MEDICINA TEMAS ACTUAIS
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PNEUMOLOGIA CLÍNICA-I A. Bugalho de Almeida
Pneumologia Clínica
EDITOR A. BUGALHO DE A LMEIDA
AUTO AU TORE RES S Mar garida Margari da P. Aguiar Aguia r Interna do Internato de Pneumologia – HSM A. Bugalho de Almeida Director da Clínica Universitária de Pneumologia – HSM Professor da FML Margarida Mendes de Almeida Assistente Hospitalar Graduada de Anatomia Patológica – HSM Tiago Almeida Assistente Hospitalar Graduado de Imagiologia – HSM M. Rosário Antunes Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia – HSM Assistente Livre da FML A. Teles Teles de d e Araújo Araú jo Chefe de Serviço de Pneumologia Luísa C. Boal Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia – HSM M. Gabriela Brum Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia – HSM Assistente Convidado da FML M. Fátima Caeiro Assistente Hospitalar de Pneumologia – HSM
Paula Campos Assistente Hospitalar Graduada de Imagiologia – HSM M. João Canotilho Assistente Hospitalar de Pneumologia – HSM M. Pilar Cardim Assistente Hospitalar de Pneumologia – HSM Assistente Livre da FML Lina Carvalho Chefe de Serviço de Anatomia Patológica – HUC Professora da FMC C. Robalo Cordeiro Assistente Hospitalar Graduado de Pneumologia – HUC Professor da FMC Cristina Cristovão Assistente Hospitalar de Pneumologia – HSFX Isabel Freitas e Costa Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia – HSM Salvato Feijó Assistente Hospitalar Graduado de Pneumologia – HSM Margarida Felizardo Interna do Internato de Pneumologia – HSM Manuel Fonseca Interno do Internato de Pneumologia – HSM Sofia Furtado Assistente Hospitalar de Pneumologia – HMB Margarida M. Garcia Interna do Internato de Pneumologia – HSM Inês C. Gonçalves Interna do Internato de Pneumologia – HSM J. Rosal Gonçalves Gonçal ves Assistente Hospitalar Graduado de Pneumologia – HSM José Guimarães Chefe de Serviço de Pediatria – HSFX Direndra Hasmucrai Interno do Internato de Pneumologia – HSM L. Marques Lito Chefe de Serviço de Patologia Clínica – HSM Carlos C. Lopes Interno do Internato de Pneumologia – HSM
Rita M. Macedo Interna do Internato de Pneumologia – HSM Vilma M. Magalhães Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia – HSM Alda M. Manique Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia – HSM Ibraímo Maulide Chefe de Serviço de Pneumologia – HSM Assistente Convidado da FML Ricardo C. Melo Interno do Internato de Pneumologia – HSM Assistente Livre da FML Ana C. Mendes Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia – HSM Dolores C. Moniz Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia – HSM Filipa T. Monteiro Interna do Internato de Pneumologia – HSM Jorge M. Monteiro Assistente Hospitalar Graduado de Pneumologia – HSM J. Filipe Monteiro Assistente Hospitalar Graduado de Pneumologia – HSM Assistente Livre da FML Ofélia A. Monteiro Interna do Internato de Pneumologia – HSM Paula M. Monteiro Assistente Hospitalar de Pneumologia – HSM Assistente Livre da FML Joaquim V. Ricomá Assistente Hospitalar de Pneumologia João Valença Rodrigues Assistente Hospitalar Graduado de Pneumologia – HSM Assistente Convidado da FML Renato Sotto-Mayor Chefe de Serviço de Pneumologia – HSM Assistente Convidado da FML Margarida M. Sousa Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia – HSM M. Encarnação Teixeira Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia – HSM
PREFÁCIO
Tornou-se um lugar comum, e é uma realidade indiscutível, a afirmação de ter sido o século XX um dos períodos mais notáveis da História da Humanidade, por nele se terem verificado os mais extraordinários progressos científicos e tecnológicos. A Medicina reflectiu o progresso que se observou nas mais diferentes áreas das Ciências, que permitiu o aparecimento de novas técnicas de diagnóstico e tratamento, novos conceitos e áreas do conhecimento, que possibilitaram uma evolução no pensamento médico, de forma diversa do, até então, praticado. Na segunda metade do século XX o desenvolvimento da informática, e a entrada numa nova era – a da biotecnologia, criaram condições que têm permitido uma melhor resposta aos problemas que têm afectado a saúde do Homem. A Pneumologia conheceu, igualmente, um desenvolvimento ímpar que alterou os procedimentos acima referidos, tornando necessária a actualização de conhecimentos para quem, na sua actividade clínica, deve tratar os doentes do foro respiratório. É nesta perspectiva que, desde há alguns anos, sentíamos ser necessário reunir uma informação actualizada, de conceitos básicos e
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essenciais a uma prática pneumológica correcta, dirigida aos Colegas de Medicina Geral e Familiar e aos Colegas que não são especialistas de Pneumologia. Assim, a Pneumologia Clínica não é, nem será, um tratado, nem nela se procurará esgotar ou abordar de forma exaustiva os temas que a compôem. Quiseram as circunstâncias que o grupo Atral-Cipan, na pessoa do Senhor Comendador Sebastião Alves tenha decidido reeditar uma obra – Temas de Medicina – que nos possibilitaram, nos anos 60, “absorver” o que os grandes Mestres da Medicina Portuguesa nela publicavam. E, desta forma, tornou-se realidade a nossa aspiração. A Pneumologia Clínica é uma obra dividida em três volumes: no 1º revêem-se os fundamentos anatomo-fisiológicos do aparelho respiratório e a sua semiologia clínica; no 2º actualizam-se os vários meios complementares de diagnóstico; no 3º focam-se os conceitos actuais de diagnóstico e tratamento das afecções mais frequentes. É óbvio que um trabalho desta natureza só pode ter sido realizado com o contributo de muitos Colegas. A todos o nosso sincero agradecimento. Um especial agradecimento ao nosso Colega Renato Sotto-Mayor por todo o seu contributo, empenho e ajuda, e ao Dr. Alberto Custódio, do Grupo Atral – Cipan pelo excelente apoio na fase de execução desta obra. Uma última palavra de agradecimento ao fundador e líder do Grupo Atral – Cipan, Senhor Comendador Sebastião Alves, cujo espírito empreendedor e visão do futuro são um exemplo.
A. BUGALHO DE A LMEIDA
ÍNDICE DO VOLUME I
I. ANATOMO-FISIOLOGIA DO ARARELHO RESPIRATÓRIO ........ 11 ANATOMIA DO ARARELHO RESPIRATÓRIO ................................. 15 TRAQUEIA, BRÔNQUIOS E PULMÕES ................................................. 19 CIRCULAÇÃO INTRAPULMONAR .......................................................... 32 INERVAÇÃO DAS VIAS AÉREAS ............................................................ 38 PLEURA ................................................................................................. 39 MÚSCULOS RESPIRATÓRIOS............................................................... 40 EMBRIOLOGIA DO APARELHO RESPIRATÓRIO .................................. 42
MÚSCULOS RESPIRATÓRIOS ......................................................... 49 FISIOLOGIA DO PULMÃO ................................................................. 63 DIFUSÃO PULMONAR DE O2 ...................................................................................................... 87 TRANSPORTE DE OXIGÉNIO E DIÓXIDO DE CARBONO............. 99 ALTERAÇÕES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE ............................. 111 ALTERAÇÕES SIMPLES DO EQUÍLIBRIO ÁCIDO-BASE .................... 120 ALTERAÇÕES RESPIRATÓRIAS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE ........ 125
10 ALTERAÇÕES METABÓLICAS DO EQUÍLIBRIO ÁCIDO-BASE ........... 132 ALCALOSE METABÓLICA .................................................................... 140 ALTERAÇÕES MISTAS DO EQUÍLIBRIO ÁCIDO-BASE ....................... 147
CONTROLO DA RESPIRAÇÃO DURANTE A VIGÍLIA E O SONO ........................................................................ 149 REGISTO POLIGRÁFICO DO SONO .............................................. 171 ESTUDO POLIGRÁFICO DO SONO .................................................... 175
FISIOLOGIA DO ESFORÇO ............................................................. 193 MECANISMOS DE DEFESA DO PULMÃO .................................... 203 II. SEMIOLOGIA CLÍNICA EM PNEUMOLOGIA ............................ 215
I . ANATOMO-FISIOLOGIA DO APARELHO RESPIRATÓRIO
ANATOMIA DO APARELHO RESPIRATÓRIO Carlos Lopes
O aparelho respiratório é o conjunto de estruturas cuja função principal é a realização da hematose. Por definição, hematose consiste na troca de O 2 por CO2 que ocorre entre o ar inspirado e o sangue. Constituição do aparelho respiratório: 1. Fossas nasais 2. Seios perinasais 3. Faringe 4. Laringe 5. Traqueia 6. Brônquios 7. Pulmões Estruturas acessórias: 1. Pleura 2. Diafragma 3. Parede torácica 4. Músculos torácicos 5. Músculos da parede antero-lateral do abdómen Os três componentes da respiração são: Ventilação Fluxo sanguíneo Trocas gasosas
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Carlos Lopes
Foice do Cérebro Seio Esfenoidal
Hipófise
Seio Frontal
Protuberância
Cavidade Nasal
Dura Mater
Superior
Bulbo Nasofaringe
Cornetos Nasais
Médio Inferior
Orofaringe
Vestíbulo Nasal Orifício da Trompa de Eustáquio
Hipofaringe Esófago
Cavidade Oral
Vértice Pleural
Língua
Clavícula
Epiglote
1ª Costela
Laringe
Pleura Parietal Subcostal
Corda Vocal Traqueia
Pleura Parietal Mediastínica
Veia e Artéria Subclávia
Brônquio Principal Dto.
Aorta Artéria Pulmonar Esq.
Artéria Pulmonar Dta.
Brônquio Principal Esq. Gânglios Linfáticos
Pleura Visceral sobre o Pulmão Dto. Hilo do Pulmão
Pericárdio Esterno (removido)
Pleura Mediastínica Pericárdica Pleura Parietal Subesternal e Subcostal
6ª e 7ª Cartilagens Costais Músculo Recto do Abdómen Linha Branca
Pleura Parietal Diafragmática
Músculo Oblíquo Interno Músculo Oblíquo Externo (removido)
Diafragma
Figura 1 - Aparelho respiratório
Anatomia do Aparelho Respiratório
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TRAQUEIA, BRÔNQUIOS E PULMÕES Os pulmões são os órgãos essenciais da respiração. São dois (esquerdo e direito) e encontram-se protegidos pela caixa torácica, à excepção do seu vértice que se projecta sobre a base do pescoço. Têm a forma de um cone seccionado em 2 por um plano vertical. Envolvidos por uma serosa: a pleura. Encontram-se separados pelo Mediastino Delimitado: Lateralmente: pleura e pulmões Anteriormente: esterno Atrás: coluna vertebral Constituído por: coração, pericárdio, grandes vasos traqueia, brônquios esófago torácico Face externa convexa, adapta-se à parede lateral do tórax, é interrompida por cisuras que dividem o pulmão, em lobos. Em contacto com a pleura parietal, apresenta sulcos correspondentes aos arcos costais. No pulmão esquerdo, a face externa está dividida em dois lobos: superior e inferior, pela cisura oblíqua ou grande cisura. No pulmão direito existem duas cisuras: a grande cisura, separa o lobo inferior do superior e termina no bordo inferior do pulmão, e a pequena cisura separa o lobo médio do superior.
O número de lobos é variável devido à inconstância das cisuras, nalguns indivíduos podem surgir lobos acessórios, como variantes do normal: • Lobo Infracardíaco (ou paracardíaco) situa-se na porção interna do lobo inferior e relaciona-se com o brônquio paracardíaco.
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• Lobo Acessório da veia ázigos, por vezes a porção interna do lobo superior encontra-se parcialmente separada por uma cisura de profundidade variável, que engloba a porção terminal da veia ázigos. Face interna concâva, composta por duas partes:
• parte vertebral (posterior), em contacto com as vértebras torácicas e discos intervertebrais, vasos intercostais posteriores e nervos esplâncnicos. • parte mediastínica, apresenta uma concavidade mais acentuada adaptada ao coração – a impressão cardíaca – maior e mais profunda no pulmão esquerdo. Acima e atrás encontra-se o hilo triangular onde várias estruturas entram e saem do pulmão. Essas estruturas estão rodeadas por uma manga de pleura que se estende por baixo do hilo e para trás da impressão cardíaca – o ligamento pulmonar. Pedículo/Hilo do pulmão, é atravessado por diversas estruturas:
• • • • • • • •
Brônquio principal Artéria pulmonar Duas veias pulmonares Artérias e veias brônquicas Plexo pulmonar autónomo Linfáticos Gânglios broncopulmonares Tecido conjuntivo laxo
Ápex extremidade superior arredondada, ultrapassa o desfiladeiro torácico, onde contacta com a pleura cervical.
Anatomia do Aparelho Respiratório Cartilagem Tiroideia Glândula Tiroideia Vértice Pleural
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Cartilagem Cricoideia Traqueia Fosseta Supra-esternal
Articulação Esterno-clavicular
Ápex do Pulmão
Clavícula
Aorta
1ª Costela e Cartilagem
Incisura Cardíaca do Pulmão
Bordo Direito do Coração
Bordo Esquerdo do Coração Mamilo Esq.
Mamilo Dto.
Recesso Pleural Costo-diafragmático (Ângulo Costo-frénico)
Grande Cisura do Pulmão Dto. Baço Margem Inferior do Pulmão Dto.
Grande Cisura do Pulmão Esq. Margem Inferior do Pulmão Esq.
Recesso Pleural
Cúpula Diafragmática Esq. Vesícula
Recesso Pleural Estômago
Cúpula Diafragmática Dta. Fígado Pequena Cisura do Pulmão Dto.
Pericárdio Cartilagem Xifoideia
Figura 2 - Topografia Pulmonar (anterior)
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Base é larga, côncava, e assenta sobre cada um dos hemidiafragmas.
O pulmão apresenta três Bordos: Inferior, Posterior e Anterior. O bordo inferior do pulmão esquerdo estende-se mais para baixo, já que o pulmão direito é empurrado para cima pelo fígado, que se encontra por baixo do diafragma. O pulmão esquerdo encontra-se reduzido pelo leito cardíaco/impressão cardíaca. Como o diafragma se encontra mais subido à direita para acomodar o fígado, o pulmão direito é verticalmente mais curto. Contudo, dada a assimetria cardíaca, o pulmão direito tem maior capacidade e é mais pesado. O volume de gás contido no pulmão, correspondente à capacidade residual funcional é de: 2,4l Volume pulmonar depende: 1. capacidade torácica 2. estado de inspiração/expiração Convencionou-se subdividir cada pulmão em unidades anátomofuncionais, com base na ramificação da árvore brônquica: • Lobos • Segmentos • Lóbulos Lobos:
são três no pulmão direito, dois no pulmão esquerdo, unidades anátomo-funcionais, individualizadas a nível macroscópico pela pleura visceral, possuem ventilação e vascularização próprias. O lobo superior esq. difere do dto. pela adição da língula que ocupa a sua porção ântero-inferior e cujo nome deriva do facto da forma do seu segmento inferior ser muito semelhante à ponta da língua.
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Segmentos:
porções do pulmão ventiladas pela ramificação terminal do brônquio lobar. A artéria que irriga um segmento, tende a acompanhar o brônquio segmentar. Cada segmento está rodeado por tecido conjuntivo em continuidade com a pleura visceral e constitui uma unidade respiratória independente. Lóbulos:
constituídos por conjuntos de 3-5 bronquíolos terminais, correspondem às unidades fisiológicas de base. Ácinos/unidade respiratória: Conjunto de alvéolos ventilados por um bronquíolo terminal; Contêm 10-12 unidades terminais; Divisão utilizada pelos patologistas. Vias Aéreas
Série de tubos ramificados que transportam ar do ambiente para as trocas gasosas e com a expiração transportam os gases resultantes do metabolismo (CO2 e vapor de água) para a atmosfera. Funções acessórias: • • • •
Filtração de potenciais agentes nocivos Auto-limpeza Defesa contra infecção Auto-reparação
As trocas gasosas não ocorrem através das membranas das vias aéreas, constituindo o Espaço Morto Anatómico, que vai desde as fossas nasais até aos bronquíolos terminais (150 ml). Desde a 24.ª semana de gestação, está estabelecida a arquitectura e n.º de vias condutoras. Durante a infância assiste-se a um aumento do comprimento e do diâmetro das vias aéreas.
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Figura 3 - Traqueia e brônquios principais
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Cada via aérea tende a dividir-se de uma forma dicotómica assimétrica. A Traqueia , é um canal formado por cartilagem e membrana fibromuscular, revestido internamente por mucosa – epitélio colunar ciliado pseudoestratificado, com células caliciformes dispersas. Inicia-se ao nível da cartilagem cricóide (C 6) até que se bifurca por altura do bordo superior de D5, originando os brônquios principais esquerdo e direito. Localiza-se no plano sagital, mas a sua bifurcação encontra-se um pouco desviada para a direita. A sua parede é composta por cerca de 20 peças cartilagíneas, que têm a forma de um D. A Carina é o ponto de bifurcação, suportada por uma cartilagem em forma de sela. O brônquio principal direito é mais curto, tem maior diâmetro e destaca-se da traqueia fazendo um ângulo menor do que o esquerdo, pelo que os corpos estranhos são mais frequentemente aspirados à direita. Cada brônquio principal divide-se em brônquios lobares, que por sua vez originam brônquios segmentares. Sistema de classificação de Jackson-Huber: pulmão dto. – 10 brônquios segmentares pulmão esq. – 8 brônquios segmentares O brônquio principal direito origina: B. LOBAR SUPERIOR B. LOBAR MÉDIO B. LOBAR INFERIOR
(1) apical, (2) posterior, (3) anterior (4) lateral, (5) interno (6) superior/apical, (7) basal interno, (8) basal anterior, (9) basal externo, (10) basal posterior
O brônquio principal esquerdo origina: B. LOBAR SUPERIOR B. LOBAR INFERIOR
(1) apical, (2) posterior, (3) anterior, (4) lingular superior, (5) lingular inferior (6) superior/apical, (7) basal interno, (8) basal anterior, (9) basal externo, (10) basal posterior
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Epitélio: Alto e secretor, constituído por células epiteliais colunares pseudoestratificadas • • • •
• • • • •
células ciliadas- as mais numerosas células basais- precursoras de novas células ciliadas e outras células intermediárias células caliciformes- irregularmente distribuídas, menos frequentes nas vias periféricas, ausentes a partir dos bronquíolos terminais. O seu número aumenta com a agressão e inflamação crónicas. células de Clara células serosas células pulmonares dendríticas eosinófilos mastócitos
O muco é produzido pelas células caliciformes e pelas glândulas submucosas. Uma camada de muco recobre os cílios, esta camada é removida pelo movimento dos cílios, em direcção à faringe onde é deglutida. Muco: 1. previne dissecação do epitélio das vias aéreas 2. filtra partículas inaladas (capta partículas orgânicas/inorgânicas > =5µm, faz a adsorção de partículas suspensas devido ao seu alto índice de viscosidade) Cílios desaparecem ao nível dos bronquíolos terminais e vias respiratórias. O movimento dos cílios depende do teor em ATPase.
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Figura 4 - Epitélio traqueal, brônquico e bronquiolar
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Existe uma complementaridade entre o mecanismo ciliar e a secreção de muco – quando existe metaplasia da mucosa das vias superiores (com diminuição do n.º de células ciliadas), aumenta o n.º de células caliciformes e consequentemente a quantidade de muco que é produzida. Bronquíolos: Vias condutoras sem cartilagem, apresentam células não ciliadas ou células de Clara O calibre mínimo das vias aéreas 0,5 mm é atingido ao nível dos bronquíolos terminais. A resistência ao fluxo aéreo é constante desde os bronquíolos respiratórios até aos alvéolos porque o calibre é semelhante.
Tecido Conjuntivo do Pulmão
O interstício extra-alveolar, onde se localizam os grandes vasos pulmonares e as vias aéreas de condução, forma os folhetos peribroncovasculares, septos interlobulares e pleura visceral, o seu conteúdo apresenta ligações ao parênquima circundante e serve de base de sustentação às vias aéreas. Tanto no edema pulmonar como no enfisema intersticial, os folhetos peribroncovasculares servem de passagem para o líquido do edema e ar para o hilo e ao longo dos septos lobulares para a pleura visceral. O interstício alveolar, a parede alveolar e o parênquima estão organizados em série com o interstício extra-alveolar.
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Anatomia da Área de Trocas Gasosas
Unidades respiratórias terminais são unidades funcionais de parênquima pulmonar em que a difusão do gás é tão rápida que a PaO2 e a PaCO2 são uniformes ao longo de toda a unidade. Anatomicamente é o conjunto de ductos alveolares e os seus alvéolos acompanhantes que têm origem num bronquíolo respiratório. Correspondem a uma zona esférica de parênquima pulmonar ventilada através de um bronquíolo respiratório e perfundida pela artéria pulmonar correspondente. O bronquíolo respiratório está em contiguidade com o ducto alveolar e alvéolo. As veias pulmonares localizam-se no perímetro da unidade respiratória terminal e limitam a sua estrutura, drenam sangue de várias unidades vizinhas. Bronquíolos respiratórios são os elementos mais proximais das unidades respiratórias terminais, formados por canais não cartilagíneos, para o fluxo aéreo, e por áreas onde ocorrem as trocas gasosas. O seu epitélio é constituído por células cubóides, apresenta alguns cílios e microvilosidades. Dispersas pelo epitélio encontram-se células de Clara (15% do n.º total de células), o seu número encontra-se diminuído nos fumadores. Funções das células de Clara: • transporte de iões e liquido • síntese, armazenamento e secreção de lípidos, proteínas e glicoproteínas • produção de células ciliadas e novas células de Clara • metabolismo/processamento de material xenobiótico A transição do epitélio cubóide dos bronquíolos respiratórios para as células epiteliais escamosas dos ductos alveolares e alvéolos é abrupta.
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Os vasos sanguíneos na unidade respiratória funcional encontramse envolvidos num arranjo de: elastina, colagéneo e reticulina das paredes alveolares. As fibras de colagéneo são do tipo I e II. O interstício entre fibras de tecido conjuntivo é preenchido por proteoglicanos. O trânsito do eritrócito no capilar alveolar tem a duração aproximada de: ¾ - 1s. A barreira alvéolo capilar tem 1,5 µm de espessura e é composta por: 1. epitélio alveolar 2. lâmina basal 3. interstício 4. lâmina basal do endotélio 5. endotélio capilar 6. membrana do eritrócito
Forma dos Alvéolos e Hemodinâmica Pulmonar
A ventilação colateral entre alvéolos adjacentes é feita através de pequenas aberturas nas paredes – os Poros de Kohn. A forma do alvéolo influencia a distribuição da perfusão pulmonar e resistência vascular por alterar a geometria dos vasos sanguíneos pulmonares. As trocas gasosas são dificultadas quando se acumula líquido nos alvéolos ou no interstício da parede alveolar, daí a necessidade de haver mecanismos de transporte activo de iões através das células epiteliais alveolares, para minimizar a quantidade de líquido extravascular. A remoção de líquido dos alvéolos faz-se para compartimentos intersticiais, microvasos e linfáticos, uma vez no interstício são conduzidos para o tecido conjuntivo peri-hilar ou para a pleura visceral.
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Figura 5 - Vias aéreas intrapulmonares
Vias de remoção através dos linfáticos são mais longas e complicadas, porque os capilares linfáticos não penetram no interstício da parede alveolar. Estão localizados no tecido conjuntivo que rodeia os bronquíolos respiratórios e terminais.
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Tensão Superficial e Células Epiteliais Alveolares
A tensão superficial é minimizada pela presença de material activo na superfície do alvéolo – o surfactante. Trata-se de material lipídico, composto principalmente por dipalmitoil-fosfatidilcolina e, secretado pelos Pneumócitos tipo II, tem a tensão superficial mais baixa que qualquer outra substância biológica. O surfactante diminui o nível de pressão necessário para insuflar o alvéolo do seu volume em repouso (em que a tensão superficial é maior) para um volume maior (em que a tensão superficial é menor).
Mecanismos de Defesa do Pulmão nas Áreas das Trocas Gasosas
Os macrófagos alveolares são a principal célula fagocítica dos alvéolos, as suas funções são: • filtração de partículas inaladas (0,5-3,0 µm de diâmetro) e bactérias que alcançam os alvéolos • secreção de citocinas • papel acessório na resposta imune • metabolismo do surfactante Dentro das paredes brônquicas os linfócitos encontram-se agrupados constituindo o tecido linfóide associado aos brônquios Pneumócitos tipo II são os responsáveis por manter os alvéolos secos, possuem uma elevada concentração de Na +-K + ATPase nas suas superfícies basais, muitas mitocôndrias e propriedades bioeléctricas. Pneumócitos tipo I cobrem 97% da superfície alveolar
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CIRCULAÇÃO INTRAPULMONAR Os pulmões são irrigados por dois sistemas arteriais: o pulmonar e o brônquico, provenientes um de cada lado do coração. Os vasos pulmonares seguem um arranjo radial, condicionando uma maior densidade radiográfica dos vasos na parte inferior dos campos pulmonares, quando em ortostatismo. As vias aéreas até aos bronquíolos terminais recebem a sua irrigação sanguínea da circulação brônquica/sistémica. Trata-se da circulação nutritiva dos elementos da medular (grandes vias aéreas, vasos sanguíneos e tecido conjuntivo peribroncovascular e pleura visceral), não atingindo as estruturas da cortical, irrigados pela circulação pulmonar arterial, mais rica em metabolitos. A circulação brônquica tem início na aorta torácica ou artérias intercostais superiores, ao nível do hilo pulmonar. Duas artérias brônquicas para a esquerda e uma para a direita. Nela têm origem ramos para: traqueia, esófago e ramos para o pulmão com trajecto ao longo dos brônquios principais e vasos pulmonares, até aos bronquíolos terminais. Os capilares brônquicos distribuem-se pela lâmina própria logo abaixo do epitélio brônquico, na submucosa entre o músculo liso das vias aéreas e as placas cartilagíneas e externamente à cartilagem. Nas doenças inflamatórias prolongadas e proliferativas (bronquiectasias, carcinoma), o fluxo sanguíneo brônquico pode aumentar muito. Tecido pulmonar de cicatrização e tumores maiores que 1 cm de diâmetro, recebem a sua irrigação da circulação brônquica. É a principal origem de novos vasos, quer na reparação após lesão pulmonar quer na proliferação de tumores pulmonares. Pelo contrário, a circulação pulmonar não prolifera em resposta a doenças pulmonares inflamatórias prolongadas ou proliferativas. A circulação pulmonar, é um sistema de baixa pressão e grandes débitos sanguíneos.
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Figura 6 - Circulação intrapulmonar
Origina-se do ventrículo direito, sendo o débito correspondente ao volume sistólico do VD, distribuído pelos dois pulmões, através de uma ramificação dicotómica do tronco pulmonar, para a artéria pulmonar direita e esquerda e depois para a árvore arterial que acompanha as vias aéreas. Esta associação anatómica entre vias aéreas e artérias pulmonares estende-se distalmente até às áreas onde se processam as trocas gaso-
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sas, evidenciando a principal função do pulmão: a troca gasosa eficiente através da sobreposição V/Q. A extensão do músculo liso até aos capilares alveolares ocorre em condições patológicas e pode contribuir para o aparecimento de Hipertensão Pulmonar. As circulações pulmonar e brônquica podem comunicar através de anastomoses, mais desenvolvidas em situações patológicas, nomeadamente, quando há obstrução de ramos da artéria pulmonar. Dentro do pulmão há uma separação entre as veias, as artérias e as vias aéreas. Sangue venoso originário da traqueia e brônquios reúne-se, perto do hilo, em veias brônquicas que drenam para a veia ázigos ou hemiázigos, assim, parte do fluxo sanguíneo retorna ao lado direito do coração. No pulmão mais profundo, capilares brônquicos originam vénulas pulmonares, via vasos anastomóticos alcançando o coração esquerdo. (a chamada mistura venosa). A presença de músculo liso na parede das artérias e veias pulmonares implica que o fluxo sanguíneo possa ser activamente regulado. Apesar do S.N.S. exercer pouca influência sobre o tónus vascular pulmonar; alterações no tónus simpático ou parassimpático, exercem o seu efeito na circulação pulmonar de uma forma indirecta, através de alterações no débito cardíaco. Substâncias vasoactivas como: histamina, serotonina, prostanóides, angiotensina II, bradicinina e EDRF, actuam sobre a circulação pulmonar. Contudo, o estímulo fisiológico mais comum para a vasoconstrição pulmonar é: a Hipóxia Alveolar. A vasoconstrição pulmonar hipóxica, localizada nas pequenas artérias pulmonares ocorre quando, a PaO2≤60mm Hg. Com este mecanismo, consegue-se uma redistribuição do fluxo sanguíneo para fora das áreas pulmonares em hipóxia.
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Circulação Linfática
A incidência crescente de cancro do pulmão, tornou ainda mais importante o conhecimento da localização dos gânglios linfáticos que drenam o pulmão: gânglios extrapulmonares encontram-se agrupados em volta de ambos os brônquios principais e da extremidade distal da traqueia. • Gânglios brônquicos superiores direitos e esquerdos • Gânglios traqueobrônquicos inferiores Gânglios linfáticos do mediastino: • • • • • • •
Mediastínicos superiores Paratraqueias superiores Retrotraqueias e prevasculares Paratraqueias inferiores Subaórticos Para-aórticos Paraesofágicos do ligamento pulmonar
Circulação de retorno linfático é constituída por: Redes (plexo)
superficial profunda
pleura visceral/espaços pleuropulmonares colectores seguem adventícia das veias conjunto broncoarterial
hilo
→
↵
As duas circulações comunicam através dos septos interlobares. A linfa tem um circuito centrípeto, em direcção ao hilo e ao ligamento pulmonar, para atingir os gânglios regionais extrapulmonares, que rodeiam os brônquios principais e a traqueia. Daí drenam para o canal torácico e para o canal linfático direito, que por sua vez vai drenar para as grandes veias do pescoço.
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INERVAÇÃO DAS VIAS AÉREAS Os pulmões recebem inervação do S.N.C. através do sistema nervoso autónomo vegetativo. Os nervos motores que inervam o músculo liso e glândulas das vias aéreas pertencem ao S.N.P.S. e são conduzidos pelos nervos vagos. Destacam-se dos nervos recorrentes em cima, e das veias pulmonares inferiores em baixo. Durante a respiração normal, estes nervos determinam discreta constrição das vias aéreas e contracção reflexa das vias aéreas maiores, para evitar o seu colapso externo, durante a expiração forçada ou a tosse. Os ramos simpáticos ou esplâncnicos têm origem no gânglio cervical inferior, no 2.º, 3.º e 4.º gânglios torácicos. As fibras destes dois sistemas organizam-se em plexos periarteriais e peribrônquicos. A estimulação para a secreção das células caliciformes faz-se directamente por sinais mecânicos e químicos. As secreções glandulares mucosas e serosas são estimuladas mais por agentes muscarínicos do que adrenérgicos. Terminações eferentes das glândulas submucosas: • Colinérgicas • Adrenérgicas • Peptidérgicas A maioria das fibras aferentes são não mielinizadas (vias aéreas mais pequenas, parede das pequenas vias), sensíveis à distorção do tecido conjuntivo do parênquima que ocorre em casos de congestão vascular pulmonar/edema intersticial. Atingem o S.N.C. por intermédio dos nervos vagos.
Anatomia do Aparelho Respiratório
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Receptores sensoriais dos pulmões: nervos vagos. Reflexo de Hering-Breuer (receptores de estiramento) Reflexo da tosse
Fibras mielinizadas (traqueia e brônquios principais)
Receptores de irritação
O sistema neuroendócrino difuso é constituído por células A.P.U.D.(amine precursor uptake and decarboxylation) as quais armazenam hormonas/aminas: serotonina, dopamina, noradrenalina e hormonas peptídicas. A função do sistema neuroendócrino do pulmão normal, ainda não está estabelecida.
PLEURA Pleura: membrana serosa que envolve os pulmões, tem dois folhetos, visceral e parietal; separados por um espaço potencial: a cavidade pleural. Cavidade pleural: é um espaço potencial entre a pleura visceral que cobre a superfície pulmonar, incluindo as cisuras, e a pleura parietal que cobre a superfície interna da caixa torácica, mediastino e diafragma. Contém uma quantidade mínima (10 ml) de líquido seroso. A pleura estende-se desde o bordo superior da 1.ª costela até D 12, enquanto o pulmão só atinge o nível de D 10.
Fundo de saco virtual
2 recessos
seio pleural costodiafragmático seio pleural costomediastínico
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Mesotélio pleural Composto por células mesoteliais assentes sobre uma membrana basal fina e homogénea, mas descontínua. Trata-se de uma camada de tecido conjuntivo laxo, rico em vasos sanguíneos, nervos e linfáticos.
Estomas: orifícios Focos de Kampmeir
pleura parietal
pleural A filtração das substâncias existentes no espaço pleural é feita pelos linfáticos da pleura parietal. Clearance
MÚSCULOS RESPIRATÓRIOS Diafragma Septo de músculo tendinoso que separa a cavidade torácica da abdominal, separa o pulmão direito do fígado e o pulmão esquerdo do estômago e baço. A cúpula diafragmática esquerda encontra-se numa posição ligeiramente mais baixa que a direita É o músculo mais importante na mecânica respiratória, a contracção da porção muscular empurra para baixo o tendão central, aumentando o volume da caixa torácica e iniciando a inspiração. Inervado pelos nervos frénicos direito e esquerdo.
Constituído por: Hiato aórtico: Veia ázigos Canal torácico Aorta Hiato esofágico: esófago Artérias e veias esofágicas Nervos vago Foramen: veia cava inferior
Anatomia do Aparelho Respiratório
Figura 7 - Diafragma (vista superior)
Músculos da parede anterior lateral do tórax: • Grande peitoral • Pequeno peitoral • Subclávio • Grande dentado • Grupo intercostal Músculos da parede anterolateral do abdómen: • Rectos • Grande oblíquo importantes na expiração forçada / respiração abdominal Músculos respiratórios acessórios: • Esternocleidomastoideu • Escalenos
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Figura 8 - Músculos respiratórios
EMBRIOLOGIA DO APARELHO RESPIRATÓRIO No embrião inicia-se a formação do sistema respiratório às 4 semanas, com o aparecimento de um divertículo da parede ventral do intestino cefálico. O epitélio de revestimento interno da laringe, traqueia, brônquios e pulmões é exclusivamente de origem endodérmica. Os componentes cartilagíneos e musculares da traqueia e pulmões derivam da mesoderme esplâncnica que envolve o intestino cefálico. Inicialmente o divertículo respiratório está em comunicação com o intestino cefálico. Quando se dá a expansão do divertículo na direcção caudal, ele separa-se do intestino cefálico pelo desenvolvimento de duas cristas longitudinais – as cristas esofagotraqueais.
Anatomia do Aparelho Respiratório
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Posteriormente, estas cristas fundem-se para formar um septo – o septo esofagotraqueal. O intestino cefálico fica dividido numa porção dorsal – o esófago – e numa porção ventral – a traqueia e os botões respiratórios. Mantém-se a comunicação entre o primórdio respiratório e a faringe através do orifício laríngeo, que tem origem nos 4.º e 6.º arcos braquiais.
Traqueia, Brônquios e Pulmões
Durante a sua separação do intestino cefálico, forma-se uma estrutura na linha média do primórdio respiratório, a traqueia, e duas bolsas laterais: os esboços respiratórios. O esboço direito divide-se em 3 ramos e o esquerdo em 2. Precedendo a presença de 3 lobos no lado direito e 2 à esquerda. Com o crescimento na direcção caudal e externa, os esboços pulmonares penetram na cavidade celómica. Este espaço estreito é conhecido pelo canal pericardioperitoneal. Encontra-se de cada lado do intestino cefálico, e é gradualmente preenchido pelos esboços respiratórios em expansão. Por último, os canais pericardioperitoneais são separados das cavidades peritoneal e pericárdica pelas pregas pleuroperitoneais e pleuropericárdica, respectivamente. Os espaços restantes correspondem às cavidades pleurais primitivas. A mesoderme que reveste o exterior do pulmão origina a pleura visceral. O folheto somático da mesoderme, que cobre a parede corporal do interior, origina a pleura parietal. O espaço entre a pleura visceral e parietal constitui a cavidade pleural. Durante o restante desenvolvimento, os brônquios principais dividem-se repetidamente de um modo dicotómico, e no final do 6.º mês cerca de 17 ordens de subdivisões foram criadas. Antes da árvore brônquica atingir a sua forma definitiva formam-se 6 divisões adicionais, estas ocorrem no período pós-natal.
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Enquanto se dão estas subdivisões e a árvore brônquica se desenvolve, os pulmões assumem uma posição mais caudal, assim, na altura do parto, a bifurcação da traqueia está localizada ao nível da 4.ª vérte bra dorsal. Maturação dos Pulmões
Até ao 7.º mês de gestação os bronquíolos dividem-se continuamente em canais cada vez mais pequenos (fase canalicular), e a rede vascular desenvolve-se progressivamente.
Figura 9 - Desenvolvimento do pulmão fetal durante a 4.ª (a), 5.ª (b) e 6.ª (c) semanas
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A respiração torna-se possível quando algumas células cubóides dos bronquíolos respiratórios se transformam em células finas e achatadas. Estas células estão muito associadas a capilares sanguíneos e linfáticos e os espaços envolventes são agora conhecidos como sacos ou alvéolos primitivos. Durante o 7.º mês, já existem capilares suficientes, nos alvéolos primitivos, para garantir as trocas gasosas associadas, e o RN prematuro está apto a sobreviver Durante os 2 últimos meses de gestação e durante vários anos após o parto, o número de sacos terminais, vai aumentando. O crescimento dos pulmões no pós-parto, é devido, sobretudo, a um aumento do número de bronquíolos respiratórios e alvéolos e não ao aumento do tamanho dos alvéolos. Ocorre formação de novos alvéolos, no mínimo, durante os primeiros 10 anos de vida. As células que revestem os sacos – células epiteliais alveolares tornam-se gradualmente mais finas, e os capilares envolventes fazem protrusão nos sacos alveolares. O contacto íntimo proporcionado constitui a barreira sangue – ar. Nos alvéolos adultos além das células endoteliais e das células epiteliais alveolares achatadas (Pneumócitos tipo I), outro tipo celular aparece no final do 6.º mês: as células epiteliais alveolares tipo II (Pneumócitos tipo II), que serão os futuros produtores de surfactante – substância capaz de baixar a tensão superficial no interface ar-alvéolo. Antes do parto, os pulmões estão preenchidos por um fluído rico em cloreto, poucas proteínas, algum muco das glândulas brônquicas e surfactante dos Pneumócitos tipo II. A quantidade de surfactante no fluído aumenta, sobretudo durante as 2 últimas semanas antes do parto. Quando a respiração se inicia na altura do parto, a maior parte do fluído pulmonar é rapidamente reabsorvida pelos capilares sanguíneos e linfáticos, enquanto uma pequena quantidade é expelida pela traqueia e brônquios durante o parto.
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Figura 10 - Principais etapas do desenvolvimento pulmonar. CGD, células com grânulos densos; LIE, linfácito intraepitelial.
Quando o fluído é reabsorvido dos sacos alveolares, o surfactante, permanece depositado como uma fina camada fosfolipídica nas mem branas das células alveolares. Com o ar atingindo os alvéolos na primeira inspiração, a camada de surfactante previne o desenvolvimento de um interface ar-água (sangue) com elevação da tensão superficial. Sem a camada gorda de surfactante, os alvéolos iriam colapsar durante a expiração originando atelectasias. A ausência ou insuficiente quantidade de surfactante nos bebés prematuros causa síndrome de dificuldade respiratória, devido ao colapso dos alvéolos primitivos (doença das membranas hialinas).
MÚSCULOS RESPIRATÓRIOS Margarida Sousa
Os músculos respiratórios são um dos componentes da “bomba respiratória”, que compreende ainda o sistema nervoso central e vias nervosas de transmissão e as estruturas mobilizadas por esses músculos – caixa torácica e abdómen. A “bomba respiratória” assegura a ventilação externa, sendo os pulmões responsáveis pelas trocas gasosas, constituindo em conjunto o aparelho respiratório. A constatação de que a falência da “bomba respiratória” é uma das principais causas de insuficiência respiratória, tem vindo a motivar particular interesse no estudo dos músculos respiratórios e sua fadiga, tema actual, com pontos ainda em investigação. Os músculos respiratórios formam um sistema complexo constituído, principalmente, por: • Diafragma • Músculos intercostais • Músculos acessórios da inspiração - escalenos - esternocleidomastoideus • Músculos abdominais Como músculos esqueléticos que são, os músculos respiratórios assemelham-se estrutural e funcionalmente a outros músculos do mesmo tipo, como os dos membros. No entanto, as adaptações à sua
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função específica, tornam-nos diferentes em determinados aspectos, como seja o seu trabalho contra cargas de resistência e elásticas, e a sua contractilidade rítmica e contínua, sendo os únicos músculos esqueléticos de que depende a vida. Fazem parte das adaptações específicas dos músculos respiratórios, a elevada resistência à fadiga, a elevada capacidade oxidativa, uma maior densidade capilar e um maior débito sanguíneo máximo, que dependem das propriedades estruturais e funcionais dos músculos. As propriedades estruturais dos músculos em geral, e em particular dos músculos respiratórios, dependem do tipo de fibras que os constituem, suas características morfológicas e da organização das unidades motoras. Os músculos respiratórios, tal como os outros músculos esqueléticos, são compostos por várias unidades motoras, cada uma das quais com centenas de fibras musculares, que se distinguem pela actividade da adenosina miosina trifosfatase (ATPase) e pela sua dependência do pH. Nos músculos respiratórios estão habitualmente presentes três tipos de fibras: tipo I, tipo IIa e tipo IIb. Os músculos constituídos preferencialmente por fibras tipo I têm maior endurance, enquanto que, os que contêm principalmente fibras tipo IIb desenvolvem forças elevadas, mas têm baixa capacidade de endurance. As fibras tipo IIa são de características intermédias, com binando uma força relativamente elevada com uma endurance relativamente longa. Em geral, a área seccional das fibras tipo I é a menor, sendo a maior a das fibras tipo IIb. O diafragma, principal músculo inspiratório, contém cerca de 55 ± 5% de fibras tipo I , 21 ± 6% tipo IIa e 23 ± 3% tipo IIb. Todos os músculos respiratórios (intercostais, abdominais, esternocleidomastoideus e diafragma) contêm pelo menos 60% de fibras com elevada capacidade oxidativa e, dessa forma, estão geralmente bem equipados para manter uma contracção rítmica contínua.
Músculos Respiratórios
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Os músculos respiratórios consistem em feixes musculares orientados de forma paralela. Esses feixes são formados por centenas de fibras musculares, cada uma das quais consistindo em centenas de miofibrilhas. As miofibrilhas são feitas por centenas de sarcómeros agrupados em séries, formado cada sarcómero por um número de filamentos de miosina (filamentos espessos) e pelo dobro de filamentos de actina (filamentos finos). A capacidade do músculo gerar força depende do número de miofibrilhas paralelas, sendo aditivas as forças geradas pelas mesmas, enquanto que a deslocação e a velocidade de encurtamento dependem do número de sarcómeros por série. A densidade de mitocôndrias em cada um dos três tipos de fibras dos músculos respiratórios é, geralmente, maior que no mesmo tipo de fibras dos músculos dos membros. Para além disso, o diafragma é composto por cerca de 80% de fi bras oxidativas, comparado com 36 a 46% em músculos dos membros de indivíduos não treinados. Sendo o volume e a densidade das mitocôndrias diafragmáticas duas vezes maior que nos músculos dos membros, a capacidade de captação de oxigénio é maior, devido ao conteúdo em fibras oxidativas e maior densidade em mitocôndrias. Por outro lado, o débito sanguíneo máximo no diafragma excede significativamente o dos músculos dos membros, devido à maior densidade capilar, que é cerca de duas vezes maior nos músculos respiratórios. O diafragma está, desta forma, bem equipado para manter uma contracção rítmica em repouso, através das suas fibras tipo I e IIa, permitindo estas últimas um recrutamento adicional em potência e frequência, durante o exercício e, cabendo às poucas fibras do tipo IIb uma acção com maior potência no espirro e na tosse. As propriedades intrínsecas dos músculos esqueléticos estabelecem relações fisiológicas entre Força – Velocidade e Força – Compri-
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mento. Nos músculos respiratórios essas relações traduzem-se respectivamente por Pressão – Débito e Pressão – Volume. Assim, na zona fisiológica, quanto mais comprido é um músculo, maior é a força gerada para o mesmo estímulo. No sistema respiratório, à medida que o volume pulmonar aumenta, os músculos inspiratórios encurtam, diminuindo a sua força. Com os músculos expiratórios sucede o inverso, alongando-se na inspiração, aumentando assim a sua força. (Fig.1)
Fig. 1 – Propriedades intrínsecas dos músculos respiratórios (adap. de Heitor C)
Músculos Respiratórios
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Este aspecto da relação comprimento / tensão dos músculos respiratórios é particularmente importante nas situações de hiperinsuflação e de enfisema pulmonar. Os músculos respiratórios são a força motora da “bomba respiratória”. A inspiração é um fenómeno activo, devido à contracção dos músculos inspiratórios, sendo, pelo contrário, passiva a expiração normal que se deve à retracção elástica toracopulmonar, acompanhada por um relaxamento dos músculos inspiratórios. No entanto, a expiração pode tornar-se activa em diversas situações patológicas, na hiperventilação do exercício e voluntariamente, aspecto este frequentemente usado na reeducação funcional respiratória.
Diafragma
O diafragma é o principal músculo inspiratório responsável por cerca de 2/3 da ventilação de repouso. É constituído por uma zona central tendinosa – o centro frénico – donde irradiam fibras musculares que se dispõem em cúpula e, conforme a sua inserção periférica, se designam por feixes crurais (diafragma crural) e feixes costais (diafragma costal), tendo uma acção diversa, com origem embriológica e anatómica diferente e controlo nervoso também diferenciado. (Fig. 2) A zona de aposição do diafragma, em que as fibras costais se dispõem paralelamente à face interna da parede costal, desempenha um papel importante na acção do deste músculo. A dinâmica do diafragma pode, esquematicamente, decompor-se em dois tempos: 1º tempo: contracção de ambos os feixes (crurais e costais) → abaixamento do centro frénico → aumento do diâmetro vertical do tórax → elevação da pressão abdominal, que se transmite através
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Margarida Sousa
Fig. 2 – Constituição anatómica do diafragma.
da zona de aposição do diafragma → movimento de expansão torácica inferior, predominantemente no sentido lateral → descida da pressão pleural → insuflação dos pulmões. 2º tempo: contracção das fibras costais do diafragma, fixando-se no centro frénico, apoiado sobre as vísceras abdominais (tonicidade dos músculos abdominais) → elevação e rotação das costelas, contribuindo para a expansão torácica inferior. Vários factores intervêm na dinâmica do diafragma tais como, a posição, o volume pulmonar e a sua curvatura. Em relação à posição do diafragma em repouso, quanto mais cefálica for, mais eficaz será a sua contracção. As variações de volume pulmonar influenciam profundamente a acção do diafragma. À medida que o volume se reduz abaixo da capacidade residual funcional, o diafragma eleva-se, aumentando a eficácia da sua contracção, devido a vários factores: • maior excursão inspiratória; • maior acção inspiratória sobre a grelha costal, por aumento da zona de aposição do diafragma;
Músculos Respiratórios
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• maior pressão de contracção, de acordo com a lei de Laplace (quanto menor for o raio de curvatura, maior a pressão gerada, para a mesma tensão); • melhor relação comprimento / tensão das fibras do diafragma. Quando o volume pulmonar aumenta, ao aproximar-se da capacidade pulmonar total, a zona de aposição do diafragma desaparece e as fibras adquirem uma orientação transversal, comprometendo a sua eficácia e provocando o aparecimento duma respiração paradoxal, com retracção inspiratória das costelas inferiores (sinal de Hoover) como
Fig. 3 – Posição corporal e dinâmica toracoabdominal e diafragmática.
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Margarida Sousa
se pode observar nos doentes com hiperinsuflação ou enfisema pulmonar. Devido à acção da gravidade e da pressão das vísceras abdominais, a dinâmica do diafragma é influenciada pela posição corporal. Assim, enquanto que em ortostatismo a respiração é predominantemente costal, em decúbito a respiração é predominantemente abdomino-diafragmática. Na posição de decúbito, a excursão diafragmática é máxima no lado apoiado, sendo maior a amplitude do movimento costal no hemitórax para cima, com bloqueio do movimento do hemitórax apoiado.(Fig. 3)
Músculos intercostais
Os músculos intercostais externos e internos têm uma diferente orientação das suas fibras, sendo classicamente considerados os externos como inspiratórios e os internos como expiratórios. Este conceito, por vezes posto em causa, é ainda objecto de investigação, tendo sido demonstrado que a porção mais interna dos músculos intercostais internos (músculos paraesternais) tem uma acção inspiratória importante, mesmo em repouso. De acordo com outros autores, a acção conjunta dos músculos intercostais, no sentido inspiratório ou expiratório, dependeria, para uns do volume torácico inicial (alto volume expiração ; baixo volume inspiração), para outros da ordem de sequência da sua activação (craneocaudal inspiração ; caudocraneana expiração). Para outros ainda, o papel dos intercostais seria predominantemente postural e de estabilizadores da caixa torácica.
Músculos acessórios da inspiração
Os principais músculos inspiratórios acessórios são os escalenos e os esternocleidomastoideus.
Músculos Respiratórios
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Os escalenos são considerados, por alguns, músculos inspiratórios principais, por ter sido demonstrada a sua actividade durante a respiração de repouso, desempenhando um papel fixador das costelas superiores e do esterno. A acção dos músculos acessórios da inspiração determina uma respiração tipo costal superior. Nos casos de contracção exagerada destes músculos, ou de fadiga ou paralisia do diafragma, pode verificar-se uma inspiração paradoxal com elevação do diafragma pela acentuação da pressão pleural negativa, traduzindo-se clinicamente por uma retracção inspiratória da parede anterior do abdómen.
Músculos abdominais
Os músculos abdominais são os principais músculos expiratórios, sendo essenciais para uma tosse eficaz. Estes músculos assumem também um importante papel na inspiração, através de dois mecanismos essenciais: • A tonicidade da parede abdominal, assegurada pelos músculos abdominais, é necessária para a eficácia do segundo tempo da contracção diafragmática, como anteriormente referido. Baseado neste aspecto, é evidente a melhoria da capacidade inspiratória com a utilização duma cinta abdominal, nos doentes com eventração ou paralisia dos músculos abdominais. • A contracção dos músculos abdominais, durante a expiração, eleva a posição de repouso do diafragma e restitui-lhe uma curvatura mais fisiológica, auxiliando assim a função deste músculo inspiratório.
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Para além destes mecanismos, a contracção dos músculos abdominais reduz o volume pulmonar abaixo da capacidade funcional, condicionando, ao relaxarem-se no final da expiração, um movimento inspiratório passivo pelo retorno elástico do sistema toracopulmonar à posição de repouso. Este aspecto pode tornar-se importante em certas situações como, por exemplo, nas paralisias dos músculos inspiratórios.
FISIOLOGIA DO PULMÃO
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Ricardo Melo
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Ricardo Melo
O ar ambiente é essencialmente constituído por 21% de O 2 e 79% de N2 (a concentração de CO2 e H2 O é menosprezável). Ao nível do mar, portanto, a pressão dos gases será: PO2 = % O2 x PB = 0.21 x 760= 159 mmHg PN2 = % N2 x PB = 0.79 x 760= 601 mmHg A pressão barométrica( PB) será, nesse caso, igual à soma das duas pressões; ou seja; 760 mmHg. A PO 2 na traqueia è inferior á do ar ambiente porque o ar inspirado è saturado com vapor de água. A pressão exercida pelo vapor de água corresponde a um valor de 47 mmHg. A pressão barométrica total, conforme já referido, è de 760 mmHg, mas 47 mmHg são exercidos pelo vapor de água, o que significa que a pressão exercida pelos outros gases é de 713 mmHg. Calculando o PO2: PO 2 = % O2 x ( PB – 47 ) = 0,21 x 713= 150 mmHg Este valor é, pois, inferior ao do ar ambiente. No alvéolo a pressão de O2 é, ainda, inferior à pressão de O 2 na traqueia porque a esse nível, para além do vapor de água, é adicionado CO2, cujo valor de pressão deve ser subtraído à pressão barométrica total. A pressão de um gás não nos diz tudo. Não nos diz quanto oxigénio chega aos tecidos, porque isso também depende das propriedades de transporte do O 2 do sangue, nomeadamente da hemoglobina. Normalmente, quando se respira ar ambiente a diferença entre o oxigénio alveolar e o oxigénio arterial, P(A-a)O 2, não deve ser mais do
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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que 10 mmHg. Nos individuos mais idosos essa diferença pode ser maior; aos 60 anos não deve ultrapassar os 25 mmHg. Com O2 a 100% è inferior a 100 mmHg, excepto nos idosos. Ventilação pulmonar
A ventilação pulmonar consiste na entrada e saída de ar entre a atmosfera e os alvéolos pulmonares. Portanto, a ventilação implica movimento do ar. Para que esse ocorra é necessário existir um gradiente de pressão entre a atmosfera e o ar. Se não existir gradiente de pressão, não há fluxo de ar. Em condições normais a inspiração é conseguida através da diminuição da pressão alveolar abaixo da pressão atmosférica, sendo a pressão atmosférica, por convenção, de 0 mmHg. Quando o gradiente de pressão è suficiente para ultrapassar a resistência ao fluxo oferecida pelas vias aéreas, ocorre o movimento de ar para os pulmões. Também é possível ocorrer fluxo de ar para os pulmões através do aumento da pressão ao nível do nariz e boca, com aparelhos chamados de pressão positiva, nos indivíduos que não conseguem gerar um gradiente de pressão suficiente. Ou seja, todos nós respiramos por um processo de pressão negativa. É a diminuição da pressão alveolar que nos faz inspirar. A contracção dos músculos inspiratórios faz aumentar o volume dos alvéolos, através da expansão da caixa torácica, fazendo, assim, diminuir a pressão alveolar. É a aplicação prática da lei de Boyle, que diz que para uma temperatura constante o produto da pressão pelo volume é sempre constante. Os alvéolos não são capazes de se expandir por si próprios. Isso só ocorre através de um aumento do chamado gradiente de
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Ricardo Melo
pressão transpulmonar, que corresponde à diferença entre a pressão dentro do alvéolo (pressão alveolar) e a pressão fora do alvéolo (pressão intrapleural). Podemos afirmar que o gradiente de pressão transpulmonar corresponde a uma pressão de distensão do alvéolo. Quanto maior o gradiente, maior a distensão. A pressão intrapleural, no final da expiração, è negativa (entre –3 a –5 mmHg), o que resulta de uma ligeira sucção que é exercida pela drenagem linfática no espaço pleural. Essa pressão é transmitida através das paredes alveolares, não só aos alvéolos periféricos, mas tam bém aos centrais e pequenas vias aéreas. A pressão alveolar é maior do que a pressão intrapleural, caso contrário os alvéolos colapsariam. Essa pressão é, no final da expiração, de 0 mmHg (porque o ar alveolar tende a igualizar a sua pressão com a pressão atmosférica , por estar em contacto com o ar ambiente). Na inspiração o que acontece é que a contracção dos músculos inspiratórios faz a pressão intrapleural ficar mais negativa, através da expansão da caixa torácica, o que faz aumentar o gradiente transpulmonar. Na sequência disso os alvéolos distendem-se e dá-se o aumento do volume pulmonar, ou seja a inspiração. A expiração, em circunstâncias normais, é um fenómeno passivo. Ao relaxarem os músculos, a elasticidade aumentada dos alvéolos distendidos é suficiente para diminuir o volume alveolar e aumentar a pressão alveolar acima da pressão atmosférica, gerando o fluxo de ar para o exterior do pulmão. Podemos, pois, comparar o alvéolo a um elástico: quanto mais o distendermos, maior será a tendência que este tem para encolher, se não existir uma força que se oponha a essa tendência. A relação entre o aumento da pressão transpulmonar e o aumento de volume do pulmão denomina-se de distensibilidade pulmonar ou compliance, na terminologia anglo-saxónica.
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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Fig. 1 – Compliance estática.
A distensibilidade normal do adulto é de 200 ml/cm de água. Ou seja, de cada vez que a pressão transpulmonar aumenta 1 cm de água os pulmões expandem 200 ml (Fig. 1). No entanto, essa relação não é linear. Para grandes volumes do pulmão, um grande aumento da pressão transpulmonar resulta em pequenos aumentos do volume. Esse facto é consequência do pulmão ser um tecido vivo, que não tem capacidade ilimitadas para se distender. Podemos considerar a distensibilidade o oposto da elasticidade. Algumas patologias diminuem a distensibilidade pulmonar; isto é, tornam os pulmões mais rijos (por ex, a fibrose pulmonar). O enfisema aumenta a distensibilidade por destruir os septos pulmonares, que se opõem à expansão pulmonar. Relativamente à elasticidade essa depende das propriedades elásticas do próprio parênquima pulmonar (nomeadamente o seu conteúdo em fibras de elastina) e, principalmente, da tensão superficial do fluido que reveste os alvéolos. A tensão superficial não é mais do que a tendência que as moléculas de água têm para aproximarem-se uma das outras quando em contacto com o ar e è a razão das gotas da chuva não se dispersarem no ar.
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Nos alvéolos, a tensão existente rege-se pela lei de Laplace:
Tensão
=
Pressão x Raio 2
A unidade da tensão é dyn / cm. Os alvéolos têm uma muito fina camada de água que reveste o seu interior, existindo aí uma tensão superficial que tende a colapsar o alvéolo. No entanto, é produzido para o interior do alvéolo uma substância, o surfactante pulmonar, que diminui a tensão superficial e, portanto, a elasticidade. Se diminui a elasticidade, há um aumento relativo da distensibilidade, diminuindo a tendência para o colapso. Quando diminui o raio do alvéolo a concentração do surfactante pulmonar aumenta em relação à área disponível, o que fará diminuir ainda mais a tensão superficial. Ou seja, o surfactante pulmonar contribui para evitar o colapso das vias aéreas, tornando-as mais estáveis. A hipóxia é um factor que pode levar à diminuição da produção do surfactante pulmonar, aumentando a elasticidade e gerando atelectasias (colapsos pulmonares). É o que acontece na fisiopatologia do síndroma de dificuldade respiratória do adulto e que explica o uso de pressão positiva na ventilação mecânica desses doentes, para contrariar o colapso das vias aéreas. Outro aspecto, que contribui para a estabilidade das vias aéreas é a chamada interdependência alveolar (Fig. 2). Essa, consiste no facto de um alvéolo que tende para o colapso ir encontrar uma força oponente ao colapso, exercida pelos septos alveolares ( que o ligam aos outros alvéolos adjacentes). É como se estivesse no interior de uma malha que não o deixa colapsar.
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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Fig. 2
A diminuição da tensão superficial, que ocorre devido ao surfactante pulmonar é, ainda, muito importante no trabalho respiratório, pois diminui o mesmo. Não esqueçamos que a tensão superficial é uma força que se opõe á entrada de ar. Um outro aspecto importante para a ventilação ocorrer é a resistência pulmonar ao fluxo aéreo. A resistência das vias aéreas é o principal componente da resistência pulmonar total e corresponde a 80% do valor total. Os restantes 20% resultam da resistência do próprio tecido pulmonar. A relação da resistência com o fluxo define-se pela seguinte regra:
Resistência
=
Gradiente de Pressão Fluxo
A unidade de resistência é cmH 2O / litros/segundo. Quando as resistências estão dispostas em série somam-se directamente: R TOTAL = R1 + R2 + . . .
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Ricardo Melo
Quando estão dispostas em paralelo somam-se indirectamente:
1
1
1
R TOTAL + R 1 + R 2 +
...
O fluxo de ar ocorre de modos distintos na árvore respiratória e vai obedecer à lei de Poiseuille, que nos diz que o gradiente de pressão é directamente proporcional ao produto do fluxo pela resistência. Segundo a lei de Poiseuille a resistência è definida do seguinte modo:
Resistência
8 =
π
η ι
r4
= Viscosidade do fluido ι = Comprimento do tubo r = Raio η
De salientar que se o raio diminuir para metade a resistência aumenta não 2 vezes, mas sim 16 vezes. Existem 3 tipos de fluxo, conforme representado na figura abaixo (Fig. 3). O tipo A corresponde ao fluxo laminar que ocorre nas pequenas vias aéreas. O tipo B corresponde ao fluxo turbulento existente nas grandes vias aéreas. O último tipo corresponde ao fluxo transicional existente em pontos de ramificação ou a jusante de obstrucções e não è mais do que uma mistura dos dois primeiros. Cerca de 25 a 40% da resistência pulmonar total ao fluxo encontra-se, normalmente, nas vias aéreas superiores (nasofaringe, orofaringe e laringe).
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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A
PVR1
B
P V
2
R2
C
P VR 1 + V
2
R2
Fig. 3
Isoladamente, as pequenas vias oferecem a maior resistência ao fluxo aéreo por terem menor raio. No entanto, por se disporem em paralelo as suas resistências não são somadas directamente, o que faz que a resistência total somada seja pequena. Na realidade, em circunstâncias normais, a maior resistência ao fluxo ocorre nas vias de médio calibre. Nas doenças pulmonares o factor principal para o aumento das resistências è a diminuição do calibre ou raio das vias aéreas; é o que acontece na asma brônquica através do mecanismo da broncoconstrição.
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Fig. 4
No entanto, há situações em que o aumento da resistência se faz à custa do componente associado ao tecido pulmonar propriamente dito; é o caso da sarcoidose. Uma breve palavra para o sistema nervoso autonómico. A sua parte simpática, através da adrenalina, faz broncodilatação e diminui a resistência. A sua parte parassimpática, através da acetilcolina, faz broncoconstrição e aumenta a resistência. Volumes e capacidades pulmonares
O tamanho do pulmão de um indivíduo depende da idade, sexo, peso, superfície corporal e altura. O volume de gás dentro do pulmão depende da mecânica dos pulmões e parede torácica e da acção dos músculos respiratórios.
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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O espirómetro è um aparelho que permite a representação gráfica do ar que entra e sai da caixa torácica. Nos espirómetros antigos o indivíduo respira para o interior de uma campânula, que flutua em água, no interior de um cilindro. Essa campânula está ligada através de uma roldana a uma espécie de caneta, que regista os movimentos num papel em movimento (Fig. 4). Quando se expira a campânula sobe e a caneta regista um movimento para baixo, que corresponde a uma diminuição do volume torácico. É possível através deste sistema calcular o volume de ar mobilizado por unidade de tempo, ou seja, o fluxo. Mas a sua utilidade principal è a representação gráfica dos volumes e capacidades pulmonares. Os volumes pulmonares correspondem a divisões que não se so brepõem. As capacidades pulmonares incluem um ou mais volumes. De seguida, são referidos o significado desses volumes e capacidades. (Fig. 5).
Fig. 5
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Volume corrente (VC) – volume de ar inspirado e expirado em cada respiração normal Volume residual (VR) - volume que fica no pulmão após uma expiração máxima Volume de reserva expiratória (VRE) - volume de gás expirado durante uma expiração máxima, após uma expiração normal Volume de reserva inspiratória (VRI) – volume de ar inalado durante uma inspiração máxima, após o final de uma inspiração normal Capacidade residual funcional (CRF) - volume de ar que resta no pulmão após uma expiração normal = VR + VRE Capacidade inspiratória (CI) – volume de ar que é inalado durante uma inspiração máxima, que se inicia no final de uma expiração normal = VC + VRI Capacidade vital (CV) – volume de ar expelido durante uma expiração máxima , após uma inspiração máxima Capacidade total pulmonar (CTP) – volume de ar nos pulmões após uma inspiração máxima O volume residual, a capacidade residual funcional e a capacidade pulmonar total não podem ser determinados pelo espirómetro porque o indivíduo não consegue expirar todo o ar que tem nos pulmões. Essas determinações obrigam ao uso de outras técnicas, nomeadamente, a pletismografia. Outro conceito que importa perceber é o de espaço morto. Espaço morto anatómico corresponde ao espaço onde o ar existe mas não participa nas trocas gasosas, por estar numa zona onde é impossível essas se darem. Corresponde às vias aéreas superiores, que têm como função a condução do ar. Esse espaço pode ser reduzido, por exemplo, através de uma traqueostomia, em que a traqueia superior deixa de ser local de passagem do fluxo. O espaço morto anatómico depende do peso do indivíduo e é cerca de 2ml / Kg.
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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Espaço morto alveolar corresponde aos alvéolos que são ventilados mas não são perfundidos. O espaço morto fisiológico é a soma do espaço morto anatómico e espaço morto alveolar. A respiração è ineficiente se pensarmos que os alvéolos são ventilados por uma mistura do gás inspirado com o gás do espaço morto e que o movimento desse gás no espaço morto é ventilação desperdiçada. Existe, custa trabalho respiratório, mas não participa nas trocas gasosas com o sistema vascular. Ou seja, nem todo o gás inspirado chega aos alvéolos (e nem todo o gás expirado sai da árvore respiratória). Há sempre uma mistura com o gás do espaço morto. O que significa que a ventilação alveolar é igual à ventilação por minuto menos a ventilação do espaço morto. Se um indivíduo respirar muito superficialmente e rapidamente estará a movimentar uma grande quantidade de ar para a frente e para trás no espaço morto anatómico, sem este chegar à ventilação alveolar. Finalmente, vou só referir-me à distribuição regional da ventilação alveolar. A ventilação pulmonar não se faz do mesmo modo em todo o pulmão. No indivíduo em pé, as zonas inferiores do pulmão recebem mais ventilação por unidade de volume do que as superiores. Esse facto, resulta de existir um gradiente na pressão intrapleural, causado pela gravidade, que faz com que a pressão intrapleural seja mais negativa nos vértices. Isso implica um gradiente de pressão transpulmonar maior nessa área e alvéolos com maior volume. Ou seja, estão mais distendidos, têm menos distensibilidade disponível e por isso recebem menos ventilação na inspiração.
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Perfusão
A circulação pulmonar é constituída pela artéria pulmonar, por um lado, que leva o sangue desoxigenado do ventrículo direito para os pulmões e, por outro lado, pelas veias pulmonares que recolhem o sangue já oxigenado para a aurícula esquerda. Em média um glóbulo vermelho leva 4 a 5 segundos a viajar pela circulação pulmonar e 0,75 segundos a passar pelos capilares pulmonares. A circulação pulmonar apresenta vasos mais finos, mais distensiveis e oferece menor resistência ao fluxo sanguíneo do que a circulação sistémica. A pressão na artéria pulmonar é bastante menor do que na aorta e corresponde a um valor de cerca de 15mmHg. Quando a pressão aumenta, abrem-se alguns vasos que em repouso não são perfundidos (recrutamento) e outros, já perfundidos, distendem-se, aumentando de calibre. O somatório desses factos é diminuir a resistência vascular, sendo essas as razões da baixa pressão na circulação pulmonar. Nos indivíduos em pé as zonas inferiores do pulmão são melhores perfundidas do que as superiores. A causa é a gravidade, que faz com que a pressão intravascular seja maior nas bases, originando maior recrutamento e distensão. Os capilares nas paredes alveolares estão distendidos pela pressão intravascular mas estão comprimidos pela pressão alveolar. Quando a pressão alveolar é maior do que a pressão intravascular os capilares fecham. O pulmão tem fisiologicamente duas zonas distintas de perfusão. Uma zona superior onde o fluxo é intermitente e ocorre só durante a sístole. Na diástole a pressão alveolar é superior à pressão intravascular, fechando os vasos. Uma zona inferior onde o fluxo é contínuo porque a pressão intravascular é sempre mais alta do que a alveolar.
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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A razão dessas diferenças é a gravidade. Nas zonas inferiores do pulmão a pressão intravascular é maior devido à gravidade maior, o que leva a maior recrutamento e distensão dos vasos nessa zona. O resultado final é a diminuição da resistência vascular e maior facilidade no fluxo sanguíneo. Também se sabe que nas zonas inferiores o sangue viaja a velocidades maiores do que nas zonas superiores. De qualquer modo, as fronteiras entre estas duas zonas de perfusão do pulmão não são fixas, pois variam em função das condições fisiológicas existentes (posição do corpo, alterações do volume pulmonar, só para referir algumas). Um mecanismo importante de controlo da circulação pulmonar é a hipóxia alveolar, que desencadeia, localmente, vasoconstrição, para redistribuir o sangue para regiões melhor ventiladas. De seguida, apresenta-se os factores que influenciam o movimento de fluidos nos capilares. A pressão capilar, pressão oncótica intersticial e a pressão negativa do fluido intersticial contribuem para o movimento de água do capilar para ao interstício. A pressão oncótica do plasma contribui para o inverso. No balanço geral há sempre uma pequena quantidade de líquido no interstício, que é rapidamente drenada pelos linfáticos. Existe um factor de segurança contra o edema pulmonar, que faz com que seja necessário atingir uma pressão na artéria pulmonar de cerca de 28 mmHg para se iniciar o edema pulmonar.
Ventilação/Perfusão
Se, por acaso, a ventilação e a perfusão fossem para zonas distintas do pulmão, não ocorreriam trocas gasosas e a respiração falhava. Dessa ideia nasceu o conceito da relação ventilação/perfusão (V/P), que se pode aplicar a uma dada zona do pulmão.
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Se a ventilação for adequada e a perfusão também a relação V/P é normal. A relação V/P ideal será de 1:1. Se a ventilação for zero e houver ventilação a relação V/P é zero. Se a ventilação for adequada e a perfusão zero a relação V/P é infinita (Fig. 6).
Fig. 6
Quando a relação V/P é abaixo do normal ocorre um shunt fisiológico – ou seja, uma fracção do sangue venoso não é oxigenado, por falta de ventilação. O sangue proveniente dessas zonas apresenta uma pressão de O2 muito inferior à pressão arterial de O 2 e uma pressão de CO 2 ligeiramente superior à pressão arterial de CO 2. Desse modo, o sangue proveniente dessas zonas tem um grande impacto na pressão arterial de O 2. Quando a relação V/P é acima do normal ocorre um espaço morto fisiológico – ou seja, a ventilação é desperdiçada, por falta de perfusão. O sangue proveniente dessas zonas apresenta uma PCO 2 muito baixa e uma PO 2 alta. Mas, como a causa dessa relação V/P aumentada é a baixa perfusão, dessas zonas vem uma quantidade muito pequena de sangue (em termos comparativos) e que no somatório vai interferir pouco com o valor global de pressão arterial dos gases, obtido na gasometria.
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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Já vimos que a ventilação e a perfusão são menores nas regiões superiores do pulmão, mas a perfusão é comparativamente menor, o que corresponde a existir uma relação V/P aumentada e a existir nesse local, uma zona de espaço morto fisiológico. Na região inferior passa-se o contrário e existe uma zona de shunt fisiológico. O que acontece é que o pulmão, apesar de não ter uma relação V/P normal em todas as suas zonas, consegue perfeitamente realizar as trocas gasosas de modo adequado e cumprir com os objectivos para o qual foi criado. Isso, porque para o organismo o que interessa, em última análise, não é o trabalho de uma parte mas sim o somatório do trabalho de todas as partes. Na doença pulmonar obstrutiva crónica, podem existir muitas zonas de shunt fisiológico (por obstrução bronquiolar) e muitas zonas de espaço morto fisiológico (por destruição dos septos alveolares). Tal, faz diminuir muito a eficácia do pulmão como orgão de trocas gasosas. Difusão
As paredes alveolares são muito finas e no seu interior existe uma rede muito numerosa de capilares. A pressão parcial de um gás é a pressão individual que esse gás tem numa mistura. O processo através do qual cada os gases se deslocam de uma zona de maior pressão parcial para uma zona de menor pressão parcial, chama-se difusão. Neste caso, ocorre através de uma membrana muito fina denominada de membrana alvéolocapilar. Esta membrana é composta por várias camadas: • uma fina camada de fluido com surfactante pulmonar, que reveste o interior do alvéolo • o epitélio alveolar
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• a membrana basal epitelial • o espaço intersticial • a membrana basal capilar • o endotélio As trocas gasosas ocorrem com o oxigénio e o dióxido de carbono atravessando essa membrana. Os factores que determinam a rapidez com que o gás passa na membrana são: • espessura da membrana quanto maior for a espessura menor a rapidez da difusão • área da superfície da membrana quanto menor a área menor a difusão • coeficiente de difusão do gás é específico de cada gás e é directamente proporcional à solubilidade do gás e inversamente proporcional à raiz quadrada do peso molecular (o CO 2 difunde-se 20 vezes mais rápido do que o O2 por ser mais solúvel, embora tenha peso molecular maior) • gradiente de pressão através da membrana, entre a pressão parcial do gás no alvéolo e no sangue quanto maior o gradiente maior a difusão Como a pressão parcial de O 2 é maior no alvéolo do que no sangue, o O2 difunde-se em direcção ao sangue oxigenando-o; com o CO2 ocorre o movimento inverso porque a pressão parcial deste é maior no sangue do que no alvéolo.
Tranporte dos gases para os tecidos
O O2 é transportado no sangue de duas formas: dissolvido e sob a forma de oxihemoglobina. A maior parte é transportado sob a forma desta última.
81
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
Em condições normais o O 2 dissolvido tem pouca importância. Cada molécula de hemoglobina tem a capacidade de se ligar a quatro moléculas de O2. A reacção representa-se do seguinte modo: Hb + O2 ↔ HbO2 ou melhor, Hb 4 + 4O2
↔
Hb 4 O8
Essa reacção é reversível, ocorre nos dois sentidos e em menos de 0.005 segundos. A percentagem de hemoglobina do sangue que se liga ao O 2 vai depender da pressão parcial de O 2 no sangue. A relação entre o PO2 e a oxihemoglobina exprime-se graficamente pela curva de dissociação da oxihemoglobina (Fig. 7). 100 90 80 ) % ( a n i b o l g o m e h a d o ã ç a r u t a S
70
Curva de 0 2
60 50 40 30 20 10
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Pressão parcial de gás (mm Hg)
Fig. 7
100
110
120
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Se analisarmos a porção superior achatada da curva, constatámos que uma descida de 95 mmHg para 70 mmHg na pressão de O 2 não diminui significativamente a percentagem de oxihemoglobina, ou percentagem de hemoglobina saturada. Mas uma descida de 60 mmHg para 35 mmHg já teria um grande impacto. Abaixo de uma PO2 de 60 mmHg (que corresponde a uma saturação de 90%) o transporte de O 2 fica bastante comprometido, quando ocorre qualquer diminuição da PO 2. Por outro lado, acima de uma PO 2 de 80 mmHg são poucos os dividendos que se obtém na percentagem de oxihemoglobina, quando aumentamos a PO2. A curva de dissociação da oxihemoglobina pode deslocar-se para a direita, o que implica menor afinidade da hemoglobina para o O2. Ou deslocar-se para a esquerda, o que implica maior afinidade da hemoglobina para o O2, com menor libertação de O 2 para os tecidos. O aumento da temperatura corporal, pH baixo, PCO 2 elevado e níveis elevados de 2,3 bisfosfoglicerato (produzido pelos eritrócitos na glicólise anaeróbia), todos eles fazem deslocar a curva para a direita. Alterações inversas de um desses factores deslocam a curva para a esquerda. O efeito do pH e PCO 2 na curva de dissociação da oxihemoglobina é designado de efeito de Bohr. Explicando, o sangue ao chegar ao pulmão elimina o CO2 para o alvéolo. A PCO2 diminui e a concentração de H +, também, ao nível do sangue; a curva da oxihemoglobina desvia-se para a esquerda, aumentando a afinidade para o O 2 , o que permite maior captação e transporte de O2. Nos tecidos periféricos, ocorre o oposto, o CO 2 proveniente dos mesmos, que entra no sangue, faz desviar a curva para a direita, diminuindo a afinidade da hemoglobina para o O2. O resultado é maior libertação de O 2 para os tecidos periféricos.
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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A curva de dissociação da oxihemoglobina é importante como representação da relação entre a saturação de O 2 e a PaO2. Mas não nos podemos esquecer da importância da distribuição do O2 pelos tecidos periféricos e essa vai depender de vários factores: ALGUNS REQUISITOS PARA UMA NORMAL DISTRIBUIÇÃO DE O2 PaO2 adequada para uma quase saturação completa de O2 • Quantidade adequada de hemoglobina • Ausência de desvio para a esquerda da curva de dissociação da oxihemoglobina • Débito cardíaco adequado para distribuir a HbO2
O CO 2 é cerca de 20 vezes mais solúvel no plasma que o oxigénio. É transportado no sangue de três modos: dissolvido no plasma, ligado a proteínas plasmáticas (nomeadamente a hemoglobina) e sob a forma de ião HCO3- no plasma. Cerca de 70 a 90% do seu total é transportado no sangue sob a forma de HCO3- . Esse facto é possível através da reacção seguinte: CO2 + H2O
↔
H2CO 3
↔
H+ + HCO3-
Sem a presença da enzima anidrase carbónica (presente no interior do eritrócito, mas não no plasma) muito pouco ácido carbónico (H 2CO3) se forma por intermédio da ligação de CO 2 e H2O. Portanto, essa enzima é crucial para realização da reacção química acima representada. Por outro lado, a hemoglobina é importante em todo este processo porque ao aceitar o H+, permite a saída do HCO3- (por troca com um ião Cl- ) para o plasma e a continuação da reacção no sentido da direita. A curva de dissociação do CO 2 é quase rectilínea.
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Desvia-se para a direita com maiores níveis de oxihemoglobina e para a esquerda com menores níveis de oxihemoglobina. É o chamado efeito Haldane. Este permite ao sangue carregar-se de mais CO 2 nos tecidos periféricos, onde existe mais desoxihemoglobina e descarregar mais CO 2 nos pulmões, onde existe mais oxihemoglobina. Regulação da Respiração
O sistema nervoso central controla a ventilação alveolar de modo a manter a PO2 e a PCO2 dentro de limites apertados. Esse controlo é exercido pelo centro respiratório, um conjunto de neurónios localizados no tronco cerebral e protuberância. Existem três grupos de neurónios principais. No tronco cerebral: • um grupo respiratório dorsal responsável pela inspiração • um grupo respiratório ventral, que pode desencadear quer a inspiração ou a expiração Na protuberância: • o centro pneumotáxico responsável pela frequência e padrão respiratório O ritmo de base da respiração é gerado, principalmente, ao nível do grupo dorsal, através dos sinais eléctricos transmitidos aos músculos respiratórios, através da medula espinhal e sistema nervoso periférico. O centro pneumotáxico transmite impulsos continuamente à área inspiratória e tem como função limitar a duração da inspiração. Quando os impulsos são fortes a inspiração é reduzida e se são fracos esta é prolongada no tempo.
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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Quando os impulsos são fortes, também a frequência respiratória aumenta. O grupo ventral actua, essencialmente, quando é necessário aumentar a ventilação e contribui para as duas fases do ciclo respiratório. Quando a protuberância é seccionada abaixo do centro pneumotáxico, interrompendo a ligação deste aos dois grupos inferiores, dorsal e ventral, ocorre um padrão respiratório de esforços inspiratórios prolongados que é interrompido por expirações ocasionais – a respiração apnéustica. Esse padrão parece resultar do chamado centro apnéustico, cujos neurónios têm localização indeterminada. Também, ao nível das paredes brônquicas, existem receptores de estiramento que quando o pulmão fica muito insuflado, transmitem um sinal inibitório para a inspiração, ao grupo dorsal, através do nervo vago. É o reflexo de Hering-Breuer. Existem outros estímulos, como a dor ou sinais transmitidos por receptores ao nível das articulações e tendões, que alteram a respiração. Muito importante é a influência de centros cerebrais superiores, que é dependente da vontade do indivíduo. Estímulos fundamentais para o controlo da respiração são o CO 2, O2 e pH. Os principais receptores para o CO 2 estão localizados na superfície do tronco cerebral, perto do centro respiratório, banhados pelo líquido cefalorraquidiano. O CO2, ao contrário do H+, atravessa facilmente a barreira hematoencefálica e no liquor forma ácido carbónico, após ligar-se com o H 2O. O ácido carbónico (H 2CO3) dissocia-se em HCO 3- e H+, indo este último ser um potente estimulo positivo para a ventilação. Portanto, o CO2 actua indirectamente nos receptores centrais através da formação de H+, que são muito sensíveis a qualquer pequena oscilação na concentração arterial de CO 2.
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Receptores periféricos, nas paredes dos vasos, aórticos e carotideos, também são estimulados pelo CO 2, embora essa estimulação seja menos importante. A sensibilidade da resposta ao CO 2 é diminuída por drogas como os ópioides, na acidose respiratória crónica e em doenças que aumentam o trabalho respiratório. O O2, funciona como estimulo positivo para a ventilação, quando diminuído, através de reflexos iniciados nos quimioreceptores periféricos localizados na aorta e carótida. A hipoxémia não tem qualquer acção central e em condições normais é necessária uma descida da PO 2 para cerca de metade para esta ser um estimulo forte para a ventilação. Habitualmente valores de PO2 inferiores a 60 mmHg. Nos doentes com retenção crónica de CO2, que têm uma resposta ventilatória diminuída à hipercápnia, a hipoxémia é o principal estimulo à ventilação. Nesses doentes a oxigenoterapia em alto débito pode levar a uma morte rápida, pelo desaparecimento do único estimulo eficaz. Uma queda do pH (acidose) leva a uma estimulação positiva da ventilação através de receptores periféricos.
Fisiologia do Pulmão – Algumas Considerações
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BIBLIOGRAFIA
Pneumologia na Prática Clínica, 3ª edição, M. Freitas e Costa e colaboradores, Clínica de Pneumologia da Faculdade de Medicina de Lisboa. Pulmonary Physiology, 4th ed. Michael G. Levitzky, Mcgraw-Hill International editions. Introduction to Respiratory Physiology, 2th ed. Harold Braun, Frederick W. Cheney, C. Paul Loehnen, Little, Brown and Co. (Inc.). Textbook of Medical Physiology, 8th ed. Guyton, Saunders. Estudo Funcional Respiratório: Bases Fisiopatológicas e Aplicação na Prática Clínica, António Couto, José Manuel Reis Ferreira (eds.). Lidel - Edições Técnicas, Lda.
FISIOLOGIA DA DIFUSÃO PULMONAR DE O2 Inês Gonçalves
A função do aparelho respiratório pode ser definida, de uma forma muito simplificada, como uma troca de gases entre as células do organismo e a atmosfera. O organismo humano encontra-se em contacto directo com os gases atmosféricos, mas é necessário um mecanismo especial para captar o oxigénio do ar e difundi-lo no sangue, ao mesmo tempo que remove o dióxido de carbono do sangue para a atmosfera.
O transporte de O 2 da atmosfera para o sangue arterial é um processo complexo que não depende somente da ventilação. Uma ventilação adequada não assegura uma oxigenação arterial suficiente, se a membrana alvéolo-capilar não se encontrar íntegra, pois o transporte de O 2 desde o alvéolo até ao capilar pulmonar, pode estar compro metido. A troca de moléculas gasosas processa-se através da membrana alvéolo-capilar, constituída pelo epitélio alveolar, membrana basal epitelial, espaço intersticial, membrana basal do capilar, endótelio capilar, plasma sanguíneo, membrana eritrocitária e liquido intracelular do eritrócito (Fig.1).
As trocas gasosas fazem-se pelo processo de difusão passiva, a favor de um gradiente de pressão.
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Inês Gonçalves
Fig. 1 – Membrana alvéolo-capilar
A perfusão pulmonar através dos ramos da artéria pulmonar destina-se exclusivamente ás trocas gasosas (Fig. 2).
Fig. 2 – Perfusão alveolar
A camada de sangue que se distribui pelos capilares pulmonares é extraordinariamente fina, da espessura de apenas um eritrócito (Fig. 3).
Fig. 3 – Pormenor da perfusão alveolar
Fisiologia da Difusão Pulmonar de O
2
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A troca gasosa é muito rápida, durando, em média, 0,5 segundos. A extensa superfície disponível para as trocas gasosas permite que num minuto o organismo possa captar cerca de 250ml de O 2 e eliminar 200ml de CO 2. Os pulmões têm uma grande reserva funcional. Se necessário, podem oxigenar até 30 litros de sangue venoso por minuto, durante o exercício físico. Em repouso, apenas 4-5 litros são oxigenados por minuto. A espessura da membrana respiratória é de 5-8 mm. A área total estimada da membrana respiratória de um adultos é de pelo menos 70m 2. Apesar dessa enorme área disponível, o volume total de sangue nos capilares em qualquer instante é de apenas 60 a 140 ml. Esse pequeno volume de sangue é distribuído em tão ampla superfície, numa camada extremamente fina, uma vez que o diâmetro médio dos capilares pulmonares é de apenas 7-10 mm. Os eritrócitos são como que espremidos para atravessar os capilares, o que coloca a sua superfície em contacto directo com a parede dos capilares, portanto, com a membrana respiratória, o que favorece as trocas gasosas (Fig. 3). A difusão dos gases consiste na livre movimentação das suas moléculas entre dois pontos. As moléculas dos gases estão em permanente movimento, em alta velocidade, colidem ininterruptamente, umas com as outras mudando de direcção frequentemente. Esse processo gera energia utilizada para a difusão. A difusão é um processo que tende a igualar a diferença de concentração de uma substância, pela migração de moléculas da área de maior concentração para área de menor concentração. A pressão exercida por um gás sobre uma superfície, é o resultado do impacto constante das moléculas do gás em permanente movimento, contra a referida superfície.
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Inês Gonçalves
Quanto maior a concentração de um gás, tanto maior será a pressão exercida pelo mesmo. O ar atmosférico é uma mistura de gases, a sua pressão equivale à soma das pressões exercidas por cada gás que compõe a mistura (Quadro I). Quadro I. Pressão parcial e concentração dos gases no ar atmosférico.
Ga s es d o a r a t m o s f é r i c o
C o n c en t r a ç ã o
P r es s ão pa r c ia l
Nitrogénio (N2)
78,62%
597mmHg
Oxigénio (O2)
20,84%
159mmHg
Dióxido de carbono (CO2)
0,04%
0,3mmHg
Vapor de água (H2O)
0,50%
3,7mmHg
Total (ar)
100%
760mmHg
A concentração de um gás em uma solução depende do seu coeficiente de solubilidade. O dióxido de carbono tem um elevado coeficiente de solubilidade, quando comparado com O 2. O processo de difusão ou a transferência alvéolo-capilar pode ser dividida em duas fases cronologicamente distintas e interligadas: 1. A difusão difusão propriamente propriamente dita 2. Reac Reacção ção químic químicaa do O2 e a hemoglobina do eritrócito. Factores que influenciam a velocidade de difusão 1. Dife Diferenç rençaa de pressão pressão 2. Coeficien Coeficiente te de de solubilidad solubilidadee 3. Peso molecul molecular ar 4. Espessura da parede e superfície superfície disponível disponível
O2
32
↑
CO2
44
↓
Gás
V elo ci da de d e di f us ão
Gr ad i e nt e d e p re s s ã o
S olubi li dade
CO2
↑ ↑
5-6mmHg
↑ ↑ ↑
O2
↑
60-65mmHg
↑
Gases
Oxigénio(O2)
Coeficiente de Difusão
1
Dióxido de carbono(CO2)
2 0,3
Monóxido de carbono(CO)
0 ,8 1
Nitrogénio(N2)
0 ,5 3
Hélio(H 2)
0 ,9 5
Fisiologia da Difusão Pulmonar de O
2
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Fig. 4 – Difusão alvéolo-capilar
pulmões pelo processo ventilatório. O teor de CO 2 alveolar aumenta em proporção directa com a eliminação de dióxido de carbono do sangue e, o teor de CO 2 do ar alveolar diminui na proporção inversa da ventilação alveolar (Fig. 4). A unidade respiratória dos pulmões é constituída por um bronquíolo respiratório, o alvéolo e o capilar. As paredes alvéolares são extremamente finas e nelas existe uma extensa rede de capilares intercomunicantes. Isto faz com que o ar alveolar e o sangue estejam muito próximos um do outro favorecendo as trocas gasosas. Quando se acumula líquidos no espaço intersticial da membrana alvéolo-capilar, os gases difundem-se não apenas através da membrana como também através desse liquido, o que torna a difusão mais lenta. A “barreira“ a ser vencida pelo O 2 e CO C O2 segue a seguinte equação, segundo Fick: V=(Axd)/T x (P 1-P 2) V - volume de gás que difunde por unidade de tempo (ml/min) A - superfície de difusão (cm 2) D - coeficiente de difusão, que é proporcional à solubilidade do
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gás na membrana e á raiz quadrada do peso molecular (cm 2 /m /mmHg mHg/ / min) T - Espessura da membrana (cm) P1-P 2 - gradiente de pressão A capacidade global da membrana respiratória para permutar um gás entre o alvéolos e o sangue pulmonar pode ser expressa em termos de sua capacidade de difusão, definida como o volume de gás que se difunde através da membrana a cada minuto, para uma diferença de pressão de 1mmHg.
D=
Vol. gás transferido/min Dif. de pressão alv.cap (mmHg)
Num adulto jovem a capacidade de difusão para o oxigénio, em condições de repouso é de 21ml/min/mmHg. A diferença média de pressão de O 2 através da membrana respiratória é de aproximadamente de 11mmHg durante a respiração normal. A cada minuto a mem brana bra na alvé a lvéolo olo-c -capi apilar lar dif difund undee cerca ce rca de 230m 2 30mll de O 2 para o sangue, que equivale ao volume de O 2 consumido pelo organismo. Um grama de hemoglobina é capaz de transportar 1,34 ml de O 2 em combinação química. Num conteúdo normal de 15 gr de Hb por 100ml, o sangue totalmente saturado de O 2 transporta cerca de 20ml deste gás por cada 100ml. O exercício físico pode aumentar a capacidade de difusão em até três vezes. A capacidade de difusão do CO 2 é de difícil determinação devido a dificuldades técnicas e à grande velocidade de difusão do gás, mesmo com gradiente de pressão de apenas 1mmHg. Estima-se, contudo, que a capacidade de difusão do CO 2, seja de 400 a 500/min, em condições de repouso, podendo atingir 1200 a 1300ml durante o exercício físico. A capacidade de transferência de O 2 para o sangue fica perturbada, quando há lesão da membrana alvéolo-capilar, ao ponto de causar
Fisiologia da Difusão Pulmonar de O
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a morte do indivíduo, antes que ocorra redução grave da difusão do dióxido de carbono. Várias patologias podem levar à alteração das características da membrana alvéolo-capilar, tais como edema intersticial, pneumonite, granulomatoses pulmonares, fibrose pulmonar, linfangiose carcinomatosa, etc. A pressão parcial do O 2 no sangue arterial vai depender fundamentalmente da difusão do O 2 na membrana alvéolo -capilar, mas tam bém do débito sanguíneo que chega aos pulmões, do valor da hemoglobina e da pressão do gás inspirado.
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Inês Gonçalves
BIBLIOGRAFIA
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TRANSPORTE TRANSPORTE DE OXIGÉNIO E DIÓXIDO DE CARBONO Jorge Tomás Monte Monteiro iro
O O2 e CO 2, tal como outros gases, deslocam-se de um local para outro através do processo de difusão. difusã o. A causa deste movimento é sempre a existência de um gradiente, dirigindo-se estes para as zonas de menor pressão. O O 2 captado do ar ambiente penetra nos pulmões através da ventilação. Na atmosfera a pressão parcial de O 2 é de cerca de 159mmHg, contudo, quando chega aos alvéolos (Fig.1) o CO 2 e vapor de água que aqui se libertam criam uma pressão em sentido inverso, reduzindo a primeira para 105mmHg. Entretanto, quando o sangue venoso capilar pulmonar regressa regress a das diferentes regiões do corpo humano apresenta uma pressão parcial de O2 baixa (40mmHg). Atingindo a região alveolar al veolar,, o O 2 que existe aqui em maior concentração, passa deste local para o sangue, arterializando-o. Equilibram-se, então, as pressões parciais de O 2 a nível alveolar e capilar.. Assim sendo, a pressão lar pressã o parcial de O 2 do sangue arterial deveria corresponder a 105mmHg. Na realidade, a pressão parcial de O 2 de um indivíduo normal e, em condições basais, corresponde a 95mmHg. É que 2% do sangue que regressa à aurícula esquerda é composto por sangue venoso que se junta aos outros 98% de sangue que foi arterializado a nível alveolar. Aqueles 2% correspondem ao sangue que, partindo da aorta, via artérias brônquicas, vão fornecer O 2 aos territórios mais profundos dos pulmões em que não se processam trocas gasosas. Este sangue, regressa já venoso, mis-
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Fig. 1 – Pressões parciais de O 2 a diferentes níveis
turando-se, como já se referiu, com o sangue arterial a nível do coração esquerdo (Fig. 2). O sangue arterializado é, depois, bombeado pelo coração até aos vários tecidos do corpo. A este nível o O2 difunde do sangue arterial capilar para as células onde on de a pressão parcial parcia l é menor. menor. Aqui vai ser utilizado utiliza do no metabolismo celular, resultando deste, como produto final CO 2. Este tem o mesmo percurso do O 2, deslocando-se, no entanto, em direcção oposta, e acabando por ser eliminado através da ventilação alveolar. Tal como o O 2 este gás dirige-se sempre para os locais de menor pressão. Quando o sangue venoso regressa dos tecidos periféricos transporta CO2 que tem uma pressão parcial de cerca de 48mmHg. Chegando aos capilares pulmonares o CO2 difunde em direcção aos alvéolos, dado que neste local a sua pressão parcial é de apenas 40mmHg, equilibrando-se, de seguida, as sua pressões parciais tanto a nível alveolar como do sangue arterial capilar (Fig. 3). Durante o exercício físico o organismo dispende mais “energia” e portanto necessita também de maior quantidade de O 2 para que se satisfaça o metabolismo celular exacerbado. Assim, durante duran te o esforço físico, para além de aumentar o débito cardíaco, são também recrutados
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Fig. 2 – Variações Variações da pressão parcial de O 2 desde os capilares pulmonares até à rede capilar sistémica
capilares pulmonares que, em condições basais, não funcionam. Deste modo, a superfície disponível para o processamento das trocas gasosas pode aumentar até mais 40% resultando um beneficio da relação ventiven tilação / perfusão. São estes alguns dos mecanismos fisiológicos de adaptação do organismo ao esforço que, desta forma, for ma, podem chegar a incrementar até 20 vezes mais o transporte de O 2.
Fig. 3 – Pressões parciais de CO2 a diferentes níveis
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Transporte de Oxigénio
A maior parte do O2 (cerca de 97%) é transportado, dos pulmões para os tecidos, pelos glóbulos vermelhos, onde este gás se combina quimicamente com a hemoglobina. Normalmente, 20ml de O2 são transportados, sob esta forma, em cada 100ml de sangue. Contudo, e em condições basais, destes 20 ml, apenas 5 são utilizados no metabolismo celular. Três por cento do O 2 é transportado dissolvido na água. Esta quantidade, por si só, é sobejamente insuficiente para satisfazer as necessidades orgânicas. O O2 combina-se reversivelmente com a hemoglobina formando oxihemoglobina. A percentagem de hemoglobina que está sob esta forma é conhecida como saturação de O 2. A avidez da hemoglobina para com o O2 (ou seja a intensidade com que a hemoglobina se combina com este gás) é diferente consoante os territórios do corpo humano e a pressão parcial de O 2 existente. Quando a pressão parcial de O 2 é elevada, como acontece nos capilares pulmonares (PaO2 = 95mmHg), a hemoglobina torna-se ávida de O2 formando uma forte combinação com este (saturação de O2 = 97%). Por outro lado, a nível do sangue venoso capilar dos tecidos periféricos, a PaO2 desce, chegando a níveis de 40mmHg. Neste local a hemoglobina perde a avidez pelo O2 facilitando a sua libertação e por isso a saturação de O2 desce também, chegando a 75% (Fig. 4). Como se pode constatar na curva de dissociação da oxihemoglobina (Fig.4) a relação entre a pressão parcial de O2 e a saturação de O 2 não é linear. Assim, na zona da curva correspondente a uma pressão parcial alta (PaO2 entre 80 e 100 mmHg) a hemoglobina tem uma avidez tão acentuada de O2, que uma queda de 20mmHg de pressão corresponde apenas a uma descida de 3% da saturação de O 2. Todavia, a mesma descida de 20mmHg a níveis de pressão parcial de O 2 entre 40 e 20mmHg corresponde não a uma descida da saturação de O 2 de 3%, mas sim de 40%, atestando uma maior facilidade de libertação de O2. Assim sendo, a oxihemoglobina actua como uma autentica “bomba de O2” fornecen-
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100
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Sat. O2 %
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PaO2 mmHg Fig. 4 – Curva de dissociação da oxihemoglobina.
do-o aos tecidos quando este é mais necessário de modo a que o meta bolismo celular se realize em condições adequadas. Várias são as condições que afectam a curva de dissociação da oxihemoglobina. Por exemplo, a diminuição do pH, um aumento da temperatura corporal, a subida da pressão parcial de CO2 e o aumento de 2-3difosfoglicerato (2-3-DPG) desviam esta curva para a direita, facilitando a libertação de O 2. Pelo contrário um aumento do pH e uma diminuição da temperatura actuam de modo inverso. A influência da pressão parcial de CO2 sobre a curva de dissociação da oxihemoglobina é conhecida como efeito de Bohr. Conforme o sangue venoso vai passando através dos pulmões assim se vai eliminando o CO 2 do que resulta proporcional redução de ácido carbónico e logo da concentração de H+. Todos estes factores em conjunto concorrem para um desvio da curva para a esquerda. A nível dos tecidos o sangue dos capilares recebe CO2, ocorrendo precisamente o processo inverso. Transporte do CO2
O CO2 é transportado 20 vezes mais rapidamente do que o O 2. Em condições normais, cada 100ml de sangue venoso que se dirige para os pulmões transporta cerca de 4ml de CO2.
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Este gás liberta-se das células, produto do seu metabolismo, e difunde, sob a forma de solução, até aos capilares. Neste território uma pequena parte (7%) dissolve-se no plasma e o restante forma combinações químicas tanto a este nível como dos eritrocitos. São, contudo, estes os responsáveis pelo transporte da maior quantidade de CO 2. Nos glóbulos vermelhos o CO 2 combina-se com a água através de uma reacção rápida induzida pela anidrase carbónica: CO2 + H2O
⇔
H2CO 3
⇔
HCO 3- + H+
O ácido carbónico (H2CO 3) assim sintetizado degrada-se posteriormente em iões hidrogénio e bicarbonato. Muitos hidrogeniões vão-se ligar à hemoglobina que deste modo actua como potente tampão do corpo humano. No plasma dá-se reacção idêntica, mas de modo bastante mais lento, dado a inexistência daquela enzima. Portanto, a produção de ião bicarbonato é maior nos eritrocitos, o que faz com que a sua concentração seja mais elevada a este nível do que no plasma. Daí que este ião passe para fora destas células. Simultâneamente o HCO3- troca com ião de carga idêntica (Cl -) para que se mantenha a electroneutralidade dos fluidos humanos. É sob a forma de ião bicarbonato que se processa cerca de 70% do transporte do CO2. Quanto aos hidrogeniões formados no plasma, vão ser transformados, à semelhança do que acontece nos eritrocitos, pelas proteínas plasmáticas. O aumento do pH eritrocitário, resultante da síntese de bicarbonato e da união de H + com as proteínas da hemoglobina induzem a libertação de O2 por parte da oxihemoglobina. Este efeito sobre a curva de dissociação da oxihemoglobina é conhecido como efeito Haldane. Ainda nos glóbulos vermelhos o CO 2 reage directamente com os radicais amino da hemoglobina formando carbaminohemoglobina (CO2Hgb). Junto aos alvéolos esta reacção é reversível e o CO 2 libertado.
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Cerca de 23% da quantidade total de CO 2 é transportado desta maneira. De forma semelhante, uma pequena porção de CO2 combina-se com as proteínas plasmáticas, sintetizando compostos carbaminicos: R – NH2 + CO 2
⇔
R – NH2 COO- + H+
A fig. 5 resume os processos que têm vindo a ser citados. A quantidade total de CO 2 existente no sangue depende directamente da pressão parcial de CO2. Este facto é demonstrado na curva de
Fig. 5 – Transporte do CO 2
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Fig. 6 – Curva de dissociação do CO 2
dissociação do CO 2 que, ao contrário da curva de dissociação da oxihemoglobina, é quase rectilínea (Fig. 6). A pressão parcial de CO2 normal varia entre 40 e 45mmHg, conforme se considere o sangue arterial ou venoso, respectivamente. Note-se que a concentração normal de CO 2 no sangue anda à volta dos 50 volumes por cento. Destes, apenas quatro volumes por cento são eliminados, durante o transporte normal do CO 2, dos tecidos para os pulmões. Quociente Respiratório
Como atrás ficou dito, a taxa de eliminação do CO 2 é de 4ml por 100 ml de sangue, enquanto que a taxa de captação do O 2 é de 5 ml por 100 ml de sangue. A relação entre estes dois factores chama-se quociente respiratório (R). Taxa de eliminação do CO 2 R= = 0,8 Taxa de captação do O 2 R significa que, em condições normais, apenas 80% da quantidade de CO2 é eliminado nos pulmões comparativamente à quantidade de O2 captado pelos tecidos.
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O valor de R é variável segundo as modificações do metabolismo celular. Por exemplo, se são utilizados apenas hidratos de carbono como fonte energética R elevar-se-á para 1, porque quando o O2 reage com os hidratos de carbono produz-se uma molécula de CO2 por cada molécula de O 2 consumida. Mas se é utilizada uma dieta rica em gorduras aquele quociente reduzir-se-à. Neste caso uma grande parte do O2 combina-se com os átomos de hidrogénio das gorduras formando água em vez de CO 2.
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BIBLIOGRAFIA
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ALTERAÇÕES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE Gabriela Fraga Brum ’
Vivemos num equilíbrio dinâmico, entre a diversidade do meio externo e a necessidade de manter, no nosso organismo, um meio interno relativamente constante, para ser compatível com a vida. A temperatura, o volume e osmolaridade dos fluidos orgânicos, a sua composição iónica, o pH, variam entre limites apertados, graças a mecanismos complexos de regulação e adaptação. O metabolismo origina a produção de metabolitos ácidos. De forma simplificada, podemos definir ácido como uma substância que pode fornecer iões Hidrogénio (H +). Sendo a forma mais prática de definir base, como uma substância que pode aceitar iões H +. Falamos de acidose sempre que existe um aumento de iões H +. Este aumento pode ser absoluto (excesso de ácidos) ou relativo (défice de bases). Pelo contrário, a alcalose corresponde a uma redução de iões H +, podendo também ser absoluta (perda de ácidos) ou relativa ( excesso de bases). Cerca de 98% dos metabolitos normais é constituída por Dióxido de Carbono (CO2), que reagindo facilmente com a água, forma ácido car bónico (H2 CO3 ), que é muito volátil. Como o H 2 CO 3 se volta a transformar em CO2 , a grande maioria dos metabólitos normais, é excretada pelo Pulmão. Os restantes 2% da carga ácida produzida, são constituídos por ácidos não voláteis, também chamados ácidos fixos, que têm que ser excretados pelo Rim. Todos os metabolitos patológicos são ácidos não voláteis.
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Gabriela Fraga Brum
Do metabolismo normal resulta a produção de ácidos: • 98% - CO2 (ácido volátil), excretado pelo pulmão. • 2% - ácidos fixos, excretados pelo rim.
A maioria das alterações do equilíbrio ácido-base, tende a desviar o pH no sentido da acidez, por acumulação, nos fluidos do organismo de iões H+, provenientes do metabolismo. Todos os metabolitos patológicos são ácidos não voláteis.
Os valores da concentração Hidrogeniónica no nosso organismo são muito pequenos, mesmo em situações de acidose grave. Em condições normais, estes valores variam entre 0,000 000 035 e 0,000 000 045 mEq/L. Utilizar números desta natureza não é nada prático, pelo que a concentração de Hidrogeniões se costuma exprimir em termos de pH. O pH, corresponde ao logaritmo negativo da concentração de H +, e, não é mais que um artifício matemático que permite expressar, de forma simples, variações muito pequenas da concentração de H +. pH = - logaritmo H+.
Em condições normais, o pH do sangue varia entre limites bastante apertados: 7,35 a 7,45. Os desvios significativos do valor de pH, sobretudo, se de instalação rápida, são mal tolerados e potencialmente fatais. Quando o pH é < 7,35, estamos em presença de uma acidemia ou acidose descompensada. Se o pH é > 7,45, falamos de alcalemia ou alcalose descompensada.
Acidose ↑ H+ (absoluto
relativo )
↑ ácidos
↓ bases
Alcalose ↓ H+(absoluto ↓ ácidos
relativo )
Descompensada
Compensada
pH
pH
< 7,35
normal
> 7,45
normal
↑ bases
A gravidade das alterações do equilíbrio ácido-base depende do grau de desvio do pH, da rapidez da sua instalação e da etiologia subjacente às alterações.
Um desvio anormal do pH, pode ter consequências mais ou menos graves, dependendo da patologia do doente e da rapidez da sua instalação.
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Gabriela Fraga Brum
Convém recordar que o nível sérico de potássio é influenciado pelo pH. Como sabemos, o K + é um ião sobretudo intracelular, que troca com o H+, quando há desvios do pH. A alcalose acompanha-se de hipocaliemia, por entrada do K + para dentro das células, com saída de H + para o meio extra celular. Ao contrário, acidose é acompanhada de hipercaliemia, pela saída de K + das células em troca com H +. Existe uma variação em sentido inverso de cerca de 0.6 mEq/L de K +, por cada 0.1 de variação do pH. A variação de 0.1 do pH acompanha-se de uma variação, em sentido inverso de cerca de 0.6 mEq/L do K +.
Imaginemos um doente com K + de 3.6 mEq/L e com pH de 7.35. Se, por administração intempestiva de bicarbonato, ou por hiperventilação, o pH aumentar para 7.50, o K + descerá para um valor perigoso de 2.7 mEq/L aproximadamente. A acidemia marcada, pH<7,20, independentemente da sua origem, respiratória ou metabólica, pode ter consequências graves, que incluem redução do débito cardíaco, arritmias, obnubilação e coma. A alcalemia grave, pH>7,60 pode comprometer a perfusão cardíaca e cerebral, por vasoconstrição arteriolar. Complica-se, frequentemente, de arritmias graves, refractárias à terapêutica. As principais alterações neurológicas associadas à alcalemia são cefaleias, tetania, convulsões, delírio e letargia. As manifestações clínicas das alterações do equilíbrio ácido-base, são bastante inespecíficas. Estão geralmente mascaradas pela semiologia da doença subjacente e, muitas vezes, não se tornam evidentes, até se atingirem níveis muito graves de alteração. A história e observação clínica do doente, podem fornecer uma primeira indicação para a eventual existência de alterações do equilíbrio ácido-base. A respiração de Kussmaul, faz qualquer médico pensar em
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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acidose metabólica. No entanto, a caracterização qualitativa e quantitativa das alterações existentes, assenta no conhecimento do pH, da pressão parcial do CO2 e do bicarbonato. A avaliação dos principais electrólitos do plasma, fornece uma ajuda importante, sobretudo para a interpretação das alterações metabólicas. Homeostasia do pH
A homeostasia do pH, tendente a impedir a acidemia ou alcalemia, resulta fundamentalmente de 3 sistemas de “protecção”: 1. Sistemas tampão - que se combinam imediatamente (fracções de segundo) com um ácido ou base que entre no meio interno. 2. Pulmão - que em poucos minutos inicia a regulação da remoção de CO2. 3. Rim - que pode excretar urina ácida ou alcalina, reajustando a concentração hidrogeniónica do líquido extra-celular. A resposta renal é lenta, inicia-se 6 a 12 horas após a alteração, levando alguns dias até atingir o seu máximo.
Pulmão e Rim regulam o pH. No entanto, são os sistemas tampão que constituem a defesa imediata contra modificações do pH. Para se ter uma ideia da grandeza desta homeostasia, basta recordar que o Pulmão elimina diariamente cerca de 15.000 mEq de ácido, sob a forma de CO2, enquanto o Rim elimina aproximadamente 80 mEq de ácido, sob a forma de ácidos fixos. Daqui se depreende facilmente, que qualquer alteração que impeça a clearance de CO2, altera o equilíbrio ácido-base muito mais rapidamente que uma alteração na excreção de ácidos fixos. As alterações na excreção de CO 2, alteram o equilíbrio ácido-base, muito mais rapidamente que as alterações na excreção de ácidos fixos.
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Gabriela Fraga Brum
Em comparação com o Pulmão, o Rim elimina muito menos valências ácidas. Mas o Rim tem, simultaneamente, a capacidade de reter bicarbonato, daí que a sua importância na manutenção do equilíbrio ácido-base, seja equivalente à do Pulmão.
Sistemas Tampão
No nosso organismo, como vimos, é produzida diariamente uma quantidade enorme de cargas ácidas, proveniente do metabolismo. Os ácidos são, como sabemos, dadores de protões (H +). Tem que haver um poderoso sistema para “bloquear ” esses protões, enquanto não são eliminados. Os Sistemas Tampão - são soluções que podem ligar-se reversivelmente aos iões H +, impedindo os protões de circularem livres pelo organismo. Quando há alterações na concentração hidrogeniónica, os tampões reagem imediatamente, impedindo ou minimizando modificações bruscas do pH. A defesa imediata contra alterações bruscas do pH, é constituída pelos tampões, que de modo instantâneo agregam ou libertam protões (H+), em resposta às modificações da acidez dos líquidos do organismo.
Os tampões não fornecem nem eliminam iões H + do organismo, só os mantêm ligados, até que o equilíbrio seja restabelecido pelo Pulmão e pelo Rim. A reacção dos tampões passa-se da seguinte forma: Tampão + H+ ↔ HTampão
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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O ião H + combina-se com o tampão, formando um ácido fraco (HTampão), que pode permanecer como molécula indissociada ou dissociar-se novamente em tampão mais ião H +. Quando a concentração hidrogeniónica aumenta, a reacção desviase para a direita e mais iões H + se ligam ao tampão, enquanto este existir disponível. Pelo contrário, quando a concentração hidrogeniónica diminui, a reacção desvia-se para a esquerda e o tampão liberta iões H +. Os tampões não fornecem, nem eliminam iões H+, só os mantêm ligados, até que o equilíbrio seja restabelecido pelo Pulmão e pelo Rim.
O poder de tamponamento depende da quantidade e concentração relativa dos tampões. A capacidade de tamponamento dos fluidos do organismo é de cerca de 15 mEq/Kg de peso corporal. Os principais sistemas tampão do nosso organismo são o sistema Bicarbonato/Ácido Carbónico, a Hemoglobina, as Proteínas e os Fosfatos, que representam de modo aproximado, 53%, 35%, 7% e 5% dos tampões, respectivamente. O sistema Bicarbonato/Ácido Carbónico é o mais importante, dado que a concentração de cada um dos seus elementos pode ser regulada, o CO2 pelo Pulmão e o Bicarbonato pelo Rim. O principal sistema tampão do nosso organismo, é constituído pelo Bicarbonato/Ácido Carbónico
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Gabriela Fraga Brum
ALTERAÇÕES SIMPLES DO EQUÍLIBRIO ÁCIDO-BASE Acidose e Alcalose
O pH plasmático expressa o grau de concentração de hidrogeniões livres e depende da relação Bicarbonato/PCO 2. O numerador desta fracção representa a componente metabólica e PH α
HCO 3- (Rim) PCO 2 (Pulmão)
o denominador a componente respiratória. As alterações simples do equilíbrio ácido-base, são as originadas por aumento ou diminuição de uma destas variáveis. Se a alteração primária se refere ao aumento ou à descida do Bicar bonato (numerador da fracção), temos a alcalose ou acidose metabólica respectivamente. Sempre que a alteração primária se relaciona com o aumento ou a descida do CO 2 (denominador da fracção), temos a acidose ou a alcalose respiratória respectivamente. Como sabemos, o pH do sangue varia em limites bastante estreitos, graças à regulação da concentração de Bicarbonato pelo Rim e da PCO2 pela ventilação alveolar. Rim e Pulmão estão assim interligados na homeostasia do pH.
Rim e Pulmão estão interligados na homeostasia do pH.
Sabendo-se que o pH depende de uma relação (HCO3 /PCO 2 ), e não do valor absoluto de qualquer dos seus componentes, facilmente se
pH
PaCO2
HCO3-
7,35 - 7,45
36 - 44 mmHg
22 - 26 mEq / L
Acidose Respiratória ( ↓ VA ) Alcalose Respiratória ( ↑ VA ) Acidose Metabólica Alcalose Metabólica
Valores normais
VA ventilação alveolar
Alteração primária
Resposta compensadora
Alteração Primária
Resposta Esperada
Acidose Metabólica
PCO 2 = ( 1,5 x HCO3- ) + 8 ( ± 2 )
Alcalose Metabólica
PaCO 2 = (0,7X HCO3-) + 20 ( ± 1,5 )
Alteração Primária
Resposta Esperada
Variação de pH
Acidose Metabólica ↓ 10 mEq HCO3-
PCO2 ↓ 12,5 mmHg
↓ 0,12
PCO2 ↑ 5 (2 a 9) mmHg (até um máximo de 50 - 55 mmHg)
↑ 0,03 a 0,08
HCO3- ↑ 1 mEq / L (até um máximo de 30-32 mEq/L)
↓ 0,08
HCO3- ↑ 3, 5 mEq / L (até um máximo de 45 mEq/L)
↓ 0,03
↓ 2 mEq / L HCO3-
↑ 0,08
Alcalose Metabólica ↑ 10 mEq HCO3-
Acidose Respiratória Aguda ↑ 10 mmHg PCO2 Crónica ↑ 10 mmHg PCO2
Alcalose Respiratória Aguda ↓ 10 mmHg PCO2
Crónica ↓ 10 mmHg PCO2
(até um mínimo de 12 mEq/L) ↓ 5 mEq / L HCO3-
↑ 0,03
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Gabriela Fraga Brum
Os mecanismos de compensação limitam, mas não impedem totalmente as alterações do pH. Não existe hipercompensação.
O pH normal ou desviado no sentido contrário ao esperado pela alteração primária, orienta para o diagnóstico de alteração mista. Por exemplo, numa acidose metabólica, o pH normal ou desviado para a alcalinidade, leva ao diagnóstico de alcalose respiratória concomitante. Este tipo de alteração é frequente em doentes críticos, constituindo exemplo paradigmático o doente em choque séptico, com acidose láctica (do choque) e alcalose respiratória em consequência da febre e da hipoxemia. Convém também recordar que os mecanismos de compensação têm limites: • O bicarbonato raramente desce abaixo de 12 mEq/L para compensar a alcalose respiratória • O bicarbonato também raramente ultrapassa os 45 mEq/L em resposta à acidose respiratória. A hipoventilação, desencadeada em resposta à alcalose metabólica é limitada pela hipoxémia que se lhe associa. A PaCO 2 geralmente não ultrapassa os 55 mmHg na compensação da alcalose metabólica.
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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ALTERAÇÕES RESPIRATÓRIAS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE A ventilação alveolar está normalmente ajustada para excretar o CO2 produzido, mantendo a PaCO2 à volta de 40 mm Hg. A acidose e alcalose respiratórias reflectem uma alteração primária na “excreção” de CO2 pelo Pulmão. Nas alterações respiratórias do equilíbrio ácido-base, a PCO 2 e o pH variam em direcção oposta, ao contrário do que acontece nas alterações metabólicas, em que o pH e a PCO 2 variam na mesma direcção. A acidose respiratória caracteriza-se por aumento da PCO 2 e descida do pH. A resposta compensadora, tendente a minimizar a acidemia é a retenção de bicarbonato pelo Rim. Na hipercapnia aguda, o bicar bonato aumenta 1 mEq/L, por cada 10 mmHg de aumento do CO2 acima de 40. Se a hipercapnia é mantida, ao fim de alguns dias atinge-se a capacidade máxima de compensação renal, aumentando o bicarbonato cerca de 3,5 mEq/L, por cada 10 mmHg de subida do CO 2 acima de 40. Nas alterações respiratórias do equilíbrio ácido-base, a PCO 2 e o pH variam em direcção oposta.
O volume de gás contido na boca faringe e vias aéreas de condução, corresponde ao espaço morto anatómico. Trata-se de um volume relativamente fixo, que no adulto normal é de cerca de 150 ml (aproximadamente 2 ml/Kg peso). As trocas gasosas dão-se, como sabemos, nos alvéolos pulmonares. A acidose respiratória é sempre originada por uma ventilação alveolar insuficiente para a clearance de CO2 produzido. A acidose respiratória corresponde sempre a uma ventilação alveolar insuficiente para a clearance do CO2 produzido.
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Gabriela Fraga Brum
O padrão respiratório tem grande influência na ventilação alveolar. A respiração lenta e profunda é mais eficaz para a ventilação alveolar que a respiração rápida e superficial. Vejamos porquê: A ventilação por minuto (VE) é igual ao volume corrente (vc) multiplicado pela frequência respiratória (FR) e corresponde à ventilação do espaço morto (VD) mais a ventilação alveolar (VA). Por outro lado sabemos que a VD corresponde ao volume que ventila este espaço vezes a FR e que a VA corresponde ao volume que ventila os alvéolos em cada ciclo respiratório multiplicado pela FR. Daqui se deduz facilmente que a VA é igual à VE menos a VD. VE = vc x FR VE = VA + VD VA = va x FR VD = vd x FR VA = VE – VD Vejamos dois exemplos: Doente com cerca de 75Kg com respiração rápida e superficial, FR de 30 e VE de 7.500ml. Neste doente o espaço morto ronda os 150 ml (2 X 75).
VE =FR x vc 7500 = 30 x 250
VD FR x vd 30 x 150 = 4500
VA = VE - VD 3000 =7500 - 4500
Se o mesmo doente tiver uma respiração lenta e profunda, FR de 10 e VE de 7500 ml, vemos que a ventilação alveolar é muito mais eficaz.
VE = FR x vc 7500 = 10 x 750
VD 10 x 150 = 1500
VA = VE – VD 6000 = 7500 – 1500
A) Por eliminação deficiente de CO2 1. Obstrução das vias aéreas • DPOC • Broncospasmo marcado • Obstrução alta corpo estranho espasmo laríngeo apneia obstrutiva do sono 2. Depressão do centro respiratório • Narcóticos • Sedativos • Hipnóticos • Mixedema • Apneia do sono (central) 3. Restrição da parede torácica Cifoescoliose Obesidade 4. Doença Neuromuscular • Esclerose Lateral Amiotrófica • Poliomielite • Poliomiosite • Miastenia gravis • Esclerose múltipla • Paralisia do diafragma • Sindroma de Guillain-Barré
B) Por excesso de produção de CO2 (com eliminação deficiente) • • • •
Estados de hipercatabolismo Hipertermia maligna Administração intempestiva de bicarbonato Alimentação parentérica inadequada ( excesso de hidratos de carbono)
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Gabriela Fraga Brum
Sintomatologia
A sintomatologia da hipercapnia é sobretudo resultante da vasodilatação intracraniana e periférica que se lhe associa. Depende do nível de aumento da PaCO2, da rapidez da sua instalação e do grau de hipoxemia presente. É difícil separar as manifestações clínicas da hipercapnia das da hipoxemia que sempre se lhe associa. Os sintomas mais frequentes referem-se ao Sistema Nervoso e traduzem-se por cefaleias, ansiedade, tremores, mioclonias, confusão mental, perturbações do comportamento, podendo aparecer o coma nas situações mais graves. As manifestações cardiovasculares, são também frequentes, alem da vasodilatação periférica, podem aparecer diversos tipos de arritmias e hipertensão arterial.
Terapêutica
A terapêutica da acidose respiratória é dirigida à reversão/melhoria dos factores desencadeantes, bem como à promoção de uma ventilação alveolar adequada. Na agudização da acidose respiratória crónica, quando se recorre à ventilação mecânica deve ter-se o cuidado de não induzir descidas muito rápidas do CO2. De um modo geral o CO 2 não deve descer mais que 10 mmHg por hora. A hiperventilação relativa destes doentes, pode levar a níveis de alcalemia perigosos, uma vez que na acidose respiratória crónica, o bicarbonato se encontra elevado, como mecanismo de compensação. Como vimos anteriormente, a resposta renal às variações do pH é relativamente lenta (início 6 a 12 horas). Quando o CO 2 desce rapidamente, ainda se vão manter, durante algum tempo, níveis desadequadamente elevados de HCO 3-, condicionando um desvio do pH no sentido da alcalose.
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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Hipercapnia Permissiva
Actualmente, dá-se cada vez mais importância a estratégias preventivas das lesões pulmonares originadas pela ventilação mecânica. A ventilação com baixos volumes correntes, 5-7ml/Kg, ou até menores, tem por objectivo reduzir a distensão alveolar e a libertação de mediadores da inflamação. A utilização de volumes correntes pequenos parece associar-se a uma menor mortalidade dos doentes com Síndroma de Dificuldade Respiratória do Adulto ou com outras formas de lesão pulmonar aguda. Esta hipoventilação controlada, leva, como seria de esperar, a um aumento da PaCO2 e a uma descida do pH. A hipercapnia assim originada, também designada por Hipercapnia Permissiva, é geralmente bem tolerada, desde que se mantenha uma oxigenação adequada e não se atinjam graus extremos de acidemia. Muitas vezes atingem-se valores de PaCO 2 superiores a 80 mm de Hg e de pH de cerca de 7,20. A possibilidade de que a acidose hipercapnica exerça um efeito protector celular tem recebido atenção crescente. A acidose pode reduzir a respiração celular e o consumo de O2, reduzindo assim a necessidade de O2, face a um fornecimento reduzido. A manutenção de níveis de pH inferiores a 7,20, deve ser ponderada caso a caso, consoante o risco de compromisso hemodinâmico condicionado pela acidemia. Deve ter-se cuidado com a velocidade da subida da PaCO2. Esta deve ser lenta, cerca de 10 mmHg/hora, de modo a permitir um ajuste do pH intra celular. O estímulo respiratório associado à hipercapnia, origina desconforto e desadaptação do ventilador, pelo que este modo de ventilação requer que o doente esteja bem sedado e, muitas vezes, também curarizado. A hipercapnia permissiva está contra indicada em algumas situações, como por exemplo nos doentes com edema cerebral, convulsões, hipertensão intracraniana e infarto recente do miocárdio.
A) Hipóxia Altitude • Pneumonia • Asma • Embolia • Fibrose Pulmonar • Cardiopatias Cianóticas B) Estímulo do centro respiratório • Ansiedade • Febre • Dor • Intoxicação (salicilatos, xantinas) • Septicemia • Encefalopatia Hepática C) Ventilação Mecânica (hiperventilação)
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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Sintomatologia
As manifestações da causa subjacente dominam, geralmente, o quadro clínico. A hipocapnia manifesta-se fundamentalmente por alterações neuromusculares e cardiovasculares. As alterações iónicas que acompanham a alcalose ( hipocaliemia, hipofosfatemia, diminuição do cálcio ionizado), contribuem para as manifestações clínicas. Convém recordar que a alcalose desvia a curva de dissociação da oxi-hemoglobina para a esquerda, dificultando o fornecimento de O2 aos tecidos. • Manifestações Neuromusculares – A hipocapnia condiciona vasoconstrição cerebral, manifestando-se por confusão, mioclonias, parestesias, cãibras, convulsões • Manifestações Cardiovasculares – A hipocapnia origina taquicardia e arritmias graves, que podem ser refractárias à terapêutica farmacológica, até que a alcalemia seja revertida. Terapêutica
A terapêutica da alcalose respiratória é dirigida à causa subjacente. Nas situações de alcalemia grave, pode ter que recorrer-se à sedação para reduzir a hiperventilação.
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ALTERAÇÕES METABÓLICAS DO EQUÍLIBRIO ÁCIDO-BASE A acidose e alcalose metabólicas, reflectem uma alteração primária na concentração de bicarbonato, são portanto alterações independentes das originadas pelas variações de CO 2 no plasma. Nas alterações metabólicas o pH e a PCO 2 variam na mesma direcção, ao contrário do que sucede nas alterações respiratórias em que pH e PCO2 variam em direcção oposta. Nas alterações metabólicas do equilíbrio ácido-base, o pH e a PCO 2 variam no mesmo sentido, enquanto nas alterações respiratórias pH e PCO 2 variam em direcção oposta.
Acidose Metabólica
A acidose metabólica caracteriza-se por uma diminuição da concentração plasmática de bicarbonato e pH baixo (aumento da concentração hidrogeniónica).
Etiologia O mecanismo subjacente à diminuição do bicarbonato é a sua perda (diarreia por exemplo) ou o seu consumo (como tampão), por acumulação de ácidos fixos.
A acumulação de ácidos fixos pode ser originada por: • Aumento da sua produção endógena (acidose láctica, acidose diabética) • Aporte exógeno (intoxicação por salicilatos, metanol ou etilenoglicol) • Diminuição da sua excreção (acidose urémica)
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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Mecanismo de Compensação
Na acidose metabólica, a resposta compensadora respiratória, tendente a minimizar a descida do pH, é a hiperventilação secundária, que se reflecte na diminuição da PaCO2. Nos doentes com acidose metabólica a respiração torna-se rápida e profunda. Este padrão respiratório é conhecido por respiração de Kussmaul. A queda da PaCO2, origina diminuição da reabsorção renal de bicar bonato, reduzindo ainda mais a sua concentração sérica. Daí que o pH arterial, na acidose metabólica crónica, seja sensivelmente o mesmo, quer tenha ou não ocorrido compensação respiratória. No entanto, a maioria das acidoses metabólicas graves, têm carácter agudo, pelo que a diminuição da PaCO2 se torna protectora. Na acidose metabólica simples, há uma relação bem definida entre o valor do bicarbonato e o grau de hipocapnia esperado, que se traduz na seguinte equação: PaCO2 esperada = ( 1,54 x HCO 3- ) + 8 ± 2 Como se deduz da equação apresentada, a PaCO 2 esperada varia entre limites estreitos. Valores de PaCO 2 superiores ou inferiores aos previstos, indicam acidose ou alcalose respiratória concomitante e definem alteração mista. Na avaliação da acidose metabólica, além da informação clínica, é muito importante o conhecimento dos principais electrólitos séricos (Na + e Cl -). O valor destes, ajuda a definir a etiologia da diminuição do bicarbonato. Uma vez verificada a existência de acidose metabólica, deve avaliar-se o hiato aniónico (HA) e classificar a acidose metabólica em acidose metabólica com HA normal ou aumentado. O conhecimento do HA ajuda a fechar o leque de etiologias da acidose metabólica.
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Hiato Aniónico
Um dos mecanismos homeostáticos mais potentes do organismo, é o da manutenção da neutralidade electroquímica nos fluidos orgânicos. Qualquer que seja o grau de acidose ou de alcalose, o número total de cargas positivas é sempre igual ao de cargas negativas, ou seja, a soma dos catiões é igual à soma dos aniões. Lei da Neutralidade Electroquímica Soma dos catiões = Soma dos aniões
A soma dos catiões medidos por rotina (Na + e K +), excede normalmente a soma dos aniões (HCO 3- e Cl -). Esta diferença é o chamado hiato aniónico (HA) e mede, de forma indirecta, o conjunto de aniões não avaliados por rotina (proteínas aniónicas, fosfatos, sulfatos, aniões orgânicos). HA1 = catiões medidos - aniões medidos
Considerando que o Na + é o principal catião do plasma, e, que o Cle HCO3- são os aniões avaliados por rotina, o HA corresponde à diferença entre o Na+ e a soma do Cl - com o HCO3-. Na prática, o K + não é utilizado no cálculo do HA, dado que a sua baixa concentração pouco influencia o resultado. HA = Na + - (Cl - + HCO3-) = 12 ± 2 O HA no indivíduo normal, tem um valor mais ou menos constante (12 ± 2), o que reflecte o equilíbrio entre a produção de aniões não medidos e a sua excreção renal. Este equilíbrio é alterado quando grandes quantidades de ácido entram nos fluídos orgânicos, originando acidose metabólica. 1
Pode exprimir-se em mEq / L ou mmol / L (dado tratar-se de iões monovalentes o valor é o mesmo).
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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Tanto nas situações de aumento da produção endógena de ácido (acidose láctica, cetoacidose diabética), como no aporte exógeno (intoxicação por salicilatos, metanol ou etilenoglicol), o consumo de HCO 3(como tampão, para minimizar a queda do pH), é acompanhado de aumento do HA. O aumento do HA indica quase sempre acidose metabólica.
O cálculo do HA permite diferenciar a acidose metabólica originada pela acumulação de ácidos fixos, da que resulta da perda de HCO 3- . Torna-se assim útil na ajuda da interpretação da acidose metabólica, bem como na monitorização da sua evolução e resposta à terapêutica. O cálculo do HA permite distinguir a acidose metabólica por acumulação de ácidos fixos, da que resulta da perda de HCO 3-.
Como sabemos, na acidose metabólica, o HCO 3- está diminuído. Dado que a electroneutralidade tem sempre que ser preservada, o Cl - ou qualquer outro anião tem que estar proporcionalmente aumentado. Quando a diminuição de HCO3- é compensada pelo aumento de Cl -, o HA permanece normal. É o que acontece na acidose metabólica por perda de HCO3-. Quando a acidose metabólica se deve à acumulação de ácidos fixos, o HA aumenta. O aumento do HA, traduz (com raríssimas excepções) acumulação de ácidos fixos.
Hiato Aniónico
normal
normal (Hiperclorémia)
aumentado
140
140
140
-
104
114
104
HCO3-
24
14
14
Hiato aniónico
12
12
22
Na Cl
+
Na Hipoalbuminemia marcada o HA está diminuído. Na Hipoalbuminemia um HA aparentemente normal pode esconder uma acidose metabólica.
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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Acidose Metabólica com Hiato Aniónico Aumentado
A acidose metabólica com HA aumentado, deve-se à acumulação de ácidos fixos. O bicarbonato desce (efeito tampão para minimizar a descida do pH) e o HA aumenta, pela presença de ácidos (endógenos ou exógenos) cujos aniões não são habitualmente medidos. Etiologia
As causas principais de acidose metabólica com HA aumentado são: • Insuficiência renal • Cetoacidose diabética • Acidose láctica • Rabdomiólise • Intoxicação (ácido acetilsalicílico, etilenoglicol, metanol, ou, raramente outros álcoois tóxicos) Na insuficiência renal, inicialmente, a perda de HCO3- é compensada pela reabsorção de Cl - (acidose metabólica hiperclorémica), mantendo-se o HA normal. Quando a taxa de filtração glomerular se reduz significativamente, são retidos outros aniões (sulfatos, fosfatos), o que, associado à capacidade alterada do rim para excretar a carga de H+ diária, origina aumento do HA. Uma acidose metabólica, num doente com hipoxemia grave, ou com má perfusão, é uma acidose láctica, até prova em contrário. A acidose láctica é uma das formas de acidose metabólica grave, com HA aumentado, que se encontra com frequência em Cuidados Intensivos. A terapêutica da acidose láctica consiste na reversão da causa desencadeante e na melhoria da perfusão e oxigenação tecidular. É tam bém importante reduzir as necessidades de O2, pelo que se recorre muitas vezes à sedação e ventilação mecânica.
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Gabriela Fraga Brum
Acidose metabólica, num doente com hipoxémia grave ou má perfusão, é uma acidose láctica, até prova em contrário.
Na ausência de falência circulatória, diabetes, alcoolismo ou urémia, um aumento do HA orienta para intoxicação intoxicaçã o por substâncias como salicilatos, metanol, etilenoglicol ou outros álcoois tóxicos. O cálculo do HA ajuda a abordagem do diagnóstico da acidose metabólica de origem desconhecida, pondo-nos, por vezes, na pista de intoxicação. A etiologia da acidose metabólica com HA aumentado, consegue estabelecer-se geralmente pela clínica (história e observação) e exames laboratoriais simples. Por exemplo, uma elevação significativa da glicémia ou da urémia, orientam respectivamente para cetoacidose diabética ou insuficiência renal, como causa do aumento do HA. Se a causa da acidose metabólica não é aparente, o aumento aumen to do HA, obriga a uma investigação etiológica mais aprofundada, aprofunda da, não esquecendo a possibilidade de intoxicação. O raciocínio sobre os dados laboratoriais sem correlação com a clínica, pode induzir em erro. Por vezes, o doente pode ter em simultâneo simultâ neo duas formas de acidose metabólica: com HA normal e com HA aumentado. Isto acontece por exemplo, no doente com diarreia profusa, associada a choque séptico ou hipovolémico. Nesta situação associa-se uma acidose metabólica com HA normal, desencadeada pela diarreia, a uma acidose metabólica com HA aumentado da hiperlacticidemia. É sempre necessária informação sobre o que se passa com o doente. A análise da gasometria ou do HA, sem correlação com a clínica pode induzir em erro.
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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A relação da variação no HA, com a variação varia ção no HCO3- pode ajudar. Teoricamente, numa acidose metabólica com aumento do HA (acumulação de ácidos fixos) a relação ∆ HA / ∆ HCO 3- tende a ser um. Isto é, o aumento no HA deve ser igual à redução do HCO 3-, uma vez que o HA reflecte o ácido acumulado que foi tamponado pelo HCO3-. Quando a relação entre o aumento do HA e a diminuição do HCO3não se verifica, alerta-nos para a existência de alteração mista, que deve ser investigada. Na acidose por aumento da produção endógena de ácido, uma vez que essa produção tenha cessado, a normalização do HCO3- é feita, com certa rapidez, pelo rim.
Acidose Acid ose Metabólica com Hiato Aniónico Normal
A acidose metabólica com HA normal é originada pela perda de bicarbonato. O HCO3- pode perder-se pelo tubo digestivo (diarreia, fístula pancreática, drenagem biliar, ureterossigmoidostomia), ou pelo rim (acidose tubular renal, terapêutica com acetazolamida). Sempre que a perda de HCO3- é compensada compensada pelo aumento da da rea bsorçã bso rçãoo rena r enall de d e Cl C l-, o HA mantém-se normal. Sempre que a perda de HCO 3- é compensada pelo aumento da reabsorção renal de Cl -, o HA mantém-se normal.
A acidose metabólica com HA normal é, também, denominada acidose hiperclorémica. Este termo, termo , pode por vezes levar a confusão, uma vez que a concentração sérica do Cl - é influenciada não só por factores do equilíbrio ácido-base, mas também por alterações no grau de hidratação.
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ALCALOSE METABÓLICA A alcalose metabólica caracteriza-se por aumento da concentração plasmática de HCO3- e elevação do pH (diminuição da concentração hidrogeniónica). A subida do HCO 3- não faz diagnóstico de alcalose metabólica, uma vez que pode representar compensação renal de acidose respiratória. No último caso, o pH está diminuído e não aumentado, constituindo a elevação da PCO2 a alteração primária. O mecanismo subjacente à alcalose metabólica é a perda de ácidos fixos, a acumulação de bicarbonato, ou a perda desproporcionada de Cl - em relação à de HCO 3-. Etiologia
A maioria das situações de alcalose metabólica resulta da perda de líquidos orgânicos que sejam pobres ou não contenham HCO H CO3-. As etiologias mais frequentes são a perda de ácido clorídrico (vómitos, aspiração gástrica), a terapêutica diurética e a hiperactividade mineralocorticoide. O aporte de HCO3-, pode também originar alcalose metabólica transitória, uma vez que o rim, em condições normais, excreta o excesso de HCO 3-. No Quadro VIII estão referidas as etiologias mais habituais da alcalose metabólica. Mesmo quando cessam as causas que a originam, a alcalose meta bólica ból ica tend t endee a mante ma nter-se r-se.. A contra con tracçã cçãoo de volum vo lumee efecti efe ctivo vo circ c ircula ulante nte,, a hipoclorémia e a hipocaliémia, são os factores mais frequentes de perpetuação da alcalose metabólica. Mesmo quando cessam as causas que a originam, a alcalose metabólica tende a perpetuar-se.
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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QUADRO VIII. ETIOLOGIAS MAIS FREQUENTES DA ALCALOSE METABÓLICA
• Vómitos ou drenagem gástrica • Diuréticos (excepto inibidores da anidrase carbónica e poupadores de K+) • Síndroma de Cushing • Terapêutica corticoide • Hiperaldosteronismo primário • Tumores produtores de renina • Síndroma de Bartter • Hipocaliémia • Infusão maciça de alcalinos • Milk Alkali Syndrome • Transfusão Transfusão maciça de sangue (citrato) • Pós hipercapnia
A deplecção de Cl -, quer como consequência de perdas gástricas, quer da utilização de diuréticos de ansa, com restrição simultânea do aporte de ClNa, é não só a causa mais frequente freque nte de alcalose metabólica, como o principal factor responsável pela sua manutenção. A deplecção de Cl - constitui a etiologia mais frequente da alcalose metabólica e é o principal factor da sua perpetuação.
Manifestações Clínicas
A alcalemia origina redução na concentração plasmática de cálcio ionizado, hipocaliémia de redistribuição e por deplecção. A hipocaliemia é um dado constante na alcalemia. A hipomagnesiemia e a hipofosfatemia estão também com frequência frequê ncia associadas a esta alteração do equilíbrio ácido-base. A dificuldade no fornecimento de O 2 aos tecidos por desvio da curva de dissociação da hemoglobina para a esquerda, tem mais significado na alcalemia aguda. Nas situações crónicas, aquele efeito é contrariado por um aumento do 2,3-DPG nos eritrocitos.
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As manifestações clínicas resultam em grande parte das perturbações atrás referidas. A sua gravidade prende-se com o grau de alcalemia e com a rapidez da sua instalação. A máxima alcalinidade compatível com a vida ronda os 7,8 de pH. Com pH superior a 7,55 aparecem manifestações de irritabilidade neuromuscular, cardíaca e perturbações mentais. São frequentes cãibras, espasmos musculares, tetania, convulsões, confusão, obnubilação, coma, arritmias cardíacas, geralmente refractárias à terapêutica anti-arritmica, até que a elevação do pH seja revertida. Mecanismos de Compensação
Na alcalose metabólica, a alteração primária é, como vimos, o aumento da concentração de HCO3-. A resposta compensadora, tendente à minimização da subida do pH, é a hipoventilação secundária, com ligeiro aumento da PCO2, constituindo a excreção de urina alcalina alcalin a um factor importante na homeostasia do pH. Um doente com alcalose metabólica, que tenha concomitantemente uma situação que provoque hiperventilação (septicemia, pneumonia, embolia pulmonar), pode desenvolver um aumento perigoso do pH. A compensação respiratória da alcalose metabólica é menos eficiente e menos previsível que a da acidose metabólica. Embora se preveja que a PCO 2 aumente 5 (2 – 9) mmHg por po r cada 10 mEq/L de aumento do HCO3- (acima de 24), isto nem sempre acontece na alcalose metabólica. A hipoventilação hipovent ilação é limitada pela hipoxémia que a subida da PCO2 condiciona. O mecanismo de compensação major é a excreção de urina alcalina. A PCO2 raramente excede os 55 mmHg para compensar a alcalose metabólica. Valores de PCO 2 acima de 55 mmHg, associam-se a PaO 2 inferior a 65 mmHg, o que constitui um factor limitante limitan te deste mecanismo de compensação, uma vez que a hipoxemia estimula a ventilação. A alcalose metabólica, ainda que ligeira, pode contribuir para dificultar o desmame desm ame do ventilador ventila dor..
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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A hipoventilação tem um papel limitado na compensação da alcalose metabólica. O mecanismo compensador major é a excreção de urina alcalina.
A alcalose metabólica induzida pela deplecção de K +, habitualmente não origina hipoventilação, provavelmente pela acidose intracelular que acompanha a hipocaliemia. Hipocloremia
O aumento do nível de HCO3- , acompanha-se de descida da concentração sérica de Cl -. Isto compreende-se facilmente, se recordarmos que HCO3- e Cl - são os 2 aniões major do líquido extracelular e que a manutenção da electroneutralidade dos fluídos do organismo, é um mecanismo hemeostático muito importante. Quando o HCO 3- está aumentado, a electroneutralidade é preservada pela diminuição do nível de Cl -. Na maioria dos casos de alcalose metabólica há deplecção de Cl -.
Alcalose metabólica reversível com administração de ClNa (alcalose da contracção de volume)
Quando há baixa do volume efectivo circulante, o aumento da reabsorção de HCO3- é um mecanismo tendente à regulação de volume. O hiperaldosteronismo secundário, desempenha um papel importante nesta situação.
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A diminuição de volume efectivo circulante pode ocorrer com excesso de líquido extra celular, como acontece na insuficiência cardíaca congestiva com edemas, ou na cirrose hepática com ascite. Com a utilização de diuréticos de ansa, é frequente a alcalose meta bólica. O líquido perdido na urina contém Cl- e relativamente pouco HCO 3-. A quantidade de HCO3- no soro permanece sensivelmente a mesma para um menor volume, pelo que a sua concentração aumenta. A contracção de volume efectivo circulante aumenta a reabsorção de HCO 3-.
A alcalose metabólica por deplecção de volume, acompanha-se de excreção urinária de Cl - baixa, inferior a 10 mEq/dia ou a 15 mEq/L, numa amostra de urina. Este tipo de alcalose responde à terapêutica com soro fisiológico. Alcalose metabólica refractária à terapêutica com ClNa
A alcalose metabólica que não responde à terapêutica salina, caracteriza-se por volume extracelular normal ou aumentado e excreção urinária de Cl- superior a 10 mEq / dia ou a 20 mEq/L, numa amostra de urina. Gerada e mantida pelo rim, este tipo de alcalose metabólica resulta, geralmente, de defeito de reabsorção de Cl - (síndroma de Bartter), de deplecção grave de K +, ou de hipermineralocorticismo (síndroma de Cushing, hiperaldosteronismo primário). Hipocaliemia
Hipocaliemia e alcalose metabólica estão interligadas. A alcalose origina hipocaliemia, pela entrada de K + para dentro das células, por troca com H+.
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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Por outro lado, na hipocaliemia, o K + sai das células para o líquido extracelular, com entrada de H +. A hipocaliemia perpetua a alcalose metabólica, levando à perda de H+ no nefrónio distal. Na alcalose metabólica os doentes têm geralmente grande deplecção de K +
A administração de KCl vai ajudar a corrigir tanto a hipocaliemia como a alcalose metabólica. Manutenção da Alcalose Metabólica Mecanismos de Perpetuação
O Rim tem capacidade de excretar o excesso de HCO3- na urina. A perpetuação da alcalose metabólica, implica alteração na excreção renal de HCO3-, tanto por diminuição da filtração glomerular, como principalmente, por aumento da reabsorção tubular. Este mecanismo (aumento da reabsorção tubular), é, como vimos, o que se encontra na deplecção de volume, na hipocloremia, no hiperaldosteronismo e na hipocaliemia. A alcalose metabólica não persiste, apesar de aporte de HCO 3-, se o Rim funcionar normalmente.
Na terapêutica da alcalose metabólica, há que ter em conta a sua etiologia, bem como os factores responsáveis pela sua perpetuação. Os principais factores que actuam no Rim, aumentando o limiar de excreção de HCO 3- e perpetuando a alcalose metabólica, são: hipocloremia, hipocaliemia e excesso de efeito mineralocorticoide
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Além da terapêutica dirigida à correcção da doença subjacente, é fundamental a correcção da deplecção de Cl - com ClNa, bem como da hipocaliemia com KCl. Nas situações com sobrecarga de volume, a acetazolamida (inibidor da anidrase carbónica) pode ser eficaz.
Alcalose Pós Hipercapnia
A alcalose pós hipercapnia, é um subtipo de alcalose metabólica. A acidose respiratória crónica, desencadeia aumento da reabsorção renal de HCO3-, na tentativa de minimizar as alterações no pH. Trata-se pois de uma resposta adaptativa normal. O problema da alcalose pós hipercapnia, é a manutenção de um nível de HCO3-desadequadamente elevado, mesmo quando a PCO 2 normaliza, ou diminui significativamente, em relação a valores anteriores. A terapêutica com ventilação artificial, pode originar uma queda rápida da PCO2. O bicarbonato, mantendo-se elevado pode conduzir a um aumento perigoso do pH. A alcalose pós hipercapnia, deve-se à manutenção de níveis de HCO 3desadequadamente elevados, após redução significativa da PCO 2 .
Nos doentes com hipercapnia crónica, a ventilação mecânica deve ser programada e monitorizada cuidadosamente, de modo a permitir uma redução lenta da PCO 2. Há que dar tempo ao rim, para que excrete o HCO 3- em excesso, o que vai acontecer normalmente se não houver défice de Cl -. Convém recordar, que o défice de Cl - é muito frequente nestes doentes (induzido pela hipercapnia e pela utilização de diuréticos).
Alterações do Equilíbrio Ácido-Base
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A falta de Cl-, vai manter aumentado o nível de HCO 3-, mesmo depois da normalização da PCO 2. Este factor de perpetuação da alcalose pós hipercapnia, deve estar sempre presente no nosso raciocínio. O défice de Cl - é um factor importante de perpetuação da alcalose pós hipercapnia.
A administração de KCl facilita a excreção renal de HCO3- e favorece a troca de Na + por K +, poupando H+, pelo que costuma ser extremamente útil nesta situação.
ALTERAÇÕES MISTAS DO EQUÍLIBRIO ÁCIDO-BASE As alterações mistas implicam mais que uma alteração primária em simultâneo. Dado que vivemos em limites estreitos de pH, as alterações mais graves são as que desviam o pH na mesma direcção: • Acidose Metabólica + Acidose Respiratória • Alcalose Metabólica + Alcalose Respiratória Um doente em cetoacidose diabética e com vómitos abundantes, tem uma acidose e uma alcalose metabólicas simultaneamente e pode apresentar pH e HCO 3- próximos do normal, mesmo quando as alterações em sentido contrário são graves. Compreende-se a dificuldade de interpretação da gasometria se esta não for complementada por mais informação: história de vómitos, diabetes, insuficiência renal por exemplo.
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BIBLIOGRAFIA
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CONTROLO DA RESPIRAÇÃO DURANTE A VIGÍLIA E O SONO Sofia Furtado João Valença
Controlo da Respiração Durante a Vigília e o Sono
A ventilação está sujeita a um complexo sistema de controlo com o objectivo de manter o ritmo básico da respiração e satisfazer as necessidades do organismo, de modo a que as pressões arteriais de oxigénio (PaO2) e de dióxido de carbono (PaCO 2) sofram apenas pequenas alterações, mesmo durante stresses respiratórios tais como o exercício. A regulação automática da respiração é assegurada por um conjunto de neurónios localizados de forma difusa na região do bulbo raquidiano e protuberância anelar .Estes neurónios exercem a sua influência sobre vários segmentos medulares, nos quais se encontram os neurónios motores responsáveis pela excitação dos músculos inspiratórios e expiratórios. A nível medular a excitabilidade dos neurónios motores é condicionada pela actividade dos centros nervosos superiores e pela informação aferente que tem origem em receptores proprioreceptivos localizados nos músculos respiratórios e na monitorização constante da composição química do sangue arterial, tarefa essa que é desempenhada pelos quimioreceptores periféricos. A integração (processamento) de toda esta informação, a nível segmentar, desencadeia impulsos nervosos que, de forma precisa e frequente, activam cada uma das unidades motoras dos músculos respira-
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tórios. A actividade destes músculos é assim modulada no sentido de variar a amplitude e frequência da respiração. O aumento da frequência de estimulação e/ou o recrutamento de unidades motoras adicionais, condicionam contracções musculares mais fortes que fazem aumentar a amplitude ou a profundidade da respiração. Por sua vez, a frequência respiratória depende do número de vezes que o ciclo respiratório se repete por unidade de tempo. De forma recíproca, receptores localizados no parênquima pulmonar informam o sistema de controlo da respiração do resultado da contracção dos músculos respiratórios. O resultado final é um padrão ventilatório ajustado, não só às necessidades respiratórias dos tecidos orgânicos, mas também ao estado do parênquima pulmonar e dos músculos respiratórios. Dado que a respiração é um acto motor rítmico, os circuitos nervosos da respiração têm de produzir sinais eferentes rítmicos. O ritmo gerado consiste em 3 fases (inspiração, pós-inspiração e expiração) controladas por diferentes componentes do sistema nervoso central:
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Centro Respiratório
O denominado “centro respiratório” é composto por vários grupos de neurónios localizados na espinal medula, bulbo raquidiano e protu berância anelar , dos quais se destacam três grupos principais: – Grupo respiratório dorsal, localizado na zona dorsal do bulbo raquidiano, e que está envolvido na inspiração. – Grupo respiratório ventral, localizado na zona ventrolateral do bulbo raquidiano, e que está envolvido na inspiração e expiração dependendo dos neurónios estimulados. – Centro pneumotáxico, localizado dorsalmente na porção superior da protuberância anelar , e que participa no controlo da frequência e ritmicidade da respiração. Os neurónios do grupo respiratório dorsal fazem parte na sua maioria do nucleus tractus solitarius. Este núcleo é também a porção terminal do nervo vago e do nervo glossofaríngeo, nervos estes que transmitem para o “centro respiratório” sinais recebidos dos receptores localizados fora do sistema nervoso central, nomeadamente os quimioreceptores. São estes neurónios que ao emitirem estímulos eléctricos inspiratórios repetidos são responsáveis pelo ritmo básico da respiração. O estimulo nervoso que parte destes neurónios é transmitido para os segmentos medulares responsáveis pela activação dos músculos respiratórios e para a área pneumotáxica. E pode ser condicionado de duas formas: • Controlando o aumento da intensidade do sinal em rampa, podendo por exemplo levar a uma insuflação mais rápida. • Controlando o termino do sinal. Por exemplo quanto mais cedo a rampa de intensidade terminar, mais curta é a duração da inspiração. E como, por razões ainda não esclarecidas, a expiração tam bém se encurta ocorre um aumento da frequência respiratória.
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O ciclo de activação/desactivação destes neurónios repete-se continuamente , o que produz uma frequência de 12-18 ciclos por minuto. A fase inspiratória de cada ciclo tem uma duração média de 2 segundos, enquanto a fase expiratória se estende por 3 segundos. Os neurónios do grupo respiratório ventral fazem parte na sua maioria do nucleus ambigus e nucleus retroambigus. A respiração eupneica é causada exclusivamente pelos repetidos sinais inspiratórios gerados pelos neurónios do grupo dorsal, estando os neurónios do grupo ventral praticamente inactivos. Mas quando são necessários elevados níveis de ventilação pulmonar estes neurónios são fundamentais na emissão de estímulos eléctricos inspiratórios e expiratórios. O centro pneumotáxico, localizado dorsalmente no nucleus parabraquialis da protuberância anelar, tem como principal função limitar a inspiração, ao controlar o “desligar” do sinal inspiratório em rampa dando início à expiração. Seguidamente a inibição dos neurónios inspiratórios reduz a estimulação do centro pneumotáxico diminuindo o seu efeito inibitório e a inspiração ocorre de novo. Um sinal forte emitido a partir desta zona inibe a acção dos neurónios inspiratórios do grupo dorsal, encurtando assim a inspiração e tam bém a expiração, levando a um aumento da frequência respiratória. Pelo contrário, um sinal fraco leva a uma diminuição da frequência pelo prolongamento da inspiração. Alguns autores consideram ainda uma 4ª zona a que chamam de Centro Apneustico, e que fica localizada na zona inferior da protuberância. A função deste centro não está esclarecida, mas pensa-se que poderá actuar em associação com o centro pneumotáxico no controlo da amplitude da inspiração. Área Quimiossensitiva
Apesar de vários factores poderem influenciar o padrão básico da respiração, os de natureza química são os que maior influência exercem sobre o centro de controlo automático da respiração. Ajustamen-
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tos permanentes da frequência e amplitude da ventilação, asseguram que as concentrações plasmáticas de O2 (PaO2), de CO 2 (PaCO2) e do ião de hidrogénio sejam mantidas constantes. No entanto nenhuma das áreas do centro respiratório anteriormente descritas parece ser afectada pelas alterações químicas. Assim pensase que existe uma área adicional no sistema nervoso central – área quimiossensitiva – localizada bilateralmente junto à área ventral da espinal medula (1,2) cuja localização exacta é ainda imprecisa, mas que se pensa que seja constituída por três zonas distintas: • zona proximal ou de Mitchell • zona caudal ou de Loeschhe • zona intermédia ou de Schlafke para a qual convergem as fibras nervosas das outras zonas quimiossensitivas. Os quimioreceptores centrais localizados nestas áreas são altamente sensíveis às alterações na concentração de CO 2 e do ião de hidrogénio, e a sua estimulação leva à excitação das outras áreas do centro respiratório. Excepto em circunstâncias especiais, o aporte de O 2 aos tecidos pode continuar a decorrer de forma adequada mesmo que a PaO2 varie de 100 a 60 mmHg, ou seja, a ventilação pode variar até 20 vezes o normal sem que o aporte de oxigénio aos tecidos seja alterado. O mesmo não acontece com o CO 2 porque a PaCO2 sanguínea e tecidular varia na razão inversa da frequência ventilatória (1,2). Em condições normais, a PaCO2 é mantida perto dos 40mmHg no sangue arterial, e eventuais subidas produzem aumento da frequência e da amplitude da ventilação. Deste modo, a eliminação do CO 2 processa-se mais rapidamente pelo que a PaCO2 baixa. Pelo contrário, a diminuição da PaCO2 arterial induz diminuição da ventilação, por forma a permitir a acumulação de CO 2 no sangue e fazer subir a PaCO 2 para valores normais. Como tal, as variações da concentração de CO 2 e de H+ condicionam um estimulo directo sobre a área quimiossensitiva central, cau-
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sando o aumento ou diminuição da emissão de estímulos inspiratórios e expiratórios para os músculos respiratórios. Um aumento marcado da ventilação alveolar ocorre quando se dá um aumento da concentração de CO2. Já o aumento que se verifica com o aumento da concentração de H + (traduzido por um decréscimo no pH sanguíneo) é francamente menor. Assim, variações mesmo dentro dos limites considerados normais da PaCO 2 sanguínea condicionam grandes variações de ventilação, o que já não se passa quando ocorrem variações do pH dentro dos limites considerados normais. Estes factos podem ser explicados pelas diferenças de solubilidade do CO2 e H+. Dado que apesar dos quimioreceptores centrais estarem em contacto com o líquido céfalo-raquidiano e não em contacto directo com a corrente sanguínea, o líquido céfalo-raquidiano ao nível do bulbo está separado da rede sanguínea apenas por uma simples camada de endotélio altamente permeável ao CO2. Dada a maior solubilidade do CO2, a PaCO2 no sangue e no líquido céfalo-raquidiano são equivalentes ao nível do bulbo. Por outro lado, à medida que o CO 2 se difunde do sangue para o líquido céfalo-raquidiano aumenta igualmente a formação de ácido carbónico e libertação de H +. O resultado é a diminuição do pH neste líquido na mesma proporção que aumenta a PaCO2 sanguínea. E assim, apesar de provavelmente o estímulo primário da área quimiossensitiva ser o ião H +, como este atravessa dificilmente a barreira hematoencefálica e hematocerebromedular, a actividade do centro respiratório é consideravelmente mais afectada pela alteração da PaCO2 sanguínea. A excitação do centro respiratório, provocada pelo CO2, é maior nas primeiras horas e vai diminuído gradualmente durante os primeiros dois dias após o estímulo. Este declínio é explicado em parte pela acção compensadora do rim, que leva a um aumento da concentração de ião bicarbonato no sangue. Este liga-se ao ião H+ sanguíneo diminuído assim a sua concentração. Após algumas horas o ião bicarbonato difunde-se lentamente através da barreira hematoencefálica e hematocere-
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broespinal e combina-se também com os iões de hidrogénio, normalizando praticamente a sua concentração. Pode então dizer-se que o CO2 tem um potente efeito agudo no controlo da respiração, mas este efeito à medida que se torna crónico diminui de potência. As alterações da concentração O 2, ao contrário das de CO 2 e de H +, têm um efeito directo quase nulo no Sistema Nervoso Central, mas condicionam importantes efeitos indirectos através dos quimioreceptores periféricos.
Quimioreceptores Periféricos
Para além do controlo da actividade respiratória pelo “centro nervoso respiratório” existem outros meios de regulação da respiração, e nos quais se incluem receptores localizados perifericamente ao Sistema Nervoso Central (SNC). Estes receptores, denominados de quimioreceptores, após serem estimulados por alterações da concentração de O 2, CO 2 e H + na corrente sanguínea enviam sinais nervosos para o SNC. A grande maioria destes receptores está localizada nos corpos caro tídeos e em menor quantidade nos corpos aórticos. Os corpos carotídeos estão localizados bilateralmente na bifurcação da artéria carótida comum, e as fibras nervosas que daí partem afluem para o nervo glossofaríngeo e daí para a área respiratória dorsal da medula. Os corpos aórticos estão localizados ao longo da crossa da aorta e as suas fibras nervosas aferentes dirigem-se através do nervo vago para a área respiratória dorsal da medula. Sabe-se que as alterações na concentração de oxigénio arterial não condicionam estimulo directo sobre o centro respiratório, mas podem provocar um forte efeito indirecto através da estimulação dos quimioreceptores periféricos, principalmente para valores de PaO2 entre 60 e
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30 mmHg. No entanto, o modo exacto como a hipóxia excita as terminações nervosas nos quimioreceptores é ainda desconhecida. Um decréscimo da PaO2 provoca a excitação destes quimioreceptores que por sua vez leva a um aumento da ventilação por acção central. No entanto, este aumento é menor do que seria de esperar, porque o aumento frequência respiratória permite eliminar maior quantidade de CO 2, o que por sua vez leva a uma diminuição da PaCO 2 e da concentração de H+. Estas alterações levam a uma inibição importante do centro respiratório contrariando assim o efeito inicial estimulante da diminuição da PaO2. Mas existem duas situações em que o efeito da baixa da PaO2 é mais marcado: • Quando ocorrem alterações ao nível do transporte transmenbranar do CO2 e H+ (ex: pneumonias, enfisema pulmonar) a PCO2 e a concentração de H+ permanecem normais apesar do aumento da ventilação. • Quando se respira ar com O2 a baixas concentrações durante vários dias, ocorre um fenómeno chamado de aclimatização. A explicação para este fenómeno reside essencialmente na perda gradual, em 2 ou 3 dias, de grande parte da sensibilidade do centro respiratório central para alterações da PaCO 2 e da concentração de iões de hidrogénio. Assim o controlo da ventilação por parte do CO2 fica bastante reduzido, podendo as baixas pressões de O 2 condicionar um aumento na ventilação alveolar maior do que aquele verificado em situações de exposição aguda a atmosferas com baixas pressões de O 2. Por exemplo os montanhistas sabem que se escalarem uma montanha lentamente durante vários dias, em vez de o fazerem em poucas horas, podem suportar bastante melhor atmosferas com baixas concentrações de O 2 . Os quimioreceptores periféricos são também estimulados pelas variações da PaCO2 arterial e concentração do ião de hidrogénio, e a sensibilidade destes é potenciada pela hipóxia.
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Mas o efeito indirecto sobre o centro respiratório através dos quimioreceptores periféricos é francamente menor que o efeito directo que o CO 2 e o H + desencadeiam no SNC. Receptores Pulmonares
A complementar a informação dos quimioreceptores existe um outro sistema aferente, que fornece informação ao centro respiratório acerca do estado do pulmão, constituído por 4 tipos de receptores localizados no pulmão. 1 - Receptores de distensão ou de adaptação lenta Estes receptores estão localizados no músculo liso das vias aéreas, principalmente nas vias proximais. O principal estímulo destes receptores de distensão é a insuflação pulmonar, mas a sua estimulação está dependente do grau de insuflação. Sempre que os pulmões se expandem em demasia (volumes correntes com valores na ordem de 1-1,5 litro) estes receptores são activados, enviando impulsos nervosos para a região do bulbo raquidiano, através das fibras aferentes do nervo vago, reforçando a actividade da área pneumotáxica, inibem assim a inspiração. Este mecanismo neurogénico de resposta à expansão pulmonar excessiva é conhecido pelo reflexo de Hering-Breuer. Para além do estimulo da insuflação, também as variações na concentração do CO2 nas vias aéreas excitam estes receptores, por exemplo baixos níveis do CO 2 nas vias aéreas aumentam a sua estimulação. As variações do tónus do músculo liso das vias aéreas durante o ciclo respiratório estimulam também os receptores de distensão, constituindo outro exemplo de modulação aferente. 2 - Receptores de irritação ou adaptação rápida Estes receptores estão localizados primariamente no epitélio e submucosa das grandes vias aéreas.
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Os estudos iniciais relacionaram a sua estimulação com irritantes químicos, mas actualmente pensa-se que estes receptores possam ser responsáveis pela geração de sinais intermitentes sem os quais a compliance pulmonar diminui rapidamente. Existe também a possibilidade destes poderem também estimular a actividade nervosa inspiratória e acelerar a insuflação pulmonar. Este retrocontrolo positivo levaria a uma diminuição do espaço de tempo entre os eventos nervosos na medula e os eventos mecânicos do pulmão. Estes receptores foram também implicados na génese da broncoconstrição reflexa. 3 - Receptores brônquicos C
Os receptores C, localizados nos brônquios, são estimulados por várias substâncias químicas, tais como a fenildiguanida, a bradiquinina, serotonina, prostaglandinas, assim como vários outros irritantes químicos. A sua estimulação leva à taquipneia reflexa, broncoconstrição e aumento das secreções traqueobrônquicas. 4 - Receptores J
São estruturalmente semelhantes aos receptores brônquicos C, mas estão localizados no interstício pulmonar. Pensa-se que o seu principal estímulo seja as variações de pressão no interstício pulmonar. Embora também possam ser excitados por substâncias químicas, tais como a fenildiguanida, ao contrário dos receptores C, não são sensíveis à histamina e bradiquinina. Os seus principais efeitos reflexos são a hipotensão, bradicardia e apneia. Outro efeito desencadeado pela estimulação dos receptores J é a inibição, através de um mecanismo central, dos neurónios motores da espinal medula que inervam os músculos respiratórios. A sua acção tem sido associada ao aumento da frequência ventilatória durante situações de exercício e de edema intersticial pulmonar.
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Regulação da Respiração durante o Exercício
As adaptações respiratórias ao exercício resultam do aumento simultâneo da frequência e amplitude da ventilação pulmonar. O aumento ventilatório tende a acontecer na mesma proporção do aumento das necessidades metabólicas das células. No que se refere à troca dos gases respiratórios durante o exercício físico a concentração de CO2, O 2 e ião de hidrogénio tende a permanecer constante. Até ao momento não existem evidências de que esta hiperventilação (resposta hiperpneica) esteja associada apenas ao mecanismo de regulação clássico da respiração desencadeado por retroalimentação ( feed-back ) a partir das variações das concentrações plasmáticas de O2, CO 2 e ião hidrogénio. A resposta hiperpneica ao exercício decorre em três fases distintas: Na primeira fase, a ventilação aumenta bruscamente, coincidindo com o início da actividade. Na origem deste aumento são apontados estímulos oriundos do córtex cerebral, que atingem o centro respiratório localizado no tronco cerebral. A esta estimulação vem juntar-se informações aferentes com origem em receptores proprioreceptivos localizados nos músculos e articulações envolvidos no exercício. Depois de um planalto, de reduzida duração (cerca de 20 segundos), a primeira fase dá lugar à segunda fase, que se caracteriza pelo aumento exponencial da ventilação alveolar, que termina quando é atingido o equilíbrio entre a ventilação alveolar e as necessidades metabólicas no que se refere às troca dos gases respiratórios. Na fase II o mecanismo regulador subjacente continua a envolver a estimulação intrínseca ao funcionamento dos neurónios do centro respiratório. A última fase caracteriza-se pela manutenção do equilíbrio entre a ventilação alveolar e as exigências metabólicas do organismo em termos de trocas gasosas. Quando o exercício termina, a ventilação diminui imediatamente de forma abrupta, revelando a queda brusca da estimulação cortical e proprioreceptiva sobre o centro respiratório. Depois de um curto pe-
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ríodo de tempo estável (cerca de 20 segundos), inicia-se a última etapa, a recuperação, na qual a ventilação diminui de forma gradual até valores próximos daqueles observados antes de se iniciar o exercício. A maioria dos estudos aponta para a possibilidade da regulação cerebral da ventilação em situações de exercício ser, pelo menos em parte, uma resposta aprendida. Ou seja, com a repetição dos exercícios, o cérebro torna-se progressivamente mais eficaz na regulação das trocas gasosas através da respiração. Adaptação às Alterações do Equilíbrio Ácido-base Crónicas
A compensação fisiológica que surge em resposta às alterações metabólicas crónicas não ocorre imediatamente, mas sim ao longo de horas ou dias. Pensa-se por isso que os que quimioreceptores centrais e periféricos contribuam para a resposta compensatória ventilatória. A acidose metabólica é acompanhada por um aumento da resposta ventilatória e consequentemente de hipocapnia. Por exemplo, a hiperventilação é frequente nos doentes com cetoacidose diabética ou com insuficiência renal. A alcalose metabólica pode levar a uma diminuição na resposta ventilatória e consequentemente à hipercapnia.
Resposta à Broncoconstrição
Durante episódios de broncoconstrição os receptores pulmonares são altamente estimulados, quer pelas alterações mecânicas das paredes das vias aéreas, quer pela libertação de substâncias químicas, tais como a histamina e a bradiquinina. A estimulação destes sistemas aferentes leva a alterações reflexas na respiração, que se traduzem pela diminuição da redução de todas as fases do ciclo respiratório com o consequente aumento da frequência
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respiratória, sendo de realçar que a duração da expiração diminui de um modo mais acentuado do que a inspiração. As alterações reflexas nos músculos respiratórios que ocorrem, quer na inspiração quer na expiração, condicionam um aumento da capacidade funcional residual. Podemos assim dizer que na asma o aumento da capacidade funcional residual deve-se não só às alterações mecânicas das vias aéreas que originam air trapping , mas também às alterações ao nível do controlo nervoso dos músculos respiratórios. Controlo Voluntário da Respiração
Para além do controlo da respiração efectuado de um modo automático, há também uma forma voluntária de controlo ventilatório, que pode levar à hiperventilação ou hipoventilação de modo que as pressões sanguíneas de CO2, O2 e as concentrações de H + possam ser profundamente alteradas. Este tipo de regulação permite a respiração durante a fala, o to car de instrumentos e a apneia voluntária. É também através da acção voluntária que os doentes com dispneia podem modificar a sua respiração. A regulação voluntária parece não depender do centro respiratório da medula, mas sim de circuitos nervosos a partir do córtex motor, seguindo depois através do feixe piramidal, ultrapassando assim os neurónios respiratórios do tronco cerebral. A apraxia respiratória é um distúrbio respiratório caracterizado pela incapacidade de alterar voluntariamente o padrão ventilatório. Controlo da Respiração durante o Sono
Como se viu durante a vigília existem mecanismos que mantêm uma regulação precisa dos níveis de O 2 e de CO 2 no sangue arterial.
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Na realidade na vigília a informação que chega ao “centro respiratório” através dos quimioreceptores, mecanoreceptores e controlo voluntário, bem como o modo coordenado como a estimulação dos músculos da via aérea superior e da bomba ventilatória são feitos são essenciais para a regulação eficiente da respiração. Durante o sono muitas das características do sistema que controla a respiração estão significativamente alteradas. Estas alterações têm um impacto importante fundamentalmente em 2 grandes grupos de doentes: 1) Insuficientes respiratórios; 2) Síndroma de apneia obstrutiva do sono. Quais são então as modificações que ocorrem durante o sono? De um modo geral durante o sono assiste-se a: • Hipoventilação • Menor capacidade quer para manter a via aérea superior permeável, quer para aumentar o drive respiratório em resposta aos estímulos (aumento da carga mecânica, hipoxia, aumento do CO2) • Cessação da respiração (apneias) em consequência de pequenas reduções da PaCO2, portanto e em resumo o sono está associado a uma diminuição do drive respiratório central e a uma resposta menor em relação às informações provenientes do exterior. Para uma melhor compreensão do que se passa vai-se analisar o que se passa nas diferentes fases do sono. O conjunto de informações obtidas através do EEG, EOG e EMG permite identificar as fases do sono e o estado de vigília. A classificação de Rechtshaggen e Kales é a que é mais frequentemente utilizada para classificar as fases do sono, a qual considera: vigília e as fases não REM (NREM) – NREM 1, 2, 3, 4 - e REM. O hipnograma de um indivíduo normal sem queixas mostra que: • O sono tem início em NREM (habitualmente estádios 1 ou 2)
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• O sono NREM e REM alternam durante a noite de um modo cíclico. Assim o sono nocturno normal compreende em regra 4 a 6 ciclos (ciclo corresponde ao conjunto de sono NREM e REM), durando cada ciclo cerca de 90 a 110 minutos • O sono profundo (estádios 3 e 4) predomina no primeiro terço da noite • A duração do sono REM aumenta do primeiro ao último ciclo. Assim tem no primeiro ciclo uma curta duração (1 a 5 minutos), enquanto que a sua duração se torna maior nos últimos ciclos do sono. Deste modo o sono REM predomina no último terço da noite • O estádio 1 geralmente representa 2 a 5% do sono; o estádio 2 - 45 a 55%; estádio 3 – 3 a 8%; estádio 4 - 10 a 15%. O Sono NREM compreende 75 a 80% e o sono REM 20 a 25% do sono nocturno • A vigília representa menos de 5% do tempo total de sono Fase NREM No início do sono (estádios 1 e 2) a respiração apresenta flutuações do volume corrente, com ciclos com amplitude variável, pelo que a respiração adquire um padrão de respiração periódica, diminuindo o volume minuto em relação à vigília cerca de 13%. Este padrão respiratório é mais frequente nos indivíduos idosos e pode ser responsável pela elevada prevalência de apneias neste estrato etário. Quando sono começa o limiar do drive respiratório aumenta, o que conduz a um aumento da PaCO2. Admite-se que a respiração periódica que surge nesta altura reflecte uma certa instabilidade do controlador respiratório, pois as variações nas fases do sono são mais rápidas do que as verificadas ao nível dos gases no sangue e liquido cefalorraquidano. À medida que o sono se torna mais profundo (estádios 3 e 4) a respiração torna-se regular e o volume minuto diminui ainda mais, fundamentalmente à custa da redução do volume corrente. O tónus dos músculos intercostais aumenta, tentando limitar em certa medida esta
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hipoventilação alveolar, enquanto a diminuição do tónus do genioglosso e da capacidade residual funcional explica o aumento das resistências da via aérea superior. De facto a redução da retracção caudal, devido à diminuição da capacidade residual funcional, explica o estreitamento da via aérea superior e consequente aumento das resistências, independentemente da actividade intrínseca dos músculos da via aérea superior. A nível central há um reajuste do limiar do drive respiratório pelo que este aumenta. Igualmente assiste-se a uma menor resposta do drive aos estímulos, nomeadamente hipoxia, aumento do CO 2 e ao aumento das resistências (carga mecânica). Para isto parece contribuir de algum modo o aumento do débito sanguíneo cerebral (4 a 25% em relação à vigília), pelo que a PCO 2 e a concentração hidrogeniónica do liquido cefalorraquidano na vizinhança do centro respiratório se encontra diminuída em relação ao sangue. Por outro lado, ao contrário do que se passa durante a vigília, verifica-se uma alteração do limiar de apneia. Na realidade uma redução ligeira da PaCO2 pode conduzir à paragem da respiração, dependendo a duração destas apneias da magnitude da descida da PaCO 2. Assim reduções da PaCO2 durante o sono, secundárias a alterações da ventilação transitórias (hipoxemia, microdespertar, modificação nas resistências da via aérea superior) parecem ser uma causa importante de hipopneias e de apneias centrais durante o sono. A hipocapnia provoca ainda uma certa diminuição da actividade do nervo frénico e do hipoglosso, podendo contribuir para o aparecimento de apneias obstrutivas em indivíduos com maior tendência para a colapsabilidade da via aérea superior. Como consequência da hipoventilação alveolar durante o sono NREM a PaCO2 aumenta cerca de 3 a 7 mmHg e a PaO2 sofre uma redução de 3.5 a 9.4 mmHg, apesar da diminuição do metabolismo basal durante o sono. Se no indivíduo normal estas alterações não têm importância, o mesmo já não sucede em doentes com insuficiência respiratória.
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Em resumo no sono NREM a hipoventilação alveolar parece resultar fundamentalmente de: • Perda do controlo voluntário da vigília • Diminuição das necessidade metabólicas • Aumento das resistências da via aérea superior Fase REM Durante o sono REM ocorrem dois fenómenos major: 1) Atonia dos músculos posturais (REM tónico) devida à inibição pós sináptica dos neurónios motores (hiperpolarização); 2) Eventos fásicos (REM fásico) que ocorrem através de todo o córtex e tronco cerebral e que se reflectem em movimentos rápidos dos olhos. A respiração durante o sono REM tem um padrão muito irregular. Durante os períodos de movimentos rápidos dos olhos ocorre hipoventilação grave, podendo neste caso a ventilação alveolar diminuir cerca de 80% em relação à vigília. Geralmente a frequência respiratória aumenta e o volume corrente diminui, principalmente nos referidos de movimentos rápidos dos olhos. Dada a atonia dos músculos intercostais a ventilação faz-se principalmente à custa do diafragma. No entanto durante os eventos fásicos a actividade electromiográfica do diafragma é inibida intermitentemente. Durante esta fase do sono as resistências da via aérea superior elevam-se ainda mais, bem como se assiste a uma diminuição mais acentuada da resposta do drive aos estímulos, nomeadamente hipoxia, aumento do CO2 e ao aumento das resistências (carga mecânica). No Quadro seguinte resume-se o impacto do sono na respiração.
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IMPACTO DO SONO NA RESPIRAÇÃO NREM 1 e 2
NREM 3 e 4
REM TÓNICO
REM FÁSICO
PADRÃO RESPIRATÓRIO
PERIÓDICO / / REGULAR
REGULAR
IRREGULAR / / REGULAR
IRREGULAR
RESPOSTA AO O2 E CO2
DIMINUÍDA
DIMINUÍDA
+ DIMINUÍDA
++ DIMINUÍDA OU ABOLIDA
RESISTÊNCIAS VIA AÉREA SUPERIOR
NORMAIS
AUMENTADAS
+ AUMENTADAS
++ AUMENTADAS
MOVIMENTOS TORÁCICOS
NORMAIS
NORMAIS OU AUMENTADOS
DIMINUÍDOS
ABOLIDOS
MOVIMENTOS ABDOMINAIS
NORMAIS (DIMINUÍDOS)
DIMINUÍDOS
ABOLIDOS
ABOLIDOS OU PARADOXAIS
VOLUME MINUTO
LIGEIRAMENTE DIMINUÍDO
DIMINUÍDO
MUITO DIMINUÍDO
VARIÁVEL
PaCO2
LIGEIRAMENTE AUMENTADA
+ AUMENTADA
++ AUMENTADA
VARIÁVEL
PaO2
LIGEIRAMENTE DIMINUÍDA
+ DIMINUÍDA
++ DIMINUÍDA
VARIÁVEL
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BIBLIOGRAFIA
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REGISTO POLIGRÁFICO DO SONO João Valença
Embora passemos cerca de 1/3 da nossa vida a dormir, só recentemente é que o impacto deste estado fisiológico na respiração começou a ser melhor conhecido. De facto, só na década de 70 do século passado é que o termo de “Síndroma de Apneia Obstrutiva do Sono” (SAOS) surgiu. A SAOS resulta de episódios repetidos de obstrução total ou parcial da via aérea superior durante o sono. A obstrução completa da via aérea superior durante o sono é designada de apneia, enquanto que a obstrução parcial condiciona uma hipopneia (Quadro I). Os episódios repetitivos de obstrução da via aérea vão provocar dessaturações da oxihemoglobina e microdespertares, que por sua vez condicionam fragmentação do sono, perturbações cardiovasculares e neurocognitivas (Fig. 3). A verdadeira prevalência desta afecção é ainda incerta, pois faltam ainda estudos aleatórios, com registos poligráficos do sono, efectuados num número apreciável de indivíduos da população geral. No entanto alguns trabalhos, apontam para uma prevalência na população geral de meia idade (30 – 69 anos) da ordem dos 6%, sendo de 5.7% a 9% no sexo masculino e de 1.2% a 4% no sexo feminino. Esta prevalência apreciável da SAOS associada ao conhecimento de uma morbilidade e de uma mortalidade relativamente elevadas, uma vez que predispõe para complicações cardiovasculares e acidentes, não só de viação mas também de ordem profissional, e a possibi-
Apneias obstrutivas (Fig. 1)
Interrupção do fluxo oro-nasal por um período ≥ a 10 segundos apesar do esforço ventilatório se manter • Habitualmente acompanhada de uma descida ≥ a 4% da Sa O2 Hipopneias obstrutivas (Fig. 2)
• Diminuição do fluxo oro-nasal por um período ≥ a 10 segundos • Redução do débito oro-nasal ≥ 50% ( quando se utiliza um método validado para a sua detecção) • Redução do débito oro-nasal < 50% se associada a uma descida a microdespertar
≥
a 3% da SaO2 ou
Microdespertar
• Modificação súbita da frequência do EEG sugestiva de um estadio de vigília (pode incluir ondas alfa, teta e/ou frequências maiores que 16Hz) e/ou EMG (o critério EMG intervém apenas na fase REM) com uma duração mínima de 3 segundos. A origem respiratória é atestado pela presença de uma apneia, hipopneia ou limitação do débito aéreo
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Fig. 3 – Consequências da SAOS
lidade actual de tratamentos eficazes, justificam que o seu diagnóstico seja feito o mais precocemente possível. O seu diagnóstico assenta no estudo poligráfico do sono.
ESTUDO POLIGRÁFICO DO SONO Para a confirmação diagnóstica da SAOS é necessário realizar um registo poligráfico do sono durante a noite, sendo este considerado como o exame de referência para o diagnóstico de SAOS. Como qualquer exame complementar deve ser sempre interpretado no contexto clínico. Este exame é realizado num laboratório de sono e necessita de equipamento complexo e de pessoal especializado.
Sono: – Electroencefalograma (EEG) – Electro-oculograma (EOG) – Electromiograma Mentoniano (EMG) Oxigenação: – Oximetria Padrão Respiratório: – Fluxo oro-nasal – Movimentos toraco-abdominais – Pressão Esofágica Ressonar Outros – Movimentos dos membros por EMG ou Detector de Movimentos – Posição corporal – Electrocardiograma – Vídeo
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Avaliação da estrutura do sono
O conjunto de informações obtidas através do EEG, EOG e EMG permite identificar as fases do sono e o estado de vigília. A classificação de Rechtshaggen e Kales é a que é mais frequentemente utilizada para classificar as fases do sono, a qual considera: vigília e as fases não REM (NREM) – NREM 1, 2, 3, 4 - e REM. O hipnograma de um indivíduo normal sem queixas mostra que: • O sono tem início em NREM (habitualmente estadios 1 ou 2) • O sono NREM e REM alternam durante a noite de um modo cíclico. Assim o sono nocturno normal compreende em regra 4 a 6 ciclos (ciclo corresponde ao conjunto de sono NREM e REM), durando cada ciclo cerca de 90 a 110 minutos • O sono profundo (estadios 3 e 4) predomina no primeiro terço da noite • A duração do sono REM aumenta do primeiro ao último ciclo. Assim tem no primeiro ciclo uma curta duração (1 a 5 minutos), enquanto que a sua duração se torna maior nos últimos ciclos do sono. Deste modo o sono REM predomina no último terço da noite • O estadio 1 geralmente representa 2 a 5% do sono; o estadio 2 - 45 a 55%; estadio 3 – 3 a 8%; estadio 4 - 10 a 15%. O Sono NREM compreende 75 a 80% e o sono REM 20 a 25% do sono nocturno • A vígilia representa menos de 5% do tempo total de sono Nos doentes com SAOS o sono nocturno mostra frequentemente má qualidade (Fig. 4), que se caracteriza por: • Fragmentação do sono por despertares e microdespertares frequentes • Aumento do sono superficial (estadios 1 e 2)
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• Diminuição ou incapacidade de atingir o sono lento profundo (estadios 3 e 4) • Diminuição ou ausência de sono REM • Perda do carácter cíclico do sono
Fig. 4 – Hipnograma de um doente com SAOS onde se observa a fragmentação do sono nocturno
Avaliação dos eventos respiratórios
Dois tipos de variáveis permitem definir os eventos respiratórios: o fluxo aéreo e o esforço respiratório. Fluxo Aéreo O fluxo aéreo é avaliado através de transmissores oro-nasais. A pneumotacografia é o método de referência que permite uma análise correcta dos débitos aéreos, e portanto uma definição mais rigorosa das hipopneias e das limitações dos débito. A utilização de cânulas nasais ligadas a um sensor de pressão é um método que parece permitir também a detecção das hipopneias e das limitações dos débito inspiratório com alguma segurança. No entanto não tem em linha de conta a ventilação oral.
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Podem ser ainda usados transmissores que analisam a diferença de temperatura do ar oro-nasal, a capnografia e o registo de ruídos traqueais. Se bem que suficientes para a diagnóstico das apneias, são insuficientes para uma correcta caracterização das hipopneias ou limitação dos débitos aéreos. Esforço respiratório A técnica mais frequentemente utilizada é o registo dos movimentos toraco-abdominais através de bandas com sensores, colocadas so bre o perímetro do tórax e do abdómen. Convém no entanto não esquecer que cerca de 15% das apneias obstrutivas acompanham-se de modificações das pressões pleurais sem movimentos torácicos e/ou abdominais detectáveis. Deste modo a técnica de referência para a detecção do esforço respiratório é a determinação das pressões esofágicas. Tem no entanto o inconveniente de ser uma técnica invasiva. Provoca também perturbações do sono, se bem que estatisticamente significativas, do ponto de vista clínico têm pouca importância, sempre inferiores a 10% da variável considerada. Oximetria
A repercussão das apneias/hipopneias na oxihemoglobina é analisada através da oximetria de pulso. Esta permite detectar as dessaturações da oxihemoglobina que acompanham os episódios de apneias e hipopneias. As dessaturações são de um modo geral mais acentuadas na fase REM do sono. Através da oximetria pode ter-se também uma noção da gravidade da SAOS através do valor da saturação (SaO 2) mínima, da saturação média, da percentagem de tempo da saturação da oxihemoglobina abaixo de 90% durante o sono (T90), etc. (Fig. 5). Assim quanto mais baixas forem as SaO2 mínima e média, bem com quanto maior for o T90 mais grave será a SAOS.
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Fig. 5 – Apneias e hipopneias com número elevado de dessaturações
Parâmetros cardio-circulatórios O electrocardiograma (ECG) é a variável mais frequentemente avaliada. O ECG permite registar o impacto dos eventos respiratórios e das dessaturações ao nível do coração, através do registo de disritmias (Fig.6), perturbações da condução ou mesmo de fenómenos de isquémia do miocardio. A frequência cardíaca modifica-se habitualmente com os eventos respiratórios – bradicardia durante a apneia seguida de taquicardia quando o fluxo aéreo se restabelece. Embora não fazendo parte da polissonografia habitual a tensão arterial sistémica pode também ser medida, quer de um modo não invasivo, através de braçadeira insuflável ou digital contínua, quer invasivamente com cateter intra-arterial. Outras variáveis A posição do corpo que o doente assume ao longo da noite pode igualmente ser registada (Fig. 7). As apneias são de um modo geral mais frequentes em decúbito dorsal.
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A
Fig. 6 – A) - Apneia e B) - Hipopneia obstrutivas acompanhadas de extra-sístoles
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B
Fig. 7 – Registo da posição corporal e relação com as apneias e hipopneias
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Esta informação é fundamental para identificar uma SAOS relacionada com a posição, o que pode contribuir para uma terapêutica posicional. O registo da actividade dos músculos das pernas deve fazer parte de toda a polissonografia, pois pode contribuir para o diagnóstico diferencial da hipersónia diurna. Quais são os critérios para a realização de um estudo poligráfico do sono?
O registo poligráfico do sono deve ser efectuado se: a) Clínica sugestiva de SAOS – Presença de ressonar e hipersonolência diurna excessiva, associados ou não a outros sintomas. – Ressonar associado a outros aspectos clínicos sugestivos, na ausência de hipersónia diurna. – Hipersonolência diurna marcada sem outras causas aparentes. b) Doentes com DPOC estabilizada e com: – PaO2 diurna > 55 mmHg se associada a hipertensão pulmonar, cor pulmonale crónico e/ou policitémia – disparidade entre o grau de obstrução brônquica – bronquiolar e grau de insuficiência respiratória, sendo esta mais acentuada do que seria de esperar c) Obesidade, Doença Pulmonar Restritiva ou Doença por Alteração no Controlo da Respiração, se estabilizada com: – Hipoventilação Alveolar – Policitémia – Hipertensão Pulmonar/ Cor Pulmonale Crónico – Sintomas tais como: cefaleias matinais, hipersonolência diurna ou fadiga excessiva
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d)Manifestações cardiovasculares, principalmente se associadas a sintomas como ressonar, hipersónia diurna ou pausas nocturnas: – Variação cíclica da frequência cardíaca (bradicardia/taquicardia) nocturna – Arritmias nocturnas, nomeadamente: • Alterações da condução auriculo – ventricular • Extra-sistoles ventriculares (mais frequentes durante o sono) – Angor nocturno com supra ou infra desnivelamento do segmento ST. – HTA com agravamento durante o sono. Quais os critérios para considerar a polissonografia diagnóstica de SAOS e qual a sua gravidade?
Não há unanimidade em relação ao índice de apneia/hipopneia (IAH) que deve ser usado como cut-off, acima do qual se considera diagnóstico de SAOS. Se para uns é de 5, par outros é de 10 e para alguns mesmo de 15. Contudo é habitual considerar-se como patológico um IAH ≥ 10. Por outro lado mais uma vez se recorda que o registo poligráfico do sono deve ser interpretado em função da clínica, nomeadamente no que se refere em relação ás decisões terapêuticas. Define-se índice de apneia/hipopneia como a soma das apneias e hipopneias por hora de sono. Igualmente é comum utilizar o IAH para avaliar a gravidade da SAOS. De um modo geral considera-se uma SAOS ligeira se o IAH se situa entre os 10 e os 14, moderada entre 15 e 30, e grave se superior a 30. Contudo é comum verificar-se que não há uma boa correlação entre o IAH e a sintomatologia. Assim observa-se com alguma frequência doentes bastante sonolentos com IAH relativamente baixos, enquanto que outros com IAH muito elevados e com hipersonolência diurna não tão acentuada. Na realidade a hipersónia diurna parece estar mais relacionada com a fragmentação do sono provocada pelos microdespertares relacionados com o esforço respiratório, quer eles acompanhem ou não as apneias e hipopneias.
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Assim, e de acordo com o último consenso, é sugerida que em vez do IAH, a utilização do RDI ( Respiratory Disturbance Index). O RDI é definido como o número de apneias obstrutivas, hipopneias e de microdespertares relacionados com o esforço respiratório (RERAs - Respiratory effort-related arousal- é um evento caracterizado pelo aumento do esforço respiratório durante 10 ou mais segundos e que conduz a um microdespertar, mas que não preenche os critérios de apneia e de hipopneia) por hora de sono. Hoje em dia admite-se que a gravidade da SAOS não deve ser avaliada pelo um único índice polissonográfico. Para uma melhor avaliação devem ser criados índices de gravidade, que tenham em consideração várias variáveis do registo poligráfico do sono, bem com o impacto sobre o sistema respiratório, cardio-vascular, funções neurocognitivas e na qualidade de vida. Quando repetir um estudo poligráfico do sono?
As indicações para a repetição de um registo poligráfico standard são: • Aferição da pressão ideal de ventilação com pressão positiva (CPAP – continous positive airways pressure, Bi-Nível) • Persistência dos sintomas apesar da adesão à terapêutica. • Após: – Terapêutica cirúrgica – Aplicação de prótese oral – Variação mantida no peso > 15% A polissonografia é considerado o método “Gold Stantard” para o diagnóstico de SAOS. No entanto é um exame extremamente oneroso, pois necessita de pessoal qualificado e de material especializado, bem como consome muito tempo na sua realização e na sua interpretação. A American Sleep Disorders Association faz as seguintes recomendações para os estudos Poligráficos do Sono completos ou standard:
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• Indicados para o diagnóstico de possível SAOS e diagnóstico diferencial de outras causas de hipersónia diurna • Duração – não deve ser inferior a 6 horas de estudo • Deve ser efectuado sob vigilância de técnico diferenciado • Deve ser interpretado por médico com experiência no diagnóstico e tratamento de SAOS Na realidade são poucos os centros que conseguem realizar estudos poligráficos do sono completos, em laboratório específico, em todos os doentes que para eles tenham indicação. Devido aos seus custos elevados e à necessidade crescente de um maior número de exames de diagnóstico, têm sido procurados outros métodos afim de reduzir as longas listas de espera para o diagnóstico de SAOS. Polissonografia em “Split-Night”
Neste tipo de registo a noite é dividida em duas partes. A primeira parte é utilizada no diagnóstico e a segunda para aferição da pressão de ventilação por pressão positiva contínua (CPAP - continous positive airways pressure) (Fig. 8). Conforme foi dito, durante a primeira metade do estudo é feito o diagnóstico. Se este é indiscutível, e se incluiu de preferência uma fase de sono REM, passa-se para a titulação da pressão ideal de CPAP no resto da noite. Na fase de diagnóstico este processo pode sob avaliar as apneias/hipopneias, principalmente se durante o estudo não for atingida nenhuma fase REM do sono. Por exemplo, se este método tivesse sido utilizado no doente representado na figura 4 o diagnóstico não teria sido confirmado ou então o número das apneias/hipopneias seria bastante inferior ao real. Por outro lado a titulação da pressão de CPAP pode conduzir igualmente a uma pressão menor do que a necessária. Na realidade estudos em que este método foi utilizado e subsequentemente foi repetida a
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Fig. 8 – Registo poligráfico em “Split-Night” de um doente do sexo masculino de 46 anos de idade, condutor de veículos pesados com hipersonolência diurna acentuada (Escala de Epworth=23), responsável por 2 acidentes de viação. Tinha um índice de apneia/hipopneia de 115.5/H, com dessaturações importantes. A pressão de CPAP eficaz foi de 10cm de H 2O .
polissonografia utilizando toda a noite para a aferição da pressão, demonstraram que foi necessário efectuar modificações em 50% a 60% dos doentes. Deste modo os estudos polissonográficos em “Split-Night” devem obedecer a determinadas recomendações e estão indicados nos seguintes casos: • Doentes com índices de apneia/hipopneias > a 40/H durante as primeiras 2 horas de estudo standard. • Podem ser considerados estes estudos em doentes com índices de apneia/hipopneias entre 20 a 40/H, se há ocorrência de apneia/hipopneias prolongadas ou associadas a dessaturações importantes.
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• A aferição da pressão de CPAP deve ser feita durante um mínimo de 3 horas de sono. • Pode ser necessário um estudo adicional para aferição da pressão de CPAP, se o estudo em “Split-Night” não permitir o desaparecimento da maioria das apneia/hipopneias ou se o tratamento com CPAP não conseguir o controlo da sintomatologia. Registos diurnos
Os exames realizados durante o dia, se bem que possam permitir o diagnóstico de SAOS desde que os doentes tenham uma hipersónia diurna muito acentuada, não permitem ter uma noção completa da sua gravidade ou podem mesmo não possibilitar o diagnóstico. Neste tipo de estudo dificilmente se consegue obter uma fase REM do sono. Deste modo, hoje em dia não devem ser utilizados na prática clínica. Poligrafia cardio-respiratória
Nos últimos tempos a necessidade de EEG tem sido questionada num grupo de doentes, havendo mesmo quem afirme que os microdespertares podem ser detectados indirectamente, através das alterações cardiovasculares (variação da tensão arterial e/ou frequência cardíaca) e/ou do padrão respiratório e/ou dos movimentos dos membros. Por outro lado, a constatação de um sono fragmentado através dos parâmetros neurofisiológicos não modificou de modo algum a decisão terapêutica, conforme demonstram alguns estudos. Assim, recentemente têm-se utilizado, com bons resultados, a poligrafia cardio-respiratória com o registo de 4 a 8 variáveis tais como: oximetria, fluxo oro-nasal, microfone traqueal, movimentos toraco-abdominais, posição do corpo, movimentos dos membros e frequência cardíaca. A American Sleep Disorders Association recomenda que os estudos com n.º limitado de canais deve incluir no mínimo os seguintes parâmetros: fluxo oro-nasal, movimentos torácicos, ECG e oxime-
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A B
Fig. 9 – Registo poligráfico cardio-respiratório (utilizando um Autoset Plus) de um doente do sexo masculino de 50 anos e com cardiopatia isquémica. Índice de apneia/hipopneia 50/H, com dessaturações significativas. A – Totalidade de registo. B – Pormenor com a duração de 5 minutos.
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tria e que pode estar indicado em doentes com elevada probabilidade de SAOS. A possibilidade de utilização destes sistemas, em casos seleccionados, no próprio domicílio do doente tem permitido reduzir ainda mais os custos e reduzir as listas de espera. O aparelho Autoset (Resmed, Australia), é um destes sistemas e foi objecto de vários estudos de validação que confirmaram a sua fiabilidade no diagnóstico de SAOS graves (Fig. 9). A poligrafia cardio-respiratória tem limitações, sendo as seguintes as principais: • Ausência de informação sobre o sono, impossibilitando a análise da estrutura do sono. No entanto o registo do ressonar durante o exame é importante pois ajuda a confirmar que o doente dormiu; • Não permite o diagnóstico diferencial de outras perturbações do sono, associadas ou não com a SAOS; • O índice de apneia/hipopneia pode ser sob estimado, pois é tido em conta o tempo de registo e não o tempo de sono. A sua utilização na estratégia diagnostica da SAOS deve ter portanto em consideração as seguintes recomendações: • Não deve ser utilizada em doentes com história clínica que sugere a possibilidade de outras perturbações do sono, bem como em doentes com problemas psiquiátricos, nomeadamente depressão; • Se a poligrafia cardio-respiratória revelar um: – Índice de apneia/hipopneia ≥ 30 – pode afirmar-se o diagnóstico de SAOS e passar à aferição da pressão ideal de CPAP; – Índice de apneia/hipopneia < 10 ou entre 10 e 30 em doente sintomático, particularmente com hipersonolência diurna deve proceder-se à realização de uma polissonografia completa; – Índice de apneia/hipopneia < 10 em doente pouco sintomático, nomeadamente ressonador não sonolento, pode excluir-se com alguma segurança a SAOS.
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FISIOLOGIA DO ESFORÇO Manuel Fonseca Fátima Caeiro
As necessidades respiratórias a nível celular (respiração interna) são obtidas pela interacção de mecanismos fisiológicos que regulam a troca gasosa entre a célula muscular e a atmosfera (respiração externa). A sua ineficácia aumenta o stress para estes sistemas e pode afectar a tolerância ao esforço. Este requer uma acção integrada de todos os componentes envolvidos na cadeia de transporte de gases: – Estruturas intracelulares, substrato energético e concentração de enzimas apropriados a nível muscular. – Um sistema cardiocirculatório capaz de fornecer uma quantidade suficiente de sangue oxigenado para sustentar a produção de energia. – Quantidade e qualidade apropriada de hemoglobina. – Uma circulação pulmonar eficiente – Uma mecânica ventilatória normal – Mecanismos de controlo da respiração capazes de manter o equilíbrio ácido-base e a regulação eficaz das trocas gasosas
Produção de energia
O músculo esquelético pode ser considerado uma máquina impulsionada por energia química oriunda de substratos ingeridos e armazenada como carbohidratos e lipidos.
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Manuel Fonseca e Fátima Caeiro
Fig. 1 - A Prova de Esforço. Relações entre funções envolvidas. (Adaptado de WASSERMAN K, 1994)
A energia livre, isto é, a fracção de energia química total capaz de produzir trabalho é acumulada sob a for ma de ATP na fibra muscular. Assim, o exercício muscular depende das estruturas intrínsecas do músculo e dos sistemas energéticos que possibilitam uma regeneração adequada de ATP. Em repouso, a energia para a contração muscular é gerida predominantemente pela oxidação de metabólitos na mitocôndria resultantes do catabolismo dos carbohidratos e ácidos gordos. O esforço físico desencadeia uma aceleração destes mecanismos, condicionando um aumento do consumo de oxigénio que deve ser assegurado por um incremento do transporte de oxigénio da atmosfera para a mitocôndria. Simultaneamente, o gás carbónico, principal produto do catabolismo, deve ser eliminado. O rendimento total da oxidação completa de glicose é de 36 moléculas de ATP. No entanto, em condições de anaerobiose (catabolismo da glicose na ausência de oxigénio com acumulação de ácido láctico), a energia obtida é de apenas três moléculas de ATP.
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Fisiologia do Esforço
Os dois sistemas energéticos (aeróbico e anaeróbico) são os responsáveis pela produção de energia durante um esforço de maior intensidade, sendo, no entanto, o sistema anaeróbico o responsável pela obtenção de maior quantidade de energia.
Limiar Anaeróbio
Em termos fisiológicos, o sistema energético anaeróbico entra em acção quando a PaO 2 atinge 15-20 mmHg a nível capilar. A partir desta PaO2 “crítica” assiste-se a uma acumulação de ácido láctico e um aumento adicional da eliminação de gás carbónico resul-
Fig. 2
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Manuel Fonseca e Fátima Caeiro
tante do tamponamento de ácido láctico através do sistema tampão bicarbonato-ácido carbónico. O Limiar Anaeróbio constitui uma medida do stress metabólico, traduzindo-se em unidades de captação de oxigénio. Ele pode ser determinado ao registar a eliminação de gás carbónico (VCO 2) como função da captação de oxigénio (VO2) numa prova de esforço realizada “em rampa” aumentando a carga sucessivamente até o individuo entrar em acidose láctica. A transição do metabolísmo aeróbio para metabolismo aeróbio mais anaeróbio é registada quando a inclinação do gráfico aumenta subitamente, reflectindo a eliminação adicional de gás carbónico resultante do tamponamento de ácido láctico por bicarbonato. Num indivíduo sedentário, o VO2 a partir do qual começa a aumentar o ácido láctico é cerca de quatro vezes superior em relação ao valor em repouso que é aproximadamente de 250ml/min. O Limiar Anaeróbio parece ser um bom indicador da carga física que pode ser tolerada durante um período de tempo prolongado.
As alterações fisiológicas observadas no exercício, após ter sido atingido o Limiar Anaeróbio, são os seguintes: – Utilização acelerada de glicogénio muscular devido à menor eficiência do sistema energético anaeróbio condicionando uma “endurance” muscular diminuida. – Acidose metabólica por acumulação de ácido láctico. – Dissociação de oxihemoglobina acelerada pela acidose láctica, originando uma maior captação de oxigénio a nível muscular (efeito de Bohr). – Aumento do estímulo ventilatório por diminuição do pH. – Hemoconcentração devido à passagem de líquido extracelular para o interior da célula enriquecida de ácido láctico.
Fisiologia do Esforço
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Adaptação da ventilação ao exercício
O sangue, ao passar a nível pulmonar, é arterializado por restituição do oxigénio consumido e a eliminação do gás carbónico, permitindo assim a manutenção do equilíbrio ácido-base. O volume/minuto (VE) eleva-se normalmente em relação estreita com o gás carbónico resultante do metabolismo acelerado, minimizando, assim, o aumento de iões H + observado na acidose láctica. Abaixo do Limiar Anaeróbio, Anaeróbi o, o aumento do VE mantem ma ntem a PaCO2 e o pH muito próximos dos valores em repouso. Acima do Limiar Anaeró bio,, a est bio estimu imulaç lação ão da ven ventil tilaçã ação o pel pelaa aci acidos dosee met metabó abólic licaa ind induz uz uma redução da PaCO 2 evitando, assim, uma queda do pH. Abaixo do Limiar Anaeróbio, o aumento da ventilação realiza-se sobretudo à custa do volume corrente corre nte até atingir 50 - 60% da capacidade vital. Aumentando Aumentando a carga, o incremento do débito ventilatório pro cessa-se, principalmente, através do aumento da frequência respiratória. Durante o esforço, a ventilação pode elevar-se de 6-8 l/min em repouso até 130 l/min no sexo feminino e 180 l/min no sexo masculino. No individuo saudável, a ventilação nunca constitui o factor limitante no esforço físico. Ela aumenta sempre, ainda que de modo excessivo, qualquer que seja o nível de esforço.
Adaptação cardiovascular ao exercício
Inicialmente, o débito cardíaco aumenta aument a em relação linear com o VO2 através da elevação do volume de ejecção e da frequência cardíaca. O volume de ejecção aumenta à custa do inotropismo inotrop ismo cardíaco e do refluxo venoso. A pressão arterial sistémica eleva-se com o trabalho muscular ao passo que a pressão da artéria pulmonar varia relativamente pouco graças à distensibilidade da circulação pulmonar e a possibilidade de recrutamento de vasos excluidos.
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Sendo o aumento do VO 2 superior ao observado relativamente ao débito cardíaco, assiste-se, também, a um incremento da captação de oxigénio a nível muscular. muscular. Devido a dissociação de oxihemoglobina oxihemo globina facilitada pela acidose do meio é possível extrair 75-85 75- 85 % do oxigénio transportado no leito capilar do músculo durante o exercício máximo. Assim, o consumo de oxigénio pode aumentar de cerca de 250 ml/ min para mais de 3l/min no esforço, ao passo que o débito cardíaco só pode aumentar 5-7 vezes em relação ao valor de repouso. Consequentamente, num indivíduo saudável, o débito cardíaco constitui o principal factor limitante no esforço.
Fisiologia do Esforço
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MECANISMOS DE DEFESA DO PULMÃO Pilar Azevedo
O aparelho respiratório e, muito particularmente, o pulmão encontra-se, pelas suas características anatómicas e fisiológicas, sujeito a inúmeras agressões quer exógenas, quer endógenas resultantes do seu contacto estreito com o ar ambiente e com o sangue em circulação. Daí a necessidade de existir um mecanismo eficaz de defesa que mantenha a integridade das funções realizadas pelo aparelho respiratório. Esse mecanismo de defesa engloba a depuração mucociliar, o reflexo da tosse e a depuração alveolar. As vias aéreas superiores, representadas pela região naso-faringolaríngea, para além do seu papel na vocalização, funcionam como esta bilizadores térmicos aquecendo e humidificando o ar inspirado e representam um importante filtro que retém partículas de diâmetro igual ou superior a 5 mm, impedindo-as de atingir a região alveolar e constituindo, assim, cerca de 50% da resistência respiratória local. A árvore traqueo-brônquica com as suas múltiplas divisões e frequentes angulações direccionais e a sua progressiva redução de calibre à medida que avançamos em sentido distal, permite a retenção de partículas entre 2 a 5 mm de diâmetro, que, por acção do aparelho mucociliar e da tosse, são expulsas para o exterior. Assim se conclui que, apenas as partículas de diâmetro inferior a 2 mm têm a capacidade de atingir os alvéolos onde se depositam por sedimentação ou por movimento browniano.
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Pilar Azevedo
As partículas que têm menor tendência para se depositar são as de diâmetro entre 0,1 e 0,5 mm. Uma vez depositadas as partículas são removidas por mecanismos diferentes consoante o local de deposição: • Nas vias aéreas pela depuração mucociliar • Nos alvéolos pelo transporte até à região ciliar ou por acção da barreira epitelial que, ao ficar lesada, activa o processo de destruição macrofágica e de posterior remoção vascular e linfática. A depuração mucociliar depende, acima de tudo, da produção de secreções pulmonares desde a traqueia até aos alvéolos. De facto, toda a superfície do aparelho respiratório, desde as fossas nasais até aos bronquíolos terminais, é revestida por um aparelho mucociliar que constitui um importante mecanismo de defesa do pulmão. O referido aparelho é formado por um epitélio ciliado, pseudo-estratificado, cujos cílios, através do seu batimento rítmico e constante em sentido proximal vão, em velocidade crescente, permitir a expulsão para o exterior das partículas estranhas. Para além dos cílios o epitélio produz secreções que, para além de intervirem na humidificação homeostática das vias aéreas proximais e distais desempenham um importante papel na defesa e depuração do aparelho respiratório. As secreções traqueobrônquicas têm, de facto, um importante papel na defesa mecânica e biológica do aparelho respiratório permitindo a humidificação e o aquecimento do ar inspirado, a filtração e a diluição das partículas nefastas, a depuração biológica dos produtos deletérios e a remoção mecânica das partículas inertes. De facto, as secreções traqueobrônquicas que são constituídas por duas fases, o muco e as secreções serosas, revestem todo o aparelho respiratório, apresentando propriedades antiinfecciosas, antiproteásicas, mecânicas e reológicas.
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Estas secreções são produzidas por dois tipos de células de revestimento do epitélio: as que se encontram na superfície epitelial que são as células caliciformes e as células de Clara, sendo que estas últimas apenas se encontram nas zonas mais distais das vias aéreas, na transição entre as vias condutoras e a zona alveolar. As secreções traqueo brônquicas também são produzidas pelas glândulas submucosas que se encontram, como o nome indica, na submucosa da árvore traqueo brônquica e que são estruturas tubuloacinares, constituídas por 4 regiões anatómicas: a) um canal ciliado estreito, constituído por células epiteliais ciliadas em continuação com o epitélio de revestimento da superfície; b) um canal colector largo constituído por células contendo numerosas mitocôndrias; c) um conjunto de túbulos mucosos e de ácinos serosos constituídos por células ricas em glicoconjugados e, por fim, d)uma região em torno dos túbulos e dos ácinos constituída por células mioepiteliais. A secreção das células mucosas é muito viscosa e a secreção produzida pelas células serosas é menos, pensando-se que esta última serve para hidratar e mobilizar as secreções espessas produzidas pelas células mucosas. Assim, as glândulas submucosas têm três funções essenciais que são: 1) Secreção de uma substância serosa constituída por fluidos e electrólitos que vão constituir a camada de fluido periciliar que facilita o movimento dos cílios e que tem uma espessura de 5 mm; 2) Produção de um muco espesso que retém as partículas deletérias, que apresenta uma espessura de 5 a 10 mm e que se dispõe na superfície do epitélio de uma forma descontínua, formando ilhotas; e, por fim, 3) Secreção de moléculas incluindo mucinas e proteínas que contri buem para a defesa das vias aéreas.
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A secreção serosa produzida pela árvore traquebrônquica é rica num conteúdo enzimático que, como já foi dito, desempenha um importante papel de defesa do pulmão. Assim, as células serosas produzem lisozima, lactoferrina, componente secretor, antileucoproteinases, peroxidase, proteínas ricas em prolina, α1-antitripsina. Estas substâncias podem ter uma acção bactericida directa ou uma acção de recrutamento das células efectoras inflamatórias para o pulmão. Verifica-se, assim, que as secreções brônquicas desempenham um papel muito importante na defesa do aparelho respiratório e que alterações qualitativas ou quantitativas na estrutura destas secreções podem perturbar a normal fisiologia do aparelho respiratório, o mesmo acontecendo quando ocorrem alterações no aparelho ciliar. Assim, quando o normal sistema de depuração mucociliar se encontra alterado, quer por alterações na constituição do muco, quer por perturbações no batimento dos cílios, surge a tosse como mecanismo auxiliar da depuração da árvore respiratória. Ao nível dos alvéolos existe, também, um processo de depuração e limpeza que é, no entanto, mais lento do que aquele que se verifica a nível proximal e que garante o transporte de substâncias deletérias até ao bronquíolo terminal. Os alvéolos pulmonares estão separados entre si por septos intersticiais onde se encontram os capilares e que são constituídos por tecido conjuntivo onde estão presentes células mesenquimatosas como os fi broblastos, os pericitos e raras células musculares lisas e células efectoras inflamatórias e imunológicas que são os monocitos, os macrófagos e os linfocitos. A superfície do alvéolo é revestida por uma fina camada líquida designada por surfactante e cujos principais constituintes são albu-
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minas, IgA, IgG, componente secretor da IgA, transferrina, α1-antitripsina, complemento, fosfolípidos, lípidos neutros, fosfatidilcolina, hidratos de carbono, lisozima, lactoferrina e interferão. O epitélio alveolar é constituído por dois tipos de células designadas por Pneumocitos tipo I e tipo II. Os primeiros têm apenas uma função de revestimento alveolar, enquanto que os últimos são as células produtoras de surfactante cujos constituintes principais são os fosfolípidos e a fosfatidilcolina. O surfactante vai ter um importante papel na defesa do pulmão como reservatório de antioxidantes, controlador da função macrofágica e da função bactericida. Este surfactante é constituído por 4 tipos distintos de proteínas. Duas classes de proteínas são, particularmente, importantes na defesa do pulmão, a SP-A e a SP-D que são proteínas hidrofílicas, estruturalmente relacionadas que têm pouca acção surfactante, mas que têm uma importante função de defesa ao terem a capacidade de se ligarem aos hidratos de carbono presentes na superfície das bactérias e virus e de recrutarem e activarem os macrófagos alveolares. Existem, ainda, outras duas classes de proteínas alveolares que incluem a SP-B e a SP-C que são estruturalmente pequenas e hidrofóbicas e que potenciam a estabilidade dos fosfolípidos do surfactante, sendo, assim, importantes ao evitarem o colapso alveolar. No interstício pulmonar o macrófago representa uma função fundamentalmente fagocitária e catalisadora da acção imunológica celular e humoral ao nível do pulmão. São, pois células não só capazes de fagocitar e transportar para o exterior as partículas nefastas que atingem o aparelho respiratório, como, também, de exercer uma acção orientadora dos mecanismos de defesa imunológicos humorais e celulares, despoletando-os face a uma estimulação por antigénios bacterianos, virais ou outros. De facto, o macrófago ao ser activado liberta citocinas, tais como, a Interleucina I que tem a capacidade de activar o linfocito T o qual, por sua vez, é capaz de activar a resposta humoral por estimulação do lin-
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focito B com consequente libertação de imunoglobulinas. Os macrófagos libertam, ainda, radicais de oxigénio e prostaglandinas que podem inibir a produção linfocitária e podem, também, activar subpopulações de linfocitos T supressores. Ao longo de todo o aparelho respiratório estão presentes imunoglo bulinas produzidas localmente ou transudadas do soro e que reflectem a acção da imunidade humoral. A IgA secretora é a mais importante destas imunoglobulinas intervindo na fixação de antigénios, na aglutinação bacteriana, na neutralização das toxinas bacterianas e na redução da aderência bacteriana à mucosa. Nas vias aéreas inferiores encontra-se presente a IgG que, na sua maioria, é proveniente do soro e que tem como principais funções aglutinar partículas, opsonizar bactérias, neutralizar virús e toxinas e activar o complemento. A IgM existe em concentrações baixas no aparelho respiratório exercendo acções sobreponíveis às desenvolvidas pela IgG. A IgE está envolvida, essencialmente, nos mecanismos de hipersensibilidade do tipo I ou imediata, sendo necessária para a interacção entre os alergénios e os mastocitos, com consequente libertação de mediadores envolvidos nas respostas alérgicas. A imunidade celular é representada pelos linfocitos T os quais, quando activados, induzem a produção de anticorpos pelos linfocitos B, exercem uma acção citotóxica directa, modulam a actividade dos outros linfocitos e exercem uma acção de recrutamento, fixação e activação das células efectoras inflamatórias, tais como, os monócitos/macrófagos e o polimorfonucleares. Os linfocitos T têm, também, a capacidade de destruírem electivamente as células para as quais estão sensibilizados. As próprias células do epitélio respiratório exercem uma acção de recrutamento das células fagocíticas, tais como, os polimorfonucleares e os macrófagos através da libertação de citocinas.
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Um outro componente muito importante actuando como mecanismo de defesa pulmonar é representado pelos receptores nervosos existentes na traqueia e na bifurcação dos brônquios que permitem, quando estimulados, desencadear reflexos como a tosse e a broncoconstrição para além da hiperprodução de muco. Os conhecimentos actuais referentes aos mecanismos de defesa do pulmão permitem verificar a existência de estreitas interligações e de uma perfeita coordenação de vários factores que protegem o aparelho respiratório de múltiplas agressões orgânicas e inorgânicas. Quando algum destes factores falha o aparelho respiratório torna-se mais vulnerável e, consequentemente, mais predisposto ao aparecimento de doenças.
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BIBLIOGRAFIA
Fishman AP. Pulmonary Diseases and Disorders. Ed. McGraw-Hill Book C. New York, 1998. Freitas e Costa M. Mecanismos de defesa do aparelho respiratório. Pneumologia na Prática Clínica, Lisboa, 1992. Tazi A,Hance AJ. Cellules de la response immunitaire dans le poumon. Enc. Medico-Chirurgicale, Paris, 1991.
II. SEMIOLOGIA CLÍNICA EM PNEUMOLOGIA
SEMIOLOGIA CLÍNICA EM PNEUMOLOGIA A. Teles de Araújo
Em Medicina a Semiologia Clínica é a parte da ciência que se ocupa dos sinais e sintomas das doenças. A Semiologia Clínica assenta na Anamnese (história actual e antecedentes pessoais, familiares e de conviventes) e no Exame Objectivo, sendo particularmente rica na Pneumologia. Sendo o objectivo do médico chegar a um diagnóstico, para prescrever um tratamento adequado, há que respeitar todos os passos do processo de recolha de dados, procurando, em cada momento, ter em mente as hipóteses mais prováveis, o que assenta nos dados que se vão obtendo e na frequência relativa das diversas entidades nosológicas. Só depois de completada a recolha da semiologia clínica e, perante as hipóteses de diagnóstico mais prováveis, será legitimo pedir os exames auxiliares de diagnóstico mais adequados. É erro grave basear o nosso raciocínio clínico inicial em dados de exames de que o doente eventualmente seja portador “saltando” os passos essenciais da anamnese e do exame objectivo. (Fig. 1) Podemos apenas ressalvar a posição relativa da radiografia postero-anterior e perfil do tórax, a qual poderá ser encarada como mais um elemento capaz de nos transmitir sinais susceptíveis de contribuírem para um diagnóstico, integrados com os elementos de anamnese e da observação.
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Anamnese Minuciosa Importância, ordem de aparecimento e evolução dos sintomas
Hipóteses mais prováveis de Diagnóstico
Exame Objectivo Recolha e interpretação dos sintomas
Confirmação ou Infirmação das Hipóteses Novas Hipóteses
Rx Tórax Confirmação do Diagnóstico DIAGNÓSTICO FINAL
Se não confirma refazer a Anamnese e pedir novos exames
Exames Auxiliares de acordo com os Diagnósticos mais Prováveis
Fig. 1 – Marcha Diagnóstica
Recolha de Sintomas
A recolha de sintomas é parte fulcral da anamnese que deve incluir, além da história actual, a recolha de antecedentes pessoais, familiares e de conviventes. Põe-se aqui, muitas vezes, já uma primeira opção para quem recolhe a história, que é definir o momento em que começa a história actual. Isto é tanto mais importante quanto essa recolha poderá conduzir a linhas de raciocínio diversas. Sem dúvida que será uma opção pessoal, para a qual muito contribuirá a experiência do observador. Podemos todavia sugerir que o critério deverá ser considerar integrada na história actual todo o conjunto de sintomas que foram surgindo, concomitantemente ou sequencialmente, sem que haja períodos completamente assintomáticos, desde que a evolução caiba dentro da história natural da entidade na qual é possível integrar a situação. Por exemplo, é lógico integrar na história actual duma infecção respiratória aguda a sintomatologia duma bronquite crónica com anos de evolução.
∑
x
Sintomas relacionados com o sistemas respiratório ............................. 19,8% Sintomas relacionados com o sistema músculo esquelético ................ 19,7% Sintomas gerais ...................................................................................
11,4%
1 – Sintomas do aparelho respiratório .................................................... 15,5% 2 – Situações mal definidas ..................................................................... 14,2% 3 – Sintomas do sistema osteo muscular e tecido conjuntivo ................ 14,1% 4 – Sintomas do aparelho circulatório ..................................................... 11,9% 5 – Sintomas do aparelho digestivo .......................................................... 9,7%
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Patofisiologia da Tosse
Na tosse podemos considerar três fases: • Fase inspiratória – a tosse é em geral precedida por uma inspiração profunda, fundamental para uma maior pressão e fluxo na fase expiratória. • Fase compressiva – Há encerramento das cordas vocais, por forma a que a pressão intratóracica suba o suficiente para permitir a velocidade do fluxo aéreo necessário a uma tosse eficaz. • Fase expiratória – Abertura da glote com saída de um fluxo aéreo extremamente forte, cumprindo-se assim a função de mecanismo de defesa da tosse: remoção do material indesejável das vias aéreas inferiores. Saliente-se que, durante uma tosse vigorosa a pressão intratóracica sobe para 300mmHg, a velocidade do fluxo expiratório para 28 000 cm/s ou 500 milhas por hora (85% da velocidade do som) e pode ser gerada energia de 1 a 25 joules. Uma tosse eficaz depende duma redução da secção das vias áereas (resultante da compressão da árvore traqueobrônquica durante a expiração forçada contra a glote fechada – fase de compressão) e dum alto fluxo (dependente duma inspiração profunda na 1ª fase). Músculos respiratórios suficientemente fortes são fulcrais para o perfeito desenvolvimento das fases inspiratória e expiratória necessárias a uma tosse eficaz. A tosse continuadamente ineficaz prediz o risco de importantes alterações das trocas gasosas, de atelectasia ou de doença supurativa das vias aéreas inferiores, por acumulação e estagnação de secreções, facilitando o desenvolvimento bacteriano.
COMPLICAÇÕES DA TOSSE Hipertensão arterial • Cefaleias • Bradi e taquiarritmias • Refluxo gastroesofágico • Hérnia Inguinal • Fractura de costelas • Petéquias • Diminuição de qualidade de vida • Sincope • AVC (dissecção da artéria vertebral) • Incontinência urinária • Inversão da bexiga através da uretra • Pneumomediastino • Pneumotórax • Enfisema sub-cutâneo • Exacerbação da asma
Vulgares
Menos Vulgares
Constipação
• Asma
• Sinusite bacteriana aguda
• Pneumonia
• Infecção por Perturssis
• Insuficiência cardíaca congestiva
• Exacerbação da DPOC
• Aspiração de corpos estranhos
• Rinite alérgica
• Embolia pulmonar
• Rinite por irritantes ambientais
• Bronquiectasias
Causas Frequentes (Cerca de 94%)
Causas Pouco Frequentes (Cerca de 6%)
• Sindroma de Corrimento Nasal Posterior
• Carcinoma Broncogénico
• Asma
• Pneumonia intersticial crónica
• Doença do Refluxo Gastro-Esofágico
• Sarcoidose
• Bronquite Crónica
• Insuficiência ventricular esquerda
• Bronquiectasias
• Aspiração por disfunção faringea
• Ingestão de inibidores do E.C.A. • Tosse Pós-Infecciosa
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As infecções das vias aéreas superiores são a causa mais frequente de tosse aguda, transitória: Na sindrome do corrimento nasal posterior, devido quer a sinusite quer a rinites alérgicas e não alérgicas, a patogénese da tosse reside no estímulo irritativo dos ramos aferentes do reflexo da tosse, localizados na hipofaringe e ou na laringe. Na Asma a tosse ocorre em todos os doentes, podendo por vezes ser o sintoma mais perturbador e, num número razoável de casos, é mesmo o único sintoma. Assim perante uma tosse crónica a hipótese deve ser levantada, na ausência de outras causas, e confirmada por recurso a meios auxiliares de diagnóstico. A Doença do Refluxo Gastro-Esofágico é uma das quatro causas mais frequentes de tosse, para além das duas já referidas e da Bronquite Crónica, sendo a tosse provocada pela aspiração do conteúdo gástrico, por um mecanismo reflexo esófago-traqueobrônquico. Poderá ser responsável por 10 a 40% dos casos de tosse crónica. Acrescente-se que em 75% dos casos não há sintomas gastro-intestinais, assentando o diagnóstico quer na radiografia gastro-esofágica quer, sobretudo, na pH-metria esofágica de 24 horas. Saliente-se a tendência para a existência dum ciclo de autoperpetuação, já que a própria tosse irá precipitar novo refluxo gastro-esofágico. Na Bronquite Crónica a tosse é uma das principais manifestações, fazendo parte da própria definição da doença – tosse e expectoração mais de três meses dois anos consecutivos. É favorecida pela inalação de irritantes e inflamação das vias aéreas e é uma tosse produtiva por hipersecreção de muco, disfunção da clearance muco-ciliar e infecção. Uma vez que os fumadores consideram muitas vezes a tosse como “normal” na B.C. a tosse não é um sintoma que leve muitas vezes o doente ao médico. A cessação tabágica leva ao desaparecimento ou diminuição franca da tosse em 94% dos fumadores, em mais de metade dos casos nas primeiras quatro semanas.
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As Bronquiectasias, como entidade actualmente pouco frequente, só são causa de tosse em cerca de 4% dos casos. Após uma infecção respiratória curada alguns doentes ficam com uma tosse crónica, com radiografia normal, tendendo a resolver espontaneamente ou, esporadicamente, necessitando dum curto curso de corticoterapia. O Carcinoma Brônquico, por si só, é uma causa de tosse crónica em menos de 2% dos casos. Existe muitas vezes por se tratar dum tumor em fumador com bronquite crónica. Aí o que interessa é a mudança das características da tosse que se torna subitamente, por exemplo, irritativa e não produtiva. A tosse induzida por inibidores do E C A é não produtiva e associada a uma sensação de irritação, prurido ou arranhar na garganta. Não parece ser dose-dependente e é causa de tosse crónica em cerca de 3% dos doentes com essa sintomatologia. Pode surgir horas, semanas ou meses após o início da terapêutica e desaparece ou diminui francamente quatro semanas após a suspensão da mesma. Tosse Psicogénica ou por hábito são diagnósticos de exclusão e é mais frequente nas crianças. Na Doença Intersticial Pulmonar Crónica a tosse não é muito frequente e, quando surge, é uma tosse seca irritativa. É um diagnóstico de exclusão doutras situações podendo haver indicação para antibioterapia se se suspeitar de infecção associada; neste caso a tosse torna-se, geralmente, productiva. Para além de tosse produtiva e da tosse seca irritativa a que nos temos referido podemos ainda considerar outros tipos de tosse: – Tosse bitonal – dois sons roucos simultâneos, resultante da paralisia duma corda vocal. – Tosse rouca – ou “de cão” de timbre grave e surge nos processos patológicos das cordas vocais – Tosse anfórica – variante da anterior, podendo surgir em situações mais graves.
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– Tosse quintosa – acessos sucessivos e muito próximos, sem grandes inspirações intercalares, sendo devida a irritação do vago ou do nervo laríngeo. Quando os acessos são muito intensos e prolongados pode surgir um estado asfíctico com cianose. – Tosse coqueluchoide – variante da anterior, acompanhando-se duma inspiração sibilante. – Tosse emetisante – acompanha-se de vómito e é desencadeada por movimentos antiperistálticos do estômago, secundários aos movimentos abdominais da tosse, ou por estimulação do centro do vómito (próximo do da tosse). Pode surgir como consequência da tosse coqueluchoide ou da quintosa. Mais frequente nas crianças. – Tosse sincopal – devido à anóxia cerebral desencadeada pela tosse ao condicionar hipertensão venosa intracraneana e isquémia cerebral, por aumento da pressão intratorácica, durante a mano bra de Valsalva consequente à tosse. Linhas de Conduta para Avaliação de uma Tosse Crónica
A tosse é pois um fenómeno complexo o que implica a existência dum centro coordenador, localizado no bulbo, junto do pavimento do 4.º ventrículo, próximo dos centros respiratório e do vómito. (Fig. 2) Os estímulos centrípetos, que trazem informação a esse centro caminham por diversas vias: – pneumogástrico ou vago – traz estímulos provenientes da mucosa da laringe, bifurcação traqueal, brônquios, pleura e dalgumas vísceras abdominais. – laringeo superior – conduz estímulos provenientes das cordas vocais e da parte alta da laringe. – glossofaríngeo – conduz estímulos provenientes da orofaringe. – trigémio. – nervos sensitivos cutâneos .
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Fig. 2 – Receptores: CT - Centro de Tosse NV - Nervo Vago C - Input Central
Saliente-se que as zonas reflexogeneas mais importantes na génese da tosse se situam na área interaritnoideia, nas cordas vocais, na carina traqueal e nos esporões de divisão dos brônquios principais. Fora dos pulmões encontram-se pontos de origem de reflexo da tosse na pleura, no canal auditivo externo, na faringe, nos seios peri-nasais, no véu do paladar e mesmo em orgãos abdominais, o que faz com que a tosse possa ter, para além das origens broncopulmonares, outras extrapulmonares. Sendo a tosse crónica um sintoma tão frequente, necessário é, perante ele, ter uma linha de conduta que nos permita chegar a um diagnóstico final, tendo em consideração o acima exposto. 1 É fundamental a revisão, conjugação e integração de todos os dados da anamnese e do exame físico, procurando, tendo em conta as vias do reflexo da tosse (Fig. 2) e as causas mais frequentes, chegar a um diagnóstico mais provável. 2 Praticamente em todos os doentes o passo seguinte será realizar uma radiografia simples do tórax P A.
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3 Não é lógico pedir outros exames laboratoriais em fumadores ou doentes tomando inibidores do ECA, antes da suspensão dos mesmos por quatro semanas, se a tosse for o único sintoma. 4 Tendo em consideração os pontos anteriores, em seguida, consoante os casos, dever-se-á pedir: radiografia dos seios peri-nasais, avaliação alergológica, espirometria com provas de broncomotricidade, radiografia do estômago com Tredelenburg e pH-metria esofágica, análise de expectoração (bacteriológica e citológica), broncofibroscopia, tomografia axial computurizada e estudos cardíacos não invasivos. 5 Para a determinação da causa da tosse pode ser útil a observação da eventual eficácia de terapêutica específica.
PIEIRA OU SIBILÂNCIA A pieira ou sibilância é um som musical continuo, que dura mais de 80 a 100 ms, audível pelo próprio e pelo observador, sem recurso a qualquer instrumento. Os mecanismos patofisiológicos não são completamente conhecidos podendo compreender: – o movimento vibrátil das secreções nas vias aéreas, o qual pode desempenhar um papel dalguma importância. – A vibração das paredes das vias aéreas estreitadas quase até ao ponto de encerramento, constituindo o mecanismo mais relevante. A sibilância pode ter uma tonalidade alta ou baixa, ser constituída por uma ou várias notas, ocorrer durante a inspiração ou a expiração e pode originar-se em vias aéreas de qualquer calibre, desde as grandes vias aéreas extratorácicas às pequenas vias aéreas intratorácicas. O estridor é uma sibilância inspiratória com origem nas vias aéreas centrais.
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A tonalidade não serve para determinar o local da sua origem, ao passo que o timbre dá uma chave para a localização do local de origem. Assim uma sibilância polifónica , consistindo em múltiplas notas musicais é produzida pela compressão dinâmica das grandes e mais centrais vias aéreas. Sibilâncias monofónicas constituídas por uma simples nota musical, reflectem doença das pequenas vias aéreas e sugerem asma, particularmente quando são múltiplas. Todavia doenças envolvendo grandes vias aéreas extratorácicas também podem produzir sibilância monofónica. De facto muitas vezes pieira ou sibilância é entendida como sinónimo de asma o que é um erro enorme. Nada permite distinguir a pieira do asmático da de outras situações, pelo que se deve afirmar: Nem tudo o que “pia” (ou “assobia”) é asma Todavia Tudo o que “pia” (ou “assobia”) é obstrução brônquica. A sibilância (pieira) expiratória avaliada quer pela história, quer pelo exame físico é pouco sensível e específica no diagnóstico de asma. Também a sibilância (pieira) inspiratória não é específica de obstrução das grandes vias aéreas extratorácicas, surgindo muitas vezes na asma associada à expiratória, ou mesmo isolada. Como atrás referimos a sibilância ou pieira indicam a presença duma obstrução das vias aéreas, a qualquer nível, fixa ou variável. Então o estudo da função respiratória, particularmente as curvas débito-volume podem ser inestimáveis para a localização dessa obstrução (ver capítulo respectivo). Do ponto de vista da função respiratória podemos considerar três territórios: (1) as vias aéreas superiores extratorácicas, (2) as vias aéreas intratorácicas, incluindo traqueia e brônquios até ao calibre de 2 mm e (3) as pequenas vias aéreas.
OBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES
OBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS INFERIORES
CAUSAS EXTRA-TORÁCICAS • Sindrome do corrimento nasal posterior
• Asma
• Sindrome da disfunção das cordas vocais
• DPOC
• Amigdalite hipertrófica
• Edema pulmonar
• Epiglotite
• Aspiração
• Edema laríngeo
• Embolia pulmonar
• Estenose da laringe
• Bronquiolite
• Granuloma pós-extubação
• Fibrose quística
• Abcesso retro-faríngeo
• Sindroma carcinóide
• Neoplasias
• Bronquiectasias
• Anafilaxia
• Linfangiose carcinomatosa
• Obesidade
• Infecções parasitárias
• Rinoescleroma a Klebsiella • Laringocelo • Hematoma das cordas vocais • Malformações • Paralisia das cordas vocais • Artrite das cricoaritnoideias • Granulomatose de Wegener CAUSAS INTRA-TORÁCICAS • Estenose da traqueia • Aspiração de corpo estranho • Tumores benignos • Tumores malignos • Bócio intratorácico • Traqueobroncomegalia • Traqueobroncomalacea adquirida • Traqueobronquite herpética • Arco aórtico à direita
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Um grande número de situações, localizadas a variados níveis, podem produzir obstrução das vias aéreas e apresentar-se com pieira inspiratória ou expiratória (Quadro VI). Mais uma vez será a conjugação dos elementos recolhidos na história clínica, com especial relevo para outros sintomas respiratórios, e os sinais da observação clínica, que permitirão orientar-nos nesse mundo vasto de diagnóstico diferencial, na busca de uma diagnóstico clínico correcto.
EXPECTORAÇÃO A expectoração é formada à custa, fundamentalmente, das secreções brônquicas às quais se vêm juntar, por um lado, fluido alveolar (surfactante) e elementos celulares livres na superfície alveolar, detritos celulares, células descamadas, etc. e, por outro, secreções orais, salivares e nasais. As secreções brônquicas são produzidas pelo aparelho mucosecretor constituído pelas células de Clara, pelas células caliciformes da mucosa e pelas glândulas serosas e mucosas da sub-mucosa. Normalmente as secreções brônquicas produzidas são transportadas pelo tapete mucociliar e diariamente são lançadas no esófago, através da glote, cerca de 100 cm 3 de secreções brônquicas, sem que, em condições fisiológicas, haja consciência desse transporte e sem que haja tosse acompanhante. A expectoração surge então quando há hipersecreção brônquica secundária a inflamação, infecção ou irritação do aparelho mucosecretor. Nessa altura surge a tosse necessária à remoção do excesso de produção. A expectoração, produto complexo, tem um importante valor semiológico porquanto a sua composição traduz a cadeia fisiopatológica da sua produção. Podemos considerar diversos tipos de expectoração, os quais podem ser sugestivos das entidades nosológicas em que são mais frequentes.
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– Expectoração mucosa – Devido à hipersecreção das glândulas mucosas. Apresenta-se com o aspecto de clara de ovo. Aparece em situações de hipersensibilidade, como a asma em que pode apresentar porções mais sólidas e ao microscópio eosinófilos, em processos inflamatórios, tóxicos ou nervosos. – Expectoração serosa – Abundante, homogénea, espumosa, de cor amarelada ou rosada. É causada por transudação serosa alvéolar, como sucede no edema pulmonar agudo. – Expectoração purulenta – Expectoração opaca, de cor amarela ou esverdeada, é constituída principalmente por pús e demonstra portanto a existência dum processo infeccioso ou supurativo. A expectoração é, em regra, tanto mais purulenta quanto mais profundo é o processo infeccioso – bronquiectasias, cavidades tuberculosas, etc. Saliente-se que a expectoração purulenta é sempre sinal de infecção actual. Assim, por exemplo, na bronquite crónica, o aumento de purulência da expectoração indica, por si mesmo, mesmo na ausência doutros sintomas ou sinais como a febre, infecção actual, justificando o recurso a antibioterapia. – Expectoração fibrinosa – Expectoração muito viscosa, de cor acinzentada e que é frequente no início das pneumonias a Pneumococus . – Expectoração pseudomembranosa – É uma expectoração em que se identificam placas de tecido necrosado e pode surgir em neoplasias ou outros processos necrosantes do pulmão. – Expectoração hemoptóica – Demonstra a presença de sangue na árvore brônquica e a ela voltaremos quando tratarmos das hemoptises. A expectoração hemoptóica, com sangue vermelho, vivo pode surgir em quase todas as entidades patológicas do pulmão. A expectora-
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ção vermelho escuro é sinal de retenção de secreções hemáticas no aparelho respiratório e a cor de tijolo ou ferruginosa sugere estarmos em presença duma pneumonia lobar em evolução. – Quando há mistura dos diversos tipos de expectoração esta denominar-se-á então, consoante os casos, seromucosa, mucopurulenta, hemopurulenta, etc.
HEMOPTISES A hemoptise consiste na emissão pela boca de sangue proveniente dos pulmões ou dos brônquios. Perante a emissão de sangue pela boca há, primeiro que tudo, que procurar determinar se é uma hemoptise ou se tem outra proveniência – vias aéreas superiores, orofaringe, aparelho digestivo, etc. Três sinais nos podem ajudar : (1) se a hemoptise é pequena o sangue virá misturado com a expectoração (2) a hemoptise é precedida ou acompanha-se de tosse (3) o sangue deverá ser vermelho vivo e espumoso por conter bolhas de ar. Todavia se o sangue fica acumulado algum tempo nas vias aéreas inferiores poderá ser mais escuro, aproximando-se da cor do sangue proveniente do aparelho digestivo (digerido). Mesmo neste caso, a emissão dos coágulos de sangue provenientes dos brônquios acompanha-se de tosse. O doente deverá ser interrogado no sentido de saber se tem a noção do local donde provém o sangue, o que por vezes acontece, tendo o doente a percepção de que o sangue provém dos brônquios direitos ou esquerdos. As hemoptises podem pois ser pequenas , produzindo a aparência de estrias de sangue vermelho vivo na expectoração, ou serem profusas , com a emissão de grandes quantidades de sangue. Nas hemoptises médias há emissão de uma quantidade de sangue inferior a 600 ml e nas grandes hemoptises de mais de 600ml em 24 a 48 horas, podendo ocorrer em 3 a 10% dos doentes com hemoptises.
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A expressão máxima é a hemoptise fulminante que leva à morte do doente por verdadeiro afogamento, com preenchimento de toda a árvore brônquica pelo sangue. As hemoptises podem, pela frequência, ser classificadas em hemoptise única, hemoptise persistente, que se mantém ou repete durante alguns dias, e hemoptise periódica que surge com intervalos de tempo relativamente regulares, de que a expressão maior é a hemoptise catamenial, que surge durante os períodos menstruais e que pode sugerir endometriose brônquica ou pulmonar. A hemoptise é um sintoma frequente em pneumologia, surgindo em 15 a 25% dos doentes respiratórios. Como pudemos verificar no Quadro VII pode surgir numa imensidade de situações broncopulmonares, mas também em doenças cardiovasculares, doenças hematológicas e muitas outras situações. É pois um sintoma que deve ser analisado em pormenor, caracterizado e avaliado no enquadramento da história clínica e da sintomatologia encontrada, mas é sempre um sinal de alarme que não deverá ser menosprezado, antes valorizado. Patogénese das hemoptises
Para podermos valorizar este sintoma é importante termos alguma noção da sua patogénese. Como sabemos as artérias brônquicas – originadas directamente da aorta ou com um tronco comum com as intercostais – são a principal fonte de alimentação sanguínea para toda a árvore traqueobrônquica e para a rede de suporte do pulmão, a qual inclui a pleura, tecido linfático intra-pulmonar, os grandes ramos dos vasos pulmonares e os nervos da região hilar. É uma circulação de alto regime tensional, dado a origem desses vasos. Por seu lado as artérias pulmonares – de regime tensional mais baixo – alimentam o parênquima pulmonar, incluindo os bronquíolos respiratórios.
Doenças Traqueobrônquicas
Doenças Cardio-Vasculares
Adenoma brônquico
Aneurisma da artéria pulmonar
Amiloidose
Aneurisma da artéria sub-clávia
Aspiração de conteúdo gástrico
Aneurisma da aorta
Aspiração de corpo estranho
By-pass da artéria coronária
Bronquiolite
Doença cardíaca congénita
Bronquiectasias
Embolia gorda
Bronquite crónica
Embolia pulmonar
Carcinoma brônquico
Embolização tumoral
Endometriose brônquica
Estenose mitral
Fibrose Quistica
Fistula Veno-Arterial Pulmonar
Fistula traqueoesofágica
Hemorragia intra-pulmonar neo-natal
Fistula traqueoarterial
Insuficiência Cardíaca Congestiva
Hamartoma endobrônquico
Rotura da artéria brônquica
Metastases endobrônquicas
Schistosomiase
Obstrução mucóide do brônquio
Sindroma de Hughes – Stovin
Telangiectasia brônquica
Sindroma pós infarto miocárdio
Traumatismo traqueobrônquico
Sindroma da veia cava superior
Traqueobronquite aguda
Varizes venosas pulmonares
Tuberculose endo-brônquica (Cont.)
Doenças Parenquimatosas Localizadas
Doenças Parenquimatosas Difusas
Abcesso pulmonar
Angiosarcoma disseminado
Actionomicose
Capilarite
Amebiase
Crioglobulinémia mista
Ascaridose
Doença do Legionário
Cancro metastático
Doença Mista do Tecido Conectivo
Coccidiomicose
Esclerodermia
Contusão Pulmonar
Granulomatose de Wegener
Criptococose
Hemossiderose Pulmonar Idiopática
Endometriose pulmonar
Inalação de isocianatos
Esporotricose
Lupus eritematoso sistémico
Hidatidose
Nefropatia IgA
Histoplasmose
Pneumonia viral
Mucormicose
Poliartrite nodosa
Nocardiose
Pulmão de fazendeiro
Paragonimiose
Sindrome de Goodpasture
Pneumonia aguda e crónica
Toxicidade ao anidrido metílico
Pneumonia Lipidica Exogéna
Vasculite sistémica
Quistos Congénitos e Adquiridos Sequestração Broncopulmonar Tuberculose pulmonar
Doenças Hematológicas
Miscelânea de Situações
Coagulação Disseminada Intravascular
Idiopáticas
Leucemia
Iatrogénicas
Terapêutica anticoagulante
Biopsia Pulmonar por Agulha
Trombocitopenia
Broncoscopia Cateterismo Cardíaco
Bronquite crónica
Tuberculose
Cancro do pulmão
Bronquiectasias
Cardiovasculares
Fistula artério-bronquica Falência cardíaca congestiva Fistula artério-venosa Hemorragia intra-pulmonar difusa Infecções
Abcesso Pulmonar Aspergiloma Bronquiectasias Fibrose Quistíca Tuberculose Neoplasias
Carcinoma broncogénico Cancro metastático Leucemia Traumatismos
As hemoptises macissas são mais frequentemente causadas por infecção ou por cancro.
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brônquica e se é parenquimatosa da circulação pulmonar, o que explicaria maiores hemoptises nas primeiras (tensão mais elevada) do que nas segundas (tensão mais baixa). Todavia nos processos inflamatórios, infecciosos ou tumorais crónicos as hemoptises de repetição são em regra devidas ao aumento da vascularização na área envolvida, com os neo-vasos formados a partir da circulação brônquica. De facto as artérias brônquicas destes doentes aumentam várias vezes de calibre e tornam-se anfractuosas. Este mecanismo justifica a razão pela qual 92% dos casos de hemoptises derivam de circulação brônquica e a possibilidade de termos grandes hemorragias em muitas situações. No carcinoma brônquico as hemoptises resultam de necrose na massa tumoral, com o seu aumento de suprimento de sangue proveniente das artérias brônquicas, ou por invasão local de grandes vasos sanguíneos. No adenoma há rotura dos vasos superficiais proeminentes, provenientes de circulação brônquica. Nas bronquiectasias resultam da irritação, pela infecção, do tecido de granulação com neo-vasos provenientes da circulação brônquica, o qual substitui a mucosa. Daí a possibilidade de surgirem grandes hemoptises. Na estenose mitral o mais provável é que as hemoptises sejam devidas á rotura das varizes das veias brônquicas, na sub-mucosa dos grandes brônquios, devido à hipertensão pulmonar. Na embolia pulmonar podem ser devidas a um influxo excessivo de sangue da artéria brônquica – a uma tensão sitémica – através das anastomoses bronco-pulmonares, para a circulação pulmonar, distal ao embolo. Na tuberculose pulmonar a hemoptise (outrora paradigma da doença) pode ter várias causas: – Na lesão exsudativa aguda pequenas hemoptises que podem resultar da necrose de pequenos ramos da artéria e veias pulmonares. – Na lesão crónica fibro-ulcerativa há grandes hemoptises, que podem ser macissas ou fulminantes, por rotura de aneurismas da artéria pulmonar, proeminentes para dentro da cavidade, por en-
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volvimento da adventicia e média do vaso. Acrescente-se que sendo um processo crónico a circulação brônquica está muito hipertrofiada e as anastomoses entre as duas circulações abertas, fazendo com que na parede da cavidade e nos aneurismas circule sangue a um elevado regime tensional. – Na árvore brônquica a necrose por compressão por adenopatias subjacentes pode também ser causa de hemoptise. – Na tuberculose endobrônquica a hemoptise resulta da ulceração tuberculosa da mucosa brônquica. – Nas lesões parenquimatosas fibrosas o sangramento resultará da irritação do tecido de granulação, nas paredes das vias aéreas bronquiectáticas, irrigado pela circulação brônquica.
Diagnóstico das Hemoptises
Seguindo uma metodologia adequada o diagnóstico etiológico das hemoptises é possível em 68 a 98% dos casos, segundo os diferentes autores e não o é em 2 a 32% (média 12%). Este grupo constitui as hemoptises idiopáticas ou essenciais , mais frequentes nas 3ª, 4ª e 5ª décadas da vida. Basicamente perante uma hemoptise haverá que analisar correctamente os dados da história clínica e do exame físico, os quais, conjugados com o tipo de hemoptise, nos poderão pôr na pista dum diagnóstico etiológico final. Não nos esqueçamos de que a hemoptise é um enorme susto para o doente e deverá constituir um alarme para o médico. Só depois deveremos pensar em exames auxiliares de que se destaca a radiografia do tórax – em todos os casos – e a broncoscopia que só não estará indicada na suspeita de embolia pulmonar, insuficiência cardíaca congestiva e fístula aorto-pulmonar. Estudos recentes demonstram que a tuberculose, outrora a principal causa, e as bronquiectasias têm diminuído de frequência, ao passo que a bronquite e o cancro têm aumentado, como causas de hemoptises.
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Alguns dados semiológicos são particularmente relevantes no estudo dos doentes com hemoptises: • Como já referimos atrás hemoptises coincidentes com as menstruações sugerem a possibilidade de estarmos em presença duma endometriosa endobrônquica. Todavia tal situação terá que ser confirmada (broncoscopia) já que as variações hormonais catameniais podem favorecer hemoptises noutras situações. • A existência de episódios de repetição de hemoptises, ao longo de meses ou anos sugerem, como diagnósticos mais prováveis, adenoma ou bronquiectasias. • Uma história de emissão de pequenas quantidades de sangue diárias, durante semanas, apontam no sentido de carcinoma brônquico, particularmente se se trata de um fumador. • Em doentes com a tríade sintomática de doença das vias aéreas superiores, doença das vias aéreas inferiores e doença renal deve suspeitar-se de Granulomatose de Wegener. • Num doente que tenha sofrido um traumatismo torácico, por exemplo em acidente de viação – a tríade de hemoptise, enfisema sub-cutâneo do pescoço ou tórax e pneumomediantino ou pneumotórax, deve fazer suspeitar de rotura da traqueia ou dum grande brônquio, impondo confirmação endoscópica imediata, para eventual reparação cirúrgica. • A presença de ortopneia ou dispneia paroxistíca nocturna, num doente com hemoptises, sugere insuficiência cardíaca congestiva ou estenose mitral, como causa de hemoptise. • Como nota final devemos ter em conta que a broncoscopia permite determinar o local do sangramento em 93% dos casos, quando realizada nas primeiras 24 horas. Todavia nas grandes hemorragias activas pode ser inconclusiva por o sangue dificultar a visibilidade e pode agravar a hemorragia, pelo que terá de ser ponderada a sua realização.
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• A broncoscopia com lavado broncoalveolar pode sugerir hemorragia intrapulmonar difusa se se encontrar muita hemossiderina fagocitada pelos macrófagos alveolares recolhidos no lavado (siderófagos).
DISPNEIA Dispneia é uma sensação angustiante de uma respiração difícil, la boriosa ou desagradável. Mesmo no indivíduo normal pode-se encontrar uma respiração laboriosa ou difícil, por exemplo no exercício; todavia tais situações não são definidas como de dispneia, por não serem percebidas como uma sensação angustiante. De facto, normalmente, há um equilíbrio entre as necessidades do organismo em oxigénio e os mecanismos integradores da função respiratória, os quais respondendo às solicitações, impedem que surja a sensação de dispneia. Na falência da resposta, qualquer que seja o motivo, surgirá a dispneia. Claro que este desiquilíbrio, em certas circunstâncias, como o coma, não se pode projectar na consciência, não existindo sensação de dispneia, revelando-se então por alterações da mecânica respiratória, ob jectiváveis na observação : taquipneia, tiragem, etc. A fisiopatologia da dispneia, ainda que incompletamente conhecida, pensa-se que assente em vias neurológicas múltiplas (Fig. 3). Neste modelo neurológico pensa-se que a dispneia possa ser devida a anomalias tanto nas vias aferentes dos estímulos como nas eferentes, quer ainda nos centros de controlo da respiração. Conhecidas quer as vias aferentes, quer a eferentes, reportando ao sistema nervoso central, fácil é aceitar que a informação proveniente praticamente de todo os orgãos torácicos e abdominais superiores possa originar dispneia: faringe, laringe, vias aéreas, parênquima pulmonar, esófago, coração, estômago, etc.
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SENSAÇÃO DE DISPENEIA Fadiga, fraqueza muscular, esforço
SELECTIVIDADE E CONDICIONAMENTO COMPORTAMENTAL QUIMIORECEPTORES AFERENTES
CÓRTEX AFERENTES SENSORIAS
AFERENTES MOTORES
BULBO RAQUIDIANO
MUSCULOS EFERENTES
PaO2 e PaCo2
Rec. PaO2 e PaCo2 Corpo carotideo PaO2 Corpo aórtico AFERENTES DAS VIAS AÉREAS Fibras C Rec. de irritação Recpt. pressão laringea Estiramento traquebronquico
OUTROS AFERENTES VISCERAIS Esófago Coração Estômago
MUSCULOS AFERENTES Receptores Distensão Tendões Receptores Metabólicos
Mesmos nervos que os músculos eferentes
IX X XI XII C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7 D1 D2 ... D11 D12 L1
PARES CRANEANOS ESTERNOCLEIDOMASTOIDEO TRAPÉZIO
DIAFRAGMA GRANDE DORSAL GRANDE PEITORAL
ESCALENO
INTERCOSTAIS
Fig. 3 – Fisiopatologia da dispneia
Originados no vago, nos aferentes musculares e nos dados dos quimioreceptores parece que os principais estímulos dispneigénicos são a hipercapnia, a hipoxémia e os elementos resultantes da carga, esforço e impedância musculares. No que concerne a integração central dos dados dos sistemas aferente e eferente é de salientar que a intensidade da dispneia percepcionada pode ser modulada pela aprendizagem, experiência, estados emocionais e elementos comportamentais. O diagnóstico diferencial das dispneias é extremamente complexo dada a variedade de doenças e situações que as podem provocar (Quadro X).
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS DISPNEIAS Cardíacas
• Neuromusculares
• Dermatológicas
• Nutricionais
• Endócrinas
• Obesidade
• Farmacológicas
• Oncológicas
• Gastro-intestinais
• Psiquiátricas
• Gravidez
• Pulmonares
• Hematológicas
• Renais
• Infecciosas
• Reumatológicas
• Laringe e vias aéreas superiores
• Vasculares
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caracterizada por grande amplitude dos movimentos respiratórios, na tentativa de eliminação de valências ácidas (CO 2) pela respiração. Pelo tipo de dispneia podemos classificá-las em: 1 - DISPNEIAS AGUDAS – de início súbito: aspiração de corpo estranho, asma, etc. 2 – DISPNEIAS CRÓNICAS – como as da DPOC, doenças do intersticio, etc. 3 – DISPNEIAS INSPIRATÓRIAS – correspondem a obstruções respiratórias altas e têm como característica o acompanharem-se de tiragem (retracção inspiratória das fossas supra e infra-claviculares, do epigástrio e dos espaços intercostais, o que resulta da incapacidade do pulmão acompanhar a caixa torácica no seu movimento expansivo, por deficiente entrada de ar pelas vias aéreas). 4 – DISPNEIAS EXPIRATÓRIAS – há insuflação torácica e o doente sente-se “cheio de ar” que não consegue expelir e costuma ser muito evidente o esforço supletivo dos músculos expiratórios acessórios. Significa obstrução generalizada das vias aéreas e pode ser paroxística como acontece na asma ou permanente como acontece no enfisema obstructivo. 5 – DISPNEIA DE DECÚBITO – desencadeada pelo decúbito e no caso de ser decúbito lateral chama-se TREPOPNEIA, surgindo nos derrames e pneumotórax hipertensivos, no decúbito para o lado oposto ao da lesão. Se obriga à posição sentada ou de pé chama-se ORTOPNEIA. 6 – DISPNEIA DE ESFORÇO – desencadeada pelo esforço e depende em regra de aumento da barreira alvéolo-capilar, seja por estase vascular de causa cardíaca, seja por doença do interstício pulmonar. 7 – POLIPNEIA – aumento da frequência respiratória. Pode surgir nas insuficiências cardíacas e respiratórias e nas dispneias por acidose metabólica (Kussmaul). 8 – BRADIPNEIA – diminuição da frequência respiratória como acontece em situações de asma brônquica e enfisema.
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doentes com história de ataques de asma quase fatais têm uma resposta reduzida à hipoxémia, com uma sensação de dispneia abaixo do que seria de esperar. Na DPOC os valores da Pa CO 2 e da Pa O 2 desempenham um papel mais importante na génese da dispneia, a par de factores mecânicos de obstrução e distensão das vias aéreas. Nas Doenças do Interstício a dispneia resulta da hipoxémia, da deterioração da função muscular frequente nestes doentes e da activação dos aferentes vagais intrapulmonares. A compressão do tecido pulmonar por tumor, pneumotórax ou derrame pleural pode causar dispneia, não só em resultado da alteração das trocas gasosas, como por causar estimulação dos aferentes vagais. As Doenças Cardíacas podem causar dispneia por activação dos aferentes vagais, dos aferentes musculares e por serem causa de alteração das trocas gasosas. A razão pela qual o Refluxo Gastro-Esofágico provoca dispneia não está bem caracterizada mas, provavelmente, é resultante da estimulação dos aferentes vagais. Normas de Actuação perante uma Dispneia Aguda
Tratando-se duma situação potencialmente perigosa e que pode pôr a vida do doente em risco, há que procurar chegar, o mais rapidamente possível, a um diagnóstico etiológico, assente na semiologia e numa sequência de exames a ser rapidamente equacionada. Temos primeiro que tudo que confirmar ou eliminar as causas de dispneia aguda que podem ameaçar a vida: asma, embolia pulmonar, edema pulmonar agudo, pneumonia. 1 - É necessário rever a história do doente e fazer um exame físico cuidadoso, concentrando-nos na anatomia das possíveis causas de dispneia, especialmente as mais frequentes.
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2 – Um segundo nível será uma radiografia do tórax, importante praticamente em todos os casos. 3 – O terceiro nível de avaliação será constituído por exames, baseados nos dados dos dois níveis anteriores. 3. a – Provas funcionais respiratórias, incluindo broncomotricidade 3. b – Estudos cardiológicos não invasivos 3. c – Rx gastroesofágico e pH-metria esofágica 3. d – Tomografia axial computorizada 3. e – Provas invasivas: biopsia pulmonar, cateterismo cardíaco. Avaliação das Dispneias Crónicas
Também neste caso é importante caracterizarmos bem a etiologia provável da dispneia e a história e a observação, dão-nos alguns dados importantes. Assim nas Doenças do Interstício a presença na auscultação de crepitações (veja-se mais adiante) tem uma valor predictivo positivo de 78% e a sua ausência um valor predictivo negativo de 98%. Se a história caracterizar a dispneia como de início insidioso e carácter progressivo, na ausência de doença cardíaca, o valor predictivo positivo ultrapassa os 95%. Nas doenças cardíacas nos doentes com dispneia e fervores crepitantes, este dado tem uma valor predictivo positivo de 21%, mas a sua ausência um valor predictivo negativo de 92%. Como para as dispneias agudas nas crónicas será necessário recorrer a exames auxiliares, para melhor caracterização da possível causa. (Quadro XII).
Prova
Diagnóstico
Valor Preditivo
Valor Preditivo
Positivo %
Negativo %
Espirometria
DPOC
32
100
Espirometria
Asma
18
72
Metacolina
Asma
95
100
Difusão CO
D. Interstício
79
95
Eco Cardíaca
D. Cardíaca
44
0
Rx Estômago
Refluxo G.E.
33
83
Prova Esforço
Todos Diagnósticos
93
0
Radiografia Tórax
Todos Diagnósticos
75
91
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infradiafragmáticas que, por irritação do diafragma, se podem traduzir por sintomas dolorosos aparentemente de localização torácica. A dor pode ser classificada em: • localizada – quando limitada ao local de origem da dor • irradiada – quando a sintomatologia dolorosa afecta todo o tra jecto do nervo sensitivo que enerva o local da sua origem. • reflexa – quando um estímulo doloroso visceral se traduz por dor sentida no metâmero superficial correspondente. O limiar da sensibilidade à dor é muito variável de indivíduo para indivíduo e muito dependente de factores psicológicos e comportamentais. É claro que a intensidade da dor depende também da extensão e gravidade do processo que a origina, e da sua localização. Assim uma dor aguda , em pontada, aliviando com o decúbito para o lado da dor, sugere envolvimento pleural. Por seu lado uma dor constritiva, com sensação de aperto torácico, irradiando ou não para o braço ou outra região, deve levantar a suspeita de patologia cardíaca. Sintomatologia de doença parenquimatosa acompanhada de dor torácica , sugere o envolvimento pleural – derrame metapneumónico, extensão duma neoplasia à parede, etc. As dores traqueobrônquicas exacerbam-se com a tosse, a inalação de ar frio ou de outros irritantes. Na pleurisia a estimulação química ou mecânica da pleura parietal determina uma dor localizada, em regra com contractura reflexa dos músculos intercostais, que se exacerba com os movimentos respiratórios, pelo que estes se limitam levando a uma respiração reprimida, superficial. Quando típica tem as características duma pontada e origina trepopneia (decúbito para o lado doente para limitar os movimentos). Costuma desaparecer com o aumento do derrame, por afastamento dos folhetos pleurais.
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No pneumotórax a dor costuma ser intensa e súbita, como que uma facada e surge muitas vezes após um esforço – tosse, manobra de Valsalva – ou traumatismo. Como em regra são irritadas as pleuras parietal, costal e diafragmática há, muitas vezes, projecção frénica de dor. Não esquecer, no entanto, que também esse tipo de projecção pode surgir em patologia abdominal, especialmente sub-frénica. A dor nas pneumonias pode projectar-se em zonas distantes, incluindo abdominais, dada a sua irradiação. Não esquecer pois que uma dor abdominal, se acompanhada de queixas respiratórias, pode indiciar uma pneumonia. As neoplasias pulmonares não costumam produzir dores precoces, salvo se atingem estructuras com sensibilidade dolorosa : pleura, ossos, etc., o que ocorrerá sobretudo em fases já de invasão pelo processo tumoral. Nas doenças do mediastino a dor projecta-se na região esternal e interescapular e é uma dor vaga, contínua e incómoda. O aneurisma dissecante da aorta acompanha-se de dor tenebrante e latejante e a patologia esofágica duma dor retroesternal, com sensação de ardor (por exemplo pode acontecer no refluxo gastro-esofágico). Estruturas e Patologias Responsáveis por Dor Torácica Parede Torácica – Nervos: Herpes zoster, traumatismos, compressões de nervos. – Músculos :mialgias. – Ossos e Cartilagens: fracturas, processos inflamatórios e neoplasicos. – Mamas: mastites, mastodinea, neoplasias. Árvore Traqueobrônquica Traqueítes, Bronquite aguda Traqueobronquite, corpos estranhos, Neoplasias, rotura brônquica.
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Coração e Pericárdio Angina de peito, Enfarte do miocárdio, Pericardite, etc. Pleura Pleurisias, Pneumotórax e Neoplasias com extensão pleural. Diafragma Abcessos sub-frénicos, hérnia do hiato diafragmático. Mediastino Mediastinites, Aneurisma da Aorta, Pneumomediastino, Tumores do Mediastino, Esofagites, Tumores do Esófago, refluxo gastroesofágico, espasmo do cárdia. Abdómen Neoplasias gástricas, colecistite, pancreatite, apendicite, peritonite.
Para diagnóstico diferencial das diversas entidades é fundamental ter em consideração os elementos da anamnese e os restantes sintomas que eventualmente acompanhem a dor.
OUTROS SINTOMAS Precede a recolha dos sintomas dum doente a pesquisa de sintomas gerais, nomeadamente a febre, a astenia, a anorexia, e o emagrecimento. A febre é frequente em muitas doenças respiratórias - infecciosas e neoplásicas - mas não tem características específicas. No entanto um quadro que se acompanhe de febre muito elevada (> 38,5%) por picos, com quedas abruptas em lise sugere uma infecção a piogéneos, enquanto que a febre por infecção por bactérias gram negativas é em regra um pouco menos elevada e mais ondulante. Na tuberculose pulmonar de evolução arrastada a febre frequentemente é apenas vespertina e uma febrícula inferior a 38ºC.
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Na pneumonia lobar típica é considerada característica a subida brusca de temperatura precedida de calafrio, a sua manutenção em planalto, seguida de queda brusca, em lise, ao fim de alguns dias . Nas neoplasias a febre é mais frequentemente pouco elevada mas persistente ao longo de semanas. A anorexia, a astenia, o emagrecimento, são sintomas frequentes, sem qualquer especificidade, correlacionando-se parcialmente com a gravidade e a duração do processo patologico subjacente. Ao falarmos em emagrecimento é fulcral quantificar a perda ponderal, indicar qual a percentagem do peso do indivíduo que representa, e há quanto tempo se iniciou. A perda ponderal é particularmente significativa quando ultrapassa os 10% da massa corporal. A rouquidão e os soluços podem ser indicativos de patologia respiratória. A primeira pode indicar doença infecciosa laringo-traqueal – infecção viral, tuberculose, etc. – mas pode ser o sinal revelador de paralisia do nervo recorrente , com paralisia da corda vocal, em situações de invasão neoplásica. Quantos aos soluços podem significar lesão do nervo frénico – se são persistentes e recorrentes – por vezes por patologia neoplásica. Como já atrás referidos, terminada a história actual pregressa e a recolha criteriosa dos sintomas respiratórios e acompanhantes, é altura de nosso espírito se levantar(em) a(s) hipótese(s) diagnóstica(s) mais provável(is). Para isso há que recolher todos os sintomas, qual a ordem cronológica do seu aparecimento, qual a sua intensidade, qual o tempo de evolução da doença, se tem ou não havido agravamento, ou melhoria, enfim todas as características que nos possam ajudar. Levantadas as hipóteses teremos então que proceder à colheita dos sinais, os quais confirmarão ou não as hipóteses por nós levantadas, as quais deverão ser hierarquizadas segundo uma ordem por nós equacionada, a qual deverá ter em conta que antes de tudo temos de pensar nas situações mais frequentes e, por isso mais prováveis.
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Mas os elementos por nós recolhidos têm de ser interpretados tendo em conta que nos podem dar importantes pistas sob o estádio evolutivo da doença em causa, como mais tarde o leitor verá ao estudar as diversas doenças. Cabe no entanto deixar aqui, desde já, algumas pistas. Uma história que começa por um quadro de dispneia paroxística, com factores desencadeantes reconhecíveis, com períodos livres de sintomas, fará pensar em asma brônquica independentemente de, no momento actual e no passado mais próximo, poder já ser acompanhada de tosse e expectoração. Ao invés, num fumador uma história que tenha começado por tosse persistente e expectoração mucosa faz pensar em bronquite crónica , independentemente de já estar complicado por purulência na expectoração, secundária às infecções brônquicas e de se poder acompanhar de pieira e dispneia. Como vemos neste exemplo podemos retirar da história elementos que, no caso específico, permitam situar o nível em que se deve colocar aquele doente, no decurso da história natural da doença (bronquite simples, bronquite complicada, infecção, etc.) Um outro exemplo: uma história como a anterior, mas em que o doente refere ter começado a notar uma nítida redução da expectoração, pode significar que haja uma obstrução brônquica mecânica, por carcinoma endobrônquico, o que ainda se tornará mais provável se a expectoração se tiver tornado sanguinolenta ao longo de semanas. Passará a ser uma hipótese a colocar em primeiro lugar. Uma história de tosse, expectoração muco-purulenta ou hemoptóica, há várias semanas, febricula vespertina, astenia, anorexia e emagrecimento, fará pensar na possibilidade de estarmos em presença duma tuberculose pulmonar. Uma dispneia de esforço, de carácter progressivo, na ausência doutras queixas respiratórias, ou apenas acompanhada de tosse seca irritativa, não havendo patologia cardíaca, levar-nos-á a equacionar a possibilidade de estarmos em presença duma doença do intersticio pulmonar.
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Uma história de tosse, expectoração purulenta e febre com semanas de evolução não deve ser olhada como indicativa de uma pneumonia lobar tipíca, que é uma situação eminentemente aguda. São meros exemplos que apenas servem como indicativos da linha de raciocínio que devemos seguir na perseguição dum diagnóstico que permita uma terapêutica adequada.
OBSERVAÇÃO Constitue o 2.º nível da análise do doente que pretendemos estudar, devendo seguir uma sequência pré-determinada para que não escapem dados importantes. Na observação procuramos SINAIS originados quer no aparelho respiratório quer noutros orgãos ou sistemas, correlacionados ou não com os primeiros. A observação torácica assenta nos seguintes passos do exame objectivo: – Inspecção – Palpação – Percussão – Auscultação Inspecção
É o primeiro passo do exame objectivo e deve iniciar-se pela avaliação de aspectos gerais tais como estado nutricinal (obesidade ou magreza), outros aspectos constitucionais (asténico, atlético, etc.) eventuais anomalias estructurais visíveis à primeira análise (cifose, cifoescoliose, escoliose, etc.) e tom da pele . Na pele devemos procurar detectar a existência ou não da palidez (anemia?), icterícia e muito especialmente de cianose. A cianose é um sinal muito frequente em patologia respiratória, mas também noutras situações (Quadro XIII), já que depende da concentração da hemoglobina reduzida. Traduz-se por uma coloração azulada
CIANOSES CENTRAIS (Chega sangue mal oxigenado aos tecidos) Por curto – circuito • Por baixa concentração de O 2 no ar inspirado. • Por hipoventilação • Por compromisso da barreira alvéolo – capilar CIANOSES PERIFÉRICAS • Por perda excessiva de oxigénio nos tecidos CIANOSES POR POLIGLOBULIAS • Aumento absoluto da hemoglobina reduzida CIANOSES POR ALTERAÇÕES HEMOGLOBINICAS • Por perturbações bioquímicas
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2. Cianoses por baixa concentração de O 2 no ar inspirado – altitude, respiração em áreas confinadas com baixa oxigenação. Melhoram com a inalação de O2. 3. Cianoses por hipoventilação alvéolar – obstrução ou compressão das grandes vias aéreas – obstrução dos brônquios de pequeno calibre, em grandes áreas (asma, bronquite) – disfunções mecânicas da parede (miopatias, polinevrites, obesidade, etc.) Nestas situações não só não passa oxigénio para o sangue, como não é eliminado CO2, levando a situações de insuficiência respiratória global (ver capítulo respectivo). Assim a inalação apenas de O2 não resolve o problema, podendo manter-se a hipercapnia o que, semiologicamente, se poderá traduzir por agitação, suores, confusão mental, obnubilação, coma e mesmo morte por depressão do centro respiratório, se a situação não for resolvida ou o doente não for ventilado. 4. Cianoses por compromisso da barreira alvéolo-capilar – diminuição da permeabilidade alvéolo-capilar como acontece nas doenças do interstício pulmonar – aumento da velocidade de circulação pulmonar, como acontece nas pneumectomias. A inalação de O2 em altas concentrações melhora a cianose. CIANOSES PERIFÉRICAS Resultam da redução da velocidade da circulação periférica, com consequente perda exagerada de oxigénio para os tecidos, por contacto demasiado longo entre estes e o sangue.
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A saturação arterial é normal mas o défice venoso é muito maior, donde a diferença artério-venosa justificar a cianose já que a concentração de O2 no sangue capilar é igual. Nestas situações há acumulação de CO2 nos tecidos, donde resulta vasodilatação capilar, que acentua a estase e, portanto a fuga de O 2. Uma vez que a saturação arterial é normal a cianose não melhora com a inalação de O2. Pode aparecer em situações em que há obstáculo à circulação de retorno (tromboses venosas, compressões), estase de todo o sistema (insuficiência cardíaca congestiva) ou perturbações vasomotoras das extremidades. CIANOSES POR POLIGLOBULIAS Há um aumento absoluto de hemoglobina reduzida e a cianose é generalizada. Estando a saturação arterial de O 2 normal, uma vez mais estas cianoses não desaparecem com a inalação de oxigénio. CIANOSES POR ALTERAÇÕES HEMOGLOBINICAS Trata-se em regra de situações que decorrem com metahemoglobulinémias, podendo ser tóxicas, medicamentosas, ou resultarem da presença de hemoglobinas anormais. São também cianoses que, por motivos óbvios, não desaparecem por inalação de O 2 em altas concentrações. Também a caracterização de eventuais alterações da face, oculares, do nariz, a presença de infecções dentárias, alterações do pescoço (tiroideia hipertrofiada, etc.), do tórax da traqueia e dos membros, nos podem dar elementos relevantes. Assim a nível torácico para além das alterações estructurais podemos detectar arritmias respiratórias, assimetrias respiratórias, (hipomobilidade dum hemitórax), enfisema sub-cutâneo , circulação venosa colateral, indicativa de obstrução vascular intratorácica, modificações de morfologia das mamas, etc...
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OUTROS SINAIS NA OBSERVAÇÃO Também a simples inspecção nos pode mostrar tiragem supraesternal, supraclavicular, intercostal ou epigástrica, indicativas de dificuldade ventilatória. Uma referência especial aos dedos em banqueta de tambor e unhas em vidro de relógio – hipocratismo digital – sinal que é frequente encontrar em várias doenças pulmonares – supurações, neoplasias, etc.mas que também se encontra em doenças cardíacas congénitas, com shunt direito – esquerdo, na cirrose hepática, em esteatorreias crónicas, na endocardite bacteriana subaguda , nas leucemias , na colite ulcerosa, etc. Há uma hiperplasia das partes moles das falangetas e encontram-se todas as formas de transição até ao quadro completo da osteoartropatia hipertrófica de Bamberger –Marie , na qual existe uma reacção hiperplástica sub-perióstica, nos ossos longos dos membros e nas respectivas articulações, especialmente dos punhos e tornozelos. As alterações costumam acentuar-se lentamente, ao longo de meses e anos, mas podem evoluir de forma mais aguda, sobretudo em situações de supuração bronco-pulmonar, endocardite bacteriana sub-aguda e neoplasia do pulmão. A patogénese é complexa, provavelmente multifactorial, como se depreende da variedade de situações clínicas que lhe podem estar subjacentes, mas é frequente surgir em situações de hipoxémia crónica e deficiente hematose, com anóxia dos tecidos periféricos e cianose frequente. Pode contudo ser uma característica anatómica idiopática, podendo ser de natureza hereditária, com transmissão dominante. Palpação
A palpação torácica é importante pois é susceptível de nos dar mais indicações do que aquelas que muitas vezes pensamos possíveis.
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Para avaliarmos a motilidade e expansibilidade torácica e a existência, ou não, de simetria nos movimentos de ambos os hemitórax, é mais fácil e correcto colocar as duas mãos espalmadas e apoiadas na região dorsal, com os dois polegares tocando-se na linha média (sobre as apófises espinhosas). Depois dever-se-á mandar o doente inspirar profundamente; se não houver alterações da expansibilidade os dois polegares afastam-se simetricamente em relação à linha média; se houver diminuição da expansibilidade (grandes derrame ou pneumotórax, pneumonia extensa) unilateral, então o polegar desse lado afasta-se menos da linha média. Por palpação das apófises espinhosas podemos confirmar ou infirmar a existência de cifose, de escoliose ou de cifoescoliose, que poderão ter repercussões sôbre o funcionamento pulmonar. Outro dado importante é a palpação da traqueia . Um desvio da linha média poderá significar empurramento, ou retracção para o lado duma eventual lesão pulmonar, e deverá ser interpretado à luz dos restantes dados semiológicos. Assim, por exemplo, se a restante semiologia indicar atelectasia quer dizer que houve repuxamento da traqueia, e se apontar para pneumotórax hipertensivo significa que houve empurramento contralateral. Um outro elemento a pesquisar é a localização do choque da ponta , o qual pode estar desviado para a linha média se, por exemplo, houver atelectasia do pulmão direito ou se houver, por exemplo, grande derrame ou pneumotórax hipertensivo esquerdos. Claro que será necessário não esquecer que o desvio do choque de ponta pode ser devido a patologia cardíaca (hipertrofia ventricular, p.e.). Será também importante pesquisar alterações da sensibilidade , alterações cutâneas e alterações das mamas . Também a palpação pode dar uma sensação vibrátil traduzindo atritos pleurais ou pericárdicos, ou devida a roncos e à presença de secreções endo-brônquicas. Um dos dados mais importantes da palpação é a pesquisa das vi brações vocais .
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Para avaliar as vibrações vocais o bordo cubital de ambas as mãos deve ser colocado simetricamente de ambos os lados da linha média, seja na região dorsal, seja na face anterior do tórax, seja nas faces laterais, procurando que assente nos espaços intercostais. Faz diminuir a transmissão das vibrações vocais tudo o que constitua um obstáculo à propagação das ondas produzidas pela vibração da coluna aérea nos brônquios. É o que sucede se há uma excessiva rigidez do tórax (por exemplo pelo envelhecimento) ou se há um aumento de tecido adiposo da parede. Nestes casos a diminuição é generalizada . Haverá também diminuição da transmissão nos casos em que há um obstáculo patológico entre a árvore brônquica e a parede. É o caso da patologia pleural, seja esta causada por derrame pleural ou por pneumotórax. Nesse caso a diminuição é localizada a um hemitórax ou a uma porção dum hemitórax. O mesmo sucede em presença de grandes massas ou cavidades pulmonares, se situadas muito próximas da pleura. Pelo contrário haverá aumento das vibrações vocais sempre que entre a árvore brônquica e a parede se interponha algo que aumente a transmissão. É o caso das condensações pulmonares , pois que o parênquima pulmonar densificado as transmite melhor. Percussão
A percussão do tórax dá-nos a sonoridade do tórax, com o seu conteúdo aéreo, quando a sua parede exterior é percutida. A percussão pode ser imediata – batendo directamente com as pontas dos dedos no tórax ou mediata percutindo com uma mão os dedos da outra mão colocada sobre o tórax Pode ser feita: 1 – Para os dextros apoiar o médio ou o indicador e o médio da mão esquerda, sobre o tórax, no local que se pretende percutir. 2 – Percutir sobre estes dedos com o médio, ou o médio e o indicador da mão direita, com pancadas secas e repetidas, mantendo o antebraço fixo, fazendo com que a percussão seja feita à custa dum movi-
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mento basculante da articulação do punho; só a mão direita se deve mover. Como alternativa, pode manter-se a articulação do punho imóvel e o movimento de percutir ser executado exclusivamente pelo dedo médio. 3 - A avaliação da percussão deve ser feita de forma sistemática, nas faces posterior, anterior e laterais do tórax, procurando colocar os dedos da mão esquerda nos espaços intercostais, fugindo das grandes superfícies ósseas, como as omoplatas. Há sempre que comparar o resultado obtido dum lado com o obtido na localização simétrica do outro hemitórax. Não esquecer que a hemicupula direita está, em regra, em posição mais elevada que a esquerda e que por baixo dela se encontra o fígado, donde a obtenção duma menor sonoridade à percussão dessa zona. O som obtido no indivíduo normal é chamado som claro pulmonar. Qualquer obstáculo, não aéreo, entre o conteúdo aéreo pulmonar e a superfície torácica, traduz-se por um som designado como macissez ou sub-macissez (se o obstáculo for incompleto). É o que acontece nas condensações ou massas intrapulmonares próximas da superfície, e no derrame pleural. Pelo contrário o aumento de quantidade de ar intratorácico (enfisema, grande cavidade, pneumotórax) traduz-se numa maior ressonância, com um timbre diferente, a que se chama hipersonoridade torácica , Obviamente que as grandes massas musculares e a adiposidade pre judicam a percussão, mas se esta for cuidadosa acaba por distinguir o normal do patológico, e a delimitação entre as duas zonas. A percussão cuidadosa permite delimitar a linha de Ellis-Damoiseau – linha parabólica de concavidade superior acima da qual há som claro pulmonar e abaixo macissez -, traduzindo o limite superior dum derrame pleural em cavidade livre e com o doente em posição supina. Quando essa curva é substituída por uma linha horizontal estamos em presença dum hidropneumotórax.
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A sonoridade timpânica obtida na percussão dum pneumotórax hipertensivo ou duma grande cavidade de paredes lisas, chama-se ressonância anfórica. Em grandes cavidades, comunicando com os brônquios, da percussão pode resultar um som, de timbre mais baixo, comparado ao ruído dum vaso rachado, quando percutido. Foi descrito por Läennec e é mais fácil de obter em expiração com a boca aberta. O ruído recorda o da saída de ar através duma fenda ou orifício. Nos grandes derrames pleurais, na percussão acima do seu limite mais elevado, pode ouvir-se um ruído agudo e vibrante que recorda o da percussão dum balão cheio de ar: skodismo . Auscultação
Deve constituir o último passo do exame torácico e os seus dados devidamente integrados nos restantes, permitem definir um conjunto de sindromas semiológicas respiratórias , as quais, juntamente com os dados de anamnese, deverão permitir colocar as hipóteses mais prováveis de diagnóstico. Dever-se-á proceder à auscultação da respiração, à auscultação de voz sobre o tórax e à auscultação peroral. AUSCULTAÇÃO DA RESPIRAÇÃO Deve ser sistemática, percorrendo simetricamente toda a face posterior do tórax, a face anterior, as paredes laterais incluindo os escavados axilares e o escavado supra-clavicular (para que seja audível o que se passa nos vértices pulmonares). A auscultação é feita durante toda a duração da expiração e da inspiração profundas, devendo estes movimentos serem efectuados com a boca aberta. Será também necessário auscultar a traqueia, para detectar eventuais obstruções localizadas.
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A auscultação deve ser feita fora das zonas ósseas pois aí o som pulmonar não é audível. Dever-se-á também ter em consideração que o suor e os pelos podem induzir sons que se podem confundir com ruídos adventícios da respiração. No indivíduo normal o que ouvimos e se designa por murmúrio vesicular mantido resulta da entrada de ar nos alvéolos e, secundariamente, da passagem de ar na árvore brônquica. No indivíduo normal a fase inspiratória – passagem de ar com importante fluxo – é mais longa do que a expiratória. No entanto se há obstrução brônquica generalizada (asma, bronquite) há redução do calibre dos brônquios e a fase expiratória é audível mais tempo, durando mais do que a fase inspiratória (expiração prolongada). A diminuição do murmúrio vesicular, não sendo devida a causas externas (obesidade, grandes massas musculares) indica dificuldade na corrente aérea respiratória ou obstáculo à transmissão do som. Pode ser generalizada como acontece no enfisema ou localizada a um hemitórax ou parte dele, como acontece no pneumotórax, derrame pleural, paquipleurite, fibrotórax, atelectasia, etc. Nas situações mais graves o murmúrio pode mesmo estar abolido. Se há um aumento do componente do ruído brônquico normal então temos modificações de murmúrio vesicular , que se podem agrupar em sopros parenquimatosos e sopros pleurais. a)– Sopros parenquimatosos audíveis nos dois tempos de respiração 1. Sopro tubário ou de condensação – devido à transmissão do ruído da traqueia (normal), até à superfície, por condensação pulmonar. É sobretudo inspiratório e é frequente nos pneumonias. 2. Sopro cavitário – resulta da existência de uma cavidade no seio da condensação, como acontece na tuberculose, modificando o timbre do sopro tubário. Predominantemente inspiratório. b) - Sopros pleurais • Sopro pleurítico – Sopro predominantemente expiratório de tonalidade suave e longíqua. Deve-se à transmissão do sopro atra-
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vés duma fina camada de liquido pleural, pressupondo pois a existência dum brônquio permeável, duma condensação pulmonar e dum derrame pleural em camada fina. • Sopro anfórico - audível nos pneumotórax sob tensão ou nas grandes cavidades pulmonares insufladas, resultando da ressonância do ruído brônquico nessa colecções de ar sob tensão, obtendo-se um ruído semelhante ao do soprar pelo gargalo duma garrafa ou para dentro de uma ânfora. Ainda como alterações do murmúrio vesicular podemos referir: • Rudeza respiratória – indicativa de alterações generalizadas da parede brônquica, como na bronquite crónica. • Respiração soprada – mais audível na inspiração, de tonalidade grave e som contínuo. É devida, muitas vezes a patologia do interstício com grandes zonas de fibrose irreversível. Para além das alterações do murmúrio vesicular podemos encontrar Ruídos Adventicios . a) RONCOS – São ruídos audíveis nos dois tempos da respiração, de tonalidade grave e que resultam da passagem de ar aos brônquios de médio e grande calibre, com irregularidades da parede, estenoses ou reduções do seu lume. Em regra modificam-se – de local e de timbre – com a tosse. Quando há um ronco fixo, que não se modifica após a tosse, então temos de suspeitar de obstrução orgânica fixa, como pode acontecer, por exemplo, numa neoplasia. b) SIBILOS – são ruídos semelhantes a assobios de tonalidade aguda e que traduzem a passagem do ar pelos brônquios alterados de pequeno calibre, ou então por brônquios maiores, mas nos quais o grande edema da parede deixa apenas uma estreita passagem. Frequentes na asma. Quer os roncos quer os sibilos são audíveis nos dois tempos respiratórios.
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c) FERVORES SUB-CREPITANTES OU BOLHOSOS – como o nome sugere são produzidos pela passagem de ar nas vias aéreas cheias de secreções, dando assim um som gorgolejante do bor bulhar de ar numa coluna de liquído. São audíveis nos dois tempos respiratórios e costumam subdividir-se em de grandes , médias e pequenas bolhas , consoante a tonalidade. São frequentes em processos patológicos brônquicos ou broncopulmonares, com aumento das secreções, como acontece na bronquite, nas bronquiectasias, nalgumas fases da pneumonia. d) FERVORES CREPITANTES – originam-se em alterações alveolares, particularmente se há aumento de liquido alveolar sendo audíveis no final da inspiração, quando se dá a expansão da parede do alvéolo. Costumam-se comparar o seu som com o do apertar de cabelos entre os dedos. Aparecem no edema pulmonar, nas pneumonias, nas alveolites, etc. e) CREPITAÇÕES – ruídos perceptíveis nos dois tempos da respiração ainda que muito mais na inspiração, parecendo ser devidos a alterações do surfactante. O som é semelhante ao produzido pelo papel celofane amachucado e aparecem nas situações em que há fibrose pulmonar. São aliás um sinal precoce nestas entidades, muitas vezes prévio às alterações radiográficas. São mais audíveis na face posterior do tórax, nos andares médios. f) ATRITOS PLEURAIS – comparados ao ranger de couro novo, são audíveis nos dois tempos da respiração, podem mesmo ser palpáveis, e traduzem o roçar dos dois folhetos pleurais, que perderam a sua normal lubrificação. g) SINAL DE HAMMAN – são crepitações finas, muito secas e superficiais, rítmicas com os movimentos cardíacos, mais audíveis sobre o esterno e face anterior do hemitórax esquerdo, durante a inspiração e a sístole. É o sinal mais característico de enfisema mediastínico.
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AUSCULTAÇÃO DA VOZ SOBRE O TÓRAX Pedindo ao doente para pronunciar palavras como trrinta-e-trrês (dobrando o r) durante a auscultação, podem procurar detectar-se alterações da auscultação da voz sobre o tórax. • broncofonia – quando a voz normal se ouve intensamente (condensações) • pectoriloquia – quando se percebem nitidamente as palavras e sílabas (condensações) • pectoriloquia áfona – perceptiveis palavras e silabas mesmo quando a voz é ciciada (acima de pequenos derrames) • egofonia – alteração de timbre de voz que fica semelhante à voz de polichinelo, ou “cana rachada”, aparecendo em pleurisias • voz anfórica – som ressonante semelhante ao que se obtém falando para dentro de uma ânfora. Aparece em cavidades. • voz cavernosa – o som fica grave, com uma ressonância como se estivesse a falar dentro de uma caverna. Aparece em cavidades de grandes dimensões. AUSCULTAÇÃO PERORAL É por vezes de grande relevância e faz-se pedindo ao doente para respirar, de boca aberta, para a membrana do fonendoscópio. • pieira oral – é frequente e traduz a acumulação de secreções na traqueia, as quais podem não ser audíveis na auscultação torácica. • estridor – som sibilante que aponta no sentido de obstrução alta. • cornage – sibilância de tonalidade mais grave do que o estridor e que, por vezes, é audível sem fonendoscópio. Traduz obstrução da porção superior da traqueia, glote ou laringe.
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Síndromes Semiológicas nas Doenças Respiratórias
Recolhidos todos os sinais da observação do aparelho respiratório é possível definir um conjunto de sindromes, que nos ajudam a determinar quais as estruturas envolvidas, e o tipo de envolvimento, permitindo pensar num conjunto de causas capazes de produzirem essa sindrome. Num passo seguinte a integração dos dados do interrogatório e dos eventuais sinais e sintomas doutros orgãos ou sistemas permitirá seleccionar as ou a causa mais provável(eis) que possa(m) justificar essa síndrome. SÍNDROME BRÔNQUICO Inspecção – movimentos torácicos simétricos, podendo estar normais ou diminuídos. Pode haver sinais de insuflação pulmonar (horizontalização dos arcos costais, aumento do diâmetro antero-posterior do tórax). Pode ser visível tiragem e evidente uma dispneia em repouso, por entrada em acção dos músculos acessórios da respiração. Palpação – vibrações vocais conservadas. Percussão – som claro pulmonar, ou hipersonoridade, se houver insuflação pulmonar. Auscultação – roncos e ou sibilos dispersos por ambos os hemitórax; a expiração pode estar prolongada, sendo o tempo expiratório maior do que o inspiratório; o murmúrio vesicular pode estar normal ou diminuído (se houver insuflação pulmonar que, no limite extremo, pode chegar à “mudez” respiratória, como acontece em ataques graves de asma). Pode acompanhar-se de fervores sub-crepitantes. Causas – significa um envolvimento predominante dos brônquios. São etiologias possíveis a asma brônquica, a bronquite aguda e crónica, as bronquiectasias, os corpos estranhos inalados e outras situações inflamatórias ou infecciosas dos brônquios.
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SÍNDROME DE CONDENSAÇÃO A condensação pulmonar resulta da perda da estrutura normal dum segmento lobo, ou pulmão, devido à acumulação de exsudado intraalveolar ou a hepatização. Inspecção – poderá haver redução de mobilidade da parede correspondente à zona afectada. Palpação – pode ser palpável uma diminuição da expansibilidade da parede correspondente à zona lesada. Haverá aumento das vibrações vocais dado que o tecido pulmonar condensado transmite melhor a vibração da corrente aérea brônquica. Percussão – por desaparecimento ou diminuição do conteúdo aéreo do segmento, lobo ou pulmão, iremos encontrar uma macissez ou submacissez . Auscultação – pelas razões já invocadas iremos encontrar uma diminuição ou abolição do murmúrio vesicular . Por maior facilidade da propagação do ruído da passagem de ar nos grandes brônquios poderemos ter um sopro tubário e pela existência concomitante de exsudado podemos ouvir fervores crepitantes. Na zona patológica poderemos ainda ter broncofonia e pectoriloquia. Em resumo a síndrome de condensação traduz-se fundamentalmente por: – aumento de transmissão das vibrações vocais – submacissez ou macissez – diminuição ou abolição do murmúrio vesicular Causas – As pneumonias e a tuberculose são as causas mais frequentes. O carcinoma brônquico também a pode dar, mas então, muitas vezes, como há obstrução de um grande brônquio, a condensação tem um caracter retráctil, com desvio da traqueia ou da ponta do coração para o lado da lesão. Igualmente o enfarte pulmonar se pode traduzir por condensação.
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Palpação – normal ou aumento das vibrações vocais se houver condensação peri-cavitária. Percussão – se tiver dimensão suficiente e estiver próxima da superfície, hipersonoridade. No entanto, se houver liquido intra-cavitário ou condensação pericavitária, pode haver sub-macissez. Auscultação – nas grandes cavidades é possível ouvir fervores cavernosos, sopro anfórico, broncofonia, pectoriloquia, voz anfórica ou cavernosa. Causas – Tuberculose cavitária, quisto hidático supurado, abcesso, neoplasia escavada, entre outras. SÍNDROME DE ENFISEMA O conceito de enfisema é anatómico, caracterizando-se por haver uma destruição difusa das paredes alveolares, com aumento do volume de gás intratorácico. Inspecção – o tórax tem as características de enfisematoso ou em barril, isto é, permanece como que em inspiração forçada, com horizontalização dos arcos costais, aumento dos espaços intercostais, aumento do diâmetro antero-posterior, abaixamento das cúpulas e, muitas vezes, tiragem inter-costal, diafagmática e supra-clavicular. Nas fases muito avançadas há, muitas vezes, considerável perda de massa mulcular, o que ainda agrava mais o desempenho da função respiratória. Palpação – aumento da rigidez torácica, perda das massas musculares e diminuição acentuada da transmissão das vibrações vocais. Percussão – hipersonoridade generalizada, redução da amplitude dos movimentos diafragmáticos.
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Auscultação – grande diminuição e quase abolição do murmúrio vesicular. Poderão ainda ser audíveis sinais brônquicos, roncos, sibilos e fervores sub-crepitantes. Causas – enfisema da doença pulmonar crónica obstructiva (DPOC) Em resumo pensamos em enfisema ou insuflação pulmonar quando houver: – tórax “enfisematoso” à inspecção – diminuição generalizada das vibrações vocais – hipersonoridade generalizada à percursão – diminuição acentuada ou abolição do murmúrio vesicular. SÍNDROME DE FIBROSE PULMONAR DIFUSA É consequência do espessamento do intertício pulmonar nos processos fibrosantes, com aumento da barreira alvéolo-capilar, e destruição das unidades alvéolo-capilares e diminuição da distensibilidade pulmonar. Inspecção – mobilidade torárica simétrica, mas reduzida. Frequente a taquipneia e a respiração feita à custa dos músculos auxiliares da respiração. Cianose nas fases avançadas da doença. Palpação – Vibrações vocais mantidas. Percussão – som claro pulmonar. Nas fases tardias da doença, com grandes zonas condensadas por fibrose macissa, ouviremos uma submacissez. Auscultação – o que é mais característico é a existência de crepitações. Pode também ser audível uma rudeza respiratória e nos estádios avançados da doença a densificação do parênquima faz com que
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seja audível uma respiração soprada . Nalgumas situações síbilos muito finos resultantes da distorção dos bronquíolos pelo processo fibrosante. Causas – Todas as doenças do interstício pulmonar.
SÍNDROME DE DERRAME PLEURAL Surge sempre que a cavidade pleural está total ou parcialmente preenchida por líquido, qualquer que seja a sua natureza. Inspecção – redução da mobilidade do hemitórax atingido. Nos grandes derrames hipertensivos pode mesmo haver abaulamento da parede. Palpação – diminuição da expansibilidade do hemitórax atingido. Abolição das vibrações vocais, abaixo da linha limite superior do derrame, e aumento acima desse limite. Desvio da traqueia e do choque da ponta para o lado oposto ao do derrame. Percussão – macissez limitada superiormente por uma linha parabólica de concavidade superior (linha de Ellis-Damoiseau). Auscultação – abolição du murmúrio na zona do derrame. É possível a existência de atritos pleurais, sopro pleurítico, egofonia e pectoriloquia áfona (ver texto). Em resumo no derrame pleural: – redução da mobilidade do hemitórax – abolição das vibrações vocais na zona do derrame – macissez limitada pela linha de Ellis-Damoiseau – abolição do murmúrio na zona do derrame. Causas – patologia infecciosa e tumoral do pulmão e da pleura, causas cardíacas, embolia pulmonar, doenças sistémicas (hipoproteinémia,
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síndrome de Meigs, pulmão reumatóide, lupus eritematoso disseminado) ou de orgãos da vizinhança (abcesso hepático, pancreatite), etc. SÍNDROME DE PNEUMOTÓRAX Traduz a presença de ar no espaço pleural. Inspecção – redução da mobilidade do hemitórax atingido. A existência de dispneia, suores, choque, ansiedade com agitação psico-motora, leva a pensar na existência dum pneumotórax hipertensivo. Nessa situação pode ser visivel um abaulamento da parede e um desvio da traqueia para o lado oposto. Palpação – diminuição da expansabilidade torácica. Desvio contra-lateral do choque da ponta e da traqueia, que se podem acentuar se se torna hipertensivo. Percussão – hipersonoridade e eventual desaparecimento da macissez hepática e cardíaca. Auscultação – ausência ou diminuição do murmúrio vesicular. Pode haver sopro anfórico, que é mais audível na inspiração, voz anfórica e tinido metálico, em situações em que há fistula broncopleural. Causas – rotura espontânea de vesículas ou bolhas sub-pleurais, ou secundária a processos patológicos (tuberculose, carcinoma) traumáticos ou iatrogénicos (toracocentese, biópsia pulmonar, pleuroscopia). Deve-se pensar em pneumotórax se houver: – redução da mobilidade dum hemitórax – abolição das vibrações vocais desse hemitórax – hipersonoridade à percussão – ausência do murmúrio vesicular.
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Nos casos de hidropneumotórax iremos encontrar macissez nas bases e hipersonoridade acima, limitadas por uma linha horizontal e, à auscultação, podemos encontrar uma sucussão hipocrática (sensação de conteúdo hidroaéreo ao movimentar o tórax do doente). Com a conjugação dos dados da história clínica com os da observação, e de recolha de sintomas, estamos então em condições de pensar quais as hipóteses de diagnóstico que melhor se enquadram nas síndromes semiológicas encontradas e, poderemos então, lançar mão da cadeia de exames auxiliares de diagnóstico adequados ao alcançar do objectivo de chegar ao diagnóstico definitivo, e correcto, da situação do doente que estamos a estudar.
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