ÁLCOOL E ÁLCO OUTRAS OU TRAS DROGAS DA COERÇÃO À COESÃO
Módulo Drogas e Sociedade
GOVERNO FEDERAL Presidência da República Ministério da Saúde Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) Diretoria do Departamento de Gestão a Educação na Saúde Secretaria Executiva da Universidade Aberto do SUS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitora Roselane Neckel Vice-Reitora Vice-Reitora Lúcia Helena Pacheco Pró-Reitor de Extensão Edison da Rosa CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Torres de Freias Diretor Sérgio Fernando Torres Vice-Diretora Vice-Diretora Isabela de Carlos Back Giuliano Chefe do Departamento de Saúde Pública Alcides Milon da Silva Coordenadora do Curso Fáima Büchele GRUPO GESTOR Anonio Fernando Boing Elza Berger Salema Coelho Kenya Kenya Schmid Reibniz Sheila Rubia Lindner Rosangela Goular
EQUIPE TÉCNICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Alexandre Medeiros de Figueiredo Ana Carolina da Conceição Daniel Márcio Pinheiro de Lima Felipe Farias da Silva Graziella Barbosa Barreiros Jaqueline Tavares de Assis Mauro Pioli Rehbein Mônica Diniz Durães Parícia Sanana Sanos Pollyanna Fausa Pimenel de Medeiros Robero Tykanori Kinoshia
EQUIPE TÉCNICA DA UFSC Douglas Kovaleski Kovaleski Faima Büchele Mara Verdi Rodrigo Oávio Moreti Pires Waler Waler Ferreira de Oliveira Oliveira
ORGANIZAÇÃO DO MÓDULO Waler Waler Ferreira de Oliveira Oliveira Henrique Carneiro
AUTORIA Henrique Carneiro (unidade 1) Francisco Cordeiro (unidade 2)
REVISORAS INTERNAS Maria Tais de Melo Renaa de Cerqueira Campos
REVISORAS FINAIS Graziella Barbosa Barreiros Jaqueline Tavares de Assis Marcia Aparecida Ferreira de Oliveira
COORDENAÇÃO DE TUTORIA Fernanda Marinhago
GESTÃO DE MÍDIAS Marcelo Capillé
EQUIPE DE PRODUÇÃO DE MATERIAL Coordenação Geral da Equipe Marialice de Moraes Coordenação de Produção de Material Andreia Mara Fiala Design Instrucional Master Jimena de Mello Heredia Design Instrucional Agnes Sanfelici Design Gráfico Fabrício Sawczen Volkmann Paschoal Design de Capa Rafaella Volkmann S awczen Projeto Editorial Fabrício Sawczen REVISÃO Revisão Ortográfica Flávia Goular Revisão ABNT Jéssica Naália de Souza dos Sanos
UNIVE I A E FE E AL E ANTA ATA INA UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS – UNASUS
M D S
FLORIAN POLIS
FS 2014
Caalogação elaborada na fone C289a
Universidade Federal de Sana Caarina. Cenro de Ciências da Saúde. Curso de Aualização em Álcool e Ouras Drogas, da Coerção à Coesão. Álcool e sociedade [Recurso elerônico] / Universidade Federal de Sana Caarina; Waler Ferreira de Oliveira; Henrique Carneiro [orgs.]. - Florianópolis : Deparameno de Saúde Pública/UFSC, 2014 . 63p.: il.,grafs. Modo de acesso: hps://unasus.ufsc.br/alcooleourasdrogas/ Coneúdo do módulo: O uso de drogas na sociedade. – Represenação social do uso de drogas, do usuário e do cuidado. Inclui bibliografia ISBN: 1. Saúde menal. 2. Álcool. 3. Drogas. 4. Sisema Único de Saúde. 5. Educação a disância. I.UFSC. II. Oliveira, Waler Ferreira de. III. Carneiro, Henrique. IV. Cordeiro, Francisco. V. Tíulo. CDU 616.89
A M Caro aluno, Ese Módulo abre o curso Álcool e Drogas, consruído para provocar reflexões sobre crenças e valores que deerminam o comporameno de usuários de drogas e agenes do cuidado (principalmene rabalhadores da saúde) e que inerferem direamene na relação do cuidado (ou do descuido). Nese módulo, buscamos reafirmar a complexidade do fenômeno do uso de drogas a parir de uma perspeciva hisórica e anropológica, aponando a banalização, fragilidade e superficialidade de grande pare das avaliações, proposas e inervenções, o que em resulado em uma focalização no consumo problemáico, no comporameno abusivo, levando muias vezes a negligenciar o sujeio em sofrimeno e a generalizá-lo ao considerar que odo consumidor necessia aenção de saúde. Também emos a inenção de irá-lo do foco concreo de suas aividades no âmbio de um aendimeno de saúde mais roineiro e levá-lo a refleir sobre os conexos mais gerais que envolvem os diferenes usos de drogas e os seus significados em ouros momenos hisóricos e em ouras sociedades. As siuações complexas que envolvem os consumos das mais diversas subsâncias psicoaivas represenam não só os casos problemáicos, mas formas inegradas e não abusivas, assim como usos muio diferenciados com significados culurais e aé religiosos. O enfoque menos reducionisa do assuno deve começar por abdicar de se referir à “droga” no singular. Exisem muias drogas e muios usos diferenciados, e o aual modelo vigene de disinção enre subsâncias “lícias” e “ilícias” vem sendo objeo de enorme quesionameno.
A abrangência hisórica e anropológica da quesão é imporane para a compreensão da naureza da conrovérsia hoje colocado em escala global sobre o proibicionismo, a legalização e as formas de regulamenação em debae. O aprofundameno dos significados sociais e culurais dos problemas de saúde pública deve ser um insrumeno de aperfeiçoameno profissional e um meio de aprimorar a compreensão das quesões colocadas diane do uso e do abuso de drogas. A aividade de agene de saúde exige coragem para enfrenar eses desafios inelecuais e profissionais! Bom esudo! Walter Ferreira de Oliveira Henrique Carneiro
O M Apresenar a consrução hisórica do uso de drogas em diferenes sociedades e suas disinas repercussões na consrução da políica e na represenação social do uso de drogas e do usuário, abrangendo os usos erapêuicos, sagrados, recreacionais e de aumeno de desempenho e suas represenações hisóricas. Problemaizar ações que envolvem respeio, acolhimeno, vínculo e confiança enre usuários e demonsrar a imporância da auação inerdisciplinar.
C H 15 horas.
S U������ � – O ��� �� ������ �� ��������� ....�� �.�. Introdução .................................................................................................... �� �.�. Os aspectos múltiplos dos usos de drogas psicoativas na História ....................................................................................................�� �.�. O uso de drogas nas sociedades ............................................................�� �.�. A história das drogas no Brasil ............................................................�� �.�. O início do proibicionismo ...................................................................�� �.�. “Vício” e compulsividade como mal-estar da civilização contemporânea...........................................................................................�� �.�. Resumo da unidade ..................................................................................�� �.�. Leituras complementares ......................................................................��
U������ � – R������������ ������ �� ��� �� ������, �� ������� � �� ������� ....... �� �.�. Introdução ..................................................................................................�� �.�. Representações sociais sobre uso de substâncias psicoativas e pessoas que usam substâncias psicoativas .............�� �.�.�. Represenações sociais sobre o cuidado a pessoas que usam subsâncias psicoaivas ...............................................................��
�.�. Resumo da unidade.................................................................................�� �.�. Leituras complementares ......................................................................��
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O uso de drogas na sociedade
O uso de drogas na sociedade
U � – O Ao final desa unidade, você será capaz de: •
analisar a consrução hisórica do uso de drogas na sociedade e suas diferenes repercussões na consrução políica.
�.�. I O uso de drogas ou subsâncias psicoaivas (SPA) é condição hisórica esruurane da maior pare das sociedades e as formas de consumo problemáico ou abusivo são menos frequenes do que os usos para inerações sociais consruivas e inegradas. Aualmene, a maioria dos consumidores de 1 Pesquisa nos EUA mostrou que do total das pesdrogas, lícias ou ilícias, o faz de forma sosoas que experimentaram cialmene inegrada, sem uso problemáico e álcool, cerca de 15% se torna dependente, e de cocaína sem querer abandonar o seu hábio. Isso ocorre 16%, in Wagner, F. A. e Ancom a maioria dos usuários de álcool e macothony, J. C. From first drug nha. Mesmo o abaco, que um grande número use to drug dependence; dede pessoas quer deixar de usar, para muios velopmental periods of risk for dependence upon cané um hábio apreciado, ainda que conheçam nabis, cocaine, and alcohol. suas consequências danosas para a saúde. NeuropsychopharmacoDrogas de maior impaco de danos e de maior logy, 26:479-488, 2002. incidência de usuários compulsivos, como a cocaína não deixam de er ambém usuários ocasionais. Pesquisas1 demonsram que menos de um sexo das pessoas que experimenam cocaína se ornam dependenes. É igualmene imporane ressalar que não se observa um “padrão de pessoas e conexos” que nos auoriza a uniformizar a proposa de cuidado. Ou seja, aquelas pessoas que apresenam problemas/necessidades relacionadas ao consumo de álcool e ouras drogas não são
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“iguais”, nem esão em conexos idênicos ou sequer respondem da mesma forma aos que lhes é oferado. Por apresenarem esses problemas ou necessidades não perdem sua naural singularidade. Anes, o que se em observado, é que é exaamene esa pluralidade, esa singularidade dos sujeios o erreno mais féril para fomenar cuidado adequado e efeivo. Assim, há que rabalhar a superação da ideia de que o cuidado adequado e efeivo deve ser pauado na inernação fechada, na conenção e na uela. É imporane ambém a discussão de que a absinência compulsória não deva ser uma condição sine qua non para o cuidado e para o ganho de qualidade de vida dos usuários. Nese senido, é imporane discuir quesões relaivas à auonomia e à organização políica dos usuários, searas pouco exploradas em nossos espaços de cuidado. Buscaremos ambém analisar aqui as consequências do enendimeno de que pessoas com problemas relacionados ao consumo de álcool e ouras drogas perdem ineviavelmene a capacidade de conduzir suas próprias vidas de forma adequada, que se ornam impreerivelmene “escravos”, “dominados pela droga”, em um movimeno de inversão onde a coisa (droga) orna-se sujeio e o sujeio (pessoa que usa droga) é coisificado. Tal enendimeno susena uma auação a parir da qual as pessoas precisariam ser ueladas ou conidas. Essa posição consiui um rerocesso hisórico frene à Reforma Psiquiárica e ao cuidado implanado. O consumidor de drogas, mesmo em siuação problemáica, não deixa de ser um cidadão com odos os seus direios. Ceramene, é da alçada da Saúde Pública cuidar das pessoas com necessidades decorrenes do uso de álcool e ouras drogas sem, conudo, cenrar sua auação na condição moral ou jurídica dese consumo.
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�.�. O H A humanidade na Pré-Hisória dedicava-se à caça e à colea e nesse processo foram descoberas as planas úeis para a humanidade. Essa uilidade esava não só nas que podiam alimenar ou fabricar arefaos, mas ambém nas que inham propriedades farmacológicas. As drogas surgiram do conhecimeno da flora por pare dos povos pré-hisóricos que buscavam não apenas se alimenar, mas ambém ober efeios úeis no combae à dor, no aumeno do esímulo para as aividades e na obenção de esados de êxase que se ornaram manifesações do sagrado. A resina da papoula, que é o ópio, servia para neuralizar as dores, a osse, a febre e a diarreia. As flores da cannabis sativa, nome cienífico da maconha, ambém eram usadas para fins medicinais, como sedação, conra espasmos, para amenização da ansiedade e ambém para se ober esados de mediação e ranquilidade.
A imporância das subsâncias psicoaivas (SPA) é, porano, inesimável e os psicofármacos não apenas cumprem o papel de remédios excepcionais em odas as verenes das medicinas radicionais como caracerizam práicas religiosas de inúmeros povos.
Com a agriculura, que foi desenvolvida há cerca de dez mil anos arás, durane a chamada “revolução neolíica”, as planas úeis passaram a ser planadas e selecionadas nas suas melhores variedades. Esse é o significado da expressão laina “sativa” que quer dizer “culivada”.
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Quando chegou à época moderna, com as grandes navegações dos séculos XV e XVI que ligaram os coninenes do mundo, as drogas foram alguns dos principais produos buscados no Oriene e nas Américas. As especiarias, o ópio, o açúcar, o abaco, o café e ouros produos se ornaram consumo massivo, marcando a era mercanil moderna da unificação planeária. No século XVII ambém se deu a grande expansão do álcool desilado assim como do abaco, das bebidas excianes e de ouras subsâncias. Para se compreender a imporância econômica, culural e cienífica das drogas é indispensável um olhar hisórico que desvende os nexos e os ineresses que buscam regulamenar socialmene o consumo desas subsâncias que assumem imporanes papéis culurais como veículo de devoção, de cura, de idenidades énicas, de gênero e nacionais, enre ouras. Os povos se definem, assim, por suas predileções alimenares e de drogas. Medierrâneos europeus omam vinho, europeus do nore omam cerveja, japoneses omam saquê e esses hábios fazem pare da culura de cada povo. As bebidas fermenadas foram algumas das drogas mais anigas descoberas pela humanidade. O processo de fermenação, pela ação de microfungos chamados leveduras, permiiu a fabricação não só das bebidas alcoólicas, como do pão e dos produos láceos fermenados, como iogure e queijos. Cada região do mundo desenvolveu o culivo de alguns alimenos básicos, enre os quais os cereais. O arroz na Ásia, o milho nas Américas e o rigo e a cevada na Europa e Oriene Médio foram os alimenos mais imporanes e ambém a fone de drogas psicoaivas, as cervejas de cereais. Os vinhos são os fermenados de fruas e as cervejas os fermenados de cereais, assim desenvolveram-se as culuras indígenas com o cauim de mandioca no Brasil, a chicha de milho nos Andes e o pulque de Agave no México, o qual, desilado, se orna a equila.
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As bebidas fermenadas eram alimeno, um “pão líquido”, e ambém uma forma de se ober uma bebida bem mais poável do que a água correne, quase sempre conaminada de micro-organismos daninhos. Os usos das cervejas fizeram delas produos considerados divinos. Além de alimenarem, deixavam o espírio alegre e promoviam o enconro fesivo da comunidade, servindo como um “lubrificane social”, na expressão do sociólogo francês Émile Durkheim. Por isso, na Europa do Nore, especialmene na Alemanha e Holanda, a cerveja foi durane muios séculos a primeira refeição do dia, ou seja, o “café da manhã” era com uma cerveja caseira em que se acrescenavam vários produos suplemenares, como ervas, emperos, resos de pão, e ouros. A sua denominação já mosra a crença na sua vialidade, pois cerveja é uma palavra que vem do laim cerevisia, que significa “a força do cereal”. Além dos fermenados, obidos de quase oda maéria orgânica, as planas com usos medicinais foram as drogas mais imporanes desde épocas pré-hisóricas, por fornecerem meios de cura, analgesia e consolo das dores, enfermidades e desconforos. Os usos erapêuicos, devocionais, fesivos, esimulanes, celebraórios ou recreacionais de bebidas e ouras drogas se enraizou nas culuras énicas e nacionais, elevando bebidas à condição de símbolos de idenidade nacional, como é o caso do brasão nacional brasileiro que coném os ramos floridos do abaco e fruificados do café.
�.�. O Exise uma universalidade dos usos de psicoaivos desde a pré-hisória e sua idenificação, localização, preparo e consumo são caracerísicas esruuranes das formas de sobrevivência a parir da seleção da flora para idenificação de planas úeis.
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Unidade 1
Há uma grande imporância das drogas ambém na produção dos esados de êxase e devoção em diversas radições religiosas. Essa naureza sagrada dos usos radicionais e riualizados em diversas culuras pode ser exemplificada pela aribuição de uma origem divina ano ao vinho como à cerveja. O vinho foi encarnado nas figuras dos deuses Dionísio na Grécia e Baco no mundo romano, e seu culo associa-se ao culo da deusa Deméer ou Ceres, da agriculura e dos cereais. As cervejas eram o sangue dos deuses na miologia germânica, e a humanidade as eria conhecido a parir dessa origem divina. Em odos os coninenes vamos enconrar culos e práicas religiosas e de cura ligados à uilização, respecivamene, do abaco, da maconha, do chá, dos cogumelos, dos cacos, do cipó ayahuasca, ec. A medicina sempre eve nas drogas alguns dos seus mais eficienes recursos. Além da diea e da cirurgia, a farmácia é o insrumeno fundamenal da cura. O reperório da naureza forneceu o consolo para os sofrimenos, o raameno das doenças e das lesões. Das planas medicinais, alvez a mais úil enha sido a papoula ( Papaver somniferum) que em uma resina exraída do seu bulbo que é o ópio, usado como um remédio milenar por suas virudes analgésicas, aniussígenas, anifebris e anidiarreicas. O modelo clássico de conrole da ingesão das drogas (assim como dos alimenos, do sexo e ouras aividades) era o da emperança. Essa palavra significa moderação. A moderação era uma das virudes mais imporanes, uma virude cardeal, ao lado da prudência, da coragem e da jusiça. Todas essas virudes eram consideradas como o pono de equilíbrio enre o excesso e a carência. Ambos, excesso e carência, eram mal visos, pois saiam da jusa medida que deveria governar odas as ações humanas no senido do equilíbrio e do caminho do meio. 16
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Plaão, por exemplo, em seu livro As Leis, considerava que o vinho era úil para aferir o caráer das pessoas. Quem soubesse beber adequadamene, poderia merecer a confiança pública, enquano os que se excediam perdiam sua repuação e credibilidade. Daí a noção presene na Aniguidade de que no vinho se enconra a verdade, como no provérbio In vino, veritas “No vinho, a verdade”. Essa éica clássica de se usar a moderação em udo e de se eviar ano o excesso como a absinência, não só das bebidas e alimenos, mas em odas as coisas, foi um ensinameno duradouro que influenciou oda a hisória da filosofia. Volaire, por exemplo, o filósofo francês do século XVIII, afirmou que é preciso er moderação em udo, especialmene na moderação. Uma moderação exagerada deixa de ser moderação. Por isso, a absinência, ou seja, a noção de que é preciso eviar odo e qualquer consumo alcoólico, foi uma aiude muio rara e que só floresceu em sociedades muio repressivas e miliarizadas, como foi o caso dos esparanos, na Grécia aniga, mas, em geral, a maioria das sociedades admiiu o uso de bebidas e de drogas, combaendo apenas os seus excessos. As drogas foram usadas radicionalmene com conroles sociais que deerminavam os locais e os momenos adequados para o seu consumo e muio poucas foram as sociedades que praicaram a absinência. A maior pare das civilizações praicava e defendia o ideal da emperança, que significa moderação, condenando assim, não as drogas e bebidas em si, mas o seu uso excessivo. O comércio do vinho e de muias planas psicoaivas úeis, como o ópio das papoulas, por exemplo, vai ser uma aividade muio imporane na hisória econômica de muios países. Essa imporância econômica das drogas vai crescer especialmene na hisória moderna, quando os ciclos mercanis das especiarias, do açúcar, das bebidas alcoólicas fermenadas e desiladas, dos excianes Módulo Drogas e Sociedade
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cafeínicos (café, chá, chocolae, chimarrão, guaraná) e do ópio e do a baco vão ser eixos ariculadores da aividade comercial e da obenção de rendas fiscais pelos esados na ribuação desses produos. A própria era das navegações, com a descobera da América por Colombo em 1492 e do Brasil por Cabral em 1500, foi impulsionada pela busca dessas drogas, como as especiarias asiáicas. Mesmo sem enconrar o caminho da Ásia, Colombo descobriu um coninene que iria se especializar no fornecimeno de drogas para o mundo, consiuindo verdadeiros ciclos econômicos em orno do comércio do açúcar, da aguardene, do abaco, do café, ec. No período da revolução indusrial, iniciada na Inglaerra, o consumo popular de excianes como o chá e o café se expandiu muio por auxiliarem o desempenho laboral e mesmo dos soldados. A parir do século XIX, além dos exraos vegeais passaram a exisir no mercado as subsâncias puras, os princípios aivos exraídos das planas em laboraórios como a morfina do ópio, a cocaína da coca e a cafeína do café. Os usos miliares de morfina como analgésico levaram a um aumeno dos consumidores dependenes. Da mesma forma, a maior disponibilidade de álcool desilado criou um padrão de ingesão alcoólica mais fore do que as culuras aneriores dos fermenados, aumenando os casos de consumo agudo e ambém padrões de consumo crônico, que passaram a ser descrios como alcoolismo. Ouros produos, como ônicos, elixires e xaropes ambém inundaram o mercado de bebidas não alcoólicas, mas com açúcar e excianes como cafeína e cocaína. A mais conhecida dessas bebidas junou em seu nome e em sua fórmula as duas drogas esimulanes mais famosas da América e da África: a folha de coca e a noz de cola. No século XX, o número de moléculas sinéicas psicoaivas aumenou para muias cenenas. Surgiu odo um novo campo de experimenações ao redor dos chamados psicodélicos, dos quais o dieilamida 18
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do ácido lisérgico (LSD), descobero acidenalmene em 1943, foi o mais famoso. Essa subsância, junamene com a mescalina do caco - peiote e a psilocibina dos cogumelos foi úil em diversos processos erapêuicos e de expansão da criaividade, sendo usada por arisas, filósofos e mísicos, dos quais o mais famosos foi o escrior inglês Aldous Huxley, que escreveu o livro “As poras da percepção”, a respeio de sua experiência com ais subsâncias que ele ajudou a baizar pelo nome de “psicodélicos” (“que manifesam o espírio”). O professor de psicologia de Harvard, Timohy Leary foi um apologisa do uso dos psicodélicos, sofrendo demissão, perseguição e prisão por esse moivo. O movimeno psicodélico levou oda uma geração à experimenação, mas causou um pânico moral que fez o governo esadunidense proibir o LSD em 1966. No final do século XX, oura droga se ornou de “moda”. O meilenodioximeanfeamina MDMA, conhecido como ecsasy, foi usado inicialmene em psicoerapia e depois, com a proibição, em 1985, passou a ser popular o uso em fesas com música elerônica. Mais recenemene, essa subsância vem sendo usada nos Esados Unidos da América (EUA) para o raameno do esresse pós-raumáico, por seus efeios chamados de “empaogênicos”, ou seja, produores de simpaia múua enre pessoas. Muias novas subsâncias são criadas a cada ano, as chamadas “ designer drugs”, grande pare em laboraórios clandesinos, muias vezes buscando subsâncias de efeios análogos as que são proibidas. A inexisência de um conrole público orna o uso de drogas sinéicas uma loeria, pois nunca se sabe exaamene o que elas conêm, havendo aduleranes muias vezes mais perigosos do que a própria droga que se supõe consumir, com dosagens ambém nunca calculáveis de forma precisa.
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�.�. A B A hisória das drogas no Brasil começa com o uso pelos indígenas de muias planas medicinais e psicoaivas, incluindo o abaco, e dos cauins, fermenados de mandioca e de fruas. A ipecacuanha, a copaí ba, a quina, a jurema, são algumas dessas planas de usos radicionais. O grande impaco do conao com os europeus foi a especialização do Brasil no planio e processameno das drogas que fizeram os ciclos econômicos da hisória brasileira: cana-de-açúcar, abaco, e café. Produos de monoculura desinados ao abasecimeno do mercado meropoliano. A consiuição do chamado sisema sul-alânico de comércio riangular foi um meio dos impérios europeus oberem renda planando culivos alimenares e psicoaivos nas Américas com o uso da mão-de-obra escrava irada da África. Mais de dez milhões de seres humanos razidos do coninene africano para as planações e engenhos americanos de cana-de-açúcar, as fazendas de café ou de abaco. O próprio abaco e a aguardene serviam de moeda de roca para o escambo na África enre esses produos e os escravos que iriam coninuar a produzi-los. A ocupação holandesa do nordese brasileiro e de Angola objeivava o conrole desse mercado, de açúcar e de escravos, para esse império naval que já dominava o café, o abaco e o álcool desilado. As guerras comerciais modernas enre os esados europeus visaram o conrole desses fluxos de produos psicoaivos, desde o vinho do Poro ao chá da China, do café brasileiro ao abaco cubano, do ópio indiano ao rum do Caribe. Enquano o abaco indígena se ornava uma droga de difusão global, por meio de sua consagração enre soldados e religiosos, ouras de âm bio mais regional, ficaram resrias na sua circulação. A erva-mae (Ylex paraguaiensis), por exemplo, se ornou um imporane produo das Missões jesuíicas e depois do circuio comercial do Paraná, manendo aé hoje uma enorme influência no sul do Brasil, no Paraguai e na bacia do Rio da Praa. 20
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O guaraná, conhecido radicionalmene pelos índios Maués, do Rio Negro, em uso como esimulane resrio à região Nore, embora seu uso como aromaizane e denominador de refrigeranes o enha ornado uma bebida ípica do Brasil. Já houve aé um senador amazonense que quis rocar o abaco no brasão nacional pelo guaraná! Drogas de uso predominane enre os escravos, como a maconha, foram perseguidas pelos senhores de escravos, dando origem a sua esigmaização como subsância dos afrodescendenes, dos pobres e dos moradores de favelas. Mesmo havendo um uso farmacêuico dos cigarros de maconha para asma e muias ouras afecções, eses eram imporados da Europa e chamados de cânhamo indiano. O uso popular da maconha, ermo que vem do idioma africano quimbundo da região Bano de Angola, se disseminou em camadas populares das grandes cidades e áreas do inerior do país e só veio a ser proibida nacionalmene a parir do ano de 1932, embora desde o século XIX já houvesse regisro de perseguições ao “pio de pango” dos escravos. A maconha ambém eve um uso indusrial muio imporane como maéria-prima de ecidos, papel e óleo para iluminação. As cordas e as velas dos barcos ambém eram de fibra de cânhamo, o nome da maconha indusrial. Esse uso foi subsiuído em quase odo o mundo no século XX pelo papel de celulose e pelos ecidos de fibras sinéicas, que foram seores indusriais que ambém fizeram pressão pela inerdição do cânhamo. Um uso radicional do xamanismo indígena, de misurar duas planas, um cipó, o jagube, e uma folha, a chacrona, numa bebida de efeio alucinógeno conhecida no Brasil pelo nome de origem quéchua ayahuasca, ambém foi adapado e desenvolvido em religiões mesiças e sincréicas. Surgidas na Amazônia no início do século XX, se propagaram depois para as grandes cidades e inclusive para ouros países sob a denominação de Sano Daime. O uso religioso da ayahuasca foi reconhecido pelo Esado brasileiro como direio de práica religiosa e proegido por meio de ombameno como parimônio imaerial. Módulo Drogas e Sociedade
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Saiba Mais Conheça mais sobre a ayahuasca no Brasil acessando o site do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos. Disponível em: hp://bit.ly/L6MV4d.
As drogas mais imporanes na hisória econômica, social e culural brasileira foram e ainda são, ceramene, as bebidas alcoólicas, especialmene a cachaça e a cerveja, e o abaco e o café. O Brasil se ornou o maior produor mundial de café, posição que maném aé hoje. Essa especialização econômica levou a desasres, como em 1929, quando ocorreu a crise econômica mundial e as safras foram queimadas. O abaco ambém ocupou um imporane papel na hisória econômica nacional e várias regiões do país, como o sul da Bahia e regiões do Rio Grande do Sul se especializaram nesse culivo que ambém faz do país o maior exporador mundial. As bebidas alcoólicas formam um produo imporane dos engenhos, na forma da aguardene denominada cachaça e, a parir do século XIX, começou a fabricação nacional de cervejas. Hoje essa indúsria se ornou ão grande que consiui a maior empresa brasileira e seu proprieário é o homem mais rico do país!
Mais recenemene, cresceu enormemene o mercado da indúsria psicofarmacêuica com um uso muias vezes ambém inadequado e excessivo.
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�.�. O O proibicionismo foi a adoção de medidas de inerdição e repressão do consumo de ceras subsâncias psicoaivas que passou a ocorrer desde o final do século XIX no mundo ocidenal, especialmene nos Esados Unidos e que, a parir do século XX, se ornou uma políica mundial por meio de acordos e raados inernacionais. Algumas drogas são mais relacionadas às siuações problemáicas, ais como o uso de álcool e acidenes auomobilísicos ou siuações de violência domésica. Na enaiva de amenizar os males do uso de drogas e para melhor conrolar a disciplina do rabalho nas fábricas e no lazer, houve iniciaivas de proibição dessas drogas em alguns países desde o início do século XX. A mais conhecida foi a “Lei Seca” nos EUA enre 1920 e 1933. Por meio de uma emenda consiucional proibiram-se odas as bebidas alcoólicas no país e aé mesmo o cigarro em alguns Esados. Os resulados foram péssimos. O conrole do mercado passou para mãos de criminosos, levando a um aumeno da violência; a qualidade dos produos deixou de ser fiscalizada pelo Esado, levando a adulerações e mores por envenenameno e a renda enorme desse comércio passou a circular clandesinamene, sem pagameno de imposos, enriquecendo grupos criminosos. Isso levou ao crescimeno das máfias, como a de Al Capone. A sociedade reagiu com proesos exigindo o direio de se omar uma cerveja e, finalmene, em 1933, essa lei foi revogada e as bebidas e o cigarro volaram a er uma produção e um comércio regulamenados e axados pelo Esado. Ouras subsâncias, enreano, foram proibidas no lugar das bebidas, e o mesmo problema volou a ocorrer com os derivados da maconha, da coca e do ópio.
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Na época da guerra do Vienã, nos anos de 1970, o governo Nixon, esendeu a denominada “guerra às drogas” a odo o mundo, criando, em escala mundial, os mesmo problemas que a proibição do álcool já causara. Com a proibição, grupos criminosos se apossaram do conrole desse mercado, pois os riscos eram compensados pelo enorme aumeno da lucraividade. Com a ausência da regulamenação esaal houve muia aduleração e conaminação das drogas, devido à ausência de qualquer vigilância saniária. A ausência do Esado ambém acarreou que odos os conflios enre raficanes ou cobranças de dívidas de consumidores passassem a ser resolvidos pela violência. O aprisionameno em massa por crimes ligados ao consumo ou ráfico de drogas causou um inchameno do sisema penienciário, agravando a superloação e colocando pessoas sem vínculos com redes criminosas ou práicas de violência em conao com o crime organizado passando, inclusive, a recruá-las. Na época do governo Ronald Reagan, nos EUA, a “guerra às drogas” se ornou uma esraégia de dominação geopolíica coninenal, levando a inervenções como a capura do presidene do Panamá, Noriega, ao Plano Colômbia, que foi uma enorme ajuda miliar a esse país, e a uma exigência de erradicação de odos os culivos de coca, fumigados com agenes her bicidas e fungos ransgênicos que causaram crises ecológicas na Colôm bia e no Peru que afearam camponeses e culivos radicionais. A siuação insusenável da proibição e suas consequências sociais vêm levando inúmeros seores da sociedade inernacional a defenderem a legalização das drogas. Vários ex-presidenes laino-americanos (inclusive o brasileiro Fernando Henrique Cardoso) e auais mandaários passaram a propor o fim da guerra às drogas. A OEA (Organização dos Esados Americanos) ambém passou a indicar aos seus países membros a adoção de políicas de despenalização do consumo pessoal de drogas aualmene ainda ilícias e a Suprema Core argenina julgou inconsiucional sancionar penalmene o uso de drogas. 24
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O uso de drogas na sociedade
Mais recenemene, após a aprovação do uso medicinal da Cannabis em 18 esados nore-americanos e a legalização plena em dois (Colorado e Washingon) após plebiscio em 2012, acelerou-se o quesionameno do sisema vigene e o presidene Pepe Mujica, do Uruguai, passou a defender a legalização e esaização da produção e do comércio de maconha no país. O ex-presidene do México, Vicene Fox, chegou a defender que o seu país se orne um exporador legal de maconha e declarou que ele próprio, como fazendeiro, gosaria ambém de planar e paricipar desse negócio. Vivemos o momeno hisórico de mudança de um paradigma, quando o velho sisema ainda não foi desariculado, mas já demonsra sua insusenabilidade. Por ouro lado, as novas formas de regulamenação inernacional ainda não esão definidas e é objeo de dispuas qual será o ipo de empresa, se públicas ou privadas, com qual sisema de ribuação e, principalmene, com qual novo quadro inernacional de raados e normas reguladoras.
O negócio da maconha erapêuica legal na Califórnia, por exemplo, já é maior que qualquer ouro agronegócio e grandes execuivos e empresários esão em vias de passar a invesir no mercado de maconha, que ende cada vez mais a se ornar um produo normal do comércio, como uma commodity (mercadorias coadas e negociadas em bolsas).
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Unidade 1
Link Um dos levantamentos mais amplos do consumo de drogas pelos estudantes do ensino fundamental e médio é o realizado pelo CEBRID, com entrevistas anônimas de mais de 50 mil estudantes. O último levantamento, de 2010, pode ser consultado no link: hp:// bit.ly/1f9pTTy.
�.�. “V” - A noção, hoje comum, de “vício” ligado às drogas é caracerísica de uma época mercanil e indusrial capialisa, na qual a compulsividade se ornou a regra, com uma inciação ao consumo excessivo, de drogas, de alimenos e de ouras conduas passíveis de excessos, como o jogo, o uso de TV e compuadores e aé mesmo o uso obsessivo de celulares, por meio da promoção sisemáica do consumismo pela propaganda. O resulado é uma crise civilizaória, produzindo comporamenos adiivos (que criam dependência) em relação a objeos e bens de consumo. Refrigeranes, por exemplo, são consumidos abusivamene, causando problemas pelo excesso de açúcar e de sódio. A OMS (Organização Mundial da Saúde) calcula em cerca de 180 mil o número de moros a cada ano em odo o mundo por doenças causadas pelo excesso do açúcar dos refrigeranes! Exise, porano, dependência de um uso excessivo de TV, da Inerne, de jogos, de fazer compras, e ouros, além dos usos exagerados de drogas e alimenos. O “vício”, como comporameno de consumo compulsivo, não é uma exclusividade das drogas, mas afea quase odas as mercadorias e hábios que podem se ornar obsessivos, compulsivos e problemáicos. 26
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O uso de drogas na sociedade
Exisem diferenes represenações sociais do uso de drogas e do usuário na aualidade, que exercem sua influência no processo de cuidar e na complexidade dese cuidado. Drogas psicoaivas circulam em rês circuios disinos: drogas da indúsria farmacêuica, drogas recreacionais lícias e drogas recreacionais ilícias. As diferenças enre eses rês ipos de circulação se refleem nas suas represenações. O consumidor de maconha, por exemplo, é axado de criminoso, mesmo que faça um uso ocasional. Mas o consumidor de a baco, que em muios aspecos provoca mais danos à saúde do que a maconha, é viso apenas como alguém que precisa de sua droga e que, no máximo, pode incomodar aos ouros se consumir em lugares fechados e públicos. O alcoolisa é viso como um doene, mas o apreciador de vinho, cerveja ou uísque é considerado um gasrônomo ou um gourme. Quem usa remédios psicoaivos da indúsria farmacêuica, mesmo que excessivamene, não é viso como um “drogado”, mas alguém que oma “remédios”. As novas drogas sinéicas rouxeram novas conquisas, mas am bém novos usos problemáicos, não só das subsâncias proibidas, mas ambém dos medicamenos da indúsria farmacêuica, muias vezes consumidos em excesso, como é o caso aual dos benzodiazepínicos (remédios calmanes), das anfeaminas (usadas ano como emagrecedores, como para uso infanil e juvenil no raameno de suposos casos de Transorno do Défici de Aenção e Hiperaividade-TDAH) ou dos anidepressivos receiados para uma enorme gama de sinomas muias vezes reduzidos a um diagnósico unilaeral e medicado apenas sinomaicamene.
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Unidade 1
Reflexão O consumidor de remédios, o consumidor de drogas festivas lícitas ou de drogas ilícitas podem ter os mesmos problemas em relação ao seu consumo excessivo, mas também podem não ter esses problemas e serem consumidores moderados e ocasionais. A diferença está nas substâncias ou no seu tipo de circulação? Se a droga é comprada no bar ou na farmácia, isso significa que ela necessariamente é melhor ou menos perigosa que a droga ilícita?
Na época da proibição do álcool nos Esados Unidos da América, odo dono de bar era um raficane. A diferença hoje em dia esá no fao de que a circulação legal evia o domínio do crime. Ninguém esá rocando iros para dispuar ponos de venda ou cobrar dívidas dos consumidores de cigarros ou de cerveja, mas se esses produos fossem proibidos, ceramene haveria muios raficanes violenos conrolando esse comércio. O aumeno do consumo do crack ambém esá ligado à proibição da cocaína, o que levou ao desenvolvimeno de um produo mais barao e conaminado, feio para ser uma “cocaína dos pobres”. Mesmo se não houvesse o crack os moradores de rua coninuariam a usar aguardene ou cheirar cola de sapaeiro, se não iverem assisência do Esado para emprego, moradia e cuidados médicos. O conceio de “esigma” é o que idenifica o preconceio e a exclusão dos direios sociais dos consumidores de ceras drogas, dando a elas um senido pejoraivo e aé criminoso. A diferença de um abagisa, um maconheiro e um cervejeiro é que o primeiro e o úlimo não são visos como “criminosos”, mas no máximo pessoas com problemas e que precisam de ajuda. É imporane ampliar discussão social sobre as causas e consequências da ilegalidade de algumas drogas psicoaivas e a regulamenação e o conrole daquelas consideradas legais.
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O uso de drogas na sociedade
Reflexão Os consumidores de drogas não devem ser “estigmatizados”, ou seja, considerados como negativos apenas pela droga que consomem. Exatamente para se evitar abordagens reducionistas desta temática, é que precisamos nos perguntar, como muitos outros países já vêm fazendo: • Quais são as razões pelas quais umas drogas são líci tas e outras ilícitas? • O que a história já nos mostrou sobre isso? • O que não queremos como consequência do consu-
mo de drogas? • O que determina estas consequências indesejadas? • A droga consumida? • O “como”, “onde”, “quando” ou “por quem” são
consumidas estas drogas? • O simples consumo? • O que podemos fazer para denitivamente evitar-
mos estas consequências indesejadas? • Quais evidências cientícas foram produzidas sobre
efeitos, modos e consequências do uso de cada substância psicoativa?
Quando falamos em ofera de cuidado ou raameno, esas quesões aneriormene levanadas ganham ainda maior relevância. Ocorre que um ema rabalhado de forma reducionisa, ano com relação ao pensameno correne sobre ese, como com relação à ciência que subsidia a auação profissional ou ao conexo no qual esá mergulhado o usuário, resula em ofera de cuidado igualmene reduzida, limiada e, consequenemene, ineficaz.
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Unidade 1
Como já afirmamos, o cuidado ou raameno, especialmene aquele oferado no âmbio das ações de saúde pública, não pode ser baseado em julgameno moral ou na droga consumida. São os agravos à saúde que esão no cenro da auação dos profissionais. Eses são o foco principal. As diferenças de raamenos enre pessoas que usam abaco ou maconha não residem nas drogas de escolha e, sim, nas necessidades de saúde das pessoas em cuidado. As subsâncias em si não definem gravidade ou qualificam o ipo de consumidor. Ajudar as pessoas a conquisarem o auoconrole e a auonomia sobre si, por exemplo, é o esforço necessário para combaer as formas de consumo desruivas. Como diz o psiquiara Gabor Maé, quem em uma dependência, em geral não em nessa práica uma doença em si mesma, mas ela é muio mais uma enaiva de remediar um problema mais de fundo, que pode ser um sofrimeno psíquico, um rauma infanil ou a condição de desassisência, abandono e desamparo dos muio pobres. A droga que uma pessoa consome não é exaamene a sua doença, mas muias vezes o remédio improvisado de quem sofre e busca amenizar suas dores. É preciso idenificar e sanar as origens dos problemas em cada pessoa, por meio da assisência e da adesão volunária a raamenos. O raameno coerciivo, forçado, raramene consegue resulados duradouros, pois são imposos conra a vonade e às vezes aé mesmo com resrições e casigos físicos que só pioram e aprofundam a revola e os raumas dos usuários problemáicos. Nos dias de hoje é imporane problemaizar quesões ais como: as formas de acessibilidade; propaganda das drogas legais; locais onde é permiido consumir ou não, como forma de se garanir ao mesmo
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empo o respeio pela diferença e a olerância de esilos de vida e o resguardo do espaço público, no que diz respeio à inciação ao uso. Devemos debaer o exemplo das políicas aniabagisas e de conrole do uso do álcool, em conrase com as políicas relaivas a ouras subsâncias. As campanhas com divulgação cienífica dos riscos poenciais e as políicas de “redução de danos”, por exemplo, são perinenes conraposições às proposas de absinência compulsória. As drogas devem ser raadas como hábios culurais e, quando os usuários apresenarem necessidades de saúde decorrenes de seu consumo, o poder público, em especial as áreas de saúde e assisência social, deve oferecer ajuda adequada. A necessidade de se buscar um padrão de uso moderado, sem dependência nem usos abusivos e excessivos, é uma condição de proeção da saúde ano no que se refere às drogas lícias como às ilícias. A absinência, que pode ser uma alernaiva necessária para consumidores compulsivos, não pode ser uma proposa geral para odos, pois uma sociedade sem drogas não é possível nem desejável. Só um Esado oaliário poderia impor a absinência obrigaória a odos. Os esudos êm demonsrado que os raamenos oferados às pessoas com problemas decorrenes do consumo de álcool e ouras drogas obém sucesso com a adesão volunária, e há uma enorme parcela de usuários que não querem ou não precisam ser raados. Políicas de drogas que enfaizem a prevenção e a educação devem er esse fao em visa para não consruir generalizações indevidas, nem esigmaizações perniciosas.
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Unidade 1
Link Você poderá obter um panorama histórico mais amplo sobre os psicoativos por meio do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP), que há mais de dez anos reúne pesquisadores, artigos, teses acerca desse tema. Consulte o seu site: hp://bit. ly/1aFtLyN. O Congresso Internacional de Drogas CID-2013 é uma iniciativa de envergadura inédita no Brasil, idealizado para fomentar o intercâmbio entre autoridades governamentais, ex-chefes de Estado, especialistas internacionais de diversas áreas do conhecimento e representantes da sociedade. As palestras e os debates desse evento podem contribuir para a sua compreensão do tema: hp://bit.ly/1gnsq1Q.
�.�. R Vimos nesa unidade como o fenômeno do consumo de drogas é anigo e ocorre nas sociedades humanas para diversas finalidades que as ornaram as subsâncias mais imporanes ao lado dos alimenos. Os usos inegrados, erapêuicos ou recreacionais prevalecem, mas o consumo abusivo e dependene afea uma parcela dos usuários, especialmene a parir da época moderna, quando a indúsria farmacêuica, do álcool e do abaco se consolidam. O uso problemáico de drogas ambém é inseparável de ouras conduas de compulsividade que se ornam caracerísicas numa sociedade de crescene idealização do consumo como valor por excelência. É preciso, assim, compreender as drogas na muliplicidade das subsâncias, ano lícias como ilícias, levando em cona que vivemos um momeno hisórico de revisão do paradigma proibicionisa inernacional que vem sendo quesionado com proposas de legalização e regulamenação.
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O uso de drogas na sociedade
E, finalmene, devemos eviar o reducionismo das pessoas humanas a um aspeco de sua exisência, recusando o esigma, o preconceio e a discriminação e buscando a conquisa da auonomia dos próprios usuários sobre seus corpos e hábios como melhor forma de aplicar políicas públicas de assisência e inserção social dos consumidores e de educação da comunidade.
�.�. L LABATE, B. C. e al. (orgs). Drogas e cultura: novas perspecivas Salvador: EDUFBA, 2008. Essa obra raz os resulados de um simpósio acadêmico na USP com enfoque maior nas ciências humanas. Disponível em: htp://bi.ly/1evvxhg . SEIBEL, S. D. (Ed.). Dependência de drogas . 2 ed. São Paulo: Aheneu, 2010. Traa-se de uma coleânea de mais de mil páginas com arigos cieníficos sobre diversos aspecos do fenômeno das drogas.
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Representação social do uso de drogas, do usuário e do cuidado
Representação social do uso de drogas, do usuário e do cuidado
U � – R , Ao final desa unidade, você será capaz de: •
avaliar criicamene as diferenes represenações sociais do uso de drogas e do usuário na aualidade, sua influência no processo de cuidar e a complexidade desse cuidado.
�.�. I O íulo desa unidade carrega em si algumas consaações básicas, por exemplo: o consumo de drogas exise. Esa afirmação enconra eco e provas robusas ano na realidade aual quano em ouros momenos hisóricos como viso na unidade anerior. Mas é fundamenal ambém que façamos as necessárias disinções sobre os padrões de uso de drogas, afinal as pessoas usam drogas com frequências diferenes (uso esporádico, uso frequene, uso nocivo, dependência), segundo conceiua a Organização Mundial da Saúde (OMS) (WHO, 2014). Ouras consaações conidas no íulo são mais complexas e abrem discussões ineressanes e imporanes. A segunda é a de que as pessoas que usam álcool e ouras drogas esão na sociedade. Também é verdade, ceramene. Mas quais são os espaços da sociedade reservados a esas pessoas que usam subsâncias psicoaivas? As cracolândias? As periferias? Os banheiros das boaes? Os aparamenos e casas dos condomínios fechados? Os presídios? Os bares? Esa lisa é muio maior, mas é cero que eses locais fazem pare da sociedade. E mais que iso, como a sociedade compreende ese grupo que usa subsâncias psicoaivas?
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Unidade 2
A úlima consaação reside na complexidade do cuidado. Tema não menos relevane, pois vive-se aualmene numa busca desenfreada de uma solução única ou fácil para a dependência de drogas (especialmene do crack). A complexidade que caraceriza o consumo de drogas enconra um espelho no campo do cuidado para eses casos, ambém complexo. Eses emas esão sendo discuidos pela sociedade brasileira de forma mais aprofundada nos úlimos anos. Uma das possibilidades de acesso às formas de compreensão e das percepções de grupos populacionais sobre ese ema é aravés das represenações sociais. Ese conceio, segundo Moscovici (1978), é enendido como uma forma de conhecimeno que é elaborado coidianamene pelo indivíduo e que em, ao mesmo empo, origem e consequência na produção de comporamenos e na comunicação enre indivíduos. Da mesma forma, é imporane mencionar que represenação social é enendida por pesquisadores brasileiros como pensamenos, ações e senimenos que expressam a realidade em que vivem as pessoas, servindo para explicar, jusificar e quesionar essa realidade. (Gomes, 1994. In: Minayo MCS, Deslandes SF, Neo OC, Gomes R. Pesquisa Social. Ediora Vozes, 1994).
É ineressane avaliar a compreensão e a represenação que os diferenes segmenos da sociedade brasileira dão, por exemplo, ao uso de subsâncias psicoaivas. Há uma clara disinção enre as subsâncias lícias e ilícias, foralecendo cada vez mais a oposição enre drogas legais e ilegais.
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Pesquisas de opinião pública realizadas no Brasil sobre o ema da legalização ou descriminalização de odas as drogas ou somene da maconha, por exemplo, revelam direções majoriariamene conrárias a qualquer discussão de proposa que enha o viés de regulamenação dese consumo. Levanameno feio pelo Daafolha (REPORTAGEM LOCAL, 2008) aferiu que 76% dos pesquisados era conrário à legalização da maconha no Brasil. Sem dúvida, a opinião pública é influenciada por variáveis múliplas, sejam elas pessoais ou coleivas. No enano, é imporane frisar que exise uma compreensão correne, como veremos adiane, presene em vários segmenos da sociedade (mídia, parlameno, segurança pública, religião) que em como base a ideia de que o usuário de drogas ilícias é o responsável cenral de odos os problemas, e a consequene percepção de que é necessário buscar alernaivas para se livrar do crime (consumo de drogas?) e dos criminosos (um mundo livre de pessoas que usam drogas?). Drogas ilícias, que fique bem enendido, pois aé o momeno parece nunca er se viso nenhuma pesquisa pergunar a opinião das pessoas em ornar ilegal o álcool (que é a droga mais consumida no mundo ineiro e que ambém causa diversos problemas de saúde) ou mesmo os medicamenos psicorópicos (que em sua uilização erapêuica bem definida, mas que podem ambém induzir dependência e causar danos). Essas compreensões reduzem as possibilidades de realizar um debae mais racional sobre o ema das subsâncias psicoaivas de uma forma geral e que leve em consideração consaações reais de que um mundo sem drogas – lícias ou ilícias – não será possível consruir.
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�.�. R Alguns auores êm se debruçado mais sisemaicamene em invesigar as represenações sociais relacionadas ao uso, ao usuário e ao cuidado oferado para pessoas com necessidades decorrenes do consumo de álcool ou ouras drogas. Couinho e al (2004) enconraram disinas avaliações de esudanes universiários de 3 áreas diferenes: saúde, ecnologia e direio. Quando pergunados sobre a posura assumida frene a um usuário de maconha obeve-se resposas classificadas como favoráveis, desfavoráveis e neuras. Os esudanes de saúde e ecnologia expliciaram resposas mais favoráveis (44% e 60%, respecivamene); já os esudanes da área do direio, 60% se colocaram de forma desfavorável. Como forma de exemplificar eses posicionamenos no discurso de cada grupo, os auores apresenaram alguns rechos das enrevisas, que revelam o “viver de forma normal” dos usuários de maconha, na opinião dos esudanes que iveram resposas mais favoráveis; por ouro lado, recho apresenado por um esudane de direio acenua o caráer do usuário de maconha como “infraor” e “fora da lei” (p. 474). Numa invesigação enre esudanes de psicologia, Fonseca e al (2007) enconraram diferenças de represenações sobre a maconha a parir da perspeciva de gênero e da idade dos paricipanes. Os paricipanes do sexo masculino apresenaram opiniões mais vinculadas ao prazer e a efeios posiivos sobre o consumo da maconha; já as mulheres enfaizaram aspecos negaivos relacionados à saúde (vício, dependência, doença). Em relação às opiniões separadas por grupos eários, os mais jovens (18 a 20 anos) enderam a se posicionar de forma mais negaiva, o que incluiu a palavra crime como consequência do consumo da droga. Já os paricipanes mais velhos (24 a 26 anos) chamaram a aenção para aspecos relacionados à saúde (dependência, danos físicos), mas ambém incluíram menção ao preconceio sofrido pelos usuários de maconha. 38
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Representação social do uso de drogas, do usuário e do cuidado
A perspeciva de gênero denre pessoas que usam drogas foi pesquisada por Oliveira e al (2006). Os paricipanes eram profissionais de saúde de um serviço de raameno para pessoas que usam drogas em Salvador. As auoras enconraram resulados imporanes ano das represenações sociais relacionadas ao consumo de drogas por mulheres e suas consequências para a organização dos serviços de raameno, mas ambém das relações dese consumo com o cumprimeno dos papéis social e culuralmene aribuídos às mulheres na sociedade aual. Chama aenção a compreensão dos enrevisados de que o uso de drogas por mulheres é mais esigmaizado pela sociedade do que o uso enre homens, o que pode explicar a diferença enre os empos de procura por raameno – seria ineressane ressalar que o que se observa no coidiano dos serviços é que as mulheres chegam mais arde e mais graves para raameno, em função deses valores sociais em quesão. O esudo ambém idenifica que o início do consumo de drogas enre mulheres pode esar ligado à manuenção de relação com o parceiro. A inerpreação dos resulados obidos sugere que o consumo de drogas enre mulheres e a chegada desas mulheres aos serviços de raameno inaugura a necessidade de elaborar inervenções de saúde específicas e que leve em cona a perspeciva de gênero. Represenações sociais de agenes comuniários de saúde sobre a maconha e o álcool foram emas pesquisados por Araújo e al (2006) e Casanha e Araújo (2006). As duas pesquisas mencionadas êm os mesmos paricipanes e permiem comparar os resulados, pois são apresenadas de maneira muio semelhanes. Quando agrupadas as resposas enconradas sobre as causas do uso da maconha e do álcool, os auores enconraram diversas caegorias. As caegorias “prazer” e “diversão” somadas foram referidas por 28% como causa para usar maconha; já para o álcool, ese percenual chegou a 41%. Ineressane noar como esas caracerísicas posiivas esão mais presenes em relação ao álcool, droga socialmene aceia e que guarda pouca relação com consequências negaivas na percepção dos enrevisados, embora seja a de resulados mais problemáicos. Ao passo que a maconha, droMódulo Drogas e Sociedade
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Unidade 2
ga ilegal, é avaliada como negaiva em vários aspecos como já vimos acima. As resposas relacionadas à caegoria “disponibilidade” é uma caegoria que coloca as duas subsâncias em lados oposos, dado o saus legal diferenciado de ambas. 9% referiu a disponibilidade como causa para usar maconha; diferene dos 33% relacionado ao álcool. Campanhas relacionadas ao uso e aos usuários de drogas no Brasil e mundo afora êm sido veiculadas com objeivo de enfrenar o esigma e de garanir os direios das pessoas que usam drogas. A Organização das Nações Unidas veiculou em 2009 uma série de vídeos conra o esigma e o preconceio dirigido a alguns grupos populacionais e que incluiu usuários de drogas. Os vídeos esão disponíveis na inerne e enfaizam a ideia de que as pessoas que usam drogas são cidadãos. Da mesma forma, organizações não-governamenais ambém advogam pelo respeio aos direios das pessoas que usam drogas. Na Inglaerra, a Organização Não Governamenal (ONG) Release veicula uma campanha iniulada “Pessoas legais usam drogas” ( Nice people take drugs) para reduzir o esigma associado às pessoas que usam drogas e que orna quase impossível haver um debae razoável sobre o ema. Link Veja o que a campanha contra o preconceito e o estigma que a ONG inglesa Release: Leia mais em: hp://bit.ly/1mT891H.
No Brasil exisem algumas iniciaivas de ONG que em rabalhado em direção semelhane. A ONG Viva Rio veiculou uma campanha com foco na mudança da lei de drogas, cujo argumeno cenral é o uso de drogas, especialmene na indisinção do usuário e do raficane de acordo com a lei de drogas brasileira (BRASIL, 2006).
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Link A ONG Viva Rio brasileira veicula esta campanha na internet, pedindo alterações na Lei de Drogas: hp:// bit.ly/1evuyhg.
A lei em quesão é a n. 11.343/2006. Ela insiui o Sisema Nacional de Políicas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, aenção e reinserção social de usuários e dependenes de drogas; esabelece normas para repressão à produção não auorizada e ao ráfico ilício de drogas; define crimes e dá ouras providências. Saiba Mais Conheça a Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006 na íntegra, acessando o endereço: hp://bit.ly/Mba2eR.
O esudo das represenações sociais da mídia sobre o ema ambém conribui para análise mais ampla do fenômeno. Sanos et al. (2012) analisaram maérias veiculadas em jornais pernambucanos sobre o crack. O crack – e consequenemene o seu consumo “inconrolável”– foi vinculado à dependência, fissura e more. Desa forma, esabelece-se uma classe única de pessoas que usam crack: os dependenes. Concordamos com Medeiros (2010) quando diz que: “é muio difícil perfilar o grupo usuário de crack” (p. 182). Prova diso é que já exisem relaos de uso conrolado de crack (OLIVEIRA E NAPPO, 2008), em bora em número limiado. As duas casas legislaivas nacionais, Câmara Federal e Senado da República, são, ambém, locais em que ese ema esá sendo debaido, devido à proposa de aleração da Lei brasileira sobre drogas. Os de baes e voações relacionados ao uso e às pessoas que usam drogas ilícias refleem e projeam as compreensões sobre ese fenômeno na sociedade. Por oporuno, foram compiladas algumas frases proferidas Módulo Drogas e Sociedade
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por depuados e depuadas federais para comenar aspecos considerados relevanes. 1) “A internação involuntária é, sem dúvida nenhuma, uma saída para várias famílias que estão em situação de risco, porque o usuário está colocando todo mundo em risco. (…) A única alternativa aprovar uma nova política para o combate às drogas. Quem não quiser continue de fendendo os drogados e os craqueiros da vida.” (Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá durante a sessão número 133 de 2013 da Câmara dos Deputados, realizada no dia 22 de maio de 2013 e que debateu o Projeto de Lei n. 7663/2010).
Reflexão Em relação ao usuário, há, supostamente, uma causalidade cristalina entre ser usuário de drogas e colocar a família em risco. Será que este raciocínio é aplicável a todas as pessoas que usam drogas? Por outro lado, se alguém se opõe à aprovação de uma nova política, está defendendo os “drogados” e “craqueiros”. A pergunta que pode ser feita é: os “drogados” e “craqueiros” deixam de ter direitos por usarem drogas? 2) “Há drogas lícitas que fazem mal, como o álcool. Há pessoas que fazem uso do álcool e têm problemas; outros não têm. Há pessoas que fumam e têm problemas e há os que fumam e não têm problemas. Logo, há usuários de drogas lícitas e ilícitas sem problemas e usuários de drogas lícitas e ilícitas com problemas” (Deputado Federal Paulo Teixeira, durante a sessão número 133 de 2013 da Câmara dos Deputados, realizada no dia 22 de maio de 2013 e que debateu o Projeto de Lei 7663/2010).
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Reflexão Como abordado na Unidade anterior, o cerne desta intervenção é a avaliação de que existem diferentes padrões de consumo de qualquer substância, seja ela lícita ou ilícita, conforme prevê a Organização Mundial da Saúde (OMS). Orientação muito diferente do que se percebe nos debates relacionados ao crack, onde a partir da primeira pedra, segundo a percepção equivocada do senso comum, instala-se a dependência. Oliveira e Nappo (2008) mostraram que esta tese não se confirma. 3) “(...) Não podemos ficar perdendo tempo aqui, porque na verdade nós queremos acabar com as drogas (...)” (Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá durante a sessão n. 133 de 2013 da Câmara dos Deputados, realizada no dia 22 de maio de 2013 e que debateu o Projeto de Lei n. 7663/2010).
A posição de querer acabar com as drogas é reórica. Embora seja um discurso convincene, não enconra base na realidade, pois hisoricamene, como viso na unidade anerior, a humanidade sempre as uilizou. 4) “(...) Temos 50 mil homicídios ao ano no Brasil. Isso significa 35 mil envolvimentos desses homicídios diretamente com as drogas. Isso significa 4 homicídios por hora. Nós estamos há 8 horas discutindo este projeto, ou seja, cerca de 30 pessoas neste País já morreram com envolvimento, venda ou consumo de drogas(...)” (Deputada Federal Rosane Ferreira durante a sessão n. 133 de 2013 da Câmara dos Deputados, realizada no dia 22 de maio de 2013 e que debateu o Projeto de Lei n. 7663/2010).
Novamene aparece a suposa causalidade enre consumo de drogas e a ocorrência de crimes. Desa vez, apoiada em esaísicas desconexualizadas.
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As discussões aponadas acima conribuem para consruir uma visão aualmene defendida por uma pare da sociedade (como vimos aneriormene) onde odas as pessoas que usam drogas são criminosas, desconroladas, perigosas e que precisam ser inernadas involunária ou compulsoriamene. Não raro, qualquer pono de visa conrário a esa compreensão - independenemene dos argumenos uilizados -, ou que incorpore ambém ouros elemenos nesa discussão (ouras formas de cuidado, garania de direios humanos fundamenais para ese grupo populacional - moradia, educação, renda, lazer) são desconsideradas sob jusificaivas emocionais e/ou carenes de base concrea. Uma reflexão geral é possível de ocorrer nesa siuação. Por um lado, há uma clara fusão de dois elemenos: pessoa que consome droga (ilícia) e subsância ilícia. Como consequência, desumaniza-se a pessoa que usa droga ilícia, ornando possível assumir um mandao inegral para “omar cona” da siuação em nome deses. Reduzir uma pessoa que consome drogas ilícias à subsância que ela consome é perigoso sob qualquer aspeco que se analise esa ação. Suspendem-se caracerísicas humanas devido a um deerminado comporameno, desconsiderando que a caracerísica que aproxima odos os seres humanos é a diversidade e não a uniformidade.
O que parece exisir é uma indução à desumanização das pessoas que usam drogas. Os argumenos de que “eles não conseguem disinguir o cero do errado” ou “eles não em mais vonade própria” os aproxima de animais desprovidos de direios, de desejos, de inenções e de sofrimeno. Ou seja, suspende-se, de um grupo humano específico, caracerísicas universais de odos os seres humanos, para orná-los, por assim concluir, “menos humanos”. Desa forma, jusifica-se a im44
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planação de proposições de grupos governamenais e não-governamenais que se baseiam na violação de direios humanos dese grupo, que deixou de er eses direios garanidos. Toda esa gama complexa de relações e opiniões sobre o consumo de drogas e dos usuários de drogas ambém se apresena quando o ema do cuidado ou da forma de raar esas pessoas é discuido. Mas anes de enrarmos no raameno, é necessário fazer algumas relações so bre o que vimos acima e o coidiano dos serviços de saúde. Os profissionais que fazem pare das equipes dos serviços de saúde menal da Rede Aenção Psicossocial (RAPS) podem comungar ou não, a depender de suas preferências pessoais, com os resulados das pesquisas que foram apresenadas. No enano, é indispensável reconhecer que esse julgameno pode influenciar decisivamene a relação do usuário com ese profissional e com o serviço de uma forma geral. Reflexão Dependendo da substância utilizada, a disposição do serviço e da equipe é diferenciada? Concretamente falando, uma pessoa alcoolista é mais bem tratada do que uma pessoa que usa crack? Isto se dá mais por conta das características pessoais apresentadas por cada um ou o fato de uma pessoa utilizar uma droga lícita e a outra, ilícita, também influencia na forma como estas duas pessoas que buscaram auxílio são atendidas? As representações sociais dos profissionais que compõem a equipe e que formam a identidade institucional dos serviços, podem se constituir como barreira de acesso à utilização dos serviços? É possível que os serviços “escolham” seus usuários a partir das características da equipe que compõe um determinado ponto de atenção da RAPS em detrimento da “cobertura universal”? De que maneira estas ações podem contribuir para a produção de estigma, em vez de confrontá-lo?
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Todas as quesões acima mencionadas, e anas ouras, fazem pare do coidiano dos serviços e da auação dos profissionais que compõem a equipe. Trazidas em forma de provocação podem ser discuidas a parir da realidade dos serviços onde se aua, no senido de conribuir ao aperfeiçoameno da função e do perfil do serviço onde se rabalha. É imporane avaliar de forma conínua a aiude do serviço frene sua responsabilidade éica e écnica de prover serviços de saúde às pessoas que usam drogas.
2.2.1. Representações sociais sobre o cuidado a pessoas que usam substâncias psicoativas A expressão “pessoas que usam drogas” exige que as discussões, sejam elas clínicas ou de formulação de políicas de saúde, incorporem a dimensão do humano e da garania de direios. Não se pode, de maneira nenhuma, orná-las invisíveis, reféns de inervenções auoriárias ou resringir sua paricipação na consrução de esraégias de saúde relaivas a sua siuação.
Diane dessa siuação, é preciso reomar a recomendação de que cada caso é um caso. Essa simples e básica definição nos coloca de vola a um paamar de escuar, acolher e avaliar cada pessoa que em necessidades de saúde relacionada ao consumo de drogas. E, cada vez mais, é imporane que enhamos a clara noção de que esamos nos referindo a pessoas. A pessoas que usam drogas.
Dando consequência à compreensão de que cada caso é um caso, é adequado imaginar que a condução de cada caso em que ser diferenciada. Nos úlimos anos, a compreensão de que a “quesão das drogas” ou da “dependência de drogas” é um fenômeno complexo e de que não exise
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saída única em sido vocalizada mais frequenemene. Ou seja, é feia a críica ao oferecimeno de uma inervenção padrão – geralmene, a inernação – para odas as pessoas. Ese ipo de enendimeno não faz senido pelo simples fao de que cada pessoa carrega em si caracerísicas únicas e singulares e que devem fazer pare indissociável do planejameno de qualquer ação de cuidado. Toda e qualquer inervenção pré-concebida, baseada no conhecimeno do profissional ou no perfil do serviço de saúde, ou sem conao com a hisória e o proagonismo dos usuários, deixa de levar em consideração elemenos fundamenais para a elaboração - e sucesso - do próprio projeo erapêuico. É ineressane observar que, de um lado, o consumo e os consumidores de drogas esão comumene associados a ideias negaivas (crime, vício e ouros). Do ouro, o apoio à inernação involunária ou compulsória como forma ideal de cuidar é imenso (MARINHEIRO, 2012). Em verdade, am bas as avaliações são limiadas e aponam para soluções que combinam segregação da diferença e fanasia da resposa-única-universal. No enano, ano as direrizes políicas inernacionais e brasileiras do cuidado em saúde das pessoas que usam drogas quano o coidiano clínico dos serviços de aendimeno rechaçam eses reducionismos perigosos. Inernacionalmene, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Escriório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC/ WHO, 2008), a Organização Panamericana da Saúde (OPAS/ OMS, 1990, 2005, 2010) e a Organização dos Esados Americanos (OEA, 2013), em documenos oficiais, expliciam a complexidade desas quesões e consequenemene ampliam as possibilidades de inervenção. No âm bio nacional, a políica específica do Minisério da Saúde (BRASIL, 2004a) para o cuidado das pessoas que usam drogas, publicações écnicas relacionadas ao funcionameno dos CAPS (BRASIL, 2004b) e as porarias que insiuíram planos de ação sobre o ema (BRASIL, 2009) e que regem o funcionameno dos serviços de Aenção Psicossocial no Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011) caminham na direção oposa à simplificação desa siuação.
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A diversifi diversificaç cação ão do perfil dos servi serviços ços de saúd saúdee e de suas finalidades convocam jusamene ao rabalho conjuno, em rede, para auar em benefício das pessoas que usam drogas. Aé porque, porque, se exis exisee apena apenass uma alernaiva alernaiva e ela falh falhar, ar, não há o que fazer ou repee-se a mesma inervenção. Porém, se se pode conar com vários recursos, as possibilidades de cuidado e de sucesso aumenam. Por isso, é necessário avaliar adequadamene a implemenação dos serviços previsos na RAPS, como Cenros de Aenção Psicossocial, as Unidades de Acolhimeno, os Consulórios na Rua, as Equipes de Saúde da Família, os Leios em Hospial Geral, os Núcleos de Apoio à Saúde da Família, enre ouros. As crenças e valores de como cuidar de pessoas que usam drogas, e de uma forma geral das pessoas com sofrimeno menal, ainda sofrem influências de deerminados modos de pensar que valorizam a medicalização, a inernação, denre ouras esraégias possíveis. Exemplos desa realidade esão explícios no rabalho de Lucchese e al (2009), quando, ao enrevisar um profissional da aenção básica, ouviu “O aendimeno na área de saúde menal feio na unidade acaba se resringindo à medicalização...” (p.2036), raduzindo uma forma de d e cuidar. Imporane noar ambém, que no mesmo arigo, agenes comuniários de saúde disseram: “Tem um sinoma diferene do ouro. Nenhum é igual. Assim como odos nós... a gene em as nossas diferenças. A gene em que rabalhar com diferenças” (p.2039) e ambém “... Eu chego na casa dela, começo a conversar com ela, assuno que não em nada a ver, às vezes aé sobre o quinal, da casa dela, algum assuno, de repene ela á sorrindo e passa aquela agressividade” (p.2039). (p.2039).
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Reflexão O reflexo clínico da proposição de diversificação de respostas se dá no cotidiano do cuidado destas pessoas. Por exemplo: quantas vezes já ouvimos que o fulano foi internado 8 vezes e voltou a usar drogas? Em quantos momentos percebemos que o usuário sob nosso cuidado necessita de uma intervenção que o nosso serviço não oferece? Qualquer prossional que
trabalha na ponta já se fez estas perguntas. Por outro lado, o contrário também é recorrente. Quantas vezes
encaminhamos um usuário para outro serviço antes mesmo de conhecê-lo?
De uma maneira geral, exise uma avaliação majoriária da sociedade de que a inernação volunária ou involunária, das pessoas que usam crack, soluciona imediaamene o problema. O apoio a esa forforma de raar é maciço, segundo pesquisa do Daafolha realizada em 2012 (MARINHEIRO, 2012). Revela-se Revela-se um raço de uma sociedade que busca resposas rápidas mescladas com uma fanasia fanasia de que a ausência do campo de visão faz com que o problema passe à inexisência ou, pelo menos, a não incomodar o seu coidiano. É necessário enender que a inernação pode e serve como alernaiva imporane para os casos muio graves, que coloquem em risco a vida do usuário ou de erceiros. E pode ser a possibilidade viável do início de um rabalho erapêuico. Ou seja, a inernação, quando jusificada, deve aconecer. Deve fazer pare das possibilidades da rede de aenção. Só não pode ser a regra geral para odos os casos, pois desse modo configura-se como “a” alernaiva, o que não é correo para nenhuma subsância psicoaiva, seja lícia ou ilícia.
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Reflexão Da mesma forma que as alternativas sanitárias são múltiplas, os resultados esperados a partir delas são diversos, consequentemente. A abstinência é apenas um deles, apesar de ser considerado como o principal resultado a ser buscado. No entanto, como esperado, as respostas aos tratamentos variam de pessoa para pessoa e as taxas de abstinência prolongada não são altas (MARSDEN et al. 2009). Neste sentido, é fundamental que sejam considerados como “sucesso no trat ratamento” outras características, além da interrupção do consumo de drogas.
Por exemplo, se associamos ouros marcadores como funcionameno social e pessoal, riscos de segurança e saúde pública, proposos pela Organização Mundial da Saúde, a avaliação dos resulados do raameno ceramene fica mais complexa, mas, ao mesmo empo, mais ampla. O raameno pode ser considerado como bem sucedido mesmo se o consumo se maném no mesmo nível ou reduzido. Exemplos: se o usuário coninua indo ao serviço de saúde mesmo se há mudança na via de adminisração da droga (de injeada para fumada), se reomou vínculos com pessoas afeivamene imporanes, se é possível volar a esudar ou rabalhar. Em odas esas siuações, compreende-se que a pessoa que usa drogas, progride em ouros domínios da vida, aumenando sua qualidade de vida. A relação desas reflexões com o coidiano dos serviços pode ser realizada a parir de algumas quesões: diversidade de serviços e acolhimeno, adesão ao raameno, sucesso no raameno. A diversidade de serviços pode ser ano na composição da rede, quano, por exemplo, na ofera de diferenes aividades no mesmo serviço. Em verdade, a diversidade de ponos de aenção de uma rede (e num mesmo serviço) é caracerísica fundamenal para cumprir o papel de acolher o usuário e oferecer resposas às suas demandas.
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A parir desa premissa, o desafio seguine é criar ambiene que favoreça a adesão do usuário. É imporane chamar a aenção para o efeio das possíveis disorções enre as demandas dos usuários e as resposas produzidas pelos serviços. Por exemplo, se um serviço funciona preconizando apenas a lógica da absinência, como proporcionar a adesão de um usuário que não esá em condições de aender a esa exigência? Nese caso, se o usuário não vola ao serviço, é possível concluir que o serviço não aderiu às necessidades do usuário, e não o conrário. É crucial, numa siuação como esa, analisar os impacos negaivos profundos desa forma de organizar o serviço, que serve mais à resrição do acesso e a uma compreensão de que as regras de organização do serviço são mais imporanes que as demandas dos usuários. A aposa deve ser na direção conrária, de adapar as esraégias de cuidado às necessidades da população a ser aendida. Inervenções desenvolvidas para pessoas em siuação de rua, onde os profissionais são desafiados em cada conao a repensar suas práicas, são exemplos ineressanes dese enendimeno. A aposa nas inervenções de saúde pública para lidar com o consumo de drogas e suas consequências é vial para, primeiramene, ampliar o acesso aos serviços de saúde e ornar concrea a disposição consiucional de que saúde é um direio de odos. O enendimeno de que a ênfase deve ser dada no aprofundameno da garania de direios – à saúde, enre anos ouros – é deerminane para superar a lógica do encarcerameno e da exclusão como forma de lidar com o ema. Quano mais desafios o consumo de drogas colocar ao seor saúde (profissionais de saúde, serviços, gesores, usuários, familiares), mais será necessária a ariculação para susenar o compromisso éico de garanir o cuidado de qualidade. Ese enendimeno é comparilhado pela UNODC (2010), em documeno iniulado “Da coerção à coesão”. Em derimeno das sanções judiciais aplicadas ao consumo de drogas, luar odos os dias para garanir direios às pessoas que usam drogas. Direio à saúde, ao rabalho, à moradia, à educação, ao lazer, garanir
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odos os direios humanos. Esa compreensão nos remee imediaamene à limiação do alcance das inervenções específicas de saúde para o consumo de drogas e nos remee à necessidade da ariculação com ouros serviços, políicas sociais e poderes consiuídos. Porque, na verdade, a ausência de garania de direios perpeua um circuio fechado vulnerabilidade droga vulnerabilidade, impedindo que a sociedade seja mais coesa éica e socialmene. →
→
A proposa de responsabilização coleiva sobre ese ema esá refleida no íulo da IV Conferência Nacional de Saúde Menal Inerseorial, realizada em 2010. Seu relaório final (BRASIL, 2011), apona a imprescindibilidade da ariculação de diferenes políicas sociais e de Esado no senido de garanir não só o cuidado às pessoas que usam drogas, mas primeiramene sua cidadania. A garania de direios dese grupo populacional não reside somene nos serviços de saúde, mas em odos os campos.
�.�. R Na unidade recém encerrada, foram abordadas várias quesões fundamenais sobre o uso de subsâncias psicoaivas, sobre as pessoas que usam esas subsâncias e ambém sobre as formas de raameno para esas pessoas. As maneiras que os diversos agrupamenos da sociedade brasileira compreendem esas quesões esão inimamene ligadas às suas percepções pessoais e ao conexo hisórico que esamos vivendo. Esas conexões influenciam e são influenciadas pela mídia, pela segurança pública, pela legislação vigene sobre o ema, enre ouras. De uma forma geral, a opinião majoriária no Brasil é conservadora (apoio à Guerra às Drogas e à inernação compulsória) e, não raro, disane da realidade e de soluções racionais para os assunos relacionados ao ema das subsâncias psicoaivas.
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Chamo sua aenção para algumas observações: Uso de subsâncias psicoaivas – conhecido e reconhecido em odos os momenos da humanidade. Subsâncias psicoaivas foram, são e serão consumidas por diferenes pessoas, em diferenes momenos para aingir objeivos diferenes. Não exise padrão único de consumo de subsâncias psicoaivas. A experimenação não leva necessariamene à dependência. Pessoas que usam subsâncias psicoaivas – subsâncias psicoaivas são consumidas por pessoas de odas as camadas sociais. A vinculação do consumo de subsâncias psicoaivas a parcelas específicas da sociedade (pessoas em siuação de rua, negros, jovens, moradores da periferia) gera esigmaização e/ou criminalização, inerferindo gravemene na garania de direios humanos fundamenais (acesso à saúde, por exemplo). Formas de raameno para pessoas que usam drogas - não exise saída única para as diferenes demandas de saúde que podem ser consequência do consumo de subsâncias psicoaivas (cada caso é um caso). As inervenções saniárias devem esar em sinonia com as demandas das pessoas que procuraram o serviço de saúde. O sucesso do raameno pode e deve ser avaliado a parir de diversos campos (inerrupção ou redução do consumo de drogas, reomada de laços afeivos com pessoas significaivas, vola ao rabalho/escola). Inervenções inerseoriais (educação, rabalho, lazer, moradia) conribuem de forma decisiva para formular aividades inegradas e poencializam a garania de direios humanos das pessoas que usam drogas.
�.�. L MACRAE, E; TAVARES LA & NUÑEZ, MA (Orgs). Crack: conexos, padrões e propósios de uso. Coleção Drogas: Clínica e Culura. Salvador: CETAD/EDUFBA, 2013. SILVEIRA, DX & MOREIRA, FG (Orgs). Panorama Atual de Drogas e Dependências. São Paulo: Aheneu, 2006. Módulo Drogas e Sociedade
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E Chegamos, assim, ao final do primeiro módulo de nosso curso. Achamos de suma imporância colocar, nese momeno, quesões que norearão muias das discussões que se seguirão, a parir de um pono de visa hisórico. A sociedade nos faz ver, por meio da hisória, que o uso e abuso de subsâncias não podem ser caracerizados como fenômenos esranhos aos grupos sociais. Ao conrário, em odas as sociedades conhecidas, da aniguidade aos dias auais, o consumo de subsâncias psicoaivas esá presene, omando diferenes formas culurais, apresenando-se de diferenes maneiras e causando diversas inerpreações. Os componenes negaivos dos impacos causados, enreano, propicia que o fenômeno seja analisado como se represenasse, em deerminados momenos, a eclosão de uma epidemia. Com isso, mios se insalam e, de acordo com as eorias explicaivas dominanes, levam a represenações incompaíveis com a realidade. Como vimos as represenações da pessoa que usa drogas, do fenômeno como um odo e do cuidado para com esas pessoas, mosram-se como componenes de um sisema ideológico pleno de conradições. A dialéica desse sisema conexualiza a emergência de opiniões, aiudes e demandas que ainge, envolve e desafia o profissional de saúde, um dos seores que se envolve mais direamene com o fenômeno do consumo de subsâncias. Ese profissional não pode se deixar levar simplesmene pelas represenações sociais que se engendram no seio de miologias e jogos de ineresse, mas deve preservar sua visão de forma a conemplar diferenes perspecivas, olhares e saberes e daí alimenar sua práxis. Ese é o espírio da discussão que aqui desejamos iniciar. É a esse profissional, alvo de anos desejos, dispuados por poderes e insiuições, que nos dirigimos para propor, inicialmene, uma aberura, uma posura críica e uma firme disposição de exercer uma práxis orienada por
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reflexões enriquecidas pelo conhecimeno enconrado nas diversas áreas do saber. Nossa ambição é que, dessa forma, ese módulo lance as bases para um curso que se caracerize como pare de um processo de formação de cunho amplo, críico e reflexivo, quebrando paradigmas, superando obsáculos ao avanço no esudo do fenômeno do uso e abuso de drogas na sociedade conemporânea. Walter Ferreira de Oliveira Henrique Carneiro
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M Walter Ferreira de Oliveira (Organizador) Professor da Universidade Federal de Sana Caarina (UFSC), coordenador do Mesrado Profissional em Saúde Menal e Aenção Psicossocial da UFSC, Líder do Grupo de Pesquisas em Políicas de Saúde / Saúde Menal (GPPS), parecerisa de várias revisas cieníficas. Graduado em Medicina pela Escola de Medicina e Cirurgia, da Federação das Escolas Federais Isoladas do Esado do Rio de Janeiro - FEFIERJ, aual Universidade Federal do Esado do Rio de Janeiro - UniRio (1976), Mesrado em Public Healh - MPH, Universiy of Minnesoa (1989) e Docor of Philosophy (Ph.D.), Social and Philosophical Foundaions of Educaion Program - Universiy of Minnesoa (1994). Presidene da Associação Brasileira de Saúde Menal - Abrasme 2009-2010 e mem bro da aual Direoria 2011-12. Edior cienífico da revisa Cadernos Brasileiros de Saúde Menal. Membro do GT sobre Hospiais de Cusódia da Procuradoria Federal de Direios do Cidadão. Coordenador do GT em Desinsiucionalizaçao do Conselho Esadual de Saúde do Esado de Sana Caarina. Conselheiro de Saúde de Florianópolis, mem bro eleio da Câmara Técnica e membro da Comissão de Saúde Menal do Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis; Coordenador dos projeos de exensão Humanizare e Terapeuas da Alegria - UFSC. Endereço do currículo na plaaforma lates: htp://lates.cnpq.br/7164075918880484
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Henrique Soares Carneiro (Organizador, Autor Unidade 1) É professor de Hisória Moderna da Universidade de São Paulo. Foi professor de Hisória do Brasil República, na Universidade Federal de Ouro Preo. Possui mesrado e douorado em Hisória Social pela Faculdade de Filosofia Leras e Ciências Humanas (1997). Tem experiência na área de Hisória, onde leciona e desenvolve pesquisas em Hisória da Alimenação, das Bebidas e das Drogas. Endereço do currículo na plaaforma lates: htp://lates.cnpq.br/1889629676409557
Francisco Cordeiro (Autor Unidade 2) Formado em Psicologia em 1995 pela Universidade Federal de Rondônia; mesre em Saúde Pública e Uso de Álcool e ouras Drogas pela Universidade de Londres e douorando em psiquiaria na Universidade Federal de São Paulo. Trabalhou em gesão municipal e esadual na área de saúde menal. Foi assessor écnico da coordenação de saúde menal, álcool e ouras drogas do Minisério da Saúde de 2003 aé 2012. É consulor nacional de saúde menal na OPAS/OMS no Brasil desde fevereiro de 2012.
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