CAPÍTULO 20 – DÉBITO CARDÍACO, RETORNO VENOSO E SUAS REGULAÇÕES O débito cardíaco é a quantidade de sangue bombeado para a aorta a cada minuto pelo coração. Também é a quantidade de sangue que flui pela circulação. O retorno venoso é a quantidade de sangue que flui das veias para o átrio direito a cada minuto. O retorno venoso e o débito cardíaco devem ser iguais. 1. VALORES NORMAIS PARA O DÉBITO CARDÍACO EM REPOUSO E DURANTE A ATIVIDADE Fig 20-1
O débito cardíaco varia de forma acentuada com o nível de atividade do corpo. Os seguintes fatores, entre outros, afetam diretamente o débito cardíaco: o nível basal do metabolismo corporal; se a pessoa está se exercitando; a idade da pessoa; e as dimensões do corpo. 2. CONTROLE DO DÉBITO CARDÍACO PELO RETORNO VENOSO – PAPEL DO MECANISMO DE FRANK-STARLING DO CORAÇÃO
Quando se diz que o débito cardíaco é controlado pelo retorno venoso, isso significa que não é o próprio coração normalmente o controlador principal do débito cardíaco. Os diversos fatores da circulação periférica que afetam o fluxo sanguíneo de retorno pelas veias para o coração, referido como retorno venoso, é que são os principais controladores. O coração apresenta um mecanismo intrínseco que, nas condições normais, permite que ele bombeie automaticamente toda e qualquer quantidade de sangue que flua das veias para o átrio direito (lei de Frenk-Starling do coração). Quando quantidades elevadas de sangue fluem para o coração, essa maior quantidade de sangue distende as paredes das câmaras cardíacas. Como resultado da distensão, o músculo cardíaco se contrai com mais força, fazendo com que seja ejetado todo o sangue adicional que entrou da circulação sistêmica. A distensão do coração faz com que seu bombeamento seja mais rápido, com frequência cardíaca maior (a distensão do nodo sinusal na parede do átrio direito tem efeito direto sobre a ritmicidade do próprio nodo, aumentando a frequência cardíaca). O átrio direito distendido desencadeia reflexo nervoso (reflexo de Bainbridge), que passa pelo centro vasomotor do encéfalo e volta ao coração pela via nervosa simpática e vagal, acelerando a frequência cardíaca. Na maioria das condições não estressantes usuais, o débito cardíaco é controlado de forma quase total pelos fatores periféricos que determinam o retorno venoso. 2.1. A REGULAÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO É A SOMA DAS REGULAÇÕES DO FLUXO SANGUÍNEO EM TODOS OS TECIDOS LOCAIS DO CORPO – O METABOLISMO TECIDUAL REGULA A MAIOR PARTE DO FLUXO SANGUÍNEO LOCAL Fig 20-2
Efeito da resistência periférica total sobre o nível do débito cardíaco a longo prazo. Fig 20-3 e 19-6 Em condições normais, o nível do débito cardíaco a longo prazo varia reciprocamente com as variações da resistência periférica total, enquanto a pressão arterial permanece a mesma (sem outras alterações da função circulatória). Quando a resistência periférica total aumenta acima da normal, o débito cardíaco diminui. Quando a resistência periférica total diminui, o débito cardíaco aumenta. 2.2. O CORAÇÃO TEM LIMITES PARA O DÉBITO CARDÍACO QUE PODE PRODUZIR Fig 20-4
Esses limites podem ser expressos, em termos quantitativos, na forma de curvas do débito cardíaco. O coração humano normal, funcionando sem qualquer estímulo especial, pode bombear quantidade de retorno venoso de até 2,5 vezes o retorno venoso normal, antes de passar a ser fator limitante no controle do débito cardíaco. As curvas mais superiores são para corações hipereficazes, que bombeiam melhor que o normal. As curvas mais inferiores são para os corações hipoeficazes, que bombeiam em níveis abaixo do normal.
Fatores que podem causar hipereficácia do coração: Efeito da excitação nervosa para aumentar o bombeamento cardíaco. A combinação de estimulação simpática e inibição parassimpática fazem 2 coisas para aumentar a eficácia do bombeamento cardíaco: aumento acentuado da frequência cardíaca, e aumento da força da contração cardíaca ( “contratilidade” aumentada).
Eficácia aumentada do bombeamento causada pela hipertrofia cardíaca. O aumento da carga a longo prazo, mas não excessivamente a ponto de lesar o coração, faz com que o músculo cardíaco aumente sua massa e força contrátil. Isso eleva o nível do platô da curva do débito cardíaco, permitindo que o coração bombeie quantidades muito maiores que a normal do débito cardíaco. Fatores que podem causar hipoeficácia do coração: Qualquer fator que diminua a capacidade do coração de bombear sangue: aumento da pressão arterial contra a qual o coração deve bombear, como na hipertensão; inibição da excitação nervosa do coração; fatores patológicos que causem ritmo cardíaco anormal ou frequência anormal dos batimentos cardíacos; obstrução da artéria coronária, causando “ataque cardíaco”; valvulopatia; cardiopatia congênita; miocardite, inflamação do músculo cardíaco; e hip óxia cardíaca. 2.3. O PAPEL DO SISTEMA NERVOSO NO CONTROLE DO DÉBITO CARDÍACO
A importância do sistema nervoso na manutenção da pressão arterial quando os vasos sanguíneos periféricos estão dilatados e o retorno venoso e o débito cardíaco aumentam. Fig 20-5 Ex.: Administração do fármaco dinitrofenol, que aumanta o metabolismo de praticamente todos os tecidos do corpo por aproximadamente 4 vezes (vasodilatação). Com o controle nervoso para impedir a queda da pressão arterial, a dilatação de todos os vasos sanguíneos periféricos quase não provocou qualquer alteração da pressão arterial, mas aumentou o débito cardíaco por quase 4 vezes. Depois do controle autonômico do sistema nervoso ter sido bloqueado, nenhum dos reflexos circulatórios normais para a manutenção da pressão arterial pôde atuar, o que causou queda acentuada da pressão arterial e o débito cardíaco só se elevou por 1,6 vez. Assim, a manutenção da pressão arterial normal por reflexos nervosos é essencial para se atingirem altos débitos cardíacos, quando os tecidos periféricos dilatam seus vasos para aumentar o retorno venoso. Efeito do sistema nervoso para aumentar a pressão arterial durante o exercício. Durante o exercício, o intenso aumento do metabolismo nos músculos esqueléticos ativos, relaxa as arteríolas (acesso do oxigênio e dos outros nutrientes necessários para manter a contração muscular). Isso diminui, de forma acentuada, a resistência periférica total, o que normalmente diminui também a pressão arterial, porém, o sistema nervoso a compensa de imediato. A mesma atividade ati vidade encefálica que envia sin ais motores para os músculos, envia sinais para os centros nervosos autonômicos do encéfalo, para estimular a atividade circulatória, causando a
constrição das veias maiores, aumentando a frequência cardíaca e aumentando a contratilidade do coração. A pressão arterial fica acima da normal e mais sangue flui pelos músculos ativos. 2.4. DÉBITO CARDÍACO AUMENTADO CAUSADO PELA REDUÇÃO DA RESISTÊNCIA PERIFÉRICA TOTAL Fig 20-6
Todas elas resultam da resistência periférica total cronicamente reduzida, que aumenta o retorno venoso e o débito cardíaco. Beribéri, insuficiência de vitamina B (diminuição da capacidade dos tecidos de utilizar alguns nutrientes celulares; vasodilatação periférica compensatória). Fístula arteriovenosa ou derivação arteriovenosa, fístula entre artéria e veia principais (quantidades enormes de sangue fluem diretamente da artéria para a veia; redução da resistência periférica total). Hipertireoidismo (o metabolismo do corpo fica aumentado; a utilização de oxigênio aumenta; produtos de vasodilatação são liberados pelos tecidos; redução da resistência periférica total). Anemia (viscosidade reduzida do sangue, resultante da concentração diminuída de eritrócitos; distribuição diminuída de oxigênio aos tecidos; vasodilatação local). 2.5. DÉBITO CARDÍACO BAIXO Fig 20-6
Débito cardíaco diminuído causado por fatores cardíacos. Toda vez que o coração é gravemente lesado, seu nível limitado de bombeamento pode cair abaixo do que é necessário para o fluxo adequado de sangue para os tecidos. Exemplos: bloqueio grave de vaso sanguíneo coronário e infarto subsequente do miocárdio; cardiopatia valvular grave; miocardite; tamponamento cardíaco; e distúrbios metabólicos cardíacos. Quando o débito cardíaco diminui muito, o que faz com que os tecidos do corpo comecem a ter deficiência nutricional, a condição é denominada choque cardiogênico. Diminuição do débito cardíaco causado por fatores periféricos não cardíacos – retorno venoso diminuído. Volume sanguíneo diminuído; dilatação venosa aguda; obstrução das veias maiores; massa tecidual diminuída, especialmente a massa de músculo esquelético; diminuição da atividade metabólica dos tecidos. Independente da causa do baixo débito cardíaco, ou por fator periférico ou fator cardíaco, se o débito cardíaco diminuir abaixo do nível necessário à nutrição adequada dos tecidos, diz-se que a pessoa tem choque circulatório. 2.6. ANÁLISE MAIS QUANTITATIVA DA REGULAÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO
É necessário distinguir separadamente os 2 fatores principais relacionados à regulação do débito cardíaco: a capacidade de bombeamento do coração, como representada pelas curvas de débito cardíaco; e os fatores periféricos que afetam o fluxo de sangue das veias para o coração, como representados pelas curvas de retorno venoso. Então, podem-se traçar essas curvas, de maneira quantitativa, no mesmo gráfico, para mostrar como interagem entre si para determinar o débito cardíaco, o retorno venoso e a pressão atrial direita ao mesmo tempo. 2.7. CURVAS DE DÉBITO CARDÍACO UTILIZADAS NA ANÁLISE QUANTITATIVA
Efeito da pressão externa fora do coração sobre as curvas do débito cardíaco. Fig 20-7 A pressão externa normal é igual à pressão intrapleural normal (pressão na cavidade torácica), que é de -4 mmHg. Fatores que podem alterar a pressão externa no coração e com isso desviar a curva do débito cardíaco: alterações cíclicas da pressão intrapleural durante a respiração; respiração contra pressão negativa; respiração com pressão positiva; abertura da caixa torácica; tamponamento cardíaco (acúmulo de grande quantidade de líquido na cavidade pericárdica, em torno do coração). Combinações dos padrões diferentes das curvas de débito cardíaco. Fig 20-8 A curva do débito cardíaco final pode se alterar como resultado das variações simultâneas da pressão cardíaca externa, e da eficácia do coração como bomba. 2.8. CURVAS DO RETORNO VENOSO
Curva do retorno venoso normal. Fig 20-9 A curva do retorno venoso relaciona o retorno venoso à pressão atrial direita. A curva do retorno venoso mostra que, quando a capacidade de bombeamento do coração é diminuída, fazendo com que com que se eleve a pressão atrial direita, a força dessa pressão sobre as veias diminui o retorno venoso. Ligeiro aumento da pressão atrial direita causa redução drástica do retorno venoso, pois a circulação sistêmica é bolsa distensível, assim, qualquer aumento da pressão retrógrada faz com que o sangue se acumule nessa bolsa em vez de retornar ao coração. Platô na curva de retorno venoso com pressões atriais negativas causadas pelo colapso das veias maiores. Esse platô é causado pelo colapso das veias que entram no tórax. A pressão negativa no átrio direito suga as paredes das veias, fazendo com que elas se juntem no ponto em que penetram no tórax, o que impede qualquer fluxo adicional de sangue das veias periféricas. Pressão média de enchimento circulatório e pressão média de enchimento sistêmico e seus efeitos no retorno venoso. Quando o bombeamento cardíaco é interrompido, o fluxo de sangue em qualquer parte da circulação cessa por poucos segundos. Sem o fluxo sanguíneo, as pressões em qualquer parte da circulação passam a ser iguais (pressão média de enchimento circulatório). Efeito da estimulação nervosa simpática da circulação sobre a pressão média de enchimento circulatório. A forte estimulação simpática contrai todos os vasos sanguíneos sistêmicos, como também os grandes vasos sanguíneos pulmonares e até mesmo as câmaras cardíacas. Portanto, a capacidade do sistema diminui, de modo que para cada nível de volume sanguíneo a pressão média de enchimento circulatório aumenta. A inibição completa do sistema nervoso simpático relaxa os vasos sanguíneos e o coração, diminuindo a pressão média de enchimento circulatório. Isso significa que mesmo leves variações do volume sanguíneo ou pequenas alterações da capacidade do sistema, causadas pelos vários níveis da atividade simpática, podem ter grandes efeitos sobre a pressão média de enchimento circulatório. Pressão média de enchimento sistêmico e sua relação com a pressão média de enchimento circulatório. A pressão média de enchimento sistêmico é a pressão medida em qualquer parte da circulação sistêmica, após o fluxo sanguíneo ter sido interrompido. Efeito sobre a curva de retorno venoso das alterações na pressão média de enchimento sistêmico. Fig 20-11 Quanto maior a pressão média de enchimento sistêmico, maior é a pressão atrial direita e o retorno venoso. Quanto menor a pressão média de enchimento sistêmico, menor é a pressão atrial direita e o retorno venoso.
“Gradiente de pressão para o retorno venoso” – quando é nulo, não há retorno venoso. Quanto maior a diferença entre a pressão média de enchimento sistêmico e a pressão atrial direita, maior será o retorno venoso. Portanto, a diferença entre essas duas pressões é referida como gradiente de pressão para o retorno venoso.
Resistência ao retorno venoso. Boa parte da resistência ao retorno venoso ocorre nas veias, embora parte ocorra também nas arteríolas e nas pequenas artérias. Quando a resistência nas veias aumenta o sangue começa a se acumular principalmente nas próprias veias. Porém a pressão venosa aumenta muito pouco e o fluxo de sangue no átrio direito diminui drasticamente. Pelo contrário, o mesmo acúmulo de sangue nas artérias aumenta muito a pressão (30 vezes mais que nas veias), e essa pressão elevada sobrepuja grande parte da resistência aumentada. Efeito da resistência ao retorno venoso sobre a curva de retorno venoso. Fig 20-12 e 20-13 A diminuição para a metade da normal dessa resistência permite 2 vezes mais fluxo de sangue. O aumento da resistência para o dobro da normal gira a curva para baixo com inclinação de metade da normal. Quando a pressão atrial direita se eleva até se igualar à pressão média de enchimento sistêmico, o retorno venoso é nulo (não existe gradiente de pressão que cause fluxo de sangue). 2.9. ANÁLISE DO DÉBITO CARDÍACO E DA PRESSÃO ATRIAL DIREITA UTILIZANDO SIMULTANEAMENTE AS CURVAS DO DÉBITO CARDÍACO E DO RETORNO VENOSO Fig 20-14
Na circulação normal, a pressão atrial direita, o débito cardíaco e o retorno venoso são todos descritos pelo ponto A (ponto de equilíbrio) com valor normal do débito cardíaco de 5 L/min e a pressão atrial direita de 0 mmHg (a pressão atrial é a mesma para o coração e para a circulação sistêmica).
Efeito do volume sanguíneo aumentado sobre o débito cardíaco. Fig 20-14 Imediatamente após a infusão de grande quantidade de sangue adicional, o enchimento aumentado do sistema faz com que a pressão média de enchimento sistêmico aumente. Ao mesmo tempo, o volume de sangue aumentado distende os vasos sanguíneos, reduzindo, assim, sua resistência ao retorno venoso. Efeitos compensatórios adicionais produzidos em resposta ao volume sanguíneo aumentado. O débito cardíaco aumentado aumenta a pressão capilar, de modo que o líquido começa a transudar dos capilares para os tecidos. A pressão aumentada nas veias faz com que elas continuem a se distender, gradativamente (relaxamento por estresse), fazendo com que os reservatórios de sangue venoso (o fígado e o baço) se distendam, reduzindo a pressão sistêmica média. O excesso de fluxo sanguíneo pelos tecidos periféricos causa aumento autorregulatório da resistência periférica vascular, aumentando a resistência ao retorno venoso. Efeito da estimulação simpática sobre o débito cardíaco. Fig 20-15 Faz o coração ser uma bomba mais potente. Na circulação sistêmica, aumenta a pressão média de enchimento sistêmico, em virtude da contração dos vasos periféricos, especialmente as veias, e aumenta a resistência ao retorno venoso. A estimulação simpática máxima (curvas verdes da figura) aumenta a pressão média de enchimento sistêmico e aumenta a eficácia do bombeamento do coração. Como resultado, o débito cardíaco aumenta e, apesar disso, a pressão atrial direita quase não se altera. Assim, os diferentes graus de estimulação simpática podem aumentar, progressivamente, o débito cardíaco por períodos curtos, até que outros efeitos compensatórios ocorram (segundos ou minutos). Efeito da inibição simpática sobre o débito cardíaco. Fig 20-16 A pressão média de enchimento sistêmico cai e a eficácia do coração como bomba diminui. Efeito da abertura de grande fístula arteriovenosa. Fig 20-16 Abertura direta entre artéria e veia de grades calibres. Imediatamente após a abertura de grande fístula, grande diminuição da resistência ao retorno venoso (o sangue pode fluir, quase sem qualquer impedimento diretamente das grandes artérias para o sistema venoso, evitando muitos dos elementos de resistência da circulação periférica). Aumento do débito cardíaco, pois diminui a resistência periférica e permite a redução aguda da pressão arterial, contra a qual o coração pode bombear com maior facilidade.