Aquino sustentava que o donum superadditum era parte da constituição original do homem, e que sua perda foi a perda da capacidade original para a justiça. Visto que essa graça acrescentada não foi merecida no começo, ela não poderia ser reconquistada por mérito após a queda. A teologia Franciscana, particularmente aquela orientada no final da Idade Média por Scotus, argumentava que o donum superadditum não era parte da constituição original do homem ou sua justiça original, mas foi considerado como um dom merecido pelo primeiro ato de obediência da parte de Adão, ap resentado por ele de acordo com sua capacidade puramente natural. Visto que Adão podia, num ato finito ou mínimo, merecer o dom inicial da graça de Deus, o homem caído deveria, por apresentar um ato mínimo, também merecer o dom da primeira graça (Richard A. Muíler, Díctionary ofLatin and Greek Tkeological Terms, (Baker, 1986), p. 96. 21 Ver, como exemplo, Ec 7.29; cí 3.10. 22 Idéias tiradas de Shedd, vol. 2, pp. 97-98. 23 Através de Sua apostasia, Adão veio a ter um conhecimento do mal, similar ao de Deus (embora Deus nunca tivesse pecado), e foi um conhecimento completo do pecado, pois ele o experimentou. Foi um conhecimento do mal consciente e idêntico ao de Satanás, porque foi conhecimento experimental e consciente. 18 Os
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não possuía a mesma onisciência de Deus. Depois da queda, contudo, o homem passou a conhecer o mal conscientemente e o bem apenas especulativa e teoricamente (Gn 3.7-8; 1 Co 2.14). Com respeito ao conhecimento do pecado e da santidade no homem antes da queda e depois dela, Shedd diz: Assim parece, que em Adão a consciência do conhecimento experimental da santidade implicava somente em um conhecimento inadequado e especulativo do pecado; e o conhecimento experimental consciente do pecado implicou somente num conhecimento especulativo e inadequado da santidade. O homem santo era ignorante do pecado, e o pecador era ignorante da santidade. 24 2) Por inclinação e sentimento, devemos entender a vontade e as emoções ou afeições. A fim de que o homem seja santo, ele deve desejar e sentir prazer em Deus e nas coisas divinas. Quando Deus criou a vontade no homem, Ele criou, portanto a inclinação, porque vontade e inclinação são inseparáveis. A vontade humana é por criação voluntária, como o entendimento humano por criação é cognitivo. Quando Deus cria o entendimento, Ele o capacita com idéias inatas, e leis de pensamento, por virtude do qual ela é uma faculdade inteligente. Este é o conteúdo do entendimento. E quando Ele cria a vontade humana, Ele a capacita com uma inclinação, ou disposição, ou uma auto-determinação.. em virtude da qual ela é uma faculdade voluntária. 25
Essa inclinação era originariamente santa. O homem não era originariamente um ser moral neutro, mas possuía inclinações que refletiam Aquele que o havia criado. A inclinação e a disposição moral com a qual o homem foi criado, consistiam numa harmonia perfeita de sua vontade com a lei Divina. A concordância era tão perfeita e total, que não havia distinção entre as duas na consciência do Adão santo. A inclinação era um dever, e o dever era uma inclinação... Numa perfeita condição moral a lei e a vontade eram uma coisa só, como na esfera da natureza física, as leis da natureza e as forças da natureza são idênticas. 26 Na verdade, o homem santo não precisa de lei do mesmo modo que os caídos precisam. A lei, no fundo, é dada para aqueles que estão no estado de desobediência, mas para os que estão em santidade a lei e o desejo de cumprir a lei são a mesma coisa (Ver 1 Tm 1.8 -9). A santidade positiva, com que o homem foi capacitado na criação, consistia de um entendimento iluminado no conhecimento espiritual de Deus e de Suas coisas, e uma vontade totalmente inclinada para elas.
Santidade Derivada e Finita A santidade em Deus é essencial e infinita. Diferentemente de Deus, a santidade no homem é derivada e finita. É derivada porque não faz parte da essência do homem, embora originariamente ela 24 Shedd,
vol. 2, p. 98 vol. 2, p. .100. 26 Shedd, vol. 2, p. 98. 25 Shedd,
25
tenha sido dada ao homem. Deus tem santidade essencial, sem a qual Ele não pode ser o que é. O homem originalmente possuía santidade, mas ele a perdeu, mas assim mesmo ele continuou sendo exatamente o que é: homem. Ele não continuaria sendo homem se a santidade fosse essencial nele. É finita porque é santidade de criatura dependente. Por essa razão é uma santidade mutável. A santidade no homem é dependente, em última instância, da ação do Criador. Deus a deu às Suas criaturas racionais, homens e anjos, mas eles a perderam voluntariamente, porque a santidade neles é algo finito e dependente de uma ação direta, imediata do Criador. Se o Criador decide definitivamente não mantê-las em santidade, elas voluntariamente a perdem.
26
CAPITULO III A NATUREZA CONSTITUCIONAL DO HOMEM 27 Houve sempre dois conceitos predominantes na história da igreja com respeito à composição da natureza essencial do homem: dicotomia e tricotomia. Historicamente, especialmente nos círculos cristãos, concebeu-se o homem composto de duas partes: corpo e alma. No decorrer do desenvolvimento do pensamento cristão, contudo, apareceu outro conceito que compunha o homem de três partes: corpo, alma e espírito — a tricotomia. Este último movimento apareceu com a influência da filosofia grega, que concebeu a relação entre o corpo e o espírito ligados entre si por meio de uma terceira substância, ou um terceiro elemento, que é a alma. A alma era considerada, por um lado, como imaterial quando relacionada com o espírito e, por outro lado, material, quando se relacionava com o corpo. ―A forma mais familiar e mais crua da tricotomia é a que toma o corpo como a parte material humana, a alma como o principio da vida animal, e o espírito como o elemento racional e imortal que há no homem para relacionar-se com Deus.‖28 Berkhof ainda diz: ―A alma se apropriava do ―nous‖ (ou pneuma) se fosse considerada como imortal; mas se foss e relacionada com o corpo, ela era carnal e mortal.‖ 29 O pensamento tricotômico encontrou apoio em vários pais da igreja grega, nos primeiros séculos da era cristã. O pensamento dicotômico já t eve seus adeptos na igreja ocidental ou latina, como por exemplo, em Agostinho. Na Idade Média, foi crença comum a dicotomia. Na Reforma aconteceu o mesmo, exceto uns poucos estudiosos.
Base Escriturística da Natureza Constitucional do Homem A apresentação que a Escritura dá do homem não é a de uma tricotomia (embora haja dois textos que pareçam favorecer essa corrente), nem da dicotomia (embora muito mais textos favoreçam, como veremos, a apresentação dicotômica), mas é a da unidade do homem. Cada ato do homem contempla-se como sendo um ato do homem completo. Não é a alma que peca, mas o homem que peca; não é o corpo que morre, mas o homem que morre; não é a alma que Cristo redime, mas o homem. O homem é uma unidade. Portanto, quando a Escritura fala do corpo, ela está falando do homem; quando fala da alma, está falando do homem; ou quando fala do coração, está falando do homem. A concentração das Escrituras não é nas partes que compõem o h omem, mas na unidade que cada parte apresenta.
Temos sempre que ver o homem como uma unidade. E assim que a Bíblia o apresenta. Analisaremos o material bíblico debaixo dos seguintes tópicos: 1. O homem é Corpo (Adão foi criado um ser material) 27 Ensino
retirado basicamente da Apostila não-publicada, preparada pelo Dr. Fred H. Klooster, para seus alunos no calvin Seminary. 28 Berkhof, p. 225, (edição castelhana). 29 Berkhof, p. 225 (edição castelhana).
27
2. O homem é Alma (Adão foi criado um ser espiritual) 3) O homem é Coração. Antes da exposição destes três tópicos, vejamos as palavras hebraicas e gregas usadas para os termos: a) Corpo
VT —
rfpf( rf&fB hfl"b:n
('apar) = pó
(basar) = carne (nebhlah) = corpo (cadáver)
NT — sw=ma b) Alma
VT —
$epeN
(nephesh)
NT — yuxh\n c) Espírito VT —
axUr
(ruah)
NT — pneu=ma d) Coração VT —
bfb"l b"l
(lebhabh)
(lebh)
NT — kardi/a
1. O HOMEM É CORPO (Adão foi criado um ser material ou físico) a) Considere a ênfase sobre homem nos seguintes textos: Gn 2.7 — ―Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó (rfpf() da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego da vida, e o homem a passou a ser alma vivente.‖ Esta é a primeira informação a respeito da natureza constitucional do homem. Neste verso é-nos dito que o ser humano possui uma natureza física ou material. Antes dele ser ―alma vivente‖, já é dito que ele é homem. Contudo, quando o autor sagrado fala dessa natureza ele não está pensando numa parte do homem, mas do homem na sua unid ade. Gn 3.19 — ―No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado: porque tu és pó (rfpf() e ao pó tornarás.‖ Este outro verso de Gênesis mostra a materialidade que o homem é. Antes de botar a ―alma vivente‖ Deus fez o homem. Novamente posso afirmar que o autor quis mo strar a natureza terrena do homem, não enfatizar que ele tem um corpo. Esse corpo (pó) é o homem. Esse elemento de unidade não pode ser perdido de vista quando se estuda este verso. Nesses textos acima, embora se esteja falando da parte física do homem, que é o seu corpo, a ênfase é no homem como uma unidade. Jó 34.15 — ―Toda a carne juntamente expiraria, e o homem voltaria ao pó.‖ Novamente aqui a ênfase recai sobre o elemento físico ou material do homem,
28
considerando-o como uma unidade. A verdade é que quem expira é o homem, não o corpo. A morte é do homem, não do corpo. Essa é a grande dificuldade que muitos ministros da Palavra enfrentam quando vão oficiar uma cerimônia fúnebre. Partamos do pressuposto que a pessoa que morreu seja cristã. O oficiante geralmente fala de Fulano que foi estar com Cristo, como se a pessoa consistisse unicamente da sua alma. ―O corpo do Fulano‖, diz o oficiante, ―vai ser enterrado, mas o Fulano já está no céu‖, como se o corpo não fosse o homem, ou como se o homem não fosse corpo. Embora a morte separe o homem (alma) de si mesmo (corpo), devemos sempre pensar no ser humano como uma unidade. Quem morre é o homem (não o corpo) e quem ressuscita é o homem (não o corpo). A morte é a separação do homem de si mesmo, enquanto que a ress urreição é reunião do homem consigo mesmo. Isto se dará somente no dia final, quando haverá a completação da salvação do pecador.
b) Considere a expressão: “O homem é espirito, mas ele tem um corpo”. Não seria mais próprio dizer que o ―homem é corpo‖? A Escritura indica que o corpo representa o homem como uma unidade e também como um ser total, completo. O corpo não é um mero acessório (apêndice, departamento), nem é a prisão da alma (ou espirito). Se dizemos que o ser humano é um espirito que tem um corpo, o corpo não tem muita importância. Mas não é esta a idéia que a Escritura dá do corpo, como já vimos aci ma.
c) Veja as seguintes observações sobre esta doutrina: Quando a Bíblia ensina que Adão foi feito ―do pó da terra‖ (Gn 2.7), está claramente afirmada a natureza material do homem. Desde o principio houve uma identificação, harmonia e continuidade com este mundo. O homem é terreno. Portanto, todas as noções gnósticas da criação material como pecaminosas, devem ser terminantemente rejeitadas. Deus não somente declarou a criação material ―muito boa‖ (Gn 1.31), mas fez o homem de elemento material. Vários textos do NT São respostas às heresias gnósticas, nas quais o universo material era mau. Veja a l uta de Paulo e João contra as heresias gnósticas em Cl 1.19; 2.9; 1 JO 1.1; 4.2; 5.6-8. Esta é a razão porque Paulo, quando fala da morte, diz a respeito do anelo próprio do crente em assumir um outro corpo, porque seria algo anormal não querê-lo (2 Co 5). A morte é um estado anatural para o homem. E natural para o homem sempre ser corpo. Na morte, o homem fica sem o que é muito importante nele, o corpo, que é a devida expressão da alma. E de grande importância para nós o estado de Cristo ressuscitado ser corporal, e o nosso estado final vai ser similar ao dEle. No novo céu e na nova terra, viveremos em plenitude a nossa humanidade perfeita. ―O corpo não é para ser considerado, como os antigos filósofos pensaram dele, como a prisão material, da qual o homem deveria ficar feliz se pudesse escapar na morte. Ele (o corpo) é parte de si mesmo: uma parte integral de sua personalidade total, e corpo e a alma em separação, não completam o homem.‖ 30 O ser humano não funciona melhor sem o corpo. O corpo é o veículo adequado para a expressão da alma. Essas duas realidades São o homem e o homem é essas duas realidades. E verdade que a criação material foi amaldiçoada por causa do pecado, tanto os elementos da natureza como o corpo humano, mas não por causa da materialidade dele (porque os anjos foram pecaminosos, sem terem qualquer forma corporal). A materialidade humana nunca deve ser considerada (como infelizmente alguns o fazem) a parte mais baixa da natureza humana, e a parte espiritual (imaterial) a mais elevada. Ambas as criações, material e espiritual, São 30 James
Orr, God's Image in Man, (Grand Rapids: Eerdmans reprint, 1948), p. 251-52.
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igualmente boas e igualmente importantes, porque ambas vieram de Deus e vão para Deus (1Co 6.14-15). Ambas as partes, igualmente, foram corrompidas pelo pecado e têm que ser redimidas. Freqüentemente, num pensamento pecaminosamente distorcido, o espiritual é identificado com Deus e o material com o diabo. E bom ser lembrado que Satanás é espiritual (imaterial), e que sua esfera de ação é no mundo material. A materialidade humana, portanto, jamais deve ser identificada com o mal, pois a matéria não é má. Ela é criação de Deus. Corpo e espírito não São antitéticos (isto é, opostos entre si). Não há necessariamente qualquer conflito entre esses dois aspectos da natureza humana.
2. O HOMEM É ALMA (Adão foi criado um ser imaterial ou espiritual) Não podemos deixar de fazer referência a esse aspecto tão importante da composição da natureza humana. Este é o outro lado da mesma moeda. Ambos os elementos, o material e o imaterial, aparecem na narrativa da criação: Adão foi formado do pó da terra, mas somente quando o espírito foi soprado é que Adão foi tor nado ―alma vivente‖. O fato de Adão ser ―alma vivente‖ não foi único. Em Gn 1.21, 24 e 30 o mesmo é dito de outras criaturas vivas não humanas. O único ponto digno de nota na criação do homem é a maneira pela qual Deus fez isso.: Ele soprou em Adão o espírito da vida. Este ato da parte de Deus foi pessoal, direto, singular, que distinguiu a criação humana (e a v ida humana) das outras vida animadas (Gn 2.7). O homem pertence aos dois mundos, ao espiritual e ao físico. O sopro da vida animada mostra que o homem é mais do que corpo. O próprio Deus deu vida ao corpo por soprar o espírito nele. Este ato especial aponta para um caso especial. Este soprar do espírito é a fonte da vida animada, e sem ela o homem propriamente pode ser chamado de morto (Tg 2.26). Há uma referência óbvia a Gn 2.7 em Ec 12.7 onde se lê: ―e o pó volte a terra como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu.‖ — Está claro que o uso que o autor de Eclesiastes fez do Gênesis refere-se à natureza dupla do homem. Diferentemente dos animais, Adão foi formado de um elemento tomado da terra (pó) e um elemento que veio diretamente de Deus, que Ele ―deu‖. Na morte, estes dois elementos novamente se tornam distintos, e retornam às suas fontes distintas. Está claro também que o autor de Eclesiastes entendeu que a vida humana diferiu da vida animal em sua fonte e composição. Ec 3.20-21 diz: ―Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó, e ao pó tornarão. Quem sabe que o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima, e o dos animais pa ra baixo, para a terra?‖ — Aqui, o principio que anima é mencionado e usado para ambos os casos, mas há uma clara distinção entre os dois, o homem e os animais: o espírito do homem vai para cima, para Deus que o deu (Ec 12.7), enquanto que a ―alma‖ do animal desce para a terra, de onde veio (Gn 1.24 — ―produza a terra seres viventes (hfYah $epen) conforme a sua espécie...‖).O espírito humano, então, é separado do corpo humano na morte por causa dos aspectos singulares que ele recebeu na criação (ele veio diretamente de Deus, de cima), enquanto que o poder animador das outras criaturas é preso aos seus corpos, e ambos deixam de existir como constituintes daquele animal, sendo sepultados na terra. Este assunto, o da natureza dual do homem, tem conduzido os estudiosos àquilo que, infelizmente, tem sido chamado de dicotomia e tricotomia. A questão do número dos elementos distintos que compõe a natureza humana é muito importante, mas o foco tem sido o da separação, como os termos dicotomia e tricotomia claramente indicam.
A Unidade do Homem A ênfase das Escrituras, contudo, é sobre a unidade desses elementos. O homem não é o que é sem o corpo, e nem pode ser o que é sem a alma.
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―Corpo e alma existem somente em e um para o outro; o corpo não é um corpo, mas o corpo da alma; a alma não é uma alma, mas a alma do corpo; na nossa consciência do 'eu' os dois são um...O homem é uma unidade, não uma junção de duas partes separadas ou mesmo faculdades separadas, e a Bíblia trata com ele como tal.‖31 É por isso que neste estudo preferiremos o termo duplo ou dúplex, ao nos referirmos à natureza humana, ao invés da idéia tradicional da dicotomia. Os termos duplo ou dúplex enfatizam a unidade dos elementos, antes que sua separação. O número desses elementos que compõe a natureza humana é importante, por causa das diferenças práticas que resultam em problemas sérios, dependendo da posição que se toma. O psicólogo cristão Clyde Narramore, por exemplo, mostra que sua tricotomia o levou a um ponto insustentável biblicamente. No aconselhamento ele diz que o corpo deve ser tratado pelo médico, o espírito pelo pastor, e a alma pelo psicólogo. E estranha tal separação na Escritura. A Escritura não permite a visão triplex (tríplice) do homem. Quando há separação é só por causa da morte, mas a ênfase é sobre a unidade. Além disso, na separação da morte, só há dois elementos. Em adição a Gn 2.7, examine Mt 10.28. Nesse verso de Mateus, é ensinado que o todo (a totalidade) do homem sofre no inferno. A verdadeira ênfase é sobre a totalidade (unidade) do homem sofrendo e não apenas o corpo ou a alma. A afirmação "alma" e "corpo" mostra que a natureza humana é dúplex (veja outro exem plo em 1 Co 7.34b). Vejamos este ensino de maneira sistemática:
A) A ESCRITURA FREQÜENTEMENTE DISTINGUE ENTRE CORPO- ALMA E/OU CORPO-ESPÍRITO. (1) O VT SUGERE UMA DISTINÇÃO CORPO-ALMA (ESPIRITO), Contudo, esta distinção só entrou em uso mais tarde, debaixo da filosofia grega. A idéia é de que as duas partes formam uma unidade, um conjunto harmonioso — o homem, um ser que vive. Gn 3.19 — (após a queda com respeito à maldição) — ―...tu és pó e ao pó tornarás.‖ A ênfase neste verso cai na parte física, mas o intento de Deus é tratar o ser humano como uma unidade. O particular é tomado como sendo a totalidade. Ec 12.7 — ―e o pó (rfpf( - corpo) volte à terra, com o era, e o espírito (axUr ) volte a Deus, que o deu.‖ Este verso já mostra o homem com uma composição dúplex, mostrando a sua origem. Ambas as partes, material e imaterial vieram de Deus. Jó 32.8 – ―Na verdade há um espírito no homem (corpo), e o sopro do 31 James
Denny, Studies in Theology, (Grand Rapids: Balcer repriflt, 1967), p. 76.
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Todo-Poderoso o faz entendido.‖ Neste verso de Jó a ênfase cai sobre a parte material (c orpo), que é chamada de ―homem‖. Contudo, a parte imaterial, o espírito, foi colocado no homem por Deus. Portanto, este verso trata da composição dúplex da natureza humana, embora dê mais força ao aspecto material. A mesma ênfase vem neste verso seguinte, do mesmo autor: (Jó 33.4) – ―O Espírito de Deus me fez: e o sopro do Todo-Poderoso me dá vida.‖
(2) O NT TAMBÉM SUGERE A DISTINÇÃO CORPO-ALMA (ESPIRITO): 1 Co 2.11 – ―Porque qual dos homens sabe as cousas do homem, senão o seu próprio espírito que nele (corpo) está?‖ A mesma ênfase dada no VT está agora no NT. A parte enfatizada aqui é o corpo porque ela é chamada de ―homem‖ e que ― nele ‖ está o espírito. Contudo, o intento de Paulo é falar da unidade, embora os dois elementos apareçam claramente nesse verso. Certamente o propósito de Paulo é tratar da capacidade perscrutadora do espírito humano, mas deixa evidente a composição dual da natureza humana. Mt 10.28 – ―Não temais os que matam o corpo (soma) e não podem matar a alma (yuxh\n) temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo.‖ Jesus Cristo está ensinando neste verso sobre o poder de Deus em contraste com o poder dos homens. Obviamente, ele usa o linguagem comum das pessoas quando fala da morte do corpo, pois o corpo fica inerte sem a presença da alma. Contudo, quando Deus exerce o seu poder ele pode fazer perecer tanto o aspecto físico c omo o aspecto espiritual do homem. A idéia de morte ai é de separação, não de extinção. O mesmo acontece se fala da morte do corpo: é a separação dele da alma — por isso o homem fica sem vida. Sem entrar mais do mérito desta questão, o texto mostra essa distinção entre as duas partes constituintes da natureza humana. E exatamente essa mesma idéia que Tiago mostra no verso a seguir: Tg 2.26 — ―Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem as obras é morta.‖ Mesmo embora ele esteja falando da morte do corpo (que é a separação do homem de si mesmo), o texto nos ensina sobre a composição dual da natureza humana. 1 Co 7.34 — ―.. Também a mulher, tanto a viúva quanto a virgem, cuida das cousas do Senhor, para ser santo, assim no corpo como no espírito.‖ A pureza de uma mulher, segundo Paulo, em qualquer estado civil que possa estar, deve produzir uma vida que evidencie a santidade cristã na totalidade do seu ser: no material e no espiritual. 2 Co 7.1 — ―Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne (sarko\j) como do espírito (pneu/matoj) aperfeiçoando a nossa santidade no amor de Deus.‖ Este verso de Paulo aos Coríntios e muitíssimo claro quanto à obra santificadora do Senhor que é feita na totalidade do homem, isto é, na sua parte material como na imaterial. Deus
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realiza a obra da redenção. Assim como a santificação é uma obra de Deus, também ela é um dever do homem que deve ser puro tanto na sua natureza física quanto na sua natureza espiritual. Mt 26.41 — ―…o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.‖
Jesus ensina sobre o dever de orar e vigiar e, ao fazê-lo, ensina sobre a fraqueza da natureza humana. E provável que espírito esteja ligado com uma nova natureza e que carne significa as fraquezas de nosso ser. Seja como for, a idéia da composição dúplex não deve ser deixada de lado, mesmo neste texto que pode ter dupla interpretação.
B) A ESCRITURA PARECE, AO MESMO TEMPO, DISTINGUIR OS TERMOS ALMA E ESPÍRITO. Sem dúvida, há duas passagens que parecem contradizer a idéia da apresentação da composição dual da natureza humana. São os dois únicos textos usados pelos chamados tricotomistas: 1 Co 5.23 e Hb 4.12. A pergunta levantada é esta: ―Não ensinam estes dois te xtos sobre a separação de alma e espírito, o que indica uma tríplice concepção do homem?‖ A resposta é enfaticamente, ―não‖!!!
a) Vejamos, primeiro, Hb 4.12 ―Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito (yuxh=j kai\ pneu/matoj), juntas e medulas, e apta para discernir os pensamentos e os propósitos do coração.‖ A Palavra de Deus, a Escritura, é como uma espada aguda, de dois gumes, que penetra bem fundo, ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas. Diz o tricotomista: ―Se a Bíblia afirma a possibilidade de separar alma de espírito, por que não podemos fazer?‖ - O fato é que o pensamento grego não está dizendo realmente isso. O problema não é de tradução. O texto grego não diz que a alma é separada do espírito, ou que as juntas podem ser separadas das medulas. Ao contrário, o que é dito é que a Palavra de Deus divide o espírito e também a alma, assim como as juntas e as medulas. Os escritor, de mentalidade hebraica, está usando paralelismos, utilizando-se de sinônimos para reforçar a idéia da natureza tanto material como espiritual do homem. Ele fala de ―alma‖ e ―espírito‖ e de ―juntas‖ e ―medulas‖, mostrando a composição dual, não tríplice da natureza humana. Esse paralelismo também se evidencia na idéia básica do texto de que a Palavra de Deus penetra profundamente, o suficiente para discernir no ser mais interior do homem, que é o coração, onde o autor usa duas idéias similares - os seus pensamentos e propósitos (vv. 12c e 13). O quadro aqui fala em dividir as juntas, medulas, alma e espírito. Observe que há duas categorias básicas aqui: material (juntas e medulas) e imaterial (alma/espírito), não três. Exatamente como os ―pensamentos e propósitos‖ do coração não podem ser divididos, mas São colocados juntos, abrangentemente, a fim de expressar o aspecto total do intelecto, assim espírito e alma São mencionados para mostrar que nenhum aspecto do interior do homem está além do poder penetrante da palavra de Deus.
b) Vejamos agora 1 Ts 5.23
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―O mesmo Deus vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.‖ Novamente a ênfase do texto não está sobre o número dos elementos que compõe a natureza humana, nem como podemos dividi-la. Antes, está sobre a totalidade do homem. Poderíamos traduzir este verso, da seguinte maneira: ―O mesmo Deus vos santifique em tudo (completamente); e o vosso ser total (corpo, alma e espírito), seja conservado integro e irrepreensível na v inda de nosso Senhor Jesus Cristo.‖ Paulo aqui não está dividindo, mas unindo. Se você não se conforma com essa argumentação, mas crê que Paulo está somando ao corpo a alma e o espírito, formando três partes, o que você faria com os seguintes textos: Mt 22.37; Mc 12.30; Lc 10.27? Estes textos falam de alma, coração, força e entendimento. Você acresceria essas partes mencionadas à composição do homem? Naturalmente que não! A Escritura usa freqüentemente dois, três ou até quatro termos sobre a natureza imaterial do homem, para enfatizar a idéia de totalidade. E necessário que observemos o sentido da passagem à luz de toda a verdade, vê-la à luz de seu propósito e não daquilo que queremos que o texto diga.
C) A ESCRITURA USA, FREQÜENTEMENTE, OS TERMOS ALMA E ESPIRITO INDISTINTAMENTE (1) Alma e espírito são usados indistintamente quando a referência é a uma
pessoa desincorporada. a) Nos texto abaixo as pessoas desincorporadas São chamadas de espírito: Todas as pessoas que morrem, isto é, que têm a sua natureza material separada da sua natureza imaterial, São consideradas como ―espíritos‖. Na morte de qualquer ser humano, aplica-se a velha máxima de sábio Salomão em Ec 7.12- ―E o pó ( 'apar) volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus que o deu.‖ Tanto os homens comuns como o Salv ador deles provaram a mesma experiência: Lc 23.46 — ―Então, Jesus clamou em alta voz: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito! E, dito isto, expirou.‖ Desde a encarnação, o Redentor é vere Deus e vere homo, possuindo as duas naturezas — a divina e a humana. Como homem, ele possuía os dois aspectos da natureza humana — o material e o espiritual. Quando o Redentor morreu, seu corpo foi para a sepultura e o seu espírito (que não é o Espírito Santo) voltou para Deus, até que ele ressurgiu ao t erceiro dia. Nesse período essa pessoa desincorporada era um espírito. At 7.59 — ―E apedrejavam a Estevão que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito (pneu=ma/ mou).‖
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Quem morreu apedrejado foi Estevão, seu corpo ficou inerte porque foi separado do seu espírito. Essa parte, que veio diretamente de Deus, voltou para Deus onde goza da alegria até que a redenção se complete. Mas é o espírito de Estevão que está com Deus. Hb 12.23 — ―… e igreja dos primogênitos arrolados no céus, e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos (pneu/masi dikai/wn) aperfeiçoados.‖ Todos aqueles que fazem parte dos remidos, que já morreram com Cristo, estão na presença de Deus gozando de suas delicias, sendo ―justos e aperfeiçoados‖, São chamados de ―espíritos ‖. b) Nos textos abaixo uma pessoa desincorporada também é descrita na Escritura como
alma: Esta observação cabe tanto aos homens comuns como ao Redentor deles. At 2.27 — ―Porque não deixarás a minha alma (yuxh/n) na morte, nem permitirás que o teu santo veja corrupção.‖ Como humano que também era, Jesus possuía o seu corpo que foi sepultado, separado de sua alma até o terceiro dia. Perceba que o texto fala da morte da alma. Ora, morte significa separação. O que o escritor bíblico profeticamente diz é que o Senhor Deus não haveria de deixar a alma humana do Redentor no estado de morte, isto é, no estado de separação do seu corpo. Nem o seu corpo haveria de experimentar corrupção. A razão dessa incorrupção física e da alma não poder ficar par sempre no estado de morte é que ambos os aspectos da natureza humana do Redentor estavam indissoluvelmente ligadas à sua natureza divina, ao Logos. Portanto, quando houve a morte do Redentor, estando desincorporado, ele foi chamado de ―alma‖, que é a mesma coisa que ―espírito‖. Ap 6.9 — ―...vi as almas (yuxa\j) daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus.‖ Ap 20.4 — ―vi ainda as almas (yuxa\j) dos decapitados por causa do testemunho de Jesus...‖ Esses dois textos acima falam da situação dos remidos do Redentor. Quando eles morrem, e nestes textos há o motivo de suas mortes, eles São separados de si mesmos. O físico deles repousam na sepultura e espírito deles vai estar com Deus. No entanto, quando desincorporados eles São chamados de ―almas‖, o que eqüivale a ―espíritos‖. Obs.: a) Note que a Escritura apresenta a pessoa desincorporada como espírito que é, auto-consciente, cônscio de sua identidade pessoal: Lc 23.43; Lc 16.19-31; Fp 1.22-23; 2 Co 5.1-10 (especialmente vv.6-8). b) quando se fala de almas ou espíritos das pessoas desincorporadas, deve se ter em mente que o escritor bíblico tem como meta falar de pessoas em sua unidade, não somente uma das partes delas.
(2) Alma e espírito são usados indistintamente quando a referência é a expressões de emoção e de devoção.
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Esta argumentação que se segue destrói qualquer possibilidade de alguém reivindicar a tese tricotomista. A Escritura é a intérprete de si própria. Ela mesma dá as respostas às nossas inquirições. (a) A Dor faz alusão tanto à alma como ao espírito: isto está claro nos ensinamentos sobre a pessoa de Jesus Cristo: Este ponto pode e deve tanto ser aplicado aos homens comuns como ao Redentor deles. Vejamos primeiro sobre Jesus: Jo 12.27 — ―Agora está angustiada a minha alma (yuxh/), e que direi eu?...‖ Jo 13.21 — (após lavar os pés dos discípulos) – ―Ditas estas cousas, angustiou-se Jesus em espírito (pneu/mati).‖ Esses dois textos acima falam de uma situação de sofrimento angustiante de nosso Redentor. De acordo com o ensino geral dos tricotomistas, somente a alma deveria ser a portadora dessa angústia. Contudo, como esses termos São usados indistintamente, tratando da mesma natureza espiritual do homem, é dito também que o e spírito estava angustiado. Mt 26.38 — (No Getsêmani) – ―Então lhes disse: a minha alma (yuxh/ mou) está profundamente triste até a morte...‖ Mc 8.12 — (quando os fariseus pediram um sinal) – ―Jesus, porém, arrancou do intimo do seu espírito (pneu/mati au)tou=) um gemido, e disse: por que pede esta geração um sinal?...‖ O mesmo caso se aplica nestes dois textos acima. A emoção chamada ―tristeza‖ que normalmente é atribuída pelos tricotomistas à alma, a Escritura atribuí ao espírito, porque as duas palavras São indicativas da mesma coisa — a natureza imaterial do homem. (Obs.: note que o uso que Marcos faz de espírito é menos intenso do que na situação de Mateus, quando este usa a palavra alma. Isto é uma grande dificuldade para quem pensa tricotomísticamente). Também no caso dos homens comuns, a dor é atribuída tanto a alma como ao espírito. At 17.16 — ―Enquanto Paulo os esperava em Atenas, o seu espírito (pneu=ma au)tou=) se revoltava em face da idolatria reinante na cidade.‖ 2 Pe 2.8 — (Sobre Ló em Sodoma) – ―Porque este justo, pelo que ouvia e via quando habitava entre eles, atormentava a sua alma justa (yuxh\n dikai/na), cada dia, por causa das obras iníquas daqueles.‖ Tanto Paulo como Ló, ao contemplar o mal, num reflexo da imagem de Deus que já havia sido restaurada neles, pois eram justos, sentiram dor que lhes atormentava a ―alma‖ (ou ―espírito‖- pois essas duas palavras São usadas indistintamente) deles, pois é essa sensação dolorida que o pecado causa na vida dos redimidos. Veja-se ainda Sl 77.3; 142.3; 143.7 - aplicando a dor ou a tristeza ao espírito. (b) Alegria Ação de Graças estão relacionadas tanto à alma como a o espírito: O escritor sacro narra uma ocasião quando Maria deixa os tricotomistas numa situação
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muito embaraçosa, pois ela inverte a ordem estabelecida por eles na distribuição dos elementos distintos na natureza não material do homem. Veja o que Maria, a mãe do Redentor, diz: Lc 1.46-47- ―Então disse Maria: a minha alma (yuxh/ mou) engrandece ao Senhor, e o meu espírito ( pneu=ma/ mou) exulta em Deus meu salvador.‖ Segundo a teoria geral dos tricotomistas, o que é próprio da alma é o sentimento, é atribuído ao espírito — ―o meu espírito exulta em Deus meu salvador‖. E o que é próprio do espírito, a adoração cristã, é atribuído a alma — ―a minha alma engrandece ao Senhor‖. Por que Maria faz esse uso ―indevido‖ dessas palavras? Obviamente, não há uso indevido. O que acontece é que não há nenhuma autorização nas Escrituras para considerarmos essas duas palavras — alma e espírito — como elementos distintos na composição da natureza humana. Na adoração dos crentes comuns é muito usada a expressão do Salmista no Sl 42.1-2 — ―Como a corça suspira pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma ( yi$:pan) tem sede de Deus, do Deus vivo...‖ — Todos os verdadeiros cristãos adoram a Deus com todos os anelos de sua alma. Eles poderiam perfeitamente usar duas outras palavras para expressar a mesma idéia. Eles poderia dizer que suspiram pelo Senhor com todo o seu coração ou com todo o seu espírito. São termos usados indistintamente para expressar o mesmo sentimento de adoração num desejo ardente por Deus. (c) Adoração e Devoção São também atribuídos a ambos: alma e espírito. Os textos abaixo criam uma dificuldade enorme para aqueles que possuem uma mentalidade tricotomista, pois se a regra for aplicada literalmente, os tricotomistas não mais poderiam ser tricotomistas, mas pentatomistas, pois o verso abaixo fala de cinco partes. Uma dela obviamente, se refere ao corpo (―toda a tua força‖). As quatro restantes dizem respeito às partes imateriais do homem que deveriam ser consideradas distintas se fôssemos aplicar a tese tricotomista. Veja o texto: Mc 12.30 - (pergunta sobre o l.º grande mandamento) – ―Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração ( kardi/aj sou), de toda a tua alma ( yuxh=j sou), de todo o teu entendimento (dianoi/aj sou), e de toda a tua força ( i)sxu/oj sou).
Observe os outros textos paralelos: Mc 12.30 - coração, alma, entendimento, força Mt 22.37 - coração, alma, entendimento, Lc 10.27 - coração, alma, entendimento, força Dt 6.5 - coração, alma, força Obs.: Uma observação que não pode deixar de ser feita é esta: A parte mais importante no nosso culto a Deus e na expressão de nosso amor a Deus, segundo o entendimento tricotomistas é o espírito do homem. Contudo, a ausência de espírito nestes textos é um problema sério para o tricotomista. Perceba no verso abaixo que o que é dito de um (espírito) é dito do outro (alma) no que respeita ao esforço do cristão em preservar o corpo de doutrinas que ele recebe, que aqui é chamado de ―fé evangélica‖. Isto é assim porque não se trata de elementos distintos, mas do mesmo elemento. Paulo, obviamente, está usando um paralelismo hebraico. Fp 1.27 — ―Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos, ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito ( pneu/mati), com uma alma (yuxv=), lutando juntos pela fé evangélica.‖
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Ef 6.5-6 — ―Quanto a vós outros, servos, obedecei a vossos senhores, segundo a carne com temor e tremor, na sinceridade do vosso coração ( kardi/aj u(mw=n) como a Cristo, não servindo à vista, como para agradar a homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração ( e)k yuxh=j) a vontade de Deus.‖ Note: de todas as referências à dor, alegria, adoração, perceba que o lugar dos exercícios espirituais de um homem regenerado está, tanto na alma como no espírito. Nenhum exercício espiritual da alma deve deixar de ser atribuído ao espírito, porque ambos os termos significam a mesma coisa — o aspecto imaterial do ser humano. E importante ser observado que é a alma que tem anelos de Deus em vários textos da Escritura (Sl 42.1-2; 62.1, 5, 8; 84.2; 86.4; 130.5-6; 143.6; Is 26.9.). Observe-se ainda que é a alma que é devota a Deus (S1103.1, 2, 22; 104.1, 35; 108.1; 119.175; 143.8).
(3) Alma e espírito são usados indistintamente para descrever o objeto da obra redentora e santificadora de Cristo. (a) Quem vai para o céu ou para o inferno é a alma ou o espírito. A existência humana no futuro, seja em vida ou em morte, isto é, em comunhão com Deus ou em separação de Deus, é dita pertencer à alma ou a o espírito. Os dois textos paralelos abaixo demonstram que a existência em m orte pertence à alma. Mt 16.26 — ―Pois que aproveitaria o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma (yuxh\n)? Ou o que dará o homem em troca de sua alma (yuxh=j au)tou=)?‖ (cf. Mc 8.36) Lc 12.20 — ―Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma (yuxh/n), e o que tens preparado, para quem será?‖ Nos textos abaixo é dito que a existência em vida dos cristãos pertence à alma. E curioso que, na concepção tricotomista, quem vai para o céu é o espírito, não a alma. No entanto, a Escritura usa o termo alma como equivalente a espírito. Lc 21.19 — ―E na perseverança que ganhareis as vossas almas (yuxa\j u(mw=n).‖ Hb 10.39 — ―Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a perdição; somos, entretanto, da fé para a conservaçao da alma (peripoi/hsin yuxh=j).‖ Tg 1.21 — ―Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei com mansidão a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar as vossas almas (yuxa\j u(mw=n).‖ Tg 5.20 — ―Sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado, salvará a alma dele (yuxh\n au)tou=) e cobrirá multidão de pecados.‖ 1 Pe 1.9 — ―Obtendo o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas (u(mw=n swthri/na yuxw=n).‖ Ez 3.19 — ―Mas, se avisares o perverso, e ele não se conv erter da sua maldade e do seu caminho perverso, ele morrerá na sua iniquidade, mas tu salvaste a tua
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alma (!:$:pan)).‖ Nos dois textos abaixo é mostrado que um cristão que morre vai para a vida com Jesus. No entanto, a palavra usada aqui é ―espírito‖ não ―alma‖, como nos textos anteriores. At 7.59 — ―E apedrejavam a Estevão que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito (pneu=ma/ mou).‖ 1 Co 5.5 — ―... seja entregue a Satanás para a destruição da carne (sapko/j), a fim de que o espírito (pneu=ma swqv=) seja salvo no dia do Senhor.‖ (b) A Santificação é da alma (ou espírito). A salvação é alguma coisa que já aconteceu no passado, mas ainda é uma realidade presente. Deus continua ainda a nos salvar. A isto a Escritura chama ―santificação‖. O processo da santificação acontece com a totalidade do se u humano, tanto da sua parte material como da imaterial. Escrevendo aos Coríntios, Paulo deixa bem claro esta verdade. A parte material ele chama de ―carne‖ e a parte imaterial ele chama de ―espírito‖. Estes são os únicos dois elementos que compõem a natureza humana. 2 Co 7.1 — ―Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne (sarko\j), como do espírito (pneu/matoj) aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus.‖ Pedro, no entanto usa, nos textos abaixo, a palavra ―alma‖ como sendo o locus da santificação que Deus opera em nós, e que nós operamos mediante nossa obediência à verdade. 1 Pe 1.22 — ―Tendo purificado as vossas almas (yuxa\j) pela vossa obediência à verdade, tendo em vista o amor fraternal não fingido, amai-vos de coração uns aos outros, ardentemente.‖ 1 Pe 2.11 — ―Amados, exorto-vos como peregrinos e forasteiros que sois, a v os absterdes das paixões carnais que fazem guerra contra a alma ( yuxh=j).‖ Is 38.16-17 — ―Senhor, por estas disposições tuas vivem os homens, e inteiramente delas depende o meu espírito ( yixUr ); portanto, restaura-me a saúde, e faze-me viver. Eis que foi para a minha paz que tive eu grande amargura; tu, porém, amas a minha alma ( yi$:pan) e a livraste da cova da corrupção porque lançaste para trás de ti todos os meus pecados.‖ O ensino dos profetas do Antigo Testamento não é diferente dos escritores do Novo Testamento. A contaminação da ―alma‖ torna necessária a purificação dela. Da mesma forma a saúde do ―espírito‖ do homem depende da obra santificadora de Deus. Analise c om propriedade estes dois textos abaixo e verifique que alma ou espírito São o locus da obra santificadora de Deus, pois são termos usados indistintamente. Ez 4.14 — ―Então, disse eu: Ah! Senhor Deus! eis que a minha alma (yi$:pan) não foi contaminada, pois desde a minha mocidade até agora, nunca comi animal morto de si mesmo nem dilacerado por feras, nem carne abominável entrou na minha boca.‖ Is 38.16-17 — ―Senhor, por estas disposições tuas vivem os homens, e
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inteiramente delas depende o meu espírito ( yixUr ); portanto, restaura-me a saúde, e faze-me viver. Eis que foi para a minha paz que tive eu grande amargura; tu, porém, amas a minha alma ( yi$:pan) e a livraste da cova da corrupção porque lançaste para trás de ti todos os meus pecados.‖ (c) O Perdão de Deus é para a Alma Na concepção tricotomista, o perdão de Deus deveria ser para o espírito humano, não para a alma. Contudo, a Escritura diz em vários lugares que a alma humana é objeto da compaixão perdoadora de Deus. Sl 41.4 — ―Disse eu: compadece-te de mim, Senhor; sara a minha alma, porque pequei contra ti.‖ S1102.2-3 — ―Bendize, ó minha alma ao Senhor, e não te esqueças de nenhum só de seus benefícios. Ele é quem perdoa todas as tuas iniquidades.‖ Observe: É muito importante que se leve em conta que, quando a Escritura se refere ao perdão da alma, ao fato dela ir para o céu, a ênfase não está na divisão da pessoa,
mas na unidade dela. Portanto, é salutar pensar que Deus perdoa a pessoa, e não apenas o lado imaterial dela; que é a pessoa que vai para o céu, não um pedaço dela. Explicação: O fato de que a Escritura usa alma e espírito indistintamente em muitos contextos, como sinônimos básicos em tais contextos, não implica que não possa haver outro sentido do seu uso em outros contextos; o mesmo acontece com carne e corpo.
3. O HOMEM É CORAÇÃO Numa tentativa de compreender a doutrina bíblica do homem, atenção foi dada às referências ao corpo, tanto quanto às variações no uso com respeito à alma e espírito. Entretanto, a Escritura também apresenta o homem como coração. Este termo enfoca a unidade da natureza básica do homem.
A)
A ABRANGÊNCIA DO SIGNIFICADO DO TERMO “CORAÇÃO” NA ESCRITURA:
O livro de Provérbios é abundantemente rico no uso do termo ―coração‖ especialmente quando fala que ele é a sede da personalidade humana. (1) Referência a “coração” no Livro de Provérbios
Pv 2.10 — ―Porquanto a sabedoria entrará no teu coração, e o conhecimento será agradável à tua alma.‖ 3.5 — ―Confia no Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento.‖ 4.23 — ―Sobretudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida.‖ 12.25 — ―A ansiedade no coração do homem o abate, mas a boa palavra o alegra.‖ 14.10 — ―O coração conhece a sua própria amargura, e da sua alegria não participará o estranho.‖
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14.13 — ―Até no riso tem dor o coração, e o fim da alegria é a tristeza.‖ 14.14 — ―O infiel de coração dos seus próprios caminhos se farta...‖ 15.13 — ―O coração alegre aformoseia o rosto, mas com a tristeza do coração, o espírito se abate.‖ Ver também: 15.14; 15.30; 16.5; 18.12,15; 19.3; 23.17. (2) Referências a coração no uso de Jesus Cristo
Mt 5.8 — ―Bem aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.‖ Mt 5.28 — ―Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já adulterou com ela.‖ Mt 15.19 — ―Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias.‖ Mt 22.37 — ―Respondeu-lhes Jesus: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.‖ Lc 8.11-15 — (Parábola do Semeador) ―A que caiu na boa terra são os que, tendo ouvido de bom e reto coração, retém a palavra; estes frutificam com perseverança.‖ (v. 15). Observação: Há dezenas de outras referências de Jesus a coração como a essência da natureza humana, como o âmago de nosso interior, e são referências usadas indistintamente para descrever não somente toda a personalidade, mas as coisas da própria alma (ou espírito).
(3) Referências a “coração” na mensagem de Paulo
H. Wheeler Robinson, em seu livro "Christian Doctrine of Man" resume o ensino de Paulo como se segue: 15 vezes — Personalidade, ou vida interior em geral. Cf 1 Co 14.14, 24, 25 – ―Porém se todos profetizarem, e entrar algum incrédulo ou indouto, é ele por todos conv encido, e por todos julgado; tornam-se-lhes manifestos os segredos do coração e, assim, prostrando-se com a face em terra, adorará a Deus, testemunhando que Deus está de fato no meio de vós.‖ 13 vezes — lugar do estado emocional da consciência, cf Rm 9.1-3 ―Digo a verdade em Cristo, não minto, testemunhando comigo, no Espírito Santo, a minha própria consciência: que tenho grande tristeza e incessante dor no coração, porque eu mesmo desejaria ser anátema, separado de Cristo, por amor de vós, meus irmãos, meus compatriotas segundo a carne.‖ 11 vezes — lugar das atividades intelectuais. Cf Rm 1.21-22 ―Porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo- lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram - se loucos.‖ 13 vezes — lugar da vontade. Cf Rm 2.4- 5 ―Ou desprezas a riqueza da sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento? Mas, segundo a tua dureza e coração impenitente, acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus.‖
B) A ESCRITURA USA O TERMO CORAÇÃO COMO INDICATIVO DE: Pensamento = intelecto Querer = vontade (volição) Sentimento = emoção (afeições)
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1. Coração como Indicativo de Atividade Intelectual
Dt 29.4 — ―Porém o Senhor não vos deu coração para entender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até o dia de hoje.‖ Lc 5.22 — ―Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse-lhes: que arrazoais em vossos corações? ‖ Jo 12.40 — ―Cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos, nem entendam com o coração, e se convertam e sejam por mim curados.‖ At 8.22 — ―Arrepende-te, pois, da tua maldade, e roga ao Senhor; talvez que te seja perdoado o pensamento (e)pi/noia) do coração.‖
2. Coração como Indicativo de Atividade Volitiva
Mt 15.19 — ―Porque, do coração, procedem maus desígnios, homicídios, adultérios...‖ Ex 25.2 — ―Fala aos filhos de Israel que me tragam ofertas; de todo homem cujo coração o mover para isso, dele recebereis a minha oferta.‖ 1 Cr 22.19 — ―Disponde, pois, o vosso coração, e a vossa alma para buscardes ao Senhor vosso Deus....‖ Dn 1.8 — ―Daniel, porém, propôs no seu coração, não se contaminar com as finas iguarias do rei…‖ At 11.23 — ―Tendo ele chegado e, vendo a graça de Deus, alegrou -se, e exortava a todos que, com firmeza de coração, permanecessem firmes no Senhor.‖ 1 Co 7.37 — ―Todavia, o que está firme no seu coração, não tendo necessidade, mas domínio sobre o seu próprio arbítrio, e isto bem firmado no seu ânimo (kardi/#), para conservar virgem a sua filha, bem fará.‖
3. Coração como Indicativo de Atividade Emotiva
Ex 4.14 — ―Então se acendeu a ira do Senhor contra Moisés, e disse: Não é Arão, o levita, teu irmão? Eu sei que ele fala fluentemente; e eis que ele sai ao teu encontro e, vendo-te, se alegrará em seu coração. ‖ Ne 2.2 — ―O rei me disse: porque está triste o teu rosto, se não estás doente? Tem de ser tristeza do coração. Então temi sobremaneira.‖ Sl 28.7 — ―O Senhor é a minha força e o meu escudo; nele o meu coração confia; nele fui socorrido; por isso o meu coração exulta. ‖ Jo 14.1 — ―Não se turbe o vosso coração....‖ At 2.26 — ―Por isso se alegrou o meu coração e a minha língua exultou...‖ 2 Co 2.4 — ―Porque no meio de muitos sofrimentos e angústias do coração vos escrevi, com muitas lágrimas, não para que ficásseis entristecidos, mas para que conhecêsseis o amor que vos consagro em grande medida.‖
c) A
ESCRITURA APRESENTA O CORAÇÃO COMO
A SEDE DO PECADO
No Antigo Testamento
Pv 6.14 — ―No seu coração há perversidade; todo o tempo maquina o mal; anda semeando contendas.‖ Pv 6.18 — ―Coração que trama projetos iníquos...‖ Pv 6.25 — ―Não cobices no teu coração a sua formosura, nem te deixes prender com as
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suas olhadelas.‖ Pv 7.10 — ―Eis que a mulher lhe sai ao encontro, com vestes de prostituta, e astuta de coração.‖ Pv 12.20 — ―Há fraude no coração dos que maquinam o mal, mas alegria têm os que aconselham a paz.‖ Pv 12.23 — ―O homem prudente oculta o conhecimento, mas o coração dos insensatos proclama a estultícia.‖ Jr 17.9 — ―Enganoso é o coração; mais do que todas as coisas e desesperadamente corrupto. Quem o conhecerá?‖
No Novo Testamento
Jesus é absolutamente claro quando trata da pecaminosidade que atribuída ao coração humano: Mc 7.21-23 — ―Porque de dentro, do coração dos homens, e que procedem os maus desígnios, a prostituição, furtos, os homicídios, os adultérios....; ora, todos esses males vêm de dentro e contaminam o homem.‖ Paulo é o apóstolo que mais trata desta matéria: Ef 4.17-18 — ver outros textos sobre o coração endurecido. Obs.: averiguar esta matéria no Livro de Provérbios.
D)A ESCRITURA APRESENTA TAMBÉM O CORAÇÃO COMO O CENTRO DA OBRA REDENTORA DA GRAÇA. Sl 51.10 — ―Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova dentro de mim um espírito reto.‖ Ez 36.26 — ―Dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo.‖ At 16.14 — (Sobre Lídia) ―…e o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia.‖ Rm 2.29 — ―Porém justo é aquele que o é interiormente, e circuncisão a que é do coração.‖ Rm 10.9-10 — ―Porque, como coração se crê para a justiça...‖ Ef 3.17 — ―E assim, habite Cristo em vossos corações, pela fé....‖ ―O coração é o ponto de concentração, a raiz religiosa de nossa existência humana total. Dele surgem todos os nossos pensamentos, ações, sentimentos e desejos. Em nossos corações damos respostas às mais profundas e definitivas questões, e em nossos corações o nosso relacionamento com De us é determinado. A regeneração, a renovação do coração pelo Espírito Santo, faz-nos voltar para Deus e redirige-nos o coração do caminho da apostasia para Deus. O coração, ou alma do homem, jamais pode ser identificado com qualquer outra função vital, tal como sentimento ou fé. Ele é mais profundo do que qualquer outra função vital e transcende o temporal. O coração é o ponto do homem que determina o seu relacionamento com Deus. Não é possível dar uma conceituação ou um a definição científica do coração, porque como o centro de nossa existência em seu todo, o coração é a pressuposição mais profunda de nosso pensamento. Nós podemos somente repetir através da fé o que Deus nos tem revelado em Sua Palavra a
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respeito do centro de nossa vida.‖ 32 Resumo — A fim de ajudar-nos a compreender melhor o significado bíblico de coração, perguntamos: O que deve ser oposto ao coração, na Bíblia? A resposta é sempre, sem exceção, aquilo que é visível, o homem exterior. A adoração que uma pessoa pode prestar com se us lábios (exterior, visível, adoração audível), é contrastada com a adoração do coração (interior, invisível, inaudível) ilustrada em Mt 15.8. Uma outra maneira de se ver esse contraste é observar 1 Sm 16.7 – ―aparência exterior‖ e ―coração‖ (Rm 10.8-10). Sempre a Escritura usa a palavra ―coração‖ para falar do interior do homem (ou do homem interior - 1 Pe 3.4; 2 Co 4.16). O coração é a parte interior de nossa vida diante de Deus e de si mesmo, uma vida desconhecida dos outros, porque ela é escondida deles (Mt 5.28). E bom que se lembre aos tricotomistas de que tudo o que é dito da alma e do espírito, é também dito do coração (Dt 11.13; Mt 22.37; 1 Rs 4.48; 1 Cr 22.19; At 4.32; Sl 32.2; Mc 14.38; 8.12; Ef 4.23; Hb 4.12-13; 1 Pe 3.4; S164.6; 13.2). Pode haver alguma distinção entre alma e espírito? Por que essas duas palavras São usadas para descrever uma só entidade? Como essas duas palavras estão ligadas a coração? Como já foi visto, o coração é a parte interior, não-observável, imaterial do ser humano. ALMA — fala do homem em unidade dos elementos material e imaterial como um ser vivo (1 Pe 3.20; Gn 46.22; alma também diz respeito ao ―eu‖ do homem (Sl 42.1; 103.1, etc.). ESPIRITO — sempre pinta o aspecto imaterial da natureza humana, fora da relação do corpo. O espírito fala do estado desincorporado. Deus, por exemplo, nunca é chamado Alma (embora nephesh seja atribuída a Ele), mas sempre ele é chamado Espírito (Jo 4.24). A terceira pessoa da Trindade é o Espírito Santo, não a Alma Santa. Quando Jesus disse que Deus é Espírito, Ele enfatizou o fato de que a adoração requerida deveria ser mais do que exterior (física); Deus deveria ser adorado em espírito e em verdade. Quando Cristo discutiu e definiu um espirito, Ele disse: ―...apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, com vedes que eu tenho‖ (Lc 24.39). Um espírito é uma pessoa sem o corpo. Assim, c omo a palavra alma (de uma forma ou outra) sempre descreve o aspecto não-material da natureza humana em relação ao (ou em unidade) material, assim a palavra espírito refere-se ao mesmo aspecto imaterial da natureza humana, mas fora de sua ligação com o corpo (o material). CORAÇÃO — refere-se ao aspecto imaterial do homem em contraste com o aspecto material (usualmente enfatizando sobre a visibilidade deste último e a invisibilidade do primeiro). São três palavras distintas, contudo, todas elas referem-se a mesma entidade: a pessoa imaterial.
32 J.
M. Spier, Na Introduction to Christian Philosophy, 15-16.
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CAPITULO IV TEORIAS SOBRE A ORIGEM DA ALMA HUMANA Três teorias disputaram a opinião da igreja desde os primeiros séculos da igreja cristã, com respeito à origem da alma:
1. PRE-EXISTENCIALISMO 33 Orígenes (séc. III) foi seu principal expoente. Esta teoria ensina que as almas dos homens tiveram uma existência anterior à criação dos próprios homens. Alguns acontecimentos nesse período pré-temporal determinaram a condição em que atualmente se encontram essas almas. Houve uma espécie de queda pré-temporal. Orígenes considerou que a existência material presente no homem, com todas as suas desigualdades e irregularidades físicas e morais, é um castigo pelos pecados cometidos em uma existência anterior. O pecado, portanto, teve entrada no mundo dos homens num estado pré-temporal, e isso fez com que o homem já entrasse no mundo numa condição de pecado. Objeções: a) É uma teoria sem base escriturística. Algumas de suas formas refletem uma base filosófica pagã que aceita um dualismo, matéria-espírito, tornando um castigo para a alma o fato dela ser unida ao corpo. b) Faz com que o corpo seja meramente acidental. A princípio, a alma existia sem o corpo. O homem estava completo sem o corpo. Isto apaga a distinção entre o homem e os anjos. c) Destrói a unidade da raça humana, porque aceita que as almas individuais existiram muito tempo antes de entrarem na vida presente. Não constituem uma raça. d) Não tem apoio na consciência humana. O homem não tem uma consciência de uma existência prévia, ou que o corpo seja uma espécie de prisão para a alma.
2. TRADUCIANISMO (ou PROPAGAÇÃO)34 Segundo o traducianismo, as almas dos homens s e propagam juntamente com os corpos, mediante uma geração ordinária, transmitida dos pais aos filhos. Entre os Reformados há alguns que defendem a idéia traducianista. W.G.T. Shedd é o principal expoente dessa corrente.
a) Argumentos a favor do Traducianismo
Os traducianistas apresentam vários argumentos em favor de sua teoria: (a) A Escritura parece favorecer a apresentação do traducianismo
A Bíblia ensina que o homem é uma espécie, e a idéia de espécie implica numa propagação da totalidade do indivíduo, e não de uma parte apenas, ou seja, o corpo, como ensina o criacionismo. — Gn 1.26, 27; 5.2 ensinam que o homem e mulher são denominados ―homem‖. A palavra ―Adão‖ não denota simplesmente o nome de um homem, mas da espécie. Quando Deus criou Adão, ele não criou o indivíduo, mas a espécie. 33 Dados
tirados de Berkhof, p. 232 (edição castelhana). tirados de Berkhof, p. 233-34 (edição castelhana)
34 Argumentos
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— A criação da alma de Eva esteve incluída na de Adão, pois dele ela foi formada ( 2 Co 11.8; Gn 2.21-23). A mulher toda (por inteiro), e não somente o seu corpo, foi derivada de Adão. Alma e corpo são propagados. Deus criou a natureza humana em Adão, e depois essa natureza humana foi transformada em milhões de indivíduos por propagação sexual. A criação do ―Adão‖ (natureza humana) foi terminada e completada no sexto dia. Após iss o, há somente a propagação da raça. — Gn 2.2 diz que Deus cessou o trabalho da criação depois de haver feito o homem. — Deus soprou somente uma vez nas narinas do homem, e depois o tornou fecundo para a propagação da espécie (Gn 1.28; 2.7). — Observe o uso da palavra ―carne‖ quando denota ―natureza humana‖ (corpo e alma), e não apenas corpo (Jo 3.6; 1.14; Rm 1.3). Estes textos parecem favorecer a posição traducianista, isto é, eles ensinam que o indivíduo é propagado como um todo (consistindo de corpo e alma), e não somente em parte como ensina o criacionismo.
(b) Pelas leis naturais da vida vegetal e animal
O crescimento nesses remos não é por um crescente de criação imediata, mas por meio de derivação natural de novos indivíduos procedentes de um tronco paterno (mas observe-se Si 104.30).
(c) As Leis genéticas favorecem o Traducianismo
A herança das peculiaridades mentais e tendências familiares são notáveis, traços físicos e mentais que não são explicáveis nem pela educação, nem pelo exemplo.
(d) O Traducianismo oferece mais base para explicar a depravação moral e espiritual
porque este assunto é mais um assunto da alma do que do corpo. OBS. - Para justificar os seus argumentos, os traducianistas se juntam ao realismo para explicar o pecado original.
b) Objeções ao Traducianismo
Contra o traducianismo há varias objeções: (a) Ele é contrario à doutrina filosófica da simplicidade da alma. A alma é uma substancia espiritual pura que não admite divisão. A propagação da alma implicaria na divisão da alma, já que a criança recebe a sua alma dos pais. O problema maior é: de quem procede a alma da criança? da mãe ou do pai? Ou ela vem de ambos? Se é assim, não seria uma alma composta? (b) A fim de evitar essa dificuldade supra-mencionada, os traducianistas têm que recorrer a uma dessas três teorias a serem mencionadas: Primeira, que a alma da criança tem uma existência prévia, uma espécie de pre-existencialis mo; Segunda, que a alma está potencialmente presente no sêmen do homem ou da mulher, ou em ambos, e isso e. materialismo; Terceira, que a alma é produzida, isto é, ela é criada de algum modo, pelos pais, e isto os torna, de algum modo, criadores. (c) Os traducianistas dizem que, após a criação original, Deus somente obra mediatamente. Após os seis dias da criação Sua obra criadora cessou, por isso Deus não pode mais criar almas. Mas a pergunta a ser levantada é esta: Onde fica, então, a regeneração, que não é efetuada através de causas secundarias? Ela é uma nova criação! (d) Geralmente o traducianismo se une ao realismo para explicar o pecado da raça, isto é, a culpa do homem. Fazendo isto, o traducianismo afirma a unidade numérica da substância de todas as almas humanas, o que é uma posição insustentável. Além diss o, o traducianismo falha
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em explicar a culpa individual de cada homem nos outros pecados de Adão, e nos pecados dos outros antepassados. (e) O traducianismo tem dificuldades insuperáveis na Cristologia. Se em Adão a natureza pecou como um todo, e que o pecado foi de cada parte da natureza, então, a conclusão é que a natureza humana de Cristo foi também pecaminosa e c ulpada, pois ela fazia parte da raça criada numericamente uma e a mesma em Adão.
3) CRIACIONISMO Esta teoria considera que cada alma é uma criação imediata de Deus, possuindo sua origem num ato criativo direto de Deus, no qual o tempo não pode ser precisamente determinado. Supostamente, a alma é criada pura, pois Deus não poderia tê-la criado impura, e ela é unida a um corpo depravado. Não deve ser crido que a alma é criada separadamente do corpo e que ela se torna poluída em contato com o corpo, o que tornaria o pecado algo simplesmente físico. Deve ser crido que a alma é criada pura, mas que Deus imputa a culpa de Adão a ela e, então, se torna corrupta também. A alma, que é produto de um ato criador direto de Deus, já está pré-formada na vida psíquica do feto.
a) Argumentos a favor do Criacionismo
(a) Ele é mais consistente com as apresentações dominantes da Escritura que o traducianismo. O relato original da criação assinala uma distinção clara entre a criação do corpo e da alma. O corpo foi tomado da terra e a alma vem diretamente de Deus. Em toda a Bíblia esta distinção se conserva, onde a alma e o corpo não são somente substâncias diferentes, mas têm origens diferentes (veja Ec 12.7; Is 42.5; Zc 12.1; Hb 12.9; Nm 16.22). Sobre o texto de Hebreus, Delitzsch, um notável traducianista, disse: "Dificilmente pode encontrar-se um texto que dê prova mais clássica a favor do criacionismo!"- O criacionismo é muito mais consistente com a natureza da alma humana do que o traducianismo. A natureza individual da alma humana é perfeitamente reconhecida pelo criacionismo. A teoria traducianista, por sua vez , implica. numa separação e divisão da essência da alma. (b) Evita os tropeços do traducianismo na Cristologia, e faz mais justiça à pessoa de Cristo na Escritura. Cristo foi verdadeiramente homem, com verdadeira natureza humana, um corpo verdadeiro e uma alma racional. Nasceu da mulher, foi feito semelhante a nós e, não obstante, sem pecado. Diferentemente dos outros homens, não participou da culpa e corrupção da transgressão de Adão, pois Deus não lhe imputou culpa. Isto foi possível porque Ele não participou da mesma essência numérica dos que pecaram em Adão.
b) Objeções ao Criacionismo
(a) A objeção mais séria é a seguinte: a alma sendo depravada, ou possuindo tendências depravadas, torna Deus o autor direto do mal. Se a alma foi criada pura, torna Deus o autor indireto do mal, pois Deus a coloca num corpo que fatalmente a corromperá. Este argumento é considerado pelos traducianistas como fatal para o criacionismo. Claro que este é um tropeço a ser evitado. Para o criacionismo, o pecado original não é um problema simplesmente de herança. Os descendentes de Adão são pecadores, não como resultado de haverem sido postos em contato com um corpo pecador, mas em virtude do fato de Deus imputar-lhes a desobediência original de Adão. Ent ão, a justiça original é tirada, e a corrupção do pecado, naturalmente, se desenvolve. (b) O criacionismo considera os pais terrenos como gerando somente o corpo de seus filhos, o que certamente não é a parte mais importante da criança e, portanto, não explica os reaparecimentos de tendências mentais e morais dos pais nos filhos. Até onde tenha a ver com as semelhanças mentais e morais dos pais e filhos, não necessariamente precisam ser explicadas unicamente com base na herança. Nosso
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conhecimento da alma é tão imperfeito para falar com absoluta segurança sobre esse ponto. Mas esta semelhança, em parte, é explicada pelo e xemplo dos pais, em parte pela influência do corpo sobre a alma e, em parte, pelo fato de que Deus não cria todas as almas iguais, mas que cria em cada caso particular uma alma adaptada ao corpo com o qual se unirá, e adaptada também às complexas relações nos quais terá que ser introduzida. (c) O criacionismo não está em harmonia com a relação atual de Deus c om o mundo e com sua maneira de trabalhar nele, visto que ensina uma atividade criadora de Deus e, deste modo, ignora que Deus não mais obra diretamente, mas somente por meio de agência secundária.
4) PONDERAÇÕES FINAIS a) Há que se ter prudência ao falar deste assunto
Deve admitir-se que os argumentos de ambas as partes, traducianismo e criacionismo, estão equilibrados. A Escritura não faz uma afirmação direta a respeito da origem da alma no homem em particular, exceto no caso de Adão. As poucas passagens da Bíblia que tratam do assunto, só podem ser consideradas conclusivas por cada parte, já que algumas delas são usadas pelas duas partes. Alguns teólogos são de opinião de que há verdades em ambas as teorias.
b) Alguma forma de criacionismo merece preferência
Pelas seguintes razões: (a) Não encontra dificuldade filosófica insuperável com a qual o traducianismo sofre; (b) Evita os erros cristológicos que envolve o traducianismo; (c) Está mais em harmonia com a nossa idéia de pacto. Ao mesmo tempo, estamos convencidos de que a atividade criadora de Deus, ao formar as almas humanas, deve ser concebida como muita estreitamente ligada ao processo natural de geração dos indivíduos. O criacionismo não evita todas as dificuldades, mas é uma garantia contra os seguintes erros: (a) que a alma é divisível; (b) que todos os homens são meramente a mesma substância; (c) que Cristo tomou aquela mesma natureza numérica que caiu em Adão.
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CAPITULO V A IMAGEM DE DEUS NO HOMEM Hoekema diz que ―o conceito da imagem de Deus é o coração da antropologia cristã.‖ 35 Essa doutrina é fundamental para o entendimento de outros aspect os da antropologia, como por exemplo, o do efeito do pecado na vida do homem, especialmente quando estudamos a imagem de Deus após a queda. Segundo Herman Bavinck, o homem não carrega ou tem simplesmente a imagem de Deus, mas ele é a imagem de Deus, e diz também que a imagem de Deus não é um acidente, mas algo essencial a ele, sem a qual ele não pode ser o que e. ―Da doutrina de que o homem foi criado à imagem de Deus segue -se a implicação clara que a imagem de Deus estende-se ao homem em toda a sua inteireza. Nada no homem é excluído da imagem de Deus. Todas as criaturas revelam traços de Deus, mas somente o homem é a imagem de Deus. E ele é a imagem totalmente, na alma e no corpo, em todas as faculdades e poderes, em todas as condições e relacionamentos. O homem é a imagem de Deus porque e ao grau em que ele é verdadeiro homem, e ele é homem, homem verdadeiro e real, porque e ao grau em que ele é a imagem de Deus.‖ 36 Isto quer dizer que a imagem de Deus não é acide ntal, mas algo extremamente importante e essencial à natureza humana. O homem não pode ser homem sem a imagem de Deus. Por isso o homem é a imagem de Deus, não simplesmente a t em, como algo que foi acrescentado depois de sua formação. Quando criado, portanto, o homem era: a) O espelho de Deus - Antes da queda, o homem refletia perfeitamente o seu Criador. Bastava olhar para ele para ver a perfeição de Deus refletida nele. Tudo era harmonia. Hoekema diz que ―Deus era o homem tornado visível na terra. Para ser exato, outras criaturas, e mesmo os céus, declaram a glória de Deus, mas somente n o homem Deus torna-se visível. Os teólogos Reformados falam da revelação geral de Deus, na qual Ele revela a Sua presença, poder e divindade através das obras de Suas mãos. Mas na criação do homem, Deus revelou-Se a Si mesmo de um modo singular, por tornar alguém que era uma espécie de espelho, uma imagem de Si próprio. Nenhuma honra mais alta poderia ter sido dada ao homem do que a do privilégio de ser a imagem de Deus que o fez‖.37 Esta imagem foi deformada pela queda, mas foi restaurada por Cristo, e será aperfeiçoada até que volte de novo a ser como era. b) O representante de Deus - O domínio que Deus deu ao homem sobre todas as obras de Sua criação, indica que Deus deixou o home m como seu representante e governador da criação. 35 Anthony
Hoekema, Created God‟s Image , (Eerdmans, 1986), p.66. Bavinck, Dogmatiek, 2:595-96, citado por Hoekema, p. 65. 37 Hoekema, p. 67. 36 Herman
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Deus governa através do homem, a quem deu o domínio sobre tudo. Por essa razão, a responsabilidade do homem aumenta, pois ele tem que fazer exatamente o que Deus faria, como um embaixador de Deus que e.
SOBRE O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS “Imagem” e “Semelhança” As duas palavras aparecem juntas e Gn 1.26, mas não se referem a coisas diferentes, como, por muito tempo, creu-se na história da igreja. 38 As duas palavras, imagem e semelhança, são sinônimas e usadas indistintamente. Em Gn 1.26 aparecem as duas palavras, enquanto que em Gn 5.1 aparece somente a ―semelhança‖, e em Gn 5.3 as duas novamente. Em Gn 9.6 aparece somente a palavra ―imagem‖, como que indicando a idéia total do homem. Hoekema assevera que ―se estas palavras pretendessem descrever aspectos diferentes do ser humano, elas não seriam usadas, como as temos v isto sendo usadas, isto é, quase indistintamente‖. 39 Berkhof observa que ―a opinião corrente é que a palavra ‗semelhança‘ foi acrescentada à ‗imagem‘ para expressar a idéia de que a ‗imagem‘ foi extraordinariamente parecida, uma imagem perfeita. A idéia é que, mediante a criação, aquilo que era arquetípico em Deus, se transformou em cópia no homem. Deus foi o original de onde se tirou a cópia que é o homem.‖ 40 A palavra hebraica para ―imagem‖ é {elec: (tselem ) derivada de uma raiz que significa ―esculpir‖ ou ―cortar‖. Portanto, podemos entender ―imagem‖ como sendo o homem uma representação de Deus.41 A palavra hebraica para ―semelhança‖ é "tUm:di (demuth ), que vem de uma raiz que significa ―ser igual‖. ―Alguém poderia dizer que em Gn 1.26 a palavra imagem é igual a semelhança, uma imagem que é igual à nossa. As duas palavras juntas dizem-nos que o homem é uma representação de Deus, que é igual a Deus e m certos aspectos.‖42
SOBRE A REFLEXÃO DA IMAGEM DE DEUS Gn 1.26 — ―Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança...‖ 38 Irineu
(175...) e Tertuliano (160-225) pensaram que ―imagem‖ e ―semelhança‖ fossem coisas distintas. A primeira tinha a ver com as características físicas, enquanto que a segunda com a natureza espiritual do homem; Clemente de Alexandria (155-220) e Orígenes (185-254) pensaram que ― imagem” denotava as características do homem como ho mem, enquanto que ―semelhança‖ dizia respeito ás qualidades essenciais que não se podem perder ou cultivar; Os escolásticos, com algumas variações, conceberam a ―imagem‖ como sendo as capacidades intelectuais e da liberdade do homem, enquanto que ―semelhança‖ dizia respeito à justiça original. Num desenvolvimento desse conceito, acrescentou-se posteriormente que a ―imagem‖ era um dom natural de Deus ao homem, enquanto que a ―semelhança‖, ou a justiça original, é um dom sobrenatural que foi acrescentado ao homem, para que fosse freio para a natureza baixa do homem. Este é o donum superadditum. 39 Anthony Hoekema, Created in God‟s Image , (Eerdmans, 1986), p. 13. 40 Berkhof, p. 240, (edição em castelhano). 41 Hoekema, p.13. 42 Hoekema, p. 13.
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A relevância deste verso está no fato de Deus usar a expressão ―nós‖ , uma expressão plural que anuncia o conselho triunitário da criaç ão do homem. ―Isto‖, diz Hoekema, ―indica novamente a singularidade da criação do homem‖. 43 Neste tópico, vamos analisar a imagem do homem teologicamente, tanto quanto possível, baseado no ensino geral das Escrituras sobre o homem.
De que consiste o reflexo da imagem de Deus?
Reflexo 1 O homem reflete a imagem de Deus como um ser pessoal que é. Nesse sentido ele se assemelha a Deus. Ele não pode viver viv er isolado, como Deus não vive em solidão s olidão44, mas sempre em relacionamento. Não existe a pessoalidade sem a noção de companheirismo. Foi por isso que Deus fez uma companheira para o homem, pois como pessoa que ele é, não poderia ficar só. Nessa capacidade de pessoalidade o homem reflete Aquele que o criou.
Reflexo 2 O homem reflete a imagem de Deus pela capacidade de domínio sobre as outras coisas criadas. Esta é a indicação mais clara que a Escritura dá da imagem de Deus no homem. Há divergência entre os teólogos sobre se o domínio da criação é parte essencial da imagem de Deus. Alguns dizem que o domínio sobre a criação é resultado do homem ser criado à imagem de Deus45, enquanto que outros afirmam que isso é essencial ao conceito de imagem de Deus.46 Neste estudo, assumimos esta última posição. O domínio do homem é parte essencial da sua natureza. A palavra domínio vem da palavra latina dominus, que quer dizer ―Senhor‖. O homem foi colocado como o ―senhor‖ da terra. Nesse sentido, ele é o imitador de Deus, como o Senhor absoluto e supremo. Deus, quando estampou a Sua imagem no homem, colocou o senso de domínio sobre todas as obras da criação, e ordenou esse domínio ao homem. Obviamente, é um domínio subordinado, não absoluto com o o do seu Senhor. O texto de Gn 1. demonstra fartamente esta verdade: Gn 1.26-28 — ―Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a t erra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céus, e sobre todo animal que rasteja pela terra‖. Este texto de Gn 1.26-28 dá-nos uma idéia vaga, mas correspondente com a real, da imagem de Deus. E o domínio do homem sobre a criação, especialmente sobre os seres vivos. 43 Hoekema,
p. 12. Deus é tripessoal. Antes de haver a criação, Ele já se comunicava consigo mesmo, nas pessoas da Trindade. A prova disto está no fato de Deus usar a frase ― Façamos o homem ‖, ‖, numa espécie de conselho, um acordo de pessoas que se entendem relacionando-se. 45 Vide J. Skinner, Critical and Exegetical Commentary on Genesis , (Nem York: Scribner, 1910), p. 32; Berkouwer, Man: The image of God, (Eerdmans, 1984), pp. 70-72. 46 Vide Berkhof, Systematics ; L. Verduin, Somewhat Less Than God , (Eerdmans, 1970), pp. 27-48. 44 Eternamente
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Quando o homem exerce devidamente esse domínio, ele está se portando como Deus, refletindo o domínio que Deus tem sobre todas as coisas. O Salmo 8 é uma ―linguagem poética imponente‖ 47 que descreve o conteúdo de Gn 1.26, mostrando o poder e o domínio do homem. ―O homem é um rei, e não um rei sem território; o mundo em derredor, com as as obras da sabedoria criadora que o enchem, é o seu reino‖. 48 Segundo este Salmo, o homem foi feito, por um pouco, menor do que Deus, e foi coroado de glória e de honra, pelo domínio sobre a criação (vv.5-9). A glória e honra do homem está, na verdade, no fato dele ser parecido com Deus no domínio sobre toda a criação. Nisto o homem reflete a imagem de Deus, como nenhuma outra criatura racional, mesmo os próprios seres celestiais. Esse domínio é chamado por alguns teólogos o ―mandato cultural‖, isto é, a ordenação para o governo da terra no lugar de Deus, como representante de Deus.
Reflexo 3 O homem reflete a imagem de Deus por ter atributos que chamamos "essenciais" nele, sem os quais ele não poderia continuar sendo o que é: Poder intelectual, afeições naturais, liberdade moral, espiritualidade, imortalidade e o aspecto físico. a) Por Poder Intelectual queremos dizer a faculdade do raciocínio, inteligência, e outras capacidades intelectivas em geral, que refletem aquilo que Deus tem. Se o homem perde as suas capacidades intelectivas, ele deixa de ser o que é. A racionalidade é o aspecto distintivo dos outros o utros seres criados. Estas capacidades foram afetadas, mas não extintas pela Queda. b) Por Afeições Naturais queremos dizer as capacidades que o homem tem de ligar-se emocional e afetivamente a outros seres ou coisas. Deus tem essa capacidade e a passou para os seres humanos. c) Por Liberdade Moral queremos a capacidade que o homem tem de fazer todas as coisas de acordo com os princípios morais que nele existem, de acordo com as leis que Deus implantou no seu coração (Rm 2). Os teólogos também dizem que a liberdade moral está vinculada à Libertas Naturae que o homem possui, independentemente de sua queda. Ele é capaz de agir sempre de acordo com a sua natureza, também chamada de liberdade de agência. Essa é a liberdade própria do ser humano, sem a qual ele não pode ser o que e. d) Por Espiritualidade queremos dizer a natureza imaterial do homem, com a qual ele foi criado. A Escritura diz que o homem foi feito ―alma vivente‖ (Gn 2.7). Deus é Espírito, e num certo sentido, o homem tem traços dessa espiritualidade, embora ele não seja completo sem o corpo. e) Por Imortalidade queremos dizer que o homem, depois de criado, não mais cessa de existir. Não é somente a alma do homem que é imortal, mas o seu ser completo. A morte, não é para o corpo, mas para o homem. Morte é separação, não cessação de existência. A imortalidade é singular para Deus (1 Tm 6.16) no sentido de ser essencial para Ele. O homem a possui num caráter secundário e derivado. A imortalidade é um dom que o homem recebe de De us. f) Por Aspecto Físico queremos queremos nos reportar ao texto de Gn 9.6 que diz: ―Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem‖. Uma assassinato é a destruição do corpo, mas o texto diz que é a destruição da imagem de Deus. De us. ―Portanto, quando alguém mata o ser humano, não somente ele tira a vida de uma pessoa, ele ofende o próprio Deus - o Deus que foi refletido naquele indivíduo. Tocar na imagem de de Deus é tocar no próprio Deus; matar a imagem de Deus é fazer violência ao próprio Deus.‖49 Não podemos deduzir de Gn 9.6 que o Senhor Deus tenha uma aparência física, mas temos que entender que quando a Escritura fala do corpo, do aspecto físico, ela está falando do homem completo, que é a imagem de Deus. Hoekema Hoekema diz com grande acerto que ―deveríamos 47 Esta 48 C.
é uma expressão usada por Franz Delitzsch, em seu comentário sobre o Salmo 8. 7-9. F. Keil and Franz Delitzsch, Commentary on the Old Testament, vol. 9, (Eerdmans, 1982), p.
155. 49 Hoekema,
p. 16.
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dizer não somente que o homem tem a imagem de Deus, mas que o homem home m é a imagem de Deus. Do ponto-de-vista ponto-de-vista do Antigo Testamento, ser humano e carregar consigo a imagem de Deus.‖ 50 Não podemos menosprezar a idéia do corpo, como sendo algo descartável, que não faz parte da imagem de Deus. Quando Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, o corpo estava incluso, porque o homem total é a imagem de Deus.
Reflexo 4 O homem reflete a imagem de Deus por ter atributos que consideramos ―não essenciais ” a ele. A rigor, o que não é essencial, é aquilo que alguém pode não ter, e mesmo assim, continuar a ser o que é. Estes atributos dos quais vamos falar, o homem perdeu na queda e, contudo, continuou a ser homem. O homem não poderia perder as faculdades que o fazem ser o que é, mas perdeu as capacidades éticas de suas faculdades. Berkhof diz que o homem ―era, por natureza, dotado com aquela justiça original que é a glória culminante da imagem de Deus e vivia, consequentemente, num estado de santidade positiva. A perda dessa justiça significou a perda de algo que correspondia à verdadeira natureza do homem em seu estado ideal. O homem poderia perdê-la e continuar sendo homem, mas não poderia perdê-la e continuar sendo homem no seu sentido ideal. Em outras palavras, sua perda significaria a deterioração e ruína da natureza humana.‖ 51
OS ESTÁGIOS DA IMAGEM DE DEUS Neste capítulo vamos tratar da imagem de Deus nos seus v ários estágios, isto é, antes da queda, depois da queda, depois da regeneração e no estado de glória.
1. A IMAGEM ORIGINAL Neste ponto vamos falar de um aspecto extremamente importantíssimo, que os teólogos, com o suporte das Escrituras, chamam de ―justiça Original‖. Nesse tempo, antes da queda, no estado de integridade, o homem refletia perfeitamente a imagem de Deus. Ele era capaz de viver perfeitamente de acordo com as prescrições de Deus. Agostinho disse que ele era capaz de não pecar. A famosa frase latina posse non peccare expressa bem a capacidade do homem em viver de acordo com a vontade preceptiva de Deus explicitada ali no Éden. Adão e Eva possuíam a justiça original. Esta justiça original é uma terminologia teológica, que não é encontrada na Escritura para os nossos primeiros pais. Contudo, podemos deduzir claramente do ensino bíblico que os nossos primeiros pais a possuíam, porque estas coisas perdidas, são restauradas posteriormente. Composição da Justiça Original original que os nossos primeiros pais possuíram, é composta de: Essa justiça original a) ―Conhecimento ―Conhecimento verdadeiro‖ verdadeiro‖ O NT indica que o conhecimento de Deus é restaurado no homem. Paulo, escrevendo a 50 Hoekema, 51 Berkhof,
p. 18. p. 24 6 (edição castelhana)
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pessoas nascidas de novo, diz: ―E vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou‖ (Cl 3.10). Este conhecimento restaurado no homem através de Cristo (2 Co 4.6), havia sido perdido na queda. Após o Éden, o homem perdeu a comunhão e, portanto, o conhecimento de Deus, porque foi expulso do lugar que revelava perfeitamente a presença de Deus. b) ― Justiça‖ Justiça‖ Novamente, falando do novo homem, do homem renovado em Cristo, Paulo diz: ―E vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade‖ (Ef 4.24). Por justiça, portanto, entendemos a conformidade com a lei divina. Antes da queda havia uma harmonia perfeita entre a natureza moral do homem e todas as santas exigências da lei de Deus. A regra de conduta estabelecida por Deus era cumprida perfeitamente antes da queda. A Bíblia diz em Ec 7.29, que Deus fez o homem reto (justo), referindo-se à sua excelência moral. c) ―Santidade ―Santidade‖‖ Aqui, santidade é sinônimo de ―retidão‖ de Ef 4.24. Essa santidade diz respeito à pureza imaculada do ser humano quando criado. Ele possuía uma comunhão direta com o seu Criador. A santidade não era simplesmente advinda da comunhão com Deus, mas uma qualidade moral deles. Os nossos primeiros pais não eram apenas separados do mal, mas possuíam o bem. Eram limpos de coração. Esta é a imagem moral de Deus que foi perdida no Éden, mas o homem não deixou de ser homem, por perdê-la. O homem, portanto, por causa da imagem moral de Deus estampada nele, a justiça original, possuía um relacionamento triplo perfeito:
Relacionamento Tríplice Perfeito a) Relacionamento com Deus A harmonia com Deus originalmente era patente. Ele respondia perfeitamente aos apelos da revelação natural de Deus. A comunhão dele com Deus no Éden era perfeita. pe rfeita. A Escritura diz que Deus ―andava no jardim pela viração da tarde‖ (Gn 3.8). Não há erro em dizer que Adão amava a Deus ―sobre todas as coisas‖, e dependia totalmente dEle. No sentido mais pleno da palavra, podemos dizer que Adão vivia coram Deo, isto é, na presença de Deus. Deus criou o homem capaz de responder ao Seu amor e providência. E foi assim no Éden, até que o homem decidiu voluntariamente desobedecer. Esse relacionamento perfeito com Deus determinava os outros relacionamentos. Os relacionamentos horizontais eram diretamente relacionados com o relacionamento vertical. Do nosso relacionamento com Deus dependem todos os outros relacionamentos. b) Relacionamento com o semelhante Como um resultado de andar bem com Deus, era perfeito o relacionamento de Adão com sua mulher. Gn 2.18 diz que não era bom para o homem viver só. Por isso Deus quis uma vida ainda melhor para ele, uma vida que incluía o relacionamento com um semelhante. Certamente, a vida com Eva foi de perfeição relacional. Este foi o propósito de Deus para os seres humanos. Uma pessoa, como pessoa, não pode viver viv er em isolamento e, por isso, Deus fez a mulher, para ser sua companheira, sua ajudadora, seu par, de tal forma que um não seria completo sem o outro. As palavras de Gn 2.18 indicam ―que a mulher complementa o homem, suplementa-o, suplementa-o, completa-o, é forte onde ele pode ser fraco, supre suas deficiências preenche suas necessidades. O homem e, portanto, incompleto sem a mulher. Isto vale tanto para o homem quanto para a
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mulher. A mulher também é incompleta sem o homem; o homem suplementa a mulher, complementa-a, preenche suas necessidades, e é forte onde ela é fraca.‖ 52 O casamento indica o melhor relacionamento que pode haver entre dois seres humanos, e ilustra como podem ser os outros relacionamentos com os nossos semelhantes. O que queremos dizer é que o ser humano não é completo sozinho. Ele precisa de outros seres humanos para se realizar. O ser humano não alcança a sua plena satisfação sem o relacionamento, porque Deus nos fez pessoas, e estas não podem viver em isolamento. Somos seres psicológicos, afetivos e sociais, diferentemente de outros seres criados. Não podemos viver sem as afeições do relacionamento. E os primeiros seres humanos viviam em perfeito relacionamento entre si, antes da queda. Quando Jesus estava tratando da quebra do casamento, do divórcio, em Mt 19, Ele disse, em palavras bem claras: ―Não foi assim desde o princípio‖. Isso quer dizer que, no Éden, havia um perfeito relacionamento entre os seres humanos.
c) Relacionamento com a natureza Este também era perfeito. Gn 1.26-28 descreve como Deus quis que os seres humanos vivessem com a natureza. Deus colocou o homem no mundo para viver em perfeita harmonia com a sua criação. Deus o colocou para ter domínio sobre a vida vegetal e animal. E isto o que está claro em Gn 1.28-29. Tudo estava colocado para o bem-estar do homem, que a tudo dominava. A natureza foi feita para servir ao homem, e este deveria viver em perfeita harmonia com e la, cuidando dela. Do cuidado dela dependeria toda a sua subsistência. ―O homem é chamado por Deus para desenvolver todas as potencialidades encontradas na natureza e na raça humana como um todo. Ele deve procurar desenvolver não só a agricultura, horticultura, afazeres domésticos com os animais, mas também a ciência, tecnologia e arte. Em outras palavras, nós temos aqui o que e freqüentemente chamado de mandato cultural: a ordem para desenvolver uma cultura que glorifica a Deus.‖ 53 Mas não foi assim até o fim. O pecado fez com que essa harmonia fosse quebrada, e subsistência do homem ficou prejudicada pela desarmonia com a natureza. Posse Non Peccare
O posse non peccare de Agostinho, era a condição natural do homem antes da queda. Ele poderia perfeitamente viver sem transgredir as leis de Deus, porque ele possuía a habilidade para tal. Ele não possuía natureza pecaminosa, e nada no seu interior que o levasse a pecar. A obediência plena era perfeitamente possível para Ele. Ele poderia agir perfeitamente de acordo com a sua natureza. Os escolásticos chamaram essa condição de libertas naturae. Adão possuía o potentia non peccandi. No jardim, enquanto não pecou, Adão, portanto, refletia perfeitamente a imagem de Deus, com a qual havia sido criado. Mas o posse non peccare, não era uma condição imutável. Hoekema diz que – ―a integridade na qual Adão e Eva existiram, não foi um estado de perfeição consumada e imutável. Para ser exato, o homem foi criado à imagem de Deus no começo, mas ele não era ainda um ―produto terminado‖. Ele ainda necessitava crescer e ser testado. Deus desejou determinar se o homem seria obediente a Ele 52 Hoekema, 53 Hoekema,
p. 77. p. 79.
55
livre e voluntariamente, em face de real possibilidade de desobediência. Por esta razão, Deus pôs Adão à prova (Gn 2.16-17). Se Adão e Eva houvessem guardado aquela ordem, quem sabe igual a quê seria a história humana. Mas é triste dizer, eles desobedeceram a ordem, e lançaram-se a si mesmos, e toda a raça humana que veio depois, no estado de pecaminosidade.‖ 54 É esta também a opinião da Confissão de Fé de Westminster: ―O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder.‖ (IX, 2) Adão foi criado de tal forma que pudesse cair desse estado. E foi exatamente isso o que aconteceu, com todas as suas conseqüências.
2. A IMAGEM DESFIGURADA A imagem de Deus permanece depois da queda, mesmo embora não vejamos mais os vestígios da justiça original. Todas as suas capacidades intelectuais, afetivas, sua liberdade moral, seu domínio sobre a criação, etc., foram afetados pela Queda, mas mesmo depois da Queda, é dito que o homem é a imagem de Deus (Tg 3.9 e Gn 9.6). A condição da humanidade agora caída, portanto, é a da impossibilidade de não pecar. Neste estado o non posse non peccare é uma realidade indiscutível. Não há forças no pecador para fugir do pecado. Nesse estado, é também dito que o homem tem impotentia bene agendi, isto é, ele é incapaz de fazer o bem. Calvino diz ―mesmo embora concedamos que a imagem de Deus não tenha sido totalmente aniquilada e destruída no homem, ela foi tão corrompida que, qualquer coisa que permaneça, é uma deformidade horrenda‖. 55 Possivelmente pensando na justiça original, Calvino acrescenta: ―Agora, a imagem de Deus é a excelência perfeita da natureza humana que brilhava em Adão antes da queda, mas que subseqüentemente foi viciada e quase apagada, de tal forma que nada permanece após a ruína, exceto que ela e confusa, mutilada e doentia.‖ 56 Com a queda, a imagem ficou pervertida, e o homem quebrou os relacionamentos com os quais Deus o havia dotado: O homem quebrou o relacionamento com Deus, com o seu semelhante e com a natureza.
A Quebra do Relacionamento Tríplice a) O Homem quebrou o relacionamento com Deus Depois da queda, ele passou a adorar a criatura ao invés do Criador (Rm 1.20-23). A idolatria antiga era bastante primitiva, pois o h omem adorava estátuas de barro, madeira, coisas bastante rudimentares. Hoje, não existe diferença de idolatria, apenas a confecção mais elaborada dos ídolos modernos. Hoje os homens fazem outros tipos de idolatria sem se ajoelharem literalmente diante delas, mas têm o dinheiro, a fama, o poder, os prazeres, as posses, etc., como objetos de culto. Não podemos, contudo, nos esquecer, de que mesmo nesta 54 Hoekema,
p. 83. I, xv, 4. 56 Institutes, I, xv, 4. 55 Institutes,
56
nossa sociedade contemporânea, ainda há idolatria à moda antiga, ou seja, o curvar-se diante de ídolos feitos à imagem e semelhança de homens e animais. O homem se esqueceu dAquele de quem foi feito imagem e semelhança.
b) O homem quebrou o relacionamento com seu semelhante Ao invés de ser bênção para o seu semelhante, agora o homem perdeu a verdadeira comunhão com eles. Hoekema diz q ue ao invés de ser útil para eles, os ―homens caídos agora usam o dom do relacionamento para manipular os outros como ferramentas para os seus propósitos egoístas. Ele usa o dom da linguagem para falar mentiras ao invés da verdade, para ferir o seu vizinho ao invés de ajudá-lo.‖57 Os relacionamentos entre os caídos tornou-se altamente prejudicado. O amor não mais é a tônica, e sim o ódio. O real interesse pelo bem estar dos outros tornou-se em indiferença e descaso. Apenas nos interessamos pelos que são do sangue, e ainda assim quando eles não nos decepcionam. Ninguém ama ninguém, porque a imagem de Deus está terrivelmente desfigurada. Se as ciências dos homens estudassem o homem antes da queda, elas haveriam de entender muito melhor os relacionamentos dos homens pós-queda. As ciências humanas que não prestam atenção ao que Deus diz dos homens na Escritura, não são sábias, e podem perfeitamente ser chamadas não-científicas, porque sempre ficarão sem a nalisar os verdadeiros problemas dos homens. As antropologias que não estudam o homem à luz da revelação divina, não são simplesmente não-cristãs, mas anti-cristãs. ―Todas as concepções do homem que não levam em conta o ponto-de-partida da doutrina da criação e, que, portanto, olham para ele como um ser autônomo e que pode chegar ao que é verdadeiro e reto totalmente à parte de Deus, ou da revelação de Deus na Escritura, devem ser rejeitadas como falsas.‖ 58
c) O homem quebrou o relacionamento com a natureza Como os outros dois relacionamentos, este também é fácil de ser percebido. O homem foi colocado no mundo para ser o guardador da terra que belamente Deus havia criado, mas depois da queda, o mundo vem sendo estragado e suas riquezas tem sido usadas para propósitos tremendamente egoístas. A exploração das riquezas tem sido somente para o enriquecimento de alguns mais ―espertos‖, em prejuízo da grande maioria de desfavorecidos. A natureza que deveria ser para o bem de toda a humanidade, tem sido estragada para o beneficio de alguns exploradores poderosos. Isso é tremendamente triste, porque o homem está se alienando de seu próprio habitat. Modernamente, o homem pensa no futuro, mas não sem pensar antes em seus próprios interesses, sem levar em conta os interesses do Criador. O interesse da humanidade está aquém de Seus próprios interesses. Embora possamos ver resquícios da imagem de Deus, é fácil perceber que ela está bem distorcida, pervertida, desfigurada. E o homem revela muito bem essa condição de pecador com a imagem de Deus desfigurada. Por isso uma grande Providência foi tomada para recuperar aquilo que havia sido quase totalmente perdido. Non Posse Non Peccare
Nesta altura o homem perdeu a capacidade de fazer o bem (o que é agradável a Deus). Agora, escravo do pecado, faz com que o pecado seja uma necessidade nele. A condição 57
In God‘s Image, p. 84. p. 76.
58 Hoekema,
57
pecaminosa dele o obriga a pecar porque é a única coisa que ele sabe fazer, pois de agora em diante, como um livre-agente que é, só poderá fazer o que está de acordo com a sua natureza. Como ele só possui a natureza pecaminosa, ele só fará o que lhe é próprio. Por isso que ele não tem capacidade de viver sem pecar. Daí a expressão latina non posse non peccare.
3. A IMAGEM RESTAURADA Cristo Jesus é considerado na Escritura a imagem perfeita de Deus. Em vários lugares é dito que Ele reflete Seu Pai de maneira perfeita. 59 Por isso é dito na Escritura que Deus nos predestinou para sermos ―conformes à imagem‖ de Jesus Cristo. Ser igual a Jesus é ter de volta a imagem de Deus. Rm 8.29 — ―Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos.‖ Os eleitos foram predestinados para se parecerem com Jesus Cristo, para refletirem a Sua perfeita varonilidade, a humanidade plena de Jesus Cristo. Este texto de Romanos indica que alguma coisa errada aconteceu com a imagem de Deus no homem após a queda, imagem essa que precisava ser refeita. A conformidade com a imagem de Jes us Cristo é o mesmo que ser feito à imagem de Deus. Jesus é a imagem e o reflexo exato do ser de Deus. A meta final da obra redentora de Cristo é devolver ao homem aquilo que foi perdido na queda, isto é, a imagem de Deus. Ser conformado à imagem de Jesus Cristo, é ser conformado à imagem de Deus. E é para isso que fomos destinados de antemão. A completação da obra da redenção será o sermos semelhantes a Cristo, nosso Redentor. Esta restauração da imagem já começ ou, mas ainda não está completada. Ainda temos sementes do pecado em nós que impedem que a imagem de Deus seja completamente vista em nós. À medida que Deus completa a sua salvação em nós, restaurando-nos, Sua imagem será plenamente vista, e Cristo será visto em nós. 2 Co 3.18 — ―E todos nós com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho (katoptrizo/menoi) a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória, na Sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espirito.‖ No tempo do VT as pessoas se aproximavam de Deus com o rosto vendado, para não verem a glória de Deus. Opostamente, nos tempos do NT, as pessoas não mais precisam tapar os seus rostos, como medo de verem a glória de Deus. Essa glória de Deus, de alguma forma, vai ser revelada na vida dos crentes, que estão sendo transformados pela obra redentora de Cristo, para refletirem, de novo, a imagem de Deus que foi desfigurada na queda. Perceba-se que essa transformação é paulatina, pouco a pouco, ―transformados de glória em glória‖, até que reflitamos perfeitamente, amanhã, a glória de Jesus Cristo. Ass im como Cristo reflete a glória de Seu Pai, como Ele é a expressão exata do Seu Ser, também nós haveremos de refletir perfeitamente a imagem daquele que nos redimiu. Embora tenhamos a imagem do Senhor restaurada em nós, ainda não podemos vê-la plenamente, porque há embaraços, há ainda pecaminosidade em nosso ser. Mas não podemos negar que, de algum modo, já refletimos algo de nosso Senhor. O texto em português diz que nós ―com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor...‖ - Essa tradução pode, às vezes, dar uma interpretação falseada. Ela pode dar-nos a impressão de que por contemplarmos a glória é que somos transformados à imagem de Cristo. A idéia não é bem esta. A melhor tradução do texto diz que nós estamos como que com ―o ro sto desvendado, refletindo (katoptrizo/menoi) a glória do Senhor, somos transformados... na sua própria imagem‖. Dr. Hoekema diz que 59 Cl
1.15; Hb 1.3
58
―A palavra grega é derivada de katoptron, que significa ―espelho‖. Literalmente, portanto, katoptrizo/menoi significa espelhando. A palavra poderia significar tanto ―contemplando como num espelho‖ como ―refletindo como um espelho‖. Eu prefiro o segundo significado, visto que ele se encaixa tão bem no contexto. A face de Moisés estava refletindo a glória de Deus, após ele ter estado face a face, em comunhão com Ele. Visto que esta glória estava brilhante demais para os Israelitas olharem para ela, .Moisés teve que esconder a face. Mas hoje, Paulo aponta, nós podemos refletir a glória do Senhor Jesus Cristo, com as faces desvendadas. E deste modo que vemos a superioridade do novo pacto sobre o antigo.‖60 O processo de transformação pelo qual passamos, até que reflitamos perfeitamente a imagem de Cristo, é paulatino, pois o verbo grego metamorfou/meta (―estamos sendo transformados‖) indica essa idéia. O verbo dá a idéia de um processo continuo, ainda não acabado. Já refletimos a imagem de Cristo, mas ainda não fomos transformados completamente a sua imagem. O primeiro texto analisado, o de Rm 8.29, aponta a meta de Deus para nós - destinados para refletir a imagem de Cristo; o segundo texto, o de 2 Co 3.18, indica o caráter progressivo dessa transformação. Embora o Pai nos tenha destinado para sermos conformes à imagem de Jesus, é dito que o Espírito nos transforma nesse continuado processo. Com a imagem de Deus restaurada em nós, Cristo restaura também em nós os relacionamentos perdidos: a) Restaura a nossa comunhão com Deus; b) Restaura a nossa comunhão com os semelhantes; c) Restaura a nossa comunhão com a natureza.
Posse non p eccare (?)
4. A IMAGEM APERFEIÇOADA Os textos analisados na seção anterior, Rm 8.29 e 2 Co 3.18 indicam que a queda causou aos homens a necessidade de serem transformados para terem de volta aquilo que perderam quando da sua criação. A meta final de Deus para os redimidos é a perfeição de Cristo. Que esta condição se dará somente depois da nossa ressurreição, está claro de alguns textos da Escritura. 1 Co 15.49 — ―E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial‖. ―Terreno‖ aqui se refere ao primeiro Adão. ―Celestial‖ refere-se ao segundo Adão, Jesus Cristo. O contexto dessa passagem está no ensino sobre a ressurreição. Somente depois da completação de nossa salvação é que refletiremos a perfeição da imagem de Jesus Cristo. A glorificação do homem é o estado final da redenção do pecador por que m Cristo morreu. Somente no estado de glorificação é que o remido refletirá perfeitamente a imagem de Cristo. Por enquanto, ele ainda está no processo, mas então, o processo já estará terminado. Nesse tempo, até o corpo refletirá aquilo que Cristo já é. Teremos um corpo semelhante ao corpo de Sua glória 60 Anthony
Hoekema, In God‟s Image , p. 24.
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(Fp 3.21). Hoje não somos o que seremos, mas quando Cristo se manifestar, isto é, na completação de nossa salvação, haveremos de refletir perfeitamente Jesus Cristo. Por essa razão, João diz: ―ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque havemos de vê-lo como Ele é.‖ (1 Jo 3.2). A idéia de imagem de Cristo, está perfeitamente delineada nesse verso. Após a nossa ressurreição, haveremos de exibir tudo aquilo para o que fomos destinados de antemão. Non Poss e Peccare
A reflexão da imagem de Cristo, nessa época, será vista na capacidade de não pecar. Não teremos a impecabilidade61 de Cristo, porque continuaremos a ser homens, mas o Senhor Deus nos livrará da presença do pecado e o non posse peccare de Agostinho, será uma grande e maravilhosa realidade.
A IMAGEM DE DEUS NA TEOLOGIA CRISTÃ 1) Catolicismo A justiça original dentro do catolicismo é uma espécie de donum superadditum, algo que Deus acresceu ao homem depois da sua criação. O homem foi criado com uma justiça natural (justitia naturalis), que é composta dos dons naturais que recebeu de Deus. Mas ainda assim, com a justiça natural, o homem estava sujeito a paixões baixas e apetites indevidos. Esta tendência é chamada concupiscência, que em si mesma, não é pecado, mas oferece elementos para acontecer o pecado. Essa concupiscência é uma espécie de combustível para o pecado, quando a ação se torna voluntária. Para refrear impulsos pecaminosos, Deus acrescentou, então, aos dons naturais os dons sobrenaturais (dona supernaturalia), que inclui a justiça sobrenatural. Este é o donum superadditum. Originalmente, portanto, a justiça original não fazia parte do homem, mas foi acrescentada como uma recompensa pelo uso dos dons naturais. Mas esses dons sobrenaturais, incluindo a justiça original, foram perdidos com a queda. A dedução clara desse ensino é que o homem hoje é exatamente o mesmo que Adão antes de receber a justiça original, ainda que agora tenha uma tendência muito mais forte em direção ao mal, especialmente porque não tem o freio da justiça original, que é o donum superadditum. 2) Socinianismo Segundo os socinianos, a imagem de Deus consistia, quase que unicamente, do domínio do homem sobre os outros elementos da criação. Os socinianos, assim como os arminianos primitivos, descartam qualquer possibilidade de o homem ter sido criado num estado de santidade. Eles não criam que o homem foi feito pecador, mas não criam que a justiça original fizesse parte deles na criação. Eles apenas criam que o homem foi criado num estado de neutralidade moral, capacitado com uma vontade livre, para poder ir para qualquer direção. O homem era inocente, sem pecado, mas não santo. Por essa razão, eles colocaram a imagem de Deus apenas na esfera do domíni o sobre a criação 3) Luteranismo Os luteranos, às vezes, tentam distinguir a imagem de Deus num sentido mais estrito e num mais amplo. No sentido mais estrito, o luteranismo viu a imagem de Deus como sendo a 61 Impecabilidade
natureza divina.
que advém do fato de Sua natureza humana estar inseparavelmente unida á
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justiça original. Sendo assim, O homem perdeu totalmente a imagem de Deus, por causa do pecado. No sentido mais amplo, a existência do intelecto e da vontade, que ainda existem no homem, que o diferem dos outros seres animais, nada tem a ver com o religioso o u teológico. Por essa razão Piepper diz que ―chamar a imagem de Deus porque ele possue razão e vontade é não levar em consideração o que o homem está para se tornar em Cristo.‖ 62 Portanto, é muito mais comum para os luteranos enfatizarem o aspecto justiça original do que os outros aspectos geralmente considerados dentro da teologia Reformada. ―Os teólogos luteranos são concordes em que imagem de Deus, que consiste no conhecimento de Deus, santidade da v ontade, está faltando no homem depois da queda... Eles diferem, contudo, sobre a questão se em Gn 9.6 a imagem divina é ainda atribuída ao homem após a Queda.‖ 63 Lutero preferiu esta interpretação, de que a queda aniquilou a imagem de Deus, em seu comentário sobre Gn 9.6.
4) Calvinismo Há idéias diferentes entre os vários teólogos Reformados: Robert Dabney insiste ―que a imagem de Deus não consiste de algo absolutamente essencial à natureza do homem, mas unicamente em alguns acidentes”.64 É provável que Dabney estivesse pensando aqui somente na justiça original. Alguns teólogos Reformados limitam a imagem de Deus apenas à justiça original, enquanto que outros incluem toda a natureza racional e moral. Outros ainda incluem o corpo como parte da imagem de Deus, como já vimos. De qualquer modo, o conceito de imagem de Deus é extremamente importante para a teologia reformada, porque essa imagem é o que há de mais distintivo no homem em sua relação com Deus. O conceito reformado de imagem de De us é muito mais abrangente e inclusivo do que o luterano e o católico romano. O homem não perdeu a imagem de Deus, pois se a tivesse perdido, haveria deixado de ser o que é — homem.
62 Francis
Pieper, Christian Dogmatics , vol. 1, (Saint Louis: Concordia Publishing House, 1950), p.
63 Francis
Pieper, Christian Dogmatics , vol. 1, (Saint Louis: Concordia Publishing House, 1950), p.
520. 518-19. 64 Systematic
and Polemic Theology, p.293.
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CAPÍTULO VI O HOMEM NO PACTO DAS OBRAS
Teologia do Pacto ou Teologia Federal 65 A Teologia Reformada é conhecida como a Teologia do Pacto, porque desde os seus primórdios, creu-se no estabelecimento de pactos da parte de Deus. Do começo ao fim, a Escritura mostra que Deus estabeleceu relacionamentos com os homens através de pactos. As alianças de Deus com Israel é um tema dominante através de toda a Escritura. Deus estabeleceu pactos para relacionar-se amorosamente com as Suas criaturas, porque, doutra forma, não poderia haver ligação entre Ele e elas. Eis o que diz a Confissão de Fé de Westminster: ―Tão grande é a distância entre Deus e a criatura, que, embora as criaturas racionais lhe devam obediência como ao seu Criador, nunca poderiam fruir nada dele como bem-aventurança e recompensa, senão por alguma voluntária condescendência da parte de Deus, a qual foi ele servido significar por meio de um pacto.‖ (VII, 1).
O SIGNIFICADO DO TERMO “PACTO” Não é simples definir em nossa língua o termo hebraico tyir:b (berith), que traduzimos como ―pacto‖. Etimologicamente é muito improvável que consigamos o seu significado fundamental. Robertson diz que ―investigações extensivas na etimologia do termo do Antigo Testamento para o termo ―pacto‖ ( tyir:b) têm se provado inconclusivas na determinação do significado da palavra.‖ 66 Ela tem muitas conotações dadas na própria Escritura. Robertson define que ―pacto é um vínculo de sangue administrado soberanamente ‖.67 Ele sempre contém a idéia de vínculo ou relacionamento, antes que a idéia de ―obrigação‖ ou ―compromisso‖. McCoy diz: ―Enquanto os pactos divinos envolvem invariavelmente obrigações, o propósito definitivo deles vai além do cumprimento garantido de um dever. Ao invés disso, é uma interrelação pessoal de Deus com Seu povo que está no c oração do pacto. Este conceito do coração do pacto foi percebido na história dos investigadores do pacto logo cedo no tempo de Coceius, como também foi visto por termo Federal vem do latin 'foedus", que significa "pacto". A doutrina dofoedus operum pressupõe que Adão conhecia a lei moral de Deus, tanto a da natureza (Iex naturalis que foi impressa no seu coração desde sua criação) quanto àquela que foi expressamente ordenada por Deus (Iex paradísiaca, lei do Paraíso). 66 O Palmer Robertson, The Christ of Covenants, (P&R, 1982), p 5. 67 Ibid., p. 4 65 O
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sua ênfase sobre o efeito de um pacto como o que estabelece a paz entre as partes.‖68 Portanto, o estabelecimento de pacto é sempre o estabelecimento de um relacionamento ―em conexão com‖ ou ―entre‖ pessoas. O elemento essencial de um pacto é que alguém fica vinculado a outrem pelo estabelecimento de um compromisso. O vinculo leva a obrigações graciosas da parte de Deus para com o homem, e de uma resposta obediente da parte deste último. Essas obrigações ou compromissos são decorrentes do vinculo estabelecido. Por essa razão, muitas vezes há a menção de ―juramentos‖69 nos pactos divinos. Um pacto faz com que uma pessoa seja comprometida com outra. Isto mostra que um pacto é em essên cia um vinculo. Robertson diz: A Escritura sugere não meramente que um pacto geralmente contém um juramento. Ao invés disso, pode ser afirmado que um pacto é um juramento. O compromisso da relação pactual liga as pessoas com a solidariedade equivalente aos resultados alcançados pelo processo de uma estabelecimento formal de juramento. ―Juramento‖ adequadamente capta a relação efetuada pelo ―pacto‖ de tal forma que os termos podem ser permutáveis (cf 51 89.3, 34 sgts; 105.8-10). O processo de formalização da tomada de juramento pode estar ou não presentes. Mas o compromisso pactual inevitavelmente resultará numa obrigação muito solene.70 A quase identidade entre os termos pacto e juramento mostram estas duas palavras enfatizam a idéia de relacionamento, de estreito vinculo, que é parte essencial do que a Escritura chama de Pacto. As partes contratantes de um pacto estão profundamente comprometidas entre si. Na sua definição Robertson disse que pacto é "vinculko em sangue admistrado soberanamente." A idéia de sangue é porque pacto sempre envolve u ma questão de vida ou morte, e quase que sempre mostra o derramamento de sangue de uma vit ima.
O NOME “PACTO DAS OBRAS” Vários nomes têm sido dados ao relacionamento e ntre Deus e o homem no Éden: Pacto da Criação, Pacto da Natureza, Pacto Edênico, Pacto Adâmico, mas o que prevaleceu foi o nome Pacto das obras. Embora não me agrade pessoalmente desse nome, vou us á-lo porque é este que os nossos símbolos de fé usam. Portanto, o primeiro dos pactos estabelecido historicamente, segundo os símbolos de Westminster, é o pacto de obras. ―O primeiro pacto feito como o homem era um pacto de Obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e nele à sua posteridade, sob a condição de perfeita Charles Sherwood McCoy, The Covenant Theology of Johannes Coceius , (New Haven, 1965), p. 166), citado por Robertson, p. 5, nota de rodapé 4. 69 Em quase todos os pactos estabelecidos por Deus há a menção de ―juramentos‖ de Deus, embora esses juramentos formais não devam ser considerados como conditio síne qua non dos pactos. Robertson diz que ―embora o juramento apareça repetidamente em relação a um pacto, não está claro que uma cerimonia formal de tomada de juramento seja absolutamente essencial para o estabelecimento de um relacionamento de pacto‖ Robertson, p. 6, nota de rodapé 7). 70 Robertson, p. 6, nota de rodapé 7. 68 Ver
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obediência pessoal.‖ (VII, 2) Nesse pacto de Obras Deus viu Adão, não como um indivíduo simplesmente, mas com o o ―cabeça federal‖ de toda a humanidade, debaixo da obrigação de obedecer as leis estabelecidas por Deus através da natureza e das Suas asseverações verbais. Tem sido chamado pacto das obras para enfatizar a responsabilidade de Adão.
EVIDÊNCIA BÍBLICA DO PACTO DAS OBRAS O termo ―pacto‖ ( tyir:b) não aparece nos eventos do Éden. Isto tem dado motivo a alguns teólogos Reformados para desistirem da teologia do pacto, tão fortemente sustentada pela tradição Reformada. Contudo, há uma passagem na Escritura que considera o que se passou entre Deus e Adão, como sendo um pacto. Oséias 6.7 diz: ―Mas eles transgrediram o pacto (tyir:b), como Adão ({fdf):K); eles se portaram aleivosamente contra mim.‖ Alguns teólogos têm tentado dar uma outra interpretação a este texto, alterando o sentido de ―como Adão‖ para ―em Adão‖. ―Adão‖ significaria o nome de uma cidade. Portanto, a idéia é a de que os homens do tempo de Oséias transgrediram o pacto como os homens de Adão fizeram. Isso altera o sentido do texto, invalidando assim, a doutrina do pacto lá no Éden. Esta interpretação dificilmente encontraria apoio. Robertson diz: ―Somente uma pura suposição pode proporcionar uma ocasião concreta de pecado nacional em Adão, localizada no Jordão, cerca de 12 milhas ao norte de Jericó. A narrativa de um transbordamento do Jordão a Adão não faz qualquer menção de um pecado da parte de Israel.‖ 71 Essa é uma interpretação tendenciosa. Há um único registro de uma cidade chamada ―Adão‖, mas não há nenhuma menção de os homens terem violado o pacto de Deus. ―Além disso, esta interpretação pareceria requerer uma emenda ao texto massorético. Este verso não deve ser traduzido ―em Adão‖, mas ―como Adão‖. 72 Há outros dois versos na Escritura que possuem a mesma conotação e são traduzidos ―como Adão‖ (Jó 31.33 e 51 82.6-7), sem que alguém tente afirmar que Adão ali signifique um lugar ou cidade. Uma outra possibilidade de interpretação tem sido esta: que Israel tenha quebrado o pacto ―como homem‖ ou ―igual a raça‖. 73 De qualquer forma, esta interpretação tem que estar ligada à queda da raça ou do homem, o que não faz muita diferença se comparada com a interpretação tradicional que assumimos neste trabalho. Tradicionalmente, os teólogos do pacto, sejam eles Reformados ou não, têm traduzido as palavras hebraicas {fdf):K (―como Adão‖) relacionando-as ao pecado do primeiro homem. Esta é a tradução que oferece menos dificuldade que as outras. ―Como Ad ão transgrediu os arranjos pactuais estabelecidos pela criação, assim Israel tem transgredido o pacto designado no Sinai‖. 74 De qualquer forma, as duas últimas interpretações falam de um pacto que foi quebrado por um Adão indivíduo, ou por um Adão representativo da raça. Robertson diz: ―Se ‗Adão‘ é tomado genericamente, o termo se referiria a uma obrigação pactual mais ampla que recai sobre o homem que lhe dá uma responsabilidade solene no mundo de Deus pela criação. Em qualquer caso, Oséias 6.7 pareceria Palmer Robertson, The Christ of the Covenants , (P&R, 1982), p. 22. O texto ao qual Palmer Robertson se refere de um transbordamento do Jordão está registrado em Josué 3 . 15-16. 72 Ibid., p. 22. 73 Robertson argumenta que a Septuaginta traduz a expressão hebraica mfdf):K como w(j a)/nqrwpoj , o que favorecia esta interpretação. Calvino também sugere esta interpretação em seu Commentaries on the Twelve Minor Prophets , (Edinburgh, 1846), 1:233, 235. (Robertson, p. 23, nota de rodapé 4). 74 Ibid., p. 23. 71 O.
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referir-se a uma terminologia pactual na relação de Deus com o homem estabelecida pela criação.‖75 Ninguém duvida do pacto da graça, porque ele está afirmado explicitamente nas Escrituras, mas porque não aparece explicitamente em Gênesis, há os que tentam destruir a noção de pacto ali. Charles Hodge, um partidário da teologia do pacto, coloca nestes termos a sua crença no pacto de obras feito entre Deus e Adão, por comparação ao que aconteceu no pacto da graça: ―Embora a palavra pacto não seja usada em Gênesis… o plano de salvação é contentemente representado como o novo pacto, novo, não meramente em antítese ao que foi feito no Sinai, mas novo em referência a todas os pactos legais quaisquer que fossem.. Está claro que a Bíblia representa o arranjo feito com Adão como uma transação verdadeiramente federal. A Escritura não conhece nenhum outro além dos dois métodos de se obter a vida eterna: um é aquele que exige perfeita obediência, e o outro é aquele qu e exige fé. Se o último é chamado pacto, o primeiro é declarado ser da mesma natureza.‖ 76 Portanto, queiramos reconhecer ou não, a idéia de pacto de obras está presente no Gênesis, embora ali não esteja o termo próprio.
O PACTO DAS OBRAS E A LEI DE DEUS Não há como se questionar que Deus deu lei para Adão. A lei foi dada para Adão como um principio regulativo para a sua vida. Ela declara ao homem o que é bom e o que não é bom e, por virtude de ser de autoridade divina, ela obriga o homem à obediência. A lei dada no Éden indica que o homem é um ser moral, não um ser moralmente neutro ou indiferente. Deus deu duas espécies de lei a Adão no Éden: a lei da natureza e a lei expressa em palavras.
1. Deus deu ao homem uma lei natural. Paulo nos diz que há uma lei impressa nos corações dos homens desde que foram criados (Rm 2.14-15). Esta é a lei da natureza. Essas leis não foram escritas nos corações dos homens depois da Queda, mas na criação do homem. Se o homem depois da Queda ainda possuem essas leis, quanto mais o homem antes da Queda! Essas leis fazem parte da natureza constitucional do homem, e o tornam um ser absolutamente moral, com padrões a serem seguidos. Essas leis naturais refletem não somente o caráter moral de Adão, mas também a natureza de Deus. A natureza de ambos exige a presença de leis, porque um reflete o primeiro reflete a imagem do segundo. Se Deus é um ser m oral, o homem também tem que ser e, portanto, há algumas normas dadas por Deus que refletem a moralidade do Criador na criatura. Por virtude de Sua natureza, Deus está acima da criatura e tem a prerrogativa de estabelecer leis para ser obedecido. Deus é soberano e o homem é criatura dependente dEle em todas as coisas, sendo sujeito a Ele em tudo. Essas leis naturais são uma sombra daquilo que foi posteriormente dado em forma escrita no tempo de Moisés. Elas refletem os 10 Mandamentos quase que na sua inteireza. Essas 75 Ibid.,
p. 24. Theology, vol. II, 117.
76 Systematic
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leis naturais são perfeitas, e Adão estava em posse dela. Ainda é possível perceber a impressão delas na alma humana, embora os homens tenham sido afetados moralmente pela Queda, mesmo os homens que vivem numa civilização muito distante daquela que conhecemos como ―civilização cristã ou ocidental‖. Todos eles têm noções básicas das leis morais de Deus, a quem devem obedecer. Após a Queda, Paulo diz, essa lei tornou-se enferma por causa da natureza pecaminosa do homem que obsta o homem de obedecê-la plenamente (Rm 8.3). A inadequacidade não é da lei, mas daquele que se torna incapaz de obedecê-la, mas há algo claro no texto: essa lei, se obedecida, concederia vida, porque ela é es piritual. Portanto, desde a sua criação, Adão tinha deveres de obediência, embora estas leis impressas não revelem um caráter pactual.
2. Deus deu ao homem uma lei expressa em palavras. Elas estão afirmadas nas proibições de Gn 2.15-17. A lei natural dada na criação expressão o caráter moral de Deus. Estas leis são a expressão da Sua soberania que agora é formalmente declarada. Elas são expressão de Sua soberania porque Ele não precisava dá-las se não quisesse. Ao homem foi ordenado o cuidado do jardim e a proibição de não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Por quê Deus deu esta ordem a Adão? Se Deus não a houvesse dado, Adão não teria pecado. A resposta a esta objeção é que Deus não costuma dar justificativa de todos os Seus atos, e Ele agiu assim conforme o conselho da Sua vontade. Além disso, uma lei não significa necessariamente que alguém deva desobedecê-la. De uma coisa podemos todos estar absolutamente certos: Com essa ordem Deus declara formalmente a Sua soberania, que Ele era o S enhor, e que Ele requeria a obediência da criatura de maneira inequívoca, sem que esta lhe pedisse qualquer justificativa. Era dever do homem obedecer à lei e fazer a vontade de Deus desejosamente, pois esta era a maneira de continuar em boas relações com o Criador. A alegria e a santa comunhão só poderiam continuar e tornar-se ainda num grau maior e definitivo com a continuada obediência da lei. Isto significava que o homem deveria estar contente com aquilo que o Criador lhe havia dado até então, sem desejar qualquer coisa superior a ela. A resposta à pergunta feita logo acima não pode, portanto, ser respondida, a menos que a entendemos à luz da soberania divina, que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade.
OS ELEMENTOS DO PACTO DAS OBRAS Embora no Éden não apareça o termo, os elementos do pacto estão presentes nos atos reveladores de Deus. Há as partes contratantes, há a promessa de vida sob a condição de obediência, e há a penalidade fixada no caso da desobediência à lei estabelecida.
1. Partes Contratantes Sempre há o envolvimento de duas partes num pacto. Neste caso são Deus, como soberano e supremo Senhor e Adão. Este foi feito à imagem e semelhança dAquele. Foi tornado cabeça e representante de toda sua progênie. Deus prescreveu todas as coisas a Adão com poder absoluto, de forma que todas as condições e promessas do pacto foram unilaterais, estando Adão apenas na posição de aceitar e obedecer todas as exigências de Deus. Deus estabelece todas as condições virtude da sua absoluta soberania, supremacia, majestade e eminência, que São Seus atributos essenciais. O profeta Jeremias mostra esses atributo de Deus de uma forma bem simples e resumida, que colocam o homem na posição de obedecer todas as prescrições divinamente enviadas: Jr 10.6-7 — ―Ninguém há semelhante a ti, ó Senhor; tu és grande, e grande é
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o poder do teu nome. Quem te não temeria a ti, ó Rei das nações? pois isto é a ti devido; porquanto entre todos os sábios das nações, e em todo o seu reino, ninguém há semelhante a ti.‖ Dessa idéia de Deus, segue-se que o homem está sob o dever de obedecer todas as estipulações. Adão acatou todas as exigências divinas e, como criatura finita, não discutiu as exigências de Deus porque conhecia o seu papel de criatura e das responsabilidades como mordomo do jardim que Deus lhe havia confiado.
2. Promessa de Vida Condicionada à Obediência Nenhum pacto é estabelecido por Deus sem promessas. A promessa deste pacto das obras é a de vida eterna, que está implícita no texto de proibição de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. No pacto das obras, ―a Adão foi prometida a mesma vida eterna a ser obtida pela justiça que é da lei, da qual os crentes São tornados participantes através de Cristo.‖77 A promessa de vida prometida no evangelho aos que crêem em Cristo é exatamente da mesma natureza da que foi feita no Éden a Adão. Os dois tipos de vida prometidos São absolutamente iguais. Quando Jesus disse: ―Aquele que crê em mim tem a vida eterna‖, é a repetição da idéia que Moisés disse: ―Faze isso, e viverás‖. Essa idéia de vida plena está no bojo de todos os homens. E isso o que todos desejam. O desejo de felicidade eterna é algo que está ainda presente em todos os homens, mesmo nos mais ímpios. Todos eles sabem que a felicidade está vinculada ao fazer o que é bom como a infelici dade no fazer o que é mau. E uma noção universal a idéia de recompensa para os que obedecem e punição para os que não obedecem as leis estabelecidas. Isso advém das leis naturais im pressas na alma humana, sem que ninguém ensine aos homens. Contudo, a noção de vida eterna é muito mais claramente percebida pela ordem dada por Deus como expressão da Sua Soberania no Éden. Se o pagão ainda hoje tem a noção de recompensa para os que fazem o bem e a punição para os que fazem o mal, quanto mais Adão! Ele que possuía o conhecimento advindo dois tipos de lei que Deus lhe havida dado no Éden. O seu conhecimento dessas leis era perfeito, então. O ensino de que a vida eterna vem pela obediência é uma tônica de toda a Escritura. Este é o ensino de Moisés O pacto das obras, num sentido estrito, tem relação absoluta com a Lei de Deus. A vida eterna de Adão, assim como de toda a sua posteri dade, estava vinculada à sua obediência estrita à lei estabelecida por Deus. Mesmo após a desobediência, Deus não retirou a idéia de que a vida eterna vem pela mesma obediência. Veja algumas sugestões da Escritura no tempo em que o homem já havia caído: Lv 18.5 — ―Portanto os meus estatutos e os meus juízos guardareis; cumprindo os quais, o homem viverá por eles: Eu sou o Senhor‖. Deus poderia ter retirado o mandado de ter vida pela obediência, pela simples razão de que ele é o Senhor. No pacto das obras a ordem é ―Faze isto‖ e a promessa ―e viverás‖. Deus ainda coloca uma ameaça: ―Se não fizeres isto, morreras‖.
Este é o ensino de Davi Davi é um outro famoso escritor sacro. A sua ênfase na importância da obediência à lei é Witsius, The Economy of the Covenants between God na Man , vol. 1, (Phillispsburg, New Jersy: Presbyterian and Reformed Publishing House, 1990), 75. 77 Herman
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conhecida nos salmos que escreveu. O Salmo 119 mostra o seu apego à lei de Deus. Veja também como se porta falando sobre a perfeição da lei do Senhor: S119.7- 11 — ―A lei do Senhor é perfeita e restaura a alma.. .Além disso, por eles se admoesta o teu servo...; os preceitos do Senhor São retos... e em os guardar há grande recompensa.‖ Todo homem que guarda perfeitamente a lei do Senhor é recompensado com a vida eterna, com a comunhão imperdoável. Contudo, mesmo embora saibamos que a lei do Senhor é perfeita, não existe perfeição em nós para que a guardemos perfeitamente, a fim de que recebamos a recompensa da vida eterna.
Este é o ensino de Paulo A mesma vida eterna que alguém recebe pela fé em Cristo é prometida àqueles que obedecem perfeitamente à lei de Deus. Paulo reafirmou o pensamento de Moisés de que a vida eterna vem pela obediência irrestrita à lei de Deus. Rm 10.5 — ―Ora, Moisés escreveu q ue o homem que praticar a justiça decorrente da lei, viverá por ela. ‖
Gl 3.12 — ―Ora, a lei não procede da fé, mas: os seus preceitos, por eles viverá.”
aquele que observar
Rm 7.10 — ―E o mandamento que me fora para a vida, verifiquei que este mesmo se me tornou para morte.‖ Obviamente, Paulo sabe da impotência do pecador para cumprir a lei de Deus perfeitamente. Por essa razão, ele trata abundantemente da justiça da fé (Rm 10.6-9). Ele ainda argumenta que, porque ―ninguém pode ser justificado pelas obras da lei‖' (pela impotência de pecador em cumprir todos os preceitos), Cristo teve que ―nos resgatar da maldição da lei‖ (Gl 3.10-13). Paulo argumenta que a lei tornou-se impotente de dar vida ao homem, mas o problema não estava na lei, mas na impotência humana (Rm 8.3-4). Mas ninguém pode negar que a vida eterna de um homem vem pela obediência. Os mesmos preceitos que Deus propôs a Adão, que produzem vida eterna, e sobre os quais o pacto das obras está fundado, São repetidos e reforçados na Lei de Moisés. Há uma continuação entre a lei dada a Adão e a lei repetida a Moisés. A mesma lei que estava em vigor no Éden, antes da entrada do pecado no mundo, ainda permanece em vigor. Se devidamente observada, ela produz vida. Basicamente é a mesma lei à qual todos os homens devem obediência, se querem ter vida eterna. Paulo confirmou isso, mas reconheceu a incapacidade humana dessa obediência irrestrita a todos os preceitos da lei. Por essa razão, Cristo obedeceu perfeitamente todos os preceitos, para que Deus nos concedesse vida ete rna. Cristo veio fazer o que o primeiro Adão não fez: obedecer para conseguir vida eterna para os seus representados.
Este é o ensino de Jesus Jesus confirmou o ensino do VT de que a vida eterna dos homens vem pelo cumprimento da lei estabelecida por Deus no Éden e na confirmação dela por Moisés. A lei natural dada no Éden era uma sombra da lei que haveria de ser dada de forma escrita muito tempo depois, no Monte Sinai. E a lei dos 10 Mandamentos. Essa lei contém uma
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noção de vida eterna para aqueles que obedecem a Deus. Jesus admitiu claramente que a obediência à lei produz vida eterna. Isto está registrado em Mt 19.16-21 O jovem perguntou: ―Mestre, que farei eu de bom, para herdar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por que me perguntas acerca do que é bom? Bom, só existe um. Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos. E ele lhe perguntou: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho; honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o teu próximo como a t i mesmo.‖ Está claro que a obediência à lei produz vida. Os homens podem ganhar a vida ete rna no céu pela plena obediência à lei de Deus. O verso 21 afirma esta verdade inequivocamente. Jesus, portanto, afirma a concessão da vida eterna por meio da obediência, e nisso, tem o apoio de muitos outros escritores sagrados.
Este é o ensino dos Padrões de Fé de Westminster A promessa do pacto é uma promessa condicional, porque a os benefícios dela dependem do cumprimento de uma condição: a da obediência. A CFW deixa a idéia de obediência para se obter vida como uma condição absoluta no pacto das obras: ―Deus deu a Adão uma lei como um pacto de obras. Por este pacto Deus o obrigou, bem como toda a sua posteridade, a uma obediência pessoal, inteira, exata e perpétua; prometeu-lhe a vida sob a condição dele cumprir com a lei e o ameaçou com a morte no caso dele violá-la; e dotou-o com o poder e a capacidade de guardá-la.‖ (XIX, 1) A obediência à lei era condição para o homem obter vida eterna. Adão possuía vida natural perfeita quando foi criado. Ele ainda não possuía vida eterna, que é sinônimo de comunhão imperdível. Se ele a possuísse, obviamente ele não a perderia. A palavra ―eterna‖ implica em algo que não pode ser perdido. Adão poderia ter vida eterna se ele obedecesse os preceitos de Deus. Por um tempo (não fixado na Escritura) ele ficaria debaixo de prova. Se passasse no teste, poderia ter acesso à vida eterna pelo comer da árvore da vida. O texto de Gn 3.22 mostra-nos claramente que e le ainda não havia se apossado da vida eterna, porque não havia ainda comido da árvore que estava no meio do jardim (Gn 2.9). Porque desobedeceu, não pode ter acesso a essa árvore (Gn 3.22).
3. A Ameaça de Morte em Caso de Desobediência Ao mesmo tempo que o pacto incluía uma promessa de vida, ele apresentava uma ameaça de morte. Por causa desse castigo de morte, toda a humanidade está, por natureza, debaixo da culpa do pecado de Adão (Rm 5.12). Todas as pessoas estão debaixo da maldição da lei, mesmo antes de terem cometido qualquer pecado voluntário. Todos devem a Adão a culpa de seus pecados, pois o pecado dele foi imputado a todos os homens. Por essa razão, todos nascem ―por natureza, filhos da ira‖ (Ef 2.3). A idéia de obediência como condição para se obter vida eterna está deduzida do ensino da Escritura de que Jesus Cristo teve que obedecer toda a lei para garantir-nos vida eterna (Rm 5.19). Por causa da nossa incapacidade de cumprir a lei por nós mesmos 78, Cristo teve que morrer ―para resgatar os que estavam sob a lei‖ (Gl 4.5), a fim de que a lei não os condenasse. Onde não há a obediência perfeita da lei, há o castigo da lei. Certamente a punição da lei vem sobre todos aqueles que não São obedientes perfeitos dela. Se guardamos toda a lei, mas 78 Paulo
disse com muita clareza sobre a impotência do pecador em cumprir a lei de Deus. Por essa razão, ninguém pode ser justificado pelas obras da lei. A impotência, na verdade, não está na lei. Ela é a mesma lei, santa, justa e boa, mas a inadequacidade está na condição d o pecador, por sua pecaminosidade. Por isso,. Paulo diz: ―É evidente que pela lei ninguém é justificado diante de Deus…‖(Gl 3.11).
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tropeçamos num só preceito dela, tornamo-nos culpados de toda a lei. Este foi o ensino de Jesus Cristo e o de Paulo (Gl 3.10). Por essa razão, a fim de livrar-nos do castigo dessa lei, Ele obedeceu a lei, sofrendo a penalidade dela, porque todos nós nos tornamos violadores do pacto com Adão e em Adão. Gl 3.13 — ―Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo -se ele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro.‖
4. O Sacramento do Pacto Em todos os pactos estabelecidos por Deus houve a colocação de sinais e selos neles. 79 Deus não somente nos instrui através das Suas Palavras, mas Ele também nos dá símbolos visíveis para que aprendamos com eles. Deus nos ensina também através dos olhos, dando-nos um ensino aprofundado pelo que vemos. Os nossos sentidos todos têm que ser exercitados no aprendizado. Aquilo que vemos com os olhos causam profunda impressão em nós. Deus tem-nos ensinado pelas palavras, mas ele também nos ensina pelos sacramentos de forma visível a mesma verdade. Foi assim com a ceia e com o batismo. O pacto das obras, que foi o primeiro estabelecido por Deus historicamente, não fugiu à regra. No pacto de obras Deus também usou o recurso dos sacramentos para ensinar através daquilo que os nossos primeiros pais viam. Assim como Deus estabeleceu um pacto com Adão, também Ele se agradou em colocar um selo a esse pacto: a árvore da vida (Gn 3.22). Não existe harmonia entre os teólogos reformados quanto ao número de sacramentos. Alguns falam em quatro: Paraíso, árvore da vida, árvore do conhecimento do bem e do mal e o sábado.80 Outros falam em apenas 3 sacramentos: as duas árvores e o paraíso; outros dois: as duas árvores; enquanto que outros preferem um só: a árvore da vida. Esta é a mais comum das opiniões da fé reformada, segundo Berkhof. 81 Há algumas menções sobre a árvore da vida na Escritura: Gn 2.2; 3.22; Ap 2.7; 22.2. Juntamente com essa última há uma referência em Ez 47.12, que parece indicar que essa árvore tem as mesmas propriedades da árvore da vida, embora o seu nome não apareça. Essa árvore da vida parece possuir elementos medicinais, mas atribuir a ela essas virtudes medicinais para a cura de doenças não parece ser uma idéia razoável, se examinarmos o contexto geral da Escritura. No Éden, antes da queda, o homem não possuía enfermidades. Depois da redenção completada, na nova terra, os remidos não t erão qualquer enfermidade a ser curada. As enfermidades são, em última instância, os efeitos do pecado. A árvore da vida, portanto, deve ser entendida co mo símbolo e indicativa de Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado. Ele é a vida encarnada, tendo vida em Si mesmo, e sendo o doador dela. Todo aquele que se apropriar dEle tem a vida eterna. A árvore da vida no jardim do Éden (tanto no Gênesis como no Apocalipse) aponta para Cristo, que é a cura de todos os povos. Ele é o salvador e médico das gentes de todas as nações. Os que são da posteridade de Adão, a fim de que sejam curados de seus pecados, têm que se apropriar da Vida, que é Jesus. Assim como no novo pacto, o sacramento da ceia, com o pão e o vinho, aponta para Cristo, a Vida, assim, no pacto das obras a árvore no jardim apontava para a vida eterna. O sacramento é uma figura que trata de uma verdade, mas atinge os olhos, nã o somente os ouvidos com a mensagem falada. E o evangelho visível que Deus nos deu. Deus criou originalmente o homem com vida natural perfeita, mas a fim de que ele se apropriasse da vida eterna ele teria que obedecer e tomar da árvore a vida (Gn 3.22).
79 No
pacto com Noé, houve a colocação do arco nas nuvens (Gn 9.12-13); O pacto com Abrão possuia o sinal da circuncisão (Gn 17.10-11); no Novo Pacto, o batismo. 80 Herman Witsius trata abundantemente desta idéia quádrupla dos sacramentos do pacto das obras (The Economy of the Covenants Between God and Man, 1 05-117). 81 Louis Berkhof, Teologia Sistemática, 257 (edição castelhana).
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A VIOLAÇÃO DO PACTO DAS OBRAS Alguns cristãos mal informados pensam que a transgressão de nossos Primeiros pais foi algo sem muita importância, ou que Deus tenha sido muito severo no julgamento da atitude deles. Precisamos estar de acordo com as Escrituras, sem tentar suavizar o que Deus considera algo extremamente sério.
A Gravidade da Violação do Pacto Os 6.7 diz que Adão quebrou o pacto. Tratando dessa matéria, Paulo diz que o pecado entrou no mundo através de um homem (Adão) e, por causa disso, a morte passou a todos os homens. No texto de Rm 5.12-21, Paulo usa algumas expressões bastante fortes para expressar o ato de Adão: Pecado (v. 12); transgressão (v. 13); ofensa (v.14,15,16,17,18, 20); desobediência (v.19). Todas essas expressões mostram a gravidade do ato de Adão ao violar o pacto. A Conseqüência da Violação do Pacto A conseqüência imediata da violação do pacto foi a entrada do pecado no mundo (Rm 5.12). Com a entrada do pecado no mundo a harmonia dele se foi. Até então, o mundo criado havia considerado ―muito bom‖ por Deus, e não havia qualquer iniquidade nele. Havia perfeita comunhão entre o universo criado e o homem, a criatura mais elevada de Deus, sob quem tornou sujeitas todas as cousas. Quando o pecado entrou no mundo, essa harmonia absoluta entre as cousas criadas desapareceu: Desapareceu a harmonia entre o homem e os animais; desapareceu a harmonia entre o casal; desapareceu a harmonia entre irmãos carnais; desapareceu a harmonia entre os próprios animais; mas acima de tudo desapareceu a harmonia entre a criatura e o Criador. Com a entrada do pecado no mundo apareceu a maldição de Deus sobre a natureza e sobre o ser humano. A terra tornou-se maldita e agora o homem tinha que trabalhar com pesar para ganhar o pão de cada dia, e a mulher haveria de s ofrer dores para ter filhos, e as relações de sexo ficaram prejudicadas, pois o prazer ficou mais voltado para o homem. Tudo por causa da entrada do pecado no mundo. Com a entrada do pecado no mundo não ficou ninguém sem ser afetado por ele. A morte passou a todos os homens (Rm 5.12). A conseqüência mais séria do pecado, a morte, bateu à porta de todos os homens, sem exceção. A violação do pacto certamente foi um ato muito grave contra Deus para Ele mostrar tão fortemente o seu desgosto contra o universo criado e, principalmente, contra o homem.
A IDÉIA DE REPRESENTATIVIDADE NO PACTO DAS OBRAS No pacto das obras Adão foi constituído uma pessoa pública, que agiu não somente em seu próprio nome, mas foi considerado como agindo como representante de to da a raça. A dedução desta matéria é claramente retirada do texto de Paulo aos Coríntios, onde fica absolutamente evidente a presença de dois homens: o Primeiro Adão, e o Segundo Adão. 1Co 15.45-49 — ―Pois assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante. Mas não é primeiro o espiritual, e, sim, o natural; depois o espiritual. O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é do céu. Como foi o primeiro homem, o terreno, tais São também os demais homens terrenos; e c omo é o homem celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno,
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devemos trazer também a imagem do celestial.‖ Conforme o texto acima, Adão possui conosco um relacionamento duplo:
Adão é o Cabeça Natural da Raça Dele todos os homens descendem. Ele é o primeiro duma série enorme, todos derivados naturalmente dele por propagação. No discurso em Atenas Paulo disse: Deus ― de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra‖ (At 17.26) e, citando p rovavelmente o poeta Arato, ele continua: ―Porque dele também somos geração‖ (At 17.28b). O livro de Gênesis indica que Eva, a esposa de Adão (Gn 2.21-24), ―é a mãe de todos os seres humanos‖ (Gn 3.20). Dessa forma, Adão foi o pai de todos os seres humanos . Adão é o Cabeça Representativo da Raça Contudo, Adão não foi somente o primeiro de uma série de indivíduos, que constituíram a raça humana, mas ele foi o primeiro e o representante de todos eles, de tal forma que o ato dele foi considerado o ato de todos. A posição de Adão foi única com relação aos seus descendentes. Ele foi considerado uma pessoa pública e agiu no lugar de todos representando a todos. Toda a raça humana foi representada por ele de forma que o seu ato foi considerado por Deus o ato de todos. A Escritura mostra que Adão agiu em favor e no lugar de seus descendentes. O que ele fez foi considerado como se todos eles fizessem.82 Não há nenhuma dúvida de que todos os descendentes do primeiro casal receberam a culpa e a corrupção do pecado de Adão, que em teol ogia é conhecido como o pecado original. Com base em qual critério os descendentes receberam a culpa de Adão? Pelo processo da imputação de culpa do representante aos representados. O texto de Rm 5.12 começa indicando que o pecado de um é o pecado de todos. O texto diz ―que todos pecaram‖. Este verso não pode indicar o pecado individual de cada um porque eles ainda não existiam quando Adão pecou. A morte passou a todos os homens que ainda não eram historicamente existentes. Mas o pecado deles está no pecado de um, Adão. Todos eles pecaram em Adão, representativamente. Os versos subsequentes de Rm 5 mostram que o ato do representante é considerado o ato dos representados. O v. 15 diz que ―ofensa de um só‖ causa a morte de sua posteridade; O v. 16 trata do pecado ―de um só‖, e do ―julgamento que derivou de uma só ofensa‖, trazendo a condenação sobre a posteridade. O v. 17 fala que ―pela ofensa de um, e por meio de um só‖, a morte veio a reinar sobre a sua posteridade. O v. 18 diz que o juízo de Deus veio sobre todos os da posteridade de Adão, por causa de ―uma só ofensa‖. Há duas ressalvas a serem feitas nesta matéria: (1) Cristo não estava incluído nesta representação. No texto de I Co 15.4549 Cristo está em oposição ao Primeiro Adão. Se Adão houvesse guardado o pacto, Cristo não teria vindo, porque a Sua obra foi fazer exatamente o que o primeiro Adão não fez — obedecer, para conseguir vida eterna para o seu povo. Embora Cristo seja, em última instância, descendência natural de Adão, via Maria, Ele não é representado por Adão, não recebendo, portanto, a culpa e a herança pecaminosa dele; (2) Não podemos afirmar de modo dogmático que Eva estava inclusa nessa representação. Contudo, há indícios de que Adão era o cabeça da família, porque era o varão e o primeiro a ser formado. Gn 2.16-17 dá-nos uma perfeita idéia de que o pacto foi feito com Adão, antes mesmo de Eva ter sido formada. O pacto foi feito exclusivamente com Adão e Eva, ao que nos parece, foi inclusa nessa representação. A razão disso está no fato de Eva ter pecado primeiro e Adão ter sido responsabilizado por Deus. E verdade que ela caiu pela sua própria transgressão, mas a ruína da raça só veio a ser anunciada depois de Adão caiu, porque o pacto havia sido estabelecido com ele. Adão foi o primeiro a ser convicto do seu pecado, embora Eva fosse a primeira a ter caído. A culpa do pecado é atribuído a Adão como representante da raça. Deus foi ajustar contas com ele, quando disse: ―Comeste da arvore de que eu te ordenei que não comesses?‖ (Gn 3.11). 82
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O v. 19 diz que o fato de a posteridade de Adão ser pecaminosa se deve ―á desobediência de um só homem‖. Com estas cousas em mente, não é possível ignorar o assunto da representatividade, onde a imputação da culpa do pecado e de suas conseqüências São absolutamente nítidas. Somente aqueles que não crêem que Deus estabeleceu um pacto de obras é que são capazes de fechar os olhos para tão grande verdade. E o estabelecimento do pacto com Adão que nos dá o direito de pensar que ele foi tornado o representante da sua posteridade, agindo em lugar deles. O seu ato foi considerado por Deus o ato de todos aqueles que ele representou. Fechar os olhos para essa verdade, é ignorar o modo de Deus de tratar o pecado. Se fizermos assim, teremos também de fechar os olhos para o modo como Deus fez com que a justiça de Cristo fosse imputada a nós. O processo é o mesmo. Este é o assunto do ponto seguinte.
Paralelo entre o Primeiro Adão e o Último Adão Os textos de Rm 5 e de 1Co 15 São absolutamente claros em mostrar o paralelo entre o primeiro Adão e o último Adão. Vejamos o paralelo nos dois textos mencionados: 1Co 15.21-22 – ―Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Porque como em Adão todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo.‖ Como o primeiro Adão está para a morte, assim o último homem está para a vida. O primeiro traz morte e o segundo traz ressurreição, que é o mesmo que vida. Perceba que há um paralelo absoluto entre eles. O que um faz traz conseqüência na vida de todos. O principio da representatividade está revelado em ambos. O primeiro Adão representa toda a raça humana, e o outro representa todo o seu povo. Dessa forma podemos entender que todos morrem em Adão assim como todos vivem em Cristo. 1Co 15.45-49 – ―Pois assim está escrito: o primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante. Mas não é o primeiro o espiritual, e, sim, o natural; depois o espiritual. O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é do céu. Como foi o primeiro homem, o terreno, tais são também os demais homens terrenos; e como é o homem celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial.‖ Estes versos mostram que tanto o primeiro Adão como o último Adão eram pessoas públicas, não simples indivíduos. Eles não agiram em favor de si próprios, mas o ato deles foi considerado o ato de todos aqueles que eles representaram.
1) A idéia de representação está patente no fato de Paulo falar no primeiro Adão e no último Adão. v.45 – ―Pois assim está escrito: o primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante. v.47 - O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é do céu.‖ É verdade que linearmente falando Adão foi o primeiro homem, mas seqüencialmente não podemos dizer que Jesus Cristo foi o último, ou mesmo o segundo Adão. É óbvio que Paulo está tratando de duas pessoas especiais que agiram pactualmente. O primeiro Adão agiu como representante do pacto das obras, agindo em lugar de toda a sua posteridade, enquanto que Cristo agiu como representante do pacto da graça, atuando em favor e no lugar de todos aquele s que o Pai lhe havia entregue.
2) A idéia de representação está patente do fato de Paulo fazer um contraste entre o
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que é natural e o que é espiritual (v.46). v.46 – ―Mas não é o primeiro o espiritual, e, sim, o natural; depois o espiritual.‖ O que é natural vem primeiro. O que é espiritual vem depois. Perceba que quando Paulo fala do primeiro, o natural, ele está se referindo a um homem, não a um principio. Quando fala do espiritual a mesma coisa. Isto significa que antes da redenção está a queda; que antes da ressurreição está a morte; antes do segundo o primeiro. Ambos São representantes das coisas diametralmente opostas: o primeiro, do pecado e o segundo, da salvação. É importante que se observe que assim como natural (v.46) está para terreno (v.48), o espiritual (v.46) está para celestial (v.48).
3) A idéia de representação está patente no fato de Paulo estabelecer as conseqüências para os naturais assim como para os espirituais (v.48) v.48 – ―Como foi o primeiro homem, o terreno, tais São também os demais homens terrenos; e como é o homem celestial, tais também os celestiais.‖ O estado do representante reflete o estado dos re presentados. Todos os da descendência de Adão refletem a situação baixa dele. Os da progênie de Cristo refletem também o estado dEle. Por isso que Paulo chama de terrenos os de Adão e celestiais os de Cristo. Isso indica que o que Um é os outros São, seja do primeiro Adão ou do último Adão.
4) A idéia de representação está patente do fato de Paulo a nossa participação tanto no natural como no celestial (v.49). v.49 – ―E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial.‖ Isto significa que todos aqueles que estão em Cristo, estiveram em Adão. Certamente nem todos os que estiveram em Adão vieram a estar em Cristo, pois este agiu somente em favor do Seu povo, mas indubitavelmente, todos os que estão em Cristo hoje, já estiveram em Adão. Todos os que possuem a imagem do que é celestial já refletiram a imagem do terreno. Usando o próprio raciocínio de Paulo, posso concluir: todos os que São de Adão refletem a imagem das coisas pecaminosas, assim como devem refletir a santidade de Cristo todos os que estão nele. A imagem nossa reflete aquele de quem somos. Rm 5.12-2183 - O verso 14 diz que Adão era tipo daquele que haveria de vir. Há um paralelo perfeito entre ambos. Nos versos subsequentes, os dois aparecem em paralelo representando cada um o seu povo. O primeiro Adão representando a velha humanidade, e o último Adão, Cristo, representando a nova humanidade. O primeiro Adão, foi tornado representante de todos por causa do pacto das obras; o segundo Adão, Cristo, foi tornado representante por causa do pacto da graça. O primeiro desobedeceu o pacto, o segundo obedeceu todas as prescrições estabeleci das pelo primeiro pacto. Cristo cumpriu todas as exigências do pacto de obras, obedecendo em nosso lugar. E a obediência dEle é considerada por Deus como nossa obediência, assim como a desobediência de Adão também é considerada nossa desobediência. Nós recebemos todas as cousas gratuitamente por meio de Jesus Cristo (por isso é chamado de pacto da graça), mas para Jesus Cristo foi um pacto de obras, porque Ele, como segundo Adão, teve que fazer todas as cousas por seu povo, que o primeiro Adão não fez. Logo, assim como a culpa de Um é atribuída a todos, a justiça de Um também atribuída a todos.
83 A
Original.
análise deste texto aparecerá em detalhes quando tratarmos do capítulo sobre o Pecado
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FUNÇÃO ATUAL DO PACTO DAS OBRAS Sentidos em que o Pacto das Obras Ainda Vigora O Pacto das obras não foi anulado. São evidentes as mostras de que ainda ele vigora. Contudo, esse não é o pensamento sustentado pelos arminianos. O Pensamento Arminiano
O próprio Armínio afirma que os pecadores não têm mais nada a ver com o pacto das obras. Eis alguns dos argumentos arminianos: 84 1) Quando o homem está no estado de pecado, ele não esta pactuado com Deus. Portanto, não há mais nenhum contrato entre Deus e o homem, pelo qual Deus possa requerer obediência; 2) Deus tem privado o homem da capacidade e do poder de cumprir a lei, por causa do pecado. Por essa razão, Deus não mais pode requerer do homem o cumprimento das exigências do pacto, o que seria injustiça, a menos que Ele devolva ao homem a sua capacidade de obedecê-lo; 3) Deus não pode exigir do pecador que ele O ame, respeite e O obedeça no estado de maldição em que o pecador se encontra. Deus não pode exigir do pecador que cumpra algo, se o pecador está fora do seu favor. Basicamente por estas razões, todos os segmentos arminianos rejeitam a idéia de que o pacto esta ainda em vigor. O Pensamento Reformado
Respondendo as objeções arminianas, podemos dizer o seguinte: 1) Quanto ao primeiro argumento: o fato de uma das partes violar o contrato não implica que o contrato deva ser desfeito. Num contrato humano a parte lesada por ou não desfazer o contrato, não quem lesa. Muito mais sério é o pacto de Deus com a criatura. Acima de tudo iss o, porém, temos que considerar que a parte ofendida é Deus, o Supremo Legislador e Soberano. O homem não pode afrontar o soberano e ainda ficar impune pela desobediência. 2) Quanto ao segundo argumento: o fato de o homem ficar impotente por causa do pecado não retira de Deus o direito de continuar exigindo dele a obediência. A perda da capacidade de obedecer não foi uma decisão arbitrária. Deus havia avisado ao homem que, se ele desobedecesse, ele haveria de morrer. A impotência do homem é uma das conseqüências dessa morte. Como a parte ofendida no pacto, Deus pode ainda exigir que o homem continue debaixo da obrigação de obedecer. Deus não retirou essa exigência, mesmo e mbora os homens não mais sejam capazes dela. 3) Quanto ao terceiro argumento: Novamente o argumento arminiano esbarra na idéia da soberania divina. E bom que nos lembremos de que Deus é quem estabeleceu todas as condições e estipulações do pacto. Somente ele pode pô-las ou retirá-las. Ninguém mais. Não é a situação do homem que vai alterar as exigências de Deus. Passemos agora à argumentação positiva que os Calvinistas fazem a respeito dos sentidos em que o pacto das obras ainda vigora: 1) Deus ainda afirma que se alguém obedecer a lei de Deus obtém vida eterna. Deus não retirou essa lei. Lv 18.5 diz: ―Portanto os meus estatutos e os meus juízos guardareis; cumprindo os quais, o homem viverá por eles: Eu sou o Senhor‘. Deus poderia, se quisesse, ter retirado esta obrigação, mas Ele não o fez. Os homens ainda podem obter vida eterna se obedecerem à lei. 84 Idéia
retiradas de Witsius, p. 152.
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Embora os homens sejam incapazes de cumprir essa lei, Deus não a retirou. Paulo deixou este ensino bem claro, quando recordou seus leitores dessa lei de Moisés (Rm 10.5; Gl 3.12). 2) Deus ainda afirma que os homens estão debaixo da obrigação de obedecer à Sua lei de modo perfeito. Mesmo depois da promulgação do evangelho da graça de Jesus Cristo, aqueles que violaram o pacto das obras não estão livres de guardar toda a lei, se se aventuram a querer guardar um só princípio para obter vida. Essa lei exige deles absoluta obediência, e que, por causa da impotência do pecado, eles continuaram a ser devedores de toda a lei (Gl 5.3). Deus não facultou aos homens guardarem apenas alguns dos Seus princípios, mas toda a lei. 3) Deus ainda afirma que o homem continua a morrer por causa da violação do pacto das obras. Paulo diz: ―E o mandamento que me fora dado para a vida, verifiquei que este mesmo se me tornou para morte.‖ (Rm 7.10). Lembremo-nos de que Paulo está falando milênios depois do evento do Éden. Ainda continua a lei de morte para o transgressor dos preceitos divinos. A Alma que pecar ainda morre. A lei que originariamente foi dada para que, por sua obediência, houvesse a vida eterna, continua matando os homens. Portanto, diferentemente dos arminianos, os calvinistas afirmam que o pacto das obras ainda vigora. Contudo, há
Sentidos em que o Pacto das Obras Não Mais Vigora Há algumas coisas que indicam que nenhum homem mais pode ter v ida eterna pelo pacto das obras: O Apóstolo Paulo declara que Deus, por enviar seu único Filho ao mundo, fê -lo porque a lei não podia fazer mais nada pelo homem. Este tornou-se impotente para cumprir a lei. Por essa razão, ―o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho...‖ (Rm 8.3). Por ―carne‖, entenda -se a natureza pecaminosa. Por causa da ―carne‖, o homem não mais pode observar todos os preceitos a lei. Por essa razão a lei é impotente para dar vida. A vida que vem da lei depende da obediência absoluta do homem. Como isto é impossível pela condição pecaminosa do homem, a lei torna-se ineficaz. Se não fosse pelo pecado, todo homem poderia obedecer perfeitamente a lei e possuir vida eterna. Se Adão houvesse obedecido a lei estabelecida por Deus, ele haveria de receber a herança da vida eterna, que é equivalente à vida que Jesus Cristo nos traz. A lei sempre foi compatível com a vida eterna. Paulo trata desse assunto, sem qualquer constrangimento: Gl 3.21 – ―É, porventura, a lei contrária às promessas de Deus? De modo nenhum. Porque se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade seria procedente da lei.‖ Mas a justiça não procede realmente da lei, mas da obediência à lei, que o pecador não mais tem condição de prestar. Por essa razão, não mais estão debaixo do pacto das obras para conseguir a vida eterna aqueles em favor de quem Cristo obedeceu. Aqueles que São beneficiários do pacto da graça, não mais estão na obrigação de guardar a lei perfeitamente para obterem vida, pois Cristo já a obteve por eles e no lugar deles. Todas as obrigações que devíamos, Cristo as satisfez por nós. Daquele que está em Cristo já não mais se pode dizer que está sob o pacto das obras no que concerne à obtenção da vida eterna.
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PARTE 2
A CONDIÇÃO DO HOMEM E A QUEDA
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A LIBERDADE E A MUTABILIDADE PARA O PECADO Deus criou o homem com capacidade de auto determinar-se, um agente livre, para agir sempre de acordo com as disposições do seu coração. Ele poderia fazer tanto o bem, que era próprio de sua natureza, mas também poderia, mudavelmente, fazer o que era contrário à sua natureza, pecando contra o Senhor Deus e Suas leis. Novamente a CFW diz: O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder. (IX.2) Deus criou o homem com uma santidade mutável. Como já foi dito acima, a santidade no homem não era parte essencial nele, como o é em Deus. Santidade não é um atributo constitucional do homem. A prova disso é que ele a perdeu e, ainda assim, continua sendo homem. Deus é livre na expressão da Sua santidade, e ela é sempre a mesma, por causa da própria natureza imutável de Deus. Deus nunca vai fazer alguma coisa diferente daquilo que Ele é. Por isso Ele não pode pecar. Sua vontade quer sempre aquilo que a Sua natureza determina. Na Sua infinitude há a exclusão da idéia de mudança na vontade. Deus não tem o poder de escolha contrária, isto é, de fazer algo que vá de encontro à Sua natureza. Deus é um ser moral livre, todavia só faz aquilo que é próprio da Sua natureza. Portanto, em Deus liberdade e necessidade moral São a mesma coisa. Para que haja liberdade, não há a necessidade de haver o poder de escolha contrária. A liberdade em Deus é uma auto-determinação imutável, mas no homem, como ser finito que é, a capacidade de auto-determinação ou seja, a capacidade de fazer as coisas de acordo com a natureza, é mutável. Deus deu ao homem, no principio, aquilo que Ele próprio não possuía, a capacidade de escolha contrária. O homem era livre para expressar a santidade com a qual Deus o havia criado, mas de tal modo que pudesse também fazer algo contrário à sua santidade. Para que Adão fosse livre, ele não precisava ter o poder de fazer algo revers o. ―O poder de reverter a auto-determinação existente não é a substância da liberdade, mas é um acidente dela.‖ 85 Deus é livre sem esse acidente. Mas Deus deu ã criatura essa capacidade de escolha contrária, e ela a usou para a sua própria vergonha. Por isso é possível entender como uma pessoa santa como Adão poderia fazer o que fez. Ele usou a capacidade de escolha contrária que lhe foi dada por Deus. Há que se olhar essa atitude de Adão de um outro prisma. Ele era Simplesmente uma criatura perfeita. Como criatura, contudo, dependia de Deus para todas as coisas da vida natural, como dependia de Deus para que sua v ida de comunhão com Ele continuasse. E próprio de toda a criação essa dependência de vida. Vida é algo que é dado, mantido e renovado por Deus. E Adão era santo, mas apenas uma criatura, desprovida de qualquer senso de onisciência, passível de ser enganada, que poderia pensar no mal como algo que não fosse tão mal assim. Embora a condição moral do homem fosse de excelência, sem tendência para o mal, todavia, poderia cair desse estado. Toda a criatura tem algo que Deus não tem — mutabilidade. Esta é uma das grandes distinções entre Deus e a criatura. Imutabilidade e impecabilidade são atributos do Criador, não das criaturas, sejam elas homens ou anjos. A liberdade de Adão e Eva consistia no fato de fato deles poderem escolher ou abraçar aquilo era bom e agradável ao seu entendimento, como Deus queria, ou para colocar de outro modo, em recusar aquilo que era mau. Ele tinham o poder de continuar no estado em que foram criados. Era só agirem de acordo com a natureza santa que Deus lhes havia dado. Mas não foi 85 Shedd,
vol. 2, p. 107.
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assim que fizeram. Simplesmente puseram em ação a capacidade de fazer aquilo que era contrairão à natureza deles. Contudo, desobedeceram a Deus, agindo voluntariamente, constituindo-se numa situação singular em toda a história humana. Usaram da liberdade de escolha contrária que tiveram para perderem-se a si mesmos, imergindo-se a si mesmos e toda a raça na escravidão da miséria.
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CAPITULO VII A ORIGEM DO MAL MORAL O fato de Adão possuir a liberdade de escolha contrária, não explica todos os mistérios relacionados ao problema da entrada do mal no mundo. Há que se pensar que o mal moral é anterior ã queda do homem. Há, na verdade, dois grandes problemas praticamente impossíveis de serem explicados: O primeiro, que tem a ver com a entrada do mal n o universo, é a dificuldade de entender a queda dos anjos sem haver tentador externo e sem que tivessem natureza propensa para o mal; o segundo, que tem a ver com a entrada do pecado no mundo dos homens, é a dificuldade de explicar como Adão veio a pecar já que não pos suía natureza pecaminosa. Este é um problema da teodicéia, que estudaremos neste capítulo. O problema da origem do mal tem sido considerado como um dos mais profundos dentro da filosofia e da teologia. Não se pode fechar os olhos para o problema do mal que é universal. E le é uma mancha indelével que caiu sobre o universo e sobre a vida em todas as suas manifestações, e tem sido a tônica diária de cada membro da raça humana. Os estudiosos têm tentado encontrar um resposta para o problema do mal no universo, mas sem sucesso, especialmente quando a resposta é procurada fora da esfera da revelação divina. As grandes e freqüentes perguntas feitas são estas: ―Se Deus é bom como Ele permitiu a entrada do mal no mundo? Se Deus é bom, por que Ele não tira todos as manifestações do mal no mundo?‖ Há algumas respostas bíblicas e teológicas a e ssas perguntas, que são delineadas com o maior temor diante de tão grande mistério, à luz de algumas sugestões que a Escritura dá sobre o assunto.
A) DADOS BÍBLICOS SOBRE A ORIGEM DO MAL A primeira grande descoberta no tratamento deste assunto é reconhecer a nossa pequenez diante de tão grande problema e, a segunda grande descoberta é reconhecer a soberania divina em todas as coisas que existem no mundo em que Ele nos colocou. A CFW diz categoricamente: ―Pela Sua muito sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável conselho da Sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor da glória da Sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as Suas criaturas, todas as ações e todas as cousas, desde a maior até a menor‖ (V,1). Este é um ponto-de-partida sem o qual vamos ter sérios problemas. Esta abordagem da Confissão de Fé de Westminster é um ponto indispensável e a condição sine qua non para se ter alguma luz sobre este assunto. A Escritura ensina que Deus é bom, mas que também exerce a Sua soberania. Estas duas coisas parecem não poder existir juntas na mente de muitos crentes, como se fossem atributos incompatíveis. E por isso que esta pergunta surge freqüentemente: ―Se Deus é bom, como pode
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permitir a entrada no mal no mundo?‖ Para que tenhamos resposta a perguntas como essa, precisamos ir ao profeta Isaías, no capítulo 45, quando ele trata da soberania de Deus, onde o próprio Deus é quem Se dirige a Ciro, o rei da Pérsia. Neste capitulo, Isaías enfrentou corajosamente um assunto que muitos teólogos relutam em aceitar hoje, mesmo depois de séculos de reflexão teológica, onde muitas vezes a teologia deles tem sido controlada pelos seus pressupostos, sem que estes sejam submetidos ao crivo da própria Escritura. Isaías enfrentou a questão que freqüentemente nos assedia: ―Quem é o responsável pelo mal no mundo?‖ A resposta a essa pergunta vai, de algum modo, definir a nossa teologia sobre quem Deus realmente é.
Análise de Is 45.1-7 Há algumas coisas preliminares que precisam ser ditas deste texto: Primeiro, Temos que ver Quem é o autor destas palavras. Claramente Deus é o sujeito destas palavras e Ele fala, em todos os versos, na primeira pessoa do singular; Segundo, a quem Deus se dirige. Ele se dirige a Ciro, rei da Pérsia. Ele era um rei de uma terra onde se cria num dualismo, isto é, cria-se num deus do bem e num deus do mal; terceiro, Deus está mostrando a Ciro que só existe um Deus (v.5, 6), isto é, que não há o chamado dualis mo persa, e que, como Deus, Ele faz tudo o que Lhe apraz (v.7), inclusive usa os homens ímpios para cumprir os seus propósitos (v. 1). No ponto culminante desta passagem majestosa de Isaías, há um verso que trata de frente o problema do mal, encarando-o à luz da soberania divina (v .7). Nada pode ser mais claro do que este verso. Esta é uma palavra inspirada pelo Espírito Santo, palavra que Deus quis que fosse registrada para o nosso conhecimento. O profeta narra aquilo que Deus quer que enfrentemos com o maior santo temor: o problema do mal. Mesmo não compreendendo todas as razões de Deus, porque Deus é, pelo que faz, um ―Deus misterioso‖ (v . 15), temos que admitir que este texto lança alguma luz sobre o tão importante e incomodante problema do mal. O texto não trata das razões últimas de Deus. Não podemos entender por quê Deus faz o que faz, mas podemos crer que Ele faz o que faz. Quando Deus fala que ―crio as trevas e faço o mal‖, Ele assume perfeitamente a responsabilidade pela entrada do mal no mundo. Esta é uma revelação que não devemos desprezar para justificar a nossa teologia, porque, fazendo assim, estaremos andando de (não ao) encontro à Sua revelação. Nos capítulos 40 a 45, o tema de Isaías é a soberania divina. Aliás, este é um tema que atravessa toda a Escritura, mas Isaías dá uma atenção especial a ele. Há um só Deus e Ele está sobre todas as coisas. Como Paulo, Isaías declarou todo o conselho de Deus e, fazendo isto, proclamou que Deus está acima e sobre todas as coisas. A declaração pelo próprio Deus sobre a origem do mal nas palavras do v.7, dá-nos algumas idéias sobre as quais passamos a discorrer: 86 Em que sentido Deus é o criador do mal? 87 O que Ele quer dizer com Is 45.7? Será que o mal do v.7 diz respeito apenas aos castigos, aos flagelos, às penalidades que Ele impinge aos homens? Ou será muito mais que isso? Não temos todas as respostas às perguntas sobre a origem do mal, mas cremos ser o mal referido no texto de Isaías seja o problema do mal moral. De qualquer forma, de algumas coisas, essas idéias estão incluídas no livro de Willian Fitch, Deus e o Mal , (São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1984), 9-21. 87 A expressão ―crio o mal‖ não deve ser entendida com a clássica frase que torna Deus ―o autor do mal‖ ou ―o autor do pecado‖. Deus é santo e não pode pecar, não envolve -se pessoalmente com aquilo que é moralmente mau. Nem mesmo Deus induz os homens ao pecado (Tg 1.13, 14). Is 4 5.7 não diz que Deus leva o homem a pecar, tentando-o. Do Deus da Escritura não pode ser dito que faz coisas moralmente mas, embora faça coisas que sejam contrárias à lei que Ele estabeleceu como regra de vida para nós, e Ele está acima dessa lei, não sujeito a ela Se Ele viola uma dessas leis, Ele não se torna pecador, porque a lei é para homens, e não para Ele. 86 Fundamentalmente,
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temos absoluta certeza:
1) Deus não foi tomado de surpresa nela Presença do Mal no mundo Não creio que Deus seja o autor do mal no sentido dele envolve r-se pessoalmente no mal, mas sabemos que o mal não é produto do acaso. Ele é parte de um plano maior de Deus, plano esse que Ele não deu a conhecer em todos os seus detalhes. Com certeza, o decreto eterno de Deus tornou segura a entrada do pecado no universo. Nada é mais verdadeiro do que isso. Não existe nada que acontece neste mundo que não seja parte dos desígnios de Deus. O que é dito pelo profeta para confortar Ezequias, que havia sido ameaçado pelo rei Senaqueribe, serve para ilustrar que Deus faz todas as cousas na história do mundo como produto de um plano previam ente traçado. 2Rs 19.25 – ―Acaso não ouviste que já há muito dispus eu estas cousas, já desde os dias remotos o tinha planejado? Agora, porém, as faço executar, e eu quis que tu reduzisses a montões de ruínas as cidades fortificadas.‖ Todas as cousas que Deus executa na história são produto de um plano previamente estabelecido. Todos os eventos, os grandes e os pequenos, vêm como produto do cumprimento dos desígnios eternos de Deus. Não é diferente com o decreto da entrado do pecado no mundo. A entrada do mal no universo angelical e humano serve para um propósito previamente estabelecido, especialmente se entendemos o plano da salvação que foi proclamado e anunciado antes da fundação do mundo (Tt 1.2). A segunda verdade neste assunto é que, no texto de Isaías,
2) Deus assume a Responsabilidade pela Presença do Mal no Mundo Ele não conta as razões pelas quais ele responsabiliza-se pela presença do mal no mundo, mas é obvio que Ele não foi apanhado de surpresa pela presença do pecado no Seu universo.
Com certeza, sabemos que Deus rejeita algumas idéias errôneas a respeito da origem do mal: a) Neste texto de Isaías Deus rejeita a doutrina do Dualismo. 88 O dualismo ensina sobre deuses rivais, de igual poder. Hughes define dualismo como ―a teoria de que por dentro e por detrás de toda a re alidade há a presença não de um, mas de dois princípios eternos e absolutos que são irreconciliáveis, opostos um ao outro,‖89 especialmente quando se trata do difícil problema da coexistência do bem com o mal neste mundo. A presença do mal coexistindo com o bem teve uma solução simplista na teologia das religiões do oriente. E assim que o livro sagrado do zoroastrismo, a mais elevada das religiões não-bíblicas, contorna a dificuldade da presença do mal no universo. O zoroastrismo apregoa dois deuses — Ormuz e Arimã. Ambos criaram o mundo. O bom deus Ormuz criou as coisas boas; o mau Arimã criou todas as coisas más. O primeiro era o deus da luz, e o segundo o das trevas, que sempre lutaram num conflito ininterrupto. Hughes nos diz que: 88 Dependendo
do ponto-de-vista, vários ―dualismos‖ podem ser identificados na teologia. Um deles, é o dualismo relacionado à matéria e ao espírito, muito comum no gnosticismo que a Escritura combateu, logo no primeiro século da era cristã. Esta seita ensinava que havia dois poderes supremos, o da luz e o das trevas. Ela ensinava que a luz não poderia abordar as trevas, que era irreconciliavelmente oposto a ela. A fim de ligar esse abismo entre luz e trevas, tinha que haver seres intermediários. Jesus era um desses seres intermediários (eons). Por ele ser da luz, ele não poderia ser matéria, não poderia ter vindo em carne. esse tipo de erro que João combate na sua carta (1 JO 1.1-2). 89 Philip Edgcumbe Hughes, The True Image , (Grand Rapids: Willian Eerdmans Publishing Company, 1989), 83.
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―foi este tipo de dualismo que tornou-se um elemento proeminente na filosofia sincretista do Maniqueísmo, fundado por um persa chamado Mani, no terceiro século da era cristã, pelo qual Agostinho sentiu-se muito atraído antes de sua conversão para a fé cristã.‖ 90 Esse tipo de dualismo pairava na Pérsia, onde reinava o rei Ciro, quando Deus se lhe dirigiu, porque este cria dualisticamente. Foi por essa razão que Deus disse várias vez es: ―Eu sou Deus. Além de mim não há outro...‖. Esta solução dualista para explicar a coexistência do bem com o mal é uma solução anti-escriturística porque ata o princípio do mal como algo inseparável do universo que Deus fez. Em última instância, a religião do dualismo nunca dará a vitória ao bem, porque os dois princípios são eternos e igualmente poderosos. ―A religião dualista é uma religião sem esperança da eliminação definitiva do mal e do triunfo do bem.‖ 91 A teoria dualista é absolutamente incompatível com a teologia do cristianismo. Por essa razão, Deus rejeita a possibilidade do dualismo. no texto de Isaías 45. b) Neste texto de Isaías Deus rejeita a idéia da espontaneidade do mal. Este teoria da teodicéia de alguns estudiosos diz que o mal apareceu sem que alguém o trouxesse à existência. Se o mal surgisse assim, Deus não teria tido qualquer controle sobre as cousas deste mundo. O mal sendo gerado espontaneamente tira Deus do trono de sobre todas as coisas. Mas Deus diz: ―Eu faço todas as coisas...‖. c) Neste texto de Isaías Deus rejeita as idéias deterministas que apresentam o pecado como uma necessidade inerente na natureza íntima de todas as coisas. O filósofo alemão G. W. Leibniz (1646-1716) ensinou em sua teodicéia que existe uma imperfeição metafísica que é inerente na real constituição de todas as cousas criadas. 92 A presença do mal é parte constituinte e está embutida na estrutura de todas as cousas. Leibniz admitiu claramente que ―há uma imperfeição original na criatura, mesmo antes de o pecado ser cometido, porq ue a criatura é limitada em sua essência.‖ 93 Nesse ponto, Barth assimila algo de Leibniz, porque sustenta que o problema do homem é o fato dele ser criatura. O pecado apenas complica esse problema. O mal está inerente e necessariamente presente no mundo pelo fato dele ser criação. Leibniz falou ainda do ―verdadeiro pecado necessário de Adão que é cancelado pela morte de Cristo!‖94 Hegel sustenta que o aparecimento do mal é algo necessário para que o homem chegue à sua humanidade plena. A idéia de Hegel é que ―a queda em si mesma foi um desenvolvimento necessário para a realização pelo homem de sua humanidade autêntica.‖95 Hegel não nega que o homem foi criado bom, mas afirma que a vinda do mal era necessária para que o homem se tornasse completo. ―Assim, Hegel supôs que ambos, o bem e o mal, foram necessários se o homem estava para desenvolver para a plenitude de sua humanidade, e que o alcance da síntese fosse possível somente pelo modo da confrontação entre a tese e a antítese.‖ 96 90 Hughes,
85. 85. 92 Hughes, 93. 93 G. H. Leibniz, Theodicy: Essays on the Goodness of God, the Freedom of Man, and the Origin of Evil, (London, 1951), parágrafo 21-21. 94 G. H. Leibniz, Theodicy: Essays on the Goodness of God, the Freedom of Man, and the Origin of Evil, (London, 1951), parágrafo 40. 95 Hughes, 96. 96 Hughes, 97. 91 Hughes,
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Estas teorias tornariam Deus o autor direto do mal, porque Ele teria criado todas as cousas como necessitadas do mal. A teodicéia cristão não pode admitir tais teorias. Deus criou todas as cousas e disse que elas eram muito boas! ―E viu Deus tudo o que criou e disse: Eis que tudo é muito bom‖ (Gn 1.31). d) Neste texto de Isaías Deus rejeita a idéia da eternidade do mal. A idéia da eternidade do mal geralmente surge da idéia do dualismo dos deuses rivais. Assim como houve sempre o bem, da mesma forma houve o mal. Mas a Escritura rejeita essa teoria. O mal veio a existir no universo e no mundo dos homens. Houve um ―tempo‖ quando não havia a presença do mal no universo criado. O mal apareceu primeiro no mundo angelical e, depois, no mundo dos homens. O mal não é eterno. Eterno é Aquele que é o bem. Portanto, quando Deus diz que ―cria o mal‖, Ele está aceitando a responsabilidade pela presença do mal no meio da Sua criação. Não basta dizer, como Calvino 97 e outros, que disseram que o ―mal‖ mencionado por Isaías se refere aos males dos juízos e punições que Deus envia aos homens. O texto parece ir muito mais profundo do que isso. A palavra usada para ―criar‖ aqui em Isaías 45.7, é exatamente a mesma que foi usada em Gênesis, quando da criação das coisas sem ter qualquer material pré-existente. Portanto, Deus também chamou o mal à existência, mas Ele fez com que ele viesse ao mundo através da agência das criaturas racionais, tanto anjos como Adão e Eva, que agiram livremente, isto é, sem compulsão exterior alguma, apenas levados por seus desejos e conveniências, incompreensivelmente nascidos numa natureza santa com a qual foram criados. Vejamos alguma coisa relacionada com o contraste entre as palavras usadas em Is 45.7. Deus disse: ―Eu faço a paz e formo a luz‖. Não havia necessidade de Deus ―criar‖ a paz e a luz, porque Deus é luz e paz (1 JO 4.5; Gl 5.22). Deus compartilha a Sua vida com os homens quando lhes dá o dom da luz e da paz. Mas o mal é cousa muito diferente. Ele ainda não existia, e, por razões desconhecidas de nós, Deus resolveu dar origem ao que não havia antes. Por isso, o mal requer uma criação especial e, assim, as Escrituras inspiradas empregam a palavra )frfB, para referir-se à criação do mal. Todas as respostas não estão, obviamente, aqui, mas não podemos fugir do assunto que Deus aceita tratar abertamente, embora não nos revele todos os seus detalhes. A terceira verdade que devemos apresentar sobre este assunto e:
3) Deus Restringe a Operação do Mal em Sua Criação A Bíblia afirma que Deus restringe o pecado. Não há nenhum ponto nas Escrituras em que a vitória seja concedida às forças das trevas. Muitos crentes podem até perguntar: ―Até quando, Senhor, até quando o mal reinará?‖ — Mesmo em suas horas mais sombrias, quando das profundezas do seu ser eles suplicam ao Trono nas alturas, os filhos de Deus ainda se mantém confiantes em que a justiça haverá de triunfar e que, finalmente, o bem será visto claramente como o supremo vencedor, porque crêem que Deus é poder e justiça. O livro do Apocalipse fala do sangue do martírio dos filhos do povo de Deus, fala da mutilação dos corpos deles, mas de forma alguma e sse livro profético fala da vitória e do domínio do mal no universo de Deus. O universo é de Deus, não do diabo. Deus ainda está no trono. Deus não perdeu o controle sobre nada. Tudo o que acontece de mal é para o cumprimento dos Seus santos e eternos propósitos, mesmo que as razões últimas deles sejam escondidas de nós. A Escritura acentua que Deus nunca permite que o mal Lhe escape das mãos. Ele o controla, restringindo-o. Satanás não tem o poder de frustrar os desígnios de Deus. O inimigo dos 97 No
seu comentário de Isaías, Calvino interpreta o mal como sendo ―aflições, guerras e outras ocorrências adversas‖. Isto ele faz para livrar -se daqueles que ele chama de ―fanáticos, que torturam a palavra mal, como se Deus fosse o autor do mal; mas é muito óbvio quão ridiculamente eles abusam desta passagem do profeta… Deus é o autor do mal de punição, não do mal de culpa‖.(Ver John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, (Baker, 1981 edition), p.403.
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filhos de Deus pode acarretar grandes prejuízos para nós, causando um dano considerável em nosso meio, mas o seu governo não é absoluto sobre o mal. Ele opera debaixo da ordem expressa de Deus. Nada de mal é executado neste mundo sem que seja da vontade decretiva de Deus, que está no controle da história. Se Deus não estivesse no leme do barco que caminha para o fim da história, como poderia Deus ter certeza de que vai chegar onde determinou que haveria de chegar? E fácil perceber nas Escrituras que, para que o fim chegue, muita coisa má ainda tem que acontecer. O mal que ainda vai acontecer está determinado por Deus, que o executará através da agências de suas criaturas racionais, mas tudo acontecerá sempre debaixo do controle restringente dele. Deus está executando um plano de redenção, e é redenção do mal, e resgate das forças do Maligno. Para que sejamos confortados no meio de grandes males que o mundo enfrenta, é necessário que olhemos a história do ponto-de-vista de Deus que a determina, embora nós sejamos os agentes dela. Deus haverá de eliminar o mal do Seu mundo, e a implantação da justiça é uma questão apenas do ―tempo‖ de Deus. E interessante notar o otimismo da Escritura, quando ela observa o contraste entre o bem e o mal. A Escritura é completamente realista acerca do mal, porém jamais concede vitória ao mal. Os poderes do mal são mantidos em constrição. As suas áreas de operação são delineadas e delimitadas por Deus. Quando Cristo morreu na cruz, parecia que o mal triunfara realmente. Mas, veja! — no terceiro dia Cristo ressurgiu dos mortos. Satanás e suas legiões são frustrados e a sua fraqueza básica é exposta. E é sobre isso que Isaías canta neste grande capitulo, qual Monte Everest: ―Destilai vós, céus, dessas alturas, e as nuvens chovam justiça; abra-se a terra, e produza-se salvação, e a justiça frutifique juntamente‖ (Is 45.8). Eis aqui o otimismo bíblico em sua máxima e melhor expressão. Deus não está desamparado no meio da aparente ruína da Sua criação. Deus está realizando os Seus propósitos, anos após ano; e os Seus propósitos estão muito além da compreensão do homem mortal. Todavia, isto é claro. Naquele propósito soberano, Deus usará o mal para a Sua glória. Ele fará com que a ira dos homens O louve (Sl 76.10). Ele não descansará enquanto o mal não se queimar totalmente e toda a criação não for libertada para o glorioso dia em que o pecado não mais existirá. 98 A quarta verdade sobre este assunto é que
4) Deus Sempre Proporciona um Escape para o Mal Deus diz: ―Eu formo a luz‖ e ―Eu faço a paz‖. Deus toma a iniciativa na provisão de um meio de escape do domínio do mal. Veja que doce promessa para o escape do mal: ―Israel, porém, será salvo pelo Senhor com salvação eterna; não sereis envergonhados, nem confundidos em toda a eternidade. Porque assim diz o Senhor que criou os céus, o único Deus que formou a terra, que a fez e que a estabeleceu; que não a fez para ser um caos, mas para ser habitada: Eu sou o Senhor e não há outro. Não falei em segredo, nem em lugar algum de trevas da terra; não disse à descendência de Jacó: Buscai-me em vão; eu, o Senhor, falo a verdade, e proclamo o que é direito‖ (Is 45.17-19). Parece que as promessas do Senhor demoram para serem cumpridas, mas Deus tem se mostrado fiel a todas as Suas promessas, e também não falhará nesta. Jesus é a provisão de Deus para a redenção do pecador do mal. Ele é a luz que, vinda ao mundo, dá vida aos homens (Jo 1.9; 8.12). O calvário é a fonte onde somos lavados de todas as nossas imundícias da 98 Fitch,
p. 18-19.
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natureza pecaminosa. O pecado já não mais tem domínio s obre nós (Rm 6.14). Essa é a promessa que temos de que Deus está no trono, sendo vitorioso sobre o mal, proporcionando um escape para ele. O pecado não mais reinará sobre os nossos corpos mortais, porque Cristo já conseguiu a vitória por nós e no nosso lugar, e bem logo, v eremos esta coisas claramente, quando o Senhor Jesus se manifestar em glória. A quinta verdade sobre esta matéria é que
5) Deus Insta aos Homens para que Fujam do Mal e se Refugiem nele. Veja o que Deus diz nesse mesmo capítulo de Isaías: ―Olhai para Mim e sede salvos, vós, todos os termos da terra; porque Eu sou Deus e não há outro. Por mim mesmo tenho jurado; da minha boca saiu o que é justo, e a minha palavra não tornará atrás. Diante de mim se dobrará todo o joelho, e toda língua. De mim se dirá: tão somente no Senhor há justiça e força; até Ele virão e serão envergonhados todos os que se irritarem contra Ele. Mas no Senhor será justificada toda a descendência de Israel, e nEle se gloriará.‖ (Is 45.23-25). A verdade é vista de forma duplamente completa: os do Seu povo têm salvação do mal nele e nele serão justificados, e os ímpios haverão de prestar contas a Ele de suas maldades, porque Ele é o Deus da justiça. Deus continua no trono. E do Seu trono que Ele está falando aqui. E é para o Seu trono que somos convocados a olhar. O homem terá que ser libertado do pecado, e isso acontecerá por Jesus Cristo, em quem o homem deverá olhar com fé. A Escritura sempre encoraja os homens a buscarem refúgio e socorro nele, afastando-se do mal. E isso que o Senhor deseja que façamos e, para isso, necessitamos de Seu auxilio!
B) DADOS BÍBLICOS SOBRE O CARÁTER DO PECADO 1) O Pecado é uma classe específica de mal
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Muito se fala na atualidade a respeito do mal, mas pouco s e tem dito a respeito do pecado. Esta é uma palavra omitida na maioria das publicações ou conferências científicas que tratam dos problemas da raça humana. Contrariamente, a Escritura fala muito a respeito do pecado, que tem a ver com a transgressão de uma lei divina, mas é preciso ter em mente que nem todo o mal é pecado. O pecado não deve ser confundido com os males físicos que provocam as calamidades e prejuízos, que tantas dores têm trazido à raça humana. Estes últimos, na maioria das vezes, vêm como manifestação do julgamento parcial de Deus sobre os pecados dos homens. Aquele, entretanto, é um mal moral, porque afeta e viola uma lei moral de Deus, é uma oposição deliberada àquilo que Deus estabeleceu. No seu cerne, o pecado é sempre um ato positivo de oposição a Deus, que envolve culpabilidade pessoal, e é produto de uma ação voluntária da parte do homem, como agente livre que é (Gn 3.1-6; Rm 1.18-32; 1 Jo 3.4).
2) O Pecado tem um caráter absoluto
100
Na esfera ética o contraste entre o bem e o mal é absoluto. Não há um intervalo de neutralidade entre ambos. Ainda que haja graus em ambos, não há grau entre um e outro. A 99 Ver
Berkhof, p. 276 (edição castelhano). Berkhof, p. 277 (edição em castelhano).
100 Ver
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transição de um para o outro não é de caráter quantitativo, mas qualitativo. Um ser moral que é bom não se converte em mau por diminuir a sua bondade, mas unicamente por uma mudança qualitativa radical volvendo-se para o pecado. O pecado não é um grau menor de bondade, mas um mal positivo. A Escritura não reconhece qualquer posição de neutralidade entre o bem e o mal. O homem está do lado do justo ou do ímpio. Mt 12.30 – ―Quem não é por mim, é contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha.‖ O que Jesus está querendo dizer neste verso é que se Ele merece o nosso respeito, merece que o recebamos de todo o coração. Se não rendemos todo o coração a Cristo, não lhe estamos rendendo cousa alguma. Não existe a idéia de estar indiferente com respeito a Cristo. A indiferença é considerada oposição a Ele. Ou Lhe damos a honra, a adoração e o amor que Ele merece, ou O desonramos, cultuamos o demônio e o diamos ao Filho de Deus. Trata-se de ser oito ou oitenta com Jesus. Não existe equilíbrio no sentido de ficar entre Jesus e Satanás. Não há posição de indiferença ou neutralidade. Por isso, Ele disse: ―Quem não é por mim, é contra mim.‖ Não há forma de ser neutro nas coisas espirituais. Se alguém não é seguidor de Jesus Cristo, certamente estará do lado do maligno. Aqueles que não estão fazendo a obra de Deus estão fazendo as obras do diabo. Não estar do lado de Deus significa estar do lado de Satanás. Não existe meio termo ou neutralidade na esfera espiritual.
3) O Pecado tem a ver com a transgressão da Lei
A Escritura afirma categoricamente que o pecado ―é a transgressão da lei‖ (1Jo 3.4). O pecado propriamente não existiria para o homem se não houve uma lei estabelecida. Desde o começo do mundo, no pacto de obras do Éden, Deus estabeleceu leis para serem cumpridas pela sua criatura racional. Para que não houvesse dúvida quanto ao conceito de que pecado tem a ver com a lei, Deus colocou duas leis para o homem: uma interna, quando imprimiu as suas leis nos corações deles (Rm 2.12-15); a outra ele a transmitiu em palavras, quando no jardim deu as devidas ordens (Gn 2.15-16). Posteriormente, Deus formalizou essas leis gravando-as em tábuas no tempo de Moisés, para que ninguém pudesse alegar falta de conhecimento. Portanto, quando o homem peca, ele transgride uma lei que Deus estabeleceu.
C) A ORIGEM DO PECADO NO MUNDO ANGELICAL A Bíblia deixa absolutamente claro que o pecado não começou no Éden, com a queda dos nossos primeiros pais. O pecado vai além de Gn 3. Deus havia criado as host es angelicais, e todos as cousas que Deus fez eram boas quando vieram das mãos do seu Criador (Gn 1.31; 2.1). 2 Pe 2.4 diz que ―Deus não poupou a anjos quando pecaram, antes, precipitando -os no inferno, os entregou a abismos de trevas, reservando-os para juízo‖. A queda dos anjos ocorreu quando legiões deles ―abandonaram o seu est ado original‖ (Jd 6). O tempo exato dessa queda não se sabe, mas Jo 8.44 diz que o Diabo foi ―homicida desde o princípio‖, e 1 Jo 3.8 diz que ele vive ―pecando desde o princípio‖. Estas passagens mostram que houve um primeiro estado, um estado original no qual eles eram santos, estado de criação esse que eles abandonaram. Eles caíram e foram tornados instrumentos de ruína para os outros seres racionais, os homens. A Escritura, contudo, não diz quase nada sobre a queda dos anjos. E possível que o ―orgulho‖ tenha sido o pecado de Satanás 101, mas não há nenhuma outra indicação que nos dê mais luz sobre a queda de Satanás. 101 Esta
é uma referência sacada de 1 Tm 3.6, onde se supõe que Satanás é orgulhoso, soberbo, porque quis ser igual a Deus. O mesmo pode deduzir-se das palavras que ele usou para tentar Eva, em Gn 3, onde ela a induziu a ser como Deus.
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Vários estudiosos da Escritura usam as passagens de Is 14.12; Ez 28.12-15 e 31.1-18 para explicar a queda de Satanás. Creio que estas passagens se referem a homens que viveram em nossa história, e não se referem a Satanás. Contudo, podemos ver nessas passagens a respeito de homens orgulhosos, uma ilustração do que aconteceu a Satanás, mas seria injusto com a Escritura afirmar estas passagens são um registro do que aconteceu a Satanás. Assumo esse ponto-de-vista, pelas seguintes razões: 1) Po rque estas passagens não são vaticínios, isto é, elas não estão dizendo que os reis são tipos de Satanás, porque este é anterior àqueles; 2) Porque o NT não lança luz sobre essas passagens, explicando-as como fez com outras. Se houvesse uma alusão do Novo Testamento àquelas passagens, então, poderíamos, com certeza, afirmar a queda de Satanás, porque a Bíblia teria interpretado a si mesma; 3) Porque a Escritura fala claramente que os personagens são seres humanos reais que v iveram em nossa história.
D) A ORIGEM DO PECADO NO MUNDO DOS HOMENS Não há outra maneira de se explicar o que está acontecendo à raça humana, se não através do episódio do Jardim do Éden. A revelação divina é a única que dá uma resposta para o problema dos pecados no pecado do homem. Os antropólogos, sociólogos e psicólogos ficam totalmente perdidos quando começam a tratar do problema do pecado, embora essa palavra quase nunca apareça nos seus escritos. Ficam totalmente perdidos nessa matéria porque não levam em conta o registro bíblico sobre a origem e a queda do homem. Se o fizessem, muito mais luz haveria entre os homens que estudam e lêem e ensinam sobre antropologia, psicologia e sociologia. A ignorância da Palavra de Deus traz a ignorância da origem dos males nos c orações dos homens. A filosofia também não tem respostas a perguntas como estas: Qual é a fonte das imperfeições da natureza humana? Por que há tantos males que infestam a vida dos homens? Por que o homem é sempre avesso à lei que lhe é imposta? Por que o homem sempre se opõe a um código de ética que é útil para os seus semelhantes e, por conseguinte, para si próprio? Estas perguntas não são respondidas, a não ser por aquele que estuda a Palavra de Deus, a única fonte confiável de informação sobre a real condição humana. Nenhum cientista ou filósofo pode negar as inclinações pecaminosas do ser humano, mas eles não sabem como ele se tornou assim. O problema da hereditariedade não responde muito às indagações, porque deixa por e xplicar como nossos ancestrais originais vieram a ser o que foram. Não há como fechar os olhos para o que está diante de nós. Pink diz: ―Olhe não somente para os nossos presídios, hospitais, cemitérios, mas também para a antipatia entre o justo e o ímpio, entre aqueles que temem a Deus e os que não O temem. O antagonismo entre Caim e Abel, Ismael e Isaque, Esaú e Jacó, é repetidamente duplicado em todas as épocas e lugares. Mas a Bíblia, somente a Biblia, indica a fonte de todas essas coisas.‖ 102 A Escritura tem a resposta para os males no mundo dos homens, e seu terrível comportamento, em Gn 3.1-6.
Análise de Gn 3.1-6 Este texto descreve o evento que deu origem aos males que há no mundo dos homens. O que Moisés narra nestes versos diz muito mais do que todos os homens poderiam dizer juntos sobre o pecado, se tivessem que descobrir a razão do comportamento deles por si próprios. Este é um dos capítulos mais importantes da Escritura, porque é a chave para o entendimento da pecaminosidade humana. Aqui começa o grande drama da miséria humana, e Deus é muitíssimo 102 A.
W. Pink, Gleanings the Scriptures , (Chicago: Moody Press, 1977), p. 14.
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claro quando trata da origem do pecado em nossa raça e, ao mesmo tempo, mostra a Sua provisão para a miséria humana. Vejamos a analise, verso por verso: Gn 3.1 — ―Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o Senhor Deus tinha feito, disse à mulher: E assim que Deus disse: ―Não comereis de toda árvore do Jardim?‖ Devemos ter muito cuidado ao interpretarmos este verso. Cremos que a afirmação do texto refere-se a uma serpente literal como sendo instrumento 103 de um ser superior. Cremos que esta narrativa é histórica, e não alegórica, como s ugerem alguns estudiosos. Observe outras referências ao episódio de Gn 3.1 e veja que outros autores bíblicos a consideram como a narração de um fato histórico (Jó 31.33; Is 43.27; Os 6.7; Rm 5.12, 14; 1 Tm 2.13, 14). Estes versos que dizem respeito ao livro de Gênesis não devem ser interpretados figuradamente, mas como que narrando eventos que realmente aconteceram. Perceba que Paulo trata de dois personagens históricos: Adão e Cristo. A menos que Cristo tenha sido um mito, Adão deve ser considerado um personagem histórico. A serpente deve ser vista como um animal entre as criaturas de Deus. Não seria boa exegese substituir ―serpente‖ por ―Satanás‖. Satanás não é igual serpente. O castigo mencionado em Gn 3.14, 15, pressupõe uma serpente verdadeira, e Paulo não imagina uma serpente de outra maneira.104 Houve, de fato, um poder sobre-humano na serpente, que não é mencionado em Gênesis 3. Mas a Escritura deixa claro que a serpente era unicamente o instrumento de Satanás, e que o verdadeiro tentador estava operando em e por meio da serpente, do mesmo modo que posteriormente operou nos homens e nos porcos. A serpente foi o instrumento adequado de Satanás para que fizesse o que fez. A serpente simboliza a natureza sutil e enganosa do pecado, e tem um aguilhão venenoso que mata o homem. E por isso que Satanás, por sua astúcia e sagacidade, é chamado de a ―antiga serpente‖ (Ap 12.9; 20.2). O leitor atento haverá de perceber que a narrativa abrupta, que começa no ve rso 1, dá a entender que a serpente estava replicando a alguma cousa que Eva havia dito antes. Com toda a probalidade, quando a serpente chegou, Eva já estava observando a árvore proibida. Concordamos com aqueles que têm concluído que Adão não estava com Eva quando a serpente conversou com ela, embora saibamos que, logo após, ele juntou-se a ela. Eva estava só, portanto, quando confrontou-se com a serpente. A base dessa afirmação está em 1 Tm 2.13-14, onde o Espirito Santo deixou enfático o fato de Eva ter sido enganada, não Adão. Ela foi quem seduziu Adão, não a serpente. Pode muito bem ser dito que Satanás tentou Eva que, por sua vez, seduziria Adão; assim Satanás tentou Jó por sua esposa e Cristo através de Pedro. Esta é a sua política: enviar tentações por mãos insuspeitas, isto é, por aqueles que têm interesse e influência sobre nós. A serpente, então, tentou Eva, na ausência do marido. O fato de Eva estar só, lança luz sobre o que ocorreu. Ela não havia recebido pessoalmente a ordem de Deus, e, sim, Adão. Sozinha, ela não teria ninguém para lembrá-la da ordem divina e, assim, foi presa mais fácil para Satanás. Ela aproximou-se da árvore, brincando assim com a ordem de Deus. Como conseqüência, recebeu o ataque da serpente sagaz. Ela entrou em território inimigo e foi ferida por ela. E por essa razão que a Escritura nos adverte para não andarmos no território do inimigo, ―para que Satanás não alcance vantagem sobre nós, pois não lhe ignoramos os desígnios‖ (2 Co 2.11), porque quem ―anda no caminho dos ímpios, detém-se no caminho dos pecadores e acaba assentando-se na roda dos escarnecedores‖ (Sl 1.1; ver também Pv 4.14-15). A serpente disse à mulher: ―É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do 103 Ver
esta idéia desenvolvida por Berkhof, p. 266 (edição em castelhano). Compare Gn 3.1 com 2 Co 11.3 onde Paulo temia que ―assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim sejam corrompidas as vossas mentes, e se apartem da simplicidade e pureza devidas a Cristo.‖ 104
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jardim?‖ Nessa pergunta da serpente percebemos a astúcia e a malícia de um inimigo. Sua alusão à restrição divina é muito maior e mais severa do que parece ser. O Senhor havia feito alusão, de fato, a uma provisão para a alimentação de nossos primeiros pais, dizendo que eles poderiam comer ―livremente de todas as árvores do jardim‖, com uma simples exceção (Gn 2.16) . Mas Satanás alterou as providências de Deus na sua pergunta. Ele tentou não somente fazer com que Eva duvidasse da veracidade de Deus, mas que também suspeitasse da ordem divina. Satanás está sempre procurando injetar veneno em nossos corações: fazer com que desconfiemos da bondade e da veracidade de Deus - especialmente em conexão com Suas proibições e preceitos. Isto é o que realmente está por detrás de toda desobediência: um descontentamento com aquilo que Deus nos dá. Este descontentamento a serpente plantou no coração de Eva. O veneno já havia sido injetado. As palavras iniciais da conver sa da serpente foram designadas para produzir em Eva um espirito de descontentamento. Observe, agora, que a reação de Jesus ante o tentador foi muito diferente. Ele recusou-se a debater com Satanás, justamente porque Ele queria fazer a vontade Deus. Cada vez que o inimigo atacava, simplesmente Ele se apegava à Palavra de Deus. Satanás tentou torcer a verdade, mas Cristo conhecia muito bem as ordens de Deus. O que a mulher não foi capaz de fazer, a Semente da mulher, Cristo, o fez. Gn 3.2-3 — ―Respondeu-lhe a mulher: do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais.‖ Ao invés de fugir do encontro com a Serpente, Eva entabulou conversa com ela, o que lhe foi fatal. Satanás é muito mais hábil e inteligente do que nós, e se tentamos dialogar com ele em seu próprio território, o resultado será desastroso. S ua influência má já tinha começado a afetar Eva perigosamente, como podemos deduzir da primeira parte da resposta dela à serpente. O Senhor havia dito: ―De toda árvore do jardim comerás livremente ‖ (2.16), mas ela omitiu a palavra ―livremente‖. Isso é indicativo de que a generosidade de Deus já estava sendo questionada. Na sua resposta parece-nos que Eva acrescentou à ordem de Deus, a expressão ―nem tocareis nele‖. Isto não é um acréscimo necessariamente, porque dificilmente ela poderia comer do fruto sem tocar nele. Há um princípio importante que deve ser notado aqui: quando Deus proíbe qualquer ato, Ele, ao mesmo tempo, proíbe tudo o que encoraja a realização dele. Esse princípio Ele deixou bem claro no Sermão do Monte, quando combateu o legalismo dos escribas e fariseus. Jesus insistiu que ―não matarás‖ não é restrito a um gesto físico de violência, mas já é crime o exercício da mente precedente ao ato, como o ódio, por exemplo. De igual modo, Jesus declarou que o ―não adulterarás‖ inclui muito mais do que simplesmente as relações sexuais. Os desejos e imaginação impuros já constituem o adultério. Eva, portanto, estava totalmente certa em conclui r que a ordem divina a proibia de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, inclusive t ocá-la, porque o ato de comer envolve não somente o desejo e a intenção, mas também o tocar, manusear, e colocar o fruto na boca. Gn 3.4 — ―Então a serpente disse à mulher: E certo que não morrereis.‖ Percebendo sua vantagem, agora que havia ganho a atenção de Eva, o tentador tentou contraditar a ordem da ameaça divina. o tentador começou por semear a dúvida (v. 1). Agora, ele negou que havia qualquer perigo no comer do fruto. Fazendo ass im, o tentador difamou o caráter de Deus e, agora disse que Deus era mentiroso. E possível que a serpente tivesse comido o fruto na presença de Eva e, então, teria muita força a sua palavra do v.4 diante de Eva. Foi como se Satanás tivesse dito a Eva: ―Você não precisa hesitar. Deus só está tentando assustar você. Averigue você mesmo que esse fruto é totalmente inofensivo, porque eu comi e não aconteceu nada.‖ — Assim, o inimigo de nossas almas procura persuadir os homens de que eles podem
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desafiar Deus ficando impunes (veja Dt 29.19). Gn 3.5 — ―Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.‖ Eva, ao invés de fugir da conversa, continuou a dar ouvidos à fala de Satanás. Este não somente sugeriu que ela não sofreria punição qualquer, com insinuou que ela se beneficiaria ao comer do fruto, por três razões: Primeiro, por comer do fruto, a capacidade dela de discernimento e o de percepção seriam sensivelmente aumentados. Este é o sentido de ―se vos abrirão os olhos‖. Os olhos físicos de Eva e Adão já estavam abertos, portanto, esta referência deve ter sido aos olhos do entendimento; Segundo, o seu poder seria aumentado, e sua posição melhorada. Eles seriam como ―Deus‖ ou anjos; Terceiro, a sabedoria seria aumentada em muito, ―sendo conhecedores do bem e do mal como Deus‖. Isto era algo altamente desejável! É interessante que Satanás não dirigiu seus ataques aos apetites físicos de Eva, mas à parte mais nobre do seu ser, isto é, aos apetites da alma humana — querer ser mais sábio, inteligente, poderoso, ser uma criatura celestial, ser um ser independente, auto-suficiente, agir independentemente de Deus. De lá para cá, Satanás tem tentado fazer o mesmo com todos os homens, tentando-os a tornarem-se independentes de Deus, o que é uma falácia, mas muitos têm caído nessa esparrela. Gn 3.6 — ―Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu, e deu também ao marido, e ele comeu.‖ Antes de examinar os detalhes deste trágico verso, analisemos cuidadosamente duas perguntas: Primeira: Por que a soberania da divina ameaça em Gn 2.17 não deteve Eva? Davi declarou: ―Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti‖ (S1119.11). E claro de Gn 3.3 que a palavra de Deus estava na mente de Eva ao menos, quando ela foi acossada por Satanás. Como, então, se explica que ela não se preservou de pecar? Certamente, a resposta é que ela não fez uso da Palavra, mas namorou com a tentação, parlamentou como inimigo de Deus, e acabou crendo na sua mentira. Aqui está a mais solene advertência para nós: se desejamos que Deus nos liberte do tentador, devemos evitar toda ocasião do mal e, como José do Egito, fugir da tentação. Então, poderemos livremente, orar: ―Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.‖ ―Eva viu que a árvore era boa para se comer (porque provavelmente Satanás a tinha comido na frente dela) e que ela era ―agradável aos olhos‖. Observemos a ordem das duas cláusulas: esperaríamos encontrar, pela lógica, a frase ―agradável aos olhos‖ primeiro que ―boa para se comer‖. Por que estariam elas mencionadas inversamente? Isto capacita-nos a entender melhor o significado da frase ―vendo a mulher que a árvore era boa para se come‖. O elemento tempo não pode ser ignorado aqui. Cremos, porque está implícito, que a serpente comeu do fruto na presença de Eva. Como ela poderia perceber que a árvore era ―boa para se comer‖, se alguém não a tivesse provado? Como Eva poderia saber que o fruto era ―desejável para dar entendimento‖ a menos que alguém t ivesse previamente testemunhado através de uma demonstração visual do fato? É evidente que as palavras ―vendo a mulher que a árvore era boa para se comer‖ significam que ela havia visto a serpente comê-la sem morrer ou sofrer qualquer punição. Então, ela seguiu o exemplo da serpente. Este fato interferiu no raciocínio de Eva. Ao invés de crer na Palavra de Deus, Eva andou pelo que viu — como seus filhos e filhas fazem ainda hoje — e as aparências enganam. Eva viu que a árvore ―era agradável aos olhos‖. Não havia nada na aparência exterior do fruto que indicasse que ele era impróprio para ser comido. Ao contrário, ele parecia atraente. Em
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Gn 2.9 lemos: ―Do solo fez o Senhor Deus brotar toda sorte de árvores agradável à vista e boa para o alimento...‖ — Como o texto mostra, a árvore do conhecimento do bem e do mal não era exceção. Toda a criação foi bela e agradável aos sentidos. Mas Eva, por entregar-se à tentação da serpente, notou que aquela árvore era particularmente bela. Eva teve o desejo secreto e cobiçou-a. Se houvesse havido qualquer incerteza na mente de Eva, ela poderia ter consultado seu marido. Segundo a Escritura, este é o dever e o privilégio de uma esposa. Mas ela quis ter ―entendimento‖ como Deus. Ela fez o juízo pelo que a serpente disse, e não pelo que Deus havia dito ao seu marido. Ela preferiu a falsa esperança que o inimigo lhe havia dado, mas ela foi enganada. Primeiro, ela deu crédito ao ―é certo que não morrereis‖ (v.4); depois foi atraída pela perspectiva de tornar-se igual a ―Deus‖ ou anjo. E, então, sob essa crença, comeu do fruto. A palavra hebraica fdfm:xen:w para ―desejável‖ (v.6), tem a mesma raiz ( Dom:xat) em Ex 20.17, e é traduzida aqui por ―cobiça‖. A mesma palav ra é chamada ―concupiscência‖ em Rm 7.8, e ―cobiça‖ em Tg 1.15. De f ato, esta última passagem, de algum modo, traça o caminho em detalhes da desobediência final de Eva, mesmo embora ela não possuísse natureza pecaminosa, como nós hoje a possuímos. O estatuto do Éden, tanto quanto o dos Dez Mandamentos, envolvia ambos, os desejos interiores e os atos exteriores. Aquele que deseja o mal proibido, de fato já o escolheu, como aquele que odeia antes de violar o sexto mandamento, embora nunca chegue a uma violência física. Eva não poderia nem desejar o fruto, porque Deus a havia proibido de comê-lo. Ao invés de desejá-lo, ela deveria fugir dele. Cobiçar o que Deus proíbe já é pecaminos o, é preferir a criatura ao invés do Criador. Esta é a grande advertência para nós todos. Se estimamos coisas apenas levados pelos sentidos, ou pelo que outros dizem delas, ao invés de aceitarmos o que Deus diz a respeito, certamente erraremos em nosso juízo. Nada é bom para nós exceto aquilo que vem das mãos de Deus. Eva, então, ―tomou-lhe do fruto e comeu‖— sem consultar Adão. Tão forte foi o desejo do seu coração, que ela não quis ouvir a opinião de ninguém. Assim, ela completou a transgressão. A serpente não colocou o fruto na boca de Eva. O diabo pode tentar, mas não pode forçar ninguém a pecar. Por sua própria determinação, obedecendo a desejos interiores, ela comeu do fruto. Ela, e nem nós, podemos culpar quem quer que seja pelos nossos próprios atos pecaminosos. A essa altura, Adão juntou-se a Eva, porque é dito que Eva deu o fruto ao seu marido, ―e ele comeu‖. Este é o progresso do pecado: alguém entrega-se à tentação e, então, torna-se o tentador de outras pessoas. Ao invés de recusar o fruto, Adão comeu. O texto da Escritura diz ―que Adão não foi enganado‖ (1 Tm 2.14), o que o torna um maior culpado. El e apenas ―atendeu a voz de sua mulher‖ (Gn 3.17), e isto foi o bastante para ele apostatar de Deus. Foi uma revolta contra o Criador, uma insurreição à Sua supremacia, uma rebelião contra a Sua autoridade. Deliberadamente Adão resistiu à vontade revelada de Deus, desertou do Seu caminho. Em conseqüência, ele perdeu sua primitiva excelênci a e toda a sua alegria. Assim, Adão lançou-se a si mesmo, e a toda sua posteridade, na ruína espiritual. Esta foi a origem do pecado na raça humana. Gn 3 dá-nos uma narrativa inspirada de como o pecado invadiu o território dos homens, e também nos dá a única resposta para os males e as misérias que permeiam este nosso mundo. Resumo: A queda do ser humano foi ocasionada pela tentação da serpente, que semeou na mente de nossos primeiros pais a des confiança e da incredulidade. Ainda que, sem dúvida, o propósito da serpente tenha sido o de fazer Adão cair, ele se dirigiu a Eva provavelmente pelas razões que se seguem: a) Ela não era a cabeça do pacto e, portanto, não teria o mesmo sentido de responsabilidade; b) Ela não havia recebido o mandato de Deus diretamente, mas de forma indireta, através de Adão e, por conseguinte, seria mais suscetível ao argumento da dúvida; c) Com segurança ela seria o agente mais eficaz para chegar ao coração de Adão. Assim, portanto, deu-se a história da queda do homem, o inicio do pecado no mundo.
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PARTE 3
A CONDIÇÃO DO HOMEM DEPOIS DA QUEDA (DOUTRINA DO PECADO)
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CAPÍTULO VIII A TRANSMISSÃO DO PECADO O pecado original (que é a culpa e a conseqüente corrupção) tem sido a experiência de todos os homens. Tanto a Biblia quanto a experiência humana têm mostrado a universalidade do pecado. Segundo a Escritura, a origem disto tudo está na queda de Adão. Neste capitulo vamos ver qual é a conexão que há entre o pecado de A dão com o da humanidade em geral. E pensamento geral entre os Reformados a teoria da imputação. As palavras usadas nas línguas originais que são traduzidas como ―imputação‖, são bo$:xay (Sl 32.2 do verbo hebraico b$x)) e logi/shtai (Rm 4.8 do verbo logizomai).105 A imputação é o método de Deus para explicar a conexão do pecado de Adão com os nossos pecados, mas nem todos os cristãos têm concordado nesta matéria. Diferentes conceitos têm surgido no decorrer da história da igreja a respeito de como a culpa de Adão passou até nós.
CONEXÃO DO PECADO DE ADÃO COM O DA POSTERIDADE A. OS QUE NEGAM ESTA CONEXÃO Houve alguns movimentos na história da igreja que tentaram negar a conexão entre o pecado do primeiro pai e os pecados dos seus descendentes. A negação é total no primeiro grupo e parcial no segundo e terceiro.
1) Os Pelagianos
Pelágio, monge inglês do séc. IV, adversário teológico de Agostinho, partiu do ponto-de-vista da habilidade natural do homem. Seu axioma fundamental é: ―Deus mandou o homem fazer o que é bom; disto, deduz-se que o homem deve ter a capacidade de fazê- lo.‖ Isto quer dizer, na teologia de Pelágio, que todos os homens possuem o livre arbítrio, ou seja, a vontade livre no sentido absoluto da palavra, de tal forma que é possível para eles irem tanto para o mal quanto para o bem, como resultado da sua constituição natural. Na verdade, dentro do conceito pelagiano, o homem é um ser moralmente neutro. Ele não tem tendência alguma. A decisão do homem não depende do seu caráter moral, visto que a vontade do homem está inteiramente indeterminada tanto de dentro como de fora. Seja o que for que o homem faça, o bem ou o mal, dependerá unicamente de sua vontade livre, isto é, da natureza moral neutra dela. Os atos bons ou maus são ações soltas do homem, não estão vinculadas à natureza moral do homem. O pecado consiste de atos independentes ou soltos da sua vontade. A vontade não tem conexão com o coração do homem. E nesse sentido que ele entende vontade livre. E a independência da vontade. Não há uma natureza pecaminosa no homem que o leva a pecar. O pecado é sempre uma escolha deliberada do homem, e ele peca porque ele resolve imitar Adão que pecou. Segue-se, portanto, que Adão não foi criado num estado de verdadeira santidade, mas 105 Ver
também 2 Co 5.19; Gl 3.6; Tg 2.23.
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em um equilíbrio moral. Sua condição era de neutralidade moral. Não era bom nem mau, portanto, não possuía caráter moral. Escolheu livremente a carreira do mal, mas isto não fez que seus descendentes nascessem pecaminosos. Para o pelagianismo, não há nenhuma conexão entre o pecado de Adão e os pecados dos descendentes. Não há o pecado original. As crianças nascem num estado de neutralidade, começando exatamente onde Adão começou, exceto no sentido em que estão numa situação de desvantagem, pois já nascem com maus exemplos ao seu redor. Os homens hoje pecam porque resolvem imitar Adão e, como conseqüência, o hábito de pecar vai se formando. O conceito de livre arbítrio de Pelágio , em algum sentido, foi tirado de um livro apócrifo das Escrituras, o livro de Eclesiástico, que tem dado margem a alguns eruditos posteriores, inclusive, Erasmo de Roterdã, a formularem sua teologia libertária. Pelágio defendeu um libertarismo muito extremo. Ele creu que ―todo infante vem ao mundo na mesma condição que Adão estava antes da queda. Seu princípio principal era que a vontade do homem era absolutamente livre. Daí, segue-se que todos têm o poder, dentro deles mesmos, para crer no evangelho tanto como para guardar perfeitamente a lei de Deus.‖ 106 Pelágio ―vê a liberdade humana como um dom de Deus. Portanto, a prova desta liberdade tem que ser buscada na Escritura Sagrada. E a conhecida passagem de Eccli XV, 17107 que proporcionou a Pelágio a mais exata definição da liberdade da vontade.‖ 108 Comentando sobre 1 Tm 2.4 – ―…que deseja que todos os homens sejam salvos‖, Pelágio diz: ―Disto é provado que Deus não força ninguém a crer, nem que Ele tira a liberdade da vontade.‖ 109 Agostinho cita Pelágio em sua obra On the Grace of Christ, capítulo XXIV: ―O homem que se apressa para o Senhor e deseja ser dirigido por Ele, que faz sua própria vontade, depende do Senhor, que além disso, apega-se tão proximamente ao Senhor tornando-se (como diz o apóstolo), ‗um espírito com Ele‘, faz tudo isto por nada mais do que pela liberdade da vontade.‖ 110 ―Livre Arbítrio‖ era o principal tema de Pelágio, e ele determinou a totalidade de seu sistema teológico nas áreas de antropologia e soteriologia.111 David N. Steele, The Five Points of Calvinism , Philadelphia: Presbyterian and Reformad Publishing Company, 1967), p. 20. 107 Eclesiástico 15.14-18 (que diz: ―Ele mesmo fez o ser humano no princípio e, então, deixou-o livre para fazer suas próprias decisões. Ele lhe deu mais os seus mandamentos, e os seus preceitos; se tu quiseres observar estes mandamentos, e guardar sempre com fidelidade o que é do agrado de Deus, eles te conservarão. Ele pôs diante de ti a água e o fogo: lança a tua mão ao que quiseres. Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal: o que lhe agradar, isso lhe será dado.‖) dá a base para muitos escritores formularem sua concepção de livre-arbítrio. Juan P. Valero diz: ―Pelágio é um dos primeiros escritores eclesiásticos, sem se exceptuarem Tertuliano e Orígenes, que se utilizou desta passagem como fundamento da liberdade do homem "Las Bases Antropologicas de Pelagio, (Madrid, Publicaciones de La Universidad Pontificia comilías, 1980), p. 315. 108 Ibid. 109 Alexander Souter. The Earliest Latin Commentaries on the Epistles of St. Paul, (Oxford: At the Clarendon Press, 1927), p. 224. 110 Whitney J. Oates. (Editor) Basic Writings of Saint Augustine, vol. 1, (New York, Random House Publishers, 1948), p. 599. Neste capítulo On the Grace of Christ , Agostinho cita diversas vezes o pensamento de Pelágio sobre as capacidades da vontade livre do homem. 111 No século IV uma lista de erros pelagianos, que foi parte do credo Pelagiano, havia sido apresentada pelo diácono Paulinus de Milão, em sua acusação a Celéstio, diante de Aurelius, bispo de Cartago: 1) ―Adam mostalem factum, qui sive peccaret sive non peccaret, moriturus esset.‖ (De gestis Pelagil, 11); 2) ―Quoniam peccatum Adae ipsum solum laeserit et non genus humanum.‖ (Ibid); 3) ―Quoniam lex sic mittit ad regnum quemadmodum evangelium.‖(Ibid); 4) ―Quoniam ante adventum christi fuerunt homines sine peccato.‖(Ibid); 5) ―Quoniam infantes nuper nati in illo statu sint, in quo Adam fuit ante praevaricationem.‖ (Ibid); 6) ―Quoniam neque per mortem vel praevaricationem Adae omne genus hominum moriatur, neque per resurrectionem Christi omne genus hominum resurgat.‖ (Ibid). (Chisholm. The Pseudo-Augustinian Hypomnesticon Against the Pelagians and Celestians, p. 6-7). 106
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Os modernos pelagianos foram ressuscitados especialmente no tempo de Jean J. Rousseau, que dizia que as crianças são uma espécie de tabula rasa, ou um papel branco, que vai se sujando ou manchando pela influência externa. Vejamos este ensinamento colocado numa forma mais sistemática: — Pelágio enfatizou a plena liberdade da vontade, a vontade como independente das outras faculdades da alma humana. A vontade possuía plena liberdade para querer e para fazer. O princípio de Pelágio era: ―Se eu devo, eu posso‖. — O pecado consistia, portanto, somente na escolha deliberada do mal. Ele pressupõe o conhecimento daquilo que o mal é, mas o homem tem poder de escolhê-lo ou de rejeitá-lo. — Não há pecado original, ou corrupção herdada. Todos os homens são nascidos na mesma condição em que Adão foi criado. — O pecado de Adão é apenas um mau exemplo que foi seguido por seus descendentes; Pelágio negou que houvesse qualquer conexão de relação causal entre o pecado de Adão e o da raça, ou que a morte tenha sido a pena do peado. Adão morreu por causa da constituição da sua natureza, e isto aconteceria mesmo que ele não houvesse pecado. — Adão não foi o representante da raça humana, nem o seu cabeça. — Como o descendente de Adão vem ao mundo sem a contaminação do pecado, ele tem pleno poder para fazer tudo o que Deus quer, inclusive viver sem pecar. Ele tem a possibilidade de não pecar. Alguns pelagianos ensinaram que alguns homens não precisavam orar: ―Perdoa-nos as nossas dívidas‖. — Uma conseqüência do ensino de Pelágio foi que ensinou-se que o homem poderia ser salvo sem o evangelho. Com a vontade plenamente livre, ele poderia obedecer perfeitamente a lei de Deus e ser salvo, e ter vida eterna. A única diferença é que, debaixo da luz do Evangelho, esta perfeita obediência é tornada mais fácil. — Pelágio nega a necessidade da graça como nós a entendemos, como a atuação sobrenatural do Espírito Santo. Ele crê na graça, mas com uma outra conotação. Graça, portanto, para Pelágio, e entendida como cada coisa que deriva da bondade de Deus. Nossas faculdades naturais como a razão, o livre-arbítrio, revelação da verdade, etc., é que são a graça divina.
2) Os Semi-Pelagianos
O Semi-Pelagianismo é a doutrina dos católicos-romanos desde o tempo em que a igreja se posicionou entre Agostinho e Pelágio. Após a controvérsia Agostinho-Pelagiana, a igreja cristã decidiu tomar um posição mediana. Ela evitou os pontos extremos de Pelágio e de Agostinho. Esta posição é historicamente conhecida como Semi-Pelagianismo que tomou elementos de ambos. Segundo George Smeaton, João Cassiano (A.D. 360-435), um contemporâneo de Agostinho, foi o fundador dessa posição mediana, que veio a ser chamada SEMI-PELAGIANISMO, porque ela ocupou um terreno intermediário entre Pelagianismo e Agostinianismo, e tomou elementos de ambos. Ele reconheceu que o pecado de Adão estendeu-se a sua posteridade, e que a natureza humana era corrompida pelo pecado original. Mas, por outro lado, ele sustentou um sistema de graça universal para todos os homens igualmente, fazendo com que a decisão final no caso de cada indivíduo fosse dependente do exercício do livre arbítrio.112 Cassiano, como Agostinho, viu a universalidade da graça, mas The Doctríne of lhe Holy Spírít, (Edinburgh: T & T Clark, 1889), p. 338. N.P. Williams in The Grace of God, (London: Hodder and Stoughton, 1966) pensa que ―seria mais justo descrever o sistema que Cassiano advogou como ―Semi-Agostinianismo‖‖, porque Williams pensa que Cas siano crê em muitas coisas a respeito do pecado original, como Agostinho, e Cassiano discordou somente sobre a "Irresistibílidade da graça, que torna a vo1ição humana um mero modo dá auto- expressão da vontade divina.‖ (p. 54) 112
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ele casa isto com uma certa admissão do poder cooperador da vontade livre do homem. Isto se aplica mesmo à graça primeira, a graça da conversão... Para Agostinho a primeira graça é estritamente preveniente, para Cassiano ela é, como as outras graças, cooperante. 113 Ele diz em suas Collationes que a graça cooperante vem ―ajudar as fracas aspirações e veleidades que são espontâneas ou movimentos não-causados da vontade humana.‖ 114 A conclusão óbvia deste pensamento é que Cassiano não cria numa real depravação da alma humana como o fez seu contemporâneo Agostinho. Sua concepção ―do estado presente da natureza humana caída é perceptivelmente mais suave do que aquela sustentada por Santo Agostinho.‖115 Agostinho, que havia sido vitorioso em sua controvérsia com Pelágio, não teria ficado satisfeito com o caminho que a igreja tomou posteriormente. Um voluntarismo libertário triunfou na teologia do Semi-Pelagianismo. A graça de Deus vinha conforme os méritos dos homens, isto é, de acordo com o bom uso ou com a melhora correta dos poderes naturais da vontade livre, mesmo embora o Semi-Pelagianismo tenha sido condenado pelo Sínodo de Orange (A.D. 529) 116, presidido pelo bispo de Arles, um teólogo agostiniano. O sumário da doutrina de Orange sobre a capacidade do homem está asseverada na afirmação concludente como apêndice aos Cânones: Isto nós devemos ambos pregar e crer - que através do pecado do livre arbítrio do primeiro homem foi tão deformada e atenuada, que daí por diante nenhum homem pode mesmo amar a Deus como ele deve, ou crer em Deus, ou apresentar qualquer boa obra em nome de Deus, amenos que a graça da misericórdia divina tenha se antecipado nele. 117 Muitos teólogos, contudo, não têm dado atenção nem a sã doutrina nem à condenação pronunciada por Orange. Eles minimizaram a posição de Orange sobre a queda e as conseqüências que foram óbvias: eles tiveram uma atitude benevolente em relação ao homem não-regenerado, o que tornou fácil crer em qualquer espécie de liberdade da determinação, ambos, da influência externa e, especialmente, da interna. O Semi-Pelagianismo, com sua teologia sinergista, cruzou todos os períodos da igreja cristã. Ele ganhou muitos seguidores, visto que esta é a posição da igreja de Roma até hoje, mesmo embora ela não o declare oficialmente. O voluntarismo libertário teve seu grande campeão na pessoa de Duns Scotus, perto do 113 Williams,
p. 57. Collationes XIII, II (citado por Williams, p. 58). 115 Williams, p. 58. 116 Alguns Canones de Orange que condenaram o Semi-Pelagianismo mostram a teologia em vigor naquela época na Igreja Crista: ―Se qualquer um afirma que a totalidade do homem, alma e corpo, não tem sido corrompida pela transgressão de Adão, mas que o corpo somente esta sujeito a corrupção, enquanto a liberdade da alma permanece intacta, que tal pessoa, seduzida pelos erros de Pelágio, contradiz a Escritura que diz: ―A alma que pecar, essa morrera.‖; ―4) Se qualquer homem afirma que Deus espera pela nossa vontade de tal forma que nós podemos ser eximidos de pecar, e que não confessa que é devido a infusão e operação do Santo Espírito sobre nós que nó s desejamos ser limpos, ele resiste ao Espírito Santo...‖; ―6) Se qualquer homem afirma que a misericórdia é comunicada a nós quando, sem a graça de Deus, cremos, decidimos, desejamos, nos esforçamos, observamos e trabalhamos, oramos, procuramos e batemos, e que não confessa que é pela inspiração e infusão do Espírito de Deus que nós cremos, desejamos.... - que meramente afirma que a ajuda da graça é acrescentada à humildade e obediência do homem...‖; ―7) Se qualquer homem afirma que pode, pela força da natureza, pensar qualquer coisa boa pertencente a salvação da vida eterna.. .ou escolher ou consentir diante da pregação evangélica salvadora, sem a iluminação e inspiração do Espírito Santo, que dá a todos o doce sabor em consentir e crer na verdade, ele esta enganado por espírito herético....‖ (See Smeaton, pp. 340-42, e Williams, pp. 63 -65). 117 Williams, p. 66. 114
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final da Idade Média. Ele ―representa um es tágio de transição no movimento de uma teoria do apetite da volição humana para a teoria da causa eficiente.‖ 118 Duns Scotus escreveu: ―Qual é a fonte desta escolha determinada? Ela pode vir somente de um poder distinto da razão que é capaz de escolher. Porque a razão não é um fator determinante, visto que ela tem a ver com os opostos com respeito ao qual ela não pode determinar a si mesma, muito menos determinar alguma coisa além de si mesma… Propriamente falando, o poder executivo não está num poder contraditório ao efeito que ele carrega, visto que ele é racional por participação. Mas o sentido pleno de um poder pelos opostos é encontrado formalmente na vontade.‖119 E fácil perceber nesta citação o voluntarismo de Scotus. Toda determinação vem da vontade sem qualquer ligação com os poderes intelectuais. A vontade tem a primazia sobre todas as outras faculdades do homem e tem conotação libertária. Aqui o voluntarismo libertário de Scotus triunfou sobre o intelectualismo em vigor em seus dias. Com Duns Scotus o intelectualismo de Tomás de Aquino, que ensinou que a vontade é um apetite racional, é ―descartado e substituído (durante o século XIV e até o tempo presente) na maioria dos escritos dos filósofos e teólogos católicos.‖ 120 Uma nova ênfase foi posta nas capacidades da vontade humana, mesmo embora não tenha sido uma volta completa aos ensinos de Pelágio. Bourke diz que a teoria do ―livre -arbítrio‖ é basicamente Scotista. 121 Nada pode causar a ação da vontade, exceto ela mesma. Como ele próprio diz: ―Nada além da própria vontade é a causa total da volição na vontade.‖ 122 A senha de Duns Scotus é, portanto, liberdade.123 Dessa forma, Berard Vogt concluiu corretamente um estudo das idéias de Duns Scotus com estas palavras: Assim, então, é a teoria da liberdade como esboçada por Duns Scotus. Ela é dominada por sua alta consideração pela vontade como a rainha e a soberana das faculdades do homem. De fato, sua característica distintiva e a sua defesa da soberania e autonomia absoluta da vontade. 124 Duns Scotus introduziu em sua teologia a noção interessante de prima indifferentía para explicar a condição inicial da vontade quando ela está livre. O primeiro ato do entendimento não é livre, mas uma vez que um objeto intelectual seja apresentado à vontade, a vontade é indiferente (i.e., não determinado de qualquer modo) em direção a este objeto. A vontade pode dirigir o intelecto para considerar este objeto ou outro, e a vontade pode aceitá-lo ou rejeitá-lo.125 Assim, o voluntarismo libertário do Semi-Pelagianismo ganhou a batalha contra o Vernon Bourke. Will in Western Thought , (New York: Sheed and Ward, 1964), p. 84. Scotus, Duns Scotus on the Will and Morality , selected and translated with na introduction by Allan B. Wolter, (Washington, D. C.: The Catholic University of America press, 1986), p. 161. 120 Bourke, p. 88. 121 Ibid. 122 Duns Scotus, ´quod nihil aliud a voluntate est causa totalis volitions in voluntate.‖ (Op. Ox. II, 25, q. 1, n.766), como está citado por Bourke, p. 98. 123 Josef Pieper. Scholasticism-Personalities and Problems of Medieval Philosophy, (New York: Pantheon Books, 1960), p. 146. 124 Citado por Bourke, p. 88. 125 Ibid., p. 85. 118 J.
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