2 H. A Teologia do Apóstolo Paulo. Paulo. RIDDERBOS, H. A
São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
CAPÍTULO 2: 2: E STRUTU STRUTURAS RAS F UNDAME UNDAME NTAIS Seçã Seção o 7: Plenit Plenitud udee do Tem Tempo. M isté istéri o. Herman Ridderbos inicia sua exposição das estruturas fundamentais do pensamento de Paulo afirmando que o conteúdo total da pregação de Paulo pode ser sumarizado como a proclamação e explicação do tempo escatológico de salvação inaugurado com o advento, morte e ressurreição de Cristo. Segundo Ridderbos, é deste principal ponto de vista e sobre esse denominador denominador comum que todos os diferentes diferentes temas da pregação de Paulo podem ser entendidos e penetrados, perfazendo-se assim uma unidade e um interrelacionamento. Que para Paulo o advento de Cristo é a revelação da atividade realizante de Deus e a irrupção do grande tempo de salvação, Ridderbos procura demonstrar por meio de alguns pronunciamentos típicos que aparecem em suas epístolas. O autor trabalha com duas expressões em particular:
ple plenitu nitud de dos tempos: Gl 4.4 e Ef 1.10. Algumas expressões são paralelas a esta: tempo sobremodo oportuno e dia da salvação salvação (2Co 6.2) e se alguém está em Cristo, é nova criatura criatura [a tradução mais apropriada, segundo Ridderbos, seria nova criação] criação]; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas (2Co novas (2Co 5.17).
revelação do mistério: Que até então estava oculto oculto mas agora revelado. revelado. Rm 16.25, 26; Cl 1.26; Ef 1.9, 10; Ef 3.4, 5; 1Co 2.7; 2Tm 1.9, 10; etc.
No tocante a primeira expressão, plenitude dos tempos, tempos, Ridderbos ensina que não se trata apenas da maturação de um assunto específico na grande estrutura da história da redenção, mas do cumprimento do tempo em um sentido absoluto. Com o advento de Cristo – diz diz o autor – o o tempo do mundo chegou a sua conclusão. Quando Paulo fala de nova criação ele não o faz apenas em um sentido subjetivo (que é o sentido expresso pela tradução nova criatura), criatura), mas deve-se pensar no novo mundo da re-criação que Deus fez despontar em Cristo, do qual todos aqueles que estão em Cristo fazem parte. No que toca a segunda segunda expressão, expressão, Ridderbos ensina que que qualificar o advento de mistério ou o tornar-se conhecido conhecido daquilo que outrora Cristo como a revelação do mistério estivera mantido em segredo ou oculto é algo comum em Paulo; tais expressões nitidamente estão entre as prediletas de Paulo, e são também indicativas do caráter escatológico, tanto da dispensação redentiva que se iniciou com Cristo, quanto da proclamação de Paulo. Essas expressões não guardam nenhuma relação, segundo Ridderbos, com as religiões de mistério típicas do mundo helenístico, e sim com o pano de fundo judaico no qual Paulo estava inserido.
3 O mistério “revelado”, portanto, não significa apenas a divulgação de uma
verdade especifica ou a informação fornecida a respeito de alguns fatos ou eventos, mas a aparição por si mesma, o tornar-se realidade história daquilo que até agora não existia como tal, mas estava guardado por Deus, oculto, encoberto. Tratando-se, propriamente, do plano redentivo de Deus, este mistério é conseqüentemente o objeto da proclamação de Paulo e a revelação de Deus para seus santos. Dessa forma, a natureza escatológica da pregação paulina é nítida também nessa expressão. Note-se que aquilo que é chamado em várias nuances de “mistério” não difere em nada daquilo que na plenitude dos tempos tornou-se visível; trata-se do cumprimento das promessas escatológicas de redenção no tempo designado para tal, os “devidos tempos”.
Ridderbos destaca que esse caráter geral da pregação de Paulo está materialmente em harmonia com o grande tema da pregação de Jesus, a saber, a vinda do Reino dos céus. A vinda do reino como a vinda realizadora de Deus ao mundo é o grande princípio dinâmico da pregação de Paulo, ainda que a expressão “reino dos céus”
não ocupe um lugar central em tal pregação. A profunda unidade do kerigma do Novo Testamento é, dessa forma, enfatizada; este é um dos ganhos que se tem a partir dessa aproximação escatológica da pregação de Paulo. Ninguém pode entender a natureza e a origem dessa consciência peculiar despertada pelo advento de Cristo e confirmada por sua ressurreição a não ser que considere o pano de fundo histórico de expectativa de redenção por parte de Israel, assim como a forma israelita de contemplar a história. É nesse background histórico que se situa Paulo, e o motivo fundamental de sua pregação não difere daquele dos outros apóstolos e da igreja cristã primitiva como um todo.
Seção 8 De tudo que foi dito, decorre que o caráter genericamente escatológico da pregação de Paulo é inteiramente definido e explicado pelo advento e a revelação de Jesus Cristo. A escatol ogia de Paulo é “cristo-escatologia” e a abordagem paulina da história é a fé em Cristo. A estrutura fundamental da pregação de Paulo deve ser abordada tão somente a partir de sua cristologia. O autor ensina que essa interdependência entre a escatologia e a cristologia como os temas básicos da pregação de Paulo é da maior importância para que possamos entender ambas. Por um lado, essa interdependência é determinante para o discernimento da verdadeira natureza da pregação de Cristo feita por Paulo. Essa pregação tem, em princípio, um conteúdo redentivo-histórico-escatológico. A cristologia paulina é um cristologia de fatos redentivos. Aqui se situa o fundamento do todo de sua pregação, e é a partir da realidade histórica deste evento, tanto no passado quanto no futuro, que tanto o kerigma apostólico quanto a fé da igreja permanece de pé ou cai (1Co 15.14, 19). Esse caráter histórico-escatológico da cristologia de Paulo também a situa em um relacionamento orgânico com a revelação do Velho Testamento. Aquilo que tomou lugar em Cristo constitui o término e o cumprimento da grande serie de atos redentivos
4 realizados por Deus na história de Israel e do mundo. Dessa forma, o futuro do Senhor ainda a ser aguardado e a continuação da atividade de Deus na história nunca devem ser desvinculadas do cumprimento das promessas de Deus a Israel, mas, ao contrário, devem ser entendidas à luz dessas (cf. Rm 11.15ss.; 15.8-12). Esse caráter totalmente interrelacionado entre a cristologia e a escatologia de Paulo forma a grande pressuposição de toda a pregação paulina. Pois o Cristo de cuja morte e ressurreição trouxeram a nova era é o Messias de Israel (Rm 1.2-4; 9.5), em quem Deus reúne e salva seu povo (2Co 6.16ss) e a quem Ele exaltou e designou como Salvador e Kyrios de todas as coisas (Fp 2). Paulo proclama Cristo como o cumprimento das promessas de Deus a Abraão, como a semente no qual todas as famílias da terra serão abençoadas (Gl 3.8, 16, 29), o portador escatológico da salvação do qual a significação totalmente interrelacionada deve ser entendida à luz das profecias (Rm 15.9-12), o cumprimento do conselho redentivo de Deus concernente ao mundo todo e seu futuro. Por esse motivo, um dos temas centrais da pregação de Paulo é que o evangelho está de acordo com as Escrituras. Este cumprimento significa a execução do plano divino de salvação que Ele propôs a si mesmo com respeito ao curso das eras e ao fim dos tempos (Ef 1.9, 10; 3.11). Este é o caráter fundamental histórico-redentivo e todo-abrangente da pregação paulina de Cristo. Por outro lado – e este é de igual importância – a escatologia de Paulo é inteiramente determinada pela obra redentora de Deus realizada e ainda-a-ser-realizada em Cristo. O que é notável na escatologia de Paulo é que, ainda que ele se sinta livre para utilizar a terminologia e as idéias tradicionais, seu ensino se distingue de todas as formas judaicas contemporâneas de expectação escatológica e se reveste de um caráter completamente independente. A escatologia de Paulo não é determinada por qualquer esquema tradicional, mas pelo verdadeiro agir de Deus em Cristo. Este é o caráter fundamentalmente cristológico de sua escatologia. Esse caráter distintivo emerge mais claramente na tensão peculiar que deve ser notada entre os aspectos de cumprimento e expectação na escatologia paulina e que também encontram expressão em sua terminologia escatológica. É essa notável ambivalência entre o “agora”, que pode ter o sentido de “ já agora” do tempo de salvação que foi iniciado e entre o “ ainda agora” do tempo do m undo que ainda continua, que fornece à escatologia de Paulo seu caráter totalmente distintivo. É impressionante que Paulo não faça qualquer tentativa de presentear a igreja com um calendário escatológico balanceado. Em Paulo, uma “mistura de duas eras” toma lugar e o advento de Cristo deve ser contemplado como “a irrupção da era futura no presente”. A revelação de Jesus Cristo como o Messias prometido por Deus a Israel
determina e cria a consciência histórica de Paulo, bem como seu pensamento escatológico, e não o reverso.
Seção 9 A pregação paulina a respeito do grande tempo de salvação que despontou em Cristo é, acima de tudo, determinada pela morte e ressurreição de Cristo. É nelas que a presente era perdeu seu poder e posse sobre os filhos de Adão e que as novas coisas chegaram. Por essa razão, também, o completo desvelamento da salvação que
5 despontou com Cristo vez após vez ecoa sua morte e ressurreição, uma vez que todas as facetas pelas quais essa salvação se revela e todos os nomes pelos quais ela é descrita não são, em última instância, nada mais do que a revelação daquilo que esta extraordinária vitória sublime da vida sobre a morte, nada mais do que essa irrupção do reino de Deus no mundo atual, contêm por si mesmo. É a este ponto que todas as retas convergem, e deste ponto em diante toda a proclamação paulina de redenção pode ser descrita em sua unidade e coerência. A pregação de Paulo, tal qual Ridderbos nos apresenta até aqui, é “escatologia”, porque é a pregação da obra redentora e realizadora
de Deus em Cristo. É na morte de Cristo, e em sua subseqüente ressurreição que o mistério do plano redentor de Deus manifestou-se em seu verdadeiro caráter; e é por meio desses dois eventos que a nova criação veio à luz.
Seção 10 Nessa seção, Ridderbos abre um parêntese em sua abordagem da estrutura cristológica-escatológica do pensamento de Paulo para dizer alguma coisa a respeito dos efeitos daquilo que foi tratado nas seções anteriores na vida de outros (de cada indivíduo e da igreja). Assim, Ridderbos trata da maneira como os benefícios da morte e ressurreição de Cristo se aplicam ao seu povo. Ridderbos trata especificamente do significado das expressões “em Cristo”, “com Cristo” que comumente aparecem nos escritos paulinos: morto, sepultado e
ressuscitado com Cristo. O que elas significam? Resumidamente, podemos dizer que Ridderbos ensina que essas expressões não devem ser tomadas em um sentido místico-pessoal. Devem ser entendidas à luz da relação anteriormente abordada entre Adão e Cristo. Assim, essa união com Cristo deve ser entendida corporativamente e não pessoalmente (ainda que tenha um significado pessoal). Dessa forma, assim como toda espécie foi condenada em Adão, representativamente, toda a Igreja, o Corpo de Cristo, morre, é sepultada e ressuscita com Cristo, também como um representante de toda a raça. Ridderbos mostra que é nesse sentido que o “despir -se” do velho homem e o “revestir -se” do novo homem também se aplica a cada crente: não em um sentido individual, de ordo salutis, mas em um sentido corporativo, que deve ser encarado sobre o ponto de vista da história da redenção.
Seção 11 Nesta seção, Ridderbos aborda a concepção paulina de revelação de Cristo na carne, bem como a dicotomia paulina carne vs. espírito. Ridderbos destaca o fato que nas epistolas paulinas, ainda que haja menção de palavras ditas e atos praticados por Jesus, tais menções não são abundantes e tem sempre um propósito específico. Isto contudo não significa que a vida terrena de Jesus não tenha significado para Paulo. Ao contrário, no pensamento paulino, a vida terrena de Jesus é abordada básica e geralmente do ponto de vista da história da redenção. É exatamente por causa dessa abordagem que Paulo prefere qualificar a vida terrena de
6 Jesus com a expressão tipicamente paulina de vida de Jesus na carne ou depois da carne (Rm 1.3; Rm 8.3; 9.5; 2Co 5.16; Ef 2.14ss; Cl 1.22; 1Tm 3.16). Segundo o autor, deve ser observado que em muitas dessas passagens a ênfase repousa no caráter excepcional e escatológico do advento de Cristo e sua vida na terra. Contudo, sua revelação ocorre na carne, i.e., ele assume o modo de existência do mundo presente. “Carne” não se refere exclusivamente ao físico, e nem meramente ao humano como tal, mas ao humano em sua fraqueza, em sua transitoriedade. Cristo veio, dessa forma, na fraqueza, na transitoriedade do estado humano, sem compartilhar, contudo, do pecado da raça humana. Foi em sua carne, i.e., em sua existência humana entregue na morte da cruz, que a inimizade foi abolida, a igreja reconciliada e o pecado condenado (Ef 2.14, 15; Cl 1.2; Rm 8.3). É o ser de Cristo revelado na carne (expressão que deve ser compreendida conforme acima explicada) que é o significado específico da vida de Cristo antes da ressurreição, e que deve ser adorado (cf. 1Tm 3.16). A revelação, o envio do Filho, a plenitude do tempo, já manifestam seus efeitos dessa forma. Mas a nova criação é ensejada pela ressurreição de Cristo. Por essa razão, a morte de Cristo é o divisor de águas no modo de existência do velho aeon. Na morte de Cristo, não apenas a vida de Cristo na carne chega ao fim, mas ocorre uma Transição repleta de importância e amplamente abrangente, da existência do velho para a existência no novo, do velho aeon para a nova criação. Deste ponto em diante (i.e., a partir da morte de Cristo), o povo de Cristo, pela fé, passa a contemplar todas as coisas de um outro ponto de vista, qual seja, que o aeon do domínio absoluto da carne está abolido e que o modo de existência do Espírito foi inaugurado. Ridderbos passa então a explicar o significado de um dos principais dualismos paulinos. Carne e Espírito representam dois modos de existência. Por um lado, o do velho aeon que é caracterizado e determinado pela carne; de outro, o da nova criação, que é do Espírito de Deus. Dessa forma, o contraste é de uma natureza históricoredentiva: qualifica o mundo e o modo de existência anterior a Cristo como carne, que é o da criação em sua fraqueza; por outro lado, a dispensação que passou a operar com Cristo é do Espírito, i.e., de poder, incorruptibilidade e glória (1Co 15.42, 43, 50; Fp 3.21). É a partir desse contraste histórico-redentivo entre carne e Espírito como o modo de existência da velha e da nova criação que Paulo vê a vida de Cristo antes e depois de sua ressurreição. É importante destacar, por fim, que Ridderbos deixa claro que, ao seu modo de ver, esse dualismo tão importante de Paulo não é extraído do pensamento helenístico, como tantos autores afirmam. A seu ver, esse dualismo tem bases escriturísticas, a saber, tem suas raízes na atuação do Espírito descrita no Velho Testamento, no qual a atividade criadora e re-criadora de Deus é intimamente relacionada ao Espírito Santo.
Seção 12 Nesta seção, Ridderbos ensina-nos o significado das expressões Filho de Deus e Imagem de Deus usadas por Paulo para referir-se a Cristo. Segundo o autor, toda a pregação paulina concernente a revelação história e futura de Cristo é suportada pela
7 confissão de Cristo como o Filho de Deus, no sentido supra e pré-histórico do termo. É correto dizer que o envio do Filho pelo Pai na plenitude do tempo pressupõe sua préexistência com Deus. Essa pré-existência de Cristo com o Pai tão enfaticamente declarada por Paulo delineia o todo de sua Cristologia e torna impossível conceber os atributos e o poder divinos que Paulo atribui a Cristo como uma conseqüência exclusiva de sua exaltação. A “cristologia de exaltação” não deve de forma alguma ser divorciada
do valor da pessoa de Cristo como tal. É a pré-existência de Cristo com o Pai que deve ser levada em consideração quando se interpreta o nome freqüente e continuamente empregado por Paulo para descrever Cristo, como Filho de Deus (Rm 1.3, 4, 9; 5.10 et al. freq.). Deus enviou seu Filho (Rm 8.3; Gl 4.4), e este envio não estabeleceu a filiação, mas pressupõe isto. Segundo o autor, Paulo faz a linha da história redentiva recuar até a préexistencia de Cristo e apresenta sua relação filial pré-temporal à igreja a partir do ponto de vista da revelação de Cristo na história da redenção. Como Aquele que é Préexistente, também, o Filho de Deus é o Cristo, objeto da eleição de Deus (Ef 1.4), e como tal aquele em quem a graça de Deus foi dada à Igreja antes dos tempos eternos (2Tm 1.9; cf. Ef 1.9); da mesma forma, aquele em quem a própria igreja já foi reunida, eleita e santificada (Ef 1.4; 2.10; cf. Rm 8.29). Em seguida Ridderbos passa a explicar o significado e o uso da expressão Imagem de Deus, também aplicada por Paulo a Cristo (2Co 4.4; Cl 1.15; Fp 2.6). Por meio desta designação, Paulo, de um lado, distingue Cristo de Deus e, por outro, identificado por Deus como o Portador da Divina Glória. É evidente aqui, novamente, que estender a divina glória a Cristo, até mesmo a sua pré-existência com o Pai, antes de sua revelação redentiva, determina e delineia a cristologia paulina. Por outro lado, precisamente nesta descrição da divina glória de Cristo pode ser visto do caráter histórico-redentivo da cristologia de Paulo. Certamente, este nome, por si mesmo, relembra a maneira pela qual Adão é chamado em Gênesis 1.27; 5.1ss; 9.6, onde é dito que ele foi criado “conforme” ou “à imagem de Deus”. Ridderbos levanta
então duas questões: 1) a descrição da glória de cristo como Imagem de Deus é derivada da maneira pela qual a criação do homem é descrita em Gênesis um, qual seja, segundo a imagem de Deus? 2) Em que extensão a concepção paulina de Cristo como o segundo Adão assume aqui um papel definido? Em resposta a primeira questão, Ridderbos entende que é impossível negar que nesses textos nós temos uma interpretação cristológica de Gênesis 1, isto é, há uma nítida relação entre os texto paulinos e o relato vetero-testamentário da criação do homem. No tocante a segunda questão, Ridderbos conclui que nos textos em que ocorre a expressão Imagem de Deus, Paulo referiu-se, sem dúvida, a divina glória de Cristo, tanto em sua pré-existência quanto em sua exaltação como uma qualificação que também se aplica ao primeiro Adão, contudo, obviamente, em um outro sentido apropriado para o primeiro Adão. Com base em um amplo estudo, Ridderbos entende que é difícil negar que uso da expressão Imagem de Deus como uma qualificação de Cristo deve ser conectada com aquilo que é dito em Gênesis 1, com respeito ao primeiro Adão. Com isso, Cristo não é
8 posto no mesmo nível do primeiro Adão. A glória do segundo Adão é incomparavelmente superior do que a do primeiro. Mas deve ser assegurado que o poder e a glória divinos de Cristo, já em sua pré-existência, são definidos em categorias que foram derivadas de sua importância como o segundo Adão. Após um apurado estudo de Filipenses 2.6, Ridderbos confirma sua convicção inicial que, quando Paulo chama Cristo de Imagem de Deus, ele novamente relaciona Cristo ao primeiro Adão. Mas isso não nos deve levar a conclusão defendida por alguns de que Paulo aqui apresenta Cristo como o homem que veio do céus, i.e., não devemos encontrar em Fp 2.6 uma representação da natureza humana pré-existente de Cristo. Pois em Fp é dito com grande clareza que pelo esvaziamento de si mesmo Cristo tornou-se homem e apareceu como homem em contraste com sua prévia existência “na forma de Deus”. Contanto que a descrição da pré -existência de Cristo em Fp ocorra, dessa forma, em termos que o relacionam com o primeiro Adão, isto não pode nos desencaminhar para a errônea conclusão que, de acordo com Paulo, Cristo já era homem nos céus, ou deve ser considerado como o pré-existente Filho do Homem. O que ocorre aqui é a extensão do enfoque histórico-redentivo à pré-existência de Cristo. Tendo como ponto de partida o Cristo ressurreto como o segundo homem ou último Adão (1Co 15), e a partir de sua glória como Imagem de Deus (2Co 4), Paulo contempla globalmente a Filiação divina a partir deste ponto de vista. Cristo é o Filho de Deus, não apenas em virtude de sua revelação, mas mesmo antes da fundação do mundo, Deus, a ser bendito eternamente. Mas como tal ele é, antes da fundação do mundo e para toda a eternidade, Deus conosco. Ele é Deus, que se tornou homem e que tinha que tornar-se homem. Ele é chamado Imagem de Deus como aquele que estava predestinado a tornar-se homem e o Primogênito de muitos irmãos, a fim de tornar outros participantes de sua imagem (Rm 8.29 et al.). A Filiação e o relacionamento de Redenção não são, na pregação de Paulo, abstraídos de forma alguma. Por isso, mesmo na glória de sua pré-existência ele pode ser designado pelo nome de último Adão e a ele pode ser atribuída a disposição que lhe caracterizaria como o segundo homem. É característico do pensamento paulino o referir-se a Filiação divina de Cristo em estreita conexão com sua obra redentiva. Essa conexão não é desfeita de forma alguma. Toda a sua “cristologia” fundamenta -se na maneira segundo a qual ele aprendeu entender Cristo em sua cruz e em sua ressurreição como Aquele que foi enviado pelo Pai.
Seção 13 Nesta seção Ridderbos, em conexão com o que foi dito anteriormente, explica a expressão paulina Primogênito de toda a criação, que aparece principalmente em Cl 1.15ss. Num primeiro momento, Ridderbos refuta algumas explicações equivocadas desse texto, que fazem o pensamento paulino dependente de categorias alienígenas, como a literatura de sabedoria rabínica, a filosofia de Filo ou a hermética, ou o prégnosticismo. Segundo Ridderbos, o texto não se relaciona com nada disso, mas tão somente com categorias tipicamente paulinas, encontradas nesta e em outras epístolas.
9 Segundo o autor, como foi demonstrado anteriormente no exame do significado cristológico do nome “Imagem de Deus”, em Cl 1.15 nós nos deparamos,
indubtavelmente com categorias de criação, e dessa forma também com uma clara reflexão de Gn 1. A questão crucial levantada por Ridderbos é se a conexão da “cristologia” e “protologia” aqui é diferente da concepção paulina, familiar em 1Co 15,
de Cristo como o segundo Adão; ou se está organicamente relacionada a ele. Com respeito a qualificação de Cristo que ocorre aqui novamente nas palavras de abertura: “...que é a Imagem do Deus invisível” Ridderbos recorre a seção precedente para
assegurar que tal relacionamento orgânico já foi vindicado. O autor entende que o que ocorre em Cl 1.15 é que Paulo recorre às mesmas categorias “adâmicas” (imagem, primogênito) com as quais ele descreve o significado
de Cristo em sua escatologia e as aplica aqui em sua protologia. Paulo descreve o relacionamento de Cristo com toda a criação com conceitos aos quais ele, em outros lugares, lança mão para dar expressão ao relacionamento de Cristo com a igreja como o segundo Adão. As idéias corporativas que o apóstolo emprega aqui devem ser explicitadas: a reunião de todas as coisas em Cristo e sua existência nele estão em paralelo com o relacionamento da igreja com seu Cabeça. Assim, a partir da analogia da criação da igreja em Cristo, pode ser mais claramente entendido o significado de Cl 1.16a. Sendo assim, o autor mostra que a posição original de Cristo como autoridade com respeito a todas as coisas em Cl 1.15 deve ser descrita inteiramente de acordo com a analogia do relacionamento de Cristo com a igreja, a qual em outros lugares Paulo da expressão. Em outras palavras, do significado de Cristo como segundo Adão derivam-se todas as categorias, as quais posteriormente definem seu significado como o Primogênito de toda a criação. Dessa forma, após devida reflexão, fica claro que no ensino de Paulo há um relacionamento altamente orgânico e estrutural. Ridderbos entende que o pensamento de Paulo pode ser entendido como círculos maiores ao redor de um centro e um ponto de partida. Esse último situa-se no fato totalmente dominante: a morte e ressurreição de Cristo. É a partir deste fato que a nova criação vem à luz. Cristo surge como o Primogênito dentre os mortos e o Inaugurador da nova humanidade. É a partir disso que a importância redentora do advento e da obra de Cristo torna-se transparente, primeiramente em sua existência antes e depois da ressurreição (carne e Espírito); e então até mesmo em sua préexistência como Filho de Deus enviado para sua tarefa como segundo homem; e finalmente em sua importância envolvendo o todo da criação e da história. O objetivo final da obra redentora de Deus, afirma Ridderbos, leva-nos de volta ao Princípio. Aquilo que foi perdido no primeiro Adão é reconquistado no segundo, mas de uma forma muito mais gloriosa. Na descrição da superioridade do segundo homem nas categorias que derivaram-se do significado do primeiro homem, Paulo obtém a completa explicação da salvação que foi manifesta em Cristo. Nesse sentido, Cl 1.15-20 pode ser chamado a “pedra de toque” da Cristologia paulina.
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Seção 14 Uma última importante faceta do pensamento de Paulo é agora considerada por Ridderbos, a saber, aquela que segue a ressurreição de Cristo: sua ascensão aos céus, seu assentamento a destra do Pai e sua aguardada Parousia. Ridderbos mostra que a expectativa de Paulo para o futuro não foi espiritualizada em sua pregação, tornando-a distinta do kerygma da Igreja Primitiva. Essa afirmação é feita por alguns e considerada como espúria pelo nosso autor. Segundo ele, para Paulo, bem como para toda a Igreja Primitiva, o Espírito Santo é a dádiva escatológica preeminente, a revelação do grande tempo de salvação, de acordo com as profecias do Velho Testamento. Deve ser dito, contudo, que a vinda do Espírito Santo não faz com que Paulo espiritualize a Segunda Vinda. Ao contrário, ele enfatiza que esta dispensação do Espírito é a dispensação do Ínterim. Em Paulo, mais do que em qualquer outro lugar, torna-se claro o caráter provisional do Espírito, que é chamado “as primícias”, “o penhor” e “o penhor de nossa herança ”. Como Cristo, no poder presente e futuro de sua obra redentora pode ser conhecido tão somente a partir da renovação e consumação toda-abrangente do Espírito de Deus, então, por outro lado, a promessa do Espírito e seu poder vivificante recebem seu cumprimento, sua forma, e sua esperança tão somente na pessoa de Cristo como o Senhor exaltado, que está por vir. Apenas dessa forma – isto é, por meio da estrutura histórico-redentiva, básica do evangelho de Paulo – pode ser entendida a importância especifica desta intima ligação entre Cristo e o Espírito. Um estudo dessas idéias de Paulo mostram, portanto, que lugar importante o significado cósmico da exaltação de Cristo ocupam na estrutura global do pensamento de Paulo; isso tudo em harmonia com a estrutura fundamental de sua pregação, que é a escatológica. O ponto de vista da pregação de Paulo, portanto, depois de tudo, é eminentemente teocêntrico, e não antropocêntrico como quer fazer Bultmann. A revelação do mistério, o padrão fundamental e sumarizador de toda a proclamação de Paulo, não será completado até que Cristo tenha sido manifesto em glória com todos os seus (Cl 3.4), até que o ultimo mistério venha a ser revelado (1Co 15.51 et al.) e até que a criação que agora geme e suporta as dores de parto tenha sido redimida da escravidão da corrupção por meio da liberdade da glória dos filhos de Deus. É pela revelação deste glorioso dia que o próprio Espírito geme e clama, é para isso que Ele veio, a fim de ajudar a Igreja em sua fraqueza (Rm 8.21ss.).