SISTEMA E ESTRUTURA NO DIREITO, DAS ORIGENS À ESCOLA HISTÓRICA, VOL. I, MARIO G. LOSANO. (PÁG. 3-139)
CAPÍTULO
I
O TERMO SISTEMA E SUA HISTÓRIA
No grego clássico, o termo “sistema” tem dois significados técnicos e dois significados atécnicos. O significado mais genérico indica qualquer forma de agregação o outro significado , atécnico,, mas menos impreciso, é referido à ordem do mundo social e natural: o cosmos distingue-se do caos porque é um conjunto. No direito, sem dúvida, o legado de maior relevância da civilização romana, o termo sistema entrou mais tarde sob a influência bizantina, mas a exigência de ordenar o material jurídico esteve presente já a partir da época clássica, aproximadamente desde o século II a. C. A compilação ordenada por Justiniano foi uma ciclópica empresa sistemática, mesmo que seu produto fosse chamado de Digestum ou Corpus iuris. Hoje, fala-se de sistemática do direito romano, entendendo a ordem com que os juristas latinos expunham a matéria jurídica: a sistemática pode ser de tipo lógico( modelo gaiano), pode inspirar-se nas fontes( reproduzindo a estrutura do Edito perpétuo), ou pode tornar própria a ordem do corpus Justiniano.
1.A terminologia da concepção sistemática do direito
O jurista concebe a própria matéria como uma totalidade sistemática. O Código é um sistema. Não pode se pretender em uma palavra entender o papel da ordenação jurídica. A palavra sistema é a chave de leitura para entender a visão positivista.
2. Fins e limites de uma história semântica do termo sistema
A história semântica desse termo constitui o primeiro passo para um amais ampla história do pensamento sistemático, cuja inoportunidade, em um estudo jurídico, seria igual apenas à dificuldade de realizá-la. Não se pode analisar o pensamento jurídico sem, ao mesmo tempo, levar em conta o que ocorre em outras disciplinas. Na história semântica do termo sistema encontram-se mais filósofos e teólogos do que juristas, ou
melhor, devido à falta de especialização dos estudiosos dos séculos anteriores, encontrar-se ão mais obras filosóficas e teológicas do que obras jurídicas. O termo “ doxa” significa “ boa opinião”. O direito das gentes é uma regra humanitária. Cícero, no De oratore, descreve o que para ele deveria ser o direito romano maduro: “(...) não existe nada, de fato, que possa ser reduzido de forma sistemática, se primeiramente quem possui aquele saber que quer organizar em sistema não domine a ciência por meio da qual, daquele saber ainda não ainda ordenado, possa nascer o sistema.(...) Quase todas as formas de saber já reduzidas nos respectivos sistemas estavam antes desvinculadas e desarticuladas(...). Foi, portanto, necessário recorrer a um preciso método sistemático, externo a esses ramos do saber, e proveniente de outro campo, do qual os filósofos se atribuem um controle total, que fosse capaz de conectar juntamente um saber cindido e fragmentado e darlhe uma forma racional unitária.” O modelo de Gaio é um esquema expositivo de tipo lógico, um modelo didático, com sua divisão em pessoas, coisas, ações. O modelo perpétuo é um modelo mais tradicional, um esquema expositivo modelado sobre as fontes. O Corpus iuris, com Justiniano, as duas correntes sistemáticas ora examinadas se fundem: em seu Corpus iuris, o Código e o Digesto seguem o esquema do edito com leves modificações, ao passo que as Instituições se referem à obra homônima de Gaio, que reproduz um esquema expositivo que remonta à disputa entre sabinianos e mucianos. A passagem da “ordem associativa” ao “sistema” estaria relacionada à adoçaõ do método dialético, assim como foi elaborado pela linha PlatãoAristóteles-estóicos. Ars memoriae, a arte da memória, é a capacidade de montar esquemas de memorização de quem conhece a matéria. Está presente no estudo da retórica, definindo as boas técnicas de argumentação.
CAPÍTULO II A AFIRMAÇÃO DO TERMO “ SISTEMA” NA CULTURA EUROPÉIA
No direito, por meio da influência do lógico Petrus Ramus( 1515-72), afirma-se uma técnica expositiva ordenada segundo critérios decrescentes de generalidade: é o sistema usado pelos juristas do Humanismo durante todo o século XVI. Temos a recepção da idéia de sistema. No âmbito jurídico criam-se as condições para retomar o discurso dogmático iniciado pelos juristas romanos. A técnica adotada para essa finalidade é a glosa, ou seja, a anotação do jurista ao lado de um excerto do texto latino. Na glosa limita-se a evidenciar o siginificado do texto latino, tendo o cuidado de pô-lo em relação com outras passagens, capazes de confirmar ou contestar a interpretação proposta. A expositivo verborum torna-se, assim, uma reelaboração de partes diversas do texto latino, unidas apenas pela homogeneidade da matéria tratada. Com essa técnica, os glosadores da escola bolonhesa elaboram conceitos e institutos próprios do direito, desvinculando a própria disciplina seja da metodologia escolástica própria da teologia, seja da simples reexposição dos verba. Essa progressiva separação do texto latino assume também uma fomra concreta: as glosas, originadas por aposição ao texto latino, são separadas dele e publicadas de forma autônoma. Nascem, assim, as listas de lugares paralelos ou contrários, que se referem a um mesmo instituto jurídico, mas estão dispersos por todo o Corpus iuris; são chamados de summulae, e nelas o glosador expõe um argumento jurídico específico, também de uma certa amplitude. Essa obra de síntese e de esclarecimento diminui o valor dos verba justinianos, que são substituídos por formulações mais fáceis e adequadas às novas exigências: os famosos brocharda, expressões dos princípios gerais implícitos (mas não expressos) no Corpus iuris. A dogmática jurídica é uma forma particular de pensamento sistemático, que domina a jurisprudência europeia continental até nossos dias. Pode-se fazer coincidir com essa forma o início do pensamento sistemático no direito, ainda que, como se verá, dogmática e sistema jurídicos não sejam noções coincidentes. Esses germes sistemáticos desenvolveram-se, sobretudo, por volta do século XIV, quando os comentadores conceberam o direito romano como ratio scripta, desvinculando-se ulteriormente(depois) do respeito pelo texto analisada e exposta seguindo rígidos preceitos lógicos.
A inadequação da terminologia tradicional (católica) e a afirmação de “sistema”
Na linguagem dos teólogos, a descrição dos artigos de fé costuma ser designada com o termo loci communes ou loci communissimi : desse modo, existiam elementos comuns a vários artigos de fé, com base nos quais se podia proceder a uma primeira sistematização da matéria. Em suma, tratava-se de enunciações em certa medida análogas às que, em campo jurídico, eram os generalia ou brocharda dos glosadores. Em 1500, os teólogos concentraram-se sobre a análise lógica da própria disciplina, criando uma nomenclatura destinada a se tornar parte integrante da linguagem técnica da filosofia moderna. Eles, consequentemente, conceberam a teologia dogmática como um corpus, mas – precisamente para sublinhar sua unidade e completude- não se contentaram em usar esse termo sozinho; em geral se tratava de um corpus integrum, que tem certa organicidade. À medida que a referência aos clássicos tornou-se menos rigorosa, ao lado de syntagma, começou-se a usar systema, também ele escrito primeiramente em caracteres gregos, depois latinos. Após um período de coexistência, syntagma desapareceu( e é mais do que difícil, é impossível explicar a razão disso) e systema difundiu-se sem dificuldades. Segundo Otto Ritschl, termo systema teria sido introduzido na teologia dogmática por Filipe Melanchthon, figura central no Humanismo alemão e na Reforma luterana. Como humanista, reformou os estudos universitários alemães de modo tão profundo, que passou à história como praeceptor Germaniae. Como teólogo reformado foi amigo e sucessor de Lutero, mas menos radical que ele na aversão aos católicos. Deve-se a Melanchthon a primeira formulação sistemática da teologia luterana nos Loci communes rerum teologicarum de 1521 e nos Loci communes theologici de 1535. O teólogo protestante Nicolaus Selnecker durante seus estudos em Wittenberg, morou na casa de Melanchthon, que influenciou suas primeiras obras. Em suas obras, systema deixa de ser usado em sentido clássico e assume um significado pessoal, que o afasta de maneira quase arbitrária do uso que então ia se afirmando. Ao lado do caminho que conduz a Deus, Selnecker põe um caminho que conduz ao Filho de Deus e outro que conduz ao Espírito Santo. Essa acepção subjetiva é importante, porque demonstra que, para Selnecker, o termo systema já não é um empréstimo lexical de outra língua, mas, ao contrário, faz parte integrante da terminologia técnica dos teólogos. Perdida a auréola clássica que, ainda em Melanchthon, o tornava intangível, systema conhece uma evolução autônoma. A noção de sistema se afirma ulteriormente com o teólogo reformado Zacharias Ursinus, cujo nome é ligado ao catecismo de Heidelberg. Em um
escrito de 1581, ele fala finalmente de um “ sistema doctrinae christianae” , e em 1582 resume e conclui a evolução terminológica. Pouco a pouco, a grafia latina substitui a grega, e no início de 1600 o termo systema é enfim recebido na teologia. Agora com o termo consolidado, os teólogos encontram-se diante do problema de esclarecer seu significado. Como ponto de partida, os teólogos do século XVI concebem a própria matéria como um organismo: neles, é frequente a comparação entre a fides, quae creditur, de um lado, e o corpo e os membros, de outro. (sistema interno e externo). Não recorreram ao termo Corpus para designar a totalidade dos artigos de fé( que é diversa e superior à soma de cada rtigo), porque aí encontraram aquela insuficiência já falada. Essa harmônica construção de partes tem por finalidade não tanto descrever os nexos internos de uma matéria quanto facilitar a compreensão da própria matéria. Assim, o termo systema, em suas origens, designa indiferentemente tanto o sistema interno ( aquilo que está no objeto e do qual parte o estudioso: estrutura como terminus a quo) quanto o sistema externo (aquela ordem que o estudioso põe no objeto caótico: estrutura como terminus ad quem). Visão iluminista: o objeto me impacta, faço um juízo em relação ao objeto, eu moldo o objeto. Não trabalho com consensos teóricos de boas opiniões. De excesso de material romanístico e judiciário sofriam tanto os juristas dos séculos XIV-XV quanto os do século XVI. Foi com esses últimos que houve a urgência de um “método”, de um “sistema” que pusesse ordem no direito vigente. Houve várias respostas sociais, como a difusão da imprensa, que obrigava a passar do saber mnemônico- auditivo da Idade Média ao saber visivo- espacial dos primórdios do Renascimento. Sistemáticos usaram a palavra “método” e não systema, assinalando a presença do pensamento sistemático, mesmo que de forma elementar ou, frequentemente, inconsciente. A técnica proposta por Petrus Ramus, e recebida pelos juristas, é simples: ele recomenda dispor a matéria segundo critérios decrescentes de generalidade e dificuldade e expô-la passando do geral ao particular e do complexo ao simples. A exposição que daí resulta poderia ser chamada de systema, entendendo, porém, esse termo na acepção indiferenciada em que é usado pelos seguidores de Melanchthon e pelos teólogos contemporâneos de Petrus Ramus. Donellus , estudioso da compilação justiniana, deu início à sua reformulação sistemática naquela que chamou de iuris in artem redactio. O método quinhentista exprime um sistema externo: “ Os métodos do século XVI visavam apenas à representação da matéria jurídica, ou seja, um sistema externo. Não existia a ideia de um sistema interno que pudesse
conduzir a um conhecimento dedutivo decorrente de princípios, e os métodos em uso não eram capazes de produzir um sistema desse tipo.” Em sentido estrito, “didático” pode-se entender como apenas o que serve à escola, à relação entre docente e discente. O método quinhentista ia às vezes além, instruindo tanto o principiante, como o jurista na busca sobre o tema pesquisado. Assim, “não servia apenas apara quem estudava, mas também para o jurista prático e para qualquer um que estivesse em busca de um ensinamento jurídico concreto.” Em sentido lato, ao contrário, se se contrapõe a atividade de aprendizagem para fins práticos (na escola e fora dela) à atividade de reflexão para fins científicos, o método quinhentista pode ser definido como didático.
CAPÍTULO III A DIFUSÃO DA NOÇÃO DE SISTEMA
No século XVII, o uso do termo “sistema” já havia se concolidado na Europa culta. Keckermann usa “sistema” por acreditar que a lógica é a única disciplina legitimada a fazer uso desse termo. Nos primeiros anos do século XVII, Timpler introduziu um embrião de distinção entre o sistema externo e o sistema interno, diferenciando a doctrina do habitus: apenas uma antecipação as teorias modernas. O teólogo Timpler chamava de “externo” o sistema didático que ensinava a se comportar corretamente; o fato de ter absorvido(interiorizado) esses preceitos levava a um comportamento habitual( habitus) que Timpler chamava de “sistema interno”: mas interno ao indivíduo, não à matéria estudada. Alsted retornou a essa distinção. O sistema em sentido objetivo indica um conjunto de coisas ligadas( por exemplo, o cosmos da citação aristotélica), já o sistema em sentido subjetivo é uma compages , non congesta, sed digesta. Mas ele não esclarece o que une entre si, internamente, as partes do sistema subjetivo. Mas ordena sua erudição também em enciclopédias. O verbete sistema, de tão difundido, estava também nas enciclopédias. Elas mesmas eram expressões do pensamento sistemático, porque até aquela época apresentavam-se como compêndios de todas as ciências. A partir de Wolff, a inovação sistemática se difunde entre os juristas. A aspiração dos matemáticos por uma mathesis universalis era mais um desejo ou um projeto do que uma teoria enunciada com precisão. O célebre “Discurso do Método de 1637” deveria ser o “ proejto de uma ciência universal,
capaz de elevar nossa natureza à mais alta perfeição. Assim como a mnemotécnica, como o ordenamento das ciências em um único arbor scientiarum, também a mathesis universalis (método comum)escondia uma aspiração sistemática e preparou, portanto, o terreno para o desenvolvimento das teorias do sistema. A exposição da mathesis universalis é o conteúdo dos tradicionais manuais de aritmética prática, mas van Roomen atribuiu-lhe o mérito de lhe ter dado aquela estrutura sistemática. Essas imperfeitas tentativas de chegar a uma mathesis universalis são passos igualmente hesitantes no caminho da noção de sistema, mesmo porque os autores renascentistas praticavam uma interdisciplinaridade que hoje se tornou impossível, mas na época facilitava a circulação das ideias de uma disciplina a outra. Keckerman fala da lógica igualando-a à arte e ao sistema. Ele se esforça para estruturar a matéria segundo critérios de praticidade e de coerência, de um lado, e de outro, para estender o tratado de modo que não omitisse nenhum problema logicamente relevante. Segundo Timpler, de um lado, o ars liberalis seria um sistema de enunciados sobre uma certa disciplina e, de outro, seria aquela disposição interior adquirida graças ao constante hábito do correto raciocínio, segundo uma acepção que remonta a Aristóteles. Para Timpler, para que o homem possa agir bem é necessário atitude para receber a doutrina, a própria doutrina, o exercício daquilo que a doutrina prescreve. Ele especifica que o sistema deve tender a um fim útil ao homem: o sistema deve ser uma exposição doutrinária clara a ponto de permitir que cada um possa conhecer o bem e ater-se a ele. Timpler introduz a distinção entre sistema interno e sistema externo. No século XVI, a noção de sistema designava apenas o sistema externo. Em sua Metaphysica, ele define a “ars externa” como o “sistema metódico de ensinamentos certos sobre um argumento cognoscível e útil, transmitido ao ouvinte para instruí-lo e melhorá-lo”; a “ars interna” é, para ele, “ ter transformado em hábito a informação recebida por meio da arte externa” (habitualis artis externae notitia). O sistema externo é a arte de transmitir o saber, ou seja, o sistema no sentido didático tradicional. Portanto, em Timpler, “sistema externo” indica um método expositivo, ao passo que o “sistema interno” designa um comportamento ( ou, pelo menos, a predisposição para determinado comportamento que foi ensinado). O sistema interno, é, em suma, o reflexo do sistema externo na alma de quem aprende. Um sistema interno preciso e completo somente tem-se com Kelsen, no século XX. Alsted passa do conteúdo da mathesis universalis ao método expositivo. Ele fornece um primeiro esboço da matemática geral. Syntagma, em sua obra,
serve apenas para designar as coletâneas e miscelâneas de escritos sobre o mesmo assunto; o termo filosófico é systema. Segundo ele systema pode ser usado em sentido objetivo ou subjetivo. Em sentido objetivo é um conjunto de coisas reunidas ( por exemplo, a definição aristotélica do cosmos), em sentido subjetivo é um conjunto posto juntamente com método, são noções não amontoadas, mas assimiladas. Essa distinção entre sistema em sentido objetivo e subjetivo contém a distinção moderna entre sistema interno e externo: todavia, o sistema subjetivo adquire o significado técnico de organização de uma certa matéria, ao passo que o sistema objetivo não é conhecido como um ordenamento específico e intrínseco ao objeto da disciplina, mas, ao contrário, como uma simples indicação do fato de que certos elementos estão reciprocamente conexos. Em outros termos, o sistema subjetivo já está muito perto da noção hodierna (recente) de sistema externo; o sistema objetivo, ao contrário, está ainda ligado ao confuso significado originário de systema, como se viu para o grego. Para Alsted o sistema subjetivo prevalece sobre o objetivo, e é considerado o verdadeiro sistema de qualquer ciência.
CAPÍTULO IV A GÊNESE DE UMA TEORIA DO SISTEMA EXTERNO
Leibniz usou sistema no sentido de teoria ou conjunto. Para ele, o sistema é um conjunto de demonstrações que partem de princípios explícitos, como no raciocínio matemático. Ele analisa a noção de sistema, concentrandose sobre o sistema externo, ou seja, sobre a técnica ordenada da exposição de um objeto. Wolff distingue três graus de conhecimento: o conhecimento histórico constata os fatos, o conhecimento filosófico explica-lhes a razão, o conhecimento matemático fornece-lhes a medida. O conhecimento histórico confirma o filosófico, ao passo que o matemático torna-o certo. Atinge-se a máxima certeza, portanto, unindo o conhecimento filosófico com o matemático. Para Wolff nada é mais importante que a certeza. Para Wolff quem enuncia definições sem prová-las produz um “pseudo-systema”, obstáculo para uma sólida doutrina. Para Malebranche, o sistema é uma concepção mística, ele é produzido não tanto pelos conhecimentos, mas por uma capacidade particular do indivíduo. O termo sistema é utilizado pelos filósofos como termo atécnico. Com Leibniz há dois significados: o sistema em sentido tradicional, que seria como doutrina, teoria, opinião ou conjunto, em sentido específico seria um discurso dedutivo, mas não apenas, também um discurso que deve fundar a dedução sobre certos princípios, assim como ocorre no raciocínio matemático.
Estamos sempre diante de uma atividade humana que põe ordem em um amontoado de dados, a respeito de sistema. Assim, esse termo, indica, enfim, apenas o sistema externo. Wolff distingue o pseudo-systema do sistema verdadeiro: no primeiro caso, o autor limita-se a enunciar as definições, sem prová-las; no segundo caso, o autor fornece-lhes uma prova. O sistema de Wolff transforma-se em um enorme índice sistemático, tendendo à abrangência, típica dos sucessivos sistemas idealistas.
CAPÍTULO V O APOGEU DA TEORIA DO SISTEMA EXTERNO
Com Lambert e com Kant toma forma uma teoria do sistema, destinada a ter um grande desenvolvimento no século XIX. Lambert sublinha o caráter formal do sistema, diferente da tentativa de Wolff de dar um conteúdo à abrangência formal do sistema externo. Para Lambert toda ciência é um sistema, independentemente do conteúdo. Ele exerce influência em Kant. Em Kant, o sistema recebe um duplo esclarecimento: o sistema é o ideal para o qual deve tender toda a ciência; o sistema é um conjunto de proposições deduzidas de um único princípio. Em sentido genérico, Kant recebe a noção wolffiana: o sistema se faz “determinando claramente os conceitos, buscando o rigor das demonstrações, evitando os saltos ousados nas ilações (ato de inferir, deduzir)” ( Crítica da razão pura). Para Kant sistema é a unidade de múltiplos conhecimentos sob uma ideia. A posição de Reinhold que, como idéia unificadora do sistema, substitui o escopo kantiano pela consciência, que é sem dúvida clara, não admite explicação. Sobre ela funda a filosofia elementar que é a base de qualquer outra filosofia. Wolff deixa-se desviar pela função didática do sistema externo, já Lambert concentra sua atenção sobre a própria estrutura lógica do sistema. Os pontos de contato entre a concepção sistemática de Wolff e a de Kant se originam do comum interesse pelas ciências exatas. O sistema em sentido tradicional (wolffiano) é o tradicional sistema externo. O sistema em sentido específico nasce da acumulação dos conceitos.
Sistema é o sistema externo. Essa concepção chega até as mais modernas teorias jurídicas: na doutrina pura do direito de Hans Kelsen, o elemento unificador do sistema jurídico é a norma fundamental, que é a tradução, em termos jusfilosóficos, da idéia fundamental kantiana. Para Reinhold, como já para Kant, o sistema deve estar fundamentado sobre uma única idéia, que constitua o elemento coesivo das várias partes. Enfim, o significado de “sistema” se estabilizou e cristalizou em um sentido bem preciso: o de sistema externo fundado sobre um único princípio supremo.