me!- diz o camaleão de cada vez que levanta e poisa a mão ou pé nalgum sítio, no seu passo vacilante."
Nirvana Autor: Jorge Viegas Moçambique in "Vozes Poéticas da Lusofonia", Sintra 1999 Ser como uma arvore na paisagem, Existir, existir sem sofrimento. Buscar na placidez o alimento, Tornar menos pesada a minha imagem. Estar, mas num estar que é viagem. Iluminar o sol, esporear o vento, deixar adormecer o pensamento, Não haver marcas da minha passagem. Esboroar-me na terra humilde e fria Sem o suor negro da melancolia A orlar-me a testa, a inundar-me os nervos. Poeta que não sou, vida que não tive Permiti que o sono que em mim vive Se torne o mais humilde dos meus servos.
Isto é Que Fazem de Nós Autor: Armenio Vieira Ilha de Santiago, Cabo Verde, 29/1/1941 Isto! E perguntam-nos: - sois homens? Respondemos: - animais de capoeira.
Dizem-nos: - bom dia. Pensamos: lá fora... Isto é que fazem de nós quando nos inquirem: - estais vivos? E em nós as galinhas respondem: - dormimos.
Poema Autor: Arménio Vieira Praia, Santiago, Cabo Verde 19411962 Mar! Mar! Mar! Mar! Quem sentiu mar? Não o mar azul de caravelas ao largo e marinheiros valentes Não o mar de todos os ruídos de ondas que estalam na praia Não o mar salgado dos pássaros marinhos de conchas areias e algas do mar Mar!
Raiva-angústia de revolta contida Mar! Siléncio-espuma de lábios sangrados e dentes partidos Mar! do não-repartido e do sonho afrontado Mar! Quem sentiu mar?
Sofrimentos Autor> Carlos-Edmilson M. Vieira Guinéu-Bissau in "Um Cabaz de Amores", Éd. Nouvelles du Sud, Ivry-sur-Seine, 1998 A dor que em mim mora não é o mal no meu corpo carne destinada à terra húmida última guardiã do sofrimento pois esse já fiz oferenda ao mais Homem de todos os Homens mumificado pela injustiça humana que estrangula o nosso ser a dor que em mim mora é a que vi em Bissau
é a que viveram na travessia para Dakar é a que viveram na travessia para Cabo Verde é a que vejo no corpo dos outros MESMO
Coqueiro Autor: Tomaz Vieira da Cruz Angola Ali, na rua do Carmo um coqueiro ficou abandonado quando destruiram a casa velha a que deu sombra. E onde um par enamorado teve sonhos de Amor, nesse pedaco de Luanda antiga agora modernizada. E o coqueiro ligado ah terra, tombado na direcção da Rua da Pedreira, como filho nos maternos bracos ali ficou. Talvez para saudar alguem que muito sofreu e amou... Mas tudo acaba e o tempo tudo anda a destruir, - porque tudo é passageiro, quando se vive a mentir. Oh pincelada verde na cidade, ruina e gotica coluna
de marmore verde... Morre, coqueiro morre, Antes que os homens, tao maus, cometam a crueldade de te expulsar e matar. Morre de pura saudade... E perdoa, mas sofre como um homem, coqueiro das verdes palmas, porque tudo, afinal, na vida, é triste quando se matam almas...
Fruta Autor: Tomaz Vieira da Cruz Angol Quitanda de fruta verde, da-me um gomo de laranja para matar a sede. Ou, então, será melhor dar-me um veneno qualquer porque eu ando perturbado e o meu sonho anda queimado por uns olhos de mulher! - Minha senhora, laranja, limao, fresquinho, caju, ananas ou abacate!... E a quintandeira passou, saudavel, viva, graciosa, com uma flor desfolhada no seu sorriso escarlate.
E no ar um som de musica ficou e um perfume de fruta que não matou minha sede Oh agri-doce quitanda da fruta verde!...
N'gola - Flor de Bronze Autor : Tomaz Vieira da Cruz Angola Filha de branco que morreu na guerra e de uma preta linda do Libolo, o teu olhar ate de noite encerra todo o luar das lendas do Catolo! Oh flor estranha! já não tem consolo a tua magoa, a tua dor na terra! Oh flor estranha do febril Capolo neta dum soba que perdeu a guerra! Estatua ardente em bronzeadas chamas que tentação e perdição derramas por sobre a história negra, quase finda! Neta dum soba que acabou chorando, filha de branco que morreu lutando e duma preta tristemente linda!
Quissange - Saudade Negra Autor: Tomaz Vieira da Cruz Angola não sei, por estas noites tropicais, o que me encanta...
Se é o luar que canta ou a floresta aos ais. não sei, não sei, aqui neste sertão de música dolorosa qual é a voz que chora e chega ao coração... Qual o som que aflora dos lábios da noite misteriosa! Sei apenas, e isso é que importa, que a tua voz, dolente e quase morta, já mal a escuto, por andar ausente, já mal escuto a tua voz dolente... Dolente, a tua voz "luena", lá do distante Moxico, que disponho e crucifico nesta amargura morena... Que é o destino selvagem duma canção em que tange, por entre a floresta virgem o meu saudoso "Quissange". Quissange, fatalidade deste meu triste destino... Quissange, negra saudade do teu olhar diamantino. Quissange, lira gentia, cantando o sol e o luar, e chorando a nostalgia do sertão, por sobre o mar. Indo mares fora, mares bravos,
em noite primaveril acompanhando os escravos que morreram no Brasil. não sei, não sei, neste verão infinito, a razão de tanto grito... -Se és tu, oh morte, morrei! Mas deixa a vida que tange, exaltando as amarguras, e as mais tristes desventuras do meu amado Quissange!
Rebita Autor: Tomaz Vieira da Cruz Angola Mulata da minha alma batuque dos meus sentidos, meus nervos encandecidos vibram por ti, sem ter calma. Por isso vou ah rebita, quase triste e indeciso, a queimar minha desdita nas chamas do teu sorriso. E, triste, assim, vou dancar, vou dancar e vou beber o vinho do teu olhar, que me faz entontecer. Ouvindo, longe, tocar o quissange do gentio,
que vive, alem no palmar, onde corre o verde rio! E depois adormecer na tua esteira de prata, onde quero, enfim, morrer, oh minha linda mulata. .......................................... Mulata da minha alma, batuque dos meus sentidos... Por isso vou ah rebita, quase triste e indeciso, a queimar minha desdita nas chamas do teu sorriso.
Romance de Luanda Autor: Tomas Vieira da Cruz (1900/1960) radicado em Angola desde 1924 in Tatuagem - Poesia d'Africa, 1942 Coqueiros esguios - leques ao vento abanando a Ilha. Um dongo flutua na baia. E ela, a negra maravilha condecorada com reflexos de prata com que o céu a está beijando, com que o céu a está vestindo, - adormeceu sonhando placidamente sorrindo.
Nas águas verdes da baia calma, caem pétalas vermelhas de uma linda flor de ónix! E o timoneiro, um preto atleta, jovem pescador e um brutal Cupido, - é o Deus do Amor em bronze reproduzido! Nas águas verdes da baia calma, caem pétalas de sangue, duma flor já desfolhada... Um dongo flutua na baia. Vai rompendo a madrugada!
Canção Para Luanda Autor: Luandino Vieira Angola A pergunta no ar no mar na boca de todos nos: - Luanda onde esta? silêncio nas ruas silêncio nas bocas silêncio nos olhos - Xé mana Rosa peixeira responde?
-Mano não pode responder tem de vender correr a cidade se quer comer! "Ola almoco, ola almocoeee matona calapau ji ferrera ji ferrereee" - E voce mana Maria quintandeira vendendo maboques os seios-maboque gritando, saltando os pes percorrendo caminhos vermelhos de todos os dias? "maboque, m'boquinha boa doce docinha" - Mano não pode responder o tempo é pequeno para vender! Zefa mulata o corpo vendido baton nos labios os brincos de lata sorri abrindo o seu corpo - seu corpo cubata! Seu corpo vendido viajado de noite e de dia.
- Luanda onde esta? Mana Zefa mulata o corpo cubata os brincos de lata vai-se deitar com quem lhe pagar - precisa comer! - Mano dos jornais Luanda onde esta? As casa antigas o barro vermelho as nossas cantigas tractor derrubou? Meninos das ruas cacambulas quigosas brincadeiras minhas e tuas asfalto matou? - Manos Rosa peixeira quitandeira Maria voce tambem Zefa mulata dos brincos de lata - Luanda onde esta? Sorrindo as quindas no chão laranjas e peixe maboque docinho a esperanca nos olhos a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira quitandeira Maria Zefa mulata - os panos pintados garridos, caidos mostraram o coração: - Luanda esta aqui!
Sons Autor: Luandino Vieira Angola 1963 A guitarra é som antepassado. Partiram-se as cordas esticadas pela vida. Chorei fado. Que importa hoje se o recuso: o ngoma é o som adivinhado!
Cançao para Joana Maluca Autor: Joao Maria Vilanova Angola Para eles eras unicamente a suja a piolhosa colhendo beatas á porta do Nacional
E lestos enquanto o sol brincava no ombro alcantilado das encostas seus rafeiros te lancavam de dentro dos quintais. Joana eles sabiam tua mao e a temiam (tua mao espinho-de-piteira tua mao ngana-acusadora-mesmo ah! kikata kikata muene) ate quando estendida tua mao pedia. Na escudela da noite entre cassuneiras e muxixis uma pobre escura flor adormecia...
Canção na morte de nga-Caxombo Autor: Joao Maria Vilanova Angola Olho nga-Caxombo ali na esteira deitado morto a todo comprimento Vejo-o caminhar sem descanso do Amboim ao Seles do Seles ao quipeio outra vez ao Seles rotas sem rota mato longe quem que sabia?
Tipoia o ombro pesava que pesava duramente Zua e voz de Kalandu voz serena do sertao ele a escutava atraves do fogo atraves da agua o geito sem raizes de amar o coração das coisas. Olho-o pela vez ultima na luz rasante desse dez de Julho a barba ah monangamba cavada sua negra face morto deitado morto a todo o comprimento.
15 - Lei do Passe Autor: Tomas Vimaro Moçambique in "Terra do Alambique", V Capítulo Tomas Vieira Mario, de seu verdadeiro nome, nasceu em Inhambane a 6/5/1959. É jornalista e tem publicações dispersas por jornais moçambicanos e portugueses. Fez parte do movimento CHARRUA e "Terra no Alambique" é o seu primeiro livro, o qual foi escrito entre 1979 e 1984. "... - Ai tem pequeno problema - atrapalhou-se a outra. - É que não tem mesmo tampa... Mas minha senhora deve
ter em sua casa panelas do mesmo tamanho, para a questão da tampa - apressou-se a considerar, a Ancia outra vez de mãos nas ancas, no seu espanto. - Mas... como não tem tampa?! - Minha senhora... é que não deu tempo... para apanhar as tampas, na fabrica. São coisas que a gente tira lá mesmo na hora do despego, naquela pressa toda, por causa dos vigilâncias populares, está a ver, não? Então acontece que no mesmo dia que apanhei estas panelas, o chefe da secção, na atrapalhice das pressas, tinha chegado primeiro e ficado com as tampas, para mais tarde lá voltar buscar então as panelas. A sorte, minha senhora, é que eu cheguei lá a tempo e então carreguei logo as panelas... - divertida com a história, ela mesmo dizia isto rindo as gargalhadas, e a Ancia aproveitou para rir também, admirada. - Minha senhora, o que é que pensa?! Se os chefes até são os primeiros no roubo! - E, gelatinosa, o corpo lhe dançava, na gargalhada. - Então, dessa maneira, as tampas quem roubou o chefe!..."
Rota Longa Autor: Teobaldo Virgínio Cabo Verde in "Viagem Para Lá da Fronteira", 1973, Lisboa, Publicações da Casa de Cabo Verde Irei na rota branca da rosa de espuma na hora madrugada promissora da brisa. Rota longa rota longa
Irei com a pétala ressequida da tórrida paisagem para além das distâncias secas. Rota longa rota longa Rota longa de espuma vou irei espalhar minhas pétalas ressequidas na hora madrugada das correntes desatadas. Rota longa rota longa Vou irei sem detença para além das distâncias secas em busca do abraço ancorado na outra margem da curva líquida. Rota longa rota longa Vou irei na hora alta desta vigília e a manhã clara acontecerá. Rota longa rota longa Vou irei contra todas as cadeias protestantes do meu rumo em cada protesto que embarco na ondulação que se desatraca.
O País em Mim Autor: Eduardo White Moçambique Do livro "O País de Mim", Eduardo White colecção Timbila no 10, edição AEMO 1989 O peso da vida!
Gostava de senti-lo à tua maneira e ouvi-la crescer dentro de mim, em carne viva, não queria somente rasgar-te a ferida, não queria apenas esta vocação paciente do lavrador, mas, também, a da terra e que é a tua
2. Assume o amor como um oficio onde tens que te esmerar, repete-o até a perfeição, repete-o quantas vezes for preciso até dentro dele tudo durar e ter sentido Deixa nele crescer o sol até tarde, deixa-o ser a asa da imaginação, a casa da concórdia, só nunca deixes que sobre para não ser memória.
Poemas da Ciência de Voar Autor: Eduardo White Moçambique do livro: "Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave", Caminho, Lisboa, 1992 Página 17
"Uma mão relampeja na casa da escrita. Faísca Troveja. Procura um claro instante para a aparição. Pode-se ve-la correr pelo dorso do papel, deitada do seu lado ou do seu modo rastejante, pode-se ve-la provando o ruminante delírio das palavras, a sua rasante arrumação, e leva vozes aquela mão em cada delicada passagem, rítmica, latejante ou um nervo animal que faz lembrar a textura pedestre do papel. Mas a mão voa, explosiva, e não cai nem agoniza no espaço vibrante onde se comunica. Voar é um fervoroso recolhimento. E no que é quase a medida elementar do esquecimento a escrita navega num estuário de silêncio. Escrever é uma droga antiga, uma bebedeira que queima com lentidão a cabeça, traz as luzes desde as vísceras, o sangue a ferver nas vias tubulantes, traz a natureza estimulante das paisagens que temos dentro." Página 28 "Ocorre-me agora
a pupila minúscula de uma criança. A sua engenharia desde o corpo na guerreira pequenez p equenez ao dedo provador da boca. Ocorre-me esta criança este monge da franqueza em seu templo tem plo de inocência. Amo-a. Vivo-a. Voar é poder amar uma criança. Sonhar-lhe o peso no colo, as mãos acariciantes sobre a palma da alma. Voar é tardar a boca na rosa do rosto de uma criança. Pronunciar-lhe a ternura, a seda fresca e pura da sua infância. Voar é adormecer o homem na mão sonhadora de uma criança."
Sorrisos Mutilados Autor: Carlos Zimba Moçambique na revista "XIPHEFO", Dezembro 1994 "No meu país a (in)competência doentia mutila-nos o sorriso e nós teimosamente arranjamos muletas e sorrimos deitados à sombra da esperancà esculpida pela nossa paciência Coragem, gente
pois galopa celere o instante em que sorriremos sem muletas!"
Os Molwenes Autor: Isaac Zita Moçambique no livro "Os Molwenes" Com a mão estendida e bem aberta, a cega está sentada no chão de cimento e move sem descanso as pálpebras desprovidas de pestanas, pondo a descoberto, deliberadamente, as cicatrizes vermelhas que figuram no lugar dos olhos. Um homem idoso pára à frente dela, olha para as horríveis orbitas e mete uma mão no bolso de onde extrai uma moeda de prata. A seguir, fica alguns instantes a contemplá-la, contemplá- la, indeciso, talvez pensando na alegria que com os o s seis bolos comprados com aquela moeda, poderia proporcionar aos netos quando chegasse a casa. Uma voz interior segreda-lhe que deve dar a moeda de prata porque é uma boa acção e lá no Céu, DeusTodo-Poderoso, além de aumentar os seus dias de vida, irá perdoar todos os pecados p ecados que cometeu, até mesmo aqueles que já tinha esquecido; outra voz, entretanto, diz-lhe que o melhor será comprar os bolos e fazer essa surpresa aos netos, que por essas e por outras, cada vez o adorarão mais. Por fim, evitando olhar para os o s olhos da cega, estende a mão e entrega-lhe uma moeda mo eda que ela, sofregamente, se apressa a guardar na capulana rota e suja, com uma rapidez inesperada numa invisual.
Fascinado, o homem de idade permanece de mão m ão estendida e agora vazia, comovendo-se quando a ouve balbuciar um doce "Obrigado", ecoando como o som cristalino da água a deslizar num regato celestial. Quando o homem se refaz do d o encantamento, já a cega estende de novo a mão e diz um novo - "Bom dia", continuando sempre a bater com as pálpebras sem pestanejar. O homem idoso recomeça a caminhar, pressentindo uma lágrima de emoção a querer soltar-se dos olhos e a voz de Deus-Todo-Poderoso a confirmar que os seus pecados já tinham sido absolvidos e prometendo, pro metendo, se ele continuasse a ser assim bonzinho, enviar mais cedo ou mais tarde, uma pomba direita ao seu coração. ... ... ... - Avô - consegui interromper eu, finalmente - Porque é que Deus é sempre branco e Satanás, sempre negro? É assim que o padreca ensina... O avô mostrou-se pela primeira vez perturbado e limitou-se talvez por isso, a olhar alternadamente para a pele negra que cobria os nossos rostos e mãos. Depois, levantando-se ruidosamente, apenas disse: Já vai alta a noite. Vamos dormir, meu filho...
Morte em Dois Actos Autor: Mauro Pindula
in Jornal Savana, 6/06/1997, Página Juvenil "Estacionou o carro junto à calçada. Saltou e com dois passos ágeis entrou no edifício do jornal "NOTÍCIAS". Dirigiu-se ao sector de publicidade e preencheu o formulário que encontrou no balcão. Era um texto necrológico. Humedeceu os lábios e disse: - É para dois dias. - Traz a foto? - perguntou o balconista. Era grisalho e baixinho. O homem que queria anunciar mexeu na sacola preta de couro e tirou de lá uma foto nítida. Arrastou a foto pelo balcão e o grisalho recebeu-a. Não pôde deixar de abrir os olhos: era a foto do próprio homem. Entrou silenciosamente e inspirou o cheiro a sândalo. Era reconfortante. Atirou a sacola preta de couro para o chão da sala. Foi buscar café à máquina, sentou-se no sofá e ligou a televisão. Deixou o café a meio e trocou-o por um uísque. Entretanto soou o telefone. Levantou o auscultador e ouviu uma voz rouca e feminina. Já sabia que não precisaria de cerimónias: - Jantas comigo? - Não sei... A voz do outro lado calou-se. - Sinto-me algo desestruturado, sabes..."
Stress Autor: Lilia Momplé
in "Lua Nova", nº 3, abril/junho 1997, órgão da AEMO, p. 7 A amante do major-general crava os olhos no homem que está sentado na varanda do 2o andar mesmo em frente e sibila, indignada: "bêbado". Consegue vê-lo perfeitamente, recostado na cadeira de napa meio encardida, Xirico na mesinha ao lado, copo de cerveja na mão. "Bêbado", repete ela, sem desviar os olhos do homem "toda a tarde vai beber". E, com estas palavras, procura escamotear de si própria o motivo real da sua indignação. O homem vai beberricando a cerveja com uma sofreguidão mal contida, a atenção centrada no copo e no Xirico. Por um instante, a amante do major-general supõe que ele dá pela sua presença mas logo se apercebe que, como sempre, aquele olhar resvalante a exclui do seu campo de visão, inteiramente preenchido pelo Xirico e pelo copo de cerveja. É domingo, e como acontece todos os domingos a esta hora, a amante do major-general vem até à varanda que dá para a rua. Almoçou sózinha, na enorme sala comum que poderia ser alegre e arejada, dadas as suas dimensões, a cor branca das paredes e a ampla porta envidraçada que comunica com a varanda. É, pórem, um local sombrio, tal a profusão de mobiliário de precioso e escuríssimo jambire, alcatifas, bibelots de metal, maples de veludo e pesados cortinados. Até mesmo a poeira parece circular na sala agitadamente, ansiosa por se libertar de tamanha ostentação.
Autor: Simeão Mazuze in "Calças Molhadas", p. 30
Uma voz rouca e baixa convidou-o a entrar. Empurrando a porta assomou para o interior da cela e abarcou a imagem de um homem deitado sobre um catre de ferro sem colchão coberto com retalhos de cartão, restos duma embalagem de acondicionamento de chá, "Five Roses Tea", lia-se num dos cantos a mercadoria que transportara. Surpreso por não ver o amigo apesar de ainda em paralelo se encontrar outra cama nas mesmas condições, timidamente balbuciou. - Boas tardes, senhor... Não é aqui a cela do senhor Mussava? - Você bateu para perguntar isso? Donde vem você? Não é deste pavilhão concerteza, senão saberia que o Mussava se não está na cela dele o No. 0990, está na cela 0303 a conversar com os amigos dele. - Obrigado senhor, só queria saber onde encontrá-lo. Não queria incomodar. - Já disse... desapareça. - redarguiu. - Já viram isto! Um gajo está a descansar nesta merda fedorenta, a curtir uma de "jell" e aparece um estupor de preso para incomodar e ainda diz que não queria incomodar! O Tomás boquiaberto retirou a cabeça e respirando fundo fechou a porta. Relanceando o olhar em volta, notou por cima daquela porta estava pintado o No. 090 a vermelho. Tinha-se enganado.
Picasso
Autor: Simeão Mazuze (Salimo Mahomed) in "Calças molhadas", 1996, edição do autor, o qual é mais conhecido como cantor Página 8 "- Picasso fez o teu retrato, tal como estás agora no camião, meu amigo! - O meu retrato? Perguntou Roberto. - O quê? Não oiço nada. Tenho os ouvidos tapados. - O teu retrato - repetiu. - Parecidíssimo,... exacto como uma foto. É o retrato do nosso camião. Três homens que ocupam o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo. Um tem cinco pernas, o outro três cabeças. Tu,... tu tens a voz, mas não tens a boca, e eu não tenho senão a cabeça falta-me o corpo. Uma cabeça que avança no espaço e de cima de um camião. Quando vi pela primeira vez este quadro, a coisa passava-se em Portugal, gostei muito, mas não compreendi o que ele queria representar. E só agora começo a perceber. Era o quadro do nosso camião... fielmente pintado. Não lhe escapou um único pormenor. Pinta como se fotografasse. Só coisas reais. É um génio."
O Macaco e o Cágado Do livro "Contos Macuas", 1992, Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique - coordenação de Elisa Fuchs -ilustrações de Malangatana "O macaco e o cágado fizeram-se amigos. Certo dia, o
macaco disse: - Amigo, vem a minha casa. O cágado respondeu: - Está bem. O cágado saiu e foi a casa do seu amigo. Quando lá chegou, o macaco matou um galo, fez echima, pô-la na mesa e disse: - Amigo, vamos lá comer a echima. - Ah, o meu amigo pôs a echima na mesa sabendo que eu não consigo subir? - pensou o cágado. Tentou subir, tentou, mas não conseguiu comer a echima! Por fim resolveu ir para casa, mas antes pediu ao macaco: - Amigo, dá-me as minhas ferramentas para me ir embora. Quando estava para sair, perguntou ao macaco: - Quando é que vais a minha casa? - Hei-de ir na próxima semana - disse o macaco. - Está bem - respondeu o cágado. Na semana seguinte, o macaco foi a casa do amigo. Quando lá chegou, mataram um galo, fizeram echima. O cágado deitou fora a água das panelas e disse para o amigo: - Não há água, mas podes lavar as mãos no poço. Tem cuidado para não as pores no chão quando voltares. O macaco foi ao poço com a sua mulher. Lavou as
mãos e começou a andar só com duas patas. O cágado tinha queimado todo o capim à volta da casa e havia muita cinza. Quase ao chegar, o macaco não aguentou mais e pôs as mãos no chão ficando com elas todas sujas. Teve que voltar ao poço para as lavar de novo. Fez isto tantas vezes que acabou por desistir. Foi com a sua mulher despedir-se e pedir as suas ferramentas. A partir daí o macaco e o cágado nunca mais voltaram a ser amigos."
echima - farinha de milho cozida A Guerra dos Cem Anos Autor: Carneiro Gonçalves, in "Contos Moçambicanos", 1990, Global,Brasil/Livraria Universal, Maputo "- Ouve - disse a criança. O adulto soergueu-se, apoiado no mesmo braço. - Ser mulher e ter um amante é mau? Para ganhar tempo o homem sentou-se, remexeu na areia. - Depende. - Mas pode não ser mau? - Pode não ser mau. - Bem - disse a criança - refiro-me ao caso de a mulher não ter marido
Olharam-se bem nos olhos. - Depende - repetiu o adulto. - Depende de que?? - De muitas coisas. - Assim como - insistiu a criança. - Talvez não entendas. - Vai à merda. E logo a seguir: - Desculpa. Pergunto para saber, percebes? Isto não tem nada a ver com a minha mãe. Eu é que quero saber. ... - Sim, gosta muito dos dois - disse o homem. - Mas de qual gosta mais? - Gosta-se sempre mais dos filhos. - De certeza? - Não tenho duvidas. - Bem, - voltou a criança, e foi então que rompeu a chorar. - Parece- me que tens razão. És um tipo simpático, vamos ficar amigos. Tenho dez escudos, vais beber uma laranjada comigo. - Calha bem - disse o adulto - Estou cheio de sede." António CARNEIRO GONCALVES apresentava-se assim: "Tenho trinta e um
anos, vi a luz do dia em Braga, mas nasci em Tête. Faço questão de conhecer o Zambeze. Com os contos que tenho poderia pelo menos publicar 2 livros. Lá virá o dia. Ensaiei 1 romance que reescrevi várias vezes. Ontem ia mesmo na primeira pagina..." Não alcançaria o Zambeze, não voltaria ao romance nem assistiu ao lançamento do seu livro "Contos e Lendas", publicado a seguir à sua morte em 1974, com 33 anos. Morreu num acidente de viação, quando viajava para o Zambeze.
A Lua do Advogado Autor: António Carneiro Gonçalves in "Contos e Lendas",p. 29-30, Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1980 Eu conhecia Noémia há muito tempo. Vi-a pela primeira vez à saída da igreja e comecei logo a gostar dela, assim a modos de paixão, com força, como costumam os homens gostar das mulheres. Mais uma saída, encontrei-a depois no futebol de quinta-feira, outro domingo, engasguei-me ao princípio, ela disse que sim, que eu devia ser franco como um rochedo. Depois comparou-me ainda a um rio (isto mais tarde), que eu tinha a impetuosidade dos rios. Só costumávamos dar beijos à noitinha. No quintal havia uma árvore e uma gazela. A gazela olhava os nossos abraços, roçava-se nas nossas pernas. Uma vez ela até confundiu o roçar da gazela com uma caricia minha e disse "isso não... isso não". Ri como um perdido. Depois veio aquela coisa difícil, aquele momento chato de que nenhum homem gosta. Lá falei aos pais
dela, que sim senhor, que eu era honesto e bom rapaz, ela esperava-me cá fora, no quintal. Abraçamo-nos. O resto, os senhores sabem como é, horas a fio, seguidinhas, ela "tenho mais uma renda, a nossa mesinha de cabeceira, a festa, a boda", eu ouvia- a alegre, respondia, disse-lhe muitas vezes que a felicidade de um homem está no verdadeiro amor. Faltava um mes para o casamento. Ah! carago, posso dizer sem mentir que me comoviam os trapos que ela comprava todos os dias e me mostrava sempre. Uma vez, à tardinha, àquela hora em que nos costumávamos dar beijos, eu fui franco como o rochedo e impetuoso como o rio. A lua já tinha nascido, a tal talhada de que falava o advogado. Eu disse-lhe não sei quantas coisas, mordi-lhe os ouvidos (devagarinho, já se vê...), fiz-lhe aquela festa que costumava fazer a gazela. Recordo, lembro-me bem, que ela não disse "isso não... isso não" como tinha acontecido da outra vez. Ela disse apenas "aqui não". Eu estava aturdido, eu gostava dela a valer. Era sábado. Nos sábados, quando calhava, Noemia ia jantar a casa duma amiga, a Luisa, rapariga que eu conheço bem. Merda para as amigas. Ela disse "aqui não".
Autor: Hilário Manuel Eugénio Matusse jornalista e escritor nascido a 22 de Junho de 1956 em Maputo in "Ecos da RDA", Organização Nacional de Jornalistas, capítulo "Candongas e Açambarcamentos na RDA", p. 44 "Estes foram no momento imediatamente anterior às eleições, protagonistas de um fenómeno de açambarcamento nunca visto por ali, segundo se comenta. Formando enormes bichas
nos maiores estabelecimentos comerciais, eles adquiriam tudo o que é caro e raro, produtos que habitualmente ninguém olhava para eles. São os casos de televisores a cores e vídeos, electrodomésticos dos mais variados tipos e até de carácter supérfluo, alcatifas, mobílias e também produtos alimentares. E tudo isso era comprado em grandes quantidades. Pelo que se pode depreender das informações que então correram, há duas razões para este fenómeno: para os géneros alimentícios o problema está ligado a rumores de que o Governo vai retirar proximamente, após as eleições, os subsídios aos preços desses produtos. No que se refere aos móveis e a outros artigos valiosos, trata-se de se precaver da união monetária e suas consequências, pois adquirindo esses artigos todos guarda-se o dinheiro, de forma a reinvesti-lo em momentos mais adequados e quando as coisas já estiverem claras..."
A Viagem de Adalfredo Autor: Mapfuxa-tô-tala in "Oásis" - Jovens pela literatura - nº 1, p. 9 - publicação regional propriedade da AEMO e financiada pela Cooperação Francesa Toda a vez que chega o Verão, como desta vez, o quarto do madala Adalfredo costuma não aguentar muito calor. O sol do meio-dia, além de se derreter no zinco que protege a mesinha de cabeceira, penetra também por um enorme vazio, deixado por um zinco que sempre faltou. Adalfredo Faz de Tudo, de seu nome completo, chegara a ter o dinheiro para comprar aquele zinco, mas porque quisera apressar a inauguração da casa, optara em comprar bebidas no candongueiro.
Agora a casa sofre de dores de coluna, e parece-se com ele quando encurvado com a bengala. É por causa desse sol do meio-dia, que Adalfredo estende-se horas e horas na sombra da bananeira. O calor aperta o passo, a sombra abandona-lhe, mas Adalfredo não sente a careca a transpirar. Como que há-de sentir? Os olhos roubaram a mente e foram ficar lá, no infinito. Cansado de ficar distante, a sua vista mergulhou-o na escuridão. E a mente começou a levá-lo para viajar na boleia dos tempos em que a sua careca ainda curtia na juventude. Lembra da Maria Das Dores, a única mulher que já adorou de verdade, aqueles rapoios de fazer inveja, aquelas tetas ainda verdes que saltavam a corda, bastava Das Dores andar depressa. Lembra do dia do lobolo que ficou com dívida de duas capulanas de chita. Lembra de tudo, desde o dia que viu Das Dores passar pela esquina do Muchina, onde ele vendia dobrada. Mas, Maria Das Dores perdeu-se no tempo. Perdeuse na noite em que Macuácua, aquele stapor, com braçadeira castanha-amarela e nariz impinado, arrombou a sua porta e indicou-o aos milícias: - Ele é desempregado!
Viagem em Bicicleta em Moçambique Autor: Emídio Mabunda Moçambique in "Viagem em Bicicleta em Moçambique", p. 9 Do local onde estava, a localidade mais próxima era Inchope e situava-se a cerca de 180 km, mais adiante, havia duas grandes elevações (subidas), nas quais tive dúvidas em as ultrapassar. Para tal tive que pedir uma ajuda divina fazendo uma oração, retomei a caminhada.
Quase a atingir a metade da primeira subida senti nas costelas algo de estranho, soprava um vento quente que me empurrava deixando assim de pedalar, a bicicleta ia sempre subindo. Galgados estes dois monstros o vento que fazia sentir sobre mim parou, assim continuei pedalando todo espantado pelo milagre feito por Deus, cheguei a Inchope onde hospedei na Administração.
Vozes do Sangue "Eu sou José Zefanias Machava. Tenho 14 anos e sou natural de Massinga, província de Inhambane. O meu pai era um miliciano que os bandidos mataram quando chegaram a minha casa. Depois de matarem o meu pai me exigiram para mostrar os amigos dele. Eu disse que não sabia quem eram nem onde estavam. Então eles cortaram-me um dedo para eu falar. Tornaram-me a perguntar dos amigos do meu pai e eu repeti a dizer que não sabia. Acabaram-me quatro dedos e eu a dizer que não sabia. Ai zangaram mesmo e cortaram-me uma orelha. Deixaram-me assim mesmo a sangrar e foram embora. Consegui curar com remédios tradicionais, mas esperei um ano até ficar bom. Depois de acabar esse ano, no ano a seguir fui raptado pelos bandidos. Treinei lá na base, aprendi a desmontar arma e a montar. Agora a minha missão era andar a procura de água e de lenha. Um dia desses mandaram- me procurar a agura. Eu aproveitei, abandonei a lata e fugi. Não sabia onde ia, só andava de qualquer maneira. Assim mesmo cheguei num quartel e apresentei aos soldados. Era em Sinhavuro. Quando me pegaram começaram a perguntar de onde eu vinha. Eu disse que estava a fugir dos bandidos. Logo aqueles soldados disseram para eu ir mostrar onde era. Fui lá com a tropa. Encontramos só uma pessoa, que mataram. Então os soldados levaram aquelas coisas da base e eu fui levado para Inhambane. Investigaram-me, investigaram-me até
enviarem- me aqui para o Centro de Lhanguene. Vivo bem aqui. Já estou a estudar na 2ª classe." O livro "Vozes do Sangue" reúne depoimentos de crianças que foram vitimas de atrocidades da guerra em Moçambique. Recolha e tratamento de texto de Eduardo White e Helder Muteia. Edição Tempografica, financiamento da ASDI, Autoridade Sueca para o Desenvolvimento Internacional, e UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância.
Vamos Cantar, Crianças in "Vamos Cantar, Crianças" - Cancioneiro - Vol.1, Edição do Inst. Nacional do Livro e do Disco, Maputo, 1981 1. A dança do jacaré, Ilha de Moçambique "Eu, Maria, fui lavar os pés lá no rio onde mora o jacaré Paro e vejo: quem vem dançar? É mamã que traz o Tomé p'ra tocar Toca, toca bem, primo Tomé Quero ver como dança o jacaré Ah! o bicho a água engoliu deu a volta, saltou e logo tossiu Ei! Já chega meu primo Tomé Acabei de lavar agora o meu pé" 2. A árvore que eu vi chorar, Ilha de Moçambique "Queres mesmo saber quem eu vi chorar? Foi ali, ao pé do jardim Eu vi uma árvore tão triste
Porque chorava tanto chorava assim, sem mais fim Só não sei quem a fez chorar Como a vi posso recordar Tinha um largo tronco, folhas verdes e uma sombra grande uma sombra assim sem mais fim" 3. O passarinho e os outros animais - (Cabo Delgado) "O elefante o elefante passeia o passarinho que lhe tira todos os bichinhos A palapala a palapala passeia o passarinho que lhe tira todos os bichinhos O crocodilo o crocodilo passeia o passarinho que lhe tira todos os bichinhos O passarinho o passarinho voa bem baixinho come muito e volta para o seu ninho" 4. Maria Alegria - (Tête) "Ouçam o que eu vou contar ouçam o meu cantar Saia todo o dia a levar o gado para pastar via também Maria que logo cedo ia machambar Enquanto o boi mugia eu via Maria com atenção
e só queria Maria Alegria morando em meu coração Mais uma vez o galo cantou bem cedo p'ra me acordar mas eu não vi Maria que com João fora se casar Não vou chorar sim vou cantar Não vou chorar sim vou cantar"
Um Epidécio ao Escritor Maconde Autor: Stefan Florana Dick texto escrito após o assassínio de Grandal Nkepe numa das barracas de Maputo in revista Lua Nova, nº 4, p. 18 "Se não estou em erro, fui um dos mais corajosos que te disse cara-a- cara: - Nkepe, não consegui ler CASA DE JUSTIÇA, e mesmo que venha a fazer esforço a mais, não hei-de o conseguir ler. Este livro é uma merda que não devias publicar agora. Merecia a gaveta por cinco a dez anos, e só depois de lido, relido, treslido, tetralido, pentalido, por ti próprio, é que podias ter a ousadia de o mandar publicar. E tu, cheio de copos na cabeça, mandaste-me à fava e: - Caguei para ti, Stefan. Tens inveja de mim, porque consegui singrar ao lado desses filhos da mãe que se acham donos de literatura. E tu com a mania de que és amigo desses cágados, vens a mando deles denegrir a minha escrita. Lixem-se. Quem quer leia, quem não quer, que não leia. E ficas a saber: o meu livro é um sucesso.
... Morreste. E lá no subsolo ou no céu, descansas em paz. Já não tens maçada de aturar professores chatos que te faziam vida negra na Universidade; os alunos que se riam do teu ar boémio nas escolas onde eras professor part-time; os outros escritores que achavam que a tua literatura era de dó menor. Morreste. Os vivos, quer queiram, quer não, hão-de ler os teus livros, como tu próprio tinhas essa certeza, e serão obrigados a admirar-te pela coragem que tiveste em publicar aquilo que te ia na alma e no pensamento."
Filhos da Miséria Autor: Joaquim Falé Moçambique Pedaços de fundo vagabundo buscando no lixo um mundo perdido fugindo de tudo sábios esquecidos nunca arrependidos Vinde ó ilustres da miséria a nossa hora está chegando recompensa merecida estamos num canto fechados vingando o passado somos o lixo por este ou aquele motivo Levantemo-nos Irmãos! Derrotemos a Razão vão-se desviar de nos vão escutar bem alto a nossa voz rosto aberto de encontro aos mascarados somos flores do Inferno crescemos num deserto açoitados pelo vento noite e dia enfeitiçados pela morte desejados somos cinzas somos restos despojos amordaçados corremos mesmo parados não fujimos quando somos olhados Esquecidos pela esperança vagueamos na escuridão almas desertas abraços de solidão entre as pedras adormecemos companheiros na ilusão somos pássaros da noite artistas com vida de cão
Não temos capas de vergonha não disfarçamos o medo sentimos o desespero não trocamos de lugar não nos podem dominar já mortos nos hão-de lembrar enquanto vivos vão-nos evitar Está-nos reservado o fel sabemos porque pagamos o preço da liberdade fugindo do tempo não temos idade amantes sedentos conquistamos cidades Brincamos como crianças num jardim de terceira idade fingimos ser apenas uma flor no paraíso vingamo-nos da memória bolsas vazias perdidas no Infinito Vestimo-nos no escuro de amor e desespero saímos noite adentro buscando alimento
Dados Biográficos Sebastião ALBA Pseudónimo de Dinis Albano Carneiro Goncalves, nasceu em Braga, Portugal, a 11.03.1940. Radicado em Moçambique a partir de 1950, voltou a Portugal em 1984. Professor e jornalista, publicou Poesias em 1965, o qual viria a retirar da sua biografia, O Ritmo do Presságio em 1974 e A Noite Dividida em 1982.
João ARMANDO ARTUR Nasceu na Zambézia, a 28 de Dez. 1962. "Estrangeiros de Nós Próprios" é o seu terceiro livro publicado. Os anteriores: "Espelho dos Dias" (1986) e "O Hábito das Manhas" (1990). Carlos CARDOSO Nasceu a 10.08.1951 na Beira, Moçambique. Jornalista e analista político, Prêmio de jornalismo investigador em 1987. Publicou Direito ao Assunto em 1985. Continua activo como jornalista.
Mia COUTO Pseudónimo de Antonio Emilio Leite Couto, nascido a 5.07.1955 na cidade da Beira, Moçambique. Foi jornalista com funções de chefia no diário "noticias" e Agência de Informação de Moçambique, é actualmente biólogo e um dos escritores moçambicanos mais conhecidos no exterior, com livros traduzidos em diversas linguas.
José CRAVEIRINHA José João Craveirinha nasceu a 28.05.1922 em Maputo. Jornalista com o pseudónimo Mario Vieira, escritor, atleta e
cronista, entre outras actividades. Foi preso pela PIDE/DGS de 1965 a 1969 por fazer parte da Frelimo. Colabodor de jornais e revistas de diversos países, tem numerosas obras publicadas e recebeu alguns prêmios literários.
Rafael KNEPE Rafael André Luis Grandal Nkepe nasceu a 10 de Maio de 1958 em Muidumbe, Nangololo, província de Cabo Delgado. Depois de uma adolescência bastante vagabunda, teve que sobreviver. Com diversas participações na imprensa escrita moçambicana, "Casa da Justiça" foi o seu primeiro livro, editado em 1994.
Rui KNOPFLI Rui Manuel Correia Knopfli nasceu a 10.08.1932 e fez os seus estudos na Africa do Sul.Poeta, jornalista, crítico literário e de cinema, foi um dos elementos mais activos da então Lourenco Marques. Deixou Moçambique em 1975. É de nacionalidade portuguesa com alma assumidamente africana. Tem colaboração dispersa por varios jornais e revistas e publicou alguns livros. Desempenhou (é possivel que ainda assim seja) funções na Embaixada Portuguesa em Londres.
Orlando MENDES Orlando Marques de Almeida Mendes nasceu na Ilha de Moçambique a 4.08.1916. Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade de Coimbra, da qual foi assistente, e altura em que se estreou na literatura. Poeta, romancista e dramaturgo com numerosas obras publicadas, colaborou em várias revistas e jornais moçambicanos e portugueses.
Malangatana NGWENYA Malangatana Valente NGWENYA nasceu a 6 de Junho de
1936 em Matalana, Moçambique. Produziu uma vasta obra no campo da pintura e é hoje um dos mais notáveis artistas africanos. Representado em inúmeros museus e colecções particulares em todo o mundo, Malangatana, artista multifacetado, que canta, dança, faz poemas, teatro, cerâmica e escultura, é grande animador sócio-cultural e vê erguer-se presentemente o sonho de construção do Centro Cultural na sua aldeia natal.
Isaac ZITA Isaac Mario Manuel Zita nasceu em Maputo a 2.02.1961. Professor durante 2 anos, freqüentava o curso de Professores de Português para as 7ª, 8ª e 9ª classe quando morreu, a 17.07.1983, com apenas 22 anos. Publicou Os Molwenes.