u e r b A o i P a a t s i v e r t n E
Nascemos para ser manipulados
Psiquiatra, professor, escritor, mas, sobretudo, um espírito inquieto. Aos 62 anos, Pio Abreu pode falar de tudo um pouco: desde a sua experiência precoce na política, na psiquiatria e mesmo na hipnose, até ao envolvimento profissional, há 3 anos, no processo Casa Pia. Reparte o seu tempo entre os Hospitais da Universidade de Coimbra, a Faculdade de Medicina e a Sociedade Portuguesa de Psicodrama. Confessa não gostar do protagonismo, mas revela satisfação por ter recebido, este ano, o prémio italiano “Città delle Rose” pela obra Como tornar-se doente mental . Prestes a lançar um novo livro, Pio Abreu partilha memórias e “estórias” de vida tão diversas como os seus interesses. por Ana Rita Faria
O seu nome ficou muito associado ao livro Como tornar-se doente mental , que tem tido uma grande receptividade por parte do público. Esta obra foi um ponto de viragem na sua carreira de escritor? Na altura em que o publiquei, houve uma certa polémica com um colega meu, Allen Gomes, que disse que o meu nome tinha ficado ligado a este livro, e a este título. E tinha razão, pois publiquei outras coisas que são, de facto, melhores e mais sérias. Mas que não são lidas. Contudo, não penso que Como tornar-se doente mental seja um livro jocoso ou irónico. O livro é sério. O que lá está escrito é mais ou menos o que penso em termos da correspondência entre os mecanismos psicopatológicos. Mas, por exemplo, escrevi um outro livro, O tempo aprisionado – ensaios não espiritualistas sobre o espírito humano , que, como tem
este título, ninguém o leu. Vou tentar reeditá-lo com um outro nome – A fenomenologia da se xualidade . Assim vende-se [ri-se].
Tentou então adaptar Como tornar-se doente mental ao mercado? Num outro livro meu, Comunicação e Medicina , explico um dado óbvio: vivemos num excesso de infor-
mação, e portanto o problema não é explicar aquilo que nós pensamos e sim chegar ao público. Não há comunicação sem a relação com o auditório. E então precisa-se do polémico, do paradoxal, daquilo que Milan Kundera fala em A Arte do Romance : “o leitor tem de ser apanhado no primeiro parágrafo”. Por isso usei todos esses truques da comunicação no livro.
Crê que “de médico e de louco todos temos um pouco”? No livro, é como se sancionasse essa ideia… Sim, isso é verdade. É interessante int eressante ver que, entre as pessoas que gostaram imenso do livro, estão muitos actores e pessoas ligadas à cenografia e dramaturgia. E o que eles disseram é que os seis tipos apresentados no livro [fóbico, paranóico, obsessivo-compulsivo, histriónico, maníaco-depressivo, esquizofrénico] correspondem aos seis tipos de personagens mais importantes em toda a dramaturgia. Mas não era essa a minha intenção. Não escrevi um livro sobre a natureza humana, mas sobre as doenças psiquiátricas. Mas a ideia que as pessoas têm é de que é um livro sobre a natureza humana. Quis que este livro fosse psicoterapêutico: que as pessoas com determinadas patologias,
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lendo o livro, pudessem melhorar, ao perceberem o caminho em que estão envolvidas.
Concorda com o psicólogo Óscar Gonçalves quando ele diz, no prefácio a Como tornar-se doente mental , que a doença mental é a mais ficcionável de todas as fenomenologias clínicas? Não é tão ficcionável assim. Podemos encenar uma doença psiquiátrica, mas isso não quer dizer que fiquemos doentes. Agora os que ficam doentes, realmente ficam doentes. Perdem a liberdade até de encenar outras doenças. Ou de serem outras pessoas. Fazem aquilo e só aquilo. Entram naquela personagem e depois há um ponto irreversível, em que não conseguem voltar atrás. Hoje em dia é mais fácil, ou menos difícil, tornar-se doente mental? Há mais condições para isso hoje do que no passado? Penso que sim. Vivemos numa sociedade muito complexa e difícil de entender. As pessoas perderam muito o sentido de futuro, e estão constantemente a perder. Não conseguem fazer expectativas, as coisas são imprevisíveis. Ao mesmo tempo, há grupos de marketing concentrados em manipular e robotizar as pessoas. Portanto a capacida-
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de de reflexão e crítica fica anulada. E a tendência de as pessoas passarem várias horas por dia em frente à televisão é verdadeiramente desorganizadora da vida mental. Vivemos num excesso informativo, sem referências. E há ainda a perda do sentido de comunidade e da partilha. Mas isso é importante na natureza humana, pois somos animais comunitários. Precisamos de nos compreender uns aos outros e de saber que o outro tem as mesmas informações que nós. A natureza humana está a mudar.
Se tivesse de escolher uma doença mental, qual escolheria? Seria fóbico, paranóico, maníaco-depressivo…? [exclama rindo] A mania, a mania! Mas só queria se fosse só maníaco. São pessoas muito engraçadas e interessantes… e felicíssimas! O problema está aí. O que vê como grandes sucessos nos seus cerca de 40 anos de actividade profissional? Os grandes sucessos foram todas as pessoas que ajudei. Não são grandes sucessos, são pequenos sucessos, sucessos diários. E não só as que ajudei, mas as que ensinei também.
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Alguma vez sentiu que fracassou ou se sentiu frustrado? Sim, os médicos sentem muito isso, sobretudo a sensação de impotência. Volta e meia somos confrontados com a morte. Mas isso também nos ajuda a perceber que não somos omnipotentes. Temos fracassos, mas ajudam-nos a aprender. Como dizia o Dalai Lama: “se algum dia perderes, não percas a lição”.
Mas no livro
Se pensa isso, por que não doente mental diz que sente desenvolve uma maior intervenque era “tola” a “ilusão” de que ção política? Parece quase fugir “melhorando as pessoas até dos palcos políticos… A intervenção política é difícil a sociedade melhoraria”. porque há regras e instâncias que Por que diz isso? Eu também tive uma vivência não controlamos. Este liberapolítica, de intervenção e de lismo acéfalo e predador é pura cidadania. E percebi, de facto, e simplesmente o oxigénio que que é mais fácil mudar o individual nós respiramos. É difícil intera partir do social, do que o social vir, e não se pode intervir de a partir do individual. um momento para o outro. Como tornar-se
Não gosto muito do protagonismo, aliás temo-o. Mas estou dentro do Partido Socialista, sou membro da Margem Esquerda e faço alguns artigos de opinião que às vezes têm algum impacto. Prefiro não me envolver muito nestas coisas e manter o meu espírito crítico, embora às vezes me cale, e neste momento estou calado.
A psiquiatria pode humanizar a medicina Só conhecemos uma ínfima par- nacionais para usar o seu medite do cérebro humano. Partindo camento, sem critérios e sem desse pressuposto qual é o actual um conhecimento da fisiologia. nível de desenvolvimento da psi- E às vezes exageramos e damos demasiados medicamentos às pesquiatria? Neste momento, existem dados soas. para poder fazer uma ideia global do modo como funciona o cérebro Mas é possível mudar essa humano e do modo como funcio- concepção de doença como namos em relação com o cérebro “tubo de ensaio”? humano. Constantemente saem Acho que é possível, desde que dados na literatura científica, mas consigamos ter aquilo que cada são dados parcelares. Falta fazer vez existe menos: uma capacidade uma integração. crítica. Mas então a psiquiatria ainda está longe da maturidade plena? [Pausa] Na prática está, em teoria não tanto. Nas técnicas utilizadas, é isso que quer dizer? Em técnicas, em tratamentos. Porque usamos os medicamentos, mas nem sempre os usamos bem. Existe muita pressão das multi-
Nesse sentido, a psicologia poderia ser mais indicada do que a psiquiatria no tratamento de algumas doenças? Afinal, os psicólogos não podem receitar medicamentos… Sim, por vezes a psicologia podia ser mais indicada. Mas a grande questão é que quando fazemos quer psicologia, quer psiquiatria, lidamos com o espírito, a alma
das pessoas. As religiões também lidam com isso. E existe muito a tendência para as próprias teorias psicológicas se transformarem numa religião, com crenças arreigadas. Deste modo, as discussões começam a ser mais ideológicas do que científicas. E uma discussão ideológica é paranóica, enquanto numa discussão científica as pessoas ouvem-se umas às outras. Ora, tanto a psiquiatria como a psicologia estão muito impregnadas de questões ideológicas e religiosas.
Em que tipo de doenças mentais a psicologia poderia ser mais indicada? Nas doenças que podem acontecer a todos nós: as fobias, as depressões… Em quase todas. Mas os psicólogos deviam trabalhar com os psiquiatras, pois andamos todos à procura
do mesmo. Quando há separação de campos, e quando lutamos uns contra os outros, está tudo estragado. Mas penso que a psiquiatria está muito ligada à medicina. Não a vejo como uma especialidade médica, e sim como um dos três ramos da medicina, juntamente com a cirurgia e a medicina interna. A cirurgia lida com a matéria, a medicina interna lida com a energia, e a psiquiatria lida com a informação. Talvez o grande futuro da psiquiatria seja ligar-se mais à medicina e ajudar a medicina a não ver as pessoas segmentadas, mas sim como uma pessoa completa e global. Portanto, a psiquiatria pode humanizar a medicina, que neste momento também corre muito risco de se desumanizar.
A memória não é um vídeo que a gente gravou Estivemos este tempo todo a falar da sua profissão, e ainda não fiz uma pergunta fundamental: por que é que escolheu a medicina, e nomeadamente a psiquiatria? [Grande suspiro] A minha família queria que eu fosse para engenha-
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ria, mas escolhi muito cedo a medi- saber como funcionava a natureza Freud… Lia muita coisa tamcina e gostava muito da psiquiatria. humana, tinha de saber como bém sobre hipnose e escritores Aos 15 anos, já lia muitos livros funcionava o organismo humano. como Sartre. sobre psiquiatria e decidi que que- Logo, tinha de ser médico. ria investigar a natureza humana. Alguma vez praticou hipnose? Na altura, a psicologia não esta- Aos seus 15 anos o que é que lia? Sim, aos 17 anos. va organizada e, portanto, para Aos 15 anos já lia Carl Jung,
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quando se estuda cientificaPraticou com quem? Com os colegas da escola em mente essa questão, descobre-se Santarém. A certa altura, alguém que as memórias são alteradas. descobriu que eu sabia umas Asmemóriasinduzidaspelahipnose coisas de hipnose e pediu-me podem conter elementos que as para fazer. Mas, depois, isso pessoas vão buscar à sua história, tornou-se muito complicado mas têm outros que são sugeridos. para mim, porque gerou um A maior parte das vezes, são falsas ambiente social patológico. memórias. As pessoas solicitavam-me constantemente para fazer experiên- A memória foi também uma cias, e cheguei a ficar doente com questão que se levantou no uma úlcera por causa disso. processo Casa Pia, quando foi E depois entrei para Coimbra com solicitado o seu parecer de essa fama da hipnose. Ainda agora especialista em relação aos alegahá muita gente que se lembra disso. dos abusos sexuais de menores… Na altura, a hipnose era conside- Na altura, fiz um estudo sobre rada esotérica. Mas é um instru- a memória e actualizei-me sobre mento importante para qualquer os seus processos. Porque, de facpsiquiatra, embora levante vá- to, aquilo que se sabe hoje sobre rias questões, como a criação a memória é completamente difeda dependência dos outros em rente do que se pensava há 20 relação a nós e a facilidade em anos. Na altura da Casa Pia, manipular as pessoas. De facto, a prisão preventiva de Paulo nascemos para ser manipulados. Pedroso [em Maio de 2003] tinha sido decidida pelo juiz Rui Teixeira E hoje ainda recorre a essa téc- com base em perícias psicológicas, que diziam que as crianças estavam nica? Não, não quero, não gosto. Estou a contar a verdade. Mas as perísempre a lutar contra isso, porque cias psicológicas não tinham pés vejo que as pessoas são muito ma- nem cabeça: estavam erradas e nipuláveis e dou muito valor à li- mal feitas. Era uma aldrabice berdade individual e interpessoal. completa. Já na altura, muita Podemos conseguir mudar uma gente dentro da área judicial pessoa com a hipnose, mas é internacional chamava a atenção muito efémero, porque as pessoas para a falibilidade da memória acabam por reagir contra isso. humana e para a possibilidade Uma pessoa só muda o seu de criar falsas memórias. Estes comportamento quando é ela processos de suspeita de violação, própria a decidir mudar. Além que afinal não são violação, disso, existe muito a ideia de que já são conhecidos há muito empo a hipnose serve para reavi- por todo o mundo. Mas agora var memórias esquecidas. Mas existe na justiça uma prova que se
sobrepõe às outras: a prova do ADN. A nossa memória é a coisa menos fiável que pode existir. A memória não é um vídeo que a gente gravou.
E que processos de manipulação da memória podem ocorrer? Na altura da Casa Pia foi evidente: basta colocar sistematicamente os arguidos a aparecer ou a falar na televisão. Outro modo de induzir memórias é apresentar, às alegadas vítimas, line-up’s em fotografias simultânea.Temos, então, o problema das fontes de memória. Para me lembrar dos acontecimentos, visualizo-os. O problema é saber se essas imagens dos acontecimentos me entraram na cabeça devido a factos reais ou a fotografias, se entraram na altura em que supostamente ocorreram ou a posteriori . E, depois, houve também uma construção social da verdade, que foi uma aldrabice completa, mas que influenciou toda a gente, inclusive as próprias crianças e vítimas. Para além disso, há também formas de perguntar que induzem a resposta, sobretudo a crianças, jovens, ou a pessoas cuja memória já está perturbada devido a uma série de experiências, como acontecia com os miúdos alegadamente vítimas de abuso. Vi isso nos testes e depoimentos das alegadas vítimas de Paulo Pedroso. Penso que ajudei a desmontar aquela aldrabice toda, montada com a colaboração de alguns psicólogos e até psiquiatras,
muito ingénuos e ignorantes, ou então ligados a escolas do pensamento psicológico muito ideológicas. Quando o parecer sair cá para fora, se sair, talvez as pessoas possam perceber o fundamento desta opinião.
Qual foi a imagem que ficou da Casa Pia na sociedade portuguesa? Que consequências? Foi uma coisa horrorosa. Foi de facto um golpe de estado contra o líder do PS na altura [Ferro Rodrigues]. Há muita coisa neste processo que quando se descobrir… O problema é que este processo envolve muita gente, mas também, e sobretudo, esconde muita gente. Mas foi um golpe de estado, que criou um sentimento de depressão e tristeza. Veja o caso do Carlos Cruz: houve uma sensação de perda de uma das pessoas mais amadas do país. E, sobretudo, houve muita satisfação do Durão Barroso, que usou o processo Casa Pia para dizer aldrabices e vir com a história da “tanga”. Deprimiu ainda mais o país com essa história e depois imolou-se pelo fogo, pois a seguir foram aqueles fogos todos que incendiaram o país! [ri-se] Foi terrível! E depois ainda houve aquela violação da privacidade das pessoas, em que tudo saltou para a televisão de uma maneira incrível: os depoimentos dos miúdos, às vezes completamente falsos, saltaram para os jornais.
Absolutamente um espírito inquieto Continuando com as memórias, prio cheguei a viver numa, o Palá- tação. Que principais recordações mas desta vez as suas… Nasceu cio da Loucura. E foi dessa lhe ficaram desses tempos? em Santarém, depois veio tirar República, e sobretudo da dos Pyn- As recordações são de grande satiso curso em Coimbra… Por que é -Guyns, que nasceu a crise de 69. fação e de grande realização. Depois da crise de 69, tive de ir de que escolheu esta cidade? Coimbra tinha muito aquela mís- Na altura esteve bastante envol- castigo para a tropa, estive na guertica das Repúblicas… Eu pró- vido nesse movimento de contes- ra colonial na Guiné, onde con-
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tinuei a conspirar. Mas foram tempos que valeram a pena. Há quase uma sensação de participação colectiva de toda uma geração na história. Cada um fez muito e todos fizemos muito. E depois tudo desembocou no 25
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Se hoje fosse estudante, voltaria das mulheres, a sua capacidade de a lutar, como no passado, pelos saírem do buraco. objectivos propagados actual Volvidos todos estes anos, como mente? Continua a ser um espírito in vê hoje o movimento de contesta- Todos os que fizeram a crise de quieto? 69 lutaram contra os dirigentes Absolutamente. E desde logo conção que encetou no passado? Uma coisa deliciosa. Tive o privi- instituídos na altura, muito lidera- tra o domínio feminino em todas légio de sentir que estava no sítio dos pelo partido comunista. Foi um as instâncias, pedagógicas, jornacerto, à hora certa, a fazer as coisas movimento que pretendia ser cada lísticas, médicas… [ri-se]. certas. vez mais abrangente: dos estudan- Devia existir discriminação posites para a cidade, e da cidade tiva na Assembleia da República, O que pensa do movimento para o país. E conseguimos fazê-lo nos órgãos de poder, para as mugraças a uma luta terrível contra lheres. Se bem que as mulheres não estudantil dos dias de hoje? Dedica-se a coisas muito secun- essa gente que queria a liderança vão para lá porque são demasiado dárias, não existe uma visão em do movimento. Se hoje fosse estu- espertas, e sabem que ali o poder profundidade das coisas, é mui- dante, continuaria a fazer isso: lu- é muito efémero. [ri-se] Mas tamto conflituante e acaba por ser tar contra os dirigentes de carreira, bém devia haver discriminação muito levado pela televisão. Ficam contra os líderes auto-propostos, positiva para os homens. O equilíà margem questões substanciais, contra as pessoas manipuladas brio entre os sexos é fundamental como o ensino que não dá por outras instâncias, contra as em todas as actividades. Vou publiqualificações, os cursos que criam pessoas que querem ter uma glória, car agora um livro sobre isso, sobre estudantes para o desemprego, afinal de contas, efémera, à conta o problema da identidade. Vou pôr a universidade que não presta e de coisas que não são substanciais. os genes a falar na primeira pesque se está a borrifar para os soa, bem como a cultura. alunos. Mas aquilo de que as pes- Para si, qual foi a principal consoas se lembram é da imagem de quista do movimento de contes- Para além do novo livro, que um miúdo a ser arrastado pela tação juvenil de 69? outros planos tem para o futuro? polícia, mostrada pela televisão. A crise de 69 clarificou o regime. Não sei. Ainda não sei se me vou É espantoso como todos os estu- Pensava-se que o Marcelo Caetano, reformar. dantes continuam agarrados a essa que governava na altura, iria fazer história. E os líderes estudantis a esperada transição, mas não fez. Mas se se reformar pretende propagam essa ideia, falam nisso Em termos de conquistas humanas, continuar ligado à psiquiatria? constantemente, e os estudantes a maior em todos estes movimentos Sim, pretendo continuar ligado à aceitam. da década de 60 foi a emancipação psiquiatria, à escrita, e sobretudo de Abril, que foi a última revolução romântica da Europa.
fazer mais contactos. Estou de facto farto de Coimbra.
Porquê? Porque estou cansado da pequena Coimbrinha, da Coimbra da Universidade, que é uma feira de vaidades, e de cada Coimbrinha que vive na inveja dos vaidosos. Em Coimbra, transporta-se a história dos estudantes e futricas para todas as instâncias e estas duas personagens tornam-se um problema cultural a vários níveis. A guerra entre os médicos hospitalares e os médicos professores, que não faz sentido nenhum num hospital universitário, mas que existe. Na Câmara Municipal, há guerras para saber quem é mais importante: se o reitor da Universidade, se o presidente da Câmara. Dentro do próprio partido a que pertenço, já vi altos responsáveis dizerem que ganham eleições contra a universidade. Isto não tem sentido nenhum. A Universidade vive de costas voltadas para a cidade, e a cidade para a Universidade. Se a autarquia não se ligar à Universidade, e se a Universidade não se ligar à Câmara e à própria iniciativa privada, está tudo perdido.
A nossa memória é a coisa menos fiável que pode existir. A memória não é um vídeo que a gente gravou.
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