UNI VERS VERSI DADE FEDERAL FEDERAL DA BAH I A PRÓ-REI TORI A DE PESQUI PESQUI SA E PÓS-GRAD UA ÇÃ O
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO CURRÍCULO, LINGUAGENS E INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS
DO CHÃO SECO E DO SOL FORTE ÀS FLORES DA BARRIGUDA: TECENDO FIOS DE UMA REDE DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS MUNICÍPIOS DE IBITITÁ, IRECÊ E LAPÃO – BA BA
DANILO PEREIRA DA ROCHA
SALVADOR ABRIL DE 2015
DANILO PEREIRA DA ROCHA
DO CHÃO SECO E DO SOL FORTE ÀS FLORES DA BARRIGUDA: TECENDO FIOS DE UMA REDE DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS MUNICÍPIOS DE IBITITÁ, IRECÊ E LAPÃO – BA BA
Trabalho de qualificação apresentado ao Mestrado Profissional em Educação: currículo, linguagens e inovações pedagógicas, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação Orientadora: Prof.ª. Dr.ª Rosiléia Oliveira de Almeida
DANILO PEREIRA DA ROCHA
DO CHÃO SECO E DO SOL FORTE ÀS FLORES DA BARRIGUDA: TECENDO FIOS DE UMA REDE DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS MUNICÍPIOS DE IBITITÁ, IRECÊ E LAPÃO – BA BA
Trabalho de qualificação apresentado ao Mestrado Profissional em Educação: currículo, linguagens e inovações pedagógicas, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação Orientadora: Prof.ª. Dr.ª Rosiléia Oliveira de Almeida
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Quixabeira sob sob a qual os primeiros habitantes habitantes de Irecê se abrigaram ................. 8 FIGURA 2 Rochedos localizados na sede do município de Ibititá ....................................... ....................................... 11 FIGURA 3 Praça na cidade de de Lapão, Lapão, onde se localiza a grande Lapa ................................ ................................ 15 FIGURA 4 Mapa da vegetação vegetação de parte do Território de Identidade Identidade de Irecê, Irecê, em destaque os municípios de Irecê, Ibititá e Lapão – Lapão – BA BA .......................................... ................................................................ ...................................... ................ 17 FIGURA 5 Imagem de satélite do município município de Irecê ........................ ................................................... .................................. ....... 18 FIGURA 6 Imagem de satélite do município município de Ibititá .................................. ......................................................... ....................... 18 FIGURA 7 Imagem de satélite do município município de Lapão ................................................. ........................................................ ....... 19 FIGURA 8 Professoras lendo lendo os textos expostos expostos nos banners banners ................................... ............................................... ............ 23 FIGURA 9 Banners expostos expostos no evento................................. evento....................................................... ............................................. ........................... .... 24 FIGURA 10 A instalação em processo de criação .................................... .............................................................. ............................... ..... 24 FIGURA 11 Participante do evento se abaixando para se mover dentro da instalação ............ 25 FIGURA 12 Minha mesa durante a primeira rodada de conversas .......................................... .......................................... 25 FIGURA 13 Participantes se movimentando entre as rodadas de conversa ............................. 26 FIGURA 14 O movimento da pesquisa .......................................................... ................................................................................. ...........................31 ....31
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BNDES
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CETEB
Associação Centro de Educação Tecnológica Tecnológi ca do Estado da Bahia
EA
Educação Ambiental
FNDE
Fundo Nacional de Desenvolvimento Desenvolvimento da Educação
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEMA
Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos
INEP
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Educacionais Anísio Teixeira
MEC
Ministério da Educação
NASA
National Aeronautics Aeronautics and Space Administration
PCNs
Parâmetros Curriculares Nacionais
ProEASE
Programa de Educação Ambiental do Sistema Educacional Educacional da Bahia
ProNEA
Programa Nacional de Educação Ambiental
REABA
Rede de Educação Ambiental da Bahia
REPEA
Rede Paulista de Educação Ambiental
SENAR
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
UFBA
Universidade Federal da Bahia
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO ............................................................................................................... 5 2 OS TRÊS ELOS: IRECÊ, IBITITÁ E LAPÃO – BA ....................................................... 7 2.1 O ÍNICIO EM COMUM ..................................................................................................... 7 2.2 IRECÊ: AS SOMBRAS DA QUIXABEIRA ...................................................................... 8
2.2.1 Alguns aspectos educacionais ........................................................................................ 9 2.3 IBITITÁ: DA SOLIDEZ DOS ROCHEDOS ÀS INCERTEZAS DA CHUVA ............. 10
2.3.1 Panorama da Rede de Ensino ...................................................................................... 12 2.3.1.1 O Currículo desconhecido ............................................................................................ 13 2. 4 LAPÃO: FONTE DE ÁGUA LIMPA ............................................................................... 13 2.4.1 Aspectos educacionais .................................................................................................... 15 2.5 O ENTRELAÇAR DOS ASPECTOS ECONÔMICOS E AMBIENTAIS ...................... 16 2.6 ASPECTOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS TRÊS MUNICÍPIOS .................... 19
2.6.1 O que ouvi das Secretarias de Educação... ................................................................. 20 2.6.2 O que ouvi das professoras... ....................................................................................... 22 3 DESENHANDO O CAMINHO METODOLÓGICO ...................................................... 28 3.1 CRONOGRAMA ............................................................................................................... 33
4. FIAR, TECER, ENREDAR: UM PRÓL OGO .................................................................. 34 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 39
1 APRESENTAÇÃO
A Educação Ambiental (EA) teve papel importante na minha formação inicial como professor-pesquisador. Até o terceiro semestre do curso de Pedagogia eu sentia um desencantamento com a realidade educacional e com as discussões sobre a profissão e suas possibilidades, pensava até mesmo em deixar o curso. Foi nesse momento que comecei meus primeiros estudos sobre a Educação Ambiental, motivado por um trabalho interdisciplinar que tinha como objetivo nos levar a pensar possíveis temáticas para a monografia. Como as questões sobre o meio ambiente sempre fizeram parte da minha vida, estudar um viés educacional que fizesse essa ligação entre meus ideais e a educação me motivou a continuar meus estudos em Pedagogia. Os caminhos percorridos nos estudos sobre Educação Ambiental me levaram, no sétimo semestre da minha graduação, a realizar no estágio curricular um projeto em Educação Ambiental. O projeto intitulado “Ler, escrever, contar e refletir: construindo aprendizagens significativas a partir da Educação Ambiental” foi pensado de forma a tecer na interdisciplinaridade os conteúdos negligenciados em uma prática educativa voltada exclusivamente para a leitura, a escrita e o contar, deixando de lado conhecimentos importantes para a formação do ser humano. Desta forma, o projeto articulava conteúdos das disciplinas de português, matemática, história, ciências, geografia e artes, de forma a evidenciar que as práticas de ler, escrever e contar podem acontecer de forma contextualizada e significativa. Ao final da graduação escrevi minha monografia sobre a Educação Ambiental. Na pesquisa que deu sustentação a esse trabalho, busquei identificar quais tipos de Educação Ambiental eram exercidos nas práticas dos professores das 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental – atuais 4º e 5º anos – da rede municipal de educação de Ibititá – BA. Ficou evidente, através da pesquisa, que o enfoque conservacionista da Educação Ambiental estava mais presente. Em suas práticas os professores buscavam a transmissão de valores que eles acreditavam ser ecologicamente corretos, e perpetuavam a separação dos problemas ambientais dos sociais, políticos, econômicos e culturais. É essa itinerância que me traz até aqui, em um momento histórico em que a crise ambiental, entendida como crise de civilização (LEFF, 2003, p. 16), chega a um estado ainda mais alarmante no Brasil e no Mundo. A região Sudeste do país passa por uma seca 5
inimaginável, que associada a má gestão dos recursos hídricos, pode provocar um racionamento em São Paulo, e em outros estados. Com a forte estiagem na região Sudeste, até mesmo a nascente do Rio São Francisco, considerado o Rio da Integração Nacional, chegou a secar, fato que nunca tinha ocorrido. O ano de 2014 foi, de acordo com monitoramento realizado pela NASA – Agência Espacial Americana, o ano mais quente desde 1880, quando a temperatura do planeta começou a ser registrada, sendo que o último mês de 2014 foi considerado o mês mais quente da história da Terra, um reflexo do aquecimento global, que coloca em risco o futuro da vida no planeta. É nesse contexto que mais uma vez me coloco a interrogar sobre Educação Ambiental. Assim, como afirma Bicudo (2011), uma “interrogação persiste, muitas vezes, ao longo da vida de um pesquisador, ou mantém-se durante muito tempo com força que, como a physis, faz brotar e manter-se sendo”. Persiste mesmo que a pergunta “específica de um determinado projeto seja abordada, dando- se conta do indagado” (p. 23 e p. 24, grifos da autora). De tal modo, a interrogação que direciona este trabalho me move nesse processo de ser sendo, me move nessa minha itinerância pelo mundo, e interroga mais uma vez sobre a Educação Ambiental. A pergunta que guia esta pesquisa pode ser expressa da seguinte forma: como a Educação Ambiental tecida nas experiências do mundo vivido pelos professores das redes de educação dos municípios de Irecê, Ibititá e Lapão – BA? É interessante neste momento, antes de ser explicitado qualquer objetivo para o estudo, compreender as especificidades do Mestrado Profissional em Educação da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Diferentemente dos Mestrados Acadêmicos, nos quais ao final do curso é elaborado uma dissertação, O Mestrado Profissional em Educação – UFBA tem como trabalho de conclusão de curso a elaboração de um Projeto de Intervenção. Desta forma, a pesquisa dentro deste mestrado profissional visa fornecer elementos sobre a realidade que se pretende intervir, dando sustentação para a elaboração do projeto de intervenção. Assim, o objetivo desse estudo é compreender a Educação Ambiental tecida no mundo vivido pelos professores das três redes que fazem parte do Mestrado Profissional em Educação – UFBA, a fim de fornecer os fios que serão utilizados na tessitura do Projeto de Intervenção. 6
2. OS TRÊS ELOS: IRECÊ, IBITITÁ E LAPÃO- BA
A história é tecida por acontecimentos que nós humanos contamos a partir da nossa visão, nos colocamos – quase sempre, como estopins das explosões que vão enredando os fatos e constituindo a história. Mas esquecemos que “o homem está na natureza”, e que a “natureza está no homem” ( MORIN apud PENA-VEGA, 2010, p. 71), e que é nessa relação complexa, quase de hibridação, que os acontecimentos vão tecendo a história. Os três municípios – Irecê, Ibititá e Lapão – BA, nos quais este estudo se realiza, tiveram suas histórias tecidas pela relação ser humano-natureza, quer seja pela forte estiagem que deu início a tudo, a qual deixou o chão seco para que os pés e patas o transmutassem em poeira a ser levantada pelos passos que seguiam por caminhos incertos, quer pelo abrigo da primeira morada feita embaixo de uma quixabeira. Assim, este capitulo pretende resgatar aspectos históricos, educacionais, econômicos e ambientais dos três municípios, enfatizando a forte ligação que possuem com o meio ambiente que os cerca.
2.1 O INÍCIO EM COMUM Em 1663, Antônio Guedes de Brito ganhou as terras onde atualmente se localiza grande parte das cidades da microrregião de Irecê. Logo após obter a propriedade, Antônio organizou uma comitiva com aproximadamente duzentos homens para que pudesse conhecer suas terras. Depois de muito andar pela caatinga, tentando escolher os melhores locais para a criação de gado, dando preferência àqueles nos quais havia água em abundância, a comitiva chegou então a um local que parecia ser ideal para a pecuária. Nesse local seria estabelecida a primeira fazenda do Senhor Antônio naquelas terras. “A primeira de suas fazendas nesta região foi construída no lugar denominado por ele de Lagoa das Caraíbas ou Brejo das Caraíbas, atual Irecê” (RUBEM, 2001, p. 31, grifo do autor). Esse nome foi dado devido ao grande número de pés de Caraíbas que havia na localidade. Contudo, a região da fazenda não chegou a ser povoada, e não se sabe precisar quando a criação de gado foi abandonada em suas terras.
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Em 1877, 224 anos após as primeiras comitivas passarem pela Lagoa das Caraíbas, centenas de famílias migravam de um lugar para o outro fugindo da seca que assolava parte do estado. Uma dessas comitivas trazia os homens que fundariam a cidade de Irecê e dariam início ao povoamento das terras onde seriam construídas as outras cidades dessa região.
2.2 IRECÊ: AS SOMBRAS DA QUIXABEIRA Como foi dito anteriormente, em 1877 uma grande seca assolava boa parte do estado da Bahia. Devido a isso centenas de famílias migravam de um lugar para o outro em busca de água e de melhoria de vida. Uma dessas comitivas era composta por Antônio Alves de Andrade, Hermógenes José Santana, Sabino Badaró, Joaquim José de Sena, Deoclides José de Sena, José Alves de Andrade e Benigno Andrade, que ao chegarem à Lagoa das Caraíbas descobriram um bom lugar para permanecer, pois havia muita caça, água em abundância e um solo fértil para plantar. Eles não possuíam barracas ou outra forma de proteção para se abrigarem, e encontraram embaixo dos galhos de um pé de quixabeira a primeira morada nessas terras.
Figura 1 - Quixabeira sob a qual os primeiros habitantes de Irecê se abrigaram. Fonte: Blog A história da agricultura de Irecê e os impactos ambientais (2015).
Foi assim que Irecê surgiu, às sombras da quixabeira-mãe, que abraça e protege, que nina os homens para que sonhem os sonhos de crianças de uma vida melhor. E mesmo
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depois de muitos anos, a quixabeira-mãe ainda resiste, talvez como forma de mostrar o início simples de uma cidade que se faz tão grande. Irecê tornou-se efetivamente município, deixando de ser distrito da cidade de Morro do Chapéu em 31 de maio de 1933, pelo decreto estadual 8.452. Atualmente o município possui uma população estimada de 72.730 habitantes (IBGE, 2015), e uma área de 319 km².
2.2.1 Alguns aspectos educacionais Do início simples, de uma educação realizada em pequenos prédios muitas vezes improvisados, e com professores particulares, que eram em sua maioria leigos, a educação de Irecê atualmente é reconhecida na microrregião pelo esforço na busca da qualidade, visando sempre a construção de parcerias para uma melhor formação dos professores de sua rede. Contudo no começo da década de 1990, a educação em Irecê ainda possuía traços de seus primórdios: professores leigos, ensino feito em lugares improvisados, como acontecia em determinadas escolas, que devido à falta de espaço físico utilizavam locais como igrejas para que o ensino em algumas turmas pudesse acontecer. Essa problemática de ausência de espaço adequado para o ensino afetava pelo menos cinco escolas da sede do município. E devido a isso, a carga horária do ensino era reduzida para três horas diárias. Juntam-se a esses outros problemas, como o grande número de crianças fora das escolas, atrasos salariais, entre outros, que contribuíam para a baixa qualidade do ensino no município. A partir de 1997 algumas mudanças significativas começaram a acontecer na Rede de Ensino de Irecê. Várias parcerias com instituições foram firmadas visando a melhoria da qualidade do ensino, entre essas instituições estão: Instituto Ayrton Senna, CETEB, Petrobras, BNDES, FNDE, MEC, CAPACITAR e AVANTE. Da parceira com a AVANTE nasceu o primeiro Currículo da Rede Municipal de Ensino de Irecê para a Educação Infantil, Ensino Fundamental I e Educação de Jovens e Adultos. O currículo foi implementado no ano de 1999, sendo que a partir dele a educação de Irecê passou a adotar o sistema de Ciclos de Aprendizagens. A implementação do currículo passou por inúmeros problemas, principalmente pela falta de compreensão da proposta de Ciclo de Aprendizagem e do processo avaliativo proposto. 9
Em 2013, um novo currículo foi construído para a Rede de Ensino de Irecê, desta vez por meio de uma parceria com a Universidade Federal da Bahia – UFBA. Através dessa parceria foi oferecido o curso de Pós-Graduação em Currículo, e os cursistas, após muitas tentativas de diálogos com os professores da rede, em busca de opiniões, apresentaram o currículo com uma proposta inovadora com um sistema de ensino baseado nos Ciclos de Formação Humana. Contudo, este currículo ainda não foi implementado, ficando a Rede de Ensino de Irecê com um currículo antigo em quase completo desuso, e um novo currículo engavetado. A Rede de Ensino de Irecê possuía em 2013 – segundo dados do INEP (2015), 34 escolas em atividade, sendo 20 escolas na Zona Urbana, atendendo na Educação Infantil 1.225 crianças; no Ensino Fundamental Anos Iniciais, 3.283 alunos; Ensino Fundamental Anos Finais, 2.546 alunos; e na Educação de Jovens e Adultos – EJA, 766 alunos; e 14 escolas na Zona Rural, que atendem: na Educação Infantil, 222 crianças; no Ensino Fundamental Anos Iniciais, 521 alunos; Ensino Fundamental Anos Finais, 218 anos; e na EJA, 112 alunos.
2. 3 IBITITÁ: DA SOLIDEZ DOS ROCHEDOS ÀS INCERTEZAS DA CHUVA Em 1887, a notícia de que uma comitiva havia encontrado solo fértil e bastante água nas terras da Lagoa da Caraíbas, atual Irecê, se espalhou aos quatro ventos, e outras pessoas partiram rumo à localidade a fim de se apossarem de um bom pedaço de terra para plantar, e assim continuarem suas vidas com um pouco mais de tranquilidade. Com o tempo, não se sabe precisar como, alguns dos moradores da nova localidade descobriram que as terras tinham herdeiros e resolveram avisá-los que centenas de pessoas estavam tomando posse delas. Após serem avisados, os irmãos Martiniano, Clemente e Benigno Marques Dourado partiram do município de Brotas de Macaúbas, a fim de tomarem posse do que havia restado de suas terras, e fugir da seca que assolava seu município. Ao chegarem em um pedaço de terra coberta de vastos rochedos, mas também de solo fértil, os irmãos perceberam na fertilidade da terra a possibilidade de cultivo de feijão, milho, cana e outros produtos. E decidiram fixar moradia no local, nomeando-o, então, de Rochedo. Após 40 anos da excursão dos irmãos Dourado, mais precisamente em 1927, Rochedo tornou-se distrito do município de Irecê. Mas devido à forte agricultura que 10
crescia no distrito, e a grande extensão de terras ainda virgens, mais moradores chegavam à localidade buscando trabalho, um pedaço de terra para plantar e a possibilidade de um futuro promissor. O desenvolvimento do distrito culminou na sua emancipação política, que ocorreu em 17 de outubro 1961, por meio do Decreto Lei n.º 1518. Rochedo passou então a ser cidade, de nome Ibititá. Contudo, mesmo após 52 anos de emancipação política, e de ter tido seu nome modificado, boa parte da população ainda se refere ao município de Ibititá como Rochedo, o que pode evidenciar um sentimento de pertencimento e identificação dos habitantes do município com o meio ambiente que os cerca.
Figura 2 - Rochedos localizados na sede do município de Ibititá. Fonte: Blog Conhecer para preservar (2015).
Atualmente, Ibititá possui uma área territorial de aproximadamente 623 km², e uma população estimada em 18.752 habitantes (IBGE, 2015). A atividade econômica principal ainda é a agricultura, mas devido à seca que tem assolado o semiárido baiano nos últimos anos, a produção agrícola tem sido ínfima. Devido a esse fato, parte da população mais carente do munícipio vive do dinheiro obtido através dos programas federais de transferência de renda e das aposentadorias dos idosos das famílias. Assim, todo nascido em Ibititá - como eu sou , cresce compreendendo as incertezas das chuvas, cresce desejando que ela venha forte, farta e constante, para que, em uma relação quase carnal, fecunde a terra e germine em seu solo a nova vida que renasce. Como uma fênix, que ressuscita das cinzas, a caatinga desse sertão revive através 11
das águas da chuva. Mas não é somente a vegetação que ressuscita, a nossa esperança dos seres que habitam essas terras também ganha nova vida com as chuvas. E é nesse eterno (re)viver que alimentamos a esperança - quiçá utópica, que como diria Eduardo Galeano, nos move, para assim continuar construindo a nossa história.
2.3.1 Panorama da Rede de Ensino Com a cidade crescendo e o aumento de sua população, constatou – se a necessidade de investimentos em educação. Um dos primeiros prédios escolares construídos exclusivamente para finalidade do ensino em Ibititá foi a Escola Hermano Marques Dourado, precisamente em 1969. A escola atendia turmas de 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental, e em meados dos anos 80, passou a atender também as turmas de Pré-Escola. Foi a primeira escola no munícipio a fornecer educação para as crianças dessa faixa etária. Essa inciativa de atender as crianças em idade pré-escolar foi importante conquista para o munícipio. “As salas de aula não possuíam uma infraestrutura adequada para atender crianças de 4 a 6 anos. Porém, as professoras possuíam curso de magistério e desenvoltura para trabalhar com crianças dessa faixa etária.” (COLPO, 2008, p. 40) A primeira creche do munícipio foi fundada em 1985, funcionava em um galpão improvisado e era mantida pela prefeitura. A Creche Mãe Nêna não possuía nenhum registro legal e não atendia adequadamente as crianças. Pouco tempo depois a creche foi instalada em uma casa alugada, funcionando das 8h às 14h, oferecendo refeições para as crianças, que eram em sua maioria de famílias carentes. Em 1993 houve uma mudança significativa na infraestrutura da creche, passando a ter instalação própria e mais adequada à faixa etária das crianças. Outra mudança foi o nome da instituição, que passou a se chamar Creche Mãe Du, em homenagem a uma parteira que trabalhou gratuitamente na cidade dos anos 1950 até os anos 1980. Segundo dados do INEP (2015), a Rede de Ensino de Ibititá possui 33 escolas em atividade, sendo que a maioria está localizada na Zona Rural, mais precisamente 28 escolas. Em 2013 foram atendidos 3.160 alunos, sendo: 582 alunos de Educação Infantil; 2.468 alunos de Ensino Fundamental; e 110 alunos de Educação de Jovens e Adultos.
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2.3.1.1 O Currículo desconhecido A Proposta Curricular no município de Ibititá foi elaborada entre os anos de 1997 e 2000, mas não se pode precisar o ano de sua implementação. Embora no seu texto seja afirmado que a Proposta Curricular foi elaborada com a colaboração dos diretores, professores e funcionários, seu conteúdo é desconhecido pela maioria dos educadores, apesar de ainda vigorar oficialmente. No documento são traçados dois compromissos do Pode Municipal para com a sociedade ibititaense: o primeiro afirma que nenhuma criança deverá permanecer fora da escola, por falta de vagas, de alimentação ou vestuário; o segundo afirma o compromisso de oferecer educação de jovens e adultos para as pessoas que não tiveram oportunidade de frequentar a escola na idade certa. (IBITITÁ, [2002]) Dentre os objetivos estabelecidos no currículo podem ser destacados os seguintes: “compreensão do mundo em que vive; conquista da autonomia; criação de vínculos para uma interação social; acesso ao saber historicamente construído pela humanidade; ampliação do conhecimento” (IBITITÁ, [2002]). Outro ponto abordado no documento é que os conhecimentos sejam funcionais, ou seja, que possam ser efetivamente utilizados, quando as circunstâncias em que se encontra o aluno exijam essa ação. Para que isso possa acontecer são estabelecidos no currículo critérios para escolha dos conteúdos a serem ensinados, são eles: “ ser relevante para a sociedade; ser relevante para o desenvolvimento dos alunos; precisar de uma ajuda especifica para ser aprendido” (IBITITÁ, [2002]). No documento o sistema escolar é organizado em ciclos: Educação Infantil, de 0 a 3 anos; creche, de 04 a 06 anos; pré-escola; Ensino fundamental 1°, 2°, 3° e 4° ciclos. Essa organização não chegou a ser implementada, e atualmente o Ensino Fundamental é organizado em Anos, atendendo a regulamentação da Lei 11.274/2006, que institui o Ensino Fundamental de Nove Anos.
2. 4 LAPÃO: FONTE DE ÁGUA LIMPA A história dos três municípios, Irecê, Ibititá e Lapão, sempre esteve conectada. Em uma dessas comitivas que vieram para essas terras estava Herculano Dourado, que fixou moradia em lugar denominado Fazenda Boi, que ficava perto da Lagoa das 13
Caraíbas. Herculano era dono de muitas terras, tantas que não conhecia as riquezas de sua propriedade. Em 1900 era comum os homens saírem para caçar e procurar mel, que servia tanto para consumo de suas famílias, como também para comercialização nas feiras de cidades vizinhas. Sair para caçar era rotina de Pedrinho, João e Antônio Neném de Matos, que na época moravam em Rochedo (RUBEM, 2010, p. 34), atual Ibititá. Eles sempre caçavam juntos, mas um dia Pedrinho decidiu se aventurar por outras partes daquela imensa terra, e chamou seus companheiros para procurar um lugar diferente para caçar. Acostumados com a certeza de conseguir caça , seus companheiros não aceitaram partir em busca de uma incerteza. Não intimidado pela recusa dos companheiros, Pedrinho partiu sozinho, andou um bocado até avistar um pé de gameleira, árvore que chamava a atenção por ser mais alta que as demais. Caçador experiente, ele sabia que as gameleiras cresciam perto de rochedos, onde poderiam ser encontrados animais em busca de água. Ao chegar perto, percebeu uma grande lapa na qual parecia haver uma espécie de rio subterrâneo e inúmeros animais que estavam ali para saciarem a sede. Pedrinho não contou aos amigos sobre a descoberta e não quis mais caçar com eles. Depois de muitos dias, e de muita desconfiança com a recusa do amigo em lhes acompanhar, João e Antônio resolveram seguir Pedrinho e o encontraram deitado às margens da grande lapa, às sombras da gameleira. Os dois lembraram Pedrinho que as terras pertenciam a Herculano, e o correto seria avisá-lo da descoberta em sua propriedade. Mas Pedrinho não quis ouvir os conselhos, afirmava que ele havia descoberto o local e, sendo assim, lhe pertencia. Mesmo assim os amigos foram até Herculano e lhe contaram da grande lapa. Herculano mandou chamar Pedrinho para uma conversa, com medo, ele não foi. Herculano então ordenou aos seus capangas que buscassem ele. Depois de muita conversa o dono das terras autorizou Pedrinho a continuar a caça e também lhe ofertou um pedaço de terra para que pudesse cultivar perto da grande lapa.
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Figura 3 - Praça na cidade de Lapão, onde se locali za a grande Lapa. Fonte: Site Cidades do meu Brasil (2015).
Não foi só a Pedrinho que Herculano doou um pedaço de terra. Decidido a povoar a região da grande lapa e a fundar um povoado, ele começou a doar pequenas propriedades para quem decidisse fixar moradia naquela localidade. Dezenas de pessoas se mudaram então para aquelas terras, e assim se deu o surgimento do município de Lapão. A grande gameleira, em cuja sombra Pedrinho aproveitava para descansar, foi derrubada em 1962, porém uma nova árvore da mesma espécie foi plantada no seu lugar no ano de 1999.
2.4.1 Aspectos educacionais Por volta do ano de 1926, o atual município de Lapão ainda era um pequeno povoado, mas já possuía uma escola pública, o que era um diferencial em relação a outras localidades da região. A escola funcionava em um amplo salão, como eram chamados naquela época os espaços utilizados para o ensino, e tinha apenas uma professora, Ana Guanaes de Lima, que lecionou nessa escola até 1930, sendo substituída por sua irmã. Sabe-se que até o ano de 1996, antes da publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n. 9394, a educação do município de Lapão, como de outros da microrregião, passou por uma série de problemas. Quase todos os professores eram contratados, e em sua grande maioria eram leigos, muitos com baixa escolaridade. O 15
ensino público somente era ofertado até a 4ª série do Ensino Fundamental. Do início ousado, com a fundação de uma escola pública ainda enquanto era povoado, a educação do município de Lapão tinha ficado parada no tempo. A partir de 1997, o ensino público do município começa a ser estruturado, no mesmo ano foi realizado concurso público para professores, iniciou-se uma discussão sobre melhoria salarial, ocorreu a construção de um Plano de Carreira para o Magistério, iniciou-se a utilização de TVs e Vídeos Cassetes durante as aulas, e principalmente, ocorreu a ampliação da oferta de ensino até a 8ª série do Ensino Fundamental. Atualmente o município de Lapão, segundo dados do INEP (2015), possui 26 escolas em funcionamento, a grande maioria na Zona Rural, sendo 18 no total, atendendo 1.020 crianças na Educação Infantil; 2.270 alunos no Ensino Fundamental Anos Iniciais; e 1.631 alunos no Ensino Fundamental Anos Finais.
2.5 O ENTRELAÇAR DOS ASPECTOS ECONÔMICOS E AMBIENTAIS Durante muitos anos a principal atividade econômica dos municípios de Irecê, Ibititá e Lapão foi quase que exclusivamente a agricultura. Isso se deu principalmente nas décadas de 1970 e 1980, quando o governo federal intensificou o financiamento do plantio e colheita nesses municípios. A agricultura era centrada basicamente na produção do chamado tri consórcio, feijão – milho – mamona. Os produtores recorriam à agricultura não apenas como forma de sustento de suas famílias, mas também como forma de buscar o enriquecimento, tentando a cada ano aumentar a produção, o que consequentemente aumentou a extensão das áreas plantadas e a intensificação do desmatamento na região. Foi durante esse período que a região de Irecê recebeu o título de Capital Mundial do Feijão, quando cerca de 400 mil hectares do produto foram plantados, rendendo uma safra de aproximadamente 11 sacos por hectare. A última grande safra de feijão na região foi em 2000, quando obteve-se uma produção de 5 milhões de toneladas do grão. Mas devido às questões climáticas e à degradação do solo, a produção não tem mais o mesmo rendimento. Dos 400 mil hectares plantados nos anos de 1980, atualmente o plantio de feijão não passa de 30 mil hectares. Irecê, depois de quase 30 anos, perdeu o título de Capital Mundial do Feijão. Lopes (2010) afirma que o intensivo financiamento feito pelo governo federal e o sistema de produção utilizado configuraram-se como um “elemento de forte pressão sobre 16
o ambiente e de fragilização dos mecanismos de convivência da população com os recursos naturais”. Na figura 4 podemos ver o atual estado da vegetação na região.
Figura 4 - Mapa da vegetação de parte do Território de Identidade de Irecê, em destaque os municípios de Irecê, Ibititá e Lapão - BA. Fonte: Inema (2014).
Nota: modificado pelo autor.
Como podemos ver no mapa, a parte de cor mais clara, que cobre praticamente toda a extensão dos municípios de Irecê, Ibititá e Lapão, mostra o alto grau de derivação antrópica1 em que estão essas localidades, principalmente no município de Ibititá. Para Lopes (2010), o atual estágio de derivação antrópica pode ser sentido no alto nível de poluição e degradação das margens dos rios na região de Irecê, na salinização das áreas de produção, na destruição da vegetação e no comprometimento dos lençóis freáticos, associado à contaminação pelo uso de agrotóxicos e ao uso intenso dos recursos
1 Derivação
antrópica é a alteração direta ou indireta do meio ambiente resultante das ações humanas (Monteiro, 2001 apud SANTOS, 2014, p. 279).
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hídricos para irrigação, pela abertura de grande número de poços tubulares de “[...] forma descontrolada, sem a existência de fiscalização e de um mo nitoramento do uso da água”. As imagens de satélite a seguir mostram de forma mais evidente o nível de desmatamento e degradação ambiental nos três municípios.
Figura 5 - Imagem de satélite do município de Irecê. Fonte: Google Earth (2015).
Figura 6 - Imagem de satélite do município de Ibititá. Fonte: Google Earth (2015).
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Figura 7 – Imagem de satélite do município de Lapão. Fonte: Google Earth (2015)
Embora tenha tentado buscar dados oficiais sobre o desmatamento nos três municípios, através de mensagens eletrônicas, telefonemas e indo diversas vezes ao Posto Avançado do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) em Irecê, tais dados não foram disponibilizados pelo órgão. Contudo, através do Mapa da Vegetação, mostrando o grau de derivação antrópica, e das imagens de satélite, pode-se constatar que a situação ambiental dos três municípios nos quais este estudo é realizado, bem como de outros municípios do Território de Identidade de Irecê, é cada vez mais crítica e já pode ser sentida por toda a população dos municípios.
2. 6 ASPECTOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS TRÊS MUNICÍPIOS Durante os dois primeiros ciclos do Mestrado Profissional em Educação, realizados entre outubro de 2013 e agosto de 2014, fomos convidados pelas Oficinas: Descobrindo a rede; e, Compreendendo espaços específicos da rede, a
adentrar nos
espaços educativos a fim de aprofundar nosso conhecimento sobre as redes municipais de educação e diagnosticar a realidade. Assim, as informações contidas nessa seção do trabalho são frutos dessas visitas a esses espaços educativos, da escuta dos professores na Desconferência: intervenções do/no cotidiano e
da busca de informações junto às
Secretarias de Educação dos municípios de Irecê, Ibititá e Lapão.
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2. 6. 1 O que ouvi das Secretarias de Educação... Nesse processo de descobrimento e compreensão das redes, visando sempre um maior entendimento do acontecer da Educação Ambiental, busquei junto às Secretarias de Educação, através de conversas com os coordenadores responsáveis pela EA, e/ou dos coordenadores técnicos, informações e documentos que me ajudassem a compreender como a Educação Ambiental é tratada institucionalmente pelos municípios pesquisados. Em conversa com os coordenadores, pude perceber que em nenhuma das redes há uma regulamentação para a Educação Ambiental, a temática nem mesmo é tratada nos textos curriculares. Entretanto, no município de Lapão já existe uma tentativa de institucionalizar a EA como política pública na rede de educação. Para isso, o município criou em 2011, a Proposta de Educação Ambient al, com o título “Educando para a cidadania: a Participação do sujeito na valorização do seu espaço ambiental”. De acordo com o documento, a proposta deve servir como referência para a elaboração de programas setoriais e projetos pedagógicos e sociais em todo o território do município, e tem como objetivo principal:
Desenvolver uma compreensão integrada do Meio Ambiente e suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, históricos, culturais, tecnológicos, éticos e pedagógicos, contribuindo para estimular a capacidade de representatividade política e técnica das pessoas em todos os segmentos de sociedade lapoense (LAPÃO, 2011, p. 6).
A proposta ainda traz orientações didáticas para as práticas pedagógicas em Educação Ambiental, visando dar suporte aos educadores em suas práticas. As orientações são baseadas no Programa de Educação Ambiental do Sistema Educacional da Bahia (ProEASE – BA) e no Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA). Entre as orientações didáticas podem ser destacadas as seguintes:
Projetos – atividade flexível que permite a realização de trabalhos com temáticas adequadas à realidade escolar e sua problematização, envolvendo as etapas de identificação do tema, elaboração de objetivos e metas, seleção de atividades, execução, acompanhamento e avaliação com definição de critérios; [...] Teatro ou dramatizações – atividades pedagógicas que envolvem componentes cognitivos, corporais, afetivos, e simbólicas facilitando o entendimento dos problemas ambientais;
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Pesquisas – sobre conflitos e problemas ambientais atuais em fontes diversificadas, considerando os atores sociais envolvidos, os documentos de instituições públicas e privadas, bem como de associações, sindicatos e ONGs, dando concretude aos temas abordados; Elaboração/encaminhamento de documentos – cartas e manifestos produzidos na escola, que expressam denúncias e ações de intervenção diante da degradação socioambiental; [...] Palestras – envolvendo a comunidade escolar e profissional da área e a comunidade como um todo nos processos de reflexão, intervenção e construção coletiva; Produção coletiva e divulgação de materiais contextualizados – cartilhas, livretos, vídeos e similares feitos autonomamente nas escolas, facilitando o acesso à comunicação e o diálogo entre áreas de conhecimento (LAPÃO, 211, p. 14).
Contudo, conforme explicitado no documento, as escolas têm autonomia na criação e consolidação da educação ambiental, podendo desenvolver suas estratégias didáticas, escolhas de temas, porém sempre em consonância com os princípios e diretrizes destacados na proposta. Já em relação ao município de Ibititá, a única menção em documento oficial sobre a Educação Ambiental é no Plano Municipal de Educação, Lei nº 650, de 14 de março de 2011. No documento é afirmado como um dos objetivos do Plano é a oferta de cursos de formação continuada em Educação Ambiental para professores e gestores que atuam no Ensino Fundamental. As formações, segundo o texto, deveriam ter começado no primeiro semestre de 2011. Porém, nenhuma formação nesse sentido foi iniciada. No município de Irecê, há uma iniciativa a ser iniciada em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR-AR/BA), o Programa Despertar. A iniciativa atenderá somente escolas das comunidades rurais do município e visa formar cidadãos rurais conscientes, aptos a exercer a cidadania e a participar de um processo de desenvolvimento mais próximo da sustentabilidade. Entre os objetivos do Programa Despertar, estão: formar cidadãos capazes de valorizar e preservar o meio ambiente em que vivem e habilitar educadores para desenvolver ações estratégicas sobre os temas transversais, com atividades pedagógicas significativas, a partir de projetos interdisciplinares. Embora os municípios de Ibititá e Irecê não possuam programas ou propostas específicas para a Educação Ambiental, as escolas e principalmente os professores afirmam realizar ações e atividades em EA no seu cotidiano, contudo em nenhuma das 21
visitas foi possível observar atividades em EA acontecendo. As visitas foram realizadas na Escola Hermano Marques Dourado, no município de Ibititá, e na Escola Municipal Tenente Wilson Marques Moitinho, no município de Irecê, sendo realizada duas visitas em cada unidade de ensino. Em uma das visitas à Escola Hermano Marques Dourado, localizada no município de Ibititá, a coordenadora da escola, Jurema Oliveira, me disse que o trabalho com EA é difícil, porque, embora os professores tenham consciência de sua importância, não conseguem trabalhar com as temáticas dentro de suas aulas. O mesmo ocorre na Escola Municipal Tenente Wilson Marques Moitinho, segundo a coordenadora da instituição, Andréia Rodrigues de Oliveira, as atividades de Educação Ambiental ficam praticamente restritas as Oficinas de Jardinagem e Artes do Programa Mais Educação. Mesmo com essa dificuldade, segundo as coordenadoras, alguns professores costumam inserir atividades de Educação Ambiental em suas práticas através de projetos, que na maioria das vezes não atingem toda a escola, tendo caráter bastante específico e pontuais, voltados para datas comemorativas. Alguns projetos apesar de serem pontuais, atingem toda a escola e/ou o município, como o projeto do desfile cívico de 7 de setembro, realizado em 2013 pelo município de Lapão. Intitulado Lapão: a caminho do desenvolvimento sustentável , o projeto visava “promover a apropriação de novas concepções e práticas educacionais que incorporem a dimensão ambiental e promovam o ideário da sustentabilidade, garantindo assim uma nova postura ética diante do mundo” (LAPÃO, 2013, p. 01). Contudo, apesar dessas raras iniciativas de projetos em comum, as práticas em Educação ambiental ainda são realizadas de forma bastante solitária, seja pelas escolas, seja pelos professores, sem um diálogo entre professores, entre escolas, entre escolas e secretarias, e principalmente, sem apoio formativo por parte das secretarias de educação.
2. 6. 2 O que ouvi das professoras... A Desconferência: intervenções do/no cotidiano, foi realizada no dia 22 de abril de 2014, no Parque da Cidade localizado no município de Lapão, tendo como objetivo levantar discussões sobre as temática das pesquisas que estão sendo realizadas pelos mestrandos do programa, bem como através de diálogos colaborativos com os membros – professores, gestores, coordenadores, das três redes que compõem o Mestrado 22
Profissional em Educação - UFBA, discutindo possibilidades para a construção dos projeto de intervenções. O evento foi organizado pelos 20 mestrandos do programa, sob a orientação da Professora Inez Carvalho, e foi pensado visando romper a lógica comum de uma conferência ou palestra, nas quais geralmente os participantes são meramente ouvintes, ou quando tem a possibilidade de se expressar permanecem sentados em lugares fixos durante todo o evento. Desta forma, decidimos adotar o termo Desconferência, que vem sendo utilizada em eventos principalmente nas áreas de tecnologias como uma saída para romper com um ou mais aspectos de um conferência convencional. Assim, a organização da Desconferência: intervenções do/no cotidiano foi pensada na perspectiva de fuga do convencional, os membros das três redes que participaram do evento foram convidados a conversarem, a serem coautores, e não apenas meros figurantes ou ouvintes de uma preleção. Neste sentido, a Desconferência foi organizada em três espaços/momentos: 1 – Alameda: espaço de entrada dos participantes, onde ficaram expostos os banners com indagações e provocações sobre as temáticas das pesquisas realizadas pelos mestrandos.
Figura 8 – Professoras lendo os textos expostos nos banners. Fonte: Vera Cavalcante
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Figura 9 – Banners expostos no evento. Fonte: Autoria própria.
2 – Instalação: espaço criado com objetos que remetessem as temáticas da pesquisa, com objetivo de sensibilização e provocação. A instalação era composta por uma cama de gato, que tinha como objetivo que
os participantes se desequilibrassem e equilibrassem
ao todo o momento, como acontecem na tentativa de solução de problemas, como os que ocorrem no cotidiano escolar.
Figura 10 – A instalação em processo de criação. Fonte: Hebe de Jesus
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Figura 11 – Participantes do evento se abaixando para se mover dentro da instalação. Fonte: Jucileide Lima
3 – World Café: essa metodologia foi utilizada para propor diálogos colaborativos entre os participantes do evento. O World Café é organizado em rodas de conversas durante um tempo limitado, após esse tempo, os participantes devem se levantarem e escolher outra mesa, com outra temática para que possa construir um novo diálogo. Na Desconferência essa metodologia foi composta por quatro rodas de conversas com 10 participantes, que teve uma duração de 20 minutos cada. O papel dos mestrandos durante o World Café de instigar as conversas entre os participantes. 2
Figura 12 – Minha mesa durante a primeira rodada de conversas. Fonte: Hilma Souza.
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No World Café foram utilizados copos descartáveis devido ao alto custo que seria fornecer copos reutilizáveis, contudo, os participantes do evento foram orientados a utilizarem apenas um copo.
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Figura 13 – Participantes se movimentando entre as rodadas de conversa. Fonte: Vera C avalcante.
As conversas tecidas durante o World Café foram gravadas através de um aplicativo no meu celular, contudo, infelizmente apenas os áudios das duas primeiras rodadas de conversas ficaram registrados. E devido a dinâmica do evento algumas pessoas no calor da conversa não se apresentavam, impossibilitando sua identificação, assim, os participantes serão identificados apenas como professoras. Para desencadear os diálogos iniciais, lancei a pergunta: como a Educação Ambiental acontece nas escolas? Professora A: “É uma questão curricular, ela como disciplina. Cobrado realmente para ser realizado”. Professora B: “Eu vou mais além da cobrança disciplinar, eu vou mais para o olhar do próprio professor”. Professora D: “Se o professor não tiver esse olhar ambiental...”. Professora B: “Porque já tem tanta coisa que é cobrada no currículo mas não acontece”. Professora C: “Porque é uma questão transversal, a próp ria lei diz que é transversal”. Professora B: Os PCNs já trazem isso. Mas falta esse olhar ambiental. Quando a gente faz um evento na escola, ou que vai trabalhar mesmo o Dia do Meio
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Ambiente, aí a gente vê muitos professores cortando galhos verdes para decorar o espaço. Eu posso decorar com galhos secos, com folhas secas. Eu tenho outras opções, mas eu só tenho isso se eu parar para refletir que se eu tiver quebrando o galho, eu estou no dia do meio ambiente agredindo o meio ambiente.
Professora C: “Ou faz a passeata pela conscientização para produzir menos lixo, e distribui panfleto de papel!”. Professora B: E outras coisas, diversas coisas que acontecem. No Dia da Criança, muitas escolas fazendo banho de mangueira, e nós estamos passando por racionamento de água, a gente não sai do racionamento já a uns três anos. Mas toda escola fez o banho de mangueira. Eu estou incentivando meu aluno a chegar em casa e a fazer o banho de mangueira qualquer dia que ele quiser. Aí em minha aula eu falo: usar o balde para limpar a casa ou carro, usar o balde, não usar a mangueira, aí eu vou e faço banho de mangueira na escola. Então são pequenas coisas que a gente faz na escola que reflete muito na vida das crianças.
A conversa é iniciada por uma fala da Professora A que expõe um debate histórico da Educação Ambiental, a questão de torná-la disciplina especifica. Contudo no tecer da conversa as falas de outras professoras demonstram que essa questão já foi superada, e a própria legislação vigente que dispõe sobre a Educação Ambiental, a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, institui com um dos princípios da Educação Ambiental a perspectiva inter, pluri, multi e transdisciplinar, e o Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs tratam o Meio Ambiente como tema transversal. Um aspecto bastante importante revelado nos fios da conversa, é a falta de coerência das práticas educativas, ou a não contextualização dessas práticas com os problemas ambientais da região, que devido a uma forte seca, e a problemas de gestão hídrica, passa por um racionamento de água. Transcrevo agora um trecho de outra conversa que foi iniciada com a mesma pergunta da anterior: Professora 1: “Assim, tem que trabalhar mais na escola a questão ambiental, tem ficado muito a desejar. Geralmente trabalha a penas um dia, no Dia do Meio Ambiente”. Professora 2: Conscientização é um processo lento, mas o que acontece é o professor trabalhar apenas o mês de junho com o meio ambiente, depois fica esquecido o resto do ano todo. Então, não vai conscientizar o aluno num projeto de 15 dias. Isso precisa ser trabalhado diariamente. Outro problema é
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que a gente não tem formação para trabalhar com Educação Ambiental. Não tem nenhum material da Secretaria, o currículo não tem.
Professora 3: “Quando vem algo é para trabalhar com reciclagem, aí você vai trabalhar com o que? Com garrafa PET, essas coisas”. Professora 4: “Gasta EVA para fazer uma bordinha ali”. Professora 5: “Você acaba produzindo mais lixo ainda, por que produz um enfeite que não vai ser utilizado”. Através desse trecho da conversa tecida pelas professoras podemos perceber que a Educação Ambiental tem acontecido de maneira bastante pontual nas escolas, e está ligada principalmente a datas comemorativas, como o dia do Meio Ambiente – 5 de junho, que é citado no diálogo. No relato também pode ser percebido que as professoras tem conhecimento da importância da conscientização dos alunos em relação a questões ambientais, contudo as falas deixam transparece que não existe um aprofundamento do debate dessas questões no processo de ensino-aprendizagem, o que pode ser reflexo de uma carência de formações para o trabalho com a Educação Ambiental. Outro ponto importante levantado na conversa se trata da não existência de políticas públicas municipais relacionadas a Educação Ambiental, como o não aparecimento nos currículos de orientações para o trabalho nas escolas, ou a produção de materiais que deem suporte para as ações dos professores.
3. DESENHANDO O CAMINHO METODOLÓGICO
“(...) Temos um esplendido passado pela frente? Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida”. (Eduardo Galeano – Janelas para a memória II)
A palavra fenomenologia se forma através da ligadura dos termos fenômeno mais lógos, e significa etimologicamente o estudo ou a ciência do fenômeno. Compreende-se fenômeno como
aquilo que se mostra na intuição ou percepção , que se mostra em si 28
mesmo, e lógos como sendo discurso esclarecedor. Pode-se, então, compreender fenomenologia como sendo o discurso esclarecedor daquilo que se mostra por si mesmo, buscando captar sua essência (BICUDO, 2011; MARTINS, 1992; PEIXOTO, 2003). Para Masini (1989), a pesquisa de enfoque fenomenológico “caracteriza -se pela ênfase no ‘mundo cotidiano’, pelo retorno àquilo que ficou esquecido, encoberto pela familiaridade (pelos usos, hábitos e linguagem do senso comum)”. Merleau-Ponty (2004) afirma que sempre somos tentados a esquecer parte do mundo em que vivemos, ignorando-o na postura prática do dia-a-dia. Essa familiaridade citada por Masini, e revelada por Merleau-Ponty, nos faz ignorar, ou esquecer o mundo vivido. É então tarefa de uma pesquisa de enfoque fenomenológico a procura por compreender a experiência do mundo vida dos sujeitos coautores da pesquisa. Desta forma, é no enfoque fenomenológico que este estudo se realiza, e como explicitado na apresentação desse trabalho, esta pesquisa busca compreender como a Educação Ambiental e Meio Ambiente é tecida nas experiências do mundo vivido pelos professores das redes de educação dos municípios de Irecê, Ibititá e Lapão – BA, visando obter elementos para a elaboração do Projeto de Intervenção. A busca pelas coisas mesmas, pela compreensão do mundo vida dos sujeitos da pesquisa nos leva à vivência da experiência do diálogo, que constitui
um terreno comum entre outrem e mim, meu pensamento e o seu formam um só tecido, meus ditos e aqueles do interlocutor são reclamados pelo estado da discussão, eles se inserem em uma operação comum da qual nenhum de nós é o criador. Existe ali um ser a dois, e agora outrem não é mais para mim um simples comportamento em meu campo transcendental, aliás nem eu no seu, nós somos, um para o outro, colaboradores em uma reciprocidade perfeita, nossas perspectivas escorregam uma na outra, nós coexistimos através de um mesmo mundo (MERLEAU-PONTY, 2014, p. 475).
No dialogo eu-outrem somos autores do mesmo mundo, e como “toda autoria é co-autoria” (PASSOS; SATO, 2005, p. 219), é na vivência da experiência do diálogo que se funda um ser a dois , e que as significações do mundo vivido emergem. Nessa busca, a percepção teria um papel importante, pois é através dela que compreendemos o mundo. Para Merleau-Ponty, não existe separação entre corpo e mente, entre pensamento e ação, sentir e compreender constituiriam então o mesmo ato de significação desencadeado pela percepção. Assim, para ele, 29
a percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explicitas (2014, p. 6).
É preciso então compreender que o ser-está-no-mundo, “e é no mundo que ele se conhece. Quando volto a mim a partir do dogmatismo do senso comum ou do dogmatismo da ciência, encontro não um foco de verdade intrínseca, mas um sujeito consagrado ao mundo” (MERLEAU-PONTY, 2014, p. 6). Assim, o sujeito não pode ser separado do mundo, e sua significação do mundo só se dá pela percepção, que implica que o ser esteja inserido incondicionalmente no mundo. “Construímos a percepção com o percebido (...). Estamos presos ao mundo e não chegamos a nos destacar dele para passar à consciência do mundo” (MERLEAU-PONTY, 2014, p. 26). Cabe ressaltar, como afirma Merleau-Ponty (2004, p. 65), que o “mundo percebido não é apenas um conjunto de coisas naturais, é também os quadros, as músicas, os livros”. É necessário, portanto, “redescobrir, depois do mundo natural, o mundo social, não como objeto ou soma de objetos, mas como campo permanente ou dimensão de existência: posso desviar-me dele, mas não deixar de estar situado em rel ação a ele” (MERLEAU-PONTY, 2014, p. 485). E na busca dessa consciência do mundo em sua complexidade, a arte tem um papel essencial:
(...) esse mundo é em grande medida ignorado por nós enquanto permanecemos numa postura prática ou utilitária, que foram necessários muito tempo, esforços e cultura para desnudá-lo e que um dos méritos da arte e do pensamento modernos (...) é o de fazer-nos redescobrir esse mundo em que vivemos mas que somos sempre tentados a esquecer (MERLEAU-PONTY, 2004, p.1).
Ferreira Gullar, considerado o maior poeta brasileiro, costuma dizer que a arte existe porque a vida não basta. Não basta porque nos deixamos conduzir por uma postura prática e utilitária, todo dia fazemos tudo sempre igual . Segundo Merleau-Ponty, a arte nos situa imperiosamente diante do mundo vivido, nos reconduzindo à visão das próprias coisas.
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Ainda segundo o filosofo, “o artista é aquele que fixa e torna acessível aos mais ‘humanos’ dos homens o espetáculo de que participam sem perceber”, e conclui afirmando que, “a pintura não evoca coisa alguma (...). Ela faz coisa totalmente diferente, quase o inverso: dá existência àquilo que a visão profana acredita invisível, faz que não tenhamos necessidade de ‘sentido muscular’ para termos a voluminosidade do mundo” (MERLEAU-PONTY, 1975, p. 120; MERLEAU-PONTY, 1989, p.53). O pintor, o artista, é aquele que torna visível o que o dia-a-dia nos faz esquecer:
seja qual for a civilização em que nasça, sejam quais forem as crenças, os motivos, os pensamentos, as cerimônias de que se cerque, e mesmo quando parece fadada a outra coisa, desde Lascaux até hoje, pura ou impura, figurativa ou não, a pintura jamais celebra outro enigma a não ser o da visibilidade (MERLEAU-PONTY, 1989, p. 53)
É com base nesse referencial que o caminho metodológico deste trabalho se desenha, sendo dividido em três movimentos autônomos, mas interdependentes. O processo do movimento de um, alimenta o movimento do outro, catalisando assim o desenvolvimento da pesquisa:
Figura 14 - O movimento da pesquisa. Fonte: Elaborada pelo autor
1º Movimento: de discussão e ação. Este movimento se subdivide em três etapas, a primeira se constituiu nas observações nas escolas, realizadas durante o Ciclo Um do curso. Essas observações foram propostas inicialmente com um exercício de implicação e suspensão, e como forma de realizar os primeiros diagnósticos das Redes e diálogos com os professores.
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A segunda etapa constituiu na realização da Desconferência: Intervenções do/no Cotidiano,
que ocorreu no dia 22 de novembro de 2014, e teve como objetivo levantar
discussões sobre a temática da pesquisa, bem como através de diálogos colaborativos com os membros – professores, gestores, coordenadores, das três redes que compõem o Mestrado Profissional em Educação - UFBA, discutindo possibilidades para a construção do projeto de intervenção. A terceira etapa constituir-se-á da realização de visitas às escolas, buscando observar o cotidiano escolar, e identificar professores que afirmam realizarem em suas práticas pedagógicas a Educação Ambiental. Após essa identificação e seleção dos professores, serão realizadas entrevistas narrativas com os mesmos. Serão escolhidos três professores, um de cada município para a realização das entrevistas narrativas. Como afirmam Jovchelovitch e Bauer (2014), a entrevista narrativa “tem em vista uma situação que encoraje e estimule um entrevistado (...) a contar a história sobre algum acontecimento importante de sua vida e do contexto social. A técnica recebe seu nome da palavra latina narrare, relatar, contar uma história” (P. 93, grifo dos autores). Como afirma Dutra (2002), através da narrativa tem-se a possibilidade de nos aproximarmos da experiência, tal como ela é vivida pelo narrador:
A modalidade da narrativa mantém os valores e percepções presentes na experiência narrada, contidos na história do sujeito e transmitida naquele momento para o pesquisador. O narrador não “informa” sobre a sua experiência, mas conta sobre ela, dando oportunidade para que o outro a escute e transforme de acordo com a sua interpretação, levando a experiência a uma maior amplitude, tal como acontece na narrativa (p. 374).
Ainda segundo Dutra, ao contar aquilo que já ouviu o pesquisador transforma-se em narrador, pois nesse processo de ouvir a experiência do outro, ele a funde com as suas experiências, emergindo as significações de um mundo constituído de um ser a dois . Assim, buscar-se-á, através das entrevistas narrativas, que os professores narrem suas experiências em Educação Ambiental, e situações nas quais eles afirmem terem um contato mais próximo com o Meio Ambiente. As entrevistas serão precedidas de um momento no qual será propiciado um contato com obras de arte, fomentando uma experiência estética, visando que através desse contato, memórias sejam acionadas, provocando o desencadeamento das narrativas dos professores. Desta forma, conforme 32
afirma Merleau-Ponty - e que foi citado anteriormente, serem impiedosamente situados no mundo vivido, reconduzidos às próprias coisas.
2º Movimento: de reflexão. Será o momento em que se procurará, através da reflexão-interpretação, compreender os conceitos de Educação Ambiental e Meio Ambiente tecidos nas experiências do mundo vivido pelos professores das redes de educação dos municípios nos quais este estudo se estabelecerá. Objetiva-se entender suas significações e experiências compartilhadas, com vistas a ter elementos para construção do Projeto de Intervenção.
3º Movimento: de reflexão e ação. Este último momento se constituirá na elaboração do Projeto de Intervenção, baseado nas compreensões e reflexões constituídas durante o caminho da pesquisa.
3.1 CRONOGRAMA
1º Movimento: de
2º Movimento:
3º Movimento: de
discussão e ação
reflexão
reflexão e ação
Março
Abril
Maio
Junho
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Julho
Agosto
Setembro
4. FIAR, TECER, ENREDAR: UM PRÓL OGO
Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão. (João Cabral de Melo Neto, Tecendo a manhã)
Conclusão, considerações finais, observações finais, esses são os termos mais comuns para nomear a última parte de um trabalho. Mas o fim nem sempre é o fim. Muitos acreditam que a morte, o fim da vida, é o começo de uma nova vida, uma abertura de novos caminhos a serem trilhados, uma abertura a um novo mundo. Deste modo, este fim não é um fim. A parte final deste trabalho traz em suas linhas uma abertura, são as ideias do que há porvir, um prólogo do Projeto de Intervenção que se tece. 34
Prólogo, do grego πρόλογος, junção dos termos pro - antes, à frente, mais l ógos – discurso, oração, é um termo originalmente usado no teatro grego para se enunciar o tema da peça, e tem sido comumente utilizado na literatura como uma forma de expor as ideias preliminares sobre o assunto que se desenvolverá na obra. E para começar a fiar este prólogo, voltamos ao poema de João Cabral de Melo Neto citado acima. No poema, a manhã é tecida pelos fios dos gritos dos galos. Cada grito, cada fio, vai se entrelaçando a outros, formando pontos coloridos, e como em um bordado, vai compondo a imagem no pano sem vida. A manhã é então poeticamente tecida pelas vozes de muitos um ser a dois.
Tecer em conjunto, talvez essa seja a principal ideia do Projeto de Intervenção que começa aqui a ser bordado. As observações iniciais e os diálogos construídos até o momento, com diversos membros das três redes pesquisadas, mostram que as práticas em Educação Ambiental têm sido realizadas de forma bastante solitária, por sujeitos autores que acreditam numa mudança de postura dos seres humanos em relação ao meio ambiente, e buscam a construção de uma sociedade sustentável e justa.
Enredar essas práticas através de uma Rede de Educação Ambiental articulada em parceria pelas secretarias de educação dos municípios de Irecê, Ibititá e Lapão, e aberta à vinculação de outras redes municipais de educação do Território de Identidade de Irecê, possibilitaria que esses gritos de galos solitários que tecem a educação ambiental se conectassem em muitos um ser a dois. A palavra rede vem do latim retis, e significa um entrelaçamento de fios que formam uma malha, ou um conjunto de elementos interligados. Segundo Castells (1999, p. 566), rede é um conjunto de nós interconectados, sendo nó o ponto no qual uma curva se entrecorta. Explicando melhor, Souza e Guimarães (2008) afirmam que rede “é a ramificação que une os nós e que nos
direciona para um fortalecimento (formação) num
momento virtual e finaliza com o objetivo maior, que é o fazer junto” (p. 114, grifos dos autores). Assim, as redes e, neste caso, as redes de Educação Ambiental, visam o fortalecimento das práticas educativas, o fazer junto, o diálogo e a polissemia. Como é o exemplo da Rede Paulista de EA (REPEA), criada em 1992, que tem “como finalidade socializar informações, experiências e ações de EA, promovendo seu fortalecimento” (GUERRA; LIMA; JUSTEN; GARUTTI, 2008, p. 83). Além dessas finalidades, a 35
REPEA tem tentado romper o isolamento de educadores ambientais, enfatizando o fazer junto, como forma de fortalecimento das práticas educativas em EA, e da própria rede (BORBA; OTERO. PINHEIRO, 2005, P. 63). A Rede de Educação Ambiental da Bahia – Reaba também como objetivo geral a articulação dos educadores ambientais, visando o fortalecimento da implementação da Política Nacional de Educação Ambiental – ProNEA. A Reaba foi instituída oficialmente no ano de 1992, por um grupo de educadores ambientais e ambientalista baianos que participaram da Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, sendo reativada em 2004 durante o Seminário de Educação Ambiental promovido pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia. Além do objetivo geral já exposto, a Reaba objetiva fomentar a troca de experiências e a capacitação de educadores para o fortalecimento da Educação Ambiental no estado da Bahia. Vivianne Amaral (2008, p. 20) afirma que as redes, enquanto sistemas organizacionais, possuem algumas características que podem ser definidas da seguinte maneira: 1- São organizacionalmente fechadas, mas abertas aos fluxos de energia e recursos. Fechadas, porque os objetivos compartilhados, as regras, e os ritos definem sua identidade, criando um sentimento de pertencimento. Mas aberta às novas participações, à troca de comunicação e informações. 2- O fluxo de informação é multidirecional, não-linear e tem diversas origens dentro do sistema. A troca, o fluxo de informação, não é apenas foco de um dos elementos que constituem a rede, mas de todos os elementos. 3- Os elementos que compõem a rede são autônomos, mas funcionam de forma interdependente. As ações de uma rede podem ser de toda e de apenas parte da rede, contudo, as pessoas atuam de forma conjunta para a realização de tarefas e para alcançar os objetivos em comum. 4- As redes são policêntricas. As redes possuem vários centros de iniciativas, que funcionam como nós que estimulam novas conexões dentro da rede, e interredes.
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5- As redes articulam diferenças. Congregando diversos setores, segmentos, e sujeitos com culturas diferentes, as redes criam um espaço que estimula a escuta e fomenta o respeito às diferenças. A partir dessas características podemos compreender que as redes de Educação Ambiental são espaços de formação, de diálogo, de construção colaborativa, coautoria e, principalmente, de um empoderamento para fortalecimento das práticas educativas. Através das redes, as práticas solitárias em Educação Ambiental dentro do cotidiano escolar ganham força e potencialidades para mudanças significativas das realidades. Uma outra importante característica de uma rede, como afirma Martinho (2004, p.55), é que todo processo de elaboração de seu projeto tem caráter coletivo e participativo. Nesse sentido, é pertinente deixar claro que, o que se pretende no Projeto de Intervenção a ser elaborado não se constitui como o projeto de uma rede de Educação Ambiental, com seus objetivos, visão e princípios, mas sim um projeto de indução e fomento para construção de uma rede de Educação Ambiental articulada inicialmente em parceria pelas secretarias de educação dos municípios de Irecê, Ibititá e Lapão. Desta forma, o Projeto de Intervenção que aqui se começa a tecer tem inicialmente os seguintes objetivos:
Discutir o conceito de rede e suas possibilidades para a Educação;
Defender a criação de uma Rede Intermunicipal de Educação Ambiental, como forma de fortalecer as práticas educativas e;
Propor etapas, movimentos e ações para o processo de construção da Rede.
Entre as etapas pensadas inicialmente, e consideradas – até o momento, essenciais para o desencadeamento do processo de criação da Rede, estão:
Articulação entre os municípios para a consolidação de parceria, e implementação de uma comissão intermunicipal a fim de organizar as etapas do processo de construção da Rede;
Realização de reuniões preparatórias com membros das redes municipais de educação, movimentos sociais, organizações governamentais e não governamentais, para divulgação sobre o processo de implementação da Rede, visando a construção de parcerias e o fomento à participação no processo, bem como a identificação de objetivos preliminares para a Rede;
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Organização do primeiro desenho organizacional da Rede, feito pela comissão intermunicipal, e baseado nos diálogos tecidos nas reuniões preparatórias;
Realização de evento para apresentação do primeiro desenho organizacional, e definição do propósito da organização, que servirá de referência para suas ações, tomadas de decisões e gestão.
Entretanto, como afirmado anteriormente, o prólogo que finda este trabalho tem um papel de abertura. E assim como na manhã, que se tece com os primeiros gritos de galos,
que vão se unindo aos poucos em muitos um ser a dois , os primeiros pontos do
Projeto de Intervenção começaram aqui a serem bordados, e a defesa da Rede de Educação Ambiental que se começa a pensar, se constituí ainda em ideias iniciais. A tessitura do Projeto de Intervenção será fundada nas compreensões advindas do estudo que se desenvolve e dos diálogos construídos com os sujeitos coautores dessa pesquisa.
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