Mackeila Goulart Goulart
Gestão de pessoas
Sumário CAPÍTULO 1 – O Papel da Gestão de Pessoas nas Organizações ........................................05 Introdução ....................................................................................................................05 1.1 As organizações e as pessoas ....................................................................................05 1.1.1 O papel da gestão de pessoas ..........................................................................06 1.1.2 O departamento e suas práticas ........................................................................06 1.1.3 O gestor de pessoas ........................................................................................07 1.2 Evolução e visão atual ..............................................................................................08 1.2.1 Administração Científica...................................................................................08 1.2.2 Escola das Relações Humanas ..........................................................................10 1.2.3 Teorias comportamental, dos sistemas e da contingência .....................................10 1.2.4 Evolução da gestão de pessoas no Brasil ...........................................................11 1.3 Estratégia organizacional ..........................................................................................12 1.3.1 Planejamento estratégico e recursos humanos ....................................................13 1.3.2 Análise externa................................................................................................14 1.3.3 Análise interna ................................................................................................15 1.3.4 Formulação da estratégia .................................................................................16 1.3.5 Implementação e avaliação da estratégia ...........................................................17 1.4 Modelo de gestão de pessoas ....................................................................................18 1.4.1 Modelos de administração diretivo e participativo ...............................................19 1.4.2 Valores e condições para um modelo ideal ........................................................20 1.4.3 Premissas conceituais .......................................................................................20 1.5 Desafios e tendências ...............................................................................................22 1.5.1 Desafios ambientais .........................................................................................22 1.5.2 Desafios organizacionais ..................................................................................23 1.5.3 Desafios individuais .........................................................................................23 1.5.4 Tendências......................................................................................................24 Síntese ..........................................................................................................................25 Referências Bibliográficas ................................................................................................26
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Capítulo 1 O Papel da Gestão de Pessoas nas Organizações Introdução Você já tentou pensar no que seria uma organização sem pessoas? Se você imaginou uma empresa com processos automatizados, lembre-se de que alguém precisa desenvolver, instalar e fazer a manutenção dessas máquinas e desses sistemas. Em alguma parte do processo, necessariamente haverá pessoas envolvidas. Dessa forma, como destacado por Chiavenato (2008), é muito difícil diferenciar o comportamento humano e das organizações, pois as organizações são feitas por pessoas e para pessoas. Se as pessoas são parte importante de uma organização, precisamos suprir suas necessidades para que possam desenvolver seu trabalho de forma satisfatória. Como fazer, então, para viabilizar a sobrevivência da organização, promovendo sintonia entre as necessidades da organização e as das pessoas? Esse questionamento ajudou a impulsionar a evolução da gestão de pessoas, partindo de atividades puramente operacionais para ações corporativas de alto valor estratégico (FRANÇA, 2014). Neste capítulo, você poderá conhecer os principais conceitos de gestão de pessoas e entender como seus pressupostos evoluíram com práticas, objetivos e, inclusive, nomenclaturas diferenciadas. Você perceberá como a gestão de pessoas pode atuar estrategicamente e com base em um modelo de gestão que seja coerente e consistente, auxiliando na superação de desafios atuais e futuros.
1.1 As organizações e as pessoas O trabalho possui um papel central em nossas vidas, constituindo parte de nossa identidade. Da mesma forma, as empresas se estabelecem a partir das pessoas que a compõem. O contexto da gestão de pessoas é formado por pessoas e organizações nas quais passamos boa parte de nossas vidas. As pessoas dependem das organizações para sua subsistência e seu sucesso pessoal, enquanto que as organizações dependem das pessoas para funcionar e obter sucesso. Há, portanto, uma relação simbiótica. A gestão de pessoas é uma área com grande sensibilidade à mentalidade das organizações. A “cara” da gestão de pessoas está diretamente vinculada à cultura de cada organização, à sua estrutura organizacional, ao seu contexto histórico e ambiental, à sua área de atuação, às tecnologias que utiliza e aos processos internos. Mas o que é gestão de pessoas? Qual seu papel nas organizações? Com o estudo deste tópico, você estará apto a identificar conceitos básicos de gestão de pessoas aplicados nas organizações.
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1.1.1 O papel da gestão de pessoas Para compreender o papel da gestão de pessoas, é importante saber que este termo pode ser utilizado com três diferentes significados. Um deles é a gestão de pessoas como departamento, denominado tradicionalmente de recursos humanos (RH). Outro significado é a gestão de pessoas como uma função dos gestores que lideram equipes. Por fim, a gestão de pessoas também pode ser entendida como um conjunto de práticas voltadas a agregar, aplicar, recompensar, desenvolver, manter e monitorar colaboradores de uma organização, podendo ser conduzidas pelo departamento de RH ou mesmo pelos gestores de pessoas. Para França (2014), a gestão de pessoas pode ser analisada também pelos enfoques administrativo e comportamental. No enfoque administrativo, temos as tarefas relacionadas à gestão de pessoas e aos departamentos de gestão de pessoas, ou de recursos humanos, com setores especializados em planejar e operacionalizar essas tarefas. No enfoque comportamental, estão envolvidos alguns aspectos do comportamento humano que precisam ser levados em conta ao lidar com pessoas no trabalho. O conhecimento das questões comportamentais do trabalho é necessário tanto aos profissionais que estruturam políticas e práticas a serem executadas pelo departamento de RH quanto aos líderes que atuam gerindo pessoas. As constantes mudanças no mundo empresarial têm trazido questionamentos sobre qual o papel da gestão de pessoas. Conforme Gil (2013), a gestão de pessoas atualmente tem o papel de buscar a excelência organizacional necessária para enfrentar os desafios de competitividade. Para isso, a gestão de pessoas precisa estar apta a atuar em algumas transições, começando pela migração de atividades operacionais para um posicionamento mais estratégico na organização, encarando, assim, um planejamento a longo prazo ao invés de soluções de curto alcance focadas em “apagar incêndios” no dia a dia. Além disso, é necessário abandonar a postura reativa e atuar de forma proativa em suas proposições, sair da posição de policiamento das pessoas e assumir uma posição de parceria, deixar de focar os procedimentos e passar a focar os resultados, utilizando-se do benchmarking para ampliar seus parâmetros de análise e comparação com o mercado.
NÃO DEIXE DE LER... Acesse o site da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH): . Fundada em 1965, a ABRH atua na representação e disseminação de conhecimento na área de gestão de pessoas. Distribuída em unidades regionais, organiza eventos da área, publica estudos e revistas, premia empresas com boas práticas, entre outros serviços.
1.1.2 O departamento e suas práticas Analisando a partir do enfoque administrativo, o departamento de gestão de pessoas, ou RH, abrange uma grande quantidade de atividades inter-relacionadas e interdependentes que podem ser organizadas em processos de gestão de pessoas. Existem diferentes classificações sugeridas pelos autores da área, no entanto utilizaremos como base a divisão proposta por Chiavenato (2008). Naturalmente, algumas atividades podem ser de difícil classificação, o que abre espaço para possíveis controvérsias, de forma que cada empresa pode optar por uma organização das atividades de gestão de pessoas conforme lhe pareça conveniente.
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Agregar pessoas Recrutamento Seleção
Recompensar pessoas
Aplicar pessoas Modelagem do trabalho e da carreira Avaliação de desempenho
Desenvolver pessoas
Manter pessoas
Monitorar pessoas
Remuneração
Treinamento
Comunicação
Banco de dados
Benefícios
Desenvolvimento
Relacionamento
Sistemas de informações gerenciais
Qualidade de vida, saúde e segurança
Socialização
Figura 1 – Processos de gestão de pessoas. Fonte: Chiavenato, 2008.
A partir desses processos, o departamento de RH busca assessorar os gestores de pessoas com políticas, práticas e instrumentos alinhados à cultura e aos objetivos da organização. Dessa forma, esse departamento é entendido como uma “área-meio” que visa dar subsídios para o bom funcionamento da “área-fim”, seja ela o produto fabricado, a venda realizada ou o serviço prestado. O departamento de RH assume diferentes nomenclaturas nas organizações, como: desenvolvimento humano e organizacional; gestão de talentos; relacionamento com pessoas; e administração de gente. No entanto, o mais importante é ter uma atitude coerente e respeitosa.
1.1.3 O gestor de pessoas O gestor de pessoas é o profissional que lida com pessoas no trabalho e precisa gerenciá-las para cumprir integralmente sua função de gestor. Desse modo, todo profissional que possui pessoas ou equipes sob sua responsabilidade é um gestor de pessoas, seja ele gerente de produção, coordenador de marketing, supervisor de manutenção ou qualquer outra área de atuação. Para exercer sua função como gestor de pessoas, esse profissional requer algumas competências que, muitas vezes, não são desenvolvidas em suas áreas de formação originais. Visando diminuir essa lacuna, as organizações precisam desenvolver seus líderes a fim de que compreendam aspectos do comportamento humano importantes para sua gestão. Entender o impacto do comportamento humano no trabalho implica reconhecer que as pessoas são diferentes entre si: cada uma com suas características físicas, seu ritmo de trabalho, suas competências, suas expectativas, seus hábitos e suas crenças. Significa também assimilar que as pessoas não se comportam de determinada maneira por acaso: as características do trabalho e da organização irão impactar na forma das pessoas se comportarem. Envolve, por fim, entender que existem diferentes formas de influenciar o comportamento humano: a gestão não precisa ficar à mercê desses comportamentos, pois pode adotar estratégias que influenciem positivamente o comportamento, por exemplo, adotando formas de liderança que estimulem a comunicação efetiva e o comprometimento das pessoas. Para estar apto a lidar com as transições que atribuem à gestão de pessoas um novo papel, o gestor de pessoas precisa dispor de algumas competências que lhe garantirão sucesso em sua atuação. Uma delas é a capacidade de estar aberto a novas tecnologias administrativas, permitindo que melhorem a vida das pessoas e tragam maior eficiência no trabalho. São exemplos as práticas que permitem a gestão com menos papelada, sistemas que otimizam o tempo na contração de novos profissionais, ferramentas que agilizam a realização de avaliações de desempenho etc. 07
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Outra competência importante ao gestor de pessoas é a de proporcionar à empresa colaboradores capacitados e motivados bem como reconhecer as pessoas como parceiras da empresa. Como parceiras, as pessoas investem na organização – competência, dedicação, esforço, comprometimento – e, naturalmente, esperam um retorno desse investimento que faça valer a pena. Se o gestor acredita que as pessoas são uma parte importante da organização, ele possui a obrigação de reconhecê-las, seja financeira ou simbolicamente, oferecendo boas condições de trabalho, possibilidade de crescer de forma justa e de se desenvolver.
1.2 Evolução e visão atual A gestão de pessoas nem sempre foi como é hoje. Mas o que mudou e por quais motivos? Conhecendo a história, podemos perceber que certas formas de gestão já mostraram seu potencial para o sucesso e o fracasso em determinados contextos. Dessa forma, quando percebemos o que leva uma organização a agir, por exemplo, de forma controladora com seus trabalhadores, conseguimos entender sua “forma de pensar”, podendo, assim, avaliar as práticas adequadas a esse tipo de organização ou mesmo construir argumentos que demonstrem as consequências dessa prática. E você, sabe o que está por trás do fato de chamar uma pessoa de mão de obra, recurso humano ou colaborador? O que cada um desses termos denota? A evolução da gestão de pessoas no Brasil foi diferente da do resto do mundo? Após estudar este tópico, você poderá responder a essas e outras perguntas sobre a evolução e o estado atual da gestão de pessoas.
1.2.1 Administração Científica A gestão de pessoas existe, de maneira rudimentar, desde que há trabalho humano sendo realizado e coordenado. No entanto, esta questão só assumiu relevância necessária para obter registros sistematizados de suas práticas no final do século XIX (DUTRA, 2002), quando começaram a surgir organizações maiores e mais complexas e com elas seus desafios de gestão. Na verdade, o início dessa história se deu com a Revolução Industrial, no final do século XVIII, quando as pequenas oficinas passaram a produzir em massa com o surgimento da máquina a vapor. Essa nova configuração rapidamente tornou obsoletos os métodos de gestão até então utilizados. A produção a menor custo e em maior quantidade permitiu a expansão dos mercados e a popularização dos produtos industrializados. Consequentemente, as antigas pequenas oficinas se transformaram aos poucos em fábricas, concentrando uma grande quantidade de operários. Mas como lidar com esse cenário de novos processos produtivos? Conforme relata Chiavenato (2005), o grande volume de pessoas que atuam nas indústrias e a necessidade de aumentar os lucros despertou a atenção dos engenheiros industriais para a necessidade de desenvolver e aperfeiçoar maquinários que suprissem a demanda de produção. Posteriormente, a engenharia percebeu que poderia ir além, desenvolvendo novas formas de trabalho para que o desempenho organizacional alcançasse estágios nunca antes vistos. Os experimentos de Frederick Taylor (1856-1915) deram origem ao moviment o da Administração Científica, com o objetivo de substituir a improvisação e o empirismo por cientificidade nas práticas de gestão. Taylor realizou observações diretas das atividades realizadas pelos trabalhadores, chegando à conclusão de que os operários eram muito menos produtivos do que poderiam ser. Para melhorar essa produtividade, buscou cronometrar e simplificar ao máximo os movimentos requeridos para executar uma tarefa, diminuindo, assim, o tempo necessário para sua execução (GIL, 2013).
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Enquanto o taylorismo, surgido nos Estados Unidos, focava o trabalho individual, Henri Fayol (1841-1925) estudava novas formas de estrutura organizacional na Europa. Fayol propunha que administrar é conhecer, prever, organizar, comandar e coordenar. Dessa forma, conforme afirma Chiavenato (2005), cabia aos gerentes tomar as decisões sobre a melhor forma de trabalho, criando uma divisão entre o planejamento e a execução. O fayolismo visava também à especialização das atividades, à autoridade e à disciplina para manutenção da ordem e remuneração proporcional ao desempenho. De modo geral, a Administração Científica tinha como base quatro princípios: racionalização da tarefa, seleção de pessoas, treinamento de pessoas e monitoramento do desempenho. A racionalização da tarefa consistia em encontrar a melhor maneira de executar cada tarefa a partir de análise do superior imediato, buscando aumentar a eficiência do processo. A seleção visava alocar pessoas mais adequadas para a execução de cada tarefa. O treinamento buscava fixar a padronização dos métodos de trabalho. E o monitoramento tinha o intuito de garantir que todo o planejamento fosse executado corretamente. Nesse contexto, surgiu a necessidade dos primeiros departamentos para gerir a “mão de obra” – já que operário só executa, ou seja, apenas usa as mãos –, sob o nome de departamento de relações industriais, incumbido de atender exigências legais, como admissão através de contrato de trabalho, cômputo de horas trabalhadas para pagamento, férias, medidas disciplinares, entre outros. (CHIAVENATO, 2005).
VOCÊ O CONHECE? O empresário norte-americano Henry Ford (1863-1947) foi responsável pela popularização dos carros utilizando conceitos da Administração Científica. Ford desenvolveu as linhas de montagem, em que o produto se desloca por uma esteira que dita o ritmo de produção e cada trabalhador se posiciona para fazer uma parte do carro. A fragmentação das atividades e a padronização permitiram agilizar a produção – 1 carro a cada 10 segundos! –, aumentar os salários e diminuir o preço aos consumidores. O movimento da Administração Científica mostrou que estudos sistemáticos poderiam aumentar a eficiência dos processos organizacionais. Sua importância foi muito grande para o desenvolvimento econômico ocidental no período de crise pós-Primeira Guerra, dando suporte à produção de bens e serviços de larga escala. No entanto, o modelo da Administração Científica passou a sofrer críticas à medida que a pressão e o controle sobre o trabalho realizado, a repetitividade das tarefas e as condições degradantes de trabalho passaram a gerar insatisfação dos trabalhadores, adoecimento e grande rotatividade nas organizações.
NÃO DEIXE DE VER... O filme Tempos modernos (1936), de Charles Chaplin, retrata de forma humorística a vida do trabalhador no período de industrialização dos Estados Unidos, caracterizada pela especialização do trabalho e produção em linha de montagem. O personagem representado por Chaplin tornou-se um ícone da crítica ao modelo de gestão da época ao expor seus impactos no trabalhador, como o desgaste físico e mental oriundos do trabalho repetitivo.
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1.2.2 Escola das Relações Humanas A ênfase nas pessoas veio como uma alternativa à forma de gestão vigente, buscando preencher as lacunas deixadas pela Administração Científica. A percepção de que fatores psicológicos e sociais poderiam influenciar na produtividade fez surgir o movimento da Escola de Relações Humanas. A partir de experimentos científicos que examinavam o comportamento humano no trabalho, questões como motivação, liderança e grupos passaram a ser amplamente estudados (CHIAVENATO, 2005). A base desse movimento foi dada por Elton Mayo (1890-1949) a partir da experiência realizada na fábrica da Western Eletric, localizada no distrito de Hawthorne, em Chicago – ficando popularmente conhecida como Experiência de Hawthorne. Realizado em 1927, o experimento buscava conhecer a influência da iluminação na produtividade, na fadiga e no índice de acidentes. Porém, percebeu que não era possível isolar o fator iluminação de outros fatores humanos. De acordo com Chiavenato (2005), as principais conclusões obtidas a partir da experiência de Hawthorne foram no sentido de entender o trabalho como uma atividade tipicamente social e grupal, percebendo que as pessoas não reagem como indivíduos, e sim como membros de um grupo. A necessidade de estar junto e de ser reconhecido evidencia-se como papel fundamental para a motivação bem como a atuação da liderança ao ser democrática, respeitosa e comunicar-se adequadamente com as pessoas. O desenvolvimento do experimento permitiu demonstrar a influência de fatores psicológicos e sociais no resultado do trabalho. Desviou-se, assim, a atenção dos processos e métodos de trabalho para o aumento da satisfação dos trabalhadores, reconhecendo seu impacto na eficiência organizacional. No entanto, esse movimento também recebeu críticas à medida que passou a ser percebido como manipulativo e voltado a práticas que visavam unicamente à eficiência econômica empresarial.
1.2.3 Teorias comportamental, dos sistemas e da contingência A partir da década de 1950, surgiram novas teorias que buscavam alternativas aos velhos modelos burocráticos, rígidos e centralizadores, que já não acompanhavam as mudanças e transformações do ambiente. Chiavenato (2005) relata três teorias e seus impactos na gestão de pessoas. Destaca-se entre elas a teoria comportamental da administração, que buscou desenvolver modelos de liderança, motivação e comunicação flexíveis e adaptáveis à realidade de cada organização e intencionou diminuir conflitos advindos das diferenças entre objetivos pessoais e organizacionais. A teoria de sistemas também impactou fortemente nas teorias administrativas da época. Sua visão era da organização como uma estrutura em constante interação com o seu meio, constituída por elementos dinamicamente relacionados que buscam atingir um objetivo utilizando recursos do ambiente – materiais, financeiros, humanos ou organizacionais. Foi nesse contexto que se passou a adotar a expressão “administração de recursos humanos”, compreendendo as pessoas como um recurso importante, e não mais uma parte da produção ou um apêndice da máquina. Atribuiu-se ao departamento novas atividades como higiene e segurança no trabalho e relações trabalhistas e sindicais. Mas quais pressupostos estão envolvidos na utilização do termo “recursos humanos? Como a visão sistêmica mudou a forma de olhar a gestão das pessoas e seu trabalho? Podemos identificar alguns princípios dessa teoria que contribuíram para a evolução da gestão de pessoas. Um exemplo é o reconhecimento de que os subsistemas são interdependentes, como é o caso de seleção e treinamento de pessoas: de acordo com os critérios de seleção empregados ou do perfil de candidatos disponíveis, haverá a necessidade de mais ou de menos treinamento ou mesmo de tipos de treinamentos diferentes – técnicos ou comportamentais. O princípio da multicausalidade inovou também à medida que tirou a “culpa” de um único sujeito, entendendo que muitas variáveis podem contribuir, por exemplo, na causa de um acidente de trabalho. Outro princípio que 10 Laureate- International Universities
destacadamente impactou foi o da participação, pressupondo que a tomada de decisão deve requerer a participação de quem atua no subsistema, trazendo o “poder de pensar” de volta aos colaboradores. A teoria da contingência representa, para alguns autores, o estágio mais recente da teoria administrativa. A partir de estudos da década de 1970, percebeu-se que o mecanismo de funcionamento das organizações poderia ser classificado em dois tipos: a diferenciação e a integração administrativas. A diferenciação refere-se à divisão da organização de acordo com suas tarefas especializadas, originando departamentos que tendem a reagir unicamente à parte do ambiente relacionada a suas tarefas. A integração ocorre no sentido oposto, buscando unir esforços entre os departamentos na solução de determinada demanda. À medida que as organizações crescem, elas se diferenciam em partes menores, que devem ser integradas para garantir a viabilidade de todo o sistema e obter a integração efetiva. Em resumo, observou-se que organizações com características diferenciadoras e integradoras tendem a ter mais sucesso quando respondem adequadamente à necessidade do contexto em que estão inseridas, sabendo o momento de diferenciar e de integrar. Dessa forma, a teoria contingencial passou a incluir no foco das organizações o crescimento e a sobrevivência em um ambiente cada vez mais mutável. Assim como na evolução das espécies, o importante é a capacidade de adaptar-se às demandas ambientais, aproveitando as oportunidades e esquivando-se das ameaças. As práticas de recursos humanos utilizadas na época já não atendiam suficientemente às novas demandas impostas às organizações, como a globalização, o avanço tecnológico, a evolução da comunicação e a grande competitividade. Para sobreviverem, muitas empresas precisaram recorrer à reengenharia, terceirização e diminuição do quadro de pessoal, produzindo consequências dramáticas sobre as pessoas envolvidas. Estes procedimentos, aliados às novas percepções sobre o papel das pessoas nas organizações, trouxeram críticas, inclusive, ao termo utilizado: “recursos humanos”. A crítica entendia que, se as pessoas são recursos, busca-se obter delas a eficiência máxima e são propriedade da organização. Sugeria-se que as pessoas deveriam passar a ser vistas como parceiras do negócio, fornecendo seus conhecimentos, suas habilidades e suas atitudes e sendo dotadas de inteligência, aspirações e personalidade, capazes de ajudar a administrar os demais recursos da organização, tomar decisões e alcançar resultados. Assim, surgiu a expressão “gestão de pessoas”, com a ideia de que as pessoas deixaram de ser um problema a ser resolvido para serem solucionadoras de problemas.
1.2.4 Evolução da gestão de pessoas no Brasil As teorias estrangeiras e os acontecimentos históricos também influenciaram a gestão de pessoas no Brasil. Essa evolução pode ser analisada em seis períodos, conforme apresentado por França (2014): pré-jurídico trabalhista (até 1930), burocrático (1930-1950), tecnicista (1950-1960), abordagem sistêmica (1960-1980), relações industriais integradas (1980-1990) e reformas estruturais profundas (de 1990 em diante). O período pré-jurídico-trabalhista é caracterizado pela inexistência de legislação trabalhista e de departamentos formalmente responsáveis pelas pessoas nas organizações. Com “mão de obra” abundante, entre eles imigrantes europeus fugidos da guerra e da depressão econômica, não havia preocupação com as condições de trabalho, tampouco um movimento estruturado que as reivindicasse. No entanto, com a industrialização do País, o movimento trabalhista passou a se fortalecer e, na década de 1930, surgiram as primeiras leis trabalhistas e os departamentos de pessoal, que se resumiam a atender exigências legais, caracterizando o período burocrático.
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NÓS QUEREMOS SABER! Em 1943, no governo de Getúlio Vargas, foi criada a Consolidação das Leis Trabalhistas, conhecida como CLT, que reuniu a legislação trabalhista existente e criou novos direitos importantes do trabalhador. A CLT pode ser acessada pelo site do Planalto: . Os trabalhadores regidos pela CLT são chamados de celetistas – todos que possuem carteira de trabalho assinada. Categorias que não exigem registro em carteira, como estagiários e servidores públicos, são regidos por outras leis ou estatutos próprios.
A partir de 1950, a demanda por trabalhadores já não era suprida apenas pelos imigrantes, mas também por migração interna dos campos para as cidades. A implantação de grandes fábricas nas regiões urbanas gerou muitos empregos e passou a demandar uma gestão mais técnica e profissionalizada, marcando o período tecnicista. Para isso, os departamentos de recursos humanos se estruturaram e adotaram o conceito de sistemas, compostos de subsistemas como recrutamento e seleção, treinamento, avaliação de desempenho, cargos e salários e higiene ocupacional. A abordagem sistêmica trouxe consigo, a partir de 1960, os primeiros cargos de gerência em recursos humanos, com a responsabilidade de coordenar os sistemas de recursos humanos existentes. A necessidade de conciliar os objetivos individuais e organizacionais contribuiu para a ênfase em treinamento, desenvolvimento, segurança, saúde e alimentação dos trabalhadores. É nesse período que o Ministério da Educação autoriza o funcionamento do ensino superior privado e se expande a formação em Administração pelo País, trazendo novos gestores capacitados para atuar nas organizações. No período de relações industriais integradas, de 1980 a 1990, houve um alinhamento entre as rotinas do departamento de pessoal, a estrutura organizacional e o comportamento humano. Os gestores tinham como desafio lidar com as pressões sindicais e os conflitos grupais. Eram realizados, então, treinamentos para formação de líderes, aprendizado em equipes e discussões sobre a patologia do trabalho, criando e estimulando os estudos sobre saúde mental no trabalho. A partir de 1990, reformas estruturais profundas afetaram a gestão de pessoas, à medida que se percebeu que a qualidade e a competitividade eram vitais para a sobrevivência das organizações e dos empregos que geravam. Nesse contexto, a função do departamento de RH mudou, precisando agora superar desafios para além da organização, conhecendo a contingência na qual se insere e planejando sua atuação em médio e longo prazo.
1.3 Estratégia organizacional Com o tempo e as necessidades que o contexto impõe às organizações, o departamento de RH passou a mostrar seu potencial para contribuir com os objetivos da organização e produzir competitividade e lucratividade. Você quer saber como a gestão de pessoas pode ajudar a organização a concretizar sua estratégia? Então fique atento às reflexões, aos conceitos e às dicas deste tópico. A seguir, você poderá conhecer um pouco mais sobre a relação entre planejamento estratégico e a área de RH e, a partir disso, compreender sobre a análise que precisamos fazer do ambiente interno e externo da organização. Assim, será possível entender melhor como podemos, por exemplo, planejar novas contratações e identificar características de profissionais da concorrência que podem ser úteis. A partir disso, veremos como formular, implementar e avaliar a estratégia em gestão de pessoas. 12 Laureate- International Universities
1.3.1 Planejamento estratégico e recursos humanos ‘Para uma organização obter sucesso e sobrevivência, é preciso traçar caminhos que driblem a concorrência de forma ágil e criativa. Para isso, é necessário um planejamento estratégico que permita que as diversas áreas da organização atuem rumo a objetivos convergentes. O planejamento estratégico, conforme afirmam Bohlander e Snell (2013), envolve um conjunto de procedimentos que permitem a tomada de decisão sobre os objetivos da empresa e as suas estratégias a longo prazo. Considerando que a organização depende das pessoas para conseguir chegar aonde pretende, é importante que as atividades relativas à gestão de pessoas estejam integradas à estratégia da organização. A atuação estratégica de recursos humanos busca auxiliar os gestores na alocação das pessoas de forma efetiva para que as metas sejam alcançadas. Esse apoio deve ir desde processos seletivos atentos às demandas futuras até o desenvolvimento de competências individuais necessárias para a sustentabilidade da organização e políticas que mantenham essas pessoas motivadas e com bom desempenho em seu trabalho. O planejamento de recursos humanos contribui com o planejamento estratégico da organização principalmente na formulação da estratégia e na sua implementação, fornecendo subsídios para que a estratégia seja possível de ser realizada.
CASO
Imagine que você trabalha no comércio. Sua empresa atua comercializando algum produto e quer adotar a estratégia de vendas on-line. O envolvimento do RH no planejamento estratégico permitirá avaliar com mais propriedade se a empresa dispõe das competências necessárias em seus colaboradores para realizar tal empreitada, por exemplo, conhecimento sobre esse novo perfil de cliente, habilidade para a estruturação de sites práticos e seguros, habilidade em gerir o estoque virtual e da loja física de forma eficiente, responsabilidade para manter sempre o site atualizado, entre outros. Caso a empresa não disponha dessas competências em seus colaboradores atuais, o RH poderá identificar se há profissionais devidamente qualificados no mercado para exercer essa função e qual sua média salarial. Poderá também estimar o tempo e os recursos necessários para capacitar um profissional a atuar nesse projeto caso a empresa deseje economizar na contratação e desenvolver um colaborador atual ou mesmo contratar um profissional iniciante com média salarial inferior. Com esses subsídios, é possível avaliar qual o melhor caminho a ser seguido e definir prazos realistas, pois, assim, a estratégia terá maior chance de sucesso.
Todas as evidências sugerem que a integração entre o planejamento estratégico e o planejamento de recursos humanos tende a ser mais efetiva quando há reciprocidade (BOHLANDER; SNELL, 2013). Isso ocorre quando a alta gestão reconhece que as decisões relativas ao planejamento estratégico afetam e são afetadas por questões relacionadas a RH. O caminho mais seguro é considerar que esses planejamentos – estratégico e de RH – são indissociáveis. Para ser possível estabelecer objetivos, é preciso conhecer a missão da organização, a visão que pretende atingir e os valores que lhes são importantes. Esse processo é a primeira etapa da elaboração do planejamento estratégico, e sem ele não é possível realizar uma gestão estratégica de pessoas. A missão da organização reflete o propósito básico da organização e define seu escopo de atuação, esclarecendo, assim, a sua “razão de ser”. A visão está relacionada à direção que a empresa intenciona seguir e o que almeja de seu futuro, representando sua pretensão a longo prazo. Os valores são as crenças e os princípios duradouros utilizados como base para as decisões tomadas na organização, esclarecendo a clientes, colaboradores e público em geral a filosofia da 13
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empresa. Dessa forma, o planejamento estratégico e de recursos humanos deve ser estruturado de modo que permita cumprir a missão, atingir a visão e respeitar os valores organizacionais.
1.3.2 Análise externa As mudanças no ambiente externo impactam diretamente na forma de gestão das empresas e, consequentemente, na gestão das pessoas. Essas mudanças podem representar tanto uma ameaça a ser evitada quanto uma oportunidade a ser explorada. Para Bohlander e Snell (2013), existem seis forças principais do ambiente externo que causam impacto positivo ou negativo nas organizações: fatores econômicos regionais e globais; tendências competitivas, como novos processos, produtos, serviços e inovações; mudanças tecnológicas, especialmente relacionadas a automação; questões legais e políticas; questões sociais, por exemplo, meio ambiente e educação; e tendências demográficas e de mercado de trabalho, como idade, índice de escolaridade e nível de desemprego. Ao analisar essas forças, é possível detectar mudanças que possam afetar a organização e agir com antecedência. Além de compreender as forças externas mais abrangentes que impactam nas organizações, é essencial analisar o ambiente competitivo direto onde a empresa se insere, bem como estimar as competências que as pessoas da organização precisam possuir para haver vantagens competitivas. Para isso, serão abordados a seguir fatores relacionados ao cliente, às empresas concorrentes, às substituições de produtos ou serviços obsoletos e à oferta de profissionais no mercado. Ao definir o perfil de cliente que será o foco, será preciso desenhar um perfil específico de colaborador para atendê-lo. Por exemplo, uma loja que tem como público-alvo pessoas que prezam pelo atendimento individualizado irá requerer dos colaboradores habilidades e atitudes diferentes de uma loja na qual o cliente escolhe autonomamente a mercadoria e solicita atenção dos vendedores apenas quando necessitar. No primeiro caso, é preciso estabelecer um vínculo maior com o cliente e comunicar-se durante todo o processo. No segundo, é mais importante ser discreto e mostrar disponibilidade. Dessa forma, cada cliente encontrará na loja o tipo de atendimento que deseja e sairá mais satisfeito. Com relação às empresas concorrentes, é importante estar atento às suas movimentações. Muitas vezes a gestão de pessoas é feita considerando as competências e certo nível de produtividade desejado que podem atender à organização no momento atual. Porém, ao surgir uma concorrente que realize o mesmo serviço com mais agilidade e menor custo, será necessário rever as práticas adotadas. Para poder concorrer, é preciso verificar com atenção a necessidade de ampliar a capacitação dos colaboradores ou mesmo rever processos que impactem na forma como os cargos são definidos na organização. Uma empresa com gestão centralizadora, por exemplo, tende a dar morosidade aos processos, podendo ser necessário rever, inclusive, competências de gestão de seus dirigentes e alguns aspectos culturais da organização. Caso a empresa atue em áreas que estão com os dias contados, isso também terá grande impacto na gestão de pessoas. É importante se antecipar com relação às tendências da tecnologia, para que desenvolva as pessoas de modo a saber lidar com as mudanças. É o caso, por exemplo, de empresas que fabricam telefones fixos: com a grande alta na venda de celulares, a empresa precisa tomar decisões importantes sobre seu rumo nesse cenário. Caso deseje permanecer no ramo de telefonia mantendo ou ampliando seu volume de vendas, pode ser preciso migrar para a telefonia celular. Isso irá requerer, por exemplo, pessoas que tenham afinidade com tecnologias digitais e que, de preferência, sejam naturalmente interessadas em conhecer e acompanhar as novas funcionalidades desenvolvidas para atender às necessidades dos clientes. Entre todos esses fatores que estão diretamente relacionados ao espaço de competição das empresas, o que mais se destaca no que diz respeito aos impactos na gestão de pessoas é a disponibilidade de profissionais no mercado. Informações no âmbito global sobre mudanças demográficas na população, classe econômica, índice de desemprego, grau de instrução e cursos existentes, faixa etária e mobilidade da população podem impactar na gestão, subsidiando, por 14 Laureate- International Universities
exemplo, decisões sobre locais para novas plantas industriais, orçamento destinado a treinamento ou mesmo faixas salariais. Porém, é importante analisar mais de perto essas informações nos locais onde a empresa está inserida ou onde busca profissionais. Por exemplo, uma grande empresa localizada no interior pode buscar na própria cidade os trabalhadores de funções que exigem menos qualificação, mas dificilmente encontrará profissionais altamente especializados se não recorrer a grandes centros urbanos ou locais onde possuem cursos de formação na área desejada. Para auxiliar na coleta de algumas informações, é possível recorrer a estudos divulgados por órgãos oficiais, como o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
1.3.3 Análise interna Além de identificar oportunidades e ameaças externas à organização, é preciso identificar os pontos fortes e fracos internamente, completando a chamada análise SWOT ( Strengths/Forças, W eaknesses/Fraquezas, Opportunities/Oportunidades e Threats/Ameaças). Para realizar essa análise interna, os principais aspectos a serem avaliados com relação à gestão de pessoas é a adequação dos colaboradores à cultura organizacional, as competências centrais da organização e a composição das equipes. Como visto no início deste tópico, a missão, a visão e os valores organizacionais são a base e o ponto de partida do planejamento estratégico. Para que ele seja efetivo, é necessário que as pessoas o conheçam e, assim, possam contribuir para sua concretização. No entanto, as pessoas tendem a seguir adequadamente o planejamento estratégico se os seus valores pessoais estiverem em acordo com os valores organizacionais. Caso contrário, podem acabar agindo conforme os seus próprios valores e seguir caminhos divergentes do esperado, boicotar a organização ou mesmo adoecer devido à grande insatisfação e a conflitos éticos e morais que vivenciará nesse embate. Os valores direcionam a cultura organizacional. Uma empresa que destaca como valor o respeito às pessoas, por exemplo, terá uma cultura na qual fazem parte do dia a dia relações transparentes e respeitosas, em vez de práticas que promovem conflitos desgastantes ou até assédio moral. Para garantir que a empresa esteja seguindo seus rumos com a cultura que deseja ter, é necessário que os gestores observem se os valores estão sendo praticados pelos colaboradores e pela empresa. Outro ponto importante a se analisar internamente são as competências centrais da organização, ou seja, as competências que a distingue das demais organizações e agregam valor perante o cliente. A definição dessas competências é importante também para que seja possível focar naquilo que a empresa precisa ser boa e não pode falhar. No caso da rede McDonald’s, por exemplo, as competências centrais são eficácia gerencial e treinamento, então essas competências precisam estar presentes em toda a rede. As competências centrais agregam valor quando a empresa dispõe de pessoas capazes de executá-las, quando essas competências são raras entre a concorrência e quando as pessoas estão organizadas adequadamente em suas funções, aptas ao seu trabalho e atuando em equipe. O primeiro ponto – pessoas organizadas adequadamente – remete ao último aspecto a ser analisado internamente: a composição das equipes. Por exemplo, imagine que sua empresa valoriza a comunicação e a criatividade e você está responsável por coordenar um projeto de comunicação interna. Sua equipe possui profissionais com habilidades bem desenvolvidas de comunicação, mas sem grandes competências em design: o que seria mais apropriado nesse caso? Terceirizar? Treinar alguém? Contratar um novo profissional? Se a necessidade de um profissional com conhecimento em design para tornar o aspecto visual da comunicação atrativo e criativo for rara ou esporádica, pode ser vantajoso terceirizar o serviço para empresa especializada no ramo. Mas, se for precisar desse serviço com frequência, a terceirização pode deixar de ter um bom custo-benefício, devendo-se avaliar a possibilidade 15
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de capacitar algum colaborador atual ou mesmo contratar um designer . Para auxiliar nessa decisão, estudaremos a seguir três categorias de colaboradores: com competências essenciais, com cargos tradicionais e por serviços terceirizados. Colaboradores com competências essenciais são aqueles que possuem um conhecimento raro e de alto valor estratégico, por exemplo, os profissionais da área de pesquisa e desenvolvimento com alto grau de especialização. A empresa costuma assumir compromissos de longo prazo com essas pessoas, como pesquisas aprofundadas para o desenvolvimento de uma nova tecnologia, de forma que investir em seu treinamento contínuo poderá trazer grande retorno para a organização. Colaboradores com cargos tradicionais realizam funções que são comuns nas empresas e abundantes no mercado de trabalho. É o caso do motorista, cuja função exige competências que não são muito raras de encontrar. Dessa forma, havendo possibilidade de eles saírem da empresa em troca de outra, a organização tende a concentrar-se em remunerar adequadamente pelo bom desempenho em curto prazo, não focando tanto em investir em treinamento quanto no caso anterior. Já os colaboradores que atuam por meio de serviços terceirizados podem ser analisados em duas subcategorias. A primeira se refere a casos nos quais a pessoa possui um conhecimento importante para a organização, mas que a demanda não justifica sua contratação em tempo integral ou parcial, como advogados e contadores, contratando, muitas vezes, o serviço de empresas especializadas. A segunda subcategoria se refere a profissionais cuja rotatividade e absenteísmo podem ser danosos à organização. É o caso de serviços de segurança e limpeza, nos quais a saída de profissionais é geralmente frequente, gerando custos de demissão e contratação, além da falta destes implicar graves problemas, como insegurança ou ambiente pouco saudável e limpo. Nesse caso, optar por contratar empresa terceirizada pode ser uma saída vantajosa. Concluindo a análise interna, é importante destacar que o planejamento da demanda de colaboradores é muito importante para a empresa e para as pessoas. Equipes sobrecarregadas podem causar tantos problemas motivacionais e financeiros quanto equipes subaproveitadas, pois a primeira tende ao adoecimento, enquanto que a segunda leva à monotonia, à insegurança no emprego e a salários desnecessários.
1.3.4 Formulação da estratégia Após concluir a análise SWOT, seus subsídios servirão para a formulação de uma estratégia que permita utilizar os pontos fortes para aproveitar as oportunidades, precaver-se das ameaças e diminuir as fraquezas internas. Dessa maneira, a formulação da estratégia baseia-se em uma análise simples para criar um planejamento coerente com a realidade. A estratégia é formulada inicialmente em nível corporativo. A estratégia corporativa foca em escolher a área na qual irá atuar e competir no mercado. À medida que as organizações crescem, suas escolhas tendem a buscar a expansão geográfica, o aumento da produção/serviço e a diversidade de produtos/serviços. É preciso estar atento às necessidades de seleção, treinamento, motivação e gestão do desempenho, pois um deslize nessas questões pode limitar o crescimento organizacional. A estratégia corporativa pode também estar direcionada a realizar fusões ou aquisições de outras empresas. Nesses casos, a gestão de pessoas precisa estar atenta especialmente às formas adequadas de comunicar as mudanças aos colaboradores, às diferenças culturais entre regiões ou entre empresas, aos conflitos entre gestores ou colaboradores das diferentes empresas e em treinamentos para padronização de novos processos. Após formular a estratégia corporativa, é importante seguir para a fase da estratégia de negócio. Este segundo nível de estratégia definirá como desenvolver ou manter a competitividade 16 Laureate- International Universities
nos produtos e serviços. Dessa forma, a estratégia de negócio irá determinar como aumentar o valor para o cliente, seja pela diminuição do custo repassado ao cliente, seja pela ampliação de benefícios que lhe são oferecidos. Caso a organização opte pela estratégia de baixo custo ao cliente, ela precisará focar principalmente a produtividade e a eficiência dos processos. Será que para isso é necessário pagar baixos salários? Não necessariamente, como a empresa Starbucks mostra: mesmo pagando entre os salários mais altos em seu setor, mantém os menores custos gerais entre seus concorrentes. Isso é possível porque colaboradores altamente motivados tendem a trabalhar com maior dedicação, garantindo melhor qualidade no produto e no serviço, além de eliminar desperdícios. No entanto, caso a empresa opte pela estratégia de maiores benefícios ao cliente, aumentando a qualidade e a inovação dos produtos e serviços, será necessário investir na capacitação das pessoas para garantir a excelência almejada, seja no atendimento ao cliente ou no processo produtivo. Feita a formulação das estratégias corporativa e de negócios, é preciso levar isso até a operação. Neste terceiro nível, chamado de estratégia funcional, é necessário que as ações de gestão de pessoas estejam alinhadas tanto externa quanto internamente ao RH. O alinhamento externo ao RH – entre RH e demais departamentos – é fundamental para que as práticas de gestão de pessoas realmente auxiliem as diversas áreas da empresa a executarem a estratégia. Por exemplo, se a empresa busca diminuir os custos de produção, a gestão de pessoas precisa reforçar essa ideia, promovendo na empresa comportamentos eficientes, propiciando condições de trabalho para alta produtividade, desenvolvendo lideranças efetivas e organizando treinamentos. Por outro lado, caso a empresa opte por competir com base na qualidade do produto, é necessário promover ambientes propícios à inovação e criatividade, motivando as pessoas e oferecendo flexibilidade no trabalho e um clima descontraído. Já o alinhamento interno do RH é necessário para que todas as práticas de gestão de pessoas estejam coerentes entre si, de modo que se complementem de maneira sinérgica. Seria apropriado selecionar profissionais com alta competência criativa se o desempenho será avaliado com base no critério de velocidade de produção? É importante que todos os subsistemas de RH e suas atividades, como seleção, treinamento, avaliação de desempenho e remuneração, foquem os mesmos resultados esperados.
1.3.5 Implementação e avaliação da estratégia Frequentemente a adoção de uma estratégia requer mudanças em hábitos e métodos antigos de fazer o trabalho, ou seja, a velha história do “sempre foi assim” e “sempre fiz desse jeito”. Os gestores têm um papel importante nesse momento, esclarecendo a estratégia e os motivos por trás da mudança. Assim, o gestor deve buscar mostrar ao colaborador a sua importância para a consecução do planejamento estratégico e o crescimento da organização, afinal, ninguém quer trabalhar em uma empresa em declínio. Se a empresa cresce com uma boa gestão, as pessoas tendem a crescer junto, sendo vantajoso para ambos. Na implementação da estratégia, um dos pontos críticos no qual a gestão de pessoas está envolvida é no equilíbrio entre a oferta e a demanda de trabalhadores. As condições de demanda estão relacionadas com as tendências previstas pela organização no que se refere à necessidade de contratações. As condições de oferta abrangem a definição de onde e como buscar profissionais com as competências necessárias para atender a demanda. Para equacionar a questão de oferta e demanda, é possível adotar diferentes táticas, como a contratação de profissionais em tempo integral ou parcial, a recontratação de ex-colaboradores, a contratação de trabalhadores temporários ou a realização de horas extras pelos colaboradores atuais. Neste último caso, é importante ressaltar que suas consequências são potencialmente negativas, pois a fadiga pode gerar desmotivação, erros e problemas de saúde. Dependendo da quantidade de horas, podem surgir também custos excessivos para a organização no pagamento de adicionais e problemas com a legislação trabalhista. 17
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Caso o quadro de colaboradores esteja superdimensionado, ou seja, mais pessoas do que demanda de trabalho, pode-se recorrer à redução das horas de trabalho, às demissões ou à paralização de novas contratações. Nesta última situação, a empresa pode optar por diminuir seu quadro de pessoal gradativamente, apenas com aposentadorias, pedidos de demissão voluntários e óbitos. A avaliação da estratégia, embora seja apresentada aqui como a última etapa do planejamento estratégico, é também a primeira etapa. Isso porque o processo de planejamento é cíclico, uma vez que a avaliação dará subsídios para que o novo planejamento seja ajustado e assim sucessivamente. Os parâmetros utilizados para avaliar a estratégia servem para medir o desempenho da organização com relação a seus objetivos. Dessa forma, é possível monitorar com que eficiência a empresa está alcançando seus resultados. Os indicadores relacionados à gestão de pessoas permitem identificar pontos críticos da organização que podem originar políticas e práticas para sua melhoria. Alguns indicadores relativos à gestão de pessoas utilizados são: custos de desligamento, índice de rotatividade, investimento em treinamento e custo total do trabalhador versus retorno, quantidade de vagas preenchidas, tempo dispendido para esse fechamento e avaliação dos treinamentos ministrados.
NÓS QUEREMOS SABER! Também conhecido como turnover , o índice de rotatividade representa o percentual de pessoas que entraram e saíram em um período. Ela pode ser medida de diferentes formas, por exemplo, desconsiderando trabalhadores temporários, considerando transferências internas, etc. A fórmula tradicional utilizada é a média de entradas e saídas do mês dividida pelo total de colaboradores no último dia do mês anterior, multiplicando o total por 100. Assim, se cinco pessoas saíram e sete entraram, temos a média de seis pessoas. Com 85 colaboradores no final do mês anterior, dividir-se-ia seis por 85 (0,0705...) e multiplicar-se-ia por 100, chegando ao índice de 7,05% de rotatividade.
Os indicadores da organização – sejam do RH ou de outros departamentos – devem ser analisados em conjunto pelos gestores. Ao identificar que algum indicador está fora do previsto, é preciso agir: se estiver abaixo do esperado, torna-se necessário um plano de ação para intervir em prol de melhorias; se estiver acima do esperado, é importante rever a meta estipulada para que se aproveite adequadamente o potencial da organização.
1.4 Modelo de gestão de pessoas Neste tópico você aprenderá a identificar os diferentes modelos de gestão de pessoas e entender como eles impactam no comportamento das pessoas nas organizações. Na verdade, não há como elencar com exatidão o melhor modelo para determinada organização. Tudo dependerá das características de cada uma, de seus gestores e fundadores, dos valores importantes para a empresa e da estratégia que pretende adotar. Conforme esses aspectos, a organização poderá atuar com um modelo de administração diretivo ou participativo. Porém, independentemente do modelo de administração, há algumas bases que são intrínsecas a uma gestão de pessoas moderna e consistente.
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1.4.1 Modelos de administração diretivo e participativo Existem alguns ingredientes que estão presentes em todos os grupos sociais e que se distribuem em diferentes dosagens nas organizações, como autoridade, obediência, disciplina, liderança e autonomia. Cada forma de administrar a organização terá seus reflexos nos comportamentos de quem está vinculado a ela. Em lados opostos de uma mesma escala, temos dois modelos principais de administração: o diretivo (ou diretivo-autoritário) e o participativo (ou consultivo-participativo). Estes modelos serão apresentados a seguir, conforme descrito por França (2014).
Diretivo
Participativo
Figura 2 – Comparação entre modelo diretivo e modelo participativo de gestão. Fonte: França, 2014.
O modelo diretivo é aquele que busca obter obediência das pessoas. Para tanto, esse modelo valoriza o respeito à autoridade formal e o cumprimento da burocracia. Esse tipo de administração tende a ser centralizadora, outorgando o poder de decisão a poucas pessoas ou, às vezes, a uma pessoa apenas. Embora a sensação de controle acalante o gestor centralizador, esse modelo pode acarretar demora na realização dos processos internos básicos. No caso da gestão de pessoas, por exemplo, há presidentes de empresas que preferem dar a opinião final sobre cada contratação na organização em vez de delegar aos seus líderes. Quando o volume de contratações é baixo, essa prática pode ser importante para que o presidente acompanhe de perto todas as admissões da empresa e saiba quem são esses novos integrantes de sua organização. No entanto, à medida que a empresa cresce, esse costume pode criar um gargalo em que se acumularão seleções aguardando retorno, o que atrasa o processo seletivo e tira o foco estratégico da direção. Esse modelo também é caraterizado pelo desencorajamento de questionamentos. Para isso, os superiores se utilizam de instrumentos coercitivos para reforçar sua autoridade. A centralização também faz com que os cargos sejam definidos com detalhes, limitando, assim, a autonomia de seus ocupantes sobre o que ou como fazer determinadas tarefas. Quanto mais fortalecida a autoridade dos chefes e menor a autonomia dos colaboradores, mais diretiva a administração da organização. Já o modelo participativo é marcado pela autonomia, disciplina e liderança. Este tipo de administração incentiva que as pessoas se responsabilizem por seu comportamento e seu desempenho no trabalho. Nesse caso, a disciplina é entendida como algo intrínseco ao trabalhador que busca fazer o seu melhor, dispensando mecanismos reguladores com ordens a serem seguidas. Empresas que adotam a flexibilidade de horários e locais de trabalho, por exemplo, exigem um modelo mais participativo do que diretivo. Para que o horário de trabalho não seja fixo, é preciso que o colaborador tenha autonomia e responsabilidade para definir quando fará determinada 19
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tarefa, respeitando os momentos em que precisa estar presente com o restante da equipe para reuniões e alinhamentos. Nessa situação, a liderança precisa dispor de uma equipe madura e depositar confiança de que cumprirão com suas responsabilidades. Quando um líder permite que o colaborador sugira alguma mudança no projeto, determine as formas de fazer certo trabalho ou mesmo opine sobre as decisões da liderança, ele está promovendo um modelo participativo de administração. Dessa forma, quanto maior for a autonomia dos colaboradores e quanto mais poder tiverem para tomar decisões que afetam seu próprio trabalho, mais participativo será o modelo adotado pela organização. Embora essa separação didática em dois modelos permita identificar certas características organizacionais, as organizações podem ser mais ou ser menos diretivas, ser mais ou ser menos participativas. Nem todas estão nos extremos da escala. Além disso, é possível haver diferentes tipos de gestão entre diferentes setores e lideranças. Porém, esse desalinhamento entre lideranças pode ter implicações negativas, como conflitos entre equipes que se julgam mais adaptadas a este ou àquele modelo e interpretam a divergência como uma incoerência na cultura organizacional.
1.4.2 Valores e condições para um modelo ideal Em muitas empresas, a gestão de pessoas é feita com base no “achismo” de quem toma as decisões. Essa forma de atuar contribui para uma descrença de que os conceitos e as ferramentas de gestão de pessoas podem de fato contribuir para a organização, direcionando, assim, as pessoas ora para um lado, ora para outro, conforme os caprichos da organização ou do grupo que a dirige. Para reverter esse quadro, é importante estabelecer premissas que sejam a base para a construção de diretrizes e instrumentos, de modo a assegurar a coerência e consistência das práticas ao longo do tempo, conforme proposto por Dutra (2002). Para estabelecer as premissas de um modelo de gestão de pessoas, é importante compreender os valores que estão subjacentes. Um desses valores que devem orientar a gestão de pessoas é a ideia de desenvolvimento mútuo: a gestão de pessoas precisa ter o papel de estimular e criar as condições para que as pessoas e a organização possam desenvolver-se mutuamente em suas relações, de forma que consigam lidar com situações cada vez mais complexas e desafiadoras. Outro valor essencial é de satisfação mútua: não devemos deixar de lado os interesses e objetivos de alguma das partes; a gestão de pessoas tem de buscar o alinhamento entre os interesses da organização e o projeto de vida pessoal e profissional das pessoas, para que essa relação de trabalho faça sentido para ambos. Por fim, outro valor de grande importância é a consistência no tempo: a gestão de pessoas deve estabelecer parâmetros estáveis para que, em uma realidade cada vez mais mutável e turbulenta, as pessoas e a organização tenham referenciais para se posicionarem em diferentes momentos e contextos dessa realidade. Os valores mencionados, se respeitados, tendem a garantir a efetividade das práticas de gestão de pessoas, desde que aplicados com algumas condições, como a transparência, a simplicidade e a flexibilidade. A transparência se refere à clareza dos critérios que orientam as práticas de gestão de pessoas, sendo fundamental para sua aceitação. A simplicidade ajuda na transparência, pois é essencial para facilitar a compreensão e o comprometimento de todos com as práticas de gestão. A flexibilidade é requerida para que os critérios, simples e transparentes, possam ser ajustados a diferentes contextos e adaptados às pressões que são impostas pelas transformações desses contextos ao longo do tempo.
1.4.3 Premissas conceituais As premissas conceituais apresentadas a seguir devem servir como base para a reflexão no momento de estruturar políticas e práticas. Estas quatro premissas, apresentadas por Dutra (2002), são o apoio para a construção de um modelo de gestão de pessoas: foco no desenvolvimento, no processo, no interesse conciliado e no modelo integrado e estratégico. 20 Laureate- International Universities
A premissa inicial é de que o foco da gestão de pessoas deve ser o desenvolvimento em vez do controle. Devido ao histórico da área, ainda é presente a visão de que as práticas precisam visar ao controle das pessoas. A nova realidade foi requerendo mais envolvimento das pessoas, porém a gestão teve dificuldade em acompanhar, criando dissonâncias: considera-se o colaborador alguém maduro e se estimula sua participação com sugestões, mas não lhe é depositada confiança, exigindo controles rígidos de horário como se não tivesse maturidade para cumprir com suas responsabilidades. É preciso que se abandone a ideia de que trabalhador e empresa possuem uma relação naturalmente conflitante. No momento em que a organização vê as pessoas como parceiras de seu desenvolvimento e elas entendem o mesmo sobre a organização, o foco muda do controle para o desenvolvimento, obtendo maior comprometimento mútuo entre as partes. O resultado dessa mudança são pessoas que assumem um papel ativo na gestão de pessoas, de modo que se fala, inclusive, em uma variação do termo: gestão com pessoas. A segunda premissa implica mudar o foco dos instrumentos para focar o processo. A visão tradicional de gestão de pessoas privilegia mais os instrumentos, esquecendo-se de que, mais importante que cada instrumento e procedimento, é o processo no qual eles se inserem e para o qual foram pensados. A ideia de que uma técnica de recrutamento ou um instrumento de avaliação de desempenho irá solucionar os problemas da gestão de pessoas é ilusória: a transparência, simplicidade e flexibilidade se dão na forma como o processo é pensado e executado. Não devemos trabalhar para o instrumento: o instrumento deve trabalhar para nós, para o sucesso do processo. A partir da visão do problema ou da demanda a ser solucionada, deve-se pensar no processo para resolvê-lo. De acordo com a estruturação do processo, devemos refletir sobre os possíveis instrumentos a serem utilizados, evitando a adoção de ferramentas por mero hábito, comodismo ou influência de terceiros alheios à realidade da organização. Assim, tem-se uma gestão de pessoas com uma base sólida e duradoura, isenta de modismos e tendências infundamentadas. A terceira premissa diz respeito a focar o interesse conciliado entre pessoas e organização, em vez de se ater apenas ao interesse organizacional. Quando focamos unicamente os interesses da empresa, é comum haver a falsa impressão de que estes devem ser a base de todas as práticas gestão. Esse equívoco não leva em conta que, se as pessoas não concordarem com os objetivos do que estão fazendo, elas não irão se comprometer como o desejado. Dessa forma, é importante que a conciliação das expectativas e dos interesses seja construída continuamente, para que o desenvolvimento seja alavancado por ambas as partes. A quarta premissa sugere o foco em um modelo integrado e estratégico em detrimento de um modelo composto de partes desarticuladas entre si. Embora a necessidade de integração entre práticas faça parte do senso comum, não é o que se observa na realidade das organizações. Práticas de capacitação desvinculadas da gestão de desempenho, por exemplo, é algo ainda corriqueiro. Já com relação ao caráter estratégico, destaca-se a importância de toda e qualquer prática estar buscando objetivos comuns ao planejamento estratégico: tudo o que a organização não precisa é de pessoas sendo geridas no sentido oposto, nadando contra a maré da sobrevivência organizacional. No entanto, não basta atuar cegamente de acordo com a estratégia: é preciso participar da definição da estratégia, ajudando a pensá-la a partir das percepções da gestão de pessoas. Assim, tira-se a gestão de pessoas da posição de refém da estratégia para tornar-se colaboradora desta.
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1.5 Desafios e tendências Em relação à influência das turbulências econômicas, sociais, políticas e organizacionais, o impacto é percebido especialmente no que se refere ao declínio da economia com base industrial e o surgimento de um novo recurso básico: o conhecimento. O início dessa transição pôde ser percebido no começo da década de 1970, nos Estados Unidos e na Europa, quando a quantidade de pessoas que trabalhavam em escritórios superou a de pessoas que realizavam trabalhos braçais. Mas quais desafios da gestão de pessoas especificamente podemos listar? Para estudar pontualmente os principais, serão analisados conforme apresentado por Gil (2013), nas categorias de desafios ambientais, organizacionais e individuais. A partir dos desafios, será possível também observar algumas tendências na área de gestão de pessoas.
1.5.1 Desafios ambientais Os desafios ambientais estão relacionados a forças externas à organização, mas que influenciam em seu desempenho, embora muitas vezes estejam fora de seu controle. Um desses desafios se refere à revolução da informação e da comunicação. A internet transformou o mundo numa grande comunidade na qual transmitimos e recebemos informação, mas também realizamos grandes transações comerciais. Os telefones celulares possibilitam uma interação nunca antes vista. As videoconferências permitem que dirigentes, gestores e colaboradores conversem de qualquer lugar do mundo, com imagem e som de ótima qualidade. Para que a tecnologia possibilite informação e comunicação eficazes, os recursos tecnológicos precisam ser adequadamente geridos pelas organizações. Assim, aplicativos de mensagem instantânea, por exemplo, deixam de ser um problema de distração das pessoas para ser um meio de comunicação formalizado pela organização, com objetivos e formas de funcionamento claros. Outro desafio está relacionado à globalização. Fusões e aquisições fazem as empresas se tornarem rapidamente multinacionais ou mesmo globais. Com isso, surge a necessidade de conhecer diferentes culturas, entender taxas de câmbio, compreender motivações e necessidades dos mais diversos tipos de clientes, entre outros. A difícil tarefa de agir globalmente e pensar localmente constitui-se em desafio, pois querer a implementação de estratégias de abrangência mundial que permitam respeitar e atender a necessidades locais diversas. A diversidade presente nos colaboradores também se mostra como um desafio a ser superado. A inclusão de pessoas com deficiência no trabalho, a contratação de pessoas de nacionalidades e culturas diversas e as características atribuídas às diferentes gerações que se encontram no mercado são exemplos que demandam uma atenção da gestão de pessoas. É importante que sua adaptação à empresa ocorra de forma saudável e respeitosa, permitindo que se insira na cultura organizacional sem ferir seus valores e suas necessidades pessoais. A ampliação do nível de exigência no mercado também é um desafio que impacta na gestão de pessoas. Os clientes estão mais exigentes, conhecedores de seus direitos, querendo atendimento, serviços e produtos de excelência. Do outro lado, estão os colaboradores, também conhecedores de seus direitos, que demandam cada vez mais qualidade de vida no trabalho, não se sujeitando a trabalhar sob condições que não lhe tragam alguma satisfação pessoal. Atender a todas essas necessidades requer uma gestão de pessoas ativa, que promova as condições necessárias para que os colaboradores se motivem a atender às necessidades dos clientes em seu nível de exigência. Além disso, é importante se preocupar com a responsabilidade da empresa sobre o meio onde se insere – social e ambiental –, demonstrando uma atitude ética perante todos, o que naturalmente refletirá em melhor imagem perante clientes, colaboradores e investidores. As responsabilidades 22 Laureate- International Universities
social e ambiental propiciam, portanto, um diferencial competitivo à organização, assim como sua sustentabilidade.
NÃO DEIXE DE LER... Visite o site do Instituto Ethos: . O Instituto Ethos atua desde 1998 na promoção de responsabilidade social empresarial. Sua missão é “mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade sustentável e justa”. Sem fins lucrativos, promove estudos na área, divulga práticas que são referência em sustentabilidade empresarial e constrói ferramentas de apoio à gestão responsável.
1.5.2 Desafios organizacionais Os desafios organizacionais decorrem de problemas internos da organização. Com o conhecimento sobre gestão de pessoas, os administradores podem ser proativos na solução desses problemas antes que fujam do controle e tomem maiores proporções. Um desses desafios se refere aos avanços tecnológicos, pois estes impactam na mudança dos processos de trabalho, na necessidade de capacitar para o uso de novas ferramentas, na automatização de algumas tarefas e na consequente redução de postos de trabalho. Aliada a isso, está a resistência a mudanças, fenômeno natural e previsível do comportamento humano. Esse fenômeno torna necessárias ações significativas dos gestores para minimizar os riscos decorrentes dessa resistência. A competitividade também é um desafio no qual a gestão de pessoas pode contribuir. Para manter baixos custos, é importante selecionar adequadamente colaboradores, treiná-los, garantir condições de trabalho adequadas e estruturar processos eficientes. Outro aspecto da gestão que impacta na competitividade é a descentralização, transferindo poder de decisão para mais pessoas e otimizando o tempo dispendido. É o caso de algumas atribuições da gestão de pessoas: a descentralização para os gestores em vez da centralização no departamento de RH torna certos processos mais ágeis e assertivos em cada contexto, além de criar espaço para que o RH foque questões mais estratégicas. É possível citar também a terceirização como um desafio organizacional. Colocar ao encargo de terceiros as atividades que não precisam ser feitas pela organização devem ser vistas não como corte de custos, mas como ganho de produtividade. Repassando para empresas especialistas certas tarefas, como o cálculo da folha de pagamento, a organização livra-se de pesadas e trabalhosas atividades. No entanto, não significa que a empresa não precise mais se preocupar com tal atividade: é igualmente importante acompanhar a qualidade do serviço prestado e escolher adequadamente para quem você está terceirizando. A terceirização impacta na gestão de pessoas tanto por poder envolver demissões quanto pelo fato de o próprio departamento de RH poder ser terceirizado, especialmente atividades como folha de pagamento, registro de funcionários, férias, entre outros.
1.5.3 Desafios individuais Os desafios individuais estão relacionados à postura adotada pelas organizações em relação aos seus colaboradores, sendo, muitas vezes, reflexos dos desafios organizacionais. No entanto, a forma de lidar com desafios individuais pode fazer surgir novos desafios organizacionais, por exemplo, uma pessoa que ocupa posição-chave na empresa trocar de emprego para trabalhar na concorrência. À medida que mantemos as pessoas na organização sob uma gestão coerente, tendemos a diminuir os desafios individuais e evitar mais desafios organizacionais. 23
Gestão de pessoas
Um dos desafios individuais está na identificação com a empresa. Quando uma pessoa se identifica com a estrutura, a forma de gestão e os objetivos da organização, ela tende a ser mais produtiva. O desafio de manter uma conduta empresarial ética também impacta na retenção de pessoas, pois a expectativa de que as empresas se comportem eticamente com seus fornecedores, clientes, concorrentes e colaboradores é cada vez maior. Para manter um bom nível de produtividade, é preciso manter as pessoas constantemente capacitadas e motivadas a realizarem um bom trabalho. A motivação tem um caráter pessoal, por estar relacionada às necessidades de cada um. No entanto, cabe à empresa identificar essas necessidades e cuidar para que o ambiente de trabalho oferecido seja suficientemente motivador, caso queira manter seus melhores colaboradores. Da mesma forma, precisa superar o sério desafio de oferecer segurança no emprego, pois a insegurança é um dos maiores causadores de estresse no trabalho, influenciando diretamente no desempenho e na satisfação. Concluindo os desafios individuais, é possível destacar dois desafios que se relacionam aos demais citados: qualidade de vida e retenção de pessoas. O fim do trabalho caseiro e artesanal na Revolução Industrial trouxe uma cisão entre a casa e o trabalho, mas atualmente essa divisão tem sido posta em dúvida. As empresas vêm sendo exigidas a promover não só qualidade do trabalho, mas qualidade de vida de modo geral, diluindo as fronteiras entre o pessoal e o profissional. O trabalho feito em casa – home office – e a personalização das estações de trabalho no escritório são exemplos dessa fusão.
1.5.4 Tendências Analisar as tendências em gestão de pessoas não significa especular com relação ao futuro, mas sim colocar algumas questões para reflexão. O futuro da gestão de pessoas apresentado por Dutra (2002) nos reserva a satisfação de construir novos caminhos, e, ao mesmo tempo, o enorme trabalho na revisão dos princípios e práticas não atendem às necessidades das pessoas e das organizações de hoje. A maior complexidade das empresas irá aumentar seu padrão de exigência sobre os colaboradores. Dessa forma, precisarão atuar previamente no desenvolvimento dessas pessoas para que acompanhem esse crescimento. Tal desenvolvimento deve fortalecer a já utilizada gestão por competências nas organizações, que implica não só se atentar aos conhecimentos necessários mas também ao conjunto de conhecimentos (saber sobre algo), habilidades (saber fazer algo) e atitudes (estar disposto a fazer algo), que, juntos, formam o conceito de competência. A identificação correta das competências necessárias para a organização tende a otimizar os processos seletivos, bem como esclarecer os objetivos dos treinamentos e definir critérios para avaliação de desempenho e para sistemas de remuneração. Existem algumas tendências que devemos evitar devido aos seus efeitos indesejáveis. Entre elas, está a desarticulação conceitual a partir da utilização de práticas com pressupostos conflitantes e a exploração do trabalhador em busca de níveis de produtividade elevados, sem a contrapartida com relação aos direitos trabalhistas e ao reconhecimento moral e financeiro de seu desempenho. Por fim, a tendência em gestão de pessoas é que as organizações precisem realizar dois investimentos simultâneos: um na modernização da gestão de pessoas e outro no suporte ao desenvolvimento das pessoas. O intuito é que, assim, as pessoas consigam perceber seu crescimento por meio do trabalho e a organização tenha condições de avaliar o poder de contribuição daquelas, conciliando as expectativas. Essa forma de relação entre pessoas e organizações propiciará uma estimulação mútua que servirá de suporte para as adversidades do futuro.
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Síntese Síntese • A gestão de pessoas assume um papel importante nas organizações, movendo esforços
para que os objetivos individuais e organizacionais estejam alinhados, seja como departamento de gestão de pessoas ou como gestor de pessoas. Para exercer seu papel, a gestão de pessoas atua por meio de seis processos: agregar, aplicar, recompensar, desenvolver, manter e monitorar pessoas.
• As práticas de gestão de pessoas evoluíram ao longo do tempo. Diante da necessidade de
massificar a produção, surgiu a administração científica. A partir de estudos que deram origem à Escola de Relações Humanas, percebeu-se que questões sociais e psicológicas impactavam na produtividade. Posteriormente, novas teorias mudaram a forma de ver as pessoas, como as teorias comportamental, dos sistemas e da contingência, resultando em uma gestão de pessoas integrada aos objetivos organizacionais e atenta ao comportamento humano.
• Reagindo às pressões do mundo competitivo, a gestão de pessoas passou a ser uma
aliada na definição de estratégias de sobrevivência nas organizações. O potencial de atuação estratégica da gestão de pessoas foi evidenciado tanto ao dar subsídios para a formulação da estratégia organizacional quanto ao desenvolver suas próprias estratégias como departamento.
• Diante desse cenário, é importante conhecer como os modelos de gestão impactam no
comportamento das pessoas. Igualmente importante é atuar em gestão de pessoas com premissas coerentes e consistentes, valorizando a mútua relação entre colaborador e empresa.
• Por fim, é importante conhecer os desafios que precisamos enfrentar, sejam eles
ambientais, organizacionais ou individuais. Alguns deles, no entanto, são identificados a partir das tendências percebidas em gestão de pessoas. Seja desafio ou tendência, estar previamente preparado é essencial para uma gestão de pessoas que contribua de forma planejada e estruturada para o desenvolvimento das organizações.
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