A dor dor “sint “sintom oma” a” (do (dorr infla inflamat matóri ória) a) e a dor “doença ” ----O tratamento integrado da dor em Reumatologia MR “ Reduzir o Impacto das Doenças Reumáticas Reumáticas – a dor …” Augusto Faustino Reumatologista XV Fórum de Apoio ao Doente Reumático Lisboa, 19 de Outubro de 2012
Dor e doenças reumáticas (DR) • 1. Doenças reumáticas – o que são ? • 2. DR como modelo de doenças evolutivas • 3. Especificidade de cada doente
1. Conceito de Doenças Reumáticas * doenças e alterações funcionais do aparelho músculo-esquelético de causa não-traumática * mais de 200 entidades distintas
Conceitos • Reumatologista Médico Especialista a quem a OM reconhece diferenciação, competência, conhecimento (teórico e prático) e experiência para abordar as DR
Conceitos a abater “Reumático” “Reumatismo” - redutor e generalizador - fatalista - gerador de erros - minimalista …
2. DR como modelo de doenças evolutivas fase de lesão irreversível ↑↑↑
fase sintomática ↑
fase assintomática (pré-clínica) ↑
fase de susceptibilidade
descubra as diferenças … doença reumática
outras doenças
• evolutivas
• estáticas
• lentamente
• evolução rápida
• diagnóstico dinâmico
• diagnóstico definitivo
• terapêutica variável
• terapêutica standard
Evolução da dor e lesão estrutural •
a curto prazo - processo patogénico * reversível * boa resposta às terapêuticas
•
a longo prazo - destruição anatómica (lesão) * irreversível * sem terapêutica médica
AR como modelo de DR evolutiva Normal Joint Bone Cartilage Capsule
Early Rheumatoid Arthritis Neutrophils
Synovial Membrane
Hyperplastic Synovial Membrane
Synoviocytes Capillary Formation Hypertrophic Synoviocyte
Established Rheumatoid Arthritis T Cells
B Cells
Neutrophils Plasma Cell Synovial Villi
Adapted with permission from: Choy EHS, Panayi GS. N Engl J Med . 2001;344:907-916. © 2001 Massachusetts Medical Society. All rights reserved.
Extensive Angiogenesis Eroded Bone
Pannus
Doenças Reumáticas • Fases Precoces
• Fases Tardias
• inflamação • dor (sintoma) • incapacidade
• lesão estrutural • dor (doença) • incapacidade
• reversíveis • parar evolução
• irreversíveis • múltiplas abordagens
Espondilartrites Modelo proposto para Espondilartrite Axial Estadio Pré-radiográfico
Estadio Radiográfico
(Espondilartrite axial indiferenciada)
(Espondilite Anquilosante)
Critérios de Nova York Modificados (1984) Lombalgia Sacroíleite na RMN
Lombalgia Sacroileíte radiográfica
Lombalgia Sindesmofitos
tempo (anos)
Arthritis Rheum 2005;52:1000-8
OSTEOARTROSE de que doença falamos ?
3. Especificidade de cada doente • • • • • • •
idade sexo raça outras doenças terapêuticas concomitantes … ter jeito para estar (ser …) doente ! …
Dor e doenças reumáticas (DR) •4. A dor é um incêndio …
•5. A dor associa-se a outros incêndios …
4. A dor é um incêndio ! ... • Qualquer dor não controlada torna-se ao fim de pouco tempo num problema autónomo adicional a associar à sua causa • Á causa local / periférica da dor junta-se uma causa central, neurogénica, que pode persistir mesmo que se resolva a causa periférica • Dor dor (“ aguentar a dor” é um mau negócio !...) →
Patogenia da Dor • A não resolução da dor implica alterações patogénicas complexas no SNP / SNC, estruturais e funcionais, que persistem para lá da correcção do estímulo que as gerou • Alteração (plasticidade) dos sistemas de sinalização e controlo da dor: – Sensibilização periférica e central
Sensibilização periférica nociceptores (Woolf and Salter 2000 ) Increased neuronal excitability
Tissue injury VR1 Heat
EP receptor PGE2
activation PK
PKA PKCεε SNS/PN3
Bradykinin BK receptor
TTx-resistant Na+ channel
VR1 : Os nociceptores ficam mais sensíveis aos estímulos
Sensibilização central New A fiber forming synapse
C fiber terminal Glutamate
(+)
P
P
NMD A
Substance P
AMPA
P
(+)
Dorsal Horn Neuron
Ca++
P
AMPA
(+)
PKC
COX-2 induction
Perda dos mecanismos inibitórios entre os neurónios
DOR CRÓNICA (doença) UM ALERTA ! a cronicidade da dor induz alterações neuronais estruturais, implicando perpetuação da dor ▼
tratar a dor precocemente, globalmente, com eficácia
5. A dor implica outros problemas • Existem outros ciclos viciosos de agravamento clínico de uma dor crónica não resolvida … … imobilização / má forma física / cansaço … tensão física / tensão e contractura muscular … alterações do sono … preocupação / ansiedade / depressão
Dor
Défice funcional
Ansiedade Depressão
Perturbações do sono Nicholson and Verma. Pain Med. 2004;5 (suppl. 1):S9-S27
primeiras 5 ideias fundamentais • 1. existem muitas DR diferentes • 2. cada DR pode apresentar-se em distintas fases da sua evolução • 3. cada doente tem a sua especificidade • 4. uma dor crónica não tratada gera mais dor • 5. uma dor crónica não tratada gera outros problemas
Dor em Reumatologia (nas DR) • sintoma universal • variação com doença – estadio - doente • implicações diagnósticas / terapêuticas ► “que” dor ? • o que significa “ter dor ” ? • o que significa “tratar a dor ” ? ► “qual” dor ?
Classificações da dor Aguda
Duração Cr ónica
Fisiopatologia
Dor nociceptiva Percepção da dor
Informação ascendente
Lesão tecidular
Modulação descendente
Medula espinhal
Nervo periférico
Activação de nociceptores locais
Dor neuropática Percepção da dor
Lesão nervosa Informação ascendente
Modulação descenden te
Medula espinhal
Impulsos gerados no nervo cubital
Lesão Nociceptore s periféricos
Dor nociceptiva - descritores
Frequentemente descrita
como “latejante”, “moinha” ou “rigidez”
Dor neuropática - descritores
Frequentemente
como
“descarga”,
descrita “choque
eléctrico” ou “queimadura”
Muitas vezes associada a
“formigueiro” ou “dormência”
tipos de dor • Nociceptiva
(causa local)
- Mecânica - Inflamatória
• Neuropática
(causa sistema nervoso)
- Dor neuropática - Dor crónica (“central pain”)
tipos de dor ( autonomia da dor …) • Nociceptiva -------------------------------- estímulo doloroso pontual
• Inflamatória
---------------------- inflamação
• Neuropática
--------------- lesão neuronal
• “central pain”
-------- sem lesão evidente
Dor nas DR - 2 vertentes
Tratamento da dor nas DR 2 conceitos fundamentais ! • Não tolerar a dor ! Dor – doença
• A caracterização da dor pode ajudar a: - orientar a medicação - esclarecer a causa da doença subjacente a essa dor Dor – sintoma
Dor – doença
Dor – doença • Qualquer dor não controlada torna-se ao fim de pouco tempo num problema autónomo a associar à sua causa
• Abordagem imediata e inespecífica da dor • Não tolerar a dor
“Os medicamentos para as dores são para se tomar na última …” (senso comum) (médico e leigo …)
DOR - doença a cronicidade da dor induz alterações neuronais estruturais e funcionais, implicando a perpetuação da dor ▼
a dor gera dor ▼
tratar a dor precocemente, globalmente, com eficácia
Conclusão • A Dor é um incêndio ! ... - abordagem imediata … os medicamentos para a dor não se tomam “na última”, mas sim “na primeira”…
Conclusão • A Dor é um incêndio ! ... (tentar identificar a origem do incêndio)
- tentar identificar e tratar a causa da dor (aguda/ crónica), para controlar o problema e evitar a progressão da doença subjacente até fases irreversíveis
“Os medicamentos para as dores são para se tomar na primeira … e sem interrupção até desaparecer a dor”
Dor – sintoma
Dor - Sintoma • A caracterização da dor pode ajudar a: - esclarecer a causa da doença subjacente a essa dor - orientar a medicação
Dor - Sintoma • 1) Caracterizar o sintoma dor Ritmo inflamatório vs Ritmo mecânico
• 2) Nunca desistir de perceber a causa da dor Relevância da inflamação nas DR
Inflamação nas DR Nas fases precoces das DR crónicas em que desejamos efectuar o diagnóstico e iniciar o tratamento sintomático e estrutural adequado, a inflamação desempenha sempre um papel fundamental na expressão clínica e no condicionar da evolução da doença
AR – progressão de inflamação para lesão estrutural Normal Joint Bone Cartilage Capsule
Early Rheumatoid Arthritis Neutrophils
Synovial Membrane
Hyperplastic Synovial Membrane
Synoviocytes Capillary Formation Hypertrophic Synoviocyte
Established Rheumatoid Arthritis T Cells
B Cells
Neutrophils Plasma Cell Synovial Villi
Adapted with permission from: Choy EHS, Panayi GS. N Engl J Med . 2001;344:907-916. © 2001 Massachusetts Medical Society. All rights reserved.
Extensive Angiogenesis Eroded Bone
Pannus
Espondilite Anquilosante Evolução de inflamação para anquilose
OSTEOARTROSE – Importância da inflamação sinovial
Preponderantes nas fases iniciais e agudizações
Como valorizar os aspectos inflamatórios das doenças reumáticas ?
o ritmo da dor !
Dor em Reumatologia • Dor mecânica - melhora em repouso - rigidez de curta duração - agravamento com carga • Dor inflamatória - expressão nocturna - rigidez longa duração - melhoria com mobilização
Dor em Reumatologia ▪
Dor mecânica processos evoluídos, irreversíveis fundamental o tratamento da dor (doença) lesão estrutural
▪
Dor inflamatória processos mais precoces, reversíveis, evolutivos fundamental diagnóstico da doença subjacente inflamação
Qual a importância destes conceitos ? • Relevância do diagnóstico precoce e da intervenção precoce adequada • Relevância da inflamação na expressão sintomática e na evolução das DR • Adequação da escolha da opção terapêutica para a dor em função do ritmo da dor
Importância da caracterização da dor • Analgésicos (alívio da dor) - sintomas puramente mecânicos - ausência de fenómenos inflamatórios • AINE’s (controlar dor e inflamação) - sintomas com aspectos inflamatórios - adjuvante de analgésicos
Papel da inflamação e do seu tratamento na evolução das DR (Artrite Reumatóide, SpA, Osteoartrose)
Influenciar os sintomas e a capacidade funcional dos doentes ↓
Tentar controlar a progressão da doença ↓
Evitar a destruição estrutural irreversível
Princípios fundamentais para uma adequada abordagem da dor
1. Distinguir o ritmo da dor (mecânica ou inflamatória) 2. Identificar uma dor neuropática 3. Procurar a causa da dor 4. Identificar uma dor músculo-esquelética difusa de causa central 5. Identificar causas acessórias de ciclos viciosos de amplificação da dor
1. Distinguir o ritmo da dor (mecânica ou inflamatória) • dor mecânica pura → analgésicos - múltiplas escolhas - possibilidades de associação - escala analgésica
• dose mínima eficaz – ex. 0-1-2 x 3 • associação a outras classes de fármacos • associação a intervenções não farmacológicas
Tratamento Farmacológico da Dor Dor aguda
Opioide forte + não-opioide ± adjuvante
Opioide fraco + não-opioide ± adjuvante
Dor crónica
+ Não-opioide ± adjuvante
Modified from Bandolier
Combinação de Drogas Analgésicas NSAIDs
• Melhoria da analgesia devido a sinergia / soma Combinação
Não opióides Opioides
• Pode reduzir os EA de cada droga • Redução das doses de cada droga
1. Distinguir o ritmo da dor (mecânica ou inflamatória) • dor inflamatória (qq aspecto) → AINEs - avaliar e corrigir risco CV - avaliar e corrigir risco GI - monitorizar segurança
• tratamento em permanência ! • dose mínima eficaz – ex: 0+1 // 1+0 // 1+1 • associação a outras intervenções farmacológicas
1. Distinguir o ritmo da dor (mecânica ou inflamatória) • controlo da dor mecânica - melhoria da qualidade de vida do doente - melhoria da funcionalidade (“ aguentar a dor” é um mau negócio !...)
• controlo da dor inflamatória - ≈ + modificação da evolução da doença (“ aguentar a dor” é um péssimo negócio !...)
2. Identificar uma dor neuropática • Descritivos “latejante”, “moinha”, “rigidez”, “descarga”, “choque eléctrico”, “queimadura”, “dormência”, “formigueiro”
• Tratamento específico (intervenção no SN) anti-epilépticos, anti-depressivos, agonistas dos receptores α 2
3. Procurar a causa da dor • Nunca tratar só a dor sem esclarecer a causa dessa dor • Identificação e correcção de situações particulares: - alívio sintomático adicional - intervenção na progressão patogénica da doença
4. Identificar uma dor músculo-esquelética difusa de causa central • Dor persistente (ainda que localizada) não controlada: - fenómenos de amplificação e cronificação da dor nível do SNC - motiva queixas na periferia do local doloroso original, estendendo-se progressivamente a zonas + alargadas - no final, quadro de dores difusas e generalizadas, cuja base patogénica já nada se relaciona com o mecanismo causal inicial
4. Identificar uma dor músculo-esquelética difusa de causa central • dores músculo- esqueléticas difusas e generalizadas (com sintomas mal definidos e mal caracterizados) • cansaço ou fadiga crónica • manifestações parestésicas difusas • alterações do sono • sintomas depressivos • cefaleias • incapacidade funcional .
4. Identificar uma dor músculo-esquelética difusa de causa central • Tratamento
tratar a dor
precocemente , globalmente, eficazmente !
tratar os incêndios acessórios …
5. Identificar causas acessórias de ciclos viciosos de amplificação da dor • descondicionamento físico • tensão e contractura muscular • alterações ango-depressivas • alterações da quantidade e qualidade do sono.
A “receita” do tratamento da dor num doente reumático crónico
A “receita” do tratamento da dor num doente reumático crónico • não há ”uma” receita – individualizada para cada caso, ajustada em cada consulta • distinguir: - fármacos para tratar a doença (k, médico) - fármacos para tratar a dor (∆, doente)
• escrever e explicar ao doente cada fármaco • responsabilizar o doente pela gestão do seu tratamento
A “receita” do tratamento da dor num doente reumático crónico • múltiplos fármacos, múltiplos alvos, racionalidade na sua associação e acção global • todas as receitas obrigam a que se respeitem os ingredientes e as doses … • … dose mínima eficaz (gestão do doente) • garantir receitas para o período de tratamento !
“Uma receita” dum tratamento da dor num doente reumático crónico • Exemplo: * Paracetamol * Paracetamol + opióide fraco * Relaxante muscular * AINE * Antidepressivo * Ansiolítico * Amitriptilina
Conclusão • Nenhuma dor é tolerável • Tratar a dor precocemente, globalmente, com eficácia • Envolver o doente na gestão da medicação para a dor • Nunca desistir de perceber e tratar a causa da dor • Tratar a inflamação quando esta for preponderante
Conclusão • Nunca dizer “não há nada a fazer” , “tem de aguentar” ! • Há sempre alguma coisa a fazer pelos doentes reumáticos com dor • É possível devolver qualidade de vida e capacidade funcional • É possível modificar o futuro !
Tratar um doente reumático com dor … • Vale a pena ?
SIM !
* a dor faz sofrer, incapacita, tem custos e mata!
• Complicado ?
NÃO !
* gestão simples de factores de risco * ajuste ao doente individual
• Perigoso ?
NÃO !
* boa prática clínica (normas … bom senso clínico !...)
Se nós sabemos que a dor e o sofrimento podem ser aliviados e não fazemos nada para isso, então somos nós próprios carrascos.
Primo Levi