NEGOCIAÇÃO E TEORIA DO CONFLITO, UMA ANÁLISE INTRA E INTERPESSOAL Sérgio Luiz Lacerda Mestre em Integração Latino-Americana - UFSM. Professor de Negociação e A.D.R.S. do Curso de Direito da Faculdade Internacional Internacional de Curitiba. Professor de Negociação e Arbitragem Internacional do Curso de Relações Internacionais Internacionais da Faculdade Internacional Internacional de Curitiba. Presidente do Instituto Brasileiro de Negociação Negociação – IBN. O conflito manifesta-se presente na maioria das sociedades. Sua base ontológica é da natureza do próprio indivíduo, que, ao conviver em grupos, em determinadas determinadas condições, pode produzir inúmeras controvérsias. Por essa razão, sua estrutura de conotação essencialmente sociológica, além do Direito, tem chamado atenção, também, da Psicologia Social, da Ciência Política e das Relações Internacionais. A partir dos pressupostos teóricos incidentes sobre o conflito, as sociedades atuais vêm perdendo a capacidade de influir positivamente sobre grupos e organizações mais complexas da vida social. O grupo social passou a ser concebido tão-somente como um equilíbrio de forças e não mais como uma relação harmoniosa entre os diversos órgãos de decisão. Como ensina Pitch (1980:133) “é o conflito e não o consenso ou a integração normativa que garante a manutenção do sistema e que promove as alterações necessárias para seu desenvolvimento dinâmico e estável.” É possível, então, assimilar a extensão do crime em uma sociedade. Seu desencadeamento, quase sempre, é o indicativo dos conflitos nela existentes. existentes. Conforme Siegel (1980:234) são quatro os pré-requisitos que passam a orientar a criminologia, vindo de encontro à perda da capacidade de defesa das modernas sociedades: 1º. A ordem social da moderna sociedade industrializada não tem por base o consenso, senão a dissensão; 2º. O conflito não expressa uma realidade patológica, senão a própria estrutura e dinâmica da mudança social, sendo funcional quando contribui para uma alteração social positiva; 3º. O Direito representa os valores e interesses das classes ou setores sociais dominantes, não os gerais da sociedade, aplicando à justiça penal as leis de acordo com referidos interesses; 4º. O comportamento delitivo é uma reação à desigual e injusta distribuição de poder e riqueza na sociedade. A partir dessas premissas o conflito será encarado, sempre, sobre duas possibilidades: (a) aquele de estrutura negativa, negativa, e (b) ( b) aquele que encerra reagentes positivos. Sob o modo negativo, o conflito é visto como algo prejudicial, devendo ser evitado a qualquer esforço. Em não se podendo evitá-lo deve-se, pelo menos, minimizar seus efeitos. Essa afirmativa traz à frente as ações do Poder Público ao enfrentar a violência dos grandes centros urbanos do Brasil, de um lado, valendo-se da cavilosidade política, de outro, aos sistemas de comunicação vigentes, procurando convalidar aparentes soluções junto à sociedade. Sob o ponto de vista positivo, o conflito é algo beneficente ao relacionamento humano, principalmente porque permite que as diferenças de opiniões sejam introduzidas à discussão ou ao debate, preservando sua perspectiva dialética e propiciando à sociedade elevados níveis de aprendizagem e desenvolvimento, tanto em termos pessoais quanto culturais. Associando-se a visão de Siegel à dimensão dos tipos e formatos de conflitos, suas ações podem impregnar interesses, opiniões e decisões, sob os mais diversos efeitos, na proporção que o conhecimento conhecimento e a tecnologia desenvolvidos são disseminados. Predominar as distorções e as necessidades de ajustes, sejam de interesses, sejam de ordem técnica, de opinião, ou de
consumo. Muitas vezes, a influência sobre a dinâmica social e econômica, ao enfrentar as transformações industriais e tecnológicas, faz emergir os efeitos sintomáticos de desigualdade e exclusão. O curso delitivo dos conflitos poderá se incorporar, também, de forma capciosa na dissimulação do descumprimento intencional de acordos e contratos. A contribuição que Siegel tráz incorpora aos limites sociológicos, expressão psicológica, política e econômica ao entendimento de qualquer modelo de conflito. Estreitando-se as bases da teoria do conflito e sua mecânica social, grande parte dos autores propõe que elas podem ser divididas sob duas modalidades: de um lado, sob um contexto mais cultural, de outro, em uma conformação teórica social, levando-se em conta que dentro de sua tipologia, suas origens estarão, também, envoltas a uma compreensão biológica e humana. TEORIA DO CONFLITO CULTURAL De acordo com Taft (1964:341) os conflitos, onde se inserem a criminalidade, por exemplo, são sempre causa de uma mudança social que afeta não só os padrões existentes como acabam imprimindo um novo ordenamento interno à sociedade no trânsito das ações sociais porque trazem insegurança à vida. Por isso, a compreensão que se pretende ter sobre a influência da cultura a partir de uma dimensão sociológica, pode ser o indicativo de importantes choques culturais, sob inúmeras conotações. Taft (1964:345) ensina que “A cultura quer expressar o marco cultural em sua totalidade, a escassa credibilidade de certos valores tradicionais obrigatórios, a crise de instituições herdadas, o impacto antipedagógico de determinados exemplos de grande repercussão pública, a dupla moral social e, em suma a crise moral derivada das contradições internas da cultura vigente.” Diante de tal afirmação, é perceptível tanto quanto descabido, a sociedade pós-moderna ainda permitir-se a aplicação do modo de justiça retributiva ou mesmo, para alguns sintomas do conflito social, adequar-se ao modo distributivo. Ambos os modelos, ao expor o infrator a seus ditames de controle, o faz descaracterizando-o, quase sempre, de salvaguardar o direito à cidadania, predispondo-o a estados de subserviência e de exclusão permanentes. Por isso, ensina Martinelli (1998:46) que o conflito é “o processo que começa quando uma parte percebe que a outra frustrou ou vai frustrar seus interesses.” É uma luta de posições, em que as partes na busca por regras, normas, poder ou recursos escassos, pretendem a disposição de novos valores, que se não eliminam seus oponentes, os neutralizem pelo medo, pela ameaça ou pela força. Oliveira (2004:161) “define o conflito como uma situação de competição em que as partes estão conscientes da incompatibilidade das posições possíveis, na qual, cada uma delas quer ocupar espaço ou posição, que é incompatível com a que a outra parte quer ocupar”. Ellen Márcia Carvalho explica em seu curso para mediadores, que o conflito é a “manifestação de insatisfação ou de divergência de idéias, percepções e opiniões. É, também, o manifesto de comunicação disfuncional na busca da satisfação de necessidades, de ser ouvido, de ser reconhecido e acolhido”. É centrada nessa perspectiva que as negociações, incorporadas à ideologia da teoria dos conflitos culturais, podem sinalizar diferentes naturezas, como conflitos de interesses, de necessidades, de opiniões, de valores, etc. TEORIA DO CONFLITO SOCIAL
A discussão dessa teoria possui origens tanto em vertentes de características não-marxistas e marxistas. Com as grandes transformações sócio-econômicas das sociedades modernas, altamente industrializadas e tecnológicas, que por se entenderem democráticas, no convívio social se deparam com o pluralismo das ações humanas, com antagonismos e contradições de idéias e interesses, com estratificação social, presos aos diversos modelos de exclusão. O monolitismo da ordem social, que se fundamentava na ideologia do consenso, deixa transparecer certo inconformismo e levado a reações de resistência social, quando direitos são cerceados e manipulados aos interesses evidentes de particulares. Não é desprovido de cabimento quando grupos sociais - as tribos -, ao criarem seus respectivos códigos de ética, passam a expressar força e violência para conquistar seus espaços, incluindo seu próprio estado político de acordo com seus interesses particulares, dentro de uma hierarquia de poder que torna amplamente visível a escala de seus valores. Buscando-se compreender a causa da origem dos conflitos em que estão inseridos, valendo-se, por exemplo, de movimentos como o dos Sem Terra no Brasil, sem polemizar, tampouco ideologicamente, é possível identificar que conflitos dessa natureza, mesmo fora de uma visão corporativa, têm em seu objeto a ultrapassagem eminente da consecução de um espaço tanto político quanto sócio-econômico. Dahrendorf (1959:115-127) afirmaria que “no interior da sociedade capitalista avançada, o conflito já não ocupa o centro da dinâmica do sistema social, senão seu próprio eixo de equilíbrio.” Assim, para sua interpretação o “anormal em uma sociedade dessa natureza não é a presença de conflito e sim sua ausência”. A compreensão desse dogma traz à presença o pensamento de Foucault (1985:56) sobre a distinção que se deve fazer sobre a ética como a prática de si mesmo, a partir dos elementos centrais a esse entendimento : “O sujeito não é uma substância. É uma forma e essa forma não é sempre, nem em todas as partes, idênticas a si mesma..., o que me interessa é precisamente a constituição histórica dessas formas diferentes do sujeito em relação com o jogo da verdade. É o convite a uma liberdade prática, o que incita a esta transformação. A possibilidade de dar um novo impulso, o mais vasto possível, a obra sempre inacabada da liberdade. É a possibilidade de fazer da liberdade uma questão prática e não simplesmente formal, uma liberdade, não dos atos, das intenções ou do desejo, mas a liberdade de escolher um modo de ser. Os meios de transformação serão os de uma análise crítica que reconstitua as formas do sujeito em ‘singularidades transformáveis’ Trata-se de determinar precisamente contra o que devemos lutar para liberar-nos e, acima de tudo, para liberar-nos de nós mesmos. Esta é a análise da problematização das evidências em se apóiam nosso saber, nosso consentimento, nossas práticas do qual deriva sempre um nós necessariamente temporário. O objetivo dessa transformação aberta é a prática de dizer a verdade, que uma sociedade não pode nem regular nem fazer calar, é a beleza de um traço de si mesmo, e uma atitude crítica a respeito do que nos ocorre e um desafio a todo fenômeno de dominação.” Conforme Dahrendorf (1959:115-127), “as organizações sociais existem, se consolidam e evoluem não por causa do consenso ou acordo universal , sendo em virtude da coesão e da pressão de uma sobre as outras; acrescenta que mudança, conflito e dominação são os três pilares de todo modelo sociológico.” Sob essa análise, vencer os conflitos significa a capacidade de regulá-los, controlá-los ou até suprimi-los temporalmente, mas jamais eliminá-los para sempre. Para Garcia-Pablos (2003:821) o conflito pode se transformar na canalização da segurança e da ordem social, ademais pode estimular a necessária alteração normativa, sempre que a adversidade, a falta de entendimentos, os antagonismos se apresentarem dentro de certos limites (conflito realista) e não questionem a própria legitimidade do sistema.
Em termos gerais as ações conflituosas, em sua intencionalidade, quase sempre são caracterizadas por contradição de propósitos. A divergência, por um lado, surge da intencionalidade revelada pelas ações. A intransigência, de outro, só adquire sentido no conflito porque se aplica a uma divergência. TEORIA DO CONFLITO HUMANO O conflito não se origina tão-somente da conjunção entre as relações culturais e sociais no interior de uma sociedade normatizada, como elementos isolados, mas, associando-se relativização das atitudes com padrões de comportamentos, na essência estrutural das relações humanas. No entendimento mais objetivo sobre o trânsito do conflito no âmago das relações humanas, há uma cronologia sintomática representada por níveis de conflitos quem revelam a possibilidade de se avançar para o desconforto da intransigência e da divergência, quando os antagonismos precipitam o fechamento em posições o direito das partes. Supondo-se que o ser humano em seu primeiro estágio de vida, conflite pela sobrevivência, ainda que ao longo de sua vida utilize os aparatos tecnológicos gerados pela moderna sociedade industrial capitalista, indubitavelmente, estará sempre em luta pela sobrevivência. Contudo, é possível encarar-se um ato dessa natureza como natural, na medida em que as condicionantes de sua existência sejam resultantes de procedimentos comuns, em que todos os seres humanos, ao gozarem dos mesmos direitos e de liberdade, não sejam impedidos de acessá-los na proporção de suas efetivas necessidades. Por exemplo, é sabido que a produção de riquezas, a formação da renda e sua distribuição e a geração de empregos, não caminham livremente em direção ao acolhimento social. Verificase, obrigatoriamente, a prevalência da luta de interesses, ou como afirmava Marx, da luta de classes, estruturando os limites do poder, entre os segmentos que detém maior parcela de poder econômico em detrimento dos que se apropriam da menor. A humanidade, ao longo de sua história, tem demonstrado que a maioria dos seres humanos ainda enfrenta muita dificuldade em transitar entre o altruísmo e o egoísmo. Levando-se em conta o direito à vida, em casos extremos, o indivíduo poderá colocar de lado os mais estreitos fundamentos da moral, para manter seu instinto mínimo de sobrevivência. Objetivamente o conflito humano possui características que lhe é peculiar. O que é exceção no mundo animal, vem a ser excessivamente freqüente no mundo dos humanos: destruir ou destruir-se, mesmo tendo prazer nisso. Ao se transpor a consciência humana para níveis internos da racionalidade, as partes conflitantes deparar-se-ão com sua estrutura ética, ou como alinha Foucault com a extensão das relações humanas, ao interpretar ética como a prática de si mesmo. O conflito humano tem sua origem na psicogênese da personalidade, em seu caráter intrapessoal para assimilar as diferenças, os pré-conceitos e deficiências de relacionamentos. O confronto entre as forças internas impulsivas, em sua maioria opostas, transversais, criando movimentos conscientes revelados pelo medo, pela insegurança, pela perda ou pela revolta serão expressos exteriormente por estados ou atos de controle, de domínio, “do jogo escondido”, ou mesmo de premeditar a exclusão. Como afirma Ellen Márcia Carvalho, em seu curso de mediadores, “o conflito entre a razão e a emoção, se dá por meio da estruturação do sujeito, seus mecanismos de defesa, seus valores e desejos”. A psicogênese da personalidade poderá revelar também o outro caráter, aquele de conotação interpessoal. Este formato se dá entre pessoas e grupos, podendo atingir toda a extensão social e política de uma sociedade. A partir, então, na dimensão psíquica e mental do indivíduo nas relações humanas, o trânsito
do conflito será do intrapessoal para o interpessoal. Diante disso, nas negociações, as partes envolvidas ficarão literalmente expostas a essas duas realidades e é a partir delas que serão ou não construídos os acordos. Conflitos são inerentes ao convívio humano, eliminá-los é impossível devido a materialidade ter foco cultural. A forma de se reconhecer o conflito e o conflitante determina as normativas que serão aplicadas em sua administração. Reconhecê-los como fator positivo, capaz de fomentar e oportunizar novos caminhos serão possíveis, se as partes litigantes resolvê-los de forma pacífica, produzindo resultados que os fidelize ao compartilhamento de interesses e de resultados comuns. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não obstante ao que foi exposto, o conflito deve ser para o negociador o caminho do entendimento, quanto à solução do impasse o será para as partes. No entanto, o relacionamento humano no contrato social preso a componentes sócio-econômico e tecnológico, promove o individualismo social, o pragmatismo corporativo e a competitividade em busca de valores únicos e extremos. Esses paradigmas tornam indispensável à criação de estratégias capazes de neutralizarem os conflitos advindos das distorções que nascerão das diferentes capacidades de compreendê-los e de administrá-los. Caberá ao negociador sempre muita habilidade e astúcia. A capacitação será sempre de extrema utilidade, como a escolha por onde buscar o conhecimento. REFERÊNCIAS 1. DAHRENDORF, Ralf Class and Class Conflict in Industrial Society. Stanford: Stanford University Press, 1959. 2. MARTINELLI, D. P. e ALMEIDA, A. P. de Negociação e Solução de Conflitos do impasse ao ganha-ganha através do melhor estilo, São Paulo, Editora Atlas S.A., 1998. 3. OLIVEIRA, Odete Maria de Relações Internacionais estudos introdutórios, Curitiba, Juruá Editora, 2004. 4. PITCH T. Teoria de la desviación social. Nueva Imagen, Mexico, 1980. 5. SIEGEL, Larry. J. Criminology: theories, patterns ant typologies, 4th Thomson Publishing Company, 1998. 6. TAFT, Donald R. Criminology 3 th, NY, Macmillan Pub Co, 1964. 7. FOUCAULT, P L’ethique du souci de soi comme um pratique da la liberte, Concórdia Internationale Zeitschrift für Philosophie, n. 6, 1984. 8. ______________What is Enlighnment? Foucault Reader, New York, Penthéon, 1984. 9. ______________ L’impossible prison.Paris: Ed. du Seuil, 1980.