PENSAMENTO SISTEl\1ATICO E CONCEITO DE SISTEl\1A NA CIENCIA DO DIREITO A
Introdução e tradução de A. MENEZES
CORDEIRO
A questão do significado da ideia de sistema para a Ciência do Direito é dos temas mais discutidos da metodologia jurídica. Em poucas controvérsias estão, ainda hoje, as opiniões tão divididas. Enquanto, por exemplo, SAUERexclama com ênfase: «Apenas o sistema garante conhecimento, garante cultura. Apenas no sistema é possível verdadeiro conhecimento, verdadeiro saber» (1) e H. J. ,WOLFF diz: «A Ciência do Direito ou é sistemática ou não existe» (2), EMGE opina, com discrição céptica: «Um sistema é sempre um empreendimento da razão com um conteúdo exagerado» (3) ~ uma afirmação que está apenas a curta distância da célebre frase de NIETZSCHEque caracterizou a aspiração ao sistema como uma «falta na consecução do Direito» e uma «doença no carácter» (4). No que respeita, em particular, ao direito privado, a discussão metodológica mais importante Juristische Methodenlehre (1940), p. 171. Typen im Recht und in der Rechtswissenschaft, StG 195 ss. (205). Einführung in die Rechtsphilosophie (1955), p. 378. Gesammelte Werke (1895-1912), voI. VIII, p. 64 e vaI. XIV, p. 354, respectivamente. Justamente a propósito de um princípio metodológico das ciências do espírito, BOLLNOW enfoca a desconfiança contra o sistema; cf. Die Objektivitat der Geisteswissenschaften und die Frage nach dem Wesen der Wahrheit, Zeitschr. f. Philosophische Forschung 16 (1962), p. 3 ss. (15 s.). (1)
(2) 1952, p. (3) (4)
deste século - travada entre a «jurisprudência dos conceitos» e a «jurisprudência dos interesses» - não foi mais, em última análise, do que uma controvérsia sobre o sentido, a forma e os limites da formação do sistema jurídico. Mais recentemente, THEonoR VIEHWEG,através do seu escrito sobre «Tópica e Ciência do Direito» (5), renovou finalmente a discussão e encontrou, pela sua crítica ao sistema, quer assentimento enérgico, quer recusa firme. Tais afinco e agudez da discussão não são, de modo algum, de admirar, pois subjazem questões centrais da Metodologia e da Filosofia do Direito. Como ficaria claro, sobretudo com a discussão em torno das teses de VIEHWEG,trata-se, afinal, dos fundamentos da nossa disciplina, em especial do auto-entendimento da Ciência do Direito como Ciência e da especificidade do pensamento e da argumentação jurídicos. Mais ainda: como a metodologia jurídica, em toda a sua extensão, está numa conexão estreita com a Filosofia do Direito em geral, colocamo-nos, com celeridade, perante a problemática dos «valores jurídicos mais elevados» e da relação entre eles (6). A discussão travada até hoje padece frequentemente da inexistência de clareza quanto ao seu objecto, - o conceito de sistema - seja no campo terminológico, seja no material. Assim por exemplo,
(5) 1."ed., 1953,actualmente na 2." ed., 1965. (A ed. mais recente, a 5.", data de 1974-nota do tradutor). (6) Cf., com mais pormenores, infra §§ 1 II 2, 4- IV 3, 5 lI, 6 I 4 b e 7 lI.
VIEHWEGfoi contraditado por DIEDERICHSEN por ter conduzido uma «luta contra moinhos de vento» e um «combate aparente», visto o sistema axiomático-lógico, por ele questionado, não ser, há muito, defendido por ninguém (7) - e, com efeito, aqui está uma fraqueza essencial do trabalho de VIEHWEG(8). Não obstante, e na melhor das hipóteses, apenas se encontram, na literatura, respostas parciais à questão do conceito de sistema, pressuposto a cada passo. Sem uma clarificação desse conceito falta, à discussão do sistema, uma base indispensável; na sequência, vai-se tentar obter, sobre o assunto, uma clareza maior.
(7) prudenz, (8)
Topisches und systematisches Denken in der JurisNJW 1966, p. 697 S8. (700). Cf., com mais pormenores, infra § 7 e, aí, a nota 64.
§ 1.°
A FUNÇÃO DA IDEIA DE SISTEMA NA CIÊNCIA DO DIREITO
A elaboração de considerações mais pormenorizadas sobre o conceito de sistema jurídico pressupõe, . para já, que se clarifiquem dois pontos: em primeir] lugar, o do conceito geral ou filosófico de sistema e, em segundo, o da tarefa particular que· ele pode desempenhar na Ciência do Direito (1).
1-AS QUALIDADES DA ORDEM E DA UNIDADE COMO CARACTERiSTICAS DO CONCEITO
GERAL DE SiSTEMA
Sobre o conceito geral de sistema deveria dominar com múltiplas divergências em aspectos específicos - no fundamental, uma concordância extensa (2): é ainda determinante a definição clássica (1) Para a justificação deste procedimento na formação de conceitos, cf. CANARIS, Die Feststellung von Lücken im Gesetz (1964), p. 15 S., onde foi utilizado o mesmo caminho para a determinação do conceito de lacuna. (2) RITSCHL, System und systematische Methode in der Geschichte des wissenschaftlichen Sprachgebrauchs und der philosophischen Methodologie, 1906, dá um bom panorama histórico sobre a evolução do termo «sistema».
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e KANT, que caracterizou o sistema como «a unidade, sob uma ideia, de conhecimentos variados» (3) ou, também, como «um conjunto de conhecimentos ordei nado segundo princípios» (4). De modo semelhante, por exemplo, no «Dicionário dos conceitos filosóficos» de EISLER (5), define-se sistema: «1. Objectivo: ) um conjunto global de coisas, processos ou partes, no qual o significado de cada parcela é determinado pelo conjunto supra-ordenado e supra-somativo ( ... ) 2. Lógico: uma multiplicidade de conhecimentos, unificada e prosseguida através de um princípio, para um conhecimento conjunto ou para uma estrutura explicativa agrupada em si e unificada em termos interiores lógicos, como o correspondente, o mais possível fiel, de um sistema real de coisas, isto é, de um conjunto de relações das coisas entre si, que nós procuramos, no processo científico, 'reconstruir' de modo aproximativo». As definições que se encontram na literatura jurídica correspondem-Ihe, também, largamente. Assim, por exemplo, segundo SAVIGNY, o sistema é a «concatenação interior que liga todos os institutos jurídicos e as regras de Direito numa (3) Cf. Kritik der reinen Vernunft, L" ed. (1781), p. 832 e 2." ed. (1787), p. 860, respectivamente. (4) Cf. Metaphysische Anfangsgründe der Naturwissen.schaft, 1." ed. (1786), preâmbulo, p. IV.
(5) .(1930),
Worterbuch
der philosophischen
voI. lU, palavra «System».
Begriffe,
4." ed.
grande unidade» (6), segundo STAMMLER «uma unidade totalmente coordenada» (7), segundo BINDER, «um conjunto de conceitos jurídicos ordenado segundo pontos de vista unitários» (8), segundo HEGLER, «a representação de um âmbito do saber numa estrutura significativa que se apresenta a si própria como ordenação unitária e concatenada» (9), segundo STOLL um «conjunto unitário ordenado» (10) e segundo COING uma «ordenação de conhecimentos segundo um ponto de vista unitário» (11). (6) System des heutigen rõmischen Rechts, vaI. I (1840), p. 214 (também p. XXXVI e p. 262). (7) Theorie der Rechtswissenschaft, 2." ed. (1923), p. 221; de igual modo Lehrbuch der Rechtsphilosophie, 3." ed. 1928; concordam, p. ex., BINDER, Rechtsbegriff und Rechtsidee (1915), p. 158 s. e Philosophie des Rechts (1925), p. 922; ENGISCH, Sinn und Tragweite juristischer Systematik, StG 10 (1957), p. 173 ss. (186). (8) Philosophie des Rechts, loco cit.; de igual medo Rechtsbegriff und Rechtsidee, loco cito e, mais tarde, ZHR 100, p. 34 S. e 78. (9) Zum Aufbau der Systematik des Zivilprozessrechts, em: Festgabe für Heck, Rümelin und Schmidt (1931), p. 216. (10) Begriff und Konstruktian in der Lehre der Int~ressenjurisprudenz, Festgabe für Heck, etc. (cf. nota anterIor),
p.77. (11)
Geschichte und Bedeutung des Systemgedankes in der Rechtswissenschaft, Frankfurter Univertitatsreden Heft 17, citado segundo COING, Zur Geschichte des Privatrechtssystems, (1962), p. 9; cf., também, COING, Bemerkungen zum überkommenen Zivilrechtssystem, em: Festschrift für Dalle (1963), p. 25.
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Há. ~u~s características que emergiram em todas as defIlllçoes (12).i,J! da or~ e a da unidade; elas estão, uma para com a outra, na mais estreita reÍação de intercâmbio, mas são, no fundo, de separar (13). No que respeita, em primeiro lugar, à ordenação, preende-se, com ela - quando se recorra a uma· o mulação muito geral, para evitar qualquer restrição precipitada - exprimir um estado de coisas intrínseco racionalmente apreensível, isto é, fundado na realidade. No que toca à unidade, verifica-se que este facto r modifica o que resulta já da ordenação, por não permitir uma dispersão numa multitude de .':3ingu-
(12) Por vezes, aparece ainda referida a característica da plenitude; cf., principalmente, STAMMLER, Theorie der Rechtswissenschaft, loco cit., p. 221 s., em ligação com KANT: «O conjunto... pode, na verdade, crescer interiormente (per intus susceptionem), mas não exteriormente (per appositionem), como um corpo animal, cujo crescimento não implica qualquer soma, antes levando, sem modificação das proporções, à melhoria da força e da capacidade de cada um, face aos seus escopos» (Kritik der reinen Vernunft, loco cit., pp. 833 e 861 respectivamente). Esta característica não pode, em caso a;gum, assistir ao sistema jurídico porque este, por força da «abertura» do «sistema objectivo» (cf., quanto a isto, infra § 3 II), pode sempre crescer também «per appositionem». O elemento da «plenitude» poderia, contudo, não ser essencial ao conceito geral de sistema, mas reportar-se a uma sua delimitação determinada. - Quanto à exigência da «plenitude» num sistema axiomático no sentido da logística cf. infra p. 26 e p. 27 S. (13) Certo STAMMLER, ob. cit., p. 222.
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laridades desconexas (14), antes devendo deixá-Ias reconduzir-se a uns quantos princípios fundamentais. Deve-se, assim, distinguir sempre duas formas ou elhor, dois prismas do sistema: por um lado. o sis;. tema de conhecimentos, que EI~ba definição cItada, chama de «lógico» e que, na e uêncla, de mo o mais genérico, será a~elid~do de «científico» e,
~]Jtro,
o sistema dos dl;jectos d;::
a propósito do qual, com razão.!.-EISLER fala de ~ISt~ma «objectivo» ou «real». Ambos estão, de facto em conexão estreita, devendo o primeiro ser «o correspondente o mais fiel possível» (15) do último, de modo a que a elaboração científica de um objecto não desvirtue este, falseando, com isso, a sua finalidade. Segue-se imediatamente daí, para a formação jurídica do sistema. que esta só será possível quando o seu objecto, isto é, o Direito, aparente tal sistema «objectivo». Qualquer outra precisão sobre o significado da «ideia de sistema» na Ciência do DireitOfl sobre o correspondente conceito de sistema pressupõe: por isso, o esclarecimento da questão sobre se e ate onde possui o Direito aquelas orden~ção e unidade, indispensáveis como fundamento do SIstema. ---/
(14) Poder-se-ia, ainda aqui, falar de ordenação uma vez que a conexão já representa, em particular, uma das suas formas, enquanto cada ordenação como tal comporta sem dúvida, já em si, a tendência para a unidade (cf. também a nota 13). (15) Cf. EISLER, ob. e loc. cito
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11-
A ADEQUAÇÃO VALORATIVA E A UNIDADE INTERIOR DA ORDEM JURíDICA COMO FUNDAMENTOS DO SISTEMA JURíDICO
o que se passa então com a ordenação interior e com a unidade de sentido do Direito? 1.
Adequação e unidade como premissas teorético-científicas e hermenêuticas
Num prisma metodológico, elas pressupõem-se, normalmente, como evidentes. Isso resulta, desde logo, de se considerar o Direito como Ciência (lG); pois, como diz COING:«Em última análise, o sistema jurídico é a tentativa de reconduzir o conjunto da justiça, com referência a uma forma determinada de vida social, a uma soma de princípios racionais. A hipótese fundamental de toda a Ciência é a de que ufua estrutura racional, acessível ao pensamento, domine o mundo material e espiritual» (l7). Por consequência, também a metodologia jurídica parte, nos seus postulados, da existência fundamental da unidade do Direito. Ela fá-Ia, por exemplo, com a regra (16) A ligação inseparável entre a natureza científica do Direito e a ideia do sistema foi acentuada, de forma expressa e repetida, sobretudo, por BINDER; cf., p. ex., Philosophie des Rechts, p. 838 s., 852 e já em Der Wissenschaftscharakter der Rechtswissenschaft, Kantstudien XXV (1921), p. 321 ss. (356). (17) Zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 28.
da «interpretação sistemática» (1") ou através da pesquisa de «princípios gerais de Direito», no campo da chamada analogia de Direito, colocando-se, com isso, em consonância com as doutrinas da hermenêutica geral; de facto, pertence a estas o chamado «cânon da unidade» ou da «globalidade», segundo o qual o intérprete deve pressupor e entender o seu objecto como um todo em si significativo, de existência assegurada (19). ..
No entanto, o concluir, sem mais, pela eXistên~aJ
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da unidade do Direito, a partir da natureza científica da jurisprudência ou do postulado metodológico do entendimento unitário, conduz a uma petitio principii. _ Pois o ser a jurisprudência uma Ciência suscita, logi- . camente, a questão prévia, inteiramente procedente, de saber se a aceitação desse carácter científico não será um erro, por inadequação do seu objecto; assim, os adversários do pensamento sistemático, em parte na sequência desse seu princípio básico, têm negado o carácter científico da jurisprudência (Z0), reconhe-
(18) Cf., quanto a esse tema, infra § 5, I 1, com mais indicações na nota 21. (19) Cf., por último, pormenorizadamente, BETTI, Allgel11eineAuslegungslehre aIs Methodik der Geisteswissenschaften, 1967, p. 219 8S., com amplas indicações. (20) Com particulares consequências, EHRLICH, Gundlegung der Soziologie des Rechts, 1913, p. 1 ss., 198 e passim; quanto à recusa de EHRLICH da ideia de unidade da ordem jurídica e quanto à sua crítica ao sistema, cf. Die juristische Logik, 2." ed., 1925, p. 121 ss. (em especial, p. 137) e p. 258 ss., respectivamente.
cendo-Ihe apenas h categoria de uma espécie de «arte ou de técnica». E o mesmo acontece com as regras da <
sobretudo e para além disso a hipótese do carácter científico e as máximas metodológicas conclusivas remetem para o auto-entendimento dos juristas (22), o qual constitui, pelo menos, um certo indício (23) para a estrutura do objecto da jurisprudência, a ordem jurídica (21); caso esta estivesse em grande oposição com os pressupostos e os postulados da metodologia, o jurista ou iria sofrer, no seu trabalho prático, um permanente fracasso ou não tomaria em conta as (22) Existe uma ligação estreita entre a metodologia de uma disciplina e a fenomenologia do entendimento (por último, cf., por todos, GADAMER, Wahrheit und Methode, 2." ed. 1965): a fenomenologia pode retirar da metodologia conclusões essenciais sobre a forma de entendimento nessa disciplina (conquanto as máximas da metodologia não surjam como puros postulados, mas antes sejam efectivamente observadas), e, inversamente, cada metodologia deve considerar as leis essenciais do entendimento humano, elaboradas pela fenomenologia, quando não queira expor-se a exigências incomportáveis. (2:1) Esta afirmação pode ser produzida mesmo sem um cmbrenhar na problemática gnoseológica da relação entre sujeito e obJecto. " (21) Cf., a este propósito, também DIEDERICHSEN, NJW 1966, p. 695, na nota 29, o qual, entre outras coisas, objecta contra as teses de VIEHWEGque «no mundo concreto das realidades» aparece «a sua disciplina, ao jurista, como um todo significativo e não como uma mistura de questões desconexas». Esta afirmação - que, aliás, não é inatacável, na sua generalidade - não assume também, naturalmente, força demonstrativa obrigatória; pois a «experiência de unidade» dos juristas, como facto meramente psicológico, não afirma nada de definitivo sobre a estrutura da ordem jurídica, nem, ao contrário da metodologia, nada sobre a forma de pensamento jurídico correcto.
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exigências da metbdologia ou ainda apenas aparentemente o faria, - ora nada disto pode ser afirmado da Ciência do Direito actual. Não obstante, este «indício» permanece bastante inseguro, não podendo falar-se de uma verificação obrigatória da hipótese. A ideia da ordem interior e da unidade carece, por isso, de uma confirmação que se deve fundamentar na própria estrutura do seu objecto, portanto na essência do Direito.
2.
Adequação e unidade como emanações e postulados da ideia de Direito
De facto, a demonstração não é difícil. A ordem interior e a unidade do Direito são bem mais do que pressupostos da natureza cienUfica da jurisprudência e do que postulados da metodologia; elas pertencem, antes, às mais fundamentais exigências ético-jurídicas e radicam, por fim, na própria ideia de Direito. Assim, a exigência de «ordem» resulta directamente do reGQnhecido postulado da justiça, de tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da sua diferença: tanto o legislador como o juiz estão adstritos a retomar «consequentemente» os valores encontrados, «pensando-os, até ao fim», em todas as consequências singulares e afastando-os apenas justificadamente, isto é, por razões materiais, - ou, por outras palavras: estão adstritos a proceder com adequação. Mas a adequação racional é, como foi dito, a característica da «ordem» no sen-
tido do conceito de sistema, e por isso a regra da adeq uação valorativa, retirada do princípio da igualdade, constitui a primeira indicação decisiva para a aplica(;ão do pensamento sistemático na Ciência do Direito, - o que, por exemplo, FL UME ("5), seguindo S.AVIGN~ ("6), certeiramente exprime quando caractenza o sIstema como «a consequência do Direito, interiormente pressuposta» ("7). _ De modo semelhante, também a característica da unidade tem a sua correspondência no Direito, embora a ideia da «unidade da ordem jurídica» pertença ao domínio seguro das considerações filosóficas ("8).
(25) e 296.
Allg. Teil des Bürgerl. Rechts, 2.° vaL, 1965, p. 295
(26) Ob. cit., p. 292. A referência a SAVIGNY não se reporta contudo, como se poderia retirar das considerações de FLUME, imediatamente ao sistema, mas sim à analogia; para o conceito de sistema de SAVIGNYcf. a citação supra na nota 6. (27) Em parte semelhantes também as obras citadas íntra, na nota 35. (28) É fundamental o escrito de ENGISCH de 1935, que tem o mesmo nome: Die Einheit der Rechtsordnung. Sobre este infeliz e relativamente pouco discutido problema cf., do mesmo autor, Einführung in das juristische Denken, 3." ed., 1964, p. 156 ss.; EHRLICH, Die juristische Logi.k, p. 121 ss., com uma panorâmica histórica desenvolvida; STAMMLER, Theorie der Rechtswissenschaft, p. 209 ss., 211 ss.; WENGLER, Betrachtungen
über den Zusammenhang der Rechtsnormen in der Rechtsordnung und die Verschiedenheit der Rechtsordnungen, em: Festschrift für Rudolf Laun, 1953, p. 719 ss.; LARENZ, Methodenlehre cit., p. 135, 353 5.; HANACK, Der Ausgleich divergierender Entscheidungen in der oberen Gerichtsbarkeit, 1962, p. 104 ss.
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Também esta não é, de modo algum, apenas um «postulado lógico-jurídico» (29), antes se reconduzindo, da mesma forma, ao princípio da igualdade. Por um lado ela constitui - nos seus, por assim dizer, componentes negativos - apenas de novo uma emanação do princípio da igualdade, enquanto procura garantir a ausência de contradições da ordem jurídica (o que já está abrangido pela ideia de adequação (30), e por outro - no seu componente positivo (31) - ela não representa mais do que a realização da «tendência generalizadora» da justiça (32), que exige a superação dos numerosos aspectos possivelmente relevantes no caso concreto, a favor de uns poucos princípios, abstractos e gerais (33). Através deste último, garan(29) Demasiado restrito, quanto a isso, HANACK, ob. cit., p. 107 (cf. também p. 104); trata-se, na verdade, em primeira linha, de um postulado axiológico. (30) Assim torna-se de novo clara a conexão estreita existente entre a qualidade de ordem e a da unidade. (31) A qual tem sido injustamente de5curada, até hoje, na literatura, perante o outro elemento, o da ausência de contradições. (32) Quanto a esta (e quanto à sua inversa, a tendência individualizadora) cf., por todos, HENKEL, Recht und IndividualiWt, 1958, p. 16 s., 44 S. e passim e Einführung in die Rechtsphilosophie, 1964, p. 345 s.; cf. também, por exemplo, SALOMON, Gundlegung zur Rechtsphilosophie, 2." ed., 1925, p. 147 5S.; RADBRUCH,Rechtsphilosophie, 5." ed., 1956, p. 170; CorNG, Grundzüge der Rechtsphilosophie, 1950, p. 114 s.; ENGISCH, Die Idee der Konkretisierung in Recht und Rechtswissenschaft unserer Zeit, 1953, p. 199 ss., com outras indicações; EMGE, Einführung in die Rechtsphilosophie, 1955, p. 174 S. (33) Ela não se coloca, aliás, autonomamente perante o princípio da igualdade, antes sendo, pelo contrário, conse-
te-se que a «ordem» do Direito não se dispersa numa multiplicidade de valores singulares desconexos, antes se deixando reconduzir a critérios gerais relativamente pouco numerosos (34); e com isso fica também demonstrada a efectividade da segunda característica do conceito de sistema, da unidade (35). quência dele; o puramente individual é, na sua unicidade essencial, sempre «incomparável»; ora a aplicação do princípio da igualdade pressupõe, pelo contrário, sempre uma certa abstracção e generalização que tornam possível uma «comparação»; assim a tendência generalizadora da justiça tem, de facto, a sua origem no princípio da igualdade. (34) Opõe-se-Ihe, naturalmente, a «tendência individualizadora»; esta não torna impossível a formação do sistema, apenas lhe apondo limites; cf., quanto a isso, infra § 6 III e § 7 II 2 b. (35) A conexão entre a ideia da adequação e sobretudo a da unidade do Direito e o sistema é muitas vezes salientada, ainda que, com frequência, de modo incidental; para além das citações feitas supra, notas 6 a 11, cfr. por exemplo, KRETSCHMAR,über die Methode der Privatrechtswissenschaft, 1914, p. 40 e 42 e JherJb. 67, 264 s., BAUMGARTEN,Die Wissenschaft vom Recht und ihre Methode, 1920, Bd. I, p. 298 e p. 344; SAUER, Methodenlehre, ob. cito p. 172; NAWJASKY,
Al!gemeine Rechtslehre aIs System der rechtlichen Grundbegriffe, 2." ed., 1948, p. 16 e 264; COING, Rechtsphilosophie, ob. cit., p. 276 ss. e JZ 1951, p. 485; ESSER, Gundsatz und Norm, ob. cit., p. 227 e passim; LARENZ, Festschrift für Nikisch, 1958, p. 299 s. e Methodenlehre, ob. cit., p. 133 s.; P. SCHNEIDER, VVdDStRL
20, p. 38;
RAISER, NJW
64, p. 1204; WIEACKER,
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2.a ed., 1967, p. 532; BETTI, Al!. Auslegungslehre, ob. cit., p. 223 s.; ZIPPELIUS, NJW 1967, p. 2230; MAYER-MALY, The lrish p. 375 (cf. também Festschrift p. 522).
Jurist, vaI. n, part 2, 1967, für Nipperdey, 1965, Bd. I,
Longe de ser uma aberração, como pretendem os críticos do pensamento sistemático, a ideia do sistema jurídico justifica-se a partir de um dos mais elevados valores do Direito, nomeadamente do princípio da justiça e das suas concretizações no princípio da igualdade e na tendência para a generalização (3"). Acontece ainda que outro valor supremo, a segurança jurídica, aponta na mesma direcção. Também ela pressiona, em todas as suas manifestações - seja como determinabilidade e previsibilidade do Direito, como estabilidade e continuidade da legislação e da jurisprudência ou simplesmente como praticabilidade da aplicação do Direito - para a formação de um sistema, pois todos esses postulados podem ser muito melhor prosseguidos através de um Direito adequadamente ordenado, dominado por poucos e alcançáveis princípios, portanto um Direito ordenado em sistema, do que por uma multiplicidade inabarcável de normas singulares desconexas e em demasiado fácil contradição umas com as outras. Assim, o pensamento sistemático radica, de facto, imediatamente, na ideia de Direito (como o conjunto dos valores jurídicos mais elevados). Ele é, por consequência, imanente a cada Direito positivo porque e na medida em que este represente uma sua concretização (numa forma historicamente determinada) e não se queda, por isso, como mero postulado, antes sendo sempre, também, pressuposição de todo o Direito e de todo o pensamento jurídico (36) e ainda que a adequação e a uni(36) Assim falou também SAVIGNY, na citação referida, da «consequência pressuposta do Direito».
dade também com frequência possam realizar-se de modo fragmentado (37). Assim se atingiu o objectivo fixado no início deste parágrafo: apurar-se um fenómeno jurídico, que constitui um ponto de contacto com um sistema no sentido da linguagem filosófica; por consequência, torna-se agora possível a tarefa de uma melhor detertninação do sistema jurídico. Esta pode, por seu turno, formar os princípios para uma mais exacta análise sobre o sentido e os limites do pensamento sistemático na Ciência do Direito e permitirá igualmente precisar e testar as afirmações agora feitas, na sequência ~ ,stUdO (38). O papel do conceito de sistema é, no entanto, como se volta a frisar, o de traduzir e reali( z. ar (39) a adequação valorativa e a unidade interior da
.. ordem jurídica.
('\7) Esta fragmentação não nega a possibilidade fundamental do sistema; apenas torna claro que são postos certos limites à sua formação plena (quanto a eles, cf. infra § 6). ('IR) As presentes considerações não são mais do que um primeiro esboço do problema do sistema que, na sequência, ;Iinda irá sofrer múltiplas modificações. ('\!I) Também para realizar; pois a unidade e a adequação rrito são apenas afirmadas, mas também sempre pretendidas, portanto não apenas pressuposição, mas também um postulado «'I'. sllpra nota 36 e infra § 5, IV, 2).
Ao atribuir-se, ao conceito de sistema jurídico, as tarefas acima caracterizadas, afastam-se, de antemão, da multitude dos conceitos desenvolvidos até hoje (1), todos aqueles que não estejam aptos a desenvolver a adequação interna e a unidade de uma ordem jurídica. Isso não implica necessariamente que eles falhem sem excepção ou que não possam ser utilizados, em nenhum domínio, para as tarefas da Ciência do Direito; mas a distinção tem ainda um certo valor, uma vez que a justificação de um conceito de sistema que não se apoie nas considerações realizadas no parágrafo anterior é, de antemão, limitada, expondo-se ainda à objecção de poder ignorar a essência do Direito.
Uma panorâmica encontra-se, por exemplo, em Zur Systematik der Verbrechenslehre, em: Frank. Festgabe I, 1930, p. 158 ss.; ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), (1)
){i\DllRUCH,
p.l77
SS.
I-
CONCEiTOS DE SISTEMA QUE NÃO SE JUSTIFICAM A PARTIR DAS IDEIAS DA ADEQUAÇÃO VALORATIVA E DA UNIDADE INTERNA DA ORDEM JURíDICA
A este propósito não releva, em primeiro lugar, o chamado sistema externo no sentido da conhecida terminologia de HECK(Z) que, no essencial, se reporta aos conceitos de ordem da lei; pois este não visa, ou não visa em primeira linha, descobrir a unidade de sentido interior do Direito, antes se destinando, na sua estrutura, a um agrupamento da matéria e à sua apresentação tão clara e abrangente quanto possíveL Com certeza que semelhante sistema não fica, com isso, despido de valor; pelo contrário: ele é de grande significado para que o Direito possa ser visto no seu conjunto e, com isso, para a praticabilidade da sua aplicação, bem como, mediatamente, também para a segurança jurídica, no sentido da previsibilidade da decisão. Mas isto não é o «sistema do Direito», no sentido de uma ordenação internamente conectada, embora possa muitas vezes, pelo menos em parte, fazer esse papel. .......•..
São também impróprios para traduzir a unidade interior e a adequação de uma ordem jurídica, todos os sistemas de «puros» conceitos fundamentais tal como STAMMLER (3), KELSEN(4) ou NAWIASKY (5) os desenvolveram. Trata-se, neles, de categorias puramente formais, que subjazem a qualquer ordem jurídica imaginável, ao passo que a unidade valorativa é sempre de tipo material e só pode realizar-se numa ordem jurídica historicamente determinada; sobre isso, porém, os sistemas de puros conceitos fundamentais, pela sua própria perspectivação, não querem nem podem dizer nada. Não obstante, dispensa qualquer enfoque que o afinamento do instrumentarium da Ciência jurídica, através do reconhecimento dos sempre pré-elaborados conceitos fundamentais apriorísticos, tem grande valor; no entanto, o carácter puramente formal e a generalidade destes conceitos e categorias deixam suficientemente claros os limites do seu valor para a elaboração científica do Direito, que existe sempre, apenas, numa determinada individualidade histórica. Assim, as questões que se consideram como típicas para a problemática da (3) Cf. sobretudo, a Theorie der Rechtswissenschaft, 1." ed., 1911, 2." ed., 1923 e o Lehrbuch der Rechtsphilosophie,
:1." ed., 1928. (1)
Cf. Begriffsbildung p. 139 ss. (142 s.). (2)
und Interessenjurisprudenz,
1932,
Cf., sobretudo, a Reine Rechtslehre, 2." ed., 1960.
(õ) Cf. a Allgemeine Rechtslehre lidwl1 Grundbegriffe, 2." ed., 1948.
aIs System der recht-
formação do sistema jurídico - em especial, as do significado do sistema para a obtenção do Direito, as da vinculação do legislador à ideia de sistema ou as do manuseamento das quebras no sistema - não se colocam, por acaso, sempre apenas a propósito de uma determinada ordem jurídica (6); e também quando se fala de «pensamento sistemático» - porventura em oposição ao pensamento problemático ou à tópicanão se tem em vista, habitualmente, um sistema de puros conceitos fundamentais, mas sim o do Direito positivo.
Um sistema lógico-formal (7) é igualmente inadequado para exprimir a unidade interior e a adequação de determinada ordem jurídica positiva. Não obstante, este ideal dominou por longo tempo a Ciência do Cf. também ENGISCH,ob. cit., p. 182. Para a determinação do conceito de «lógica formal», • sobre o qual poderia haver unanimidade alargada, cf. SCHOLZ, Abriss der Geschichte der Logik, 2." ed., 1959, p. 15. Segundo ele, deve entender-se, como lógica formal, a parte da Ciência que «formula, para a edificação de qualquer Ciência, as regras de conclusão e que, do mesmo modo, fornece tudo o que é necessário para a exacta formulação dessas regras». Sobre outros tipos de lógica e sobre a questão de saber se se pode falar, com sentido, de uma lógica não formal, cf. SCHOLZ, ob. cit., p. 1 e p. 5, respectivamente.
Direito alemã, tendo os partidários da chamada «jurisprudência dos conceitos» firmado como objectivo a elaboração de um sistema desse tipo (8). MAX WEBER caracterizou o conceito de sistema em causa, de modo certeiro, na sua Sociologia do Direito, da forma seguinte: «Segundo os nossos actuais hábitos de pensamento. ela' (sic, a sistematização) traduz: a concatenação de todas as proposições jurídicas, jhtidas ~r análise, de tal modo que elas formem, . entre si, um sistema de regras logicamente claro, em .--::-si logicamente livre de contradições e, sobretudo e.. -principalmente, sem lacunas. o Que requer: que todos os fact;; possam logicamet:lte snhsumjr-se numa das ~s normas. ou caso contrário, a sua ordem abdica ......-. ... .. .. ""==. d~rant~ ess.el1çial» (9). Nos bastidores desta cone pção· encont;a-se, manifestamente o conceito positivista de Ciência (10), elaborado tendo como ideais a Matemática e as Ciências da natureza. Assim pode o filósofo WUNDT dizer que a Ciência do Direito, por força do seu processo jurídico-conceptual, é «umaCiência eminentemente sistemática» e que, através
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(6)
(7)
Cf. por todos, a exposição de LARENZ,ob. cit., p. 17 ss. Cf. Wírtschaft und Gesellschaft, 4." ed. (promovida por JOHANNESWINCKELMANN),1956, 2.° tomo, p. 396 (os itálicos pertencem ao texto) - MAXWEBERcoloca-se aliás, em posição inteiramente crítica a esse tipo de Ciência do Direito; cf., sobretudo, p. 493 e p. 506 s. (10) Para essa influência na Ciência do Direito ci., em geral, LARENZ,Methodenlehre, p. 34 ss. (8) (9)
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do seu ({carActerestritamente lógico» cla é «em cert.
~J
Lmedida, comparável à Matemática» (11). Esta concepção da essência e dos objectivos da Ciência do Direito pode-se hoje, sem reserva, considerar como ultrapassada. De facto, a tentativa de conceber o sistema de determinada ordem jurídica (12) como lógico-formal ou axiomático-dedutivo está, de antemão, votada ao insucesso (13). Pois a unidade interna de sentido do Direito, que opera para o erguerem sistema, não corresponde a uma derivação da ideia de justiça de tipo lógico, mas antes de tipo valorativo ou axiológico. Quem poderia seriamente pretender que a regra de tratar o igual por igual e o
(11) Cf. Logik, vaI. m, 4." ed., 1921, p. 617 (mas cf. tam~ bém p. 595 s.): já essencialmente realista a respeito da viabilidade de um sistema lógico-fomal para a Ciência do Direito, SIGWART,Logik, 2.0 vaI., 2." ed., 1893, p. 736 ss. (12) Os sistemas dos «puros conceitos fundamentais», pelo contrário, por força da sua natureza puramente formal, poderiam satisfazer intBiramente as exigências de um sistema lógico-formal ou axiomático·dedutivo. (13) Do mesmo modo COING, Grundzüge der Rechtsphilosophie, p. 276 e Geschichte und Bedeutung des Systemgedankens, p. 27; VIEHWEG,ob. cit., p. 53 SS.; ENGISCH,Stud. Gen. 10 (1957), p. 173 ss. e 12 (1959), p. 86; ESSER, Grundsatz und Norm, 2." ed. (1964), p. 221; LARENZ, ob. cit., p. 134 s.; SIMITIS, Ratio 3 (1960), p. 76 ss.; EMGE, Philosophie der Rechtswissenschaft, 1961, p. 289 s.; BÃUMLIN, Staat, Recht und Geschichte, 1961, p. 27; PERELMANN,Justice et raison, 1963, p. 206 ss.; RAISER, NJW 1964, p. 1203 s.; FLUME, Allg. Teil des Bürgl. Rechts, 2.° vaI., 1965, p. 295 s.; DIEDERICHSEN, NJW 1966, p. 699 s.; ZIPPELIUS, NJW 1967, p. 2230; cf. também já SIGWART,ob. cit., p. 736 ss.
diferente de modo diferente, de acordo com a medida da diferença, pode ser acatada com os meios da lógica? Os valores estão, sem dúvida, fora do âmbito da lógica formal e, por consequência, a adequação de vários valores entre si e a sua conexão interna não se deixam exprimir logicamente, mas antes, apenas, axiológica ou teleologicamente (14). Pode, com isso, colocar-se a questão difícil de saber até onde está o Direito ligado às leis da lógica e até onde a ausência lógica de contradições da ordem jurídica pode ser incluída, como previsão mínima, na sua unidade valorativa (15); mesmo quando isso seja afirmado, é indubitável que uma eventual adequação lógico-formal das normas jurídicas singulares não implica a unidade de sentido especificamente jurídica de um ordenamento. Este carácter axiológico e teleológico da ordem jurídica implica que, comparativamente, os critérios lógico-formais tenham escasso significado para o pensamento jurídico e para a metodologia da Ciência do Direito (Ia). Na verdade, a Ciência do Direito, na
(14) No sentido amplo do termo, cf. infra, p. 41. (15) Cf. quanto a isso, também infra, p. 122 S. (16) Compreende-se que no domínio do tema aqui em discussão só seja possível uma caracterização do nosso próprio ponto de vista, devendo desistir-se de uma discussão alarga da com outras opiniões. Para o significado da lógica na Ciência do Direito cf., por exemplo; ENGISCH, Logische Studien zur Gesetzesanwendung, 1943 (3." ed. 1963), p. 3 ss. (em especial p. 5 s. e p. 13) e Aufgaben einer Logik und Methodik des juristischen Denkens, Stud. Gen. 12 (1959), p. 76 SS.; KLUG,
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~~edida em que aspire à cientificidade ou, pelo meno; à adequação racional dos seus argumentos, está evidentemente adstrita às leis da lógica (17); contudo essa ligação não é condição necessária nem suficiente para um pensamento jurídico correcto (18); mais ainda: . os pensamentos jurídicos verdadeiramente decisivos ocorrem fora do âmbito da lógica formal (19). Assim sucede com o que é a essência do Direito, com o
esclarecido dos valores, pensando-os até ao fim e, a concluir, num último estádio, executando-os. Mas para estas tarefas, a lógica só assume o significado de um «quadro» (Z0), enquanto o «entender» ou a «valoração» não se podem, no essencial, alcançar através dela, - tão pouco como o «entender» um outro quadro significativo do espírito como, por exemplo, uma obra artística literária ou um textC? eológica. A hermenêutica como doutrina do entendiD mento correcto e os critérios para a objectivação dos . valores desempenham, aliás, em vez dele, o papel ecisivo dentro do pensamento jurídico (Z'). -. Tal resulta, sem excepção, de todas as formas de conclusão jurídica. Assim, na chamada subsunção, apenas a obtenção das premissas é decisiva: quando a «premissa maior» e a «premissa menor» sejam suficientemente concretizadas e ordenadas entre si - e para isso a lógica formal não é essencial - está concluída a tarefa própria dos juristas; a conclusão final surge agora, por assim dizer, de modo automático (22), e até este último acto, a «subsunção» (23),
G
(20) Assim a sugestiva expressão de ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 176, col. 1; concordando, também, SIMITIS,ob. cit., p. 78, nota 134; mas cf. também KRAFT,Die Grundlagen einer wissenschaftlichen Wertlehre, 1951, p. 214 ss., 260 ss. (21) Cf., quanto a isso, também infra § 2 II 1 e § 7 II 1. (22) Não apenas psicológica, mas também metodologicamente falando; cf. também supra nota 19. (23) Quanto à questão de se é de reter o conceito mais lato de subsunção, aqui utilizado, ou antes o que se limita a um puro processo lógico-formal cf., por um lado, ENGISCH,
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(~ãO é, de modo algum, apenas de tipo lógico-formal, antes surgindo, numa parte essencial, ainda que fre'-..quentemente não explícita, numa ordenação valorativa (24). Por conseguinte, não aparecem praticamente, na Ciência do Direito, complicadas cadeias lógicas de derivação (24a). E por conseguinte também, todas as conclusões lógicas pretensamente adstringentes deixam-se muito facílmente desmascarar como lógica aparente, porque o erro reside nas premissas e a lógica se comporta, perante elas, de modo neutro. Assim, para recorrer a dois conhecidos exemplos, não é de modo algum lógico que um contrato nulo não possa ser impugnado ou que na aquisição a non domino pelo adquirente de boa fé o (outrora) não-titular deva adquirir o direito, em detrimento do (outrora) verdadeiro titular; tudo isto resulta da formação da premissa maior e, sobre isso, apenas decidem pontos de vista teleológicos (*).
I
o mesmo sucede, em medida ainda mais forte, para os restantes «processos de conclusão» jurídicos, como a analogia, a redução teleológica, o argumentum e contrario, o argumentum a fortiori
e o argumentum
Na verdade, KLUG representou estes processos de argumentação recorrendo aos meios da lógica moderna (25), mas é duvidoso que, com isso, se tenha ganho algo de essencial para o trabalho jurídico. De facto, o elemento decisivo de todos estes ocessos não é, sem excepção, de natureza lógica mas antes de natureza teleológica ou axiológica, enquanto que a sua justificação metodológica não se deixa alcançar com os meios da lógica, mas sim apenas através da sua recondução ao valor da justiça e ao princípio da igualdade, nela compreendido (positiva ou negativamente) (26). Quando a investigação ad absurdum.
tabular do artigo 17.°/1 do Código do Registo Predial e o caso particular do artigo 291. do Código Civil; nestes casos, joga perfeitamente a afirmação feita, no texto, por CANARIS. (25) Cf. ob. cit., p. 97 sS., 124 sS., 132 s.; cf., também, SCHREIBER, Logik des Rechts, 1962, p. 47 ss., que considera o referido processo inteiramente inadmissível para as regras de conclusão, assim como, em especial para a analogia, HELLER, 0
Einführung
in das juristische
Denken, 3.' ed., 1964, p. 199,
nota 47, com outras citações e, por outro, LARENZ,ob. cit., p. 210, nota 1. (24) Para a problemática da subsunção cf., por todos, ENGISCH, ob. cit., p. 54 ss. com indicações; I LARENZ,ob. cit., p. 210 sS.; cf., também, SIGWART, ob. cit., p. 737 S. (24") Certo, VIEHWEG, ob. cit., p. 71, e passim. (*) Nota do tradutor: no Direito alemão, tal como no francês mas ao contrário do português vigora, nos móveis, a regra «posse vale título»: a pessoa que, de boa fé, adquira um móvel e obtenha a sua posse, torna-se proprietária mesmo quando o alienante não fosse o seu titular legítimo; assim, só é possível, em Portugal, documentar hipóteses de aquisição a non domino através das regras do registo predial: a aquisição
Logik
und Axiologie
der analogen Rechtsanwendung,
1961,
p. 10 sS., 24 ss. e 44 ss. (26) Para a analogia cf., por exemplo, COING,Grundzüge der Rechtsphilosophie, ob. cit., p. 270; LARENZ, ob. cit., p. 283, 288 e 296, assim como as citações feitas em CANARIS,Die Feststellung von Lücken, ob. cit., p. 72, nota 47; para a reducão teleológica, LARENZ,ob. cit., 296; para o argumentum a tortiOl'i e o argumentum e contrario, CANARIS, ob. cit., p. 78 e p. 45, respectivamente; para o argumentum ad absurdum, não é diferente; em sentido próprio só se pode, com ele, signi-
de KLUG sobre a estrutura lógica da analogia termina com a afirmação - indiscutível - de que a resposta à questão, «tão essencial na prática» (poder-se-ia bem dizer: apenas essencial na prática) da admissibilidade de determinada analogia não se obtém com os meios da lógica, mas antes depende da definição do respectivo «círculo de semelhança», o qual só é possível de acordo com critérios teleológicos (27), então resulta muito claro quão pouco a lógica formal (na sua forma «clássica» ou «moderna») pode oferecer à Ciência do Direito. O essencial fica resolvido assim que o «círculo de semelhança» esteja determinado, tal como ocorre na chamada subsunção (28); o resto funciona, por assim dizer, automaticamente, por si (22). Ou que problema metodológico haveria ainda que enfrentar quando, por exemplo, se tivesse determinado que a ratia legis do § 463/2 do BGB reside no aproveitaficar que uma determinada consideração conduz ao «puro arbítrio» ou que ela iria levar a um resultado em crassa contradição com outros valores da lei, isto é, com o princípio da igualdade ou, numa utilização não puramente negativa do argumento (meramente contraditante), mas antes positiva (fundamentadora de um determinado resultado): que qualquer outro que não o resultado proposto conduziria ao «puro arbítrio» ou a uma crassa contradição de valores: também aqui o poder convincente seria aferido não perante o valor da verdade, mas sim em face do da justiça. (27) Cf. ob. cit., p. 123; para o argumentum a fortiori cf. p. 137 e para o argumentum ad absurdum cf. p. 138. (28) Cf. também as críticas às considerações de KLUG em li>IMITIS, ob. cit., p. 66 ss.
mento doloso de um erro do comprador sobre a omissão de um vício mas também, «do mesmo modo», perante a simulação de uma qualidade favorável? (*) Outro tanto se pode considerar para todas as outras «fórmulas de conclusão»: quando se tenha determinado qual a ratia de uma disposição e porque razão ela não se «adapta» a determinado facto excepcional, porque razão um valor «já conhecido» «respeita» a um caso não expressamente regulado ou porque razão um facto é valorativamente tão diferente de outro que a consequência jurídica não pode ser a mesma (29), já se decidiu, respectivamente, estar-se perante uma redução teleológica, um argumentum a fartiori ou uma conclusão e contrario. Tudo conduz pois ao mesmo resultado: a descoberta e a afinação das premissas constitui a tarefa jurídica decisiva, enquanto, pelo contrário, a formulação de conclusões lógico-formais é de significado muito menor; nelas nunca poderia ser incluído o «terceiro grau» da argumentação jurídica, isto é a obtenção do Direito com o auxílio de princípios jurídicos gerais, da natureza das coisas, etc., onde o que se disse vale, natural-
(*) Nota do tradutor: diz o § 463 do BGB: (1) Quando, no momento da venda, falte à coisa vendida uma qualidade assegurada, pode o comprador, em vez da resolução ou da redução do preço, exigir uma indemnização pelo inconveniente. (2) Vigora o mesmo regime quando o comprador tenha, dolosamente, calado um vício. (29) Para a limitação do argumentum e contrario a este caso e para a sua distinção da proibição da analogia, cf. CANARIS, ob. cit., p. 44 ss. (46 5.).
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de KLUG sobre a estrutura lógica da analogia termina com a afirmação - indiscutível - de que a resposta à questão, «tão essencial na prática» (poder-se-ia bem dizer: apenas essencial na prática) da admissibilidade de determinada analogia não se obtém com os meios da lógica, mas antes depende da definição do respectivo «círculo de semelhança», o qual só é possível de acordo com critérios teleológicos (27), então resulta muito claro quão pouco a lógica formal (na sua forma «clássica» ou «moderna») pode oferecer à Ciência do Direito. O essencial fica resolvido assim que o «círculo de semelhança» esteja determinado, tal como ocorre na chamada subsunção (28); o resto funciona, por assim dizer, automaticamente, por si (22). Ou que problema metodológico haveria ainda que enfrentar quando, por exemplo, se tivesse determinado que a ratio legis do § 463/2 do BGB reside no aproveitaficar que uma determinada consideração conduz ao «puro arbítrio» ou que ela iria levar a um resultado em crassa contradição com outros valores da lei, isto é, com o princípio da igualdade ou, numa utilização não puramente negativa do argumento (meramente contraditante), mas antes positiva (fundamentadora de um determinado resultado): que qualquer outro que não o resultado proposto conduziria ao «puro arbítrio» ou a uma craS3a contradição de valores: também aqui o poder convincente seria aferido não perante o valor da verdade, mas sim em face do da justiça. (27) Cf. ob. cit., p. 123; para o argumentum a fortiori cf. p. 137 e para o argumentum ad absurdum cf. p. 138. (28) Cf. também as críticas às considerações de KLUG em SIMITIS, ob. cit., p. 66 S5.
mento doloso de um erro do comprador sobre a omissão de um vício mas também, «do mesmo modo», perante a simulação de uma qualidade favorável? (*) Outro tanto se pode considerar para todas as outras «fórmulas de conclusão»: quando se tenha determinado qual a ratio de uma disposição e porque razão ela não se «adapta» a determinado facto excepcional, porque razão um valor «já conhecido» «respeita» a um caso não expressamente regulado ou porque razão um facto é valorativamente tão diferente de outro que a consequência jurídica não pode ser a mesma (29), já se decidiu, respectivamente, estar-se perante uma redução teleológica, um argumentum a fortiori ou uma conclusão e contrario. Tudo conduz pois ao mesmo resultado: a descoberta e a afinação das premissas constitui a tarefa jurídica decisiva, enquanto, pelo contrário, a formulação de conclusões lógico-formais é de significado muito menor; nelas nunca poderia ser incluído o «terceiro grau» da argumentação jurídica, isto é a obtenção do Direito com o auxílio de princípios jurídicos gerais, da natureza das coisas, etc., onde o que se disse vale, natural(*) Nota do tradutor: diz o § 463 do BGB: (1) Quando, no momento da venda, falte à coisa vendida uma qualidade assegurada, pode o comprador, em vez da resolução ou da redução do preço, exigir uma indemnização pelo inconveniente. (2) Vigora o mesmo regime quando o comprador tenha, dolosamente, calado um vício. (29) Para a limitação do argumentum e contrario a este caso e para a sua distinção da proibição da analogia, cf. CANARIS, ob. cit., p. 44 ss. (46 5.).
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mente, em medida ainda maior. Por consequência, hoje não mais se pode pôr em dúvida que um sistema lógico-formal não sirva, de alguma maneira, nem a essência do Direito, nem as tarefas especificas do jurista. b)
O sistema logística
axiomático-dedutivo
no sentido
da
A recusa de um sistema lógico-formal conduz, consequentemente, também à recusa de um sistema axiomático-dedutivo (30). Este pressupõe que todas as proposições válidas dentro de um determinado âmbito material se deixem deduzir de axiomas, através de uma dedução puramente lógico-formal (31). Porque isso, como acima foi dito, é inconciliável com a essência da Ciência do Direito, o método axiomático-dedutivo exclui-se, desde logo, contra a opinião de (30) Para o sistema axiomático-dedutivo d., por tod , HILBERT-AcKERMANN, Grundzüge der theoretischen Logik, 3." edo, 1949, p. 31 ss. e p. 74 SS.; FRAENKEL,Einführung in die Mengenlehre, 3." ed., 1928, p. 268 ss. e, sobretudo, p. 334 SS.; CARNAP,Abriss der Logistik, 1929, p. 70 s. e Einführung in die symbolische Logik, 1954, p. 146 ss.; uma panorâmica curta e fácil encontra-se em BOCHENSKI,Die zeitgeni5ssischen Denkmethoden, 1954, p. 85 s. e em POPPER, Logik der Forschu~ 1966, p. 413. .
(31)
Cf. FRAENKEL,ob. cit., p. 334 e p. 347; CARNAP, Logik cit., p. 147; d., ainda, por exemplo, HARLEN, ARSP 39 (1951) p. 478 5.; VIEHWEG,ob. cit., p. 55; ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957) p. 174, cal. 1 e 12 (1959), p. 86, coI. 2; KLUG, ob. cit., p. 181; BULYGIN,ARSP 53 (1957), p. 329 s. Symbolische
KLUG (32), do nosso campo (33). Mas a confecção de um sistema axiomático-dedutivo do Direito aparece excluída também por outras razões. Deve, designadamente, questionar-se que seja possível uma formação plena de axiomas, na Ciência do Direito. Para tal formação, seria necessário, como é reconhecido, reunir pelo menos duas (34) exigências: a da ausência de
(32) Este exige a axiomatização do Direito; d. ob. cit., p. 172 55. (cf. também KRAFT,ob. cit., p. 263; HARLEN,ob. cit., p.477 55.). Poder-se-ia, a isso, objectar que KLUG vê bem os limites da lógica na jurisprudência e que ele acentua expressamente o significado do elemento teleológico (do, por exemplo, p. 123, 137, 138 e 176 ss.); tal não seria, porém, exacto pois KLUG pretende proscrever expressamente o elemento teleológico do processo de conclusão, mantendo-o na formação das premissas, não determináveis logicamente (a esse propósito a crítica de DIEDERICHSEN,NJW 66, p. 700, nota 40, ao ent~ndimento de RAISER da afirmação de KLUG, em minha opinião, não procede); ele não pode, porém, ser seguido nesse ponto, por força de integração, em cada «conclusão» jurídica, de um elemento da ordenação valorativa. (33) Isso corresponde à opinião dominante; d. as indicações dadas supra, nota 13. (34) Além disso, é requerida ainda, muitas vezes, a
contradições (35) e a da plenitude (36); ora se a viabilidade da primeira é, desde logo, extraordinariamente problemática, a da segunda é de recusar, sem objecções. No que respeita, em primeiro lugar, à ausência de contradições, é seguro, como geralmente se reconhece, que se deve negar uma contradição entre duas normas, em todas as circunstâncias, tendo a metodo, logia jurídica desenvolvido um instrumentarium que, em caso extremo através da aceitação de uma ,,' «lacuna de colisão» (37), o possibilite (38). Contudo, , isso só funciona para verdadeiras contradições de normas, enquanto que as contradições de valores e de princípios não se deixam evitar sem excepções (S9); por consequência, o postulado da ausência de contradições só se alcança num sistema de normas e não, também, num sistema de valores ou de princípios. Esta objecção não deve ser tomada com ligeireza
' j~
(35) Cf. HILBERT-AcKERMANN, ob. cit., p. 31 So e 74 ss.; FRAENKEL, ob. cit., p. 356 ss.; CARNAP, Abriss, ob. cit., p. 70 s. e Symbolische Logik, p. 148 s.; LEINFELLNER, Struktur und Aufbau wissenschaftlicher Theorien, 1965, p. 208; HÃRLEN, ob. cito, p. 477; ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 174; KWG, ob. cito, p. 176; BULYGIN, ob. cit., p. 330. ('36) Cf. HILBERT-AcKERMANN,ob. cito, p. 31 e 33 ss. (35); FRAENKEL,obo cit., p. 347 ss.; CARNAP, Abriss, ob. cit., p. 70 s. e Symbolische Logik, ob. cit., p. 149 (cf. também p. 147); HÃRLEN, ob. cit., p. 477 So; ENGISCH,ob. cit., p. 330. (37) Cf., quanto a isso, infra § 6 I 4 a. (38) Cf., quanto a isso, por todos, ENGLISCH, Einheit cit., p. 46 ss. e Einführung cit., p. 158 S. (39) Cf., quanto a isso, infra § 6 l, em especial po 119 S8., 126 ss. e 130 s.
porque o sistema, devendo exprimir a unidade aglutinadora das normas singulares não pode, pelo que lhe toca, consistir apenas em normas; antes deve apoiar-se nos valores que existam por detrás delas ou que nelas estejam compreendidos (40) Além disso, num sistema de normas, a ausência de contradições só se deixaria alcançar quando, para além das normas básicas, todas as excepções que as limitam fossem elevadas à categoria de axiomas; ora estes podem ser tão numerosos que nos devemos interrogar se, na realidade, não se trataria de uma axiomatização aparente; é, de facto, mais do que questionável se proposições como «os negócios são consensuais salvo quando a lei comporte uma prescrição de forma» ou «os contratos devem ser acatados, a menos que a lei conceda uma justificação ou uma excepção» possam ser consideradas, propriamente, como axiomas ('11). Acrescente-se ainda que as excepções muitas vezes surgem «não-escritas» e, em certas circunstâncias, só podem ser obtidas atravm' da «interpretação criativa do Direito»; então torna-sD totalmente claro que dificuldades levanta o postulado da ausência de contradições. _ A realização da segunda característica, da plenitude, é, no entanto, totalmente impossível (42). Sob ela é de entender, segundo HILBERT-AcKERMANN (no o
-
Cf. infra, p. 48 S. Cf. também ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 176. (42) A crítica à possibilidade de um sistema jurídico nxiomático-dedutivo não tem ponderado suficientemente, na minha opinião, esta característica. (40) (41)
mínimo) (43), «que todas as formas correctas, dentro do âmbito a caracterizar, se deixam retirar do sistema de axiomas» (41). Aceitando-se, com isto, que nenhumas proposições com conteúdo material autónomo possam ser introduzidas fora dos axiomas, antes devendo resultar todos os «teoremas» de puras operações lógico-formais (45), então, em consequência, o postulado da plenitude iria exigir, não só que as normas fundamentais de uma lei, com as suas excepções, mas também todos os preceitos (escritos e não escri·fos!) devessem ser elevados à categoria de axiomas. De facto, quase todas as disposições legais têm um \ conteúdo material autónomo e modificam ou concre...~. tizam as decisões jurídicas fundamentais numa ou /\ noutra direcção; de outro modo, elas seriam supér"\ fluas o que, mesmo em leis mal elaboradas, Só de poucas normas é possível dizer. Não há regras rígidas v a propósito do número de axiomas que podem constituir um sistema axiomático; não obstante, tal número não é, por seu turno, indiferente (46); ele deveria, em qualquer caso, ser essencialmente menor do que o número dos «teoremas» dele derivados. Através da combinação de proposições jurídicas singulares entre si, só é possível formular relativamente
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(43) Ainda mais estreitamente falam HILBERT-AcKERMANN da plenitude dos axiomas «quando pela introdução no sistema de fõrmulas básicas, de uma fõrmula até então não derivável surja sempre uma contradição» (cf. ob. cit., p. 35). ' (44) Cf. ob. cit., p. 35. (45) Cf. supra, na nota 31. (46) Cf. também ENGISCH,Stud. Gen. 12 (1959), p. 86 e a conversa aí relatada com KLUG.
poucas proposições novas, mesmo quando se incluam as «premissas maiores», concretas antes elaboradas para a solução de um determinado caso concreto (47). Talvez ainda se possa reconduzir esta objecção a uma questão de terminologia; há, no entanto, uma segunda objecção procedente. Se, conforme o requerido, todas as proposições de uma ordem jurídica se deixassem retirar de axiomas, então também as proposições jurídicas destinadas à integração de lacunas se deveriam compreender neles. Mas isso pressuporia que aquelas fossem, sem excepção, imanentes, ao Direito positivo - do qual se desenvolveram os axiomas! - o que só sucede por pura casualidade, de tal modo que se pode ter como excluído. De facto, há um determinado tipo de lacunas, no qual a incompleitude da lei resulta indubitável, no campo do Direito vigente: com a simples determinação dessas lacunas, não se progride um mínimo quanto às possibilidades da sua integração (48) e aí, em certas circunstâncias, o conjunto da restante ordem jurídica não compreende qualquer indicação para as colmatar; o exemplo clássico é a falta de uma prescrição sobre o estatuto das obrigações no Direito internacional privado. Pois a axiomatização do Direito pressuporia aí que, para todos os casos de lacunas, houvesse, na ordem jurí(47) Questão contudo diferente é a de que, com auxílio destas proposições, possa ser possível resolver um número infinito de «casos da vida». (48) Cf. CANARIS,Die Feststellung von Lücken, ob. cit., p. 144 ss. onde o correspondente tipo de lacuna é caracterizado como «lacuna de ordenação» ou «de recusa do Direito».
dica, uma valºrização integrativa; ela resultaria do postulado da compleitude teleológica do Direito' ora não se contradita apenas, sem objecção, a teoria da compleitude lógica; também a compleitude teleológica é pura utopia (49). Em estreita conexão com esta crítica está, finalmente, o facto de a lei compreender uma porção de cláusulas gerais «carecidas de preenchimento com valorações», tais como a boa fé, os bons costumes, a exigibilidade, o cuidado necessário no tráfego, etc. Nestas, a concretização da valoração e a formação de proposições jurídicas só podem operar perante o caso concreto ou em face de grupos de casos considerados como típicos; semelhantes normas são, assim, de antemão, de dogmatização inviável. Acresce ainda que a passagem de tais cláusulas carecidas de preenchimento com valorações para as demais disposições é inteiramente fluida podendo mesmo dizer-se que todas as determinaçõe~ da lei carecem, numa ou noutra direcção, de concretização valorativa. Estas complexidade e variabilidade de sentido opõe-se, em última análise, sempre à axiomatização. A confecção de um sistema axiomático-dedutivo não é, assim, possível (50) e contradiz a essência do Direito. Semelhante tentativa decorre, tal como, sobretudo, as considerações sobre a necessidade da «plenitude» dos axiomas deixaram claro, da utopia de que, dentro de determinada ordem jurídica, todas as deci(49) (50)
Cf. CANARIS, ob. cit., p. 173. Bem como as citações supra, nota 13.
sões de valor necessárias se deixam formular definitivamente - decorre, portanto, de um pré-julgamento tipicamente positivista (51), que hoje pode considerar-se como definitivamente rejeitado.
a)
O conceito
de sistema
de MAX
SALüMON
Como que do lado oposto, surge a tentativa de conceber o sistema como uma conexão de problemas. Tal foi o empreendimento de MAX SALOMON (52) e como essa concepção tem hoje, sem dúvida, de novo uma actualidade especial, vai, de seguida, tratar-se dela mais de perto. O ponto de partida de SALOMONfoi o objectivo de fundamentar o carácter científico da jurisprudência. Mas na sua opinião só pode ser considerado como Ciência o empreendimento dirigido a um objecto permanente (53). Nesse ponto, a jurisprudência falha, enquanto se ocupa de uma determinada ordem jurídica histórica, - e com isso SALOMON, inelutavelmente fascinado pela célebre conferência de VONKIRSCHMANN sobre «A ausência de valor
r Com isso a censura do positivismo, contra a qual!" KLUG, ob. cit., p. 173 s. se tinha precavido, procede inteiramente! (52) Grundlegung zur Rechtsphilosophie, 2." ed., 1925, em especial p. 26 S8. e 54 ss.; concordando, BURCKHARDT, Methoden und System des Rechts, 1936, p. 131, nota 24. (53) Cf. ob. cit., p. 11 SS. e 18 ss. (21). (51)
da jurisprudência como Ciência», fica expressamente ligado (54) ao lema proferido: «Três palavras adequadas do legislâdor e bibliotecas inteiras tornam-se em papel de embrulho» (55). Como saída, SALOMON vê apenas a ocupação com os problemas (permanente) e não, pelo contrário, com as suas soluções (não permanentes). Retira-se, assim, sem mais, o que até hoje se chamava Ciência do Direito, do círculo das Ciências (50), ficando apenas, como objecto da verdadeira Ciência do Direito, a formação do «sistema dos pro-blemas da legislação possível» (57) . Fica claro, à primeira vista, que semelhante sistema de problemas e das suas conexões é inadequado para traduzir a unidade interior e a adequação da ordem jurídica. Pois o Direito não é um somatório de problemas, mas antes um somatório (58) de soluções de problemas; por isso a sua unidade de sentido também só pode ser encontrada nesses pontos de vista de base e não em questões isoladas. O conceito de sistema de SALOMON também não é, por isso, capaz de contribuir para o esclarecimento do tema colocado na presente investigação. (54) Die Wertlosigkeit der Jurisprudenz ais Wissenschaft, 1848, p. 17. (55) Cf. ab. cit., p. 13 e p. 21. (56) Também é esta a opinião de SALOMON;cf., por exemplo, p. 24, 54 ss., 63 e passim. (57) Cf. p. 54 ss., 67. (58) Somatário não de entender-se como mera adição, mas antes como conjunção de sentido,
Para além disso, deve também questionar-se que seja possível o desenvolvimento de um sistema de problemas (59); um tal «sistema» seria, antes, uma contradição em si. Falta-lhe, necessariamente a unidade indispensável para o conceito de sistema, a conexão interna (00). Os problemas, como tais, não são mais do que questões isoladas, que se podem escolher arbitrariamente e que, por isso, para poderem integrar uma relação sistemática, carecem de um elemento instigador de sentido e de unidade, que só pode existir fora deles próprios. Assim, logo o pr:meiro problema imaginávela questão das tarefas de uma ordem jurídica - requer que, de certo modo, se saiba ou se pressuponha o que é o Direito; o perguntar sem ',,'qualquer pressuposição é impossível, porque a colocação de uma pergunta implica sempre, em si, um certo ( «ponto de vista». Isto sucede em todos os graus da ,/ conexão de questões. Assim, a problemática da auto\ nomia privada e do negócio jurídico só se põe quando . a questão prévia da ordem das relações humanas tenha sido respondida em certo sentido, designadamente a favor da criação de um Direito privado (01); só esta resposta coloca novas questões como, por exemplo, a da necessidade de forma para os actos de (09) Cf., quanto ao que segue, a óptima crítica de BINDER, Kantstudien 25 (1921), p. 321 ss. (00) A opinião contrária de SALOMON,ob. cit., p. 58 ss. é uma mera afirmação. (01) Cf., quanto a isso, F. V. HIPPEL, Das Problem der
rechtsgeschiiftlichen
Privatautonomie,
1936.
autonomia privada, a do tratamento das perturbações, como os erros, e a dos limites da autonomia privada; só que das suas respostas surgem novas sub-questões como, por exemplo: a partir da necessidade de princípio de forma obrigatória, o problema de excepções eventuais e a sua diferenciação plena e, aí, de novo o do tipo de forma a observar e a sua diferenciação; a partir da consideração de princípio dos erros, o problema da determinação dos erros relevantes, da alegabilidade do erro e da indemnização do dano da confiança da contra parte; a partir da afirmação de princípio dos limites da autonomia privada, o problema da sua determinação, seja através de normas estritas, como no § 134 BGB, seja através de regras flexíveis, como no § 138 BGB, cuja formulação pode ainda, em cada caso, ser de tipo positivo ou do negativo (escolhido, e bem, pelo § 138) (G2), etc., etc. Tudo isto não permite contestar a impossibilidade de um puro sistema de problemas. Possível é apenas projectar uma conexão de pergunta e resposta, de nova pergunta (daí emergente) e de nova resposta, etc. O objectivo de uma Ciência que não queira limitar-se a um determinado Direito positivo deveria ser a elaboração das soluções dos problemas então possíveis, cujo número é, aliás, limitado, das subquestões daí resultantes e das possíveis subrespostas, bem como, a propósito das subrespostas, da limitação na possi-
(62) Não se deve, pois, determinar que o negócio jurídico corresponde aos bons costumes, mas sim que ele não os contradiz.
bilidade de escolha, sempre resultante da resposta às questões prévias; contra o carácter científico de um tal empreendimento não se podem, por certo, alegar as objecções de SALOMON (63).
A muito discutida (64) pesquisa de FRITZ VON sobre a construção do sistema jurídico é aparentada com as ideias de SALOMON (05). Este preoHIPPEL
(63) Elas também não procedem, aliás, contra uma Ciência do Direito que se ocupe de uma determinada ordem jurídica, desde que se veja o Direito legislado como uma das possíveis soluções do problema «perpétuo» da justiça, sob as exigências de uma situação histórica concreta. Por isso também a afirmação de VONKIRCHMANN àcerca das bibliotecas que se tornariam papel de embrulho é improcedente; toda a história do Direito privado e, em especial, o surgimento do BGB, que seria impensável sem os trabalhos preparatórios da Ciência, são a melhor refutação. As ideias desenvolvidas pela Ciência do Direito não ficariam, de modo algum, sem valor, «através de um risco do legislador», antes sendo, no desenvolvimento do Direito (em sentido hegeliano) ou «suprimidos» ou «enriquecidos», como que esperando a existência «perpétua» de possíveis soluções de problemas. Que as obras que contenham estas ideias envelheçam, passa-se também com todos os trabalhos científicos; e de outra maneira todo o progresso científico seria impensável. (64) Cf. VIEHWEG, ob. cit., p. 66 ss.; EssER,Grundsatz und Norm cit., p. 5 s.; ENGISCH,Stud. Gen. 10 (1957), p. 179, DIEDERICHSEN, NJW 1966, p. 699. (65) Cf. Zur Gesetzmassigkeit juristischer Systembildung, 1930; citado segundo F. V. HIPPEL, Rechtstheorie und Rechtsdogmatik, 1964, p. 13 ss.
cupou-se em descobrir a «conexão imanente de problemas» necessariamente consubstanciada com o reconhecimento da autonomia privada e desenvolveu, com base nesse exemplo, ideias gerais sobre a construção do sistema. No âmago da sua concepção coloca-se o significado daquela «conexão imanente de problemas»; diz ele: «conheçamo-Io e conheceremos a sistemática jurídico-privada» (66). Não havendo aqui um equívoco, fica a ideia de que VON HIPPEL vê o sistema, tal como SALOMON, exclusivamente na conexão de problemas. Assim entendeu de facto VIEHWEG as suas explicações, tendo-as resumido do seguinte modo: «Com isso, tal conexão imanente de problemas forma a procurada sistemática jurídico-privada»; a sua especialidade está em que ela não é mais procurada «do lado do Direito positivo», antes lhe «correspondendo», «manifestando-se como que uma estrutura de perguntas» (67). Um tal «sistema» ma expor-se a todas as objecções que acima foram feitas contra SALOMON e, na verdade, nem poderia aspirar ao nome de sistema. É, contudo, duvidoso que VIEHWEG tenha, efectivamente, entendido bem VON HIPPEL (68). De facto este não deixa, de forma alguma, o lado da resposta, fora
(66) Cf. ob. cit., p. 19. (67) Db. cit., p. 67. (68) Isso contesta DIEDERICHSEN,ob. e loc. cito De facto, não basta para tanto, a mera referência à intenção de VON HIPPEL de construir um sistema, pois esta poderia relacionar-se eom um mal-entendido na ideia de sistema; no entanto a natu-
de causa; antes prossegue, no local citado (69): «Nós podemos, daqui em diante, ordenar a massa de conhecimentos singulares jurídico-privados como respostas históricas a questões permanentes de uma determinada conexão de problemas ... ». VON HIPPEL também acentua, com bastante clareza, que esta conexão de problemas não resulta, de modo algum, a priori, mas apenas na base de determinada resposta, designadamente da decisão a favor da autonomia privada. A conexão inseparável da resposta com o problema e i" da nova resposta com o novo problema é, para VON . HIPPEL, totalmente consciente. Ele també~ não ~i.sse que a conexão de problemas «forma» a slstematlCa, sendo pois, como lhe atribui VIEHWEG, a ela idêntica, mas apenas que nós podemos «conhecer» a sistemá'\ tica, porque nós podemos agora ordenar as diferentes soluções. , Todavia, mantém-se assim uma certa impressão discrepante, mesmo quando se tem em conta que
j
I
ralidade com que VON HJPPEL fundamentou a ideia de sistema devia levar VIEHWEGa duvidar da justeza da sua interpretação; como VIEHWEGe contra DIEDERICHSEN,agora também WIEACKER, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2." ed., 1967, p. 597, nota 48 (*). «W) Deve salientar-se que ambas as proposições estão ligadas por dois pontos, que deixam clara a sua estreita ligação interior. (*) Nota do tradutor: Traduzida em português por ANTÓNIO HESPANHAe publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian sob o título História do Direito Privado Moderno; vide, aí, a p. 690-691, nota 48.
t .
VON HIPPEL devia naturalmente salientar o aspecto problemático como o realmente novo da sua pesquisa. Na verdade, ele disse com toda a razão: também o legislador, na medida em que «responda a estas questões, cria um Código Civil» (70); no entanto, devia-se \, ainda acrescentar: «ele apenas faz um sistema na ~\ medida em que responda». Mas VON HIPPEL, não diz, I" contudo, o que dá, a essas respostas, o sentido unitário, nem segundo que pontos de vista valorativos sobre-ordenados resolve o legislador os problemas (71),
Ob. cit., p. 22. Na linha desta objecção, a crítica que VON HIPPEL faz ao sistema do iluminismo não é inteiramente convincente. Nesse projecto esteve-se sempre perante a ideia de que a unidade de sistema, para a qual todo o Direito essencialmente apontava, só se poderia obter na base de alguns princípios ético-jurídicos pouco numerosos - e isso constitui a sua indubitável grandeza. Que esses princípios tenham sido unilateralmente sobrevalorizados ou que, pelo menos, hoje isso assim nos pareça - e que, por isso, eles precisem de complementação através da aceitação, no nosso sistema, de outros princípios fundamentais (cf., quanto a isso, sobretudo, COING, Festschrift für DalIe, 1963, 1.0 voI., p. 25 ss., em especial p. 29 ss.) apenas significa que a escolha da ordenação (de forma, aliás historicamente compreensível) foi feita de modo unilateral, e não, em caso algum, que a «regularidade da formação do sistema jurídico tenha sido desconhecida»; de facto, enquanto resposta ao problema fundamental da justiça, este projecto é inteiramente compreensível- em oposição à «teoria dos factos jurídicos», assim chamada por VON HIPPEL - a qual, de facto, menosprezou a essência da formação do sistema jurídico (sem no entanto, dever ser equiparada, em globo, à «sistemática do século XIX»; .cf., porém, VON HIPPEL, ob. cit., p. 36). (70) (71)
não dando também, por isso, um projecto próprio de tiistema (72). Ele apenas faz, aliás em total correspondência com o título do seu trabalho, considerações «para a regularidade da formação do sistema jurídicQ», com o que salienta a conexão imanente de problemas, necessariamente ligada a uma determinada decisão fundamentalisto é, desde já: a uma solução de problemas. É indubitáveI que aquela conexão existe, merecendo, por isso, as ideias de VON HIPPEL, inteira concordância; mas ele não chegou a dar uma determinada concretização do conceito de sistema (73) - tal como se trata neste parágrafo.
semelhança das conexões de problemas, enquanto tais, tão-pouco as relações da vida e a sua À
(72) É duvidoso que ele o tenha querido; cf. o título do seu trabalho e, igualmente, o texto. Mas para a afirmativa a essa pergunta depõe, no entanto, o facto de ele colocar a sua própria concepção no plano da sistemática do iluminismo e do século XIX; cf. p. 23 e p. 36. , (73) Poder-se-ia, contudo, em ligação com, as suas :onslderações, dar a definição de que o sistema serIa a soluçao de uma conexão de problemas; manter-se-ia, porém, por um lado, a dúvida se VON HIPPEL quis efectivamente considerar a «face das respostas» no conceito de sistema e, por outro, não seria também a definição suficiente, por lhe faltarem os elementos essenciais do conceito: a unidade e a ordem.
ordem imanente (74) são suficientes para a construção do sistema. Pois elas são apenas objecto do pireito, sendo formadas por ele, na sua forma específica; elas não podem, por isso, formar em si próprias a unidade do Direito nem, também, comportá-Ia por si sós. Isso não quer, naturalmente, dizer que elas não possam, por seu turno, influenciar o Direito, como «natureza das coisas» e, com isso, em certas circunstâncias, actuar no seu sistema; este, porém, com isso, ainda não está plenamente implantado nas relações da vida. Também não deve, evidentemente, negar-se que a ordenação das relações da vida tenha uma influência essencial no sistema «externo» do Direito - pense-se apenas no apoio de âmbitos jurídicos como do Direito de Família e das Sucessões, do Direito Comercial, do Trabalho ou de Autor ou dos tipos singulares do Direito das obrigações em especial, nos correspondentes fenómenos da vida (75)! Mas deve prevenir-se (74) LARENZ, ob. cito atribui a HECKa opinião de que o sistema interno é «logo dado nas conexões da vida» (cf. p. 57 e p. 362). De facto, encontram-se afirmações nesse sentido (cf. p. ex. HECK,ob. cit., p. 149 s. e p. 158); no entanto,este aspecto do entendimento do sistema de HECKrecua perante a ideia de um «sistema de decisões de conflitos» (cf. sobre isso, o texto, infra, n.O6). Elas poderiam ser s6 o prosseguimento consequente das proposições sociológicas da «teoria dos interesses genéticos» (cf. infra nota 100); mas também aqui se mostra que a jurisprudência dos interesses não se reporta a isso, antes remetendo para o significado- não casualmente determinado - do valor legislado. (75) Também aqui surge uma estreita relação, determinada pela natureza das coisas, entre o sistema «externo» e o «interno».
contra uma identificação desta ordem com a conexão específica das normas jurídicas, pois haveria aí um sociologismo alheio ao valor do Direito CG).
6.
O «sistema de decisões de conflitos» no sentido de HECKe
da jurisprudência
dos interesses
Fica por investigar um último conceito de sistema: o de Heck e da jurisprudência dos interesses. Deriva, como se sabe, de HECK a distinção fundamental entre o sistema «externo» e o «interno» (77). Para apurar a . unidade e a adequação da ordem jurídica releva, de . antemão, apenas o sistema interno; pois entre as suas . tarefas deve haver, segundo as palavras de HECK, no /... domínio de uma «conexão material», uma «ordem
-I. imanente» (78). Onde fica, então, este sistema terno», segundo a opinião de
<
HECK?
(76) Um exemplo disso ê a poslçao de EHRLICH,que nega a «unidade do Direito nas suas proposições» (cf. Die juristische Logik, 2." ed., 1925, p. 137) e apenas a quer reconhecer como «unidade na conexão da sociedade» (cf. p. 146). EHRLlCH deveria, consequentemente optar pelo conceito de sistema indicado no texto; cf. também infra, nota 100. (77)
Cf. Begriffsbildung
p. 139 ss. (142 s.). (78) Cf. ob. cit., p. 143.
und Interessenjurisprudenz,
1932,
a)
A posição da jurisprudência dos interesses quanto à ideia da unidade do Direito
HECK rejeita expressamente a ideia - em si evidente (79) - de que os elementos da ordem imanente sejam visíveis nos interesses singulares (80) e caracteriza o sistema como «sistema de decisões de conflitos» (81). A questão, porém, de saber até onde este realiza a unidade interior e a adequação da ordem jurídica conduz imediatamente à questão prévia de como se coloca a jurisprudência dos interesses perante a ideia da unidade do Direito - e, com isso, a um ponto crítico nas bases filosóficas desta doutrina. Aqui, a jurisprudência dos interesses oferece, de facto, aos seus adversários, pontos fracos essenciais, tendo assim a sua relação com a ideia da unidade do Direito sido sempre objecto de crítica. Já no ano de 1914, KRETSCHMAR, no seu excelente discurso de reitor, onde ponderou soberanamente as fraquezas e as vantagens da jurisprudência dos conceitos como da dos interesses, criticara, nesta, o abandono da ideia de unidade (82). De modo semelhante, HEGLER criticou jurisprudência dos interesses por ace~~ os
Cf. supra nota 74. Cf. ob. cit., p. 150. (81) Cf. ob. cit., p. 149 ss. (82) Über die Methode der Privatrechtswissenschaft, 1914, em especial p. 39 ss.; cf. também KRETSCHMAR, Grundfragen der Privatrechtsmethodik, Jher. Jb. 67 (1917), p. 233 <3S., em especial p. 271 sS., 285 s. e 291 ss. (79)
(80)
juízos de valor expressos nas normas singulares, assim como os mais altos valores do Direito, como a justiça, a equidade, etc., descurando, no entanto,,,i
..---
(8~) Zum Gediichtnis von Max Rümelin, Kanzlerrede 1931, p. 19. (84) Cf. Interesse und Begritf in der Rechtswissenschatt, 1931, p. 40; cf., quanto a isso, a réplica de HECK, ob. cit., p. 207 ss. e 212 ss. A propósito da interpretação da carta do estudante, HECK pode ter certa razão (cf. p. 216 s.), mas no restante, a sua resposta passa, de modo muito característico, ao lado da afirmação de OERTMANN;assim ele confirma a sua redução do perguntar pela unidade interior à do «panorama geral» (p. 207 ss.) assim como o reportar das conexões gerais da ordem jurídica meramente às «necessidades da vida» (p. 214) que na opinião representada no texto, HECK contrapunha, em última análise, sem sentido, ao princípio da unidade de sentido do Direito.
jurisprudência dos interesses com estas palavras: «o Direito não é assim, para a jurisprudência dos interesses, quer lógica quer moralmente, uma ordem unitária. Ele não tem qualquer unidade» (8ü) . Mas o que dizem os próprios partidários da jurisprudência dos interesses a estas questões? As tomadas de posição são pouco numerosas, mas compreendem uma adesão clara à ideia da unidade do Direito (86). Cabe agora perguntar o que entendem eles com isso. Vêm a propósito duas afirmações de HECK. A primeira parte da equiparação entre a uniidade .do Direito e a ausência de contradições (87); / , este e, por certo, um elemento essencial, mas repreL~en.ta apen~s, por assim dizer, o lado negativo da ldela da umdade e não deixa, de forma alguma, reconhecer onde está a unidade de sentido do Direito , positivamente considerada (88). A segunda afirmação relaciona-se com a conexão interior da ordem jurídica, procurando-a na relação das normas com «partes da vida que estão ligadas entre si através de har-
(85) Cf. System, Geschichte und Interesse in der Privatrechtswissenschaft, JZ 1951, p. 481 ss. (484); concordando, LARENZ, Methodenhlere cit., p. 133; essencialmente positivo o juizo de (86)
ZHR 100, p. 63 s. Cf., por todos, STüLL, Begrift
BINDER,
monias e de conexões multifacetadas» e"); que isso não chega já foi acima (DO) pormenorizadamente explicado. Mas para além disso, o meio com cuja ajuda HECK pretende captar a unidade do Direito também não é frutuoso. Ele apenas considera como adequada a esse escopo a formação c1assificatória de «conceitos de grupos de generalidade sempre crescente» (91). Conceitos gerais abstractos são porém, inteiramente inadequados para captar a unidade de sentido, sempre concreta, do Direito (92) e tornam-se totalmente inutilizáveis para esse escopo quando se lhes deixe apenas a função rudimentar que HECK atribui aos seus «conceitos de grupo». Estes só devem, designadamente servir duas «necessidades»: por um lado, eles devem «aligeirar» a «concepção» das realidades complexas, porque o «espírito humano só pode captar, em simultâneo, um número limitado de representações singulares» e, por outro lado, devem «facilitar a rememoração» (":1). É evidente que, perante tal «subjectivização», para não dizer «psicologização» do significado dos conceitos, que os reduzem a um mero veículo auxiliar para as insuficiências das capacidades humanas de representação e de rememoração,
(89)
und Konstruktion
in
der Lehre der Interessenjurisprudenz, Festgabe für Heck, Rümelin und Schmidt, 1931, p. 96; HECK, ob. cit., p. 87 s. e p. 149 s. (87) Ob. cit., p. 87 s. (88) Cf., a tal propósito, supra § 1 V 2 e nota 31.
«conflitos solução). (DO) (Dl) ('2) (f''')
Ob. cit., p. 149 s.; cf. também a referência aos da vida» (em vez dos critérios adequados para a sua Cf. Ob. Cf. Cf.
n." 5. cit., p. 150.
infra p. 49. ob. cit., p. 82 s.
não se considera em nada a unidade objectiva de sentido e de adequação do Direito. Assim fica apenas uma última indicação: a refe: rência de HECK ao «efeito remoto» dos juízos de valor legais (01), dos quais apenas haveria um passo até à «pressuposta consequência interna do Direito» (05) . Está fora de qualquer discussão que uma das contri: buições metodológicas essenciais da jurisprudência dos interesses está na elaboração deste momento. Põe-se agora a questão de onde se encontram esses juizos de valor: só nos valores singulares do legislador ou também nas camadas mais profundas do Direito? Presumivelmente responderia HECK no segundo sentido (DG) e então a censura de HEGLER de que a jurisprudência dos interesses negligencia «as realidades mediadoras» procederia no essencial. Isso fica igualmente claro na sua instrumentação metodológica como nos seus trabalhos práticos. NlJ.JlLP,ris..ma ,metodológico, a jurisprudência dos interessJ:,S__,~ó<. -, ",',. '<--~-~'--'-~'-' con~~~:sen~~l, os aõ1s, pr~e!LQ~.{
dãTriterpretação e o da analo-
(04) Cf. ob. cit., p. 150; quanto à «efiCácia remota», fundamental, HECK, Gesetzesauslegung und Interessenjurisprudenz, 1924, p. 230 ss. (05) Cf. § 1, nota 27. (9G) Assim ele remete - Gesetzesauslegung cit., p. 231 s., por exemplo - para o efeito remoto da igualdade no Direito Civil; no entanto, não é nenhum acaso que HECK não tenha aqui escolhido nem uma valoração singular nem um princípio «intermédio»; mas antes, como o princípio da igualdade, uma das mais elevadas valorações do Direito; cf., também, o texto.
gia e restrição; ~e-lhe logo, sem comunicaçãQ.,....a «própria valoração»dQjYL~.Jla não reconhece, pelo "'contrário,- uma' função essenCial ao terceiro «grau» da obtenção do Direito, ao trabalho com os «escopos específicos fundamentais» (97), portanto aos principias fundamentais de um domínio 'urídico; por e rás da lex e da ratzo legis colocam-se imediatamente os mais altos valores jurídicos como a justiça, a equidade e a segurança do Direito. E no que toca ao trabalho prático-dogmático dos representantes da velha jurisprudência dos interesses - quem poderia não sentir perante largas passagens (98), o mal estar de OERTMANN (S4), porque, em todas as «considerações singulares acertadas e muitas vezes convincentes», não aparece qualquer «quadro de conjunto unitário»? Não há dúvidas: a força da jurisprudência dos interesses localizou-se na discussão do problema singular e não na elaboração das «grandes concatenações» (9D), (97)
Cf. HEGLER, ob. e loc. cit., nota 83. Há, evidentemente, excepções. Pense-se apenas nos trabalhos de MÜLLER-ERZBACH sobre a responsabilidade pelo risco ou de STOLL sobre as perturbações na prestação, ainda hoje, em larga medida, modelares, quer metodologicamente quer quanto ao conteúdo. (OU) HECK, perante as críticas de OERTMANN e de HEGLER, responde, na verdade, que colocou no seu manual de Direitos Reais, previamente, uma parte geral; no entanto, em minha opinião, justamente nessa parte geral, pouco se torna claro da «unidade interior de sentido» dos nossos Direitos Reais e dos seus princípios fundamentais. Poder-se-ia replicar a HECK que não é nenhum acaso, antes se ligando estreitamente ao entendimento de sistema e de unidade da jurisprudência dos interesses, (98)
- o que aliás é plenamente compreensível, no prisma da história da metodologia, como contra-movimento antitético contra os exageros da época anterior. ASSil}},.,/. dever-se-ia confirmar inteiramente o duro juízo de . COING(S5) de que ele corresponde sobretudo apenas., ao princípio sociológico fundamental da «teoria dos ! interesses genéticos» (100). ~~.. i
b)
As fraquezas do conceito de sistema da jurisprudência dos interesses
Com estas considerações sobre a ideia da unidade na jurisprudência dos interesses, obteve-se o presque os grandes manuais da parte geral do Direito Civil não provenham dos típicos juristas dos interesses, mas sim, desde VON TUHR, passando por NIPPERDEY e até FLUME e LARENZ, de Cientistas do Direito cujo pensamento se estende para lá dos relativamente estreitos limites metodológicos da jurisprudência dos interesses; na realidade, tais limites nunca se puderam mostrar tão claros como perante as exigências da «parte geral». (100) Cf., quanto a isso, também supra, nota 74. Consequentemente, aliás, EHRLICH, Logik cit., partindo da sua posição sociológica chega ao resultado de que não existe uma unidade do Direito como unidade das suas normas e continua: «Para a interpretação histórica, a única científica - isso corresponde exactamente à opinião de HECK! - cada proposição jurídica é uma individualidade, um ser autónomo, que vive a sua própria vida e tem a sua própria história» (p. 137). Com estas bases, o Direito só pode ter uma unidade no facto de «elas (as proposições jurídicas) só vigorarem em conexao com a sociedade». (Cf. ob. cit., p. 146).
suposto para efectuar também um juízo sobre o seu conceito de sistema: é muito pouco adequado para exprimir a unidade interior e a adequação da ordem jurídica. Um «sistema de decisões de conflitos» não diz praticamente nada sobre a unidade de sentido do Direito, ainda quando BECK também acentue a necessidade de destacar «as concordâncias e as diferenças nas decisões de conflitos» (101). Assim, as ideias básicas do nosso Direito privado, que formam, por exemplo, o seu sistema>-- como os princípios de auto-determinação, da responsabilidade própria, da protecção da confiança, etc. (102) não são idêntiCas às decisões de conflitos: antes lhes subjazem, dando-Ihes o «sentido» e sendo, aliás, mal-entendidos, na sua substância, quando se quisesse reduzi-Ias a meras «decisões de conflitos» (l03): ficariam privados do seu conteúdo ético-jurídico. Também na tomada de posição de BECI\: quanto a problemas práticos e singulares do sistema se mostram quão estranha lhe é, no fundo, a conexão entre o sistema e a ideia da unidade de sentido do Direito. Escolha-se, por agora (104), apenas um exemplo, o das «teorias dos títulos de crédito», que o próprio HECK caracterizou como especialmente típico para o seu entendimento de sistema. BECE: considera decisivo que as proposições jurídicas vigentes
(101)
Cf. ob. cit., p. 150. Cf. infra p. 47 s. e 53 SS. (103) O que HECK também não faz; ele pura e simplesmente o omite. (104) Cf. mais pormenorizadamente infra, § 5 lH. (102)
provenham das necessidades da vida, e, por isso, pr~~) tende reduzir toda a controvérsia das teorias a uma / pura «questão de formulação» ('05); daí resulta, por(' consequência «em grande medida, a possibilidade de." formulações de teor diferente mas equivalentes, isto é, { duma equivalência de construções científicas» (106)..) Poucos lapsos haverá maiores do que este. Na verdade, não se trata de menos do que da defesa da unidade de sentido do nosso Direito privado, designadamente da questão de saber se o princípio do contrato, geralmente dominante, pode ser quebrado, com perigo para a unidade, e a favor da possibilidade de vinculações unilaterais ou se, em vez disso, se reconhece, preservando a unidade, o princípio do contrato, o qual apenas poderia ser complementado através do princípio da aparência jurídica, alargado aliás por vastas áreas através da sua ligação com o princípio da auto-responsabilização, igualmente incluído entre os princípios básicos. Em estreita conexão com isto está o não-entendimento de HECK de que as deci-
(105)
Cf. Grundriss des Schuldrechts, 1929, § 137. Cf. ob. cit., p. 473, nota 2, com referência expressa ao § 137. Pelo contrário, com razão, STOLL, ob. cit., p. 117, nota 2 (cf. também p. 110) a cujo desejo HECK, na sua réplica (Begriffsbildung cit., p. 211) não faz justiça, porque ele permanece circunscrito ao erro fundamental do seu modo causal de consideração; igualmente insatisfatório é o que HECK, ob. cit., p. 100 ss. contrapõe contra a crítica plenamente justificada de LEHMANN; cf., quanto a isso, também ínfra p. 96 s. (106)
sões sistemáticas incluem, em si, valores, a que haverá ainda ocasião de voltar (l07). Assim, o conceito de sistema da jurisprudência dos interesses não pode, tudo visto, satisfazer plenamente; por outro lado, admite-se que a crítica, por causa das muitas obscuridades e ambiguidades nas tomadas de posição dos seus seguidores, não seja fácil e que as explicações acima efectuadas não possam aspirar à pretensão de esclarecimento pleno desta questão, tão interessante no que toca à história dos métodos (108). Para além disso, é de acentuar que a jurisprudência dos interesses produziu um trabalho muito valioso, no próprio domínio da problemática do sistema ('09) e que, sobretudo com a ideia de sistema
Cf. infra § 5 m. Totalmente insatisfatório a este propósito é, infeo há pouco surgido trabalho de EDELMANN, Die Entwicklung der Interessenjurisprudenz, 1967; quando muito podem-se salientar as considerações de p. 102 s. nas quais, contudo, o mais digno de nota é a curiosidade de EDELMANN referir o comentário do § 242 do BGB, feito por WEBER no STAUDINGER / Kommentar, com referência ao seu âmbito pouco comum (!), como elemento para os esforços da CiênCia do Direito na «construção sistemática» (ou será ironia?). ('09) STOLL deveria aliás estar mais próximo do que HECK do entendimento de sistema hoje dominante e defendido, também, neste trabalho (cf. STOLL, ob. cit., 77 s., 96 e 100), tal como as ideias de STOLL, em muitos aspectos, foram mais avançadas do que as de HECK; não foi por isso, por acaso que STOLL foi conotado com a expressão «jurisprudência das valorações» (cf. ob. cit., p. 67, nota 1 e p. 75, nota 5), dando, assim, o mote metodológico à actual dogmática jurídico-civil. (107)
(108) lizmente,
«interno» e com a referência ao seu carácter teleológico (110), obteve pontos essenciais que cabe receber e desenvolver (111).
11- O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE SISTEMA A PARTIR DAS IDEIAS DE ADEQUAÇÃO VALORATIVA E DA UNIDADE INTERIOR DA ORDEM JURíDICA
As considerações críticas feitas até agora facultaram também as bases para o desenvolvimento de um conceito de sistema que esteja apto para captar a adequação interior e a unidade da ordem jurídica.
Sendo o ordenamento, de acordo com a sua derivação a partir da regra da justiça (112), de natureza valorativa, assim também o sistema a ele correspondente só pode ser uma ordenação QxiológicQ ou teleológica - na qual, aqui, teleológico não é utilizado no sentido estrito da pura conexão de meios aos fins (11), (110) Cf. HECK, ob. cit., p. 147, 155, 160 e passim (com referência a HEGLER). (111) Para o sistema teleológico cf. igualmente infra, n 1, no texto. (112) Cf. supra § II 2. (113) Também neste sentido, a expressão não foi usada poucas vezes; d., por exemplo, BINDER, ZHR 100 p. 62 s.; ENGISCH, Einfii.hrung in das juristische Denken, p. 161 s. e Stud. Gen. 10 (1957), p. 178 s.
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mas sim no sentido mais lato de cada realização de escopos e de valores, portanto no sentido no qual a «jurisprudência das valorações», é equiparada à jurisprudência «teleológica». Não se entende, porém, só por si, que semelhante sistema teleológico seja possível. Assim poderia, pelo contrário, a jurisprudência dos conceitos ter partido, por exemplo, de que ou existe um sistema lógico, ou de que não há nenhum. E não foi por acaso que a limitação de STAMMLER aos «puros» conceitos fundamentais e a sua renúncia resignada à sistematização de uma determinada ordem jurídica positiva, teve a sua base neste entendimento do conceito de sistema (114). TambémWALTHER BURCKHARDT distinguiu, ainda em 1936, de modo estrito, entre a «justeza lógica» do Direito e a «justeza ética» e limitou o sistema à extrapolação da primeira (115). Finalmente cite-se o mais recente ULRICH Keuo que considera o significado da ideia de sistema como uma demonstração essencial do peso do pensamento lógico-formal na Ciência do Direito; pois logo / o próprio conceito de sistema é um termo especifica-
(114) STAMlVILER considera o seu sistema como lógico-formal, construído de conceitos gerais abstractos; ele recusa expressamente a possibilidade de confeccionar um sistema de determinada ordem jurídica,
mente lógico» e «só a lógica permite determinar onde existe, afinal, um autêntico sistema» (116). Esta limitação do conceito de sistema ao sistema lógico-formal não deixa contudo de ter um certo arbítrio (117). Tanto quanto se trate apenas de ques(116) Cf. ob. cito p. 5; cf. ainda, por exemplo SIGWART, ob. cit., p. 695: «A sistemática tem, por tarefa, o representar a totalidade dos conhecimentos alcançados num determinado momento, e cujas partes estejam inteiramente conectadas através de relações lógicas» (os itálicos pertencem ao original), - no qual, contudo, se deve sublinhar a limitação ao sistema de conhecimentos (ao contrário dum sistema objectivo). - Para uma equivalência entre sistema axiomático e sistema em geral, vide ARNDT,NJW 63, p. 1277 S. (117) De facto a possibilidade de um sistema teleológico é frequentemente reconhecida, sem que a sua problemática científico-teorética tenha sido sempre vista. Cf., por exemplo, RADBRUCH, Zur Systematik der Verbrechenslehre, Frank-Festgabe I, 1930, p. 159; HEGLER,ob. cit., p. 216 ss.; ENGISCH, Stud. tien. 10 (1957), p. 178 ss.; neste domínio, também HECK que, a tal propósito, acentua expressamente, várias vezes, a sua concordância com HEGLERcf. ob. cit., p. 147, 155, 160 e passim. Aí, contudo, a expressão «teleológica» é, em parte, usada com o sentido estrito, acima caracterizado, na nota 113. Também em escritos não jurídicos se fala, muitas vezes, de «sistemas de valores» e similares; cf., por exemplo, KRAFT, Die Grundlage eíner wíssenschaftlichen Wertlehre, 1951, p. 21, ss., com mais indicações; STARK,Die Wissenssoziologie, 1960, p. 59 ss., 92 ss., 114 55., 252 55. e passim (cf. no índice, a palavra «Wertsystem»), onde, diferenciadamente, também o termo «sistema axiológico» é empregado; cf. por exemplo, p. 93, 146 e 252; cf., a esse propósito, ainda que sem relação expressa com a problemática do sistema, LEINFELLNER,Ein-
führung p. 178 ss.
in die Erkenntnis
und Wissenschaftstheorie,
1965,
tões de terminologia, pode-se naturalmente discutir sobre a justificação de semelhante estreiteza; como saída poder-se-ia, com COING (118), distinguir um conceito de sistema mais estrito e um mais amplo, sendo o mais estrito idêntico ao lógico-formal enquanto, dentro do mais amplo, haveria ainda espaço para um sistema teleológico. Mas desde que se trate de uma problemática material, a limitação do conceito de sistema ao sistema lógico-formal, é uma hipótese em nada justificada, para não dizer uma petitio principii. Pois um sistema não representa mais do que a tentativa de captar e traduzir a unidade e a ordenação de um determinado âmbito material com meios racionais: a. recusa da possibilidade de um sistema não lógico-formal equivale, assim, à afirmação de que a lógica formal representa o único meio possível para esse fim. Uma tal restrição no âmbito em que sejam possíveis (119) o pensamento e a argumentação racioCf. Zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 9. Nem sempre é claramente evidente que uma tal restrição corresponda, de facto à concepção dos partidários de um sistema lógico-formal ou axiomático-dedutivo. No entanto, merece enfoque que KLUG, ob. cit., perante a análise lógica de problemas jurídicos, apenas contraponha a intuição (cf. prólogo de 1950). Com isso, a questão do significado da lógica formal para a Ciência do Direito não fica respondida. De facto, a intuição é indispensável em todas as ciências - de outro modo não poderia haver génios científicos e o processo das Ciências seria plenamente «fabricáveb> - e, evidentemente, não pode, também, o jurista, viver sem «fantasia científica»; a questão não cai, contudo, na alternativa de lógica formal ou intuição, mas sim naquele «espaço entre elas», portanto na (118)
(119)
nais deve justamente ser rejeitada, como inadmissível, pelo jurista (120); porque as dificuldades próprias do pensamento jurídico não se deixam transpor com os meios da lógica formal (121), adviria, daí, uma sentença de morte não só para a jurisprudência como Ciência, mas também, em geral, para cada tentativa de entender a aplicação do Direito como um processo racionalmente conduzido. Como, de facto, tem sido dito com frequência, os juízos dos juristas ficariam, no essencial, reduzidos a avaliar um qualquer «sentimento jurídico», que, como tal, é sempre irracional e sobre cujas «afirmações» não há, pelo menos actualmente, um entendimento que possa aspirar sequer a uma parcela de convincibilidade geral. Por outras palavras: quem negue a possibilidade de um sistema teleológico nega, com isso, igualmente a possibilidade de captar racionalmente a adequação do pensamento teleológico (122) e, com isso, também a possibilidade e importância de uma metódica não lógico-formal, mas ainda especificamente racional e jurídica, segundo o que se disse no texto, portanto, uma «teleológica formal». Noutros locais, contudo, KLUGsublinha expressamente a necessidade de uma complementação teleológica da lógica formal; cf. as indicações supra nota 27. (120) Mas também por outros cientistas do espírito e pelo filósofo. A multiplicidade de tentativas de alcançar uma lógica material elaborada mostra com suficiente clareza, como é forte a necessidade de uma complementação da lógica formal, através de outro tipo de pensamento racional. (121) Cf. supra p. 2 ss. (122) Devia-se, portanto, por exemplo, considerar impossível uma fundamentação racional de cada conclusão por ana-
possibilidade de exercer racionalmente a jurisprudência, no seu âmbito decisivo; pois o sistema, no sentido aqui entendido (tanto quanto está em discussão neste local (123)) não é, por definição, justamente mais do que a captação racional da adequação de conexões de valorações jurídicas. Deve-se, por isso, quando não se queira negar radicalmente o entendimento tradicional da Ciência do Direito, enquanto empreendimento metodologicamente orientado, assente em argumentos racionais, apoiar a possibilidade de um sistema axiológico ou teleológico, pelo menos como hipótese. Vale aqui para a ideia de sistema o que BINDER afirmou, em geral, para o carácter científico da jurisprudência: assim como KANTnão perguntou se existe uma Ciência da ' Natureza, .mas antes o pressupôs, tendo procurado, compreendê-lo, também se deve, primeiro, partir de . «que existe uma Ciência do Direito e, então, perguntar . qual o seu sentido e o que fundamenta a sua pre~ tensão de cientificidade» (124). De facto, ganhar-se-ia muito para a moderna discussão metodológica na logia, que transcenda a pura clarificação da sua estrutura lógico-formal e que, no seu núcleo decisivo, introduza a questão do «encaixe» da ratio legis. (123) Isto é, a propósito da característica da ordem e não da da unidade. (124) Cf. Philosophie des Rechts, 1925, p. 836 ss. (837) e Der wissenschaftscharakter der Rechtswissenschaft, Kantstudien 25 (1921), p. 321 S8., em especial p. 352 ss.; um paralelo digno de nota encontra-se (com referência a uma seriação geral de valores, e portanto não especificamente jurídica) em LEINFELLER, Einführung cit., p. 180 s.
Ciência do Direito (e, em geral, nas ciências do Espírito) quando se adaptasse este ponto de partida de BINDER infelizmente pouco observado - e, em vez de pôr permanentemente em dúvida a cientificidade dos modos de trabalhar específicos das ciências do Espírito, em especial do pensamento hermenêutico e teleológico, se procurassem entender as especialidades destes métodos e apenas no final se colocasse a questão da natureza científica (125). A discussão sairia então, com brevidade, de ambos os extremos, entre os quais ela hoje oscila, para aquele ponto intermédio apenas avaliado pelas tarefas específicas da Ciência do Direito: da improdutividade das meras pesquisas lógicas e logísticas, por um lado (126) e da não inadstringibilidade da pura tópica, por outro lado (127) , para uma teleológica e hermenêutica, que facultem resultados racionalmente verificáveis através de meios razoáveis e, assim, vinculantes, - mesmo que não se pudesse alcançar aquele grau de adstringência que é característico para as Ciências da Natureza ou para a Matemática. E está-se assim tão mal quanto à verificabilidade da hipótese questionada? De modo algum! Assim, por (125) Não se lhes deve colocar na base o ideal de Ciência do positivismo, que, de antemão, não está apto ao pensamento hermenêutico ou a qualquer tipo de teleológica- correspondendo inteiramente a outro modelo, para o qual se orienta. Por isso, a polémica contra a adstringibilidade única desse conceito de Ciência é, por exemplo, e com razão, uma das ideias centrais da metodologia de LARENZ. (12G) Cf. também supra, p. 31 S5. (127) Cf. também infra, § 7 1II b.
exemplo, a Ciência da Literatura - quando tal juízo seja permitido a um diletante (no duplo sentido da palavra) - fez progressos assombrosos e obteve resultados da mais alta evidência, desde que ela não mais se assumiu exclusiva ou, pelo menos, predominantemente como Ciência histórica (128), mas antes tornou a obra de arte, na sua própria e específica regularidade, sob o lema da «interpretação imanente da obra» ou da «análise estrutural», no objecto das suas pesquisas e, nesse sentido se tornou uma Ciência hermenêutica. E do mesmo modo a jurisprudência teleológica moderna pode requerer para si um êxito indiscutível; não se deve, finalmente, olhar, de modo permanente, para as cláusulas gerais (129), antes se
(128) Também aqui o conceito positivista de Ciência provoca sérios danos. Pois porque fora das Ciências Naturais e da Matemática, só se reconhece como Ciência a descrição histórica dos «factos positivos», julga-se que a Ciência da Literatura só seja possível como Ciência Histórica; expulsa-se, com isso, do âmbito da pesquisa científica justamente o que é específico numa obra de arte. (129) E também a sua concretização tem feito, em parte, progressos admiráveis - pense-se apenas, por exemplo, nos trabalhos de SIEBERT e de WIEACKER sobre o § 242 do BGB (*). (*) Nota do tradutor: o § 242 do BGB dispõe: «O devedor está obrigado a realizar a prestação tal como requer a boa fé, com consideração pelos costumes do tráfego». Recorde-se que com base neste preceito, a jurisprudência e a doutrina alemãs desenvolveram quatro institutos fundamentais: a culpa na celebração de negócios, a boa fé no cumprimento das obrigações, o abuso do direito e a alteração das circunstâncias.
devendo incluir também aquelas partes nas quais, como por exemplo nos domínios «construtivos» dos Direitos Reais, do Direito das Sucessões ou do Direito dos Títulos de Crédito, é possível, num número indefinido de casos, um simples juízo de «errado» ou «certo» sobre um resultado e onde não pode ser questão de «admissível», etc. De modo semelhante, devem-se considerar as múltiplas interpretações, analogias e restrições «adstringentes», e não elevar apenas os problemas do aperfeiçoamento «livre» (isto é, não mais orientado por valores imanentes à lei) do Direito a critério da admissibilidade dos métodos jurídicos. Finalmente, não pode haver dúvidas de que o pensamento jurídico aparece tanto ao leigo como, com frequência, ao próprio jurista, justamente como um caso modelar de pensamento «lógico»; tenha-se presente que, na verdade não é um pensamento teleológico que rege os problemas específicos da jurisprudência e que só este faculta conduzir a sua argumentação; torna-se então claro o que verdadeiramente subjaz a esse juízo: a experiência de uma evidência especial da adequação e poder convincente do pensamento axiológico e teleológico. Embora a sua estrutura possa ser ainda pouco esclarecedora, poder-se-á dizer em resumo: a hipótese de que a adequação do pensamento jurídico-axiológico ou teleológico seja demonstrável de modo racional e que, com isso, se possa abarcar num sistema correspondente, está suficientemente corroborada como premissa científica.
sibilidade
de qualquer
para
poder
ser utilizada
Ela é a condição da pospensamento jurídico e, em
especial, pressuposto de um cumprimento, racionalmente orientado e racionalmente demonstrável, do princípio da justiça de tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da sua diferença. A esse propósito deve-se, por fim, focal' expressamente uma especificidade: quando se fala aqui, constantemente, da adequação dos valores, pretende-se significar isso mesmo. Não se trata, portanto, da «justeza» material, mas apenas da «adequação» formal de uma valoração - na qual «formal» não se deve, evidentemente, entender no sentido de «lógico-formal» mas sim no sentido em que também se fala do carácter «formal» do princípio da igualdade. Por outras palavras: não é tarefa do pensamento teleológico, tanto quanto vem agora a propósito, encontrar uma qualquer regulação «justa», a priori no seu conteúdo - por exemplo no sentido do Direito Natural ou da doutrina do «Direito justo» - mas apenas, uma vez legislado um valor (primário), pensar todas as suas consequências até ao fim, transpô-Ia para casos comparáveis, solucionar contradições com outros valores já legislados e evitar contradições derivadas do aparecimento de novos valores (130). Garantir a adequação formal é, em consequência também a tarefa do sistema «teleológico» (131), em total conso-
(130) Seja através de legislação, seja por via da interpretação criativa de Direito. (131) Quanto ao tema, na medida em que a justiça material se realiza igualmente, cf. infra § 5 IV 3.
nância com a sua justificação «formal» da igualdade.
2.
a partir do princípio
O sistema como ordem de «princípios geraís do Direito»
Com a caracterização do sistema como ordem teleológica ainda não foi, contudo, dada resposta à segunda pergunta essencial: a dos elementos constitutivos nos quais se tornem perceptíveis a unidade interna e a adequação da ordem jurídica. No entanto, ficou já esclarecido que se deve tratar de valores, ainda que isso não possa constituir a resposta final, pois se mantém a questão mais vasta de que valores se trata: todos ou apenas alguns? Se se quisesse optar pelo primeiro sentido, chegar-se-ia a um conceito de sistema que seria muito semelhante ao «sistema de conflitos de decisões» de HECK e perante o qual procederiam as mesmas objecções; ele não poderia tornar perceptível, de modo algum, a unidade. Trata-se, pois, de encontrar elementos que, na multiplicidade dos valores singulares, tornem claras as conexões interiores, as quais não podem, por isso, ser idênticas à pura soma deles. Nesta ocasião, deve-se recordar de novo a característica principal da ideia da unidade, acima elaborada (132): a recondução da multiplicidade do singular a alguns poucos princípios constitutivos. Mas isso signi{ fica que, na descoberta do sistema teleológico, não 1---
__
(m)
Cf. § 1, I.
se pode ficar pelas «decisões de conflitos» e dos valores singulares, antes se devendo avançar até aos valores fundamentais mais profundos, portanto até aos princípios gerais duma ordem jurídica; trata-se, assim, de apurar, por detrás da lei e da ratio legis, a ratio iuris determinante. Pois só assim podem os valores singulares libertar-se do seu isolamento aparente e reconduzir-se à procurada conexão «orgânica» e só assim se obtém aquele grau de generalização sobre o qual a unidade da ordem jurídica, no sentido acima caracterizado (132), se torna perceptível. O sistema deixa-se, assim, definir como uma ordem axiológica ou tclcológica de princípios gerais de Direito (133), na (I "") Para a função dos princípios, constituinte do sistema, cf. principalmente ESSER, Grundsatz und Norm cit., p. 277 s. e 323 ss. Para além disso, poder-se-ia, quando muito, aproximar o conceito de sistema aqui adaptado do de COING e do de LARENZ (indicações importantes também já em STOLL, ob. cit., p. 77 s. e 96); cf. sobretudo, COING, Grundziige der Rechtsphilosophie, 1980, p. 275 ss., JZ 1951, p. 481 ss. (484 s.),
Geschichte und Bedeutung
des Systemgedankes,
p. 9
55.
e
DõIle-Festschrift, p. 25 ss.; LARENZ, Festschrift für Nikisch, 1958, p. 299 ss. e Methodenlehre p. 133 ss. e 367 ss. No entanto, ambos colocam o sistema não exclusivamente na conexão dos princípios gerais de Direito, mas sim, em parte, também nas conexões da vida, dos valores, dos institutos, etc. (cf. COING, JZ cit., p. 485 e Rechtsphilosophie, cit., p. 278; LARENZ, ob. cit., p. 136 s. e 367). Poderia aí, contudo, haver apenas uma oposição relativamente pequena com a opinião representada no texto. No que respeita, em primeiro lugar, ao significado das conexões da vida, há que separar cuidadosamente o sistema externo do sistema interno: elas têm um significado grnnde e imediato para a edificação do externo mas, para a do interno, pelo contrário, elas sõ podem ser relevantes mediatamel'l1e,
qual o elemento de adequação valorativa se dirige mais à característica de ordem teleológica (1~4) e o da unidade interna à característica dos princípios gerais (134). actuando sobre a «natureza das coisas» e sobre o que, desta, o Direito receba, portanto numa forma jurídica específica de pontos de vista transpostos de ordenação e de valoração, isto é, justamente sobre os princípios jurídicos. Outro tanto vale para as «diferenças de estrutura lógico-materiais», por exemplo as que existem entre o Direito das Obrigações e os Direitos Reais; também aqui se trata de separar entre o sistema externo e o sistema interno e, quanto ao último, de aproximar apenas aqueles elementos por detrás dos quais se escondam valores materiais. Quanto aos restantes elementos, como conceitos, institutos jurídicos ou valores, cf. igualmente no texto infra a). - Um sistema no qual todos ou alguns destes elementos se contivessem em igual posição, no qual, portanto, por exemplo, conceitos, institutos, valores, conexões da vida, etc. estivessem, no mesmo grau, junto dos princípios, parece-me, contudo, poúco conveniente (mas cf. COING e LARENZ,ob. cit.). Com isso, mesmo que não se misturasse, de modo inadmissível, o sistema externo e o interno, tratar-se-ia, contudo, de uma equiparação de elementos que estão em planos distintos. Poder-se-ia, na verdade, em outras circunstâncias, construir o sistema interno com valores, conceitos, institutos, etc. (cf., quanto a isso, igualmente o texto, infra a», mas melhor seria erguê-Io sobre um desses elementos e não mudar permanentemente os planos. Poder-se-ia, desta forma, desenvolver vários sistemas colocados em diferentes planos uns por detrás de outros ou em degraus uns sobre os outros, que se deixassem reformular uns nos outros, mas que permanecessem sistemas (<
Não se pode determinar, de antemão, quando deva um princípio valer como «gera!»; também aqui se trata de um critério inteiramente relativo. Para o conjunto da nossa ordem jurídica, não se poderiam considerar todos os princípios como «portadores de unidade» e, com isso, como sistematizadores; e no que, quanto a essa função, respeita ao Direito privado: neste, nem todos os princípios são, por seu turno, relevantes para o sistema, como o serão, por exemplo, para o Direito das Obrigações, os Direitos Reais, o Direito das Sucessões, etc.; dentro desses âmbitos, formam-se subsistemas mais pequenos, com princípios «gerais» autónomos, como, por exemplo, o sistema dos actos ilícitos, do enriquecimento sem causa, das perturbações na prestação ou da responsabilidade pela confiança. Em qualquer caso, uma parte dos princípios constituintes do sistema mais pequeno penetra, como «geral», no mais largo e, inversamente, o sistema mais pequeno só em parte se deixa, normalmente, retirar dos princípios do mais largo (135). Assim, modifica-se a «generalidade» dum princípio com a perspectiva do ponto de vista; finalmente, é sempre decisiva a questão de quais os princípios jurídicos que se devem considerar constitutivos para a unidade interior do âmbito parcial em causa, de tal modo que a ordem dele seria modificada, no
(1::") Os princlplOs não são, em regra, materialmente bastantes para compreender também todos os pontos de vista valorativos necessários, para o âmbito mais estreito do ordenamento: cf. pormenorizadamente infra p. 96 s.
seu conteúdo essencial, através de uma alteração num desses princípios. Para o Direito civil vigente seriam, por exemplo, de reconhecer como constitutivos do sistema - sem pretensão de exaustividade - os princípios da autodeterminação, da auto-responsabilidade, da protecção do tráfego e de confiança, da consideração pelas esferas de personalidade e de liberdade dos outros e da restituição do enriquecimento injusto (130). O significado dos «princípios gerais de Direito» para a formação do sistema precisa contudo, nalguns pontos, ainda de maior elucidação.
a)
As vantagens, na formação do sistema, dos «princípios gerais de Direito», perante normas, conceitos, institutos jurídicos e valores.
Em primeiro lugar, não é de imediato evidente que o sistema deva justamente ser composto de princípios. Põe-se antes a questão de saber se não poderia depender de outros elementos «gerais», como por exemplo, de normas, conceitos, institutos jurídicos ou valores. A resposta não é fácil e não deveria,em última análise, ser determinada pelos pontos de vista da oportunidade e do acaso. (l:;ü) Não é objectivo desta pesquisa uma representação do conteúdo do Direito privado actual (cf., quanto a isso, sobretudo COING, Dolle-Festschrift cit.); aqui trata-se antes apenas do aspecto metodológico da problemática, e os princípios referendados no texto visam apenas a ilustração exemplificativa.
No que toca, em primeiro lugar, a um sistema de normas, surge este como pouco significativo, porquanto se deve procurar justamente, a conexão agluJ tinadora das normas - e esta não pode, por seu ) turno, consistir também numa norma; de facto, os . princípios jurídicos unificadores e significantes só numa parte demasiado pequena se deixam formular na forma de normas que devam ser firmemente delimitadas segundo as previsões e estatuições normativas e, assim, recuam perante a articulação mais flexível do princípio. No que respeita agora a um sistema de conceitos gerais de Direito, este seria, por certo, pensável não apenas como um puro sistema formal de conceitos fundamentais gerais (1:;7), mas também como um sistema teleologicamente «preenchido» de uma determinada ordem jurídica. No entanto, eles deveriam ser conceitos teleológicos ou «conceitos de valor» (1:\8); al<'m disso, também não se deveriam considerar, para a formação do sistema, os conceitos gerais abstracl.os (' ::0), mas apenas os conceitos concretos no sentido de HEGEL (140), pois apenas os últimos surgem capazes de recolher em si o pleno sentido constitutivo
(1::7)
Cf., quanto a isso, supra § 2 I 2. O termo é utilizado por COING, Rechtsphilosophie cit., p. 272. (l:l!I) Cf. LARENZ,ob. cit., p. 139 s. (1,111) Para a significado do conceito geral-concreto na ('il'ncia do Direito é fundamental LARENZ,ab. cit., p. 353 ss. (1:1H)
da unidade interna (141). Mas ainda que um sistema de conceitos jurídicos seja possível, isso não quer ainda dizer que ele também seja adequado. Pelo contrário, isso é duvidoso, perante as tarefas aqui em causa. (141) BINDER requereu um sistema de conceitos gerais concretos na «Wissenschaftslehre» que deixou depois da sua morte; cf. p. 351 ss. (355) do manuscrito na posse do Seminário para a Filosofia do Estado e para a Política do Direito da Universidade de Colónia. Na sua Philosophie des Rechts, de 1925, BINDER fala de um sistema de «conceitos gerais empíricos» - cf. p. 921 ss. (924), que ele contrapõe aos «puros» conceitos de Direito; esses conceitos são «empíricos» na medida em que se devam desenvolver a partir «do conteúdo das ordens jurídicas singulares historicamente dadas». A relação entre esses «conceitos gerais empíricos» e os «conceitos individuais históricos» (no sentido de RICKERT), que BINDER considera, aliás, adequados para a Ciência do Direito (cf. em especial ob. cit., p. 841 ss. e 888 ss.), não fica bem clara (para as dificuldades da formação de conceitos de BINDER cf. também LARENZ, ob. cit., p. 106 s.). BINDER deveria ter visto a solução no conceito geral-concreto de HEGEL, ao qual ele também se ligou casualmente a este propósito, na Philosophie des Rechts (p. 842; cf. também p. 888). - Que os conceitos devam ser de tipo teleológico indiciou BINDER incansavelmente, como poucos; cf. por exemplo ob. cit., p. 886, 890 e 897 ss. LARENZ pretende que o sistema do conceito geral-concreto é o da filosofia do Direito e não o da dogmática jurídica (cf. p. 367), i. é, portanto, não o de uma determinada ordem jurídica. Parece-me duvidoso que isto proceda e, também, que isto surja consequentemente no resto da concepção de LARENZ. A justificação de que a Ciência do Direito vigente precisaria, para cumprir as suas tarefas, de conceitos gerais abstractos por causa da sua capacidade de subsunção é, em qualquer caso, pouco convincente. Isso é verdade, mas não é tarefa do sistema oferecer a possibilidade de subsunção imediata; tam-
o
sistema deve fazer claramente a adequação valorativa e a unidade interior do Direito e, para isso, os conceitos são muito impróprios. Designadamente, e mesmo quando estejam bem construidos, eles apenas mediatamente contêm as valorações, por assim dizer fechadas, enquanto os princípios são abertos; assim a valoração é, por exemplo, essencialmente mais irnediata e segura no princípio da autonomia do que no (ordenado) conceito de negócio jurídico, e que só através de considerações relativamente complicadas, (. possível determinar a valoração que o conceito de direito subjectivo em si contenha. Pode, portanto, dizer-se: No conceito (bem elaborado) a valoração cslli. implícita;
o princípio,
pelo contrário
explicita-a
e por isso ele é mais adequado para extra polar a unidade valorativa do Direito. Para além disso, também n[\o se deve esquecer que, de forma alguma, os conceitos correspondentes a todos os princípios fundaIlwnlnis da nossa on!<'1ll .jurídica já estão elaborados (' (tIl(' isso, no essencial, é ainda mais difícil do que iI 1'01'111111,11;110 de principias gerais de Direito. Quanto ao reslo. Iliío s(~rú necessário salientar que a formula(/IU <1(' conceitos não é, por isso, supérflua. Pelo contrúrio: ela é imprescindível para a preparação da h(~ln os princípios,
os institutos jurídicos ou até as conexões da vida não são inteiramente capazes de subsunção. Pelo contrário: capazes de subsunção são as normas; o sistema, porém, deve descobrir as conexões de sentido existentes «por detrãs ddas» ou «nelas» e pode, por seu lado, não ser susceptível de subsunção.
subsunção, devendo, assim, ser ordenado um sistema de conceitos jurídicos correspondente aos princípios. Deve-se ter presente que eles são de natureza teleológica e que, por isso, em caso de dúvida, é sempre necessário o recurso à valoração neles incluída isto é, ao princípio equivalente; por exemplo, sendo pouco claro se um determinado acto deve ser qualificado como negócio jurídico ou se uma posição jurídica protegida pode ser considerada como um direit;~ subjectivo, deve perguntar-se sempre se, no caso ques~ionado, respectivamente, procede a regulação predIsposta por força da auto-determinação privada / ou se se. deparam aqui os valores vigentes no reco- 1 nhecimento de direitos subjectivos. ' Outro tanto vale perante um sistema de institutos jurídicos (142). Também estes não tornam a valoração unificadora de modo algum imediatamente visível. Mas sobretudo, eles não se reportam, em regra, a um único valor, mas sim à ligação de várias ideias jurídicas distintas; assim, o complexo regulativo da autonomia privada, que se pode considerar como «instituto» do nosso Direito privado, só se entende a partir de uma acção conjunta dos princípios da auto-determinação, da auto-responsabilidade e da protecção do tráfego e da confiança (143); uma semelhante «misce.'1
"-~":':--'--'-' ... ,- jl
Este corresponde sobretudo ao conceito de sistema cf. System des heutigen romischen Rechts, 1840, § 5 (p. 10 s.); quanto ao «instituto» como factor constitutivo do sistema cf. ainda EssER,Grundsatz und Norm dt., p. 324 ss. e LARENZ, Methodenlehre cit., p. 137 ss. (143) Cf. mais pormenorizadamente infra, p. 92 ss.
genação» de princIplOs fundamentais pode demonstrar-se em todos os «institutos jurídicos». Mas assim sendo, um sistema com eles formado iria exprimir a unidade da ordem jurídica do modo fragmentário, pois a conexão ainda mais profunda existente entre os institutos não se tornaria visível; pelo contrário: o facto de, para vários institutos, os mesmos princípios serem, em parte,constitutivos (144) por exemplo para o da auto-responsabilidade ou da protecção da esfera de liberdade - mostra que, na procura da unidade do Direito, se regressa, por último, sempre e de novo aos princípios gerais do Direito, - uma vez que o sistema não resulta da sua mera enumeração desconexa, mas antes é constituído através da sua eOllcatenação e ordenação interna (145) e desde que contenha uma componente relativamente semelhante aos institutos. - A mesma objecção feita perante um sistema de institutos, também vale, aliás, em face dUIlI dI: conceitos, pois também estes, na maioria, cOlllp1'('('I1
(142)
de
SAVIGNY;
(];") Cf. também LARENZ, ob. cit., p. 139: «... os princípios ético-jurídicos, captados através dos institutos síngulares (' constitutivos da conexão de um complexo alargado de normas ... )}. ('1") Cf. mais pormenorizadamente infra, p. 53 e 55 ss.
Segue-se à proposta aqui feita, a tentativa de entender o sistema como ordem de valores (146). Também isso seria, evidentemente possível; em última análise, cada Ordem Jurídica se baseia em alguns valores superiores, cuja protecção ela serve. Mas ao mesmo tempo boas razões depõem, também, contra ela. Na verdade, a passagem do valor para o princí(pio é extraordinariamente fluida; poder-se-ia dizer, "
do prinCIpIO da auto-determinação negocial, está o valor da liberdade; mas enquanto este só por si, ainda não compreende qualquer indicação sobre as consequências jurídicas daí derivadas, aquele já exprime algo de relativamente concreto, e designadamente que a protecção da liberdade é garantida através da legitimidade, conferida a cada um, para a regulação autônoma e privada das suas relações com os outros.
.I"I. >
i
trário deste, ele já compreende a bipartição, característica da proposição de Direito em previsão e consequência jurídica (147). Assim, por exemplo, por detrás
(146) Cf. sobretudo COING, ob. cito na nota 133. (147) Cf. mais pormenorizada mente CANARIS, olJ. cit., p. 123 S. Isso não significa, evidentemente, que ele aparente, no restante, já a forma de uma disposição jurídica; ele distingue-se antes desta por não estar ainda, em regra, suficientemente concretizado para permitir uma subsunção, precisando, por isso de uma «normativização»; cf., mais detidamente, ob. cit., p. 160 ss. Contra a opinião de BYDLINSKI (6JBI. 1968, p. 223), isso não modifica, contudo, em nada, a justeza da diferenciação proposta entre princípio e valor; o princípio, ao contrário do valor, indica sempre, pelo menos, a direcção da consequência jurídica (ob. cit., p. 161 ss.) embora pormenores possam ficar em aberto. No que toca, em especial, ao exemplo citado por BYDLINSKI, do princípio de que a realização do capital de base de uma sociedade anõnima deve manter-se assegurado, é inteiramente reconhecível, nele, a bipartição em previsão (<
O ])rinc.l'.PiOocupa pois, justamente,
f....
o pon.to i~te..rm.édio entre o valor, por um lado, e o conceIto, por (lU t ro: [email protected]:&G€[email protected]:f-~-:iá--sufkienteJl1~!!te ti eterminªclQ.12ara _.~(?1ll pre~.Dde_cllllla_-i:Q9ic~ã.Q_§()})-!~_ ;1 ~ consequências._jurídiGas--e,--GOill.isso,para .possui~ uma configuração. esp~cWçªrrg~l1t~ jurídica e ultraI)assa este poraillda não estar sllficieIitt::Illente deterIninado para esconder a valoração. Uma vez por lodas - e mais uma vez se repete, para evitar mal,('nlendidos - trata-se, predominantemente, de uma qlll'stIio d,' oportunidade c de acaso: um sistema de olc'ol •. p"l"'" .1I1I::llIdo fallll' di' um «valor», pois a realização tllI ('111'11111 d" 1111:;/\11110VIII" por si só, mas apenas pela prok",;n" «d" '1"1' ":lU por detrás dela» e, portanto, é precisa II/lli! v(,riOll «vl1lol'<·s». D,~ resto, é de admitir que os valores IlIIldl('II:1 :lI' d,'I)(11111f:wilmente reformular nos correspondentes prllll'ipío:; " '111(', por' isso, as delimitações são fluidas - tra'",ul" :;(' 11i1l'IHl:~dI' diversos graus de um processo de concre'I'/,/I<;l'io ,'m li! eonlínuo (que, na sua fase seguinte, prossegue do prlllc:lpio para a norma e, aí, aparenta de novo delimita.;,.••.s I'Il1ldas). - Em compensação, o que BYDLINSKI diz, ob. cito, qllanto Ü diferença entre a analogia e princípios gerais de I lin'ito é corNincente e representa um progresso importante IH'::ta questão.
ckl
conceitos teleológicos, de institutos jurídicos ou valores superiores deveria assemelhar-se muito a uml sistema de princípios: deveria deixar-se reformulal _ .i neste outro, de modo extenso, quando não total. _.~..
b)
Os tipos de funções Direito» na formação
dos «princípios do sistema
gerais
do
Apurada e demonstrada a escolha para elementos constitutivos unitários dos princípios gerais de Direito, surge, como nova tarefa, o tecer considerações mais pormenorizadas sobre o modo e a forma pelo qual eles acatam a sua função sistematizadora. Salientem-se, aqui, quatro características: os princípios não valem sem excepção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição (148); eles não têm a pretensão da exclusividade; eles ostentam o seu sentido próprio apenas numa combinação de complementação e restrição recíprocas; e eles precisam, para a sua realização, de uma concretização através de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo material próprio. ~ Os princípios não valem sem excepção e podem ~ entrar em oposição ou em contradição entre si. Esta característica não precisa de explicação; é para oS) juristas um fenómeno seguro o de que, às decisões fundamentais da ordem jurídica, subjazem muitas i' excepções e de que os princípios singulares não pou:,,~
t.
(148)
intra,
Para a diferença
§ 6 I 2 d.
entre oposição
e contradição
cf.
('ns vezes levam a decisões contrárias. Pense-se apell;lS nas excepções sofridas pelo princípio da liberdade de forma dos contratos obrigacionais, pelo da consensllalidade da procuração, pela possibilidade de representação nos negócios jurídicos, pelo da condicionabilidade dos negócios jurídicos, pelo da liberdade de aceitação dos negócios do representante legal, etc. Ou pense-se nas múltiplas limitações do princípio da autonomia negocial que resultam da consideração de princípios contrários e das contraproposições daí resultantes, como, por exemplo, a limitação da liberdade de celebração, através de várias previsões do dever de contratar, a limitação da liberdade de estipulação dos contratos obrigacionais através do Direito de protecção das denúncias do Direito social do arrendamento e no Direito do trabalho, na limitação da liberdade de testar através do direito de legítima, etc., etc. Entre a mera excepção e o princípio contrário existe, naturalmente, uma passagem fluida; deve verificar-se, quanto a isso, se o valor que requer a limitação possui uma generalidade e uma categoria bastantes para, por seu turno, valer como princípio constitutivo do sistema. Isso não sucede, por certo, nos exemplos acima dados, a propósito das ideias jurídicas que subjazem às diversas prescrições de forma, isto é à protecção contra a precipitação ou à facilitação de prova; o BGB não confere a esses valores um significado tal que, aqui, se possa falar em princípio constitutivo do sistema do Direito civil ou, sequer, apenas do Direito das obrigações; trata-se, assim, de meras excepções ao
princlplO da liberdade de forma. Pelo contrário, os princípios de tutela dos trabalhadores e da protecção da família, que estão por detrás do direito de protecção dos despedimentos e da legítima, respectivamente, têm, sem dúvida, uma função constitutiva para os nossos Direitos do Trabalho e das Sucessões e, para além disso, também para todo o Direito Privado; . há, pois, princípios opostos. Os princípios não têm pretensão de exclusividade. , Isto significa que uma mesma consequência jurídica, característica de um determinado princípio, também pode ser conectada com outro princípio. Podia-se julgar que isto é evidente. Mas tem sido frequentemente posto em causa, pelo menos a propósito de princípios singulares, e este mal-entendido tem-se mostrado, em parte, como um obstáculo pesado para o progresso do nosso Direito privado. Assim, por exemplo, nem sempre foi reconhecido que as prestações de indemnização podiam resultar não apenas de violações culposas do Direito; hoje já não é discutível que, ao lado dela, haja uma série de outros princípios de imputação, também constitutivos do sistema, tais como os princípios do risco, da confiança ou da imputação por actos lícitos e que as disposições a eles respeitantes, como as previsões de responsabilidade pelo risco, § § 122, 179, 307 e 904/2 BGB (*), (*) Nota do tradutor: o § 122 do BGB obriga o declarante a inc!emnizar o dec1aratário ou, em certos casos, terceiros, quando a declaração seja declarada nula ou seja anulada; o § 179 estabelece a responsabilidade do representante que não prove os seus poderes, quando o representado recuse a ratifi-
respectivamente, não são, de modo algum, previsões excepcionais «contrárias ao sistema» mas antes, pelo contrário, expressões (em parte incompletas) de princípios gerais. Por certo que o princípio do dever de responder pelo ilícito culposo merece ainda uma certa primazia, que se baseia em parte no seu significado histórico, mas também, sobretudo, na sua especial evidência ético-jurídica; mas isso não justifica, de modo algum, que lhe seja reconhecida uma pretensão de exclusividade; antes conduz a que, no reconhecimento de outros fundamentos de imputação, seja cuidadosamente verificada a questão do seu poder de convicção interior. Compreende-se, por si, que esta perspectiva tenha o mais alto significado para a interpretação comum e para a interpretação criativa do Direito (149). Uma problemática muito semelhante à colocada a propósito do princípio da culpa, põe-se, também, quanto ao princípio de autonomia privada e possui, ainda hoje, grande actualidade. Não poucas vezes parece dominar o mal-entendido de que pretensões «como as resultantes de um negócio jurídico», portanto, em especial, pretensões de cumprimento, só podem, fundamentalmente, resultar de negócios jurí('ação; o § 307 manda, àquele que conheça a impossibilidade duma prestação assumida, indemnizar a outra parte que se lenha fiado na viabilidade do contrato; o § 904/2, por fim,
93
dicos (150). Isso opor-se-ia, por exemplo, ao reconhecimento da responsabilidade pela confiança como um princípio constitutivo do sistema de igual categoria, na medida em que, dele não resultem apenas pretensões de indemnização, mas ainda, como na responsabilidade pela aparência jurídica, pretensões de cumprimento. Na verdade, não se demonstra semelhante pretensão de exclusividade do princípio da autodeterminação negocial (151), de tal modo que ele não se opõe ao reconhecimento de pretensões de cumprimento a partir da responsabilidade pela confiança ou de outras previsões de «imputação objectiva» (m). Em geral, pode dizer-se a tal propósito: os princípios não deveni, ·..1'· fundamentalmente, ser colocados num quadro de! exclusividade; eles não devem, portanto, ser formula- {. ~os segundo «só quando ... então ... ». ~ '\ Os princípios ostentam o seu sentido próprio apenuma combinação de complementação e restrição
L::~
(150) Tal poderia ser, antes de mais, a opinião de FLUME, uma vez que ele ou não considera os correspondentes fenómenos como outras previsões especiais capazes de declarações, como, por exemplo, a doutrina do documento de autenticação comercial (cf. Allg. TeU n, 1965, § 36) ou os recusa por inconciliáveis com o Direito em vigor e, em especial, com a doutrina do negócio jurídico como, por exemplo, a «procuração aparente» (cf. ob. cit., § 49, 4, sobretudo p. 834: {(... de tal modo que as regras sobre negócio jurídico não engrenam»). (151) Cf., quanto a isso, mais desenvolvidamente, CANARIS, Die Vertrauenshaftung im deutschen Privatrecht, 1971, p. 431 SS. (152) Cf., sobre isso, por todos, HÜBNER,Zurechnung statt Filztion einer Willenserkliirung, em Nipperdey-Festschrift, 1965, p. 373 ss.
(15~~}r Também
para esta proposição encontramos variaaõs exemplos. Assim, por exemplo, a doutrina do negócio jurídico e, em especial, a regulação do erro no BGB só se torna compreensível a partir da ligação dos três princíp:os da autodeterminação, da auto-responsabilidade e da protecção da confiança. A autodeterminação só é possível em auto-responsabilidade (154), assim como a autêntica liberdade sempre inclui, em si, a vinculação ética. Em consequência disso, o imputável deve ainda responder, em certas circunstâncias, pela regulação legal mesmo quando a sua autodeterminação falhe; surge, aqui, a auto-responsabilidade como princípio complementador. Esta está estreitamente ligada ao princípio da protecção da confiança, pois, em geral, só perante o terceiro de boa fé existe a possibilidade de, honestamente, apesar da falha na autodeterminação, conservar o negócio jurídico, com recurso ao principio da auto-responsabilidade. Por exemplo, o princípio da auto-responsabilidade evidencia-se na regra da interpretação objectiva, na medida em que se trata de fazer imputar ao declarante (pelo menos agora) o significado objectivo e o princípio da confiança aflora quando dê relevo ao modo como a outra parte deveria ter entendido, razoavelmente, a declaração. Subjaz, de igual modo, uma ligação entre os três princípios, recíprocas
(153) São fundamentais os trabalhos de WILBURG; d., quanto a eles, pormenorizadamente infra, § 4.°. (154) Cf., quanto a isso, por todos, LARENZ,Die Methode der Auslegung des Rechtsgeschiifts, 1930; FLUME, ob. cit., § 4, 8 e 21, 1.
por exemplo, no § 123 II BGB, enquanto a relevância, sem excepção, de uma ameaça, segundo o § 123/1 BGB (*), respeita a uma postergação do princípio da confiança perante o da autodeterminação que, aqui, por força do peso e.special do vício - segundo a valoração do BGB - não é modificado através da ideia da auto-responsabilidade. Auto-responsabilidade e protecção do tráfego (não a protecção da confiança) estão também por detrás da validade provisória de um negócio - sobre o qual recaia um erro relevante -; a auto-responsabilidade e a protecção da confiança dão ao § 122 BGB o seu sentido (**). O princípio da protecção do tráfego desempenha um papel significativo na regulação da capacidade negocial onde ele, em conjunto com o estreitamente aparentado princípio da clareza jurídica, conduziu à imposição de estreitos limites de idade; ele tanto modifica o princípio da autodeterminação como o de auto-responsabilidade: o negócio de um menor de vinte anos (*) Nota do tradutor: dispõe o § 123 do BGB: (1) Aquele que tenha sido levado a emitir uma declaração de vontade através de dolo ou de ameaça ilícita, pode anular a declaração. (2) Quando o dolo tenha sido cometido por um terceiro, a declaração destinada a outrem, só é anulável quando este conheça ou deva conhecer o dolo. Quando qualquer outro que não o destinatário da declaração tenha adquirido, com base nela, imediatamente, um direito, é essa declaração anulável sempre que ele conhecesse ou tivesse conhecido do dolo. (**) Nota do tradutor: § 122, já acima referido, manda indemnizar a pessoa que creia na validade de um negócio, quando haja anulação.
(, ineficaz, mesmo quando este tivesse uma total cap:l cidade de julgamento, e ela representasse, portanto: lima regulação legal de autodeterminação responSável).' e sem falhas; e inversamente, o clausulado por uma , pessoa de vinte e um anos mentalmente atrasada é eficaz, ainda quando não se possa aqui falar propria'-mente de uma autodeterminação responsável. Junto de uma tal complementação surge a limitação recíproca. Isso já foi acima indiciado, a propósito da discussão do primeiro critério. Assim, o princípio da autodeterminação na nossa ordem jurídica só se dei.xa apreciar plenamente quando se incluam, na ponderação, os princípios contrapostos e limitativos e o âmbito de aplicação que lhe seja destinado, portanto, por exemplo, quando se actuem as previsões da obrigação de contratar, da protecção no despedimento ou da legítima, de modo útil para a autonomia privada. Por outras palavras: o entendimento de um princípio é sempre, ao mesmo tempo, o dos seus limites (lõ5). A combinação mútua dos princípios conduz, no entanto, a certas dificuldades na formação do sistema. Designadamente, surgem aspectos diferenciados consoante se descrevam os diversos lugares onde um princípio de Direito tem significado jurídico ou se elabore como actua ele num determinado local. É certo, por exemplo, que o facto de os princípios da imputação do risco e da protecção do tráfego não
I
°
('55) Seja dos seus limites imanentes, seja dos «externos», isto é, dos condicionados pela oposição de outros princípios.
actuarem apenas no quadro da doutrina do negoclO jurídico mas também no enriquecimento sem causa e na responsabilidade civil, constitui uma característica sistemática do Direito vigente. Mas é igualmente próprio do sistema que eles tenham conduzido, no âmbito negocial, ao princípio da interpretação objectiva, no enriquecimento sem causa, à conhecida proibição de ingerência em relações tripartidas e na responsabilidade civil, à objectivação da bitola da negligência. Só os dois aspectos levam, de algum modo, à representação plena do sistema, sem que se possam sempre reflectir ou até formular simultaneamente. Eles actuam pois, complementarmente um perante o outro, para utilizar um termo que é também empregue no domínio da teorização das Ciências naturais (156). . · L t . " 't <~1 Fma men -e, os pnnclplOs neceSSIam, para a sua , realização, da concretização através de SUbPrincíPi,osl,.
[ e de valorações singulares com conteúdo matel~~aIr ' próprio. De facto, eles não são normas e, por issÕi'i não são capazes de aplicação imediata (l57), antes devendo primeiro ser normativamente consolidados ou «normativizados» (158). Para tanto, é imprescindí-
(156)
Cf., quanto a isso,
WEISSKOPF
Zukunft, 1981, p. 203 s. (na sequência de
em Rücl~blick in die NIELS
BOHR).
(157) Fundamental para a distinção entre principio e norma, ESSER, Grundsatz und Norm in der richterlichen Fortbildung des Privatrechts, 2.' ed., 1964. (158) Cf. CANARIS, Die Vertrauenshaftung cit., p. 474 SS.
vel a intermeação de novos valores autónomos. Isso demonstra-se, de novo, com exemplos. Quando, por exemplo, se saiba que uma determinada vinculação respeita ao princípio da auto-responsabilidade, ainda se está muito longe de uma norma susceptível de imputação. A auto-responsabilidade não significa mais do que imputação, mas esta pressupõe um determinado princípio de imputação. O Direito civil vigente conhece, como tais, apenas o princípio da culpa, o princípio do risco e - em todo o caso segundo uma opinião difundida, ainda que incorrecta (1Õ1) - o princípio da causalidade, cabendo efectuar uma escolha entre eles. Mas com isso, o processo de concretização não ficou contudo, ainda, concluído. Feita, por exemplo, uma escolha a favor do princípio da culpa, surge, de seguida, a questão das formas de culpa; determinadas estas, mais pormenorizadamente, como dolo e negligência, cabe ainda esclarecer o que se deve entender com jsso; de novo são necessários valores autônomos, por exemplo, a propósito do tratamento dos erros sobre a proibição, a propósito da questão de saber se o conceito de negligência se deve entender objectiva ou subjectivamente e a propósito da determinação interna do que seja, em determinada situação, o «cuidado necessário no tráfego»; também surgem novos valores na determinação da bitola de responsabilidade, portanto a respeito do problema de por que grau de culpa se deve responder: se só por dolo, se só até ao limite da negligência grosseira ou
se só pela diligência exigível, etc. Outro tanto acontece quando, no tocante à imputação, se decida a favor de princípios do risco. Também aí se colocam problemas de valoração próprios, porquanto se trata de apurar que risco deve ser imputado e até que limites actua o dever de responsabilidade; pense-se apenas na escala de possibilidades, desde a responsabilidade com inclusão da força maior e através de várias formas intermédias até à liberação da responsabilidade pela existência de um «evento inevitável», no sentido do § 7 II StVG! O mesmo se demonstra com exemplo na responsabilidade pela confiança. Assim, feita a afirmação básica de uma protecção da confiança, surge imediatamente a pergunta por que forma ela vai actuar: através da concessão de uma pretensão de indemnização pelos danos e pelas despesas como, por exemplo, nos § § 122, 179 II e 307 do BGB (*) ou através da concessão de uma pretensão de cumprimento como, por exemplo, nos casos da responsabilidade pela aparência jurídica? Isso já não se pode resolver com base, apenas, na ideia de confiança, de tal modo que devem ser encontrados novos pontos de vista materiais, depois de cujo emprego podem, em certas condições, resultar subproblemas novos e semelhantes. Aceitando-se que a responsabilidade pela confiança respeita, normalmente, a uma conexão entre os prin-
eípios da protecção da confiança e da auto-responsabilização, e que este último, por seu turno, como acima se disse, implica toda uma escala de diferentes possibilidades de concretização, torna-se clara a multiplicidade imaginável de formações previsivas, através da combinação de variantes e subvariantes, - o que é confirmado pela consideração do Direito vigente com o seu grande número de diferentes tipos de responsabilidades pela confiança. Mostra-se, assim, amplamente, que as consequêneias jurídicas quase nunca se deixam retirar, de forma imediata, da mera combinação dos diferentes princípios constitutivos do sistema, mas antes que, nos diversos graus da concretização, surgem sempre novos pontos de vista valorativos autónomos. Em regra, não se pode reconhecer a estes a categoria de elementos constitutivos do sistema, por causa da sua estreita generalidade e do seu peso ético-jurídico normalmente fraco: eles não são constituintes da unidade de sentido do âmbito jurídico considerado, portanto, do Direito privado, nos exemplos citados (1GB).
(159) Mas eles podem, naturalmente, ser constituintes da unidade de um âmbito parcial - em regra pequeno. Assim pode-se, por exemplo, considerar um princípio jurídico inteiramente constitutivo para um «sistema da responsabilidade pela confiança», princípio esse que não teria tal categoria no sistema das obrigações ou, até, do Direito privado. Caracterizar um princípio como «constitutivo do sistema» é, aliás, uma tarefa relativa; cf. mais pormenorizadamente supra p. 77 s.
c)
As diferenças dos «princípios perante os axiomas
gerais de Direito»
Para concluir, regresse-se ainda uma vez à problemática do sistema axiomático-dedutivo (160); torna-se claro, de acordo com as considerações então feitas, que os princípios gerais de Direito são, em. qualquer caso, inadequados para fundamentar tal sistema. Na verdade, a segunda e, pelo menos em parte, a terceira das características isoladas aplicam-se, também, aos axiomas. Pois também estes não se devem, essencialmente, edificar segundo a fórmula «só quando ... então ... », antes deixando aberta a possibilidade de o mesmo resultado poder ser retirado de outro axioma (161); uma certa tendência para a redução a relativamente poucas premissas é também inerente a ·um sistema axiomático - uma tendência que surge, aliás, em cada sistema por causa do elemento da unidade e que também é evidente num sistema de princípios gerais de Direito -; no entanto, um axioma não adquire por isso, de modo algum, necessariamente a pretensão da exclusividade. E no (160)
Quanto
a
isso cf.
pormenorizadamente,
supra
§ 2 I 3 b.
(161) Questão completamente diferente é a de se um axioma pode ser deduzido de outro ou de uma conexão entre vários outros; isso deve ser negado, pois o axioma seria, então, supérfluo. Mais uma premissa não é, de modo algum, supérflua por o mesmo resultado com ela obtido, se conseguir a partir de outras premissas, interiormente diferentes.
que respeita à terceira característica, a complemenLação mútua dos princípios, resulta também um paralelo com os axiomas: do mesmo modo estes só adquirem o seu significado próprio quando se liguem entre si, para, a partir de várias premissas maiores axiomáticas, obter a multiplicidade dos «teoremas». A concordância cessa, contudo, no elemento da limitação mútua e, inteiramente, na característica interrupção por excepções e das contradições de princípios. Os axiomas exigem uma vigência sem excepções, e admitir, na formação do axioma, todas as excepções que surgissem seria uma axiomatização aparente (162). Enquanto os princípios conservam o eu sentido «em princípio», segundo o termo tão característico para os juristas, os axiomas devem poder ser formulados de acordo com o esquema «sempre que ... , então ... ». Isto não é, de modo algum, qualquer acaso; surge, pelo contrário, característico das especificidades do pensamento teleológico, perante a orientação lógico-formal; pois, como diz ESSER(163), «Os princípios só podem funcionar quando se possam quebrar com legitimidade». Totalmente inconciliável com um sistema axiomático é a possibilidade de contradições de princípios. É geralmente reconhecido que tais contradições podem ocorrer (164), não se
(162) (163) (164) Denken,
Cf. também Cf. Grundsatz
supra
p. 39 s.
und Norm,
p. 7.
Cf., por todos, ENGISCH, Einführung in das juristische p. 162 ss., com indicações desenvolvidas na nota 206a.
devendo, de facto, negá-Io (165). Elas não se deixam, de forma alguma, remover sempre (165), de tal modo que um sistema de princípios gerais de Direito não pode satisfazer o postulado da total ausência de contradições. Por isso, os princípios são inutilizáveis como base de um sistema lógico-axiomático, uma vez que a ausência de contradições dos axiomas é irrenunciável (166). Pelo contrário, a formação de um sistema teleológico não se opõe, de modo algum, à possibilidade de contradições de princípios; ela impede, em todo o caso, uma configuração perfeita desse sistema (167). , Finalmente, a quarta característica distingue também os princípios gerais dos axiomas; a partir destes todos os «teoremas» se devem deixar deduzir, com a utilização exclusiva das leis da lógica formal e sem a intromissão de novos pontos de vista materiais (168) enquanto que, como foi mostrado, para a concretização dos princípios gerais de Direito, são sempre necessárias, nos diversos graus, novas valorações parciais autónomas.
(165) (166) (167) (168)
Cf., pormenorizadamente, intra § 6 I 3-5. Cf. supra, nota 35. Cf., pormenorizadamente, intra § 6 I 5. Cf. as citações feitas supra, nota, 31.
Com a definição do sistema como uma ordem teleológica de princípios gerais de Direito, ficou determinado, nas suas características mais importantes, o conceito de sistema; no entanto, são necessárias, ainda, precisões nalguns pontos. Duas qualidades do sistema desempenham, na discussão jurídica actual, um papel largo que ainda não foi abordado, no decurso, já efectuado, da investigação e que se vai examinar de seguida: a «abertura» e a «mobilidade» do sistema. O que se pretende dizer com isso? No que toca, em primeiro lugar, à abertura, encontram-se, na literatura, utilizações linguísticas diferentes. Numa delas, a oposição entre sistema aberto e fechado é identificada com a diferença entre uma ordem jurídica construída casuisticamente e apoiada na jurisprudência e uma ordem dominada pela ideia da COdificação (1); nesse sentido, o sistema do Direito
(1) passim, Science, contudo, 1951, p.
Cf. ESSE R, Grundsatz und Norm, p. 44 e 218 s. e seguindo FRITZ SCHULZ, History of Roman Legal 1946, p. 69, cuja utilização linguística não se fixou, claramente, neste sentido; cf., ainda, LERCHE, DVBl. 692.
alemão actual deve-se considerar, pela sua estrutura (2), sem dúvida como fechado. Na outra, entende-se por abertura a incompleitude, a capacidade de evolução e a modificabilidade do sistema (3); neste sentido, o sistema da nossa ordem jurídica hodierna pode caracterizar-se como aberto. Pois é um facto geralmente conhecido e admitido o de que ele se encontra numa mudança permanente e que, por exemplo, o nosso sistema de Direito privado surge, no essencial, diferente do imediatamente posterior à promulgação do BGB ou do ainda há trinta anos existente. Esta mudança, em cujo decurso foi descoberta uma série de «novos» princípios, tem sido descrita com frequência (4) e só precisa, aqui, de ser indiciada.
(2) Segundo as considerações de ESSER, ob. cit., passim, devia ser hoje geralmente reconhecido que a oposição não é exclusiva, mas apenas tipológica e que, portanto, os dois tipos de sistema convergem; cf., também, ZAJTAY,AcP 165, p. 97 ss. (106). (3) Cf. SAUER, Juristische Methodenlehre, 1940, p. 172; ENGISCH,Stud. Gen. 10 (1957), p. 187 s.; LARENZ,Methodenlehre, p. 134 e p. 367; EMGE, Philosophie der Rechtswissenschaft, 1961, p. 290; RAISER, NJW 1964, p. 1204; FLUME, All. Teil des Bürgerlichen Rechts, 2.° vol., 1965, p. 295 s.; MAYER-MALY,The Irish Jurist, voI. lI, part 2, 1967, p. 375; KRIELE, Theorie der Rechtsgewinnung, 1967, p. 122, 145 e 150. Esta utilização linguística corresponde à utilização teorético-científica geral; cf. as citações infra nota 8. (4) Cf., quanto a isso, por todos, WIEACKER, Das
Sozialmodell der klassischen Privatrechtsgesetzbücher und die Entwicklung der modernen Gesellschaft, 1953, Das Bürgerliche Recht im Wandel der Gesellschaftsordnungen, DJT-Festschrift,
Ássim, e enquanto factos construtivos ou modificativos do sistema, desenvolveram-se: o princípio do risco, na responsabilidade objectiva, o princípio da confiança, na responsabilidade pela aparência jurídica e na doutrina da culpa in contrahendo e o princípio da equivalência material no instituto da alteração das circunstâncias; de modo semelhante, o princípio da boa fé demonstrou, na exceptio do li, na doutrina da suppressio (*) ou na multipIicidade dos deveres de comportamento desenvolvidos a partir dela, uma inegável força de alteração do sistema. Em que se fundamentam estas modificações do 1istema e em que sentido é o sistema aberto? A resposta só se obtém quando se separem, com clareza, . os dois lados do conceito de sistema, isto é, o sistema ~ ~ científico e o objectivo (5).
I voI. 2, 1960, p. 1 ss. e Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 1967, p. 514 ss. e 543 ss.; F. V. HIPPEL, Zum Aufbau und Sinnwandel
unseres Privatrechts, 1957. (5) Cf., quanto a essa diferença, supra, p. 13. (*) Nota do tradutor: a expressão latina medieval «&uppressio» foi proposta em MENEZESCORDEIRO,Da boa fé no Direito civil, 2.~ voI. (1984), 797, para traduzir a Verwirkung, spm correspondente na língua portuguesa. A «suppressio» pode definir-se como o instituto pelo qual () direito que não seja exercido durante bastante tempo, não mais poderá ser actuado quando o seu exercício retardado seja contrário à boa fé. No Direito português, a «suppressio» é uma subcategoria do abuso do direito.
I-
A ABERTURA DO "SISTEMA CIENTíFICO" COMO INCOMPLEITUDE DO CONHECIMENTO CIENTíFICO
No que toca ao primeiro, portanto ao sistema de proposições doutrinárias da Ciência do Direito, a abertura do sistema significa a incompleitude e a provisoriedade do conhecimento científico. De facto, o jurista, como qualquer cientista, deve estar sempre preparado para pôr em causa o sistema até então elaborado e para o alargar ou modificar, com base numa melhor consideração. Cada sistema científico é, assim, tão só um projecto de sistema (5a), que apenas exprime o estado dos conhecimentos do seu tempo; por isso e necessariamente, ele não é nem definitivo nem «fechado», enquanto, no domínio em causa, uma reelaboração científica e um progresso forem possíveis. Em consequência, nunca podem ser tarefas do sistema o fixar a ciência ou, até, o desenvolvimento do Direito num determinado estado, mas antes, apenas, o exprimir o quadro geral de todos os reconhecimentos do tempo, o garantir a sua concatenação entre si e, em especial, o facilitar a determinação dos efeitos reflexos que uma modificação (do conhecimento ou do objecto), num determinado ponto, tenha noutro, por força da regra da consequência interior.
Contudo, ninguém ma afirmar que o fenómeno da «abertura» do sistema na jurisprudência se possa reconduzir, apenas, à provisoriedade do conhecimento científico. Aceitar que as referidas modificações do sistema respeitam, exclusivamente, a progressos de penetração científica na matéria jurídica seria pura utopia. Mas isso leva, naturalmente, à conclusão de que subjazemmudanças no sistema objectivo, isto é, na própria unidade da ordem jurídica, e de que ele, por isso, deve ser aberto.
11- A ABERTURA DO "SISTEMA OBJECTlVO" COMO MODIFICABILlDADE DOS VALORES FUNDAMENTAIS DA ORDEM JURIDICA
Não é discutível e resulta mesmo evidente, que o Direito positivo, mesmo quando consista numa ordem jurídica assente na ideia de codificação, é, notoriamente, susceptível de aperfeiçoamento, em vários campos. Os valores fundamentais constituintes não podem fazer, a isso, qualquer excepção devendo, assim, mudar também o sistema cujas unidades e adequação eles corporizem. Hoje, princípios novos e diferentes dos existentes ainda há poucas décadas, podem ter validade e ser constitutivos para o sistema. Segue-se, daí, finalmente, que o sistema, como unidade de sentido, compartilha de uma ordem jurídica concreta no seu modo de ser, isto é, que tal como
esta, não é estático, mas dinâmico, assumindo pois a estrutura da historicidade (6). Não se deve encobrir esta realidade com o facto de, em vez dum sistema em si mutável e, por isso, aberto, se partir de uma sucessão de sistemas diferentes estáticos e, assim, fechados. Na verdade, teoricamente, sempre que um novo princípio constitutivo para o sistema obtivesse validade, poder-se-ia aceitar o nascimento de outro sistema, que absorvesse o até então existente; mas com isso, não se teria resolvido o fenómeno aqui em causa. Pois esta modificação do Direito não se verifica com saltos bruscos, antes operando num desenvolvimento paulatino e contínuo; isso vale mesmo quando não se trate de um aperfeiçoamento jurisprudencial, mas sim de mera intervenção do legislador: por exemplo, se este, ao consagrar sempre mais previsões de responsabilidade pelo risco, elevar assim um novo princípio jurídico à categoria de um elemento constitutivo do sistema, não fica, por isso, modificada a identidade do nosso sistema de Direito privado; este apenas se modificou, - nada de diferente, aliás, do que o que ocorre com a identidade de uma individualidade que não é negada pelas modificações no tempo, se esta comparação for permi-
(6)
Para
a historicidade
do Direito
cf., por
111-
o SIGNIFICADO DA ABERTURA DO SISTEMA PARA AS POSSIBILIDADES DO PENSAMENTO SISTEMATICO E DA FORMAÇÃO DO SISTEMA NA CI~NCIA DO DIREITO
À
abertura
ci(mtífico
como incompleitude acresce assim a abertura
do conhecimento comq modificabi-
!idade da própria ordem jurídica. Ambas as formas de abertura são essencialmente próprias do sistema jurfdico e nada seria mais errado do que utilizar a abertura do sistema como objecção contra o significado da formação do sistema na Ciência do Direito ou, até, caracterizar um sistema aberto como uma contradiçfío em si. A abertura do sistema científico resulta, aliús, dos condicionamentos básicos do tra1>111110 científico que sempre e apenas pode produzir projectos provisórios, enquanto, no âmbito questionado, ainda for possível um progresso, e, portanto, o trabalho científico fizer sentido; o sistema jurídico pa rtilha, aliás, esta abertura com os sistemas de todas
exemplo,
Recht und Zeit, 1955; ARTHUR KAUFMANN, Naturrecht und Geschichtlichkeit, 1957 e Das Schuldprinzip, 1961, p. 86 8S.; LARENZ, Methodenlehre, p. 189 8S.; HENKEL, Einführung in die Rechtsphilosophie, 1964, p. 36 ss. G.
lida (7). Que o legislador possa, contudo, colocar um sistema inteiramente novo no local do anterior contende, evidentemente, com isso; não é esse, aliás, o problema de que aqui se trata.
HUSSERL,
('I) Cf., quanto a isso, HENKEL, ob. cit., p. 40, que equiP:lI'.
as outras disciplinas (8). Mas a abertura do sistema objectivo resulta da essência do objecto da jurisprudência, designadamente da essência do Direito positivo como um fenómeno colocado no processo da História e, como tal, mutáve1. Esta forma de abertura não se encontra necessariamente em todas as outras Ciências (9), pois o seu objecto pode ser imutável; pode até haver aqui uma especificidade da Ciência do Direito; não se justifica então, de modo algum, colocar em dúvida a capacidade da ideia de sistema para a Ciência do Direito: pois as especialidades do nosso objecto devem corresponder a especialidades do nosso conceito de sistema e um sistema (em sentido objectivo) em mudança permanente é tão imaginável como uma unidade de sentido duradoura-
A ideia da abertura do sistema é inteiramente corna nova teoria científica; cf., por exemplo, RICKERT, System der Philosophie I, 1921, p. 350; PLESSNER, Zur Soziologie der modernen Forschung und ihrer Organisation in der deutschen Universitat, em: Versuche zu einer Soziologie des Wissens, publicado por MAX SCHELER, 1924, p. 407 ss. (413); JASPERS (e ROSSMANN), Die ldee der Universitat, für die gegenwiirtige Situation entworfen, 1961, p. 44; FREYER, Die Wissenschaften des 20. Jahrhunderts und die ldee des Rumanismus, Merkur 156 (1961), p. 101 ss. (113); SCHELSKY, Eisamkeit und Freiheit, Idee und Gestalt der deutschen Universitat und ihrer Reformen, 1963, p. 287 S. (9) Cf., por exemplo, a propósito da Física, a este propósito, C. F. VON WEISACKER, Abschluss und Vollendung der Physik, publicado na Süddeutsche Zeitung de 25.10.1966, n.O 255. (8)
rente
mente modificável (10). Retira-se, de facto, daqui, que a formulação do sistema jurídico - possivelmente em oposição a outras Ciências - nunca pode chegar ao fim, antes sendo por essência, um processo infindável (11); aí reside também um certo sentido prático, derivado do sistema ser aberto. De qualquer modo, isto traduz uma evidência, que de modo algum merece um significado tão fundamental como o que lhe confere a moderna discussão do sistema; em especial, a abertura do sistema não tem qualquer significado para a admissibilidade da interpretação criativa do Direito;
(tO) A questão tem, aliás, o seu paralelo na discussão :wbre o carácter científico da jurisprudência, na medida em que ,·:{tc seja negado com a fundamentação de que o jurista se ocupa de um objecto «efémero». Por fim, em ambos os casos deveria Iratar-se de um pouco significativo prablemade definição. (11) Enquanto uma ordem jurídica está em vigor, ela modifica-se e assim que deixe de vigorar, ela já não é mais objccto da dogmática jurídica, como Ciência do Direito v igente, mas sim objecto da História do Direito. O modo de trabalhar do historiador, contra a opinião de GADAMER (Wahrheit und Methode, 2.' ed., 1965, p. 307 ss.) não é, porém, li mesmo do do jurista dogmático, pois não lhe compete a IIplicação do Direito, a um caso actual, tão essencial para o dogmático, bem como o seu aperfeiçoamento; que GADAMAR d"sconheça isto tem a ver, sobretudo, com a polissemia do seu ('OI1l:eito de «aplicação»; d. WAGNER, AcP 165, p. 535 s. que n'nSllnl a GADAMER,com razão, neste ponto, uma troca de ('onceitos; contra GADAMER, com pormenor e convincente, HI':TTI. Dic Hermeneutik aIs allgemeine Methodik der (;I'ísleswissellschaften, 1962, p. 44 ss. e WIEACKER, Notizen 2./11' rechtshistorischen Hermeneutik, 1962, p. 21 (cf. também p. 8 SS. (' IH s.).
esta não é admissível por aquele ser aberto; antes aquele surge aberto porque esta - por razões exteriores à problemática do sistema - é admissível.
IV -
OS PRESSUPOSTOS DAS MODIFICAÇÕES DO SISTEMA E A RELAÇÃO ENTRE MODIFICAÇÕES DO SiSTEMA OBJECTIVO E DO SISTEMA CIENTIFICO
o círculo de questões da abertura do sistema não está totalmente esgotado com a mera justaposição da incompleitude do sistema científico com a modificabilidade do sistema objectivo, tanto quanto tal separação esteja, também, certa, em princípio. O problema, na prática altamente significativo, de saber sob que condições são possíveis modificações num dos dois sistemas tem ficado, até aqui, por esclarecer,
assim como a questão, com ele estreitamente
ligada,
da relação na qual ambos os sistemas (ou ambos os lados do sistema) se encontram entre si e, por consequência, que. influência têm as modificações dum deles, no· outro. À primeira vista, pode parecer que a
resposta não seja difícil de dar: o sistema científico modifica-se quando tenham sido obtidos novos ou mais exactos conhecimentos do Direito vigente ou quando o sistema objectivo ao qual o científico tem de corresponder, se tenha alterado; o sistema objectivo modifica-se quando os valores fundamentais constitutivos do Direito vigente se alterem. Em consequência, o sistema científico está em estreita dependência do objectivo e deve mudar-se sempre com este,
enquanto o sistema objectivo, pelo seu lado, não é Influenciado por modificações dentro do científico. Um exame mais cuidado mostra que a problemálleu não é assim tão simples, antes conduzindo imediatamente a duas questões prévias altamente complexas: ao problema da validade e das fontes do Direito (12) e ao problema, decerto modo ligado com aquele, da relação entre o Direito vigente «objeclivo» e os seus conhecimentos e aplicação; pois a questão dos factores e pressupostos de uma modificlIção do sistema objectivo é idêntica à da admissibilidllde de uma modificação do Direito vigente, portanto lIO problema das fontes do Direito e a questão da relação entre o sistema objectivo e científico é apenas 11111 sub-problema da questão geral das relações entre o Direito vigente «objectivo» e o seu conhecimento. Por não serem ambos problemas específicos da prohll~I1Híticado sistema, compreende-se por si que não possam ser pormenorizadamente discutidos no quadro do presente trabalho; na sequência, apenas se vai
(I") A validade e as fontes do Direito devem, natural11ll'llln, entender-se aqui, em sentido normativo e não em 111'11 lido fúctico, isto é, como o enunciado das proposições 1III'Idkilsque devam, acertadamente, ser aplicadas e não como " 1"vlIllLamentodas proposições jurídicas muda consoante a Illlllórill- é, na minha opinião, fundamental para a doutrina dll vlllidade e das fontes do direito e não deve, apesar da nll icll snmpro retomada, ser abandonada ou, sequer, confun<11<111 (mlls d., também, infra nota 36). Para os diversos tipos ri" l'llllc<'iLo de validade d., por todos, HENKEL, Einführung in .ti" 1~"('I""l'lli/oso1Jhie, p. 438 ss., com outras indicações.
esquematizar, com brevidade, o nosso próprio ponto de vista (13), na medida em que isso seja necessário para tornar segura, em toda a extensão, a problemática da abertura do sistema (13).
Ocupemo-nos, primeiro, das modificações do sistema objectivo. De acordo com a doutrina tradicional das fontes do Direito, deve partir-se do princípio de que, em primeira linha, a modificação cabe ao legislador. Como exemplo, recorde-se mais uma vez o alargamento paulatino da responsabilidade pelo risco e a modificação do nosso sistema de Direito privado, com isso provocada. No entanto, não é sempre necessário verificar-se semelhante intervenção directa. As modificações do sistema podem antes resultar de actos legisla ti vos que respeitem, primeiramente, a domínios jurídicos inteiramente diferentes; nota-se, aqui, de modo particular, o postulado da unidade valorativa e, com isso, a força do pensamento sistemático. Um dos exemplos mais visíveis, que surge a tal propósito, é a doutrina da eficácia externa dos direitos fundalTIel1taisque só 'se torna compreensível sobre o pano de fundo da ideia da unidade da ordem jurídica
Tanto se assumem conscientemente a renuncIa a uma discussão pormenorizada com opiniões divergentes como certas simplificações inevitáveis nos problemas. (13)
(~ que, na forma da eficácia externa imediata ou mcdiata, modificou essencialmente o nosso sistema de Direito privado; o tema do Direito geral da personalidade torna-o particularmente claro. Segue-se a força modificadora do sistema do Direito consuetudinário. Assim o sistema dos nossos Direitos Reais foi alterado através do reconhecimento da transmissão de garantias que, apesar de todas as tentativas de justificação, deve ser considerada como aperfeiçoanwn to contra legem do Direito e, assim, só se pode apoiar na força derrogadora do Direito consuetudin{Il'ío.
Mas serão a legislação e o Direito consuetudinário os únicos factores significativos para as modificações do Histellla objcctivo? A doutrina tradicional das fonI!'s do Direito deveria, consequentemente, afirmá-Io, coloclIndo'oSe, enUío, o problema de como esclarecer t odlts lIS 1I1odíl'icaçi'í('s do si::;tema que se reconduzam 1I I'I/(H;()('/I jllli:Jl'fI/(/I'lIcioi:J do Direito. Como enten111'1', por I'Xt'l1Iplo, li lal propósito, a culpa in con//fIlllJlldo I' li )'(\:lptllINahilidadl~ pela aparência jurídica, 11 vltlllt(~llo po:JillvlI do cródito e o contrato com efi4'flda pl'of<'Ctorll dI' terceiros, a exceptio dali e a 111/1'/)/(':11110, () dl~ver de contratar e a doutrina da alteI'IlI;l\odas c.írcullsUlncias, o desenvolvimento dos deven's dI' :INsísWncia e de lealdade no Direito do Trabalho IlO Direito das sociedades ou a doutrina das sociedlll"'S e das relações laborais de facto? Estes institu~ t m; surgiram inteiramente independentes de uma inlt'rvI'llção do legislador e apoiar a sua validade no I )ireí'o consuetudinário é pouco satisfatório porque (I
i i, •
os pressupostos deste - ainda que hoje já existentes - não se verificavam, de modo algum, no momento do seu primeiro reconhecimento, de tal modo que se deveriam, inicialmente, considerar como «inválidos» e só posteriormente legitimados através de um Direito consuetudinário derrogante. Fica apenas uma saída: poder-se-ia, nestes casos, negar qualquer modificação do sistema objectivo e afirmar que o desenvolvimento dos referidos institutos apenas conduziu a uma modificação do sistema científico. E porque o sistema objectivo é constituído, segundo a opinião aqui apresentada, por valores fundamentais ou por princípios fundamentais de Direito, isso iria pressupor que aquelas figuras novas respeitam a valores que, de antemão estavam imanentes ao nosso Direito privado; a problemática em questão desemboca assim na questão do fundamento da validade dos princípios gerais do Direito (14). Como tal deve-se, em primeiro lugar, referir o Direito legislado, do qual, frequentemente, se deixam obter princípios gerais, através da analogia ou, melhor, da indução. De facto, algumas das referidas construções novas, derivam, sem mais, dos valores da lei. Isso respeita, por exemplo, à responsabilidade pela aparência jurídica, pois a sua construção vasta-
(14) Este tentativa - ob. progredir algo siderações que
é relativamente pouco esclarecido; fiz uma cit., p. 95 ss. (97 ss., 106 ss. e 118 ss.) de nessa direcção, na qual se edificaram as conseguem.
mente ramificada desenvolveu-se, quase toda (15), a partir das in.dicações relativamente estreitas dos ~~ 171,172,405 e 794 do BGB (*), com base em analogia singular ou conjunta (16); isto vale, sem limita(;IJcs, para a violação positiva do crédito bem como, para a doutrina da sociedade de facto (17). Em tais casos, o reconhecimento de um novo instituto não , Hignifica, de facto, qualquer modificação do sistema (lbjcctivo, mas apenas uma alteração no científico,
I
(1 r,) Apenas há uma excepção para a chamada «pro('lII'lI(;ão aparente» que é altamente problemática por causa dll contradição de valorações com a regulação da falta de consciência da declaração; cf. mais desenvolvidamente, infra 1'. l.IH. CANARIS, Die Vertrauenshaftung im deutschen 1971, p. 106 s., 107 ss. e 133 5S. (17) No que toca à violação positiva do crédito, ela d"riVll directamente, da analogia com os casos legalmente I'I'/',ullldos de vícios na prestação. No que respeita à sociedade d(' I'ado, resulta, para as relações externas, do princípio da upnri"ncia jurídica imanente à nossa ordem jurídica (d. supra, tlll Imcto) e para as relações internas, do facto de os §§ 812 ss. do BGB não se adaptaram, tipologicamente, à sociedade, I'icundo pois sem aplicação, por força de redução teleológica, dl'V\'lldo substituir-se através da aplicação analógica dos pre" •.ilos sobre liquidação, como regulação material da dissolu1:110; para este entendimento da sociedade de facto cf. LARENZ, lVll'lllOd<>.nlehre p. 298 s. e Schuldrecht, BT. § 56 VII. ("') Nota do tradutor: o § 171 dispõe a eficácia da proI"II'IU>IO perante quem ela tenha sido anunciada pelo repreIj('lIlado; o § 172, sobre a eficácia do documento onde tenham Iildo conferidos os poderes de representação; o § 405 estipula, lIil C!'sé;fio de créditos, a inoponibilidade, ao novo credor, de
(!lI)
/'rival.recht,
Cf.
uma vez que os valores relevantes já se continham, de antemão, na lei e apenas não eram reconhecidos no seu alcance total. No entanto, nem todos os referidos institutos se podem apoiar, desse modo, nos valores da lei; muitos " deles não são «exigidos» através da teleologia ima[" nente da lei, mas apenas «inspiradas» por ela (18); ) I doutros, nem isso se pode dizer. Como WIEACKER / / acertadamente disse, existe uma «ordem jurídica )) extra-legal» (19); as modificações no sistema podem, I I também, partir dela. A maioria das novas formações, acima referidas, permite exemplificá-Io; em regra e em todo o caso, elas dispõem de um «apoio» jurídico-positivo (assim, para a exceptio dali e a suppressio, o § 242 BGB) mas que não obtêm, da lei, uma verdadeira legitimação. Poder-se-á dizer, em semelhantes casos, que os valores de base já estivessem imanentes à nossa ordem jurídica e tenham, apenas, sido descobertos, tratando-se portanto, também aqui, apenas de I
quanto não conste do título; o § 794 fixa a responsabilidade do subscritor dum título ao portador pela obrigação em causa, mesmo quando o título lhe tenha sido subtraído. Todas estas figuras tem o seu correspondente no Direito português, excepto o § 405: a cessão de créditos portuguesa, ao contrário da alemã, é causal e não abstracta. (18) Assim a formulação acertada de LARENZ, Nikisch-Festschrift, p. 276. (19) Cf. o subtítulo do seu escrito Gesetz un Richterkunst, 1958: «Zum Problem der aussergesetzlichen Rechtsordnung» (<
IllOdificações no sistema científico, mas não no obj,ec~ Uvo:) A resposta só se obtém quando se pergunte por que razão aqueles valores, apesar de não constarelll da lei, devem ser ainda parte do Direito, isto é, quando se coloque, de novo, a questão do seu fundamento de validade. E porque a lei e o costume, tendo I'm conta a especialidade do enquadramento do problema, se colocam, de antemão, de parte, surge, obrigatoriamente, a necessidade de uma reformulação das Iradicionais fontes do Direito (20), a qual pode, no I'ssenciaI, seguir apenas duas direcções: ou se decide I'levar a jurisprudência à categoria de fonte autónoma do Direito (21), junto da lei e costume, ou se devem reconhecer critérios de validade «extra-positivos», oferecendo-se então, como tais e antes de tudo, a
e")
Também 'WIEACKER, ob. cit., retira expressamente consequência da descoberta da «ordem jurídica extrah'gu!»; cf. p. 15 s. (" I) No sentido normativo; não é discutível que a senIt'!H.:a judicial seja fonte do direito facticamente vigente, isto é, dt'div
nante (22), mas também se acolhe ao auto-entendimento da jurisprudência como da doutrina: a primeira, nas suas decisões, mesmo quando ela, conscientemente, «aperfeiçoa» o Direito, da ideia de que as proposições jurídicas de base não obtêm validade através da sentença judicial (21), mas antes a possuem já previamente sendo, pois, apenas «descobertas»; a última, quando propaga um instituto jurídico novo, modificativo do sistema, apresenta, desde logo, a pretensão de que a solução por ela defendida seja Direito vigente e não coloca apenas, à jurisprudência, uma proposta não vinculativa, cuja aceitação, por ela, fosse uma questão de mera oportunidade ou, até, de livre vontade. De facto, fica apenas o segundo caminho e este parece ser inteiramente praticável, apesar da problemática estar ainda pouco pensada: os princípios gerais de Direito podem ter também o seu fundamento de validade para além da lei, na ideia de Direito, cuja concretização histórica eles largamente representam, e na natureza das coisas (23); por isso, ambos estes critérios devem ser reconhecidos como
(22) Na literatura sobre o Direito jurisprudencial, entre os mais recentes, sobretudo HIRSCH, JR 1966, p. 374 S8. com indicações extensas; ESSER, Festschrift für F. V. HippeJ, 1967, p. 95 ss.; H. P. SCHNEIDER, Richterrecht, Gesetzesrecht und Verfassungsrecht, 1969. (23) Sublinhe-se, de novo, que, aqui, apenas se visa uma esquematização do próprio ponto de vista, o qual foi apresentado e fundamentado noutro lugar (cf. as remissões nas notas 14 e 25) e que se renunciou conscientemente a uma discussão pormenorizada.
!'olltes do Direito, subsidiárias em face da lei e do em;tume (24); a partir delas, e através de um processo de concretização inteiramente material e muito COlllplicado, desenvolvem-se proposições jurídicas de conteúdo claro e de alto poder convincente e"). o que significa isto para a questão aqui colocada? Significa, em primeiro lugar, que, para além da lei (~ do costume, também podem conduzir a alterações d(~ sistema objectivo aqueles princípios gerais do Direito que representam emanações da ideia de Direito e da natureza das coisas (26). No entanto, ('stes critérios não se devem entender de modo 1I"llistórico e, em simultâneo, estático (27); pelo conC") Isso significa que os princlplos jurídicos desenvolvidos a partir deles só podem vigorar, na medida em que não contrariem os valores da lei e do costume; cf., mais pormelIorizudamente, CANARIS, ob. cit., p. 95 S. ("Ií) No tocante a singularidades no campo dos exemplos, devo, de novo, limitar-me a uma remissão para as minhas ('onsiderações em ob. cit., p. 93 ss. e p. 160 ss. (cf., também o n~sumo, p. 170 s.). ('!li) Os princípios imanentes à lei não são, como acima lil: disse, pontos de erupção para modificações no sistema o/JjeeUvo; mas existem, materialmente, passagens; sobretudo por vezes, a generalidade de um princípio contido na lei só lil' fundamenta convincentemente através do recurso a critérios como a ideia de Direito ou a natureza das coisas e, pelo menos t\l'SSI$ casos, subjazem-lhe também certas mudanças; cf. tamht'ml infra, nota 38. ("'{) Cf., quanto a isso, sobretudo, ESSER, Grundsatz und NOl'/Il in der richterlichen Fortbildung des Privatrechts, passim; I,AIlI':N/:, Nikisch-Festschrift, p. 299 ss., em especial p. 301 e 305 " /V1el./lOdenlehre,p. 314 ss.
trário, os princlplOs redutíveis à ideia de Direito só ganham o seu poder concreto em todas as regras através da referência a uma determinada situação histórica e da mediação da «consciência jurídica geral» (2') respectiva, outro tanto sucedendo com a natureza das coisas (2D). No entanto, através da modificabilidade desses «pontos de referência», aqueles critérios assumem, consequentemente, um carácter relativo, isto é, mutáve1. Assim, por exemplo, o «princípio da confiança», que nenhuma ordem jurídica pode, totalmente, deixar de considerar (3D), é de considerar como uma emanação da ideia de Direito; assim, este princípio é justamente um exemplo modelar da capacidade de modificação interna: para soluções claras de princípios jurídicos, ele não se deixa precisar a priori, mas antes apenas perante uma certa situação histórica, que é determinada, essencialmente, através do Direito legislado e do estado da «consciência jurídica geral» - e assim se poderá, por exemplo, afirmar que a doutrina de culpa in contrahendo ou da suppressio (28) O conceito é aqui entendido no sentido de LARENZ, Methodenlehre, p. 192 s. (29) Esta foi caracterizada por RADBRUCH justamente como fundamento para a ({multiplicidade de formações jurídicas históricas e nacionais»; cf. Festschrift für R. Laun, 1948, p. 158. - Da vasta literatura sobre a natureza das coisas cf., nos últimos anos, sobretudo SCHAMBECK:,Der Begriff der Natur der Sache, 1964, com indicações desenvolvidas; ARTHUR KAUFMANN, Analogie und Natur der Sache, 1965; DRElER, Zum Begriff der Natur der Sache, 1965. (ao) Em todo o caso, depois de ter, uma vez, tomado consciência dele.
tI/lo se basearam sempre, em todo o tempo, no priní'lpio da confiança, portanto não «vigoraram» necesrml'iamente desde o princípio; mas apenas puderam llHpirar ao reconhecimento como fundamentos legíIimos de aperfeiçoamentos jurídicos depois de uma dderminada modificação na consciência jurídica geral, qlH~ tivesse conduzido a um acentuar mais forte de villores ético-jurídicos. Outro tanto se demonstra para o ('xemplo a partir de uma argumentação retirada da natureza das coisas. Assim, por exemplo, as concepções sobre a «natureza» da relação de trabalho sujeitaram-se a fortes mudanças e, assim sendo, o d(~ver de assistência, dela derivado (31) e as consequüncias múltiplas que hoje com este se relacionam, poderiam não ter sido necessariamente, desde o início (d(~ modo objectivo e não apenas por desconhecimento) parte do nosso Direito privado, antes tendo ohtido validade apenas num processo paulatino (32). Por fim, o mesmo sucede, no essencial, com as cláu-
!>u/w; gerais «carecidas de preenchimento com valoraçiJes», como as remissões para os bons costumes
ou a boa fé, nas quais a própria lei deixa uma mar1'.('1l1para a erupção de valorações extra-legais e,
C' I) 1'- :'.H/I
Assim,
com
razão,
LARENZ,
Nikisch-Festschrift,
I-ó.
Para além da mudança na consciência jurídica e, por outro lado, tanto, em parte, provocada por ela ,', >1110. também, agindo sobre ela - outros factares ainda, ":lfurnllllcnte, o influenciam, como os avanços na protecção 11'1',al do:; trabalhadores e similares. (':!)
1',I'ml, -
necessariamente, mutáveis: também aqui existe um indício da modificação do sistema objectivo, que decorre de modo inteiramente semelhante ao da concretização de princípios gerais de Direito (para os quais as cláusulas gerais remetem com frequência).
o facto de a mudança de conteúdo do sistema não ser determinada por princípios retirados da lei e, com isso, através das modificações da «consciência jurídica geral», não exclui, por outro lado, que ela seja fundamentalmente, não «posta» ou «postulada» mas antes «descoberta» ou «encontrada» (33). Mas isso significa, no que toca à relação entre o sistema objectivo e o científico, que de novo a mudança do primeiro precedeu a mudança do segundo (34); também então, em casos deste tipo, a doutrina e a jurisprudência exprimem o que, «em si», já vigorava. Torna-se então particularmente claro que a relação entre o Direito objectivo e o seu conhecimento e aplicação - pelo menos onde se trate de concretização Assim, com razão, LARENZ, Methodenlehre cit., p. 315. As coisas são diferentes no tocante ao Direito facticamente em vigor, ao «law in action», no qual, em regra, a nova opinião coincide com a aplicação modificada ou, até, é precedida por esta (para a diferença entre vigência normativa e fáctica cf. supra, nota 12). (l3)
(l4)
vulorativa e não de mera subsunção - só se pode I'ntcnder como dialéctica ("r;): ela está na argumentação a partir de um princípio geral de Direito cuja vigência pressupõe sempre desde logo, enquanto este, por seu lado, também só se concretiza no processo da sua aplicação (36), - assim, por exemplo, o reconhccimento da doutrina da suppressio ou de novos institutos superiores não só pressupõe uma modifica<;ão da consciência jurídica geral mas também a exprime, e a estimula (37). Em resumo, pode dizer-se o seguinte: as modifica«lCS do sistema objectivo reportam-se, no essen-
(:Ir;)
Fundamental,
LARENZ,
Methodenlehre,
p.
189
ss.
(I!J:{ s.).
Nesta dialéctica, a oposição entre o Direito normae facticamente em vigor (cf. supra, nota 12) fica, em Jl;lrte, superada, uma vez que ambas as formas de validade li<' influenciam mutuamente, no processo da aplicação do Díreito. Aliás, a sua ligação é assegurada, sobretudo, pelo Direito consuetudinário: uma regulação que vigora fáctica, lllas não normativamente, pode obter esta última qualidade alravés do costume e inversamente: uma regulação que possua, na verdade, validade normativa mas que, por falta de aplicação, perca a validade fáctica, pode perder também a v:t1idade normativa, através do desuso consuetudinário, de tal 111()(!O que o Direito consuetudinário, com o tempo, vai impedir IlIlln nil.o coincidência de ambos os tipos de validade. C") Desta dialéctica deve, sobretudo, esclarecer-se que li:: princípios gerais de Direito só são formulados relativaIIH'IIID muito depois da sua primeira «aplicação» e, com especial r/"(~quência, permanecem muitos anos sob fundamentações (:I")
tivo
11pu rl'lllps.
cial C"), a modificações legislativas, a novas formações consuetudinárias, à concretização de normas carecidas de preenchimento com valorações e à erupção de princípios gerais de Direito extra-legais, que têm o seu fundamento de validade na ideia de. Direito e na natureza das coisas. As modificações do sistema científico resultam dos progressos do conhecimento dos valores fundamentais do Direito vigente" e traduzem, por outro lado, a execução de modificações do sistema objectivo. As modificações do primeiro seguem, fundamentalmente, as alterações do último; os sistemas objectivo e científico estão também ligados na dialéctica geral entre o Direito objectivo em vigor e a sua aplicação.
A «mobilidade» do sistema é, muitas vezes, confundida com a sua «abertura». Esta utilização linguística seria em si inteiramente possível, pois a palavra «mobilidade» exprime também a provisoriedade e a modificabilidade do sistema (1); mas não se recomenda; o termo foi fixado por WILBURG com utro sentido (2), e para evitar mal-entendidos, também só se deve usá-Io com o significado que lhe deu WILBURG. Na sequência, a «mobilidade» será, por isso, distinguida da «abertura» e só se falará de um sistema móvel» quando surjam as características essenciais para o conceito de sistema de WILBURG.
"
U I-
AS CARACTERISTICAS DO "SISTEMA MÓVEL», NO CONCEITO DE WILBURG
Essas características tornam-se claras, da melhor maneira, num dos exemplos com os quais WILBURG desenvolveu a sua concepção: na sua teoria da res-
(38) Também têm ocorrido, naturalmente, modificações no sistema através da interpretação comum, porquanto e na medida em que também esta passa pela mediação da «consciência jurídica gera!» e, por isso, é susceptível de alterações.
(1) Utiliza-o, nesse sentido, por exemplo, ZIPPELIUS, NJW 1967, p. 2231, coluna 2; também ZIMMERL, Aufbau des Strafrechtssystems, 1930, prefácio, p. V; d. também as citações infra, nota 29. (2) Fundamental, Entwicklung eines beweglichen Systems im Bürgerlichen Recht, discurso do Reitor em Graz, 1950.
ponsabilidade civil. WILBURG recusa procurar um princípio unitário que solucione todas as questões da responsabilidade indemnizatória e coloca, nesse lugar, uma muItiplicidade de pontos de vista que ele caracteriza como «elementos» ou como «forças móveis»; são elas: «1. Uma falta causal para o acontecimento danoso, que se situe do lado do responsável. Esta falta tem peso diverso consoante seja provocada pelo responsável ou pelos auxiliares ou tenha até surgido sem culpa, como, por exemplo, por uma falha material irreconhecível de uma máquina. 2. Um perigo que o autor do dano tenha originado, através de uma actuação ou da posse de uma coisa e que tenha levado ao dano. 3. A proximidade do nexo de causalidade, que existe entre as causas provocadoras e o dano verificado. 4. A ponderação social da situação patrimonial do prejudicado e do autor do prejuízo» (3). A consequência jurídica só surge e isto é decisivo - «a partir da concatenação destes elementos, segundo o seu número e peso» (4) e é determinada pelo juiz «segundo a discricionariedade orientada» (5). As «forças» não são, pois, «absolutas, de dimensões rígidas, antes decidindo o efeito conjunto da sua articulação variável» (G); pode mesmo r.-
n
Cf. ob. cit., p. 125, seguindo Die Elemente des Schadensrechts, 1941, em especial p. 26 ss e 283 ss.; cf. ainda Zusammenspiel der Krafte im Aufbau des Schuldrechts, AcP 163, p. 346. (4) Cf. AcP 163, p. 347. (5) Cf. Entwichlung eines beweglichen (6) Cf. ob. cit., p. 13.
Systems,
p.
22.
também bastar a existência dum único dos elementos, desde que este apresente «um peso especial» (7). Para a mobilidade do sistema, é característico, por um lado, que WILBURG negue a determinação de uma determinada hierarquia entre os «elementos», que coloca, pois, ao mesmo nível e, por outro, que eles não devam surgir sempre todos, mas antes se possam substituir uns aos outros. As características essenciais do «sistema móvel» são, pois, a igualdade fundarnental de categoria e a substituibilidade mútua dos competentes princípios ou critérios de igualdadepois é de facto disso que se trata quando WILBURG fala de «elementos» ou de «forças móveis» (8). Como Cf. ob. cit., p. 13. Esta terminologia poderia ser pouco feliz. Ambas as uxpressões recordam muito intensamente categorias das Ciências Naturais (elementos químicos, forças físicas! cf. também ob. cit., p. 17, onde se trata da «energia motora» da lealdade contratual), e com estas não se resolvem problemas jurídicos materiais, - o que WILBURG, aliás, não desconhece, de modo algum (cf., por exemplo, a sua crítica ao método «histórico-natural» de JHERING, ob. cit., p. 4 s.). Por isso, teriam sido melhores os termos «princípios de valoração» ou «critérios de justiça», pois se chamaria o significado directamente pelo nome e, ao mesmo tempo, exprimir-se-ia claramente também 11 posição histórico-metodológica de WILBURG: com efeito, ele :;II!lerou largamente as representações da velha jurisprudência dos interesses e do «pensamento jurídico causal», nos quais "h, constata um certo parentesco (cf. ob. cit., p. 5) e que de r:l('lo influenciaram a sua terminologia e deve, por isso, ser ('unlado entre os primeiros e mais avançados representantes da Illoderna «jurisprudência das valoraç5es» (quanto a esta, 4'1', I ,AIUo:NZ, Methodenlehre, p. 123 ss.). (7)
(8)
se vê com facilidade, isto não tem praticamente nada a ver com a abertura do sistema (9): a modificabilidade dos valores e dos princípios, característica para este, não precisa, de modo necessário, de ocorrer num sistema móvel, pois os competentes «elementos» podem ser inteiramente firmes, e, inversamente, a abertura do sistema não tem fatalmente, como consequência, a igual categoria dos seus princípios e a renúncia a previsões firmes; um sistema móvel pode, portanto ser aberto ou ser fechado (10) e um sistema aberto pode ser móvel ou rígido.
Com a sua concepção, WILBURG não quis, de modo algum, dar uma ideia global de sistema, mas apenas apresentá-Io como «móveb>; ele insiste também inequivocamente no termo «sistema». Não obstante, VIEHWEG incluiu-o, sem mais, entre os representantes
Não procede pois a frequente equiparação do sistema «móvel» deWILBURG a um simples sistema «aberto»; mas cf., porém, ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 187 s. (188); WIEACKER, Juristentag-Festschrift, vaI. lI, 1960, p. 7; LARENZ, JuS 65, p. 379, coluna 2; MAYER-MALY,The Irish Jurist, voI. lI, parte 2, 1967, p. 375, nota 2. (10) O próprio WILBURG poderia considerar o seu sistema móvel, simultaneamente como aberto, pois ele salienta de forma expressa que poderiam surgir também
do pensamento tópico (U) - e isso quer dizer não-sislemático - e pergunta-se, de facto se e até onde, neste ponto (12), se pode ainda falar verdadeiramente de um «sistema» ou se um sistema «móvel» não traduz, antes, uma contradição em si. Típicas do sistema sào, como foi dito no início (13), as características da unidade e da ordem. A primeira verifica-se, sem dúvida, em WILBURG. Como deve ser expressamente acentuado perante múltiplos mal entendidos, todo o seu pensamento se dirigiu para a elaboração de alguns poucos princípios constituintes, de cuja concatenação resulta toda a multiplicidade das decisões singulares; o sistema móvel deve, pois, tornar perceptível a unidade na pluralidade. Isso exprime-se, por exemplo, na exigência de WILBURG ao legislador de, através de uma «clara orientação das ideias», conter a enchente de normas singulares desconexas (14), bem como, com clareza, na sua polémica contra a orientação do juiz para a pura equidade (1"), que ignora o «conjunto dos princípios gerais» (1G). Perante isso, é
(11) Cf. Topik und Jurisprudenz, p. 72 ss.; concordante, WIEACKER, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2." ed., 1967, p. 597, nota 48; cf. quanto a isso, também infra, nota 28. (12) A terminologia, por fim, não é, naturalmente, deci:iiva, ainda que VIEHWEG, ao exprimir o seu entendimento de WILBURG, não a devesse, simplesmente, passar em silêncio; cf. lambém DJEDERICHSEN,NJW 1966, p. 699. (1:1) Cf. supra § 1 L (1'1) Cf. ob. cit., p. 4. (I") Cf. ab. cit., p. 22. (111) Cf. ob. cit., p. 6.
irrelevante que VIILBURG se negue a reconduzir todas as normas jurídicas a um único princípio jurídico, pois um sistema pode perfeitamente consistir - e em regra consiste - em vários princípios fundamentais. Mas com a característica da unidade deve, cansequentemente, afirmar-se também a da ordem, pois aquela não pode existir sem esta (17); assim, WILBURG acentua sempre, também a necessidade de «ordem interior» ou de «consistência interna» do Direito (18). Isto não está, de modo algum, em contradição com o facto de os critérios decisivos surgirem, como se viu, mutuamente substituíveis; pois nunca pode um ponto de vista ao acaso substituir qualquer outro ---< tal não seria, de facto, ordem, mas caosantes apenas um elemento de entre um determinado número pode, para uma matéria regulativa concreta, colocar-se no lugar de outro, portanto, por exemplo, para a solução do problema da pretensão de indemnização, apenas um dos quatro factores acima referidos, pode ir para a posição de um outro. E tão-pouco a igualdade fundamental nas categorias dos critérios de justiça competentes se coloca em contradição com a característica da ordem, pois a igualdade na ordenação é, ainda, uma forma de ordem. Apesar da ideia de uma certa hierarquia estar ligada ao conceito tradicional de sistema, esta categoria não surge irrenunciável, desde que a sua falta não torne possível
('7) Mas, inversamente, a ordem é possível sem unidade; cf. também supra, p. 12 s. ('8) Cf. ob. cit., p. 12 e p. 22, respectivamente.
a existência de ordem interior. E, por fim, não procede com WILBURG'- e seria entendê-l o mal quando Ia I se pretendesse - o considerar todos e quaisquer pontos de vista relevantes na Ordem Jurídica, fundaInentalmente, como iguais; pelo contrário: a ideia de uma certa hierarquia não pode, de modo algum, ser estranha à concepção de WILBURG, pois em muitos problemas particulares, surgem, para os elemenlos por ele elaborados, pontos de vista secundários, aos quais um pensamento tão diferenciado r como o dele não pode, justamente, renunciar e os quais possuem, perante aqueles, um peso menor. Só dentro dos princípios fundamentais - ordenadores - existe, portanto, igualdade de categoria - e mesmo aqui, WILBURG não exclui, evidentemente, de modo pleno, a possibilidade de uma ordenação (19) - ao passo que na relação entre estes e os restantes critérios relevantes para um problema singular, se pode falar inteiramente de certa hierarquia (20). Por tudo isto, a
('9) Cf., por exemplo, ob. cit., p. 15, onde WILBURG (perante um problema de enriquecimento) quer, «em caso de dúvida», ponderar a situação patrimonial dos implicados, por(anto apenas onde os restantes critérios não permitam uma :;o!ução justa, isto é, apenas subsidiariamente, o que implica, sem dúvida, uma relação de hierarquia. Mais tarde, também na responsabilidade civil, WILBURG exprimiu certas dúvidas quanto à admissibilidade de uma consideração igualitária da ::iluação patrimonial; cf., por exemplo, AcP 163, p. 346, nota 2. ("O) Se tal é, efectivamente, a opinião de WILBURG torna-se difícil de decidir em definitivo, por falta de uma posição lIuivoca quanto a esta questão.
concepção de WILBURGmerece, com razão, a qualificação de sistema (2]), mesmo quando não se deva desconhecer que se trata aqui de um caso limite.
1.
A prevalência do sistema
fundamental
das
partes
rígidas
o
presente trabalho ocupa-se da problemática do sistema perante o Direito vigente alemão, em especial o Direito privado alemão; põe-se pois, a questão das relações dele com o sistema de WILBURG.A consideração da nossa ordem jurídica não deixa dúvidas quanto à resposta: o sistema do Direito alemão vigente não é, fundamentalmente, móvel mas sim imóvel. Pois ele atribui, em regra, aos princípios singulares, âmbitos de aplicação delimitados, dentro dos quais eles não são substituíveis e prefere a formação rígida de previsões normativas, que exclua uma determinação variável d::ls consequências jurídicas, em função da discricionariedade do juiz, ainda que «vinculada». Assim, para manter o exemplo da responsabilidade civil, está claramente determinado no Direito alemão quais são as competências do princípio da culpa e do princípio do risco, sob que pressupostos se pode, excepcionalmente, considerar a situação patrimonial dos implicados (cf. § 829
1
III I
II
(21) RICHSEN, I
II
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Cf., também, BYDLINSEI, NJW 66, p. 699.
aVB!.
1965, p. 360;
11GB) (*), etc. Não há aqui qualquer espaço para uma ponderação de critérios «de acordo com o número e o peso» e isso vale, no fundamental, também para lodas as outras partes do nosso Direito privado e da nossa ordem jurídica.
DIEDE-
Mas isso, contudo, só em princípio! O Direito Icmão vigente da responsabilidade civil compreende igualmente um contra-exemplo que torna clara a necessária limitação: a erupção do princípio do tudo-ou-nada no § 254 BGB. Segundo esse preceito, o montante da indemnização depende «das circunstâncias», desde que tenha havido igualmente culpa do lesado (**) ou - como hoje, em geral, se reconhecetenha actuado também um perigo imputável do empreendimento. Surge aqui, exactamente, o quadro característico do sistema móvel deWILBURG: devem ponderar-se vários factores entre si, podendo um substituir o outro e sem que exista entre eles qualquer hierarquia rígida. Assim, por exemplo, em vez 11
(*) Notas do tradutor: o § 829 do BGB determina, em síntese, que o inimputável autor de certos danos possa, não (>bstante, ser obrigado a indemnizar segundo a equidade, desde que não seja possível obter tal indemnização do terceiro obri1:11<10 a vigiá-Ia e na condição de o inimputável em causa não ficar privado dos meios materiais necessários. C"*) O § 254 do BGB, cujo conteúdo é explicado no I(~;-(lo, corresponde assim ao artigo 570 °/1 do Código Civil.
do concurso de culpas, pode operar também um perigo do empreendimento; uma culpa do lesado leve pode, através da ocorrência, na esfera do lesado, de circunstâncias agravantes do perigo, levar também a uma diminuição equivalente na sua pretensão indemnizatória; de igual modo, uma grave culpa do lesado (22), ou um risco de empreendimento «especial» ou «elevado» podem compensar em parte uma culpa pesada, etc.; também um risco concorrente do empreendimento pode actuar de modo a diminuir a pretensão de indemnização perante a responsabilidade pela culpa (23), na ocorrência de culpa leve, perante a negligência grosseira e, em certas circunstâncias, até em face do dolo, e, inversamente, a responsabilidade pelo risco não é necessariamente excluída pela culpa do lesado e a responsabilidade por «culpa levíssima» não é, sem mais, afastada por grave culpa do mesmo lesado. Não é possível confeccionar uma previsão normativa rígida, mas apenas ponderar entre si determinados critérios «de acordo com o número e o peso», no sentido de WILBURG, sem que se fixe uma relação de hierarquia, por exemplo entre culpa
(22) Pois a culpa e a sua graduação são apenas uma das circunstâncias relevantes, no cálculo do montante da indemnização; quanto à questão de quais os factores competentes, cf., principalmente LARENZ, Schuldrecht A. T. 9. ed. 1968, § 15 I e; EssER, Schuldrecht, 30 ed. 1968, § 47 IV e VII; SOERGEL-SCHMIDT, 10." ed. 1968, § 254, anoto 7 ss. (23) Esta é hoje, a doutrina inteiramente dominante; cfo, por exemplo, LARENZobo cito, em b e ESSER obo cit., em 5, com outras indicações.
p risco; por outro lado, também não relevam uns quaisquer pontos de vista - o juiz não pode, sem dúvida, considerar o estado civil ou a nacionalidade dos implicados. e apenas pode considerar as relações putrimoniais no caso excepcional de aplicação analógica do § 829 BGB - mas apenas critérios de imputaç[ío específicos, geralmente rígidos, com a intensidade da culpa, a perigosidade de um empreendimento ou de uma coisa, o grau de adequação ou a «proximidade» do nexo de causalidade (24), - portanto aqueles princípios que também dominam o nosso Direito da responsabilidade civil. O seu sistema compreende assim, junto de uma «imobilidade» de princípio, um scctor no qual os pontos de vista valorativos competentes são «móveis}). Outro tanto acontece noutros âmbitos. Encontram-se numerosos exemplos da mobilidade do sistema, em especial onde as previsões normativas rrgidas se complementam e acomodam através de cláusulas gerais: para determinar se um despedimento é anti-social, se existe um fundamento importante, se um negócio jurídico ou um comportamento são contrários aos bons costumes, etc., é necessário ponderar entre si determinados pontos de vista «segundo o número e o peso», sem uma relação hierárquica
ft
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(24) Ainda não está se devam considerar, em que se trata sempre, aí, que não se deve aplicar Ilroblemática, a literatura
plenamente esclarecido que factores cada caso; mas fica fora de questão de pontos de vista de imputação e um qualquer «topos». Cf., quanto à indicada supra, nota 22.
firme (2õ). No entanto, a formação rígida de proposições normativas>- pode-se dizê-lo sem mais - representa a regra; a «mobilidade» traduz a excepção G). O Direito positivo compreende, portanto, partes do sistema imóveis e móveis, com predomínio básico das primeiras.
e
lV -
o
SIGNIFICADO
LEGISLATIVO E METODOLÓGICO
DO
SISTEMA MóVEL
Do ponto de vista metodológico e jusfilosófico não se pode, porém, ficar por este resultado. Cabe antes ainda indagar como se deve julgar a concepção de WILBURG,independentemente da sua realização mais ou menos extensa numa ordem jurídica
concreta e de lege
que significado ela tem, em consequência, jerenda, isto é, para o legislador.
1.
O sistema móvel e a necessidade de uma diferenciação mais marcada
Para responder deve-se, em primeiro lugar, isolar uma qualidade que também é característica do «sistema móvel» deWILBURG, mas que não representa (2õ) O «sistema móvel» não se deve, contudo, identificar com as cláusulas gerais; cf., mais pormenorizadamente, infra -p. 82 e 85. (2G) Não apenas numericamente, mas, sobretudo, quanto .à sua importância.
algo de específico para ele, antes sendo imaginável, também, num sistema «rígido». Trata-se da exigência de WILBURGde uma diferenciação mais marcada e da sua crítica à absolutização de um determinado princípio. Deve-se, sem dúvida, concordar com ele - e já acima (27) se considerou justamente isso como uma característica essencial da função sistematizadora dos princípios -- em que estes não têm uma pretensão de validade exclusiva, antes surgindo numa complementação mútua, portanto numa concatenação e, além disso, carecem, para a formação de proposições jurídicas, de uma concretlzação diferenciadora através de critérios de valoração novos e autónomos. Esta consideração surge tão acertada e encontra um reconhedmento tão geral - não por último sob a impressão dos próprios trabalhos de WILBURGsobre o enriquecimento sem causa e a responsabilidade civil- na dogmática civil e actual quanto pouco uma tal diferenciação mais acentuada se liga justamente a um sistema móvel (8). Quando WILBURG, por exemplo, (27) Cf. p. 53 ss. e 55 ss. (28) É totalmente incompreensível o facto de VIEHWEG, ob. cit., p. 72 ss., em especial p. 74, ver na luta de WILBURG contra a absolutização de determinados princípios uma {
exige, no processo executivo, substituir o princípio rígido da igualdade de todos os credores que não tenham garantias reais, através de uma concatenação «mais elástica» de diferentes princípios jurídicos e quando ele considera como tais o ponto de vista do «prosseguimento do valor», da concessão não cuidadosa de crédito e da protecção social perante «pequenos» credores (29), então pode-se obter esse objectivo através de um sistema rígido, tão bem como através de um móvel: pode-se, inteiramente, confeccionar previsões normativas rígidas (como já acontece, no processo executivo alemão, a propósito da prevalência da indemnização no § 46 KO (30) ou a propósito de determinados credores especialmente dignos de protecção, no § 61 KO) (*) e, com isso, limitar o princí-
asserção de VIEHWEG surge como particularmente infeliz; se, para isso, ele tivesse recorrido ainda à renúncia de WILBURG à formação de previsões normativas firmes, nem assim VIEHWEG teria podido demonstrar que a jurisprudência, no seu conjunto, apresenta uma estrutura tópica, mas sim que se deveria limitar a cláusulas gerais e a fenómenos semelhantes (com isso ele ter-se-ia aproximado da verdade; cf., mais pormenorizadamente, infra § 7 II 2). (29) Cf. ob. cit., p. 6 ss, na sequência de aVEl 1949, p. 29 ss. (30) O facto de essa formulação corresponder, no particular, às exigências de WILBURG - e com certeza que não!não releva para a problemática dos princípios fundamentais, aqui em causa. (*) Nota do tradutor: a sigla KO corresponde a Konhursordung, a lei alemã das falências de 10 de Fevereiro de 1877, com alterações subsequentes, das quais a mais recente
pio da igualdade de todos os credores perante a falência, através de excepções claramente delimitadas; dever-se-ia mesmo dizer que uma tal configuração no processo executivo, na verdade diferenciadora mas rígida, é essencialmente justa e que não se poderia renunciar a uma hierarquização rígida entre os diversos tipos de crédito a executar e, com isso, também aos diversos pontos de vista valorativos. A diferenciação e a luta contra a falsa absolutização de princípios singulares não pressupõe, necessariamente, a mobilidade (31), e assim a grande diferenciação do pensamento de WILBURG não afirma, como tal, ainda nada de essencial sobre o valor de um sistema móvel.
Apenas as especificidades do sistema móvel são decisivas, isto é, a ausência de uma formação rígida de previsões normativas assim como a permutabilidade livre e a igualdade fundamental de categoria dos uata de 15 de Julho de 1986; o § 46 da KO confere à pessoa que tivesse o direito de separar, da massa falida, determinada eoisa, a faculdade de exigir, dessa mesma massa, a contraprestação, quando a coisa em causa tenha sido alienada; por seu turno, o § 61 da KO estabelece a ordem da graduação dos eréditos, na falência. (31) Mas antes a abertura, na medida em que a exigência de uma diferenciação mais marcada não se dirija, apenas, ao legislador mas também ao aplicador do Direito.
princípios de valoração. A primeira característica, em especial, sugere a questão de a identificar de acordo com a relação entre previsões rígidas e cláusulas gerais. Com isso não se entenderia, contudo, WILBURG (32). É característico para a cláusula geral o ela estar carecida de preenchimento com valorações, isto é, o ela não dar os critérios necessários para a sua concretização, podendo-se estes, fundamentalmente, determinar apenas com a consideração do caso concreto respectivo: a aspiração de WILBURG, pelo contrário, é de determinar, em geral, os «elementos» competentes, segundo o conteúdo e o número e confeccionar a sua «relação de interpenetração» de modo variável, deixando-a independente das circunstâncias do caso (I:'). Assim WILBURG bate-se também expressamente contra as decisões segundo a mera equidade porque - num argumento altamente decisivo para o seu pensamento -lhe falta a «presença de princípios fundamentais» (34); as cláusulas gerais, pelo contrário, são sempre caracterizadas, e pelo menos em parte, com razão, como «pontos de erupção da equidade».
('32) A crítica de ESSER, AcP 151, p. 555 s. e RabelsZ 18 (1953), p. 165 ss. não faz por isso, na minha opinião, inteira justiça a WILBURG. (33)WILBURG não se desliga, apenas, da situação do caso concreto mas sim «à situação do caso concreto, com consideração pelos pontos de vista apresentados e co-actuantes» de acordo com a sua formulação característica; cf., ob. cit., p. 17, 13, 18 e passim. (34) Cf. ob. cit., p. 6; cf. também p. 22.
3.
A posição intermédia do sistema móvel entre a cláusula geral e a previsão normativa rígida e a necessidade de uma ligação entre estas três possibilidades de formulação
Embora o sistema móvel não aparente a mesma estrutura das cláusulas gerais carecidas de preenchimento com valorações, não se deve negar um certo parentesco com estas (35): o sistema móvel ocupa uma posição intermédia entre previsão rígida e cláusula geral. Daqui provêm as suas vantagens e as suas fraquezas. No que toca às últimas, é evidente que um sistema móvel garante a segurança jurídica em menor medida do que um sistema imóvel, fortemente hierarquizado com previsões normativas firmes. Nos âmbitos onde exista uma necessidade de segurança jurídica mais elevada, deve-se preferir o último e o próprio WILBURG não iria, por certo, dissolver as ordenações firmes do Direito cambiário e dos Direitos Reais (36) ou sequer do Direito das Sucessões ou das Sociedades num sistema móvel. Deve-se também, pensar que seria exigir demasiado do juiz se deparasse, sem excepção, com um sistema móvel ficando por isso, em cada caso, perante as dificuldades da ponderação entre o relativamente frequente número elevado
(35) Quanto ao significado do sistema móvel para a concretização de cláusulas gerais cf. também infra p. 85, nota 45 sobretudo, p 152 s. (lc,) Quanto a este cf., expressamente, ob. cit., p. 4.
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de «elementos» (37). E finalmente, não se deve ainda ignorar que, para além do valor da segurança jurídica, também o da justiça pode entrar em contradição com um sistema móvel; pois a tendência «generalizadora» do princípio da justiça, que resulta do princípio da igualdade, contraria cada consideração das circunstâncias do caso singular e, com isso, também uma ponderação de «elementos» - ainda que fixados genericamente. A justiça, no entanto, não remete apenas para uma tendência generalizadora mas, também para uma individualizadora :(38): compreende-se que se recorra a esta para justificar o sistema «móvel». Mas ainda ('17) 'WILBURG apercebe-se inteiramente dessa obieccão (cf. ob. cit., p. 23) e replica que a posição do juiz é aind~ ~ais difícil «quando ele deva aplicar princípios que conduzam a consequências inaceitáveis». Isto só em parte é convincente; em primeiro lugar, consequências verdadeiramente inaceitáveis em leis pensadas de modo razoável são um caso excepcional; em segundo lugar pode-se-lhes opõr com frequência, de modo inteiramente legítimo, com auxílio das cláusulas gerais relativizadoras do Direito «estrito»; em terceiro lugar a aceita cão de uma grande injustiça pode muito bem, perant~ outros v;lores jurídicos como, em especial, a segurança jurídica, ser o mal menor; e em quarto lugar não resulta necessariamente da preocupação de WILBURG, que o sistema deva, no sel; todo, ser móvel, mas apenas que ele deve compreender partes móveis (e também verdadeiras cláusulas gerais) como «válvula» (cf. também, no texto). ('38) Quanto a essas duas tendências da justica e ao seu condicionamento mútuo cf., principalmente, HENKEL: Recht und Individualitat, 1958, p. 16 ss. e Einführung in die Rechtsphilosophie, p. 320, 323 ss. (325), e 351 ss.
então é necessário cuidado. Por um lado, uma certa individualização é também possível através de uma forte diferenciação de um sistema rígido intensamente hierarquizado e, por outro, o sistema móvel tão-pouco permite uma individualização ilimitada Sa), uma vez que é constituído por um número limitado de «elementos». Na verdade, não se pode ordenar totalmente o sistema móvel em nenhuma de ambas as tendências da justiça: ele reporta-se à tendência generalizante na medida em que determina, em geral os competentes critérios de justiça, e comporta a vertente da tendência individualizadora porquanto faz depender as consequências jurídicas concretas da concatenação, no caso singular, desses pontos de vista. Com isso, transparece a sua maior vantagem: o sistema
e
móvel representa um compromisso particularmente feliz entre os diversos postulados da ideia de Direito - e também a segurança jurídica sempre é
garantida em maior medida do que perante uma mera cláusula de equidade - e equilibra a «polaridade» (9) deles numa solução ponderada e «intermédia»; tanto se afasta do rigorismo das normas rígidas como da ausência de contornos da pura cláusula de equidade. Mas faltam-lhe, como já foi dito, pelo menos em parte, as vantagens daquelas outras modalidades; assim, a consequência só pode ser o edificar o Direito a partir de uma concatenação de todas estas possibiOu já não haveria qualquer sistema! ob. cit., p. 345 ss., em especial p. 349 ss., demonstrou convincentemente que se trata de «polaridade» e 11:10 de verdadeiras antinomias. ("sa)
("9)
HENKEL,
lidades de formulação:
entre a formação rígida de previsões normativas, por um lado, e a pura cláusula de equidade, do outro lado, figura o sistema móvel. Não é de prescindir, de modo algum, das primeiras, pelo menos em certos âmbitos, como acima se explicou, podendo estas representar a solução mais adequada, em especial quando o sistema «imóvel» apresente fortes diferenciações. Recorde-se o exemplo, acima (40) discutido, da falência ou, também, o exemplo de WILBURG retirado do âmbito da responsabilidade pelo risco: perante a especial alta perigosidade de uma coisa, por exemplo, de um avião, a excepção de força maior não exonera o proprietário, mas perante um objecto menos perigoso, como um veículo automóvel, a ocorrência de um evento «inesperado» exterior já actua, pelo contrário, em termos de excluir a responsabilidade (41); deve uma tal diferenciação dos fundamentos da exoneração segundo o grau - de perigosidade do objecto - que surge razoável e, até, inteiramente «imanente ao sistema» do Direito alemão - ser, efectivamente, deixada ao juiz de cada caso ou será do interesse da segurança jurídica como da observância da regra da igualdade, aqui não essencialmente adequada, que o legislador se ocupe delas de modo generalizador, de acordo com traços previsivos claros (avião, combóio, automóvel, etc.)?! E como fica, por fim, a limitação da responsabilidade, através de limites máximos numericamente fixados ,
limitação essa que é indispensável para a responsabilidade pelo risco, por ser necessária para o cálculo do risco e a possibilidade de efectuar seguros (42)? Torna-se, aqui difícil contestar que a regulação legal «rígida» seja o mal menor. - Mas, inversamente, também não se deve desconhecer que a plena consideração de todas as circunstâncias do caso concreto possa ser igualmente razoável e, por isso, não deve ser totalmente excluída pelo legislador; a «equidade» é, também, um valor jurídico específico (43); apenas determinações inteiramente abertas como, por exemplo as cláusulas de imputabilidade a comportam. A multiplicidade dos postulados singulares da ideia de Direito solicita, por isso, o legislador a fazer uso de todas as referidas possibilidades formulativas e apenas uma escolha criteriosa entre elas dá bons resultados perante o problema da «polaridade» (39) dos mais altos valores jurídicos. Não se pode, porém, dizer em geral qual a solução preferível; isso depende da estrutura particular da matéria em causa e do valor que lhe subjaza (44). Neste campo cabe, ao sis(42) Neste problema poderá residir uma das objecções principais contra uma cláusula geral de responsabilidade pelo risco; esta deveria, pelo menos, ser complementada por uma série de previsões normativas específicas que fixassem, de modo diferenciado, os limites máximos da responsabilidade e outras questões especiais, e assim, ao mesmo tempo, pudessem também oferecer bitolas para a concretização da cláusula geral. (43) Assim, expressamente e com razão, HENKEL, ob. cit. j),
(40) (41)
Cf. p. 8I. Cf. ob. cit., p. 13.
324. (44)
Não se pode aqui desenvolver uma discussão pormenorizada sobre o mérito e o desmérito das cláusulas gerais e
tema móvel, um papel especialmente importante uma vez que ele, como se disse, dá, de modo muito feliz, um meio termo entre as previsões normativas firmes e as cláusulas gerais e confere uma margem quer à tendência generalizadora da justiça, quer à individualizadora. É, porém, apenas uma das várias possibilidades formulativas a considerar não devendo, por outro lado, sobreestimar-se a sua capacidade. Com esta limitação pode-se, no entanto, dizer que a ideia de um sistema móvel, tal como foi desenvolvida por WILBURG, constitui um enriquecimento decisivo do instrumentário quer legislativo quer metodológico (45) devendo, por isso, incluir-se sem dúvida entre as «descobertas» jurídicas significativas (46).
sobre a extensão conveniente do seu âmbito de aplicação; cf., sobre isso, por todos, HEDEMANN, Die Flucht in die Generalklauseln, 1933; F. V. HIPPEL, Richtlinien und Kasuistik im Aufbau von Rechtsordnung, 1942;mais recentemente, sobretudo HENKEL, ob. cit., p. 357 ss. e 360 ss. (45) Metodologicamente, deve-se distinguir, quanto ao significado, as partes móveis do sistema das cláusulas gerais e, nessa linha, interpretá-Ias restritivamente, admitindo, por exemplo, no § 254 BGB, apenas pontos de vista específicos de imputação; por outro lado, deve-se conferir à ideia de sistema móvel também um papel particular na própria concretização das cláusulas gerais; d., quanto a isso, infra, p. 152 ss. Nota do tradutor: recorde-se que o § 254 do BGB se reporta à culpa do lesado. (46) O conceito de «descoberta jurídica» provém de DOLLE que, no entanto, o exemplificou em dimensões dogmáticas; cf. a intervenção perante o 42. deutschen Juristentag, voI. II das «Verhandlungem>,Tübingen, 1959.
o conceito e as qualidades do sistema jurídico ()stão suficientemente esclarecidas para se poder passar à questão que, em última análise, é decisiva para o significado do pensamento sistemático na Ciência do Direito: a da relevância «prática» do sistema. De facto, uma pesquisa sobre a problemática do «pensalnento sistemático e conceito de sistema», tornar-se-ia pouco significativa se não implicasse tomadas de posição que assumissem, também, importância «prátiea»; de facto, a Ciência do Direito é, como poucas outras Ciências, imediatamente dirigida e preparada para efeitos «práticos»; a questão do seu «valor na vida», para utilizar a linguagem da jurisprudência dos interesses, coloca-se, assim, no meio da discussão do Hisl:ema. Neste sentido, a «praxis» é a aplicação do [)ireito aos factos concretos; o problema reside, então, 110 explícitar de modo preciso, se cabe ao sistema um qualquer significado no tocante à obtenção das proposiçiles jurídicas convenientes. Esta possibilidade é negada, com convicção, por ll1l1a opinião muito difundida. Segundo ela, o sistema 11:\0 possui qualquer «valor na vida» e, em especial,