UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS – UNASUS
ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS DA COERÇÃO À COESÃO
Módulo Processo de trabalho nos serviços de atenção a usuários de álcool e outras drogas FLORIANÓPOLIS F 2014
GOVERNO FEDERAL Presidência da República Ministério da Saúde Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) Diretoria do Departamento de Gestão a Educação na Saúde Secretaria Executiva da Universidade Aberto do SUS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitora Roselane Neckel Vice-Reitora Vice-Reitora Lúcia Helena Pacheco Pró-Reitor Pró-Reitor de Extensão Edison da Rosa
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Diretor Sérgio Fernando Torres Torres de Freias Vice-Diretora Vice-Diretora Isabela de Carlos Back Giuliano Chefe do Departamento de Saúde Pública Alcides Milon da Silva Coordenadora do Curso Fáima Büchele
GRUPO GESTOR Anonio Fernando Boing Elza Berger Salema Coelho Kenya Kenya Schmid Reibniz Sheila Rubia Lindner Rosangela Goular
EQUIPE TÉCNICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Alexandre Medeiros de Figueiredo Ana Carolina da Conceição Daniel Márcio Pinheiro de Lima Felipe Farias da Silva Graziella Barbosa Barreiros Jaqueline Tavares de Assis Mauro Pioli Rehbein Mônica Diniz Durães Parícia Sanana Sanos Pollyanna Fausa Pimenel de Medeiros Robero Tykanori Kinoshia
GOVERNO FEDERAL Presidência da República Ministério da Saúde Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) Diretoria do Departamento de Gestão a Educação na Saúde Secretaria Executiva da Universidade Aberto do SUS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitora Roselane Neckel Vice-Reitora Vice-Reitora Lúcia Helena Pacheco Pró-Reitor Pró-Reitor de Extensão Edison da Rosa
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Diretor Sérgio Fernando Torres Torres de Freias Vice-Diretora Vice-Diretora Isabela de Carlos Back Giuliano Chefe do Departamento de Saúde Pública Alcides Milon da Silva Coordenadora do Curso Fáima Büchele
GRUPO GESTOR Anonio Fernando Boing Elza Berger Salema Coelho Kenya Kenya Schmid Reibniz Sheila Rubia Lindner Rosangela Goular
EQUIPE TÉCNICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Alexandre Medeiros de Figueiredo Ana Carolina da Conceição Daniel Márcio Pinheiro de Lima Felipe Farias da Silva Graziella Barbosa Barreiros Jaqueline Tavares de Assis Mauro Pioli Rehbein Mônica Diniz Durães Parícia Sanana Sanos Pollyanna Fausa Pimenel de Medeiros Robero Tykanori Kinoshia
EQUIPE TÉCNICA DA UFSC Douglas Kovaleski Kovaleski Faima Büchele Mara Verdi Rodrigo Oávio Moreti Pires Waler Waler Ferreira de Oliveira Oliveira
ORGANIZAÇÃO DO MÓDULO Barbara Eleonora Bezerra Cabral Jonas Sprícigo
AUTORIA Maria Gabriela Godoy (unidades 1 e 2)
REVISORA INTERNA Viviane Hulmann
REVISORAS FINAIS Graziella Barbosa Barreiros Jaqueline Tavares de Assis Marcia Aparecida Ferreira de Oliveira
COORDENAÇÃO DE TUTORIA Larissa de Abreu Queiroz
GESTÃO DE MÍDIAS Marcelo Capillé
EQUIPE DE PRODUÇÃO DE MATERIAL Coordenação Geral da Equipe Marialice de Moraes Coordenação de Produção de Material Andreia Mara Fiala Design Instrucional Master Jimena de Mello Heredia Design Instrucional Instrucional Claudee Maria Cossa Design Gráfico Fabrício Sawczen Volkmann Paschoal Design de Capa Rafaella Volkmann S awczen Projeto Editorial Fabrício Sawczen
REVISÃO Revisão Ortográfica Flávia Goular Revisão ABNT Jéssica Naália de Souza dos Sanos
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS – UNASUS
M P
FLORIANÓPOLIS
UFSC 2014
Caalogação elaborada na fone G588p
Universidade Federal de Sana Caarina. Cenro de Ciências da Saúde. Curso de Aualização em Álcool e Ouras Drogas, da Coerção à Coesão. Processo de rabalho nos serviços de aenção a usuários de álcool e ouras drogas [Recurso elerônico] / Universidade Federal de Sana Caarina; Bárbara Cabral; Jonas Salomão Sprícigo [orgs.]. - Florianópolis : Deparameno de Saúde Pública/ UFSC, 2014. 75 p.: il.,grafs. Modo de acesso: hps://unasus.ufsc.br/alcooleourasdrogas/ Coneúdo do módulo: Caracerização do rabalho em equipe no coidiano dos serviços. – Aenção Psicossocial: conceios, direrizes e disposiivos clínicos. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-8267-062-0 1. Saúde menal. 2. Políica de saúde. 3. Sisema Único de Saúde. 4. Educação a disância. I. UFSC. II. Cabral, Bárbara. III. Sprícigo, Jonas Salomão. IV. Godoy, Maria Gabriela. V. Tíulo. CDU 616.89
A M Caro aluno, Seja bem-vindo ao módulo Processo de rabalho nos serviços de aenção a usuários de álcool e ouras drogas, volado à discussão dos processos de rabalho nos serviços de aenção a pessoas com problemas decorrenes do uso de álcool e ouras drogas. Sabemos que um dos maiores desafios para a auação no conexo das redes de saúde é o rabalho em equipe, que deve se caracerizar pela ariculação enre os diferenes profissionais, primando-se pela garania de espaços coleivos, em que a equipe possa conversar e refleir sobre a práica coidiana, discuindo as siuações que demandam cuidados, planejando inervenções e avaliando seus efeios. Ao longo dese módulo, você erá acesso a discussões que possibiliarão imporanes reflexões sobre o rabalho em equipe no coidiano dos serviços, enfaizando a auação no conexo da Clínica de Aenção Psicossocial, sobreudo a usuários de álcool e drogas. Aposamos que ais esudos e reflexões serão cruciais para o aprimorameno de sua práica profissional. A nossa preocupação foi apresenar os ponos do coneúdo de um modo araene, sempre esimulando um pensar críico e conecado com as experiências diárias nos serviços e redes de saúde, que cosumam apresenam siuações desafianes às equipes. Esperamos, assim, que você se sina efeivamene incenivado a conhecer um pouco mais do ema proposo nese módulo e que mais essa eapa do seu processo de aprendizagem seja prazerosa.
Barbara Eleonora Bezerra Cabral Jonas Sprícigo
O M Apresenar os conceios, ferramenas e esraégias para o rabalho em equipe no coidiano dos serviços, com desaque para o seu caráer de produção coleiva, compreendendo as noções de núcleo e campo de sa beres. Apresenar o conceio de Clínica da Aenção Psicossocial, sendo capaz de problemaizar sua aplicabilidade no coidiano do rabalho. Demonsrar como idenificar e compreender o sofrimeno das pessoas com problemas decorrenes do uso de álcool e ouras drogas e disinguir e avaliar siuações de vulnerabilidade.
C H 15 horas.
S U������ � – C������������� �� �������� �� ������ �� ��������� ��� ��������................�� �.� A organização do trabalho nas equipes de saúde ............................. �� �.�.� O que é rabalho? .....................................................................................................�� �.�.� O rabalho em saúde ............................................................................................�� �.�.� Algumas caracerísicas do rabalho em saúde ..........................................�� �.�.� A organização do rabalho em saúde.............................................................��
�.� Resumo da unidade ..................................................................................�� �.� Leituras complementares........................................................................ ��
U������ � – A������ P�����������: ���������, ���������� � ������������ ��������.....................�� �.� A Clínica da Atenção Psicossocial e o cuidado a pessoas com necessidades decorrentes do consumo de drogas...........................�� �.�.� O que é Aenção Psicossocial? .........................................................................�� �.�.� A Clínica no conexo da Aenção Psicossocial .......................................�� �.�.� O Cuidado a Pessoas com necessidades decorrenes de uso de álcool e ouras drogas ...................................................................................�� �.�.� O Técnico de Referência e a efeivação de uma Clínica da Aenção Psicossocial .......................................................................................... ��
�.� Resumo da unidade..................................................................................�� �.� Leituras complementares.......................................................................��
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01
Caracterização do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços
Caracterização do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços
U 1 – C Ao final desa unidade você será capaz de: •
idenificar caracerísicas do rabalho em saúde e em equipe, de maneira a conribuir para a organização de sua própria equipe.
�.� A Nesa unidade, você conhecerá um pouco mais sobre o rabalho em saúde e como ele se consiui no coidiano das equipes. Apresenaremos noções básicas sobre o rabalho em saúde, seu hisórico e suas formas de organização, além de diversos conceios, como núcleo, campo, muli, iner e ransdisciplinaridade, que vão ajudar a analisar as endências de organização de seu rabalho em saúde e o de sua equipe.
1.1.1 O que é trabalho? Para nos ajudar na discussão, omaremos como base a equipe de um CAPS AD, que se ransformou em CAPS 24 horas. O CAPS AD III abrange um erriório de 230.000 habianes e muios de seus ra balhadores não êm experiência nem formação em Saúde Menal e Álcool e Drogas. Enre eles, esão Cláudia e Vera, que ficaram muia amigas. Cláudia é enfermeira recém-formada e, por vezes, se sene insegura em relação ao rabalho. Vera é erapeua ocupacional, com residência em Saúde Menal e larga experiência em ouros CAPS. Cláudia esá gosando do rabalho, pois sene mais liberdade para agir, diferenemene de quando realizava seu eságio curricular no hospial
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Unidade 1
geral, onde udo parecia mais padronizado, normaizado e conrolado. No CAPS, discue-se muio, por vezes havendo conflios e discussões acirradas, mas o imporane é que ela se sene paricipando do processo. Essa relação de Cláudia com seu rabalho é imporane, pois mosra que ela esá enconrando sentido em sua auação. Para alguns, o ra balho pode ser uma obrigação necessária para a sobrevivência. Para ouros, pode ser fone de realização e prazer. Isso em raízes sociais e hisóricas, relacionadas a modificações profundas pelas quais o mundo do rabalho passou nos rês úlimos séculos. E como poderíamos definir trabalho? Trabalho é uma aividade humana inencional, que ransforma a naureza, com a finalidade de aender a deerminadas necessidades. Ao ransformar a naureza, o ser humano ambém se ransforma, buscando senido no seu rabalho (RIGOTTO, 1994). Embora o rabalho faça pare da relação enre o ser humano e a naureza desde empos remoos, foi na Modernidade, com o adveno do Capialismo, que se modificou a maneira de organizar o processo de rabalho, bem como sua própria finalidade. Nessa época, ocorreu uma divisão do rabalho volada a conrolar melhor o empo dos ra balhadores e aumenar a produção. A elaboração de um produo, anes realizada aresanalmene, possibiliava ao aresão deer o domínio de odo o processo produivo, desde a preparação da maéria-prima aé a elaboração final. A organização indusrial do rabalho fragmenou esse processo, enregando pares dele a diferenes rabalhadores, de maneira que um operário passou a fazer apenas um pedaço do produo, perdendo o domínio do processo odo, bem como o senido da desinação social do produo. A essa perda de senido do rabalho, Marx denominou alienação (RIGOTTO, 1994). 12
Maria Gabriela Godoy
Caracterização do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços
1.1.2 O trabalho em saúde Volando ao CAPS AD III onde Cláudia e Vera rabalham, consaamos que lá não se usam máquinas ampouco insrumenos para rabalhar. O rabalho e o empo não se organizam, porano, como em uma fábrica. O rabalho em saúde – bem como ouros em que a subsiuição do rabalho humano por máquinas não ocorre facilmene – em muias peculiaridades em relação ao rabalho indusrial. Reflexão Alguma vez você já se perguntou sobre o qual é a finalidade do trabalho em saúde?
O rabalho em saúde visa à produção social de saúde e cuidado para aender necessidades1 complexas e específicas. Além da produção social de saúde, o rabalho em saúde modifica e produz novas maneiras de relação enre os sujeios e deses consigo mesmos. Enão, o rabalho em saúde em uma dupla finalidade: produzir saúde e, ao mesmo empo, produzir sujeios, ou seja, conribuir para a consiuição dos próprios rabalhado- 1 As necessidades em saúres e dos usuários (CAMPOS, 2000). de se relacionam a: “[...] Se não há máquinas e insrumenos, quais os meios que podem ser uilizados pela equipe de Cláudia e Vera para produzir saúde, produzir a si mesmos como sujeios e poder aender a odas essas necessidades? As principais ferramenas de rabalho são as tecnologias em saúde. Quando falamos em ecnologias em saúde, é fácil imaginar gran-
boas condições de vida”; “acesso e consumo de toda tecnologia de saúde capaz de melhorar e prolongar a vida”; “criação de vínculos (a)efetivos entre cada usuário e uma equipe e/ou um profissional [...]”; “necessidade de cada pessoa ter graus crescentes de autonomia no seu modo de levar a vida” (CECÍLIO, 2001, p.114-115).
Módulo Processo de trabalho nos serviços de atenção a usuários de álcool e outras drogas
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Unidade 1
O rabalho em saúde em uma dupla finalidade: a produção de saúde e a produção de sujeios. des hospiais, máquinas, aparelhos, insrumenos, cirurgias e medicamenos de úlima geração. Embora udo isso seja realmene ecnologia, essa definição engloba ouras coisas, pois o ermo significa conhecimeno aplicado, relaivo a um saber fazer específico. Ao analisar as ecnologias no ramo indusrial, vemos que há um conhecimeno relacionado às máquinas, mas ambém é necessária uma habilidade do rabalhador para operá-las (MERHY, 1997). Uma primeira diferenciação sobre os ipos de ecnologias do rabalho em saúde foi apresenada por Mendes Gonçalves (1994), que as classificou da seguine maneira: �. ecnologias maeriais - represenadas pelos equipamenos de
rabalho (máquinas, aparelhos, insrumenos); e �. ecnologias não maeriais – relacionadas a habilidades e
conhecimenos écnicos específicos dos rabalhadores. Poseriormene, Merhy (1997) propôs uma subdivisão das ecnologias em saúde, que em sido amplamene adoada, pelo desaque às ecnologias não maeriais. Sabemos que no rabalho no campo da Saúde, um dos aspecos fundamenais é saber se relacionar com os usuários, não sendo sempre necessário operar uma máquina ou aparelho. Na classificação proposa por esse auor, as ecnologias se dividem em: •
•
•
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ecnologias duras; ecnologias leve-duras e ecnologias leves.
Maria Gabriela Godoy
Caracterização do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços
Como já viso aneriormene, as tecnologias duras são represenadas pelos equipamenos, máquinas e insrumenos. As tecnologias leve-duras são as habilidades e conhecimenos écnicos mais esruurados, como os proocolos diagnósico-erapêuicos. As tecnologias leves se referem à dimensão relacional, iso é, lidam eminenemene com a subjeividade, correspondendo às maneiras que cada rabalhador em para esabelecer o vínculo e demonsrar aiudes de cuidado, acolhimeno, diálogo e escua. Apesar de no campo da Saúde Menal ou Aenção Psicossocial predominar a uilização de ecnologias leves e, em segundo lugar, das leve-duras, isso pode variar em serviços e siuações, nos quais é necessária uma composição enre esses rês ipos de ecnologias. Por exemplo, Todo rabalhador de saúde precisa saber lidar com as ecnologias leves.
o aendimeno a uma pessoa poliraumaizada e inconsciene, em um serviço de urgência ou emergência, demandará que o rabalhador sai ba usar rápida e adequadamene as ecnologias duras e leve-duras mais indicadas para o caso. Mas quando o usuário esiver consciene e esabilizado, o rabalhador erá que operar ecnologias leves.
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Unidade 1
Saiba Mais Se você quiser se aprofundar e conhecer mais detalhes sobre as tecnologias leves, veja: MERHY, Emerson Elias; FRANCO, Tulio Batista. Por uma Composição Técnica do Trabalho centrada no campo relacional e nas tecnologias leves. Saúde em Debate, v. 27, 2003, p. 316-323. Disponível em: http://www.professores.uff.br/tuliofranco/textos/ composicao_tecnica_do_trabalho_emerson_merhy_ tulio_franco.pdf
1.1.3 Algumas características do trabalho em saúde Vimos que Cláudia esá gosando do rabalho no CAPS. Ela sene mais liberdade para agir e seu rabalho é menos padronizado, normaizado e conrolado do que no hospial. Quano maior a endência do rabalho em saúde para usar as ecnologias leves, menos padronizado ele fica. A predominância das ecnologias leves no rabalho em saúde revela que esse ipo de rabalho em uma caracerísica eminenemene relacional, que envolve a lida com a subjeividade2 de rabalhadores e usuários (MERHY, 1997). 2 A subjetividade é o processo a partir do qual nos produzimos como sujeitos. Portanto, não está dada, mas é incessantemente produzida, a partir dos encontros que temos com os outros e pelo processo histórico e social mais amplo (GUATTARI; ROLNIK, 2005).
Essa dimensão relacional do rabalho em saúde o orna um rabalho vivo em ao, que é o rabalho cujo significado se dá no exao momeno em que se produz a aividade. Assim, o rabalho vivo se disingue do que se denomina de rabalho moro. No rabalho vivo em ao predominam as ecnologias leves, enquano o rabalho moro é mediado por máquinas e insrumenos já produzidos, a parir de um rabalho realizado previamene (MERHY, 1997).
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Maria Gabriela Godoy
Caracterização do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços
Qual seria a imporância da disinção enre rabalho vivo e rabalho moro? É jusamene aquilo que Cláudia percebeu: sua maior liberdade para agir, pois no rabalho vivo o rabalhador pode exercer maior liberdade e criaividade no decorrer do processo de rabalho. Isso em uma conraparida, que é a necessidade de assumir a insegurança, a imprevisibilidade e maiores graus de incereza e risco, pois o rabalho não esá esruurado aravés de normas rígidas e caminhos pronos. A dimensão relacional do rabalho em saúde ambém nos repora à consaação de que, coidianamene, lidamos com quesões relacionadas à vida, ao sofrimeno, ao adoecimeno e à more de ouras pessoas. Essas quesões fazem pare de nossa condição humana e cosumam mobilizar nossos próprios afeos como rabalhadores. Afeto é aquilo que nos oca e mobiliza, em um processo subjeivo que gera novas formas de afear e ser afeado (MACHADO; LAVRADOR, 2009). Assim, ao produzir saúde e cuidado para os usuários, os rabalhadores de saúde ambém precisam cuidar de si, cuidarem-se enre si e serem cuidados. A dimensão relacional e subjeiva do rabalho em saúde aiva, porano, processos ineraivos, dinâmicos, auo-organizaivos e ransformadores, ou seja, processos auopoiéicos, que induzem novas possibilidades de cuidado (OLIVEIRA e al., 2007).
O rabalho em saúde é relacional e mobiliza afeos dos usuários e rabalhadores.
Essa caracerísica relacional do rabalho em saúde se associa à oura caracerísica imporane, que é a reflexividade inerene a ese ra balho. O rabalho reflexivo possibilia ao profissional volar-se para si mesmo, de maneira a enxergar-se e refleir sobre os seus processos, dos usuários e da própria equipe.
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Unidade 1
O rabalho em saúde é reflexivo e precisa lidar com a incereza, a imprevisibilidade e o risco. Junamene com a dimensão relacional, a dimensão reflexiva do ra balho em saúde modifica padrões pré-esabelecidos e reforça a impossibilidade de predeerminar compleamene – muio menos prever – as aividades e os resulados do processo de rabalho. Para isso, é imporane lidar com cero desconforo que pode surgir enre os ra balhadores, sobreudo quando não esão acosumados a refleir sobre si mesmos e sobre o seu rabalho (PEDUZZI, 2003). Reflexão Como podemos ajudar uma equipe como a de Cláudia, com muitos trabalhadores novos na área, e talvez inseguros, a ter atitudes mais reflexivas?
Uma sugesão é er paciência e eviar resposas muio pronas e rápidas. Esse ipo de resposa pode aé diminuir a ansiedade da equipe, mas não cosuma ajudar na reflexão. É imporane que alguém possa assumir uma aiude indagadora, mais de pergunar do que de responder, e que se crie um espaço de escua e confiança, onde odos se sinam à vonade para se expressar e posicionar. Obviamene vão surgir divergências e conflios mas, se a ambiência relacional da equipe for acolhedora e recepiva, será mais fácil lidar com essas quesões. As pessoas aprendem e se modificam com a experiência. Acolher as diferenças, problemaizando-as, pode ser mais produivo para a equipe do que assumir aiudes de julgameno ou personalização, que podem acirrar conflios. Não se raa de negar os conflios, mas de expliciá-los, de maneira a conhecer as diversas posições e avaliar os argumenos e possíveis soluções. Se, por exemplo, no CAPS AD III do exemplo, surgisse um impasse enre dois rabalhadores a respeio de 18
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acolher ou não um usuário em regime de 24 horas, seria imporane avaliar os argumenos favoráveis e conrários, na perspeciva de pensar em uma solução que represene uma aiude erapêuica3, e não puniiva.
3 Por atitudes terapêuticas, entendemos aquelas que visam à co-responsa bilização pelo cuidado entre usuário e trabalhador, respaldando-se no compromisso com a produção de maior autonomia e no respeito aos direitos humanos. As atitudes punitivas estão relacionadas a intervenções disciplinares, que visam docilizar, controlar, vigiar e punir o usuário (FOUCAULT, 2005).
Porano, nesse ipo de rabalho, deparamo-nos a odo o momeno com a impossibilidade de deerminação complea do processo erapêuico e seus possíveis desfechos. Isso exige maior flexibilidade e aberura dos ra balhadores, além da valorização do risco, da incereza e da imprevisibilidade. Iso pode parecer paradoxal, pois é comum aprendermos jusamene o conrário: a necessidade de planejar dealhadamene as aividades, buscando caminhos seguros para a realização dos procedimenos. Embora o planejameno seja imporane, precisamos lembrar que, no rabalho em saúde, sempre haverá algo não capurável, iso é, que escapa ao que foi previso. Daí a imporância de exerciar a invenividade e a criaividade, basane valorizadas nas ciências e nas ares e, por vezes, esquecidas no coidiano de auação das equipes de saúde. O processo de cuidado envolve a incereza da experimenação, a criação, juno com o usuário, de novas perspecivas de inervenção. Os desfechos muias vezes não são conroláveis, por isso é imporane reavaliar o que esá sendo feio, de modo a considerar diversas possibilidades ao elaborar uma inervenção em saúde. O rabalho com ecnologias leves permie experimenar essas novas possibilidades, o que confere uma dimensão eséica a esse rabalho (há sempre a possibilidade da criação, da invenividade), sem esquecer que o mesmo ambém é noreado por premissas éicas perinenes ao cuidado com a vida, vigenes, ambém, nos princípios do SUS e da Reforma Psiquiárica.
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Unidade 1
Para isso, precisamos contar com trabalhadores dispostos a usar o risco como potencialidade, em que a crise como risco, por exemplo, propicie novas maneiras de reorganização, ano dos usuários quano da própria equipe. Isso é fundamenal no campo da Aenção Psicossocial, em que muias vezes a crise do usuário coloca o próprio serviço e seus rabalhadores em crise (DELL´ACQUA; MEZZINA, 1991). Boa Prática Uma atitude reflexiva permanente no cotidiano de trabalho ajuda as equipes a pensarem e questionarem as próprias normas e regras que criam. A preservação de espaços de reflexão sobre o que se faz é fundamental para o bom andamento do trabalho.
Para abrir espaço para a criaividade, a invenividade e a liberdade de ação nos momenos de crise, há necessidade de que as normas e regras sejam revisas coninuamene, além de uilizá-las de forma flexível, observando a singularidade das siuações vivenciadas no coidiano dos serviços. Essa flexibilidade e aberura não se adquirem aravés de um cerificado ou diploma, sendo necessário o exercício diário dessa forma de auação. 4 O limite é o que distingue, diferencia e oferece continência. Pode ser tra balhado terapeuticamente ou disciplinarmente. Pessoas com uma relação de dependência com as drogas geralmente têm códigos e leis próprios, mediados pela sua relação com a droga. Daí algumas abordagens insistirem na necessidade de estabelecer limites externos rígidos ao tratar essas pessoas ao invés de reforçar a construção interna de seus próprios limites (SILVEIRA FILHO, 1995).
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Por exemplo, muios serviços que aendem pessoas com problemas decorrenes do uso de álcool, crack e ouras drogas esabelecem uma série de criérios, regras e normas na enaiva de esabelecer limies4 aos usuários, arelando o acolhimeno e a coninuidade do cuidado ao respeio a ais regras e normas. Tais regras e normas, elaboradas pela equipe de saúde, passam a ser nauralizadas como roina do serviço, sem maior aberura para negociação das mesmas com os usuários. Mais do que reforçar os limies exernamene esabelecidos, Maria Gabriela Godoy
Caracterização do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços
é imporane rabalhar novas formas de essas pessoas esabelecerem e inernalizarem seus próprios limies, lidando com a corresponsabilidade pelo seu cuidado e pelas suas escolhas. Nos serviços que aendem pessoas com problemas decorrenes do consumo de álcool e ouras drogas, os rabalhadores cosumam vivenciar muias siuações que exrapolam os padrões esabelecidos. Tais faos desnoreiam as equipes, podendo induzir endências de resposas rápidas, irrefleidas e inervenções rígidas e disciplinadoras, aplicando-se, mecanicamene, as regras preesabelecidas, sem levar em cona a singularidade de cada siuação e de cada usuário.
Siuações-limie, em que há “ransgressão” de normas e regras, cosumam desnorear as equipes e gerar cera confusão enre os rabalhadores. É necessário er muio cuidado nesses momenos, sobreudo porque o limie enre aiudes erapêuicas e aiudes puniivo-morais pode ser muio ênue e difuso.
Uma forma de lidar com as siuações-limie vividas pela equipe é enar idenificar o objeivo das inervenções proposas e analisar com calma as soluções enconradas para lidar com a siuação. Para lidar com a crise da equipe, são necessários rabalhadores disposos a “arriscar-se”, produzindo rupuras nos limies grupais, organizacionais e insiucionais, incorporando o inusiado como inerene à aenção psicossocial (ANDRADE, 2007). No rabalho em saúde, ambém é necessário exerciar maneiras de lidar com as relações de poder, o que remee a uma erceira caracerísica dese rabalho, que é a sua dimensão política. Essa dimensão raa da muliplicidade, da diversidade e de udo que emerge da convivên-
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Unidade 1
cia das pessoas em espaços públicos, onde o discurso produz ação e onde ocorre a expressão das opiniões, discussão, julgameno, avaliação, conflios, embaes, negociações e argumenações (HONORATO; PINHEIRO, 2007). A dimensão políica faz inerseção com as aneriores e reforça o rabalho em saúde como um processo coleivo, que precisa ser pacuado, no qual emergem ineresses, dispuas, consensos, conflios, mediações e negociações, que esabelecem deerminadas endências na produção do cuidado. Desse modo, os rabalhadores precisam auar como operadores, sujeios dinamizadores, noreados por uma éica da aleridade, que possibilie avanços na consiuição de esraégias psicossociais de aenção (ROTTELLI e al., 1990). Um aspeco consiuine dessa dimensão políica do rabalho em saúde é a responsabilização coleiva dos rabalhadores, aravés de um processo de divisão pacuada, comparilhada e ariculada de arefas (LOPES e al., 2007). Mas a responsabilização coleiva vai além disso, ao presumir que a equipe responde pelos aos realizados por qualquer um de seus membros, que precisam caminhar junos em um processo de cuidado recíproco (GOMES e al., 2007). Ouro aspeco dessa dimensão políica é o fao de o rabalhador de saúde possuir gradienes de liberdade e auogoverno sobre seu processo de rabalho, que lhe possibiliam cero proagonismo na produção do cuidado. Obviamene, esse proagonismo é mediado pelas relações enre os rabalhadores e deses com os usuários (HONORATO; PINHEIRO, 2007). As relações enre os rabalhadores são aravessadas por fluxos de poder e subjeividade, que represenam processos micropolíicos. A micropolíica aricula a subjeividade ao poder, que não é linear, localizado ou concenrado em um pono deerminado, mas sim, uma poência que circula e coneca fluxos operaivos, comunicacionais, simbólicos e subjeivos em uma inrincada rede relacional, afeando os próprios rabalhadores e ambém os usuários (FRANCO, 2006). 22
Maria Gabriela Godoy
Caracterização do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços
O rabalho em saúde é (micro)políico, lida com relações de poder, responsabilização coleiva e proagonismo dos rabalhadores. Figura 1 - Caracerísicas do rabalho em saúde –Trabalho vivo em ao
(Micro)Político
Relacional
Reflexivo
1.1.4 A organização do trabalho em saúde Na organização do rabalho em saúde, é comum exisirem hierarquias e diferenes valorizações sociais dos rabalhadores, que nem sempre são explícias. Enre essas disinções, enconramos diferenças relacionadas: •
•
•
•
à maior ou menor aniguidade dos rabalhadores no serviço; ao maior ou menor domínio e experiência de conhecimenos e habilidades na área; ao ipo de vínculo empregaício (concurso versus erceirização); e à caegoria profissional.
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Unidade 1
Os serviços de saúde menal muias vezes reproduzem essas disinções, criando uma hierarquização e relações de poder que exercem impaco, muias vezes de forma suil, na forma como o rabalho em equipe se consiui. Algumas dessas relações de poder enre os rabalhadores êm origens hisóricas imporanes, que vale a pena siuar brevemene, conforme faremos a seguir. Link Para aprofundar seu conhecimento sobre as distinções que se configuram em uma equipe de saúde, leia GODOY, M.G.C. Micropolítica e processos de trabalho de um Centro de Atenção Psicossocial: experiências intersubjetivas dos trabalhadores. Disponível em: .
Breve Histórico da organização do trabalho em saúde
Embora o cuidado à saúde e as aividades de raameno e cura remonem aos primórdios da humanidade, a organização desse campo, como hoje o conhecemos, é bem mais recene e se repora à Modernidade, com a configuração hisórico-políica do rabalho em saúde, que remona à consiuição da Medicina moderna. Como vimos logo no início desa unidade, com o adveno do capialismo, modificações imporanes afearam o mundo do rabalho. Tais modificações aingiram a Medicina de forma bem peculiar. Na Europa medieval, as pessoas encarregadas da cura e do alívio do sofrimeno se subdividam em dois grupos: os barbeiros–cirurgiões - que cuidavam da plebe e das afecções exernas e visíveis do corpo, uilizando procedimenos cirúrgicos, unguenos e curaivos; e os físicos – que cuidavam da nobreza e do clero, e esudavam as afecções inernas do corpo, curando-as aravés do uso de misuras, ervas e poções.
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Maria Gabriela Godoy
Caracterização do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços
Saiba Mais Se você gosta de literatura histórica e quer conhecer como era a medicina medieval, leia: GORDON, N. O Físico. A epopéia de um médico medieval. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
Com o capialismo, por vola do século XVII, surgiu a Medicina Moderna, a parir da fusão gradaiva dos conhecimenos e habilidades dos físicos e dos barbeiros-cirurgiões. Ao amplo reperório de conhecimenos gerado por essa fusão, acresceram-se novos conhecimenos, que passaram a ser produzidos de uma nova maneira, sob a égide da Ciência. Nesse processo mais amplo de mudanças nas concepções so bre o mundo e o ser humano e dessacralização da naureza, ambém se modificaram as concepções de corpo, saúde, doença vida e more (SCHRAIBER, 1993). Mas, enquano a Medicina passava por uma agregação de saberes e práicas que lhe conferiu grande poder e auonomia profissional5, os demais ipos de rabalho passavam jusamene por um processo conrário. Os demais rabalhadores inham seu processo rabalho fragmenado, dividido enre vários rabalhadores, como já vimos logo no início dese módulo.
5 A autonomia profissional é definida como a capacidade de autorregulação dos praticantes de um ofício, que dominam um conjunto de conhecimentos e práticas específicos, cujo acesso é restrito e difícil, sendo controlado pelos praticantes desse ofício (FREIDSON, 2009).
A esa alura, você deve esar se pergunando por que o rabalho médico conseguiu andar na conramão dos demais ofícios adquirindo, inclusive, grande auonomia. Aconece que a consiuição da Medicina moderna ocorreu de maneira alinhada e congruene ao projeo políico, social e econômico capialisa, ou seja, as corporações médicas aliaram-se às elies burguesas e indusriais e aos represenanes do Esado moderno, o que lhes permiiu maner essa fusão de saberes e práicas sob a chancela de apenas um ipo de rabalhador, o médico (SCHRAIBER, 1993). Módulo Processo de trabalho nos serviços de atenção a usuários de álcool e outras drogas
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Unidade 1
6 Entre os principais traços do modelo médico hegemônico, podemos citar: o biologicismo; o individualismo; a a-historicidade; o mercantilismo, a eficácia pragmática; o autoritarismo; a participação passiva, subordinada e exclusão do conhecimento do paciente; a legitimação jurídica; e a identificação com a racionalidade científica (MENÉNDEZ, 2009).
A parir do rabalho médico se consiuiu o que se designa de Modelo Médico Hegemônico6, que é a maneira como em se organizado um conjuno de saberes e práicas que moldou, hisoricamene, a organização do rabalho, da aenção e da gesão em saúde. Embora esse modelo enha surgido e se propagado a parir da consiuição da Medicina moderna, o modelo médico hegemônico influenciou e foi incorporado por diferenes caegorias do campo da saúde (MENÉNDEZ, 2009).
7 A divisão técnica do tra balho se relaciona à divisão das tarefas entre os trabalhadores, enquanto a divisão social do trabalho está ligada à hierarquização e diferente valorização social dessas atividades (MENDES GONÇALVES, 1994).
A hegemonia desse modelo ocorreu no espaço do hospial, que passou a se caracerizar como principal cenário da práica médica, onde o rabalho se organizou de maneira semelhane a ouras insiuições capialisas, criando-se uma divisão técnica e uma divisão social do rabalho7 em saúde. Os demais rabalhos em saúde, surgidos poseriormene ao rabalho médico, ficaram sob a jurisdição dese, que repassava apenas as arefas subalernas e coadjuvanes para os assisenes dos médicos (SILVA; FONSECA, 2005). Se, por um lado, a Medicina agregou hisoricamene grande poder, ese veio se modificando com o gradual surgimeno das novas profissões de saúde, desde meados do século XIX. De qualquer modo, o processo de profissionalização, relacionado à consiuição de uma deerminada aividade ou ocupação em profissão, caraceriza-se por ser uma esraégia de deenção de poder, aravés do domínio de saberes e práicas o mais específicos e miseriosos possíveis, acessíveis a poucos, de modo a garanir uma reserva de mercado (MACHADO, 1995). Denre esses saberes e práicas, ceramene a linguagem figura como desaque. Falar de forma que somene “meus pares” me enendam reforça relações desiguais de poder. 26
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Aualmene, o aumeno no volume de conhecimenos não permie que qualquer profissão abarque sozinha oda a complexidade da área. Se o processo de profissionalização gera essa endência de diferenciação de cada profissão em busca de maior poder e auonomia individual, há ambém ouros movimenos possíveis, que podem ajudar a ransformar e redesenhar as froneiras profissionais, sem necessariamene exingui-las. Nesse senido, pode-se esimular uma maior colaboração e inegração, mediane a consrução pacuada de uma auonomia de equipe que orna relaiva - ou seja, consruída na relação com as demais profissões - a auonomia profissional individual (FURTADO, 2007). Parece ser exaamene essa consrução pacuada que mais em agradado à Claudia, a nova rabalhadora do serviço, mencionada no início da unidade. Desse modo, a consiuição de um rabalho de equipe em saúde precisa lidar com – e buscar superar - os especialismos, que corresponderiam à aiude de operar desauorizando e invalidando ouros saberes e fazeres, na direção de garanir sua preensão de verdade unívoca, esabelecendo disinções hierárquicas enre “(...) diferenes saberes disciplinares e/ou os saberes da experiência da práica” (BARROS, 2011, p.132). Reflexão Como você acha que essas questões repercutem no cuidado dos usuários?
Abordaremos a seguir conceios imporanes para conhecer os diversos ipos de inerações disciplinares e profissionais que podem ser aivadas para maior inegração e colaboração do rabalho em equipe.
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Unidade 1
As interações disciplinares e o trabalho em saúde
Durane a semana em que Cláudia e Vera acompanharam as aividades no CAPS AD III, elas pariciparam do “Grupo de Senimenos”, conduzido por Mara, psicóloga aniga no serviço. Nese grupo, surgiram quesões bem imporanes razidas por Josino, um usuário do serviço. Ao final do grupo, Mara conversou com elas para rocarem impressões. As moças ambém observaram o “Grupo de Familiares”, conduzido por Marcela, assisene social com formação em Terapia Familiar e Fernanda, psiquiara. Após a reunião do grupo, elas acompanharam a discussão realizada por Marcela e Mara, que ambém fizeram anoações nos pronuários dos usuários e planejaram o próximo enconro. Elas ambém conheceram alguns usuários em acolhimeno 24 horas, percebendo grande enrosameno enre eses e a Enfermagem, que manêm reuniões específicas para discuir a siuação de alguns usuários, as inercorrências e fazer a passagem de planão. As moças ambém acompanharam uma reunião com oda a equipe, cuja paua envolveu quesões adminisraivas e discussões sobre os usuários em acolhimeno 24 horas. Chamou-lhes a aenção o fao de que a maioria dos rabalhadores realiza aividades diversas, denro e fora do CAPS, conjunamene. Apenas uns poucos rabalhadores parecem er dificuldades para maior envolvimeno nas aividades coleivas da equipe, preferindo fazer consulas individuais. Enreano, eles parecem paricipaivos e comparilham informações nas discussões sobre os usuários realizadas na reunião de equipe. Reflexão Você já parou para pensar em como se organiza o tra balho no seu serviço?
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Como podemos observar na descrição acima, 8 Disciplina é uma maneira no coidiano dos serviços há muias pisas so- de organizar saberes constituídos por um conjunto bre a maneira como eses se organizam. Aual- de teorias, conceitos e mémene, ouve-se falar muio na imporância de todos com a pretensão de realizar um rabalho inerdisciplinar ou rans- melhor compreender e intervir sobre determinados disciplinar em saúde. Mas a que iso se refere fenômenos (FURTADO, exaamene? Já vimos que muias modifica- 2007). ções acompanharam a Modernidade. Enre elas, uma nova forma de produzir e organizar o conhecimeno, aravés da Ciência. Assim como o rabalho foi fragmenado, o mesmo ocorreu com o conhecimeno. Esse processo de divisão do conhecimeno cienífico em várias áreas específicas gerou, assim, diversas disciplinas8 (por exemplo: medicina, psicologia, enfermagem, enre ouras). Tal divisão do conhecimeno em disciplinas vem sendo quesionada há algumas décadas, por limiar a compreensão da realidade. Surgiram, enão, diversas possibilidades de ineração e ariculação disciplinar, que afeam a maneira como se organiza o rabalho em equipe e indicam as endências predominanes dos modelos de aenção em deerminado serviço. Cada um desses ipos de inerações e ariculações enre disciplinas se caraceriza por diferenes inensidades e modos, podendo-se recorrer à seguine classificação: a) multidisciplinaridade; b) pluridisciplinaridade; c) interdisciplinaridade; e d) transdisciplinaridade (FURTADO, 2007). Vejamos cada um desses conceios mais dealhadamene: a) na multidisciplinaridade, há várias disciplinas isoladas que não
se relacionam enre si, apesar de enfocarem o mesmo objeo ou problema. Um exemplo seria o de um ambulaório radicional, onde um mesmo usuário é aendido por profissionais de diversas caegorias profissionais isoladamene. Os rabalhadores não conversam enre si nem rocam informações a respeio do caso, podendo, inclusive, haver duplicidade ou sobreposição nas ações; Módulo Processo de trabalho nos serviços de atenção a usuários de álcool e outras drogas
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Unidade 1
b) na pluridisciplinaridade, ocorre uma ineração complemenar
enre as disciplinas, em que uma preenche lacunas da oura, havendo cera coordenação enre elas e o esabelecimeno de objeivos comuns. Uma discussão de caso nos moldes radicionais exemplifica ese ipo de ineração, onde rabalhadores de diferenes áreas rocam informações, mas não há, geralmene, encaminhamenos comuns (FURTADO, 2007); c) na interdisciplinaridade, há a realização de uma arefa conjuna, a
uilização de conceios comuns, o comparilhameno da plaaforma de rabalho e relações menos vericais enre as disciplinas. Um exemplo desse ipo de ineração pode ser a elaboração de um Projeo Terapêuico Singular, que cone com as conribuições e o envolvimeno de oda a equipe de saúde de um CAPS; d) na transdisciplinaridade, ocorreria o borrameno das froneiras
disciplinares e o oal enrosameno das disciplinas. Para alguns auores, ese é um objeivo inalcançável, enquano para ouros a ransdisciplinaridade seria a única maneira válida de ineração (FURTADO, 2007).
Desaca-se que “(...) modelo de aenção é uma dada forma de combinar écnicas e ecnologias para resolver problemas de saúde e aender necessidades de saúde individuais e coleivas” (PAIM, 2002, p. 374). Ouros auores se debruçaram sobre o assuno na Saúde Menal, disinguindo um modelo asilar de um modelo psicossocial (COSTA-ROSA, 2000). A coexisência de diferenes modelos em um mesmo serviço ambém foi aponada por Nunes e al. (2008).
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Tomemos, por exemplo, as aividades do CAPS AD III acima relaadas para ilusrar nossa análise. Rapidamene podemos perceber que os rabalhadores realizam várias aividades individuais e coleivas. Alguns deles rocam impressões sobre as aividades coleivas, enquano ouros sequer se envolvem com elas. Enreano, na reunião de equipe, momeno em que, presumidamene, deverão esar odos os rabalhadores, não pareceu haver um comparilhameno de informações aprofundado sobre os usuários e as aividades por eles realizadas. Essas discussões pareceram ocorrer enre a Enfermagem, especificamene em relação aos usuários do acolhimeno 24 horas. Analisar como e onde ineragem os rabalhadores nos dá pisas sobre as endências do modelo de aenção predominane e a finalidade do cuidado em um serviço.
É imporane lembrar que a ineração se dá 9 Campos (2000) define o espaço coletivo como: no coidiano e, por vezes, alguns rabalhado“um arranjo organizacional res mais próximos enre si realizam pequenas montado para estimular a reuniões para rocar impressões sobre algum produção e a construção de usuário, como vimos que a Enfermagem faz, sujeitos e de coletivos organizados. Representam esno exemplo acima. Há, porano, espaços for- paços concretos (de lugar e mais, como as reuniões de equipe, reuniões de tempo) destinados à comunicação (escuta e circude caegorias profissionais e espaços inforlação de informações sobre mais de ineração, como as conversas de codesejos, interesses e aspeczinha e corredor. É imporane observar o- tos da realidade), à elaborados esses espaços de maneira a ponderar por ção (análise da escuta e das informações) e tomada de onde circulam mais as discussões e decisões decisão (prioridades, projedo serviço. O fundamenal é poencializar a tos e contratos)” (p. 147). consiuição de espaços coleivos9, como as reuniões de equipe, que precisam envolver odos os profissionais, mas que, muias vezes, erminam se ornando maçanes e burocraizadas. Módulo Processo de trabalho nos serviços de atenção a usuários de álcool e outras drogas
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Unidade 1
Vimos que a equipe do CAPS AD III do nosso exemplo realiza várias aividades coleivas, como grupos e oficinas. Ampliar o reperório de aividades para além das consulas individuais é imporane, pois permie ampliar as inervenções erapêuicas, valorizando a socialização e ineração enre os usuários. Enreano, essa ampliação de reperório precisa er um senido claro para os rabalhadores e usuários, vinculando-se às dimensões relacionais, reflexivas e políicas que caracerizam o rabalho em saúde, cuja finalidade é a de produção de saúde e de subjeividade. De modo contrário, corremos o risco de naturalizar as atividades coletivas e reproduzir, através delas, uma lógica verticalizada nas relações entre trabalhador e usuários, que pouco contribui para a constituição de modos psicossociais de atenção .
As aividades coleivas ampouco garanem, por si só, maiores possi bilidades de ineração enre os rabalhadores, caso eses não uilizem esraégias de comparilhar as informações do que observaram em seus grupos e oficinas aravés, por exemplo, de regisros em pronuário ou nas reuniões de equipe. Além disso, no próprio serviço há diferenes gradienes de ineração enre os rabalhadores, o que é mediado pelas afinidades pessoais, denre ouras coisas. No exemplo, vemos uma auação com endências inerdisciplinares a ransdisciplinares enre Marcela, a assisene social, e Fernanda, a psiquiara, enquano há ambém auações mulidisciplinares enre os rabalhadores que se resringem ao aendimeno individual e preferem não se envolver nas discussões de equipe. Muias vezes, é, sobreudo, no aendimeno individual que o rabalhador usa mais acenuadamene o conjuno de saberes e práicas específicos à sua profissão. A ese conjuno específico de saberes e práicas que delineiam cera idenidade profissional designa-se de núcleo. E ao conjuno de saberes e práicas mais permeáveis, comparilhados por diversas áreas de auação profissional, designa-se campo. O campo represena um espaço de limies imprecisos, onde cada disciplina e profissão busca apoio nas ouras para realizar suas arefas (CAMPOS 32
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e al., 1997). O campo é o espaço onde os núcleos se inerrelacionam para produzir cuidado, como o Campo da Saúde Menal.
O campo em limies e conornos mais imprecisos, enquano o núcleo é mais delineado (CAMPOS e al., 1997).
A delimiação dos saberes e práicas que compõem o campo e o núcleo é variável e mediada não só pela racionalidade écnica, mas ambém por ineresses políicos, econômicos, corporaivos e profissionais. Núcleo e campo são, porano, muanes e inerinfluenciáveis, não havendo limies precisos enre um e ouro (CAMPOS, 2000b). Observamos, enão, que os conceios apresenados podem ser aplicados para observar como se organiza o rabalho em uma equipe de saúde, de maneira a idenificar as endências predominanes na produção do cuidado. Algumas caegorias profissionais na Saúde Menal endem a reforçar seus núcleos profissionais no seu modo de rabalhar. Enreano, é necessário cero equilíbrio na composição das aividades individuais de cada profissional, esimulando que o mesmo realize ano arefas de campo quano de núcleo no seu rabalho. Porém, cabe lembrar que as aividades de núcleo não podem ser classificadas auomaicamene como mulidisciplinares. Por exemplo, se omamos o caso do CAPS AD III, vemos que embora haja rabalhadores mais afeios a suas aividades de núcleo, eses paricipam e comparilham informações na reunião. Em uma auação exclusivamene mulidisciplinar, não ocorreria roca e fluxo de informações. Observamos, porano, que embora a caegorização apresenada - muli, pluri, iner e ransdisciplinaridade - ajude a idenificar endências na organização dos processos de rabalho, há porosidades que reconfiguram coidianamene a experiência do rabalho em saúde.
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Unidade 1
Reflexão Como você percebe seu processo de trabalho, considerando os conceitos de núcleo e campo?
A idenificação de veores e endências dos processos de rabalho de um serviço de aenção psicossocial pode ajudar a reforçar fluxos preexisenes de inegração e cooperação, aravés do exercício da reflexão, da invenção e do comparilhameno do rabalho em equipe. Uma vez experimenada a práica ransdisciplinar no coidiano dos serviços, esmaecem-se as froneiras disciplinares, “(...) havendo a consrução de laços de confiança e uma corresponsabilização pelo engendrameno do cuidado.”, marcando-se a proposa de produção coleiva (CABRAL; ANDRADE, 2012, p.237). Nesse senido, diversos disposiivos são imporanes por esimularem a reorganização do rabalho no campo da Saúde Menal e Aenção Psicossocial, enre eles, o Projeo Terapêuico Singular, e a figura do écnico de referência, de quem raaremos na próxima unidade com mais dealhes. A gestão e sua relação com a organização do trabalho em equipe de saúde
O rabalho de gesão de uma equipe de saúde geralmene fica sob a responsabilidade específica de uma pessoa, que coordena o serviço. Alguns auores discuem o ema da gesão, desacando a imporância de al processo não se limiar ao conrole e disciplinameno dos rabalhadores. Além de gerir, ambém é necessário gerar, ou seja, a gesão é um lugar poene pra induzir ransformações nos serviços de saúde e envolver paricipaiva e democraicamene odos os rabalhadores nas deliberações e decisões (ONOCKO, 2003). Para efeivar um processo de gesão que esimule ransformações e avanços no senido de uma composição de rabalho em equipe com
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Caracterização do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços
caracerísicas ransdisciplinares, é imporane observar como esão disribuídas as diversas aividades individuais e coleivas e dos núcleos e campos de auação. Muios serviços de saúde concenram mais aividades de núcleo para deerminadas caegorias profissionais, delegando aividades de campo para ouras: um exemplo é a resrição dos médicos às consulas individuais, o que em geral é jusificado pela expressiva demanda às especificidades de sua auação individual. Pode aconecer ambém uma resisência de alguns profissionais em recompor seu rabalho de maneira a realizar aividades de campo, como acolhimeno, visias domiciliares e, às vezes, grupos e oficinas. Uma via de compreensão pode ser a de que as aividades de núcleo reforçam a auonomia profissional individual enquano as aividades de campo reforçam uma auonomia de equipe (FURTADO, 2007). Enreano, é sempre imporane discuir coleivamene a organização do processo de rabalho, de modo a enriquecer a auação da equipe, valorizando as compeências dos seus inegranes e a ariculação enre eles no campo comum de auação. Desse modo, podem ser eviadas as capuras da própria equipe, que por vezes pode reforçar - sem perceber – uma divisão enre os rabalhadores, com alguns mais vinculados a uma auação cenrada no seu núcleo profissional e ouros mais ariculados em campos comuns de práicas. Nesse conexo, o gesor precisa inervir, de maneira a esclarecer e definir juno com os rabalhadores que ipo de modelo se preende reforçar no serviço. A gesão é, porano, um lugar privilegiado para lidar com diferenes fluxos e gradienes de poder, inclusive com o do próprio coordenador. Para avançar na reorganização do rabalho e aprimorar a produção de cuidado, é imporane consruir processos de gesão paricipaiva e comparilhada, onde a reunião da equipe possa se consiuir como um espaço coleivo de discussão e decisão, em que se reflia sobre a clínica e o cuidado, a políica e as relações de poder, permiindo o cuidado enre os próprios rabalhadores. Ceramene isso
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Unidade 1
inclui a mediação e negociação de conflios, que são inerenes a odo esse processo (CAMPOS, 2000). O gesor é mediador por excelência. É mediador, é “raduor” (ou provoca a “radução” necessária ao enendimeno de profissionais de núcleos de saberes diferenes), susena a necessidade de respeiar os acordos coleivos, enre ouras funções. Para finalizar, o rabalho em saúde e a gesão dos serviços da RAPS, por presumirem maior paricipação e democraização nas relações de cuidado e gesão, demandam o envolvimeno dos usuários nesse processo, esimulando a criação, aivação e manuenção de espaços coleivos, como as assembleias de usuários, familiares e rabalhadores, assim como a represenação em conselhos locais de saúde. As quesões apresenadas ao longo dese módulo assinalam, enão, muios desafios e possibilidades no coidiano dos serviços. Nesse conexo, os rabalhadores podem produzir efeivamene práicas de cuidado e, ao longo desse processo, novos senidos para seu rabalho.
�.� R Nesa unidade raamos do coidiano do rabalho em equipe de saúde, apresenando as definições de rabalho e rabalho em saúde e de ecnologias em saúde desacando a imporância das ecnologias-leves. Abordamos algumas caracerísicas do rabalho em saúde, como sua dimensão relacional, reflexiva e políica. Essas caracerísicas reforçam aspecos relacionados à incereza, à imprevisibilidade e ao risco como inerenes ao rabalho em saúde. A isso se associa a imporância da responsabilização coleiva pelo rabalho e a ariculação enre subjeividade e poder, o que configura o campo micropolíico perinene ao rabalho em saúde. Vimos ambém as bases hisóricas do rabalho em saúde e sua relação com o rabalho médico e o surgimeno de ouras profissões. Analisamos caegorias como auonomia profissional e disciplina, de maneira a apresenar as possibilidades de ineração disciplinar e as definições 36
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Caracterização do trabalho em equipe no cotidiano dos serviços
de campo e núcleo profissional. Finalmene discuimos algumas quesões sobre a relação enre a gesão e o rabalho em equipe de saúde.
�.� L CAMPOS, G. W. S. Cogesão e neoaresanao: elemenos conceiuais para repensar o rabalho em saúde combinando responsabilidade e auonomia. Ciênc. saúde coletiva. vol.15, n.5, 2010, p. 2337-2344. MERHY, E.E. Os CAPS e seus rabalhadores: no olho do furacão animanicomial. Alegria e Alívio como disposiivos analisadores. In: MERHY, E.E. & AMARAL, H. (Orgs.). A Reforma Psiquiátrica no Cotidiano II. São Paulo: Aderaldo & Rohschild, 2007. p. 55-66.
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Atenção Psicossocial: conceitos, diretrizes e dispositivos clínicos
Atenção Psicossocial: Psicossocial: conceitos, conceitos, diretrizes diretrizes e dispositivo dispositivoss clínicos
U 2 – A P: , Ao final desa unidade, você será capaz de: •
•
•
compreender o conceio de Clínica da Aenção Psicossocial, com ênfase na aenção a pessoas com problemas decorrenes do uso de álcool e drogas; idenificar as peculiaridades da clínica da Aenção Psicossocial; Psicossocial; e enender a imporância de uma auação ou inervenção cenrada nos sujeios, irando o foco da droga e visando à ampliação da auonomia, além da valorização da corresponsabilização e a negociação permanene enre rabalhadores e usuários.
O uso de drogas é uma quesão complexa, que exige a ariculação de diversos disposiivos disposiivos para ampliar o processo de cuidado, cenrando-o na pessoa e sua “exisência-sofrimeno”. Por essa razão, nesa Unidade apresenaremos conceios, direrizes e disposiivos da Clínica da Aenção Psicossocial volados volados para o cuidado de pessoas com necessidades decorrenes do consumo de drogas, buscando ir além do sinoma e suas diferenes denominações e enquadres (inoxicação, absinência, ransornos, enre ouros), de modo a cenrar nossa discussão em orno do sujeio em sofrimeno.
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Unidade 2
�.� A C A P As abordagens erapêuicas no cuidado de pessoas em sofrimeno menal e em uso de drogas represenam um desafio às equipes de saúde. No conexo da Clínica da Aenção Psicossocial, é fundamenal esabelecer configurações de cuidado poenes, que levem em cona a pessoa que busca cuidado – o usuário do serviço de saúde, seu conexo, sua família e rede de apoio, e você próprio, como rabalhador de saúde, além de sua equipe. Nesse inuio, como já sinalizado, rabalharemos algumas direrizes da Aenção Psicossocial, revisaremos um breve hisórico da clínica e algumas premissas que caracerizam uma Clínica da Aenção Psicossocial, aprofundando quesões relaivas ao cuidado de pessoas que fazem uso problemáico de drogas. Também discuiremos aspecos referenes à imporância do écnico de referência na configuração do rabalho em equipe. Para nos ajudar a esabelecer correlações enre a discussão eórica a ser apresenada e as práicas usadas no coidiano dos serviços, omaremos como exemplo alguns serviços da Rede de Aenção Psicossocial (RAPS) de um município imaginário. Esperamos que a discussão seja proveiosa e possa ajudá-lo em seu coidiano de rabalho.
2.1.1 O que é Atenção Psicossocial? Irubiba é um município do inerior do Brasil, com cerca de 230.000 habianes, que esá implanando sua Rede de Aenção Psicossocial (RAPS). Enre os serviços que compõem esa rede, esão as Unidades Básicas de Saúde e suas equipes de saúde da família, duas equipes NASF, uma equipe de Consulório na Rua, um CAPS AD III, um CAPS II, um CAPSi, uma Unidade de Acolhimeno para adulos, leios de in40
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Atenção Psicossocial: conceitos, diretrizes e dispositivos clínicos
ernação para saúde menal, álcool e drogas no hospial municipal. Os rabalhadores da RAPS esão fazendo discussões sobre as concepções que norearão eses serviços e um dos emas selecionados é Aenção Psicossocial, desacando-se as concepções a respeio do que seria uma clínica psicossocial. Para enender a Clínica da Aenção Psicossocial, vamos começar, enão, raando do que esamos chamando de “Aenção Psicossocial”. Em primeiro lugar, cabe desacar que “psicossocial” é um ermo que preende superar o reducionismo biomédico, quesionando a cisão enre corpo e mene e a endência de priorizar as dimensões biológicas que o caracerizam (DUARTE, 1994). Já o ermo “Aenção Psicossocial” designa, 10 Desinstitucionalização designa diferentes procesno Brasil, um conjuno amplo e complexo sos. Na experiência de rede saberes, práicas, políicas e experiências forma psiquiátrica nomeade cuidado no campo da Saúde Menal, que da “Psiquiatria Preventiva e Comunitária”, representa inclui a aenção às pessoas com problemas a desospitalização, a criadecorrenes do uso de álcool e ouras droção de serviços comunigas, que se pauam por premissas episetários de saúde mental e a redução de gastos por mológicas, éicas e políicas definidas. Enre meio de uma reorganizaelas, podemos ciar: o deslocameno de obção técnica, assistencial e jeo - que para a Psiquiaria foi inicialmene administrativa. Já na “Psiquiatria Democrática itaa alienação, sucedendo-se a doença menal liana”, é concebida como e, aualmene, o ransorno menal, enquandesconstrução do saber o para a Aenção Psicossocial é o sujeio em psiquiátrico que sustenta a lógica manicomial vigente sua exisência-sofrimeno; a desinsiucionana sociedade (AMARANlização10 da loucura; o resgae da auonomia e TE, 1996). cidadania; o combae aos esigmas e preconceios; e a efeivação de um cuidado em saúde alinhado à defesa dos direios humanos (AMARANTE, 2011; BRASIL, 2011).
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Unidade 2
Os avanços no campo da saúde no Brasil, nos úlimos 30 anos, reforçaram a consiuição do campo da Aenção Psicossocial, com a incorporação do processo de Reforma Psiquiárica pelo SUS. Mas ainda há muios desafios para a sua consolidação, o que exige a coninuidade de mudanças em diversos eixos ou dimensões, a saber: eórico-conceiual, écnico-assisencial, jurídico-políica e socioculural (AMARANTE, 1999). A Aenção Psicossocial é um campo amplo e complexo, que conjuga diversos saberes e práicas oriundos de várias áreas do conhecimeno, como as Ciências, as Ares, a Filosofia e a Políica e ambém do plano da experiência coidiana. As premissas éico-políicas da Aenção Psicossocial são fundamenais para norear a produção de cuidado em Saúde Menal e Álcool e Drogas no Brasil.
A Atenção Psicossocial não é apenas um campo cienífico resrio a saberes e práicas “psi”, oriundos da Psiquiaria e das diversas verenes da Psicologia. Ele inclui diversas ciências – como as ciências sociais, humanas e políicas – bem como ouros modos de produção do conhecimeno, como a Filosofia, as Ares, e a Políica, de onde provêm concepções fundamenais para a compreensão e inervenção nos diversos cenários de cuidado. Cabe desacar que a Aenção Psicossocial se consrói fundamenalmene no coidiano, no plano da experiência produzida pela ineração enre os rabalhadores de saúde e os usuários e das reflexões susciadas pela práica. Tamanha complexidade nos leva a pergunar: como se maerializa, enão, a Aenção Psicossocial? Podemos considerar que a resposa a al perguna se consiui aravés da conjugação de diversas ações que perpassam odos os eixos ou dimensões acima ciados. Nessa concreiza42
Maria Gabriela Godoy
Atenção Psicossocial: conceitos, diretrizes e dispositivos clínicos
ção, cabe um lugar especial a novos modos de produzir a clínica, uma Clínica da Aenção Psicossocial. Daí a necessidade de aprofundarmos um pouco mais que clínica é esa, conforme vamos discuir a seguir. Saiba Mais Alguma vez você e sua equipe já conversaram sobre o que entendem por “atenção psicossocial”? É importante que você aprofunde suas reflexões sobre a constituição da noção de “Atenção Psicossocial” no Brasil. Para tanto, leia: COSTA-ROSA, A.; LUZIO, C. A.; YASUI, S. Atenção Psicossocial: rumo a um novo paradigma na Saúde Mental Coletiva. In: Amarante, P. (Org.). Archivos de Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: NAU Editora, v. 1, 2003, p. 13-44. Você pode acessar esse texto no site abaixo: hp:// pt.scribd.com/doc/122142836/7-a-Costa-Rosa-A-Luzio-C-A-Yasui-S-Atencao-Psicossocial
2.1.2 A Clínica no contexto da Atenção Psicossocial Os rabalhadores da RAPS de Irubiba apresenam diferenes ideias sobre o que seja clínica e ambém sobre como produzir o cuidado de usuários com necessidades decorrenes do uso de álcool e ouras drogas. Resolveram, enão, insiuir um processo de Educação Permanene, começando por algumas oficinas para discuir alguns conceios, de maneira a criar um consenso em orno do que querem dizer quando usam o ermo “Clínica da Aenção Psicossocial” ou “Clínica Psicossocial”. Nesse processo, foi feia uma revisão sobre o hisórico da clínica, as premissas de uma clínica psicossocial e alguns de seus arranjos e disposiivos. Também discuiram desafios coidianos para a consrução de uma clínica psicossocial, conforme veremos a seguir.
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Breve histórico da clínica
A palavra clínica vem do grego klinus ou kliné, que significa cama ou leio, enquano klinikós designava o médico que aendia aos doenes acamados. A consiuição da clínica é muio aniga, pois daa de cerca de 2.500 anos, quando Hipócraes, na Ilha de Cós, Grécia, inroduziu uma nova forma de conceber o conhecimeno médico da época, a parir de explicações oriundas do mundo naural e de uma observação mais sisemaizada. Podemos considerar que isso fundou a clínica. A concepção hipocráica era holísica e não se limiava a enfocar a doença, pois levava em cona a pessoa doene e seu conexo social e as relações com a naureza. A radição hipocráica enfaizava ambém a imporância do resgae do equilíbrio da pessoa para ajudar na recuperação da sua saúde (CAIRUS; RIBEIRO, 2005). Essa influência hipocráica perdurou por séculos, influenciando oda a medicina da Aniguidade e da Idade Média. Foi, principalmene, com o adveno da Modernidade que surgiram mudanças imporanes nas concepções hipocráicas, levando à consiuição da clínica moderna. Esa é oriunda de duas radições: a anglo-saxônica e a hisoriografia francesa. Com a clínica moderna, inaugura-se um deerminado “olhar” sobre as dimensões biológicas do corpo. Já a Psiquiaria, primeira especialidade médica, que não inha um corpo, como o reso da medicina, apropriou-se da loucura como seu objeo de inervenção, passando a esabelecer os limies enre o que seria normal ou paológico em relação a deerminados esados e funções menais. Ao ermo loucura se sucederam diferenes denominações – “alienação”, “doença menal” e “ransorno menal”, por exemplo – que expressam as concepções hegemônicas e as subsequenes inervenções vigenes em cada época. Assim, à loucura concebida como “desrazão”, propôs-se o asilameno. Aualmene, à miríade de novos “ransornos menais”, compreendidos, a grosso modo, como desequilíbrios químicos (loucura como subsâncias químicas que passam a ser produzidas 44
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de forma desequilibrada pelo cérebro – os neuroransmissores), a inervenção que predomina é a medicalização, como corolário da radição da clínica moderna acima descria. Esse processo reforçou a dicoomia enre corpo e mene, que aé hoje em implicações na saúde. Ainda que, com o adveno da Psicanálise, no fim do século XIX e início do século XX, enha ocorrido o resgae da “escua” e a valorização das dimensões subjeivas, al cisão enre o olhar e a “escua”, enre o biológico e o subjeivo, se maneve, com a consiuição, inclusive, de espaços separados para “olhar” ou “escuar” o sujeio (ONOCKO CAMPOS, 2001). Oura cisão imporane reforçada pela consiuição da Medicina Moderna e da Clínica Moderna foi a separação enre a dimensão individual e a coleiva. A clínica se dedicou à dimensão individual, relegando a coleiva para a Medicina Social e suas áreas correlaas, a Epidemiologia e a Saúde Pública. Tal cisão se maneve, mesmo com a consiuição de verenes críicas, como a epidemiologia social laino-americana, que ampouco conseguiu elaborar proposas de inegração com essa clínica mais focada no indivíduo (ONOCKO CAMPOS, 2001). Em sínese, ao longo da hisória, observamos que a rajeória da clínica acompanha a consiuição da própria medicina. É na Modernidade que se operam diversas cisões que afeam a clínica, que passa a orienar-se por um modelo biologicisa, em que o sujeio é deslocado para se enfocar a doença e o corpo doene. A doença, como fenômeno, é observada, descria e classificada parir de seus sinais e sinomas, no inuio de esabelecer um diagnósico e raá-la a parir de inervenções, em um processo linear, que busca esabelecer relações de causa e efeio. Mas é ambém na Modernidade que ouros campos de conhecimeno conribuíram para provocar deslocamenos na linearidade causal simples (causa e efeio) da clínica moderna, ao inroduzir uma complexidade maior de deerminanes no processo saúde-doença, para além da dimensão puramene biológica. Aualmene a noção de clínica e de Módulo Processo de trabalho nos serviços de atenção a usuários de álcool e outras drogas
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seus processos - que muias vezes convergem para a configuração de diagnósicos e inervenções erapêuicas - não se limia a uma prerrogaiva do rabalho médico. O campo da saúde lida com problemas complexos, cujas resoluções precisam fundamenar-se no diálogo enre as diversas práicas clínicas, oriundas de várias profissões do campo da saúde e diversas verenes filosóficas, de maneira a efeivar uma auação iner e ransdisciplinar. Na aualidade, a clínica produz práicas de saúde e faz pare do dia a dia de diversos rabalhadores, que precisam, porano, dialogar, negociar e esclarecer as direrizes que noreiam as suas ações.
Especificidades da Clínica da Atenção Psicossocial
As discussões sobre qual é a concepção de clínica que noreia as ações na RAPS de Irubiba êm gerado posicionamenos divergenes enre os rabalhadores. Alguns não êm clareza do seu posicionameno. Ouros acham que a definição de clínica precisa delimiar-se em orno de dimensões écnicas, relacionadas à uilização adequada de referenciais biológicos e referenciais “psi”, oriundos de diversas verenes, conforme as escolhas pessoais de cada rabalhador. E um erceiro grupo aposa em uma concepção de clínica mais ampla, onde os limies do que é clínico (ou não) e do que é erapêuico (ou não) levem em cona não apenas dimensões écnicas, mas ambém políicas e sociais. Os rabalhadores alinhados a esa proposa jusificam que é necessário colocar a própria clínica, como insiuição, em quesão, como maneira de possibiliar a desconsrução de poderes insiuídos e a reinvenção de novas perspecivas para a clínica. Os rabalhadores êm se pergunado, enão: quais seriam as premissas para efeivar uma clínica da Aenção Psicossocial? 46
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Diversas reflexões sobre a necessidade de reformulação da clínica êm sido realizadas por auores da Saúde Menal e da Saúde Coleiva no Brasil, de maneira a norear as práicas de saúde em senidos congruenes com o ideário do SUS e da Aenção Psicossocial. Enre os desafios colocados, a reformulação da clínica pressupõe superar visões reducionisas e dicoômicas, provenienes ano do modelo biomédico – e seu viés biologicisa - quano do discurso saniário - que por vezes relega a clínica a uma dimensão meramene individual, conrapondo-a às ações coleivas de prevenção e promoção da saúde (ONOCKO CAMPOS, 2001). Os principais quesionamenos a respeio da clínica dia “radicional”, que se inspira na clínica moderna, reporam-se a suas caracerísicas reducionisas, cenradas nos sinomas e na doença, na realização de procedimenos repeiivos e padronizados, que desconsideram a subjeividade ano de usuários quano de rabalhadores. Diversos auores se alinham a essas críicas e posulam a necessidade de efeivar uma “clínica ampliada”.
O ermo clínica ampliada, aribuído a GOLDBERG (1994) ao abordar a clínica necessária na aenção psicossocial de um CAPS, eria sido aneriormene uilizado por De Brassi (AMARANTE, 2003).
A discussão sobre clínica ampliada, iniciada no campo da aenção psicossocial, foi aprofundada por Gasão W. Campos, que classifica a clínica em rês caegorias: a clínica oficial, biológica e cenrada na doença; a clínica degradada, que produz procedimenos massivos e padronizados; e a clínica ampliada, que não descara a doença, mas inclui o sujeio e o seu conexo, inserindo variáveis anes consideradas exraclínicas como clínicas, relacionadas, por exemplo, à famí-
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lia, às condições de vida, ao rabalho, à rede de apoio, ao rabalho do usuário, denre ouras (CAMPOS, 2003). A difusão da clínica ampliada deu-se de forma mais inensa quando foi incorporada pela Políica Nacional de Humanização no Brasil (BRASIL, 2004a). Percebemos, assim, que a proposa da clínica ampliada não se resringe ao campo da aenção psicossocial, implicando o campo da saúde como um odo. Anerior à formulação da clínica ampliada por Campos, houve diversos embaes a respeio de qual o lugar da clínica no processo da Reforma Psiquiárica no Brasil. Nessas discussões, a imporância dada à inserção social e à ação políica de resgae - ou consrução, em alguns casos - da cidadania dos usuários, aravés da incorporação de ações exraclínicas como clínicas, ou seja, como erapêuicas, geraram quesionamenos de alguns auores sobre cero descaso com a clínica na radição basagliana11, conforme assinala Amarane (2003). Era como se, ao conferir muia imporância à dimensão social e políica (dispua de ineresses nas relações sociais e humanas) do sujeio em cuidado, a clínica (em seu senido mais biomédico, mais cenrado na doença, no sinoma) esivesse sendo relegada a segundo plano. 11 A tradição basagliana refere-se à Psiquiatria Democrática italiana ou Psiquiatria Radical, postulada por Franco Basaglia, que valoriza o contexto social como fundamental para a compreensão do processo de sofrimento e adoecimento do sujeito.
As críicas de que não se daria suficiene aenção à clínica na radição basagliana foram rebaidas ao se argumenar que é o sujeio, em sua “exisência-sofrimeno”, que deve ser o foco da clínica, devendo colocar-se a doença “enre parêneses”, para incluir as dimensões erapêuicas que advêm do cuidado em liberdade e que englobam o conexo social e a dimensão políica do cuidado. Uma clínica que se preende animanicomial em, porano, uma dupla ariculação, que é clínica e políica, de maneira a esabelecer novas relações enre a sociedade e as pessoas designadas como loucas ou em uso problemáico de drogas (AMARANTE, 2003).
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Um desdobrameno da dimensão políica da clínica é, jusamene, colocar em xeque o seu próprio poder de produzir deerminados discursos de verdade, que jusificam suas inervenções. A dimensão políica da clínica ensiona, porano, os limies esabelecidos pela própria clínica, produzindo rupuras conceiuais, écnicas, políicas, jurídicas e sociais. Essa é uma concepção de clínica que a enende como uma insiuição e, como al, passível de ser aravessada por diferenes movimenos, desde processos de legiimação a processos de desconsrução e quesionameno de deerminadas práicas sociais (PASSOS; BARROS, 2000). Assim, à medida que a clínica se amplia, o modo prescriivo de cuidar (que se esruura a parir de vigorosa relação de poder do cuidador sobre a pessoa em cuidado) passa a ser quesionado. É a Clínica confronando a própria Clínica. Quando o cuidador passa a consruir o cuidado (em equipe e com o usuário, em seu conexo e com suas singularidades), não cabem mais afirmações ais como: “Só cuidamos disso desa forma!”; “O profissional aqui sou eu e você precisa aceiar minha prescrição, porque é o melhor para você!”. A Clínica da Aenção Psicossocial em um duplo eixo: clínico e políico.
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12 Autonomia não é autossuficiência ou independência do sujeito em relação aos demais e ao seu contexto. É a capacidade de desenvolver maior poder contratual, ou seja, de estabelecer maior capacidade de negociação e troca através de relações de interdependência do sujeito com os demais e o seu contexto (KINOSHITA, 1996).
A ampliação da clínica pode levanar dúvidas, pois, se o exraclínico ambém se orna clínico, udo enraria no escopo da clínica? Depende do senido que oriena as ações. No caso da clínica psicossocial, o senido erapêuico visa à produção de cuidado e ampliação dos gradienes de auonomia do sujeio12.
Imaginemos, enão, que o município de Iru biba vai sediar um enconro de Saúde Menal, onde haverá uma discussão polêmica sobre inernação compulsória de pessoas que êm uma relação de dependência com as drogas. Os rabalhadores da RAPS esão se organizando para paricipar e na reunião de equipe do CAPS AD III esão combinando de levanar a discussão sobre o enconro na assembleia da casa. Alguns rabalhadores acham que os usuários devem ser convidados a paricipar do eveno. Enão, uma rabalhadora perguna se os criérios para convidar os usuários não esariam sendo mais políicos do que clínicos. Surge, enão, um embae na equipe sobre o que seria clínico e o que seria políico, ficando claro o limie difuso enre essas duas dimensões. Reflexão Como você se colocaria ante uma situação semelhante?
Podemos ver que rabalhar em saúde e, especificamene, na aenção psicossocial, é desafiane, pois sempre surgem novas siuações. O imporane é lembrar que qualquer aividade em si, seja um aendimeno individual ou grupal, uma assembleia ou aividade exerna, não garane, por si, que esejamos praicando uma clínica psicossocial: é fundamenal que eseja claro o senido da ação. Se os usuários forem simplesmene “arrebanhados” para ir ao eveno, sem oporunidades para discuir, com eles, o que significa a paricipação, denro do seu proces50
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so erapêuico e consrução de cidadania, e ampouco houver clareza sobre a imporância de esimular a auonomia enre eles, não esaremos ariculando a dupla dimensão da clínica, que é sempre écnica e políica. Nesse caso, qualquer inervenção corre o risco de ornar-se mecânica, alijada da reflexão de seu lugar no processo erapêuico. Daí, a ação políica ambém pode ser muio erapêuica, se considerarmos que a finalidade do rabalho em saúde é a produção de cuidado e a produção de sujeios; que ese rabalho é relacional, reflexivo e políico; e que as premissas da aenção psicossocial visam à defesa dos direios e da cidadania dos usuários e à busca de maior auonomia deses. A Clínica da Aenção Psicossocial se caraceriza por um agir simulaneamene clínico e políico, que rompe com o esabelecido, ano ao incorporar ações exraclínicas em suas inervenções erapêuicas quano cenários não radicionais, fora dos serviços e seus consulórios e salas de grupo, como espaços onde é possível produzir cuidado (LANCETTI, 2006). Porano, é imporane a discussão dos rabalhadores de Irubiba, pois eles esão enando esclarecer que referenciais vão norear suas práicas. É processualmene, no coidiano de rabalho, que essas práicas vão sendo elaboradas, experimenadas, revisas, quesionadas e reinvenadas. Dependendo de como as ferramenas clínicas são uilizadas, elas podem aivar diferenes ipos de cuidado, desde um cuidado uelar a um cuidado auonomizador (MERHY, 2007). Boa Prática A prática de uma clínica psicossocial não tem receitas prontas. É importante assumir uma postura indagadora, aberta à reflexão, à dúvida, e ao questionamento constante, observando quais as tendências que orientam cada intervenção.
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As inervenções podem apresenar diferenes endências, ora mais erapêuicas, ora mais disciplinares. É imporane esar aeno às mesmas no decorrer do processo de cuidado, especialmene nos serviços que raam de pessoas com necessidades decorrenes do consumo de álcool e drogas, como veremos a seguir. Reflexão É imprescindível refletir sobre o caráter das intervenções que fazemos em nosso cotidiano. Como você classificaria suas intervenções no tocante a esse aspecto
Relembramos que inervenção erapêuica é o ipo de inervenção reflexiva, que busca maior auonomia e corresponsabilização do usuário por suas escolhas, enquano a inervenção disciplinar é baseada na uilização de um poder disciplinar de vigilância, punição, adesrameno e docilização do sujeio (FOUCAULT, 2005). Saiba Mais Conheça mais detalhadamente os referenciais da Clínica Ampliada, lendo o livro de Gustavo Tenório Cunha: CUNHA, G.T. A construção da clínica ampliada na atenção básica. São Paulo: HUCITEC, 2005.
2.1.3 O Cuidado a Pessoas com necessidades decorrentes de uso de álcool e outras drogas Nas abordagens realizadas pelo Consulório na Rua de Irubiba, a equipe enconrou um grupo de pessoas dependenes de crack, que mora no meio do mao que circunda bairros periféricos, ou seja, em vazios urbanos. As mulheres do grupo cosumam se prosiuir e os homens são caadores. A equipe do Consulório na Rua cosuma levar camisinha, água e proeor labial a esas pessoas. Alguns deles esão reali-
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zando raameno para uberculose ou AIDS em uma Unidade Básica de Saúde próxima, que lhes oferece o almoço como conraparida ao raameno supervisionado, mas alguns rabalhadores dessa unidade não gosam de aender a essa população. Cláudia, enfermeira recém-formada e conraada para rabalhar no CAPS AD III do município, saiu com a equipe do Consulório na Rua para conhecer o rabalho. Ao chegarem ao referido “mao”, algumas mulheres rodearam os rabalhadores e pediram ajuda desesperadamene. Cláudia ficou angusiada e pensou em levar odas elas para o CAPS AD III imediaamene. Mas Mário, enfermeiro experiene da equipe do Consulório na Rua, reagiu calmamene e iniciou uma conversa com as mulheres, pergunando-lhes que ipo de ajuda queriam. Uma delas, Miriam, disse que queria se inernar, mas oura imediaamene replicou, alegando que, na semana anerior, saíra de uma inernação prolongada, providenciada por sua família, em uma comunidade erapêuica localizada em um município disane, onde passara 6 meses. Ao reornar a Irubiba, fora encaminhada ao CAPS AD III, mas não chegou a buscar ese serviço e acabou volando para a rua. As ouras conaram sobre suas idas e vindas por diversos serviços de saúde, que incluíram inernações hospialares e passagens por comunidades erapêuicas. Algumas ambém já inham ido ao CAPS AD III. Mário falou-lhes da Unidade de Acolhimeno (UA) e disse-lhes que, para ir para a UA, é preciso se cuidar no CAPS. Uma das moças falou de rês amigas que anes esavam no mao e que, após a inervenção do Consulório na Rua, passaram a se raar no CAPS AD III e inham morado uns empos na UA. Agora elas esavam novamene com suas famílias. O grupo conversou sobre diversos assunos, que envolviam a saúde e a vida em geral e, ao final, Mário pergunou às mulheres se elas gosariam de ir ao CAPS. Miriam disse que sim e ouras disseram que o que queriam mesmo era as camisinhas, a água e o proeor labial. O “raameno” ficava para depois. Ele expli-
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cou como era o raameno no CAPS AD III e disponibilizou a equipe do Consulório na Rua para levá-las quando quisessem. Convidou Miriam para acompanhá-los e ela aceiou. A equipe do Consulório na Rua despediu-se, levando Miriam juno e deixando agendada a daa de uma nova visia àquele local. O relao acima ilusra siuações exremas de vulnerabilidade e desfiliação dos laços familiares, relacionadas ao uso de drogas. Embora seja imporane lembrar que a maioria das pessoas que faz uso de drogas não apresena problemas de abuso ou dependência, nem cosumam vivenciar siuações exremas, muios rabalhadores que aendem pessoas com dependência de drogas se deparam com desafios como o apresenado. A seguir, vamos discuir algumas quesões, omando a cena acima como noreadora para possíveis práicas no conexo de uma clínica psicossocial. A vulnerabilidade
Um aspeco que se desaca nas mulheres acima, que moram no “mao” e se prosiuem, é sua grande vulnerabilidade. Tal caracerísica é comum na população aendida por equipes dos Consulórios na Rua. Desacamos que mulheres em siuação de rua, sobreudo, apresenam mais riscos de abuso e violência (TOTUGUI e al., 2010). Cabe fazer uma disinção enre risco e vulnerabilidade. O risco, conceio fundamenal na Epidemiologia, refere-se à probabilidade esaísica de ocorrência de agravos e evenos desfavoráveis. Esse conceio, noreador das ações de saúde e da organização de serviços errioriais, vem da década de 1960, sendo um desdobrameno do conceio de dano. A uilização de criérios de risco para classificar e esraificar a população e o erriório é úil, mas ambém pode ser reducionisa, pois o risco se paua pelo esabelecimeno de padrões e regularidades, descarando elemenos dissonanes e irregulares (OLIVEIRA, 2008).
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Já o conceio de vulnerabilidade em muios senidos possíveis, mas nese exo a noção adoada vai além da ideia de susceibilidade, pois esa é mais resria às caracerísicas individuais e desconsidera aspecos políicos e sociais na configuração de um agravo (OLIVEIRA, 2008). A vulnerabilidade seria, enão, o “(...) resulado da ineração de conjuno de variáveis que deermina a maior ou menor capacidade de os sujeios se proegerem de um agravo, consrangimeno, adoecimeno ou siuação de risco” (OLIVEIRA, 2008, p.85). Considerando que o fenômeno da dependência de drogas não se resringe às caracerísicas individuais de uma pessoa ou de uma deerminada droga, pois am bém se relaciona a um conexo socioculural, esse conceio de vulnerabilidade possibilia levar em cona diversas variáveis em quesão.
O fenômeno da dependência de drogas esá relacionado ao sujeio e sua relação com a droga, à própria droga e ambém ao conexo no qual esse sujeio esá inserido (SILVEIRA FILHO, 1995).
Lidar com pessoas com dependência de drogas – muias vezes em siuação de grande vulnerabilidade e desfiliação social - é um desafio, principalmene porque acabam endo pouco acesso aos serviços de saúde. Assim, é crucial esabelecer um processo de busca aiva, acolhimeno, vínculo e acompanhameno sisemáico, de maneira a esabelecer uma relação de confiança, consruindo com o sujeio ouras perspecivas possíveis, ajudando-o gradualmene a se responsabilizar por suas escolhas.
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A temporalidade
Na cena acima vimos que, na abordagem do Consulório na Rua de Irubiba, as mulheres inicialmene suplicam por ajuda, pedem para sair daquele lugar e a maioria muda rapidamene de ideia. Uma delas aceiou a ofera de ir ao CAPS e a equipe agiu rapidamene, organizando-se para levá-la a esse serviço. Ao lidar com populações que vivem em siuações adversas e dependência de drogas, é imporane considerar como lidar com o imediaismo e a expecaiva de que o ouro – geralmene o rabalhador de saúde - resolva seus problemas. O imediaismo, ou seja, a dificuldade em lidar com a espera, que gera a necessidade de aendimeno imediao da demanda, pode esar relacionado a uma maneira peculiar que pessoas com relação de dependência com as drogas podem er a respeio da noção de empo. A noção habiual que emos de empo, onde os evenos se sucedem linearmene, alera-se nessas pessoas, pois o empo deixa de ser lógico-linear, cenrando-se na insananeidade. Paradoxalmene, o empo ambém pode ser vivido como eernidade, gerando uma relação peculiar com a more. Esa é coninuamene confronada por meio da exposição a siuações de risco, que podem se associar (ou não) ao uso de drogas (SILVEIRA, 1995).
A noção de emporalidade revela-se, em geral, alerada em pessoas que apresenam relação de dependência com drogas (SILVEIRA, 1995).
Como podemos lidar com essa noção diferene de emporalidade, o imediaismo e as demandas que nos chegam desses usuários, que muias vezes parecem deposiar em nós a expecaiva para a solução de seus problemas?
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Considerando as premissas de uma Clínica que se preende psicossocial, é imporane possibiliar que o sujeio expresse seu sofrimeno, mas precisamos aprender a lidar com o que ele nos provoca. É fundamenal er clareza do que preendemos com esse usuário: resolver seus problemas de maneira onipoene ou ajudá-lo a consruir suas próprias soluções? Às vezes, achar que emos a solução da vida alheia pode ser uma maneira de aliviar nossa própria angúsia, desencadeada pelo sofrimeno do ouro. Mas será que isso ajuda a oura pessoa a responsabilizar-se pelo seu processo erapêuico? A maneira de agir do enfermeiro Mário, que eviou responder com a mesma urgência com que lhe chegavam as demandas das mulheres, leva-nos a pensar na imporância de maner a calma quando emos que lidar com a angúsia alheia. Mário as escuou, enando esclarecer o que elas de fao desejavam, e maneve-se abero para lidar com as diferenes demandas, desde o desejo de ir ao CAPS ao de reduzir danos, aravés do uso da camisinha, da água e do proeor labial. Mario ambém marca a vola, um novo enconro, pois é no decorrer desses enconros que se consrói o cuidado. O sofrimento, a frustração e a impotência
Na visia do Consulório na Rua de Irubiba, observamos que Cláudia, a enfermeira, seniu-se basane afeada pelo sofrimeno das mulheres e quis aender às suas aparenes demandas de maneira quase imediaa. Uma quesão imporane na aproximação com esas pessoas é enar desvelar ouras coisas que ambém podem esar por rás do sofrimeno expresso, como no caso das mulheres de Irubiba.
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Cabe aos rabalhadores de saúde saber manejar ecnologias leves, para efeuar o acolhimeno e o vínculo por meio da escua e de inerpelações que favoreçam dar vazão ao sofrimeno e à angúsia dos usuários. Para isso, emos que lidar com o que nos convoca no ouro e os senimenos que esse ouro nos provoca. O apoio da equipe é fundamenal nessas siuações, pois é com os colegas - nas reuniões, em minirreuniões e espaços informais - que comparilhamos vivências, impressões, opiniões e senimenos que nos afeam na relação coidiana com os usuários.
Para lidar adequadamene com o sofrimeno do usuário, precisamos lidar com a angúsia que muias vezes esse sofrimeno nos provoca.
Ouro senimeno frequenemene presene, ano enre pessoas com dependência de drogas quano nos seus familiares e nos rabalhadores que cuidam delas, é a frusração. Esa cosuma ser gerada pela projeção de expecaivas que “fracassam”, relacionadas a uma ideia de “cura” e absinência que se espera maner pelo reso da vida e que, na maior pare das vezes, não se concreiza. A frusração gera cansaço e senimeno de impoência nos usuários e, ambém, nos rabalhadores. Enreano, as idas e vindas, com períodos de maior conrole e redução de uso, alernados a momenos de maior abuso e dependência, é o que se observa na maioria das pessoas dependenes de drogas. A expecaiva de ficar “limpo”, ou seja, absinene, não é apenas do usuário, mas ambém de sua família e da sociedade. E muias vezes é reforçada nos serviços de saúde, como única forma possível de raameno. Não conseguir maner a absinência, ou seja, “recair”, gera grande frusração no usuário, nos seus familiares e, às vezes, ambém nos rabalhadores de saúde. Daí a imporância de elaborar um projeo 58
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erapêuico que disinga o ideal, o real e o possível, naquele momeno, para cada aor envolvido: o usuário, sua família (compreendida aqui no senido alargado e configurações conemporâneas) e o rabalhador. Esraégias de redução de danos ajudam nessa consrução, de modo a rabalhar com o usuário o que ele consegue fazer no momeno. Algumas mulheres de Irubiba admiiram não querer “raameno”, mas aderiram às esraégias de redução de danos ao soliciar camisinhas, água para se hidraar e proeor labial – o que minimiza as queimaduras por fumarem crack. Um aspeco imporane da frusração é que ela pode aparecer após alguns meses de engajameno no raameno. Muios usuários dependenes de drogas apresenam cera euforia quando decidem finalmene iniciar o raameno, criando expecaivas de mudanças radicais em suas vidas. Após semanas ou meses, percebem que o empo passou e eles iveram muias perdas, com as quais podem er dificuldades para lidar. Esse período de frusração é críico, pois gera maior propensão para reornar a padrões mais abusivos de uso de drogas, como forma de minimizar o sofrimeno e eviar er que lidar com a realidade insuporável. Aqui, o acolhimeno, o acesso e o apoio permanenes são fundamenais. Por fim, já dissemos que os rabalhadores ambém podem se senir frusrados e impoenes, caso omem como fracasso erapêuico essas idas e vindas do raameno, ão habiuais nas pessoas dependenes de drogas. Cabe, enão, pergunar: o que seria sucesso erapêuico no raameno de pessoas com problemas decorrenes do uso de álcool e ouras drogas? E quem define o que seria “fracasso” ou “sucesso” erapêuico nese campo? As resposas a essas pergunas podem ser diameralmene oposas, dependendo da concepção de clínica uilizada como referencial. Mas podemos afirmar que, na clínica psicossocial, o “fracasso” ou “sucesso” erapêuico leva em cona muias ouras variáveis, para além da Módulo Processo de trabalho nos serviços de atenção a usuários de álcool e outras drogas
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propalada absinência. Por exemplo, uma pessoa que reduz seu uso de drogas, reoma seus laços familiares, para de roubar em casa para comprar drogas e começa a ampliar seu reperório vivencial, para além das drogas, poderia ser considerada um “fracasso” erapêuico porque não parou oalmene de usar drogas? Por isso, uma clínica da aenção psicossocial precisa operar com uma lógica cenrada na singularidade dos sujeios. Alguns deles vão querer insisir na absinência como sua forma de lidar com as drogas, enquano ouros vão adoar esraégias de redução de danos e alguns deses, gradualmene, enarão ficar cada vez mais absinenes. O imporane é que essa rajeória seja consruída com o próprio sujeio, apoiando-o nas suas escolhas, de maneira a efeuar inervenções que busquem maior auonomia e corresponsabilização dele pelo seu cuidado. Essas caracerísicas reforçam as endências para a práica de uma clínica psicossocial. Da tutela implicada à autonomia
O cuidado a pessoas em siuação de grande vulnerabilidade, como as mulheres visiadas pela equipe do Consulório na Rua de Irubiba, exige criaividade, a reorganização dos serviços de saúde e disponibilidade dos rabalhadores para mudar padrões e roinas esabelecidos. No relao acima, vimos que uma Unidade Básica de Saúde oferece o almoço, que por si já seria uma esraégia de redução de danos, em roca do raameno supervisionado para uberculose e AIDS. Aricular o cuidado em rede é desafiane, pois exige paciência para lidar com as resisências de alguns rabalhadores e equipes, de maneira a aposar na corresponsabilidade pelo cuidado. O raameno supervisionado é uma forma de apoio para pessoas que não conseguem seguir ceras orienações para cuidar melhor da sua saúde em deerminados momenos das suas vidas. Porém, alvez você se pergune: raamenos supervisionados e barganhas erapêuicas – o almoço em roca do raameno – seriam inervenções “adequadas” 60
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em uma clínica que se preende psicossocial? A resposa a essa perguna não é um simples “sim” ou “não”, pois grande pare das inervenções não pode ser julgada isoladamene. Elas precisam ser siuadas no conexo que noreia o cuidado. As pergunas mais adequadas alvez fossem: Qual o senido da barganha nesse caso? Porque escolhemos fazê-la? Isso esá claro para equipe e para o usuário? Se uma deerminada inervenção, aparenemene uelar, esá ariculada a um projeo que busca maior auonomia e corresponsabilização do usuário, ela seria uma espécie de cuidado baseado em uma uela implicada, que busca avançar gradaivamene para um cuidado mais auonomizador. É como oferecer muleas a uma pessoa que esá com problemas para andar; mas, no processo de cuidado é necessário pensar ambém em como ajudá-la para que vole a caminhar com suas próprias pernas (MERHY, 2007). Um CAPS é um hoel? Um resaurane? Não é. Mas pode “esar”. O que não deve aconecer é a relação enre usuário e serviço se “perpeuar” nesses ermos. Mas a mudança é ano de responsabilidade da equipe, quano do usuário. Entre o terapêutico e o disciplinar
Um desafio no cuidado de pessoas que usam drogas é que ceros rabalhadores assumem posuras mais disciplinares, de vigilância, conrole e punição, seja por endências pessoais, seja por resposa a demandas dos próprios usuários, que muias vezes buscam quem lhes coloque “limies”. O limie represena o que diferencia, dá conorno e coninência. A maneira de lidar com os limies é, em geral, diferene no sujeio em relação de dependência com drogas, pois nese, a droga se orna a sua lei, o que lhe dificula aderir aos códigos sociais comparilhados, desacando-se que isso não é inencional (SILVEIRA FILHO, 1995).
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Pessoas com dependência de drogas geralmene êm um jeio diferene do habiual de lidar com os limies, seja com os seus próprios limies, com os limies socialmene esabelecidos ou com a imposição de limies. Iso não significa que não enham limies. Em muias dessas pessoas, a droga é o que passa a esabelecer o limie. O limie no uso da droga ocorre quando esa acaba ou pela exausão do corpo, com o qual ese sujeio ambém esabelece uma relação peculiar. Por exemplo, ele só para de usar se a droga acabou, ou quando cai, oalmene inebriado. Essa exernalização do limie, ou seja, é o corpo e o que vem de fora que coloca limie, e não o próprio sujeio, fragiliza, jusamene, o esabelecimeno inerno de limies. Tal fragilidade pode muitas vezes ser reforçada por propostas de intervenção restritas a colocar limites externos, através de normas, regras, horários, atividades e rotinas, ao invés de ajudar essas pessoas a construírem parâmetros subjetivos para que possam estabelecer seus próprios limites.
Nesse senido, inervenções que se preendem erapêuicas precisam ajudar o sujeio a responsabilizar-se por suas escolhas e a lidar com as suas consequências, inroduzindo, gradualmene, ouros aspecos relevanes na sua vida, além das drogas: raar-se-ia de ampliar o especro exisencial. Se a inervenção proposa insise em omar a droga e os limies do seu uso como seu foco principal, a droga permanece colocada como cenral na vida do sujeio, mesmo que ele não a eseja uilizando em deerminados momenos da vida. Não se favorece, por esa via, o deslocameno dessa posição subjeiva, na qual o sujeio depende de que lhe coloquem limies, nem a ampliação de ouros reperórios vivenciais possíveis.
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Além disso, as práicas disciplinares são pauadas por relações de poder vericalizadas, em que o rabalhador acha que sabe mais que o próprio usuário o que deve ser feio para ajudá-lo. Essa relação de poder acaba jusificando, por vezes, aiudes puniivas, caso o usuário não faça o que o rabalhador acha que lhe corresponda fazer; enreano, isso se disancia de uma aiude erapêuica, no conexo da clínica psicossocial, al como vimos discuindo. Reflexão Você e sua equipe discutem o que norteia o processo de cuidado do seu serviço e dos usuários que vocês atendem? Como você avalia as tendências das intervenções realizadas junto a usuários mais vulneráveis em seu contexto de trabalho?
A operacionalização de uma clínica psicossocial pressupõe uilizar disposiivos que possam susená-la. Diversos desses disposiivos, que são disparadores de novas possibilidades de reinvenção da clínica, serão discuidos no curso. Denre eles, discuiremos abaixo a imporância do Técnico de Referência, por sua imporância como induor de mudanças na organização do processo de rabalho e na produção de cuidado em saúde.
2.1.4 O Técnico de Referência e a efetivação de uma Clínica da Atenção Psicossocial O écnico de referência (TR) é um rabalhador da equipe que se orna referência para o usuário ao longo do processo de cuidado, avaliando as meas raçadas no seu projeo erapêuico singular, assumindo a responsabilidade pelo acompanhameno do usuário, mediando o conao com a família, ariculando e manendo a equipe informada sobre processo erapêuico do usuário (BRASIL, 2004).
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O TR precisa assumir um lugar de responsabilização, disponibilidade e cuidado ane e com o usuário. Ele precisa do apoio da equipe para comparilhar o cuidado. Nesse processo, é imporane a realização de enconros sisemáicos enre os rabalhadores mais envolvidos com deerminados usuários, para discuir as dificuldades, o andameno dos projeos erapêuicos, a divisão de arefas, o esabelecimeno de objeivos e prazos, denre ouras aividades. O rabalho do écnico de referência se caraceriza como comum a qualquer profissão da saúde – ou seja, compõe o campo da Aenção Psicossocial -, sendo que esa função represena um disposiivo disparador de novas possibilidades na produção e ariculação do cuidado e na organização do rabalho na equipe, aproximando-se de perspecivas mais inerdisciplinares e ransdisciplinares. Apesar da imporância do TR, esse lugar ainda merece ser mais esudado e explorado eoricamene, de maneira a conribuir para a produção de novas configurações, sobreudo nas equipes que preendem adoar novas maneiras de organização de seus processos de rabalho e cuidado (FURTADO, 2007).
�.� R Nesa unidade abordamos a Clínica da Aenção Psicossocial, apresenando concepções sobre o campo da Aenção Psicossocial. Traamos ambém do hisórico da Clínica, de maneira a enar compreender como se consiuiu a clínica moderna e as proposas de renovação da clínica em curso, principalmene a parir da noção de clínica ampliada. Apresenamos algumas quesões que perpassam a Clínica da Aenção Psicossocial no cuidado a pessoas com problema no seu modo de usar drogas. Finalmene, discuimos quesões perinenes à auação do Técnico de Referência como um dos disposiivos clínicos imporanes para a efeivação de uma Clínica da Aenção Psicossocial.
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E Chegamos ao final do nosso módulo! Esperamos que enha sido possível a você consruir uma aprendizagem significaiva – sobreudo pelo ineno de sempre remeer a siuações coidianas – em orno das poencialidades, resisências e equívocos mais recorrenes no processo de rabalho em equipe, com desaque ao conexo da Clínica Psicossocial, com ênfase na relação com usuários de álcool e ouras drogas que demandam cuidado. Denre os aspecos discuidos do rabalho em equipe, desacamos: reconhecimeno e democraização das relações de poder no processo de ra balho em equipe; imporância da responsabilização coleiva pelas arefas assumidas; o processo de decisão em equipe inerdisciplinar; a função da gesão na organização do processo de rabalho em equipe; auonomia, proagonismo e criaividade no rabalho e capacidade de negociação. Em relação à da Clínica da Aenção Psicossocial, discuimos algumas caegorias, como a necessidade de superação da cenralidade do cuidado no comporameno ou sinoma (inoxicação, absinência, agressividade, enre ouros), buscando a cenralidade no sujeio em sofrimeno. Assim, orna-se fundamenal ampliar o cuidado, irando o foco da droga e valorizando o sujeio, em seu conexo exisencial, o que implica minimizar aiudes prescriivas ou essencialmene normaivas e ampliar capacidade de negociação e consrução de senido para a pessoa em cuidado e para o próprio cuidador, poso a inervenção clínica remeer sempre a uma relação. Reforçamos a imporância do esudo permanene e coninuado para o seu aprimorameno profissional, em função da compreensão de que um processo formaivo jamais se encerra. Aqui nos despedimos, na expecaiva de que você enha ido um bom aproveiameno! Bárbara Cabral e Jonas Sprícigo 66
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M Barbara Eleonora Bezerra Cabral (Organizadora)
Graduação em Psicologia pela UFPE (1997), Curso de Especialização em Saúde Pública pelo CPqAM/FIOCRUZ (1998), Mesrado em Psicologia Clínica pela UNICAP (2004) e Douorado em Psicologia pela UFES (2011). Anes do ingresso na carreira docene do Ensino Superior, auou como psicóloga no SUS, mais especificamene na área de saúde menal, ransiando em diversas funções e conexos, incluindo cargos de gesão da políica de saúde menal e gerenciameno de Cenros de Aenção Psicossocial (CAPS), nas cidades de Cabo de Sano Agosinho-PE e Recife-PE. Aualmene compõe o corpo docene do Colegiado de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Campus Perolina-PE, além de inegrar o Comiê Gesor do Programa de Residência Muliprofissional em Saúde da Família, desenvolvido em parceria da Univasf, Secrearia de Saúde do Esado da Bahia e Secrearia Municipal de Saúde de Juazeiro-BA. Assume, ainda, a Coordenação do Pró-Saúde/PET-Saúde da Univasf. Principais emas de ineresse: Inerface Psicologia/Saúde, Práica Psicológica em Insiuições, Cuidado em Saúde Menal/Saúde Coleiva, Aenção Primária em Saúde, Trabalho em Equipes de Saúde, Transdisciplinaridade, Ariculação de Redes de Cuidado, Inegralidade em Saúde e Formação Profissional. Endereço do currículo na plaaforma lates: htp://lates.cnpq.br/9533986415922808
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Jonas Salomão Sprícigo (Organizador)
Possui graduação em Enfermagem pela Universidade Federal de Sana Caarina (1976), mesrado em Enfermagem pela Universidade Federal de Sana Caarina (1983) e douorado em Filosofia da Enfermagem pela Universidade Federal de Sana Caarina (2001). Aualmene é professor associado I da Universidade Federal de Sana Caarina. Tem experiência na área de Enfermagem, com ênfase em Enfermagem Psiquiárica/saúde menal. Auando principalmene nos seguines emas: saúde menal, ensino enfermagem, desinsiucionalização, aenção psicossocial e reforma psiquiárica. Tuor do Programa PETSaúde da Familia da UFSC, 2010, PET-Saúde Menal UFSC, 2011, c/ a Secrearia Municipal de Saúde de Fpolis/SC, nos Ediais 2009 e 20102011. Coordenador Projeo de Exensão Aenção ao usuário de drogas em parceria com o Forum Judiciário Nore de Fpolis/SC. Professor coneudisa do UNASUS, na área de Saúde Menal e Drogas, 2012. Pesquisador do APIS - Grupo de Esudos em Aenção Psicossocial e Drogas - UFSC. Endereço do currículo na plaaforma lates: htp://lates.cnpq.br/5481355832257570
Maria Gabriela Godoy (Autora Unidades 1 e 2)
É Professora Adjuna do Bacharelado em Saúde Coleiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tem graduação em Medicina pela FFFCMPA (aual Universidade Federal de Ciências da Saúde de Poro Alegre) e Residência Médica em Psiquiara e em Medicina Geral e Comuniária, Mesrado de Saúde Pública e Douorado em Saúde Coleiva na Universidade Federal do Ceará (UFC). Trabalhou como médica geral e comuniária em municípios do inerior do Rio Grande do Sul (Chapada e Novo Barreiro) e, poseriormene, em Quixadá, nas primeiras equipes do PSF do Brasil. Também no Ceará 74
auou como psiquiara de um em CAPS de Foraleza, foi supervisora clínico-insiucional e coordenadora inerina de Saúde Menal de Foraleza. Paricipou do Movimeno de Saúde menal Comuniária do Bom Jardim, ONG considerada experiência exiosa em Saúde Menal, desde sua criação em 1996. Trabalhou como psiquiara no Grupo Hospialar Conceição (GHC), fazendo pare da equipe de qualificação do CAPS AD em CAPS AD III. A seguir, foi assisene écnica de coordenação dos serviços errioriais de Saúde Menal vinculados ao Serviço de Saúde Comuniária (SSC) do GHC (CAPS AD III, CAPSi, CAPS II, Consulório na Rua e Eqyupe de Gesores do Cuidado). Auou como apoiadora insiucional da Área Técnica de Saúde Menal do Minisério da Saúde. Aualmene coordena os serviços errioriais de Saúde Menal do Grupo Hospialar Conceição - CAPS II, CAPSi, CAPS AD III e Consulório na Rua, em Poro Alegre/RS. É docene da Escola GHC. Enre 1994 e 1996 paricipou da implanação do PSF em Quixadá/Ceará como médica de família de uma área descenralizada de saúde. Foi precepora de residência muliprofissional e residência médica em Saúde da Família, bem como professora subsiua do Deparameno de Saúde Comuniária da Faculdade de medicina da UFC. Tem formação de pesquisa com ênfase em Ciências Sociais e Humanas e pesquisa qualiaiva em saúde. Paricipa de grupos de pesquisa em saúde menal. Endereço do currículo na plaaforma lates: htp://lates.cnpq.br/2613763988749164
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