Texto elaborado pela monitoria de Fisiologia Humana da UFPE 2015.2
Contração do Músculo Esquelético O esqueleto humano é uma estrutura articulada constituída por 206 ossos. Eles servem de local de fixação dos músculos esqueléticos do corpo. No total, existem três tipos de músculos: o cardíaco, o liso e o esquelético, que detalharemos a seguir. Os músculos cardíacos formam as paredes do coração. Os músculos lisos compõem a parede dos vasos e do sistema digestivo, desde o esôfago e estômago até o intestino delgado e grosso. E quanto ao músculo esquelético, estes são responsáveis praticamente por todos os movimentos voluntários do corpo (Figura 1). Alguns dos princípios básicos da contração se aplicam a todos esses diferentes tipos de músculos. Porém, a função do músculo esquelético será considerada como tema principal neste resumo.
Figura 1 – Tipos de Músculos. http://static.batanga.com/sites/default/files/curiosidades.batanga.com/files/Deque-estan-hechos-los-musculo-1.jpg
Anatomia do músculo esquelético A figura 2 mostra a organização do músculo esquelético, demonstrando que todos esses músculos são compostos por numerosas fibras, com diâmetro de 10 a 80 micrômetros. O sarcolema é a membrana celular ou membrana plasmática da fibra muscular, que nada mais é que um revestimento de fina camada de polissacarídeo contendo muitas fibrilas colágenas delgadas. Em cada extremidade da fibra muscular, essa camada superficial do sarcolema funde-se com uma fibra do tendão, que por sua vez, se agrupa em feixes para formar os tendões dos músculos que se inserem nos ossos. Cada fibra muscular se comporta de forma unitária, é multinucleada e contém milhares de miofibrilas. Cada miofibrila contém filamentos interdigitantes espessos e finos, dispostos de forma longitudinal.
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Figura 2 – Organização do músculo esquelético do nível macroscópico ao molecular. Gyton & Hall, pag. 74. 12ª Edição.
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Os filamentos espessos consistem em proteína com elevado peso molecular, chamada miosina, que tem seis cadeias polipeptídicas, incluindo um par de cadeias pesadas e dois pares de cadeias leves. A maior parte da cadeia pesada da miosina tem estrutura em α-hélice, na qual as duas cadeias se enovelam ao redor uma da outra, formando a “cauda” da molécula de miosina. As quatro cadeias leves e a extremidade N-terminal de cada cadeia pesada formam as duas “cabeças” globulares da molécula de miosina (Figura 3).
Figura 3 – Estrutura dos filamentos espessos. Gyton & Hall, pag. 77. 12ª Edição.
Os filamentos finos são compostos por três proteínas: actina, tropomiosina e troponina (Figura 4). A) Actina: é uma proteína globular, e, dessa forma, é chamada actina G. É polimerizada em dois cordões torcidos em estrutura de α-hélice, formando a actina filamentosa, chamada actina F. A actina tem locais de ligação para a miosina. B) Tropomiosina: é uma proteína filamentosa que corre na fenda de cada filamento torcido de actina. Em repouso, sua função é bloquear os locais de ligação da miosina para a actina. Se a contração ocorrer, a tropomiosina deve ser afastada, de modo que a actina e a miosina possam interagir. C) Troponina: é um complexo de três proteínas globulares (troponina T, troponina I e troponina C) localizado a intervalos regulares ao longo dos filamentos de tropomiosina. Troponina T (T de Tropomiosina)
Une o complexo de troponina à tropomiosina.
Troponina I (I de Inibição)
Juntamente com a tropomiosina, inibe a interação da actina com a miosina por cobrir o local de ligação entre ambas.
2+
Troponina C (C de Ca )
2+
É uma proteína que liga Ca e desempenha papel fundamental no 2+ início da contração. Quando a concentração intracelular de Ca aumenta, este se liga à troponina C, produzindo uma alteração conformacional no complexo de tropononina. Essa alteração afasta a tropomiosina, permitindo a ligação da actina às cabeças da miosina.
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Figura 4 – Estrutura dos filamentos espessos. Berne e Levy, pág. 242. 6ª edição.
Sarcômero: é a unidade funcional contrátil da fibra muscular. Está situado entre dois discos Z. Quando a fibra muscular está contraída, o comprimento do sarcômero é de cerca de 2 micrômetros. Cada sarcômero contém uma faixa A ampla no centro e metade de duas faixas I de cada lado da faixa A. Faixa A: situadas no centro dos sarcômeros e contêm os filamentos espessos (miosina), que aparecem escuros quando observados sob luz polarizada. Os filamentos espessos e finos podem se sobrepor na faixa A; essas áreas de sobreposição são locais potenciais de formação de pontes cruzadas. Faixas I: estão situadas em cada lado da faixa A e aparecem claras quando observadas sob luz polarizada. Elas contêm filamentos finos (actina), proteínas dos filamentos intermediários e discos Z. Elas não contêm filamentos espessos. Discos Z: são estruturas que se estendem ao longo do meio de cada faixa I, marcando as extremidades de cada sarcômero. Zona vazia (nua): está situada no centro de cada sarcômero. Não existem filamentos finos nessa zona; assim, não pode haver sobreposição dos filamentos finos e espessos ou formação de pontes cruzadas nessa região. Linha M: divide a zona vazia em duas partes iguais; unem as porções centrais dos filamentos grossos. O posicionamento lado a lado dos filamentos de miosina e actina é difícil de ser mantido. Essa manutenção é realizada pelo grande número de moléculas filamentares de proteína chamada titina. Por ser filamentar é muito flexível. Essa flexibilidade das moléculas de titina atua como arcabouço que mantém os filamentos de miosina e actina em seus lugares, de modo que a maquinaria contrátil possa entrar em ação. Uma extremidade da molécula de titina é elástica, estando fixada ao disco Z, atuando como mola e variando seu comprimento conforme o sarcômero contrai e relaxa. A outra parte da molécula de titina se ancora nos filamentos grossos de miosina (Figura 5).
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Figura 5 – Organização das proteínas no sarcômero. Gyton & Hall, pag. 75. 12ª Edição.
Os túbulos transversos (T) formam uma extensa rede da membrana citoplasmática muscular (sarcolema) que se invagina profundamente pelo interior da fibra muscular. Os túbulos T são responsáveis pela condução da despolarização dos potenciais de ação na superfície celular do músculo para o interior da fibra. Sarcoplasma são espaços entre as miofibrilas de cada fibra muscular, preenchidos pelo líquido intracelular, que é formado por grande quantidade de potássio, magnésio e fosfato, além de múltiplas enzimas proteicas. Também está presente nessa substância um imenso número de mitocôndrias, situadas paralelas às miofibrilas. Elas fornecem às miofibrilas que se contraem grande quantidade de energia, na forma de trifosfato e adenosina (ATP), formado pelas mitocôndrias. Ainda no sarcoplasma existe uma estrutura tubular chamada retículo sarcoplasmático, que é o local de armazenamento e liberação de Ca2+ para o acoplamento excitação-contração. HIPERTEMIA MALIGNA
É uma doença autossômica dominante que causa alteração na homeostasia do Ca2+ no músculo esquelético, e tem consequências que ameaçam a vida em certos casos cirúrgicos. Os anestésicos, como o halotano ou o éter e o relaxante muscular succinilcolina, podem produzir a liberação descontrolada de Ca2+ do retículo sarcoplasmático, resultando em rigidez da musculatura esquelética, taquicardia (aumento da frequência cardíaca), hiper-ventilação e hipertermia. Essa condição é letal se não tratada imediatamente. http://2.bp.blogspot.com/_81zy2to94-0/Sj7Y8kvTM8I/AAAAAAAAAGQ/88LfSzLaVDA/s400/termometro_21.jpg
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Mecanismo geral da contração muscular Para o início e a execução da contração muscular uma sequência de eventos na junção neuromuscular é primordial. Para entendê-los, alguns conceitos são importantes: Motoneurônios: são os nervos que inervam as fibras musculares. Unidade motora: compreende um motoneurônio único e as fibras musculares que ele inerva. As unidades motoras variam consideravelmente de tamanho: um só motoneurônio pode ativar poucas ou milhares de fibras musculares. De modo previsível, pequenas unidades motoras participam de atividades motoras finas (ex: expressões faciais), e unidades motoras maiores participam de atividades musculares grosseiras (ex: músculos quadríceps, utilizados em corridas). Junção neuromuscular: sinapse entre um motoneurônio e uma fibra muscular. SEQUÊNCIA DE EVENTOS: 1 – Os potenciais de ação cursam ao longo do motoneurônio. Correntes locais despolarizam cada região adjacente até o limiar. Finalmente o terminal pré-sináptico é despolarizado, e essa despolarização causa a abertura dos canais de Ca2+ dependentes de voltagem na membrana pré-sináptica, que causa aumento da permeabilidade a esse íon que flui, dessa forma, para dentro do terminal, de acordo com o seu gradiente eletroquímico; 2 – A captação de Ca2+ pela membrana pré-sináptica causa a liberação do neurotransmissor acetilcolina (ACh) através de um processo chamado exocitose. A ACh referida foi previamente sintetizada e armazenada nas vesículas sinápticas. 3 – A ACh se difunde através da fenda sináptica até a membrana pós-sináptica. Essa região especializada da fibra muscular é chamada placa motora, contendo receptores nicotínicos para a ACh. A ACh se liga às subunidades α do receptor nicotínico e causa uma alteração conformacional. É importante observar que o receptor nicotínico para a ACh é um exemplo de canal iônico dependente de ligante: é também um canal de Na+ e K+.
Quando ocorre a alteração conformacional, é aberta a parte central do canal e a permeabilidade da placa motora aumenta, tanto para o Na+ quanto para o K+. 4 – Quando esses canais se abrem, Na+ e K+ fluem de acordo com seus respectivos gradientes eletroquímicos, cada um deles tentando impulsionar a placa motora para o seu potencial de equilíbrio. Como resultado, a placa motora é despolarizada até um valor aproximado a meio caminho entre os potenciais de equilíbrio do Na+ e do K+, ou
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cerca de 0 mV. Esse valor despolarizado é o Potencial da Placa Motora (PPM). (Figura 6).
Figura 6 – Sequência de eventos na transmissão neuromuscular. https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/58/Ax%C3%B4nio.jpg
Acoplamento excitação-contração no músculo esquelético O termo acoplamento excitação-contração traduz o processo que compreende os eventos desde a excitação da membrana sarcoplasmática até o desencadeamento da contração da fibra muscular. ETAPAS: 1 – Os potenciais de ação na membrana celular do músculo são propagados para os túbulos T por disseminação das correntes locais. Assim, os túbulos T são contínuos com a membrana sarcoplasmática e conduzem a despolarização da superfície para o interior da fibra muscular. 2 – A despolarização dos túbulos T provoca uma alteração conformacional no seu receptor de diidropiridina sensível à voltagem. Essa alteração abre os canais liberadores de Ca2+ (receptores de rianodina) no retículo sarcoplasmtático. 3 – Quando esses canais liberadores de Ca2+ se abrem, o íon é liberado de seu local de armazenamento no retículo sarcoplasmático para o líquido intracelular (LIC) da fibra muscular, resultando em concentração intracelular aumentada de Ca2+. Em repouso, a concentração intracelular de Ca2+ livre é menos que 10-7 M. Após sua liberação pelo retículo sarcoplasmático, a concentração intracelular de Ca2+ livre aumenta para níveis entre 10-7 M e 10-6 M.
4 – O Ca2+ se liga à troponina C nos filamentos finos, provocando alteração conformacional no complexo de troponina. A troponina C pode ligar até quatro íons Ca2+ por molécula de proteína. Devido a essa ligação ser cooperativa, cada Ca2+ ligado
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aumenta a afinidade da troponina C para o Ca2+ seguinte. Assim, mesmo um pequeno aumento da concentração de Ca2+ aumenta a probabilidade de todos os locais de cálcio serem ocupados, produzindo a alteração conformacional necessária do complexo de troponina. 5 – A alteração conformacional na troponina faz a tropomiosina (que estava previamente bloqueando a interação entre a actina e a miosina) se deslocar, de modo que a ocorrência de ciclos de pontes cruzadas possa começar. Quando a tropomiosina é deslocada, são expostos os locais de ligação para a miosina na actina, na molécula de actina que estavam recobertos. 6 – Com o Ca2+ ligado à troponina C e a tropomiosina deslocada, as cabeças de miosina podem agora se ligar à actina, formando as chamadas pontes cruzadas. A formação dessas pontes está associada à hidrólise do ATP e à geração de força (Figura 7).
No começo do ciclo, nenhum ATP está ligado à miosina, na posição de “rigor”. No músculo que se contrai rapidamente, esse estado é muito curto. Contudo, na ausência de ATP, esse estado é permanente (rigor mortis).
A ligação do ATP a uma fenda, na parte posterior da cabeça da miosina, provoca uma alteração conformacional na miosina, que diminui sua afinidade por actina; assim, a miosina é liberada do local original de ligação com a actina.
A fenda se fecha, ao redor da molécula de ATP ligada, produzindo outra alteração conformacional que faz a miosina ser deslocada em direção à extremidade positiva da actina. O ATP é hidrolisado em ADP e Pi, que permanecem ligados à miosina.
Texto elaborado pela monitoria de Fisiologia Humana da UFPE 2015.2 A miosina se liga a um novo local na actina (em direção a extremidade positiva), constituindo a geração de força, ou movimento de potência. Cada ocorrência de ciclos de pontes cruzadas “percorre” a cabeça de miosina por 10 -8 nanômetros (10 metros) ao longo do filamento de actina.
O ADP é liberado e a miosina retorna ao seu estado original. Os ciclos de pontes cruzadas continuam, com a miosina “se movendo” em direção à extremidade positiva do filamento de actina, enquanto 2+ o Ca está ligado à troponina C.
Figura 7 – Ciclos das pontes cruzadas http://labs.icb.ufmg.br/lbcd/prodabi4/grupos/grupo1/figuras/ciclopontescruzadas.gif
7 – O relaxamento ocorre quando o Ca2+ é reacumulado no retículo sarcoplasmático pela Ca2+ ATPase de sua membrana (SERCA). Quando a concentração intracelular de Ca2+ diminui para menos de 10-7 M, há Ca2+ insuficiente para se ligar à troponina C. Quando o Ca2+ é liberado da troponina C, a tropomiosina retorna à sua posição de repouso, onde ela bloqueia o local de ligação para a miosina na actina. Enquanto a concentração intracelular de Ca2+ estiver baixa, não poderão ocorrer ciclos de pontes cruzadas e o músculo irá se relaxar.
Mecanismo do tétano Um potencial de ação isolado resulta na liberação de uma quantidade fica de Ca2+ do retículo sarcoplasmático que produz uma só contração. A contração termina (ocorre relaxamento) quando o retículo sarcoplasmático reacumula esse Ca2+. Contudo, se o músculo for estimulado repetitivamente, não há tempo suficiente para o retículo sarcoplasmático reacumular Ca2+, e a concentração desse íon nunca retorna aos baixos níveis que existem durante o relaxamento. Ao contrário, o nível da concentração intracelular de Ca2+ permanece alto, resultando em ligação continuada do Ca2+ à troponina C e na ocorrência continuada de ciclos de pontes cruzadas. Nesse estado, ocorre contração mantida, chamada tétano, em vez de uma só contração.
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Referências Bibliográficas • COSTANZO, Linda. Fisiologia. 3ª edição. Elsevier, 2007. Capitulo 1 – Fisiologia Celular; • GUYTON, Arthur C; HALL, John E. Tratado de fisiologia Médica. 12ª edição. Elsevier, 2011. Capítulo 6 – Contração do Músculo Esquelético e Capítulo 7 – Excitação do Músculo Esquelético: Transmissão neuromuscular e acoplamenteo excitaçãocontração; • KOEPPEN, Bruce M; STANTON, Bruce A. Berne & Levy: Fisiologia. 6ª Edição. Elsevier, 2009. Capítulo 12 – Fisiologia do músculo esquelético.