Sumrio
Direitos Humanos APRESENTAÇÃO APRES ENTAÇÃO ................. .................................. .................................. .................................. ................................... ................................... .................................. .................................. ................................... ...................................03 .................03 AUlAS ................ ................................. ................................... ................................... .................................. ................................... ................................... .................................. .................................. ................................... ................................07 ..............07 AUlA 01: 01 : INTRODUÇ INTR ODUÇÃO ÃO AOS DIREITO D IREITOSS HUMANOS HUM ANOS ...................................... ....................................................... .................................. .................................. ................................... ...................................08 .................08 AUlA 02: DESENvOlvIMENTO HISTóRICO DOS DIREITOS HUMANOS .................................................................................................15 AUlA 03: UNIvERSAlISMO E RElATIvISMO CUlTURAl DOS DIREITOS HUMANOS ...............................................................................18 AUlA 04: UNIvERSAlISMO E RElATIvISMO CUlTURAl DOS DIREITOS HUMANOS ...............................................................................26 AUlA 05: OS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAl ....................................................................................30 AUlA 06: óRgÃOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ..............................................................................................................37 AUlA 07: SISTEMA glObAl: MECANISMOS CONvEN CIONAIS E NÃO-CONvENCIONAIS NÃO-CONvENCIONA IS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS HUM ANOS ....... ........... .......44 ...44 AUlA 08: SISTEMAS REgIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ..........................................................................................49 AUlA 09: SISTEMA INTERAMERICAN INTERAMERICANO: O: A COMISSÃO E A CORTE INTERAMERICAN INTERAMERICANAS AS DE DIREITOS HUMANOS ..... .......... ......... ......... .......... ......... ......... ......... .......53 ...53 AUlA 10: SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS: ESTUDO DE CASO ..............................................................................58 AUlA 11: DIREITO DIREI TO INTERNACIONAl IN TERNACIONAl HUMANITáRIO E DIREITO INTERNACIONAl DOS REFUgIADOS ............. .................. ......... ......... ......... ......... .......... ......... ......... .........62 ....62 AUlA 12: OS DIREITOS CIvIS E POlíTICOS: DIREITO à vIDA ...............................................................................................................74 AUlA 13: OS DIREITOS CIvIS E POlíTICOS: DIREITO à lIbERDADE E INTEgRIDADE PESSOAl ................................................................91 AUlA 14: vIOlê vIOlêNCIA NCIA URbAN URbANAA ........................................ ......................................................... .................................. ................................... ................................... .................................. .................................. ..........................96 .........96 AUlA 15: DIREITOS HUMANOS ECONôMICOS, SOCIAIS E CUlTURAIS..................................................................................................99 AUlA 16: A ESPECIFICAÇÃO ESPEC IFICAÇÃO DO SUjEITO DE DIREITOS. OS DIREITOS DI REITOS HUMANOS SOb A PERSPECTIvA PERS PECTIvA DE D E gêNERO ....... ........... ......... .......... ......... ......... .........104 104 AUlA 17: DIREITOS HUMANOS E A qUESTÃO DA CRIANÇA E DO ADOlESCENTE..................................................................................109 AUlA 18: OS DIREITOS HUMANOS SOb A PERSPECTIvA RACIAl .......................................................................................................114 AUlA 19: DIREITOS HUMANOS E A qUESTÃO INDígENA ..................................................................................................................122 AUlA 20: DIREITOS HUMANOS E ORIENTAÇÃO SExUAl ...................................................................................................................126 AUlA 21: TEATRO DO OPRIM OPRIMIDO IDO .................................. ................................................... .................................. ................................... ................................... .................................. .................................. ........................... ..........132 132 AUlA 22: O PAPEl DA SOCIEDADE CIvIl NA PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS .........................................................135 AUlA 23: DESENvOlvIMENTO E DIREITOS HUMANOS.....................................................................................................................137 AUlA 24: TRIbUNAl PENAl INTERNACIONAl ................................................................................................................................141 AUlA 25: DIREITO HUMANO PóS-11 DE SETEMbRO ............... ................................. ................................... .................................. ................................... ................................... .................................. ................... 144
Sumrio
Direitos Humanos APRESENTAÇÃO APRES ENTAÇÃO ................. .................................. .................................. .................................. ................................... ................................... .................................. .................................. ................................... ...................................03 .................03 AUlAS ................ ................................. ................................... ................................... .................................. ................................... ................................... .................................. .................................. ................................... ................................07 ..............07 AUlA 01: 01 : INTRODUÇ INTR ODUÇÃO ÃO AOS DIREITO D IREITOSS HUMANOS HUM ANOS ...................................... ....................................................... .................................. .................................. ................................... ...................................08 .................08 AUlA 02: DESENvOlvIMENTO HISTóRICO DOS DIREITOS HUMANOS .................................................................................................15 AUlA 03: UNIvERSAlISMO E RElATIvISMO CUlTURAl DOS DIREITOS HUMANOS ...............................................................................18 AUlA 04: UNIvERSAlISMO E RElATIvISMO CUlTURAl DOS DIREITOS HUMANOS ...............................................................................26 AUlA 05: OS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAl ....................................................................................30 AUlA 06: óRgÃOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ..............................................................................................................37 AUlA 07: SISTEMA glObAl: MECANISMOS CONvEN CIONAIS E NÃO-CONvENCIONAIS NÃO-CONvENCIONA IS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS HUM ANOS ....... ........... .......44 ...44 AUlA 08: SISTEMAS REgIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ..........................................................................................49 AUlA 09: SISTEMA INTERAMERICAN INTERAMERICANO: O: A COMISSÃO E A CORTE INTERAMERICAN INTERAMERICANAS AS DE DIREITOS HUMANOS ..... .......... ......... ......... .......... ......... ......... ......... .......53 ...53 AUlA 10: SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS: ESTUDO DE CASO ..............................................................................58 AUlA 11: DIREITO DIREI TO INTERNACIONAl IN TERNACIONAl HUMANITáRIO E DIREITO INTERNACIONAl DOS REFUgIADOS ............. .................. ......... ......... ......... ......... .......... ......... ......... .........62 ....62 AUlA 12: OS DIREITOS CIvIS E POlíTICOS: DIREITO à vIDA ...............................................................................................................74 AUlA 13: OS DIREITOS CIvIS E POlíTICOS: DIREITO à lIbERDADE E INTEgRIDADE PESSOAl ................................................................91 AUlA 14: vIOlê vIOlêNCIA NCIA URbAN URbANAA ........................................ ......................................................... .................................. ................................... ................................... .................................. .................................. ..........................96 .........96 AUlA 15: DIREITOS HUMANOS ECONôMICOS, SOCIAIS E CUlTURAIS..................................................................................................99 AUlA 16: A ESPECIFICAÇÃO ESPEC IFICAÇÃO DO SUjEITO DE DIREITOS. OS DIREITOS DI REITOS HUMANOS SOb A PERSPECTIvA PERS PECTIvA DE D E gêNERO ....... ........... ......... .......... ......... ......... .........104 104 AUlA 17: DIREITOS HUMANOS E A qUESTÃO DA CRIANÇA E DO ADOlESCENTE..................................................................................109 AUlA 18: OS DIREITOS HUMANOS SOb A PERSPECTIvA RACIAl .......................................................................................................114 AUlA 19: DIREITOS HUMANOS E A qUESTÃO INDígENA ..................................................................................................................122 AUlA 20: DIREITOS HUMANOS E ORIENTAÇÃO SExUAl ...................................................................................................................126 AUlA 21: TEATRO DO OPRIM OPRIMIDO IDO .................................. ................................................... .................................. ................................... ................................... .................................. .................................. ........................... ..........132 132 AUlA 22: O PAPEl DA SOCIEDADE CIvIl NA PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS .........................................................135 AUlA 23: DESENvOlvIMENTO E DIREITOS HUMANOS.....................................................................................................................137 AUlA 24: TRIbUNAl PENAl INTERNACIONAl ................................................................................................................................141 AUlA 25: DIREITO HUMANO PóS-11 DE SETEMbRO ............... ................................. ................................... .................................. ................................... ................................... .................................. ................... 144
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aPresentaÇÃo 1. Visão Geral
a) Objeto: O curso de direitos humanos tem por objeto a compreensão da realidade contemporânea (ser) por meio do estudo do marco normativo (dever ser) de tais direitos, seja no âmbito internacional, seja no nacional. Assim, o curso curso será organizado organizado em quatro partes: partes: 1) 2) 3) 4)
Introdução ao Estudo dos Direitos Humanos; Proteção Internacio Internacional nal dos Direitos Humanos; Aspectos Sócio-Jurídicos dos Direitos Humanos; e Novos Temas e Novos Atores.
b) Metodologia : Elegeu-se a abordagem crítica como elemento permeador de todo o curso de Direitos Humanos. Procurou-se assim a utilização de dierentes métodos que representem um conjunto de possibilidades, tendo como ponto comum a eetiva participação do aluno. Atividades como role plays , estudos de casos, apresentação de seminários ou mesmo organização de uma ocina do Teatro do Oprimido são sugestões apresentadas como meios de interatividade dos alunos com o conteúdo apresentado. Dessa orma, o curso não se apresenta como uma unidade estanque, com conteúdo “engessado” no espaço e no tempo, mas com a uidez necessária para a adaptação do programa às questões mais candentes em termos de direitos humanos. Ressalte-se ainda o caráter cooperativo do método que privilegia a interação entre alunos e proessores proessores.. c) Bibliograa: O curso oi montado com base em temas, não em autores ou “escolas”, o que justica a extensão da leitura indicada. Todavia, tendo em vista a necessidade de se estabelecer uma bibliograa básica para compor a biblioteca da Escola, oram indicados certos livros que permeiam, na medida do possível, todas as aulas. Sugere-se ainda a utilização de recursos virtuais como ontes de pesquisa, notadamente sites de órgãos e organizações nacionais e internacionais. É também descrita, em todas as aulas, a legislação vigente – sejam os tratados ou normas internas – necessária para a compreensão do assunto abordado. 2. objetiVos
Os principais objetivos do curso são: • Apresent Apresentaro arosco sconceit nceitosf osfunda undamenta mentaisr isrefere eferentes ntesadir adireito eitoshum shumanos anos;; • Ex Exami aminar narvi viola olaçõ ções esde dedir direit eitos oshum humano anos; s; • Comp Compreend reenderos erossis sistemas temasinte internaci rnacional onal,reg ,regiona ionalena lenacion cionald aldepro eproteção teçãodos dos direitos humanos; FGV DIREITO RIO
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• Municiaro(a)aluno(a)deinstrumentospráticosparaaintervençãonomundo contemporâneo. O objetivo nal do curso, além de desenvolver a capacidade dos alunos de visualizarem o mundo que os circunda com a “lente” dos direitos humanos, é que estes se situem como partes de um processo histórico permeado de avanços e retrocessos. 3. Do Material DiDático
O material didático do curso de Direitos Humanos oi elaborado de maneira exível permitindo tanto ao proessor quanto ao aluno a adaptação do programa a questões contemporâneas a sua implementação. Todas as aulas são compostas de duas partes: a) Nota ao Proessor: trata-se de um roteiro sugestivo de pontos a serem abordados em sala de aula. Por meio de elementos como objetivo didático e objetivo programático, o(a) proessor(a) contará com o apoio necessário naquilo que é considerado de maior relevância para a compreensão do assunto em pauta. b) Nota ao Aluno: trata-se do conteúdo mínimo que deve ser apreendido como leitura prévia à aula. A nota apresenta, ainda, a bibliograa obrigatória, a legislação a ser consultada e os sites pesquisados. Incentiva-se a participação dos alunos em todas as aulas. A contextualização da temática proposta, a postura crítica, o estabelecimento de link com assuntos correlatos, entre outros, são posturas a serem incentivadas nos alunos. As aulas serão variadas – algumas mais expositivas, outras mais abertas à participação e à discussão encadeada pelos alunos –, e caberá ao proessor a responsabilidade de incentivar o debate sobre os assuntos escolhidos. Por meio da “problematização”, os alunos serão convidados a não eternizar de orma acrítica entendimentos pré-estabelecidos e a desenvolver suas capacidades de análise e de prática engajada. Nesse sentido, habilidades diversas serão avaliadas mediante a proposição de algumas atividades especícas: •
Nos role plays , serão apresentados posicionamentos a serem deendidos pelos alunos diante de uma situação hipotética. A atividade pretende incentivar o posicionamento crítico, a criatividade e o respeito à opinião alheia. • NoEstudodeCaso,osalunosdeverãoapresentarosprincipaisargumentos que zeram do caso um paradigma na compreensão de determinado assunto. A atividade pretende capacitar os alunos na compreensão de posições adversas em tribunais e despertá-los para a necessidade de se chegar a um resultado, característica essencial ao direito. É importante ressaltar que tal atividade não se restringe à anunciação de uma resposta correta, mas visa ainda ao estímulo à criatividade acerca de outras respostas possíveis. FGV DIREITO RIO
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• Nosseminários,osalunosdeverãoapresentarumpanoramageralsobreedeterminada realidade e, por meio de casos concretos, diagnosticar as respostas normativas possíveis. 4. Desaios e DiiculDaDes
A riqueza dos assuntos e a complexidade do que se pretende alcançar com o curso de “direitos humanos” conduz à necessidade de um recorte temático. Nesse sentido, mister a escolha de conteúdos a serem priorizados em ace de outros, o que não lhes conere papel de maior signicado. Ao não encontrar determinado tema entre os propostos neste material didático, o leitor poderá concluir que a sua retirada oi alvo de debate por parte daqueles que contribuíram para a conecção das aulas propostas. Tendo em vista a opção de contemplar temas e não autores, corre-se o risco de certaparcialidadenaconfecçãodessematerial.Mesmoquandosereferirematemas considerados “clássicos” em direitos humanos, qualquer tentativa de se apresentar determinado aspecto virá acompanhada por alguma perspectiva subjetiva. Tradutori traditori . Não obstante a preocupação de se contemplar os temas mais atuais em direitos humanos, notadamente na “Unidade IV: Novos Temas e Novos Atores ”, a certeza de que a temática dos direitos humanos conterá sempre novos “capítulos” conere ao presente material didático uma conguração temporal. 5. orMas De aValiação
Os alunos serão avaliados com base em: a) Participação em aula; b) Atividades especícas: role plays , estudo de caso, seminários (5,0 pontos); c) Avaliação ormativa: prova escrita (5,0 pontos); d) Prova nal: escrita (10,0 pontos). 6. atiViDaDes coMpleMentares avdd m m d
Encontra-se em estudo duas atividades a serem realizadas em conjunto com as disciplinasdeDireitoCivil(tópicosugerido:DireitosdaPersonalidade)eDireito Constitucional(tópicosugerido:DireitosFundamentais).Aponta-se, desdeentão, como indicativo de atividades: 1) escolha de um lme a ser debatido conjuntamente pelos três proessores; 2) determinação de uma decisão judicial, preerencialmente do FGV DIREITO RIO
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SupremoTribunalFederal,quetambémpossaseralvodediscussãoconjuntapelos três proessores. O envolvimento das demais disciplinas é undamental para demonstrar aos alunos como o instrumental que recebem em cada uma das disciplinas tornase ainda mais dinâmico ao dialogar com as demais. r d p
As seguintes palestras serão realizadas em data marcada de acordo com a disponibilidade dos convidados e a conveniência da Escola, mantendo, na medida do possível, a consonância com as datas propostas no programa: a ) Tema :
a violência no R io de J aneiRo Sugere-seoconvitea especialistas como IgnácioCano(LaboratóriodeAnálises da Violência – UERJ), João Ricardo Dornelles (Núcleo de Direitos Humanos doDepartamentodeDireitosdaPUC-Rio),JulitaLengruber(CentrodeEstudos deSegurançaeCidadania–CESEC/UniversidadeCandidoMendes/RJ),Marcelo Freixo(CentrodeJustiçaGlobal),entreoutros. b) Tema :
o papel da sociedade civil na pRoTeção dos diReiTos humanos Sugere-se o convite a movimentos sociais e organizações não-governamentais que trabalhem na Advocacia em Direitos Humanos no âmbito nacional e internacional, entreoutros:CentrodeJustiçaGlobal, Center or Justice and International Law (CEJIL),Viva-Rio,InstitutoPro-Bono,TorturaNuncaMais,ComissãoPastoral daTerra(CPT),MovimentodosTrabalhadoresRuraissemTerra(MST),Fundação BentoRubião,ProjetoLegal,SãoMartinho,FASE,dentreoutras. 7. eMenta
A disciplina Direitos Humanos. Polissemia conceitual. Perspectiva histórica. Idéia de gerações e suas críticas. Principais documentos. Universalidade X Relatividade.ProteçãonaConstituiçãode1988.Proteçãointernacional.DireitoInterna cional dos Direitos Humanos: Direitos Humanos, Direito Humanitário e Direito dosRefugiados.ProteçãoRegional.DireitosCivisePolíticos.DireitosEconômicos, SociaiseCulturais.Violência.Especicaçãodossujeitosdedireito.Novosatores. Novos temas.
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aulas uniDaDe 1: introDução ao estuDo Dos DHs
1. 2. 3. 4. 5. 6.
Introdução aos direitos humanos: undamentos e gramática. Desenvolvimento histórico dos direitos humanos. Universalidade e relatividade cultural dos direitos humanos: role play. Universalidade e relatividade cultural dos direitos humanos: conceitos. AConstituiçãoFederaleaproteçãodosdireitoshumanos. Órgãos de Proteção dos Direitos Humanos.
uniDaDe 2: a proteção internacional Dos DHs
7. Sistema global: mecanismos convencionais e extra-convencionais de proteção aos direitos humanos. 8. Daregionalização:introduçãoaossistemaseuropeu,africanoeamericano. 9. SistemaInteramericano:aComissãoeaCorteInteramericanasdeDireitos Humanos. 10. Sistema Interamericano: estudo de caso (El Amparo Vs. Venezuela ). 11. Direito Humanitário e Direito dos Reugiados. uniDaDe 3: aspectos sÓcio-jurÍDicos Dos DHs
12. Os direitos civis e políticos: role play reerente ao direito à vida. 13. Os direitos civis e políticos. 14. Violência urbana. 15. DireitosHumanoseconômicos,sociaiseculturais. 16. Especicação do sujeito de direito: os direitos humanos sob a perspectiva de gênero. 17. Direitos Humanos e a questão da criança e do adolescente. 18. DireitosHumanoseaquestãoétnica. 19. DireitosHumanoseaquestãoindígena. 20. Direitos Humanos e orientação sexual. 21. Teatro do Oprimido. uniDaDe 4: noVos teMas e noVos atores
22. O papel da sociedade civil na proteção dos direitos humanos. 23. Desenvolvimento e Direitos Humanos. 24. Tribunal Penal Internacional. 25. Direitos Humanos no contexto pós-11 de setembro de 2001. FGV DIREITO RIO
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aula 01: introduÇÃo aos direitos humanos NOTA AO ALUNO
ParaaprimeiraauladoCursodeDireitosHumanos,oalunodeveráassistir aoFilme“Ônibus174”deJoséPadilhaelerostextosabaixo.Pormeiodetextos extraídos de jornais, revistas e artigos de Internet, espera-se uma reexão acerca do seguinte ponto: Oqueexisteemcomumentreolme“Ônibus174”eostextosaseguir? Ônibus 174 releMbra traGÉDia carioca1
VencedordoFestivalRioBRdesteano,odocumentárioÔnibus174,deJosé Padilha, mostra a violência das ruas cariocas retratando um seqüestro verídico. Olmerelataotrágicoseqüestrodeumônibuscoletivoqueresultounamorte da reém e do seqüestrador e oi destaque nos noticiário em 12 de junho de 2000. “Fizemosquestãodemanteradelidadeeacronologiadoepisódio.Olonga começa com o seqüestro e a partir dele inserimos depoimentos”, explicou Padilha em entrevista recente à Reuters. “Nossa preocupação (no lme) não é a de apontar culpados nem soluções, mas gerar discussão sobre o tema. Não podemos nos resumir ao ato do seqüestro, mas (sim avaliar) o que motiva uma sociedade a agir dessa orma.” Logonoinício,umplanoaéreomostraobelopercursodoônibusquetrafegavada FaveladaRocinha,passandopeloscartõespostaisdaspraiasdeSãoConradoeVidigal epelaavenidaNiemeyeratéchegaraoJardimBotânico,ondeaconteceuatragédia. A partir daí, apesar de a história ser conhecida do público, o documentário consegue provocar suspense e nostalgia ao utilizar mais de 70 horas de imagens de TV, além de revelar uma extensa pesquisa com jornais, revistas e notícias de rádio sobre o incidente. Tudoissoémescladoaodepoimentodoex-capitãodoBatalhãodeOperações EspeciaisRodrigoPimentel,quefoiafastadodaPolíticaMilitarportersecolocado contraaaçãopolicialnoepisódioqueterminoucomamortedapassageiraGeísa FirmoGonçalvesedeSandroNascimento,umdosseqüestradores. A tragédia, que tirou o romantismo do “Dia dos Namorados” e durou quatro horas, levou a polícia do Rio a ser duramente criticada pela imprensa e pela opinião pública. QuandoNascimentoresolveuseentregaresaiudoônibusprotegidoporGeísa, umpolicial,tentandosalvararefém,atirounadireçãodoseqüestrador.Maserrouo tiro e Nascimento, conorme havia ameaçado, atirou contra a passageira. Um outro tiro acertou Nascimento, que morreu por asxia a caminho do hospital. O cuidado do lme em mostrar os dois lados da moeda aparece na entrevista com a tia de Nascimento. Segundo o relato dela, esse menino de rua viu a mãe ser
aceo e: 21 de bril de 2005. Dipoível e: ttp://cie. terr.co.br/ic/0,,TIC OI677mnle,00.tl. 1
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assassinada a acadas quando tinha nove anos e mais tarde escapou de ser morto da chacinadaCandelária–umabiograaduraeamarga. OviúvodeGeísa,AlexandreMagnodeOliveira,caacargoderepresentarsua mulher no lme, enquanto imagens da educadora Damiana Nascimento, hoje com 42 anos de idade, chocam ao demonstrar a real dimensão do ocorrido – ela soreu um derrame durante o seqüestro e não consegue mais alar, sendo capaz de se comunicar apenas por escrito. Ônibus174,orçadoem600milreais,mostraquantooseqüestrotraumatizou os cariocas. O percurso ainda existe, mas o número da linha mudou de 174 para 158. a escraViDão cHeGa ao terceiro Milênio2
Em 14 de agosto, a Justiça dos EUA condenou a seis anos e meio de prisão e indenizaçãodeUS$110miloengenheirobrasileiroRenéBonetti,naturalizado americano, acusado de manter por 20 anos a empregada doméstica Hilda Rosa dos Santoscomosuaescrava.Continuatendosentidofalardeescravidãonesteinício doterceiro milênio?Paramuitos sociólogossérios, quenãopretendem deforma algumaescondereamenizarosfatos,arespostaserianão.Maseste“não”serefere àformaclássicadofenômeno,talcomoconstanoslivrosdehistóriaedeeconomia política – um modo de produção tradicional, pré-capitalista, baseada na propriedade privada de uma pessoa, legal e garantida pelo Estado. Porém, numa denição mais ampla – escravidão como condição em que o trabalhador não recebe remuneração e sua vida é totalmente controlada por outros – não só é comum, como está crescendo. Masessanovaescravidãopoucotemavercomnostalgiaseatavismosdopassado pré-abolição.Bonettinãoéumsenhordeengenhoalagoano,masumengenheiro eletrônicopaulistanoqueemigrouparatrabalharnamaisaltatecnologia:Intelsat, depoisComsatedepoisoprojetoSivam.SegundoosociólogobritânicoKevin Bales,queestudouoassuntonoBrasil,Tailândia,Mauritânia,Paquistão,Índiae França,hátrêsmilescravasdomésticasemPariseahistóriaserepeteemLondres e Zurique, onde ocialmente não há escravidão há muitos séculos, como em Nova YorkeLosAngeles,geralmentecommeninascompradaseàsvezesaté“adotadas” empaísespobresdaÁsia,ÁfricaeAméricaLatina.Cercadeummilhãodemeninas commenosde18anostrabalhadegraçacomodomésticanasFilipinas.ParaBales, a escravidão é como a tuberculose: todos pensavam que estava extinta nos países civilizados e em vias de desaparecimento em todo o mundo, mas, de repente, novas variedades resistentes a antibióticos aparecem onde menos se espera. (...) Muitomaisversátileimportante,porém,éanovaescravidão,formaextrema de superexploração capitalista, bem inserida no mercado pós-moderno e global e inteiramente criada e reproduzida pelas atuais condições da economia – desemprego tecnológico, desarticulação das sociedades pré-capitalistas e ex-socialistas pela integração ao mercado mundial, crescimento das migrações e redução ao absurdo,
COsTa, atôio Liz moteiro Coelo d. Reista Isto É . 16 de otbro de 2000. 2
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devido ao acirramento da concorrência pela globalização, da remuneração de atividades tradicionais, geralmente tecnologicamente atrasadas. NoBrasil,umdoscasosdenovaescravidãomaisconhecidoséodasdezenas de milhares de trabalhadores (às vezes com suas amílias) aliciados por “gatos” no interiordeMinasedoNordesteelevadosaempreendimentosemlocaisisolados para viver em condições precárias de habitação, higiene e segurança e cumprindo uma jornada que se estende noite adentro, envolvendo, nas suas diversas etapas, mulheres e crianças. Desconhecendo o valor das compras e o mecanismo de cálculo da produção, tornam-se devedores permanentes e trabalham por abrigo e comida. Assim se dá boa parte da produção de carvão vegetal, atividade tradicional deslocadaparaoNorteeCentro-OestepeloesgotamentodasmatasdoSudeste. O aumento da distância dos centros consumidores (metrópoles, undições, indústria siderúrgica) e com o menor preço e aumento da disponibilidade de combustíveis alternativos (carvão mineral, gás natural), a viabilidade do negócio passou a depender cada vez mais de trabalho gratuito. Quando você az um churrasco, há uma boa probabilidade de estar usando carvão produzido por trabalho escravo, bem como churrasqueira e talheres undidos com o mesmo combustível. (...) Tráco sexual. A escravidão sexual é ainda mais característica do mundo pós-moderno.Recentemente,asecretáriadeEstadoamericanaMadeleineAlbrightchamou a atenção para o tráco escravo sexual como um dos empreendimentos criminosos que mais crescem no mundo. Segundo ela, um milhão de mulheres e crianças são vendidas por ano em todo o mundo por um total de US$ 6 bilhões. Isto inclui 50 mil nos EUA, mas os grandes mercados para esse tráco são o Sudeste Asiático (250 mil) e a Europa Oriental (mais de 200 mil). Na Tailândia, 35 mil prostitutas, geralmente vendidas muito jovens por algo como US$ 2 mil, ganham cada uma cerca de US$ 50 mil por ano para seus “donos” mas nada para si mesmas. O colapso da URSS levou uma enxurrada de mulheres empobrecidas e desesperadas da Europa Oriental para trabalhar como escrava-prostitutas para o crime organizado nas capitais da Europa Ocidental, repetindo a triste odisséia das “polacas” espalhadas pelo mundocomoconseqüênciadaderrocadaeconômica,daguerraedasperseguições anti-semitasdosanos1920.(...) EmSãoPaulo.VoltandoaoBrasil,hácercade100milimigrantesbolivianosque trabalhamnasconfecçõesdeSãoPaulo,sobretudonoBrás,BomRetiroePari,cos turando roupas vendidas nas melhores butiques e publicitadas pelos mais ousados outdoors pós-modernos. Sua vinda resultou da combinação do colapso dos preços das commodities nosanos80e90,quedestruiuaeconomiamineiraboliviana,junto com o acirramento da concorrência no setor têxtil resultante da abertura do mercado brasileiro às importações asiáticas (cuja produção reqüentemente também usa trabalho escravo ou semi-escravo). Os gastos da viagem – cerca de US$ 150 – são pagos pelo empregador, bem como moradia e alimentação, iniciando um processo de endividamento e dependência do qual nem todos conseguem se saar. O patrão costuma exigir delidade de pelo menos um ano e às vezes retém seus passaportes, proíbe-os de sair à rua e echa-os dentro de casa, vetando visitas de terceiros. Se o trabalhador quer deixar o patrão que o trouxe, este o considera um FGV DIREITO RIO 10
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“traidor”,cobraasdespesasdaviagemouoameaçacomofantasmadaPolíciaFederal. No ponto alto da produção para as vendas do Natal, de agosto a novembro, o trabalho chega a se estender por 15 horas por dia, sete dias por semana. A remuneração pode ser tão baixa quanto R$ 30 a R$ 50 mensais, embora conste que os mais hábeis chegam a tirar R$ 400 mensais – ao menos com os patrões coreanos, tidos como mais “generosos” que seus concorrentes brasileiros, paraguaios ou mesmo bolivianos. Nos EUA, o cinema torna bem conhecida a situação de imigrantes ilegais – mexicanos, chineses e outros – mantidos em condições semelhantes em vários trabalhos agrícolas, industriais e de serviços, mas também nessa modalidade, o maior oco é a Ásia, onde trabalhadores superexplorados abricam brinquedos, têxteis e outros artigos de consumo baratos para todo o mercado global. Um caso notório é o dos pequenos empresários que no Sudeste Asiático abricam tênis para a ultramodernaNike,empresaquedesde1997temsidoforçadaporumaduracampanha de boicote e denúncias a reormular sua política de compras para oerecer melhores condições a ornecedores que tratam melhor seus empregados. Segundo KevinBales,27milhõesdepessoasvivemasváriasformasdenovaescravidãoeo número está crescendo. Se orem considerados casos que, como o dos bolivianos do Pari ou as trabalhadoras das subcontratadas da Nike na Indonésia, poderiam ser chamados de semi-escravidão – empregos inormais com remuneração muito baixa, jornadas extremamente longas, sob ameaça de coação ísica ou policial, sem garantias trabalhistas e com moradia e alimentação controladas pelo empregador-, o número pode chegar a 200 milhões, bem mais do que a população inteira do Império Romano ou de qualquer sociedade escravista do passado. Parece que em vez de umasociedadedelazermovidapelotrabalhoderobôs,oséculo21veionostrazera escravidão numa escala que a humanidade jamais conheceu. crianças inDÍGenas MorreM De Desnutrição3
AviolênciadeumdespejodosGuarani-KaiowáseriareforçadapeloatualcontextodoestadodoMatoGrossodoSul,ondeascarênciasdeterra,estruturadeproduçãoedealimentostemlevadoàmortedecriançasindígenas.Foramseismortes na terra indígena Dourados, a 150 km de Antonio João, desde o início de 2005. Foramnoticiadasrecentementemaisseismortespordesnutriçãoemduasaldeiasdo povoGuaraniNhandevadaregiãodoSuldoMatoGrossodoSul,nosmunicípios de Japorã e Eldorado; e a morte de seis crianças com sintomas de desnutrição em aldeiasdopovoXavante,naregiãodeCampinápolis,a570quilômetrosdeCuiabá, noMatoGrosso,nosdoisprimeirosmesesdesteano. Na terra retomada em outubro do ano passado e hoje ameaçada de reintegração, osGuarani-KaiowádeNhandeRuMarangatupuderamvoltaraproduziralimentos para subsistência, como mandioca, eijão, milho, batata, arroz, banana, mas ainda éinsuciente.SegundooConselhoIndigenistaMissionário(Cimi),amortalidade infantilnaquelaáreafoide87,72pormilnascidosvivosem2001ebaixoupara 41,67 em 2004. Ainda está próxima, porém, à taxa de mortalidade de Dourados, de
aceo e 21 de bril de 2005. Dipoível e: ttp://www.di tl.co.br/ite/otici/15552. p?lg=PT&cod=15552. 3
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64 óbitos por mil crianças nascidas vivas. A média nacional é de cerca de 25 por mil. EmAntônioJoão,dadosdaFundaçãoNacionaldeSaúde(Funasa)apontamque47 das256criançasmenoresde5anosatendidaspelaFunasa,ou18%delas,apresentamdesnutrição.Outras52crianças(20%)estãoemsituaçãoderisconutricional. PercentuaiscomoestesserepetememtodasasaldeiasdopovoGuaraninoMato GrossodoSul.Aanálisedosdadosporaldeiasmostraumquadroaindamaispreo cupantedoqueaquelesapresentadospelaFunasa,quetemdivulgadoamédiadedes nutriçãodoEstado,de12%dedesnutridose15%decriançasemrisconutricional. NoMS,aldeiasdospovosTerenaeKadiwéutêmumíndicemaisbaixodedesnu trição,denomáximo3%.Assim,amédiaestadualnãomostraqueemAmambai, porexemplo,adesnutriçãoatinge19%dascrianças.AaldeiaTacuru,dosGuarani Kaiowá,temataxaem17%,semcontaroscasosderisconutricional. OsnúmerosdaFunasa(FundaçãoNacionaldeSaúde),responsávelpelasaúde indígenanoBrasil,demonstramqueapreocupaçãosobreaalimentaçãoesobre as condições de vida das crianças indígenas não pode se restringir às aldeias de Dourados.Desdeaúltimasemana, toda adireção daFunasatransferiu-separao município e diversas equipes de médicos e nutricionistas passaram a atuar no local. Também cresceu a distribuição de alimentos para os indígenas das aldeias da terra indígena Dourados. De acordo com o diretor do Departamento de Saúde Indígena, AlexandrePadilha,23,2%dascriançasdesnutridassaíramdessasituaçãonosprimeiros meses do ano. “A situação ainda preocupa a todos e nós temos que manter a sociedade e a comunidade indígena mobilizadas para isso. Em 2004 atingimos a menor taxa de mortalidade inantil em povos indígenas, de 47 por mil nascidas vivas. Em 2002, eram 56 por mil, mas a taxa é muito alta se comparada com o restantedapopulaçãobrasileira”,disseàAgênciaBrasil. seGunDa pesquisa transparência brasil sobre coMpra De Votos eM eleições populares4
Pesquisa nacional sobre a prática de compra de votos, realizada pelo Ibope para aTransparênciaBrasileaUniãoNacionaldosAnalistaseTécnicosdeFinançase Controleentre14e17denovembrode2002,revelouquenaseleiçõesdeoutubro/ novembrocercade3%doseleitoresreceberamofertadecandidatosoucaboseleito rais para vender o seu voto. Entre os beneícios oerecidos está em primeiro lugar o dinheiro(56%),seguidodebensmateriais(30%)efavoresdaadministração(11%). Em pesquisa anterior deste gênero, realizada após as eleições municipais de 2000, 6%doseleitoresarmaramquereceberamofertadevenderovotopordinheiro. Os dados da pesquisa indicam que uma série de conceitos sobre a compra de votos necessita de revisão: • Oníveldeinstruçãodoeleitorteminuênciamoderadasobreaoferta; • Oscompradoresdevotossedirigemigualmenteaeleitoresdetodasasfaixas de renda;
aceo e: 21 de bril de 2005. Dipoível e: ttp:// www.trprecy.org/tilc/ idice/ ecet/dld/co pr_de_voto_bril.pd. Pe qi relizd pelo Ibope e ovebro de 2002 por Bro Wilel speck e Cldio Weber abro. 4
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• Ofenômenodeofereceralgoemtrocadovotoindependedacondiçãoedo tamanho do município; • Há pouca diferença entresexos,comoshomens sendo ligeiramente mais assediados do que as mulheres. Poroutrolado,hádiferençasmaissignicativasquantoàdistribuiçãodofenô meno da compra de votos por idade do eleitor. Os eleitores com mais idade são menos sujeitos à oerta do que os mais jovens. Asmaioresdiferençassedãoentreasregiõesdopaís(Gráco8).Damesma orma como ocorreu no levantamento relativo às eleições municipais de 2000, em2002asregiõesNorte/CentroOestemostraram-seasmaisvulneráveis,seguidas pelo Nordeste. Sudeste e Sul mostram um quadro menos desavorável, emboraaindacomincidênciadofenômeno.Observe-seque,enquantoem2000 a região Sul apresentou-se no mesmo nível do Nordeste, em 2002 nivelou-se com a Sudeste. Alémdeaferirovolumedo“mercado”devotosnoBrasil,aspesquisasdaTransparênciaBrasilvisamelaborarumindicadorparaacompanharofenômenoaolongo do tempo. Porém, a comparação entre as duas pesquisas relatadas reerentes às eleições em 2000 e 2002 requer certo cuidado. Trata-se em primeiro lugar de uma comparação entre eleições municipais, de um lado, e eleições estaduais e nacionais de outro, e não de uma série histórica sobre o mesmofenômeno. A pesquisa reerente à compra de voto nas eleições municipais se limitou às oertas em dinheiro, quando a pesquisa nas últimas eleições incluiu todos os tipos de troca oerecidos (dinheiro, bens materiais, serviços públicos). Comtodasaslimitações,apesquisarevelaquecercade3milhõesdeeleitores receberam oerta de vender o seu voto. Vale a pena lembrar que o código eleitoral deneessatransaçãocomocrime.Ocódigoeleitoralde1965dispõe,noart.237, queainterferênciadepodereconômicoeodesvioouabusodepoderdeautorida deserãocoibidosepunidos.Oartigo299criminalizaameraofertadecomprade voto, mesmo que não aceita pelo eleitor. Logo,estamosdiantedeumuniversode3 milhões de inrações criminais ocorridas nas últimas eleições. eua estão MinanDo Direitos HuManos no MunDo, Diz onG 5
Violações dos direitos humanos cometidas pelos Estados Unidos estão minando a lei internacional e erodindo o papel do país no cenário internacional, armou a ONGdedefesadosdireitoshumanosHumanRightsWatch. Segundo a organização, os americanos já não podem mais reivindicar que estão deendendo os direitos humanos em outros países, se eles mesmos estão praticando abusos. AONGcobrouacriaçãodeumacomissãoindependentenosEstadosUnidos paraexaminaroabusodeprisioneirosnaprisãodeAbuGhraib,noIraque.
aceo e: 21 de bril de 2005. Dipoível e: ttp://www. bbc.co.k/portgee/otici/ tory/2005/01/050113_direi tooro.tl. 5
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Naquarta-feira,umaoutraentidade,oWorldwatchInstitute,haviadivulgado um relatório que dizia que a chamada “guerra contra o terrorismo” pode estar perpetuando o ciclo de violência no mundo. cddd
O governo americano está no momento investigando denúncias de abusos de prisioneirosnoIraqueetambémnaprisãodabasemilitardeGuantánamo,em Cuba. AHumanRightsWatchdizqueosamericanosjánãopodemmaisdizerquesua posição é moralmente correta e liderar como exemplo. AentidadecitaastécnicasdeinterrogatóriocomcoerçãoemGuantánamoeAbu Ghraibcomoespecialmenteprejudiciais. O grupo, a maior organização de deesa dos direitos humanos baseada nos Estados Unidos, diz que as ações dos americanos nestas prisões tiveram um eeito negativo sobre a credibilidade do país como um deensor dos direitos humanos e líder da guerra contra o terrorismo. “A adoção de interrogatórios com coerção é parte de um desrespeito mais amplo dos princípiosdosdireitoshumanosemnomedocombateaoterrorismo”,disseaONG. AentidadepedequeogovernoBushinstaleumacomissãototalmenteindependente, no modelo da que investigou os ataques de 11 de setembro, para analisar as denúnciasdeabusosemAbuGhraib.Tambémpedeaindicaçãodeumpromotor especial para determinar o que houve de errado e levar os responsáveis à Justiça. Material De apoio t:
l eiTuRa acessóRia : ALMEIDA,FernandoBarcellosde.eoria Geral dos Direitos Humanos. Porto Alegre:SergioAntonioFabris,1996. BOBBIO,Norberto. A era dos direitos.RiodeJaneiro:Campus,1992.p.1547. DORNELLES,JoãoRicardo.O que são direitos humanos?SãoPaulo:Brasiliense,1989.
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aula 02: desenvolvimento histórico dos direitos humanos NOTA AO ALUNO
O desenvolvimento dos direitos humanos oi um processo histórico e gradativo. Dessa orma, a consagração dos direitos humanos é ruto de mudanças ocorridas ao longo do tempo em relação à estrutura da sociedade, bem como de diversas lutas e revoluções. Masanal,quandosurgemosdireitoshumanos?Odebatesobreotemaconduz sempre ao limite do surgimento do próprio Direito. Não caberá à aula 02 resolver um embate travado entre pensadores ao longo dos séculos, mas apontar alternativas. Alguns autores vêem nas primeiras instituições democráticas em Atenas – o princípio da primazia da lei ( i.e., do nomos : regra que emana da prudência e da razão, e não da simples vontade do povo ou dos governantes) e da participação ativa do cidadão nas unções do governo – o primórdio dos direitos políticos. Ainda na Idade Antiga, a república romana, por sua vez, instituiu um complexo sistema de controles recíprocos entre os órgãos políticos e um complexo mecanismo que visava a proteção dos direitos individuais. ConvémsalientarquenapassagemdoséculoXIaoséculoXII( i.e., passagem da BaixaIdadeMédiaparaaAltaIdadeMédia)voltavaatomarforçaaidéiadelimita ção do poder dos governantes, pressuposto do reconhecimento, séculos depois, da consagração de direitos comuns a todos os indivíduos – do clero, nobreza e povo. A partir do século XI, há um movimento de reconstrução da unidade política perdida com o eudalismo. O imperador e o papa disputavam a hegemonia suprema em relação a todo o território europeu, enquanto que os reis – até então considerados nobres – reivindicavam os direitos pertencentes à nobreza e ao clero. Nesse sentido,aelaboraçãodaCartaMagna,em1215,foiumarespostaaessatentativa de reconcentração do poder (limitou a atuação do Estado). Alguns autores tratam esse momento como o embrionário dos direitos humanos. Outros asseveram sua natureza como meramente contratual, acordado entre determinados atores sociais e reerentes exclusivamente aos limites do poder real em tributar. Éimportantesalientarque,duranteaIdadeMédia,anoçãodedireitosubjeti voestavaligadaaoconceitodeprivilégio,umavezque,atéaRevoluçãoFrancesa, a sociedade européia se organizava em “ordens” ou “estamentos”. Dessa orma, a Reorma Protestante é vista como a passagem das prerrogativas estamentais para os direitos do homem, uma vez que a ruptura da unidade religiosa ez surgir um dos primeiros direitos individuais: o da liberdade de opção religiosa. Dentre as conseqüênciasdaReforma,destaque-se:alaicizaçãodoDireitoNaturalapartirdeGrócioe o apelo à razão como undamento do Direito. ComoresultadodadifusãodoDireitoNaturalenocontextodasRevoluções Burguesas,sãoimpostoslimitesaopoderrealpormeiodalinguagemdosdireitos. É nesse contexto em que se ormulam as primeiras declarações de Direitos. Destacam-se aqui: na Inglaterra, o Habeas Corpus Act de1679eoBill o Rights de1689; FGV DIREITO RIO 15
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nosEstadosUnidos,aDeclaraçãodeVirgíniade1776;enaFrança,aDeclaração dosDireitosdoHomemedoCidadãode1789,todasinspiradasnodireitonatural. Os homens são dotados de direitos inatos, cabendo ao poder estatal declará-los, conorme demonstrado a seguir: dçã ví, 1776 Fruto da Revoluo Americana – visavam restaurar os antigos direitos de cidadania tendo em vista os abusos do poder monárquico; Marco do nascimento dos direitos humanos na história; Reconhecimento da igualdade entre os indivíduos pela sua própria natureza e do direito à propriedade.
dçã d h cã, 1789 Fruto da Revoluo Francesa – os ranceses se viam em uma misso universal de libertao dos povos; Art. XVI: baseado na lio clássica de Montesquieu – teoria do governo misto combinada com uma declarao de direitos, ambas expressas em um texto escrito (a constituio); Consagrao dos princípios iluministas: igualdade, liberdade e propriedade.
É importante ressaltar que ambas as Declarações consagraram os direitos humanos da primeira geração, ao passo que os direitos humanos de segunda geração (emboraaConstituiçãofrancesade1791jáestipulassedeveressociaisdoEstado, não dispunha sobre os direitos correlativos dos cidadãos) só tiveram sua plena armaçãocomaelaboraçãodaConstituiçãomexicana(emdecorrênciadaRevolução Mexicana),em1917,edaConstituiçãodeWeimarem1919.Entreessas,atende-se para o ponto comum: a insuciência da abstenção estatal como orma de garantia de direitos. Em ace de alguns direitos, como é o caso do direito ao trabalho, à educação e à saúde, somente a intervenção estatal é capaz de garanti-los. Já os direitos deterceirageraçãosóforamconsagradosapósaSegundaGuerraMundial,combase na idéia de que existem direitos baseados na coletividade, conorme serão estudados ao longo do curso. Todavia, a idéia de gerações – importante como mecanismo de compreensão histórica – merece ser criticada desde esse momento, uma vez que coloca em cheque a idéia contemporânea de indivisibilidade e interdependência dos direitos. Até o presente momento, examinamos a luta por direitos humanos em contextos nacionais. Todavia, cabe destaque o momento histórico em que os direitos humanos oram galgados ao patamar internacional. Por mais que o direito humanitário e a Organização Internacional do Trabalho já indicassem a necessidade de uma proteção de direitos que se sobrepusesse aos ordenamentos internos, as atrocidades cometidasduranteasGuerrasMundiais,notadamentenaSegunda,deixoutrans parente a necessidade de se estabelecerem marcos inderrogáveis de direitos a serem obedecidosportodososEstadosnaconcertaçãoestabelecidanopós-Guerra.Nesse contexto, a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em1948,signicouummarcodaconsagraçãodauniversalidadedosdireitoshu manos.TantoaDUDH,comooPactoInternacionaldeDireitosCivilePolíticos eoPactoInternacionaldeDireitosEconômicos,SociaiseCulturais,ambosde FGV DIREITO RIO 16
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1966,serãoestudadosnaaulareferenteaoSistemaGlobaldeProteçãodosDireitos Humanos. Todavia, vale adiantar que a conecção dos dois pactos localiza-se em umcontextodeGuerraFriaemqueosdoisblocosdisputavamideologicamentea concepção de direitos humanos. Porsuavez,onaldadécadade80foimarcadopeladerrocadadosocialismo real.Nodecorrerdadécadade90,ganhaforçaodiscursodequeosdireitoshuma nos não eram mais discursos dos blocos, mas tema que deveria compor a agenda global.Foinessecontextoquesedesenvolveramasgrandesconferênciasdadécada de90,destacando-seaConferênciadeVienade1993,aqualconsagrouosparadig mas da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. Diantedoexposto,questiona-se:QualéaimportânciadaCartaMagnade1215? Quais os elementos em comum entre a Declaração de Virgínia e a Declaração UniversaldosDireitosdoHomemedoCidadão?Oquesãogeraçõesdedireitos?Quaisforam osprecedentesparaaconsolidaçãodoDireitoInternacionaldosDireitosHumanos? Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : COMPARATO,FábioKonder. A armação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2001. pp. 36-66. l eiTuRa acessóRia : CANÇADOTRINDADE,AntônioAugusto. ratado de direito internacional dos direitos humanos.VolumeI.PortoAlegre:SérgioAntônioFabris, 1997.pp.31-118. LAFER,Celso.Reconstrução dos direitos humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. RiodeJaneiro:CompanhiadasLetras,2001. pp. 117-145. l egislação: ConstituiçãoFederalde1988 Declaração de Virgínia de 1776 DeclaraçãoUniversaldosDireitosdoHomemedoCidadãode1789
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aula 03: universalismo e relativismo cultural dos direitos humanos NOTA AO ALUNO
o caso
Zaíra, 15 anos, é uma das cinco milhões de pessoas muçulmanas que vivem na França.Suafamíliamigrouparaopaísnocomeçodadécadade1950,antesdaindependênciadeseupaís,oMarrocos.Elaesuafamíliasãoconsideradasmuçulma nos “undamentalistas”, por seguirem todos os ensinamentos e tradições da religião islâmica. Dessa orma, Zaíra considera que alguns hábitos já azem parte de sua identidade cultural, como o uso de véu na escola e na oto da carteira de identidade, assim como a comemoração do Ramadã (período no qual os muçulmanos cam ummêsemjejum).Comemora,também,oPrimeirodeMoharam(primeirodiado calendário Islâmico) e o Eid-al-Adha (esta do carneiro que comemora o sacriício de Abraão). Emmarçode2004,aAssembléiaNacionaldaFrança,combasenoprincípioda laicidade do Estado, adotou uma lei que proibiu o uso ou porte de qualquer símbolo religioso pelos alunos nas escolas públicas a partir do próximo ano letivo (setembro de 2004). Isto signica que Zaíra não poderá mais ir à escola usando o véu de acordo com sua religião mulçumana, conorme sempre o ez. Diante disso, seu pai ameaça tirá-la da escola caso ela não use o véu, uma vez que considera tal medida extremamente oensiva a sua crença religiosa e a sua identidade cultural. Sua mãe, por sua vez, comemora, em silêncio, a promulgação da reerida lei, sonhando para sua lha um uturo distinto do dela. Nesse contexto, Zaíra encontra-se dividida: por um lado, lamenta tal proibição, pois, da maneira como oi criada, a não-utilização do véu ( hiyas ) violaria os ensinamentos sagrados do Alcorão; por outro lado, e em decorrência de seu contato com um mundo não-muçulmano, ela admira a liberdade eminina e acredita que poderia ser mais eliz sem as imposições religiosas do islamismo. No entanto, Zaíra, com receio das represálias que poderia vir a sorer por parte da comunidade muçulmana, em respeito às crenças religiosas de sua amília, e principalmente, com medo das conseqüências das atitudes de seu pai, resolve usar seu véu no primeiro dia do novo ano letivo. Para sua surpresa, é expulsa da escola, com base na lei em vigor. Desconsertada, Zaíra começa a se aproundar no assunto, estudando as posições a avor e contra a proibição do uso de véu e de qualquer símbolo religioso em escolas públicas, conorme exposto a seguir: m
Deendem a igualdade entre os sexos como um dos princípios undamentais da democracia. Nesse sentido, a radicalização da laicidade é tida como uma orma de assegurar a liberdade da mulher e, conseqüentemente, a igualdade entre os sexos. FGV DIREITO RIO 18
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O uso de véu por alunas muçulmanas representa uma submissão da mulher ao homem, tendo em vista não ser peça ornamental e estritamente religiosa. c eé d D Hm
Deende que a proibição de uso de véus nas escolas públicas por alunas muçulmanas não viola o direito de liberdade religiosa, bem como é uma orma válida para secombaterofundamentalismoislâmico. Deacordocoma Corte,talproibição, por ser necessária para assegurar a separação entre Igreja e Estado, é também um dos requisitos para se garantir uma sociedade democrática. pd d j Dvvm iâm
Deende a identidade cultural e o direito à liberdade religiosa. Nesse sentido, o uso de véu por alunas muçulmanas representa uma cultura milenar, e não uma orma de submissão. Trata-se de uma escolha eita pela aluna a seguir os ensinamentos muçulmanos, demonstrando tanto a sua devoção e religiosidade quanto a sua obediênciaavalorestradicionaisquecompõemacultura.Comoexemplo,destaque-se as reiras católicas que cobrem o corpo inteiro e não são incomodadas pela sociedade. O banimento do véu conrma que há uma perseguição religiosa aos islâmicos desde o 11 de setembro de 2001. ch s d ed
Deende a laicidade do Estado e o combate ao undamentalismo religioso como orma de melhorar o acesso à educação. A utilização de véu por alunas muçulmanas em escolas públicas, de quipá e da estrela de Davi pelos judeus e da cruz e de crucixo por católicos, causa separação e discriminação entre os alunos, uma vez que promove e estimula a segregação das religiões. Nesse sentido, o Estado tem que banir tal discriminação, tornando a escola em um local de aprendizagem e não de conito. pd dd g
Deende ser a liberdade de escolha religiosa um princípio basilar de qualquer sociedade democrática, bem como a liberdade de expressão. Dessa orma, a proibição da utilização de qualquer símbolo religioso por alunos muçulmanos, católicos e judeus atenta contra tais princípios, limitando os atos dos indivíduos e, o que é pior, determinando suas próprias vestimentas. A imposição de uma proibição dessa dimensão demonstra o autoritarismo do Estado e a violação do princípio do Estado Democrático de Direito.
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q:
Em primeiro lugar: O Estado rancês agiu de orma correta ao adotar e promulgarareferidalei?SeessecasoocorressenoBrasil(tendoemvistaserumEstado igualmente democrático e laico), o Estado brasileiro estaria violando algum princípiofundamentaloudireitohumano?Utilizealegislaçãobrasileira,ostratados internacionais de direitos humanos (dispostos abaixo), bem como as posições acima mencionadas para responder tais questões. Material De apoio lg:
consTiTuição FedeRal de 1988 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na orma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; [...] VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção losóca ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, xada em lei; [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à inância, a assistência aosdesamparados,naformadestaConstituição(grifou-se).[...] Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da amília, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualicação para o trabalho. [...] Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às ontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a diusão das maniestações culturais. l ei n.º 8.313 – l ei R ouaneT – de 23 de dezembRo de 1991 Restabeleceprincípiodaleinº7.505,de02dejulhode1986,instituioProgra maNacionaldeApoioàCultura–PRONAC–edáoutrasprovidências.[...] Artigo39º.Constituicrime,punívelcomreclusãodedoisaseismesese multa de vinte por cento do valor do projeto, qualquer discriminação de natureza política FGV DIREITO RIO 20
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que atente contra a liberdade de expressão, de atividade intelectual e artística, de consciênciaoucrença,noandamentodosprojetosaquesereferemestaLei. l ei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990 DispõesobreoEstatutodaCriançaedoAdolescenteedáoutrasprovidências. Art.1º.EstaLeidispõesobreaproteçãointegralàcriançaeaoadolescente. Art.2º.Considera-secriança,paraosefeitosdestaLei,apessoaatédozeanosde idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrao único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. [...] Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: [...] III – crença e culto religioso; declaRação univeRsal dos diReiTos humanos Artigo I. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de raternidade. Artigo II. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. [...] Artigo XVIII: Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de maniestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. p acTo inTeRnacional dos diReiTos civis e políTicos Artigo 2º 1. Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a garantir a todos os indivíduos que se encontrem em seu território e que estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação. 2. Na ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar eetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto, os Estados-partes comprometem-se a tomar as providências necessárias, com sitas a adotá-las, levando em consideração seus respectivos procedimentos constitucionais e as disposições do presente Pacto. [...] Artigo18 1. Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de Ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e a liberdade de proessar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino. [...] FGV DIREITO RIO 21
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Artigo 27 Nos estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de proessar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua. p acTo inTeRnacional sobRe diReiTos econômicos, sociais e culTuRais Artigo 2º [...] 2. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social,situaçãoeconômica,nascimentoouqualqueroutrasituação.[...] Artigo 13 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação.Concordamemqueaeducaçãodeverávisaroplenodesenvolvimentoda personalidade humana e do sentido de sua dignidade e ortalecer o respeito pelos direitoshumanoseliberdadesfundamentais.Concordamaindaemqueaeducação deverá capacitar todas as pessoas a participar eetivamente de uma sociedade livre, avorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. declaRação e pRogRama de a ção de v iena de 1993 5. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de orma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades undamentais, sejam quais foremseussistemaspolíticos,econômicoseculturais.[...] 18.Osdireitoshumanosdasmulheresedasmeninassãoinalienáveiseconstituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. A plena participação das mulheres,emcondiçõesdeigualdade,navidapolítica,civil,econômica,socialecultural nos níveis nacional, regional e internacional e a erradicação de todas as ormas de discriminação, com base no sexo, são objetivos prioritários da comunidade internacional. [...] 19.Considerandoaimportânciadapromoçãoeproteçãodosdireitosdaspessoas pertencentes a minorias e a contribuição dessa promoção e proteção à estabilidade políticaesocialdosEstadosondevivem,aConferênciaMundialsobreosDireitos Humanos rearma a obrigação dos Estados de garantir a pessoas pertencentes a minorias o pleno e eetivo exercício de todos os direitos humanos e liberdades undamentais, sem qualquer orma de discriminação e em plena igualdade perante a lei, em conormidade com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa PertencentesaMinoraisNacionais,Étnicas,ReligiosaseLingüisticas. FGV DIREITO RIO 22
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As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de desrutar de sua própria cultura, de proessar e praticar sua própria religião e de usar seu próprio idioma privadamente ou em público, com toda a liberdade e sem qualquer intererência ou orma de discriminação. ní év:
coRTe euRopéia manTém pRoibição de véu muçulmano6 A proibição do uso de véus pelas alunas muçulmanas em escolas públicas não viola o direito de liberdade religiosa e é uma orma válida de combater o undamentalismoislâmico,disseaCorteEuropéiadeDireitosHumanoshoje.Emuma decisãoquepodeabrirprecedentes,acortecomsedeemEstrasburgo(França)rejei tou a argumentação apresentada por uma estudante turca impedida de requentar a aculdade de medicina da Universidade Istambul porque o véu usado por ela violava o código de vestimenta da instituição. A sentença do tribunal pode ajudar o governo rancês a enrentar os processos que, segundo se prevê, surgirão no país quando entrar em vigor a lei banindo o uso do véu pelas muçulmanas em escolas públicas. “Podem se justicar medidas adotadas em universidades para impedir certos movimentos undamentalistas religiosos de pressionar estudantes que não praticam a religião em questão ou aqueles adeptos de outras religiões”, armou a corte. As proibições impostas em nome da separação entre Igreja e Estado seriam então consideradas “necessárias em uma sociedade democrática”, disse o órgão, que épartedoConselhodaEuropa,integradopelaTurquia.OPartidodaJustiçaedo Desenvolvimento(AKP),atualmenteàfrentedogovernoturcoequepossuiraízes islâmicas, estudou a possibilidade de colocar m à proibição do uso do véu, mas acabou voltando atrás ao se deparar com a oposição dos militares deensores da secularidade do sistema. AdecisãodaCorteEuropéiatambémpodeterressonânciaemcasosnaAlema nha, onde proessoras muçulmanas estão apelando contra leis de vários Estados que as impedem de cobrir suas cabeças. No caso decidido nesta semana, a ex-estudantedemedicinaLeylaSahinfoiimpedidaderealizarumaprovaporqueestava usando um véu. A Turquia é uma sociedade majoritariamente muçulmana que introduziuumsistemadegovernosecularnosanos1920,depoisdocolapsodo Império Otomano.
Terr olie. 29.06.2004. aceo e: 15 ot. 2004. Di poível e: ttp://otici. terr.co.br/do/iter/ 0,,OI333991EI312,00.tl. 6
ELuF, Liz ngib. Fol de s. Plo. 30.12.2003. Liz ngib El, 48, é procrdor de J tiç do miitério Público do Etdo de são Plo e tor de “a Pixão o Bco do Ré”, etre otro livro. Foi ecretári ciol do Direito d Cidd i do miitério d Jtiç (go vero Ferdo heriqe Cr doo. aceo e: 15 ot. 2004. Dipoível e: ttp://clippig. plejeto.gov.br/notici. p?nOTCod=98021. 7
o véu Aimprensabrasileira,principalmenteestaFolha,vemnoticiandoointensodebatequeseinstalounaFrançaarespeitodousodovéumuçulmanoporalunasdas escolaspúblicasdaquelepaís.DeacordocomumadecisãodaJustiçaem1989,véus e outros símbolos religiosos são permitidos nas escolas do Estado, desde que não sejam “invasivos”. Em razão da ampla interpretação que a palavra “invasivo” permite, vários conitos ocorreram entre pais de alunas e diretores de escolas, havendo notícias de algumas expulsões em virtude da insistência no uso do véu. Religioso7
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A discussão a respeito dos limites das determinações religiosas é de interesse geral e deve ser acompanhada pelos demais países laicos em todo o mundo, dentre os quaisoBrasil.Trata-sedeumapolêmicaque,maiscedooumaistarde,podeocorrer entre nós. Deacordocomdadosestimados,existemnaFrança5milhõesdemuçulmanos, amaiorcomunidadeislâmicadaEuropa.Noentanto,alémdaFrança,outrospaíses do velho continente, como Alemanha, Espanha, Portugal e Inglaterra, possuem signicativa presença muçulmana, decorrente de imigrações. Essas populações resistem tenazmente a assimilar os valores ocidentais, isolando-se em suas comunidades. Não alta quem atribua aos europeus a incapacidade de acolher, sem preconceito, os imigrantes, mas a intolerância maior parece não ser dos países hospedeiros. Escudadas em princípios religiosos, as comunidades muçulmanas impõem às mulheres regras extremamente opressivas. Impedem-nas de mostrar qualquer parte do corpo, inclusive o cabelo, por vezes chegando ao absurdo de obrigá-las a cobrir o rosto todo com o uso da burca, mesmo que com isso elas tenham diculdades para enxergar, respirar ou alar. O tal “véu” não é peça ornamental, tampouco é estritamente religioso. É um “uniorme” eminino, que estigmatiza a mulher. Por essa razão, a revista “Elle” rancesa divulgou um apelo ao presidente Jacques Chirac,assinadopormaisde60mulheresdedestaque,paraqueapresentassepro jeto de lei proibindo o uso de véu por meninas muçulmanas nas escolas, tendo em vista tratar-se de “um símbolo visível da submissão da mulher”. As atrizes Isabelle Adjani e Isabelle Huppert e a designer de moda Sonia Rykiel, dentre outras, assinaram o maniesto. Não se pode conundir convicção pessoal com opressão, opção religiosa com imposição de subalternidade. Uma pesquisa de opinião sobre o assunto oi divulgada recentemente, tendo apuradoque57%dosfrancesesapóiamaproibiçãodousodovéuemescolase repartiçõespúblicas.Poroutrolado,setoresdasigrejasCatólica,ProtestanteeOrtodoxa opuseram-se à proibição, temendo restrições que possam, eventualmente, aetá-los também. OBrasil,assimcomoaFrança,éumEstadoemquetodasasreligiõessãopermitidas e respeitadas, sendo que o poder político não está vinculado a nenhuma delas. ÉoquenosasseguraaConstituiçãode1988.NossaCartaMagna,emseuart.5º, inciso VIII, estabelece que “ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção losóca ou política”. O dispositivo, criado para evitar discriminações em razão de credo, deve ser aplicado, também, para evitar violações de direitos trazidas pelas próprias religiões aos seus seguidores. Isso signica que não se pode conundir convicção pessoal com opressão, opção religiosa com imposição de subalternidade. Os usos e costumes de determinados grupos sociais oram utilizados, durante muito tempo, para justicar numerosas ormas de privar as mulheres de seus direitos undamentais. Hoje, essas distorções encontram-se desmascaradas internacionalmente. Tanto as alegações undamentadas em princípios religiosos quanto as calcadas em hábitos culturais não podem ser admitidas quando se prestarem a restringir ou eliminar direitos. FGV DIREITO RIO 24
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Apolêmicaque seiniciouna Françacom relaçãoaousodovéuislâmicode monstra que chegou o momento de rever princípios e dogmas religiosos usados para tolher as liberdades democráticas de seus seguidores. O véu imposto às muçulmanas tem por objetivo impedir que as mulheres se maniestem livremente, como seres humanos. Além disso, signica que a sexualidade eminina é proibida e “pecaminosa”. Dierentemente do que novelas de televisão andaram mostrando, não há glamour no uso do véu, mas opressão ísica e intelectual. Por essa razão, é importante desestimular o seu uso. Não se trata, como já se argumentou, de associar islamismo com terrorismo, que deve ser extirpado. O problema do véu está essencialmente ligado ao horror às maniestações do eminino. No entanto talvez a melhor orma de diminuir a adesão ao véu não seja a proibição legal nem a expulsão da escola de meninas que entendam necessário adotar a vestimenta de seus ancestrais. A proibição de cobrir a cabeça e o corpo tornaria o lamentável véu um símbolo da resistência cultural e religiosa de uma população já segregada,emterraestrangeira.Surtiria,assim,oefeitoopostoaodesejado.Forta lecer as mulheres, criando para elas mecanismos de autodeesa e a possibilidade de outra opção de vida, pode ser a melhor saída para esse impasse.
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aula 04: universalismo e relativismo cultural dos direitos humanos NOTA AO ALUNO
A concepção histórica e culturalmente construída de direitos humanos conduz à imperatividade de que qualquer tentativa de universalização seja ruto de um diálogo entre as dierentes culturas, única maneira das normas universais serem realmenteefetivas.Contudo,comoseveráaseguir,estediálogointerculturaltemsido limitado tanto no momento da consagração da universalidade dos direitos humanos como nos debates ocorridos nos oros internacionais. O processo de universalização dos direitos humanos, segundo o projeto proposto pelaComissãodeDireitosHumanosdasNaçõesUnidas,entre1947 e1948,era composto por três etapas 8: (i) elaboração de uma declaração universal; (ii) criação de documentos vinculantes; (iii) adoção de medidas de implementação. O intuito eraestabelecerumaCartaInternacionaldeDireitosque,conformeasetapas,compreenderia: (i) a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH); (ii) o Pacto Internacional dosDireitosCivisePolíticos eoPactoInternacionaldosDireitos Econômicos,SociaiseCulturais;(iii)oProtocoloAdicionalaoPactoInternacional dosDireitosCivisePolíticos. ADeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanos(DUDH)de1948 9 consagrou a universalidade dos direitos humanos e, assim, representou um marco na proteção dessesdireitos,tendoemvistaquedos58membrosdasNaçõesUnidasnaépoca, 48votaramafavor,nenhumcontraeoitoseabstiveram.Noentanto,aefetividade universal de suas normas continua em estágio de implementação, uma vez que houve um número limitado de países que participaram de sua elaboração 10, bem como pelo ato de não ter havido um consenso desde o início em relação às normas que deveriam ser positivadas. O debate entre universalismo e relativismo cultural dos direitos humanos sempreestevepresentenosforosinternacionais.Comoexemplo,destaquem-setrês:(i) aIIConferênciaMundialdeDireitosHumanosde1993(Viena);(ii)aConferênciaInternacionalsobrePopulaçãoeDesenvolvimentode1994(Cairo);e(iii)aIV ConferênciaMundialsobreaMulherde1995(Beijing). NaIIConferênciaMundialdeDireitosHumanos,realizadaemVienanoano de1993,acirrou-seodebateentreasdelegaçõesgovernamentais,emespecialaquele travadoentrerepresentantesdaChinaeadePortugal.Porumlado,adelegaçãoda Chinasustentouseroconceitodedireitoshumanoshistóricoecultural,produtodo desenvolvimento de cada país. Por outro lado, a delegação portuguesa alegou ser a universalidade compatível com a diversidade cultural, religiosa e ideológica, e que o argumento da diversidade não pode ser utilizado para limitar os direitos humanos. Isto signica que enquanto a delegação portuguesa sustenta uma visão liberal, na qual o indivíduo – pré-social – tem direitos inatos cuja proteção oi transerida para o Estado, a delegação chinesa, de tradição conucionista, não aceita o indivíduo como um ser pré-social e, conseqüentemente, deende que cada cultura deve ter seu
DE BaRROs FRanCIsCO, Rcel herdy. Diálogo intercultural dos direitos humanos. moogr de l de cro. Cro de Direi to d PuCRio. 2003. p. 7. 8
a Declrção uiverl do Di reito ho oi dotd e 10.12.1948, trvé d Reol ção . 217 a (III), d aebléi Gerl d nçõe uid. 9
ape o repreette do egite Etdo prticipr d elborção d redção do projeto d DuDh: Bielorúi, Etdo uido, Filipi, uião d Repúblic soviétic soci lit, Frç e Pá. 10
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próprio entendimento do que sejam direitos humanos, sendo inconcebível a imposição de valores ocidentais como universais11. Nesse sentido, apesar da Declaração e Programa de Ação de Viena, em seu artigo 5º, ter conrmado a universalidade dos direitos humanos e a obrigação dos Estados em respeitá-los e promovê-los independentementedeseussistemaspolítico,econômicoecultural,adiscussãopermanece em aberto, azendo necessário a criação de espaços para o diálogo intercultural. EmsetratandodaConferênciaInternacionalsobrePopulaçãoeDesenvolvimento de1994,ocorridanoCairo,caberessaltarqueemboratenhamsurgidodiversasconcepções sobre os temas abordados entre as dierentes culturas – como, por exemplo, planejamento amiliar e direitos reprodutivos – prevaleceu em todos os casos a posiçãoocidental.JánaIVConferênciaMundialsobreaMulherde1995,realizadaem Beijing,foiabordadaavalidadedaspráticasculturaisbaseadasnainferioridadeda mulher,tendoaPlataformadeAçãodeBeijingconcluídoqueaspráticasquelimitam o exercício dos direitos da mulher não podem ser sustentadas em detrimento da universalidade dos direitos humanos. Nesse contexto, verica-se que em todas as conerências mundiais tem prevalecido a posição ocidental, não havendo, em geral, espaço para um diálogo intercultural. Registre-se, como exceção, o exemplo bem sucedido de diálogointerculturalnostrabalhospreparatóriosdaConvençãosobreosDireitosda Criança,de1989,doqualresultouumartigobaseadonapropostadepaísesislâmicos: artigo 2012, que az reerência expressa à Kaalah do direito islâmico13. Masuniversalismoerelativismoculturaldosdireitoshumanossãoounãocom patíveis?ConformedoutrinadeCançadoTrindade: “As culturas não são pedras no caminho da universalidade dos direitos humanos, mas sim elementos essenciais ao alcance desta última. A diversidade cultural há que ser vista, em perspectiva adequada, como um elemento constitutivo da própria universalidade dos direitos humanos, e não como um obstáculo a esta. Não raro a alta de inormação, ou o controle – e mesmo o monopólio – da inormação por poucos pode gerar diculdades, estereótipos e preconceitos. Não é certo que as culturas se jam inteiramente impenetráveis ou herméticas. Há um denominador comum: todas revelam conhecimento da dignidade humana.” 14
Convém,então,vericarque,emboraexistaodebateentreuniversalismoere lativismo cultural dos direitos humanos, na verdade a diversidade cultural não se opõe à universalidade dos direitos humanos, mas sim a ortalece. Dessa orma, azse necessário a construção de um diálogo intercultural como orma de se atingir a universalidade eetiva dos direitos humanos. Para tanto, sugere-se que os discursos ‘undamentalistas’ dos direitos humanos – tanto o universalista quanto o relativista – sejam superados, uma vez que não permitem o diálogo. Destarte,érelevanteapropostadediálogointerculturalsugeridaporBoaventura de Sousa Santos15 a m de compatibilizar tal embate: a hermenêutica diatópica, que tem por premissa a impossibilidade de se compreender claramente as construções de uma cultura com base nos topos de outra. Trata-se de um método que visaasuperarasdiculdadesencontradasemumdiálogointercultural.Contudo,
11
DE BaRROs FRanCIsCO, op.
cit., p. 15.
a Coveção obre o Direi to d Criç oi dotd e 20.11. 1989, trvé d Reol ção 44/25 d nçõe uid. O rtigo 20 dipõe qe: 1. Tod criç, teporári o pereteete privd de e biete ilir, o cjo iteree exij qe ão pereç ee eio, terá direito à proteção e itêci epecii do Etdo. 2. O Etdoprte eg rrão, de cordo co lei cioi, ciddo ltertivo pr e criç. 3. Ee ciddo poderão i clir, inter alia, a coocação em ares de adoção, a Kafalah do direito isâmico , doção o, e eceário, colocção e ititiçõe deqd de proteção pr criç. ao e coiderr olçõe, pre treá devid teção à coveiêci de cotiidde de edcção d criç, be coo à orige étic, religio, cltrl e ligüític d criç (grioe). a trdição ilâic ão perite doção, vez qe criç çl te o direito ilieável de ligção diret co lige pter. Cotdo, de or excepciol, é peritido qe otr íli obrigção de cidr d criç qe ão ej de lige, edo ete ititto deoido kaalah, qe ig ic grti. 12
13
DE BaRROs FRanCIsCO, op.
cit., p. 20.
CanÇaDO TRInDaDE, atoio agto. Tratado de direito internaciona de direitos humanos. Vol. III. Porto alegre: sergio atoio Fbri, 2003. C pítlo XIX. p. 335336. 14
sanTOs, Bovetr de so . Por cocepção lti cltrl de Direito ho. I: sanTOs, Bovetr de so (org.). Reconhecer para iertar: os caminhos do cosmopoitismo iera. Rio de Jeiro: Civilizção Brilei r, 2003. pp. 427461. 15
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tal diálogo somente torna-se possível se houver uma mudança na conceituação de direitos humanos, passando da noção de universalidade imperialista, imposta pela globalização hegemônica,paraumanoçãodeuniversalidadeconstruídadebaixo paracima,ocosmopolitismo.Contudo,hácincorequisitosparaqueosdireitos humanos possam ser teorizados e aplicados como multiculturais: (i) superação da tensão universalismo-relativismo; (ii) ter em mente que, por mais que todas as culturas tenham concepções de dignidade humana, nem todas as percebem em termos de direitos humanos; (iii) constatação de dierentes conceitos de dignidade humana; (iv) percepção da incompletude das culturas; (v) aproximação das políticas de dierença e de igualdade. De maneira bem resumida, segue, abaixo, o conceito de cada premissa: P
c
1. Superao da tenso universalismorelativismo.
Ambos os discursos – o etnocêntrico e aquele que considera as culturas como absolutas e incapazes de questionamento – impedem o diálogo intercultural.
2. Ter em mente que, por mais que todas as culturas tenham concepões sobre dignidade humana, nem todas têm a percepo em termos de direitos humanos.
O reconhecimento do outro é essencial para a construo de uma identidade multicultural, uma vez que a identidade e compreenso do ser humano ocorrem em contato – diálogo – com outro.
3. Constatao de dierentes conceitos de dignidade humana.
4. Percepo da incompletude das culturas.
5. Aproximao das políticas de dierena e de igualdade.
Há diversas versões de dignidade humana. Assim, tem-se que buscar a verso mais aberta, uma vez que é esta que melhor aceitará as particularidades das demais culturas. Esta gera sentimentos de rustrao e descontentamento e, assim, a curiosidade de procurar novas respostas satisatórias que se traduzam no diálogo intercultural. Contudo, gera também uma dicotomia: se uma cultura se considera completa, no estará interessada no diálogo; se reconhece sua incompletude, estará sujeita à conquista cultural, seja pela absoro, seja por sua destruio. A soluo proposta pelo autor é optar pelo reconhecimento da incompletude e pelo diálogo, desde que no signique uma conquista cultural. Esta premissa pode ser traduzida da seguinte orma: “temos o direito a ser iguais quando a dierena nos inerioriza; temos o direito a ser dierentes quando a igualdade nos descaracteriza”16.
Porm,tem-sequeoobjetivodapropostadeBoaventuradeSousaSantosé,por meio do diálogo intercultural, transormar a concepção de direitos humanos, baseada em um localismo globalizado, em uma abordagem cosmopolita, a m de que seja construída uma concepção multicultural dos direitos humanos que, “em vez de recorrer a alsos universalismos, se organiza como uma constelação de sentidos locais, mutuamente inteligíveis, e que se constitui em redes de reerências normativas capacitantes” 17. Após essa breve exposição do tema, indaga-se: (i) Embora tenha sido rearmada a universalidade dos direitos humanos na Declaração e Programa de Ação de Viena,
16
Ibid.., p. 458.
17
Ibid., p. 443.
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suaefetivaçãoocorrenapráticaedeformaigualitáriaemtodosospaíses?Qualéa propostadeBoaventuradeSousaSantosparaquesejaconstruídaumaconcepção multiculturaldosdireitoshumanos?Oquesignicaoreconhecimentodaincom pletudedacultura?Oquerepresentou,emtermosdediálogointercultural,aConvençãosobreosDireitosdaCriança, de1989?Umpaísmuçulmanopodealegar respeito a sua cultura como orma de se eximir da responsabilidade de garantir e promoverosdireitosdasmulheres?
Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : SANTOS,BoaventuradeSousa.PorumaconcepçãomulticulturaldeDireitos Humanos. In:SANTOS,BoaventuradeSousa(org.).Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo liberal.RiodeJaneiro:Civiliza çãoBrasileira,2003.pp.427-461. l eiTuRa acessóRia : AN-NA’IM,AbdullahiAhmed (ed). Human Rights in Cross-Cultural Perspectives.Philadelphia:UniversityofPennsylvaniaPress,1995. BELL,Lynda;NATHAN,Andrew;PELEG,Ian(eds.).Negotiating Culture and Human Rights.NovaYork:ColumbiaUniversityPress,2001. TRINDADE,AntonioAugustoCançado. ratado de direito internacional de direitos humanos. Vol.III.PortoAlegre:SergioAntonioFabris,2003.Ca pítuloXIX.pp.301-349. ___________. ratado de direito internacional de direitos humanos. Vol. I. PortoAlegre:SergioAntonioFabris,1997.CapítuloIV.pp.211-234. lg:
Declaração e Programa de Ação de Viena Declaração Universal dos Direitos Humanos ConvençãosobreosDireitosdaCriança a Tividade complemenTaR :
Filme:Submissão.Diretor:eoVanGogh.Roteirista:AyaanHirsiAli.Dura ção: 10min. Ano: 2004.
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aula 05: os tratados de direitos humanos e a constituiÇÃo Federal NOTA AO ALUNO
Aauladenº05temporobjetooestudodoDireitoConstitucionalInternacional, reconhecido por alguns autores com campo de interação entre as duas áreas do direito. “Esta interação assume um caráter especial quando estes dois campos do Direito buscam resguardar um mesmo valor – o valor da primazia da pessoa humana – concorrendo na mesma direção e sentido. Ao tratar da dinâmica da relação entre a ConstituiçãoBrasileiraeosistemainternacionaldeproteçãodosdireitoshumanos objetiva-senãoapenasestudarosdispositivosdoDireitoConstitucionalquebuscam disciplinar o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas também desvendar o modo pelo qual este último reorça os direitos constitucionalmente assegurados, ortalecendo os mecanismos nacionais de proteção dos direitos da pessoa humana.” 18 CabeassimmençãoàspartesdoTextoConstitucionalquesereferemadireitos humanos.Emprimeirolugar,aConstituiçãofazmençãoexpressaàpromoçãoe proteção dos direitos humanos quando arma que sua prevalência constitui princípio que rege as relações internacionais do Estado brasileiro (artigo 4º), ou ainda, quando estabelece no artigo 7 odoAtodasDisposiçõesConstitucionaisTransitórias (ADCT)queoBrasilpropugnarápelaformaçãodeumTribunalInternacionaldos Direitos Humanos. Todavia,amaisimportantereferênciadoTextode1988constituiaseguinte:
PIVEsan, Flávi. Direitos hu manos e direito constitucio na internaciona. são PauLO: mx Liod, 2004. p. 45. 18
mELO, Croli de Cpo. “O bloco d cotitciolidde e o cotexto brileiro”. I: Reista Direito, Estado e Sociedade. no. 15. Deprteto de Direi to d Potiíci uiveridde Ctólic do Rio de Jeiro. 19
Artigo 5 . parágrao 2 OsdireitosegarantiasexpressosnestaConstituiçãonão excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratadosinternacionaisemqueaRepúblicaFederativadoBrasilsejaparte. o
o
Tal redação revelou-se “campo minado” ao longo da recente história constitucional. Parece clara a opção do legislador constituinte, ciente de que sua obra resulta em um marco jurídico que se estende no tempo, de registrar no artigo 5 o. parágrao 2o a sua “cláusula aberta” ou “cláusula de receptividade”, a qual garante a possibilidade de extensão do texto constitucional em relação a outros direitos e garantias que não estejam expressos no artigo 5 o.Cabeaquiainterpretaçãodequeoutrosdireitos e garantias também possuam hierarquia constitucional, propiciando um verdadeiro bloco da constitucionalidade 19. Todavia,nãoéestaainterpretaçãopromovidapeloSupremoTribunalFederal. Emjulgadosdetodaadécadade90,otribunalmanteveposiçãormadadesde 197720 de que os tratados possuem status inraconstitucional com equivalência à lei ordinária. Tal posicionamento conduz à ilação de que os tratados de direitos humanos podem ser objeto de controle de constitucionalidade e de que lei ederal pode vir a revogar tratado já incorporado ao ordenamento jurídico interno. No julgamento do leading case apósapromulgaçãodaConstituição,o Habeas Cor pus nº.72.131/95,oSTFrearmousuajurisprudência.Aoapreciaroaparenteconito
no jlgeto do Recro Extrordiário o. 80.004, o spreo Tribl Federl coidero: “Coveção de Geebr – Lei uiore obre Letr de Câbio e not Pro ióri – avl poto à not Proióri ão regitrd o przo legl – Ipoibilidde de er o vlit ciodo, eo pel vi ordiári. Vlidde do Decretolei . 427, de 22.01.1969. Ebor Co veção de Geebr qe previ lei iore obre letr de câbio e ot proióri te plicbilidde o direito itero brileiro, ão e o brepõe el à lei do Pí, dio decorredo cotitciolid de e coeqüete vlidde do Decretolei . 427/1969, qe ititi o regitro obrigtório d not Proióri e Reprtição Fzedári, ob pe de lid de do títlo (...)”. 20
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denormasexistenteentreaConstituiçãoFederalde1988,aqualestabeleceapermissão de duas orma de prisão civil (depositário inel e devedor de alimentos – artigo 5 o incisoLXVII21),eoPactodeSanJosédaCostaRica 22, o qual restringe tal permissão apenas ao devedor de alimentos, estabeleceu a corte que “nada interere na questão do depositárioinelemmatériadealienaçãoduciáriaodispostonoparágrafo7ºdaConvenção deSanJosédaCostaRica”.Ainda,no Habeas Corpus nº77.631/98,armouque“os tratadosinternacionaisnãopodemtransgrediranormatividadeemergentedaConsti tuição, pois, além de não disporem de autoridade para restringir a ecácia jurídica das cláusulas constitucionais, não possuem orma para conter ou para delimitar a esera de abrangêncianormativadospreceitosinscritosnotextodaLeiFundamental.” 23 Recentemente,emjulgadode15demaiode2007(RHC90759/MG–Minas Gerais),oSTFnegouprovimentoaumrecursoemhabeascorpusquequestionavaa possibilidade do depositário inel ser preso em virtude do disposto no Pacto de San JosédaCostaRica.JáoMinistroMarcoAurélio,votovencido,ressaltouque“realmente,oPactodeSanJosédaCostaRicanãoimplicouaderrogaçãodaConstituição Federal,masresultounoafastamentodasregrascomunsalusivasaodepósito”. Alguns autores preerem resolver o aparente conito de normas por meio de uma regra de hermenêutica especíca ao campo dos direitos humanos: a aplicação da norma mais avorável à vítima. No caso de alguém que não cumpriu o dever de pagar as prestações de seu carro e, conorme seu contrato de alienação duciária, é considerado depositário, na circunstância descrita considerado inel e assim passível de prisão civil,qualaregraquedeveprevalecer:aConstituiçãoFederalouoPactodeSanJosé? Recentealteraçãoconstitucional,aEmendanº45,de08dedezembrode2004, mais conhecida como Reorma do Poder Judiciário, veio a trazer duas importantes inovações ao abrigo constitucional aos direitos humanos: elucidou a possibilidade do status constitucional dos tratados de direitos humanos e estabeleceu a ederalização das violações de direitos humanos. No tocante ao status constitucional, a emenda precisou a hierarquia dos tratados de direitos humanos. O novo parágrao do artigo 5 odaConstituiçãoFederal estabelece, in verbis : Art. 5o, Parágrao 3o. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanosqueforemaprovados,emcadaCasadoCongressoNacional,emdoisturnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
A novidade ainda não oi elucidada pela doutrina e jurisprudência, restando mais dúvidasdoquecertezas.Anal,poderáoPoderLegislativoaprovardeterminadas normas contidas nos tratados com status constitucionaleoutrascomdeleifederal? Oqueocorrecomostratadosraticadosatéapresentedata?Oquesão“tratadose convençõesinternacionaissobredireitoshumanos”? A primeira pergunta conduz à necessidade de se registrar alguns comentários acerca do procedimento de incorporação dos tratados em geral, e diante da emenda, emespecialdostratadosdedireitos humanos. Oartigo84,incisoVIIIdaCons-
Cotitição Federl. artigo 5o , icio LXVII: não á prião civil por dívid, lvo do re poável pelo idipleeto voltário e iecável de obrigção lietíci e do depoitário iel. 21
Pcto de s Joé d Cot Ric o Coveção aeric de Direito ho. 22
mi receteete, o jl geto do RE 253.071/GO de 29 de io de 2001, Reltor miitro moreir alve, o trtr ovete d prião do depoitário iel, o Tribl teve o poicioeto o rr qe “(...) o Pcto de s Joé d Cot Ric, lé de ão poder cotrpore à perião do rtigo 5o, LXVII, d e Cotitição, ão derrogo, por er or ircotitciol gerl, or ircotit cioi epecii obre prião civil do depoitário iel. Ee etedieto volto er rerdo receteete, e 27.05.98, tbé por decião do Pleário, qdo do jlg eto do RE 206.482. De orietção divergi o córdão recorrido. Icotitciolidde d iterpretção dd o rtigo 7o, ite 7, do Pcto de são Joé d Cot Ric o etido de derrogr o DecretoLei 911/69 o tocte à diibilidde d prião civil por idelidde do depoitário e lieção dciári e grti. É de obervre, por , qe o prágro 2o do rtigo 5 o, d Cotitição ão e plic o trtdo itercioi obre direito e grti de ti qe igrer e oo ordeeto jrídico pó prolgção d Cotitição de 1988, e io porqe id ão e dite trtdo iter ciol co orç de eed cotitciol”. 23
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tituiçãoFederalconfer tituiçãoFed eralconfere eaopresid aopresidenteda entedaRepú Repúblic blicaa aa comp competênc etênciaprivat iaprivativapara ivapara negociar e celebrar tratados, tr atados, convenções e atos internacionais, sujeitos ao reerendo doCongressoNacional.Emregra,talcompetênciaéexercidapeloministrodas Relações Exteriores ou pessoa por ele designada para tal. Ainda, de acordo com oartigo49,incisoI,é decompetê decompetência ncia excl exclusiv usivado adoCong Congress ressoNacio oNacionalresol nalresolver ver denitivamente sobre tratados, acordos e atos internacionais. Assim, caberá primeiramenteàCâmaradosDeputados,sucedidapeloSenadoFederal,aaprovação dos tratados. Em ato discricionário, cabe ao presidente da República o ato da raticação, consolidado por meio de um decreto, considerado pela jurisprudência do SupremoTribunalFederalatofundamentalparaqueotratadopossasurtirefeitos no ordenamento jurídico interno. Em resumo, os tratados seguem os seguintes passos: Negociação e Assinatura pelo Poder Executivo
+
Aprovação pelo Aprovação Poder Legislativo
+
Raticação pelo pelo Poder Executivo
Ultrapassada a regra geral para a incorporação dos tratados no ordenamento jurídico interno, cabe ressaltar que o legislador constituinte constituinte de 2004 deixou transparente a possibilidade de que os tratados venham a ter hierarquia constitucional caso sejam aprovados com o procedimento reservado às emendas constitucionais. Se por um lado não cabe mais dúvida acerca do status , podemos concluir que a inserção de tal norma pode conduzir à ilação de que certos tratados terão hierarquia constitucional constitucion al e outros não, o que seria uma resolução descabida seja no âmbito do DireitoConstitucionaloudoDireitoInternacional. Anal,, se o Estado brasile Anal brasileiro iro já raticou raticou os mais mais importantes importantes tratado tratadoss de direitos direitos humanos, qual seria o atual status dosmesmos?ApesardenãoconstardaEmenda dosmesmos?ApesardenãoconstardaEmenda Constitucionalnº45qual Constitucional nº45qualquermençãoaos quermençãoaostratadosjá tratadosjáincorporados incorporadosàordem àordeminterna, interna, não parece razoável que tais tratados sejam tidos como leis ordinárias e os uturos comonormasconstitucionais.DeacordocomT comonormasconstitucionais .DeacordocomTarcisodalMaso,“ arcisodalMaso,“ deveria ser admitida hierarquia normativa superior para tratado sobre direitos humanos já raticado, até porquee seria ilógico porqu ilógico,, por exem exemplo, plo, que Prot Protocolo ocolo Adicion Adicional al à determ determinada inada Convenção, Convenção, o o uturamen utur amente te apro aprovado vado pelo proce procedimen dimento to do pará parágra grao o 3 do art. 5 , seja considerado como orça de emen emenda da à Const Constituiçã ituiçãoo e a própri própriaa Conv Convenção enção-quadr -quadroo não .”24 Também causa estranheza que tenham que ser submetidos a uma nova apreciação, notadamente quando o Estado brasileiro já se pronunciou no âmbito internacional por meio da raticação ratic ação dosmesmo dosmesmos.CaberáaoPoder s.CaberáaoPoder Legis Legislativ lativoo ooestab estabeleci elecimento mento deproced deprocedii mento especíco para a aprovação de tratados de direitos humanos em conormidade com a determinação constitucional, restando ao Poder Judiciário Judiciário o papel undamental de reinterpretar a sua jurisprudência para a necessária adequação à norma. Por m, a resposta à indagação sobre a denição de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos será obtida ao longo deste curso, uma vez que se pretende estabelecer, com o devido rigor técnico, o que se entende por direitos humanos. Cabeenfatizar,desdeentão,queostratadosdedireitoshumanos,compreendidos
JaRDIm, Trcio dl mo. ar o tor icotit ciolidde do ovo prágro ierido o rtigo 5o o et belecer qe “ se avorável ao 24
projeto constituc ional brasileiro, o STF reconheceria o nível constitucional de todos os tratados que consagrassem direitos e garantias undamentais, com base no parágrao 2 o do artigo 5 o , e declararia o n ovo parágrao 3o do artigo 5 o como contrário às cláusulas pétreas, pois, nos termos do inc. IV, parágrao parágrao 4o do artigo 60, seria tendente a abolir direitos undamentais ao aventar hipótese de certos tratados sobre direitos humanos não poderem ter status constitucional a depender do procedimento legislativo adotado.”(pági 50)
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como gênero de que são espécies as convenções, devem ser interpretados de orma mais ampla, englobando também direito humanitário e direito dos reugiados. Saliente-se aqui a outra inovação apresentada pela Reorma do Poder Judiciário: ederalização das violações de direitos humanos. humanos . De acordo com a nova redaa ederalização a ção,oartigo109passaacon ção,oartigo10 9passaacontarcomaseguinte tarcomaseguinteredação: redação: “Art.109.Aosjuízes Art.109.Aosjuízesfederaiscompeteprocessarejulgar: federaiscompeteprocessarejulgar: V-A as causas relativas a direitos humanos a que se reere o § 5º deste artigo; § 5ºNashipótesesdegraveviolaçãodedireitoshumanos,oProcurador-Geralda 5ºNashipótesesdegraveviolaçãodedireitoshumanos,oProcurador-Geralda República, com a nalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes detratadosinternacionaisdedireitoshumanosdosquaisoBrasilsejaparte,poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer ase do inquérito ou processo,incidentededeslocamentodecompetênciaparaa processo,incidentededesl ocamentodecompetênciaparaaJustiça JustiçaFederal. Federal.”(NR) ”(NR)
A inovação inovação institucional institucional deve ser entendida entendida sob os seguintes argumentos: argumentos: a ) p asso deFiniTivo de enFRenTamenTo à impunidade e gaRanTia de pRoTeção à víTima víTima :
O pacto ederativo brasileiro, especicamente no tocante à repartição das competênciasentrePoder petência sentrePoderJudici JudiciárioEstadua árioEstaduale leFede Federal,possuinoartigo109daCons ral,possuinoartigo109daCons-tituição reerência undamental. Os temas ali relacionados são de competência da magistratura ederal, sendo os demais – a grande maioria – considerados reservados reser vados à magistratura estadual. Tal divisão temática acarreta em atribuições distintas também para outros órgãos que atuam perante o Poder Judiciário. Por exemplo, os crimes contra a organização do trabalho, os crimes contra o sistema nanceiro e a ordem econômicananceiradeverãoserinvestigadospelaPolíciaFederal,sendoaeventual denúnciaapresentadapeloMinistérioPúblicoFederalperanteaJustiçaFederal. Todavia, a omissão ou mau uncionamento das instituições estaduais – Poder Executivo(emespecialapolícia),MinistérioPúblico,DefensoriaPública,Magistratura – diante de um caso concreto conduziram o legislador a estabelecer que em determinadoscasosacompetênciadeverásertransferidaparaaJustiçaFederaldeformaanão acarretar uma outra violação de direitos humanos: o direito a um julgamento justo e imparcial e em um prazo razoável. Nesse sentido, o deslocamento de competências veio a reorçar a necessidade de um eetivo uncionamento das instituições estaduais e a garantir o combate à impunidade por parte das instâncias ederais em casos especícos e, por conseqüência, que seja ampliada a proteção dos direitos humanos. b)
FedeRalismo adoTado adoTado pela consTiTuição FedeRal o FedeRalismo AConstituição A Constituiçãob brasileira rasileiraestabelece estabeleceum umfederalismo federalismode decooperação cooperação25 entre os seus entes–UniãoFederal,Estados,MunicípioseDistritoFederal,oquenãoexcluium exercício cooperativo cooperativo também em relação à atividade jurisdicional. A ederalização dasviolaçõesdedireitos dasviolaçõ esdedireitoshumanosnãoco humanosnãoconstituiumano nstituiumanovidadenesses vidadenessesentido.Cab entido.Cabe e lembrarqueoartigo109,parágrafo3º,daConstituiç lembrarqueoartigo109,parágra fo3º,daConstituiçãoFederalesta ãoFederalestabeleceque,na beleceque,na ausênciadeVarasFederaisouTrabalhistas,aJustiçaEstadualexerçaascompetên-ausênciadeVarasFederaisouTrabalhistas,aJustiçaEstadualexerçaascompetên
sChREIBER, sioe; e COsTa, Flávio Dio de Ctro e. “Fede rlizção d copetêci pr jlgeto de crie cotr o direito o”. I: Direito Federa: Revit d aocição do Jíze Federi do Bril. ao 21. no. 71. niterói: Editor Ipet. Jlo etebro de 2002. p. 253. 25
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ciasquepertencemàJustiçaFederaledoT ciasquepertencemàJustiçaFederaledo Trabalho.N rabalho.Nointuitodeatenderàvítima ointuitodeatenderàvítima diante de atividade jurisdicional especíca, o Judiciário Estadual acaba por exercer a jurisdição sob matéria excluída de sua competência originalmente. Não é de se causar espanto a alternativa de que, diante da ausência ou mau uncionamento da JustiçaEs Justiç aEstadual, tadual,que queaF aFederalex ederalexerçaa erçaaatividade atividadejurisdicional jurisdicional,vis ,visando andoàim àimplemen plemen-tação de um julgamento justo e imparcial. Hádeseressal Háde seressaltaraindaquea taraindaqueaCons Constitui tituiçãoFed çãoFederalprevi eralpreviuremédio uremédio fede federativ rativo o muito mais grave para violações de direitos humanos quando, em seu artigo 34, inciso VII, alínea b, possibilitou a intervenção da União nos Estados para assegurar o princípio constitucional sensível dos direitos da pessoa humana. É possível concluir que o constituinte originário criou um caso extremo de chamamento para a União Federaldecasosdeviolaçãodedireitoshumanoseoconstituintederivado,por meiodaEmendaConstitucionalnº45,estabeleceuumahipótesemaisespecíca,o deslocamento de competência em um determinado caso. c)
esponsabilidade inTeRnacional R esponsabilidade AConstituição A Constituição Federal,em seu seuartigo artigo21, 21,inciso incisoI, I,estabelece estabeleceque quecompete competeà à UniãoFederal, manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais. Nessesentid Nessesentido,éaUniãoFed o,éaUniãoFederal,enãoseusEstados-membro eral,enãoseusEstados-membros,que s,que respondem pela responsabilidade internacional decorrente do descumprimento das obrigações assumidas pelo Estado brasileiro pelos tratados de direitos humanos. Tendoemvistaquea endoemvistaqueasoberania soberaniaéuna éunaeindivisível,oEstadoFederalnãopode eindivisível,oEstadoFederalnãopodealegar alegar razões de ordem organizacional interna como ator excludente de responsabilidade. Os termos dos tratados internacionais dos quais o Estado brasileiro é parte são aplicáveis a todas as suas partes componentes. A responsabilidade responsabilidade internacional acaba implicando implicando para o Estado brasileiro uma situação complexa ocalizada em dois pontos: a) a maior parte das violações de direitos humanos encontra correspondência direta com as competências dos Estados-membros da ederação; e b) o compromiss compromissoo do Estado brasileiro com o marco protetivointernacionaldosdireitoshumanos,notadamenteapósaConstituiçãode 1988,emconsonânciacomosprincípiosdadignidadedapessoahumanaecomda transparência internacional. Comoestudaremosemmomentooportuno,tramitamnaComissãoInterame ricanadeDireitosHumanos(CIDH)maisde100petiçõescontraoEstadobrasi leiro. Em regra, são raríssimos os casos que apontam à responsabilidade direta da União em ace da violação de direitos humanos. Isto posto, é possível armar que, na maioria expressiva dos casos, a responsabilidade é do Estado-membro. Observesequeboapartedestes sequebo apartedestescasospendentesna casospendentesnaComissãopoderá Comissãopoderásersubmetidaà sersubmetidaàCorte Corte Interamericana,cujajurisdiçãofoireconhecidapeloBrasilemdezembrode1998, notadamenteapósaalteraçãodoRegulamentodaComissãoqueprevêapresunção deencaminhamentodoscasosàCorteInteramericanadeDireitosHumanos. Nesse sentido, é bem vindo um mecanismo capaz de assegurar o cumprimento dos tratados de direitos humanos em caso dos entes ederativos alharem ou não disporem de condições operacionais ou estruturais. Acredita-se que o estabelecimento
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da ederalização veio a exercer precisamente esse mecanismo ederal que possibilite à União um instrumento nacional para a responsabilidade internacional.26 Acredita-se ainda em um eeito no sentido inverso: a capilarização da promoção dos direitos humanos. A alternativa de ederalização dos crimes de direitos humanos pode conduzir à disseminação nos entes ederados do melhor cumprimento às obrigaçõesdecorrentesdetratadosdedireitoshumanosdosquaisoBrasiléparte – sob o risco do incidente de deslocamento de competências. O impacto de suas ações e omissões no plano internacional pode servir de estímulo ao melhor uncionamento das instituições locais em casos uturos. d) Dos parâmetros processuais AEmendaConstitucionalnº45estabeleceaindaqueoincidentede desloca mento será apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a pedido do Procurador-GeraldaRepública.Éimportanteressaltarquetaldeslocamentosomentepode ser decidido por órgão jurisdicional, mediante provocação. Tal armativa aasta as acusações de que tal deslocamento eriria a independência do Poder Judiciário. Conclui-sequeapossibilidadededeslocamentodecompetênciasparaviolações de direitos humanos encontra-se em pereita sintonia com: a) os parâmetros do direito internacional por estabelecer mais um grau de subsidiariedade no âmbito interno; b) o ditame constitucional da proteção dos direitos humanos em conormidade com o pacto ederativo; e c) a sistemática processual vigente, uma vez que o STJ é o órgão jurisdicional de cúpula entre justiça estadual e ederal. A possibilidade de deslocamento de competência ou a ederalização das violações constitui avanço institucional signicativo em termos da deesa de direitos humanos, mas não constitui solução mágica. Qualquer inovação conduz à necessidade de estabelecimento de limites. Nesse sentido, muito ainda se discutirá para a elucidação dos requisitos de admissibilidade (ex: “grave violação de direitos humanos”; “assegurar o devido cumprimento de obrigações decorrentes dos tratados de direitos humanos”). Somente aprática permitiráquetaisquestõessejampreenchidas.União Federal, Estados–compreendidosaquipelosPoderesExecutivo,Legislativo,JudiciárioeMi nistério Público – e sociedade civil devem conjugar esorços para azer desse novo dispositivo constitucional um imperativo para a deesa dos direitos humanos. Material De apoio c / jd:
OF/Nº022/04/PR/PA–incidentededeslocamentodecompetência(casoIrmã DorothyStang).Acessoem:08demaiode2004.Disponívelem: http:// www.pgr.mpf.gov.br/pgr/asscom/Stang.pd . IDC 1 / PA; Incidente deDeslocamento deCompetência 2005/0029378-4. Acesso em: 05 de junho de 2006. Disponível em: http://www.stj.gov.br/ SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=federalizaçã o.
É iportte reltr qe Lei o. 10.446, de 08 de io de 2002, i de doi o te do ititto de ederlizção, já previ poibilidde de qe Políci Federl ivetigo irçõe pei reltiv à vio lção direito o, qe Repúblic Federtiv do Bril e coproete repriir e decorrêci de trtdo iter cioi de qe ej prte” (rt. 1o, icio III). 26
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t:
l eiTuRa obRigaTóRia : PIOVESAN,Flávia.TratadosInternacionaisdeProteçãodosDireitosHumanos eFederalizaçãodosCrimesdeDireitosHumanosnaReformadoJudiciário. l eiTuRa acessóRia : ALBUQUERQUEMELO,Celso. Curso de Direito Internacional Público. 13ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. ______________________.Oparágrafo2ºdaConstituiçãoFederal”In: TORRES,RicardoLobo(org.). eoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro:Renovar,1999. CANÇADOTRINDADE,AntônioAugusto.ratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.VolumeI.PortoAlegre:SérgioAntônioFabris, 1997.pp.401-447. GALINDO,GeorgeRodrigoBandeira.ratados Internacionais de Direitos Humanos e Constituição Brasileira . Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002; e PIOVESAN,Flávia.Dafederalizaçãodasviolaçõesdedireitoshumanos.Parecer apresentadoaoConselhodeDefesadosDireitosdaPessoaHumana. l egislação: ConstituiçãoFederalde1988
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aula 06: órgÃos de ProteÇÃo dos direitos humanos NOTA AO ALUNO
“Os Direitos Humanos são os direitos de todos e devem ser protegidos em todos Estados e nações. Os assassinatos, as chacinas, o extermínio, os seqüestros, o crime organizado, o tráco de drogas e as mortes no trânsito não podem ser consideradas normais, especialmente em um Estado e em uma sociedade que se desejam modernos e democráticos. É preciso dizer não à banalização da violência e proteger a existência humana” 27.
OsdireitoshumanossãoasseguradospelaConstituiçãoFederalepordiversos tratadosinternacionaisemqueoBrasiléparte.Noentanto,taisdocumentosca recem de sentido se não houver mecanismos para garantir e promover os direitos humanos. É nesse contexto que surgem diversos órgãos de proteção dos direitos humanos nos planos nacional, estadual e municipal, atuando preventiva ou punitivamente (no caso de terem ocorrido violações de direitos humanos). Dentre os principais órgãos, destaquem-se: (i) Secretaria Especial de Direitos Humanos da PresidênciadaRepública(SEDH/PR);(ii)ConselhosNacionaiseEstaduais,dandodestaqueaoConselhodeDefesadosDireitosdaPessoaHumana (CDDPH); (iii)ComissãodeDireitosHumanosdaCâmaradosDeputados;(iv)Comissõesde DireitosHumanosdasAssembléiasLegislativas;(v)ComissõesdeDireitosHuma nosdasCâmarasMunicipais;(vi)ConselhosMunicipais;(vii)DefensoriaPública eMinistérioPúblico. ASEDHfoicriadapelaLeinº10.683,de28demaiode2003.Trata-sedoórgão da Presidência da República que tem por atribuições articular e implementar as políticas públicas voltadas para a promoção e implementação dos direitos humanos. Seguem, abaixo, sua composição, principal atribuição e programas a serem executados de acordo com o Plano Plurianual 2004-2007: F
Composio
Principal atribuio
dfçã Órgos colegiados e executivos, assessorias, e grupos de trabalho temáticos. Órgos colegiados: (a) Conselho de Deesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH; (b) Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente – CONANDA; (c) Conselho Nacional de Combate à Discriminao – CNCD; (d) Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deciência – CONADE; e (e) Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI. Órgos executivos: (a) Subsecretaria de Articulao da Política de Direitos Humanos – SAPDH; (b) Subsecretaria de Promoo dos Direitos da Criana e do Adolescente – SPDCA; e (c) Subsecretaria de Promoo e Deesa dos Direitos Humanos – SPDDH. Coordenao da Política Nacional de Direitos Humanos, em conormidade com as diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH).
Progr nciol de Direito ho I. Itrodção. aceo e: 23 ev. 2005. Dipoível e: ttp://www.j.gov.br/ ed/dpd/gpd/pd/prici pl.t. 27
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Programas a serem executados (Plano Plurianual 20042007)28
(a) Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaadas; (b) Atendimento Socioeducativo do Adolescente em confito com a lei; ( c) Combate ao Abuso e à Explorao Sexual de Crianas e Adolescentes; (d) Direitos Humanos, Direito de Todos; (e) Gesto da Política de Direitos Humanos; () Nacional de acessibilidade; (g) Promoo e Deesa dos Direitos da Criana e do Adolescente; (h) Promoo e Deesa dos Direitos de Pessoas com Deciência; e (i) Proteo da Adoo e Combate ao Seqüestro Internacional.
Os conselhos nacionais e estaduais, por sua vez, como mecanismos de participaçãoedelegitimidadesocialiniciam-senoBrasil,deacordocomGohn 29, como ruto da organização e das lutas sociais. Ambos os conselhos têm como meta a promoção e deesa dos direitos humanos. Segue, abaixo, a lista dos conselhos nacionais e estaduais existentes: c n Conselho de Deesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH – www.mj.gov.br/sedh/cddph Conselho Nacional de Combate à Discriminao – CNCD – www.mj.gov.br/sedh/cncd Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente – CONANDA – www.presidencia.gov.br/sedh/ Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM – www.presidencia.gov.br/spmulheres Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deciência – CONADE – www.mj.gov.br/sedh/ct/ CONADE Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI – www. mj.gov.br/sedh/cndi Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP – www.mj.gov.br/cnpcp Conselho Nacional de Promoo da Igualdade R acial – CNPIR – www.planalto.gov.br/seppir ou www. presidencia.gov.br/seppir o ã : Comitê Nacional para a Educao em Direitos Humanos – CNEDH Comisso Nacional de Erradicao do Trabalho Escravo – CONATRAE
c e
Conselho Estadual de Deesa dos Direitos do Homem e do Cidado Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana Conselho Estadual de Deesa dos Direitos da Mulher Conselho Estadual dos Direitos do Idoso Conselho Estadual do Consumidor Conselho Estadual de Proteo de Vítimas e Testemunhas
Em relação ao CDDPH, órgão especíco da SEDH/PR, criado pela Lei n. 4319/1964,cabedestacarsuasprincipaisatividades:(a)receberdenúnciasdevio lações de direitos humanos de abrangência nacional e investigá-las em conjunto com as autoridades competentes locais; (b) constituir comissões de inquéritos para acilitar as investigações; (c) atuar por meio de resoluções; (d) promover estudos para apereiçoar a deesa dos direitos humanos; e (e) prestar inormações para os organismosinternacionaissobreasituaçãodosdireitoshumanosnopaís.Cuida-se, assim,depeçafundamentalnaproteçãodosdireitoshumanos.TramitanoCon gressoNacionaloProjetodeLein.4715/1994 30,oqualtransformaoCDDPHno ConselhoNacionaldeDireitosHumanos(CNDH),amdedarmaioragilidade às apurações de violações de direitos humanos. 31 Jáa Comissãode DireitosHumanose Minorias da Câmara dos Deputados oi criada por meio da Resolução n. 231, de autoria do então deputado ederal
Pr iore iorçõe o bre o objetivo de cd progr , cee o site ttp://www. plobril.gov.br/ECotr co/pd/Rel_OrgoProgr1. pd.. 28
GOhn, m. G. Consehos ges tores e participação potica. 2ª ed. são Plo: Cortez, 2003. 29
Projeto de Lei . 4715/ 1994. aceo e: 23 ev. 2005. Dipoível e: ttp://www. preideci.gov.br/ccivil_03/ Projeto/PL/pl4715.t. E colt relizd o site d Câ r do Deptdo e di 23 de evereiro de 2005, verico e qe o projeto de lei eco trve jeito à precição do Pleário (ttp://www2.cr. gov.br/iteret/propoicoe). a últi ção ocorre e 15 de etebro de 2004, oportid de ql Coião de Trb lo, de adiitrção e serviço Público deigo reltor, o deptdo Trcio Zier (PTRs). 30
Dicro proerido pelo mii tro nilário mird, e 13 de io de 2003, drte “VIII Coerêci nciol do Di reito ho”, ttp://www. e.gov.br/deltCb.p?iderv io=43507&rl=ttp://www. j.gov.br/ed/ct/di.t (pr. 11). 31
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NilmárioMiranda,em31dejaneirode1995.Representouummarconahistória dos direitos humanos do país. Ao criar o novo órgão técnico e suprapartidário, concretizou-se uma antiga reivindicação dos movimentos populares, parlamentares e entidades de deesa dos direitos humanos. É composta por 23 deputados e 23 suplentes e tem por nalidade investigar violações de direitos humanos, o que tornou mais eciente e rápido o trabalho investigativo intentado pelo legislativo brasileiro, sendo o recebimento de denúncias sua atividade principal. 32 AAssembléiaLegislativadecadaEstadoécompostaporcomissõespermanen tes e temporárias, podendo ainda haver comissões parlamentares de inquérito. A comissão de direitos humanos 33 consiste em uma das comissões permanentes, uma vez que desempenha papel undamental na proteção dos direitos humanos e na promoção da cidadania. Destaquem-se suas principais atribuições: (a) receber denúncias de violações de direitos humanos e encaminhá-las ao órgão competente; (b) escutar as vítimas de violações ou seus amiliares, (c) opinar sobre proposições e assuntos ligados aos direitos humanos; (d) lutar pela garantia e implementação de tais direitos. JáasComissõesde Direitos HumanosdasCâmarasMunicipaistambémtêm caráter permanente e são marcadas pelas seguintes atribuições:34 (a) receber, avaliar e investigar denúncias relativas à ameaça ou violação de direitos humanos; (b) scalizar e acompanhar programas governamentais relativos à proteção dos direitos humanos; (c) colaborar com organizações não-governamentais e internacionais que atuem na deesa dos direitos humanos; e (d) promover pesquisas e estudos relativos à situação dos direitos humanos no respectivo município. OsConselhosMunicipaisdeDireitosHumanos,porsuavez,sãocompostospor representantes do governo e da sociedade civil empenhados em discutir, implementar e avaliar em conjunto as políticas públicas reerentes a determinado grupo da sociedade mais vulnerável. Seus objetivos também são encaminhar denúncias, sugerir projetos e scalizar a atuação do Poder Público. Nesse sentido, são importantes canais de participação coletiva e de criação de novas relações políticas entre governos e cidadãos por meio de um processo de interlocução permanente. A sociedade civil deve propor alternativas de políticas públicas, criar espaços de debates, penetrar na lógica burocrática estatal para transormá-la e exercer o controle socializado das ações e deliberações governamentais. Embora muitos conselhos municipais não uncionem da maneira como deveriam, os mesmos continuam sendo peça importante no combate às violações de direitos humanos, motivo pelo qual a Secretaria Especial de Direitos Humanos apóia os conselhos municipais já existentes, a m de que governo e sociedade civil possam atuar de orma articulada na proposição e no desenvolvimento de ações voltadas para a promoção e a proteção dos direitos humanos. Dentre suas atividades, destacam-se: (a) participar do estabelecimento da política municipal de direitos humanos; (b) adotar providências e propor medidas para apurar violações de direitos humanos; (c) realizar ou patrocinar campanhas e eventos locais com o objetivo de diundir e proteger os direitos humanos. Segue, abaixo, a lista dos conselhos municipaisdoMunicípiodoRiodeJaneiroeseuscontatos 35:
aceo e: 04 jo 2006. Dipoível e: ttp://www2. cr.gov.br/coioe/ cd. 32
Dipõe cerc de tod Coiõe de Direito ho d aebléi Legiltiv. aceo e: 23 ev. 2005. Di poível e: ttp://www.det. org.br/direito/bril/legilti vo/cdc/crtil_cd/19_co ioeeblei.t. 33
Pr iore iorçõe, cee o site ttp://edertivo. bde.gov.br/dic/D102%20 %20Pol%C3%aDtic%20i cipl%20de%20direito%20 o.t. 34
aceo e: 26 ev. 2005. Di poível e: ttp://www.obr ocilrj.org.br/edereco1. tl#prte2. 35
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Conselho Municipal da Criança e do Adolescente:
[email protected] Conselho Municipal de Assistência Social:
[email protected] Conselho Municipal de Entorpecentes:
[email protected] Conselho Municipal de Deesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deciência: comde@pcrj.rj.gov.br Conselho Municipal dos Direitos do Negro:
[email protected] Conselhos utelares: Horáriodefuncionamento:de2ªa6ªfeira,de9às18horas;paracontatos durante o nal de semana use o bip Conselho utelar do Centro 1: C.R1–RuaSalvador,s/nº–setor4(Sambódromo)–Centro–CEP.20211-260 Tel.:2502-7122R.180–Tel/Fax.:2502-2431 BIP:2460.1010–códigos:4369909/4369912/4369886/4369931/4369934 Área de Abrangência: SantoCristo/ Caju/Cais do Porto/Saúde/centro/ Aeroporto/BairrodeFátima/Castelo/PraçaMauá/RioComprido/Estácio/ CidadeNova/Catumbi/Triagem/SãoCristovão/Mangueira/Benca/Pa quetá/SantaTereza. Conselho utelar de Laranjeiras 2: C.R2.1–RuaSãoSalvador,56–Laranjeiras–CEP.22231-130 Tel/fax. 2205-3798 BIP:2460.1010–códigos:4369899/4369905/4369898/4369904/4369935 ÁreadeAbrangência:Botafogo/Catete/Glória/CosmeVelho/Flamengo/ Laranjeiras/Humaitá/Urca/PraiaVemelha/Copacabana/Leme/JardimBotânico/Ipanema/Vidigal/SãoConrado/Rocinha. Conselho utelar de Vila Isabel 3: C.R2.2–RuaCondedeBonm,267-2ºandar-Tijuca–CEP.20560-200 Tel/Fax.: 2569-5722 BIP:2460.1010–códigos:4369915/4369895/4369893/4369894/4369892 Área de Abrangência:Tijuca/Praça da Bandeira/AltodaBoaVista/ Vila Isabel/Grajaú/Andaraí/Maracanã/AldeiaCampista. Conselho utelar do Méier 4: C.R3.1/XIIR.A–EstradaVelhadaPavuna,3.151–Inhaúma–CEP.20765-170 Tel/Fax.: 2595-7086 BIP:2460.1010–códigos:4369923/4369924/4369929/4269901/4369930 ÁreadeAbrangência:Méier/TodososSantos/EngenhodeDentro/Encantado/SãoFranciscoXavier/Rocha/Piedade/Abolição/Consolação/Ria chuelo/ÁguaSanta/Sampaio/Lins/EngenhoNovo/ComplexodoAlemão/ Bonsucesso/Olaria/ Inhaúma/ Esperança/Higienópolis/MariadaGraça/ Jacaré/EngenhodaRainha/TomasCoelho/DelCastilho/Jacarezinho/Vieira/Fazenda. Conselho TutelardeRamos5
C.R3.2–RuaProfessorLacê,57–Ramos–CEP.21060-120 Tel/fax: 2290-4762 BIP:2460.1010–códigos:4369926/4369920/4369918/4369925/4369913 FGV DIREITO RIO 40
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Área de Abrangência: Ramos/ Maguinhos/ Olaria/Penha/Vigário Geral/ ParadadeLucas/PenhaCircular/JardimAmérica/Cordovil/BrasdePina/ IlhadoGovernador/Ribeira/Zumbi/Cacuia/Pitangueiras/Praiadaribeira/ Cocotá/Bancários/Tauá/Galeão/Moneró/Portuguesa/JardimGuanabara/ Cidadeuniversitária/ComplexodaMaré/Vilaesperança/ViladoJoão/Vila doPinheiro/PraiadeRamos/Timbau/Maré/MarcílioDias/BaixadoSapa teiro/NovaHolanda/RubensVaz/ParqueUnião/RoquetePinto/Conjunto Pinheiro. •
ConselhoTutelardeMadureira6
C.R3.3–CIEP.AugustoPinheirodeCarvalho–RuaXavierCurado,1733 –MarechalHermes–CEP.21610-380 Tel/Fax.: 3390-6420 BIP: 2460.1010 – códigos: 4369903/ 4369927/ 4369916/ 4369917/ 4369902 ÁreadeAbrangência:Irajá/VicentedeCarvalho/ViladaPenha/VistaAlegre/VilaCosmo/Madureira/QuintinoBocaiuva/BentoRibeiro/Marechal Hermes/EngenheiroLeal/Turiaçu/Campinho/RochaMiranda/Osvaldo Cruz/Anchieta/RicardodeAlbuquerque/Guadalupe/ParqueAnchieta/Pa vuna/CoelhoNeto/Acari/BarrosFilho. •
ConselhoTutelardeJacarepaguá7
C.R4–EstradaRodriguesCaldas,3.400–PrédiodaAdministração.ColôniaJulianoMoreira–Jacarepaguá,CEP.22713-370 Telefone: 2446-6508 BIP: 2460.1010 – códigos: 4369887/ 4369888/ 4369889/ 4369914/ 4369911 ÁreadeAbrangência:Jacarepaguá/PraçaSeca/Valqueire/Taguara/Freguesia/Anil/Tanque/Curicica/Camorim/GardêniaAzul/CidadedeDeus/ Pechincha/BarradaTijuca/RecreiodosBandeirantes/VargemGrande/Pia bas/Grumari/Itanhangá. •
Conselho TutelardeBangu8
C.R5.1–RuaOliveiraBraga,211–Realengo–CEP.21715-000 Tel./Fax: 3332-3744 BIP: 2460.1010 – códigos: 4369919/ 4369896/ 4369890/ 4369908/ 4369907 Área de Abragência: Bangu/ Campo dos Afonsos/ Santíssimo/ Deodoro/ Realengo/VilaMilitar/MagalhãesBastos/PadreMiguel/SenadorCamará/ Jardim Sulacap •
ConselhoTutelardeCampoGrande9
C.R5.2–Rua:Coxilhas/nº–XVIIIRA–CampoGrande–CEP.23085-570 Tel/Fax: 2413-3125 BIP:2460.1010–códigos:4369906/4369900/4369891/4369897/4369928 ÁreadeAbrangência:CampoGrande/Santíssimo/SenadorAugustoVasconcelos/Mendanha/RiodaPrata/Monteiro/Guaratiba/PedradeGauratiba/ MorrodaPedra/PraiadoAterro/IlhaGuaratiba FGV DIREITO RIO 41
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ConselhoTutelardeSantaCruz10
C.R5.3–Rua:OlavoBilac,s/n.º–SantaCruz–CEP.23570-220 Tel.:3395-0988/Fax.3395-1445 BIP:2460.1010–códigos:4369910/4369922/4369933/4369932/4369921 ÁreadeAbrangência:SantaCruz/Paciência/Sepetiba ConsideradosFunçõesEssenciaisàJustiçapeloTextoConstitucional,aDefen soriaPúblicaeoMinistérioPúblicosãoinstituiçõesnecessáriosàatividadejurisdicionaldoEstado.CompetemàDefensoriaPúblicaaorientaçãojurídicaeadefesa emtodososgrausdacomunidadecarente,aopassoquecabeaoMinistérioPúblico a deesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses coletivos e individuais indisponíveis. Sendo assim, ambas as instituições têm o dever de proteger os direitos humanos e combater suas violações. Entre as ormas existentes para a consecução de tais ns, encontra-se o encaminhamento de denúncia de direitos humanos. OMinistérioPúblico,conformeoartigo129CF,alémdopapeltradicionalde scal da lei e acusador público, exerce outras atividades, como o recebimento de denúncias de violações ou ameaças de direitos humanos. Especicamente no que serefereaoMinistérioPúblicoFederal,aLeiComplementarn.75/93designouo ProcuradordosDireitosdoCidadão,aosmoldesdo ombudsmen nórdico, com um mandato de dois anos, cujas principais atribuições são 36: (a) requisitar inormações; (b) instaurar inquéritos; (c) investigar; (d) noticar violações a direitos individuais, coletivos ou sociais; (e) expedir recomendações aos poderes públicos a m de que açam cessar violações de direitos humanos. ADefensoriaPública,porsuavez,deacordocomoartigo134CF,atuaemdiversas áreas (criminal, consumidor, cível, entre outras) junto ao Judiciário e extrajudicialmente na composição de conitos, bem como possui centros de atendimento ao público. Ao receber uma denúncia de violação de direitos humanos, o Deensor Público irá encaminhá-la ao Poder Judiciário ou poderá resolver o conito entre as partes extrajudicialmente. Em uma apertada síntese, seguem, abaixo, as medidas que um indivíduo deve tomar quando presenciar ou souber de uma violação de direitos humanos37: Em caso de crime, denunciar o ato à polícia , de preerência junto à delegacia maispróxima,quedeveráemitirumBoletimdeOcorrência(B.O.)einiciarprocedimentos de investigação. A polícia é a porta de entrada do sistema de garantia de direitos e poderá orientá-lo(a) e ornecer inormações relativas ao andamento de sua denúncia. No caso de violência cometida contra criança ou adolescente, você também pode procurar o ConselhoTutela re/ouaDelegaciaEspecializadaemCrimescontra CriançaseAdolescentes. Nos casos de atos inracionais praticados por adolescentes, você deve preerencialmente encaminhar a denúncia à Delegacia Especializada de Investigação de Atos Inracionais praticados por Adolescentes.
Pr iore iorçõe, cee o site ttp://www.det. org.br/direito/bril/poio/ pblico/pd.tl. 36
a iorçõe cotid bi xo or extríd, extete d eir coo etv, do site d Rede nciol de Direito ho. O eo site dipoibiliz o cotto do órgão eciodo. aceo e: 23 ev. 2005. Dipoível e: ttp://www.rd.gov.br/ deci.tl. 37
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No caso de violência sorida pela mulher, você deve preerencialmente encaminhar sua denúncia à DelegaciadaMulher mais próxima ou procurar os conselhos de deesa dos direitos da mulher. Não havendo delegacias especializadas, procurar a Delegacia de Polícia mais próxima. Importante: Casosuadenúnciatenhasidonegligenciadaoucolocadaemdúvidapelosórgãos policiais, ou caso haja suspeita de que a violação tenha sido praticada por agente policial, você pode: ContactaraOuvidoriadePolíciaemseuEstado.Jáexistemouvidoriasdepolícia nos seguintes Estados: São Paulo, Pará, MinasGerais, Rio de Janeiro, RioGrandedo Sul, Bahia, Pernambuco, Ceará, Paraná e Espírito Santo. Procurarorientaçãojuntoaconselhosdedefesadedireitoshumanose/ouorga nizaçõesdasociedadeemseumunicípio/Estado,comooMovimentoNacionalde DireitosHumanos–MND H; Recorrer a serviços de disque-denúncia; Vocêpode,alémdisso,paratodaviolaçãodedireitoshumanos,procuraroMi nistério Público de seu Estado para azer sua denúncia. Você também pode procurar orientação junto à OrdemdosAdvogadosdoBrasil – OA B,quetemSeccionaiseComissõesdeDireitosHumanosemtodososEstados daFederação,ou,ainda,encaminharsuadenúnciaàPolíciaFedera l pelo e-mail dcs@dp.gov.br.
Pelo exposto, indaga-se: A quem você deve recorrer quando souber de uma violaçãocometidacontraumacriança?Quaissãoosprincipaisórgãosdeproteçãoe promoçãodosdireitoshumanosnoâmbitonacional?Quaissãoasprincipaisfun çõesdaSecretariaEspecialdosDireitosHumanos? Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : Princípios de Paris. Acesso em: 23 ev. 2004. Disponível em: http://www.dhnet. org.br/direitos/brasil/textos/principioparis.htm. l egislação: ConstituiçãoFederalde1988
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aula 07: sistema global: mecanismos convencionais e nÃo-convencionais de ProteÇÃo dos direitos humanos NOTA AO ALUNO
O movimento de internacionalização dos direitos humanos é bastante recente na história, uma vez que surgiu após as enormes atrocidades ocorridas durante a SegundaGuerraMundial,comointuitodereconstruirosdireitoshumanosetrazera dignidade da pessoa humana para o centro das relações entre Estados. Dessa orma, foicriadaaOrganizaçãodasNaçõesUnidas,em1945,comosprincipaisobjetivos: (i) manutenção da paz e da segurança internacionais; (ii) promoção dos direitos humanos no âmbito internacional; (iii) cooperação internacional nas eseras social eeconômica.ACartadasNaçõesUnidasconsolidouoDireitoInternacionaldos Direitos Humanos e ez surgir uma nova ordem internacional que, por consenso dos Estados, colocou a proteção dos direitos humanos em seu centro. Os principais precedentes do processo de internacionalização dos direitos humanossãooDireitoHumanitário,aOrganizaçãoInternacionaldoTrabalhoeaLiga das Nações, uma vez que rompem com a noção de que o Estado é o único sujeito de Direito Internacional e com a noção de soberania absoluta, pois admitem intervenções na esera nacional em prol da proteção dos direitos humanos. ACartadasNaçõesUnidas,emboraestabeleçaanecessidadedeproteçãoepromoção dos “direitos humanos e liberdades undamentais”, não os dene, dando ensejoàadoção,em1948,daDeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanos(DUDH). A DUDH é um marco no Direito Internacional dos Direitos Humanos, uma vez que, além de denir tais expressões, estabelece, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, a universalidade, interdependência e indivisibilidade dos direitoshumanos.Contudo,sendoaDUDHumadeclaraçãoenãoumtratado,há divergências quanto a sua orça vinculante: (i) constitui interpretação autorizada daexpressão“direitoshumanos”,constantenaCartadasNaçõesUnidas,e,portal motivo,temforçavinculante;(ii)integraodireitocostumeirointernacionale/ou os princípios gerais de direito e, assim, é dotada de orça vinculante; (iii) por ser uma Declaração e não um tratado, apenas atesta o reconhecimento de um código comum a ser seguido por todos os Estados, não comportando orça vinculante – visão estritamente legalista. Seja qual or a posição sustentada, o ato é que houve um processo de “juridicização”38daDUDH,iniciadoem1949massóconcluídoem1966,comaadoçãodedois tratadosinternacionais,oPactoInternacionaldosDireitosCivisePolíticos(PIDCP) eoPactoInternacionaldos DireitosEconômicos,Sociais eCulturais (PIDESC) 39, ambos com orça obrigatória. A criação de dois pactos distintos ocorreu em virtude do contextodaGuerraFria,quedividiaomundoemcapitalismoesocialismo,bemcomo da prevalência da posição ocidental, que, ao armar ser os direitos civis e políticos autoaplicáveisenquantoqueosdireitoseconômicos,sociaiseculturaissãoprogramáticose, assim, demandam realização progressiva, sustentava que as duas categorias de direitos
PIOVEsan, Flávi. Direitos Humanos e o Direito Cons tituciona Internaciona . são Plo: mx Liod, 2002. Cpítlo VI. p. 164. 38
adotdo pel aebléi Gerl trvé d Reolção . 2200a (XXI), e 16.12.1966. Cotdo, ó etrr e vi gor e 03.01.1976 (PIDEsC) e 23.03.1976 (PIDCP). 39
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não poderiam estar em um só pacto. A Declaração Universal, juntamente com os dois Pactos,formamaCartaInternacionaldosDireitosHumanosouInternational Bill o Rights , que inaugura o sistema global de proteção dos direitos humanos. Osistemaglobal,porsuavez,nãoserestringeàCartaInternacional,umavez que é também composto por diversos tratados multilaterais de direitos humanos referentesasviolaçõesespecícasdedireitos,comoatortura(ConvençãoInterna cionalcontraaTortura),adiscriminaçãoracial(ConvençãoInternacionalsobrea Eliminação de todas as ormas de Discriminação Racial), a discriminação contra asmulheres (ConvençãoInternacionalsobrea Eliminaçãodetodasasformasde DiscriminaçãocontraaMulher). Ressalte-se, por oportuno, que o Direito Internacional dos Direitos Humanos é suplementar e paralelo ao direito nacional, e que os procedimentos internacionais têm natureza subsidiária, sendo uma garantia adicional à proteção dos direitos humanos sempre que os instrumentos nacionais sejam omissos. Quanto à abrangência e sistemáticas de implementação e monitoramento de ambos os Pactos Internacionais, o quadro, abaixo, demonstra um breve resumo: PidcP Compreende um rol de direitos mais extensos do que o da DUDH. So auto-aplicáveis. Comitê de Direitos Humanos (criado pelo Pacto) – sua deciso no tem ora vinculante e no há sano eetiva para o Estado que no a cumpre, apenas no plano político: w mm .
Pidesc Compreende um rol de direitos mais extensos do que o da DUDH. Devem ser realizados progressivamente.
Sistemática de implementao
Relatórios, comunicaões interestatais40 (ambos dispostos no próprio Pacto) e petiões individuais (Protocolo Facultativo) 41.
É peculiar, pois prevê apenas o mecanismo dos relatórios. Há também o sistema de indicadores, estabelecido pela Declarao de Viena de 1993.
Protocolos
Protocolo Facultativo: estabelece o mecanismo de petiões individuais. Segundo Protocolo: estabelece a abolio da pena de morte.
O projeto do protocolo adicional que prevê a petio individual está em ase de elaborao.
Amplitude
Sistemática de monitoramento
Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (criado pelo Conselho Econômico e Social). No tem um Comitê próprio, ou seja, que tenha sido criado pelo PIDESC.
O sistema global é composto por mecanismos convencionais e mecanismos nãoconvencionais de proteção dos direitos humanos. Os mecanismos convencionais são aqueles criados por convenções especícas de direitos humanos, sendo os respectivosComitêsanálogosaoComitêdeDireitosHumanoscriadopeloPactoInternacionaldosDireitosCivisePolíticos.DentreasfunçõesdoComitêdeDireitos Humanos, destaquem-se: (i) receber petições individuais, comunicações interestatais e relatórios; (ii) proerir uma decisão em relação à petição individual que apenas declare que a violação resta caracterizada ou que determine que o Estado repare a violação cometida; (iii) requerer dos Estados inormações sobre determinada situação. Embora haja inúmeros tratados de direitos humanos, o quadro, a seguir, para ns exemplicativos, az reerência a apenas quatro convenções especícas e seus mecanismos convencionais:
O Coitê ó poderá precir coicção iterettl co o doi Etdo evolvido tivere eito declrção e eprdo, tedo e vit qe o ceo ete ecio é opciol. 40
Pr qe idivído po ecir petição idi vidl, o Etdo deve ter rti cdo tto o PIDCP qto o Protocolo Fclttivo. O Coitê de Direito ho cocli qe ão pe o idivído qe ore violção, tbé og e terceiro pode repre etálo e, i, ecir coicçõe. aid, pr qe petição idividl ej iterpot, ze eceário o cprieto do reqiito de diibilidde: prévio ego teto do recro itero (lvo por deor ijticd, iexitêci do devido proceo legl o ipoibilidde de ceo, pel víti, o recr o itero) e iexitêci de litipedêci o plo iter ciol. 41
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Sistemática de monitoramento
Sistemática de implementao
cçã i eçã dçã r42
cçã i eçã dçã m43
cçã i t44
cçã i d cç45
Comitê sobre a Eliminao de Discriminao Racial
Comitê sobre a Eliminao de Discriminao contra as Mulheres
Comitê contra a Tortura
Comitê sobre os Direitos da Criana
Relatórios (estabelecido pela Conveno), petiões individuais e realizao de investigaões in loco (Protocolo) 46
Relatórios, comunicaões interestatais e petiões individuais (estabelecidos pela Conveno). Caráter inovador: o Comitê pode iniciar uma investigao própria caso receba inormaões de ortes indícios de tortura.
Somente prevê os relatórios (estabelecido pela Conveno). Há 2 Protocolos Facultativos: sobre Confito Armado e sobre Prostituio Inantil.
Relatórios, comunicaões interestatais e petiões individuais (estabelecidos pela Conveno)
adotd pel aebléi Gerl trvé d Reolção . 2106 (XX), e 26.12.1965. Cotdo, ó etro e vigor e 04.01.1969. 42
adotd pel aebléi Gerl trvé d Reolção . 34/180, e 18.12.1979. Co tdo, ó etro e vigor e 03.09.1981. 43
Éimportanteressaltarque osComitês têmcompetênciapara avaliar comunicaçõesquecontenhamviolaçãoadireitodispostoapenasnaConvençãoqueo criou.AcompetênciadosComitêsparareceberpetiçõesindividuaisestávinculada à declaração eita em separado pelo Estado (no caso da petição individual estar previstanaprópriaConvenção)oupelaraticaçãodoProtocoloFacultativo.Esses pontos são relevantes, uma vez que demonstram a dierença entre os mecanismos convencionais de proteção dos direitos humanos e os mecanismos não-convencionais, tendo em vista que em relação ao último, a apresentação de denúncias porindivíduosougruposdeindivíduosaosComitêsnãodependedaraticação de convenções especícas nem de declaração relativa a cláusulas acultativas ou de raticação de protocolo adicional. Ainda, a denúncia pode versar sobre qualquer direito humano. QuantoaoBrasil,aauladeverádestacarqueomesmosónãoreconheceua competênciatantodoComitêdeDireitosHumanos.Ogovernobrasileiroraticou recentemente(12/01/2007)oProtocoloFacultativoàConvenção contratortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, reconhecendo, porconseguinte,acompetênciadoComitêcontraaTorturaparaapreciarpetições individuais. Os mecanismos não-convencionais, por sua vez, são aqueles decorrentes de resoluçõeselaboradasporórgãosdasNaçõesUnidas,comoaAssembléiaGeraleoConselhoEconômicoeSocial.Focar-se-ánoConselhodeDireitosHumanos(CDH), mecanismo não-convencionalcriadopelaAssembléiaGeral,umavez quepossui posição central no sistema não-convencional de proteção.
adotd pel aebléi Gerl trvé d Reolção . 39/46, e 10.12.1984. Co tdo, ó etro e vigor e 26.06.1987. 44
adotd pel aebléi Gerl trvé d Reolção . 44/35, e 20.11.1989. Co tdo, ó etro e vigor e 02.09.1990. 45
a copetêci do Coitê ó oi plid pr receber petiçõe idividi e relizr ivetigçõe in loco co do ção do Protocolo Fclttivo à Coveção e 1999. 46
a Reolção d aebléi Gerl d Onu id ão etá dipoível. De or, ege, egir, rtigo d Onu reerete à Reolção 60/251, de 15.03.2006: ttp://www. .org/pp/ew/tory.p?n ewID=17811&Cr=rigt&Cr1 =cocil. aceo e: 20 rço 2006. notíci de ipre d Onu relciod tl reolção (d aebléi Gerl d Onu. . 10449, de 15.03.2005) – ttp:// www..org/new/Pre/ doc/2005/g10449.doc.t. aceo e: 20 rço 2006. 47
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OCDHfoicriadoem15demarçode2006,tendosubstituídoaComissão de Direitos Humanos eetivamente a partir de 16 de junho de 2006, data de sua abolição47. A resolução oi aprovada por 170 votos a avor e 4 contra – EUA, Israel,IlhasMarshallePalau48. Dentre os avanços trazidos com o estabelecimento doConselhodeDireitosHumanos,d doConselhodeD ireitosHumanos,destaquem-se:(i)gozodemaiorstatus,jáque estaquem-se:(i)gozodemaiorstatus,jáque seráumórgãosubordinadoàAssembléiaGeral(enquantoqueaComissãoera subordinadaaoConselhoEconômicoe subordinadaaoConselho EconômicoeSocial);(ii)ummaior Social);(ii)ummaiornúmerodereuniões númerodereuniões ao longo do ano; (iii) constituição por representação geográca igual; (iv) o direito de votar estará associado com membership .Ressalta-se,ainda,queoConselho será composto por 47 membros, os quais serão escolhidos por maioria absoluta da AssembléiaGeral. OCDHtemasmesmasfunçõesqueaextintaComissãodeDireitosHuma -OCDHtemasmesmasfunçõesqueaextintaComissãodeDireitosHuma nos: (i) competência genérica de atuar em quaisquer questões ligadas aos direitos humanos(estabelecidaem1946,nomomentodesuacriação);e(ii)apreciaçãode casosespecícosdeviolaçõ casosespecíc osdeviolaçõesdedireitoshuman esdedireitoshumanos(apartirde1967).Emrelaç os(apartirde1967).Emrelaçãoà ãoà apreciaçãodessescasosespecícos,oCDHseguedoisprocedimentos:procedimen to 123550 e procedimento 150351 (alte (alterado rado pelaResol pelaResolução ução 2000 2000/3,do /3,doCons Conselho elho EconômicoeSocial). Oprocedimento1235autorizouoCDHeaS Oprocedimento1235autorizouoCDH eaSub-ComissãoparaaPromoçãoe ub-ComissãoparaaPromoçãoe para a Proteção de Direitos Humanos, a examinarem inormações relativas às violações sistemáticas de direitos humanos, o que hoje se traduz na realização de um debatepúblicoanualenainvestigaçãoeanálisedecasosespecícospeloCDH epela e pela cita citadaSub-C daSub-Comis omissão são.Em .Emsetratando setratando doproced doprocedimen imento1503,o to1503,o mesm mesmo o oi criado a m de que ossem examinadas comunicações reerentes à violação sistemáticadedireitoshumanos.ComaadoçãodaResolução2000/3,oGrupo de Trabalho sobre Situações é que se tornou o responsável da análise dos casos, elaboração de recomendações, bem como pela decisão de submeter ou não um casoaoCDH. OGrupodeTrabalhosobreSituações,apósanalisarocaso,poderáenviá-loao ConselhodeDireitosHumanos,que,porsuavez,poderáadotarumadasseguintes medidas: (i) manter a situação sob análise, requerendo maiores inormações do Estado envolvido; (ii) cancelar o estudo da situação sob a Resolução 1503 e iniciar um procedimento público sob a Resolução 1235; (iii) apontar um especialista independente.Destaque-sequeambososprocedim dente.Destaque-sequeamb ososprocedimentospossibi entospossibilitamqueoCDHnomeie litamqueoCDHnomeie um Relator Especial com mandato para países especícos. Alémdessasfunções,o Alémdessas funções,oCDH CDHtambémpode tambémpodedesignarrelatores designarrelatorestemáticosou temáticosougru gru-pos de trabalho com o objetivo de examinarem determinadas violações de direitos humanos.OsGruposdeTrabalho,RelatoresEspeciaiseRepresentantesEspeciais desempenham as seguintes atividades: (i) busca e recebimento de inormações; (ii) questionar os governos sobre sua legislação e prática doméstica; (iii) envio, aos governos, de alegações sobre casos urgentes a m de obter um esclarecimento; (iv) aceitar ou recusar o convite eito por determinado deter minado país para visitá-lo em virtude da ocorrência de violações reerentes ao seu mandato; (vi) realização de visitas; e (vii) relatoanualdesuasatividadesaoConselhodeDireitosHumanos.
48 In ‘historic’ vote, General As sembly creates new UN Human Rights Council. un new Cetre.
Dipoível e: ttp://www. .org/pp/ew/tory. p?newID=17811&Cr=rigt &Cr1=cocil. aceo e: 20 rço 2006. Crido pel Reolção 1235 do Coelo Ecoôico e socil, e 6 de jo de 1967. 50
Crido pel Reolção 1503 do Coelo Ecoôico e socil, e 27 de io de 1970. 51
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OBrasiljárecebeuavisitadosseguintesrelatoresespeciais52,:Sr.JuanMiguelPe ,:Sr.JuanMiguelPe-tit–RelatorEspecialdaComi tit–RelatorEsp ecialdaComissãodeDi ssãodeDireitosH reitosHumanossobr umanossobreavendadecrianç eavendadecrianças as e prostituição inantil e a utilização de crianças na pornograa; Sra. Asma Jahangir Jahangir –RelatoraEspecialdaComissãodeDireitosHumanossobreexecuçõessumárias, extrajudiciaisouarbitrárias;Sr.JeanZiegler–RelatorEspecialdaComissãodeDi reitos Humanos sobre o direitos à alimentação; Sr. Doudou Diène – Relator EspecialdaComissãodeDireitosHumanossobreformascontemporâneasderacismo, discriminação racial, xenoobia e ormas conexas de intolerância; Sr. Nigel Rodley –RelatorEspecialdaComissãodeDireitosHumanossobreaquestãodetortura; Sr.LeandroDespouy–RelatorEspecialdaComissãodeDireitosHumanossobrea independência de juízes e de advogados. Diantedoexposto,indaga-se:Comosedáanomeaçãodeumrelatorespecial? UmindivíduobrasileiropodeencaminharumacomunicaçãoindividualaoComitê deDireitosHumanos?T deDireitosHumanos? Tendoemvistaa endoemvistaaconsagraçã consagraçãodaindivisibilidadedosdireitos odaindivisibilidadedosdireitos pela Declaração Universal de Direitos Humanos, por que oram elaborados dois Pactosdistintos(Pac Pactos distintos(PactoInternacionalsobreD toInternacionalsobreDireitosCiviseP ireitosCivisePolíticosePa olíticosePactoInter ctoInter-nacionalsobre nacio nalsobre Dir Direitos eitos Eco Econômi nômicos cos,,Soc Sociais iais eCultura eCulturais)?O is)?Oquesigni quesignicaa caacon con-solidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos para o indivíduo e para oEstado?QualéaimportânciadaIIConferênciaMundialdeDireitosHumanos realizadaemViena,em1993? Material De apoio t: eiTuRa obRigaTóRia : l eiTuRa obRigaTóRia Direitos Humanos e o Direito Constitucional InternaPIOVESAN,Flávia.Direitos PIOVESAN,Flávia. cional.São cional .SãoPaulo:Max Paulo:MaxLimonad,2002.CapítuloVI.pp. Limonad,2002.CapítuloVI.pp.163-179(Cap.VI; 163-179(Cap.VI; itens“a”-“c”);pp.216-224(Cap.VI;item“k”). eiTuRa acessóRia : l eiTuRa acessóRia TRINDAD TRIN DADE, E, Anton Antonio io Aug Augusto usto Canç Cançado ado.. O direito internacional em um mundo em transormação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 627-670. egislação: l egislação PactoInternacionalsobreDireitosCivisePolíticos ProtocoloFacultativoaoPactoInternacionalsobreDireitosCivisePolíticos SegundoProtocoloaoPactoInternacionalsobreDireitosCivisePolíticosrefe renteàAboliçãodaPenadeMorte PactoInternacionalsobreDireitosEconômicos,SociaiseCulturais CartadasNaçõesUnidas Declaração Universal de Direitos Humanos Declaração e Programa de Ação de Viena
até preete dt, i.e., o vebro de 2004. 52
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aula 08: sistemas regionais de ProteÇÃo dos direitos humanos NOTA AO ALUNO
A par do sistema global de proteção dos direitos humanos, há três sistemas regionais de proteção dos direitos humanos: o sistema europeu, o sistema interamericano e o sistema aricano. Os sistemas regionais complementam complementam o sistema global, tendo em vista que têm o mesmo objetivo: a proteção do indivíduo e o combate às violações dos direitos humanos. Sendo assim, o indivíduo que tiver um direito violado, pode optar pelo sistema que melhor lhe avoreça, já que vigora, no âmbito internacional, o princípio da norma mais avorável à vitima. OsistemaeuropeutemporfundamentoaConvençãoEuropéiasobreDireitos Humanos,de1950.Em1961,talConvençãofoicomplementadapelaCartaSocial Européia (tendo em vista que dispunha apenas sobre os direitos civis e políticos) e,em1983,foiemendadapeloProtocolon.11,quetrouxeinovaçõesfundamen tais ao uncionamento do sistema: (i) reestruturação prounda dos mecanismos de controledaConvenção(substituiçãodos3órgãosdedecisão–Comissão,Cortee ComitêdeMinistrosdoConselhodaEuropa–porumsóórgão:aCorteEuropéia deDireitosHumanos);(ii)funcionamentodeumaúnicaCorte,emtempointegral (anovaCorteEuropéiadeDireitosHumanospassouaoperarem1o de novembro de1998);(iii)asseguraoacessodiretoàCorteaosindivíduos, i.e., o indivíduo passa a ter ius postulandi . Dessa orma, constata-se que o sistema europeu é o mais avançado no que diz respeito ao reconhecimento da capacidade processual processual internacional ativa dos indivíduos, uma vez que é o único sistema regional de proteção dos direitoshumanosquepermiteao direitoshuman osquepermiteaoindivíduo indivíduopostulardi postulardiretamenteàCorte. retamenteàCorte. Osistemaafricano,porsuavez,temporprincipalinstrumentoaCartaAfricana sobreDireitosHumanosedosPovos, sobreDireitosHumanosedos Povos,adotadaem1981eemvigora adotadaem1981eemvigorapartirde1986, partirde1986, queprevêtantoosdireitoscivisepolíticosquantososdireitoseconômi queprevêtantoosdireitoscivisepolítico squantososdireitoseconômicos,sociais cos,sociais eculturais.AreferidaCartatemporobjetivopriorizarosdireitosdospovos.As disposiçõesdaCartarelativasaosdireitosdospovosdemonstramatendênciamo dernaàcoletivizaçãodosdireitosdohomem.Nessecontexto,tem-sequeaCarta apresenta a singularidade de colocar, no mesmo documento, conceitos consideradosantagônicos:indivídu dosantagônico s:indivíduoepovo oepovo,direitosind ,direitosindividuaisedi ividuaisedireitoscoletiv reitoscoletivos,direitos os,direitos sociais,econômicosecu sociais,eco nômicoseculturaisedireito lturaisedireitoscivisep scivisepolíticos. olíticos. Quantoaosmecanismosdeproteçãoepromoçãodosdireitoshumanos,aCarta AfricanaestabeleceaCo Africanaestab eleceaComissãoAf missãoAfricanade ricanadeDireitos DireitosHum Humanosedo anosedosP sPovos, ovos,poden poden-do a mesma ser provocada por um Estado-parte ou por indivíduos. Já o protocolo adotadoemOvagadongou(em9dejunhode1998),BurinaFaso,queentrouem vigor em 25 de janeiro de 2004 (30 dias após o 15 o Estado – número mínimo exigido – tê-lo raticado 53),estabel ),estabeleceaCorteAfrican eceaCorteAfricanade adeDir Direito eitosHuman sHumanosedos osedos PovoscomoórgãocomplementaraolabordaComissão. Em se tratando do sistema interamericano, o mesmo tem como origem a IX ConferênciaInteramericana 54, oportunidade na qual oram aprovadas a Declaração
aceo e: 25 j. 2005. Dipoível e: ttp://www. id.org/rticle.pp3?id_rti cle=450. 53
Relizd e Bogotá, Colô bi, de 30 de rço 2 de io de 1948. 54
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AmericanadeDireitoseDeveresdoHomemeaCartadaOrganizaçãodosEstados Americanos (OEA)55.Sendoassim,noperíodoqueantecedeaadoçãodaConvenção Americana de Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem oi a base normativa central do sistema interamericano e, até hoje, continua sendo a principal base normativa vis-à-vis dosEstadosnão-partesdaConvenção. ApósaadoçãodaCartadaOEAedaDeclaraçãoAmericana,osistemainteramericano oi se desenvolvendo lentamente. O primeiro passo oi a criação de um órgão especializadonaproteçãodosdireitoshumanosnoâmbitodaOEA.Em1959, durantea 5ªreuniãodeconsultasdosMinistros deRelaçõesExterioresrealizada emSantiagodoChile,foiaprovadaapropostadecriaçãodeumórgãodestinadoà promoçãodosdireitoshumanos(maistardedenominadoComissãoInteramericana deDireitosHumanos)atéaadoçãodeumaConvençãoInteramericanadeDireitos Humanos.Em1960,foiaprovadopeloConselhodaOEAoEstatutodaComissão, queconrmouserapromoção dosdireitos humanosafunçãodaComissão.Em 1965,comasmodicaçõesocorridasemseuEstatuto,aComissãosetransformou em um órgão de scalização da situação dos direitos humanos nos Estados da OEA. No entanto, a mesma só se tornou o principal órgão da OEA após a adoção do ProtocolodeBuenosAiresem1967,queemendouaCartadaOEA. ComaadoçãodaConvençãoAmericanasobreDireitosHumanos(Convenção Americana)ouPactodeSanJosédaCostaRica,em1969(entrouemvigorapenas em1978),criou-seaCorteInteramericanadeDireitosHumanoseaComissão passou a ser dotada de novas atribuições 56. Segue, abaixo, a lista dos Estados que a raticaram57: PaÍses signatÁrios a y b a b b bz bí b cá c cô c r d e e s e u g g gy h h J méx ná Pá Py
Firma 02/02/84 06/20/78 11/22/69 11/22/69 11/22/69 11/22/69 11/22/69 06/01/77 07/14/78 11/22/69 11/22/69 09/16/77 11/22/69 11/22/69 11/22/69
ratiFicaÇÃo 08/14/84 11/05/81 06/20/79 07/09/92 08/10/90 05/28/73 03/02/70 06/03/93 12/08/77 06/20/78 07/14/78 04/27/78 09/14/77 09/05/77 07/19/78 03/02/81 09/25/79 05/08/78 08/18/89
a Crt d OEa, e vigor dede 13 de dezebro de 1948, oi dotd e cojto co Declrção aeric do Di reito e Devere do hoe IX Coerêci Itereric, e io de 1948, proxi dete ei ee te d doção d Declrção uiver l do Direito ho pel aebléi Gerl d nçõe uid. 55
a Coião e Corte erão etdd, repectivete, próxi d l. 56
Iorçõe obtid o site ocil d Orgizção do E tdo aerico (OEa). aceo e: 03 io 2004. Dipoível e: ttp://www.o.org/jri dico/pi/r/b32.tl. Cotte, i, qe do 34 Etdoebro d OEa, 25 dele rticr Coveção aeric. 57
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P rpú d s K y n s lí s. v & g s t & t uy vz
07/27/77 09/07/77 11/22/69 11/22/69
07/12/78 01/21/78 11/12/87 04/03/91 03/26/85 06/23/77
ÀsemelhançadoPactoInternacionaldeDireitosCivisePolíticos,aConvenção Americana reconhece um catálogo de direitos civis e políticos. No entanto, ela restringeaoartigo26aconsagraçãodosdireitoseconômicos,sociaiseculturais.Dessa forma,foielaboradooProtocoloAdicionalàConvençãoAmericanaemmatériade DireitosEconômicos,SociaiseCulturais(ouProtocolodeSanSalvador)em1988 (entrouemvigorem1999),amdesupriralacunadoartigo26,queselimitaa prever o “desenvolvimento progressivo” dos mesmos. OsegundoProtocoloAdicionalàConvenção Americana érelativoàabolição dapenademorte(1990),dandoumpassoadiantenoqueconcerneodispostono artigo4.2a4.6daConvençãoAmericana.EsteProtocolo,aoestabelecerqueos Estados-partes não podem aplicar em seu território a pena de morte a nenhuma pessoa sujeita a sua jurisdição, deu novo ímpeto à tendência a avor da abolição da pena de morte, não admitindo, portanto, reservas (salvo em tempo de guerra). Cabesalientaraindaqueosistemainteramericanodedireitoshumanoscontem porâneonãoselimitaàConvençãoAmericanaeaosdoisprotocolos.Há,também, quatroconvençõesinteramericanas“setoriais”maisrecentes:(a)ConvençãoInte ramericanaparaPrevenirePuniraTortura(1985);(b)ConvençãoInteramericana sobreDesaparecimentoForçado(1994);(c)ConvençãoInteramericanaparaPreve nir,PunireErradicaraViolênciacontraaMulher(1994);e(d)ConvençãoIntera mericanasobreaEliminaçãodeTodasasFormasdeDiscriminaçãocontraPessoas PortadorasdeDeciências(1999). Em relação ao sistema global, verica-se a complementaridade entre o mesmo e o sistema interamericano. Nesse sentido, pergunta-se: por que ambos os sistemas sãocomplementares?Qualofundamentodehaverumsistemainteramericanode proteçãodosdireitoshumanosquandojáháumsistemadeabrangênciaglobal? Em relação aos sistemas regionais, indaga-se: Qual é o dierencial do disposto naCartaAfricanasobreDireitosHumanosedosPovos?Porqueosistemaeuropeu éconsideradoomaisavançado?QualéadiferençaentreopapeldaCorteIntera mericana,daCorteAfricanaedaCorteEuropéiadeDireitosHumanos?Qualéa importância, para o sistema interamericano, da incorporação, pelos Estados, dos instrumentosdeproteçãodosdireitoshumanos?
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Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : PIOVESAN,Flávia.Direitoshumanosejustiçainternacional.SãoPaulo:Saraiva,2006.pp.50-59;72-84. l eiTuRa acessóRia : CANÇADOTRINDADE,AntonioAugusto.Osistemainteramericanodedireitos humanos no limiar do novo século: recomendações para o ortalecimento deseumecanismodeproteção.In:GOMES,FlávioLuiz; PIOVESAN,Flávia.O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro.SãoPaulo:EditoradosTribunais,2000.CapítuloIV. p. 103-151. l egislação: Convenção EuropéiasobreDireitos Humanos eCarta Africanasobre Direitos Humanos e dos Povos DeclaraçãoAmericanadeDireitoseDeveresdoHomemeConvençãoAmerica na sobre Direitos Humanos ConvençãoInteramericanaparaPrevenirePuniraTortura ConvençãoInteramericanasobreDesaparecimentoForçado ConvençãoInteramericanaparaPrevenir,PunireErradicaraViolênciacontraa Mulher ConvençãoInteramericanasobreaEliminaçãodeTodasasFormasdeDiscrimi naçãocontraPessoasPortadorasdeDeciências(1999)
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aula 09: sistema interamericano: a comissÃo e a corte interamericanas de direitos humanos NOTA AO ALUNO
A ComissãoInteramericana de AComissãoInteramericana deDireito Direitos sHumano Humanos s(Comissão)originou-se (Comissão)originou-se da ResoluçãoVIIIdaVReuniãodeConsultadosMinistrosdeRelaçõesExteriores (Santiago,1959).Em1960,foiaprovadopeloConselhodaOEAoEstatutoda Comissão Comi ssão,queconrmo ,queconrmousera useraprom promoção oçãodosdireito dosdireitoshumanos shumanosa afunç funçãodaCo ãodaCo-missão.Em1965,comasmodicaçõesocorridasemseuEstatuto,aComissãose transormou em órgão de scalização da situação dos direitos humanos nos Estados da OEA. No entanto, a mesma só se tornou o principal órgão da OEA após a adoçãodoProtocolod çãodoP rotocolodeBuenosAir eBuenosAiresem1967,queem esem1967,queemendouaCartadaO endouaCartadaOEA. EA. AComissão ACom issãoécom écomposta postapor porsete setemembros membrosele eleitos itospela pelaAssembl Assembléia éiaGeral Geralpor por um período de 4 anos, podendo ser reeleitos apenas uma vez. Em relação às suas unções, são elas: conciliadora; assessora; crítica; legitimadora; promotora; protetora. ComaadoçãodaConvençãoAmericanasobreDireitosHumanos(Convenção) ouPactodeSanJosédaCostaRica,em1969(entrouemvigorapenasem1978), aComissãopassouaserdotadadenovasatribuições.Istosignicaque,apartirda adoçãodaConvenção,aComissãopassouasertantooprincipalórgãodaOEA quanto órgão do reerido instrumento. Dessa orma, todos os Estados da OEA têm o dever de proteger e promov promover er os direitos humanos, seja por meio do disposto na CartadaOEAenaDeclaraçãoAmericanadosDireitoseDeveresdoHomem(para osEstados-membrosdaOEA),sejapormeiodoestabelecidonaConvenção(para os Estados-partes). Sendoassim,verica-seacoexistênciadedoissistemasemrelaçãoàComissão: osistemadaOEAeosistemadaConvenção.Noentanto,porsetratardeaulare-osistemadaOEAeosistemadaConvenção.Noentanto,porsetratardeaulare ferenteaosistemainteramericano,focaremosoestudodaComissãonosistemada Convenção. AComissãotemcompetênciaparaexaminar AComissãotem competênciaparaexaminarcomunicações comunicaçõesencaminhadas encaminhadaspor por indivíduo, grupo de indivíduos ou organizações não governamentais, que contenhamdenúnciadeviolaçãoadireitoconsagradonaConvenção,cometidaporal gumEstado-parte.IstoporqueosEstados,aosetornarempartedaConvenção, aceitamautomáticaeobrigatoriamenteacompetênciadaComissãoparaapreciar denúncias contra eles. Dessa orma, a comunicação individual é obrigatória e a comunicação interestatal58 é acultativa no sistema interamericano, ao passo que no sistema europeu ocorre o oposto. EmrelaçãoaoprocedimentodapetiçãoperanteaComissão,vericam-sequatro ases: (a) ase da admissibilidade; (b) ase da conciliação; (c) ase do Primeiro Inorme; e (d) ase do Segundo Inorme ou a propositura de uma ação de responsabilidade internacionalperanteaCorteInteramericanadeDireitosHumanos.Dessaforma, pode-sesintetizaraapreciaçãodeumadenúnciapelaComissãodaseguinteforma:
E otr plvr, Coi ão ó poderá lir co icção iterettl ( Etdo deci o otro por violção lg direito o) q do bo o Etdo, lé de tere rticdo Coveção, declrre expreete qe recoece copetêci i terettl d Coião. 58
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Recebe denúncia aprecia sua admissibilidade (i.e., se os seguintes requisitos oram observados: prazo, prévio esgotamento de recursos internos e a inexistência de litispendênci litispendênciaa internacional) considera-a admissíve requer inormações ao Governoeàparte tenta uma solução amistosa nãoocorrendo,aComissão enviao envia o1ºinfor 1ºinformeaoGov meaoGoverno, erno,dando-l dando-lheumprazode3mesesparacum heumprazode3mesesparacumpriras priras exigências Estado não cumpriu ComissãoenviaocasoàCorteouelaborao 2º inorme. Ainda,cabemencionarqueaComissãopodeinici Ainda,cabemenciona rqueaComissãopodeiniciarumcasodeocio(art.24, arumcasodeocio(art.24, RegulamentoComissão),sepossuirinformaçõesnecessárias.Saliente-se,também,a funçãopreventivaexercidapelaComi funçãopreventiv aexercidapelaComissão.Emdecorr ssão.Emdecorrênciadesuasrecomendaçõ ênciadesuasrecomendações es de caráter geral dirigidas a determinados Estados, Estados, ou ormuladas em seus relatórios anuais, oram derrogados ou modicados leis, decretos e outros dispositivos que aetam negativamente a vigência dos direitos humanos. Ainda, a unção preventiva daComissãopodeserobservadanaelaboraçãodemedidascautelarese,inclusive, aosolicitaràCortequeadotemed aosolicitarà Cortequeadotemedidaspro idasprovisórias. visórias. Por m, destaque-se que a par do sistema de petições ou comunicações, dois sistemas também têm um papel undamental na proteção e promoção dos direitos humanos: (a) o sistema de investigações (observações in loco); (b) o sistema dos relatórios, o que inclui tanto o relatório com recomendações gerais enviado a determinado Estado, quanto os relatórios periódicos apresentados à Assemblé Asse mbléia iaGeral Geralda daOEA, OEA,que quecont contém, ém,muita muitasve svezes, zes,consi considera derações çõesde decará caráter ter doutrinário. ACorte A CorteInteramericanade Interamericanade DireitosHumanos DireitosHumanos(Corte), (Corte),órgão órgãojurisdiciona jurisdicionallda da ConvençãoAmericanasobreDireitosHumanos(Convenção),realizousuaspri-ConvençãoAmericanasobreDireitosHumanos(Convenção),realizousuaspri meirasreuniõesnasededaOEAemW meirasreuniõesnasededa OEAemWashington,em29e30dejunho ashington,em29e30dejunhode1979,e de1979,e instalou-seemsuasedepermanenteemSãoJosédaCostaRicaem3desetembro de1979.EstainstituiçãojudiciáriaécompostaporsetejuízesnacionaisdeEstadosmembros da OEA, escolhidos por título pessoal, e tem por objetivo a aplicação e interpretaçãodaConvenção. Até novembro de 2006, dos 35 Estados-membros da OEA, 24 Estados haviam raticadoaConvençãoAmericana 59, e, dentre estes, 21 reconheceram a competênciacontenciosadaCorte 60.Atéjulhode2005,aCortejáhaviaproferido127 sentenças, sendo que destas 57 são sentenças de mérito (ou seja, avaliam se evetivamente houve violação)61. ACorte A Cortetem temduascompetências:consultiva duascompetências:consultivae econtenciosa.Em contenciosa.Emrelaçãoà relaçãoàcom com-petênciacons petên ciaconsultiv ultiva,qualqu a,qualquermembro ermembroda daOEApode OEApodesolicit solicitaro aroparec parecerdaCorte erdaCorte relativoàinterpretaçãodaConvençãooudequalqueroutrotratadoreferenteà proteçãodosdireitoshumanosnosEstadosamericanos.Ainda,aCortepodeopinar sobre a compatibilidade de preceitos de legislação interna em ace dos instrumentos internacionais.Atéjulhode200 internacionais.A téjulhode2005,aCortehaviaemi 5,aCortehaviaemitido18parec tido18pareceres eres 62. Emsetratandodesuacompetênciacontenciosa,apenasaComissãoeosEsta dos-partes(queexpressamente dos-partes(que expressamentereconhecerem reconheceremajurisdiçã ajurisdiçãodaCo odaCorte)podem rte)podem submeterumcasoaCorte.IstosignicaqueoindivíduodependedaComissãoparaque seucasosejaapreciadopela seucasosejaap reciadopelaCorte,umavezqu Corte,umavezqueelaéa eelaéa dominus litis absoluto.
argeti, Brbdo, Bolívi, Bril, Cile, Colôbi, Cot Ric, Doiic, Eqdor, El slvdor, Grd, Gte l, hiti, hodr, Jic, méxico, nicrág, Pá, Prgi, Per, Repúblic Do iic, srie, Triidd e Tobgo, urgi, e Veezel. Reltee qe Triidd e Tob go decio Coveção e 26 de io de 1998. 59
argeti, Bolívi, Bril, Cile, Colôbi, Cot Ric, Eqdor, El slvdor, Gte l, hiti, hodr, méxico, nicrág, Pá, Prgi, Per, Repúblic Doiic, srie, Triidd e Tobgo, urgi, e Veezel. 60
PIOVEsan, Flávi. Direito o e jtiç itercio l. são Plo: sriv, 2006. p. 105. 61
62
Ibid., p. 100.
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Ao longode Aolongo desua suahistória, história,a aCorte Cortejá jápossuiuoutros possuiuoutros três trêsregulamentos(1980, regulamentos(1980, 1991,1996),estandohojeemvigoroRegulamentode2000(apartirde1dejunho de2001).Asinovaçõescons de2001).Asino vaçõesconsagradasnestedipl agradasnestediplomasãodenid omasãodenidaspelojuizCanç aspelojuizCançado ado Trindade como “o grande salto qualitativo” por considerar a proteção jurisdicional aos direitos humanos a orma mais eetiva de salvaguarda dos direitos humanos. Ao assegurar em seu artigo 23 que “d “depois epois de admitida a demanda, as presumidas vítimas, seus amiliares ou seus representantes devidamente creditados poderão apresentarsuassolicitações,argumentoseprovasemformaautônomadurantetodo oprocesso”,aCorteoutorgouaoindivíduoo locus standi in judicio. Resta claro que asverdadeiraspartesnocasocontenciosoperanteaCortesãoosindivíduosdeman danteseoEstadodemandado,eprocessualmente,aComissãoInteramericanade Direitos Humanos como o titular da ação. OprocessamentodoEstadoperanteaCortesedáatravésdeseisfases:(a)fase da propositura e exceção preliminar; (b) ase da conciliação; (c) ase probatória; (d) ase decisória; (e) ase das reparações; e ( ) ase de execução da sentença. a Coião e o govero r getio cordr pel libert ção de Gilero mqed. Ver in Corte Itereric de Di reito ho, Co mqed, Reolção de 17 de jeiro de 1995, série C . 18, § 27. aceo e: 27 io 2004. Dipoível e: ttp://www.corteid.or.cr/ erie_c/idex.tl. RamOs, adré de Crvlo. Direitos humanos em uzo. são Plo: mx Liod, 2001. Cpítlo IV. p. 220225. 63
Fases
1. Fase da propositura e exceo preliminar
2. Fase da conciliao
tóPicos e casos - Apenas a Comisso e os Estados-partes da Conveno podem submeter um caso à Corte (art. (ar t. 61, Conveno). - Citao do Estado. - Prazo para o Estado apresentar exceões preliminares, bem como seu exame pelo presidente da Corte. - Faculdade da Corte para convocar audiência. - Possibilidade do demandante desistir da ao. Se a desistência se der antes da citao, ela será aceita obrigatoriamente. Se ocorrer após a citao, a Corte ouvirá as partes. - Corte arquiva o processo ou continua (passa-se à 2ª ase). - As partes podem azer um acordo. No entanto, cabe a Corte homologá-lo. - Citar o caso Maqueda (exemplo de acordo homologado pela Corte) 63. - A propositura de soluo amistosa é uma aculdade da Corte.
3. Fase probatória
- Prazo para a contestao contestao.. - As provas têm que estar elencadas na petio inicial ou contestao, salvo nas hipóteses previstas no art. 43, do Regulamento da Corte. - Corte pode produzir prova (art. 44, Regulamento Corte). - Os Estados no podem processar as testemunhas e peritos por suas declaraões (art. 50, Regulamento Corte).
4. Fase decisória
- A sentena tem ora jurídica vinculante e obrigatória. - Exposio dos votos dissidentes e concorrentes.
5. Fase das reparaões
- No é obrigatória. Ocorrerá apenas quando a sentena de mérito no tratar das reparaões (citar o caso Gangaram Panday64). - Excepcionalmente, admite-se aqui a participao do indivíduo de orma autônoma (art. 23, Regulamento Corte 65). - Trata-se de uma nova etapa do processo: as partes sero intimadas novamente. - Possibilidade de uma nova conciliao entre as partes. - Há uma variedade de reparaões que podem ser xadas, dentre elas: reconhecimento da responsabilidade, indenizao por danos material e moral, obrigao de investigar e punir os agentes responsáveis pelas violaões, obrigaões de azer (ex: construir posto médico e escolar – caso Aloeboetoe66),.
Corte codeo o srie pgr deterid qti o erdeiro d víti, coo or de ideizção peciári o do c do. Ver in Corte Itereric de Direito h o, Co Ggr Pdy Pdy,, seteç de 21 de jeiro de 1994, série C . 16, ite 4 do dipoitivo d eteç. aceo e: 27 io 2004. Dipoível e: ttp://www.corteid.or.cr/ erie_c/idex.tl. adré de Crvlo Ro. op. cit.,. p. 168179. 64
Trte de iovção trzid pelo ovo Regleto d Corte, e vigor prtir de 1º de jo de 2001. Regleto provdo pel Corte o e XLIX período ordiário de eõe, celebrdo do di 16 25 de ovebro de 2000. 65
Ver in Corte Itereric de Direito ho, Co aloebo etoe e otro, seteç de 10 de etebro de 1993 (reprçõe), série C . 15, § 20. aceo e: 27 io 2004. Dipoível e: ttp://www.corteid.or.cr/e rie_c/idex.tl. RamOs, a. op. cit., p. 162168. 66
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6. Fase de execuo da sentena
- O Estado se compromete a cumprir integralmente a pena (art. 68.1, Conveno). - A indenizao se dará pelo processo interno vigente (art. 68.2, Conveno). - Estado no pode alegar impedimento de direito interno como orma de se eximir do cumprimento da pena. - Caso o Estado no cumpra a sentena, cabe a Corte indicar o caso em seu relatório à Assembléia Geral da ONU (art. 65, Conveno).
Nosúltimosanos,aCortetemordenadomedidasprovisóriasdeproteçãoemum número crescente de casos, tanto pendentes ante ela como ainda não submetidos a ela,maspendentesanteaComissão,apedidodestaúltima(art.63.2,Convenção). Tais medidas têm sido ordenadas em casos de extrema gravidade ou urgência, de modoaevitardanosirreparáveisàvidaeintegridadepessoaldeindivíduos.ACorteas ordena com base em uma presunção razoável. As medidas provisórias revelam, assim, a importante dimensão preventiva da proteção internacional dos direitos humanos. ÉimportanteressaltarqueoEstadobrasileiroaceitouajurisdiçãodaCorteem 10dedezembrode1998,reconhecendoajurisdicionalizaçãodasviolaçõesdedi reitos humanos que engendram sua responsabilidade internacional. Em junho de 2002,aCortedeterminouqueoEstadobrasileiroprotejaavidaeintegridadepessoaldospresosdaCasadeDetenção“UrsoBranco”,nacidadedePortoVelho,Es tadodeRondônia.Quatrooutrasresoluções(agostode2002,abrilde2004,julho de 2004 e setembro de 2005) também oram publicadas com o mesmo propósito. ConstamaindadosprocedimentosperanteaCorte:doiscasosdefundo(Damião XimeneseGilsonNogueira)eoutramedidaprovisória(AdolescentesInternosda FEBEM).AprimeirasentençadaCorteemfacedoEstadobrasileirofoieditadaem agosto de 2006, no caso do Damião Ximenes. 67ACortedeixouclaroqueoBrasil “tem responsabilidade internacional por descumprir, neste caso, seu dever de cuidar e de prevenir a vulneração da vida e da integridade pessoal, bem como seu dever de regulamentar e scalizar o atendimento médico de saúde”68. Por m, há de se concluir que a adesão do Estado brasileiro ao Sistema InteramericanodeDireitosHumanos,emespecialcomaaceitaçãodajurisdiçãodaCorte, garantiu aos indivíduos uma importante e ecaz esera complementar de garantia aos direitos humanos sempre que as instituições nacionais se mostrem omissas ou alhas. Diante do exposto, indaga-se: • OprocedimentoperanteaComissãopodeserrenunciadopeloEstado?Qual éaposiçãodaCortearespeito? • Osrequisitosquedevemserobservadosparaqueumapetiçãosejaadmitida pelaComissãocomportamexceções?Quais? • QuaissãooscasosemqueaComissãopodeadotarmedidascautelaresou requererqueaCorteadotemedidasprovisórias?Jáhouvealgumcasoemque aCorterequereuaoBrasilqueadotassemedidasprovisórias?Casopositivo, oEstadoascumpriu?Quaisforamasconseqüências?
Iorçõe tlizd e 25 de otbro de 2006. 67
Pr ler eteç ítegr, cee o ite d Corte Iter eric de Direito ho: ttp://www.corteid.or.cr/. 68
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• QuantoscasoscontraoBrasiltramitamperanteaComissão? • QualéanaturezadeambososinformesdaComissão? TendoemvistaainexistênciadequalquersentençadaCorteInteramericanade Direitos Humanos em desavor do Estado brasileiro, cabem as seguintes indagações: • Hádistinçãoentresentençaestrangeiraeinternacional? • Deverãoassentenças ser examinadaspelo SupremoTribunalFederalpela concessãodoexequatur? • PoderãoosindivíduosdemandantesexecutarperanteaJustiçaFederal? Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : PIOVESAN,Flávia.Direitoshumanosejustiçainternacional.SãoPaulo:Saraiva,2006.pp.85-98. l eiTuRa acessóRia : CANÇADOTRINDADE,AntônioAugusto.O esgotamento de recursos internos no direito internacional.Brasília:EditoraUnb,1997. CEJILBrasil.ResponsabilidadeinternacionaldoEstado edecisões doSistema Interamericano em 2003. In: DireitosHumanosnoBrasil2003.São Paulo:RedeSocialdeJustiçaeDireitosHumanos,2003.p.261-268. PIOVESAN,Flávia.Direitoshumanosejustiçainternacional.SãoPaulo:Saraiva,2006.pp.98-118. RAMOS,AndrédeCarvalho. Direitos humanos em juízo. São Paulo: Max Limonad,2001.CapítuloIII.p.63-99;CapítuloIV:casoVelásquezRodri guez.p.118-145;casoAloeboetoe.p.162-168;casoGangaramPanday.p. 168-179;casoMaqueda.p.220-225;casoElAmparo.p.225-232;Capítulo V.p.341-349;CapítuloVII.p.491-515. l egislação: Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem ConvençãoAmericanasobreDireitosHumanos CartadaOEA RegulamentodaComissãoInteramericanadeDireitosHumanos EstatutodaComissãoInteramericanadeDireitosHumanos RegulamentodaCorteInteramericanadeDireitosHumanos EstatutodaCorteInteramericanadeDireitosHumanos
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aula 10: sistema interamericano de direitos humanos: estudo de caso NOTA AO ALUNO
1. Do caso
Ocaso“ElAmparo”foisubmetidoàCorteInteramericanadeDireitosHuma nos(Corte)pelaComissãoInteramericanadeDireitosHumanos(CIDH)emface doEstadodaVenezulanodia14dejaneirode1994.Foialegadaviolaçãoaosse guintesartigosdaConvençãoAmericanadeDireitosHumanos:2(deverdeadotar disposições de direito interno), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 8.1(garantiasjudiciais),24(igualdadeperantealei)e25(proteçãojudicial),todos eles em concordância com o artigo 1.1 (obrigação de respeitar os direitos) pela mortede14dos16pescadores,bemcomoviolaçãoaosartigos5,8.1,24e25em relação aos dois pescadores que conseguiram ugir. bv d d
Em29deoutubrode1988,16pescadoresdopovoado“ElAmparo”dirigiamseaoCanal“LaColorada”paraparticipardeumcampeonatodepesca.Às11:20 o barco parou e quando os pescadores desembarcavam, membros do exército e da políciadoCEJAP(ComandoEspecícoJoséAntonioPáez),querealizavamuma operação militar, mataram 14 dos 16 pescadores. Os dois sobreviventes conseguiramescaparanadoe,emumprimeiromomento,refugiaram-senafazenda“Buena Vista”, localizada a 15km do local dos eventos. No dia seguinte, se entregaram ao ComandantedaPolíciade“ElAmparo”,Tovar,que,prontamente,lhesofereceu proteção. No entanto, Tovar começou a sorer pressões por parte de policiais e militares para entregar os sobreviventes ao Exército. Em virtude da presença de grande quantidade de pessoas diante da delegacia, oi impossível retirar os sobreviventes à orça dali. Natardedodia29,oInspetorchefedoDISIP(DireçãodosServiçosdeInteligência e Prevenção) visitou Tovar e lhe inormou que havia matado 14 guerrilheiros.Logoapós,familiares,levandoemconsideraçãoodivulgadopelamídia(haveria ocorrido um conronto armado com combatentes colombianos), abordaram Tovar amdesaberoparadeirodeseusentesquehaviamidopescarnodia29eatéagora não tinham retornado. Em10deagostode1990,aComissãoinstaurouocason.10.602,quetramitouaté odia12deoutubrode1992,datanaqualadotou,conformeoartigo50daConvenção AmericanasobreDireitosHumanos(Convenção),oInforme n.29/93,recomendando ao Estado venezuelano que punisse os autores do crime de homicídio praticado contra as vítimas de ‘El Amparo’, além de indenizar os amiliares das vítimas. FGV DIREITO RIO 58
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Em virtude alta do cumprimento, pelo Estado venezuelano, do reerido Inorme,aComissãopropôs,em14dejaneirode1994,umaaçãoderesponsabilidade internacionalcontraoreferidoestadoperanteaCorteInteramericanadeDireitos Humanos (Corte),alegandooseguinte:violação aosarts.2(deverdeadotardisposiçõesdedireitointerno),4(direitoàvida),5(direitoàintegridadepessoal),8.1 (garantias judiciais), 24 (igualdade perante a lei) e 25 (proteção judicial), todos eles em concordância com o artigo 1.1 (obrigação de respeitar os direitos), pela morte dos14pescadores,eviolaçãoaosarts.5,8.1,24e25emrelaçãoaosdoissobrevi ventes. Requereu, ainda, que o estado indenizasse os amiliares das vítimas. Por m, aComissãosolicitouquefossedeclaradaaincompatibilidadedoart.54,incisos2e 3,doCódigodeJustiçaMilitarcomoobjetodaConvenção. EssaaçãojudicialfoipossíveltendoemvistaqueaVenezuelaraticouaConvençãoem9deagostode1977ereconheceuacompetênciadaCorteem24dejulho de1981. bv d d
Emumbreveresumo,emsentençade18dejaneirode1995,aCorte:1)tomou nota do reconhecimento de responsabilidade eetuado pelo Estado venezuelano; 2) decide que o Estado está obrigado a reparar os danos e pagar uma justa indenização às vítimas sobrevivente e aos amiliares dos alecidos; 3) arma que as reparações serãoalvodeacordoentreaCIDHeoEstado,sendoreservadoàqueletribunala faculdadedeaprova-lo.Isoladamente,oJuizAntônioAugustoCançadoTrindade expressaseuentendimentodequeaCortedeveriateresclarecidoquetemafacul dadededecidiracercadaincompatibilidadeentreosartigosdoCódigodeJustiça MilitareaConvenção. Nasentençadereparaçõesde14desetembrode1996,aCorte,dentreoutras medidas: 1) xa o valor da indenização aos amiliares das vítimas às vítimas sobreviventes; 2) decide que o Estado venezuelano está obrigado a continuar as investigações acerca dos atos a que se reere e a sancionar os responsáveis; 3) declara, em votação não unânime, que não procedem as reparações não-pecuniárias nempronunciamentosobreaconformidadedoCódigodeJustiçaMilitarea Convenção. Emresumo,aCortenãoacatouopedidodaComissãoInteramericanadeDi reitos Humanos sob o argumento de que, in casu, tal dispositivo não ora aplicado. Reiterou-seassimoposicionamentonaOpiniãoConsultivanº14,naqualassevera que tal exame somente seria possível no exercício de sua competência consultiva. Poroutrolado,emvotodissidente, argumentaojuizAntônioAugustoCançado Trindade que, a própria existência de um dispositivo legal pode per se criar uma situaçãoqueafetadiretamenteosdireitosprotegidospelaConvenção,nãosendo necessário o aguardo da ocorrência de um dano.
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2. Dos posicionaMentos propostos
Dez alunos poderão participar da atividade, devendo estes ser divididos em cinco grupos, os quais assumirão os seguintes posicionamentos: a) b) c) d) e)
ComissãoInteramericanadeDireitosHumanos; FamiliaresdasVítimas; Estado da Venezuela; CorteInteramericanadeDireitosHumanos;e VotodissidentedoJuizAntônioAugustoCançadoTrindade.
3. Dos arGuMentos
Tendo por base as decisões do caso em tela, cada grupo deverá construir argumentos acerca dos seguintes pontos: 1. 2. 3. 4. 5. 6.
Indenização em geral e danos materiais Danos morais Eetuação do pagamento Reparações não pecuniárias CompatibilidadedoCódigodeJustiçaMilitarcomaConvençãoAmericana Dever de investigar e punir os responsáveis
Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : CasoEl Amparo Vs. Venezuela . Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/seriec/ index_c.html l eiTuRa acessóRia : CANÇADOTRINDADE,AntônioAugusto.“ElnuevoreglamentodelaCorte Interamericana de Derechos Humanos (2000): la emancipación del ser humano como sujeto del derecho internacinal de los derechos humanos” in Re vista Proteção Internacional da Pessoa Humana . Vol. I. No 2. Universitas –CentroUniversitáriodeBrasília–UniCEUB.p.09–40. RAMOS,AndrédeCarvalho. Direitos humanos em juízo. São Paulo: Max Limonad,2001.
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l egislação: ConvençãoAmericanasobreDireitosHumanos RegulamentodaComissãoInteramericanadeDireitosHumanos RegulamentodaCorteInteramericanadeDireitosHumanos
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aula 11: direito internacional humanitÁrio e direito internacional dos reFugiados NOTA AO ALUNO
Nascidos em períodos históricos diversos, o Direito Internacional Humanitário (DIH), o Direito Internacional dos Reugiados (DIR) e o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) apresentam aplicabilidades e mecanismos de supervisões dierenciados. Todavia, tais particularidades não aastam, e sim intensicam sua complementaridade, uma vez que tais vertentes possuem um elemento em comum: a proteção da pessoa humana. A realidade do mundo contemporâneo reetida em temas como guerra contra o terrorismo, conitos armados, reugiados, deslocados, entre tantos outros, conduz à inaastabilidade do estudo do DIH e do DIR. As notícias expostas nas seguintes notas não nos contam ocorrências escondidas em algum capítulo da História. São conitos que atingem milhares de pessoas no mesmo momento em que você está lendo esse texto. i: v dvm d. D d, d D 09 d vm d 2004
comunicado de impRensa nº 04/62 do comiTê inTeRnacional da cRuz v eR melha
Fallujah/Iraque(CICV)–OComitêInternacionaldaCruzVermelha(CICV) lembra a todos os envolvidos nos enrentamentos armados em curso no Iraque que o Direito Internacional Humanitário proíbe agredir ou matar aos civis que não tomem parte diretamente das hostilidades. A organização az um chamamento às partes para que tomem toda precaução possível poupando os civis e as propriedades civis, e respeitando o princípio de distinção e proporcionalidade nas operações militares. OCICVestáprofundamentepreocupadocomrelatosdequeosferidosnãoestão podendo receber atenção médica adequada. A organização insta os beligerantes a assegurar que todos os que precisem de cuidados – sejam ou não inimigos – devem ter acesso ao atendimento médico, e o pessoal médico e seus veículos devem poder operar sem entraves em quaisquer circunstâncias. Milharesdecivisiraquianos,incluindomulheres,criançaseidosos,fugiramde Fallujahbuscandorefúgionosarredoresdacidade.Muitosdestesdeslocadosinternos precisam de água, alimentos, abrigo e assistência médica. Eles devem ter garantido o direito de retornar a suas casas o mais cedo possível. OCICVpermanececomprometidoemrealizarseutrabalhohumanitáriono Iraque e insta todas as partes a acilitarem a passagem de suas equipes de ajuda humanitária que levam assistência de maneira neutra aos civis aetados pelo conito. http://www.cicr.org/Web/por/sitepor0.nsf/html/66LLHJ!OpenDocument FGV DIREITO RIO 62
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sd: d d cicV mâ d D i Hm D 30 d vm d 2004
comunicado de impRensa nº 04/71 do comiTê inTeRnacional da cRuz v eR melha
Cartum/Genebra(CICV)–OpresidentedoComitêInternacionaldaCruzVermelha(CICV)JakobKellenbergerterminouhojeumavisitadetrêsdiasàscidades deElFasher,KutumeZalingei,naregiãodoDarfur,fronteiraentreoChadeeo Sudão, na Árica. KellenbergerreconheceuqueoacessoàsvítimasdoconitoarmadonoDarfur melhorou sensivelmente desde de sua última visita à região, em março de 2004. “PensoqueoCICVoptouporumaboasoluçãoquandodecidiuconcentrarsuas operações de socorro nas regiões rurais com a intenção de evitar novos deslocamentosdepopulaçõesefacilitar oretornodosquepartiram”,disseKellenberger.Por outro lado ele destacou, em todas as ocasiões, que este retorno deve ser absolutamente voluntário e que as condições de segurança para os civis devem ser consideravelmente reorçadas nestas áreas. OpresidentedoCICVencontrou-secomdiversasautoridadesdogovernosuda nês.FrenteàsgravesviolaçõesdoDireitoInternacionalHumanitáriocometidassob responsabilidadedogoverno,Kellenbergerformulouumasériederecomendações destinadas a melhorar a proteção da população civil, velando prioritariamente pelo conhecimento e respeito aos princípios básicos do Direito Internacional Humanitário, de ambos os lados do conito, e em toda a cadeia de comando das orças governamentais. O governo deve também tomar as providências para acabar com a impunidadedosculpadosporviolações.Nestecaso,Kellenbergerdeixouclaroque oCICVseguirádepertoaimplementaçãodasrecomendaçõesapresentadas. ComumorçamentodeUS$112milhões,oSudãoserá,em2005,omaiorte atrodeoperaçõesdoCICVemtodoomundo.AlémdefazerconheceroDireito Internacional Humanitário e de assegurar o respeito por estas normas, em terreno, oCICVprestaassistênciaameiomilhãodepessoasemtodooSudão,fornecendo água e alimentos, além de artigos de primeira necessidade e socorro médico. As operaçõesdoCICVsãorealizadasemcooperaçãocomoCrescenteVermelhoSudanêse outrasSociedadesNacionaisdaCruzVermelhaedoCrescenteVermelho. DoSudão,opresidentedoCICViráaoQuênia,ondeparticipadaCúpulade NairóbiparaUmMundoLivredeMinas http://www.cicr.org/web/por/sitepor0.nsf/iwpList4747E1213A0B72DE90325 6F5F005B3500
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rgd b: d hm d m md m ó p pí p
Há3milrefugiadosnoBrasil.Sãomulherese,emgrandeparte,homenscom idade entre 20 e 25 anos. Às vezes, amílias inteiras de desterrados. A maioria é de aricanos e latino-americanos. O elo que os une: expulsos por terríveis guerras civis, perseguições políticas, ideológicas e religiosas, violências étnicas e tribais e outras violações graves de direitos humanos, ugiram de seus países de origem e realizaram verdadeirasfaçanhasparachegaraoBrasil. Aqui, pediram reúgio ao governo e tentam reconstruir suas vidas, em meio a lembrançasdedoresofrimento.Comomesmoperl,existempelomenosoutros 6milrefugiadosquevivemnoBrasil,masqueaindanãoconseguiramodireito de viver em território nacional. Sozinhos em um país estranho e vivendo de orma ilegal, permanecem com medo da deportação. Voltar para casa, para eles, seria o mesmo que morrer. SegundoorepresentantenoBrasildoAltoComissariadodasNaçõesUnidas paraRefugiados(Acnur),LuisVarese,cercade35%daspessoasqueentramcom processo para pedir o reconhecimento como reugiado têm essa condição validada. AassistentesocialDeniseOrlandiCollus,que trabalhanoSescCarmo,emSão Paulo, onde são oerecidos programas de apoio a imigrantes e por onde já passaram cerca de 1,2 mil dos 1,5 mil reugiados que vivem na cidade, conta que a maioria dosquenãoconseguemobterostatuspermanecenoBrasilassimmesmo.“Elessa bemquenãoserãodeportados.Sósecometeremumainfraçãograve.Mesmoassim, vivem com medo”, diz. b aRReiRas na Fuga , e no bRasil A primeira barreira que o reugiado enrenta é a viagem de uga. É preciso ultrapassarafronteiradesuaterranatalparapedirproteçãoaogovernodoBrasil–país signatáriodotratadodaConvençãodeGenebra,de1951,equedesde1997tem uma lei nacional especíca na qual se compromete a receber, proteger e ajudar a integrar reugiados. Para chegar ao País, muitos viajam como clandestinos em cargueiros e enrentam dias de ome e tensão. Outros vagam anos a pé até conseguir embarcaremaviões,comocontanesteespecialoafricanodaCostadoMarmEdmondKouadio,38anos,queatravessouquasetodoocontinenteafricanofugindo de massacres e guerras civis. JánoBrasil,éprecisoprovarquesecorreriscodevidanopaísdeorigem.Oprocesso,quepodelevarseismeses,éanalisadopeloComitêNacionalparaRefugiados (Conare),órgãoligadoaoMinistériodaJustiça.Comaraticação,apessoapassaa gozar de total liberdade dentro do território nacional. Recebe cédula de identidade deestrangeiro,CPFecarteiradetrabalhoe,porumperíodomédiodeseismeses, tem direito a um salário mínimo e medicamentos, ornecidos pelo Acnur. A condição pode ser estendida aos amiliares e dependentes que se encontrem em território nacional. FGV DIREITO RIO 64
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Enquanto aguarda o resultado do processo os reugiados procuram aprender a língua, adaptar-se aos hábitos dos brasileiros e integrar-se socialmente. Para isso, têmaajudadaCáritas,organizaçãonão-governamentaldeassistênciaeproteçãoaos refugiadosligadaàIgrejaCatólica,responsávelporimplementaroprogramadoAc nuremSãoPauloenoRiodeJaneiro.Comospapéisemmãos,aurgênciapassaa ser conseguir emprego e moradia. Surge então uma nova barreira: a do preconceito. “O reugiado é quase sempre visto como bandido ou tracante, o que diculta sua entrada no mercado de trabalho”, conta Denise. A boa ormação do reugiado acaba às vezes sendo um ponto negativo para a integração.DicilmenteeleconsegueexercernoBrasilaprossãoquedesempenhava antes.OcrescentenúmeroderefugiadosvindosdaAméricaLatina–principalmen teColômbia,PerueCuba–nosúltimosanosreforçaessegrupo.Sãopessoascom ormação universitárias e politizadas, como o colombiano Juan (nome ctício), de 45 anos, que é jornalista e especializou-se em prevenção e administração de desastres.NaColômbia,trabalhavanaCruzVermelha.NoBrasil,commulherequatro lhas, enrenta o desemprego e a desilusão das lhas provocada pela queda na qualidade do ensino. http://www.estadao.com.br/especial/refugiados.htm As duas primeiras notas de imprensa são datadas de novembro de 2004, respectivamente acerca dos conitos vividos no Iraque e Sudão. Por sua vez, a terceira nota reeteumpanoramadosrefugiadosnoBrasil.Apósessaleitura,cabeaexploração de alguns elementos do DIH e do DIR, sempre tendo como parâmetro o DIDH. Direito Internacional Humanitário e Direitos Internacional dos Direitos Humanos: tradicionalmente, o DIH protege a pessoa humana em conitos armados e o DIDH em todos os tempos; todavia, “mais recentemente o primeiro temse voltado também para situações de violência em conitos internos, e o segundo à proteção de certos direitos básicos também em diversas situações de conitos e violência.”70 QuaiselementossãocaracterísticosdoDIH? Denição: “trata-se do corpo de normas jurídicas de origem convencional ou consuetudinário, especicamente aplicável aos conitos armados, internacionais ou não-internacionais, e que limita, por razões humanitárias, o direito das partes em conito de escolher livremente os métodos e os meios utilizados na guerra, evitando que sejam aetados as pessoas e os bens legalmente protegidos.” 71 Se a guerra é o campo do conito, por que será que existem normas que regulamentam as condutas perpetuadasnesseperíodo?Haveriaumacontradiçãoentreconitoeregrasaserem cumpridas?Arespostaénão.Anormatizaçãodoconitovisaprecisamenteàmitigação de seus eeitos e a sua não transormação em uma barbárie absoluta. Tendo emvistaqueaCartadasNaçõesUnidaslegitima expressamente ouso da orça em circunstâncias limitadas, é preciso compreender algumas limitações acordadas pelos Estados de orma a tornar os conitos armados menos danosos, notadamente no que se reere à proteção da pessoa humana. Histórico:Comofoiestudadonaaula02–DesenvolvimentoHistóricodosDi reitos Humanos, o DIH pode ser indicado como precursor da internacionalização
CanÇaDO TRInDaDE, atôio agto. Tratado de Direito Internaciona dos Direitos Humanos. Vole I. Porto alegre: sergio atoio Fbri Editor, 1997. p. 275. 70
PEYTRIGnET, Gerrd. “site Itercioi de proteção d peo : o direito iterciol itário”. I: CanÇaDO TRInDaDE, atôio agto; PEYTRIGnET, Gerrd; e sanTIaGO, Jie Riz de (org.). As trs ertentes da proteção internaciona dos direitos da pessoa humana. s Joé, CR: Ititto Iter erico de Direito ho, Coitê Iterciol d Crz Verel, altoCoirido d nçõe uid pr o Re gido, 1996. 71
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da proteção da pessoa humana. O enquadramento moderno é marcado pela Convenção de Genebra de 1864 para melhoramento da condição de eridos no campo . É importante lembrar que nesse momento, o mundo era ormado por poucos Estados e não existiam instâncias multilaterais que pudessem monitorar o uso da orça. Esse esorço normativo é resultado da barbárie vivenciada nos campos de guerra existentes naEuropaduranteoséculoXIX.Em1859,ogenebrinoHenryDunantpresenciou as atrocidades da batalha de Solerino, norte da Itália, entre ranceses e austríacos. Publicou,em1862,olivro“RecordaçõesdeSolferino”,noqualpropõeacriação de entidades de socorro privadas em cada país e a elaboração de um acordo internacionalquefacilitasseotrabalhodasmesmas.Em1863,emcompanhiadeoutros genebrinos,DunantfundouoComitêInternacionaldeAjudaaosFeridos,oqual veioaserchamadologoapósdeComitêInternacionaldaCruzVermelha(CICV). A convitedogovernosuíço, foicelebradaumaconferêncianoanode1864que aprovouoConvênioparaaproteçãodosferidosnocampo,que,emseus10artigos, estabeleceu o marco normativo moderno do DIH. Principais tratados: tal passo não oi suciente para evitar os resultados trágicos dasduasGrandesGuerrasMundiais.Eranecessárioumcompromissomaisefetivo porpartedosEstados paraoestabelecimento deumaordemmundial pós-1945. PoriniciativadoCICR,aSuíçaconvocouumaconferênciaemGenebranoanode 1949,daqualresultaramosdiplomasqueconstituemachave-mestradoDIH: • ConvençãodeGenebraI–protegeosferidosedoentesdasForçasArmadas em campanha; • ConvençãodeGenebraII–protegeosferidos,doentesenáufragosdasForças Armadas no mar; • ConvençãodeGenebraIII–protegeosprisioneirosdeguerra;e • ConvençãodeGenebraIV–inauguraapreocupaçãocomapopulaçãocivil. Aextensãode suaaplicabilidadeearaticaçãopor partede191paísesfazem comqueoDIHsejadenominadomuitasvezesdeo“DireitodeGenebra”.Todavia, a preocupação com as guerras de libertação nacional e a necessidade de regulamentação dos conitos armados não-internacionais conduziram ao chamamento deumaconferênciainternacionalem1977,realizadatambémemGenebra,paraa elaboraçãodedoisprotocolosadicionaisàsConvençõesdeGenebra. • Protocolo AdicionalI–emnome do princípio daauto-determinação dos povos, o Protocolo Adicional I amplia a denição de conito armado internacional por incorporar aqueles nos quais se luta contra regimes de dominação colonial ou contra regimes racistas, tendo sido raticado por 161 países; e • Protocolo AdicionalII–disciplinaa previsão do artigo 3º comume sua aplicabilidadeaconitosarmadosinternos.Condições:forçasarmadasdis sidentes ou outros grupos armados organizados, sob comando responsável e exercendo controle sobre certa parte do território. O Protocolo II oi raticado por 156 países. FGV DIREITO RIO 66
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As convenções e o Protocolo I são aplicáveis a conitos armados, o que signica o envolvimento de dois ou mais Estados. Importante ressaltar que a aplicabilidade de tais normas não está condicionada à declaração ormal de guerra, bastando o ato deumconitoarmado.Porsuavez,oProtocoloIIeoArtigo3comumàsConvenções, também denominado “mini-convenção” são aplicáveis a conitos armados não-internacionais.. Princípios undamentais: De acordo com grácos apresentados no site doCICV 72, é possível enumerar os princípios regedores do DIH:
Somente podem ser atacados os objetivos militares.
Recolher e dar assistência aos eridos aos doentes e aos náuragos, sem discriminação alguma.
Tratar com humanidade o adversário que se rende ou é capturado, assim como os prisioneiros ou detidos.
Respeitar os civis e seus bens.
Não causar sorimentos ou danos excessivos.
Não atacar o pessoal médico ou sanitário nem suas instalações e permitir que açam seu trabalho. aceo e: 19 jo 2005. Dipoível e: ttp://www. cicr.org/web/por/itepor0./ iwpLit104/a586aE20F1419C1 256DEa00349CD7). 72
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NãocolocarobstáculosaopessoaldaCruzVermelha no desempenho de suas unções.
Deacordocomoartigo38daConvençãoIdeGenebra,emhomenagemàSuí ça, o sinal heráldico da cruz vermelha em undo branco, ormado pela inversão das cores ederais, é mantido como emblema e sinal distintivo do serviço de saúde dos exércitos. Estabelece ainda que, para os países que empregam já como sinal distintivo, em vez da cruz vermelha, o crescente vermelho ou o leão e o sol vermelhos em undo branco, estes emblemas são igualmente reconhecidos nos termos da presente Convenção. Aplicabilidade do DIH: ao assinar um tratado de DIH, o Estado obriga-se não apenas às normas nele constantes, mas também a adequar a sua legislação interna de orma a compatibiliza-la, notadamente no que se reere às normas de caráter penal comum e militar e processual penal comum e militar. Assume ainda a obrigação de adotar medidas preventivas, como a de diusão do conteúdo dos tratados, seja em tempo de paz ou de guerra, em especial a autoridades civis e militares. Igualmente, deve assegurar medidas de controle, undamentais à determinação de inrações às normas de DIH: tendo em vista a necessidade de se estabelecer uma autoridade neutra capaz de arbitrar um conito armado, o direito consuetudinário reconheceu, por meio da nomenclatura ‘Potência Protetora’, a designação de um Estadoalheioaoconito.TalinstituiçãofoiconsagradapelaConvençãodeViena sobreRelaçõesDiplomáticasde1961.Consideradaadiculdadedeeleiçãodetal Estado,oComitêInternacional daCruzVermelha(CICV)acabaporagir como substitutodapotência.Porsuavez,oProtocoloIde1977convencionouacriação daComissãoInternacionaldeApuramentodosFatos,instituiçãoimparcialcapaz de acompanhar a veracidade das alegadas violações ao DIH. Por m, é também tarea do Estado estabelecer medidas de repressão, uma vez que a violação das regras de DIH corresponde à violação de regras de caráter interno, notadamente penal e processual, seja comum ou militar. Nesse sentido, o Estado deve envidar todos os esorços para cessar condutas que arontam o DIH e deve punir os autores de condutas adversas a esse direito. D Hm D d rgd
Aglobalizaçãoeconômicadesnudaumparadoxo:porumlado,asfronteirasesta tais diminuem no que concerne a mercadorias, serviço e principalmente a capitais; por outro, nunca estiveram tão altas no que concerne a pessoas. Vivencia-se hoje um enorme uxo migracional, causado muitas vezes pelas próprias decorrências do capitalismo que não encontra nas ronteiras a mesma exibilidade. FGV DIREITO RIO 68
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É claro que o ‘deslocar-se’ az parte da história, mas oi o nal da SegundaGuerraMundialomarcoinauguralparaoabrigointernacionalasuaproteção,em determinadas situações, no contorno especíco da gura do reugiado. A proteção ao reugiado encontra abrigo no marco undamental dos direitos humanos:assinadaem1948,aDeclaraçãoUniversaldosDireitosHumanosesta belece que toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países . Nesse sentido, 134 países comprometeram-se com a causa no momentodaassinaturadaConvençãosobreoEstatutodosRefugiadosde1951edo Protocolode1967. AConvençãoestabeleceuadeniçãoclássicaderefugiadocomoqualquerpessoa que: (...) em conseqüência de acontecimentos acorridos antes de 1 o. de janeiro de 195173 e temendo ser perseguida por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra ora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país ou que, se não tem nacionalidade e se encontra ora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos não pode ou, devido ao reerido temor, não quer voltar a ele.
O Direito Internacional dos Reugiados vem galgando importantes passos ao longodesuahistória.Originalmente,“criadoemumcontextodeGuerraFria,este conceito tem como centro a questão da perseguição, o que se coaduna pereitamente à dualidade de sistemas vivenciada no pós-guerra: os reugiados podiam ser vistos como troéus de um sobre o outro.” 74 Há de se destacar que a concepção clássica de reúgio, concebida no descrito contexto, caracteriza-se como subjetiva e individual, tendo como base a idéia de perseguição. Todavia, a realidade internacional demonstrou a incapacidade desse conceito jurídico em dar uma resposta a situações áticas, erigindo a necessidade de revisão do conceito do reúgio. Aprimeirainiciativade ampliaçãoencontra-senaConvençãodaOrganização daUnidadeAfricana,aprovadaem1969,entrandoemvigorem1974.Estabelece, em seu artigo 1, inciso 2: 2. O termo “reugiado” aplicar-se-á também a toda pessoa que, por causa de uma agressão exterior, uma ocupação ou uma dominação estrangeira ou de acontecimentos que pertubem gravemente a ordem pública em uma parte ou na totalidade de seu país de origem, ou do país de sua nacionalidade, está obrigada a abandonar sua residência habitual para buscar reúgio em outro lugar or do seu país de origem ou do país de sua nacionalidade.
A ampliação do conceito também teve palco no continente americana, adaptando-noàrealidaderegional,porocasiãodaDeclaraçãodeCartagenade1984.Em sua terceira conclusão, estabelece que:
O Protocolo de 1967 veio jtete retirr retrição teporl ipre pel Co veção. 73
mELO, Croli de Cpo. “Reviitdo o coceito de reúgio: perpectiv pr ptriotio cotitciol”. I: aRaÚJO, nádi de; e aLmEIDa, Gilere de (org.). O Direito Internaciona dos Refuia dos: uma perspectia rasi eira. Rio de Jeiro: Reovr, 2001. p. 267. 74
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(...) az-se necessário encarar a extensão do conceito de reugiado, tendo-se em conta, no pertinente, e dentro das características da situação existente na região, oprecedentedaConvençãodaOUA(artigo1,parágrafo2)eadoutrinautilizada nosinformesdaComissãoInteramericanadeDireitosHumanos.dessemodo,a denição ou conceito de reugiado recomendável para sua utilização na região é aquelaquealémdeconteroselementosdaConvençãode1951edoProtocolode 1967,consideretambémcomorefugiadosaspessoasquefugiramdeseuspaíses porque sua vida, segurança ou liberdade oram ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conitos internos, a violação massiva dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.
Cumpreressaltarqueospaísesamericanosreiteramaperspectivaampliadado conceitoderefúgionoanode1994,umadécadadepoisdeCartagena,porocasião da Declaração de San José. Esta declaração aproundou as relações entre o DIR e o DIDH ao tratar de orma mais aproundada questões deslocamentos orçados. Tanto a concepção aricana quanto a americana demonstram como a realidade conduziuanecessidadedeadequaçãodaConvençãode1951.Percebe-seumaclara objetivação do conceito de reúgio, o qual deixa de ter a idéia de perseguição como fundamental.DeacordocomCançadoTrindade,“vem-sepassandogradualmente de um critério subjetivo de qualicação de indivíduos, segundo as razões que os teriam levado a abandonar seus lares, a um critério objetivo concentrado antes nas necessidades de proteção.” 75 Os conceitos descritos conduzem ainda à premissa que permeia a presente aula. Não se pode mais alimentar a compartimentalização da proteção da pessoa humana. Anal, resta claro que o DIR e o DIDH passam a ter não apenas progressiva interação, mas a violação de direitos humanos assume a condição de situação que acarreta reúgio. Nesse sentido, o DIDH deve contracenar com o DIR em três momentos: prevenção, proteção e solução. É precisamente nesse sentido que se constrói a estratégia doAltoComissariadodasNaçõesUnidasparaRefugiados(ACNUR).“Avisão tradicional concentrava atenção quase que exclusivamente na etapa intermediária deproteção(refúgio);foramasnecessidadesdeproteçãoquelevaramoACNUR, nos últimos anos, a ampliar seu enoque de modo a abranger também a etapa ‘prévia’ de prevenção e a etapa ‘posterior’ de solução duradoura (repatriação voluntária, interação local, reassentamento).”76 No que se reere à etapa preventiva, violações maciças de direitos humanos e conitos armados podem ser indicados por atores determinantes para a saída de determinados grupos de um país, constituindo campo de implantação concomitante do DIDH e do DIH. Por sua vez, a etapa da proteção tem no princípio do non reoulement sua principal viga. Por m, no que concerne à solução duradoura, cabem alguns esclarecimentos: ultrapassada a concessão de reúgio por órgão independente e especializado, deve ser estipulada uma solução considerada duradoura para os reugiados. Dentre elas, destaca-se a integração local, cabendo ao Estado
75
CanÇaDO TRInDaDE, a. a.
op.cit . p. 322. 76
Idem, p. 320.
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todas as providências necessárias para o exercício dos direitos humanos por parte dosrefugiados,comoeducaçãoetrabalho.Cabetambémarepatriação,sendoab solutamente necessária a anuência do reugiado, de orma a garantir o princípio do non reoulement . Por m, há também o reassentamento quando o reugiado vai para um terceiro país. Todavia, nem todas as pessoas que têm que deixar seus lares cruzam as ronteiras. Por mais que as condições que expulsam os reugiados e os deslocados de seus lares possuam o mesmo cerne – armativa que encontra respaldo no conceito objetivo de reugiados – somente aquele que cruza a ronteira pode perquirir o status de reúgio. Originalmentecriadocomtarefarestritivaaosrefugiados,oACNURtemdesen volvido diversas atividades que contemplam os deslocados, apátridas, solicitantes de asilo e retornados. Se o número de reugiados vem diminuído ao longo dos últimos anos, o mesmo nãosepodedizerdosdeslocados.EmsemaisrecenteRelatório,oACNURassevera que“onúmeroglobalderefugiadosbaixouem4%,noanode2004,estimandoseem9.2milhõesototalatual,omaisbaixoemquase25anos.Mas,apesardo decréscimo,odadoglobaldepessoasdasquaisseocupaoACNUR,incluindoos solicitantes de asilo, retornados, apátridas e um total de 6.4 milhões de deslocados internosaumentoupara19.2milhões.”77 Porm,cabemaquialgumasponderaçõessobreosrefugiadosnoBrasil.Como ilustradooterceirotextoinicialdaNotaaoAluno,oBrasilrecebehojemilharesde reugiados. O diagnóstico das nacionalidades vêm sorendo alterações ao longo dos anos.ComoressaltaGuilhermedeAlmeida,emretrospectivahistórica,aoincorpo raraConvençãosobreoEstatutodosRefugiadosde1951,oDecretonº50.215, de28dejaneirode1961,estabeleceuma“reserva”geográca,aqualestipulao Brasilaceitariasomenterefugiadosoriginadosdocontinenteeuropeu.Talcláusula fezcomque,atéquefosselevantadaem1989,algunsgruposfossemrecebidoscom outrotítulo,comofoiocasode150vietnamitasem1979/80e50famíliasBahai (Irã)em1986.Entreosanosde1992e1994,oBrasilrecebecercade1200angola nos.Interessanteressaltarque,mesmoemmomentoanterioràelaboraçãodaLeinº 9747/97queabrigoutantoaconcepçãoclássicaquantoaampliadaderefugiado,o Estado brasileiro aceitou as vítimas da guerra civil angolana com base na Declaração deCartagena.78 De acordo com a tabela abaixo, é possível vislumbrar o atual retrato dos reugiadosnoBrasil: T abela 1 – ToTal de R eFugiados no bRasil em FeveReiRo de 200579 ( acnuR e conaRe) c pê Árica América (América Latina e Caribe) Ásia Europa Total
Fonte:CONARE
t 2.506 274 181 113 3074
aceo e: 27 de jo de 2005. Dipoível e: ttp://www.ditl.co. br/ite/otici/17275. p?lg=PT&cod=17275. 77
aLmEIDa, G. op. cit . pp. 155 159. 78
aceo e: 27 de jo de 2005. Dipoível e: ttp://www.ditl.co. br/ite/otici/17275. p?lg=PT&cod=17275. 79
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Taisnúmerosreetemospedidosderefúgioacolhidosantesedepoisde1998, momentodeconstituiçãodoComitêNacionalparaRefugiados(CONARE).Órgão coletivosediadonoMinistériodaJustiça,oCONAREéresponsávelpeloexamedas solicitações de reúgio e pela elaboração de políticas públicas para os reugiados. Ficaclaraapreponderânciaderefugiadosdeorigemafricana.Todavia,hádese ressaltar que nos últimos anos, torna-se signicativo o número de reugiados latinoamericanos,notadamenteprovenientesdaColômbia. A contabilidade de reugiados e deslocados está recortada a um determinado período histórico. É certo que a ampliação da denição constitui uma orma de se contemplar grupos que tiveram que deixar seus lares por dierentes razões. Da mesmaforma,organizaçõesinternacionaiscomooACNURtiveramqueexpandir o universo de grupos sob sua responsabilidade, como é o caso dos deslocados. Todavia, a elasticidade conceitual deve ser respeitada pela aplicação de medidas preventivas que evitem que reugiados e deslocados tenham que dar início à partida. Dentre elas, voltamos ao objeto desse curso: a eetiva proteção dos direitos humanos. Diante de todo o exposto, as seguintes perguntas poderão auxiliar o proessor na condução da aula: • • • • • • •
QuaissãoasprincipaisinteraçõesentreoDIDH,DIHeDIR? Qualaprincipaldistinção? Porqueaguerradeveserobjetoderestrições? QuaisosprincípiosregedoresdoDIH? Oquesignicaoprincípiodo non reoulement ? Qualéadiferençanormativaentrerefugiadosedeslocados? Quaisrequisitosdevemserpreenchidosparaaaquisiçãodo status de reugiadonoBrasil?
Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : CANÇADOTRINDADE,AntonioAugusto.ratado de direito internacional de direitos humanos. Vol.I.PortoAlegre:SergioAntonioFabris,1997.pp. 270-284(Cap.VIII;itensIeII). l eiTuRa acessóRia ARAÚJO,Nádiade;eALMEIDA,GuilhermeAssisde.Odireitointernacional dos reugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. CANÇADOTRINDADE,AntonioAugusto.ratado de direito internacional de direitos humanos. Vol.I.PortoAlegre:SergioAntonioFabris,1997.pp. 284-352(Cap.VIII;itensIIIeXII). FGV DIREITO RIO 72
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KALSHOVEN,FritseZEGVELD,Liesbeth.Restricciones en la coducción de la Guerra. Introducción al derecho internacional humanitario.Buenos Aires:CentrodeApoyoenComunicaciónparaAmérica–ComitêInterna cionaldelaCruzRoja,2003.pp.21–41. PIOVESAN,Flávia.“Odireitodeasiloeaproteçãointernacionaldosrefugia dos”.In:PIOVESAN,Flávia.emas de Direitos Humanos.SãoPaulo:Max Limonad,2003.pp.115–146. l egislação: ConstituiçãoFederalde1988 ConvençõesdeGenebrade1949 ProtocolosAdicionaisde1977 ConvençãosobreoEstatutodosRefugiadosde1951 a Tividade complemenTaR : Filme“OResgatedoSoldadoRyan”deStevenSpielberg.
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aula 12: os direitos civis e PolÍticos: direito à vida NOTA AO ALUNO
SantiagoGúzman,colombiano,émembrodaAssociaçãoAmigosdasSementes, quepossuimembrosemtodaregiãoamazônica,inclusivenoPeru,Colômbiae Venezuela.Hámaisde10anos,SantiagoGúzmanrealizaotransportedesementes medicinais entre diversas localidades em seu avião de pequeno porte. Em20deoutubrode2004,quandopartiadaColômbiaparaaIlhadeMarajó, EstadodoPará,Santiagoeseuco-piloto,AntônioGonzalesforamasprimeirasvíti masdaLeidoTirodeDestruição,maisconhecidacomoLeidoAbate. Ao entrarem no espaço aéreo brasileiro, embora não tivessem percebido, oram fotografadosporumaaeronavedaForçaAéreaBrasileira(FAB)amdevericar, entreoutrascoisas,suamatrícula,tipodeaeronave,níveldevôo.Taisdadosforam enviados a Autoridade de Deesa Aeroespacial que, ao entrar no sistema inormatizadodoDepartamentodeAviaçãoCivil(DAC),nãoconseguiuidenticaraaeronave. Aimpossibilidadedeidenticaçãoda aeronaveeaprocedência daColômbia, país reconhecido como importante onte de substâncias entorpecente, conduziram-naàcondiçãodesuspeita.Comomedidadeaveriguação,opilotodaFAB tentou contato via rádio, mas os pilotos, por um problema técnico, não conseguiram entender o que lhe era solicitado, azendo com que a comunicação racassasse. Tiveraminícioasmedidasdeintervenção:duasaeronavesdaFABaproximaram-se ostensivamente,emitindosinaisvisuaisparaopousoimediatodaaeronave.Gúz maneGonzálesmantiveramsuarotaoriginal. Logoemseguida,comomedidadeintervenção,umadasaeronavesdaFABdisparou tiros de advertência laterais à aeronave, o que causou verdadeira situação de pânico para os pilotos. PelofatodeGúzmaneGonzalesteremprosseguidoemsuarota,oaviãofoi considerado hostil. Em procedimento objeto de registro sonoro, após ordem do ComandantedaAeronáutica,foidisparadotirocomointuitodeprovocardanos eimpediroprosseguimentodovôo.Noentanto,osdisparosforamalémdesua nalidade: o avião oi abatido e os tripulantes aleceram. Diantedoacontecido,aComissãodeDireitosHumanosdaCâmaradosDepu tados convocou uma Audiência Pública, na qual oi debatido exaustivamete o assunto. Estiveram presentes autoridades, representantes de organizações e amiliares das vítimas. Dentre os principais argumentos, destaque-se: Mé d D
Sustenta que o Estado brasileiro tem o dever de deender sua soberania nacional – um dos undamentos do Estado Democrático de Direito – sempre em conormidade com as normas legais. Dessa orma, a hipótese do abate do avião colombiano, FGV DIREITO RIO 74
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além de estar legalmente prevista, não se opõe ao direito à vida dos tripulantes, uma vez que os mesmos estavam ameaçando a soberania e, conseqüentemente, a vida de seus cidadãos. Ademais, se o piloto resolve ignorar sete medidas que visam sua identicação, a uga, nesse caso, equipara-se à resistência à prisão. D d l odm
Argumentam que a lei é importante e necessária pois o consumo de drogas no Brasilenomundoéumatragédiacotidianaquemataanualmente,pelousooutrá co, milhares de pessoas. Assim, atende não apenas a um interesse público superior e socialmente legítimo como ao princípio constitucional da segurança pública . O grupo reconhece que a lei é dura e drástica, mas sustenta ser um mal necessário para se combater um mal maior. D d D Hm
Sustenta que o direito à vida deve ser garantido e promovido em todas as hipóteses, tendo em vista que, além de ser consagrado internacionalmente, constitui um dos direitos undamentais do ordenamento jurídico brasileiro. Sendo assim, o abate ao avião colombiano signica que a pena de morte, vedada expressamente pela ConstituiçãoFederalbrasileira(salvoemcasodeguerradeclarada),foiaplicadaaos 2 tripulantes. a n d em av
O mau uncionamento do sistema de comunicações, a alta de habilitação do piloto; desatualização do exame médico; e não-utilização de onia para não pagar as tarifasdeproteçãoaovôopodemserapontadascomofalhasquenãodevemtercomo conseqüência a violação do direito à propriedade das aeronaves, e em última conseqüência, o direito à vida. O Estado deve investir em meios alternativos de controle. og dd d d d
Sustenta que o abate ao avião colombiano constitui oensa ao devido processo legal, direito consagrado constitucionalmente, uma vez que os tripulantes oram condenados sem julgamento e direito à ampla deesa. O Poder Judiciário é o órgão competente para julgar e condenar alguém, não podendo haver decisão extrajudicial. q
DequeformaaLeidoTirodeDestruiçãoprotegeasoberanianacional?Oabate doaviãocolombianoviolaodireitoàvida?Ostripulantes,suspeitosdetrácode drogas, deveriam ter tido os direitos à ampla deesa e de ser julgados pelo Poder FGV DIREITO RIO 75
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Judiciário?Utilizealegislaçãobrasileira(abaixo),bemcomoasposiçõesacimamencionadas para responder tais questões. leGislação c d d 1988
Art.1º.ARepúblicaFederativadoBrasil,formadapelauniãoindissolúveldos EstadoseMunicípiosedoDistritoFederal,constitui-seemEstadoDemocráticode Direito e tem como undamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; [...] Art.4º.ARepúblicaFederativadoBrasilrege-senassuasrelaçõesinternacionais pelos seguintes princípios: [...] II – prevalência dos direitos humanos; [...] VI – deesa da paz; [...] Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção; [...] XLVII–nãohaverápenas: a)demorte, salvo emcaso deguerradeclarada,nostermos doart.84,XIX; [...] LIII–ninguémseráprocessadonemsentenciadosenãopelaautoridadecompetente; LIV–ninguémseráprivadodaliberdadeoudeseusbenssemodevidoprocesso legal; LV–aoslitigantes,emprocessojudicialouadministrativo,eaosacusadosem geral são assegurados o contraditório e ampla deesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...] Art.21.CompeteàUnião:[...] II – declarar a guerra e celebrar a paz; III – assegurar a deesa nacional; [...] XXII – executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de ronteiras; [...] Art.22.CompeteprivativamenteàUniãolegislarsobre:[...] X – regime dos portos, navegação lacustre, uvial, marítima, aérea e aeroespacial; [...] XXVIII – deesa territorial, deesa aeroespacial, deesa marítima, deesa civil e mobilização nacional (griou-se); [...] Art.60.AConstituiçãopoderáseremendadamedianteproposta: I–deumterço,nomínimo,dosmembrosdaCâmaradosDeputadosoudo SenadoFederal; FGV DIREITO RIO 76
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II – do Presidente da República; III–demaisdametadedasAssembléiasLegislativasdasunidadesdaFederação, maniestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. [...] § 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e garantias individuais. códg p
Decreto-lei no2.848,de7dedezembrode1940. [...] Legítima deesa Art. 25. Entende-se em legítima deesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem [...] Evasão mediante violência contra a pessoa Art. 352. Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa: Pena – detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência. l º 6.368, d 21 d d 1976
Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráco ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência ísica ou psíquica, e dá outras providências. [...] Art 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, abricar, adquirir, vender, expor à venda ou oerecer, ornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer orma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência ísica ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; Pena – Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. § 1º. Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: I – importa ou exporta, remete, produz, abrica, adquire, vende, expõe à venda ou oerece, ornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência ísica ou psíquica; II – semeia, cultiva ou az a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência ísica ou psíquica. Art 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, abricar, adquirir, vender, expor à venda ou oerecer, ornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer orma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência ísica ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; FGV DIREITO RIO 77
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Pena – Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. § 1º. Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: I – importa ou exporta, remete, produz, abrica, adquire, vende, expõe à venda ou oerece, ornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência ísica ou psíquica; II – semeia, cultiva ou az a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substãncia que determine dependência ísica ou psíquica. [...] Art18.AspenasdoscrimesdenidosnestaLeiserãoaumentadasde1/3(um terço)a2/3(doisterços): I – no caso de tráco com o exterior ou de extra-territorialidade da lei penal; l º 9.804, d 30 d h d 1999
Altera aredaçãodoart34daLeinº6.368,de21deoutubrode1976,que dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráco ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência ísica ou psíquica. [...] Art. 34. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, assim como os maquinismos, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza,utilizadosparaapráticadoscrimesdenidosnestaLei,apósasuaregular apreensão, carão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na orma da legislação especíca (griou-se). l º 7.565, d 19 d dm d 1986 (códg b d a
Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, azendárias oudaPolíciaFederal,nosseguintescasos: I – se voar no espaço aéreo brasileiro com inração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal m; II – se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional; III – para exame dos certicados e outros documentos indispensáveis; IV – para vericação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrao único do artigo 21); V – para averiguação de ilícito. § 1°. A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a eetuar o pouso no aeródromo que lhe or indicado. § 2°. Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classicada como hostil, cando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada. (Parágrao acrescentado pela Lei nº 9.614, de 5.3.1998) – griou-se. FGV DIREITO RIO 78
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§ 3°. A autoridade mencionada no § 1° responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório. (§ 2°renumerado e alterado pela Lei nº 9.614, de 5.3.1998). l º 9.614, d 5 d m d 1998
AlteraaLeinº7.565,de19dedezembrode1986,paraincluirhipótesedestruição de aeronave OPRESIDENTEDAREPÚBLICA FaçosaberqueoCONGRESSONACIONALdecretaeeusancionoaseguinte Lei: Art. 1º. O art. 303 da Leinº7.565,de19dedezembrode198 6, passa a vigorar acrescido de um parágrao, numerado como § 2º, renumerando-se o atual § 2º como § 3º, na orma seguinte: “Art. 303......................................................................................... ........................................................................................................ § 2º. Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classicada como hostil, cando sujeito à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada (griou-se). § 3º. A autoridade mencionada no § 1º responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório.” Art.2º.EstaLeientraemvigornadatadesuapublicação. Brasília,5demarçode1998;177ºdaIndependênciae110ºdaRepública. FERNANDOHENRIQUECARDOSO D º 5.144, d 16 d h d 2004
Regulamentaos§§1º,2ºe3ºdoart.303daLein o7.565,de19dedezembro de1986,quedispõesobreoCódigoBrasileirodeAeronáutica,noqueconcerneàs aeronaves hostis ou suspeitas de tráco de substâncias entorpecentes e drogas ans. OPRESIDENTEDAREPÚBLICA,nousodaatribuiçãoquelheconfereoart. 84,incisoIV,daConstituição,etendoemvistaodispostonos §§ 1o, 2o e 3o do art. 303daLeino7.565,de19dedezembrode1986, DECRETA: Art. 1o. Este Decreto estabelece os procedimentos a serem seguidos com relação a aeronaves hostis ou suspeitas de tráco de substâncias entorpecentes e drogas ans, levando em conta que estas podem apresentar ameaça à segurança pública. Art. 2o. Para ns deste Decreto, é considerada aeronave suspeita de tráco de substâncias entorpecentes e drogas ans aquela que se enquadre em uma das seguintes situações: I–adentraroterritórionacional,semPlanodeVôoaprovado,oriundade regiões reconhecidamente ontes de produção ou distribuição de drogas ilícitas; ou FGV DIREITO RIO 79
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II – omitir aos órgãos de controle de tráego aéreo inormações necessárias à sua identicação, ou não cumprir determinações destes mesmos órgãos, se estiver cumprindo rota presumivelmente utilizada para distribuição de drogas ilícitas. Art. 3 o. As aeronaves enquadradas no art. 2 o estarão sujeitas às medidas coercitivas de averiguação, intervenção e persuasão, de orma progressiva e sempre que a medida anterior não obtiver êxito, executadas por aeronaves de interceptação, com o objetivo de compelir a aeronave suspeita a eetuar o pouso em aeródromo que lhe or indicado e ser submetida a medidas de controle no solo pelas autoridades policiais ederais ou estaduais. § 1o. As medidas de averiguação visam a determinar ou a conrmar a identidade de uma aeronave, ou, ainda, a vigiar o seu comportamento, consistindo na aproximação ostensiva da aeronave de interceptação à aeronave interceptada, com a nalidade de interrogá-la, por intermédio de comunicação via rádio ou sinais visuais, de acordo com as regras de tráego aéreo, de conhecimento obrigatório dos aeronavegantes. § 2o. As medidas de intervenção seguem-se às medidas de averiguação e consistem na determinação à aeronave interceptada para que modique sua rota com o objetivo de orçar o seu pouso em aeródromo que lhe or determinado, para ser submetida a medidas de controle no solo. § 3o. As medidas de persuasão seguem-se às medidas de intervenção e consistem no disparo de tiros de aviso, com munição traçante, pela aeronave interceptadora, de maneira que possam ser observados pela tripulação da aeronave interceptada, com o objetivo de persuadi-la a obedecer às ordens transmitidas. Art. 4o. A aeronave suspeita de tráco de substâncias entorpecentes e drogas ans que não atenda aos procedimentos coercitivos descritos no art. 3 o será classicada como aeronave hostil e estará sujeita à medida de destruição. Art. 5o. A medida de destruição consiste no disparo de tiros, eitos pela aeronave de interceptação, com a nalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento dovôodaaeronavehostilesomentepoderáserutilizadacomoúltimorecursoe após o cumprimento de todos os procedimentos que previnam a perda de vidas inocentes, no ar ou em terra. Art. 6 o. A medida de destruição terá que obedecer às seguintes condições: I–empregodosmeiossobcontroleoperacionaldoComandodeDefesaAeroes pacialBrasileiro–COMDABRA; II – registro em gravação das comunicações ou imagens da aplicação dos procedimentos; III – execução por pilotos e controladores de Deesa Aérea qualicados, segundo ospadrõesestabelecidospeloCOMDABRA; IV – execução sobre áreas não densamente povoadas e relacionadas com rotas presumivelmente utilizadas para o tráco de substâncias entorpecentes e drogas ans; e V – autorização do Presidente da República ou da autoridade por ele delegada. Art. 7o. O teor deste Decreto deverá ser divulgado, antes de sua vigência, por meiodaPublicaçãodeInformaçãoAeronáutica(AIPBrasil),destinadaaosaeroFGV DIREITO RIO 80
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navegantes e de conhecimento obrigatório para o exercício da atividade aérea no espaço aéreo brasileiro. Art.8o. As autoridades responsáveis pelos procedimentos relativos à execução da medida de destruição responderão, cada qual nos limites de suas atribuições, pelos seus atos, quando agirem com excesso ou abuso de poder. Art.9o. Os procedimentos previstos neste Decreto deverão ser objeto de avaliação periódica, com vistas ao seu aprimoramento. Art.10.FicadelegadaaoComandantedaAeronáuticaacompetênciaparaautorizar a aplicação da medida de destruição. Art.11.OMinistériodaDefesa,porintermédiodoComandodaAeronáutica, deverá adequar toda documentação interna ao disposto neste Decreto. Art. 12. Este Decreto entra em vigor noventa dias após a data de sua publicação. Brasília,16dejulhode2004;183o da Independência e 116o da República. notÍcias prÉVias idd d l d a 80
ALeinº9614,de05.03.1998,aopermitirotirodeabate,ouseja,adestruição de aeronaves suspeitas de estarem transportando drogas, no espaço aéreo brasileiro, introduziu,naprática,apenademortenoBrasil.EssaLeiéagrantementeincons titucional,porqueanossaConstituiçãogaranteodireitoàvidaeproíbeapenade morte,salvoemcasodeguerradeclarada(art.5º,XLVII).Pior:essaLeiinstituiu a execução extrajudicial, permitindo a condenação e a execução sumária de todos os passageiros dos pequenos aviões civis, sem o devido processo legal, pela simples suspeitadotrácodedrogas.Comoaindanãohaviasidoregulamentada,essaLei passoudesapercebida,masagoraoPresidenteLulaassinouoDecretonº5144, de 16.07.2004, estabelecendo os procedimentos que deverão ser seguidos, pelos pilotosdaFAB,emrelaçãoàs“aeronavessuspeitasdetrácodesubstânciasentorpecentes e drogas ans”, antes de sua destruição. Esse Decreto entrará em vigor no próximodia18deoutubro,eospilotosencarregadosdesuaexecuçãojáestiveram emBelém,nasemanapassada,efetuandoosnecessáriostreinamentos. Masserápossívelexcluir,daapreciaçãodoPoderJudiciário,conformepretende ramoCongressoNacional,aoaprovaressaLei,eoPresidentedaRepública,quea regulamentou, uma decisão, de tão graves conseqüências, como a de derrubar uma aeronaveemvôo,causandoamortedopilotoedospassageiros,aplicando,assim,a penademorte,semodevidoprocessolegaleemtempodepaz? DeacordocomoMinistrodaDefesa,JoséViegas,aleinãoseaplicaaosaviões militares, mas os aviões clandestinos civis, nacionais ou estrangeiros, suspeitos do tráco de drogas, poderão ser derrubados, após o descumprimento de nove procedimentos,efetuadospelaFAB.OMinistronegou,peremptoriamente,quesetratede uma condenação à morte, sem julgamento, “porque se trata de resistência à prisão e as aeronaves somente serão destruídas se os seus pilotos não obedecerem às ordens
artigo ecrito por Ferdo Li, e 05.07.2004, proe or de Direito Cotitciol d unama. aceo e: 08 ov. 2004. Dipoível e: ttp:// www.tex.pro.br/wwwroot/ 02de2004/icotitciolid dedleidobteerdoli. t. 80
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dospilotosdaFAB”.Alémdisso,somenteosaviõesqueestivessemtransportando drogas seriam derrubados. Os argumentos seriam ridículos, se não se tratasse de um assunto tão sério, porque seria o mesmo que armar que um automóvel cheio de passageiros deveria ser metralhado pelos policiais rodoviários, se o seu motorista não obedecesse à ordem de parar, para o competente exame da documentação, ou até mesmo do porta-malas, em busca de drogas. No entanto, se o motorista tentasse ugir, nem por isso poderia ser morto o que às vezes acontece, embora não exista, ainda, uma lei autorizando -, porqueafuga,excetomedianteviolênciacontraapessoa(art.352doCódigoPe nal), nem ao menos constitui crime. Aliás, mesmo que a uga osse tipicada como crime,nãoseria,certamente,punidacomapenademorte,proibidapelaConsti tuição e considerada cláusula pétrea, que não pode ser alterada nem mesmo através de emenda constitucional. O Estado tem a obrigação de prender os suspeitos, não podendo matá-los. Evidentemente, poderá ocorrer que, no encalço do delinqüente, a autoridade policial seja obrigada a matá-lo, na hipótese de legítima deesa, caso o criminosoatentecontraavidadopolicial(art.25doCódigoPenal). ALeidoAbate,alémdeserinconstitucional,colocaemperigoavidadeinocentes, porqueinúmerasaeronaves,sobretudonaAmazônia,emboranãoestejamtranspor tandodrogas,poderãodeixardeseidenticarparaospilotosdaFAB,edeobedecerà ordem de pouso, por diversas razões, como, por exemplo, a alta de equipamentos adequados.Mesmoassim,ospilotosepassageirosnãopoderiamsercondenadosàmorte, e muito menos por uma simples suspeita, sem direito a deesa e sem julgamento. Sei pereitamente que o assunto é polêmico, porque a opinião pública será levadaaacreditarqueessaLeicontribuiráparareduziraentradadedrogasnoPaís e também para impedir que o nosso espaço aéreo seja transormado em rota do narcotráco internacional. Comosesabe,oBrasiltemfronteirascomonzepaísesdaAméricadoSul,incluindopaísesprodutoreseexportadoresdecocaína,comoaColômbia,aBolíviae oPeru,eaorestaamazônicaéumadasprincipaisrotasdostracantesdedrogas. Poressarazão,talvez,oSupremoTribunalFederalnãofoiprovocado,atéhoje,para apreciaraconstitucionalidadedaLeidoAbate. Infelizmente,também,opróprioPresidentenacionaldaOAB,RobertoBusato, deacordocomassuasdeclarações,divulgadaspelo“site”daOAB,em21.07.2004, nãoapenasconcordacomaLeidoAbate,masachaquenãodevemseradmitidas exceções (aeronaves militares), e parece sugerir que a pena de morte seja aplicada, também, para o “crime” de “exploração ilegal da biodiversidade”. Ressalte-se,ainda,quenaColômbiaenoPeru,quetambémadotaram,porpres são dos Estados Unidos, leis semelhantes à nossa, muitos civis inocentes já oram mortos,comoamissionáriaamericanaVerônicaBowerseasualhadesetemeses, Charity. Na minha opinião, portanto, com ou sem lei, a derrubada de aeronaves, pela simples suspeita de tráco de drogas, matando os seus pilotos e passageiros, é assassinatoedepõecontraoBrasil,queapretextodecombaterostracantes,passa a utilizar os mesmos métodos dos criminosos. Para combater o crime, o Estado FGV DIREITO RIO 82
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tambémsesubordinaaoDireito.DesrespeitandoaConstituição,desobedecendoao devido processo legal e aastando o poder de decisão das autoridades devidamente constituídas para jurisdicionar os conitos e aplicar as sanções previstas nas leis penais,iguala-seaosdelinqüentes,praticandoaLeideTalião,ajustiçaprivadaea vingança anárquica. aé b c d cm s d a (30.06.200481
1. hisTóRico OCódigoBrasileirodeAeronáutica,instituídopelaLeinº7.565,de19dedezembrode1986,emodicadopelaLeinº9.61 4,de5demarçode1998,noseu artigo 303, trata dos casos em que uma aeronave pode ser submetida à detenção, à interdiçãoeàapreensãoporautoridadesaeronáuticas,fazendáriasoudaPolíciaFe deral. Neste artigo, oi introduzido o parágrao segundo, com a seguinte redação: § 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classicada como hostil, cando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada.
Nessas condições, a sociedade brasileira, por intermédio de seus representantes legais,instituiuLeidoTirodeDestruição,apelidadapelaimprensadeLeidoAbate, que veio preencher uma importante lacuna, em apoio às medidas de policiamento do espaço aéreo brasileiro, particularmente sobre os movimentos aéreos não regulares, suspeitos de envolvimento com o tráco de drogas ilícitas. A lei em questão introduziu conceitos novos, tornando-se necessária a denição das expressões meios coercitivos, aeronave hostil e medida de destruição. Ademais, passou a ser imprescindível que o novo dispositivo osse aplicado dentro de uma moldura de rígidos preceitos de segurança, com o pleno esclarecimento dos procedimentos e das condições em que a medida de destruição poderia ser executada. Todos estes aspectos demandaram a necessidade de regulamentação do citado dispositivo legal, por intermédio de um decreto presidencial. A partir de abril de 2003, um grupo de trabalho constituído por integrantes do MinistériodaDefesa,doMinistériodaJustiça,doMinistériodasRelaçõesExte riores, doGabinetedeSegurançaInstitucional daPresidênciadaRepúblicae especialistasdoComandodaAeronáuticasereuniucomoobjetivodeestudartodos osaspectospertinentesàregulamentaçãodaLeidoTirodeDestruição,taiscomo procedimentos de interceptação aérea, normas internacionais da aviação civil, medidas de integração de procedimentos com os países vizinhos e legislação de países interessados no tema e que mantêm normas especícas sobre responsabilidade civil de seus cidadãos, quando estes tenham apoiado direta ou indiretamente a destruição de aeronave civil.
aceo e: 8 ov. 2004. Di poível e: ttp://www.b. il.br/Pblicco/Ipre/ notici/3007_bte.t. 81
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2. cenáRio Comamodernizaçãodosistemadedefesaaéreaecontroledotráfegoaéreobra sileiro,sendooSIVAM(SistemadeVigilânciadaAmazônia)umagrandeexpressão desse trabalho, comprovou-se que as principais rotas de entrada de drogas ilícitas em território brasileiro ocorrem por via aérea, em pequenas aeronaves, oriundas das regiões reconhecidamente produtoras dessas substâncias. Essas seguem para o interiordoBrasil(consumointerno)ouparapaísesvizinhos,acaminhodaEuropa e Estados Unidos, entre outros destinos da rota de exportação. Porém,porfaltadaregulamentaçãodaLeidoTirodeDestruição,asaeronaves deinterceptaçãodaForçaAéreaBrasileira,responsáveispelopoliciamentodoespa çoaéreo,eramignoradasporpilotosemvôoclandestinos,emsuasordensdeidenti cação e de pouso em pista pré-determinada, como previa a legislação em vigor. Em muitas situações, apesar de ter-se chegado ao tiro de advertência, houve completa desobediência às ordens emitidas pela autoridade, caracterizando-se situação similar à resistência à prisão. 3. medidas OGovernoBrasileiro,decididoareverteressasituaçãoeaprimoraradefesado país, vem desenvolvendo uma série de ações, como a transerência de eetivos militaresparaaAmazôniaeamodicaçãodalegislaçãobrasileiranosentidodepreparar asForçasArmadasparaatuarcontraosdelitostransnacionaisfronteiriços,nocom bate ao tráco terrestre e uvial. Tornou-senecessáriaumaaçãomaisecazdoEstadonocombateaessesvôos ilícitos, que transportam a droga para o território brasileiro. A regulamentação, portanto,queentraemvigor90diasapósasuapublicaçãonoDiárioOcialdaUnião (em19dejulho),Decreto Nº 5.144, é uma medida imprescindível para combater a criminalidade associada ao tráco internacional de drogas. A regulamentação da Lei doTiro de Destruição, assinada pelo Presidente da República, criou instrumentos de dissuasão adequados ao policiamento do espaço aéreo brasileiro. O texto é resultado de uma série de intercâmbios com países vizinhos, que ocorreram para integrar os procedimentos de interceptação aérea e, com isto, minimizar riscos de equívocos. A questão oi amplamente debatida com outros governos interessados no tema. Esses entendimentos indicam que a entrada em vigor da regulamentação não trará eeitos adversos ao país. 4. e xecução Emprimeirolugar,aregulamentaçãodaLeidoTirodeDestruiçãoaprovada abrange somente o caso de aeronaves suspeitas de envolvimento com o tráco internacional de drogas. EmrazãodoqueprescreveaCartadaONUsobreoprincípiodeautodefesa,o Governobrasileiroconsiderounecessáriaapenasaregulamentaçãodaleiparaesse aspecto, levando em conta a crescente ameaça apresentada pelo narcotráco para a segurança da sociedade brasileira. FGV DIREITO RIO 84
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Antes de ser classicada como hostil e, portanto, sujeita à medida de destruição, a aeronave deverá ser considerada como suspeita e submetida a procedimentos especícos, detalhados e seguros. São duas as situações em que uma aeronave pode ser considerada suspeita de tráco de substâncias entorpecentes e drogas ans: a)aqueentraremterritórionacional,semplanodevôoaprovado,oriundade regiões reconhecidamente ontes de produção ou distribuição de drogas ilícitas; ou b) a que omitir aos órgãos de controle de tráego aéreo inormações necessárias à sua identicação, ou não cumprir determinações dessas mesmas autoridades, caso esteja traegando em rota presumivelmente utilizada na distribuição de drogas ilícitas. 5. p assos Caracterizadaaaeronavecomosuspeita , ela estará sujeita a três tipos de medidas coercitivas, aplicadas de orma progressiva e sempre que a medida anterior não obtiver êxito, e, se considerada hostil, à medida de destruição. AsaeronavesdeinterceptaçãodaForçaAéreaBrasileira,acionadaspeloComandodeDefesaAeroespacialBrasileiro(COMDABRA),serãoencarregadasdaexecu ção dessas medidas. 1º) MEDIDAS DE AVERIGUAÇÃO primeiro nível das medidas busca determinar ou a conrmar a identidade de uma aeronave, ou, ainda, a vigiar seu comportamento. Engloba os seguintes procedimentos: a) Reconhecimento à Distância , ocasião em que os pilotos da aeronave de interceptação, de uma posição discreta, sem serem percebidos, otograam a aeronave interceptadae colheminformaçõesdematrícula,tipo deaeronave,nívelde vôo, proa e características marcantes; b) Conrmação da Matrícula, que se dá quando as inormações são transmitidas para a Autoridade de Deesa Aeroespacial, que entrará no sistema inormatizado doDepartamentodeAviaçãoCivil(DAC)paravericarseamatrículacorresponde ao tipo de aeronave, o nome de seu proprietário, endereço, dados de identicação, validade do certicado de aeronavegabilidade, nome do piloto que normalmente a opera, licença, validade de exame médico, dados de qualicação e de localização, etc.Casoaaeronaveestejaemsituaçãoregular,serárealizadoapenasoacompanha mento; c) Interrogação na reqüência internacional de emergência , de 121.5 ou 243 MHz,iniciandopeladeVHF121.5MHz,queémostrada,atravésdeumaplaca, à aeronave interceptada pelo piloto do avião de Deesa Aérea, após ter estabelecido com ela contato visual próximo; d) Realização de sinais visuais, de acordo com as regras estabelecidas internacionalmente e de conhecimento obrigatório por todo aeronavegante. 2º) MEDIDAS DE INTERVENÇÃO – caso o piloto da aeronave suspeita não responda e não atenda a nenhuma das medidas já enumeradas, passa-se ao segundo nível de medidas coercitivas, que é a Intervenção, caracterizada pela execução de dois procedimentos: FGV DIREITO RIO 85
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a) mudança de rota, determinada pela aeronave de interceptação, tanto pelo rádio, em todas as reqüências disponíveis, quanto por intermédio dos sinais visuais previstos nas normas internacionais e de conhecimento obrigatório; b) pouso obrigatório, também determinado pela aeronave interceptadora de orma semelhante à tarea anterior. 3º) MEDIDAS DE PERSUASÃO – o terceiro nível das medidas previstas, que entrará em execução somente se o piloto da aeronave suspeita não atender a nenhuma das medidas anteriores, consiste na realização de tiros de advertência, com munição traçante, lateralmente à aeronave suspeita, de orma visível e sem atingi-la. No total, são oito os procedimentos a serem seguidos pelas autoridades de deesa aérea para o policiamento do espaço aéreo. Somente quando transgredidos os sete procedimentos iniciais é que a aeronave será considerada hostil, e estará sujeita à medida de destruição, que consiste na realização de disparo de tiros, eitos pela aeronave de interceptação, com a nalidade de provocar danos e impedir o prosseguimentodovôodaaeronavetransgressora. sçã ní Normal Situao de Normalidade
Medidas de Averiguao Suspeita
Hostil
P Vericao das condiões de vôo da aeronave. 1) Reconhecimento à Distância; 2) Conrmao de Matrícula; 3) Contato por Rádio na Frequência de Emergência; 4) Sinais Visuais.
Medidas de Interveno
5) Mudana de rota; 6) Pouso Obrigatório.
Medidas de Persuaso
7) Tiros de Advertência.
Medidas de Destruio
8) Tiro de Destruio
MEDIDA DE DESTRUIÇÃO o tiro de destruição deverá atender, obrigatoriamente, a exigências rígidas, previstas pela regulamentação contida no Decreto nº 5.144, de 16 de julho de 2004, assinado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da RepúblicaepublicadonoDiárioOcialdodia19dejulho.Sãoelas: a) a sua realização só poderá ocorrer estando todos os meios envolvidos sob controleoperacionaldoComandodeDefesaAeroespacialBrasileiro(COMDABRA), o que signica dizer que tanto os radares quanto as aeronaves de interceptação envolvidas no policiamento do espaço aéreo deverão estar sob controle operacional das autoridades de deesa aérea brasileira; b)osprocedimentosdescritosserãoregistradosemgravaçãosonorae/ouvisual das comunicações; c) será executado apenas por pilotos e controladores de deesa aérea qualicados, segundoospadrõesestabelecidospeloComandodeDefesaAeroespacialBrasileiro (COMDABRA); d) o procedimento irá ocorrer sobre áreas não densamente povoadas e relacionadas com rotas presumivelmente utilizadas para o tráco de drogas. FGV DIREITO RIO 86
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6. compeTência O Excelentíssimo Senhor Presidente, no decreto de regulamentação, delega ao ComandantedaAeronáuticaacompetênciaparaaplicaramedida de destruição, possibilitando, assim, a necessária agilização do processo de tomada da decisão, com elevado grau de conabilidade e segurança. É importante ressaltar que a utilização dessa medida extrema somente ocorrerá após terem sido cumpridos todos os procedimentos previstos em lei e que esse será o último recurso para o Estado evitar o ingresso de aeronaves que transportam drogas para o território brasileiro, aumentando o agelo do problema do tráco no país. Emumaenqueterealizadapelainternet,pelositewww.pop.com.br,quereuniu quase9,5milvotos,87%dosinternautasseposicionaramafavordamedida(é umaformalegítimadedefenderasoberania)e13%sedisseramcontráriosaotiro de destruição (só deveria ser usado em casos de guerra). l d m vg (17.10.2004 82
A partir de hoje, qualquer aeronave que cruzar o céu brasileiro sem se identicar podeserdestruída.OpaíséoterceiropaísnaAméricadoSulaadotaraLeidoAbate –osprimeirosforamoPerueaColômbia.NoBrasil,amedidafoianunciadacomo mais uma erramenta de combate ao tráco de drogas e ao contrabando de armas. No entanto, a lei que derruba aviões levanta muitas polêmicas. “Para mim isso é a mesma coisa que a pena de morte”, dispara o senador petista Eduardo Suplicy (SP). O parlamentar deende que a lei poderá provocar a morte de muitos inocentes, como as ocorridas no Peru em 2000. Para Suplicy, mesmo que a aeronave interceptada esteja lotada de criminosos, esses passageiros estariam sendo executados semtertidodireitoajulgamento.NoCongresso,osenadoréumdospoucosque reclamam,masnãoestásozinho.OdeputadoFernandoGabeira(sempartido-RJ) o acompanha. “A sociedade não oi ouvida”, protesta o parlamentar ao lembrar que aleifoiaprovadaem1998comoapoiodetucanosepetistas. O ministro da Deesa, José Viegas, reuta a comparação eita pelo senador Suplicy: “Não há qualquer correspondência entre a regulamentação da medida de destruição e a instituição da pena de morte. São situações absolutamente díspares”. O ministroesclarece,ementrevistapore-mailaoCorreio,que“amedidadedestruição é a última de uma série de procedimentos que visam obrigar a aeronave inratora a pousaresubmeter-seàsmedidasdepoliciamentonosolo”.ViegasclassicouaLei do Abate como uma “orma de dissuasão” para coibir o tráco de drogas. “Oxalá nunca necessitemos utilizar a medida de destruição”. AleifoiregulamentadapelopresidenteLuísInácioLuladaSilvanodia19de julho de 2004. A demora de oito anos para conseguir a rubrica presidencial tem explicação: antes de azer com que a lei entrasse em vigor, o Palácio do Planalto considerou necessário conversar com países como os Estados Unidos, por exemplo. Existia o temor de que se um cidadão estrangeiro estivesse dentro de um avião destruído pelo governo brasileiro e o país soresse algum tipo de retaliação militar ou econômica.
aceo e: 8 ov. 2004. Dipoível e: ttp://otici. correioweb.co.br/lti. t?codigo=2618013. 82
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O governo brasileiro garante que o procedimento de abate vai ser cuidadoso. “O desecho é de responsabilidade exclusiva do comandante da aeronave”, acredita ocomandantedeDefesaAeroespacialBrasileiro(Condabra),brigadeiroFrancisco Azambuja. Ele compara o procedimento ao adotado por policiais militares com veículos que não param em uma blitz. “Os tiros são para obrigar a aeronave a pousar. Aintençãoda ForçaAéreaBrasileiranãoématarninguém”,arma.A diferença, reconhece, é que ao ser atingido em um pneu o veículo pode parar em um acostamento, já avião terá que, no mínimo, azer um pouso de emergência. Não deve existir condescendência nem com aeronaves suspeitas que estiverem com crianças a bordo. “Não estamos brincando de azer policiamento aéreo. O nossotrabalhoéfazercomquealeisejacumprida.Cadacasoseráestudadonahora emqueacontecer.Masnenhumsubterfúgioqueelespossamusarestarádandosalvo-conduto ao tracante ou elemento que está azendo tráego ilegal para se salvar”, explica Azambuja. Oprocedimentodeinterceptaçãoexistehá24anos.Masosaviõesmilitaresno máximo acompanhavam a aeronave suspeita até o pouso. Na maior parte dos casos, o avião irregular deixava o território brasileiro e adiava a travessia para outro dia. “Ostracantestinhamcertezadaimpunidade.Zombavamdenós.Faziamatésinais obscenos”, lembra Azambuja que tem imagens de vídeo com o comportamento dos criminosos. a lô, alô, comandanTe Todo o piloto que or abastecer o avião receberá um dos 100 mil panetos com informaçõessobreaLeidoAbate.Aidéiaéfazercomquedistribuiçãodomaterial não que restrita aos aeroportos e atinja pilotos que não têm brevê, como é chamadaalicençaparavôo.OrçadaemR$280mil,acampanhatemoobjetivode informarquecomoaaeronavedeveagiraoserinterceptadaporaviõesdaForça Aérea Brasileira.Cercade 10 milcartazesserãodistribuídos para osaeroclubes, hangares de manutenção, salas de tráego de aeroportos, empresas aéreas, sindicatos da aviação e hospitais entre outros pontos de passagem obrigatórios de pilotos e de futurospilotos.Desdeoúltimodia8,atéodia28,110emissorasderádioAMe FMdivulgamacampanhaemtodaaextensãodafronteirasecabrasileiraeatingindo 72 cidades. p hdw: Dg gh dd p – cnn ( d 2001 83
Drug interception ights in Peru have been suspended until the completion ofaninvestigationintothedowningofamissionaryplanethatkilledtwoofve Americans on board – a 7-month-old girl and her mother, U.S. embassy spokesman DougBarnestoldCNNSaturday.“WeareworkingwithPeruvianauthoritiesto investigatewhathappened,”Barnessaid.Meanwhile,thePeruvianAirForceand aBaptistmissionarygrouparegivingconictingaccountsofeventsthatledtothe shootingdownoftheplane.
aceo e: 20 bril 2005. Dipoível e: ttp://rcive. c.co/2001/us/04/21/per. ple.02/. 83
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u.s. FiRsT locaTed plane A U.S. reconnaissance plane, helping the Peruvians detect aircrat used in drug tracking,wasnearthePeruvianmilitaryplaneatthetimeoftheincidentbut wasunarmedanddidnotparticipateinshootingatthemissionaries’plane,saida spokesmanfortheU.S.embassyinLima.Accordingtoastatementissuedbythe U.S. State Department, the U.S. reconnaissance plane provided location data or thesubsequentinterceptmissionthatwasconductedbythePeruvianAirForce.A statementfromthePeruvianAirForcesaidanunidentiedplane,whichhadnot ledaightplan,wasdetectedenteringPeruvianairspacefromBrazilaround10 a.m.Friday. “Facingsuchcircumstancesand,inagreementwithestablishedprocedures,the interceptsystemwasactivated”,thestatementsaid.ACessnaA-37B,withtheas sistanceofthereconnaissanceplane,“proceededtointercepttheunknownairship”. Afterthemissionaries’Cessna185didnotrespondtoacommandtoidentifyitself, theairforceplanered,thestatementsaid.epilotofthecivilianplanenally respondedafterlandinginarivernearPevas,atwhichpointthePeruvianAirForce dispatchedarescueplane,itsaid.estatementsaidtheairforcehasinitiatedan investigation, “lamenting prooundly the loss o human lie”. mission: plane on saFe couRse MichaelLoftus,presidentoftheAssociationofBaptistsforWorldEvangelism, whichsponsoredthemissionaries,saidtheirplaneneverleftPeruvianairspace.It hadowntothebordertownofBenjaminConstant,siteofthenearestconsulate, toobtainavisafortheinfant,hesaid.LoftussaidPilotKevinDonaldsonhadbeen inradiocontactwiththetowerinIquitos.“Centralaviationauthoritieshadgiven himalandingslot.Howcouldhebeincontactwiththecivilauthoritiesandtheir ownmilitarynotknowaboutit?”hesaid.Loftussaidhecouldnotconrmthata ightplanhadbeenled,buthesaidthatwastheusualpractice.“Ican’texplainto youthestatementsofthePeruvianAirForce,otherthanprobableconfusionuntil they get their acts sorted out”, he said. Killedintheincidentwere35-year-oldmissionaryVeronicaBowersandherseven-month-olddaughter,Charity.Bowers’husband,Jim,38,andtheirson,Cory, 7,wereuninjured.efamilyisfromMuskegon,Michigan,andhadbeenworking inPerusince1993.KevinDonaldson,42,ofGeigertown,Pennsylvania,amissionaryinPerusince1983,wasshotinthelegs. espokesmanattheU.S.embassyinLimasaidtheU.S.reconnaissanceplane wasworkingaspartofanagreementbetweentheUnitedStatesandPerutocombat drug trafcking. “As part o an agreement, U.S. radar and aircrat provide tracking informationtothePeruvianAirForceonplanessuspectedofsmugglingillegal drugs in the region”, he said. bush, de cuellaR expRess soRRow FoR loss AskedabouttheincidentwhileattendingtheSummitoftheAmericasinQuebecCity,PresidentGeorgeBushsaid,“I’llwaittoseeallthefactsbeforeIreach FGV DIREITO RIO 89
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anyconclusionsaboutblame,butrightnow,wemournforthelossofthelife, twolives”. PeruvianPrimeMinisterJavierPerezdeCuellarapproachedBushand“expressedhisdeepregretandoeredtohelpthefamiliesinanywayhecould”,saidWhite HousespokesmanGordonJohndroe,theAssociatedPressreports.(…) t ! 84 Gg emkf (pd d sd n d em av snea d r s lh
Nas asas de um projeto pouquíssimo discutido pela sociedade, estamos vivendo aameaçadetermos,virtualmente,apenademortenoBrasil.Exagero?Talvez,mas éoquecaevidentequandovemàluzachamadaLeidoAbate,quepermiteàFAB derrubar aviões clandestinos dentro do nosso espaço aéreo e que acaba de merecer umaoportunaação contrária dodeputadoFernandoGabeira.Apartedefunda mentação da lei não merece reparos: trata-se de proteger o território nacional de aeronaves sem identicação e barrar o tráco de drogas. O problema está nos riscos claramente subjacentes ao texto. Muitosdosinúmerospequenosaviõesquecruzamnossoespaçoaéreoemregiões ermas,sobretudonaAmazônia,nãoestãoaserviçodotrácooumesmodocontra bando.Sãoaeronavesquetransportamgenteatravésdecentenasdequilômetrosde território que não conta com qualquer outro meio de transporte. São aeronaves que podem deixar de se identicar para o caça interceptador por uma miríade de razões, todas elas pecadilhos, que não podem ser punidos com rajadas de metralhadoras ou tiros de canhão: mau uncionamento do sistema de comunicações desses aviões; alta de habilitação do piloto; desatualização do exame médico; e não-utilização de foniaparanãopagarastarifasdeproteçãoaovôo,entreoutras. As autoridades aeronáuticas cam sabendo das transgressões, muitas vezes ao investigaracidentescomaeronavesdepequenoporte.Comcerteza,umascalização préviamaisrigorosanafrotaquevoa,porexemplo,naregiãoamazônica,reduziria drasticamenteonúmerodeaeronavessujeitasàameaçadederrubada.Mais:atecnologia hoje disponível permite identicar e destruir todos os aeroportos clandestinos, o que eliminaria o principal ponto de apoio das operações aéreas ilegais. Eliminados os aeroportos clandestinos, buscar-se-ia na própria tecnologia um meio de evitar o abate equivocado e irreversível. E a tecnologia está aí mesmo, disponível, curiosamente, nos centros de lazer: o divertido paint ball, que consiste em “balear” com tinta colorida o adversário. Assim, teríamos uma clara identicação dos eventuais inratores, possibilitando sua punição quando aterrissassem. Sem erros,semremorsos,semsangueoutragédias.Emvezdebalas,tintaneles!
aceo e: 25 bril 2005. Di poível e: ttp://www.gbei r.co.br/c/bre.p ?idare=8&idsbare=136. 84
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aula 13: os direitos civis e PolÍticos: direito à liberdade e integridade Pessoal NOTA AO ALUNO
Embora a indivisibilidade dos direitos humanos seja consagrada internacionalmente, a proteção dos direitos civis e políticos sempre oi priorizada ao longo da evolução histórica dos direitos humanos em detrimento da proteção dos direitos econômicos,sociaiseculturais.Nessesentido,salientem-seosinstrumentosdepro teção dos direitos civis e políticos nos sistemas global, regional (mais especicamente no interamericano) e nacional. Quanto ao primeiro, cabe destacar a Declaração Universal dos Direitos Humanos(DUDH)eoPactoInternacionalsobreDireitosCivisePolíticos(PIDCP).A DUDH, por mais que preveja ambas as categorias de direitos (direitos civis e políticosedireitoseconômicos,sociaiseculturais),dáespecialênfaseàprimeira.Jáo PIDCPédestinadoexclusivamenteàproteçãodosdireitoscivisepolíticos.Como instrumentosdeproteçãodosdireitosemtela,oPIDCPestabeleceoComitêdeDireitos Humanos e a sistemática dos relatórios e das comunicações inter-estatais. O primeiroprotocoloaoPIDCP,porsuavez,veioaampliaraproteçãodetaisdireitos, prevendo, assim, o mecanismo de petição individual. Isto signica que o indivíduo podeenviarumapetiçãoaoComitêcasooEstadodoqualfaçapartetenharatica do o reerido protocolo. É importante ressaltar que os instrumentos internacionais de proteção não substituem o sistema nacional. Isto signica que o Estado tem a responsabilidade primária pela proteção desses direitos, sendo os instrumentos internacionais complementares e subsidiários, ou melhor, serão utilizados para superar as deciências e omissões do sistema nacional. Em relação ao sistema interamericano, destaque-se a Convenção Americana sobreDireitosHumanos(Convenção)que,comexceçãododisposto noart.26, destina-seàproteçãodosdireitoscivisepolíticos.Jánoâmbitonacional,háaConstituiçãoFederal(CF), queelencaosreferidosdireitosemseuart.5 o – artigo este destinado aos direitos e garantias undamentais do indivíduo. Nessecontexto,cabeabordardoiscasos,noBrasil,deviolaçãodedireitoscivis e políticos: (i) trabalho escravo; (ii) caso Damião Ximenes. Em relação ao primeiro, cabe destacar que um país que tem como undamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, a existência de trabalho escravo conronta diretamente com os direitos humanos. Quando se ala em trabalho escravo, a violação mais visível em termos de direitos civis e políticos é do direito à liberdade. Nesse sentido,destaquem-seosartigosdaCFarespeito:art.5º,caput (assegura o direito à liberdade) e art. 5o, III (proíbe o trabalho escravo ao dispor que “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante”). Em 2003, oram resgatados de cativeiros 4.735 trabalhadores (sendo que quase ametadenoestadodoPará),oquecorrespondea51,1%dototaldoslibertados FGV DIREITO RIO 91
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nosúltimosoitoanos(1995-2003),quechegaa9.263indivíduos 85. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que haja entre 25 e 40 mil trabalhadores escravosnoBrasil,amaiorianaregiãoamazônica 86,quecomportacercade80%dos trabalhadores escravos. DeacordocomoministroNilmárioMiranda,otrabalhoescravoacabarásea CâmaradosDeputadosaprovarapropostadeemendaconstitucional(Propostade EmendaConstitucionalnº438/01),queestatuioconscodeterrasparaaspropriedades que tenham mão-de-obra escrava, e quando houver punição para as pessoas que tiram proveito desse tipo de trabalho, já que apenas uma pessoa oi condenada até hoje87. Dentre as medidas para acabar com o trabalho escravo, destaquem-se88: (a) instituição de uma Vara Itinerante do Trabalho onde não houver juízes, promotores, scais e delegados; (b) estabelecimento de uma política social para saber de onde vêm os escravos; (c) concessão de alternativas de vida às pessoas pobres (alabetização, tirar documentos de identidade, ter acesso à terra, entre outras), a m de que o trabalho escravo não seja uma opção. Ressalte-se, por oportuno, que em 11 de dezembrode2003foipromulgadaaLeinº10.803,quealterouoartigo149doCódigo Penal – dispõe que “reduzir alguém a condição análoga à de escravo” é crime – mas não aumentou a pena mínima de dois anos para esse tipo de crime. Noâmbitointernacional,oBrasil,aoreconheceremumareuniãoocialda ONU a existência de “ormas contemporâneas de escravidão” em seu território, entrou para a história das Nações Unidas 89, uma vez que nenhum outro país o havia eito. O art. 4odaDUDHeoart.8 odoPIDCP(bemcomooart.6odaConvenção) proíbemexpressamentea escravidão.Contudo,seráqueomero reconhecimento da existência de trabalhadores escravos é suciente para acabar com a escravidão no país? Quanto ao segundo caso, cabe mencioná-lo tendo em vista se tratar do único casobrasileiroqueteveumadecisãoemitidapelaCorteInteramericanadeDireitos Humanos90(Corte).Dessaforma,édesumaimportânciadestacarosfatos,oenvio docasoà Comissão Interamericana deDireitosHumanos(Comissão),aresponsabilidade do Estado brasileiro, as violações alegadas, a propositura da ação pela ComissãoperanteaCorte,conformeexpostoaseguir 91:
Pr iore iorçõe, cee o ite ttp://www.di tl.org.br/p2/otici.p?idio =PT&otici=10909. 85
86
Idem.
87
Idem.
88
Idem.
brasi reconhece na ONU a eistncia de traaho escrao, Etdão, e 8 de rço de 2004, ttp://www. etdo.co.br/getdo/oti ci/2004/r/08/182.t. 89
1. os atos
Damião Ximenes, 30 anos à época, oi internado na tarde de 1 de outubro de 1999naCasadeRepousoGuararapes,Ceará,emvirtudedaapresentaçãodeum “quadropsicótico”.Avítimajáhaviasidointernadaem1995nomesmoestabelecimento.Deacordo com aComissãoe com ospeticionários,namanhãde4 de outubro, a mãe oi visitá-lo e o encontrou sangrando, com hematomas, com a roupa rasgada, com as mão amarradas por trás das costas, com diculdade de respirar, e agonizando. Desesperada, oi à busca de auxílio, mas racassou: o médico, responsável pela clínica tratou-a com descaso, dizendo, de orma breve, que a
al elbord e 27 de j eiro de 2005. 90
91 Coo Coião e Corte já or objeto de álie de l terior, preete l ão prodrá o etdo do procedieto de co perte b, e i álie d violçõe do direito civi e político d víti.
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morte é uma coisa natural da vida. Desamparada, voltou para sua casa em busca de ajuda e, chegando lá, já havia um recado que seu lho havia alecido. Dessa orma, Damião Ximenes aleceu 3 dias após sua internação, ou melhor, em 4 de outubro de1999. Dentre as versões apresentadas pelos enermeiros e uncionários da instituição, destaquem-se duas: na primeira versão, Damião havia brigado com enermeiros, enquanto que na outra versão ele havia brigado com outros pacientes. O médico ez constar como causa da morte “parada respiratória” e não ordenou a realização de autópsia. Inconormados, os amiliares da vítima levaram o corpo pararealizaçãodeautópsianoinstitutoforensedeFortaleza,quetemcomodiretor omédicodaCasadeRepousoGuararapes.Nolaudoconstaquesetratade“morte real de causa indeterminada”. Não é a primeira vez que ocorre uma morte por violência e maus tratos na instituiçãoemtela.Jáhouve,pelomenos,umamorteem1987eoutraem1991,que incluíram golpes na cabeça com objetos contundentes. Entre marçoe julhode 2000, foi instituídaaJuntaInterventora daCasa de RepousoGuararapes,umavezqueoSistemaMunicipaldeAuditoriaconcluiuem seuRelatório002/99quehavianainstituiçãoevidênciasdemaustratos,torturae abuso sexual de pacientes. 2. a responsabiliDaDe Do estaDo brasileiro
ACasadeRepousoGuararapeséumaclínicaprivadaconveniadaaoSUS(Sistema Único de Saúde). Dessa orma, o Estado brasileiro tem o dever de controlar e scalizar os serviços prestados pela reerida instituição. O Estado, não estando satiseito com os serviços prestados, pode cancelar a autorização do ente privado comoprestadordeserviçosdesaúdeemnomedoEstado(arts.196a200,CF). 3. o enVio Do caso
Em22denovembrode1999,asenhoraIreneXimenesLopes,irmãdeDamião Ximenes,apresentouperanteaComissãoumapetiçãocontraoBrasil,denunciando os atos ocorridos em detrimento de seu irmão. Há, no âmbito interno, duas ações (uma penal e uma civil) tramitando perante a justiça local. 4. a propositura Da ação
Em30desetembrode2004,aComissãoresolveuenviaropresentecasoàCorte, tendoemvistaqueoEstadobrasileironãocumpriuasrecomendaçõesdaComissão.
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5. as Violações
AComissãorequerqueaCortedeterminequeoEstadobrasileiroéresponsável pela violação do direito à vida (art. 4 o,ConvençãoAmericana),àintegridadepessoal (art. 5o,ConvençãoAmericana),àproteçãojudicial(art.25,ConvençãoAmerica na),àsgarantiasjudiciais(art.8 o,ConvençãoAmericana),combinadoscomaviolaçãododevergenéricodegarantirerespeitarosdireitosconsagradosnaConvenção(art.1.1,ConvençãoAmericana),devidoàhospitalizaçãodosenhorDamião Ximenes em condições cruéis, desumanas ou degradantes, apesar de seu dever de cuidado como garantidor de seus direitos, as violações a sua integridade pessoal, a seuassassinato;easviolaçõesdaobrigaçãodeinvestigar(Relatórion.43/03daCo missão), do direito a um recurso eetivo e das garantias judiciais relacionadas com a investigação dos atos. 6. o peDiDo
AComissãosolicitaàCortequeordeneaoEstadoque: • Efetueumainvestigaçãocompleta,imparcialeefetivadosfatosrelacionados com a morte de Damião Ximenes; • RepareadequadamenteosfamiliaresdosenhorDamiãoXimenespelasviola ções de direitos humanos cometidas, incluindo o pagamento eetivo de uma indenização; • Adote as medidas necessáriaspara evitarquefatossimilaresocorram no uturo; • PagueascustasegastoslegaisincorridospelosfamiliaresdosenhorDamião Ximenes na tramitação do caso no âmbito nacional, bem como daqueles originados na tramitação do presente caso perante o sistema interamericano. Em audiência celebrada em dezembro de 2005, o Estado brasileiro reconheceu parcialmente a responsabilidade internacional por violação de direitos humanos – reerente ao direito à vida e integridade pessoal. Assim o ez sob o argumento de que as precárias condições de atendimento psiquiátrico às quais oi submetido DamiãoXimenesLopesnãocorrespondemaoatualgraudeevoluçãoeimplementação das políticas públicas nessa área e no respeito aos direitos humanos dos pacientes, tanto no local dos atos como em todo o território brasileiro. Emagostode2006,aCorteproferiuadecisãodocasoemtela,sendoaprimeira sentença em ace do Estado brasileiro. 92ACortedeixouclaroqueoBrasil“tem responsabilidade internacional por descumprir, neste caso, seu dever de cuidar e de prevenir a vulneração da vida e da integridade pessoal, bem como seu dever de regulamentar e scalizar o atendimento médico de saúde”93. Expostas as pretensões da aula, indaga-se: Qual é a importância do caso Damião Ximenes?Quaisdireitosforamvioladosnocasoemtela?Háalgumadiferençade
Iorçõe tlizd e 25 de otbro de 2006. 92
Pr ler eteç ítegr, cee o ite d Corte Iter eric de Direito ho: ttp://www.corteid.or.cr/. 93
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proteçãodosdireitoscivisepolíticosnosdocumentosmencionados?Quaissãoos artigosdaCFqueconsagramosdireitoscivisepolíticos?Quaissãoosdireitosvio ladosdapessoaquetrabalhaemcondiçõesanálogasàdeescravo? Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : PIOVESAN,Flávia, “ALitigânciadeDireitos HumanosnoBrasil:Desaose Perspectivas nos uso dos Sistemas Nacional e Internacional de Proteção”. In: PIOVESAN,Flávia. emas de Direitos Humanos.SãoPaulo:MaxLimonad, 2003 l egislação: ConvençãoAmericanasobreDireitosHumanos Declaração Universal sobre Direitos Humanos PactoInternacionalsobreDireitosCivisePolíticos ConstituiçãoFederal
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aula 14: violência urbana NOTA AO ALUNO
“A despeito das dierentes visões em relação ao entendimento sobre quem e como se produz a violência no Rio de Janeiro, sua sistematicidade e banalização ensejam ao menos um sentimento em comum, contido justamente no repúdio à sua maniestação como rotina diária, perpetuadora da insegurança” 94.
Falaremviolênciaurbananãoétarefafácil,umavezquesetratadetemacomplexo e, ao mesmo tempo, tão visceral à opinião pública. Dessa orma, para delimitar o objeto de estudo, devem ser levados em consideração pontos essenciais, mas também aqueles que azem parte do discurso da mídia e, conseqüentemente, do conhecimento popular, para que se possa tanto explicar quanto desmisticar alguns temas. Seguem, abaixo, os tópicos que serão abordados: 1. 2. 3. 4. 5.
sistematicidade e banalização da violência; criminalização da pobreza; trajetória da violência estatal; causas do agravamento da violência; descrédito das ações do governo no combate à violência.
Em relação ao primeiro tópico, cumpre destacar a maniestação da violência urbana no Rio de Janeiro como algo rotineiro e, conseqüentemente, que perpetua a insegurança no Estado. A morte e a violência, assim, são naturalizadas. Temos comoexemploachacinaocorridanaBaixadaFluminense,em30 demarço de 2005, que, embora tenha causado indignação pública, é considerada natural por grande parte da sociedade e dos governantes 95. Na região, multiplicam-se os relatos de violência, notadamente policial, em um contexto no qual prevalece a omissão do Poder Público. Quanto ao segundo aspecto, a criminalização da pobreza, ou melhor, a idéia de que a pessoa é criminosa em virtude do local onde mora e de sua condição social, tem como causa direta a exclusão social. Esta, por sua vez, é ruto das mudanças macro-estruturaispropiciadaspelaintroduçãodomodeloeconômiconeoliberalna décadade1980.Assim,oséculoXX,emboratenhapermitidoumaumentodapro dutividade e da expectativa de vida em alguns países, trouxe também conseqüências drásticas, tal como a exclusão de um número cada vez maior de pessoas da vida econômica,emespecial,doacessoaotrabalho. Por tão enraizada no dia-a-dia dos cidadãos, a violência no Rio de Janeiro é caracterizada pela mídia como guerra civil, em decorrência da existência de um “poder paralelo”, que impõe o terror e a desordem. A guerra pressupõe a existência de um inimigo (no caso seriam os criminosos e suspeitos) que se almeja combater. Em nosso Estado, utilizam-se os critérios geográcos e sociais para localizar o inimigo96
94
Cetro de Jtiç Globl 2004.
Relatório Rio: Violência Policial e Insegurança Pública. aceo
e: 14 bril 2005. Dipoível e: ttp://www.globl.org. br/portgee/rqivo/relto rio_rio1.pd, p. 9. aceo e: 14 bril 2005. Di poível e: ttp://www.li igi.org/2005/bril/ibe_026. t. 95
Expreão tilizd o Reltó rio do Cetro de Jtiç Globl, op. cit., p. 21. 96
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desta guerra. Nesse sentido, o inimigo é caracterizado como pobre e morador de comunidades carentes, corroborando, assim, o discurso e ações policiais, segundo os quais o criminoso ou suspeito reside nas avelas e possui “cor e aparência denidas, assim como sua descartabilidade seria assegurada rente ao corpo social, especialmente no senso comum das classes média e alta” 97. Como conseqüênciadessavisão, 1.195pessoasforammortasporpoliciaisno Estado do Rio de Janeiro no ano de 2003, a maioria em condições que sugerem extermínio.Constata-setambémqueamaioriadaspessoasassassinadaserajovem,do sexo masculino, pobre e negro, com idade entre 15 e 24 anos e morava em regiões carentes98. Nesse contexto, o conceito de criminalização da pobreza, bem como a noção de guerra, equiparam criminosos e moradores das comunidades carentes e, conseqüentemente, “legitimam” as violações dos direitos humanos por policiais nesses locais 99. A pobreza passa a ser vista como perigo à sociedade e tem como conseqüên cia a não observância e consagração da universalidade dos direitos humanos. A atuação policial, distorcida por essa perspectiva, acaba por substituir a proteção da vida por práticas cada vez mais violentas. Ainda em relação aos direitos humanos, constata-se que a política de segurança pública do Estado não é dirigida a todos os cidadãos e nem está undada na proteçãoegarantiauniversaldosdireitoshumanos.Nessesentido,ressaltaMarceloFrei xo,pesquisadordoCentrodeJustiçaGlobal,queoconceitodesegurançadeveser redenido, a m de corresponder às exigências atuais: “segurança hoje em dia é política educacional, de saúde e de lazer, entre outros itens. É uma questão de Estado e não de polícia” 100. Isto signica ser de extrema importância mais investimentos nas áreas sociais e mais planejamento na atuação policial, em detrimento da utilização da opressão e da violência como prática da polícia 101. Quanto ao terceiro tópico, destaque-se que, em decorrência do período no qual se recompensava o policial com um incremento salarial – que variava entre 50 a 150%deseusalário–semprequezesseumavítimaletal,oscandidatosaogoverno doEstadonacampanhaeleitoralde1988,basearamseusdiscursosnapromessade criaremumanovapolíciaeumanovapolíticadesegurança.Foioqueprometeu AnthonyGarotinho,aoassumiropoder,de“reabilitarapolícia”.Comoconseqüênciadasupressãoda“bandapodre”dapolícia,houveumareduçãoem40%do número de civis mortos pela polícia, uma redução signicante do número de policiais mortos e a maior quantidade de apreensão de armas com criminosos até então: 9mil102.Contudo, alteraçõescorporativasqueconduziramà exoneração deLuiz Eduardo Soares da Secretaria Estadual de Segurança Pública em 2000 signicaram o retorno das velhas políticas de enrentamento por seu sucessor. O resultado pode ser vislumbrado pelo número muito maior de pessoas mortas em intervenções policiais:427,aopassoqueem1999haviamocorrido289mortes 103. Em se tratando das causas do agravamento da violência no Rio de Janeiro, az-se necessária uma análise em conjunta da exclusão social, do sensacionalismo da mídia e da ação da polícia. Isto porque os três itens estão interconectados, ou melhor, é a relação entre os mesmos que agrava drasticamente a violência no Estado. A exclusão
97
Idem.
sOaREs, Liz Edrdo. “Ge ogr d Violêci o Rio de Jeiro” in Foha de São Pauo. 30.10.2004. aceo e: 21 bril 2004. Dipoível e: ttp://www.lizedr doore.co.br/rtigo_id. pp?ctegori=egrc. 98
99
Ibid , p. 14.
aceo e: 14 bril 2005. Dipoível e: ttp://www. liigi.org/2005/bril/ibe_ 026.t. 100
aceo e: 14 bril 2005. Dipoível e: ttp://www.de re.org/pbliqe/cgi/cgil. exe/y/trt.t?ioid=3139 &tpl=priterview&id=16>. 101
102
Idem.
103
Ibid., p. 16.
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social contribui para que muitas pessoas optem por atividades ilícitas como meio de vida. Já a mídia, seguindo a premissa de “entender menos e punir mais” 104 (i.e , não visa a explicar ou entender as causas do problema para que se possa solucionálos, mas sim punir os criminosos), incute na sociedade um also clamor por Justiça, manipulada pelo “Estado na perpetração da violência, travestida como “resposta” à criminalidade – mas que diz respeito, em última instância, ao etiquetamento penal de suas camadas mais miseráveis” 106. A polícia, por sua vez, tem uma tradição de repressão,quecomeçacomafundaçãodasprimeirascorporaçõesnoBrasilpara manter sob controle as classes subalternas 106. Hoje em dia, há uma enorme demanda de certos setores para que a polícia seja violenta, bem como uma ilusão por parte da mesma de que seu trabalho deva ser pautado na violência 107. Acrescente-se a este ato a questão da impunidade dos policiais, que é ainda mais grave quando se materializa em violação dos direitos humanos (quando, por exemplo, o policial mata ou tortura alguém, violando, respectivamente, o direito à vida e o direito à integridade ísica), assim como a carência de investimentos, treinamentos e capacitação dos policiais. As principais causas do descrédito das ações do governo no combate à violência, o último tópico, tem haver com a alta de transparência das ações públicas na área de segurança, a ausência de órgãos de monitoramento independentes e a corrupção policial. Necessita-se, portanto, de mudanças drásticas e urgentes em toda a política de segurança pública do Rio de Janeiro, a m de que, um dia, a polícia possa denitivamente transmitir segurança ao invés de medo. Material De apoio t:
l eiTuRa acessóRia : CANO,Ignacio.Entrevista.Acessoem:14abril2005.Disponívelem: http:// www.clippingexpress.com.br/noticias_justica.php?id=4483 4. CentrodeJustiçaGlobal. Relatório Rio: Violência Policial e Insegurança Pública . Acesso em: 14 abril 2005. Disponível em: http://www.global.org.br/portu guese/arquivos/relatorio_rio1.pd . DORNELLES,JoãoRicardo.Confito e segurança (entre pombos e alcões). RiodeJaneiro:EditoraLumenJuris,2003.Emespecial,CapítuloVII. PINHEIRO,PauloSérgioeALMEIDA,GuilhermedeAssis. Violência Urbana . São Paulo: Publiolha, 2003. SOARES,LuizEduardo.“GeograadaViolêncianoRiodeJaneiro”.In: Folha de São Paulo. 30.10.2004. Acesso em: 21 abril 2004. Disponível em: http:// www.luizeduardosoares.com.br/artigo_ind.php?categoria=seguranc a .
104
Ibid, p. 14.
105
Idem.
Pr iore iorçõe, lei etrevit co Igcio Co, peqidor do Lbor tório de aálie d Violêci d uERJ. aceo e: 14 bril 2005. Dipoível e: ttp://www. clippigexpre.co.br/oti ci_jtic.pp?id=44834. 106
aceo e: 14 bril 2005. Dipoível e: ttp://www.de re.org/pbliqe/cgi/cgil. exe/y/trt.t?ioid=3139 &tpl=priterview&id=16>. 107
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aula 15: direitos humanos econômicos, sociais e culturais NOTA AO ALUNO
Abuscaporumaproteçãomaisefetivadosdireitoseconômicos,sociaisecul turais(DHESCs)encontra-senaatualagendainternacionaldosdireitoshumanos, tendo em vista que os mesmos oram, ao longo da história, negligenciados na esera internacional, ambiente este que prioriza, até hoje, os direitos civis e político . A raiz do tratamento dierenciado das duas categorias de direito encontra-se na decisão tomadapelaAssembléiaGeraldasNaçõesUnidas,em1951,deelaborardoisPactos InternacionaisdeDireitosHumanos(1966),cadaumvoltadoaumacategoriade direitos, com medidas de implementação distintas, ormando, em conjunto com aDUDH,aCartaInternacionaldosDireitosHumanos.Talmedidasedeuem virtude do conito ideológico que vigorava na época, bem como em decorrência da preponderância da posição dos países ocidentais, que alegavam que ambas as categorias de direitos não poderiam estar no mesmo Pacto, uma vez que os direitos econômicos,sociaiseculturaisdemandamrealizaçãoprogressiva,aopassoqueos direitos civis e políticos são auto-aplicáveis. Todavia, cumpre ressaltar que, já naquela época, tal dicotomia não tinha caráterabsoluto.ComolecionaCançadoTrindade,“oPactodeDireitosCivise Políticos também prevê a ´possibilidade de realização progressiva´ de certos direitos,eoPactoInternacionaldeDireitosEconômicos,SociaiseCulturaiscontém dispositivos suscetíveis de aplicação a curto prazo; assim, os conitos entre as duas categorias de direitos nem sempre são claros, e talvez a distinção seja antes uma questão de gradação ou de ênase, voltada às obrigações gerais que vinculam os Estados Partes.”108 EmsetratandoespecicamentedoPactoInternacionaldosDireitosEconômi cos,SociaiseCulturais(PIDESC),caberessaltarseusistemapeculiardemonito ramento.Istoporque,diferentementedoPactoInternacionaldosDireitosCivise Políticos,oPIDESCnãoprevêummecanismodecomunicaçãointerestatalnem de petição individual 109 (através de um protocolo adicional), assim como não estatuiumComitêcomoórgãoprincipaldemonitoramento.Demaneiradiversa, oPIDESC baseia-se nomecanismodosrelatórios,pormeiodoqual osEstadospartesencaminhamrelatóriosaoSecretário-GeraldasNaçõesUnidasque,porsua vez,encaminharáumacópiaaoConselhoEconômicoeSocialparaapreciação.Na verdade,orelatórioseráanalisadopeloComitêdeDireitosEconômicos,Sociaise Culturais110(ComitêDESC),criadopeloConselhoEconômicoeSocialequetem porprincipalfunçãoomonitoramentodaimplementaçãodosdireitoseconômicos, sociais e culturais. OComitêDESC,apósanalisarorelatório,emitirásuasobservaçõesconclusivas que, embora não sejam dotadas de orça legal, têm orça política e moral que, muitas vezes, se transormam em um importante instrumento de negociação para que haja avanços na proteção dos direitos humanos. As recomendações caracterizam-se
CanÇaDO TRInDaDE, atoio agto. Tratado de Direito Internaciona dos Direitos Humanos. Vol. I. Porto alegre: sergio atoio Fbri, 1997. p. 354. 108
Coicção iterettl é qel trvé d ql Et doprte deci exitêci de violção de direito o e otro Etdoprte, o po qe coicção idivi dl e reere à poibilidde do idivído recorrer itâci itercioi pr reprção o retrção do direito violdo. 109
Ititído pelo Coelo Eco ôico e socil d Onu trvé d Reolção EsC 1985/17. 110
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por seu power o embarrassment , i.e., constrangimento político e moral no campo da opinião pública internacional do Estado que viole os direitos humanos. Sendo assim, o único mecanismo de proteção dos direitos em tela estabelecido peloPIDESCéasistemáticadosrelatórios,peloqualosEstados-partesdevemencaminhar inormações acerca das medidas legislativas, administrativas e judiciárias quesãotomadasparaefetivarosdireitosestabelecidosnoPIDESC,bemcomodas diculdades encontradas para a plena realização desses direitos. Nesse contexto, az-se extremamentenecessárioampliarosistemademonitoramentodosdireitoseconômicos,sociaiseculturaisnoplanointernacional.Comoexemplo,destaca-seoProtocolo FacultativoaoPIDESC(tramita,desde1997,naComissãodeDireitosHumanosda ONU) que, caso seja adotado, consistirá em uma orma de ampliação do sistema de monitoramento, já que prevê o mecanismo de comunicação individual. EmrelaçãoaoBrasil 111,especicamente,cabemencionarqueoGovernoFederal apresentou, em 2001112, com quase dez anos de atraso, seu Primeiro Inorme ao ComitêdeDireitosEconômicos,SociaiseCulturais.Emcontrapartida,asociedade civil,pormeiodaPlataformaBrasileiradeDireitosHumanosEconômicos,Sociais eCulturais(DhescBrasil)apresentouem2003seuContraInforme113 (denominado tambémdeRelatórioSombra)aoComitêDESC,amdecontestaralgunsfatos levantados pelo governo ederal, bem como para apresentar novos dados sobre a situaçãobrasileira.Apósaanálisedosdoisinformes,oComitêDESCemitiu 114, em maiode2003,suasobservaçõesconclusivasacercadocumprimentodoPIDESC peloBrasil,incluindorecomendaçõesesugestõesparasuaefetivação.OGoverno brasileiro apresentou em 2006 um novo inorme, especicando se as recomendaçõespropostaspeloComitêDESCforamobservadasounão. EmrelaçãoàconsagraçãodosDHESCsnoâmbitointernacional,édesuma importânciaressaltaraIConferênciaMundialsobreDireitosHumanos,realizada emTeerã,em1968,queproclamouaindivisibilidadedosdireitoshumanos,ar mando, assim, que a plena realização dos direitos civis e políticos só seria possível comogozodosDHESCs.Trata-sedepassodesumaimportância,umavezquea consagração da indivisibilidade dos direitos humanos ez com que, pela primeira vez, ambas as categorias de direitos estivessem no mesmo patamar. Destaque-se, por oportuno, que a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos oi rearmadanaIIConferênciaInternacionalsobreDireitosHumanos,realizadaem Viena,em1993. OsDHESCstambémpodemseranalisadosnostrêssistemasregionaisdepro teção dos direitos humanos: sistema europeu, sistema aricano e sistema interamericano.Emrelaçãoaosistemaeuropeu,saliente-seaponderaçãofeitapelaCorte Européia de Direitos Humanos no caso Airey (1979)dequeemboraaConvenção Européia sobre Direitos Humanos consagre essencialmente os direitos civis e políticos,muitosdelessurtemimpactosdenaturezasocialoueconômica,nãohaven do, assim, uma clara distinção entre as duas categorias de direitos. Em virtude da crescenteatençãodadaaosDHESCsaolongodosanos,foramincorporadosalguns direitosàConvençãoEuropéia,taiscomoosconsagradospeloProtocoloI:direito à propriedade privada (artigo 1) e direito à educação (artigo 2).
O Bril rtico o PIDEsC e 24.01.1992. 111
slietee qe e 2000, e virtde d iérci do et do brileiro, ociedde civil preeto “Iore alter tivo” o Coitê de Direito Ecoôico, socii e Cltri, i deoido vez qe o govero ederl brileiro id ão ti ecido e iore. 112
O Cotr Iore oi pre etdo drte o 30º Período Ordiário de seõe (05 23 de io de 2003) do Coitê de Direito Ecoôico, socii e Cltri d nçõe uid. 113
O Coitê de Direito Ecoô ico, socii e Cltri do to obervçõe cocliv e 23 de io de 2003, últio di de e 30º Período Ordiário de seõe. 114
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Emsetratandodosistemaafricano,aCartaAfricanadeDireitosHumanosedos Povos prevê um catálogo tanto de direitos civis e políticos (artigos 3 a 14) quanto de direitoseconômicos,sociaiseculturais(artigo15a18),tendoaComissãoAfricana de Direitos Humanos e dos Povos um mecanismo de aplicação comum a todos os direitos. Quanto ao sistema interamericano, cabedestacar que, embora a Convenção AmericanasobreDireitosHumanosmencioneosDHESCsemapenasumartigo, limitando-se a dispor que os mesmos devem ser realizados progressivamente, em 1988foiadotadooProtocoloAdicionalàConvençãoAmericanaemmatériade DireitosEconômicos,SociaiseCulturais(ProtocolodeSanSalvador),documento estequeentrouemvigoremnovembrode1999.Expressãodeummovimentode conscientizaçãoparaumaproteçãomaisefetivaaosDHESCs,oProtocolodeSan Salvador dispõe acerca da possibilidade de se enviar petição individual acerca do direitoàeducaçãoedealgunsaspectosdosdireitossindicaisàComissãoInteramericanadeDireitosHumanos(Comissão),bemcomodeapresentarrelatóriosperiódi cos. Saliente-se, por oportuno, que o reerido Protocolo dene o alcance de alguns DHESCs,como,porexemplo,odireitoàseguridadesocial(artigo9),odireitoa condições justas, eqüitativas e satisatórias de trabalho (art. 7) e o direito a um meio ambiente sadio (artigo 11). Embora o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos tenha se concentrado na deesa dos direitos civis e políticos, tanto a ComissãoquantoaCorteInteramericanadeDireitosHumanostêmreconhecido, emseusrespectivosâmbitosdecompetência,ocaráterfundamentaldosDHESCs. Comoexemplo,aauladeveráapontaroCaso11.289 115, que trata da situação de José Pereira, um menor de idade que trabalhava em condições análogas à de escravo em uma azenda no sul do Pará,. As pessoas aceitavam trabalhar no local em virtude de alsas promessas de altos salários e boas condições de trabalho. Em uma ocasião, capangas atiraram nos trabalhadores que tentavam ugir da azenda. José Pereira, que na época tinha 17 anos, oi gravemente erido, sorendo lesões permanentes no olhodireitoenamãodireita.OcasoemtelafoilevadoàComissãoem1994e,em 2003, chegou-se a uma solução amistosa. O reconhecimento público da responsabilidade do Estado brasileiro em relação à violação de direitos humanos deu-se na solenidadedeinstalaçãodaComissãoNacionaldeErradicaçãodoTrabalhoEscra vo-CONATRAE(criadaporDecretoPresidencialde31dejulhode2003),realiza danodia18desetembrode2003.Nestaoportunidade,oEstadobrasileiro,pagoua vítima o valor de R$ 52.000,00 (cinqüenta e dois mil reais) a título de indenização por danos morais e materiais 116. Ainda no bojo do reerido acordo, e de maneira a aprimorar a legislação nacional que visa a coibir a prática do trabalho escravo no país, o Estado brasileiro comprometeu-se a implementar as ações e as propostas de alterações legislativas contidas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo,elaboradopelaComissãoEspecialdoConselhodeDefesadosDireitosda Pessoa Humana, e lançado pelo governo brasileiro, em 11 de março de 2003. Porm,cabemencionarodebatesobreduascategoriasintrínsecasaosDHESCs: aprogressividadeeaexigibilidade.Emprimeirolugar,oPIDESCasseveraaobri gação do Estado de, quer com seu próprio esorço, quer com a assistência e cooperação
Reltório nº 95/03 Joe Pereir – Co 11.289 (Bril). aceo e: 04 j. 2005. Dipo ível e: ttp://www.cid.o. org/lrep/2003eg/Br zil.11289.t. 115
116
Idem.
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internacionais, tomar medidas, no máximo dos recursos disponíveis , para assegurar progressivamente o pleno exercício dos direitos elencados. Nesse sentido, cabe a análise de alguns desses elementos: (i) a acareação entre o máximo e o disponível, uma contradição no primeiro exame, indica para o ato de que progressividade não pode ser entendida como postergação innita; (ii) recursos aqui devem ser entendidos para além dos nanceiros, compreendidos também os humanos, tecnológicos, naturais e de inormação.117 Dessa orma, tem-se que uma saída possível e recomendáveléoestabelecimentodemetaseprazosparaaconcretizaçãodosDHESCs. OsDHESCs,precisamenteporconstituíremdireitos,devemserdotadosdeme canismos para que seus titulares possam deles usuruir. Reere-se aqui à exigibilidadedosDHESCs,aqualpodesedarnoâmbitoadministrativooujudicial,esta denominada justiciabilidade. Nesse contexto, destaque-se que a exigibilidade dos DHESCspodeserconsideradanasesferasnacional(constituiçõeseleis)einterna cional(PIDESC). Como lembra Jayme Benvenuto, tendo em vista a previsão normativa dos DHESCs,“seaoJudiciáriosemprecoubeaobrigaçãodesolucionarconitosem relação a todas as matérias que lhe sejam apresentadas, agora ele tem uma base positiva que legitima sua ação em nível interno.” 118PormaisquealgunsDHESCs já possuam mecanismos ecientes de proteção perante o Judiciário, como é o caso dos direitos trabalhistas e previdenciários, registra-se ainda muita resistência por partedoMinistério Público edoJudiciário emdesignarumatutelaefetivaatais direitos. Todavia,caberegistrar,porm,importantedecisãodoSupremoTribunalFede ralacercadosDHESCs.Em29deabrilde2004,emsededaArgüiçãodeDescum primentodeDireitosFundamental(ADPF)n.45 119,oMinistroCelsodeMello, mesmo sem examinar diretamente o objeto da ação – veto do Presidente da RepúblicaaartigodaLeideDiretrizesOrçamentáriasde2003quegarantiarecursos nanceiros ao serviço de saúde – uma vez que o Poder Executivo enviou projeto de leiaoLegislativoquerestaurouaintegridadedoartigo,apôsimportantesconsideraçõesaoPoderJudiciárioemrelaçãoàimplementaçãodosDHESCs: “Não obstante a ormulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conormação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a claraintençãodeneutralizar,comprometendo-a,aecáciadosdireitossociais,econômicos e culturais, aetando, como decorrência causal de uma injusticável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justicar-se-á, como precedentemente já enatizado – e até mesmo por razões undadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja ruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado”.
LIma JÚnIOR, Jye Beve to. Os direitos humanos econmicos, sociais e cutu rais. Rio de Jeiro: Reovr, 2001. p. 108. 117
118
Ibid ., p. 120.
aDPF . 45 – sTF. Rel tor miitro Celo de mello. Jlgeto e 29.04.2004. aceo e: 04 jlo 2005. Dipoível e: ttp://gei i.t.gov.br/cgibi/p br?d=DEsP&=jlg&1=45. numE.&l=20&=ttp://www. t.gov.br/Jriprdeci/J rip.p§1=ImaGE§2 =ThEsOFF§3=PLuROn&s ect6=DEsPn&p=1&r=2&=G. 119
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Pelo exposto, indaga-se: Um cidadão brasileiro pode enviar um caso relativo àviolaçãododireitoàsaúdeàComissãoInteramericanadeDireitosHumanos? QuaissãoosmecanismosdeproteçãodosDHESCsexistentesnosistemaglobal? O que representa a consagração da indivisibilidade dos direitos humanos para a proteçãodosdireitoseconômicos,sociaiseculturais? Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : CANÇADOTRINDADE,AntonioAugusto.ratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vol.I.PortoAlegre:SergioAntonioFabris, 1997.pp353-360. l eiTuRa acessóRia : LIMAJÚNIOR,JaymeBenvenuto.Osdireitoshumanoseconômicos,sociaise culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. PIOVESAN,Flávia;GOTTI,AlessandraPassos;eMARTINS,JanaínaSenne. “AproteçãoInternacionaldosDireitosEconômicos,SociaiseCulturais”.In: PIOVESAN,Flávia. emas de Direitos Humanos.SãoPaulo:MaxLimonad,2003.pp.91-114. l egislação: PactoInternacionalsobreDireitosEconômicos,SociaiseCulturais Declaração Universal de Direitos Humanos Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem ConvençãoAmericanasobreDireitosHumanos Protocolo de San Salvador ConvençãoEuropéiasobreDireitosHumanos CartaAfricanadeDireitosHumanosedosPovos
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aula 16: a esPeciFicaÇÃo do suJeito de direitos. os direitos humanos sob a PersPectiva de gênero NOTA AO ALUNO
Vimos discutindo ao longo das últimas aulas a proteção aos direitos civis e políticoseaosdireitoseconômicos,sociaiseculturais,ressaltandoaindivisibilidadecomo o marco de compreensão dos direitos humanos. A partir da presente aula, passaremos a analisar o processo de especicação dos sujeitos de direitos como decorrência de um outro marco undamental: a universalidade dos direitos humanos. SejaaDeclaraçãoUniversalde1948ouosPactosInternacionaisde1966,nos reerimos até o presente momento ao sistema geral de proteção aos direitos humanos. Todavia, ao longo das últimas décadas, oram consolidados tratados que tinham como objeto tema especíco, dotando alguns sujeitos de direitos também distintos. O Direito Internacional dos Direitos Humanos deixa de examinar os seres humanos como sujeitos neutros, tidas suas dierenças em segundo plano, e passa a analisa-los com concretude. É o que se costuma denominar de processo de especicação do sujeito dedireitos.deTodasasFormasdeDiscriminaçãoRacialde1965,aConvençãopara aEliminaçãodeTodasasFormasdeDiscriminaçãocontraaMulher(CEDAW)de 1979,ConvençãocontraatorturaeoutrostratamentosouPenasCruéis,Desumanos ouDegradantesde1984eaConvençãosobreosDireitosdaCriançade1989. Há de se destacar que o sistema geral e o sistema especial de proteção de direitos humanos são necessariamente complementares, “ na medida em que o sistema especial de proteção é voltado, undamentalmente, à prevenção da discriminação ou à proteção de pessoas ou grupos de pessoas particularmente vulneráveis, que merecem proteção especial. Daí apontar-se não mais ao indivíduo genérica e abstratamente considerado, mas ao indivíduo ‘especicado’, considerando-se categorizações relativas ao gênero, idade, etnia, raça, etc. O sistema internacional passa a reconhecer direitos endereçados às crianças, aos idosos, às mulheres, às pessoas vítimas de tortura, às pessoas vítimas de discriminação racial, dentre outros .”120 Ao longo das próximas aulas, examinaremos alguns desses sujeitos de direito, cabendo a escolha dos direitos humanos das mulheres como o primeiro desses. proteção Dos Direitos Da MulHer
Na compreensão do processo narrado, a primeira das especicações reere-se ao fatodequeossereshumanossãosexuados.Maisdoqueisso,pessoascrescemem contextos sociais em que papéis sócio-culturais são designados de acordo com as relações de poder estabelecidas em razão do sexo. Reerimo-nos aqui a sexo como as dierenças entre homens e mulheres dadas pela natureza, como, por exemplo, o ato de somente as mulheres poderem menstruar, parir e amamentar. As desigualdades de gênero são as dierenças socialmente construídas, como, por exemplo, as
PIOVEsan, Flávi. Direitos Humanos e o Direito Cons tituciona Internaciona . são Plo: mx Liod, 2002. (I) p. 188. 120
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mulheres cuidarem dos lhos e da casa e os homens trabalharem ora. Essa distinção é relevante para percebermos que as desigualdades sociais entre homens e mulheres vêm de nossas idéias, de uma construção cultural das desigualdades (gênero) que não se justica nas dierenças biológicas dadas pela natureza (sexo). 121 Nessesentido,em18dedezembrode1979,foiaprovadapelaAssembléiaGeral da ONU a Convenção sobre a Eliminação de odas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW),passandoavigorarem3desetembrode1981. Os Estados partes comprometem-se a uma dupla obrigação: devem eliminar as ormas constantes de discriminação e devem promover a igualdade. De acordo com o artigo 1o.daConvenção,discriminaçãocontraamulhersignicatoda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades undamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Por outro lado, o artigo 4 odaCEDAWtambémprevê a aplicação de medidas de ação armativa: a adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de ato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na orma denida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidades e tratamento houverem sido alcançadas . OsavançospromovidospelaConvençãoforam“freiados”pelaconstataçãode que esse oi o marco normativo de direitos humanos que mais recebeu reservas no âmbitodaONU:aomenos23dos100Estados-partesrealizaram88reservas,algu mas dessas aetando a essência da universalidade dos direitos humanos. 122 AConvençãofoiraticadapeloEstadobrasileiroem1984,tendosidoapresentada denúncia ao artigo 15, parágrao 4 o. e ao artigo 16, parágrao 1o. (a), (c), (g) e (h), por incompatibilidade com a legislação civil vigente. Tais artigos estabelecem a igualdade entrehomensemulheresnoâmbitodasrelaçõesfamiliares.Todavia,em1994,em consonânciacomoquadroconstitucionalproporcionadopeloTextode1988,oGo vernonoticouaSecretariaGeraldaONUparaqueretirasseasreferidasreservas. Emseuartigo17,aConvençãoestabeleceoComitêsobreaEliminaçãodaDis criminaçãocontraaMulher,composto23peritos,eleitospelospaísesqueratica ramaConvenção,dentreelesatualmenteabrasileiraSilviaPimentel.Aoraticara Convenção,osEstadoscomprometem-seasubmeteraSecretaria-GeraldasNações Unidas,paraexamedoComitê,relatóriosobreasmedidaslegislativas,judiciárias, administrativas, dentre outras, no prazo de um ano a partir da entrada em vigor da convenção;posteriormente,acada4anos;etodavezquesolicitaroComitê(artigo 18Convenção).Emrespostaaosrelatórios,oComitêemiterecomendaçõesaserem cumpridas pelo Estado. Todavia, o tratado não prevê a possibilidade de comunicaçõesestataisoudoconhecimentodeviolaçõesdeofícioporpartedoComitê. Somente a partir da elaboração do Protocolo Facultativo aprovado pela ONU em1999,qualquerpessoaougruposdepessoasquealeguemservítimasdeviola çõesàConvençãopodemapresentarpetiçãoaoComitê.Nessesentido,épossível
LIBaRDOnI, alice (org.). Di reitos Humanos das muhe res... em outras paaras: susdios para capacitação de muheres e oranizações. Bríli: aGEnDE, 2002. p. 109. 121
PIOVEsan, Flávi. “O direito o d ler orde iterciol”. I: PIOVEsan, Flávi. Temas de Direitos Humanos. são Plo: mx Li od, 2003. (II) p. 210. 122
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armar que o Protocolo não estabeleceu novos direitos, mas novas garantias de proteção.SeaConvençãoéum“remédio para auxiliar a eliminar a discriminação contra as mulheres, seu Protocolo Facultativo é a bula que ensina como usar esse remédio .”123 OBrasilassinouoprotocoloem08demarçode2001,DiaInternacionalda Mulher,oqualfoiaprovadopeloCongressoNacionaleraticadopeloPresidente emsetembrode2002.Comoseuartigo4 o arma a necessidade de esgotamento dos recursos internos e a impossibilidade de litispendência internacional como critérios de admissibilidade de uma denúncia, pode-se armar que muitas mulheres brasileiras preerem a utilização do Sistema Interamericano de Direitos Humanos por contar com uma instância jurisdicional para vericação da responsabilidade internacional. Porm,aDeclaraçãodeVienade1993,produtodaprimeiragrandeconferência mundialdedireitoshumanosnocontextopós-GuerraFria,reasseverouaigualdade entre homens e mulheres e conclamou os Estados a promover a raticação universal daConvençãoparaaEliminaçãodaDiscriminaçãocontraasMulheresearetiraras reservas que comprometiam a essência do tratado. Maisalémdoexamedosprincipaistratadosquesereferemaosdireitoshumanos das mulheres, é importante ressaltar alguns temas correlatos, como os direitos sexuais e reprodutivos e a violência doméstica e amiliar contra a mulher. Direitos sexuais e reproDutiVos
Se o movimento de mulheres teve início com a busca da igualdade entre homens e mulheres, notadamente no que se reere ao direito ao voto, percebemos que a tônicafoitransferidaparadireitosinerentesacondiçãodiferenciadadasmulhe res.Concepção,gestação,amamentação,contracepção,aborto,entretantosoutros temas,passamaserexaminadoscomoquestõescorrelatas.Foinessesentidoque caminharam as principais conerências reerentes a direitos sexuais e reprodutivos. Em1994,duranteaConferênciadoCairosobrePopulaçãoeDesenvolvimento, os Estados reconheceram os direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos e ainda armaram que meninas e mulheres têm o direito a decidir sobre a maternidade, passando o aborto a ser compreendido como uma questão de saúde pública. Porsuavez,em1995,osEstadosreuniram-senaIVConferênciaMundialsobre aMulher,DesenvolvimentoePaz.ADeclaraçãoeoPlanodeAçãodeBeijingre armam os direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos e recomendam aos Estados a rever as legislações punitivas ao aborto. Combasenosinstrumentosinternacionaiscitados,conclui-sequeosdireitosre produtivos incluem: a) o direito de adotar decisões relativas à reprodução sem sorer discriminação, coerção ou violência; b) o direito de decidir livre e responsavelmente o número de lhos e o intervalo entre seus nascimentos; c) o direito a ter acesso a inormações e meios seguros, disponíveis, acessíveis e d) o direito de acesso ao mais elevado padrão de saúde reprodutiva. Por sua vez, direitos sexuais compreendem: a) o direito a decidir livre e responsavelmente sobre sua sexualidade; b) o direito de ter
LIBaRDOnI, alice (org.). Di reitos Humanos das muhe res... em outras paaras: susdios para capacitação de muheres e oranizações. Bríli: aGEnDE, 2002. p. 63. 123
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controle sobre o seu próprio corpo; c) o direito a viver livremente sua orientação sexual, sem sorer discriminação, coação ou violência; d) o direito a receber educa;áo sexual; e) o direito à privacidade; ) o direito de acesso às inormações e aos meios para desrutar do mais alto padrão de saúde sexual e g) o direito a ruir do progresso cientíco e a consentir livremente à experimentação, com os devidos cuidados éticos recomendados pelos instrumentos internacionais.” 124 Violência DoMÉstica e aMiliar contra a MulHer
PormaisqueaConvençãode1979nãofaçamençãoexpressaàviolênciadoméstica e amiliar contra a mulher, alguns entendem que esta estaria incluída no conceitogeraldediscriminação.Porsuavez,em1993,aONUadotouaDeclaração sobreaEliminaçãodaViolênciacontraaMulher,aqualconcebeespecicidadea tal violência baseada no gênero, o que rompe com a tradicional separação entre o espaço público e privado. O continente americano desponta na criação de uma convenção regional especícaevinculanteparaocombatedetalformadeviolência.Trata-sedaConvenção InteramericanaparaPrevenir,PunireErradicaraViolênciacontraaMulher,aprovadaemcidadebrasileirae,porisso,comumentedenominadaConvençãodoBe lémdoPará.TalconvençãofoiassinadapeloBrasilem09dejunhode1994,tendo oCongressoNacionalaaprovadomedianteoDecretoLegislativono.107,de01de setembrode1995eoPresidentearaticadoem27denovembrode1995.Segundo GuilhermeAssisdeAlmeida,aConvençãoinovaao:“a)introduziroconceitode violência baseada no gênero; em outras palavras, é uma violência que é cometida pelo ato de a vítima ser uma mulher; caso não o osse, a violência não ocorreria; b) explicitar a noção de dano ou sorimento sexual; c) ampliar o âmbito de aplicação dos direitos humanos, tanto na esera pública (ocorrida na comunidade), como na esera privada (no âmbito da amília ou unidade doméstica); e d) relacionar os tipos de violências possíveis sem ser taxativa: estupro, maus-tratos, abuso sexual, tortura, tráco de mulheres, prostituição orçada, seqüestro e assédio sexual, entre outras ormas.”125 Dentre as diversas obrigações assumidas pela raticação, destaca-se o envio de relatóriosperiódicosàComissãoInteramericanadeMulheres(CIM).Importante passo oi o estabelecimento do mecanismo de petições individuais a serem apresentadasàComissãoInteramericanadeDireitosHumanos,emconformidadecoma ConvençãoAmericanadeDireitosHumanos.OBrasilfoioprimeiroEstadoaser acionadoperanteaComissãopordesrespeitoàConvençãodoBelémdoPará:tratasemaisespecicamentedocasoMariadaPenhaFernandes. PIOVEsan, F. op. cit.. (II) p. 247. 124
aLmEIDa, Gilere ai de. Direitos Humanos e não ioncia. são Plo: atl, 2001. p. 83. 125
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Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : CANÇADOTRINDADE,AntônioAugusto. ratado de direito internacional dos direitos humanos. Volume II. PortoAlegre:SergioAntonioFabris, 1999.pp.316-318.(Cap.XIII;itemV,n.5). PIOVESAN,Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional.SãoPaulo:MaxLimonad,2002.pp.194-202(Cap.VI;item“g”). l eiTuRa acessóRia : LIBARDONI,Alice(org.).Direitos Humanos das mulheres... em outras palavras: subsídios para capacitação de mulheres e organizações.Brasília: AGENDE,2002. PIOVESAN,Flávia“OsdireitoshumanosdamulhernaOrdemInternacional”. In:PIOVESAN,Flávia.emas de Direitos Humanos.SãoPaulo:MaxLimonad, 2003. STUDART, Heloneida. Mulher objeto de cama e mesa . 26a edição. Petrópolis: editora Vozes, 2001. l egislação: ConstituiçãoFederalde1988 ConvençãoparaEliminaçãodeTodasasFormasdeDiscriminaçãoContraaMulhereseuProtocoloFacultativo ConvençãodeBelémdoPará
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aula 17: direitos humanos e a questÃo da crianÇa e do adolescente NOTA AO ALUNO
AConvençãosobreosDireitosdaCriança,adotadaem1989e vigentedesde 1990éotratadodedireitoshumanosquemaisseaproximadaraticaçãouniversal. Abrangendotanto direitoscivis epolíticos quantodireitoseconômicos,sociaise culturais, aConvençãoestabelece,comoregrageral, quecriançaé oserhumano commenosde18anosdeidade. Alémde enumerar direitosespecícosà criança,a Convençãoestabeleceum princípio regedor de toda a normativa protetiva: o melhor interesse da criança: Artigo 3 1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a eeito por autoridades administrativas ou órgão legislativos, devem considerar, primordialmente, o interessa maior da criança.
Paraomonitoramentodasobrigações,aConvençãoestabeleceuaindaoComitê sobreosDireitosdaCriança,oqualreceberelatóriosperiódicosdosEstados.Não há previsão da sistemática de comunicações interestatais e de petições individuais. Tendo em vista o zelo por determinadas questões que aigem crianças em todo omundo,foramaprovadospelaAssembléiaGeral,em25demaio,doisProtoco los:oProtocoloFacultativosobreaVendadeCrianças,ProstituiçãoePornograa InfantiseoProtocoloFacultativosobreoEnvolvimentodeCriançasemConitos Armados;ambosassinadospeloBrasilem2000. Noâmbitointerno,oconstituintejáhaviaconsolidadonoTextoConstitucional todo o debate acerca da necessidade de uma proteção especial às crianças e aos adolescentes. Não somente reservou um capítulo à amília, à criança, ao adolescente e ao idoso, como estabeleceu a proteção da criança e do adolescente como prioridade absoluta: Art. 227. É dever da amília, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à prossionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência amiliar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda orma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
OEstatutodaCriançaedoAdolescente(ECA),Lein.8.069,de13dejulho de1990,deverásubisidiareintegraraapresentaçãodogrupo.Consideradoum dos documentos que melhor espelha os direitos elencados na Declaração sobre osDireitosdaCriança,oECAconstituiummarconanormatizaçãodedireitos noBrasil.Cumpreaoprofessorressaltaraopçãobrasileira,claratantonaConstituiçãoFederalquantonoECA,dedesignaradenominaçãodecriançaaosseres FGV DIREITO RIO 109
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humanosaté12anosincompletosedeadolescenteparaaidadeentre13e18 anos incompletos. Aoentraremvigor,oECArevogouoCódigodeMenores,‘derrubando’talnomenclatura e adequando o ordenamento jurídico nacional aos imperativos internacionais e constitucionais. Implementou a Doutrina Jurídica da Proteção Integral (art. 1º), designando uma nova condição jurídica à criança e ao adolescente: passa a ser sujeito de direitos, igual em dignidade e respeito a todo adulto, que precisa de proteção especial em virtude de ser uma pessoa em desenvolvimento, não sendo mais considerada como mera extensão da amília. Discutir a aplicação das normas internacionais e internas exige o recorte de algumas situações que poderão ser abordadas pelo grupo: Maus tratos: muito embora vigore hoje em dia o princípio do melhor interesse da criança, trata-se de uma conquista recente, que está diretamente ligada à evolução histórica do conceito de pátrio poder. Isto porque em uma sociedade na qual o pai tem poder ilimitado em relação ao lho, não há que se alar em melhor interesse da criança, já que esta, nesse contexto, não tem “voz”. No primitivo direito romano, o pai tinha poder disciplinar absoluto em relação ao lho, tendo total liberdade para aplicá-lo o castigo que julgasse pertinente, podendo, inclusive, matá-lo 126.Foi apenas com o cristianismo e com o desenvolvimento da sociedade que se oi exigindo moderação no uso do poder disciplinar. “Hoje, o pátrio poder é encarado como complexo de deveres em relação aos pais, instituído no interesse dos lhos e da amília, havendo denominação até de pátrio-dever”127. Sendo assim, os meios de disciplina e correção não são mais absolutos, possibilitando a convivência do princípio do melhor interesse com a gura do pátrio poder. Todavia, a desestruturação da amília pode levar a atos violentos e agressivos contra a criança e o adolescente, mais conhecido como violência doméstica, que se exterioriza como abuso de poder disciplinar e de correção, tendo duração variável (dias, meses, anos). Tais violações não são levadas ao conhecimento de agências ociaisdeproteção,talcomooConselhoTutelar,umavezquepredominanafamília a “lei do silêncio” 128. Ressalte-se, por oportuno, que todos os cidadãos têm o dever dedenunciaroscasosdemaustratos dequetenha conhecimentoaosConselhos Tutelaresdesualocalização,conformearts.13e245doECA. Em relação aos maus tratos, especicamente, cumpre salientar em primeiro lugar suaconguraçãocomocrime.Dispõeoart.136,doCódigoPenal(CP): Art.136,CP–Exporaperigoavidaouasaúdedepessoasobsuaautoridade, guarda ou vigilância, para m de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa. § 1º – Se do ato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de um a quatro anos. § 2º – Se resulta a morte: Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
aceo e: 01 io 2004. Dipoível e: ttp://www. det.org.br/decir/tort r/texto/ilto.tl. 126
127
Idem.
128
Idem.
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§ 3º – Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos.
Nesse sentido, é sujeito ativo do crime os pais ou responsáveis pela guarda ou vigilância da vítima, e sujeito passivo a criança ou adolescente que, na qualidade de lho ou sob custódia ou vigilância, or submetido a um dos tratamentos estabelecidos no artigo acima. Para a conguração do crime, é necessário ainda mais um elemento:exporaperigoavidaouasaúdedacriançaoudoadolescente.Como exemplo de maus tratos, destaquem-se: o pai ou responsável que coloca o menor de joelhos por longo tempo a ponto de colocar em perigo a saúde da vítima; o pai ou responsável que dá pimenta-do-reino à criança como orma de castigo. Os maus tratos contra criança e adolescente são diíceis de serem identicados em virtude de uma série de atores, dentre os quais a inexistência de dados conáveis sobre a ocorrência dos mesmos no lar amiliar no brasileiro, tornando diícil, porconseguinte,aatuaçãodosConselhosTutelares129. Apesar da alta de dados nacionaisarespeito,salientem-sedadosde1996sobreSãoPaulo 130: (i) a maior incidênciademaustratosocorrecontracriançasnafaixaetáriade0a6anos–60%; (ii)aautoriadasagressõessedistribuidaseguinteforma:mãe–43%;pai–33%; mãeepai–10%;responsáveis–14%;(iii)asprincipaiscausassão:alcoolismo –50%;desorganizaçãofamiliar–30%;distúrbiospsiquiátricos–10%;distúrbios decomportamento–10%.Entreosmotivosparaafaltadedadosarespeito,tem-se a predominância da “lei do silêncio”, bem como as seqüelas deixadas na criança e no adolescente que os impossibilitam de denunciar: a vítima não ala e não anda 131. Participação de crianças e adolescentes em processos administrativos e judiciais:oart.12daConvençãosobreosDireitosdaCriançapossibilita a oitiva da criança nos processos judiciais ou no âmbito administrativo. Paralelamente o § 1.ºdoart.28eaoart.45doECAreferem-seexpressamenteahipótesesemquea criança e o adolescente devem ser ouvidos. ACorteInteramericanade Direitos Humanosmanifestou-sesobreotemano contextodaOpiniãoConsultivan.19.Sugere-sealeituradeseuinteiroteor,uma vez que esse tribunal estabelece parâmetros a serem observados pelos Estados-partes daConvençãoAmericanadeDireitosHumanosarespeitodosdireitosdacriançae do adolescente. “102. Em conclusão, o aplicador do direito, seja no âmbito administrativo, seja no judicial, deverá levar em conta as condições especícas do menor e seu interesse superior a m de ajustar a participação deste, conorme seja adequado, na determinaçãodosseusdireitos.Comestaconsideração,procurar-se-áomaioracessodo menor, na medida do possível, na análise de seu próprio caso.”
Diante da inexistência de regras claras sobre a ponderação do melhor interesse da criança em ace de processos administrativos e judiciais, Tânia da Silva Pereira enumera algumas condições objetivas que podem contribuir para o exercício deste direito de ser ouvido:
aceo e: 01 io 2004. Dipoível e: ttp://www.re deig.org.br/otici.pp. 129
aceo e: 01 io 2004. Dipoível e: ttp://www. cerebroete.org.br/04/do ec/ici/pero.t. 130
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Idem.
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“1. Adaptar os procedimentos com vistas a garantir a maniestação autêntica da vontade da criança ou do adolescente; 2.Criarcondiçõesquefacilitemaexpressãoespontâneadacriança,evitando situações de angústia e linguagens técnicas incompreensíveis; 3.Favoreceraintervençãodeprossionaisespecializadosquepossaminterpretar, de maneira apropriada, a palavra da criança e do adolescente, permitindo-lhe expressar seus interesses e conitos com maior liberdade; 4.Forneceràcriançaeaojovemtodasasinformaçõesrelativasàsuasituaçãoeao assunto sobre o qual deverá emitir sua opinião ; 5. Não orçá-los a se exprimirem ou se maniestarem caso não estiverem preparados; 6.Convocá-losaparticipardosprocedimentosdemediaçãofamiliardestinados a solucionar conitos que envolvam sua pessoa e seus interesses; 7.Considerarseussentimentosepensamentosnasoluçãodosconitosquelhes digam respeito; 8.Assumira“CuradoriaEspecial”comoaalternativadeinterferirnosprocedi mentos para azer valer os direitos de seu representado; 9.Evitaraconvocaçãodacriançaedoadolescentecomotestemunhadeumdos pais contra o outro; sua oitiva deve representar uma orma de expressar sua opinião e preerência sobre a situação conitante; tal depoimento nunca deverá ser prestado na presença dos pais.”132
“Meninos de Rua”: uma terceira sugestão de assunto a ser abordado pelo grupo trata dos meninos de rua, realidade cada vez mais presente nas grandes cidades brasileiras. Tal ponto retoma a discussão travada na Aula 1, por ocasião do lme Ônibus174. Sugere-sequeodebateocorratendocomopontodepartidaasentençadaCorte Interamericana de Direitos Humanos reerente ao caso Villagrán Morales e Outros versus Guatemala , ou “Niños de la Calle ”,de19denovembrode1999.Cumpre destacar ainda a sentença de reparações, de 26 de maio de 2001. Trata-se de caso de seqüestro, tortura e assassinato de ‘menores’ e omissão dos mecanismos do Estado guatemalteco em oerecer o acesso à justiça aos amiliares das vítimas. A decisão constitui um marco na proteção da criança e do adolescente em todo o continente, uma vez que: a) enatiza a peculiaridade de tais sujeitos no aspecto jurídico,assimcomonosocial,políticoeeconômico;b)destacaa indivisibilidade dosdireitoscivisepolíticoseosdireitoseconômicos,sociaiseculturais;ec)deter minam a especial gravidade das práticas sistêmicas de violência contra crianças e adolescentes em situação de risco. Cabedestaqueaseguintepassagem,constantedoVotoconcorrenteConjunto dosJuízesA.A.CançadoTrindadeeA.AbreuBurelli: “3. O direito à vida não pode continuar sendo concebido restritivamen te, como foinopassado,referidoapenasàproibiçãodaprivaçãoarbitráriadavidafísica.Cre mos que há diversos modos de privar uma pessoa arbitrariamente da vida: quando é
sILVa PERE IRa, Tâi. O me hor interesse da criança: um deate interdiscipinar. Rio de Jeiro: Reovr, 2000. p. 31. 132
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provocada sua morte diretamente pelo ato do homicídio, assim como quando não se evitam as circunstâncias que igualmente conduzem à morte de pessoas como no cas d’espèce .NopresentecasoVillagránMoralesversusGuatemala,atinenteàmorte de meninos por agentes policias do Estado, há a circunstância agravante de que a vida dos meninos já carecida de qualquer sentido; quer dizer, os meninos vitimados já se encontravam privados de criar e desenvolver um projeto de vida e de procurar um sentido para sua própria existência.” 134
O estudo de tal decisão apresenta semelhanças intransponíveis com o caso da ChacinadaCandelária,de1990,aqualtransferiuoRiodeJaneirodonoticiário internacional de turismo para o de violação de direitos humanos. Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : PIOVESAN,Flávia; ePIROTTA,Wilson Ricardo Buquetti. “Osdireitoshumanos das crianças e dos adolescentes no direito internacional e no direito interno”.In:PIOVESAN,Flávia. emas de Direitos Humanos. São Paulo: MaxLimonad,2003.pp.277-297. l eiTuRa acessóRia : CorteInteramericanadeDireitosHumanos.OpiniãoConsultivan.17,de28de agosto de 2002 (www.corteidh.or.cr). DELLORE,MariaBeatrizPennachi.“ConvençãodosDireitosdaCriança”.In: ALMEIDA,Guilhermede;ePERRONE-MOISÉS,Cláudia(orgs.).Direito Internacional dos Direitos Humanos.SãoPaulo:Atlas,2002.pp.76-86. SILVAPEREIRA,Tânia.O melhor interesse da criança:um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. l egislação: ConvençãoInternacionalsobreosDireitosdaCriança ConstituiçãoFederal EstatutodaCriançaedoAdolescente
aceo e: 04 jlo 2005. Dipoível e: ttp://www. corteid.or.cr/eriec/idex_ c.tl. Villagrán Morales vs. Guatemala. Voto cocorrete Cojto do Jíze a.a. Cç do Tridde e a. abre Brelli. 134
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aula 18: os direitos humanos sob a PersPectiva racial NOTA AO ALUNO
AAula18destina-seàcontinuidadedoestudodoprocessodeespecicaçãodo sujeito, destacando-se perspectiva racial. No âmbitoglobal,aDeclaraçãocontraaDiscriminaçãoRacial(1963)foium dos primeiros documentos da ONU a retratar a especicação do sujeito, in casu étnico-cultural,logoseguidapelaConvençãosobreaEliminaçãodeTodasasFormas deDiscriminaçãoRacial,promulgadaem1965equepassaavigorarem1969. AoraticaraConvençãosobreaEliminaçãodeTodasasFormasdeDiscriminação Racial, os Estados partes comprometem-se a uma dupla obrigação: eliminar as ormas constantes de discriminação e promover a igualdade. Para que não haja contradição entre esses termos, é importante compreender discriminação como aquelaquevioladireitos,excluindodocampodasmedidasreprovadaspelaCon venção as que promovem a discriminação positiva. De acordo com o artigo 1 o.daConvenção,discriminaçãoracialsignicatoda distinção, exclusão, restrição ou preerência baseada em raça, cor, descendência ou ori gem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades undamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública . Por outro lado, o artigo 1.1 estabelece a conormidade das medidas de discriminação positiva: não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tias grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades undamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para dierentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos . AConvenção dispõe de3mecanismosdemonitoramento:apresentação de relatórios, comunicações interestatais e comunicações individuais. Para a coordenaçãodetaismecanismos,emseuartigo8 o,aConvençãocriouoseu treaty body ,o Comitêsobre aEliminação daDiscriminaçãoRacial (CERD).Esteé compostopor18peritos,eleitospelosEstados-partesatítulopessoal,dentre osquaisseencontrahojeo brasileiroEmbaixadorLindgrenAlves. OCERD emite recomendações no sentido de melhor orientar atuação estatal, estando seu cumprimento condicionado à adesão voluntária. Trata-se de um exemplo de implementação do power o embarrasment , inerente ao campo da política internacional. Em1978e1983,osEstadosreuniram-seemduasconferênciasdereduzidarepercussão na sede a própria ONU, ambas realizadas durante a Primeira Década de CombateaoRacismoeàDiscriminaçãoRacialiniciadaem1973,conformeresolu FGV DIREITO RIO 114
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çãodaAssembléiaGeral.Todavia;éclaroque,nocontextodesseperíodo,qualquer oro multilateral acabaria por centrar todas as atenções no regime do apartheid da ÁfricadoSul,sepultadoem1994comapossedoNelsonMandela,nãorestando energia para o debate acerca de outras ormas de racismo. Em 2001, simbolicamente em pleno solo sul-aricano, na cidade de Durban, 2.300delegadosociaisde163países,dentreeles16chefesdeEstadooudeGo verno,58ministrosdeRelaçõesExteriorese44ministrosdeoutraspastasequase4 mil representantes de organizações não-governamentais reuniram-se para a Terceira Conferência,denominadaConferênciaMundialdeCombateaoRacismo,DiscriminaçãoRacial,XenofobiaeDiscriminaçõesCorrelatas. 135 Nesse primeiro órum de direitos humanos do século XXI, a armação das dierenças culturais protagonizou o debate sobre a tolerância e o enrentamento à discriminação. Dentre os temas escalados para a discussão, temos: • Fontes,causas,formasemanifestaçõescontemporâneasderacismo,discriminação racial, xenoobia e intolerância correlata; • Vítimasderacismo,discriminaçãoracial,xenofobiaeintolerânciacorrelata; • Medidasdeprevenção,educaçãoeproteçãovoltadasparaaerradicaçãodo racismo, da discriminação racial, da xenoobia e da intolerância correlata nos níveis nacional, regional e internacional; • Provisãoderemédiosefetivos,recursos,correção,assimcomomedidas[compensatórias] e de outra ordem nos níveis nacional, regional e internacional; • Estratégiasparaalcançaraigualdadeplenaeefetiva,inclusivepormeioda cooperação internacional e do ortalecimento das Nações Unidas e outros mecanismos internacionais para o combate ao racismo, à discriminação racial, à xenoobia e à intolerância correlata, assim como o acompanhamento de sua implementação.136 A complexidade dos temas tratados não aasta o impasse mesmo em questões essenciais como a existência ou não de raças. O argumento trazido à baila por certas delegações européias, caso esgarçadas ao extremo, poderia colocar em risco a razão mesmadaConferência,assimcomodostratadosquecondenampráticasracistas. De qualquer orma, restou no texto menção ao ato de que os Estados da União Européia rechaçam rmemente qualquer doutrina que proclame a superioridade racial, juntamente com as teorias que tentam determinar a existência de raças humanas distintas [...] Isto não implica negação do conceito de raça como motivo de discriminação, nem negação das maniestações de racismo e discriminação racial, segundo denidas pelo Art. 1o da Convenção (de 1965), que ainda existem em todo o mundo . Todavia, outras polêmicas conduziram a conerência ao risco de esvaziamento. Dentre as polêmicas que permearam o encontro, destacam-se: a) a identicação do sionismo como uma orma de racismo, apesar dessa equiparação já ter sido aastada pelaprópriaONUdesde1991:noacirramentodasdiscussõesentreIsraelepaíses árabes, vingou o posicionamento da ONU; e b) as reparações devida pelo regime colonial.PaísesAfricanoseasiáticos,comoapoiodoBrasil,defenderamadenição
aLVEs, Joé agto Lid gre. “a coerêci de Drb cotr o rcio e repobi lidde de todo”. I: Os direitos humanos na psmoderni dade. são Plo: Perpectiv, 2005. p. 137. 135
136
Ibid., p. 124.
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da escravidão como crime contra a humanidade, posicionamento esse que implicaria em compensações, ensejando posicionamento contrário por parte dos Estados Unidos e União Européia. A tensão do debate conduziu a um termo de compromisso no esorço de não esvaziamento da reunião. Por um lado, oi compactuada a utilização da expressão ‘lamento’ no lugar de ‘desculpas’ pelos atos do passado, mudança essa que expressa arrependimento sem acarretar responsabilização internacional. Por outro lado,ospaísesemdesenvolvimentoconseguiramamanifestaçãodaConferênciano sentido de que injustiças históricas constituíram a raiz para a pobreza e o subdesenvolvimento, ato esse que justica a implementação de metas internacionais baseadas no alívio das dívidas externas, erradicação da pobreza, transerência de tecnologia, etc. 137 Importante ressaltar que oi em Durban que se maniestaram expressamente algunspaíses,lideradospeloBrasil,nosentidodoidenticar,noscasosdeintole rância correlata, questões reerentes à discriminação por orientação sexual. A partir deentão,oBrasiltemcapitaneadoliderançanosforosinternacionais,havendojá apresentado,nosanosde2003e2004,resoluçõesnoâmbitodaComissãodeDi reitos Humanos da ONU que classicam a discriminação por orientação sexual como uma violação de direitos humanos. Ao considerar mais traumática a derrota de tal proposta que a não submissão ao voto, a diplomacia brasileira achou por bem a retira da proposta nas duas ocasiões. ComosintetizaLindgrenAlves,ativoparticipantenostrabalhosdeDurban: “a verdade é que Durban oi a melhor conerência que se poderia realizar sobre temas tão abrangentes, em condições tão adversas, numa situação internacional que, comosenãobastasseadoxaeconômicaneoliberal(parafalarcomBourdieu)avessaa preocupações sócias, já se mostrava cada dia menos avorável ao multilateralismo e à diplomacia parlamentar. O simples ato de ela ter tido seus documentos nais adotados sem voto (a votação havida, é sempre bom lembrar, oi para rejeitar a reapresentação extemporânea de propostas superadas) representa, como já dito, um progresso com relaçãoà conferências de1978 e1983.Muitomais doqueisso, porém, os documentos de Durban trazem novos conceitos e compromissos importantes, particularmente para o combate ao racismo estrutural. Estes podem ser utilizados como guias à atuação dos Estados, internamente ou em ações internacionais, ou como instrumento semijurídico para cobranças das sociedades aos governos.” 138
Maisalémdoexamedosprincipaistratadosquesereferemaosdireitoshumanos sob a perspectiva racial, é importante ressaltar alguns temas especícos que poderão sertratadoscommaisdetalhepelogruporesponsávelpeloSemináriodaAula18. CYFER, Igrid. “Coveção obre Eliição de Tod For de Dicriição Rcil (1965)”I: aLmEIDa, Gilere de; e PERROnEmOIsÉs, Cládi (org.). Direito Internaciona dos Direitos Humanos . I treto báico. são Plo: atl, 2002. p. 35. 137
criMe De racisMo
EmconsonânciacomosparâmetrosdelineadospelaConvençãoparaaEliminação deTodasasFormasdeEliminaçãodoRacismo,aConstituiçãoFederal estabeleceu entre os direitos e garantias undamentais que:
138
aLVEs, J.a. L. op. cit. p. 139.
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Art. 5º XLII–apráticadoracismoconstituicrimeinaançáveleimprescritível,sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Importante ressaltar a maneira com que o constituinte admitiu o crime de racismo, tendo-lhe atribuído características excepcionais como a inaançabilidade e aimprescritibilidade.Emumaanálisesistêmica(artigo5º,incisosXLIIIeXLIV), é possível armar o crime de racismo é comparado aos crimes de tortura, tráco de entorpecentes, terrorismo, aos crimes denidos como hediondos e à ação armada contra o Estado Democrático de Direito. Tendoemvistaoprincípiodalegalidade,aLeinº7.716,de05dejaneirode1989, estabeleceu os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Incentiva-se a leitura dessa lei, em especial das condutas consideradas típicas pelo legislador. Todavia, a iniciativa legislativa não signicou necessariamente seu acatamento por parte da jurisprudência. Talvez pela rigidez com que é tratado o crime de racismo, persiste a resistência porpartedosórgãosdoMinistérioPúblicoedoJudiciárioemestabeleceraresponsa bilidade penal pelo crime de racismo, desclassicando a conduta para um dos crimes contra a honra, a injúria. DeacordocomoCódigoPenal,oDecreto-leinº2848,de07dedezembrode1940: Art. 140. Injuriar alguém, oendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de 1(um) a 6 (seis) meses, ou multa § 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena: I – quando o oendido, de orma reprovável, provocou diretamente a injúria; II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. § 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de ato, que , por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência. § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos reerente a raça, cor, etnia, religião ou origem: Pena – reclusão de um a três anos e multa.
A pesquisa sobre decisões reerentes ao crime de racismo e de injúria que tenha a utilização de elementos reerentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Além do exame perante os tribunais nacionais – Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de JustiçaeSupremoTribunalFederal–eeminstânciasinternacionaissugereadiculdade em se lidar com situações em que é considerado o elemento racial. populações reManescentes De quiloMbos
Outro tema de undamental importância quando se estuda direitos humanos sobaperspectivaracial noBrasil sãoaspopulações remanescentesdequilombos. FGV DIREITO RIO 117
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Comosesabe,notadamenteduranteoséculoXIX,formaram-seemtodoopaís centros de resistência para os quais se direcionavam escravos ugidos. A assinatura daLeiÁureanãotrouxemudançasignicativaparaavidademuitosbrasileirosque já se viam engajados em um novo contexto social. A designação geográca deu origem ao contorno sócio-cultural das populações remanescentes de quilombos. Tendo como pressupostoa formação multiculturalbrasileira, a Constituição brasileira determinou que: Art.216.Constituempatrimônioculturalbrasileiroosbensdenaturezamaterial e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de reerência à identidade, à ação, à memória dos dierentes grupos ormadores da sociedade brasileira, nos quase se incluem: (...) § 5oFicamtombadostodososdocumentoseossítiosdetentoresdereminiscências históricas dos antigos quilombos.
CabeespecialatençãoaoAtodasDisposiçõesConstitucionaisTransitórias: Art.68Aosremanescentesdascomunidadesdequilombosqueestejamocupando suas terras é reconhecida a propriedade denitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
ACartaConstitucionalcriouassimumatitularidadecoletivadepropriedadepara aqueles que ocupam determinada terra e se reconhecem enquanto remanescentes de quilombos.FoiprecisamentenessesentidoqueoPoderExecutivoexpediu,nodia 20denovembrode2003,emcelebraçãoaoDiaNacionaldaConsciênciaNegra, oDecreton.4887,oqual regulamenta o procedimento para identicação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Dentre os pontos mais relevantes dessa normativa, cabe ressaltar: • denição:deacordocomoartigo2 o, consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais especícas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sorida; e • procedimento:cabeàFundaçãoCulturalPalmaresdoMinistériodaCultura a expedição de certidão reerente à autodenição. Por sua vez, cumpre ao InstitutoNacionaldeColonizaçãoeReformaAgrária–INCRA,aidenticação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras, sem prejuízodacompetênciaconcorrentedosEstados,doDistritoFederaledos Municípios.Ainda,competeàSecretariaEspecialdePolíticasdePromoção daIgualdadeRacial,daPresidênciadaRepública(SEPPIR/PR),noprocesso FGV DIREITO RIO 118
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de regularização undiária, garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos. Diversos quilombos já oram ou encontram-se em vias de regularização, notadamente após a edição do reerido decreto, o qual prescreveu atribuições e procedimentos próprios. Trata-se de processo administrativo que visa precisamente à garantia de uma titularidade coletiva no contexto de um país multicultural. polÍticas De ação airMatiVa
Por mais que os alunos já tenham explorado o tema das Políticas de Ação ArmativanobojodaDisciplina DireitoConstitucional I,maisespecicamente em atividadesobreaLeiEstadualdoRiodeJaneironº3.524/2000,trata-sedeum tema inescapável quando se trata da perspectiva racial. NenhumalinhafoidedicadaataispolíticasquandoaAula18referiu-seàimportânciadaConferênciadeDurban.Talomissãonãoéporacaso.Opaísqueprimeiro implementou tais políticas sabotou sua discussão durante o evento. Sob a administraçãodeGeorgeBush,taispolíticasjávinhamsendolentamentedesmontadasinternamente, e por conseqüência, censurada externamente pelos seus representantes. Ironicamente, a intensa participação da sociedade civil brasileira nas conerências regionais e os mais de 200 ativistas nacionais que compareceram a Durban giraram os holootes do debate nacional em direção às políticas de ação armativa. De orma inédita, a mídia passou a conceder espaço diário às supostas implicações que teria a aplicação de tais políticas no contexto social brasileiro. Por mais que taldebatetenhasidoofuscadopelosataquesterroristasàsTorresGêmeasdeNova Iorque, oi inescapável a conquista de um lugar ao sol para tais medidas, sendo elas atacadas ou deendidas. alteração curricular
Interpretada por alguns como política de ação armativa, a implementação do estudo de História e Cultura Aro-brasileira deve ser entendida como um importante passoparaacompreensãodoBrasilcomoumEstadomulti-étnicoemulticultural. Em09dejaneirode2003,foisancionadaaLeinº10.639,aqualalteraaLeide DiretrizeseBases(LDB)eincluiamatérianocurrículoocialdaRededeEnsino, criando os seguintes novos artigos: Art. 26 –A. Nos estabelecimentos de ensino undamental e médio, ociais e particulares,torna-seobrigatóriooensinosobreHistóriaeCultura § 1 o O conteúdo programático a que se reere o caput deste artigo incluirá o estudodaHistóriadaÁfricaedosAfricanos,alutadosnegrosnoBrasil,acul tura negra brasileira e o negro na ormação da sociedade nacional, resgatando a FGV DIREITO RIO 119
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contribuiçãodopovonegronasáreassocial,econômicaepolíticapertinentesà HistóriadoBrasil. § 2o Osconteúdosreferentes àHistóriaeCulturaAfro-Brasileiraserãoministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação ArtísticaedeLiteraturaeHistóriaBrasileiras. Art.79-B.Ocalendárioescolarincluiráodia20denovembrocomo‘DiaNacio naldaConsciênciaNegra’.
EmParecernº003/2004,de10demarçode2004 139,homologadopeloMinistrodaEducaçãoem19demaiode2004,oConselhoNacionaldeEducação manifestanosentidoderegulamentarasalteraçõesadvindasdaLeino.10.639, editando assim a Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004. A leitura de tais documentos torna-se importante na medida em que undamentam razões e eeitos da modicação curricular. Foramaquiexpostosalgunstemasrelacionadosàespecicaçãodosujeitodedireitos humanos sob a perspectiva racial. Tantos outros poderiam ser aqui apontados para o debate. O importante é perceber que, muito além da discussão acerca da raça e os métodos para a sua designação, cabe ao Poder Público e à sociedade civil a luta para a promoção de uma sociedade sem discriminação. Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : PIOVESAN,Flávia;PIOVESAN,Luciana;eSATO,PriscilaKei.“Implemen taçãodoDireitoàIgualdade”.In:PIOVESAN,Flávia. emas de Direitos Humanos.SãoPaulo:MaxLimonad,2003.pp.191-203. l eiTuRa acessóRia : CYFER,Ingrid.“ConvençãosobreaEliminaçãodeTodasasFormasdeDis criminaçãoRacial(1965)”.In: ALMEIDA, Guilherme de;e PERRONEMOISÉS,Cláudia(orgs.).Direito Internacional dos Direitos Humanos. Instrumentosbásicos.SãoPaulo:Atlas,2002.pp.24-38. LINDGRENALVES,JoséAugusto.“AconferênciadeDurbancontraoracismo e a responsabilidade de todos”. In: Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2005. pp. 113-140. SILVAJR,Hédio.Direito de igualdade racial: aspectos constitucionais, civis e penais: doutrina e jurisprudência . São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. l egislação: ConstituiçãoFederalde1988
Idic o precer qe “ obri gtoriedde de iclão de hi tóri e Cltr aroBrileir e aric o crríclo d Ed cção Báic trte de decião polític, co orte reperc õe pedgógic, iclive orção de proeore. Co e edid, recoecee qe, lé de grtir vg pr egro o bco ecolre, é precio vlorizr devidete itóri e cltr de e povo, bcdo repr do, qe e repete á cico éclo, à idetidde e e direito. a relevâci do etdo de te decorrete d itóri e cltr robrileir e ric ão e retrige à poplção egr, o cotrário, dize repeito todo o brileiro, vez qe deve edcre eq to ciddão tte o ei de ociedde lticltrl e plriétic, cpze de coti tir ção deocrátic. É iportte detcr qe ão e trt de dr oco eto cêtrico rcdete de riz eropéi por rico, de plir o oco do crríclo ecolre pr diveridde cl trl, rcil, ocil e ecoôic brileir. net perpectiv, cbe à ecol iclir o co texto do etdo e tividde, qe proporcio diriete, tbé cotribiçõe itó ricocltri do povo idíge e do decedete de i ático, lé d ríze ric e eropéi. É precio ter clrez qe o rt. 26a crecido à Lei 9394/1996 provoc be i do qe iclão o ovo cr ríclo, exige qe e repee relçõe ético–rcii, ocii, pedgógic, procedieto de eio, codiçõe oerecid pr predizge, objetivo tácito e explícito d edcção oerecid pel ecol.” 139
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ConvençãoparaEliminaçãodeTodasasFormasdeDiscriminaçãoRacial Declaração e Plano de Ação de Durban Leinº7.716/1989(crimesresultantesdepreconceitoderaçaoudecor) Leinº10.639/2003(instituioestudodeHistória e Cultura Aro-brasileira )
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aula 19: direitos humanos e a questÃo indÍgena NOTA AO ALUNO
Há,noBrasil,emtornode330.000cidadãosindígenas,populaçãoessacon gurada por mais de 170 línguas. O conhecimento de seus direitos, sobretudo pelo aumento da participação indígena na vida política, possibilitou-lhes a reivindicação deterra,tãofundamentalaoexercíciodosdemaisdireitos,correspondentea11% doterritórionacional–sendoque95%dasterrasseconcentramnaAmazônia. Aos povos indígenas são garantidos direitos especícos, em cada um dos âmbitos de proteção: 1) Organização das Nações Unidas:em1982,oConselhoEconômicoeSocial criouoGrupodeTrabalhosobrePopulaçõesIndígenas,formadoporcincoexper tos independentes que são membros da Subcomissão de Promoção e Proteção dos DireitosHumanos(Subcomissão).ADeclaraçãodeVienade1993estabeleceuo compromisso dos Estados em respeitar os direitos humanos e liberdades undamentaisdospovosindígenas.Emmarçode1995,aComissão deDireitosHumanos estabeleceuumGrupodeTrabalhoabertoparaelaborarumprojetodedeclaração, cujostrabalhosaindanãoforamencerrados.Cumpreregistrarqueaausênciadeum tratado especíco não signica a negativa de proteção dos direitos dos povos indígenas. Os treaty bodies são criados no intuito de possibilitar o monitoramento dos tratados de direitos humanos, ao examinarem relatório enviado pelo Estado-parte, ou ao receber denúncias individuais ou interestatais – se or o caso, poderá examinar a especicidade da questão indígena. 140 2) Organização Internacional do rabalho: desde o início do século XX, a OIT examina casos de trabalho orçado a que são submetidos povos indígenas. Em 1957,aConferência-GeraleditouaConvençãonº107sobrepopulaçõesindígenas e outras populações tribais e semitribais nos países independentes. Não obstante ter sido o primeiro marco protetivo dos direitos indígenas no panorama internacional, a reerida convenção reetiu visão dominante nesse período caracterizada pelo protecionismoestatalepeloassimilacionismo.Porsuavez,em1989,éaprovadaa Convenção169 141, reerente aos Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, a qual descredencia qualquer visão integracionista e explicita direitos undamentais dos povos indígenas como a terra, saúde, educação e participação. Promulgada em 19deabrilde2004,aConvençãonº169deverápermeartodaaaula,tendoem vista sua extrema importância para o tema. 3) Organização dos Estados Americanos:tantoaConvençãoAmericanade Direitos Humanos quanto o Protocolo de San Salvador guardam artigos que são de especial interesse dos povos indígenas. Tendo em vista a peculiaridade do tema para o continente americano, encontra-se em processo de elaboração o Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Já realizadas 5 reuniões de trabalho, ocorrida a última em evereiro de 2005, ainda não há prazo paraaconclusãododocumento.CabedestaqueaindaàjurisprudênciadaCorte
Campaña educatia sore derechos humanos y dere chos indenas: mduos temticos. s Joé: Ititto Itererico de Dereco ho, 2003. pp. 4149. 140
Coveção 169 d OIT. aceo e: 10 rço 2005. Dipoível e: ttp://www.ociobie tl.org/pib/portge/direito/ cov169.t#ti. 141
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Interamericana de Direitos Humanos, que tem estabelecido, ao longo dos anos, importante contribuição para o ortalecimento dos direitos dos povos indígenas. No caso Aloeboetoe vs. Suriname 142, o tribunal reconheceu os costume indígena como onte de direito, em especial a organização das amílias, com vistas ao pagamento de indenizações. 4) Constituição Federal: a proteção aos índios pode ser considerada um dos pontosmaisdifíceisecontrovertidosdotrabalhodoconstituinte.Cabemaquial gumas considerações: (i) as terras indígenas são consideradas bens da União (artigo 20,XICF);(ii)talpropriedadeévinculadaàpossepermanentedosíndios,osquais possuem direitos originários sobre a terra e, por isso, a propriedade é inalienável, indisponível e imprescritível; (iii) a base do conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios encontra-se no artigo 231, parágrao 1 o, “undado em quatro condições, todas necessárias e nenhuma suciente sozinha, a saber: 1 a ) serem por eles habitadas em caráter permanente; 2a ) serem por eles utilizadas para suas atividades produtivas; 3a ) serem imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; 4 a ) serem necessárias à reprodução ísica e cultural, tudo segundo seus usos, costumes e tradições, de sorte que não se vai tentar denir o que é habitação permanente, modo de utilização, atividade produtiva, ou qualquer das condições ou termos que as compõem, segundo a visão civilizada, a visão do modo de produção capitalista ou socialista, a visão do bem-estar do nosso gosto, mas segundo o modo de ser deles, da cultura deles.”143 Nesse contexto normativo, ressalte-se o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, uma vez que retrata de orma bem clara a luta pelo reconhecimento da terra e os obstáculos que os índios têm que ultrapassar nesse caminho. terra inDÍGena raposa serra Do sol144 145
aceo e: 01 jlo 2005. Dipoível e: ttp://www. corteid.or.cr/eriec/idex_ c.tl. 142
sILVa, Joé aoo. “Terr trdiciolete ocpd pelo ídio”. I: Os direitos indenas e a Constituição . Porto alegre: núcleo de Direi to Idíge e sergio atoio Fbri Editor, 1993. p. 47. 143
Pr iore iorçõe, cee o site do Coelo Idí ge de Rori. aceo e: 10 rço 2005. Dipoível e: ttp://www.cir.org.br/rpo errdool.p. 144
aceo e: 10 rço 2005. Dipoível e: ttp://www. ociobietl.org// detle?id=1886. 145
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d oj
a
É a habitao ancestral dos povos Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e Patamona. Localiza-se a nordeste do Estado de Roraima, entre os rios Tacutu, Maú, Miang, Surumú e a ronteira com a Venezuela. Tem uma populao estimada em 15,000 habitantes. Homologao da área contínua. As comunidades indígenas lutam há mais de 30 anos pelo reconhecimento denitivo da terra aos seus legítimos habitantes. Dentre os empecilhos criados pelo Governo Estadual para impedir a homologao da terra contínua, destacamse: (i) criao do município de Uiramut, em 1995, dentro das terras Raposa Serra do Sol; (ii) criao do Parque Nacional Monte de Roraima e do 6º Peloto Especial de Fronteiras do Exército Brasileiro; (iii) incentivo a Ongs para a diviso do território entre as comunidades.
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Art. 231, CF. Art, 7º, Conveno 169 da OIT
P . 820 11/12/98
Assinada pelo ex ministro da Justia Renan Calheiros: declarou ser a Terra Indígena Raposa Serra do Sol posse tradicional permanente dos povos indígenas Ingarikó, Macuxi, Wapixana e Taurepang, excluindo da área as instalaões do 6º Peloto Especial de Fronteias e reconhecendo a unidade administrativa municipal de Uiramut. Fixou a dimenso e limite da área.
açã j
O Governo do Estado de Roraima impetrou no STJ Mandado de Segurana (n° 6.210), com pedido de liminar contra o Ministério da Justia, a m de anular a Portaria declaratória. Concedida Liminar Parcial ao Mandado de Segurana: o ministro relator Aldir Passarinho suspendeu os eeitos da portaria quanto aos núcleos urbanos e rurais instalados antes da sua expedio, argumentando os direitos de ir e vir dos moradores nos reeridos núcleos. No dia 27 de novembro de 2002, o Mandado de Segurana oi rejeitado pelos juizes do Superior Tribunal de Justia, o processo extinto sem julgamento do mérito e a liminar parcialmente revogada.
hçã rp s s
É uma ase do procedimento demarcatório das terras indígenas, conorme dispõe a Lei 6.001/1973 e o Decreto 1.775/1996. Trata-se de ato administrativo de competência do presidente da República, que poderá azê-lo por meio de um decreto.
a p
“Se só or preciso uma canetada, que no seja por alta de caneta!”146. Trata-se de uma campanha do Conselho Indígena de Roraima (CIR) em parceria com r d para pressionar o Governo Federal a homologar a terra. Solicitam que todos mandem uma caneta para o presidente Lula, juntamente com uma carta requerendo a homologao.
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Em 03.01.2005, a ministra do STF Ellen Gracie suspendeu a Portaria 820/ 98 do Ministério da Justia147. A deciso liminar atendeu a uma Ao Cautelar ajuizada pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR) e, assim, voltou a impedir a homologao em área contínua da terra indígena. Em 14.05.2005, o STF “julgou prejudicadas as aões judiciais ‘pela perda do objeto’, devido à edio de uma nova portaria do Ministério, de n° 534148, alterando o que estava disposto no ato normativo anterior, alvo da contestao” 149. Em 15.05.2005, o presidente Lula assinou decreto homologando a área indígena Raposa Serra do Sol de orma contínua 150.
Coelo Idíge de Rori , op. cit . 146
aceo e: 10 rço 2005. Dipoível e: ttp://www. briloete.co.br/oti ci/1363/trpoerrdo ol. 147
Portri . 534, de 13 de bril de 2005 – Dee o liite d Terr Idíge Rpo serr do sol. aceo e: 30 bril 2005. Dipoí vel e: ttp://e.zoi. org.br/gi3/detle. c?id=157084&tipo=7&ct_ id=92&bct_id=1. 148
aceo e: 30 bril 2005. Dipoível e: ttp://www. jti c.g ov.br/ oti ci /200 5/ abril/rl150405oologco. t. 149
150
Idem.
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P cidh
Conselho Indígena de Roraima (CIR) e a Rainorest Foundation protocolaram denúncia contra o Estado brasileiro, em 29 de maro de 2004, por supostas violaões a direitos e garantias dos povos Ingaricó, Wapixana, Macuxi, Patamona e Taurepang por no demarcar suas terras e promover a colonizao continuada das mesmas. Os peticionários argumentam que o Estado brasileiro teria violado os artigos 21 (direito à propriedade privada); 24 (igualdade perante a lei); 4 (direito à vida); 05 (direito à integridade pessoal); 12 (liberdade de consciência e de religio); 22 (direito de circulao e residência) e 25 (direito à proteo judicial) da Conveno Americana de Direitos Humanos (a “Conveno”) e os direitos I (direito à vida e à integridade da pessoa), II (direito de igualdade perante a lei), III (direito à liberdade religiosa e de culto), VIII (direito de residência e de trânsito), IX (direito à inviolabilidade de seu domicílio), XVIII (direito à justia) e XXIII (direito de propriedade) da Declarao Americana de Direitos e Deveres do Homem (a “Declarao”). O Estado brasileiro argumenta pela inadmissibilidade do caso, uma vez que no teriam sido esgotados os recursos internos, e enumera todas as medidas que vinham sendo adotadas no sentido da promoo de tais povos indígenas. Por ocasio da homologao da TI Raposa Serra do Sol, a CIDH inseriu nota em sua página na internet por meio da qual maniestava congratulao ao Estado brasileiro pelo Ato Presidencial.
Material De apoio t:
l eiTuRa acessóRia : Campañaeducativasobrederechoshumanosyderechosindígenas:módulostemáticos. San José: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, 2003. OLIVEIRA,JoãoPacheco.“RedimensionandoaquestãoindígenanoBrasil:uma etnograa das terras indígenas”. In: Indigenismo e territorialização: poderes, rotinas e saberes coloniais no Brasil contemporâneo . Rio de Janeiro: ContraCapa,1998.pp.15-68. SILVA,JoséAfonso. “Terrastradicionalmenteocupadas pelos índios”.In: Os direitos indígenas e a Constituição. Porto Alegre: Núcleo de Direitos IndígenaseSergioAntonioFabrisEditor,1993.pp.45-50. l egislação: ConstituiçãoFederal Convenção169daOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho
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aula 20: direitos humanos e orientaÇÃo sexual
NOTA AO ALUNO
Leiaosdoiscasosabaixo: i) conVenção HipotÉtica De conDoMÍnio
CERIDÃO OBEL.MarioHenriqueMendonça,Tabeliãodo10ºOfíciodeNotas,daCida dedoRiodeJaneiro,ComarcadoEstadodoRiodeJaneiro,RepúblicaFederativa doBrasil,enaformadalei: CerticaquerevendooLivron.2000,àsfolhas50,constalabradoum INSTRUMENTODEESCRITURA , que me é pedido por parte interessada, por CER TIDÃO, cujo teor é o seguinte: ESCRITURAdeConvençãodeCondomínioGeraldo“ParqueÁrvoresVerdes”, situadonaAv.JulioLopes,2000,naformaabaixo: CapítuloI–DosConceitosGerais Artigo 1º – Além dos 4 (quatro) reeridos ediícios residenciais, o “Parque Árvores Verdes” contará com um parque de estacionamento de automóveis, vias internas de circulação, ontes e lagos, esculturas, jardins, bosque, piscina, play-ground, 3 (três) quadras de tênis, sistema de iluminação das partes comuns, sistema de tratamento de esgoto e central de abastecimento de gás. Artigo 2º – São coisas e partes de propriedade e uso comuns e, portanto, insuscetíveisdedivisãooudealienaçãodestacadadaunidadeautônomadecadaumou, ainda, de utilização exclusiva por qualquer co-proprietário, as enumeradas no artigo anterior e mais o terreno de todo o “Parque Árvores Verdes”, assim como tudo que sejaproveitosoàtotalidadedoscondôminosdoconjunto. Parágrao único – A cada um dos 4 (quatro) ediícios que constituirão o “Parque Árvores Verdes” corresponderá uma quota ideal de ¼ da totalidade do terreno. Artigo 3º – Não obstante o disposto no artigo precedente, ica estabelecido que, embora constituindo coisa de propriedade comum de todos os condôminosdo“ParqueÁrvoresVerdes”,apartedoterrenoocupadapela projeção de cada um dos 4 (quatro) ediícios será reservada para utilização exclusivadosco-proprietáriosdasunidadesautônomascomponentesdecada um. CapítuloII–DaUtilizaçãodasCoisasComuns Artigo 4º – O uso das coisas comuns dispostas no artigo 1º poderá ser eito por qualquer co-proprietário e deverá obedecer aos horários estipulados pelo “Parque Árvores Verdes”. FGV DIREITO RIO 126
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§1º–Ficaproibidoademonstraçãodeafetividadeporcasaishomossexuaisnos aludidos espaços comuns, sendo vedada mãos dadas, o abraço, o beijo e qualquer outro ato ou gesto que atente contra os bons costumes ou ormação moral e psicológicas das crianças e dos adolescentes. § 2º – A não observância do disposto no presente artigo implica na aplicação de multa progressiva, calculada a partir da primeira inração. [...] CapítuloVIII–DoForo Artigo35–Ficaeleitooforodestacidadeparaasoluçãodequalquerlitígioou controvérsia decorrente da presente Escritura. ExtraídaporCertidão,aosquinze(15)diasdomêsdefevereiro(02)doanode dois mil e cinco (2005).
ii) proGraMa De auxÍlio para “cura De HoMossexuais”
Em10dedezembrode2004,oPlenáriodaAssembléiaLegislativadoEstado doRiodeJaneiroreprovouoprojetodeProjetodeLeidaAssembléiaLegislativado EstadodoRiodeJaneiro,denº717/2003.Trata-sedaautorizaçãoparaumprogra ma de reorientação sexual, ou seja, um auxílio para os homossexuais que quiserem a cura para “virar” heterossexuais. A decisão nal da Assembléia não retira a gravidade dequetalprojetodeiniciativadoDeputadoEstadualEdinoFonseca(PSC),pastor daAssembléiadeDeus,tenhatidopareceresfavoráveisporpartedaComissãode ConstituiçãoeJustiçaedaComissãodeSaúde. ProjetosemelhantetramitatambémnoCongressoNacional,propostopelo DeputadoFederalNeucimarFraga(PL-ES).Atualmenteaguardaoparecerdo deputadoRobertoGouveia(PT-SP),quefoidesignadorelatornaComissãode SeguridadeSocialeFamíliadaCâmara.Nocasodesseprojeto,“oCFP(Conse lhoFederaldePsicologia)jáadotouaposiçãocontrária.Desde1999,umareso lução do órgão determina que psicólogos não podem tratar a homossexualidade como doença, distúrbio ou perversão. De acordo com a assessoria de imprensa doCFP,osprossionaisnãoestãoproibidosdeprestarserviçosapessoashomos sexuais desde que o objetivo seja reduzir sorimentos decorrentes da orientação sexual e que a homossexualidade não seja tratada como doença. A resolução de 1999tambémimpedepsicólogosdecolaboraremcomeventosouserviçosque “proponham tratamentos de cura da homossexualidade” e de “se pronunciarem em meios de comunicação de massa de modo a reorçar o preconceito social existente em relação aos homossexuais, ligando-os a portadores de desordem psíquica”.151
Diante do exposto, indaga-se: AConvençãodeCondomínioeoPLdenº717/2003violamalgumdireitohumano?Casoarmativo,qual?Oquedispõemostratadosinternacionaisdedireitos humanoseasleisnacionaisarespeito?
aceo e 05 de jlo de 2005. Dipoível e: ttp:// www.id.gov.br/ipre/ notici.p?nOTCod=58452. 151
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Dierentemente dos demais grupos que estudamos até agora, a proteção dos direitos dos homossexuais situa-se ainda no marco geral da proteção dos direitos humanos. Assim, assegura a Declaração Universal dos Direitos Humanos que: Art. 1º – Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de raternidade (griou-se). Artigo 2.1 – Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (griou-se).
Comomencionadonaaula18,oBrasilexerceuprotagonismonaConferência MundialcontraoRacismo,aDiscriminaçãoRacial,aXenofobiaeFormasConexas de Intolerâncias, realizada em Durban em 2001, no que se reere ao debate sobre a não-discriminação com base na orientação sexual, contando com amplo respaldo da sociedade civil organizada e de delegações européias. Todavia, não houve maturidade para que a proposta osse incluída no texto nal da Declaração. Tal posição já teriasidogestadaduranteaConferênciaRegionaldasAméricas,realizadaemSantiagodoChile,momentoemqueosEstadospactuaramanecessidadedeprevenir e combater a discriminação por orientação sexual. A postura assumida pelo Estado brasileiro no cenário internacional acarretou implicações internas imediatas: a criaçãodoConselhoNacionaldeCombateàDiscriminação,oquepossuiocombateà discriminação por orientação sexual como uma de suas vertentes de atividade. Iniciou-seem2003,noâmbitoda59ªSessãodaComissãodeDireitosHumanos da ONU, uma importante discussão. Pela primeira vez na sua história, através de umaatitudeinéditadoBrasil,foiapresentadaumapropostaespecícaderesolução para o reconhecimento da discriminação por orientação sexual como uma violação a direitos humanos, bem como a necessária adoção de medidas de proteção de suas vítimas.AcompanharamapropostainicialbrasileiraoCanadá,ÁfricadoSuleum grupodedezenovepaíseseuropeus.CincoEstadosmuçulmanosobstaculizaram avotação daresolução: ArábiaSaudita,o Paquistão, oEgito,aLíbiaea Malásia apresentaram propostas de alteração visando a eliminação de todas as reerências à orientação sexual. Além disso, os Estados Unidos sinalizaram que se absteriam de votarumapropostaquereferisseàsexualidadepornãoacreditaremqueaComis são constituísse órum adequado para a discussão da questão. O reerido impasse conduziuàpropostadaPresidênciadaSessão(Líbia)parapostergaraapreciaçãoda proposta para 2004, o que oi aceito por 24 votos a avor, 17 contrários e 10 abstenções. Ressalte-se que a proposta brasileira oi a única a não ser votada ao longo detodaa59ªSessão.Jáem2004,apropostafoicolocadanovamenteempauta;to davia, à medida em que a sessão era conduzida ao nal dos trabalhos, a diplomacia percebeu que seria mais danoso a reprovação da resolução que a sua não-votação. Diante do cenário narrado, o projeto oi retirado de votação. Isso posto, pode-se FGV DIREITO RIO 128
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armar que se encontra latente no âmbito da ONU uma postura mais abrangente de proteção dos direitos humanos sob a perspectiva de orientação sexual, mesmo que limitado até o momento à não discriminação. Além do enorme preconceito de que são vítimas, inúmeros relatos de violência, tortura, prisão e assassinato, exclusão do direito à saúde, educação, alimentação e moradia são comunicados diariamente por parte de experts independentes apontadospelaComissãodeDireitosHumanos.Éimportanteenfatizarquemaisde70 países ainda proíbem práticas homossexuais e a punem com penas que vão desde a prisão à agelação pública e morte. Nesse sentido, não seria arriscado armar que a ausência de um tratado não signica omissão das instâncias internacionais em ace a violações dos direitos humanos dos homossexuais. Na esera interna brasileira, ponderações semelhantes podem ser coneccionadas, uma vez que se recai mais uma vez sobre a proteção geral do princípio da não-discriminação.OTextoConstitucionalestabelece: Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza , garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (griou-se).
Comvistasaconsagraràdiscriminaçãopororientaçãosexualigualgravidadeàs demais,tramitanoCongressoNacionalProjetodeEmendaConstitucional,deautoriadaentãodeputadaMartaSuplicy,quepropõeaalteraçãodosseguintesartigos: Art.1º–ÉconferidanovaredaçãoaoIncisoIVdoart.3ºdaConstituição: “Art. 3º – ............................................................. IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade e quaisquer outras ormas de discriminação.” Art.2º–ÉconferidanovaredaçãoaoIncisoXXXdoart.7ºdaConstituição: “Art. 7º ...................................................... XXX – proibição de dierença de salários, de exercício de unções e de critério de admissão por motivo de sexo, orientação sexual, idade, cor ou estado civil.”
A omissão em relação à discriminação por orientação sexual não constitui prerrogativabrasileira.Cumpreressaltarque,emumaanálisecomparada,aConstituiçãoFederaldaÁfricadoSuléaúnicaconstituiçãodomundoagarantirodireitoà orientação sexual152: Art.9.3–“estatemaynotunfairlydiscriminatedirectlyorindirectlyagainst anyone on one or more grounds, including race, gender, sex, pregnancy, marital status, ethnic or social origin, colour, sexual orientation, age, disability, religion, conscience, belie, culture, language and birth” (griou-se).
aceo e: 27 bril 2005. Dipoível e: ttp://www. polity.org.z/tl/govdoc/ cotittio/cot02. tl?rebookrk=1#9. 152
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Cabeaquiumainterpretaçãomaisarrojadaparaarmarque,pormaisquetal formanãoestejaexpressaemnossoTextoConstitucional,comoestánanorma sul-aricana, o princípio da dignidade da pessoa humana, respaldado no artigo 1º daConstituiçãoFederal,conduzàilaçãodequeorespeitoadiferençassejaum pressuposto para uma vida digna. Anal, a dignidade encontra-se na aceitação do ser nas suas características pessoais. O pluralismo característico da maior parte das sociedades contemporâneas exige que os ordenamentos jurídicos se apereiçoem de orma a garantir que as dierenças possam ser reconhecidas e respeitadas. É também importante perceber que outros marcos normativos internos já têm apresentadosensibilidadeàorientaçãosexual.ÉocasodaLeiOrgânicaMunicipal do Rio de Janeiro153, a qual estabelece que: Art. 5º, § 1º – Ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, cor, sexo, estado civil, orientação sexual, atividade ísica, mental ou sensorial, ou qualquer particularidade, condição social ou, ainda, por ter cumprido pena ou pelo ato de haver litigado ou estar litigando com órgãos municipais na esera administrativa ou judicial (griou-se).
Maisalémdoplanolegislativo,cabemençãoaolançamentodoBrasil Sem Homo obia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual , lançado em 2004 por iniciativa da Secretaria Especial dosDireitosHumanosdaPresidênciadaRepública.ÉdivididoentreostemasCo operação Internacional, Direito à Segurança, Direito à Educação, Direito à Saúde, DireitosaoTrabalho;DireitoàCultura,Políticaparaa Juventude,Políticaparaas MulheresePolíticacontraoRacismoeaHomofobia.Designa-seaoConselhoNa cionaldeCombateàDiscriminaçãopapelfundamentaldecontroledasaçõesque visem ao m da discriminação, dentre as quais se encontra a por orientação sexual. Material De apoio t:
l eiTuRa acessóRia : CALLIGARIS,Contardo.“Denovo,sobreacuradahomossexualidade”. Acesso em: 6 de julho de 2005. Disponível em: www.aids.gov.br/imprensa/Noticias.asp?NOTCod=60157. ConselhoNacionaldeCombateàDiscriminação/MinistériodaSaúde. Brasil Sem Homoobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLB e de Promoção da Cidadania Homossexual. Elaboração: AndréLuizdeFigueiredoLázaro;organiza;aoerevisãodetextos:Cláudio NascimentoSilvaeIvairAugustoAlvesdosSantos;ComissãoProvisóriade TrabalhodoConselhoNacionaldeCombateàDiscriminaçãodaSecretaria EspecialdeDireitosHumanos.Brasília:MinistériodaSaúde,2004.
aceo e: 27 bril 2005. Dipoível e: ttp://www2. rio.rj.gov.br/pg/leiorgic/ leiorgic.tl#t1c1. 153
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SPENGLER,FabianaMarion.União homoaetiva: o m do preconceito. SantaCruzdoSul:EDUNISC,2003. l egislação: ConstituiçãoFederal
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aula 21: teatro do oPrimido NOTA AO ALUNO
Maniesto Do teatro Do opriMiDo154
Declaração de princípios Preâmbulo 1. O objetivo básico do Teatro do Oprimido é o de Humanizar a Humanidade. 2. O Teatro do Oprimido é um sistema de Exercícios, Jogos e Técnicas Especiais baseadas no Teatro Essencial, que busca ajudar homens e mulheres a desenvolverem o que já trazem em si mesmos: o teatro. O eatro Essencial 3.Todoserhumanoéteatro! 4. O teatro se dene pela existência simultânea — dentro do mesmo espaço e no mesmo contexto — de espectadores e atores. Todo ser humano é capaz de ver a situação e de ver-se, a si mesmo, em situação. 5. O Teatro Essencial consiste em três elementos principais: Teatro Subjetivo, TeatroObjetivoeLinguagemTeatral. 6. Todo ser humano é capaz de atuar: para que sobreviva, deve produzir ações e observar o eeito de suas ações sobre o meio exterior. Ser humano é ser teatro: ator e espectador co-existem no mesmo indivíduo. Esta co-existência é o Teatro Subjetivo. 7. Quando um ser humano se limita a observar uma coisa, pessoa ou espaço, renunciando momentaneamente à sua capacidade e à sua necessidade de produzir ações, a energia e o seu desejo de agir são transeridos para essa coisa, pessoa ou espaço, criando, assim, um espaço dentro do espaço: o Espaço Estético. Este é o Teatro Objetivo. 8.Todosossereshumanosutilizam,navidadiária,amesmalinguagemqueosatores usam no palco: suas vozes e seus corpos, movimentos e expressões ísicas. Traduzemsuasemoções,desejoseidéiasemumaLinguagemTeatral.TeatrodoOprimido. 9.OTeatrodoOprimidoofereceaoscidadãososmeiosestéticosdeanalisarem seu passado, no contexto do presente, para que possam inventar seu uturo, ao invés de esperar por ele. O Teatro do Oprimido ajuda os seres humanos a recuperarem uma linguagem artística que já possuem, e a aprender a viver em sociedade através do jogo teatral. Aprendemos a sentir, sentindo; a pensar, pensando; a agir, agindo. Teatro do Oprimido é um ensaio para a realidade. 10. Oprimidos são aqueles indivíduos ou grupos que são, social, cultural, política,econômica,racialousexualmentedespossuídosdoseudireitoaoDiálogoou,de qualquer orma, diminuídos no exercício desse direito. 11. Diálogo é denido como o livre intercâmbio com os Outros, individual ou coletivamente; como a livre participação na sociedade humana entre iguais; e pelo respeito às dierenças e pelo direito de ser respeitado.
aceo e: 14 de io de 2005. Dipoível e: ttp:// www.oplco.co.br/oco. c?pero=teri&cotr ole=112. 154
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12. O Teatro do Oprimido se baseia no Princípio de que todas as relações humanas deveriam ser de natureza dialógica: entre homens e mulheres, raças, amílias, grupos e nações, sempre o diálogo deveria prevalecer. Na realidade, os diálogos têm a tendência a se transormarem em monólogos que terminam por criarem a relação Opressores-Oprimidos. Reconhecendo esta realidade, o princípio undamental do Teatro do Oprimido é o de ajudar e promover a restauração do Diálogo entre os seres humanos. Princípios e Objetivos 13. O Teatro do Oprimido é um movimento estético mundial, não-violento, que busca a paz, mas não a passividade. 14. O Teatro do Oprimido procura ativar os cidadãos na tarea humanística expressa pelo seu próprio nome: teatro do, por e para o oprimido. Nele, os cidadãos agem na cção do teatro para se tornarem, depois, protagonistas de suas próprias vidas 15. O Teatro do Oprimido não é uma ideologia nem um partido político, não é dogmático nem coercitivo, e respeita todas as culturas. É um método de análise, e um meio de tornar as pessoas mais elizes. Por causa da sua natureza humanística e democrática, o TO está sendo amplamente usado em todo o mundo, em todos os campos da atividade social como, por exemplo, na educação, cultura, artes, política, trabalho social, psicoterapias, programas de alabetização e na saúde. No Anexo desta Declaração de Princípios, alguns projetos exemplares são apresentados para ilustraranaturezaeoescopodesteMétodoteatral. 16. O Teatro do Oprimido está sendo usado em dezenas de países de todo o mundo, aqui relacionados em Anexos, como um instrumento poderoso para a descoberta de si mesmo e do Outro; para claricar e expressar os desejos dos seus praticantes; como instrumento para modicar as causas que produzem inelicidade e dor; para desenvolver todas aquelas características que trazem a Paz; para respeitar as dierenças entre indivíduos e grupos; para a inclusão de todos os seres humanos no Diálogo necessário a uma sociedade harmoniosa; nalmente, também está sendo usadocomoinstrumentoparaaobtençãodajustiçaeconômicaesocial,queéofundamento da verdadeira Democracia. Em resumo, o objetivo mais geral do Teatro doOprimidoéodesenvolvimentodosDireitosHumanosessenciais.AASSOCIA ÇÃOINTERNACIONALDOTEATRODOOPRIMIDO(AITO) 17. A AITO é uma organização que coordena e promove o desenvolvimento do Teatro do Oprimido em todo o mundo, de acordo com os princípios e os objetivos desta Declaração. 18.AAITOcumpreesteobjetivointer-relacionandoospraticantesdoTeatro do Oprimido em uma rede mundial, promovendo a troca entre eles, e o seu desenvolvimento metodológico; acilitando o treinamento e a multiplicação das técnicas existentes; concebendo e executando projetos em escala mundial; estimulando a criaçãolocaldeCentrosdoTeatrodoOprimido(CTOs);promovendoecriando condiçõesdetrabalhoparaosCTOseosseuspraticantes,ecriandoumpontode encontro internacional na Internet. FGV DIREITO RIO 133
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19.AAITOtemosmesmosprincípioseobjetivoshumanísticosedemocráticos do Teatro do Oprimido, e vai incorporar todas as contribuições de todos aqueles que trabalharem dentro desta Declaração de Princípios. 20. A AITO entende que todos aqueles que trabalham usando as várias técnicas do Teatro do Oprimido subscrevem esta mesma Declaração de Princípios. Material De apoio t:
l eiTuRa acessóRia : Site: http://www.ctorio.com.br Site: http://www.theatreoftheoppressed.or g Demais sites indicados ao longo do texto
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aula 22: o PaPel da sociedade civil na PromoÇÃo e ProteÇÃo dos direitos humanos NOTA AO ALUNO
Na aula inaugural ao bloco reerente aos Novos temas e Novos Atores , destacamos as organizações e movimentos da sociedade civil como protagonistas. Armar que o Estado é o principal violador de direitos humanos é simples. De ato, esse é um importante ator na promoção e proteção, mas algoz na violação de direitos humanos. Nesse sentido, outros atores são undamentais, como as corporações privadas e as organizações não-governamentais. De orma a aproximar o aluno da realidade da atuação da sociedade civil, serão convidadas organizações não-governamentais e movimentos social que possuam como campo especíco de atuação a advocacia em direitos humanos. Nesse sentido, o diálogo torna-se muito mais proícuo se precedido pela leitura de alguns argumentos sobre a atuação desses atores. A consolidação da sociedade civil brasileira ocorre durante a ditadura militar, impulsionada pelas agrantes violações de direitos humanos vigentes no momento histórico. 155Acresça-seaindaofatordeque,nadécadade80,foidescredenciada a via partidária como a única orma de militância. 156 Tais elementos conduzem à compreensão do embrião da sociedade civil em nosso passado recente. A redemocratização do país conduziu a uma participação social jamais vista noscorredoresdoCongressoNacional:verdadeirascaravanaschegavamaBrasília diariamentecomvistasaimprimirnoTextoConstitucionalcompromissoscoma promoçãodedireitoshumanos.Registre-seque,em1988,havia1208ONGsno Brasil,sendoque100delastratavamespecicamentedosdireitoshumanos 157. Ao longo das duas últimas décadas, a sociedade civil vem exercendo papel de destaque nos debates públicos e na mídia no tocante à promoção e proteção dos direitos humanos. Noâmbitointernacional,aConferênciaMundialdoMeio-Ambiente,aRio92,signicouomarcoparaavisibilidadeereferênciaàsONGs.Apartirdeentão, tais organizações ganharam paulatinamente, hoje de maneira irreversível, respaldo junto aos governos e legitimidade para inuenciar nas tomadas de decisão na esera públicainternacional.Caberegistrarquetaisorganizaçõesparticiparamdetodasas grandes conerências dos últimos 15 anos, exercendo seu direito à voz. Destaque-se aindaaexperiênciadoFórumSocialMundial(FSM),hojeemsuaquintaedição, que se constitui hoje como uma grande arena da sociedade civil. Inaugurado no ano de2001nacidadedePortoAlegre,oFSMérealizadosemprenomêsdejaneiro, duranteotradicionalFórumEconômicoMundialdeDavos,Suíça. A atuação na esera interna e na arena internacional não constitui tareas excludentes.Multiplicam-seredesdeorganizaçõesquepretendemdriblarcoletivamente as diculdades e estabelecer agendas. Em um contexto de globalização, “se o que está em jogo é o presente e o uturo da democracia, o desao maior consiste em articular
aBOnG. aceo e: 30 rço 2005. Dipoível e: ttp:// www.bog.org.br/ (ite: “Pergt i Freqüete”). 155
VIEIRa, Lizt. Cidadania e oaização. Rio de Jeiro: editor Record, 1997. p. 61 156
157
aBOnG, op. cit.
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para reorçar – e não para substituir ou eliminar – processos simultâneos e diversos de democratização do poder em bases locais, nacionais, regionais e globais.” 158 Ultrapassada a apresentação histórica que conduziu ao enquadramento contemporâneo, são necessárias algumas considerações acerca da atuação dessas organizações, destacando diculdades e avanços. Conformevistoanteriormente,oEstadoéoumimportanteatornapromoçãoe proteção, mas algoz na violação de direitos humanos. Dessa orma, outros atores são undamentais para garantir a observância e eetivação dos direitos humanos, como ascorporaçõesprivadaseasorganizaçõesnão-governamentais.Contudo,caberessaltarquetaisatoresnãosubstituemoEstado.AsONGsemovimentossociais devem ser vistos como “outros sujeitos atuando de acordo com as reais necessidades e pelos direitos de diversos segmentos sociais, como mulheres, negros e negras, homossexuais, crianças e adolescentes, etc., bem como pela preservação do meio ambiente, pela segurança alimentar, etc”159. Nesse sentido, muitas organizações não-governamentais e movimentos passaram aseorganizarpormeioderedes.ComoarmaOscarVilhenaVieiraeA.Scott DuPree, “(g)rupos da sociedade civil são bons cães de caça para injustiças, pois dão voz a perspectivas e pontos vantajosos que, de outro modo, não seriam ouvidos. Para que isso se torne realidade, a associação e o diálogo devem estar abertos e com um mínimo de intervenção. Assim, a sociedade civil contribui para a eetivação dos direitos humanos, ao levar a injustiça à esera pública.” 160 A horizontalidade das redes associativas disponibiliza a inormação e o debate entre tais organizações e movimentos, possibilitando uma atuação mais ecaz na promoção e proteção dos direitos humanos. Material De apoio t:
l eiTuRa acessóRia : GÓMEZ,JoséMaria.Política e democracia em tempos de globalização. Petrópolis,RJ:Vozes;BuenosAires:CLACSO;RiodeJaneiro:LPP–Labora tório de Políticas Públicas, 2000. VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: editora Record, 1997. VIEIRA, Oscar Vilhena; e DUPREE, A. Scott. “Reexões acerca da sociedade civil e dos direitos humanos”. In: Sur Revista Internacional de direitos humanos. Ano 1. Número 1. Edição em Português. São Paulo: Sur Rede Universitária de Direitos Humanos, 2004: 1 oSemestre.pp.49-69. Leituradossitesindicadosaolongodotexto
GÓmEZ, Joé mri. Potica e democracia em tempos de oaização. Petrópoli, RJ: Voze; Beo aire: CLaCsO; Rio de Jeiro: LPP – Lbortó rio de Polític Públic, 2000. 158
159
aBOnG, op. cit.
VIEIRa, Ocr Vile; e Du PREE, scott a.. “Reexõe cerc d ociedde civil e do direito o” I: Sur Reista Internaciona de direitos humanos. ao 1. núero 1. Edição e Portgê. são Plo: sr Rede uiveritári de Direito ho, 2004: 1o seetre. pp. 4969. 160
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aula 23: desenvolvimento e direitos humanos NOTA AO ALUNO
Todo direito que existe no mundo oi alcançado através da luta; seus postulados mais importantes tiveram de ser conquistados num combate contra as legiões de opositores; todo e qualquer direito, seja o direito de um povo, seja o direito do indivíduo, só se arma através de uma disposição ininterrupta para a luta. - Rudol Von Ihering
Oconceitodedireitoaodesenvolvimentosurgiunadécadade1960,durantea ase de descolonização. O direito ao desenvolvimento era uma exigência armada pelos países do terceiro mundo, que almejavam consolidar sua independência políticaatravésdeumaliberaçãoeconômica 161. MohammedBedjaoui,em1969,aoimporaospaíseseconomicamente avançados a obrigação de desenvolver os países menos avançados economicamente, armou a dimensão internacional do direito ao desenvolvimento 162.Contudo,deacordo com o autor, tal obrigação tem que ser compreendida no contexto de uma nova lei internacional de solidariedade e cooperação, na qual os Estados desenvolvidos são os detentores da obrigação legal de cooperação, ao passo que os Estados em desenvolvimento são os possuidores do direito ao desenvolvimento 163. Nesse sentido, pode-se dizer que o direito ao desenvolvimento almeja uma globalizaçãoéticaesolidária.DeacordocomBedjaoui: a dimensão internacional do direito ao desenvolvimento é nada mais que o direitoaumadistribuiçãoeqüitativadobem-estarsocialeeconômicodomundo.Ela reete uma demanda crucial de nosso tempo, na medida em que os quatro quintos da população mundial não mais aceitam o ato de um quinto da população mundial continuar a construir sua riqueza com base em sua pobreza. 164
BEDJaOuI, moed. Te rigt to Developet. mo ed Bedjoi (org.). Interna tiona law: Achieements and Prospects. Pri: mrti nijof Pblier e unEsCO, 1991, p. 1177. 161
162
Ibid., p. 1178.
163
Idem.
164
Foifrentea essa novanecessidadequeaAssembléiaGeraldasNações Unidas adotou,em1969,aDeclaraçãosobreoProgressoSocialeDesenvolvimento 165. Ainda,nomesmoano,aConferênciaMundialsobreosDireitosHumanos,realizada em Teerã, relacionou, em seu relatório nal, os direitos humanos e o desenvolvimento com questões mundiais primordiais. A noção sobre o direito ao desenvolvimento oi abordada pela primeira vez em 1972166,pordoiseminentesacadêmicos:primeiramenteporKebaMBaye,Chefede Justiça do Senegal, que introduziu o direito ao desenvolvimento como um direito humano,esomentealgunsmesesapósporKarelVasak,quesustentouserodireito ao desenvolvimento parte da terceira geração de direitos humanos. AComissãodeDireitosHumanosdasNaçõesUnidas(CDHNH),proclamou, pelaprimeiravez,aexistênciadodireitoaodesenvolvimentoem1977 167. Dois anosapós,aCDHNHveioconrmaraexistênciadetaldireitoedaigualdadede
“…the international dimen sion o the right to development is nothing other than ‘the ri ght to an equitable share in the economic and social well-being o the world’. It reects an essential demand o our time since our fths o the world’s population no longer accept that the remaining fth should continue to build its wealth on their poverty” (Ibid.,
p. 1182). adotd pel aebléi Gerl trvé de Reolção 2542 (XXIV), e 11 de deze bro de 1969. 165
BEDJaOuI, m. op. cit., p. 1178. 166
Reolção 4 (XXXIII) de 21 de evereiro de 1977, d Coião de Direito ho. 167
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oportunidades como uma prerrogativa tanto das nações quanto dos indivíduos 168. Noentanto,oconteúdododireitoeravago,fazendocomqueaCDHNHnão conseguisse atingir um acordo unânime na resolução 169. Tanto a Proclamação de Teerãquantoestaresoluçãode1979tinhamumaabordagemestrutural(structural approach), i.e., uma visão que liga os direitos humanos a questões mundiais. Maisumavançoocorreuquando,em1981,aCDHNHestabeleceuogrupo de trabalho de experts governamentais sobre o direito ao desenvolvimento. Os inúmerosrelatóriosproduzidos,juntamentecomalgunsdebatesnaCDHNHena AssembléiaGeraldasNaçõesUnidas,levaramaadoçãodeumaresoluçãonaquala AssembléiaGeralestatuiuodireitoaodesenvolvimentocomoumdireitohumano inalienável170.Destaque-se,poroportuno,quenomesmoanofoiadotadaaCarta Aricana de Direitos Humanos e dos Povos, que dispõe acerca do direito de todos os povosaseudesenvolvimentoeconômico,socialecultural(artigo22). Omarcododireitoaodesenvolvimentofoiaadoção,em1986,daDeclaração sobreoDireitoaoDesenvolvimentopelaAssembléiaGeraldasNaçõesUnidas.A Declaração oi adotada por 146 votos a avor, um contra (Estados Unidos) e oito abstenções(ReinoUnido,França,Japão,Israel,Dinamarca,Finlândia,Islândiae Suíça). Ressalte-se, por oportuno, que a Declaração não apenas estabelece que a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento 171, mas também que o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável de “toda pessoa humana e de todos os povos” 172, razão pela qual estes devem participar ativamente e se beneciar do direito ao desenvolvimento173,desfrutandododesenvolvimentoeconômico,social, cultural e político 174. Em relação à implementação do direito em tela, dispõe o artigo 3 (1) da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, que o Estado é o principal responsável pela implementação de condições nacionais e internacionais propícias à realização do direito ao desenvolvimento. No plano nacional, o Estado deve elaborar políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento 175, bem como eliminar as barreiras existentes176 para sua eetivação. Ainda, o Estado deve incentivar a participação popular em todos os campos como orma de realizar plenamente todos os direitos humanos177, bem como tomar todas as medidas necessárias para eliminar as violações de direitos humanos178 e, conseqüentemente, realizar o direito ao desenvolvimento. Já no plano internacional, a palavra-chave é cooperação. Isto signica dizer que os Estados devem cooperar entre si para: (i) assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos ao mesmo 179; (ii) ortalecer e garantir os direitos humanos e liberdades individuais180; (iii) promover o estabelecimento da paz e segurança internacionais 181. Ainda, dispõe o artigo 4 da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento que os Estados devem, individual ou coletivamente, cooperar com os Estados em desenvolvimento a m de que estes possam realizar o direito ao desenvolvimento. Isto porque, de acordo com o preâmbulo desta Declaração, a cooperação internacional deveseromeioparaseresolverosproblemasinternacionaisdecarátereconômico, social, cultural ou humanitário, assim como para promover e incentivar o respeito aos direitos humanos e liberdades undamentais.
Reolção 5 (XXXV) de 2 de rço de 1979, d Coião de Direito ho. 168
O Etdo uido e i ete etdo do oete e btiver. 169
adotd pel aebléi Gerl trvé de Reolção 37/199, e 18 de dezebro de 1982. 170
171
artigo 2(1), e preâblo.
172
artigo 1.
173
artigo 1(1).
174
artigo 1(1).
art. 2(3), Declrção obre o Direito o Deevolvieto. 175
art. 6(3), Declrção obre o Direito o Deevolvieto. 176
art. 8(2), Declrção obre o Direito o Deevolvieto. 177
art. 5, Declrção obre o Di reito o Deevolvieto. 178
art. 3(3), Declrção obre o Direito o Deevolvieto. 179
art. 6, Declrção obre o Di reito o Deevolvieto. 180
art. 7, Declrção obre o Di reito o Deevolvieto. 181
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A Declaração e Programa de Ação de Viena, principal documento elaborado pela IIConferênciaMundialsobreDireitosHumanos,veioexprimiroconsensoentre os Estados de que o direito ao desenvolvimento é “um direito humano universal e inalienável e parte integrante dos direitos humanos undamentais” 182. Assim, este documento tanto rearmou o teor da Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento quanto contribuiu para a inserção denitiva do direito ao desenvolvimento no vocabulário do Direito Internacional positivo dos Direitos Humanos183. Outra inovação trazida pela Declaração e Programa de Ação de Viena, oi o estabelecimento da interdependência 184 entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos. Ainda, tal Declaração alertou para o ato de que “a alta de desenvolvimento não pode ser invocada para justicar a redução dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos”185 e que todos os obstáculos existentes para a eetivação do direito ao desenvolvimento devem ser eliminados186. No entanto, apesar dos avanços trazidos pelo reerido documento, não se chegou a um consenso acerca da denição do direito ao desenvolvimento. AComissãode Direitos Humanos dasNaçõesUnidas,comointuitodeque osse atingido um consenso acerca da denição 187 do direito ao desenvolvimento, criou,em1998,ocargode Expert Independente sobre o Direito ao Desenvolvimento (atual Expert Independente sobre Direitos Humanos e Pobreza Extrema 188), bem como um grupo de trabalho sobre o tema. O Expert Independente, Arjun Sengupta, sustenta ser o direito ao desenvolvimento um processo no qual todos os direitos humanos e liberdades undamentais possam ser realizados plenamente. Sendo assim, Sengupta sugere que o direito ao desenvolvimento é o melhoramento de um “vetor” dos direitos humanos, que é compostoporvárioselementosquerepresentamtantoosdireitoseconômicos,sociais e culturais quanto os direitos civis e políticos 189. Todos esses direitos são interdependentes–juntamente comocrescimentodoprodutointerno bruto(PIB) e outros recursos nanceiros, técnicos e institucionais – de tal orma que possibilitam o melhoramento das condições de vida de toda população. Nesse sentido, pode-se dizer que o direito ao desenvolvimento unica todos os direitos civis, políticos, sociais,econômicoseculturaisemumconjuntodedireitoshumanosindivisíveise interdependentes. Bedjaoui,porsuavez,armaqueodireitoaodesenvolvimentoéumdireito undamental, a precondição de liberdade, progresso, justiça e criatividade 190. Já Amartya Sen vai mais longe, ao dizer que desenvolvimento deve ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desrutam 191. Portanto, uma boa qualidade de vida para todos os seres humanos é o principal objetivo do direito ao desenvolvimento, que tem como meta acabar com a pobreza e satisazer as necessidades prioritárias de todos. No entanto, para que se alcance esta nalidade, as políticas públicas têm que estar voltadas para a satisação de necessidades básicas, como alimentação, moradia, água potável, emprego, saúde, educação e seguridade social, sem qualquer discriminação, num contexto de liberdade, dignidade e justiça social para os seres humanos. Ainda, tais políticas públicas têm
Declrção de Vie. Prte I, pr. 10. aper do coeo tigido e Vie, devee de tcr qe cogrção do di reito o deevolvieto coo direito o ilieável ão é poto pcíco etre o dotridore. 182
CanÇaDO TRInDaDE, atô io agto. Tratado de direi to internaciona dos direitos humanos oume II. Porto alegre: sergio atoio Fbri, 1999. p. 303. 183
Declrção de Vie. Prte I, pr. 8; e c. prte II, pr. 80. 184
185
Prte I, pr. 10.
Prte II, pr. 72; e c. prte I, pr. 10. 186
Ito porqe e etede qe deição de direito o de evolvieto etbelecid o preâblo d Declrção obre o Direito o Deevolvieto é ito vg, o dipor qe: “...o 187
desenvolvimento é um processo econômico, social , cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bemestar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e signifcativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos beneícios daí resultantes”.
a oecltr do crgo oi lterd, pdo de Expert Idepedete obre o Direito o Deevolvieto pr Expert Idepedete obre Direito ho e Pobrez Extre. aceo e: 10 j. 2005. Di poível e: ttp://www.ocr. org/egli/bodie/cr/pe cil/tee.t. 188
189
Idem.
190
“The right to development is a undamental right , the precondition o liberty , progress, justice, and creativity” (BEDJaOuI, m. op. cit., p. 1182).
sEn, arty. Desenoi mento como ierdade. são Plo: Copi d Letr, 2001. pp. 5255. 191
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queincluiroutrosdireitoseconômicos,sociaiseculturais,taiscomo odireito ao trabalho, o acesso a condições justas de trabalho e o direito a se beneciar do desenvolvimento cientíco, comercial, tecnológico e cientíco 192. Pelo exposto, indaga-se: quando é que oi proclamado o direito ao desenvolvimento?Oqueseentendepeloreferidodireito?Quemsãoossujeitosativoepassivodo direitoaodesenvolvimento?OqueoEstadodevefazerpararealizarodireitoemtela? ADeclaraçãosobreoDireitoaoDesenvolvimentoédotadadeforçavinculante? Material De apoio t:
l eiTuRa obRigaTóRia : CANÇADOTRINDADE,AntônioAugusto. ratado de direito internacional dos direitos humanos. Volume II. PortoAlegre:SergioAntonioFabris, 1999.pp.276-283;303-307. l eiTuRa acessóRia : LINDROOS,Anja.Te right to development. Helsinki:eFacultyofLawof theUniversityofHelsinki&eErikCastrénInstituteofInternationalLaw andHumanRights,1999.pp.22-47. PIOVESAN,Flavia. Direito ao desenvolvimento. Texto produzido para o II ColóquioInternacionaldeDireitosHumanos.SãoPaulo,Brasil,2002. l egislação: Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento Declaração e Programa de Ação de Viena
DEsaI, P.D. Rigt to Develo pet: Iprovig te Qlity o Lie. I: ChOWDuRY, s.R. (ed.). The Riht to Deeop ment in Internationa law . hold: Klwer acdeic P blier, 1992. p. 31 apud maT TaR, Lr Dvi. The riht to deeopment and structura adustment prorammes – an anaysis throuh the ens of human rihts. Dier tção pr obteção do títlo de metre e Direito ho pel sex uiverity, 2002. p. 6. 192
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aula 24: tribunal Penal internacional NOTA AO ALUNO
O Tribunal Penal Internacional (TPI) oi criado com a aprovação do Estatuto de Roma(Estatuto)em17dejulhode1998(120votosafavor;7contra;21absten ções),duranteaConferênciaDiplomáticadosPlenipotenciáriosdasNaçõesUni das,emRoma.Contudo,oTPIsóentrouemvigorem1dejulhode2002,após60 países terem raticado ou aderido ao Estatuto. A inauguração do mesmo se deu em 11demarçode2003,naHaia(Holanda).Atualmente,oTPIcomporta139assina turase99raticações193. Trata-se de um marco histórico, uma vez que é o primeiro tribunal internacional permanente, independente e complementar à jurisdição nacional, com a competência de julgar os indivíduos pela prática de quatro crimes: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de agressão e crimes de guerra. Embora o estabelecimento de uma jurisdição penal internacional só tenha se concretizadoem1998,oanseio pelacriaçãodeumsistemademonitoramento contínuo da situação dos direitos humanos no mundo é antigo. Sua origem remonta às antigas comissões internacionais ad hoc deinvestigação(apartirde1919), passandopelosTribunaisdeNuremberg(estabelecidoemagostode1945)ede Tóquio(estabelecidoemjaneirode1946).Poucoapoucoeemdecorrênciado trabalhodaComissãodeDireitoInternacionaldasNaçõesUnidas,oconceitode “crime internacional” ganhou tratamento doutrinário no âmbito da responsabilidade do Estado e, concomitantemente, surgiu a responsabilidade penal internacional do indivíduo. Nesse contexto (de combate à impunidade e as inúmeras atrocidades cometidas), oram criados os dois tribunais ad hoc – o Tribunal Internacional para aex-Iugoslávia,em1993,eoTribunalInternacionalparaRuanda,em1994–e, posteriormente, o TPI. O Tribunal ad hoc para a ex-Iugoslávia oi criado para julgar os indivíduos responsáveis por graves violações do direito internacional humanitário cometidas a partirde1991naex-Iugoslávia,aopassoqueoTribunal ad hoc para Ruanda oi criado para julgar os indivíduos responsáveis por crimes cometidos durante os conitosinternosarmadosemRuanda,aolongode1994.Dessaforma,constata-seque ambos os tribunais ad hoc oram estatuídos com limitações espacial e temporal. De maneira diversa, a jurisdição do TPI é geral e universal. HátrêspossibilidadesdedenúnciadeumcasoaoTPI:(a)ConselhodeSegurança remete o caso ao TPI; (b) Estado-parte envia o caso ao TPI; (c) Promotor atua ex ofcio, i.e., instaura uma investigação com base em inormações recebidas. No entanto, o caso só poderá ser apreciado se um ou mais dos seguintes estados sejam parte do Estatuto ou, não o sendo, tenham voluntariamente aceito a jurisdição do tribunal em um caso concreto: (a) o estado em cujo território o crime tenha sido cometido; (b) o estado de nacionalidade do acusado. Ressalte-se, por oportuno, que a competência do TPI é automática. Isto signica que um Estado, ao se tornar parte do Estatuto, aceita a jurisdição do Tribunal sobre os quatro crimes dispostos no artigo 5º do Estatuto.
até preete dt, o elor, 04 de jlo de 2005. aceo e: 04 jlo 2005. Di poível e: ttp://trety. .org/EnGLIsh/bible/e gliiteretbible/prtI/cp terXVIII/trety10.p. 193
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O Tribunal é composto pelos seguintes órgãos: Presidência, uma Seção de Apelações, uma Seção de Primeira Instância e uma Seção de Questões Preliminares, PromotoriaeSecretaria.Em7defevereirode2003,os18juízesforameleitos,sendoumdeles SylviaSteiner,umajuízabrasileira.Jáopromotor,LuisMorenoOcampo,foieleitoem 21 de abril de 2003, dando início as suas atividades em 16 de junho de 2003. Nenhum caso oi julgado até a presente data 194. Até o momento, o promotor, após a análise dos dados, resolveu abrir a investigação em 3 casos 195:(i)RepúblicaDemocráticadoCongo (em23.06.2004);(ii)RepúblicadeUganda(em29.07.2004);e(iii)Darfur,Sudão (em 06.06.2005). Os dois primeiros casos oram enviados ao promotor pelos respectivosgovernos,aopassoqueoúltimocasofoienviadopeloConselhodeSegurançadas NaçõesUnidas,conformedispõesuaResoluçãon.1593(2005),de31.03.2005 196. Em se tratando das penas, há três tipos: prisão provisória, pena de reclusão não superior a 30 anos e prisão perpétua. Sendo assim, ao contrário do que ocorria nos tribunais ad hoc – tinham que recorrer aos tribunais nacionais para vericar como deveriam aplicar a pena –, o TPI pode aplicá-la diretamente, tendo em vista que o Estatuto de Roma já prevê os tipos que podem ser aplicados. OBrasilassinouoEstatutoem7defevereirode2000,eoraticouem20de junho de 2002197. No momento, por meio de intensos debates, busca-se adaptar a legislação brasileira ao Estatuto de Roma. Diante do exposto, pergunta-se: • Atualmente,ocrimedeagressãopodeserjulgadopeloTPI?Casonegativo, porquê? • Hipótese:UmindivíduonacionaldeumEstadonão-partedoEstatutocomete crimes contra a humanidade em um Estado-parte do Estatuto. Pergunta-se: OTPIpodeapreciarestecaso?Justiquesuarespostacomrespaldolegal. • OEstatutodeRomaprevêalgumaformadereparaçãoàvítima? • QualéaexceçãoemrelaçãoàcompetênciaautomáticadoTPI? • QualéarelaçãoentreoConselhodeSegurançadasNaçõesUnidaseoTPI? Existe alguma dierença entre a relação mencionada e aquela entre os tribunais ad hoc eoConselhodeSegurança? • Quaissãoasquestõessuscitadaspordoutrinadorese/oumembrosdoPoder LegislativoquandosediscuteaadaptaçãodalegislaçãobrasileiraaoEstatuto deRoma?
194
04 de jlo de 2005.
aceo e: 04 jlo 2005. Dipoível e: ttp://www. icccpi.it/ (ite: “ittio d ce”). 195
Material De apoio
aceo e: 04 jlo 2005. Dipoível e: ttp://www. icccpi.it/librry/ce/ n0529273.drreerrl.eg. pd. 196
t:
l eiTuRa obRigaTóRia : PIOVESAN,FláviaeIKAWA,DanielaRibeiro.“OTribunalPenalInternacional eDireitoBrasileiro”.In:PIOVESAN,Flávia.emas de Direitos Humanos. SãoPaulo:MaxLimonad,2003.
O Ettto de Ro oi pro vdo pelo Cogreo nciol pelo Decreto Legiltivo . 112, de 6 de jo de 2002, e pro vdo pelo Decreto . 4388, de 25 de etebro de 2002. 197
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l eiTuRa acessóRia : CANÇADOTRINDADE,AntonioAugusto.ratado de direito internacional de direitos humanos. Vol.II.PortoAlegre:SergioAntonioFabris,1999. pp.385-400. MAIA,Marrielle.ribunal Penal Internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementaridade. BeloHorizonte:DelRey,2001. CapítulosIIIeIV.pp.61-107. l egislação: Estatuto de Roma
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aula 25: direito humano Pós-11 de setembro NOTA AO ALUNO
os Direitos HuManos e a reação ao onze De seteMbro: uMa retoMaDa De esperanças? 198
“Folhetodistribuído,em15defevereirode2002,nocentrodeSãoFrancisco, EUA, perguntava: “Você quereria viver num país que: (a) desaa o direito internacional; (b) humilha deliberadamente soldados capturados; (c) mantém presos incomunicáveis por meses, sem qualquer acusação, por causa da respectiva etnia ou religião; (d) pune pessoas sem lhes dar oportunidade de defesa?” A resposta, ou complementação, era: “You already do” (“Você já vive”). Tendo por chamada “Não àtorturaemGuantánamo!”,opanetoeraumaconvocaçãopelaseçãolocalda GuildaNacionaldeAdvogados(ONGdeprossionaisdodireitoativistasdosdireitos humanos) para maniestação pública, no coração da cidade, diante do escritório de Senadora caliorniana pelo Partido Democrata. Esta, segundo o mesmo paneto, haviavisitadoabasenorte-americanaemCuba,ondeosprisioneirostransportados do Aeganistão e otograados com vendas, capuzes, mordaças, algemas e correntes, vivem expostos em celas de alambrado qualicadas por “perito penitenciário” como “basicamente um canil” (sic). Não obstante essas otos e inormações reiteradas de que os cativos têm sido drogados e sujeitos a privação sensorial para debilitar resistências nos interrogatórios, a Senadora em questão teria concluído que eles não se encontravam em circunstâncias desumanas. Endossava, assim, a opinião do secretáriodeDefesacontraoquetêmarmadoaCruzVermelha,aAnistiaInternacional, aHumanRightsWatcheoutrasorganizaçõescongêneres.Paraquemseacostumou à rotina da superpopulação carcerária brasileira, em condições indescritíveis, a situaçãoemGuantánamonãodeveriaparecerassustadora(emboraasfotograassejam chocantes para qualquer um que as veja). Tampouco soam incomuns maus tratos de prisioneirosnumpaíscomooBrasil,ondeocrimeétãoabundantequeseinventoua categoria dos “hediondos” e a tortura, tão rotineira que sua tipicação como delito parece não ter “pegado”. Agura-se, porém, estranho que esses panetos sejam distribuídos num país que se apresenta como modelo de direitos humanos (o presidenteBushacabadefazê-lonaChina,emviagemocial,em22defevereiro).Mais estranho ainda soa que se critique, de orma tão veemente, numa cidade “avançada”, mulherparlamentar,deposiçõesliberais,geralmenteadmirada.Maisdoqueestra nho, tudo isso é deveras surpreendente depois do tenebroso Onze de Setembro de 2001.Comefeito,osataquesemNovaYorkeWashingtonhaviamabaladodema neira tão prounda a sociedade norte-americana que qualquer dissensão parecia, até opassadorecente,faltadepatriotismo.DepoisdoapoioquaseunânimedoCon gresso ao presidente para que ele pudesse declarar legalmente uma “guerra contra o terrorismo”, a lógica dominante era aquela sempre típica dos protestantes puritanos dos Estados Unidos, aplicada com particular anco em sua política externa: “nós
Texto prodzido por Joé a gto Lidgre alve – Diplo t, ebro do Coitê pr Eliição d Dicriição Rcil d Onu e ebixdor deigdo do Bril e só (Blgári). aceo e: 04 io 2005. Dipoível e: ttp:// www.det.org.br/direito/ ilitte/lidgrelve/lid gre_11et.t. 198
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somos bons, eles maus”, logo “quem não está comigo está contra mim”. Ao contráriodoquediziamlivrossérios,poucolidos,sobreoserrosdaCIAaonanciartali bãscontraossoviéticosnadécadade80,todosfavoráveisamudançasnasposições do país, a sociedade e os meios de comunicação norte-americanos pareciam apoiar em uníssono a interpretação de que os atentados não passavam de atos covardes, resultantes de um ódio visceral, complexado e gratuito, pela civilização. O apoio popularaoPresidentechegouaalcançar95%.QualquercríticaaoGovernona “guerra contra o terrorismo” (e até em outros assuntos) era repudiada como antiamericanismo – quanto mais se eita em deesa de indivíduos descritos como perigososterroristas!Pormaissimplistaquefosse,aobsessãopatrióticadurou,comvi gorextraordinário,pormaisdetrêsmesesemeio.Foielaquepropiciouaogoverno a adoção de medidas restritivas de liberdades, como as que permitem a escuta telefônicaeacensuradecomunicaçõespelaInternet,atinentesaodireitoànão-inter erência em assuntos da vida privada, normalmente sacrossanto porque essencial ao individualismodopaís.Foielaquefezvistagrossaàdiscriminaçãocontraosestran geiros no território nacional, passíveis de detenção arbitrária, por tempo indeterminado, sem acusação conhecida e sem direito a advogado (alguns já por mais de cem dias). A discriminação entre nacionais e estrangeiros se revela também no decreto de 16 de dezembro de 2001, pelo qual o Presidente da República “autoriza o estabelecimento” de tribunais militares especiais, de rito secreto e sumário, sem possibilidade de apelação de sentenças, para julgar estrangeiros por ele qualicados de terroristas(oquenãofoisequercontempladoparaonorte-americanoJohnWalkerLindh, Talibã apreendido em território aegão, mas julgado nos Estados Unidos por tribunalnormal,comassistênciajurídicaeapoiofamiliar).Foiaexaltaçãodopatriotismo, associado à ânsia de vingança da superpotência erida contra os idealizadores dos atentados (estes precisam, sim, obviamente, ser punidos), que aprovou, sem hesitações, o bombardeio do Aeganistão em ruínas, com arremessos de comida para uma população em uga para o vizinho Paquistão, país pobre e já transbordante de reugiados pashtuns – oragidos que, por sinal, encontravam as ronteiras echadas por ordens dos Estados Unidos na ase precedente à operação militar (para impedirasaídadeinimigos).Foiopatriotismoamortecedordedireitos,maisdo que o temor de mensagens subliminares, que justicou para o povo a recomendação governamental de autocensura à retransmissão de vídeos da estação Al Jazeera (a “CNN”árabe,doQatar)emqueBinLadenaparecia,comdiscursoigualaodo PresidenteBush,apenascomossinaistrocados.Nesseambientedeexaltaçãobelicosa, não oram os atos atentatórios aos direitos undamentais de todos os seres humanos, particularmente estrangeiros, que modicaram de orma súbita a reação de norte-americanos àquilo que vinha – e vem ainda – ocorrendo. Sem dúvida, as fotograasdosdetidosemGuantánamoearepulsaquecausaram,despertaramem muita gente, no país e no exterior, a consciência de que a luta contra o terrorismo não pode ser conduzida ao arrepio do direito; de que a barbárie de uns não pode justicar a brutalidade de outros; de que, na civilização, nada pode undamentar a rediscussão da tortura como técnica para a obtenção de inormações. A dissociação norte-americana do direito humanitário que os próprios Estados Unidos haviam FGV DIREITO RIO 145
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ajudadoacriar(naconferênciadiplomáticadeGenebrade1949)forçavaosaliados europeus, com um mínimo de consistência, a cobrar o reconhecimento dos detidos emGuantánamocomoprisioneirosdeguerra,protegidospelaTerceiraConvenção deGenebra.Estaimpedemaustratoseinterrogatóriosalémdoimprescindívelpara sua identicação; prevê repatriação no término das hostilidades; estipula que o eventual indiciado em crime de guerra, detentor como qualquer pessoa da presunção de inocência, seja julgado por tribunal transparente e imparcial, com direito a advogado e recurso contra sentenças. Todavia, muito mais do que as otograas de Guantánamoearepulsaquecausaram,oquerealmentevemmodicandoempro undidade a atitude de norte-americanos e aliados oi o primeiro discurso do presidenteGeorgeW.Bushsobreo“estadodaUnião”,em29dejaneiro.Nele,ademais de anunciar a disposição de expandir a “guerra contra o terrorismo”, com ou sem autorização externa, estendendo o combate aonde lhe pareça necessário, o PresidentedosEstadosUnidossingularizouoIraque,oIrãeaCoréiadoNortecomoum “eixodoMal”.Oseuropeusemgeral–inclusiveogovernobritânico–dissociaramsedepossíveisbombardeioscontraqualquerdessestrêspaíses,decididosporWa shington.Ossul-coreanoszerammanifestaçõescontraoPresidenteBushàsvéspe ras de sua primeira visita a Seul (além de a nação ser a mesma, a agressão verbal à CoréiadoNortetendeaprejudicarasnegociaçõesbilateraisencetadas).NãoéprecisoterogêniodeImmanuelWallersteinparaentenderqueosatentadosdoOnze deSetembroderamaindamaisforçaaos“falcões”daadministraçãoGeorgeW. Bush(v.entrevistaàFolhadeS.Paulo,em10/02/2002,p.A7).Omesmotemsido dito, agora em crítica mordaz, por quem antes apoiava a “guerra contra o terrorismo”(v.,porexemplo,aanálisedeChrisMatthewssobotítuloexpressivodeWho hijackedourwar?–“Quemseqüestrounossaguerra?”–noS.FranciscoChronicle, 17/02/2002,p.D1).NapreparaçãodoPresidenteparaostateoftheUnion,os “alcões parecem ter ido além do limite tolerável pelo patriotismo do cidadão comum, que, anal, tem também justicados temores. Pode ser que, por pressão interna,européiaeasiática,acabemperdendoterrenoparaomoderadoColinPowell. E que a idéia desse “eixo” com elementos tão díspares não tenha passado de de artiício de apoio à proposta de aumento gigantesco no orçamento militar. Não sei, francamente,emquedeuaconvocaçãodeSãoFranciscoàmanifestaçãoemfavor dos prisioneiros talibãs. Só tomei conhecimento do paneto depois da hora marcada. Tampouco li nos diários ecos de sua realização (o que me leva a supor ter sido bemreduzida).Contudo,umacoisaécerta:osdetidosdeGuantánamoeo“eixodo Mal”mudaramosnoticiários.Asimplesfadiga dosassuntosda“guerra contrao terrorismo” não os aria passar tão rapidamente das primeiras páginas de todos os jornais para aquelas menos lidas, dedicadas ao exterior. Nas páginas de rosto saem agoranotíciasdesagradáveisaWashington(comoasdeataqueserradoseespanca mentos de inocentes por tropas no Aeganistão), muitas sobre violações de direitos no país, decorrentes de medidas adotas nessa guerra heterodoxa. O que a conscientização dos media e das pessoas representará de concreto na luta contra o terrorismo é diícil prever. É ainda improvável, mas não totalmente impossível, que ela possa reorientar o governo para o reconhecimento da importância dos direitos humanos, FGV DIREITO RIO 146
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atualmente submersos na prioridade da segurança, militar e policial – elizmente sema“doutrina”queconhecemosnoBrasil-,fazendo-osentirqueaobservância desses direitos sempre oi e continuará a ser a melhor orma de desazer condições que conduzem ao terror. A conscientização evidencia, de qualquer orma, que, para a sociedade civil esclarecida e atuante, os direitos undamentais e o direito internacional humanitário não se acham esquecidos pelo medo ou patriotismo cego. Tendo em conta o grande peso dos Estados Unidos na disseminação internacional da idéia dos direitos humanos e a importância da sociedade civil norte-americana para sua armação dentro dos próprios Estados Unidos (como visto nos anos 50 e 60), a movimentação que se esboça de novo pelo respeito a tais direitos, depois do Onze de Setembro, só pode ser positiva. Na medida em que ela absorva e propague a interdependênciadetodososdispositivosdaDeclaraçãoUniversalde1948,inclusive osdireitoseconômicosesociais,elapodetornar-seantídotoaosmalefíciosdaglobalização excludente.” Material De apoio t:
l eiTuRa acessóRia : DANNER,Mark.“Alógicadatortura”.In: Política Externa . Volume 13. nº 2. Setembro/Outubro/Novembro2004.pp.33–44. LINDGRENALVES,JoséAugusto.“Fragmentaçãoourecuperação”.In: Política Externa .Volume13.nº2.Setembro/Outubro/Novembro2004.pp.09 –19. __________. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2005.
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Paula sPieler metre e Relçõe Itercioi e bcrel e Direito pel PuCRio. Proeor de Direito ho, Proeor do grpo de etdo obre o ite itererico de proteção do direito o e Coordedor de Relçõe Ititcioi d Ecol de Direito do Rio de Jeiro d FGV. mebro d aocição nciol de PóGrdção e Peqi e Direito ho. Trblo pr diver ititiçõe de prooção do direito o, ti coo Fdção Ford, aiti Iterciol e Jtiç Globl. Excoltor do CEBRI (Cetro Brileiro de Relçõe Itercioi). Prticipo de cro itercioi obre direito o proovido pel uiveridde de Coibr e pel uiveridde de Colbi. Expeqidor do grpo de direito o do Rdr do site Iterciol, rede de oitoreto d tedêci de dç e cotiidde do ite iterciol (ttp:// ri.cgee.org.br/).
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