0 capa Lopes Siqueira.pdf 1 O Complexo Dentino-Pulpar.pdf 2 Patologias Pulpar e Perirradicular.pdf 3 Alterações Patológicas Simulando Patologia Endodônticas.pdf 4 Microbiologia Endodôntica.pdf 5 Diagnóstico em Endodontia.pdf 6 Preparação para o tratamento endodôntico.pdf 7 Anatomia interna, cavidade de acesso e localização dos canais.pdf 8 Fundamentação Filosófica do tratamento endodôntico.pdf 9 Instrumentos Endodônticos.pdf 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares.pdf 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos Fundamentos Teóricos e Práticos.pdf 12 Acidentes e Complicações em Endodontia.pdf 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares.pdf 14 Medicação Intracanal.pdf 15 Materiais Obturadores.pdf 16 Obturação dos Canais Radiculares.pdf 17 Retratamento Endodôntico.pdf 18 Cirurgia Perirradicular.pdf 19 Emergências e Urgências em Endodontia.pdf 20 Analgésicos em Endodontia.pdf 21 Antibióticos em Endodontia.pdf 22 Traumatismo Dentário.pdf 23 Reabsorções Dentárias.pdf 24 Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta.pdf 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia.pdf 26 Síndrome do Dente Rachado.pdf 27 Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico.pdf
O Complexo Dentino-Pulpar
Capítulo
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Andréa Braga Moleri Luiz Carlos Moreira Doralina do Amaral Rabello
INTRODUÇÃO O conhecimento sobre a formação, estrutura e função do esmalte, dentina, polpa, cemento, ligamento periodontal e osso alveolar é clinicamente importante e frequentemente decisivo para a preservação dos dentes e tratamento dentário bem-sucedido. Neste capítulo serão descritas as características morfológicas e funcionais do complexo dentino-pulpar e os aspectos que, correlacionados com a atividade clínica, possam subsidiar o profissional que deseja fundamentar em bases biológicas os procedimentos da prática odontológica.
As características dos tecidos dentais dependem do método usado para preparar o espécime. Assim, nos cortes por desgaste do dente, o tecido conjuntivo pulpar e o ligamento periodontal são eliminados, obtendo-se um material transparente. No caso dos dentes preparados com agentes descalcificadores, o tecido conjuntivo não calcificado é mantido, mas o esmalte altamente mineralizado se perde (Fig. 1-1A e B). A polpa e a dentina formam a verdadeira unidade biológica, conhecida como complexo dentino-pulpar por seus aspectos embrionários, estruturais e funcionais. Embriologicamente, dentina e polpa se originam da papila dental. Estruturalmente, os corpos dos odontoblastos se localizam na interface entre a polpa e a dentina, e seus alongados processos citoplasmáticos, os processos odontoblásticos, se localizam no interior dos túbulos dentinários, percorrendo grande extensão da dentina; funcionalmente, os odontoblastos são responsáveis pela formação e manutenção da dentina, que, por sua vez, protege a polpa. Por essas razões, dentina e polpa são consideradas uma estrutura integrada, denominada complexo dentinopulpar.
CARACTERÍSTICAS GERAIS A
B
Figura 1-1. Cortes de dentes obtidos por meio de desgaste (A) e por meio de descalcificação (B).
A dentina constitui o tecido mineralizado que forma o maior volume do dente. A porção coronária é recoberta por uma camada de esmalte, e a região radi-
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Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
cular é revestida pelo cemento. Interiormente, a dentina delimita uma cavidade que contém a polpa dental (Fig. 1-1A e B). Como o esmalte é translúcido, a dentina brancoamarelada é a responsável pela cor do dente, que varia de acordo com o grau de mineralização, idade, pigmentos endógenos e exógenos. Quando a polpa perde a vitalidade, a cor do dente se modifica. Após a extirpação pulpar ou mesmo pela ação de alguns medicamentos usados no tratamento endodôntico, o dente se torna acinzentado. As hemorragias pulpares decorrentes de traumatismos, como sequelas de tratamento endodôntico ou fraturas dentárias, podem deixar a coroa enegrecida. A dentina é um tecido menos mineralizado do que o esmalte e mais mineralizado do que o osso e o cemento. As diferenças entre dentina, esmalte e osso podem ser observadas nas imagens radiográficas com diferentes graus de radiopacidade; no entanto, dentina e cemento apresentam grau de radiopacidade semelhante. A elasticidade da dentina compensa a rigidez do esmalte, evitando que ele frature ao amortecer os impactos mastigatórios. Sua permeabilidade é outra importante característica, pois a presença dos túbulos dentinários permite a penetração relativamente fácil de elementos externos, tais como micro-organismos. A cavidade pulpar é dividida em câmara pulpar coronária e canais radiculares. A forma da câmara pulpar corresponde à da coroa do dente, com extensões para as extremidades incisais e topos das cúspides. Essas extensões contêm os cornos pulpares. A camada de dentina oclusal forma o teto da câmara pulpar. Nos dentes multirradiculares, a dentina inter-radicular forma o assoalho da câmara pulpar. O sistema de canais radiculares pode variar muito na forma e número, e seu curso individual é imprevisível. A polpa dental é um tecido conjuntivo frouxo de consistência gelatinosa que, no forame apical, se comunica com os tecidos periodontais. Por estar alojada em uma rígida estrutura calcificada, a polpa não pode expandir-se, e assim, quando inflamada, desencadeia um processo doloroso com características que, muitas vezes, podem indicar o grau de comprometimento pulpar. Os forames apicais de dentes recém-erupcionados são amplamente abertos, e tardiamente, com a completa formação do ápice, tornam-se mais estreitos. O tamanho e a direção dos canais próximos ao ápice são determinados pelo curso e arranjo dos vasos sanguíneos que entram e saem da polpa. O estudo detalhado da anatomia interna dos dentes é feito mais adiante.
ESTRUTURA DO COMPLEXO DENTINO-PULPAR Dentina primária A dentina do manto e a dentina circumpulpar, que se formam até o fechamento do ápice radicular, constituem a dentina primária.
Dentina do manto A dentina do manto é a primeira dentina sintetizada pelos odontoblastos recém-diferenciados, localizada abaixo do esmalte e do cemento (Fig. 1-2). Espessas fibras de colágeno dispostas de forma ordenada e regular formam a matriz orgânica. A dentina do manto, menos calcificada do que a circumpulpar, contém as ramificações terminais dos túbulos dentinários e, por isso, eles são mais numerosos nessa localização.
Dentina circumpulpar A mineralização da dentina começa na dentina do manto a partir de vesículas de matriz. Em seguida, a mineralização progride para as fibras colágenas e formam-se glóbulos de calcificação (ou calcosferitos), que coalescem deixando pequenas regiões de dentina interglobular como áreas hipomineralizadas (Fig. 1-3). Após a mineralização da dentina do manto, os odontoblastos começam a se deslocar centripetamente
Figura 1-2. No corte por desgaste são observadas a dentina do manto (DM), a dentina circumpulpar (DC), as quais constituem a dentina primária, e a pré-dentina (PD). A região escura indica a dentina afetada por prolongamentos odontoblásticos degenerados e se denomina tratos mortos ou dentina opaca.
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Figura 1-3. O limite entre a pré-dentina e a dentina está indicado entre as setas. A dentina apresenta a matriz intensamente corada pela hematoxilina, tornando os calcosferitos bem evidentes.
e a depositar a dentina circumpulpar, que constitui o maior volume do dente e se estende até a pré-dentina. O processo de mineralização torna-se mais regular, e as regiões interglobulares, menos evidentes.
Túbulos dentinários Os túbulos dentinários são estruturas cilíndricas delgadas que se estendem por toda a espessura da dentina desde a polpa até a união amelodentinária ou cementodentinária (Fig. 1-4A e B). Os túbulos são
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formados por uma parede de dentina e dentro deles se encontram o líquido tecidual (fluido dentinário) e o prolongamento principal dos odontoblastos (processo odontoblástico). A configuração dos túbulos indica o curso seguido pelos odontoblastos durante a dentinogênese. Na dentina coronária, eles seguem um trajeto ligeiramente sinuoso em forma de S desde a superfície externa da dentina até a periferia da polpa, como podemos observar na Fig. 1-4A. Como a superfície da dentina é maior na junção com o esmalte do que próximo à polpa, os túbulos estão mais próximos entre si na região adjacente aos corpos dos odontoblastos. Como resultado desse apinhamento, há mais túbulos dentinários por unidade de superfície próximo à polpa (aproximadamente 45.000 por mm2) do que nas regiões mais externas da dentina (de 15.000 a 20.000 por mm2). Na região radicular, os túbulos apresentam curvatura pouco pronunciada, e próximo ao ápice são praticamente retos. Os túbulos dentinários ramificam-se em um sistema canalicular com diferentes diâmetros e numerosas anastomoses. As ramificações de maior diâmetro são as ramificações terminais dos túbulos e ocorrem com maior frequência na dentina radicular do que na dentina coronária. A natureza tubular da dentina torna esse tecido permeável, favorecendo o desenvolvimento de processos cariosos e acentuando a resposta da polpa aos procedimentos restauradores. Nos dentes descalcificados e preparados para observação à microscopia de luz é possível observar as estruturas tubulares nos cortes longitudinais, que se apresentam como orifícios nos cortes transversais (Fig. 1-5A e B).
Dentina intratubular (peritubular)
A
B
Figura 1-4. Em A, as setas indicam regiões hipomineralizadas de dentina interglobular em dente preparado por desgaste. Observa-se a curvatura em S provocada pela movimentação dos odontoblastos durante a formação dos túbulos dentinários. Em B, numa visão mais aproximada, a junção amelodentinária apresenta-se como uma linha festonada.
Os túbulos dentinários estão limitados por uma parede denominada dentina intratubular altamente mineralizada e nitidamente demarcada da dentina intertubular. A dentina intratubular se deposita centripetamente em relação ao túbulo dentinário de maneira lenta e gradual. As regiões dentinárias submetidas a estímulos persistentes e não muito graves, como as cáries de evolução lenta, podem aumentar a quantidade de dentina intratubular, chegando a obliterar totalmente os túbulos. Essa dentina de aparência cristalina é chamada de esclerosada ou translúcida (Fig. 1-6A e B). Pessoas com mais idade desenvolvem a denominada dentina esclerosada fisiológica, que se forma pela obliteração e mineralização dos túbulos da dentina radicular, especialmente na região apical. A dentina fi-
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siológica não está relacionada com um estímulo externo que possa ser identificado. Quando a dentina é afetada por uma lesão relativamente intensa, os odontoblastos se defendem retraindo seus prolongamentos e deixando os túbulos vazios. O dente preparado por desgaste e examinado ao microscópio de luz mostra áreas escuras, efeito produzido pelos túbulos preenchidos somente pelo ar. Essa dentina é chamada de opaca e contém tratos mortos ou desvitalizados (ver Fig. 1- 2).
Conteúdo dos túbulos dentinários A
O revestimento dos túbulos dentinários é constituído por um material orgânico e hipomineralizado, denominado lâmina limitante. Os processos odontoblásticos no interior dos túbulos dentinários são circundados por um espaço preenchido pelo fluido dentinário e alguns constituintes orgânicos como fibras colágenas. Existem opiniões distintas em relação à extensão dos prolongamentos no interior dos túbulos. As observações em microscopia de luz não são conclusivas (Fig. 1-7). Pela microscopia eletrônica de transmissão, parece que os odontoblastos não se estendem além de dois
B
Figura 1-5. Fotomicrografia de dente desmineralizado que mostra os túbulos dentinários (T) cortados transversalmente com aspecto de pequenos orifícios em A e cortados longitudinalmente em B.
Figura 1-6. Corte por desgaste mostrando cárie cervical. Observase a cavitação da dentina na junção amelodentinária provocada pela cárie. Subjacente a ela formou-se dentina esclerosada, e as áreas escurecidas indicam os tratos mortos.
Figura 1-7. As setas indicam estruturas no interior dos túbulos dentinários (pequenos pontos escuros). Para alguns investigadores, essas estruturas podem ser interpretadas como processos odontoblásticos. Entretanto, outros acreditam que sejam lâminas limitantes, constituídas por feixes de colágeno que revestem os prolongamentos.
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terços no interior da dentina, porém estudos imunocitoquímicos evidenciam componentes do citoesqueleto (actina, vimentina e tubulina) que indicam a presença do prolongamento citoplasmático por todo o comprimento dos túbulos. A discussão em relação à extensão dos prolongamentos odontoblásticos no interior dos túbulos dentinários não está inteiramente resolvida. Entretanto, a importância de verificar a presença do prolongamento citoplasmático está relacionada com a capacidade reacional da dentina.
Dentina intertubular A dentina intertubular se distribui entre os túbulos dentinários e, fundamentalmente, é formada por fibras de colágeno que constituem uma malha fibrilar na qual se depositam os cristais de hidroxiapatita. Essa matriz constitui a matéria orgânica da dentina.
Linhas incrementais de crescimento Assim como o osso, a dentina cresce continuamente por aposição. Esse tipo de crescimento determina a formação de linhas incrementais. As linhas incrementais são bem observadas em cortes longitudinais de dentes preparados por desgaste (Fig. 1-8). As linhas maiores são as linhas de contorno de Owen e as menores são as linhas de Von Ebner. Linhas de Owen. As linhas de Owen são irregulares na espessura e espaçamento. Originalmente, foram descritas como curvaturas secundárias coincidentes entre os túbulos dentinários vizinhos, mas atualmente são interpretadas como alterações no processo de
Figura 1-8. Neste corte por desgaste podemos notar as linhas incrementais (setas) indicando as fases alternadas de atividade e repouso durante a dentinogênese, formando linhas transversais em relação aos túbulos dentinários.
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calcificação da dentina. As linhas de Owen indicam a quantidade de dentina calcificada produzida durante determinado período. Uma linha de contorno mais acentuada é a linha neonatal, que se produz ao nascimento e nos dias subsequentes e cessa após o recém-nascido ajustar sua vida ao novo ambiente. Os períodos de nutrição inadequada ou enfermidades febris de longa duração também ficam marcados pelo maior número de linhas ou por contorno acentuado. Linhas de Von Ebner. Constituem o limite entre as distintas fases alternadas de atividade e repouso na dentinogênese: refletem o ritmo diário de aposição da matriz dentinária. O trajeto dessas linhas é aproximadamente perpendicular aos túbulos dentinários.
Dentina interglobular Os espaços interglobulares, de tamanhos variáveis, são áreas que se formam por defeito de mineralização da dentina devido à falta de fusão dos calcosferitos ou glóbulos de mineralização. Com a técnica de preparo por desgaste dos dentes, os espaços interglobulares são vistos com nitidez como áreas vazias cheias de ar e, por isso, aparecem escuras (Fig. 1-9).
Camada granulosa de Tomes Em dentes preparados por desgaste, é possível observar, ao microscópio de luz, grânulos escuros na
Figura 1-9. Regiões hipomineralizadas de dentina interglobular (setas) em dente preparado por desgaste.
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Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
interface entre a dentina e o cemento, que caracterizam a camada granulosa de Tomes. Possivelmente, a luz refratada pelo ar contido na porção terminal encurvada dos túbulos dentinários resulta na aparência de grânulos (Fig. 1-10).
Figura 1-10. Na região de dentina radicular podemos notar uma camada externa de cemento (C), a camada hialina (CH) e a camada granulosa de Tomes (CGT).
A
B
Dentina secundária A dentina secundária se deposita mais lentamente do que a dentina primária e sua produção continua durante toda a vida do dente. A distribuição dos túbulos é ligeiramente menos regular do que na dentina primária. O limite entre ambas é observado pela mudança de direção dos túbulos dentinários nos dentes preparados por desgaste. Na microscopia de luz também é possível observar o limite entre as dentinas primária e secundária por uma linha de demarcação distinta formada pela curvatura dos túbulos (Fig. 1-11A e B). A dentina secundária se forma por dentro da dentina circumpulpar em toda a periferia da câmara pulpar. Sua deposição diminui progressivamente o tamanho da câmara pulpar e, consequentemente, diminui o número de odontoblastos por mecanismo de apoptose. As alterações na espessura do dente produzidas pela deposição de dentina secundária podem ser controladas por meio de imagens radiográficas. Durante os preparos de cavidade em dentes de pacientes jovens, são maiores as chances de atingir um corno pulpar e expor a polpa acidentalmente. Diferentemente no adulto, que sofreu redução no volume da polpa dentária, pode-se trabalhar com maior segurança.
Dentina terciária A dentina terciária é a que se forma mais internamente, alterando a morfologia da câmara pulpar nas
Figura 1-11. Em A, observa-se o limite entre a dentina primária (P) e a secundária (S). A linha de demarcação entre ambas se forma com a mudança de direção dos túbulos dentinários. No canto superior podemos ver a dentina terciária (T), que, juntamente com a dentina secundária, são depositadas no interior da câmara pulpar. Em B, os túbulos dentinários que aparecem como linhas escuras estão presentes nas dentinas primária, secundária e terciária.
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regiões onde existe um estímulo localizado. Esse tipo de dentina é produzido pelas células diretamente relacionadas com o estímulo nocivo, formando uma barreira entre a polpa e o local afetado. A dentina terciária formada por odontoblastos é denominada dentina reacional, e a dentina que se forma por células recém-diferenciadas, semelhantes aos odontoblastos, denomina-se dentina reparadora. A quantidade e a qualidade de dentina terciária que se produz dependem da duração e da intensidade do estímulo; quanto mais acentuados esses fatores, mais rápida e irregular será a aposição da dentina. Por exemplo, as cáries extensas que se desenvolvem rapidamente podem induzir a formação de dentina terciária com padrão tubular irregular (Fig. 1-12) e, com frequência, odontoblastos ficam incluídos no material mineralizado, caracterizando a chamada osteodentina.
Pré-dentina A pré-dentina, uma camada de dentina não mineralizada, localizada entre os odontoblastos e a dentina circumpulpar, é constituída pelos prolongamentos citoplasmáticos, acompanhados por fibras nervosas amielínicas e matriz orgânica dentinária. A pré-dentina, localizada entre a dentina mineralizada e a polpa, evita que ocorra reabsorção pelo contato entre essas duas estruturas (Fig. 1-13). Em um corte histológico de dente descalcificado e corado com hematoxilina-eosina, a pré-dentina é facilmente observada, pois se cora menos intensamente. Pode apresentar 10 a 50 µm de espessura.
Figura 1-13. Região de corno pulpar. Observe que a pré-dentina (seta) é uma camada mais clara e bem nítida entre a dentina mineralizada e a polpa não mineralizada.
JUNÇÃO AMELODENTINÁRIA E CEMENTODENTINÁRIA O limite amelodentinário se distingue como uma linha festonada, bem nítida, entre esmalte e dentina, dois tecidos de estrutura e origem muito diferentes (Fig. 1-4B). Ao microscópio de luz, o limite cementodentinário pode ser observado em dentes descalcificados como uma linha bem corada pela técnica de hematoxilina-eosina, que separa as duas estruturas (Fig. 1-14). Entre a dentina radicular e o cemento é descrita uma camada hialina de tecido (camada de HopewellSmith). Para alguns investigadores, sua existência é discutível. Outros consideram um tipo diferente de dentina, uma variedade de cemento ou, ainda, um tecido distinto unindo cemento e dentina (Fig. 1-10).
POLPA DENTAL Figura 1-12. Dentina terciária que, quando depositada em resposta a um estímulo leve, apresenta túbulos discretamente irregulares e, quando o dano é mais grave, forma-se uma dentina irregular com túbulos desorganizados e escassos como nesta imagem.
Do ponto de vista estrutural, a polpa dental é um tecido conjuntivo frouxo, ricamente vascularizado e inervado. As principais células da polpa são odontoblastos, fibroblastos, ectomesenquimais indiferenciadas e macrófagos.
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Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
Figura 1-14. Junção cementodentinária em um corte de tecido descalcificado (seta maior). Entre o ligamento periodontal e o cemento existe uma camada mais clara de pré-cemento. Localizados na superfície desta camada, observam-se os cementoblastos dentro do ligamento periodontal (setas).
Figura 1-15. Este corte histológico revela com nitidez a camada de odontoblastos na região coronária. A retração do tecido, provocada pelo processamento laboratorial, permite observar as estruturas que normalmente se encontram no interior dos túbulos dentinários.
Odontoblastos São células especializadas do tecido pulpar localizadas na periferia desse tecido e adjacente à pré-dentina. A camada odontoblástica é formada por células dispostas em paliçada (fileira de núcleos alongados paralelos entre si), que se assemelha ao epitélio cilíndrico pseudoestratificado na região coronária (Fig. 1-15) e, na superfície radicular, assemelha-se ao epitélio cilíndrico simples (Fig. 1-16). Na região coronária, as células são maiores e mais numerosas do que na região radicular. As variações morfológicas indicam se a célula está em atividade ou em repouso. Quando estão em máxima atividade secretora, os odontoblastos são observados pela microscopia de luz como células cilíndricas altas com núcleos grandes de localização basal e citoplasma intensamente basófilo. Ultraestruturalmente, os odontoblastos ativos apresentam o retículo endoplasmático rugoso muito extenso, ocupando grande parte do citoplasma. O complexo de Golgi, de localização supranuclear, está muito desenvolvido com numerosos grânulos de conteúdo filamentoso. Além disso, o citoplasma possui abundantes mitocôndrias. Nos prolongamentos odontoblásticos de uma célula jovem ativa observam-se grâ-
Figura 1-16. Fotomicrografia da camada de odontoblastos na região radicular. Neste local, as células são menores e cuboidais.
nulos maduros e escassas organelas. Os processos são responsáveis por transportar e liberar, por exocitose, os grânulos maduros ao espaço extracelular. Tais grânulos contêm glicosaminoglicanas (GAG), glicoproteínas e precursores do colágeno, componentes básicos da matriz orgânica da dentina. A extremidade distal do corpo celular possui um citoesqueleto bem desenvolvido, constituído de microtúbulos, que proporcionam rigidez e mantêm a forma
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da célula, regulam o movimento intracelular de organelas e vesículas, além de permitirem o movimento celular. Os filamentos de actina também atuam na migração celular. Além disso, são observados filamentos intermediários, que conferem força mecânica às células, unindo citoplasmas nas junções intercelulares. Essas estruturas reforçam os prolongamentos odontoblásticos em sua base, formando uma trama terminal que se relaciona lateralmente com os complexos de união. O odontoblasto maduro é uma célula altamente diferenciada que perde a capacidade de se dividir. Os novos odontoblastos que se formam nos processos reparadores da dentina se originam de células ectomesenquimais. Entretanto, alguns autores acreditam que elas possam se originar dos fibroblastos da polpa.
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Figura 1-17. Corte histológico que mostra a região central da polpa coronária. Nota-se que o tecido é vascularizado e celularizado, sendo os fibroblastos as células mais numerosas.
Fibroblastos Os fibroblastos são as células mais numerosas do tecido conjuntivo pulpar, especialmente na região coronária, onde formam uma camada altamente celularizada. Essas células multifuncionais formam, mantêm e regulam a matriz extracelular fibrilar e amorfa. Existem grupos distintos de fibroblastos que diferem fenotipicamente. Essas células formam diversos tipos de colágeno de acordo com suas propriedades funcionais e químicas. Como células ativas, são fusiformes com citoplasma basófilo e organelas bem desenvolvidas que atuam na síntese de proteínas. O núcleo, geralmente elíptico, possui um ou dois nucléolos evidentes. Os fibroblastos secretam os precursores das fibras colágenas, reticulares e elásticas, assim como a substância fundamental da polpa. Assim, o aspecto fusiforme ou estrelado dos fibroblastos depende do tipo de matriz extracelular na qual se encontram submersos (Fig. 1-17). Em polpas jovens, essas células ativas possuem longos e delgados prolongamentos citoplasmáticos que formam complexos juncionais com outros fibroblastos. Na polpa adulta, essas células se transformam em fibrócitos, com formato ovalado, núcleo e cromatina mais densos e escasso citoplasma com reduzidas organelas.
Células ectomesenquimais Também denominadas células ectomesenquimais indiferenciadas, derivam-se do ectoderma e da crista neural. Constituem as células de reserva da polpa pela sua capacidade de se diferenciar em novos odontoblastos ou fibroblastos, de acordo com o estímulo atuante.
O número de células ectomesenquimais diminui com a idade. Geralmente, estão na região subodontoblástica, intimamente relacionadas com a microvascularização pulpar, e são muito semelhantes aos fibroblastos quando observadas em cortes histológicos para microscopia de luz, porém são menores com aspecto estrelado.
Macrófagos Os macrófagos são células que participam do mecanismo de defesa e pertencem ao sistema fagocítico mononuclear e, como tal, originam-se dos monócitos. Os macrófagos modificam sua forma de acordo com o local em que se encontram no tecido conjuntivo. As células livres são arredondadas e os macrófagos fixos são irregulares pela presença de verdadeiros prolongamentos citoplasmáticos. O citoplasma não é bem visualizado pela microscopia de luz e o núcleo é ligeiramente excêntrico. Do ponto de vista ultraestrutural, o complexo de Golgi e o retículo endoplasmático liso (REL) são bem desenvolvidos, além de apresentarem retículo endoplasmático rugoso (RER), mitocôndrias, abundantes vacúolos e lisossomos.
Outras células do tecido pulpar Ao serem examinados os componentes da polpa normal humana, outros tipos celulares podem ser identificados, como células dendríticas, linfócitos, plasmócitos e, ocasionalmente, eosinófilos e mastócitos. Essas células são bem observadas nos processos inflamatórios. Células dendríticas são células apresentadoras de antígenos que estão posicionadas estrategicamente na
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Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
região odontoblástica e próximas a vasos sanguíneos, como parte do mecanismo de vigilância imunológica. No evento de uma ameaça de invasão bacteriana associada à cárie, por exemplo, antígenos bacterianos que migram pelos túbulos e alcançam a polpa são capturados por essas células e levados aos linfonodos regionais, onde são apresentados aos linfócitos. Após a sensibilização do hospedeiro, uma resposta de defesa é então mobilizada para a região da agressão. Tem sido mostrado, por citometria de fluxo, que a polpa possui linfócitos T, e, normalmente, os linfócitos B estão ausentes. Os linfócitos T participam da resposta imunológica inicial, ativados pela presença de antígenos provenientes de cáries, e liberam citocinas, provocando a vasodilatação pulpar. Provavelmente, esse mecanismo permite a migração dos linfócitos B da corrente sanguínea até o tecido pulpar. Os linfócitos B se diferenciam em plasmócitos e elaboram anticorpos específicos para os antígenos que desencadearam a resposta inflamatória (ver Capítulo 2). Os mastócitos identificados na polpa possuem tamanho e número variáveis, geralmente com distribuição perivascular. São células redondas com abundantes grânulos citoplasmáticos. O RER é pouco desenvolvido, o complexo de Golgi é bastante extenso e as mitocôndrias são escassas. Os mastócitos atuam nos processos inflamatórios que acometem a polpa liberando histamina, aumentando a permeabilidade dos vasos e produzindo edema.
Fibras Fibras colágenas. O colágeno tipo I constitui 60% do colágeno encontrado na polpa. Essas fibras são escassas e desorganizadas na polpa coronária. Na região radicular são mais abundantes e dispostas paralelamente. A extremidade apical do dente é a mais fibrosa em relação ao restante da polpa. A matriz extracelular da polpa difere da matriz dentinária porque contém quantidade significativa de fibronectina e colágeno tipo III. O colágeno tipo IV forma parte da membrana basal dos vasos sanguíneos, e o tipo V reforça a parede dos vasos. Fibras reticulares. São formadas por delgadas fibrilas de colágeno tipo III associadas à fibronectina. Essas fibras são muito finas e se distribuem em grande quantidade no tecido mesenquimático da papila dentária. Na maturidade essas fibras podem aumentar de diâmetro. Fibras elásticas. São muito escassas no tecido pulpar e se localizam nas paredes dos vasos sanguíneos aferentes. Seu principal componente é a elastina.
Substância fundamental A substância fundamental constitui um meio de transporte pelo qual as células recebem os nutrientes do sangue arterial, e os produtos que devem ser eliminados são transportados até a circulação eferente. Também denominada matriz extracelular amorfa, ela é constituída principalmente de proteoglicanos e água. Na substância fundamental do tecido pulpar de dentes recém-erupcionados, a GAG predominante é o sulfato de dermatan. No tecido pulpar de dentes maduros, o ácido hialurônico é o componente essencial, sendo o sulfato de dermatan e o sulfato de condroitina observados em menor quantidade. O ácido hialurônico confere viscosidade e coesão à polpa, tornando-a um tecido conjuntivo gelatinoso. Essa propriedade, somada aos constituintes fibrosos que estão em maior quantidade na região apical, permite extirpar a polpa sem rompimento durante os procedimentos endodônticos, introduzindo um instrumento farpado até o ápice e tracionando a polpa em sentido coronário. Além disso, o ácido hialurônico é encarregado de manter a fluidez e a permeabilidade da substância fundamental, regular o transporte de metabólitos e impedir ou pelo menos retardar a difusão de micro-organismos.
Camadas topográficas da polpa Estruturalmente, a polpa se divide em quatro regiões distintas (Fig. 1-18). Segue uma descrição, iniciando pela camada mais superficial até a região central da polpa: Camada odontoblástica. É constituída apenas pelos corpos dos odontoblastos, já que seus prolongamentos permanecem dentro dos túbulos dentinários. Camada subodontoblástica ou pobre em células. Também denominada camada de Weil, geralmente é bem definida na região coronária dos dentes recém-erupcionados, porém pode estar ausente na região radicular. Na microscopia de luz observa-se que essa camada é atravessada por numerosos prolongamentos das células subjacentes, que se ramificam e estabelecem contatos com os odontoblastos. Nela se encontram o plexo capilar subodontoblástico e o plexo nervoso de Raschkow, que pode ser mais bem observado com técnicas de impregnação com prata. Camada rica em células. Caracteriza-se pela alta densidade celular, destacando-se as células ectomesenquimais indiferenciadas. Fibroblastos também estão presentes, quase todos em estado de repouso. As células emitem prolongamentos para a camada acelular e para a região central da polpa.
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sangue do leito capilar. Os estudos da polpa indicam que a vitalidade do dente depende de sua microcirculação em maior grau do que de seu mecanismo sensitivo.
Vasos linfáticos As investigações mais recentes indicam que existem numerosos vasos linfáticos na região central da polpa e, em menor número, na sua periferia, próximo à camada odontoblástica. Os vasos linfáticos deixam a polpa radicular acompanhados de nervos e vasos sanguíneos pelo forame apical para drenar em vasos linfáticos maiores do ligamento periodontal. Nos dentes anteriores, os vasos linfáticos drenam até os gânglios linfáticos submentonianos e, nos dentes posteriores, drenam para os gânglios linfáticos submandibulares e cervicais profundos.
INERVAÇÃO Figura 1-18. Fotomicrografia da polpa próximo à pré-dentina coronária, onde se observa um arranjo celular característico. O significado desse arranjo é desconhecido. 1 = dentina; 2 = pré-dentina; 3 = camada de odontoblastos; 4 = camada de Weil; 5 = camada rica em células; 6 = região central da polpa.
Região central da polpa. É formada por tecido conjuntivo frouxo, diferentes tipos celulares, escassas fibras em uma matriz amorfa e abundantes vasos e nervos. As células principais são os fibroblastos, que podem estar ativos ou em repouso, células ectomesenquimais indiferenciadas e macrófagos perivasculares.
VASCULARIZAÇÃO Vasos sanguíneos Devido ao seu reduzido tamanho, a polpa possui vasos sanguíneos de pequeno calibre (Fig. 1-19). Os vasos sanguíneos entram e deixam a polpa pelo forame apical e forames acessórios acompanhados de fibras nervosas sensitivas e simpáticas. Na região coronária, os vasos se ramificam, diminuem de calibre e formam o plexo capilar subodontoblástico. Essa extensa rede capilar se localiza na camada pobre em células com a função de nutrir os odontoblastos. As artérias estão localizadas mais perifericamente, enquanto as vênulas se localizam mais centralmente. Algumas arteríolas formam alças em U e anastomoses arteriovenosas e venovenosas. As anastomoses arteriovenosas são pontos de contato direto entre a circulação arterial e venosa, e por meio dela se desvia o
O tecido pulpar se caracteriza por ter uma inervação sensitiva e autônoma. As fibras nervosas chegam na polpa acompanhando os vasos sanguíneos aferentes através do forame apical e são constituídas por fibras nervosas sensitivas mielínicas (tipo A) e amielínicas (tipo C), além das fibras simpáticas (Fig. 1-19). As fibras nervosas simpáticas são também amielínicas e pertencem ao sistema nervoso autônomo. São fibras de condução lenta, provenientes do gânglio cervical superior, que controlam o calibre arteriolar (função vasomotora). As fibras nervosas sensitivas constituídas pelos aferentes sensoriais do trigêmeo (V par do nervo craniano) são responsáveis pela transmissão da dor. As fibras mielínicas sensitivas do tipo A, localizadas na periferia da polpa, são responsáveis pela dor aguda pulsátil, típica da
Figura 1-19. Corte histológico corado com hematoxilina-eosina. A polpa dental é ricamente vascularizada e inervada.
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Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
estimulação dentinária. As fibras amielínicas sensitivas do tipo C, localizadas profundamente na polpa, são responsáveis pela dor excruciante e difusa da polpa, típica de pulpite irreversível sintomática. Os nervos mielínicos são mais numerosos na polpa coronária do que na região radicular. Suas ramificações formam o plexo nervoso subodontoblástico de Raschkow, localizado na camada de Weil. A maioria dos feixes nervosos termina no plexo subodontoblástico como fibras amielínicas (os axônios perdem a delgada bainha de mielina). Entretanto, alguns axônios penetram entre os corpos dos odontoblastos e entram nos túbulos dentinários, ficando intimamente relacionados com os prolongamentos dos odontoblastos.
SENSIBILIDADE DENTINO-PULPAR Por muito tempo, acreditou-se que o estímulo do complexo dentino-pulpar produzia sempre a sensação de dor. Entretanto, estudos mais recentes sugerem que os aferentes da polpa podem distinguir os diferentes estímulos e perceber sua natureza mecânica, térmica ou tátil. A dentina é um tecido muito sensível aos estímulos externos recebidos pelas terminações nervosas da polpa. Ainda permanece a discussão em relação à forma de transmissão dos impulsos nervosos e que estruturas estão envolvidas nesse processo que resulta na sensibilidade do complexo dentino-pulpar (Fig. 1-20).
Atualmente, existem três teorias que tentam explicar a sensibilidade dentinária: A primeira, baseada em aspectos morfológicos, explica o mecanismo de sensibilidade pela presença de terminações nervosas próprias. Entretanto, apesar de o plexo de Raschkow já ter sido bem estudado, não se conhece a quantidade de fibras nervosas que existe dentro dos túbulos. Além disso, na presença de tais terminações nervosas, a aplicação de anestésicos locais na superfície dentinária eliminaria a dor, o que não ocorre. A segunda afirma que o odontoblasto, acoplado às terminações nervosas da polpa, atuaria como receptor dos estímulos. Por ser o odontoblasto uma célula com origem na crista neural, ela poderia reter a capacidade de receber e transmitir estímulos, através de seus prolongamentos citoplasmáticos, estabelecendo sinapses com as fibras nervosas da polpa. Entretanto, a atividade dos odontoblastos como células nervosas ainda não foi comprovada, tampouco a existência das referidas sinapses nervosas. A terceira teoria, hidrodinâmica, considera que os estímulos que atuam sobre a dentina provocam o movimento do fluido dentinário no interior dos túbulos e podem ser percebidos pelas terminações nervosas livres da polpa. Nos preparos de cavidade, por exemplo, quando a dentina é exposta, parte do fluido dentinário se perde e esse estímulo provoca a movimentação do fluido dentinário. Dessa forma, as terminações nervosas livres estimuladas desencadeiam o estímulo doloroso. Em muitas situações, é possível que vários fatores estejam atuando simultaneamente. Assim, a explicação para a sensibilidade do complexo dentino-pulpar pode estar nessas três teorias.
CALCIFICAÇÕES PULPARES
Figura 1-20. Desenho esquemático ilustrando as teorias sobre a sensibilidade dentinária. A primeira teoria, em A, sugere a sensibilidade pela presença da fibra nervosa no interior do túbulo dentinário; a segunda teoria, em B, admite que o odontoblasto mantém a capacidade de transdução dos impulsos nervosos; a terceira teoria, em C, considera o estímulo das fibras nervosas pela movimentação do líquido no interior dos túbulos dentinários.
O aparecimento de áreas mineralizadas é relativamente comum na polpa madura, especialmente na região central. A quantidade de calcificações é maior nos dentes de indivíduos com mais idade e dentes expostos a traumatismos e cáries. Elas ocorrem sob a forma de cálculos pulpares, nódulos pulpares ou calcificações difusas. Acredita-se que os cálculos pulpares ou dentículos sejam formados durante o desenvolvimento da polpa com a deposição de dentina tubular pelos odontoblastos. Os dentículos podem ser observados no canal radicular e na câmara pulpar (Figs. 1-21 e 1-22). A maioria deles está aderida à parede dentinária. Os cálculos pulpares podem trazer complicações para o tratamento
O Complexo Dentino-Pulpar
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As calcificações difusas são áreas de calcificação irregular, frequentemente paralelas aos vasos. Elas podem ser observadas na câmara pulpar ou nos canais. Os cálculos pulpares e os nódulos maiores podem ser detectados em radiografias intraorais. As calcificações difusas não são usualmente detectadas radiograficamente.
CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS Mudanças com a idade
Figura 1-21. A presença de um cálculo pulpar, como se observa neste dente, pode dificultar a instrumentação endodôntica na região apical.
Figura 1-22. O maior aumento da lâmina anterior (Fig. 1-21) permite ver o cálculo pulpar aderido à pré-dentina com túbulos dentinários evidentes.
endodôntico no momento de abrir a câmara pulpar e instrumentar os canais. Entretanto, não estão relacionados com a dor pulpar. Os nódulos pulpares são calcificações concêntricas ou radiais de material calcificado regular. Estão presentes na polpa coronária e podem ser livres ou aderidos.
Algumas mudanças são observadas nas estruturas dentárias e seus tecidos de sustentação com o envelhecimento do indivíduo e são mais acentuadas nos dentes submetidos a irritantes externos, como trauma, cárie e procedimentos restauradores. A espessura da dentina secundária aumenta com o passar dos anos, diminuindo o volume da polpa dental. No dente do adulto, a polpa se caracteriza por ser pobre em células, suprimentos sanguíneo, linfático e nervoso. Ao contrário do que se pensava, o conteúdo de colágeno não se modifica com a idade. Por ser a polpa menos celularizada, diminuem a síntese e degradação do colágeno. A degeneração de fibras nervosas diminui a sensibilidade do complexo dentino-pulpar. A mineralização gradual da dentina intratubular pode resultar no completo fechamento dos túbulos dentinários e, dessa forma, a polpa se torna mais protegida dos efeitos nocivos do meio, como a invasão microbiana. As modificações decorrentes da idade diminuem a capacidade de reparação do complexo dentino-pulpar. No caso de injúria tecidual com dano irreversível aos odontoblastos, a polpa madura nem sempre consegue diferenciar novas células para produção de dentina reparadora da mesma forma que uma polpa jovem. No indivíduo idoso, a calcificação pulpar, a deposição de dentina secundária e a formação de dentina esclerosada são mais comuns. Por um lado, tal situação permite que os preparos de cavidade sejam realizados com menor risco de expor a polpa acidentalmente. No entanto, quando existe a necessidade de tratamento endodôntico, o profissional pode encontrar dificuldade para localizar a entrada dos canais quando a mineralização depositada impede a visualização deles por obstrução. A cor do dente é mais escura com o passar do tempo. Tal escurecimento pode ser provocado por material orgânico do meio que se incorpora ao esmalte. Outra possível causa é o escurecimento da dentina, que se torna mais mineralizada e pode ser observada atra-
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Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
vés do esmalte, que, além de ser translúcido, é mais desgastado e fino. Para compensar o desgaste oclusal que ocorre com o tempo, o dente se movimenta axialmente. É possível que o desgaste oclusal seja compensado pela deposição contínua de cemento ao redor do ápice do dente, que ocorre após o dente ter-se deslocado. Com a idade, a espessura do ligamento periodontal diminui.
O tratamento endodôntico e o periodonto de sustentação Os tecidos do periodonto de sustentação se originam de células ectomesenquimais, que se diferenciam em cementoblastos, fibroblastos e osteoblastos para formar cemento, ligamento periodontal e osso, respectivamente. Esses tecidos constituem a unidade estrutural que participa na sustentação do dente aos ossos maxilares. Feixes grossos de fibras colágenas do ligamento se inserem no cemento (Fig. 1-23) e no osso alveolar, e essas estruturas ficam intimamente relacionadas. Coletivamente, são também conhecidos como tecidos perirradiculares, termo a ser usado em todos os capítulos deste livro. O cemento, um tecido conjuntivo mineralizado, recobre a dentina radicular e permanece firmemente aderido a sua superfície mesmo após a extração do dente. Assim como o tecido ósseo, sua matriz orgânica é constituída, principalmente, por colágeno tipo I e pode sofrer reabsorção e neoformação. A maior espessura de cemento é observada na região de ápice radicular. Em condições de normalidade, células clásticas não
Figura 1-23. Os feixes grossos de fibras colágenas do ligamento periodontal estão inseridos no cemento, como revela este corte histológico. Nota-se ainda os cementoblastos enfileirados na superfície do cemento, mas dentro do ligamento periodontal.
são observadas na superfície do cemento, porém, em determinadas situações, podem aparecer, provocando a reabsorção desse tecido. A formação do osso alveolar, cemento e ligamento periodontal ocorre simultaneamente. Durante o desenvolvimento do osso alveolar, parte das fibras principais do ligamento, elaborada por fibroblastos, é incorporada à matriz óssea de maneira similar ao que ocorre com a formação do cemento. O ligamento periodontal é composto de células, fibras e substância fundamental. Os fibroblastos, as principais células, são capazes de degradar e sintetizar o colágeno simultaneamente e, por isso, são responsáveis pela grande capacidade de renovação do compartimento extracelular. Os osteoblastos, osteoclastos e cementoblastos, apesar de estarem funcionalmente associados ao osso e ao cemento, são células que se localizam no interior do ligamento periodontal (Figs. 1-14 e 1-23). No dente completamente formado existe uma população de células ectomesenquimais no ligamento periodontal que permite a diferenciação, quando necessário, de novas células de natureza conjuntiva. Frequentemente, as manipulações endodônticas (extirpação pulpar, alargamento dos canais com instrumentos endodônticos e obturação do canal radicular) provocam injúrias aos tecidos perirradiculares. A extirpação da polpa vital pode provocar hemorragia e inflamação aguda no ligamento periodontal apical e nos espaços medulares do osso adjacente. Em alguns casos ocorrem destruição parcial do ligamento periodontal e reabsorção óssea. Entretanto, os tecidos perirradiculares usualmente se reparam rapidamente sem perder a estrutura ou função. Muitos estudos indicam que a reparação tecidual se desenvolve melhor na presença de quantidade mínima de tecido pulpar e alguns afirmam ainda que a preservação do coto pulpar não constitui aspecto importante para o processo de reparação tecidual após o tratamento de canal. O Capítulo 8 discute essa questão com mais detalhes. O uso do hidróxido de cálcio tem-se consagrado na prática endodôntica pelos bons resultados clínicos obtidos. A análise histológica mostra que esse material em contato com a polpa estimula a neoformação de dentina e, em contato com o ligamento periodontal, estimula a neoformação de cemento. Convém lembrar que as células ectomesenquimais indiferenciadas no ligamento periodontal provavelmente continuam como precursoras dos fibroblastos, dos cementoblastos e osteoblastos no dente formado e, dessa forma, esse tecido assume importância fundamental no processo repara-
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dor dos tecidos perirradiculares após o tratamento endodôntico. A manipulação dos canais radiculares pode provocar danos aos tecidos perirradiculares se a instrumentação ultrapassar o forame apical, injuriar os tecidos do ligamento e introduzir bactérias. Geralmente, esse tipo de trauma resulta em inflamação crônica apical, formação de granuloma, e, em alguns casos, na presença de elementos epiteliais, desenvolve-se um cisto perirradicular (ver Capítulo 2). Além disso, na presença de canais acessórios, as doenças inflamatórias da polpa podem progredir para o ligamento periodontal e vice-versa (ver Capítulo 25). O tratamento endodôntico de dentes com rizogênese incompleta objetiva estimular a complementação radicular, quando a polpa está preservada, e induzir o fechamento do forame apical com tecido mineralizado, quando a polpa sofreu necrose. Histologicamente, forma-se uma barreira de tecido duro de cemento celular ou dentina, promovendo o selamento do forame apical.
Efeitos dos agentes clareadores sobre o esmalte e o complexo dentino-pulpar O escurecimento do dente ocorre pela formação de estruturas quimicamente estáveis responsáveis pela formação de manchas na coroa do dente. O clareamento realizado por meio de substâncias químicas transforma produtos orgânicos em dióxido de carbono e água. O momento crítico desse processo ocorre quando se inicia a perda da estrutura dental. Alguns estudos indicam que o uso de peróxido de hidrogênio por 24 horas provoca alterações superficiais, bem como diminuição significativa da dureza da dentina intertubular. O uso de tomografia microcomputadorizada para avaliar os efeitos do peróxido de carbamida a 10% sobre o esmalte revelou a sua desmineralização em 50 micrômetros de profundidade. Alguns estudos ainda devem ser realizados para avaliar esses resultados, pois tais efeitos, clinicamente, parecem ser mínimos. Além disso, o clínico deve estar atento para as alterações que podem ser provocadas por agentes clareadores sobre as restaurações que o paciente já possui. O peróxido de hidrogênio tem sido considerado altamente reativo, podendo danificar os tecidos moles e duros da boca quando usado em concentrações elevadas por longos períodos de exposição. Novos estudos sobre o assunto são necessários, e recomenda-se que seja usado com cautela, evitando o contato com as su-
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perfícies da mucosa bucal. Além disso, o uso do tabaco e a ingestão de álcool, os principais agentes etiológicos do câncer bucal, devem ser evitados pelo paciente em razão da possibilidade dos seus efeitos carcinogênicos somatórios. A junção amelocementária (JAC) deve ser cuidadosamente avaliada pelo clínico que planeja fazer o clareamento dentário interno. Produtos químicos, como agentes clareadores, quando colocados na câmara pulpar, podem ser extravasados através dos túbulos dentinários, induzindo um processo inflamatório subclínico na região cervical gengival, dissolvendo a matriz extracelular ou o cemento intermediário de proteção. Essa região é considerada vulnerável, pois nem sempre a dentina está protegida pelo cemento e esmalte, existindo, assim, as chamadas janelas ou gaps. Alguns trabalhos recentes mostraram que agentes clareadores internos e externos podem alargar as janelas de dentina. O aumento da permeabilidade dentinária pela redução da espessura cervical nos procedimentos endodônticos e a presença de microáreas de exposição de dentina na JAC favorecem a difusão do peróxido de hidrogênio. A dentina desprotegida fica exposta aos elementos celulares do tecido conjuntivo e às células que reconhecem proteínas dentinárias específicas como antígenos e inicia-se o processo de reabsorção dentária. A erupção passiva do dente que ocorre com o tempo faz com que a JAC perca o contato com os tecidos gengivais e passe a se relacionar com o epitélio juncional, podendo ainda ficar exposta ao sulco gengival ou ao meio bucal. Dessa forma, existe uma menor possibilidade de ocorrer uma reabsorção cervical externa com o uso de agentes clareadores internos em adultos com mais de 30 anos do que nos mais jovens.
Alterações do desenvolvimento dentário que podem dificultar ou contraindicar o tratamento endodôntico As anomalias dentárias podem ser influenciadas por fatores ambientais, ser hereditárias ou ainda idiopáticas. O exame clínico e radiográfico cuidadoso do dente deve ser realizado antes de iniciar o tratamento endodôntico, pois, dessa forma, o clínico estará evitando os atropelos de um mau planejamento provocados pela desatenção ao se deparar com dentes malformados que, muitas vezes, contraindicam o tratamento endodôntico.
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Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
As anomalias dentárias, por si só, constituem um capítulo de livro, e o seu estudo completo foge do objetivo deste texto. Assim, apresentaremos a seguir somente alguns casos de interesse relevante, especialmente na prática da endodontia.
Dente invaginado O dente invaginado é uma profunda invaginação da superfície para dentro da coroa ou raiz. O resultado dessa anomalia é uma cavidade no interior do dente revestida por esmalte. O dente afetado dessa maneira apresenta-se grosso e deformado, tendo a polpa, muitas vezes, necrosada e infectada (Figs. 1-24 e 1-25). Os incisivos laterais permanentes são os dentes mais afetados. O exame radiográfico revela a invaginação contornada pelo esmalte radiopaco (Fig. 1-26). Em alguns casos, a invaginação pode romper-se
Figura 1-24. Dente invaginado. O esmalte invagina profundamente e pode se estender até a raiz, porém a invaginação da coroa, como neste caso, é a forma mais comum.
Figura 1-25. O dente da Fig. 1-24 foi desgastado e mostra a invaginação no interior da coroa formando uma cavidade revestida pelo esmalte.
Figura 1-26. Na imagem radiográfica do dente invaginado da Fig. 1-24 se destaca a radiopacidade do esmalte e o ápice se encontra aberto.
lateralmente, provocando uma lesão inflamatória lateral, porém com a preservação da vitalidade pulpar. Histologicamente, o esmalte invaginado está defeituoso, especialmente abaixo da invaginação (Fig. 1-27). A restauração é indicada para prevenir o envolvimento por cárie da invaginação com inflamação pulpar subsequente. O dente invaginado dificulta o tratamento endodôntico, tornando-se um grande desafio para o endodontista.
Figura 1-27. O exame microscópico do dente invaginado desgastado permite analisar a profundidade da cavidade recoberta por esmalte defeituoso.
O Complexo Dentino-Pulpar
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Odontodisplasia regional A odontodisplasia regional, também chamada dente-fantasma, é uma alteração no desenvolvimento localizada, não hereditária, que afeta o esmalte, a dentina e a polpa. A maioria dos casos é idiopática. Em geral, a alteração envolve vários dentes em uma mesma região (Fig. 1-28). O dente afetado mostra uma acentuada distorção da forma anatômica, aspecto grosseiro na superfície de coloração amarelada ou acastanhada (Fig. 1-29). O exame radiográfico revela uma diminuição da radiopacidade, não sendo possível distinguir o esmalte da dentina. Além disso, a câmara pulpar se encontra ampliada e, muitas vezes, os ápices estão abertos (Fig. 1-30). Estas características conferem ao dente o aspecto
Figura 1-30. A imagem radiográfica do dente-fantasma não permite distinguir o esmalte da dentina.
fantasma descrito na literatura. Histologicamente, observa-se uma acentuada alteração estrutural do esmalte e da dentina. O esmalte é hipoplásico e irregularmente mineralizado e os prismas são irregulares ou ausentes. A dentina apresenta áreas interglobulares e material amorfo. Os túbulos dentinários são menos numerosos na odontodisplasia regional (Fig. 1-31). Sempre que Figura 1-28. Radiografia oclusal da região anterior da maxila mostrando dois dentes-fantasmas.
Figura 1-29. O dente observado na radiografia na Fig. 1-28 foi desgastado com dificuldade por causa da ampla câmara pulpar.
Figura 1-31. Microscopicamente são observados a superfície do esmalte e o limite com a dentina. O dente-fantasma desgastado revela a má formação tanto do esmalte quanto da dentina.
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Capítulo 1 O Complexo Dentino-Pulpar
possível, os dentes afetados devem ser mantidos. Existem relatos de dentes tratados endodonticamente com sucesso. Dentes com grande comprometimento e infectados devem ser removidos.
Pérolas de esmalte As pérolas são ilhotas de esmalte encontradas, geralmente, próximo à junção do cemento com o esmalte ou na área de furca. São mais comuns na bifurcação das raízes dos molares (Fig. 1-32). Radiograficamente, as pérolas são glóbulos radiopacos bem definidos que podem ser confundidos com calcificações no interior da polpa (Fig. 1-33). Quando existe dúvida, deve-se sondar o dente cuidadosamente e atentar para a maior
radiopacidade da pérola de esmalte em relação à dentina. Além disso, a mudança de angulação do feixe de raios X pela técnica de Clark ajuda a diagnosticar a pérola de esmalte pelo deslocamento da imagem.
AGRADECIMENTOS Agradecemos ao professor Minoru Takagi, nosso fraterno parceiro, apesar da distância que nos separa, e aos amigos, Dr. Esguerra Renelson Laurente e Terasaki Haruka, da Tokyo Medical and Dental University-Japão, que gentilmente cederam parte do material histológico que apresentamos neste capítulo. Novas imagens foram adicionadas a este capítulo e resultaram dos trabalhos de uma das linhas de pesquisa coordenadas pela professora Andréa Braga Moleri, no Laboratório de Histopatologia Oral da Universidade do Grande Rio (Unigranrio).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Figura 1-32. Pérola de esmalte em um molar.
Figura 1-33. A radiopacidade do esmalte permite diferenciar radiograficamente a pérola de esmalte das calcificações pulpares.
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Patologias Pulpar e Perirradicular
Capítulo
2
José Freitas Siqueira Jr. Isabela das Neves Rôças Hélio Pereira Lopes
Um profissional da área de saúde está necessariamente voltado para a prevenção e o tratamento de uma doença. No caso específico da Endodontia, o profissional lida com as patologias pulpares e perirradiculares. Para ser bem-sucedido em prevenir e tratar qualquer doença é essencial o conhecimento dos seus aspectos etiológicos e fisiopatológicos, bem como da sua manifestação clínica. Apenas de posse desse conhecimento poderá o profissional exercer de forma competente o diagnóstico, a prevenção e o tratamento das doenças pulpares e perirradiculares. Grande parte da frustração de profissionais e pacientes no que concerne a várias situações clínicas provém da falta de conhecimento do profissional em relação à patologia a ser diagnosticada, prevenida ou tratada. As principais alterações patológicas que acometem a polpa e os tecidos perirradiculares são de natureza inflamatória e de etiologia infecciosa (Fig. 2-1). A inflamação é a principal resposta da polpa e dos tecidos perirradiculares a uma gama variada de estímulos que causam injúria tecidual. A intensidade da resposta inflamatória irá variar conforme o tipo de agressão e, principalmente, a sua intensidade. Uma vez que a agressão rompe a integridade tecidual, a resposta inflamatória visa a localizar e preparar os tecidos alterados para reparação da região afetada. Muitas vezes, quando a agressão é persistente e não resolvida pela mobilização dos mecanismos inespecíficos de defesa do hospedeiro, instala-se um proces-
so crônico, caracterizado pela participação da resposta imunológica adaptativa, de caráter específico. Nesse caso, se a resposta imunológica não consegue eliminar o agente agressor, pelo menos e na grande maioria das vezes, ela consegue controlá-lo, confinando-o ao local da agressão. Na persistência do estímulo agressor, as próprias respostas de defesa do hospedeiro, específicas ou inespecíficas, podem gerar o dano tecidual. No caso das doenças pulpares e perirradiculares, a destruição tecidual causada pelas defesas do hospedeiro em resposta a uma agressão persistente parece ser mais significativa
Figura 2-1. As patologias pulpar e perirradicular são de natureza inflamatória e de etiologia microbiana, com a cárie e a infecção do sistema de canais radiculares representando as principais fontes de agressão microbiana persistente à polpa e aos tecidos perirradiculares, respectivamente.
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do que os próprios efeitos diretos proporcionados pelos micro-organismos, embora esses sejam os principais agentes desencadeadores de todo o fenômeno. Antes de discutirmos as características específicas das patologias pulpar e perirradicular, cumpre revisar, de forma sucinta, a dinâmica de eventos e os componentes envolvidos nas respostas inflamatória e imunológica.
INFLAMAÇÃO Introdução e definição O termo inflamação provém do latim enfflamare, que significa atear fogo. Em aproximadamente 1650 a.C., um símbolo hieroglífico, representado por um braseiro, foi traduzido como inflamação158. Inflamação pode ser definida como a reação da microcirculação a uma injúria aos tecidos, com a consequente movimentação de elementos intravasculares, como fluidos, células e moléculas, para o espaço extravascular118. Os conhecimentos de inflamação são de extrema importância para o profissional que pratica a Endodontia, uma vez que estão diretamente relacionados com o desenvolvimento de sinais e sintomas das patologias pulpares e perirradiculares, à patogênese dessas doenças e aos mecanismos de reparação. Dessa forma, o profissional entra em contato com inflamação: durante o diagnóstico das doenças; durante a indicação e execução do tratamento e durante a prosservação, avaliando o sucesso da terapia instituída. Em outras palavras, o profissional contata inflamação antes, durante e após o tratamento. Nada mais coerente do que reconhecer a importância de se terem, pelo menos, conhecimentos básicos neste assunto.
A agressão física à polpa pode ser representada por: • calor gerado durante o preparo cavitário, durante a reação de presa de materiais restauradores ou durante o polimento de uma restauração (Fig. 2-2); • ação mecânica de brocas, durante exposição acidental da polpa; • trauma, levando à fratura de esmalte e dentina, com exposição pulpar; • pressão exercida durante a moldagem protética. A agressão física ao ligamento periodontal devese basicamente à: • sobreinstrumentação (Fig. 2-3); • sobreobturação (Fig. 2-4).
Figura 2-2. O preparo cavitário representa agressão física (mecânica e térmica) à polpa.
Causas da inflamação A agressão tecidual é o agente desencadeador da resposta inflamatória, por induzir o rompimento da homeostasia mantida por meio da relação célulameio, este último representado pelos fluidos extracelulares e a microcirculação. A agressão à polpa e ao ligamento periodontal pode ser de origem biológica, física ou química. A agressão biológica, representada por micro-organismos, é a mais importante no que tange à indução e principalmente à perpetuação das patologias pulpar e perirradicular. Micro-organismos presentes em uma lesão de cárie ou estabelecidos no interior do sistema de canais radiculares contendo polpa necrosada representam a principal causa de inflamação pulpar e perirradicular, respectivamente.
Figura 2-3. A sobreinstrumentação representa agressão mecânica aos tecidos perirradiculares.
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Figura 2-6. O ataque ácido de dentina e/ou da polpa representa agressão química a esses tecidos.
A agressão química ao ligamento periodontal deve-se aos efeitos: Figura 2-4. A sobreobturação representa agressão mecânica e química aos tecidos perirradiculares.
A agressão química à polpa deve-se basicamente à ação de: • • • •
seladores temporários (Fig. 2-5); materiais restauradores definitivos; ataque ácido da dentina e/ou da polpa (Fig. 2-6); dessecantes e desinfetantes de cavidade.
• das soluções utilizadas na irrigação dos canais (mormente quando extravasadas pelo forame apical); • da medicação intracanal (quando são utilizados medicamentos irritantes); • do material obturador (geralmente dos cimentos endodônticos, quando extravasados). Embora a agressão física ou química possa iniciar uma resposta inflamatória na polpa e nos tecidos perirradiculares, geralmente ela não é persistente. Assim, a alteração patológica não se perpetua. Micro-organismos e seus produtos representam uma agressão biológica que, na grande maioria das vezes, é persistente, evocando, assim, uma resposta inflamatória também persistente. Por essa razão, micro-organismos e seus produtos são, na grande maioria das vezes, considerados essenciais para a perpetuação de uma patologia pulpar ou perirradicular8,24,47,126. Isso se deve às dificuldades encontradas pelos mecanismos de defesa do hospedeiro para alcançar e combater micro-organismos presentes em uma lesão de cárie ou no interior do sistema de canais radiculares contendo polpa necrosada.
Tipos de inflamação A resposta inflamatória pode ser classificada como aguda ou crônica de acordo com os seguintes critérios:
a) Duração Figura 2-5. Materiais restauradores temporários ou definitivos representam agressão química à polpa.
A resposta inflamatória aguda é de curta duração, usualmente não excedendo de 2 a 3 dias. Qualquer res-
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posta inflamatória que dure por dias ou semanas é, em um sentido temporal, um processo crônico. Se o agente agressor que evocou uma resposta inflamatória aguda persiste, a resposta evolui para um quadro crônico, que pode ter longa duração se o agente agressor não for eliminado.
b) Natureza A resposta inflamatória aguda é de natureza exsudativa, caracterizada pelo aumento de permeabilidade vascular, que permite a saída de líquido e proteínas plasmáticas do compartimento intravascular para os tecidos. Já a resposta inflamatória crônica é de natureza proliferativa, em razão da presença de fibroblastos, vasos sanguíneos neoformados e, em determinadas situações, fibras nervosas em estado de proliferação. A presença desses elementos estabelece uma estreita relação entre a inflamação crônica e o processo de reparo. Um exemplo extremamente evidente da natureza proliferativa de processos crônicos é a pulpite hiperplásica, onde há formação de um pólipo de tecido pulpar que protrai para a cavidade oral através da área de exposição da polpa.
c) Células envolvidas A inflamação aguda é caracterizada pelo predomínio de neutrófilos polimorfonucleares no local afetado (Fig. 2-7). Macrófagos também estão presentes, contudo, em menor número. Na inflamação crônica, as células predominantes são mononucleares, como linfócitos, plasmócitos e macrófagos, componentes da resposta imunológica adaptativa (Fig. 2-8). Fibroblastos,
Figura 2-8. Linfócitos e plasmócitos em área de inflamação crônica. (Gentileza do Prof. Carlos José Saboia Dantas.)
vasos sanguíneos neoformados e brotamentos axonais também estão presentes nos processos crônicos. Assim, na inflamação crônica existe a coexistência de células imunocompetentes (de defesa) e elementos envolvidos na reparação. Em normalidade, o pH tecidual é levemente alcalino, variando entre 7,2 e 7,4. Em um tecido acometido por inflamação aguda, o pH cai, tornando-se ácido (pH = 6,5 ou menos), como resultado do ácido lático oriundo da glicólise anaeróbica realizada por células inflamatórias. A estase sanguínea também permite o acúmulo de CO2, que contribui para a queda de pH. Por outro lado, o aumento da vascularização associado à inflamação crônica faz com que o pH se eleve, alcançando a neutralidade ou ficando ligeiramente alcalino (pH = 7,0 a 7,2)84.
INFLAMAÇÃO AGUDA A resposta inflamatória aguda, que consiste na primeira linha de defesa do hospedeiro contra um agente agressor, faz parte de uma imunidade inata induzida, de caráter inespecífico, cuja sequência de eventos usualmente independe do tipo de agente agressor. O objetivo da inflamação é, basicamente, localizar a região agredida, eliminar o agente agressor e remover os tecidos degenerados, preparando a área afetada para a reparação. Para esse intento, a inflamação envolve:
Figura 2-7. Área de inflamação aguda purulenta evidenciando numerosos neutrófilos polimorfonucleares. (Gentileza do Prof. Fábio Ramoa Pires.)
• alterações vasculares; • células responsáveis pelo combate ao agente agressor e eliminação de componentes teciduais alterados; • uma miríade de moléculas que controlam todos os eventos associados à inflamação – os mediadores químicos.
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A resposta aguda é rápida, durando minutos a 2 ou 3 dias. Se a agressão for transitória, ela é suficiente para eliminá-la. A resposta inflamatória aguda, ao contrário da resposta imunológica adaptativa (crônica), não possui especificidade para o combate ao agente agressor. Esse caráter inespecífico se deve ao fato de que, na inflamação aguda, os mecanismos envolvidos permitem apenas o reconhecimento de uma lesão aos tecidos, não distinguindo o agente agressor, tampouco o que é próprio ou não do organismo.
Eventos vasculares da inflamação aguda 1. Após a agressão tecidual, as arteríolas sofrem constrição (vasoconstrição), mediada por fibras nervosas autônomas, que não dura mais do que 5 segundos. 2. Em sequência ocorre a vasodilatação, inicialmente arteriolar, com consequente aumento da pressão hidrostática vascular (hiperemia). Isso, por sua vez, provoca um aumento da transudação de fluidos com baixo conteúdo proteico ao nível de capilares. Mediadores químicos endógenos estão envolvidos nessa fase. À medida que mais sangue passa pelos vasos, capilares e vênulas também se tornam dilatados. 3. Há um aumento da permeabilidade vascular devido à ação de mediadores químicos e da pressão intravascular aumentada. As vênulas são os principais vasos envolvidos nesse aumento de permeabilidade mediado por substâncias vasoativas. Em consequência, ocorre a saída de fluido rico em proteínas (exsudato) para o meio extravascular. A exsudação resulta na redução do fluxo sanguíneo e no aumento da viscosidade do sangue. Outrossim, a saída anormal de fluidos dos vasos induz aumento da pressão hidrostática tecidual, com consequente formação de edema (acúmulo de fluido no espaço extravascular). 4. Em um determinado momento há uma queda acentuada do fluxo sanguíneo (velocidade com que o sangue passa pelo leito vascular). Essa estase vascular se deve à grande perda de fluidos pela exsudação e aumento da concentração de elementos figurados do sangue na região vascular afetada (hemoconcentração). Neutrófilos polimorfonucleares deixam sua posição axial natural no leito vascular e assumem uma posição mais periférica, próxima ao revestimento endotelial (marginação). A marginação de neutrófilos aumenta a resistência ao fluxo sanguíneo, favorecendo a estase vascular. Subsequentemente, os neutrófilos passam a “rolar” sobre o endotélio, até que ocorra uma adesão firme a ele. Uma vez aderido às células endoteliais, o neutrófilo emite pseudópodos entre as
Figura 2-9. Rolamento e adesão de neutrófilos às paredes vasculares com posterior migração para o espaço extravascular. Esses eventos são dependentes da expressão de moléculas de adesão em células endoteliais, induzida por mediadores químicos.
junções interendoteliais ampliadas e migram para o espaço extravascular, processo conhecido como diapedese (Fig. 2-9). Neutrófilos são as primeiras células que deixam os vasos e adentram o local da agressão. Eles fagocitam bactérias, substâncias estranhas, complexos imunes e tecidos degenerados, mas também podem perpetuar a resposta inflamatória por liberarem enzimas, mediadores químicos e radicais livres tóxicos.
Aumento da permeabilidade vascular Uma das alterações vasculares mais significativas que se desenvolve em decorrência da injúria tecidual é o aumento da permeabilidade dos vasos. O aumento da permeabilidade vascular durante a inflamação pode ser devido a diferentes mecanismos, os quais podem ocorrer isoladamente ou combinados: • Aumento do espaço interendotelial induzido pela contração de células endoteliais, a qual é resultado da ação de mediadores químicos. Usualmente se restringe a vênulas. A adesão e a migração de leucócitos também ocorrem predominantemente nesses vasos. Na maioria das vezes, o aumento da permeabilidade vascular ocorre principalmente devido à ação de mediadores químicos sobre células endoteliais, induzindo sua contração, com consequente ampliação das junções interendoteliais. • Aumento da transcitose através do citoplasma das células endoteliais. A transcitose ocorre através de
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canais intracelulares transcitoplasmáticos formados por vesículas e vacúolos interligados, os quais estão localizados próximos e, talvez, conectados às junções intercelulares. Vênulas são os vasos envolvidos também nesse mecanismo. • Injúria endotelial direta, por dano vascular. • Neoformação vascular. Durante o processo de inflamação crônica ou de reparação tecidual, as células endoteliais proliferam e dão origem a novos vasos, o que é denominado de angiogênese. À medida que vão sendo formados, os brotos vasculares permitem o escape de fluidos. Essa exsudação ocorre até que se complete a diferenciação das células endoteliais e se formem as junções interendoteliais.
Exsudação Exsudato é um fluido extravascular de origem inflamatória que contém altas concentrações de proteínas e muitos detritos celulares. O exsudato pode ser classificado, dependendo da quantidade de proteínas ou de células, em: • Exsudato seroso: ocorre em inflamação leve. É um fluido claro com baixo conteúdo proteico e celular. • Exsudato fibrinoso: o fluido que escapa dos vasos é rico em fibrinogênio. Uma vez nos tecidos, o exsudato pode coagular. • Exsudato purulento: ocorre em inflamação grave, geralmente por agente etiológico infeccioso. É caracterizado por um líquido amarelado, rico em neutrófilos, que liberam enzimas proteolíticas e radicais livres que levam à lise tecidual, além de detritos celulares e micro-organismos vivos e mortos. Conhecido como pus. O exsudato exerce um papel de extrema relevância no processo inflamatório por suprir nutrientes para as células inflamatórias no espaço extravascular, diluir e/ou inativar toxinas bacterianas, delimitar o processo inflamatório (quando o fibrinogênio estiver presente) e conter moléculas de defesa (anticorpos e componentes do sistema complemento).
Adesão e migração leucocitária Os neutrófilos polimorfonucleares são as primeiras células que adentram o local agredido. Eles fagocitam bactérias, substâncias estranhas, complexos imunes e tecidos degenerados, mas também podem perpetuar a resposta inflamatória por liberarem enzimas, mediadores químicos e radicais livres tóxicos109.
Geralmente os leucócitos são encontrados no centro dos vasos sanguíneos, onde o fluxo é mais rápido. Em condições inflamatórias, a redução do fluxo sanguíneo permite o deslocamento dessas células para a periferia dos vasos, alinhando-os próximos ao revestimento endotelial, o que permite a adesão do leucócito à célula endotelial. Após a adesão, a célula inflamatória emite pseudópodos através das junções interendoteliais ampliadas pela ação de mediadores químicos. Atravessada a barreira endotelial, a célula agora se situa entre essa e a membrana basal, podendo permanecer momentaneamente nessa posição até enfim ultrapassar essa última, penetrando assim no tecido extravascular. Nas primeiras 24 horas, os neutrófilos predominam no local inflamado, sendo substituídos posteriormente por monócitos em 24 a 48 horas. Uma vez no compartimento extravascular, os leucócitos podem fagocitar partículas estranhas (neutrófilos e macrófagos), tornar-se ativados (linfócitos e monócitos) ou podem deixar os tecidos via vasos linfáticos.
Quimiotaxia A migração e a atração de neutrófilos, monócitos e linfócitos ao local afetado são reguladas por mediadores químicos da inflamação denominados de quimiocinas. Quimiocinas são citocinas quimiotáticas que podem ser classificadas em quatro famílias de acordo com o número e a localização de resíduos de cisteína: CC, CXC, C e CX3C. Por exemplo, na família CC há resíduos de cisteína adjacentes, enquanto na CXC eles se encontram separados por um outro aminoácido. Cada grupo recebe ainda a letra L, significando ligante. Dentre as várias quimiocinas existentes, as de maior relevância no recrutamento de células inflamatórias para o local da agressão são1: • CXCL8 (anteriormente IL-8 ou interleucina-8): envolvida na atração de neutrófilos. • CXCL1, CXCL2 e CXCL3: também envolvidas na atração de neutrófilos. • CCL2 (anteriormente MCP-1 ou proteína quimiotática para monócitos): envolvida na atração de monócitos. • CXCL9, CXCL10 e CXCL11: envolvidas na atração de linfócitos T efetores. • CCL5 (anteriormente Rantes ou regulated on activation, normal T cell expressed and secreted): quimiotática para vários leucócitos.
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inflamação aguda da polpa, o único sinal verificado é a dor. Na periodontite apical aguda, caracterizada por alterações inflamatórias no ligamento periodontal, a dor e a perda de função dentária (dificuldade de mastigação devido à dor) são os sinais cardeais observados. Já o abscesso perirradicular agudo, caracterizado por inflamação purulenta dos tecidos perirradiculares, pode evidenciar todos os sinais cardeais quando em fases avançadas de evolução, onde pode haver envolvimento extraoral.
MEDIADORES QUÍMICOS DA INFLAMAÇÃO AGUDA Figura 2-10. Substâncias com efeito quimiotático sobre células de defesa as atraem para o local da infecção. Uma vez no espaço extravascular, neutrófilos e macrófagos eliminam o agente agressor por meio de fagocitose.
Além das quimiocinas, outros mediadores envolvidos na atração de células inflamatórios são C5a (fragmento oriundo da ativação do sistema complemento), LTB4 (leucotrieno B4), PAF (fator ativador de plaquetas) e produtos bacterianos, como peptídeos N-formilados (característica singular de bactérias), contendo aminoácidos terminais N-formil-metionil-leucil-fenilalanina (Fig. 2-10).
Sinais cardeais da inflamação No primeiro século d.C, Celsus, um escritor romano, descreveu os quatro sinais cardeais da inflamação: calor, rubor, tumor e dor. Posteriormente, um outro sinal clínico, a perda de função, foi descrito por Virchow. O aparecimento de tais sinais ajuda a caracterizar um quadro de inflamação. • Calor: elevação da temperatura local devido à vasodilatação. • Rubor: o local afetado fica avermelhado devido à vasodilatação. • Tumor: tumefação localizada devido ao aumento de permeabilidade vascular. • Dor: deve-se à ação direta de mediadores químicos sobre fibras nervosas ou devido ao aumento de permeabilidade vascular. O edema tecidual comprime as terminações nervosas livres, sendo a principal causa de dor associada à inflamação na maioria dos tecidos. • Perda de função: em razão da tumefação e da dor, os tecidos afetados perdem as suas funções normais. A inflamação aguda em determinados tecidos pode não apresentar todos esses sinais. Por exemplo, na
Como resultado da agressão ao tecido, várias substâncias químicas são liberadas na região74,108, as quais são responsáveis pela indução, controle e amplificação dos eventos vasculares e celulares associados à inflamação. São os mediadores químicos da inflamação, os quais podem ser vasoativos, causando vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular, e quimiotáticos para células inflamatórias, atraindo-as para o local da lesão tecidual. Além disso, algumas dessas substâncias podem estar envolvidas na opsonização, na destruição tecidual e na indução da dor (Quadro 2-1). Os mediadores químicos da inflamação podem ter basicamente duas origens. Determinadas substâncias envolvidas na mediação da resposta inflamatória podem ter origem intravascular (plasmática), sendo ativadas principalmente após o dano aos vasos. Os mediadores de origem plasmática incluem o sistema das cininas, o sistema complemento, o sistema fibrinolítico e o de coagulação. Outras substâncias podem ser encontradas já préformadas ou serem imediatamente produzidas após a injúria tecidual. Os elementos celulares componentes dos tecidos são os responsáveis pela liberação de tais substâncias, representadas por: aminas vasoativas (histamina e serotonina); derivados do ácido aracdônico (prostaglandinas, tromboxanes e leucotrienos); enzimas lisossomais; radicais livres derivados do oxigênio e do nitrogênio; fator ativador de plaquetas (PAF); neuropeptídeos e citocinas.
Aminas vasoativas Nesse grupo estão incluídas a histamina e a serotonina.
Histamina A histamina é o mediador químico mais importante das fases iniciais da resposta inflamatória aguda. Isso se
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Quadro 2-1 Funções básicas dos mediadores químicos Efeito
Mediador envolvido
Vasodilatação
Prostaglandinas Histamina Óxido nítrico Neuropeptídeos
Aumento de permeabilidade vascular
Histamina C3a e C5a Bradicinina Leucotrienos C4, D4 e E4 PAF Neuropeptídeos Radicais oxigenados
Quimiotaxia Quimiocinas C5a Leucotrieno B4 PAF Peptídeos bacterianos N-formilados Fibrinopeptídeos Dano tecidual
Radicais oxigenados Enzimas lisossomais Metaloproteinases de matriz Óxido nítrico Citocinas Prostaglandinas
Febre
IL-1 e TNF Prostaglandinas
Dor
Bradicinina Prostaglandinas Histamina
deve em grande parte pelo fato de ela se encontrar já formada e estocada nos grânulos de mastócitos e basófilos. Plaquetas, após agregação, também podem liberá-la. Os estímulos que causam a liberação de histamina são: • • • • •
Agentes físicos: trauma, calor e frio. Reação imune mediada por IgE. C3a e C5a. Lipopolissacarídeo. IL-1.
A histamina causa vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e está relacionada com a dor por atuar diretamente sobre fibras nervosas amielínicas, assim como a bradicinina. Não é quimiotática para neutrófilos.
Serotonina (5-HT) A 5-HT é encontrada em plaquetas, em algumas regiões do cérebro e em células enterocromafins do intestino. Ela não é quimiotática para células inflamatórias e seu papel na inflamação em seres humanos parece ser irrelevante. Em polpas dentais, a 5-HT pode sensibilizar fibras nervosas intradentais, tornando-as mais susceptíveis a estímulos hidrodinâmicos, como frio e evaporação.
Derivados do ácido aracdônico (Eicosanoides) Após a ativação celular por uma variedade de estímulos, os lipídios da membrana citoplasmática são rapidamente remodelados para gerar mediadores lipídicos biologicamente ativos, os quais funcionam como sinais intra ou extracelulares. O ácido aracdônico (AA) não se encontra livre na célula, mas esterificado nos fosfolipídios da membrana citoplasmática. Ele é liberado por meio de fosfolipases celulares após estímulos mecânicos, físicos ou químicos. Uma vez liberado, o AA pode ser oxidado por duas vias enzimáticas: • da cicloxigenase, que dá origem às prostaglandinas e tromboxanes; • da lipoxigenase, que origina os leucotrienos e lipoxinas.
Prostaglandinas (PG) Estímulos podem levar a uma perturbação na membrana citoplasmática com consequente influxo de Ca+2 na célula e ativação da enzima fosfolipase A2. Essa enzima hidrolisa a ligação éster dos fosfolipídios da membrana e promove a liberação do AA27. Uma vez liberado, o AA é oxidado pela enzima cicloxigenase (COX). Fibroblastos e monócitos possuem altos níveis de AA e COX; logo, são capazes de produzir grandes quantidades de PGs. Neutrófilos não possuem COX e só produzem PGs na presença de plaquetas. Anti-inflamatórios não esteroidais inibem a COX e consequentemente a síntese de PGs. Dois tipos de COX são atualmente reconhecidos: COX-1 e COX-2160. COX-1 é constitutivamente expressa pela maioria dos tecidos, atuando na síntese de prostaglandinas e tromboxanes, que regulam atividades fisiológicas. Por exemplo, essa enzima está presente em plaquetas, endotélio, estômago e rins. As prostaglandinas produzidas ao nível de estômago estão envolvidas
Patologias Pulpar e Perirradicular
na proteção da mucosa gástrica da ação de ácidos. A produção de COX-2 é induzida pelo dano tecidual e pela ação de lipopolissacarídeos bacterianos, citocinas e fatores de crescimento. Essa enzima está envolvida na produção de prostaglandinas durante processos inflamatórios. Todavia, evidências recentes sugerem que COX-1 é responsável pela produção de prostaglandinas envolvidas na resposta inflamatória imediata ao estímulo, enquanto COX-2 está primariamente envolvida na síntese de prostaglandinas à medida que a inflamação progride60. A tromboxane A2 é um ativador da agregação plaquetária e potente vasoconstrictor; logo, sendo importante na obtenção da hemostasia. Plaquetas possuem níveis elevados da enzima tromboxane sintetase. Tromboxane A2 tem meia-vida de alguns segundos e sua atividade pode ser inibida por anti-inflamatórios não esteroidais. Tanto a PGI2 (prostaciclina) quanto a PGE2 são potentes vasodilatadores, que também potencializam o aumento da permeabilidade vascular. Ambas causam dor indiretamente por aumentar a permeabilidade vascular, o que resulta na formação de edema que comprime fibras nervosas. Além disso, elas amplificam os efeitos da bradicinina e da histamina, possivelmente através da diminuição do limiar de excitabilidade de nociceptores vinculados a fibras nervosas. Nesse aspecto, os efeitos de PGI2 são mais pronunciados do que os da PGE2. PGI2 também inibe a agregação plaquetária. PGE2 é a principal prostaglandina produzida durante um processo inflamatório e está associada ao processo de reabsorção óssea. Citocinas, como a IL-1, podem estimular a biossíntese de PGs por células envolvidas na reabsorção óssea, como fibroblastos, macrófagos e osteoblastos. Osteoblastos exercem um papel central no processo de reabsorção do tecido ósseo. Estímulos que perturbam a homeostasia dos osteoblastos podem induzir a liberação de colagenase, que destrói o osteoide, matriz óssea não calcificada, criando uma condição predisponente para o início da reabsorção. Osteoblastos afetados por PGs liberam citocinas que estimulam a atividade osteoclástica. Além disso, a indução de reabsorção por PGs parece ser por meio da potencialização da ação de mediadores químicos com propriedades pró-reabsortivas. As prostaglandinas podem induzir efeitos sistêmicos, como febre e mal-estar.
Leucotrienos (LT) Os leucotrienos são formados a partir da ação da enzima 5-lipoxigenase sobre o AA68. Um dos mais im-
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portantes na inflamação é o LTB4, um potente agente quimiotático para neutrófilos, eosinófilos e monócitos. Ele também pode estimular a liberação de enzimas e produção de ânion superóxido por neutrófilos. LTB4 pode aumentar a permeabilidade vascular, permitindo extravasamento de plasma.
Enzimas lisossomais e outros componentes granulares A primeira célula a migrar dos vasos para o tecido para combater um agente agressor durante a resposta inflamatória aguda é o neutrófilo polimorfonuclear. Essa célula tem propriedade fagocítica, isto é, internaliza estruturas estranhas, como, por exemplo, bactérias, destruindo-as por meio de um sistema dependente ou independente do oxigênio. Tais sistemas dependem da ação do conteúdo dos grânulos do neutrófilo. Na verdade, neutrófilos possuem em seu citoplasma três principais tipos de grânulos12,13: • Grânulos primários ou azurófilos. São lisossomas verdadeiros contendo proteínas microbicidas (p. ex., defensinas e azurocidina), proteinases (elastase e catepsinas), lisozima e mieloperoxidase. • Grânulos secundários ou específicos. Contêm lisozima, catelicidina, colagenase e lactoferrina e são menores que os azurófilos. • Grânulos terciários ou de gelatinase. Contêm gelatinase. Além dos efeitos benéficos na eliminação de patógenos e partículas estranhas fagocitadas, o conteúdo dos grânulos de neutrófilos pode ter efeitos inflamatórios e promover destruição tecidual. Para isso, devem ser liberados para o meio extracelular. O conteúdo dos grânulos azurófilos é preferencialmente liberado no vacúolo fagocítico, enquanto os dos demais são geralmente liberados para o ambiente extracelular72. A elastase é uma importante proteinase de neutrófilos polimorfonucleares. Essa enzima promove a degradação de elastina, fibrinogênio, cininogênio, componentes do complemento e colágeno estrutural. Assim, dentre outros efeitos, está envolvida na geração de bradicinina e de C5a, um potente agente quimiotático subproduto do sistema complemento. Colagenase e gelatinase são metaloproteinases com ação lítica sobre o colágeno, estando envolvidas na destruição tecidual. A catepsina G é um outro exemplo de proteinase, que parece ter funções similares às da elastase. Defensinas são peptídeos catiônicos ricos em cisteína que contribuem para a defesa contra infecções72.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Elas são incorporadas à membrana celular de bactérias durante a fagocitose, rompendo a sua normalidade e alterando o fluxo de íons, com subsequente lise da célula bacteriana36. Azurocidina é uma proteína catiônica que pode neutralizar lipopolissacarídeos (LPS) e atuar como opsonina26. Seus efeitos na indução de inflamação estão relacionados com o fato de que ela é secretada por neutrófilos durante os estágios iniciais da inflamação quando da interação com o endotélio e participa na indução de aumento da permeabilidade vascular e extravasamento de neutrófilos para o exterior do vaso26,71. Além disso, também é quimiotática para monócitos e linfócitos71. A catelicidina é outro exemplo de proteína com atividade tóxica direta contra diversos micro-organismos72. Outras substâncias microbicidas presentes nos grânulos de neutrófilos incluem mieloperoxidase, lactoferrina e lisozima. A mieloperoxidase é uma enzima que está envolvida em um sistema antibacteriano dependente de oxigênio. A lactoferrina é uma proteína que possui ação antibacteriana por quelar íons de ferro, tornando-os indisponíveis para o metabolismo bacteriano. A lisozima é uma enzima bactericida por agir clivando a ligação glicosídica entre o ácido N-acetilmurâmico e a N-acetil-glicosamina, açúcares componentes do peptidoglicano da parede celular bacteriana.
Metaloproteinases de matriz (MMPs) Usualmente, a degradação da matriz extracelular do tecido conjuntivo induzida por micro-organismos é mediada por fatores do hospedeiro. Patógenos podem causar a destruição tecidual isoladamente e de forma direta pela liberação de enzimas proteolíticas, sem a participação de células do hospedeiro. Todavia, isso é uma exceção. As metaloproteinases de matriz (MMPs) são enzimas que estão envolvidas no processo de remodelação tecidual, clivando componentes da matriz extracelular do conjuntivo. Todavia, elas são as principais responsáveis pelo dano ao tecido conjuntivo durante uma agressão microbiana. A atividade catalítica dessas enzimas reside em um domínio ativo que possui um sítio ligante de zinco (Zn+2), dependendo da presença desse metal para serem ativas, daí o termo metaloproteinase. Como exemplos, temos algumas MMPs que podem ter ação de colagenase (MMP-1 e MMP-8) ou de gelatinases (MMP-2), as quais degradam diversos tipos de colágeno118. As MMPs são sintetizadas por células do próprio tecido conjuntivo, macrófagos, osteoblastos, osteoclastos e células endoteliais.
Radicais livres derivados do oxigênio As células fagocíticas ativadas por micro-organismos ou outros estímulos na presença do oxigênio experimentam uma explosão respiratória, caracterizada por um aumento de duas a vinte vezes no consumo de oxigênio. Grande parte do O2 consumido pelo fagócito é convertida diretamente a ânion superóxido (O2–). Por sua vez, o ânion superóxido pode ser convertido a peróxido de hidrogênio (H2O2) pela ação da enzima superóxido dismutase. Alternativamente, o ânion superóxido pode reagir com o H2O2, na presença de ferro ou de outro metal catalista, dando origem a radicais hidroxilas (OH–). Quando liberados para o meio extracelular, os radicais livres derivados do oxigênio podem causar uma série de efeitos. A liberação pode ocorrer após exposição do fagócito a agentes quimiotáticos (C5a e LTB4), a complexos imunes e a desafios fagocíticos, isto é, partículas muito grandes ou aderidas a superfícies. Os radicais oxigenados podem causar danos a células endoteliais, promovendo aumento da permeabilidade vascular. Eles também são citotóxicos para várias outras células do hospedeiro, como eritrócitos, fibroblastos e leucócitos. A citotoxicidade parece estar relacionada com efeitos diretos sobre fosfolipídios da membrana citoplasmática, proteínas e DNA28,33. Os radicais livres induzem peroxidação lipídica por reagirem com ácidos graxos insaturados dos fosfolipídios da membrana, gerando peróxidos que iniciam uma reação autocatalítica, resultando na perda de ácidos graxos insaturados, com consequente dano extenso à membrana citoplasmática. A oxidação de proteínas celulares, principalmente de enzimas contendo grupamentos sulfidrila, pode tornálas inativas. Por fim, radicais podem interagir com o DNA, causando danos irreversíveis à molécula.
Fator ativador de plaquetas (PAF) O PAF não é armazenado no interior celular, mas pode ser rapidamente produzido após estímulo apropriado. Esses estímulos podem ser representados por complexos imunes, peptídeos quimiotáticos, trombina, colágeno, ou por outros mediadores químicos. As principais células envolvidas na produção do PAF são mastócitos, basófilos, neutrófilos, monócitos, células endoteliais, plaquetas e eosinófilos. O precursor do PAF encontra-se em altas concentrações nas membranas citoplasmáticas dessas células. O PAF pode promover vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular, como também pode estimular a adesão de neutrófilos ao endotélio, além de
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ser quimiotático para leucócitos. A sua ação sobre plaquetas consiste na indução da agregação, favorecendo a obtenção da hemostasia após lesão vascular.
Neuropeptídeos (NPs) O sistema nervoso periférico é dividido em sistema nervoso somato-sensorial e sistema nervoso autônomo. Esse último, por sua vez, é subdividido em sistema nervoso simpático e sistema nervoso parassimpático. As fibras nervosas relacionadas com esses sistemas são capazes de, quando estimuladas, liberar NPs, substâncias dotadas de vários efeitos biológicos, dentre eles, a indução de eventos que culminam em inflamação neurogênica10, a qual é definida como a inflamação causada pela ativação de neurônios periféricos. NPs são sintetizados no corpo celular do neurônio, localizado em um gânglio nervoso, sendo conduzidos para a periferia através do fluxo axonal e então estocados no citoplasma, até a liberação no terminal nervoso induzida por um estímulo, como, por exemplo, agressão tecidual. Alguns NPs são sintetizados e liberados por fibras nervosas do sistema nervoso somato-sensorial, provavelmente por fibras amielínicas do tipo C, visto que o estímulo necessário para induzir a liberação é de maior intensidade que o necessário para ativar fibras mielínicas do tipo A-δ. Os principais NPs de fibras sensoriais são substância P (SP) e peptídeo relacionado com o gene da calcitonina (CGRP). SP é um peptídeo formado por 11 aminoácidos e pode coexistir com outros neuropeptídeos, como NKA (neurocinina A) e CGRP, na mesma fibra nervosa aferente. Quando liberada para o meio extracelular, ela exerce uma série de efeitos biológicos, tais como vasodilatação e aumento de permeabilidade vascular, com extravasamento de plasma e consequente formação de edema101. SP também induz a liberação de mediadores por mastócitos, pode ser quimiotática para monócitos, induz a liberação de enzimas lisossomais por neutrófilos polimorfonucleares e pode favorecer o reparo tecidual por estimular a proliferação de fibroblastos. A maioria das fibras contendo SP está relacionada com vasos sanguíneos. Entretanto, algumas fibras também podem estar presentes em locais onde existem poucos vasos, como na camada odontoblástica da polpa dental. Essas fibras também podem penetrar na pré-dentina e dentina161,162. Nessas regiões, SP pode participar dos mecanismos de transmissão da dor. CGRP é primariamente produzido por fibras nervosas aferentes do sistema nervoso somato-sensorial e,
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uma vez liberado para o meio externo, exerce vários efeitos biológicos. CGRP é um potente vasodilatador arteriolar e normalmente está presente em fibras perivasculares. Ele também pode exercer algum efeito sobre a permeabilidade vascular. Por isso, CGRP é um importante mediador da inflamação neurogênica120. Esse peptídeo também pode estar envolvido no processo de reparação tecidual, estimulando a proliferação de fibroblastos. Neuropeptídeos também podem ser produzidos e liberados por fibras dos sistemas simpático e parassimpático. Uma catecolamina, noradrenalina (NA), é o neurotransmissor nos nervos simpáticos, sendo sintetizada pela ação da enzima dopamina beta-hidroxilase (DBH). Um peptídeo isolado dessas fibras, o neuropeptídeo Y (NPY), induz vasoconstricção. O polipeptídeo vasointestinal (VIP) é um neuropeptídeo sintetizado por fibras colinérgicas, sendo capaz de induzir vasodilatação e de promover alterações bioquímicas e morfológicas em osteoblastos conduzindo à reabsorção óssea78.
Óxido nítrico (NO) O NO é produzido por células endoteliais, macrófagos e alguns neurônios específicos no cérebro através da atividade da enzima NO sintase. O NO produzido por macrófagos, após a indução da NO sintase por citocinas, pode ser usado para destruir células infectadas e células tumorais. NO apresenta citotoxicidade por ser altamente reativo e ligar-se ao ferro de grupos prostéticos de certas enzimas envolvidas na respiração, inativando-as e levando à morte celular89. NO não é apenas citotóxico, mas pode também atuar como mensageiro intercelular. Células endoteliais produzem e liberam NO após estimulação por citocinas ou acetilcolina. O NO liberado difunde-se para o músculo liso adjacente, induzindo seu relaxamento e consequente vasodilatação.
Citocinas Citocinas são polipeptídeos produzidos por uma variedade de células do hospedeiro, responsáveis pela modulação da função de diferentes tipos celulares. Os fatores estimuladores de colônias (CSFs) estimulam o crescimento de leucócitos a partir de precursores na medula óssea. As interleucinas atuam primariamente sobre leucócitos. As quimiocinas estimulam e direcionam a quimiotaxia de leucócitos. Os fatores de crescimento estão envolvidos na indução da proliferação de diferentes tipos celulares. Citocinas não são estocadas em grânulos ou outras estruturas citoplasmáticas, sendo
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
sua síntese induzida por algum estímulo e iniciada por uma nova transcrição do gene responsável. Citocinas podem exercer a sua função sobre diferentes tipos celulares, propriedade essa denominada de pleiotropismo. Além disso, elas podem ter vários efeitos diferentes sobre o mesmo tipo celular, e alguns até ocorrendo simultaneamente. Esses efeitos dependem da interação de citocinas com receptores de superfície na célula-alvo. Se a citocina age sobre a própria célula que a secretou, temos uma ação autócrina. Se as células afetadas estão próximas ou distantes daquela que secretou citocinas, as ações são parácrina e endócrina, respectivamente. Citocinas possuem várias funções, dentre elas: • mediadores da inflamação; • reguladores da ativação, crescimento e diferenciação de linfócitos; • mediadores da resposta imunológica adaptativa; • indução da formação e da reabsorção óssea. As principais citocinas envolvidas no processo inflamatório são:
Interleucina 1 (IL-1) Existem basicamente duas formas de IL-1: alfa e beta. Macrófagos ativados são os principais produtores de IL-1. Células endoteliais e algumas epiteliais também podem produzir essa citocina. Os principais efeitos inflamatórios da IL-1 sobre células e tecidos são: • ativação de macrófagos; • estimulação para a síntese de PGs por macrófagos e fibroblastos; • ativação de células endoteliais; • indução de febre por estimular células hipotalâmicas a sintetizar PGs; • estimulação da reabsorção óssea. A IL-1β é talvez a mais importante citocina envolvida na reabsorção óssea25, sendo responsável por cerca de 60% da atividade total de reabsorção. IL-1β é 15 vezes mais potente que IL-1α e mil vezes mais que TNF em induzir reabsorção. Ela é encontrada em níveis elevados associada aos processos de perda óssea das patologias periodontais e perirradiculares. IL-1 pode estimular a diferenciação dos precursores hematopoiéticos dos osteoclastos em osteoclastos maduros. Isto pode ocorrer indiretamente pela ação de IL-1 sobre osteoblastos, fazendo com que esses liberem mediadores solúveis, responsáveis pela diferenciação. IL-1 tem
efeitos na reabsorção dependentes e independentes de PGs. Os efeitos a longo prazo de IL-1 na reabsorção óssea são inibidos por indometacina, um inibidor da síntese de PGs.
Interleucina 6 (IL-6) IL-6 é uma citocina de cerca de 26 kDa sintetizada por macrófagos, células endoteliais, fibroblastos, osteoblastos e outras células. Ela pode ser indutora da diferenciação terminal de células B em plasmócitos, células produtoras de anticorpos, e está também envolvida na reabsorção óssea. Ela é sintetizada por osteoblastos em resposta a outros agentes envolvidos na reabsorção, como PTH, PG e IL-1. IL-6 pode estimular a formação de osteoclastos a partir de precursores hematopoiéticos.
Quimiocinas Quimiocinas foram descritas previamente neste capítulo na seção Quimiotaxia.
Fator de necrose tumoral (TNF) Existem duas formas de TNF: alfa e beta. TNF-α é produzido por monócitos e macrófagos, principalmente quando ativados. TNF-β também é conhecido como linfotoxina e é produzido por linfócitos T. Os principais efeitos inflamatórios do TNF são: • estimulação da expressão de moléculas de adesão por células endoteliais, tornando-as próprias para a adesão por neutrófilos polimorfonucleares e subsequentemente por monócitos e linfócitos; • ativação da capacidade citocida de neutrófilos e monócitos; • estimulação da produção de IL-1, IL-6 e outras citocinas; • ação sobre células do hipotálamo, estimulando a síntese de PGs e, assim, induzindo febre; • estimulação da reabsorção óssea, mas em proporções bem menores que IL-1.
Fatores estimuladores de colônias (CSFs) Os CSFs formam uma classe de fatores de crescimento responsáveis pelo crescimento e diferenciação de células hematopoiéticas. Os principais envolvidos na resposta inflamatória são:
Fator estimulador de colônias de macrófagos (M-CSF) É um polipeptídeo de cerca de 40 a 70 kDa, produzido por macrófagos, células endoteliais, osteoblastos e
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fibroblastos. Seu efeito principal é a estimulação das células precursoras destinadas a se desenvolver em macrófagos. Por não ser detectado na circulação, parece que o M-CSF apenas possui ação no local onde é produzido.
Fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF) O G-CSF é um polipeptídeo de aproximadamente 19 kDa, produzido por macrófagos, fibroblastos e células endoteliais. Ele estimula a formação de granulócitos na medula óssea. Devido ao fato de ter ação a distância, o G-CSF produzido em uma resposta inflamatória na periferia pode estimular uma maior produção de neutrófilos pela medula óssea e, assim, aumentar o suprimento de células de defesa.
Fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) O GM-CSF é uma glicoproteína de 22 kDa sintetizada por células T, macrófagos, células endoteliais, osteoblastos e fibroblastos. Ele estimula o desenvolvimento de células precursoras da medula óssea em granulócitos e macrófagos. Assim como o M-CSF, ele não tem ação a distância. Quando produzido fora da medula óssea, pode atuar na ativação de macrófagos, mas com potência menor que interferon-γ (IFN-γ).
Sistema das cininas A bradicinina é a molécula de maior atividade biológica do sistema das cininas. Ela é um peptídeo composto por nove resíduos de aminoácidos. A sua síntese depende da ativação do fator de Hageman, o fator XII da cascata de coagulação. Essa ativação se dá após o contato desse fator com superfícies carregadas negativamente, como a membrana basal vascular. Endotoxinas (ou lipopolissacarídeos), liberadas por bactérias gram-negativas, heparina e sulfato de dextrana também podem ativar o fator de Hageman. Durante a ativacão, o fator de Hageman é clivado em duas partes, unidas por uma ligação dissulfeto. A parte maior possui o domínio responsável pela adesão a superfícies, enquanto no fragmento menor está o sítio com atividade enzimática, que converte a pré-calicreína plasmática em uma outra enzima ativa, a calicreína. Essa cliva o cininogênio, uma glicoproteína plasmática, em bradicinina. Por sua vez, a enzima calicreína pode ativar o fator de Hageman, amplificando o sistema. A bradicinina tem ação potente sobre a permeabilidade vascular, causando um aumento da filtração de fluido com duração média de 10 minutos. Ela também promove a vasodilatação arteriolar e pode causar
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quimiotaxia para células inflamatórias. A bradicinina também pode induzir dor por ação direta sobre as fibras nervosas.
Sistemas de coagulação e fibrinolítico Existem dois mecanismos básicos, ativados em cascata, que estão envolvidos na coagulação sanguínea. O fator XII (Hageman) contata a membrana basal vascular ou plaquetas ativadas em locais de injúria vascular e sofre uma alteração conformacional, tornando-se ativado (transforma-se então em fator XIIa). Isso ocorre pela exposição de um centro ativo da molécula, fazendo com que ela passe a apresentar a capacidade de clivar proteínas e ativar uma variedade de mediadores. O fator XIIa desencadeia a via intrínseca de coagulação enquanto o fator VII, em conjunto com a tromboplastina, leva à ativação da via extrínseca. A primeira é intrínseca porque todos os fatores envolvidos nessa via estão presentes na microcirculação. A segunda é extrínseca, pois o fator necessário para a ativação da via, isto é, a tromboplastina, é liberado pelo tecido agredido. A tromboplastina tecidual é um complexo formado por fosfolipídios da membrana e lipoproteínas. Ambas as vias conduzem a um efeito em cascata, convergindo para a conversão do fibrinogênio à fibrina pela ação da trombina. Dois componentes específicos do sistema de coagulação funcionam como elos entre a inflamação e a coagulação sanguínea: • Trombina, que cliva o fibrinogênio em fibrina. Durante a conversão, fibrinopeptídeos são gerados, os quais induzem aumento de permeabilidade vascular e quimiotaxia para leucócitos. • Fator Xa. Ambas as vias de coagulação convergem para um ponto onde o fator X é convertido a fator Xa (ativado). Esse fator passa a apresentar atividade de proteinase que, após ligação a seus receptores, causa aumento de permeabilidade vascular. No sistema fibrinolítico, o plasminogênio, uma proteína plasmática, pode ser ativado pelo fator de Hageman, gerando uma protease multifuncional – a plasmina. A plasmina lisa coágulos de fibrina, formando produtos de degradação que aumentam a permeabilidade vascular e são quimiotáticos para neutrófilos.
Sistema complemento O sistema complemento é composto por várias proteínas plasmáticas que são ativadas por micro-
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
organismos e levam à destruição dos mesmos e à inflamação. Os principais efeitos biológicos decorrentes da ativação do sistema complemento são: • Citólise de micro-organismos pela formação de um complexo de ataque à membrana citoplasmática (C5b-9). Quando determinados componentes do complemento se polimerizam sobre a membrana de um micro-organismo, ela tem sua integridade destruída com consequente lise osmótica celular. • Opsonização, onde alguns componentes do complemento se ligam à superfície de micro-organismos e partículas estranhas, o que favorece a sua fagocitose por células fagocíticas. Essas, por sua vez, precisam expressar receptores de superfície que reconheçam o componente do complemento que está agindo como opsonina. C3b é uma opsonina que se liga à superfície microbiana ou à porção Fab da molécula de imunoglobulina. • Ação de anafilatoxina, que ativa mastócitos e basófilos, promovendo a liberação de histamina, leucotrienos e prostaglandinas. C3a, C4a e C5a são anafilatoxinas que possuem uma arginina terminal, exposta apenas após a ação enzimática sobre C3, C4 e C5, respectivamente, que é responsável pela ligação a receptores e consequente ativação de mastócitos e basófilos. Esses componentes do sistema complemento induzem aumento de permeabilidade vascular. • Quimiotaxia para leucócitos, atraindo-os para o local de agressão. C5a é quimiotática para neutrófilos, que possuem receptores de superfície para esse componente do sistema complemento. Além disso, pode estimular a produção de radicais livres derivados do oxigênio por neutrófilos.
• A via da lectina é ativada na ausência de anticorpos pela ligação de polissacarídeos microbianos a lectinas circulantes, como a lectina fixadora de manose (MBL) ou a lectinas conhecidas como ficolinas que reconhecem N-acetilglucosamina e o ácido lipoteicóico da parede celular de bactérias gram-positivas1. Essas lectinas são membros da família das colectinas. Assim, nessa via de ativação, MBL se liga a resíduos de manose presentes em polissacarídeos bacterianos e também às proteases serinas MASP-1 e MASP-2. Essa última então cliva C4 e C2, e os eventos subsequentes são idênticos aos que ocorrem na via clássica. Esses resíduos se encontram expostos em muitos micro-organismos, mas são cobertos e mascarados por outros carboidratos em células do hospedeiro.
FAGOCITOSE Um dos principais mecanismos de defesa do hospedeiro contra micro-organismos dá-se por meio da fagocitose realizada por determinadas células. Muitos tipos celulares são capazes de ingerir partículas estranhas, mas nem todos são capazes de destruir microorganismos. As células capazes de realizar tal função são denominadas de fagócitos profissionais e compreendem os macrófagos e neutrófilos. Esses últimos são capazes de fagocitar cinco a vinte bactérias antes de morrer, enquanto os macrófagos, quando ativados, podem fagocitar até cem bactérias (Fig. 2-11). Os neutrófilos são as primeiras células a deixar os vasos sanguíneos e alcançar o tecido agredido (Fig. 2-12). Posteriormente, monócitos deixam a corrente sanguínea e, ao adentrarem os tecidos, diferenciam-se em macrófagos. Macrófagos também estão envolvidos na indução da resposta imunológica adaptativa por
A ativação do sistema complemento ocorre em cascata, podendo ocorrer por três vias: • Quando ativado pela via clássica, o complemento se torna um dos principais mecanismos efetores da resposta imunológica específica. Nessa via, a ativação é iniciada por complexos antígeno-anticorpos (Ag-Ab). • Quando ativado pela via alternativa, o complemento participa de forma eficaz na defesa inata não induzida e na resposta inflamatória aguda, não necessitando de anticorpos para a ativação da cascata, a qual se dá pela ligação de certos componentes do sistema sobre a superfície de micro-organismos. Os termos clássica e alternativa se referem à ordem que essas vias foram descobertas e não à importância de cada uma.
Figura 2-11. Macrófagos em região inflamada. Essas células têm alta capacidade de fagocitose.
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cítico. Como já aclarado, os grânulos contêm vários elementos microbicidas, como mieloperoxidase, defensinas, azurocidina, catelicidina, lactoferrina, lisozima e outros. Após a internalização, a célula bacteriana pode então ser destruída pelos seguintes mecanismos:
1 – Pela ação do conteúdo microbicida dos grânulos Os efeitos antimicrobianos do conteúdo dos grânulos já foram discutidos (ver enzimas lisossomais).
2 – Por radicais livres derivados do oxigênio Figura 2-12. Neutrófilos fagocitando bactérias. Essa eletromicrografia foi obtida do interior da loja de um cisto perirradicular.
também estarem envolvidos na apresentação de antígenos para a produção de anticorpos e citocinas e para a ativação de células T citotóxicas. Após a migração para os tecidos, os fagócitos devem primeiro reconhecer a estrutura a ser fagocitada. Nesse fato reside a importância da opsonização. Por meio do reconhecimento de alguns componentes da superfície bacteriana, micro-organismos cobertos por opsoninas, como C3b, IgG, pentraxinas (como a proteína C-reativa), MBL ou ficolinas são prontamente fagocitados, pois as células fagocíticas possuem receptores de superfície para essas moléculas ligantes. Após a ligação de receptores às opsoninas, os bordos da membrana do fagócito invaginam, permitindo o englobamento do micro-organismo. Assim, um número maior de opsoninas irá contatar os receptores de superfície. Há então a formação de um vacúolo, denominado de fagossoma. O pH cai rapidamente dentro do fagossoma. Isso ocorre por uma característica natural da célula, onde o pH cai à medida que se aproxima do núcleo ou devido à glicólise anaeróbica realizada pela célula fagocítica em ambiente inflamatório com baixa tensão de oxigênio, gerando acúmulo de ácido lático. Essa capacidade de os fagócitos utilizarem uma via alternativa para o metabolismo da glicose é de suma importância para eles, visto que a fagocitose ocorre muitas vezes em condições de hipoxia tecidual. Contudo, essa queda do pH, muitas vezes, não é de magnitude suficiente para causar a morte de bactérias. A fusão de grânulos citoplasmáticos ao fagossoma leva à formação de um fagolisossoma, onde o conteúdo dessas organelas é descarregado dentro do vacúolo fago-
Quando uma célula fagocítica interage com uma bactéria, ocorre um aumento considerável do consumo de O2, conhecido como explosão respiratória. O sistema gerador primário de radicais oxigenados livres é o sistema de fagócito oxidase, uma enzima ativada na membrana do fagolisossoma, cuja função é reduzir o oxigênio molecular ao ânion superóxido pela doação de mais um elétron à última camada orbital do O2, com a forma reduzida da nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH) atuando como cofator. Como a fagócito oxidase está na membrana, a formação de ânion superóxido ocorre dentro do vacúolo fagocítico. A enzima superóxido dismutase, também presente na membrana, transforma o ânion superóxido em peróxido de hidrogênio. Alternativamente, o ânion superóxido pode reagir com o peróxido de hidrogênio, na presença de ferro, gerando radicais hidroxila (OH–). Radicais OH–, ânion superóxido e peróxido de hidrogênio são extremamente tóxicos para bactérias, por serem instáveis e capazes de reagir e alterar moléculas como o DNA, proteínas e lipídios. A interação entre peróxido de hidrogênio e a enzima mieloperoxidase, presente em grânulos azurófilos, gera produtos oxidantes de ação microbicida (ácido hipocloroso), desde que na presença de cloro. O fagócito é protegido dos efeitos deletérios desses radicais oxigenados pela ação das enzimas superóxido dismutase e peroxidases, presentes na membrana celular que envolve o fagossoma.
3 – Pelo óxido nítrico O óxido nítrico, produzido através da ação da enzima óxido nítrico sintase sobre o aminoácido arginina, pode também participar do processo de destruição bacteriana intracelular por fagócitos. O óxido nítrico é um radical extremamente reativo que pode ligar-se e desativar enzimas envolvidas na cadeia respiratória bacteriana.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Ativação de macrófagos Macrófagos comuns podem ser incapazes de lidar com micro-organismos ou substâncias que sejam resistentes à destruição. Dessa forma, essas células podem tornar-se ativadas, para melhor efetuar suas funções19. A ativação consiste em alterações quantitativas na expressão de determinados produtos de genes (proteínas), que permitem à célula executar funções adicionais. Os agentes que promovem aumento da transcrição genética e consequentemente ativação de macrófagos são citocinas (IFN-γ, TNF, GM-CSF), LPS de bactérias gram-negativas e moléculas de matriz extracelular. O LPS ou endotoxina representa um dos ativadores mais potentes de macrófagos. Uma vez liberado da membrana externa de bactérias gram-negativas, o LPS interage com LBP, ou proteína fixadora de LPS, presente no sangue, formando um complexo. Esse complexo liga-se então a um receptor de superfície do macrófago, CD14112. A ativação subsequente do macrófago é resultado de um sinal gerado por outro receptor de superfície do fagócito – o receptor tipo Toll (TLR) (Fig. 2-13). A família de receptors tipo Toll compreende moléculas transmembrana que ligam o compartimento externo, onde contato e reconhecimento de micro-organismos ocorrem, com o compartimento celular interno, onde cascatas de sinalização são ativadas e induzem a resposta da célula ao ambiente externo. TLR-4 está envolvido na ativação de macrófagos por LPS da maioria das bactérias gram-negativas, embora TLR-2 seja responsável pela sinalização do LPS de algumas espécies, como Porphyromonas gingivalis62. A resposta da célula normalmente é representada pela ativação de genes que codificam várias citocinas117.
Figura 2-13. Plasmócitos produzem e secretam anticorpos. Notar o extenso retículo endoplasmático, típico de células com alta atividade de síntese proteica.
Além de a síntese de citocinas por macrófagos ser aumentada após ativação, essas células ativadas também apresentam maior capacidade de destruir microorganismos fagocitados e de apresentar antígenos para linfócitos118.
INFLAMAÇÃO CRÔNICA A inflamação crônica pode suceder um episódio de inflamação aguda, desde que o agente agressor não tenha sido eliminado. Em determinadas circunstâncias, a resposta inflamatória crônica pode ser iniciada sem a ocorrência prévia de uma resposta aguda, como sói acontecer na presença de agentes agressores de baixa toxicidade. A maioria dos processos inflamatórios crônicos está associada a infecções persistentes, visando à eliminação dos agentes agressores. A presença de células relacionadas com a resposta imunológica adaptativa nesses processos crônicos indica que esta está envolvida na eliminacão de antígenos, exercendo um papel de extrema importância na inflamação crônica. Apesar de envolver células imunocompetentes, voltadas para a eliminação de antígenos, a inflamação crônica também apresenta caráter destrutivo. Por exemplo, o macrófago ativado é a célula que desempenha um papel de extrema relevância na inflamação crônica. Além de participar no combate ao agente agressor, essa célula pode liberar substâncias com potencial destrutivo aos tecidos envolvidos, como, por exemplo, enzimas, radicais oxigenados e citocinas. Esses elementos podem induzir direta ou indiretamente a destruição do parênquima tecidual. Se o tecido ósseo for envolvido no processo, citocinas como IL-1 e TNF podem ativar osteoclastos, estimulando a reabsorção óssea20. Se, por outro lado, houver a ativação de osteoblastos, haverá produção anormal de osso, característico da osteíte condensante. Concomitantemente ao processo de destruição tecidual, ocorre a estimulação de fibroblastos, que passam a produzir colágeno, caracterizando um processo de reparo, o que resulta na formação de fibrose que, dependendo da quantidade formada, pode acarretar sérias sequelas aos tecidos, como a perda de função. Assim, em uma resposta inflamatória crônica, períodos de destruição tecidual alternam com períodos de reparo. Enquanto o agente etiológico não for eliminado, a cura não ocorre totalmente. Por isso, a inflamação crônica é muitas vezes referida como “reparo frustrado”. Observa-se também em áreas de inflamação crônica a proliferação de fibras nervosas por surgimento
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de brotamentos axonais e angiogênese com a presença de inúmeros vasos neoformados. Essas características também são típicas de uma tentativa de reparação. As alterações teciduais associadas à inflamação crônica podem ser reversíveis ou irreversíveis. Se as células do órgão afetado pela inflamação crônica são destruídas, a capacidade de regeneração do órgão após a eliminação do agente agressor dependerá da capacidade regenerativa dessas células. Evidentemente, isso vai depender também da quantidade de tecido cicatricial formado.
Causas da inflamação crônica
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RESPOSTA IMUNOLÓGICA ADAPTATIVA A resposta imunológica é o mecanismo de defesa do hospedeiro induzido ou estimulado por substâncias estranhas, que apresenta alta especificidade para macromoléculas distintas, possuindo a capacidade de aumentar a atividade de defesa após sucessivas exposições a essas macromoléculas. Se os mecanismos de defesa inata, como a resposta inflamatória aguda, não conseguem eliminar o agente agressor, entra em cena um mecanismo de defesa mais sofisticado: a resposta imunológica adaptativa. A resposta imunológica adaptativa é dividida em dois tipos básicos:
A persistência de um agente agressor que dificulta a sua eliminação do organismo é a principal causa de uma inflamação crônica. Os agentes agressores podem ser:
• imunidade humoral, mediada por anticorpos, moléculas responsáveis pelo reconhecimento específico de partículas estranhas; • imunidade celular, mediada por linfócitos T.
• Micro-organismos. Quando a defesa inata não é suficiente para eliminar uma infecção, entra em cena uma resposta inflamatória crônica, em que a resposta imunológica adaptativa exerce um papel de destaque na eliminação focal do agente agressor. • Produtos e componentes estruturais bacterianos. Em determinadas circunstâncias, fatores de origem bacteriana podem causar agressão tecidual, mesmo na ausência de bactérias viáveis no local afetado. Esses fatores incluem toxinas, enzimas e componentes da parede celular. Um exemplo disso é a inflamação da polpa dental em um dente acometido por cárie, onde a exposição pulpar ainda não ocorreu. A difusão de produtos bacterianos oriundos do processo carioso pelos túbulos dentinários evoca uma inflamação pulpar. • Corpos estranhos. Compostos de origem vegetal contendo celulose (papel, algodão e alimentos), talco, objetos metálicos e material de sutura são exemplos de elementos de difícil degradação por parte do organismo, evocando uma reação de corpo estranho, caracterizada pelo acúmulo de macrófagos e a formação de células gigantes multinucleadas. • Produtos metabólicos. Produtos do metabolismo celular podem ser a causa de inflamação crônica. Por exemplo, a deposição de cristais de colesterol nos tecidos pode induzir reação de corpo estranho.
Os indivíduos expostos a uma molécula estranha são ditos sensibilizados. Uma vez que a resposta imunológica adaptativa, de caráter específico, é o principal componente de uma inflamação crônica voltado para o combate a um agente agressor persistente, cumpre aqui discutir alguns aspectos básicos relacionados com essa resposta.
As principais células envolvidas na inflamação crônica são: macrófagos, linfócitos, plasmócitos, fibroblastos, mastócitos, células epiteliais, fibras nervosas e elementos vasculares. Nota-se então que há uma coexistência entre elementos de defesa e de reparação.
Características Especificidade O sistema imune possui especificidade para componentes estruturais específicos de antígenos distintos. As porções antigênicas reconhecidas são denominadas de epítopos ou determinantes antigênicos.
Diversidade O repertório de linfócitos é extremamente amplo – cerca de 1 bilhão de determinantes antigênicos diferentes podem ser discriminados. Cada clone de linfócitos é capaz de responder a um determinante antigênico distinto. Esse é o conceito básico da teoria de seleção clonal. O desenvolvimento desses clones ocorre antes e independentemente da exposição ao antígeno. Quando um antígeno invade o hospedeiro, induz a proliferação do clone específico para seu determinante antigênico. Como o clone responsável pela resposta corresponde a uma fração mínima do número total de linfócitos de um indivíduo, a contagem de linfócitos no sangue não se altera significativamente durante uma resposta imune. Assim, com base nessa teoria, infere-se que duas moléculas antigênicas diferentes não podem ser reconhecidas pelo mesmo linfócito.
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Memória A exposição do sistema imune a um determinado antígeno aumenta a sua capacidade de responder em encontros subsequentes. No segundo encontro desenvolve-se a resposta imunológica secundária, que é muito mais rápida, mais eficaz e de maior intensidade que a resposta primária.
Discriminação entre o próprio e o estranho Linfócitos são treinados para reconhecer e responder a antígenos estranhos. Em condições normais, essas células não respondem a substâncias com potencial antigênico presentes no indivíduo. Essa ausência de resposta para antígenos próprios é denominada de autotolerância.
Fases
Figura 2-14. Plasmócitos, células que secretam anticorpos, são originadas da ativação de linfócitos B. A ação de diferentes citocinas dita a classe de anticorpo a ser produzida (setas).
Reconhecimento É a fase onde ocorre a ligação entre a molécula de antígeno e os receptores de superfície dos linfócitos. Nos linfócitos B, esses receptores são anticorpos expressos na superfície celular, que reconhecem antígenos de natureza proteica, polissacarídica ou lipídica na forma solúvel. Os linfócitos T possuem receptores que apenas reconhecem pequenas sequências peptídicas em antígenos proteicos, apresentados a eles em conjunto com moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC)1.
Ativação Após o contato do antígeno com um clone específico de linfócitos, ocorre a proliferação desses linfócitos com consequente expansão do clone, o que garante a amplificação da resposta de defesa. Em sequência, os linfócitos diferenciam-se em células efetoras, responsáveis pela eliminação do antígeno. Linfócitos B diferenciam-se em plasmócitos, células produtoras de anticorpos, enquanto os linfócitos T se diferenciam em células que ativam fagócitos ou em células que lisam diretamente outras células do hospedeiro infectadas por microrganismos.
Efetuação É a fase onde os linfócitos ativados realizam suas funções visando à eliminação dos antígenos.
Resposta imune humoral A resposta imune humoral é mediada principalmente pelas imunoglobulinas sintetizadas por linfóci-
tos B em resposta ao antígeno. Cumpre ressaltar que apenas os linfócitos B são dotados da capacidade de sintetizar imunoglobulinas. Uma vez estimuladas por antígenos, as células B maduras passam a ser denominadas de linfócitos B ativados, que proliferam e se diferenciam em plasmócitos (Fig. 2-13), produzindo uma proporção maior de anticorpos, agora secretados para o meio extracelular. Os plasmócitos podem produzir anticorpos de diferentes isotipos (classes) como IgM, IgG, IgA e IgE (Fig. 2-14). IgD, um receptor acoplado à superfície de linfócitos B, perde-se durante a diferenciação em plasmócitos ou células de memória. Os membros de cada clone de linfócitos B apresentarão sempre, pelas suas vidas, a mesma especificidade antigênica. Contudo, a afinidade do anticorpo pelo antígeno geralmente aumenta depois da estimulação antigênica, sendo maior em uma resposta secundária.
Ativação dos linfócitos B A resposta humoral se inicia após a ligação de um antígeno ao complexo receptor de antígenos do linfócito B maduro (BCR ou B cell receptor), o qual é composto por imunoglobulinas M ou D presentes na membrana celular (que reconhecem o antígeno) em conjunto com cadeias Igα e Igb (que geram sinais intracelulares para ativação do linfócito B). Essa ligação inicia uma série de eventos que promove a proliferação do clone e diferenciação, resultando em plasmócitos ou células
Patologias Pulpar e Perirradicular
Figura 2-15. Resposta imune humoral. Linfócitos B são ativados após contato com linfócitos Th e dão origem a plasmócitos e a células de memória.
de memória (Fig. 2-15). Um simples linfócito B pode, em uma semana, gerar aproximadamente 4.000 células secretoras de anticorpos, produzindo mais do que 1012 moléculas de anticorpos por dia. Essa expansão substancial é necessária para fazer frente a micro-organismos em rápida proliferação1. Antígenos proteicos não induzem a produção de anticorpos na ausência de linfócitos T. Assim, proteínas são consideradas antígenos timo-dependentes. Nessas circunstâncias, uma célula B em repouso requer dois sinais para proliferação e diferenciação: a ligação do antígeno ao BCR e a ação dos linfócitos T helper (TH) e suas citocinas. Antígenos não proteicos, como glicolipídios e polissacarídeos, induzem a produção de anticorpos na ausência de linfócitos T, sendo, assim, antígenos timo-independentes. Um exemplo de antígeno timoindependente é o LPS, que é capaz de estimular a síntese de anticorpos de especificidades diversas, sendo um ativador policlonal de linfócitos B, estimulando a proliferação e a diferenciação dessas células. A resposta imunológica secundária desenvolvese mais rapidamente que a primária, além de envolver uma quantidade bem maior de anticorpos, com maior afinidade antigênica. Essa maior afinidade garante uma resposta eficaz mesmo na presença de menor quantidade de antígenos, o que se deve à memória imunológica.
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A resposta primária resulta da ativação de clones não estimulados de linfócitos B, enquanto a secundária envolve clones já expandidos, compostos por células de memória. Na resposta primária, IgM predomina, pois as células de repouso expressam apenas IgM e IgD em sua superfície. IgD é raramente secretada. Na resposta secundária, os outros isotipos são mais encontrados, devido ao switch de classes. O princípio de muitas vacinas está relacionado com a indução de uma resposta secundária, mais rápida e mais eficaz que a primária. Os antígenos introduzidos em um indivíduo interagem com os linfócitos B específicos nos tecidos linfóides periféricos, como baço (antígenos no sangue) e linfonodos (antigenos coletados pela linfa), locais de maior circulação de linfócitos, nos quais há uma maior probabilidade de haver o encontro entre o antígeno e o linfócito específico para ele. Entretanto, essa interação pode se dar, mesmo que raramente, no local de entrada do antígeno. Haptenos são antígenos de baixo peso molecular, que por si sós não são capazes de evocar uma resposta imunológica. Contudo, se complexados a uma proteína carreadora, isso se torna possível. Substâncias como penicilina, tricresol formalina, eugenol e paramonoclorofenol canforado podem atuar como haptenos. Linfócitos B são excelentes células apresentadoras de antígenos (APCs) para linfócitos T, pois suas Igs de membrana permitem a ligação específica aos antígenos em baixas concentrações. São as APCs preferenciais quando a quantidade de antígenos introduzida no hospedeiro é mínima. Na resposta imunológica primária existem poucas células B específicas para um antígeno que está sendo contatado pela primeira vez. Nesse tipo de resposta, macrófagos e células dendríticas são as principais APCs. Essas células processam o antígeno e apresentam-no às células TH, que, uma vez ativadas, interagem com as células B, que também podem estar apresentando o antígeno, induzindo a sua proliferação e diferenciação. Na resposta imunológica secundária, isto é, aquela que ocorre em uma segunda exposição ao antígeno, os clones expandidos de células B de memória podem funcionar perfeitamente como APCs. Citocinas liberadas por células T ativadas possuem duas funções específicas na resposta humoral: a) Estimulam a proliferação e diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos, células produtoras de anticorpos.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
IL-2, IL-4 e IL-5 podem agir em sinergismo, induzindo a proliferação do linfócito B. IL-4 e 5 podem estar envolvidas na síntese de anticorpos. IL-6 é um fator de crescimento e diferenciação de linfócitos B. b) Induzem o switch de classes de anticorpos. Citocinas estão envolvidas na troca de produção de isotipos de imunoglobulinas.
Sequência de eventos na resposta imune humoral 1. Depois de 1 a 2 dias da introdução do antígeno em um indivíduo, macrófagos e/ou células dendríticas apresentam-no a linfócitos T inocentes (naive) CD4+ no baço ou linfonodos. Essas células são ativadas, passam a expressar o ligante de CD40 (CD40L) e iniciam a produção de citocinas. Macrófagos também produzem citocinas envolvidas na expansão e diferenciação dos linfócitos. 2. Linfócitos B específicos são ativados pelo antígeno, que pode estar na forma solúvel ou apresentado por APCs. Os linfócitos B internalizam o antígeno, processando-o e finalmente o apresentando às células TH ativadas. O linfócito B começa então a proliferar e se diferenciar, induzido pela ligação de CD40 (sobre a sua superfície) a CD40L (sobre o linfócito T) e pela ação de citocinas (Fig. 2-16). 3. Os linfócitos B ativados, os plasmócitos e os anticorpos secretados podem entrar na circulação e se con-
Figura 2-17. Anticorpos secretados por plasmócitos exercem várias funções importantes no combate à infecção.
centrar no local onde a agressão tecidual está ocorrendo (onde há um grande número de antígenos). As funções a serem executadas pelos anticorpos dependerão de seu isotipo. 4. Em uma segunda exposição ao antígeno, a resposta é bem mais rápida, de maior eficácia e intensidade. Nesse momento, as células B de memória são as APCs predominantes. A ligação de anticorpos liberados por plasmócitos ao antígeno promove (Fig. 2-17): a) neutralização do antígeno (anticorpos envolvidos: IgG, IgM e IgA), o que é vantajoso se o mesmo for uma toxina ou uma molécula envolvida em adesão; b) opsonização (anticorpo envolvido: IgG), favorecendo a fagocitose e eliminação do antígeno; c) ativação do sistema complemento (anticorpos envolvidos: IgM e IgG), levando à lise da célula microbiana sobre a qual o antígeno se encontra.
Resposta imune celular
Figura 2-16. Ativação de linfócitos B e de linfócitos TH2. Ambas as células reconhecem epítopos diferentes oriundos do mesmo complexo antigênico. Da mesma forma, para serem ativadas, ambas necessitam dos seguintes sinais: reconhecimento e ligação ao antígeno, interação com moléculas coestimuladoras e ação de citocinas.
Enquanto a resposta imune humoral é mediada basicamente por moléculas de imunoglobulinas, o sistema imune é capaz de ativar um segundo mecanismo envolvido no combate a antígenos introduzidos no hospedeiro. Esse segundo mecanismo, que na maioria das vezes ocorre em conjunto com a resposta humoral, é mediado por células, mais especificamente os linfócitos T e seus produtos. Os linfócitos T reconhecem antígenos apenas quando estes estão complexados a moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) expressas na superfície de APCs especializadas, que po-
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Enquanto a maioria dos linfócitos T exibe TCRαβ como receptor, uma pequena subpopulação apresenta TCRγδ. Esses linfócitos Tγδ não são restritos a MHC e reconhecem formas de antígenos diferentes das reconhecidas por linfócitos Tαβ, incluindo lipídios.
Dinâmica da resposta imune celular mediada por células TH CD4+ Figura 2-18. Resposta imune celular. Linfócitos Th são ativados após contato com uma APC expressando o antígeno. Após ativação, os linfócitos liberam citocinas que irão desenvolver importantes funções no combate à infecção.
dem ser células dendríticas, macrófagos ou linfócitos B. Proteínas de origem exógena são internalizadas pelas APCs por meio de endocitose e, uma vez no interior da célula, são processadas em um compartimento vesicular, dando origem a vários fragmentos peptídicos. Ainda no interior da célula, aqueles fragmentos com potencial imunogênico se ligam às moléculas de MHC classe II e são então expressos na superfície da APC. Esse complexo é então reconhecido por linfócitos TH CD4+, gerando a ativação dessas células (Fig. 2-18). Os linfócitos T CD8+ podem ser divididos em duas subpopulações: os citotóxicos e os supressores. Os linfócitos T citotóxicos apenas reconhecem antígenos complexados a moléculas de MHC classe I presentes na superfície de uma célula-alvo, a qual pode estar infectada por parasitas intracelulares, como vírus, que induzem a síntese de proteínas virais pela célula, ou ser uma célula considerada estranha pelo organismo, que produz proteínas anormais, reconhecidas como antigênicas. Essas proteínas virais ou anormais sintetizadas no citossol são conduzidas ao retículo endoplasmático onde formam um complexo com as moléculas de MHC I, sendo expressas na superfície celular. Quando esse complexo é reconhecido por linfócitos T CD8+ citotóxicos, a célula-alvo é destruída. Os linfócitos T supressores estão envolvidos em um mecanismo de controle e regulação da resposta imune. Sempre vale ressaltar que, enquanto os linfócitos B e os anticorpos secretados podem se ligar a antígenos na forma solúvel, os linfócitos T apenas reconhecem antígenos proteicos ligados a superfícies celulares. O complexo receptor de antígenos dos linfócitos T (TCR ou T cell receptor) é composto de duas cadeias polipeptídicas chamadas TCRα e β, além do CD3 e da cadeia ζ. Enquanto o TCRαβ reconhece o antígeno complexado ao MHC, CD3 e a cadeia ζ iniciam a sinalização intracelular para ativação do linfócito T.
1. Antígenos proteicos introduzidos em um indivíduo e presentes no compartimento extracelular são capturados por APCs, processados, expressos em sua superfície em conjunto com moléculas de MHC classe II e levados a órgãos linfoides secundários, como os linfonodos, onde linfócitos T inocentes têm maiores chances de contatar os antígenos para os quais são específicos e serem ativados. Em decorrência do contato e processamento do antígeno, a APC se torna ativada e expressa a molécula coestimuladora B7 em sua superfície (Fig. 2-19). 2. Esses fragmentos antigênicos complexados ao MHC II são reconhecidos pelo complexo receptor (TCR) dos linfócitos TH CD4+. Após o reconhecimento do antígeno (sinal 1) e da ligação de CD28 a B7 expressa pela APC (sinal 2), os linfócitos T são ativados, proliferando e diferenciando-se em células efetoras que sintetizam citocinas (Fig. 2-19). Alguns desses linfócitos T efetores deixam o órgão linfoide e migram para o local da infecção, onde o antígeno para o qual eles são específicos pode ser reencontrado. Outros podem permanecer no órgão linfoide, em que po-
Figura 2-19. Após reconhecimento do antígeno capturado e expresso por uma APC, o linfócito TH sofre expansão clonal e ulterior diferenciação em células efetoras e células de memória.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
dem auxiliar linfócitos B a se diferenciarem em plasmócitos. Células de memória também geralmente permanecem nos órgãos linfoides e são mantidas por citocinas (p. ex., IL-7) constitutivamente produzidas no tecido e que sustentam uma proliferação celular de baixa intensidade. Isso é importante para manter disponível uma população de células de memória por longo período. 3. Uma vez no local da infecção, o encontro com o antígeno para o qual são específicos leva os linfócitos T efetores a produzirem citocinas direcionadas para a eliminação da fonte do antígeno (micro-organismos, por exemplo). Dependendo da população de linfócitos T CD4+ envolvida, as citocinas produzidas podem ter as seguintes funções: • participação na resposta imune humoral, estimulando linfócitos B e auxiliando na síntese de anticorpos; • ativação de macrófagos, favorecendo a destruição de antígenos; • auxílio na diferenciação de linfócitos T citotóxicos.
Subpopulação de linfócitos TH Essas funções já relatadas dependem da subpopulação de células TH CD4+ ativadas – TH1 ou TH2. Durante a resposta inicial a um antígeno nos órgãos linfoides periféricos, ocorre a diferenciação do linfócito TH em uma das suas duas subpopulações: TH1 e TH2. Dependendo de qual subpopulação for gerada, a resposta imunológica estará predominantemente voltada para a ativação de macrófagos (TH1) ou para a produção de anticorpos (TH2). Os linfócitos TH1 secretam IL-2, TNF e IFN-γ, enquanto os linfócitos TH2 produzem IL-4, IL-5, IL-10, IL-13 e TGF-β. Embora não atuem como auxiliares na resposta humoral, os linfócitos TH1 podem dela participar por liberar IFN-γ, envolvido no switch de classes para IgG. A diferenciação do linfócito T inocente pode ser influenciada por citocinas. A estimulação dessas células na presença de IL-12 e IFN-γ, produzidos por macrófagos e/ou células NK, induz a diferenciação em TH1. Por sua vez, a ativação na presença de IL-4 e IL-6 tende a estimular a diferenciação em TH2. Assim que uma das subpopulações se torna dominante, é muito difícil a transição da resposta para o outro tipo. Uma das razões para tal reside no fato de que as citocinas que induzem a diferenciação para um tipo de linfócito TH inibem a ativação do outro. Por essa razão, certas respostas a agentes infecciosos podem ser dominadas por uma resposta humoral (TH2) ou celular (TH1).
Uma subpopulação de linfócito TH produz citocinas que podem regular negativamente a outra subpopulação. Células TH2 secretam TGF-β e IL-10, que inibem a ativação e o crescimento de células TH1. Por sua vez, essas últimas produzem IFN-γ que inibe o crescimento de células TH2. Um outro fator que influencia a diferenciação de células TH é a quantidade de antígenos que inicia a resposta. Grandes quantidades de peptídeos que atingem uma alta densidade sobre a superfície da APC tendem a estimular a diferenciação em TH1, enquanto uma baixa densidade de peptídeos durante a apresentação induz TH2. Além disso, a ligação de alta afinidade entre o peptídeo e o TCR estimula TH1. Ligações mais fracas induzem a diferenciação em TH2. É possível também que determinadas sequências de aminoácidos em um peptídeo possam estar envolvidas na diferenciação das duas subpopulações. Em suma, os fatores envolvidos na diferenciação de linfócitos T inocentes em TH1 ou TH2 são (Fig. 2-20): • • • •
citocinas presentes durante a estimulação; quantidade de antígenos; afinidade de ligação do antígeno com o TCR; sequência de aminócidos que compõem o peptídeo.
Resposta citolítica mediada por linfócitos T citotóxicos CD8+ Os linfócitos T citotóxicos (Tc) estão envolvidos na destruição de células infectadas por parasitas intracelulares, como, por exemplo, vírus, na rejeição de transplantes e na destruição de células consideradas estranhas, como as tumorais.
Figura 2-20. Fatores envolvidos na diferenciação das duas subpopulações de linfócitos TH.
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Linfócitos Tc apenas reconhecem antígenos associados ao MHC classe I, graças à afinidade específica da molécula CD8 em sua superfície. Como todas as células nucleadas do organismo expressam moléculas de MHC classe I, teoricamente toda célula infectada ou estranha pode ser eliminada pela ação citolítica de Tc. Se o TCR do linfócito Tc reconhece peptídeos estranhos associados ao MHC classe I, ocorre a ligação entre a célula-alvo (infectada) e o linfócito T CD8+.
Dinâmica da resposta imune celular mediada por linfócitos T citotóxicos CD8+ 1. O TCR do linfócito Tc reconhece um peptídeo estranho expresso em conjunto com o MHC classe I na superfície de uma célula-alvo. Outras moléculas como CD8, CD2 e LFA-1 potencializam a adesão entre as duas células. 2. O linfócito Tc é ativado pela ligação ao antígeno e devido à ação de citocinas, diferenciando-se. 3. O linfócito Tc promove a exocitose de perforinas, granzimas e citocinas (Fig. 2-20). Essas substâncias são liberadas no ponto de contato do linfócito Tc com a célula-alvo. As perforinas se polimerizam, formando uma estrutura cilíndrica que se insere na bicamada lipídica da membrana citoplasmática da célula-alvo, formando poros. Esses rompem a integridade da membrana, podendo levar à morte celular. Contudo, acredita-se que a formação de poros seja reduzida, insuficiente para matar a célula, mas capaz de permitir a entrada de granzimas no citoplasma da mesma. Granzimas são proteases que ativam o programa de apoptose, que é uma forma de morte celular diferente de necrose. Na morte por apoptose há a ativação de nucleases endógenas que promovem a fragmentação do DNA e a degradação do núcleo. A célula-alvo então sofre autodestruição, processo também conhecido como morte programada. O fato de perforinas e granzimas já serem encontradas pré-formadas nos grânulos dos linfócitos Tc explica o curto período necessário para essas células eliminarem seus alvos, programando-os para morrer40. O linfócito Tc não morre durante o ataque à célula-alvo por produzir uma enzima proteolítica (catepsina B) que é direcionada para a sua superfície durante a exocitose dos grânulos e que degrada moléculas errantes de perforinas. 4. O linfócito Tc pode usar um outro mecanismo para matar a célula-alvo. Uma vez ativado, o linfócito Tc expressa uma proteína denominada de ligante de Fas (FasL), que se liga ao “receptor de morte” Fas expresso pela maioria das células do hospedeiro, o
Figura 2-21. Resposta citolítica com envolvimento de linfócitos T citotóxicos. O efeito lítico dessas células sobre uma célula-alvo se dá pela ação de perforinas, granzimas e ligação a Fas, eventos que culminam na indução da morte por apoptose.
que também leva à ativação da apoptose da célulaalvo (Fig. 2-21). 5. Caspases ativadas na célula-alvo por granzimas e por FasL clivam muitos substratos e ativam enzimas que degradam DNA. Por ativarem nucleases na célula-alvo, linfócitos Tc iniciam a destruição tanto do DNA microbiano quanto da célula hospedeira, eliminando assim a célula infectada e o DNA potencialmente infectante. 6. O linfócito Tc livra-se da célula-alvo pela redução da afinidade das suas moléculas de adesão pelos ligantes específicos. Cada linfócito Tc é capaz de lisar várias célulasalvo.
Citotoxicidade mediada por células natural killer As células natural killer (NK) são derivadas da medula óssea e assemelham-se a linfócitos grandes, com numerosos grânulos citoplasmáticos. Entretanto, elas não possuem receptores de superfície convencionais de linfócitos, como TCR e BCR, os quais são responsáveis pelo reconhecimento do antígeno e pelo caráter de especificidade da resposta imunológica adaptativa. Cumpre salientar que, embora as células NK não possuam um aparato celular para reconhecer células estranhas, sua atividade citolítica não deixa de apresentar especificidade, a qual é ditada por moléculas de sua superfície e das células não infectadas do hospedeiro. Por exemplo, quando há a ligação de IgG à superfície de outras células, a porção Fc do anticorpo é reconhecida por um
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
receptor expresso por células NK, o CD16 (FcγRIII). A ligação de CD16 presente na célula NK à IgG ligada à célula-alvo promove a interação entre os dois tipos celulares. Dessa forma, a célula-alvo é destruída. Os efeitos citotóxicos promovidos por células NK são análogos àqueles descritos para os linfócitos Tc, isto é, pela exocitose de grânulos contendo perforinas e granzimas e pela ligação a Fas119,154. Células NK também liberam citocinas com funções antivirais e envolvidas na ativação de macrófagos, como IFN-γ e TNF11. Uma pequena população de células expressa marcadores encontrados tanto em células NK quanto em linfócitos T, incluindo TCRαβ, resultando na denominação de células NKT. Essas células reconhecem glicolipídios de bactérias gram-negativas e espiroquetas apresentados pela glicoproteína CD1d relacionada com MHC I159.
IMUNOPATOLOGIA Na maioria das vezes, o sistema imune é capaz de proteger, sem contudo causar maiores danos ao hospedeiro. Entretanto, em determinadas situações, a resposta imunológica pode causar dano tecidual se for excessiva ou prolongada, como em infecções persistentes por micro-organismos que são capazes de resistir aos mecanismos de defesa inata e adaptativa. Dessa forma, há uma estimulação antigênica persistente que resulta em uma resposta imunológica também persistente, caracterizando uma inflamação crônica. Uma outra causa provável seria a similaridade entre antígenos estranhos e antígenos próprios, que levariam à destruição de tecidos do próprio hospedeiro. Essas reações imunes de caráter destrutivo ocorrem geralmente após contatos subsequentes com o antígeno que sensibilizou o hospedeiro. O dano pode decorrer da ação de anticorpos ou de células de defesa. Em outras palavras, tanto a resposta imune humoral quanto a celular podem resultar em dano aos tecidos, que é em muita das vezes, como nas lesões perirradiculares e nas doenças periodontais, mais significativo do que aquele causado pela ação direta dos micro-organismos.
Dano pela ação de anticorpos IgE. Após o primeiro contato com um antígeno, linfócitos B podem produzir IgE. Esses antígenos podem ser haptenos, i.e., proteínas ou moléculas capazes de se ligarem a proteínas do hospedeiro e evocarem uma resposta imune. Determinados indivíduos po-
dem produzir uma quantidade anormal de IgE, o que é ditado por fatores hereditários, pela natureza do antígeno e por citocinas produzidas por células TH2, como IL-4, que induz o switch de classe de anticorpo para IgE. As moléculas de IgE sintetizadas ligam-se a receptores específicos para sua porção Fc, presentes na superfície de mastócitos e basófilos. Em uma exposição subsequente ao antígeno que sensibilizou o indivíduo há a formação de complexo antígeno-anticorpo sobre a superfície do mastócito ou basófilo. Consequentemente, há a ativação dessas células que liberam mediadores químicos já estocados em seus grânulos ou que foram recém-sintetizados. Em indivíduos atópicos, isto é, mais suscetíveis a desenvolver reações de hipersensibilidade imunológica, ocorre uma maior síntese de IgE específica para o antígeno (ou alérgeno, pois pode causar alergia). Assim, uma quantidade maior de IgE específica para um determinante antigênico está ligada à superfície de mastócitos ou basófilos. Em uma segunda exposição, o antígeno irá ligar-se a duas IgEs de superfície, de forma cruzada, o que é necessário para a ativação do mastócito ou basófilo. Os principais mediadores químicos liberados por mastócitos ou basófilos ativados podem ser: • pré-formados: histamina e enzimas (aril sulfatase e proteases serinas); • recém-sintetizados: PGD2, leucotrienos (LTC4, LTD4, LTE4) e PAF. Em conjunto, esses mediadores podem causar inflamação local com vasodilatação, aumento de permeabilidade vascular e dano tecidual. Essa reação é denominada de hipersensibilidade imediata ou anafilática, que se desenvolve dentro de 5 a 15 minutos após a exposição ao antígeno. IgG e IgM. O dano pode ocorrer após a ligação dos anticorpos IgM ou IgG a antígenos presentes na superfície de micro-organismos ou outras células-alvo. Essa ligação gera a destruição da célula-alvo por dois mecanismos: • citotoxicidade mediada por células dependente de anticorpos (ADCC), onde a porção Fc do anticorpo é reconhecida por fagócitos (neutrófilos e macrófagos) ou por células NK, que promovem a lise celular; • citotoxicidade dependente do complemento, onde a ligação do anticorpo ao antígeno leva à ativação do
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complemento pela via clássica e à formação do complexo de ataque à membrana, que lisa a célula. Além da lise da célula-alvo, a ligação do fagócito à porção Fc do anticorpo ativa a produção de radicais oxigenados livres, a liberação de componentes lisossomais e a produção de prostaglandinas, colaborando para a destruição dos tecidos adjacentes. A ativação do complemento também gera fatores quimiotáticos, anafilatoxinas e opsoninas com efeitos pró-inflamatórios. A reação citotóxica inicia-se de 5 a 8 horas depois da exposição ao antígeno. A célula-alvo pode ser, por exemplo, bactérias, fungos e células epiteliais com alterações de superfície (como em cistos). A formação de complexos imunes solúveis, pela ligação do anticorpo a um antígeno livre não associado a células, também pode acarretar o dano aos tecidos. A reação se desenvolve em 2 a 8 horas após a exposição ao antígeno. Nesses casos, o complexo imune formado promove a ativação do sistema complemento, gerando produtos quimiotáticos (C5a) e anafilatoxinas (C3a, C4a e C5a). O complexo pode ligar-se a plaquetas através da porção Fc do anticorpo e induzir agregação plaquetária com formação de microtrombos e liberação de aminas vasoativas. Essas substâncias provenientes da ativação do complemento e da ativação de plaquetas promovem aumento de permeabilidade vascular, com formação de exsudato, e atração de fagócitos para o local de deposição do complexo imune. A destruição tecidual ocorre devido à produção de radicais oxigenados e liberação de enzimas lisossomais por parte do fagócito, durante uma tentativa fracassada de fagocitar o complexo imune. Na verdade, o fagócito liga-se ao complexo imune graças aos seus receptores para Fc do anticorpo e para C3b. Como o complexo geralmente está depositado sobre superfícies teciduais, como, por exemplo, as paredes vasculares, a fagocitose torna-se difícil. Assim, pelo mecanismo de “fagocitose frustrada”, o fagócito libera enzimas, radicais oxigenados e óxido nítrico para o meio extracelular, causando dano. Se a lesão ocorre devido a apenas uma breve exposição ao antígeno, ocorre o reparo das áreas lesadas. Mas, se ocorre exposição prolongada ao antígeno, há o desenvolvimento de uma inflamação crônica, com dano tecidual mais grave.
Dano causado por células imunocompetentes As células envolvidas nesse tipo de dano são geralmente linfócitos T e macrófagos, caracterizando uma sequela da resposta imune celular.
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Um antígeno introduzido no organismo pela segunda vez é internalizado por uma célula apresentadora, processado e expresso na superfície celular em conjunto com moléculas de MHC classe II. Esse antígeno é então reconhecido por linfócitos TH1 específicos, que uma vez ativados liberam citocinas com efeitos diversos, como o do IFN-γ, que promove a ativação de macrófagos. Macrófagos ativados podem liberar enzimas lisossomais e radicais oxigenados para o meio extracelular, causando dano aos tecidos não mineralizados. Citocinas, como IL-1, TNF, IL-3 e IL-6, e outros mediadores químicos, como PGE2 e VIP, podem ser liberados por células presentes em um sítio acometido por inflamação crônica, apresentando efeito pró-reabsortivo, levando à ativação de osteoclastos e/ou a diferenciação de seus precursores hematopoiéticos. Linfócitos T, macrófagos ativados, fibroblastos, osteoblastos e fibras nervosas são os principais elementos envolvidos na liberação de tais fatores relacionados com a degradação do tecido mineralizado. Assim, o dano mediado por células presentes em um infiltrado inflamatório crônico pode abranger tanto os tecidos mineralizados quanto os não mineralizados.
PATOLOGIA PULPAR E PERIRRADICULAR Patologia pulpar Resposta da polpa à agressão Muito embora bactérias possam alcançar a polpa de maneiras diversas (ver Capítulo 4), a cárie dentária é indubitavelmente a via mais comumente observada na prática clínica. A polpa normal contém elementos de vigilância imunológica, no caso células dendríticas, macrófagos e células NK e NKT, estando assim preparada para se defender de eventuais desafios antigênicos por bactérias e seus produtos migrando via túbulos dentinários adjacentes a uma área de exposição dentinária41-44,54. Macrófagos e células dendríticas expressam MHC II e funcionam como APCs na polpa, estando em grande número nas camadas odontoblástica e paraodontoblástica, as quais então representam regiões estratégicas de defesa. Prolongamentos de células dendríticas podem até mesmo ser ocasionalmente visualizados penetrando em túbulos dentinários. A intensidade de uma resposta inflamatória pulpar abaixo de uma lesão de cárie dependerá da profundidade da invasão bacteriana e das alterações da permeabilidade dentinária decorrentes do processo carioso.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Os odontoblastos podem responder à cárie pelo aumento da produção de dentina peritubular, originando a esclerose tubular, representada pela redução do diâmetro dos túbulos dentinários. Em estágios mais avançados de destruição dentinária, devido à proximidade com a polpa, os produtos bacterianos tóxicos têm difusão facilitada pelo aumento de permeabilidade dentinária, podendo alcançar concentrações mais tóxicas às células pulpares, mormente aos odontoblastos (Fig. 2-22). Quando essas células são destruídas pela agressão, forma-se um trato morto. Em seguida, células mesenquimais indiferenciadas da polpa se diferenciam em odontoblastos, iniciando-se então a produção de dentina reparadora que irá selar a porção pulpar dos tratos mortos. Esse tipo de dentina apresenta menos túbulos e é menos calcificado do que a dentina primária, podendo exercer um papel de proteção à polpa. As lesões de cárie consistem, usualmente, em um processo intermitente, alternando períodos de rápida atividade com os de quiescência. As lesões podem progredir lentamente por anos. Por essa razão, a resposta
A
B
Figura 2-22. Odontoblastos são as primeiras células pulpares a sofrerem alterações em resposta à cárie. A. Odontoblastos em polpa normal. B. Destruição da camada de odontoblastos em resposta a uma lesão de cárie profunda.
inflamatória pulpar é inicialmente crônica e de baixa intensidade. Nos primórdios da evolução da cárie de dentina, um discreto infiltrado de células mononucleares (linfócitos e macrófagos) é observado no tecido pulpar, na área adjacente aos túbulos expostos. Isso se deve à agressão de baixa intensidade causada pela difusão dos produtos bacterianos, como enzimas, toxinas e produtos metabólicos, que se tornam diluídos pelo fluido dentinário. Tem sido demonstrado que mesmo lesões incipientes de cárie podem induzir acúmulo de células expressando MHC II na região pulpar subjacente aos túbulos dentinários pelos quais produtos bacterianos migram e atingem a polpa167,168. Os produtos bacterianos antigênicos que alcançam a polpa podem ser capturados e processados por células dendríticas presentes na camada odontoblástica e paraodontoblástica e por macrófagos pulpares, sendo então transportados aos linfonodos, onde são apresentados aos linfócitos. Antígenos na forma solúvel também podem, menos comumente, ser drenados pelos linfáticos para os linfonodos. A resposta imunológica adaptativa é ativada, culminando com a mobilização de células imunocompetentes, como linfócitos T e B, plasmócitos e macrófagos, para a área adjacente aos túbulos dentinários expostos. Se a espessura de dentina remanescente for igual ou maior do que 1mm, a resposta inflamatória da polpa é de baixa intensidade. Entretanto, se a lesão cariosa progride e passa a distar cerca de 0,5mm da polpa, invadindo assim a dentina reparadora, a inflamação pulpar usualmente se torna aguda105. A camada de odontoblastos é então destruída e substituída por células inflamatórias. Evidências indicam que anaeróbios estritos presentes na lesão de cárie de dentina estão envolvidos na indução dos sintomas de pulpite reversível e irreversível. Bactérias gram-negativas dos gêneros Prevotella e Porphyromonas foram frequentemente isoladas de lesões de cárie de dentina sem exposição pulpar e com sintomas clínicos de pulpite reversível, tais como dor provocada e exacerbada a estímulos térmicos82. Em dentes com lesões de cárie de dentina associadas a pulpite irreversível e exacerbação da sintomatologia pela aplicação de calor, bacilos produtores de pigmentos negros foram frequentemente isolados32. Uma correlação positiva também foi verificada entre a presença de Fusobacterium nucleatum e Actinomyces viscosus na lesão cariosa e a sensibilidade ao frio32. Recentemente, um estudo utilizando Real-Time PCR revelou associação positiva significante entre a presença de Parvimonas micra (previamente Peptostreptococcus micros) e Porphyro-
Patologias Pulpar e Perirradicular
monas endodontalis na dentina cariada e a ocorrência de pulpite irreversível79. Os eventos vasculares da inflamação aguda se desenvolvem, sendo induzidos e amplificados por mediadores químicos liberados após a agressão tecidual. Neuropeptídeos, como CGRP e substância P, são mediadores importantes nas fases iniciais da inflamação aguda, uma vez que há poucos mastócitos na polpa sadia para liberar histamina161. As alterações vasculares incluem, como aclarado anteriormente, vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e posterior migração de células inflamatórias, principalmente de neutrófilos PMNs. A migração de neutrófilos para o espaço extravascular adjacente ao local da agressão bacteriana pode, eventualmente, estimular o desenvolvimento de uma resposta supurativa, por liberar enzimas lisossomais e radicais oxigenados que promovem a destruição dos tecidos.
Pulpite reversível É por definição uma leve alteração inflamatória da polpa, em fase inicial, em que a reparação tecidual advém, uma vez removido o agente desencadeador do processo. Se os agentes irritantes persistem ou aumentam, a inflamação pulpar torna-se de intensidade moderada a grave, o que caracteriza a pulpite irreversível, com ulterior progresso para necrose pulpar.
Características histopatológicas Em resposta a uma lesão cariosa profunda, que ainda não causou exposição, vasos sanguíneos pulpares tornam-se dilatados, um quadro conhecido histologicamente como hiperemia (Fig. 2-23). A vasodilatação prolongada predispõe ao edema, como resultado da elevação da pressão capilar e do aumento de permeabilidade vascular. A resposta hiperêmica em uma
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área localizada da polpa pode ser acompanhada de um infiltrado leve a moderado de células inflamatórias. A zona livre de células da polpa pode ser ocupada por esse infiltrado, na região subjacente aos túbulos dentinários afetados. A polpa encontra-se usualmente organizada.
Diagnóstico Sinais e sintomas A pulpite reversível é, usualmente, assintomática. Contudo, em determinadas situações, o paciente pode acusar dor aguda, rápida, localizada e fugaz, em resposta a estímulos que normalmente não evocam dor, pois ela cede imediatamente ou poucos segundos depois da remoção do estímulo. A dor ao frio é a queixa mais comum por parte do paciente. A vasodilatação prolongada pode resultar em injúria capilar, com consequente extravasamento de fluido para o compartimento extravascular. Além disso, a ação de mediadores químicos promove um aumento da permeabilidade, a princípio, ao nível venular. A formação de edema então é discreta nessas fases iniciais da resposta inflamatória aguda na polpa, exercendo pressão sublimiar sobre fibras nervosas A-δ, responsáveis pela inervação e pela dor dentinária. Assim, não há dor espontânea nessa fase do processo inflamatório da polpa. Contudo, esse aumento de pressão pode diminuir o limiar de excitabilidade dessas fibras, fazendo com que a dentina fique em estado de hipersensibilidade, o que faz com que estímulos (como o frio), que normalmente não evocam dor, passem a fazê-lo. A dor oriunda da estimulação de fibras A-δ é resultado da hidrodinâmica do fluido dentinário, sendo aguda, súbita e fugaz, passando rapidamente após a remoção do estímulo96,157. É possível que mediadores químicos endógenos da inflamação, como prostaglandinas e serotonina, também promovam a redução do limiar de fibras A-δ65. Produtos bacterianos, como amônia, indol e determinadas enzimas, podem tornar fibras A-δ mais excitáveis98,100. Os níveis de endotoxinas em lesões cariosas parecem estar também diretamente relacionados com a sintomatologia pulpar59. Inspeção
Figura 2-23. Hiperemia pulpar. Notar o aumento do calibre vascular.
Pelo exame visual se detecta restauração ou lesão de cárie extensa. Não há ainda exposição pulpar. Entretanto, deve-se ter em mente que em alguns casos, mesmo antes de haver exposição da polpa, pode ha-
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
ver o desenvolvimento de uma pulpite irreversível (ver adiante). Testes pulpares Térmico
Calor – O calor pode ser aplicado por meio de bastão de guta-percha aquecido (76oC) ou pela fricção de uma taça de borracha sobre a superfície vestibular do dente. Em casos de normalidade pulpar, o paciente acusa dor tardia à aplicação inicial do estímulo (segundos depois, à medida que a temperatura aumenta na polpa, pela manutenção do estímulo). Dentes acometidos por pulpite reversível podem responder da mesma forma. Em outras ocasiões, o paciente pode relatar dor aguda e imediata, que passa logo após a remoção do estímulo. Esse tipo de dor é característico das fibras nervosas do tipo A-δ, cujas terminações se encontram na porção pulpar da dentina (penetram de 100 a 200µm de profundidade nos túbulos). Frio – A aplicação de frio, por meio de bastões de gelo (0oC), neve carbônica ou gelo seco (–78oC) ou spray refrigerante, como o tetrafluoretano ou o diclorodifluormetano (Endo-Ice, a -30oC), evoca dor aguda, rápida, localizada, que passa logo ou poucos segundos após a remoção da fonte estimuladora. Essa resposta é bastante similar à de uma polpa normal. Com a manutenção da aplicação do estímulo, a dor diminui, até desaparecer. A dentina é normalmente mais sensível ao frio do que ao calor. Isso se deve provavelmente ao fato de que, pela teoria hidrodinâmica que explica a sensibilidade dentinária, a resistência ao movimento de fluido pelo túbulo é diferente quando o mesmo se move no sentido da polpa ou interno (calor aplicado) ou no sentido contrário à polpa ou externo (frio aplicado). No sentido externo, o fluido pressiona o odontoblasto firmemente para o interior do túbulo, reduzindo as dimensões para movimento de fluido intratubular, o que resulta em maior pressão contra odontoblastos e fibras nervosas. No movimento em sentido interno, o odontoblasto é empurrado em direção à polpa, oferecendo menos resistência ao deslocamento intratubular de fluido. Elétrico – Quando da utilização de um Pulp Tester, a intensidade de corrente elétrica necessária para o paciente acusar um formigamento ou sensação de queimação geralmente é igual ou levemente inferior à de um dente normal, usado como controle. Cavidade – A estimulação dentinária por meio de brocas, sonda exploradora ou colher de dentina evoca dor, indicando presença de vitalidade pulpar. Esse
teste é de grande valia para dentes com restaurações extensas, que podem não reagir aos demais testes. Cumpre salientar que todos os testes citados estão sujeitos a resultados falso-positivos (resposta positiva de uma polpa necrosada) e falso-negativos (resposta negativa de uma polpa vital). Um estudo comparou a capacidade de testes térmico e elétrico em avaliar a vitalidade pulpar103. A probabilidade de um teste negativo significar uma polpa verdadeiramente negativa foi similar para os testes térmico de frio e elétrico (89 e 88%, respectivamente). O teste térmico de calor com bastão de guta-percha aquecido foi muito inferior em detectar um resultado verdadeiro-positivo (48%). Outrossim, a probabilidade de uma resposta positiva representar uma polpa verdadeiramente vital foi similar para os testes de frio, calor e elétrico (90, 83 e 84%, respectivamente). No geral, os testes de frio e elétrico tiveram valores similares de eficácia (86 e 81%), sendo ambos mais eficazes que o teste térmico de calor (71%). Testes perirradiculares Percussão e palpação – Esses testes apresentam resultado negativo na pulpite reversível, uma vez que não há comprometimento dos tecidos perirradiculares. Achados radiográficos
Radiograficamente, verifica-se a presença de lesões cariosas ou restaurações extensas, próximas à câmara pulpar. Na grande maioria dos casos, apenas por radiografias é arriscado afirmar se houve ou não exposição da polpa. Por exemplo, cáries ou restaurações por vestibular ou lingual podem sobrepor-se à câmara pulpar na radiografia, dando a falsa impressão de ter atingido a polpa.
Tratamento O tratamento da pulpite reversível consiste, basicamente, na remoção de cárie ou da restauração defeituosa (e/ou extensa) e aplicação de um curativo à base de óxido de zinco-eugenol, o qual é dotado de efeito analgésico e anti-inflamatório. O paciente é remarcado para, pelo menos, 7 dias depois, quando o caso é reavaliado, considerando-se a possibilidade de restaurar o dente definitivamente.
Pulpite irreversível Quando a polpa é exposta, fica estabelecida uma área de contato direto dessa com os micro-organismos da cárie (Fig. 2-24). Inicia-se então um verdadeiro “combate” visando à eliminação do agente agressor. Con-
Patologias Pulpar e Perirradicular
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Figura 2-24. Exposição pulpar por cárie. Quando uma lesão extensa de cárie atinge a polpa, ela se torna intensamente inflamada na tentativa de impedir o avanço da infecção. (Gentileza do Prof. Ricardo Carvalhaes Fraga.)
tudo, na grande maioria das vezes, devido às características anatômicas peculiares da polpa, ela invariavelmente sofre alterações irreversíveis, caracterizadas por inflamação grave. Mesmo a remoção de irritantes não é suficiente para reverter o quadro, havendo a necessidade de intervenção direta na polpa. Acometida por um processo inflamatório de caráter irreversível, a polpa invariavelmente progride para necrose, a qual pode dar-se lenta ou rapidamente. A necrose pulpar pode ser retardada se o exsudato inflamatório for absorvido por linfáticos ou vênulas ou se for drenado pela área de exposição. A polpa radicular pode permanecer viável por dias a anos. Se essa área de exposição for selada ou obstruída, a necrose terá progressão rápida e total, com consequente desenvolvimento de patologia perirradicular. É imperioso ressaltar que, em alguns casos, a pulpite irreversível pode se instalar mesmo sem haver exposição da polpa à cavidade oral.
Figura 2-25. Cárie profunda de dentina em um segundo pré-molar superior associada à dor espontânea. A polpa apresenta inflamação grave e irreversível após exposição (a área de exposição não pode ser visualizada nesse corte, mas aparece em outros cortes seriados do mesmo espécime). Os espaços vazios indicam a presença de abscessos na polpa coronária. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
A
Características fisiopatológicas Bactérias podem causar dano direto, por meio de seus fatores de virulência, e indireto, por evocar resposta inflamatória e/ou imunológica no tecido pulpar que, quando exacerbada, é crítica para a sobrevivência da polpa. Peptídeos N-formilados (liberados por bactérias), componentes do sistema complemento (ativado pela formação de complexos antígeno-anticorpos) e mediadores químicos da inflamação (oriundos do tecido pulpar ou do plasma), são quimiotáticos para neutrófilos PMNs, atraindo-os para o local da agres-
B
Figura 2-26. Exposição pulpar por cárie. A. Presença de microabscessos na região pulpar próxima à exposição. B. Intenso infiltrado inflamatório na polpa adjacente a uma área de exposição por cárie. Notar a ocorrência de necrose tecidual na superfície pulpar exposta.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
são118. A liberação de enzimas proteolíticas e radicais oxigenados por essas células inflamatórias promove destruição tecidual, na maioria das vezes caracterizada por microabscessos (Figs. 2-25 e 2-26). A área tecidual imediatamente em contato com o agente agressor também sofre uma série de fenômenos fisiopatológicos, ditados pelos caracteres anatômicos da polpa. A resposta inflamatória se torna então mais acentuada, devido a esse contato direto da polpa com as bactérias. Como resultado do aumento de permeabilidade vascular prolongado e acentuado, há elevação significativa da pressão hidrostática tecidual. A pressão gerada pode exceder o limiar de excitabilidade das fibras nervosas amielínicas do tipo C, o que gera a dor pulsátil, excruciante, lenta, lancinante e espontânea, característica de pulpite irreversível. Em estágios mais avançados de aumento de pressão, o fluxo sanguíneo torna-se reduzido, o que faz com que as fibras A-δ, oxigênio dependentes, parem de responder, degenerando-se64. Por essa razão, em estágios avançados da inflamação pulpar, a polpa apenas responde a altas correntes do teste elétrico e não responde positivamente ao teste térmico de frio. Quando o calor é aplicado, a dor é exacerbada. Isso ocorre porque o calor causa vasodilatação, potencializando a pressão tecidual. O frio pode causar alívio da sintomatologia, graças ao seu efeito vasoconstrictor ou anestésico. Pacientes acometidos por pulpite irreversível sintomática comumente procuram o auxílio do profissional portando uma bolsa de gelo ou relatam o seu uso para alívio dos sintomas. As fibras tipo C são mais resistentes à hipoxia tecidual, podendo sobreviver por períodos prolongados em áreas de necrose64. Mediadores químicos como bradicinina e histamina podem causar dor por ação direta sobre fibras do tipo C. Prostaglandinas reduzem o limiar dessas fibras, tornando-as mais suscetíveis aos efeitos estimulatórios da bradicinina e da histamina. Uma polpa inflamada pode apresentar níveis elevados de prostaglandinas73. Esses mediadores parecem não causar dor de forma direta sobre fibras A-δ, embora possam reduzir seu limiar de excitabilidade. Embora esses mediadores possam exercer um efeito direto sobre fibras do tipo C, o aumento de pressão tecidual é o principal responsável pela dor de origem pulpar e perirradicular. A inflamação pulpar pode diminuir o limiar de excitabilidade das fibras nervosas ao ponto em que um aumento na pressão sanguínea sistólica pode ativar neurônios pulpares. A sincronia de ativação das fibras pulpares em resposta aos batimentos cardíacos explica
a dor pulsátil da pulpite sintomática, aumentada durante esforço físico ou ao se deitar35. Cumpre salientar, entretanto, que a dor em pulpite irreversível nem sempre está presente, podendo ser considerada exceção e não regra. Na verdade, tem sido sugerido que o papel principal das fibras nervosas pulpares seria controlar o fluxo sanguíneo e participar da inflamação neurogênica. Existem algumas razões plausíveis para a pulpite assintomática. Muitas vezes há drenagem de exsudato inflamatório para a cavidade oral, via exposição pulpar. Isso ajudaria a impedir o estabelecimento de sintomatologia oriunda da compressão de fibras nervosas pelo edema, podendo também retardar, mas não impedir, a necrose pulpar. Além disso, embora a maioria dos mediadores químicos liberados durante a inflamação ative ou sensibilize os neurônios periféricos, alguns mediadores liberados na polpa após a injúria parecem ser inibitórios17. Esses incluem somatostatina e opioides endógenos, como a endorfina, os quais reconhecidamente reduzem ou cessam a atividade nervosa sensorial intradental, mesmo na presença de mediadores estimulantes17. Esses mediadores têm sido encontrados na polpa normal, mas principalmente na inflamada, e linfócitos T são aparentemente a principal fonte dessas substâncias92. A liberação dessas substâncias durante a inflamação pode ser uma das explicações para o fato de a maioria dos casos de pulpite ser assintomática17,87. A elevação da pressão hidrostática tecidual não é tão crítica para outros tecidos do organismo, quanto o é para o cérebro e para a polpa. Em outras áreas, a presença de edema gera um aumento de volume tecidual, caracterizado por tumefação. Na polpa, a qual se encontra situada entre paredes inextensíveis de dentina, esse aumento da pressão hidrostática tecidual pode comprometer sua sobrevivência. Para melhor entendimento da resposta vascular da polpa à inflamação e dos efeitos da pressão, cumpre revisar que a microcirculação pulpar é composta basicamente por63: • arteríolas – vasos com calibre abaixo de 100µm e pressão sanguínea de 43mmHg; • capilares – vasos com calibre aproximado de 10µm e pressão de 35mmHg; • vênulas – vasos com calibre abaixo de 200µm e pressão de 19mmHg. O aumento da pressão tecidual exerce mais efeitos sobre as vênulas, vasos mais calibrosos, mas com paredes mais finas e que apresentam a menor pressão
Patologias Pulpar e Perirradicular
Figura 2-27. Exposição pulpar por cárie. Na região da polpa adjacente à exposição há degeneração avançada do tecido (à esquerda). Na região oposta, ainda na câmara pulpar, o tecido se encontra em relativa normalidade (à direita).
intravascular dentre os componentes da microcirculação. Uma vez comprimidas, há aumento da resistência venular, o que impede a drenagem sanguínea da região, induzindo, assim, a redução do fluxo sanguíneo136. Isso favorece a ocorrência de hipoxia tecidual, a concentração de produtos tóxicos oriundos do metabolismo celular e a queda de pH. Dessa forma, a área limitada da polpa que contata diretamente a agressão torna-se necrosada (Fig. 2-26). Toda essa sequência de eventos ocorre na região tecidual em contato com o agente agressor e não em toda a extensão do tecido pulpar. A região tecidual subjacente à zona agredida não apresenta sinais de inflamação grave63 (Fig. 2-27), o que é confirmado por achados fisiológicos inerentes à pressão pulpar. Tonder & Kvinnsland137 relataram que na porção inflamada a pressão tecidual pode atingir cerca de 16mmHg. Na região 1 a 2mm distante dessa a pressão é de aproximadamente 7mmHg, muito próxima da normal encontrada, que foi de 6mmHg. Essa diferença de pressão entre a área inflamada e a adjacente não inflamada pode resultar de vários mecanismos voltados para a manutenção da normalidade fisiológica da região que não está sendo agredida diretamente, impedindo a disseminação do aumento de pressão tecidual. A elevação de pressão na área agredida pode forçar fluidos e macromoléculas de volta para vasos sanguíneos e linfáticos na região subjacente38,136,137. Além disso, a pressão pode ser dissipada por compartimentos extracelulares presentes em um tecido conjuntivo frouxo (no caso, a polpa). Contudo, quando uma região localizada da polpa se torna necrosada em decorrência da agressão, a capacidade de defesa contra a invasão bacteriana é perdida. Uma vez que a área afetada por inflamação e necrose
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se torna infectada, bactérias passam a agredir a região da polpa adjacente, que sofrerá todos os fenômenos inflamatórios já descritos. Em resumo, bactérias agridem uma região, que se torna inflamada e necrosa. Bactérias então avançam e ocupam essa região, passando a agredir a porção tecidual adjacente, em direção apical, a qual sofrerá os mesmos eventos de inflamação, necrose e invasão bacteriana. Destarte, cada compartimento tecidual experimenta os eventos agressão, inflamação, necrose e infecção, os quais ocorrem gradativamente, por compartimentos teciduais, até que toda a polpa esteja necrosada e infectada. Tendo em vista o conhecimento desses fenômenos, sabe-se atualmente que o processo inflamatório e a necrose pulpar são compartimentalizados e a necrose total da polpa se origina da coalescência de focos localizados de tecido necrosado. Em determinadas situações, a inflamação aguda da polpa pode se tornar crônica, sem progredir para a necrose diretamente, o que acontece quando a agressão bacteriana tem sua intensidade reduzida e/ou quando há drenagem satisfatória do exsudato inflamatório, que pode se dar por meio de vênulas, linfáticos ou por uma área de exposição pulpar extensa. Uma polpa acometida por inflamação crônica pode levar anos para se tornar necrosada. Alterações degenerativas da polpa, como fibrose e reabsorção interna, podem eventualmente se desenvolver durante o curso de um processo inflamatório crônico na polpa (Fig. 2-28).
Figura 2-28. Reabsorção interna da polpa. Radiografia de diagnóstico.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Diagnóstico Sinais e sintomas
A
B
Figura 2-29. Pulpite irreversível hiperplásica. A. Aspecto clínico. (Gentileza da Dra. Maria Urânia Alves.) B. Aspecto histopatológico.
A grande maioria dos pacientes que são acometidos por pulpite irreversível não se queixa de dor. Por essa razão, a dor em pulpite irreversível pode ser considerada exceção e não regra. Poucos pacientes relatam episódio de dor prévia. Como discutido alhures, a ausência de sintomas da pulpite irreversível provavelmente se dá em virtude da exposição pulpar, que permite a drenagem do exsudato inflamatório e/ou da liberação de substâncias analgésicas na região inflamada. Além disso, o fenômeno dor é extremamente influenciado por fatores psicológicos, além dos somáticos. Assim, muitos pacientes acometidos por inflamação pulpar aguda podem não se queixar de dor. Quando presente, a dor associada a uma inflamação aguda da polpa, em estágios intermediários, pode ser provocada, aguda, localizada e persiste por um longo período após a remoção do estímulo. O paciente usualmente relata o uso de analgésicos, que podem ou não ser eficazes no alívio da sintomatologia. Em casos mais avançados de inflamação pulpar aguda, a dor relatada pelo paciente pode ser pulsátil, excruciante, lancinante, contínua e espontânea. O emprego de analgésicos comuns pelo paciente usualmente não apresenta eficácia em debelar os sintomas. Inspeção
Em dentes de pacientes jovens, a inflamação crônica da polpa pode resultar na formação de um pólipo, condição conhecida como pulpite hiperplásica. Essa é uma forma de pulpite irreversível, caracterizada pela proliferação de um tecido granulomatoso que protrai pela câmara pulpar (Fig. 2-29). O pólipo formado pode tornar-se epiteliado, uma vez que células epiteliais descamadas da mucosa oral são adsorvidas à superfície do tecido granulomatoso, o que contribui para a redução da sensibilidade desse tecido exposto. Em suma, uma polpa agredida por bactérias se torna inflamada. A inflamação poderá ser aguda e/ou crônica, dependendo de uma série de fatores, e, se o agente agressor não for eliminado, invariavelmente progredirá para a necrose do tecido. Uma vez que a necrose e a colonização bacteriana se estendem para a porção mais apical do canal, aproximando-se do forame apical, a agressão e a resposta passam a envolver os tecidos perirradiculares.
Pelo exame clínico visual geralmente se observa a presença de cáries ou restaurações extensas (Fig. 2-30A). Uma vez removidas, na grande maioria das vezes se observa exposição pulpar, observação essa de fundamental importância para se estabelecer o diagnóstico da pulpite irreversível. Entretanto, o profissional deve estar consciente de que a exposição pulpar não é condição sine qua non para se estabelecer o diagnóstico de pulpite irreversível. Se a causa da exposição for de origem microbiana, pela cárie, considera-se que a polpa está inflamada irreversivelmente, necessitando de tratamento invasivo nesse tecido, representado pela pulpotomia ou pelo tratamento endodôntico. Entretanto, em casos de exposições traumáticas recentes (máximo de 48 horas) ou iatrogênicas assépticas, pode-se considerar que a inflamação pulpar tem caráter de reversibilidade, podendo o tecido ser salvo pelo capeamento direto, uma vez que não houve ainda tempo hábil para maciça colonização e invasão bacteriana da su-
Patologias Pulpar e Perirradicular
A
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B
Figura 2-30. Exposição pulpar em decorrência de cárie extensa (A) ou fratura coronária causada por traumatismo dentário (B). A causa e o tempo de exposição podem influenciar o tratamento a ser efetuado. (Gentileza do Prof. Ricardo Carvalhaes Fraga.)
perfície pulpar exposta (Fig. 2-30B). Por outro lado, mesmo que não se observe a inflamação pulpar, mas o paciente se queixa de dor lancinante, espontânea, pulsátil e contínua, há fortes indícios de que o tecido pulpar está inflamado irreversivelmente e o tratamento endodôntico convencional está indicado. Testes pulpares Térmico
Calor – O resultado do teste é positivo. Nos casos sintomáticos, a aplicação de calor exacerba a dor. Isso ocorre porque o calor causa vasodilatação, potencializando a pressão tecidual. Frio – Nos estágios iniciais da pulpite pode haver resposta positiva. Entretanto, nos estágios mais avançados da inflamação pulpar geralmente não há resposta positiva devido à perda de atividade por hipoxia e degeneração das fibras A-δ. Nos casos sintomáticos, o frio pode causar alívio da dor, graças ao seu efeito vasoconstrictor e anestésico. Pacientes acometidos por pulpite irreversível sintomática comumente procuram o auxílio do profissional portando uma bolsa de gelo ou relatam o seu uso para alívio dos sintomas Elétrico – Usualmente se observa que a polpa apenas responde a altas correntes do teste elétrico. Cavidade – A resposta geralmente é positiva. Testes perirradiculares
Percussão – Usualmente negativo, pois a resposta inflamatória normalmente é localizada e restrita à polpa. Contudo, um estudo relatou que 57% dos pacientes com pulpite irreversível apresentaram alodinia mecânica em resposta ao teste de percussão99. Isso pode ocorrer devido31:
a) à ativação de mecanonociceptores pulpares em decorrência da inflamação; b) à extensão da inflamação pulpar para os tecidos perirradiculares, ativando mecanonociceptores no ligamento periodontal apical; c) à sensibilização central ao nível do corno dorsal da medula, causada por atividade intensa dos nociceptores pulpares durante a inflamação. A sensibilização central resulta em expansão dos campos receptivos periféricos, levando ao desenvolvimento de alodinia mecânica em regiões mais distantes (como o ligamento periodontal e até mesmo os dentes e mucosa adjacentes). Palpação – A palpação da mucosa ao nível do ápice gera resposta negativa. Achados radiográficos Pela radiografia podem ser detectadas lesões cariosas e/ou restaurações extensas, geralmente sugerindo exposição pulpar. O espaço do ligamento periodontal (ELP) apresenta-se normal ou, algumas vezes, ligeiramente espessado.
Tratamento O tratamento consiste na remoção do tecido pulpar, total (tratamento endodôntico convencional) ou parcial (tratamento conservador pulpar).
Necrose pulpar A necrose é caracterizada pelo somatório de alterações morfológicas que acompanham a morte celular em um tecido118. Dependendo da causa, a necrose pulpar pode ser classificada como:
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
• Necrose de liquefação – É comum em áreas de infecção bacteriana. Resulta da ação de enzimas hidrolíticas, de origem bacteriana e/ou endógena (neutrófilos), que promovem a destruição tecidual. • Necrose de coagulação – Geralmente é causada por uma lesão traumática, com interrupção do suprimento sanguíneo pulpar devido ao rompimento do feixe vasculonervoso que penetra pelo forame apical, ocasionando isquemia tecidual. Embora o núcleo seja perdido, a morfologia celular é usualmente mantida, a despeito da morte. Esse modelo de necrose resulta de extensa desnaturação proteica, não apenas de proteínas estruturais, mas também de enzimas autolíticas, impedindo a proteólise e total destruição da célula. • Necrose gangrenosa – Dá-se quando o tecido que sofreu necrose de coagulação é invadido por bactérias, que promovem a liquefação. Ocorre em dentes traumatizados, cujas polpas sofreram necrose de coagulação asséptica e que se tornaram infectadas posteriormente. Os modelos de coagulação e liquefação coexistem na gangrena pulpar.
Diagnóstico Sinais e sintomas A necrose pulpar geralmente é assintomática, com o paciente podendo relatar episódio prévio de dor. Entretanto, dependendo do status dos tecidos perirradiculares, a dor pode estar presente, como nos casos de periodontite apical aguda ou abscesso perirradicular agudo. Inspeção Pelo exame clínico-visual detecta-se a presença de cáries e/ou restaurações extensas que alcançaram a polpa. Em outras situações, quando a causa de necrose foi traumática, a coroa dentária pode estar hígida. A necrose pulpar também pode promover o escurecimento da coroa. Testes pulpares Térmico
Calor – A aplicação de calor, na grande maioria das vezes, não evoca dor. No entanto, há raras situações em que o paciente pode acusar sensibilidade, devido à presença de fibras do tipo C, que por serem mais resistentes à hipoxia tecidual podem permanecer responsíveis por um determinado período após a necrose pulpar.
Frio – A resposta à aplicação de frio é sempre negativa. Esse é um dos testes mais confiáveis para determinar a necrose pulpar. Elétrico – Não há resposta à corrente elétrica por parte da polpa. Em raras ocasiões, se ainda houver fibras tipo C viáveis ou a polpa apresentar necrose de liquefação, altas correntes podem evocar uma resposta positiva (falso resultado). Cavidade – É um teste também bastante eficaz para diagnosticar a necrose pulpar. A resposta é negativa. Testes perirradiculares Percussão e palpação – Podem evocar resposta positiva ou negativa, dependendo do status dos tecidos perirradiculares. Achados radiográficos Pela radiografia de diagnóstico observa-se a presença de cárie, coroa fraturada e/ou restaurações extensas. Se a causa de necrose foi traumática, a coroa dentária pode apresentar-se hígida ou com pequenas restaurações. O ELP pode apresentar-se normal, espessado, ou uma lesão perirradicular caracterizada por reabsorção óssea pode estar presente.
Tratamento O tratamento da necrose pulpar consiste na remoção de todo o tecido necrosado e possivelmente infectado, medicação intracanal e obturação do sistema de canais radiculares.
Patologia perirradicular Em linhas gerais, depreende-se do exposto até aqui que o processo patológico perirradicular se inicia na grande maioria das vezes com um processo carioso. Uma vez não tratada, a cárie resultará em inflamação pulpar que será reversível até o momento em que a polpa fique exposta, condição essa que usualmente induz um quadro de irreversibilidade da condição inflamatória pulpar. O processo de inflamação, necrose e infecção pulpar progride por compartimentos em direção apical até que os tecidos perirradiculares sejam afetados (Fig. 2-31). Em alguns casos, uma lesão perirradicular pode ser detectada mesmo antes de todo o canal estar necrosado e infectado3,106. A ocorrência da patologia perirradicular está associada às respostas inflamatória e imunológica do hospedeiro com o intuito de conter o avanço da infecção endodôntica122,139,145.
Patologias Pulpar e Perirradicular
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Figura 2-31. Dinâmica dos processos patológicos pulpar e perirradicular tendo como início um processo de cárie. A. Pulpite reversível. À medida que a cárie avança na dentina em direção à polpa, aumenta a gravidade do processo inflamatório pulpar. B. Pulpite irreversível. Após exposição pulpar por cárie, a agressão exercida diretamente por micro-organismos é intensa e gera inflamação grave e irreversível. C. Pulpite irreversível e necrose parcial. A infecção avança no canal em direção apical. D. Necrose e infecção de praticamente toda a polpa radicular, como resultado do avanço apical dos eventos compartimentalizados de agressão, inflamação, necrose e infecção. E. Estando localizada a infecção na porção mais apical do sistema de canais radiculares, a agressão incide sobre os tecidos perirradiculares, estabelecendo-se uma lesão inflamatória.
A ocorrência de dano aos tecidos perirradiculares pode resultar do efeito direto ou indireto das bactérias. A agressão tecidual causada diretamente por bactérias é dependente de alguns de seus fatores de virulência. Esses incluem enzimas (p. ex., colagenase, hialuronidase, condroitinase, fosfatase ácida), exotoxinas e produtos metabólicos (p. ex., butirato, propionato, amônia, indol, compostos sulfurados). Além disso, componentes bacterianos podem ativar as defesas do hospedeiro132. Quando da persistência da agressão, essa ativação pode ser responsável pela autólise tecidual. Assim, bactérias também exercem um efeito destrutivo de forma indireta por ativarem elementos de defesa do hospedeiro.
Resposta dos tecidos perirradiculares à agressão A intensidade da agressão microbiana depende do número de micro-organismos patogênicos e do seu grau de virulência. Esses fatores, dependendo da resistência do hospedeiro, podem estimular o desenvolvimento de uma resposta inflamatória aguda, com a ocorrência da periodontite apical ou do abscesso, ou crônica, com a formação de granuloma, cisto ou abscesso perirradicular crônico, com consequente destruição óssea (Fig. 2-32).
Figura 2-32. Lesão perirradicular crônica associada à reabsorção óssea. O osso reabsorvido é substituído por tecido granulomatoso voltado para o combate à infecção do canal.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Micro-organismos estão localizados em posição privilegiada e estratégica no interior do sistema de canais radiculares contendo tecido necrosado. As células fagocíticas não têm como alcançá-los e eliminálos nessa localização, uma vez que não há mais vasos sanguíneos ativos na polpa necrosada. Por outro lado, os micro-organismos que avançam para fora do canal, inicialmente em direção ao ligamento periodontal, são imediatamente combatidos pelos mecanismos de defesa do hospedeiro. Esses, representados por mecanismos de defesa inata não induzida, pela resposta inflamatória inespecífica (aguda) ou por uma resposta imunológica adaptativa (crônica) de caráter específico, são mobilizados para impedir o avanço da infecção118,121. Se isso não ocorresse, uma infecção endodôntica poderia causar problemas mais sérios, como osteomielite ou até mesmo efeitos sistêmicos indesejáveis138. Assim, embora a fonte original da infecção, dentro do canal, não seja debelada, o hospedeiro consegue estabelecer um equilíbrio. Quando o canal radicular é tratado convenientemente, o profissional desequilibra em favor do hospedeiro, e a reparação é então iniciada. Destarte, lesões perirradiculares são consideradas como uma segunda linha de defesa do hospedeiro, objetivando confinar a infecção ao canal radicular e prevenir seu egresso para o osso alveolar e para outras regiões do corpo via disseminação sistêmica. A defesa do hospedeiro contra uma infecção consiste basicamente em três mecanismos, os quais usualmente atuam obedecendo uma sequência cronológica118 (Quadro 2-2). O primeiro mecanismo é representado pela defesa inata não induzida, que pode ser considerada uma resposta pré-inflamatória. Após a invasão
Figura 2-33. Receptores de superfície da família Toll, que capacitam as células de defesa a reconhecerem diversos componentes bacterianos.
inicial do tecido conjuntivo, as células bacterianas são imediatamentre combatidas por macrófagos teciduais residentes e pelo sistema complemento, ativado pela vias alternativa e/ou da lectina. Macrófagos e outras células de defesa possuem receptores que reconhecem componentes da superfície bacteriana e geram sinais que ativam funções antimicrobianas e pró-inflamatórias, além de poderem favorecer a fagocitose, os quais incluem receptores tipo Toll, como TLR-4 (reconhece LPS), TLR-2 (peptidoglicano, ácido lipoteicoico e LPS de algumas espécies), TLR-5 (flagelos) e TLR-9 (DNA bacteriano) (Fig. 2-33), o receptor de manose e o de glicana, receptores depuradores (scavenger), receptores para peptídeos bacterianos formilados e outros1.
Quadro 2-2 Mecanismos de defesa do hospedeiro contra bactérias presentes no canal radicular Mecanismo Características 2o encontro Elementos de defesa
Patologia perirradicular
Defesa inata não induzida Inespecífica não induzida S/memória
Macrófagos S/alterações Complemento (va, vl) significativas
Resposta inflamatória aguda Inespecífica induzida S/memória
Neutrófilos Macrófagos Complemento (va, vl) Anticorpos (–)
Resposta imunológica adaptativa Específica induzida Memória Macrófagos Anticorpos (+) Complemento (vc)
PAA APA
PAC GP CP APC
va: via alternativa; vl: via da lectina; vc: via clássica; PAA: periodontite apical aguda; APA: abscesso perirradicular agudo; PAC: periodontite apical crônica; GP: granuloma perirradicular; CP: cisto perirradicular; APC: abscesso perirradicular crônico.
Patologias Pulpar e Perirradicular
Uma vez ativado por componentes bacterianos, o macrófago tem sua capacidade fagocítica aumentada, assim como a capacidade de apresentar antígenos aos linfócitos. O macrófago ativado passa também a apresentar uma pronunciada atividade biossintética, liberando uma gama variada de mediadores, como as citocinas IL-1, IL-6, IL-8/CXCL8 e TNF-α mediadores lipídicos (como prostaglandinas e leucotrienos), enzimas lisossomais, radicais oxigenados e óxido nítrico. Em caso de necessidade, como a persistência da fonte de agressão, esses mediadores poderão estar envolvidos na indução do segundo mecanismo de defesa, a resposta inflamatória inespecífica. Componentes da superfície bacteriana, como LPS, peptidoglicano e ácido lipoteicoico, podem ativar o sistema complemento pela via alternativa, enquanto bactérias que expressam manose na superfície podem ativar o complemento pela via da lectina. Em conjunto com macrófagos residentes, outro mecanismo inicial de defesa inata é então ativado, sendo representado pelo efeito citolítico e opsonizador exercido por componentes do sistema complemento. A ativação do sistema complemento pelas vias alternativa e da lectina é de grande importância, pois precede a ativação desse mesmo sistema pela via clássica, a qual se dá em cerca de 5 a 7 dias, tempo necessário para haver a síntese de anticorpos. Ao mesmo tempo, produtos da ativação do sistema complemento, como C3a e C5a, atuam como anafilatoxinas, que estimulam a desgranulação de mastócitos e a consequente liberação de histamina e outros media-
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dores químicos envolvidos na inflamação, a resposta de defesa subsequente. Em decorrência da persistência da agressão bacteriana oriunda do canal, a qual não foi eliminada pelos mecanismos de defesa inata não induzida, um dano tecidual é gerado, levando ao desenvolvimento da resposta inflamatória aguda, inespecífica. Essa é caracterizada pelos eventos vasculares e celulares já descritos no início deste capítulo. A periodontite apical aguda está então instalada. Se essa resposta não reduz a intensidade de agressão proveniente do canal, pode se tornar exacerbada, dando origem ao abscesso perirradicular agudo. Como essa resposta não é capaz de eliminar bactérias no canal, mas apenas de reduzir a agressão causada por bactérias que egressam pelo forame apical, o processo se cronifica, sendo composto agora por componentes do terceiro mecanismo de defesa, a resposta imunológica adaptativa, com caráter de especificidade. Uma inflamação crônica, caracterizada por componentes da resposta imunológica adaptativa e por elementos de reparação, se instala nos tecidos perirradiculares, dando origem à periodontite apical crônica. Se o estímulo persiste no sistema de canais radiculares, esse processo crônico resulta em reabsorção óssea, dando origem ao granuloma perirradicular e, posteriormente, ao cisto perirradicular (Fig. 2-34). Como já aclarado, a resposta inflamatória crônica pode se desenvolver sem ser precedida pela resposta inflamatória aguda, desde que a agressão inicial seja de baixa intensidade. A dinâmica dos mecanismos de defesa do hospedeiro em respos-
Figura 2-34. Lesões perirradiculares em resposta à infecção do canal em dentes de ratos. A. Granuloma perirradicular, evidenciando um aglomerado de células de defesa adjacentes ao forame apical na tentativa de impedir o avanço da infecção. B. Cisto perirradicular contendo grande quantidade de detritos no interior da loja cística.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
ta à agressão proveniente do canal será discutida com mais detalhes adiante.
Mediadores químicos envolvidos na patogênese das lesões perirradiculares Os mediadores químicos detectados em lesões perirradiculares formam uma rede interligada, onde um mediador pode ativar, ter ação sinérgica ou mesmo suprimir o outro. A progressão e a estabilização da lesão perirradicular serão determinadas pelo status dessa rede de mediadores52.
Resposta inflamatória inespecífica Os principais mediadores químicos da resposta inflamatória aguda são: neuropeptídeos, fibrinopeptídeos, bradicinina, componentes do sistema complemento, aminas vasoativas, enzimas lisossomais, derivados do ácido aracdônico, radicais oxigenados, óxido nítrico e citocinas. Uma vez liberados após a agressão tecidual, esses mediadores químicos podem iniciar, amplificar e perpetuar uma alteração patológica dos tecidos perirradiculares. O sistema complemento pode ser ativado por três vias, a clássica, a alternativa e a da lectina, sendo que as duas últimas fazem parte dos principais mecanismos de defesa inespecífica do hospedeiro. Estudos relataram a presença do componente C3 do sistema complemento em lesões perirradiculares69,146. Marton et al.80, investigando a atividade de radicais oxigenados em lesões perirradiculares crônicas, revelaram que eles foram primariamente liberados por células fagocíticas e que podem contribuir para a destruição tecidual e perda óssea associadas a essas lesões. Enzimas lisossomais hidrolíticas, como as arilsulfatases A e B, foram encontradas em níveis elevados nas lesões perirradiculares2. Prostaglandinas podem exercer um papel importante na patogênese de lesões perirradiculares141,142. McNicholas et al.185 encontraram altos níveis de prostaglandinas em lesões perirradiculares, mormente nos abscessos agudos. Takayama et al.130 encontraram correlação entre os níveis de PGE2 e a presença de sintomatologia clínica. Torabinejad et al.144 relataram que os níveis de LTB4, um leucotrieno quimiotático para neutrófilos PMNs, foram significativamente maiores em lesões sintomáticas. Um estudo demonstrou que a concentração de LTC4, outro leucotrieno pró-inflamatório, liberado principalmente por mastócitos e possivelmente por outras células inflamatórias, foi significativamente maior em lesões perirradiculares do que em tecidos não infla-
mados23. O LTC4 tem ação vasodilatadora e por meio da ligação a células endoteliais promove o aumento da permeabilidade vascular. LPS liberado por bactérias gram-negativas e outros produtos bacterianos que alcançam os tecidos perirradiculares via forame apical podem estimular a síntese e expressão de quimiocinas que irão atrair um maior número de células inflamatórias para a região. Por meio de imuno-histoquímica, Marton et al.81 detectaram três importantes quimiocinas em lesões perirradiculares crônicas – IL-8/CXCL8 (quimiotática para neutrófilos), MCP-1/CCL2 (quimiotática para monócitos/macrófagos) e Rantes/CCL5 (quimiotática para linfócitos T e outros leucócitos). A distribuição diferenciada de MCP-1/CCL2, a qual foi a única quimiocina presente no endotélio, sugere que esteja envolvida no contínuo recrutamento de células de defesa para a região, enquanto IL-8/CXCL8 e Rantes/CCL5 podem alcançar os vasos sanguíneos, mas apenas exercer uma função quimioatrativa periodicamente. Shimauchi et al.113 relataram a ocorrência de IL-8/ CXCL8 e óxido nítrico em 24 e 19 das 27 amostras de lesões perirradiculares, respectivamente. Enquanto níveis significantes de IL-8/CXCL8 foram detectados em lesões sintomáticas, não houve correlação entre níveis elevados de óxido nítrico e a presença de sintomas. Os tecidos perirradiculares são inervados por fibras sensoriais e simpáticas45,152,163 e o brotamento de axônios tem sido observado em lesões inflamatórias18,37,61,66. Fibroblastos estimulados pela agressão podem liberar NGF (fator de crescimento de nervos), o qual se liga a um receptor expresso na membrana axonal e nas células de Schwann, fazendo com que ocorra a proliferação de fibras nervosas. Isso resulta em aumento da densidade nervosa, com consequente aumento da liberação de neuropeptídeos. Assim, a agressão aos tecidos perirradiculares induz aumento da densidade nervosa, por brotamento axonal mediado por NGF, o que pode elevar os níveis de neuropeptídeos, como a SP e o CGRP, liberados nos tecidos perirradiculares afetados17. Neuropeptídeos causam vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular, exercendo papel importante nas fases iniciais da inflamação. O número de fibras nervosas contendo CGRP está correlacionado com o tamanho da lesão, enquanto o número de fibras contendo SP está associado ao acúmulo de células inflamatórias. É bem estabelecido que interações neuroimunes são moduladoras importantes na determinação da progressão das lesões perirradiculares52. Bactérias e seus produtos também podem causar a lesão de vasos sanguíneos. Isso pode ocorrer por meio
Patologias Pulpar e Perirradicular
da ação de enzimas bacterianas que degradam o colágeno, componente da membrana basal vascular. Produtos do metabolismo bacteriano também podem ser tóxicos às células endoteliais, rompendo, assim, a integridade do revestimento endotelial interno dos vasos. Outrossim, o dano vascular causado por bactérias pode se dar por ação indireta delas. Macrófagos ativados por componentes bacterianos liberam enzimas e radicais livres que danificam as paredes dos vasos. Uma vez que os vasos são lesados, há a ativação dos sistemas de cininas, de coagulação e fibrinolítico, resultando na produção de potentes mediadores químicos, como bradicinina e fibrinopeptídeos. Níveis elevados de cininas têm sido detectados em lesões perirradiculares150. Níveis elevados de ciclooxigenase 2 (COX-2) e óxido nítrico sintase, envolvidos na produção de prostaglandinas e óxido nítrico durante inflamação, têm sido relatados em macrófagos presentes em lesões perirradiculares127,131. A síntese desses mediadores também parece estar relacionada com o período inicial de expansão da lesão. Kettering & Torabinejad57 relataram a presença de células NK em lesões de origem endodôntica. A detecção de células NK em praticamente todas as lesões granulomatosas e císticas examinadas por Saboia-Dantas et al.111 confirma que essas células podem participar ativamente do processo de defesa (Fig. 2-35), principalmente em casos nos quais há infecção de células do hospedeiro por herpesvírus.
Resposta imunológica adaptativa A resposta imunológica adaptativa, de caráter específico, é representada por uma resposta celular, me-
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diada basicamente por linfócitos T, macrófagos e citocinas secretadas, e por uma resposta humoral, mediada por linfócitos B, plasmócitos e anticorpos secretados. Tem sido demonstrado que o canal radicular pode funcionar como uma via para a sensibilização do hospedeiro164. Em outras palavras, produtos antigênicos presentes em um canal infectado podem ser conduzidos aos linfonodos regionais e desencadearem uma resposta imunológica, que irá se concentrar nas imediações do local de saída dos antígenos (forame apical ou ramificações)116. Estudos revelam que praticamente todos os componentes de uma resposta imunológica adaptativa estão presentes em lesões perirradiculares crônicas, como granulomas e cistos104,132,147. Dessa forma, infere-se que essas lesões representam uma resposta imunológica adaptativa a antígenos presentes no sistema de canais radiculares, visando ao combate da infecção, mas resultando na inevitável destruição óssea perirradicular. Macrófagos expressando MHC II parecem participar ativamente da fase inicial de expansão da lesão, enquanto células dendríticas expressando MHC classe II parecem estar mais envolvidas na defesa imune contra desafios antigênicos que persistem após a estabilização da lesão48. Um papel de grande relevância para essas células na lesão perirradicular seria a apresentação de antígenos para linfócitos T efetores ou de memória que circulam pela região e encontram, então, o antígeno para o qual são específicos, capturado e expresso por macrófagos e células dendríticas49,50. Stern et al.125 relataram que macrófagos, seguidos por linfócitos, são as principais células inflamatórias presentes em lesões perirradiculares. Isso foi confirmado por estudo de Kopp & Schwarting67. Torabinejad & Ket-
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Figura 2-35. Células Natural Killer detectadas em lesões perirradiculares e evidenciadas por imuno-histoquímica (A e B), de acordo com Saboia-Dantas et al.111.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
tering147 relataram a presença de linfócitos B e T em lesões perirradiculares, com os linfócitos T sendo significativamente mais numerosos do que os linfócitos B. Stashenko & Yu124 demonstraram a presença de linfócitos T CD4+ e CD8+ em lesões perirradiculares. Eles observaram que durante o período de atividade lítica da lesão (expansão) os linfócitos T CD4+ (helper) predominaram. Nas fases de estabilização do crescimento da lesão, os linfócitos T CD8+ (supressor) estavam em maior número. As duas subpopulações de linfócitos TH, TH1 e TH2, parecem exercer papéis distintos na patogênese das lesões perirradiculares. Inflamação e reabsorção óssea são aparentemente aumentadas por células TH1 e diminuídas por TH2. TH1 aumenta a produção de IL-1 e outros mediadores pró-inflamatórios, enquanto inibidores de IL-1 estão relacionados com TH2. A produção de citocinas de TH1 predomina no estágio inicial de expansão da lesão, enquanto a produção de citocinas de TH2 é induzida em estágios mais tardios51. Assim, linfócitos TH1 parecem contribuir para a fase de progressão das lesões perirradiculares, enquanto linfócitos TH2 podem estar mais associados à fase de estabilização da lesão. O envolvimento de TH1 na indução de lesões em humanos tem sido confirmado pela detecção de células positivas para IFN-γ nessas lesões46. Por sua vez, uma maior expressão de IL-4, IL-6 e IL-10 do que de IL-2 e IFN-γ em lesões de humanos sugere que mediadores relacionados com TH2 predominam e agem na fase de estabilização de lesões crônicas122. Níveis elevados de citocinas, como IL-1 e TNF, as quais são potentes mediadores da reabsorção óssea, têm sido verificados em lesões perirradiculares em humanos e em animais4,6,34,75,165,166. A produção de IL-1 e
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TNF-α é significativamente aumentada nos estágios iniciais de expansão da lesão51. IL-12 e IFN-γ (citocinas de TH1) podem participar da destruição óssea perirradicular por induzirem a produção de outras citocinas pró-inflamatórias por macrófagos51. Por outro lado, IL-4 e IL-10 (citocinas de TH2) parecem participar da estabilização da lesão52. IL-6 e IL-11, que podem estimular a formação de novos osteoclastos a partir dos precursores hematopoiéticos, também têm sido detectadas em lesões perirradiculares5,51,122. Receptores para produtos bacterianos também exercem um papel importante na fisiopatologia de lesões perirradiculares por sinalizarem para que células de defesa iniciem a produção de mediadores inflamatórios. Por exemplo, tem sido demonstrado que camundongos deficientes para TLR-4, o receptor primário para LPS, têm resposta reduzida de citocinas inflamatórias e consequentemente também reduzida reabsorção óssea perirradicular39, o que enfatiza a importância desse receptor na indução da expressão de IL-1 e TNF, importantes citocinas pró-reabsortivas. O osteoclasto é uma célula gigante multinucleada oriunda da mesma linhagem de células precursoras dos monócitos/macrófagos (Fig. 2-36A), cuja diferenciação é primariamente regulada por M-CSF, ligante do receptor para ativação do fator nuclear kappa B (RANKL) e osteoprotegerina (OPG)135. A diferenciação do precursor em osteoclasto requer a presença de células do estroma da medula óssea ou osteoblastos, as quais expressam as duas moléculas essenciais para a promoção da osteoclatogênese – M-CSF e RANKL70,134 (Fig. 2-36B). M-CSF, que é mandatório para a maturação de macrófagos, liga-se ao seu receptor, c-Fms,
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Figura 2-36. Osteoclastos, células multinucleadas envolvidas na reabsorção óssea. A. Corte histológico evidenciando osteoclasto reabsorvendo osso. B. A ativação de osteoclastos requer a presença de células do estroma da medula óssea ou de osteoblastos, as quais expressam as duas moléculas essenciais para a promoção da osteoclastogênese – M-CSF e RANKL.
Patologias Pulpar e Perirradicular
expresso na superfície dos precursores do osteoclasto, gerando os sinais necessários para sua sobrevivência e proliferação133. Embora o M-CSF seja um produto secretado, a osteoclastogênese requer contato entre o precursor do osteoclasto e as células do estroma da medula ou osteoblastos. Na verdade, esses últimos produzem uma molécula de superfície, o RANKL, que é essencial para a diferenciação do osteoclasto através da ligação a RANK expresso pelo precursor do osteoclasto133. A OPG, também produzida por osteoblastos, se liga a RANKL, impedindo a interação com RANK, e assim neutralizando a ativação de osteoclastos deflagrada por RANKL16. Um estudo utilizou real-time PCR para avaliar a expressão do mRNA para RANKL, RANK, OPG e citocinas em lesões perirradiculares experimentais em ratos e demonstrou que a expressão de RANKL foi aumentada, mormente em comparação com seu competidor OPG, durante o período de expansão da lesão53. A expressão de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, IL-1α e IL-1β, também aumentou nesse estágio, indicando sinergismo entre RANKL e citocinas na expansão da lesão. A maioria das células produzindo RANKL foram fibroblastos, mas também foram envolvidos linfócitos T53. Outro estudo também havia indicado que a presença de células expressando RANKL é aumentada no estágio inicial de expansão da lesão169. A expressão do mRNA para RANKL também foi relatada em lesões perirradiculares de humanos110. Os diversos isotipos de anticorpos têm sido detectados em lesões perirradiculares69,93,125,153. Esses incluem aqueles com especificidade para bactérias, mormente as anaeróbias estritas, presentes no sistema de canais radiculares7,58. Plasmócitos, células produtoras de anticorpos, correspondem a cerca de 19% das células inflamatórias presentes em uma lesão perirradicular125. IgG foi produzida por 74%, IgA por 20%, IgE por 4% e IgM por 2% dos plasmócitos125. Pulver et al.104 confirmaram que IgG foi o principal isotipo de anticorpo produzido em lesões perirradiculares. Demonstraram, também, que os níveis de imunoglobulinas, em especial IgA, eram mais elevados em cistos do que em granulomas. Kuntz et al.69 observaram a presença de IgG, IgA, IgM e C3 em lesões perirradiculares. Os anticorpos foram detectados tanto extra quanto intracelularmente em plasmócitos, sendo os mais numerosos aqueles sintetizando IgG. Estudos recentes sugerem que IgG exerce um papel importante em lesões perirradiculares no que tange à proteção contra a disseminação da infecção endodôntica122. Tal papel deve-se provavelmente ao seu efeito opsonizador,
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tornando bactérias mais prontamente fagocitadas e eliminadas por neutrófilos e macrófagos. Das subclasses de IgG, IgG1 é produzida em maior quantidade seguida por IgG2, IgG3 e IgG4, as duas últimas em níveis similares128. Matsuo et al.83, avaliando o exsudato coletado de lesões, encontraram que os níveis de IgG e IgA foram diretamente proporcionais ao tamanho da lesão perirradicular. Relataram, ainda, que esses níveis decaíram após a realização do tratamento endodôntico. Esses dados sugerem que essas imunoglobulinas podem estar envolvidas na imunopatogênese de lesões perirradiculares. Complexos imunes (antígeno/anticorpo) podem ser formados em lesões perirradiculares quando antígenos microbianos interagem com IgG ou IgM. Tem sido demonstrado que as reações oriundas da formação de complexos imunes podem participar na patogênese das lesões perirradiculares149. Quando complexos imunes foram aplicados a canais radiculares de gatos, houve rápido desenvolvimento de lesões perirradiculares, caracterizadas por perda óssea e acúmulo de neutrófilos e osteoclastos143. Em lesões perirradiculares crônicas, tais complexos ficam a elas confinados, não penetrando na circulação e, portanto, não se distribuindo sistemicamente151. Por outro lado, complexos que se formam durante alterações agudas, como os abscessos, atingem concentrações mais elevadas na circulação quando comparados a pacientes sem essas lesões55. Pesquisadores têm relatado a presença de plasmócitos contendo IgE em lesões perirradiculares125,148. Bactérias e seus produtos são as principais fontes de alérgenos encontrados no canal radicular. Kettering & Torabinejad55 encontraram níveis elevados de IgE no soro de pacientes com abscesso perirradicular agudo, o mesmo não sendo relatado para os pacientes que apresentavam lesões perirradiculares crônicas56. Quando o alérgeno envolvido em um flare-up não for associado a uma bactéria viva, a terapia antibiótica será ineficaz. A presença dos inúmeros componentes das reações imunológicas nas lesões perirradiculares indica que eles podem iniciar, amplificar e perpetuar tais alterações, desde que o elemento desencadeador de tais reações, o qual é representado pela infecção do sistema de canais radiculares, não tenha sido eliminado. Tais elementos, além de participarem na defesa do hospedeiro contra a infecção, também são os principais responsáveis pela destruição tecidual associada às lesões perirradiculares. A Quadro 2-3 resume os principais elementos de defesa do hospedeiro presentes em lesões perirradiculares, bem como suas prováveis e mais importantes funções.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Quadro 2-3 Funções de células e moléculas de defesa presentes em lesões perirradiculares Células
Função
Neutrófilos Macrófagos
Linfócitos T CD8+ Células NK
Fagocitose; produção de citocinas e outros mediadores Fagocitose; apresentação de antígenos para linfócitos T; produção de citocinas e outros mediadores Diferenciam-se em plasmócitos; apresentação de antígenos para linfócitos T; baixa produção de anticorpos Grande produção de anticorpos TH1: resposta imune celular – ativação de macrófagos; produção de citocinas TH2: auxilia na resposta imune humoral; produção de citocinas que participam na modulação anti-inflamatória Citotoxicidade celular; supressão da resposta imune Citotoxicidade celular; produção de citocinas
Moléculas
Função
Anticorpos Sistema complemento Citocinas Outros mediadores químicos
IgG: opsonização; formação de complexos imunes; ativação do complemento IgM: ativação do complemento IgA: inibição de adesão microbiana IgE: desconhecida, mas pode estar relacionada com fenômenos de anafilaxia Opsonização; quimiotaxia; citólise de micro-organismos Quimiotaxia; ativação celular, incluindo macrófagos, neutrófilos e osteoclastos Vasodilatação; aumento da permeabilidade vascular; adesão de leucócitos aos vasos sanguíneos; quimiotaxia
Linfócitos B Plasmócitos Linfócitos T CD4+
Periodontite apical aguda Se a agressão causada por bactérias protraindo pelo forame apical é de alta intensidade, há o desenvolvimento de uma resposta inflamatória aguda no ligamento periodontal, denominada de periodontite apical aguda, a qual é caracterizada por aumento de permeabilidade vascular, com consequente edema, que causa elevação da pressão hidrostática tecidual. Como resultado, fibras nervosas são comprimidas gerando dor. Mediadores químicos são gerados após a agressão tecidual. Bradicinina, prostaglandinas e histamina também podem causar dor, agindo sobre as fibras nervosas. Contudo, a compressão de fibras é mais significativa nesse aspecto116,158.
Características histopatológicas A análise histopatológica evidencia hiperemia e a presença de um infiltrado inflamatório no ligamento periodontal contendo, predominantemente, neutrófilos PMNs. Fibras colágenas podem estar dilaceradas, como resultado do edema formado.
Diagnóstico Sinais e sintomas O paciente geralmente se queixa de dor intensa, espontânea e localizada. Pode também relatar extre-
ma sensibilidade ao toque do dente e a sensação de ele estar “crescido”. Isso está relacionado com a ligeira extrusão dentária, visando a acomodar o edema inflamatório formado no ligamento periodontal apical. A mastigação usualmente provoca ou a exacerba. Testes pulpares Os resultados dos testes pulpares são negativos, uma vez que a periodontite apical aguda está associada, usualmente, à necrose pulpar. Nos raros casos em que essa patologia perirradicular estiver associada à inflamação pulpar irreversível, os resultados dos testes serão similares aos da pulpite irreversível. Testes perirradiculares Percussão – A resposta a esse teste é sempre positiva, podendo, por vezes, ser extremamente dolorosa ao paciente. Assim, quando se suspeita de periodontite apical aguda com base nos achados do exame subjetivo, o teste de percussão, se necessário, deve ser apenas realizado por meio de leve pressão vertical, em direção apical, exercida pela polpa digital do dedo indicador sobre o dente suspeito. Palpação – Pode revelar sensibilidade ou não, dependendo da extensão da resposta inflamatória.
Patologias Pulpar e Perirradicular
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pus. O abscesso perirradicular agudo está então formado. O processo agudo geralmente não dura mais do que 72 a 96 horas, sendo bastante eficaz em reduzir a agressão bacteriana, embora isso possa custar a destruição da arquitetura tecidual. Todavia, a disseminação da infecção para espaços anatômicos da cabeça e do pescoço pode levar a quadros clínicos graves, inclusive com risco de mortalidade.
Características histopatológicas
Figura 2-37. Periodontite apical aguda. Notar espessamento do espaço do ligamento periodontal.
Achados radiográficos Na grande maioria das vezes, a radiografia revela espessamento do ELP apical (Fig. 2-37), o que se deve à leve extrusão do dente no alvéolo para comportar o edema formado. Uma vez que o processo é rápido, não houve ainda tempo disponível para que ocorresse a reabsorção óssea perirradicular. Quando se observa extensa área de destruição óssea perirradicular associada à periodontite apical aguda, essa se encontra associada à agudização de um processo crônico, como granuloma ou cisto.
Tratamento Consiste na eliminação do agente agressor por meio da instrumentação, irrigação e medicação do canal, seguindo-se a obturação em sessão posterior. Para alívio da sintomatologia, o dente deve ser retirado de oclusão (por desgaste orientado por fita de carbono) e um analgésico/anti-inflamatório deve ser receitado.
Abscesso perirradicular agudo Em resposta à agressão, células inflamatórias, principalmente neutrófilos PMNs e macrófagos, são atraídas para o local, visando à eliminação de bactérias invadindo os tecidos perirradiculares. Se a resposta inflamatória não consegue eliminar o agente agressor ou reduzir a intensidade da injúria, há exacerbação, caracterizada por inflamação purulenta. Isso ocorre devido à presença de bactérias altamente virulentas associadas à infecção. Em associação com enzimas proteolíticas liberadas por bactérias, enzimas lisossomais, bem como radicais oxigenados, são descarregados por neutrófilos, os quais promovem liquefação tecidual, gerando o
Verifica-se a presença de reação intensa, localizada e adjacente ao forame apical, caracterizada pela presença de exsudato purulento (pus) (Fig. 2-38A). Células inflamatórias (principalmente neutrófilos) podem ser detectadas em combate franco contra bactérias, em estado de degeneração ou já deterioradas (Fig. 2-38B). As fibras periodontais podem se encontrar dilaceradas pelo edema intenso.
Diagnóstico Sinais e sintomas O paciente queixa-se de dor espontânea, pulsátil, lancinante e localizada, podendo ou não apresentar evidências de envolvimento sistêmico, tais como linfadenite regional, febre e mal-estar. A dor é pronunciada quando o abscesso ainda está intraósseo ou já se localiza de maneira subperiosteal; nesse caso, por causa da rica inervação do periósteo155. Um dramático alívio da dor ocorre após a ruptura do periósteo pelo exsudato purulento, atingindo os tecidos moles supraperiosteais. Inspeção Verifica-se tumefação intra e/ou extraoral, flutuante ou não, o que dependerá do estágio de evolução do abscesso (Fig. 2-39). Nas fases iniciais, quando a inflamação aguda purulenta está confinada apenas ao ligamento periodontal apical, pode não haver tumefação. Em determinados casos verifica-se a presença de mobilidade dentária e de ligeira extrusão dentária. Testes pulpares O normal seria todos os testes pulpares apresentarem resultados negativos, uma vez que a polpa encontra-se necrosada. Entretanto, em raras ocasiões, os testes de calor e elétrico podem oferecer falsos resultados, devido à presença de líquido no canal, oriundo da necrose de liquefação. Os testes do frio e de cavidade são os mais seguros.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
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Figura 2-38. Abscesso perirradicular agudo. Clinicamente esse caso apresentava dor e tumefação. A. Corte passando pelo forame apical e evidenciando extensa lesão inflamatória aderida à raiz, com intenso infiltrado inflamatório rico em neutrófilos. B. Maior aumento da lesão evidenciando neutrófilos envolvidos em atividade fagocítica. Bactérias podem ser vistas nos citoplasmas dos neutrófilos. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
Testes perirradiculares Percussão – Esse teste apresenta resultado positivo, devendo, assim como nos casos de periodontite apical aguda, ser realizado com extrema cautela, pois a sensibilidade pode ser exagerada. Palpação – O resultado é geralmente positivo.
Figura 2-39. Tumefação associada a abscesso perirradicular agudo. A. Intraoral, nesse caso específico localizada no palato e associada a abscesso no incisivo lateral. B. Extraoral. (Gentileza do Dr. Henrique Martins.)
Achados radiográficos Quando o abscesso se desenvolve pela agudização de um granuloma ou cisto preexistente, observa-se a presença de destruição óssea perirradicular (área radiolúcida). Quando o processo supurativo desenvolvese como extensão direta da necrose e infecção pulpar, verifica-se apenas a presença de um espessamento do ELP apical, como resultado do edema que extrui o dente no alvéolo. Pode ser observada também a destruição da coroa dentária por processo carioso extenso ou a presença de
Patologias Pulpar e Perirradicular
restauração extensa e profunda, associada ou não à cárie recidivante.
Tratamento O tratamento imediato deve ser direcionado para a drenagem da coleção purulenta e eliminação do agente agressor. Se o profissional é bem-sucedido nesse intento, advém a remissão dos sintomas. A drenagem do exsudato purulento pode ser obtida via canal radicular, por incisão da mucosa ou ambos. O canal deve ser limpo e desinfetado, preferencialmente na consulta de emergência. Em sessão ulterior, após medicação intracanal, obtura-se o canal. Analgésicos/ anti-inflamatórios devem ser prescritos. O emprego de antibióticos apenas está indicado em condições especiais (ver Capítulo 21).
Vias de disseminação e drenagem do abscesso Dependendo da relação anatômica do ápice do dente envolvido com as inserções musculares, a disseminação da infecção pode seguir vias diferentes e resultar em tumefação intraoral ou extraoral (Fig. 2-40). O abscesso irá se disseminar por áreas de menor resistência, e a proximidade do ápice com a cortical óssea também irá ditar se a tumefação será por vestibular ou lingual/palatina. Dentes inferiores, cortical vestibular: a via de disseminação pode ser o fundo de vestíbulo mandibular se o ápice do dente envolvido estiver localizado acima da inserção do músculo bucinador (dentes posteriores) (Fig. 2-40F) ou mentoniano (dentes anteriores) (Fig. 2-40E). Dente anterior inferior, cortical vestibular: a via de disseminação pode ser o espaço mentoniano se o ápice do dente envolvido estiver localizado abaixo da inserção do músculo mentoniano (Fig. 2-40C). Dente anterior inferior, cortical lingual: a via de disseminação pode ser o espaço submentoniano se o ápice do dente envolvido estiver localizado abaixo da inserção do músculo milo-hióideo (Fig. 2-40D). Dentes inferiores, cortical lingual: a via de disseminação pode ser o espaço sublingual se o ápice do dente envolvido estiver localizado acima da inserção do músculo milo-hióideo (Fig. 2-40H). Dentes posteriores inferiores, cortical lingual: a via de disseminação pode ser o espaço submandibular se o ápice do dente envolvido estiver localizado abaixo da inserção do músculo milo-hióideo (Fig. 2-40G). Se os espaços submentoniano, sublingual e submandibular forem envolvidos ao mesmo tempo, o quadro será denominado de angina de Ludwig, a qual pode
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ainda avançar para os espaços faríngeo e cervical, resultando em obstrução das vias aéreas e em risco de vida (Fig. 2-41). Os segundos e terceiros molares inferiores também podem drenar para o espaço pterigomandibular. Infecções resultantes da anestesia troncular do nervo alveolar inferior também podem atingir esse espaço. Dentes posteriores superiores, cortical vestibular: a via de disseminação pode ser o fundo de vestíbulo se o ápice do dente envolvido estiver localizado abaixo da inserção do músculo bucinador (Fig. 2-40B). Dentes superiores, cortical palatina: a via de disseminação pode ser o palato. Os dentes comumente envolvidos são o incisivo lateral superior, o primeiro prémolar superior e os molares (raiz palatina). Incisivo central superior, cortical vestibular: a via de disseminação pode ser a base do lábio superior se o ápice do dente envolvido estiver localizado acima da inserção do músculo orbicularis oris. Canino e primeiro molar superiores, cortical vestibular: a via de disseminação pode ser o espaço infraorbitário ou canino se o ápice do dente envolvido estiver localizado acima da inserção do músculo levantador do anguli oris (Fig. 2-40A). Infecções do espaço canino ou do fundo de vestíbulo que podem se disseminar para o espaço periorbital também podem ser muito perigosas, uma vez que podem resultar em trombose do seio cavernoso. Sob condições normais, as veias oftálmica e angular e o plexo venoso pterigoide drenam para as veias facial e jugular externa. Todavia, se uma infecção se dissemina para a região mediana da face, o edema e a pressão resultante podem fazer com que o sangue flua de volta para o seio cavernoso, no qual pode estagnar e coagular. Os trombos infectados gerados permanecem no seio cavernoso ou escapam para a circulação. Clinicamente o paciente com trombose do seio cavernoso usualmente apresenta edema facial, febre, mal-estar, exoftalmia com edema periorbital, pupilas dilatadas e cessação de reflexos corneais.
Periodontite apical crônica Quando a resposta inflamatória associada à periodontite apical aguda é eficaz na redução da intensidade da agressão, a resposta cronifica. Células imunocompetentes, como linfócitos, plasmócitos e macrófagos, são atraídas para a região afetada, o que representa o início da resposta imunológica adaptativa, de caráter específico. Está estabelecida a periodontite apical crônica. É imperioso ressaltar que, se o agente agressor for ini-
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cialmente de baixa intensidade, a inflamação crônica no ligamento periodontal pode se estabelecer sem ser precedida por uma resposta inflamatória aguda. Para que se inicie a resposta imunológica específica, o hospedeiro precisa ser sensibilizado pelos antígenos que saem pelo forame apical. A sensibilização para antígenos oriundos do canal se dá ao nível de linfonodos, onde os linfócitos T ou B específicos para um determinado antígeno terão mais chances de encontrálo e, assim, serem ativados. Durante a resposta inflamatória aguda são gerados vários fragmentos antigênicos, oriundos da destruição de bactérias, os quais podem ser drenados para os linfonodos por meio de vasos linfáticos aferentes, ou na sua forma solúvel ou capturados por APCs. A linfa da maioria dos dentes drena para os linfonodos submandibulares. A linfa proveniente dos incisivos
F
Figura 2-40. Vias de drenagem do abscesso perirradicular agudo. A disseminação do processo purulento vai depender da localização do ápice do dente em relação às inserções musculares. (Ver texto para detalhes.)
inferiores pode drenar para os submentonianos e da região de molares diretamente para os cervicais profundos, que são secundários dos submentonianos e submandibulares. Uma vez aprisionada no linfonodo por células especializadas, a probabilidade de a molécula antigênica ser apresentada a linfócitos circulantes inocentes (que ainda não contataram o antígeno) ou células de memória residentes no linfonodo (resultado de expansão clonal após o primeiro contato), com especificidade para ela, é muito maior do que ocorreria nos tecidos perirradiculares. Por isso, nos primórdios do desenvolvimento de uma lesão perirradicular crônica, o antígeno deve ser conduzido ao linfonodo para que seja apresentado a linfócitos com especificidade para ele. Além de serem especializados em aprisionar antígenos e facilitarem o encontro entre esses e os linfócitos específicos, os
Patologias Pulpar e Perirradicular
Figura 2-41. Disseminação do abscesso perirradicular agudo para espaços anatômicos, resultando em angina de Ludwig. (Gentileza do Dr. Henrique Martins.)
órgãos linfoides secundários (no caso, os linfonodos) também permitem o estabelecimento de interações celulares, necessárias para a ativação1. Quando o linfócito específico para um determinado antígeno o reconhece no linfonodo, passa então a proliferar, expandindo o clone. A proliferação é intensa, de forma que um linfócito original ativado pode dar origem a um clone de aproximadamente 1.000 célulasfilhas de idêntica especificidade antigênica. Essas então se diferenciam em células efetoras. Linfócitos B dão origem aos plasmócitos, que são células que secretam anticorpos. Os linfócitos T se diferenciam em células que destroem células-alvo infectadas por vírus ou estranhas (T citotóxico CD8+) ou que ativam outras células do sistema imune (TH CD4+). Depois de ativados, os linfócitos levam 4 a 5 dias para promover expansão clonal completa e ulterior diferenciação1,40. Por essa razão, a resposta imunológica adaptativa se desenvolve tardiamente. Algumas células não sofrem a diferenciação final, dando origem às células de memória. Após ativação, as células efetoras passam a expressar, em sua superfície, moléculas de adesão especializadas que irão afetar o padrão de recirculação. Após deixarem o linfonodo, são atraídas para o foco infeccioso por mediadores químicos, onde o antígeno responsável pela ativação está em altas concentrações.
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As células efetoras, imunocompetentes, se estabelecem na região, visando a conter o avanço do processo infeccioso. Um estudo revelou que as células imunológicas raramente proliferam na lesão perirradicular. Na verdade, a proliferação de tais células de defesa ocorre a distância, nos linfonodos, após o reconhecimento de antígenos específicos e então caem na circulação e migram para a lesão perirradicular129. Se o indivíduo já tiver sido sensibilizado por um contato prévio com os antígenos dos mesmos microorganismos, a resposta secundária pode se desenvolver muito mais rapidamente e se deve à apresentação e reconhecimento dos antígenos por células de memória formadas quando do primeiro contato. Essas células são então rapidamente ativadas. O contato prévio do sistema imune com os mesmos micro-organismos pode ter ocorrido, por exemplo, em resposta à cárie, doença periodontal ou mesmo lesão perirradicular em outro dente, desde que o(s) micro-organismo(s) que está(ão) causando o problema agora também tenha(m) estado presente(s) em uma dessas outras patologias. Na verdade, inúmeros antígenos diferentes estão simultaneamente envolvidos na patogênese das lesões perirradiculares (uma célula bacteriana pode ter vários antígenos distintos e, considerando-se que as infecções endodônticas são mistas, pode-se imaginar a grande quantidade de antígenos diferentes envolvidos). Isso leva à resposta por múltiplos clones diferentes de linfócitos, cada um específico para cada antígeno, e provavelmente à sobreposição das respostas primária ou secundária, ou seja, alguns antígenos podem estar sendo contatados pela primeira vez e outros não.
Características histopatológicas No ligamento periodontal adjacente ao forame apical ou às ramificações observa-se a presença de um infiltrado inflamatório do tipo crônico, composto basicamente por linfócitos, plasmócitos e macrófagos, e de componentes do processo de reparo tecidual, como fibroblastos, além de fibras nervosas e vasos sanguíneos neoformados. Não há ainda reabsorção óssea. A periodontite apical crônica, se não tratada, representa o início da formação do granuloma, o qual é caracterizado por reabsorção óssea e substituição do osso reabsorvido por tecido granulomatoso.
Diagnóstico Sinais e sintomas Ausentes, sendo que o paciente pode relatar apenas episódio prévio de dor.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Inspeção Verifica-se a presença de cárie profunda ou de restauração extensa associada ou não à cárie recidivante. Testes pulpares Apresentam resultados negativos, desde que a polpa encontre-se necrosada. Na grande maioria das vezes em que se detecta a necrose pulpar associada à ausência de sintomatologia e de sinais radiográficos, pressupõe-se que, na grande maioria das vezes, se está perante um quadro de periodontite apical crônica. Testes perirradiculares Percussão e palpação – Também resultam em respostas negativas. Achados radiográficos O ELP encontra-se normal ou espessado na radiografia. A causa da necrose pulpar também pode ser detectada radiograficamente (cárie e/ou restaurações extensas etc.).
plasmócitos e neutrófilos. Mastócitos também podem ser encontrados em granulomas perirradiculares102.
Patogênese Em resposta à agressão bacteriana aos tecidos perirradiculares, as células presentes no ligamento periodontal e no osso produzem uma gama variada de mediadores químicos. Citocinas, como IL-1α e β, TNF-α, IL-6, M-CSF e GM-CSF, e prostaglandinas são moléculas bioativas de grande relevância na indução da reabsorção óssea68,107,118,123. Além disso, RANK, RANKL e OPG são moléculas essenciais para a ativação e diferenciação dos osteoclastos15,135. Como resultado dos efeitos dos mediadores químicos, o osso é reabsorvido e substituído por tecido granulomatoso, constituído basicamente de células imunocompetentes, como linfócitos, plasmócitos e macrófagos, e de componentes do processo de reparo tecidual, como fibroblastos e fibras nervosas e vasos sanguíneos neoformados (Fig. 2-42). Assim, o processo reabsortivo cria um espaço capaz de comportar
Tratamento O tratamento consiste na eliminação do agente agressor por meio da limpeza e desinfecção do sistema de canais radiculares, seguidas pela obturação em sessão posterior à aplicação de uma medicação intracanal.
Granuloma perirradicular O granuloma é a patologia perirradicular mais comumente encontrada. Bhaskar9, examinando o número expressivo de 2.308 lesões perirradiculares, constatou que 48% delas eram granulomas. Os cistos corresponderam a 42% das lesões, enquanto as demais patologias perirradiculares compreenderam 10% do total de espécimes analisados. Nair et al.94, avaliando 256 lesões, relataram que 50% dessas eram granulomas, 35% abscessos e 15% cistos.
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Características histopatológicas O granuloma é constituído, basicamente, por um infiltrado inflamatório do tipo crônico, associado a elementos de reparação, caracterizando um tecido granulomatoso que substitui o osso reabsorvido (Fig. 2-34A). Na periferia, circunscrevendo a lesão, encontra-se uma cápsula composta basicamente por fibras colágenas. As células inflamatórias compreendem cerca de 50% dos elementos da lesão, sendo que os macrófagos predominam, seguidos em ordem decrescente por linfócitos,
B
Figura 2-42. Vasos sanguíneos em granulomas. A. Capilares. B. Neoformação vascular.
Patologias Pulpar e Perirradicular
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Figura 2-44. Reabsorção radicular extensa em um dente com lesão perirradicular (granuloma).
B
Figura 2-43. Reabsorção radicular. A e B. Notar reabsorções ativas de cemento e dentina associadas a lesões perirradiculares em dentes de cães.
um maior número de células imunocompetentes na região adjacente ao forame apical, visando a impedir a disseminação da infecção para o tecido ósseo e o restante do organismo, o que permite o estabelecimento de um equilíbrio entre a agressão e a defesa. Na periferia desse tecido granulomatoso ocorre deposição de fibras colágenas, que encapsulam a lesão, formando-se então o granuloma perirradicular. A lesão passa a ser detectada radiograficamente a partir do momento em que quantidade suficiente de osso é reabsorvida. Reabsorção radicular, principalmente envolvendo cemento, pode ser observada acompanhando a reabsorção óssea em dentes com granuloma ou outras lesões perirradiculares crônicas (Figs. 2-43 a 2-45). Mesmo assim, o cemento é significativamente menos afetado por reabsorção do que o osso. As razões para tal incluem:
a) presença de pré-cemento. A reabsorção ocorre em superfícies do osso alveolar não cobertas por osteoide. A porção mineralizada do cemento é revestida por pré-cemento, uma camada de matriz não mineralizada de 3 a 5µm de espessura, que é continuamente depositada durante a vida. Por sua vez, o osso alveolar apenas é coberto por osteoide (matriz óssea não mineralizada) durante a formação do osso. A matriz não mineralizada tende a resistir à atividade osteoclástica88; b) restos epiteliais de Malassez podem de alguma forma proteger o cemento contra reabsorção; c) cementoblastos formando uma camada que reveste a superfície radicular podem também exercer papel protetor por não responder a estímulos reabsortivos como fazem as células que revestem o osso; d) ausência de vascularização do cemento14.
Proliferação epitelial no granuloma Como resultado da resposta inflamatória no ligamento periodontal, células epiteliais, remanescentes da bainha epitelial de Hertwig, começam a proliferar. Essas células, conhecidas como restos epiteliais de Malassez, são, em condições fisiológicas, quiescentes, não apresentando atividade mitótica (Fig. 2-46). Contudo, durante um processo inflamatório crônico (resposta imunológica adaptativa localizada) diversos fatores de
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
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C
origem bacteriana ou endógena podem ativar a proliferação epitelial. O fator de crescimento epidermal (EGF) é um peptídeo que pode ser produzido por macrófagos ativados, presentes em uma área inflamada. Essa citocina é um potente fator de crescimento para células epiteliais, fibroblastos e células endoteliais. Para induzir seu efeito, o EGF deve ligar-se a receptores específicos presentes na membrana citoplasmática da célula-alvo. Essa ligação gera um sinal mitogênico intracelular, conduzindo à proliferação celular. Tem sido demonstrado que os restos epiteliais de Malassez possuem receptores de superfície para EGF77. Uma outra citocina, o fator de crescimento de ceratinócitos (KGF), também é mitogênica para células epiteliais, estimulando sua proliferação. O KGF pode ser produzido em grandes quantidades por fibroblastos estimulados por citocinas, como IL-1, TNF e PDGF, liberadas
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Figura 2-45. Reabsorção radicular de dentes com lesão perirradicular. A. Área de reabsorção radicular adjacente ao forame apical. B. Maior aumento da área de reabsorção mostrada na figura A. Notar a presença de inúmeras células clásticas. C. Múltiplas lacunas de reabsorção radicular levando à aparência de “favo de mel” devido à extensa área de erosão próxima ao forame.
Figura 2-46. Restos epiteliais de Malassez. Quando estimulados a proliferar, resultam na formação do granuloma epiteliado e do cisto perirradicular.
Patologias Pulpar e Perirradicular
durante a resposta imunológica adaptativa ocorrendo em um granuloma. Gao et al.29 relataram que, enquanto o ligamento periodontal em condições de normalidade apresentava poucas células produzindo KGF, a síntese desse fator de crescimento de células epiteliais era pronunciada no estroma do tecido conjuntivo próximo a locais de proliferação epitelial em granulomas e adjacente ao revestimento epitelial de cavidades císticas. Outros mediadores químicos produzidos por células presentes em um granuloma (linfócitos, fibroblastos e, principalmente, macrófagos) podem estimular a proliferação epitelial, os quais incluem: TNF, IL-1, IL-6 e PGE2. As próprias células epiteliais podem produzir IL-1 e IL-6, citocinas que podem ter efeito autócrino, i.e., agir sobre a própria célula que as produziu. É bastante admissível que os efeitos desses mediadores sobre a atividade mitótica das células epiteliais ocorram de forma indireta, por meio da indução de uma maior
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expressão de receptores para EGF na célula epitelial e uma maior biossíntese de KGF por fibroblastos. Componentes bacterianos, como endotoxinas (LPS), que podem ser encontrados em elevadas concentrações no granuloma, também induzem a proliferação de células epiteliais86. A proliferação epitelial no granuloma gera a formação de fitas e verdadeiras ilhotas de epitélio organizado, condição conhecida, histologicamente, como granuloma epiteliado (Figs. 2-47 e 2-48). Acredita-se que essa proliferação visa a produzir uma barreira física contra irritantes que egressam pelo forame apical, o que seria mais um mecanismo de defesa do hospedeiro.
Diagnóstico Sinais e sintomas Geralmente, o granuloma é assintomático.
B
Figura 2-47. Granuloma epiteliado. A e B. Notar fitas de proliferação epitelial em um granuloma.
A
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B
Figura 2-48. Granuloma epiteliado. A. Fitas de proliferação epitelial. B. Início da formação de uma cavidade cística.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Inspeção A causa da necrose pulpar pode ser aparente, como indicada pela presença de cárie e/ou restauração extensa. O dente pode apresentar escurecimento, oriundo da necrose pulpar. Testes pulpares Usualmente negativos, uma vez que a polpa se encontra necrosada. Testes perirradiculares Percussão e palpação – Negativo. Em raras ocasiões, o paciente pode se queixar de ligeira sensibilidade. Quando há fenestração óssea ao nível apical, a palpação pode revelar um leve aumento de volume devido à presença de tecido granulomatoso abaixo da mucosa e, inclusive, a própria fenestração pode ser causada pela expansão da lesão, que promove o rompimento da cortical óssea. Achados radiográficos Os achados radiográficos são o principal elemento de diagnóstico para o granuloma. Pela radiografia verifica-se a presença de uma área radiolúcida associada ao ápice radicular ou lateralmente à raiz (quando associado a um forame lateral), bem circunscrita, com perda da integridade da lâmina dura. A radiolucidez perirradicular se deve à reabsorção óssea com consequente perda de densidade do osso e substituição por um tecido granulomatoso (Fig. 2-49).
Cárie e/ou restauração extensa pode ser observada.
Tratamento O indicado é o tratamento endodôntico convencional, e o seu insucesso pode indicar a cirurgia perirradicular.
Cisto perirradicular O cisto perirradicular é sempre originado de um granuloma, que se tornou epiteliado, embora nem todo granuloma necessariamente progrida para um cisto. Mantida a causa, que é a infecção situada no interior do sistema de canais radiculares, a proliferação epitelial assume maiores proporções, gerando lojas no interior de aglomerações de células epiteliais. Está formado o cisto perirradicular. Tal mecanismo sugere que esse tipo de lesão é resultado de uma infecção endodôntica de longa duração.
Características histopatológicas Histologicamente, o cisto consiste em uma cavidade patológica contendo material fluido ou semissólido, o qual é composto principalmente por células epiteliais degeneradas. Essa loja é revestida por epitélio estratificado pavimentoso, escamoso, de espessura variável (Figs. 2-50 e 2-51). O cisto perirradicular pode ser classificado como “verdadeiro” ou “em bolsa” (ou “baía”), dependendo da relação da loja cística com o canal radicular via forame apical ou lateral95,106,114. Se a loja cística está imediatamente contígua ao canal, ele é conhecido como cisto “em bolsa” ou cisto “baía”. Se a loja cística não tem qualquer contato com a luz do canal, sendo completamente envolvida por epitélio, o cisto é conhecido como “verdadeiro”. Em contato com o epitélio está um tecido granulomatoso que, à semelhança do granuloma, é constituído de macrófagos, linfócitos, plasmócitos, neutrófilos, fibroblastos e vasos neoformados. Eventualmente, cristais de colesterol podem ser observados (Fig. 2-52). Mais externamente se encontra uma cápsula de tecido conjuntivo denso composto basicamente de colágeno e que separa a lesão do osso (Fig. 2-51F).
Patogênese
Figura 2-49. Imagem radiográfica sugestiva de granuloma perirradicular. Todavia, não se pode distinguir granulomas e cistos apenas tendo como base a radiografia.
Várias teorias tentam explicar a formação da loja cística, sendo a mais plausível a que sugere o envolvimento do sistema imune140, a qual se baseia na presença de elementos da resposta imunológica adaptativa na lesão, como linfócitos T e B, plasmócitos, macrófagos, células NK, anticorpos e componentes do sistema complemento.
Patologias Pulpar e Perirradicular
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Figura 2-50A e B. Cisto perirradicular. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
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Figura 2-51. Cisto perirradicular. A. Zonas morfológicas, da esquerda para a direita: Cápsula fibrosa, tecido granulomatoso, revestimento epitelial e loja cística. B a D. Epitélio cístico. Notar inclusões de tecido conjuntivo, provavelmente originadas de projeções do mesmo. E. Eletromicrografia do revestimento epitelial da loja cística. F. Cápsula fibrosa.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
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B
Figura 2-52. Cristais presentes em um cisto perirradicular. A. Corte histológico evidenciando cristais de colesterol. B. Eletromicrografia de um cristal presente em cisto perirradicular, próximo a células inflamatórias.
Formação do cisto perirradicular – Papel do sistema imune Células epiteliais no centro de uma massa celular tridimensional sofrem apoptose e dão origem à cavidade cística76. É possível que durante a proliferação essas células adquiram propriedades antigênicas, fazendo com que sejam reconhecidas como estranhas (non-self) pelo sistema imune. Siqueira116 propôs alguns dos seguintes mecanismos possivelmente envolvidos na aquisição de antigenicidade pelo epitélio: a) Os restos epiteliais de Malassez, em estado de proliferação induzido por um processo patológico, podem expressar em sua superfície moléculas que anteriormente, em estado quiescente, não produziam. Se o sistema imune não foi treinado para reconhecer tais moléculas como próprias (self), o epitélio é destruído. A produção de moléculas estranhas (principalmente proteínas) pode resultar de alterações genéticas induzidas pelos processos inflamatório e/ou de envelhecimento. Cumpre ressaltar que o cisto perirradicular é formado por restos celulares que já completaram a sua função de formação da raiz. b) Pode haver reatividade cruzada entre antígenos próprios (da célula epitelial) e estranhos (de origem bacteriana). Quando existe similaridade antigênica, o sistema imune pode reagir contra antígenos estranhos e destruir componentes próprios (no caso, o epitélio). c) Durante a resposta inflamatória podem ocorrer alterações estruturais nos tecidos, como resultado da ação de substâncias bacterianas, virais e/ou endógenas. Células epiteliais podem ter moléculas de superfície alteradas, gerando, assim, novos determi-
nantes antigênicos, capazes de evocar uma resposta autoimune140. d) Lipopolissacarídeos (endotoxinas), liberados por bactérias gram-negativas, dependendo da concentração que atingem nos tecidos, podem atuar como ativadores policlonais, estimulando a proliferação de vários clones de linfócitos, com diferentes especificidades1. Linfócitos que reconhecem antígenos próprios são eliminados ou inativados (anergia), o que impede o desenvolvimento de doenças autoimunes. Se, porventura, houver a ativação de clones autorreativos circulantes com especificidade para moléculas presentes em células epiteliais, elas podem ser destruídas. Embora possível, esse mecanismo é pouco provável de acontecer. Independentemente da forma que o epitélio adquire antigenicidade, o sistema imune pode exercer seu efeito citotóxico, levando à formação do cisto. Essa citotoxicidade pode ser mediada pela ação de anticorpos, sistema complemento, células NK e linfócitos T citotóxicos. Anticorpos
Imunoglobulinas podem se ligar a moléculas antigênicas presentes na superfície de células epiteliais, induzindo a lise celular, a qual não se dá diretamente pelos efeitos dos anticorpos, mas sim por intermédio do sistema complemento ou de células NK. Esse tipo de resposta é denominado de hipersensibilidade do tipo II, ou citotóxica, estando acorde a classificação de Gell & Coombs30.
Patologias Pulpar e Perirradicular
• Complemento. Se anticorpos do isotipo IgG reconhecem e se ligam a moléculas antigênicas sobre a superfície celular, o sistema complemento é ativado pela via clássica. Uma série de reações de clivagem de proteínas se desencadeia, levando à formação do complexo C5b-9, que se fixa à membrana, promovendo sua lise e consequentemente da célula. O complexo C5b-9 forma poros na membrana, oriundos da polimerização de 12 a 15 moléculas de C9. Esses poros permitem a difusão passiva de pequenas moléculas, íons e água, mas não de moléculas maiores, como proteínas, impedindo que escapem do citoplasma. Assim, há uma grande entrada de água no compartimento intracelular, fruto do desequilíbrio osmótico gerado, resultando em lise celular. Esse fenômeno é denominado de lise osmótica. • Células NK. Anticorpos podem se ligar à superfície das células epiteliais se elas expressam moléculas reconhecidas como estranhas. A lise da célula coberta por anticorpos por meio de células NK é denominada de citotoxicidade mediada por células dependente de anticorpos (ADCC). Estudos têm relatado a presença de células NK em lesões perirradiculares crônicas, incluindo cistos57,111. Linfócitos T citotóxicos (Tc)
Peptídeos antigênicos sintetizados no citossol de células epiteliais podem ser expressos na membrana delas, associados a moléculas de MHC classe I. O TCR de linfócitos T citotóxicos (Tc) apenas reconhece antígenos de natureza proteica complexados às moléculas de MHC I. Após o reconhecimento antigênico, o linfócito Tc liga-se à célula-alvo (no caso, a epitelial), tornando-se ativado, o qual então promove a exocitose de substâncias que levarão à morte da célula epitelial por apoptose.
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Testes pulpares Geralmente apresentam resultados negativos, uma vez que a polpa se encontra necrosada. Testes perirradiculares Percussão e palpação – Também apresentam resultados negativos. Em raras ocasiões, o paciente pode se queixar de ligeira sensibilidade. Assim como no granuloma, a ocorrência de uma fenestração óssea ao nível apical pode fazer com que, à palpação, se sinta um leve aumento de volume, devido à expansão da lesão. Achados radiográficos Os achados radiográficos assemelham-se aos do granuloma, o que faz com que essas duas entidades patológicas sejam indistinguíveis radiograficamente. Essas duas patologias apenas poderão ser diferenciadas clinicamente por meio de outros testes, como a eletroforese do fluido da lesão90,91, por tomografia computadorizada156, incluindo a técnica cone-beam115 e ultrassonografia em tempo real (ecografia)21,22. Entretanto, a necessidade de diferenciação é questionável, uma vez que o tratamento e o prognóstico não diferem para essas duas entidades patológicas. A lesão cística pode assumir grande diâmetro, até mesmo levando ao deslocamento dos elementos dentários envolvidos (Fig. 2-53).
Diagnóstico Os achados dos exames são similares aos do granuloma, uma vez que o cisto é oriundo dele. Sinais e sintomas Na grande maioria das vezes, o cisto perirradicular é assintomático. Inspeção Detecta-se a presença de cárie e/ou restauração extensa. A coroa do dente pode se apresentar escurecida, como resultado da necrose pulpar.
Figura 2-53. Radiografia evidenciando extenso cisto perirradicular. Notar a separação de raízes.
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
Tratamento O tratamento indicado é o endodôntico convencional ou, nos casos de insucesso, a cirurgia perirradicular.
programada das células epiteliais agora desprovidas de estímulos para proliferação e sobrevivência76.
Abscesso perirradicular crônico Reparo de cistos perirradiculares Embora o sistema imune disponha de mecanismos para eliminar as células epiteliais em proliferação, essa é continuada em razão da manutenção do fator etiológico, isto é, a infecção endodôntica. Existe uma crença de que lesões císticas não regridem após a terapia endodôntica. Contudo, fortes evidências científicas indicam que tal afirmativa não procede. Ao utilizarem o método de eletroforese para diagnosticar cistos clinicamente, Morse et al.91 demonstraram que muitas dessas lesões ficaram saradas após o tratamento endodôntico. Outrossim, a maioria dos cistos perirradiculares pode regredir espontaneamente após a extração do dente afetado, no qual se localiza o fator etiológico97. Deve-se ter em mente que o cisto perirradicular é meramente o resultado da resposta do hospedeiro à infecção do sistema de canais radiculares e não a fonte de irritação. Uma vez eliminada a causa da proliferação epitelial, por meio do tratamento endodôntico, ela cessa, e o sistema imune, gradualmente, promove a destruição e remoção das células epiteliais proliferadas. Se a agressão persiste, o sistema imune pode não ser capaz de lidar, de forma eficaz, com a frequente renovação das células epiteliais em proliferação140. Além desse mecanismo, tem sido sugerido que, uma vez cessada a produção de citocinas, de fatores de crescimento e de outros mediadores envolvidos na proliferação epitelial, sinais de morte são gerados durante a reparação que ativam a apoptose ou morte
A
Um outro tipo de lesão perirradicular de origem inflamatória é o abscesso perirradicular crônico, também conhecido como periodontite apical supurativa. Essa patologia resulta do egresso gradual de irritantes do canal radicular para os tecidos perirradiculares, com consequente formação de exsudato purulento no interior de um granuloma. Essa lesão também pode se originar da cronificação do abscesso perirradicular agudo.
Características histopatológicas Histologicamente, verifica-se a presença de zonas de necrose de liquefação contendo neutrófilos PMNs desintegrados, circundadas por macrófagos e neutrófilos. A fístula comunica essas zonas à periferia, sendo revestida por epitélio ou por tecido conjuntivo inflamado.
Diagnóstico Sinais e sintomas Geralmente assintomático, o abscesso crônico se encontra associado a uma drenagem intermitente ou contínua por meio de fístula, a qual pode ser intraoral ou extraoral (Fig. 2-54). Inspeção Verifica-se a presença de cárie e/ou restauração extensa. Uma fístula, ativa ou não, usualmente localizada ao nível da mucosa alveolar, é observada. Seu tra-
B
Figura 2-54. Abscesso perirradicular crônico. A. Fístula intraoral. (Gentileza do Prof. Fábio Ramoa Pires.) B. Fístula extraoral. Um cone de gutapercha foi introduzido na fístula para seguir seu trajeto e indicar o dente responsável.
Patologias Pulpar e Perirradicular
Figura 2-55. Rastreamento. Radiografia após inserção de um cone de guta-percha em uma fístula, visando a seguir o trajeto fistuloso e detectar o dente envolvido.
jeto pode ser rastreado pela introdução de um cone de guta-percha em sua luz, seguido por constatação radiográfica (Fig. 2-55). O cone percorre o trajeto e alcança o ponto de origem do processo, isto é, o dente envolvido. Esse procedimento, denominado de rastreamento da fístula, é de grande utilidade para a detecção do dente afetado, uma vez que a fístula nem sempre se encontra próxima a ele. Testes pulpares Resultam em respostas negativas, uma vez que a polpa se encontra em estado de necrose. Testes perirradiculares Percussão e palpação – Usualmente negativos, não devendo ser descartada a hipótese de haver uma ligeira sensibilidade em resposta a eles.
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Figura 2-56. Imagem radiográfica de um dente com abscesso perirradicular crônico. Notar a presença de reabsorção radicular. A fístula extraoral mostrada na Fig. 2-54B estava associada a esse dente.
Tratamento Consiste, assim como nas outras entidades patológicas perirradiculares, basicamente, na eliminação da fonte de irritantes situada no interior do sistema de canais radiculares. Se o canal radicular é tratado convenientemente, a lesão e a fístula regridem. O profissional deveria utilizar a fístula como indicador biológico de que o tratamento foi eficaz para eliminar a fonte de infecção. O desaparecimento da fístula, que usualmente ocorre entre 7 e 30 dias, indica que os procedimentos endodônticos foram realizados de forma satisfatória. Entretanto, se na sessão marcada para a obturação a fístula persistir, há fortes indícios de que irritantes permanecem no canal. O prognóstico do tratamento, quando se obtura o canal nessas circunstâncias, é sombrio116. É aconselhável, então, recapitular a instrumentação, a irrigação e a medicação intracanal, apenas obturando após o desaparecimento do trato fistuloso.
Achados radiográficos Observa-se, assim como para o granuloma e o cisto, uma área de destruição óssea perirradicular, indistinguível dessas outras duas entidades patológicas (Fig. 2-56). Todavia, os limites da área radiolúcida podem não ser bem definidos, como o são para o granuloma e o cisto. Cáries e/ou restaurações profundas também podem ser detectadas radiograficamente.
ABREVIATURAS
5-HT: 5-hidroxitriptamina (serotonina) ADCC: citotoxicidade mediada por células dependente de anticorpos APC: célula apresentadora de antígenos BCR: B cell receptor CD: cluster of differentiation
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
CGRP: peptídeo relacionado com o gene da calcitonina COX: cicloxigenase CSF: fator estimulador de colônias DNA: ácido desoxirribonucleico EGF: fator de crescimento epidermal ELP: espaço do ligamento periodontal G-CSF: fator estimulador de colônias de granulócitos GM-CSF: fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos IFN: interferon Ig: imunoglobulina IL: interleucina KGF: fator de crescimento de ceratinócitos LBP: proteína fixadora de LPS LFA: leukocyte function-associated antigen LPS: lipopolissacarídeo LT: leucotrieno MBL: lectina fixadora de manose MCP: proteína quimiotática para monócitos M-CSF: fator estimulador de colônias de macrófagos MHC: complexo principal de histocompatibilidade NADPH: nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (reduzida) NGF: fator de crescimento de nervos Células NK: células natural killer NKA: neurocinina A NO: óxido nítrico NP: neuropeptídeo OPG: osteoprotegerina PAF: fator ativador de plaquetas PG: prostaglandina RANK: receptor para ativação do fator nuclear kappa B RANKL: ligante do receptor para ativação do fator nuclear kappa B Rantes: regulated on activation, normal T cell expressed and secreted RNAm: ácido ribonucleico (mensageiro) SP: substância P Tc: linfócito T citotóxico TCR: T cell receptor TGF: fator de crescimento transformante TH: linfócito T helper (auxiliar) TLR: Toll-like receptor TNF: fator de necrose tumoral VIP: polipeptídeo vasointestinal
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Capítulo 2 Patologias Pulpar e Perirradicular
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Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
Capítulo
3
Fábio Ramôa Pires
As doenças de origem inflamatória pulpar ou, mais raramente, endoperiodontal são aquelas que com maior frequência acometem a região perirradicular. Essas, em conjunto, são usualmente tratadas por meio da terapia endodôntica convencional ou, quando indicado, mediante manobras cirúrgicas, sejam elas direcionadas a cirurgias perirradiculares ou a remoção da lesão em conjunto com o elemento dentário associado, quando sua estrutura remanescente não permite sua permanência na arcada dentária. Entretanto, diversas outras patologias podem manifestar-se na região perirradicular dos elementos dentários, sem mostrar relação etiológica com inflamação pulpar ou periodontal12,23,41. Essas devem fazer parte do arsenal de conhecimentos do cirurgião-dentista, devendo ser incluídas no diagnóstico diferencial das patologias perirradiculares. Em virtude de sua origem não inflamatória, seu tratamento diverge das terapias habituais para as lesões perirradiculares inflamatórias, reforçando a necessidade da correta anamnese, da avaliação clínica minuciosa e da correta indicação e interpretação dos exames complementares laboratoriais e imaginológicos23,41. Na anamnese, a obtenção do maior número de informações sobre a história da doença atual, incluindo especialmente seu tempo e padrão de evolução, sintomatologia associada e resposta a terapias prévias utilizadas, é essencial para a consideração da origem inflamatória do quadro. Informações sobre a história
médica atual e pregressa dos pacientes podem salientar dados importantes sobre manifestações orais de doenças sistêmicas e limitações ao tratamento dentário. Além disso, a história familiar é essencial quando pensamos em condições geneticamente adquiridas, como síndromes, que podem manifestar-se nos maxilares. Esse conjunto de informações, aliadas àquelas obtidas pelo exame físico, pode justificar a necessidade de solicitação de exames complementares laboratoriais, visando à confirmação do diagnóstico e melhor planejamento terapêutico. A avaliação clínica detalhada, que faz parte do exame físico locorregional, deve ser parte ao menos da avaliação inicial dedicada a todos os pacientes odontológicos. Nesse momento temos a oportunidade de associar os achados clínicos objetivos às informações obtidas durante a anamnese, além de podermos diagnosticar alterações não percebidas previamente pelos pacientes, oferecendo a possibilidade de diagnóstico precoce de diversas condições. Informações precisas quanto à integridade das mucosas, sensibilidade à palpação, localização das alterações e relação com os elementos dentários são essenciais quando caminhamos no processo diagnóstico das doenças inflamatórias perirradiculares. Em adição ao exame físico, os testes complementares de sensibilidade e vitalidade pulpar são imprescindíveis, quando indicados, no diagnóstico do comprometimento pulpar e, consequentemente, no diagnóstico das afecções inflamatórias perirradicula-
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Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
res. Cabe ressaltar que, mesmo que um determinado elemento dentário não responda aos testes de sensibilidade pulpar, esse achado isoladamente não permite a conclusão quanto à sua participação etiológica no quadro em questão. Eventualmente podemos encontrar um elemento dentário com necrose pulpar na mesma região anatômica onde se localiza uma alteração radiográfica de origem não inflamatória, por vezes dificultando o correto diagnóstico final e, consequentemente, a melhor terapêutica a ser proposta. Mesmo com todas as informações obtidas com a anamnese completa e o exame físico apurado, o diagnóstico das alterações perirradiculares inflamatórias depende de exames complementares imaginológicos. Dentre esses, as radiografias convencionais, incluindo radiografias panorâmicas e oclusais, mas principalmente as radiografias periapicais, são componentes imprescindíveis nesse processo de diagnóstico. Nessas últimas, a avaliação da integridade do contorno radicular, assim como do espaço correspondente ao ligamento periodontal e da lâmina dura do osso alveolar adjacentes, é fundamental para o correto diagnóstico das alterações inflamatórias. As alterações perirradiculares inflamatórias produzem alteração nos tecidos que compõem o ligamento periodontal, determinando assim seu alargamento, com consequente resposta de esclerose ou rompimento da integridade da lâmina dura do osso alveolar. Esse processo, quando não interrompido, e na dependência direta de seu padrão de evolução, pode também determinar alterações reacionais no osso alveolar adjacente, visíveis ao exame radiográfico convencional. Mais recentemente, tomografias computadorizadas obtidas pela técnica volumétrica trouxeram valiosa contribuição ao estudo particular de alguns casos, mas as técnicas radiográficas convencionais ainda representam o pilar do diagnóstico endodôntico. Nas páginas seguintes, procuramos resumir informações importantes acerca do diagnóstico diferencial das principais condições que podem clínica e radiograficamente simular doenças inflamatórias perirradiculares de origem pulpar. Esse texto não tem a pretensão de esgotar o assunto e, muito pelo contrário, servir apenas de porta de entrada para o estudante de Odontologia, para o cirurgião-dentista clínico geral ou especialista em outras áreas e para o especialista em endodontia, neste fascinante capítulo da Odontologia que integra a Endodontia, a Imaginologia, a Estomatologia e a Patologia Oral. Apenas por finalidade didática, as condições serão divididas em alterações que possam produzir imagens radiográficas radiolúcidas ou radiopacas, de forma a facilitar a consulta do leitor
quando do estabelecimento do diagnóstico diferencial entre as diferentes doenças perirradiculares. Incluímos ainda um grupo de condições que podem simular doenças inflamatórias agudas (tais como os abscessos perirradiculares), que podem não apresentar alterações radiográficas marcantes.
Alterações inflamatórias/ infecciosas de origem não pulpar que podem simular abscessos perirradiculares Sialolitíases Sialolitíases ou sialoadenites litiásicas são processos inflamatórios agudos ou crônicos associados à presença de sialolitos (cálculos ou pedras salivares) localizados no sistema glandular. Os sialolitos são compostos por mucina, restos celulares, restos bacterianos e cálcio e, embora sejam mais comuns no sistema de ductos excretores, podem ser encontrados também no istmo glandular ou mesmo nos ductos intraglandulares21. Esses depósitos levam à obstrução parcial ou total do fluxo salivar, podendo ocasionar aumento de volume doloroso na glândula afetada, o qual pode estar associado à infecção secundária ocasionada por bactérias orais migrando por via retrógrada e, consequentemente, drenagem purulenta35. As glândulas submandibulares são as mais envolvidas especialmente por secretarem uma saliva mais viscosa (predominantemente mucosa), e por apresentarem um sistema ductal longo, tortuoso e de sentido antigravitacional35 (Fig. 3-1). As sialolitíases são mais fre-
Figura 3-1. Aumento de volume submandibular do lado esquerdo em paciente apresentando sialoadenite litiásica.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
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Tuberculose ganglionar
Figura 3-2. Detalhe da radiografia panorâmica da paciente da Fig. 3-1 mostrando imagem radiopaca bem delimitada sobreposta à região posterior de mandíbula do lado esquerdo, compatível com sialolito.
quentes em adultos jovens, não mostrando predileção por gênero e, por determinarem obstrução do fluxo salivar, podem mostrar variações na sintomatologia, sendo usualmente mais sintomáticas na proximidade das refeições. Clinicamente, além do aumento de volume da glândula associada, pode ser observado aumento de volume normocrômico ou levemente amarelado na área da mucosa onde se localiza o sialolito, especialmente em associação ao ducto da submandibular na porção lateral do assoalho de boca. Por serem compostos de material mineralizado, os sialolitos apresentam consistência pétrea e usualmente podem ser visualizados em exames radiográficos de rotina, incluindo especialmente radiografias oclusais inferiores e radiografias panorâmicas21 (Fig. 3-2). Entretanto, eventualmente o grau de calcificação dos sialolitos pode não ser suficiente para sua visualização em exames radiográficos rotineiros e, nessas situações, são úteis as ultrassonografias e tomografias computadorizadas. Em virtude da possibilidade de inflamação aguda e sintomatologia dolorosa associadas aos sialolitos, esses quadros podem se confundir clinicamente com abscessos perirradiculares21,35. Seu tratamento é variável e depende de seu tamanho e da sua relação com a estrutura ductal da glândula, podendo incluir: estimulação do fluxo salivar (aumento da ingestão de líquidos, sucos de frutas cítricas, chicletes sem açúcar, sialogogos como a pilocarpina etc.), calor úmido local, ordenha ductal e massageamento da glândula, sialolitotripsia, e a remoção cirúrgica do sialolito, associada ou não com a remoção da glândula associada.
Tuberculose é uma infecção bacteriana causada por Mycobacterium tuberculosis, representando um grande problema de saúde em nossa população. A patogênese da doença se dá pela infecção primária pulmonar por via inalatória, seguida de um período de latência e da progressão do quadro infeccioso nos pulmões e eventual disseminação a outros sítios. O envolvimento oral pela tuberculose é bastante incomum, sendo que ele usualmente representa a disseminação secundária da doença a partir do foco primário pulmonar por meio de contato direto do escarro contaminado ou por via hematogênica21. Entretanto, o M. tuberculosis e o M. bovis podem também causar doença nos linfonodos cervicais, no quadro clínico conhecido como tuberculose ganglionar ou escrófula19,31 (Fig. 3-3). Clinicamente essa forma se apresenta como aumento de volume único ou múltiplo, submerso, fibroelástico, discretamente doloroso, podendo se apresentar recoberto por pele normal, eritematosa ou ulcerada com presença de drenagem purulenta31 (Fig. 3-4). Essa forma clínica pode simular quadros semelhantes a abscessos perirradiculares e deve ser considerada como possibilidade diagnóstica em aumentos de volume cervicais de características inflamatórias. Como os pacientes acometidos por tuberculose ganglionar frequentemente não apresentam envolvimento pulmonar sincrônico, o diagnóstico deve se basear em exames imaginológicos (ultrassonografias, tomografias computadorizadas e ressonâncias magnéticas), punção aspirativa ou biópsia, e cultura nos casos onde se obtém material de drenagem19. O tratamento segue normas semelhantes àquelas empregadas no tratamento da tuberculose sistêmica.
Figura 3-3. Aumento de volume múltiplo em região submandibular e submentoniana em paciente portador de tuberculose ganglionar.
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Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
Figura 3-4. Aumento de volume de características intensamente inflamatórias na região cervical superior do lado direito com diagnóstico de tuberculose ganglionar.
Áreas radiolúcidas que podem simular granulomas, cistos e cicatrizes fibrosas perirradiculares Cistos Cisto do ducto nasopalatino O cisto do ducto nasopalatino, também conhecido como cisto nasopalatino, cisto do canal incisivo e cisto do ducto incisivo, é o cisto não odontogênico intraósseo mais comum dos maxilares21. A despeito, representa apenas cerca de 1 a 2% dos cistos dos maxilares e é mais infrequente que a maioria dos cistos odontogênicos inflamatórios e do desenvolvimento. Sua origem está associada à proliferação de remanescentes epiteliais do ducto nasopalatino, estrutura embrionária que comunica a cavidade nasal com a porção mediana anterior do palato duro, desembocando no forame nasopalatino40. Em virtude dessa associação, sua localização anatômica é bastante típica, ao longo da linha média de união das duas maxilas. Esse cisto apresenta predileção por homens adultos, usualmente se manifestando por um aumento de volume recoberto por mucosa normal de evolução lenta, entre as raízes dos incisivos centrais superiores, produzindo aumento na região da papila palatina e muitas vezes afastando as raízes dos incisivos centrais superiores40. As lesões podem ser assintomáticas; entretanto, dor e desconforto local são achados frequentes, visto que o cisto cresce dentro do forame nasopalatino, local onde anatomicamente existe o feixe vasculonervoso palatino anterior. Radiograficamente, o cisto do ducto nasopalatino se apresenta como uma
área radiolúcida unilocular bem delimitada, circundada por uma cortical de esclerose e localizada na linha média da maxila ao longo da rafe palatina, podendo situar-se entre as raízes dos incisivos centrais ou mais superiormente22 (Fig. 3-5). Quando há sobreposição da imagem radiográfica do cisto com a imagem da espinha nasal anterior, ela pode se assemelhar à imagem de um coração. Cistos pequenos podem ser radiograficamente indistinguíveis da imagem do forame nasopalatino, e a presença de afastamento dentário e de sintomatologia dolorosa são informações úteis no estabelecimento do diagnóstico diferencial. Eventualmente, o desenvolvimento do cisto nessa região pode envolver apenas os tecidos moles da área, situação na qual utilizamos o termo cisto da papila incisiva. Além disso, alguns pacientes podem apresentar uma imagem semelhante à do cisto do ducto nasopalatino na linha média do palato duro acima das raízes dos incisivos centrais superiores. Essas lesões têm sido denominadas de cistos palatinos medianos e sido consideradas variantes dos cistos do ducto nasopalatino localizados superiormente, mas a origem a partir de deficiência de fusão dos processos palatinos tem sido sugerida por alguns autores22,40. Essas lesões produzem abaulamento assintomático na linha média do palato duro, em localização posterior à papila incisiva, tendo predileção por adultos jovens. A imagem radiográfica dessa variante também é radiolúcida unilocular bem delimitada circundada por uma cortical de esclerose, à semelhança do cisto do ducto nasopalatino. O tratamento do cisto do ducto nasopalatino, do cisto da papila incisiva e do cisto palatino mediano envolve a enucleação cirúrgica.
Figura 3-5. Cisto do ducto nasopalatino mostrando área radiolúcida unilocular bem delimitada na linha média do palato duro. Observar a relação próxima com o periápice dos incisivos superiores.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
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Cisto nasolabial Esse cisto não odontogênico dos tecidos moles da face, também conhecido como cisto nasoalveolar ou cisto de Kledstadt, tem sua origem associada à permanência de restos epiteliais embrionários aprisionados na fusão dos processos maxilar, nasal mediano e nasal lateral durante a embriogênese da face, que proliferam sob estímulo desconhecido na vida adulta21. Clinicamente, produz um aumento de volume no fundo de vestíbulo superior, lateralmente à linha média, na região correspondente aos incisivos laterais e caninos superiores25 (Fig. 3-6). Esse abaulamento usualmente é visível no lábio superior e produzindo elevação da asa do nariz. Acomete preferencialmente indivíduos adultos, sem mostrar predileção marcante por gênero. No início, essas lesões são assintomáticas, mas em virtude de seu crescimento lento e progressivo podem se tornar secundariamente traumatizadas e infectadas, passando a ter sintomatologia dolorosa42. Nessas situações podem apresentar quadro clínico compatível com lesões perirradiculares inflamatórias agudizadas. A despeito de surgirem nos tecidos moles dessa região anatômica, elas podem causar com seu crescimento reabsorção superficial da cortical óssea, produzindo imagem radiográfica radiolúcida difusa sobreposta aos ápices dos incisivos laterais e caninos superiores25 (Fig. 3-7). A proximidade da lesão com a fossa nasal pode fazer com que as queixas nasais sejam mais evidentes que as queixas orais, o que pode também fazer com que os pacientes procurem avaliação otorrinolaringológica antes da avaliação odontológica. Na tentativa de obterem imagens radiográficas convencionais da lesão, alguns
Figura 3-7. Radiografia periapical da mesma paciente e da mesma região anatômica da Fig. 3-6 mostrando área radiolúcida difusa sobreposta ao periápice dos dentes 12 e 13. (Reproduzida de Pascual et al. Rev Bras Odontol, 2007; 64: 200-4.)
autores têm preconizado a injeção intralesional de contrastes seguida de tomadas convencionais, facilitando a observação dos limites da lesão e, consequentemente, sua remoção cirúrgica. Seu tratamento inclui a remoção cirúrgica conservadora; entretanto, alguns cistos maiores e inflamados podem mostrar cápsula com íntimo contato com a mucosa nasal, o que aumenta a possibilidade de comunicação buconasal pós-operatória.
Cisto paradentário
Figura 3-6. Aumento de volume submerso no fundo de vestíbulo superior na região de incisivo lateral e canino do lado direito em paciente portadora de cisto nasolabial. Observar a cicatriz de biópsia incisional prévia. (Reproduzida de Pascual et al. Rev Bras Odontol, 2007; 64: 200-4.)
O cisto paradentário foi primeiramente descrito por Craig em 1970, e, a despeito de ser considerado um cisto odontogênico relativamente frequente, poucas séries de casos têm sido reportadas na literatura20,26. À semelhança dos cistos perirradiculares e residuais, esse cisto também é classificado como um cisto odontogênico de origem inflamatória, para o qual diversas etiologias têm sido sugeridas, embora a mais provável inclua um processo inflamatório crônico, muitas vezes precedido por episódios agudos de pericoronarite, em um elemento dentário semierupcionado. Acredita-se que a inflamação localizada entre a coroa/face lateral da raiz do elemento dentário semierupcionado e o epitélio do capuz pericoronário ou do sulco gengival, correspondendo a uma bolsa periodontal inflamada, produza destruição do osso alveolar na face lateral da raiz, levando à formação de uma cavidade na região20. Os
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Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
Cisto dentígero
Figura 3-8. Área radiolúcida bem delimitada sobreposta distalmente às raízes do dente 36, diagnosticada como cisto paradentário na variante da bifurcação vestibular.
cistos paradentários apresentam predileção pelos terceiros molares, por serem esses os dentes que permanecem semierupcionados com maior frequência. Em virtude dessa patogênese, a porção radicular distal desses dentes é a área de predileção, mas esses cistos também podem surgir em associação à face vestibular dos molares, especialmente dos primeiros molares inferiores, sendo denominados de cistos da bifurcação vestibular quando surgem nessa situação anatômica21 (Fig. 3-8). Os cistos paradentários usualmente são assintomáticos, podendo ou não mostrar aumento de volume distal ou vestibular. Seu aspecto radiográfico mostra uma área radiolúcida unilocular bem delimitada, localizada mais comumente na face distal da raiz de um terceiro molar semierupcionado26. Quando se associa à porção vestibular do dente afetado, há sobreposição dessa imagem com a porção inferior da coroa e superior da raiz. É importante ressaltar que, muito embora a imagem radiográfica desse cisto mostre íntima relação com a face lateral da raiz de um elemento dentário, ele apresenta resposta positiva aos testes de sensibilidade dentária, visto que sua origem não está relacionada com a inflamação pulpar. Seu tratamento usualmente inclui a enucleação cirúrgica associada à exodontia do elemento associado, especialmente quando se trata de um terceiro molar, mas o elemento dentário pode ser mantido caso seja viável. Quando analisado laboratorialmente, o cisto paradentário apresenta aspecto microscópico muito semelhante ao cisto perirradicular e ao cisto residual, e a associação do padrão microscópico com os aspectos clínicos, radiográficos e transcirúrgicos é essencial para seu correto diagnóstico20.
O cisto dentígero, também conhecido como cisto folicular, é um cisto odontogênico caracterizado pelo acúmulo de líquido entre a coroa de um dente não erupcionado e o epitélio reduzido do órgão do esmalte que a circunda21. É considerado o segundo cisto odontogênico mais comum, sendo apenas menos frequente que o cisto perirradicular e sua variante, o cisto residual1. Por associar-se a dentes não erupcionados, apresenta predileção por indivíduos jovens, nas duas primeiras décadas de vida, não mostrando predileção por gênero. Além da ausência clínica do elemento dentário associado, esse cisto pode promover abaulamento local, usualmente assintomático e recoberto por mucosa normal. Os dentes mais acometidos são aqueles que permanecem mais tempo retidos nos maxilares, incluindo especialmente os terceiros molares e caninos. Radiograficamente, esse cisto se caracteriza por uma área radiolúcida unilocular envolvendo a coroa de um dente não erupcionado e, nessa situação, dificilmente consideraremos uma lesão perirradicular inflamatória em seu diagnóstico diferencial36. Entretanto, em pacientes em fase de dentição mista, faixa etária comum para o surgimento do cisto dentígero, frequentemente há sobreposição da imagem do cisto com o periápice dos dentes decíduos localizados na região (Fig. 3-9). Nessa situação clínica, é essencial testar a sensibilidade dos dentes da região para excluir envolvimento inflamatório do tecido pulpar37. Nos casos onde o elemento decíduo associado não apresenta sensibilidade pulpar por
Figura 3-9. Área radiolúcida unilocular associada lateralmente à coroa do dente 35 incluso e em íntima relação com o periápice do dente 75 sem vitalidade pulpar, diagnosticada como cisto dentígero.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
outras causas, incluindo especialmente cáries e trauma, será muito difícil diferenciar uma lesão perirradicular inflamatória do dente decíduo de um cisto dentígero do elemento permanente incluso. Nesses casos muitas vezes há indicação de intervenção cirúrgica na região visando ao mesmo tempo esclarecimento diagnóstico e a terapêutica para o caso. Nessa situação clínica onde há necrose pulpar do dente decíduo em íntimo contato com um cisto dentígero associado à coroa do dente permanente incluso que o substituirá, é possível que a inflamação altere o padrão do revestimento epitelial cístico, dificultando sobremaneira o diagnóstico final correto e valorizando a importância dos aspectos clínicos, imaginológicos e transcirúrgicos37. De forma geral, o tratamento do cisto dentígero inclui a enucleação cística, associada ou não à exodontia do elemento associado, na dependência direta da possibilidade de seu aproveitamento, que pode ser auxiliado via tracionamento ortodôntico. Cistos dentígeros grandes podem se beneficiar de descompressão ou marsupialização prévias ao procedimento cirúrgico final.
Queratocisto odontogênico O queratocisto odontogênico tem merecido destaque especial dentro da Patologia Oral, em especial por sua recente classificação como tumor odontogênico com morfologia cística, sendo denominado tumor odontogênico queratocístico segundo a última classificação dos Tumores Odontogênicos da Organização Mundial da Saúde de 20051. Embora essa sugestão de nova nomenclatura não seja universalmente aceita, é reconhecido seu comportamento biológico mais agressivo com maior potencial de crescimento e recidiva, reforçando a necessidade de seu correto diagnóstico e tratamento32. Acredita-se que essas lesões surjam a partir da proliferação de remanescentes da lâmina dentária. Os queratocistos são comuns, sendo considerados menos frequentes apenas que os cistos perirradiculares/residuais e cistos dentígeros9. Podem acometer uma ampla faixa etária; entretanto, são mais comuns em adultos jovens, apresentando discreta predileção pelo gênero masculino. Embora possam ocorrer em qualquer região anatômica dos maxilares, cerca de 60 a 80% dos casos envolvem a região posterior da mandíbula, podendo estender-se ao ramo mandibular21 (Fig. 3-10). Usualmente são assintomáticos e não promovem abaulamento das corticais por apresentarem padrão de crescimento que permeia os espaços do osso medular, mas lesões grandes podem produzir aumento de volume local, assim como afastamento dentário36. Os queratocistos apresentam
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Figura 3-10. Queratocisto odontogênico (tumor odontogênico queratocístico) caracterizado como área radiolúcida na região posterior da mandíbula do lado esquerdo, mostrando associação com o periápice dos molares da região.
imagens radiográficas radiolúcidas bem delimitadas por uma cortical de esclerose, as quais podem ser uniloculares ou multiloculares, e que estão comumente em íntima associação com as raízes dos elementos dentários da região8,24 (Fig. 3-11). Cerca de 25 a 40% dos queratocistos podem estar associados a dentes não irrompidos, em uma relação que lembra aquela encontrada nos cistos dentígeros. Nesses últimos, a coroa do elemento dentário associado se encontra projetada dentro da cavidade cística, relação que não ocorre nos queratocistos, nos quais o elemento den-
Figura 3-11. Imagem radiolúcida na região posterior da mandíbula do lado direito em íntima associação com o periápice do dente 47, diagnosticada como queratocisto odontogênico (tumor odontogênico queratocístico).
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Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
tário se encontra afastado de sua localização original pelo crescimento do cisto. Os queratocistos frequentemente apresentam queratina em seu interior, de onde provém seu nome, mas a ausência de queratina não deve descartá-los como possibilidade diagnóstica1. A punção aspirativa prévia à exploração cirúrgica é útil na evidenciação da queratina no interior do cisto, reforçando sua possibilidade diagnóstica. O tratamento dos queratocistos pode incluir a enucleação, a descompressão e a marsupialização, a curetagem associada à osteotomia periférica e até mesmo as ressecções cirúrgicas, na dependência especialmente do tamanho, localização e relação dentária das lesões, e da idade e do grau de colaboração e compreensão dos pacientes. De qualquer forma, independentemente da forma de tratamento escolhida, o diagnóstico microscópico correto é essencial para o sucesso da terapia. Vale ressaltar que essas lesões apresentam índices maiores de recidiva, quando em comparação com outros cistos odontogênicos, e que são maiores ou menores em relação à terapia proposta, reforçando a necessidade de monitoramento dos pacientes após o tratamento32. Alguns pacientes podem apresentar queratocistos múltiplos e, nessa situação, devem ser pesquisados quanto à possibilidade da presença da síndrome dos múltiplos carcinomas basocelulares nevoides, também conhecida como síndrome de Gorlin-Goltz21. Essa síndrome, usualmente de transmissão autossômica dominante, caracteriza-se por mutações no gene PTCH, que levam à predisposição ao aparecimento de múltiplos carcinomas basocelulares de padrão nevoide, cistos epidermoides, disqueratose palmoplantar, alterações nas costelas (costela bífida ou fusão de costelas), calcificações cerebrais e outros tumores, como os meduloblastomas, nos pacientes afetados. Na região de cabeça e pescoço, os pacientes podem apresentar especialmente bossa craniana, hipertelorismo ocular e múltiplos queratocistos nos maxilares, os quais estão presentes em até 75% dos pacientes com a síndrome, sendo considerados um importante marcador diagnóstico. Esses queratocistos associados à síndrome apresentam relação frequente com dentes não irrompidos, especialmente os terceiros molares, o que pode estar associado ao fato de que os queratocistos na síndrome usualmente acometem pacientes mais jovens21. Pacientes portadores dessa síndrome devem receber, além da terapêutica para os cistos, avaliação médica sistêmica para diagnóstico, monitoramento e tratamento dos demais sinais e sintomas da condição, assim como aconselhamento genético.
Cisto periodontal lateral O cisto periodontal lateral é um cisto odontogênico incomum, representando menos de 2% dos cistos odontogênicos. Entretanto, é uma importante condição a ser considerada no diagnóstico diferencial das lesões perirradiculares inflamatórias, por se manifestar lateralmente à raiz de elementos dentários erupcionados11. Sua etiologia possivelmente está associada à proliferação de remanescentes epiteliais da bainha epitelial radicular de Hertwig (restos epiteliais de Malassez) ou a restos da lâmina dentária, e esse cisto acomete especialmente adultos jovens, sem predileção por gênero21. Usualmente se apresenta assintomático, mas alguns pacientes reportam a sensação de pressão entre os dentes vizinhos, assim como pode existir discreto afastamento entre eles. Há uma região de predileção para o surgimento desse cisto, que inclui a área de mandíbula entre o canino e os prémolares, acometida em cerca de 60 a 70% dos casos7. Sua imagem radiográfica é, na grande maioria das vezes, radiolúcida unilocular bem delimitada por uma cortical de esclerose óssea, localizada entre as raízes de dois elementos dentários erupcionados, raramente ultrapassando 1cm em seu maior diâmetro7 (Fig. 3-12). Em alguns casos, a imagem pode ser radiolúcida multilocular, e, macroscopicamente, o cisto pode apresentar também múltiplas lojas. Alguns autores consideram essas lesões multicísticas em separado, especialmente em virtude de seu maior potencial de agressividade local e recidiva, chamando-as de cistos odontogênicos botrioides, embora outros autores as
Figura 3-12. Área radiolúcida unilocular bem delimitada localizada entre as raízes dos dentes 34 e 35, diagnosticada como cisto periodontal lateral.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
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considerem apenas como variantes do cisto periodontal lateral21. É importante frisar que embora o cisto periodontal lateral apresente íntimo contato com a face lateral das raízes dos dentes adjacentes, sua origem não é inflamatória e, portanto, os dentes usualmente apresentam vitalidade pulpar11. Radiografias periapicais da região acometida por esses cistos mostram o espaço correspondente ao ligamento periodontal preservado. Seu tratamento inclui a enucleação cirúrgica conservadora.
Cisto odontogênico calcificante Esse cisto, também conhecido como cisto de Gorlin, muito embora mostre a designação cisto em sua nomenclatura, já era considerado como neoplasia benigna de padrão predominantemente cístico na classificação de cistos e tumores odontogênicos da Organização Mundial da Saúde de 1992. Em 2005, na classificação mais recente dos tumores odontogênicos da mesma organização, essa condição foi reclassificada em duas variantes: o tumor odontogênico cístico calcificante e o tumor dentinogênico de células fantasmas1. A primeira representa a variante cística do cisto odontogênico calcificante, representando 85 a 98% dos casos, e a segunda sua contraparte sólida (2 a 15% dos casos)21. Analisadas em conjunto, essas lesões apresentam predileção por pacientes jovens mas não por gênero. Acometem a região anterior dos maxilares em até 65% dos casos, incluindo a área de incisivos e caninos, sem mostrar predileção pela mandíbula ou pela maxila. Embora usualmente os cistos odontogênicos tenham localização intraóssea, os cistos odontogênicos calcificantes apresentam uma relação aproximada de 4:1 entre lesões intraósseas e extraósseas, sendo um dos cistos odontogênicos que com maior frequência acometem os tecidos moles da gengiva e do rebordo alveolar1,6. Embora sua imagem radiográfica mais comum inclua uma área radiolúcida unilocular com radiopacidades em seu interior, encontrada na metade dos casos, lesões iniciais podem apresentar imagem exclusivamente radiolúcida6,32 (Fig. 3-13). Em virtude da faixa etária de acometimento, é frequente a associação com dentes não irrompidos (até 30% dos casos), especialmente os caninos, e esses cistos podem estar associados a outros tumores odontogênicos, especialmente aos odontomas. Seu tratamento usualmente inclui a enucleação cirúrgica, muito embora alguns casos possam ser tratados em conjugação com as técnicas de marsupialização e descompressão.
Figura 3-13. Área radiolúcida unilocular bem delimitada, contendo pequenos focos de calcificação na região anterior da mandíbula, diagnosticada como cisto odontogênico calcificante (tumor odontogênico cístico calcificante). (Gentileza da Dra. Valéria Totti e do Dr. Jacks Jorge Júnior.)
Alterações do desenvolvimento e alterações de etiologia indefinida Depressão mandibular lingual da glândula submandibular Essa alteração do desenvolvimento, também chamada de defeito de Stafne, cisto ósseo de Stafne, cisto ósseo estático e defeito ósseo estático, foi primeiramente descrita por Stafne em 1942, de onde provém seu epônimo. A despeito da nomenclatura de cisto, utilizada em virtude da semelhança da imagem radiográfica com a de cistos intraósseos dos maxilares, essa alteração não apresenta revestimento epitelial, não sendo considerada uma lesão cística verdadeira28. Representa uma depressão na cortical lingual da mandíbula, mais comumente localizada na região da fóvea submandibular, mas que pode se apresentar mais anteriormente e, raramente, na região de ramo mandibular28. Sua origem está associada ao posicionamento mais lateralizado da glândula submandibular e, consequentemente, ao afinamento da espessura do osso mandibular na região, produzindo uma imagem radiográfica que simula lise óssea. Os casos localizados mais anteriormente podem estar associados à glândula submandibular ectópica ou às glândulas sublinguais, e aqueles localizados no ramo mandibular podem associar-se às glândulas parótidas. A imagem radiográfica mais comum dessa condição é radiolúcida unilocular, bem ou mal delimitada, localizada na região de corpo mandibular posterior, próximo ao ângulo mandibular e em continuidade com a cortical inferior da mandíbula, usualmente abaixo do canal mandibular (Fig. 3-14). Essa condição é assintomática, sendo detectada em exames radiográficos de rotina, podendo estar presente em até 0,3% das radiografias panorâmi-
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Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
Cavidade óssea idiopática
Figura 3-14. Área radiolúcida sem corticais de esclerose localizada na região posterior da mandíbula do lado esquerdo, diagnosticada como depressão lingual da glândula submandibular.
cas. Aproximadamente 80 a 90% dos casos de defeito de Stafne acometem homens, especialmente adultos e de forma unilateral. Curiosamente para uma alteração do desenvolvimento, sua frequência é relativamente baixa em crianças e jovens. A imagem radiográfica usualmente é suficiente para o diagnóstico da depressão mandibular lingual da glândula submandibular, mas muitas vezes, especialmente quando a imagem se sobrepõe à porção medular do osso mandibular ou ao periápice dos elementos dentários da região, há necessidade de estabelecer o diagnóstico diferencial com outras doenças intraósseas odontogênicas ou não dos maxilares36. Radiografias oclusais inferiores normalmente não mostram a depressão na face interna da mandíbula, visto que sua localização é muito posterior; portanto, nesses casos, a melhor indicação inclui as imagens de tomografia computadorizada em cortes axiais, que evidenciam a presença de depressão na face lingual da mandíbula na área afetada. Outros exames de imagem, incluindo ressonâncias nucleares magnéticas e sialografias, têm sido relatados como auxiliares de diagnóstico, mas sua complexidade e custo dificultam a utilização rotineira. Embora o diagnóstico seja eminentemente imaginológico, alguns casos podem não mostrar a depressão característica da condição, achado que indica a exploração cirúrgica da área para observação do tecido glandular e confirmação diagnóstica. Embora essa condição já tenha sido denominada cisto ósseo estático e a maioria das lesões permaneça com a mesma imagem radiográfica ao longo dos anos, o controle radiográfico panorâmico anual deve ser sugerido aos pacientes, visto que existem relatos esporádicos de aumento da área de depressão cortical com fragilização da região acometida.
Essa alteração tem sido descrita com uma série de sinônimos na literatura científica, dentre os quais cisto ósseo simples, cisto ósseo traumático, cisto ósseo solitário e cisto ósseo hemorrágico, mas a nomenclatura cavidade óssea idiopática parece descrever melhor o quadro clínico-macroscópico encontrado33,39. Representa um pseudocisto, visto que embora se assemelhe macroscopicamente a um cisto não possui revestimento epitelial interno. A teoria mais aceita para sua formação é a de que um trauma ósseo produza uma área de hemorragia e reabsorção óssea, preenchida inicialmente por um coágulo, que aos poucos vai sendo reabsorvido, deixando uma cavidade vazia39. Embora essa patogênese seja bem aceita, apenas cerca de 10% dos pacientes relatam trauma importante na região. Acomete pacientes jovens, usualmente na segunda década de vida e de forma unilateral e apresentando grande predileção pela mandíbula, especialmente em sua região posterior. As lesões são assintomáticas e usualmente descobertas em radiografias de rotina, frequentemente solicitadas por motivos ortodônticos39. Normalmente não há alteração clínica no local, mas cerca de 20% dos pacientes podem mostrar abaulamento local. A imagem radiográfica da condição é radiolúcida unilocular, podendo ou não apresentar as bordas radiopacas de esclerose bem definidas (Fig. 3-15). Na região de molares inferiores, essa imagem radiolúcida frequentemente se insinua por entre as raízes dos dentes, dando um aspecto festonado (em forma de “dedos de luva”) às bordas da lesão33 (Fig. 3-16). Mesmo com essa íntima relação, os dentes
Figura 3-15. Área radiolúcida unilocular bem delimitada localizada na região anterior da mandíbula de paciente jovem em íntima relação com as raízes dos dentes 43 e 44, diagnosticada como cavidade óssea idiopática.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
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Figura 3-16. Detalhe das radiografias periapicais de uma lesão, diagnosticada como cavidade óssea idiopática, mostrando as bordas festonadas se insinuando entre as raízes dos dentes da região.
não estão associados com seu surgimento, mostrando resultados positivos frente aos testes de sensibilidade pulpar. Seu diagnóstico é feito analisando em conjunto as características sociodemográficas, clínicas e radiográficas, usualmente associadas à abordagem cirúrgica das lesões. A ausência de conteúdo na cavidade, que pode ser visualizada previamente através da punção aspirativa, e a curetagem das paredes internas da loja óssea estimulando hemorragia intralesional e posterior neoformação óssea são usualmente as formas de diagnóstico e tratamento da cavidade óssea idiopática.
Figura 3-17. Aumento de volume eritematoso em fundo de vestíbulo ântero-superior do lado esquerdo, diagnosticado como lesão central de células gigantes, inicialmente interpretada como abscesso dentoalveolar agudo.
Lesão central de células gigantes Essa condição, também conhecida como granuloma central de células gigantes, embora seja considerada como não neoplásica, pode eventualmente apresentar comportamento agressivo com grande destruição tecidual local32. Apresenta predileção por pacientes jovens, com cerca de 60% dos pacientes pertencendo às três primeiras décadas de vida, acometendo preferencialmente as mulheres. Localiza-se preferencialmente na região dos maxilares anterior aos pré-molares, e a mandíbula é sede de cerca de 70% dos casos32. Clinicamente pode produzir abaulamento das corticais, sendo usualmente assintomática, mas podendo causar discreto desconforto local (Fig. 3-17). Ao exame radiográfico, pode apresentar-se como áreas radiolúcidas uniloculares ou multiloculares, as quais podem ser bem ou mal delimitadas4,13 (Figs. 3-18 e 3-19). Eventualmente podem ser observadas discretas áreas de maior radiodensidade em seu interior pela formação de tecido osteoide em associação à lesão. Essa heterogeneidade radiográfica faz com que essa condição seja frequentemente incluída no diagnóstico diferencial das lesões radiolúcidas dos maxilares. O aspecto microscópico dessa condição é semelhan-
Figura 3-18. Radiografia oclusal superior do mesmo paciente da Fig. 3-17 mostrando área radiolúcida mal delimitada localizada em maxila à esquerda. Observar a imagem radiográfica dos acessos endodônticos nos dentes 22 e 23.
Figura 3-19. Área radiolúcida unilocular associada ao periápice dos dentes ânteroinferiores com diagnóstico final de lesão central de células gigantes.
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Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
te ao de outras doenças dos maxilares caracterizadas pela presença de células gigantes multinucleadas, tais como a lesão periférica de células gigantes, o querubismo e os tumores marrons do hiperparatireoidismo, das quais deve ser diferenciada32. O tratamento da lesão central de células gigantes é variado e pode incluir procedimentos cirúrgicos tradicionais como curetagens ou ressecções, ou tratamentos mais conservadores, como a injeção intralesional de esteroides. As taxas de recidiva podem ser altas, variando de 10 a 50%, dependendo da terapêutica selecionada.
Tumores Ameloblastoma Os ameloblastomas representam, depois dos odontomas, os tumores odontogênicos mais comuns, sendo considerados um capítulo à parte dentro da Patologia Oral, visto que, a despeito de seu comportamento benigno, podem causar grande destruição local por seu caráter infiltrativo de crescimento. São subdivididos em três variantes: a forma sólida, policística, multicística ou comum, que representa até 85% dos casos; a forma unicística representando até 20% dos casos; e a rara forma periférica, que representa apenas 2% dos casos1,17,32. A forma mais comum de ameloblastoma apresenta predileção por pacientes adultos entre a 3a e a 5a décadas de vida, de ambos os gêneros, localizandose na região posterior da mandíbula em até 75% dos casos. Apesar de usualmente mostrarem abaulamento local assintomático, alguns casos podem causar dor e desconforto, além de rompimento das corticais ósseas (Fig. 3-20). Radiograficamente sua imagem mais comum é na forma de áreas radiolúcidas multiloculares, que podem conter lojas pequenas (aspecto de “favos de mel”) ou grandes (aspecto de “bolhas de sabão”), as quais podem estar associadas à reabsorção dentária, mas também podem se apresentar na forma de áreas radiolúcidas uniloculares1,5 (Figs. 3-21 e 3-22). O tratamento desses ameloblastomas usualmente inclui a ressecção marginal ou segmentar, mas mesmo assim as taxas de recidiva se aproximam de 15 a 20%. A forma unicística apresenta algumas variações quando comparada à forma sólida/multicística convencional. Mostra predileção por pacientes na 2a década de vida e sua imagem radiográfica é mais comumente radiolúcida unilocular. A mandíbula posterior é o sítio das lesões em até 90% dos casos e há associação de um dente incluso, especialmente um terceiro molar inferior, em 50 a 80% dos casos3,17. Nessa variante, caracterizada pela presença de uma única cavidade,
Figura 3-20. Aumento de volume recoberto por mucosa normal no fundo de vestíbulo e rebordo alveolar na região ântero-inferior, causando afastamento dentário na região, diagnosticado como ameloblastoma.
Figura 3-21. Radiografia panorâmica do mesmo paciente da Fig. 3-20 mostrando área radiolúcida unilocular bem delimitada e reabsorção radicular dos dentes associados à lesão.
Figura 3-22. Área radiolúcida na região anterior da mandíbula diagnosticada como ameloblastoma. A despeito de sua proximidade com o periápice dos dentes da região e da existência de cárie e restaurações, todos os dentes apresentavam vitalidade pulpar.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
lembrando a morfologia de um cisto, podem existir focos de proliferação ameloblastomatosa no interior da luz do cisto ou na parede da cápsula, conferindo riscos variados de recidiva. Usualmente o tratamento dessa variante é mais conservador que o da variante sólida.
Tumor odontogênico adenomatoide O tumor odontogênico adenomatoide representa cerca de 5% dos tumores odontogênicos, mostrando predileção por pacientes jovens na 2a década de vida e acometendo as mulheres em uma relação de 2:1 para os homens1,27. Esses tumores apresentam baixo potencial de agressividade local e mostram predileção pela região anterior da maxila, estando frequentemente associados a um dente incluso, especialmente os caninos superiores. Clinicamente podem causar abaulamento local, mas são assintomáticos. Sua imagem radiográfica usual é radiolúcida unilocular com focos de calcificação, lembrando um padrão dito em “flocos de neve”, associada à coroa de um dente não erupcionado, semelhantemente ao cisto odontogênico calcificante27. Alguns casos podem não mostrar o componente radiopaco, lembrando a imagem radiográfica vista nos cistos dentígeros, e outros casos podem não estar associados a um elemento dentário incluso (Fig. 3-23). Usualmente são submetidos à enucleação cirúrgica conservadora, com pequeno potencial de recidiva.
Figura 3-23. Tumor odontogênico adenomatoide mostrando área radiolúcida relacionada com a coroa de um canino incluso e com o periápice dos dentes decíduos na região de maxila à esquerda.
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Lesões fibro-ósseas benignas Essas condições fazem parte de um grupo de doenças benignas, em sua maioria consideradas alterações do desenvolvimento, caracterizadas pela troca do osso normal por um tecido fibroso que vai sendo gradativamente mineralizado14. Comumente, o padrão microscópico dessas condições não é suficientemente específico para diferenciá-las, e a associação com os achados sociodemográficos, clínicos e radiográficos é imprescindível para seu diagnóstico correto. Em virtude da patogênese semelhante entre as doenças desse grupo, iniciando-se com áreas de reabsorção óssea e culminando com áreas de neoformação óssea, o aspecto radiográfico desse grupo de doenças pode envolver imagens radiolúcidas (imaturas), mistas (intermediárias) e radiopacas (maduras)14. Assim, podem simular em seus estágios iniciais lesões radiolúcidas perirradiculares de origem inflamatória, ao passo que em suas fases intermediárias e maduras podem compor diagnóstico diferencial de osteítes condensantes e osteomielites dos maxilares. A displasia fibrosa é considerada uma alteração do desenvolvimento que pode envolver apenas um osso (forma monostótica, responsável por 80 a 85% dos casos) ou vários ossos do esqueleto (forma poliostótica, 15 a 20% dos casos)1,32. A forma poliostótica pode ser associada a manchas cutâneas tipo café com leite e alterações endócrinas, especialmente a precocidade sexual em mulheres, no quadro conhecido como síndrome de McCune-Albright. Quando a displasia fibrosa monostótica acomete a região de cabeça e pescoço, é mais encontrada em pacientes jovens com predileção pela maxila. Clinicamente, apresenta-se como um aumento de volume de consistência pétrea, de evolução lenta e sem sintomatologia. Alguns casos se iniciam na maxila, mas com sua progressão podem envolver outros ossos adjacentes, no quadro chamado displasia fibrosa craniofacial. A imagem radiográfica da displasia fibrosa pode ser radiolúcida, mista ou radiopaca, mas usualmente se mostra mal delimitada, misturando-se com o osso normal adjacente. Nas fases mais maduras, as áreas radiopacas de osso neoformado lembram padrão semelhante a “vidro fosco” ou “vidro despolido”32 (Fig. 3-24). Sua delimitação irregular influencia no tratamento, que inclui inicialmente apenas o acompanhamento clínico-radiográfico, visto que a condição tende a paralisar ou estabilizar seu crescimento no início da vida adulta. Nesse momento podem ser realizados procedimentos cirúrgicos remodeladores visando a uma melhora estética e funcional na região afetada.
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Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
Figura 3-24. Displasia fibrosa acometendo a mandíbula à direita mostrando o aspecto de “vidro despolido” na radiografia periapical.
As displasias cemento-ósseas, incluindo as formas periapical, focal e florida, são também consideradas alterações do desenvolvimento e da maturação óssea, podendo se manifestar como áreas radiolúcidas, mistas ou radiopacas14,15,32,38. A forma periapical apresenta predileção por mulheres melanodermas adultas e idosas, manifestando-se de forma isolada ou múltipla usualmente na região periapical dos dentes anteriores inferiores. Essa condição é assintomática e, como não mantém relação com estímulo inflamatório, os dentes da região usualmente apresentam vitalidade pulpar14. As áreas se iniciam radiolúcidas e, especialmente nessa fase, é imprescindível a diferenciação com doenças inflamatórias perirradiculares, evitando o tratamento endodôntico desnecessário dos elementos associados (Figs. 3-25 e 3-26). Não há necessidade de tratamento específico para essa condição, apenas acompanhamento clínico-radiográfico periódico. A forma focal acomete preferencialmente mulheres adultas, sendo considerada por alguns como uma forma intermediária entre as formas periapical e florida. Localiza-se preferencialmente na região posterior da mandíbula, sendo também assintomática e raramente ultrapassando 1,5cm em seu maior diâmetro38. O aspecto radiográfico pode ser variável como na forma periapical e, de forma semelhante à primeira, os dentes da região não apresentam alterações nos testes de vitalidade pulpar38 (Fig. 3-27). Nessa região anatômica são frequentes lesões císticas e tumorais que podem acometer os maxilares; portanto, a biópsia pode ser necessária para escla-
Figura 3-25. Radiografia periapical da região ântero-inferior mostrando displasia cemento-óssea periapical em sua fase inicial, com imagem radiolúcida bem delimitada próxima ao periápice do dente 32.
Figura 3-26. Radiografia periapical da região ântero-inferior mostrando displasia cemento-óssea periapical em fase mais madura, com imagem mista próxima ao periápice dos incisivos inferiores, todos com vitalidade pulpar.
Figura 3-27. Área radiopaca circundada por halo radiolúcido próxima ao periápice dos dentes 34 e 35 diagnosticada como displasia cemento-óssea focal.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
recimento diagnóstico, após o qual basta apenas o controle clínico-radiográfico. A displasia cemento-óssea florida é a forma mais exuberante dessa condição, acometendo mulheres melanodermas adultas e idosas em 90% dos casos15. Nessa forma, as lesões são múltiplas e usualmente bilaterais em ambos os maxilares ou só na mandíbula, podendo ou não ser simétricas. Lesões em pacientes mais jovens tendem a ser mais imaturas e, portanto, radiolúcidas, ao passo que em pacientes idosos tendem a mostrar imagem radiopaca (mais madura)14 (Figs. 3-28 e 3-29). Algumas áreas podem apresentar cavidades vazias associadas, as quais são compatíveis com áreas de cavidades ósseas idiopáticas. O quadro isolado das lesões é usualmente assintomático, mas quando as áreas, especialmente as radiopacas, se tornam secundariamente inflamadas ou infectadas por trauma local, infecção dentária ou ambos, podem se tornar sintomáticas e apresentarem drenagem purulenta15. Nesses casos, pode ser observada a formação de sequestros ósseos, que devem ser removidos sob antibioticoterapia. Qua-
Figura 3-28. Radiografia panorâmica mostrando áreas predominantemente radiolúcidas próximas ao periápice dos elementos dentários em uma paciente portadora de displasia cemento-óssea florida.
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dros assintomáticos não necessitam tratamento, apenas controle clínico-radiográfico como as outras duas formas. Deve-se orientar os pacientes acometidos para evitarem trauma ou irritação local desnecessária ou iatrogênica nas áreas acometidas, tais como trauma por próteses mal adaptadas, exodontias, doença periodontal crônica e colocação de implantes ósseo-integrados para evitar o desenvolvimento de osteomielites. Alguns autores sugerem que exista uma forma de displasia cemento-óssea florida com componente hereditário autossômico dominante, chamada de cementoma gigantiforme familiar. O fibroma ossificante central faz parte desse mesmo grupo de condições, sendo considerado, ao contrário das anteriormente descritas, uma neoplasia benigna verdadeira14,32. Afeta especialmente pacientes adultos jovens, com predileção por mulheres e acometendo preferencialmente a região posterior da mandíbula. Clinicamente produz abaulamento das corticais na região afetada, mas é usualmente assintomático. Sua imagem radiográfica pode ser radiolúcida, mista ou radiopaca, como na displasia fibrosa e nas displasias cemento-ósseas, mas tipicamente se mostra bem delimitada em relação ao osso normal adjacente pela presença de uma borda de esclerose óssea14. Pode produzir ainda afastamento dentário, além de divergência e reabsorção radiculares. Seu tratamento usualmente inclui a enucleação cirúrgica simples, com excelente plano de clivagem, raramente produzindo recidivas.
Áreas mistas (radiolúcidas e radiopacas) ou totalmente radiopacas que podem simular osteítes condensantes e osteomielites dos maxilares Alterações do desenvolvimento e alterações de etiologia indefinida Osteoescleroses idiopáticas
Figura 3-29. Paciente portadora de displasia cemento-óssea florida apresentando múltiplas áreas envolvendo a proximidade das regiões perirradiculares nos dentes inferiores, simulando lesões perirradiculares de origem pulpar.
Essas lesões, também conhecidas como cicatrizes ósseas, enostoses e osteopetroses perirradiculares focais, representam áreas focais de condensação óssea, de origem idiopática16. Devem ser diferenciadas de áreas radiograficamente similares de causa inflamatória (como a osteíte condensante e a osteomielite crônica esclerosante), displásica e neoplásica (como as lesões fibro-ósseas benignas). À semelhança das displasias cemento-ósseas, apresentam predileção por mulheres melanodermas adultas, sendo assintomáticas. Em cerca de 90% dos casos acometem a região posterior
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Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
Figura 3-30. Área radiopaca se misturando ao tecido ósseo normal adjacente, sem a presença de halo radiolúcido próxima ao periápice do dente 36 com vitalidade pulpar, diagnosticada como osteoesclerose idiopática.
da mandíbula, estando frequentemente localizadas na proximidade do periápice dos dentes da região, os quais apresentam vitalidade pulpar16. Podem ser únicas ou múltiplas e radiograficamente se apresentam como áreas radiopacas de formato arredondado ou elíptico, sem halo radiolúcido ou delimitação em relação ao osso normal adjacente, medindo entre 3 e 20mm21 (Fig. 3-30). Com seu aspecto radiográfico típico e com a vitalidade dos dentes adjacentes não há necessidade de tratamento complementar. Entretanto, áreas com dúvida diagnóstica podem ser removidas cirurgicamente, com a finalidade de excluir outras possibilidades. O simples acompanhamento radiográfico é preconizado para a maioria dos casos, alguns dos quais podem até regredir.
citar o torus palatino, o torus mandibular, as exostoses vestibulares, as exostoses em tuberosidade e as exostoses subpônticas21. As formas mais comuns, encontradas em 5 a 60% da população de acordo com diversos estudos, incluem o torus palatino e o torus mandibular. O torus palatino localiza-se caracteristicamente na porção mediana do palato duro, sendo usualmente séssil e podendo apresentar morfologia variada, incluindo lesões achatadas, fusiformes, nodulares e lobuladas. Já o torus mandibular surge na face lingual do rebordo alveolar inferior acima da linha milo-hióidea, usualmente na região de caninos e pré-molares, sendo bilateral em até 90% dos casos. Usualmente são encontradas mais de uma protuberância, as quais podem variar de discretas elevações a grandes massas de tecido ósseo que podem dificultar o posicionamento lingual, com alteração na fala e deglutição. As exostoses vestibulares são mais incomuns que os tori e, embora frequentemente sejam múltiplas, podem ser encontradas isoladamente em uma determinada área da mandíbula ou maxila (Fig. 3-31). As exostoses palatinas se localizam na região de tuberosidade, sendo usualmente bilaterais e simétricas. A forma mais incomum de exostoses é a exostose subpôntica, que, como indica sua nomenclatura, surge em áreas edêntulas abaixo de pônticos de próteses parciais fixas. Acredita-se que a impactação de alimentos durante a mastigação abaixo do pôntico sirva de estímulo à proliferação de tecido ósseo a partir da cortical superior do rebordo alveolar. O diagnóstico das exostoses é realizado pelo exame clínico, mas vários casos podem requerer avaliação radiográfica complementar. Dependendo de sua localização e dimensão, as exostoses podem mostrar ima-
Exostoses Exostoses são protuberâncias e crescimentos originados a partir da porção cortical do osso, comumente encontrados na mandíbula e na maxila. Sua etiologia é desconhecida, mas acredita-se que fatores genéticos e ambientais participem em conjunto, e diversos autores têm sugerido que o trauma local pode produzir resposta proliferativa no osso subjacente. São usualmente encontradas em pacientes adultos, sem predileção marcante por gênero, sendo normalmente assintomáticas e recobertas por mucosa normal. À palpação apresentam consistência pétrea e não apresentam mobilidade em relação aos planos teciduais adjacentes. Existem várias formas clínicas de exostoses, dentre as quais podemos
Figura 3-31. Paciente apresentando múltiplas exostoses vestibulares assintomáticas em maxilas e em mandíbula bilateral.
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Figura 3-32. Radiografia periapical da região de molares superiores do lado direito mostrando a sobreposição das áreas de neoformação óssea das exostoses com as raízes dos elementos dentários na área (mesmo paciente da Fig. 3-31).
Figura 3-33. Massa radiopaca relativamente bem delimitada localizada em continuidade com a raiz do dente 26, circundada por discreto halo radiolúcido, diagnosticada como cementoblastoma.
gem radiográfica radiopaca difusa, que eventualmente se sobrepõe à porção radicular dos elementos dentários, especialmente no torus mandibular e nas exostoses vestibulares34 (Fig. 3-32). Nessas situações, é importante considerá-las no diagnóstico diferencial das osteítes condensantes, pois mostram imagens radiopacas difusas sem halo radiolúcido e em continuidade com o osso adjacente, sendo essencial a correlação clínicoradiográfica. As exostoses usualmente não requerem tratamento, exceção feita àqueles casos nos quais exista interferência estética ou funcional, quando estejam localizadas em áreas sujeitas a trauma constante ou os raros casos que apresentem sintomatologia dolorosa, usualmente por trauma local.
do usualmente ao terço apical da raiz do dente associado, circundada por um halo radiolúcido, podendo produzir reabsorção radicular2 (Fig. 3-33). Seu tratamento envolve a remoção da lesão associada ou não à raiz acometida ou ao dente associado por completo.
Tumores Cementoblastoma Os cementoblastomas são neoplasias odontogênicas incomuns caracterizadas pela proliferação de tecido mineralizado de origem cementária unido à raiz de um ou mais elementos dentários2. Acometem usualmente pacientes jovens nas 2a e 3a décadas de vidas, sem predileção por gênero. A mandíbula posterior é a região de predileção, e o primeiro molar inferior é o dente mais associado ao desenvolvimento dessas lesões21. Ao contrário da grande maioria dos tumores odontogênicos, os cementoblastomas apresentam dor associada em cerca de 50% dos casos. Ao exame radiográfico se observa uma massa de tecido misto ou radiopaco uni-
Osteoma Os osteomas são neoplasias benignas de tecido ósseo, cuja localização preferencial no esqueleto inclui a área craniofacial, especialmente a mandíbula, a maxila, o côndilo mandibular e os seios paranasais21. Quando surgem a partir do osso cortical, seu diagnóstico é mais simples; entretanto, quando surgem a partir do osso medular, podem simular outras lesões radiopacas dos maxilares, incluindo aquelas associadas à inflamação pulpar e perirradicular10. Mostram predileção por pacientes adultos jovens, e não por gênero, e usualmente são assintomáticos, causando apenas abaulamento local de proporções variáveis, sendo este geralmente mais evidente nas lesões de origem cortical. Radiograficamente se manifestam como massas escleróticas radiopacas circunscritas corticais ou medulares, tratadas por meio de remoção cirúrgica conservadora10 (Fig. 3-34). Osteomas geralmente são lesões únicas, e a presença de múltiplos osteomas faz necessária a pesquisa da possibilidade de síndrome de Gardner, uma condição rara de transmissão usualmente autossômica dominante21. Essa síndrome é caracterizada, além da presen-
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Capítulo 3 Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
Figura 3-34. Paciente portador de síndrome de Gardner apresentando osteomas na região anterior da maxila, próximo ao ápice dos incisivos superiores, e no seio maxilar do lado direito.
ça dos osteomas surgindo na puberdade, pelo quadro de polipose colorretal familiar e pelo desenvolvimento de cistos epidermoides e fibromas cutâneos múltiplos. Nos maxilares, além dos osteomas, podemos encontrar múltiplos dentes supranumerários frequentemente impactados e odontomas. A maior importância da síndrome reside na possibilidade de desenvolvimento de adenocarcinomas a partir dos pólipos intestinais preexistentes, motivo pelo qual os pacientes devem ser sistemicamente monitorados.
cia relativa das drogas, de forma que o zolendronato e o pamidronato apresentam os maiores riscos18. Como essas drogas apresentam níveis baixos de excreção e possuem elevada adesão ao tecido ósseo, seus efeitos podem perdurar por anos, mesmo após a suspensão de seu uso. Usualmente as áreas de necrose óssea surgem após manipulação dentária cirúrgica na região, especialmente exodontias, mas o quadro pode surgir espontaneamente ou motivado por trauma por próteses mal adaptadas29. Clinicamente podemos observar áreas de inflamação aguda dolorosa, associadas ou não a áreas de exposição de osso necrótico na cavidade oral (Fig. 3-35). Na avaliação radiográfica, as áreas acometidas podem variar de alterações precoces, tais como espessamento da lâmina dura do osso alveolar, alargamento do espaço correspondente ao ligamento periodontal e áreas discretas de lise óssea, até extensas áreas radiolúcidas e radiopacas mal delimitadas, simulando osteomielites (Figs. 3-36 e 3-37). Nos momentos iniciais nos quais ainda não se visualiza exposição óssea, o quadro doloroso agudo pode simular odontalgias, dentre as quais aquelas de origem endodôntica e os abscessos periodontais29. Nesses casos, a anamnese minuciosa especialmente sobre a história oncológica ou de osteoporose, assim como o tratamento dos pacientes, é essencial para o diagnóstico da osteonecrose dos maxilares por bisfosfonatos. Vale ressaltar que o manejo dessa condição envolve usualmente manobras
Injúrias físicas e químicas nos maxilares Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bisfosfonatos No ano de 2002 surgiram na literatura os primeiros relatos de necrose óssea dos maxilares associada ao uso de bisfosfonatos, medicamentos que possuem como função principal a inibição da função osteoclástica18. Essas drogas, análogas dos pirofosfatos, aderem-se à superfície óssea, inibindo a ação osteoclástica e, consequentemente, o turnover do tecido ósseo. Suas principais utilizações incluem o tratamento da osteoporose e o controle da progressão do envolvimento ósseo por cânceres, em especial mieloma múltiplo e neoplasias metastáticas de mama e próstata. Nessas situações, a forma de utilização dessas drogas pode ser oral (na osteoporose – alendronato de sódio, Fosamax®) ou intravenosa (no tratamento do envolvimento neoplásico ósseo – pamidronato – Aredia® – e zolendronato – Zometa®). O risco de desenvolvimento dessas áreas de necrose é proporcional à forma de utilização e à potên-
Figura 3-35. Paciente portadora de osteonecrose dos maxilares associada ao uso de pamidronato e zolendronato, apresentando área de exposição óssea e drenagem purulenta na região posterior da mandíbula do lado direito.
Alterações Patológicas Simulando Patologias Endodônticas
Figura 3-36. Paciente portador de osteonecrose dos maxilares associada ao uso de zolendronato em mandíbula mostrando aumento do espaço correspondente ao ligamento periodontal e da lâmina dura do osso alveolar na região.
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procedimentos cirúrgicos e a adaptação das próteses antes dos seus efeitos no osso alveolar29. Cabe ressaltar que no processo de diagnóstico dessas osteonecroses associadas aos bisfosfonatos, deve ser excluída a possibilidade de osteorradionecrose, questionando ao paciente a realização prévia de radioterapia na região de cabeça e pescoço, envolvendo em seus campos a mandíbula e as maxilas21. Diversos estudos têm mostrado que o risco de desenvolvimento de osteorradionecrose pode aumentar com o intervalo de tempo pós-radioterapia, achado que reforça a necessidade de criteriosa anamnese nesses pacientes. O aspecto clínico-radiográfico pode ser muito semelhante ao da osteonecrose induzida por bisfosfonatos, e seu tratamento usualmente inclui irrigação (oxigenação) local, controle da infecção secundária, remoção dos sequestros ósseos e, eventualmente, oxigenação hiperbárica acessória; entretanto, a melhor forma de prevenção é a realização do tratamento odontológico necessário previamente ao início da radioterapia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Figura 3-37. Área radiolúcida difusa em associação ao periápice do dente 37 em paciente portadora de osteonecrose associada a zolendronato, inicialmente diagnosticada como abscesso dentoalveolar agudo.
conservadoras, incluindo antibioticoterapia e remoção das áreas de osso necrótico em processo de sequestro, e que os procedimentos cirúrgicos mais amplos estão reservados para situações específicas, nas quais as manobras conservadoras não produziram o efeito desejado30. De qualquer forma, a cura completa das áreas de osteonecrose pode não ser o objetivo final do tratamento, o qual visa usualmente ao controle local e à estabilização do quadro. O ideal para esses pacientes é a avaliação odontológica prévia ao início da terapia com bisfosfonatos para que possam ser realizados os
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Microbiologia Endodôntica
Capítulo
4
José Freitas Siqueira Jr. Isabela das Neves Rôças Hélio Pereira Lopes
A Endodontia pode ser definida essencialmente como a disciplina clínica voltada para o tratamento ou a prevenção das patologias perirradiculares. Uma vez que essas doenças apresentam etiologia infecciosa, depreende-se então que a Endodontia é a disciplina envolvida com o controle e a prevenção das infecções pulpares e perirradiculares (Fig. 4-1). Baseado nesse conceito, é dever do profissional que se habilita nes-
sa área conhecer as principais nuances do processo infeccioso endodôntico, reconhecendo os principais micro-organismos envolvidos, suas vias de acesso ao sistema de canais radiculares, o padrão de colonização microbiana desse sistema e as consequências da infecção endodôntica para o hospedeiro (paciente). Em tal conhecimento reside a base sólida fundamental sobre a qual o profissional irá apoiar sua estratégia para tratar e prevenir uma infecção endodôntica com o intuito de lograr êxito na terapia endodôntica.
RELAÇÃO CAUSAL ENTRE MICRO-ORGANISMOS E AS PATOLOGIAS PULPAR E PERIRRADICULAR
Figura 4-1. Lesões perirradiculares são doenças infecciosas causadas por micro-organismos infectando o sistema de canais radiculares.
O primeiro relato da presença de bactérias em canais radiculares remonta ao século XVII, pelo fabricante amador de microscópios, o holandês Antony van Leeuwenhoek (1632–1723). Em 1697, ele escreveu: A coroa deste dente estava praticamente toda cariada, suas raízes apresentavam duas ramificações, eram ocas e as cavidades nelas estavam preenchidas com uma matéria amolecida. Eu removi este material dos canais das raízes, misturei com água de chuva limpa e levei ao meu microscópio para ver se havia tantas criaturas vivas nele quanto eu já tinha observado anteriormente; e devo confessar que todo o material parecia estar vivo42. Entretanto, naquela época, desconhecia-se o papel dos “animálculos” (bactérias) de Leeuwenhoek na indução de doenças. Apenas cerca de 200 anos de-
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
pois, as suas observações quanto aos canais radiculares foram ratificadas e uma relação de causa e efeito entre bactérias e lesões perirradiculares foi sugerida. Isso ocorreu em 1894, quando Willoughby Dayton Miller, um dentista norte-americano que desenvolveu seus estudos relacionados com a Microbiologia Oral, inspirado por Robert Koch, em Berlim, Alemanha, relatou a associação entre bactérias e a patologia perirradicular após a análise de material coletado de canais radiculares contendo polpas necrosadas125. Por bacterioscopia do esfregaço obtido dos canais, ele encontrou os três tipos morfológicos básicos de células bacterianas, isto é, cocos, bacilos e espirilos (Fig. 4-2). Verificou também que muitas bactérias observadas em microscopia não foram passíveis de cultivo pelas técnicas disponíveis naquela época. Miller relatou que os odores desenvolvidos pela polpa são determinados pela natureza das bactérias presentes e também pelo estágio de putrefação. Dentre os produtos de decomposição, eu encontrei facilmente amônia e hidrogênio sulfuretado (sulfeto de hidrogênio). (...) Diferentes espécies de bactérias na polpa doente ainda não foram passíveis de cultivo em meio artificial, e seus efeitos patogênicos não são definidos. O grande número de bactérias em algumas polpas, e especialmente a repetida ocorrência de espiroquetas, sugere que, sob certas circunstâncias, elas podem exercer um papel importante em processos supurativos. Todavia, os achados de Miller, embora pioneiros, não eram suficientes para o estabelecimento de uma relação causal entre micro-organismos e as patologias de origem endodôntica. Dois eventos que ocorrem simultaneamente não necessariamente representam
Figura 4-2. Ilustração do trabalho clássico de W. D. Miller (1894), evidenciando as formas bacterianas encontradas em um canal infectado.
uma relação de causa e efeito. Cerca de 70 anos após os achados clássicos de Miller, um estudo confirmou definitivamente o papel essencial desempenhado por bactérias na etiopatogenia das doenças pulpares e perirradiculares. Kakehashi et al.89 expuseram polpas dentais de ratos convencionais e germ-free ao meio bucal, observando a resposta desse tecido por métodos histológicos. Enquanto nos animais convencionais se desenvolveu inflamação grave ou necrose pulpar associada a lesões perirradiculares, nos animais germ-free esse tipo de resposta não ocorreu. Na ausência de micro-organismos, as polpas de animais germ-free se repararam por deposição de dentina neoformada na área de exposição, isolando o tecido pulpar da cavidade oral. Até meados da década de 1970, a maioria dos estudos microbiológicos das infecções endodônticas indicava o predomínio de bactérias facultativas. As espécies comumente isoladas eram Streptococcus mitis, Streptococcus salivarius, Streptococcus mutans, Streptococcus sanguinis e enterococos. Staphylococcus epidermidis, lactobacilos, pseudomonas e Candida albicans (um fungo) também eram frequentemente isolados de canais radiculares infectados134,198. Em alguns casos, microorganismos não foram isolados dos canais radiculares em casos de polpa necrosada com lesão perirradicular associada. Em decorrência de tais achados, estabeleceuse a crença de que o tecido pulpar necrosado, embora estéril, pudesse representar um irritante para os tecidos perirradiculares, capaz de per se induzir e perpetuar o desenvolvimento de uma lesão. Entretanto, em meados da década de 1970, com o desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas de isolamento e cultivo de anaeróbios estritos, foi gerado um interesse considerável quanto ao papel desses micro-organismos na patogênese das doenças endodônticas. O estudo de Sundqvist, em 1976286, representou um marco na literatura endodôntica, tendo em vista o fato de que seus achados revolucionaram os conceitos vigentes até então. Esse autor avaliou as condições bacteriológicas de 32 canais de dentes unirradiculares com polpas necrosadas e coroas intactas, sem cáries ou restaurações. A perda da vitalidade pulpar foi resultado de injúria traumática. Não havia doença periodontal, tampouco a existência de fístula. Em 19 dentes foi detectada radiograficamente a presença de lesão perirradicular. Alguns dos achados mais importantes desse estudo foram: a) Bactérias apenas foram encontradas em casos de dentes com lesões perirradiculares associadas. Esse achado confirmou o papel importante desempenha-
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do por bactérias na etiopatogenia dessas lesões, além de ter combatido o conceito de que o tecido pulpar necrosado, mesmo na ausência de micro-organismos, fosse um irritante tecidual. Evidentemente, a explicação para a diferença entre seu estudo e os trabalhos que o precederam reside na sensibilidade da técnica utilizada no que tange ao isolamento de anaeróbios estritos. Depreende-se, então, que o simples fracasso em isolar micro-organismos de canais com polpa necrosada e lesão perirradicular não implica que eles estivessem ausentes. Muito provavelmente, pela baixa sensibilidade e limitações das técnicas até então empregadas, bactérias anaeróbias não foram passíveis de ser isoladas. Deve-se ter precaução quando se analisa esse achado. Cumpre lembrar que as amostras do trabalho de Sundqvist consistiram de dentes traumatizados, sem exposição pulpar. Em situações clínicas em que ocorre a exposição da polpa à cavidade oral e essa se torna necrosada, micro-organismos passam a colonizar o canal radicular mesmo que uma lesão perirradicular ainda não se tenha desenvolvido. É apenas uma questão de tempo. Dessa forma, o profissional deve ter em mente que está tratando um processo infeccioso, havendo a necessidade de utilizar meios adequados de controle da infecção. b) No total, 88 cepas bacterianas foram isoladas dos 18 canais infectados. Dessas, apenas cinco foram anaeróbias facultativas. Assim, bactérias anaeróbias estritas representaram 94,3% das cepas isoladas. As bactérias mais frequentemente isoladas foram espécies de bacilos produtores de pigmentos negros, Fusobacterium, Eubacterium e Peptostreptococcus. Esse achado modificou o conceito de que os principais patógenos endodônticos eram bactérias facultativas. c) Casos sintomáticos foram diretamente relacionados com um maior número de bactérias no canal. d) O número de espécies no interior dos canais variou de 1 a 12. e) Houve uma correlação positiva entre o tamanho da lesão perirradicular e a densidade e o número de espécies bacterianas presentes no canal. Em outras palavras, quanto maior o diâmetro da lesão perirradicular, maior era o número de células (densidade) e de espécies (complexidade) bacterianas no interior do canal radicular. f) Em sete casos houve a presença de sinais e sintomas de inflamação aguda perirradicular. Em todos esses casos foi detectada uma espécie do grupo dos bacilos produtores de pigmentos negros, naquela época denominados de Bacteroides melaninogenicus
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(atualmente, membros dos gêneros Porphyromonas e Prevotella). Esse foi o primeiro estudo a encontrar a associação entre uma determinada espécie bacteriana e algum tipo de sinal ou sintoma de uma doença de origem endodôntica. Möller et al.131 também confirmaram o papel crucial exercido por micro-organismos na etiopatogenia de lesões perirradiculares. Esses autores induziram necrose pulpar asséptica ou séptica em dentes de macacos e, após 6 a 7 meses, as análises clínica, radiográfica, microbiológica e histológica evidenciaram que, enquanto nos casos de polpas necrosadas não infectadas os tecidos perirradiculares estavam desprovidos de inflamação e apresentando indícios de reparação, nos casos de dentes contendo polpas infectadas houve sempre o desenvolvimento de lesões perirradiculares. Os estudos citados definitivamente demonstraram a relação causal entre micro-organismos e as doenças de origem endodôntica. Também recentemente estudos moleculares evidenciaram a presença de bactérias em todos os casos de infecções endodônticas associadas a lesões perirradiculares258,259. Os conceitos então vigentes na atualidade, sustentados por evidências científicas sólidas e irrefutáveis, afirmam que micro-organismos exercem um papel-chave no desenvolvimento das patologias pulpares e perirradiculares e que o tecido pulpar necrosado, na ausência de infecção, não possui a capacidade de estimular, tampouco de sustentar o desenvolvimento de uma lesão perirradicular. Micro-organismos colonizando o sistema de canais radiculares estão usualmente organizados em biofilmes. Portanto as lesões perirradiculares, em regra geral, podem ser incluídas no grupo de doenças causadas por biofilmes bacterianos.
ENVOLVIMENTO MICROBIANO NOS PROBLEMAS ENDODÔNTICOS Como aclarado, micro-organismos são os principais agentes etiológicos das patologias de origem endodôntica. Embora fatores de natureza química ou física possam induzir uma patologia pulpar ou perirradicular, os mesmos usualmente não são capazes de perpetuar o processo patológico30,89 (ver Capítulo 2), o que se justifica pelo fato de serem fatores agressores apenas transitórios. Por sua vez, micro-organismos presentes em uma lesão de cárie ou em um canal infectado representam fonte de agressão persistente para a polpa e para os tecidos perirradiculares, respectiva-
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
mente. Assim, além de induzirem uma patologia, são também capazes de perpetuá-la. Micro-organismos e seus produtos exercem papel de extrema relevância na indução dos seguintes problemas:
a) Patologia pulpar e perirradicular Micro-organismos e seus produtos estão indubitavelmente associados à indução e à perpetuação das doenças pulpares e perirradiculares210. A cárie e a polpa necrosada infectada representam as principais fontes de irritantes microbianos para a indução da patologia pulpar e perirradicular, respectivamente (Figs. 4-3 e 4-4). Enquanto a polpa se encontrar em estado de vitalidade, uma infecção não se instala nesse tecido. Todavia, se o tecido pulpar se tornar necrosado em
Figura 4-3. Bactérias em uma lesão de cárie representam a principal causa de agressão à polpa.
Figura 4-4. Lesão perirradicular extensa detectada radiograficamente, cuja causa é a infecção do canal radicular.
decorrência de uma série de fatores já discutidos no Capítulo 2, micro-organismos invadem e colonizam o sistema de canais radiculares. Uma vez que a polpa se torna infectada, o egresso de micro-organismos e de seus produtos para os tecidos perirradiculares estimula o desenvolvimento das respostas inflamatória e imunológica. A ocorrência de uma patologia perirradicular está associada às respostas inflamatória e imunológica do hospedeiro com o intuito de conter o avanço da infecção endodôntica33,92,209,279,295,296. Tem sido demonstrado que lesões perirradiculares podem conter anticorpos específicos contra microorganismos alojados no interior do sistema de canais radiculares11,96. A agressão aos tecidos perirradiculares pode resultar de uma ação direta ou indireta dos microorganismos. O dano aos tecidos causado diretamente por bactérias é dependente de alguns de seus fatores de virulência. Esses incluem enzimas (p. ex.: colagenase, hialuronidase, condroitinase, Dnase, Rnase, fosfatase ácida, hemolisina), exotoxinas e produtos metabólicos (butirato, propionato, amônia, indol, poliaminas e compostos sulfurados)53,54,1 59,194,205,221 . Além disso, componentes bacterianos coletivamente denominados de modulinas, como peptidoglicano, ácido lipoteicoico, fímbrias e lipopolissacarídeos (endotoxinas), podem ativar macrófagos e o sistema complemento19,80,82,194,221,309,314, envolvidos na defesa do hospedeiro. Quando da persistência da agressão, essa ativação pode ser a responsável pela autólise tecidual. Por exemplo, macrófagos ativados sintetizam e liberam citocinas como IL-1β, TNF-α e IL-6, além de prostaglandinas, mediadores químicos envolvidos na reabsorção óssea1,260,278-280,314. Assim, micro-organismos também exercem um efeito destrutivo de forma indireta por ativar elementos de defesa do hospedeiro. Tal efeito indireto parece ser o mais relevante na indução do dano tecidual associado às lesões perirradiculares210. Micro-organismos estão localizados em uma posição privilegiada e estratégica no interior do canal radicular contendo tecido necrosado. Células e moléculas de defesa não têm acesso à polpa necrosada e portanto não são capazes de eliminar micro-organismos nessa localização. Por outro lado, micro-organismos que avançam para fora do canal, inicialmente em direção ao ligamento periodontal, são imediatamente combatidos pelos mecanismos de defesa do hospedeiro. Esses, representados por uma resposta inflamatória inespecífica ou por uma resposta imunológica adaptativa, de caráter específico, são mobiliza-
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dos para impedir o avanço da infecção209. Se isso não ocorresse, uma infecção endodôntica poderia resultar em osteomielite ou, até mesmo, em envolvimento sistêmico. Assim, embora a fonte original da infecção no interior do canal não seja debelada, o hospedeiro consegue estabelecer um equilíbrio. Quando o canal radicular é tratado convenientemente, o profissional desequilibra em favor do hospedeiro, e a reparação é então iniciada.
b) Flare-ups Micro-organismos e seus produtos, quando da extrusão de detritos contaminados pelo forame apical, do desequilíbrio da microbiota endodôntica ou mesmo da elevação do potencial de oxirredução dentro do canal radicular, podem ser responsáveis por manifestações agudas que se desenvolvem entre as sessões do tratamento endodôntico124,139,199,206,212,242 (ver Capítulo 19).
c) Sintomatologia clínica e/ou exsudação persistente
Figura 4-5. Fracasso endodôntico atribuído a sobreobturação tem geralmente um componente microbiano associado.
Micro-organismos que adentram o canal durante ou entre as consultas de tratamento ou aqueles que não foram eliminados pelos procedimentos intracanais podem manter a agressão tecidual, com consequente manutenção de sinais e sintomas216,262,266. Isso caracteriza uma infecção persistente ou secundária205,242.
d) Fracasso do tratamento endodôntico Embora existam alguns relatos isolados sugerindo que fatores não microbianos endógenos ou exógenos estejam envolvidos em alguns casos de insucesso endodôntico142, micro-organismos e seus produtos, constituindo uma infecção persistente ou secundária, são os principais responsáveis pela manutenção ou aparecimento de lesão perirradicular pós-tratamento endodôntico 48,109,126,128,139,141,160,162,163,165,166,189,201,207,232,283,284 (ver Capítulo 17). Casos de acidentes como desvios, degraus, perfurações, instrumentos fraturados e sobreobturações, usualmente resultam em fracasso quando associados a um processo infeccioso109,204 (Figs. 4-5 e 4-6). Mesmo quando o tratamento endodôntico é executado de forma adequada, o fracasso pode advir em alguns casos. Micro-organismos localizados em irregularidades das paredes do canal, em lacunas de reabsorção cementária, em ramificações, em deltas, em túbulos dentinários e na lesão perirradicular podem sobreviver aos procedimentos intracanais e serem os
Figura 4-6. Lesão perirradicular que se desenvolve em associação com casos de acidentes, como essa perfuração, é na verdade causada por infecção endodôntica concomitante.
responsáveis pelo fracasso da terapia73,112,140,143,207,211,250 (ver Capítulo 8).
VIAS DE INFECÇÃO DA POLPA DENTAL Em condições normais, os envoltórios naturais do dente, e.g. esmalte e cemento, protegem e isolam a dentina e a polpa dental da agressão por parte de micro-
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
A
B
C
D
Figura 4-7. Vias de infecção pulpar. A. Exposição dentinária por macro ou microfissuras de esmalte. B. Exposição pulpar por cárie. C. Exposição da dentina cervical. D. Doença periodontal atingindo o forame apical.
organismos provenientes da cavidade oral. Contudo, em determinadas situações nas quais essa proteção é perdida (como, por exemplo, por cárie, trauma ou procedimentos restauradores), cria-se um potencial para a invasão microbiana do tecido pulpar com consequente instalação de um processo infeccioso242 (Fig. 4-7). As principais vias de acesso que as bactérias utilizam para atingir a polpa são: túbulos dentinários, exposição pulpar, periodonto e anacorese hematogênica.
Túbulos dentinários Os túbulos dentinários percorrem toda a extensão da dentina, desde a junção dentino-pulpar (JDP) até as junções amelodentinária (AD) ou cementodentinária (CD). Esses túbulos ocupam 20 a 30% do volume da dentina e apresentam uma conformação cônica, com diâmetro maior próximo à polpa, o qual é, em média, de aproximadamente 2,5µm, próximo à JDP. Na periferia, nas junções AD ou CD, o diâmetro médio dos túbulos é de aproximadamente 0,9µm60. Os túbulos dentinários também são mais numerosos na JDP, atingindo um valor numérico de aproximadamente 45.000 túbulos/mm2. A área ocupada pelos túbulos nessa região corresponde a 22% da área de superfície total. À medida que se distancia da polpa, em direção à periferia, a densidade tubular diminui,
podendo, na junção AD, apresentar cerca de 15.000 túbulos/mm2, ocupando uma área de 1% do total300. Os túbulos de uma dentina vital contêm em seu interior prolongamentos odontoblásticos, fibras colágenas, fluido dentinário e, algumas vezes, fibras nervosas. A espessura da dentina é, em média, de 3 a 3,5mm. O prolongamento do odontoblasto possui de 0,1 a 1mm de comprimento, percorrendo então, no máximo, aproximadamente 1/3 da espessura dentinária156. O fluido dentinário, que ocupa cerca de 22% do volume da dentina, é um transudato de plasma oriundo da microcirculação pulpar que banha toda a extensão tubular. Seu conteúdo é similar ao do fluido intercelular, isto é, composto basicamente por água (cerca de 95%), íons e moléculas. Em condições fisiológicas, o fluxo de fluido dentinário tem direção periférica, tendo em vista o fato de que a pressão intrapulpar é maior do que a atmosférica e é transmitida para o compartimento intratubular. Vários estudos tentaram quantificar a pressão intrapulpar normal, com os valores mais aceitos atualmente variando entre 6 e 10,4mmHg (7,5 a 14cm H2O), dependendo da metodologia utilizada27,294. Sempre que a dentina é exposta por perda de esmalte ou cemento, a polpa é colocada em risco devido à permeabilidade relativamente alta da dentina normal, o que é ditada pela presença dos túbulos dentinários (Fig. 4-8). Essa permeabilidade é ainda aumentada
Microbiologia Endodôntica
Figura 4-8. Eletromicrografia da dentina, evidenciando sua estrutura tubular.
quando se aproxima da polpa, devido ao aumento do diâmetro e da densidade tubulares. Assim, teoricamente, uma dentina exposta oferece uma franca via de acesso para bactérias alcançarem o tecido pulpar. Bactérias contatam a dentina basicamente de três formas: contaminação de uma área de dentina exposta por saliva; formação de placa bacteriana sobre uma superfície dentinária exposta ou por um processo de cárie. O diâmetro dos túbulos dentinários é inteiramente compatível com aquele da maior parte das bactérias encontradas na cavidade oral. Dessa forma, se esse fosse o único fator envolvido na invasão bacteriana, seria apropriado afirmar que, uma vez que a dentina é exposta, bactérias têm livre acesso à polpa. Entretanto, túbulos dentinários associados a uma polpa vital não são facilmente invadidos por bactérias115,138. A presença de prolongamentos odontoblásticos, de fibras colágenas, da lâmina limitante e do fluido dentinário em túbulos de uma dentina vital pode retardar a invasão intratubular. Outros fatores, tais como esclerose dentinária, dentina reparadora, smear layer e a deposição de proteínas plasmáticas, como o fibrinogênio, nas paredes tubulares, podem limitar ou impedir o avanço bacteriano via túbulos dentinários. Anticorpos e componentes do sistema complemento presentes no fluido dentinário também podem ajudar a conter a invasão bacteriana147,148. Por outro lado, túbulos dentinários de dentes tratados endodonticamente ou com polpa necrosada são facilmente invadidos por bactérias138. Anaeróbios estritos são os principais micro-organismos isolados das porções mais profundas de cáries de dentina. A formação da lesão na dentina envolve desmineralização por uma microbiota acidogênica e ulterior degradação da matriz orgânica exposta por
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bactérias proteolíticas. Assim, uma sucessão de populações microbianas pode ocorrer durante a formação da cárie de dentina. A microbiota que coloniza lesões profundas de cárie de dentina tem como predominantes bactérias anaeróbias gram-positivas dos gêneros Propionibacterium, Eubacterium, Lactobacillus, Peptostreptococcus e Actinomyces45. Bactérias gram-negativas dos gêneros Prevotella e Porphyromonas foram frequentemente isoladas de lesões de cárie de dentina sem exposição pulpar e com sintomas clínicos de pulpite reversível, tais como dor provocada e exacerbada por estímulos térmicos121. Enzimas e produtos do metabolismo bacteriano, como amônia e indol, podem tornar fibras nervosas sensoriais mais suscetíveis a estímulos que provocam dor149,154. Em dentes com lesões de cárie de dentina, associadas à pulpite irreversível e exacerbação da sintomatologia pela aplicação de calor, bacilos produtores de pigmentos negros foram frequentemente isolados75. Uma correlação positiva também foi verificada entre a presença de Fusobacterium nucleatum e Actinomyces viscosus na lesão cariosa e a sensibilidade ao frio75. Um estudo utilizando real-time polymerase chain reaction (real-time PCR) revelou associação positiva significante entre a presença de Parvimonas micra e Porphyromonas endodontalis na dentina cariada e a ocorrência de pulpite irreversível120. Todos esses achados fornecem indícios significativos de que anaeróbios estritos presentes na lesão de cárie dentinária estão envolvidos na indução dos sintomas de pulpite reversível e irreversível. A maioria das bactérias presentes em uma lesão de cárie não apresenta motilidade. Sua movimentação se dá lentamente por meio do processo de divisão celular. Embora a pressão do fluido dentinário seja, na maioria das vezes, insuficiente para impedir a invasão tubular pelo processo de multiplicação bacteriana, sabe-se que pode pelo menos retardá-lo. Entretanto, em algumas ocasiões, a pressão da mastigação pode deslocar bactérias profundamente no interior tubular. Hoshino et al.83 relataram que, em seis de nove casos, bactérias presentes em lesões profundas de cárie de dentina foram capazes de invadir a polpa. Bactérias anaeróbias estritas dos gêneros Eubacterium, Propionibacterium e Actinomyces foram as predominantes. Na maioria das vezes, bactérias não alcançarão a polpa via túbulos até que o processo carioso tenha destruído o tecido dentinário e deixado uma espessura remanescente de dentina de 0,2mm que o separe da polpa32. Todavia, antes mesmo que bactérias atinjam diretamente a polpa, seus produtos, como enzimas, toxinas, ácidos graxos, compostos sulfurados e amô-
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nia, difundem-se pelo fluido dentinário, alcançando a polpa. Nissan et al.145 demonstraram que a endotoxina, fator de virulência de alto peso molecular liberado por bactérias gram-negativas, pode se difundir pela dentina e alcançar a polpa. Khabbaz et al.97 demonstraram que a quantidade de endotoxinas em lesões de cárie foi significantemente maior em dentes com pulpite irreversível sintomática do que em casos assintomáticos. A difusão de produtos bacterianos pela dentina induz alterações inflamatórias no tecido pulpar. Em uma polpa sadia, jovem, a microcirculação pode rapidamente diluir e drenar esses produtos bacterianos, impedindo sua concentração na região tecidual subjacente aos túbulos afetados pelo processo carioso. Contudo, em lesões cariosas profundas, a concentração de produtos bacterianos tóxicos pode exceder essa capacidade de drenagem da microcirculação, principalmente se ela encontrar-se alterada pelo processo inflamatório. Assim, a intensidade da resposta inflamatória pulpar sob uma área de dentina cariada dependerá do balanço entre os produtos bacterianos que alcançam a polpa e a capacidade de drenagem da microcirculação pulpar. Esse balanço pode ser influenciado pela virulência microbiana, pela concentração que os produtos bacterianos atingem na polpa, pela duração da agressão e pelo estado geral de saúde da polpa. Se o dente é tratado por remoção da cárie e colocação de uma restauração adequada, a polpa volta ao normal. Por outro lado, a polpa pode encontrar-se debilitada como resultado de um processo carioso de longa duração, envolvimento periodontal, envelhecimento
A
ou trauma. Nessas circunstâncias, a inflamação pulpar pode ser mais deletéria, pois há uma predisposição para o acúmulo de produtos bacterianos tóxicos no tecido. Se a cárie não for tratada convenientemente, micro-organismos inevitavelmente alcançarão o tecido pulpar, estabelecendo um contato direto e induzindo o desenvolvimento de uma inflamação mais grave.
Exposição pulpar A cárie dental é, inquestionavelmente, a causa mais comum de exposição pulpar (Fig. 4-9). Quando a lesão de cárie destrói uma quantidade suficiente de tecido dentinário, a polpa se torna então exposta diretamente a micro-organismos e a seus produtos presentes tanto na lesão cariosa, quanto na saliva. Uma miríade de espécies bacterianas passa a colonizar a superfície da polpa exposta. Em resposta, a polpa se torna inflamada. Se o tecido pulpar irá permanecer inflamado por um longo período ou se irá sucumbir, necrosando, dependerá dos seguintes fatores: número e virulência dos micro-organismos, resistência do hospedeiro, estado da microcirculação e grau de drenagem do edema gerado durante a inflamação. Como a densidade bacteriana e o número de espécies se tornam aumentados devido à exposição, o tecido pulpar passa então a ser afetado por maiores concentrações de produtos bacterianos tóxicos. Dessa forma, a porção tecidual em contato direto com o agente agressor sofre alterações inflamatórias graves, culminando com sua necrose. Essa área de tecido necrosado não oferece
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Figura 4-9. Exposição pulpar por cárie. A. Aspecto clínico. B. Eletromicrografia evidenciando diversos morfotipos, como cocos, filamentos e espiroquetas, em um biofilme associado à cárie profunda de dentina. A polpa exposta entra em contato direto com esse biofilme.
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introduzidos, do estado de saúde pulpar, do tratamento e das medidas restauradoras a serem instituídas.
Periodonto
Figura 4-10. Exposição pulpar traumática. Na maioria dos casos, se o traumatismo é recente, a infecção pulpar é apenas superficial.
qualquer resistência à invasão bacteriana que se dá por meio de proliferação celular. Uma vez que avançaram apicalmente na polpa, bactérias passam a agredir a porção tecidual subjacente. Essa passará pelos mesmos fenômenos já descritos, sofrendo necrose. Depreende-se, então, que os processos de agressão bacteriana, inflamação pulpar, necrose pulpar e invasão bacteriana avançam gradualmente pela polpa em direção apical. A polpa também pode se tornar exposta após trauma ou por procedimentos iatrogênicos. Uma polpa vital, sadia, exposta por trauma, apresenta uma grande resistência à invasão bacteriana, a qual ocorre lentamente. Por exemplo: quando uma lesão traumática resulta em exposição da polpa e essa permanece exposta à saliva por duas semanas, a necrose pulpar e invasão bacteriana usualmente irá se restringir apenas a uma extensão de aproximadamente 2mm9. Uma polpa exposta por trauma e que tenha permanecido até cerca de 48 horas em contato com a microbiota da cavidade oral é ainda passível de recuperação por meio de capeamento direto (Fig. 4-10). Se o período de exposição exceder 48 horas, deve-se considerar a porção superficial da polpa já infectada, requerendo um tratamento mais invasivo, como pulpotomia, ou tratamento endodôntico (biopulpectomia). A exposição iatrogênica da polpa não oferece grandes problemas se ocorrer de forma asséptica. Contudo, se houver contaminação pela saliva ou pelo próprio instrumento que promoveu a exposição (brocas contaminadas por cárie, p. ex.), a resposta da polpa dependerá do número e virulência dos micro-organismos
Durante o curso de uma doença periodontal, bactérias e seus produtos presentes na bolsa podem ter acesso à polpa via forames laterais associados a ramificações do canal (canal lateral), túbulos dentinários e forame apical. Canais laterais estão presentes em cerca de 27% dos dentes, sendo mais frequentes em pré-molares e molares, mormente na região mais apical34. Túbulos dentinários podem estar expostos em 10% dos casos na região cervical do dente por ausência de coaptação entre esmalte e cemento144. Além disso, os túbulos podem ainda ser expostos por perda do envoltório de cemento, oriundo da necrose e/ou reabsorção desse tecido, ou de sua remoção por procedimentos periodontais. A exposição de forames laterais e túbulos dentinários às bactérias componentes do biofilme periodontal não parece induzir maiores alterações no tecido pulpar, desde que ele esteja em estado de vitalidade. Alterações degenerativas, como calcificações, fibrose e produção de dentina reparadora, podem ser observadas na porção pulpar adjacente a um forame lateral exposto. Entretanto, existem fortes evidências de que a total desintegração do tecido pulpar, caracterizada por necrose, apenas ocorre quando a doença periodontal atinge o forame apical104 (Fig. 4-11). Nesses casos, o feixe vasculonervoso principal que penetra pelo forame apical pode
Figura 4-11. Quando a doença periodontal atinge o forame apical, podem advir alterações significativas na polpa, incluindo necrose e infecção. (Gentileza do Dr. Wilson Rosalém Jr.)
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
ser lesado, havendo necrose pulpar. Destarte, a invasão bacteriana pelo forame fica facilitada, uma vez que a polpa não tem mais como combatê-la. Kobayashi et al.100, examinando 15 dentes com necrose pulpar associada a bolsas periodontais de 6 a 12mm de profundidade, que atingiam o forame apical, coletaram amostras microbiológicas do canal radicular e da bolsa. Eles verificaram que o predomínio de anaeróbios estritos foi mais pronunciado no canal do que na bolsa periodontal. Várias espécies bacterianas dos gêneros Peptostreptococcus, Eubacterium, Fusobacterium, Porphyromonas e Prevotella foram comuns a ambos os sítios. Kurihara et al.102 também realizaram um estudo dessa natureza e verificaram que, enquanto na bolsa periodontal o número de espécies bacterianas isoladas era elevado, no canal radicular esse número era reduzido. As espécies que predominaram na bolsa nem sempre foram as mesmas que predominaram no canal do mesmo dente, o que pode ser facilmente explicado pelas diferenças ecológicas. Ambos os estudos citados sugeriram que a causa da infecção pulpar foi a doença periodontal.
Anacorese hematogênica Esse fenômeno pode ser definido como a atração que tecidos inflamados, debilitados ou necrosados exercem sobre bactérias presentes na circulação sanguínea durante uma bacteremia. Essas bactérias passam a colonizar esses tecidos alterados, estabelecendo, assim, um processo infeccioso71. Teoricamente, essa via de infecção da polpa pode ocorrer, como, por exemplo, nos casos de dentes traumatizados que, mesmo sem apresentarem exposição pulpar, podem desenvolver uma infecção pulpar e consequente lesão perirradicular. Após o trauma, o feixe vasculonervoso que penetra pelo forame apical pode ser rompido, resultando em necrose pulpar. Se a necrose permanece estéril, não há o desenvolvimento de uma patologia perirradicular. Contudo, o trauma pode acarretar uma lesão no ligamento periodontal, rompendo vasos sanguíneos, o que é caracterizado clinicamente pela hemorragia sulcular (Fig. 4-12). Bactérias que colonizam o sulco gengival podem, então, ter acesso à corrente sanguínea pelo rompimento desses vasos, ocorrendo uma bacteremia. Se o trauma também promove a ruptura de vasos sanguíneos ao nível apical, a polpa é afetada. Bactérias na corrente sanguínea deixarão os vasos nessa região, podendo encontrar na polpa afetada condições propícias para se estabelecerem. Outrossim, bactérias da microbiota normal do intestino que têm sido isoladas de canais radiculares podem ser
Figura 4-12. Trauma dentário que resultou em sangramento ao nível do sulco gengival. Nessa situação, micro-organismos presentes no sulco podem adentrar vasos sanguíneos rompidos e então desembocar nos tecidos perirradiculares, próximos a uma polpa com vitalidade comprometida (anacorese hematogênica). Essa via de infecção pulpar é bastante questionável. (Ver texto.)
veiculadas no canal pelo profissional, durante a execução da terapia endodôntica sem adequados cuidados de assepsia, ou ser oriundas de uma bacteremia. Embora a via anacorética seja possível de ocorrer como demonstrado em experimentos em animais40, não existem evidências que a comprovem como fonte de infecção na situação clínica. No estudo de Möller et al.131, após induzirem necrose asséptica em polpas de macacos, esses autores observaram que todas as polpas permaneceram isentas de micro-organismos após um período de 6 a 7 meses, o que depõe contra a teoria da anacorese. Na verdade, a hipótese mais verossímil para explicar a infecção endodôntica em dentes traumatizados sem exposição pulpar aparente pode ser outra. Quando acometido por um traumatismo, o esmalte dental pode apresentar rachaduras e/ou fissuras, ou acentuá-las (se já existentes), que expõem a dentina em extensões de profundidades variáveis. Esses defeitos são, na maioria das vezes, imperceptíveis clinicamente. Por eles, bactérias podem invadir os túbulos dentinários expostos, os quais não oferecem maior resistência, uma vez que o seu conteúdo se encontra necrosado e sem função, como resultado da necrose pulpar advinda do trauma114,115,209. Love113 demonstrou in vitro a penetração de Streptococcus gordonii em fissuras de esmalte e dentina, com consequente invasão do canal radicular. Cumpre salientar que, se a injúria traumática não afetar a vitalidade pulpar, as bactérias não conseguirão invadir os túbulos expostos e, dessa forma, alcançar a polpa.
Microbiologia Endodôntica
113
ANATOMIA DA INFECÇÃO – PADRÃO DE COLONIZAÇÃO BACTERIANA DO SISTEMA DE CANAIS RADICULARES O conhecimento da estrutura da microbiota endodôntica, da sua organização e distribuição no interior do sistema de canais radiculares assume importância vital no entendimento do processo infeccioso e no estabelecimento de estratégias terapêuticas que visem a erradicar a infecção endodôntica. Estudos utilizando microscopia ótica e/ou eletrônica têm sido efetuados para investigar a organização e a estrutura da microbiota infectante do sistema de canais radiculares132,141,200,250. Morfologicamente, a microbiota consiste de cocos, bacilos, filamentos e espirilos (Fig. 4-13). Enquanto a maioria dos membros da microbiota endodôntica se encontra usualmente em suspensão na fase fluida do canal141, grandes aglomerações de células bacterianas podem também ser vistas aderidas
A
B
Figura 4-13. Padrão de colonização bacteriana do canal radicular. A. Bactérias na forma de cocos, bacilos e espirilos colonizando a parede do canal, compondo uma infecção mista. (Reproduzida de Siqueira et al.250, com a permissão da editora.) B. Bactérias colonizando a parede do canal radicular, com predomínio de cocos.
Figura 4-14. Eletromicrografia evidenciando biofilme bacteriano aderido às paredes do canal e composto por formas celulares diversas.
às paredes do canal formando estruturas semelhantes a biofilmes de multicamadas e multiespécies250 (Figs. 4-14 a 4-17). Em muitos casos, micro-organismos são encontrados em uma estrutura que sugere o estabelecimento de uma comunidade clímax, onde a comunidade microbiana se encontra em equilíbrio com seu microambiente e cada espécie exerce uma função importante para a manutenção da comunidade250. É inteiramente possível que as células bacterianas presentes na fase fluida do canal estejam sendo liberadas a partir do biofilme aderido à parede do canal. Quanto maior o grau de organização da comunidade microbiana instalada no sistema de canais radiculares, maior o seu potencial patogênico e mais difícil será sua eliminação durante a execução da terapia endodôntica. Pressupõe-se que, quanto maior a lesão perirradicular, maior será a probabilidade de se encontrarem no canal tais organizações microbianas, o que se explica pelo fato de, em tais circunstâncias, a infecção endodôntica ser de longa duração. Nesses casos, há um maior risco para o fracasso endodôntico, e por isso todos os esforços devem ser despendidos no sentido de eliminar a infecção de forma adequada (ver Capítulo 8 para mais informações sobre o tratamento desses casos). Torna-se então evidente que as lesões perirradiculares, assim como a cárie e as doenças periodontais, também são doenças causadas por biofilmes. Bactérias compondo biofilmes nas paredes do canal radicular são muitas vezes visualizadas se estendendo para o interior dos túbulos dentinários (Fig. 4-18). Esse achado pode ser observado em qualquer região do canal, desde sua porção mais coronária até a apical. Apesar de uma penetração mais superficial ser o achado mais comum, há regiões em que bactérias são visualiza-
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
B C
A A
D
E
F
Figura 4-15. Anatomia da infecção endodôntica. A. Dente de cão com necrose e infecção pulpar associada à lesão perirradicular. B. Agregado bacteriano aderido à parede do canal. C. Bactérias formando um biofilme na parede do canal. D e E. Agregados e células bacterianas livres em suspensão na luz do canal principal. F. Invasão bacteriana dos túbulos dentinários da parede do canal. No centro, maior aumento do delta apical salientado em A, mostrando bactérias no interior da ramificação e nos túbulos dentinários adjacentes. (Gentileza dos Drs. Adriana Silveira e José F. Siqueira Jr.)
Microbiologia Endodôntica
Figura 4-16. Seção transversal de um canal mesial do primeiro molar inferior evidenciando um autêntico biofilme bacteriano, recobrindo as paredes e avançando para a região de istmo. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
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das em uma profundidade de aproximadamente 300µm no interior tubular250 (Fig. 4-19). A infecção intratubular também não é uniforme. Enquanto alguns túbulos podem ser densamente infectados, a maioria dos túbulos adjacentes usualmente se mantém livre de infecção. A razão para isso não é aparente, mas pode estar relacionada com fatores nutricionais, anatômicos e com os tipos de espécies microbianas que estão infectando o canal. Tanto cocos quanto bacilos podem invadir os túbulos, e o fato de que podem ser vistos se dividindo no ambiente intratubular indica que bactérias também têm acesso a nutrientes nessa região. Siqueira et al.213 demonstraram que patógenos endodônticos, como P. endodontalis, Porphyromonas gingivalis, F. nucleatum, Actinomyces israelii, Propionibacterium acnes e Enterococcus faecalis, são dotados da capacidade de invadir túbulos dentinários (Fig. 4-20). Peters et al.161, em um estudo in vivo, isolaram e
B
A
C
Figura 4-17A. Seção transversal de um espécime corado com 4’-6-diamidino-2-fenilindol (DAPI) observado em microscopia de fluorescência. B e C. Maiores aumentos da luz do canal, evidenciando densa colonização bacteriana. (Gentileza dos Drs. Flávio R. F. Alves, Alexandre S. Rosado e José F. Siqueira Jr.)
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Figura 4-18. Aglomerados bacterianos, compostos quase que exclusivamente por cocos, colonizando a parede do canal radicular com algumas células invadindo os túbulos dentinários.
Figura 4-19. Bactérias invadindo túbulos dentinários. Notar que algumas células estão em processo de divisão celular, o que sugere a presença de nutrientes no interior dos túbulos. (Reproduzida de Siqueira et al.250 com a permissão da editora.)
Figura 4-20. Células de Actinomyces israelii invadindo túbulos dentinários. (Reproduzida de Siqueira et al.213 com a permissão da editora.)
identificaram bactérias presentes em túbulos dentinários em diferentes profundidades. O maior número de células bacterianas foi detectado próximo à luz do canal principal, mas bactérias também foram detectadas em 62% dos dentes em amostras de dentina mais periférica, próxima ao cemento. No geral, as espécies mais frequentemente isoladas de túbulos dentinários pertenciam aos gêneros Prevotella, Porphyromonas, Fusobacterium, Veillonella, Peptostreptococcus, Eubacterium, Actinomyces, Lactobacillus e Streptococcus. Matsuo et al.122, por meio de análise imuno-histológica de dentes extraídos que apresentavam infecção endodôntica, relataram que 70% dos casos apresentavam bactérias invadindo túbulos dentinários. As espécies mais encontradas foram F. nucleatum, Pseudoramibacter alactolyticus, Eubacterium nodatum, Lactobacillus casei e P. micra. Fungos, como a C. albicans, também têm a capacidade de invadir túbulos dentinários251 (Fig. 4-21). Micro-organismos podem aderir a componentes orgânicos ou inorgânicos da dentina, o que pode favorecer a colonização das paredes dentinárias do canal radicular e a invasão intratubular. Esses componentes incluem colágeno tipo I, Gla-proteínas, osteocalcina, osteonectina, sialoproteína, fosfoproteínas, glicosaminoglicanas (sulfato de condroitina, 95%; dermatan sulfato, 2%)64,116. A hidroxiapatita também pode servir de sítio para adesão bacteriana3. Evidências recentes indicam que algumas bactérias, como os estreptococos, podem reconhecer componentes presentes nos túbulos dentinários, principalmente o colágeno do tipo I, que podem estimular a adesão bacteriana e o crescimento intratubular115.
Figura 4-21. Penetração intratubular por células de Candida albicans. A área delimitada à esquerda é vista em maior aumento à direita.
Microbiologia Endodôntica
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Figura 4-22. Fungos colonizando a parede do canal.
Fungos, mormente na forma de leveduras, mas também às vezes na de hifas, têm sido ocasionalmente observados na microbiota associada à infecção endodôntica primária200,250,261,308 (Fig. 4-22). Nesses casos, eles estão geralmente associados a bactérias, condição que difere das infecções secundária e persistente, onde fungos têm sido usualmente observados em monoinfecção. Micro-organismos colonizando o sistema de canais radiculares utilizam como fonte de nutrientes: componentes dos fluidos teciduais e exsudato inflamatório (geralmente proteínas e glicoproteínas) que provêm dos tecidos perirradiculares; componentes da saliva que podem penetrar no canal; células pulpares mortas; tecido pulpar necrosado e produtos do metabolismo de outras bactérias.
Figura 4-23. Infecção primária do canal associada à lesão perirradicular.
TIPOS DE INFECÇÃO ENDODÔNTICA Existem diferentes tipos de infecção endodôntica que estão relacionados com diferentes situações clínicas. A classificação do tipo de infecção endodôntica é baseada na localização da infecção e no momento de estabelecimento microbiano no canal radicular205,210. Enquanto a infecção primária do canal está envolvida na etiologia das lesões perirradiculares primárias agudas e crônicas, as infecções secundária e/ou persistente são as causas de lesões perirradiculares também secundárias e/ou persistentes que podem resultar em sintomatologia e/ou exsudação persistente e até mesmo no fracasso da terapia endodôntica (Figs. 4-23 e 4-24). A composição da microbiota varia de acordo com os diferentes tipos de infecção, daí a natureza semiespecífica das infecções endodônticas. Os diferentes aspectos de cada tipo de infecção serão discutidos adiante neste capítulo. Segue agora apenas a definição de cada tipo.
Figura 4-24. Casos de fracasso do tratamento endodôntico causado por uma infecção persistente ou secundária. Em canais aparentemente bem tratados, a microbiota é menos complexa do que em casos tratados de forma inadequada.
a) Infecção intrarradicular primária Causada por micro-organismos que colonizam o tecido pulpar necrosado. Pode ser chamada também de infecção inicial. A microbiota envolvida pode variar de acordo com o tempo de infecção. Outrossim, tem sido sugerido que a microbiota também pode diferir, dependendo do tipo de lesão perirradicular (aguda ou crônica).
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
b) Infecção intrarradicular secundária É causada por micro-organismos que não estavam presentes na infecção primária e que penetraram no canal durante o tratamento endodôntico, entre as sessões ou mesmo após a conclusão do tratamento. Recebe essa denominação por ser secundária à intervenção profissional. Se tais micro-organismos forem competentes em sobreviver e colonizar o novo hábitat (o canal radicular), uma infecção secundária se estabelecerá.
c) Infecção intrarradicular persistente É causada por micro-organismos que, de alguma forma, resistiram aos procedimentos intracanais de desinfecção. Os micro-organismos envolvidos foram membros da infecção primária ou de uma secundária. Infecções persistentes e secundárias são geralmente difíceis de serem diferenciadas clinicamente. Todavia, nas seguintes circunstâncias o profissional pode ter certeza de que o problema foi causado por uma infecção secundária: a) desenvolvimento de um abscesso perirradicular agudo (infecção) após a intervenção em um canal com polpa viva (sem infecção); e aparecimento de uma lesão perirradicular associada a um dente com o canal tratado e que na época do tratamento não apresentava lesão. Infecções persistentes e secundárias podem ser responsáveis por vários problemas clínicos, incluindo exsudação e sintomatologia persistente, flare-ups, e fracasso do tratamento caracterizado por persistência ou aparecimento de uma lesão perirradicular.
d) Infecção extrarradicular A forma mais comum de infecção extrarradicular é o abscesso perirradicular agudo. A origem das infecções extrarradiculares é usualmente a infecção intrarradicular que se estendeu para os tecidos perirradiculares. Com exceção do abscesso, a infecção extrarradicular é uma ocorrência pouco comum. Em uma dessas raras ocasiões, a infecção extrarradicular pode ocorrer no interior de lesões perirradiculares crônicas e persistir a despeito da eliminação eficaz da infecção intrarradicular, resultando no fracasso da terapia endodôntica.
INFECÇÃO INTRARRADICULAR PRIMÁRIA Das mais de 700 espécies bacterianas capazes de colonizar a cavidade oral157,274, um grupo mais restrito
é selecionado e capaz de colonizar o sistema de canais radiculares contendo polpa necrosada52,210. Resultados de estudos utilizando métodos de cultura e de biologia molecular têm permitido dissecar a diversidade microbiana em canais infectados, revelando que mais de 400 espécies já foram encontradas em canais. O Quadro 4-1 apresenta os principais gêneros e espécies de bactérias encontradas em infecções endodônticas. Dessas, é possível identificar um grupo mais seleto de espécies consideradas patógenos endodônticos putativos, baseado principalmente em dados de prevalência e potencial patogênico. As próximas seções deste capítulo discutem, entre outros aspectos, as espécies com maior possibilidade de classificação como patógenos endodônticos. Estudos utilizando o método de cultura demonstraram definitivamente o papel essencial de micro-organismos na etiologia das diferentes formas de lesões perirradiculares. Além disso, vários patógenos suspeitos têm sido identificados (Fig. 4-25). Mais recentemente, com o advento de métodos sofisticados de biologia molecular, várias limitações do método de cultura foram significativamente contornadas ou resolvidas12,228. Esses métodos moleculares podem detectar e identificar micro-organismos baseados em informações genômicas, diretamente na amostra clínica e sem a necessidade de cultivo em laboratório. A aplicação de métodos moleculares na pesquisa endodôntica não só confirmou os achados da maioria dos estudos anteriores usando cultura, como também tem expandido significativamente a lista de patógenos endodônticos putativos12 (Figs. 4-26 e 4-27). Essa nova tecnologia tem permitido o reconhecimento de novos patógenos que jamais haviam sido identificados em canais pelos métodos de cultura229,234. Outrossim, muitas espécies que já possuíam o status de patógenos endodônticos suspeitos em razão de suas altas prevalências relatadas por métodos de cultura têm sido encontradas ainda com maior frequência por métodos moleculares, reforçando a associação com as lesões perirradiculares. Métodos de cultura e de biologia molecular têm coletivamente revelado a natureza polimicrobiana das infecções endodônticas com um evidente predomínio de bactérias anaeróbias estritas na infecção primária. A composição da microbiota varia significativamente de indivíduo para indivíduo117,119,190,256, indicando que as lesões perirradiculares têm uma etiologia heterogênea, em que diferentes combinações de espécies podem causar a mesma doença em diferentes indivíduos.
Microbiologia Endodôntica
119
Quadro 4-1 Gêneros bacterianos e respectivas espécies representantes comumente isoladas ou detectadas em infecções endodônticas Gram-negativos
Gram-positivos
Anaeróbios
Facultativos
Anaeróbios
Bacilos
Bacilos
Facultativos
Dialister Capnocytophaga Actinomyces Actinomyces D. invisus, C. gingivalis, A. israelii, A. naeslundii D. pneumosintes, C. ochracea A. gerencseriae, filotipos não A. meyeri, cultiváveis A. odontolyticus Porphyromonas Eikenella Pseudoramibacter Corynebacterium P. endodontalis, E. corrodens P. alactolyticus C. matruchotii P. gingivalis Tannerella Haemophilus Filifactor Lactobacillus T. forsythia H. aphrophilus F. alocis L. salivarius, L. acidophilus, L. paracasei Prevotella Eubacterium P. intermedia, E. infirmum, P. nigrescens, E. saphenum, P. tannerae, E. nodatum, P. denticola, E. brachy, P. multissacharivorax, E. minutum P. baroniae, filotipos não cultiváveis Fusobacterium Mogibacterium F. nucleatum, M. timidum, F. periodonticum, M. pumilum, filotipos não cultiváveis M. neglectum, M. vescum Campylobacter Propionibacterium C. rectus, P. acnes, P. propionicum C. gracilis, C. curvus, C. showae Synergistes Eggerthella filotipos não cultiváveis E. lenta Selenomonas Olsenella S. sputigena, O. uli, O. profusa S. noxia, filotipos não cultiváveis filotipos não cultiváveis Centipeda Bifidobacterium C. periodontii B. dentium Catonella Slackia C. morbi S. exigua Atopobium A. parvulum, A. minutum, A. rimae Solobacterium S. moorei filotipos não cultiváveis Lactobacillus L. catenaformis (Continua)
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Quadro 4-1 Gêneros bacterianos e respectivas espécies representantes comumente isoladas ou detectadas em infecções endodônticas (continuação) Gram-negativos
Gram-positivos
Anaeróbios
Facultativos
Anaeróbios
Cocos
Cocos
Veillonella Neisseria Parvimonas V. parvula, N. mucosa, P. micra filotipos não cultiváveis N. sicca Megasphaera Peptostreptococcus filotipos não cultiváveis P. anaerobius, filotipos não cultiváveis Finegoldia F. magna Peptoniphilus P. asaccharolyticus, P. lacrimalis Anaerococcus A. prevotii Streptococcus S. anginosus, S. constellatus, S. intermedius Gemella G. morbillorum Espirilos (espiroquetas)
Facultativos
Streptococcus S. mitis, S. sanguinis, S. gordonii, S. oralis Enterococcus E. faecalis
Granulicatella G. adiacens
Treponema T. denticola, T. socranskii, T. parvum, T. maltophilum, T. lecithinolyticum
Diversidade da microbiota Infecções primárias são caracterizadas por uma comunidade mista composta por 10 a 20 espécies em média (podendo atingir até 40 a 50 espécies!) e 103 a 108 células bacterianas por canal17,20,135,172,190,191,195,229,256,286,304. Canais de dentes associados a fístulas (abscesso perirradicular crônico) podem abrigar uma média de 17 espécies172. Quanto maior o diâmetro da lesão perirradicular, mais complexa é a microbiota, com mais espécies e mais células52,172,241,255 (Fig. 4-28). Rôças e Siqueira172 demonstraram em um estudo molecular que o número de espécies por canal foi claramente relacionado com
o tamanho da lesão perirradicular – lesões pequenas (<5mm) apresentaram cerca de 12 espécies, lesões de 5 a 10mm apresentaram 16 espécies e lesões maiores que 10mm apresentaram cerca de 20 espécies. Alguns canais de dentes com grandes lesões apresentaram mais de 40 espécies172. Evidências científicas revelam que bactérias participantes da infecção endodôntica primária pertencem a 9 dos 13 filos que possuem representantes orais, mais especificamente Firmicutes, Bacteroidetes, Spirochaetes, Fusobacteria, Actinobacteria, Proteobacteria, Synergistes, TM7 e SR1135,172,189,190,240. Dentre as espécies representan-
Microbiologia Endodôntica
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Figura 4-25. Microbiota endodôntica determinada por cultura em estudo de Sundqvist et al.285.
Figura 4-26. Microbiota endodôntica determinada pelo método molecular checkerboard para hibridização DNA-DNA em estudo de Siqueira et al.258.
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Figura 4-27. Microbiota endodôntica em casos sintomáticos e assintomáticos determinada por método molecular nested PCR em vários estudos de Siqueira e Rôças.
tes desses filos se incluem muitas bactérias cultiváveis previamente isoladas por cultura ou recentemente detectadas por métodos moleculares. Além disso, é digna de nota a alta ocorrência de bactérias não cultiváveis – cerca de 40 a 55% das espécies encontradas na microbiota endodôntica de infecções primárias compreendem filotipos que ainda não foram cultivados no laboratório, não foram ainda caracterizados fenotipicamente e, portanto, ainda não têm nome de espécie135,190. Bactérias não cultiváveis têm sido descobertas por métodos mo-
leculares analisando a sequência do gene do 16S rRNA, a qual permite classificar a bactéria em um gênero ou família com base em análise filogenética. Tais bactérias são então denominadas de filotipos e não oficialmente classificadas pelo gênero (ou unidade taxonômica mais elevada) seguido de um código composto por letras e números, escolhidos a critério do investigador (exemplo: Dialister clone oral 55A-29, Eubacterium clone oral BB142, Synergistes clone oral BA121, Bacteroidetes clone oral X083 etc.).
Microbiologia Endodôntica
Figura 4-28. Lesões perirradiculares extensas abrigam um maior número de células e espécies bacterianas.
Bacilos produtores de pigmentos negros são assim denominados por causa da capacidade de formar colônias com pigmentação negra sobre a superfície de placas de ágar sangue (Fig. 4-29). Essas bactérias eram conhecidas como Bacteroides melaninogenicus e foram reclassificadas em dois gêneros: Prevotella (contendo as espécies sacarolíticas) e Porphyromonas (espécies assacarolíticas)202,203. Algumas espécies não pigmentadas de Bacteroides também foram transferi-
A
123
das para o gênero Prevotella86,172. Espécies de Prevotella, principalmente P. intermedia, P. nigrescens, P. tannerae, P. multissacharivorax, P. baroniae e P. denticola, têm sido frequentemente detectadas em infecções primárias4,14,15,25,43,62,66,74,98,172,190,201,288,311,318 (Fig. 4-30). Das espécies de Porphyromonas encontradas em humanos, apenas P. endodontalis (o epíteto endodontalis se refere ao fato de essa espécie ter sido originalmente encontrada em canais) e P. gingivalis parecem estar envolvidas com a etiologia de diferentes formas de lesões perirradiculares, inclusive abscessos66,74,118,201,254,258,288,301 (Fig. 4-30). Tannerella forsythia é uma bactéria anaeróbia gramnegativa que tem sido considerada um importante patógeno periodontal276,292. Essa espécie jamais havia sido isolada de canais radiculares por cultura, sendo pela primeira vez identificada em infecções endodônticas por um método molecular (PCR)28. Estudos posteriores usando PCR e seus derivados, além de outras técnicas moleculares, têm confirmado que T. forsythia é um membro comum da microbiota associada a diferentes tipos de infecção endodôntica, incluindo casos de abscessos57,65,88,178,196,222,258,259,305 (Fig. 4-31). Espécies do gênero Dialister são cocobacilos gramnegativos anaeróbios estritos e assacarolíticos que representam outro exemplo de bactérias detectadas consistentemente em infecções endodônticas depois do advento de técnicas de biologia molecular. Dialister pneumosintes e Dialister invisus (espécie recentemente proposta) têm sido frequentemente encontrados como membros da microbiota endodôntica em casos sintomáticos e assintomáticos135,170,171,179,189,190,227,236,240.
B
Figura 4-29. Bacilos produtores de pigmentos negros. A. Cultura pura de Prevotella intermedia. B. Amostra clínica evidenciando infecção mista, com tipos coloniais diferentes, incluindo colônias pigmentadas (Porphyromonas gingivalis).
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Figura 4-30. Prevalência de quatro espécies de bacilos produtores de pigmentos negros em infecções endodônticas primárias revelada por diferentes estudos. Pe – Porphyromonas endodontalis; Pg – Porphyromonas gingivalis; Pi – Prevotella intermedia; Pn – Prevotella nigrescens.
Figura 4-31. Prevalência de Tannerella forsythia em infecções endodônticas primárias reveladas por diferentes estudos.
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F. nucleatum, um bacilo filamentoso gram-negativo anaeróbio estrito, é uma das espécies mais frequentemente encontradas em canais radiculares infectados associados a lesões crônicas e abscessos14,36,57,88,103,230,285,313. Atualmente, é classificado em cinco subespécies (fusiforme, nucleatum, polymorphum, vincentii e animalis)26. Contudo, a prevalência dessas subespécies em infecções endodônticas ainda precisa ser determinada. Moraes et al.133 analisaram a diversidade clonal de cepas de F. nucleatum isoladas de infecções endodônticas usando ERIC-PCR e AP-PCR. Eles identificaram quatro tipos clonais, dois por canal. Um dos clones foi bastante prevalente, sugerindo que tipos clonais diferentes podem ter acesso ao canal radicular, mas nem todos podem predominar no canal infectado e, assim, participar ativamente do processo infeccioso. Outra espécie do gênero Fusobacterium – Fusobacterium periodonticum – foi detectada em casos de abscesso pelo método do checkerboard para hibridização de DNA-DNA259. Espiroquetas são bactérias gram-negativas espiraladas dotadas de motilidade, a qual é ditada pela presença de flagelos periplásmicos que se originam em polos opostos da célula. Todas as espiroquetas orais estão incluídas no gênero Treponema41 e podem estar associadas a várias doenças na cavidade oral31,44,47. Embora espiroquetas tenham sido observadas em canais radiculares infectados por meio de microscopia, elas nunca
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foram identificadas ao nível de espécie. A razão para isso se deve ao fato de que são bactérias de difícil cultivo em laboratório. A aplicação de métodos moleculares demonstrou que essas bactérias espiraladas são comumente encontradas em infecções primárias associadas a diferentes formas de lesões perirradiculares. Até o presente momento, apenas 10 espécies orais de Treponema são cultiváveis. Elas podem ser classificadas em dois grupos de acordo com a capacidade de fermentar carboidratos: as espécies sacarolíticas incluem T. pectinovorum, T. socranskii, T. amylovorum, T. lecithinolyticum, T. maltophilum e T. parvum, enquanto as espécies assacarolíticas compreendem T. denticola, T. medium, T. putidum e T. vincentii193. Todas as 10 foram recentemente identificadas em infecções endodônticas primárias por métodos de biologia molecular13,56,65,87,172,175,181,233,238,239,248,249,253,305 (Fig. 4-32). As espécies mais prevalentes são T. denticola e T. socranskii13,175,239,249. As espécies T. parvum, T. maltophilum e T. lecithinolyticum são moderadamente prevalentes, enquanto as demais são encontradas, mas em menor número de casos13,87,181,233,239. Embora se acredite que bactérias anaeróbias gram-negativas sejam as mais frequentes em infecções endodônticas primárias, vários bacilos gram-positivos também têm sido detectados em elevada frequência na microbiota mista do canal. Desses, Pseudoramibacter alactolyticus pode ser encontrado em prevalência tão
Figura 4-32. Prevalência de espécies de Treponema orais em infecções endodônticas primárias reveladas por estudos de Rôças e Siqueira.
126
Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
alta quanto os mais prevalentes gram-negativos237,243,285. Filifactor alocis foi apenas ocasionalmente isolado de canais infectados por cultura285, mas estudos moleculares mostram que essa espécie pode ser bastante comum, sendo detectada em cerca de metade dos casos de infecção primária65,226. Slackia exigua, Mogibacterium timidum, Eubacterium saphenum e Eubacterium infirmum foram identificados em canais infectados por meio de técnicas moleculares em prevalências relativamente altas58,77. Espécies de Actinomyces, particularmente A. gerencseriae e A. israelii, as quais podem estar envolvidas no fracasso da terapia endodôntica por causar uma infecção extrarradicular denominada de actinomicose perirradicular (ver adiante), têm sido detectadas em cerca de 10% dos casos257,285, embora prevalências mais elevadas têm sido relatadas por alguns estudos para essas ou outras espécies de actinomicetos291,317. Propionibacterium propionicum, uma outra espécie que pode estar envolvida com actinomicose perirradicular, também é comumente encontrada em infecções primárias263. Espécies de Olsenella compreendem bacilos anaeróbios gram-positivos que representam mais um exemplo de bactérias encontradas em infecções endodônticas somente após o emprego de técnicas de identificação molecular57,135. Dos membros desse gênero, Olsenella uli é a espécie mais comum em infecções primárias23,172,173. Alguns cocos gram-positivos também podem ser membros comuns da microbiota endodôntica. Parvimonas micra (previamente Micromonas ou Peptostreptococcus micros) é um coco anaeróbio assacarolítico que tem sido encontrado em aproximadamente 1/3 dos canais com infecção primária e sua prevalência em casos sintomáticos também pode ser elevada25,67,98,244,285,313. Membros do grupo dos Streptococcus anginosus são os estreptococos mais prevalentes, mas S. gordonii, S. mitis e S. sanguinis são também frequentemente encontrados255,257,285. E. faecalis, espécie fortemente associada ao fracasso endodôntico (ver adiante), não é tão frequente em infecções primárias177,257. Espécies de Campylobacter, como C. gracilis e C. rectus, são bacilos anaeróbios gram-negativos que podem ser encontrados em infecções primárias, mas em prevalência baixa a moderada105,165,223,258,285. Catonella morbi, um bacilo gram-negativo anaeróbio e sacarolítico que pode estar associado à doença periodontal, foi recentemente encontrado em cerca de 1/4 dos casos de infecção endodôntica primária224. Outras espécies bacterianas mais esporadicamente encontradas em infecções primárias incluem: Veillonella parvula, Eikenella corrodens, Neisseria mucosa, Centipeda periodontii, Granu-
licatella adiacens, Gemella morbillorum, Capnocytophaga gingivalis, Corynebacterium matruchotii, Bifidobacterium dentium e lactobacilos anaeróbios180,224,232,258,259,285. Algumas espécies que não são membros da microbiota oral podem ser ocasionalmente encontradas em infecções endodônticas primárias. Elas incluem Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli e Staphylococcus aureus, as quais são, contudo, mais comumente detectadas em infecções endodônticas secundárias, sendo introduzidas no canal durante o tratamento, usualmente devido à quebra na cadeia asséptica. O Aggregatibacter (Actinobacillus) actinomycetemcomitans, espécie envolvida na etiologia de algumas periodontites marginais, particularmente da periodontite agressiva localizada (ou periodontite juvenil)275,293, é raramente detectado em canais infectados247 o que sugere que essa espécie capnofílica não é favorecida no microambiente endodôntico e, portanto, não participa da patogênese das lesões perirradiculares. Filotipos são espécies que não foram ainda cultivadas e que são conhecidas apenas pela sequência do gene do 16S rRNA, o mais usado atualmente para identificação molecular de bactérias. Dados de estudos moleculares recentes indicam que novos filotipos bacterianos podem participar em infecções endodônticas primárias. Por exemplo, os filotipos orais de Synergistes, especificamente denominados de clones BA121, E3_33, BH017 e W090, têm sido comumente detectados em amostras de infecções primárias sintomáticas e assintomáticas170,231,240,246. A grande maioria das espécies do filo Synergistes não é cultivável, sendo identificadas apenas por métodos moleculares, o que explica o fato de essas bactérias nunca terem sido relatadas como possíveis patógenos endodônticos. Da mesma forma, o clone I025 do filo TM7, o qual não possui qualquer representante cultivável, foi encontrado em infecções endodônticas primárias170,240. Resultados de estudos analisando bibliotecas de clones do gene 16S rRNA também evidenciaram a presença de filotipos não cultiváveis dos gêneros Dialister, Prevotella, Solobacterium, Olsenella, Eubacterium, Megasphaera, Selenomonas, Veillonella e Cytophaga, além de filotipos relacionados com a família Lachnospiraceae e com o filo Bacteroidetes135,172,182,189-191,306. Em um estudo em associação com pesquisadores japoneses190 encontramos filotipos não cultiváveis entre as bactérias mais prevalentes em infecções primárias, incluindo Lachnospiraceae clone oral 55A-34, Megasphaera clone oral CS025 e Veillonella clone oral BP1-85. Dois filotipos – Bacteroidetes clone oral X083 e Dialister clone oral BS016 – foram detectados apenas em casos assintomáticos, enquanto Prevotella clone oral PUS9.180,
Microbiologia Endodôntica
Eubacterium clone oral BP1-89 e Lachnospiraceae clone oral MCE7_60 estiveram presentes exclusivamente em casos sintomáticos (abscessos)190. Detecção de filotipos não cultiváveis em amostras de infecções endodônticas indica que são bactérias previamente desconhecidas que podem estar participando da etiologia das lesões perirradiculares. Dos filotipos ainda não cultiváveis encontrados em infecções endodônticas destacam-se o Bacteroidetes clone X083 e o Synergistes clone BA121, os quais podem ser bastante prevalentes em infecções endodônticas primárias172,240.
Influência geográfica Achados de laboratórios em diferentes países usualmente diferem muito quanto à prevalência de determinadas espécies em infecções endodônticas12, isto é, espécies muito prevalentes em um país podem ser pouco encontradas ou mesmo ausentes em amostras de um outro. Embora essas diferenças possam ser atribuídas a variações nas técnicas de identificação usadas nos diferentes laboratórios, uma influência geográfica na composição da microbiota pode explicar tais discrepâncias. Iniciativas de nosso grupo em associação com outros grupos dos Estados Unidos, Coréia do Sul e Noruega utilizaram diversos métodos moleculares para compa-
127
rar diretamente a microbiota endodôntica de pacientes residindo em localidades diferentes. Nossos resultados sugerem que há realmente diferenças na prevalência de importantes patógenos endodônticos putativos14,167,215 (Figs. 4-33 e 4-34). Análises do perfil das comunidades bacterianas em amostras de abscessos perirradiculares agudos de pacientes do Brasil e dos Estados Unidos também revelaram um padrão relacionado com a posição geográfica, com várias espécies sendo exclusivas de uma localidade e outras mostrando grandes diferenças de prevalência119. Resultados similares foram observados quando amostras de canais associados a lesões crônicas de pacientes brasileiros e noruegueses foram comparadas264. Os fatores que podem levar a tais diferenças na composição da microbiota endodôntica e o impacto dessas diferenças no tratamento, principalmente em casos de abscessos que requeiram antibioticoterapia sistêmica, necessitam ser elucidados.
Outros micro-organismos em infecções endodônticas a) Fungos Fungos são micro-organismos eucariotas que podem ser encontrados em duas formas básicas: os bolores (fungos filamentosos multicelulares que consistem
Figura 4-33. Prevalência de diferentes espécies em amostras de abscesso perirradicular agudo do Brasil e dos Estados Unidos. Dados de Baumgartner et al.14 e Rôças et al.167.
128
Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Figura 4-34. Prevalência de diferentes espécies em infecções endodônticas primárias de pacientes brasileiros e sul-coreanos. Dados de Siqueira et al.215.
de túbulos cilíndricos ramificados) e leveduras (fungos unicelulares com células assumindo uma forma ovalada ou esférica). Embora fungos sejam membros da microbiota oral, em particular espécies de Candida, eles são apenas ocasionalmente encontrados em infecções primárias46,103,130,252. Contudo, um estudo molecular16 relatou a ocorrência de C. albicans em 21% das amostras de canais com infecção primária.
b) Archaea (arqueias) O domínio Archaea representa um dos três domínios evolucionários de vida no planeta, sendo distintas filogeneticamente dos outros dois domínios, Bacteria e Eucarya. Arqueias são procariotas, mas bastante diferentes de bactérias. Membros desse domínio foram tradicionalmente considerados como extremófilos, isto é, capazes de sobreviver somente em condições ambientais extremas, onde nenhum outro membro dos demais domínios poderia se estabelecer. Todavia, recentemente algumas arqueias têm sido encontradas em ambientes não extremos, como o corpo humano, embora nenhum patógeno tenha sido ainda reconhecido. Arqueias metanogênicas têm sido encontradas na placa subgengival associada à doença periodontal106. Embora um estudo não tenha encontrado arqueias em canais com polpas necrosadas245, outro estudo detectou arqueias metanogênicas em 25% dos canais de dentes com lesões perirradiculares crônicas303. A diversidade de arqueias foi restrita a um filotipo semelhante a Methanobrevibacter oralis, e a proporção da população de arqueias correspondeu a até 2,5% do total de bactérias
e arqueias na comunidade. Um outro estudo confirmou que esse filotipo relacionado com a Methanobrevibacter oralis pode ser encontrado em infecções primárias306.
c) Vírus Vírus não são células, mas partículas estruturalmente compostas de uma molécula de ácido nucleico (DNA ou RNA) e uma cobertura proteica. Vírus são inanimados, não replicam por si sós e são parasitas intracelulares obrigatórios que necessitam infectar células vivas. Quando eles infectam uma célula, a molécula de ácido nucleico viral tem a capacidade de direcionar a replicação completa do vírus e assume o controle das atividades metabólicas da célula hospedeira. Uma vez que os vírus requerem células vivas para infectar e usar a maquinaria celular para replicar o genoma viral, eles não conseguem se estabelecer em canais radiculares contendo polpa necrosada. A presença de vírus no canal só foi relatada em casos de polpas vitais não inflamadas de pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana adquirida (HIV)63. Por outro lado, herpesvírus têm sido detectados em lesões perirradiculares onde células vivas podem ser encontradas em abundância. Os herpesvírus consistem em uma molécula dupla-fita de DNA inserida em um envelope viral. Oito herpesvírus humanos são atualmente identificados: vírus herpes simplex 1 e 2, vírus Varicella-Zoster, vírus Epstein-Barr (EBV), citomegalovírus (HCMV), herpesvírus 6, herpesvírus 7 e herpesvírus 8 (vírus do sarcoma de Kaposi)281. Evidências acumuladas nos últimos anos relatam o envolvimento de HCMV e
Microbiologia Endodôntica
EBV na etiologia das doenças periodontais29,90,101,155,272. Mais recentemente, estudos usando métodos moleculares183-186,273 e imuno-histoquímica187,188 têm detectado herpesvírus em amostras de lesões perirradiculares, e um papel na patogênese dessas doenças tem sido proposto. HCMV e EBV poderiam participar da etiologia das lesões perirradiculares por ação direta da infecção e replicação viral, induzindo a liberação de citocinas e outros mediadores inflamatórios, por ação citotóxica direta na célula infectada ou por reduzir as defesas locais do hospedeiro, favorecendo a proliferação de bactérias na porção mais apical do canal radicular127,273,310 (Fig. 4-35A). Transcritos de HCMV e EBV foram encontrados em alta prevalência em associação com sintomas184,186 (Fig. 4-35B), em lesões com alta ocorrência de bactérias anaeróbias185 e em casos de extensa destruição óssea
A
129
perirradicular185,186. Pacientes HIV-positivo são mais suscetíveis à coinfecção da lesão perirradicular com herpervírus187 (Fig. 4-36).
Infecções sintomáticas Infecções sintomáticas são tipicamente caracterizadas pela presença de uma periodontite apical aguda ou de um abscesso perirradicular agudo. Tem sido sugerido que algumas bactérias anaeróbias gram-negativas podem estar relacionadas com o desenvolvimento de lesões sintomáticas67,69,176,190,286,301,320. Entretanto, vários estudos têm relatado frequências similares das mesmas espécies em casos sintomáticos e assintomáticos15,57,74,88,258,259. Assim, outros fatores além da mera presença de uma espécie potencialmente patogênica
B
Figura 4-35. Ocorrência de herpesvírus associado a lesões perirradiculares sintomáticas. Dados de Sabeti et al.184.
A
B
Figura 4-36. Herpesvírus em lesões perirradiculares. A e B. Análise imuno-histoquímica revelando células infectadas por citomegalovírus (HCMV) em lesão perirradicular. (Reproduzida de Saboia-Dantas et al.187 com a permissão da editora.)
130
Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
podem influenciar o desenvolvimento de dor. Esses fatores incluem205,212: a) Presença de tipos clonais virulentos. Tipos clonais de uma determinada espécie patogênica podem divergir em relação à propriedade de virulência5,53,70,137,151. Uma doença atribuída a um patógeno é na verdade causada pelos tipos clonais virulentos daquela espécie. Destarte, a presença de tipos clonais mais virulentos de uma determinada espécie no canal pode ser um fator predisponente para dor. b) Interações bacterianas aditivas ou sinérgicas. A maioria dos candidatos a patógenos endodônticos apenas apresenta virulência ou é significativamente mais virulenta quando em associação com outras espécies10,51,95,218,289,319. Isso ocorre devido a interações aditivas (resultado final igual à soma da virulência das espécies) ou sinérgicas (resultado final superior à soma da virulência das espécies). É inteiramente plausível que casos sintomáticos abriguem combinações bacterianas mais virulentas. c) Número de células bacterianas. A “carga” bacteriana é bem estabelecida como um fator relevante para a indução de doença. Casos sintomáticos podem apresentar um maior número de células bacterianas quando comparados a casos assintomáticos. d) Sinais do microambiente. Um tipo clonal virulento de uma determinada espécie patogênica nem sempre expressa seus fatores de virulência durante o ciclo de vida. O microambiente exerce um papel importante nesse aspecto, pois pode fazer com que genes de virulência sejam “ligados” ou “desligados”8,54,99,315, o que representa uma parte crucial de adaptação de bactérias ao ambiente, permitindo o estabelecimento, crescimento e sobrevivência55. Bactérias podem sentir o ambiente e então responder pela expressão de determinados genes que irão permitir a adaptação naquele ambiente. Estudos revelam que sinais do microambiente influenciam a expressão de genes e proteínas de vários patógenos orais (e endodônticos), incluindo P. gingivalis, F. nucleatum, P. intermedia e treponemas59,93,94,321,323. Se as condições microambientais no canal forem favoráveis à expressão de genes de virulência, essa pode ser aumentada e levar à indução de sintomas. e) Resistência do hospedeiro. É sobejamente conhecido que diferentes indivíduos apresentam também diferentes padrões de resistência a infecções e tais padrões podem variar mesmo durante a vida de um determinado indivíduo126. Teoricamente, indivíduos com reduzida resistência podem ser mais propensos a desenvolver dor.
f) Infecção concomitante por herpesvírus. Conforme já aclarado, esse fator pode estar associado à reduzida resistência do hospedeiro. Infecções por HCMV e EBV foram significativamente associadas a quadros de dor184, sugerindo que esses vírus podem iniciar ou contribuir para a ocorrência de sintomas273. As alterações na microbiota durante a transição de um quadro assintomático para sintomático não foram ainda completamente elucidadas. Estudos transversais sugerem que uma sucessão bacteriana realmente ocorre entre esses dois estágios256. Há a possibilidade de que, em um determinado momento durante o processo infeccioso, a microbiota atinja um grau de patogenicidade que evoque uma resposta inflamatória aguda nos tecidos perirradiculares com consequente desenvolvimento de dor, acompanhada ou não de tumefação. A estrutura das comunidades bacterianas em canais associados a sintomas é significativamente diferente em comparação a casos assintomáticos256. Tais diferenças são principalmente representadas por diferentes espécies dominantes nas comunidades e por um maior número de espécies em casos sintomáticos. Destarte, uma modificação na estrutura da comunidade bacteriana provavelmente antecede o aparecimento de sintomas. Tal modificação pode ser decorrente da chegada de novas espécies no local ou consequência de variações e rearranjos na composição dos membros da comunidade mista colonizando o canal. Diferenças no tipo e carga das espécies dominantes, bem como as interações resultantes, podem ser responsáveis por diferenças no grau de patogenicidade da comunidade como um todo. Esses dados confirmam que não há um patógeno-chave envolvido no aparecimento de sintomas. Na verdade, junto com os demais fatores já citados, a ocorrência de certas combinações bacterianas pode ser um fator decisivo na indução de dor.
REQUISITOS PARA SE DEFINIR UM PATÓGENO ENDODÔNTICO Os seguintes requisitos são necessários para um determinado micro-organismo (ou uma comunidade de micro-organismos) conseguir se estabelecer no canal e participar da patogênese da doença perirradicular205: 1. O micro-organismo (ou a comunidade microbiana) deve atingir número suficiente para induzir e manter uma lesão perirradicular.
Microbiologia Endodôntica
2. O micro-organismo (ou a comunidade) deve possuir um conjunto de fatores de virulência que devem ser expressos durante a infecção do canal radicular. 3. O micro-organismo (ou a comunidade) deve estar espacialmente localizado no sistema de canais radiculares de forma que seus fatores de virulência possam ter acesso aos tecidos perirradiculares. 4. O microambiente endodôntico deve permitir a sobrevivência e o crescimento do micro-organismo (ou da comunidade) e prover sinais que estimulem a expressão de genes de virulência. 5. Micro-organismos inibidores devem estar ausentes ou presentes em baixos números no microambiente endodôntico. 6. O hospedeiro deve montar uma estratégia de defesa nos tecidos perirradiculares, a qual o protege da disseminação da infecção, mas ao mesmo tempo é o principal responsável pelo dano tecidual associado a uma lesão perirradicular.
INFECÇÃO INTRARRADICULAR SECUNDÁRIA/PERSISTENTE Além de causarem outros problemas na clínica endodôntica diuturna, infecções persistentes ou secundárias são os principais agentes etiológicos do fracasso da terapia endodôntica, caracterizado pela manutenção ou aparecimento de uma lesão perirradicular póstratamento166. Essa afirmativa tem o suporte de dois fortes argumentos baseados em evidências: 1o) Há um risco aumentado de fracasso do tratamento se bactérias são encontradas no canal no momento da obturação (culturas positivas)48,49,79,129,150,267,287,307,322. o 2 ) Praticamente todos os casos de fracasso abrigam uma infecção intrarradicular2,108,110,162,168,169,192,235,287. Baseados nesses argumentos, estudos têm objetivado identificar micro-organismos presentes no canal no momento da obturação, os quais têm o potential de colocar o tratamento em risco, e micro-organismos em canais já tratados e apresentando lesões perirradiculares, os quais podem ser os causadores do fracasso do tratamento.
Bactérias presentes no momento da obturação – fracasso em potencial Mesmo quando bem realizado, o tratamento pode fracassar em promover a total eliminação bacteriana dos canais radiculares. Bactérias encontradas no ca-
131
nal após o preparo químico-mecânico ou a medicação intracanal podem ter sido resistentes ou inacessíveis aos procedimentos intracanais de desinfecção225. De qualquer forma, o número de células e espécies bacterianas no canal é significativamente reduzido após tratamento. Amostras de canais radiculares positivas para o crescimento bacteriano após preparo químicomecânico seguido ou não de medicação intracanal podem abrigar uma média de uma a cinco espécies. Nesses casos, o número de células pode variar entre 102 e 105 por canal21,191,219,220,267,304. Nenhuma espécie em especial tem sido reconhecida como persistente aos procedimentos intracanais. Bactérias gram-negativas, que são muito comuns no canal infectado não tratado, são usualmente eliminadas após o preparo seguido ou não da medicação. Exceções talvez incluam alguns bacilos anaeróbios, como F. nucleatum, Prevotella spp. e C. rectus, que têm sido encontrados em amostras pósinstrumentação21,68,160,191,265,267. Todavia, a grande maioria dos estudos revela que bactérias gram-positivas são as mais frequentemente encontradas. Bactérias gram-positivas anaeróbias estritas ou facultativas que têm sido isoladas ou detectadas em amostras colhidas pós-tratamento incluem estreptococos (S. mitis, S. gordonii, S. anginosus, S. sanguinis e S. oralis), P. micra, Actinomyces spp. (A. israelii e A. odontolyticus), Propionibacterium spp. (P. acnes e P. propionicum), P. alactolyticus, lactobacilus (Lactobacillus paracasei e Lactobacillus acidophilus), E. faecalis e O. uli21,22,24,68,158,160,191,214,219,220,267. Tais achados sugerem que gram-positivos podem ser mais resistentes ao tratamento antimicrobiano e também mais capazes de se adaptarem às condições ambientais bastante desfavoráveis em um canal instrumentado (e medicado). Um estudo molecular realizado pelo nosso grupo em associação com um grupo japonês revelou que 42% das bactérias encontradas em amostras pós-instrumentação ou pós-medicação não são cultiváveis191. Para que bactérias remanescentes no canal após o tratamento causem o fracasso, elas devem225: a) se adaptar ao microambiente drasticamente modificado pelos procedimentos de tratamento, adquirindo nutrientes e resistindo aos efeitos antimicrobianos dos materiais obturadores; b) alcançar números críticos e exibir atributos de virulência suficientes para manter ou induzir a inflamação perirradicular; c) ter acesso irrestrito aos tecidos perirradiculares para exercer a patogenicidade. A necessidade de preencher tais requisitos ajuda a explicar o porquê de algumas lesões perirradiculares
132
Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
A
B
Figura 4-37. Enterococcus faecalis. A. Colônias crescidas sobre a superfície de meio ágar Mitis-Salivarius. B. Formando um biofilme sobre as paredes dentinárias do canal radicular.
se repararem mesmo quando bactérias são encontradas no canal no momento da obturação49,267. Contudo, o fato de que há um risco aumentado de fracasso quando o canal é obturado na presença de bactérias48,49,79,129,150,267,287,307,322 indica que, em muitos casos, bactérias residuais conseguem preencher os requisitos supramencionados, sobrevivendo e proliferando no canal obturado e mantendo a lesão perirradicular.
Figura 4-38. Prevalência de diferentes espécies em amostras de fracasso endodôntico de pacientes brasileiros e sul-coreanos. Notar que Enterococcus faecalis foi o mais prevalente, a despeito da localização geográfica. Dados de Rôças et al.169 e Siqueira e Rôças235.
Microbiota em dentes com canal tratado – fracasso estabelecido A microbiota de canais tratados associados à patologia perirradicular persistente também apresenta reduzida diversidade quando comparada à infecção primária. Canais tratados de forma aparentemente adequada podem abrigar uma a cinco espécies, enquanto canais com tratamento inadequado podem apresentar até cerca de 30 espécies, o que é bastante similar a casos de infecção primária162,174,235,287 (Fig. 4-24). O número de células bacterianas pode variar entre 103 e 107 em canais tratados17,158,197. Independentemente do método de identificação bacteriana utilizado, E. faecalis tem sido a espécie mais prevalente em dentes com canal tratado, atingindo frequências de até 90% dos casos128,162,168,169,177,197,235,287,324 (Figs. 4-37 e 4-38) (Quadro 4-2). E. faecalis é nove vezes mais comum em canais tratados do que em infecções primárias177, o que sugere que essa espécie pode ser inibida por outros membros da comunidade microbiana mista comumente encontrada em infecções primárias e que as condições ambientais áridas em um canal tratado não impedem sua sobrevivência. O fato de E. faecalis ser a espécie mais comumente encontrada em canais tratados e a sua capacidade de sobreviver em condições ambientais desfavoráveis fizeram com que muitos autores o apontassem como o principal patógeno envolvido no fracasso do tratamento. Em decorrência, uma avalanche de artigos foi publicada tendo como foco essa espécie277. Contudo, dados de estudos recentes realizados em laboratórios diferentes têm de alguma forma questionado o papel do E. faecalis como principal espécie envolvida
Microbiologia Endodôntica
133
Quadro 4-2 Dados de estudos avaliando a microbiota de casos de fracasso do tratamento endodôntico Estudo Método de identificação
Amostras positivas para a presença de micro-organismos
Enterococcus faecalis
Engström, 1964
Cultura
21/54 (39%)
5/21 (24%)
–
Möller, 1966
Cultura
31/54 (57%)
9/31 (29%)
1/31 (3%)
Sundqvist et al. , 1998
Cultura
24/54 (44%)
9/24 (38%)
2/24 (8%)
Molander et al., 1998
Cultura
68/100 (68%)
32/68 (47%)
3/68 (4%)
Peciuliene et al., 2000
Cultura
20/25 (80%)
14/20 (70%)
–
Peciuliene et al., 2001
Cultura
33/40 (83%)
21/33 (64%)
6/33 (18%)
Hancock III et al., 2001
Cultura
34/54 (63%)
10/33 (30%)
1/34 (3%)
Cheung & Ho, 2001
Cultura
12/18 (67%)
0/12 (0%)
2 (17%)
Rolph et al., 2001
PCR
10/11 (91%)
0/5 (0%)
–
Pinheiro et al., 2003
Cultura
51/60 (85%)
27/51 (53%)
2/51 (4%)
Siqueira & Rôças, 2004
PCR
22/22 (100%)
17/22 (77%)
2/22 (9%)
Rôças et al., 2004
PCR
30/30 (100%)
20/30 (67%)
–
Rôças et al., 2004
PCR
14/14 (100%)
9/14 (64%)
0/14 (0%)
Kaufman et al., 2005
PCR
35/36 (97%)
2/36 (6%)
–
Zoletti et al., 2006
PCR
23/23 (100%)
18/23 (78%)
–
Sedgley et al., 2006
Cultura
27/48 (56%)
4/48 (8%)
–
Sedgley et al., 2006
PCR
48/48 (100%)
43/48 (90%)
–
Schirrmeister et al., 2007
PCR
13/20 (65%)
4/13 (31%)
–
Gomes et al., 2008
PCR
39/45 (87%)
35/45 (78%)
–
no fracasso. Enquanto um estudo nem mesmo detectou E. faecalis em casos de fracasso182, outros demonstraram que essa espécie, quando presente, não era a dominante168,174,192. Estudos também mostraram que o E. faecalis não é mais prevalente em canais tratados de dentes com lesão em comparação a dentes sem lesão91,324. Todos esses achados aparentemente questionam o status do E. faecalis como a mais importante espécie causadora do fracasso. Todavia, outros fatores relacionados ainda necessitam ser considerados antes que tal questionamento se transforme em certeza324. Outros micro-organismos encontrados em canais tratados associados à lesão perirradicular incluem estreptococos, C. albicans e algumas espécies bacterianas anaeróbias estritas – P. alactolyticus, P. propionicum, F. alocis, D. pneumosintes e D. invisus128,162,174,235,240,287 (Quadro 4-3). Bactérias não cultiváveis correspondem a 55% das bactérias encontradas em canais tratados192. Dessas, Bacteroidetes clone oral X083 tem sido bastante prevalente192. Na verdade, a estrutura das comunidades bacterianas em casos de fracasso pode variar de indivíduo para indivíduo, sugerindo que combinações
Fungos
bacterianas distintas podem participar na etiologia do fracasso endodôntico174.
INFECÇÕES EXTRARRADICULARES Lesões perirradiculares são formadas em resposta à infecção intrarradicular e, de um modo geral, representam uma barreira eficaz contra a disseminação da infecção para o osso alveolar e outras regiões do corpo. Na maioria das situações, as lesões perirradiculares conseguem prevenir o acesso de micro-organismos aos tecidos perirradiculares. Entretanto, em circunstâncias específicas, micro-organismos podem superar essa barreira e estabelecer uma infecção extrarradicular. A forma mais comum de infecção extrarradicular é o abscesso perirradicular agudo, caracterizado por inflamação purulenta nos tecidos perirradiculares em resposta à saída maciça de bactérias virulentas pelo forame apical. Há, entretanto, uma outra forma de infecção extrarradicular que, ao contrário do abscesso, é usualmente caracterizada pela ausência de sintomas. Essa condição consiste no estabelecimento de micro-organismos nos
134
Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
Quadro 4-3 Micro-organismos detectados em casos de fracasso do tratamento endodôntico. Dados de estudos usando métodos sofisticados de Biologia Molecular, de acordo com Siqueira & Rôças235,240 Espécie microbiana
Prevalência (%)
Enterococcus faecalis
77
Pseudoramibacter alactolyticus
55
Propionibacterium propionicum
50
Filifactor alocis
48
Dialister pneumosintes
46
Streptococcus spp.
23
Tannerella forsythia
23
Dialister invisus
14
Campylobacter rectus
14
Porphyromonas gingivalis
14
Treponema denticola
14
Fusobacterium nucleatum
10
Prevotella intermedia
10
Candida albicans
9
Campylobacter gracilis
5
Actinomyces radicidentis
5
Porphyromonas endodontalis
5
Parvimonas micra
5
Synergistes oral clone BA121
5
Olsenella uli
5
tecidos perirradiculares aderidos à superfície radicular externa e formando biofilmes146,297 ou formando colônias coesas no interior do corpo da lesão inflamatória143. A infecção extrarradicular tem sido considerada como uma das causas de fracasso do tratamento endodôntico, mesmo quando foi bem executado299. A infecção extrarradicular pode ser dependente ou independente da intrarradicular207. Por exemplo, a presença de fístula usualmente indica a ocorrência extrarradicular de bactérias (Fig. 4-39). O fato de que a maioria das fístulas fecha após tratamento endodôntico adequado sugere a ocorrência de uma infecção extrarradicular dependente da intrarradicular. Além disso, o abscesso perirradicular agudo é geralmente dependente da infecção intrarradicular, e uma vez que a infecção intrarradicular é devidamente controlada pelo tratamento endodôntico ou pela extração dentária e a drenagem de pus é obtida, a infecção extrarradicular é então combatida pelas defesas do hospedeiro, sendo usualmente eliminada. Todavia, deve-se ter em mente que, em alguns casos mais raros, bactérias que participaram de um abscesso podem persistir nos tecidos perirradi-
A
B
C
Figura 4-39. Casos apresentando fístula geralmente estão associados à cronificação de abscessos agudos e infecção extrarradicular. A. Intraoral. B e C. Extraoral, tendo como origem um molar inferior. (Gentileza do Dr. Fábio Ramoa Pires.)
Microbiologia Endodôntica
culares após a resolução da fase aguda e estabelecer uma infecção extrarradicular associada à inflamação crônica. Isso caracterizaria um exemplo de infecção extrarradicular independente da intrarradicular. Exceto pela actinomicose perirradicular e casos com fístula, há ainda controvérsias se lesões perirradiculares crônicas podem abrigar bactérias por muito tempo além da invasão tecidual inicial. Estudos de cultura282,298,312 e de métodos moleculares61,283,284 relataram a ocorrência extrarradicular de uma microbiota complexa associada a lesões que não responderam favoravelmente ao tratamento. Bactérias anaeróbias foram as predominantes em várias dessas lesões282,284. Uma vez que esses estudos não avaliaram as condições bacteriológicas da porção mais apical do canal radicular associado a essas lesões, torna-se impossível determinar se as infecções extrarradiculares eram dependentes ou independentes da intrarradicular. A presença de colônias bacterianas fora do canal usualmente caracteriza uma delimitação entre a infecção intrarradicular e os tecidos perirradiculares inflamados (Fig. 4-40). Mesmo assim, a presença dessas bactérias no espaço extrarradicular pode caracterizar uma infecção, a qual é, contudo, dependente de uma infecção intrarradicular no sentido de que, se essa for controlada de forma eficaz, a infecção extrarradicular pode ser combatida e eliminada pelas defesas do hospedeiro. Na verdade, a maioria dos micro-organismos orais tem comportamento de patógenos oportunistas
135
e apenas poucas espécies têm a capacidade de desafiar e superar as defesas do hospedeiro, adquirir nutrientes e prosperar nos tecidos perirradiculares inflamados, estabelecendo então uma infecção extrarradicular. Das várias espécies que têm sido detectadas em lesões refratárias ao tratamento endodôntico, algumas são dotadas de um conjunto de fatores de virulência que pelo menos teoricamente pode possibilitar que invadam e sobrevivam em ambientes hostis (como os tecidos inflamados). Por exemplo, é atualmente reconhecido que espécies de Actinomyces e P. propionicum podem participar de infecções extrarradiculares e causar uma entidade patológica denominada actinomicose perirradicular76,207,270 (Fig. 4-41). Alguns patógenos putativos, como Treponema spp., P. endodontalis, P. gingivalis, T. forsythia, Prevotella spp. e F. nucleatum, também têm sido encontrados em lesões perirradiculares crônicas por estudos usando cultura, métodos moleculares ou métodos imunológicos7,61,269,284,298. A maioria dessas espécies possui um grupo de fatores de virulência que as permite evitar ou superar as defesas do hospedeiro nos tecidos perirradiculares18,50,81,302. A incidência de infecções extrarradiculares em dentes sem tratamento endodôntico é consideravelmente baixa141,217, o que é compatível com o alto índice de sucesso do tratamento endodôntico convencional268. Mesmo em dentes com canal tratado e apresentando lesão perirradicular pós-tratamento, para os quais uma maior incidência de infecção extrarradicular tem sido
Figura 4-40. A fronteira entre a infecção endodôntica e as defesas do hospedeiro pode estar dentro do canal, no limite do forame apical ou já no ambiente extrarradicular.
136
Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
é possível inferir que muitas das infecções extrarradiculares observadas em dentes com canal tratado na verdade eram mantidas (dependentes) por uma infecção intrarradicular. Bactérias alcançam os tecidos perirradiculares e estabelecem uma infecção extrarradicular da seguinte forma208: a) quando do avanço direto de algumas espécies que superam as defesas do hospedeiro concentradas próximo ao forame apical ou que conseguem invadir a cavidade de cistos em bolsa, a qual está em comunicação direta com o forame apical (Figs. 4-42 e 4-43);
A
B
Figura 4-42. Agregado bacteriano conhecido como “espiga de milho” em uma área de infecção extrarradicular. Tal formação consiste da coagregação entre uma bactéria filamentosa e vários cocos. (Reproduzida de Siqueira e Lopes217 com a permissão da editora.)
C
Figura 4-41A. Actinomicose perirradicular. B e C. Maiores aumentos da colônia actinomicótica, mostrando a aparência de “fungo raiado”. (Gentileza do Dr. Fábio Ramoa Pires.)
relatada, o elevado índice de sucesso após retratamento268 indica que a principal causa do fracasso é uma infecção intrarradicular persistente ou secundária. Isso tem sido confirmado por inúmeros estudos que investigaram as condições microbiológicas de casos de fracasso128,162,174,235,287. Com base nesses argumentos,
Figura 4-43. Colônia bacteriana circundada por células de defesa no interior da cavidade de um cisto em bolsa persistente após o tratamento endodôntico.
Microbiologia Endodôntica
Figura 4-44. Extrusão apical de detritos dentinários contaminados durante a instrumentação pode ser uma das causas de infecção extrarradicular.
b) quando da persistência bacteriana em uma lesão após a remissão de um abscesso; c) quando detritos contaminados são extruídos durante o preparo químico-mecânico (geralmente após sobreinstrumentação) (Fig. 4-44), tais detritos podem fisicamente proteger bactérias contra as defesas do hospedeiro e assim persistir nos tecidos perirradiculares, gerando ou mantendo inflamação. Nesses casos, a virulência e a quantidade das bactérias envolvidas bem como a resistência do hospedeiro são fatores decisivos no que se refere ao desenvolvimento de uma infecção extrarradicular.
BACTEREMIA E INFECÇÃO FOCAL Em 1900, William Hunter84 escreveu: “... quanto mais eu estudo a sepsia oral como causa de doenças médicas, mais impressionado eu fico com sua importância e com a extraordinária negligência com a qual ela é tratada por médicos e cirurgiões.(...) Eu confesso que é urgente, para o bem daqueles acometidos por gastrite, bem como para aqueles sofrendo de infecções piogênicas gerais, que algumas providências sejam tomadas com relação à boca – o canal principal de acesso, em minha opinião, de todas as infecções piogênicas.” A despeito dos relatos anedóticos referentes a pacientes que foram curados de problemas médicos após a extração dentária, a teoria da infecção focal tem permanecido controversa em razão da ausência de evidências inquestionáveis sobre a relação causal entre infecções orais e outras condições médicas. Em
137
reação aos relatos de Hunter84,85, um médico que no início do século XX publicou artigos que atribuíam a culpa de várias doenças sistêmicas às infecções orais, a Odontologia por muitos anos descartou a hipótese da infecção focal, exceto para os pacientes com risco de desenvolver endocardite infecciosa e aqueles imunocomprometidos. Todavia, um interesse renovado por esse assunto tem surgido nos últimos anos39,107,136. Relatos recentes de estudos epidemiológicos têm apresentado a tendência de mudar o paradigma a favor da aceitação da teoria da infecção focal123,290. Uma vez mais, a despeito do dano criado à Odontologia pelo legado de Hunter, o conceito de infecção focal está batendo em nossas portas. Felizmente, dessa vez, ele pode ser mais bem avaliado e discutido sobre bases científicas sólidas. Achados referentes a estudos epidemiológicos apenas podem detectar relação entre dois fatos, mas são insuficientes para estabelecer uma relação causal271. O fato de que duas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo não necessariamente indica uma relação de causa e efeito. Outrossim, nenhum estudo bem controlado e reprodutível tem substanciado a teoria da infecção focal. O estabelecimento de um elo entre uma doença oral e doenças em outras partes do corpo depende de alguns fatores mais importantes. Talvez um dos mais relevantes seja determinar se o micro-organismo associado à doença em outra região do corpo seja o mesmo micro-organismo oral suspeito. Ser o mesmo inclui não apenas a espécie, mas também o biotipo, o sorotipo e/ou o genotipo. Além disso, o início da doença médica deve ser subsequente ao início da infecção oral. Nos casos em que um procedimento odontológico é suspeito de causar bacteremia, o início da doença médica deveria se dar dentro do período de incubação153. Nenhum estudo demonstrou até o momento que bacteremias espontaneamente ocorrem em casos de canais infectados associados a uma lesão perirradicular crônica. Por outro lado, bacteremias podem ocorrer em casos de abscesso perirradicular agudo e durante a manipulação de canais radiculares infectados36,39,78. Embora tenha sido demonstrado que as espécies presentes no sangue de pacientes submetidos ao tratamento endodôntico são as mesmas de seus respectivos canais35-38, tais achados apenas significam que a terapia endodôntica causa bacteremia, mas não necessariamente que os micro-organismos envolvidos irão causar danos em partes remotas do corpo. Deve-se ter em mente que bacteremias podem naturalmente ocorrer como resultado de atividades diá-
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
rias normais, como durante a escovação dos dentes e a mastigação. Alguns indivíduos podem gerar bacteremia 90 horas por mês devido a atividades normais72. Mais importante do que a bacteremia per se, é a virulência e o número dos micro-organismos que obtêm acesso à corrente sanguínea, a duração da bacteremia e fatores predisponentes do hospedeiro. Bacteremias são usualmente transitórias, não durando mais que 10 a 30 minutos6,78,111,163,164. Além disso, a quantidade de células bacterianas lançadas na corrente sanguínea após uma intervenção odontológica atinge usualmente 1 a 10 unidades formadoras de colônias (UFCs) por mL de sangue, enquanto a quantidade necessária para causar endocardite experimental em animais seria muito maior, isto é, de 103 a 109 por mL de sangue152. Dentistas foram e têm sido muitas vezes acusados de induzir infecções metastáticas devido à bacteremia gerada por procedimentos odontológicos, mas eles são raramente culpados. Todavia, na ausência de evidências definitivas com relação aos efeitos da bacteremia em indivíduos medicamente comprometidos, um consenso empírico indica que a profilaxia antibiótica deveria ser administrada em tais pacientes, mormente naqueles com risco de desenvolver endocardite bacteriana. Além disso, pacientes imunossuprimidos, indivíduos sofrendo hemodiálise e pacientes com próteses ortopédicas podem ter algum benefício ao receber profilaxia antibiótica, embora não existam evidências claras a esse respeito. Excluindo esses raros exemplos nos quais há um risco não comprovado, mas potencial de ocorrer complicações decorrentes de bacteremia, a infecção focal é um fenômeno improvável em pacientes saudáveis. Entretanto, um fator importante que deve ser elucidado é o quanto uma lesão perirradicular persistente (inflamação em resposta à infecção) pode contribuir para o estado geral do paciente. Há uma crescente preocupação no sentido de que uma inflamação de longa duração, mesmo que localizada, possa afetar a saúde geral do paciente316. Enquanto esse fator não for elucidado de forma convincente, os dentistas devem resistir à tentação de não tratar ou retratar os canais de dentes com lesões perirradiculares pelo mero fato de elas estarem assintomáticas.
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Capítulo 4 Microbiologia Endodôntica
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Capítulo
5
Diagnóstico em Endodontia
Parte 1 Diagnóstico e seleção de casos Wantuil Rodrigues Araujo Filho • Marcelo Sendra Cabreira • Wanderson Miguel Maia Chiesa A técnica de diagnóstico exige uma abordagem sistemática do paciente, incluindo anamnese, exame físico e exames complementares. A interpretação e o cruzamento dos sinais e sintomas colhidos em casa em uma das três etapas permitirão o fechamento do diagnóstico com a consequente elaboração do plano de tratamento. Diagnóstico é, portanto, conhecimento, lógica e raciocínio. A anamnese constitui-se no primeiro passo para o estabelecimento do diagnóstico. Por meio dela, ouve-se o paciente. Inicia-se pela queixa principal, seguida pela história da doença atual que se amplia para a história médica pregressa, a qual pode modificar, adiar ou mesmo inviabilizar o atendimento em nível ambulatorial, na dependência do estado médico do paciente.
EXAME FÍSICO DO PACIENTE Na busca de uma otimização do atendimento ao paciente, além de se objetivar uma visão mais humanista e menos tecnicista, propomos uma classificação calcada em conceitos semelhantes encontrados em tra-
tados de medicina e psicologia e na própria vivência clínica dos autores. Classificamos o comportamento dos pacientes frente a uma condição odontológica em três grupos principais: o paciente colaborador, o paciente refratário e o paciente simulador.
Paciente colaborador Nesse tipo de paciente podemos estabelecer o diagnóstico com mais facilidade. Ele responde de forma equilibrada e confiante às perguntas formuladas, bem como aos testes e manobras que veremos adiante. Ele demonstra estar psicologicamente compensado, mesmo às vezes acometido de uma dor importante. A sua atitude será decisiva para a rapidez do diagnóstico e também para o sucesso da terapêutica a ser instituída, porque ele se entrega às mãos do profissional, disposto a ser submetido ao tratamento e a seguir as prescrições necessárias.
Paciente refratário É aquele em que há grande dificuldade em se colherem as informações adequadas pela falta de colabo-
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
ração. Diversos fatores levam a esse tipo de comportamento, desde os casos de uma leve inibição, passando pelo grupo dos pacientes portadores de necessidades especiais, com problemas sensitivos ou motores, existindo, ainda, duas razões principais para que o paciente refratário se comporte como tal. A primeira razão está relacionada aos pacientes portadores de fobia restrita a alguma situação altamente específica (locais fechados ou elevados, trovões, escuridão etc.), podendo estar aí incluída a ida ao consultório odontológico. Mesmo que a situação desencadeante possa parecer inofensiva, o contato com ela pode desencadear um estado de pânico no paciente. Essa circunstância é descrita no Código Internacional de Doenças sob o CID no F40.2. – Fobias específicas (isoladas). A segunda razão aparece em decorrência de pacientes sob forte abalo psicológico. Em não raras ocasiões, o paciente se encontra refratário porque sua dor pode tê-lo deixado uma ou várias noites em vigília, diminuindo a sua tolerância a qualquer estímulo. Portanto, ao quadro patológico que possa apresentar se associa todo um complexo psicossomático, podendo alterar as respostas aos testes rotineiros empregados na Odontologia, fazendo com que o paciente se comporte de forma diferente da maioria dos indivíduos com aquele tipo de sensibilidade. Esse quadro se encontra enquadrado no CID no F68.0 – Sintomas físicos aumentados por fatores psicológicos.
Paciente simulador Em outras ocasiões, um curioso aspecto precisa ser abordado neste capítulo: o da simulação de uma doença endodôntica. Parte desses pacientes é portadora de transtorno hipocondríaco (CID no F45.2), cabendo também nesse grupo os pacientes com produção deliberada ou simulação de sintomas ou de incapacidades, físicas ou psicológicas (transtorno factício) (CID no F68.1). Esses pacientes frequentemente requerem cuidados especiais multiprofissionais, envolvendo a Psicologia e a Psiquiatria. Lamentavelmente, junta-se a esse grupo outro tipo de paciente, o simulador consciente (CID no Z76.5). O paciente simulador pode muitas vezes estar simulando alguma doença que não possui ou poderá estar disposto em esconder os sintomas, e fará o possível também para ocultar os sinais de uma entidade patológica existente. O exame físico do paciente começa quando adentra o consultório. O relato, o gestual e a expressão facial
podem denunciar a intensidade da dor e características psicológicas do paciente. Assimetrias faciais que acometam os ângulos mandibulares e a região geniana costumam ser notadas numa observação a distância. Se a história clínica e os aspectos semiológicos da dor são compatíveis com polpa viva, a busca deve ser direcionada a cavidades de cárie, restaurações infiltradas e restaurações recentes. O advento das técnicas adesivas, em que ataques ácidos em cavidades profundas são realizados rotineiramente, tem incrementado grandemente os casos de comprometimento pulpar. Restaurações complexas em resinas fotopolimerizáveis tornam esses dentes potenciais candidatos ao tratamento endodôntico. Se os aspectos semiológicos da dor apontam para um dente despolpado, deve-se direcionar a busca por elementos endodonticamente tratados, coroas naturais escurecidas, grandes restaurações metálicas ou coroas protéticas e, mais uma vez, por extensas restaurações em resina fotopolimerizável, frequentemente relacionadas à necrose pulpar. Alterações de cor ou contorno dos tecidos moles junto ao periápice dos dentes só serão observadas, no abscesso perirradicular agudo a partir do seu estágio intermediário, quando o edema pode se estender até mesmo aos dentes vizinhos. Em sua forma mais exuberante, o abscesso perirradicular agudo produz edema que se dissemina pelas fáscias e espaços intermusculares. O paciente apresenta manifestações sistêmicas do processo infeccioso como febre, anorexia, prostração e enfartamento ganglionar periférico. Pode haver, principalmente em molares inferiores, limitação da abertura da boca, com necessidade premente de internação e atendimento em nível hospitalar. A cronificação natural do processo infeccioso pode ocorrer pela drenagem da secreção por tratos fistulosos com formação de parúlides que se abrem nas proximidades do ápice do agente causal. O rastreamento radiográfico pelo contraste de cones de guta-percha inseridos nessas fístulas pode ser de grande valia para a identificação do elemento dentário comprometido.
RECURSOS SEMIOTÉCNICOS EMPREGADOS NA ENDODONTIA Inspeção bucal É o exame visual da boca como um todo. Devem ser observados a alteração de cor da coroa, o estado das
Diagnóstico em Endodontia
restaurações, a exposição pulpar e a presença ou ausência de cáries. Nesse momento, o endodontista não deve se esquecer também de observar as demais estruturas bucais, sua cor e morfologia, buscando averiguar a presença de tumefações ou edemas, existência de fístulas e suas parúlides, demais aspectos dos tecidos moles e, principalmente, realizar o exame da língua, pois a ida ao dentista é uma das poucas oportunidades em que o paciente pode ser submetido a um exame por profissional qualificado em identificar doenças bucais em fase precoce, tal como um carcinoma in situ. Todos os dados devem ser registrados na ficha clínica do paciente, e o mesmo deve ser informado sobre quaisquer alterações.
Palpação apical
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Figura 5-1.1. Avaliação da mobilidade dentária pela utilização de dois instrumentos metálicos. (Gentileza e permissão do Prof. Dr. Lúcio de Souza Gonçalves.)
Utilizando-se a ponta do dedo indicador, deve-se apalpar a região apical do elemento examinado, verificando se há alguma resposta dolorosa ou, pelo tato, a presença de alterações patológicas de sua forma.
Percussão horizontal e vertical A percussão deve ser iniciada com delicadeza, empregando-se preferentemente também o dedo indicador. Se essa manobra resultar negativa, aí sim fica indicado lançar mão do cabo do espelho, percutindo a coroa do paciente, perpendicularmente à mesma ou no sentido do seu eixo, sempre de forma delicada, evitando-se o sofrimento desnecessário do paciente. A percussão vertical positiva tem sido associada à inflamação de origem endodôntica, enquanto a dor relacionada com a percussão horizontal diz respeito a alterações periodontais.
Mobilidade dentária O método de avaliação da mobilidade dentária envolve um procedimento clínico simples por meio da utilização de dois instrumentos metálicos apoiados com firmeza na superfície dentária (Fig. 5-1.1) ou utilizando um instrumento metálico e um dedo (Fig. 5-1.2). Aplica-se uma força numa tentativa de movimentar o elemento dentário em todas as direções (a mobilidade patológica ocorre com mais frequência no sentido vestibulolingual). Dessa maneira, gradua-se a mobilidade como se segue: • Grau 1: ligeiramente maior que a normal; • Grau 2: moderadamente maior que a normal; • Grau 3: mobilidade grave vestibulolingual e mesiodistal, combinada com deslocamento vertical.
Figura 5-1.2. Avaliação da mobilidade dentária pela utilização de um instrumento metálico e um dedo. (Gentileza e permissão do Prof. Dr. Lúcio de Souza Gonçalves.)
A presença de uma mobilidade patológica pode ser causada por diversos fatores: perda de suporte ósseo do dente, sobrecarga dentária e trauma oclusal, hipofunção do dente, extensão de um processo inflamatório no tecido gengival ou na região perirradicular, após cirurgia periodontal e nos processos patológicos que resultam em destruição do osso alveolar ou das raízes dentárias. Além disso, tem sido verificado também um aumento da mobilidade dos dentes durante a gravidez, associado ao ciclo menstrual ou ao uso de anticoncepcionais.
Fistulografia (rastreamento radiográfico) Quando o paciente apresenta uma fístula cuja origem não pode ser determinada pelos demais exames complementares, pode-se introduzir um cone de guta-percha delicadamente através do trajeto fistuloso, desde sua saída (parúlide) até o ponto em que encontre
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Exames complementares São considerados exames complementares, porém rotineiros na Odontologia: o exame radiográfico, os exames hematológicos, as provas bioquímicas do sangue e a biópsia. Nos dias atuais, o exame pela tomografia computadorizada para a Odontologia tem assumido especial importância, particularmente a partir do advento de aparelhos com imagens mais adequadas ao exame dos dentes e dos tecidos perirradiculares, com maior qualidade de imagem abrangendo mais especialidades odontológicas, assunto que está especificamente tratado na Parte III deste mesmo capítulo. Figura 5-1.3. Origem da fístula evidenciada pelo uso do cone de guta-percha, conforme o texto.
resistência. Uma radiografia será então realizada, e o dente responsável, identificado (Fig. 5-1.3).
Exploração cirúrgica A exploração cirúrgica é um último recurso para a elucidação de situações obscuras, lançando-se mão de um exame invasivo, em que o paciente é informado de ser aquela uma tentativa de esclarecimento sobre a entidade patológica que acomete o dente ou região (Fig. 5-1.4). A presença de fraturas verticais não visualizadas radiograficamente é um exemplo típico de casos em que a cirurgia exploratória pode ser indicada.
Figura 5-1.4. Exploração cirúrgica: exame da região perirradicular do elemento 24, com auxílio de microespelho.
Exame radiográfico O exame radiográfico do paciente pode se inserir em qualquer momento do processo de diagnóstico. É de praxe a solicitação de radiografia periapical da boca completa, complementada pelas radiografias interproximais e panorâmica para a execução do plano de tratamento. Nesse caso, o diagnóstico pode ser antecipado pela presença de cáries extensas, grandes infiltrações sob coroas protéticas e/ou pela presença de lesões perirradiculares. As incidências de maior interesse ao diagnóstico são a periapical, interproximal e panorâmica. São limitadas pela bidimensionalidade de suas imagens e apenas sugestivas das alterações nelas observadas. A incidência periapical constitui-se em elemento imprescindível ao planejamento do tratamento endodôntico. Além de uma visão panorâmica do dente, podem ser observados a largura, o comprimento e o raio da curvatura radicular, elementos determinantes no planejamento do tratamento endodôntico. Mostra também alterações ósseas perirradiculares resultantes do comprometimento da polpa dental. A incidência interproximal mostra a coroa dental e o segmento cervical da raiz. Podem ser nela mais bem observadas a relação de proximidade entre a polpa dental e as restaurações ou cavidades de cárie, bem como a deposição irregular de dentina ou calcificações que possam modificar a arquitetura da câmara pulpar. O arco de curvatura do segmento cervical do canal radicular, que define o perfil de emergência do mesmo na câmara pulpar, também pode ser observado na tomada radiográfica interproximal. A radiografia panorâmica pode ser útil para uma eventual avaliação das estruturas anexas, em casos de lesões extensas ou para melhor observação da intimidade entre acidentes anatômicos, como o seio maxilar e
Diagnóstico em Endodontia
o canal mandibular, com elementos endodonticamente comprometidos. Há de chegar o tempo em que as imagens radiográficas mostrem com exatidão e em tempo real os detalhes anatômicos que determinam o planejamento do tratamento endodôntico.
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Técnica do uso do gás refrigerante • Isolamento do dente (relativo ou absoluto). • Aplicação do gás sobre cotonete ou mecha de algodão apreendida com pinça. O tempo de aplicação não deve exceder 5 segundos. Em caso de necessidade de repetição, aguardar pelo menos 5 minutos.
SENSIBILIDADE versus VITALIDADE Testes Na Endodontia, algumas manobras frequentemente utilizadas receberam há muitos anos a denominação de testes de vitalidade pulpar, muito embora se saiba que a grande maioria desses testes apenas reflita a sensibilidade positiva ou negativa do paciente ao estímulo aplicado, sem que isso represente a real condição de higidez da polpa dentária. Contudo, esses testes são de grande valia na prática clínica diária e de fácil execução. Os testes mais frequentemente empregados para diagnóstico das enfermidades pulpares são: a) testes térmicos; b) teste da anestesia; c) teste de cavidade; d) teste elétrico (pulp tester); e) teste de identificação de fraturas; f) transiluminação. À exceção desse último, todos os outros trabalham com a resposta dolorosa do paciente, podendo levar a algum grau de desconforto. Assim, o paciente deverá ser tranquilizado, devendo-se explicar que mediante qualquer manifestação dolorosa o estímulo aplicado será removido e as providências no sentido de minimizar sua dor serão imediatamente tomadas. Deve-se também estabelecer um código de resposta ao estímulo aplicado, podendo-se, por exemplo, pedir que o paciente erga sua mão esquerda assim que sinta qualquer desconforto, solicitando também que a abaixe assim que a dor desapareça.
EMPREGO DOS TESTES TÉRMICOS Teste pelo frio Ao realizar o teste pelo frio, o profissional pode utilizar o bastão de gelo ou a neve carbônica (gelo seco). Contudo, o uso de spray de gás refrigerante ganhou ampla aceitação nos últimos anos. Os gases mais comuns utilizados são o butano, podendo-se usar os recipientes contendo fluido para recarregar isqueiros para sua obtenção, além do diclorodifluormetano ou tetrafluoretano, esse último considerado ecológico pelo fabricante, por não agredir a camada de ozônio ao redor da Terra.
Teste pelo calor Nesse caso, o calor é transferido ao dente através de substância ou instrumento previamente aquecido. Com essa finalidade, tem sido relatado o emprego de água morna, aquecimento da superfície dental com taça de borracha ou por meio de um bastão de gutapercha aquecida em chama de lamparina, sendo esse último o mais usado.
Técnica da aplicação da guta-percha • Isolamento do dente (relativo ou absoluto). • Aplicação de gel isolante na superfície do dente (vaselina), evitando que a guta-percha fique aderida ao dente quando da sua retirada. • Aquecimento da guta-percha na chama. • Aplicação da guta-percha sobre a superfície do dente enquanto esta ainda estiver brilhosa.
TESTE DA ANESTESIA O teste da anestesia deve ser empregado quando o paciente refere uma dor difusa ou reflexa, não sabendo dizer exatamente qual dente está sendo responsável por ela. Assim, o teste consiste em se anestesiar o elemento dentário suspeito. Se a dor cessar após a anestesia, sua hipótese diagnóstica está confirmada, identificando-se o elemento que gera a dor (dente algógeno) e o elemento que somente está refletindo a dor (dente sinálgico).
TESTE DE CAVIDADE Por ser classicamente considerado um teste invasivo, deve ser utilizado como último recurso. Consiste em estimular o dente suspeito de necrose pulpar sem anestesiá-lo previamente, com auxílio de uma broca de alta rotação. Contudo, é necessário lembrar que muitas vezes apenas o jato de ar da seringa tríplice ou a turbina de alta rotação é suficiente para garantir a resposta positiva do paciente, antes mesmo que uma cavidade seja aberta. A persistir a
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
resposta negativa, a remoção de restaurações antigas porventura existentes deve ser procedida e somente depois disso deve-se avançar com a cirurgia de acesso até que a trepanação seja obtida. Apenas em uma minoria de casos o paciente com necrose pulpar ainda referirá desconforto de origem pulpar, o que é atribuído às células nervosas do tipo C (amielínicas) remanescentes23.
TESTE ELÉTRICO O teste elétrico consiste na aplicação de uma corrente de baixa voltagem e intensidade crescente, utilizando-se um aparelho específico para esse fim, denominado pulp tester. Seu objetivo é estimular as fibras sensoriais pulpares, obtendo respostas positivas ou negativas. As respostas positivas serão consideradas normais dentro de uma escala fornecida pelo fabricante, mas também se deve procurar obter um padrão do próprio paciente, como já enfatizado. Em caso de anormalidade das condições da polpa, as respostas colhidas poderão acontecer com estímulos elétricos abaixo do esperado (polpa hiperativa) ou acima deste (polpa hipoativa), podendo-se ainda colher resposta negativa, denotando necrose pulpar. Alguns autores questionam o emprego desse teste, pela ocorrência de falsos resultados positivos ou negativos, como veremos a seguir, e também pelo fato do seu uso implicar mais um investimento no consultório com equipamento específico para esse fim. Ainda assim, é um teste válido a permanecer incluído como ferramenta do endodontista. No Brasil, como exemplo, temos o aparelho Pulp Tester Digital VCR-200 da Odous de Deus®, que tem bom desempenho clínico (Fig. 5-1.5).
Técnica de aplicação do pulp tester • Isolamento do elemento a ser testado, podendo ser relativo ou absoluto. É importante que os dentes vizinhos não estejam em contato com o dente testado e, para isso, o lençol de borracha é um valioso auxiliar. • A fim de aumentar a condutividade elétrica, a ponta do eletrodo deve ser ligeiramente untada com algum creme de concentração salina, tais como pasta dental, gel de anestesia tópica ou flúor. • Encostar o eletrodo distante da gengiva e de restaurações metálicas, o que poderia gerar um falso resultado positivo. A ponta do eletrodo pode ser encostada por vestibular, no 1/3 médio da coroa do dente. Nos dentes anteriores a aplicação do eletrodo sobre a superfície incisal tem sido apontada como sendo de grande eficácia23. • Uma das mãos ou pelo menos um dedo do paciente deve estar em contato com a peça de mão do pulp tester, melhorando a qualidade do estímulo elétrico transmitido. Dessa forma, o paciente poderá retirar a mão ou dedo assim que sentir algum estímulo. Têm sido consideradas como principais razões para falsos resultados positivos: • Eletrodo em contato com restaurações metálicas ou gengiva. • Ansiedade excessiva do paciente. • Falta de colaboração ou de orientação adequada do paciente. Lembre-se de que o paciente deve ser esclarecido, mas não assustado com frases do tipo “Quando sentir um choque, me avise”. • Necrose por liquefação – transmissão do impulso elétrico pela solução salina existente no interior do dente. • Existência de fibras do tipo C remanescentes. • Isolamento inadequado do dente. Em contrapartida, são consideradas razões para falsos resultados negativos:
Figura 5-1.5. Aparelho Pulp Tester Digital VCR-200 da Odous de Deus®, conforme o texto. (Cortesia do fabricante.)
• Pacientes sob forte medicação analgésica ou opioide, tranquilizantes ou alcoolizados. • Aplicação do eletrodo em áreas de esmalte sem suporte em dentina com consequente interrupção do estímulo até a polpa. • Traumas dentais recentes. Em caso de dentes traumatizados, os elementos devem ser reavaliados cerca de 7 dias após o trauma, checando-se novamente
Diagnóstico em Endodontia
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se as respostas aos testes permanecem negativas, já que as respostas precoces podem sofrer alterações. • Dentes com rizogênese incompleta. • Calcificação da polpa dental coronária. • Necrose pulpar parcial. É oportuno lembrar que esse e outros aparelhos que podem disparar corrente elétrica estão contraindicados em pacientes que fazem uso de marca-passo.
TESTE PARA IDENTIFICAÇãO DE FRATURAS Em casos de dentes portadores de fraturas de coroa ou raiz, muitas vezes se tornam bastante difíceis sua identificação clínica e radiográfica, bem como a reprodução no consultório dos sintomas dolorosos que o paciente alega ter sentido em outras ocasiões. Algumas vezes, o paciente pode relatar a procura a outros profissionais sem sucesso no diagnóstico, bem como episódios alternados de dor espontânea ou muito intensa à mastigação, caracterizando a chamada síndrome do dente fraturado, seguida de períodos com misteriosa remissão dos sintomas. Para esses casos, têm sido propostas as seguintes técnicas:
Técnica da mordida sobre superfície maleável Consiste em pedir que o paciente morda com o elemento suspeito de fratura sobre alguma superfície dotada de flexibilidade, tal como um dispositivo emborrachado, palito de madeira ou mesmo o sugador de plástico, buscando-se reproduzir a exata posição em que a trinca existente possa ser estimulada a se abrir, deflagrando a dor de origem pulpar ou periodontal decorrente da mesma.
Figura 5-1.6. Fratura evidenciada pela técnica do azul de metileno. Fotografia sob microscopia operatória com aumento 25 x.
• Aplicação da solução aquosa de azul de metileno (1 a 2%) sobre a área suspeita. • Remoção do excesso de azul de metileno com gel de ácido ortofosfórico a 37% por 30 segundos. • Nova irrigação e secagem. • Inspeção da fratura (Fig. 5-1.6).
Microscopia clínica Com a finalidade de melhorar a possibilidade de se identificarem fraturas, o emprego da microscopia clínica, também conhecida como microscopia cirúrgica ou microscopia operatória, tem sido demonstrado como valoroso auxiliar (Fig. 5-1.7). O uso da técnica do azul de
Técnica de identificação de fraturas com uso de solução aquosa de azul de metileno (1 a 2%) Deve-se impregnar a região suspeita da localização da fratura com solução aquosa de azul de metileno de 1 a 2%, removendo seu excesso com ácido fosfórico gel utilizado para restauração fotopolimerizável, conforme se segue: • Remoção de cáries ou restaurações antigas. • Acesso o mais franco e direto possível à área suspeita da fratura. No caso de suspeita de fratura de soalho ou radicular, realizar a cirurgia de acesso à cavidade pulpar no dente em questão. • Irrigação da cavidade pulpar com NaOCl a 2,5%, secagem com mechas de algodão e/ou cones de papel.
Figura 5-1.7. Exame realizado com auxílio do microscópio clínico.
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
metileno combinada com a ampliação microscópica da região otimiza a sua evidenciação. Também para outras finalidades no diagnóstico, tais como localização de canais, evidenciação de perfurações e identificação de corpos estranhos nos canais, dentre outros, a microscopia clínica tem sido largamente empregada. Além disso, o microscópio clínico aparece definitivamente incorporado ao consultório odontológico, uma vez que também traz vantagens de uso em quase todas as fases do tratamento dentário, sobretudo na prática da endodontia. Tanto isso é fato que existe uma recomendação da American Dental Association5, expedida em julho de 2007, por sua Comissão de Credenciamento Odontológico, com o intuito de assegurar que os estudantes em Programas de Endodontia nos Estados Unidos da América sejam treinados no uso de instrumentos que forneçam a ampliação e a iluminação do campo operatório. Segundo aquele parecer, em adição ao microscópio operatório, esses instrumentos podem incluir, mas não ser limitados ao endoscópio, orascópio ou outro que traga magnificação.
TRANSILUMINAÇÃO Consiste em aplicar um feixe luminoso intenso, de lingual para vestibular, a fim de que possam ser diagnosticadas, por translucidez do esmalte e da dentina, algumas alterações presentes, tais como: fraturas, perfurações, cáries interproximais, reabsorções coronárias e escurecimento da área correspondente à câmara pulpar nas necroses pulpares. Há alguns anos, alguns equipamentos odontológicos ou fotopolimerizadores traziam o dispositivo transiluminador acoplado. Nos dias atuais, a luz halógena de fotopolimerização tem sido empregada para esse fim. Faz-se necessário que o ambiente do consultório permita uma adequada penumbra (Fig. 5-1.8). Além dos testes já descritos, hoje considerados rotineiros e de mais fácil emprego, apresentaremos uma possibilidade diagnóstica de uso um pouco mais recente na Odontologia, o uso da fluxometria laser Doppler e do oxímetro de pulso.
MÉTODOS FISIOMÉTRICOS DE DIAGNÓSTICO Conforme já explicado, os testes de sensibilidade não são capazes de determinar o real grau de envolvimento pulpar, sobretudo em condições específicas, como no caso de dentes traumatizados. Diante disso, tem sido recentemente proposta a aplicação dos cha-
Figura 5-1.8. Transiluminação, conforme o texto.
mados recursos fisiométricos, já largamente empregados na Medicina, sendo que a fluxometria a laser busca avaliar a microcirculação sanguínea de um determinado tecido e a oximetria de pulso monitora a taxa de pulso e o grau de oxigenação sanguínea2.
FLUXOMETRIA LASER DOPPLER Criada na década de 1980, é uma técnica não invasiva de alta tecnologia usada para medir diretamente o fluxo sanguíneo no interior dos vasos, capilares, vênulas e arteríolas da polpa coronária, funcionando pelo processamento do chamado Efeito Doppler, que consiste na variação do comprimento de onda sofrida por um corpo ao se deslocar. Quanto mais próximo à fonte, maior sua frequência e menor o comprimento de onda. Assim, quando o feixe laser Hélio-Neônio é aplicado em direção à coroa dental, ele bombardeia o tecido pulpar, sendo uma parte absorvida e outra parte refletida, sendo que o feixe refletido se divide em dois componentes, um refletido dos tecidos estáticos que possuem o mesmo comprimento de onda do feixe emitido e o segundo componente que é o laser refletido pelas células sanguíneas em movimento, que produzem um comprimento de onda diferente. Um fotodetector capta esses tipos de laser, transformando-os em um sinal elétrico que é transmitido e processado por um programa de computador específico, produzindo um valor de fluxo sanguíneo em unidades arbitrárias2. A fluxometria laser Doppler tem sido considerada como método viável de diagnóstico na Endodontia, detectando corretamente as situações de vitalidade ou sua ausência37 (Figs. 5-1.9 e 5-1.10).
Diagnóstico em Endodontia
Figura 5-1.9. Aparelho de Fluxometria Laser Doppler moorVMSLDF. (Gentileza e permissão da Moor Instruments Ltd, Axminster, Devon, Inglaterra.)
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Figura 5-1.11. Aparelho oxímetro de pulso, marca Oxigraph, com sensores em Y. Branco – emissor, preto – receptor. (Gentileza e permissão do Prof. Dr. Celso Luiz Caldeira.)
Figura 5-1.10. Aplicação da Fluxometria Laser Doppler. (Gentileza e permissão do Prof. Dr. Celso Luiz Caldeira.)
OXIMETRIA DE PULSO É uma técnica igualmente não invasiva e capaz de determinar o nível de saturação do oxigênio e a taxa de pulso dos tecidos. O princípio consiste em dois diodos emissores de luz, um vermelho e outro infravermelho, que são ligados e desligados em ciclos (500 vezes por segundo). As emissões dessa fonte de luz são captadas por um fotodiodo receptor e convertidas por circuitos eletrônicos em saturação arterial de oxigênio e taxas de pulso (Figs. 5-1.11 e 5-1.12).
Figura 5-1.12. Sensores em posição para teste de vitalidade pulpar por meio da oximetria de pulso. (Gentileza e permissão do Prof. Dr. Celso Luiz Caldeira.)
CLASSIFICAÇÃO DAS PATOLOGIAS PULPARES E PERIRRADICULARES Classificação histopatológica Houve um tempo em que se tentou classificar a doença pulpar por meio da correlação entre os achados clínicos e histológicos. A doença pulpar evolui por sí-
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
tios de comprometimento e, não raramente, o mesmo dente apresenta sintomatologia compatível com os vários estágios do desenvolvimento da doença. Os cortes histológicos do tecido pulpar inflamado apresentam um padrão celular diversificado de acordo com o sítio de inflamação observado, o que inviabiliza essa tentativa de classificação. As classificações histológicas podem assumir algumas vezes aspectos rotulatórios e até cabalísticos, uma vez que a realidade tecidual, vista ao microscópio óptico, pode apresentar áreas simultaneamente distintas, cabendo ao histopatologista decidir qual a predominância de um quadro sobre outro4. As principais alterações pulpares detectadas histopatologicamente são hiperemia pulpar, pulpite aguda serosa, pulpite aguda purulenta, pulpite crônica ulcerativa e pulpite crônica hiperplásica. As alterações perirradiculares inflamatórias incluem os cistos, granulomas e abscessos.
Classificação clínica A grande maioria dos autores da Endodontia tem refutado o emprego na prática clínica das mesmas denominações utilizadas pelos patologistas, já que não é usual a coleta de material da polpa para análise sob a luz de microscopia óptica em lâminas coradas, única maneira de se obter um diagnóstico histopatológico preciso. Embora exista uma enormidade de classificações empregadas para designar as alterações inflamatórias da polpa dental, o consenso na atualidade aponta para a adoção de uma classificação diagnóstica clínica básica e simples das doenças pulpares e perirradiculares, sem a pretensão de agrupar todas as prováveis variações patológicas, o que a tornaria complexa, uma vez que não é possível estabelecer uma correlação direta entre achados cínicos e histopatológicos. Desse modo, interessa ao clínico saber se deve ou não conservar a polpa. Clinicamente, o estado pulpar e perirradicular pode ser classificado em: • • • • •
Polpa normal ou sadia Pulpite reversível Pulpite irreversível (sintomática ou assintomática) Necrose pulpar Lesões perirradiculares
Polpa normal ou sadia A polpa dental em sua normalidade fisiológica costuma reagir aos estímulos com resposta dolorosa
de intensidade compatível com a excitação provocada, com declínio imediato à remoção desse estímulo. As manobras de palpação apical e percussão resultam em resposta negativa. Embora o exame radiográfico periapical em dentes portadores de polpa sadia apresente integridade da lâmina dura e espaço periodontal de espessura semelhante ao longo de toda a região perirradicular, esse achado radiológico isolado tem sido atualmente bastante questionado como parâmetro de integridade da polpa, a partir dos exames imaginológicos por tomografia computadorizada (TC) para a Odontologia, já que a TC tem sido capaz de detectar alterações perirradiculares muito antes que o exame periapical possa fazê-lo. O paciente em um dente com polpa normal não refere a utilização de medicação analgésica.
Pulpite reversível Os dentes acometidos de pulpite reversível apresentam uma sintomatologia provocada de resposta um pouco mais intensa que na polpa normal. Pode ser evidenciada uma dor brusca com aplicação do frio e/ou quente, porém ela tenderá a desaparecer poucos segundos após a sua remoção. Assim, a dor nesses casos é ainda provocada, cessando com a remoção do estímulo. Porém, em cavidades cariosas, é comum o paciente referir dor persistente após a ingestão de doces e alimentos gelados, muitas vezes porque esses fatores de agressão ficam retidos nas lesões de cárie. Quando removidos pela escovação dental ou bochecho, costumam referir o alívio imediato. A radiografia é em tudo semelhante à de um elemento dental hígido. Frequentemente o paciente informa não ter sentido necessidade de buscar medicação analgésica para o desconforto experimentado. Um tratamento de rotina dentro dos princípios que regem a abordagem em dentística, com remoção de tecido cariado e restauração apropriada, leva à completa remissão dos sintomas evidenciados. A hipersensibilidade frequente que ocorre nos casos de pulpite reversível já foi erroneamente associada ao quadro histológico de hiperemia pulpar30.
Pulpite irreversível sintomática Nos pacientes portadores desse tipo de pulpite, a dor aparece espontaneamente, embora seja fortemente exacerbada com aplicação do frio e/ou do calor. Essa pode ser intermitente ou contínua, levando muitas vezes a grande sofrimento físico e psicológico. Com bastante frequência, o paciente observa
Diagnóstico em Endodontia
que a sua dor aumenta nos momentos de repouso em decúbito. Em algumas situações, o paciente pode referir aumento da dor com aplicação de frio e seu alívio quando entra em contato com uma substância quente. Noutras vezes, é exatamente o contrário que ocorre (alívio com frio e dor com o quente), o que já foi atribuído à fase de pulpite irreversível ser inicial ou tardia, mas o que de concreto se sabe é que ambas caracterizam a necessidade de uma intervenção com remoção da polpa envolvida, total ou parcialmente (pulpectomia ou pulpotomia). De qualquer forma, a dor experimentada nesse quadro é importante, podendo ser paroxística, ou seja, uma dor excruciante considerada a de maior intensidade no curso da inflamação pulpar. A resposta à palpação apical e percussão vertical pode ser negativa ou positiva e o aspecto radiográfico pode se apresentar normal ou com ligeiro espessamento do espaço periodontal. O uso de analgésicos/anti-inflamatórios costuma não surtir o efeito desejado na remissão dos sintomas dolorosos.
Pulpite irreversível assintomática Os dentes portadores de pulpite irreversível assintomática são frequentemente observados em pacientes jovens, cuja agressão pela cárie leva à sua exposição. Um exemplo bastante elucidativo e rotineiro de pulpite irreversível assintomática é o dos quadros clínicos do surgimento do pólipo pulpar, que guarda relação clínica direta com o quadro histológico da pulpite crônica hiperplásica. Embora essas duas entidades patológicas estejam fortemente correlacionadas, faz-se necessário enfatizar ser mais adequado ao cirurgião-dentista empregar a expressão pólipo pulpar em seu diagnóstico clínico, uma vez que a hiperplasia é uma manifestação somente observável nos achados sob a luz de microscopia. Assim também, cabe esclarecer que não se pode observar clinicamente o quadro de pulpite crônica ulcerativa, por se tratar igualmente de uma classificação histológica, somente detectável à luz do microscópio, e nunca clinicamente.
Necrose pulpar Sabe-se que a morte do tecido pulpar está fortemente associada à presença de micro-organismos, mesmo nos casos em que a causa da necrose teve origem em fatores não microbianos, conforme discutido no Capítulo 4. Em resposta à agressão e morte da polpa dentária, o organismo desencadeia processos agudos ou
157
crônicos de defesa na região perirradicular, podendo resultar em inflamações perirradiculares (periodontite apical aguda ou crônica), na formação de cistos e granulomas apicais e, eventualmente, no surgimento de coleções purulentas (abscessos). Clinicamente é possível diagnosticar a necrose pulpar, os quadros de periodontite apical e de abscessos agudos ou crônicos, mas o diagnóstico diferencial entre cistos e granulomas apicais só acontecerá mediante análise histopatológica. Na presença de um quadro de necrose pulpar, a odontalgia está absolutamente ausente na esmagadora maioria dos casos. No entanto a dor de origem odontogênica poderá ainda ser referida, sendo proveniente dos tecidos perirradiculares inflamados. Assim, a resposta aos estímulos térmicos e elétricos será negativa, e a radiografia variará desde situações em que ainda existirão os padrões de normalidade, passando pelos quadros de espessamento do espaço periodontal, podendo ser identificadas as chamadas lesões perirradiculares.
lesões perirradiculares As lesões perirradiculares são processos inflamatórios reversíveis que podem ocorrer em dentes portadores de polpa viva hígida, inflamada ou necrótica, tendo várias e distintas causas.
Lesão perirradicular em dentes portadores de polpa viva Agressões ao periodonto apical podem ser levadas a efeito sem alteração detectável na polpa dentária. Restaurações com sobrecontornos oclusais, maloclusões e forças ortodônticas excessivas podem desencadear o seu aparecimento. A remoção dos fatores desencadeadores nesses casos levará à remissão do quadro, na maioria das vezes sem necessidade de intervenção endodôntica.
Lesões perirradiculares em dentes despolpados Agudas A sobreinstrumentação de canais além da região foraminal, a extrusão de debris, os restos necróticos e as bactérias, além da injeção acidental, via forame, de substâncias químicas irritantes, podem levar ao aparecimento do quadro de periodontite apical aguda. A dor nesses casos tem sido referida como sendo latejante e martelan-
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
te. Um sinal determinante desse quadro é a sensação de dente crescido referida pelo paciente. De fato, o ligamento periodontal inflamado leva a uma discreta extrusão do elemento, produzindo tal desconforto, onde o paciente mal consegue tocar o dente com seu antagônico. Ingle & Taintor30 afirmavam que, muitas vezes, o paciente pode implorar para ter seu dente extraído, mas, mesmo que a exodontia seja realizada, a dor poderá continuar por dias, já que o problema não é mais o dente e sim a inflamação perirradicular existente. A resposta aos testes pelo frio, quente e elétrico é negativa, a dor à percussão vertical e palpação apical resulta em um dente muito sensível. A radiografia pode apresentar um discreto espessamento do espaço periodontal e a tentativa de aliviar o problema doloroso com medicação sistêmica pode não surtir efeito.
A
Crônicas Nas lesões perirradiculares crônicas a dor pode estar completamente ausente ou ser discreta, sempre proveniente dos tecidos perirradiculares. Os testes frio/ quente/elétrico têm resposta negativa, e a resposta à palpação e à percussão resulta em dentes pouco sensíveis. A imagem radiográfica apresenta espessamento do espaço periodontal.
Abscessos perirradiculares Abscessos são cavidades circundadas por paredes de tecido fibrótico ou de granulação, contendo pus em seu interior. Podem ocorrer na região apical, como consequência da morte das células de defesa no combate à infecção perirradicular preexistente, recebendo o nome de abscessos perirradicularess, também conhecidos como abscessos periapicais, apicais ou ainda como abscessos dentoalveolares.
B
Figura 5-1.13A. A radiografia foi determinante para o diagnóstico, mostrando o aspecto de radiolucidez perirradicular difusa, associada ao ápice do elemento 24. B. A cirurgia de acesso resultou em drenagem via canal do processo purulento
Agudos Os abscessos perirradiculares agudos, embora costumem ser bastante sensíveis às manobras de percussão e palpação, estão sempre associados à presença de polpa necrótica, onde o dente não responde mais aos testes térmicos ou elétrico. O aspecto radiográfico depende do tempo de evolução do caso, apresentando desde um aumento do espaço periodontal, passando pela perda de continuidade da lâmina dura, até à presença de radiolucidez perirradicular difusa associada ao ápice dentário (Fig. 5-1.13). Tumefação de tecidos moles também é visível em casos mais evoluídos (Fig. 5-1.14).
Figura 5-1.14. Paciente com edema apical na região dos dentes 24 e 25. A restauração antiga e infiltrada de amálgama poderia sugerir o envolvimento do 25 no processo.
Diagnóstico em Endodontia
159
Crônicos
TEMPO DE EVOLUÇÃO
Caracterizam-se por processos inflamatórios onde a formação de pus se dá lentamente, sem desconforto importante para o paciente. Pode estar acompanhada de fístula, sinal patognomônico dessa doença.
A dor da polpa viva pode evoluir ao longo de semanas ou mesmo meses, com episódios que vão desde a resposta fugaz às bruscas mudanças de temperatura, à dor contínua, espontânea e intensa. A tendência dos episódios de dor provocada, quando a doença é deixada ao próprio curso, é progredir para surtos que se prolongam após a remoção do estímulo e se tornam menos espaçados, com clara redução no limiar da dor. A dor que se repete ao longo de semanas ou meses e se manifesta de maneira constante, denotando um caráter estático, tem origem diversa e não se origina em polpa viva. A dor do dente despolpado pode se apresentar por longos períodos em um quadro relatado como “dolorido”, quase sempre referido pelo paciente como dor ao toque ou à mastigação. Pode haver relato de exacerbação com remissão espontânea da sensibilidade dolorosa, em resposta ao equilíbrio da equação:
ASPECTOS CLÍNICOS RELEVANTES A queixa principal refere-se ao motivo da procura pelos nossos serviços e, por uma questão legal, deve ser anotada com as próprias palavras do paciente. Ex.: “Estou sentindo dor quando mastigo deste lado.” Sendo a dor o principal sintoma associado à doença pulpar e perirradicular, a história da doença atual confunde-se com a própria análise das características semiológicas da dor, a saber: tempo de evolução, frequência, duração, intensidade, localização, fatores que exacerbam e fatores que amenizam. O histórico de intervenções passadas pode também ser determinante para o esclarecimento da origem da dor. A doença pulpar inflamatória, normalmente, é assintomática. Seu diagnóstico na maioria das vezes é realizado por achados em exames de rotina. Cavidades de cárie interproximais, cáries sob restaurações e lesões ósseas no periápice dental passam com frequência despercebidas ao paciente. Atualmente se divide a inflamação da polpa dental em reversível ou irreversível, de acordo com o comportamento clínico da doença. As manifestações dolorosas nas pulpites sintomáticas evoluem em relação direta com a intensidade do agente agressor, desde um quadro de hipersensibilidade por exposição dentinária até a dor espontânea, ponto de referência para a irreversibilidade da doença pulpar e marco indicativo da terapia endodôntica radical. Pode-se pensar nos dentes jovens, na manutenção da polpa vital, naqueles casos onde a dor espontânea e de leve intensidade ocorra em episódios espaçados e que respondam prontamente ao uso de analgésicos comuns. Nos pacientes adultos, essa tentativa tende ao fracasso. Existe um padrão de manifestação que diferencia a dor que tem origem em dente vital daquela oriunda do dente despolpado. O entendimento dessas manifestações dolorosas básicas permite que o profissional desconfie de sintomatologia incomum, que leve ao diagnóstico diferencial com afecções de origem diversa que possam acometer os dentes e/ou ossos maxilares. Passemos então a avaliar as características semiológicas da dor.
no de micro-organismos × virulência Capacidade de resposta do hospedeiro O desequilíbrio definitivo em favor da microbiota determinará periapicopatia aguda. A dor então será de curso rápido, passando de dolorimento à dor espontânea em questão de horas. A resposta à pergunta Há quanto tempo a dor está presente? pode, portanto, direcionar a atenção para um dente vital ou despolpado.
FREQUÊNCIA A dor intermitente é característica de dentes possuidores de polpa viva. A alternância entre dor e acalmia coincide com o comprometimento progressivo da polpa dental, até que a extensão do processo determine dor intensa e contínua. A dor da periapicopatia aguda, causada por trauma de manipulação endodôntica e/ou pela capacidade de agressão microbiana, manifesta-se de forma contínua.
DURAÇÃO Nos dentes vitais, a dor pode se estender durante alguns segundos após a remoção do estímulo até longos períodos de dor que mereçam o uso de analgésicos.
160
Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Nas periapicopatias, a dor irá permanecer por algumas horas, quando a origem é o trauma da manipulação endodôntica ou, até que o processo se cronifique, quando a origem for infecciosa. Esse critério de avaliação deve até nortear a conduta clínica em casos de dor pós-operatória. A dor espontânea que se estende após a segunda dose de um analgésico comum quase sempre é de origem infecciosa.
INTENSIDADE O limiar da dor é muito semelhante para indivíduos da mesma espécie. O padrão de manifestação da dor é que varia em função de questões culturais. A intensidade da dor relatada pelo paciente deve, portanto, ser analisada com prudência. Um indicador palpável de referência seria a necessidade e a frequência da ingestão de analgésicos. Assim, dores leves não mereceriam o uso de analgésicos e dores intensas não cederiam ao uso de analgésicos comuns. Dores intensas em polpa viva ou em dentes despolpados são agentes facilitadores do diagnóstico, porquanto são de fácil localização.
LOCALIZAÇÃO A dor da polpa viva inflamada, especialmente nos estágios iniciais do processo inflamatório, apresenta-se difusa. É um clássico do diagnóstico em endodontia o paciente imputar a um dente endodonticamente tratado a responsabilidade por sensibilidade térmica acompanhada de dor que se irradia para estruturas anatômicas anexas. Esse fato se explica por ser a dor um fenômeno aprendido. O cérebro registra o desconforto e a agressão sofridos durante o tratamento endodôntico, e qualquer desconforto futuro que acometa aquela região será inconscientemente imputado ao dente tratado. Ora, a sensibilidade térmica, especialmente pelo frio, só se justifica pela presença da polpa viva, o que descarta a participação de um dente despolpado. Ademais, o processo inflamatório ao se estender ao periápice acomete fibras proprioceptivas do ligamento periodontal, tornando a dor localizada. Dor irradiada é, portanto, característica de polpa viva. Dente despolpado, se dói, o faz obrigatoriamente ao toque.
FATORES QUE EXACERBAM Dentes vitais têm o desconforto exacerbado por agentes térmicos e, em especial, pelo frio. Mas não ra-
ramente, pela presença de dentina exposta ou restaurações defeituosas, se tornam sensíveis ao consumo de alimentos doces ou ácidos. A posição de decúbito pode determinar o início ou a exacerbação da sensibilidade dolorosa. Dentes despolpados apresentam desconforto pela mastigação, pelo toque e compressão, quando terminações nervosas contidas no ligamento periodontal edemaciado são estimuladas.
FATORES QUE AMENIZAM As mesmas variações térmicas responsáveis pela exacerbação da dor em polpa viva podem amenizá-la. A figura do paciente portando uma garrafa térmica na sala de espera do endodontista é consagrada na literatura. Dentes despolpados nos estágios iniciais do comprometimento perirradicular poderão ter o desconforto amenizado pelo ajuste oclusal ou retirada de função. Na periapicopatia aguda de natureza infecciosa, essas medidas serão paliativas e somente o uso de analgésicos potentes ou a cronificação do processo será capaz de mitigar a dor.
CONSIDERAÇÕES COMPLEMENTARES O diagnóstico pode ser complicado quando nos deparamos com um padrão pouco usual da dor, quando a sintomatologia incide de forma espaçada ou quando as informações prestadas são conflituosas. Por vezes, faz-se necessária a prescrição de medicação analgésica, com o adiamento da abertura do dente suspeito. Essa conduta expectante propicia o surgimento de sintomas mais claros, característicos das etapas evoluídas da doença pulpar. O clínico se defronta eventualmente com quadros dramáticos de dor. Reiteramos aqui a idéia de que o profissional não se deixe envolver pelo desespero do paciente. O erro mais comum cometido nessas circunstâncias é o bloqueio anestésico da área suspeita. Os dentes anestesiados não mais serão responsivos aos exames complementares, ficando o diagnóstico inviabilizado. Assim, o risco de se abrir o dente errado é grande. A anestesia só deve ser aplicada após o fechamento do diagnóstico ou, como veremos adiante, como último recurso do próprio diagnóstico. A indicação equivocada de tratamento endodôntico realizada pelo clínico geral pode se justificar pela pouca vivência e fundamentação semiológica de alguns profissionais. A abertura equivocada de um
Dor provocada e aguda; curta duração; desaparece com a remoção do estímulo
Dor espontânea; Positivo aguda, latejante, Corrente persistindo após menor que X remoção da causa. Exacerbada por mudanças bruscas de temperatura e em decúbito
Assintomático ou com dor moderada, ligeira e surda por compressão da polpa exposta
Pulpite reversível
Pulpite irreversível sintomática
Pulpite irreversível assintomática Positivo Corrente maior que X
Positivo Corrente menor que X
Positivo Quantidade X de corrente
Ausente
Normal ou sadia
Elétrico
Sintomatologia
Diagnóstico
Positivo
Positivo
Quente
Positivo
Positivo
Cavidade
Discreta sensibilidade ou negativo
o contrário: alívio com o frio, tendo resposta rápida intensa com aplicação do quente
ou
Positivo
Resposta rápida intensa Positivo com aplicação do frio, experimentando alívio pela aplicação do quente
Positivo
Positivo
Frio
Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares*
Negativo
Negativo aos três testes ou positivo à percussão e/ou à palpação
Negativo
Negativo
Percussão vertical, palpação apical, mobilidade
Róseo
Róseo
Róseo
Transiluminação
Normal ou com Róseo espessamento do espaço periodontal. Nos pólipos pulpares há uma comunicação ampla da câmara com a cavidade oral
Normal ou com espessamento do espaço periodontal
Normal
Normal
Radiográfico
(continua)
Tratamento endodôntico ou, quando indicada, pulpotomia. Acompanhamento clínico e radiográfico
Tratamento endodôntico ou, quando indicada, pulpotomia. Acompanhamento clínico e radiográfico
Eliminação da causa; proteção pulpar direta ou indireta. Acompanhamento clínico e radiográfico
Nenhuma
Conduta clínica
Diagnóstico em Endodontia
161
Sensação de “dente crescido”, dor contínua, pulsátil, agravada pela pressão e oclusão dos dentes
Idem
Periodontite apical aguda em dente despolpado de origem bacteriana
Assintomático
Necrose pulpar e periodontite apical crônica
Periodontite apical aguda (polpa viva)
Sintomatologia
Diagnóstico
Negativo
Positivo
Negativo
Elétrico
Negativo
Positivo
Negativo
Frio
Negativo
Positivo
Negativo
Quente
Positivo por trepidação
Positivo
Negativo
Cavidade
Normal, com espessamento do espaço periodontal ou, ainda, lesão perirradicular
Radiográfico
Positivo à percussão. Normal ou com Mobilidade pode espessamento estar presente do espaço periodontal
Positivo à percussão. Normal ou com Mobilidade pode espessamento do espaço estar presente periodontal
Negativo aos três testes ou positivo à percussão e/ou à palpação
Percussão vertical, palpação apical, mobilidade
Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares* (continuação)
Área escura
Róseo
Área escura
Transiluminação
Imediata: cirurgia de acesso, irrigação abundante. Estabelecimento de patência foraminal. Medicação antisséptica no canal, selamento. Alívio oclusal. Mediata: tratamento endodôntico. Acompanhamento clínico e radiográfico
Identificar a causa e removê-la. Ajuste oclusal. Medicação analgésica e anti-inflamatória. Se houver indicação por doença pulpar irreversível concomitante, iniciar o tratamento endodôntico
Tratamento endodôntico. Acompanhamento clínico e radiográfico
Conduta clínica
162 Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Negativo
Dor aguda, latejante; alívio pela pressão axial sobre o dente. Dor agravada em decúbito
Assintomático ou com dor moderada
Abscesso perirradicular agudo
Abscesso perirradicular crônico
Negativo
Negativo
Idem
Periodontite apical aguda em dente despolpado por trauma ou agente químico
Elétrico
Sintomatologia
Diagnóstico
Negativo
Negativo
Negativo
Frio
Positivo por trepidação
Cavidade
Negativo
Positivo por trepidação
Pode Positivo por ter dor trepidação violenta se o calor for muito intenso
Negativo
Quente
Levemente dolorido à percussão e palpação. Mobilidade moderada
Mobilidade acentuada. Sensibilidade extrema à percussão e palpação
Idem
Percussão vertical, palpação apical, mobilidade
Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares* (continuação)
Perda da lâmina dura; espessamento apical ou zona radiolucente difusa
Perda da lâmina dura; espessamento apical ou zona radiolucente difusa
Idem
Radiográfico
Área escura
Área escura
Área escura
Transiluminação
(continua)
Tratamento endodôntico. Acompanhamento clínico e radiográfico
Imediata: cobertura antibiótica, drenagem via canal e/ou via cirúrgica. Mediata: tratamento endodôntico. Acompanhamento clínico e radiográfico.
Imediata: cirurgia de acesso, irrigação abundante. Estabelecimento de patência foraminal. Medicação analgésica e antiinflamatória no canal, selamento. Alívio oclusal. Medicação analgésica e antiinflamatória sistêmica. Mediata: tratamento endodôntico. Acompanhamento clínico e radiográfico
Conduta clínica
Diagnóstico em Endodontia
163
Negativo
Cisto perirradicular** Assintomático, exceto quando em casos de agudizações Negativo
Negativo
Frio
Negativo
Negativo
Quente
Negativo
Negativo
Cavidade
Às vezes sensível à percussão. Palpação e mobilidade negativos. Quando volumoso, crepitação óssea à palpação
Às vezes sensível à percussão. Palpação e mobilidade negativos
Percussão vertical, palpação apical, mobilidade Área escura
Transiluminação
Rarefação óssea Área escura mais ou menos arredondada ou área definida, redonda ou elíptica, podendo ser limitada por linha radiopaca (linha de osteogênese reacional)
Rarefação óssea mais ou menos arredondada
Radiográfico
* Elaborado e adaptado a partir do Manual de Endodontia da Disciplina de Endodontia da Faculdade de Odontologia da UFRJ (1980). ** Só o exame histopatológico fornece diagnóstico diferencial. O objetivo é apresentar características clínicas e radiográficas mais evidentes, independentemente da imprecisão fornecida pelo diagnóstico clínico.
Negativo
Assintomático, exceto quando em casos de agudizações
Granuloma perirradicular **
Elétrico
Sintomatologia
Diagnóstico
Métodos de diagnóstico e conduta clínica das alterações pulpares e perirradiculares* (continuação)
Tratamento endodôntico. Particular atenção no acompanhamento clínico e radiográfico da regressão da lesão pela possibilidade de indicação de enucleação cística
Tratamento endodôntico. Acompanhamento clínico e radiográfico
Conduta clínica
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Diagnóstico em Endodontia
elemento suspeito de dor pelo endodontista constitui, porém, verdadeiro desastre e depõe fortemente contra a especialidade. Difícil explicar ao paciente que a dor permanecerá sob controle analgésico até que se esclareça por completo a sua origem. Impossível, porém, explicar quando o dente aberto não alivia a dor preexistente. Há uma máxima consagrada no meio científico que diz: “Saber parar também é arte”.
CUIDADOS NO ATENDIMENTO DE PACIENTES COM NECESSIDADES ESPECIAIS Uma vez realizado o diagnóstico e confirmada a necessidade do tratamento endodôntico, o paciente deve ser avaliado sistemicamente na busca de alguma condição impeditiva para o início imediato da terapia. Nessa abordagem é importante considerar o paciente no aspecto geral. Um comprometimento da saúde pode, muitas vezes, complicar um caso aparentemente simples. Ao realizar a anamnese, é importante uma atenção apurada do profissional nas informações prestadas pelo paciente, nos exames realizados e todos os detalhes apurados para uma atuação segura e emprego dos cuidados necessários ao paciente. Para a identificação de alguma condição sistêmica ou a utilização de algum medicamento especial pelo paciente é necessária em algumas situações uma abordagem multidisciplinar, e um contato com o médico que o assiste será uma conduta prudente para uma avaliação em conjunto sobre o estado de saúde geral do paciente. É importante lembrar que nesses casos o traumatismo e a possibilidade de se provocar uma bacteremia transitória, como consequência de um tratamento endodôntico, são sempre menores do que quando se realiza uma exodontia, segundo Bender et al.12 e Bender e Montgomery13, ao estudarem a incidência de bacteremia após manipulação endodôntica, exodôntica e periodôntica. Baseados nesse ponto de vista, a Endodontia sempre é a primeira opção, mesmo nesses pacientes especiais, desde que tomados alguns cuidados preventivos. A cada dia aumenta o número de pacientes portadores de doenças sistêmicas que procuram o tratamento odontológico, como é o caso dos hipertensos, diabéticos e cardiopatas. Isso reflete o aumento da expectativa de vida, decorrente do avanço da Medicina e da mudança de postura do indivíduo, que cuida mais de sua saúde nos vários aspectos. Embora qualquer paciente possa desenvolver problemas durante o trata-
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mento odontológico, pacientes cardiopatas e diabéticos têm maior chance de sofrer situações emergenciais. Tal situação obriga o profissional de odontologia a buscar novos conhecimentos que o habilitem a tratar esses pacientes com mais segurança, para sua tranquilidade e a confiança daqueles que o procuram.
PACIENTES CARDIOPATAS As doenças cardiovasculares persistem como a maior causa de morte em todo o mundo. O número de pacientes portadores de cardiopatias vem crescendo muito ultimamente, tanto pela população ter adotado um estilo de vida mais sedentário e estressante, como também por ter adquirido hábitos nocivos à saúde. O cirurgião-dentista tem papel fundamental na salvaguarda da saúde oral dos pacientes e, consequentemente, deve estar apto a reconhecer doenças cardiovasculares e os fatores de risco a elas associadas. O manejo odontológico desses pacientes implica o reconhecimento da doença, o estudo da terapia farmacológica e as possíveis interações medicamentosas a que estão sujeitos. Estando ciente desses itens, o cirurgião-dentista pode prover a saúde bucal de seus pacientes sem prejudicar outros sistemas. Muitas vezes o trabalho conjunto do dentista e do médico é imprescindível para a promoção da saúde do paciente como um todo. Estudos demonstram que o estresse provocado pelo tratamento dentário pode ocasionar alterações transitórias no sistema cardiovascular. Num paciente saudável, essas alterações não teriam grandes problemas, ao contrário do que pode ocorrer num paciente portador de algum distúrbio cardiovascular. Esses pacientes estão sujeitos a uma resposta hemodinâmica (variações da pressão arterial e frequência cardíaca) limitada diante do estresse metabólico de um procedimento odontológico. Quando isso ocorre, o miocárdio (músculo cardíaco) exige uma elevada demanda de oxigênio, determinada por um aumento do nível de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) secundárias à ansiedade, à dor e ao estresse gerado pelo procedimento como um todo. Torna-se evidente que esse processo presente em indivíduos com cardiopatia deve ser realizado em condições de absoluta segurança para garantir o sucesso do procedimento e a segurança do paciente. Uma vez identificados os pacientes portadores de doença do sistema cardiovascular, eles são considerados como compensados ou controlados quando se
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
enquadrarem numa das seguintes condições, com uma boa margem de segurança, segundo Andrade6. • período mínimo de 6 meses após o infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC); • período mínimo de 3 meses após cirurgia de revascularização do miocárdio como “ponte” de veia de safena ou artéria mamária; • angina pectoris estável (a medicação prescrita pelo médico deve ser suficiente para evitar episódios constantes de dor no peito); • tomar a pressão arterial e avaliar o pulso carotídeo antes e durante a sessão de atendimento; • insuficiência cardíaca congestiva estável (avaliação médica); • hipertensão arterial controlada – pressão diastólica até 100mmHg; • frequência cardíaca em repouso menor que 100 batimentos/minuto; • pacientes que estiverem fazendo uso de vasodilatador coronariano deverão receber uma dose profilática via sublingual, 1 a 2 minutos antes do procedimento, sob orientação médica; • pacientes que fazem uso de anticoagulantes e antiagregadores plaquetários devem entrar em contato com o médico antes de realizar procedimentos que envolvam sangramento para saber se há necessidade ou não de suspender ou diminuir a dose da medicação enquanto dura o tratamento; • pacientes com insuficiência cardíaca congestiva devem procurar uma posição mais confortável na cadeira odontológica, com o encosto menos reclinado, para evitar dispneia; • nenhuma mudança recente quanto aos medicamentos ou orientação médica.
É importante identificar a natureza da cardiopatia e o grau de risco diante de um procedimento endodôntico, principalmente os mais invasivos. Por isso é importante conhecer a história médica pregressa do paciente, buscando avaliar sua estabilização clínica adquirida no tratamento médico realizado e dessa forma realizarmos o tratamento endodôntico com mais segurança. É importante salientar a necessidade de verificação dos níveis de pressão arterial antes do procedimento em todos os pacientes, cuja anamnese os identificou como portadores de cardiopatia ou como pacientes suspeitos, com base em sua história médica. Para sua identificação consideramos os níveis do VII Relatório do Joint National Committee31.
Cuidados com o uso de medicamentos em pacientes cardiopatas Anestesia local
A avaliação dos sinais vitais deve fazer parte do exame físico em toda consulta inicial ou antes de cada sessão de atendimento. A obtenção de valores relativos ao pulso carotídeo, frequência respiratória, pressão sanguínea arterial e temperatura, com o paciente em repouso, deve constar do prontuário odontológico5. Principais doenças cardíacas encontradas na população adulta:
No atendimento de pacientes cardiopatas um procedimento de muita controvérsia é a escolha da solução anestésica local. Isso se deve, principalmente, à recomendação da maioria dos médicos de empregar nesses pacientes anestésicos locais sem vasoconstritor. Compreendemos que isso ocorra pelo fato de que a adrenalina usada em medicina ocorre principalmente em situações emergenciais, onde a média empregada é de 0,5 a 1mg, enquanto num tubete anestésico com esse vasoconstritor a 1:100.000, encontramos apenas 0,018mg34. Ao empregar uma solução anestésica em pacientes cardiopatas, precisamos lembrar dois pontos importantes: 1) a presença de um vasoconstritor promove uma anestesia pulpar de maior duração, o que não é conseguido quando se utiliza uma solução sem agente vasoconstritor associado; 2) quando se emprega solução anestésica local sem vasoconstritor, a margem de segurança clínica é diminuída, pois a dose máxima é geralmente calculada em função da quantidade do sal anestésico e não do agente vasopressor5. O uso do anestésico local em pacientes cardiopatas deve obedecer aos seguintes princípios básicos:
• Doenças orovalvulares • Cardiopatias congênitas • Doença arterial coronária: angina pectoris (estável e instável) • Infarto agudo do miocárdio • Insuficiência cardíaca • Arritmias cardíacas
• a injeção deve ser lenta e precedida de aspiração prévia; • respeitar a quantidade máxima de 0,04 mg de adrenalina (equivalente a 2 tubetes); • empregar vasoconstritor em concentrações mínimas – adrenalina 1:100.00 ou 1:200.000 ou felipressina 0,03Ul/mL;
Diagnóstico em Endodontia
• havendo contraindicação absoluta do uso de vasoconstritor, pode-se optar pelas soluções anestésicas à base de mepivacaína a 3% sem vasoconstritor, que proporcionam uma anestesia pulpar de até 20 minutos nas injeções infiltrativas e de até 30/40 minutos nos bloqueios regionais5. • levar em consideração o risco das interações medicamentosas indesejáveis, uma vez que esses pacientes normalmente fazem uso de medicamentos que podem interagir com os vaso constritores adrenérgicos e provocar efeitos adversos. Por exemplo, a noradrenalina interagindo com o propanolol, uma droga betabloqueadora, pode promover taquicardia e aumento brusco da pressão arterial sanguínea29.
Controle da ansiedade Em pacientes cardiopatas deve-se reduzir ao máximo possível o nível de estresse, apreensão, medo e procedimento longos. Para tanto, recomenda-se que o atendimento seja realizado preferencialmente pela manhã, quando ele se encontra mais calmo e tranquilo. A relação profissional-paciente deve ser sustentada pela confiança, atenção e segurança. Prever no planejamento do tratamento um intervalo entre as sessões de pelo menos 10 dias. Manter diálogo permanente com o paciente e evitar surpresas no decorrer do tratamento. Para tanto, o procedimento deverá ser explicado de forma clara e objetiva, utilizando uma linguagem que o paciente entenda, não omitindo informações, e enfatizar as medidas que serão tomadas no caso de dor para que o paciente permaneça o mais tranquilo possível. Como medida complementar ao combate da ansiedade é indicado o uso de métodos farmacológicos, e a primeira escolha têm sido os benzodiazepínicos. Desse grupo de drogas se destacam diazepam, lorazepam e alprazolam, que diferem entre si, principalmente com relação ao início e duração da ação. As doses recomendadas para adultos são as seguintes: 1. Diazepam, 5 a 10mg ou 0,5 a 0,75mg de alprazolam, que tem rápido início de ação: dose única 30 a 45 minutos antes do atendimento; 2. Lorazepam, 1 a 2 mg, que tem início de ação mais lenta: dose única 2 horas antes do atendimento.
Controle da dor pós-operatória Nas situações onde a expectativa de dor pósoperatória é de intensidade leve a moderada, as drogas indicadas são dipirona ou paracetamol. Em procedimentos mais invasivos, os corticosteróides de ação
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prolongada (betametasona ou dexametasona), administrados em uma ou no máximo duas doses, se constituem numa boa opção5.
Pacientes com hipertensão arterial A hipertensão arterial é um dos principais fatores de risco para o aparecimento das doenças cardiovasculares. À medida que a idade passa, essa doença se torna mais prevalente, trazendo grandes implicações no aparecimento dos infartos do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais e disfunção do músculo cardíaco16. Mesmo nos pacientes com diagnóstico realizado nos consultórios médicos, apenas uma parcela é tratada e dessa parcela apenas um percentual controla adequadamente a PA. Com isso, de cada 100 hipertensos, aproximadamente 70 são descobertos, 41 recebem tratamento e 14 estão bem controlados38. A classificação mais recente da hipertensão arterial baseia-se no VII Joint of National Committee29, conforme consta no Quadro 5-1.1.
O conhecimento das medicações hipertensivas é fundamental para o profissional de Odontologia. Vários efeitos dessas drogas têm interferência antes e durante o procedimento. Os betabloqueadores, por exemplo, podem causar bradicardia e fadiga e aumentam o efeito da lidocaína; os inibidores da enzima de conversão da angiotensina, mais comumente utilizados, podem causar tosse, hipotensão e diminuir o efeito de anti-inflamatórios. Dessa forma é interessante o endodontista ter em seu consultório um Dicionário de Especialidades Terapêuticas (DEF) para identificação das substâncias anti-hipertensivas, cujas apresentações comerciais são as mais variadas, e a partir daí saber as suas possíveis interferências no procedimento proposto. A segurança do procedimento odontológico depende de vários aspectos, que podem estar relacionados com o paciente, o profissional e a sua equipe, o tipo de intervenção, a estrutura montada e a estratégia de atendimento. Quadro 5-1.1 Classificação de hipertensão arterial em adultos acima de 18 anos – VII Joint of National Committee Classificação da PA
PA sistólica (mmHg)
PA diastólica (mmHg)
Normal Pré-hipertensão Estágio 1 Estágio 2
<120 120-139 140-159 ≥ 160
<80 80-89 90-99 ≥ 100
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Quadro 5-1.2 Manuseio odontológico relacionado com o risco da intervenção Classificação da PA
Encaminhar para o médico
Tratamento odontológico
Normal e pré-hipertensão
Não – <120/<80 e 120-140/80-89
Sim
Estágio 1
Sim – 140-159/90-99
Sim, maior parte dos procedimentos
Estágio 2
Sim – 160-179/100-109 Sim, imediatamente ≥180/≥110
Sim, procedimentos não invasivos, monitorando a pressão Eletivo: não
Nos pacientes mais estressados é prudente indicar o uso de ansiolíticos 30 a 45 minutos antes do procedimento. O Quadro 5-1.2 revela a postura profissional recomendada por Little et al. (33) diante de paciente com hipertensão arterial. O uso de vasoconstritor junto com os anestésicos deve ser feito com muito critério, já que pode causar elevações da pressão arterial, porém a dor envolvendo o procedimento, quando a analgesia não ocorre de forma adequada, pode ser muito pior para a resposta da pressão arterial. Com isso devemos usar a menor quantidade possível e evitar a injeção intravascular. Vários estudos demonstraram que a injeção de 1,8mL de lidocaína a 2% com epinefrina a 1:100.000 em pacientes saudáveis não resulta em aumentos significativos da pressão arterial ou da frequência cardíaca22,49. Por outro lado, outros estudos demonstraram que 5,4mL de lidocaína a 2% com epinefrina a 1:100.000 resultaram em grandes elevações da pressão arterial e frequência cardíaca, porém sem sintomas significantes22. Segundo Andrade7, o uso de vasoconstritor incorporado nas soluções anestésicas locais não é contraindicado, podendo ser empregada a adrenalina (1:100.000 ou 1:200.000), em doses pequenas, com injeção lenta e aspiração prévia negativa, empregando no máximo dois tubetes. No entanto, Armonia & Tortamano8 afirmam que a adrenalina, noradrenalina, fenilefrina e levonordefrina podem interferir com alguns anti-hipertensivos. Outra opção é o uso da felipressina 0,03UI/mL associada à prilocaína a 3%, que seguramente não altera a pressão arterial e atividade cardíaca, não interferindo, portanto, com o efeito farmacológico dos anti-hipertensivos. Para os pacientes com hipertensão no Estágio 1 e 2 recomenda-se a prescrição de diazepam 5mg ou
lorazepam 1 ou 2mg como medicação pré-anestésica, 1 hora antes do procedimento. Os pacientes no Estágio 2, com pressão diastólica acima de 100mmHg e/ou sistólica acima de 180mmHg, que necessitem atendimento de urgência devem primeiro receber um benzodiazepínico (p. ex.: diazepam 5mg) para se tentar obter uma redução da pressão arterial1.
Prevenção da endocardite infecciosa A endocardite infecciosa (EI) é uma doença aguda ou subcrônica consequente à invasão bacteriana de uma área focal do endotélio de uma válvula cardíaca ou de uma cavidade do coração, com liberação contínua de micro-organismos infectantes para a corrente sanguínea16. Os pacientes que têm maior risco de desenvolvêla são aqueles portadores de doença cardíaca congênita, reumática ou próteses valvulares cardíacas. Dentre os fatores precipitantes da EI, por favorecerem a passagem de bactérias para a corrente sanguínea, citamos: alguns procedimentos odontológicos, tonsilectomia, piodermite, pneumonia, intervenções geniturinárias ou uterinas, hemodiálise, cateteres venosos, uso de drogas venosas ilícitas etc. Classicamente, os estreptococos são os agentes etiológicos mais comuns (30 a 50% dos casos). Ultimamente, entretanto, a porcentagem dos estafilococos vem aumentando, encontrando-se taxas superiores a 30%. Bactérias gram-negativas, fungos e bactérias do grupo HACEK são outros micro-organismos que podem causar EI. As manifestações clínicas da EI podem ser infecciosas, cardíacas, pulmonares, cutâneas, oftalmológicas, vasculares ou abdominais. Prostração, perda de peso, febrícula e palidez cutânea mucosa são sintomas da endocardite aguda (EA). Na fase aguda ela se caracteriza por início sú-
Diagnóstico em Endodontia
bito de febre alta com calafrios, sudorese, fenômenos tromboembólicos, manifestações neurológicas, lesões cutâneas de Janeway (máculas hemorrágicas, indolores, encontradas em palmas e plantas), insuficiência cardíaca, manchas de Roth (lesões pálidas e ovalares situadas na retina) e nódulos de Osler (lesões firmes, elevadas, dolorosas, avermelhadas e de centro claro), localizadas nas pontas dos dedos, palmas das mãos e planta dos pés. O diagnóstico da EI é realizado com base no quadro clínico, hemoculturas seriadas, num período de 24 e 48 horas (em número de quatro a seis hemoculturas) e ecocardiograma. O prognóstico depende de fatores como: virulência do micro-organismo infectante, idade e estado geral do paciente, estruturas valvares envolvidas, duração da infecção, presença de complicações. Certas cardiopatias estão associadas a endocardites mais frequentemente do que outras. Além disso, quando a endocardite se desenvolve em indivíduos com cardiopatias preexistentes, a gravidade da doença e a morbidade subsequente podem ser variadas. Cerca de 2/3 dos pacientes com EI apresentam pelo menos um dos seguintes fatores de risco para aquisição dessa infecção: doença cardíaca estrutural, prótese valvar cardíaca, uso de drogas intravenosas, EI prévia, HIV/AIDS, procedimentos invasivos intravasculares em ambiente hospitalar e hemodiálise. Pacientes jovens com EI, em geral, são portadores de sequela valvar de febre reumática, cardiopatia congênita ou são usuários de drogas intravenosas. O maior número de casos tem sido observado em idosos, pacientes institucionalizados/hospitalizados e submetidos a procedimentos invasivos. Quanto às recomendações atuais para a profilaxia da EI, dois aspectos são fundamentais: 1. Identificação de pacientes de alto risco para adquirir EI e que tenham maior chance de evoluir com EI grave (Quadro 5-1.3); 2. Identificação de procedimentos odontológicos de alto risco para bacteremia significativa (Quadro 5-1.4). Pacientes que se enquadrarem nesses casos devem receber profilaxia para EI, que deve ser administrada preferencialmente via oral, utilizando-se amoxicilina ou clindamicina, esta última em caso de alergia a penicilina e derivados. A administração endovenosa será utilizada na impossibilidade do uso por via oral (Quadro 5-1.5).
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Quadro 5-1.3 Pacientes com risco de adquirir EI grave Portador de prótese cardíaca valvar Valvopatia corrigida com material protético Antecedente de endocardite infecciosa Valvopatia adquirida em paciente transplantado cardíaco Cardiopatia congênita cianogênica não corrigida Cardiopatia congênita cianogênica corrigida que evoluiu com lesão residual Cardiopatia congênita corrigida com material protético
Quadro 5-1.4 Procedimentos odontológicos e indicação de profilaxia de EI Indicada
Não recomendada – quaisquer pacientes que se submeterão aos procedimentos abaixo
Para pacientes com risco Anestesia local em tecido não de El grave e que se infectado submeterão a Radiografia odontológica procedimentos que Colocação ou remoção de envolvem a manipulação aparelhos ortodônticos de tecido gengival, região Colocação de peças em periodontal ou perfuração aparelhos ortodônticos da mucosa oral Queda natural de dente decíduo Sangramento oriundo de trauma da mucosa oral ou lábios
Um procedimento adequado para a profilaxia da endocardite bacteriana deve considerar a condição geral do paciente, o risco aparente de o procedimento causar bacteremia, possíveis reações adversas do agente antimicrobiano a ser empregado e, por fim, a relação custo-benefício do regime recomendado. É prudente trocar informações com o médico do paciente ou com um cardiologista de confiança, o que transmitirá maior confiabilidade e segurança ao paciente7. Recomenda-se também a utilização de bochecho com solução de digluconato de clorexidina a 0,2% por 1 minuto antes de cada procedimento.
PACIENTES PORTADORES DE DIABETES MELLITUS Diabetes mellitus é uma doença sistêmica crônica que engloba sistemas metabólicos, vasculares e endócrinos, provavelmente de caráter hereditário, consequente à deficiência parcial ou total de insulina, que
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Quadro 5-1.5 Esquemas medicamentosos de profilaxia para endocardite infecciosa antes de procedimentos odontológicos Via de administração
Medicação
Dose única 30 a 60 minutos antes do procedimento
Criança
Adulto
Oral
Amoxicilina
50mg/kg
2g
Oral – alergia a penicilina
Clindamicina Azitromicina ou Claritromicina
20mg/kg 15mg/kg
600mg 500mg
Parenteral (EV ou IM)
Ampicilina Cefazolina ou Ceftriaxona
50mg/kg 50mg/kg
2g 1g
Parenteral (EV ou IM) – alergia a penicilina
Clindamicina
20mg/kg
600mg
acarreta uma inadequada utilização dos carboidratos e alterações no metabolismo lipídico e proteico7,45. No Brasil, estima-se que essa doença já atinja 13 milhões de indivíduos. De acordo com Verma e Bhat50, a American Diabetes Association no ano 2000 removeu a classificação da diabete baseada no tratamento e na idade (insulino-dependente e não insulino-dependente) e introduziu um sistema baseado na etiologia da doença, classificando a diabete em quatro tipos: Tipo 1: causada pela destruição das células, levando a uma deficiência absoluta de insulina; Tipo 2: pode ser desde uma resistência à insulina, com relativa deficiência dessa, até um defeito secretório predominante, com pequena resistência à insulina; Tipo 3: defeitos genéticos na função das células, caracterizados por mutação. Defeitos genéticos na ação da insulina. Endocrinopatias. Doenças do pâncreas exócrino. Diabete induzida por drogas ou produtos químicos. Diabete relacionada a infecções. Outras síndromes genéticas associadas à diabete: síndrome de Down, síndrome de Turner etc. Formas incomuns de diabete imunologicamente mediadas – presença de anticorpo antirreceptor; Tipo 4: gestacional – descrita como hiperglicemia diagnosticada pela primeira vez durante a gravidez. A maioria das mulheres tem o quadro revertido para níveis normais de glicose após o parto, porém com substancial risco de desenvolver diabete posteriormente.
Normas gerais de conduta A partir do momento em que a doença é relatada mediante anamnese dirigida e identificação dos principais sintomas como a xerostomia, polidipsia, poliúria e polifagia, algumas das seguintes questões precisam ser definidas45: a) Descoberta do paciente diabético: • você é diabético? • que medicamentos faz uso? • está sob cuidados médicos? b) Gravidade da doença e o grau de controle: • quando foi a primeira vez que foi diagnosticada sua doença? • quando foi realizado seu último exame e qual foi o resultado? • como está sendo o seu tratamento de diabete? • com que frequência você tem reações com insulina? • quando foi a última consulta com o médico? • você tem qualquer sintoma de diabete atualmente? c) Marcar a consulta pela manhã, o paciente deve alimentar-se normalmente, e caso o procedimento se prolongue até o horário das refeições deve ser interrompido para que o paciente se alimente. d) Tempo de trabalho e estresse deve ser reduzido. A ansiedade e o medo podem induzir uma maior secreção de catecolaminas pelas suprarrenais, desencadeando o processo de glicogenólise hepática e aumentando ainda mais os níveis de glicemia. Está indicado o uso de ansiolíticos, como os benzodiazepínicos – diazepam (p. ex.: Valium) ou lorazepam (p. ex.: Lorax).
Diagnóstico em Endodontia
e) Os pacientes não compensados não devem ser submetidos ao tratamento odontológico. f) O tipo de anestésico a ser empregado no paciente acometido de diabetes mellitus é motivo de controvérsia entre alguns autores. Perusse et al.40, num trabalho de revisão sobre as contraindicações de vasoconstritores em Odontologia, sugerem que os mesmos podem ser empregados com segurança na maioria dos pacientes diabéticos em condições estáveis. No entanto, pelos conhecimentos atuais do efeito hiperglicêmico da adrenalina, embora seja empregada em baixas concentrações, a maioria dos autores reconhece que em pacientes diabéticos instáveis ou não compensados o uso de vasoconstritores do grupo das catecolaminas deve ser evitado. Armonia & Tortamano9 sugerem utilizar como rotina Citanest a 3% ou Citocaína a 3%, associado à felipressina, obedecendo às doses limites recomendadas para as distintas soluções anestésicas. g) Quando for necessária a utilização de analgésico ou anti-inflamatório, recomenda-se nunca utilizar: ácido aceltisalicílico, sulfas, oxifenilbutazona e corticosteroide, pois essas drogas aumentam a atividade de insulina e dos medicamentos hipoglicemiantes; embora o uso prolongado do corticosteroide provoque hiperglicemia8. Nas situações onde a dor é de intensidade leve a moderada, a dipirona ou o paracetamol são as drogas indicadas7. h) Quanto à terapêutica antimicrobiana, em diabéticos cuja doença se encontra bem controlada, não há necessidade de se receitarem antibióticos previamente a qualquer procedimento odontológico.Tal conduta só deve ser observada em pacientes descompensados, apresentando cetoacidose sanguínea e cetonúria (presença de corpos cetônicos na urina), situação na qual as funções dos neutrófilos se encontram diminuídas7.
PACIENTES GESTANTES Ao atender uma gestante, o dentista se defronta com uma dupla responsabilidade, pois, além de proporcionar um tratamento seguro para a mãe, deve também se preocupar com a saúde do feto. Assim, o atendimento desse grupo de pacientes requer certos cuidados, especialmente com relação ao uso das soluções anestésicas locais e a outros medicamentos. Além disso, devemos estar atentos às alterações psíquicas e fisiológicas dessa paciente, que passa por um momento ímpar em sua vida, momento de profundas mudanças em toda a sua estrutura física e espiritual.
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Além das mudanças físicas, que a preparam para o parto e amamentação, acontecem algumas alterações fisiológicas importantes. A frequência cardíaca aumenta na ordem de 10 batimentos/minuto a partir da 14a até a 30a semana de gestação. A pressão arterial diastólica pode diminuir discretamente e a sistólica, por sua vez, aumentar levemente, a partir da 30a semana. A capacidade respiratória vital se encontra aumentada, levando a maior consumo de oxigênio e aumento da frequência respiratória7. As alterações hormonais durante a gestação são notáveis, tornando a mulher grávida uma pessoa muito especial que, até mesmo pelas suas alterações psicológicas, poderá questionar todo e qualquer procedimento proposto pelo dentista, com o instinto de proteção ao futuro bebê, em especial quanto ao emprego dos raios X, anestésico ou outro medicamento. Assim se justifica que para o atendimento de uma mulher gestante, especialmente para a realização de um tratamento endodôntico, algumas das seguintes normas de conduta devem ser adotadas para maior segurança e tranquilidade de nossa paciente:
1. Relação entre dentista/médico/paciente É extremamente interessante do ponto de vista clínico e psicológico que haja uma interação amigável entre os profissionais visando ao plano de tratamento odontológico e à avaliação risco/benefício dos procedimentos que serão realizados e medicamentos necessários. Esse procedimento, além de ético, dará maior confiança à paciente4.
2. Procedimentos A condição de gravidez não contraindica o tratamento endodôntico, mas por uma questão de bom senso é preciso avaliar previamente as condições da paciente e o período de gestação, priorizando a princípio o controle da dor e da infecção, programando para o período pós-parto procedimentos mais invasivos como cirurgias perirradiculares. O profissional deve otimizar o tratamento para evitar o estresse da mesma, já agravado pela situação especial da paciente.
3. Época de atendimento O primeiro trimestre é o mais crítico para o embrião, pois, nessa época, estão se desenvolvendo os vários órgãos, tornando-o mais vulnerável às agressões teratogênicas e ao aborto, embora não haja evidências efetivas de que a medicação ou o tratamento dentário causem abortos7.
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O terceiro trimestre é o mais crítico para a gestante, pois, nessa fase, pode ser encontrado um aumento entre 20 e 40% no seu débito cardíaco, além de um aumento de 30% no seu volume sanguíneo. Em alguns casos o feto pode exercer pressão sobre a veia cava inferior, quando a mãe se encontra deitada, prejudicando o retorno venoso, gerando hipotensão e síncope46. Outro fenômeno que pode ser observado nesse período é a dispneia, que pode levar à hipoxia discreta das gestantes quando na posição supina. O mecanismo responsável por essa alteração é o volume do conteúdo abdominal pressionando o diafragma33. O segundo trimestre constitui-se na melhor época para o atendimento da gestante, pois é o período em que a organogênese está completa, o feto já está desenvolvido e a gestante já bem adaptada física e psicologicamente. Segundo Andrade6, existe apenas o perigo de hipotensão postural se a paciente é tratada na posição supina e houver uma mudança brusca para a posição em pé. Por outro lado, devem ser consideradas em caráter de urgência, independentemente do período da gestação, as intervenções que tenham por objetivo controlar a dor e remover focos de infecção, pois tem sido demonstrada a relação das infecções com a toxemia33,39. Sabe-se que a disseminação sistêmica de uma infecção (septicemia) é considerada teratogênica e pode ser apontada como uma das causas, em potencial, do aborto espontâneo48.
4. Duração da consulta e posicionamento da paciente O atendimento à gestante deve ser de preferência pela manhã com procedimentos otimizados e o menos extenuante possível. É conveniente que a gestante não fique na posição supina, principalmente após o 6o mês de gestação, quando o feto pode exercer uma pressão sobre as veias abdominais, diminuindo o retorno venoso dos membros inferiores, predispondo a paciente à hipotensão postural. Convém que a paciente, ao término da consulta, fique sentada ou deitada pelo lado esquerdo por alguns minutos antes de assumir a posição em pé7.
5. Exame radiográfico Embora a radiografia seja essencial para o tratamento endodôntico, o avanço tecnológico de hoje nos permite obter imagem com o mínimo de radiação por meio da radiografia digital. Os localizadores apicais eletrônicos também são excelentes recursos que possibilitam a obtenção do comprimento de trabalho sem
o uso da radiografia. No entanto, o uso do aparelho de raios X convencional não deve ser motivo de preocupação do profissional, embora ainda seja tema de muita angústia para a gestante, por falta de orientação e conhecimento. As radiações ionizantes são fatores sabidamente responsáveis por mutações genéticas. A quantidade de radiação para uma radiografia periapical está muito aquém dos níveis nocivos. A maioria dos autores concorda que doses abaixo de 5 a 10 rads não trazem qualquer prejuízo ao feto. A literatura registra malformações com doses acima de 250 rads, antes de 16 semanas de gestação3. Para compararmos, em raios X de abdome AP, a dose é de 0,05 a 0,1 rad, e em uma panorâmica essa dose cai para 0,00015 rad1. Com tudo isso no atendimento às gestantes recomenda-se que as tomadas radiográficas devam ser feitas apenas quando indispensáveis, que se utilize um fator de proteção como um avental com revestimento de chumbo e que se empreguem filmes ultrarrápidos que permitem um menor tempo de exposição.
6. Uso de medicamentos Segundo Bedran11, o efeito dos medicamentos sobre o feto depende de uma série de fatores, incluindo a quantidade de substâncias que o atinge e sua suscetibilidade ao efeito das drogas (idade gestacional). O principal mecanismo de passagem placentária dos medicamentos é por difusão simples. A quantidade de substância que atinge o feto depende basicamente do peso molecular da droga, sua lipossolubilidade, grau de ionização, ligação às proteínas, fluxo sanguíneo uteroplacentário e as condições das plaquetas44. Quase nenhum fármaco é totalmente inócuo para o concepto, pelo que a conduta geral deve ser a de evitar o uso de medicamentos durante a gestação. O efeito teratogênico com relação ao feto ou embrião tem uma relação direta com a dosagem e concentração da droga, dependendo de vários fatores. Entre eles podemos citar: época gestacional em que a droga é utilizada; via de aplicação da droga; solubilidade da droga; quantidade prescrita; peso molecular; doenças maternas que poderão alterar a permeabilidade placentária. São fatores que estarão influenciando diretamente a passagem ou não da droga pela placenta. Em caso de necessidade, antes de prescrever, o dentista deve verificar se ele é considerado seguro na fase da gestação. Deve também avaliar se a indicação medicamentosa é realmente indispensável, não podendo ser substituída por um procedimento clínico que remova a dor ou infecção.
Diagnóstico em Endodontia
Dessa forma, Andrade7 não recomenda o uso de ansiolíticos em gestantes e em pacientes extremamente ansiosas, devendo-se optar pela tranquilização verbal ou outro método de condicionamento psicológico, evitando-se o uso de agentes farmacológicos. Ainda segundo o autor, quando houver uma indicação precisa de analgésicos, deve-se empregar o paracetamol (500 a 700mg) ou dipirona (500mg) , respeitando-se o limite de três doses diárias, com intervalos de 4 em 4 horas, por tempo restrito. Os anti-inflamatórios não esteroides (Aines), assim como aspirinas, devem ser usados com muita precaução nos últimos 3 meses de gestação e por tempo restrito. Armonia & Tortamano9 contraindicam esse tipo de medicamento, assim como as drogas miorrelaxantes. Com relação ao uso de antibióticos, o procedimento mais adequado é remover a causa de infecção e evitar o uso dessa medicação. Quando houver indicação do uso de antimicrobianos, deve-se optar pelas penicilinas (penicilinas V ou amoxicilina), por serem praticamente atóxicas, não causando danos ao organismo materno e ao feto. Nos casos de alergia às penicilinas, a opção é a eritromicina sob a forma de estearato em vez do estolato, que apresenta um maior potencial hepatotóxico43. Em infecções mais graves recomenda-se o uso de metronidazol (p. ex., Flagyl), associado às penicilinas, ou empregar a amoxicilina associada ao clavulanato de potássio (p. ex., Clavulin) e optando pela clindamicina para as pacientes alérgicas a penicilina. No entanto, o profissional sempre deve usar do bom senso e avaliar junto ao médico a relação risco/benefício quanto ao uso desses medicamentos.
7. Uso de soluções anestésicas locais A partir do momento em que o dentista decide usar os anestésicos, ele se torna imediatamente responsável por todas as implicações que venham surgir durante e após o procedimento clínico. Portanto, é importante, para a sua segurança e a do paciente, que conheça as propriedades, indicações e dose máxima permitida de cada um dos anestésicos locais disponíveis no mercado. Segundo Seavuzzi & Rocha43, devem ser observados os seguintes aspectos no uso de anestésicos locais em gestantes: técnica anestésica; quantidade da dose administrada; ausência/presença de vasoconstritor; efeitos citotóxicos e possibilidade de causar problemas no feto (quando ocorre a passagem da solução anestésica por meio da placenta).
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Todos os anestésicos, por serem lipossolúveis, atravessam a placenta. A velocidade e a quantidade transferida são proporcionais ao tamanho das moléculas e ao grau de ligação plasmática do anestésico na circulação materna e aos tecidos da mãe. Assim, quanto maior o grau de ligação do anestésico às proteínas plasmáticas, maior é o grau de proteção ao feto41. A escolha da solução anestésica local no tratamento de paciente gestante ainda é muito controvertida, principalmente pela presença ou não do vasoconstritor. Há um consenso, porém, de que o anestésico local deve ser aquele que proporcione a melhor anestesia à grávida. Segundo Little et al.33, a Associação de Cardiologia e o Conselho de Terapêutica Odontológica NorteAmericano recomendam o uso de vasoconstritor em todos os anestésicos locais, pois há riscos no uso dessas soluções sem ele. A anestesia pode não ser eficaz, além de seu efeito passar rápido demais. A dor resultante pode levar o paciente ao estresse, fazendo com que haja liberação de catecolaminas endógenas em quantidades muito superiores àquelas contidas em tubetes anestésicos e, consequentemente, mais prejudiciais. Os vasoconstritores são adicionados às soluções anestésicas locais com vistas a obter vantagens importantes: prolongam a duração da anestesia, já que o vasoconstritor diminui a velocidade de absorção do sal, diminuindo assim sua toxicidade; permitem um campo operatório com menor sangramento nos procedimentos cirúrgicos em função da diminuição do calibre dos vasos com a vasoconstrição; promovem hemostasia; aumentam a concentração local dos anestésicos, o que permite uma anestesia mais profunda, reduzindo a dose administrada. Essas características dos vasoconstritores promovem maior conforto ao paciente, pois a maior efetividade anestésica evita o estresse provocado pela dor e por injeções repetidas de anestésico local. No Brasil, atualmente, estão disponíveis para uso em Odontologia os seguintes sais anestésicos: prilocaína, mepivacaína, bupivacaína, lidocaína e articaína. Os vasoconstritores mais usados são: adrenalina, noradrenalina, levonordefrina, felipressina e fenilefrina. Que substâncias são mais indicadas para uso em gestante? É preciso conhecer um pouco mais sobre suas características para que possamos tomar uma decisão consciente em benefício dos pacientes (gestante e feto) que estão sob nossos cuidados. Prilocaína – Entre os sais anestésicos, a prilocaína é o que apresenta menor percentual de ligação protéica (55%), o que permite uma maior proporção de passagem pela placenta. Sabe-se que quanto maior
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
o grau de ligação do anestésico às proteínas plasmáticas na circulação materna, maior a proteção ao feto. O metabolismo da prilocaína é hepático, produzindo metabólitos contendo ortotoluidina. Esses metabólitos, se doses excessivas forem empregadas, podem oxidar a hemoglobina, transformando-a em metemoglobina e tornando a molécula incapaz de transportar oxigênio, desenvolvendo um quadro de cianose, redução da função cerebral, fraqueza, dispneia e cefaleia, fenômeno chamado de metemoglobinemia7,43. É importante destacarmos que a quantidade de metemoglobinemia formada é diretamente proporcional à dose de prilocaína administrada. A dose máxima de prilocaína num indivíduo saudável de 60kg de peso seria de 360mg, equivalente ao volume aproximadamente de seis a sete tubetes. Verifica-se assim que o risco de metemoglobinemia se desenvolver numa paciente ambulatorial é muito difícil, desde que as doses sejam administradas nos limites recomendados. Entretanto, devemos estar atentos à possibilidade de ocorrer uma injeção acidental intravascular da solução anestésica, tornando o risco de uma metemoglobinemia muito maior, que pode ser preocupante para o dentista, não somente em relação à mãe, mas principalmente ao feto7. Esse fato reforça a importância da aspiração prévia antes da injeção e de administrá-la lentamente para diminuir a ocorrência de concentração sanguínea excessivamente alta. A prilocaína apresenta ainda outro problema adicional. Todas as soluções comercializadas no Brasil, contendo esse sal anestésico, possuem em sua composição o vasoconstritor felipressina, que em altas doses provoca contrações uterinas41. Mepivacaína – A duração e a profundidade desse sal anestésico são excelentes. O grau de ligação às proteínas plasmáticas é de 77%, o que oferece uma boa proteção ao feto. No entanto, o que restringe seu uso em pacientes gestantes é sua velocidade de metabolização, que no feto é de duas a três vezes menor que a da lidocaína. Como o sangue fetal tem menor quantidade de globulinas, a ligação proteica é de aproximadamente 50% daquela observada nos adultos. Em consequência, tem-se mais anestésico livre na circulação, tornando-a mais tóxica. Bupivacaína – Esse sal anestésico tem alto grau de ligação com as proteínas plasmáticas da mãe, o que poderia supor ser uma excelente indicação para as gestantes. Entretanto, sua longa duração de ação (média de 6 a 7 horas) limita seu uso em pacientes grávidas. Lidocaína – É o anestésico mais utilizado em todo o mundo. Pode ser encontrado no Brasil nas concen-
trações de 2% e 3%, sem vasoconstritor ou associado à adrenalina (1:50.000 e 1:100.000), noradrenalina (1:50.000) e fenilefrina (1:2.500)28. A princípio, os anestésicos sem vasoconstritores são contraindicados, salvo em casos específicos, conforme já relatado. No que se refere às associações com os demais vasoconstritores, a maioria dos autores preconiza a utilização da lidocaína a 2% com adrenalina a 1:100.000 ou noradrenalina 1:50.000, respeitando o limite máximo de dois tubetes por consulta7. Articaína – É um anestésico tão seguro e potente quanto a lidocaína35, porém não há estudos conclusivos sobre sua ação em pacientes gestantes. Seu emprego no Brasil teve início em 1999. Segundo Malamed48, a articaína também tem o potencial de produzir metemoglobinemia, embora nos estudos realizados tenha sido utilizada dosagem acima das empregadas em odontologia. Vasoconstritores – Entre os principais utilizados em Odontologia, a adrenalina é o mais potente e um dos mais empregados. Durante muito tempo seu uso em gestante foi visto com desconfiança, pois se acreditava que a adrenalina adicionada às soluções anestésicas locais poderia reduzir a frequência e a duração das contrações uterinas, dificultando o parto. Entretanto, ao entrar na corrente circulatória, a adrenalina é rapidamente biotransformada, não sendo seus efeitos cumulativos. É importante ressaltar que a adrenalina e a noradrenalina são hormônios produzidos pelo organismo, estando sempre presentes na corrente circulatória. O estresse causado pela dor ou ansiedade pode provocar o aumento desses hormônios acentuadamente, tornando-se mais lesivo à mãe e ao feto do que a presença desses vasoconstritores nas soluções anestésicas, sempre em concentrações muito diluídas. A adrenalina na concentração de 1:100.000 é atualmente o vasoconstritor mais indicado para uso com bastante segurança em pacientes gestantes, desde que se observem a recomendação da técnica de injeção e a dosagem máxima recomendada (dois tubetes)24. A noradrenalina na concentração de 1:50.000 também é recomendada por alguns autores9,21. Corrêa24, no entanto, relata que ela pode ser mais preocupante que a adrenalina. Devido ao seu mecanismo de ação, ela pode causar aumento mais acentuado da pressão arterial e resistência vascular periférica, ocasionando uma bradicardia reflexa, efeito indesejável não apenas às gestantes, mas a todos os pacientes. A felipressina não é contraindicada em pacientes gestantes, mas deve ser evitada por sua semelhança com o hormônio ocitocina, conforme já citado.
Diagnóstico em Endodontia
O vasoconstritor fenilefrina tem efeito ocitóxico, diminui a circulação placentária e dificulta a fixação do óvulo no útero da mulher. Além desses fatores relacionados com o estado geral do paciente, outras enfermidades poderão merecer a atenção do profissional, que deve realizar uma anamnese bem-feita e cuidadosa. Assim, qualquer desvio da saúde, temporário ou permanente, pode requerer precauções especiais do profissional durante o tratamento endodôntico. O parecer do médico e exames complementares adequados são de importância fundamental no planejamento do tratamento. Qualquer necessidade especial do paciente que possa criar alguma dificuldade ao tratamento ou mesmo impedi-lo deve ser avaliada com critério e bom senso. Em muitas oportunidades a melhor iniciativa é o encaminhamento a um profissional especializado e habilitado.
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Parte 2 Aspectos radiográficos de interesse endodôntico Arlindo dos Santos Costa Filho • Márcia Valéria Boussada Vieira Os raios X constituem peça fundamental no exercício da Endodontia, visto que o profissional ligado a essa especialidade é o que mais manuseia o aparelho, depois do radiologista, sendo necessário em todas as fases do tratamento. Portanto, quanto mais o profissional dominar os recursos que eles lhe oferecem, melhores serão os resultados. O tratamento endodôntico exige o uso da sensibilidade tátil como “extensão dos olhos”, aliada à habilidade e aos conhecimentos que se completam quando se adquire a capacidade de se extraírem das nuanças radiográficas, limitadas pela bidimensionalidade, informações necessárias à complementação do diagnóstico e tratamento. Por conseguinte, é inquestionável a dependência das manobras endodônticas às tomadas radiográficas para que se atinja o objetivo, ou seja, o sucesso endodôntico. A proposta desta seção é abordar alguns aspectos da Radiologia na prática da Endodontia, sem, no entanto, ter a intenção de esgotar a relação existente entre esses temas. O foco é oferecer ao leitor uma revisão breve de alguns aspectos técnicos e filosóficos que poderão vir a contribuir para o êxito da intervenção endodôntica, já que a radiografia convencional, que emprega equipamentos de raios X conven-
cionais, filmes e técnicas de processamento, ainda é o método mais utilizado no dia a dia da prática odontológica. O processamento radiográfico, de acordo com a legislação vigente (Portaria SVS/MS 453), preconiza o uso de câmaras escuras portáteis opacas à luz, e, com isso, o método tempo-temperatura precisa ser respeitado. O tempo pelo qual o filme permanecerá imerso na solução reveladora é determinado de acordo com a medida da temperatura do revelador. Para isso, uma tabela de tempos de processamento, de acordo com a temperatura das soluções, deve ser consultada e também precisa estar afixada no local destinado ao processamento das radiografias. Todas as radiografias deverão ser anexadas ao prontuário do paciente e constituem um documento com valor legal. Desse modo, elas precisam ser adequadamente processadas, secas e acondicionadas em cartelas apropriadas com a identificação do paciente e o registro da data do exame. Acreditamos que a grande evolução na Endodontia será através da imagem, quando obtivermos a imagem tridimensional da morfologia do elemento dentário, bem como da cavidade pulpar e dos forames e foraminas.
Diagnóstico em Endodontia
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PRINCÍPIOS BÁSICOS Variação angular A ausência da noção de profundidade na radiografia faz com que se lance mão de recursos calcados no Princípio do Deslocamento de Imagens. A elucidação de problemas é conseguida com novas radiografias obtidas utilizando-se Variações de Angulação do Cilindro Posicionador, que podem ser horizontais ou verticais.
Angulação horizontal Refere-se à variação de direção dos feixes de raios X, num plano horizontal, quando o cabeçote do aparelho se movimenta para a direita ou para a esquerda na direção horizontal.
Angulação vertical Refere-se à variação de direção dos feixes de raios X, num plano vertical, significando que o cabeçote se movimenta de cima para baixo ou vice-versa. Dentro dessas variações de angulação é que se estabelece a regra de Clark8-20: “Objetos mais afastados do cilindro posicionador (objeto linguopalatino) deslocam-se no sentido do deslocamento do cilindro posicionador.” Assim, o objeto mais próximo do cilindro posicionador, consequentemente mais afastado do filme, se desloca mais, enquanto o objeto mais distante do cilindro posicionador ou mais próximo do filme se desloca menos. Convém ressaltar que a regra de Clark é aplicada rotineiramente na Endodontia. Nos Estados Unidos esse fenômeno é conhecido pelo nome de Regra do Objeto Bucal (SLOB – Same Lingual Opposite Bucal). Algumas radiografias de molar inferior podem apresentar a terminação apical dos canais de modo duplo, trazendo dúvidas quanto ao verdadeiro limite apical radiográfico. Esse fenômeno é explicado na Regra do Objeto Bucal (Fig. 5-2.1).
Indicações A aplicação dos princípios básicos e mais o conhecimento da anatomia da cavidade pulpar permitem localizar canais, entrada de canais com câmara pulpar atresiada, ápices radiculares da raiz palatina dos molares superiores encobertos pelo processo zigomático ou osso malar, visualização dos ápices das raízes vestibulares dos molares superiores, verificação do sentido das curvas apicais, localização das perfurações radiculares e reconhecimento da variação angular por meio do deslocamento da asa do grampo de isolamento12,13.
Figura 5-2.1. Observe que na radiografia a raiz mesial apresenta duas linhas de terminação apical em níveis diferentes. Aplicando-se a Regra do Objeto Bucal, o canal MV é aquele cuja linha terminal apical se encontra mais acima, enquanto o canal ML tem a sua linha terminal mais abaixo.
LOCALIZAÇÃO DE CANAIS O reconhecimento e a localização de canais radiculares superpostos são facilmente obtidos mediante a aplicação da regra de Clark8 (Fig. 5-2.2).
Figura 5-2.2. Incidência ortorradial no 1o prémolar superior. Presença nítida de dois canais radiculares, evidenciados pela incidência mesiorradial no mesmo dente. Incidência ortorradial no 1o molar inferior. Presença de dois canais mesiais evidenciada pela incidência mesiorradial. Seta indicando provável presença de outro canal na raiz distal.
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Figura 5-2.3. Forte evidência de presença de mais de um canal radicular devido à interrupção da radiolucidez do canal. Presença de três canais radiculares obturados, observados em razão da incidência radiográfica com variação do ângulo horizontal.
Figura 5-2.5. Incisivo lateral superior atresiado. Ponta da sonda exploradora para distal da entrada do canal radicular. Desgaste para mesial permitiu a localização e penetração no canal radicular.
Figura 5-2.4. Instrumento endodôntico no canal palatino do molar superior em posição excêntrica, trazendo forte suspeita da presença de outro canal. Radiografia após a obturação, confirmando a presença de outro canal na raiz palatina.
Dente que apresenta a radiolucidez do canal interrompida pode significar provável presença de mais de um canal (Fig. 5-2.3). Caso uma raiz contenha apenas um canal, ele deverá estar situado provavelmente no centro da raiz ou próximo do centro. Quando se suspeita da presença de mais de um canal, introduz-se um instrumento endodôntico no canal localizado e faz-se uma exposição com variação horizontal. Seguramente outro canal estará presente caso o instrumento endodôntico se afaste demasiadamente do centro da raiz25 (Fig. 5-2.4).
Câmara pulpar e canais atresiados A localização da entrada de canais e a penetração neles algumas vezes se tornam tarefa difícil. Nesses casos podemos utilizar o seguinte artifício: coloca-se a ponta de uma sonda exploradora reta na área onde se supõe estar a entrada do canal e se solicita ao paciente que a segure com uma das mãos, fazendo ligeira pres-
são no instrumento no sentido apical. O dente deve estar com isolamento relativo a fim de facilitar as manobras de visão e localização. A seguir, procede-se a uma tomada radiográfica ortorradial, com um instrumento inserido no espaço criado (p. ex., sonda clínica) que nos indicará a direção que a broca está seguindo em termos de lateralidade, isto é, sentido mesio-distal. Uma segunda radiografia com variação do ângulo horizontal poderá ser feita, se necessário, e nos indicará a direção da broca no sentido vestibulo-lingual (Fig. 5-2.5). Assim procedendo, consegue-se a localização do canal, mediante pequenos ajustes.
DIFICULDADES NA OBSERVAÇÃO RADIOGRÁFICA DE MOLARES SUPERIORES Esta situação pode ser vencida pela utilização da técnica de Le Master16, que consiste numa pequena variação da técnica convencional. Um rolo de algodão pode ser fixado à radiografia, com o auxílio de fita adesiva, de modo que fique paralela ao plano do dente. A angulação vertical é substituída pela horizontal (Fig. 5-2.6). Um recurso por nós utilizado é o de direcionar o cilindro posicionador de raios X junto à comissura palpebral, em um ângulo que varia de 40 a 45o (Fig. 5-2.7). Algumas vezes a radiografia ortorradial não permite visualizar os ápices vestibulares dos molares superiores quando se faz a odontometria ou a seleção de cones. Com o auxílio da técnica de Clark8 a dificuldade deixa de existir (Fig. 5-2.8).
Diagnóstico em Endodontia
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As curvas apicais, quando posicionadas no sentido vestibular, lingual ou palatino, também não são detectadas nas radiografias ortorradiais, fornecendo uma imagem falsa de ápice reto. Um exemplo clássico é o encurvamento apical da raiz palatina dos molares superiores, quase sempre voltado para vestibular. Ressalte-se que outros tipos de curvatura podem estar presentes, destacando-se bastante a disto-palatina das raízes dos incisivos laterais superiores.
localização das perfurações radiculares Figura 5-2.6. Técnica de Le Master.
Para as perfurações radiculares existem oito posições possíveis de serem localizadas, conforme a Fig. 5-2.9, representativa de um corte transversal radicular.
Figura 5-2.7. Presença do osso malar interferindo na nitidez do ápice da raiz palatina de molar superior. Posicionamento do cilindro localizador próximo à comissura palpebral externa. Visão nítida da raiz palatina do molar superior.
Figura 5-2.8. Incidência ortorradial quando da seleção de cones, onde se observa que as terminações apicais das raízes vestibulares não são nítidas. A variação horizontal permitiu a observação nítida dos ápices radiculares.
Figura 5-2.9. Diagrama mostrando os pontos e quadrantes onde podem se localizar as perfurações. A definição correta em uma das oito posições é obtida por exclusão, após as incidências radiográficas orto, mésio e distorradial. (Esquema segundo Bramante et al.)
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Elas podem ser localizadas nos pontos marcados por letras (V – vestibular, P – palatino, M – mesial e D – distal) ou nos quadrantes marcados por setas (mesiovestibular, distorradicular, mesio-palatino ou disto-palatino). Bramante et al.5, em artigo publicado em 1980, fizeram uma abordagem clara sobre o tema. A localização pode ser possível mediante três tomadas radiográficas: uma, ortorradial, e as outras, mésio e distorradial, que deverão ser analisadas em conjunto. Dois exemplos mostrados na Fig. 5-2.10A e B bastam para o entendimento.
INCONVENIÊNCIAS As radiografias ortorradiais são as que apresentam as imagens mais nítidas. A utilização da variação angular horizontal e vertical pode trazer algumas inconveniências, como a perda de nitidez, deformação das raízes, dificuldades na visualização do limite apical, na distinção do radiopaco e o radiolúcido, aumento, diminuição ou eliminação da área radiolúcida. A fim de evitar ou, pelo menos, minimizar essas inconveniências é aconselhável utilizar a menor variação angular possível.
INTERPRETAÇÃO É fundamental que se estude a radiografia com o auxílio de lupa (aumento mínimo de três vezes) e sob iluminação em negatoscópio. Os dados fornecidos pela película são muito limitados, e a sua interpretação está, quase sempre, na razão direta do conhecimento clínico. Alguns profis-
A
sionais tendem a extrair dados além do que a imagem fornece; outros, ao contrário, pouco visualizam. É preciso ter sempre em mente a bidimensionalidade da imagem e que o aparelho é específico para tecidos duros9-28.
RADIOGRAFIA INICIAL E ODONTOMETRIA Também chamada incorretamente de radiografia de diagnóstico por alguns profissionais, é de grande valia, pois revela detalhes que ajudarão no diagnóstico e no tratamento. O aspecto da câmara pulpar pode requerer cuidados adicionais quando da cirurgia de acesso. A forma e diâmetro apical, bem como o raio de curvatura radicular nos darão indícios para a escolha do instrumento empregado na instrumentação apical. Canais extras ou parcialmente obstruídos, reabsorções dentárias, presença de instrumentos fraturados no canal radicular e raízes com pequenos raios de curvaturas são situações que podem influenciar no plano de tratamento. O uso de mais de um filme para o auxílio do diagnóstico é válido em certas situações. Brynolf6 afirma que detalhes da interpretação radiográfica podem aumentar 74 a 90% em relação a uma simples tomada radiográfica, quando se usam três radiografias com angulações diferentes. A imagem da radiografia inicial deve ser a mais próxima do tamanho real do elemento dentário em questão, posto que é utilizada como base para a obtenção do comprimento de exploração inicial (CEI) do canal radicular (odontometria).
B
Figura 5-2.10A. Diagrama mostrando uma perfuração radicular mesiovestibular. B. Diagrama mostrando perfuração radicular para distal da raiz. (Esquema segundo Bramante et al.)5
Diagnóstico em Endodontia
A odontometria obtida por meio da radiografia é denominada de método de Ingle13, que não é o único disponível na Endodontia, mas que por sua simplicidade ganhou muita popularidade entre a maioria dos profissionais. A radiografia inicial deve ter o mínimo de distorção. De posse dessa radiografia se toma o comprimento do dente, traçando uma reta paralela ao seu eixo em toda a sua extensão. A seguir, nessa reta projetamos duas linhas perpendiculares; uma, passando pelo ponto de referência oclusal/incisal, e a outra, passando pelo vértice do ápice radicular. A distância entre as linhas perpendiculares à reta é conhecida como comprimento do dente na radiografia (CDR). Para canais radiculares retos ou com curvaturas suaves, uma medida correspondente a 2 mm menor que o CDR é transferida para um instrumento tipo K de aço inoxidável como medida de segurança (CEI). Para canais com curvaturas moderadas e acentuadas, a medida correspondente ao CDR ou até mesmo acrescida de 2 a 3mm é transferida para o instrumento endodôntico (CEI), o que é justificado porque o comprimento do segmento de um arco é maior do que o segmento de uma linha reta. A seleção do primeiro instrumento é feita de acordo com o presumível diâmetro do canal e com o comprimento do dente (CDR). O cursor é ajustado no comprimento (CEI), e o instrumento deve ser então introduzido no canal radicular até o limitador de avanço (cursor) tocar o ponto de referência oclusal/incisal. Nova radiografia é então obtida e, após seu processamento, o profissional fará uma avaliação da relação entre a extremidade do instrumento e o vértice radicular. Nesse momento, a observação da
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radiografia pode apresentar diferentes resultados, tais como: • A extremidade do instrumento aparece além do vértice radicular. O comprimento do dente será, então, o do instrumento, deduzindo-se o da medida do segmento que ultrapassou (medir esse segmento na radiografia). • A extremidade do instrumento coincide com o vértice radicular. Nesse caso, o comprimento do dente corresponde ao do próprio instrumento. • A extremidade do instrumento está aquém do vértice radicular. Nessa situação, sugere-se que o comprimento do dente deverá ser aquele da medida do instrumento somado à distância existente da ponta do instrumento ao vértice radicular. A seguir, em função do resultado obtido, é determinado o comprimento de trabalho (CT). O comprimento de trabalho é obtido com a dedução de 1 a 2mm do vértice radiográfico do dente (comprimento do dente). O comprimento de trabalho do canal pode ser determinado por meio de radiografias ou método eletrônico. Entretanto, é necessário ressaltar que o método eletrônico, embora eficiente, não permite a visualização da trajetória do instrumento no interior do canal radicular. O profissional não pode ficar privado de uma imagem radiográfica que revele a trajetória de um instrumento endodôntico em toda a extensão do canal radicular. O método eletrônico não deve ser usado isoladamente, mas sim combinado ao radiográfico (Fig. 5-2.11A e B).
B
Figura 5-2.11. Odontometria. A. Comprimento do dente na radiografia (CDR). B. Comprimento de trabalho (CT).
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
RESTRIÇÕES As radiografias nem sempre revelam condições patológicas perirradiculares apesar de muitas vezes estarem presentes. Diversos trabalhos mostraram, por meio de “lesões experimentais” criadas no osso esponjoso e se estendendo aos limites da superfície do osso cortical, que elas não são visíveis radiograficamente3,9,22. Afirmam que essas lesões não são visíveis aos raios X enquanto pequenas9,27. Segundo Bender3, lesões mesmo enormes que atinjam apenas o osso esponjoso não serão vistas na radiografia, independentemente da sua espessura. A visualização radiográfica não está diretamente relacionada com o volume perdido de tecido calcificado. A quantidade de tecido envolvido necessária para produzir lesão em nível radiográfico depende especificamente da composição mineral por unidade de volume de tecido. Assim, em tecido calcificado contendo um elevado conteúdo mineral, basta uma pequena destruição dele para que haja visualização radiográfica. Entretanto, se o conteúdo mineral por unidade de volume de tecido é baixo, como, por exemplo, o osso esponjoso, uma grande quantidade desse tecido precisa ser destruída para que mudanças na radiografia possam ser vistas. Além disso, um somatório de fatores responsáveis pelo contraste radiográfico, tais como a espessura da tábua cortical da mandíbula, as trabéculas, grossa da região endosteal e a fina da área medular central, pode fazer com que a lesão localizada no osso esponjoso não seja observada. Bender3 ainda chama atenção para a acentuada variação na espessura e curvatura das corticais no mesmo paciente. Desse modo, uma lesão com um determinado tamanho pode ser vista em uma região coberta por um fino osso cortical, enquanto a mesma lesão em uma região coberta por uma cortical mais espessa não será observada. A lesão é prontamente visualizada radiograficamente quando está no osso cortical ou próxima a ele, menos prontamente visualizada quando localizada na região endosteal e ainda bem menos visualizada quando está na estrutura esponjosa. Não é o tamanho da lesão que produz a visualização radiográfica, a qual está na dependência da percentagem de perda mineral dentro do trajeto do feixe central de raios X quando perpendicular ao objeto. Isso pode ser mais bem explicado quando uma mudança na angulação dos raios X ou na posição do objeto provoca um desaparecimento da lesão radiográfica no filme. A tomada radiográfica em outro ângulo dá a impressão de diminuição da espessura óssea ou subtração
Figura 5-2.12. As setas indicam presença de linhas radiolúcidas, oriundas das projeções do ligamento periodontal. A linha radiolúcida do suposto canal radicular não faz contato com a câmara pulpar.
mineral. Assim, por causa da curvatura mandibular associada às diversas variações da espessura, são essenciais diferentes tomadas radiográficas em diferentes angulações para facilitar o diagnóstico e adicionar mais detalhes durante a prosservação.
ESTRUTURAS ANATÔMICAS Seios maxilares, fossas nasais, projeção do nariz ou do lábio, fossa canina, forame palatino anterior, espinha nasal, forame mentoniano, canais nutrientes, fossa mandibular, canal dentário e trabeculagem óssea são estruturas que não devem se prestar a confusões com lesões patológicas. Uma estrutura que se pode passar por canal radicular é a projeção do ligamento periodontal das raízes dos molares inferiores (Fig. 5-2.12).
ÁREAS RADIOLÚCIDAS E RADIOPACAS Essas áreas, quando próximas à região apical, podem ser mal interpretadas, posto que estruturas anatômicas assim como lesões ósseas são confundidas, às vezes, com lesões de origem endodôntica. As rarefações de origem endodôntica apresentam diversas características, mas duas são marcantes: a) a área radiolúcida permanece junto ao ápice do dente quando se faz variação no ângulo horizontal; b) o dente se apresenta sem vitalidade pulpar (Fig. 5-2.13). Um outro tipo de radiolucidez que pode estar presente é a cicatriz apical, resultado da cura de lesão perirradicular de origem endodôntica ou de cirurgia perirradicular, cuja área não sofreu uma remineraliza-
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ção completa em razão da destruição das tábuas ósseas vestibular e palatina, ficando o preenchimento por conta do tecido conjuntivo fibroso (Fig. 5-2.14). As áreas radiopacas de origem endodôntica são representadas pela osteíte condensante, também denominada de osteomielite esclerosante crônica focal. É uma reação de tecido ósseo em face de uma infecção de baixa virulência10,14,17,26. Observa-se em indivíduos jovens, e o dente envolvido geralmente é o primeiro molar inferior. Há pontos não esclarecidos sobre essa lesão, cuja pre-
Figura 5-2.15. Paciente jovem com 10 anos de idade. Molar inferior apresentando osteíte condensante em torno dos ápices radiculares. Quatro meses depois, uma nova radiografia mostra a ausência da osteíte condensante. O dente havia sido submetido a uma pulpotomia.
Figura 5-2.13. Área radiolúcida junto ao ápice radicular do 11, que apresentava vitalidade pulpar. Uma incidência excêntrica revelou se tratar de um acidente anatômico.
sença parece depender de dente com polpa cronicamente inflamada10. O aspecto radiográfico revela uma massa radiopaca bem circunscrita de osso esclerótico sob o ápice de uma ou de ambas as raízes (Fig. 5-2.15). É preciso ter em mente o diagnóstico diferencial dessa lesão com outras entidades de origem não endodôntica, tais como a enostose (osso esclerótico), osteoma, odontoma, hipercementose e raízes residuais26. As lesões radiolúcidas de origem não endodôntica são numerosas, porém não frequentes. Walton, em seu livro Principles and Practice of Endodontics, afirma que Bhaskar enumerou a existência de 3825 lesões radiolúcidas nas arcadas dentárias, com apenas três sendo de origem endodôntica (cistos, granulomas e abscessos)25. Das lesões radiolúcidas de origem não endodôntica a mais comum é a displasia cementária perirradicular, que pode se prestar a erros de diagnóstico na sua fase inicial, quando se apresenta radiolúcida17 (Fig. 5-2.16).
TÉCNICA DA BISSETRIZ – ERROS MAIS FREQUENTES
Figura 5-2.14. Cicatriz apical. Radiografia após retratamento. Prosservação de dois anos.
Em face da necessidade de diversas tomadas radiográficas durante o tratamento endodôntico, a técnica da bissetriz, também denominada de técnica de Ciezinsky28 (conhecida anteriormente como cone curto), é a mais utilizada pelos endodontistas por ser de fácil manipulação e rápida obtenção. Consiste em dirigir o feixe de raios X para a área apical de modo que o raio central se desloque perpendicularmente à bissetriz do ângulo formado pelos planos do filme e do dente (Fig. 5-2.17).
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Figura 5-2.16. Presença de displasia cemento-óssea periapical envolvendo os ápices radiculares dos incisivos centrais inferiores.
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Figura 5-2.17. Técnica da bissetriz ou de Ciezinsky, antes denominada de técnica do cone curto.
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O iniciando em Endodontia encontra muita dificuldade no manejo radiográfico, produzindo diversos tipos de erro, sendo os mais freqüentes:
Alongamento ou encurtamento do dente No primeiro caso, o feixe de raios X foi dirigido perpendicularmente ao plano do dente, enquanto, no encurtamento do dente, o feixe se desloca perpendicularmente ao plano do filme. Esses dois acontecimentos são comuns em tomadas radiográficas em pacientes portadores de abóbada palatina rasa e dentes anteriores em protrusão e retrusão (Fig. 5-2.18A a C).
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Figura 5-2.18A. Feixe de raios X perpendicular ao plano do filme. Imagem encurtada. B. Feixe de raios X perpendicular ao plano do dente. Imagem alongada. C. Feixe de raios X perpendicular à bissetriz do ângulo formado pelos planos do filme e do dente. Imagem radiográfica normal.
Superposição da asa do grampo aos ápices radiculares Dá-se quando diante de molares inferiores com acentuada inclinação da coroa para lingual ou dentes com raízes curtas. Para se fugir desse problema é necessário mudar a angulação vertical. Esse acontecimento pode ser visto também com dentes superiores (Fig. 5-2.19).
Diagnóstico em Endodontia
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TÉCNICA DO PARALELISMO – LIMITAÇÕES Essa técnica tem como característica básica a manutenção do filme paralelo ao plano do dente, fornecendo uma imagem praticamente sem distorções no que concerne à forma e ao tamanho. Não é a técnica de rotina dos endodontistas, pois dois fatores a limitam: é pouco prática, pois necessita do uso de suportes posicionadores do filme; exige um maior tempo de exposição devido ao aumento da distância focal em torno de 40cm4. Figura 5-2.19. Superposição da asa do grampo aos ápices radiculares.
Ausência de nitidez apical e distorção da imagem Dentes portadores de canais superpostos quando submetidos a radiografias excêntricas podem apresentar pouca nitidez apical quando a variação do ângulo horizontal excede a 20º25 (Fig. 5-2.20). Caso o dente esteja em giroversão é evidente que não haverá necessidade de variação do ângulo horizontal, bastando a tomada radiográfica ortorradial. O comprimento de trabalho em molares superiores executado nos três canais radiculares simultaneamente pode ser inviável em uma única tomada radiográfica. Os resultados são melhores quando a odontometria dos canais vestibulares é obtida em separado, isto é, com mais de uma radiografia. Outro fato que pode trazer prejuízo à nitidez apical é a pressão exagerada na película, tornando-a arqueada18.
Figura 5-2.20. Incidência radiográfica excêntrica excessiva. Dificuldade na observação do limite apical (raiz mesial). Incidência menor proporciona nitidez apical.
RADIOGRAFIA BITE-WING – IMPORTÂNCIA Também é denominada de interproximal. Em alguns acessos complicados orienta o endodontista, mostrando a relação assoalho-teto com um mínimo de deformação. Auxilia na avaliação da direção dos canais radiculares nos dentes posteriores e na observação da presença de nódulos de calcificação na câmara pulpar. Contribui para o planejamento de um aumento de coroa clínica, para permitir o isolamento absoluto, mostrando a altura das cristas ósseas interproximais. Fornece informação sobre a relação de proximidade de restaurações presentes, recidivas de cárie e proteções pulpares com o teto da câmara pulpar (Fig. 5-2.21).
NOVAS CONCEPÇÕES EM RADIOLOGIA Desde a descoberta dos raios X em 1895, o filme foi o primeiro método para capturar, apresentar e armazenar imagens radiográficas. É uma tecnologia que os cirurgiões-dentistas estão mais familiarizados e se sentem mais confortáveis em termos de técnica e interpretação.
Figura 5-2.21. Bite-wing.
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Na clínica odontológica o filme intraoral convencional está por mais de um século na posição de um contribuinte importante e relevante de receptor de imagem, sendo a única opção. A Odontologia passou por uma evolução e, em termos radiográficos, nos últimos anos também, pois a pesquisa avança continuamente e, no que diz respeito ao progresso da tecnologia radiográfica, toda ela visa: a reduzir a dose de radiação ao paciente, aprimorar a qualidade da imagem, facilitar a obtenção da radiografia e diminuir o tempo gasto para sua confecção. Desse modo, surgiram algumas propostas inovadoras no cenário odontológico. A partir da década de 1970, diversos estudos passaram a propor nova tecnologia para videoobservação19, com a finalidade de solucionar ou diminuir os efeitos da radiação X, a radiografia intraoral digital (Charge Couple Device – CCD), em que a quantidade de radiação necessária por exposição era 80% menor do que a utilizada anteriormente para a sensibilização de um filme radiográfico (filme radiográfico Dspeed)11,15. Atualmente diversos sistemas de radiografia digital estão sendo comumente usados nas clínicas odontológicas2. Nessa nova tecnologia se constatou que a combinação dos detetores CCD com cintiladores, que são dispositivos utilizados para conversão dos raios X em luz (écran intensificador), foi sugerida como forma de melhorar os detalhes visuais da imagem final obtida1. A radiografia intraoral digital (CCD) utiliza a informática e programas de imagens, possibilitando uma avaliação detalhada das áreas do filme, quando reproduzidas digitalmente, transformando dados numéricos da imagem digital analógica em pequenos quadrados ou retângulos denominados pixel, e associa a cada um deles um número que represente uma cor da imagem, formando um conjunto de números que são avaliados e armazenados na memória de um computador23. Dos diversos sistemas de radiografia digital, podemos destacar: Radio VisioGraphy (Trophy Radiology, Toulouse, França)1,11,15,21; o Digora System, fabricado pela Soredex, que utiliza placas de imagem fósforofotoestimuláveis24. Posicionados adequadamente o sensor intraoral e o tubo de raios X, o profissional pode com rapidez observar a qualidade da imagem no vídeo e, se necessário, corrigir a posição do sensor e a angulação do feixe de raios X, refazendo a imagem final21. A imagem direta intraoral digital oferece, ainda, algumas vantagens sobre o filme radiográfico, como a baixa dose de radiação por exposição, em razão de o siste-
ma de sensor direto ser mais sensível à radiação que o filme radiográfico convencional. Em comparação com o filme Kodak Ektaspeed, a redução é de aproximadamente 60%24. Outras vantagens são a capacidade de manipular a imagem após a sua obtenção, a redução do tempo entre a exposição e a interpretação da imagem, a capacidade eletrônica de arquivar clínica e radiograficamente os dados num arquivo eletrônico7 e, por último, a de dispensar os equipamentos e soluções utilizadas no processamento dos filmes radiográficos. O sistema de radiografia intraoral digital (Radio VisioGraphy) foi introduzido no mercado internacional em 1987. Nesse sistema se utiliza um écran reforçador que transforma a radiação X em luz, onde um feixe prismático de fibras óticas transporta a luz a um detector CCD19. A maior parte dos estudos de avaliação desse sistema envolveu dentes extraídos. Foram poucos os estudos in vivo1,11,15,21. Nesse sistema, a imagem pode ser alterada pela variação do contraste numa escala de cinza que vai de 1 a 33, revertendo a imagem escura em mais clara ou vice-versa11. Entretanto, temos no mercado odontológico dois conceitos diferentes no que diz respeito à obtenção da imagem intraoral digital direta, os Sistemas CCD e os Sistemas de Armazenamento de Fósforo. Esses últimos surgiram em meados da década de 1990, e o lançamento da tecnologia foi com o Digora (Soredex Orion Corporation, Helsink, Finlândia), surgindo logo após outros equipamentos comercialmente disponíveis dessa modalidade. Os profissionais que desejam incorporar e assimilar essa tecnologia no dia a dia de trabalho precisam acumular conhecimento profundo do assunto, considerando as vantagens e desvantagens. Ao assim agirem, os profissionais estarão aptos a realizar a escolha do equipamento que irão adquirir, ajustando sua opção à sua especialidade e às condições físicas dos respectivos consultórios, e conscientes em reconhecer as limitações desse método radiográfico. Claro está que essa informação precisará ser obtida na literatura especializada e nos cursos de educação continuada em nível de atualização e pós-graduação sobre o assunto. Como a radiografia convencional na prática endodôntica ainda não foi substituída pela radiografia digital, essa parte deste capítulo foi elaborada para abordar os aspectos operacionais e as técnicas radiográficas convencionais. Cumpre acrescentar o aspecto legal que cerca as imagens da radiografia digital, uma vez que elas po-
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dem ser alteradas na sua forma original com a aplicação de programas gráficos. Importante salientar que uma das grandes desvantagens da radiografia digital para o profissional que trabalha no Brasil é o alto custo dos equipamentos e de suas manutenções sempre que necessárias.
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Parte 3 Tomografia computadorizada como recurso diagnóstico em Endodontia Ricardo Affonso Bernardes DIAGNÓSTICO RADIOGRÁFICO O diagnóstico é o alicerce para o tratamento odontológico e, mais especificamente, o endodôntico. Ele normalmente é estabelecido por um conjunto de exames clínicos, baseados em sinais e sintomas aliados a outros exames, chamados de auxiliares ou complementares e, dentre esses, os exames radiográficos. As radiografias periapicais são, pela facilidade e simplicidade em suas tomadas normais e variações de técnica, de extrema utilidade em Endodontia. Na clínica diária, o uso das radiografias como recurso auxiliar permite um amplo espectro de diagnósticos e procedimentos ao profissional da área, sendo que a radiografia periapical é a mais utilizada para a detecção da doença periodontal, reabsorções dentárias, fraturas radiculares e lesões perirradiculares. A imagem radiográfica periapical é excelente para a análise de estruturas, como a coroa dental, raiz e lesões perirradiculares. Contudo, ainda há dificuldade para que sejam diagnosticadas a presença e a extensão de lesões no osso esponjoso, em função do percentual de osso cortical destruído, das limitações da imagem bidimensional a partir de um objeto tridimensional, sobreposição de imagens de estruturas anatômicas e a angulação dos feixes de raios X. As dificuldades de diagnóstico pela imagem radiográfica estão presentes em casos de fraturas radiculares, o que pode ser explicado pelo fato de que há uma demora no aparecimento de sinais radiográficos que possibilitariam se suspeitar do problema. Os sinais radiográficos mais visíveis de suspeita de fratura são: radiolucência do ligamento periodontal; perda óssea significativa ao redor da raiz; separação de fragmentos radiculares, perda óssea horizontal em dente anterior; perda óssea na furca e reabsorção óssea ao longo da imagem de fratura. Os sintomas mais evidentes são dor moderada a mastigação e edema. Bolsas ao redor dos dentes suspeitos são um sinal clínico importante. Tamse33 observou que linhas de fratura aparecem apenas em 35,7% dos casos. É importante saber que a maior associação dos sinais e sintomas aumenta a probabilidade de diagnóstico de fraturas dentárias33.
Há ainda a limitação da capacidade diagnóstica de reabsorções em radiografias. Reabsorções cervicais em estágios iniciais são mais difíceis de serem diagnosticadas que as de tamanhos maiores. Além disso, são visualizadas mais facilmente as reabsorções localizadas nas superfícies proximais do que as localizadas nas superfícies vestibulares. Alguns estudos13,15 compararam radiográfica e microscopicamente a ocorrência de reabsorções perirradiculares e observaram 94,4% de casos de reabsorção por microscopia contra 36,1% no exame radiográfico. Esses resultados revelam que alguma forma de reabsorção radicular pode estar presente na maioria dos dentes portadores de lesão perirradicular crônica, que, muitas vezes, em função da sua extensão e da limitação diagnóstica radiográfica não pode ser detectada pelo profissional19. Com a radiografia digital ocorreu uma evolução no diagnóstico endodôntico. Esse sistema não utiliza filme para captura das imagens e sim a tecnologia computadorizada, que é composta por um sensor intraoral, constituído por uma placa intensificadora e por um minúsculo sensor (como o CCD) acoplado em fibras ópticas, que substitui a prata. As vantagens desse sistema são a diminuição da exposição aos raios X e a rapidez da formação da imagem, projetada em um monitor de computador, além de possibilitar a manipulação das imagens24. Tem também sua utilização para avaliação e confirmação do reparo de lesão perirradicular pela técnica radiográfica de subtração digital. O método também apresenta maior sensibilidade que a radiografia convencional para diagnóstico de reabsorções radiculares e fraturas. Porém, há de ser ressaltado que a radiografia digital também possui limitações, pois, como as radiografias convencionais, sua imagem é bidimensional de objeto tridimensional e há a sobreposição de imagens, o que proporciona a limitação tanto da avaliação da forma total do objeto, como da correta localização e forma das estruturas. Na clínica endodôntica, o profissional tem ainda como recurso auxiliar de diagnóstico as radiografias panorâmicas. Suas indicações em Endodontia são: verificação de lesões e sua extensão, relação de estruturas anatômicas e planejamento de cirurgia perirradicular. Essa
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técnica radiográfica tem a seu favor a pequena dose de radiação, simplicidade de operação, melhor tolerância por parte do paciente, maior quantidade de estruturas examinadas e economia de tempo. Alguns autores ressaltam que, além de as radiografias panorâmicas permitirem menor dose de radiação, são melhores para o diagnóstico de extensão de lesões em alguns casos, pois permitem melhor visualização do defeito ósseo em dentes posteriores em comparação com as radiografias periapicais, fato que se explicaria pela distorção da cortical óssea produzida pela técnica panorâmica em região posterior. Todavia, na maioria das vezes esse tipo de radiografia não oferece nitidez adequada para um exame mais detalhado, de maneira que apresenta como desvantagens a necessidade de equipamento especial, o custo, as distorções de imagem e a má definição de detalhes6.
Diagnóstico radiográfico tomográfico Em 1972, Hounsfield e Cormack desenvolveram a tomografia computadorizada (TC), revolucionando a área de diagnóstico por imagem. O objetivo era montar essas imagens em um sistema de visualização volumétrica tridimensional para mostrar órgãos e tecidos com grande detalhe. O uso da TC convencional possui características que a tornam mais vantajosa que a radiografia convencional. Ela é bastante utilizada na área médica, apresentando algumas deficiências para sua utilização na Odontologia. As principais deficiências consistem no aumento da radiação à qual o paciente fica exposto em relação à radiografia convencional; na presença de artefatos inerentes ao método de aquisição; resolução espacial relativamente pequena; incapacidade de detecção de doenças em estágios incipientes que não tenham resultado ainda em alterações significantes dos coeficientes de densidade dos tecidos; tempo de exame demorado; necessidade de grande espaço para a instalação do aparelho e custo do exame14. Para a Endodontia, apesar das inovações de qualidades de imagens 3D apresentadas pela TC helicoidal, há de ser pesado o custo ainda alto do aparelho/ exame, a elevada dose de radiação e distorção quando da presença de artefatos metálicos, que são típicos na Endodontia. Considera-se, como na TC convencional, a sua indicação limitada para a Endodontia, como diagnóstico complementar (ver exemplo na Fig. 5-3.1).
Tomografia computadorizada Cone Beam (ou de Feixe Cônico) Nessa última década foi desenvolvida a TC Cone Beam (TCCB) ou TC de Feixe Cônico. A captura é fei-
Figura 5-3.1. Tomografia helicoidal apresentando distorção da imagem por artefatos metálicos. (Gentileza do Dr. José Ribamar de Azevedo.)
ta de uma única vez, por meio da transformação da imagem algorítmica volumétrica, em três planos XYZ, o que permite a visualização da imagem nos planos axial, sagital e coronário com excelente nitidez. A dose de radiação e o custo para o paciente são reduzidos em relação à TC convencional e, como há também diminuição da presença de artefatos metálicos, isso torna a TCCB indicada no diagnóstico de pequenas lesões, de fraturas radiculares e de reabsorções dentárias, sendo considerada de grande importância e efetividade no diagnóstico endodôntico. O primeiro aparelho a utilizar a tecnologia da TCCB foi o NewTom 9000, desenvolvido na Itália por Mozzo et al., em 1998. Esse tipo de TC é baseado na formação da imagem após emissão de feixe de raios X em forma de cone centrado em uma única rotação. São obtidas imagens em qualidade alta e com formato e resolução diferentes (Fig. 5-3.2). O tempo para aquisição é de 36 segundos. Com o paciente deitado, a exposição é de 5,4 segundos. Os tamanhos volumétricos das imagens são em voxel de 0,29mm, podendo ser de diâmetros entre 10, 15 e 20cm, conforme o modelo do aparelho com detector de 1.000 × 1.000 pixels. Esse tipo de TC possui um software de construção de imagem que permite analisar o volume de dados do paciente em qualquer secção 3D, com boa resolução espacial. A precisão geométrica, avaliada com referência a várias modalidades de reconstrução e orientações de espaço diferentes, é de erro de 0,8-1% para as medidas de largura e de 2,2% para as de altura. A dose de radiação absorvida é de aproximadamente 1/6 da TC helicoidal. Há ainda a redução do custo e das dimensões
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Figura 5-3.2. Diferenciação da forma de aquisição de imagens entre a TC de feixe cônico (única) e a TC médica (várias secções). (Gentileza do Dr. Bruno Azevedo.)
do aparelho, que tem tamanho similar ao do tomógrafo médico. O novo sistema de tomografia foi um grande advento para diagnóstico26. Arai et al.1 relataram o desenvolvimento de uma TC com resolução cúbica superalta (Ortho-CT), caracterizada pelo tamanho pequeno do aparelho e pela capacidade de produzir imagens em 3D de resolução alta. A tomada de imagens é realizada com o paciente sentado, em um aparelho semelhante ao da radiografia panorâmica, com uso de 85kV e 10mA, usando filtro fixo de 1mm, com tempo de exposição de 17 segundos e tempo de reconstrução em 3D de 10 minutos. A formação da imagem é feita pela emissão de feixe cônico de raios X centrado numa área que tem a reconstrução da forma de um cilindro com altura de 32mm e diâmetro de 38mm, no qual é formada, após a rotação, uma imagem retangular com as mesmas dimensões do ci-
lindro. A unidade mínima que constitui uma imagem (voxel) é um cubo com medida lateral de 0,125mm (Fig. 5-3.3) O aparelho de tomografia gera um volume de imagem que pode ser rotacionado em qualquer direção e visualizado nos planos X (coronário), Y (sagital) e Z (axial). Sua dose de radiação é baixa, o tempo de exposição máximo é de 17 segundos e de 10 minutos o de reconstrução para a formação da imagem (Fig. 5-3.4). Com o desenvolvimento desse novo aparelho de TC, obtém-se imagem 3D com boa definição e baixa dose de radiação, útil para o diagnóstico de doenças na região maxilofacial1. Em 2001, a empresa J. Morita. Corp. fabricou um aparelho de TC com tecnologia TCCB, com a denominação de Accuitomo 3DX, baseado nos princípios dos trabalhos de Arai23. A TCCB tem sido alvo de diversos estudos que comprovam sua indicação para diferentes áreas da Odontologia: Endodontia4,8,12,25, Odontopediatria9, Implantodontia21, Cirurgia Bucomaxilofacial34, Ortodontia14 e diagnóstico de desordens na ATM16. A TCCB representou um grande incremento para o diagnóstico, pois além de possibilitar o exame diagnóstico com mais detalhes permite uma baixa dose de radiação16,36. A unidade SI de dose equivalente é o Sievert (Sv). Foi criada a expressão dose equivalente para levar em conta as diferentes capacidades de interações biológicas das diferentes radiações às quais os organismos são submetidos. Para comparação, a dose de radiação anual média à qual o individuo é submetido, em contato com a atmosfera terrestre, é de 0,25 a 0,3mSv e a dose letal para o homem é estimada em 4,5 Sv (Quadro 5-3.1). Quadro 5-3.1 Comparação entre os diferentes níveis de dosagem de radiação Dose efetiva de radiação (µSv)
Mínima
Paciente submetido
20.000 – Anual
100.000 – 5 anos
4.500.000 µSv = 4,5 Sv (letal)
Contato com atmosfera
0,25
0,3 (anual)
Rx periapical
1,1
5
Rx periapical (arcada)
33
84
Panorâmica
15
66,7
TC Convencional
1.200
3.300
7
68
TC Feixe Cônico
Radiação cósmica (Viagem entre Paris e Tóquio) 150
Máxima
Diagnóstico em Endodontia
191
Figura 5-3.3. Forma de aquisição de imagem pelo tomógrafo Accuitomo 3DX e sua unidade mínima (voxel cubo de pixel com medida lateral de 0,125mm).
Como incremento para pesquisa científica foi desenvolvida a Microtomografia Computadorizada (MTC), sistema que é constituído de um aparelho portátil que possui uma fonte de emissão de feixe cônico de raios X, com um tubo focal de tamanho menor que 8µm, ligado a um detector de radiografia com sistema fotográfico CCD (1.024 × 1.024 pixels com 12-bit). Esse sistema é interligado por uma fibra óptica a um cintilador radiográfico, tendo um filtro automático de 25% de reconstrução controlado por um computador. Os espécimes são rotacionados a 180o no eixo vertical e rotação simples de 0,9o, sendo o algoritmo de reconstrução rápido, em torno de 5 segundos, permitindo cortes em tamanhos de 100 a 200µm. Diversos estudos relatam o uso e aplicação na Endodontia da MTC (Fig. 5-3.5).
Vários trabalhos avaliaram molares superiores com a MTC após instrumentação e obturação do sistema de canais radiculares, onde foram observadas: a capacidade em exibir as morfologias externa e interna dos dentes, sem a necessidade de sua destruição, com cálculo das áreas de superfície e volumes de tecidos antes e depois da instrumentação do canal2,17. Balto et al.2 avaliaram o uso da MTC quanto à rapidez e quantificação de lesões não invasivas do osso perirradicular comparadas à análise histológica. Os resultados mostraram uma correlação altamente significante entre a MTC e o resultado da análise microscópica, confirmando a utilidade da MTC para a quantificação precisa das mudanças na arquitetura óssea, em espécimes pequenos. A MTC também foi utilizada com o objetivo de determinar a frequência
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Figura 5-3.4. Imagem formada nos três planos – axial, sagital e coronal – pela TC de feixe cônico (Accuitomo 3DX).
e a extensão de reabsorções radiculares apicais associadas a lesões perirradiculares, onde concluíram que a MTC pode ser considerada ferramenta para estudar reabsorções. A MTC também apresentou excelentes resultados na análise da anatomia interna dental, conforme demonstrado no Atlas de Anatomia 3D de Brown e Herbranson. Em especial para a Endodontia, a TCCB representou uma modificação nos conceitos de diagnóstico, não só pela baixa dosagem de radiação, como também pela excelente qualidade diagnóstica e pela possibilidade de obtenção e manipulação de imagens 3D com melhor visualização das estruturas anatômicas, com formação de imagens com adequada geometria e contraste, diminuição significativa
dos artefatos metálicos, além de possibilitar o diagnóstico com mais detalhes. Diversos trabalhos científicos têm-se baseado nesse novo tipo de tomógrafo, e muitos aparelhos foram desenvolvidos com a utilização dessa nova tecnologia. No Brasil existem os seguintes aparelhos: 3D Accuitomo-FPD (J. Morita Manufacturing, Kyoto, Japão) (Fig. 5-3.6); NewTom QRV 9000 (Quantitative Radiology, Verona, Itália) (Fig. 5-3.7); o i-CAT (Xoran Technologies, Ann Arbor, Michigan/Imaging Sciences International, Hatfield, PA, EUA) (Fig. 5-3.8). Desde 1998 até os dias atuais, aperfeiçoou-se a tecnologia desses aparelhos, diminuiu-se o custo para aquisição do equipamento e aumentou-se a quantidade de aparelhos disponíveis para a rea-
Diagnóstico em Endodontia
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Figura 5-3.5. Microtomógrafo Computadorizado SkyScan 1172 High-Resolution Micro-CT (http://www.microphotonics.com).
Figura 5-3.7. Aparelho NewTom QRV 9000. (Quantitative Radiology, Verona, Itália.)
Figura 5-3.6. Aparelho Accuitomo-3DX. (J. Morita Manufacturing, Kyoto, Japão.)
Figura 5-3.8. Aparelho i-CAT. (Xoran Technologies, Ann Arbor, Michigan/Imaging SciencesInternational, Hatfield, Pa, EUA.)
lização dos exames. Hoje, a grande preocupação das empresas é criar tomógrafos que utilizam a tecnologia do feixe cônico, semelhantes ao i-CAT e Accuitomo, que permitem a realização do exame com o paciente sentado, possibilitando, dessa forma, manter a posição natural da cabeça na aquisição da imagem. Em 2007, a Quantitative Radiology (Verona, Itália), que fabrica o NewTom 9000 QRV, lançou um tomógrafo com a tecnologia do feixe cônico que permite realizar o exame com o paciente
sentado, o NewTom 9000 VG. A empresa Siemens lançou nesse mesmo ano um tomógrafo portátil, o Siremobil, como também a Hitachi lançou o CB MercuRay (Hitachi Medical Corp, Chiba-ken, Japão). A empresa japonesa J. Morita melhorou a tecnologia de seu tomógrafo Accuitomo-3DX com o aparelho Accuitomo-FPD. O Quadro 5-3.2 mostra os detalhes e diferenças entre cada de tipo de aparelho existente no mercado nacional.
194
Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Quadro 5-3.2 Detalhes e diferenças entre cada de tipo de aparelho disponível no mercado nacional. Adaptado de Danforth et al.10 Tipo de aparelho
TC Helicoidal
NewTom
i-Cat
Accuitomo 3DX
Accuitomo FPD
Tipo Rx
Seccional
Feixe Cônico
Feixe Cônico
Feixe Cônico
Feixe Cônico
Sensor Captura
Linear
Área (CCD)
Área (FPD)
Área (CCD)
Área (FPD)
Posição Paciente
Deitado
Deitado
Sentado
Sentado
Sentado
Tempo Aquisição
Minutos
36s
10-40s
17s
17-s
Área de imagem
Corpo inteiro
130 x 130 a 220 x 250mm
110 x 110 a 170 x 170mm 40 x 30mm
60 x 60mm
Secção de imagem
1mm
0,2 a 0,4
0,2 a 0,4
0,125 a 2
0,125 a 2
Dose Radiação(µSv)
1.200-3.300
50
34 a 68
7
7
Figura 5-3.9. Comparação de imagens pelas TCs com diferentes aparelhos. (Gentileza do Dr. Bruno Azevedo.)
Na comparação dos aparelhos, todos permitem uma melhor qualidade diagnóstica em relação às radiografias e TC helicoidal. Porém, o conforto proporcionado ao paciente está diretamente relacionado com a posição (sentado) e a rapidez do exame, a menor área de imagem obtida, à menor dose de radiação, e para o diagnóstico, quanto menor a secção de corte que o aparelho produz, melhor será a qualidade da imagem obtida (Fig. 5-3.9). Em função de suas qualidades, a TCCB Feixe Cônico possibilita diferentes indicações e formas de diagnóstico na Endodontia4,5,8.
DIAGNÓSTICO DE ANATOMIA E MORFOLOGIA DE CANAL Nos casos de diagnóstico de possíveis falhas no tratamento endodôntico e decisão quanto ao retratamento
ou cirurgia, a TCCB pode assumir aspecto de suma importância para a Endodontia (Figs. 5-3.10 a 15).
DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO DE tratamento Para diagnóstico e planejamento de cirurgias, a TCCB permite visualização do elemento dental e sua relação com suas estruturas anatômicas circunvizinhas como seio maxilar, forame mentoniano, canal alveolar inferior etc.36 (Figs. 5-3.16 e 17).
Diagnóstico de lesões perirradiculares A dificuldade de diagnóstico por imagens radiográficas de lesões perirradiculares já foi citado por diversos autores. Tal fato é atribuído, dentre outros fatores, principalmente ao tempo para a evolução da
Diagnóstico em Endodontia
lesão e rompimento da cortical óssea3, o que permitiria sua visualização radiograficamente. Tais dificuldades ocorrem tanto em relação às radiografias periapicais, quanto às panorâmicas27. Já com as tomografias, o incremento diagnóstico das lesões é significativo4,5,12. Simon et al.28 compararam a capacidade da TCCB de diagnosticar lesões perirradiculares (granuloma e cisto) quando em comparação à biópsia, obtendo coincidência em 13 de um total de 17 casos28. Outros autores também comprovaram a eficácia diagnóstica desse tipo de tomografia4,5,8,12. Bernardes,5 em 2007, comparou a capacidade diagnóstica da TCCB utilizando o aparelho Accuitomo 3DX com as radiografias periapicais e panorâmicas em casos de lesões perirradiculares, fraturas radiculares e reabsorções dentárias. Para tal, foram analisadas as imagens obtidas por meio da tomografia e pelas técnicas radiográficas periapical e panorâmica de 150 casos clínicos, por dois examinadores calibrados, usando escores preestabelecidos. Os resul-
Figura 5-3.10. Corte tomográfico revelando tratamento endodôntico aquém dos limites aceitáveis e em associação com lesão. Imagem obtida pelo aparelho NewTom 9000. (Gentileza do Centro Radiológico 3a Dimensão, Brasília – DF.)
A
D
B
E
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C
F
Figura 5-3.11. Localização de canal sem obturação na raiz distal do segundo molar inferior. A. Radiografia periapical. B. Corte tomográfico (Accuitomo3DX) da raiz distal. C. Corte mesial. D. Notar a presença do 4o canal. E. Radiografia para comprovação do 4o canal. F. Radiografia de prosservação.
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
A
B
C
D
Figura 5-3.12. Diagnóstico: falta de obturação do canal radicular e desvio. A. Radiografia periapical. B. Tomografia (Accuitomo3DX) com extensão da lesão. C. Corte tomográfico para diagnóstico da falta de obturação de canal radicular e desvio. D. Radiografia periapical do canal retratado.
A
B
C
Figura 5-3.13. Diagnóstico de anastomose do nervo alveolar inferior com lesão perirradicular. A. Radiografia periapical após desobstrução do canal radicular e da medicação, a dor não cessava. B, C. Detalhe da extensão na TC com Accuitomo da lesão que fazia contato com ramificação do nervo alveolar inferior. (Gentileza do Dr. José Ribamar Azevedo.)
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A
C
B
Figura 5-3.14. Deficiência na obturação e 4o canal não tratado no 1o molar superior. A. Radiografia periapical. B. 4o canal detectado na tomografia (seta). C, D. Mensuração do limite apical das obturações.
D
A
C
197
B
D
Figura 5-3.15. Diagnóstico de tratamento endodôntico deficiente. A. Radiografia periapical, paciente apresentava dor constante à mastigação. B. Tomografia com Accuitomo. B. Raiz MV. C. Raiz DV. D. Raiz P.
198
Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
A
B
C
D
Figura 5-3.16. Diagnóstico de lesão e distâncias para cirurgia perirradicular. A. Radiografia panorâmica. B. Radiografia periapical. C. Corte tomográfico com extensão da lesão e distância para o forame mentoniano. D. Radiografia de prosservação após 1 ano.
Figura 5-3.17. Distância do material obturador extravasado para o nervo alveolar. Imagem do aparelho NewTom 9000. (Gentileza do Centro Radiológico 3a Dimensão Brasília – DF.)
tados permitiram afirmar que a técnica da tomografia apresentou diferença estatisticamente significante em relação às técnicas radiográficas, com um grande incremento no diagnóstico da extensão e localização de lesões perirradiculares (Fig. 5-3.18), fraturas radiculares e reabsorções dentárias5.
Diagnóstico de fraturas radiculares O baixo índice de diagnóstico de fraturas nas radiografias periapicais é devido à ausência de condições nítidas, como linhas de fraturas em direção à raiz, ou à obturação dos canais, espaço entre a parede do canal e
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A
B
C
D
Figura 5-3.18. Diagnóstico de lesões perirradiculares. A. Radiografia panorâmica, onde não é possível visualizar a lesão perirradicular no dente 11. B. Radiografia periapical, onde não é possível visualizar a lesão perirradicular no dente 11. C, D. Cortes tomográficos (Accuitomo) com visualização da lesão perirradicular no dente 11.
a obturação, perdas ósseas, perda da continuidade do ligamento periodontal e halos radiolucentes22,33. Porém, as tomografias, principalmente a TCCB, por apresentarem imagens com qualidade em 3 dimensões, mostram melhor capacidade em diagnosticar e visualizar fraturas radiculares4,5,20,22 (Figs. 5-3.19 a 22).
Diagnóstico de reabsorções radiculares Freitas15 relatou que “a reabsorção radicular externa é um fenômeno que pode ser induzido por vários fatores etiológicos independentes, ou seja, agindo cada um isoladamente, não se caracterizando como uma lesão multifatorial, expressão que transmite a necessidade de ação conjunta e simultânea deles”. A reabsorção radicular tem seus mecanismos conhecidos e esclarecidos, caracterizando-se por se paralisar assim que sua causa, devidamente identificada, seja removida. Do mesmo modo que controláveis, as reabsorções dentárias são reversíveis, pois as lacunas de Howship, que representam as irregularidades das superfícies afe-
tadas, são preenchidas por um novo cemento e regularizadas. Nessas áreas há nova camada cementoblástica e reinserção de fibras periodontais, restabelecendo-se assim a função local. Nos estágios iniciais, as lesões são microscópicas e não detectáveis radiograficamente. “A detecção precoce de lesões iniciantes durante o tratamento ortodôntico é essencial para minimizar os danos resultantes da progressão desse processo se a causa não for removida”15. Todavia, a detecção de reabsorções em estágios iniciais por meio de radiografias é extremamente difícil13-15,19,37. Nesse mesmo estudo, Freitas15, comparou o diagnóstico das reabsorções dentárias utilizando dois tipos de exame: radiografia periapical e TCCB (tomógrafo iCat). A amostra constituiu-se de 16 dentes anteriores e da descrição clínica de 20 exames tomográficos de feixe cônico. Nos dentes anteriores foram analisadas as características morfológicas da raiz dentária comparando a imagem da radiografia periapical e os cortes tomográficos transversais oblíquos. Os resultados revelaram que a
200
A
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B
C
Figura 5-3.19. Localização de fratura. A. Radiografia periapical. B, C. cortes tomográficos (Accuitomo), que mostram fratura no terço médio da raiz distal.
A
B
Figura 5-3.20. Localização de fratura. A. Radiografia periapical. B. Cortes tomográficos (Accuitomo) mostrando a fratura.
A
B
Figura 5-3.21. Localização de fratura. A. Radiografia periapical. B. Cortes tomográficos (Accuitomo).
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201
TCCB é um meio de diagnóstico eficiente para previsibilidade e avaliação das reabsorções radiculares. Os cortes tomográficos transversais oblíquos permitem a análise das faces vestibular e lingual do dente e, nos cortes tomográficos sagitais oblíquos, são obtidas as imagens das faces mesial e distal. Não houve correlação entre o diagnóstico obtido na radiografia periapical e nos cortes tomográficos transversais oblíquos. A TCCB tem grande potencial de aplicação clínica no diagnóstico e confecção de um plano de tratamento para as reabsorções radiculares, permitindo determinar a complexidade da reabsorção, sua localização, extensão e proximidade com estruturas anatômicas5,7,20,22 (Fig. 5-3.23 a 5-3.25). Figura 5-3.22. Localização de fratura pela TC com New. (Gentileza do Dr. Olavo Lira.)
Considerações gerais
Figura 5-3.23. Determinação do grau de reabsorção interna pelo aparelho NewTom. (Gentileza do Dr. Olavo Lira.)
Quando forem esgotados todos os recursos advindos das técnicas radiográficas e suas variações e a dúvida ainda persistir, o uso da TCCB com obtenção de imagens tridimensionais está indicado, representando um grande avanço para o diagnóstico clínico, tanto pela baixa dose de radiação, como pela grande magnificação de imagem 3D5,8,12,20,25. Deve ser ressaltado o custo maior desse recurso em relação aos exames radiográficos convencionais e a necessidade de encaminhar o paciente a um centro radiológico. A introdução desse novo tipo de tecnologia em universidades pode ser uma forma de socialização do diagnóstico. É importante salientar ainda que, embora essa nova técnica tomográfica reduza o aparecimento de artefatos de imagem comuns na TC convencional, eles ainda podem existir quando da presença de materiais radiopacos, como metais, guta-percha e cimentos obturadores11,18,20,29.
A
B
C
Figura 5-3.24. Diagnóstico de reabsorção radicular com Accuitomo. A. Radiografia periapical do dente 11. B. Corte tomográfico do dente 11. C. Corte tomográfico do dente 21 (reabsorção radicular apical).
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A
B
C
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Figura 5-3.25. Diagnóstico de reabsorção radicular com aparelho iCat. A. Radiografia periapical. B. Corte tomográfico indicando reabsorção cervical externa. Reconstrução tridimensional da vista vestibular da região do dente 23 em C; com remoção do tecido ósseo em D; vista mesial do dente 23 em E, vista palatina do dente 23 em F. (Gentileza da Dra. Patrícia Z. Freitas.)
Portanto, esse fato deve sempre ser levado em consideração no momento do fechamento do diagnóstico. Daí ser importante correlacionar sinais e sintomas com o laudo tomográfico, conscientizar o paciente do fato e, acima de tudo, a responsabilidade ética e profissional deve ser soberana em decisões radicais (Fig. 5-3.26). A TCCB como uma nova ferramenta é um excelente recurso auxiliar do diagnóstico. Contudo, devem ser esgotados todos os recursos clínicos e técnicas radiográ-
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B
ficas, antes da indicação do recurso tomográfico como auxiliar de diagnóstico e, acima de tudo, considerar que os sinais e sintomas devem ser soberanos com relação à decisão sobre o procedimento a ser realizado, pois nada substitui a capacidade, o senso clínico e a acurácia do profissional. O conhecimento e o uso de novas técnicas são parceiros de sucesso, porém, acima de tudo, devem ser aliados à responsabilidade e respeito ao paciente, fatores imprescindíveis para o êxito do tratamento.
C
Figura 5-3.26. Exemplo de artefato metálico produzido em TCCB. A. Radiografia periapical. B. Corte tomográfico com sugestão de fratura. C. Foto demonstrando ausência de sinais e sintomas.
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
BOXE 5-3.1 Cortes para análise por Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico Leonardo M. Veiga
Uma vez que a tomografia computadorizada Cone Beam (ou do Feixe Cônico) foi recentemente introduzida como excelente opção de diagnóstico viável e de alta sensibilidade em Endodontia, é importante que o profissional conheça os possíveis planos (cortes) utilizados para avaliação e interpretação nessa técnica. Este boxe exemplifica tais cortes.
MPR – Reconstrução Multiplanar Composta por três imagens: Axiais – Sequências de cortes paralelas ao palato duro (Fig. 5-3.1). Coronais – Sequências de cortes paralelas à sutura coronal (Fig. 5-3.2). Sagital – Sequências de cortes paralelas à sutura sagital (Fig. 5-3.3). Corte panorâmico – Coronal oblíquo Composto por duas imagens, sendo o corte axial a referência para traçarmos a panorâmica. Axiais (Fig. 5-3.4). Panorâmica (Fig. 5-3.5).
Figura 5-3.1. Corte axial.
Figura 5-3.2. Corte coronal.
Figura 5-3.4. Corte axial.
Figura 5-3.3. Corte sagital.
Figura 5-3.5. Corte panorâmico.
Diagnóstico em Endodontia
Corte oblíquo Formado a partir do corte transaxial, tendo como referência o corte axial. Axiais (Fig. 5-3.6). Transaxial (Fig. 5-3.7). Oblíquo (Fig. 5-3.8).
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Corte transaxial Formado a partir do corte axial tendo como referência o corte panorâmico. Axiais (Fig. 5-3.9). Panorâmica (Fig. 5-3.10). Transaxiais (Fig. 5-3.11).
Figura 5-3.6. Corte axial.
Figura 5-3.7. Corte transaxial. Figura 5-3.8. Corte oblíquos.
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Capítulo 5 Diagnóstico em Endodontia
Figura 5-3.9. Corte axial.
Figura 5-3.10. Corte panorâmico.
Figura 5-3.11. Corte transaxial.
Preparação para o Tratamento Endodôntico
Capítulo
6
Parte 1 Esterilização e desinfecção em Endodontia Julio Cezar Machado de Oliveira • Flávio Rodrigues Ferreira Alves Viena, Áustria, em 1846, era a capital do Império Austro-Húngaro, uma das principais cidades do mundo nessa época. Ali havia um importante hospital, o Allgemeine Krankenhaus (hoje um hospital universitário), onde em uma de suas enfermarias obstétricas se observava um índice extremamente elevado de mortes decorrentes de infecção puerperal*. Curiosamente, uma enfermaria vizinha apresentava índices de mortalidade dez vezes menores. A primeira enfermaria era atendida por estudantes de Medicina e seus orientadores. Por sua vez, a que apresentava baixos índices de mortalidade era atendida por parteiras. Um jovem médico húngaro, Ignaz Philipp Semmelweis, foi contratado para trabalhar nessa enfermaria, e com os conhecimentos da época não conseguiu encontrar explicação para esses índices de mortalidade tão dis-
∗ Infecção puerperal é um quadro febril que se caracteriza por ocorrer pelo menos 24 horas após o parto e que tem como etiologia dominante a contaminação dos órgãos geniturinários da parturiente pelos procedimentos realizados antes e durante o parto. O tipo mais comum de infecção puerperal é a endometrite, infecção no útero que, se não for corretamente tratada, evolui para infecção generalizada e óbito.
crepantes. Semmelweis se iniciou então nos estudos de Anatomia Patológica e Medicina Legal na tentativa de identificar a causa de tantas mortes. Observou que as pacientes apresentavam supurações extensas e que essas lesões eram semelhantes às de um colega médico que se havia ferido durante a realização de um parto. Logo depois, observou que um dos professores de Medicina morreu após se ferir com o bisturi com o qual fazia a necropsia de um dos casos de infecção puerperal. Analisando a história da instituição, Semmelweis notou que o índice de mortalidade, paradoxalmente, aumentou quando se iniciaram os estudos de Anatomia Patológica no hospital. Os médicos tinham como rotina realizar as necropsias, onde mostravam aos seus alunos a aparência anatomopatológica dos cadáveres e, logo depois, se encaminhavam às salas de parto para atender às gestantes. Semmelweis, então, encontrou a solução para o enigma: algo era transferido de uma pessoa para aquela que desencadeava a doença, provavelmente transportado pelos instrumentos cirúrgicos e/ou pelas mãos dos operadores, isto é, instrumentos que mal eram limpos após cada procedimento e mãos que não eram sequer lavadas entre um procedimento
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208
Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
e outro. Semmelweis decidiu por conta própria, sem a autorização de seus superiores, afixar cartazes nas enfermarias com os seguintes dizeres: “A partir de hoje, 15 de maio de 1847, todo estudante ou médico é obrigado, antes de entrar nas salas da clínica obstétrica, a lavar as mãos, com uma solução de ácido clórico*, na bacia colocada na entrada. Esta disposição vigorará para todos, sem exceção.” No entanto, para os médicos da época, reconhecer que Semmelweis estava correto resultava em assumir que haviam sido responsáveis pela morte de um número incontável de mulheres. Esse fato, associado a questões pessoais e políticas, resultou na demissão de Semmelweis e no não reconhecimento oficial de sua valorosa contribuição para a ciência. Essa situação aconteceu alguns anos antes que Robert Koch e Louis Pasteur estabelecessem a correlação entre doença e microorganismos e, consequentemente, a relação entre sujeira e contaminação dos processos cirúrgicos. Ironicamente, Semmelweis morreu vítima de infecção generalizada em 1865, mesmo ano em que um cirurgião escocês chamado Joseph Lister, que havia lido sobre as teorias do médico húngaro, começou a ficar famoso ao obter os menores índices de óbitos pós-cirúrgicos da Europa. Lister utilizava uma solução de fenol para a desinfecção das mãos, do instrumental e do ambiente cirúrgico. As décadas seguintes consolidaram as primeiras medidas eficazes para fornecer as bases justificadoras dos protocolos de biossegurança hoje difundidos mundialmente. Os conhecimentos acumulados pela Microbiologia mostraram que a eliminação de todas as formas microbianas não era obtida adequadamente pela utilização apenas de soluções desinfetantes, nem com a fervura do instrumental cirúrgico, desenvolvendo-se a esterilização em temperaturas mais elevadas, chegando-se ao forno com 170ºC e às modernas autoclaves que trabalham com umidade a altas temperaturas sob pressão. Descobriu-se que mesmo a lavagem das mãos não garantia a proteção do ambiente cirúrgico e do próprio operador contra infecções, e se desenvolveu o recurso das luvas cirúrgicas. Dentro deste contexto, o controle de infecções na prática endodôntica assume especial interesse, pois, além dos riscos biológicos do próprio trabalho odontológico, o ambiente endodôntico ora é rico em tecido conjuntivo e sangue, ora em micro-organismos. Não é somente uma questão de controlar e prevenir os riscos inerentes à atividade clínica, mas também uma questão que influencia diretamente o sucesso dos tratamentos, *Soluções diluídas de ácido clorídrico, fonte de cloro.
já que as patologias endodônticas são, em essência, doenças infecciosas causadas por micro-organismos (ver Capítulo 4). A eliminação dos micro-organismos do sistema de canais radiculares e as medidas voltadas para a manutenção desse ambiente livre de microorganismos constituem os principais fatores para um prognóstico favorável ao tratamento endodôntico28. Não devemos encarar a biossegurança apenas como uma consciência individual do profissional, mas sim como um compromisso coletivo de todos os membros da equipe, sendo o descaso de um o prejuízo de todos. Os instrumentos endodônticos são classificados como críticos em razão de terem contato com tecido conjuntivo e sangue2,29, requerendo, portanto, esterilização. O equipamento considerado como padrão para a esterilização do material endodôntico é a autoclave. Nessa seção apresentaremos os principais conceitos que norteiam o controle de infecções na prática endodôntica, assim como as etapas e considerações do processamento dos artigos endodônticos.
CONCEITOS • BIOSSEGURANÇA – Condição de segurança alcançada por um conjunto de ações destinadas a prevenir, controlar, reduzir ou eliminar riscos inerentes às atividades que possam comprometer a saúde humana, animal e vegetal, ou o meio ambiente. • LIMPEZA – Remoção mecânica de sujidades com o objetivo de reduzir a carga microbiana, a matéria orgânica e os contaminantes de natureza inorgânica, de modo a garantir o processo de desinfecção e esterilização e a manutenção da vida útil do artigo. Deve ser realizada em todo artigo exposto ao campo operatório. • DESINFECÇÃO – Processo físico ou químico que elimina a maioria dos micro-organismos patogênicos, com exceção de esporos bacterianos, de objetos inanimados e superfícies. • ESTERILIZAÇÃO – Processo que visa destruir ou eliminar todas as formas de vida microbiana presentes por meio de métodos físicos ou químicos. • ANTISSEPSIA – Processo físico-químico que elimina a maioria dos micro-organismos patogênicos, com exceção de esporos bacterianos, de superfícies expostas do corpo humano. • ASSEPSIA – Prevenção de contaminação por microorganismos. Inclui condições estéreis em tecidos, materiais e em salas, obtidas por exclusão, remoção ou destruição de micro-organismos.
Preparação para o Tratamento Endodôntico
EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL (EPI) NA PRÁTICA ENDODÔNTICA De acordo com o Ministério da Saúde, o equipamento de proteção individual (EPI) é todo dispositivo ou produto de uso individual, utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho. O Quadro 6-1.1 apresenta os EPIs indicados pelo Ministério da Saúde para a proteção corporal do cirurgião-dentista e demais membros da equipe de saúde odontológica contra diferentes ameaças, incluindo recomendações específicas para cada equipamento2.
PROCESSAMENTO DE ARTIGOS ENDODÔNTICOS (Fig. 6-1.1) 1a Fase – Imersão: após a consulta endodôntica, o profissional deverá acondicionar todos os artigos não descartáveis em um recipiente de plástico resistente, totalmente imersos em solução de detergente/desincrostante enzimático, seguindo as instruções do fabricante quanto ao tempo de ação e à diluição. Os detergentes enzimáticos degradam apenas a matéria orgânica, não afetando, portanto, os instrumentos metálicos. É importante salientar que todos os instrumentos contidos no mesmo recipiente antes do atendimento devem ser considerados como contaminados, uma vez que esse recipiente tenha sido violado (aberto) independentemente de ter sido utilizado diretamente para o atendimento ou não. Após esse procedimento, o profissional deverá se dirigir ao setor ou local de expurgo, distante do ambiente clínico, para proceder às etapas seguintes. 2a Fase – Limpeza dos artigos endodônticos: independentemente do fato de necessitarem de esterilização, os artigos endodônticos utilizados (que devem ser considerados como contaminados) e não descartáveis deverão receber uma limpeza prévia e, para tal, o profissional deverá utilizar EPIs apropriados para essa etapa, os quais incluem luvas de borracha resistente e de cano longo, gorro, máscara, óculos de proteção, avental impermeável e calçados fechados. A limpeza pode ser realizada de duas formas: manual ou ultrassônica (automatizada). A manual consiste na aplicação de sabão/detergente nos artigos, seguida da fricção com escovas e esponjas. Instrumentos que retêm sujidades, como as limas endodônticas, os grampos de isolamento e as brocas, devem ser desincrustados com escovas de cerdas de metal. Já a limpeza ultrassônica é realizada para a remoção mecânica de
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sujeira ou matéria orgânica pela ação de ondas ultrassônicas de baixa frequência (Fig. 6-1.2). As cubas ultrassônicas promovem a cavitação ultrassônica, que se propaga através dos materiais condutores de som como metal, vidro e líquidos, promovendo a limpeza em cavidades e orifícios de difícil acesso. Uma solução de detergente enzimático deve preencher a cuba e nela os instrumentos ficam submersos. Algumas cubas existentes no mercado promovem o aquecimento da solução enzimática durante o processo. A limpeza ultrassônica apresenta como vantagens a redução do risco de acidentes durante a limpeza dos artigos, a reprodutibilidade e o fato de que reduz significativamente os detritos residuais das limas endodônticas quando comparada a outros métodos7,21,32. Pelo exposto, consideramos essa limpeza passo essencial durante o processamento dos artigos endodônticos, que quando combinada com a limpeza manual proporciona a máxima eliminação de detritos presentes nos instrumentos15,20. 3a Fase – Enxágue: imediatamente após a limpeza, deve-se enxaguar os artigos sob água corrente, garantindo a completa remoção das sujidades e do(s) produto(s) utilizado(s) na limpeza. Artigos que contêm lúmen, como cânulas de aspiração, devem ser enxaguados com bicos de água sob pressão. 4a Fase – Inspeção visual: após o enxágue, deve-se inspecionar o material a fim de verificar a qualidade da limpeza e a integridade dos artigos. Caso exista sujidade visível, devemos repetir os passos anteriores. Na inspeção das limas endodônticas, se detectadas deformações plásticas, elas devem ser descartadas e substituídas. Nessa etapa, lupas auxiliam o profissional no exame do material, principalmente das limas endodônticas. 5a Fase – Secagem: a secagem do material pode ser realizada com o auxílio de compressas descartáveis (tipo fralda) ou em estufa a 60ºC. Os lúmens dos artigos devem ser secos com ar comprimido. 6a Fase – Acondicionamento e empacotamento dos artigos endodônticos: como o processo de esterilização indicado para artigos endodônticos é físico, utilizando-se autoclaves, é necessário que os instrumentos metálicos estejam acondicionados preferencialmente em caixas metálicas perfuradas e fechadas, a fim de se prevenir a perfuração das embalagens. As embalagens devem permitir a penetração do agente esterilizante e posteriormente proteger os artigos de modo a garantir a esterilidade até o seu rompimento2. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) recomenda os seguintes materiais para empacotamento: papel grau cirúrgico, papel crepado, tecido não tecido (TNT) e tecido de algodão cru (campo
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Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
Quadro 6-1.1 Equipamentos de proteção individual indicados pelo Ministério da Saúde para cada parte do corpo do operador Parte do corpo protegida
EPI indicado
Proteção contra
Recomendações
Gorro
Contaminação por secreções, aerossóis e produtos, além de prevenir acidentes e evitar a queda de cabelos nas áreas de procedimento.
Deve ser preferencialmente descartável, cobrir todo o cabelo e as orelhas, e ser trocado sempre que necessário ou a cada turno de trabalho. Recomenda-se o uso pelo paciente em casos de procedimentos cirúrgicos.
Óculos de proteção
Impactos de partículas volantes. Luminosidade intensa. Radiação ultravioleta. Respingos de produtos químicos e material biológico.
Deve possuir as laterais largas e ser confortável, com boa vedação lateral, e totalmente transparente, permitir a lavagem com água e sabão, desinfecção quando indicada, sendo guardado em local limpo, seco e embalado. Recomenda-se o uso também pelo paciente para evitar acidentes.
Protetor facial
Impactos físicos. Impactos de partículas volantes. Respingos de produtos químicos e material biológico. Atua também como coadjuvante na proteção respiratória contra: gases emanados de produtos químicos, vapores orgânicos ou gases ácidos no ambiente e aerossóis.
Fabricado em policarbonato, o protetor facial pode substituir o óculos de proteção, porém não substitui a máscara.
Máscara
Impactos de partículas volantes. Luminosidade intensa. Radiação ultravioleta. Respingos de produtos químicos e material biológico.
Deve ser descartável, de filtro duplo e tamanho suficiente para cobrir completamente a boca e o nariz, permitindo a respiração normal e não irritando a pele. Deve ser descartada após o atendimento a cada paciente ou quando ficar umedecidas.
Avental
Aerossóis e respingos durante os procedimentos. Riscos de origem térmica. Acidentes de origem mecânica. Ação de produtos químicos. Umidade proveniente de operações com uso de água. Contaminação por agentes biológicos. Exposições radiológicas – vestimenta plumbífera.
Deve ser de mangas longas, tecido claro e confortável, podendo ser de pano ou descartável para os procedimentos que envolvam o atendimento a pacientes e impermeável nos procedimentos de limpeza e desinfecção de artigos, equipamentos ou ambientes. Deve ser usado fechado durante todos os procedimentos.
Cabeça
Olhos e face
Tronco
(continua)
Preparação para o Tratamento Endodôntico
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Quadro 6-1.1 Equipamentos de proteção individual indicados pelo Ministério da Saúde para cada parte do corpo do operador (continuação) Parte do corpo protegida
EPI indicado
Proteção contra
Recomendações
Luvas
Agentes abrasivos e escoriantes. Agentes cortantes e perfurantes. Choques elétricos. Agentes térmicos. Agentes biológicos. Agentes químicos.
Devem ser de boa qualidade e usadas em todos os procedimentos. Devem ser utilizadas luvas apropriadas para cada momento, conforme segue: Luva de procedimento – exame clínico e tratamento odontológico de rotina. Luva cirúrgica (esterilizada) – indicada para procedimentos cirúrgicos. Luva de borracha espessa longa – indicada para lavagem do material e remoção de barreiras físicas dos equipos. Sobreluva – indicada para recobrir a luva de procedimento quando o profissional necessitar tocar em aparelhos e objetos não recobertos por barreiras físicas.
Calçados
Impactos de quedas de objetos. Choques elétricos. Agentes térmicos. Agentes cortantes e escoriantes. Umidade proveniente de operações com uso de água. Respingos de produtos químicos.
Devem ser fechados e com solado antiderrapante.
Membros superiores
Membros inferiores
Figura 6-1.1. Processamento de artigos endodônticos.
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Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
Figura 6-1.2. Cuba ultrassônica para limpeza de instrumental.
duplo). A utilização de indicadores de monitoramento dentro ou fora das embalagens é imprescindível (Quadro 6-1.2), assim como a colocação no material da data em que está sendo realizada a esterilização. Acondicionamento das limas endodônticas: as limas endodônticas e materiais de dimensões similares (brocas de Gates-Glidden, espirais de Lentulo, espaçadores digitais etc.) sempre foram instrumentos de difícil armazenamento no que concerne à combinação da esterilização com o trabalho ergonômico. Existem inúmeras formas de organizarmos esses instrumentos. Apresentamos então nossas recomendações visando a atender aos preceitos anteriores. Existem recipientes plásticos ou metálicos destinados ao armazenamento de limas e instrumentos similares de maneira agrupada. Uma forma muito prática e efetiva é a confecção de diferentes jogos de acordo com o comprimento dos instrumentos.
O profissional deverá adequar seus jogos à sua necessidade, de acordo com suas técnicas de instrumentação e obturação. Existem evidências comprovando que a utilização de esponjas não interfere na esterilização das limas endodônticas por meio de vapor saturado sob pressão3,31. Todo o conjunto deve ser convenientemente embalado e esterilizado, estando pronto para uso. Vale ressaltar que a utilização das esponjas favorece a limpeza desses instrumentos durante o atendimento, procedimento esse que otimiza o trabalho do profissional, pois não será necessária a confecção do jogo durante a consulta, o que demanda tempo. Não recomendamos a confecção de jogos de limas organizados em gazes e acondicionados em envelopes de grau cirúrgico ou outros, em virtude do risco de perfuração das embalagens, da contaminação durante a abertura e da dificuldade do trabalho durante o atendimento. 7a Fase – Esterilização: a esterilização dos artigos endodônticos deverá ser realizada por processo físico, utilizando-se o vapor saturado sob pressão (autoclave)13,29 (Fig. 6-1.3 e Quadro 6-1.3), exceção apenas para os cones de papel e de obturação, que serão esterilizados por métodos próprios, apresentados adiante. A autoclavação destrói micro-organismos e partículas virais por meio da ação combinada da temperatura, pressão e umidade, que promove a termocoagulação e a desnaturação das proteínas e da estrutura genética deles2. As autoclaves odontológicas são, em sua maioria, do tipo gravitacional. Nesses modelos, o ar é eliminado por gravidade à medida que o vapor é admitido. Cumpre ressaltar que o ar pode prejudicar o processo de esterilização, pois atua como obstáculo na transmissão de calor e umidade, razão pela qual deve ser removido.
Quadro 6-1.2 Indicadores para o monitoramento da funcionalidade das autoclaves Físicos Informações obtidas dos mostradores dos equipamentos: Temperatura, pressão e tempo.
Químicos Avaliam o ciclo de esterilização, pela mudança de cor, na presença da temperatura, tempo e vapor saturado, conforme o indicador utilizado. Podem ser usados indicadores de processo, teste Bowie-Dick, de parâmetro simples, multiparamétrico, integrador e emuladores. O mais comum indicador químico é a fita adesiva para autoclave, indicando que a temperatura selecionada para esterilização foi atingida em algum momento.
Biológicos Realizado utilizando-se tiras de papel impregnadas por esporos bacterianos do gênero Bacillus, capazes de crescer em temperaturas nas quais as proteínas são desnaturadas.
Preparação para o Tratamento Endodôntico
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químicas não podem ser monitoradas biologicamente; instrumentos esterilizados por soluções necessitam de rinsagem em água esterilizada e secagem com compressa esterilizada, o que não permite o empacotamento dos instrumentos, fazendo com que devam ser utilizados imediatamente ou estocados em condições estéreis1.
OBSERVAÇÕES QUANTO AO PROCESSAMENTO DE ARTIGOS SUJEITOS A CORROSÃO
Figura 6-1.3. Autoclaves para uso odontológico.
Quadro 6-1.3 Padrões de temperatura e pressão correlacionados ao tempo de esterilização em autoclaves Temperatura
121°C a 127°C
132°C a 134°C
Pressão
1atm
2atm
Tempo
15 a 30min
4 a 7min
As autoclaves devem ser monitoradas por indicadores químicos, físicos e biológicos, a fim de evidenciar possíveis falhas humanas ou mecânicas durante o processo, conforme apresentado no Quadro 6-1.2. A eficiência de corte dos instrumentos endodônticos não é afetada pela esterilização pelo vapor saturado sob pressão, mesmo após repetidos ciclos, independentemente de a liga metálica ser de aço inoxidável10,18 ou de níquel-titânio23,24,30. Embora a ANVISA permita a utilização de métodos químicos para a esterilização de artigos termossensíveis, por meio de soluções, quando não houver outro método que o substitua, na Endodontia, a única medida a frio indicada é para a desinfecção dos cones de gutapercha, para os quais indicamos a imersão em solução de hipoclorito de sódio a 2,5% por 1 minuto. Existem várias razões para não recomendarmos soluções esterilizantes em Endodontia, a saber: esterilização por soluções
A autoclavação pode determinar o aparecimento de corrosão em alguns instrumentos endodônticos. Um exemplo típico desse problema é a corrosão de brocas de baixa rotação fabricadas em aço carbono. Segundo o Ministério da Saúde, a corrosão em instrumentos odontológicos pode ser removida, desde que não comprometa a utilização do artigo, por meio de soluções ácidas pré-aquecidas, seguindo as orientações do fabricante. Entretanto, ressalta-se que não devem ser utilizados produtos e objetos abrasivos2. (Para aspectos particulares quanto à corrosão de limas endodônticas ver Capítulo 9.)
ESTERILIZAÇÃO DE DENTES HUMANOS EXTRAÍDOS O método mais eficaz para a esterilização de dentes humanos extraídos destinados a estudo e treinamento é o vapor saturado sobre pressão (autoclave). Entretanto, dentes portadores de restaurações em amálgama devem ser esterilizados em solução de formalina a 10% por 7 dias, devido ao risco de liberação de vapores e contaminação residual por mercúrio nos autoclaves6,14.
ESTERILIZAÇÃO DE CONES DE OBTURAÇÃO A fabricação dos cones de guta-percha e dos cones de polímero sintético termoplástico (poliéster) ocorre em ambientes não esterilizados. Além disso, alguns tipos de cones de guta-percha ainda são fabricados manualmente. Mesmo cones de guta-percha testados diretamente de caixas lacradas pelo fabricante demonstraram contaminação microbiana8,9,17. Portanto, é imprescindível a desinfecção desses cones previamente à obturação dos canais radiculares. Baseados na literatura, recomendamos a imersão dos cones de guta-percha e de poliéster em soluções de hipoclorito de sódio de 2,5 a 5,25% por 1 minuto4,9,19,22,25-27.
214
Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
ESTERILIZAÇÃO DOS CONES DE PAPEL Embora a esterilização de cones de papel absorvente seja possível no ambiente clínico por meio de métodos físicos e químicos, empregando-se calor seco12, esterilizador de bolinhas de vidro16 e pastilhas de formaldeído11, desaconselhamos esses métodos devido à dificuldade de controle e às possíveis alterações na propriedade de absorção desses cones quando submetidos a temperaturas elevadas5. Existem no mercado cones de papel esterilizados por meio de radiação gama em embalagens tipo cell pack. Recomendamos esses cones em razão dos motivos já citados e pela praticidade. Além disso, não existe o risco de contaminação dos outros cones contidos nas caixas, já que eles são providos em células individuais contendo pequena quantidade de cones, o suficiente para a secagem de um canal radicular.
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Preparação para o Tratamento Endodôntico
215
Parte 2 Anestesia em Endodontia José Freitas Siqueira Jr. • Hélio Pereira Lopes Um dos conceitos arraigados na população em geral se refere à concepção de que o tratamento odontológico, e em particular o endodôntico, é doloroso. A associação entre dor e o cirurgião-dentista assume às vezes proporções exageradas e insensatas que contribuem para uma visão distorcida da profissão. Tal visão é calcada em experiências que remontam à época em que a Odontologia realmente não dispunha de métodos eficazes para tratar sem dor (especialmente em casos de inflamação), sendo então perpetuada pela crença popular e, até mesmo, pela conivência e contribuição de alguns profissionais mal informados ou mal preparados. De fato, na atualidade, o desenvolvimento de anestésicos e de técnicas eficazes permite a execução de todo e qualquer tipo de tratamento odontológico de forma indolor. A anestesia local bem-sucedida confere ausência total de sensibilidade, o que na grande maioria das vezes é de vital importância para a execução satisfatória de uma intervenção voltada para a remoção do fator etiológico da doença a ser tratada, além de reduzir drasticamente os níveis de estresse tanto para o paciente quanto para o profissional. Anestésicos locais são basicamente utilizados em Endodontia para a obtenção de três efeitos16: a) anestesia durante o procedimento endodôntico; b) hemostasia durante procedimentos cirúrgicos; c) controle da dor pós-operatória. O objetivo deste capítulo é discutir vários aspectos da anestesia em Endodontia, incluindo as indicações
de técnicas e agentes anestésicos, bem como o manejo de casos especiais. Para mais detalhes sobre técnicas e agentes anestésicos o leitor deve consultar obra inteiramente dedicada ao assunto22.
Requisitos para a técnica anestésica Devem ser observados os seguintes critérios para se considerar uma técnica anestésica de grande utilidade: • deve prover profundidade adequada de anestesia; • o tempo de latência deve ser rápido; • a duração deve ser suficiente para a execução dos procedimentos; • o desconforto durante e após a injeção não deve existir ou pelo menos ser mínimo; • a injeção deve ser segura para a polpa e para o periodonto; • a técnica deve ser segura para o paciente em geral, sem expô-lo a maiores riscos.
Características dos agentes anestésicos A potência intrínseca de um agente anestésico local é determinada por sua lipossolubilidade. Quanto maior o seu coeficiente de partição óleo/água, maior será sua potência. A duração da anestesia é ditada pelo grau de ligação a proteínas apresentado pelo agente anestésico (Quadro 6-2.1). Anestésicos que apresentam grande
Quadro 6-2.1 Farmacocinética de alguns agentes anestésicos locais usados em Endodontia Agente
PKa
Coeficiente de partição
Ligação a proteínas
Latência
Duração
Lidocaína
7,8
2,9
64%
Rápida
Moderada
Prilocaína
7,9
0,9
55%
Rápida
Moderada
Mepivacaína
7,8
0,8
77%
Lenta
Moderada
Articaína
7,8
52
95%
Rápida
Moderada
Bupivacaína
8,1
27,5
95%
Lenta
Longa
216
Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
afinidade aos componentes proteicos da fibra nervosa têm menor probabilidade de se difundir para além do local da injeção e de serem absorvidos pela corrente sanguínea. Por conseguinte, permanecem por um tempo maior no local, aumentando assim a duração do efeito anestésico. A constante de dissociação (pKa) representa o pH, no qual as formas ionizadas e não ionizadas de um agente anestésico estão em equilíbrio (Quadro 6-2.1). Apenas a forma não ionizada consegue atravessar a bainha de mielina e a membrana nervosa, penetrando assim na fibra nervosa e bloqueando a propagação do impulso nervoso. O pKa de um anestésico determina seu tempo de latência. Quanto mais alto seu valor, menor a proporção de formas não ionizadas, indicando que o tempo de latência do agente anestésico será maior. Consulte o Boxe 6-2.1 para mais detalhes sobre o mecanismo de ação dos agentes anestésicos locais. A associação do anestésico com um vasoconstritor reduz temporariamente a circulação local nos tecidos, retardando, assim, a remoção do anestésico20, o que aumenta a eficácia e a duração da anestesia. Uma outra vantagem é que o vasoconstritor pode reduzir o sangramento durante um procedimento cirúrgico.
Agentes anestésicos a serem utilizados em endodontia A solução recomendada para ser utilizada é a lidocaína a 2% com 1:100.000 de epinefrina como vasoconstritor. Todavia, um estudo demonstrou que a prilocaína a 4% e a mepivacaína a 3%, um agente anestésico que não requer o emprego de vasoconstritor, apresentaram a mesma eficácia que a lidocaína a 2% com epinefrina a 1:100.000 na anestesia pulpar após bloqueio do nervo alveolar inferior23. Anestésicos de longa duração, como a bupivacaína e a etidocaína, podem ser utilizados em casos de consultas extensas, de cirurgia perirradicular ou quando há risco de flare-ups. Todavia, nem todos os pacientes desejam se submeter à dormência labial por longos períodos, devendo ser consultados quanto às suas preferências. Dos anestésicos de longa duração, a bupivacaína a 0,5% com epinefrina a 1:200.000 tem sido bastante recomendada. A anestesia pulpar com a bupivacaína pode levar mais tempo do que com a lidocaína para ocorrer (tempo de latência), mas apresenta duração de aproximadamente 5 a 9 horas, o que representa praticamente duas a quatro vezes o tempo de duração
promovido pela lidocaína. Além disso, a bupivacaína também apresenta efeito pós-analgésico, o que usualmente dispensa o emprego de analgésicos potentes no pós-operatório imediato2,33.
Anestesia indolor Além do fato de que a anestesia deve ser eficaz, também é de extrema relevância a aplicação indolor. Existem várias medidas propostas para se reduzir o desconforto gerado durante a injeção do anestésico. Algumas medidas apresentam um caráter empírico, enquanto outras têm eficácia clínica realmente comprovada. O emprego de anestésicos tópicos na mucosa da área a ser injetada tem sido prática comum na clínica odontológica (Fig. 6-2.1). Todavia, a eficácia dos anestésicos tópicos em aliviar a dor da injeção é controversa. Talvez, o aspecto mais importante relacionado com o seu uso não seja tanto a diminuição da sensibilidade da mucosa, mas a demonstração de que tudo está sendo feito pelo profissional para prevenir a ocorrência de dor. Outro fator envolvido é o poder de sugestão de que o anestésico tópico irá reduzir a dor da injeção. Ambos os fatores introduzem um efeito placebo que pode realmente funcionar na maioria dos pacientes. O uso de anestésicos pré-aquecidos não tem demonstrado eficácia em aliviar a dor da injeção. Os diferentes calibres das agulhas comumente usadas em odontologia (gauge 25, 27 ou 30) também parecem não influenciar a incidência de dor durante a injeção53. A injeção lenta da solução permite a distribuição gradual nos tecidos sem pressão dolorosa. A injeção deveria idealmente levar aproximadamente 1 minuto por tubete. Tal conduta é significativamente eficaz em reduzir a dor da injeção. Sistemas computadorizados para aplicação controlada de anestesia têm sido disponibilizados no comércio. Exemplos de sistemas atualmente disponíveis incluem CompuDent/Wand (Milestone Scientific), Comfort Control Syringe (Midwest Dentsply) e QuickSleeper (Dental Hi Tec) (Fig. 6-2.2). São equipamentos que requerem maior espaço operacional, mas têm boa receptividade por parte dos pacientes. Embora os resultados quando comparados às técnicas tradicionais no que tange à dor da injeção sejam promissores, os dados no geral são conflitantes28,30,38. A vibração dos tecidos moles (lábios ou bochecha) durante a inserção da agulha, com os dedos da mão que não está segurando a seringa, desvia o foco de atenção do paciente, o que também ajuda a amenizar a sensação da injeção.
Preparação para o Tratamento Endodôntico
217
BOXE 6-2.1 MECANISMO DE AÇÃO DOS ANESTÉSICOS LOCAIS Eduardo Dias de Andrade* • José Ranali* • Maria Cristina Volpato*
A membrana nervosa é o sítio onde os anestésicos locais exercem sua principal ação farmacológica. Das várias hipóteses propostas para explicar o mecanismo de ação dos anestésicos locais, a mais aceita é a teoria do receptor específico. Segundo ela, a forma não ionizada dos anestésicos locais atravessa a membrana do axônio, penetrando na célula nervosa onde se liga a receptores específicos nos canais de sódio, reduzindo ou impedindo a entrada desse íon na célula. Isso resulta no bloqueio da condução nervosa e, consequentemente, da percepção da dor.
• Articaína a 4% com epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000 Obs.: Nos bloqueios regionais, a articaína está associada a parestesias mais prolongadas. 2. Tratamentos endodônticos cujas sessões de atendimento são muito prolongadas ou no caso das cirurgias perirradiculares. • Bupivacaína a 0,5% com epinefrina 1:200.000 (nas técnicas de bloqueio regional promove, em média, anestesia dos tecidos moles em torno de 7 horas). Obs.: A critério do endodontista, podem ser empregadas duas soluções anestésicas distintas na mesma sessão de atendimento (p. ex.: lidocaína + articaína, lidocaína + bupivacaína etc.). PACIENTES QUE REQUEREM CUIDADOS ADICIONAIS
Esquema simplificado do mecanismo de ação dos anestésicos locais Ao ser injetada nos tecidos, parte das moléculas dos anestésicos locais fica na forma ionizada (AL+) e parte na não ionizada (AL). As moléculas não ionizadas atravessam a membrana do axônio. Dentro da célula nervosa, ocorre o restabelecimento do equilíbrio entre as formas não ionizada e ionizada. A forma ionizada se liga aos receptores (R) dos canais de sódio, impedindo a entrada desses íons na célula, bloqueando a propagação do impulso nervoso e a percepção da dor.
Critérios de escolha das soluções anestésicas locais em endodontia
1. Gestantes • Lidocaína a 2% com epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000 Obs.: Máximo de dois tubetes por sessão (3,6mL da solução). 2. Hipertensos com a doença controlada • Lidocaína a 2% com epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000 ou • Articaína a 4% com epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000 Obs.: Máximo de dois tubetes por sessão (3,6 mL da solução). 3. Hipertensos com a doença não controlada (atendidos somente em casos de urgência, após avaliação de que não há outras complicações sistêmicas). • Prilocaína a 3% com felipressina 0,03UI/mL. Obs.: Máximo de três tubetes por sessão (5,4mL da solução).
PACIENTES COM CONDIÇÕES NORMAIS DE SAÚDE GERAL
1. Procedimentos endodônticos de rotina • Lidocaína a 2% com epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000 ou • Mepivacaína a 2% com epinefrina 1:100.000 ou
Referência Bibliográfica Volpato MC, Ranali J, Andrade ED. Anestesia local. In: Andrade ED. Terapêutica Medicamentosa em Odontologia, 2a ed., São Paulo, Artes Médicas, 2006. p. 35-45.
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Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
Figura 6-2.1. Uso de anestésico tópico na mucosa da área a ser injetada. Seu valor em promover injeção indolor parece estar relacionado com fatores psicológicos.
Figura 6-2.2. Aparelho para injeção anestésica controlada por computador.
Quando anestesiar Todos os dentes que serão submetidos a qualquer tipo de procedimento endodôntico devem ser anestesiados. Tal necessidade é calcada no fato de que o paciente pode apresentar sensibilidade durante a execução de um procedimento, o que poderá impedir ou atrapalhar a sua correta realização. Além disso, há o efeito psicológico envolvi-
do. O paciente anestesiado pode colaborar muito mais, uma vez que se sente protegido pela anestesia. É recomendável testar se a polpa foi anestesiada de forma eficaz (por meio de testes de vitalidade pulpar, principalmente frio ou elétrico) antes do início dos procedimentos operatórios. A colocação dos grampos para isolamento absoluto pode em alguns casos gerar desconforto ao paciente e, nessas situações, impedir a obtenção de um adequado isolamento. As razões para emprego de anestésicos durante o tratamento de dentes com polpa viva e durante a cirurgia perirradicular são óbvias. Já nos casos de dentes com polpa necrosada, alguns profissionais questionam a necessidade de se anestesiar o paciente. Nesses casos, além da necessidade de se realizar a anestesia para facilitar a aplicação do isolamento absoluto, é comum na clínica endodôntica diuturna se observar que em alguns casos o paciente ainda se queixa de sensibilidade quando o profissional introduz uma lima no interior de um canal contendo polpa necrosada. Isso geralmente é observado quando o instrumento alcança o terço médio ou apical do canal. As justificativas para tal ocorrência podem ser diversas: a) Uma delas se refere ao fato de a necrose pulpar ocorrer por compartimentos teciduais e, como consequência, a necrose ainda não ter ocorrido em toda a extensão pulpar. Isso é chamado de necrose parcial e pode até mesmo ser observado em dentes que já apresentam lesão perirradicular detectada radiograficamente. b) Outra causa de dor durante a manipulação de canal contendo polpa necrosada se refere à ação de êmbolo que o instrumento endodôntico pode exercer quando inserido apicalmente no canal, levando à compressão do ligamento periodontal apical pelo tecido necrosado sendo empurrado em direção a ele. c) Uma outra causa se refere ao fato de que as fibras do tipo C pulpares são mais resistentes à hipoxia tecidual oriunda da necrose do tecido. Se a necrose pulpar ocorreu recentemente, essas fibras podem ainda estar reativas e responder à dor durante o avanço do instrumento no canal. A utilização de limas no comprimento de patência do canal com o intuito de limpar o forame apical faz com que essas inevitavelmente contatem os tecidos perirradiculares, os quais podem estar em normalidade ou inflamados. Tal contato pode gerar algum desconforto para o paciente e pode ser prevenido quando o paciente é anestesiado para uma consulta de instrumentação do canal, independentemente de
Preparação para o Tratamento Endodôntico
ser uma biopulpectomia, necropulpectomia ou retratamento. Durante a obturação do sistema de canais radiculares, componentes de forças laterais e verticais são sempre gerados durante a condensação do material obturador, independentemente da técnica de obturação, para se obter um adequado preenchimento e selamento do canal. Tais forças geradas podem ocasionar um desconforto ao paciente e, por conseguinte, impedir que o profissional proceda à obturação de forma adequada. Por exemplo, o cone principal de guta-percha usualmente está em íntimo contato com os tecidos perirradiculares via forame apical. Durante a condensação para a obturação, o cone pode comprimir os tecidos perirradiculares, ou o cimento endodôntico pode extravasar, o que gera então dor em um paciente não anestesiado, prejudicando sua colaboração com o profissional. Se o paciente se encontra anestesiado, tal problema não existirá. Todavia, o profissional deve estar atento e consciente de que forças excessivas geradas pela técnica obturadora podem não ser detectadas por um paciente anestesiado e podem levar a danos irreparáveis ao dente, como é o caso das fraturas radiculares verticais ou oblíquas, cuja causa principal é justamente o emprego demasiado de força durante a obturação17,26,39. Casos de retratamento também requerem o emprego de anestesia para permitir a remoção adequada do material obturador no limite desejado. Em muitos casos, na porção do canal apical ao material obturador a ser removido pode ainda existir tecido pulpar em estado de vitalidade, podendo resultar em desconforto quando tocado por um instrumento endodôntico utilizado para a desobstrução do canal. Durante a desobstrução do canal, o material obturador amolecido pode ser forçado contra o ligamento periodontal apical e tal compressão pode gerar dor. A anestesia também deve ser empregada durante a instrumentação e a obturação de canais sendo retratados pelas razões já discutidas.
INDICAÇÕES PARA TÉCNICAS ANESTÉSICAS EM ENDODONTIA Anestesia mandibular A principal técnica indicada para anestesia dos dentes inferiores a serem tratados endodonticamente, principalmente os posteriores, é o bloqueio do nervo alveolar inferior (Fig. 6-2.3). Após a anestesia, o paciente relata dormência de lábios, bochecha e língua, com o dente parecendo “morto”. A dormência dos lábios usualmente ocorre em cerca de 5 a 7 minutos. Contu-
219
Figura 6-2.3. Bloqueio do nervo alveolar inferior.
do, isso apenas indica que a injeção bloqueou os nervos dos tecidos moles do lábio e não necessariamente que a anestesia pulpar foi obtida. Todavia, se a dormência labial não for relatada, isso significa que o bloqueio não ocorreu. A duração da anestesia labial não corresponde inteiramente à pulpar, uma vez que a polpa não permanece anestesiada por tanto tempo quanto os tecidos moles do lábio. A anestesia pulpar ocorre em cerca de 10 a 15 minutos e, em média, pode durar aproximadamente 2 a 2,5 horas. As fibras nervosas localizadas no centro do nervo inervam as regiões mais distantes e são as últimas a serem anestesiadas46, o que pode até explicar por que a anestesia de molares é mais rápida do que a de dentes anteriores. Conforme Malamed22, de todas as técnicas de bloqueio anestésico, a alveolar inferior convencional oferece o maior índice de fracasso, mesmo quando bem executada. Tem sido relatado que, a despeito da condição pulpar (inflamada ou não), é difícil se lograr uma completa anestesia pulpar por meio do bloqueio do nervo alveolar inferior. Na verdade, a taxa de fracasso da anestesia de dentes com pulpite irreversível por meio de bloqueio do nervo alveolar inferior pode variar de 40 a 81%3,8,18,31,34,35. A principal causa do fracasso no bloqueio do alveolar inferior se deve a erros de técnica anestésica. A ocorrência de variações anatômicas pode ser uma das responsáveis pelo fracasso da técnica, mesmo quando tenha sido bem executada. Em alguns casos, a solução anestésica pode não se difundir completamente pelo nervo para produzir um bloqueio adequado em todos os dentes. Além
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Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
disso, o nervo milo-hióideo pode fornecer inervação acessória para os molares inferiores. Tal probabilidade varia de 10 a 20% dos casos e pode parcialmente explicar o fracasso do bloqueio do alveolar inferior11,41. Todavia, o índice de fracasso do bloqueio excede a incidência de inervação acessória dos molares inferiores. Uma excelente alternativa para anestesia dos dentes anteriores é o bloqueio do nervo incisivo (segmento anterior do nervo alveolar inferior) através da injeção de cerca de 0,5mL dentro do canal mandibular via forame mentoniano. Nesses casos, é recomendável também complementar com uma injeção infiltrativa por vestibular ao nível do ápice do dente envolvido.
Medidas alternativas em caso de fracasso da anestesia mandibular A anestesia infiltrativa por vestibular ou lingual, quando utilizada isoladamente, não é muito eficaz para a anestesia de dentes inferiores anteriores ou posteriores. Contudo, como suplementar à alveolar inferior tradicional, a anestesia infiltrativa por vestibular aumenta o sucesso da anestesia pulpar dos dentes anteriores (Fig. 6-2.4). O volume ideal de lidocaína a 2% com epinefrina necessário para induzir o bloqueio adequado do alveolar inferior é de cerca de 2mL (aproximadamente um tubete de 1,8mL). O aumento do volume anestésico de um para dois tubetes não aumenta o sucesso da anestesia pulpar com o bloqueio do nervo alveolar inferior, particularmente quando os sintomas clássicos de anestesia são relatados pelo paciente. Existem técnicas alternativas ao bloqueio convencional do nervo alveolar inferior – a técnica de
Figura 6-2.4. A anestesia infiltrativa em dentes inferiores apresenta maior eficácia quando utilizada como técnica suplementar ao bloqueio do alveolar inferior.
Gow-Gates13,14,25, que afeta todo o nervo mandibular com suas ramificações, e a de boca fechada de Akinosi1, que afeta o alveolar inferior. Tais técnicas não são superiores à convencional de bloqueio do nervo alveolar inferior, além da dificuldade de serem aplicadas. Todavia, podem ser empregadas em pacientes com problemas que impedem o uso da técnica convencional, como em casos de trismo ou tumefações difusas.
Anestesia maxilar A anestesia maxilar é usualmente mais previsível do que na mandíbula. A anestesia infiltrativa utilizada isoladamente apresenta alto índice de sucesso em toda a arcada, razão para ser a preferida para anestesia dos dentes superiores (Fig. 6-2.5). Com esse tipo de injeção, a anestesia pulpar ocorre em 3 a 5 minutos, mas em molares pode demorar mais. A duração é de aproximadamente 30 a 60 minutos. Uma pequena quantidade de anestésico deve ser injetada na região palatina dos dentes para aplicação do isolamento absoluto.
Medidas alternativas em caso de fracasso da anestesia maxilar Em casos de anestesia infiltrativa, o aumento do volume de anestésico de um para dois tubetes reforça a eficácia e a duração da anestesia pulpar. O bloqueio do nervo alveolar superior posterior anestesia os 2os e 3os molares e, usualmente, os 1os molares. A infiltrativa por mesial (próximo ao ápice da raiz mesiovestibular) às vezes se torna necessária para a anestesia adequada dos 1os molares superiores21. O bloqueio do nervo alveolar superior posterior pode ser empregado quando é desejado que sejam anestesiados todos os molares.
Figura 6-2.5. A anestesia infiltrativa na maxila é a de escolha para o tratamento endodôntico de dentes superiores.
Preparação para o Tratamento Endodôntico
O bloqueio do nervo infraorbitário resulta em dormência labial, mas que não indica necessariamente anestesia das polpas dos incisivos. Ele é mais eficaz para os pré-molares, com duração de anestesia inferior a 60 minutos. Em geral, para os pré-molares, a eficácia do bloqueio infraorbitário equivale à da injeção infiltrativa. Ocasionalmente, pode ser necessária a aplicação adicional de cerca de 0,5mL de anestésico na região palatina correspondente ao ápice da raiz palatina dos molares superiores para eliminar a sensibilidade eventualmente persistente.
ANESTESIA SUPLEMENTAR As técnicas convencionais nem sempre resultam em anestesia pulpar eficaz, principalmente na mandíbula9,53,54. Em geral, se os sintomas clássicos da anestesia são relatados pelo paciente, uma nova injeção é ineficaz. Se a sensibilidade pulpar ainda persistir após o emprego das técnicas indicadas, deve-se tentar as medidas alternativas já especificadas. Se ainda assim uma anestesia pulpar profunda não foi obtida, pode-se selecionar uma técnica suplementar que usualmente oferece grandes possibilidades de sucesso. Cabe aqui salientar que essas técnicas são suplementares, não podendo, pois, substituir as técnicas indicadas, mas apenas complementá-las quando houver necessidade.
Injeção intraligamentar Pode ser considerada a técnica suplementar de escolha quando a anestesia convencional foi ineficaz. A técnica é clinicamente eficaz, sendo considerada uma auxiliar de grande valia. Existem no mercado seringas especialmente desenhadas para se aplicar essa técnica anestésica, mas que não são imprescindíveis (Fig. 6-2.6). Na verdade, não há vantagens no emprego das seringas especialmente desenhadas para esse tipo de injeção44,52,53. Diferentes calibres de agulha
Figura 6-2.6. Seringa especialmente desenhada para a injeção intraligamentar.
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(gauge 25, 27 ou 30) também não influenciam o sucesso da técnica52. A agulha é inserida no sulco gengival na região mesial do dente a ser tratado, em um ângulo de 30° com o longo eixo do mesmo e em contato com ele (Fig. 6-2.7). A agulha deve ser segura e sustentada com os dedos do profissional ou com um porta-agulhas (mais seguro do ponto de vista da biossegurança) e então posicionada com penetração máxima entre a raiz e a crista óssea, com o bisel voltado para o dente, para evitar que a raiz seja sulcada, o que pode posteriormente favorecer a retenção de placa bacteriana subgengival. Deve-se então aplicar lentamente uma forte pressão no êmbolo da seringa por cerca de 10 segundos. Quando são empregadas seringas especiais, o gatilho deve ser acionado lentamente uma ou duas vezes. Se não houver resistência à injeção, a agulha deve ser reposicionada e nova tentativa deve ser feita. Repete-se a injeção na região distal do dente. Cerca de 0,2mL de solução é injetada tanto na mesial quanto na distal do dente. Esse tipo de anestesia pode ser muito doloroso em dentes anteriores. A denominação anestesia intraligamentar é errônea, uma vez que a solução injetada não atinge os nervos pulpares por se difundir por meio do ligamento periodontal24. Na verdade, a anestesia intraligamentar força a solução anestésica por meio da lâmina cribriforme do osso alveolar (a qual é muito porosa na região cervical) para o interior dos espaços medulares e os vasos, dentro e ao redor do dente. A direção primária não é o ligamento periodontal, não estando relacionado o mecanismo de ação com a pressão direta sobre as fibras nervosas40, ao contrário da injeção intrapulpar5,48. A pressão, na verdade, é necessária a fim de forçar o anestésico para os espaços medulares com o objetivo de contatar e bloquear as fibras nervosas43,50,51. A anestesia ocorre imediatamente40,44,52,55, não havendo necessidade de esperar o início do procedimento clínico. A anestesia dura aproximadamente 20 minutos e é mais eficaz em dentes posteriores. Todavia, na maioria das vezes, sua duração é imprevisível. Pode ser aplicada sem que o isolamento absoluto seja removido. Como técnica suplementar apresenta índice de sucesso em 63 a 74% dos casos e, se necessário, a reinjeção aumenta o índice de sucesso para 92 a 96% dos casos7,44,52. Um leve desconforto pós-operatório pode ocorrer na maioria dos casos e persistir por horas até um ou dois dias. Esse risco deve ser comunicado antecipadamente ao paciente. Isso ocorre devido ao leve dano tecidual imposto no local de penetração da agulha. Contudo, tal dano é mínimo e reversível.
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Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
A
B
A injeção intraligamentar é usualmente segura para a polpa, não apresentando efeitos deletérios a longo prazo, embora alterações fisiológicas, principalmente caracterizadas por diminuição do fluxo sanguíneo, possam ocorrer, dependendo do vasoconstritor empregado36,47,52. Entretanto, tais efeitos usualmente não acarretam risco à sobrevivência da polpa mesmo durante a execução de procedimentos restauradores, muito embora não se conheçam os seus efeitos em casos de preparos cavitários extensos ou em dentes com cáries extensas e profundas. A técnica é contraindicada em dentes com patologia perirradicular sintomática (periodontite apical aguda ou abscesso perirradicular agudo), sendo provável que apresente efeitos adversos em dentes com doença periodontal. Tem o potencial também de acarretar danos a dentes não erupcionados.
Figura 6-2.7A. Anestesia intraligamentar. B. Esquema da injeção intraligamentar. Notar o ângulo de introdução da agulha e a posição do bisel voltado para o dente.
O efeito da pressão para a eficácia da anestesia intrapulpar é mais significativo do que propriamente a solução anestésica empregada5,42. A pressão prolongada leva à degeneração das fibras nervosas e é a responsável pela anestesia gerada pela técnica5. Todavia, se a polpa não for totalmente removida durante o efeito da anestesia, sua sensibilidade poderá retornar. Para se aumentar a pressão durante a injeção, podem ser utilizados stoppers, como cursores para limas, guta-percha, cera ou mecha de algodão, ajustados à agulha e bloqueando a cavidade de acesso, o que aumenta a resistência ao refluxo da solução injetada. Depositar passivamente o anestésico na câmara pulpar não é um procedimento usualmente eficaz para se atingir a anestesia suplementar. O índice de sucesso da técnica intrapulpar é de cerca de 95% dos casos quando a resistência à injeção é
Anestesia intrapulpar Usualmente, é considerada como a anestesia suplementar de segunda escolha. A injeção pode ser extremamente dolorosa, devendo o paciente ser consultado quanto à permissão para sua utilização. A anestesia é imediata e dura cerca de 15 a 20 minutos. Uma anestesia profunda é obtida se executada sob pressão (Fig. 6-2.8). Na verdade, a resistência à injeção é essencial para o sucesso da técnica. Com os dedos firmando a agulha, ela é inserida lentamente no canal ao mesmo tempo em que o êmbolo da carpule também é pressionado lentamente para injetar a solução anestésica. A agulha é inserida apicalmente até sofrer máxima resistência. Nesse ponto, uma forte pressão deve ser aplicada ao êmbolo da carpule por cerca de 5 a 10 segundos.
Figura 6-2.8. Anestesia intrapulpar. A pressão exercida durante a injeção é essencial para o sucesso da técnica.
Preparação para o Tratamento Endodôntico
sentida. É contraindicada em dentes com necrose pulpar, pois pode projetar micro-organismos para os tecidos perirradiculares.
Anestesia intraóssea A injeção intraóssea é uma técnica de anestesia suplementar que tem demonstrado grande eficácia clínica19, principalmente após o fracasso no bloqueio do nervo alveolar inferior. Em casos de pulpite irreversível, o índice de sucesso da técnica como anestesia suplementar é de 71 a 98%4,29,31,32,34. Essa técnica encontra grande popularidade nos Estados Unidos19, sendo para alguns profissionais a principal técnica de anestesia suplementar, mas não é muito difundida no Brasil. Por requerer dispositivos especiais e treinamento prévio específico, seu uso deve se restringir a especialistas em Endodontia.
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Vários sistemas têm sido propostos para a aplicação da anestesia intraóssea, tais como o sistema Stabident (Fairfax Dental, Miami, EUA) e o X-tip (X-tip Technologies, Lakewood, NJ, EUA). Todavia, um que tem recebido grande atenção recentemente é o IntraFlow (Pro-Dex Inc, Santa Ana, CA, EUA) (Fig. 6-2.9), devido à facilidade de aplicação e eficácia. O sistema IntraFlow compreende uma peça de mão com um perfurador/agulha acoplado na ponta e integrada a um sistema de injeção por pressão de ar. A peça de mão é acoplada na saída de ar do equipo e o sistema é então controlado pelo pedal. O sistema permite em um só passo a perfuração do osso e a subsequente deposição de solução anestésica pela própria luz do perfurador/ agulha19. A técnica intraóssea consiste na aplicação de solução anestésica diretamente no osso esponjoso adja-
Figura 6-2.9. Sistema IntraFlow para anestesia intraóssea (cortesia do fabricante).
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Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
cente ao dente. A porosidade do osso permite rápida difusão da solução anestésica, promovendo anestesia profunda quase que imediatamente após a injeção. A área de perfuração do osso e injeção está 2 a 3mm em direção apical à interseção entre uma linha horizontal, que passa pela margem gengival vestibular, e uma linha vertical, que passa pela papila interdental distal ao dente a ser anestesiado. Os tecidos moles devem ser inicialmente anestesiados por injeção infiltrativa. Depois o perfurador é inserido na gengiva perpendicularmente à cortical óssea. O dispositivo é então ativado, sob pressão moderada constante até que a cortical seja perfurada e a sensação de “queda” no osso esponjoso seja sentida, ocasião em que se injeta a solução anestésica. A anestesia intraóssea da mandíbula dura aproximadamente 60 minutos, enquanto o bloqueio do alveolar inferior pode durar cerca de 120 a 150 minutos. Um estudo35 sugeriu que a anestesia intraóssea com o sistema IntraFlow pode ser usada como anestesia primária em dentes com pulpite irreversível, uma vez que apresentou eficácia estatisticamente comparável com o bloqueio do nervo alveolar inferior. O sucesso da anestesia primária com o IntraFlow foi de 87%, enquanto o do bloqueio foi de 60%, muito embora não tenha havido diferença estatisticamente significante entre as técnicas. Para ser usada como técnica primária, os autores recomendam anestesia infiltrativa prévia no local a ser perfurado com cerca de 0,1mL de lidocaína a 2% com epinefrina a 1:100.000, com a finalidade de assegurar conforto ao paciente durante o procedimento. A injeção intraóssea é contraindicada nos casos de infecção no local da injeção e quando há grande proximidade com estruturas vitais, raízes dentárias ou dentes em estágio de desenvolvimento.
INDICAÇÕES PARA A TÉCNICA ANESTÉSICA EM DIFERENTES SITUAÇÕES CLÍNICAS Pulpite irreversível Os dentes com pulpite irreversível mais difíceis de anestesiar são, em ordem decrescente, os molares inferiores, os pré-molares inferiores e superiores, os molares superiores e os incisivos inferiores. Após a anestesia convencional (infiltrativa nos superiores e bloqueio nos inferiores), pode-se opcionalmente testar a anestesia pulpar por meio de testes térmicos e elétricos antes de se fazer o acesso. Se o paciente ainda responde com dor, deve-se avaliar a ne-
cessidade de uma nova injeção (infiltrativa, tanto para superiores quanto para inferiores) ou o emprego da técnica intraligamentar. Em alguns casos, a inflamação pulpar se localiza na porção apical do canal, enquanto a polpa coronária pode estar necrosada. Como suplementares nesses casos são utilizadas as técnicas intraligamentar e intrapulpar (diagnóstico diferencial deve ser feito em dentes com periodontite apical aguda, por meio de teste de percussão, onde essas duas técnicas suplementares são contraindicadas).
Abscesso perirradicular agudo Se uma tumefação está presente, podem ser realizadas infiltrações em cada lado (anterior e posterior) ou então o bloqueio. Em dentes superiores, dependendo da região envolvida, pode-se fazer o bloqueio do nervo alveolar superior posterior ou da segunda divisão (tuberosidade alta) para os molares, ou do infraorbitário para os anteriores. Em dentes inferiores se opta pelo bloqueio do nervo alveolar inferior. Em casos de tumefações no palato onde se requer incisão para drenagem, procede-se à injeção de um pequeno volume de anestésico no forame nasopalatino (para dentes anteriores) ou no forame palatino maior (para posteriores). A injeção no forame palatino maior anestesia o mucoperiósteo dos 2/3 posteriores do palato no lado injetado. Se a tumefação estiver sobre um dos forames, devem ser feitas infiltrativas lateralmente a ela. Em caso de incisão para drenagem em dentes mandibulares posteriores, deve-se proceder, além do bloqueio do alveolar inferior, à injeção bucal longa para anestesia do nervo bucal. O bloqueio do nervo lingual também pode ser necessário. As técnicas suplementares intraligamentar e intrapulpar são contraindicadas nesses casos. Embora eficazes em dentes com polpa viva, são extremamente dolorosas e ineficazes em dentes com inflamação perirradicular aguda. O emprego da bupivacaína ou da etidocaína pode ajudar a controlar a dor pós-operatória, o que não exclui a necessidade do uso de analgésicos/anti-inflamatórios. As principais razões para não se realizar a injeção na coleção purulenta são devidas à dor resultante da pressão e à ineficácia da técnica, a qual pode ser explicada principalmente pelo maior fluxo sanguíneo da área inflamada, que remove o anestésico rapidamente para a circulação, e/ou pelo edema que dilui a solução anestésica.
Preparação para o Tratamento Endodôntico
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Quadro 6-2.2 Indicações sugeridas para técnicas anestésicas em diferentes situações endodônticas Condição clínica
1ª escolha
Suplementar
Pulpite irreversível Dentes superiores Dentes inferiores
Infiltrativa Bloqueio do NAI
Intraligamentar ou intrapulpar Intraligamentar, intrapulpar ou intraóssea
Necrose assintomática Dentes superiores Dentes inferiores
Infiltrativa Bloqueio do NAI
Intraligamentar Intraligamentar
Abscesso agudo ou PAA Dentes superiores Dentes inferiores
Infiltrativa ou bloqueio Bloqueio do NAI
– –
Cirurgia perirradicular Dentes superiores Dentes inferiores
Infiltrativa e bloqueio Infiltrativa e bloqueio do NAI
– –
Vestibular Palatina Dentes inferiores
Infiltrativa Infiltrativa Bloqueio do NAI
– – –
Obturação ou retratamento Dentes superiores Dentes inferiores
Infiltrativa Bloqueio do NAI
Intraligamentar Intraligamentar
Incisão p/ drenagem Dentes superiores
NAI, nervo alveolar inferior. PAA, periodontite apical aguda.
O Quadro 6-2.2 resume as indicações de técnica anestésica em Endodontia.
Necrose assintomática As razões para o desenvolvimento de dor durante a manipulação de canais contendo polpa necrosada já foram explicitadas alhures. As técnicas a serem utilizadas são a infiltrativa nos dentes superiores e o bloqueio nos inferiores. Se necessária uma anestesia suplementar, deve-se empregar a intraligamentar. A anestesia intrapulpar é contraindicada.
Cirurgia perirradicular Para a execução da cirurgia perirradicular, é de extrema importância a obtenção de uma anestesia eficaz e profunda na região a ser operada. A indicação de técnica para a cirurgia envolvendo dentes inferiores é o bloqueio
do nervo alveolar inferior e injeções infiltrativas na região vestibular da área envolvida, as quais são essenciais para se obter adequada vasoconstrição. Quando a cirurgia envolve dentes superiores, estão indicadas injeções infiltrativas na região envolvida. Além disso, deve-se também proceder à anestesia no forame nasopalatino (para dentes anteriores) ou no forame palatino maior (para posteriores) (Fig. 6-2.10). Durante o procedimento cirúrgico, a tentativa de se obter anestesia adicional por meio de injeção na área sensível geralmente é infrutífera.
FRACASSO DA ANESTESIA O estado psicológico do paciente em combinação com alterações teciduais decorrentes da inflamação pode significativamente diminuir o limiar de excitabilidade das fibras nervosas e resultar em decréscimo da eficácia do agente anestésico.
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Capítulo 6 Preparação para o Tratamento Endodôntico
A
B
Figura 6-2.10. Anestesia palatina. A. Injeção ao nível do forame nasopalatino. B. Injeção ao nível do forame palatino maior.
Estado psicológico do paciente Limiar de excitabilidade representa o nível em que acima dele um estímulo causará dor. A ansiedade diminui diretamente o limiar para dor6,10. Tal redução torna o anestésico local menos eficaz. A fadiga e o estresse também resultam em redução do limiar de excitabilidade. O manejo psicológico do paciente é um fator de extrema relevância para a elevação do limiar de excitabilidade10,53. Algumas vezes, em casos de apreensão extrema e de difícil manejo, pode ser necessária a prescrição de ansiolíticos previamente à consulta. Outro fator de extrema importância no manejo de pacientes é a obtenção de anestesia profunda, a qual alivia a dor, se presente, e ameniza a ansiedade e apreensão do paciente em relação à probabilidade de sentir dor durante os procedimentos.
Alterações teciduais O processo inflamatório pode induzir alterações em toda a extensão dos nervos até o sistema nervoso central, causando maior reatividade ao estímulo15. Além disso, o brotamento nervoso aumentado em área de inflamação supre mais receptores para dor na polpa, o que, teoricamente, pode aumentar a sensibilidade desse tecido. A principal conduta na maioria dos casos resistentes é proceder à introdução de uma quantidade suficiente de um agente anestésico apropriado nas proximidades ou mesmo na própria região inflamada para bloquear de forma eficaz os nervos sensoriais. Pacientes podem apresentar evidências de adequado bloqueio regional, mas acusam dor quando o profissional tenta fazer o acesso coronário. Essa é
uma ocorrência comum em dentes inferiores após bloqueio do alveolar inferior. Nesses casos, o anestésico é depositado em uma região não inflamada, o que elimina a hipótese do efeito químico direto, usualmente creditado ao baixo pH de áreas inflamadas, sobre o agente anestésico. As fibras nervosas no tecido inflamado apresentam alterações no potencial de repouso e no limiar de excitabilidade, as quais não estão restritas ao tecido inflamado apenas, mas afetam também toda a extensão da membrana neuronal em cada fibra envolvida27,49. A natureza dessas alterações é tal, que a redução no fluxo iônico e no potencial de ação gerada pelos agentes anestésicos não é suficiente para prevenir a transmissão do impulso nervoso, devido ao fato de que o limiar de excitabilidade reduzido ainda permite a transmissão mesmo sob condições de anestesia. Um outro fator é o aumento da expressão de canais de sódio tetrodotoxina-resistentes (TTXr) por fibras nervosas pulpares em casos de pulpite irreversível45. Esses canais de sódio TTXr também são resistentes à ação de anestésicos locais37. A administração prévia de agentes anti-inflamatórios não esteroidais, como o ibuprofeno, pode aumentar a eficácia anestésica por inibir a síntese de prostaglandinas e consequentemente bloquear a expressão de canais de sódio TTXr associados à dor de origem inflamatória12.
Variações anatômicas Inervações cruzadas podem ser a causa de fracasso da anestesia em alguns dentes, mas não são usualmente a causa primária.
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Parte III Isolamento absoluto em Endodontia Inês de Fátima Azevedo Jacintho Inojosa INTRODUÇÃO Na Odontologia, o isolamento absoluto é um meio intrabucal empregado para isolar um ou mais dentes do contato com a saliva e fluidos orais durante tratamentos clínicos restauradores e endodônticos, sendo também utilizado em algumas modalidades de cirurgia perirradicular3,8. Sua invenção ocorreu por acaso durante o tratamento restaurador com ouro coesivo em um molar inferior esquerdo; a frustração em não conseguir conter a umidade da saliva apenas com ajuda de papel absorvente levou o cirurgião-dentista de Nova York, Dr. Sanford Christie Barnum, em 1864, a cortar um pedaço de seu avental de tecido oleado, fazer um orifício no mesmo, fixando-o ao colo do dente com um pequeno anel de borracha, denominando o conjunto de dique de borracha. Dois meses depois, essa grande invenção foi apresentada pelo Dr. Barnum à New York City Dental Society7,20. Nos dias atuais, por questões biológicas, éticas e legais, o isolamento absoluto é considerado um dos princípios básicos da Endodontia, por impedir que durante o tratamento haja contato do campo operatório e dos instrumentos de trabalho com a saliva, sangue, fluidos tissulares e demais estruturas da cavidade oral. Consequentemente, a não utilização do isolamento ab-
soluto é considerada negligência profissional, podendo ocasionar a contaminação da câmara pulpar e do canal radicular e até acidentes de maior complexidade1. No tratamento endodôntico o isolamento absoluto proporciona as seguintes vantagens: 1. Diminui o cansaço e melhora o desempenho profissional, ao permitir atuar em um campo seco, isolado da saliva, sangue e outros fluidos tissulares. 2. Ajuda a manter o campo de trabalho asséptico e reduz a possibilidade de contaminação adicional ao canal radicular6,9,13,16,18. 3. Auxilia no controle de infecção, sendo um componente exigido em programas desse controle. O uso do lençol de borracha diminui o risco de infecção cruzada e proporciona uma excelente barreira contra a disseminação potencial de agentes infecciosos (Fig. 6-3.1A)2,5,13. 4. Protege o paciente contra possível ingestão e aspiração de pequenos instrumentos (Fig. 6-3.1B)6,9,11,13,23. 5. Impede o contato direto de debris, substâncias químicas e medicamentos que podem ocasionar injúrias aos tecidos da cavidade oral do paciente (Fig. 6-3.1C)6,9,13. 6. Promove afastamento da língua e bochecha, melhorando a visibilidade da área de trabalho pelo operador6.
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MATERIAL E INSTRUMENTAL
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Figura 6-3.1A. O isolamento impediu a entrada de exsudato purulento proveniente do canal radicular para a cavidade oral. (Gentileza da Profa Elaine Ferreira – UFAL.). B e C. Proteção do paciente contra a ingestão acidental de instrumentos endodônticos e substância química, na odontometria e irrigação dos canais, respectivamente.
Lençol de borracha – Como o próprio nome diz, é um lençol confeccionado em látex natural, fino e liso (Fig. 6-3.2A) comercializado nos tamanhos 15 × 15cm ou 13 × 13cm, em diferentes espessuras, cores e aromas. Os de espessura média permitem uma adaptação adequada à região cervical do dente, não rasgam com facilidade, promovem elevada proteção aos tecidos moles subjacentes e exercem maior força de retração sobre os lábios e bochechas. A vantagem da espessura fina ocorre no isolamento de dentes parcialmente irrompidos, onde é menor a força de deslocamento que o lençol exerce sobre o grampo, permitindo a sua retenção em dentes afunilados e com coroas expulsivas. No entanto, rasgam-se com facilidade. Quanto às cores, as escuras oferecem maior contraste entre dente e lençol, e as mais claras permitem visualizar o posicionamento do filme para a tomada radiográfica. Em caso de alergia ao látex deve ser utilizado lençol antialérgico à base de silicone (Roeko Dental Dam Silicone Non Látex®) ou lençol de borracha sintética, não derivada do látex (Roeko Flexi Dam Non Látex®)17. Todo lençol de borracha deve ser descartado após seu uso. Arco ou porta-lençol – É fabricado em metal ou plástico autoclavável e tem por função fixar o lençol de borracha nas projeções laterais em formas de espinhos ou farpas, mantendo-o distendido, firme e liso. Na Endodontia é indicado o arco de plástico, que não necessita ser removido durante as tomadas radiográficas por ser radiolúcido. Dessa forma, a face do lençol voltada para o dente em tratamento não entra em contato com a saliva, contribuindo para a manutenção da cadeia asséptica (Fig. 6-3.3A e B). Os dois tipos de arcos mais usados são em forma de U, com a denominação de arco de Young, ou em forma octogonal, chamado arco de Ostby. Além desses são encontrados arcos dobráveis, indicados para pacientes que têm “sensação de falta de ar” ou claustrofóbicos22 e arcos descartáveis, que já vêm adaptados ao lençol, disponíveis também para pacientes alérgicos. Pinça perfuradora – É responsável pela perfuração do lençol de borracha, sendo geralmente utilizado o alicate ou perfurador de Ainsworth (Fig. 6-3.2B). Como na Endodontia, isola-se na maioria das vezes apenas o dente a ser tratado, e o orifício de maior diâmetro, recomendado para o dente que vai receber o grampo, é utilizado em qualquer caso de isolamento unitário. Com o lençol preso no arco, o local da perfuração é realizado
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Figura 6-3.2A. Lençol de borracha e arco de Ostby. B. Pinça perfuradora. C. Pinça porta-grampo. D. Grampos para incisivos. E. Grampos para pré-molares. F. Grampos para molares.
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Figura 6-3.3A. Tomada radiográfica com lençol parcialmente removido do arco de plástico, evita que a face do lençol voltada para o dente em tratamento seja contaminada por saliva. B. A não remoção do arco matém o campo seco e sem contaminação durante radiografia com os cones principais de guta-percha para obturação dos canais.
no centro para os dentes posteriores e 1cm acima ou 1cm abaixo do ponto central para os dentes anteriores superiores e anteriores inferiores, respectivamente4, sendo esse método simples, asséptico (dispensa o uso de marcação com canetas) e eficaz (Fig. 6-3.4A a E). Pinça porta-grampo – É utilizada para posicionar e remover o grampo do colo dentário por meio da sua apreensão e distensão durante o uso19. As pinças do tipo Palmer (reta) (Fig. 6-3.2C) ou Brewer (com dupla curvatura) são as mais difundidas. Grampos – Têm a finalidade de reter e manter a borracha adaptada ao colo clínico do dente, além de promover o afastamento gengival. São comercializados por uma série de fabricantes, com diferentes números e com uma variedade de formatos para todas as classes de dente. De forma didática e objetiva, os grampos mais comumente utilizados são numerados de acordo com os grupos de dentes em: 200 a 205 para molares; 206 a 208 para pré-molares; 210 a 212 para caninos e incisivos. Em dentes parcialmente erupcionados, com coroas cônicas, muito destruídas, mal posicionados, entre outras situações que dificultam o isolamento, são empregados grampos especiais, como os de nos 14, 14A e W8A ou 8A para molares (Fig. 6-3.5A e B) e os de nos 00, 1, 1A e 2 para pré-molares e incisivos. No entanto, o grampo 211 para incisivos é chamado de grampo universal, podendo ser usado em qualquer tipo de dente, principalmente os mais difíceis de isolar (Fig. 6-3.6A-C). Na Fig. 6-3.2D-F e no Quadro 6-3.1 encontram-se distribuídos alguns grampos para isolamento absoluto de acordo com os grupos de dente e suas indicações.
Dispositivos auxiliares Com o objetivo de obter a excelência no isolamento absoluto, o profissional deve dispor dos seguintes dispositivos auxiliares (Fig. 6-3.7A-G): • fio dental: é utilizado para amarrar e prevenir a ingestão do grampo durante sua escolha e colocação12, na confecção de amarrias que auxiliam na retenção e adaptação cervical do lençol e para adaptar o lençol nos espaços interproximais, promovendo o vedamento dessa área10,19; • tira de lixa: tem por função regularizar arestas dentárias cortantes situadas nas faces dentárias interproximais em situações que impedem a correta passagem do lençol; • sugador de saliva: irá proporcionar conforto ao paciente e profissional, impedindo a salivação excessiva durante o tratamento; • tesoura pequena: útil, quando é necessário cortar o lençol; • cureta de dentina ou similar: empregada para remover o lençol das asas do grampo; • tubo de cianoacrilato21 ou protetor gengival fotopolimerizável: veda pequenas falhas cervicais existentes no isolamento, que permitem infiltração de fluidos. Dessa forma, estando com o dente isolado banhado em água, solicita-se ao paciente que sopre levemente e, caso haja formação de bolhas, significa passagem do ar, sendo então indicado o vedamento cervical adicional para não ocorrer infiltração de saliva ou ingestão de substâncias químicas (Fig. 6-3.7A-H).
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Figura 6-3.4A. Localização das perfurações de acordo com o grupo dentário. B. Perfuração no centro do lençol para isolamento de dente posterior sem necessitar de marcação com caneta. C. Posição após isolamento do dente. D. Isolamento de dentes anteriores inferiores. E. Isolamento de dentes anteriores superiores.
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Figura 6-3.5A. Mordentes do Grampo W8A bem adaptados e estabilizados na cervical, apesar da expulsividade vestibular e lingual observada em B.
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Figura 6-3.6A. Remanescente coronário do dente 15 praticamente ausente. B e C. Isolamento com o grampo universal 211 e uso do protetor gengival fotopolimerizável (Top Dam®), vedando a interface dente/lençol.
Quadro 6-3.1 Sugestão de grampos úteis para isolamento absoluto na Endodontia, comercializados pela S. S. White, Ivory e Hu-Friedy Grampos (Número)
Indicação
9 (Ivory e Hu-Friedy) 211*(SS White)
Grampo universal para dentes anteriores, úteis para pré-molares e molares difíceis de isolar
212 (Ferrier), sem asa
Dentes anteriores que necessitam de afastamento gengival
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Pré-molares e dentes anteriores inferiores pequenos
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Pré-molares e anteriores superiores com pouca retenção, expulsivos, coroa destruída etc.
2
Pré-molares e dentes anteriores
3
Molares menores
7
Molares superiores e inferiores
W8A (sem asa)
Molares menores com pouca retenção, expulsivos, coroa destruída etc.
12A e 13A (serrilhado)
Molares esquerdo e direito onde se deseja maior retenção
14 e14A
Molares menores e maiores, respectivamente, com pouca retenção, coroa destruída etc.
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Figura 6-3.7A. Fio dental verificando os contatos das faces proximais. B. Amarria do grampo com fio dental. C e D. Falha cervical no isolamento e vedamento dela com protetor gengival fotopolimerizável (Top Dam®). E e F. Aplicação de cianoacrilato (Super Bond®) na interface dente/lençol. Impede infiltração de fluidos através das pequenas falhas existentes. G. Isolamento em fenda e vedamento dos espaços com cianoacrilato. H. Dente banhado em água para verificar falhas no vedamento pela formação de bolhas de ar ao soprar.
Preparação para o Tratamento Endodôntico
MOMENTO DO ISOLAMENTO Inicialmente se realiza profilaxia no dente para eliminar o biofilme bacteriano10 e, em situações mais complexas, pode ser necessária a cirurgia periodontal prévia para aumento de coroa clínica com o objetivo de isolar e tratar adequadamente o dente. Após profilaxia, passa-se o fio dental nas regiões interproximais para verificar os contatos dessas áreas e, se necessário for, utiliza-se tira de lixa para regularizar arestas cortantes10. Estando a coroa do dente sem placa, cálculos e devidamente anestesiado, o dente deve ser isolado para dar início ao acesso à câmara pulpar e demais etapas do tratamento. No entanto, como o lençol de borracha impede observar a posição do dente e de seus vizinhos na arcada dentária, pode levar à ocorrência de perfurações durante a abertura coronária em mãos inexperientes, como também em casos de difícil acesso à câmara pulpar, como nos dentes com coroas inclinadas em relação à raiz, casos de fenestração de coroas totais, acesso endodôntico em dentes preparados para prótese ou com calcificações na câmara, entre outras situações. Diante disso, não é errado realizar o isolamento somente após cair na câmara pulpar na primeira sessão de atendimento, pois, ainda que ocorra a contaminação da mesma, ela será fugaz e transitória, sendo rapidamente eliminada após irrigação com hipoclorito de sódio a 2,5%.
TÉCNICAS DE APLICAÇÃO Independentemente da técnica de aplicação, faz-se o preparo inicial do dente, citado no item anterior. Em seguida, escolhe-se o grampo de acordo com o dente e sua condição clínica e, uma vez adaptado ao colo dentário, sua estabilidade e retenção são testadas pressionando-o com a ponta dos dedos polegar e indicador. Na prova do grampo é fundamental amarrá-lo corretamente com fio dental para prevenir sua ingestão ou aspiração em caso de fratura ou deslocamento do dente12. Terminados os procedimentos iniciais e seleção do grampo, aplica-se o isolamento com uma das seguintes opções técnicas10: 1a – Coloca-se o conjunto, grampo, lençol de borracha e arco de uma só vez: essa técnica é indicada para grampos com asa, que permitem sua adaptação no orifício do lençol de borracha já distendido e preso no arco. Estando preparado o conjunto, abre-se o grampo previamente selecionado com o auxílio de uma pinça porta-grampo, levando-o em posição até alcançar o colo clínico do dente. Feito isso, remove-se
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a pinça e, com o auxílio de um instrumento de ponta romba, alivia-se a borracha das aletas ou asas do grampo para, em seguida, acomodar o lençol nos espaços interproximais com o fio dental (Fig. 6-3.8 A a F). 2a – Coloca-se primeiro o grampo no dente, seguido do lençol preso ao arco: indicada para grampos sem asa. Após seleção, coloca-se o grampo no colo do dente devidamente amarrado pelo fio dental, para em seguida distender a abertura do orifício do lençol já preso no arco, passando-o sobre o grampo de distal para mesial, a fim de posicionar o lençol sob o grampo por vestibular e lingual e, com ajuda do fio dental, o lençol é acomodado nos espaços interproximais (Fig. 6-3.9A-E). 3a – Coloca-se o lençol/arco envolvendo o colo do dente, seguido do grampo: essa opção é indicada para grampos com ou sem asa, sendo geralmente realizada a quatro mãos, ou seja, enquanto o operador ou auxiliar posiciona e mantém o orifício do lençol, já preso no arco, adaptado ao colo do dente, o outro leva o grampo em posição com o auxílio da pinça porta-grampo. No entanto, pode ser realizada a duas mãos, desde que haja domínio por parte do operador (Fig. 6-3.10A-E). A escolha pela técnica de colocação depende do caso em particular e da preferência do profissional e, uma vez posicionado, verifica-se a qualidade do vedamento (Fig. 6-3.7H) e realiza-se a desinfecção do grampo, lençol e arco, friccionando uma mecha de algodão embebida em hipoclorito de sódio a 2,5%14, no sentido centrífugo a partir do dente, quantas vezes for necessário durante o tratamento (Fig. 6-3.11A e B).
SITUAÇÕES ATÍPICAS NO ISOLAMENTO ABSOLUTO Isolamento em fenda ou em bloco – Indicado para isolar dentes que sofreram traumatismos dentários, dentes apinhados ou mal posicionados, dentes sem coroa, elementos dentários de ponte fixa, entre outras situações onde o isolamento unitário não pode ser executado. Nessa técnica, o isolamento de vários dentes será feito por meio de uma fenda realizada no lençol de borracha, através da união de dois ou mais orifícios de maior calibre, englobando o dente que irá ser submetido ao tratamento endodôntico e um ou mais dentes para distal e mesial. O grampo deve estar posicionado no(s) dente(s) situado(s) na(s) extremidade(s) da fenda para manter o lençol em posição e, nos espaços onde o vedamento estiver comprometido, emprega-se cianoacrilato ou realiza-se uma barreira com protetor gengival fotopolimerizável, resina acrílica, cimento provi-
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Figura 6-3.8A. Seleção do grampo. B. Conjunto preparado (lençol, arco e grampo). C. Grampo distendido e posicionado com a pinça. D. Remoção do lençol das asas do grampo com cureta. E. Adaptação interproximal com fio dental. F. Dente isolado.
sório, entre outras situações, para impedir a infiltração de saliva e ingestão de substâncias químicas usadas na irrigação do canal (Fig. 6-3.12A-E). Isolamento de dentes com aparelho ortodôntico – Nessas situações o isolamento é individual e o grampo normalmente é posicionado sob o braquete, na cervical do dente. Os espaços existentes são então vedados com barreira, como o protetor gengival fotopolimerizável (Fig. 6-3.13A-D).
Isolamento de dentes que necessitam de reconstrução coronária provisória – Com o advento das resinas compostas fotopolimerizáveis e sistemas adesivos, a reconstrução provisória da coroa de dentes parcialmente destruída, cria condições para realizar uma boa adaptação e estabilização cervical do grampo15, fornecendo um reservatório intracoronário para a solução irrigadora, prevenindo que ela seja ingerida pelo paciente e impedindo a infiltração de saliva e
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Figura 6-3.9A. Colocação do grampo sem asa W8A. B e C. Distensão do orifício e passagem do lençol sobre o grampo de distal para mesial. D. Adaptação interproximal com fio dental. E. Dente isolado.
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Figura 6-3.10A e B. Auxiliar mantendo o lençol adaptado no colo dentário. C. Operador posicionando o grampo com a pinça. D. Adaptação interproximal com fio dental. E. Dente isolado.
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Figura 6-3.11A e B. Mecha de algodão embebida em hipoclorito de sódio a 2,5% para desinfecção do isolamento absoluto.
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Figura 6.3-12A. Dente 22 sem remanescente coronário. B. Isolamento em fenda englobando um dente na mesial e na distal, fixado por meio de amarria com fio dental e vedamento da interface dente/lençol/mucosa com cianoacrilato. C. O grampo foi posicionado sobre o lençol no dente 24 para auxiliar a sua fixação. D. Dente 13 com prótese unitária retida por pino. E. Isolamento em fenda englobando um dente na distal e na mesial, realizando barreira com protetor gengival fotopolimerizável (Top Dam®) para vedamento dos espaços da fenda.
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sangue na cavidade pulpar durante o tratamento (Fig. 6-3.14A-F). Isolamento de dentes que necessitam de cirurgia periodontal – Determinadas situações clínicas, como dentes que sofreram invaginação gengival no espaço coronário destruído, dentes com fratura corono-radicular, dentes com remanescente coronário subgengival, entre outras, necessitam que procedimentos periodontais cirúrgicos sejam realizados, como gengivectomia ou até mesmo uma cirurgia a retalho para recuperação do espaço biológico com ou sem osteotomia, para permitir que o tratamento endodôntico seja realizado sob isolamento absoluto (Fig. 6-3.15A-K)15. Isolamento de pacientes claustrofóbicos – Em pacientes que durante o isolamento absoluto sentem dificuldades de respirar ou sensação de sufocamento, o profissional pode fazer uso do arco dobrável ou então cortar o lençol no sentido vertical, deixando o lado bu-
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cal oposto ao do tratamento parcialmente descoberto pelo lençol, o que proporciona intenso alívio ao paciente (Fig. 6-3.16A e B).
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE ISOLAMENTO ABSOLUTO Em virtude de a terapêutica endodôntica empregar uso farto e abundante de substâncias químicas que agridem o organismo quando ingeridas, de operar com instrumentos de pequenas dimensões, que ingeridos ou aspirados colocam a vida do paciente em risco, e de ter na manutenção da cadeia asséptica um dos pilares para o sucesso do tratamento, faz-se necessário ter em mente a importância que esse procedimento ocupa durante a fase operatória e ter em mãos instrumentais e materiais apropriados para planejar e executar um isolamento absoluto de excelência.
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Figura 6-3.13A a D . Isolamento de dentes com aparelho ortodôntico.
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Figura 6-3.14A. Destruição distolingual da coroa de dente 36 permitiu infiltração de saliva através do isolamento, impedindo a continuação do tratamento. B e C. Reconstrução provisória da coroa com resina fotopolimerizável permitiu isolar o dente em condições ideais. D. Dente 16 cariado na face distolingual. E e F. Isolamento com grampo 14A após remoção da cárie e acesso pulpar mostra infiltração de saliva. Reconstrução provisória com resina fotopolimerizável solucionou o problema.
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Figura 6-3.15A. Dente 46 com hiperplasia gengival mesial. B. Cirurgia gengival da área hiperplásica e sutura, permitindo isolamento imediato com adaptação cervical do lençol, conforme observado na C. (Gentileza da Profa Maria Lúcia Feitosa – ABO-AL.) D. Invaginação da papila interproximal na cavidade distal do primeiro molar superior. E. Tecido gengival hiperplásico removido e isolamento absoluto do dente. F. Reconstrução das paredes destruídas com resina composta fotopolimerizável. (Gentileza da Profa Maria Lúcia Feitosa – ABO-AL.) G. Necessidade de cirurgia periodontal no incisivo lateral12. H e I. Gengivectomia e gengivoplastia da região. (Gentileza da aluna Renata Cabral de Vasconcellos e do Prof. Adelmo Farias Barbosa – UFAL.) J. Aspecto clínico 15 dias após cirurgia periodontal. K. Isolamento absoluto realizado em condições ideais.
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Figuras 6-3.16A e B. Isolamento com arco dobrável e A com o lençol cortado em B, indicado para pacientes claustrofóbicos.
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Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
Capítulo
7
Armelindo Roldi Rosana de Souza Pereira Rogério Albuquerque Azeredo
CAVIDADE PULPAR DOS DENTES PERMANENTES A cavidade pulpar, situada geralmente no centro dos dentes, é constituída por duas porções – a câmara pulpar e o canal radicular –, localizadas na coroa e na raiz, respectivamente. A morfologia dessa cavidade corresponde à estrutura externa do dente, isto é, o contorno da câmara e do canal radicular acompanha o contorno da superfície externa do dente. Também é do nosso conhecimento que essa morfologia poderá se modificar, dependendo das agressões que o dente vier a sofrer durante toda a vida, e, por conseguinte, atuar sobre a polpa indiretamente. De tais agressões podemos enumerar as de natureza mecânica, térmica, química ou bacteriana. Outro fator a que se deve dar ênfase é o tamanho da câmara e dos canais radiculares, que nos indivíduos jovens é sensivelmente maior do que nos idosos. O estudo da anatomia do sistema de canais radiculares era realizado pelo único método disponível para o clínico – o radiográfico –, tendo-se ressalvas desse, em razão de a própria característica do exame não mostrar o aspecto tridimensional dos dentes e sim projetar bidimensionalmente a morfologia do órgão dentário. Na atualidade, pode-se fazer uso de um método moderno de avaliação tridimensional das estruturas ósseas e dentárias – tomografia computadorizada. É de extrema importância que o profissional especializado tenha conhecimento minucioso da anatomia
interna dos dentes para que possa ter maior sucesso em seus procedimentos, pois não são raras as vezes em que se fazem perfurações durante a preparação de acesso, que podem levar até a perda do dente. Com o estabelecimento de uma alteração patológica irreversível no tecido pulpar, faz-se necessário instituir uma técnica de tratamento dos canais radiculares visando ao controle da infecção, à execução de uma obturação compacta do sistema de canais e, consequentemente, ao favorecimento de atuação dos processos biológicos na reparação tecidual, restabelecendo, assim, o estado de normalidade das estruturas dentárias. Dessa forma, faz-se necessário amplo conhecimento da anatomia interna dos dentes para o sucesso da terapia endodôntica. Segundo Pineda e Kuttler38, para desobstruir, preparar e preencher o canal radicular corretamente é necessário conhecer detalhes de sua morfologia interna. Os canais radiculares podem variar em número, tamanho, forma e apresentar diferentes divisões, fusões, direções e estágios de desenvolvimento. No passado, o endodontista trabalhava com informações vagas, escassas e até falsas a respeito desse fator fundamental: consequentemente, poderia se esperar um sucesso terem sido empregados técnicas e métodos ao longo dos anos com o objetivo de estudar os mínimos detalhes da cavidade pulpar. Essas técnicas têm incluído estudos radiográficos, desgastes, cortes histológicos, diafanização, uso do computador, utilização da técnica de pro-
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Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
cessamento digital, isótopos radioativos, microscopia eletrônica e tomografia computadorizada16,19,20,33,34,38,40. O estudo da anatomia da cavidade pulpar deve ser tridimensional, e os trabalhos até então limitados à terapia aplicada. Várias considerações têm demonstrado que a morfologia dentária apresenta características variáveis, revelando que a configuração dos canais não é apenas um espaço tubular único e sim um complexo sistema apresentando canais acessórios, canais secundários, canais laterais e comunicações10,11,20,39,44,45. Portanto, tornase importante uma visualização espacial, tridimensional no sentido longitudinal, uma vez que as variações são observadas entre os grupos dentários, entre as raízes de um mesmo dente e até mesmo em uma mesma raiz, dependendo do segmento observado. Acresce-se a essa complexidade morfológica a localização do dente em relação ao arco dental, no qual, quanto mais posterior for o dente, mais variável será sua anatomia18. De acordo com a condição anatomopatológica, não podemos esquecer que várias irregularidades abrigam o tecido pulpar e que, durante o preparo e a obturação do sistema de canais radiculares, elas podem influenciar no sucesso da terapia endodôntica, uma vez que para limpar e modelar o sistema, independentemente da técnica, ela deve atingir todas as áreas do canal, o que na prática é limitado, tendo em vista que o acesso mecânico, principalmente na região apical, é dificultado pela complexa anatomia desse segmento (Fig. 7-1).
Figura 7-1. Pré-molar diafanizado mostrando o complexo sistema de canais no segmento apical.
Considerando que os dentes estão em grupos morfofuncionalmente diferenciados, onde cada elemento tem função definida, e que dentro de cada grupamento existem variações morfológicas, é fundamental uma visão particularizada dos elementos, uma vez que para alcançarmos o sentido clínico que eles impõem à terapia endodôntica é necessário conhecê-los em seus aspectos fundamentais e particulares.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA – CONE BEAM 3D (TCFC) E A ANATOMIA DENTÁRIA – Márcia Gabriella Lino de Barros Bortolotti A tomografia computadorizada (TC) é um método de diagnóstico por imagem que utiliza a radiação X, permitindo a reprodução de uma secção do corpo humano em quaisquer uns dos três planos do espaço, diferentemente das radiografias convencionais, que projetam em um só plano todas as estruturas atravessadas pelos raios X. Existem dois tipos principais de TC: a tomografia computadorizada tradicional e a tomografia computadorizada de feixe cônico (cone-beam computed tomography – CBCT)16. A TC apresenta as vantagens de eliminar as sobreposições de imagem com muito boa resolução atribuída ao grande contraste e à possibilidade de reconstruir essa imagem nos planos axial, coronal, sagital e oblíquo, assim como obter uma visão tridimensional da estrutura de interesse16. A tomografia computadorizada de feixe cônico – Cone Beam 3D (TCFC) – é uma tecnologia recente que permitiu o desenvolvimento de tomógrafos menos onerosos, menores em tamanho e com maior precisão das imagens em relação às técnicas radiográficas convencionais. Essa nova tecnologia, especialmente indicada para a região dentomaxilofacial, está provendo à Odontologia a reprodução de imagens tridimensionais com mínima distorção e dose de radiação significantemente reduzida em comparação à TC tradicional44. O aparelho de TCFC é muito compacto e se assemelha ao de radiografia panorâmica. Apresenta dois componentes principais, posicionados em extremos opostos da cabeça do paciente: a fonte ou tubo de raios X, que emite um feixe em forma de cone, e um sensor de raios X. O sistema tubossensor realiza somente um giro de 360º em torno da cabeça do paciente e a cada determinado grau de giro (geralmente a cada 1°), o aparelho adquire uma imagem-base da cabeça do paciente, muito semelhante a uma telerradiografia, sob diferentes ângulos ou perspectivas. Essa sequência
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
de imagens-base (raw data) é reconstruída para gerar a imagem volumétrica em 3D, por meio de um software específico com um sofisticado programa de algoritmos, instalado em um computador convencional acoplado ao tomógrafo. O tempo de exame pode variar de 10 a 70 segundos (uma volta completa do sistema), porém o tempo de exposição efetiva aos raios X é bem menor, variando de 3 a 6 segundos44. Uma grande vantagem da TC odontológica é que os programas que executam a reconstrução computadorizada das imagens podem ser instalados em computadores convencionais e não necessitam de uma Workstation como a TC tradicional, apesar de ambas serem armazenadas na linguagem Dicom (Digital imaging and communication in Medicine). Portanto, se o profissional possuir o software específico instalado em seu computador pessoal, poderá manipular as imagens tridimensionais, segundo a sua conveniência, assim como mostrá-las em tempo real aos pacientes. As imagens de maior interesse ainda podem ser impressas e guardadas no prontuário, como parte da documentação. Adicionalmente, o programa permite gerar imagens bidimensionais, réplicas das radiografias convencionais utilizadas na Odontologia, como a panorâmica e as telerradiografias em norma lateral e frontal, função com a denominação de reconstrução multiplanar em volume, que constitui outra importante vantagem da TCFC44. A TCFC é especial para a ciência odontológica devido às suas características para a obtenção de imagens da região maxilofacial: • O tomógrafo pode ser ajustado para fazer a varredura de pequenas regiões para diagnóstico específico, como, por exemplo, somente da maxila ou até de uma região da maxila ou da mandíbula. • A imagem é adquirida em uma única rotação; portanto, os tempos de varredura são rápidos (5 a 40 segundos). • A dose de radiação é significativamente reduzida comparando com a tomografia convencional e equivale a aproximadamente um levantamento radiográfico periapical. • As imagens resultam em um nível baixo de artefatos metálicos. Possui aplicabilidade em todas as especialidades da Odontologia. É um exame de eleição para imagens dos tecidos ósseos e dentários. A imagem da TCFC distingue esmalte, dentina, cavidade pulpar e cortical alveolar. Pode ser usada para identificar e delimitar pro-
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Figura 7-2. TCFC com filtro para avaliação de estruturas de tecidos moles e vias aéreas mostrando nitidez em relação à anatomia dentária.
cessos patológicos, visualizar dentes retidos, avaliar os seios paranasais, diagnosticar trauma, mostrar as estruturas ósseas da articulação temporomandibular e os leitos para implantes dentários (Fig. 7-2). Na Endodontia, a tomografia computadorizada de feixe cônico possui grande valor para o diagnóstico e tratamento, onde podemos avaliar: • Raízes (morfologia radicular e desvio do segmento apical) e estágio de formação radicular (Figs. 7-3 e 7-4) • Odontometria (Fig. 7-5) • Número de canais (Fig. 7-6) • Fraturas dentárias e relação dos dentes com estruturas anatômicas (Figs. 7-7 e 7-8)
Figura 7-3. TCFC mostrando a morfologia radicular de molares superiores sem a interferência das estruturas ósseas.
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Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
Figura 7-4. TCFC mostrando a morfologia radicular em detalhes para a direção e curvatura das raízes de molares superiores.
Figura 7-6. Nitidez da TCFC na avaliação da presença de canais em molares superiores e da presença do quarto canal, também chamado de MV2. Presença de quatro canais e de cinco canais.
Figura 7-5. TCFC pode ser aplicada para a medição dos canais radiculares.
Figura 7-7. TCFC na determinação da fratura dentária vertical e relação dos dentes com as estruturas anatômicas (canal mandibular).
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
247
Figura 7-8. TCFC na visualização de fratura radicular horizontal e relação do dente com o seio maxilar.
ANATOMIA INTERNA DOS DIFERENTES GRUPOS DENTAIS Considerações clínicas Podemos distinguir na câmara pulpar: o teto (parede oclusal); o assoalho ou soalho, só situado no interior do bulbo radicular nos dentes posteriores; vestibular; lingual; mesial e distal. No soalho dos dentes muitirradiculares podem ainda ser notadas depressões em forma de cones que correspondem às entradas dos canais radiculares.
Incisivo central superior O incisivo central superior, numa visão vestibulolingual, apresenta uma câmara pulpar estreita na região incisal e aumenta em direção cervical até chegar ao seu máximo de diâmetro. Quando no sentido mesiodistal, a câmara se apresenta mais ampla e podemos encontrar cornos pulpares evidentes, dependendo da morfologia da borda incisal. O canal radicular se afila até se tornar constrito no ápice do dente, sendo que o forame apical está localizado próximo a esse, podendo desviar-se para vestibular ou para lingual. Do ponto de vista clínico, apesar de o canal se apresentar único na maioria dos casos, é importante salientar que pode ocorrer uma variação anatômica e encontrarmos dois canais (Fig. 7-9). Devemos considerar que os incisivos superiores apresentam um cíngulo proeminente e que na margem cervical palatina encontraremos uma projeção dentinária, que deverá ser removida por meio de desgaste compensatório, objetivando assim o acesso direto ao canal radicular.
Figura 7-9. Anomalia de incisivo central superior apresentando dois canais.
Incisivo lateral superior O incisivo lateral superior apresenta uma configuração na sua morfologia muito semelhante à anatomia interna do dente anterior, ressalvando-se as proporções. É o elemento dental que apresenta as maiores variações, entre elas a microdontia, o dens invaginatus e a fusão, casos que devem merecer atenção especial durante a terapia endodôntica devido à morfologia diferenciada. Apesar de a raiz ser única, ela tende a apresentar curvaturas acentuadas para distal e lingual, o que, muitas vezes pelo desconhecimento, leva o profissional a provocar desvios e/ou perfurações, uma vez que o exame radiográfico não exibe tais curvaturas.
Canino superior Este é o dente que apresenta maior dimensão na norma vestibulolingual. A câmara pulpar e o segmento cervical da raiz são muito amplos, sendo que o canal se afila abruptamente quando se aproxima do segmento apical, continuando suavemente até o ápice. O forame apical geralmente se situa no ápice da raiz, podendo se localizar na vestibular, e a raiz dele pode apresentar desvios para mesial ou distal, sendo o mais longo dos dentes.
1o Pré-molar superior É um dente que geralmente se apresenta com duas raízes bem desenvolvidas, podendo também ser
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Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
observadas duas raízes não totalmente separadas ou uma única raiz bem larga. Não é muito comum, mas pode apresentar três raízes, o que constitui dificuldade na intervenção endodôntica. Recursos radiográficos devem ser utilizados para que não ocorram sobreposições das raízes, permitindo uma visualização mais definida dos canais radiculares. Embora ocorra variedade no número de raízes, esse dente geralmente apresenta só dois canais radiculares. Normalmente, o contorno da câmara no segmento cervical tem a morfologia de um rim, aspecto conferido devido ao achatamento mesiodistal. Notamos, portanto, dois canais radiculares que se estreitam até chegar ao ápice do dente. A presença de três raízes constitui uma dificuldade na intervenção endodôntica, variação essa não muito comum.
2o pré-molar superior Na visão vestibulolingual é um dente que geralmente possui uma raiz e um canal radicular, que é muito largo. No segmento apical do dente o canal se estreita abruptamente, afilando-se em direção ao ápice. Não são raras as vezes que esse dente apresenta “ilhotas” de dentina, o que faz com que o tratemos como se tivesse dois canais. Entretanto, sempre devemos procurar dois canais, uma vez que eles estão presentes em 46,3% dos casos11. O forame apical frequentemente coincide com o ápice do dente. Esse dente possui uma raiz e, no sentido vestibulolingual, apresenta um canal muito longo.
1o molar superior Possui três raízes e três canais, sendo que a raiz lingual tem a maior dimensão, seguida da distovestibular e da mesiovestibular. A raiz mesiovestibular é a que sofre mais variações morfológicas, em comparação com a distovestibular, sendo que a raiz lingual é a mais reta. A raiz mesiovestibular é muito larga vestibulolingualmente e, normalmente, possui um canal (secundário), que apresenta um diâmetro menor que os outros três canais do dente. O forame apical dessa raiz se localiza no ápice, podendo variar para vestibular ou lingual. É frequentemente curva, sendo acompanhada pelo canal. Tal fato não ocorre com a raiz distovestibular. O contorno cervical tem a forma romboidal com ângulos arredondados, sendo que o ângulo mesiovestibular é agudo, o distovestibular é obtuso, e o lingual, reto. As entradas dos canais no assoalho da câmara
têm a seguinte relação: o lingual é centralizado na raiz lingual, o distovestibular está perto do ângulo obtuso e o mesiovestibular está localizado mesialmente ao anterior, situado dentro do ângulo agudo da câmara pulpar. Em seção do segmento médio das raízes são observados o canal lingual com seção circular; o mesiovestibular, oval e alongado, ou possuindo a forma de um rim; e o distovestibular, redondo ou oval.
2o molar superior As raízes desse dente são mais retas e tendem à fusão, embora a lingual geralmente se apresente separada. A maioria dos segundos molares superiores possui três raízes e três canais radiculares, com a raiz mesiovestibular não sendo tão complexa como a do dente descrito anteriormente. Embora a raiz mesiovestibular desse dente não seja muito larga, ela pode possuir dois canais radiculares. A câmara pulpar tem a forma retangular. Os forames apicais geralmente se abrem no ápice da raiz, podendo variar para vestibular ou lingual. A entrada do canal mesiovestibular está mais distante dos lados vestibular e mesial da câmara. Em razão de as raízes tenderem a se fusionar, as entradas dos canais radiculares se localizam mais próximas. As raízes lingual e distovestibular próximas ao segmento médio apresentam um contorno circular ou oval, e a mesiovestibular, retangular com ângulos arredondados, e, se essa raiz possuir dois canais, seu contorno será circular.
3o molar superior É um dente que apresenta morfologia variada, de raízes menores e mais curvas, tendo grande tendência à fusão, o que faz com que se pareçam unirradiculares. A câmara pulpar é mais ampla, por causa de sua erupção acontecer mais tardiamente. Entretanto, é bom salientar que essas variações dificultam muito o trabalho do endodontista.
Incisivo central inferior Embora sendo o menor dente da cavidade bucal, apresenta-se com uma cavidade pulpar muito grande quando vista no sentido vestibulolingual, em um canal radicular que pode ser duplo. O canal radicular se afunila suavemente até chegar ao ápice, e essa constrição pode ocorrer abruptamente até 3 ou 4mm do ápice. O forame apical pode se abrir no centro da raiz, para vestibular ou lingual. No sentido mesiodistal, esse dente é bastante estreito, o que se deve ao grande achatamento nesse sentido.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
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radiculares. O forame apical pode se abrir no ápice da raiz, na vestibular ou na lingual. Possui geralmente uma raiz e um canal, com possibilidade de apresentar dois canais, que podem desviar-se para distal.
1o molar inferior
Figura 7-10. Pré-molar apresentando dois canais. Tomografia. Odontometria (radiografia). Canais obturados. (Gentileza de H. P. Lopes.)
Incisivo lateral inferior Em comparação com o dente anterior, a câmara pulpar e o canal são maiores em todas as dimensões. Todas as características do incisivo central se repetem nesse dente.
Canino inferior Possui forma semelhante ao do canino superior, e é raro encontrar duplicidade de canais nesse dente, o que resulta do aparecimento de “ilhotas” de dentina, devido à grande dimensão vestibulolingual e à estreita dimensão mesiodistal. Observa-se um certo grau de curvatura na porção apical, preferencialmente para vestibular. O forame apical se abre no ápice radicular, na mesial ou distal.
Observa-se na visão vestibulolingual uma ampla câmara pulpar. A raiz mesial, por causa da presença de dois canais, possui uma anatomia interna usualmente complexa (Fig. 7-11). Esses canais podem se fusionar em quaisquer dos segmentos da raiz para terminar em um forame comum ou em dois, separados. A raiz distal geralmente possui um canal amplo, que se afunila abruptamente a poucos milímetros do ápice radicular. Quando apresentar dois canais, eles podem estar separados total ou parcialmente por “ilhotas” de dentina. O forame apical dessa raiz geralmente se abre no ápice ou é deslocado para vestibular ou lingual. No sentido mesiodistal, a câmara possui a forma retangular, com pequena distância oclusopulpar, tendo que se ter o cuidado ao manuseá-la, pois se corre o risco de lesar a furca. Os canais mesiais geralmente têm curvatura considerável, e o distal é mais reto e mais curto. Por causa do grau de curvatura radicular, os instrumentos se cruzam na região cervical do dente. A presença do canal cavo-interradicular deve ser considerada no tratamento endodôntico desse dente, uma vez que tal canal pode se constituir em
1o pré-molar inferior Parece um pequeno canino inferior, geralmente com um canal. O forame apical se localiza no ápice radicular, desviado para vestibular ou lingual. Ocasionalmente podemos encontrar dois ou três canais, tornando o tratamento dificultado. O canal radicular é localizado abaixo da abertura de acesso, que é feita no longo eixo do dente e não perpendicularmente à face oclusal, isso devido à grande inclinação de sua face vestibular para lingual (Fig. 7-10).
2o pré-molar inferior É um dente maior do que o já descrito, apresentando, assim, proporções também maiores de canais
Figura 7-11. Diafanização da raiz mesial. Complexidade anatômica.
250
Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIÂMETRO ANATÔMICO DOS CANAIS RADICULARES
3o molar inferior
A viabilidade de alargar a porção crítica apical dos canais radiculares com o objetivo de eliminar as bactérias nessa região tem originado grandes discussões e controvérsias na literatura. A limpeza eficiente do segmento apical dos canais é obtida por meio da correta determinação do comprimento de trabalho e do alargamento dessa região53. Durante o preparo químico-mecânico, o diâmetro anatômico é determinado pelo primeiro instrumento que, no comprimento de trabalho, encontrou resistência, prendendo-se às paredes dentinárias, que foi denominado como instrumento apical inicial cuja sigla se instituiu como IAI18. A determinação correta do diâmetro anatômico do canal radicular é de fundamental importância, porque permite estabelecer, com maior segurança, o instrumento adequado para iniciar e ampliar o preparo apical. Esse aspecto ganha importância ainda maior, pois proporciona a remoção de dentina contaminada, o que favorece a terapêutica das lesões periapicais46,53. Os métodos tradicionais de determinação do diâmetro anatômico da porção apical têm subestimado, de modo significativo, o real diâmetro dessa região. Tan e Messer48 sugeriram que seria mais correto determinar o diâmetro de cada canal individualmente e, posteriormente, o instrumento mais adequado para promover a limpeza e modelagem da região apical. Alguns autores têm pesquisado e sugerido o diâmetro anatômico de cada dente, como Wu et al.52, que determinaram a média desses diâmetros tanto para os dentes superiores quanto para os inferiores (Quadro 7-2). Esses diâmetros foram confirmados por outros autores como Pécora et al.36; Barroso et al.3, Ibelli et al.21, que avaliaram diferentes grupos dentários: incisivo central superior, primeiro pré-molar superior, molar superior e incisivo lateral superior, respectivamente.
As cavidades são semelhantes às do segundo, com coroa grande, raízes menores, mais curvas, tendendo à fusão. O número de canais radiculares é bastante variável, podendo possuir até quatro canais, com o quarto canal se localizando na raiz distal. O comprimento médio e o número de raízes e de canais de elementos dentários estão expressos no Quadro 7-1.
Vários trabalhos têm relacionado melhores resultados na determinação do real diâmetro anatômico ao alargamento prévio do segmento cervical do canal radicular, uma vez que a embocadura do canal representa a área onde ocorre a maior aposição de dentina, tornando essa porção mais estreita. A eliminação de interferências nessa região possibilita a determinação, com maior fidelidade, do instrumento apical inicial4,8,21,31,36,37,46,47.
Figura 7-12. Presença do canal cavo-interradicular.
uma das vias de comunicação entre a polpa e o periodonto, podendo ocasionar problemas endoperiodontais49 (Fig. 7-12).
2o molar inferior As raízes desse dente são mais retas e menos divergentes do que as do primeiro molar inferior, sendo que a morfologia do sistema de canais se repete. A câmara tem forma retangular, e o canal distal é maior do que os canais mesiais quando vistos no sentido mesiodistal. O soalho da câmara pode ter duas aberturas, uma mesial e uma distal, que estão centradas; a raiz mesial, no segmento médio, tem forma de rim ou de 8, com canais separados ou confluentes, e a distal tem forma oval.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
251
Quadro 7-1 Comprimento médio, número de raízes e de canais dos dentes
Dente
Comp. médio (mm)
Número de raízes 1
2
3
Número de canais 4
1
2
3
4
5
Maxila Incisivo central
22,6
100%
100%
Incisivo lateral
22,1
100%
97%
Canino
27,2
100%
100%
1o pré-molar
21,4
35,5%
61%
2o pré-molar
21,8
94,6%
5,4%
1o molar
21,5
100%
30%
70%
2o molar
21
100%
50%
50%
3o molar
19
97%
57,5%
19%
3,5%
3%
3%
8,3%
84,2%
53,7%
46,3%
10,5%
11,9%
7,5%
1,1%
Mandíbula Incisivo central
21
100%
73,4%
26,6%
Incisivo lateral
22,3
100%
84,6%
15,4%
25
94%
6%
88,2%
11,8%
1o pré-molar
21,6
82%
18%
66,6%
31,3%
2o pré-molar
22,1
92%
8%
89,3%
10,7%
Canino
2,1%
1o molar
21
97,5%
2,5%
8%
56%
36%
2o molar
21,7
98,5%
1,5%
16,2%
72,5%
11,3%
3o molar
19
91,3%
7,5%
63,3%
27,8%
3,9%
1,2%
5%
Segundo De Deus, 199211.
O alargamento do segmento cervical fornece acesso mais retilíneo do instrumento até o segmento apical, reduzindo as possibilidades de acidentes durante as manobras do preparo biomecânico, tais como: degraus, transportes apicais, perfurações e fraturas dos instrumentos. Essa etapa operatória auxilia, fundamentalmente, a detecção do diâmetro anatômico e consequentemente a instrumentação, o que pode ser visualizado na Fig. 7-13A a E. Na Fig. 7-13A, por exemplo, em que o pré-alargamento não foi realizado no segmento cervical, nota-se a maior discrepância entre o di-
âmetro do instrumento e o diâmetro anatômico do primeiro pré-molar superior. Na Fig. 7-13B, C, D e E se nota que essa discrepância vai-se tornando menos acentuada em função do tipo de instrumento utilizado no pré-alargamento da região cervical. Algumas pesquisas já citadas nos levam a uma linha de raciocínio aparentemente óbvia de que devemos identificar de maneira mais precisa possível o diâmetro anatômico e, a partir dessa etapa, realizar a ampliação apical com instrumentos de diâmetros superiores aos rotineiramente preconizados na literatura, para garantir o sucesso da terapia endodôntica.
252
Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
Quadro 7-2 Média dos diâmetros dos canais radiculares a 1mm e a 2mm do ápice anatômico nos sentidos vestibulolingual e mesiodistal Dente
Vestibulolingual
Mesiodistal
Superiores
1mm
2mm
1mm
2mm
Central
0,34
0,47
0,30
0,36
Lateral
0,45
0,60
0,33
0,33
Canino
0,31
0,58
0,29
0,44
Canal V
0,30
0,40
0,23
0,31
Canal P
0,23
0,37
0,17
0,26
2o pré-molar
0,37
0,63
0,26
0,41
Canal P
0,29
0,40
0,33
0,40
Canal MV
0,43
0,46
0,22
0,32
Canal MV secundário
0,19
0,31
0,16
0,16
Canal distal
0,22
0,33
Inferiores
1mm
2mm
1mm
2mm
Incisivos
0,37
0,52
0,25
0,25
Caninos
0,47
0,45
0,36
0,36
Pré-molar
0,35
0,40
0,28
0,32
Canal MV
0,40
0,42
0,21
0,26
Canal ML
0,38
0,44
0,28
0,24
Canal distal
0,46
0,50
0,35
0,34
1o pré-molar
Molares
0,25
Molares
Porém, ainda não há na literatura um parâmetro previamente estabelecido sobre a extensão ideal do preparo apical de forma a garantir a modelagem segura e efetiva dessa região. Portanto, tornam-se necessários estudos que abram novas perspectivas nessa área, visando cada vez mais ao aprimoramento do tratamento endodôntico e à preservação da anatomia do canal.
ALTERAÇÕES NA ANATOMIA INTERNA A polpa dental, derivada do mesênquima da papila dental, tem como função principal a formação de dentina. Como polpa e dentina mantêm entre si uma relação fisiológica e patológica nos processos inflamatórios, a reação aos estímulos provoca alterações na anatomia interna em decorrência da resposta à irritação. Assim, frente a determinantes como idade e irritantes, podem ocorrer alterações na morfologia, principalmente pelo fato de a polpa estar contida em uma cavidade que apresenta paredes inextensíveis. Quatro aspectos da anatomia dentária e da cavidade pulpar devem ser observados no exercício da terapia endodôntica40: a direção das raízes e dos canais radiculares, as cavidades pulpares, a topografia dos canais radiculares e as variantes topográficas dos ápices radiculares. As variações anatômicas encontradas podem ser resumidas em: dens invaginatus, fusão, geminação, microdontia, macrodontia, taurodontia, dilaceração e canal em forma de C. Do ponto de vista clínico, devemos observar, como fatores determinantes de tais modificações anatômicas, a idade, os agentes irritantes, a presença de calcificações e as reabsorções dentárias. Ocasionalmente os dentes apresentam variações anatômicas não muito comuns, que se tornam significantes ao tratamento endodôntico. Com relação à idade, a formação de dentina ocorre predominantemente em determinadas áreas do dente. Como exemplo, nos molares, a maior formação de dentina se localiza no teto e assoalho da câmara pulpar, ocasionando mudanças na morfologia interna e dificultando encontrar a cavidade pulpar com o risco de lesar o soalho e até mesmo perfurá-lo. No que diz respeito aos agentes irritantes, qualquer agente que atue sobre o elemento dental irá estimular a formação de dentina. Assim, o exame radiográfico deve ser analisado cuidadosamente para identificação de possíveis alterações na anatomia. Ao analisarmos a presença das calcificações, devemos ter em mente que elas existem sob a forma de nódulos pulpares e formas lineares de agulhas irregulares. Os nódulos pulpares são facilmente detectados radiograficamente, uma vez que geralmente estão localizados na câmara pulpar, podendo atingir tamanhos consideráveis, com alteração da anatomia, dificultando muitas vezes a localização do orifício do canal. A presença de nódulos significa um sinal clínico e radiográfico de que a polpa está envelhecendo.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
A
C
253
B
D
E
Figura 7-13. Evidenciando o travamento do instrumento apical inicial após a realização de preparos cervicais. A. Sem pré-alargamento. B. Pré-alargamento Gates Glidden. C. Pré-alargamento com alargador cervical. D. Pré-alargamento com alargador ProTaper. E. Pré-alargamento com alargador LA Axxess. (Gentileza de J. M. Barroso e J. D. Pécora.)
Em determinadas situações podemos detectar radiograficamente a obliteração total da cavidade pulpar, e o paciente, nesses casos, normalmente relatará história de algum tipo de traumatismo, sem que tal acidente tenha apresentado um mínimo dano na ocasião de sua ocorrência (Fig. 7-14). Devemos considerar a presença das reabsorções, alterações inflamatórias que podem modificar a anatomia dental. Na maioria das vezes, as reabsorções são pequenas e não detectáveis radiograficamente. Quando visíveis, geralmente são extensas, dificultando a terapia endodôntica, criando dificuldades no preparo e obturação do canal radicular (Fig. 7-15A a C). Ocasionalmente, os dentes apresentam variações significantes na morfologia pulpar e radicular, e tais anormalidades são mais comuns nos incisivos laterais superiores, pré-molares inferiores e molares superiores. O dens invaginatus ocorre por erro na morfodiferenciação, resultando em uma comunicação precoce da polpa com a cavidade bucal, requerendo tratamento endodôntico (Fig. 7-16). A fusão e a geminação são anomalias do desenvolvimento dos tecidos duros do dente, as quais ra-
Figura 7-14. Calcificação da cavidade pulpar por traumatismo dental.
254
A
Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
B
A
B
C
Figura 7-17. Fusão dentária.
C
Figura 7-15. Reabsorções radiculares. A. Apical. B. Externa. C. Interna. (Gentileza de M. B. T. Faria.)
como uma raiz ampla, com um espaço pulpar comum e presença de estrutura dentinária confluente entre os elementos fusionados. O tratamento endodôntico, quando indicado, deve ser realizado acompanhando a anatomia interna do sistema de canais radiculares, pois se trata de dentes com canais amplos e irregulares (Fig. 7-17A a C). A geminação é um distúrbio do desenvolvimento que ocorre durante a organogênese na tentativa de fazer um órgão extra. Provavelmente é um problema decorrente da segmentação da lâmina dentária. Outras variações, como número de canais, de raízes ou dentes com configurações radiculares não comuns, como canal em forma de C, podem influenciar o resultado final no tratamento endodôntico. Assim, o conhecimento de tais variações se faz necessário, uma vez que o processo da terapia endodôntica depende do conhecimento das inúmeras modificações anatômicas. De acordo com Leonardo e Leal29, realizar um tratamento sem o estudo da anatomia interna e completado com a radiografia para diagnóstico é o mesmo que trabalhar no “escuro” e colaborar para as elevadas porcentagens de fracassos endodônticos.
Canal em forma de C (C-shaped)
Figura 7-16. Dens invaginatus.
ramente exigem tratamento endodôntico. A fusão é definida como a união entre a dentina e/ou esmalte de dois ou mais dentes em desenvolvimento. Dependendo do período da odontogênese em que o distúrbio se processa, ela pode ser completa ou incompleta. A fusão verdadeira pode ser vista radiograficamente
O molar em forma de C (C-shaped) é uma variação anatômica merecedora de destaque devido às suas características peculiares, ensejando meticulosa atenção operatória quando da instituição do tratamento endodôntico. Esse tipo de anatomia pode induzir ao erro ou ao insucesso da terapêutica endodôntica desde sua abertura e acesso à câmara pulpar até a localização, debridamento, instrumentação e obturação de seus canais radiculares. Segundo Jafarzadeb e Wu22, a etiologia desses canais é a falha durante a formação das raízes pela bainha epitelial de Hertwig, causando fusão radicular e formação dos canais em forma de C. O diagnóstico
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
A
B
255
C
Figura 7-18. Aspectos clínico e radiográfico do C-shaped. (Gentileza de M. V. B. Vieira.)
radiográfico do C-shaped é difícil, sendo seu reconhecimento clínico estabelecido definitivamente por meio da confecção do acesso à câmara pulpar (Fig. 7-18). No entanto, as radiografias pré-operatórias mostram características em comum, como fusão e proximidade radicular, canal distal largo, canal mesial estreito, com uma imagem borrada de um terceiro canal entre eles, podendo, dessa forma, ajudar a identificar a anatomia dos canais em forma de C. A complexidade anatômica do C-shaped promove maior dificuldade com relação ao debridamento e obturação dos canais radiculares. Essa dificuldade se impõe pela ausência de um padrão anatômico em relação ao número de canais radiculares. Podemos encontrar um único canal em forma de C, desde a câmara pulpar até o segmento apical, ou mesmo dois, três ou quatro canais que se interligam por um mesmo istmo. Quando único, apresenta-se em forma de fenda ou fita contínua, conectando os canais mesiolingual, mesiovestibular e distal, em molares inferiores, principalmente o segundo molar inferior, formando um arco de 180º. A existência do canal em forma de C, como sendo uma fenda contínua unindo alguns ou todos os canais, foi primeiramente descrita por Cooke e Cox9 em 1979. Quando seccionada horizontalmente, essa fenda apresenta a forma de C. O canal em forma de C tem sido diagnosticado e estudado pelo uso da tomografia computadorizada23 ou mesmo a tomografia microcomputadorizada6,13,15. Cheung, Yang e Fan6, ao estudarem as características anatômicas apicais de segundos molares inferiores, com canais em forma de C, com auxílio do estereomicroscópio e tomografia microcomputadorizada, concluíram que ela é extremamente complexa e com muitas variações anatômicas.
CAVIDADE DE ACESSO E LOCALIZAÇÃO DOS CANAIS Princípios da abertura da cavidade de acesso: a) remoção de todo o teto da câmara pulpar para a retirada dos remanescentes pulpares e exposição dos orifícios de entrada dos canais; b) preservação do assoalho da câmara pulpar, evitando perfurá-lo e facilitando a localização da entrada dos canais, pois a sua integridade tende a guiar o instrumento; c) conservação da estrutura dentária, prevenindo a fratura e o enfraquecimento do esmalte e dentina remanescentes; d) prover formas de resistência para permanência total do selamento provisório da cavidade de acesso até a colocação da restauração final; e) obtenção de acesso reto e livre até a primeira curvatura do canal.
Preparos prévios Antes de iniciar qualquer abertura coronária, o profissional deve analisar o dente clínica e radiograficamente para avaliar qualquer problema em potencial. A maioria dos dentes que necessitam de tratamento endodôntico foi afetada por cáries, restaurações, fraturas, atrição e outros. Frequentemente esses irritantes promovem deposição de dentina, modificando a anatomia interna. O operador deve estar apto a reconhecer essas variações e planejar o acesso adequadamente, mesmo que deva ser alterado para adaptá-lo a elas. A angulação dentária, a posição de cúspides e a anatomia externa, tais como as cristas marginais, de-
256
Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
vem ser avaliadas e usadas como referência para o início do acesso. Mudança na anatomia externa ocasionada por restaurações, especialmente coroas totais, pode também alterar a relação do longo eixo coroa-raiz. Variações nas tomadas radiográficas e a palpação da gengiva inserida e mucosa vestibular para ver a proeminência alveolar da raiz ajudarão na determinação de sua correta angulação. O sulco gengival e a área de furca também podem ajudar nessa análise, feita antes da colocação do lençol de borracha. Quando os dentes são portadores de restaurações extensas, coroas, calcificações pulpares ou os canais não se mostram visíveis na radiografia e, ainda, apresentam dificuldades na orientação, o lençol de borracha pode ser colocado após a localização da câmara ou canais para permitir melhor direção da broca ao longo do eixo da raiz, principalmente quando o operador é um principiante. Deve-se notar também a inclinação da raiz relacionada com a coroa ou o dente adjacente, lembrando que o canal se localiza aproximadamente no centro dela, necessitando muitas vezes do auxílio de uma radiografia ortorradial e outra mesializada ou distalizada. Ajustes apropriados são feitos para direcionar a broca ou o instrumento corretamente antes da colocação do isolamento absoluto. É recomendável, no entanto, proteger a glote do paciente com a colocação de gaze posicionada sobre a língua. Radiografias periapicais pré-operatórias pela técnica do paralelismo bem processadas são indispensáveis na visualização e localização da câmara pulpar, dos canais e angulação radicular. Radiografias bitewing mostram a imagem da anatomia coronária da forma mais acurada possível. Radiografias distalizadas ou mesializadas são recomendadas para mostrar claramente raízes extranuméricas, onde canais extras podem ser localizados. Em casos de elementos dentários com tratamentos endodônticos iniciados por outros operadores, deve-se analisar também a situação do canal para ver se há possíveis erros anteriores (perfurações, desvios, instrumentos fraturados) e alertar o paciente, assim como também para nossa proteção. O acesso coronário começa com a remoção de toda lesão cariosa, estrutura dentária sem suporte e restaurações defeituosas. Recomenda-se a remoção de toda lesão cariosa antes do isolamento absoluto e da penetração na câmara pulpar, evitando a contaminação dos canais e do campo operatório. Não se deve esquecer, no entanto, que a anatomia interna pode estar modificada em
função da deposição de dentina reacional, mascarando a forma da abertura convencional e confundindo o operador. A remoção total da restauração permanente, seja um amálgama oclusal pequeno ou uma coroa total, é indicada para aumentar a visibilidade e simplificar a busca dos canais. Entretanto, em alguns casos, a total remoção não se justifica, como, por exemplo, a parede interproximal de uma restauração classe II, que se estende subgengivalmente; ela deve ser mantida para auxiliar o isolamento, se não houver o risco de se soltar entre as sessões. Caso sua remoção seja necessária, por estar deficiente, e esse fato permitir a penetração de saliva na câmara pulpar ou a de soluções irrigadoras na cavidade bucal, faz-se premente o aumento de coroa clínica ou a confecção de uma restauração provisória. Em casos de coroas totais, podemos optar por deixá-las e depois repará-las, desde que não apresentem infiltrações e que a sua preservação não atrapalhe o acesso. Os mesmos princípios básicos aplicados às restaurações permanentes devem ser empregados nas restaurações provisórias, isto é, somente devem ser removidas inteiramente quando se fizer necessário. Com relação às coroas provisórias, devem ser removidas antes do isolamento, permitindo o acesso ao preparo do canal e facilitando a obturação, além do fato de que elas são frequentemente perdidas ou deslocadas pelo grampo ou outras razões, mantendo pobre selamento durante o tratamento e entre as sessões. Qualquer parte do material restaurador oclusal ou estrutura dentária que possa interferir com o acesso direto deve ser removida antes de atingir a câmara. Essa remoção, mormente em dentes inferiores, previne que resíduos de materiais, principalmente metálicos, se precipitem e bloqueiem ou fiquem retidos na região apical por serem de difícil remoção. Por essa razão, nos dentes inferiores, deve-se estender um pouco mais a abertura, como medida de segurança. Nos casos de cúspides sem suporte, elas devem ser reduzidas 2 a 3mm antes da odontometria para proporcionar um ponto de referência plano, prevenir fraturas durante e após o tratamento e as interferências oclusais. Em suma, na Endodontia, necessitamos da remoção do esmalte e da dentina, necessários ao acesso direto aos canais radiculares, com eliminação de todo teto da câmara pulpar, além de ampliar a cavidade em áreas estratégicas para facilitar o trabalho dos instrumentos e o máximo de visibilidade e de iluminação.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
Dessa forma, a ampliação deve ser feita às expensas das paredes mesiais e vestibulares na maioria dos grupos dentais, como veremos. A abertura inadequada da superfície oclusal ou do teto da cavidade impossibilitará a iluminação da câmara pulpar, dificultando a visualização, podendo induzir comprometimento do assoalho. A supressão de todo o teto é particularmente importante em dentes posteriores, com grande variação de posição e número dos canais, como nos molares, para a localização dos orifícios de entrada desses canais, mesmo os mais centralizados. Já os canais mesiovestibulares, tanto dos molares superiores quanto dos inferiores, apresentam dificuldades de localização, porque usualmente se encontram bem mesializados e sob as cúspides do mesmo nome. Outra dificuldade é a de que o instrumento deve ter inclinação de distal para mesial, para poder penetrar ao longo desses canais, o que muitas vezes é impedido pela pequena abertura da boca do paciente e pela tensão do lençol de borracha. No entanto, devemos lembrar que a remoção da estrutura dentária em excesso e não necessária debilita o dente e aumenta a possibilidade de fratura ou perfuração.
TÉCNICAS DE ACESSO Em princípio, o preparo de acesso básico para cada grupo dental se aplica a todas as situações. No entanto, caso ocorram variações, as adequações necessárias devem ser feitas como exposto. Para facilitar o aprendizado, descreveremos as manobras operatórias de forma sequencial e didática, alertando que estão intimamente relacionadas:
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taurações metálicas de grande porte, deve-se utilizar broca transmetal (1557 ou 1558 da S.S. White/Duflex). No caso de penetração em coroas de jaqueta de porcelana, é indicada ponta diamantada no 114. É feita, ainda em alta rotação, a remoção de parte da espessura dentinária, até as imediações da câmara pulpar, para facilitar o trabalho e economizar tempo. Gostaríamos de enfatizar que se a forma de contorno inicial for feita logo após o ponto de eleição, desde que não exagerada, em alta rotação, há uma agilização dessa etapa operatória sem o risco de acidentes, facilitando o trabalho subsequente em baixa rotação. Se existirem dúvidas quanto à localização da câmara pulpar e orifícios de entrada dos canais radiculares, deve ser feita uma forma de contorno conservadora até que haja a remoção do teto cameral. A adição de fibra óptica à caneta de alta rotação melhora a visibilidade durante a exploração do fundo da cavidade até o alcance da câmara pulpar. O próximo passo é realizado com brocas esféricas, em baixa rotação, compatíveis com o tamanho do dente (nos 2, 4 e 6, Carbide) e direcionadas para a parte mais volumosa da câmara pulpar (direção de trepanação), para que não haja riscos de avaliação da profundidade é feita colocando-se a peça de mão com broca sobre a radiografia pré-operatória. Atingida a câmara pulpar, devemos imprimir à broca movimentos de tração, isto é, do interior para a superfície do dente, até que todo teto cameral tenha sido removido (Fig. 7-19). Indicamos o uso de brocas em baixa rotação principalmente para os iniciantes, porque com elas se tem mais facilmente a sensação da broca “caindo no vazio”, mormente nos casos de câmaras de contorno nítido ou
a) acesso à câmara pulpar: • ponto ou área de eleição; • forma de contorno inicial; • direção de trepanação. b) preparo da câmara pulpar; c) configuração final da cavidade intracoronária (forma de conveniência). O início da abertura coronária para todos os dentes deve ser feito em alta rotação, com brocas esféricas diamantadas (nos 1011, 1013 e 1015) para o esmalte e de aço inoxidável para a dentina (Carbide nos 2, 4 e 6) ou troncocônicas (701L – Carbide), de fissura, através do esmalte ou material restaurador, dando a conformação apropriada à cavidade de acordo com a anatomia interna do dente; portanto, seguindo a “forma de conveniência” referente ao grupo dental. Na remoção de res-
Figura 7-19. Utilização de brocas esféricas comuns na abertura de molares (maior segurança que as de haste longa).
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Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
nas que são volumosas. Devemos lembrar que o tamanho da câmara pulpar rege o da abertura; consequentemente, nos jovens, a abertura se apresentará bastante ampla, enquanto nos dentes adultos terá dimensões menores em função do processo de calcificação. Em casos de câmaras pulpares de tamanho reduzido ou que sofreram retração por algum fator externo, devem ser utilizadas brocas esféricas de haste longa (comprimento cirúrgico de 28mm) como a broca LN – Carbide, ref. 0205 (Dentsply/Maillefer) de tamanhos compatíveis ao dente (nos 006, 008, 010, 012, 014 ou 016). Posteriormente, são utilizadas brocas troncocônicas de ponta embotada (alargador de Batt, de aço carbono e 28mm, de numeração 012, 014 e 016) para acertar as paredes cavitárias. Quando estamos intervindo em dentes com polpa viva e/ou de difícil visibilidade, devemos optar pela utilização desses alargadores após a remoção do teto, porque não corremos riscos de lacerar o assoalho ou desgastar exageradamente em profundidade. Alguns profissionais preferem o uso do alargador Endo Zekrya – Endo Z, ref. 0152 – Tungstênio/Carbide (Dentsply/Maillefer), também sem corte na extremidade. São apresentados no comércio para alta e baixa rotação; entretanto, devem ser utilizados com parcimônia por induzir desgaste acentuado nos preparos, em decorrência de sua rapidez e eficiência de corte. Após a remoção completa de todo o teto cavitário, os orifícios de entrada dos canais radiculares devem ser localizados. Para isso podemos utilizar as sondas clínicas de ponta reta ou mesmo as pontas de Rhein ou, ainda, as sondas exploradoras próprias para Endodontia, como as de no 23, ref. 43 (Dentsply/Maillefer), e a de no 47 (S.S. White/Duflex) (Fig. 7-20). Esse instrumento é a extensão dos dedos do clínico, sondando, avaliando, sentindo e muitas vezes
pesquisando o tecido duro. A anatomia natural dita a localização usual da entrada desses orifícios, mas restaurações, deposições dentinárias e calcificações distróficas podem alterá-la. Enquanto explora o assoalho da câmara pulpar, a sonda muitas vezes penetra ou desloca depósitos calcificados que bloqueiam o orifício. É preferível sua utilização à das brocas para localizar a entrada dos canais, e sua dupla extremidade oferece dois ângulos de abordagem. O posicionamento do instrumento nos orifícios de entrada dos canais permite a determinação de angulação e a sua direção. A ponta em ângulo reto da sonda clínica no 5, ref. 11511 (S.S. White/Duflex), é utilizada para verificar a presença de tetos não removidos (Fig. 7-21). Finalizando, podemos utilizar pontas diamantadas em alta rotação (nos 3193, 3195, 3203, 3205, 3207 e 1200, 2082, sem corte na ponta da KG Sorensen) para ampliar o preparo em locais estratégicos, promovendo acesso direto aos canais radiculares, maior visibilidade e iluminação, além de alisar as paredes cavitárias. Não podemos nos esquecer de desgastar em locais opostos à curvatura da raiz para impor desgaste compensatório com acesso reto ao segmento médio e apical do canal. As pontas diamantadas exigem, no entanto, domínio de técnica, podendo ser usadas em baixa rotação com auxílio de luvas especiais. As pontas diamantadas também são complementadas com alargadores Largo, ou vice-versa. A broca para a alta rotação Endo Access, ref. A0164 (Dentsply/Maillefer), para a abertura coronária,
Figura 7-20. Sonda reta. Exploração do assoalho e localização da entrada dos canais radiculares.
Figura 7-21. Sonda clínica no 5, utilizada na verificação do teto da cavidade pulpar.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
por ser uma ponta diamantada troncocônica cuja extremidade apresenta conformação esférica, surgiu como tentativa de abranger todos os passos do acesso coronário. Pode ser usada na trepanação, na remoção do teto e no desgaste compensatório, dando expulsividade sem as inconvenientes trocas sucessivas de brocas, agilizando portanto essa etapa operatória. Em nossa opinião, ela deve estar indicada para profissionais que dominam a abertura coronária, uma vez que é utilizada em alta rotação. O Kit LA-Axxess (SybronEndo – Glendona, CA, EUA), ref. 815-1400, é um conjunto de instrumentos (brocas e alargadores cervicais), planejados por Stephen Buchanan (Leonardo30) para serem usados na abertura coronária, desgaste compensatório e desgaste anticurvatura (segmento cervical do canal). Possuem elevada capacidade de corte e permitem a realização de um acesso direto aos canais radiculares sem formação de degraus, reduzindo muito o tempo para a realização da abertura coronária. O conjunto LA-Axxess, linha-ângulo Axxess, é constituído por: • 2 brocas (no 2 RD) esféricas diamantadas no 2 – ref. 815-1418 (1 estria – anel verde em haste metálica incolor). – indicadas para corte de resina e porcelana. • 2 brocas (XCC) cilíndricas carbides – ref. 815-1417 (haste metálica dourada). – indicadas para corte de coroas e restaurações metálicas. • 2 brocas (no 2 RC) esféricas carbides no 2 – ref. 8151412 (haste metálica longa incolor). • 2 brocas (no 4 RC) esféricas carbides no 4 – ref. 8151414 (haste metálica longa incolor). – indicadas para corte de dentina e esmalte ou restaurações não metálicas. • 2 brocas (no 6 RC) esféricas carbides no 6 – ref. 8151416 (haste longa incolor). – indicadas para remoção de dentina cariada. • 2 brocas (LTD) cônicas diamantadas longas – ref. 8151420 (estria – anel verde em haste metálica incolor). • 2 brocas (XLTD) cônicas diamantadas extralongas – ref. 815-1421 (estria – anel verde em haste metálica longa incolor). – indicadas para refinamento de abertura coronária (desgaste compensatório). • instrumentos (no 1 LASS) pequenos 20/.06 – ref. 8151401 (2 estrias – anéis amarelos em haste metálica dourada). • instrumentos (no 2 LASS) médios 35/.06 – ref. 815-1402 (2 estrias – anéis azuis em haste metálica dourada).
259
• instrumentos (no 3 LASS) grandes 45/.06 – ref. 8151403 (2 estrias – anéis brancos em haste metálica dourada, com ponta parabólica para evitar formação de degraus ou perfurações). – indicadas para criar acesso direto e dilatar o orifício de entrada do canal radicular. • 2 instrumentos (FD) – diamantados em forma de bola – ref. 815-1419 (1 estria – anel preto em haste metálica incolor). – indicadas para acabamento. Recentemente foi lançado um jogo com somente os instrumentos no 1 LASS, no 2 LASS e no 3 LASS. Além dos alargadores Gates-Glidden, Largo, LAAxxess, atualmente são indicados também instrumentos de níquel-titânio para preparo do segmento cervical dos canais radiculares (desgaste anticurvatura) denominados de alargadores cervicais ou ampliadores de orifício (orifice opener) que apresentam desenho, diâmetro e conicidade de acordo com o sistema de instrumentos endodônticos de níquel-titânio movidos a motor a que pertencem (Fig. 7-22).
PREPARO DE ACESSO EM INCISIVOS SUPERIORES E INFERIORES Ponto ou área de eleição Parte mais central da face lingual.
Forma de contorno inicial Forma triangular, com base voltada para a borda incisal. Nos incisivos superiores se estende de 2 a 3mm
Figura 7-22. Instrumentos empregados no preparo cervical de canais radiculares. Alargadores: Gates Glidden, Largo, ProFile, LA Axxess. (Gentileza de H. P. Lopes.)
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Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
da borda incisal, aproximadamente 2mm do tubérculo lingual. Nos incisivos inferiores se estende desde aproximadamente 2mm da borda incisal até 1 a 2mm do tubérculo lingual11 (Fig. 7-23). Nos incisivos inferiores, embora a forma de abertura seja muito semelhante à dos superiores, é mais estendida lingual e incisalmente, além de ser bem estreita no sentido mesiodistal, em função da anatomia interna desses dentes, que por apresentarem raiz achatada no sentido mesiodistal podem possuir dois canais, e a não extensão linguoincisal impede a localização e instrumentação do canal lingual. Por serem dentes de tamanhos diminutos, devemos alertar os iniciantes para que utilizem brocas de diâmetros reduzidos para não os destruírem em demasia, principalmente no sentido proximal. Essa etapa, assim como a que a antecedeu, é feita com pontas diamantadas esféricas ou cônicas, compatíveis com o tamanho do dente. Tanto para o aluno quanto para o profissional recém-formado não é indicada a colocação do dique de borracha até esse ponto, para que existam a perfeita observação da inclinação do dente no arco e a relação de profundidade da cavidade confeccionada com a polpa. Após a penetração inicial descrita, modifica-se o sentido da broca esférica, já agora em baixa rotação e no ponto central da face lingual, operando-se em sentido paralelo ao eixo do dente, até penetrar na cavidade pulpar (Fig. 7-24).
Figura 7-24. Sentido de trepanação da broca esférica inicialmente perpendicular e posteriormente paralela ao eixo do dente para atingir e remover o teto da câmara. Os alargadores Batt são utilizados na finalização do preparo.
Preparo da câmara pulpar Após a penetração da broca esférica compatível na cavidade pulpar, vamos imprimir a ela movimentos de tração, do interior para a superfície do dente, até que todo o teto tenha sido removido. Com os movimentos de tração, prevenimos a remoção desnecessária da estrutura dentária.
Configuração final da cavidade intracoronária
Figura 7-23. Sequência da abertura coronária em dentes anteriores, de acordo com o texto.
Utilização do alargador de Batt para o preparo das paredes cavitárias dando uma conformação triangular expulsiva à cavidade com remoção dos divertículos – e ângulos mesial e distal do vértice da câmara pulpar, assim como extensão vestibular e lingual da câmara, com remoção do ombro palatino ou lingual que, de acordo com Pucci e Reig40, faz parte da retificação da parede palatina (Fig. 7-25). A eliminação do ombro palatino ou lingual, qual seja o dente superior ou inferior, constitui a realização do desgaste compensatório nesses dentes; caso contrário, os instrumentos endodônticos ficariam mal orientados. Da mesma forma, deve-se remover o esmalte na base do triângulo que fica para incisal, proporcionando um acesso reto e liberando o instrumento para trabalhar de forma correta em todas as paredes do canal radicular. Esses desgastes podem ser feitos, ainda, com
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
A
B
Figura 7-25. Forma de abertura coronária em incisivos superiores (A) e inferiores (B) de acordo com a anatomia e sua extensão para acesso ao canal (forma de conveniência).
alargadores Endo Z ou pontas diamantadas cilindrocônicas longas. Em dentes inferiores, como já abordado, é muito importante esse desgaste compensatório no sentido cérvico-incisal, para facilitar a localização e o preparo dos canais vestibular e lingual em casos de bifurcação (Fig. 7-26).
A
261
B
Figura 7-27. Abertura coronária em caninos superiores (A) e inferiores (B) de acordo com o texto.
conformação ligeiramente ovalada, em função do seu achatamento mesiodistal, extensão cérvico-incisal e o divertículo incisal mediano (Fig. 7-27).
Pré-molares superiores Ponto ou área de eleição Área central da face oclusal.
Caninos superiores e inferiores A abertura coronária é feita de forma semelhante à dos incisivos, diferindo na forma de conveniência que possui a base terminando em ponta de lança, podendo ser também classificada como losangular, devido ao divertículo central correspondente à cúspide perfurante desses dentes que, principalmente nos jovens e em dentes superiores, apresenta-se bastante pronunciada. Já os caninos inferiores apresentam muitas vezes uma
Forma de contorno inicial Forma elíptica para o primeiro pré-molar superior, por apresentar dois canais, ou ovoide, com maior dimensão no sentido vestibulopalatino, de acordo com a anatomia interna da cavidade pulpar. Uso de pontas diamantadas compatíveis em alta rotação troncocônicas ou esféricas da mesma forma que para os dentes anteriores.
Direção de trepanação Penetração inicial com a ponta diamantada em alta rotação, posicionada paralelamente ao longo eixo do dente até as imediações da cavidade pulpar. Com o dente isolado, já em baixa rotação e broca esférica com tendência a direcioná-la para o canal palatino (porção mais volumosa da cavidade pulpar), progride-se até chegar à cavidade pulpar.
Preparo da câmara pulpar
Figura 7-26. Desgaste compensatório dos incisivos inferiores. Acesso livre dos instrumentos e localização do canal lingual.
Com a mesma broca e movimentos de tração é feita a remoção de todo o teto. Complementa-se a forma ovoide da cavidade com o alargador de Batt, removendo-se todo o teto restante e dando-lhe expulsividade.
262
Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
Preparo da câmara pulpar
A
Com a mesma broca esférica, em movimentos de tração, ampliamos de acordo com a exigência da anatomia pulpar e complementamos com o alargador de Batt.
Forma de conveniência
B
Figura 7-28. Abertura coronária e desgaste compensatório em 1os (A) e 2os (B) pré-molares superiores.
Forma de conveniência Ao término da etapa anterior já temos a cavidade praticamente pronta, só faltando, agora, uma sondagem dos orifícios de entrada dos canais para observação de suas direções e análise da necessidade de desgaste maior, a fim de facilitar a visão, iluminação e acesso direto das limas endodônticas em todas as paredes dos canais. Os alargadores de Batt, compatíveis, também são introduzidos no orifício de entrada dos canais com o intuito de ampliá-los até o segmento cervical, facilitando a instrumentação do segmento médio e apical (Fig. 7-28). Podem ser utilizados também alargadores Endo Z, pontas diamantadas cilindrocônicas ou alargadores Largo.
Pré-molares inferiores Área de eleição Faceta mesial da face oclusal.
A cavidade final tem conformação circular ou ovoide, localizada na metade mesial da face oclusal, geralmente incluindo a cúspide vestibular na abertura em função da acentuada inclinação para lingual que esses dentes apresentam. Os desgastes compensatórios podem ser efetuados com alargadores de Batt, Endo Z, Largo ou pontas diamantadas (Fig. 7-29).
Molares superiores Área de eleição Na superfície oclusal, no centro da fossa mesial.
Forma de contorno inicial A abertura deverá ser estendida do centro da fossa mesial (próxima à cúspide mesiovestibular) em direção distal, até ultrapassar o sulco oclusovestibular, seguindo paralelamente à face do dente. Desse ponto distal, segue-se em direção lingual, atravessando a fossa central, para daí se unir ao ponto inicial, dando uma conformação triangular de base vestibular à cavidade.
Direção de trepanação A penetração inicial e os passos anteriores podem ser realizados com pontas diamantadas esféricas ou troncocônicas em alta rotação; direção vertical, paralela ao longo eixo do dente até as imediações da câmara pulpar.
Forma de contorno inicial Dependendo da anatomia interna, pode apresentar a forma de conveniência desde circular até ovoide (quando apresenta dois canais radiculares).
Direção de trepanação Penetração inicial com a ponta diamantada (esférica ou troncocônica), em alta rotação, posicionada paralelamente ao longo eixo do dente até as imediações da câmara pulpar. A partir daí, em baixa rotação, com broca esférica paralela ao longo eixo do dente, penetramos na cavidade pulpar.
Figura 7-29. Abertura coronária em pré-molares inferiores.
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
Após a penetração inicial, utilizamos broca esférica em baixa rotação, de tamanho compatível, orientada para o canal palatino, de maior diâmetro, prevenindose para que não se atinja o assoalho. Na abertura dos molares superiores não devemos utilizar as brocas de haste longa, para evitar deformação do assoalho da câmara pulpar, e sim as comuns, pois, quando as bordas do contra-ângulo encostarem na face oclusal dos dentes, a parte ativa dessas brocas não terá contato com o assoalho, oferecendo maior margem de segurança29. Após trepanação da câmara pulpar, aplicam-se movimentos de tração para a remoção do teto cavitário.
Preparo da câmara pulpar Remoção complementar de todo o teto e preparo das paredes laterais, utilizando-se para isso do alargador de Batt compatível ou Endo Z.
Configuração final da cavidade (forma de conveniência) A forma de conveniência é triangular em base voltada para vestibular. No entanto, com relação ao 1o, 2o ou 3o molares, apresenta modificações quanto ao tamanho e à localização da abertura, em decorrência da anatomia interna e da disposição das raízes desses dentes. O 1o molar superior se apresenta com raízes separadas em 100% dos casos e, por ser um dente mais volumoso, exibe forma triangular mais ampla do que as dos 2os e 3os molares, principalmente no sentido mesiodistal40. A câmara pulpar se situa bem mesializada, preservando, na maioria das vezes, a ponte de esmalte (que liga a cúspide distovestibular à mesiopalatina). O 2o molar superior apresenta suas raízes separadas em 53% dos casos40, os restantes têm diferentes formas de fusionamento. Em função dessa disposição radicular e decorrente da anatomia apresentada por esse dente, a abertura se torna menor e mais centralizada do que a do 1o molar (Fig. 7-30A e B). O orifício de entrada do canal mesiovestibular se encontra abaixo da cúspide correspondente, e o distovestibular a 2 ou 3mm, aproximadamente, para distal, e a 1mm para palatino, em relação ao mesiovestibular29. O orifício de entrada do canal palatino se encontra entre a cúspide mesiopalatina e a fossa central. Notase, portanto, que o triângulo está mais para mesial e que sua base está voltada para vestibular e deslocada para o ângulo mesial, em virtude de a entrada do canal mesiovestibular estar mais para vestibular que distovestibular.
A
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B
Figura 7-30. De acordo com a descrição do texto, abertura coronária do 1o (A) e 2o (B) molares superiores.
Os molares superiores podem apresentar, na raiz mesiovestibular, dois canais: o canal mesiovestibular, também chamado MV1, e um segundo canal, o mesiopalatino, também chamado MV2. A parede mesial de cavidade pulpar desses dentes apresenta convexidade bastante acentuada, formando um colar de dentina que tende a cobrir os orifícios de entrada do canal mesiovestibular e principalmente do canal mesiopalatino (Figs. 7-31 e 7-32).
Figura 7-31. Forma de conveniência triangular, do 1o molar superior, ao microscópio operatório (MO) com a base voltada para vestibular. Canal mesiovestibular abaixo da ponte da cúspide de mesmo nome, canal distal para distal e o canal palatino entre a cúspide mesiopalatina e a fossa central. O canal mesiopalatino (MV2) entre o canal mesiovestibular e o palatino. (Gentileza de V. B. C. Ferrari.)
Figura 7-32. Localização do canal mesiopalatino (MV2) em 1o molar superior com o auxílio do MO. (Gentileza de V. B. C. Ferrari.)
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Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
A incidência do canal mesiopalatino da raiz mesiovestibular dos 1os e 2os molares superiores (também chamado MV2) tem sofrido variação de acordo com os autores. Pineda e Kuttler38 encontraram quatro canais em 1o e 2o molares superiores combinados em 51,5% dos casos. Kulild e Peters26, que realizaram estudo no qual seccionavam a raiz mesiovestibular em cortes de 1mm, observaram a presença de dois canais no segmento coronário em 95,2% dos casos, onde 71,1% apresentavam dois canais patentes até o ápice. Para esses últimos autores, o orifício de entrada do canal mesiopalatino está a 1,82mm do orifício de entrada do canal mesiovestibular, em uma linha traçada em direção ao canal palatino. Pode ser localizado com a ajuda de fibra óptica ou microscópio óptico, traçando-se uma linha do orifício de entrada do canal mesiovestibular ao palatino. Numa análise através da microscopia eletrônica de varredura em molares superiores, Gilles e Reader17 encontraram canais linguais nas raízes mesiovestibulares de molares superiores em 70 a 90%. Weller e Hartwell51 afirmaram que há um aumento de probabilidade de encontrar esse canal se o acesso inicial é alterado da forma triangular clássica para uma forma mais romboidal, com desgaste na parede mesial. Também aconselharam explorar o sulco de desenvolvimento entre o canal mesiovestibular e o canal palatino, aprofundando-o, para localizar o 4o canal. Fogel et al.14 avaliaram o uso de lupas de cabeça com fibra ótica com aumento de 2,5X para localizar o canal mesiolingual em 1os molares superiores in vivo. Após o preparo de acesso, um sulco, aproximadamente de 1mm de profundidade, era feito no assoalho da câmara pulpar por lingual do orifício do canal mesiovestibular, seguindo o sulco de desenvolvimento entre o canal mesiovestibular e o canal palatino. Encontraram em 71,2% dos casos, dois canais acessíveis na raiz mesiovestibular. Baldassari-Cruz et al.2 concluíram que o microscópio operatório (MO) aumentou em 31% a chance de detecção do orifício do canal mesiolingual na raiz mesiovestibular (MV2) dos 1os e 2os molares superiores. Inicialmente fizeram o acesso tradicional usando uma broca de fissura em alta rotação, no 557, sonda exploradora afiada, espelho e irrigação com hipoclorito de sódio a 2,5%, sem o uso de magnificação ou lupas. Quando o canal MV2 não era localizado, colocavam uma broca 700L, 2 a 3mm, no orifício do canal MV1, e um sulco era preparado nessa profundidade em sentido lingual e ligeiramente para mesial através da projeção de dentina. Novamente exploravam com explorador e
espelho sem magnificação. Dessa forma, encontraram o MV2 em 51% dos casos. Com o auxílio do MO encontraram o quarto canal em 82% de todos os casos. De acordo com Ruddle42, para a localização do canal MV2, o clínico deve estender a cavidade de acesso paramesial às expensas da crista marginal mesial em vez de procurá-lo fazendo uma canaleta a partir do orifício do MV1. Segundo ele, todos os orifícios se originam do assoalho da câmara pulpar, enfatizando a importância da remoção de todo o teto cameral. Após a remoção do teto deve ser feito um desgaste na crista marginal mesial eliminando a projeção de dentina que recobre o canal MV2. Posteriormente um explorador deve ser usado firmemente no sulco de desenvolvimento que une o canal MV1 ao palatino para trepanar a fina camada de dentina que cobre o canal MV2. Também considera o MO um elemento essencial para identificar o orifício de entrada desse canal. Para a localização do MV2 indicamos a utilização da sonda exploradora para liberação de depósitos de dentina que porventura o estiverem encobrindo, facilitando o direcionamento do instrumento no 10, que deve ser o primeiro a ser usado em seu cateterismo. Para a remoção da projeção de dentina indicamos brocas diamantadas em alta rotação com ponta ativa (3203, 3205 ou 3207, KG Sorensen) com o cuidado de não interferir no assoalho. Podem ser usadas também as pontas de ultrassom. Quanto aos desgastes compensatórios, eles são efetuados nos molares superiores simultaneamente aos preparos da embocadura do segmento cervical e médio dos canais radiculares. Utilizam-se para isso alargadores Gates Glidden, Largo, pontas diamantadas cilindrocônicas longas, sem corte na extremidade, pontas ultrassônicas complementadas com instrumentos manuais. É que muitas vezes, em função do pequeno diâmetro dos canais, principalmente o MV1 e MV2, os alargadores só podem ser utilizados no preparo do seu orifício deslocando-o para a zona de segurança da raiz (movimento anticurvatura), após a ampliação do segmento cervical com instrumentos manuais, como os instrumentos tipo K. Principalmente no canal MV2 antes de qualquer instrumento movido a motor, devemos usar instrumento tipo K no 10 (que é mais rígido) no cateterismo do segmento cervical e médio e, na progressão em sentido apical, o de no 8 (Fig. 7-33). Com o desgaste compensatório obtemos acesso direto aos canais, reduzindo a curvatura e facilitando a instrumentação do segmento apical. Isso posto, a configuração da cavidade tende a apresentar sulcos voltados para a área do desgaste, maior no caso da
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Figura 7-33. Cavidade pulpar de molar superior, indicado para retratamento, vista ao MO antes e após o preparo dos canais radiculares, mostrando a presença do MV2. (Gentileza de Cristina Musso.)
cúspide mesiovestibular. Nas técnicas progressivas de instrumentação, o acesso direto aos canais é feito antes da instrumentação apical, o que faz ocorrerem menos erros operatórios.
Molares inferiores Área de eleição Superfície oclusal.
Forma de contorno inicial Forma trapezoidal com base maior para mesial, porque apresenta, na maioria dos casos, dois canais mesiais e um distal achatado no sentido mesiodistal. Quando esse dente apresenta quatro canais, a abertura toma forma retangular ou quadrada de acordo com seu diâmetro mesiodistal (Figs. 7-34 e 7-35).
Figura 7-35. 2o molar inferior com quatro canais. Nota-se que, em função do pequeno diâmetro mesiodistal desse dente e por possuir quatro canais, sua forma de conveniência tem a conformação quadrada. (Gentileza de Cristina Musso.)
Direção de trepanação a) paralela ao longo eixo do dente, com pontas esféricas troncocônicas, em alta rotação, como nos passos anteriores; b) próxima à câmara pulpar, com uso de broca esférica compatível, em baixa rotação, na direção do canal distal mais volumoso. Atingida a cavidade pulpar, impõem-se movimentos de tração à broca.
Preparo da câmara pulpar Figura 7-34. Abertura coronária do 1o e 2o molares inferiores, de acordo com a descrição do texto.
Remoção do teto restante, após sondagem das entradas dos canais, com alargadores de Batt, trazendo o
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Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
preparo ao encontro dos canais mesiais: mesiovestibular, que fica localizado abaixo da cúspide homônima, e mesiolingual, entre o sulco central e a cúspide correspondente.
Configuração final da cavidade intracoronária (forma de conveniência) O desgaste compensatório, como nos molares superiores, deve ser feito principalmente na parede mesial, no sentido do canal mesiovestibular e mesiolingual. Usualmente a raiz mesial dos molares inferiores possui dois canais situados nos extremos vestibular e lingual. Entre os dois canais existe uma rede de ductos contendo tecido pulpar. No entanto, deve-se avaliar bem o assoalho da câmara pulpar para detectar a presença de um canal adicional, o que é feito pela observação da linha que une os dois canais mesiais após a secagem do assoalho pulpar, explorando-o com uma fina sonda. Muitas vezes uma depressão pode ser sentida permitindo a introdução de um instrumento tipo K nos 8 e 10. Esse terceiro canal na raiz mesial é chamado de intermediário ou intermédio. Algumas vezes para se
conseguir acessá-lo é necessário a remoção da parede mesial da câmara pulpar. Outras vezes pode ser identificado durante o preparo dos canais principais pela presença de um ponto de sangramento (Fig. 7-36). Fabra-Campos12 efetuou um estudo com 760 primeiros molares inferiores onde encontrou 20 dentes com um terceiro canal na raiz mesial, dando uma incidência de 2,6%. Nesses 20 dentes, 13 canais intermediários (65%) uniam-se com o canal mesiovestibular no segmento apical e em 6 (30%) com o mesiolingual. Em somente uma raiz o canal intermediário manteve sua individualidade, terminando em um forame apical separadamente. Esse autor notou que o canal intermediário não tem um curso claramente definido na radiografia e oscila entre os canais mesiovestibulares e mesiolinguais. No entanto, pode ter um orifício definido na câmara pulpar e preparado individualmente. Kimura e Matsumoto25 abordando estudos anteriores de molares inferiores com três canais distais relataram um caso de 1o molar inferior com uma raiz mesial e duas distais perfazendo o total de cinco canais radiculares (dois canais mesiais e três distais). Esse elemento dentário se apresentava com tratamento endo-
Figura 7-36. Primeiro molar inferior com insucesso do tratamento endodôntico, apresentando três canais na raiz mesial. Nota-se ao MO a presença do orifício do canal intermediário. (Gentileza de Cristina Musso.)
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dôntico com insucesso e presença de lesão periapical crônica e, de acordo com esses autores, demonstra a importância da detecção e do saneamento de todos os canais radiculares para a obtenção do sucesso do tratamento endodôntico.
Considerações Finais O tratamento endodôntico, que tem como finalidade precípua a perfeita obliteração do sistema de canais radiculares, começa pela abertura coronária e envolve diferentes fases, sendo todas de igual importância e dependentes do bom êxito das que as antecedem. Vários autores7,10,19,40 têm demonstrado que a imagem da anatomia radicular como tendo um canal cilindrocônico, com uma abertura apical, é menos real do que a que mostra a presença de canais cilíndricos com curvaturas, embolsamentos, intercomunicações, canais acessórios e múltiplas foraminas. Portanto, ao intervir, o clínico deve considerar essas variações como anatomia normal, pela persistência de sua ocorrência. O objetivo principal do acesso coronário e radicular é obter uma linha reta da superfície oclusal ao segmento apical do canal para que os instrumentos endodônticos passem através da câmara e da parte reta do canal sem sofrer deformação elástica ou plástica. Isso não é sempre possível por causa da relação coroa-raiz, mas o acesso reto à primeira curvatura do canal deve ser tentado tanto quanto possível para que o operador tenha maior controle e percepção tátil dos instrumentos manuais na região mais crítica do canal, o segmento apical. A instrumentação dos molares, tanto superiores quanto inferiores, é muitas vezes frustrante, por apresentar canais curvos, atresiados e com pequena conicidade, dificultando o tratamento endodôntico. Interferências coronárias na embocadura dos canais mesiais restringem o movimento dos instrumentos endodônticos e interferem no controle e percepção tátil delas no segmento apical24,27,28,32,40. É que o estímulo da ação de contato e atrito dentário durante a mastigação produz processo de deposição progressiva de dentina nas paredes laterais da câmara pulpar, especialmente contra as faces proximais, dificultando a abordagem de canais em dentes bi ou multirradiculares, induzindo Pucci e Reig40 a enfatizarem o valor do desgaste compensatório já em 1945. Kuttler27, em 1960, indicava a extensão do acesso coronário em sentido inverso ao da curvatura do canal para a obtenção de maior retificação do mesmo e prevenção do alargamento imperfeito do seu eixo terminal, desviando-o e impossibilitando sua correta obturação.
Figura 7-37. Desgaste compensatório da cavidade pulpar e dos canais radiculares (desgaste anticurvatura) dos molares inferiores. Nota-se o desgaste das paredes proximais preservando a região de furca (zonas de perigo da raiz).
A ampliação do segmento cervical antes da completa instrumentação apical deve ser realizada para prevenir acidentes operatórios. Com a introdução do alargador Gates-Glidden no preparo dos canais radiculares feita por Schilder43, em 1974, ficaram mais fáceis a ampliação e a limpeza do segmento cervical, auxiliando consequentemente a instrumentação do segmento apical. Ainda como medida de prevenção de acidentes, Abou-Rass et al.1, em 1980, introduziram uma manobra de instrumentação anticurvatura, realizada pelo alargador Largo, que se mostrou excelente auxiliar do preparo, ampliação e retificação do segmento cervical (Fig. 7-37).
UTILIZAÇÃO DO MICROSCÓPIO OPERATÓRIO E PONTAS DE ULTRASSOM NA ABERTURA CORONÁRIA E LOCALIZAÇÃO DOS CANAIS RADICULARES Em 1977, Baumann, médico otorrinolaringologista e cirurgião-dentista, publicou na literatura mundial o primeiro relato sobre as possibilidades de utilização clínica do Microscópio Cirúrgico (MC), também chamado Microscópio Operatório (MO), na Odontologia35. Na Endodontia foi introduzido por Carr5, em 1992, sendo indicado para o reconhecimento da forma da cavidade pulpar, localização dos orifícios de entrada dos canais radiculares, identificação de calcificações pulpares, observação de bifurcações radiculares, septos ou istmos e canais laterais. Esse aparelho possui magnificações variadas de acordo com os diferentes modelos e marcas do merca-
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do, com intensa iluminação35 oferecida por uma lâmpada halógena de pelo menos 150W, com intensidade regulável e controlada por meio de um reostato. Essa luz é coaxial, isto é, paralela à linha de visão, permitindo ao operador observar o campo operatório sem sombras e manter os olhos em repouso, como se observasse o infinito, o que permite intervenções prolongadas sem fadiga ocular41. Com relação à magnificação, o aumento mínimo será de 2,5× a 8× e servirá para observar um campo operatório amplo. O aumento médio irá de 8× a 16× e será utilizado para um trabalho de precisão. O maior aumento irá desde 16× até o máximo de 32× a 40× e está indicado para a observação de detalhes mais refinados, perdendo, porém, em profundidade de campo41. Ao nível de procedimentos clínicos, geralmente trabalhamos nos aumentos intermediários usando os maiores para verificação dos trabalhos, pois as referências anatômicas são facilmente perdidas em aumentos muito grandes. O microscópio operatório tem proporcionado ao operador condições para visualização do campo operatório (cavidade pulpar), facilitando a localização da embocadura dos canais radiculares (Fig. 7-38). Os canais atresiados são mais facilmente localizados com o emprego do MO, pontas ativadas com ultrassom e soluções irrigadoras como o hipoclorito de sódio. Sob a luz coaxial do MO, verifica-se o diferencial de cor, entre a dentina original e a calcificada, como também o efeito de efervescência (bolhas de champagne), “teste da bolha”, em função da ação da solução de hipoclorito de sódio dissolvendo os tecidos orgânicos presentes nos canais adicionais41. Para a manipulação desses canais com o uso do microscópio operatório precisamos lançar mão de instrumentos adequados. Assim, para a manipulação microcirúrgica, têm sido introduzidos vários instrumen-
tos microcirúrgicos como os insertos ultrassônicos. A utilização do binômio microscópio-insertos, ou pontas de ultrassom, tem-se mostrado eficaz sob magnificação53 em virtude de não interferir na iluminação e visibilidade, o que ocorre com as brocas devido à cabeça de alta rotação e ou da peça de mão. O desgaste ultrassônico, no entanto, deve ser realizado sem irrigação para não impedir a visão do operador e em curtos períodos para que o aumento de temperatura advindo desse uso não promova alterações nas estruturas de suporte do dente41. Esses insertos ultrassônicos, ainda, proporcionam maior segurança garantindo menor risco de perfurações. São necessários também espelhos de superfície plana para uma visão mais acurada. Existem no comércio pontas ativadas pelo ultrassom de diferentes marcas usadas na Endodontia. Para abordagem de calcificações, Puente e Saavedra41 indicam: Satelec ET40, ET-40D e Pro-Ultra Endo 3, 4 e 5 e as desenvolvidas por Gary Carr: Slim-Jim SJ-4, UT-4, Ponta Troughing, Ponta Enac Ball Diamond, CT-4 e a CT-4D, as quais são de alta resistência ao desgaste e fratura. A localização do canal mesiovestibular pode ser feita com pontas ultrassônicas, como a CPR-2C (Spartan, Inc., Fenton) sob magnificação 12X53, ou a Enac Ball Diamond ou CKT 2 – D Carr Diamond Killer Tip, dentre outras. Encontramos, no comércio brasileiro com facilidade, as pontas ultrassônicas Dental Trinks, que são de baixo custo e universais e necessitam de adaptadores para as diferentes marcas de aparelhos de ultrassom. Para uso em câmaras pulpares apresentam-se como: TU 15 C (haste policurva – 27mm) e TU 16 C (haste policurva – 32mm) para remoção de interferências na entrada do canal; TU 24 (alisamento), indicada para alisamento e remoção de interferências e TU 27 (esférica) indicada para canais atresiados e localização do quarto canal em molares superiores (canal MV2).
Figura 7-38. Abertura de molar inferior. MO antes e após seu término, mostrando três canais na raiz mesial. (Gentileza de Cristina Musso.)
Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
O MO além de oferecer magnificação (ampliação) e iluminação, permite a documentação clínica, porque facilita a obtenção e armazenamento de imagens conseguidas durante os procedimentos. As câmaras digitais de fotografia possuem saídas para vídeo que permitem sua conexão aos monitores e observação nos mesmos da imagem focalizada pelo MO. A focalização da imagem através do monitor para fotografia oferece maior precisão em função de seu tamanho e permite ao operador observar os procedimentos clínicos, sem ter o olho fixado nas oculares, facilitando também sua comunicação com o paciente41.
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Capítulo 7 Anatomia Interna, Cavidade de Acesso e Localização dos Canais
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Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
Capítulo
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José Freitas Siqueira Jr. Isabela das Neves Rôças Hélio Pereira Lopes
Como abordado no Capítulo 2, existem diversos tipos de patologia pulpar e perirradicular. Entretanto, uma visão mais abrangente direcionada à filosofia de tratamento revela que, na prática clínica diuturna, o profissional pode se deparar basicamente com três condições endodônticas que requerem tratamento – polpas vitais, polpas necrosadas e casos de retratamento (Fig. 8-1). O sucesso do tratamento endodôntico de-
pende do reconhecimento das peculiaridades de cada uma dessas condições. A diferença fundamental entre elas reside no fato de que os casos de polpa necrosada e de retratamento são caracterizados pela presença de infecção, enquanto os de polpas vitais são livres de infecção. Para que um elevado índice de sucesso de magnitude similar seja obtido para essas condições deve-se reconhecer que medidas terapêuticas diferenciadas de-
Figura 8-1. As três condições clínicas básicas: Polpa vital (biopulpectomia), onde não há infecção e o sucesso depende da sua prevenção; Polpa necrosada (necropulpectomia), onde há infecção intrarradicular primária e o sucesso depende não só da prevenção, mas também do controle da infecção existente; retratamento devido a fracasso anterior, onde há infecção persistente ou secundária do canal e o sucesso também depende da prevenção e controle da infecção.
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vem ser instituídas. Em outras palavras, o tratamento para tais condições deve ser calcado em estratégias diferentes, se esperado o mesmo índice de sucesso. Este capítulo discute os aspectos filosóficos que norteiam a tomada de decisão e o tratamento dessas condições, além de oferecer protocolos de atendimento com base em evidências científicas que garantem uma alta taxa de sucesso.
TRATAMENTO DE DENTES POLPADOS – BIOPULPECTOMIA Define-se biopulpectomia como a remoção da polpa normal ou inflamada; portanto, apresentando vitalidade. Esse procedimento microcirúrgico tem sua indicação primordial nos casos de pulpite irreversível, sintomática ou assintomática ou, ainda, onde houve fracasso do tratamento conservador (capeamentos indireto e direto ou pulpotomia). Entretanto, existem situações clínicas em que a polpa, apesar de estar clinicamente normal, necessitará ser removida, principalmente em dentes que serão submetidos a procedimentos periodontais, protéticos ou cirúrgicos, quando então o tratamento endodôntico passa a ser de fundamental importância dentro do plano de tratamento global do paciente. Essa situação é definida como biopulpectomia eletiva. Do ponto de vista periodontal, a biopulpectomia está indicada para dentes portadores de defeitos ósseos angulares profundos, onde serão realizadas técnicas periodontais regenerativas (enxerto ósseo, regeneração tecidual guiada) ou nos casos onde será realizada a remoção de uma raiz de dentes multirradiculares. Do ponto de vista protético, a biopulpectomia eletiva está indicada nos casos de dentes que serão retentores protéticos e onde os procedimentos para a obtenção do paralelismo levarão a uma grande perda dentinária, podendo, inclusive, haver a exposição pulpar. Uma segunda indicação será para dentes que necessitam da colocação de um retentor intrarradicular. Do ponto de vista cirúrgico, a biopulpectomia eletiva está indicada em casos de procedimento cirúrgico em que a intervenção envolverá o ápice radicular, ou suas proximidades, de um dente com polpa viva. Para prevenir o desconforto pós-operatório e futuras complicações realiza-se a biopulpectomia profilática.
Micro-organismos e polpa Embora agentes físicos e químicos possam ser os responsáveis por uma inflamação pulpar, em geral ela
não irá persistir, porque tais estímulos também não são usualmente persistentes. Na realidade, micro-organismos e seus produtos representam o principal fator causador de agressões ao tecido pulpar. Do ponto de vista epidemiológico, tal fator pode ser agravado em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, tendo em vista a grande incidência da cárie dentária. A simples difusão dos produtos bacterianos pelos túbulos dentinários é suficiente para desencadear um processo inflamatório pulpar, ou seja, a polpa se inflama antes mesmo de sua franca exposição15,114. (Para revisão mais detalhada ver o Capítulo 2.) Mesmo quando há exposição da polpa à cavidade oral (por cárie ou outros fatores), enquanto permanecer vital, a polpa consegue se defender da invasão bacteriana por meio da inflamação. A infecção se restringe à superfície exposta do tecido, ao nível da câmara pulpar; mais profundamente, a polpa dos canais radiculares e os tecidos perirradiculares não estarão infectados, mas normais ou apenas inflamados178. No que tange à filosofia de tratamento, a biopulpectomia assume um caráter profilático, pois visa essencialmente à prevenção do desenvolvimento de uma lesão perirradicular. Uma polpa inflamada irreversivelmente é removida para prevenir a necrose e infecção subsequentes, sendo então substituída pela obturação do sistema de canais radiculares. Uma vez exposta por cárie, a polpa sofre inflamação de caráter irreversível que requer intervenção mais invasiva no tecido para remoção da parte afetada (Fig. 8-2). Em casos de exposição por cárie, o capeamento direto está contraindicado. Pelo menos uma parte dessa polpa exposta deverá ser excisada. Tem sido demonstrado que quanto maior a quantidade de tecido pulpar excisado, maior será a chance de sucesso do tratamento. Assim, a curetagem pulpar, na qual apenas uma porção da polpa é excisada nas proximidades da área de exposição, oferece um índice de sucesso menor do que a pulpotomia, onde toda a polpa coronária é removida, que, por sua vez, oferece um índice de sucesso menor do que a biopulpectomia, onde além da polpa coronária também a radicular será excisada187. Isso se justifica pelo fato de que quanto maior a parte de tecido pulpar removida, maior será a margem de segurança quanto à probabilidade de removermos a porção tecidual afetada em decorrência da agressão microbiana direta oriunda da exposição por cárie. Assim, a remoção de uma polpa vital e a realização de um correto tratamento endodôntico apresentam aspectos favoráveis no que diz respeito ao processo de reparação tecidual, tendo em vista a ausência de
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micro-organismos no interior do sistema de canais radiculares. Além desse importante aspecto, a reparação também estará favorecida se não forem empregadas substâncias citotóxicas durante a realização do tratamento, as quais são representadas pela substância química auxiliar, medicamentos empregados durante as sessões operatórias e materiais obturadores. Em resumo, o sucesso do tratamento endodôntico em dentes polpados está na dependência direta de dois fatores básicos: a não introdução de bactérias no sistema de canais radiculares (assepsia) e a não utilização de substâncias com alto poder citotóxico que poderiam desencadear ou manter uma inflamação nos tecidos perirradiculares.
Assepsia Das mais de 700 espécies bacterianas que têm sido encontradas na cavidade oral, cada indivíduo pode abrigar 100 a 200 em sua boca101. A grande maioria das bactérias orais pode agir como patógenos oportunistas desde que existam condições predisponentes. Como os pro-
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Figura 8-2. Exposição pulpar. A e B. Uma vez exposta por cárie, a polpa sofre inflamação de caráter irreversível em profundidade imprevisível, requerendo intervenção mais invasiva no tecido para remoção da parte afetada. C. Em caso de exposição traumática, dependendo do tempo de exposição à cavidade oral, o capeamento pulpar direto pode ser realizado com uma maior margem de sucesso. (Gentileza do Dr. Ricardo Carvalhaes Fraga.)
cedimentos endodônticos são realizados nesse ambiente com alto risco de contaminação, cabe ao profissional estar bastante alerta e utilizar estratégias bem definidas para não levar esses micro-organismos para o interior do sistema de canais radiculares, ao mesmo tempo em que deve se empenhar para eliminar os já existentes na porção superficial do tecido pulpar exposto. Nesse ponto seria desnecessário enfatizar o papel da esterilização de todo o instrumental a ser empregado, como o material clínico, instrumentos endodônticos, canetas, micromotores, brocas etc., de preferência em autoclave. O primeiro passo para se evitar a contaminação do campo operatório é o preparo do dente que vai receber o tratamento. A remoção total de cárie, placa bacteriana, cálculo, hiperplasias gengivais invaginadas nas destruições coronárias e a reconstrução da porção dentária perdida, por exemplo, são medidas preventivas que irão propiciar uma melhor condição de assepsia antes do início do tratamento178 (Fig. 8-3A). Após o preparo do dente, procede-se à antissepsia da cavidade bucal por meio de bochecho com solu-
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ção antisséptica, como, por exemplo, uma solução de digluconato de clorexidina a 0,12% por 1 minuto. Em sequência se aplica o isolamento absoluto do campo operatório, o qual é o conjunto formado pelo lençol de borracha, grampo e arco, sendo extremamente vantajoso para o profissional e paciente, uma vez que permite o trabalho em um campo seco com melhor visão, com menor risco de contaminação, com maior proteção para os tecidos adjacentes (gengiva, bochecha, língua) contra a ação de medicamentos e soluções irrigadoras, torna o trabalho mais rápido e mais cômodo e evita a aspiração ou sucção, pelo paciente, de qualquer tipo de substância ou instrumento. Com base em todas essas vantagens, infere-se que a utilização do isolamento absoluto é imprescindível durante a execução do tratamento endodôntico. Quando da impossibilidade de isolar o dente, o tratamento está contraindicado. Após a aplicação do isolamento absoluto e antes de qualquer procedimento endodôntico, procede-se à descontaminação do campo operatório, incluindo dente, grampo e lençol de borracha, por meio do uso de uma gaze ou algodão embebido em peróxido de hidrogênio a 3% seguido pela aplicação de álcool iodado a 5%, clorexidina a 2% ou hipoclorito de sódio a 2,5%178 (Fig. 8-3B). Após o preparo da cavidade de acesso e a remoção da polpa coronária, deve-se proceder a uma profusa irrigação da câmara pulpar com solução de hipoclorito de sódio na concentração de 2,5%. Esse procedimento não apenas promove a remoção de restos pulpares e de coágulos sanguíneos (limpeza e prevenção do escurecimento da coroa), como também permite combater a possível infecção da superfície do tecido pulpar (desinfecção).
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Outro aspecto de grande relevância para manutenção da cadeia asséptica é evitar a contaminação da parte dos instrumentos endodônticos estéreis que será introduzida no canal, pelo toque intencional ou acidental com os dedos. Isso pode veicular bactérias contaminantes da luva para o interior do canal, gerando potencial para uma infecção secundária. Além disso, tocar a parte ativa de um instrumento que já foi levado ao canal incorre em risco de contaminação do profissional em caso de acidente perfurante com o instrumento. Assim, existem dispositivos e/ou manobras especiais que permitem o profissional pré-encurvar o instrumento ou introduzi-lo em um contra-ângulo sem a necessidade do toque com os dedos na parte do instrumento que penetrará no canal. A biopulpectomia deve ser considerada como um ato cirúrgico e, como tal, requer cuidados de assepsia durante todo o tratamento e uma técnica adequada para que bons resultados sejam alcançados178.
Preservando os tecidos perirradiculares Partindo-se do pressuposto que a infecção superficial foi combatida após a remoção da polpa coronária, o profissional deve ter em mente que a biopulpectomia é um procedimento cirúrgico que mesmo realizado com os rigores de uma técnica adequada vai produzir inflamação no tecido adjacente à polpa que foi extirpada. A gravidade do processo inflamatório é proporcional ao trauma causado aos tecidos; quanto maior a intensidade da injúria, mais grave será a intensidade da resposta inflamatória167. Portanto, todos os procedimentos clínicos devem ser realizados com o intuito de minimizar essa inflamação e, ao mesmo tempo, manter a normalidade dos tecidos vivos remanescentes.
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Figura 8-3. Medidas essenciais para prevenção da infecção endodôntica – Assepsia. A. Remoção de placa previamente ao isolamento absoluto. B. Após a aplicação do isolamento absoluto, o campo operatório, incluindo dente, lençol de borracha e grampo, deve ser limpo e descontaminado.
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Escolha do instrumento para o corte do tecido Durante os últimos anos, muitos foram os instrumentos endodônticos desenvolvidos. Porém, todos foram projetados com o intuito de melhorar suas propriedades mecânicas para cortar e modelar as paredes dentinárias ao mesmo tempo em que nenhum fabricante se preocupou em desenvolver um instrumento que se adaptasse aos problemas de ordem biológica quando da realização do tratamento endodôntico178. Alguns estudos avaliaram o tipo de ferida tecidual produzido após o corte da polpa, como a lima Hedstrom, o alargador, o extirpa-nervo etc. Tais estudos demonstraram que nenhum instrumento foi superior ao outro no que diz respeito à resposta dos tecidos perirradiculares à excisão pulpar84,95,134. Além disso, um corte bem-feito e a posterior remoção total da polpa só são possíveis em canais que tenham amplos diâmetros. Em canais atresiados, a polpa é removida aos pedaços, por fragmentação durante a realização do preparo químico-mecânico propriamente dito. A verdade é que, até os dias de hoje, o profissional não dispõe de um instrumento eficiente e atraumático que propicie o corte e a remoção do tecido pulpar de forma controlada178. Feitos o corte e a remoção da polpa, o preparo químico-mecânico deve ser feito, de preferência, na mesma sessão operatória. A presença de remanescentes teciduais por períodos mais longos no interior do sistema de canais radiculares sem qualquer medicação pode predispor à dor pós-operatória e à infecção secundária do canal.
Escolha da solução irrigadora Sob as condições de uso clínico, as soluções de hipoclorito de sódio (NaOCl) não apresentam grandes preocupações devido ao seu potencial citotóxico demonstrado em laboratório58. Uma vez confinada ao canal durante a irrigação, a solução irrigadora apenas entra em contato com uma área mínima de tecido ao nível do forame apical e de eventuais ramificações. Além disso, por permanecerem no canal por um período curto, as soluções de NaOCl não produzem grandes danos aos tecidos. Na verdade, o NaOCl é a solução eleita para casos de biopulpectomia por apresentar capacidade solvente de matéria orgânica, o que auxilia na limpeza do sistema de canais radiculares, e por ter atividade antimicrobiana que ajuda a manter o canal em condições assépticas, evitando os riscos de infecção secundária transoperatória. Livre de microorganismos, os tecidos perirradiculares irão se reparar
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normalmente após a conclusão da terapia endodôntica, a despeito de uma irritação efêmera em uma pequena área tecidual causada pelo NaOCl.
Escolha da medicação intracanal Após a realização do preparo químico-mecânico em dentes polpados, duas são as opções de tratamento: a obturação do sistema de canais radiculares na mesma sessão operatória e a colocação de uma medicação intracanal, postergando-se a conclusão do tratamento para uma segunda sessão. O tratamento em sessão única em casos de biopulpectomia é um procedimento que apresenta muito mais vantagens do que desvantagens, tanto para o profissional como para o paciente, tais como: economia de tempo e de material descartável, maior produtividade e início imediato dos procedimentos restauradores39. Além disso, tal tratamento vem-se tornando um fato rotineiro, principalmente quando os fatores habilidade do profissional, ergonomia na sua execução e aceitação pelo paciente permitirem a sua realização39,186. O fato de que na biopulpectomia a polpa se encontra inflamada, mas não infectada, permite a conclusão do tratamento em sessão única, não havendo necessidade de se empregar um medicamento entre as consultas para auxiliar na desinfecção do canal. Por outro lado, quando a biopulpectomia estiver indicada em dentes portadores de pulpite aguda e sintomatologia perirradicular, em canais atresiados e/ou calcificados ou em raízes com curvaturas abruptas, o procedimento em sessão única talvez deva ser substituído pelo tratamento em duas sessões, em função das dificuldades inerentes ao fato que acarretaria um aumento no processo inflamatório perirradicular no primeiro caso ou um tempo muito longo para sua realização nas outras situações mencionadas. Na impossibilidade de se completar o tratamento em sessão única após a biopulpectomia e o preparo químico-mecânico do sistema de canais radiculares, a ausência de uma medicação intracanal pode acarretar o retardo do processo de reparo em razão da persistência de um processo inflamatório na região perirradicular63. Portanto, faz-se necessário o emprego de uma substância que, além de ser biocompatível com os tecidos vivos remanescentes, controle a intensidade do processo inflamatório decorrente do trauma cirúrgico do corte e remoção da polpa e preparo químico-mecânico e que previna a infecção do canal durante o período entre as consultas138. Deve-se optar por uma associação corticosteroide-antibiótico, quando o canal não foi
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Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
totalmente instrumentado, e por uma pasta de hidróxido de cálcio, quando o preparo estiver concluído. Uma vez que nos casos de biopulpectomia não há infecção do canal, pode-se optar pelo emprego de veículos inertes para o hidróxido de cálcio, como a água destilada, o soro fisiológico, a solução anestésica ou a glicerina. Se houver disponibilidade de tempo e não houver suspeita de quebra da cadeia asséptica, procede-se à obturação imediata do sistema de canais radiculares. Em casos de biopulpectomia, essa é a conduta ideal, uma vez que não estamos lidando com um processo infeccioso no canal e, quanto mais rápido o tratamento for concluído, menor o risco de haver uma infecção secundária do canal, o que colocaria em risco o sucesso da terapia. Nos casos em que há suspeita de quebra da cadeia asséptica está indicado o emprego de medicação intracanal com pasta de hidróxido de cálcio em um veículo biologicamente ativo, como o paramonoclorofenol canforado (pasta HPG) ou a clorexidina.
Perspectivas O desenvolvimento de técnicas de regeneração pulpar, inclusive envolvendo células-tronco, tem sido objeto de foco por agências de fomento à pesquisa norte-americanas, contando com um número crescente de pesquisadores envolvidos nesses projetos. Essas técnicas visam à reparação de forma previsível das polpas acometidas por inflamação atualmente considerada irreversível (exposição por cárie) ou mesmo à indução da formação de uma nova polpa após a necrose ou remoção para tratamento prévio91. Contextualmente, considerando-se que a Endodontia essencialmente visa à prevenção e ao tratamento da patologia perirradicular, a principal vantagem de o endodontista se envolver com procedimentos que regenerem de forma previsível polpas expostas por cárie ou que levem à formação de nova polpa seria a prevenção da patologia perirradicular, uma vez que ela não se forma quando da presença de uma polpa sadia, logo não infectada, no canal, mantendo a saúde perirradicular da melhor forma possível. Os avanços das pesquisas nessa área oferecem um futuro promissor para a Endodontia regenerativa.
TRATAMENTO DE DENTES DESPOLPADOS – NECROPULPECTOMIA E RETRATAMENTO Enquanto a polpa dental se mantiver vital, inflamada ou não, uma infecção no sistema de canais radi-
culares não se estabelece, o que é prevenido pela capacidade de defesa do tecido pulpar. Todavia, se a polpa se tornar necrosada, independentemente da causa, uma infecção irá se instalar no sistema de canais radiculares mais cedo ou mais tarde, uma vez que a capacidade de defesa tecidual foi perdida em decorrência da necrose. O risco de infecção do canal também é grande quando a polpa foi removida para tratamento, principalmente quando o canal se encontra vazio por algum motivo ou inadequadamente preenchido (obturado). Contudo, salienta-se que mesmo alguns casos de canais bem obturados podem abrigar uma infecção que usualmente é a causa da manutenção de uma lesão perirradicular que leva à necessidade de retratamento. Micro-organismos colonizando o canal radicular representam o principal fator etiológico das patologias perirradiculares (Fig. 8-4). Conceitualmente, doenças infecciosas (como as lesões perirradiculares) apenas são tratadas com sucesso por meio da eliminação dos micro-organismos causadores. É nesse contexto que se insere o tratamento de dentes despolpados, ou seja, além da importância de se prevenir a introdução de novos micro-organismos no interior do sistema de canais radiculares, deve-se eliminar a infecção endodôntica ou reduzi-la significativamente para que o tratamento (ou retratamento) logre êxito. Assim, uma vez que as lesões perirradiculares têm etiologia infecciosa, prevenir e tratar a infecção endodôntica é a principal tarefa do profissional que pratica a Endodontia, seja consciente ou inconscientemente, direta ou indiretamente. Para efeito de tratamento deve-se considerar todo dente contendo polpa necrosada como infectado, independentemente da detecção radiográfica de uma al-
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Figura 8-4. Lesão perirradicular. Micro-organismos colonizando o sistema de canais radiculares exercem papel essencial na etiologia dessa doença. A. Radiografia de um dente com lesão perirradicular. B. Eletromicrografia de um dente extraído com lesão aderida à porção radicular apical.
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teração patológica perirradicular. Em alguns casos de dentes com polpa necrosada sem lesão perirradicular diagnosticada radiograficamente, o aparecimento da lesão é apenas questão de tempo. Em outros, a lesão pode estar presente, mas ainda não acarretou destruição óssea suficiente para que fosse discernida radiograficamente14. Assim, o tratamento desses casos de dentes com polpa necrosada sem lesão perirradicular aparente deverá ser o mesmo dos dentes onde a lesão é visível na radiografia. Esse tratamento deverá estar voltado primordialmente para a erradicação da infecção intrarradicular.
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Figura 8-5. Eletromicrografia de um agregado de células fúngicas colonizando as paredes do canal radicular.
Infecções endodônticas As patologias pulpares e perirradiculares são usualmente de natureza inflamatória e de etiologia microbiana. Micro-organismos e seus produtos exercem um papel significativo na indução e, principalmente, na perpetuação de tais doenças16,69,88,181. Enquanto na necropulpectomia o endodontista lida com a infecção primária do canal, no retratamento o profissional lidará com uma infecção persistente ou secundária, que é a principal causa do fracasso do tratamento (ver Capítulo 17). Cada um desses tipos de infecção apresenta suas peculiaridades já destacadas no Capítulo 4, sendo as principais características resumidas a seguir. Mais de 400 espécies bacterianas diferentes, muitas potencialmente patogênicas, têm sido isoladas de canais radiculares infectados, usualmente em combinações de 10 a 30 espécies na infecção primária, com grande prevalência das anaeróbias estritas154. Já nas infecções persistentes ou secundárias, usualmente se encontra uma a cinco espécies, com predomínio de anaeróbias facultativas156. Estudos empregando métodos de cultura para anaeróbios ou metodologia avançada de biologia molecular têm revelado que os gêneros de bactérias anaeróbias estritas mais prevalentes em infecções primárias são Treponema, Tannerella, Fusobacterium, Dialister, Prevotella, Porphyromonas, Parvimonas, Peptostreptococcus, Pseudoramibacter, Eubacterium e Actinomyces1012,31,50,66,117,119,154,165,180,203 . Algumas espécies aeróbias ou anaeróbias facultativas também têm sido encontradas em canais radiculares, muita das vezes associadas a infecções persistentes ou secundárias, as quais podem comprometer o sucesso da terapia endodôntica. Dentre essas destacam-se Streptococcus, Enterococcus faecalis e Pseudomonas aeruginosa86,109,118,125,155,182,206. Além disso, em casos de infecções persistentes ou secundá-
rias, fungos, mormente do gênero Candida, podem ser encontrados168,194 (Fig. 8-5). E. faecalis, Candida albicans e P. aeruginosa podem apresentar resistência a substâncias usadas durante o tratamento, como o hidróxido de cálcio. Como essas espécies são mais encontradas em infecções persistentes ou secundárias, elas podem ter um tratamento mais dificultado e, teoricamente, requerem estratégias antimicrobianas especiais para o combate à infecção. Algumas escolas preconizam o tratamento diferenciado para as três condições: polpa viva (sem infecção), polpa necrosada (com infecção primária) e retratamento (com infecção persistente ou secundária) (Fig. 8-1). Nessas escolas são preconizados: a) sessão única para casos de polpa viva; b) duas sessões usando hidróxido de cálcio com veículo inerte nos casos de polpa necrosada; c) hidróxido de cálcio com veículo inerte em várias sessões com trocas ou em duas sessões substituindo o veículo inerte por um biologicamente ativo (paramonoclofenol canforado, clorexidina ou iodeto de potássio iodetado) nos casos de retratamento. Tal filosofia é baseada no grau de complexidade que a condição de infecção do canal impõe. No nosso caso específico, embora reconhecidas as diferenças essenciais de infecção entre as três condições, recomendamos: a) sessão única para dentes com polpa viva; b) duas sessões com pasta de hidróxido de cálcio em veículo biologicamente ativo nos casos infectados (necrose pulpar e retratamento). Assim, independentemente do tipo de infecção, utilizamos protocolo eficaz sobre os casos de infecção mais difíceis de tratar (persistentes/secundárias).
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Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
Anatomia da infecção O clínico deve conhecer como a infecção se estabelece no local a ser tratado para que seja instituída uma terapia adequada. Para maior entendimento, destaca-se aqui como a infecção está distribuída espacialmente nos dentes com polpa necrosada (infecção primária). Nos casos de infecção persistente ou secundária, onde o canal já foi submetido a intervenção profissional, o mesmo padrão de colonização bacteriana pode ser basicamente esperado, sendo, entretanto, a população bacteriana na luz do canal principal bastante reduzida ou ausente em casos onde o tratamento foi bem efetuado. Na infecção primária, a maioria das células microbianas se encontra em suspensão nos fluidos presentes na luz do canal principal94 (Fig. 8-6). Entretanto, agregados microbianos são usualmente visualizados coloni-
zando as paredes dentinárias do canal, formando estruturas organizadas na forma de biofilmes160 (Figs. 8-7 e 8-8). Além disso, a infecção pode se propagar para túbulos dentinários e para variações da anatomia interna, as quais consistem mais em regra do que em exceção, mormente no terço apical do canal129,160 (Figs. 8-6E e 8-9). Um estudo demonstrou que, em mais da metade dos casos de dentes com lesão perirradicular associada, foram detectadas bactérias profundamente na dentina radicular, próximo ao cemento106. As espécies bacterianas encontradas em maior prevalência nos túbulos dentinários pertenciam aos gêneros Actinomyces, Peptostreptococcus, Veillonella, Eubacterium, Fusobacterium, Propionibacterium, Prevotella, Porphyromonas e Streptococcus. Reconhecendo-se o papel de micro-organismos na indução e na perpetuação das lesões pulpares e pe-
Figura 8-6. Seções histopatológicas de um dente de cão com infecção endodôntica induzida. A. Presença de extenso infiltrado inflamatório apical. O canal radicular e os túbulos dentinários estão densamente infectados. B a E. Maiores aumentos do detalhe em A. B. Colonização bacteriana da parede dentinária e do tecido necrosado na luz do canal. C. Células bacterianas colonizando o tecido pulpar necrosado na luz do canal. D. Células bacterianas aderidas à parede do canal e também invadindo túbulos dentinários. E. Células bacterianas invadindo profundamente os túbulos dentinários e atingindo o cemento (cem).
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Figura 8-7. Biofilme espesso aderido às paredes do canal mesial de um primeiro molar inferior com lesão perirradicular associada. Notar o acúmulo de neutrófilos na região da luz do canal próxima ao biofilme. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
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Figura 8-8. Infecção primária do canal. A e B. Eletromicrografias da parede do canal recoberta por biofilme bacteriano. Notar material amorfo com células bacterianas embebidas. (Gentileza dos Drs. José F. Siqueira Jr. e Hélio R. Sampaio Filho.) C e D. Infecção mista do canal, evidenciada pela presença de cocos, bacilos e espirilos colonizando as paredes do canal radicular. (Reproduzido de Siqueira et al.160, com permissão da editora.)
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B
Figura 8-9. Propagação da infecção do canal radicular para o interior dos túbulos dentinários. A. Dentina radicular evidenciando a invasão bacteriana intratubular. B. Maior aumento.
rirradiculares, sintomáticas ou não, torna-se evidente a necessidade de se prevenir e de se controlar a infecção endodôntica, visando ao reparo das estruturas perirradiculares e ao restabelecimento da função dentária normal e da saúde bucal. Essa é a base sólida na qual se fundamenta a Endodontia contemporânea. Tendo isso em mente, é imperioso ressaltar que o sucesso do tratamento de dentes despolpados (necropulpectomia ou retratamento) dependerá não somente da prevenção da infecção endodôntica, que, como na biopulpectomia, assume extrema importância, mas também da eliminação ou da máxima redução possível de bactérias no interior do sistema de canais radiculares. Estudos22,70,171,173,189 demonstraram que a resposta tecidual perirradicular e, por conseguinte, o índice de sucesso do tratamento endodôntico de dentes com polpa necrosada e lesão perirradicular podem ser significativamente elevados quando a infecção endodôntica é erradicada. Em geral, a infecção endodôntica possui algumas peculiaridades que a diferem de outras infecções em outras partes do organismo. Uma vez instalada, ela não é passível de remissão espontânea pela ação dos mecanismos de defesa do hospedeiro e tampouco pode ser tratada por antibioticoterapia sistêmica. Isso é justificado pelo fato de que o canal com a polpa necrosada (necropulpectomia) ou previamente tratado (retratamento) é desprovido de vasos sanguíneos que possam transportar células e moléculas de defesa, assim como antibióticos, para o sítio infectado. Destarte, micro-organismos presentes na infecção do canal radicular se encontram alojados em um “santuário” privilegiado, sem o acesso dos mecanismos intrínsecos ou extrínsecos de combate a uma infecção, os
quais são apenas eficazes em impedir a disseminação da infecção, mas não em eliminá-la. Em razão da localização anatômica da infecção endodôntica, ela apenas pode ser tratada por meios químicos e mecânicos, representados pela intervenção profissional. Assim, o tratamento endodôntico apresenta três etapas principais de combate à infecção: o preparo químico-mecânico, a medicação intracanal e a obturação do sistema de canais radiculares137.
Controle da infecção – efeito do preparo químico-mecânico Durante o preparo químico-mecânico, limas endodônticas promovem a remoção mecânica de microorganismos, seus produtos e tecidos degenerados, auxiliadas por uma substância química que, além de maximizar a remoção de detritos através da ação mecânica do fluxo e refluxo, também pode exercer um efeito químico significativo, desde que possua ação antimicrobiana e solvente de matéria orgânica140.
Ação mecânica Mesmo quando não se emprega uma solução irrigadora dotada de atividade antibacteriana, a ação mecânica da instrumentação e da irrigação é suficiente para eliminar uma quantidade substancial de micro-organismos e de tecido degenerado do interior do sistema de canais radiculares5,24,28,65,148. Todavia, a eliminação total de bactérias não é observada na maioria dos casos. Ingle e Zeldow65 verificaram que, imediatamente após a instrumentação e irrigação com água destilada, 80% dos canais radiculares
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
inicialmente infectados apresentaram culturas positivas. No início da segunda sessão, 48 horas depois da instrumentação, esse número aumentou para 95,4%. Byström e Sundqvist24, utilizando solução salina durante a instrumentação, verificaram que o número de células bacterianas no canal pode ser reduzido em 100 a 1.000 vezes, mas todos os canais apresentaram cultura positiva após uma sessão de instrumentação. Recapitulando a instrumentação em sessões sucessivas foi possível obter culturas negativas apenas nos casos com baixo número pré-operatório de bactérias. A infecção persistiu principalmente nos dentes que apresentavam um elevado número de bactérias na amostragem inicial. Dalton et al.28 também utilizaram solução salina como irrigante em duas técnicas de instrumentação, uma com limas de níquel-titânio (NiTi) acionadas a motor e a outra com limas de aço inoxidável manuais. Apesar da alta redução no número de bactérias observada após uma sessão de instrumentação, apenas 28% dos dentes apresentaram cultura negativa e nenhuma diferença significante foi observada entre as duas técnicas. Em estudo in vitro, Siqueira et al.148 avaliaram a capacidade da instrumentação e da irrigação de reduzir mecanicamente a população bacteriana do canal radicular. As técnicas de instrumentação empregadas foram a de Movimentos Contínuos de Rotação Alternada (MRA), das limas Greater Taper e do Sistema Profile 0,06 Series 29. Os autores relataram que as técnicas e os instrumentos utilizados foram eficazes em reduzir significativamente o número de bactérias no canal radicular. Uma vez que soluções irrigadoras com atividade antibacteriana não foram empregadas, tal efeito foi exclusivamente dependente da ação mecânica dos instrumentos e da irrigação. Infere-se, então, que a ação mecânica da instrumentação e da irrigação exerce um papel de destaque na eliminação da infecção instalada no sistema de canais radiculares. O estudo de Siqueira et al.148 também revelou que, a cada troca sequencial de instrumentos para um maior calibre, a redução da população bacteriana foi significativamente maior quando comparada com a lima anterior. Tal achado indica que quanto mais amplo for o preparo do canal, maior também será a eliminação de bactérias do seu interior, o que foi corroborado por Rollison et al.120, em um estudo também in vitro. Na prática clínica, o diâmetro final do preparo do canal dependerá do volume radicular e da presença de curvaturas. Instrumentos rotatórios e manuais confeccionados a partir de uma liga de NiTi
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A
B
Figura 8-10. O preparo do canal deve ser suficientemente amplo para incorporar irregularidades anatômicas, o que é mais fácil de se obter em canais com secção transversal circular (A) do que oval ou achatada (B).
podem alargar canais curvos a diâmetros dificilmente alcançados por instrumentos de aço inoxidável, com um risco muito menor de acidentes transoperatórios. Preparos suficientemente amplos podem incorporar irregularidades anatômicas e permitir uma remoção substancial de irritantes do interior do sistema de canais radiculares136 (Fig. 8-10). Além disso, preparos amplos permitem uma melhor irrigação do terço apical dos canais3,113. Um estudo revelou que o índice de sucesso do tratamento endodôntico foi maior em canais instrumentados com limas manuais de NiTi do que os preparados com limas de aço inoxidável108. Isso pode ser provavelmente explicado pela maior capacidade das limas de NiTi de manter a forma original do canal, sem desvios, e devido ao fato de permitirem um maior alargamento do canal com consequente maior redução do número de micro-organismos. A Fig. 8-11 exibe sugestão para calibres mínimos de ampliação no comprimento de trabalho para cada canal com base no conceito de instrumentação planejada.
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Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
Figura 8-11. Conceito de instrumentação planejada para servir como guia de calibres mínimos de ampliação do canal no comprimento de trabalho.
Ação química Como já aclarado, apesar de a ação mecânica promover redução significativa do número de bactérias do canal radicular, a eliminação total dificilmente é observada5,24,28,65,148. Bactérias remanescentes no sistema de canais radiculares podem sobreviver em número suficiente para comprometer o sucesso da terapia endodôntica135. Assim, torna-se evidente a necessidade da utilização de soluções irrigadoras (substância química auxiliar) e de medicamentos dotados de atividade antibacteriana durante a execução do tratamento endodôntico. Em 1915, Dakin27 propôs o emprego do hipoclorito de sódio (NaOCl) a 0,5% para a antissepsia de feridas. Posteriormente, Coolidge, em 191926, introduziu tal substância na Endodontia para a irrigação de canais radiculares. Walker, em 1936191, sugeriu o emprego de soluções mais concentradas de NaOCl na irrigação de canais, introduzindo assim a soda clorada. Desde então, o NaOCl é a substância química auxiliar mais empregada no tratamento endodôntico de dentes com necrose pulpar, em concentrações variando entre 0,5 e 5,25%. Essa substância possui atividade antibacteriana rápida e pronunciada contra uma gama variada de micro-organismos, inclusive bactérias comumente isoladas de infecções endodônticas123,130,141,151,190 (Fig. 8-12). Em estudo in vitro, Siqueira et al.151 investigaram a capacidade do NaOCl a 4%, usado em três métodos de irrigação, de eliminar E. faecalis do interior de canais radiculares. Mais da metade dos espécimes, independentemente do método de irrigação emprega-
do, resultou em culturas negativas. Contrariamente, todos os espécimes do grupo-controle, irrigados com solução salina, apresentaram culturas positivas. Embora o efeito mecânico da irrigação possa contribuir significativamente para a redução da população bacteriana no canal, os achados desse estudo sugerem que o emprego de uma solução irrigadora dotada de atividade antibacteriana se faz necessário para potencializar a desinfecção do sistema de canais radiculares. Siqueira et al.158 avaliaram a redução da população bacteriana intracanal produzida pela instrumentação e irrigação com soluções de NaOCl a 1%, 2,5% ou 5,25%. Como controle, empregou-se solução salina como irrigante. Todas as soluções promoveram redução significativa no número de células bacterianas no canal. Não houve diferença significante entre as três concentrações de NaOCl utilizadas. Todavia, todas as soluções de NaOCl foram significativamente mais eficazes do que a solução salina, fato esse que realça a importância do efeito químico, além do mecânico (Fig. 8-13). Esses resultados quanto à atividade antibacteriana e os de Baumgartner et al.9 quanto à capacidade solvente de matéria orgânica indicam que trocas regulares da solução no canal e irrigações copiosas mantêm as propriedades das soluções no interior do canal, compensando os efeitos da concentração. Siqueira et al.164 compararam a eficácia de duas técnicas de instrumentação associadas a diferentes métodos de irrigação em reduzir a população bacte-
Figura 8-12. Atividade antibacteriana de diferentes concentrações de hipoclorito de sódio contra Prevotella nigrescens. Notar os halos de inibição crescentes de acordo com a concentração, i.e., quanto maior a concentração, maior o halo.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
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Sessão única versus duas sessões
Figura 8-13. Comparação da eficácia de diferentes concentrações de hipoclorito de sódio na redução (%) da população bacteriana em canais radiculares. Não foi observada diferença significativa entre as três concentrações, mas todas foram significativamente mais eficazes que a solução salina. (Dados segundo Siqueira et al.158.)
riana intracanal. Canais inoculados com E. faecalis foram preparados com as seguintes técnicas e soluções irrigadoras: técnica MRA usando limas NiTi e irrigação com NaOCl a 2,5%; MRA e irrigação alternada com NaOCl a 2,5% e ácido cítrico a 10%; MRA e irrigação alternada com NaOCl a 2,5% e gluconato de clorexidina a 2%; e técnica das limas Greater Taper rotatórias usando NaOCl a 2,5% como irrigante. Controles foram instrumentados pela técnica MRA, utilizando-se solução salina como irrigante. Amostras foram coletadas dos canais antes e depois do preparo químico-mecânico, diluídas e plaqueadas para contagem das unidades formadoras de colônias. Todas as técnicas de instrumentação e irrigantes reduziram significativamente a população bacteriana dentro do canal radicular. Não houve diferenças marcantes entre os grupos experimentais. Todavia, todos os grupos foram significativamente mais eficazes do que o grupo-controle onde a solução salina foi usada como irrigante (Fig. 8-14). Tais resultados confirmaram a importância do emprego de substâncias irrigadoras dotadas de atividade antimicrobiana durante o preparo químico-mecânico. Esse estudo também demonstrou que técnicas rotatórias não são mais eficazes do que técnicas manuais em eliminar micro-organismos do interior do sistema de canais radiculares. Além disso, o uso combinado de outros irrigantes com o NaOCl não potencializou a redução bacteriana induzida por essa substância quando usada isoladamente na irrigação.
O tratamento endodôntico efetuado em sessão única apresenta algumas prováveis vantagens para o profissional e o paciente. Além de poupar tempo, o que é bastante desejável nos dias atuais, previne a contaminação (dentes polpados) e a recontaminação (dentes despolpados) que pode ocorrer entre as sessões de tratamento. Como já discutido, em casos de tratamento de dentes polpados (biopulpectomia), o tratamento em sessão única deve ser executado quando o fator tempo, a habilidade do operador, as condições anatômicas e o material disponível assim o permitirem. Por outro lado, a obturação imediata em casos de dentes despolpados, com uma infecção endodôntica estabelecida e lesão perirradicular associada ou não, representa ainda um motivo de controvérsias entre os autores186. Dois fatores são críticos quando se considera o tratamento em sessão única de dentes despolpados: a incidência de sintomatologia pós-operatória e o sucesso a longo prazo da terapia. Observando a incidência de sensibilidade pós-operatória após tratamentos endodônticos realizados em sessão única ou múltiplas, a maioria dos estudos atesta que não há diferenças significantes40,185. Entretanto, além da avaliação do desenvolvimento de sintomatologia após o tratamento de dentes despolpados em sessão única, um fator de extrema relevância deve ser levado em consideração – o sucesso a longo prazo do tratamento, ou seja, a capacidade de o tratamento restabelecer a saúde dos tecidos perirradiculares por criar um ambiente propício para a reparação óssea de uma lesão perirradicular. Por ambiente propício se entende aquele livre de micro-organismos e outros irritantes persistentes, similar ao ambiente observado em casos de dentes polpados e capaz
Figura 8-14. Redução do número de células bacterianas de canais radiculares após preparo químico-mecânico utilizando diferentes instrumentos e soluções irrigadoras (médias antes e depois, em números logarítmicos). (Dados segundo Siqueira et al.164.) Cac, ácido cítrico; chlor, clorexidina; GT, limas Greater Taper acionadas a motor.
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Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
de levar ao sucesso em quase 100% dos casos. A busca de um protocolo de tratamento que permita restabelecer esse ambiente favorável ao reparo perirradicular deve ser a máxima que norteia a Endodontia atual. Na verdade, tanto na Medicina quanto na Odontologia, o sucesso a longo prazo é o parâmetro mais importante pelo qual as modalidades de tratamento são comparadas. Deve-se oferecer ao paciente o tratamento que apresenta uma maior probabilidade de resultar em sucesso a longo prazo. Poucos estudos avaliaram o sucesso a longo prazo da terapia endodôntica em dentes portadores de necrose pulpar realizada em sessão única. A maioria tem sido calcada em critérios pouco rígidos e mal definidos. As falhas mais comuns se referem a reduzidos períodos de prosservação; não diferenciação de condições patológicas (polpa viva, necrose com ou sem lesão); tratamentos sem padronização; múltiplos operadores com óbvias variações de habilidade; estudos retrospectivos e não prospectivos; e critérios não rígidos para determinar o que representa o sucesso. Um estudo bem controlado e delineado por Sjögren et al.171 revelou resultados relativamente desalentadores para o tratamento em sessão única de canais infectados. Esses autores investigaram o papel da infecção no sucesso da terapia endodôntica concluída em sessão única. Todos os canais (n = 53) estavam infectados antes do tratamento, e o percentual de sucesso foi investigado após acompanhamento de 5 anos. Em 44 casos (83%), as lesões desapareceram completamente. Em nove (17%), houve fracasso da terapia endodôntica. Desses nove que fracassaram, sete apresentaram cultura positiva antes da obturação. Esse índice de sucesso obtido em sessão única (83% dos casos) pode ser considerado baixo quando comparado ao de outro estudo de Sjögren et al.173, onde os canais de dentes despolpados tratados em múltiplas sessões, quando obturados no limite de 0 a 2mm do ápice radiográfico, resultaram em um índice de sucesso de 94% dos casos. Em um estudo histológico em dentes de cães, Katebzadeh et al.70 avaliaram o reparo de lesões perirradiculares após o tratamento endodôntico efetuado em uma ou duas sessões. Os canais foram irrigados com solução salina e no grupo de duas sessões foi utilizada medicação com hidróxido de cálcio. Após 6 meses, a análise histológica revelou que houve significativamente menos inflamação perirradicular no grupo tratado em duas sessões. Em outro estudo também em cães71, mas realizando análise radiográfica do sucesso, os mesmos autores revelaram melhores resultados também para o grupo de duas sessões, o qual apresentou um significa-
tivo menor número de casos que fracassaram (15,8%) do que o grupo de sessão única (41,2%). Tais achados em cães foram corroborados por vários outros estudos similares61,80,133 (Fig. 8-15). Analisando o sucesso do tratamento endodôntico em pacientes humanos por meio de um estudo multicêntrico prospectivo, Friedman et al.46 revelaram que dentes com canais radiculares infectados apresentaram um índice de sucesso 9% maior quando tratados em múltiplas sessões do que quando tratados em sessão única. Em outro estudo clínico, Trope et al.189 compararam radiograficamente o sucesso de dentes tratados em sessão única ou em duas sessões. Todos os tratamentos foram efetuados pelo mesmo operador, empregando sempre a mesma técnica de instrumentação e o mesmo tipo de substância química auxiliar (NaOCl a 2,5%). No grupo de duas sessões, o hidróxido de cálcio foi a medicação utilizada por no mínimo uma semana. A prosservação de 1 ano revelou um índice de sucesso de 64% dos casos concluídos em sessão única e 74% para o efetuado em duas sessões. A ação desinfetante adicional da medicação intracanal elevou em 10% o índice de sucesso do tratamento. Tal diferença foi considerada clinicamente relevante. Assim, com base em estudos clínicos randomizados, pode-se inferir que o tratamento efetuado em uma ou mais sessões utilizando uma pasta de hidróxido de cálcio como medicamento oferece um índice de sucesso 10 a 20% maior do que o efetuado em sessão única87,171,173,189 (Fig. 8-16). Entretanto, outros estudos mostraram praticamente ausência de diferença percentual104 ou mesmo uma taxa de sucesso 10% maior com sessão única (Fig. 8-16). Sathorn et al.127 tentaram realizar uma revisão sistemática da literatura lidando com esse assunto e, em 2005, ano de publicação do artigo, só conseguiram incluir três artigos que se qualificaram em seus critérios105,189,200. Os dados para análise foram limitados e não permitiram maiores conclusões entre um método e outro, havendo a necessidade de outros estudos com maior número de amostras para se alcançar uma posição definida. Em decorrência, enquanto estudos bem realizados com elevado número de amostras não forem disponibilizados, o bom senso deve prevalecer no sentido de que se deve optar por protocolos que previsivelmente eliminem a causa de lesões perirradiculares. Em outras palavras, protocolos com comprovada eficácia antimicrobiana demonstrada por estudos clínicos randomizados devem ser utilizados para o tratamento ou retratamento de dentes com lesões perirradiculares.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
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Figura 8-15. Reparação perirradicular em cães após tratamento em uma ou duas consultas. A. Radiografia quando da conclusão dos tratamentos de dentes com lesão induzida. B e C. Espécimes obturados em sessão única. Notar intenso infiltrado inflamatório e reabsorção radicular. D. Espécime tratado em duas sessões com pasta HPG ou E, com óleo ozonizado. Ambos demonstram reparo perirradicular compatível com o sucesso do tratamento. (Dados extraídos de Silveira et al.133.)
Figura 8-16. Dados de estudos comparando o índice de sucesso do tratamento endodôntico efetuado em uma ou mais consultas.
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Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
Meta: protocolo que previsivelmente proporcione cultura negativa Embora substâncias irrigadoras antimicrobianas aumentem significativamente a eliminação bacteriana de canais, estudos clínicos demonstram que, em cerca de 40 a 60% dos casos, bactérias sobrevivem aos efeitos do preparo químico-mecânico independentemente da solução ou concentração empregada23,77,83,100,131,147,152,171. Muitas das bactérias residuais estão destinadas a morrer, ou pela exposição a um material obturador dotado de atividade antibacteriana, ou por serem confinadas ao interior do canal, ficando desprovidas de nutrientes139. Contudo, em alguns casos, bactérias podem sobreviver mesmo a despeito de uma obturação adequada do canal radicular, obtendo nutrientes e sobrevivendo em número suficiente para perpetuar uma lesão perirradicular. Isso está claramente comprovado por inúmeros estudos demonstrando que o índice de sucesso de dentes com canais obturados na presença de níveis detectáveis de bactérias cultiváveis (cultura positiva) é significativamente menor do que em casos de cultura negativa32,38,59,171,192 (Fig. 8-17). Em outras palavras, a presença de bactérias no canal no momento da obturação é um importante fator de risco para o fracasso da terapia. É evidente que a redução da população bacteriana dos canais radiculares promovida pelo preparo químico-mecânico é na maioria das vezes suficiente para permitir que os mecanismos de reparo dos tecidos perirradiculares tenham efeito. Contudo, a perpetuação de processos patológicos perirradiculares causada pela persistência de uma infecção endodôntica vai depender do acesso dessas bactérias aos tecidos perirradiculares, da resistência do hospedeiro, da virulência e do núme-
ro de micro-organismos envolvidos. O alojamento de bactérias no interior de irregularidades do sistema de canais radiculares impede o acesso das células inflamatórias e imunológicas de defesa ao sítio infeccioso. Assim, como bactérias remanescentes em localidades anatômicas inacessíveis aos instrumentos e à substância química auxiliar representam um potencial para o fracasso a longo prazo do tratamento endodôntico, medidas adicionais que envolvam o controle desse processo infeccioso (por eliminação ou máxima redução de micro-organismos) devem ser empregadas durante a execução da terapia em dentes despolpados. No presente momento, apenas a medicação intracanal com determinadas substâncias químicas pode ser eficaz nesse sentido. Como já aclarado, nos casos de biopulpectomia, a opção pela obturação imediata do canal radicular após o preparo químico-mecânico deve ser feita sempre que possível. Essa conduta se baseia no fato de o canal estar originalmente livre de bactérias, desde que a cadeia asséptica tenha sido mantida pelo profissional durante os procedimentos intracanais. Assim, não há razão aparente para não se concluir o tratamento em sessão única, mesmo nos casos de pulpite irreversível sintomática, pois, uma vez removida a polpa, há remissão dos sintomas. Por outro lado, em casos de necrose pulpar e de retratamento, mormente quando há associação com lesões perirradiculares, o canal deve ser obturado em uma segunda sessão, após a permanência de uma medicação intracanal antimicrobiana. Tal opção, como já esclarecido, baseia-se em fundamentos científicos e não na opinião clínica de alguns. Deve-se ter em mente que todo e qualquer procedimento clínico deve ser fundamentado por achados científicos sérios e consolidados,
Figura 8-17. Dados de estudos comparando o índice de sucesso de dentes obturados com cultura do canal positiva ou negativa para bactérias.
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
não por suposições, o que não significa ser “teórico”, “ortodoxo” e/ou “conservador”, mas sim responsável, consciente e bem informado. É imperioso salientar que a medicação intracanal, assim como qualquer outro procedimento, não irá esterilizar o canal. Embora esse seja o ideal a ser alcançado, o objetivo viável a ser atingido na realidade clínica é a máxima redução das populações bacterianas a um nível (limiar) que seja compatível com o reparo perirradicular. Baseado em estudos clínicos randomizados, esse limiar pode ser interpretado como o número de células bacterianas aquém daquele necessário para ser detectado pelo método de cultura (cultura negativa). Isso não significa que o clínico deva realizar a cultura no consultório, mas sim se basear na literatura científica para utilizar protocolos clínicos que previsivelmente promovam um elevado índice de culturas negativas antes da obturação. É aparentemente óbvio que, no futuro, o tratamento endodôntico em sessão única poderá ser uma realidade, mesmo em dentes despolpados. As pesquisas aparentemente caminham para a descoberta de medidas que permitirão esse tratamento. Por enquanto, o protocolo de tratamento que oferece uma previsível eliminação bacteriana, a ponto de atingir elevados índices de cultura negativa antes da obturação, envolve a aplicação de uma medicação intracanal.
Controle da infecção – efeito da medicação intracanal Embora uma redução considerável no número de células bacterianas da luz do canal principal possa ser obtida pelos efeitos químico e mecânico da instrumentação e da irrigação, bactérias podem permanecer viáveis em regiões inacessíveis a eles. Enquanto menores irregularidades anatômicas possam ser incorporadas no preparo, áreas como reentrâncias, istmos, ramificações laterais e apicais e túbulos dentinários podem abrigar bactérias que, uma vez não eliminadas, põem o resultado do tratamento em risco116. Essas áreas não são comumente afetadas por instrumentos e a substância química auxiliar empregada na irrigação não terá tempo de ação intracanal suficiente para agir em profundidade6,35,93,140,196,207 (Figs. 8-18 a 8-21). Por permanecer um tempo mais prolongado no canal radicular, um medicamento intracanal dotado de ação antibacteriana tem mais chances de atingir áreas não afetadas pela instrumentação do canal. Assim, exercendo sua ação antibacteriana, pode contribuir decisivamente para a máxima redução da microbiota endodôntica. Possivelmente, por potenciali-
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zar essa redução, o emprego de curativos intracanais está diretamente relacionado com uma melhor reparação dos tecidos perirradiculares e, consequentemente, com um maior índice de sucesso da terapia endodôntica22,62,70,79,133,189. Desde sua introdução por Hermann, em 192060, o hidróxido de cálcio tem sido amplamente usado em Endodontia como um medicamento intracanal, por possuir atividade antibacteriana pronunciada, a qual é ditada pela sua elevada alcalinidade21,149. Entretanto, seus efeitos são altamente dependentes da disponibilidade de íons hidroxila em solução. Meios de cultura (em testes in vitro), fluidos teciduais e a dentina (esses em testes in vitro com dentes extraídos e in vivo – condição clínica) possuem substâncias tamponadoras que podem limitar a ação antibacteriana do hidróxido de cálcio por impedirem um aumento significativo no pH55,57,112,142,144,149,197. Essa afirmativa é reforçada por numerosos estudos que avaliaram a capacidade de o hidróxido de cálcio desinfetar os túbulos dentinários34,56,96,124,142,179,199 e a sua atividade inibitória por meio do teste de difusão em ágar1,30,144. Haapasalo e Orstavik56 observaram que uma pasta à base de hidróxido de cálcio (Calasept, Swedia, Knivsta, Suécia) falhou em eliminar, mesmo superficialmente, células de E. faecalis dentro dos túbulos da dentina. Safavi et al.124 relataram que células de Enterococcus faecium permaneceram viáveis no interior de túbulos dentinários após tratamento com uma pasta de hidróxido de cálcio em solução salina por períodos relativamente longos. Siqueira e Uzeda142 verificaram que a pasta de hidróxido de cálcio em solução salina foi ineficaz em eliminar E. faecalis e Fusobacterium nucleatum no interior de túbulos dentinários, mesmo após uma semana de exposição. Contrariamente, a pasta de hidróxido de cálcio e PMCC efetivamente eliminou bactérias nos túbulos após uma hora de exposição, com exceção do E. faecalis, para o qual foi necessário um dia. Em estudo posterior, Estrela et al.34 avaliaram a atividade antibacteriana da pasta de hidróxido de cálcio em solução salina no interior de túbulos dentinários experimentalmente infectados com E. faecalis, Staphylococcus aureus, Bacillus subtilis, Pseudomonas aeruginosa ou com uma mistura dessas bactérias. A pasta foi ineficaz para desinfetar os túbulos mesmo após uma semana de contato. Tais achados e os de outros estudos subsequentes179,199 confirmaram que a pasta de hidróxido de cálcio em veículo inerte é ineficaz para desinfetar a dentina pelo menos após única aplicação. Estudos clínicos têm demonstrado que, em média, 20 a 30% dos canais ainda apresentam micro-organismos viáveis após medicação com hidróxido de cálcio em um veículo inerte7,97,115,131,147 (Fig. 8-22). Além dos efeitos da
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Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
B
A
D C
F
E
Figura 8-18. Eletromicrografias evidenciando canal de dente extraído com lesão associada após preparo com limas do Sistema ProTaper. O retângulo maior em A é visto em maior aumento em B, evidenciando área de confluência dos canais e permanência de detritos dentinários. O retângulo menor em A é visto em maior aumento em C e revela uma irregularidade na parede do canal. Maior aumento do detalhe em C revela a presença de colônias bacterianas compostas por bacilos e filamentos formando um biofilme na porção mais apical do canal radicular (D a F).
Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
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Figura 8-21. Bactérias infectando túbulos dentinários em toda a extensão da dentina e atingindo o cemento. Nessa região, não são afetadas pelo preparo químico-mecânico.
Figura 8-19. Áreas do sistema de canais radiculares não tocadas pelos instrumentos. Canal recorrente e uma ramificação intercanais na raiz mesial do molar inferior.
Figura 8-20. Áreas do sistema de canais radiculares não tocadas pelos instrumentos. Ramificação intercanais comunicando os canais mesiais e gerando outra ramificação que forma um terceiro forame.
dentina, de matéria orgânica e de fluidos teciduais que podem tamponar o pH do hidróxido de cálcio e assim reduzir sua eficácia, alguns micro-organismos, como E. faecalis e C. albicans, os quais estão comumente associados ao fracasso endodôntico86,102,109,118,155,168,182, são resistentes ao efeito antimicrobiano pH-dependente do hidróxido de cálcio21,56,142,193,195, o que se deve a mecanismos regulatórios que controlam e mantêm o pH interno da célula próximo da neutralidade, a despeito de alterações significativas no meio circundante4,18,36,98. Em 1966, Frank44 preconizou a utilização do paramonoclorofenol canforado (PMCC) como veículo para o hidróxido de cálcio em casos de apicificação. Vários estudos utilizando diferentes metodologias demonstraram que a pasta de hidróxido de cálcio com PMCC apresenta excelente atividade antibacteriana e antifúngica30,142-144,149,162,163. Em suma, a pasta de hidróxido de cálcio com PMCC e glicerina (HPG) apresenta um excelente raio de atuação, amplo espectro de atividade antibacteriana, rapidez na destruição de células bacterianas, retarda a reinfecção do canal quando da microinfiltração pelo selador temporário e é biocompatível, propriedades essas atestadas por vários trabalhos47,53,64,79,133,142-144,150,152,159,162,163,184 (Fig. 8-23). Outros medicamentos, como a clorexidina e o iodeto de potássio iodetado, também apresentam um bom potencial para uso como medicação intracanal. Usados isoladamente ou associados ao hidróxido de cálcio, ambos atendem aos requisitos de atividade antimicrobiana satisfatória associada a baixa toxicidade37,51,52,111,170,193. Todavia, ainda carecem de
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Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
Figura 8-22. Dados de estudos revelando a incidência de culturas negativas do canal após instrumentação e medicação com hidróxido de cálcio em veículo inerte.
mais estudos laboratoriais e clínicos antes que se estabeleçam como medicamentos intracanais de eleição durante o tratamento de dentes despolpados. Por sua vez, os bons resultados apresentados pela associação do hidróxido de cálcio com a clorexidina (HCx) em vários estudos clínicos recentes82,104,153,205 permitem considerar essa pasta uma boa opção de medicação intracanal durante o tratamento de dentes despolpados (Fig. 8-23).
Controle da infecção – efeito da obturação Canais radiculares são usualmente obturados utilizando-se um material sólido (geralmente a gutapercha e mais recentemente o Resilon) associado a um plástico (os cimentos endodônticos). Tem sido demonstrado que a guta-percha apresenta atividade antibacteriana, a qual talvez seja atribuída ao componente de óxido de zinco presente nos cones89,90. Todavia, tal atividade é pouco provável de ter algum valor no interior do sistema de canais radiculares devido à solubilidade muito baixa do cone, impedindo a liberação de componentes com potencial antimicrobiano em concentração suficiente para exercer tal efeito. O mesmo é válido para os cones de guta-percha que
Figura 8-23. Dados de estudos clínicos demonstrando a eficácia da medicação intracanal, principalmente com HPG ou HCx, em diminuir a incidência de culturas positivas em relação ao preparo químico-mecânico.
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possuem hidróxido de cálcio ou clorexidina em sua composição. Além da quantidade de hidróxido de cálcio ser baixa no cone para exercer efeito antimicrobiano desejado quando de sua utilização na obturação definitiva de canais, a liberação de hidróxido de cálcio iria requerer a solubilização do cone, o que acarretaria perda de estrutura, prejudicando o selamento do canal, função primária da obturação. Dessa forma, a adição de substâncias com atividade antimicrobiana aos cones de guta-percha, além de não apresentar benefícios aparentes, tem ainda o potencial de prejudicar a performance do material. A maioria dos cimentos endodônticos apresenta atividade antimicrobiana antes de endurecerem, mas grande parte perde essa propriedade após o endurecimento. Uma vez que a atividade antimicrobiana dos principais cimentos endodônticos não é pronunciada e é efêmera1,2,145,146, é altamente improvável que colaborem na eliminação de micro-organismos que sobreviveram aos efeitos do preparo químico-mecânico e da medicação intracanal (se foi usada). Na realidade, canais desinfetados devem ser selados tridimensionalmente, eliminando-se o espaço vazio que teria o potencial de ser infectado ou reinfectado. Além disso, por meio de um selamento tridimensional abrangendo os aspectos apical, lateral e coronário do sistema de canais radiculares, a obturação pode confinar micro-organismos residuais ao interior do canal, impedindo seu egresso aos tecidos perirradiculares. A eficácia de tal sepultamento microbiano vai depender do número de micro-organismos remanescentes no canal. Em geral, isso pode ser aquilatado pelos resultados da cultura. Casos de cultura negativa podem apresentar números muito baixos e não detectáveis de bactérias cultiváveis no canal, que podem talvez ser sepultadas de forma eficaz pela obturação. Casos de cultura positiva apresentam maior índice de fracasso32,38,59,171,192 (Fig. 8-17), o que demonstra que o sepultamento não funciona bem em casos com maior número de bactérias residuais. Isso reforça a necessidade de usar protocolos que previsivelmente forneçam culturas negativas antes da obturação. O selamento tridimensional do sistema de canais radiculares também previne a recontaminação do canal por micro-organismos da saliva, além de impedir a infiltração de fluidos teciduais para o interior do canal, negando substrato para micro-organismos sobreviventes. Destarte, infere-se que a função crítica primordial da obturação é essencialmente atuar como uma barreira física à infecção ou reinfecção do sistema de canais radiculares.
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O sistema de canais radiculares usualmente possui uma anatomia complexa, ditada pela presença de reentrâncias, saliências, istmos, ramificações apicais e laterais, além de outras irregularidades. Tem sido sugerido por alguns que tais áreas são difíceis de selar quando da utilização de técnicas convencionais de obturação, como a técnica de compactação lateral. Com base nessa premissa, técnicas de termoplastificação da guta-percha têm sido preconizadas com a justificativa que permitem uma obturação mais homogênea e um melhor preenchimento de irregularidades do sistema de canais radiculares, quando comparadas à compactação lateral20,128. Todavia, tem sido exaustivamente demonstrado que nenhuma técnica contemporânea de obturação e nenhum material obturador podem promover um selamento absoluto contra a microinfiltração19,29,45,54,72,110,126,157,161,166. Até o momento, nenhum estudo clínico bem controlado demonstrou definitivamente que as técnicas de guta-percha termoplastificada oferecem um maior índice de sucesso do tratamento endodôntico quando comparadas à compactação lateral107. Aliás, deve-se ter em mente que a observação de que o material obturador (guta-percha e/ou cimento) foi forçado para variações anatômicas não necessariamente implica que o sistema de canais radiculares esteja apropriadamente limpo, desinfetado, selado e protegido dos riscos de infecção ou reinfecção (Fig. 8-24). Na verdade, a grande vantagem das técnicas de termoplastificação da guta-percha reside na obturação de canais
A
B
Figura 8-24. Radiografias evidenciando a obturação de uma ramificação associada à lesão perirradicular lateral (A) e de ramificações e deltas apicais (B). A obturação de ramificações é importante do ponto de vista de preenchimento de espaço, embora a mera visualização da ocorrência de tais puffs de cimento não seja garantia de desinfecção adequada e tampouco de selamento do canal.
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Capítulo 8 Fundamentação Filosófica do Tratamento Endodôntico
radiculares com anatomia aberrante, como nos casos de reabsorção interna e de deformidades do preparo.
Otimização da desinfecção pós-preparo Uma vez que o preparo químico-mecânico usando hipoclorito de sódio ou clorexidina como substância química auxiliar não é capaz de atingir a meta ideal – obtenção de cultura negativa –, de forma previsível na maioria dos casos, torna-se necessária a utilização de uma estratégia pós-preparo para a otimização da desinfecção, o que pode ser feito usando: a) Manobra de efeito mediato. Consiste no emprego de uma medicação intracanal entre as consultas, que deve permanecer no canal idealmente por 7 dias. Tal manobra tem sua eficácia comprovada por inúmeros estudos, incluindo experimentos clínicos randomizados. Por tal razão, compreende a manobra de escolha para tratamento de dentes despolpados (necropulpectomia e retratamento), como extensamente já discutido. b) Manobras de efeito imediato. Essas manobras visam à maximização dos efeitos do preparo imediatamente após a conclusão do mesmo, tentando evitar a necessidade de medicação intracanal, para que o tratamento possa ser realizado em sessão única com alta incidência de culturas negativas no ato da obturação e, assim, com maior potencial de sucesso. Tentativas de se aplicar após o preparo o NaOCl a 5,25% por 30 minutos com trocas a cada 5 minutos83 ou o hidróxido de cálcio172 por 10 minutos no canal não resultaram em efeitos antibacterianos adicionais significativos na redução das populações bacterianas. Assim, outras manobras têm sido sugeridas para tal, algumas com resultados promissores in vitro e outras com apenas resultados clínicos incipientes. As principais estratégias propostas serão discutidas a seguir. Salienta-se, entretanto, que todas elas se encontram ainda no campo experimental, cujos resultados ainda não permitem que sejam consideradas substitutas para uma medicação com pasta de hidróxido de cálcio em PMCC/glicerina ou clorexidina entre as consultas. As manobras imediatas mais promissoras com potencial futuro de substituir a medicação intersessões incluem as seguintes: a) irrigação final com solução de clorexidina; b) irrigação final com MTAD; c) irrigação final com iodeto de potássio iodetado;
d) ativação sônica ou ultrassônica do hipoclorito de sódio; e) laser e terapia fotodinâmica. Todas devem ser empregadas após a conclusão do preparo e da remoção da smear layer.
a) Irrigação final com solução de clorexidina Estudos não têm revelado diferenças significantes entre a eficácia antimicrobiana do NaOCl e da clorexidina utilizados como substância química auxiliar durante o preparo33,67,169. Por possuir ação solvente de matéria orgânica, propriedade não compartilhada pela clorexidina e que pode auxiliar na limpeza do sistema de canais radiculares9,92, o NaOCl continua sendo a solução de escolha para a irrigação durante o preparo. No entanto, a clorexidina possui substantividade, ao contrário do NaOCl, o que faz com que sua eficácia possa durar por dias a semanas no canal8,74,78,81,121,198,201,204. Para aproveitar tais efeitos, tem sido recomendado o uso do NaOCl durante o preparo e, após a remoção da smear layer, a realização de irrigação com clorexidina a 2%, a qual é então deixada no canal por até 5 minutos188. Embora aparentemente promissora, não existem estudos clínicos atestando a eficácia dessa estratégia.
b) Irrigação final com MTAD O MTAD (Biopure, Dentsply, Tulsa, OK, EUA) é um produto comercial para irrigação de canais e consiste em uma Mistura de um isômero da Tetraciclina (doxiciclina), Ácido cítrico e um Detergente (Tween 80). O MTAD tem um baixo pH2,15 devido à presença do ácido cítrico e é recomendado para irrigação final do canal após o emprego do NaOCl para remoção da smear layer. A tetraciclina presente, além de participar da remoção da porção inorgânica da smear layer por quelar cálcio, também tem efeitos antibacterianos sobre grande parte dos patógenos endodônticos. A forma de utilização proposta é irrigação do canal com NaOCl a 1,3% durante o preparo químico-mecânico seguido de irrigação final com MTAD, o qual é deixado no canal por 5 minutos183. Uma vez que é capaz de quelar cálcio, espera-se um efeito antibacteriano residual da tetraciclina no canal, em virtude de sua ligação à dentina, que poderia perdurar por dias e eliminar a necessidade de uma medicação intracanal. Um estudo revelou que a substantividade antibacteriana do MTAD à dentina foi superior à da clorexidina a 2% e durou cerca de 28 dias85. Não existem ainda estudos clínicos demonstran-
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do a eficácia antibacteriana do MTAD para reduzir o número de culturas positivas após o preparo de forma que elimine a necessidade de uma medicação entre as consultas.
c) Irrigação final com iodeto de potássio iodetado No iodeto de potássio iodetado (IPI), o iodeto de potássio é usado para dissolver o iodo na água, mas a atividade antimicrobiana é creditada ao último, enquanto o primeiro não apresenta tal propriedade. Peciuliene et al.103 utilizaram o IPI a 2% por 5 minutos póspreparo em canais submetidos a retratamento e verificaram redução no número de culturas positivas. Kvist et al.77, em dentes com infecção primária, demonstraram que o IPI a 5% deixado no canal por 10 minutos após o preparo químico-mecânico com NaOCl como irrigante reduziu o número de culturas positivas de 62 para 29%. A medicação intersessões com hidróxido de cálcio em veículo inerte reduziu o número de culturas positivas de 64 para 36%77. A avaliação do sucesso a longo prazo da maioria desses mesmos dentes não evidenciou diferenças significativas, embora o grupo tratado com hidróxido de cálcio tenha apresentado 10% a mais de sucesso87.
Figura 8-25. Sistema sônico EndoActivator.
d) Ativação sônica ou ultrassônica do hipoclorito de sódio Alguns autores recomendam a inundação do canal com NaOCl após o término do preparo e da remoção da smear layer e ativação dessa substância por meio de aparelhos sônicos ou ultrassônicos. O sistema EndoActivator (Dentsply Tulsa Dental, Tulsa, OK, EUA) consiste em um contra-ângulo sônico e pontas de plástico de calibres variáveis desenvolvido por Clifford Ruddle para energizar substâncias, como o NaOCl, no canal e criar um fenômeno hidrodinâmico que teoricamente maximizaria os efeitos antibacterianos dessa substância122 (Fig. 8-25). Contudo, o sistema é ainda muito recente e não existem estudos in vitro ou in vivo avaliando a sua real eficácia. Já o emprego do ultrassom é bastante difundido na Endodontia. Embora o interesse pelo ultrassom durante o preparo tenha declinado sensivelmente nos últimos anos, um estudo clínico recente em canais mesiais de molares inferiores revelou que uma irrigação ultrassônica pós-preparo por 1 minuto com uma agulha ultrassônica e 15mL de NaOCl a 6% reduziu o número de culturas positivas de 73% após o preparo, usando NaOCl como irrigante para 20%25. O ultrassom parece exercer seus efeitos em conjunto com a substância química auxiliar, provavelmente via
Figura 8-26. Ativação final ultrassônica do hipoclorito de sódio. (Gentileza do Dr. Gilberto Debelian.)
cavitação e fluxo acústico (acoustic streaming), além de movimentar a substância para áreas do canal de anatomia complexa (Fig. 8-26).
e) Laser e terapia fotodinâmica (PDT) A palavra LASER é uma sigla derivada do termo em inglês Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation (ou amplificação da luz por emissão estimulada de radiação). O laser é um dispositivo que transforma a luz de várias frequências em uma radiação cromática nas regiões visível, infravermelho e ultravioleta, com todas as ondas em fase capazes de induzir força e calor intenso quando focalizadas em uma região73. Muitos tipos de laser têm sido utilizados na Odontologia. Dentre algumas potenciais aplicações em Endodontia, o laser tem sido testado em relação à sua eficácia em desinfetar canais radiculares. Todos os lasers apresentam efeitos antimicrobianos em alta potência, a qual é dependente
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de cada tipo de laser. O laser Nd-YAG tem sido o mais estudado, uma vez que a energia do laser e a fibra ótica podem ser mais facilmente controladas. Embora resultados promissores tenham sido relatados in vitro41, a desinfecção do canal radicular pode ser problemática em canais atrésicos e por causa da possível agressão térmica aos tecidos periodontais. Outrossim, aparelhos de laser são relativamente de alto custo para o profissional. Não existem ainda estudos clínicos randomizados avaliando a eficácia do laser na desinfecção de canais. A terapia fotodinâmica (PDT ou PAD do inglês photodynamic therapy ou photoactivated disinfection) envolve a utilização de um corante fotoativo (fotossensibilizador) que é ativado por exposição a um laser com comprimento de onda específico na presença do oxigênio. A transferência de energia do fotossensibilizador ativado para o oxigênio disponível no ambiente resulta na formação de compostos derivados do oxigênio, tais como o oxigênio singlet e os radicais livres. Esses compostos são altamente reativos e podem danificar proteínas, lipídios e ácidos nucleicos. O oxigênio do ar atmosférico está no estado não excitado e é simbolizado pela abreviatura 3O2. Ele é um radical livre, na verdade, um dirradical, uma vez que possui dois elétrons não pareados na última camada orbital. Moléculas cujos pares mais externos de elétrons têm rotação paralela estão no estado triplet, enquanto as que possuem elétrons em rotação antiparalela estão no estado singlet. O oxigênio atmosférico está no estado triplet, que não é muito reativo. Se o oxigênio triplet absorve energia suficiente para reverter a rotação de um dos elétrons não pareados, o estado singlet está formado. Assim, o oxigênio singlet (1O2) é a forma excitada de oxigênio molecular, possuindo um par de elétrons com rotações opostas que fazem com que seja altamente reativo, mesmo sem ser um radical livre verdadeiro. O oxigênio singlet é o principal composto do oxigênio gerado em PDT responsável pela eficácia antimicrobiana. As aplicações de PDT em Odontologia têm crescido rapidamente, incluindo tratamento do câncer e terapias anti-infecciosas contra bactérias e fungos. Um grande número de espécies bacterianas pode ser eliminado por laser de luz vermelha após sensibilização do azul de metileno ou do azul de toluidina68,132,175-177. A ausência de efeitos genotóxicos e mutagênicos da PDT sobre os tecidos do hospedeiro é um fator importante para a segurança a longo prazo durante o tratamento75. A maioria dos fotossensibilizadores é ativada por luz vermelha entre 630 e 700nm de comprimento de
onda. Alguns dos fotossensibilizadores bastante usados em PDT incluem o azul de metileno, o azul de toluidina, clorinas, porfirinas, xantenos, monoterpenos etc.75. O laser diodo tem sido o mais utilizado em PDT atualmente, por ser eficaz, portátil e de fácil manuseio. A técnica da PDT não promove o alargamento do canal, sendo recomendada para emprego após o preparo para auxiliar na eliminação microbiana. O fotossensibilizador é utilizado em baixa concentração para evitar pigmentação do dente. Após o preparo químicomecânico, o canal é inundado com o agente fotossensibilizador, que é então ativado pelo laser diodo por meio de fibra ótica inserida profundamente no canal (Fig. 8-27). Vários estudos in vitro têm avaliado a eficácia de diferentes protocolos de PDT em Endodontia. Biofilmes de Streptococcus intermedius preparados em canais artificiais ou de dentes extraídos foram submetidos a PDT com azul de toluidina e laser diodo (633nm) equipado com uma ponta que permitiu que a luz fosse transmitida até o ápice do dente. S. intermedius estava presente em número similar ao encontrado em canais com infecção pesada. PDT reduziu significativamente o número de bactérias em ambos os tipos de canais202. Azul de metileno em combinação com luz vermelha (665nm) promoveu a eliminação de 97% das células
Figura 8-27. Esquema da terapia fotodinâmica para desinfecção de canais. O canal é repleto com um fotossensibilizador, o qual é então ativado por laser de luz vermelha de baixa intensidade.
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de E. faecalis em biofilmes experimentais em canais de dentes extraídos174. Em um modelo similar de canais inoculados com E. faecalis, PDT com azul de metileno e laser diodo (665nm) reduziu a viabilidade de E. faecalis em 77,5%, enquanto o fotossensibilizador isoladamente ou o laser também isoladamente reduziram em 19,5 e 40,5%, respectivamente43. Biofilmes de Proteus mirabilis e Pseudomonas aeruginosa preparados em dentes extraídos foram tratados com um conjugado de polietilenoimina e clorina, seguido por iluminação com laser diodo (660nm). Bioluminescência foi utilizada para a quantificação bacteriana. PDT per se reduziu a bioluminescência em 95%, enquanto a combinação do tratamento endodôntico com PDT reduziu em > 98%49. PDT com laser diodo e azul de metileno alcançou 80% de redução das unidades formadoras de colônias (UFCs) de biofilme multiespécies composto por Actinomyces israelii, F. nucleatum, Porphyromonas gingivalis e Prevotella intermedia em canais de dentes extraídos42. Tratamento de canais de dentes extraídos com PDT usando azul de toluidina resultou na eliminação de 94% das células de Streptococcus anginosus, 88% de E. faecalis e 98,5% de F. nucleatum, mas não foi observada total eliminação17. Bactérias em biofilmes multicamadas foram mais protegidas dos efeitos da PDT. O uso do laser sem o corante e vice-versa não promoveram redução bacteriana significativa17. Os autores concluíram que PDT não é uma opção, mas um complemento aos procedimentos para combate à infecção endodôntica. Garcez et al.48 analisaram os efeitos antimicrobianos da PDT em associação com o tratamento endodôntico em estudo in vivo. A combinação do tratamento endodôntico com PDT aumentou significativamente a redução da população bacteriana nos canais. No Brasil, a MMOptics (São Carlos, SP) disponibiliza um aparelho de laser diodo com fibra ótica de dimensões apropriadas para uso em Endodontia (Twin Laser) (Fig. 8-28A). A técnica da PDT tem sido recomendada para maximização da desinfecção pós-preparo, teoricamente eliminando a necessidade de medicação intracanal (Fig. 8-28B a D). Contudo, é ainda eminentemente experimental, e sua eficácia antimicrobiana, bem como o impacto no sucesso do tratamento, precisam ainda ser confirmados por estudos clínicos.
Controle da infecção – uso sistêmico de antibióticos O propósito da antibioticoterapia é ajudar as defesas do hospedeiro a controlarem e eliminarem micro-
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organismos que temporariamente tenham escapado de tais mecanismos de defesa99. Deve-se ter em mente que a decisão mais importante em relação à antibioticoterapia não é tanto quanto o antibiótico a ser utilizado, mas se antibióticos deveriam ser realmente empregados. A grande maioria das infecções de origem endodôntica é tratada sem a necessidade de se receitarem antibióticos. Na verdade, a infecção endodôntica assume uma característica peculiar que a difere da maioria das outras infecções do corpo no sentido de não ser passível de tratamento via antibioticoterapia sistêmica. Essa impossibilidade reside no fato de que os antibióticos não têm acesso a micro-organismos colonizando um canal contendo tecido necrosado ou que foi previamente tratado, devido à ausência de circulação sanguínea, a qual é responsável pela veiculação do antibiótico para um sítio infectado. Na verdade, antibióticos apenas são indicados em Endodontia para ajudar a prevenir a disseminação da infecção do canal ou dos tecidos perirradiculares para outra região do organismo. Assim, tal função se restringe a alguns casos de abscesso perirradicular agudo e a casos de profilaxia antibiótica para pacientes com risco de desenvolver alguma doença a distância, como, por exemplo, a endocardite bacteriana. A maioria das espécies bacterianas encontradas em abscessos perirradiculares é sensível à amoxicilina13,76, que corresponde então ao antibiótico de primeira escolha em casos de infecção de origem endodôntica. O leitor encontrará mais detalhes sobre o uso de antibióticos em Endodontia no Capítulo 21 (Antibióticos em Endodontia).
Protocolo clínico baseado em estratégia antimicrobiana Uma estratégia antimicrobiana diligente deve ser focada no emprego de agentes antimicrobianos que exibam eficácia contra os micro-organismos mais prevalentes nas infecções endodônticas primária e persistente/secundária. Outrossim, além de eliminar micro-organismos presentes na luz do canal principal, a terapia antimicrobiana deve abranger uma estratégia que possibilite a eliminação de micro-organismos alojados em áreas mais distantes do canal principal, incluindo túbulos dentinários, istmos, ramificações apicais e laterais e outras irregularidades137. O seguinte protocolo para tratar rotineiramente canais infectados (necropulpectomia e retratamento) é baseado tanto em evidências científicas quanto na experiência clínica (Fig. 8-29 e Quadro 8-1). Os passos seguintes até o de no 6 também são aplicáveis para casos de bio-
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Figura 8-28. Terapia fotodinâmica. Caso clínico. A. Aparelho de laser diodo da MMOptics. B. Canal repleto com fotossensibilizador (azul de metileno). C. Fibra ótica levada ao canal. D. O corante é ativado pela emissão do laser.
pulpectomia, que idealmente deverão ser obturados na mesma sessão do preparo. 1. O dente a ser tratado ou retratado deve estar totalmente isento de placa bacteriana e de cálculo. 2. O preparo da cavidade de acesso pode ser iniciado sem isolamento absoluto. Isso facilita o procedimento e diminui riscos de acidentes, mormente em dentes com inclinação anormal. Todavia, após a trepanação do teto da câmara pulpar e da ampliação da área de exposição, o isolamento deve ser aplicado antes da conclusão das manobras de acesso. 3. Após a aplicação do isolamento absoluto, o campo operatório, incluindo dente, grampo e lençol de borracha, deve ser inicialmente limpo com solução de
peróxido de hidrogênio a 3% (água oxigenada 10 volumes) e então descontaminado com solução de álcool iodado a 2%, clorexidina a 2% ou hipoclorito de sódio a 2,5%. 4. Após a conclusão das manobras de acesso coronário, a câmara pulpar deve ser copiosamente irrigada com solução de hipoclorito de sódio a 2,5%. 5. O preparo químico-mecânico deve ser realizado empregando-se uma técnica progressiva no sentido coroa-ápice (crown-down), com instrumentos manuais e/ou acionados a motor associados à irrigação copiosa e frequente com hipoclorito de sódio a 2,5% após cada uso de instrumento (no mínimo 1 a 2mL de solução irrigadora a cada troca de instrumento). Instrumentos de níquel-titânio deverão ser os de es-
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Quadro 8-1 Procedimentos recomendados para o tratamento ou retratamento de dentes com canais infectados Tratamento da infecção endodôntica Prevenção
Assepsia Selamento coronário adequado
Controle
Preparo apical: no mínimo, até a lima # 40 * Irrigação: NaOCl de 2 a 5,25% Medicação intracanal: Pasta HPG ou HCx Selamento tridimensional: Guta-percha ou resilon e cimento
colha para o preparo de canais curvos. O canal deve ser ampliado na medida de 1mm aquém do ápice radiográfico ou 1mm aquém do forame, detectado por um localizador apical eletrônico. Preparos amplos potencializam a desinfecção, mas um meio-termo tem que ser atingido para evitar o enfraquecimento
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Figura 8-29. Dentes com lesão perirradicular tratados pelo protocolo sugerido. A, C e E. Radiografias iniciais. B, D e F. Radiografias de prosservação, demonstrando completa reparação perirradicular. (Caso C-D, gentileza do Dr. Luís Paulo Mussi.)
demasiado da estrutura dentária, que poderia predispor à fratura quando o dente se submeter aos esforços mastigatórios. O segmento apical do canal até o forame apical deve ser idealmente limpo e mantido livre de detritos através do emprego das limas de patência de pequeno calibre. Todavia, a sobreinstrumentação é uma conduta indesejável, pois predispõe à sintomatologia e ao fracasso do tratamento endodôntico. 6. Remoção da smear layer, pois ela pode conter bactérias, pode impedir ou retardar a ação em profundidade da medicação intracanal e interferir no selamento promovido pela futura obturação (Fig. 8-30). 7. O canal deve ser medicado com a pasta HPG. A pasta é preparada em uma placa de vidro esterilizada, empregando-se proporções iguais de PMCC e glicerina (1:1, v:v). Inicialmente, misturam-se os líquidos e então se agrega lentamente o hidróxido de cálcio até se atingir uma consistência cremosa similar ao creme dental. Opcionalmente, pode-se utilizar a pasta de hidróxido de cálcio em clorexidina de 0,12 a 2% (HCx).
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Figura 8-30. Smear layer. A. Eletromicrografia da smear layer gerada pós-instrumentação. B. Túbulos dentinários patentes após a remoção da smear layer, o que favorece a difusão e ação da medicação profundamente na dentina.
Nesse caso, mistura-se o pó do hidróxido de cálcio em solução aquosa ou gel de clorexidina até que a consistência de creme dental seja obtida. A aplicação da pasta com espirais de lentulo acoplada a um micromotor de baixa rotação confere resultados melhores de preenchimento do canal, mas o profissional menos experiente deveria aplicá-la com uma lima ou com a espiral de lentulo acionada manualmente. 8. Radiografa-se o dente para a verificação do preenchimento adequado do canal com a pasta HPG ou HCx. Limpa-se então a câmara pulpar e, então, aplica-se o selamento coronário com um cimento temporário. 9. Na segunda sessão, no mínimo 5 a 7 dias depois, remove-se a pasta utilizando a lima de memória associada à irrigação copiosa com hipoclorito de sódio a 2,5% e procede-se à obturação do canal.
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Capítulo
9
Instrumentos Endodônticos
Hélio Pereira Lopes Carlos Nelson Elias José Freitas Siqueira Jr.
Instrumentos endodônticos são ferramentas metálicas empregadas como agentes mecânicos na instrumentação de canais radiculares. São fabricados de ligas aço inoxidável ou níquel-titânio (NiTi). É fundamental o profissional conhecer as características geométricas e o comportamento mecânico dos instrumentos endodônticos, uma vez que o resultado de um tratamento endodôntico depende da ferramenta de trabalho. Entretanto, esses conhecimentos são na maioria das vezes ignorados, contando o profissional apenas com as informações de interesse do fabricante. Existem diferentes tipos ou modelos desses instrumentos que podem ser assim classificados: • quanto ao acionamento, em manuais e mecanizados; • quanto ao desenho da parte de trabalho, em farpados, tipo K, tipo Hesdtrom e especiais; • quanto ao tipo de movimento executado, em limas e alargadores endodônticos; • quanto à natureza da liga metálica, em instrumentos de aço inoxidável e de níquel-titânio; • quanto ao processo de fabricação, em torcidos e usinados. Os instrumentos manuais possuem cabo que serve para a empunhadura e acionamento do instrumento por meio da mão do operador. Os denominados mecanizados possuem haste que serve para fixação e acionamento do instrumento por meio de uma máqui-
na manuseada por um operador. Os instrumentos endodônticos manuais também podem ser acionados por máquinas. Lima endodôntica é um instrumento (ferramenta) de natureza metálica, multicortante, com arestas ou fios cortantes ao longo de seu corpo. A lima endodôntica é uma ferramenta projetada para ser empregada por meio de um movimento longitudinal alternado, com a denominação de limagem, na raspagem de parte da superfície dentinária de um canal radicular. Alargador endodôntico é um instrumento (ferramenta) de natureza metálica cuja haste de corte geralmente é cônica e apresenta certo número de arestas cortantes ao longo de seu corpo. É projetado para ser empregado por meio de movimento de alargamento com giro, contínuo, parcial alternado ou parcial à direita, no desbaste (corte) de parte da superfície dentinária de um canal radicular. Os instrumentos endodônticos quanto ao desenho da parte de trabalho são fabricados obedecendo a diversos critérios com base nas especificações ISO 3630-1 (1992)30 e ANSI/ADA no 58 (1997)3. Porém, alguns fabricantes têm produzido instrumentos endodônticos com modificações principalmente em relação à conicidade, comprimento da parte de trabalho, desenho da haste de corte helicoidal e da ponta. Para os instrumentos endodônticos mecanizados não há especificações normativas quanto a sua fabricação. Entretanto, algumas características, como, por exemplo, o diâme-
305
306
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
tro na extremidade D0, têm sido adotadas de acordo com as especificações propostas para os instrumentos endodônticos manuais.
LIGAS METÁLICAS Ligas metálicas são materiais obtidos pela fusão de dois ou mais metais e em alguns casos por elementos não metálicos. As propriedades físicas, químicas, mecânicas e biológicas das ligas são diferentes das de seus componentes. Metal é a designação comum aos elementos químicos eletropositivos, brilhantes, bons condutores de calor e eletricidade. Todos os metais e ligas metálicas no estado sólido apresentam estrutura cristalina, exceto quando solidificados bruscamente. Nesses casos são amorfos, ou seja, não há arranjo periódico de seus átomos. Na estrutura cristalina temos um arranjo atômico tridimensional, os seus átomos estão distribuídos em uma rede tridimensional organizada para formar os cristais. Cristal ou grão é definido como arranjo ordenado de átomos, com periodicidade e regularidade tridimensional. A área que os separa é denominada contorno de grão. A menor porção da rede cristalina que guarda as propriedades de todo o cristal é chamada de célula unitária (Fig. 9-1). Existem 14 tipos de células unitárias classificadas em sete grupos principais (cúbica, tetragonal, ortorrômbica, monoclínica, triclínica, hexagonal e romboédrica). As propriedades mecânicas de um metal ou liga metálica, como dureza, resistência mecânica e ductilidade, são consequências do arranjo cristalino e do tipo de célula unitária. O metal ou a liga metálica podem apresentar mais de um tipo de estrutura cristalina. Nesse caso, diz-
Figura 9-1. Estrutura cristalina. a. Cristal ou grão. b. Contorno de grão.
se que há mais de uma fase cristalina presente no material, onde por fase cristalina se entende uma região do metal que apresenta a mesma estrutura cristalina e que, por isso, guarda propriedades físicas semelhantes. Mudanças na estrutura cristalina (tipo de célula unitária) de um metal ou liga ocorrem com alteração de temperatura, adição de elemento de liga ou por tensão. Essas mudanças estão associadas à tendência natural de os sistemas apresentarem transformações de fases para atingir o estado de menor energia. Nesse caso, diz-se que ocorre uma mudança de fase5,9,18. Durante a solidificação dos metais ou ligas metálicas os átomos não ficam totalmente arranjados com periodicidade, existindo sempre falhas na disposição atômica formando as imperfeições cristalinas (lacunas, discordância, contornos de grão, maclas etc.). O número das imperfeições pode ser modificado durante a deformação plástica do material. As imperfeições ou defeitos cristalinos exercem grande influência na resistência mecânica, propriedade elétrica e química do metal ou liga5,8,17.
Aço inoxidável Os aços inoxidáveis são ligas de ferro que contêm teores de cromo acima de 12%, sendo classificados com base na sua microestrutura e elementos de liga em austeníticos, ferríticos e martensíticos. A adição dos elementos de liga, além de alterar a microestrutura, influencia na resistência mecânica, bem como no comportamento perante a corrosão e a fratura, entre outros efeitos4,11,18. Denomina-se ferrita a microestrutura do aço que possui estrutura cristalina cúbica de corpo centrado (CCC), ou seja, a célula unitária é um cubo com um átomo em cada vértice e um no centro4,5,9,11 (Fig. 9-2).
Figura 9-2. Estrutura cristalina cúbica de corpo centrado (CCC).
Instrumentos Endodônticos
Na microestrutura martensítica do aço, os átomos formam uma célula unitária, que pode ser tetragonal de corpo centrado (TC), cúbica de corpo centrado (CCC) ou hexagonal compacta (HC). Nos dois primeiros casos, os átomos se localizam nos vértices e no centro da célula. Na martensita com estrutura hexagonal compacta, os átomos ocupam as posições dos vértices do hexágono, centro das bases, e três átomos se localizam no centro do hexágono5,9,11 (Fig. 9-3A e B). Na microestrutura austenítica do aço, os átomos de ferro estão arranjados na forma da estrutura cristalina cúbica de face centrada (CFC). Nesse caso, os átomos se distribuem no espaço formando um cubo, ocupando a posição dos vértices e o centro das faces5,9,11 (Fig. 9-4). Em qualquer um dos tipos de microestrutura, os elementos de liga podem substituir o ferro em qualquer posição cristalina, exceto o carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e boro, que ocupam os vazios intersticiais existentes na célula unitária9,11. O cromo adicionado aos aços inoxidáveis, em contato com o ar ou com soluções oxigenadas, fornece o caráter protetor da liga. Entre as teorias que expli-
A
B
Figura 9-3A. Estrutura cristalina tetragonal de corpo centrado (TC). B. Estrutura cristalina hexagonal compacta (HC).
307
Figura 9-4. Estrutura cristalina cúbica de face centrada (CFC).
cam a capacidade protetora desse elemento destaca-se a que se baseia no fato de o mesmo formar, na superfície dos instrumentos, uma película de óxido de cromo aderente, impermeável, elevada dureza e densidade, a qual protege o aço contra a maioria dos agentes agressivos. Os danos que porventura possam ocorrer à referida película, durante o uso dos instrumentos, são espontaneamente reparados. A rápida regeneração da película passivadora é uma propriedade quase exclusiva do cromo, que pode ser aniquilada, em ambientes redutores, ou minimizada, em presença de soluções cloradas26. O níquel, depois do cromo, é o elemento de liga mais importante adicionado aos aços inoxidáveis. Esse elemento estabiliza a fase austenítica e, em função do seu percentual, pode permitir a existência da austenita à temperatura ambiente. Além disso, contribui para aumentar a resistência ao calor, à corrosão e à tenacidade. É maior essa influência, quando o teor de níquel é superior a 6%. A adição de níquel ao aço altera a temperatura de estabilidade das fases, permitindo a mudança da estrutura cristalina CCC para CFC, que é estável à temperatura ambiente. O manganês também estabiliza a austenita, mas os teores adicionados ao aço inoxidável têm por objetivo aumentar a resistência mecânica dos instrumentos (tenacidade). O silício é adicionado durante a fabricação para desoxidar o aço e também aumentar a resistência mecânica. O molibdênio, cobalto e vanádio melhoram igualmente a resistência mecânica do aço. A presença do enxofre é deletéria às propriedades mecânicas e à resistência à corrosão, devendo ser controlado o seu teor em níveis baixos9,11. Na Odontologia, o aço inoxidável passou a ser empregado com maior frequência, na fabricação de instrumentos endodônticos a partir de 196113,18,29,49.
308
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-1 Composições químicas dos aços inoxidáveis austeníticos dos instrumentos endodônticos manuais. (Adaptado da ANSI/ADA Especificação 292.) Aço
C (max)
Cr
Ni
Mn (max)
P (max)
S
Si (max)
Fe
301
0,15
16-18
6-8
2,0
0,045
0,030 (max)
1,0
70,9-74,9
302
0,15
17-19
8-10
2,0
0,045
0,030 (max)
1,0
67,9-71,9
303 0,15 17-19 8-10 2,0 0,020 0,015 (min) 1,0 66,45-70,45
Em geral, os instrumentos endodônticos são produzidos em ligas de aço inoxidável austenítico, com percentuais de elementos químicos variáveis, de acordo com o fabricante. Os aços recomendados na fabricação de instrumentos endodônticos, conforme especificação no 29 da ANSI/ADA de 19762, são ligas inoxidáveis austeníticas, da série AISI (American Iron and Steel Institute) 301, 302 e 3034. No Quadro 9-1 são mostradas as composições químicas em peso dos aços inoxidáveis austeníticos usados nos instrumentos endodônticos manuais.
Outros
Mo:0,6 Zr:0,6
conhecida como autoacomodável. Essa martensita ao se formar pode escolher 24 orientações cristalográficas diferentes em relação a um sistema de referência posicionada na fase original. Cada possível orientação da martensita é chamada de variante. Quando é induzida por um carregamento (tensão), as suas 24 variantes macladas dão lugar a apenas uma variante. Nesse caso, existe apenas uma orientação cristalográfica, alinhada
Essas ligas possuem boa resistência à corrosão, à fratura, grande tenacidade e dureza, características que permitem os instrumentos endodônticos resistirem aos carregamentos adversos encontrados durante a instrumentação dos canais radiculares.
Liga níquel-titânio A liga níquel-titânio (NiTi) foi desenvolvida por Buehler et al. em 1963 no Naval Ordnance Laboratory, NOL, em Silver Springs, Maryland, EUA, razão pela qual recebeu o nome de NiTiNOL28,61,68,74,77. Nas ligas níquel-titânio existem duas fases cristalinas presentes: austenita e martensita. A austenita é a fase com estrutura cúbica de corpo centrado (CCC ou B2), onde os átomos ocupam as posições dos vértices e do centro de um cubo (Fig. 9-5). A liga NiTi na fase austenita apresenta menor elasticidade do que na fase martensita. A martensita nas ligas NiTi é monoclínica, caracterizada pela distorção da estrutura tetragonal (denominada B19) em que o maior lado é inclinado em relação à base da célula (Fig. 9-6). A martensita é uma fase que pode ter sua formação induzida tanto por tensão quanto por resfriamento. A liga NiTi na fase martensita é facilmente deformável, atingindo grandes percentuais de deformação em tensões relativamente baixas. Quando a martensita é induzida por temperatura, é conhecida como martensita maclada, também
Figura 9-5. Estrutura cristalina cúbica de corpo centrado (CCC).
Figura 9-6. Estrutura cristalina monoclínica.
Instrumentos Endodônticos
com a orientação do carregamento. Essa é a martensita não maclada28,52,54,59,60,61. Certas ligas com memória de forma podem em determinadas condições apresentar uma outra fase cristalográfica conhecida como fase R, em razão de sua estrutura cristalina ser do tipo romboédrica. A transformação da fase R pode aparecer anteriormente à transformação martensítica seguindo a sequência: austenita → fase R → martensita28,52,54 O surgimento da fase R na transformação martensítica depende principalmente da temperatura de recozimento da liga NiTi equiatômica (50% Ti e 50% Ni). A transformação da fase R acontece para ligas com baixas temperaturas de recozimento e não ocorre em ligas recozidas em temperaturas acima de 550oC. Isso se deve ao fato de que com o aumento da temperatura de recozimento ocorre diminuição da densidade de discordâncias e formação de vazios, facilitando a transformação direta da austenita em martensita28,59,60. A fase R é considerada uma estrutura martensítica com estrutura cristalina trigonal oriunda da distorção romboédrica. Normalmente, sua descrição é feita por meio de uma rede cristalina do tipo hexagonal com os parâmetros a = 7,38 Å, c = 5,32 Å e c/a = 0,721128,59. Existem três casos em que a transformação da fase R pode acontecer: • quando a liga possui concentração de Ni inferior a 50%. Nessas ligas o Ni é substituído por Fe ou Al; • quando as ligas possuem teor de Ni acima de 50% e são envelhecidas a 400ºC para causar a precipitação da fase Ti3Ni4; • quando submetidas a tratamento térmico após trabalho a frio para criar estruturas de discordâncias reorganizadas. Nesses casos, tanto a fase R quanto a B19 são afetadas pela adição do terceiro elemento de liga (Fe ou Al), pelo campo de tensão que surge ao redor dos precipitados e pelo campo de tensão das discordâncias54,59. A liga NiTi é uma liga com memória de forma. O termo ligas com memória de forma é aplicado ao grupo de materiais metálicos que demonstram capacidade de retornar para um tamanho ou forma previamente definido quando submetidos a um procedimento termomecânico apropriado. As ligas com memória de forma apresentam alguns comportamentos termomecânicos típicos: efeito memória de forma e superelasticidade52,60,61,68.
309
Conceitos básicos de efeito memória de forma A maior parte dos materiais metálicos apresenta um comportamento elástico no qual, dentro de certos limites, a deformação é diretamente proporcional à força aplicada. Essa relação é conhecida por Lei de Hooke. Se a força excede o limite de escoamento, o material metálico (corpo) sofre deformação permanente5,9,18. O efeito memória de forma (EMF) acontece quando o corpo (liga metálica com memória de forma) após uma deformação é capaz de recuperar completamente sua forma original por aquecimento acima de uma determinada temperatura, a qual varia com a composição química da liga NiTi28,52,60,68,74. A transformação da austenita em martensita, ou transformação martensítica, ocorre em uma faixa de temperatura que varia com a composição química da liga. A transformação inicia quando a liga no resfriamento passa por uma temperatura crítica denominada de Ms (martensite start) e, termina em Mf (martensite finish), quando o material apresenta estrutura totalmente martensítica (menos a austenita, que por algum motivo não tenha conseguido se transformar, e que por isso é chamada de austenita retida). No sentido oposto, a transformação reversa, ou transformação austenítica, se inicia, no aquecimento, na temperatura As (austenite start) e termina em Af (austenite finish), quando então o material é completamente austenítico. Essa transformação ocorre em uma faixa de temperatura que varia de acordo com a composição química e a história termomecânica de cada liga. De maneira geral, definem-se seis temperaturas características de transformação para as ligas NiTi: Ms e Mf, temperatura de início e fim de formação da martensita; Rs e Rf, temperatura de início e fim da fase R; e As e Af, temperatura de início e fim de formação da austenita. Algumas ligas NiTi não apresentam a formação definida da fase R, apresentando apenas quatro temperaturas críticas28,52,60,61. Nas ligas níquel-titânio, quando a temperatura está abaixo de Mf, o corpo é totalmente martensítico. Nessa situação, a aplicação de uma força em vez de provocar uma deformação plástica promove uma reorientação das variantes da martensita na direção da força aplicada. As variantes no sentido favorável à força “crescem,” enquanto aquelas no sentido contrário se desfazem. A deformação macroscópica observada é justamente a variação de volume surgido em razão da orientação das variantes da martensita. Tal deformação é permanente, pois, se a força é retirada, a martensita permanece estável, só que orientada de maneira que
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Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
uma das variantes da martensita predomina sobre as demais. Porém, se o corpo é aquecido acima de As, a martensita e suas variantes, que não são mais estáveis nessa temperatura, transformam-se em austenita e a forma do corpo é recuperada. Esse é o efeito da memória de forma28,52,60,61. O diagrama tensão-deformação, característico de uma liga com efeito memória de forma a baixa temperatura, é mostrado no lado esquerdo da Fig. 9-7. Nessa figura se pode observar o fenômeno característico do efeito memória de forma. A amostra da liga metálica com memória de forma foi submetida ao carregamento mecânico a uma temperatura abaixo de Mf (temperatura abaixo da qual somente a martensita é estável). A partir desse carregamento, quando a tensão atinge um valor crítico, ponto A, tem-se o início da transformação da martensita maclada para martensita não maclada, que termina no ponto B. Após o descarregamento, a amostra apresenta uma deformação residual (ponto C). Essa deformação residual pode ser recuperada mediante um aquecimento da amostra, fazendo a liga sofrer a transformação de fase28,52,60,61. Outra forma de observar o efeito memória de forma está apresentado no lado direito da Fig. 9-7. A amostra com memória de forma está em uma temperatura acima de Af. Nessa temperatura, a austenita é a única fase presente. Conforme a temperatura da amostra abaixa e cruza a linha associada à temperatura Ms, inicia-se a transformação de fase onde a austenita cede lugar à martensita induzida por temperatura, martensita maclada. Essa transformação está totalmente concluída para temperaturas menores que Mf. A partir do ponto 2, se aplica um carregamento mecânico à temperatura constante, o que promove o surgimento da martensita não maclada. Cessado o carregamento, ponto 3, a amostra apresenta uma deformação residual. A forma original pode ser recuperada a partir de um aquecimento da amostra (do ponto 3 para o ponto
4), o que provoca a transformação da martensita não maclada para austenita52.
Conceitos básicos de superelasticidade ou pseudoelasticidade O efeito memória de forma não é a única característica peculiar apresentada pelas ligas níquel-titânio, as quais apresentam também um comportamento elástico atípico, denominado de superelasticidade, que é a capacidade que certos materiais possuem de recuperar a forma original após serem deformados muito além do limite elástico convencional quando a tensão é removida. A maior parte dos materiais metálicos pode ser deformada elasticamente em até 0,1 ou 0,2% de seu comprimento inicial (Lei de Hooke). A deformação elástica de 0,5% é um valor extremamente elevado, mas pode ser encontrada em alguns metais. Qualquer deformação acima desse limite (denominado de limite de escoamento) será permanente. As ligas níquel-titânio podem ser deformadas em até 8% sem apresentar deformação residual após a retirada do carregamento. Nessas ligas, a Lei de Hooke, a partir de certo percentual de deformação, não é mais observada, e a força, em vez de aumentar à medida que o material se deforma elasticamente, permanece praticamente constante, num comportamento mais parecido com o de algumas borrachas (rubberlike) do que com os metais. Além disso, o material responde de maneira diferente durante a deformação elástica (ativação) e na desativação. Esse comportamento é observado pela presença de duas linhas na curva tensão × deformação, fenômeno esse chamado de histerese, raramente identificado entre os metais28,52,60,61. Histerese é o fenômeno em que duas grandezas mantêm uma relação, de modo que a variação de uma delas depende do fato de a outra estar crescendo ou decrescendo relativamente a ela.
Figura 9-7. Efeito memória de forma.
Instrumentos Endodônticos
A superelasticidade é um fenômeno observado quando a liga níquel-titânio se encontra a uma temperatura superior à Af (temperatura na qual somente a fase austenita é estável na ausência de tensões). Quando uma liga níquel-titânio é submetida a um carregamento mecânico (ativação) a uma temperatura acima de Af, há inicialmente uma resposta elástica até que um valor crítico (ponto A) seja atingido (Fig. 9-8, lado esquerdo). A partir desse nível (usualmente 2%) a austenita tornase instável e busca a estabilidade, transformando-se em martensita. Essa martensita surgida da aplicação de um carregamento é denominada de martensita induzida por tensão. A transformação martensítica continua até um determinado ponto (ponto B) onde toda estrutura cristalina da liga níquel-titânio é formada pela martensita não maclada. Quando se promove o descarregamento (desativação), a liga apresenta uma recuperação elástica (ponto B → C). Nesse momento, a martensita que foi induzida por tensão não pode continuar existindo e acontece o início da reversão da transformação austenítica (ponto C), que ocorre até um determinado ponto (ponto D). A partir daí, o descarregamento ocorre no regime elástico, e a austenita é novamente a fase estável. Esse processo de carga e descarga não apresenta nenhuma deformação residual. Contudo, uma vez que a trajetória da transformação martensítica não coincide com a da transformação austenítica, observase um laço de histerese, associado a uma dissipação de energia. Esse comportamento da liga níquel-titânio é chamado de superelástico28,52,59. Outra forma de observar o comportamento superelástico está apresentado na Fig. 9-8, lado direito. A amostra de uma liga com memória de forma está em uma temperatura acima de Af, onde a austenita é a única fase presente. Aplicando-se um carregamento à temperatura constante, promove-se o surgimento da martensita não maclada. Retirando-se o carregamento, ponto 2, a amostra inicia a transformação de fase rever-
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sa (martensita não maclada → austenita), recuperando a forma original (ponto 2 → ponto 3). No final do processo não existe nenhuma deformação residual52. A grande elasticidade da liga NiTi comparada à dos metais tradicionais é denominada superelasticidade ou pseudoelasticidade. Essa característica, mais do que o próprio efeito memória de forma, é o grande diferencial das ligas níquel-titânio em relação às de aço inoxidável empregadas na fabricação de instrumentos endodônticos. Vários trabalhos7,14,43,57,65,70 têm demonstrado que durante o preparo de um canal radicular curvo o deslocamento apical é superior com os instrumentos de aço inoxidável, em relação aos de níquel-titânio. Esse comportamento pode ser atribuído à maior resistência à deformação elástica (rigidez) do instrumento de aço inoxidável. Os instrumentos de níquel-titânio, por terem maior elasticidade e menor rigidez, são deformados elasticamente com níveis inferiores de tensão durante a instrumentação de um canal radicular curvo. Quanto maior a resistência à deformação de um instrumento endodôntico no regime elástico, maior será a força exercida por ele contra a parede dentinária externa da curva de um canal radicular. Walia et al., em 198875, introduziram a liga níqueltitânio em Endodontia com a utilização de instrumentos de no 15 produzidos experimentalmente a partir de fios ortodônticos compostos dessa liga. Observaram que esses instrumentos de Nitinol, quando flexionados ou torcidos, apresentavam elasticidade duas a três vezes maior que os instrumentos de aço inoxidável de igual número. De acordo com Serene et al.68, a liga NiTi empregada na Endodontia apresenta pequeno módulo de elasticidade, cerca de 1/4 a 1/5 em relação ao do aço inoxidável. Em consequência, possui grande elasticidade e alta resistência à deformação plástica e à fratura. O percentual atômico de níquel nessas ligas está entre 50 e
Figura 9-8. Superlasticidade ou pseudoelasticidade.
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Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
56%. A força necessária para flexionar um instrumento de NiTi de número 45 é equivalente à necessária para flexionar um instrumento com a mesma geometria de aço inoxidável de no 25. Essas propriedades fazem com que o instrumento acompanhe com facilidade a curvatura do canal radicular, reduzindo o deslocamento apical e a alteração de sua forma original. Quanto à microdureza, uma haste de aço inoxidável revelou microdureza Vickers variando de 342 a 522, ao passo que a de NiTi variou no intervalo de 303 a 362 HV. Quanto à microdureza, verificamos que os instrumentos de aço inoxidável (FlexoFile – Maillefer, Suíça), possuem valor médio de 523 HV e os instrumentos de NiTi (Nitiflex – Maillefer, Suíça), valor de 345 HV. Quanto à força para a flexão de 45º (deformação elástica), para os instrumentos FlexoFile de no 30 e de 25mm de comprimento, encontramos os valores de 202gf, e para os instrumentos Nitiflex, os valores de 118gf.
PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS As propriedades mecânicas estão associadas ao comportamento dos instrumentos quando submetidos à ação de forças externas. A caracterização dessas propriedades é feita em ensaios mecânicos5,9,18,25,49. As principais propriedades mecânicas e alguns conceitos relacionados com elas de interesse na área de endodontia estão assim descritos:
Resistência mecânica Quando uma carga é aplicada a um material, a força de ligação de seus átomos se opõe a esse carregamento. Essa oposição é denominada de resistência mecânica do material (propriedade intrínseca que indica a capacidade de os materiais resistirem à solicitação externa estática ou dinâmica sem apresentar fratura), dependendo dos tipos e arranjos dos seus átomos.
Figura 9-9. Representação de forças diferentes aplicadas em um corpo.
Tensão A tensão pode ser definida como a relação entre a força aplicada em um corpo por unidade de área na qual atua. A mesma equação é usada para o cálculo de tensão e pressão. Tensão = F/A As tensões podem ser classificadas em dois tipos: normais (compressivas ou trativas) e cisalhantes. Quando a força é distribuída em uma superfície do corpo perpendicular à direção de aplicação, é denominada de normal. É chamada de tensão trativa quando aplicamos uma força para alongar um corpo e de tensão compressiva para comprimir. Quando a força aplicada fica distribuída em uma superfície do corpo paralela a sua direção, é denominada de cisalhante.
Deformação Quando uma força (carga) é aplicada em um corpo impedido de alterar sua posição, a força tende a deformar o corpo, ou seja, em consequência da tensão aplicada promovemos uma deformação, que pode ser elástica ou plástica.
Deformação elástica A deformação é denominada de elástica (temporária ou transitória) quando desaparece após a retirada da força aplicada (Fig. 9-10).
Força Podemos definir força como uma grandeza vetorial que, aplicada a um corpo, deforma-o ou tende a mudar seu estado de repouso ou movimento. Uma força, assim como um vetor, para ser conhecida precisa ter sua direção, sentido e intensidade definida. A Fig. 9-9 mostra diversas forças sendo aplicadas em um corpo. A força F1 é diferente da F2, pois possuem magnitudes, sentidos e direções diferentes. A força F2 apesar de apresentar a mesma intensidade e direção que a F3 é diferente, pois elas possuem sentidos opostos.
Figura 9-10. Deformação elástica.
Instrumentos Endodônticos
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Comportamento elástico na flambagem Flambagem é a deformação apresentada pelo instrumento quando submetido ao carregamento compressivo na direção do seu eixo (axial) (Fig. 9-12). Durante esse tipo de carregamento, o instrumento encurva e forma um arco de flecha. A resistência à flambagem dos instrumentos endodônticos pode ser calculada com o emprego da equação: Figura 9-11. Deformação plástica.
Deformação plástica A deformação é denominada de plástica (permanente ou residual) quando o corpo permanece deformado após a retirada da força aplicada. Um corpo (instrumento endodôntico), ao sofrer deformação na região plástica, após a remoção da força, apresenta recuperação da elástica (efeito mola), porém permanece a plástica (Fig. 9-11). Com base nos tipos de deformação podem ser divididas as propriedades dos materiais (instrumentos endodônticos) em elásticas, que são medidas no regime elástico, e plásticas, que são medidas no regime plástico.
2
Pcr =
EI 2
L
Pcr – carga axial máxima E – módulo de elasticidade I – momento de inércia L – comprimento do instrumento Nessa equação pode-se observar que a resistência à flambagem aumenta com o aumento do módulo de elasticidade do material (rigidez do material), com o aumento do momento de inércia do instrumento endodôntico e com a diminuição do comprimento do instrumento endodôntico6.
Elasticidade A elasticidade é a propriedade que indica a capacidade de o material sofrer grandes deformações elásticas. É medida pelo módulo de elasticidade, o qual relaciona a tensão aplicada e a deformação no regime elástico. Essa propriedade depende das forças de ligação entre os átomos. Como essas forças são constantes para cada material, o módulo de elasticidade é uma das propriedades mais constantes dos metais ou ligas metálicas, embora possa ser levemente afetado por adição de elementos de liga, tratamentos térmicos ou trabalhos a frio. Quanto menor a força de atração entre os átomos, menor será o módulo de elasticidade e maior a elasticidade do material. O comportamento dos materiais na região elástica pode ser determinado pela elasticidade em torção, flambagem e flexão.
Comportamento elástico em torção A elasticidade em torção (rotação) é a deformação elástica apresentada por um instrumento tendo uma de suas extremidades imobilizada e na outra aplicada um torque. Quanto maior o ângulo de torção no limite elástico, maior a elasticidade do instrumento. Pode ser quantificada em graus ou números de voltas.
Figura 9-12. Flambagem.
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Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Comportamento elástico em flexão Flexibilidade é a deformação elástica apresentada pelo instrumento quando submetido a um carregamento localizado na sua extremidade e na direção perpendicular ao seu eixo. Nesse caso, o instrumento encurva e forma um arco de flecha como na flambagem (Fig. 9-13). Para o mesmo carregamento e arcos de mesmo comprimento, quanto maior a flecha formada no regime elástico, maior a flexibilidade do instrumento. A resistência em flexão dos instrumentos endodônticos pode ser calculada com o emprego da equação: f=
4
PL 3 EI
Nessa equação, pode-se observar que a deflexão (deslocamento) da ponta do instrumento (flecha f) com carregamento em cantilever depende da força aplicada (P), do comprimento do instrumento (L), do módulo de elasticidade da liga empregada (E) e do momento de inércia (I) da seção reta transversal do instrumento6,9,18,25. Quanto maiores a força e o comprimento, maior será a deflexão do instrumento ou menor será a resistência em flexão. O módulo de elasticidade em tração é o quociente entre a tensão aplicada a um corpo e a deformação elástica que ela provoca. Quanto menor o módulo de elasticidade da liga metálica, menor a resistência em flexão do instrumento endodôntico. Momento de inércia é o produto da massa de uma partícula pelo quadrado da distância dessa a um eixo. O momento de inércia depende da geometria (forma e dimensão) e da seção reta transversal do instrumento. O conceito de momento de inércia é puramente matemático e fisicamente representa a resistência ao movimento que um corpo apresenta; daí a designação de inércia. A resistência em flexão é inversamente proporcional ao módulo de elasticidade e ao momento de inércia do instrumento endodôntico5,9,18,25.
Limite elástico O limite elástico de um material é definido como a maior tensão a que um material pode ser submetido, de
tal modo que retorna às suas dimensões originais quando a força é removida. Refere-se à carga de trabalho permitida e é a maior tensão que pode ser aplicada a um instrumento sem que ocorra deformação permanente.
Plasticidade É a capacidade de o material sofrer grandes deformações permanentes sem atingir a fratura. Essa propriedade permite avaliar a capacidade de trabalho mecânico que o material poderá suportar, conservando sua integridade física. É calculada em porcentagem, e o seu valor, obtido pelo alongamento ou estricção, medido no ensaio de tração. A plasticidade, conforme a natureza da força aplicada, recebe as denominações particulares de maleabilidade e ductilidade.
Maleabilidade A maleabilidade é capacidade de o material sofrer grandes deformações plásticas na compressão em todas as direções, indicando a maior ou menor facilidade de ser laminado e transformado em placas.
Ductilidade A ductilidade é a capacidade de o material sofrer grandes deformações permanentes na direção do carregamento sem atingir a ruptura. Representa a facilidade de o material ser estirado ou reduzido à forma de fio. Essa propriedade é avaliada pelo alongamento total do corpo antes da fratura (alongamento) ou pela redução na área da seção reta transversal do corpo no ensaio de tração antes da estricção.
Limite de escoamento É determinado pela tensão máxima acima da qual o material começa a apresentar deformação plástica permanente com a retirada da carga (descarregamento). Define o final da região elástica e o início da plástica. Na maioria dos casos, o início do escoamento não é nítido e não pode ser identificado com precisão. Normalmente, emprega-se como limite de escoamento a tensão necessária para deformar plasticamente o material em 0,2%.
Rigidez
Figura 9-13. Flexibilidade.
Propriedade que indica a capacidade de o material resistir a carregamentos elásticos sem apresentar deformação plástica quando submetido a uma tensão não excedente ao limite de escoamento, ou seja, no regime elástico. Representa baixas deformações dentro da região elástica. É medida pelo módulo de elasticidade: quanto maior o valor do módulo, maior a rigidez do metal.
Instrumentos Endodônticos
Fragilidade É a propriedade que indica a ausência de deformações permanentes do material antes de sofrer ruptura. Com base nesse conceito, a fragilidade e a plasticidade são propriedades opostas. Todavia, um material frágil não é necessariamente fraco (pouco resistente à ruptura).
Tenacidade à fratura Indica a capacidade de o material resistir aos carregamentos e sofrer grandes deformações elásticas e plásticas sem atingir a ruptura. Define-se como tenacidade à fratura dos materiais a sua resistência contra a propagação de uma trinca. Os materiais são caracterizados por baixa e alta tenacidades. Os primeiros são classificados como frágeis, e os últimos, dúcteis. A tenacidade de um material é reduzida pela diminuição da temperatura e pelo aumento da taxa de encruamento.
Dureza A dureza é uma propriedade mecânica relacionada com a resistência que o material apresenta ao risco ou à formação de uma marca permanente quando pressionado por outro material ou por marcadores padronizados. A dureza de um material pode ser definida como a capacidade de resistência à penetração. Os métodos mais usados para determinar essa propriedade utilizam penetradores com formato padronizado e que são pressionados na superfície do material. Os ensaios são realizados em condições específicas, com a aplicação de précarga e carga definida, causando a deformação elástica seguida pela deformação plástica. A área da marca superficial formada ou a sua profundidade são medidas e correlacionadas com um valor numérico que representa a dureza do material. Em alguma situação prática ocorre a necessidade de determinação da dureza de pequenas áreas do corpo de prova (microdureza). Para a determinação da microdureza são utilizadas cargas menores do que 1kfg. Na Odontologia, os métodos de dureza ou microdureza mais empregados são os ensaios Knoop (HK) e Vickers (HV). Os números de dureza HK e HV obtidos pelas escalas de dureza para ambos os métodos são aproximadamente equivalentes.
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fico, como, por exemplo: limite de resistência à tração, à torção e à fadiga.
Encruamento É o mecanismo de aumento da resistência mecânica (endurecimento) por deformação plástica a frio. Durante a deformação plástica dos instrumentos há aumento da sua energia interna na forma de geração de defeitos cristalinos, principalmente do tipo discordância. Discordância é um defeito de linha caracterizado pela presença de um plano extra incompleto na estrutura cristalina. O mecanismo de deformação plástica predominante na maioria dos metais se dá por meio do movimento de discordâncias em resposta à aplicação de uma tensão. Todavia, durante a movimentação das discordâncias, elas interagem entre si e com outros tipos de defeitos, como os contornos de grão, precipitados e átomos de soluto, diminuindo desse modo a mobilidade e dificultando a deformação plástica do instrumento. Quanto maior o número de discordâncias, maior a sua interação com os defeitos, menor a sua mobilidade e maior a resistência à deformação plástica do instrumento. O mecanismo de endurecimento por deformação plástica é denominado de encruamento. Portanto, quanto maior o encruamento, menor a tenacidade e maior a possibilidade de fratura sem que ocorra deformação plástica. Como exemplo de encruamento temos a fratura de um clipe usado para unir folhas de papel quando submetido a ciclos de dobramentos e desdobramentos (dobramento alternado). Para minimizar o risco de fratura, em virtude da diminuição da plasticidade, devemos realizar a deformação plástica do material em pequenos incrementos intercalados por aquecimento para alívio de tensões e recozimento pleno. No caso dos instrumentos endodônticos dobrados, para evitar o encruamento e a fratura, devemos aplicar a eles, durante a instrumentação de um canal radicular curvo, pequenas deformações mantidas no regime elástico do material. Essas pequenas deformações elásticas (efeito mola) são obtidas pela aplicação de pequeno ângulo de torção e de pequeno movimento longitudinal de avanço e retrocesso (deslocamento) no instrumento dobrado durante a instrumentação de um canal radicular.
Limite de resistência
FABRICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS
Limite de resistência é a tensão máxima suportada pelo instrumento antes da fratura. Pode ser determinado em ensaios de tração, fadiga, flexão e torção. Em cada ensaio teremos o limite de resistência especí-
Os instrumentos endodônticos são ferramentas destinadas à ampliação e limpeza de um canal radicular, sendo fabricados de acordo com os princípios usados na fabricação de ferramentas denominadas de
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Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
alargadores8,15,21,22. São fabricados a partir de fios metálicos primitivos de forma cilíndrica obtidos por trefilação ou por conformação. No processo de trefilação, uma barra metálica é puxada para o interior de uma matriz com forma semelhante a um funil. Todas as marcas, rugosidades e ranhuras existentes na matriz são transferidas ao fio. No processo de conformação, uma parte da barra metálica é comprimida em duas ou mais direções até se obter a forma cilíndrica. A seguir, outras partes da barra sofrem a conformação até que toda a barra tenha a forma final de um fio cilíndrico. Em alguns processos de fabricação, a porção do fio cilíndrico, correspondente à parte de trabalho (ponta e haste de corte) do instrumento, é submetida à usinagem para ter a forma final cônica circular ou piramidal. A forma final dos instrumentos endodônticos é obtida por meio de torção no regime plástico do material ou usinagem do fio metálico. Para os instrumentos endodônticos fabricados por torção, a porção dos fios metálicos correspondentes às hastes de corte dos instrumentos é inicialmente submetida à usinagem (aplainamento) para a obtenção de hastes metálicas com formas piramidais e seções retas transversais triangulares ou quadrangulares. As interseções das paredes (faces) das hastes piramidais formam três ou quatro arestas ou fios laterais de corte. Para se obter a forma final dos instrumentos, os fios metálicos são imobilizados em uma das extremidades e submetidos à deformação plástica por torção à esquerda. À medida que o fio é torcido, as paredes e arestas laterais de corte da haste piramidal são dispostas na forma helicoidal com sentido anti-horário, constituindo a haste de corte helicoidal cônica dos instrumentos endodônticos, sendo que as arestas ou os fios laterais de corte da haste piramidal dão origem às hélices, enquanto as paredes dão origem aos canais helicoidais. A ponta facetada ou piramidal dos instrumentos é obtida por aplainamento, enquanto a ponta cônica circular é obtida por torneamento cônico externo (Fig. 9-14). Para os instrumentos endodônticos fabricados por usinagem, as partes de trabalho (pontas e hastes de corte) são obtidas por meio de um processo mecânico de usinagem do fio metálico (Fig. 9-15). Denomina-se de usinagem o trabalho de corte realizado pelas máquinas-ferramentas para a fabricação de uma peça com determinada forma, dimensão e acabamento. A haste de corte helicoidal cônica da parte de trabalho dos instrumentos é obtida por um processo mecânico de usinagem denominado de roscamento externo, que é um processo mecânico de usinagem destinado à ob-
Figura 9-14. Instrumento endodôntico. Fabricação por torção.
Figura 9-15. Instrumento endodôntico. Fabricação por usinagem.
tenção de arestas ou fios de corte dispostas na forma de hélices por meio da abertura de um ou mais canais helicoidais, em superfícies cilíndricas ou cônicas. O número de arestas de corte corresponde ao número de canais helicoidais. A ponta cônica circular dos instrumentos é obtida por um processo mecânico de usinagem denominado de torneamento cônico externo. Torneamento é um processo mecânico de usinagem destinado à obtenção de superfícies de revolução com o auxílio de ferramenta de usinagem mecânica. Os ins-
Instrumentos Endodônticos
A
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B
Figura 9-16. Instrumento endodôntico. A. Fabricados por usinagem. Cortes dos cristais. B. Fabricados por torção. Cristais não são cortados.
trumentos endodônticos de aço inoxidável ou de NiTi podem ser fabricados por torção ou usinagem. Os de níquel-titânio (NiTi), em função de superelasticidade apresentada pela liga metálica, geralmente são confeccionados por usinagem. Todavia por um processo de resfriamento e de aquecimento, mantendo-se a estrutura da liga NiTi na fase R-romboédrica, hastes piramidais de seções triangulares podem ser submetidas a deformação plástica por torção à esquerda, dando origem a instrumentos endodônticos torcidos. Como exemplo, temos os instrumentos TF (Twisted File) da Sybron Endo, Orange, CA, USA. Os instrumentos endodônticos fabricados por usinagem apresentam maior número de defeitos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e microcavidades) do que os fabricados por torção. A presença desses defeitos altera o comportamento mecânico dos instrumentos endodônticos principalmente em relação à capacidade de corte e à resistência à fratura por fadiga. Outro aspecto a ser considerado é que, na fabricação de um instrumento endodôntico por usinagem, os cristais (fibras) alinhados na direção da trefilação do fio metálico são cortados com redução significativa da resistência à fratura por torção e da resistência à flambagem do instrumento. Ao contrário, na fabricação por torção a integridade dos cristais é preservada (Fig. 9-16A e B). Outros instrumentos endodônticos são fabricados por cortes do fio de aço inoxidável com diferentes profundidades, formando farpas, sendo, por isso, denominados de farpados (Fig. 9-17).
Figura 9-17. Instrumento endodôntico farpado.
NOMENCLATURA Nomenclatura é o conjunto de termos peculiares a uma ciência. Na Endodontia, a nomenclatura é importante para padronizar a terminologia empregada para os instrumentos endodônticos. Ela oferece a cada um que escreve e fala sobre instrumentos endodônticos a utilização de uma mesma linguagem. A terminologia proposta para os instrumentos endodônticos é uma adaptação das normas da ABNT TB-111 e NB-205, citadas pelo Manual de Brocas e Furações usadas na engenharia8. Cabo – É a extremidade pela qual se empunha um instrumento endodôntico (Fig. 9-18). Haste – Parte para fixação e acionamento mecânico de um instrumento endodôntico (Fig. 9-19). Corpo – Parte de um instrumento que se estende desde o cabo ou haste de fixação até a ponta (Fig. 9-20). Intermediário – Parte do corpo que se estende do cabo ou haste até o início da haste de corte (Fig. 9-21). Parte de trabalho – Parte do instrumento que se estende desde a ponta até o término da haste de corte. Representa a soma dos comprimentos da ponta e da haste de corte (Fig. 9-22). Ponta – É o extremo do instrumento com perfil cônico. Pode apresentar seção reta transversal cilíndrica ou poligonal (Fig. 9-23). Base da ponta – Região entre a ponta e a haste de corte do instrumento (Fig. 9-24). Essa passagem pode ocorrer por meio de um ângulo de transição (ângulo obtuso) ou de uma curva de transição (forma elipsoide) para suavizar a transição. Ângulo da ponta – Ângulo sólido formado pelo contorno da ponta. O vértice do ângulo é sempre voltado para a ponta do instrumento (Fig. 9-25). Haste de corte – Porção da parte de trabalho que se estende da base da ponta até o intermediário. Geralmente, a forma é cônica. Pode apresentar seção reta transversal com diferentes formas. É constituída pelas arestas de corte e pelos canais do instrumento (Fig. 9-26).
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Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-18. Instrumento endodôntico. Cabo.
Figura 9-23. Instrumento endodôntico. Ponta.
Figura 9-24. Instrumento endodôntico. Base da ponta. Figura 9-19. Instrumento endodôntico. Haste de fixação.
Figura 9-20. Instrumento endodôntico. Corpo.
Figura 9-21. Instrumento endodôntico. Intermediário.
Figura 9-22. Instrumento endodôntico. Parte de trabalho.
Figura 9-25. Instrumento endodôntico. Ângulo da ponta.
Figura 9-26. Instrumento endodôntico. Haste de corte.
Instrumentos Endodônticos
Aresta ou fio lateral de corte – É o gume de instrumentos cortantes. Pode estar disposta na haste de corte de um instrumento endodôntico na forma paralela ou na forma helicoidal (inclinada) ao eixo do instrumento. Pode apresentar a forma de filete ou de guia radial. A forma de filete é originada pelo encontro de duas paredes de canais contíguos de um instrumento de corte (Fig. 9-27A). A forma de guia radial é originada da convergência de duas paredes de canais contíguos, porém com o vértice truncado terminando em uma superfície cilíndrica (Fig. 9-27B). Hélice – É a aresta ou fio lateral de corte disposta na forma helicoidal (hélice) traçada em volta de um cone ou de um cilindro (Fig. 9-28). Número de hélices – Número de filetes ou de guias radiais presente na haste de corte helicoidal de um instrumento (Fig. 9-29). Canal – É um sulco presente entre as arestas de corte contíguas na superfície externa da haste de corte de um instrumento endodôntico (Fig. 9-30). Parede ou superfície do canal – É a parede da haste de corte presente entre as arestas de corte contíguas (Fig. 9-31).
A
319
Eixo do instrumento – Linha central na direção axial do instrumento (Fig. 9-32). Ângulo de inclinação da hélice – Ângulo agudo formado pela hélice e o plano contendo o eixo do instrumento (Fig. 9-33). Passo da hélice – Distância entre vértices consecutivos de uma mesma aresta lateral de corte ao longo da direção axial do instrumento (Fig. 9-34). Guia radial – Superfície cônica em forma helicoidal ou paralela em relação ao eixo do instrumento imediatamente posterior à aresta ou fio de corte (Fig. 9-35). Largura da guia – Largura da guia radial medida perpendicularmente ao ângulo da hélice ou ao eixo do instrumento. A porção posterior da guia é rebaixada com a finalidade de reduzir o atrito entre a periferia do instrumento e a parede do canal radicular (Fig. 9-36). Núcleo – Parte central da haste de corte de um instrumento compreendida entre o fundo do canal que se estende desde a base da ponta até o fim da haste de corte (Fig. 9-37). Pode ser avaliado por meio da seção reta transversal ou longitudinal da haste de corte de um instrumento (ferramenta).
B
Figura 9-27. Haste de corte. Aresta lateral de corte. A. Filete. B. Guia radial.
320
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-28. Aresta lateral de corte. Hélice.
Figura 9-29. Número de hélices.
Figura 9-31. Superfícies ou paredes do canal.
Figura 9-30. Haste de corte. Canal.
Figura 9-32. Eixo do instrumento.
Instrumentos Endodônticos
Figura 9-33. Hélice. Ângulo de inclinação da hélice.
Figura 9-36. Largura da guia radial.
Figura 9-34. Hélice. Passo da hélice.
Figura 9-35. Guia radial.
Figura 9-37. Núcleo.
321
322
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
PARTES DOS INSTRUMENTOS Os instrumentos endodônticos são formados pelo cabo ou haste de fixação e pelo corpo. O corpo de um instrumento é formado pelo intermediário e pela parte de trabalho, sendo essa formada pela ponta e haste de corte.
Cabo Cabo é a parte de um instrumento ou ferramenta que se empunha ou maneja. O cabo dos instrumentos endodônticos é fabricado em plástico ou silicone colorido, conforme a correlação com a numeração padronizada. Apresenta geometria variável de acordo com o tipo de instrumento e o fabricante. O cabo de silicone, segundo o fabricante (Dentsply, Maillefer, Suíça), é mais ergonômico, oferecendo maior sensibilidade tátil e conforto. O cabo dos instrumentos endodônticos apresenta forma bicôncava e deve ter 10 a 12mm de comprimento, diâmetro de 3mm na parte bicôncava e 4mm nas extremidades. Alguns instrumentos endodônticos podem ter cabos fabricados em plástico ou em silicone
A
B
Figura 9-38. Partes de um instrumento. Cabo. A. Diâmetros menores. B. Diâmetros maiores.
com diâmetro de 5mm na parte bicôncava e de 6mm nas extremidades (Fig. 9-38A e B). Para cabos com diâmetros maiores, a força necessária para girar (movimento de alargamento) o instrumento endodôntico no interior de um canal radicular é menor. Consequentemente, maior será a percepção tátil e cuidados do profissional em relação à anatomia interna do dente. Entretanto, se o profissional aplicar ao instrumento de cabo de maior diâmetro a mesma força que ele está calibrado (acostumado) para o de cabo de menor diâmetro, maior será o torque, o qual pode ultrapassar o limite de resistência à fratura por torção do instrumento. O cabo dos instrumentos endodônticos pode apresentar o topo plano ou arredondado e possuir nas paredes laterais estrias paralelas ou perpendiculares ao eixo para assegurar uma melhor empunhadura do instrumento. Os instrumentos endodônticos portadores de cabo podem ser acionados manualmente ou por dispositivos mecânicos especiais.
Haste de fixação e acionamento Haste de fixação e acionamento de instrumentos mecanizados é a parte que serve para a sua fixação na cabeça de um contra-ângulo e seu acionamento por meio de dispositivos mecânicos. Pode ser de latão (liga de cobre e zinco) ou de liga de alumínio. A união entre a haste de fixação e o corpo do instrumento geralmente é feita por engaste. Para alguns instrumentos endodônticos (instrumentos TF, alargadores Gates Glidden e Largo), a haste de fixação e acionamento e o corpo são obtidos de uma única haste metálica, o que elimina a possibilidade de movimento excêntrico (afastado do eixo) durante a rotação do instrumento. O movimento excêntrico além do deslocamento do centro do preparo induz a fratura do instrumento endodôntico (Fig. 9-39A e B). A haste de fixação e acionamento de um instrumento endodôntico mecanizado é cilíndrica e pode ter comprimento entre 11 e 15mm e diâmetro universal de 2,30mm, o que possibilita o uso desses instrumentos em contra-ângulo de qualquer marca comercial. Hastes menores conferem comprimentos totais menores, o que favorece o emprego desses instrumentos em dentes posteriores de pacientes com reduzida abertura bucal. Na haste de fixação e acionamento existem anéis coloridos e/ou ranhuras correlacionados à conicidade da haste de corte helicoidal e ao diâmetro em D0 do instrumento (Norma ISO 1797: Dental rotatory instruments-Shanks. Parte 1)30 (Fig. 9-40).
Instrumentos Endodônticos
Figura 9-39. Partes de um instrumento. Haste de fixação e acionamento. A. Engaste. B. Oriunda da haste metálica primitiva.
A
323
B
Figura 9-40. Partes de um instrumento. Haste de fixação e acionamento.
Figura 9-41. Partes de um instrumento. Intermediário.
Raros fabricantes oferecem instrumentos endodônticos com hastes de fixação e acionamento com dimensões diferentes das mencionadas e, consequentemente, contra-ângulos exclusivos.
tâncias predeterminadas a partir da extremidade (ponta) do instrumento endodôntico (Fig. 9-41). Nos instrumentos endodônticos fabricados por usinagem, o intermediário geralmente tem a forma cilíndrica em toda a sua extensão. Todavia, nos torcidos, o intermediário junto da parte de trabalho apresenta paredes planas remanescentes da haste piramidal obtida por aplainamento do fio metálico primitivo de forma cilíndrica (Fig. 9-42). Em alguns instrumentos o intermediário apresenta a forma de um cone sólido reverso, com o maior diâmetro voltado para a parte de trabalho do instrumento (exemplos: alargadores Gates Glidden e Largo).
Intermediário Intermediário é a porção do corpo metálico de um instrumento endodôntico que está localizado entre o cabo ou a haste de fixação e acionamento e a parte de trabalho. Seu tamanho varia em função do comprimento do corpo e do comprimento da parte de trabalho do instrumento. Pode apresentar marcas (ranhuras) que representam dis-
324
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-43. Parte de trabalho de um instrumento. Ponta cônica piramidal.
Figura 9-42. Intermediário. Superior, instrumento fabricado por torção. Inferior, instrumento fabricado por usinagem.
Parte de trabalho Parte de trabalho é a porção do corpo metálico de um instrumento endodôntico projetada para executar o corte e/ou a raspagem das paredes dentinárias internas de um canal radicular. É formada pela ponta e pela haste de corte.
Ponta Ponta é a porção terminal e aguçada da extremidade da parte de trabalho de um instrumento ou ferramenta. A ponta é também denominada de guia de penetração. O perfil da ponta dos instrumentos endodônticos é cônico. Quando a ponta apresenta a figura geométrica de um cone com sessão reta transversal poligonal (triangular ou quadrangular), é denominada de ponta cônica piramidal. É fabricada por um processo de usinagem denominado de aplainamento (Fig. 9-43). Quando apresenta a figura geométrica de um cone com seção reta transversal cilíndrica, é denominada de ponta cônica circular. É fabricada por um processo de usinagem denominado de torneamento cônico externo (Fig. 9-44). A ponta piramidal apresenta capacidade de corte, enquanto a cônica circular é não cortante42,49. O vértice (extremidade) da ponta pode ser classificado de acordo com a configuração geométrica que apresenta. É classificado como pontiagudo quando o vértice apresenta a forma de um triângulo com a extremidade aguçada, obtuso quando o vértice apresen-
Figura 9-44. Parte de trabalho de um instrumento. Ponta cônica circular.
ta a forma arredondada com raio de 1 a 2mm e como truncado quando o vértice termina por segmento de reta (Fig. 9-45). O vértice da ponta deve ser cêntrico em relação ao eixo do instrumento42,49. A passagem da base da ponta para a haste de corte da parte de trabalho dos instrumentos endodônticos pode ocorrer por um ângulo de transição (obtuso) de 135 a 150º ou por uma curva de transição (elipsoide). (Fig. 9-46)42,49. As especificações ANSI/ADA no 28 (1988)1, ANSI/ ADA no 58 (1997)3 e ISO 3630-1 (1992)31 não fornecem informações sobre as formas e os vértices das pontas, assim como em relação à transição da base das pontas dos instrumentos endodônticos. A forma da ponta é opcional e varia de acordo com o fabricante. O ângulo da ponta de um instrumento endodôntico é representado por um ângulo formado pelo contorno de sua ponta. Pode ser determinado medindo-se diretamente o valor do ângulo formado pelas duas tan-
Instrumentos Endodônticos
325
Figura 9-46. Transição da base da ponta para a haste de corte. Superior, ângulo de transição. Inferior, curva de transição.
Figura 9-45. Ponta. Vértice da ponta. Superior, pontiagudo. Médio, truncado. Inferior, obtuso (arredondado).
gentes traçadas nas superfícies de contorno da ponta do instrumento (Fig. 9-47). De acordo com as especificações ANSI/ADA no 28 (1988)1, ANSI/ADA no 58 (1997)3 e ISO 3630-1 (1992)31, o ângulo da ponta dos instrumentos endodônticos deve ser igual a 75 ± 15º. Alguns instrumentos endodônticos apresentam a ponta constituída de dois ângulos: um maior, de 70º localizado na extremidade da ponta, e outro menor, de 35º junto da base da ponta. Esse tipo de ponta é conhecido como ponta Roane ou R. O ângulo menor tem como objetivo a eliminação do ângulo de transição, conferindo a passagem da base da ponta desses instrumentos a forma de uma curva de transição (Fig. 9-48)42,49,62. O comprimento da ponta de um instrumento endodôntico é a distância existente entre a extremidade (vértice da ponta) e a base da ponta (altura do cone). Deve ser determinado sobre a seção reta longitudinal
Figura 9-47. Ângulo da ponta.
Figura 9-48. Ponta Roane (R).
326
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
da parte de trabalho do instrumento endodôntico. A seção reta longitudinal é obtida após embutimento em resina e o desgaste da amostra. Também pode ser determinado diretamente sobre o instrumento como advindo da fábrica. Entretanto, nesse caso a precisão é menor. É calculado por meio do comprimento de uma reta partindo do vértice da ponta até a interseção com outra linha reta passando pela base da ponta e perpendicular ao eixo do instrumento (altura do cone) (Fig. 9-49). O comprimento da ponta pode ser determinado em microscópio óptico equipado com dispositivo micrométrico de medição, em projetor de perfil ou por meio de fotografias obtidas em microscopia óptica ou eletrônica de varredura42,49. O comprimento da ponta dos instrumentos endodônticos é determinado pela especificação de no 3630-1 ISO (1992)31. Varia com o ângulo da ponta e o diâmetro em D0 do instrumento endodôntico (Fig. 9-50).
Assim, o comprimento (L) da ponta de um instrumento com ângulo da ponta α será: L=
Do /2 tg (/2 )
Como o ângulo da ponta (α) pode variar entre 60 e 90º, o seu comprimento terá uma variação entre: Valor máximo (mm): L
L=
Do /2 tg ( 60/2 )
0 ,5 Do 0 ,577
= 0 ,866 Do
Valor mínimo (mm): L=
L=
Do /2 tg ( 90/2 )
0 ,5 Do = 0 ,5 Do 1
Por exemplo, para um instrumento com ângulo na ponta igual ao valor 70º e diâmetro em D0 = 0,40mm o comprimento da ponta será: L = (0,40/2)/tg (70/2) = 0,2/0,70 = 0,286mm. Para o mesmo instrumento com ângulo na ponta igual ao valor máximo de 85º, o comprimento da ponta será : Figura 9-49. Comprimento da ponta.
L=
0 , 40/2 tg ( 85/2 )
=
0,2 0 ,92
= 0 , 217 mm
O Quadro 9-2 mostra os comprimentos máximos (ângulo da ponta igual a 60º, ou seja, L = 0,87 D0) e mínimos (ângulo da ponta igual a 90º, ou seja, L = 0,50 D0) da ponta dos instrumentos endodônticos, levando-se em consideração os diâmetros nominais ISO em D0.
Figura 9-50. Desenho esquemático. Comprimento da ponta em função do ângulo mínimo (60ºC) e máximo (90ºC) da ponta de um instrumento endodôntico.
Quanto ao comprimento da ponta, pode-se afirmar que ele está relacionado com o ângulo da ponta. Quanto menor o ângulo, maior será o comprimento da ponta. Com o objetivo de reduzir o comprimento da ponta, o vértice dela é arredondado ou truncado23,32,35,42. A ponta dos instrumentos endodônticos pode apresentar variação acentuada entre a geometria proposta pelos fabricantes e a encontrada. De modo geral, os instrumentos de menores diâmetros apresentam pontas com geometrias diferentes das preconizadas pelos fabricantes. Para os instrumentos de maiores diâmetros, a geometria das pontas é semelhante às micrografias e aos desenhos divulgados
Instrumentos Endodônticos
327
Quadro 9-2 Comprimento máximo e mínimo da ponta dos instrumentos (mm) Número
Comprimento máximo
Comprimento mínimo
08
0,07
0,04
10
0,09
0,05
15
0,13
0,07
20
0,17
0,10
25
0,22
0,12
30
0,26
0,15
35
0,30
0,17
40
0,35
0,20
45
0,39
0,22
50
0,43
0,25
55
0,48
0,27
60
0,52
0,30
70
0,61
0,35
80
0,70
0,40
90
0,78
0,45
100
0,87
0,50
110
0,95
0,55
120
1,04
0,60
130
1,13
0,65
140
1,73
0,70
pelos fabricantes (Fig. 9-51). Além disso, há também uma variação acentuada das formas e das dimensões das pontas dos instrumentos endodônticos de um mesmo número (diâmetro) e de um mesmo fabricante23,32,35,42,55,56. A ponta dos instrumentos endodônticos é projetada para servir de guia e facilitar a penetração (avanço) do instrumento no interior de um canal radicular. Ela atua sobre as paredes dentinárias dos canais radiculares, fato esse que não deve ser ignorado. A geometria da ponta é uma característica importante no desenho do instrumento e interfere no cateterismo de canais radiculares atresiados, assim
Figura 9-51. Geometria da ponta. Superior, proposta pelo fabricante. Inferior, encontrada em instrumentos de diâmetros menores.
como na limpeza e na modelagem final do preparo apical de um canal radicular. A simetria na geometria da ponta exerce papel importante sobre a capacidade de o instrumento endodôntico penetrar e permanecer centrado durante a sua movimentação no interior de um canal radicular13,28,42,49. Pontas cônicas piramidais em razão da atividade de corte mostram-se superiores às pontas cônicas circulares quando a velocidade de avanço do instrumento endodôntico no interior de um canal radicular é comparada55,56. Porém, em canais radiculares curvos e atresiados, maior incidência de desvios e perfurações pode ocorrer quando do emprego de instrumentos com pontas piramidais. Pontas cônicas circulares não têm atividade de corte e avançam no interior de um canal radicular atresiado durante o movimento de alargamento pela compressão e esmagamento da dentina radicular. Vértices obtusos (arredondados) facilitam o deslizamento do instrumento junto às irregularidades das paredes dos canais radiculares, reduzindo o risco de iatrogenias (desvios e perfurações)42,49. A forma do vértice da ponta dos instrumentos endodônticos fica a critério do fabricante. Todavia, é comum encontrar instrumentos com a mesma forma da ponta, porém, com vértices diferentes.
328
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Vértices pontiagudos apresentam maior capacidade perfurante, mesmo sendo cônica circular a forma da ponta do instrumento endodôntico. Vértices obtusos são mais seguros em relação a desvios e perfurações. Instrumentos endodônticos com vértice da ponta truncado, quando empregados no esvaziamento (cateterismo) de canais atresiados, favorecem o entupimento (perda da patência) ou extravasamento de resíduos via apical do canal radicular. O ângulo da ponta dos instrumentos endodônticos pode variar de 60 a 90º. Essa tolerância para instrumentos de corte é ampla demais, significando em valores percentuais uma diferença de até 66,6%. Quanto maior for o ângulo da ponta, maior será a resistência ao avanço do instrumento no interior de um canal radicular com diâmetro menor do que o instrumento. Ao contrário, quanto menor o ângulo da ponta, menor será a resistência ao avanço para uma mesma carga axial aplicada. O ângulo da ponta de um instrumento endodôntico está intimamente relacionado com o comprimento da ponta. Quanto menor o ângulo, maior será o comprimento da ponta. Com objetivo de reduzir o comprimento da ponta, o seu vértice é arredondado ou truncado durante o processo de fabricação do instrumento endodôntico. Do ponto de vista biológico e clínico, quanto maior o comprimento da ponta de um instrumento endodôntico, maior será o segmento apical do canal radicular que ficará com a sua limpeza comprometida. A passagem da base da ponta para a haste de corte helicoidal de um instrumento endodôntico pode ocorrer por um ângulo de transição (obtuso) ou por uma curva de transição (elipsoide). O ângulo de transição confere capacidade de corte à base da ponta do instrumento endodôntico. A sua presença durante a instrumentação de um canal radicular curvo por meio do movimento de alargamento pode provocar o transporte apical de um canal radicular curvo (maior desgaste da parede dentinária externa do canal). Também favorece a imobilização da ponta do instrumento, induzindo a fratura por torção principalmente dos instrumentos de menores diâmetros. Ao contrário, a curva de transição da base da ponta permite o giro e o avanço do instrumento com um menor carregamento no sentido apical de um canal radicular. Para a execução do movimento de alargamento parcial à direita, parcial alternado ou contínuo, obtido manualmente ou por meio de dispositivos mecânicos, é imprescindível que o instrumento en-
dodôntico não tenha ângulo de transição, mas sim curva de transição. A geometria da ponta dos instrumentos endodônticos apresenta uma variação acentuada de formas e dimensões oriundas do processo de fabricação. A carência de uniformidade do desenho da ponta, associada à falta de precisão de suas dimensões, pode acarretar dificuldades e iatrogenias na configuração apical do preparo de canais radiculares. Na maioria das vezes esses problemas são atribuídos a complexidades anatômicas dos canais radiculares e não à falta de precisão de fabricação presente na geometria da ponta dos instrumentos endodônticos42,79. Levando-se em consideração a relevância da geometria da ponta dos instrumentos endodônticos na configuração do preparo de canais radiculares, é necessário que haja mais informações repassadas aos cirurgiões-dentistas por parte dos fabricantes. Além disso, é preciso ressaltar que o resultado de um tratamento endodôntico é dependente do conhecimento do profissional sobre sua ferramenta de trabalho (instrumento endodôntico).
Haste de corte Haste de corte é o segmento da parte de trabalho com forma sulcada na face externa do corpo metálico e que se estende da base da ponta até o intermediário do instrumento. É constituída pelas arestas laterais ou fios de cortes e pelos canais ou sulcos (Fig. 9-52)41,49.
Figura 9-52. Parte de trabalho de um instrumento. Haste de corte. (a) Aresta (hélice) de corte. (b) Canal helicoidal.
Instrumentos Endodônticos
A
B
C
Figura 9-53. Haste de corte. A. Instrumento tipo K. B. Lima Hedstrom. C. Instrumento mecanizado K3.
O perfil da haste de corte varia com o tipo do instrumento, sendo na maioria das vezes de um cone com o menor diâmetro voltado para a base da ponta (Fig. 9-53A a C). Porém, alguns instrumentos endodônticos podem apresentar haste de corte cilíndrica (alargadores Largo), elíptica ou oval (alargadores Gates Glidden).
A
C
329
A haste de corte dos instrumentos endodônticos pode ser obtida por torção ou usinagem de um fio metálico. Para os instrumentos endodônticos fabricados por torção, o desenho da haste de corte é obtido a partir da deformação plástica de uma haste metálica piramidal de seção reta transversal triangular ou quadrangular, imobilizada em uma das extremidades, e a outra submetida à torção à esquerda. Para os instrumentos endodônticos fabricados por usinagem, o desenho da haste de corte é obtido por um processo mecânico de usinagem chamado de roscamento externo. As hélices são oriundas das arestas ou fios laterais de corte identificados por meio da seção reta transversal da haste de corte do instrumento. O número de arestas laterais de corte pode variar de um a cinco (Fig. 9-54A a E). O sentido das hélices, da direita para a esquerda. Pouquíssimos instrumentos endodônticos apresentam as hélices no sentido da esquerda para a direita (compactador de guta-percha e espiral Lentulo) (Fig. 9-55A a C). A hélice pode apresentar a forma de filete ou de guia radial (Fig. 9-56A e B). A forma de filete é origina-
B
D
E
Figura 9-54. Haste de corte. Seção reta transversal. Número de arestas ou fios laterais de corte. A. Uma aresta. B. Duas arestas. C. Três arestas. D. Quatro arestas. E. Cinco arestas.
330
A
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
B
C
Figura 9-55. Hélices. Sentido das hélices. A. Direita para a esquerda. B. Esquerda para a direita (Lentulo). C. Esquerda para a direita (compactador de guta-percha).
da pelo encontro de duas paredes ou faces de canais helicoidais contíguos. A forma de guia radial é originada da convergência de duas paredes de canais helicoidais contíguos, porém com o vértice truncado terminando em uma superfície cilíndrica. As arestas laterais de corte e os canais podem ser dispostos na haste de corte na forma helicoidal incli-
A
nada ou na direção do eixo do instrumento. Para o sistema Race (FKG Dentaire, Suíça), a partir da ponta do instrumento as arestas laterais de corte são dispostas alternadamente na direção paralela e inclinada (helicoidal) em relação ao eixo do instrumento. Os instrumentos K-Kerr junto da base da ponta apresentam as arestas de cortes paralelas ao eixo do instrumento, adquirindo a partir de aproximadamente 1mm a disposição helicoidal (inclinada) (Fig. 9-57). O canal é um sulco presente na superfície de uma haste de corte de uma ferramenta. É formado pelas paredes ou faces das hastes de corte presente entre as arestas. O número de canais é correspondente ao número de arestas ou fios laterais de corte. A maioria dos instrumentos endodônticos apresenta hastes de corte cônicas e os canais dispostos na forma helicoidal (Fig. 9-58). As hélices de uma haste de corte são projetadas para o corte ou raspagem das paredes dentinárias internas de um canal radicular quando o instrumento endodôntico é acionado por meio de um movimento de alargamento ou de limagem. O canal helicoidal é responsável pelo transporte de cavacos (resíduos) oriundos do corte ou desgaste da dentina e pelo volume e passagem de solução química auxiliar da instrumentação para o segmento apical de um canal radicular.
B
Figura 9-56. Hélices. A. Forma de filete. B. Forma de guia radial.
Instrumentos Endodônticos
331
Ângulo da hélice é o ângulo agudo formado pela hélice e o plano contendo o eixo do instrumento. Podemos calcular o ângulo da hélice traçando-se uma linha tangente à hélice a qual forma um ângulo com o plano contendo o eixo do instrumento. Seu valor é variável em função do tipo de instrumento e do material a ser cortado. Pode ser constante para todas as hélices da haste de corte ou apresentar diferentes valores (Fig. 9-59A e B). As especificações ADA ou ISO não fornecem valores referentes para esses ângulos.
Figura 9-57. Arestas laterais (fios) de corte. Disposição paralela ao eixo do instrumento e na forma oblíqua (hélice). Superior. Instrumento RaCe. Inferior. Instrumento Kerr.
A
B
Figura 9-58. Haste de corte. Canal helicoidal. Superior. Seção reta transversal. Inferior. Seção reta longitudinal.
Figura 9-59. Haste de corte. Ângulo agudo de inclinação da hélice. A. Constante. B. Variável.
332
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Com relação ao ângulo da hélice há três opções de passo8: • passo normal (ângulo da hélice ~ 28º) • passo longo (ângulo da hélice ~ 5º) • passo curto (ângulo da hélice ~ 40º) Quanto menor o ângulo da hélice, mais eficiente é a ação de alargamento (corte) do instrumento endodôntico e maior o comprimento do passo da hélice. Quanto maior o ângulo da hélice, mais eficiente é a ação de limagem (raspagem) do instrumento endodôntico e menor o comprimento do passo da hélice. Passo da hélice é a distância entre vértices consecutivos de uma mesma aresta ou fio de corte disposta na haste de corte na forma de hélice ao longo da direção axial do instrumento (Fig. 9-60). Para os instrumentos endodônticos tipo K, o ângulo das hélices é crescente em sentido do intermediário e varia de 15 a 55º de uma à outra extremidade da haste de corte helicoidal cônica. Para os instrumentos de diâmetros maiores pode ser constante. As limas Hedstrom de menores diâmetros (até no 40) apresentam ângulo agudo da hélice variável de 40 a 55º de uma extremidade à outra da haste de corte helicoidal cônica, e para os diâmetros maiores é em média de 65º. Para os instrumentos endodônticos mecanizados empregados como alargadores com giro contínuo, o ângulo da hélice é crescente da ponta para a base da haste de corte helicoidal cônica de 10 a 60º. Isso confere passo variável, reduzindo o efeito roscamento do instrumento durante a instrumentação de um canal radicular. O número de hélices corresponde à quantidade de filetes ou de guias radiais (roscas) existentes na face externa da haste de corte de um instrumento endodôntico. É calculado pela relação entre o número de hélices por unidade de comprimento da haste de corte do instrumento. Varia com o comprimento, diâmetro, forma, passo da hélice e número de arestas laterais de corte do
Figura 9-60. Passo da hélice.
instrumento. Não há menção sobre o número de hélices dos instrumentos endodônticos nas especificações da ADA ou ISO. O número de hélices diminui com o aumento do diâmetro e da conicidade da haste de corte, assim como do aumento do passo da hélice de um instrumento endodôntico. Ao contrário, aumenta com a ampliação do comprimento da haste de corte e do número de arestas laterais de corte. Por exemplo, os instrumentos endodônticos no 15 e no 80 apresentam em média, para os do tipo K, 35 e 17 hélices, e para os do tipo Hedstrom, 25 e 15 hélices, respectivamente. Núcleo de um instrumento de corte é a parte central compreendida entre o fundo do canal que se estende desde a base da ponta até o término da haste de corte. A forma do núcleo está relacionada com a seção da haste de corte do instrumento endodôntico. Na seção reta longitudinal, o perfil do núcleo pode ser: cônico, com diâmetro maior voltado para o intermediário; cônico reverso, com diâmetro menor voltado para o intermediário ou cilíndrico. Na seção reta transversal da haste de corte, a forma do núcleo é representada por um círculo tangenciando os fundos dos canais do instrumento endodôntico. O diâmetro é função do perfil (desenho) da seção reta transversal da haste de corte do instrumento (Fig. 9-61).
Figura 9-61. Núcleo da haste de corte de um instrumento endodôntico. Superior. Seção reta longitudinal. Inferior. Seção reta transversal.
Instrumentos Endodônticos
O diâmetro do núcleo de uma haste de corte helicoidal cônica interfere na flexibilidade e na resistência à fratura do instrumento endodôntico. Quanto menor o diâmetro do núcleo, maiores a flexibilidade e a resistência à fratura por flexão rotativa (fadiga de baixo ciclo) do instrumento. Contudo, menor será sua resistência à fratura por torção. O diâmetro do núcleo também determina a profundidade do canal presente na haste de corte do instrumento. Para núcleos cônicos, a profundidade do canal é constante em toda a extensão da haste de corte cônica. Para núcleos cilíndricos e cônicos reversos, a profundidade do canal aumenta em sentido da base da haste de corte cônica. Dentre esses últimos, a profundidade é maior para o núcleo cônico reverso. Quanto maior a profundidade do canal, maior será a capacidade de o instrumento transportar resíduos da instrumentação. Maior também será o volume de uma solução química auxiliar que fluirá em sentido apical entre a parede dentinária e a do canal do instrumento endodôntico. Vale ressaltar que a atividade antimicrobiana e solvente de tecido pulpar de uma solução química depende do volume desta.
A
C
333
Os instrumentos endodônticos apresentam seção reta transversal com diferentes perfis. Pode ser o mesmo ou variar ao longo da haste de corte do instrumento. O perfil da seção reta transversal da haste de corte de um instrumento é dado pelas linhas das paredes dos canais. Essas linhas podem apresentar silhuetas retas, côncavas, convexas e sinuosas (côncava e convexa) (Fig. 9-62A a D). Instrumentos com canais com paredes côncavas ou retas apresentam valores menores quanto à área da seção e ao diâmetro do núcleo. Ao contrário, maiores serão para os instrumentos com canais de paredes convexas ou sinuosas. Como os instrumentos endodônticos por convenção giram à direita, para executar o movimento de alargamento, a parede do canal voltada para o cavaco (raspa de dentina) é denominada de parede de ataque ou de saída, e a oposta, de parede de incidência ou folga41,49 (Fig. 9-63). O perfil da aresta lateral de corte pode apresentar a forma de filete ou a forma de guia radial (Fig. 9-64A e B). A forma de filete é dada pela interseção das paredes de ataque e de incidência dos canais do instrumento. A forma de guia radial é representada por um cone truncado originário da convergência das paredes de ataque e de
B
D
Figura 9-62. Haste de corte. Perfil das paredes da seção reta transversal (silhueta). A. Reta. B. Côncava. C. Convexa. D. Sinuosa (côncava convexa).
334
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-65. Área do núcleo. Figura 9-63. Paredes ou faces de um canal helicoidal. A. De ataque ou de saída. B. De incidência ou de folga.
A
B
Figura 9-64. Fio da aresta lateral de corte. A. Filete. B. Guia radial.
incidência do canal do instrumento. Nesses instrumentos a aresta de corte é formada pela interseção da porção anterior da parede da guia e pela parede de ataque do canal do instrumento. Quanto menor o ângulo interno da aresta lateral de corte e mais aguçado o seu vértice, maior será a capacidade de um instrumento endodôntico de cortar por alargamento ou de raspar por limagem as paredes dentinárias de um canal radicular41. Instrumentos endodônticos de mesmo diâmetro externo apresentam áreas de seções retas transversais e de núcleos diferentes. Isso ocorre porque os instrumentos apresentam seções retas transversais com diferentes formas (Fig. 9-65). O número de canais corresponde ao de arestas de corte. A forma e a profundidade do canal são variáveis em função dos perfis das paredes de ataque e de incidência da seção reta transversal da haste de corte do instrumento (Fig. 9-66). A partir da forma da seção reta transversal da haste de corte helicoidal cônica, assim como da posição de suas arestas de corte (cunha de corte) em relação à parede de um canal radicular, podemos definir e determinar diferentes ângulos relacionados com atividades de corte de uma ferramenta. A descrição desses ângulos é feita a partir das superfícies (paredes) da seção reta
Figura 9-66. Número, perfil e profundidade dos canais helicoidais da haste de corte de um instrumento endodôntico.
transversal da ferramenta e de dois planos ortogonais entre si, passando por um ponto de referência na aresta de corte (Fig. 9-67). Esses ângulos variam segundo o material a ser cortado ou raspado12,15,41,69. • Plano de referência do instrumento (a) – É o plano obtido entre o eixo longitudinal e a linha que liga o centro do instrumento ao ponto de referência. • Ponto de referência (b) – É o ponto que a aresta de corte do instrumento efetivamente toca a parede do canal radicular durante o preparo. • Plano de corte do instrumento (c) – É o plano obtido traçando-se uma tangente ao ponto de referência e a linha que liga todos os pontos que tocam a parede do canal, correspondente ao plano de referência do instrumento. É perpendicular ao plano de referência do instrumento.
Instrumentos Endodônticos
335
Figura 9-68. Ângulo de ataque ou de saída positivo.
Figura 9-67. Desenho esquemático. Seção reta transversal da haste de corte de um instrumento endodôntico. (a) Plano de referência. (b) Ponto de referência. (c) Plano de corte. (d) Face de ataque. (e) Face de incidência. β. Ângulo da aresta de corte. α. Ângulo de incidência ou de folga. δ. Ângulo de corte.
• Ângulo da aresta ou fio de corte (β) – é o ângulo interno formado pelas paredes de ataque (d) e de incidência (e) do instrumento. Para os instrumentos que possuem guia radial, é o ângulo interno formado pela interseção da porção anterior da parede da guia e a parede de ataque do instrumento. Representa uma cunha que é forçada entre a parede do canal radicular e o cavaco arrancado. • Ângulo de incidência ou de folga (α) – É o ângulo formado pelo plano de corte (c) e a parede de incidência (e) do instrumento. Mede a inclinação da superfície atrás da aresta de corte. O ângulo de incidência é necessário para fazer sempre a aresta de corte penetrar em um material (parede do canal) novo. • Ângulo de corte (δ) – É o ângulo formado pela soma dos ângulos, da aresta de corte (β) e de incidência (α). • Ângulo de ataque ou de saída (γ) – De uma ferramenta de corte é o ângulo formado pelo plano de referência (a) e a parede de ataque (d) do instrumento. É considerado positivo (Fig. 9-68) quando o ponto de referência (b) está adiantado em relação à parede de ataque (d) do instrumento, ou seja, a parede de ataque está situada aquém do plano de referência (a) do instrumento. Quando o ponto de referência (b) estiver aquém (atrasado) em relação à parede de ataque (d), o valor do ângulo passa a ser negativo, ou seja, a parede de ataque está situada além do plano de referência (a) (Fig. 9-69). O ângulo de ataque positivo ou negativo também pode ser definido quanto à posição da aresta de corte em relação ao sentido
Figura 9-69. Ângulo de ataque ou de saída negativo.
da força aplicada à ferramenta. É considerado positivo quando a aresta de corte está voltada no mesmo sentido da força aplicada e, ao contrário, quando a aresta de corte está voltada no sentido oposto da força aplicada. Geralmente, para instrumentos endodônticos as superfícies de ataques das seções retas transversais estão além do plano de referência, sendo assim considerados negativos. Para a dentina (material frágil e quebradiço) é ideal que os instrumentos endodônticos possuam ângulo de ataque negativo cortando por alargamento ou raspando por limagem as paredes do canal radicular de uma forma menos invasiva e mais segura. Todavia, a importância do ângulo de ataque dos instrumentos endodônticos ainda não foi claramente definida. Diversos autores7,33,65,76 sugerem que o ângulo de ataque positivo aumenta a eficiência de corte de um instrumento endodôntico. Contudo, é preciso ressaltar que a capacidade de corte de um instrumento endodôntico, além do ângulo de ataque, depende do ângulo de inclinação da hélice, do ângulo interno e do vértice da aresta lateral de corte, do ângulo de incidência e da dureza da liga metálica do instrumento e do material a ser cortado. Outra consideração é que a superelas-
336
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
ticidade da liga NiTi não confere ao vértice da aresta lateral de corte de um instrumento endodôntico com ângulo de ataque positivo resistência à deformação elástica, quando em contato com a parede dentinária de um canal radicular. Consequentemente, durante o corte, a aresta de corte do instrumento é rebatida na direção da parede do canal helicoidal por meio de uma deformação elástica, induzindo menor desgaste do material a ser cortado.
Figura 9-72. Comprimento (L) dos alargadores Gates Glidden e Largo.
DIMENSÕES DOS INSTRUMENTOS Comprimento dos instrumentos O comprimento útil de um instrumento, em milímetros, é dado pelo comprimento do corpo, desprezando-se o cabo ou haste de fixação e acionamento. É representado pela soma dos comprimentos do intermediário e da parte de trabalho (Fig. 9-70). Os instrumentos endodônticos padronizados de acordo com a norma ISO 3630-1 (1992) são fabricados com comprimento de 21, 25, 28 e 31mm, com tolerância de + 0,5mm31. Os de 21 e 25mm são os mais empregados. Como a parte de trabalho mede 16mm (valor mínimo), o que varia no instrumento endodôntico é a extensão do intermediário. Alguns instrumentos endodônticos especiais são fabricados com comprimentos diferentes da padronização (18, 19, 23 e 27mm). Os instrumentos endodônticos especiais são dotados de comprimentos menores, variáveis com a marca comercial. Para esses instrumentos tanto o comprimento da parte de trabalho como o do intermediário não são constantes (Fig. 9-71). Para os alargadores Gates Glidden e Largo, o comprimento corresponde ao tamanho total dos instrumentos, ou seja, a soma da haste de fixação e acionamento mais o corpo do instrumento (Fig. 9-72).
Figura 9-70. Comprimento útil dos instrumentos endodônticos.
Figura 9-71. Instrumentos especiais. Comprimentos variáveis.
O comprimento dos instrumentos endodônticos pode ser obtido por aparelhos denominados de projetores de perfil com precisão de 0,001mm ou mesmo com paquímetros com precisão de 0,01mm. Quanto maior o comprimento, maiores serão a flexibilidade e o ângulo de rotação antes da fratura por torção (fator de segurança do instrumento) e, ao contrário, menor será a resistência à flambagem de um instrumento endodôntico. Quanto maior a flexibilidade de um instrumento, maior será a possibilidade de se manter a forma original de um canal curvo após a sua instrumentação; quanto maior o ângulo de rotação, maior será o número de voltas que um instrumento suportará antes da fratura por torção, estando sua ponta imobilizada; quanto menor a sua resistência à flambagem (resistência à flexocompressão), maior será a dificuldade ao avanço do instrumento endodôntico no sentido apical durante o cateterismo de um canal radicular atresiado.
Diâmetro dos instrumentos A partir da revisão da especificação no 28 da ANSI/ADA de 19881, os conceitos de D0 e D16 foram introduzidos para substituir os diâmetros D1 e D2, respectivamente. O diâmetro da ponta da parte de trabalho de um instrumento endodôntico é denominado de D0. É um diâmetro virtual que consiste na projeção da conicidade da haste de corte até a ponta do instrumento. O diâmetro junto ao intermediário tem a denominação de D seguido de um valor numérico correspondente ao comprimento da parte de trabalho em milímetros49. Assim, quando a parte de trabalho apresentar 16mm de comprimento, teremos as representações de D0 e D16. Os diâmetros nominais em D0, expressos em centésimos de milímetros, correspondem aos números dos instrumentos padronizados (ISO) e variam entre 6
Instrumentos Endodônticos
e 140. São divididos em quatro séries: especial, de 6 a 10; primeira de 15 a 40; segunda de 45 a 80 e terceira de 90 a 140. A soma das quatro séries perfaz o total de 21 instrumentos (Quadro 9-3). O limite de tolerância das dimensões do diâmetro é alto, o que justifica durante o uso clínico a dificuldaQuadro 9-3 Instrumentos endodônticos – ISO Número D0 (mm)
Tolerância (mm)
Cor
Série
6
0,06
± 0,02
rosa
8
0,08
± 0,02
cinza
10
0,10
± 0,02
roxa
15
0,15
± 0,02
branca
20
0,20
± 0,02
amarela
25
0,25
± 0,02
vermelha
30
0,30
± 0,02
azul
35
0,35
± 0,02
verde
40
0,40
± 0,02
preta
45
0,45
± 0,02
branca
50
0,50
± 0,02
amarela
55
0,55
± 0,02
vermelha
60
0,60
± 0,02
azul
70
0,70
± 0,04
verde
80
0,80
± 0,04
preta
90
0,90
± 0,04
branca
100
1,00
± 0,04
amarela
110
1,10
± 0,04
vermelha
120
1,20
± 0,04
azul
130
1,30
± 0,04
verde
140
1,40
± 0,04
preta
Especial
Primeira
Segunda
Terceira
337
de na passagem de instrumentos com valores nominais consecutivos. Isso ocorre porque o instrumento empregado pode apresentar diâmetro no limite mínimo da tolerância (–0,02), enquanto o instrumento subsequente pode estar no limite máximo da tolerância (+ 0,02). O contrário justifica a facilidade na passagem entre instrumentos de números consecutivos. No caso de dificuldade do emprego de instrumento consecutivo, a instrumentação do canal radicular deverá ser repetida com outro instrumento endodôntico do mesmo valor nominal. O diâmetro nominal dos instrumentos aumenta de 0,05mm até o no 60; a partir desse número até o 140, o aumento é de 0,1mm. Para os números especiais 6, 8 e 10, o aumento é de 0,02mm. A tolerância dimensional permitida é de ± 0,02mm até o instrumento de no 60 e de ± 0,04mm até o de no 140 (ISO 3630-1 1992)31. Esses valores nominais, embora fixos, quando transformados em percentuais, revelam aumento dos diâmetros, que variam de 8 a 50% em D0, entre os instrumentos consecutivos (Quadro 9-4).
Analisando os dados do Quadro 9-4, podemos verificar que as maiores variações percentuais se encontram entre os instrumentos delgados, e as menores, entre os de maior calibre. Como exemplos podemos citar que o diâmetro em D0 do instrumento no 15 é 50% maior do que o diâmetro do no 10, e o do instrumento 60 é apenas 9% maior do que o do no 55. Havendo grande variação percentual entre os diâmetros dos instrumentos consecutivos, é necessária uma força maior para realizar o corte da dentina e o avanço do instrumento no interior do canal radicular. Os diâmetros em percentuais variáveis entre instrumentos consecutivos também justificam a dificuldade encontrada durante a passagem de um instrumento para o outro no início do preparo do canal radicular. Essas variações podem induzir a deformação plástica e/ou fratura do instrumento, assim como desvios e perfurações das paredes de um canal radicular. Para melhor distribuir esses percentuais foram criados os instrumentos tipo K Golden Mediums (Maillefer, Suíça), de diâmetros intermediários en-
Quadro 9-4 Aumento percentual do diâmetro dos instrumentos em D0 – ISO No
6
8
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
70
80
90
100
110
120
130
140
D0
0,06
0,08
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
0,40
0,45
0,50
0,55
0,60
0,70
0,80
0,90
1,00
1,10
1,20
1,30
1,40
%
........
33
25
50
33
25
20
17
14
13
11
10
9
17
14
13
11
10
9
8
8
338
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
tre os convencionais nos 10 e 40. O diâmetro entre instrumentos consecutivos aumenta de 0,05mm em D0 (nos 12-17-22-27-32-37), tendo como objetivo reduzir a variação no aumento dos diâmetros dos instrumentos iniciais da série ISO, possibilitando que esses durante o preparo do canal radicular alcancem o comprimento de trabalho com maior facilidade. Todavia, houve um aumento no número de instrumentos de 21 para 27, o que dificulta o manuseio e aumenta o custo do tratamento. Outro aspecto a ser considerado é que o limite de tolerância do diâmetro em D0, para os instru-
mentos Golden Mediums é o mesmo de ± 0,02mm. Consequentemente, na passagem entre instrumentos consecutivos padronizados ISO e Golden Mediums, a dificuldade ou a facilidade permanece (Quadro 9-5). Schilder66, procurando solucionar os problemas mencionados, fez um estudo propondo um número menor de instrumentos com aumentos constantes dos percentuais em D0. Assim, propôs reduzir o número de instrumentos de 21 para 13 com aumento percentual em D0 constante de 29% (na verdade, 29,17%) (Quadro 9-6).
Quadro 9-5 Aumento percentual do diâmetro em D0. Limas K (ISO) intercaladas com as Golden Mediums No
6
8
10
12
15
17
20
22
25
27
30
32
35
37
40
D0
0,06
0,08
0,10
0,12
0,15
0,17
0,20
0,22
0,25
0,27
0,30
0,32
0,35
0,37
0,40
D%
-----
33
25
20
25
13
18
10
14
8
11
7
9
6
8
Quadro 9-6 Aumento percentual do diâmetro em D0. Instrumentos ISO e Série 29 ISO No
Série 29
D0 (mm)
Aumento % em D0
No
D0 (mm)
Aumento % em D0
6
0,06
–
00
0,060
–
8
0,08
33
0
0,077
29
10
0,10
25
1
0,100
29
15
0,15
50
2
0,129
29
20
0,20
33
3
0,167
29
25
0,25
25
4
0,216
29
30
0,30
20
5
0,279
29
35
0,35
17
6
0,360
29
40
0,40
14
45
0,45
13
7
0,465
29
50
0,50
11
55
0,55
10
60
0,60
9
8
0,600
29
70
0,70
17
80
0,80
14
9
0,775
29
10
1,000
29
11
1,293
29
90
0,90
13
100
1,00
11
110
1,10
10
120
1,20
9
130
1,30
8
140
1,40
8
Instrumentos Endodônticos
Isso possibilita uma melhor distribuição dos instrumentos onde os nove primeiros da série ISO (três da série especial e seis da primeira) são substituídos por oito da série 29. Na segunda série (nos 45 a 80), os seis instrumentos são substituídos por três da série 29, enquanto os seis da terceira série (nos 80 a 140) são substituídos por dois. Desse modo, verificase que, no início da distribuição da série 29, é oferecido maior número de instrumentos com menores diâmetros (oito instrumentos) e poucos são disponíveis no final da série (cinco instrumentos). Essa melhor distribuição dos instrumentos é importante, em razão de as maiores dificuldades da instrumentação de um canal serem encontradas no início do tratamento endodôntico. Os instrumentos da série 29 são fabricados em aço inoxidável ou em NiTi, com seus números variando entre 00 e 11 e com 21, 25 e 30mm de comprimento. Considerando a soma dos instrumentos ISO (21 limas) e intermediários (seis instrumentos) (Golden Mediums), observa-se que 27 instrumentos são substituídos por 13 da série 2913,38,49. Para Schilder66, clinicamente, a vantagem da série 29 é que a variação constante de diâmetro dos instrumentos permite ao operador uma melhor sensibilidade tátil, que é importante, principalmente no preparo de canais atresiados e curvos. Os menores diâmetros dos instrumentos iniciais da série 29 (nos 2, 3, 4 e 5), quando comparados aos da série ISO (nos 15, 20, 25 e 30), permitem que aqueles alcancem a região apical de canais radiculares atresiados com maior facilidade49. O valor proposto de 29,17% foi determinado a partir da soma das variações percentuais dos diâmetros em D0 dos instrumentos da série ISO, que corresponde a um valor total de 350%, e de que, segundo Schilder, os instrumentos de nos 6 até 60 são os mais usados na instrumentação de canais radiculares. Logo, distribuindo a soma dos percentuais de aumento (350%) entre os 12 intervalos existentes a partir do instrumento de nos 6 até 60, teremos o aumento médio de 29,17% entre dois instrumentos consecutivos da série 2949. Quanto maior o diâmetro, maiores serão a rigidez, as resistências à flambagem e à fratura por torção de um instrumento endodôntico. Ao contrário, menores serão sua flexibilidade e resistência à fratura por fadiga de baixo ciclo induzida por flexão rotativa do instrumento endodôntico.
Conicidade dos instrumentos A conicidade de um instrumento é a relação entre o aumento no diâmetro por unidade de comprimento
339
da parte de trabalho. A conicidade dos instrumentos convencionais, de acordo com a norma 28 da ANSI/ ADA1 e a norma 3630/1 ISO31 é de 0,02mm/mm, ou seja, há aumento de 2% a cada 1mm da parte de trabalho. Para os instrumentos da série ISO com conicidade 0,02, o aumento de D0 para D16 é de 0,32mm. Essa conicidade foi sugerida por Ingle e Levine29 em 1958, levando em consideração o diâmetro anatômico do canal radicular e os princípios de instrumentação adotados na época. A técnica empregada era a convencional, em que os instrumentos em ordem crescente de diâmetro atuavam em todo o comprimento de trabalho. Em função da complexidade anatômica do sistema de canais e, principalmente, da existência de raízes com curvaturas, o uso dessa técnica provocava acidentes iatrogênicos, como, por exemplo, a formação de degrau, transporte do canal, perfuração, fratura do instrumento, impactação e extrusão de resíduos para a região apical e perirradicular. A partir de 1980, foi desenvolvida na Oregon University Health Science Center, USA, a técnica denominada de crown-down (coroa-ápice)53. Essa técnica promove o alargamento cervical antes de se instrumentar o segmento apical de um canal radicular. O alargamento no sentido coroa-ápice diminui significativamente os acidentes observados na técnica convencional. Entretanto, os instrumentos padronizados (ISO) não apresentam diâmetro em D0 e conicidade que favoreçam o alargamento cervical. Assim, para promover uma maior remoção de dentina do segmento cervical são empregados instrumentos mais calibrosos em D0, podendo com isso provocar a perda da trajetória inicial do canal, bem como alterações na sua anatomia interna. Com o objetivo de facilitar a instrumentação do canal no sentido coroa-ápice foram sugeridas conicidades constantes de 0,04 - 0,06 - 0,08 - 0,10 e 0,12mm/ mm inicialmente para os instrumentos de NiTi mecanizados. Com o aumento da conicidade do instrumento foi necessário reduzir o comprimento de sua parte de trabalho de 16mm para que o diâmetro máximo da base da haste de corte helicoidal não ultrapasse 2mm. Diâmetros maiores podem provocar o rasgo de raízes durante a instrumentação de um canal radicular. Alguns instrumentos endodônticos acionados manualmente também estão sendo fabricados com conicidades maiores do que a convencional. Por exemplo, para se obter no segmento cervical um diâmetro de aproximadamente 1mm semelhante ao determinado por um instrumento K3 (alargador cervical) de no 25, conicidade 0,08mm/mm e parte
340
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
de trabalho com 10mm de comprimento, necessitase de um instrumento tipo K (ISO) de conicidade 0,02mm/mm no 80 penetrando 10mm de sua parte de trabalho no interior de um canal radicular. O menor diâmetro em D0 apresentado pelo instrumento de maior conicidade favorece o seu avanço no sentido apical de um canal radicular. Além disso, remove maior quantidade de dentina da região cervical e reduz a possibilidade da perda da trajetória do canal radicular. Ao contrário, o instrumento convencional tipo K com maior diâmetro em D0 dificulta o avanço e aumenta a possibilidade da perda da trajetória inicial do canal radicular. O alargamento prévio do segmento cervical favorece o avanço do instrumento de menor diâmetro no sentido coroa-ápice quando empregado na sequência da instrumentação, o que permite que durante a sequência da instrumentação no sentido coroa-ápice apenas a extremidade do instrumento empregado (seção de menor diâmetro) mantenha contato com a parede do canal radicular. Em consequência, o instrumento fica submetido a menor carregamento, diminuindo o esforço de corte e a possibilidade de fratura. Quanto menor a conicidade, maiores a flexibilidade e a resistência à fratura por fadiga de baixo ciclo, estando o instrumento sob flexão rotativa. Ao contrário, quanto maior a conicidade, maiores a rigidez, a resistência à flambagem e a resistência à fratura induzida por torção do instrumento endodôntico38. Instrumentos endodônticos especiais denominados de ProTaper (Dentsply-Maillefer) apresentam conicidades variáveis ao longo de sua haste de corte helicoidal. Sendo para os instrumentos denominados de modeladores crescentes no sentido do intermediário, enquanto para os instrumentos denominados de acabamento a conicidade no sentido do intermediário é decrescente. Os instrumentos ProTaper são fabricados em duas versões, com cabo e com haste de fixação e acionamento.
Determinação da conicidade e dos diâmetros A medida das dimensões dos instrumentos endodônticos deve ser realizada em duas direções perpendiculares. Faz-se a primeira medida em uma seção e a segunda após girar o instrumento em 90º. O resultado das dimensões corresponde à média aritmética dos valores obtidos. A medida dos instrumentos pode ser realizada em microscópio óptico equipado com dispositivo micrométrico de medição, em projetor de perfil, com paquímetros, micrômetro ou por meio de fotografias obtidas em microscopia óptica ou eletrônica de varredura. A conicidade de um instrumento endodôntico é obtida por meio da diferença entre o diâmetro no final e inicial de sua parte de trabalho dividido pelo comprimento dela. Devido às dificuldades na definição do diâmetro inicial e do final da parte de trabalho determinam-se dois pontos nas extremidades opostas da parte de trabalho do instrumento. Para instrumentos endodônticos com comprimento mínimo da parte de trabalho de 16mm, os pontos são determinados a 3mm e 13mm da ponta do instrumento71 (Fig. 9-73). A conicidade do instrumento é obtida dividindo-se a diferença existente entre o diâmetro maior e o menor pela distância entre os pontos determinados mediante a expressão: C=
D13 – D 3 10
A partir desses valores são calculados os diâmetros em D0 e junto ao intermediário (D16) mediante as expressões: D0 = D3 – C × 3 D16 = D13 + C × 3 O diâmetro D0 de um instrumento endodôntico é definido como o diâmetro projetado da conicidade da haste de corte na ponta do instrumento. O diâmetro D0
Figura 9-73. Determinação da conicidade e do diâmetro em D0 e D16 dos instrumentos endodônticos.
Instrumentos Endodônticos
é virtual. O diâmetro junto do intermediário é denominado D seguido de um valor numérico correspondente ao comprimento da parte de trabalho em milímetros. Esse diâmetro também é obtido por meio da projeção da conicidade da haste de corte helicoidal.
341
Quadro 9-7 Extirpa-polpas Número
Diâmetro nominal
Tolerância
Cor
0
20
± 0,02
roxa
EXTIRPA-POLPAS
1
25
± 0,02
branca
São pequenas hastes metálicas suavemente cônicas, de aço inoxidável, providas de um cabo plástico colorido ou metálico com uma faixa colorida. O cabo é cilíndrico e tem 10mm de comprimento e diâmetro de 3mm. São caracterizados por apresentar sua parte de trabalho com farpas levantadas da própria haste metálica e dispostas circularmente, formando ângulo interno agudo com o eixo do instrumento (Fig. 9-74A a C). Possuem um número mínimo de 36 farpas, cujo tamanho corresponde a metade do diâmetro da haste metálica. Comprimento mínimo de 20mm e da parte de trabalho de 10,5mm ± 1,5mm, conicidade variável de 0,007 a 0,010mm/mm. Suas dimensões não têm relação com as medidas estandardizadas dos outros instrumentos e a cor do cabo é um referencial que indica o diâmetro do menor para o maior (Quadro 9-7).
2
30
± 0,02
amarela
3
35
± 0,03
vermelha
4
40
± 0,03
azul
5
50
± 0,04
verde
6
60
± 0,04
preta
Os extirpa-polpas foram projetados para acionamento manual com o movimento de remoção. Esse movimento é constituído de três etapas: penetração até o segmento apical do canal radicular, rotação de uma a duas voltas sobre seu eixo no sentido horário ou anti-horário e tração em direção cervical49.
A principal indicação desse instrumento é na remoção da polpa dentária. Desse modo, devem ser denominados de extirpa-polpas. Após sua introdução no interior do tecido pulpar, a rotação provoca o deslocamento da polpa das paredes dentinárias, e a tração determina o seu rompimento a um nível de maior constrição do canal, que geralmente é o limite dentina-cemento (CDC), situado aproximadamente a 0,5mm aquém do ápice radicular. São indicados para a remoção do tecido pulpar hígido, nos casos de cavidade pulpar ampla. Não devem ser usados na remoção de tecido pulpar nos casos de rizogêne-
B
A
C
Figura 9-74. Extirpa-polpas. A. Desenho esquemático. B. Ponta. C. Detalhe da farpa.
342
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
se incompleta, pois poderiam provocar a ruptura do tecido a um nível muito próximo dos tecidos perirradiculares, dificultando a reparação tecidual durante o tratamento endodôntico. Poderão também ser úteis na remoção de detritos livres no interior do canal, bolinhas de algodão e cones de papel utilizados com o medicamento intracanal. Os extirpa-polpas não devem ser usados em canais atresiados. Aconselhamos sempre, antes de sua utilização, que seja feita uma exploração prévia do canal com instrumento tipo K esbelto. O extirpapolpas nunca deve penetrar justo no canal, uma vez que, pela disposição de suas farpas, elas se fecham em razão da deformação elástica da liga metálica ao tocar nas paredes dentinárias, facilitando sua introdução. Todavia, ao se procurar remover o instrumento, as farpas ficam encravadas nas paredes dentinárias, levando à sua fratura ou do instrumento.
INSTRUMENTOS TIPO K Estes instrumentos foram desenvolvidos pela Kerr Manufacturing Company (USA) em 1915, razão da denominação instrumentos tipo K. Esses instrumentos podem atuar como lima e como alargador e serem acionados manualmente ou por meio de dispositivos mecanizados. São muito usados em Endodontia, fabricados a partir de fios metálicos de aço inoxidável ou de NiTi. A forma final dos instrumentos tipo K é obtida empregando-se a torção ou a usinagem. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo e conicidade de 0,02mm/mm. Podem ser encontrados também com conicidades maiores. São fabricados com comprimentos úteis de 21, 25, 28 e 31mm. Os de 21 e 25 são os mais empregados. Podem ser encontrados também com comprimentos menores. Os números dos instrumentos tipo K variam entre 6 e 140, que correspondem aos diâmetros em D0, expressos em centésimos de milímetros. São divididos em quatro séries: especial, de 6 a 10; primeira, de 15 a 40; segunda, de 45 a 80; e terceira, de 90 a 140 (Fig. 9-75). O cabo dos instrumentos tipo K é de plástico, podendo ser também de silicone colorido conforme a correlação com a numeração ISO. A forma é bicôncava e tem 10 a 12mm de comprimento e diâmetro de 3mm na parte bicôncava e, nas extremidades, 4mm. Alguns instrumentos podem ter cabos com diâmetros na parte bicôncava de 4mm e, nas extremidades, 5mm. Os cabos com diâmetros maiores geralmente estão associados a instrumentos de conicidades também maiores. Têm como objetivo reduzir a força necessária para girar ins-
Figura 9-75. Instrumento endodôntico tipo K.
trumentos de maior conicidade quando ajustados no interior de um canal radicular (Fig. 9-76A e B). O intermediário dos instrumentos tipo K apresenta tamanho variável em função do comprimento do corpo e da parte de trabalho do instrumento endodôntico. Em algumas marcas comerciais apresentam ranhuras que representam distâncias de 18, 19, 20 e 22mm a partir da extremidade do instrumento endodôntico. Nos instrumentos tipo K fabricados por torção, o intermediário junto da haste de corte helicoidal apresenta três ou quatro paredes planas oriundas da haste piramidal inicial. Nos fabricados por usinagem, o intermediário é cilíndrico em toda sua extensão, ou seja, junto da haste de corte helicoidal (Fig. 9-77). Instrumen-
A
B
Figura 9-76. Cabo dos instrumentos tipo K. A. Diâmetros menores. B. Diâmetros maiores.
Instrumentos Endodônticos
Figura 9-77. Intermediário dos instrumentos tipo K. Superior. Instrumento fabricado por torção. Inferior. Instrumento fabricado por usinagem.
tos tipo K fabricados por usinagem apresentam maior número de defeitos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e microcavidades) do que os fabricados por torção. A presença desses defeitos altera a capacidade de corte e o comportamento mecânico dos instrumentos endodônticos em relação à fratura por torção. Outro aspecto a ser considerado é que, na fabricação de
343
um instrumento endodôntico por usinagem, os cristais (fibras ou nervuras) alinhados na direção da trefilação do fio metálico são cortados com redução significativa da resistência à fratura por torção e flambagem do instrumento. Ao contrário, na fabricação por torção a integridade dos cristais é preservada (Fig. 9-78A e B). Para Lopes et al.47, os instrumentos tipo K de mesmo diâmetro e comprimento, os fabricados por usinagem, suportam um menor ângulo de rotação à direita antes da fratura quando comparados aos fabricados por torção. Quanto maior o ângulo de rotação de um instrumento tipo K, maior será a sua deformação elástica e plástica antes do início da fratura por torção. Esse maior ângulo atua como um fator de segurança porque o torque aplicado ficará aquém do limite de resistência à fratura por torção do instrumento. Clinicamente, quanto maior for o ângulo de rotação, maior será a possibilidade de se descartar o instrumento antes da fratura. Isso reforça a necessidade de o profissional inspecionar cuidadosamente o instrumento todas as vezes que ele é retirado do interior de um canal radicular. É importante ressaltar que o ângulo de rotação varia com o diâmetro e com o comprimento do instrumento endodôntico. É maior para instrumentos de menor diâmetro e de maior comprimento. A ponta dos instrumentos tipo K se apresenta como a figura geométrica de um cone. Pode ser classificada como cônica circular ou piramidal (facetada) (Fig. 9-79). A extremidade da ponta pode ser pontiaguda,
A
B
Figura 9-78. Instrumentos tipo K. A. Fabricados por torção. Linha de cristais não cortadas. B. Fabricados por usinagem. Linha de cristais cortadas.
Figura 9-79. Instrumento tipo K. Forma da ponta. Superior. Cônica circular. Inferior. Cônica piramidal.
344
A
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
B
C
Figura 9-80. Instrumento tipo K. Extremidade da ponta. A. Pontiaguda. B. Obtusa. C. Truncada.
obtusa (arredondada) ou truncada (Fig. 9-80A a C). O ângulo da ponta é de 75º ± 15º. Quanto menor o ângulo, maior será o comprimento da ponta. A passagem da base da ponta para a haste de corte helicoidal pode apresentar ângulo de transição ou curva de transição (Fig. 9-81). Instrumentos tipo K com pontas cônicas piramidais e vértices pontiagudos não devem ser empregados em canais radiculares curvos pelo fato de promoverem maior incidência de desvios e perfurações radiculares. Pontas cônicas circulares e vértices obtusos facilitam o deslizamento do instrumento nas irregularidades das paredes dos canais radiculares e reduzem o risco de iatrogenias. Vértices pontiagudos apresentam maior capacidade perfurante, mesmo sendo a forma da ponta do instrumento tipo K cônica circular. Pontas com vértices truncados podem favorecer o entupimento (perda da patência) e o extravasamento de resíduos via apical do canal radicular quando os instrumentos são empregados no esvaziamento de canais radiculares. Instrumentos tipo K com ponta cônica circular e vértice truncado devem ser empregados após o esvaziamento dos canais radiculares. O esvaziamento de um canal radicular deve preferencialmente ser realizado com instrumentos tipo K de ponta cônica circular com pequeno ângulo e vértice arredondado (obtuso). Os instrumentos tipo K quando empregados no preparo de um canal radicular por meio do movimento de alargamento não podem apresentar ângulo de transição. A sua presença pode provocar o transporte apical de um canal radicular ou favorecer a imobilização da ponta do instrumento induzindo a fratura por torção, principalmente dos instrumentos tipo K de menores diâmetros. A haste de corte dos instrumentos tipo K é helicoidal cônica com a base voltada para o intermediário. É constituída pelas hélices e pelos canais helicoidais
dispostos na direção oblíqua ao eixo dos instrumentos no sentido da direita para a esquerda. O ângulo agudo de inclinação das hélices é de aproximadamente 45º. Todavia em diversos instrumentos varia de 15 a 55º, de uma extremidade à outra da haste de corte helicoidal cônica. A variação do ângulo agudo de inclinação das hélices é crescente da ponta em sentido do intermediário do instrumento endodôntico (Fig. 9-82A e B). Apresenta seção reta transversal triangular ou quadrangular (Fig. 9-83). O perfil do canal dos instrumentos tipo K triangulares ou quadrangulares apresenta paredes retas. O perfil da aresta de corte apresenta a forma de filete oriundo da interseção das paredes de canais con-
Figura 9-81. Instrumento tipo K. Transição da base da ponta para a haste de corte. Superior. Ângulo de transição. Inferior. Curva de transição.
Instrumentos Endodônticos
A
345
B
Figura 9-82. Instrumento tipo K. Ângulo agudo de inclinação das hélices. A. Valor constante. B. Valores variáveis.
tíguos. Os de seção triangular apresentam três arestas laterais de corte e três canais. O ângulo (interno) da aresta lateral de corte é de aproximadamente 60º. Os instrumentos de sessão reta transversal quadrangular apresentam quatro arestas laterais de corte. O ângulo interno da aresta lateral de corte é de 90º. Quanto menor o ângulo interno da aresta lateral de corte e mais aguçado o seu vértice, maior será a capacidade de corte de um instrumento tipo K (Fig. 9-84). O ângulo de ataque do instrumento tipo K é negativo, ou seja, o ponto de referência da aresta lateral de corte está aquém em relação à parede de ataque do instrumento. Os instrumentos tipo K de seção reta transversal triangular também são identificados com a denominação Flex
(exemplo: instrumentos FexoFile (Maillefer) e TripleFlex (Kerr). Os instrumentos de seção reta triangular necessitam de movimentos de rotação à direita de um terço (120º) para completar o círculo de corte das paredes do canal, enquanto, nos de seção reta quadrangular, o movimento exigido é de um quarto (90º) de volta (Fig. 9-85). Os furos produzidos com instrumentos tipo K de mesmo diâmetro externo de seção reta triangular são iguais aos produzidos com os de seção quadrangular. Não considerando o desgaste da dentina, teoricamente, o diâmetro do furo preparado com um instrumento triangular é cerca de 33% maior do que o diâmetro da sua seção reta transversal, ao passo que,
Figura 9-83. Instrumento tipo K. Seção reta transversal. Forma quadrangular e triangular.
Figura 9-84. Instrumento tipo K. Seção reta transversal. Aresta ou fio lateral de corte. Vértice pontiagudo. Vértice arredondado.
346
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-85. Desenho esquemático. Movimento de alargamento. Ângulo de rotação para completar o círculo de corte das paredes de um canal radicular. Instrumento tipo K triangular 1/3 de volta (120º). Instrumento tipo K quadrangular 1/4 de volta (90º).
Figura 9-86. Desenho esquemático. Instrumento tipo K triangular, diâmetro do furo (b) maior do que o da seção reta transversal (a). Instrumento tipo K quadrangular, diâmetro do furo (b) igual ao diâmetro da seção reta transversal (a).
Figura 9-87. Desenho esquemático. Área da seção reta transversal de instrumento quadrangular e triangular.
no preparado com um instrumento quadrangular, o diâmetro do furo e o diâmetro de sua seção reta transversal são iguais como se pode observar na Fig. 9-86. A área de um furo feito com um instrumento endodôntico tipo K triangular é 141% maior do que a área da seção reta transversal do instrumento. Para um instrumento quadrangular a área do furo é 57% maior do que a área da seção reta transversal do instrumento. Para os instrumentos quadrangulares e triangulares de iguais diâmetros (D0), o volume de material excisado e removido pelo triangular é maior e o número de aresta de corte é menor. Os instrumentos de seção reta quadrangular apresentam uma área 54% maior do que os de seção reta triangular de mesmo diâmetro nominal (Fig. 9-87). Além disso, o diâmetro do núcleo de um instrumento de seção reta transversal quadrangular é maior do que o de um instrumento de seção reta transversal triangular. Esses fatores possibilitam uma maior resistência ao torque máximo até a fratura por torção dos instrumentos com seção reta quadrangular. Ao contrário, os instrumentos com seção reta transversal triangular apresentam um maior ângulo de rotação máximo até a fratura por torção. Por exemplo, para dois instrumentos tipo K de mesmo diâmetro, o de seção reta transversal triangular suporta uma maior deformação elástica e plástica antes da fratura do que o de seção quadrangular. Esse parâmetro do material atua como fator de segurança em relação à fratura por torção de um instrumento tipo K. Os instrumentos triangulares, por apresentarem menor momento de inércia, se deformam com níveis inferiores de carregamento em flexão, sendo assim mais flexíveis do que os quadrangulares. A força para a flexão de 45º (deformação elástica) de um instrumento de aço inoxidável de 25mm de comprimento, de no 30 e de seção reta transversal triangular (FlexoFile, Maillefer, Suíça), é de 202gf, enquanto para um de seção reta quadrangular (K-File, Maillefer, Suíça) de igual número e comprimento é de 248gf. Isso permite aos instrumentos triangulares induzirem menor deslocamento da instrumentação em relação à forma original do canal radicular. É importante ressaltar que a flexibilidade (resistência em flexão) dos instrumentos tipo K é proporcional ao comprimento e inversamente proporcional ao diâmetro D0 (número). A flexibilidade varia também com a natureza da liga metálica empregada na fabricação do instrumento tipo K. Os instrumentos de NiTi são mais flexíveis do que os de aço inoxidável (Quadro 9-8).
Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-8 Média e desvio padrão da força máxima (gf ) para flexionar a ponta dos instrumentos endodônticos de 25mm de comprimento em 15,5mm Números
FlexoFile
CCCord
Nitiflex
30
204 (14)
214 (18)
104 (3,6)
40
256 (14)
266 (15,5)
128 (19,6)
A seção reta longitudinal da haste de corte helicoidal cônica revela que o núcleo dos instrumentos tipo K é cônico com o vértice voltado para a ponta da parte de trabalho e o canal helicoidal nos triangulares é mais profundo do que nos quadrangulares (Fig. 9-88). Quanto maior a profundidade do canal, maior será a capacidade de o instrumento transportar resíduos oriundos da instrumentação. Maior também será o volume de uma solução química auxiliar que fluirá no sentido apical entre a parede dentinária e o instrumento endodôntico. Os instrumentos tipo K foram projetados para ser utilizados como limas em movimento de limagem e como alargadores em movimento de alargamento parcial à direita ou de alargamento parcial alternado. O movimento de alargamento parcial alternado pode ser executado manualmente ou por meio de dispositivos mecânicos (contra-ângulos especiais acoplados em motores elétricos ou pneumáticos). Inúmeras são as marcas comerciais de instrumentos tipo K existentes no mercado endodôntico.
Instrumentos K-Colorinox Os instrumentos K-Colorinox (Maillefer, Suíça) são fabricados por torção de uma haste metálica pi-
347
ramidal de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente, nos comprimentos úteis de 21, 25, 28 e 31mm, nos nos de 6 a 140. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo. A ponta do instrumento tem a forma de um cone circular, extremidade geralmente aguda e curva de transição até o instrumento de no 40. Os demais apresentam ponta cônica piramidal, extremidade pontiaguda e ângulo de transição. Os instrumentos de diâmetros menores geralmente apresentam pontas com formas diferentes das preconizadas pelos fabricantes. A haste de corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm. O ângulo agudo de inclinação das hélices é menor para os instrumentos de diâmetros menores. Consequentemente, esses instrumentos não exercem a ação de limagem adequadamente. A seção reta transversal apresenta a forma quadrangular até o instrumento de no 40 e os demais, seção reta transversal triangular (Fig. 9-89A a F). Resultados de medidas desses instrumentos são mostrados no Quadro 9-10.
Instrumentos K-CC+VDW Os instrumentos K-CC+VDW (Antaeos, Beutelrock, Zipperer, Alemanha) são fabricados por torção de uma haste metálica piramidal de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente, nos comprimentos úteis de 21, 25, 28 e 31mm, nos nos de 6 a 110, e nos comprimentos de 25 e 31mm nos nos de 120 a 140. Há também dois instrumentos com diâmetros intermediários correspondentes aos nos 12,5 e 17,5 nos comprimentos de 21 e 25mm. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo. A ponta do instrumento apresenta a figura de um cone circular, extremidade pontiaguda e curva de transição. Todavia em alguns exemplares observa-se ângulo de transição. Os instrumentos de diâmetros menores geralmente apresentam pontas com formas diferentes das preconizadas pelos fabricantes. A haste de corte helicoidal apresenta conici-
Figura 9-88. Diâmetro do núcleo de instrumento tipo K de mesmo número. Triangular (esquerda). Quadrangular (direita).
348
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
F
B
C
Figura 9-89. Instrumento tipo K Colorinox. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte (D16).
D
Figura 9-89. Instrumento tipo K colorinox. F. Formas das pontas. Superior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor.
dade de 0,02mm/mm. O ângulo agudo de inclinação das hélices é menor para os instrumentos de diâmetros menores. Consequentemente esses instrumentos não exercem ação de limagem adequadamente. A seção reta transversal apresenta a forma quadrangular até o instrumento de no 25 e os demais, seção reta transversal triangular (Fig. 9-90 A a H).
Instrumentos K-FKG Os instrumentos K-FKG (FKG Dentarie, Suíça) são fabricados por torção de uma haste metálica piramidal de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente nos comprimentos úteis de 21, 25, 28 e 31mm, nos nos de 6 a 140. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo. A ponta do instrumento tem a forma de um cone circular, extremidade arredondada e com curva de transição. A haste de corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm. A seção reta transversal apresenta a forma quadrangular (Fig. 9-91A a C).
Instrumentos K-Kerr
E
Figura 9-89. Instrumento tipo K Colorinox. D. Seção reta transversal. E. Seção reta longitudinal.
Os instrumentos K-Kerr (Kerr, México) são fabricados por torção de uma haste metálica piramidal de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente, nos comprimentos úteis de 21, 25 e 30mm, nos nos de 8 a 140. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo. A ponta do instrumento é piramidal (facetada) e sua extremidade é truncada. Todavia, alguns instrumentos podem apresentar ponta cônica circular. Apresentam ângulo de transição obtuso. A haste de corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm.
Instrumentos Endodônticos
349
Quadro 9-10 Instrumentos K-Colorinox nos 15 a 140. Valores Médios18 No
Lpon mm
α grau
F. ponta
Con mm/mm
D0 Mm
β grau
γ grau
L max mm
N. hélice
15
cônica circular
16
29
17
32
20
cônica circular
19
32
17
32
25
cônica circular
23
38
16
31
30
cônica circular
26
39
17
31
35
cônica circular
26
32
17
24
40
cônica circular
28
36
17
24
45
cônica facetada
40
47
17
22
50
cônica facetada
40
47
16
22
55
cônica facetada
39
48
16
21
60
cônica facetada
43
48
16
20
70
cônica facetada
Δ
47
53
16
20
80
cônica facetada
48
49
16
17
90
cônica facetada
47
51
17
15
100
cônica facetada
50
53
17
14
110
cônica facetada
48
49
17
12
120
cônica facetada
46
46
17
11
130
cônica facetada
45
44
17
11
140
cônica facetada
41
41
17
8
= abaixo do valor nominal; = igual ao valor nominal; Δ = acima do valor nominal; No = número; Lpon = comp. da ponta (0,866 D0 a 0,5. D0); D0 = diâmetro projetado na ponta (± 0,02 mm) α = ângulo da ponta (75º ± 15º); β = ângulo da 1a hélice F. ponta = forma da ponta; γ = ângulo da última hélice Con = conicidade (0,02 ± 0,002mm/mm); Lmax = comp. da parte de trabalho (mínimo de 16mm) N. hélice = número de hélices na haste helicoidal
A seção reta transversal apresenta a forma quadrangular. Junto à base da ponta as arestas laterais de corte são paralelas ao eixo do instrumento, adquirindo a partir de aproximadamente 1mm a disposição helicoidal (Fig 9-92A a G). A presença de arestas de corte paralelas ao eixo do instrumento:
• reduz a velocidade de avanço do instrumento em sentido apical durante o movimento de alargamento; • facilita a criação do batente apical quando empregada com o movimento de alargamento.
• não permite que o instrumento nesta região da parte de trabalho exerça a ação de limagem;
Os instrumentos K-FlexoFile (Maillefer, Suíça) são fabricados por torção de uma haste piramidal de aço inoxidável desde 1981. São oferecidos comercialmente,
Instrumentos K-FlexoFile
350
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
G
Figura 9-90. Instrumento tipo K CC+. G. Seções retas transversais. B
C
Figura 9-90. Instrumento tipo K CC+. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte (D16).
H
Figura 9-90. Instrumento tipo K CC+. H. Forma da ponta. Superior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor.
D
A
E B
F
Figura 9-90. Instrumento tipo K CC+. Seção reta longitudinal. D. Ponta. E. Haste de corte. F. Haste de corte (D16).
C
Figura 9-91. Instrumento tipo K-FKG. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
Instrumentos Endodônticos
351
A
B
G
Figura 9-92. Instrumento tipo K-Kerr. G. Seção reta transversal. C
Figura 9-92. Instrumento tipo K-Kerr. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte.
D
E
nos comprimentos úteis de 18, 21, 25 e 31mm, nos nos de 15 a 40. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo. A ponta dos instrumentos apresenta a figura de um cone circular com extremidade truncada e com curva de transição. Os instrumentos de diâmetros menores geralmente apresentam as pontas com formas diferentes das preconizadas pelo fabricante. A haste de corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm. A seção reta transversal apresenta a forma triangular. O ângulo agudo de inclinação das hélices é menor para os instrumentos de diâmetros menores. Consequentemente, esses instrumentos não exercem ação de limagem adequada (Fig. 9-93A a H). Os resultados de medidas desses instrumentos são mostrados no Quadro 9-11. Os instrumentos K-FlexoFile com cabo de silicone são denominados de Senseus FlexoFile. São oferecidos comercialmente, nos comprimentos de 21, 25 e 31mm, nos nos de 6 a 80.
Instrumentos K-FlexoFile Golden Mediums
F
Figura 9-92. Instrumento tipo K-Kerr. Seção reta longitudinal. D. Ponta. E. Haste de corte. F. Haste de corte D16.
Os instrumentos especiais da série Golden Mediums (Maillefer, Suíça) são iguais aos K-FlexoFile, porém apresentam na extremidade (D0) diâmetros intermediários aos apresentados pelo sistema ISO. São fabricados em seis números – 12, 17, 22, 27, 32 e 37 –, que apresentam em D0, respectivamente, os valores nominais de 0,12 – 0,17 – 0,22 – 0,27 – 0,32 e 0,37mm. Pos-
352
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
B
G
Figura 9-93. Instrumento tipo K-FlexoFile. G. Seção reta transversal.
C
Figura 9-93. Instrumento tipo K-FlexoFile. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
D H
Figura 9-93. Instrumento tipo K-FlexoFile. H. Forma das pontas. Superior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor.
E
F
Figura 9-93. Instrumento tipo K-FlexoFile. Seção reta longitudinal. D. Ponta. E. Haste de corte. F. Haste de corte D16.
suem comprimentos úteis de 21, 25 e 31mm. Os cabos são de plástico e as cores semelhantes às da série ISO de número anterior, porém com detalhe em dourado (Quadro 9-12).
Esses instrumentos foram projetados com o objetivo de reduzir o aumento percentual do diâmetro em D0 observado entre instrumentos ISO de nos 10 a 40. O emprego dos instrumentos com diâmetros intermediários tem como objetivo alcançar o comprimento de trabalho do canal radicular com maior facilidade. São empregados em canais atresiados, retos ou curvos, intercaladamente aos instrumentos tipo K-FlexoFile. Exemplo: lima 10, 12, 15, 17, 20,
Instrumentos Endodônticos
353
Quadro 9-11 Instrumentos FlexoFile de 15 a 40. Valores Médios18 No
Lpon mm
α grau
Con. mm
D0 mm
β grau
γ grau
Lmax. Mm
N. hélice
15
cônica circular
0,02
21
33
16
29
20
cônica circular
0,02
26
37
17
30
25
cônica circular
0,02
30
42
17
31
30
cônica circular
0,02
32
46
17
29
35
cônica circular
0,02
47
50
17
30
40
cônica circular
0,02
40
47
17
29
F. ponta
= abaixo do valor nominal; = igual ao valor nominal; Δ = acima do valor nominal; No = número; Lpon = comp. da ponta (0,866 D0 a 0,5. D0); D0 = diâmetro projetado na ponta ( ± 0,02 mm) α = ângulo da ponta (75º ± 15º); β = ângulo da 1a hélice F. ponta = forma da ponta; γ = ângulo da última hélice Con = conicidade (0,02 ± 0,002mm/mm); Lmax = comp. da parte de trabalho (mínimo de 16mm) N. hélice = número de hélices na haste helicoidal
Quadro 9-12 Diâmetros em D0 e D16 dos instrumentos Golden Mediums No
D0 mm
D16 mm
Cor
12
0,12
0,44
roxa
17
0,17
0,49
branca
22
0,22
0,54
amarela
27
0,27
0,59
vermelha
32
0,32
0,64
azul
37
0,37
0,69
verde
22... Todavia, devemos ressaltar que o limite de tolerância do diâmentro em D0 para os instrumentos Golden Mediums é o mesmo de ± 0,02mm. Consequentemente, na passagem entre instrumentos consecutivos padronizados ISO e Golden Mediums a dificuldade ou facilidade permanece.
Instrumentos Flexicut CC+VDW
Os instrumentos Flexicut CC+VDW (VDW-Munich, Alemanha) são fabricados por torção de uma haste piramidal de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente, nos comprimentos úteis de 21 e 25mm, nos nos 15 a 40. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo. A ponta do instrumento apresenta a configuração de um cone circular, extremidade pontiaguda e com curva de transição. Os instrumentos de diâmetros menores geralmente apresentam as pontas com formas diferentes das preconizadas pelo fabricante. A haste de corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm. A seção reta transversal apresenta a forma triangular. O ângulo agudo de inclinação das hélices é menor para os instrumentos de diâmetros menores. Consequentemente esses instrumentos não exercem ação de limagem adequada (Fig. 9-94A a E).
Instrumentos K flex-FKG Os instrumentos tipo K flex (FKG Dentarie, Suíça) são fabricados por usinagem de um fio de aço inoxidável de seção reta transversal circular. São oferecidos comercialmente, nos comprimentos úteis de 21, 25, 28 e 31mm, nos nos 15 a 40. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo. A ponta do instrumento apresenta a figura de um cone circular, extremi-
354
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
B E
Figura 9-94. Instrumento tipo K-Flexicut CC+. E. Seção reta transversal.
C
Figura 9-94. Instrumento tipo K-Flexicut CC+. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
A
B
D
Figura 9-94. Instrumento tipo K-Flexicut CC+. D. Formas das pontas. Superior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor.
C
Figura 9-95. Instrumento tipo K flex-FKG. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
Instrumentos Endodônticos
355
dade arredondada e curva de transição. A haste de corte helicoidal apresenta seção reta transversal triangular e conicidade de 0,02mm/mm (Fig. 9-95A a C).
Instrumentos K-Nitiflex Os instrumentos tipo K-Nitiflex (Maillefer, Suíça) são fabricados por usinagem de um fio metálico de NiTi de seção reta transversal circular. São oferecidos comercialmente, nos comprimentos úteis de 21 e 25mm, nos nos de 15 a 60. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo. A ponta do instrumento apresenta a figura de um cone circular, extremidade truncada e curva de transição. Os instrumentos de diâmetros menores geralmente apresentam as pontas com formas diferentes das preconizadas pelo fabricante. A haste de corte helicoidal apresenta seção reta transversal de forma triangular e conicidade de 0,02mm/mm. O ângulo
A
D
E
F
Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. Seção reta longitudinal. D. Ponta. E. Haste de corte. F. Haste de corte D16.
B
C G
Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. G. Seção reta transversal.
356
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-97. Instrumento tipo K-Nitiflex. Microcavidades.
H
Figura 9-96. Instrumento tipo K-Nitiflex. H. Forma da ponta. Superior. Diâmetro maior. Inferior. Diâmetro menor.
Instrumentos K NiTi-VDW Os instrumentos K NiTi-VDW (VDW, Alemanha) são fabricados por usinagem de um fio metálico de NiTi de seção reta transversal circular. São oferecidos comercialmente, nos comprimentos úteis de 21 e 25mm, nos nos de 15 a 60. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo. A ponta do instrumento apresenta a figura de um cone circular, extremidade truncada e curva de transição. A haste de corte helicoidal apresenta seção reta transversal de forma triangular e conicidade de 0,02mm/mm (Fig. 9-98A a D).
agudo de inclinação das hélices é menor para os instrumentos de diâmetros menores (Fig. 9-96A a H). A liga NiTi empregada na fabricação desses instrumentos em razão da presença de partículas de segunda fase (inclusões), após o processo de fabricação por usinagem e de tratamento superficial químico, apresenta frequentemente elevado número de microcavidades. Esses defeitos funcionam como concentradores de tensão, podendo levar os instrumentos, principalmente os de diâmetros menores, à falha prematura com níveis de tensão abaixo dos previsíveis (Fig. 9-97). Resultados de medidas de instrumentos K-Nitiflex são mostrados no Quadro 9-13.
Instrumentos K NiTi-FKG Os instrumentos de NiTi tipo K-FKG (FKG Dentarie, Suíça) apresentam as mesmas características dos
Quadro 9-13 Instrumentos K-Nitiflex de nos 15 a 40. Valores Médios18 No
Lpon mm
α grau
F. ponta
Con. mm/mm
D0 Mm
β grau
γ grau
Lmax. mm
N. hélice
15
cônica circular
22
39
18
34
20
cônica circular
28
36
17
34
25
cônica circular
31
42
17
34
30
cônica circular
40
44
18
34
35
cônica circular
43
47
17
34
40
cônica circular
40
50
18
24
= abaixo do valor nominal; = igual ao valor nominal; Δ = acima do valor nominal; No = número; Lpon = comp. da ponta (0,866 D0 a 0,5. D0); D0 = diâmetro projetado na ponta ( ± 0,02 mm) α = ângulo da ponta ( 75º ± 15º); β = ângulo da 1a hélice F. ponta = forma da ponta; γ = ângulo da última hélice Con = conicidade (0,02 ± 0,002mm/mm); Lmax = comp. da parte de trabalho (mínimo de 16mm) N. hélice = número de hélices na haste helicoidal
Instrumentos Endodônticos
A
357
A
B B
C
Figura 9-98. Instrumento tipo K NiTi-VDW. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
C
Figura 9-99. Instrumento tipo K NiTi-FKG. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
D
Figura 9-98. Instrumento tipo K NiTi-VDW. D. Seção reta transversal.
instrumentos de aço inoxidável Kflex. São oferecidos comercialmente nos comprimentos úteis de 21 e 25mm, nos nos de 15 a 40 (Fig 9-99A a C).
LIMAS TIPO HEDSTROM
As limas tipo Hedstrom (H) são fabricadas por usinagem a partir de fios metálicos de aço inoxidável ou de níquel-titânio de seção reta transversal circular. São oferecidas comercialmente nos comprimentos úteis de 21, 25, 28 e 31mm. As de 21 e 25mm são as mais empregadas. Os nos das limas tipo H variam de 8 a 140. A parte de trabalho possui 16mm de comprimento mínimo. A parte de trabalho se caracteriza por apresentar apenas uma aresta lateral de corte disposta na forma helicoidal com sentido anti-horário (da direita para a esquerda), sob a forma de pequenos cones sobrepostos e com a base voltada para o cabo do instrumento. A ponta das limas tipo H apresenta a figura de um cone circular. A extremidade da ponta é aguda. O ângulo da ponta varia de 30 a 90º conforme a marca comercial. A haste de corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm. Apresenta, em média, 18 a 22 hélices na haste de corte do instrumento. Para instrumentos de menores diâmetros (até o no 40), o ângulo agudo de inclinação da hélice em relação ao eixo do instrumento
358
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
Figura 9-100. Lima Hedstrom. A. Fotografia.
B
Figura 9-101. Lima Hedstrom. Seção reta transversal. C
A
D
B E
Figura 9-100. Lima Hedstrom. B e C. Forma da ponta. D e E. Forma da haste de corte.
varia de 40 a 55º e para os diâmetros maiores é em média de 65º (Fig. 9-100A e B a E). A haste de corte helicoidal cônica das limas tipo H apresenta seção reta transversal em forma de vírgula, resultando em uma única aresta lateral de corte (Fig. 9-101). O ângulo da aresta lateral de corte é de aproximadamente 42º. O ângulo agudo de inclinação da hélice e da aresta lateral de corte permite acentuada
C
Figura 9-102. Lima Hedstrom. Seção reta longitudinal. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
Instrumentos Endodônticos
359
Quadro 9-14 Limas Hedstrom Maillefer de 15 a 80. Valores Médios18 No
Lpon mm
α grau
F. ponta
Con. mm/mm
D0 mm
β grau
γ grau
Lmax. mm
N. hélice
15
cônica circular
35
45
17
20
20
cônica circular
40
50
17
20
25
cônica circular
50
60
17
20
30
cônica circular
54
55
17
19
35
cônica circular
52
55
17
19
40
cônica circular
50
55
17
18
45
cônica circular
56
55
17
17
50
cônica circular
56
60
17
17
55
cônica circular
56
60
17
17
60
cônica circular
60
60
17
17
70
cônica circular
62
60
17
16
80
cônica circular
67
62
17
15
= abaixo do valor nominal; = igual ao valor nominal; Δ = acima do valor nominal; No = número; Lpon = comp. da ponta (0,866 D0 a 0,5. D0); D0 = diâmetro projetado na ponta (± 0,02mm) α = ângulo da ponta (75º ± 15º); β = ângulo da 1a hélice F. ponta = forma da ponta; γ = ângulo da última hélice Con = conicidade (0,02 ± 0,002mm/mm); Lmax = comp. da parte de trabalho (mínimo de 16mm) N. hélice = número de hélices na haste helicoidal
capacidade de corte das limas tipo H. A seção reta longitudinal apresenta núcleo cônico (Fig. 9-102A a C). As limas Hedstrom foram projetadas para ser acionadas manualmente por meio do movimento de limagem. Ao realizar o movimento de limagem, é importante a rigidez do instrumento. Quanto maior a rigidez, maior a sua eficiência de raspagem. As limas Hedstrom de NiTi em função da superelasticidade da liga não oferecem resistência ao deslocamento sob flexão, não promovendo consequentemente a raspagem dentinária. Têm como objetivo o preparo dos segmentos achatados e o desgaste anticurvatura de canais radiculares. Como exemplos comerciais de limas Hedstrom de aço inoxidável podemos citar:
• limas Hedstrom VDW (Antaeos, Beutelrock, Zipperer, Alemanha) oferecidas comercialmente, nos comprimentos de 21, 25, 28 e 31mm, nos nos de 8 e 110 e nos comprimentos de 25 e 31mm, nos nos de 120 a 140. • limas Hedstrom Kerr (Kerr, México) oferecidas comercialmente nos comprimentos de 21, 25 e 31mm, nos nos de 15 a 80. • limas Hedstrom FKG (FKG Dentarie, Suíça) oferecidas comercialmente, nos comprimentos de 21, 25, 28 e 31mm, nos nos de 15 a 140.
• limas Hedstrom Maillefer (Maillefer, Suíça) oferecidas comercialmente, nos comprimentos de 21, 25, 28 e 31mm, nos nos de 8 a 140;
INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS ESPECIAIS
Resultados de medidas de limas Hedstrom-Maillefer são mostradas no Quadro 9-14.
São instrumentos com características geométricas específicas e indicados na realização de alguma etapa
360
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
da pré-instrumentação ou instrumentação dos canais radiculares.
com dimensões maiores reduz a força necessária para girá-lo (movimento de alargamento) (Fig. 9-103A e B).
Sistema ProTaper Universal
Instrumentos modeladores
Os instrumentos endodônticos especiais do sistema ProTaper Universal são fabricados com liga NiTi pela Maillefer Instruments (Suíça), sendo constituído por dois tipos de instrumentos especiais denominados modeladores (Shaping files) e de acabamento (Finishing files). Apresentam conicidades variadas ao longo da haste de corte helicoidal permitindo que o instrumento trabalhe em uma área específica do canal durante a instrumentação. Assim, a conicidade variada ao longo da haste de corte helicoidal permite que os instrumentos ProTaper Universal ao serem empregados no CT promovam a modelagem de um canal no sentido coroa-ápice. A conicidade variável reduz o efeito roscamento do instrumento no interior de um canal radicular; permite o aumento da conicidade do segmento apical durante o preparo do canal radicular e permite obter uma adequada modelagem do canal com poucos instrumentos. Os instrumentos ProTaper Universal são fabricados na versão manual (cabo) e mecanizada (haste de fixação e acionamento). Ambos os sistemas possuem características geométricas (forma e dimensões) idênticas. O cabo é de plástico ou de silicone com 5mm na parte bicôncava e 6mm nas extremidades. A haste de fixação e acionamento tem 13mm de comprimento e diâmetro de 2,30mm. Devido à conicidade variável na haste de corte helicoidal desses instrumentos, o cabo
A
Apresentam conicidade crescente no sentido de D16, o que permite uma flexibilidade maior do segmento apical desses instrumentos. São empregados para alargar o corpo do canal (segmento cervical e médio). A ponta dos instrumentos modeladores apresenta a figura de um cone circular e sua extremidade é truncada ou arredondada. A passagem da base da ponta para a haste de corte helicoidal cônica ocorre por meio de uma curva de transição. O ângulo de inclinação das hélices é variável de 30 a 35º. O ângulo de ataque é considerado negativo. A profundidade do canal helicoidal aumenta de D1 para D16. Mostram seção reta transversal triangular convexa com três arestas de corte na forma de filetes e três canais. Não apresentam guia radial. O perfil do canal é convexo. A seção reta longitudinal da parte de trabalho revela núcleo cilíndrico e canais helicoidais com profundidade crescente de D1 para D16. Todavia, a profundidade dos canais helicoidais é pequena devido ao perfil convexo de suas paredes. Isso dificulta a remoção de dentina excisada proveniente do preparo, assim como dificulta a possibilidade de a solução química auxiliar fluir no sentido apical do canal. Consequentemente, durante o preparo químico-mecânico de um canal radicular a irrigação-aspiração deve ser mais frequente e a cada retirada do instrumento ele deve ser cuidadosamente limpo e examinado (Fig. 9-104A, B a D e E).
B
Figura 9-103. Sistema ProTaper Universal. A. Versão manual. B. Versão mecanizada.
Instrumentos Endodônticos
A
361
E
Figura 9-104. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos modeladores. A. Fotografia.
Figura 9-104. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos modeladores. E. Seção reta transversal.
Instrumento S1 B
• • • • •
Diâmetro D0 = 0,18mm Diâmetro D16 = 1,2mm Parte de trabalho = 16mm Comprimento útil de 21, 25 e 31mm Conicidade crescente de 0,02 (D1) a 0,11mm/mm (D14) e a seguir constante de 0,11mm/mm até D16 • Cabo roxo ou haste de fixação e acionamento com anel roxo. É projetado para alargar o segmento cervical, assegurando a patência do segmento apical do canal.
C
Instrumento S2 • • • • •
Diâmetro D0 = 0,20mm Diâmetro D16 = 1,2mm Parte de trabalho = 16mm Comprimento útil de 21, 25 e 31mm Conicidade crescente de 0,04 (D1) a 0,08mm/mm (D12) e a seguir a conicidade decresce até D16 para 0,05mm/mm. • Cabo branco ou haste de fixação e acionamento com anel branco.
D
Figura 9-104. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos modeladores. Forma. B. Ponta. C. Haste de corte. D. Haste de corte D16.
É projetado para alargar o segmento médio do canal e aumentar o volume da região apical com o objetivo de favorecer a utilização do instrumento F1 em posição mais apical. Nesses instrumentos o aumento
362
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
da conicidade é feito de modo mais suave, o que permite uma transição para os instrumentos de acabamento com menor carregamento (menor esforço).
Instrumento SX • • • • •
Diâmetro D0 = 0,19mm Diâmetro D16 = 1,19mm Parte de trabalho = 16mm Comprimento útil = 19mm Conicidade crescente de 0,035 a 0,19mm/mm até D9 e a seguir conicidade constante de 0,02mm/mm. • Cabo laranja ou haste de fixação e acionamento sem anel. É denominado de instrumento modelador auxiliar. Apresenta em um mesmo instrumento as características do S1 e S2. É projetado para modelagem prévia do corpo de canais curtos.
Instrumentos de acabamento São instrumentos especiais empregados durante a instrumentação para alargar o diâmetro do segmento apical e para obter uma conicidade adequada e progressiva do canal radicular (Fig. 9-105). Apresenta conicidade constante nos 3mm apicais e a seguir decrescente no sentido de D16 Essa característica possibilita alargar o segmento apical e aumentar a flexibilidade (reduzir a rigidez) do instrumento no segmento coronário. Todos os instrumentos de aca-
bamento apresentam ponta circular e vértice arredondado. A passagem da base da ponta para a haste de corte helicoidal ocorre por meio de uma curva de transição. O ângulo de inclinação das hélices é variável de 30 a 35º. O ângulo de ataque é considerado negativo. A profundidade do canal helicoidal aumenta de D1 para D16. As seções retas transversais dos instrumentos ProTaper Universal de acabamento apresentam três arestas ou fios de cortes e três canais. Não apresentam guia radial. As arestas de corte apresentam perfil (desenho) na forma de filetes oriundos da interseção das paredes dos canais. Os canais apresentam paredes com perfis convexos para os instrumentos F1 e F2. O ângulo de ataque é negativo. A seção reta longitudinal da parte de trabalho revela núcleo cilíndrico e canais helicoidais com profundidades crescentes de D1 para D16 (Fig. 9-106A a C e D e E). Os instrumentos F3, F4 e F5 apresentam seções retas transversais com duas formas diferentes ao longo de suas hastes de corte helicoidais (Fig. 9-107). Até 12mm a partir da ponta, o perfil da parede dos canais é côncavo e a seguir até D16 convexo. O perfil côncavo determina redução da área do núcleo e da seção reta transversal (menor massa) o que confere a esses instrumentos uma maior flexibilidade. A seção reta longitudinal da parte de trabalho revela núcleo cilíndrico e canais helicoidais com profundidade crescente de D1 para D16. Os instrumentos F3, F4 e F5 apresentam canais helicoidais mais profundos nos segmentos das hastes de corte helicoidais que possuem perfil côncavo (Fig. 9-108A a C e D a F).
Figura 9-105. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acabamento.
Instrumentos Endodônticos
363
A
B
Figura 9-107. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acabamento F3, F4 e F5. Seções retas transversais diferentes ao longo da haste de corte.
C
Figura 9-106. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acabamento F1 e F2. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
D
A
B
C F
Figura 9-106. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acabamento F1 e F2. D. Seção reta transversal. E. Seção reta longitudinal.
Figura 9-108. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acabamento F3, F4 e F5. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
364
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
de progressivamente é reduzida até 0,04mm/mm e na parte final em sentido de D16 é reduzida para 0,03mm/mm. • Cabo vermelho ou haste de fixação e acionamento com anel vermelho. D
Instrumento F3 • • • • •
E
Diâmetro D0 = 0,30mm Diâmetro D16 = 1,13mm Parte de trabalho = 16mm Comprimento útil de 21, 25 e 31mm Conicidade constante de 0,09 de D1 a D3. A partir de D4 (conicidade de 0,06mm/mm) até D12 a conicidade é reduzida para 0,04mm/mm. D13 a D16 constante de 0,03 mm/mm. • Cabo azul ou haste de fixação e acionamento com anel azul.
Instrumento F4 • • • • •
F
Figura 9-108. Sistema ProTaper Universal. Instrumentos de acabamento F3, F4 e F5. Seção reta longitudinal. D. Ponta. E. Haste de corte. F. Haste de corte D16.
Instrumento F1 • • • • •
Diâmetro D0 = 0,20mm Diâmetro D16 = 1,125mm Parte de trabalho = 16mm Comprimento útil de 21, 25 e 31mm Conicidade constante de 0,07mm/mm de D1 a D3. A partir de D4 até D16 a conicidade reduz para 0,04mm/mm. • Cabo amarelo ou haste de fixação e acionamento com anel amarelo.
Instrumento F2 • • • • •
Diâmetro D0 = 0,25mm Diâmetro D16 = 1,20mm Parte de trabalho = 16mm Comprimento útil de 21, 25 e 31mm Conicidade constante de 0,08 de D1 a D3. A partir de D4 até o meio da parte de trabalho a conicida-
Diâmetro D0 = 0,40mm Diâmetro D16 = 1,14mm Parte de trabalho = 16mm Comprimento útil de 21, 25 e 31mm Conicidade constante de 0,06mm/mm de D1 a D3. D4 a D9, conicidade constante de 0,05mm/mm. D10 a D14, conicidade constante de 0,04mm/mm. D15 a D16, a conicidade constante de 0,03mm/mm. • Cabo preto ou haste de fixação e acionamento com dois anéis pretos.
Instrumento F5 • • • • •
Diâmetro D0 = 0,50mm Diâmetro D16 = 1,13mm Parte de trabalho = 16mm Comprimento útil de 21, 25 e 31mm Conicidade constante de 0,05mm/mm de D1 a D3. Em D4. conicidade de 0,035mm/mm, D5 a D9, conicidade constante de 0,04mm/mm. D10 a D16, conicidade constante de 0,035mm/mm. • Cabo amarelo ou haste de fixação e acionamento com dois anéis amarelos.
ProTaper Retratamento Os instrumentos especiais mecanizados ProTaper retratamento Dentsply Maillefer (Suíça) são fabricados por usinagem de uma haste metálica de NiTi de seção reta transversal circular. São oferecidos comercialmente em três números – ProTaper D1, D2 e D3 –, e foram projetados para serem acionados por dispositivos mecânicos com giro contínuo à direita. Têm como objeti-
Instrumentos Endodônticos
vo a remoção do material obturador do interior de um canal radicular e apresentam três comprimentos e três conicidades progressivas, que têm como objetivo se adequar a cada segmento do canal radicular (cervical, médio, apical). A ponta pode apresentar superfícies achatadas (D1) ou a forma cônica circular (D2 e D3). A haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta transversal triangular convexa (Fig. 9-109A a C, D a F e G).
365
D
ProTaper D1 Apresenta diâmetro em D0 de 0,30mm, comprimento útil de 16mm, comprimento da parte de trabalho de 13mm e conicidade de 0,09mm. Na haste de fixação e acionamento existe um anel branco. A ponta apresenta duas superfícies achatadas e convergentes semelhante a uma chave de fenda, que tem como objetivo favorecer o avanço do instrumento na massa obturadora presente no interior do canal radicular. O ângulo interno da ponta é em média de 60º. Apresenta ângulo de transição.
A
E
F
Figura 9-109. ProTaper retratamento. Forma da ponta. D. Cônica circular. E e F. Cônica facetada.
B
C
Figura 9-109. ProTaper retratamento. Forma. A. Ponta cônica facetada (achatada). B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
G
Figura 9-109. ProTaper retratamento. G. Seção reta transversal.
366
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta transversal triangular convexa. O ângulo de inclinação da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta da ponta (25º) para o término da haste helicoidal (35º). O número de hélices na haste helicoidal é em média de oito. O número de hélices por unidade de comprimento da parte de trabalho é em média de 0,6 hélice por milímetro. É projetado para remoção do material obturador do segmento cervical de um canal radicular.
ProTaper D2 Apresenta diâmetro em D0 de 0,25mm, comprimento útil de 18mm, comprimento da parte de trabalho de 15mm e conicidade de 0,08mm. Na haste de fixação e acionamento existem dois anéis brancos. A ponta é cônica circular e sua extremidade é truncada. O ângulo interno da ponta é em média de 60º. Apresenta curva de transição. A haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta transversal triangular convexa. O ângulo de inclinação da hélice em relação ao eixo do instrumento é constante e em média de 30º. O número de hélices na haste helicoidal em média de 10. O número de hélices por unidade de comprimento da parte de trabalho é em média de 0,6 hélice por milímetro. É projetado para a remoção do material obturador do segmento médio de um canal radicular.
ProTaper D3 Apresenta diâmetro de D0 de 0,20mm, comprimento útil de 22mm, comprimento da parte de trabalho de 16mm e conicidade de 0,07mm. Na haste de fixação e acionamento existem três anéis brancos. A ponta é cônica circular e sua extremidade é truncada. O ângulo interno da ponta é em média de 60º. Apresenta curva de transição. A haste helicoidal é cônica e apresenta seção reta transversal triangular convexa. O ângulo de inclinação da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta da ponta (20º) para o término da haste helicoidal (25º). O número de hélices na haste helicoidal é em média de 12. O número de hélices por unidade de comprimento da parte de trabalho é em média de 0,75 por milímetro. É projetado para remoção do material obturador do segmento apical de um canal radicular.
Instrumentos C+ Os instrumentos especiais C+ (Maillefer, Suíça) são fabricados por usinagem de um fio de aço inoxidável de seção reta transversal circular. São oferecidos
comercialmente nos comprimentos úteis de 18, 21 e 25mm e nos nos de 6 a 15. O comprimento da parte de trabalho é de 16mm. A ponta apresenta a figura de um cone circular e sua extremidade é truncada. Apresenta ângulo de transição. A haste de corte helicoidal cônica apresenta seção reta transversal quadrangular. O ângulo interno da aresta de corte é de 90º e de vértice pontiagudo. A conicidade é variável, sendo de 0,04mm/mm nos 4mm iniciais a partir da ponta do instrumento e de 0,02mm/mm até o final da parte de trabalho. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1 (15 a 20º) para D16 (25 a 30º). O número de hélices presente na haste helicoidal é de aproximadamente 25 hélices. O número de hélices por unidade de comprimento da parte de trabalho é de 1,5 hélice por milímetro. O ângulo de ataque é classificado como negativo. A maior conicidade (0,04mm/mm) na região da extremidade da parte de trabalho e o menor número de hélices por milímetro conferem a esses instrumentos grande resistência à flambagem (flexocompressão). Consequentemente, esses instrumentos são indicados no cateterismo de canais atresiados. Lopes et al. (2008), avaliando e comparando a força necessária para induzir a flambagem de instrumentos endodônticos tipo K de nos 10 e 15 (C+, Maillefer, Suíça; K-File Colorinox, Maillefer, Suíça; CCCord, Antaeos, Alemanha; Nitiflex, Maillefer, Suíça; e HI, Miltex, Inc., EUA), concluíram que a força máxima para flambar os instrumentos foi maior para os da marca C+, seguidos pelos da marca CCCord. São projetados para serem acionados manualmente. Têm como objetivo o cateterismo de canais atresiados. Em função das características morfológicas do instrumento, o movimento indicado é o de alargamento parcial à direita. Os instrumentos mais curtos apresentam maior resistência à flambagem (Fig. 9-110A a C e D).
Instrumentos Senseus Profinder Os instrumentos especiais Profinder (Maillefer, Suíça) são fabricados por usinagem de um fio de aço inoxidável de seção reta transversal circular. São oferecidos comercialmente nos comprimentos úteis de 18, 21 e 25mm e nos nos 10, 13 e 17. A parte de trabalho apresenta comprimento mínimo de 16mm. A ponta apresenta a figura de um cone circular, sua extremidade é truncada e apresenta ângulo de transição. A haste de corte helicoidal cônica apresenta seção reta transversal quadrangular. O ângulo interno da aresta de corte é de 90º e de vértice arredondado. A conicidade é variável, sendo maior nos quatro mi-
Instrumentos Endodônticos
367
Quadro 9-15 Instrumentos Profinder. Conicidades mm/mm No
A
B
C
Figura 9-110. Instrumento especial C+. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
4mm da ponta
5 a 16mm
10
0,02
0,015
13
0,0175
0,015
17
0,015
0,01
límetros iniciais a partir da ponta. A maior conicidade da região da extremidade da parte de trabalho confere a esses instrumentos grande resistência à flambagem (flexocompressão). Consequentemente, esses instrumentos são indicados no cateterismo de canais atresiados (Quadro 9-15).
O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1 (20º) para D16 (30º). O número de hélices presente na haste helicoidal é em média de 40. O número de hélices por unidade de comprimento da parte de trabalho é em média de 2,7 hélices por milímetro. O ângulo de ataque é classificado como negativo. São projetados para serem acionados manualmente. Têm como objetivo alargar e manter a patência do segmento apical de canais atresiados. Os instrumentos mais curtos são mais resistentes à flambagem (flexocompressão) (Fig. 9-111A a C e D).
Instrumentos C-Pilot
D
Figura 9-110. Instrumento especial C+. D. Seção reta transversal.
Os instrumentos especiais C-Pilot (VDW, Alemanha) são fabricados por torção de uma haste piramidal de aço inoxidável. São oferecidos comercialmente nos comprimentos úteis de 19, 21 e 25mm nos nos 6, 8, 10, 12,5 e 15. O comprimento da parte de trabalho é de 17mm. A ponta apresenta a figura de um cone circular, sua extremidade é arredondada e apresenta curva de transição. A haste de corte helicoidal cônica apresenta seção reta transversal quadrangular e conicidade de 0,02mm/mm. O ângulo interno da aresta de corte é de 90º e de vértice arredondado. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1 (20º) para D16 (30º). O número de hélices presente na haste helicoidal é em média de 34. O número de hélices por unidade de comprimento da parte de trabalho é em média de duas hélices por milímetro. O ângulo de ataque é considerado negativo. Esses instrumentos são submetidos a um encruamento com o objetivo de aumentar sua resistência à flambagem.
368
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
A
B B
C
Figura 9-112. Instrumento especial C-Pilot. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16. C
Figura 9-111. Instrumento especial Senseus Profinder. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
D
Figura 9-112. Instrumento especial C-Pilot. D. Seção reta transversal.
D
Figura 9-111. Instrumento especial Senseus Profinder. D. Seção reta transversal.
São projetados para serem acionados manualmente e têm como objetivo o cateterismo de canais atresiados. O movimento empregado é o de alargamento parcial à direita. Os instrumentos mais curtos apresentam maior resistência à flambagem (flexocompressão) (Fig. 9-112A a C e D).
Instrumentos Endodônticos
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Instrumentos HI Os instrumentos especiais HI (Miltex, Inc., EUA) são fabricados por usinagem de um fio de aço inoxidável de seção reta circular. São oferecidos comercialmente nos comprimentos úteis de 21 e 25mm no no 10. A parte de trabalho apresenta um comprimento mínimo de 17mm. A ponta apresenta a figura de um cone circular, sua extremidade é arredondada e apresenta ângulo de transição. A haste de corte helicoidal apresenta conicidade de 0,02mm/mm. A seção reta transversal é pentagonal, ou seja, com cinco arestas laterais de corte e igual número de canais helicoidais. Isso confere aos instrumentos HI canais helicoidais rasos que dificultam a remoção de dentina excisada proveniente do preparo, assim como a possibilidade de a solução química auxiliar da instrumentação fluir no sentido apical do canal radicular. O ângulo interno da aresta de corte é de 108º e de vértice arredondado. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1 (20º) para D16 (30º). O número de hélices presente na haste helicoidal é de aproximadamente 65 hélices. O número de hélices por unidade de comprimento da parte de trabalho é de 3,9 hélices por milímetro.
A
B
C
Figura 9-113. Instrumento especial HI. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
D
Figura 9-113. Instrumento especial HI. D. Seção reta transversal.
A presença de ângulo obtuso (108º) e de vértice arredondado reduz a capacidade de corte desses instrumentos. O ângulo de ataque é classificado como negativo. São projetados para serem acionados manualmente e têm como objetivo o cateterismo de canais atresiados. O movimento indicado é o de alargamento parcial à direita. Os instrumentos mais curtos são mais resistentes à flambagem (Fig. 9-113A a C e D).
CONTRA-ÂNGULOS ESPECIAIS Os contra-ângulos especiais podem executar movimentos de alargamento parcial oscilatório ou alternado, contínuo, de limagem e de alargamento e limagem. Independentemente da técnica empregada, o preparo apical dos canais radiculares deve ser executado com movimento de alargamento parcial alternado ou contínuo. Abordaremos os contra-ângulos especiais que executam o movimento de alargamento parcial alternado (oscilatório) à direita e à esquerda, descrevendo um arco de 30 ou 45º. Esses contra-ângulos permitem o acoplamento do cabo de instrumentos tipo K de aço inoxidável ou de NiTi. Para o acoplamento da haste de fixação de instrumentos mecanizados há necessidade da utilização de um adaptador metálico ou de outra cabeça para o contra-ângulo. Os instrumentos de aço inoxidável não devem ser pré-curvados para a realização do movimento de
370
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
alargamento parcial alternado, uma vez que esse procedimento induz carregamentos combinados de dobramento alternado e de torção. O segmento dobrado não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um semicírculo com raio igual ao comprimento do segmento pré-curvado. Todavia, devido às dimensões e à resistência das paredes do canal, o deslocamento do segmento pré-curvado do instrumento é reduzido, ocorrendo no ponto crítico de dobramento concentração de tensão por torção. Esse carregamento pode ultrapassar o limite de resistência do material levando à fratura do instrumento. Para instrumentos de maior diâmetro, a rigidez é aumentada e a força de oposição das paredes dentinárias nem sempre é capaz de induzir a fratura do instrumento. Nessas condições, o que observamos na região apical do canal radicular é uma maior incidência de deformação do preparo após a instrumentação. Para evitar esses acidentes, os instrumentos endodônticos devem ser empregados no limite elástico e jamais no limite plástico (pré-curvado). O movimento de alargamento parcial alternado dos instrumentos endodônticos conectados nos contraângulos especiais é gerado por micromotores a ar ou motores elétricos. Os micromotores a ar não possuem mecanismos para manter constante a pressão no compressor. Os compressores trabalham em regime de pressão flutuante. Quando a pressão no cilindro atinge um valor mínimo, o aparelho é automaticamente ligado e desligado ao atingir a pressão máxima. Nessa faixa de variação da pressão do compressor, a frequência do movimento de alargamento parcial alternado (oscilatório) do instrumento fica flutuante. Os motores elétricos mantêm constante a velocidade de rotação.
A
Contra-ângulo TEP-E10R É fabricado pela NSK (Japão) com amplitude do arco de 45º e redução de velocidade de 10:1. Segundo o fabricante, é recomendada uma velocidade de trabalho máxima para o instrumento endodôntico de 3.000 ciclos (oscilações) por minuto. Possui uma cabeça com sistema de pinça acionada por push-botton que permite adaptar o cabo de diferentes instrumentos endodônticos tipo K. O contra-ângulo TEP-E10R é distribuído no Brasil pela Adiel Comercial Ltda (Ribeirão Preto, SP) (Fig. 9-114A e B).
Contra-ângulo M-4 É fabricado pela Kerr (Kerr, México) com amplitude do arco de 30º, redução de velocidade 4:1, e engate
B
Figura 9-114A e B. Contra-ângulo TEP-E10R.
Instrumentos Endodônticos
371
na cabeça do contra-ângulo por sistema push-botton. Segundo o fabricante, é recomendada uma velocidade de trabalho para o instrumento endodôntico entre 1.500 e 6.000 oscilações por minuto.
Contra-ângulo 3LD-DURATEC É fabricado pela Kavo (Brasil) com amplitude do arco de 90º, redução de velocidade de 10:1 e engate na cabeça do contra-ângulo por sistema push-botton. Para Nagy et al.58 e Sydney et al.73, a amplitude do arco é de 45º e não de 90º como divulgado pelo fabricante. O movimento de alargamento parcial alternado também pode ser obtido por meio do aparelho ENDOMATE 2 com bateria de níquel-cádmio sem fio acoplado a uma contracabeça denominada de TEP-HA (NSK, Japão).
INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS ESPECIAIS DE NiTi MECANIZADOS São considerados em Endodontia como instrumentos de NiTi mecanizados os instrumentos especiais acionados exclusivamente por dispositivos mecânicos com giro continuo à direita. Porém, alguns instrumentos ou sistemas podem ser acionados por dispositivos mecânicos com giro parcial alternado (oscilatório). Geralmente são fabricados por usinagem a partir de um fio metálico de níquel-titânio de seção reta transversal circular ou por torção a partir de uma haste piramidal de seção reta triangular. São oferecidos comercialmente como sistemas de instrumentos constituídos de alargadores cervicais e de alargadores apicais indevidamente denominados de limas (Fig. 9-115). Os instrumentos endodônticos especiais de NiTi mecanizados de um sistema apresentam comprimentos do corpo, da parte de trabalho, conicidades e diâmetros em D0, variáveis com a marca comercial. Não existem normas de padronização para os instrumentos endodônticos especiais de NiTi mecanizados. A haste de fixação e acionamento dos instrumentos é metálica (liga de latão) unida por engaste a uma das extremidades do corpo (intermediário) do instrumento. Para ou-
Figura 9-115. Sistema de instrumentos de NiTi mecanizados. Alargador apical (superior). Alargador cervical (inferior).
Figura 9-116. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de fixação e acionamento.
tros, a haste de fixação e acionamento é obtida da haste metálica primitiva. Serve para fixação do instrumento na cabeça do contra-ângulo e seu acionamento obtido por meio de motores elétricos ou pneumáticos. Tem 15mm de comprimento, todavia alguns instrumentos apresentam comprimentos menores das hastes (11mm a 13mm). Esses instrumentos quando usados em contra-ângulos de cabeça menor conferem comprimentos totais menores, o que favorece o emprego em dentes posteriores e em pacientes de pequena abertura bucal (Fig. 9-116). O diâmetro da haste de fixação e acionamento é universal (2,30mm), o que permite a sua adaptação em contra-ângulos de qualquer marca comercial. Geralmente são douradas ou prateadas e possuem anéis coloridos correlacionados à conicidade da haste de corte helicoidal e ao diâmetro D0 da ponta do instrumento. Para alguns instrumentos, a conicidade é expressa pelo número de estrias presentes na haste de fixação e acionamento O intermediário apresenta tamanho variável em função do comprimento do corpo do instrumento e da parte de trabalho. Os instrumentos endodônticos mecanizados geralmente apresentam ranhuras que determinam o comprimento do corpo a partir da ponta do instrumento endodôntico. A ponta dos instrumentos mecanizados independentemente da marca comercial é cônica circular com a extremidade pontiaguda, arredondada ou truncada. É obtida por um processo de usinagem denominado de torneamento cônico externo. Apresenta curva de transição (Fig. 9-117A e B). A forma elipsoide (curva
372
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
B
Figura 9-117. Instrumentos de NiTi mecanizados. A e B. Forma das pontas.
de transição) da passagem da base da ponta para a haste de corte helicoidal dos instrumentos reduz a possibilidade de travamento (imobilização) do instrumento no interior de um canal radicular, durante a instrumentação por meio do movimento de alargamento contínuo. O travamento da ponta pode induzir uma deformação plástica na haste helicoidal (reversão do sentido da hélice) ou a fratura do instrumento, desde que o torque aplicado ultrapasse o limite de resistência à fratura por torção do material. A curva de transição elipsoide permite o giro e o avanço do instrumento com um menor carregamento no sentido apical do canal radicular. Também minimiza o transporte apical de um canal radicular curvo49. A haste de corte helicoidal dos instrumentos de NiTi mecanizados é cônica com a base voltada para o intermediário do instrumento. Normalmente, é obtida a partir de um fio metálico por um processo de usinagem denominado de roscamento externo. Alguns instrumentos endodônticos de NiTi podem ser confeccionados por torção de uma haste piramidal de seção reta triangular obtida por aplainamento de uma has-
Figura 9-118. Instrumentos de NiTi mecanizados. Fabricado por torção (superior). Fabricado por usinagem (inferior).
Instrumentos Endodônticos
Figura 9-119. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de corte. A. Hélice. B. Canal helicoidal.
A
373
te cilíndrica (Fig. 9-118). É constituída pelas hélices e pelos canais helicoidais, dispostos na direção oblíqua ao eixo do instrumento no sentido da direita para a esquerda41,49 (Fig. 9-119). A quantidade de hélices na haste de corte do instrumento varia em função do comprimento, diâmetro, conicidade, passo da hélice e do número de arestas de corte. Os instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados podem apresentar hélices (arestas laterais de corte) na forma de filete ou de guia radial. Inicialmente, todos eram fabricados com guia radial (Fig. 9-120A e B). A guia radial tem como objetivo manter o instrumento centralizado em relação ao eixo do canal radicular durante o corte da dentina. A porção posterior da guia radial é rebaixada (superfície de folga) para diminuir a área de contato entre o instrumento e as paredes do canal radicular. Isso reduz o atrito e diminui a possibilidade de geração de calor durante a rotação do instrumento no interior do canal radicular. A presença da guia radial também tem por objetivo mudar a direção da aresta de corte em relação à parede do canal radicular e o ângulo interno da aresta de corte. Essas características tornam o corte da dentina mais suave, ou seja, menos invasivo. O ângulo agudo de inclinação das hélices geralmente apresenta diferentes valores ao longo da haste
B
Figura 9-120. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de corte. A. Hélices (aresta lateral de corte) na forma de filete. B. Hélices na forma de guia radial.
374
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
B
Figura 9-121. Instrumentos de NiTi mecanizados. Ângulo agudo de inclinação das hélices. A e B. Variável ao longo da haste de corte.
helicoidal. Junto da ponta dos instrumentos de NiTi mecanizados é pequeno (10º), o que somado à superelasticidade da liga metálica permite uma eficiente ação de alargamento do segmento apical curvo de um canal radicular. Isso propicia a obtenção de um preparo centrado do segmento apical de canais radiculares. A forma final do preparo é cônica e de seção reta transversal circular desde que o diâmetro do instrumento empregado seja proporcionalmente maior do que o diâmetro do canal radicular (Fig. 9-121A e B). Por meio da seção reta longitudinal da parte de trabalho verificamos que o núcleo dos instrumentos de NiTi mecanizados pode apresentar forma cônica com diâmetro maior voltado para o intermediário, cônica invertida (cônica reversa) com o diâmetro menor voltado para o intermediário e cilíndrica. A forma e dimensão do núcleo determinam a profundidade do canal helicoidal presente na haste de corte do instrumento. Para núcleos cônicos, a profundidade do canal é constante em toda a haste de corte helicoidal. Para os núcleos cilíndricos e cônicos invertidos, a profundidade do canal aumenta no sentido do intermediário. Dentre esses últimos, a profundidade do canal helicoidal é maior nos instrumentos de núcleo cônico invertido (Fig. 9-122A e B). Os instrumentos endodônticos especiais de NiTi mecanizados apresentam seções retas transversais de suas hastes de corte com diferentes formas. A forma pode ser a mesma ou pode variar ao longo da haste de corte do instrumento. É dada pelos perfis (desenhos) do canal helicoidal e da aresta de corte. O perfil do canal dos instrumentos de NiTi mecanizados pode apresentar paredes ou faces côncavas,
A
B
Figura 9-122. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de corte helicoidal cônica. Forma do núcleo. A. Desenho esquemático. B. Seção reta longitudinal.
Instrumentos Endodônticos
A
C
375
B
D
convexas, sinuosas (côncava e convexa) ou retas. O perfil da aresta ou fio de corte pode apresentar a forma de filete ou a forma de guia (plano) radial. Possuem duas ou três arestas laterais de corte e igual número de canais. Assim, instrumentos endodônticos de mesmo diâmetro externo e de diferentes fabricantes podem apresentar seções retas transversais com diferentes formas (desenhos) ( Fig. 9-123A a D).
Figura 9-123. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de corte. Perfil da seção reta transversal (silhueta). A. Côncava. B. Convexa. C. Sinuosa (côncava convexa). D. Reta.
A parte central da seção reta transversal, representada por um círculo tangenciando os fundos dos canais, corresponde à área do núcleo do instrumento endodôntico. A área (diâmetro) do núcleo depende da forma da seção reta transversal. Para instrumentos de um mesmo número onde as superfícies do canal helicoidal são convexas o diâmetro do núcleo é maior (Fig. 9-124).
Figura 9-124. Instrumentos de NiTi mecanizados. Haste de corte. Seção reta transversal. Área (diâmetro do núcleo).
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Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quanto menor o diâmetro do núcleo, maior a profundidade do canal e maior será a capacidade de o instrumento transportar resíduos da instrumentação. Maior também será o volume de uma solução química auxiliar que fluirá em sentido apical entre a parede dentinária e o instrumento endodôntico. Além disso, a forma e a dimensão do núcleo são significativas para a flexibilidade e para a resistência à fratura dos instrumentos endodônticos. Quanto menor a dimensão do núcleo, maiores a flexibilidade e a resistência à fratura por flexão rotativa do instrumento (fadiga de baixo ciclo). Contudo, menor será sua resistência à fratura por torção. A força para a flexão de 45º de instrumentos mecanizados de no 40, conicidade de 0,04mm/mm e comprimento de 25 mm, é de 250gf para os da marca ProFile (Maillefer, Suíça) e de 330 gf para os da marca K3 (Kerr, México). Quanto à resistência à fratura por torção, o torque máximo é de 143gf.cm para o instrumento ProFile (35/0,04 de 25mm) e de 188gf.cm para o K3 (35/0,04 de 25mm). Esses resultados estão relacionados com a menor área do núcleo dos instrumentos ProFile quando comparados aos K3. Porém, quanto maior o diâmetro do núcleo, menor será a profundidade do canal helicoidal do instrumento. Para canais helicoidais rasos, os instrumentos endodônticos devem ser removidos do interior de um canal radicular com maior frequência, ou seja, após três a cinco ciclos de avanço e retrocesso em sentido apical. A cada remoção o instrumento deve ser limpo em um pedaço de gaze umedecida com álcool iodado ou hipoclorito de sódio. O instrumento deve ser posicionado na gaze segura pelos dedos indicadores e polegar da mão do operador. A seguir, o instrumento é pressionado junto do intermediário e girado à esquerda até a sua remoção da gaze.
Por meio da seção reta transversal e do posicionamento do ponto de referência da aresta de corte em relação à parede de um canal radicular, podemos afirmar que os instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados apresentam ângulo de ataque negativo. É considerado negativo quando o ponto de referência estiver aquém (atrasado) em relação à superfície de ataque (Fig. 9-125). Para a dentina (material frágil e quebradiço) é ideal que os instrumentos endodônticos possuam ângulo de ataque negativo e não positivo41,49. Os instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados, projetados para a instrumentação dos segmentos médio e apical de canais radiculares denominados erroneamente de limas, são na verdade alargadores helicoidais cônicos, uma vez que executam o movimento de alargamento de um furo (canal) e não o movimento de limagem. São normalmente comercializados nos nos de 15 a 90, nos comprimentos de 18, 21, 25 e 31mm e nas conicidades de 0,02 - 0,04 e 0,06mm/mm. A tendência, em função da anatomia dos canais radiculares e das propriedades mecânicas da liga NiTi, é de que a conicidade dos alargadores apicais não ultrapasse 0,06mm/mm para poder proporcionar ao instrumento empregado no preparo apical uma flexibilidade capaz de percorrer e alargar sem deformação um canal radicular curvo. Conicidades maiores podem provocar um corte excessivo das paredes do canal radicular na região apical e em canais curvos em razão de a maior rigidez (menor flexibilidade) induzir a fratura dos instrumentos por fadiga de baixo ciclo. Os alargadores apicais são projetados para o alargamento dos segmentos médio e apical de um canal radicular promovendo uma modelagem cônica e centrada. É importante ressaltar que a flexibilidade (resistência em flexão) de um instrumento endodôntico de
Figura 9-125. Instrumentos de NiTi mecanizados. Ângulo de ataque negativo.
Instrumentos Endodônticos
NiTi mecanizado é proporcional ao comprimento e inversamente proporcional ao diâmetro D0 (número). Para instrumento de mesmo número é inversamente proporcional à conicidade da haste de corte helicoidal. Assim, para canais radiculares com curvaturas apicais acentuadas (pequeno raio de curvatura) devemos empregar instrumentos endodônticos especiais de NiTi mecanizados de número compatível ao caso clínico (morfologia radicular), porém de menor conicidade e de maior comprimento49. Os instrumentos endodônticos especiais de NiTi mecanizados denominados de alargadores cervicais são projetados para a instrumentação do segmento cervical do canal radicular. São comercializados com menor número de opção de diâmetro do que os alargadores apicais. Geralmente, apresentam a mesma configuração dos alargadores apicais, porém com comprimentos do corpo e da parte de trabalho menores. O comprimento do corpo oscila entre 15 e 19mm e o da parte de trabalho é menor do que 16mm (geralmente 10mm). De um modo geral apresentam grandes conicidades e pequenos diâmetros em D0. Como esses instrumentos são projetados para alargar a região cervical do canal radicular, a sua conicidade deve ser maior do que a dos alargadores apicais, ou seja, de 0,08, 0,10 e 0,12mm/mm. O diâmetro em D0 deve ser pequeno, não superior a 0,25mm para a ponta do instrumento servir de guia e evitar a perda da trajetória inicial de canais radiculares atresiados. A porção da haste de corte de maior diâmetro tem por finalidade alargar o segmento cervical e a de diâmetro menor servir de guia durante a instrumentação de um canal radicular. A função de guia da ponta tem como objetivo principal evitar a perda da trajetória de canais atresiados41,49. Os fabricantes oferecem e diversos profissionais sugerem estojos (kits) com números reduzidos de instrumentos como solução econômica para o tratamento endodôntico de canais radiculares. Todavia, devido à complexidade anatômica dos canais, é impossível prepará-los adequadamente quanto à forma e à limpeza com um número reduzido de instrumentos endodônticos. Não devemos tentar adaptar o canal radicular às características morfológicas e às propriedades mecânicas do jogo de instrumentos proposto, mas sim projetarmos uma sequência de instrumentos endodônticos de acordo com a configuração anatômica do canal radicular a ser preparado. O compromisso de um profissional (endodontista) não é apenas com o aspecto radiográfico da obturação de um canal radicular, mas sim com o resultado do tratamento endodôntico.
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Os instrumentos endodônticos especiais de NiTi mecanizados foram projetados para ser utilizados em movimento de alargamento contínuo com giro à direita. Devido à forma cônica da haste de corte, no alargamento de um canal radicular, o desgaste da dentina se dá no movimento de giro e de avanço (penetração) do instrumento no eixo do canal radicular. A seguir traciona-se o instrumento no sentido cervical (retrocesso). A amplitude da tração é curta o suficiente para liberar o instrumento. Grandes movimentos de tração podem induzir o deslocamento de material existente no interior do canal para a região apical durante o avanço subsequente. O retrocesso do instrumento tem como objetivo favorecer a passagem da solução química auxiliar da instrumentação no sentido apical, a remoção de detritos no sentido coronário e dissipar o calor gerado durante os procedimentos do preparo do canal radicular. São empregados com motores elétricos ou micromotores a ar (pneumáticos) possuidores de dispositivos mecânicos que permitem velocidade de giro e torque baixos. São acompanhados normalmente de ângulos redutores de velocidade (8:1, 16:1 e 20:1). A velocidade de emprego varia entre 250 e 350rpm e o torque entre 0,1 e 5Ncm. Torque ou momento de uma força é definido como o efeito rotatório criado pelo carregamento distante do centro de resistência de um corpo. O torque é calculado pela equação: Torque = Força × Raio, onde o Raio é a distância entre o ponto de aplicação da Força e o eixo de rotação do corpo. A força no Sistema Internacional de Unidades é expressa em Newton (N) e o torque expresso pela unidade de força multiplicada pela unidade de comprimento (Newton × metro). São empregadas também para a força as unidades em quilograma-força e grama-força e para o comprimento as unidades em centímetros e milímetros. Existem as relações entre as unidades: 1kgf = 1.000gf = 9,8N 1m = 100cm = 1.000mm Os micromotores a ar, em razão da variação da pressão do compressor, conferem aos instrumentos endodônticos uma velocidade de rotação flutuante. O torque utilizado é fixo. Os motores elétricos mantêm constantes a velocidade de rotação e a opção de torque. Diversos fabricantes propõem motores elétricos com diferentes opções de valores de velocidade e de torque. Esses valores têm como objetivo reduzir a possibilidade de fratura por torção dos instrumen-
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Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
tos endodônticos durante a instrumentação de canais radiculares. Os valores das velocidades e dos torques geralmente são preestabelecidos pelos fabricantes. Outros motores fornecem velocidades e torques programados para cada tipo e diâmetro de instrumento endodôntico empregado. Para ambos os motores, quando o carregamento atingir o torque selecionado (torque de segurança), teoricamente aquém do limite máximo de resistência à fratura por torção, o giro do motor é interrompido, evitando-se a sobrecarga e a fratura do instrumento empregado. Todavia estabelecer esses valores torna-se difícil por diversos empecilhos mecânicos e clínicos a seguir mencionados: • O operador deve conhecer o valor provável do torque que induz a fratura de cada instrumento endodôntico empregado. Vale ressaltar que esses valores não são informados pelos fabricantes. • O torque é uma grandeza relacionada com o raio. Assim, o torque máximo de fratura de um instrumento endodôntico varia ao longo de sua haste de corte helicoidal cônica. • As variações acentuadas entre os diâmetros reais e os nominais propostos, assim como os inúmeros defeitos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e microcavidades) existentes nos instrumentos endodônticos, funcionam como pontos concentradores de tensão, podendo induzir a fratura prematura com níveis de torques abaixo dos previsíveis. • A seção reta transversal da haste de corte dos instrumentos endodônticos mecanizados apresenta desenhos diferentes em função do fabricante. Pode ser constante para toda a haste de corte ou apresentar variações. Consequentemente, a área da seção reta transversal e o diâmetro do núcleo variam em função do desenho e da conicidade da haste de corte do instrumento. • O torque máximo de fratura de um instrumento endodôntico, durante o uso clínico, depende também da anatomia do canal radicular. Em um canal curvo o instrumento é submetido a carregamentos combinados de flexão rotativa e de torção que induzem tensões trativas, compressivas e cisalhantes. Essa condição é mais severa do que a observada em vários ensaios mecânicos de laboratório disponíveis na literatura, onde o carregamento do instrumento é apenas por torção. Um maior rigor no controle das dimensões nominais e do acabamento superficial dos instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados certamente redu-
zirá a ocorrência de sua fratura por torção. Entretanto, sem dúvida, o melhor recurso para reduzir o índice de fratura por torção é evitar a imobilização da ponta do instrumento durante o preparo de um canal radicular, o que é alcançado com o conhecimento dos princípios mecânicos da instrumentação, com técnica adequada, habilidade e experiência profissional. Segunto Yared et al.,78 para profissionais experientes o uso de motores com torques menores do que o limite de resistência à fratura em torção do instrumento empregado não é importante para reduzir a incidência de deformação plástica ou de fratura do instrumento. Em função do exposto, estabelecer o valor de um torque de segurança para cada tipo e marca comercial de instrumento de NiTi mecanizado é tarefa mais difícil do que a facilidade propalada por muitos. É importante ressaltar que o maior temor em usar instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados no preparo de canais radiculares curvos é devido à ocorrência da fratura por fadiga de baixo ciclo advinda de um carregamento por flexão rotativa. Esse tipo de fratura não está relacionado com o valor do torque aplicado ao instrumento quando em flexão rotativa. A fratura por fadiga é imprevisível, pois acontece sem que haja qualquer aviso prévio. É responsável por 50 a 90% das falhas mecânicas24. Na região de flexão de um instrumento em rotação contínua são geradas tensões que variam alternadamente em tração e compressão. Essas tensões promovem mudanças microestruturais acumulativas que podem levar o material à fratura. A resistência à fratura por fadiga de um instrumento endodôntico é quantificada pelo número de ciclos (vida útil) que ele é capaz de resistir em uma determinada condição de carregamento48,49. O número de ciclos é acumulativo e depende da velocidade de giro e do tempo de manutenção do instrumento em flexão rotativa. Quanto maior a velocidade, menor será o tempo de vida útil do instrumento. A intensidade das tensões trativas e compressivas impostas na região de flexão rotativa de um instrumento depende do raio de curvatura de um canal, do comprimento do arco do canal e do diâmetro do instrumento. Quanto menor o raio de curvatura, maior o comprimento do arco do canal e maior o diâmetro do instrumento empregado, maior será a intensidade das tensões e, consequentemente, menor será o tempo de vida útil do instrumento48,49. A Dentsply Maillefer, Suíça, fabrica um aparelho compacto denominado de X-SMART empregado para o acionamento de instrumentos endodônticos com
Instrumentos Endodônticos
ma para instrumento endodôntico manual ou mecanizado; reversão da rotação, com aviso sonoro, e acionamento do motor por meio de botões específicos no pedal; circuito chaveado automático para 127/220V (Bi-volt). Para instrumento endodôntico mecanizado usar contra-ângulo com contracabeça rotatória com redução de 10:1. Para instrumento denominado de manual, empregar contracabeça oscilatória sem redução (1:1) com garra para cabo de instrumento. O motor elétrico EASY ENDO System (Easy Equipamentos Odontológicos, Belo Horizonte, MG), segundo o fabricante, constitui-se num exemplo de aparelho com torques programados para cada diâmetro, conicidade, tipo e marca comercial de instrumento endodôntico de NiTi mecanizado.
Quadro 9-16 Relação entre velocidade e torque RPM
200
240
280
320
360
400
Ncm
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
379
velocidades e torques preestabelecidos. O aparelho possibilita alteração de velocidade e torque em nove programações pré-ajustáveis. A escala de velocidades é de 120 a 800rpm, e a escala de torques é de 0,6 a 5,2N. cm. É empregado com contra-ângulo redutor de 16:1. Funciona na eletricidade ou com baterias. Tempo de recarga da bateria de aproximadamente 5 horas. Tempo de uso com bateria de aproximadamente 2 horas. Compatível com todos os sistemas de instrumentos mecanizados. A peça de mão possui botão liga-desliga e pesa 92g. Apresenta tela de cristal líquido e controle de autorreverso. A Adiel Comercial Ltda. (Ribeirão Preto, SP, Brasil) fabrica um micromotor elétrico para instrumentação mecanizada de canais radiculares denominado Endo-Max modelo EMX-3 com velocidade e torque conjugados de acordo com o Quadro 9-16.
Sistema ProFile Os instrumentos endodônticos especiais do sistema ProFile são fabricados por usinagem a partir de um fio metálico de NiTi pela Maillefer Instruments (Suíça), sendo constituído de alargadores apicais e cervicais. São projetados para serem acionados por dispositivos mecânicos com giro contínuo à direita.
O aparelho possibilita alteração (aumento) do torque selecionado de aproximadamente 30%, sem alterar a velocidade de rotação. Possui visual com display numérico para demonstração da velocidade de rotação do instrumento; led indicador do progra-
Alargadores apicais São oferecidos comercialmente na conicidade de 0,02mm/mm nos comprimentos úteis de 21 e 25mm e nos nos de 15 a 40. Na conicidade de 0,04mm/mm, nos com-
Quadro 9-17 Dimensão em D0 e D16 dos alargadores apicais ProFile de NiTi – Maillefer e conicidade 0,02mm/mm (valores nominais) No
15
20
25
30
35
40
D0 (mm)
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
0,40
D16 (mm)
0,47
0,52
0,57
0,62
0,67
0,72
Cor
branca
amarela
vermelha
azul
verde
preta
Quadro 9-18 Dimensão em D0 e D16 dos alargadores apicais ProFile de NiTi – Maillefer e conicidade 0,04mm/mm (valores nominais) No
15
20
25
30
35
40
45
60
90
D0 (mm)
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
0,40
0,45
0,60
0,90
D16 (mm)
0,79
0,84
0,89
0,94
0,99
1,04
1,09
1,24
1,54
Cor
branca
amarela
vermelha
azul
verde
preta
branca
azul
branca
380
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-19 Dimensão em D0 e D16 dos alargadores apicais ProFile de NiTi – Maillefer e conicidade 0,06mm/mm (valores nominais) No
15
20
25
30
35
40
D0 (mm)
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
0,40
D16 (mm)
1,11
1,16
1,21
1,26
1,31
1,36
Cor
branca
amarela
vermelha
azul
verde
preta
primentos úteis de 18, 21, 25 e 31mm e nos nos 15, 20, 25, 30, 35, 40, 45, 60 e 90. Os de conicidade 0,06mm/mm, nos comprimentos úteis de 18, 21 e 25mm e nos nos de 15 a 40. O comprimento mínimo da parte de trabalho é de 16mm. Os alargadores de conicidade 0,04mm/mm são identificados por um anel colorido, e os de conicidade 0,06mm/ mm, por dois anéis coloridos em suas hastes de fixação e acionamento. Os de conicidade 0,02mm/mm também são identificados por um anel colorido, acompanhado de um sulco. O diâmetro em D0 inclusive do alargador apical
A
Figura 9-126. Sistema ProFile. Alargadores apicais. A. Fotografia.
B
C
D
Figura 9-126. Sistema ProFile. Alargadores apicais. Forma. B. Ponta. C. Haste de corte. D. Haste de corte D16.
de no 30 obedece ao padrão série 29 (0,13, 0,17, 0,22, 0,28) e os demais, o padrão ISO. Com finalidade didática esses instrumentos são identificados como sendo números: 15, 20, 25 e 30 (Quadros 9-17, 9-18 e 9-19).
A ponta dos alargadores apicais apresenta a figura de um cone circular com sua extremidade geralmente pontiaguda. Tem curva de transição, sendo a passagem da base da ponta para a aresta de corte feita de modo suave, apresentando uma forma elipsoide. O ângulo da ponta é menor do que 70º. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta de D0 (20 a 25) para D16 (45 a 50). Os valores desses ângulos crescem com o aumento do diâmetro nominal do instrumento (Fig. 9-126A e B a D). Apresentam em média 21 hélices na haste de corte do instrumento. A haste de corte helicoidal apresenta seção reta transversal de forma triangular modificada (tríplice U), com três guias radiais e três canais. A guia radial tem como objetivo manter o instrumento centralizado em relação ao eixo do canal radicular durante o corte. A porção posterior da guia radial é rebaixada (superfície de folga) para diminuir a área de contato entre o instrumento e as paredes do canal radicular. Isso reduz o atrito, diminuindo a possibilidade de o instrumento durante a rotação travar no interior do canal radicular. A presença da guia radial tem por objetivo mudar a direção da aresta de corte em relação à parede do canal radicular e o ângulo interno da aresta lateral de corte de um instrumento endodôntico. Os canais apresentam paredes com perfis côncavos que promovem redução do diâmetro do núcleo e da área da seção reta transversal. A seção reta longitudinal da parte de trabalho dos alargadores apicais ProFile revela núcleo cilíndrico e canais helicoidais com profundidade crescente de D1 para D16. Canais helicoidais profundos permitem uma maior remoção de dentina excisada proveniente do preparo, assim como uma maior possibilidade de a solução química auxiliar da instrumentação fluir no sentido apical do canal radicular, o que reduz o risco
Instrumentos Endodônticos
A
B
381
de impactação de detritos no segmento apical do canal e de extravasamento via forame apical. A redução do diâmetro do núcleo e da área da seção reta transversal aumenta a profundidade do canal helicoidal e diminui o momento de inércia do instrumento, reduzindo a sua resistência em flexão, ou seja, aumentando sua flexibilidade (Fig. 9-127A a C e D). A aresta ou fio lateral de corte é formada pela interseção da superfície da guia radial com a superfície de ataque do canal helicoidal. O ângulo interno da aresta de corte é de 120º e de vértice arredondado. O ângulo de ataque é classificado como negativo, ou seja, o ponto de referência da aresta de corte está aquém em relação à superfície de ataque do instrumento. Os alargadores apicais são indicados para o alargamento dos segmentos médio e apical de um canal radicular promovendo uma modelagem cônica e centrada.
Alargadores cervicais
C
Figura 9-127. Sistema ProFile. Alargadores apicais. Seção reta longitudinal. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16.
Os alargadores cervicais (Orifice Shapers) apresentam a ponta e a haste de corte helicoidal cônica com características morfológicas semelhantes às de um alargador apical ProFile de NiTi mecanizado. São oferecidos comercialmente, no comprimento útil de 19mm e nos nos e conicidades 20/0,05 – 30/0,06 – 40/0,06 – 50/0,07 – 60/0,08 – 80/0,08. O comprimento mínimo da parte de trabalho é de 10mm. Os números dos alargadores são representados por cores: branca (20), amarela (30), vermelha (40), azul (50), verde (60) e preta (80). São identificados por três anéis coloridos nas hastes de fixação e acionamento dos instrumentos. As cores representativas dos alargadores cervicais não
Quadro 9-20 Alargadores cervicais (Orifice Shapers) – Maillefer Instruments (valores nominais)
D
Figura 9-127. Sistema ProFile. Alargadores apicais. D. Seção reta transversal.
No
Cor
Conicidade mm/mm
D0 (mm)
D10 (mm)
1
branca
0,05
0,20
0,70
2
amarela
0,06
0,30
0,90
3
vermelha
0,06
0,40
1,00
4
azul
0,07
0,50
1,20
5
verde
0,08
0,60
1,40
6
preta
0,08
0,80
1,60
382
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
Figura 9-128. Sistema ProFile. Alargadores cervicais. A. Fotografia.
B
seguem as especificações no 28 da ANSI/ADA3 e no 3630/1 da ISO31 (Quadro 9-20).
São indicados para o alargamento do segmento cervical de um canal radicular (Fig. 9-128A, B e C, D) promovendo uma modelagem cônica e centrada. Os alargadores cervicais substituem com vantagem os alargadores Gates Glidden de aço inoxidável, os quais tornam o preparo cervical com a forma cilíndrica em comparação à forma cônica original do canal radicular.
Sistema K3 Os instrumentos endodônticos especiais do sistema K3 são fabricados por usinagem de um fio metálico de NiTi pela Sybron Dental Specialties-Kerr (México), sendo constituído de alargadores apicais e cervicais. São projetados para ser acionados por dispositivos mecânicos com giro continuo à direita.
Alargadores apicais
C
Figura 9-128. Sistema ProFile. Alargadores cervicais. Forma. B. Ponta. C. Haste de corte.
D
Figura 9-128. Sistema ProFile. Alargadores cervicais. D. Seção reta transversal.
São fornecidos comercialmente, nas conicidades de 0,02 – 0,04 e 0,06mm/mm, nos comprimentos úteis de 21, 25 e 30mm e nos nos de 15 a 60. O comprimento mínimo da parte de trabalho é de 16mm. Na haste de fixação e acionamento existem dois anéis coloridos: o próximo da extremidade (denominado de superior) corresponde à conicidade e o outro (denominado de inferior) ao diâmetro do instrumento em D0 (Quadros 9-21, 9-22 e 9-23).
A ponta dos alargadores apicais K3 apresenta a figura de um cone circular e sua extremidade é arredondada. O ângulo da ponta é menor do que 60º (40 a 45º). Tem curva de transição. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1 (20 a 25º) para D16 (45 a 50º). O número de hélices varia entre 13 (instrumentos de nº 60) e 28 (instrumentos de no 15) (Fig. 9-129A e B a D). A seção reta longitudinal apresenta núcleo cônico invertido com o menor diâmetro voltado para a base da haste de corte helicoidal cônica, o que permite a esses instrumentos apresentarem boa flexibilidade (compatível com o uso) em que pesem as suas maiores conicidades. Em razão da forma cônica invertida do núcleo, a profundidade do canal da haste de corte helicoidal cônica aumenta de D0 para D16. A haste de corte apresenta seção reta transversal com três guias radiais e três canais. A aresta ou fio lateral de corte é formada pela interseção da superfície da guia radial com a superfície de ataque do canal. O ângulo interno da aresta de corte é de 60º
Instrumentos Endodônticos
383
Quadro 9-21 Valores nominais dos alargadores apicais K3 em milímetros. Conicidade 0,02mm/mm No
Parte de trabalho (mm)
Conicidade (mm/mm)
D0 (mm)
15
16
0,02
0,15
20
16
0,02
25
16
30
D 16 (mm)
Cor do anel Superior
Inferior
0,47
vermelha
branca
0,20
0,52
vermelha
amarela
0,02
0,25
0,57
vermelha
vermelha
16
0,02
0,30
0,62
vermelha
azul
35
16
0,02
0,35
0,67
vermelha
verde
40
16
0,02
0,40
0,72
vermelha
preta
45
16
0,02
0,45
0,77
vermelha
branca
Quadro 9-22 Valores nominais dos alargadores apicais K3 em milímetros. Conicidade 0,04mm/mm No
Parte de trabalho (mm)
Conicidade (mm/mm)
D0 (mm)
15
16
0,04
0,15
20
16
0,04
25
16
30
D16 (mm)
Cor do anel Superior
Inferior
0,79
verde
branca
0,20
0,84
verde
amarela
0,04
0,25
0,89
verde
vermelha
16
0,04
0,30
0,94
verde
azul
35
16
0,04
0,35
0,99
verde
verde
40
16
0,04
0,40
1,04
verde
preta
45
16
0,04
0,45
1,09
verde
branca
50
16
0,04
0,50
1,14
verde
amarela
55
16
0,04
0,55
1,19
verde
vermelha
60
16
0,04
0,60
1,24
verde
azul
aproximadamente e de vértice pontiagudo. O ângulo de ataque é classificado como negativo, ou seja, o ponto de referência da aresta de corte está aquém em relação à superfície de ataque do instrumento12,41. A guia radial é ampla, proporcionando um aumento da área da seção reta transversal e do núcleo do instrumento, e com isso, aumentando a resistência à fratura por torção do instrumento. Para diminuir a área de contato entre o instrumento e as
paredes do canal radicular, duas guias radiais têm suas superfícies posteriores rebaixadas, o que reduz o atrito diminuindo a possibilidade de o instrumento durante a rotação travar no interior do canal radicular. A terceira guia radial não é rebaixada e tem como finalidade estabilizar e manter o instrumento centrado quando em movimento de rotação no interior do canal radicular, reduzindo a possibilidade de desvios do preparo de canais radiculares curvos.
384
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-23 Valores nominais dos alargadores apicais K3 em milímetros. Conicidade 0,06mm/mm No
Parte de trabalho (mm)
Conicidade (mm/mm)
D0 (mm)
15
16
0,06
0,15
20
16
0,06
25
16
30
D16 (mm)
Cor do anel Superior
Inferior
1,11
laranja
branca
0,20
1,16
laranja
amarela
0,06
0,25
1,21
laranja
vermelha
16
0,06
0,30
1,26
laranja
azul
35
16
0,06
0,35
1,31
laranja
verde
40
16
0,06
0,40
1,36
laranja
preta
45
16
0,06
0,45
1,41
laranja
branca
50
16
0,06
0,50
1,46
laranja
amarela
55
16
0,06
0,55
1,51
laranja
vermelha
60
16
0,06
0,60
1,56
laranja
azul
A
Figura 9-129. Sistema K3. Alargadores apicais. A. Fotografia.
B
C
D
Figura 9-129. Sistema K3. Alargadores apicais. Forma. B. Ponta. C. Haste de corte. D. Haste de corte D16.
A seção reta transversal mostra canais com perfis sinuosos (paredes côncavas e convexas). Isso confere aos alargadores apicais K³ canais rasos e consequentemente aumento do diâmetro do núcleo e da área da seção reta transversal do instrumento. Canais rasos dificultam a remoção de dentina excisada proveniente do preparo e que a solução química auxiliar da instrumentação flua no sentido apical do canal radicular, o que aumenta o risco de impactação de detritos no segmento apical do canal e extravasamento via forame apical. Para minimizarem esses inconvenientes, instrumentos com canais rasos durante o preparo de um canal radicular devem ser retirados e limpos com maior frequência (Fig. 9-130A a C e D). O aumento do diâmetro do núcleo e da área da seção reta transversal aumenta o momento de inércia do instrumento e diminui sua flexibilidade, tornando o instrumento mais rígido, porém aumenta sua resistência à fratura por torção. Os alargadores apicais são indicados para o alargamento dos segmentos médio e apical de um canal radicular, promovendo uma modelagem cônica e centrada.
Alargadores cervicais Os alargadores cervicais (Orfice Opener) apresentam a ponta e a haste de corte helicoidal cônica com característica morfológica semelhante à de um alargador
Instrumentos Endodônticos
385
apical K3. São oferecidos comercialmente nos comprimentos úteis de 17, 21 e 25mm e nos nos e conicidades de 25/0,08, 25/0,10 e 25/0,12. O comprimento de parte de trabalho é de 10mm (Quadro 9-24).
São projetados para o alargamento do segmento cervical de um canal radicular, promovendo uma modelagem cônica e centrada (Fig. 9-131A, B a D e E).
A
Sistema Hero Os instrumentos endodônticos especiais do sistema Hero (High Elasticity in Rotation) são fabricados por usinagem a partir de um fio metálico de NiTi pela Micro-Mega (França), sendo constituídos de alargadores apicais e de um alargador cervical. São projetados para ser acionados por dispositivos mecânicos com giro continuo à direita.
B
Alargadores apicais 642 C
D
Figura 9-130. Sistema K3. Alargadores apicais. Seção reta longitudinal. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte D16. D. Seção reta transversal.
O no 642 representa as três conicidades 0,06 – 0,04 – 0,02mm/mm. São oferecidos comercialmente na conicidade 0,06mm/mm, no comprimento útil de 21mm e nos nos 20, 25 e 30. Os de conicidade 0,04mm/mm, no comprimento útil de 25mm e nos nos 20, 25 e 30. Na conicidade de 0,02mm/mm, no comprimento útil de 25mm e nos nos 20, 25, 30, 35, 40 e 45. O comprimento mínimo da parte de trabalho é de 16mm. A ponta do instrumento apresenta a figura de um cone circular e sua extremidade é pontiaguda. O ângulo da ponta é maior do que 60º (70 a 75º). Tem curva de transição, sendo a passagem da base da ponta para a aresta de corte feita de modo suave, apresentando uma forma elipsoide. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1 para D16. Instrumentos de conicidade 0,06mm/mm, ângulo da hélice em D1 igual a 25º e em D16 igual a 40º. Instrumentos de conicidade 0,04mm/mm, ângulo da hélice em D1 igual a 25º e em D16 igual a 39º e para os de conicidade 0,02mm/mm em D1 igual a 25º e em D16
Quadro 9-24 Valores nominais dos alargadores cervicais No
Parte de trabalho (mm)
Con (mm/mm)
D0 (mm)
D10 (mm)
25
10
0,08
0,25
25
10
0,10
25
10
0,12
Cor do anel Superior
Inferior
1,05
verde-clara
vermelha
0,25
1,25
rosa
vermelha
0,25
1,45
vermelha
vermelha
386
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
A
Figura 9-131. Sistema K3. Alargadores cervicais. A. Fotografia.
A
Figura 9-132. Sistema Hero. Alargadores apicais. A. Fotografia.
B B
C C
D
Figura 9-131. Sistema K3. Alargadores cervicais. Forma. B. Ponta. C. Haste de corte. D. Haste de corte D16. D
Figura 9-132. Sistema Hero. Alargadores apicais. Forma. B. Ponta. C. Haste de corte. D. Haste de corte D16.
E
Figura 9-131. Sistema K3. Alargadores cervicais. E. Seção reta transversal.
igual a 40º. Apresentam em média 20 hélices na haste helicoidal (Fig. 9-132A e B a D). A seção reta longitudinal dos alargadores apicais Hero apresenta núcleos cilíndricos, o que permite a presença de canais helicoidais com profundidades crescentes de D1 a D16. Todavia, a profundidade dos canais helicoidais é rasa em razão do perfil sinuoso de suas paredes. A haste de corte helicoidal apresenta seção reta transversal com três arestas ou fios laterais de corte e três canais. A aresta de corte na forma de filete é oriunda da interseção das paredes de canais contíguos. O ângulo interno da aresta de corte é superior a 90º e seu vértice é pontiagudo. O ângulo de ataque
Instrumentos Endodônticos
387
A
Figura 9-134. Sistema Hero. Alargador cervical. A. Fotografia.
A
B
B
C
C
Figura 9-133. Sistema Hero. Alargadores apicais. A. Seção reta transversal. Seções retas longitudinais. B. Ponta. C. Haste de corte. D
é negativo, ou seja, o ponto de referência da aresta de corte está aquém em relação à superfície de ataque do instrumento. Não apresenta guia radial, sendo a aresta de corte representada pela forma de filete. Os canais apresentam paredes com perfis sinuosos (parede convexa e côncava), o que confere canais rasos e consequentemente aumento no diâmetro do núcleo e da área da seção reta transversal do instrumento. Canais rasos dificultam a remoção de detritos oriundos do preparo e diminuem o fluxo da solução química auxiliar da instrumentação. Isso aumenta o risco de impactação de detritos na região apical do canal apical e de extravasamento via forame apical. Para minimizarem esses inconvenientes, instrumentos com canais rasos durante o preparo de um canal radicular devem ser retirados e limpos com maior frequência (Fig. 9-133A a C).
Figura 9-134. Sistema Hero. Alargador cervical. B. Seção reta transversal. C. Forma da ponta. D. Forma da haste de corte (D10).
O aumento do diâmetro do núcleo e da área da seção reta transversal aumenta o momento de inércia do instrumento e diminui sua flexibilidade, tornando o instrumento mais rígido, porém aumentando a sua resistência à fratura por torção. Os alargadores apicais são indicados para o alargamento dos segmentos médio e apical de um canal radicular, promovendo uma modelagem cônica e centrada.
Alargador cervical O alargador cervical, denominado de Endoflare, apresenta características morfológicas semelhantes às
388
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
dos alargadores apicais HERO. É oferecido comercialmente no comprimento de 15mm, com diâmetro em D0 igual a 0,25mm e conicidade de 0,12mm/mm. O comprimento da parte de trabalho é de 10mm. É indicado para o alargamento cervical de canais radiculares (Fig 9-134A e B a D).
Sistema FKG RaCe Os instrumentos endodônticos especiais do sistema FKG RaCe (Reamer with alternating Cutting edges – Alargador com arestas de corte alternadas) são fabricados pela FKG Dentaire (Suíça), sendo constituídos de dois tipos de instrumento: RaCe e Pré-RaCe. São projetados para ser acionados por dispositivos mecânicos com giro contínuo à direita. Os instrumentos desse sistema em razão da forma da seção reta transversal de sua haste de corte helicoidal podem também ser acionados por dispositivos mecânicos com giro alternado (oscilatório).
RaCe Os instrumentos denominados FKG RaCe são indicados para a instrumentação dos segmentos médio e apical dos canais radiculares. São fabricados por usinagem de um fio metálico de NiTi. São ofe-
Quadro 9-25 Instrumentos FKG RaCe. Valores nominais No
Conicidade mm/mm
Seção reta transversal
15
0,02
□
20 20
0,02 0,06
□ ∆
25 25 25
0,02 0,04 0,06
∆ ∆ ∆
30 30 30
0,02 0,04 0,06
∆ ∆ ∆
35 35
0,02 0,04
∆ ∆
40
0,02
∆
50
0,02
∆
60
0,02
∆
□ = Seção reta transversal quadrangular ∆ = Seção reta transversal triangular
recidos comercialmente nas conicidades 0,02 – 0,04 e 0,06mm/mm no comprimento útil de 25mm. O comprimento mínimo da parte de trabalho é de 16mm (Quadro 9-25). A ponta dos instrumentos FKG RaCe apresenta a forma de um cone circular com extremidade arredondada. O ângulo da ponta é de 40º, valor inferior ao mínimo preconizado (60º). Tem curva de transição. A partir da ponta do instrumento, as arestas de corte são dispostas alternadamente em relação ao eixo do instrumento na direção longitudinal (paralela) e na direção oblíqua (helicoidal). O ângulo da hélice é variável de 25 a 30º. A disposição das arestas de corte paralela ao eixo reduz a velocidade de avanço, evitando o efeito de roscamento (imobilização) do instrumento no interior do canal radicular. Consequentemente, reduz a variação do torque e minimiza a deformação plástica e/ou fratura do instrumento por torção. Após a usinagem, os instrumentos FKG Pré-RaCe e FKG RaCe são submetidos a um tratamento eletroquímico, que tem por finalidade reduzir as ranhuras advindas do processo de fabricação. A redução dessas ranhuras tem como objetivo melhorar o comportamento mecânico desses instrumentos quando submetidos a carregamentos por torção ou flexão rotativa (Fig. 9-135A e B a E). A seção reta transversal pode ser triangular ou quadrangular (ausência de guia radial) e apresenta três ou quatro arestas laterais de corte na forma de filetes e três ou quatro canais (Fig. 9-135F). O ângulo da aresta lateral de corte é de 90º para os instrumentos de seção reta transversal quadrangular e de 60º para os de seção triangular. O vértice do ângulo da aresta lateral de corte é pontiagudo e o ângulo de ataque é negativo. Os instrumentos do sistema FKG RaCe vêm acompanhados de um dispositivo (disco de silicone) para o controle do número de uso (Safety Meno DiscSMD). O número de pétalas destacadas do disco varia em função da complexidade anatômica do canal radicular de acordo com uma tabela proposta pelo fabricante. O fabricante designa esse dispositivo como método de controle da fadiga da liga metálica. Entretanto, a fratura por fadiga de baixo ciclo é complexa e depende da velocidade de giro, do tempo de uso, do raio de curvatura do canal, do comprimento do arco e do diâmetro do instrumento. Assim, o dispositivo proposto pode ser útil para o controle do número de uso e não para o controle da resistência do instrumento à fratura por fadiga de baixo ciclo.
Instrumentos Endodônticos
389
Quadro 9-26 Conjunto básico. Instrumentos BioRace A
B
C
D
Instrumento
Diâmetro/ conicidade (mm)
Comprimento útil (mm)
BR 0
25/0,08
19
BR 1
15/0,05
25
BR 2
25/0,04
25
BR 3
25/0,06
25
BR 4
35/0,04
25
BR 5
40/0,04
25
Quadro 9-27 Conjunto especial. Instrumentos BioRace Instrumento
Diâmetro/ conicidade (mm)
Comprimento útil (mm)
Canal
BR 4C
35/0,02
25
Curvatura severa
BR 5C
40/0,02
25
Curvatura severa
BR 6
50/0,04
25
Amplo
BR 7
60/0,02
25
Amplo
E
Os instrumentos do sistema RaCe também são comercialmente fornecidos em dois conjuntos, denominados de BioRace. Apresentam as mesmas características em relação ao desenho da parte de trabalho, porém alguns instrumentos apresentam diâmetros e conicidades diferentes, levando-se em consideração a anatomia do canal radicular a ser instrumentado. O conjunto básico é projetado para canais radiculares com diâmetros e curvaturas normais. O Quadro 9-26 revela a sequência de emprego, assim como as dimensões dos instrumentos do conjunto básico. F
Figura 9-135. Sistema RaCe. Alargadores apicais. Forma. A. Fotografia. B. Ponta. C e D. Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F. Seção reta transversal.
O conjunto especial é projetado para a complementação da instrumentação de canais com curvaturas severas e para canais amplos (Quadro 9-27).
Pré-RaCe
390
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-28 Instrumentos FKG Pré-RaCe. Valores nominais No
Com
L
PT
Liga
40 40
0,10 0,10
19 19
9 9
NiTi Inox
35 35
0,08 0,08
19 19
9 9
NiTi Inox
30 40
0,06 0,06
19 19
10 10
NiTi NiTi
Os instrumentos Pré-Race apresentam a parte de trabalho com as mesmas características morfológicas dos instrumentos Race. São fabricados por usinagem em aço inoxidável e em NiTi, sendo indicados para a instrumentação do segmento cervical de canais radiculares. O número ISO, conicidade, comprimento útil do instrumento (L), comprimento da parte de trabalho (PT) e a natureza da liga metálica são mostrados no Quadro 9-28.
de movimentos excêntricos (afastados do eixo) durante a rotação do instrumento endodôntico. O movimento excêntrico além do deslocamento do centro do preparo de um canal radicular induz a fratura do instrumento endodôntico (Fig. 9-137). São fornecidos comercialmente apenas no no 25 (0,25mm em D0), nas conicidades 0,12, 0,10, 0,08, 0,06 e 0,04mm/mm e nos comprimentos úteis de 23
Instrumentos endodônticos especiais TF Os instrumentos endodônticos especiais TF (Twisted File, SybronEndo, Orange, USA) são fabricados com liga NiTi com estrutura cristalina de transição, denominada de fase R, obtida por um processo de aquecimento e resfriamento do fio metálico primitivo. Esses instrumentos não são fabricados por usinagem, mas sim por torção de uma haste metálica de NiTi com forma piramidal e seção reta transversal triangular. A fabricação de instrumentos de NiTi por torção, segundo o fabricante, aumenta a dureza e reduz a incidência de fratura por torção e por flexão rotativa durante o uso clínico. São projetados para ser acionados por dispositivos mecânicos com giro contínuo à direita (Fig. 9-136). A haste de fixação e acionamento, assim como o corpo (intermediário e parte de trabalho) do instrumento, é obtida de uma única haste metálica de NiTi. A não utilização de uma haste de fixação e acionamento de latão engastada no intermediário elimina a possibilidade
Figura 9-136. Sistema TF. Fotografia.
Figura 9-137. Sistema TF. Haste de fixação e acionamento oriunda da haste metálica primitiva.
Instrumentos Endodônticos
391
A
B
E
Figura 9-138. Sistema TF. E. Seção reta transversal.
C
D
Figura 9-138. Sistema TF. Forma. A e B. Pontas. C. Haste de corte. D. Haste de corte (D16).
e 27mm. A parte de trabalho dos instrumentos de conicidades 0,12, 0,10 e 0,08 apresenta comprimento de 11mm, enquanto os de conicidades 0,06 e 0,04 apresentam comprimento de 16mm. Na haste de fixação e acionamento existem dois anéis coloridos correspondentes ao diâmetro em D0 e à conicidade do instrumento. A ponta dos instrumentos é cônica circular e sua extremidade arredondada. O ângulo da ponta é em média de 30º, tendo curva de transição. A haste de cor-
Quadro 9-29 Valores nominais dos instrumentos Mtwo. Comprimentos úteis de 21 e 25mm No
Parte de trabalho
Conicidade
D0
D16
Anéis
10
16
0,04
0,10
0,74
1
15
16
0,05
0,15
0,95
2
20
16
0,06
0,20
1,16
3
25
16
0,06
0,25
1,21
3
25
16
0,07
0,25
1,37
4
30
16
0,05
0,30
1,10
2
35
16
0,04
0,35
0,99
1
40
16
0,04
0,40
1,04
1
392
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-30 Valores nominais dos instrumentos Mtwo. Comprimentos úteis de 25 e 31mm No
Parte de trabalho
Conicidade
D0
D21
Anéis
10
21
0,04
0,10
0,94
1
15
21
0,05
0,15
1,20
2
20
21
0,06
0,20
1,46
3
25
21
0,06
0,25
1,51
3
30
21
0,05
0,30
1,35
2
35
21
0,04
0,35
1,19
1
40
21
0,04
0,40
1,24
1
te helicoidal é cônica e apresenta seção reta transversal triangular. O ângulo de ataque é negativo. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento é variável e aumenta em sentido do intermediário (15 a 30º) (Fig. 9-138A a D e E).
Instrumentos endodônticos Mtwo São fabricados por usinagem de um fio metálico de NiTi pela VDW, Alemanha. São oferecidos comercialmente, nas conicidades de 0,04 – 0,05 – 0,06 e 0,07mm/ mm, nos comprimentos úteis de 21, 25 e 31mm. A parte de trabalho com 16 ou 21mm de comprimento. A haste de fixação e acionamento apresenta anéis que identificam a conicidade do instrumento. As dimensões dos instrumentos endodônticos especiais Mtwo são mostradas nos Quadros 9-29 e 9-30.
A ponta do instrumento apresenta a figura de um cone circular e sua extremidade é arredondada. O ângulo da ponta é em média de 60º. Tem curva de transição, sendo a passagem da base da ponta para a aresta de corte feita de modo suave. A haste de corte helicoidal é cônica. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento é constante. A seção reta transversal apresenta forma em S com duas arestas laterais de corte e dois canais helicoidais. A aresta de corte na forma de filete é oriunda da interseção das paredes de canais contíguos. O ângulo interno da aresta de corte é de aproximadamente 100º e o seu vértice é pontiagudo. O ângulo de ataque é negativo. Os canais helicoidais apresentam paredes com perfis sinuosos (parede convexa e cônA cava). É profundo e permite a remoção de resíduos
oriundos da instrumentação dos canais radiculares (Fig. 9-139A, B a E e F).
Mtwo Retratamento Os instrumentos endodônticos especiais Mtwo Retratamento são fabricados por usinagem de uma haste metálica de NiTi de seção reta transversal circular. São oferecidos comercialmente nos nos 15 e 25, no comprimento útil de 21mm e na conicidade de 0,05mm/ mm. A parte de trabalho apresenta comprimento de 16mm. A ponta é facetada para favorecer o avanço do instrumento na massa obturadora presente no interior do canal radicular. A haste de corte helicoidal é cônica e o ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento é constante. A seção reta transversal apresenta a forma em S com duas arestas laterais de corte e dois canais helicoidais. A aresta de corte na forma de filete é oriunda da interseção das paredes de canais contíguos. Eles foram projetados para ser acionados por dispositivos mecânicos com giro continuo à direita, tendo como objetivo a remoção do material obturador (guta-percha e cimento) do interior de um canal radicular (Fig. 9-140A, B a E e F).
Instrumentos endodônticos especiais EndoWave Os instrumentos endodônticos especiais EndoWave são fabricados por usinagem de um fio metálico de NiTi pela J. Morita Corporation, Osaka, Japão. São comercialmente fornecidos em dois conjuntos denominados A e B. O conjunto A é projetado para a instrumentação de canais radiculares com diâmetros e curvaturas considerados normais (Quadro 9-31).
Instrumentos Endodônticos
A
393
A
B B
C
C
D
D
E
E
F F
Figura 9-139. Sistema Mtwo. Forma. A. Fotografia. B e C. Pontas. D. Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F. Seção reta transversal.
Figura 9-140. Mtwo Retratamento. Forma. A. Fotografia. B e C. Pontas. D. Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F. Seção reta transversal.
394
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-31 Valores nominais dos instrumentos do conjunto A (mm) No
C
L
15
0,02
25
20
0,06
25
25
0,06
25
30
0,06
25
35
0,08
19
A
B
C = conicidade; L = comprimento útil
C
Quadro 9-32 Valores nominais dos instrumentos do conjunto B No
C
L
20
0,02
25
25
0,02
25
25
0,04
25
20
0,06
25
25
0,06
25
D
C = conicidade; L = comprimento útil
E
O conjunto B (mm) é projetado para a instrumentação de canais radiculares considerados atresiados e com curvaturas severas (Quadro 9-32). A ponta do instrumento apresenta a figura de um cone circular e sua extremidade é arredondada. O ângulo da ponta é em média de 50º. Tem curva de transição, sendo a passagem da base da ponta a aresta de corte feita de modo suave. A seção reta transversal é triangular, e a aresta de corte é na forma de filete. O ângulo interno da aresta de corte é de 60º com seu vértice pontiagudo. O ângulo de ataque é negativo. A haste de corte helicoidal é cônica. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento aumenta de D1 (10º) para D16 (20º). Apresenta pontos alternados de contato com as paredes dos canais radiculares, o que evita o efeito roscamento e maximiza a capacidade de corte do instrumento (Fig. 9-141A, B a E e F). Após a usinagem, os instrumentos EndoWave são submetidos a tratamento eletrolítico que tem por
F
Figura 9-141. Sistema EndoWave. Forma. A. Fotografia. B e C. Pontas. D. Haste de corte. E. Haste de corte (D16). F. Seção reta transversal.
Instrumentos Endodônticos
395
finalidade reduzir as ranhuras advindas do processo de fabricação. A redução dessas ranhuras melhora o comportamento mecânico desses instrumentos quando submetidos a carregamentos por torção ou flexão rotativa.
INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS ESPECIAIS DE AÇO INOXIDÁVEL MECANIZADOS
Figura 9-143. Alargadores Gates Glidden. Raio de concordância.
Alargadores Gates Glidden Os instrumentos Gates Glidden do ponto de vista mecânico são considerados como alargadores e não brocas. Broca é uma ferramenta de corte na ponta que com o movimento de rotação abre furos circulares em um material. Alargador é uma ferramenta de corte para alargar furos. São empregados com o fim de se obter um furo com diâmetro maior, com superfície lisa, bem acabada ou tornar cônico um furo cilíndrico aberto com uma broca21,22. Os alargadores Gates Glidden são instrumentos acionados a motor (mecanizados), conhecidos desde o final do século XIX e são empregados no alargamento dos segmentos cervical e médio dos canais radiculares. São encontrados, no comércio nos nos de 1 a 6 e nos comprimentos úteis de 15 e 19mm correspondentes ao corpo do instrumento. O comprimento da haste de fixação e acionamento é de 13mm, o que somado ao comprimento útil confere aos instrumentos comprimentos totais de 28 e 32mm (Fig. 9-142). Para a maioria dos instrumentos endodônticos o comprimento é dado desprezando-se o comprimento do cabo e da haste de fixação e o acionamento. São fabricados em aço inoxidável, por usinagem, sendo formados por duas hastes de diâmetros diferentes. A passagem da haste de maior diâmetro para a de menor diâmetro não se faz abrup-
Figura 9-142. Alargadores Gates Glidden.
Figura 9-144. Alargadores Gates Glidden. Ângulos da ponta.
tamente, mas de maneira progressiva, constituindo o chamado raio de concordância ou de adoçamento. O raio de concordância tem como objetivo diminuir a concentração de tensão na região de variação de diâmetros das hastes (Fig. 9-143). A haste de diâmetro maior é cilíndrica e forma a haste de fixação e acionamento, e a de diâmetro menor constitui o corpo do instrumento. A haste de fixação e acionamento do alargador apresenta estrias que indicam o número do instrumento. A ponta dos alargadores Gates Glidden é formada pela interseção das arestas laterais de corte, é cônica circular, não cortante e o vértice de sua extremidade é truncado. Apresenta dois ângulos, um maior, de aproximadamente 60º na extremidade da ponta, e outro menor, de aproximadamente 20º localizado na parte posterior da ponta (Fig. 9-144). A haste de diâmetro menor forma o corpo, o qual é constituído pela parte de trabalho e pelo inter-
396
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
mediário. A parte de trabalho é formada pela ponta e pela haste de corte do instrumento. A haste de corte é curta e apresenta forma elíptica (oval) com três arestas laterais de corte igualmente espaçadas e dispostas a partir da ponta na direção longitudinal ao eixo do instrumento e logo a seguir na forma de hélice (direção oblíqua) com sentido anti-horário. A disposição das arestas de corte na direção longitudinal a partir da ponta dos alargadores Gates Glidden impede que esses instrumentos quando em uso no interior de um canal radicular sofram o efeito roscamento. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento é de 10º aproximadamente. As hélices não apresentam um passo completo devido ao pequeno comprimento da haste de corte, ou seja, não completam uma volta (Fig. 9-145). A seção reta transversal apresenta a forma de tríplice U e
Figura 9-145. Alargadores Gates Glidden. Haste de corte oval. Arestas laterais de corte dispostas na direção longitudinal ao eixo do instrumento (a) e na forma de hélice (oblíqua) (b).
A
possui três canais e três arestas laterais de cortes igualmente distantes (120º). Essas possuem guia radial com a porção posterior rebaixada para reduzir o atrito entre o instrumento e a parede do canal radicular. O ângulo interno da aresta lateral de corte é formado pela interseção da guia radial e a parede do canal. Esse ângulo é menor do que 90º, e seu vértice é agudo. O ângulo de ataque dos alargadores Gates Glidden é positivo, ou seja, o ponto de referência está adiantado em relação à parede de ataque do instrumento endodôntico (Fig. 9-146A e B). O canal helicoidal é curto e com profundidade acentuada em razão de as paredes apresentarem perfil côncavo. O intermediário dos alargadores Gates Glidden não apresenta uma forma cilíndrica, mas suavemente cônica, com menor diâmetro junto ao raio de concordância da haste de fixação e acionamento. Nessa área de menor diâmetro ocorre uma maior concentração de tensão quando o instrumento é submetido a carregamentos isolados ou combinados de torção e flexão rotativa. O Quadro 9-33 mostra os comprimentos da ponta, da haste de corte, da parte de trabalho e os diâmetros do intermediário junto à haste de corte (a) e junto à haste de fixação e acionamento (b) de alargadores Gates Glidden (Maillefer, Suíça) (Fig. 9-147A e B).
Lopes et al.45, medindo o diâmetro dos alargadores Gates Glidden (fabricados pela Maillefer, Suíça) a partir da variação de seus números, observaram que o diâmetro real médio dos alargadores é ligeiramente inferior ao diâmetro nominal (Quadro 9-34) (Fig. 9-148). São montados em contra-ângulos com sentido de corte à direita e em baixa rotação. Em razão de o coeficiente de atrito estático ser maior do que o dinâmico,
B
Figura 9-146. Alargadores Gates Glidden. A. Seção reta transversal. B. Ângulo de ataque positivo.
Instrumentos Endodônticos
397
Quadro 9-33 Dimensões dos alargadores Gates Glidden – mm Comprimento N
o
Intermediário (Diâmetro)
Ponta
Haste de corte
Parte de trabalho
a
b
1
0,40
1,70
2,1
0,40
0,35
2
0,50
2,0
2,5
0,50
0,45
3
0,50
2,5
3,0
0,60
0,55
4
0,55
3,0
3,5
0,70
0,65
5
0,65
3,3
4,0
0,80
0,75
6
0,65
3,5
4,0
0,90
0,85
A
B
Figura 9-147. Alargadores Gates Glidden. A. Comprimento. Parte de trabalho (a). Comprimento da ponta (b). B. Diâmetro do intermediário, a maior do que b.
os instrumentos devem ser introduzidos girando no interior do canal radicular. Estando o alargador parado e ajustado no interior do canal radicular, para iniciar a rotação há necessidade de se aplicar maior torque e, em consequência, as maiores tensões nos concentradores de tensão (ranhuras) podem ultrapassar a resistência à fratura do material. Os alargadores Gates Glidden foram projetados para alargar o furo (canal radicular). Devido à forma elíptica (oval), o corte da dentina se dá no movimento de giro e de penetração (avanço) do instrumento na direção do eixo do canal radicular em sentido apical. Sendo o comprimento do canal radicular maior do que o do canal helicoidal do instrumento, durante o emprego, o instrumento deve ser introduzido (avanço) para cortar a dentina e retirado (retrocesso) sucessivamente do interior do canal radicular a fim de possibilitar a saí-
Quadro 9-34 Diâmetro nominal e diâmetro medido da haste de corte dos alargadores Gates Glidden – mm No
ISO (mm)
DM (mm)
DP
V
1
0,50
0,48
0,018
0,00031
2
0,70
0,69
0,028
0,00076
3
0,90
0,86
0,027
0,00075
4
1,10
1,06
0,023
0,00052
5
1,30
1,24
0,034
0,00120
6
1,50
1,42
0,029
0,00086
No = número do alargador; ISO = diâmetro nominal do alargador; DM = diâmetro médio; DP = desvio padrão; V = variância
398
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-148. Alargadores Gates Glidden. Diâmetro da haste de corte.
da do material excisado. Não devem ser pressionados lateralmente (desgaste anticurvatura ou em áreas polares de segmentos achatados de canais radiculares) com o intuito de desgaste seletivo de uma parede ou área do canal radicular, pelo fato de induzirem esforços de flexão rotativa junto ao raio de concordância, que levam o instrumento à fratura por fadiga de baixo ciclo. Para Lopes et al.45, os diâmetros dos furos executados com os alargadores Gates Glidden são, aproximadamente, 6% maiores do que o diâmetro dos instrumentos. Clinicamente, os alargadores Gates Glidden, quando em função (giro e avanço) no interior dos canais radiculares, estão constantemente sujeitos aos esforços de torção e flexão rotativa. Os esforços geram tensões normais e cisalhantes que se concentram junto ao raio de concordância do instrumento próximo à haste de fixação e acionamento, local em que geralmente ocorre a fratura. Esses instrumentos não provocam desvios em profundidade, mas apenas lateralmente, isto é, não criam um falso canal, apenas deslocam lateralmente o trajeto original do canal radicular. Entretanto, dependendo do diâmetro dos alargadores empregados e da morfologia radicular, esses desvios laterais podem provocar perfurações ou rasgos radiculares.
Alargador Largo Os alargadores Largo são instrumentos acionados a motor (mecanizados), montados em contra-ângulos com sentido de corte à direita e em baixa rotação. São empregados no preparo do segmento cervical de canais radiculares e fabricados em aço inoxidável, por usinagem, sendo formados por duas hastes de diâmetros diferentes. São encontrados no comércio nos nos de 1 a 6 e nos comprimentos úteis de 15 e 19mm correspondentes ao corpo do instrumento. O comprimento da haste de fixação e acionamento é de 13mm, o que somado ao comprimento útil confere aos instrumentos compri-
Figura 9-149. Alargadores Largo.
mentos totais de 28 e 32mm (Fig. 9-149). A passagem da haste de maior diâmetro para de menor diâmetro não se faz abruptamente, mas de maneira progressiva, constituindo o chamado raio de concordância, raio que tem como objetivo diminuir a concentração de tensão na região de variação de diâmetro das hastes (Fig. 9-150). A haste de diâmetro maior é cilíndrica e forma a haste de fixação e acionamento, e a de diâmetro menor constitui o corpo do instrumento. A haste de fixação e acionamento do alargador apresenta estrias que indicam o número do instrumento. A haste de diâmetro menor forma o corpo que é constituído pela parte de trabalho e pelo intermediário. A parte de trabalho é formada pela ponta e pela haste de corte. A ponta dos alargadores Largo é formada pela interseção das arestas laterais de corte, é cônica circular, não cortante e o vértice de sua extremidade é truncado. Apresenta dois ângulos, um maior de aproximadamente 60º, localizado na extremidade, e outro menor, de aproximadamente 20º, localizado na parte posterior da ponta (Fig. 9-151). A haste de corte tem a forma cilíndrica, com três canais e três arestas laterais de corte, igualmente espaçadas e dispostas a partir da ponta na direção longitudinal do instrumento e logo a seguir na forma de hélice
Figura 9-150. Alargadores Largo. Raio de concordância.
Instrumentos Endodônticos
Figura 9-151. Alargadores Largo. Ângulos da ponta.
Figura 9-152. Alargadores Largo. Haste de corte cilíndrica. Arestas laterais de corte dispostas na direção longitudinal ao eixo do instrumento e na forma de hélice (oblíqua).
A
399
(direção oblíqua) com sentido anti-horário. A disposição das arestas de corte na direção longitudinal a partir da ponta dos alargadores Largo impede que esses instrumentos quando em uso no interior de um canal radicular sofram o efeito roscamento. O ângulo da hélice em relação ao eixo do instrumento é de 10º aproximadamente. As hélices não apresentam passo completo, ou seja, não completam uma volta no sentido axial do corpo (Fig. 9-152). A seção reta transversal apresenta a forma de tríplice U e possui três canais e três arestas laterais de corte igualmente distantes (120º). Essas arestas são formadas pela interseção da guia radial e a parede do canal. A porção posterior da guia radial é rebaixada (superfície de folga) para diminuir a área de contato entre o instrumento e as paredes do canal radicular, o que reduz o atrito, diminuindo a possibilidade de o instrumento durante a rotação travar no interior do canal radicular. O ângulo interno da aresta lateral de corte é menor do que 90º, e seu vértice é agudo. O ângulo de ataque dos alargadores Largo é positivo, ou seja, o ponto de referência está adiantado em relação à parede de ataque do instrumento endodôntico (Fig. 9-153A e B). O canal helicoidal tem uma profundidade acentuada em razão de as paredes apresentarem perfil côncavo. O comprimento do canal helicoidal é curto, porém com comprimento suficiente para permitir a saída do material excisado do interior do canal radicular (segmento cervical). Assim, esses instrumentos não necessitam obrigatoriamente ser introduzidos e retirados sucessivamente do interior do canal radicular (deslocamento longitudinal de avanço e retrocesso) a fim de promover o corte da dentina e a saída do material excisado. O intermediário dos alargadores Largo é suavemente cônico, com o menor diâmetro junto ao raio de concordância da haste de fixação e acionamento. Nessa
B
Figura 9-153. Alargadores Largo. A. Seção reta transversal. B. Ângulo de ataque positivo.
400
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Os valores dos comprimentos da ponta, da haste de corte, da parte de trabalho e dos diâmetros da haste de corte e do intermediário junto à haste de corte (a) e a haste de fixação e acionamento (b) de alargadores Largo (Maillefer, Suíça) são mostrados nos Quadros 9-35 e 9-36 (Fig. 9-154A e B).
A
B
Figura 9-154. Alargadores Largo. A. Comprimento. Parte de trabalho (a). Comprimento da ponta (b). B. Diâmetro do intermediário, a maior do que b.
área de menor diâmetro ocorre uma maior concentração de tensão quando o instrumento é submetido a carregamentos isolados ou combinados de torção e flexão rotativa.
O Quadro 9-37 mostra a relação entre o número do alargador e o diâmetro nominal de sua haste de corte (Fig. 9-155). Lopes e Costa46 indicam o uso do alargador Largo para o alargamento ou retificação do segmento cervical achatado de canais radiculares. Os alargadores Largo, por apresentarem maior resistência à fratura, maior superfície de corte (forma cilíndrica) e menor capacidade de deslocamento do corpo sob flexão (maior rigidez) do que os Gates Glidden, podem ser mais solicitados (pressionados) contra as paredes do segmento cervical
Quadro 9-35 Dimensões dos alargadores Largo, de 32mm de comprimento – mm Comprimento
Intermediário (diâmetro)
No Ponta
Haste de corte
Parte de trabalho
a
b
1
0,45
8,20
8,65
0,54
0,53
2
0,56
7,95
8,51
0,63
0,60
3
0,56
8,09
8,65
0,74
070
4
0,65
8,17
8,82
0,84
0,81
5
0,68
8,16
8,84
0,96
0,92
6
0,66
8,15
8,81
1,08
1,06
Quadro 9-36 Dimensões dos alargadores Largo, de 28mm de comprimento – mm Comprimento
Intermediário (diâmetro)
No Ponta
Haste de corte
Parte de trabalho
a
b
1
0,47
6,35
6,82
0,56
0,52
2
0,53
6,09
6,62
0,62
0,59
3
0,50
6,17
6,67
0,74
0,71
4
0,63
6,41
7,04
0,84
0,82
5
0,66
6,42
7,08
096
0,93
6
0,67
6,33
7,00
1,06
1,02
Instrumentos Endodônticos
401
Quadro 9-37 Diâmetro nominal e diâmetro medido da haste de corte dos alargadores Largo – mm Número
1
2
3
4
5
6
Diâmetro (ISO)
0,70
0,90
1,10
1,30
1,50
1,70
Diâmetro medido
0,70
0,92
1,10
1,27
1,48
1,66
Figura 9-155. Alargadores Largo. Diâmetro da haste de corte.
achatado de canais radiculares. O instrumento Largo deve possuir diâmetro menor do que o diâmetro maior do segmento achatado do canal radicular. O instrumento deve ser introduzido girando à direita em sentido apical na direção do eixo do canal radicular no máximo até atingir a penetração de toda sua parte de trabalho e, a seguir, pressionado lateralmente e acompanhado de deslocamento circundante incorporando todo o contorno do segmento achatado do canal radicular. Pelas mesmas razões, os alargadores Largo devem ser utilizados no desgaste anticurvatura, direcionando a instrumentação às zonas volumosas ou zonas de segurança localizadas no segmento cervical da raiz dentária. Essa manobra tem como objetivo diminuir a curvatura inicial e favorecer o acesso em sentido do ápice radicular. Quando do emprego do alargador Largo, deve-se evitar o movimento básculo (inclinação do instrumento em relação ao seu eixo). Esses instrumentos não criam um falso canal. Entretanto, dependendo da morfologia radicular e principalmente do diâmetro e do direcionamento do instrumento em relação ao eixo do canal podem ocorrer rasgos radiculares. Os alargadores Largo apresentam maior resistência à fratura do que os Gates Glidden, o que pode ser explicado pelo maior diâmetro do intermediário e comprimento da parte de trabalho dos alargadores Largo em relação aos Gates Glidden de mesmo número. Essas diferenças dimensionais induzem menores tensões nas regiões críticas de resistência à fratura dos alargadores Largo. Para a Organização Internacional de Estandardização (ISO)31, os alargadores Largo são denomina-
dos de Peeso tipo P, enquanto o Peeso tipo B-1 seria o conhecido na Odontologia Brasileira como broca Peeso. Quando os alargadores Gates Glidden e Largo são empregados no preparo químico-mecânico dos canais radiculares, em razão do atrito e velocidade do instrumento, há aquecimento, que é transmitido por condução até a superfície externa do dente. Além da forma e do diâmetro do alargador, outros fatores influenciam na elevação da temperatura na superfície externa do dente. Quanto maiores a velocidade de rotação e de avanço, a profundidade de furação e a perda de corte, maior será a tendência de elevação da temperatura na superfície externa do dente. A falta de resfriamento do instrumento e a pequena espessura da parede dentinária também favorecem a elevação da temperatura. Afora os parâmetros citados, o uso incorreto de instrumentos rotatórios e o emprego de sua sequência inadequada podem aumentar o aquecimento da parede externa dentária, o que, certamente, causará injúrias ao periodonto. A temperatura crítica para provocar necrose térmica do tecido ósseo é de 56oC, temperatura essa que coincide com o ponto de desnaturação da fosfatase alcalina. Segundo Eriksson et al.19 e Eriksson20, o calor pode causar injúrias ao tecido ósseo se houver aquecimento de 47oC durante 1 minuto. Lopes et al.36 avaliando a temperatura externa do dente, durante o emprego de alargadores Gates Glidden nos 2 e 3 e Largo no 2 no preparo dos canais radiculares, concluíram que: • a temperatura na superfície radicular externa varia com o diâmetro e com a forma geométrica do instrumento; • os alargadores de diâmetros menores induzem menor aquecimento do que os de diâmetros maiores; • os alargadores Largo são os que induzem maior aquecimento dentre os instrumentos utilizados (Quadro 9-38).
402
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Quadro 9-38 Temperatura média externa de dentes humanos extraídos durante o emprego dos instrumentos rotatórios. Temperatura ambiente de 25oC Instrumento
T (oC)
Desvio padrão
Gates Glidden no 2
30,14
1,67
Gates Glidden no 3
32,02
2,23
Largo no 2
33,15
2,36
A
Alargadores La Axxess Os alargadores La Axxess são instrumentos acionados a motor (mecanizados) fabricados pela Sybron Dental Specialties – Kerr (México) em aço inoxidável por usinagem, sendo formados por duas hastes metálicas de formas, diâmetros e ligas metálicas diferentes. A de diâmetro maior é cilíndrica e forma a haste de fixação e acionamento do instrumento, e a de diâmetro menor constitui o corpo do instrumento. A haste de fixação e acionamento é fabricada em liga de latão e unida por engaste em uma das extremidades do corpo do instrumento. Apresentam anéis coloridos para identificação do diâmetro ISO dos alargadores La Axxess (Fig. 9-156). O corpo é formado pelo intermediário e pela parte de trabalho. O intermediário é cilíndrico. A parte de trabalho é formada pela ponta e pela haste de corte do alargador. A ponta do alargador La Axxess é formada pela interseção das arestas laterais de corte, é cilíndrica com vértice arredondado, não cortante, sendo sua seção reta transversal circular. O comprimento da ponta é de 0,50mm para os alargadores de no 45 e de 0,40mm para os de nos 20 e 35. A haste de corte é cônica com menor diâmetro voltado para a ponta do instrumento. Apresentam duas arestas (ou fios laterais de corte) com espaçamentos iguais e dispostas a partir da ponta na forma de hélice com sentido anti-horário. A haste de corte tem três hélices sendo o ângulo agudo de inclinação da primeira hélice em relação ao eixo do instrumento de 20º e o da terceira de 25º aproximadamente. As hélices apresentam passo completo (Fig. 9-157A a C).
Figura 9-156. Alargadores La Axxess.
B
C
Figura 9-157. Alargadores La Axxess. Forma. A. Ponta. B. Haste de corte. C. Haste de corte (D12).
Figura 9-158. Alargadores La Axxess. Seção reta transversal.
Instrumentos Endodônticos
A seção reta transversal dos alargadores La Axxess apresenta forma bicôncava e possui duas arestas laterais de corte igualmente distantes (180º). Essas arestas são formadas pela interseção da guia radial e pela parede do canal. A porção posterior da guia radial é rebaixada (superfície de folga) para diminuir a área de contato entre o instrumento e a parede do canal radicular (Fig. 9-158). Isso reduz o atrito durante a rotação do instrumento, diminuindo a possibilidade da elevação da temperatura na parede do canal radicular. Reduz também a possibilidade de o instrumento travar no interior do canal radicular. O ângulo interno da aresta lateral de corte é menor do que 90º, e seu vértice, agudo. O ângulo de ataque é negativo. Possuem dois amplos canais helicoidais e com comprimento suficiente para permitir a saída do material excisado do interior do canal radicular (segmento cervical). O perfil da parede do canal helicoidal é côncavo. São fabricados nos nos 1, 2 e 3 com comprimento útil de 19mm correspondentes ao corpo do instrumento, sendo 12mm da parte de trabalho e 7mm do intermediário. O comprimento da haste de fixação e acionamento é de 11mm. Possuem conicidade nominal de 0,06mm/mm e diâmetros em D0 de 0,20, 0,35 e 0,45mm, respectivamente, para os instrumentos de nos 1, 2 e 3. São cobertos com uma camada de nitreto de titânio para aumentar a dureza do instrumento e, consequentemente, a sua capacidade de corte. Os alargadores La Axxess foram projetados para ser utilizados em movimento de alargamento com rotação contínua, com giro à direita, empregando-se motores elétricos ou pneumáticos. A velocidade de emprego varia entre 5.000 e 20.000rpm. São empregados para o alargamento do segmento cervical do canal radicular. Devido à forma cônica da parte de trabalho no alargamento do segmento cervical, o corte da dentina se dá no movimento de giro e de avanço (penetração) do instrumento no eixo do canal radicular em sentido apical. A seguir, traciona-se o instrumento no sentido cervical (retrocesso). A amplitude da tração é curta o suficiente para liberar o instrumento. Grandes movimentos de tração podem induzir o deslocamento de material existente no interior do canal para a região apical, durante o avanço subsequente. O retrocesso do instrumento tem como objetivo favorecer a passagem de solução química auxiliar no sentido apical, a remoção de detritos no sentido coronário e dissipar o calor gerado durante os procedimentos do preparo cervical do canal radicular. Os alargadores La Axxess, em razão do comprimento de sua parte de trabalho e de sua rigidez, são in-
403
dicados nos desgastes compensatório e anticurvatura, assim como em áreas polares de segmentos achatados de canais radiculares. Nos desgastes compensatório e anticurvatura, o instrumento deve ser pressionado contra a parede a ser desgastada. Para as áreas polares de segmentos achatados de canais radiculares durante o giro à direita, o instrumento deve ser pressionado lateralmente e acompanhado de um deslocamento circundante incorporando todo o contorno do canal radicular. Durante o uso clínico não devemos empregar o movimento básculo (inclinação do instrumento em relação ao seu eixo) com o objetivo de evitar o deslocamento lateral do trajeto original do canal radicular. Os alargadores La Axxess, por apresentarem ponta não cortante, não criam um falso canal, todavia, dependendo do diâmetro do alargador empregado, da morfologia radicular e da inclinação do instrumento em relação ao eixo do canal podem provocar perfurações ou rasgos radiculares. Como o coeficiente de atrito estático é maior do que o dinâmico, os alargadores devem ser introduzidos girando no interior do canal radicular no sentido apical. Portanto, o instrumento partindo de uma posição estática e estando ajustado no interior do canal radicular necessita de torque maior para iniciar o movimento de rotação. Em consequência, geram maiores tensões nos concentradores de tensão (ranhura), podendo ultrapassar o limite de resistência à fratura do material. De acordo com as informações do fabricante dos alargadores La Axxess e as obtidas em um estudo por nós realizado houve controvérsias sobre sua geometria. A conicidade da parte de trabalho dos alargadores informada pelo fabricante é de 0,06mm/mm. A encontrada no estudo foi de 0,03mm/mm para os alargadores de nos 20 e 35 e de 0,02mm/mm para os de no 45. Quanto ao diâmetro D0, os valores encontrados foram de 0,70mm para os de no 20 (0,20mm), 0,80mm para os de no 35 (0,35mm) e de 0,90mm para os de no 45 (0,45mm). Os valores nominais de 0,20, 0,35 e 0,45mm são encontrados na parte cilíndrica da ponta. Entretanto, o diâmetro D0 de um instrumento endodôntico é virtual, sendo obtido pela projeção da conicidade obtida em dois pontos da haste de corte helicoidal cônica até a ponta do instrumento (Fig. 9-159). Os Quadros 9-39 e 9-40 mostram os valores nominais e os medidos dos alargadores La Axxess.
404
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
DEFEITOS DO PROCESSO DE FABRICAÇÃO DE INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS
Figura 9-159. Alargadores La Axxess. Diâmetros das pontas dados pelo fabricantes (a). Diâmetros a partir das projeções das conicidades obtidas em dois pontos (D12 e D3) da haste de corte dos instrumentos (b).
Quadro 9-39 Valores nominais dos alargadores La Axxess – mm No
Cor
Conicidade (mm/mm)
Diâmetro D0 (mm)
20
amarela
0,06
0,20
35
verde
0,06
0,35
45
branca
0,06
0,45
Os instrumentos endodônticos são difíceis de ser fabricados, principalmente os de menores diâmetros. Geralmente, apresentam defeitos de acabamento superficial advindos do processo de fabricação. Esses defeitos são observados na superfície do corpo dos instrumentos na forma de ranhuras, microcavidades e rebarbas (Fig. 9-160A a C). A parte de trabalho pode apresentar pontas com formas propostas e diâmetros nominais diferentes das preconizadas pelos fabricantes (Fig. 9-161)40. Ranhuras, microcavidades e rebarbas são imperfeições advindas da ferramenta de corte utilizada durante o processo de usinagem dos instrumentos endodônticos10,27,34,40. Ranhuras são observadas na maioria dos instrumentos analisados no MEV. As ranhuras acompanham o sentido de corte da ferramenta empregada no processo de usinagem. Nos instrumentos endodônticos torcidos, a usinagem por aplainamento empregada para a obtenção da haste piramidal geralmente é realizada no sentido longitudinal e raramente no sentido perpendicular ao eixo do fio metálico primitivo. Nos classificados como usinados, a ferramenta de usinagem mecânica trabalha perpendicularmente ao eixo do fio metálico primitivo para dar a forma, dimensão e acabamento desejados da haste de corte helicoidal e da ponta do instrumento endodôntico. Consequentemente, nos instrumentos torcidos, as ranhuras presentes na haste de corte helicoidal geralmente são longitudinais ou raramente perpendiculares ao eixo do fio metálico. Entretanto, para os instrumentos usinados sempre serão perpendiculares ao eixo do fio metálico primitivo. Em alguns instrumentos de NiTi manuais é observada a presença de microcavidades cilíndricas com bordas arredondadas ou ligeiramente elípticas (Fig. 9-162). Em um número reduzido de instrumentos de aço inoxidável, as microcavidades se apresentaram
Quadro 9-40 Valores medidos dos alargadores La Axxess – mm No
Cor
D13
D3
D0
Conicidade
20
amarela
1,10
0,80
0,70
0,03
35
verde
1,20
0,89
0,80
0,03
45
branca
1,20
1,0
0,90
0,02
Instrumentos Endodônticos
405
A
Figura 9-161. Pontas com geometrias diferentes das preconizadas pelos fabricantes.
B
C
Figura 9-160. Defeitos de acabamento superficial. A. Ranhuras. B. Microcavidades. C. Rebarbas.
com a forma de cometa (Fig. 9-163). Pode-se atribuir que durante a fabricação das ligas NiTi ocorrem a formação e precipitação de partículas de segunda fase, principalmente NiTi3. Durante a usinagem das hastes, essas fases são expostas e arrancadas, uma vez que
Figura 9-162. Microcavidades em instrumentos de NiTi.
406
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-163. Microcavidades denominadas de cometa em instrumentos de aço inoxidável.
Figura 9-164. Falhas iniciando junto às ranhuras.
elas são mais duras que a matriz e são difíceis de ser cortadas. No caso das microcavidades observadas nos instrumentos de aço, também ocorre a formação de partículas de segunda fase que são arrancadas durante a usinagem51. Durante o carregamento, a presença de ranhuras e microcavidades em uma haste metálica aumenta o estado de tensão em relação a uma haste polida. Esses defeitos funcionam como pontos concentradores de tensão, podendo levar os instrumentos endodônticos, principalmente os de diâmetros menores, à falha prematura (fratura) com níveis de tensão abaixo dos previsíveis. De modo geral, as falhas se iniciam junto às maiores ranhuras e microcavidades existentes nas hastes helicoidais dos instrumentos10,27,34,44,47,64 (Fig. 9-164). Rebarbas são excrescências metálicas que se formam na aresta de corte (hélices) durante o processo de
usinagem dos fios metálicos primitivos. A presença de rebarbas é mais acentuada nos instrumentos usinados do que nos torcidos, o que se deve à maior dificuldade de confecção da parte de trabalho dos instrumentos usinados. Para os instrumentos torcidos, a forma final da haste de corte helicoidal é obtida pela torção à esquerda de uma haste metálica piramidal com seção triangular ou quadrangular obtida por aplainamento. Todavia, para os instrumentos usinados a forma final da haste de corte helicoidal é obtida durante o processo de usinagem (roscamento externo) de um fio metálico primitivo com seção reta transversal circular (Fig. 9-165A a D). A presença de rebarbas altera o ângulo e a agucidade da aresta de corte, diminuindo a capacidade de corte dos instrumentos endodônticos. A dificuldade de corte da dentina induz o operador a aumentar o carregamento imposto ao instrumento durante o
Instrumentos Endodônticos
A
B
C
D
407
Figura 9-165A a D. Rebarbas.
preparo do canal radicular. Esse aumento de carregamento pode causar deformação plástica ou fratura do instrumento endodôntico40,44,47,48. A presença de rebarbas nos instrumentos também pode causar danos nas paredes do canal radicular deixando a superfície dentinária com maior rugosidade. Essas rugosidades podem interferir na qualidade do selamento da obturação do canal radicular. Normalmente, na avaliação do selamento da obturação de um canal radicular são considerados o material obturador e a técnica de obturação empregada, sem levar em consideração a superfície da parede do canal radicular. Além disso, as rebarbas quando liberadas durante a ação dos instrumentos contra as paredes radiculares poderão permanecer no interior do canal radicular ou mesmo alcançar a região perirradicular. Resíduos metálicos quando presentes no interior de um canal radicular podem funcionar como obstáculos para o avanço do instrumento em sentido apical. Quando presentes na região perirradicular e estando contaminados, po-
dem induzir uma lesão perirradicular, conduzindo ao fracasso o tratamento endodôntico49,57,67. A fabricação de instrumentos endodônticos de maiores diâmetros é mais fácil de ser executada. A forma da ponta desses instrumentos é semelhante às micrografias e desenhos divulgados pelos fabricantes. Todavia, os instrumentos de menores diâmetros frequentemente apresentam pontas com formas diferentes das preconizadas pelos fabricantes (Fig. 9-166). A presença de pontas com formas atípicas pode dificultar o avanço dos instrumentos endodônticos em sentido apical de canais radiculares atresiados (Fig. 9-167). Nesse caso, maior carregamento axial será aplicado no instrumento. Esse aumento do carregamento poderá provocar: o dobramento do instrumento ou a sua imobilização no interior do canal radicular e, consequentemente, a sua fratura por torção; o transporte apical, formação de degraus e perfurações radiculares. A presença de ranhuras, microcavidades e rebarbas favorece a degradação por soluções cloradas, larga-
408
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
dem funcionar como sítios para o acúmulo de detritos oriundos do preparo dos canais radiculares. As exíguas dimensões desses defeitos dificultam a limpeza e a esterilização dos instrumentos. Nos instrumentos endodônticos, a presença de defeitos advindos do processo de fabricação pode ser minimizada mediante:
Figura 9-166. Formas das pontas. Superior. Encontrada geralmente em instrumento de diâmetros menores (no 15). Inferior. Proposta pelo fabricante (no 40).
• o tratamento termomecânico do fio metálico antes de ser usinado; • o uso de melhores processos de fabricação; • o emprego de ferramentas de corte com desenhos mais adequados; • o controle da capacidade de corte das ferramentas utilizadas na usinagem; • o controle da velocidade de usinagem; • a refrigeração abundante durante a usinagem para prevenir alterações microestruturais da liga metálica; • o tratamento superficial dos instrumentos endodônticos após a sua fabricação. Entre os tratamentos superficiais para melhorar o acabamento destacam-se o polimento mecânico do tipo brunimento (colocação das peças em um recipiente rotativo contendo partículas mais duras), o tratamento químico com soluções ácidas e o polimento eletrolítico.
CORROSÃO DOS INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS
Figura 9-167. Pontas atípicas.
mente utilizadas na Endodontia, acelerando o processo de corrosão química dos instrumentos endodônticos. Os problemas advindos da corrosão química dos instrumentos endodônticos podem ser diretos ou indiretos. O custo de substituição é o principal problema direto. A perda da capacidade de corte proveniente da destruição das arestas de corte e a redução da resistência à fratura do instrumento são os problemas indiretos da corrosão17,26,37,39. Defeitos como ranhuras, microcavidades e rebarbas observados nos instrumentos endodônticos po-
Define-se corrosão como sendo a degradação de um metal ou liga metálica, por ação química ou eletroquímica do meio, com a presença ou não de esforços mecânicos. A degradação é representada por alterações indesejáveis sofridas por um material, apresentando-se como desgaste, mudança química ou alteração estrutural26. O fenômeno da corrosão é um processo espontâneo e indesejável, uma vez que intensifica as diferenças macroestruturais e microestruturais dos metais ou ligas metálicas, aumenta o desgaste e a variação localizada da composição, reduzindo, em consequência, a resistência mecânica e o tempo de vida dos materiais ou instrumentos26. Todos os metais ou ligas são suscetíveis de apresentar corrosão em algum ambiente: não existe, assim, um metal ou liga indicado para todas as aplicações. Por exemplo, pode-se citar o ouro por sua excelente resistência à corrosão atmosférica, mas que sofrerá intensa corrosão em presença do mercúrio, mesmo à temperatura ambiente.
Instrumentos Endodônticos
A corrosão se manifesta por meio de reações químicas irreversíveis acompanhadas da dissolução de um elemento químico do material para o meio corrosivo ou da dissolução de uma espécie química do meio no material. Sempre que um elemento químico perde ou cede um ou mais elétrons, diz-se que ele se oxida. Ao contrário, quando recebe elétrons, sofre redução. Portanto, uma reação de oxidação ou de redução envolve a transferência de elétrons. Da mesma forma, um metal oxidado pode aumentar seu grau de oxidação ao ceder mais elétrons ou diminuir seu grau de oxidação se receber mais elétrons. Uma reação de corrosão implica a transferência de elétrons entre o metal e o meio. Essa transferência de elétrons pode ocorrer através de uma reação de oxirredução, chamada de corrosão química, ou por meio de um mecanismo eletroquímico chamado de corrosão eletroquímica. Na corrosão química, a transferência de elétrons se faz diretamente entre as duas espécies químicas envolvidas. O doador e o receptor de elétrons se situam no mesmo ponto da superfície do metal. Na corrosão eletroquímica, os elétrons são transferidos indiretamente, ou seja, difundem-se através da superfície do sólido (metal) até um ponto onde são recebidos pelo elemento do meio (oxidante). Nesse caso, o doador e o receptor se encontram em lugares diferentes. Esse processo faz com que haja a geração de corrente elétrica na interface sólido/meio corrosivo (corrente eletrônica no metal e iônica no meio líquido). A região onde ocorre a oxidação é chamada de anodo, e aquela em que recebe os elétrons de catodo26.
Tipos de corrosão Uniforme ou generalizada – A corrosão se processa em toda a extensão da superfície, ocorrendo perda uniforme de espessura (Fig. 9-168). Por placas – A corrosão se localiza em regiões da superfície metálica e não em toda sua extensão, formando placas com escavações (Fig. 9-169). Alveolar – A corrosão se processa na superfície metálica produzindo sulcos ou escavações semelhantes a alvéolos apresentando fundo arredondado e profundidade geralmente menor que o seu diâmetro (Fig. 9-170). Puntiforme ou por pite – A corrosão se processa em pontos ou em pequenas áreas localizadas na superfície metálica produzindo pites que são cavidades que apresentam o fundo em forma angulosa e profundidade geralmente maior do que o seu diâmetro26 (Fig. 9-171).
Figura 9-168. Corrosão uniforme.
Figura 9-169. Corrosão por placas.
Figura 9-170. Corrosão alveolar.
409
410
Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
Figura 9-171. Corrosão por pite.
Os instrumentos endodônticos podem ser fabricados com aço inoxidável e com liga níquel-titânio (NiTi). Stokes et al.72 e Edie et al.16 não constataram diferenças significativas quanto à resistência à corrosão entre as ligas de aço inoxidável e de NiTi. Entre as explicações para a resistência à corrosão dos aços inoxidáveis destaca-se a teoria da formação natural de uma película protetora (filme passivo) sobre a superfície metálica, que impede o acesso de agentes agressivos. A película protetora dos aços inoxidáveis se deve à presença de cromo na liga. Quando o teor de cromo livre da liga é superior a 12%, o aço normalmente não se oxida (enferruja) e é chamado inoxidável (stainless). O cromo adicionado aos aços inoxidáveis, em contato com o ar ou com soluções oxigenadas, forma na superfície dos instrumentos uma película de óxido de cromo aderente, impermeável e de elevada dureza e densidade, que protege o aço contra a maioria dos agentes degradantes. Danos que porventura possam ocorrer a essa película durante o uso ou esterilização dos instrumentos são prontamente reparados. Entretanto, essa rápida regeneração da película passivadora pode ser aniquilada em ambientes redutores, como, por exemplo, na presença de soluções cloradas26. Teores de cromo superiores a 12% ampliam a possibilidade de manter o filme passivo. As adições de níquel e molibdênio também expandem a faixa de passividade do aço inoxidável. Os instrumentos de NiTi apresentam grande resistência à corrosão, especialmente quando imersos em soluções ácidas ou cloradas, devido à sua maior estabilidade, à menor capacidade de troca de elétrons da liga e à formação de uma camada de óxido de titânio77. Durante o preparo químico-mecânico, os instrumentos endodônticos, além de submetidos a carrega-
mentos de torção, flexão e dobramento, são mantidos em constante contato com solução de hipoclorito de sódio, sendo essa altamente agressiva à maioria dos metais e ligas. Esses eventos fazem com que os instrumentos endodônticos trabalhem em condições adversas no interior do canal radicular. A natureza da liga metálica, as condições de emprego dos instrumentos juntamente com a temperatura, tempo e concentração da solução clorada podem induzir à corrosão dos instrumentos endodônticos. Também a presença de defeitos de fabricação (ranhuras e rebarbas) presentes nos instrumentos endodônticos pode favorecer a sua degradação. Para os instrumentos de NiTi, o íon cloro atua sobre a superfície da liga, removendo seletivamente o níquel, dando origem à formação do pite63. Normalmente é difícil detectar a presença de pites, pois além de serem pequenos estão cobertos por produtos de corrosão. A corrosão por pite, embora ocasione pequena perda de massa, é perigosa, podendo induzir a fratura do instrumento endodôntico durante o preparo químico-mecânico do canal radicular. Os pites atuam como pontos de concentração de tensão e, portanto, local de alto potencial de nucleação de trinca. Porém é preciso ressaltar que, em razão da perda da capacidade de corte, os instrumentos endodônticos são descartados, antes de a corrosão por pite atingir níveis críticos que possam induzir a fratura. Embora seja praticamente inevitável o ataque por pite, ele pode ser minimizado com a manutenção da limpeza e a eliminação da solução de hipoclorito de sódio estagnada, na superfície do instrumento. Lopes et al.37, avaliando a corrosão de alargadores Gates Glidden, quando submetidos ao ataque de hipoclorito de sódio (soda clorada), concluíram que: • os de marca FKG (Suíça) foram os que apresentaram pior acabamento superficial de usinagem; • os alargadores Gates Glidden, da marca Meissinger (Alemanha), foram os que apresentaram maior intensidade de degradação do material, no meio de hipoclorito de sódio (soda clorada); • os de marca Maillefer (Suíça) apresentaram melhor acabamento superficial e maior resistência à corrosão. Lopes et al.39 avaliaram o comportamento de cinco marcas comerciais de instrumentos endodônticos – Trifile-Kerr; Flexo. R Union Broach; FlexoFile-Maillefer; Hedstrom-Antaeos; Set File-Endo Technic Cor-
Instrumentos Endodônticos
poration –, após imersões em solução esterilizadora (Germekill – Ceras Johnson Ltda. Div. Hospitalar) e em solução de hipoclorito de sódio (soda clorada). Os resultados revelaram que todas as amostras apresentaram corrosão por pite quando imersas em soda clorada; o Germekil não atacou as amostras estudadas. A imersão em soda clorada provocou corrosão por pite, na parte de trabalho de todos os instrumentos endodônticos analisados. Tal comportamento se deve à ausência de substâncias inibidoras de corrosão, na composição das soluções comerciais de hipoclorito de sódio. Com relação ao comportamento das amostras, após a imersão em Germekil, não se observou corrosão, apesar de essa solução apresentar em sua composição química radicais cloretos (cloreto de alquildimetilbenzil amônio e cloreto de alquildimetiletilbenzil amônio). Esse comportamento pode ser atribuído à presença de substâncias antioxidantes na composição da solução esterilizadora. Elias et al.17 avaliaram a resistência à corrosão de três marcas comerciais de instrumentos de NiTi acionadas a motor: ProFile Tulsa (Tulsa Dental Products, EUA), ProFile Maillefer (Maillefer, Suíça) e Quantec LX (Tycon, EUA). O ensaio acelerado de corrosão foi executado por meio de imersão e emersão alternada das amostras em hipoclorito de sódio comercial a 2,4%, (marca Clorox). Durante o ensaio as amostras foram mantidas em regime de deformação elástica. O ensaio foi realizado durante 72 horas com o dispositivo mantendo a rotação de 3rpm. Os resultados foram expressos pela perda de peso das amostras, análise da superfície antes e após os ensaios no microscópio eletrônico de varredura e por microanálise química semiquantitativa dos resíduos provenientes do ensaio. Os resultados mostraram que os instrumentos de NiTi foram sensíveis à ação corrosiva do hipoclorito de sódio, quando submetidos a condições graves; que a microscopia eletrônica de varredura mostrou corrosão alveolar e puntiforme, com padrão irregular de distribuição entre as marcas comerciais avaliadas; que a microanálise química semiquantitativa evidenciou a presença ativa do níquel e do titânio no processo químico da corrosão e que não houve diferença significativa quanto à resistência à corrosão entre as três marcas comerciais avaliadas. Deve-se salientar que os problemas advindos da corrosão dos instrumentos endodônticos, no emprego odontológico, podem ser diretos ou indiretos. Os custos de substituição dos instrumentos são o principal problema direto. Apesar de os problemas indiretos serem
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mais difíceis de ser avaliados, podem ser destacadas a perda da eficiência de corte, proveniente da destruição das arestas cortantes, e a fratura do instrumento no interior do canal radicular, que pode gerar complicações no tratamento e na preservação da integridade do elemento dentário e possível acúmulo de resíduos metálicos na região apical do canal radicular que pode dificultar a sua preparação (instrumentação).
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Capítulo 9 Instrumentos Endodônticos
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Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Capítulo
10
Hélio Pereira Lopes José Freitas Siqueira Jr. Carlos Nelson Elias
Instrumento endodôntico é uma ferramenta de natureza metálica empregado como agente mecânico na instrumentação de canais radiculares. O preparo químico-mecânico tem por objetivo promover a limpeza, a ampliação e a modelagem de um canal radicular, por meio do emprego de instrumentos endodônticos, de substâncias ou soluções químicas auxiliares e da irrigação-aspiração. Para alcançar esses objetivos não podem ser separados os procedimentos mecânicos dos químicos, quer conceitualmente, quer na sua execução prática, visto que o resultado do preparo de um canal radicular decorre da interação dos instrumentos endodônticos com as substâncias químicas auxiliares e com a irrigaçãoaspiração com que se completam. Esse procedimento também tem sido denominado de preparo químico-cirúrgico, de preparo biomecâni co, designação essa introduzida na II Convenção Inter nacional de Endodontia, na Universidade da Pensilvâ nia, Filadélfia, EUA; de limpeza e modelagem (cleaning and shaping) por Schilder; ou, simplesmente, de instru mentação81. A limpeza, a ampliação e a modelagem têm por finalidade a obturação compacta do canal radicular. Por muitos anos, acreditou-se que o principal fator envolvido no sucesso do tratamento endodôntico fosse a realização de uma obturação compacta, tridimensional, do canal radicular. Esse conceito se tornou popularizado, após a revelação dos achados
do Estudo de Washington, de natureza retrospectiva, que relatou que mais de 60% dos fracassos da terapia endodôntica, constatados radiograficamente, foram relacionados com as obturações inadequadas do canal radicular38. Contudo, deve-se ter em mente que o fato de dois eventos (preparo químico-mecânico e obturação) ocorrerem simultaneamente não representa uma relação de causa e efeito. Assim, podemos pressupor que a maioria daqueles casos fracassou devido a um preparo químicomecânico incompleto, deixando irritantes no interior do canal radicular. Embora a importância da obturação não deva ser negada, é preciso ressaltar que o sucesso do tratamento endodôntico na biopulpectomia está na dependência direta da não introdução de micro-organismos, enquanto na necropulpectomia está na eliminação, ou máxima redução possível, de irritantes do interior do sistema de canais radiculares. A obturação tridimensional, então, perpetuaria esse estado obtido pelo preparo químico-mecânico, ocupando o espaço vazio e isolando vestígios de irritantes.
OBJETIVOS Os principais objetivos do preparo químico-mecânico são a limpeza do sistema de canais e a modelagem do canal radicular principal, os quais, embora distintos, são logrados simultaneamente durante o preparo do canal radicular.
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Limpeza
Ampliação e modelagem
A limpeza do sistema de canais radiculares visa à eliminação de irritantes como micro-organimos, seus produtos e tecido pulpar vivo ou necrosado, criando um ambiente propício para a reparação dos tecidos perirradiculares (Fig. 10-1A e B). Durante o preparo químico-mecânico, a limpeza é lograda pela ação mecânica dos instrumentos endo dônticos junto às paredes internas do canal radicular principal. Aliada a essa ação mecânica, uma ação química de limpeza do sistema de canais é obtida pelo emprego de soluções químicas auxiliares de instrumentação. Essas soluções devem ser dotadas de propriedades solventes de matéria orgânica e de atividade antimicrobiana. A ação solvente visa à remoção de tecido pulpar vivo ou necrosado do sistema de canais mecanicamente inacessíveis aos instrumentos endodônticos. Todo tecido pulpar, mesmo vivo e não infectado, deve ser eliminado no momento do preparo do canal para não servir de substrato a uma proliferação microbiana. A ação antimicrobiana da solução química auxiliar deve participar da desinfecção do sistema de canais radiculares contaminados ou evitar a contaminação de canais com polpa viva. Finalmente, a limpeza é complementada pela remoção de detritos no interior do canal radicular, a qual é feita pelo canal helicoidal dos instrumentos endodônticos e pela irrigação-aspiração. Os resíduos em suspensão na substância química auxiliar ou sedimentados nas paredes do canal são geralmente removidos durante a irrigação-aspiração às expensas da energia cinética do jato, da turbulência criada e do refluxo da corrente líquida, que os arrasta para fora do canal radicular.
A ampliação e modelagem visa por meio da instrumentacão à confecção de um canal de formato cônico com o menor diâmetro apical e o maior em nível coronário. Esse formato cônico obtido, também chamado de canal cirúrgico, deve obrigatoriamente conter em seu interior o canal anatômico, ou seja, a forma final da instrumentação não deve alterar a forma original do canal radicular. Esse objetivo é, geralmente, logrado em canais retos. Em canais curvos a ampliação do volume acompanhado do desenvolvimento de um formato cônico e a permanência da forma original do canal em sua posi ção original são tarefas difíceis de ser alcançadas. O resultado final da instrumentação de um canal curvo pode ser influenciado por vários fatores, tais como: valor do raio de curvatura do canal; localização da curvatura; comprimento do arco; desenho da haste de corte; flexibilidade e diâmetro do instrumento endodôntico; tipo do movimento empregado; técnica de instrumentação; localização da abertura foraminal e dureza da dentina. Formação de degraus, perfurações e deslocamen tos apicais internos ou externos são acidentes indesejáveis, observados na instrumentação de canais curvos. Visando a minimizar esses acidentes, modificações nas técnicas de instrumentação e nos instrumentos endo dônticos têm sido sugeridas. Avanços tecnológicos têm permitido a confecção de instrumentos endodônticos com outras ligas metálicas, como as de níquel-titânio. Essa liga apresenta pequeno módulo de elasticidade em relação ao aço inoxidável e, em consequência, permite a obtenção de instrumentos endodônticos com grande elasticidade e resistência à deformação plástica. O uso de instrumentos endodônticos de NiTi na instrumen-
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B
Figura 10-1. Tecido pulpar vivo ou necrosado. A. Tecido vivo. B. Tecido necrosado.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
tação de canais radiculares curvos tem permitido obter menor deslocamento apical, preparos mais centrados e com maiores diâmetros apicais. Modificações também têm ocorrido na forma da haste de corte helicoidal cônica e na ponta dos instrumentos. Além dessas, têm sido propostas modificações em relação à conicidade, ao diâmetro D0 e ao comprimento da parte de trabalho dos instrumentos endodônticos78,79,80,82,85,115. Em relação à técnica de instrumentação, a denomi nada coroa-ápice associada ao movimento de alargamento (parcial alternado ou contínuo) imprimido ao instrumento endodôntico diminuiu, significativamente, os acidentes observados no preparo dos canais radiculares curvos59. A limpeza e a modelagem cônica do canal são obtidas mediante alguns critérios, destacando-se a obtenção de raspas dentinárias limpas: solução irrigadora límpida, quando colhida em uma gaze; ou o sentido tátil de paredes dentinárias lisas e uniformemente preparadas. Todavia, nenhum deles é confiável, visto que mesmo canais contendo remanescentes teciduais contaminados ou não podem preencher os requisitos citados, ocasionando um falso resultado. Assim, na ausência de um método acurado, consideramos a limpeza e a modelagem completas quando o planejamento do preparo foi cumprido, utilizando-se diâmetros e movimentos dos instrumentos adequados à anatomia do canal, substâncias químicas auxiliares compatíveis com as condições do tecido pulpar e perirradicular e irrigações-aspirações eficientes. Vários estudos5,6,33,62,71,76,77,89,104,108,109,111 têm demonstrado que o preparo químico-mecânico é incapaz de promover uma total limpeza e uma correta ampliação e modelagem dos canais radiculares. A razão para essa ineficácia está associada à não visualização da complexidade anatômica dos canais radiculares e à falta de conhecimento das propriedades mecânicas das ligas metálicas usadas na fabricação dos instrumentos endodônticos, da forma e dimensões (geometria) desses em relação à geometria do canal e do tipo de movimento empregado, os quais foram incapazes de se adaptar às condições anatômicas dos dentes. Consequentemente, a instrumentação não conseguiu incorporar no circuito de corte todo o contorno do canal radicular original (Fig. 10-2A a D). Assim, remanescentes teciduais e micro-organismos podem persistir nas paredes dentinárias em istmos, reentrâncias e ramificações de canais radiculares, não sendo afetados pelo preparo químicomecânico. Entretanto, uma obturação adequada do canal principal poderá confinar esses vestígios de irritantes dentro da cavidade pulpar. A quantidade de ir-
A
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B
C
D
Figura 10-2. Complexidade anatômica de canais radiculares. A. Anatomia normal. (Gentileza da Prof. E. Mattus.) B. Anatomia complexa. (Gentileza da Prof. A. Roldi.) C. Istmo. D. Seção reta transversal oval.
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
ritantes residuais e a efetividade seladora da obturação do canal e da cavidade coronária de acesso determinarão, a longo prazo, o sucesso ou fracasso da terapia endodôntica. Certamente, o emprego de novos métodos, como a microtomografia computadorizada aplicada à Endodontia na identificação tridimensional da anatomia da cavidade pulpar, a evolução na geometria dos instrumentos endodônticos e o maior conhecimento profissional permitirão uma maior limpeza, ampliação e modelagem do canal radicular55,74,105. Os problemas advindos de paredes dos canais radiculares não tocadas pelos instrumentos durante a instrumentação não podem servir de desculpa para não se buscar solução.
MOVIMENTO DOS INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS Os instrumentos endodônticos durante a instrumentação de canais radiculares podem promover o desgaste da dentina (ampliação do canal radicular) por meio dos movimentos (limagem, alargamento ou alargamento/limagem) aplicados a eles, obtidos manualmente ou por dispositivos mecânicos. O movimento de alargamento ou limagem está relacionado com a geometria da parte de trabalho, a resistência mecânica do instrumento e a anatomia do canal radicular. Quanto à geometria da parte de trabalho do instrumento, destacamos a forma da seção reta transversal da haste de corte helicoidal e o ângulo de inclinação da hélice. Dentre os fatores relacionados com a resistência mecânica podemos citar a rigidez, a flexibilidade, a tenacidade e a dureza da liga metálica empregada na fabricação dos instrumentos endodônticos. Em relação à anatomia, o fator fundamental é a forma da seção reta transversal ao nível dos segmentos cervical, médio e apical do canal radicular.
Figura 10-3. Representação esquemática do movimento de remoção.
Esse movimento também é muito usado nos retratamentos endodônticos, na remoção inicial do material obturador (cones de guta-percha e de prata) do interior do canal radicular. Os instrumentos possíveis de serem utilizados são os tipo K e as limas tipo H de aço inoxidável acionados com a mão. Instrumentos de NiTi mecanizados com giro contínuo à direita têm sido indicados na remoção do material obturador (guta-percha e cimento) do interior de canais radiculares obturados.
Movimento de exploração ou cateterismo
Movimento de remoção
O movimento de exploração ou cateterismo de um canal radicular é realizado imprimindo-se ao instrumento pequenos avanços em sentido apical conjuntamente com discretos movimentos de rotação à direita e à esquerda com pequenos retrocessos (Fig. 10-4). É utilizado no cateterismo de canais radiculares amplos. Esse procedimento tem como objetivo o conhecimento da anatomia interna e o esvaziamento inicial do canal radicular, assim como a determinação da odontometria. O instrumento endodôntico indicado é o tipo K de aço inoxidável acionado com as mãos. Para a realização do movimento de cateterismo, os instrumentos endodônticos de aço inoxidável devem possuir diâmetros menores do que o dos canais radiculares e não necessitam ser pré-curvados (dobrados). Diversos autores afirmam que o pré-curvamento
Esse movimento é composto de três manobras: avanço do instrumento endodôntico no canal radicular, rotação de uma a duas voltas à direita sobre o seu eixo e tração em sentido à coroa dentária (Fig. 10-3). É usado na remoção da polpa dentária, e, nesse caso, a penetração do instrumento deve alcançar o segmento apical do canal radicular. Também é indicado na remoção de detritos livres no interior do canal, de bolinhas de algodão e de cones de papel utilizados com o medicamento intracanal. Os instrumentos indicados são os extirpa-polpas e as limas tipo H.
Figura 10-4. Representação esquemática do movimento de cateterismo.
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favorece o avanço do instrumento em sentido apical do canal radicular. Porém, a anatomia dentária revela que a maioria dos canais radiculares apresenta o segmento cervical reto e o apical curvo. Assim, o instrumento endodôntico de aço inoxidável pré-curvado ao avançar em sentido apical de um canal radicular poderá sofrer carregamentos alternados de desdobramento e dobramento. Além disso, é inadmissível acreditar que a pré-curvatura de um instrumento para simular a forma anatômica corresponda à curvatura verdadeira do canal radicular.
Movimento de alargamento Alargamento é um processo mecânico de usinagem destinado a aumentar por meio do corte de um material o diâmetro de um furo cônico ou cilíndrico preexistente. É realizado por instrumentos denominados de alargadores. Alargadores são instrumentos (ferramentas) de natureza metálica cuja haste de corte geralmente é cônica e que apresenta um certo número de arestas cortantes dispostas na forma de hélices no sentido antihorário. Alguns alargadores podem apresentar a haste de corte cilíndrica helicoidal. Outros podem apresentar a haste de corte cônica ou cilíndrica onde as arestas cortantes são longitudinais paralelas. Os alargadores são ferramentas projetadas exclusivamente para alargar furos. Os alargadores endodônticos são instrumentos (ferramentas) projetados exclusivamente para alargar canais radiculares (furos). O alargamento consiste no giro (movimento de rotação) e no deslocamento compressivo (movimento de avanço) simultâneos de um alargador no interior de um furo. Para que ocorra o alargamento é necessário que o instrumento trabalhe justo no interior de um furo, ou seja, o diâmetro do instrumento deve ser maior que o do furo e que o círculo de corte complete todo o contorno do furo. Tendo o canal radicular a forma de um cone os instrumentos endodônticos (alargadores) utilizados devem ter a haste de corte helicoidal cônica para manter a forma final do canal mais próxima da original. Durante o alargamento de um canal cônico há necessidade de girar um alargador endodôntico de diâmetro maior do que o do canal para o avanço da ferramenta em sentido apical do canal radicular, acompanhado do corte do material. Com essas manobras são criadas tensões compressivas e cisalhantes nas paredes do canal radicular, induzindo a formação de cavaco de ruptura com forma de pedaços ou lascas de dentina. O cavaco formado deve ser removido do interior do canal
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radicular por meio do canal helicoidal do instrumento endodôntico e da irrigação-aspiração. O movimento de alargamento pelo fato de não ser direcionado contra uma determinada parede dentinária permite o aumento do diâmetro (ampliação) de um canal radicular (curvo ou reto), mantendo a sua trajetória original. A capacidade de corte de um instrumento ao realizar o movimento de alargamento depende: • Do ângulo de inclinação da hélice – Quanto menor, maior a eficiência de corte por alargamento. • Do ângulo interno da aresta lateral do corte – Quanto menor o ângulo e mais agudo for o vértice da aresta de corte, maior será a eficiência de corte por alargamento. • Do ângulo de ataque – Instrumentos com ângulo de ataque positivo desbastam as paredes do canal radicular de uma forma mais invasiva do que os com ângulo de ataque negativo. • Da dureza da liga metálica do instrumento e do material a ser cortado – Quanto maior a dureza do instrumento em relação à dentina, maior será a sua eficiência de corte. • Da velocidade do movimento de avanço e de corte (rotação) do instrumento – Quanto maiores, menor o tempo despendido no alargamento de um canal radicular. Instrumentos endodônticos do tipo K e os alargadores especiais mecanizados, fabricados em aço inoxidável ou em NiTi, são indicados para a realização do movimento de alargamento empregado na instrumentação de canais radiculares. Em Endodontia, os instrumentos endodônticos podem executar o movimento de alargamento por meio de uma rotação parcial à direita, de uma rotação parcial alternada (à direita e à esquerda) ou de uma rotação contínua à direita. Na instrumentação de canais com segmentos curvos é imprescindível que a deformação do instrumento endodôntico permaneça no limite elástico do material. Instrumentos de aço inoxidável não devem ser précurvados ou sofrerem uma deformação plástica induzida pelas paredes dentinárias de segmentos curvos de canais radiculares. Uma deformação plástica do instrumento provocaria durante o movimento de alargamento a repetição cíclica de carregamento (esforço) de dobramento alternado (dobramento e desdobramento) e de torção. Esses carregamentos levariam rapidamente o instrumento à fratura, assim como à criação de defeitos na forma final do preparo de um canal radicular curvo. Isso ocorre porque a extremidade dobrada não
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um semicírculo durante o alargamento parcial à direita, parcial alternado ou um círculo durante o alargamento contínuo, com raio igual ao comprimento do segmento dobrado. Todavia, devido ao pequeno diâmetro do canal radicular e à resistência das paredes dentinárias, a movimentação (giro) do segmento dobrado do instrumento é reduzida, ocorrendo a concentração de tensão no ponto crítico de dobramento do instrumento. Esse carregamento pode ultrapassar o limite de resistência do material e induzir a fratura por torção do instrumento. Para instrumentos de maior diâmetro, a rigidez é aumentada e a força de oposição das paredes dentinárias impostas nem sempre é suficiente para limitar ou impedir a movimentação do segmento dobrado do instrumento. Nessas condições, observa-se a deformação do canal radicular após a instrumentação. Para evitar esses carregamentos, durante a instrumentação de canais com segmentos curvos, os instrumentos endodônticos quando acionados por meio do movimento de alargamento (parcial à direita, alternado ou contínuo) devem permanecer no limite elástico e jamais no limite plástico do material. No limite elástico, o instrumento endodôntico em um segmento curvo de um canal radicular gira no eixo da ferramenta. Para canais atresiados e com segmentos curvos devemos empregar instrumentos de aço inoxidável de seção reta transversal triangular de pequenos diâmetros (nos 15 a 30) sem pré-curvamento (dobramento). Em função das dimensões e das propriedades mecânicas da liga de aço inoxidável, esses instrumentos são dotados de elasticidade suficiente para acompanhar a curvatura de um canal radicular. Para instrumentos de maior diâmetro devemos empregar os de níquel-titânio, em função da superelasticidade da liga metálica. Essa propriedade permite que instrumentos de maior diâmetro trabalhem no limite elástico mesmo em canais severamente curvos. Os instrumentos de NiTi raramente sofrem dobramento durante o alargamento de canais radiculares com segmentos curvos.
provoca o avanço do instrumento no sentido apical seguido do corte e do encravamento das arestas de corte do instrumento nas paredes dentinárias do canal. A tração arranca a dentina cortada das paredes do canal radicular ampliando o seu diâmetro. A amplitude da tração é curta o suficiente para liberar o instrumento. Grandes amplitudes de tração podem induzir o deslocamento de material presente no interior do canal radicular para a região apical, durante o avanço subsequente (Fig. 10-5). A principal indicação do movimento de alargamento parcial à direita é no cateterismo de canais atresiados. Nesses casos os instrumentos endodônticos indicados são os instrumentos especiais C+ (Maillefer), C Pilot (VDW) ou tipo K de aço inoxidável. Os instrumentos indicados devem apresentar seção reta transversal quadrangular, curva de transição, diâmetros correspondentes aos nos 8, 10 e 15 e comprimentos de 18 ou 21mm (ver Capítulo 9, Instrumentos endodônticos). A transição da base da ponta para a haste de corte helicoidal cônica do instrumento endodôntico deve ser feita por meio de uma curva de transição (ausência do ângulo de transição). A presença do ângulo de transição durante a instrumentação de canais atresiados pode favorecer a imobilização da ponta do instrumento induzindo a deformação plástica da haste de corte helicoidal ou a fratura por torção do instrumento endodôntico. Os instrumentos curtos, em razão de possuírem maior resistência à flambagem (flexocompressão) e ao dobramento, devem ser escolhidos independentemente do comprimento do dente. Dependendo do comprimento do dente, após o uso de instrumentos de 18 ou 21mm, empregamos instrumentos maiores. Para a realização do movimento de alargamento parcial à direita os instrumentos endodônticos podem ser acionados com as mãos ou por dispositivos mecâ-
Movimento de alargamento parcial à direita Para executar esse movimento, o instrumento endodôntico deve ter diâmetro maior do que o do canal e ser submetido às seguintes manobras: aplicação de uma força no sentido apical do canal radicular (avanço do instrumento) acompanhada simultaneamente de rotação parcial à direita. A seguir, traciona-se ligeiramente o instrumento em sentido coronário. Na repetição dessas manobras tendo o instrumento endodôntico diâmetro maior do que o do canal, a rotação à direita
Figura 10-5. Representação esquemática do movimento de alargamento parcial à direita.
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nicos. Quando indicados para o cateterismo de canais atresiados, devem ser acionados exclusivamente com as mãos. Para instrumentos endodônticos de mesmo valor (diâmetro nominal) os de seções retas quadrangulares são os indicados porque a área de um quadrado é 54% maior do que a de um triângulo. Isso propicia aos instrumentos quadrangulares um núcleo maior e consequentemente uma maior resistência à flexocompressão (flambagem), ao dobramento e à deformação plástica da haste de corte helicoidal cônica por torção (Fig. 10-6). Para instrumentos quadrangulares o diâmetro do círculo de corte (b) é equivalente ao diâmetro de sua seção reta transversal (a). Assim, a quantidade de dentina excisada durante o movimento de alargamento parcial à direita é pequena em relação à área de sua seção reta transversal. Para instrumentos triangulares o diâmetro do círculo de corte (b) é 33% maior do que o
Figura 10-6. Desenho esquemático. Área da seção reta de instrumento quadrangular e triangular de mesmo número (diâmetro nominal).
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diâmetro de sua seção reta transversal (a). Portanto, a quantidade de dentina excisada por esses instrumentos durante o movimento de alargamento parcial à direita é muito grande em relação à área de sua seção reta transversal. Para instrumentos de mesmo diâmetro nominal externo, os quadrangulares durante o corte da dentina ficam submetidos a uma menor tensão por torção quando comparados aos triangulares. Consequentemente, os instrumentos quadrangulares quando comparados ao triangulares são mais resistentes à deformação plástica (distorção) da haste de corte helicoidal cônica e à fratura por torção dos instrumentos (Fig. 10-7). O ângulo de rotação aplicado a um instrumento na execução do movimento de alargamento parcial à direita para completar o círculo de corte das paredes de um canal varia em função do desenho da seção reta transversal da haste de corte do instrumento. Para instrumentos de seção reta transversal quadrangular, o ângulo de rotação exigido é de 1/4 (90º) de volta (Fig. 10-8). Todavia, devido à resistência ao corte da dentina, o ângulo de rotação para completar o círculo de corte das paredes de um canal radicular deve ser executado em duas etapas consecutivas de 45°. A cada etapa, o instrumento é retirado do interior do canal, limpo em um pedaço de gaze esterilizada e cuidadosamente examinado com o objetivo de detectar deformação plástica na sua haste de corte helicoidal cônica. Caso presente, o instrumento endodôntico deve ser descartado (ver Capítulo 11, Fratura dos instrumentos endodônticos). A seguir, para execução de uma nova etapa é posicionado no interior do canal 45° à direita em relação à posição anterior (Fig. 10-9). Para instrumentos delgados e canais atresiados o círculo de corte das paredes de um canal radicular pode ser completado em três etapas consecutivas de 30°. Após a repetição das etapas, o instrumento deve ser posicionado
Figura 10-7. Desenhos esquemáticos. Diâmetros dos furos produzidos por instrumentos de seção reta transversal triangular e quadrangular.
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Figura 10-8. Desenho esquemático. Movimento de alargamento parcial à direita de instrumento de seção reta transversal quadrangular para completar o círculo de corte (ângulo de 90º).
na distância alcançada e girado à direita por duas a três voltas (movimento de alargamento contínuo) enquanto é retirado gradualmente do interior do canal. Como o controle do ângulo de rotação com precisão é difícil de ser alcançado, essa manobra tem como objetivo incorporar no círculo de corte todo o contorno do canal radicular original e remover os resíduos oriundos da instrumentação. Quanto menor o ângulo de rotação à direita, menor será o avanço (roscamento) do instrumento no sentido apical do canal radicular e menor será a resistência ao corte da dentina. Esses eventos reduzem a formação de degraus, a distorção da haste de corte helicoidal cônica e o risco de fratura do instrumento por torção.
No movimento de alargamento parcial à direita, os instrumentos de aço inoxidável não devem ser précurvados (dobrados), uma vez que esse procedimento induz carregamentos combinados de dobramento alternado e de torção que poderão deformar o preparo apical ou induzir a fratura do instrumento. Para evitar esses carregamentos, os instrumentos endodônticos devem ser empregados em regime elástico e jamais em regime plástico. No movimento de alargamento parcial à direita, a extremidade dobrada não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um arco com raio igual ao comprimento do segmento dobrado (Fig. 10-10). Devido ao pequeno diâmetro do canal radicular e à resistência das paredes do canal, a movimentação do segmento dobrado do instrumento é reduzida, ocorrendo no ponto crítico de dobramento concentração de tensão por torção. Esse carregamento pode ultrapassar o limite de resistência do material conduzindo à fratura do instrumento. Entretanto, um instrumento endodôntico de pequeno diâmetro (nos 8, 10, 15), quando dobrado intencionalmente para alcançar o acesso radicular ou dobrado pelas paredes de um canal com segmento curvo, mantém a sua elasticidade (efeito mola). Assim, quando submetido ao movimento de alargamento parcial à direita no interior de um canal radicular, com pequeno ângulo de rotação, a deformação imposta ao instrumento pode permanecer no limite elástico da liga metálica (efeito mola), não ficando desse modo submetido a um carregamento plástico de dobramento e desdobramento combinado à torção. Isso se justifica porque na maioria das vezes, mesmo dobrado, não ocorre a fratura do instrumento endodôntico de pequeno diâmetro ou deformação do preparo apical.
Figura 10-9. Desenho esquemático. Instrumento quadrangular. Círculo de corte realizado em duas etapas (a e b) de 45º à direita.
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Figura 10-11. Representação esquemática do movimento de alargamento parcial alternado (oscilatório).
Figura 10-10. Segmento dobrado não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um arco.
Movimento de alargamento parcial alternado Esse movimento é conhecido também como força balanceada e movimento oscilatório. Para executar esse movimento, o instrumento endodôntico deve ter diâmetro maior do que o do canal e ser submetido às seguintes manobras: aplicação de uma força no sentido apical do canal radicular, acompanhada simultaneamente de rotação parcial alternada (à direita e à esquerda). Tendo o instrumento endodôntico diâmetro maior do que o do canal, a rotação parcial à direita provoca o avanço do instrumento no sentido apical, seguido do corte e do encravamento das arestas de corte do instrumento nas paredes dentinárias do canal. A rotação parcial à esquerda mantendo-se a aplicação da força no sentido apical promove o arrancamento da dentina cortada das paredes do canal radicular. A cada quatro movimentos de alargamento parcial alternado, o instrumento é tracionado em sentido cervical de 1 a 2mm e, a seguir, submetido a um novo avanço em sentido apical (Fig. 10-11). A principal indicação do movimento de alargamento parcial alternado é no preparo do segmento apical de canais radiculares retos ou curvos. No segmento apical de um canal radicular a seção reta transversal deve obrigatoriamente ser circular para permitir a adaptação do cone de guta-percha. Também é indicado no preparo dos segmentos médios e cervicais de canais
onde o diâmetro do instrumento empregado é maior do que o do canal a ser instrumentado. Os instrumentos endodônticos indicados são os tipos K de aço inoxidável ou de NiTi de seção reta transversal triangular, ponta cônica circular e com curva de transição. Os instrumentos podem ser acionados com as mãos ou por dispositivos mecânicos. Instrumentos de NiTi mecanizados projetados para giro contínuo têm sido empregados por meio de contra-ângulos especiais com o movimento de alargamento parcial alternado no preparo de canais radiculares116. O ângulo de rotação aplicado a um instrumento endodôntico de seção reta transversal triangular na execução do movimento de alargamento parcial alternado para completar o círculo de corte das paredes se um canal radicular é de um terço (120º) de volta à direita e à esquerda (Fig. 10-12). Todavia, devido à resistência ao corte da dentina, o ângulo de rotação para completar o círculo de corte das paredes de um
Figura 10-12. Desenho esquemático. Movimento de alargamento parcial alternado de instrumentos de seção reta transversal triangular para completar o círculo de corte (giro à direita de 120º).
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Figura 10-13. Desenho esquemático. Instrumento triangular. Círculo de corte realizado em duas etapas (a e b) de 60º à direita e à esquerda.
canal radicular deve ser executado em duas etapas consecutivas de 60° (Fig. 10-13). A cada etapa, o instrumento é retirado do interior do canal limpo em um pedaço de gaze esterilizado e cuidadosamente examinado com o objetivo de detectar deformação plástica na sua haste de corte helicoidal cônica (distorção). A seguir, para execução de uma nova etapa fica posicionado 60° à direita em relação à posição anterior. Após a repetição das etapas, o instrumento posicionado na distância alcançada é manualmente girado à direita por duas a três voltas (movimento de alargamento contínuo) enquanto é retirado gradualmente do interior do canal. Como o controle do ângulo de rotação com precisão é difícil de ser alcançado, essa manobra tem como objetivo incorporar no círculo de corte todo o contorno do canal radicular original e remover os resíduos oriundos da instrumentação. No movimento de alargamento parcial alternado, os instrumentos de aço inoxidável não devem ser pré-curvados, uma vez que esse procedimento induz carregamentos de dobramento alternado combinado ao de torção que poderão deformar o preparo apical e induzir a fratura do instrumento. Para evitar esses carregamentos, os instrumentos endodônticos devem ser empregados em regime elástico e jamais em regime plástico. No movimento de alargamento parcial alternado, a extremidade dobrada não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um arco com raio igual ao comprimento do segmento dobrado (Fig. 10-14). Porém, devido à resistência das paredes do canal, o movimento do segmento dobrado do instrumento é reduzido, ocorrendo no ponto crítico de dobramento concentração de tensão por torção. Esse
carregamento pode ultrapassar o limite de resistência do material conduzindo à fratura por torção do instrumento. Para instrumentos de maior diâmetro, a rigidez aumenta e a força de oposição das paredes dentinárias impostas nem sempre é suficiente para limitar o movimento do segmento dobrado do instrumento e induzir a fratura por torção. Nessas condições, observamos uma maior deformação do canal radicular após a instrumentação.
Figura 10-14. Segmento dobrado não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um arco.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Movimento de alargamento contínuo Para executar esse movimento, o instrumento endodôntico deve ter diâmetro maior que o do canal e ser submetido às seguintes manobras: aplicação de uma força no sentido apical do canal radicular acompanhada simultaneamente de rotação contínua à direita (avanço). A seguir, traciona-se ligeiramente o instrumento em sentido coronário (Fig. 10-15) A repetição dessas manobras, estando o instrumento justo no interior do canal radicular, promove o avanço do instrumento no sentido apical, seguido do corte e do arrancamento da dentina, completando o círculo de corte e ampliando o diâmetro do canal radicular. Para evitar a imobilização do instrumento no interior do canal radicular, a velocidade do avanço deve ser menor do que a velocidade de corte. A não imobilização evita a fratura por torção do instrumento. Após encontrar resistência junto às paredes dentinárias, o avanço do instrumento a cada introdução no interior do canal deverá ser de 1 a 3mm no sentido apical, intercalado por retiradas (tração) no sentido coronário (pecking motion). Avanços maiores aumentam a força de atrito do instrumento com as paredes do canal e a resistência ao corte, o que poderá induzir carregamentos superiores ao limite de resistência à fratura do material. A amplitude da retirada deve ser a necessária para liberar o instrumento e permitir a remoção de detritos do interior do canal radicular. Além disso, permite a solução química auxiliar da instrumentação fluir no sentido apical do canal radicular. Amplitudes de retiradas maiores podem induzir o deslocamento do material do interior do canal radicular para a região apical durante os avanços subsequentes. Em canais curvos o retrocesso também reduz a concentração de tensão em uma determinada área do instrumento submetido ao carregamento por flexão rotativa e aumenta o tempo de sua vida útil em relação à fratura por fadiga.
Figura 10-15. Representação esquemática do movimento de alargamento contínuo.
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O movimento de alargamento contínuo geralmente é obtido por dispositivos mecânicos (motores e contra-ângulos), podendo ser obtido com as mãos. Os instrumentos endodônticos indicados como alargadores podem ser fabricados em aço inoxidável ou em liga NiTi. Entretanto, quando empregados em canais curvos, é imprescindível que seja de NiTi, uma vez que a deformação da haste de corte helicoidal cônica do instrumento permaneça no limite elástico do material. Uma deformação plástica em um instrumento de aço inoxidável quando acionado a motor com giro contínuo provocaria a repetição cíclica de carregamento combinado de dobramento alternado e de torção, o que o levaria rapidamente à fratura, assim como a criação de defeitos na forma final do preparo do canal radicular. Isso ocorre porque a extremidade dobrada não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um círculo com raio igual ao comprimento do segmento dobrado (Fig. 10-16). Consequentemente, os instrumentos endodônticos acionados a motor por meio do movimento de alargamento contínuo indicados para o preparo de canais radiculares curvos devem ser fabricados com NiTi em função da superelasticidade da liga metálica. Alargadores em aço inoxidável devem ser empregados apenas em canais retos ou segmentos retos de canais curvos. Os instrumentos de NiTi, por terem menor módulo de elasticidade que os de aço inoxidável, são deformados elasticamente com níveis inferiores de tensão e normalmente mantêm a forma original do canal radi-
Figura 10-16. Segmento dobrado não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um círculo.
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
cular durante a ação de alargamento. Para tal, é necessário que a força (resistência) de oposição nas paredes dentinárias dos segmentos curvos dos canais radiculares seja maior do que a força para induzir a flexão do instrumento endodôntico.
Vantagens e deficiências do movimento de alargamento Como vantagem, o movimento de alargamento parcial à direita, parcial alternado ou contínuo propicia um preparo de canal radicular centrado em relação ao seu eixo e com corte regular, incorporando no círculo de corte todo o contorno do canal radicular original. A forma final do preparo é cônica e de seção reta transversal circular, desde que o diâmetro do instrumento empregado seja maior do que o diâmetro do canal radicular (Fig. 10-17). Com o emprego do movimento de alargamento, o profissional tem um domínio sobre o diâmetro e a forma do furo (preparo), o que favorece a seleção do cone principal de guta-percha e o selamento apical da obturação do canal radicular. Como deficiência, podemos citar que o movimento de alargamento pode deixar áreas do canal radicular não instrumentadas. Isso ocorre quando o diâmetro do instrumento empregado é menor do que o diâmetro maior do segmento achatado do canal. Consequentemente, a instrumentação não consegue incorporar no
preparo o contorno (circuito) das seções retas transversais originais do canal radicular. Nesse caso é necessário o uso de instrumento de diâmetro maior para conferir à instrumentação, por meio do movimento de alargamento, uma seção reta transversal circular a qual assegura a incorporação do contorno do canal radicular (Fig. 10-18). Todavia, às vezes, a raiz do dente apresenta segmentos com seções retas transversais achatadas cujos diâmetros anatômicos não permitem o uso de instrumento de diâmetro maior com o objetivo de tornar o preparo circular (Fig. 10-19). Para solucionar essa deficiência, instrumentos endodônticos acionados manualmente ou por dispositi-
Figura 10-18. Diâmetro do instrumento menor do que o diâmetro do canal. Permanência de áreas não instrumentadas. Diâmetro do instrumento maior do que o do canal. Incorporação de todo o contorno do canal no círculo de corte.
Figura 10-17. Movimento de alargamento. Preparo centrado com forma cônica e seção reta transversal circular.
Figura 10-19. Diâmetro anatômico da raiz não permite o uso de instrumento de diâmetro maior.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
vos mecanizados devem ter pelo menos diâmetro maior do que o menor diâmetro do segmento achatado do canal radicular. O instrumento endodôntico acionado pelo movimento de alargamento (parcial à direita, parcial alternado ou contínuo) deve ser inserido no canal a partir de uma das extremidades polares, aplicando-se uma força no sentido apical até atingir um comprimento predeterminado. A seguir, o instrumento deverá ser tracionado em sentido coronário. A cada repetição do movimento de alargamento o instrumento deverá ser deslocado horizontalmente acompanhando a direção do eixo maior do segmento achatado do canal. Nesse deslocamento é fundamental que o círculo de corte determinado pelo instrumento sobreponha o círculo de corte anterior. Com esse procedimento o círculo de corte do instrumento incorpora todo o contorno (circuito) do segmento achatado do canal original (Fig. 10-20). Diferentes fabricantes e profissionais sugerem que nos segmentos achatados de canais radiculares os instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados devem ser empregados com o movimento de pincelamento (escovagem). Para executar esse movimento, o instrumento endodôntico de NiTi mecanizado deve ser submetido às seguintes manobras: rotação contínua à direita acompanhada de avanço do instrumento em sentido apical. Simultaneamente à remoção, o instrumento deve ser pressionado lateralmente de encontro às áreas polares dos segmentos achatados dos canais radiculares. Entretanto, devido à superelasticidade da liga NiTi, a pressão exercida pode não alcançar a magnitude suficiente para induzir o desgaste da dentina radicular. Por outro lado, a resistência imposta pela parede
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dentinária pode provocar o achatamento temporário (deformação elástica) dos vértices das arestas de corte do instrumento, reduzindo ou mesmo não causando o desgaste dentinário. Também em razão do pequeno ângulo de inclinação das hélices (20 a 30o) das hastes de corte helicoidais cônicas dos instrumentos, o movimento de pincelamento é incapaz de promover a raspagem das paredes dentinárias do canal radicular. Além disso, quando um instrumento endodôntico de NiTi mecanizado fica submetido a um movimento de pincelamento das paredes dentinárias, sofre desnecessariamente um carregamento de flexão rotativa. Este induz na região de maior flexão da haste de corte helicoidal cônica do instrumento tensões trativas e compressivas. Nessa situação há redução da vida útil do instrumento devido à fadiga. Pelas mesmas razões apresentadas os instrumentos de NiTi mecanizados não promovem o desgaste anticurvatura de um canal radicular.
Movimento de limagem (raspagem) Limagem é um processo mecânico de usinagem destinado à obtenção de quaisquer superfícies pela raspagem. Raspagem representa o ato de raspar com um instrumento adequado parte da superfície de um material. É realizada por instrumentos denominados limas. Limas endodônticas são instrumentos de natureza metálica multicortantes, com arestas ou fios cortantes estendendo-se diagonalmente por meio das superfícies da haste helicoidal cônica. São empregadas por meio de um movimento longitudinal alternado (avanço e retrocesso) no desgaste (raspagem) de parte da superfície dentinária de um canal radicular.
Figura 10-20. Canal com segmento achatado. Deslocamento do instrumento buscando incorporar o contorno do canal no circuito de corte.
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
O movimento de limagem (raspagem) é longitudinal alternativo, caracterizado pelo avanço do instrumento no interior do canal radicular e de tração (retrocesso) linear curto com a aplicação de uma força lateral contra as paredes dentinárias. A tração linear é curta com amplitude entre 1 e 3mm. A frequência (avanço e retrocesso) é baixa entre 1 e 2 por segundo (movimento de raspagem) (Fig. 10-21). Na instrumentação de canais radiculares o instrumento deve estar com liberdade durante o avanço no interior do canal radicular, com a limagem ocorrendo durante o retrocesso (tração) do instrumento endodôntico. O instrumento deve raspar a parede dentinária induzindo a formação de aparas dentinárias (cavaco de ruptura) ao sair do canal e não quando penetra. A cada tração, a lima não deve ser removida do canal. Isso apenas se faz quando esta se encontrar com grande liberdade no interior do canal, sendo então substituída por outra de diâmetro imediatamente superior. Quando o movimento de limagem é repetido equitativamente por todo o contorno (circuito) do canal, recebe a denominação de limagem circundante. No que se refere a esse movimento é importante salientar que o instrumento endodôntico deve ser tracionado no sentido oblíquo e não perpendicular (linear). A tração no sentido oblíquo impede a sulcagem das paredes do canal radicular e tende a completar o circuito de raspagem, ou seja, a limagem de todo o contorno do canal radicular original (Fig. 10-22). Quando concentrado no segmento cervical, na parede que corresponde à zona de segurança em canais curvos, é denominado limagem anticurvatura (Fig. 10-23). Durante as manobras de limagem, se o instrumento endodôntico alcançar justeza durante o avanço no interior do canal radicular, a sua parte de trabalho (ponta e haste de corte helicoidal cônica) funciona como um cone móvel (êmbulo) promovendo o deslocamento do material (tecido pulpar, substância química auxiliar e dentina excisada) existente na cavidade pul-
Figura 10-21. Representação esquemática do movimento de limagem.
Figura 10-22. Representação esquemática do movimento de limagem circundante.
Figura 10-23. Representação esquemática do movimento de limagem anticurvatura.
par. Esse evento induz uma pressão unidirecional no sentido apical, podendo promover o extravasamento do material para a região perirradicular, obstrução do segmento apical do canal radicular, assim como desvios e degraus48,50,73,94. Nos casos onde o instrumento endodôntico alcançar justeza em algum ponto no interior do canal radicular, o deslocamento longitudinal do instrumento durante o movimento de limagem deverá ficar aquém desse limite (ponto). A limagem é o principal movimento efetivo de corte de um instrumento na instrumentação de segmentos achatados de canais radiculares. Nesse caso, o deslocamento linear do instrumento durante o movimento de limagem deverá ficar contido no segmento achatado do
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
canal radicular. Também é muito empregado no desgaste anticurvatura. A limagem em anticurvatura atua em sentido oposto às áreas mais finas, tendendo a transportar o canal para as áreas mais volumosas (zona de segurança), fugindo da área de concavidade da raiz (zona de risco). O desgaste anticurvatura é realizado no segmento cervical de um canal radicular para diminuir o comprimento inicial do arco e facilitar o acesso do instrumento endodôntico em sentido ao ápice radicular. O movimento de limagem não deve ser empregado no preparo apical de um canal radicular. Quando empregado, devido à impossibilidade de se controlar a força lateral aplicada no instrumento, assim como a frequência e a amplitude do movimento, perde-se o controle dos valores quantitativos dos desgastes das paredes do canal, alterando a forma final do preparo (transporte apical interno ou zip). Geralmente, a forma da seção reta transversal do canal é elipsoide com bordas irregulares, o que dificulta a seleção do cone de guta-percha principal, assim como a compactação (selamento) e a manutenção do limite apical da obturação do canal radicular (Fig. 10-24). Ao realizar o movimento de limagem, a capacidade de raspagem do instrumento depende: • Do ângulo de inclinação da hélice – Esse ângulo está relacionado com o tipo de movimento que o instrumento foi projetado. Para instrumentos com ângulos iguais ou maiores de 45º recomenda-se o movimento de limagem.
Figura 10-24. Movimento de limagem empregado no preparo apical de um canal radicular. Deslocamento do preparo.
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• Do ângulo interno da aresta lateral de corte – Quanto menor e mais agudo for o seu vértice, maior será a eficiência de corte por limagem. Entretanto, quanto menor o ângulo interno da aresta lateral de corte e mais agudo for o seu vértice, mais rapidamente o instrumento perde a capacidade de corte. • Do ângulo de ataque – Instrumentos com ângulo de ataque positivo raspam as paredes do canal radicular de forma mais invasiva do que os com ângulo de ataque negativo. • Da dureza da liga metálica do instrumento e do material a ser cortado – Quanto maior a dureza do instrumento em relação à dentina, maior será a sua eficiência de raspagem. • Da rigidez do instrumento – Quanto maior a rigidez do instrumento, maior a sua capacidade de raspagem. Como os instrumentos endodônticos são cônicos, a rigidez é maior quanto mais próximo do intermediário e menor na extremidade da parte de trabalho. Durante a aplicação de uma força no cabo do instrumento com direção perpendicular ao seu eixo, a região de maior diâmetro da parte de trabalho (junto do intermediário) exerce ação de limagem mais eficiente do que a de menor diâmetro (junto da extremidade). Os instrumentos tipo K e as limas Hedstrom de aço inoxidável são projetados para o movimento de limagem. Todavia, os instrumentos com pequeno diâmetro (nos 0,8 – 10 – 15 – 20) a extremidade da parte de trabalho, devido à maior flexibilidade, ou seja, menor resistência ao deslocamento sob flexão não executam ação de limagem eficiente das paredes de canais radiculares. Os instrumentos geralmente são acionados com as mãos, podendo também ser acionados por dispositivos mecânicos. Os instrumentos tipo K e as limas Hedstrom de NiTi, em função da superelasticidade da liga metálica, não devem ser empregados com o movimento de limagem, principalmente os de menores diâmetros (nos 15 a 30) porque não oferecem resistência ao deslocamento sob flexão, não promovendo consequentemente a raspagem dentinária. Entretanto, instrumentos de NiTi com maior diâmetro (acima do no 35) podem ser empregados com o movimento de limagem. Embora com dureza menor, a capacidade de corte por limagem dos instrumentos de NiTi, comparativamente aos de aço inoxidável, está relacionada com o carregamento (força lateral aplicada). Para carregamentos baixos (pequena força), os instrumentos de NiTi e de aço inoxidável apresentam capacidade de limagem seme-
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Figura 10-25. Representação esquemática do movimento de alargamento e limagem.
lhantes. Para carregamentos (pressão lateral) maiores, os instrumentos de aço inoxidável são mais eficientes. Quando houver um forte carregamento (grande pressão) durante o movimento de limagem, ocorrerá uma deformação elástica (rebatimento) do vértice da aresta lateral de corte dos instrumentos de NiTi de maior diâmetro, registrando um menor desgaste do material a ser cortado. Quando aplicada uma carga adequada, o vértice da aresta lateral de corte permanece em sua posição original, permitindo que o instrumento de NiTi tenha capacidade de corte similar ao de aço inoxidável com idênticas características morfológicas e morfométricas4,45. Em resumo, os instrumentos tipo K de NiTi não devem ser empregados com o movimento de limagem e as limas Hedstrom não deveriam ser fabricadas em liga NiTi.
Movimento de alargamento e limagem Inicialmente, é necessário realizar o movimento de alargamento parcial à direita seguido da tração com a aplicação de uma força lateral simultânea nas paredes do canal. Apenas os instrumentos manuais tipo K de aço inoxidável poderão ser utilizados nesse tipo de movimento (Fig. 10-25). Esse movimento pode ser empregado durante o cateterismo de canais atresiados e na fase inicial da remoção do material obturador no retratamento endodôntico. Os instrumentos geralmente são ativados com as mãos. Todavia, esse movimento também pode ser obtido por dispositivos mecânicos.
CLASSIFICAÇÃO DOS CANAIS RADICULARES A classificação dos canais radiculares é feita com base em sua anatomia, diâmetro e direção, a saber: • Quanto à anatomia – Podem variar em número, tamanho, forma e apresentar diferentes divisões, fusões
e estágios de desenvolvimento. A configuração da cavidade pulpar não é apenas do canal principal e sim de um complexo sistema apresentando canais acessórios, secundários, laterais e comunicações por meio do delta apical. Entretanto, na maioria dos casos, as lesões perirradiculares estão associadas ao canal principal e se formam ao redor do forame principal. Os canais acessórios, secundários, laterais e delta apical não têm volume e consequentemente quantidade de micro-organismos suficiente em seu interior para perpetuar uma lesão perirradicular. O perfil de um canal radicular é cônico e a forma da seção reta transversal pode variar ao longo do comprimento do canal radicular. No segmento cervical e médio pode ser circular ou ovalado (achatado). Quando ovalado, o diâmetro vestibulolingual pode ser no mínimo duas vezes maior do que o mesiodistal. O diâmetro de canais ovalados decresce no sentido apical. No segmento apical a forma da seção reta transversal do canal radicular tende a ser circular. A qualidade do preparo de canais radiculares quanto à limpeza e modelagem está fortemente relacionada com a geometria (forma e dimensão) da seção reta transversal do dente. O preparo deve ser limitado ao espaço do canal principal e ser suficientemente amplo para incorporar no circuito de corte o contorno das seções retas transversais originais. • Quanto ao diâmetro – Amplo, mediano e atresiado ou constrito. O canal é considerado amplo quando o diâmetro anatômico é igual ou superior ao de um instrumento tipo K no 35; mediano, entre os instrumentos de nos 20 e 30; e atresiado, quando o diâmetro é igual ou menor do que o de um instrumento de no 15. • Quanto à direção – Retilíneo e curvilíneo. O canal é considerado retilíneo quando tem a forma de linha reta. É considerado curvilíneo quando no comprimento total ou parcial tem a forma de linha curva (arco). Quando parcial, o arco de curva pode estar localizado no segmento cervical, médio ou apical. Geralmente é apical. As curvaturas no sentido mesiodistal frequentemente são mais acentuadas do que aquelas no sentido vestibulolingual, que apresentam mais fácil acesso. Os valores das curvaturas dos canais radiculares devem ser avaliados levando-se em consideração o raio e o comprimento do arco, os quais podem ser determinados tanto pelo método sugerido por Schneider83 como pelo método geométrico, sugerido por Lopes et al.53.
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Método de Schneider Idealizado em 1971, esse método mede o ângulo entre duas retas, uma traçada na direção do eixo principal do canal e outra que liga o forame apical à interseção com a primeira, onde a curvatura começa a ocorrer83. Em função dos graus (ângulos) entre as retas, as curvaturas dos canais são classificadas em: • suaves: até 5°; • moderadas: até 20°; • severas: superiores a 20° (Fig. 10-26). Este método, assim como as modificações suge ridas por Southard et al.100 e Luiten et al.58, é passível de críticas, entre as quais podemos mencionar: • os valores das curvaturas são determinados por ângulos e não por raios; • o ângulo pode variar com o comprimento do arco do canal, sem ocorrer a variação do comprimento do raio; • o ângulo pode variar em função da localização do arco em relação ao comprimento do canal radicular sem ocorrer variação do raio; • ângulos iguais podem apresentar raios diferentes; • existe dificuldade para se determinar com exatidão a tangente que passa pelo início da região curva do canal, bem como a reta que passa pela ponta do instrumento alojado junto ao forame apical. • Não determina o comprimento do arco.
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raios. Nesse método, o raio é determinado pelo encontro das mediatrizes de duas cordas da região de maior curvatura do canal radicular conforme indicado na Fig. 10-27. Por meio do raio, calcula-se o tamanho da circunferência e mede-se em ângulo o tamanho do arco. O ângulo é calculado por meio de duas linhas traçadas a partir da parede externa do canal que cortam o início e o fim do arco, passando obrigatoriamente pelo centro da circunferência. A partir desse ângulo e conhecendo-se o tamanho do raio do canal (R), determina-se o comprimento do arco (X) em milímetros por meio da equação: X = (2πR . ângulo)/360o Em função dos raios, as curvaturas dos canais são classificadas em: • suaves: raio igual ou maior que 20mm; • moderadas: raio maior que 10mm e menor que 20mm; • severas: igual ou menor que 10mm.
Idealizado por Lopes et al.53 em 1998, as curvaturas dos canais radiculares são determinadas pelos
Na prática endodôntica e principalmente em ensaios mecânicos é fundamental a determinação dos comprimentos do raio do arco e da localização do arco de um canal curvilíneo. Isso porque a resistência à fratura por fadiga de um instrumento endodôntico com haste de corte helicoidal cônica, quando submetido a um carregamento cíclico em flexão rotativa, depende dos comprimentos, do raio, do arco e da localização do arco de um canal curvo. Quanto menor o raio de curvatura e maior o comprimento do arco de um canal
Figura 10-26. Representação esquemática do método Schneider.
Figura 10-27. Representação esquemática do método geométrico.
Método geométrico
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
curvo, maior será a intensidade das tensões trativas e compressivas impostas na área flexionada do instrumento endodôntico submetido ao carregamento em flexão rotativa. Quanto à localização do arco, quanto mais deslocado para cervical, maior será a intensidade das tensões imposta ao segmento de um instrumento submetido ao carregamento em flexão rotativa. Quanto maior a intensidade das tensões, menor será a vida útil do instrumento por fadiga (número de ciclos até a fratura). Em ambos os métodos, os valores das curvaturas são obtidos mediante projeção da imagem radiográfica da raiz, contendo um instrumento endodôntico (instrumento tipo K no 10) no seu interior, em uma superfície e a uma distância fixa. Esses valores são relativos, uma vez que são determinados mediante uma imagem radiográfica bidimensional, a qual não revela a verdadeira curvatura radicular. Como essa curvatura ocorre em direções aleatórias, as tomadas radiográficas feitas no sentido vestibulolingual, assim como variações verticais ou horizontais do feixe de raios X, proporcionarão imagens diferentes. Outro aspecto a ser mencionado é que os canais podem apresentar dupla curvatura, ou seja, o segmento apical ser curvo para mesial. Para os canais radiculares cuja imagem radiográfica revela curvatura simples, geralmente o preparo apical se desloca em sentido mesial. Nos casos de dupla curvatura, ele se desloca em sentido distal. Em função do diâmetro e da curvatura, os canais radiculares para fins de tratamento endodôntico podem ser classificados em: Classe I – Canal amplo ou mediano, reto ou com curvatura suave, tendo raio igual ou maior que 20mm ou ângulo de até 5°. A exploração do canal é acessível até a abertura foraminal (Fig. 10-28). Classe II – Canal atresiado, com curvatura moderada, tendo raio maior que 10mm e menor que 20mm ou ângulo de até 20°. A exploração do canal é acessível até a abertura foraminal (Fig. 10-29). Classe III – Canal atresiado, com curvatura severa, tendo raio igual ou menor do que 10mm ou ângulo superior a 20°. Difícil acesso à abertura foraminal (Fig. 10-30). Classe IV – Canais atípicos. Apresentam tipos de canais que não se enquadram nas classes anteriores, tais como: • dentes com dupla curvatura radicular; • dentes com dilaceração radicular (Fig. 10-31).
Figura 10-28. Representação esquemática de canais classe I.
Figura 10-29. Representação esquemática de canais classe II.
Figura 10-30. Representação esquemática de canais classe III.
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Figura 10-31. Representação esquemática de canais classe IV.
LIMITE APICAL DE INSTRUMENTAÇÃO Um dos assuntos mais controversos em Endodontia se refere ao limite apical de instrumentação e à obturação, ou seja, o ponto mais apical que os instrumentos devem atingir durante a instrumentação e o material obturador a ser aplicado durante a obturação. Embora seja uma discussão essencialmente calcada em diferenças milimétricas, ela assume um caráter importante, uma vez que a resposta dos tecidos perirradiculares aos procedimentos intracanais é significativamente influenciada pela extensão apical dos mesmos97. O limite apical de instrumentação usualmente não exerce influência significativa na incidência de dor pósoperatória, exceto em casos de sobreinstrumentação e sobreobturação, os quais apresentam maior tendência a desenvolver sintomas pós-operatórios. Na verdade, a controvérsia quanto ao limite apical reside em sua clara influência no resultado do tratamento endodôntico a longo prazo. Além do fato de que a anatomia de cada sistema de canais radiculares apresenta suas singularidades, o que torna qualquer padronização propensa a erros, as condições patológicas envolvidas também devem ser levadas em consideração em qualquer discussão sobre limite apical de instrumentação. Na prática clínica, o profissional se depara com três condições endodônticas básicas que requerem intervenção: polpas vitais, polpas necrosadas e casos de fracasso do tratamento endodôntico (retratamento). O sucesso do tratamento endodôntico depende do reconhecimento das diferenças entre essas três condições. Na verdade, a diferença fundamental reside no fato de que casos de polpa necrosada e fracasso são caracterizados pela pre-
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sença de infecção, enquanto polpas vitais são livres de infecção. A polpa vital, ainda que acometida por inflamação irreversível e mesmo quando exposta à cavidade oral, é livre de micro-organismos infectando o canal radicular. A infecção nesses casos é restrita à porção do tecido pulpar exposta. Por sua vez, polpas necrosadas perdem a capacidade de defesa contra a invasão microbiana e, em decorrência disso, são caracterizadas pela presença de micro-organismos colonizando o sistema de canais radiculares. Dentes com necrose pulpar mesmo na ausência de lesão perirradicular detectada radiograficamente devem ser considerados como infectados. Na verdade, o fato de que uma lesão não é visível na radiografia nem sempre significa que ela esteja realmente ausente11. Assim, dentes com necrose pulpar devem ser sempre considerados como infectados e tratados da mesma forma, independentemente da presença de lesão perirradicular radiograficamente detectável. Casos de retratamento em razão de fracasso do tratamento prévio (persistência ou aparecimento de uma lesão perirradicular) são usualmente associados a uma infecção persistente ou secundária, causadas por micro-organismos que podem ser mais resistentes e, portanto, difíceis de eliminar92,103. As diferenças entre essas condições clínicas são óbvias e incontestes, sendo sobejamente reconhecidas na comunidade endodôntica. Em decorrência, o tratamento para tais condições deve apresentar estratégias diferentes se o mesmo índice de sucesso é esperado. Assim, a presença ou não de infecção é o fator mais importante que deve ser levado em consideração para a tomada de decisão clínica quanto ao número de sessões necessárias para se concluir o tratamento e ao limite apical ideal para a instrumentação e obturação do canal radicular.
Considerações de ordem anatômica O segmento apical (com 2 a 3mm de extensão) pode ser considerado como a região mais crítica do sistema de canais radiculares, no que tange à necessidade de limpeza e desinfecção. Essa região contém o segmento apical do canal principal, o forame apical e uma maior incidência de ramificações19, que permitem uma íntima relação com os tecidos perirradiculares (Fig. 10-32A a E). Irritantes presentes no interior do sistema de canais radiculares têm acesso aos tecidos perirradiculares, principalmente por essas vias. Assim, uma adequada limpeza e desinfecção e um posterior selamento dessa região podem ser considerados como cruciais para o sucesso
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Figura 10-32. Região crítica apical. Considerações anatômicas. A. Desenho esquemático. Forames e foraminas. B. Corte histológico. C, D e E. Eletromicrografias.
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Figura 10-33. Região crítica apical. Canal dentinário (a). Limite CDC (b). Canal cementário (c). Forame apical (d).
do tratamento endodôntico. Por essas razões, essa área é conhecida como a zona crítica apical20,87. O canal radicular é formado pelo canal dentinário e pelo canal cementário. Ambos têm o perfil de um cone unidos pelos vértices truncados. O canal dentinário é muito maior do que o cementário. O canal dentinário é cônico com conicidade pouco acentuada (aumento do diâmetro do cone a cada milímetro), tendo o menor diâmetro voltado para o ápice radicular, sendo formado pelas paredes dentinárias, que se estendem da embocadura até a junção cementodentinária (JCD) (Fig. 10-33). A região apical do canal dentinário apresenta o menor número de túbulos dentinários por milímetro quadrado, em média 14.400 por mm2 nos 2 a 3mm apicais, contrastando com 40.000 por mm2 da região cervical. A densidade tubular influencia diretamente a permeabilidade dentinária. Assim, a região apical do canal dentinário é a que apresenta menor permeabilidade dentinária, a qual tem grande importância clínica, pois pode explicar as variações quanto à colonização microbiana em diferentes regiões do canal dentinário, bem como a difusão de soluções químicas auxiliares da instrumentação e de medicamentos intracanais para o interior da dentina27 (Fig. 10-34). A junção cementodentinária (JCD), também denominada limite cementodentinário, limite CDC (canal dentinocementário) é definida como a região de transição onde o canal dentinário e o cementário se unem. É teoricamente o local de maior constrição (menor diâmetro) do canal radicular onde a polpa termina e o periodonto começa. O estreitamento da constrição apical se deve à deposição cementária. A constrição apical geralmente não coincide com a localização da JCD do canal radicular, porém, próximo dela. A forma da constrição apical não é na maioria das vezes circular, mas geralmente oval ou irregular6. O diâmetro da constrição apical relatado na literatura é conflitante. O estudo clássico de Kuttler42 apresen-
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tou valores da constrição apical de 0,224mm para dentes de pacientes jovens e diâmetro de 0,21mm para dentes de pacientes adultos. Stein e Corcoran102 encontraram como média 0,19mm. Para Wu et al.114 o menor diâmetro encontrado foi de 0,2mm e o maior de 0,5mm. O canal cementário é cônico, com conicidade muito acentuada e muito curto. Estende-se da junção cementodentinária (JCD) até o forame apical. Do ponto de vista clínico, o comprimento do canal cementário corresponde à distância existente entre a constrição apical e o forame apical. Apresenta comprimento médio de 0,5mm em pacientes jovens e de 0,7mm em pacientes adultos (Fig. 10-35A a D). O forame apical (término do canal cementário) localizado na superfície externa da raiz apresenta contorno predominantemente circular e seu diâmetro mede aproximadamente 0,5mm em pacientes jovens e 0,7mm em adultos, o que revela aumento do diâmetro do forame com a idade (Fig. 10-36A a D). Em 68% dos dentes em pacientes jovens e em 80% em pacientes
Figura 10-34. Túbulos dentinários.
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Figura 10-35. Canal cementário. A. Desenho esquemático. B. Comprimento do canal cementário (b). C. Diâmetro do forame apical (a). D. Diâmetro da constrição apical (c).
adultos, o canal cementário não segue a direção do canal dentinário e nem acaba no vértice apical42. Está localizado em média a 0,5mm do ápice radicular (Fig. 10-37). Às vezes, chega a alcançar até 3mm. Outra constatação de grande importância terapêutica é que a constrição apical está distante aproximadamente 0,5mm do forame apical, ou seja, 1mm do ápice radicular. A média do diâmetro das foraminas apicais é de 0,25mm e seu contorno é predominantemente circular27,31,42,114 (Fig. 10-38). Segundo Gutierrez e Aguayo32, o número de foraminas por dente pode variar de 1 a 16. O distanciamento dessas foraminas do ápice pode variar de 0,2mm a 3,8mm. O limite apical da instrumentação na junção JCD do canal seria o ideal, mas, na maioria vezes, isso não é possível, devido à grande variabilidade na localização da constricção e à dificuldade em detectá-la clinica-
mente, mesmo pelo profissional mais habilitado. Além disso, em determinados casos, essa junção nem sempre representa o diâmetro mais constrito do canal. Uma vez que a JCD é um ponto essencialmente histológico, sob o ponto de vista clínico ela pode ser considerada um “mito”110. Em razão das avaliações citadas, o término da instrumentação de um canal radicular (batente apical) tem sido proposto entre 1 e 2mm aquém do vértice do ápice radiográfrico tanto no tratamento de dentes polpados, quanto no de dentes despolpados (Fig. 1039). Além disso, adotamos como conduta, sempre que possível, manter desobstruído o canal cementário até o forame apical. A desobstrução do canal cementário é realizada por um instrumento que percorre toda a extensão do
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C
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Figura 10-36. Forame apical. A e B. Forma circular. C e D. Forma atípica.
Figura 10-37. Forame apical localizado fora do ápice anatômico.
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Figura 10-40. Canal cementário. Desobstruído (lado esquerdo). Obstruído (lado direito.)
canal radicular, desde um ponto de referência coronário até a abertura foraminal localizada na superfície externa da raiz. Essa medida é denominada comprimento patente do canal (CPC). A necessidade de manter o canal cementário desobstruído durante todo o preparo químico-mecânico é justificada por motivos biológicos e mecânicos, tanto no tratamento de dentes polpados quanto no de despolpados. Com isso estaremos eliminando nos dentes polpados um tecido propenso a necrosar e nos dentes despolpados uma quantidade substancial de irritantes nessa região, assim como reduzindo o risco de acidentes durante o preparo químico-mecânico de um canal radicular. Também devemos ressaltar que a desobstrução do canal cementário permite a solução química, auxiliar da instrumentação dotada de capacidade solvente de tecido e antimicrobiana, fluir em toda a extensão do canal radicular (Fig. 10-40). Figura 10-38. Foraminas apicais. Contorno predominantemente circular.
Figura 10-39. Limite apical de instrumentação e de obturação (batente apical).
Canais infectados Nos casos de canais infectados (necropulpectomia), um dos requisitos para que os micro-organismos participem da patogênese das doenças perirradiculares é que estejam espacialmente localizados no canal, de forma que eles ou seus fatores de virulência tenham acesso aos tecidos perirradiculares94. A região que preenche tal requisito é o segmento apical do canal, uma vez que os micro-organismos colonizando essa região se encontram próximo ao forame apical e foraminas acessórias, as quais são mais numerosas no segmento apical do canal19, estando assim em íntimo contato com os tecidos perirradiculares28,63,64,93. Micro-organismos infectando o segmento apical do canal contendo polpa necrosada são predominantemente anaeróbios estritos, e o tempo de infecção pode acentuar tal domínio. Um estudo em macacos26 investigou a distribuição bacteriana no canal após diferentes perío-
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dos e em diferentes segmentos do canal. O número de anaeróbios aumentou significativamente com o tempo e excedeu o de bactérias facultativas depois de 90 dias. Depois de 90 ou 180 dias de infecção, 85-98% das células bacterianas colonizando o canal eram anaeróbias. Baumgartner & Falkler8 avaliaram por cultura a microbiota dos 5mm apicais de canais contendo polpa necrosada e relataram que as espécies mais prevalentes foram Prevotella intermedia/nigrescens, Prevotella buccae, Peptostreptococcus anaerobius e Veillonella parvula, todas tendo sido isoladas de cerca de metade dos casos. De um total de 50 cepas isoladas, 68% foram anaeróbias. Todos os casos abrigavam pelo menos uma espécie anaeróbia. O número de unidades formadoras de colônias nos 5mm apicais do canal variou entre 5,6 × 104 e 4,3 × 106. Dougherty et al.21 investigaram a presença de bacilos produtores de pigmentos negros nos segmentos cervical e apical do canal e encontraram essas bactérias em 12 de 18 casos (67%). Prevotella nigrescens foi isolada em 9 de 12 canais na parte mais apical, seguida por Prevotella melaninogenica em 3/12, P. intermedia em 1/12 e Porphyromonas gingivalis em 1/12. Siqueira et al.96 avaliaram a presença de 11 espécies bacterianas anaeróbias estritas no segmento apical de canais radiculares infectados e associados a lesões perirradiculares por meio do método da polymerase chain reaction (PCR). Todos os dentes investigados apresentavam infecção na porção mais apical do canal. Pseudoramibacter alactolyticus foi a espécie mais encontrada, sendo detectada em 10 de 23 casos examinados. As outras espécies mais prevalentes foram Treponema denticola (6 de 23), Fusobacterium nucleatum (6 de 23), Porphyromonas endodontalis (4 de 23) e Filifactor alocis (6 de 23). A presença dessas bactérias no segmento apical de canais associados a lesões perirradiculares pode ser um indicativo da participação na etiologia da doença. A porção mais apical do canal pode ser considerada como um “território crítico” para os patógenos, para o hospedeiro e para o clínico96. É crítica para os patógenos, pois permite um íntimo contato com os tecidos perirradiculares, onde eles podem ter acesso a nutrientes e aos quais podem causar danos; crítica para hospedeiro, pois os mecanismos de defesa devem se concentrar nessa área para tentar delimitar o processo infeccioso e confiná-lo ao canal, impedindo a disseminação da infecção para o osso alveolar; e também é crítica para o clínico, uma vez que o sucesso do tratamento endodôntico dependerá do quanto será eficaz o profissional em erradicar a infecção do segmento apical e promover um selamento adequado do canal radicular contra bactérias e fluidos.
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Uma vez que não são conhecidas quantas células bacterianas remanescentes no segmento apical podem ser compatíveis com a resposta favorável de defesa do hospedeiro, a extensão alcançada pelos procedimentos intracanais não deveria ser aquém do que o nível mais apical da infecção. Como a infecção em muitos casos pode se estender até o forame apical, o limite de instrumentação deveria atingir toda a extensão do canal principal até seu término, em uma tentativa de remover ou pelo menos reduzir significativamente a contagem bacteriana antes que se proceda à obturação. A necessidade imperiosa de desinfecção tem sido claramente demonstrada por estudos que avaliaram o sucesso do tratamento endodôntico a longo prazo41,98. Durante a instrumentação de canais infectados, detritos dentinários contaminados podem ser compactados no segmento apical do canal ou extruídos pelo forame apical para o interior dos tecidos perirradiculares. Quando compactados no canal, detritos dentinários podem resultar em perda do comprimento de patência ou de trabalho e também comprometer o reparo tecidual devido à presença de micro-organismos residuais36. Detritos dentinários infectados quando extruídos para os tecidos perirradiculares podem ser responsáveis por inflamação persistente e fracasso do tratamento118. Um segmento apical não instrumentado com 1mm de extensão pode abrigar até 105 células bacterianas, um número consideravelmente elevado, que, dependendo da virulência delas, pode induzir inflamação de intensidade moderada o suficiente para perpetuar uma lesão perirradicular. Na porção mais apical do sistema de canais radiculares, podem estar presentes bactérias no canal principal, além de estarem alojadas em ramificações, deltas, lacunas de reabsorção radicular e túbulos dentinários. Aquelas que contatam os tecidos perirradiculares são, obviamente, as principais envolvidas na agressão e, por conseguinte, na indução de uma patologia perirradicular, aguda ou crônica. Nessas localidades, as bactérias podem ser eliminadas pela ação mecânica do instrumento ou pela ação da solução química auxiliar da instrumentação e/ou pela medicação intracanal. Mesmo que os instrumentos e as soluções químicas que atingem essa região não eliminem completamente as bactérias, causam um distúrbio ecológico que pode desequilibrar em favor dos mecanismos de defesa do hospedeiro, favorecendo o início dos mecanismos de reparação. Nos casos de fracasso do tratamento endodôntico (retratamento), devem eles ser lidados como infecta-
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
dos, mormente quando uma lesão perirradicular está presente. Infecções persistentes no segmento apical do canal representam a principal causa do fracasso da terapia endodôntica28,64. Micro-organismos residuais podem estar alojados em áreas não instrumentadas do canal principal, em detritos dentinários, em ramificações, no delta apical, em túbulos dentinários e em espaços vazios na obturação do canal64,65,75,92. Se tais microorganismos contatam os tecidos perirradiculares e se encontram em número suficiente para serem patogênicos, uma lesão inflamatória pode se desenvolver ou ser mantida. Usando microscopia óptica e eletrônica de transmissão, Nair et al.64 relataram que micro-organismos podem persistir no canal obturado, geralmente em áreas mais apicais, e ser a causa do fracasso do tratamento. Fukushima et al.28 avaliaram dentes tratados endodonticamente e com lesão perirradicular persistente por meio de microscopia eletrônica de varredura e por cultura bacteriológica. Em mais de 60% dos casos, agregados bacterianos foram visualizados entre o término da obturação do canal e o forame apical. Tais bactérias provavelmente eram membros de uma infecção persistente ou secundária. Esses achados indicam que bactérias podem persistir na porção apical de canais tratados e serem a causa de lesões perirradiculares persistentes. Assim, os mesmos princípios relacionados com os procedimentos químico-mecânicos em casos de necrose também se aplicam a casos de fracasso do tratamento endodôntico (retratamento).
Canais não infectados Em casos de polpa vital, alguns autores recomendam a instrumentação dos canais de 1 a 2mm aquém do forame, na tentativa de preservar a vitalidade do tecido pulpar apical (“coto pulpar”), o qual pode ter um papel no reparo perirradicular. Estudos têm demonstrado que a preservação do “coto pulpar” vital permite que o processo de reparação ocorra frequentemente pelo selamento do canal cementário por tecido duro neoformado, mesmo quando raspas de dentina são compactadas contra o “coto”23,24,107. É importante salientar que a manutenção da vitalidade do coto pulpar não é previsível, particularmente durante a instrumentação de canais curvos e atresiados. Outrossim, o uso de NaOCl como substância química auxiliar em diferentes concentrações pode conduzir à inflamação grave ou necrose do “coto”67, como resultado da toxicidade dessa substância68. Considerando que a assepsia é o fator decisivo em prevenir o desenvolvimento de uma lesão perirradicular após o tratamento
de dentes com polpa vital, poderia ser argumentado que o emprego de NaOCl não é necessário e deveria ser evitado para manter o “coto” vital. Na verdade, manter o canal inundado com NaOCl durante a instrumentação de canais ajuda a manter a cadeia asséptica, justificando o emprego dessa solução mesmo em casos vitais não infectados. Além disso, a irritação dos tecidos perirradiculares causada pelo NaOCl é usualmente transitória e restrita a uma pequena área tecidual, o que não gera efeitos adversos substanciais9,22,113. A reparação tecidual pós-tratamento endodôntico é de total responsabilidade dos tecidos perirradiculares, principalmente do ligamento periodontal. O ligamento periodontal é um tecido conjuntivo especializado, situado entre o cemento radicular e o osso alveolar, que apresenta uma espessura variável entre 0,15 e 0,38mm, a qual é reduzida gradativamente com a idade66. Como um tecido conjuntivo, ele é constituído por células e por uma matriz extracelular. As principais células encontradas são osteoblastos e osteoclastos (alinhando a superfície óssea voltada para o ligamento), cementoblastos (voltados para o cemento), fibroblastos, células epiteliais (restos de Malassez), macrófagos e células indiferenciadas. A matriz extracelular é composta principalmente por feixes de colágeno embebidos em uma substância fundamental constituída basicamente por glicosaminoglicanas, glicoproteínas e glicolipídios. Fibroblastos são as principais células encontradas no ligamento periodontal. Há um rápido e intenso turnover de constituintes do ligamento (mormente de colágeno), caracterizado pela constante síntese, remoção e renovação desses componentes. Fibroblastos são os principais responsáveis por esse turnover, sendo capazes de simultaneamente sintetizar e degradar o colágeno, o qual está sempre sofrendo remodelação. Além do alto índice de renovação de constituintes da matriz, as células do ligamento periodontal também são frequentemente renovadas. O alto índice de turnover dos constituintes celulares e extracelulares é reflexo da excepcional vascularização desse tecido, a qual provém das artérias alveolares superior e inferior. Além de possuir um alto índice de renovação celular e uma rica trama vascular, o ligamento apresenta drenagem linfática adequada. A manutenção da vitalidade do “coto pulpar” é imprevisível durante o preparo químico-mecânico84,88 e evidências indicam que não é essencial para o sucesso do tratamento. Estudos em cães10,35,101 revelaram que o alargamento do forame apical com consequente remoção do “coto pulpar” foi acompanhado por invaginação do ligamento periodontal para o interior do canal,
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Considerações de ordem prática Uma vez que o forame apical encontra-se, em média, deslocado 0,5mm aquém do ápice radicular e que a JCD está, em média, 0,5mm do forame apical, o limite de instrumentação tanto no tratamento de dentes polpados quanto nos despolpados deve ser realizado preferencialmente 1mm aquém do ápice radiográfico. Essa medida é referida aqui como comprimento de trabalho (CT). Isso permite criar um batente apical mantendo instrumentos de maior diâmetro e o material obturador no interior do canal radicular. Entretanto, é nossa conduta em todos os casos e sempre que possível manter a patência foraminal (canal cementário desobstruído). A medida obtida desde um ponto de referência coronário até a abertura do forame apical na superfície externa radicular é denominada comprimento patente do canal (CPC) (Fig. 10-42A e B). No aspecto mecânico a patência foraminal impede a obstrução do segmento apical do canal radicular, o que resulta na perda do comprimento de patência. No aspecto biológico para canais infectados, a desinfecção do segmento apical do canal radicular pode ser maximizada pela manutenção da patência foraminal (desobstrução do canal cementário). A manutenção do canal cementário patente possibilita que a solução química auxiliar dotada de atividade solvente de tecido e antimicrobiana possa fluir até a região mais apical
Figura 10-41. Alargamento do forame apical. Aspecto radiográfico (superior). Selamento biológico. Aspecto histológico (médio e inferior). (Gentileza do Prof. Souza Filho.)
algumas vezes associado a deposição de tecido semelhante a cemento sobre as paredes do canal, o que vem confirmar o enorme potencial de reparo do ligamento periodontal, consequência de sua intensa atividade metabólica (Fig. 10-41). Todavia, o alargamento do forame é desnecessário, uma vez que resulta em arrombamento, o qual dificulta a limitação do material obturador no interior do canal radicular.
A
B
Figura 10-42. Canal cementário. A. Obstruídos. B. Desobstruídos.
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do canal, além de reduzir o acúmulo de raspas de dentina infectada que poderia manter a infecção perirradicular. Mesmo que a desobstrução do canal cementário e a solução química auxiliar não consigam eliminar totalmente micro-organismos na região mais apical do canal radicular, podem, por sua vez, desorganizar a comunidade de micro-organismos aí instalada e promover um desequilíbrio que pode ser propício para uma resposta de defesa favorável. Para canais não infectados, sob o aspecto biológico tem sido recomendada a instrumentação do canal radicular no CT com o intuito de preservar a vitalidade do “coto pulpar”. Entretanto, a manutenção da vitalidade do “coto pulpar” um segmento de tecido conjuntivo de extrema fragilidade seja exequível apenas no tratamento de dentes com raízes retas e polpa radicular volumosas. Todavia, deve-se salientar que mesmo nesses casos o “coto pulpar” pode necrosar ou permanecer normal. Outrossim, durante a instrumentação de canais curvos e atresiados até o CT, a manutenção da vitalidade do “coto pulpar” é muito pouco provável. Contudo, na ausência de infecção, a necrose do “coto pulpar” pode não representar maiores problemas para o resultado do tratamento endodôntico. Necrosado, mas estéril, o “coto pulpar” seria então reabsorvido por células do ligamento periodontal, o qual invaginaria no canal, ocupando o espaço outrora preenchido pelo “coto pulpar”. Assim, a remoção ou não do “coto pulpar” não importa sobre o ponto de vista biológico, uma vez que o reparo perirradicular é realizado pelo ligamento periodontal. O conceito de patência foraminal é baseado na colocação de um instrumento endodôntico tipo K de pequeno diâmetro (no máximo no 25), acionado manualmente por meio do movimento de alargamento parcial à direita ou parcial alternado até o forame apical. Obtém-se na pré-instrumentação e se mantém durante a instrumentação do canal radicular. É possível que, uma vez nessa medida, em muitos casos o instrumento de patência já possa ter ultrapassado o forame apical estando na intimidade do ligamento periodontal. Contudo, para um instrumento estéril e de pequeno diâmetro (no máximo no 25), esse fato não representa maiores problemas clínicos (Fig. 10-43). Para alguns autores12,101 o instrumento de patência deve ultrapassar em média 1mm além do forame apical. Essa manobra tem como objetivo remover detritos oriundos da instrumentação na região apical do canal radicular. Para Lopes e Siqueira55 com essa ultrapassagem, o canal helicoidal do instrumento de patência alcança a abertura do forame apical, o que proporciona maior remoção de material contido no canal cementário,
Figura 10-43. Canal cementário desobstruído. Instrumento endodôntico além do forame.
assim como a penetração e a renovação da solução química auxiliar (hipoclorito de sódio) em toda a extensão do segmento apical do canal radicular (Fig. 10-44). Tendo o canal cementário a forma de um cone truncado com maior diâmetro (0,7mm) voltado para a superfície externa da raiz (forame apical), o instrumento de patência (no máximo no 25) mantém o canal cementário desobstruído, mas não ampliado. Levando em consideração as condições anatômicas do canal cementário, a sua ampliação e limpeza somente serão alcançadas com um instrumento de diâmetro igual ou superior ao de no 70, o que provocaria o arrombamento desnecessário do forame. A extrusão apical de detritos ocorre independentemente da realização ou não da desobstrução do canal cementário (patência foraminal) e da técnica de instrumentação empregada. Quanto maior o deslocamento de avanço e retrocesso de um instrumento endodôntico no interior de um canal radicular, maior será a possibilidade de ocorrer a extrusão de detritos via forame apical ou a obstrusão do canal cementário.
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Figura 10-44. Patência do forame (desobstrução do canal cementário). Batente apical (lado esquerdo). Instrumento de patência. Vértice da ponta até a abertura do forame (meio). Instrumento de patência. Ponta além da abertura do forame (lado direito).
Durante os avanços subsequentes o instrumento ao alcançar justeza no interior do canal sua parte de trabalho (ponta e haste de corte helicoidal cônica) funciona como um cone móvel (êmbulo) promovendo o deslocamento do material (tecido pulpar, solução química auxiliar e dentina excisada) existente na cavidade pulpar. Isso induz uma pressão unidirecional no sentido apical, podendo promover o extravasamento do material para a região perirradicular e/ou a obstrução do segmento apical do canal radicular com a perda do canal cementário. A manutenção da patência impede a ocorrência da obstrução do canal cementário e reduz a extrusão de detritos via forame apical. A extrusão apical de detritos pode trazer a dor pós-operatória. Todavia, a participação de detritos dentinários infectados nesse processo dependerá da quantidade extruída e da virulência e número de micro-organismos presentes94,106. A possibilidade de um instrumento de patência ser contaminado em seu trajeto e de carrear micro-organismos para os tecidos perirradiculares é improvável de ocorrer e de causar qualquer dano significativo aos tecidos perirradiculares, uma vez que o canal radicular se encontra preenchido com solução de hipoclorito de sódio. Em um estudo in vitro Izu et al.40 concluíram que a solução de hipoclorito de sódio a 5,25% presente no interior de um canal radicular era suficiente para prevenir a inoculação de micro-organismos nos tecidos perirradiculares por meio dos instrumentos de patência. O conceito de patência foraminal tem sido adotado em 50% das faculdades de Odontologia dos Estados Unidos da América13.
Diâmetro anatômico Equivale ao diâmetro do canal radicular anteriormente aos procedimentos de instrumentação. Corresponde ao diâmetro do primeiro instrumento endodôntico que se ajusta no interior de todo o canal radicular (Fig. 10-45).
Diâmetro cirúrgico Equivale ao diâmetro obtido após a instrumentação do canal radicular. Corresponde ao diâmetro do último instrumento endodôntico que foi empregado no segmento apical do canal radicular (Fig. 10-46).
Preparo químico-mecânico É um procedimento dinâmico que tem por objetivo promover a limpeza, a ampliação e a modelagem de
TERMINOLOGIA Terminologia é o conjunto de termos peculiares de uma ciência ou arte. A seguir, mencionaremos um conjunto de termos peculiares ao preparo químico-mecânico dos canais radiculares.
Figura 10-45. Diâmetro anatômico.
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Instrumento de patência Equivale ao último instrumento utilizado em todo o comprimento do canal radicular (comprimento de patência).
Patência do forame apical ou patência do canal cementário É a manutenção do canal cementário principal patente (aberto, desobstruído) durante o preparo de um canal radicular.
Ampliação da constrição apical É a ampliação e a regularização da forma da constrição apical do canal radicular. Tem como objetivo a criação do batente apical. Figura 10-46. Diâmetro cirúrgico.
Substância química auxiliar
É o principal evento do preparo químico-mecânico do canal radicular. É realizado por meio de ferramentas denominadas instrumentos endodônticos.
São substâncias químicas empregadas no interior do canal radicular com a finalidade de promover a dissolução de tecidos orgânicos vivos ou necrosados, a eliminação ou máxima redução possível de micro-organismos, a lubrificação, a quelação de íons cálcio e a suspensão de detritos oriundos da instrumentação. São empregadas simultaneamente à instrumentação dos canais radiculares ou após essa. Geralmente, são utilizadas em forma de soluções líquidas.
Irrigação-aspiração
Soluções irrigantes
Representa uma corrente líquida no interior da cavidade pulpar.
São soluções químicas usadas na irrigação-aspiração dos canais radiculares.
Comprimento patente do canal (CPC) ou comprimento de patência (CP)
Instrumentação convencional ou seriada
um canal radicular por meio de três eventos distintos: instrumentação, emprego de substâncias químicas auxiliares e irrigação-aspiração.
Instrumentação
É a medida obtida desde um ponto de referência coronário até a abertura do forame apical na superfície externa radicular. Tem como objetivo manter o canal cementário desobstruído.
Os instrumentos endodônticos são utilizados durante o preparo químico-mecânico de um canal radicular em ordem crescente de diâmetro nominal (D0) em toda a extensão do comprimento de trabalho.
Comprimento de trabalho (CT)
Instrumentação escalonada ou escalonamento
Como o forame apical se encontra, em média, deslocado 0,5mm aquém do ápice radicular e o limite CDC (constrição apical) está localizado entre 0,5 e 0,7mm do forame, o comprimento de trabalho pode ser obtido deduzindo-se 1 a 2mm aquém do ápice radiográfico do dente.
Na instrumentação escalonada, os instrumentos endodônticos são utilizados em degraus, ou seja, nos segmentos cervical, médio e apical dos canais radiculares. A instrumentação escalonada pode ser realizada no sentido ápice-coroa (step-back) ou coroa-ápice (crown-down) do dente.
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Escalonamento ápice-coroa Os instrumentos endodônticos, em ordem crescente de diâmetro, são empregados a distâncias progressivamente menores do que o comprimento de trabalho do canal radicular. A instrumentação apical antecede o escalonamento.
Escalonamento coroa-ápice Os instrumentos endodônticos, em ordem decrescente de diâmetro, são empregados a distâncias progressivamente maiores para o interior do canal radicular. O escalonamento coroa-ápice antecede a instrumentação apical.
Segmento apical do canal Corresponde aos 3mm finais de um canal radicular aquém do CPC ou aos 2mm aquém do CT.
Corpo do canal Corresponde à parte do canal que é obtida deduzindo-se o segmento apical do CT.
Segmento cervical do canal Corresponde a 2/3 do comprimento do corpo do canal.
Segmento intermediário ou médio do canal Corresponde a 1/3 do comprimento do corpo do canal.
Desgaste anticurvatura Consiste no desgaste direcionado às paredes dentinárias externas do segmento cervical de um canal radicular. Para os segmentos cervicais curvos, tem como objetivo reduzir o comprimento do arco de um canal radicular. Para os segmentos cervicais retos, favorecer o acesso ao segmento apical curvo.
Instrumentação ou preparo apical É o alargamento (ampliação) do segmento apical no limite determinado pelo comprimento de trabalho do canal radicular.
Batente apical Conhecido também como ombro apical, parada apical de instrumentação ou degrau apical, é o rebai-
Figura 10-47. Batente apical.
xo onde o cone principal de obturação se encaixa. É o ponto de parada da instrumentação, equivalente ao CT, determinado na odontometria (Fig. 10-47).
Instrumentação ou preparo cervical Consiste na instrumentação do segmento cervical de um canal radicular.
Leito do canal (glide path) É a regularização inicial da superfície das paredes dentinárias de um canal radicular até o CPC. Antecede a modelagem do canal independentemente da técnica de instrumentação empregada.
INSTRUMENTAÇÃO DOS CANAIS RADICULARES Há alguns anos, a instrumentação dos canais radiculares era executada somente pela técnica não escalonada ou convencional, empregando-se instrumentos endodônticos de aço inoxidável acionados com as mãos, numa ordem crescente de aumento de seus diâmetros, mantendo-se o mesmo comprimento de trabalho. O uso de instrumentos com maiores diâmetros, em todo o CT, em razão da redução de sua flexibilidade induzia um número maior de acidentes, principalmen-
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te em canais curvilíneos e atresiados. Esses acidentes eram representados por degraus, deslocamento apical, obliteração apical com raspas de dentina e fragmentos pulpares, perfurações etc. Em busca de minimizar esses acidentes, Clem15, em 1969, propôs que os instrumentos endodônticos de menor diâmetro e maior flexibilidade fossem usados em todo o comprimento de trabalho e os de maior diâmetro e menor flexibilidade empregados em ordem crescente de diâmetro e com comprimentos inferiores aos de trabalho, aumentando progressivamente o diâmetro dos mesmos à medida que a instrumentação era executada no sentido coronário do canal radicular. Surgiu, assim, a instrumentação escalonada ápice-coroa, a qual diminuiu significativamente as iatrogenias até então observadas no preparo dos canais radiculares. Em 1980, foi desenvolvida a instrumentação escalonada coroa-ápice59. Nessa instrumentação os instrumentos endodônticos, em ordem decrescente de diâmetro, avançam para o interior de um canal no sentido coroaápice. O escalonamento coroa-ápice tem como objetivo principal reduzir a extrusão de detritos de tecidos vivos ou necrosados e de produtos microbianos no sentido dos tecidos perirradiculares, assim como facilitar a instrumentação do segmento apical de um canal radicular. O escalonamento coroa-ápice, ou seja, a necessidade de uma maior conicidade do preparo do canal, passou reger o aprimoramento da instrumentação. As técnicas de instrumentação de um canal radicular são classificadas em não escalonada e escalonada. Técnica é a conjugação de conhecimentos científicos e de procedimentos práticos essenciais à execução perfeita de uma arte ou profissão (Endodontia). Na não escalonada, também denominada de convencional, os instrumentos endodônticos são empregados em todo o comprimento de trabalho do canal radicular em ordem crescente de diâmetro. Na técnica escalonada, os instrumentos endodônticos são utilizados em degraus (escalonamento) nos segmentos cervical e médio (corpo) dos canais radiculares. No segmento apical, os instrumentos são utilizados em ordem crescente de diâmetros em toda a extensão do comprimento de trabalho do canal radicular. O escalonamento pode ser realizado com o avanço do instrumento no sentido coroa-ápice ou com o retrocesso do instrumento no sentido ápice-coroa. No escalonamento ápice-coroa, os instrumentos endodônticos em ordem crescente de diâmetro são empregados a distâncias progressivamente menores do que o comprimento do corpo do canal radicular. No escalonamento coroa-ápice, os instrumentos endodônticos em ordem
decrescente de diâmetro são empregados a distâncias progressivamente maiores para o interior do corpo do canal radicular. A instrumentação apical antecede o escalonamento ápice-coroa e precede o escalonamento coroa-ápice. O tipo de instrumento empregado, o movimento a ele aplicado e a maneira de acioná-lo possibilitam a combinação de inúmeras sequências de instrumentação (procedimentos práticos) descritas equivocadamente na literatura endodôntica como técnicas de instrumentação. Todavia, podemos observar que os procedimentos práticos empregados na instrumentação de um canal radicular são os mesmos independentemente do tipo de instrumento empregado, do movimento a ele aplicado e da maneira de acioná-lo. A classificação das técnicas de instrumentação quanto à maneira de ativação dos instrumentos endodônticos em manuais e mecanizadas não procede, porque podemos observar que ambas são combinadas. Na técnica denominada manual o segmento cervical dos canais radiculares, na maioria das vezes é preparado por meio de instrumentos endodônticos mecanizados (alargadores Gates Glidden), enquanto na técnica mecanizada a pré-instrumentação, assim como a regularização do circuito de corte de segmentos achatados de canais radiculares e o desgaste anticurvatura, geralmente, são executados por meio de instrumentos endodônticos acionados manualmente. Vários estudos5,33,71,77,89,104,109 têm demonstrado que nenhuma técnica de instrumentação é capaz de promover uma total limpeza e uma correta modelagem de canais radiculares. Todavia, para a obtenção de uma adequada instrumentação, o profissional deve ter conhecimento da anatomia do canal e de suas dimensões (geometria do canal) para poder selecionar os instrumentos e os movimentos a serem empregados para cada segmento de um canal radicular. A seleção de instrumentos endodônticos com diâmetros inferiores aos dos segmentos cervical, médio e apical dos canais radiculares e a ativação dos instrumentos endodônticos com movimentos incompatíveis com a configuração anatômica dos canais radiculares são responsáveis pela não incorporação de alguns pontos do contorno do canal radicular original durante a instrumentação. Todavia, remanescentes teciduais e micro-organismos podem persistir nesses pontos, principalmente em istmos e ramificações dos canais radiculares. A quantidade de irritantes residuais e a efetividade seladora da obturação do canal e da cavidade coronária de acesso determinarão a longo prazo o sucesso ou o fracasso da terapia endodôntica.
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A instrumentação de canais radiculares é um procedimento mecânico dinâmico realizado em duas etapas distintas: pré-instrumentação ou instrumentação inicial e instrumentação.
Pré-instrumentação A pré-instrumentação é a etapa inicial da instrumentação. Para canais radiculares amplos, após o cateterismo e a determinação do comprimento de patência e de trabalho, a pré-instrumentação e a instrumentação se sobrepõem, sendo muitas vezes executadas em uma mesma etapa. Ao contrário, para canais atresiados a pré-instrumentação é uma etapa distinta que antecede a instrumentação. A dificuldade ou a facilidade da posterior instrumentação de um canal radicular atresiado na maioria das vezes repousa apenas na préinstrumentação. Tem como objetivo a eliminação ou regularização das interferências anatômicas, buscando a determinação do CPC, o CT e a criação do leito do canal radicular (glide path). A pré-instrumentação de um canal radicular é iniciada após radiografia, anestesia, isolamento e acesso coronário do elemento dentário a ser submetido ao tratamento endodôntico. O conhecimento da morfologia dentária e o exame minucioso de duas ou mais radiografias periapicais, obtidas com diferentes angulações do cone do aparelho de raios X, são obrigatórios. O exame radiográfico propicia informações importantes sobre a anatomia da cavidade pulpar. A pré-instrumentação é assim constituída: • da localização do canal ou canais radiculares; • do cateterismo ou exploração inicial do canal radicular; • do alargamento cervical do canal radicular; • da complementação do cateterismo; • da determinação do comprimento de patência e de trabalho do canal radicular; • da instrumentação inicial ou leito do canal radicular.
Localização do Canal Radicular Após a remoção completa de todo o teto cavitário, os orifícios dos canais radiculares devem ser localizados por meio de sondas clínicas de ponta reta e afilada. Para isso, a ampliação e a iluminação da cavidade pulpar são recursos indispensáveis. Para dentes unirradiculares, a localização do canal radicular é um procedimento mais simples do que em dentes multirradiculares. A anatomia natural dita a localização usual da entrada dos canais radiculares; entretanto,
Figura 10-48. Localização do canal radicular.
restaurações coronárias, deposições dentinárias e calcificações distróficas podem alterá-la. Enquanto explora o assoalho da câmara pulpar, a sonda muitas vezes penetra ou desloca depósitos calcificados que bloqueiam a embocadura dos canais radiculares (Fig. 10-48). O uso de aparelhos ultrassônicos com pontas diamantadas (Spartan ultrasonic tips, Obtura Spartan, USA) é muito útil, eficiente e seguro na varredura do assoalho da câmara pulpar para a remoção de depósitos calcificados que ocultam e impedem o acesso ao orifício de entrada de canais radiculares atresiados. É preferível sua utilização à de brocas comuns ou especiais. O uso de corantes (azul de metileno ou tintura de iodo) preenchendo a câmara pulpar e removidos por lavagem após alguns minutos pode promover mudanças de cor da dentina, evidenciando a provável localização da embocadura do canal radicular. O emprego do microscópio óptico ou de outros recursos de magnificação permite uma perfeita visualização do assoalho da câmara pulpar, facilitando a localização mais segura da entrada de canais radiculares atresiados.
Exploração inicial do canal radicular A exploração ou cateterismo engloba a fase inicial de ampliação e limpeza (esvaziamento), assim como o conhecimento da anatomia interna do canal radicular por meio da sensibilidade tátil quando do avanço de um instrumento endodôntico. O contato inicial do
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profissional com a anatomia interna do canal radicular permite verificar o número, a direção e o diâmetro dos canais, assim como a possibilidade de acesso à região apical. Essas informações associadas às obtidas pela radiografia e pelos conhecimentos anatômicos permitirão imaginar com alguma precisão a forma do canal radicular. Quanto mais próxima da verdadeira anatomia do canal radicular estiver a imagem criada pelo profissional, melhor será a condução do tratamento endodôntico. De posse de uma radiografia de boa qualidade para o planejamento do tratamento endodôntico, tomase o comprimento do dente, traçando inicialmente uma reta paralela ao eixo do dente em toda a sua extensão. A seguir, nessa reta, projetamos duas linhas perpendiculares, uma passando pelo ponto de referência oclusal/ incisal e a outra passando pelo vértice do ápice radicular. A distância entre as duas linhas perpendiculares à reta é conhecida como comprimento do dente na radiografia (CDR). Para canais radiculares retos ou com curvaturas suaves, uma medida correspondente a 3mm menor que o CDR é transferida para um instrumento tipo K de aço inoxidável como medida de segurança (comprimento de exploração inicial – CEI) (Fig. 10-49). Para canais com curvaturas moderadas e acentuadas, a medida correspondente ao CDR, ou até mesmo acrescida de 2 a 3mm, é transferida para o instrumento endodôntico, o que é justificado porque o comprimento do segmento de um arco é maior do que o segmento de uma linha reta. A seleção do primeiro instrumento é feita de acordo com o presumível diâmetro do canal e com o comprimento do dente (CDR). Para o cateterismo de canais radiculares amplos, os instrumentos endodônticos de aço inoxidável tipo K são os indicados e devem possuir diâmetros menores do que os dos canais radiculares e não necessitam ser pré-curvados (dobrados). Os instrumentos devem ser acionados manualmente por meio do movimento de cateterismo ou exploração. A câmara pulpar deve ser
Figura 10-49. Comprimento do dente na radiografia (CDR). Comprimento de exploração inicial (CEI).
preenchida com solução de hipoclorito de sódio. Nas biopulpectomias o cateterismo antecede a pulpectomia. Nesses casos após o instrumento de cateterismo atingir o comprimento previamente determinado, o tecido pulpar é excisado e removido por meio de uma lima Hedstrom de diâmetro compatível com o canal radicular. Nas necropulpectomias, o cateterismo e esvaziamento inicial do canal se desenvolvem simultaneamente. Essa manobra é realizada por segmentos (compartimentos) do canal radicular, imprimindo-se ao instrumento pequenos avanços e retrocessos em sentido apical conjuntamente, com discretos movimentos de rotação à direita e à esquerda. Esse procedimento permite a penetração da solução química auxiliar em sentido apical do canal radicular, favorecendo suas atividades solventes e antimicrobianas. Assim, o instrumento é conduzido até atingir o comprimento previamente determinado, promovendo a neutralização e o esvaziamento inicial do conteúdo séptico do canal radicular (ver Capítulo 8, Fundamentação filosófica do tratamento endodôntico). Para o cateterismo de canais atresiados retilíneos ou curvilíneos, os instrumentos de aço inoxidável indicados são os tipo K ou os instrumentos especiais C+File e C Pilot de seções retas transversais quadrangulares. O diâmetro dos instrumentos empregados geralmente é maior do que os dos canais radiculares e geralmente não atinge a distância de cateterismo predeterminado. Os instrumentos devem ser obrigatoriamente acionados manualmente por meio do movimento de alargamento parcial à direita e jamais dobrados (pré-curvados). Tendo os instrumentos tipo K de diâmetros menores e os especiais ângulos de inclinação das hélices de aproximadamente 25º, não devem ser acionados pelo movimento de limagem. Quanto ao dobramento, afirma-se que o pré-curvamento favorece o avanço do instrumento em sentido apical de um canal radicular16,20,112. Porém, a anatomia revela que a maioria dos canais radiculares apresenta segmento cervical reto e o apical curvo. Assim, o instrumento endodôntico de aço inoxidável pré-curvado ao penetrar num canal radicular atresiado será desdobrado. Esse desdobramento combinado à rotação do instrumento induz tensões que poderão determinar degraus, perfurações radiculares e a fratura dos instrumentos. Para evitar esses carregamentos durante o cateterismo de canais atresiados, os instrumentos endodônticos devem ser empregados em regime elástico e jamais em regime plástico (précurvados). Além disso, é inadmissível acreditar que a pré-curvatura do instrumento para simular a forma anatômica corresponda à curvatura verdadeira do canal radicular.
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No cateterismo de canais atresiados deve-se usar de início um instrumento tipo K ou especiais (C+File ou C Pilot), no 8 ou 10 de 18 ou 21mm de comprimento, novo, que será o responsável pela exploração do canal por meio do movimento de alargamento parcial à direita. Dependendo do comprimento do dente após o uso do instrumento de menor comprimento, empregamos instrumentos maiores. O instrumento de menor comprimento deve iniciar o procedimento porque apresenta maior resistência à flexocompressão (flambagem) quando comparado a um instrumento maior, favorecendo a ação de exploração em canais atresiados. A câmara deve ser preenchida com solução química auxiliar de hipoclorito de sódio. Para canais atresiados, o cateterismo e o esvaziamento do canal radicular (biopulpectomia ou necropulpectomia) se desenvolvem simultaneamente. Esse procedimento é realizado por segmentos (compartimentos) do canal radicular, imprimindo-se ao instrumento o movimento de alargamento parcial à direita. Quando retirado do canal, o instrumento é limpo por meio de um pedaço de gaze seguro pelos dedos indicador e polegar. O instrumento é posicionado na gaze a partir do intermediário e a seguir girado à esquerda. Após a limpeza, o instrumento é examinado. Caso tenha ocorrido deformação plástica em sua haste de corte helicoidal cônica, o instrumento deve ser descartado. Para canais atresiados, o instrumento empregado no cateterismo geralmente tem dificuldade de alcançar o comprimento previamente determinado (Comprimento de Exploração Inicial – CEI) (Fig. 10-50).
O alargamento cervical inicial tem como objetivo eliminar interferências anatômicas de um canal radicular atresiado para facilitar a exploração ou cateterismo em toda a distância determinada. Além disso, promove a eliminação de parte do conteúdo do canal, tanto para dentes com polpa vital, como para os com polpa necrosada, reduzindo o risco de sua compactação para o segmento apical ou mesmo de extrusão para a região perirradicular. Para Leeb43, a maior constrição do canal está no segmento cervical próximo ao orifício de entrada do canal radicular. Nesses casos, o alargamento cervical inicial favorece o avanço em sentido apical do instrumento empregado no cateterismo de um canal radicular atresiado. O alargamento cervical inicial deve ser realizado com instrumento tipo K de aço inoxidável de seção reta transversal quadrangular de 21mm de comprimento e de nos 25 e 30 acionados manualmente pelo movimento de alargamento parcial à direita. O avanço do instrumento em sentido apical deve ficar aquém do limite de penetração do instrumento empregado no cateterismo inicial. A não observação desse procedimento pode acarretar a perda da trajetória original do canal. Geralmente, durante o alargamento cervical inicial o avanço do instrumento endodôntico em sentido apical não deve ultrapassar 3mm em relação à embocadura do canal. O emprego de instrumentos endodônticos ProTaper (S1 e S2) na versão manual também é indicado. Entretanto, o emprego de alargadores Gates Glidden é desaconselhável, considerando-se os diâmetros desses instrumentos (diâmetro mínimo de 0,5mm) em relação ao diâmetro do canal (Fig. 10-51).
Figura 10-50. Exploração inicial do canal radicular.
Figura 10-51. Alargamento cervical inicial para facilitar o acesso apical.
Alargamento cervical inicial
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Complementação da exploração Após o alargamento cervical inicial, o instrumento empregado na exploração (tipo K ou especiais C+File e C Pilot) atinge com facilidade o comprimento previamente estabelecido (Fig. 10-52). A seguir são determinados por meio da odontometria o CPC e o CT. O CPC, teoricamente, corresponde à medida obtida desde um ponto de referência coronário até a abertura do forame apical na superfície externa radicular. O CT pode ser obtido introduzindose um instrumento endodôntico até 1 a 2mm do vértice radiográfico do dente (Fig. 10-53). O CT pode ser determinado por meio de radiografias ou método eletrônico. Entretanto, é necessário ressaltar que o método eletrônico, embora eficiente, não permite a visualização da trajetória do instrumento no interior do canal radicular. O profissional não pode ficar privado de uma imagem radiográfica que revele a trajetória de um instrumento endodôntico no interior do canal radicular. É por meio dessa imagem, mesmo que imprecisa na maioria das vezes, que se
Figura 10-52. Exploração inicial do canal até o comprimento previamente determinado.
Figura 10-53. Determinação do comprimento de patência e de trabalho.
planeja a instrumentação de um canal radicular. O método eletrônico não deve ser usado isoladamente, mas sim combinado ao radiográfico. Não devemos esquecer que a Endodontia é uma especialidade em que as certezas têm tantas vezes lugar duvidoso e onde as dúvidas costumam com alguma frequência ser a única certeza disponível.
Instrumentação inicial ou leito do canal Baseado no CPC, instrumenta-se o canal radicular em toda a sua extensão com o instrumento explorador selecionado (tipo K ou especial) acionado manualmente, mediante o movimento de alargamento parcial à direita ou parcial alternado. Essa instrumentação até o CPC tem como objetivo a criação do leito de um canal radicular (glide path) por meio da eliminação ou regularização das interferências anatômicas. Com a criação do leito do canal radicular, os instrumentos empregados na etapa da instrumentação não encontrarão dificuldades em alcançar os comprimentos de trabalho e de patência estabelecidos. Se o instrumento utilizado foi o de no 8, repetem-se os mesmos procedimentos com os de nos 10 e 15 (instrumento de patência). A patência do canal cementário deve ser mantida em todas as demais etapas da instrumentação do canal radicular por meio do instrumento patente. Nos casos onde a patência do canal cementário não foi obtida ou mesmo perdida, o limite de instrumentação (CT) deverá ser o mais próximo possível do ápice radicular. A ampliação do diâmetro apical deverá ser o maior possível, e nos casos de necrose pulpar é aconselhável o uso de medicação intracanal (Fig. 10-54). A cada etapa da pré-instrumentação do canal radicular realizamos irrigação-aspiração seguida de inundação da cavidade pulpar com solução química auxiliar. Esse procedimento tem como objetivo remo-
Figura 10-54. Leito do canal.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
451
ver os detritos mantidos em suspensão no interior do canal radicular e permitir a renovação da substância química auxiliar. A pré-instrumentação de um canal radicular atresiado deve ser executada com instrumentos acionados manualmente e antecede as técnicas de instrumentação não escalonada ou escalonada executadas com instrumentos endodônticos acionados manualmente ou por dispositivos mecânicos.
Instrumentação A instrumentação de um canal radicular é iniciada após a pré-instrumentação. De posse do CT, o canal radicular será dividido em segmentos ou compartimentos (Fig. 10-55). O segmento apical corresponde aos 3mm finais de um canal radicular a partir do vértice radiográfico do dente. A parte restante do canal representa o corpo. Dois terços do comprimento do corpo do canal correspondem ao segmento cervical, enquanto o outro terço, ao segmento médio ou intermediário do canal. Exemplo: comprimento do dente = 21mm Segmento apical = 3mm do vértice radiográfico Corpo do canal = 21 – 3 = 18mm Segmento cervical = 2/3 do corpo do canal (12mm) Segmento médio = 1/3 do corpo do canal (6mm) A instrumentação de um canal radicular principal pode ser realizada com instrumentos acionados manualmente e também por dispositivos mecânicos ou o uso combinado deles.
Instrumentação do segmento cervical A instrumentação do segmento cervical do canal é realizada no sentido coroa-ápice (crown-down) do dente.
Figura 10-55. Segmentos de um canal radicular.
Figura 10-56. Instrumentação do segmento cervical.
O segmento cervical é representado por 2/3 do comprimento do corpo do canal a partir de um ponto de referência situado na coroa dentária (bordo incisal ou oclusal). Consequentemente, a parte inicial do segmento cervical é representada pela profundidade (altura) da coroa dentária e não efetivamente pelo canal radicular. Consiste na ampliação do diâmetro do segmento cervical de um canal radicular, no sentido coroa-ápice. Tem como objetivo facilitar o acesso aos segmentos médio e apical do canal radicular (Fig. 10-56). Na instrumentação do segmento cervical, o diâmetro do instrumento, o tipo de instrumento, o modo de acionamento e o movimento empregado variam em função da anatomia radicular. Geralmente se utilizam um a dois instrumentos na instrumentação do segmento cervical. O diâmetro e/ou conicidade dos instrumentos empregados diminuem à medida que avançam no segmento cervical do canal radicular. Nos casos onde o diâmetro anatômico do segmento cervical permite o uso de instrumentos endodônticos de diâmetros maiores do que o diâmetro do canal, o movimento empregado é o de alargamento parcial alternado ou contínuo, e a forma final da instrumentação é circular. O movimento de alargamento parcial alternado pode ser executado manualmente ou por meio de dispositivos mecanizados (contra-ângulos especiais). Os instrumentos endodônticos utilizados são os tipo K de aço inoxidável ou de NiTi e os instrumentos especiais ProTaper Universal versão manual. Para os instrumentos endodônticos empregados, a passagem da ponta para a haste de corte helicoidal cônica deve ser por meio de uma curva de transição (ausência de ângulo de transição). O movimento de alargamento contínuo é executado por meio de dispositivos mecânicos (motores e contra-ângulos), empregando-se instrumentos
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
endodônticos especiais mecanizados representados pelos alargadores cervicais de aço inoxidável ou de NiTi (Gates Glidden, Largo, La Axxess). Nos casos clínicos em que além da ampliação cervical necessitam de desgaste anticurvatura, os instrumentos empregados são os alargadores Largo ou La Axxess. Outra opção é o emprego de instrumentos tipo K ou H por meio do movimento de limagem. Nos casos de canais radiculares com segmentos cervicais achatados, onde o diâmetro do instrumento empregado é menor do que o maior diâmetro do canal original e as condições anatômicas da raiz não permitem o uso de instrumentos de diâmetros maiores, a limpeza e a modelagem ficam deficientes quando se emprega o movimento de alargamento. Nesses casos, a regularização das paredes do segmento cervical achatado pode ser realizada por meio dos alargadores Largo e La Axxess. Esses instrumentos em razão da rigidez do aço inoxidável podem ser empregados em segmentos achatados de canais radiculares. Durante o giro à direita devem ser forçados lateralmente, acompanhados de um deslocamento circundante incorporando todo o contorno (circuito) do canal original. Instrumentos endodônticos de aço inoxidável tipo K ou H por meio do movimento de limagem circundante são outra opção para a instrumentação de segmentos achatados de canais radiculares. Diferentes fabricantes e profissionais sugerem que, nas áreas polares de segmentos achatados de canais radiculares, os instrumentos endodônticos mecanizados durante a tração no sentido coronário devem simultaneamente ser forçados lateralmente, executando assim um movimento de pincelamento (escovagem) das paredes do canal radicular. Todavia, principalmente os alargadores Gates Glidden de menores diâmetros (nos 1, 2 e 3) e os alargadores cervicais de NiTi, quando submetidos simultaneamente a uma força lateral e a um movimento de pincelamento das paredes dentinárias das áreas polares dos segmentos cervicais achatados, sofrem desnecessariamente um carregamento de flexão rotativa que induz na região de maior flexão tensões trativas e compressivas. Essas tensões reduzem a vida útil do instrumento à fadiga. Pela mesma razão, esses instrumentos não promovem o desgaste anticurvatura de um canal radicular. A cada etapa da instrumentação do segmento cervical do canal radicular realizamos a irrigação-aspiração seguida da inundação da cavidade pulpar com solução química auxiliar. A patência do canal cementário deve ser mantida em todas as etapas da instrumentação do segmento cervical dos canais radiculares.
As principais vantagens da instrumentação do segmento cervical no sentido coroa-ápice são: • Promove a eliminação de parte do conteúdo do canal, tanto para os dentes com polpa vital como para os com polpa necrosada, minimizando o risco de sua compactação para o segmento apical ou mesmo de extrusão para a região perirradicular. • A maior remoção do tecido dentário junto ao segmento cervical do canal radicular favorece o avanço, no sentido coroa-ápice, dos instrumentos de menor diâmetro quando empregados na sequência da instrumentação. • O alargamento prévio do segmento cervical do canal permite que, durante a instrumentação do segmento apical, somente a região de menor diâmetro do instrumento mantenha contato com a parede do canal radicular. Em consequência, o instrumento fica submetido a um menor carregamento, o que diminui o esforço de corte e a possibilidade de fratura por torção. • Facilita a instrumentação do segmento apical, reduzindo a possibilidade de defeitos, como deslocamento apical, interno ou externo. • Permite um volume maior de solução química auxiliar dentro do canal durante a instrumentação. Para soluções químicas de uma mesma concentração, quanto maior o volume, maior será a atividade solvente de tecido e antimicrobiana. • Promove, pela sua maior conicidade, uma zona de escape acentuada, em nível cervical durante a instrumentação dos segmentos médio e apical, diminuindo a pressão unidirecional apical, com redução significativa de material extruído via forame e, consequentemente, menor incidência de dor pósoperatória. • Permite maior penetração de agulha irrigadora em sentido apical, facilitando, assim, a irrigação-aspiração e consequentemente uma melhor limpeza do segmento terminal do canal radicular. • Facilita a compactação do material obturador do canal radicular. Quanto às desvantagens, um desgaste exagerado do segmento cervical do canal radicular aumenta o risco de perfurações radiculares e de fraturas verticais durante as manobras de obturação ou mesmo quando os dentes estiverem em função. Cumpre destacar também que, em canais atresiados e curvos, a instrumentação cervical sem a criação do leito do canal com instrumentos tipo K nos 10 e 15 pode acarretar a perda da trajetória inicial do canal. Geralmente isso ocorre quando do
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
emprego de instrumentos (alargadores cervicais) com diâmetros em D0 maiores do que o de no 25.
Instrumentação do segmento intermediário A instrumentação do segmento intermediário ou médio consiste na ampliação do diâmetro do canal radicular, no sentido coroa-ápice até a distância de 3mm aquém do vértice radiográfico do dente. O diâmetro em D0 e/ou a conicidade dos instrumentos empregados diminui à medida que avançam no segmento médio do canal radicular. Geralmente são utilizados dois a três instrumentos na instrumentação do segmento médio. Os avanços devem ser da ordem de 1 a 3mm, intercalados por retiradas. Para instrumentos de diâmetros menores, o avanço será menor. Pode ser realizada com instrumentos acionados manualmente e também por dispositivos mecanizados ou o uso combinado deles. Os primeiros são representados pelos instrumentos tipo K de aço inoxidável ativados por meio do movimento de alargamento parcial alternado, obtido manualmente, ou por ângulos especiais. Para canais curvos (curvaturas severas e moderadas) em que o comprimento do arco se inicia próximo do término do segmento cervical do corpo do canal, os instrumentos de aço inoxidável de maiores diâmetros devem ser substituídos pelos de NiTi (Fig. 10-57). Os instrumentos acionados por dispositivos mecanizados empregados na instrumentação do segmento intermediário são representados pelos alargadores apicais de NiTi. O movimento do instrumento é de alargamento contínuo. Devem ser introduzidos e retirados do interior do segmento intermediário do canal radicular girando à direita a fim de evitar o atrito estático do instrumento contra as paredes dentinárias e possibilitar a saída de material excisado. Nos casos de canais com segmento intermediário achatado onde o diâmetro do instrumento empregado (manualmente ou mecanizado) é menor do que
453
o maior diâmetro da seção reta transversal do canal original e as condições anatômicas da raiz não permitirem o uso de instrumentos de diâmetros maiores, a limpeza e a modelagem ficam deficientes. Nesses casos, indicamos o uso de instrumentos tipo K ou limas Hedstrom de aço inoxidável de diâmetros inferiores aos do canal, ativados por meio do movimento de limagem com o objetivo de complementar a instrumentação do segmento intermediário do canal radicular. Aparelhos sônicos e ultrassônicos também são empregados para promover a limpeza de áreas não instrumentadas do corpo (segmento cervical e médio) de canais radiculares. O instrumento escolhido deverá atuar nas paredes dentinárias a cerca de 3mm aquém do vértice radiográfico do dente, ou seja, no corpo do canal radicular. A cada etapa da instrumentação do segmento intermediário do canal radicular realizamos a irrigaçãoaspiração seguida de inundação da cavidade pulpar com solução química auxiliar. A patência do canal cementário deve ser mantida em todas as etapas da instrumentação do segmento intermediário do canal radicular.
Instrumentação do segmento apical O segmento apical corresponde aos 2mm finais de um canal radicular a partir do CT. A instrumentação do segmento apical tem como objetivo a regularização da forma da constrição apical pela ampliação do diâmetro do canal principal até o CT. É importante salientar que a forma da constrição apical não é na maioria das vezes circular, mas oval ou irregular. Em consequência, durante a instrumentação apical até o CT buscamos englobar a constrição apical com o objetivo de criar um batente com seção reta transversal circular onde o cone principal de obturação irá se encaixar. Na instrumentação apical, os instrumentos endodônticos são utilizados em ordem crescente de diâme-
Figura 10-57. Instrumentação do segmento médio.
454
Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
tro, atuando em toda a extensão do CT (instrumentação não escalonada), podendo ser ativados mediante movimento de alargamento parcial alternado ou contínuo. O número de instrumentos empregados varia em função da anatomia do segmento apical do canal radicular. A forma final do segmento apical do canal radicular após a instrumentação deve ser cônica, e a seção reta transversal, circular, tendo como objetivos a confecção do batente apical, fator importante na limitação do material obturador do canal radicular, assim como propiciar um selamento apical satisfatório para impedir a entrada de fluidos teciduais no canal e o tráfego de volta de micro-organismos e seus produtos para os tecidos perirradiculares. O movimento de alargamento parcial alternado ou contínuo dos instrumentos, durante a instrumentação, proporciona adequada modelagem apical e menor extrusão de material excisado via forame (Fig. 10-58). A instrumentação apical pode ser realizada com instrumentos endodônticos tipo K, instrumentos mecanizados ou o uso combinado deles. Os primeiros são representados pelos instrumentos tipo K de aço inoxidável e de NiTi. Instrumentos de aço inoxidável são indicados para canais radiculares retilíneos ou com curvaturas suaves. Para canais radiculares curvilíneos, os instrumentos endodônticos na instrumentação apical devem atuar dentro do limite elástico e jamais dentro do limite plástico da liga metálica. Para canais atresiados e curvilíneos devemos empregar inicialmente instrumentos de aço inoxidável de pequenos diâmetros e seção reta transversal triangular (nos 15, 20 e 25) sem pré-curvamento. Em função das dimensões e propriedades mecânicas da liga de aço empregada, esses instrumentos são dotados de flexibilidade suficiente para acompanhar a curvatura de um canal radicular sem sofrerem dobramento e promoverem deslocamento do
preparo. Para instrumentos de maior diâmetro, devemos substituir os de aço inoxidável pelos de NiTi, em função da superelasticidade dessa liga metálica. Essa superelasticidade permite que instrumentos de maior diâmetro trabalhem durante a instrumentação apical, mesmo em canais severamente curvos dentro do limite elástico. Os instrumentos tipo K de aço inoxidável e de NiTi podem ser acionados manualmente ou por meio de ângulos especiais para a realização da instrumentação apical dos canais radiculares. Os instrumentos endodônticos mecanizados de NiTi são utilizados na instrumentação apical de canais radiculares retilíneos ou curvilíneos. São acionados por dispositivos mecanizados especiais (motores elétricos e contra-ângulos). Para canais com curvaturas severas é aconselhável e prudente que a instrumentação do segmento apical seja realizada com instrumentos endodônticos acionados manualmente, em primeiro lugar de aço inoxidável e, a seguir, de NiTi, ativados mediante movimento de alargamento parcial alternado. A cada etapa da instrumentação do segmento apical do canal radicular realizamos a irrigação-aspiração seguida da inundação da cavidade pulpar com solução química auxiliar. A patência do canal cementário deve ser mantida em todas as etapas da instrumentação do segmento apical do canal radicular. Nos casos onde a patência do canal cementário não foi obtida ou mesmo perdida, o limite apical de instrumentação deverá ser o mais próximo possível do ápice radicular (CT). A ampliação do diâmetro apical deverá ser a maior possível. Nos casos de necrose pulpar é recomendado o uso de um maior volume de solução irrigante, o uso da agulha de irrigação o mais próximo do CT, a remoção da smear layer e o uso de medicação intracanal.
Figura 10-58. Instrumentação do segmento apical.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Ampliação do diâmetro apical de canais radiculares O diâmetro da ampliação apical corresponde ao diâmetro em D0 do último instrumento usado no CT do canal radicular. A ampliação do diâmetro do segmento apical no CT deve sempre ser maior do que o maior diâmetro do canal original. A forma final da seção reta transversal do segmento apical do canal radicular após
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a instrumentação no CT deve ser circular. Para o sucesso de um tratamento endodôntico, a determinação da ampliação do diâmetro do segmento apical no CT é tão importante quanto a determinação desse mesmo CT. A ampliação maior de um canal resulta em uma limpeza e modelagem melhor do que uma ampliação menor (Fig. 10-59A a D). Estudos têm revelado que quanto maior o diâmetro do preparo apical, maior é a redução do número de bactérias de um canal radicular6,14,62,76,91,108.
A
B
C
D
Figura 10-59. Limpeza e modelagem de um canal radicular. A. Presença de resíduos. B. Paredes limpas. Túbulos dentinários abertos. C. Canal cementário desobstruído. D. Canal secundário desobstruído.
456
Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Na tentativa de diminuir o risco de acidentes (deslocamento interno do preparo apical, zip, degraus e perfurações), a instrumentação de canais radiculares com segmento apical curvo até o comprimento de trabalho ficou limitada a instrumentos endodônticos de aço inoxidável de pequenos diâmetros. Para Schilder81, a ampliação mínima apical equivalente ao diâmetro de um instrumento de no 25 é suficiente para determinar uma preparação final para as obturações de canais radiculares com cones de guta-percha. Buchanan12 com base nas suas opiniões clínicas defendeu que se deve evitar uma instrumentação apical agressiva mantendo o canal radicular com uma conicidade mínima. A instrumentação apical não deve ser superior ao diâmetro de um instrumento de no 20 ou 25. Assim, o mito de se ampliar o diâmetro apical de canais radiculares com segmentos apicais curvos até instrumentos de no 25 ou 30 está atrelado ao fato da redução da flexibilidade de instrumentos endodônticos de aço inoxidável em função do aumento de seu diâmetro. Segundo Lopes et al.54, em um ensaio de flexão em cantilever, para ocorrer um deslocamento da ponta de um instrumento de aço inoxidável FlexoFile (Maillefer) de 25mm de comprimento e de no 30 dentro de um limite elástico de 15,5mm (flexão em 45°), foi necessária uma força máxima de 204gf, enquanto para um mesmo instrumento de no 40 foi de 256gf. Quando se ensaiou um instrumento de NiTi de mesma geometria (Nitiflex, Maillefer), para um de no 30, a força máxima foi de 104gf e para um de no 40, de 128gf. Diversos trabalhos25,49,51,72,78,104,117 mostraram que, na instrumentação de canais radiculares com segmentos apicais curvos, o deslocamento apical é superior para os instrumentos de aço inoxidável em comparação aos de NiTi. Isso pode ser atribuído à maior resistência à deformação elástica (menor flexibilidade) do instrumento de aço inoxidável, o qual durante a instrumentação tende a promover um maior desgaste das paredes dentinárias externas dos segmentos curvos de canais radiculares. Os instrumentos de NiTi por terem menor módulo de elasticidade são mais flexíveis, sendo assim deformados elasticamente com níveis inferiores de tensão e acompanham a curvatura do canal radicular durante a instrumentação. Com o advento de instrumentos de NiTi (manuais ou mecanizados), o diâmetro final de ampliação de canais radiculares no comprimento de trabalho tem sido proposto com diâmetros maiores do que os mencionados para instrumentos de aço inoxidável2,7,37,39,62,71,86,99,104. O grande diferencial entre um instrumento endodôntico de aço inoxidável e de NiTi é a flexibilidade.
A liga NiTi empregada na Endodontia apresenta pequeno módulo de elasticidade, cerca de 1/4 a 1/5 em relação a de aço inoxidável, e, em consequência, possui grande elasticidade (superelasticidade)54. A força necessária para flexionar um instrumento de NiTi de no 45 é equivalente à necessária para flexionar um instrumento de aço inoxidável de no 25 de igual desenho85. Essa maior elasticidade faz com que o instrumento de NiTi de maior diâmetro acompanhe com facilidade o segmento apical curvo de um canal radicular, reduzindo o deslocamento apical. A filosofia clínica de que diâmetros de preparos apicais devem ser mantidos o menor possível, em vez de maiores quanto necessários, parece ser fundamentada primariamente em opinião clínica62. Todavia, é preciso ressaltar que o diâmetro da ampliação do segmento apical não é ditado pelo profissional, mas está relacionado com a anatomia do canal, a forma e dimensão (geometria) do segmento radicular apical e as propriedades mecânicas da liga metálica do instrumento endodôntico empregado. Assim, devemos criteriosamente relacionar o diâmetro da raiz/diâmetro do instrumento empregado para evitar remoção excessiva de dentina. A ampliação de canais infectados ou não deve ser compatível com a anatomia radicular para evitar o enfraquecimento da estrutura dentária e a ocorrência de acidentes e complicações, como degraus e perfurações55,62,104. Diâmetros maiores de instrumentos endodônticos para a instrumentação de canais radiculares com segmentos apicais retos ou curvos: • Permitem um volume maior de solução química auxiliar dentro do canal durante o preparo químicomecânico. Para soluções químicas de uma mesma concentração, quanto maior o volume, maior será sua atividade solvente de tecido e antimicrobiana. • Favorecem o mecanismo de irrigação-aspiração. O maior diâmetro da instrumentação apical permite um maior avanço da agulha irrigadora em sentido apical. • Permitem o uso de um maior volume de medicação intracanal. Quanto maior o volume, maior será o tempo de atividade antimicrobiana do medicamento no interior de um canal radicular. • Favorecem a limpeza e a modelagem de um canal radicular. Quanto maior o diâmetro da instrumentação apical, maior a redução de tecidos e de microorganismos do interior de um canal radicular. • Facilitam a seleção do cone de guta-percha principal e a obturação de um canal radicular. Como na maioria das vezes, a seção reta transversal da instrumentação apical é circular, o que favorece a
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
seleção do cone principal de guta-percha e consequentemente permite um selamento da cavidade endodôntica satisfatório devido a uma maior compactação do material obturador no interior da cavidade pulpar, independentemente da técnica de obturação empregada. Os diâmetros dos instrumentos endodônticos sugeridos para o preparo apical estão fundamentados nos resultados das dimensões dos canais radiculares a 2mm do ápice anatômico de acordo com Wu et al.114.
457
O diâmetro em D0 do instrumento indicado deve ser maior do que o maior diâmetro do canal, para que o preparo ao nível do CT tenha a seção reta transversal à forma circular (Quadro 10-1). Para instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados, os de conicidade 0,06mm/mm são indicados para os canais retos, os de conicidade 0,04mm/mm para os de curvaturas suaves ou moderadas e os de conicidade 0,02mm/mm para os de curvaturas severas (Fig. 10-60A a I).
Quadro 10-1 Média dos diâmetros dos canais radiculares a 2mm do ápice anatômico e dos diâmetros em D0 sugeridos dos instrumentos endodônticos ISO – mm Dente
Vestibulolingual
Mesiodistal
Instrumentos
Central
0,47
0,36
55
Lateral
0,60
0,33
70
Canino
0,58
0,44
60
Canal V
0,40
0,31
45
Canal L
0,37
0,26
45
2o Pré-molar
0,63
0,41
70
Canal P
0,40
0,40
45
Canal MV
0,46
0,32
50
Canal MV secundário
0,31
0,16
35
Canal DV
0,33
0,25
40
Incisivos
0,52
0,25
55
Caninos
0,45
0,36
50
Pré-molares
0,40
0,32
45
Canal MV
0,42
0,26
45
Canal ML
0,44
0,24
50
Canal Distal
0,50
0,34
55
Superiores
1o Pré-molar
Molares
Inferiores
Molares
458
A
D
G
I
Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
B
C
E
F
H
Figura 10-60. Casos clínicos representativos do preparo realizado pelos conceitos descritos. A. Incisivo lateral superior. (Gentileza de Aires Pereira.) B. Incisivo lateral superior. (Gentileza de L. R. de Paula.) C. Canino superior. D. Molar inferior. (Gentileza de Aires Pereira.) E. Primeiro molar superior. F. Primeiro molar inferior. (Gentileza de V. Souza.) G. Primeiro molar inferior. (Gentileza L. Lyon.) H. Primeiro molar inferior. Não obtida patência. I. Primeiro molar inferior. Não obtida patência dos canais mesiais. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, JC Mucci.)
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
459
MANOBRAS ENDODÔNTICAS Manobras endodônticas são o conjunto de ações ou de movimentos empregados nas diferentes etapas da instrumentação de um canal radicular para alcançar um objetivo desejado.
Escalonamento Escalonamento é uma manobra onde os segmentos cervical e médio são instrumentados separadamente, ou seja, os instrumentos endodônticos são utilizados aquém do comprimento de trabalho de um canal radicular. É útil no preparo endodôntico de canais curvos e de dentes cujas raízes apresentam segmento apical afilado. Nesses casos, o emprego de instrumentos de maior diâmetro e menor flexibilidade, em toda a extensão do canal, pode causar uma instrumentação inadequada. O escalonamento também denominado de instrumentação escalonada pode ser realizado no sentido ápice-coroa (step-back) ou coroa-ápice (crown-down) do dente15,46,55,59,60. A instrumentação apical antecede o escalonamento ápice-coroa e, normalmente, precede o escalonamento coroa-ápice.
Escalonamento ápice-coroa Após a instrumentação apical, os instrumentos, em ordem crescente de diâmetro, são empregados a distâncias progressivamente menores do que o CT. É chamado de escalonamento com recuo programado ou telescópico quando a distância existente entre os instrumentos é constante e previamente determinada pelo profissional. Tal distância, geralmente, é fixada em 1mm. E é chamado de escalonamento com recuo anatômico quando essa distância é determinada pela anatomia do canal radicular e pela flexibilidade do instrumento (Fig. 10-61). No escalonamento com recuo programado, o instrumento seguinte da série nem sempre apresentará uma flexibilidade suficiente para atingir o ponto previamente determinado, e o esforço empregado para alcançar esse objetivo poderá determinar iatrogenia no preparo. É a adaptação do canal às propriedades mecânicas do instrumento. Por sua vez, no recuo anatômico, podemos afirmar que o instrumento endodôntico se adapta às condições da anatomia do canal radicular. Nesse caso, o recuo é ditado pela anatomia interna do canal e pela flexibilidade do instrumento. Assim, a distância entre um instrumento de diâmetro menor e outro de diâmetro imediatamente superior não é prefixada46.
Figura 10-61. Escalonamento ápice-coroa.
Escalonamento coroa-ápice Neste escalonamento, os instrumentos endodônticos, em ordem decrescente de diâmetro, avançam para o interior do canal no sentido coroa-ápice. Também pode ser executado com avanços programados ou determinados pela anatomia do canal radicular (Fig. 10-62). O escalonamento pode ser realizado com instrumentos acionados manualmente ou por dispositivos mecanizados. Para os primeiros, os movimentos podem ser de limagem e de alargamento parcial à direita, alargamento parcial alternado ou de alargamento e limagem. Para os mecanizados, o de alarga-
Figura 10-62. Escalonamento coroa-ápice.
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
mento parcial alternado ou contínuo. A forma final do preparo escalonado favorece a obturação do canal radicular. Também facilita a remoção parcial da obturação do canal para o recebimento de retentores intrarradiculares.
Patência do canal cementário É uma manobra que tem como objetivo a manutenção do canal cementário desobstruído durante a instrumentação do canal radicular. É obtida com instrumento de pequeno diâmetro (instrumento patente), durante toda a pré-instrumentação e mantida durante toda a instrumentação do canal radicular. Tendo o canal cementário a forma de um cone truncado com o maior diâmetro voltado para superfície externa da raiz, a ponta cônica do instrumento deve ser conduzida 0,5 a 1mm além da abertura foraminal. Essa manobra tem como objetivo manter patente o canal e favorecer a remoção de detritos pelo canal helicoidal do instrumento (Fig. 10-63). A patência é uma manobra justificada por motivos biológicos e mecânicos. Nos dentes despolpados, micro-organismos e tecido pulpar presentes na porção mais apical do canal radicular (zona crítica apical) devem ser reduzidos por meio da ação dos instrumentos endodônticos, da ação da solução química auxiliar e pela ação da irrigação/aspiração. A permanência desses irritantes em segmentos apicais não instrumentados representa a principal causa do fracasso da terapia endodôntica. Mesmo que a patência não elimine completamente os irritantes presentes na zona crítica apical devido à sua complexidade anatômica, esse procedimento causa um distúrbio ecológico da microbiota do canal radicular, que pode
Figura 10-63. Patência do canal cementário.
desequilibrar em favor dos mecanismos de defesa do hospedeiro, favorecendo o início dos mecanismos de reparação. Nos dentes vitais, apesar de o micro-organismo não assumir papel de destaque como nos dentes necrosados, a manutenção do coto pulpar (segmento tecidual frágil) durante o tratamento endodôntico constitui tarefa inexequível mecanicamente. Com isso, torna-se difícil saber se o tecido correspondente ao coto pulpar ficará necrosado ou normal frente aos procedimentos endodônticos. Por outro lado, a realização da patência do canal cementário, além de evitar a compactação de raspas de dentina na porção apical do canal, irá favorecer a reparação tecidual pós-tratamento por meio do tecido do ligamento periodontal, que tem melhor estrutura histológica para esse fim.
Desgaste anticurvatura É uma manobra realizada no segmento cervical de um canal radicular e consiste no desgaste direcionado às zonas volumosas da raiz, ou zonas de segurança, e distante das delgadas, ou zonas de risco, onde pode ocorrer adelgaçamento da parede dentinária, ou perfurações radiculares laterais (rasgos) (Fig. 10-64). Abou-Rass et al.1 descrevem e recomendam o uso da limagem anticurvatura para o preparo de canais curvos e atresiados. A instrumentação em anticurvatura atua em sentido oposto às áreas mais finas, tendendo a transportar o canal para as áreas mais volumosas (zona de segurança), fugindo, assim, da área de concavidade da raiz ou convexidade do canal (zona de risco). Tem como objetivo retificar o início do arco (segmento cur-
Figura 10-64. Desgaste anticurvatura.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
vo) e ampliar o segmento cervical para facilitar o avanço de instrumentos endodônticos no sentido apical do canal radicular. Num molar inferior, em sua raiz mesial, o desgaste maior será feito contra a parede mesial (oposta à furca). Na raiz distal, o desgaste maior será feito na parede distal. O desgaste anticurvatura pode ser realizado com instrumentos de aço inoxidável (tipo K ou H) e mecanizados, alargadores Largo e alargadores La Axxess. Os instrumentos tipo K ou H devem atuar por ação de limagem, e os mecanizados pelo desgaste de uma parede dentinária obtida pela pressão do instrumento em anticurvatura. Lopes e Costa47, após o alargamento do segmento cervical do canal com alargador Gates Glidden, empregam para o desgaste anticurvatura alargador Largo de igual número. Esse, ao ficar livre no interior do segmento preparado, pode ter sua haste de corte helicoidal cilíndrica direcionada contra a zona de segurança do canal radicular. Os alargadores Largo, por apresentarem maior resistência à fratura, maior superfície da haste de corte helicoidal e menor capacidade de deslocamento do corpo sob flexão do que os Gates Glidden, podem ser mais solicitados contra uma parede do canal radicular, determinando um desgaste dentinário seletivo. Os alargadores Gates Glidden devem ser usados para alargar o furo e jamais para direcionar o desgaste em direção a uma das paredes dentinárias do canal radicular. Diversos profissionais sugerem que os alargadores Gates Glidden devem ser empregados no desgaste anticurvatura de segmentos cervicais de canais radiculares. Afirmam que durante a tração no sentido coronário o alargador Gates Glidden deve ser pressionado lateral e simultaneamente acompanhado de um movimento de pincelamento, promovendo o desgaste anticurvatura de um canal radicular. Todavia, com esse procedimento o corpo do instrumento fica submetido a um carregamento por flexão rotativa que induz a fratura por fadiga do alargador Gates Glidden. Lim e Stock44 em 1987, analisando o risco de perfuração das raízes de molares inferiores durante a instrumentação, encontraram os seguintes valores: canal mesiovestibular – para a zona de risco, a média de espessura encontrada foi de 1,05 ± 0,33mm e, para a zona de segurança, a espessura média de 1,28 ± 0,23mm; canal mesiolingual – para a zona de risco, a espessura média de 1,05 ± 0,24mm e, para a zona de segurança, espessura média de 1,36 ± 0,20mm. Para os dois casos foi encontrada uma espessura média na zona de risco
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de 1,05 ± 0,28mm e, na zona de segurança, a espessura foi igual a 1,36 ± 0,24mm. Os instrumentos de NiTi, em razão do pequeno módulo de elasticidade da liga (superelasticidade), não são indicados para a realização do desgaste anticurvatura dos canais radiculares.
INSTRUMENTAÇÃO NÃO ESCALONADA Também conhecida como convencional, os instrumentos endodônticos são utilizados em ordem crescente de diâmetro em toda a extensão do CT, podendo ser ativados mediante movimento de alargamento parcial alternado ou contínuo. Essa instrumentação pode ser realizada com instrumentos endodônticos acionados manualmente, por dispositivos mecânicos ou pelo uso combinado desses. Os acionados manualmente são representados pelos instrumentos tipo K de aço inoxidável e de NiTi. Os instrumentos endodônticos acionados por dispositivos mecânicos são representados pelos sistemas de instrumentos de NiTi mecanizados. Após a pré-instrumentação, os instrumentos devem ser utilizados preferencialmente com o movimento de alargamento parcial alternado ou contínuo em todo o CT. O movimento de limagem deve ser evitado na instrumentação do segmento apical em razão da perda do controle do diâmetro e da forma da seção reta transversal do canal radicular. Durante a instrumentação, o canal deverá estar preenchido com a solução química auxiliar indicada para o caso clínico. A cada novo instrumento a solução química deve ser renovada pela irrigação-aspiração e a patência do canal mantida. Essa técnica é indicada para a instrumentação de canais radiculares amplos e também como parte da técnica combinada na instrumentação do segmento apical de canais radiculares retilíneos e curvilíneos (Fig. 10-65).
Figura 10-65. Instrumentação não escalonada.
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
INSTRUMENTAÇÃO ESCALONADA Movimentos contínuos de rotação alternada (MRA) para canais atresiados e/ou curvos. Descrição sumária89 Instrumentos endodônticos utilizados: tipo K de NiTi Acionamento dos instrumentos: manual Dinâmica: a dinâmica MRA é utilizada apenas durante a execução do preparo apical e envolve os seguintes passos: o instrumento é introduzido no canal até encontrar ligeira resistência das paredes dentinárias. Nesse ponto realiza-se uma rotação no sentido horário de cerca de 1/3 (120º) de volta. Em seguida, realiza-se uma rotação de mesma amplitude no sentido anti-horário, ao mesmo tempo em que se emprega uma leve pressão apical, impedindo que o instrumento retroceda. Esses procedimentos permitem o corte por arrancamento da dentina das paredes do canal. Tais movimentos são repetidos continuamente, com avanço apical, até que o instrumento alcance o comprimento desejado, sendo mantidos por alguns segundos nessa medida sem removê-lo da posição. O instrumento é retrocedido no máximo 2 a 3mm e conduzido novamente ao comprimento desejado, em sentido apical, sempre se realizando movimentos rotacionais alternados de forma contínua. Em outras palavras, o instrumento faz o vaivém no canal, sempre girando alternadamente nos sentidos horário e anti-horário, até quando se encontrar ligeiramente frouxo. Esse movimento tem como objetivo favorecer a liberação do instrumento das paredes do canal e a penetração da substância química auxiliar no segmento apical do canal.
Exemplo de sequência técnica 1. Acesso e preparo da câmara pulpar 2. Exploração K no 8, no 10 (CDR) 3. Acesso radicular NiTi nos 15, 20, 25, 30, 35, 40 (até encontrar resistência) Alargadores Gates-Glidden 2 e 3 ou LA Axxess no 1 (até encontrar resistência) 4. Odontometria NiTi no 15 (CDR) RX CPC = 22mm CT = 21mm 5. Patência do Canal Cementário NiTi no 15 (CPC = 22mm) NiTi no 20 (CPC =22mm) 6. Preparo apical NiTi no 25 (CT = 21mm) NiTi no 20 (CPC = 22mm – patência do canal cementário)
NiTi no 30 (CT = 21mm) NiTi no 20 (CPC = 22mm – patência do canal cementário) NiTi no 35 (CT = 21mm) NiTi no 20 (CP = 22mm – patência do canal cementário) 7. Escalonamento ápice-coroa 20mm NiTi no 40 Patência do canal cementário – 22mm (CPC) NiTi no 15 19mm NiTi no 45 Patência do canal cementário – 22mm (CPC) NiTi no 15 18mm NiTi no 50 Patência do canal cementário – 22mm (CPC) NiTi no 15 17mm NiTi no 55 Recapitulação – 21mm (CT) NiTi no 35 Patência do canal cementário – 22mm (CPC) NiTi no 20
Instrumentação escalonada coroa-ápice proposta para canais atresiados retilíneos e/ou curvilíneos. Descrição sumária Pré-instrumentação Instrumentos endodônticos utilizados: tipo K ou especiais de aço inoxidável Acionamento dos instrumentos: manual • Localização dos canais radiculares – sonda clínica com ponta reta e extremidade pontiaguda • Cateterismo inicial – instrumento tipo K ou especial (C+File, C Pilot) de aço inoxidável nos 8 e/ou 10 de 18 ou 21mm (movimento de alargamento parcial à direita) • Alargamento cervical inicial – Instrumento tipo K de aço inoxidável 30 e 35 de 21mm (movimento de alargamento parcial à direita) • Cateterismo final até a distância predeterminada – Instrumento tipo K ou especial de aço inoxidável nos 8 e/ou 10 (movimento de alargamento parcial à direita) – Determinação do CPC e CT • Preparo apical inicial até o CPC (leito do canal) – instrumento tipo K ou especial de aço inoxidável nos 10 e 15 (movimento de alargamento parcial à direita)
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Instrumentação Instrumentos endodônticos utilizados: alargadores Gates Glidden e Largo; instrumento tipo K de aço inoxidável e de NiTi. Acionamento dos instrumentos: tipo K, manualmente ou por dispositivos mecânicos; alargadores Gates Glidden e Largo por dispositivo mecânico. • Segmento cervical até 2/3 do corpo do canal – Gates Glidden 3 e 2 ou 2 e 3 (movimento de alargamento contínuo) – Largo 1 ou 2, desgaste anticurvatura ou para a incorporação do contorno original de um canal achatado, no circuito de corte (movimento circundante com pressão lateral) – checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15, acionado manualmente a cada instrumento empregado na instrumentação apical • Segmento intermediário até o término do corpo do canal – instrumentos K de aço inoxidável seção transversal triangular com curva de transição nos 45, 40 e 35 com movimento de alargamento parcial alternado obtido manualmente ou por dispositivo mecânico – checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15 acionado manualmente a cada instrumento empregado na instrumentação apical • Segmento apical até o CT de canais atresiados curvilíneos – instrumento K de aço inoxidável, triangular com curva de transição nos 20, 25, 30 com movimento de alargamento parcial alternado obtido manualmente ou por dispositivo mecânico – checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15, acionado manualmente a cada instrumento empregado na instrumentação apical – instrumento K de NiTi nos 35, 40, 45 e/ou 50 com movimento de alargamento parcial alternado obtido manualmente ou por dispositivo mecânico – checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15, acionado manualmente a cada instrumento empregado na instrumentação apical • Segmento apical até o CT de canais atresiados retilíneos – instrumentos K de aço inoxidável triangular com curva de transição nos 20, 25, 30, 35 e 40 com mo-
463
vimento de alargamento parcial alternado obtido manualmente ou por dispositivo mecânico Refinamento do corpo do canal • lima tipo H ou instrumento K de aço inoxidável nos 35 e/ou 40 com movimento de limagem circundante obtido manualmente • checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15, acionado manualmente. É preciso ressaltar que o preparo químico-mecânico de canais radiculares é um procedimento dinâmico, podendo as etapas e manobras de instrumentação ser repetidas até que se atinjam os objetivos planejados. Para canais amplos as etapas e manobras de instrumentação poderão sofrer alterações quanto à sequência mencionada. Os diâmetros dos instrumentos serão selecionados em função do diâmetro do canal radicular a ser instrumentado. Durante a instrumentação de um canal radicular checamos a patência do canal cementário e realizamos a irrigação-aspiração seguida da inundação da cavidade pulpar a cada sequência de emprego de um mesmo instrumento e a cada mudança de instrumento. Esses procedimentos têm como objetivo manter o canal cementário desobstruído, remover os detritos mantidos em suspensão no interior do canal radicular e permitir a renovação da solução química auxiliar da instrumentação (Fig. 10-66A a D).
Instrumentos mecanizados empregados na instrumentação de canais radiculares Na Endodontia é considerada equivocadamente como técnica mecanizada ou acionada a motor a instrumentação de canais radiculares por meio do movimento de alargamento contínuo obtido por dispositivos mecânicos. Todavia, o uso de instrumentos acionados por dispositivos mecânicos com o movimento de alargamento parcial alternado também seria uma técnica mecanizada, assim como o emprego de alargadores Gates Glidden, Largo e La Axxess. Portanto, podemos afirmar não existir técnica mecanizada, mas sim o emprego de instrumentos mecanizados nas técnicas de instrumentação, não escalonada, escalonada ou combinada de canais radiculares. Buscando diminuir o tempo de trabalho requerido e simplificar a instrumentação de canais radiculares, vários instrumentos e peças mecanizadas ao longo do tempo têm sido propostos17,18,30,34,49,79,80. Todavia, o
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
A
B
C
Figura 10-66. Casos clínicos realizados pela instrumentação proposta. A. Molar inferior. B. Molar superior. C. Pré-molar inferior. D. Molar inferior. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, JC Mucci.)
problema principal do emprego de instrumentos mecanizados por meio de alargamento contínuo de canais radiculares curvos está relacionado com a flexibilidade dos instrumentos endodônticos empregados. A movimentação por meio de alargamento contínuo de um instrumento endodôntico de aço inoxidável em um canal curvo, estando ele em regime de deformação plástica (dobrado), induz carregamentos combinados de dobramento alternado e de torção. A continuidade desses carregamentos induz a fratura do instrumento e/ou a deformação das paredes do canal. Para evitar esses carregamentos em um instrumento, estando ele em rotação contínua no interior de um canal radicular curvo, devemos empregá-lo em regime de deformação elástica e jamais em regime de deformação plástica. Avanços tecnológicos têm permitido a confecção de instrumentos endodônticos com novas ligas, como as de
D
níquel-titânio. Essa liga confere aos instrumentos endodônticos grande flexibilidade e resistência à deformação plástica. Se fracassaram as tentativas de se acionarem por dispositivos mecânicos instrumentos endodônticos de aço inoxidável, com o advento da liga NiTi isso se tornou uma realidade. Porém, na região de flexão de um instrumento em rotação contínua, são geradas tensões que variam alternadamente entre tração e compressão. Essas tensões, dependendo da velocidade de giro, do raio de curvatura, do comprimento do arco do canal e do diâmetro do instrumento, podem após um pequeno tempo de uso levá-lo à fratura por fadiga de baixo ciclo (ver Capítulo 11, Fratura dos instrumentos endodônticos). Instrumentos de aço inoxidável acionados por dispositivos mecânicos em canais curvos resistem a um pequeno número de ciclos até a fratura por fadiga. Já ao contrário, os instrumentos de NiTi resistem a um maior número de ciclos até ocorrer a fratura por fadiga.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Os instrumentos de NiTi mecanizados, independentemente da marca comercial, são projetados para ser utilizados com movimento de alargamento contínuo à direita obtido por micromotores a ar ou por motores elétricos possuidores de dispositivos mecânicos-elétricos que permitem uma baixa velocidade (250 a 350rpm) e torque de 0,6 a 5 Newton × centímetro (N.cm). O torque e a baixa velocidade de rotação permitem a aplicação de uma força, com intensidade suficiente para os instrumentos vencerem a resistência ao corte das paredes dentinárias. Os micromotores acionados a ar, em razão da variação de pressão do compressor, conferem aos instrumentos endodônticos uma velocidade de rotação oscilante. O torque utilizado é fixo. Os motores elétricos mantêm constante a velocidade de rotação e possuem diferentes valores de torque. Diversos fabricantes propõem motores elétricos com diferentes valores de velocidade e de torque. Esses valores são programados pelo operador ou preestabelecidos pelo fabricante. Nos motores de torque programados pelo operador o valor selecionado deve ficar aquém do limite de resistência à fratura por torção do instrumento empregado. Nesse caso, é imprescindível conhecer o valor do torque máximo de fratura do instrumento empregado. Assim, quando ocorrer a imobilização do instrumento acionado a motor no interior do canal radicular e o carregamento atingir o torque programado, o giro do motor é interrompido. Sendo o torque programado pelo operador inferior ao limite de resistência à fratura por torção do instrumento, são evitadas a sobrecarga e a sua fratura. Outros aparelhos oferecem torques preestabelecidos pelo fabricante. Nesses, quando o carregamento aplicado atingir o valor preestabelecido, o giro do instrumento é interrompido automaticamente. Se o valor preestabelecido pelo fabricante for inferior ao limite de resistência à fratura por torção do instrumento empregado, evita-se a ruptura do instrumento. Em muitos motores, após a interrupção do giro à direita, o movimento rotatório é revertido à esquerda. A seleção de um torque programado ou preestabelecido, aquém do limite de resistência à fratura por torção, é difícil de ser obtida por diversas razões: • O operador deve conhecer o valor provável do torque que induziu a fratura de cada instrumento endodôntico empregado. Todavia, esses valores não são informados pelos fabricantes. • O torque é uma grandeza relacionada com o raio. Assim, o torque máximo de fratura de um instru-
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mento endodôntico é variável ao longo de sua haste de corte helicoidal cônica. Portanto, depende do diâmetro da haste de corte helicoidal cônica próximo ao ponto de imobilização do instrumento no interior do canal radicular. • As variações acentuadas entre os diâmetros reais e os nominais propostos, assim como os defeitos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e microcavidades) existentes nos instrumentos endodônticos, funcionam como pontos concentradores de tensão, podendo levá-los a uma fratura prematura com níveis de torques abaixo dos previsíveis. Não se pode negar que equipamentos com torques programados ou pré-selecionados para cada instrumento endodôntico são um avanço tecnológico. Todavia, em função do exposto, o melhor recurso para reduzir a ocorrência de fratura por torção de instrumentos endodônticos mecanizados é sem dúvida mantê-los não imobilizados durante a instrumentação do canal radicular, o que é alcançado com conhecimento da geometria dos instrumentos, dos princípios da instrumentação mecanizada e com a habilidade e experiência do profissional.
Dispositivos mecânicos X-SMART – características técnicas • Funciona na eletricidade ou com baterias • Tempo de recarga da bateria: aproximadamente 5 horas • Tempo de uso com bateria: aproximadamente 2 horas • Acompanha um contra-ângulo redutor de 16:1 • Funciona com ou sem pedal • Compatível com todos os sistemas de instrumentos mecanizados • Peça de mão com botão liga-desliga. Peso da peça de mão de 92g • Tela de cristal líquido • Autorreverso de giro • Escala de velocidades para contra-ângulo redutor de 16:1. Velocidades de saída: 120 a 800rpm • Escala de torque: 0,6 a 5,2 N.cm com 9 torques preestabelecidos • Fabricante: Dentsply, Maillefer, Suíça (Fig. 10-67).
ENDO-MAX – características técnicas • Painel visual com display numérico para demonstração da rotação do instrumento • Led indicador do programa para instrumento tipo K ou mecanizado
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Figura 10-67. Motor elétrico X-SMART.
• Relação entre o torque e a velocidade de rotação Rpm
200
240
280
320
360
400
N.cm
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
• Alteração de torque de aproximadamente 30% do torque preestabelecido pode ser feita no pedal, durante a instrumentação, sem alterar a rotação estabelecida • Reversão da rotação • Acionamento do motor por meio de botões específicos no pedal • Conjunto de contracabeça padrão NSK (Japão) com sistema de fixação ao corpo da peça de mão com giro de 360° • Circuito chaveado automático para 127/220V (AC) • Distribuidor no Brasil: Adiel Comercial Ltda, Ribeirão Preto, São Paulo (Fig. 10-68).
Figura 10-68. Motor elétrico Endo-Max.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Contra-ângulo NiTi control É fabricado pela Anthogyr (França) e dispensa o uso de motor elétrico. É acoplado a micromotores pneumáticos detentores do sistema Intro. Possui redução de velocidade na ordem de 64:1. A velocidade e o emprego devem ser de 300 a 350rpm. Possuem quatro níveis diferentes de torque (N cm): 0,7, 1,4, 2,3 e 4,5 (Fig. 10-69). Os instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados são encontrados no comércio como sistemas constituídos de limas (alargadores apicais) e de alargadores cervicais. São considerados alargadores helicoidais cônicos, uma vez que executam o movimento de alargamento de um furo. Para um instrumento exercer a ação de alargamento é necessário que o diâmetro do instrumento seja maior do que o diâmetro do furo. São fabricados com diferentes conicidades e comprimentos. Os instrumentos mecanizados denominados alargadores apicais são usados na instrumentação dos segmentos médio e apical do canal radicular. A conicidade desses instrumentos não deve ser superior a 0,06mm/ mm para proporcionar a esses uma flexibilidade capaz de percorrer e alargar um canal radicular curvo sem provocar iatrogenias. Os alargadores cervicais são usados na instrumentação cervical do canal radicular. Como a finalida-
467
de desses instrumentos é alargar a região cervical do canal radicular, a sua conicidade deve ser maior do que a dos alargadores apicais e o diâmetro em D0 pequeno. Os alargadores cervicais devem apresentar conicidades de 0,08, 0,10 e 0,12mm/mm e diâmetro em D0 não superior a 0,25mm. A porção da haste helicoidal de maior diâmetro tem por finalidade alargar a região cervical, e a de diâmetro menor servir de guia durante a instrumentação do canal radicular. A função de guia tem como objetivo principal evitar a perda da trajetória de canais atresiados e curvos (ver Capítulo 9, Instrumentos endodônticos). A modelagem de um canal radicular, independentemente do sistema de instrumentos empregados, deverá ser obtida por meio da instrumentação coroaápice. É a instrumentação de referência e o único método possível de instrumentar um canal com instrumentos mecanizados61. É recomendado o uso de instrumentos endodônticos tipo K acionados manualmente no preparo do leito do canal (glide path) precedendo o emprego de instrumentos acionados por dispositivos mecânicos70. É preciso ressaltar que o preparo químico mecânico dos canais radiculares é um procedimento dinâmico, podendo as etapas e manobras de instrumentação ser repetidas até serem atingidos os objetivos desejados. O diâmetro dos instrumentos deve variar em função da anatomia do canal e da morfologia radicular.
Figura 10-69. Contra-ângulo especial.
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Princípios gerais • Jamais usar instrumentos de NiTi mecanizados em um canal radicular que não tenha sido precedido por uma pré-instrumentação manual que tem como objetivo a determinação do comprimento de patência, de trabalho, assim como a regularização e a criação do leito do canal radicular. • Entrar e sair do canal com o instrumento acionado com giro à direita. Devido ao fato de o coeficiente da força de atrito estática ser maior que a dinâmica, os instrumentos de NiTi mecanizados devem ser introduzidos girando no interior do canal radicular. Se os instrumentos estiverem parados e adaptados no interior do canal radicular, ao se iniciar a rotação, é gerado um torque maior e, em consequência, maiores tensões são aplicadas no instrumento, as quais podem ultrapassar a resistência ao cisalhamento do material, induzindo sua fratura por torção. • Dilatação prévia do segmento cervical. Esse procedimento permite que o instrumento de menor diâmetro empregado na instrumentação dos segmentos médio e apical do canal fique submetido a um menor carregamento, o que diminui o esforço de corte, a possibilidade de imobilização e de sua fratura por torção. • A instrumentação do canal radicular deve ser executada no sentido coroa-ápice. O objetivo da técnica coroa-ápice é a eliminação de interferências do segmento cervical e do segmento médio, iniciando-se a instrumentação pelo segmento cervical do canal radicular e, desse modo, atingindo-se os últimos milímetros apicais (segmento apical) em melhores condições possíveis, reduzindo iatrogenias do preparo e minimizando a fratura por torção dos instrumentos de NiTi mecanizados. • A ação dos instrumentos é de alargamento contínuo, realizando-se os avanços de 1 a 3mm em sentido apical, intercalados por retiradas. Irrigações-aspirações frequentes e a manutenção dos canais preenchidos com soluções químicas, como hipoclorito de sódio, são indispensáveis para permitir a lubrificação durante o alargamento. Avanços maiores aumentam a força de atrito do instrumento contra as paredes do canal, havendo aumento na resistência de corte da parede dentinária, o que poderá promover a imobilização da ponta do instrumento e induzir carregamentos superiores ao seu limite de resistência à fratura por torção. • O carregamento axial aplicado ao instrumento deve ser o suficiente para promover o avanço de 1
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a 3mm em sentido apical, intercalado por retiradas. Se maior resistência for encontrada, parar imediatamente e alargar o canal, com instrumento acionado manualmente tipo K de aço inoxidável, antes de prosseguir com a instrumentação mecanizada. Carregamentos maiores, na tentativa de promover o avanço do instrumento, podem provocar a sua flambagem, levando-o à fratura por fadiga de baixo ciclo. Se durante a instrumentação coroa-ápice o instrumento mecanizado, de diâmetro proposto, não atingir o comprimento de trabalho na primeira tentativa, repetir a sequência de instrumentos usados no escalonamento até ser alcançado o limite apical desejado. A repetição da sequência permite uniformidade no alargamento do corpo do canal e favorece o avanço de instrumentos de menores diâmetros. Se esse objetivo não for alcançado, realizar o procedimento com instrumentos tipo K de aço inoxidável ou de NiTi acionados manualmente. Se o instrumento mecanizado travar junto às paredes dentinárias, liberá-lo da peça de mão e retirá-lo do canal radicular de preferência por tração. Outra maneira é acionar o reverso do motor elétrico. Após o emprego do instrumento, examiná-lo cuidadosamente para verificar a existência de distorções (deformação plástica) ou qualquer irregularidade na sua haste de corte helicoidal cônica. A existência desses defeitos indica que o instrumento deve ser descartado. Os defeitos ocorrem porque o avanço acentuado do instrumento em sentido apical, sem alargar o canal, reduz a velocidade de rotação da extremidade do instrumento em relação à de sua haste de fixação e acionamento e ocasiona a distorção do passo das hélices (velocidade de avanço maior do que a de corte). Os instrumentos de NiTi mecanizados devem ser descartados após o primeiro uso. Deve-se ressaltar que a falha por fadiga do instrumento ocorre devido ao número de ciclos (velocidade × tempo de uso) e não pelo número de vezes de emprego. Todavia, devido à dificuldade técnica de se controlar o número de ciclos de um instrumento endodôntico, em função de variações do raio de curvatura e do comprimento do arco de um canal curvo, o critério de descarte adotado é de emprego único. Após o alargamento, não deixar o instrumento em rotação no segmento curvo do canal. A repetição cíclica de compressão e tração na mesma área do instrumento diminui a sua vida útil, antecipando a fratura por fadiga de baixo ciclo.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Intrumentação escalonada por meio de instrumentos mecanizados A instrumentação de um canal radicular por meio de instrumentos endodônticos ativados por alargamento contínuo gerado por contra-ângulos acoplados em motores elétricos ou pneumáticos será iniciada após a pré-instrumentação realizada manualmente, a qual tem como objetivo a eliminação de interferências anatômicas buscando a determinação dos comprimentos de patência e de trabalho, assim como a criação do leito do canal radicular. De posse do CT, o canal radicular será dividido em segmentos. O segmento apical corresponde aos 3mm finais de um canal radicular a partir do vértice radiográfico do dente. Dois terços do comprimento do corpo correspondem ao segmento cervical, enquanto o outro terço corresponde ao segmento intermediário do canal radicular. A instrumentação do corpo do canal (segmento cervical e médio) é realizada no sentido coroa-ápice do dente, enquanto a instrumentação do segmento apical é realizada em ordem crescente de diâmetro em toda a extensão do comprimento de trabalho do canal radicular.
Instrumentação do segmento cervical O segmento cervical é representado por 2/3 do comprimento do corpo do canal, a partir de um ponto de referência situado na coroa dentária. A instrumentação do segmento cervical tem como objetivo ampliar o diâmetro na região cervical do canal para facilitar o acesso dos segmentos médio e apical do canal radicular. É realizada com alargadores cervicais de NiTi. Devem entrar e sair do canal acionados com giro à direita, imprimindo-se-lhe suave pressão em sentido apical. A ação do instrumento é de alargamento contínuo, realizando-se avanços de 1 a 3mm em sentido apical intercalados por retiradas. Para instrumentos de diâmetros menores o avanço será menor. Devem ser empregados em ordem decrescente de diâmetros e/ou de conicidades. Quando necessário o desgaste anticurvatura do segmento cervical de um canal radicular, os instrumentos empregados devem ser os alargadores de aço inoxidável Largo ou La Axxess.
Instrumentação do segmento médio Etapa realizada com alargadores apicais de NiTi mecanizados no sentido coroa-ápice. Devem entrar e sair do canal acionados com giro à direita, imprimindo-se-lhe suave pressão em sentido apical. A ação do instrumento
469
é de alargamento contínuo, realizando-se avanços de 1 a 3mm em sentido apical intercalados por retiradas. Para instrumentos de diâmetros menores o avanço será menor. Devem ser empregados em ordem decrescente de diâmetro e de conicidades até o início do segmento apical. Para canais muito curvos, em razão da retificação do arco, é aconselhável a confirmação do CT em relação ao obtido anteriormente. Tem como objetivo eliminar interferências anatômicas do segmento médio para facilitar a instrumentação do segmento apical do canal radicular.
Instrumentação do segmento apical Essa etapa consiste na instrumentação do canal radicular até o limite apical determinado pelo comprimento de trabalho. Utilizam-se em sequências os alargadores apicais de NiTi mecanizados em ordem crescente de diâmetros e conicidades. A ação do instrumento é de alargamento contínuo. Quanto mais acentuada a curvatura do canal (menor raio), menor deverá ser a conicidade do instrumento empregado. Esse procedimento tem como objetivo minimizar a fratura do instrumento por flexão rotativa (fadiga de baixo ciclo). Aparelhos sônicos e ultrassônicos poderão ser empregados para promover a limpeza das áreas não instrumentadas dos segmentos achatados do corpo de um canal radicular. Em qualquer das etapas e manobras da instrumentação proposta, a cada novo instrumento a solução química deve ser renovada e a patência do canal mantida.
Sequência de intrumentação proposta. Descrição sumária de instrumentação Pré-instrumentação Instrumentos endodônticos utilizados: tipo K ou especiais de aço inoxidável Acionamento dos instrumentos: manual • Localização dos canais radiculares – sonda clínica com ponta reta e extremidade pontiaguda • Cateterismo inicial – instrumento tipo K ou especiais (C+File, C Pilot) de aço inoxidável nos 8 e/ou 10 de 18 ou 21mm (movimento de alargamento parcial à direita) • Alargamento cervical inicial – Instrumento tipo K de aço inoxidável nos 30 e 35 de 21mm (movimento de alargamento parcial à direita)
470
Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
• Cateterismo final até a distância predeterminada – Instrumento tipo K ou especiais de aço inoxidavel nos 8 e/ou 10 (movimento de alargamento parcial à direita) – Determinação do CPC e CT • Preparo apical inicial até o CPC (leito do canal) – instrumento tipo K ou especial de aço inoxidável nos 10 e 15 (movimento de alargamento parcial à direita)
Instrumentação Instrumentos endodônticos utilizados: sistemas de instrumentos de NiTi (alargadores cervicais e apicais) e instrumento tipo K de aço inoxidável. Acionamento dos instrumentos: alargadores cervicais e apicais por meio de dispositivos mecânicos; instrumentos tipo K manualmente. • Segmento cervical até 2/3 do corpo do canal – Alargadores cervicais de NiTi nos 25/0,08 e 25/0,10 com movimento de alargamento contínuo – Checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15 acionado ma-
nualmente a cada instrumento empregado na instrumentação apical • Segmento intermediário até o término do corpo do canal – Alargadores apicais de NiTi nos 40, 35 e 30 de conicidade 0,04mm/mm com movimento de alargamento contínuo. – Checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15 acionado manualmente a cada instrumento empregado na instrumentação apical • Segmento apical até o CT – Alargadores apicais de NiTi nos 20 a 40 e/ou 45 de conicidades 0,06mm/mm para canais retos; 0,04mm/mm para canais com curvaturas suaves ou moderadas e 0,02mm/mm para canais com curvaturas severas por meio do movimento de alargamento contínuo. – Checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15 acionado manualmente a cada instrumento empregado na instrumentação apical (Fig. 10-70A a D).
A
B
C
D
Figura 10-70. Casos clínicos realizados pela instrumentação proposta. A. Molares inferiores. B. Molar inferior. C. Molar inferior. D. Molar superior. (Gentileza do TCel Dent. Ex Chiesa.)
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Sistema ProTaper universal. Descrição sumária de instrumentação Pré-instrumentação Instrumentos endodônticos utilizados: tipo K ou especiais de aço inoxidável Acionamento dos instrumentos: manual • Localização dos canais radiculares – sonda clínica com ponta reta e extremidade pontiaguda • Cateterismo inicial – instrumento tipo K ou especiais (C+File, C Pilot) de aço inoxidável nos 8 e/ou 10 de 18 ou 21mm (movimento de alargamento parcial à direita) • Alargamento cervical inicial – Instrumento tipo K de aço inoxidável nos 8, 30 e 35 de 21mm (movimento de alargamento parcial à direita) • Cateterismo final até a distância predeterminada – Instrumento tipo K ou especiais de aço inoxidavel nos 8 e/ou 10 (movimento de alargamento parcial à direita) – Determinação do CPC e CT • Preparo apical inicial até o CPC (leito do canal) – instrumento tipo K ou especial de aço inoxidável nos 10 e 15 (movimento de alargamento parcial à direita)
Instrumentação Instrumentos endodônticos utilizados: sistema ProTaper Universal (modeladores e de acabamento) e instrumentos tipo K. Acionamento dos instrumentos: ProTaper Universal por meio de dispositivos mecânicos ou manualmente; instrumentos tipo K manualmente. • Instrumento modelador S1 até o CT – Checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15 acionado manualmente. • Instrumento modelador S2 até o CT – Checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15 acionado manualmente. • Instrumento de acabamento F1 até o CT – Checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15 acionado manualmente. • Instrumentos de acabamento F2, F3, F4 e F5 até o CT de acordo com o diâmetro segmento apical do canal radicular
471
– Checar a patência do canal cementário com instrumento K de aço inoxidável no 15 acionado manualmente a cada instrumento de acabamento empregado. A sequência de instrumentos propostos é a mesma para ProTaper Universal versão manual ou mecanizada. Os instrumentos modeladores S1 e S2 em função das conicidades de suas hastes de corte helicoidais ao serem empregados até o CT realizam automaticamente o escalonamento coroa-ápice dos segmentos cervical e médio do canal radicular. Esse procedimento promove uma conicidade uniforme dos segmentos cervical e médio e reduz o tempo gasto em comparação ao escalonamento convencional. A instrumentação do segmento apical é realizada em ordem crescente de diâmetro em D0 dos instrumentos de acabamento (F1, F2, F3, F4 e F5). Ao alcançarem o CT, os instrumentos devem ser retirados imediatamente do canal radicular. Para canais com severas curvaturas apicais, a instrumentação apical deve ser executada com instrumentos acionados manualmente. O diâmetro do instrumento de acabamento será selecionado em função do diâmetro anatômico do canal radicular a ser instrumentado. Durante a instrumentação de um canal radicular conferimos a patência do canal cementário e realizamos a irrigação-aspiração seguida da inundação da cavidade pulpar a cada sequência de emprego de um mesmo instrumento e a cada mudança de instrumento.
Instrumentos BioRace. Descrição sumária de instrumentação Pré-instrumentação Realizada conforme já descrito.
Instrumentação A sequência BioRace é baseada no princípio de que todos os instrumentos empregados na instrumentação alcancem o CT do canal radicular. Os instrumentos são acionados por dispositivos mecânicos. A velocidade de rotação para obtenção do movimento de alargamento contínuo é de 500-600rpm. • Segmento cervical – instrumentos BRO de número ISO 25, conicidade 0,08mm/mm e comprimento útil de 19mm. A instrumentação deve ser realizada em quatro ciclos de pequenos avanços e retrocesso até 4 a 6mm
472
Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
da embocadura do canal radicular em sentido apical. – checar a patência do canal cementário com instrumento tipo K de aço inoxidável no 15 acionado manualmente. • Instrumentação apical até o CT A instrumentação deve ser realizada em quatro ciclos de avanços e retrocessos de 1 a 3mm até atingir o CT – Instrumento BR1 no 15, conicidade 0,05mm/mm e comprimento útil de 25mm. – Instrumento BR2 no 25, conicidade 0,04mm/mm e comprimento útil de 25mm. – Instrumento BR3 no 25, conicidade 0,06mm/mm e comprimento útil de 25mm. – Instrumento BR4 no 35, conicidade 0,04mm/mm e comprimento útil de 25mm. – Instrumento BR5 no 40, conicidade 0,04mm/mm e comprimento útil de 25mm. Para canais radiculares amplos, a instrumentação apical até o CT deve ser ampliada empregando-se os instrumentos BioRace BR6 e BR7. – Instrumento BR6 no 50, conicidade 0,04 mm/mm e comprimento útil de 25mm. – Instrumento BR7 no 60, conicidade 0,02 mm/mm e comprimento útil de 25mm. Para canais radiculares com curvaturas severas, o instrumento Bio Race BR3 (25/0,06) não deve alcançar o CT. A seguir serão empregados os instrumentos BR4C e BR5C até o CT. – Instrumento BR4C no 35, conicidade 0,02mm/mm e comprimento útil de 25mm. – Instrumento BR5C no 40, conicidade 0,02mm/mm e comprimento útil de 25mm. – a cada novo instrumento a solução química deve ser renovada e a patência do canal cementário mantida com instrumento K de aço inoxidável no 15 acionado manualmente. • Refinamento do corpo do canal. – lima tipo H ou instrumento K de aço inoxidável nos 35 e/ou 40 com movimento de limagem circundante obtido manualmente aplicado nos segmentos achatados do corpo de um canal radicular. Outra opção é o emprego de aparelhos sônicos e ultrassônicos para promoverem a limpeza das áreas não instrumentadas dos segmentos achatados do corpo de um canal radicular. É preciso ressaltar que o preparo químico-mecânico dos canais radiculares é um procedimento dinâmico, podendo as etapas e manobras de instrumentação
ser repetidas até que sejam atingidos os objetivos planejados. Para os canais amplos, as etapas e manobras de instrumentação poderão sofrer alterações quanto à sequência mencionada. Os diâmetros dos instrumentos serão selecionados em função do diâmetro anatômico do canal radicular a ser instrumentado.
Considerações gerais Abordaremos, a seguir, algumas vantagens e desvantagens do emprego de instrumentos mecanizados na instrumentação de canais radiculares.
Vantagens Tempo de instrumentação A instrumentação é considerada a etapa mais importante do preparo químico-mecânico e, para sua execução, certamente mais tempo é consumido. As sequências propostas de instrumentos, além dos objetivos principais de limpeza, ampliação e modelagem do canal radicular, buscam diminuir o tempo e o esforço físico despendidos na instrumentação. O tempo consumido na execução de qualquer procedimento é um fator importante de custo operacional, influenciando, assim, a escolha de instrumentais, materiais e técnicas a serem usados no tratamento endodôntico. Trabalhos existentes na literatura consultada revelam que o preparo de canais radiculares com instrumentos de NiTi mecanizados é significativamente mais rápido do que o com instrumentos acionados manualmente34,69,86. Vale ressaltar que os instrumentos mecanizados promovem a ação de alargamento contínuo, girando em seu eixo com velocidade (movimento de corte) maior do que a obtida rotacionando os instrumentos manualmente. Entretanto, o profissional não deve estar comprometido com o tempo, mas sim com o resultado observado por meio da prosservação do tratamento endodôntico realizado.
Forma de preparo Em função da maior conicidade e ação de alargamento dos instrumentos mecanizados, a forma final da instrumentação de um canal radicular é cônica centrada, e de seção reta transversal circular desde que o diâmetro dos instrumentos seja maior do que o diâmetro do canal3,17,18,25,34 (Fig. 10-71). Os instrumentos endodônticos de conicidades maiores apresentam volumes de suas hastes de corte helicoidais maiores do que os de conicidades ISO (0,02mm/mm). Consequentemente, aqueles durante
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
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Quadro 10-2 Dimensões e volumes da parte de trabalho (vol) dos instrumentos ISO com conicidade 0,02mm/mm No
Figura 10-71. Forma do preparo. Cônica centrada. Seção reta transversal circular.
a instrumentação removem uma maior quantidade de dentina das paredes do canal radicular, proporcionando uma ampliação mais acentuada do canal radicular. Uma ampliação maior do canal radicular resulta em uma limpeza e modelagem melhor do que uma ampliação menor (Quadros 10-2 e 10-3)50. Quanto à forma da seção reta transversal do canal, essa será circular e de corte regular, desde que o diâmetro do instrumento empregado seja maior do que o diâmetro do canal radicular. Nessa circunstância, o instrumento acionado por alargamento atua em todas as paredes do canal radicular, proporcionando preparações arredondadas, quando comparadas a instrumentos que atuam por ação de limagem. A conicidade e a seção reta transversal circular obtidas no preparo favorecem a seleção do cone principal e a obturação tridimensional do canal radicular.
D0
D16
Vol. (mm3)
6
0,06
0,38
0,71
8
0,08
0,40
0,83
10
0,10
0,42
0,95
15
0,15
0,47
1,31
20
0,20
0,52
1,73
25
0,25
0,57
2,19
30
0,30
0,62
2,76
35
0,35
0,67
3,37
40
0,40
0,72
4,04
45
0,45
0,77
4,78
50
0,50
0,82
5,58
55
0,55
0,87
6,44
60
0,60
0,92
7,33
70
0,70
1,02
7,40
80
0,80
1,12
11,68
90
0,90
1,22
14,22
100
1,00
1,32
17,01
110
1,10
1,42
20,05
120
1,20
1,52
23,34
130
1,30
1,62
26,89
140
1,40
1,72
30,68
Deslocamento apical Os instrumentos de NiTi apresentam flexibilidade 500% maior do que os de aço inoxidável. Essa propriedade permite a esses instrumentos acompanharem a curvatura do canal com facilidade, impedindo o deslocamento apical e mantendo a forma original do mesmo, com menor movimentação do eixo central do canal durante a instrumentação54,85. Garcia et al.29, avaliando o deslocamento do preparo em níveis cervical, médio e apical de raízes mesiais
474
Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
Quadro 10-3 Dimensões e volumes da parte de trabalho (vol) de instrumentos de NiTi mecanizados e conicidades 0,04 e 0,06mm/mm Conicidade 0,04
Conicidade 0,06
No D0
D16
15
015
0,79
3,20
1,11
5,95
20
020
0,84
3,82
1,16
6,77
25
025
0,89
4,15
1,21
7,66
30
030
0,94
5,25
1,26
8,61
35
035
0,99
6,07
1,31
9,62
40
040
1,04
6,94
1,36
10,69
45
045
1,09
7,88
1,41
11,83
60
060
1,24
11,06
1,56
15,62
90
090
1,54
19,13
1,86
24,89
de molares inferiores, concluíram que os instrumentos de NiTi acionados manualmente e mecanizados apresentaram menor índice de deslocamento do preparo, nos três níveis avaliados, em relação aos de aço inoxidável; na instrumentação onde os instrumentos eram acionados a motor, o preparo foi mais centrado em relação aos acionado manualmente. Com a instrumentação sendo mais centrada, teremos com o emprego de instrumentos mecanizados redução do risco de iatrogenias radiculares na instrumentação de canais curvos. Em relação ao deslocamento apical, os instrumentos de NiTi, quando comparados aos de aço inoxidável, causam menor transporte do segmento apical curvo de um canal radicular17,18,49,51,78,115. Lopes et al.51 avaliando os deslocamentos apicais após a instrumentação de canais mesiovestibulares de molares inferiores, com o emprego de instrumentos de aço inoxidável K-FlexoFile (Maillefer, Suíça), K-FlexoFile Golden Mediums (Maillefer), NiTi manual, NiTiflex (Maillefer) e os ProFile 0,04 série 29, acionados a motor (Tulsa Dental Products, EUA), concluíram que os instrumentos de NiTi exibiram menores valores em relação aos de aço inoxidável e os instrumentos de NiTi, acionados a motor, exibiram menores valores em relação aos de NiTi manuais. O deslocamento apical superior dos instrumentos de aço inoxidável em relação aos de NiTi pode ser atribuído à maior resistência à deformação do instrumento de aço inoxidável, o qual tende a manter
Vol. (mm3)
D16
Vol. (mm3)
sua forma retilínea original com carregamentos elásticos. Os instrumentos de NiTi, por terem menor módulo de elasticidade, são deformados elasticamente com níveis inferiores de tensão e acompanham a curvatura do canal radicular durante a instrumentação. Lopes et al.56, avaliando a influência do movimento de alargamento contínuo, empregando-se instrumentos ProTaper (Maillerfer), mecanizados, e do movimento de alargamento parcial alternado, empregandose instrumentos ProTaper (Maillefer), versão manual na modelagem do segmento final de canais artificiais curvos, concluíram que não ocorreram diferenças estatísticas significativas após a instrumentação com alargamento contínuo ou parcial alternado (versão manual ou mecanizada). Lopes et al.57, avaliando a influência do movimento de alargamento contínuo empregando-se instrumentos K3 mecanizados (Sybron Dental Spealties-Kerr, México) e do movimento de alargamento parcial alternado obtido por contra-ângulo especial, empregandose instrumentos tipo K de aço inoxidável (FlexoFile, Maillefer) e de NiTi (Nitiflex, Maillefer) nos desgastes das paredes do segmento apical curvo de canais artificiais, concluíram que a natureza da liga metálica (NiTi ou aço inoxidável) dos instrumentos endodônticos empregados, assim como o movimento de alargamento contínuo ou parcial alternado gerados por meios mecânicos, estatisticamente, não influenciaram nos resultados obtidos.
Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
O deslocamento apical da instrumentação dificulta a obturação e o selamento apical do canal radicular. A percolação de fluidos oriundos dos tecidos perirradiculares, via forame apical, pelo espaço existente entre o material obturador e as paredes do canal, servirá de substrato para os micro-organismos remanescentes em regiões do canal de dentes com polpa necrosada e infectada. Consequentemente, esses fatos interferem no êxito do tratamento endodôntico.
Extrusão de material do canal via forame apical A extrusão de material de um canal além do forame apical, como tecido necrótico, micro-organismos, restos pulpares, raspas de dentina e soluções químicas durante o preparo do canal, pode ser responsável pelo aparecimento de reações inflamatórias, que causam dor pós-operatória ou exacerbação de processos crônicos preexistentes. A extrusão de material ocorre em todas as técnicas de instrumentação em maior ou menor quantidade independentemente de um instrumento endodôntico ser acionado manualmente ou por dispositivos mecânicos37,38. Lopes et al.50 compararam a quantidade de material extruído por meio do forame apical, após a instrumentação dos canais radiculares, com as seguintes técnicas: escalonada ápice-coroa com o movimento de limagem; escalonada ápice-coroa com movimentos de alargamento parcial alternado (oscilatório) e escalonada coroa-ápice com instrumentos dos sistema ProFile 0,04, série 29, acionado a motor (Tulsa Dental Products, EUA) com giro contínuo à direita. Em todas as técnicas empregadas ocorreu extrusão de material por meio do forame apical. Entretanto, o sistema ProFile 0,04, série 29, foi o que promoveu menor quantidade de material extruído. Na técnica escalonada, ocorreu maior extrusão de material via forame apical, devido à ação de limagem (vaivém) dos instrumentos que atuam como êmbolo, forçando o material excisado e o líquido empregado como solução química auxiliar para a região perirradicular. Certamente, a amplitude e a frequência do movimento de avanço e de retrocesso do instrumento, assim como seu diâmetro, são fatores importantes na quantidade de material extruído além do forame. A técnica de movimentos oscilatórios promoveu menor extrusão do material do que a escalonada devido à modificação dada ao movimento do instrumento. O movimento oscilatório com rotação alternada dado ao instrumento possibilita o desgaste das paredes do canal radicular por alargamento, o que evita constante bombeamento de detritos para o forame apical. A extrusão de material nessa técnica certamente está relacionada
475
com a pressão unidirecional apical que o instrumento exerce para atingir o comprimento de trabalho durante a ação de alargamento do canal radicular. A de emprego do sistema ProFile 0,04, série 29, promoveu menor extrusão de material via forame apical. O desenho dos instrumentos ProFile 0,04, série 29, complementado pela rotação (300rpm) e pelos avanços de 0,5 a 2mm em sentido apical intercalados por retiradas, induz o corte à remoção do material pela helicoidal do instrumento em sentido da câmera pulpar. Além disso, o preparo no sentido coroa-ápice permite que os instrumentos de menor diâmetro empregados no preparo apical do canal radicular exerçam menor pressão unidirecional no sentido do forame.
Desvantagens Os instrumentos mecanizados, por atuarem em alargamento contínuo, deixam nos canais com segmentos achatados áreas não instrumentadas. Isso ocorre porque, em algumas regiões, o diâmetro do instrumento empregado é menor do que o diâmetro do canal, dando ao preparo uma seção reta transversal não circular. Nesse caso, é necessário o uso de instrumento de diâmetro maior para conferir ao preparo, por meio do movimento de alargamento contínuo, uma seção reta transversal circular contornando todo o circuito anatômico do canal radicular. Todavia, às vezes, a raiz do dente apresenta um diâmetro anatômico que não permite o uso de instrumento de maior diâmetro55 (Fig. 10-72). No que se refere a essa desvantagem, alguns fabricantes e profissionais sugerem que nas áreas polares
Figura 10-72. Canal achatado. Diâmetro do instrumento menor do que o de um canal achatado. Áreas não instrumentadas. Diâmetro anatômico não permite o uso de instrumento de maior diâmetro.
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
de segmentos achatados de canais radiculares os instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados devem ser empregados com movimento de pincelamento (escovagem). Para executar esse movimento, o instrumento deve ser submetido às seguintes manobras: rotação contínua à direita, acompanhada simultaneamente de pressão lateral de encontro às áreas polares de segmentos achatados, e tração do instrumento no sentido cervical do canal radicular. Todavia, devido à superelasticidade da liga NiTi e ao ângulo de inclinação das hélices da haste de corte helicoidal cônica do instrumento endodôntico, a pressão e a tração exercidas podem não alcançar a magnitude suficiente para induzir o desgaste da dentina radicular nas áreas polares. Por outro lado, a resistência imposta pela parede dentinária pode provocar o achatamento temporário (deformação elástica) dos vértices das arestas de corte do instrumento, reduzindo ou mesmo não promovendo o desgaste dentinário. Ademais, devido ao pequeno ângulo de inclinação das hélices (20 a 30°) das hastes de corte helicoidais cônicas dos instrumentos de NiTi mecanizados, o movimento de pincelamento é incapaz de promover a raspagem (limagem) das paredes dentinárias de um canal radicular. Além disso, durante o movimento de pincelamento, o instrumento endodôntico é submetido desnecessariamente a um carregamento de flexão rotativa que induz na região de maior flexão da haste de corte helicoidal cônica do instrumento tensões trativas e compressivas. Consequentemente, o instrumento é submetido indevidamente a um número de ciclos (velocidade × tempo) que é acumulativo. Nessa condição há redução do tempo de vida útil do instrumento por fadiga. Pelas mesmas razões apresentadas os instrumentos de NiTi acionados a motor não promovem o desgaste anticurvatura de um canal radicular. Outro aspecto a ser considerado é que o menor tempo despendido na instrumentação de um canal por meio de instrumentos mecanizados reduz o tempo de ação da solução química auxiliar, diminuindo suas atividades solvente e antimicrobiana. Consequentemente, há por parte dos profissionais uma preocupação em aumentar o tempo de permanência de uma solução de hipoclorito de sódio no interior do canal após a sua instrumentação. Outros, para evitar esse acréscimo de tempo, indicam o uso de soluções de hipoclorito de sódio mais concentradas (acima de 5,25%). O aumento da concentração, além de elevar a citotoxicidade da solução, pode causar alterações na composição da dentina, modificando o seu comportamento mecânico. Do exposto podemos admitir que o tempo gasto no preparo
de um canal radicular não é um fator decisivo na seleção de qual modo os instrumentos devem ser acionados (manual ou a motor). Outra consideração a ser mencionada é a maior incidência de fratura observada nos instrumentos de NiTi mecanizados com giro contínuo em relação aos acionados manualmente durante o preparo de canais radiculares. A fratura dos instrumentos de NiTi mecanizados durante o uso clínico ocorre por torção, flexão rotativa e por combinações desses carregamentos (ver Capítulo 11, Fratura dos instrumentos endodônticos). A fratura por torção pode ser minimizada pelo emprego de motores com controle de torque programado pelo operador ou preestabelecido pelo fabricante, técnica adequada, habilidade e experiência profissional. Por sua vez, a fratura por flexão em rotação (fadiga de baixo ciclo) é imprevisível e ocorre sem que haja qualquer aviso prévio. Dependendo do raio de curvatura, do comprimento do arco do canal e do diâmetro do instrumento, a fratura por fadiga de baixo ciclo ocorre após um determinado número de ciclos (velocidade × tempo de fratura). O critério clínico adotado de descarte do instrumento com o objetivo de evitar a fratura é o número de vezes em que ele é empregado. Todavia, predizer o número de vezes que um instrumento endodôntico de NiTi acionado a motor (mecanizado) pode ser empregado com segurança no preparo de canais radiculares sem ocorrer a fratura por fadiga, não levando em consideração os raios de curvaturas dos canais, os comprimentos dos arcos, os diâmetros, as conicidades e as resistências em flexão dos instrumentos endodônticos empregados, é no mínimo uma conduta empírica e incorreta. Em função do exposto, podemos afirmar que para maior segurança os instrumentos de NiTi acionados a motor devem ser usados uma única vez e a seguir descartados. Esse procedimento eleva o custo do tratamento endodôntico realizado por meio de instrumentos acionados a motor, podendo isso ser considerado como uma desvantagem de seu emprego.
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Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
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Capítulo 10 Preparo Químico-Mecânico dos Canais Radiculares
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Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
Capítulo
11
Hélio Pereira Lopes Carlos Nelson Elias José Freitas Siqueira Jr. Marcelo Mangelli Decnop Batista
A ocorrência de falhas de um material normalmente é o resultado de deficiências do projeto, processamento inadequado dos materiais, deterioração em uso e operação incorreta pelo homem. A análise das fraturas é importante porque permite determinar as possíveis causas da falha do material e, com as informações obtidas, é possível prevenir novas falhas. Em geral, o problema de fratura está ligado às tensões e deformações altas aplicadas sobre o material, quando as mesmas excedem a capacidade de resistência do material. Embora as causas de falha e comportamento dos materiais possam ser conhecidas, a prevenção de falhas é uma condição difícil, mas não impossível de ser garantida. A fratura dos materiais consiste na separação em duas ou mais partes devido à aplicação de cargas externas. Pode ser induzida pela aplicação de cargas lentas (tração, flexão, torção), pelo impacto, por carregamentos repetidos (fadiga) ou por cargas de baixa intensidade atuando durante muito tempo (fluência)7,13,30. A resistência à fratura dos materiais depende basicamente das forças de coesão entre seus átomos e da presença de defeitos nos materiais. Não existe material sem defeito. Sabendo-se dessa limitação, os materiais são submetidos aos diferentes ensaios mecânicos para determinação de suas propriedades mecânicas e previsão de seu desempenho. A despeito disso, às vezes, os materiais podem apresentar fratura com carregamento abaixo do seu limite de resistência, obtido em ensaios estáticos. A fratura dos materiais quando submetidos a um carrega-
mento inicia-se em trincas. Trincas são descontinuidades abertas na superfície ou internas, originadas de tensões localizadas, cujos valores excedem o limite de ruptura do material. Qualquer processo de fratura envolve duas etapas, a formação (nucleação) e a propagação de trincas, em resposta à imposição de uma tensão3,7,13. Quanto à direção de propagação das trincas, a fratura dos materiais cristalinos pode ser classificada em transgranular e intergranular. Na transgranular, a trinca se propaga pelo interior dos grãos e, na intergranular, a trajetória da trinca é ao longo dos contornos de grão, apresentando elevada tortuosidade. Na fratura intergranular, o material absorve baixa quantidade de energia e tende a ocorrer quando os contornos de grão são mais frágeis do que a rede cristalina3,30. Ao se classificar a fratura em função do estado de tensão aplicado ao material, considera-se que as tensões trativas produzem fratura por clivagem, ao passo que as tensões cisalhantes induzem fratura por cisalhamento. A tensão compressiva pode levar à nucleação (iniciação) de trincas, mas não ao seu crescimento para causar fratura3,7,30. Com o objetivo de caracterizar a morfologia da superfície de fratura, ela pode ser considerada como frágil e dúctil3,7,17.
FRATURA FRÁGIL Esse tipo de fratura se dá sem deformação plástica macroscópica. Na fratura considerada frágil, uma
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Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A
B
Figura 11-1A e B. Fratura frágil.
trinca se propaga sob carga constante ou decrescente a uma velocidade que se aproxima da velocidade de propagação do som no material por toda a seção resistente. A velocidade do som em uma barra de aço é da ordem de 5.200m/s. Geralmente, a fratura frágil é por clivagem, ou seja, a tensão de tração é aplicada perpendicularmente ao plano de fratura, com baixa movimentação das discordâncias. A quantidade de energia requerida para a propagação da trinca é muito pequena e ocorre sob tensão inferior à correspondente ao limite de escoamento do material. Embora não seja possível detectar macroscopicamente qualquer deformação plástica do material, por meio de uma análise no microscópio eletrônico de varredura, é possível observar uma pequena área do metal ou liga metálica com deformação3,7,30,35. A superfície de fratura frágil dos metais ocorre em planos cristalinos, é lisa e apresenta brilho. Em ligas ferrosas possui coloração cinza-clara. (Fig. 11-1A e B). Um dos aspectos microscópicos característicos da superfície de uma fratura frágil é a presença de pequenas irregularidades chamadas marcas de rios (Fig. 11-2). Essas marcas são oriundas da propagação da fratura ao longo de planos cristalinos paralelos que se unem formando degraus que tendem a convergir no sentido da propagação da trinca3,7,17. Na Odontologia, pode-se observar a fratura frágil nas lâminas de bisturis, nos grampos de próteses removíveis e nas próteses cerâmicas.
principalmente inclusões, presentes nas ligas metálicas comerciais. A formação da superfície de fratura ocorre em três etapas: nucleação, crescimento e coalescência de microcavidades. Como as inclusões possuem propriedades elásticas e plásticas diferentes do cristal da matriz, elas não acompanham a deformação da matriz. Por sua vez, como a matriz não possui capacidade de se escoar completamente em torno dessas partículas, é iniciado o processo de falha da interface partícula-matriz mediante
FRATURA DÚCTIL O processo de fratura dúctil está intimamente relacionado com a presença de partículas de segunda fase,
Figura 11-2. Fratura frágil. Marcas de rio.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
a nucleação de microcavidades em torno das partículas de segunda fase. Com a continuidade do carregamento, as microcavidades crescem e em determinado momento iniciam a coalescência. À medida que ocorre a coalescência das microcavidades, há redução da área resistente do material, culminando com a fratura. A forma hemisférica ou alongada das microcavidades (dimples), observada no microscópio eletrônico de varredura, depende do estado de tensão imposto ao material durante o carregamento. O tamanho dessas cavidades depende das características microestruturais e das propriedades mecânicas do material (Fig. 11-3A e B). Quando observada com pequenos aumentos, apresenta uma superfície cinza e rugosa. Nesse tipo de fratura, o material absorve grande quantidade de energia e, após a falha, apresenta deformação plástica macroscópica3,7,17,30. É importante notar que a presença de microcavidades não exclui a possibilidade de a fratura ter ocorrido sem deformação plástica macroscópica, isto é, ser frágil7. Na Odontologia, esse tipo de fratura pode ser observado nos instrumentos endodônticos, fios ortodônticos e restaurações de ouro.
FRATURAS DOS INSTRUMENTOS ENDODÔNTICOS Os instrumentos endodônticos, por apresentarem pequenas dimensões, forma complicada e geometria com variações bruscas de dimensões, são difíceis de ser produzidos. Assim, durante a fabricação desses instrumentos são introduzidos em sua haste metálica (corpo do instrumento) pontos concentradores de tensão. Esses concentradores de tensão são representados por defeitos de acabamento superficial, variações acentuadas entre as
A
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dimensões nominais e as reais, assim como pontas com formas diferentes das preconizadas pelos fabricantes. A presença de pontos concentradores de tensão pode induzir a fratura do instrumento aos níveis inferiores de tensão dos teoricamente esperados. Além desses concentradores de tensão, durante o preparo químico-mecânico do canal radicular, os instrumentos endodônticos são submetidos a grave estado de tensão e deformação que variam com a anatomia do canal e com a habilidade do profissional. Nessa fase, os instrumentos sofrem carregamentos extremamente adversos que modificam continuamente a sua resistência à torção, à flexão rotativa e ao dobramento. Por essa razão, em alguns casos se observa a falha prematura do instrumento, principalmente nos de menores diâmetros25,31,33,35. A resistência à fratura é uma das principais propriedades mecânicas relacionadas com os instrumentos endodônticos. A resistência de um instrumento endodôntico à fratura é a tensão máxima suportada por ele antes da fratura. A fratura dos instrumentos endodônticos pode ser avaliada e analisada por meio de ensaios mecânicos ou de uso clínico. E ocorre por carregamento de torção, de dobramento alternado, de flexão rotativa e por suas combinações.
Ensaios mecânicos Os ensaios mecânicos são realizados com corpos de prova ou com produtos no estado como são comercializados ou acabados (instrumentos endodônticos). Para a realização de um ensaio mecânico é necessário o uso de máquinas e de equipamentos (dispositivos) específicos para cada tipo de ensaio. Cada ensaio mecânico tem um objetivo específico que é realizado para
B
Figura 11-3A e B. Fratura dúctil.
484
Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
avaliar e analisar determinadas propriedades mecânicas dos materiais ou dos produtos acabados (instrumentos endodônticos)13,19. Os ensaios mecânicos podem ser classificados quanto ao tempo de aplicação da carga e quanto à integridade do corpo de prova ou do produto acabado. Ensaios mecânicos quanto ao tempo de aplicação da carga: • Ensaio estático: a carga aplicada é aumentada lentamente e o tempo de ensaio é de alguns minutos. Exemplo: ensaio de tração, flexão, torção, dobramento e compressão. Ensaio estático não significa que não possam ocorrer movimento e deformação do corpo de prova ou do instrumento endodôntico. • Ensaio dinâmico: a carga aumenta bruscamente para simular um impacto. O ensaio é realizado em alguns segundos. Exemplo: ensaio de impacto tipo Charpy e Izod. • Ensaio de carga repetida: a carga é cíclica (carregamento e descarregamento alternado) e repetida diversas vezes. A repetição cíclica de carga e descarga induz a fratura de um corpo de prova ou de um instrumento endodôntico. Ensaios mecânicos quanto à integridade do corpo de prova ou do instrumento endodôntico: • Ensaios destrutivos: há inutilização parcial ou total do corpo de prova ou do instrumento endodôntico. Exemplos: ensaio de torção, tração, impacto, fadiga e compressão. • Ensaios não destrutivos: mantêm a integridade do corpo de prova ou do instrumento endodôntico, utilizados para detectar falhas internas no material ou para determinar alguma propriedade física. Exemplo: ensaio de flexão. Os corpos de prova empregados nos ensaios mecânicos têm dimensões e formas rigorosamente padronizadas. Normalmente a forma do corpo de prova é diferente do produto acabado (instrumento endodôntico). Os instrumentos endodônticos apresentam variações entre as dimensões nominais e reais, defeitos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e microcavidades), variações da forma e da área das seções retas transversais das hastes de corte helicoidais cônicas que atuam como variáveis e interferem nos resultados dos ensaios mecânicos realizados. Assim, quando do emprego de instrumentos endodônticos, devemos buscar o máximo de uniformização em relação à geometria (forma e di-
mensão) dos instrumentos empregados nos ensaios mecânicos. Além disso, é aconselhável o uso de uma amostragem maior de um mínimo de 10 instrumentos13,35.
Fratura por torção A fratura por torção pode ocorrer nos instrumentos endodônticos de aço inoxidável e nos de NiTi. Para ocorrer a fratura por torção é preciso que a ponta do instrumento endodôntico fique imobilizada e na outra extremidade (haste de fixação e acionamento ou cabo) seja aplicado um torque (força de rotação) superior ao limite de resistência à fratura por torção do instrumento13,35. Com a imobilização da ponta do instrumento endodôntico, a força de rotação (torque) à direita promove a ultrapassagem do limite elástico da liga metálica (NiTi ou aço inoxidável) ocasionando uma deformação plástica (distorção) localizada na haste de corte helicoidal cônica do instrumento. Essa deformação plástica aumenta o encruamento do material (diminuição da plasticidade). A continuidade do aumento da força de rotação (torque) pode ultrapassar o limite de resistência à fratura do instrumento endodôntico, provocando a sua ruptura em duas partes próximo do ponto de imobilização29,32,34. Torque ou momento de uma força pode ser definido como o efeito rotatório criado por um carregamento distante do centro de resistência de um corpo (eixo de rotação do objeto). O carregamento equivalente para induzir a rotação do corpo pode ser substituído por duas forças com sentidos opostos e paralelas ao eixo de rotação (binário). O torque é calculado pela equação: Torque = F.R onde, o R (raio) é a distância entre o ponto de aplicação da força (F) e o eixo de rotação do corpo (Fig. 11-4). R
F
Figura 11-4. Representação de um corpo submetido à rotação.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A força no Sistema Internacional de Unidades é expressa em newton (N), e o torque expresso pela unidade de força multiplicada pela unidade de comprimento (newton × metro). Empregam-se também para a força as unidades em kgf e gf, e para o comprimento as unidades em cm e mm. Existem as relações entre unidades: 1kgf = 1.000gf = 9,807N 1m = 100cm = 1.000mm = 1.000.000µm = 1.000.000.000nm A deformação de um material (instrumento endodôntico) é denominada elástica quando ela desaparece após a retirada da força aplicada e plástica quando permanece após a retirada da força aplicada13,44. Limite elástico ou de escoamento é a resistência máxima de um metal ou liga metálica à deformação elástica13,35,44. O encruamento é um mecanismo de aumento da resistência mecânica (endurecimento) por deformação plástica a frio. Quanto maior o encruamento, menor a plasticidade da liga metálica, maior a possibilidade de fratura do material13,35,44. A fratura por torção de um instrumento endodôntico pode ser avaliada e analisada por meio de ensaio mecânico ou de uso clínico. Para a realização do ensaio mecânico de torção é necessário o uso de dispositivos específicos13,47,51. A imobilização da ponta do instrumento geralmente é obtida por meio de uma morsa que apresenta um batente (degrau) de 3mm de profundidade. A força de rotação é obtida por meio de dispositivos específicos acoplados a uma máquina de ensaio universal6,13,39,51. A partir do ensaio mecânico de torção podemos quantificar o ângulo máximo em torção e o torque máximo em torção suportado pelo instrumento endodôntico em uma determinada condição de carregamento. O ângulo máximo em torção (deflexão angular) determina o número máximo de voltas que o instrumento endodôntico resiste antes da fratura. Representa a rotação de um instrumento na região elástica e plástica até a fratura (deformação de ruptura). Pode ser quantificado em graus ou número de voltas13,19,47. Ângulo máximo de torção em graus = deslocamento do fio × 360/2πR. Ângulo máximo de torção em número de volta = graus/360. O torque máximo em torção (limite de resistência à fratura em torção) determina a carga máxima que o instrumento endodôntico resiste antes da fratura.
485
Com os resultados obtidos no ensaio mecânico de torção é possível prever o desempenho de um instrumento endodôntico durante o uso clínico. No ensaio de torção, muitos fatores como o diâmetro em D0, a conicidade, o desenho do instrumento, a área da seção reta transversal, o diâmetro do núcleo, o processo de fabricação, o acabamento superficial e o sentido da rotação podem influenciar nos parâmetros avaliados (ângulo e torque máximos em torção)6,45,50,56. A norma ADA 282 menciona os seguintes valores para os instrumentos tipo K de aço inoxidável em relação ao torque e ao ângulo de torção (Quadro 11-1).
Para alguns autores, no ensaio de torção o principal parâmetro é o ângulo máximo em torção que funciona como fator de segurança em relação à fratura do instrumento endodôntico5,13,45,47,51. Para Lopes e Elias31,33, quanto maior o ângulo máximo em torção de um instrumento, maior será a sua deformação elástica e plástica antes de atingir o início da fratura. Esse comportamento do material atua como um fator de segurança, porque o torque aplicado ficará aquém do limite de resistência à fratura por torção do material. A presença de deformação plástica (distorção das hélices) dá um alerta de que uma fratura por torção é iminente, permitindo que medidas preventivas sejam tomadas. Entretanto, podemos afirmar que a determinação do torque máximo em torção fornece ao profissional a força máxima que pode ser aplicada ao instrumento endodôntico. Esse valor é fundamental: a) no estudo comparativo da resistência à fratura por torção entre os diversos instrumentos endodônticos; b) na seleção da liga metálica usada na fabricação do instrumento endodôntico; c) para o ajuste de motores elétricos que possuem seleção de torques individuais para cada instrumento acionado a motor. Nesses motores o torque selecionado deve ficar aquém do limite de resistência à fratura por torção do instrumento utilizado13,35.
Ângulo máximo em torção ou em rotação Quanto maior a plasticidade da liga metálica, maior será o ângulo máximo em torção suportado por um instrumento endodôntico. É maior à direita do que à esquerda, independentemente da liga metálica e do processo de fabricação do instrumento29,32,34,45,47,51. Na rotação à esquerda, há redução homogênea do passo entre as arestas de corte dispostas ao longo da haste helicoidal cônica do instrumento. Essa redução do passo promove um estrangulamento da seção reta transversal que, associado à presença de tensões residuais,
486
Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
Quadro 11-1 Valores de torque e de ângulo de torção à direita Torque
Ângulo
No gf.mm
gf.cm
N.mm
N.cm
graus
08
50
5,0
0,5
0,05
360
10
60
6,0
0,6
0,06
360
15
80
8,0
0,8
0,08
360
20
180
18,0
1,8
0,18
360
25
300
30,0
2,9
0,29
360
30
450
45,0
4,4
0,44
360
35
650
65,0
6,4
0,64
360
40
1.000
100,0
9,8
0,98
360
45
1.200
120,0
11,8
1,18
360
50
1.700
170,0
16,7
1,67
360
é responsável pelo menor ângulo de torção à esquerda pelos instrumentos endodônticos. Considerando-se a natureza da liga metálica e o processo de fabricação do instrumento, podemos afirmar que os de aço inoxidável fabricados por torção são os que suportam maior rotação à direita. Os instrumentos usinados devido ao menor encruamento do material, teoricamente, deveriam apresentar um maior ângulo máximo em torção quando comparados aos fabricados por torção. Todavia, os ensaios laboratoriais revelam resultados opostos29,32,51. Certamente, isso se deve às maiores deficiências de acabamento superficial observadas nos instrumentos usinados. Outro aspecto é que, na fabricação de um instrumento
A
por usinagem, os cristais (fibras) alinhados na direção de trefilação do fio metálico são cortados (interrompidos). Esses cortes promovem uma redução do diâmetro do fio metálico (tipo entalhe), associada aos defeitos de acabamento superficial, funciona como pontos concentradores de tensão, induzindo a fratura por torção do instrumento usinado aos níveis inferiores de tensão dos teoricamente esperados4. Já, ao contrário, nos fabricados por torção não há interrupção das linhas dos cristais (Fig. 11-5A e B). O ângulo máximo em torção é proporcional ao torque e ao comprimento do instrumento, o que quer dizer que para um instrumento de mesma seção reta transversal e liga metálica, mas com comprimentos di-
B
Figura 11-5. Desenho esquemático. Fabricação de instrumentos endodônticos. A. Por torção. Não há corte (interrupção) dos cristais alinhados da liga metálica. B. Por usinagem. Há interrupção dos cristais alinhados.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
ferentes, o ângulo de torção será maior para o de maior comprimento para o mesmo torque13,19. Quanto à influência do diâmetro (diâmetro em D0 e conicidade) de um instrumento endodôntico em relação ao ângulo máximo em torção, os resultados encontrados na literatura são conflitantes. Para muitos, o ângulo máximo em torção antes da fratura diminui com o aumento do diâmetro4,5,10,36,45. Entretanto, outros estudos não estabeleceram qualquer relação direta entre os valores do ângulo máximo em torção antes da fratura e o diâmetro dos instrumentos endodônticos18,54. A média do ângulo máximo em torção na fratura dos instrumentos K3 de 25mm de comprimento e conicidades 0,02-0,04 e 0,06mm foi estatisticamente maior para os instrumentos endodônticos de menor conicidade (Quadro 11-2).
Torque máximo em torção Teoricamente, o torque máximo varia com o diâmetro em D0, com a conicidade e com a área da seção reta transversal dos instrumentos endodônticos. É maior para os instrumentos de maior diâmetro, conicidade e área20,34,45,49,54. Os instrumentos de seção reta quadrangular apresentam uma área 54% maior do que os de seção reta triangular de mesmo diâme-
487
tro nominal e consequentemente são mais resistentes à torção33,35. Experimentalmente, verificou-se que os instrumentos endodônticos de aço inoxidável (torcidos e usinados) e de NiTi de mesma seção reta transversal, independentemente do sentido de rotação, suportam estatisticamente o mesmo carregamento (torque) até a fratura47,51. A média da força máxima e do torque máximo até a fratura dos instrumentos K3 de no 25 e conicidade 0,020,04 e 0,06mm/mm foi estatisticamente maior para os instrumentos de maior conicidade (Quadro 11-3).
As discrepâncias dos resultados reveladas entre os diversos trabalhos podem ser explicadas pelo fato de que, a despeito de todos os esforços dos fabricantes no intuito de padronizar as dimensões dos instrumentos endodônticos, há sempre uma variação entre as dimensões nominais e reais dos instrumentos de uma mesma numeração. Além disso, apresentam acabamentos superficiais deficientes, assim como seções reta transversais com formas, áreas e núcleos diferentes. Essas variações e defeitos interferem diretamente nos resultados obtidos nos ensaios mecânicos desses instrumentos endodônticos ou mesmo durante o uso clínico.
Quadro 11-2 Instrumentos K3 de no 25 e conicidades 0,02-0,04 e 0,06mm. Média e desvio padrão (DP) da deformação em torção (mm). Ângulo máximo em torção na fratura Ângulo máximo de torção
Instrumento K3 Número/conicidade
Número de instrumentos
Deformação (DP)
25/0,02
10
25/0,04 25/0,06
Voltas
Graus
98,63 (10,92)
3,93
1.413,49
10
70,59 (14,79)
2,81
1.011,64
10
65,75 (7,68)
2,62
942,28
Quadro 11-3 Instrumentos K3 de no 25 e conicidades 0,02-0,04 e 0,06mm/mm. Média e desvio padrão (DP) da força máxima e torque máximo até a fratura K3 N /con.
Número de instrumentos
25/0,02
o
Torque máximo
Força máxima (DP) gf
N
gf.mm
gf.cm
N.mm
N.cm
10
154,8 (8,34)
1,518 (0,082)
619,2
61,92
6,07
0,607
25/0,04
10
196,4 (15,99)
1,926 (0,16)
785,6
78,56
7,70
0,770
25/0,06
10
337,3 (38,74)
3,304 (0,38)
1349,2
134,92
13,22
1,322
488
Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
O estudo da fratura por torção de instrumentos endodônticos por meio de uso clínico é de valor mecânico limitado. Isso porque nos estudos clínicos geralmente não são levadas em consideração as variáveis advindas das condições anatômicas dos canais radiculares (comprimento do canal, raio de curvatura do canal, comprimento e localização do arco do canal e dureza da dentina) e dos operadores. Assim, é impossível ou até mesmo imprudente querer comparar com segurança os limites de resistência à fratura por torção dos instrumentos endodônticos de diferentes geometrias e fabricantes empregados na instrumentação de canais radiculares. Também, devido às combinações de tensões que ocorrem durante a instrumentação de canais radiculares, é extremamente difícil classificar e explicar o tipo de fratura dos instrumentos endodônticos. A avaliação da resistência à fratura por torção de instrumentos endodônticos e a análise da superfície de fratura devem ser obtidas por meio de ensaios mecânicos rigorosamente padronizados e não por estudos clínicos. Estudos clínicos deveriam procurar descrever procedimentos técnicos capazes de reduzir a fratura dos instrumentos endodônticos, assim como propor condutas clínicas diante de casos com fragmento de instrumento endodôntico retido no interior de um canal radicular.
Fratura por torção. Considerações clínicas A fratura por torção de instrumentos endodônticos acionados manualmente ou por dispositivos mecânicos durante o uso clínico pode ocorrer quando da imobilização da ponta do instrumento no interior de um canal radicular e na outra extremidade se aplicado um torque superior ao limite de resistência à fratura do instrumento. Durante o avanço do instrumento no interior do canal radicular, sua ponta pode ficar imobilizada total ou parcialmente. Na imobilização parcial, a velocidade de giro da ponta do instrumento é menor do que a da sua haste de fixação (cabo). Com a imobilização da ponta do instrumento, o esforço de carregamento (torção à direita) provoca a ultrapassagem do limite de escoamento do material ocasionando uma deformação plástica (distorção) das hélices da haste de corte helicoidal cônica do instrumento (Fig. 11-6). Essa deformação plástica aumenta o encruamento do material. A continuidade do carregamento cisalhante pode ultrapassar o limite de resistência à fratura do instrumento, provocando a sua separação em duas partes junto do ponto de imobilização31,33.
Figura 11-6. Deformação plástica. Reversão do sentido original das hélices.
Todavia, é importante ressaltar que a presença de deformação plástica (distorção das hélices) dá um alerta de que uma fratura por torção é iminente, permitindo que medidas preventivas sejam tomadas. Isso, durante o uso clínico, permite visualizar a deformação plástica (distorção da hélice) ao longo da haste de corte helicoidal cônica do instrumento endodôntico quando da sua retirada do interior de um canal radicular. Instrumentos deformados devem ser descartados antes de a falha (fratura) ocorrer. A deformação plástica também permite ao profissional correção e ajuste no avanço do instrumento no interior do canal e no torque a ser aplicado em um novo instrumento empregado na instrumentação do canal radicular. Essas medidas têm como objetivo evitar a imobilização e a deformação plástica do novo instrumento endodôntico empregado na instrumentação. Diante de instrumentos de diâmetros menores e de canais com anatomia complexa é importante que o profissional retire e examine o instrumento do interior do canal com maior frequência para evitar que a continuidade do carregamento (deformação plástica) ultrapasse o limite de resistência à fratura por torção do instrumento empregado. A imobilização de um instrumento endodôntico acionado manualmente ou por dispositivo mecânico no interior de um canal radicular pode ser minimizada:
a) Reduzindo-se o avanço do instrumento em sentido apical A ação de corte dos instrumentos por meio do movimento de alargamento (contínuo, parcial ou alternado) realiza-se por avanços de 1 a 3mm no sentido apical do canal radicular, intercalados com retiradas.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
Avanços maiores aumentam a área de contato e a resistência de corte da parede dentinária, que poderão provocar a imobilização da ponta do instrumento e induzir um carregamento superior ao seu limite de resistência à fratura por torção. O avanço de um instrumento endodôntico helicoidal cônico no interior de um canal radicular depende do comprimento do passo e do ângulo de rotação aplicado ao instrumento endodôntico. O comprimento do passo varia em função do ângulo agudo de inclinação das hélices (arestas) de corte. Quanto menor o ângulo de inclinação das hélices, maior o passo. Cada volta (360º) corresponde a um passo do instrumento. Para uma mesma rotação, quanto maior o passo, maior será o avanço do instrumento no interior de um canal. Porém, para instrumentos de mesmo passo, quanto maior o ângulo de rotação aplicado, maior será o avanço do instrumento. Para instrumentos acionados manualmente, o controle do avanço se faz por meio do ângulo de rotação e da força de compressão aplicada ao cabo da ferramenta. Para instrumentos de diâmetros pequenos, o ângulo de rotação à direita não deve ser superior a 45º. Para os de diâmetros maiores, o ângulo de rotação pode variar de 90 a 120º. Para os instrumentos acionados a motor com giro contínuo à direita de no mínimo cinco voltas por segundo, o controle do avanço durante o uso clínico fica relacionado com o carregamento axial (força de compressão) aplicado ao instrumento. Nesse caso, o profissional deve aplicar carga compressiva suficiente para promover o avanço do instrumento no interior do canal não superior a 3mm seguido de um pequeno retrocesso para liberá-lo da ação de corte (packing motion).
b) Realizando-se o preparo do canal radicular no sentido coroa-ápice O alargamento prévio do segmento cervical e médio do canal radicular com instrumentos de maior diâmetro permite que instrumentos de menor diâmetro empregados no preparo do segmento apical do canal fiquem submetidos a um menor carregamento, diminuindo o esforço necessário para o corte. Ocorrendo a imobilização de um instrumento no interior de um canal radicular, o profissional deve retrocedê-lo por tração até obter um ligeiro afrouxamento. Essa manobra diminui a resistência de corte da dentina, permitindo a liberação do instrumento empregado. Outro recurso para reduzir a fratura de um instrumento endodôntico durante o uso clínico é controlar a intensidade do torque aplicado no cabo ou na haste de
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fixação e acionamento do instrumento para que esse, no momento da imobilização do instrumento, fique abaixo do limite de resistência à fratura em torção. Para instrumentos acionados manualmente, o controle da intensidade do torque aplicado ao cabo do instrumento durante a instrumentação de um canal radicular é um procedimento difícil de ser obtido. Sentir o momento de cessar o carregamento de torção, sem causar deformação plástica ou a fratura do instrumento, fica atrelado ao conhecimento, à habilidade e à experiência do profissional. Todavia, podemos afirmar que quanto menor for o ângulo de rotação aplicado ao instrumento, menor será o carregamento a ele aplicado. Quanto menor o diâmetro do instrumento, menor deve ser o ângulo de rotação aplicado. Clinicamente, para instrumentos esbeltos, o ângulo de rotação à direita deve ser inferior a 45o. Para instrumentos acionados por dispositivos mecanizados, o controle da intensidade do torque aplicado à haste de fixação e acionamento do instrumento durante a instrumentação de um canal radicular pode ser obtido por meio do emprego de motores elétricos que interrompem o giro quando ocorrer a imobilização do instrumento no interior do canal radicular. O torque preestabelecido pelo fabricante ou programado pelo operador deve ficar aquém do limite máximo de resistência à fratura por torção do instrumento empregado. Todavia, preestabelecer ou programar com precisão esses valores é difícil por diversas razões: • O operador deve conhecer o valor provável do torque que induz a fratura de cada instrumento endodôntico empregado. Entretanto, esses valores não são informados pelos fabricantes. • O torque é uma grandeza associada ao raio. Tendo a haste de corte helicoidal geometria cônica, o limite de resistência à fratura por torção de um instrumento endodôntico é variável. Consequentemente, o valor do torque é dependente do diâmetro da haste de corte helicoidal cônica junto ao ponto de mobilização do instrumento no interior de um canal radicular. • As variações acentuadas entre os diâmetros reais e os nominais propostos pelos fabricantes e os defeitos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e microcavidades) existentes nos instrumentos endodônticos funcionam como pontos concentradores de tensão, podendo levá-los a uma fratura prematura com níveis de torque abaixo dos previsíveis. Para Sattapan et al.48, a fratura por torção ocorreu em 55,7% de todos os instrumentos de NiTi fra-
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Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
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Figura 11-7. Deformação plástica. Reversão do sentido original das hélices. A. Instrumento de NiTi. B. Instrumento de aço inoxidável.
turados durante o uso clínico de rotina. Afirmaram também que essa fratura é ocasionada pelo aumento do carregamento do instrumento em direção apical durante o preparo do canal. Em um estudo de WEI et al.58, para 100 instrumentos de NiTi fraturados durante o uso clínico, em 91% dos casos a fratura ocorreu por flexão rotativa, em 3% por torção e em 6% por sua combinação. Segundo Yared et al.60, para profissionais experientes, o uso de motores com torques menores do que o limite de resistência à fratura em torção do instrumento empregado não é importante para reduzir a deformação plástica ou a incidência de fratura do instrumento. A maior desvantagem do uso de instrumentos mecanizados em comparação aos acionados manualmente não é a fratura por torção, mas a fratura por flexão rotativa (fadiga de baixo ciclo). Não se pode negar que equipamentos com torques programados pelo operador para acionar os instrumentos endodônticos são um avanço tecnológico. Todavia, em função do exposto, o melhor recurso para se reduzir a ocorrência de fratura por torção de instrumentos endodônticos acionados a motor é sem dúvida mantê-los não imobilizados durante o preparo do canal radicular, o que é alcançado com o conhecimento dos princípios mecânicos da instrumentação e com técnica adequada, habilidade e experiência profissional.
Análise no MEV Na fratura por torção desencadeada em ensaios mecânicos ou em uso clínico há deformação plástica da haste de corte helicoidal cônica de um instrumento endodôntico. A deformação plástica é acentuada, ocorrendo a reversão das hélices em relação ao seu sentido original
(Fig. 11-7A e B). É mais acentuada para os instrumentos de aço inoxidável do que para os de NiTi6,32,36,39,48,51. A fratura por torção ocorre junto ao ponto de imobilização do instrumento. Independentemente da natureza da liga metálica e do processo de fabricação, a superfície de fratura apresenta aspecto plano e perpendicular ao eixo do instrumento (Figs. 11-8A a D e 11-9A e B). Para instrumentos endodônticos tipo K de aço inoxidável fabricados por torção, dependendo do diâmetro máximo do segmento imobilizado, na rotação à direita, trincas longitudinais podem ser observadas na região de reversão do sentido das hélices. Essas trincas, provavelmente, têm origem em inclusões não metálicas existentes no fio da máquina de origem. Com a continuidade do carregamento, as trincas oriundas do processo de fabricação crescem e causam a falha do instrumento com características de fratura dilacerada13,29,25,52 (Fig. 11-10A a D). Defeitos de acabamento superficial oriundos do processo de fabricação de instrumentos endodônticos podem atuar como pontos concentradores de tensão. Esses defeitos induzem a fratura do instrumento durante o ensaio mecânico de torção ou durante o uso clínico com carregamentos inferiores ao esperado. Quanto maiores o número e o tamanho dos defeitos de acabamento superficial presentes na haste de corte helicoidal cônica de um instrumento, menor será a tensão necessária para determinar a sua fratura. As superfícies de fratura dos instrumentos endodônticos fraturados por torção apresentam características morfológicas como sendo do tipo dúctil. Na fratura dúctil, a superfície de fratura apresenta microcavidades com formas hemisféricas ou alongadas. Em alguns casos, as microcavidades apresentam-se alongadas e rasas, indicando o sentido das tensões impostas no material durante o carregamento6,36,39,47,51 (Fig. 11-11).
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A
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B
D
C
A
Figura 11-8. Fratura de um instrumento endodôntico de NiTi por torção. A. Ranhuras. B. Abertura das trincas. C. Abertura das trincas (aumento maior). D. Fratura junto ao ponto de imobilização.
B
Figura 11-9. Fratura de um instrumento endodôntico de aço inoxidável por torção. A. Reversão da hélice original. B. Superfície de fratura plana e perpendicular ao eixo do instrumento.
Fratura por dobramento alternado A fratura por dobramento alternado pode ocorrer nos instrumentos endodônticos de aço inoxidável. Dobramento é a deformação plástica do segmento reto de um instrumento de seção circular, quadrangular, triangular ou outras formas em segmento curvo. É
um carregamento que se caracteriza por induzir numa peça (instrumento endodôntico) tensões de compressão em uma parte de sua seção transversal e tensões de tração na parte oposta13,19,33,35. As tensões trativas localizadas na superfície externa e as tensões compressivas localizadas na superfície interna do dobramento variam de intensi-
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Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
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D
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dade em função do ângulo de dobramento. O ângulo de dobramento é o ângulo externo formado pelo segmento do instrumento que girou de sua posição inicial em relação ao eixo da parte retilínea do corpo do instrumento. Quanto maior este ângulo, maior a gravidade do dobramento, ou seja, menor será o raio de curvatura do segmento pré-curvado19,33,35 (Fig. 11-12). Para os instrumentos endodônticos de aço inoxidável, as deformações plásticas oriundas do dobramento provocam o encruamento da liga metálica. Com a continuidade do carregamento plástico (dobramento e desdobramento) surgem trincas na área dobrada, as quais se propagam até a fratura do instrumento endodôntico. O surgimento dessas trincas depende da liga metálica, do ângulo de dobramento e da repetição cíclica do esforço de dobramento e desdobramento do instrumento endodôntico.
Figura 11-10. Fratura por torção. Instrumento K de aço inoxidável. A. Trinca longitudinal. B. Crescimento da trinca. C. Crescimento da trinca (aumento maior). D. Fratura com superfície dilacerada.
Figura 11-11. Fratura por torção. Superfície de fratura com característica dúctil.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
Figura 11-12. Ângulo de dobramento.
Denomina-se dobramento alternado o fato de um instrumento ou corpo de prova ficar submetido a dobramentos sucessivos em sentidos opostos (dobramento e desdobramento). Com a sequência do dobramento e desdobramento o instrumento sofre encruamento com redução da plasticidade. Após certo percentual de encruamento o instrumento sofre ruptura brusca pela redução da plasticidade e aumento da fragilidade. Isso indica que as deformações plásticas excessivas a que o instrumento foi submetido induzem mudanças na microestrutura interna do material13,19. Por isso, na prática endodôntica carregamentos de dobramentos alternados (dobramento e desdobramento) em regime de deformação plástica raramente são permitidos e devem ser evitados13,33,35. Assim, instrumentos endodônticos não deveriam ser dobrados durante a instrumentação de um canal radicular. Na Endodontia, não é usual o emprego do ensaio mecânico de dobramento. Assim, o estudo da fratura de instrumentos endodônticos por dobramento geralmente é analisada por meio do uso clínico.
493
realizar o dobramento na forma de arco, empregandose aparelhos com cutelos cilíndricos de raios iguais a 3,5mm (FlexoBend Maillefer, Suíça). Durante o dobramento devemos evitar a mudança brusca de direção do eixo do instrumento, com a formação de grandes ângulos de dobramento (pequenos raios de curvatura), o qual favorece a concentração de tensão no ponto máximo de dobramento. Devem ser procurados grandes raios de curvatura (pequenos ângulos de dobramento) com objetivo de suavizar a transição do segmento reto para o curvo do instrumento endodôntico (curva de transição). No dobramento prévio, depois da retirada da força, o ângulo de dobramento final do instrumento é menor do que o ângulo dado ao instrumento durante o dobramento. Esse efeito é conhecido como efeito mola ou recuperação elástica do material conformado (Fig. 11-13). Os instrumentos endodônticos de aço inoxidável podem ser submetidos a carregamento de dobramento: • Pelo profissional antes da instrumentação com o objetivo de favorecer o avanço do instrumento em sentido apical de um canal radicular. Porém, a anatomia dentária revela que a maioria dos canais radiculares apresenta o segmento cervical reto e o apical curvo. Assim, o instrumento endodôntico de aço inoxidável pré-curvado ao avançar no sentido apical de um canal radicular sofre esforços alternados de desdobramento e dobramento. É inadmissível acreditar que a pré-curvatura dada ao instrumento corresponda à curvatura verdadeira do canal radicular. • Pelas paredes dentinárias durante o avanço de um instrumento endodôntico no interior de um canal radicular curvo, o que ocorre devido às forças de resistência das paredes dentinárias do canal radicular.
Considerações clínicas Quando do emprego clínico para dar a forma final desejada e adequada à curvatura do canal radicular, o carregamento de dobramento geralmente é aplicado na extremidade e raramente no centro da parte de trabalho do instrumento endodôntico. Procura-se
Figura 11-13. Dobramento. Efeito mola ou recuperação elástica do material dobrado.
494
Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
O ângulo de dobramento é maior em canais com pequenos raios de curvatura, e a intensidade das tensões de dobramento e desdobramento é maior para instrumentos de diâmetros maiores. A movimentação de um instrumento endodôntico dobrado durante o preparo de um canal radicular, por meio do movimento de limagem, induz carregamento alternado de dobramento e desdobramento no segmento dobrado do instrumento. Quanto maiores a amplitude e a frequência do movimento, maior será a indução de tensões trativas e compressivas na área de dobramento e desdobramento do instrumento. No movimento de alargamento (parcial, alternado ou contínuo) o segmento dobrado não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um círculo ou semicírculo com raio igual ao comprimento do segmento pré-curvado. Todavia, devido à resistência das paredes dentinárias e ao pequeno diâmetro dos canais radiculares, o giro do segmento pré-curvado do instrumento é reduzido ou anulado, ocorrendo no ponto crítico de dobramento combinações de tensões por torção e por dobramento alternado. Esses carregamentos combinados podem ultrapassar o limite de resistência à fratura do instrumento endodôntico. Durante o uso clínico a fratura geralmente ocorre quando da combinação de tensões (dobramento e torção). Durante o preparo de um canal radicular curvo, para evitar carregamentos de dobramento alternado isolados ou combinados ao de torção dos instrumentos endodônticos, devemos empregá-los em regime de deformação elástica e jamais em regime plástico (dobrado). Para canais atresiados e curvos, devemos empregar instrumentos de aço inoxidável de pequenos diâmetros (nos 8 ao 25) sem pré-curvamento. Em função das dimensões e das propriedades mecânicas da liga de aço empregada, esses instrumentos são dotados de flexibilidade suficiente para acompanhar a curvatura de um canal radicular. Para instrumentos de maior diâmetro, devemos empregar os de níquel-titânio, em função da superelasticidade da liga metálica. Essa propriedade permite que instrumentos de maior diâmetro trabalhem em regime elástico mesmo em canais severamente curvos. Os instrumentos de NiTi raramente apresentam deformação plástica por dobramento durante a instrumentação de canais radiculares. Nos casos onde o acesso radicular é obtido apenas com o instrumento pré-curvado, o movimento desse por limagem, por alargamento parcial alternado ou parcial à direita deverá ser de pequena amplitude e baixa frequência, o que permite que o instrumento
mesmo dobrado devido ao efeito mola trabalhe no interior do canal radicular dentro do regime elástico. Com esses procedimentos reduzimos a possibilidade de fratura do instrumento e de alteração na forma do canal radicular33,35. É importante ressaltar que a maioria dos profissionais emprega instrumentos endodônticos de aço inoxidável de menores diâmetros pré-curvados no preparo de canais curvos e, mesmo assim, o número de fraturas desses instrumentos é reduzido. Isso pode ser justificado em função de que as curvaturas dos canais radiculares geralmente são suaves e moderadas, as quais determinam pequenos ângulos de dobramento dos instrumentos endodônticos. Quanto menor o ângulo de dobramento, menor a indução de tensão no instrumento endodôntico. Outra justificativa é a de que o instrumento endodôntico de pequeno diâmetro mesmo após o dobramento mantém suas propriedades elásticas (efeito mola). Assim, ao ser movimentado (limagem, alargamento parcial à direita ou alternado) no interior de um canal radicular, o segmento dobrado do instrumento não ficará submetido à deformação plástica (dobramento alternado). Outro aspecto que contribui para diminuir a incidência de fratura é que o aço inoxidável empregado na fabricação dos instrumentos endodônticos é classificado como um material dúctil. Esses fatos reduzem a possibilidade de encruamento e de aparecimento de trincas na área dobrada do instrumento endodôntico de diâmetro menor. Consequentemente, esses instrumentos podem suportar continuamente pequenos esforços de dobramento/desdobramento isolados ou combinados ao de torção sem que haja a ruptura.
Análise no MEV Na fratura por dobramento alternado ou por dobramento e torção, há acentuada deformação plástica da haste de corte helicoidal cônica do instrumento endodôntico. Na área de dobramento e desdobramento de um instrumento endodôntico de aço inoxidável, observamos microtrincas que atuam como pontos de nucleação de fratura. A continuidade de carregamentos alternados induz o crescimento das microtrincas e a fratura do instrumento. Independentemente do processo de fabricação (torcido ou usinado) do instrumento, a superfície de fratura pode ser plana, quando oriunda da propagação de uma única trinca, ou apresentar diversos planos, quando a ruptura é oriunda da propagação
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
de mais de uma trinca. Geralmente, no segundo caso, as propagações das trincas ocorrem em sentidos opostos e separadas por pequenas distâncias33,35. Nos casos em que há tensões combinadas de dobramento e torção, a fratura ocorre junto ao ponto crítico de dobramento do instrumento. A superfície de fratura geralmente apresenta aspecto dilacerado e se observa deformação plástica das hélices do instrumento (Fig. 11-14A a C).
495
Fratura por flexão rotativa A fratura por flexão rotativa ocorre quando um instrumento endodôntico gira no interior de um canal curvo, estando ele dentro do limite elástico do material. Na região de flexão rotativa de um instrumento endodôntico são induzidas tensões alternadas trativas e compressivas. A repetição dessas tensões promove mudanças microestruturais acumulativas que induzem a nucleação, crescimento, coalescimento de trincas, que se propagam até a fratura por fadiga do instrumento endodôntico (Fig. 11-15A e B).
A A
B
B C
Figura 11-14. Fratura de um instrumento endodôntico por dobramento e torção. A. Trinca na área dobrada. B e C. Fraturas com superfícies dilaceradas.
Figura 11-15. Fratura de um instrumento endodôntico por flexão rotativa. A. Instrumento no interior de um canal curvo: (a) tensão trativa; (b) tensão compressiva (catálogo VDW – adaptação). B. Trincas na superfície do instrumento.
496
Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A fadiga é um fenômeno que ocorre quando são aplicados carregamentos dinâmicos repetidos ou flutuantes a um material metálico e o mesmo rompe-se com uma carga muito menor do que a equivalente à sua resistência estática. As tensões necessárias para propagar a trinca são consideravelmente inferiores à tensão capaz de provocar o crescimento da trinca sob carga monotonicamente crescente e com valores nominais inferiores ao limite de escoamento do material. A fadiga é importante no sentido de que ela é a maior causa individual de falhas em metais, sendo estimado que ela compreende aproximadamente 90% de todas as falhas metálicas3,15. A falha por fadiga pode apresentar características de natureza frágil, mesmo em metais dúcteis, uma vez que existem pouca deformação plástica e ausência de grandes áreas com deformação macroscópica associada à falha3,7,13. A fratura por fadiga é considerada de baixo ciclo quando ocorre abaixo de 104 ciclos. Está associada a cargas relativamente elevadas que produzem não somente deformações elásticas, mas também alguma deformação plástica durante cada ciclo. Consequentemente, a vida em fadiga é relativamente curta. Para níveis de tensão mais baixos, onde as deformações são totalmente elásticas, tem-se como resultado a fadiga de alto ciclo, uma vez que números de ciclos relativamente grandes são necessários para produzir a falha. A fadiga de alto ciclo ocorre acima de 104 ciclos3,7,13. Nesses casos a vida em fadiga é mais longa. A vida em fadiga de um material está relacionada com o número de ciclos necessários para causar a falha (fratura) em um nível de tensão específico. As etapas de ruptura de um material sujeito à fadiga são, essencialmente, nucleação da trinca, propagação da trinca e ruptura da peça ou corpo de prova (fratura rápida). A nucleação de trincas de fadiga sempre ocorre na superfície do material. A nucleação da trinca é sempre lenta e microscópica e depende fundamentalmente do acabamento superficial da peça. A presença de defeitos de acabamento superficial (ranhuras) reduz a duração dessa etapa. Na segunda etapa, a propagação da trinca é macroscópica e se dá em incrementos durante cada ciclo de carregamento pela abertura e fechamento consecutivos da trinca, a qual cresce na direção do seu eixo longitudinal com um certo incremento. A terceira etapa ocorre (fratura final) quando o comprimento da trinca atinge um tamanho crítico tal, que a seção resistente fica relativamente pequena, a porção remanescente não pode resistir à carga e a ruptura ocorre repentinamente. Assim, a morfolo-
gia da superfície de fratura por fadiga apresenta duas zonas: uma produzida pelo desenvolvimento gradual e progressivo da trinca; a outra, pela ruptura brusca. A primeira zona se apresenta lisa em razão da iniciação e propagação da trinca, e a segunda (fratura final) como se fosse uma fratura dúctil. Como as trincas de fadiga comumente se iniciam na superfície do instrumento, é fácil entender a importância de que sejam evitados concentradores de tensões, entre eles as variações bruscas de dimensões, presença de ranhuras na superfície e tensões residuais (internas) oriundas do tratamento mecânico ou térmico. Em consequência, os resultados obtidos nos ensaios laboratoriais com os corpos de prova da matéria-prima usada na fabricação dos instrumentos têm um significado restrito, sendo essencial a realização dos ensaios dos instrumentos para se avaliar a influência do acabamento e do processo de fabricação na resistência à fadiga. A fratura por flexão rotativa pode ser avaliada e analisada por meio de ensaio mecânico ou de estudo clínico. Na Endodontia é muito estudada, avaliando-se o comportamento de instrumentos de NiTi. Para a realização do ensaio mecânico é necessário o uso de dispositivos específicos13,21,26,46. O instrumento endodôntico gira no interior de um canal artificial curvo com raio de curvatura e comprimento do arco predeterminados (Fig. 11-16A e B). É considerado ensaio destrutivo, ou seja, é realizado até ocorrer a fratura do instrumento endodôntico. O canal artificial deve possuir diâmetro maior do que o do instrumento a ser ensaiado. O instrumento endodôntico é acionado a uma velocidade predeterminada, empregando-se um contra-ângulo acoplado a um micromotor elétrico. O conjunto canal artificial, contra-ângulo/micromotor elétrico é fixado em um dispositivo suporte, tendo como objetivo principal eliminar a interferência do operador na indução de tensões sobre os instrumentos endodônticos durante o ensaio de flexão rotativa. Na Endodontia, o ensaio de flexão rotativa pode ser considerado estático ou dinâmico. É considerado estático quando um instrumento endodôntico gira no interior de um canal artificial curvo, permanecendo numa mesma distância, ou seja, sem deslocamento longitudinal de avanço e retrocesso21,37,46. Quando um instrumento durante o ensaio é movimentado longitudinalmente com avanço e retrocesso, é considerado dinâmico26,59. De acordo com Tobushi et al.55, o ensaio de flexão rotativa é um método simples e eficaz para determinar o comportamento em fadiga dos instrumentos endodônticos de NiTi.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A
Figura 11-16. Ensaio mecânico de flexão rotativa. A. Desenho esquemático. B. Instrumento posicionado no interior de um canal artificial.
B
A partir do ensaio de flexão rotativa podemos quantificar o número de ciclos que um instrumento endodôntico é capaz de resistir à fratura por fadiga em uma determinada condição de carregamento. O número de ciclos é obtido pela multiplicação da velocidade de rotação empregada no ensaio pelo tempo para ocorrer a fratura do instrumento endodôntico. É cumulativo e está relacionado com a intensidade das tensões trativas e compressivas impostas na região de flexão rotativa do instrumento endodôntico. A intensidade das tensões é um parâmetro específico e está relacionada com o raio de curvatura do canal, o comprimento do arco, o diâmetro e a rigidez do instrumento empregado. Quanto menor o raio de curvatura do canal, maiores o comprimento do arco, o diâmetro e a rigidez do instrumento empregado, menor será o número de ciclos até a fratura suportado pelo instrumento endodôntico ensaiado21,22,23,37,40,41,46,57,59. Para Haikel et al.21, mantendo a velocidade constante, quanto menor o raio do canal e maior o diâmetro do instrumento, maior será a tensão criada na superfície do instrumento, o que aumenta a possibilidade de sua fratura prematura. Os resultados obtidos por esses autores mostraram que um instrumento ProFile de NiTi da marca Maillefer (Maillefer SA, Suíça) de no 25 e conicidade 0,04 mm/mm, girando 350rpm em um canal artificial com curvatura de 5mm de raio, levou o tempo médio de 105,20 segundos até atingir a fratura (no de ciclos = 613,67). Usando o mesmo instrumento e aumentando o raio do canal para 10mm, o tempo para fratura aumentou para 538,20 segundos (no de ciclos = 3.139,50). Aumentando o diâmetro do instrumento para o no 35, em um canal com raio de 5mm o tempo médio até a fratura foi de 94,10 segundos (no de ciclos = 548,92) e em um canal com raio de 10mm foi de 445,60 segundos (no de ciclos = 2.599,33).
497
Para Lopes et al.37, mantendo-se a velocidade de rotação e o raio de curvatura do arco de um canal constantes, quanto maior o comprimento do arco, maior será a tensão induzida na superfície de um instrumento endodôntico, o que reduz o número de ciclos necessários para causar a sua fratura em fadiga. Os resultados obtidos por esses autores mostraram que instrumentos ProTaper F3 de 25mm de comprimento (Maillefer SA, Suíça) girando 250rpm em canais artificiais de 20mm de comprimentos e arcos nas pontas (arco de 9,5mm e arco de 14mm) com raios de 6mm fraturaram com valor médio de ciclos menor no canal com arco maior (14mm) do que no canal com arco menor (9,5mm) (Quadro 11-4).
Em função dos resultados obtidos podemos afirmar que para canais de mesmo raio de curvatura o comprimento do arco exerce influência na fratura em fadiga de um instrumento de mesmo número. Quanto maior o comprimento do arco, menor será o número de ciclos suportado pelo instrumento endodôntico até a fratura por fadiga. Isso ocorre porque no canal com arco maior o ponto máximo de tensão em flexão rotativa está localizado na haste de corte helicoidal cônica do instrumento em uma área de maior diâmetro. Consequentemente, quanto maior o diâmetro da haste de corte helicoidal cônica de
Quadro 11-4 Média (desvio padrão) do tempo e do número de ciclos para ocorrer a fratura por fadiga de instrumentos ProTaper F3 Arco (mm)
Tempo (s)
No de ciclos
9,5
165,3 (1,5)
688,9 (64)
14,0
72,8 (1,4)
303,5 (60)
498
Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
Quadro 11-5 Média e desvio padrão (DP) do tempo (segundo) e do número de ciclos para a fratura por fadiga (NCF) de instrumentos ProTaper universal Velocidade rpm
Número de instrumentos
300 600
ProTaper F3
ProTaper F4
Tempo(s)
NCF (DP)
Tempo(s)
NCF (DP)
10
76
380 (42,10)
56,2
281 (39,28)
10
27
270 (46,43)
21,8
218 (34,89)
um instrumento endodôntico no ponto máximo de concentração de tensão (aproximadamente o meio do arco) menor será o número de ciclos até a fratura por fadiga do instrumento. Para ensaios de flexão rotativa realizados em uma mesma condição de carregamento, a velocidade de rotação não tem influência significativa sobre o número de ciclos para a fratura do instrumento endodôntico de NiTi mecanizado. Isso porque velocidades maiores reduzem o tempo requerido para alcançar o número de ciclos até a fratura7,8,24,42,46,61. Todavia, para outros autores o aumento da velocidade reduz significativamente o número de ciclos para a fratura de instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados9,11,12,16,38,60. Para Ferreira14, mantendo-se constante a geometria de um canal artificial, o número de ciclos requerido para causar a fratura por flexão rotativa de instrumentos ProTaper Universal F3 e F4 foi influenciado pela velocidade de rotação (Quadro 11-5). Os resultados desse quadro mostraram que o número de ciclos para a fratura por fadiga (NCF) foi maior para os instrumentos de menor diâmetro (F3) e diminuiu com o aumento da velocidade de rotação. Para Eggeler et al.12, o efeito da velocidade de rotação na fratura de um corpo de prova de NiTi está relacionado com a produção de calor durante a formação da martensita induzida por tensão. Para formar a martensita, a interface austenita-martensita tem que se mover, e esse movimento dissipa energia e produz calor. Velocidades maiores produzem mais calor que velocidades menores e com isso aumenta mais rapidamente a temperatura do corpo de prova, que leva ao rápido aumento da tensão na superfície, fazendo com que a fratura por fadiga ocorra precocemente. Li Uei-Ming et al.26, por meio de ensaio mecânico de flexão rotativa dinâmico empregando a mesma velocidade de avanço e retrocesso (1mm/s) em canais curvos, observaram que avanços e retroces-
sos maiores promoveram um maior tempo de vida útil (maior número de ciclos) do instrumento endodôntico de NiTi. Segundo os autores, uma distância de avanço e retrocesso maior no segmento curvo do canal propiciou ao instrumento endodôntico um intervalo de tempo maior antes que ele passasse novamente na área crítica de maior concentração de tensão. Essa manobra tem como objetivo evitar a concentração de tensão em uma determinada área do instrumento (Quadro 11-6). A fratura por fadiga é imprevisível e acontece sem que haja qualquer aviso prévio. A vida em fadiga não depende do torque aplicado ao instrumento endodôntico, mas do número de ciclos e da intensidade das tensões aplicadas na área flexionada de um instrumento endodôntico13,35. A fratura por flexão rotativa de um instrumento endodôntico no interior de um canal curvo ocorre no ponto máximo de flexão da haste de corte helicoidal cônica do instrumento, localizada próximo ao ponto médio do arco36,46. Para ocorrer a fratura por flexão rotativa durante o uso clínico é necessário que o instrumento endodôntico gire dentro do limite elástico do mate-
Quadro 11-6 Valores médios e desvio padrão (DP) do tempo de fratura (segundos) para cada distância de avanço e retrocesso em três rotações diferentes em canal curvo (45º)26 Velocidade Avanço 200rpm
300rpm
400rpm
0
118 (11,6)
103 (15,6)
58 (13,2)
1
152 (14,3)
122 (30)
92 (14,7)
2
166 (19,2)
134 (43,8)
102 (21)
3
200 (58,7)
143 (8,8)
118 (33,6)
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
rial no interior de um canal radicular curvo. O uso clínico para avaliar a fratura por fadiga de instrumentos endodônticos submetidos a flexão rotativa no interior de canais radiculares curvos é de valor mecânico irrelevante. Isso porque, devido a uma grande diversidade anatômica dos canais radiculares e das variáveis advindas dos operadores, tornase impossível controlar com segurança o número de ciclos e a intensidade das tensões na região de flexão rotativa do instrumento endodôntico empregado na instrumentação de canais radiculares. Assim, predizer o número de canais radiculares em que um instrumento endodôntico de NiTi mecanizado pode ser empregado com segurança sem ocorrer a fratura por fadiga, não levando em consideração os raios de curvaturas dos canais, os comprimentos dos arcos, os diâmetros, as conicidades e as resistências em flexão dos instrumentos endodônticos empregados, é no mínimo uma conduta empírica e incorreta. Porém, o estudo clínico é importante para descrever procedimentos técnicos capazes de aumentar a vida útil (vida em fadiga) de um instrumento endodôntico quando submetido à flexão rotativa no interior de um canal radicular, assim como propor condutas clínicas diante de casos com fragmentos de instrumentos endodônticos retidos no interior de um canal radicular. Recomendações clínicas para reduzir a incidência de fratura por flexão rotativa de um instrumento endodôntico durante a instrumentação de um canal radicular: • Permanecer o menor tempo possível com o instrumento girando no interior de um canal radicular curvo; • Manter o instrumento no interior de um canal curvo em constante avanço e retrocesso em sentido apical; • Não flambar o instrumento no interior de um canal radicular; • Quanto menor o raio de curvatura do canal e maior o comprimento do arco menor deverá ser a conicidade do instrumento empregado; • Durante o movimento de retrocesso não pressionar lateralmente (pincelamento) o instrumento contra as paredes de segmentos achatados de canais radiculares. Para executar o movimento de pincelamento, o instrumento endodôntico deve ser submetido à seguinte manobra: rotação contínua à direita acompanhada simultaneamente de pressão lateral e tração no sentido coronário do dente. Nessa condição, o instrumento en-
499
dodôntico de NiTi fica submetido desnecessariamente a um carregamento de flexão rotativa que induz tensões trativas e compressivas na região de maior flexão da haste de corte helicoidal cônica. Consequentemente, o instrumento é submetido indevidamente a um número de ciclos acumulativo, reduzindo a sua vida útil à fadiga. Outra maneira de se reduzir a fratura por fadiga é por meio do descarte preventivo do instrumento antes de ele alcançar o limite de vida em fadiga. Todavia, esse procedimento eleva o custo do tratamento endodôntico, podendo ser considerado como uma desvantagem.
Análise no MEV Na ruptura por flexão rotativa de um instrumento de NiTi mecanizado, a superfície de fratura pode ser plana, quando oriunda da propagação de uma única trinca, ou apresentar diversos planos, quando a ruptura é oriunda da propagação de mais de uma trinca (Fig. 11-17A e B). No segundo caso, a propagação das trincas
A
B
Figura 11-17. Flexão rotativa. Fratura por fadiga. A. Superfície plana. B. Superfície com múltiplos planos.
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Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
Figura 11-18. Flexão rotativa. Fratura por fadiga. Ausência de deformação plástica na haste de corte helicoidal cônica de um instrumento endodôntico.
ocorre em sentidos opostos e separadas por pequenas distâncias. Na fratura por flexão rotativa não ocorre deformação plástica aparente na haste de corte helicoidal cônica do instrumento (Fig. 11-18). A morfologia da superfície de fratura de instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados por flexão rotativa apresenta características do tipo dúctil. Nela se identifica a presença de microcavidades com formas variadas1,14,17,37,40,41,43,53,59 (Fig. 11-19A e B). Defeitos oriundos do processo de fabricação de instrumentos endodônticos podem atuar como concentradores de tensão. Esses defeitos induzem a fratura do instrumento durante o ensaio mecânico de flexão rotativa ou durante uso clínico com carregamentos inferiores aos esperados. Quanto maiores o número e o tamanho dos defeitos de acabamento superficial na haste de corte helicoidal cônica de um instrumento, menor será a tensão necessária para determinar a sua fratura. Junto à superfície de fratura foram observadas trincas localizadas nas depressões das ranhuras25,29,31,33,39 (Fig. 11-20A a F).
A
Vale ressaltar que há por parte dos fabricantes uma grande dificuldade em produzir instrumentos endodônticos sem defeitos. Assim, é fácil detectar em instrumentos endodônticos de qualquer marca comercial variações das dimensões propostas e defeitos de acabamento superficial. Em razão do exposto podemos afirmar que o problema do emprego de instrumentos endodônticos de NiTi mecanizados no preparo de canais radiculares curvos não será resolvido com a fabricação de motores elétricos sofisticados e altamente onerosos, mas com: • Maior precisão nas dimensões dos instrumentos endodônticos; • Melhor acabamento superficial dos instrumentos endodônticos; • Alteração da composição química e estado termomecânico da liga NiTi; • Maior conhecimento das propriedades mecânicas dos instrumentos endodônticos, melhor conhecimento técnico de parte do profissional das indicações e do uso da ferramenta de trabalho (instrumento endodôntico).
Fratura dos alargadores Gates Glidden e Largo Os alargadores, incorretamente denominados brocas Gates Glidden e Largo, são instrumentos rotatórios fabricados por usinagem de uma haste de aço inoxidável. A fratura desses instrumentos pode ocorrer por torção, flexão rotativa e por combinação desses carregamentos. Geralmente, ocorre por flexão rotativa,
B
Figura 11-19. Fratura por flexão rotativa com característica dúctil. A. Fratura dúctil. Presença de trincas junto das ranhuras. B. Fratura dúctil. Presença de microcavidades com formas variadas.
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A
B
C
D
E
F
501
Figura 11-20A a F. Defeitos de acabamento superficial. Trincas nas depressões das ranhuras.
sendo o instrumento pressionado lateralmente de encontro a uma parede dentinária (pincelamento). O intermediário dos alargadores Gates Glidden e Largo não apresenta uma forma cilíndrica, mas suavemente cônica, com menor diâmetro junto à haste de fixação (raio de concordância). Essa variação de diâme-
tro e a configuração geométrica (raio de concordância) têm por objetivo concentrar as tensões de torção e/ou flexão rotativa junto à haste de fixação, o que pode ser observado em ensaios mecânicos ou durante o uso clínico de instrumentação de um canal radicular. A tensão induzida nessa região pode ultrapassar o limite de
502
Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
A
B
Figura 11-21. Fratura dos alargadores Gates Glidden e Largo. Intermediário, diâmetro menor junto ao raio de concordância (a < b). A. Alargador Gates Glidden. B. Alargador Largo.
resistência mecânica do material determinando o local da fratura do instrumento (Fig. 11-21A e B). A localização do ponto de fratura junto ao raio de concordância, próximo à haste de fixação e acionamento, independe do comprimento e do diâmetro do instrumento, assim como da natureza do carregamento (torção ou flexão rotativa)35 (Fig. 11-22A e B). Os alargadores com intermediário de menor diâmetro (números menores), por apresentarem facilidade de deformação elástica e baixa resistência mecânica, são os que fraturam com maior frequência durante os ensaios mecânicos ou o uso clínico. Para Lopes et al.28 os alargadores Largo apresentam maior resistência à deformação elástica do que os Gates Glidden. Esse comportamento pode ser explicado pelo maior diâmetro do intermediário e pelo maior comprimento da parte de trabalho dos instrumentos Largo em relação aos de Gates Glidden, de mesmo diâmetro nominal.
Os mesmos autores28 verificaram também que os alargadores Gates Glidden no 1 apresentam fratura com baixo nível de carregamento. Por sua vez, os alargadores Gates Glidden no 2, de 28 e 32mm de comprimento, suportam carga de 83% e de 69%, respectivamente, superiores aos de no 1. Considerando esses resultados, os alargadores Gates Glidden no 1 não devem ser recomendados no preparo químico-mecânico dos canais radiculares (Quadro 11-7).
Por meio da análise no MEV pode ser observada a presença de ranhuras no intermediário de alargadores Gates Glidden e Largo27. Ranhuras presentes no intermediário dos alargadores Gates Glidden e Largo funcionam como pontos concentradores de tensão, podendo levar os instrumentos, principalmente os de diâmetros menores, à fratura por fadiga com níveis de tensão abaixo dos previsíveis (Fig. 11-23). A fratura inicia-se junto às depressões das ranhuras existentes em todo o intermediário do instrumento (Fig. 11-24). As superfícies de fratura apresentam características do tipo dúctil, com partículas no interior das microcavidades27 (Fig. 11-25). Durante o uso clínico, a fratura dos alargadores Gates Glidden e Largo ocorre por combinação de tensões (torção e flexão rotativa) e o ponto de fratura está localizado junto ao raio de concordância próximo da haste de fixação e acionamento. Assim, a extremidade do segmento fraturado está aquém da embocadura do canal radicular, o que permite a fácil remoção, através de sua apreensão e por meio de uma pinça clínica ou porta-agulhas35. Estando o segmento fraturado livre no interior do canal radicular, a fratura certamente ocorreu por flexão rotativa. Quadro 11-7 Carga média (gf ) e desvio padrão (DP) para a fratura em flexão rotativa dos alargadores Gates Glidden e Largo
A
B
Figura 11-22. Fratura junto ao raio de concordância. A. Alargadores Gates Glidden. B. Alargadores Largo.
Instrumento
Instrumentos de 28mm
Instrumentos de 32mm
Gates no 1
78,56 (8,79)
53,87 (3,15)
Gates no 2
144,29 (8,35)
98,32 (7,89)
Gates no 3
163,47 (13,78)
130,59 (8,35)
Largo no 1
244,76 (15,59)
215,53 (3,18)
Largo no 2
305,95 (13,78)
323,32 (22,41)
Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
503
Figura 11-23. Presença de ranhuras no intermediário de alargadores Gates Glidden e Largo.
Figura 11-25. Fratura de alargadores Gates Glidden e Largo. Superfície das fraturas apresenta características do tipo dúctil.
Figura 11-24. Fratura de alargadores Gates Glidden e Largo. Início da fratura junto da depressão da ranhura.
Um fato importante a ser considerado é que os alargadores Gates Glidden e Largo de diâmetros menores por apresentarem maior flexibilidade podem avançar durante a instrumentação em segmentos curvos de canais radiculares, induzindo a fratura em qualquer outro ponto do corpo do instrumento. Nesses casos, a falha ocorre no ponto do corpo em que houver maior tensão de solicitação. A remoção do fragmento fraturado não apresenta grande dificuldade, visto que geralmente permanece livre no interior do canal radicular, e a haste de corte helicoidal, apresentando passo da hélice incompleto e canal helicoidal profundo, permite a passagem de instrumentos endodônticos manuais, possibilitando a sua remoção pela ação de limagem, vibração sônica ou ultrassônica (ver Capítulo 12, Acidentes e complicações em Endodontia). Quando o segmento fraturado não puder ser removido, não impedindo, contudo, a passagem no sentido apical, ele poderá ser sepultado junto ao material obturador do canal radicular.
504
Capítulo 11 Fratura dos Instrumentos Endodônticos: Fundamentos Teóricos e Práticos
Os alargadores Gates Glidden não devem ser pressionados lateralmente durante o uso clínico com o intuito de desgaste lateral das paredes dentinárias ou mesmo no desgaste anticurvatura. A maior causa de fratura de instrumentos Gates Glidden é a pressão lateral acompanhada da movimentação de avanço e retrocesso do instrumento no interior do canal radicular (movimento de pincelamento) . Ao serem pressionados e movimentados durante o avanço e o retrocesso no interior de um canal radicular, o carregamento imposto pode flexionar o intermediário induzindo na região de flexão rotativa tensões alternadas trativas e compressivas. A repetição cíclica dessas tensões pode levar o instrumento à fratura. Os alargadores Largo, por apresentarem maior resistência a deformação elástica (menor flexibilidade) do que os Gates Glidden de igual diâmetro nominal, podem ser pressionados lateralmente durante o uso clínico desde que o carregamento não ultrapasse o limite de resistência à fratura por flexão rotativa do instrumento. Pela mesma justificativa mencionada sempre que possível devemos empregar alargadores Gates Glidden e Largo de menor comprimento (28mm). A flexibilidade é maior para instrumentos de maior comprimento. Isso ocorre porque para instrumentos de maior comprimento o carregamento necessário para induzir a flexão é menor do que para instrumentos mais curtos. Consequentemente, como o carregamento para induzir a flexão de um instrumento mais longo é menor, a probabilidade de ele fraturar por flexão rotativa quando pressionado lateralmente é maior do que outro de igual diâmetro nominal, porém de menor comprimento (maior resistência a deformação elástica). A fratura dos instrumentos endodônticos durante o preparo de um canal radicular geralmente ocorre devido à falta de conhecimento das propriedades mecânicas da ferramenta de trabalho (instrumento endodôntico), a pouca habilidade do profissional e à falta de inspeção periódica dos instrumentos após o emprego para verificar a existência de defeitos que inviabilizam o uso subsequente.
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Acidentes e Complicações em Endodontia
Capítulo
12
Hélio Pereira Lopes José Freitas Siqueira Jr. Carlos Nelson Elias Marco Aurélio R. Prado
Durante as diferentes etapas do tratamento endodôntico, alguns acidentes e complicações podem ocorrer em razão da complexidade anatômica dos dentes, da falta de conhecimento das propriedades mecânicas dos instrumentos endodônticos, do desconhecimento de procedimentos técnicos adequados e da pouca habilidade do profissional. Todavia, os acidentes advindos do tratamento endodôntico podem acontecer tanto com profissionais de pouca experiência, como com aqueles bem experientes. São considerados acidentes os acontecimentos imprevistos e casuais resultando em dano que vem dificultar ou mesmo impedir o tratamento endodôntico. Os mais comuns estão relacionados com a instrumentação dos canais radiculares, destacando-se formação de degraus, transporte apical de um canal radicular curvo, fratura dos instrumentos endodônticos e perfurações endodônticas. Complicação é o ato ou efeito de dificultar a resolução de um tratamento endodôntico. Pode advir dos acidentes ou ser inerente aos dentes, tais como canais atresiados, curvaturas radiculares, rizogêneses incompletas e anatomias atípicas. As complicações inerentes aos dentes podem induzir acidentes. Os objetivos deste capítulo são analisar as causas e a prevenção dos acidentes advindos da instrumentação de canais radiculares e com base na experiência clínica propor soluções para os acidentes e as complicações encontradas.
ACIDENTES E COMPLICAÇÕES NA INSTRUMENTAÇÃO A instrumentação, uma das etapas mais importantes do preparo químico-mecânico dos canais radiculares, tem como objetivo a obtenção de um canal radicular de formato cônico (modelagem) com maiores diâmetros possíveis21. Esse objetivo é, geralmente, logrado em canais retos e pouco provável em canais curvos, onde a forma final do canal radicular geralmente apresenta alguma alteração em relação à original. O resultado final da instrumentação de um canal curvo pode ser influenciado por vários fatores, tais como: valor do raio de curvatura do canal, localização e comprimento do arco, flexibilidade e diâmetro do instrumento endodôntico, tipo de movimento empregado, técnica de instrumentação, localização da abertura foraminal e dureza da dentina. Durante a instrumentação de um canal radicular curvo podem ser detectadas três áreas em que há maior desgaste das paredes dentinárias que podem provocar acidentes ou complicações indesejáveis (Fig. 12-1). A primeira das áreas está no segmento apical, onde a extremidade do instrumento é pressionada contra a parede externa do canal (convexa da raiz). A segunda se localiza nas proximidades do segmento médio do canal, onde o instrumento tende a desgastar a parede interna do canal (côncava da raiz), e a terceira se localiza na embocadura do canal voltada para a parede externa do canal radicular (convexa da raiz).
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
Figura 12-1. Ilustração esquemática. Canal radicular curvo. Áreas de maior desgaste das paredes dentinárias. (a) Segmento apical. Parede externa do canal. (b) Segmento médio. Parede interna do canal. (c) Segmento cervical. Parede externa do canal.
Formação de degraus, perfurações e transportes apicais internos ou externos são alguns acidentes indesejáveis observados na instrumentação de canais radiculares curvos. Com vistas a minimizar esses problemas, modificações na sequência de instrumentação e na geometria dos instrumentos endodônticos têm sido sugeridas. Em relação à sequência de instrumentação, a pré-instrumentação criando o leito do canal radicular e a instrumentação no sentido coroa-ápice facilitam a instrumentação do segmento apical, reduzindo a possibilidade de acidentes. Avanços tecnológicos têm permitido a confecção de instrumentos endodônticos com liga níquel-titânio (NiTi). A grande elasticidade da liga NiTi comparada às tradicionais (aço inoxidável) é denominada superelasticidade ou pseudoelasticidade. Essa característica é o grande diferencial da liga NiTi em relação à de aço inoxidável, empregada na fabricação de instrumentos endodônticos6,19,20,21,33. Vários trabalhos têm demonstrado que durante a instrumentação a modificação da forma original de um canal radicular curvo é superior com os instrumentos de aço inoxidável em relação aos de NiTi9,18,33. Esse comportamento pode ser atribuído à maior resistência
à deformação elástica (maior rigidez) do instrumento de aço inoxidável. Os instrumentos endodônticos de NiTi, por terem maior elasticidade (menor rigidez), são deformados elasticamente com níveis inferiores de tensão durante a instrumentação de um canal radicular. Quanto maior a resistência de um instrumento endodôntico no regime elástico, maior será a força exercida por ele contra a parede dentinária de um canal radicular curvo19,20,21,23,24. Modificações também têm ocorrido na forma e dimensão da haste de corte helicoidal cônica e na ponta dos instrumentos endodônticos. A haste de corte helicoidal cônica pode apresentar diferentes ângulos agudos de inclinação das hélices, desenhos e conicidades. As hélices das hastes de corte são projetadas para o corte ou raspagem das paredes internas de um canal radicular, quando o instrumento endodôntico é acionado por meio de um movimento de alargamento ou limagem. Quanto menor o ângulo agudo de inclinação da hélice, mais eficiente é a ação de alargamento, ao contrário da ação de limagem. O canal helicoidal do instrumento é responsável pelo transporte de cavacos (resíduos) oriundos do corte ou raspagem da dentina e pelo volume e passagem de substância química auxiliar da instrumentação para o segmento apical de um canal radicular21,22,25. Com o objetivo de facilitar a instrumentação do canal no sentido coroa-ápice foram sugeridas conicidades maiores para as hastes de corte helicoidais cônicas dos instrumentos endodônticos. O maior alargamento do segmento cervical favorece o avanço do instrumento de menor diâmetro no sentido coroa-ápice quando empregado na sequência de instrumentação de um canal radicular, o que permite que a extremidade do instrumento empregado fique submetida a um menor carregamento, reduzindo o esforço de corte e a possibilidade de fratura6,15,21,28. A ponta dos instrumentos endodônticos apresenta a figura geométrica de um cone e pode ser classificada como cônica circular ou facetada. A extremidade da ponta pode ser pontiaguda, arredondada ou truncada. Ponta cônica circular e extremidade arredondada ou truncada minimizam a formação de degraus e perfurações radiculares. Pontas facetadas e com extremidade aguda induzem a formação de degraus e perfurações radiculares21,22. A passagem da base da ponta para a haste de corte helicoidal de um instrumento endodôntico pode formar um ângulo obtuso denominado ângulo de transição. Esse ângulo confere agressividade de corte à base da ponta do instrumento. Sua presença durante
Acidentes e Complicações em Endodontia
a instrumentação de um canal radicular curvo com o movimento de alargamento pode provocar defeitos (transporte apical) na parede dentinária externa do canal radicular ou a fratura do instrumento endodôntico por torção. A transição da base da ponta para a haste de corte helicoidal deve ser feita de modo suave, apresentando uma forma elipsoide (curva de transição) com o objetivo de facilitar a rotação do instrumento (movimento de alargamento) durante a instrumentação de um canal radicular21,22. O avanço dos conhecimentos básicos de mecânica e o aprimoramento do profissional têm reduzido a incidência de acidentes endodônticos e permitido que muitas complicações advindas dos acidentes ou inerentes aos dentes sejam solucionadas satisfatoriamente com os recursos endodônticos existentes.
Degrau O degrau é uma irregularidade criada na parede de um canal radicular aquém do CT e sem comunicação com o ligamento periodontal5,6,13,14,21. Ocorre principalmente no início do arco de canais radiculares curvos. A parede externa do canal é desgastada, o que resulta na formação de um plano horizontal denominado degrau (Fig. 12-2). Esse acidente dificulta ou impede o avanço do instrumento em sentido apical do canal radicular.
Causas • Desconhecimento da anatomia dentária e, particularmente, do sentido da curvatura radicular;
Figura 12-2. Degrau. Ilustração esquemática.
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• Erro no acesso à cavidade pulpar; • Uso de instrumentos endodônticos com diâmetros não compatíveis com o diâmetro e anatomia do canal; • Ângulo de rotação excessivo aplicado ao instrumento durante o seu avanço em sentido apical do canal; • Uso de instrumentos rígidos em segmentos curvos de canais radiculares; • Obstrução do canal por raspas de dentina ou outros resíduos durante a instrumentação. A formação de um degrau geralmente ocorre durante a etapa de exploração de um canal radicular atresiado e curvo. A prevenção da formação de um degrau durante a instrumentação de um canal radicular inicia-se na abertura coronária. Um acesso coronário adequado, removendo interferências anatômicas dentinárias da embocadura do canal (desgaste compensatório), facilita as fases subsequentes da instrumentação do canal radicular. A criação do leito do canal quando realizado adequadamente e com princípios mecânicos corretos favorece o avanço do instrumento endodôntico no sentido apical do canal radicular. Quanto menor o ângulo de rotação à direita, menores serão o avanço (roscamento) do instrumento no sentido apical do canal radicular e a resistência ao corte da dentina, eventos esses que reduzem a formação de degraus nas paredes externas dos canais radiculares. A identificação precoce da formação de degraus favorece a manobra de retomada da trajetória original do canal radicular. Um degrau criado por um instrumento de maior diâmetro é mais difícil de ser ultrapassado do que o criado por um de menor diâmetro. Isso porque a dimensão do degrau (largura) criada por um instrumento maior apresenta maior probabilidade de impedir o avanço do instrumento explorador além do degrau. A manobra habitualmente empregada para ultrapassar o degrau é um pequeno encurvamento da extremidade de um instrumento endodôntico de aço inoxidável tipo K no 15 ou menor, se o diâmetro do canal radicular exigir. O instrumento deve ser movimentado girando à direita e à esquerda, com pequeno avanço e retrocesso em sentido apical, para desviar do degrau e encontrar o trajeto original do canal. A ampliação do segmento cervical é recomendável, uma vez que, normalmente, permite o avanço em sentido apical da ponta do instrumento. Além disso, possibilita a inclinação do cabo do instrumento em sentido do degrau,
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
permitindo que a ponta pré-encurvada do instrumento deslize na parede do canal radicular frontal ao defeito. Quanto mais próximo do cervical estiver localizado o degrau, maior será a possibilidade de ultrapassá-lo. Vencido o degrau, o instrumento endodôntico deve trabalhar com movimento de alargamento parcial à direita combinado ao de limagem até alcançar liberdade junto às paredes do canal radicular. No deslocamento longitudinal de retrocesso do instrumento em sentido cervical a ponta não deve ultrapassar o degrau para evitar a perda da trajetória apical do canal. Se o degrau não for ultrapassado, instrumenta-se e obturase o canal até esse degrau (Fig. 12-3). Uma avaliação clínica e radiográfica periódica é necessária. Canais infectados podem comprometer o resultado do tratamento endodôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a intervenção cirúrgica é indicada. Nos casos de biopulpectomia realiza-se a obturação imediata do canal radicular preferencialmente com guta-percha termoplastificada e cimento, procedimento esse que tem como objetivo evitar a contaminação do canal que pode ocorrer em tratamento realizado em
Figura 12-3. Degrau. Casos clínicos não ultrapassados.
várias seções. Nos casos de necrose pulpar é recomendável o emprego de medicação intracanal antecedendo a obturação. Nesses casos, o êxito do tratamento depende de quanto a porção apical do canal foi preparada antes da formação do degrau. A probabilidade de falha do tratamento endodôntico aumenta quando o degrau é criado antes de uma adequada limpeza e modelagem do segmento apical do canal radicular. Evidências de fracasso podem indicar a necessidade de tratamento cirúrgico.
Transporte apical Transporte ou desvio apical é a mudança do trajeto de um canal radicular curvo em seu segmento apical. Ocorre devido a um desgaste progressivo da parede externa de um canal radicular curvo (convexa da raiz) na região apical. A forma do preparo na região apical adquire o aspecto de ampulheta também mencionada como pata de elefante. A seção reta transversal obtida nessa região mostra a forma de uma gota. Quando o desvio apical permanece na massa dentinária junto ao comprimento de trabalho sem se exteriorizar, é denominado transporte apical interno. Todavia, quando o desvio apical alcança o comprimento de patência e modifica a forma original do forame, é denominado transporte apical externo ou zip. Nesse caso, o forame apical original é rasgado. O zip é identificado pela hemorragia persistente na região apical do canal radicular (Fig. 12-4).
Figura 12-4. Transporte apical. Lado esquerdo. Transporte apical interno. Lado direito. Zip.
Acidentes e Complicações em Endodontia
Para alguns autores5,10,38, zip é o transporte apical interno no preparo de canais radiculares curvos. Contudo, segundo o Glossário da American Association of Endodontics1, zip é o transporte apical externo, ou seja, o forame apical original é rasgado. O transporte apical no preparo de um canal radicular curvo basicamente ocorre devido ao emprego do movimento de limagem e ao de instrumentos endodônticos rígidos. No movimento de limagem o desgaste é direcionado à parede externa do canal (convexa da raiz) independentemente de o instrumento estar ou não pré-curvado e da vontade do operador. Quanto maiores a amplitude e a frequência do movimento, bem como do diâmetro e da rigidez do instrumento, maior será o deslocamento da parede externa do canal radicular (convexa da raiz) em relação à sua posição original. O valor do transporte também está relacionado com a dureza da dentina e o raio de curvatura do canal radicular. Quanto menor a dureza da dentina em relação à dureza da liga metálica do instrumento, maior será o transporte apical. Também, quanto menor o raio de curvatura de um canal radicular, maior será o transporte apical. Quanto à rigidez do instrumento, quando ela é aumentada, a força de oposição da parede dentinária externa do canal radicular curvo (convexa da raiz) não é suficiente para manter o preparo centrado. Nesses casos há um maior desgaste da parede externa do segmento curvo do canal determinando o transporte apical. Outro aspecto importante é que a passagem da base da ponta para a haste de corte helicoidal cônica dos instrumentos deve ser por meio de uma curva de transição e não de um ângulo obtuso denominado ângulo de transição, o qual, associado à rigidez do instrumento, provoca acentuado deslocamento apical durante a instrumentação de canais radiculares curvos. O mecanismo para a formação de um transporte apical interno ou externo é o mesmo, a diferença reside na posição da extremidade apical do instrumento endodôntico em relação à abertura do forame apical na parede radicular externa. A prevenção da formação de um transporte apical durante a instrumentação de um canal radicular curvo está condicionada: • Ao uso de instrumentos de maior elasticidade (flexibilidade). Para canais radiculares com segmentos curvos após a instrumentação apical, correspondente a um instrumento endodôntico tipo K de aço inoxidável, de seção reta transversal triangular de no 25 ou
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30, devemos empregar instrumentos de diâmetros maiores fabricados com liga NiTi. Os instrumentos endodônticos de NiTi apresentam flexibilidade 500% maior do que os de aço inoxidável. Essa propriedade permite que esses instrumentos durante a instrumentação acompanhem a curvatura do canal com facilidade, impedindo ou minimizando o transporte apical. Os instrumentos endodônticos de NiTi, por terem menor módulo de elasticidade, são deformados elasticamente com níveis inferiores de tensão e acompanham a curvatura do canal radicular durante a instrumentação. • Ao emprego do movimento de alargamento. Alargamento é um processo mecânico de usinagem destinado a aumentar por meio de corte o diâmetro de um furo cônico (canal radicular) preexistente. Para que ocorra o alargamento é necessário que o instrumento trabalhe justamente no interior do furo, ou seja, o diâmetro do instrumento proporcionalmente deve ser maior do que o do furo (canal). No movimento de alargamento, o profissional para alargar o furo (canal) exerce uma certa pressão no instrumento endodôntico em sentido apical, imprimindo-lhe uma rotação à direita. Consequentemente, nesse tipo de movimento, o corte das paredes de um canal radicular é uniforme e não direcionado a uma parede. O movimento de limagem não deve ser empregado na instrumentação apical de um canal radicular. Quando empregado, devido à impossibilidade de se controlar a força lateral aplicada no instrumento, à frequência e à amplitude do movimento, perde-se o controle do desgaste das paredes do canal, alterando a sua forma final. Geralmente, a forma do preparo é irregular e desviada na região apical em direção à parede externa do canal radicular (transporte apical). Essas alterações dificultam a seleção do cone de guta-percha principal, assim como a compactação e a manutenção do limite apical da obturação do canal radicular (Fig. 12-5). A maioria dos autores5,10,38 indica o dobramento (pré-curvamento) principalmente nos 3 a 4mm apicais de um instrumento endodôntico de aço inoxidável empregado na instrumentação de canais radiculares curvos com o objetivo de evitar o transporte apical. Todavia, os instrumentos de aço inoxidável jamais deveriam ser pré-curvados quando empregados na instrumentação de canais radiculares curvos, seja pelo movimento de alargamento, seja pelo movimento de limagem21. Isso porque, ao ser movimentado, o instrumento tende
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
Figura 12-5. Transporte apical. Movimento de limagem.
a ser desdobrado, induzindo assim nas paredes de um canal radicular uma tensão maior do que se ele estivesse em deformação elástica (flexionado). No movimento de alargamento, a extremidade dobrada não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um círculo com raio igual ao comprimento do segmento dobrado (Fig. 12-6). Consequentemente, a força de oposição das paredes dentárias impostas ao segmento dobrado nem sempre é capaz de manter o
Figura 12-6. Transporte apical. Movimento de alargamento. Segmento dobrado do instrumento.
corte centrado. Nessas condições, o que observamos é uma maior incidência de transporte apical após a instrumentação do segmento apical de um canal radicular curvo com instrumento de aço inoxidável pré-curvado de diâmetro superior ao no 30 (ISO)21. No movimento de limagem o segmento dobrado do instrumento ao ser desdobrado exerce maior força junto à parede externa do segmento curvo do canal radicular (convexa da raiz), induzindo o transporte apical21. Em função do exposto podemos afirmar que, para a instrumentação de um canal radicular curvo, o instrumento endodôntico não deve ser pré-curvado, mas sim percorrer e desbastar as paredes dentinárias do segmento curvo do canal no regime elástico e jamais no plástico (dobrado). O aspecto mais importante para se reduzir o transporte apical é a flexibilidade e não o dobramento do instrumento empregado23,24. Os instrumentos de NiTi quando comparados aos de aço inoxidável promovem menor incidência de transportes apicais em função de sua superelasticidade7,9,18,33. A instrumentação de um canal radicular curvo por meio de sistemas de instrumentos acionados a motor só é possível de ser realizada se o instrumento não apresentar dobramento (pré-curvamento), ou seja, trabalhar no regime elástico e não no plástico. Do exposto podemos afirmar que na instrumentação, denominada manual de um canal radicular curvo, o instrumento também não deve ser pré-curvado, uma vez que os princípios mecânicos do preparo são idênticos. Se o dobramento de um instrumento endodôntico fosse a solução para evitar o transporte apical, não existiria o mito de se ampliar o diâmetro apical de canais radiculares com segmentos apicais curvos até o diâmetro correspondente a um instrumento de aço inoxidável de no 25 ou 30. Não se empregam instrumentos de aço inoxidável de maiores diâmetros mesmo dobrados, porque a maior rigidez dos instrumentos induz graves iatrogenias nas paredes dos canais radiculares. A solução para a ampliação da instrumentação apical é o emprego de instrumentos flexíveis e não dobrados23,24. Nos casos onde o acesso radicular é obtido apenas com o instrumento pré-curvado, o seu movimento deverá ser de limagem com pequena amplitude e baixa frequência, o que permite que instrumentos de menores diâmetros (nos 25 ou 30) mesmo dobrados (pré-curvados), em razão do efeito mola, trabalhem no interior de um canal radicular no regime elástico, reduzindo o transporte apical. O prognóstico de um transporte apical interno é bastante favorável desde que se consiga um correto selamento apical pela obturação. Deve-se dar preferência
Acidentes e Complicações em Endodontia
A
B
Figura 12-7. Casos clínicos. A. Transporte apical interno. Raiz mesial. B. Zip. Transporte apical externo. Raiz distal.
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Radiografia de má qualidade, determinação incorreta do comprimento de patência e de trabalho, ponto de referência coronário deficiente, cursor mal posicionado e falta de atenção no controle da medida obtida do comprimento de trabalho são as causas mais comuns desse acidente. Muitas complicações podem advir desse acidente. A perda da constrição apical cria um ápice aberto, que aumenta a possibilidade de sobreobturação, que dificulta o selamento apical e favorece a infiltração de líquidos advindos dos tecidos perirradiculares. Pode também provocar dor e desconforto ao paciente. A sobreinstrumentação é identificada pela hemorragia persistente na região apical do canal radicular e pela dificuldade em travar o cone de guta-percha no momento de sua seleção. Em caso de sobreinstrumentação, um novo batente apical deve ser estabelecido dentro dos limites do canal radicular, situado aproximadamente de 2 a 3mm a partir do ápice radiográfico. A criação desse novo batente tem como objetivo mecânico formar um anteparo para a limitação do material obturador do canal radicular. Todavia, alcançar esse objetivo, principalmente nos casos onde o arrombamento foi determinado por um instrumento de grande diâmetro, é difícil de ser obtido. Nesses casos é aconselhável o emprego do tampão apical na obturação do canal radicular (Fig. 12-8A e B).
Subinstrumentação às técnicas de compactação da guta-percha termoplastificada. Para os casos de transporte apical externo (zip), a manutenção do material obturador no interior do canal é problemática, ocorrendo frequentemente o extravasamento. Nesses casos é aconselhável o emprego do tampão apical na obturação do canal radicular (Fig. 12-7A e B) (ver Capítulo 16, Obturação de canais radiculares).
Sobreinstrumentação A sobreinstrumentação, também denominada arrombamento do forame apical, é a instrumentação do canal até ou além da abertura foraminal. Descuidos na determinação e manutenção do comprimento de trabalho podem levar à sobreinstrumentação do canal radicular com o arrombamento do forame apical. Esse tipo de acidente ocorre em canais radiculares retilíneos. Em canais radiculares curvos o arrombamento do forame apical é chamado de transporte apical externo (zip)21.
Subinstrumentação é o preparo do canal radicular aquém do limite apical de instrumentação estimado. O instrumento endodôntico não atua em toda a extensão do comprimento de trabalho do canal radicular5,21. As causas mais comuns para ocorrência da subinstrumentação são: • Erros na determinação do comprimento de patência e de trabalho; • Movimento de limagem; • Obstrução do segmento apical do canal radicular por detritos oriundos da instrumentação; • Deficiente volume de solução química auxiliar presente no interior do canal durante a instrumentação; • Deficiente frequência de irrigação-aspiração e inundação do canal radicular; • Não manutenção da patência do canal cementário durante a instrumentação do canal radicular; • O uso prolongado de instrumentos endodônticos com canal helicoidal de pequena profundidade.
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
A
B
Figura 12-8. Sobreinstrumentação. Casos clínicos. A. Emprego do tampão apical na obturação do canal radicular. B. Sobreinstrumentação acompanhada de sobreobturação (raiz mesial).
Dentre essas causas destacamos a patência do canal cementário, o movimento de limagem e a profundidade do canal helicoidal. A manutenção do canal cementário desobstruído durante a instrumentação de um canal radicular é realizada com instrumento de pequeno diâmetro (instrumento patente) utilizado durante a pré-instrumentação do canal e reutilizado até o forame, durante a instrumentação, para evitar a sua obliteração pelo depósito de detritos resultantes do preparo do canal. Mantida a patência do canal cementário, não haverá subinstrumentação. O movimento de limagem com amplitude superior a 2mm e frequência alta, estando o instrumento justo no interior do canal, desloca maior volume de detrito em sentido apical do canal radicular. Estando o limite apical de instrumentação aquém da abertura do forame haverá obstrução do segmento apical do canal radicular. Outro fator importante a ser analisado é a profundidade do canal helicoidal do instrumento. Canal helicoidal é o canal da haste de corte helicoidal do instrumento formado pelas superfícies adjacentes às arestas laterais de corte (hélices). Serve para transportar resíduos e para a entrada da substância química auxiliar da instrumentação em sentido apical do canal radicular. Quanto menor o núcleo de um instrumento, maior a profundidade de seu canal helicoidal. O uso de instrumentos com pouca profundidade do canal helicoidal pode favorecer o bloqueio apical do canal radicular devido à dificuldade de remoção de detritos oriundos do preparo e à dificuldade de permitir a passagem da solução química auxiliar. Para superar essa deficiência o instrumento deve ser retirado mais frequentemente do interior do canal radicular e limpo por meio de um pedaço de gaze seguro pelos dedos indicador e pole-
gar. O instrumento é posicionado na gaze a partir do intermediário e a seguir girado à esquerda. Após a limpeza, o instrumento é examinado e descartado caso tenha ocorrido deformação plástica em sua haste de corte helicoidal cônica. A cada retirada do instrumento devem ser realizadas uma abundante irrigação-aspiração e uma inundação do canal radicular. A desobstrução do segmento apical do canal radicular é realizada com instrumentos endodônticos tipo K de aço inoxidável. Esses devem apresentar: resistência à flexocompressão; de preferência ponta, com pequeno ângulo (menor que 75º) e vértice pontiagudo. O instrumento deve ser empregado com o movimento de alargamento parcial à direita, estando o canal radicular preenchido com solução química auxiliar (hipoclorito de sódio). Irrigação-aspiração abundante favorece a manobra de desobstrução. A desobstrução do segmento apical é tarefa fácil para canais retos, onde o canal cementário tem a mesma direção do dentinário. Para canais curvos essa manobra tende a levar à criação de um falso canal ou mesmo de uma perfuração radicular apical. Se a obstrução não for vencida, instrumenta-se o canal até ela (Fig. 12-9A e B). Uma avaliação clínica e radiográfica periódica é necessária. Canais infectados podem comprometer o resultado do tratamento endodôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a intervenção cirúrgica é necessária. A recomendação de uso de soluções quelantes para facilitar a desobstrução apical de canais radiculares não procede. Isso porque o volume de solução quelante é pequeno devido às dimensões exíguas dos canais radiculares; a área de contato da solução quelante com o material obliterador é reduzida e a solução quelante tem dificuldade em fluir (penetrar) no material obliterante do segmento apical do canal radicular.
Acidentes e Complicações em Endodontia
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B
A
Figura 12-9. Subinstrumentação. Casos clínicos. A. Desobstrução do canal radicular obtida. (Gentileza de Aires Pereira.) B. Desobstrução não obtida.
Falso canal É a formação de um canal dentinário sem comunicação com o ligamento periodontal, devido a erro da instrumentação. Geralmente é criado a partir de um degrau. Pode advir também em decorrência da dificuldade de remoção do material obturador, de canais atresiados, de canais curvos com pequenos raios de curvaturas e de segmentos apicais de canais obstruídos (raspas de dentina, fragmentos metálicos)5,13,14,21. Os fatores que favorecem a sua formação e prevenção, assim como as manobras utilizadas na solução desses acidentes, são os mesmos abordados no degrau.
A
A retomada da trajetória do canal original é uma tarefa bastante difícil. Enquanto o degrau detectado no início da instrumentação pode na maioria das vezes ser contornado e eliminado, isso não acontece com um falso canal. A dificuldade se torna maior quando localizado no segmento apical de canais curvos. Localizado o trajeto original do canal, ele deve ser instrumentado, e a obturação geralmente preencherá o canal original, assim como o falso. Se o falso canal não foi vencido, instrumenta-se até ele (Fig. 12-10A e B). Quando não se consegue retomar a trajetória do canal, ele, não sendo instrumentado e nem obturado, tem prognóstico desfavorável, exigindo avaliação clínica e radiográfica periódica.
B
Figura 12-10. Falso canal. A. Trajetória original retomada. B. Trajetória original do canal não retomada (raiz mesial).
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
Fraturas dos instrumentos Durante o preparo químico-mecânico de um canal radicular, os instrumentos endodônticos são submetidos a grave estado de tensão e deformação que variam com a anatomia do canal e com a habilidade do profissional. Nessa condição, os instrumentos sofrem carregamentos extremamente adversos que modificam continuamente a sua resistência à torção, à flexão em rotação e ao dobramento. Por essa razão, em alguns casos se observa a falha prematura do instrumento endodôntico principalmente nos de menores diâmetros19-21. Os instrumentos endodônticos, por apresentarem pequenas dimensões, forma complicada e geometria com variações bruscas de dimensões, são difíceis de ser produzidos. Durante a fabricação, defeitos de acabamento superficial podem ser introduzidos na superfície da parte de trabalho do instrumento. A presença desses defeitos pode atuar como concentrador de tensão, induzindo a fratura do instrumento aos níveis inferiores de tensão dos teoricamente esperados19,20. Em uso clínico a fratura dos instrumentos endodônticos pode ocorrer por torção, por dobramento alternado, por flexão rotativa ou por combinações. Para ocorrer a fratura por torção, a extremidade do instrumento necessita estar imobilizada e na outra (cabo) ser aplicada uma força de rotação (torque). Não havendo imobilização, não ocorrerá a fratura do instrumento independentemente do valor do torque aplicado. Ocorrendo a imobilização da ponta do instrumento no interior do canal radicular, se o torque aplicado ao cabo do instrumento não ultrapassar o seu limite de resistência à fratura por torção, a falha do instrumento também não ocorrerá2,19,20. A imobilização de um instrumento no interior de um canal radicular durante o movimento de alargamento pode ser minimizada: • Para instrumentos acionados a motor, reduzindo o carregamento e o avanço do instrumento em sentido apical. O carregamento axial aplicado ao instrumento deve ser o suficiente para promover um avanço do instrumento em sentido apical por volta de 1 a 3mm. Para instrumentos manuais, o controle do avanço está relacionado com o ângulo de rotação aplicado no cabo da ferramenta. Para instrumentos delgados, o ângulo de rotação não deve ser superior a 45°. Quanto menor o avanço, menores a resistência de corte e a força de atrito na dentina, o que reduz a possibilidade de imobilização da ponta do instrumento no interior do canal radicular.
• Pela dilatação prévia do segmento cervical do canal radicular. Isso permite que o instrumento de menor diâmetro empregado na instrumentação apical do canal fique submetido a um menor carregamento, o que diminui o esforço de corte e a possibilidade de sua imobilização. Ocorrendo a imobilização de um instrumento no interior do canal radicular, o profissional deve retrocedê-lo por tração até obter um ligeiro afrouxamento. Essa manobra diminui a resistência de corte da dentina, permitindo a liberação do instrumento empregado. Para instrumentos manuais, principalmente os de diâmetros menores, sentir o momento da imobilização e de cessar a aplicação do torque sem causar deformação plástica (distorção) ou a fratura do instrumento é um procedimento difícil de ser obtido, ficando atrelado ao conhecimento, à habilidade e à experiência do profissional. Para instrumentos mecanizados, a imobilização é visível, enquanto a interrupção do giro dos instrumentos pode ser desencadeada pelo profissional ou por dispositivos mecânicos. Por dispositivos mecânicos destacamos os motores com torques programados pelo operador ou preestabelecidos pelo fabricante. Independentemente de como o giro do instrumento será interrompido, é imprescindível que o torque no momento da imobilização do instrumento seja inferior ao limite de resistência a fratura por torção do instrumento empregado19,21. Alcançar esse objetivo é difícil pelas seguintes razões: • O operador deve conhecer o valor provável do torque que induzirá a fratura de cada instrumento endodôntico empregado. Vale ressaltar que esses valores não são informados pelos fabricantes. • O torque é uma grandeza relacionada com o raio. Tendo a haste de corte helicoidal geometria cônica, o limite de resistência à fratura por torção de um instrumento endodôntico é variável. Consequentemente, o valor do torque é dependente do diâmetro da haste de corte helicoidal junto ao ponto de imobilização do instrumento no interior de um canal radicular. • As variações acentuadas entre os diâmetros reais e os nominais propostos, assim como os defeitos de acabamento superficial (ranhuras, rebarbas e microcavidades) presentes nos instrumentos endodônticos, funcionam como pontos concentradores de tensão, levando-os a uma fratura prematura com níveis de torques abaixo dos previsíveis.
Acidentes e Complicações em Endodontia
O torque máximo de fratura de um instrumento durante o uso clínico depende da anatomia do canal radicular. Para a fratura de um instrumento imobilizado em um segmento reto, é maior do que em um segmento curvo de um canal radicular. Quanto menor o raio de curvatura, menor o torque necessário para induzir a fratura do instrumento endodôntico. Em um canal curvo, o instrumento é submetido a carregamentos combinados de flexão ou dobramento e de torção. Essa condição é mais grave do que a observada quando o instrumento é submetido a um carregamento isolado19,20. Na fratura por torção, a ruptura ocorre junto ao ponto de imobilização do instrumento, ou seja, o comprimento do segmento fraturado corresponde ao comprimento do segmento imobilizado. A superfície da fratura geralmente apresenta aspecto plano e perpendicular ao eixo do instrumento. Em algumas condições de carregamento a superfície de fratura apresenta aspecto dilacerado. Na fratura por torção sempre há deformação plástica da haste de corte helicoidal cônica do instrumento endodôntico19,20. A fratura por dobramento ocorre quando um instrumento endodôntico de aço inoxidável dobrado é movimentado no interior de um canal radicular. No movimento de limagem na área dobrada de um instrumento endodôntico de aço inoxidável, tensões trativas são observadas na superfície externa e tensões compressivas na superfície interna. Com a repetição cíclica do dobramento e desdobramento surgem trincas na área dobrada, as quais se propagam até a fratura do instrumento endodôntico20. No movimento de alargamento com rotação parcial à direita ou com rotação parcial oscilatória, o segmento dobrado não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um arco com raio igual ao comprimento do segmento pré-curvado. Devido à resistência das paredes do canal o deslocamento do segmento pré-curvado do instrumento é reduzido, ocorrendo no ponto crítico de dobramento concentração de tensão por torção. Esses carregamentos de dobramento alternado e de torção combinados podem ultrapassar o limite de resistência do material, conduzindo o instrumento à fratura. A superfície da fratura pode ser plana ou dilacerada20. A fratura por dobramento pode ser evitada, empregando-se no preparo de canais radiculares curvos instrumentos endodônticos no limite elástico e jamais no limite plástico. Para canais atresiados e curvos, devemos empregar instrumentos de aço inoxidável de pequenos diâmetros e seção reta transversal quadrangular sem pré-curvamento. Para instrumentos de
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maior diâmetro, devemos empregar os de aço inoxidável de seção reta transversal triangular ou de níquel-titânio. Essas características geométricas e a flexibilidade permitem que os instrumentos de maiores diâmetros trabalhem no limite elástico mesmo em canais gravemente curvos. Nos casos onde o acesso apical é obtido apenas com o instrumento pré-curvado, o deslocamento linear durante o movimento de limagem ou o ângulo de rotação durante o movimento de alargamento deverá ser de pequena amplitude e de baixa frequência. Esse procedimento induz menor nível de tensão no instrumento, o que permite que o instrumento de pequeno diâmetro mesmo dobrado devido ao efeito mola trabalhe por limagem ou alargamento no interior de um canal radicular, dentro do limite elástico, reduzindo a possibilidade de sua fratura19,21. A fratura por flexão rotativa (fadiga de baixo ciclo) é observada nos instrumentos endodônticos de NiTi acionados a motor e ocorre quando esses instrumentos giram no interior de um canal radicular curvo. Na região de flexão de um instrumento em rotação contínua são geradas tensões que variam alternadamente entre tração e compressão. Essas tensões promovem mudanças microestruturais acumulativas que podem levar o instrumento à fratura por fadiga. A fratura é imprevisível, pois acontece sem que haja qualquer aviso prévio e não depende do valor do torque aplicado11,19,26,32. A resistência de um instrumento endodôntico à fratura por fadiga é quantificada pelo número de ciclos que ele é capaz de resistir em uma determinada condição de carregamento. O número de ciclos é obtido pela multiplicação do tempo para ocorrer a fratura pela velocidade de rotação empregada no ensaio mecânico. É acumulativo e está relacionado com a intensidade das tensões trativas e compressivas impostas na região de flexão rotativa de um instrumento. A intensidade das tensões é um parâmetro específico e está relacionada com o raio de curvatura do canal, o comprimento do arco e o diâmetro do instrumento empregado26,32. Quanto menor o raio de curvatura do canal e maiores o comprimento do arco e o diâmetro do instrumento empregado, maior será a incidência de fratura por fadiga do instrumento endodôntico, ou seja, menor será a vida útil do instrumento26. A fratura por fadiga de um instrumento submetido a flexão rotativa no interior do canal curvo ocorre no ponto médio do comprimento do arco do canal. Isso ocorre porque o ponto máximo de concentração de tensão na haste de corte helicoidal cônica de um instrumento endodôntico, submetido à
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
flexão rotativa, está situado próximo ao ponto médio do comprimento do arco. Na fratura por fadiga não ocorre deformação plástica da haste de corte helicoidal cônica do instrumento. A superfície da fratura pode ser plana, quando oriunda da propagação de uma única trinca, ou apresentar degraus, quando oriunda da propagação de várias trincas em planos paralelos26,32. Durante o uso clínico, devido à grande diversidade anatômica dos canais radiculares, é impossível determinar com segurança o número de ciclos de carregamento e a intensidade das tensões na região de flexão de um instrumento endodôntico acionado a motor. Consequentemente, informar o número de vezes que um instrumento de NiTi acionado a motor pode ser empregado no preparo de canais radiculares curvos é uma afirmação empírica e incorreta. Todavia, algumas das seguintes recomendações clínicas podem reduzir a incidência de fratura por flexão rotativa de instrumentos endodônticos: • permanecer o menor tempo possível com o instrumento girando no interior de um canal curvo; • manter o instrumento no interior de um canal curvo em constante avanço e retrocesso em sentido apical (pecking motion); • não flambar (aplicar força axial) o instrumento no interior de um canal radicular; • quanto menor o raio de curvatura do canal e maior o comprimento do arco, menor deverá ser a conicidade do instrumento empregado; • durante movimento de retrocesso, não pressionar lateralmente (pincelamento) o instrumento contra as paredes dos canais radiculares; • descartar preventivamente o instrumento antes de ele alcançar o limite de vida em fadiga. Para a resolução clínica de um instrumento fraturado existem quatro opções: • ultrapassagem e remoção do fragmento via coronária; • ultrapassagem e não remoção do fragmento; • não ultrapassagem do fragmento; • remoção cirúrgica do fragmento.
Ultrapassagem e remoção do fragmento do instrumento fraturado A ultrapassagem pelo fragmento do instrumento fraturado é dependente das condições anatômicas do canal radicular:
• Diâmetro do canal é maior do que o diâmetro do fragmento metálico. Isso é observado quando o instrumento é fraturado em segmentos achatados de canais radiculares. • Diâmetro do canal igual ao diâmetro do fragmento metálico. Isso é observado quando o instrumento é fraturado em segmentos de canais radiculares com seção circular. Nesse caso, a ultrapassagem fica condicionada ao comprimento do fragmento metálico, à profundidade do canal helicoidal e ao ângulo agudo de inclinação das hélices da haste de corte do instrumento. Quanto à profundidade do canal helicoidal, é importante que seja acentuada, criando um espaço entre as paredes do canal radicular e do canal helicoidal capaz de permitir a passagem de um instrumento endodôntico delgado e flexível. Quanto ao comprimento do fragmento metálico, a ultrapassagem fica condicionada ao comprimento do canal helicoidal e ao ângulo de inclinação da hélice. Quanto menor o ângulo de inclinação da hélice e o comprimento do canal helicoidal contidos no fragmento metálico, maior a facilidade de ultrapassagem de um instrumento endodôntico através do canal helicoidal do fragmento metálico. A ultrapassagem por fragmentos de iguais comprimentos de uma lima Hedstrom é mais difícil de acontecer do que a de um instrumento tipo K. Isto ocorre porque para as limas Hedstrom o ângulo agudo da hélice é de 65° enquanto para os instrumentos do tipo Kerr é de no máximo 45°. Além disso, as limas Hedstrom apresentam apenas um canal helicoidal, enquanto os instrumentos tipo K possuem três ou quatro. Para a tentativa de ultrapassagem do fragmento de um instrumento fraturado, inicialmente se deve procurar ampliar o diâmetro do canal até o nível do fragmento metálico. A seguir, com um instrumento de aço inoxidável tipo K no 8 ou 10 procura-se encontrar um espaço entre o fragmento metálico e a parede do canal radicular. Uma vez encontrado, com movimento de exploração cauteloso de avanço em sentido apical e de retrocesso em sentido cervical, procura-se ultrapassar o fragmento metálico. O avanço e o retrocesso devem ser curtos, procurando evitar a imobilização do instrumento, o que poderia induzir a sua fratura. Avanços maiores também podem determinar a criação de degraus ou de perfurações radiculares. A radiografia nesse momento é muito importante para se detectarem possíveis desvios do canal radicular e, no caso de ter ultrapassado o fragmento metálico, definir o comprimento de patência e de trabalho.
Acidentes e Complicações em Endodontia
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Obtida a ultrapassagem, a remoção de um fragmento metálico de um instrumento fraturado do interior de um canal radicular depende: • Do tipo de fratura A remoção de um fragmento de um instrumento fraturado por torção é muito mais difícil de se concretizar do que diante de uma fratura por fadiga ou por dobramento alternado. Isso ocorre porque na fratura por torção o segmento fraturado do instrumento está imobilizado no interior do canal radicular, enquanto na fratura por fadiga ou dobramento, teoricamente, está em liberdade. • Da anatomia do canal radicular A remoção de um fragmento de um instrumento fraturado em um canal radicular achatado e reto é mais provável de ocorrer do que em um canal circular e curvo. Quanto menor o raio de curvatura de um canal radicular, menor a possibilidade de ultrapassagem e de remoção do fragmento metálico.
Figura 12-12. Instrumento fraturado. Remoção de fragmento fraturado de uma expiral Lentulo.
Uma vez realizada a ultrapassagem do fragmento, o canal radicular principalmente de dentes inferiores deve ser preparado com cautela de modo a não deslocá-lo em sentido mais apical. A velocidade do jato, da turbulência e do refluxo, assim como do volume de solução irrigante, é um auxiliar importante na remoção do fragmento metálico do interior de um canal radicular durante a irrigaçãoaspiração (Figs. 12-11, 12-12 e 12-13). Alguns recursos e aparelhos podem ser utilizados na tentativa de remoção de instrumentos fraturados, destacando-se o Ultra-Som30, o Masserann Kit29 e o Endo Extractor8. Figura 12-13. Instrumento fraturado. Remoção de fragmento fraturado de instrumento endodôntico.
Figura 12-11. Instrumento fraturado. Remoção do fragmento fraturado de uma lima tipo H. (Gentileza de Renata S. Lima.)
O Ultra-Som é um excelente recurso empregado para a remoção de instrumentos fraturados do interior de um canal radicular. Todavia, o resultado de seu emprego está condicionado que parte ou preferencialmente, todo o fragmento metálico seja ultrapassado por um instrumento endodôntico. Inicialmente isso deve ser obtido com um instrumento tipo K de aço inoxidável de pequeno diâmetro (nos 8 ou 10) por meio de exploração manual. A seguir, um instrumento tipo K de aço inoxidável no 15 acoplado ao aparelho ultrassônico é introduzido no espaço obtido e, então, acionado com o objetivo de expulsar o instrumento fraturado do interior do canal radicular via coronária.
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
O Masserann Kit é um sistema para a remoção de fragmento metálico (instrumentos fraturados, cones de prata) composto de um dilatador de canal, semelhante a um alargador Gates Glidden, um trépano oco e um dispositivo de apreensão. Inicialmente, com o dilatador, amplia-se o segmento do canal radicular até a proximidade do fragmento metálico. Com o trépano oco, que tem sua extremidade serrilhada, procura-se desgastar a dentina ao redor do fragmento metálico, expondo-o em uma extensão tal, que permita sua apreensão. A seguir, o dispositivo de apreensão (extrator) é posicionado no canal com o objetivo de apreender o fragmento metálico. Obtida a apreensão, o conjunto extrator e fragmento é tracionado em sentido cervical do canal radicular. Outro sistema empregado para a remoção do segmento fraturado de um instrumento endodôntico é o Endo Extrator. Esse sistema é composto por alargadores Gates Glidden, trépano oco e extrator. É usado de modo semelhante ao Masserann Kit. Após ampliar o canal até o fragmento metálico, com o trépano oco procura-se desgastar em volta da extremidade do seg-
mento fraturado do instrumento, expondo-a em uma extensão que permita a sua apreensão pelo extrator. Selecionado o extrator aplicam-se uma ou duas gotas de Super Bonder em sua extremidade oca, levando-o de encontro ao fragmento metálico. Após alguns minutos para que a cola endureça, o extrator é removido por tração (Fig. 12-14A a C). O Masserann Kit e o Endo Extrator também podem ser usados na remoção de cones de prata e pinos metálicos presentes no interior de um canal radicular. Todavia, pelo desgaste acentuado que provocam na dentina e pela rigidez do material empregado na fabricação dos instrumentos componentes dos sistemas, têm emprego muito limitado, sendo recomendados apenas para canais radiculares retos ou segmentos retos de canais curvos e raízes dentárias volumosas.
Ultrapassagem e não remoção do segmento fraturado do instrumento Nas situações em que se consegue ultrapassar o segmento fraturado do instrumento e não se consegue
B
A
C
Figura 12-14. Instrumento fraturado com a extremidade além do forame apical. A. Tentativa de remoção fracassada (manual e ultrassônica). B. Utilização de um cone de guta-percha com a ponta amolecida para rastrear a posição do fragmento metálico em relação às paredes do canal. C. Remoção do fragmento metálico com agulha metálica e Super Bonder. Obturação do canal.
Acidentes e Complicações em Endodontia
removê-lo, instrumenta-se o canal radicular e realiza-se a sua obturação. O material obturador sepulta o fragmento do instrumento no interior do canal radicular, uma vez que a sua permanência não interfere no resultado do tratamento endodôntico (Figs. 12-15 e 12-16). Nos casos em que a extremidade do segmento fraturado do instrumento ultrapassar o forame apical, a sua não remoção, principalmente nos casos de dentes infectados, pode comprometer o resultado do tratamento endodôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a intervenção cirúrgica é indicada.
Não ultrapassagem do segmento fraturado do instrumento Dependendo da forma da seção reta transversal do canal radicular e do instrumento endodôntico fratu-
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rado, podem não ser possíveis a ultrapassagem e consequentemente a sua remoção. A dificuldade de ultrapassagem é maior quando a seção reta transversal do canal é circular e a seção reta transversal do instrumento revela canal helicoidal pouco profundo. Também o ângulo agudo de inclinação das hélices e o comprimento do canal helicoidal contidos no fragmento metálico podem interferir, ou seja, quanto maior o ângulo de inclinação da hélice e do comprimento do canal helicoidal, maior a dificuldade de ultrapassagem pelo canal helicoidal do segmento fraturado do instrumento endodôntico. A tentativa de ultrapassagem pelo canal helicoidal pode determinar desvios, fratura do instrumento empregado e, na insistência, a perfuração radicular.
Figura 12-15. Instrumento fraturado. Ultrapassagem e sepultamento do fragmento metálico junto ao material obturador.
Figura 12-16. Instrumento fraturado. Ultrapassagem e não remoção do segmento fraturado. Controle de 2 anos.
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
Figura 12-17. Instrumento fraturado. Não ultrapassagem do segmento fraturado. Controle de 5 anos.
No caso de não ultrapassagem, o canal radicular é preparado até o nível do segmento fraturado do instrumento, executando-se, então, a obturação. É importante usar como solução química auxiliar hipoclorito de sódio com concentração mínima de 2,5% de cloro ativo. Para a obturação do canal radicular, devemos dar prioridade à técnica da compactação da guta-percha termoplastificada (Figs. 12-17 e 12-18). As condições do tecido pulpar do canal, além do segmento fraturado do instrumento, terão influência direta no resultado do tratamento endodôntico. A possibilidade de sucesso é maior nos casos de polpa viva e em canais já preparados. Nos casos de necrose, é importante usar uma medicação intracanal com atividade
Figura 12-18. Instrumento fraturado. Não ultrapassagem do segmento fraturado. Controle de 4 anos.
antimicrobiana. Nesse caso, se a fratura do instrumento ocorreu após o canal ter sido esvaziado, o prognóstico é mais favorável do que se a fratura ocorreu no início do esvaziamento. Spili et al.35 analisaram o impacto da permanência de um instrumento endodôntico fraturado no interior de um canal radicular no resultado de um tratamento endodôntico realizado. Foram avaliados 277 dentes contendo um ou mais fragmentos de instrumentos (total = 301 fragmentos). Desses, 235 (78,1%) eram de instrumentos de NiTi mecanizados, 48 (15,9%) de instrumentos manuais de aço inoxidável, 12 (4%) de expiral Lentulo e 6 (2%) de espaçadores endodônticos digitais. Quanto à localização do fragmento, 1 (0,5%) estava no segmento cervical, 57 (18,9%) no segmento médio, 232 (77,1%) no segmento apical e em 11 (3,7%) a extremidade do fragmento estava além do forame apical. Quanto à condição perirradicular, 153 (52,2%) dos dentes eram portadores de lesão perirradicular pré-operatória enquanto 124 (44,8%) não tinham lesão perirradicular. No estudo de controle foram avaliados, um grupo de 146 dentes com instrumento fraturado retido no interior do canal e outro de 146 dentes, controle equiparado (sem a presença de instrumento fraturado). O percentual de sucesso foi de 91,8% para o grupo contendo instrumento fraturado e de 94,5% para o grupo controle equiparado. Para ambos os grupos o percentual de sucesso foi de 86,7% para dentes portadores de lesão perirradicular pré-operatória, contra 92,9% para dentes não portadores de lesão perirradicular. Finalizando, concluíram que a permanência de um instrumento fraturado no in-
Acidentes e Complicações em Endodontia
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terior de um canal radicular tratado endodonticamente não teve nenhuma influência adversa no resultado. A presença de uma lesão perirradicular pré-operatória foi clinicamente um indicador de prognóstico mais significativo do que a presença de um fragmento de um instrumento retido no interior de um canal radicular tratado endodonticamente.
Fraturas de alargadores Gates Glidden e Largo Os alargadores Gates Glidden e Largo são instrumentos mecanizados fabricados por usinagem de uma haste de aço inoxidável. Durante o uso clínico a fratura desses instrumentos pode ocorrer por torção, flexão rotativa e por combinação desses carregamentos17,21. Esses instrumentos geralmente fraturam junto ao raio de concordância, próximo à haste de fixação e acionamento, e independem do diâmetro do alargador, assim como da natureza do carregamento (torção ou flexão rotativa). Geralmente, a extremidade do segmento fraturado está aquém da embocadura do canal radicular, o que permite a fácil remoção, através de sua apreensão por meio de uma pinça clínica ou portaagulhas17. Um fato importante a ser considerado é que os alargadores Gates Glidden e Largo de diâmetros menores, por apresentarem maior flexibilidade, podem avançar durante a instrumentação em segmentos curvos de canais radiculares, induzindo a fratura não próxima ao raio de concordância, mas em qualquer outro ponto do corpo do instrumento. Nesses casos, a falha ocorre no ponto do corpo em que houver maior tensão de solicitação. A remoção do fragmento fraturado não apresenta grande dificuldade, visto que a parte de trabalho apresentando passo da hélice incompleto e canal helicoidal profundo permite a passagem de instrumentos endodônticos manuais, possibilitando a sua remoção pela ação de limagem, vibração sônica ou ultrassônica17 (Fig. 12-19). Quando o segmento fraturado não puder ser removido, não impedindo contudo a passagem no sentido apical, ele poderá ser sepultado junto ao material obturador do canal radicular17,21 (Fig. 12-20). Os alargadores Gates Glidden em razão da forma da parte do trabalho e da capacidade de deformação elástica (flexão) do intermediário não devem ser pressionados lateralmente durante o uso clínico com o intuito de desgaste lateral das paredes dentinárias de segmentos de canais achatados ou mesmo no desgaste anticurvatura, pelo fato de induzirem esforços de flexão
Figura 12-19. Instrumento fraturado. Remoção do fragmento fraturado de alargador Gates Glidden.
Figura 12-20. Instrumento fraturado (Gates Glidden). Ultrapassagem e sepultamento do fragmento metálico junto ao material obturador do canal radicular.
rotativa maiores, promovendo a fratura do instrumento. A maior causa de fratura de alargadores Gates Glidden é a aplicação de uma força lateral acompanhada da movimentação de avanço e retrocesso do instrumento no interior do canal radicular17,21. Os alargadores Gates Glidden devem ser empregados na direção do eixo do segmento cervical de um canal, imprimindo-se-lhe suave força em sentido apical e jamais serem pressionados em lateralidade (movimento de pincelamento ou de escovagem). Os alargadores Largo, por apresentarem menor capacidade de deformação elástica do intermediário sob flexão do que os Gates Glidden, podem ser pressio-
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
nados lateralmente durante o uso clínico17,21. Nos casos onde o procedimento clínico fracassou podemos optar pela resolução cirúrgica.
Perfurações endodônticas É uma comunicação acidental da cavidade pulpar de um dente com o meio bucal e/ou com os tecidos perirradiculares. Essa comunicação pode ocorrer durante a abertura coronária e/ou durante a instrumentação dos canais radiculares, complicando a resolução de um tratamento endodôntico. São classificadas em coronárias e radiculares.
Perfurações coronárias É uma comunicação acidental da câmara pulpar de um dente com o meio bucal e/ou com os tecidos perirradiculares. Ocorre em um tratamento endodôntico durante a abertura coronária5,6,21,37. Câmara pulpar atresiada, canais atresiados, desconsideração da inclinação do dente na arcada dentária, desconhecimento da anatomia externa e interna da câmara pulpar, presença de coroas protéticas, uso de brocas e instrumentos endodônticos inadequados podem induzir as perfurações durante a abertura coronária e a localização de canais atresiados. Nos casos onde há dificuldade na localização dos canais radiculares, um aumento da abertura coronária nos dentes anteriores e maior divergência da parede mesial nos posteriores melhoram a visualização da câmara pulpar, reduzindo a possibilidade de perfuração ao se usarem instrumentos cortantes (brocas esféricas ou com pontas ativas) na busca desses canais. Essa é uma das etapas em que mais proveito podemos tirar do microscópio óptico de uso clínico. A ampliação da cavidade costuma mostrar a posição da embocadura dos canais radiculares ou revelar a obliteração de sua entrada por dentina reacional, que tem coloração mais escura. Havendo obliteração da entrada do canal radicular podemos utilizar brocas LN (Long Neck-Maileffer, Suíça) que são de aço inoxidável e empregadas em baixa rotação. São brocas esféricas (cabeça) com diâmetros ISO 0,5mm, apresentam o intermediário fino e longo com diâmetro menor do que o da cabeça da broca. O comprimento total do instrumento é de 28mm. Podem ser empregadas também unidades de ultrassom e pontas especiais desenvolvidas para o desgaste da dentina e interferências anatômicas que dificultam a localização de canais atresiados. As pontas de ultrassom são mais seguras do que as brocas. Aplicadas sobre as obstru-
ções vão implodindo-as, sendo removidas em flocos, reduzindo o risco de perfurações. Didaticamente as perfurações coronárias podem ser classificadas em supragengivais, subgengivais – supraósseas e intraósseas.
Perfuração coronária supragengival Está localizada aquém da inserção gengival. Ocorre através das paredes circundantes (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina) da câmara pulpar. São tratadas promovendo o seu selamento via interna e/ ou externa com materiais habitualmente empregados em dentística restauradora. Nos casos de perfurações extensas a reconstrução protética pode ser indicada. Devemos ressaltar que a perfuração (acesso coronário) através da parede oclusal ou incisal da câmara pulpar é intencional para permitir o acesso ao canal radicular, não sendo considerada um acidente e sim uma etapa do preparo químico mecânico.
Perfuração coronária subgengival – supraóssea Está localizada além da inserção gengival e aquém do nível ósseo. Ocorre através das paredes circundantes (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina) da câmara pulpar. São tratadas pela exposição cirúrgica da perfuração ou através da extrusão ortodôntica e seladas com os materiais restauradores.
Perfuração coronária intraóssea Comunica acidentalmente a câmara pulpar com o tecido ósseo. Para dentes multirradiculares comunica o assoalho da câmara pulpar com o tecido ósseo através da furca ou de qualquer outra parede radicular circundante (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina). A contaminação microbiana e o processo inflamatório resultante podem levar a problemas endoperiodontais. No momento em que ocorre a perfuração intraóssea, a área frontal a ela (ligamento periodontal e osso alveolar) é destruída em maior ou menor intensidade, dependendo da extensão da penetração e do diâmetro do instrumento que a determinou. Em consequência dela, estabelece-se um processo inflamatório de intensidade variável. Destruído o osso alveolar, forma-se um tecido de granulação, o qual poderá invaginar para o interior do dente através do trajeto da perfuração, formando um pólipo, cujo pedículo se acha aderido ao ligamento periodontal. O não tratamento dessa perfuração permite a contaminação via meio bucal, determinando a progressão do processo inflamatório que, por sua vez, leva à maior destruição do osso alveolar.
Acidentes e Complicações em Endodontia
Dependendo do nível da crista óssea e do grau de destruição do osso na área da perfuração, pode-se instalar um processo endoperiodontal determinando uma bolsa periodontal5,6. Junto a esses eventos, o cemento e a dentina adjacentes à área da perfuração poderão se apresentar com variado grau de reabsorção. Outra possibilidade é que os restos epiteliais de Malassez que circundam a raiz sejam estimulados, podendo dar origem a um cisto5,6. Uma vez reconhecida e localizada a perfuração coronária intraóssea, essa deverá ser fechada o mais rápido possível. O não selamento da perfuração permite a infiltração de fluidos bucais para o interior da cavidade pulpar, que favorece o desenvolvimento microbiano responsável pela indução e manutenção do processo inflamatório. Nos casos em que a perfuração ocorre e não há contaminação da área, o selamento do defeito deve ser realizado imediatamente após o acidente e se possível antes mesmo de dar continuidade ao tratamento endodôntico. Vários materiais podem ser empregados no fechamento das perfurações intraósseas. Dentre eles destacamos a pasta L&C (Dentisply, Brasil) e o MTA (Dentisply, Suíça, ou Angelus Odonto, Logika Ind. de Prod. Odontológica Ltda., Londrina, PR)3,4,12,27,34,36. Nesses casos recomendamos que o local da perfuração seja limpo com abundante irrigação-aspiração (hipoclorito de sódio a 1%), e se necessário a remoção de resíduos com auxílio de curetas. Cessada a hemorragia, sendo o diâmetro da perfuração pequeno, imediatamente colocamos a pasta L&C ou o MTA. Após secagem com pontas de papel absorvente, o material é levado com um instrumento adequado (curetas, espátula Hollenback ou calcadores de cimento) na perfuração e, a seguir, compactado, sendo o excesso removido. Em casos de perfurações amplas, devemos evitar o extravasamento do material de preenchimento da perfuração para dentro do espaço periodontal. Nesses casos podemos recorrer a uma matriz (barreira) interna colocada no fundo da perfuração para controlar a hemorragia e prevenir a sobreobturação. O hidróxido de cálcio na forma de pó ou associado a um veículo aquoso ou viscoso pode ser empregado. Outro material empregado é o sulfato de cálcio31,39. Esses materiais funcionam como uma barreira mecânica, são bem tolerados pelos tecidos e reabsorvidos lentamente, permitindo posteriormente o contato do tecido conjuntivo com o material de preenchimento (pasta L&C ou MTA). A colocação e a compactação do material de preenchimento na perfuração devem ser comprovadas pelo exame
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radiográfico. Após esse procedimento o local não deve ser irrigado para evitar o deslocamento do material. O tratamento endodôntico deverá ser realizado em uma próxima intervenção. Nos casos onde a perfuração coronária intraóssea está localizada muito próximo da embocadura de canal radicular torna-se difícil realizar e manter o preenchimento definitivo da comunicação durante o tratamento endodôntico subsequente desse canal. Nesses casos, recomendamos o preenchimento temporário da perfuração preferencialmente com sufato de cálcio ou pasta de hidróxido de cálcio com veículo viscoso (glicerina ou polietilenoglicol) que serão removidos e substituídos pelo material selador definitivo (pasta L&C ou MTA) após a obturação do canal radicular. Os demais canais do dente poderão ser tratados na mesma sessão ou em outras subsequentes. Nos casos onde após a perfuração coronária intraóssea se observa hemorragia intensa, a perfuração deve ser preenchida com sulfato de cálcio ou com pasta de hidróxido de cálcio associada a veículo hidrossolúvel, com o objetivo de cessar a hemorragia e cauterizar superficialmente o tecido junto à área da perfuração. Três a sete dias após, retira-se o material e realiza-se o selamento da perfuração com as opções mencionadas. Quando ocorrer contaminação da área intraóssea, a destruição tecidual geralmente é extensa e pode desenvolver um abscesso. Nessa situação é necessário o uso de solução química representada pelo hipoclorito de sódio a 2,5% de cloro ativo, remover mecanicamente por meio de instrumentos endodônticos ou curetas o material ou tecido contaminado presente na perfuração, sendo as vezes necessário ampliá-la. Usar uma medicação com efetiva atividade antimicrobiana (pasta HIPG) (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). Debelados os sinais e sintomas do processo infeccioso, procede-se ao selamento da perfuração (Fig. 12-21). Dependendo das condições anatômicas, quando o tratamento proposto fracassar, pode-se optar pela resolução cirúrgica. Outra opção de tratamento para as perfurações coronárias intraósseas é o seu preenchimento com pastas à base de hidróxido de cálcio. Essas devem ser renovadas até ocorrer o selamento biológico da perfuração. Obtida a formação de um tecido mineralizado que sela a perfuração, a pasta de hidróxido de cálcio é removida. A seguir, procede-se à obturação do canal radicular e ao preenchimento da cavidade pulpar de modo semelhante ao descritos anteriormente. Essa proposta terapêutica pouco utilizada na clínica tem como inconveniente retardar a restauração definitiva do dente. Isso pode favorecer a contaminação da perfuração e do
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
Perfuração radicular cervical
Figura 12-21. Perfuração coronária intraóssea. Assoalho da câmara, vedação da perfuração como MTA.
canal radicular, a fratura do dente e retardar o restabelecimento da função mastigatória e da estética. Devemos ressaltar que o selamento biológico da perfuração ocorre não em razão das trocas de curativos à base de hidróxido de cálcio, mas pela ausência de infecção e pelo tempo decorrido do tratamento.
Perfuração radicular É uma comunicação acidental de um canal radicular com o tecido ósseo5,16,21. A principal manifestação clínica de uma perfuração radicular é a hemorragia intensa. O diagnóstico de se houve ou não perfuração pode ser confirmado pelo exame radiográfico. Também é de grande valia para localização da perfuração o preenchimento total do canal radicular com pasta de hidróxido de cálcio contendo contrastante com veículo viscoso (iodofórmio ou carbonato de bismuto e glicerina). O tratamento endodôntico de um dente acometido de uma perfuração radicular deve ser realizado o mais rápido possível com o objetivo de evitar a contaminação da área radicular perfurada. Nos casos de contaminação da área perfurada, a destruição tecidual é extensa e pode desenvolver um abscesso. Nessa situação é necessário o combate à infecção pelo uso de solução química representada pelo hipoclorito de sódio a 2,5% de cloro ativo e pela ação mecânica de instrumentos endodônticos ou curetas na remoção do tecido contaminado presente na perfuração, sendo às vezes necessário ampliá-la. O uso de uma medicação com efetiva atividade antimicrobiana é indicado (pasta HIPG). Dependendo das condições anatômicas, quando o tratamento proposto fracassar, pode-se optar pela resolução cirúrgica. Didaticamente, as perfurações radiculares quanto à localização podem ser classificadas em cervicais, médias e apicais.
Está localizada no segmento cervical da raiz dentária. Ocorre através das paredes circundantes (mesial, distal, vestibular e lingual ou palatina) da raiz dentária. É frequente em canais curvos de raízes achatadas. Nesses casos a parede afetada é a interna do canal (côncava da raiz). É advinda do uso de brocas e de alargadores (Gates Glidden, Largo, Peeso) ou de instrumentos tipo K ou H de aço inoxidável, rígidos e de diâmetros não compatíveis com as dimensões radiculares. Nos casos de canais curvos de dentes molares onde o arco inicia-se próximo da embocadura, o contorno da perfuração geralmente se estende para o assoalho da câmara pulpar em sentido da furca. Há a formação de um rasgo na direção do eixo da raiz comunicando o canal radicular com o periodonto. O prognóstico dessas perfurações é desfavorável quando comparado às perfurações localizadas nos segmentos médios e apicais. Seu sucesso depende do tamanho e do nível da perfuração, bem como da contaminação ou não da área. O tratamento endodôntico de um dente acometido de uma perfuração radicular cervical deve ser realizado o mais rápido possível. Recomendamos que a perfuração radicular cervical seja selada durante a obturação do canal radicular. Nesses casos, após o preparo químico-mecânico do canal radicular, o selamento da perfuração é alcançado com o cimento obturador. Como material obturador devemos associar os cones de guta-percha com cimentos Sealapex, AH-Plus ou com a pasta L&C. Nos casos de contaminação da área radicular perfurada é recomendado o combate à infecção para posterior selamento da perfuração. A técnica de compactação lateral ou de cone único com compactação vertical (compressão hidráulica) deve ser empregada. Na técnica de compactação lateral após a seleção do cone principal de guta-percha, sua porção terminal é envolvida pelo cimento obturador e a seguir adaptada até a posição determinada. Com um espaçador digital de NiTi introduzido entre o cone principal e a parede frontal (oposta) à perfuração do canal executamos a compactação lateral do material obturador. Com essa manobra, os cones de guta-percha e o cimento obturador são pressionados de encontro à parede perfurada, selando o defeito. Essa manobra também evita que os cones acessórios ultrapassem o dente via perfuração. A operação é acompanhada radiograficamente. Os cones que protraem na câmara pulpar são cortados com instrumentos aquecidos direcionados em sentido lateral, ao nível da embocadura do canal radicular. Imediatamente depois do corte realiza-
Acidentes e Complicações em Endodontia
se uma suave compactação vertical do material obturador, usando-se compactador frio. Após a limpeza da câmara pulpar, ela é preenchida com material selador provisório ou material restaurador. Não devemos usar esse canal para receber retentor intrarradicular. Para perfurações de maiores diâmetros outra opção é o selamento da perfuração com MTA ou pasta L&C, mantendo-se o lume do canal vazio. Após o preparo químico-mecânico o canal radicular, um pouco além da perfuração, deverá ser obstruído com um cone de papel absorvente ou até mesmo de guta-percha. Em seguida, o segmento cervical do canal radicular é preenchido com material selador (pasta L&C ou MTA), sendo o mesmo compactado na embocadura do canal para assegurar o preenchimento da perfuração. A operação é acompanhada radiograficamente. A seguir, busca-se retomar a trajetória do canal radicular pela remoção do material de preenchimento e de vedação (cone de papel absorvente ou guta-percha) com instrumentos tipo K ou H de diâmetros adequados. A limpeza final do lume do canal radicular é realizada com cone de papel absorvente de diâmetros adequados, ficando apenas a área da perfuração selada com o material de preenchimento devidamente compactada. Após a cura (endurecimento) do material, o canal radicular deve ser obturado pela técnica do cone único com suave compactação vertical. Não devemos usar o canal que tem perfuração para receber retentor intrarradicular (Figs. 12-22 e 12-23A e B).
Perfuração radicular média Está localizada no segmento médio da raiz dentária. Ocorre através das paredes circundantes (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina) da raiz dentária.
Figura 12-22. Perfuração radicular cervical. Área da perfuração contaminada. Perfuração na parede interna da raiz mesial do molar inferior. Contaminação da área perfurada. Selamento mediato da perfuração com cimento MTA. Controle de 18 meses.
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A
B
Figura 12-23. Perfuração radicular cervical. Área da perfuração contaminada. A. Radiografia inicial. Perfuração na parede interna da raiz distal do molar inferior. B. Selamento mediato da perfuração com pasta L&C. Controle de 1 e 6 anos.
Degraus, falsos canais, canais atresiados e curvos, canais atresiados e com obstruções do segmento médio (material obturador do canal, fragmento metálico de instrumentos, cones de prata seccionados, resíduos de material obturador coronário, detritos advindos da instrumentação) podem induzir as perfurações radiculares médias durante a instrumentação. Nos casos onde foram possíveis a remoção das obstruções e a retomada da trajetória original do canal, a perfuração radicular média será considerada e tratada como sendo um canal lateral de um sistema de canais radiculares. Não havendo contaminação, a obturação do canal deverá ser realizada imediatamente após o preparo químico-mecânico (Fig. 12-24A e B). Nos casos de contaminação da área radicular perfurada é recomendado o combate à infecção para posterior selamento da perfuração. Sendo a perfuração ampla, devemos substituir os cimentos à base de óxido de zinco-eugenol pelos cimentos Sealapex, AH-Plus ou pela pasta L&C (Figs. 12-25 e 12-26).
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
A
B
Figura 12-24. Perfuração radicular média. Ausência de contaminação. Selamento imediato da perfuração com pasta L&C. A. Parede interna da raiz mesial do molar inferior. B. Parede distal da raiz do incisivo lateral.
A não remoção das obstruções e a não retomada da trajetória original do canal sugerem um prognóstico desfavorável ao tratamento endodôntico, principalmente diante de um dente com lesão perirradicular. Diante de evidência do fracasso, pode-se optar pela resolução cirúrgica.
Perfuração radicular apical
Figura 12-25. Perfuração radicular média. Área da perfuração contaminada. Perfuração na parede distal do incisivo lateral. Selamento mediato da perfuração com pasta L&C. Controle de 4 anos.
Está localizada no segmento apical da raiz, ocorrendo através das paredes circundantes (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina) da raiz dentária e sendo mais frequente na parede externa do segmento apical curvo de um canal radicular (parede convexa da raiz). Falsos canais, canais atresiados e com segmentos apicais curvos, canais atresiados e com obstruções do segmento apical podem induzir as perfurações radiculares apicais durante a instrumentação.
Figura 12-26. Perfuração radicular média. Área da perfuração contaminada. Lado esquerdo. Perfuração da parede externa da raiz mesial do molar inferior. Perfuração cervical da parede interna da raiz distal. Centro. Selamento mediato das perfurações com cimento endodôntico (óxido de zinco e eugenol). Lado direito. Controle de 3 anos. (Gentileza de RC Morais.)
Acidentes e Complicações em Endodontia
Geralmente, são provocadas por instrumentos endodônticos tipo K de aço inoxidável. Devemos evitar o emprego de instrumentos com pontas cônicas piramidais e com vértices pontiagudos. Para canais com segmentos apicais curvos, instrumentos de maiores diâmetros deverão ser de NiTi em substituição aos de aço inoxidável. Nas perfurações radiculares apicais, a retomada da trajetória do canal original é uma tarefa bastante difícil de ser alcançada. Nos casos onde foram possíveis a remoção das obstruções e a retomada da trajetória do canal original, a perfuração radicular apical será considerada e tratada como sendo um canal secundário de um sistema de canais radiculares. Não havendo contaminação, a obturação do canal deverá ser realizada imediatamente após o preparo químico-mecânico. Sendo a perfuração ampla, devemos substituir os cimentos à base de óxido de zincoeugenol pelos cimentos Sealapex, AH-plus ou pela pasta L&C. A não remoção da obstrução e a não retomada da trajetória do canal original podem ser desfavoráveis ao resultado do tratamento endodôntico, principalmente nos dentes portadores de lesão perirradicular. Nesses casos a opção cirúrgica é de prognóstico bastante favorável.
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Nos casos onde após a perfuração radicular se observa hemorragia intensa, a cavidade pulpar e o defeito devem ser preenchidos com sulfato de cálcio ou pasta de hidróxido de cálcio associada a veículo hidrossolúvel, com o objetivo de cessar a hemorragia e cauterizar superficialmente o tecido junto à área da perfuração. Três a sete dias após, retira-se o material e realiza-se a obturação do canal e da perfuração com uma das opções mencionadas. Quando ocorre contaminação da área radicular perfurada, a destruição tecidual geralmente é extensa e pode desenvolver um abscesso. Nessa situação é necessário o uso de solução química auxiliar da instrumentação representada pelo hipoclorito de sódio a 2,5% de cloro ativo. Se possível, remover mecanicamente por meio de instrumentos endodônticos o material contaminado presente na perfuração, preparar o canal radicular até o comprimento de trabalho mantendo o canal cementário desobstruído e usar uma medicação intracanal com efetiva atividade antimicrobiana (pasta HIPG) (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). Debelados os sinais e sintomas, procede-se ao preenchimento da perfuração e à obturação do canal radicular de modo semelhante aos já descritos. Quando o tratamento proposto fracassar, pode-se optar pela resolução cirúrgica (Fig. 12-27).
Figura 12-27. Perfuração radicular apical. Área da perfuração contaminada. Lado esquerdo. Perfuração da parede distal da raiz do pré-molar superior. Presença de instrumentos fraturados. Centro. Selamento mediato da perfuração com pasta L&C. Lado direito. Controle de 2 anos. (Gentileza de RC Morais.)
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Capítulo 12 Acidentes e Complicações em Endodontia
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Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
Capítulo
13
Hélio Pereira Lopes José Freitas Siqueira Jr. Carlos Nelson Elias
O preparo químico-mecânico tem como objetivo promover a limpeza, a ampliação e a modelagem do canal radicular. A ampliação e a modelagem do canal radicular são obtidas exclusivamente pelo desgaste de suas paredes dentinárias por meio da ação mecânica dos instrumentos endodônticos. A ampliação e a modelagem obedecem a uma forma cônica cujo maior diâmetro está voltado para cervical e o menor para apical. A limpeza é lograda pela somatória de diferentes eventos: pela ação mecânica dos instrumentos endodônticos junto às paredes internas do canal radicular; pela ação das substâncias químicas auxiliares sobre os componentes (tecidos orgânicos, inorgânicos e micro-organismos) presentes no interior do sistema de canais radiculares e completada pela irrigação-aspiração que, às expensas da energia cinética do jato, da turbulência criada e do refluxo da corrente líquida (solução irrigadora), arrasta para fora do canal radicular os resíduos oriundos desses eventos. Do exposto, as substâncias químicas podem ser empregadas no preparo dos canais radiculares como auxiliares da instrumentação e como soluções irrigadoras. A escolha da substância química para uma dessas funções depende de suas propriedades físicas e químicas.
SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS AUXILIARES DA INSTRUMENTAÇÃO As substâncias químicas auxiliares são empregadas no interior do canal radicular com os objetivos de
promover a dissolução de tecidos orgânicos vivos ou necrosados, a eliminação ou máxima redução possível de micro-organismos, a lubrificação, a quelação de íons cálcio e a suspensão de detritos oriundos da instrumentação. Devem apresentar propriedades físicas e químicas que as qualifiquem para esses objetivos. São usadas durante a instrumentação dos canais radiculares, desempenhando ações químicas e físicas, concomitantemente, com a ação mecânica dos instrumentos endodônticos. Também são usadas após a instrumentação para remover das paredes do canal radicular a smear layer. Podem ser empregadas em forma de solução líquida, de creme ou de gel. Geralmente, são utilizadas em forma de soluções líquidas. Uma solução é formada pela adição de um ou mais solutos ao solvente. Em uma solução o soluto é o disperso, e o solvente, o dispersante. O estado físico do solvente é que determina o estado físico da solução. Em Endodontia se empregam soluções líquidas, onde o solvente é sempre um líquido, e o soluto, um sólido, um líquido ou um gás.
Requisitos Tensão superficial Em um líquido, as forças de atração entre as moléculas da superfície são maiores que as do interior. Isso ocorre porque, no interior do líquido, as moléculas estão cercadas por outras e, na superfície, há uma região
531
532
Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
de contato com o meio exterior. A superfície do líquido se comporta como uma película elástica, que tende a minimizar sua área superficial. A essa película se atribuem as forças de tensão superficial. A tensão superficial é uma propriedade característica de cada líquido, variando com a temperatura e com o tipo de superfície contatada. Por exemplo, a água a 20ºC possui tensão superficial igual a 72,75 dinas/cm, em contato com o ar, e 21 dinas/cm, em contato com óleo de oliva12. Para Santos130, a solução de hipoclorito de sódio a 2,5%, a 24ºC, possui tensão superficial de 76 dinas/cm e a 37ºC de 70,3 dinas/cm.
No Quadro 13-1 apresentamos os valores da tensão superficial de algumas substâncias químicas empregadas na Endodontia58,94,97,116,164. Existem substâncias que, em solução, são capazes de reduzir a tensão superficial de outras. São os agentes tensoativos, entre os quais se incluem os detergentes e o hipoclorito de sódio. Os sólidos exercem força de atração sobre as moléculas dos líquidos. Quando essa força é maior do que a tensão superficial do líquido, ocorre o molhamento ou umectação daqueles pelo líquido, o que não ocorre quando a força de atração é menor. Essa interação tam-
Quadro 13-1 Tensão superficial de substâncias químicas endodônticas (dinas/cm) Naumovich (1963)
Milano et al. (1983)
Guimarães et al. (1988)
Pécora et al. (1991)
Tasman et al. (2000)
Método de Ring
Método de Ring
Método Capilaridade
Método Capilaridade
Método de Ring
Água destilada
72,8
71,9
72,72
72,73
70
Água de cal 14g/L
-------
58,9
-------
66,82
-------
Água oxigenada 10%
65,1
63,7
-------
70,42
63
Irrigocal
-------
-------
-------
37,52
-------
EDTA 17%
54,0
-------
69,25
-------
46
EDTA + Tergentol
-------
-------
31,09
-------
-------
EDTA + Cetavlon
39,7
-------
33,92
-------
-------
Ácido cítrico 10%
-------
-------
-------
68,34
-------
Tergentol
-------
33,7
33,41
-------
-------
Cetavlon
-------
-------
33,62
-------
-------
Soro fisiológico
68,9
54,0
-------
-------
66
Álcool etílico 70%
27,5
-------
-------
-------
-------
Álcool etílico 96%
24,1
23,0
23,06
23,51
-------
Solução de Dakin
-------
62,9
31,34
71,34
-------
Solução de Milton
-------
63,5
-------
-------
-------
Solução de NaOCl 2,5%
-------
-------
-------
-------
41
Solução de NaOCl 5%
-------
49,7
-------
-------
43
SOLUÇÕES
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
bém explica a capilaridade, que é o poder de o líquido se elevar em tubos capilares ou entre duas superfícies próximas entre si. A capilaridade, que é inversamente proporcional à tensão superficial, traduz o comportamento do líquido em anfractuosidades, reentrâncias ou ramificações comuns na cavidade pulpar12,68,94. Estudos in vitro e in vivo mostram que a tensão superficial das soluções químicas auxiliares determina a profundidade de penetração do líquido no canal radicular. Portanto, quanto menor a tensão superficial de uma substância, maior será sua capacidade de umectação e penetração, aumentando a efetividade da limpeza das paredes do canal radicular58,94.
Viscosidade Viscosidade é a resistência ao movimento relativo das moléculas de um fluido em escoamento, devido às forças de coesão intermolecular. Ao se tentar deslocar uma camada de líquido sobre outra, é necessário vencer a força de atração entre as moléculas. Essa força é dada pela expressão: F=η
Δv S Δl
533
Atividade de solvente de tecido A capacidade de dissolução de matéria orgânica é uma propriedade necessária na escolha da substância química auxiliar da instrumentação, sendo de particular importância no preparo químico-mecânico do canal radicular, visando à remoção de tecido pulpar vivo ou necrosado. Devido à complexidade da morfologia interna dos canais radiculares, que formam verdadeiro sistema de canais mecanicamente inacessíveis, há necessidade de se explorar a capacidade de dissolução tecidual da solução química auxiliar da instrumentação. Todo tecido pulpar, mesmo vivo e não infectado, deve ser eliminado no momento do tratamento endodôntico, para não servir de substrato potencial a uma proliferação microbiana30,54 (Fig. 13-1A e B). A capacidade de dissolução de uma solução química auxiliar depende de vários fatores, tais como: relação entre o volume de solução e a massa de tecido orgânico, área de contato com os tecidos, tempo de ação, temperatura da solução, agitação mecânica, concentração da solução e frequência da renovação da solução no interior do canal radicular.
Atividade antimicrobiana
onde Δv/Δl é a relação entre as velocidades das duas camadas, S é a distância entre elas, que é a área de contato entre as camadas, e η é a viscosidade. O inverso desta propriedade é chamado fluidez e, quanto maior a viscosidade, mais difícil o escoamento. Assim como a tensão superficial, a viscosidade diminui com o aumento da temperatura, como mostrado no Quadro 13-212,107. Devemos considerar que uma solução química muito viscosa escoa com dificuldade nas cânulas finas e mais longas, permitindo a formação de um jato líquido com menor alcance e refluxo. O aumento da viscosidade reduz a capacidade de penetração da solução química em anfractuosidades e reentrâncias do canal radicular. A tensão superficial e a viscosidade das soluções químicas influenciam na efetividade de suas ações físicas e químicas, não apenas quando empregadas como auxiliares da instrumentação, mas também quando usadas na irrigação-aspiração dos canais radiculares. Quadro 13-2 Variação da viscosidade (η) da água com a temperatura (em centipoise) T (ºC)
0ºC
20ºC
40ºC
60ºC
80ºC
η
1,79
1,00
0,47
0,35
0,28
Micro-organismos e seus produtos são os principais responsáveis pela iniciação e perpetuação das
A
B
Figura 13-1. Complexidade da morfologia interna dos canais radiculares. A. Seção longitudinal e diafanização. (Gentileza dos Profs. E. Mattos e A. Roldi). B. Seção transversal.
534
Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
patologias pulpoperirradiculares75. A infecção do canal radicular é usualmente mista e semiespecífica, com predomínio de bactérias anaeróbias estritas, as quais correspondem a mais de 90% dos isolados161. Assim, no tratamento endodôntico, a limpeza e a desinfecção dos sistemas de canais radiculares são importantes, sendo logradas pela ação mecânica dos instrumentos, pela ação antimicrobiana das soluções químicas auxiliares da instrumentação e pelo fluxo e refluxo da solução irrigadora. Vários estudos demonstraram que o emprego de substâncias químicas dotadas de atividade antimicrobiana, durante o preparo dos canais radiculares, exerce um efeito significativo na eliminação de bactérias19,72,150,152. Assim, enquanto uma solução desprovida de ação antimicrobiana (por exemplo, água destilada, soro fisiológico) exerceria apenas um efeito de lubrificação e a suspensão de detritos oriundos do preparo do canal radicular, a solução que reconhecidamente possui atividade antimicrobiana teria um efeito adicional, representado pela eliminação ou máxima redução de micro-organismos não removidos mecanicamente.
Atividade quelante Os quelantes usados em Endodontia são substâncias orgânicas que removem íons cálcio da dentina, fixando-os quimicamente. O mecanismo de desmineralização da dentina ocorre por quelação, definida como a incorporação de um íon metálico em uma cadeia fechada heterocíclica, na qual o metal é ligado por dois ou mais íons, dentro do complexo molecular chamado ligante. Certos átomos ligantes fornecem elétrons ao átomo metálico e consequentemente partilham pares de elétrons com o íon metálico. A quelação corresponde à ação dessas substâncias sobre os íons metálicos, e o composto dessa adição denominamos quelato68,106,107. A atividade do quelante depende de sua solubilidade e capacidade de dissociação iônica, necessitando água para que se possa dissociar. Sabemos que, devido à forte polarização existente nas moléculas da água, elas agem sobre a substância iônica, de forma a promover o afastamento de seus íons. Assim, podemos depreender que há maior eficiência nos agentes quelantes quando esses se apresentam na forma de solução aquosa do que quando na forma de cremes23. Durante a instrumentação de canais atresiados recomenda-se o uso de quelantes para facilitar o trabalho de alargamento do canal. O efeito descalcificante do agente quelante resulta em menor resistência dentinária à ação de corte dos instrumentos endodônticos durante a instrumentação dos canais atresiados.
Todavia, é preciso ressaltar que as dimensões dos canais radiculares são exíguas e o volume de solução quelante empregado é pequeno. Além do mais, há dificuldade física para essas soluções preencherem os canais radiculares em sua plenitude. Em decorrência, é lícito supor que a eficiência das soluções quelantes na quelação de dentina durante instrumentação de canais atresiados é questionável, sob o ponto de vista clínico. Possivelmente, os resultados favoráveis obtidos estão relacionados com a ação lubrificante e não com a ação quelante da solução química. Segundo Walton e Rivera178, os agentes quelantes não revelam resultados satisfatórios quanto à ação de descalcificação, principalmente em canais atresiados. Tal fato se deve à pequena velocidade da reação química, provavelmente menos eficiente que a ação cortante dos instrumentos endodônticos. Não existe evidência de que os agentes quelantes empregados durante a instrumentação de canais atresiados reduzam a dureza da dentina ou removam, de modo suficiente, as obstruções do canal para permitir a passagem do instrumento. Após a instrumentação dos canais radiculares recomenda-se o uso de quelantes para a remoção da smear layer presente nas paredes dentinárias do canal. Todavia, não há por parte dos pesquisadores consenso quanto à necessidade da remoção da smear layer após o preparo dos canais radiculares.
Atividade lubrificante Os instrumentos endodônticos, assim como as paredes dentinárias, apresentam rugosidades diferentes quando observados ao nível microscópio. Assim, durante a instrumentação do canal há contato físico apenas dos picos das rugosidades superficiais do instrumento com as rugosidades das paredes dentinárias, surgindo forças que se opõem ao deslocamento do instrumento. A resistência a esse deslocamento é denominada atrito. Estando o instrumento imóvel no interior do canal radicular, à medida que a força motriz aumenta, a força de atrito estática cresce para impedir seu deslocamento. Ocorrendo o movimento, a força de atrito estática deixa de existir, passando a atuar a de atrito dinâmica ou cinética, oposta ao sentido de deslocamento do instrumento e de valor inferior ao da força de atrito estática. As forças de atrito estática ou dinâmica que se opõem ao movimento do instrumento estão relacionadas com a força que o instrumento exerce contra as paredes do canal pela equação: Fa = μFp
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
535
onde: Fa é a força de atrito estática ou dinâmica; μ é o coeficiente de atrito dinâmico para o instrumento em movimento; Fp é a força de pressão. A força de atrito não depende da área de contato entre as superfícies, mas da rugosidade e natureza das superfícies de contato (secas ou umedecidas). Para um mesmo par de superfícies, as forças de atrito dinâmicas são menores do que as estáticas, decrescem com o aumento da velocidade e quando há lubrificação. As soluções químicas empregadas no preparo químico-mecânico dos canais radiculares, por meio de seu poder de umectação, conservam as paredes dentinárias hidratadas e atuam também como lubrificantes, reduzindo a força de atrito e formando uma película que diminui o contato físico entre as superfícies do instrumento e da dentina. Em consequência, diminuem o desgaste e preservam a capacidade de corte dos instrumentos, durante o preparo dos canais radiculares. Em canais atresiados, favorecem a passagem dos instrumentos até alcançar o comprimento de trabalho.
tação, em vez de favorecer dificulta o movimento do instrumento endodôntico. Além do mais, favorece a extrusão do material além do forame, o qual pode provocar reações inflamatórias ou mesmo uma resposta imunológica do organismo139. É importante salientar que o volume de líquido que um canal pode conter é muito pequeno. Segundo Campos23, após a instrumentação dos canais radiculares, o volume médio, para o maxilar superior, era de 10,3mm3 e, para a mandíbula, de 11,1mm3. Assim, esses pequenos volumes de solução existentes no interior dos canais têm suas propriedades esgotadas rapidamente. Para minimizar esse problema devemos:
Suspensão dos detritos
A capacidade da cavidade de acesso dos dentes funciona como reservatório. Infelizmente, esse é um fator subestimado durante o preparo químico-mecânico dos canais radiculares, porque a solução aí presente é geralmente aspirada durante a renovação da solução química auxiliar. No Quadro 13-3 apresentamos os valores médios dos volumes ocupados pelas polpas dentárias nos diferentes grupos de dentes humanos44.
As substâncias auxiliares têm como função manter os detritos orgânicos e inorgânicos, liberados durante a instrumentação do canal radicular, em suspensão com o objetivo de impedir a sua sedimentação mormente na região apical. Detritos podem ser acumulados e obstruir o canal, favorecendo desvios e perfurações radiculares ou, em razão da ação de êmbolo dos instrumentos, ser forçados a se difundir para os tecidos perirradiculares, onde atuariam como agente irritante. A maioria das substâncias químicas utilizadas em Endodontia apresenta fluidez satisfatória. Entretanto, a ação mecânica dos instrumentos endodônticos, durante a instrumentação do canal radicular, leva à suspensão de partículas no seio da substância química auxiliar, reduzindo sua fluidez. Antes de a substância atingir uma viscosidade crítica devemos renová-la por meio da irrigação-aspiração, o que favorece a remoção dos detritos mantidos em suspensão no interior do canal radicular. A seguir, repete-se o preenchimento da cavidade pulpar com a substância química auxiliar da instrumentação. Essa renovação deve ser realizada não somente a cada troca de instrumento, mas após um pequeno número de movimentos (10 a 15) imprimidos a ele, durante o preparo do canal radicular. Nos canais atresiados, principalmente, é um erro grave realizar a renovação da solução química auxiliar somente após o instrumento ganhar liberdade em seu interior. A saturação da quantidade de líquido existente no interior do canal, por meio de resíduos oriundos da instrumen-
a) manter a cavidade de acesso preenchida com solução química auxiliar, já que a movimentação e retirada do instrumento endodôntico no interior do canal favorecem a penetração e renovação do líquido; b) realizar renovações frequentes da solução química auxiliar.
Outro fator importante que deve ser considerado é que certas substâncias, como o hipoclorito
Quadro 13-3 Médias dos volumes ocupados pelas polpas dentárias (mm3) Dente
Superior (mm3)
Inferior (mm3)
Incisivo central
12,4
6,3
Incisivo lateral
11,4
7,1
Canino
14,7
14,2
Primeiro pré-molar
18,2
14,9
Segundo pré-molar
16,2
14,9
Primeiro molar
68,2
52,5
Segundo molar
44,3
32,9
Terceiro molar
22,6
31,1
536
Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
de sódio, são inativadas ao entrar em contato com a matéria orgânica. Assim, para que sua ação solvente e antimicrobiana seja efetiva é necessário renovar sempre a solução que entra em contato com as paredes do canal, o que é imperioso para que o hipoclorito de sódio mantenha seus efeitos antimicrobianos e solventes de matéria orgânica durante o preparo químico-mecânico.
Soluções Irrigantes São soluções químicas usadas na irrigação-aspiração dos canais radiculares. Sendo a irrigação-aspiração um procedimento de curta duração, é de esperar que a sua eficiência dependa mais das propriedades físicas do que das propriedades químicas das soluções empregadas. As soluções irrigadoras devem possuir pequeno coeficiente de viscosidade e pequena tensão superficial. Esses requisitos favorecem o aumento do alcance do jato, a formação da turbulência e o refluxo do líquido em direção coronária, permitindo uma maior efetividade da limpeza do canal radicular.
BIOCOMPATIBILIDADE Toda substância desinfetante apresenta toxicidade para as células vivas. Isso ocorre porque essas substâncias, ao contrário da maioria dos antibióticos, não apresentam seletividade para micro-organismos. Portanto, torna-se uma utopia querer conciliar forte ação antimicrobiana ou solvente de tecido e compatibilidade biológica61,63. Para Harrison63, os ensaios laboratoriais são excelentes na determinação do potencial relativo da toxicidade dos agentes químicos. Todavia, a extrapolação de tais testes para a situação clínica pode ser enganosa, pois o procedimento de uso clínico não é levado em consideração. O modo clínico no qual o agente químico é usado afeta diretamente seu potencial de toxicidade. Os efeitos lesivos causados por uma substância desinfetante sobre os tecidos dependem de sua própria toxicidade, de sua concentração, do tempo e da área de contato com os tecidos. Provavelmente, pelo curto período de tempo que permanece em contato com uma área reduzida dos tecidos perirradiculares durante os procedimentos de preparo químico-mecânico, o efeito irritante de uma substância química auxiliar da instrumentação ou de uma solução irrigadora pode ser minimizado. É isso o que acontece com o hipoclorito de sódio a 5,25%149. Embora in vitro ele apresente pronunciada citotoxidade112, in vivo esse efeito não é observado60,
desde que a solução não seja extravasada pelo forame apical127. Além disso, uma vez controlada a infecção endodôntica por um preparo químico-mecânico adequado e por uma ulterior medicação intracanal, o efeito irritante transitório causado pela substância química coadjuvante da instrumentação ou de uma solução irrigadora torna-se irrelevante, não interferindo no reparo dos tecidos perirradiculares. Em outras palavras, na ausência de infecção e de uma agressão química persistente, o reparo tecidual ocorrerá naturalmente. O tratamento endodôntico radical não visa à manutenção ou à cura da polpa dentária e sim a sua completa remoção. Sabendo-se que a busca de um preparo ideal quanto à forma e à limpeza tem esbarrado em dificuldades, associadas principalmente à complexidade anatômica dos canais radiculares e às propriedades físicas e mecânicas das ligas metálicas usadas na fabricação dos instrumentos endodônticos, é fundamental que a substância química auxiliar da instrumentação seja dotada de atividade solvente de tecido vivo ou necrosado e de atividade antimicrobiana. A seleção da concentração clínica ideal de uma solução de hipoclorito de sódio não deve ser determinada pelo tipo e intensidade de resposta inflamatória do tecido conjuntivo, mas sim pela sua capacidade solvente de matéria orgânica e efeito antimicrobiano168. A postura adotada por diversos profissionais em não empregar substâncias químicas ativas durante o preparo do canal radicular pode, a longo prazo, ser responsável do fracasso do tratamento endodôntico. É fundamental o respeito aos tecidos perirradiculares, mas os resultados dos testes de toxicidade das substâncias químicas obtidos em laboratório não podem ser extrapolados de forma absoluta para a clínica178. É preciso considerar que os resultados laboratoriais geralmente não produzem condições reais da prática, sendo portanto desaconselhável aplicar diretamente seus resultados sem que haja uma adequada análise deles em relação ao comportamento clínico das substâncias químicas auxiliares da instrumentação.
SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS EMPREGADAS NO PREPARO DOS CANAIS RADICULARES Entre as substâncias químicas existentes na Endodontia serão analisadas as rotineiramente empregadas no preparo químico-mecânico dos canais radiculares. Estudos in vitro têm demonstrado a eficiência relativa de diferentes substâncias químicas quanto às suas propriedades físicas, químicas e biológicas. Entretanto, essa efetividade não tem sido claramente demonstra-
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
da em estudos clínicos. Assim, pode-se afirmar que a maioria das informações é teórica63,179. Certamente, isso se deve à complexidade anatômica do canal radicular que dificulta o contato da substância com os tecidos ou micro-organismos; à rapidez da instrumentação que reduz o tempo de permanência da substância no interior do canal; ao pequeno volume de substância que um canal pode conter; e à renovação deficiente da substância química durante o preparo do canal radicular. A substância química auxiliar deve ser aplicada no interior do canal radicular com uma seringa e agulha hipodérmica. É importante que a substância penetre em toda a extensão do canal radicular. Isso geralmente ocorre em canais amplos, porém na maioria dos canais é necessário um preparo coronário para facilitar a penetração da substância auxiliar em direção apical. Nesses casos, a movimentação do instrumento durante o cateterismo ou preparo endodôntico favorece a penetração e a renovação da substância química. Machtou87 relatou que o sucesso da terapia endodôntica repousa sobre a tríade preparo químicomecânico, controle da infecção e obturação dos canais radiculares. Salientou que devem ser eliminados todos os resíduos e os micro-organismos do interior dos canais radiculares e relatou que a ação de uma substância química auxiliar depende de dois fatores: área de contato entre a substância química e os resíduos e o tempo de ação.
Hipoclorito de sódio Industrialmente o hipoclorito de sódio (NaOCl) é obtido por processos eletrolíticos que originam a chamada indústria eletroquímica do cloro. A eletrólise de uma solução de cloreto de sódio dependendo das condições poderá fornecer: o hidróxido de sódio, cloro, hipoclorito de sódio e ácido clorídrico. O valor de um hipoclorito ou cloróforo deve-se ao teor de cloro que libera. O cloro liberado é denominado cloro ativo. O teor de cloro ativo é definido pelo grau clorométrico, que representa o peso de cloro liberado por 100 gramas do cloróforo em natureza ou 100 mililitros (mL) de solução (grau clorométrico inglês). O teor de cloro ativo é determinado pelo método de titulometria iodométrica. O teor de hipoclorito de sódio normalmente é obtido multiplicando o resultado final do percentual de cloro ativo por um fator de conversão e tem-se diretamente o teor de hipoclorito de sódio91. O fator de conversão é obtido dividindo-se os pesos moleculares do hipoclorito de sódio pelo do clo-
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ro (Na = 23, O = 16, Cl = 35,5). Assim: NaOCl/Cl2 = 74,5/71 = 1,0493, que é o fator de conversão. Esse fator multiplicado pelo resultado final de cloro ativo (t) fornece o teor de hipoclorito de sódio % diretamente, isto é: g% NaOCl = t × 1,0493. Tomando-se como exemplo: Água Sanitária Clorox • teor de cloro ativo = 2,309g% • teor de hipoclorito de sódio = 2,309 × 1,0493 = 2,423g% Indubitavelmente para o hipoclorito de sódio, a análise mais importante é a determinação quantitativa dos teores de cloro ativo e de hipoclorito. É evidente que o teor de cloro ativo deve-se ao teor de hipoclorito, pois esse é quem dará origem ao primeiro. As soluções aquosas de NaOCl obtidas por processo eletrolítico apresentam concentração variável de 10 a 17%. Normalmente a sua diluição origina as diferentes concentrações de soluções cloradas usadas em Endodontia, assim como as diversas marcas comerciais de águas sanitárias78. Classificado como um composto halogenado, o NaOCl pode ser encontrado em uma série de produtos, contendo concentrações e aditivos variáveis, tais como: • Líquido de Dakin: solução de NaOCl a 0,5% (equivalente a 5.000ppm), neutralizada por ácido bórico para reduzir o pH (pH próximo de neutro). • Líquido de Dausfrene: solução de NaOCl a 0,5% (equivalente a 5.000ppm), neutralizada por bicarbonato de sódio. • Solução de Milton: solução de NaOCl a 1% (equivalente a 10.000ppm), estabilizada por cloreto de sódio (16%). • Licor de Labarraque: solução de NaOCl a 2,5% (equivalente a 25.000ppm). • Soda clorada: solução de NaOCl de concentração variável entre 4 e 6% (equivalente a 40.000-60.000ppm). • Água Sanitária: soluções de NaOCl a 2-2,5% (equivalente a 20.000-25.000ppm). O hipoclorito de sódio foi utilizado para a limpeza de feridas, em 1915, por Dakin31, sendo seu emprego em Endodontia proposto por Coolidge79, em 1919. Walker177, em 1936, propôs a utilização da soda clorada na irrigação de canais radiculares. Sua utilização no preparo químico-mecânico de canais radiculares se tornou difundida graças a Grossman55,56. É sem dúvida a solução química auxiliar da instrumentação de canais radiculares mais usada mundialmente.
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
O hipoclorito de sódio apresenta uma série de propriedades, tais como: atividade antimicrobiana, solvente de matéria orgânica, desodorizante, clareadora, lubrificante e baixa tensão superficial. É também detergente, porque promove a saponificação de lipídios13,54. O hipoclorito de sódio somente existe em solução aquosa. Nesse estado ele origina hidróxido de sódio (base forte) e ácido hipocloroso (ácido fraco). Assim, em solução aquosa o hipoclorito de sódio exibe um equilíbrio dinâmico de acordo com a reação:
NaOCl
+
H2O
NaOH
HIPOCLORITO ÁGUA DE SÓDIO
+
HIDRÓXIDO DE SÓDIO
HOCl ÁCIDO HIPOCLOROSO
Cabe ressaltar que, dependendo do pH do meio, o HOCl pode encontrar-se ionizado (meio alcalino pH >9) ou não ionizado (meio ácido, pH ≤ 5,5).
H2O
HOCl
ÁCIDO HIPOCLOROSO
OCl
+
ÍON HIPOCLORITO
H+ ÍON HIDROGÊNIO
Por outro lado, o NaOH é uma base forte, estando praticamente 100% dissociada.
H2O
NaOH
HIDRÓXIDO DE SÓDIO
Na+
+
ÍON SÓDIO
–
OH
ÍON HIDROGÊNIO
Para diversos autores, o ácido hipocloroso não ionizado existente em soluções de hipoclorito de sódio com valores de pH de 5 a 9 é a substância responsável pela atividade antimicrobiana da solução. Assim, em pH ácido, a atividade antimicrobiana da solução será potencializada apesar de sua estabilidade estar comprometida. A dissolução de tecido pulpar em um pequeno período somente se dá por um efeito combinado entre o hidróxido de sódio e o ácido hipocloroso oriundos da hidrólise do hipoclorito de sódio, cada um reagindo com determinados componentes da polpa29,40,78,158. As soluções de hipoclorito de sódio podem apresentar dois tipos de alcalinidade: a cáustica e por carbonato. A alcalinidade cáustica representa a concentração de hidróxido de sódio, e a por carbonato, a concentração de carbonato de sódio presente nas soluções cloradas. O hipoclorito de sódio é um composto instável por ser oxidante, sendo estabilizado, em função da alcalinidade cáustica, por duas vias:
– direta: o NaOH em excesso neutraliza os ácidos, em especial o ácido carbônico, presente quase sempre sob a forma de CO2, transformando-o em carbonato de sódio. A presença do carbonato de sódio (Na2CO3) dará origem a um segundo tipo de alcalinidade, a alcalinidade por carbonato. O CO2 tem a sua fonte principal a atmosfera, que vai saturar a água usada para a obtenção do produto final. – indireta: a alcalinidade cáustica, que eleva o valor do pH próximo a 13,5, vai retardar uma reação de autorredox do hipoclorito, a formação de clorato (3 ClOˉ 2Clˉ + ClOˉ3). A velocidade dessa reação é mínima em valores alcalinos, pH ≥ 12, e esse valor só é mantido pela alcalinidade cáustica. A velocidade é mínima, porém não é anulada. Assim, a solução de hipoclorito conterá sempre pequenas concentrações de clorato109. A alcalinidade por carbonato, sempre presente nos hidróxidos, indica a desestabilização da solução de hipoclorito, pois o ácido carbônico libera cloro. Enquanto houver alcalinidade cáustica, essa liberação não ocorre. Quanto maior o teor de carbonato, mais instável estará a solução de hipoclorito de sódio109. Portanto, a alcalinidade cáustica é um protetor da estabilidade da solução de hipoclorito. Por sua vez, a alcalinidade por carbonato, uma impureza sempre presente nos hidróxidos, indica o contrário, isto é, a desestabilização, pois o ácido carbônico tem condições de liberar cloro. A toxicidade da água sanitária varia em função da quantidade de NaOH presente na solução. Para uso endodôntico, a água sanitária ideal seria aquela que apresentasse um percentual de NaOH num valor máximo próximo a 0,4g% (82,91).
Atividade solvente A atividade solvente de tecido das soluções cloradas tem sido estudada por diversos autores, que verificaram os fatores que influenciam a capacidade dessa solução em dissolver tecido orgânico, tais como: relação entre o volume da solução e a massa de tecido orgânico; superfície de contato entre o tecido e a solução de hipoclorito; tempo de ação; temperatura da solução; agitação mecânica; concentração da solução e frequência da renovação da solução no interior do canal radicular30,60,167. Assim, quanto maiores forem esses fatores, maior será a capacidade de dissolução do hipoclorito de sódio sobre os tecidos orgânicos vivos ou necrosados.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
A capacidade de dissolução tecidual promovida pelo hipoclorito de sódio faz com que fragmentos de tecido pulpar sejam liquefeitos, facilitando, assim, sua remoção do interior do sistema de canais radiculares. A dissolução do tecido pulpar se verifica pelo efeito combinado entre o hidróxido de sódio e o ácido hipocloroso, cada um reagindo com determinados componentes da polpa dentária. O hidróxido de sódio reage com ácidos graxos (óleos e gorduras) presentes na matéria orgânica, formando sais de ácidos graxos (sabão) e glicerol (álcool) (Equação I). Reage também com aminoácidos das proteínas, formando sal e água (reação de neutralização) (Equação II). O ácido hipocloroso reage com grupamento amina dos aminoácidos das proteínas, formando cloraminas e água (Equação III)29,36,158. I. R–COO–R’
+
ÉSTER
NaOH
HIDRÓXIDO DE SÓDIO
R–COONa
+
R’–OH
SABÃO
GLICEROL
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Baumgartner e Cuenin8 examinaram as superfícies instrumentadas e não instrumentadas no segmento médio de canais radiculares após o uso de NaOCl em várias concentrações. Relataram que as concentrações de 5,25%, 2,5% e 1% promoveram a remoção total de remanescentes pulpares e pré-dentina, nas superfícies não instrumentadas. A solução a 0,5% foi menos eficaz. Cunninghan e Balekjian30 estudaram que a dissolução de colágeno pela ação do hipoclorito de sódio a 2,6% a 37ºC era tão efetiva quanto a solução a 5% à temperatura ambiente. A elevação da temperatura potencializava a ação solvente de tecido. Koskinen et al.76 verificaram que o hipoclorito de sódio dissolvia a pré-dentina das paredes do canal radicular e, estudando a dissolução do tecido pulpar bovino, observaram a eficácia da concentração a 5,0% e 2,5%. Porém, salientaram que solução de hipoclorito de sódio a 0,5% não era eficiente.
Atividade antimicrobiana H ׀ II. R – C – COOH + NaOH ׀ NH2
AMINOÁCIDO
HIDRÓXIDO DE SÓDIO
H ׀ R – C – COONa ׀ NH2
+
α AMINO ESTEARATO DE SÓDIO
H ׀ III. R – C – COOH + HOCl ׀ NH2
Cl ׀ R – C – COOH ׀ NH2
AMINOÁCIDO ÁCIDO
CLORAMINA HIPOCLOROSO
+
H2O
ÁGUA
H2O
ÁGUA
Para Spanó158, nas soluções de hipoclorito de sódio menos concentradas houve maior interação do ácido hipocloroso com a matéria orgânica (Reação III) e que, nas soluções mais concentradas, houve maior interação do hidróxido de sódio com a matéria orgânica (Reação I). Grossman e Meiman54 relataram que a soda clorada é capaz de dissolver o tecido pulpar em menos de 2 horas. Abou-Rass e Oglesby1 avaliaram os efeitos da temperatura, concentração e tipo de tecido (vital, necrosado ou fixado com formocresol), na capacidade solvente do NaOCl. Eles verificaram que o aumento da concentração e da temperatura potencializou a dissolução de matéria orgânica. Também revelaram que o NaOCl foi mais eficaz na dissolução do tecido vital, seguido pelo necrosado, enquanto o tecido fixado apresentou maior resistência ao processo.
Vários estudos demonstram que o hipoclorito de sódio apresenta excelente atividade antimicrobiana13,62,142,147,150,151,152. No entanto, o mecanismo exato pelo qual essa substância destrói micro-organismos ainda não foi perfeitamente elucidado. Alguns autores40,54,55,56 afirmaram que o efeito antimicrobiano do hipoclorito de sódio ocorre pela liberação de oxigênio nascente por parte do ácido hipocloroso, o qual, supostamente, destruiria o micro-organismo, pela formação de radicais oxigenados tóxicos. Essa teoria parece infundada, uma vez que outros compostos que liberam uma quantidade muito maior de oxigênio nascente, como a água oxigenada, não destroem micro-organismos tão rapidamente quanto os compostos clorados151. Destarte, sabe-se que a ação desinfetante de substâncias cloradas se deve à liberação de cloro. Apesar de o hidróxido de sódio gerado pela reação do hipoclorito de sódio com a água também apresentar eficácia antimicrobiana, sabe-se que a formação de compostos contento cloro ativo, como o ácido hipocloroso e o íon hipoclorito, é a principal responsável pela excelente atividade antimicrobiana da solução clorada40. A dissociação do ácido hipocloroso depende do pH, sendo que, em meio ácido, há o predomínio da forma de ácido não dissociado, enquanto, em pH alcalino, o íon hipoclorito encontra-se em maior quantidade. O ácido hipocloroso se encontra 100% não dissociado em pH próximo a 5,5, e 100% dissociado em pH 10. A ação desinfetante do hipoclorito de sódio é inversamente proporcional ao pH da solução. Assim, ela se torna pronunciada quando o pH da solução decai, o que é
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
relacionado com o aumento da concentração de ácido hipocloroso não dissociado. Esse dado sugere que o ácido hipocloroso apresenta maior efeito antimicrobiano do que o íon hipoclorito9,40. Dois efeitos antimicrobianos têm sido atribuídos ao cloro ativo liberado de um hipoclorito ou clorófolo: inibição enzimática e formação de cloraminas, após reação com componentes do citoplasma microbiano. Muitas enzimas microbianas contêm o aminoácido cisteína, tendo assim cadeias laterais terminando em grupamentos sulfidrila (SH). Tais enzimas apenas exercem suas funções, se o grupamento SH estiver livre e reduzido. O cloro é um forte agente oxidante, que promove a oxidação irreversível de grupamentos sulfidrila das enzimas microbianas40. Evidentemente, tal efeito se dá tanto sobre enzimas associadas à membrana quanto sobre as enzimas presentes no citoplasma. Como enzimas essenciais são inibidas, importantes reações metabólicas são interrompidas, originando a morte celular. O cloro também pode reagir com o grupamento amina (NH) de proteínas citoplasmáticas, formando cloraminas, compostos de reconhecida toxicidade, os quais interferem com o metabolismo celular31,79. Todavia, como o efeito microbicida do cloro se dá rapidamente, mesmo em baixas concentrações, as reações de oxidação enzimática parecem preceder o acúmulo de cloraminas no citoplasma microbiano, sendo, por essa razão, o principal mecanismo envolvido na destruição da célula microbiana151. O hipoclorito de sódio também causa danos ao DNA. Alguns fatores podem interferir nas atividades antimicrobiana e solvente de tecido do hipoclorito de sódio, tais como:
pH da solução O pH de uma solução pode ser definido como o logaritmo negativo da concentração de íons hidrogênio: pH = – log(H+). Tomando-se a água pura a 25ºC podemos calcular o seu pH: pH = – log(H+) = – log10–7 = – (– 7) = 7,0.
Valores menores de pH (abaixo de 7,0) correspondem a concentrações mais elevadas de H+ (soluções ácidas), e valores elevados de pH (acima de 7,0) a concentrações baixas de H+ (soluções básicas). Ácido é toda substância que, ao ser dissolvida em água, sofre ionização e libera íon H+ (próton). Base é toda substância que, ao ser dissolvida em água, sofre dissociação iônica e libera íon –OH (recebe um íon H+).
As soluções cloradas terão ação antimicrobiana em meio ácido, quando então liberam ácido hipocloroso. Esse ácido só atua na forma não dissociada e a acidez impede a ionização do ácido hipocloroso, favorecendo, assim, sua acentuada ação microbicida. O ácido hipocloroso se encontra 100% não ionizado em pH próximo a 5,5 e 100% ionizado em pH próximo a 10. Daí, a importância do pH na ação microbiana do cloro, pois o HOCl não ionizado é o componente ativo. Assim, a um pH acima de 9 a ionização do hipoclorito de sódio nas soluções aquosas usuais pode ser considerada como sendo completa em temperaturas normais. Com a baixa do pH da solução de hipoclorito de sódio com valores de pH de 9 a 5, forma-se progressivamente ácido hipocloroso. Esse ácido é classificado como ácido muito fraco e é facilmente dissociado em meio alcalino. Nas soluções fortemente ácidas, com pH inferior a 5, o cloro elementar aparece e constitui-se na forma predominante segundo a reação:
HOCl
+
ÁCIDO HIPOCLOROSO
H+
+
ÍON HIDROGÊNIO
Clˉ
ÍON CLORO
Cl2
+
CLORO
H2O ÁGUA
Todavia, o pH alcalino (acima de 10) mantém a estabilidade das soluções de NaOCl. Por isso, o pH das soluções cloradas deve chegar às condições de acidez unicamente no momento do uso, com a liberação de cloro nascente em meio ácido53. Parks et al.109 relatam que a própria acidez tecidual é suficiente para atingir essas condições, ou seja, abaixar o pH, formar ácido hipocloroso e liberar o cloro. É preciso ressaltar que, embora haja uma correlação entre a concentração de NaOH e valores elevados de pH, isso não quer dizer que se possa avaliar a concentração do NaOH a partir do pH. Isso porque o pH é um índice que somente avalia o grau de alcalinidade; outros parâmetros podem estar envolvidos nos cálculos. Spanó158 e Santos130, avaliando as soluções de hipoclorito de sódio após os processos de dissolução tecidual afirmaram que, quanto maior a concentração inicial da solução, menor a redução de seu potencial hidrogeniônico. A elevação da temperatura da solução causou maior redução percentual do potencial hidrogeniônico, o que se deve à interação do hidróxido de sódio com a matéria orgânica. O hidróxido de sódio reage com os ácidos graxos (óleos e gorduras), presentes na matéria orgânica formando sais de ácidos graxos (sabão) e glicerol (álcool). Esse, por ser um composto molecular, proporcionou
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
a diminuição da concentração de íons hidroxilas (–OH), promovendo a redução do potencial hidrogeniônico. O hidróxido de sódio reage também com aminoácidos das proteínas da matéria orgânica, formando sal e água (reação de neutralização). Assim, essas reações são responsáveis pela retirada de íons hidroxila do meio, promovendo a redução do potencial hidrogeniônico do líquido residual. Essa redução do potencial hidrogeniônico das soluções de hipoclorito de sódio reduz a velocidade de dissolução do tecido pulpar.
Temperatura A temperatura da solução de hipoclorito de sódio exerce uma influência significativa em suas propriedades. De acordo com diversos autores, fatores como aumento de temperatura e de concentração e longo tempo de reação química proporcionam uma maior eficácia da solução de hipoclorito de sódio quanto à sua ação solvente e antimicrobiana1,3,30,40,164. O aquecimento da solução aumenta sua capacidade solvente de matéria orgânica1. Uma elevação de 10ºC na temperatura da solução promove uma redução de, aproximadamente, 50 a 60% no tempo necessário para destruir micro-organismos. Por sua vez, se a temperatura da solução for reduzida em 10ºC, esse tempo será elevado em cerca de duas vezes40. A velocidade de dissolução do tecido pulpar bovino é diretamente proporcional à concentração e à temperatura de utilização da solução de hipoclorito de sódio, isto é, quanto maiores a concentração e a temperatura utilizadas, maior a velocidade de dissolução tecidual. A elevação da temperatura aumenta a frequência das colisões moleculares, e elas contribuem para o aumento da velocidade de uma reação. O mais importante é o fato de que uma elevação da temperatura aumenta a proporção de moléculas que terão energia suficiente para reagir. Consequentemente, quanto maior for a temperatura, maior será a proporção de moléculas que colidem e que reagirão umas com as outras e, como resultado, maior será a velocidade de dissolução tecidual130.
Matéria orgânica A relação entre o volume da solução e a massa de tecido tem influência na efetividade do hipoclorito de sódio. Quanto maior for essa relação, maiores serão a capacidade de dissolução e a atividade antimicrobiana do hipoclorito de sódio sobre os tecidos orgânicos vivos ou necrosados e sobre os micro-organismos. Durante o tratamento endodôntico, pequeno volume de solução de hipoclorito de sódio contata grande
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quantidade de matéria orgânica, representada principalmente por tecido pulpar, fluidos teciduais e micro-organismos compondo a infecção endodôntica. Para compensar essa pequena relação (volume da solução/massa de tecido) durante o preparo químico-mecânico do canal radicular, a solução de hipoclorito de sódio deve ser constantemente renovada. Outrossim, mormente durante o tratamento de canais com polpa necrosada e infectada, devemos optar pelo emprego de água sanitária, a qual é mais estável, favorecendo a obtenção de uma concentração de hipoclorito de sódio disponível para realizar uma ação solvente e antimicrobiana adequadas.
Concentração A concentração de uma solução é a relação de quantidade entre soluto, solvente e solução. Essa relação pode ser determinada de várias formas, entre elas a concentração comum ou em grama/litro (g/L) e a porcentagem em massa ou em peso. Massa é a quantidade de matéria que compõe o corpo e varia com o tipo e o número dos átomos de que é formada. Peso, por ser uma força (F), é o produto da massa (m) pela aceleração da gravidade (g). P=F=m×g
Nessa relação, o peso de um corpo é proporcional a sua massa. Nessa equação o fator de proporcionalidade é a aceleração da gravidade, que varia com a posição que estivermos em relação ao nível do mar. Um mesmo corpo (mesma massa) no nível do mar é mais pesado do que no alto de uma montanha. Concentração (C) de uma solução é a relação entre a massa do soluto (m1), em gramas, e o volume da solução (V), em litros. C=
m1 (g/L) V
Porcentagem em massa ou em peso (p) de uma solução é a massa de soluto dissolvida em 100 unidades de massa da solução.
massa da solução
massa do soluto
m(m1 + m2).........................................................m1
100..................................................................p
100 × m1
p=
ou
m
100 × m1 m1 + m2
p = porcentagem; m = massa da solução; m1 = massa do soluto; m2 = massa do solvente.
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
Para vários autores, existe uma relação diretamente proporcional entre a concentração da solução de hipoclorito de sódio e a velocidade de dissolução, isto é, quanto maior a concentração da solução, mais rápida é a dissolução tecidual54,60,76,158.
Atividade desodorizante
Figura 13-2. Efeito inibitório da solução de hipoclorito de sódio a 4% sobre Prevotella nigrescens.
As atividades antimicrobiana e solvente do hipoclorito de sódio dependem da concentração da solução química. Essas atividades diminuem à medida que a solução é diluída, sendo a capacidade solvente mais afetada do que a antimicrobiana. Quando do uso de soluções de concentrações menores, elas deverão ser renovadas no interior do canal radicular com maior frequência. Soluções mais concentradas apresentam maior atividade antimicrobiana, desde que outros fatores, como tempo de atuação, pH, temperatura e conteúdo orgânico, sejam mantidos constantes. Siqueira et al.151 demonstraram que a solução de hipoclorito de sódio a 5,25% foi mais eficaz do que a solução a 1% para inibir o crescimento de bacilos produtores de pigmentos negros. Em outro estudo, Siqueira et al.149 demonstraram que a solução a 4% apresentou atividade antibacteriana mais pronunciada contra bactérias facultativas e bacilos produtores de pigmentos negros (anaeróbios estritos) quando comparada às soluções a 2,5% e a 0,5% (Fig. 13-2). Siqueira et al.154 avaliaram in vitro a redução da população bacteriana intracanal produzida pela instrumentação e irrigação com soluções de NaOCl a 1%, 2,5% ou 5,25%. Como controle, empregou-se solução salina como irrigante. Todas as soluções promoveram redução significativa no número de células bacterianas no canal. Não houve diferença significante entre as três concentrações de NaOCl utilizadas. Todavia, todas as soluções de NaOCl foram significativamente mais eficazes do que a solução salina, fato que realça a importância do efeito químico, além do mecânico. Esses resultados quanto à atividade antibacteriana indicam que trocas regulares da solução no canal e irrigações copiosas mantêm as propriedades das soluções, compensando os efeitos da concentração.
As infecções por bactérias anaeróbias usualmente resultam em odor fétido, devido à produção de ácidos graxos de cadeia curta, compostos sulfurados, amônia e poliaminas. O cloro pode desodorizar por dois mecanismos: 1. atividade letal sobre os micro-organismos envolvidos na infecção pulpar; 2. ação oxidativa sobre os produtos bacterianos, neutralizando-os e eliminando o mau odor.
Considerações clínicas Uma vez que o NaOCl necessita estar em concentração suficiente para exercer seus efeitos antimicrobianos e solvente de tecidos, a questão de sua instabilidade química é crítica. Uma solução de NaOCl apresenta decréscimos significativos de concentração quando armazenada em condições inadequadas ou quando o frasco, durante o uso, é frequentemente aberto. Avaliando as concentrações de cloro ativo em amostras de soluções de hipoclorito de sódio utilizadas em consultórios de endodontistas, concluímos que: • nenhuma amostra apresenta a concentração prevista pelo fabricante; • as soluções de hipoclorito de sódio são instáveis; • as soluções a 0,5% foram as que mais perderam cloro ativo proporcionalmente (Quadro 13-4).
Quadro 13-4 Concentrações de cloro ativo encontradas nas amostras de soluções de NaOCl (médias) Encontrada
Capacidade de atividade
5%
3,24%
64,7%
2%
1,6%
80%
1%
0,78%
78,3%
0,5%
0,06%
11,5%
Indicada no rótulo
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Quadro 13-5 Vantagens e desvantagens do hipoclorito de sódio Vantagens
Desvantagens
Relativamente barato
Instável ao armazenamento
Rápida atuação
Inativado por matéria orgânica
Desodorizante e lubrificante
Corrosivo
Atividade antimicrobiana pronunciada contra bactérias, fungos e vírus
Irritante para a pele e mucosa
Relativamente não tóxico nas condições de uso
Forte odor
Ação solvente de matéria orgânica
Descora tecidos
Concentrações facilmente determinadas
Remove carbono da borracha
Clareador
Dada a instabilidade das soluções de hipoclorito de sódio, é aconselhável que as mesmas sejam adquiridas dentro do prazo de validade e o mais próximo possível da data de fabricação. Por serem as soluções de hipoclorito de sódio instáveis, perdem eficiência com a elevação da temperatura, com a exposição à luz e ao ar e quando armazenadas por longos períodos. Grossman55, considerando a instabilidade do hipoclorito de sódio, advoga a sua armazenagem para, no máximo, três meses, devendo ser guardado em vidro de cor âmbar ao abrigo da luz e do calor.
O Quadro 13-5 resume as principais vantagens e desvantagens do hipoclorito de sódio. A concentração ideal em que a solução de hipoclorito de sódio deve se apresentar, sua toxicidade e sua instabilidade são motivos de grande discussão. Entretanto, diversos autores consideram a concentração de 2,5% como a de primeira escolha28,32,60,82,93,173. Em muitos países, as soluções de hipoclorito de sódio usadas em Odontologia são fornecidas a partir de agentes clareadores domésticos (água sanitária), sendo que o mais popular entre essas soluções é o Clorox. Foi Lewis80, em 1954, o primeiro a sugerir o Clorox como fonte de hipoclorito de sódio para o preparo químico-mecânico de canais radiculares.
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Um estudo de Marchesan et al.90 revelou que várias marcas de água sanitária nacionais jamais apresentaram concentrações de NaOCl abaixo do especificado nos rótulos das embalagens. Os teores de cloro disponíveis variaram entre 2,53 e 2,95%, e o pH entre 12,53 e 13,44. Martins91 analisou química e quantitativamente 18 amostras de diferentes marcas de águas sanitárias, viabilizando-as como fonte de hipoclorito de sódio, e concluiu que as marcas Clorox, Super Globo e Q-Boa são seguras para o uso como solução química auxiliar de instrumentação na Endodontia. O teor de cloro ativo, o teor de hipoclorito de sódio, a alcalinidade cáustica, a alcalinidade por carbonato de sódio e o pH de soluções-mães de seis marcas comerciais de águas sanitárias foram determinados por Lopes et al.82 e estão expressos no Quadro 13-6. Nesse mesmo trabalho concluíram que: • todas as marcas de água sanitária testadas apresentaram teor de cloro ativo dentro dos percentuais exigidos segundo a Portaria 89, de 25 de agosto de 1994, da Secretaria de Vigilância Sanitária – Ministério da Saúde18; • as marcas Q-Boa, Super Globo e Clorox apresentaram menor teor de NaOH (alcalinidade cáustica); • é viável o uso das marcas Q-Boa, Super Globo e Clorox como solução química auxiliar do preparo químico-mecânico dos canais radiculares. Siqueira et al.150, avaliando a atividade antimicrobiana das águas sanitárias Ajax (Colgate-Palmolive, Quadro 13-6 Média dos resultados de teor de cloro ativo, teor de hipoclorito de sódio, alcalinidade cáustica, alcalinidade por carbonato de sódio e pH das soluções analisadas Marca
Cl2 (g%)
NaOCl (g%)
NaOH (g%)
Na2CO3 (g%)
pH (soluçãomãe)
Ajax
2,590
2,729
0,929
0,974
12,82
Brilhante
2,446
2,566
0,994
0,285
12,89
Brilux
2,138
2,244
0,486
0,131
12,61
Clorox
2,191
2,298
0,243
0,053
12,37
Super Globo
2,354
2,475
0,209
0,126
12,27
Q-Boa
2,434
2,553
0,177
0,088
12,12
544
Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
São Paulo, SP), Brilux (Pará Inds. R. Raymundo da Fonte S.A., Belém, PA), Brilhante (Indústrias Gessy Lever Ltda., São Paulo, SP), Q-Boa (Indústrias Anhembi S.A., Osasco, SP), Kokinos (Kokino’s Ind. Com. Ltda., D. Caxias, RJ), Bariloche (Indústrias Químicas Ribeiro Ltda., Rio de Janeiro, RJ), Super Globo (Água Sanitária Super Globo S.A., Rio de Janeiro, RJ) contra cepas bacterianas de Prevotella nigrescens, Propionibacterium acnes, Pseudomonas aeruginosa, E. faecalis, Lactobacillus casei, Escherichia coli e Streptococcus bovis, uma cultura mista (amostra de saliva total) e uma levedura (Candida albicans), observaram que todas as sete marcas apresentaram atividade satisfatória, não tendo sido detectadas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos (p >0,05). A concentração de NaOCl das amostras testadas variou entre 2 e 2,5%. Nery100 avaliou a influência no processo de reparo apical e perirradicular de dentes de cães com lesão perirradicular de diferentes soluções químicas auxiliares empregadas no preparo químico-mecânico. Após o preparo, os canais radiculares foram obturados na mesma sessão. A análise histopatológica das amostras obtidas demonstrou que as soluções de hipoclorito de sódio a 1 e 2,5% favoreceram o reparo dos tecidos apicais e perirradiculares, sendo os resultados semelhantes para as duas soluções. Várias marcas de água sanitária disponíveis no comércio nacional são fáceis de ser encontradas, mesmo em localidades mais isoladas, apresentam um baixo custo e, devido ao alto consumo pela população em geral, são frequentemente renovadas no estoque do vendedor, o que diminui os riscos de decomposição da solução. Portanto, as águas sanitárias podem ser utilizadas como soluções químicas auxiliares e na irrigação de canais radiculares como uma alternativa às soluções de NaOCl disponíveis no comércio odontológico. É recomendável que o profissional renove frequentemente o seu estoque de água sanitária e armazene os frascos, devidamente fechados, ao abrigo da luz e do calor. Durante o tratamento de canais radiculares independentemente das condições da polpa dentária indicamos como solução química auxiliar da instrumentação soluções de hipoclorito de sódio a 2,5% (águas sanitárias – Clorox, Super Globo ou Q-Boa). Nessa concentração, o hipoclorito de sódio favorece a solubilização dos remanescentes teciduais vivos ou necrosados do sistema de canais radiculares e atua de maneira eficaz contra a microbiota dos canais infectados. A atividade antimicrobiana de águas sanitárias também é de fundamental importância como fator de segurança em deslizes da manutenção da cadeia asséptica
passíveis de ocorrerem durante o atendimento clínico. Para os canais amplos com polpa vital é aconselhável o uso de solução de menor concentração. A diluição da água sanitária para uma concentração de 1% de cloro ativo pode ser realizada facilmente no consultório, adicionando-se duas partes do produto a três partes de água destilada. As águas sanitárias em função de suas propriedades físicas satisfatórias e de seu baixo custo também são usadas como soluções irrigadoras durante a irrigação-aspiração dos canais radiculares. O emprego de uma mesma solução química como substância auxiliar da instrumentação e como solução irrigadora simplifica e agiliza o preparo do canal radicular. Associações de outras soluções com o NaOCl em uso alternado durante a irrigação têm sido propostas com o intuito de maximizar a eliminação bacteriana do canal radicular. Siqueira et al.155 compararam a eficácia da instrumentação associada a diferentes soluções irrigantes em reduzir a população bacteriana intracanal. Canais inoculados com E. faecalis foram preparados e irrigados com as seguintes soluções: NaOCl a 2,5%; NaOCl a 2,5% e ácido cítrico a 10%, alternados; NaOCl a 2,5% e gluconato de clorexidina a 2%, alternados; e solução salina. Amostras foram coletadas dos canais antes e depois do preparo químico-mecânico, diluídas e cultivadas para contagem das unidades formadoras de colônias. Todos os irrigantes significativamente reduziram a população bacteriana dentro do canal radicular. Não houve diferenças significantes entre os grupos experimentais. Todavia, todos os grupos foram significativamente mais eficazes do que o grupocontrole onde solução salina foi usada como irrigante. Tais resultados confirmaram a importância do emprego de substâncias dotadas de atividade antimicrobiana durante o preparo químico-mecânico. Além disso, o uso combinado de outros irrigantes com o NaOCl não potencializou a redução bacteriana induzida por essa substância quando usada isoladamente na irrigação.
Clorexidina A clorexidina é composta estruturalmente por dois anéis clorofenólicos nas extremidades, ligados a um grupamento biguanida de cada lado, conectados por uma cadeia central de hexametileno35. Essa bisbiguanida catiônica (carregada positivamente) é uma base forte, sendo praticamente insolúvel em água, daí sua preparação na forma de sal, o que aumenta a solubilidade da substância. O sal digluconato de clorexidina em solução aquosa é o mais utilizado na Odontologia34,35.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
As soluções são usualmente incolores e inodoras. As aquosas são mais estáveis em pH de 5 a 8. Acima disso, há precipitação, enquanto, em pH ácido, há deterioração da atividade em razão da perda de estabilidade da solução. A atividade antibacteriana da clorexidina é excelente na faixa de pH entre 5,5 e 7, o que abrange o pH das superfícies corporais e dos tecidos110,123. O digluconato de clorexidina é um agente antibacteriano de amplo espectro, sendo muito empregado na Periodontia para reduzir a formação de placas e no tratamento de suporte de doenças periodontais125. Esse composto aromático de bisbiguanida é solúvel em água, sendo que em pH fisiológico se dissocia liberando moléculas de carga positiva. Além de possuir atividade antibacteriana de amplo espectro, a clorexidina apresenta substantividade, isto é, ela se liga à hidroxiapatita do esmalte ou dentina e a grupos aniônicos ácidos de glicoproteínas, sendo lentamente liberada à medida que a sua concentração no meio decresce, permitindo assim um tempo de atuação prolongado. Assim, essa substância pode manter seus efeitos por um longo período35,125. A clorexidina apresenta atividade antibacteriana contra um grande número de espécies gram-positivas e gram-negativas35 (Fig. 13-3). Em baixas concentrações, a clorexidina é bacteriostática, enquanto em concentrações mais elevadas é bactericida. Por ser uma molécula catiônica, a clorexidina é atraída e adsorvida à superfície bacteriana, na qual é carregada negativamente. Essa adsorção dá-se, principalmente, em componentes contendo fosfato. Na sequência do processo de lise da bactéria, a clorexidina é atraída para a membrana citoplasmática, na qual promove uma ruptura, permitindo a liberação de componentes citoplasmáticos de baixo peso molecular,
Figura 13-3. Halos de inibição do crescimento bacteriano promovido por soluções de clorexidina a 0,2 e 2%.
545
como, por exemplo, íons potássio. Além disso, ao nível de membrana, a clorexidina pode inibir a atividade de determinadas enzimas, como a adenosina trifosfatase (ATPase). Se o efeito da clorexidina em razão da baixa concentração para nesse ponto, a substância tem um efeito bacteriostático35. Adsorção é a adesão de uma substância a uma outra. No processo de adsorção, um líquido ou um gás (adsordato) se adere firmemente à superfície de um sólido ou líquido (adsorvente). A adsorção é um processo de superfície. O processo de adsorção difere do de absorção onde uma substância absorvida penetra dentro da outra (sólido) num processo chamado difusão. Basicamente o processo de absorção é na realidade a combinação da adsorção e difusão. O efeito bactericida da clorexidina é observado em concentrações mais altas, quando se verifica que o dano à membrana citoplasmática é mais grave, levando ao extravasamento de conteúdo citoplasmático de maior peso molecular, como ácidos nucleicos. Quando a concentração da substância é suficientemente elevada (100 a 500mg/L), não há mais extravasamento do conteúdo do citoplasma bacteriano, visto que ele se torna precipitado, como resultado da reação da clorexidina com compostos fosfatados, como ATP (adenosina trifosfato) e ácidos nucleicos, formando complexos. Nesse último caso, o efeito bactericida é extremamente rápido. A maioria das soluções de clorexidina usadas na clínica possui efeito bactericida35. Siqueira et al.149, avaliando os efeitos inibitórios das soluções de clorexidina a 0,2 e a 2% sobre bactérias anaeróbias estritas e facultativas, comumente isoladas de canais radiculares infectados, observaram que não houve diferença significante entre elas. Entretanto, quando comparadas à solução de hipoclorito de sódio a 4%, ambas as soluções de clorexidina apresentaram atividade antibacteriana significativamente menor. Rigel et al.123 compararam, in vivo, a efetividade antimicrobiana da clorexidina a 0,2% e NaOCl a 2,5%, no preparo químico-mecânico dos canais radiculares, demonstrando que a solução clorada foi significativamente mais eficaz do que a clorexidina como agente antimicrobiano. Quando utilizada nas concentrações preconizadas para emprego clínico (entre 0,12 e 2%), a clorexidina apresenta uma relativa ausência de toxicidade123,125. Por outro lado, o hipoclorito de sódio é citotóxico e irritante aos tecidos112. Essa característica provavelmente indicaria a utilização da clorexidina como substância auxiliar da instrumentação em detrimento do hipoclorito de sódio. Entretanto, como já discutido, esse efei-
546
Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
to irritante do hipoclorito de sódio não parece exercer qualquer influência no êxito do tratamento, desde que utilizado na forma indicada, limitado ao interior do canal radicular. Além disso, outras propriedades devem ser levadas em conta ao se selecionar uma substância química a ser empregada no preparo dos canais radiculares. O hipoclorito de sódio apresenta, além da excelente atividade antimicrobiana, outras propriedades, como solvente de matéria orgânica e clareador, que a clorexidina não possui, o que é de grande valia durante o preparo de canais com polpa necrosada. O efeito solvente do hipoclorito de sódio pode auxiliar na limpeza do sistema de canais radiculares, promovendo a remoção de matéria orgânica em decomposição, não afetada pelos instrumentos endodônticos1,54. Embora não apresentando atividade solvente de tecido pulpar, o gluconato de clorexidina é um eficiente antimicrobiano e possui uma relativa ausência de toxicidade. Em busca de corrigir as propriedades indesejáveis dessa solução, alguns autores têm sugerido o seu emprego associado ao hipoclorito de sódio. Kuruvilla e Kamath77, avaliaram, in vivo, a atividade antimicrobiana das soluções de hipoclorito de sódio a 2,5%, clorexidina a 0,2% e associação de ambas, como substância química auxiliar no tratamento endodôntico de dentes com necrose pulpar e reação perirradicular visível radiograficamente. Foram feitas coletas microbiológicas antes e após o preparo. Esse estudo mostrou que a combinação hipoclorito de sódio e clorexidina resultou em menor quantidade de culturas positivas após o preparo químico-mecânico do canal radicular. Entretanto, a forte pigmentação acastanhada e a impregnação da dentina oriunda da combinação das duas substâncias155, gerando o composto paracloroanilina7, desabonam seu uso associado quando da irrigação de canais. Por outro lado, Siqueira et al.155 compararam a eficácia in vitro da instrumentação associada a diferentes soluções químicas para reduzir a população bacteriana intracanal e revelaram que o uso alternado do NaOCl a 2,5% com o gluconato de clorexidina a 2% não foi mais eficaz do que o NaOCl usado isoladamente. Além disso, relatam o desenvolvimento de forte pigmentação acastanhada quando da associação da clorexidina com o NaOCl, que tem o potencial de apresentar efeitos antiestéticos. Por tais razões, não recomendamos a associação dessas duas substâncias. Em um estudo clínico controlado, Siqueira et al.155 compararam a eficácia antibacteriana do NaOCl a 2,5% e da clorexidina a 0,12% quando utilizados como substância química auxiliar no tratamento de dentes com canais infectados associados a uma lesão perirradicu-
lar. Amostras foram coletadas do canal antes e depois da instrumentação e então cultivadas. Nos casos com cultura positiva, bactérias foram identificadas por sequenciamento do gene da porção 16S do rRNA. Independentemente do grupo, a instrumentação e a irrigação resultaram em redução de mais de 95% no número de bactérias no canal. No grupo do NaOCl, 37,5% dos canais apresentavam culturas negativas. No grupo da clorexidina, 50% não apresentaram crescimento bacteriano. Estreptococos foram o grupo de bactérias mais comumente isolado dos canais com culturas positivas. Não houve diferença estatisticamente significativa entre a irrigação com o NaOCl e a clorexidina. Resultados semelhantes quanto à ausência de diferença significante entre a eficácia antibacteriana do NaOCl e da clorexidina foram observados em vários outros estudos clínicos ou laboratoriais41,52,64,73,126,141,174,176. A clorexidina pode ser a substância química de eleição quando há relato de alergia ao hipoclorito de sódio por parte do paciente e, possivelmente, no tratamento de dentes com polpa necrosada associada à rizogênese incompleta, onde existe grande risco de extravasamento apical da solução química. Pode haver desenvolvimento de reações graves dos tecidos perirradiculares, quando do extravasamento apical de hipoclorito de sódio durante a execução da terapia endodôntica127.
Ácido etilenodiamino tetracético dissódico (EDTA) A instrumentação de canais radiculares calcificados e atresiados sempre foi tarefa difícil para os que se dedicam à clínica endodôntica. Para esses casos, durante muito tempo se empregaram ácidos inorgânicos, como sulfúrico, fenil sulfônico e clorídrico. Porém, esses ácidos têm um poder lesivo muito grande sobre os tecidos vivos, em particular sobre os tecidos perirradiculares55,89. Em 1957, Ostby106, baseado no trabalho de Nikiforuk e Sreebny103, indicou a solução salina de etilenodiamino tetracético dissódico (EDTA) para a instrumentação de canais atresiados. Esse sal, derivado de um ácido fraco, é capaz de promover, em pH alcalino, a quelação de íons cálcio da dentina. O EDTA, na sua forma de ácido, apresenta um pequeno poder de descalcificação, porque sua solubilidade em água é pequena (0,001 mol/L). Consequentemente, seu poder quelante é reduzido, pela impossibilidade de uma efetiva dissociação iônica4,5,68,129. A solubilidade do EDTA está diretamente relacionada com o número de átomos de hidrogênio dos radi-
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
cais carboxila, substituídos por sódio. Como apresenta quatro radicais carboxila, podemos obter quatro tipos de sais: mono, di, tri e tetrassódico. O EDTA apresenta a seguinte fórmula estrutural: HOOC – CH2
CH2 – COOH N – CH2 – CH2 – N
HOOC – CH2
CH2 – COOH
Levando em consideração a capacidade de descalcificação e a compatibilidade biológica do EDTA em relação aos tecidos pulpares e perirradiculares, empregamos o sal trissódico68,99,106,129,148. NaOOC – CH2
CH2 – COONa N – CH2 – CH2 – N
HOOC – CH2
CH2 – COONa
Quando se coloca uma solução aquosa de EDTA no interior do canal radicular, ocorre, inicialmente, a solubilização de uma quantidade muito pequena de moléculas de fosfato de cálcio, componente mineral da dentina, até que seja estabelecido o equilíbrio:
H2O
Ca3(PO4)2
FOSFATO DE CÁLCIO
3Ca++
+
ÍON CÁLCIO
2PO4– – – ÍON FOSFATO
O EDTA incorpora o cálcio por meio das ligações bivalentes do oxigênio existente em sua estrutura, fechando-o numa cadeia heterocíclica. Essa reação é denominada quelação, e o produto resultante, quelato de cálcio. Ca+ + + EDTA
Ca EDTA
Dessa forma ocorre uma quebra da constante de solubilidade da dentina, que volta a solubilizar-se na tentativa de suprir a falta de íons cálcio. Esses íons são incorporados às moléculas de EDTA e a reação química continua até a saturação da solução de quelante, interrompendo o mecanismo de descalcificação. O EDTA tem ação autolimitante, pois uma molécula quela um mol de íon metálico. Essa solução não atua imediatamente quando colocada em contato com a dentina, necessitando esperar alguns minutos (10 a 15) para a obtenção do efeito quelante. À medida que ocorre aquele contato, há reação com os íons cálcio, neutralização e perda da ação química, necessitando, assim, de constantes renovações37,106.
547
Diversos trabalhos indicam que as soluções de EDTA apresentam ação desmineralizadora sobre a dentina, a qual é verificada por meio de testes de microdureza. Os resultados mostram que o EDTA diminui a microdureza da dentina e o pH, enquanto o tempo de ação da solução influencia a ação desmineralizadora28,43,118,131. Patterson113 afirma que a dureza da dentina humana varia com a sua localização e possui valores de 25 a 80 na escala Knoop. Na junção cementodentinária e nas proximidades da superfície do canal radicular a dureza é menor e, quando a dentina foi submetida à ação de EDTA, a dureza máxima determinada foi de 1,6 Knnop. As soluções de EDTA também influenciam na permeabilidade da dentina. A maioria dos trabalhos revela que o emprego do EDTA aumenta essa permeabilidade. Esses resultados geralmente são obtidos através de infiltração de corantes ou de métodos histoquímicos113,117,118,124. Quanto à compatibilidade do quelante em relação ao tecido pulpar e perirradicular de cães, os resultados são, por vezes, discordantes. Silveira148 observou reação inflamatória moderada, enquanto Ostby106 e Nery et al.99 observaram uma resposta tecidual satisfatória. O efeito antimicrobiano de soluções de EDTA é negado por Pupo et al.122. Todavia, Byström e Sundqvist20, no tratamento endodôntico de dentes infectados, observaram que o uso combinado de uma solução de EDTA e de hipoclorito de sódio a 5% apresenta atividade antibacteriana mais eficaz do que quando se usava apenas a solução de hipoclorito de sódio. Siqueira et al.149 confirmaram que o EDTA possui atividade antibacteriana contra bacilos anaeróbios estritos produtores de pigmentos negros. Para alguns autores, soluções irrigantes, como as de hipoclorito de sódio e água oxigenada, neutralizam a ação do EDTA, não se devendo, portanto, empregálas quando houver necessidade de sua ação11,68. Saquy131 avaliou a capacidade quelante do EDTA e da associação EDTA mais solução de Dakin (hipoclorito de sódio a 0,5% de cloro ativo), por meio de métodos químicos e da análise de microdureza da dentina. Esse autor concluiu que tanto a solução de EDTA como a associação dessa com a de Dakin são efetivas em quelar íons de cálcio, sendo que a ação quelante do EDTA não é inativada pela sua associação com a solução de Dakin na proporção de 1:1. Ostby106 adicionou o tensoativo Cetavlon (brometo de cetiltrimetilamônio) à solução de EDTA, formando, assim, uma associação conhecida como EDTAC. A asso-
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
ciação do Cetavlon ao EDTA reduz a tensão superficial da solução em 50%. Consequentemente, o EDTAC em relação ao EDTA é mais efetivo quanto à redução da microdureza da dentina e promove uma maior permeabilidade dentinária radicular43,58. Para Guimarães et al.58, a tensão superficial do EDTA é de 69,25 dinas/cm e a adição de 0,1% de Cetavlon a reduz para 33,92 dinas/cm. Recomendamos o uso de soluções de EDTA combinadas com soluções de hipoclorito de sódio, na remoção da smear layer, após o preparo químico-mecânico de canais radiculares infectados. O EDTA também é comercializado na forma de creme ( RC-Prep-Premier) e de gel, contido em seringas (Glyde File Prep-Dentsply/Maillefer e EDTA trissódico 24%, Biodinâmica). Atenção deve ser dada à data de fabricação e ao acondicionamento da solução de EDTA. Quando acondicionado em frascos de vidro, com o tempo o EDTA pode quelar o cálcio do silicato de cálcio existente na composição do vidro, diminuindo sua capacidade de atuação5.
RC-Prep Apresenta-se na forma de creme com a seguinte composição química EDTA 15%, peróxido de ureia 10% e Carbowax 75%, como idealizaram Stewar et al.160. O peróxido de ureia (bactericida) é um complexo de peróxido de hidrogênio e ureia. Apresenta-se sob a forma de corpo cristalino, branco, com ligeiro odor. É solúvel em água, glicerina, álcool e propileno glicol. É usado como fonte de peróxido de hidrogênio. O EDTA (quelante) é usado para descalcificação dos tecidos dentários. O Carbowax é o polietileno glicol 4000, apresenta-se na consistência cremosa e na cor branca. É francamente solúvel na água e no álcool. Funciona como uma base estável para o peróxido de ureia e como lubrificante durante a instrumentação dos canais radiculares. O RC-Prep é colocado no interior do canal radicular e a seguir adiciona-se uma solução de hipoclorito de sódio a 2,5% e procede-se à instrumentação. A reação química do peróxido de ureia com o hipoclorito de sódio produz uma efervescência, com a liberação de oxigênio nascente, que maximizará a limpeza do canal, favorecendo a remoção de detritos e a eliminação de bactérias. A adição de EDTA proporciona a essa associação a ação quelante sobre o cálcio das paredes dentinárias do canal radicular. Stewart et al.160, empregando RC-Prep e hipoclorito de sódio a 5% na instrumentação de canais radiculares de dentes despulpados e infectados, obtiveram
testes bacteriológicos negativos imediatamente após o preparo em 97,2% e após uma semana em 94,4% dos casos, sem o emprego de qualquer medicação intracanal entre as sessões. Cohen et al.27 demonstraram que o uso associado do RC-Prep com o hipoclorito sódico a 5% aumentou de maneira significativa a permeabilidade dentinária no nível do terço médio e apical. Todavia, Pécora119 constatou que essa associação promovia aumento da permeabilidade dentinária de modo menos intenso do que a utilização da solução EDTA e das soluções halogenadas nas diferentes concentrações, quando utilizadas individualmente. Com relação à compatibilidade com os tecidos vivos, Neri et al.99 em tratamento de canais radiculares de dentes de cães afirmaram que o RC-Prep é altamente citotóxico aos tecidos pulpar e perirradicular. Procurando justificar esses resultados, referiram-se à consistência pastosa do veículo (Carbowax) que dificultaria sua remoção completa do interior do canal radicular.
Glyde Apresenta-se na forma de gel com a seguinte composição química: EDTA, peróxido de carbamida (peróxido de ureia) em uma base hidrossolúvel. É utilizado em associação com soluções de hipoclorito de sódio. Deve ser armazenado em refrigerador. É utilizado de maneira semelhante ao RC-Prep e deve ser empregado apenas no início da instrumentação, até os três primeiros diâmetros de instrumentos. A posterior preparação dos canais deverá ser realizada apenas com solução de hipoclorito de sódio
EDTA gel Apresenta-se na forma de gel com a seguinte composição química: ácido etilenodiaminotetracético, hidróxido de sódio, água deionizada (livre de íons) e espessante (substância usada para dar consistência) É hidrossolúvel e apresenta uma concentração de EDTA trissódico de 24%. Atua como lubrificante e quelante. É recomendado pelo fabricante na instrumentação de canais radiculares. Durante o preparo, a substância química deve ser substituída, injetando-se nova quantidade do produto. Após o término do preparo, o canal deverá ser irrigado com solução de hipoclorito de sódio.
Ácido cítrico O ácido cítrico é um ácido orgânico (ácido 2-hidroxi propano tricarboxílico), sólido e cristalino, quando à temperatura ambiente, muito solúvel na água
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
(133g/100mL de água em temperatura ambiente), que atua sobre os tecidos mineralizados do dente, promovendo a sua desmineralização, podendo ser empregado na remoção da smear layer, após o preparo químicomecânico do canal radicular. H2 – C – COOH | HO – C – COOH | H2 – C – COOH
Quanto à concentração do ácido cítrico a ser usada em Endodontia, não há consenso entre os autores, os quais indicam concentração entre 1 e 50%16,81,133,180. Silveira148, trabalhando com ácido cítrico a 10%, como solução química na instrumentação de dentes de cães, observou que 24 horas após o tratamento, na maioria dos casos, os cotos pulpares exibiam moderado a intenso infiltrado neutrofílico, que se estendia ao ligamento periodontal. Nesses cotos notou, ainda, vasos hiperemiados, fibroblastos e neutrófilos em degeneração e necrose da porção mais coronária voltada para o canal principal. Segundo Smith e Wayman157, o ácido cítrico a 50% possui atividade antibacteriana contra o E. faecalis. Para Nikolaus et al.104, o ácido cítrico a 50% é efetivo contra bactérias anaeróbias. Todavia, Pupo et al.122, testando a atividade antibacteriana de soluções para irrigação de canais radiculares, frente a E. faecalis, Staphylococcus albus e microbiota mista oriunda de canais radiculares, observaram que o ácido cítrico só foi bactericida na concentração de 50% quando atuou por 10 minutos contra o S. albus. Para os demais micro-organismos não foi efetivo, assim como nas concentrações de 1 e 10%. O efeito antibacteriano do ácido cítrico está relacionado com seu baixo pH (1,45 a 1,5), que promove a desnaturação de proteínas, mormente as enzimas47,157. Porém, este pH ácido pode ter efeito adverso no tecido perriradicular devido ao possível efeito citotóxico. Soluções de ácido cítrico podem ser empregadas na remoção do componente mineralizado da smear layer. Quando do seu uso, devemos dar preferência às soluções de menores concentrações16,134,148.
MTAD O MTAD (Biopure, Dentsply, Tulsa, OK, EUA) é um produto comercial para uso no preparo químicomecânico de canais radiculares. Consiste em uma Mistura de um isômero da Tetraciclina (doxiciclina), Ácido cítrico e um Detergente (Tween 80). O MTAD tem um
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baixo pH (2,15) devido à presença do ácido cítrico e é recomendado para irrigação final do canal, após o emprego do NaOCl. A tetraciclina presente, além de participar da remoção da porção inorgânica da smear layer por quelar cálcio, também tem efeitos antibacterianos sobre grande parte dos patógenos endodônticos. A forma de utilização proposta é o uso de NaOCl a 1,3% durante o preparo químico-mecânico, seguido de irrigação final com MTAD, o qual é deixado no canal por 5 minutos172. Torabinejad et al.170 demonstraram que o MTAD é bastante eficaz para remover a smear layer e apresenta melhor comportamento sobre a dentina do que o EDTA, não afetando significativamente a estrutura dos túbulos dentinários. Vários estudos in vitro têm avaliado a eficácia antimicrobiana do MTAD. Torabinejad et al.171 relataram que as zonas de inibição do crescimento e as concentrações inibitórias mínimas do MTAD contra o E. faecalis foram comparáveis ao NaOCl a 5,25% e significativamente mais eficazes do que o EDTA. Newberry et al.101 relataram que o MTAD apresentou eficácia antibacteriana contra várias cepas de E. faecalis. Portenier et al.120 demonstraram que o MTAD elimina E. faecalis in vitro em menos que 5 minutos. Contudo, seus efeitos foram retardados quando na presença de dentina ou albumina bovina. O MTAD não apresenta grande eficácia contra biofilmes de E. faecalis quando comparado in vitro com outras substâncias. Um estudo avaliando a eficácia de soluções químicas usadas no preparo químico-mecânico de canais radiculares na eliminação de biofilmes de E. faecalis demonstrou que o percentual de morte bacteriana no biofilme induzido pelas soluções testadas foi a seguinte em ordem decrescente de eficácia: NaOCl a 6% (>99,9%), NaOCl a 1% (99,8%), smear clear (78,1%), clorexidina a 2% (60,5%), REDTA (26,9%) e MTAD (16,1%)39. Estudos utilizando dentes extraídos com canais experimentalmente contaminados também têm avaliado os efeitos antimicrobianos do MTAD. Em um experimento utilizando canais contaminados com E. faecalis, Shabahang e Torabinejad145 relataram que o protocolo utilizando NaOCl a 1,3% + MTAD foi significativamente mais eficaz do que protocolos utilizando NaOCl a 5,25% associado ou não ao EDTA. Em outro estudo do mesmo grupo, Shabahang et al.144 relataram que o MTAD foi significativamente mais eficaz do que o NaOCl a 5,25% em desinfetar canais de dentes extraídos experimentalmente contaminados com saliva. Dados controversos foram relatados por um outro estudo na eliminação de E. faecalis de canais experimen-
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
talmente contaminados. Enquanto uma desinfecção significativa foi obtida quando da utilização do NaOCl a 5,25% + EDTA, cerca de 50% dos canais ainda permaneceram contaminados após emprego do NaOCl a 1,3% + MTAD74. Shabahang et al.146 acrescentaram a clorexidina ao MTAD ou usaram-na em substituição à doxiciclina e avaliaram seus efeitos na desinfecção de canais de dentes extraídos contaminados com E. faecalis. Seus resultados demonstraram que, embora o acréscimo de clorexidina não tenha exercido impacto sobre a eficácia do MTAD, a sua utilização como substituto da doxiciclina reduziu significativamente a eficácia da solução. Uma das vantagens da doxiciclina presente no MTAD é que, por ser quelante de íons cálcio, ela pode se ligar às paredes do canal e ser liberada em solução quando sua concentração local decair. Isso representa o efeito de substantividade que pode resultar em atividade antibacteriana prolongada. Um estudo revelou que a substantividade antibacteriana do MTAD à dentina foi superior à da clorexidina a 2% e durou cerca de 28 dias95. Os efeitos da atividade antibacteriana prolongada devido à substantividade e da remoção da smear layer podem fazer com que o MTAD auxilie a obturação do canal radicular na prevenção da reinfecção. Ghoddusi et al.50 avaliaram o efeito da irrigação final com MTAD na infiltração bacteriana de canais obturados com gutapercha e cimento AH-Plus ou de Rickert. Streptococcus mutans foi utilizado como marcador. Os resultados revelaram que a utilização do MTAD ou do EDTA para remoção da smear layer conferiu maior resistência à infiltração bacteriana quando comparada com a utilização do grupo em que a smear layer não foi removida. DeDeus et al.33 avaliaram os efeitos da irrigação final com o MTAD para remoção da smear layer no selamento promovido pela obturação do canal e não encontraram diferenças entre os grupos tratados com MTAD ou EDTA e o grupo onde a smear layer não foi removida. Por sua vez, em um estudo de infiltração de corante, Park et al.108 relataram que os espécimes que foram submetidos à remoção da smear layer com MTAD apresentaram significativamente menos infiltração do que aqueles onde a smear layer não foi removida. Não houve diferença entre os grupos tratados com MTAD ou EDTA. Um estudo relatou a ocorrência de pigmentação avermelhada ou purpúrea da dentina quando canais foram irrigados com NaOCl a 1,3% seguido de MTAD165. Isso se dá devido a uma reação do tipo redox que se assemelha ao mecanismo de pigmentação pela tetraciclina, no qual a foto-oxidação da tetraciclina re-
sulta em um produto de cor vermelha ou púrpura que tem alta afinidade pela hidroxiapatita. No caso específico, o processo de degradação oxidativa é deflagrado pelo NaOCl como agente oxidante e pode ser prevenido pela irrigação do canal com ácido ascórbico, um agente redutor, antes da aplicação do MTAD. Em um estudo clínico, Torabinejad et al.172 compararam os níveis de dor pós-operatória após utilização de dois protocolos para remoção da smear layer: NaOCl a 5,25% + EDTA ou NaOCl a 1,3% + MTAD. Os autores não encontraram diferenças significantes entre os dois grupos. Todos esses achados revelam que o MTAD pode ser uma boa opção para remoção da smear layer e para promover uma desinfecção complementar ao preparo químico-mecânico. Todavia, antes que seu uso seja amplamente recomendado há necessidade da publicação de estudos clínicos randomizados demonstrando a eficácia desse produto. O Tetraclean (Ogna Laboratori Farmaceutici, Muggio, Itália) é uma outra combinação recomendada para irrigação, com composição muito semelhante ao MTAD, mas com menor concentração de doxiciclina. Um estudo do grupo proponente revelou que o Tetraclean foi mais eficaz do que o MTAD contra biofilmes de E. faecalis51.
Água de cal De acordo com a Farmacopeia dos Estados Unidos do Brasil, a água de cal é “uma solução saturada de hidróxido de cálcio puro, pró-análise, em água recentemente fervida e resfriada (cerca de 0,14g de hidróxido de cálcio em 100mL de água)”. A água de cal é límpida e apresenta pH aproximado de 11. Nery et al.99 verificaram a reação do coto pulpar e tecidos perirradiculares de dentes de cães a algumas substâncias empregadas no preparo químico-mecânico dos canais radiculares. Entre as várias substâncias testadas, as menos irritantes foram o soro fisiológico, a água destilada e a água de cal. A solução aquosa de hidróxido de cálcio apresenta alta tensão superficial 66,82 dinas/cm116, ausência de atividade solvente de tecido pulpar96 e atividade antibacteriana extremamente baixa159. Consequentemente, a água de cal não possui propriedades que a indiquem como solução química auxiliar da instrumentação de canais radiculares. Deve ser acondicionada em frasco de cor âmbar para evitar alterações pela ação da claridade. Tem seu uso recomendado para irrigações de canais radicula-
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
res de dentes com vitalidade pulpar e rizogênese incompleta. Em casos de hemorragia pulpar, podemos empregá-la como substância hemostática, que atua por vasoconstrição, eliminando, assim, a possibilidade de hemorragia tardia. Também podemos empregar a água de cal nas manobras e tratamento conservador pulpar32.
Água oxigenada (peróxido de hidrogênio) O peróxido de hidrogênio (H2O2) é um agente oxidante, apresentando-se sob forma de um líquido incolor, transparente e altamente instável. É empregado em soluções aquosas, cuja instabilidade é proporcional ao aumento e concentração. É miscível em água em todas as proporções4. A água oxigenada USP, 10 volumes (peróxido de hidrogênio a 3%), apresenta pH de 3,5 e libera oxigênio sob influência de calor, luz e em contato com bases e com o hipoclorito de sódio54,63. O peróxido de hidrogênio (água oxigenada) quando em contato com sangue produz reação efervescente, liberando oxigênio nascente, produzindo hemólise e hemoglobinólise e removendo detritos do interior do canal radicular. Como agente oxidante evita que o sangue penetre nos canalículos dentinários e altere a cor dos dentes. Diante de matéria orgânica, essa substância apresenta uma atividade antibacteriana limitada, além de ser ineficaz como solvente de tecido necrosado e como solução irrigadora, na limpeza do sistema de canais radiculares63,179. O uso alternado do hipoclorito de sódio com o peróxido de hidrogênio, conhecido como método de Grossman, tem sido proposto no preparo químicomecâncio de canais radiculares. Ao se associarem essas duas substâncias, há o desenvolvimento de efervescência, oriunda da liberação de oxigênio nascente54. A reação, quando da associação, dá-se da seguinte forma:
NaOCl
+
H2O2
HIPOCLORITO ÁGUA DE SÓDIO OXIGENADA
NaCl
+
CLORETO DE SÓDIO
H2O
+
O2
ÁGUA OXIGÊNIO
A razão alegada para se utilizar o método de Grossman seria que a efervescência gerada iria maximizar a limpeza do canal, favorecendo a remoção de detritos e a eliminação de micro-organismos. No entanto, estudos não evidenciaram maiores benefícios no que se refere à limpeza e à desinfecção do canal com emprego desse método, quando comparado ao uso isolado do hipoclorito de sódio152,162. Como podemos verificar na equação
551
química, o hipoclorito de sódio e a água oxigenada são inativados após a reação química. A água oxigenada reduz e neutraliza o hipoclorito de sódio, resultando em pouco ou nenhum cloro disponível para ter efeito antimicrobiano9. Dessa forma, o rápido efeito letal do ácido hipocloroso sobre micro-organismos é perdido. É possível que, pelo método de Grossman, o efeito antimicrobiano ocorra principalmente no momento em que o hipoclorito de sódio é utilizado, decaindo rapidamente quando da neutralização. Se o uso de água oxigenada 10 vol., em alternância com o hipoclorito de sódio a 5,25%, deve ou não ser recomendado continua sendo um tema a ser debatido e requer pesquisas adicionais para determinar as verdadeiras vantagens clínicas. Embora não haja vantagem aparente, também não há desvantagem na alternância das duas soluções durante o preparo químico-mecânico do sistema de canal. A primeira e a última irrigação de cada ciclo do método devem ser feitos com o hipoclorito de sódio.
Glicerina e outras soluções A glicerina (propanotriol) é um líquido incolor, inodoro ou quase inodoro, viscoso, transparente, estéril, não tóxico e inteiramente miscível em água. É um excelente lubrificante das paredes do canal, muito empregada na exploração ou no cateterismo de canais radiculares atresiados. Uma vez completada a sua finalidade, por ser miscível em água, é facilmente removida do canal radicular, por irrigação com solução aquosa, como soluções de hipoclorito de sódio4,32. Como não possui atividade solvente de tecido ou antimicrobiana, deve ser usada em canais atresiados até o instrumento endodôntico alcançar o comprimento total do canal radicular. A água destilada, soluções anestésicas ou soro fisiológico são indicados como soluções irrigantes dos canais radiculares. Essas soluções não apresentam atividades antimicrobiana e de dissolução de tecido, sendo indicadas apenas na irrigação final do canal radicular. Não devem ser empregadas como soluções químicas auxiliares da instrumentação12,32,98.
Irrigação-Aspiração Irrigação representa a aplicação de um líquido medicinal sob pressão nas cavidades dos organismos. No tratamento endodôntico, a irrigação é representada por uma corrente líquida no interior da cavidade pulpar. A aspiração é a ação de atrair, por sucção,
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
Figura 13-4. Esquema representativo da irrigação-aspiração. Agulha irrigadora de diâmetro menor posicionada a 3mm do CT. Agulha de aspiração de diâmetro maior posicionada em sentido coronário.
fluidos e partículas sólidas de uma cavidade. O mecanismo irrigação-aspiração ocorre pelo fluxo de fluidos, ocasionado pela diferença de pressão no interior (maior) e na embocadura do canal radicular (menor)12 (Fig. 13-4). A irrigação e a aspiração são fenômenos físicos distintos, podendo ser estudados e empregados isoladamente. Na Endodontia, a irrigação é realizada concomitantemente à aspiração, com o objetivo de tornar a limpeza do canal radicular mais efetiva. Em conjunto com a instrumentação e a substância química auxiliar constituem uma importante fase do tratamento endodôntico, denominada preparo químico-mecânico dos canais radiculares. Segundo Sachs128, “o mais importante na terapêutica dos canais radiculares é o que se retira do seu interior e não o que nele se coloca.”
Objetivos da irrigação-aspiração Remoção de detritos Um dos princípios axiomáticos em cirurgia é a remoção de todo o material necrosado e detritos teciduais em uma ferida antes de qualquer quimioterapia. Muitos são os profissionais que deixam de observar a
importância dessa regra básica, confiando mais na ação dos medicamentos do que na limpeza completa do canal radicular55,56,98. A remoção de detritos do interior do canal é feita pela ação mecânica da haste de corte helicoidal cônica dos instrumentos endodônticos, auxiliada pela irrigação-aspiração. Os resíduos, em suspensão na substância química auxiliar ou sedimentados nas paredes do canal, são geralmente removidos às expensas da energia cinética do jato, da turbulência e do refluxo da corrente líquida, que os arrasta para fora do canal radicular. O jato da solução irrigante, ao atingir o ápice, exerce uma pressão capaz de remover os resíduos. Essa remoção, por estar relacionada com a energia cinética do jato (Ec = 1/2mv2), depende mais da velocidade (v) do que do volume (m) de líquido. No entanto, considerando que a velocidade do jato é limitada pela pressão dada no êmbolo da seringa, devemos injetar maior volume de solução para melhorar a eficiência da limpeza (remoção de detritos). É importante a remoção dos detritos do interior do canal radicular, uma vez que podem abrigar microorganismos, dificultando a ação da droga utilizada como medicamento intracanal e atuar como irritantes, quando forçados para os tecidos perirradiculares. Além disso, podem alterar a capacidade de selamento da obturação do canal radicular (Fig. 13-5A a D).
Redução do número de micro-organismos A redução do número de micro-organismos existentes no interior do canal radicular é conseguida às expensas da corrente líquida que, no refluxo, arrasta grande quantidade de micro-organismos para fora do canal. Sendo a irrigação-aspiração um procedimento de curta duração, é de esperar que a redução do número de micro-organismos esteja vinculada apenas à movimentação e renovação da solução irrigante e não a qualquer atividade antimicrobiana da solução química empregada. Baker et al.6, em trabalho de microscopia eletrônica de varredura, observaram que a remoção de restos pulpares e micro-organismos do interior de um canal radicular tem maior relação com o volume da solução irrigante empregado do que com a composição química da solução.
Fatores que influenciam a irrigação-aspiração A forma do preparo e a limpeza do canal dependem não só de uma correta instrumentação e da escolha
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
A
553
B
D
C
de uma substância química auxiliar dotada de propriedades físicas e químicas adequadas, mas também de um mecanismo eficiente de irrigação-aspiração. É preciso salientar que diversos fatores influenciam na eficiência desse mecanismo, entre os quais destacamos:
Propriedades físicas da solução irrigante Para melhorar a eficiência da irrigação-aspiração é imprescindível o íntimo contato (molhamento) entre a solução irrigante e os resíduos existentes no interior
Figura 13-5. Presença de detritos no interior do canal radicular. A. Seção reta transversal. B. MEV presença de detritos e micro-organismos. C. Ausência de detritos no canal radicular após preparo químico-mecânico. D. Ausência de detritos na região apical.
do canal radicular. A chegada da solução irrigante a determinadas áreas é um fator crítico, principalmente no segmento apical, onde se observa a maior incidência de curvaturas e ramificações, as quais dificultam a limpeza e o saneamento dos canais radiculares nessa região. Entre as propriedades físicas que a solução irrigante deve possuir para que a irrigação-aspiração possa ser um procedimento efetivo na limpeza do canal radicular destacamos a tensão superficial e a viscosida-
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
de. As soluções irrigantes devem possuir pequeno coeficiente de viscosidade e pequena tensão superficial.
Anatomia do canal radicular A complexidade anatômica do sistema de canais é um fator decisivo na qualidade de limpeza das paredes radiculares. Quanto mais amplo e reto o canal, mais fácil é a limpeza, não só pela maior penetração da agulha, como pela possibilidade do uso de agulhas de maior diâmetro, que levam maior volume de líquido irrigante. A presença de curvaturas acentuadas é um fator limitante da penetração da agulha. Nesses casos, o líquido deve ser levado para além da região de curvatura pelo canal helicoidal do instrumento endodôntico ou por agulhas irrigadoras flexíveis (Fig. 13-6A e B). No início da instrumentação dos canais atresiados, a solução química não consegue penetrar em toda a extensão do canal, devido a suas dimensões exíguas e à presença de bolhas de ar. Para minimizar esse problema, devemos manter o compartimento coronário da cavidade pulpar preenchido com a solução empregada. A movimentação do instrumento durante o preparo endodôntico favorece a penetração e a renovação da solução química.
agulha. O diâmetro do preparo do canal está relacionado com o diâmetro e a conicidade do instrumento endodôntico empregado. Dados experimentais indicam que o diâmetro final de um canal radicular, após a instrumentação usando o movimento de alargamento, é superior (aproximadamente 6%) ao diâmetro do instrumento usado85. O diâmetro externo das agulhas irrigadoras mais empregadas no preparo químico-mecânico dos canais radiculares varia de 0,25mm a 0,5mm e o comprimento útil é de 25mm. Quanto menor o diâmetro da agulha mantendo-se a mesma força aplicada no êmbulo da seringa, maior será a velocidade e o alcance do jato na saída da agulha. O jato da solução irrigante no interior de uma canal radicular alcança em média 2 a 3mm além da ponta da agulha70. Isso ocorre devido à convergência das paredes dos canais radiculares em sentido apical e à coluna de ar aprisionada na extremidade do canal. Assim, o segmento apical dos canais radiculares é adequadamente irrigado quando a extremidade da agulha irrigadora alcança 3mm aquém do comprimento de trabalho. Agulhas irrigadoras com pontas fechadas e ranhura lateral (canelura) próxima à extremidade para a saída da solução irrigante devem ser posicionadas mais próximas ao comprimento de trabalho, ou seja, a 1mm145,182.
Diâmetro das agulhas irrigadoras A profundidade atingida por uma agulha irrigadora no interior de um canal radicular depende da relação/diâmetro do preparo do canal-diâmetro da
A
B
Técnica de preparo de canal radicular Nas fases iniciais do preparo químico-mecânico de um canal radicular, a técnica de instrumentação
Figura 13-6A e B. Complexidade da morfologia interna dos canais radiculares.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
utilizada pode favorecer a penetração da agulha irrigadora em sentido apical e, em consequência, promover maior limpeza do canal durante a irrigaçãoaspiração. Diversos estudos indicam que os resíduos presentes no segmento apical são eliminados com maior eficiência quando empregamos, no preparo químicomecânico, a técnica escalonada coroa-ápice em vez da convencional ou escalonada ápice-coroa2,45,86. O preparo no sentido coroa-ápice promove uma maior remoção de tecido dentário junto à região cervical do canal radicular. Essa maior ampliação do canal, em nível cervical, funciona como uma zona de escape acentuada, diminuindo a pressão unidirecional apical, favorecendo o refluxo da solução irrigante. Permite também maior penetração da agulha irrigadora em sentido apical, facilitando, assim, a irrigação-aspiração e, consequentemente, melhor limpeza do segmento terminal do canal radicular (Fig. 13-7). Para Abou-Rass e Jastrab2, o preparo do segmento cervical e médio, antes do apical, favorece a penetração da solução irrigadora, facilita a remoção de detritos da região apical e, em consequência, reduz a possibilidade de extrusão de material para o periápice. A ampliação maior de um canal radicular até o comprimento de trabalho resulta em uma limpeza e modelagem melhor do que uma ampliação menor. Diâmetros maiores de instrumentos endodônticos para instrumentação de canais radiculares:
Figura 13-7. Preparo do canal radicular no sentido coroa-ápice favorece o avanço da agulha irrigadora em sentido apical.
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• Favorecem a limpeza e a modelagem de um canal radicular. Quanto maior o diâmetro da instrumentação apical, maior a redução de tecidos e de microorganismos do interior de um canal radicular. • Favorecem o mecanismo de irrigação-aspiração. O maior diâmetro da instrumentação apical permite um maior avanço da agulha irrigadora em sentido apical. • Permitem um volume maior de solução química auxiliar dentro do canal radicular durante o preparo químico-mecânico. Para soluções químicas de uma mesma concentração, quanto maior o volume, maior será sua atividade solvente de tecido e antimicrobiana.
Material utilizado Para a irrigação são usados dispositivos geradores de pressão, agulhas irrigadoras e soluções irrigantes. A seringa plástica hipodérmica tipo Luer Lock ou seringas especiais (Ultradent, Utah, USA), de 3 ou 5mL, é o dispositivo gerador de pressão mais usado durante a irrigação dos canais radiculares. A solução química é retirada do frasco comercial e acondicionada em um recipiente esterilizado, na quantidade prevista de uso durante o preparo químico-mecânico do canal. Sobras de solução não devem retornar ao frasco original, mas sim descartadas. Seringas de plástico devem ter preferência sobre as de vidro. São descartáveis e mais seguras quanto ao extravasamento acidental da solução química por meio da conexão agulha/bico da seringa (Fig. 13-8A e B). Normalmente, a solução química é recolhida pela seringa destituída da agulha irrigadora, procurando utilizar-se toda a capacidade de carga do seu cilindro. A seguir, a agulha é adaptada assepticamente à seringa, com o auxílio de uma pinça clínica, ficando o conjunto pronto para uso. A seringa tipo carpule também é utilizada por alguns profissionais, sendo a solução química acondicionada, comercialmente ou não, em tubos anestésicos vazios previamente esterilizados. Em ambos tipos de seringa a pressão irrigadora é regulada pela força manual aplicada sobre o êmbolo. A pressão irrigadora também pode ser gerada por meio de dispositivos mecânicos. Dentre os disponíveis podemos mencionar o Peri-Pump (Adiel Comercial Ltda., Ribeirão Preto, SP), o 200 pump (VKDriller Equipamentos Elétricos Ltda., São Paulo, SP) e EndoVac (Smart Endodontics, USA). Bombana e Gavini14, empregando as formas de irrigação manual, com seringas carpule e pressurizada (sistema Ideal-Jet), concluíram que a utilização do
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
A
B
Figura 13-8. Seringas plásticas para irrigação. A. Seringa hipodérmica tipo Luer. B. Seringa especial.
sistema pressurizado dá maior praticidade ao trabalho endodôntico, propicia fluxo contínuo da solução irrigante pelo tempo que se desejar e pode promover uma limpeza mais eficiente dos canais radiculares. A maior eficiência da limpeza com o emprego do sistema pressurizado pode ser atribuída à maior energia cinética do líquido, em razão do aumento da velocidade do jato. Agulha irrigadora é um tubo cilíndrico por onde passam ou saem líquidos tendo uma extremidade romba e, na outra, um dispositivo metálico ou plástico de adaptação ao bico de uma seringa. As agulhas irrigadoras usadas em Endodontia são obtidas a partir de agulhas hipodérmicas, agulhas anestésicas tipo carpule ou agulhas especiais. As agulhas hipodérmicas são identificadas por dois números, sendo que o primeiro determina seu comprimento em milímetros (no 20, 25, 30...) e o segundo (3, 4, 5...), e seu diâmetro externo em décimos de milímetro (0,3, 0,4, 0,5mm). A remoção do bisel da extremidade da agulha não é necessária para melhorar a efetividade da limpeza do canal. Todavia, a sua remoção aumenta a segurança
quanto a acidentes, em relação ao paciente e ao operador, diminuindo a possibilidade de alterar a direção do jato, quando ocorre a deformação do bisel. As agulhas comercializadas para a irrigação em Endodontia não apresentam bisel (Fig. 13-9A e B). As agulhas anestésicas e especiais geralmente têm seu diâmetro expresso em Gauge. A equivalência aproximada em milímetro é mostrada no Quadro 13-7.
Em relação ao diâmetro, quanto menor, mais facilmente ela penetra no canal vencendo curvaturas graças à sua flexibilidade. Se necessário o dobramento, ele deverá ser em forma de arco e não de ângulo. O dobramento em ângulo deve ser evitado para não ocorrer a redução da área do furo interno longitudinal do tubo e dificultar a saída do líquido. Entre as agulhas irrigadoras especiais podemos destacar as fabricadas em aço inoxidável ou em NiTi. As agulhas de irrigação Endo-Eze são fabricadas em aço inoxidável pela Ultradent (Utah, EUA) nos diâmetros Gauge 27, 30 e 31. A de diâmetro 30 Gauge (0,3mm) é a mais utilizada e conhecida pela denominação de Navitip. São fornecidas nos comprimentos de 16 e 19mm (x-curta), 20 e 23mm (curta), 24 e 27mm
B
A
Figura 13-9. Agulhas irrigadoras tipo Luer. A. Com bisel na extremidade. B. Sem bisel.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
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Quadro 13-7 Diâmetros das agulhas irrigadoras. Equivalência aproximada entre as unidades Gauge e milímetro Gauge
Milímetro
23
0,70
24
0,60
25
0,50
27
0,40
30
0,30
31
0,25
A
B
Figura 13-10. Agulhas irrigadoras especiais. Agulhas Endo-Eze (Ultradent, EUA). A. 31G (0,25mm). B. 30G (0,30mm) Navitip.
Figura 13-11. Agulhas irrigadoras especiais. Agulhas Endo-Eze (Ultradent, EUA). 27G (0,4mm) extremidade em canelura (meia-cana).
(média) e de 28 e 30mm (longa). São esterilizadas em autoclave para uso repetido (Fig. 13-10A e B). Na no 27 Gauge, a extremidade termina em canelura (meiacana), sendo considerada uma agulha de segurança pelo fato de evitar a injeção da solução irrigante nos tecidos perirradiculares (Fig. 13-11). As agulhas de irrigação do tipo Max-i-Probe, fabricadas nos Estados Unidos (MPL Technologies, EUA), são lisas, apresentam a ponta fechada e arredondada, possuindo uma ranhura lateral próxima à extremidade inferior, para evitar o direcionamento e redução da pressão do jato diretamente aos tecidos perirradiculares, minimizando as injúrias. Nesse tipo de agulha, o jato é pulverizado nas paredes do canal em duas direções, garantindo limpeza efetiva em todo o seu comprimento e reduzindo o risco de a solução ultrapassar o forame apical. Porém, exige que o profissional efetue o movimento de rotação da agulha no interior do canal radicular (Fig. 13-12A e B). São fabricadas com aço inoxidável e descartáveis, não sendo indicadas para uso repetido. São comercializadas com diâmetros nominais, variando entre 0,3 e 0,8mm. As de diâmetros menores são mais flexíveis. Agulhas de irrigação fabricadas em liga de níquel-titânio são mais flexíveis do que as de aço inoxidável e alcançam com maior facilidade áreas apicais de canais radiculares curvos. As agulhas NiTi irrigator (Vista Dental Products, EUA) e Stropko NiTiflex (Sybron Endo, EUA) apresentam desenhos semelhantes ao das agulhas Max-i-Probe. São comercializadas com diâmetro nominal de 0,3mm (30 – Gauge). São resistentes à ação corrosiva do hipoclorito de sódio. São esterilizadas em autoclave para uso repetido.
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
A
B
ma de 25.000 ciclos (Endosonic/Dentsply, ENAC/ Osada e NAC Plus/Adiel). São usados com instrumentos de pequeno diâmetro (instrumento tipo K no 15 de aço inoxidável) mantidos livres no interior do canal radicular. A energia ultrassônica provoca um fenômeno físico denominado microcorrente acústica que é considerada como um efeito secundário de um campo acústico. Microcorrente acústica de um sistema ultrassônico usado em Endodontia pode ser definida como a circulação de uma solução irrigante em torno de um instrumento endodôntico ativado no interior do canal radicular. Outra vantagem do emprego dos aparelhos ultrassônicos é o maior volume de solução química usado durante a irrigaçãoaspiração do canal radicular. Segundo McComb e Smith92, para a limpeza do canal radicular não é tão importante a composição química da solução irrigante, mas o volume dela empregado na irrigação-aspiração. Os aparelhos sônicos são representados por contra-ângulos que provocam oscilações do instrumento de aproximadamente 1.500 ciclos. Assim como os sônicos, os instrumentos endodônticos empregados devem apresentar pequeno diâmetro e mantidos livres no canal radicular (Fig. 13-13). Os aparelhos ultrassônicos permitem a utilização de outras soluções químicas, como o hipoclorito de sódio. Para a realização da aspiração são necessárias unidade aspiradora e cânulas. Dados clínicos indicam que para a aspiração é preciso que o aparelho
Figura 13-12. Agulhas irrigadoras especiais. Agulha tipo Max-i-Probe. A. Agulha irrigadora com ranhura lateral. B. Desenho esquemático de irrigação-aspiração.
Quanto às soluções irrigantes, elas devem possuir pequeno coeficiente de viscosidade e pequena tensão superficial. Essas propriedades favorecem o aumento do alcance do jato, formação da turbulência e refluxo do líquido em sentido coronário, permitindo uma maior efetividade da limpeza do canal radicular. Aparelhos ultrassônicos e sônicos também são empregados na irrigação final (após a instrumentação) ou na irrigação durante a instrumentação dos canais radiculares. A vibração obtida aumenta a agitação mecânica da solução química no interior do canal, possibilitando maior limpeza. Os aparelhos ultrassônicos apresentam movimentos oscilatórios e vibram em uma frequência aci-
Figura 13-13. Sistema Endo Activator.
Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
sugador tenha a capacidade de esvaziar 1 litro de líquido em 90 segundos. Tal capacidade possibilita o estabelecimento de um fluxo contínuo entre a extremidade da agulha irrigadora e a ponta da cânula aspiradora79,107. Durante o preparo químico-mecânico devemos empregar cânulas aspiradoras de maior diâmetro (40:20), em consequência da maior quantidade de detritos a serem removidos do interior do canal radicular. Após o preparo, isto é, quando se deseja somente a aspiração, com o objetivo de auxiliar a secagem do canal, é aconselhável o emprego sucessivo de cânulas de plástico (Ultradent, Utah, EUA) de 30mm de comprimento e diâmetros em D0 de 0,5mm (roxa) e 0,7mm (verde) capazes de penetrar até o segmento apical, eliminando, de forma mais adequada, a solução irrigante (Fig. 13-14A e B).
EndoVac O sistema EndoVac (Discus Dental, Culver City, CA, EUA) é um novo sistema de irrigação-aspiração proposto por John Schoeffel, um endodontista norteamericano136,137. O sistema é baseado em cânulas aspiradoras especiais usadas em um sistema que permite a utilização de grandes volumes de NaOCl, em pressão
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negativa apical (corrente líquida no sentido coroa-ápice), que permite grande segurança aos tecidos perirradiculares durante o procedimento de irrigação-aspiração. O sistema é constituído de uma ponta principal (cabeça) de irrigação-aspiração, sendo a irrigação realizada por uma cânula metálica acoplada no interior de uma cânula plástica de aspiração – a cânula plástica (aspiração) é mais curta do que a metálica (irrigação); de duas cânulas de aspiração, sendo uma macrocânula de plástico e outra microcânula metálica de aço inoxidável. A ponta de irrigação-aspiração tem a cânula de irrigação acoplada a uma seringa comum, e a cânula de aspiração, a um dispositivo de alta capacidade de sucção do equipamento odontológico. Um tubo plástico pequeno conecta também a macro ou a microcânula de aspiração ao dispositivo de sucção do equipamento odontológico. A ponta de irrigação-aspiração promove os dois procedimentos (irrigação-aspiração) simultaneamente na câmara pulpar. A macrocânula plástica de aspiração possui uma abertura na ponta de 0,55mm e conicidade de 0,02mm/mm. A microcânula metálica de aspiração com extremidade fechada e diâmetro externo de 0,32mm possui 12 microfuros vazados de 0,1mm de diâmetro. Os microfuros localizados lateralmente no 1mm final da microcânula metálica estão distribuídos em quatro fileiras de três furos. O primeiro furo dista 0,37mm da ponta, e a distância entre os furos é de 0,2mm (Figs. 13-15 e 13-16).
A
B
Figura 13-14. Cânulas aspiradoras. A. Metálica. B. Plástica.
Figura 13-15. Sistema EndoVac. Microcânula metálica de aspiração. Eletromicrografia.
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
Figura 13-16. Sistema EndoVac. Macrocânula plástica de aspiração.
A técnica proposta é a seguinte: com a ponta de irrigação-aspiração irriga-se e aspira-se o canal (câmara pulpar) profusa e concomitantemente ao uso de instrumentos para alargar os segmentos coronário e médio do canal. Isso mantém a câmara pulpar repleta de solução química auxiliar durante todo o preparo coronário do canal. O hipoclorito de sódio é usado durante todo o preparo. São usados 1 a 2mL após cada troca de instrumento. Quando o instrumento de maior diâmetro usado no preparo apical atinge o CT, o canal está pronto para receber a macroaspiração com a macrocânula plástica por 30 segundos. Enquanto o conjunto (ponta) de irrigação-aspiração do EndoVac injeta irrigante na câmara pulpar, a macrocânula de aspiração é introduzida no canal até o ponto em que se ajusta e é então movimentada em vaivém constante. Findo o preparo apical, procedem-se três ciclos de microaspiração. Enquanto a ponta de irrigação-aspiração mantém a câmara pulpar repleta com irrigante, a microcânula metálica de aspiração é conduzida e mantida no CT por 6 segundos. A seguir, a microcânula de aspiração é então posicionada 2mm aquém do CT por 6 segundos e então reposicionada ao CT e mantida nessa medida por mais 6 segundos. Esse movimento de vaivém é continuado por 30 segundos, teoricamente garantindo 18 segundos de irrigação-aspiração diretamente no CT. Depois de 30 segundos, a microcânula de aspiração é removida do canal na presença de quantidade de NaOCl suficiente na câmara pulpar, o que garante que o canal está completamente preenchido com a solução química auxiliar e que nenhuma bolha de ar tenha sido aprisionada no canal. A solução química auxiliar é deixada por 60 segundos no canal sem ativação. Isso completa então um ciclo de irrigação-aspiração. O primeiro ciclo usa NaOCl, o segundo usa EDTA e o terceiro usa NaOCl novamente. Ao término do terceiro ciclo, a microcânula de apiração é deixada no CT, sem renovar a irrigação na câmara, para que o excesso de fluido seja removido (Fig. 13-17A a C).
A análise da microcânula metálica após o uso clínico por meio do microscópio eletrônico de varredura revelou entupimento dos microfuros por resíduos oriundos da instrumentação do canal radicular (Fig. 13-18). Por ser muito recente, a eficácia do EndoVac quando comparada à irrigação convencional ainda requer comprovação por estudos científicos102. Um estudo comparou a limpeza a 1 e 3mm aquém do CT promovida pelo sistema EndoVac comparada à irrigação convencional. A análise histológica mostrou que, embora não tenha sido observada diferença significativa a 3mm, o sistema EndoVac promoveu limpeza estatisticamente melhor 1mm aquém do CT. Os resultados de um outro estudo66 in vitro sugerem que o sistema EndoVac pode ser mais eficaz para eliminar bactérias do canal do que sistemas convencionais de irrigação. Com o aumento do diâmetro da instrumentação apical e o uso de agulhas irrigadoras de diâmetros menores, aumenta a possibilidade de acidentes (injeção da solução irrigante nos tecidos perirradiculares. Assim, é importante por parte do profissional um rigoroso controle da posição da agulha irrigadora em relação ao comprimento de trabalho do canal radicular (Fig. 13-19).
Princípios fundamentais O mais importante na irrigação-aspiração de um canal radicular é a relação existente entre o diâmetro da instrumentação apical e o diâmetro da agulha irrigadora. Quanto maior essa relação, mais ficam favorecidos a penetração da agulha irrigadora em sentido apical e o contato da solução irrigante com o término do canal radicular. A realização concomitante da irrigação-aspiração torna a limpeza do canal mais efetiva. Entende-se por irrigação-aspiração a passagem de um líquido pelo canal radicular com o objetivo de remover fragmentos orgânicos e micro-organismos do seu interior. Baseia-se na movimentação de fluidos, que ocorre no interior de um canal radicular no sentido ápice-coroa devido à diferença de pressão existente no interior e fora do canal. Há um aumento de pressão interna apical, gerado pela irrigação, e uma diminuição de pressão na embocadura do canal, desencadeada pela aspiração. No sistema EndoVac a movimentação de fluidos é no sentido coroa-ápice Diversos autores107,144,145,182 esclarecem que, para irrigar o canal em toda a sua extensão, é aconselhável que a agulha irrigadora alcance a região do segmento apical de tal maneira que haja suficiente espaço livre
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Figura 13-17. Sistema EndoVac. A. Conjunto de seringa, cânulas e tubos plásticos. B. Ponta principal de irrigação-aspiração. C. Ponta principal de irrigação-aspiração e macrocânula plástica de aspiração em uso clínico. D. Ponta principal de irrigação-aspiração e microcânula metálica de aspiração em uso clínico.
entre ela e a parede radicular, permitindo que o líquido reflua livremente. Por outro lado, para que a agulha penetre facilmente no canal, inclusive vencendo possíveis curvaturas, é preciso que seja flexível, condição só encontrada nas de menor diâmetro. Ainda como vantagem, preconizam que o uso de agulhas de pequeno diâmetro permite controle mais fácil do volume e da pressão de líquido sobre os tecidos perirradiculares. No interior de um canal o alcance do jato da solução irrigante alcança 3 a 4mm apical da ponta da agulha. Assim, na irrigação-aspiração convencional a agulha de irrigação deve ser introduzida o mais próximo do comprimento de trabalho para aumentar a eficiência da irrigação-aspiração. A agulha de menor diâmetro recomendada para a irrigação é a de no 30 (0,3mm). Consequentemente, para essa agulha alcançar as proximidades do comprimento de trabalho, o diâmentro mínimo da instrumentação apical deverá ser de 0,35mm
(instrumento de no 35). Mesmo em canais com curvaturas severas o diâmetro do preparo apical não deve jamais ser inferior ao de um instrumento de no 35. Isso pode ser alcançado com segurança, empregando-se instrumentos de NiTi de diâmetros acima dos no 20 ou 25 de aço inoxidável. Senia et al.143 verificaram que a profundidade da agulha de irrigação exerce um papel importante na remoção de resíduos do interior dos canais radiculares. Para realizar a irrigação-aspiração convencional, a agulha irrigadora deve ocupar a posição mais apical possível sem, contudo, obstruir a luz do canal radicular a fim de permitir o refluxo da solução irrigante promovido pela ponta aspiradora colocada ao nível da embocadura do canal. Sendo a cânula cilíndrica e o canal cônico, haverá entre ambos um trajeto de refluxo, denominado área de refluxo, cuja menor área de seção transversal se situa ao nível da ponta da agulha irriga-
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
Figura 13-18. Sistema EndoVac. Microcânula metálica de aspiração após o uso clínico. Microfuros bloqueados por resíduos e raspas de dentina. Superior. Sem uso. Inferior. Após o uso.
dora. Quanto menor a área de refluxo, mais difícil será a saída de líquido do canal radicular e maior a pressão unidirecional no compartimento do canal situado apicalmente à agulha irrigadora. Essa pressão depende da penetração e do diâmetro da agulha, bem como da força aplicada sobre o êmbolo da seringa. Como a energia cinética do líquido aumenta com o quadrado da sua velocidade, quanto maior a força aplicada ao êmbolo da seringa, maior a vazão de líquido, maior a velocidade do jato na saída da agulha e mais fácil será a remoção de resíduos dentários do interior do canal radicular. Todavia, para grandes pressões, o líquido pode ser comprimido contra o forame apical, permitindo sua infiltração nos tecidos perirradiculares. Com o objetivo de evitar esse problema, a agulha irrigadora, ao encontrar resistência junto às paredes do canal, deve ser ligeiramente recuada para facilitar o refluxo da corrente líquida. A solução irrigante deve fluir suavemente sob ligeira pressão do êmbolo. Essa pressão deve permitir um escoamento de cerca de 4 a 5mL de líquido por minuto. Durante a irrigação devemos imprimir movimentos de vaivém à agulha, de modo a aumentar a agitação mecânica da solução no interior do canal, possibilitando maior limpeza. A solução irrigante que reflui em direção à câmara pulpar é coletada pela cânula aspiradora, colocada ao nível da embocadura do canal12. Quanto ao volume do líquido a ser usado, encontramos na literatura poucos trabalhos que a ele fazem menção. Baker et al.6 afirmam que a remoção de detritos depende mais do volume do líquido do que do tipo da solução irrigadora. Por outro lado, Aktner e Bilkay4,
Figura 13-19. Acidente. Injeção de hipoclorito de sódio nos tecidos perirradiculares.
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contrariando as afirmações de Baker et al.6, salientam que nem sempre o volume maior de líquidos produz melhores resultados na remoção de resíduos dos canais radiculares. Vande-Visse e Brilliant175, estudando a extrusão de material além do forame apical afirmam que o simples uso da solução irrigante facilita a extrusão apical. Para Schafer136, o protocolo de irrigação-aspiração sugerido é: entre instrumento de 2 a 5mL de hipoclorito de sódio; após o preparo de 5 a 10mL de hipoclorito de sódio; após o preparo, 5mL de EDTA por canal por um minuto; irrigação-aspiração final com 2mL de hipoclorito de sódio. Yamada et al.181 recomendam 10 a 20mL de irrigante para cada canal, seguido de um grande volume após o término do preparo. Podemos observar que os autores abordam, genericamente, a importância do volume da solução empregada durante o preparo químico-mecânico do canal. Não há citações de valores nominais dos volumes utilizados. Embora o volume possa variar, em razão de diversos fatores, indicamos como rotina o emprego de 3 a 5mL de líquido para cada irrigação-aspiração do canal radicular. Quanto maior o volume de líquido empregado na irrigação, maior a eficiência da limpeza. Todavia, o aumento do número de irrigações para o mesmo volume de líquido empregado terá efeito mais significativo na dispersão das partículas e, consequentemente, na limpeza do canal do que o emprego desse mesmo volume em apenas uma irrigação. A irrigação-aspiração é empregada antes, durante e após o preparo químico-mecânico do canal radicular. Após o acesso endodôntico, devemos empregar a irrigação-aspiração com o objetivo de remover detritos dentinários, material obturador e tecido pulpar presentes na câmara pulpar. Durante o preparo químico-mecânico do canal radicular realizamos a irrigação-aspiração seguida da inundação da cavidade pulpar a cada sequência de emprego de um mesmo instrumento e a cada mudança de instrumento. Esse procedimento tem como objetivo remover os detritos mantidos em suspensão no interior do canal radicular e permitir a renovação da solução química auxiliar da instrumentação. Geralmente, usamos a mesma solução (hipoclorito de sódio a 2,5%), quer na irrigação-aspiração, quer no preenchimento do canal, como solução química auxiliar. A irrigação-aspiração final tem como objetivo principal remover traços das drogas usadas durante o preparo do canal ou como medicamento intracanal. Geralmente, empregamos de 3 a 5mL de líquido na irrigação final.
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Após a irrigação-aspiração fazemos a aspiração final para conseguirmos a secagem do canal. Nessa fase, as agulhas de maior diâmetro são substituídas pelas de menor diâmetro à medida que a cânula avança em sentido apical. A secagem final do canal é completada com cones de papel absorvente. O diâmetro do cone deve estar próximo ao do canal radicular. Quanto maior essa diferença, maior será o número de cones necessários para secá-lo. Entretanto, para que se elimine a umidade contida no interior do canal radicular é necessário que o cone de papel tenha grande capacidade de absorção de massa de líquido. A presença de umidade é um dos fatores que podem influenciar no selamento apical e, consequentemente, no êxito da obturação do canal radicular. A capacidade de absorção dos cones de papel é influenciada por alguns fatores: natureza da matériaprima empregada; solubilidade do papel e da cola; processo e lote de fabricação dos cones e natureza das soluções químicas empregadas35,65. Para Lopes et al.80, além desses fatores, a microestrutura dos cones exerce influência na sua capacidade de absorção. Os cones, com predominância de fibras entrelaçadas, pouca quantidade de substância aglutinante e grande quantidade de espaços vazios, apresentaram maior capacidade de absorção de massa de líquido. Os cones de papel absorvente das marcas comerciais Dentsply (Dentsply Ind. Com. Ltda.) e Odahcan (Herpo Produtos Dentários Ltda.) apresentaram os melhores resultados.
“Smear layer” O objetivo do preparo químico-mecânico é limpar, ampliar e dar forma definida ao canal radicular para que ele possa receber o material obturador. O sucesso da terapia endodôntica depende do método e da eficiência desse preparo, da desinfecção e da obturação tridimensional do canal. Diferentes tipos de instrumento, manuais, sônicos, ultrassônicos ou acionados a motor e soluções químicas, têm sido empregados nesses procedimentos. Algumas técnicas laboratoriais têm sido utilizadas para a avaliação da eficiência do preparo químico-mecânico no que diz respeito à limpeza do canal radicular. Entre essas técnicas destacamos a microscopia óptica, corantes, substâncias radiopacas e a microscopia eletrônica da varredura. Observações realizadas com microscopia eletrônica de varredura, após o preparo químico-mecânico, têm revelado a presença de diminutos restos dentinários e uma substância amorfa aderida às suas paredes, formando um aglomerado pastoso, que se deposita, principalmente, na região apical: a smear
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layer88,89,140. Essa denominação foi dada por Boyde et al.15, que foram os primeiros a descrever essa formação na superfície de esmalte cortado pela ação de brocas. McComb e Smith92 observaram essa camada nas paredes dos canais radiculares instrumentados e relataram sua semelhante aparência à smear layer coronária. A smear layer é também denominada lama endodôntica, magma dentinário, barro dentinário e camada residual, e representa a formação de qualquer resíduo produzido pela ação de corte de um instrumento sobre a dentina, esmalte ou cemento12,68,79,84,107 (Fig. 13-20A e B). Em Endodontia, a instrumentação do canal radicular produz a smear layer similar àquela formada durante o preparo da cavidade, independentemente do tipo de instrumento e da técnica de instrumentação empregados121. Em razão da provável influência da smear layer na permeabilidade dentinária e reflexos sobre a ação dos medicamentos intracanais e do selamento das obturações, o seu estudo e sua caracterização têm aumentado na prática endodôntica. Seu efeito de “isolante cavitário natural” tem sido avaliado e, dependendo do critério, pode ser considerado benéfico ou deletério89,111,140. Pelo fato de ser uma camada muito fina e solúvel em ácido, a smear layer é solubilizada durante o processamento histológico, não permitindo estudos à luz da microscopia óptica. Essa é uma das razões pelas quais recebeu pouca atenção ao longo do tempo e somente pode ser revelada e analisada pela microscopia eletrônica de varredura88. A smear layer tem uma aparência amorfa irregular e granular quando vista pela microscopia eletrônica de varredura. Essa aparência é devida à movimentação e brunimento dos componentes superficiais presen-
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tes na parede dentinária durante a instrumentação do canal3,92,140,181. McComb e Smith92 sugeriram que a smear layer, associada ao tratamento endodôntico, consiste não apenas de dentina, como a da cavidade coronária, mas também de remanescentes de componentes odontoblásticos, tecido pulpar e bactéria. Desse modo, apresentam em sua composição substâncias orgânicas e inorgânicas. A porção inorgânica é formada por raspas de dentina e materiais inorgânicos não específicos, oriundos do tecido dentário calcificado. A orgânica pode ter como componentes tecido pulpar vivo ou necrótico, remanescentes de processos odontoblásticos, proteínas coaguladas, células sanguíneas, saliva e bactérias e seus produtos140. De acordo com Cameron22, a smear layer apresenta alta quantidade de componente orgânico, nos estágios iniciais da instrumentação, em razão da presença de tecido pulpar vivo ou necrótico. Outro aspecto a ser considerado é que ela pode ser observada no plano frontal à abertura do túbulo dentinário, bem como no lateral, acompanhando a sua extensão. A smear do plano frontal (smear layer) apresenta-se como uma camada fina, irregular, granulosa, friável e pouco aderida à superfície do canal radicular. É separada, estruturalmente, da dentina subjacente, possui espessura que pode variar de 1 a 5μm, e sua morfologia depende do tipo de instrumento empregado, do grau de umidade da dentina no momento do corte, da quantidade e composição química da substância auxiliar e das características anatômicas do canal. A do plano lateral se apresenta comprimida no interior dos túbulos dentinários, sendo denominada smear plug. Como os túbulos aumentam de diâmetro à medida que se aproximam do canal, supõe-se que mais
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Figura 13-20A e B. Eletromicrografia evidenciando smear layer após instrumentação de um canal radicular.
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fragmentos sejam impelidos para o seu interior do que os que se abrem na superfície externa da dentina88,92. Garberoglio e Brannström48 observaram que, próximo à polpa, o diâmetro dos túbulos é em torno de 2,5μm, na região média de 1,2μm e, na dentina superficial, de 0,9μm. A penetração da smear plug no interior dos túbulos dentinários varia de 1 a 5μm, podendo atingir até 40μm. Essa compressão de material para o interior dos túbulos dentinários é devida à ação dos instrumentos endodônticos88. Entretanto, para Cengiz et al.24, a penetração da smear poderia ser causada pela ação de capilaridade, como um resultado de forças adesivas entre os túbulos dentinários e o material residual. A smear layer, quando examinada pela microscopia eletrônica de varredura, poderia ser considerada impermeável. Todavia, experimentos in vivo e in vitro têm mostrado sua permeabilidade111.
Remoção da smear layer: sim versus não As vantagens e desvantagens de remover ou não a smear layer, após a instrumentação do canal radicular, são questões ainda controvertidas. Parece que a necessidade e a importância da remoção da smear layer estão condicionadas ao conteúdo do canal radicular (polpa viva ou necrosada) e à manutenção de um canal asséptico89. No tratamento de dentes, onde não há contaminação e é mantida a cadeia asséptica, a remoção da camada residual não seria necessária. Se uma contaminação por infiltração ou queda do selamento coronário ocorrer, a presença da smear layer diminui a aderência e a penetração de bactérias nos túbulos dentinários. No entanto, ocorrerá a contaminação da própria smear layer, sendo, então, necessária a sua remoção38. No tratamento de canais infectados há uma forte razão para a eliminação da smear layer. Nesses casos, as bactérias penetram nos túbulos dentinários e podem ser encontradas mais profundamente na dentina. Mesmo após o preparo químico-mecânico do canal, algumas bactérias ainda aí permanecem, assim como nos túbulos dentinários17. Na ausência do cemento radicular e na existência de comunicação com o exterior (ligamento periodontal), as bactérias presentes podem iniciar e/ou manter complicações, como reabsorções radiculares e patologias perirradiculares. Nessas condições, a presença da smear layer “protege” as bactérias, impedindo que os medicamentos entrem em contato com as paredes do canal ou, até mesmo, que penetrem nos túbulos dentinários92. A formação da smear layer reduz a permeabilidade da dentina radicular de 25 a 49%46.
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Para Ostavik e Haapasalo105, a smear layer retarda, mas não impede a ação de desinfetantes. Entretanto, com a remoção da camada, bactérias presentes nos túbulos dentinários podem ser facilmente destruídas em razão da maior difusão de medicamentos através da dentina17. Desse modo, essa remoção permite o uso de agentes bacterianos de menor concentração e/ou quantidade, o que será benéfico, uma vez que esses agentes mostram algum grau de toxicidade às células do hospedeiro. Outra importante consideração em Endodontia é o selamento total do canal para impedir possível infiltração de exsudato tecidual ou saliva, o que poderá causar futura falha do tratamento endodôntico. A remoção da smear layer facilita a penetração dos cimentos obturadores nos túbulos dentinários e melhora a adaptação do cone de guta-percha às paredes do canal, aumentando a eficiência seladora da obturação49. A microinfiltração do canal radicular é definida como a passagem de micro-organismos, fluidos e substâncias químicas entre a parede dentinária e o material obturador do canal radicular. A microinfiltração resulta na presença de um espaço preenchido com fluido na interface do material obturador e da parede do canal radicular. Esse espaço pode ser resultado de uma adaptação deficiente do material obturador na parede do canal, solubilização do cimento ou expansão ou contração do cimento selador. Existem duas interfaces potenciais de infiltração: entre a guta-percha e o cimento ou entre o cimento e a parede do canal radicular. A maior infiltração ocorre entre o cimento e a parede do canal radicular69. A smear layer na parede do canal atua como uma barreira física intermediária e pode interferir na adesão e penetração do selador no interior dos túbulos dentinários. Assim, torna-se fácil entender a preocupação de autores em relação à remoção da camada de smear layer previamente à obturação do canal radicular, com o objetivo de permitir a penetração do cimento obturador nos túbulos dentinários promovendo o embricamento mecânico e aumentando a ligação mecânica do material obturador com a parede do canal radicular. Entretanto, não há na literatura evidências de correlação direta entre a infiltração e a penetração do material obturador no interior dos referidos túbulos140. A infiltração no canal radicular é um assunto complexo, em função da existência de inúmeras variáveis: anatomia e diâmetro de dilatação do canal; natureza e volume da solução irrigadora; método empregado na remoção da smear layer; propriedades físicas e químicas dos cimentos seladores; técnica de
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obturação, condição do selamento coronário e da metodologia empregada140. Para Evans e Simon42, a presença ou ausência da smear layer não tem efeito significativo em relação ao selamento apical. Entretanto, para Cergneux et al.25 e Saunders e Saunders132, a sua remoção pode melhorar o selamento da obturação do canal radicular. Segundo Timpawat et al.169, a remoção da smear layer aumentou a microinfiltração apical em dentes obturados com guta-percha termoplastificada e cimento selador de ionômero de vidro, quando comparada à não remoção da camada residual, empregando-se o método de filtração de fluidos. Os resultados conflitantes desses estudos podem estar relacionados com os diferentes agentes quelantes empregados para a remoção da smear layer, assim como a metodologia usada na avaliação da infiltração no canal radicular. A remoção da smear layer não parece ser o fator principal na microinfiltração de um canal obturado169. Quando a smear layer não for removida, a efetividade do selamento apical deverá ser observada a longo prazo. Sendo ela não homogênea e fracamente aderida à parede do canal, pode desintegrar-se lentamente e se dissolver ao redor do material obturador. Assim, surgem vazios entre esse material e as paredes do canal17,88. Alguns estudos38,59 apresentam prováveis benefícios quando optamos pela manutenção da smear layer: a) o selamento dos túbulos dentinários poderia determinar o isolamento e a destruição das bactérias que, eventualmente, tenham permanecido em seu interior; b) bloquearia ou retardaria a penetração bacteriana ou de fluidos nos túbulos dentinários, em consequência de uma possível contaminação do canal. Quando a smear layer é removida, as paredes dentinárias se tornam mais permeáveis à difusão bacteriana, e bactérias podem ser observadas no interior dos túbulos. Ainda que esses argumentos possam sugerir a conveniência da permanência da smear layer, é oportuno lembrar que a obturação do canal radicular cumpre esse objetivo de selamento e que principalmente os microorganismos poderiam sobreviver e se multiplicar nas paredes dentinárias à custa da referida camada e do fluido dentinário, mesmo não havendo comunicação com a cavidade oral17,89. A remoção da smear layer com EDTA faz-se necessária antes do emprego de materiais obturadores de canais radiculares à base de resina166.
Remoção da smear layer Apresentando a smear layer, em sua composição, componentes orgânicos e inorgânicos, o uso alternado de EDTA a 17% e de hipoclorito de sódio a 2,5% promove a sua remoção. O EDTA quela a porção calcificada e expõe o colágeno, sendo que o hipoclorito atua removendo o material orgânico, inclusive o colágeno da matriz. Yamada et al.181 observaram, com uso da microscopia eletrônica de varredura, que uma irrigação final do canal radicular, empregando-se 10mL de EDTA a 17% e tamponado em pH de 7,7, seguido por 10mL de solução de hipoclorito de sódio a 5,25%, foi o método mais efetivo na remoção da smear layer. Lopes et al.84 realizaram um estudo, buscando avaliar, por meio da microscopia eletrônica de varredura, a influência da agitação mecânica do EDTA na remoção da smear layer do canal radicular. Os resultados mostraram que a agitação mecânica, com espiral de Lentulo, propicia melhor limpeza do canal em todos os níveis quando comparados à agitação realizada com instrumentos manual e nos casos em que a solução permaneceu estática. Após o preparo químico-mecânico, o canal é preenchido com EDTA a 17%. A solução química deve ser acondicionada em tubetes anestésicos vazios e levados ao interior do canal através da seringa carpule e da agulha Gauge no 30. O tempo de permanência do EDTA no interior do canal é de 5 minutos. Durante os dois primeiros minutos, a solução é agitada em todo o comprimento de trabalho, utilizando-se uma espiral de Lentulo com giro à direita e em velocidade máxima de um micromotor elétrico. A seguir, o canal é irrigado com 5mL de hipoclorito de sódio a 2,5% (Fig. 13-21A e B). Em razão das pequenas dimensões do canal radicular durante o seu preenchimento com solução química, frequentemente bolhas de ar ficam aprisionadas no seu interior. Essas bolhas, existentes principalmente no segmento médio e apical do canal radicular, impedem o contato da solução química com as paredes dentinárias, dificultando, assim, a remoção da smear layer. Com a agitação manual com instrumentos endodônticos é possível a remoção parcial das bolhas de ar, principalmente do segmento apical do canal radicular. A agitação mecânica com espiral de Lentulo, em função da maior rotação e agitação da solução química, promove maior remoção das bolhas de ar, permitindo, assim, o contato do líquido com a parede do canal radicular. Além disso, com o uso da espiral de Lentulo, criam-se tensões cisalhantes nas paredes internas do canal radicular que, por ação mecânica, combinada
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Figura 13-21A e B. Eletromicrografia evidenciando remoção da smear layer de um canal radicular (emprego de EDTA e NaOCl).
com a ação química da solução, removem com maior eficiência a smear layer. O ultrassom pode ser um meio auxiliar para a remoção da smear layer quando aliado ao uso combinado de grandes volumes de soluções de quelante seguido de solvente. Segundo Cheung e Stock26, a circulação de um grande volume de solução dentro de um canal radicular é o que favorece a maior capacidade de limpeza do ultrassom quando comparada à irrigação manual. Outra vantagem é que a microcorrente acústica do sistema ultrassônico direciona um fluxo contínuo de solução química ao longo do instrumento endodôntico no interior do canal radicular, favorecendo a remoção da smear layer. O laser, abreviatura de Light Aplification by Stimulated of Radiation, que significa ampliação da luz por emissão estimulada de radiação, está sendo empregado em Odontologia com diversas finalidades, sendo que na Endodontia sua importância é destacada na remoção da smear layer, por meio do processo de ablação (ação de arrancar, cortar) pelos lasers de alta potência. Entre esses se destaca o de Er:YAG, que possui o meio ativo sólido (ou meio amplificador), que é o cristal de terra rara érbio, inserido em uma matriz hospedeira de Ytrio, Alumínio e Granada (YAG), para bombardeamento de fótons, os quais se propagam na direção do eixo entre espelhos, embutidos em um ressonador do aparelho. Esses fótons são amplificados nas sucessivas passagens antes de deixar a cavidade através de espelho semitransparente, proporcionando a emissão do feixe laser. O laser de Er:YAG, após a remoção da camada residual, deixa os túbulos dentinários expostos com mínimo efeito térmico sobre a estrutura dental.
Para Takeda et al.163, as paredes dos canais radiculares irradiadas pelo laser de Er:YAG ficam livres de restos teciduais, a smear layer é evaporada e os túbulos dentinários abertos. Concluíram que a irradiação com laser Er:YAG é um método eficiente na eliminação da smear layer das paredes do canal radicular. Guerisoli et al.57 averiguaram a capacidade de remoção da smear layer com o laser de Er:YAG comparado ao EDTAC quando da aplicação no interior do canal radicular. Os autores concluíram que quando associado ao hipoclorito de sódio a 1% o laser de Er:YAG é tão eficiente quanto o EDTAC na remoção da smear layer presente nos canais radiculares. Pécora et al.115 observaram que após a aplicação do laser Er:YAG ocorreu aumento da permeabilidade dentinária. Assim, o uso do laser em trabalhos experimentais tem mostrado resultados promissores na remoção da smear layer remanescentes das paredes dos canais radiculares.
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Capítulo 13 Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
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Substâncias Químicas Empregadas no Preparo dos Canais Radiculares
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Capítulo
14
Medicação Intracanal José Freitas Siqueira Jr. Isabela das Neves Rôças Hélio Pereira Lopes
Existem situações rotineiras e outras esporádicas na clínica endodôntica onde está indicado o emprego de uma medicação no interior do sistema de canais radiculares. Idealmente, tais medicamentos deverão permanecer ativos durante todo o período entre as consultas do tratamento endodôntico. Embora essa etapa não possa substituir qualquer outra relacionada com a terapia endodôntica, sua utilização assume um papel auxiliar bastante importante em determinadas condições clínicas e patológicas. Os objetivos deste capítulo são discutir as situações clínicas nas quais a medicação intracanal é indicada, emitir conceitos relacionados com as características físicas, químicas e biológicas dos principais medicamentos endodônticos, bem como suas indicações de uso, e expor as formas de aplicação de um medicamento no interior do canal radicular.
OBJETIVOS Um medicamento pode ser aplicado no interior do sistema de canais radiculares pelas seguintes razões: a) eliminar micro-organismos que sobreviveram ao preparo químico-mecânico; b) impedir a proliferação de micro-organismos que sobreviveram ao preparo químico-mecânico; c) atuar como barreira físico-química contra a infecção ou reinfecção por micro-organismos da saliva; d) reduzir a inflamação perirradicular e consequente sintomatologia;
e) controlar exsudação persistente; f) solubilizar matéria orgânica; g) neutralizar produtos tóxicos; h) controlar reabsorção dentária inflamatória externa; i) estimular a reparação por tecido mineralizado. Tais razões serão discutidas a seguir.
a) Eliminar micro-organismos que sobreviveram ao preparo químico-mecânico O medicamento para uso endodôntico deve possuir ação antimicrobiana, tendo o potencial de destruir micro-organismos remanescentes que sobreviveram aos efeitos do preparo químico-mecânico. Estudos têm demonstrado que micro-organismos cultiváveis ainda são detectados em 40 a 60% dos canais radiculares mesmo após preparo químico-mecânico usando hipoclorito de sódio (NaOCl) como substância química auxiliar15,84,130,172. Esses micro-organismos resistentes ao preparo usualmente estão alojados em áreas não afetadas por limas e pela substância química. Vários estudos têm demonstrado que a maioria dos patógenos endodônticos tem a capacidade de invadir os túbulos da dentina radicular e instalar uma infecção intratubular81,82,106,142,163 (Fig. 14-1). Outras regiões do canal radicular, como istmos, ramificações, delta apical e irregularidades, não são usualmente limpas e consequentemente desinfetadas pela ação do preparo químico-mecânico90,114,138,213 (Figs. 14-2 a 14-5). Pelo fato de permanecer por tempo muito mais prolongado
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
A
A
B
Figura 14-1. Invasão bacteriana de túbulos dentinários. A. Propionibacterium acnes. B. Actinomyces israelii. Localizadas no interior da dentina, bactérias são de eliminação difícil ou mesmo impossível pelo preparo químico-mecânico.
no interior do canal radicular do que a substância química usada na irrigação, o medicamento tem maiores chances de atingir tais áreas não afetadas pela instrumentação e pela substância química auxiliar. Assim, exercendo sua ação antimicrobiana, pode contribuir decisivamente para a máxima eliminação da microbiota endodôntica34,134,135,187,201. Possivelmente, por potencializar a eliminação de micro-organismos, o emprego de medicamentos intracanais está diretamente relacionado com uma melhor reparação dos tecidos perirradiculares e, consequentemente, com um maior índice de sucesso da terapia endodôntica de dentes com canais infectados14, 57,58,64,65,73,74,89,113,133,174,202.
B
b) Impedir a proliferação de micro-organismos que sobreviveram ao preparo químico-mecânico Quando um canal é selado coronariamente após a sua instrumentação, restaura-se a atmosfera de anaerobiose, e o fluxo de fluidos teciduais ou exsudato inflamatório ricos em proteínas e glicoproteínas para o interior daquele pode sustentar o crescimento de micro-organismos, mormente os anaeróbios estritos, que porventura tenham sobrevivido ao preparo
C
Figura 14-2. Ramificação do canal. A. Dente diafanizado. (Gentileza do Dr. Armelindo Roldi.) B. Corte histológico evidenciando remanescentes teciduais não removidos pelo preparo. C. Corte demonstrando intensa colonização de uma ramificação apical por bactérias grampositivas. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
Medicação Intracanal
A
B
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C
Figura 14-3. Istmo entre os canais mesiais do molar inferior. A. Dente diafanizado. (Gentileza do Dr. Armelindo Roldi.) B e C. Cortes histológicos demonstrando remanescentes teciduais após completo preparo químico-mecânico. Bactérias nessa região não são significativamente afetadas pelo preparo químico-mecânico.
A
A
B
B
Figura 14-4. Istmo em um dente cujo tratamento endodôntico fracassou. A. Canais mesiais obturados e presença de um istmo entre eles. B. Maior aumento do retângulo em A revelando a presença de bactérias e algumas células de defesa no istmo. Essas bactérias residuais foram a provável causa da persistência da lesão nesse caso. (Gentileza do Dr. Domenico Ricucci.)
C
Figura 14-5. Delta apical. A. Dente diafanizado. (Gentileza do Dr. Armelindo Roldi.) B. Corte histológico. C. Corte demonstrando a presença de bactérias no interior da ramificação apical, bem como na dentina adjacente. Bactérias nessa região podem não ser significativamente afetadas pelo preparo químico-mecânico.
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
químico-mecânico. Estudos têm demonstrado que micro-organismos remanescentes podem proliferar rapidamente no interior do sistema de canais radiculares se nenhum medicamento for utilizado entre as sessões de trabalho, podendo inclusive alcançar magnitude de contagem similar àquela antes da instrumentação15,16,175. Medicamentos aplicados em toda a extensão do canal radicular podem funcionar como barreira física, impedindo o suprimento de substratos na forma de fluidos teciduais para os micro-organismos que sobreviveram ao preparo químico-mecânico e limitando o espaço para a multiplicação microbiana.
c) Atuar como barreira físico-química contra a infecção ou reinfecção por micro-organismos da saliva Canais instrumentados podem ser contaminados/recontaminados e infectados/reinfectados entre as sessões de tratamento por diferentes motivos: microinfiltração por meio do selador temporário; perda ou fratura do material selador e/ou da estrutura dentária. Infecção/reinfecção do sistema de canais radiculares obviamente ameaça o sucesso da terapia endodôntica. Medicamentos intracanais podem impedir a penetração de micro-organismos da saliva no canal por duas maneiras: 1. Barreira química. Medicamentos que possuem efeitos antimicrobianos podem atuar como barreira química contra a microinfiltração, eliminando micro-organismos e impedindo sua entrada no canal. Substâncias aplicadas em mechas de algodão colocadas na câmara pulpar, como o tricresol formalina e o paramonoclorofenol canforado (PMCC), agem dessa maneira. A contaminação ou recontaminação do canal só ocorrerá após a exposição à saliva quando o número de células microbianas exceder a atividade antimicrobiana do medicamento. Por sua vez, a saliva pode diluir o medicamento e neutralizar seus efeitos, permitindo, assim, a invasão microbiana do canal. O tricresol formalina e o paramonoclorofenol canforado, aplicados na câmara pulpar, não conseguem retardar por muito tempo a recontaminação do canal após exposição à saliva149. 2. Barreira física. Medicamentos que preenchem toda a extensão do canal podem funcionar como uma barreira física à invasão de micro-organismos provenientes da saliva. A contaminação ou recontami-
nação do canal através da saliva ocorrerá por: solubilização e permeabilidade do medicamento ou percolação de saliva na interface entre o medicamento e as paredes do canal. Entretanto, se o medicamento possuir atividade antimicrobiana, a sua neutralização por parte da saliva deve preceder a invasão microbiana. As pastas de hidróxido de cálcio funcionam como uma barreira físico-química, retardando significativamente a recontaminação do canal quando da exposição à saliva por perda do selador coronário. O tempo médio observado para ocorrer a total recontaminação de um canal medicado com hidróxido de cálcio pode ser de aproximadamente 15 dias. O efeito físico de preenchimento parece exercer maior influência na prevenção da reinfeccção do que o efeito químico149.
d) Reduzir a inflamação perirradicular e consequente sintomatologia Um dos aspectos importantes da terapia endodôntica é manter ou restaurar o conforto do paciente. Assim, em determinadas situações clínicas, como na periodontite apical aguda e no abscesso perirradicular agudo, onde há sintomatologia devido à inflamação perirradicular, faz-se necessário o emprego de um medicamento intracanal com o intuito de reduzir a intensidade da resposta inflamatória. Medicamentos que inibem ou reduzem a resposta inflamatória perirradicular têm um consequente efeito analgésico, uma vez que a dor é um dos sinais cardeais da inflamação. De todos os medicamentos propostos para atuar dessa forma, os corticosteroides, sem dúvida alguma, são os mais eficazes. Medicamentos que possuem atividade antimicrobiana podem exercer efeito indireto sobre a resposta inflamatória, por eliminar a sua causa, isto é, micro-organismos presentes no interior do sistema de canais radiculares.
e) Controlar exsudação persistente Em determinadas situações clínicas, podemos observar a persistência de um exsudato seroso no canal, como consequência de reação inflamatória dos tecidos perirradiculares frente à injúria persistente de origem microbiana. A presença física desse exsudato cria um ambiente extremamente úmido que impede a obtenção de um adequado selamento do canal radicular quando da sua obturação, além de indicar que o tratamento não está sendo eficaz para eliminar a causa da inflamação perirradicular.
Medicação Intracanal
A persistência de exsudação no canal indica que irritantes permanecem atuando sobre os tecidos perirradiculares. O preparo químico-mecânico deve ser revisado com o comprimento de trabalho reavaliado e, então, um medicamento intracanal que possua eficácia antimicrobiana deve ser aplicado em todo o canal, visando à eliminação de micro-organismos persistentes e à consequente redução da inflamação perirradicular. As pastas de hidróxido de cálcio agem dessa forma.
f) Solubilizar matéria orgânica O preparo químico-mecânico tem como finalidade a limpeza do sistema de canais radiculares, onde todo conteúdo orgânico, infectado ou não, deve ser removido. A permanência desses resíduos pode funcionar como reservatório de micro-organismos, que podem comprometer o sucesso da terapia endodôntica a longo prazo. É preciso ressaltar que durante o preparo químico-mecânico a ação do instrumento endodôntico se realiza somente no canal principal, permanecendo inacessíveis os canais laterais, ramificações apicais, istmos e áreas de reabsorções dentárias. Assim, a remoção do tecido vital ou necrosado que preenche essas áreas dependerá da ação solvente da solução química auxiliar, do fluxo da solução irrigadora durante a aspiração e da ação de substâncias empregadas como medicamento intracanal. Como será discutido adiante, é bastante questionável se um medicamento intracanal pode realmente auxiliar na limpeza do sistema de canais radiculares.
g) Neutralizar produtos tóxicos Durante a terapia endodôntica em dentes com necrose pulpar, não é raro o aparecimento de indesejáveis complicações pós-operatórias. A intervenção pouco cautelosa em um meio geralmente bastante infectado favorece a projeção de micro-organismos e de seus produtos tóxicos, presentes no canal radicular, para a região perirradicular, o que pode ocasionar manifestações dolorosas de intensidades imprevisíveis. Tem sido proposto que a neutralização mediata das toxinas e a redução da população microbiana da cavidade pulpar podem ser alcançadas com o emprego de determinados medicamentos, antecedendo o preparo químico-mecânico do canal radicular. A princípio, utilizar uma substância que neutralize o conteúdo tóxico do sistema de canais radiculares, tornando-o inerte, parece um procedimento interessante. Isso permitiria, em uma consulta posterior, a penetração no
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canal em um ambiente asséptico, reduzindo os riscos de exacerbações. Compostos aldeídicos, como o tricresol formalina, têm sido utilizados com esse propósito. Após a confecção da cavidade de acesso em dentes com polpa necrosada, o tricresol seria aplicado em uma mecha de algodão na câmara, permanecendo por 48 horas. Findo esse período, o preparo do canal, com um suposto conteúdo inerte, seria iniciado. Tal conduta, porém, não apresenta respaldo científico e será mais bem discutida na seção sobre esse medicamento neste mesmo capítulo. Outras substâncias possuem efeito neutralizante específico sobre determinados produtos bacterianos tóxicos. Por exemplo, o hidróxido de cálcio, quando em contato direto, pode neutralizar endotoxinas bacterianas (lipopolissacarídeos), importantes fatores de virulência de bactérias gram-negativas. Todavia, uma vez que esse medicamento somente é empregado após a completa instrumentação do canal radicular, não teria o efeito proposto de “neutralizar antes de instrumentar”.
h) Controlar reabsorção dentária inflamatória externa A reabsorção dentária inflamatória externa pode ocorrer após traumatismo dentário6,197. Lesões traumáticas menores do ligamento periodontal e/ou do cemento podem causar pequenas cavidades de reabsorção na superfície radicular. Essas cavidades se comunicam diretamente com a polpa por meio dos túbulos dentinários. Se a polpa e os túbulos estiverem infectados, micro-organismos passam a apresentar contato direto com o ligamento periodontal, o que pode sustentar uma reabsorção dentária inflamatória externa5,136. A reabsorção inflamatória externa também pode estar associada a uma lesão perirradicular crônica, mesmo sem história prévia de trauma, afetando a porção apical da raiz. Para o tratamento da reabsorção inflamatória externa, após o preparo químico-mecânico, é imprescindível o uso de um medicamento intracanal com atividade antimicrobiana para tentar debelar a infecção intratubular, fator que mantém o processo reabsortivo.
i) Estimular a reparação por tecido mineralizado Nos casos de perfurações e reabsorções radiculares, assim como nos dentes com rizogênese incompleta, medicamentos intracanais são utilizados com a intenção de favorecer a reparação através da deposição de um tecido mineralizado.
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
CLASSIFICAÇÃO QUÍMICA DOS MEDICAMENTOS INTRACANAIS Derivados fenólicos
OH
São compostos que possuem um ou mais grupamentos hidroxilas (OH¯) ligados diretamente ao anel benzênico (C6H6). O ácido fênico ou fenol comum (C6H5OH) é um agente bactericida antigo, bastante utilizado em Medicina e em Odontologia. Os derivados fenólicos mais usados no passado como medicamentos endodônticos são: eugenol, paramonoclorofenol (PMC), PMCC, metacresilacetato (cresatina), cresol, creosoto e timol. Esses compostos são potentes agentes antimicrobianos, sendo que podem exercer seus efeitos, além do contato direto, pela liberação de vapores. Desses, somente o PMCC ainda é recomendado em Endodontia.
Aldeídos Aldeídos são compostos orgânicos que apresentam na molécula o radical funcional, denominado carbonila, tendo uma das valências do carbono preenchida obrigatoriamente pelo hidrogênio e a outra por um radical alquila ou arila.
O R—C H São fixadores teciduais de pronunciada eficácia. São representados pelo formaldeído (usado em combinação com o cresol, conhecido como tricresol formalina ou formocresol) e pelo glutaraldeído. São potentes agentes antimicrobianos, exercendo seus efeitos tanto pelo contato direto quanto pela liberação de vapores ativos.
Halógenos São representados pelos compostos que contêm cloro ou iodo. Os compostos que possuem cloro são representados pelo NaOCl, enquanto, nos compostos que possuem iodo, ele é encontrado na forma molecular I2 ou combinado com o potássio. Apresentam efeitos destrutivos sobre vírus e bactérias.
O iodofórmio, CHI3 (tri-iodometano), é uma substância halógena empregada como medicamento intracanal, isoladamente ou associada a outras substâncias. O iodofórmio se decompõe, liberando iodo no estado nascente. Apresenta boa radiopacidade. O iodeto de potássio iodetado a 2% também tem sido utilizado como medicação intracanal. Ele é preparado pela adição de 4g de iodeto de potássio e 2g de iodo em 94mL de água destilada. Possui atividade antimicrobiana satisfatória179.
Bases ou hidróxidos Bases são compostos inorgânicos que possuem, como ânions, exclusivamente os radicais hidroxila (OH¯). São representados, para uso endodôntico, pelo hidróxido de cálcio (Ca(OH)2). O hidróxido de cálcio é um pó branco, alcalino (pH 12,8), inodoro, pouco solúvel em água. É uma base forte, podendo ser usada isoladamente (hidróxido de cálcio p.a.) ou associada a outras substâncias. São atribuídas ao hidróxido de cálcio várias propriedades biológicas. Todavia, muitas delas são destituídas de comprovação científica. A atividade antimicrobiana por contato e o efeito de estímulo à formação de uma barreira mineralizada são propriedades cientificamente comprovadas quando do emprego dessa substância no interior do canal radicular.
Corticosteroides São substâncias derivadas do córtex suprarrenal. São medicamentos que atuam sobre o processo inflamatório, inibindo a ação da enzima fosfolipase A2, envolvida na síntese dos derivados do ácido aracdônico (prostaglandinas e leucotrienos), importantes mediadores químicos da inflamação. Possuem efeito inibitório potente sobre a exsudação e a vasodilatação associadas à inflamação. Em Endodontia são utilizados por meio de aplicações tópicas para o controle da reação inflamatória, nos casos de periodontite apical aguda de etiologia química ou traumática. Podem também ser utilizados na biopulpectomia nos casos onde não se realiza a obturação radicular imediata e nas pulpotomias. Os corticosteroides mais empregados em Endodontia são a hidrocortisona, a prednisolona e a dexametasona.
Antibióticos São substâncias químicas produzidas por microorganismos ou similares a elas produzidas total ou
Medicação Intracanal
parcialmente em laboratório, capazes de inibir o desenvolvimento ou matar outros micro-organismos. Isoladamente ou combinados com outras drogas, têm sido pouco empregados como medicamento intracanal, devido ao risco de haver sensibilização do paciente ou de haver desenvolvimento de resistência bacteriana. Como medicamento intracanal, os antibióticos não são superiores aos antissépticos comuns87,136,141.
MEDICAMENTOS UTILIZADOS Paramonoclorofenol ou paraclorofenol O paramonoclorofenol (PMC) foi introduzido na Odontologia por Walkhoff, em 1891207. Seu uso se fundamenta nas propriedades antissépticas do fenol e do íon cloro que, na posição para do anel fenólico, é liberado lentamente. Apresenta-se sob a forma de cristais e possui odor fenólico característico. A combinação do PMC com outras substâncias, ou a sua diluição, tem sido proposta com o objetivo de potencializar a atividade antimicrobiana e reduzir a citotoxicidade do medicamento. A forma em associação com a cânfora tem sido a mais utilizada em Odontologia. Quimicamente, a cânfora é uma cetona terpênica bicíclica, derivada do canfeno e obtida da canforeira, árvore da família das lauráceas. Apresenta-se sob a forma de cristais incolores ou massas cristalinas friáveis e translúcidas, untuosas ao tato. Tem odor penetrante característico e sabor amargo. É uma substância aromática, muito pouco solúvel em água (1:800). Da combinação do PMC com a cânfora, em partes variáveis, forma-se uma mistura líquida denominada PMCC. Além de a cânfora funcionar como veículo, também reduz o potencial irritante do PMC. O PMCC desempenha sua atividade antimicrobiana pelo contato direto do líquido com os microorganismos ou pela ação dos vapores liberados147. No entanto, sua ação quando da aplicação em uma mecha de algodão na câmara pulpar no intuito de que os vapores tenham efeito antimicrobiano no canal é imprevisível e usualmente efêmera, durando no máximo 48 horas13,68,85. Graças à sua baixa tensão superficial (36,7d/ cm2), atua por capilaridade, agindo assim, a distância, no interior dos túbulos dentinários e nas ramificações do canal radicular86,91. A proporção mais empregada é a recomendada por Sommer et al.176, que utiliza três partes de PMC para sete de cânfora. Segundo os autores, esta associação é bactericida e perde praticamente suas propriedades irritantes sob condições de uso clínico. Comercialmente,
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o PMC está associado à cânfora usualmente na proporção 3,5:6,5 (SS White). Tem sido relatado que menores concentrações de PMC podem apresentar melhor compatibilidade biológica e ainda reter o poder bactericida178. Siqueira et al.151, testando a atividade antibacteriana do PMC aquoso a 2%, do PMC associado a Furacin (PMC-Fur) e do PMCC (35% de PMC e 65% de cânfora) contra bactérias anaeróbias estritas (Porphyromonas endodontalis, Porphyromonas gingivalis, Fusobacterium nucleatum, Propionibacterium acnes e Bacteroides fragilis) e anaeróbia facultativa (Enterococcus faecalis), concluíram que o PMCC e o PMC-Fur apresentaram os maiores halos de inibição de crescimento antibacteriano, e o PMC a 2% apresentou baixa atividade antibacteriana, evidenciada pelos pequenos halos de inibição observados em volta do medicamento. Esses resultados demonstraram que o PMCC apresenta elevada atividade antibacteriana contra as bactérias anaeróbias estritas testadas. Tais achados em relação ao PMCC contra bactérias anaeróbias são confirmados por Ohara et al.97. O efeito letal do PMC sobre micro-organismos se dá por destruição da membrana celular, pela desnaturação de proteínas (mormente as de membrana), pela inativação de enzimas, como as oxidases e desidrogenases, e pela liberação de cloro, um forte agente oxidante, que inativa enzimas contendo grupamentos sulfidrila (SH).
Tricresol formalina ou formocresol Tricresol formalina ou formocresol são denominações para o mesmo medicamento quanto à composição química. Todavia, apresentam concentrações diferentes de formalina em suas formulações: tricresol formalina (em torno de 90%) e formocresol (19 a 43%). O tricresol formalina é um composto à base de formaldeído e cresol. O formaldeído é um gás produzido pela incompleta combustão do metanol, é solúvel em água, com solução na concentração aquosa de aproximadamente 38 a 40% de formaldeído em peso, chamado formalina. A ação antimicrobiana da formalina se dá pela ação alquilante sobre proteínas e ácidos nucleicos do micro-organismo, que se caracteriza pela substituição do átomo de hidrogênio de uma hidroxila ou sulfidrila por um radical hidroximetil, causando dano ou perda de atividade dessas biomoléculas. A difusão da formalina pelos tecidos moles é aproximadamente cinco vezes mais lenta que a difusão por meio do plasma sanguíneo. A formalina atua na corrente sanguínea pela
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
indução de formação de trombos, resultando em áreas de isquemia. Sabe-se que a formalina é altamente irritante aos tecidos vivos. O outro constituinte é o tricresol, que está em suspensão aquosa em forma de três isômeros de metilfenol (orto, meta e para). É derivado do “carvão de breu” e é um antisséptico quatro ou cinco vezes mais ativo que o fenol em ação local, mas considerado menos tóxico. Foi adicionado ao formaldeído para diminuir as propriedades irritantes.
OH
OH
OH
CH3 CH3 CH3 ortocresol sólido incolor
metacresol líquido incolor
paracresol sólido incolor
O tricresol formalina é um potente agente antimicrobiano e age tanto por contato quanto a distância (por meio de vapores)28,147. A ação antimicrobiana principal se deve à porção formaldeídica do medicamento. Buckley12 afirmou em 1905 que quando o tricresol formalina é aplicado sobre uma polpa necrosada há transformação dos gases bacterianos e outros elementos tóxicos em sólidos e líquidos não irritantes. Assim, o formol e o tricresol iriam neutralizar componentes tóxicos da infecção pulpar. Contudo, deve-se ter em mente que essa hipótese foi fundamentada nos conhecimentos disponíveis naquela época, isto é, há mais de 100 anos. Atualmente, sabe-se que bactérias colonizando o sistema de canais radiculares podem liberar inúmeras outras substâncias envolvidas na patogenicidade, tais como: endotoxinas, exotoxinas, ácidos graxos de cadeia curta (ácidos acético, succínico, butírico, isovalérico, propiônico etc.), enzimas (colagenase, condroitinase, hialuronidase, hemolisinas, fosfolipases, proteases etc.), metil mercaptana, sulfeto de hidrogênio etc.158. Assim, tendo em vista a síntese de uma gama variada de fatores bacterianos tóxicos, é extremamente questionável se o tricresol formalina, ou qualquer outro medicamento, seja dotado da capacidade de neutralizar todos eles. Além disso, sabe-se que fixadores teciduais são eficazes sobre tecidos vitais para análise histológica. A fixação de tecidos necrosados e degenerados não é usualmente eficaz. Também é muito pouco provável que a quantidade de droga aplicada em uma mecha de algodão na câmara pulpar seja suficiente para fixar e
neutralizar o tecido pulpar necrosado em toda a sua extensão. Se aplicado em grande quantidade, visando a maximizar tais efeitos, o medicamento pode ter um forte efeito irritante sobre os tecidos perirradiculares. Assim, o controle da quantidade e da concentração do medicamento atuante na total neutralização do conteúdo pulpar parece extremamente difícil. A quantidade do medicamento depende do tamanho da câmara pulpar. Sendo o volume de tricresol formalina pequeno, é possível que essa substância apenas promova uma neutralização parcial de produtos tóxicos e a eliminação de micro-organismos em limitada profundidade no tecido pulpar em contato com a mecha de algodão contendo o medicamento. Por fim, cumpre salientar que o tecido vital ou necrosado, fixado por compostos aldeídicos, não é inerte, apresentando efeitos tóxicos e antigênicos11,195. Dessa forma, ainda haverá o risco de ocorrer uma agudização na segunda consulta, após o suposto emprego “neutralizador” do tricresol formalina. Deve-se ter em mente que a infecção do sistema de canais radiculares só é controlada de forma eficaz após o completo preparo químico-mecânico, após a aplicação de uma medicação intracanal adequada e após a realização de uma obturação que promova o selamento tridimensional do sistema de canais radiculares.
ASSOCIAÇÃO CORTICOSTEROIDE-ANTIBIÓTICO O emprego de uma associação corticosteroideantibiótico atenua a intensidade da reação inflamatória provocada pelo ato cirúrgico e uso de drogas, favorecendo a eliminação da dor pós-operatória. Os corticosteroides de efeito anti-inflamatório moderado, como a hidrocortisona e a prednisolona, usados na medicação intracanal em doses diminutas, não produzem efeitos sistêmicos significantes, o que permite seu uso com segurança. É preciso advertir que não se pode depreender ser a reação inflamatória indesejável. Pelo contrário, ela é tida como um fenômeno necessário para o completo e normal desenvolvimento do processo de reparação. O que se espera da terapia com corticosteroides é minimizar a reação inflamatória inicial, de modo a não atingir níveis excessivos capazes de provocar danos teciduais mais graves. Várias associações e produtos comerciais têm sido sugeridos para utilização endodôntica. Entretanto, abordaremos o Otosporin (FQM, Rio de Janeiro, RJ), proposto por Holland et al.54,59, que consiste na associação da hidrocortisona com os antibióticos sulfato
Medicação Intracanal
de polimixina B e sulfato de neomicina em um veículo aquoso. A hidrocortisona está incluída no grupo dos corticosteroides com potencial anti-inflamatório moderado. É muito pouco provável que, nas doses e concentração empregadas em Odontologia, essa droga apresente efeitos colaterais. O sulfato de neomicina é um antibiótico de largo espectro, sendo eficaz contra um grande número de bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas, tais como Escherichia coli, Enterobacter aerogenes, Klebsiella pneumoniae, Proteus vulgaris, Staphylococcus aureus e E. faecalis. Todavia, seu espectro praticamente não abrange muitas das bactérias anaeróbias estritas usualmente presentes em infecções endodônticas primárias. Esse antibiótico é muito empregado em preparações tópicas, com excelentes resultados. Já o sulfato de polimixina B é efetivo contra bactérias gramnegativas, mormente as pseudomonas e as enterobactérias. Testamos a atividade antimicrobiana do Otosporin sobre micro-organismos da saliva, após incubação em aerobiose e anaerobiose147. Foi possível verificar que este medicamento apenas promoveu efeito inibitório quando na presença do oxigênio, o que é justificado pelo fato de os antibióticos presentes em sua formulação serem eficazes sobre aeróbios e facultativos. Os anaeróbios estritos não foram inibidos. O Otosporin possui grande poder de penetração tecidual, o que permite sua mais eficiente atuação, mas também uma mais rápida eliminação. Oferece as vantagens de ser um medicamento de vida útil relativamente longa, podendo ser armazenado fora do refrigerador, além de ser hidrossolúvel e se apresentar na forma líquida, o que facilita sua aplicação e remoção do interior de canais radiculares. O Decadron colírio (Aché Laboratório Farmacêutico, Guarulhos, SP) é outra boa opção para uso de corticosteroides intracanal. É composto de dexametasona, um corticosteroide seis a oito vezes mais potente que a prednisolona e 25 a 30 vezes mais potente que a hidrocortisona e o sulfato de neomicina.
HIDRÓXIDO DE CÁLCIO – Ca(OH)2 A primeira referência ao emprego do hidróxido de cálcio é atribuída a Nygren, em 1838, para o tratamento da fistula dentalis, enquanto Codman, em 1851, o empregava nos casos de amputações radiculares de polpas vivas33. Entretanto, foi somente em 1920 por intermédio de Bernhard W. Hermann, um dentista alemão53, que tal substância começou a ser cientificamente empregada, pesquisada e difundida na forma de uma
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Figura 14-6. Reprodução da capa do trabalho original de B. Hermann, no qual o autor propõe o emprego do hidróxido de cálcio em Endodontia.
pasta denominada Calxyl (Otto&Co, Frankfurt, Alemanha) (Fig. 14-6). A partir de 1975, com os trabalhos de Heithersay51 e de Stewart183, o hidróxido de cálcio passou a ser empregado como curativo de demora em dentes com necrose pulpar. Todavia, o hidróxido de cálcio teve seu emprego incrementado após Byström et al.13 demonstrarem que essa substância proporcionava resultados clínicos superiores aos observados com fenol canforado e PMCC. O hidróxido de cálcio se apresenta como um pó branco, alcalino (pH 12,8), pouco solúvel em água (solubilidade de 1,2g/L de água, à temperatura de 25°C). Trata-se de uma base forte, obtida a partir da calcinação (aquecimento) do carbonato de cálcio (cal viva). Com a hidratação do óxido de cálcio, chega-se ao hidróxido de cálcio, e a reação entre ele e o gás carbônico leva à formação de carbonato de cálcio. CaCO3 CaO + CO2 D CaO + H2O Ca (OH)2
Ca(OH)2 + CO2 CaCO3 + H2O
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
As propriedades do hidróxido de cálcio derivam de sua dissociação iônica em íons cálcio e íons hidroxila, sendo que a ação desses íons sobre os tecidos e os micro-organismos explica as propriedades biológicas e antimicrobianas dessa substância. As alterações nas propriedades biológicas podem também ser esclarecidas pelas reações químicas demonstradas, uma vez que o hidróxido de cálcio, na presença de dióxido de carbono, transforma-se em carbonato de cálcio, sendo esse produto formado desprovido das propriedades biológicas do hidróxido de cálcio.
Veículos Uma vez que se encontra na forma de pó, o hidróxido de cálcio deve ser associado a uma outra substância que permita sua veiculação para o interior do sistema de canais radiculares. Idealmente, os veículos devem possibilitar a dissociação iônica do hidróxido de cálcio em íons cálcio e hidroxila, uma vez que suas propriedades são dependentes de tal dissociação. Essa dissociação poderá ocorrer de diferentes formas, grau e intensidade, dependendo de outras substâncias que entram na composição da pasta. Do ponto de vista da atividade antimicrobiana, principal propriedade requerida para um medicamento intracanal, podemos classificar os veículos em inertes e biologicamente ativos. Os veículos inertes se caraterizam por ser, na maioria das vezes, biocompatíveis, mas sem influenciar significativamente as propriedades antimicrobianas do hidróxido de cálcio. Esses incluem a água destilada, o soro fisiológico, as soluções anestésicas, a solução de metilcelulose, o óleo de oliva, a glicerina, o polietilenoglicol e o propilenoglicol. Os veículos biologicamente ativos conferem à pasta efeitos adicionais aos proporcionados pelo hidróxido de cálcio. Exemplos incluem o PMCC, a clorexidina e o iodeto de potássio iodetado. Do ponto de vista das características físico-químicas, existem dois tipos de veículos: hidrossolúveis e oleosos. Os veículos hidrossolúveis se caraterizam por ser inteiramente miscíveis em água. Podem ser divididos em aquosos e viscosos80. Os veículos aquosos propiciam ao hidróxido de cálcio uma dissociação iônica extremamente rápida, permitindo maior difusão e, consequentemente, maior ação por contato dos íons cálcio e hidroxila com os tecidos e micro-organismos. É preciso ressaltar que esses veículos permitem a rápida diluição da pasta do interior do canal radicular, principalmente quando empregada como medicação nos casos de necrose pulpar e
lesão perirradicular, obrigando a recolocações sucessivas para que os resultados almejados sejam conseguidos. São exemplos de veículos aquosos, além da água destilada, o soro fisiológico, as soluções anestésicas e a de metilcelulose. Alguns exemplos de pastas já prontas para uso que utilizam veículo aquoso são: Calxyl (Otto&Co., Frankfurt, Alemanha), Pulpdent (Pulpdent Co., Brookline, MA, Estados Unidos) e Calasept (Scania Dental, Knivsta, Suécia). Os veículos viscosos, embora sendo solúveis em água em qualquer proporção, tornam a dissociação do hidróxido de cálcio mais lenta, provavelmente em razão de seus elevados pesos moleculares. Como veículos viscosos, podemos mencionar a glicerina, o polietilenoglicol e o propilenoglicol. O Calen e o Calen mais paramonoclorofenol (SS White, RJ, Brasil) são exemplos comerciais de pastas que empregam o polietilenoglicol como veículo.
Glicerina Fórmula CH2OH — CHOH — CH2OH Nomenclatura oficial – propanotriol Peso molecular – 92,09 A glicerina se apresenta como um líquido viscoso, higroscópico, incolor e transparente, com odor leve característico, sabor adocicado. Miscível em qualquer proporção com água e álcool. Insolúvel em clorofórmio, éter e em óleos fixos e voláteis.
Polietilenoglicol 400 Fórmula CH2OH — (CH2 — O — CH2)n — CH2OH n=7a9 O polietilenoglicol 400 (polímero de condensação do etilenoglicol) é um líquido viscoso, límpido, incolor, de odor fraco característico, ligeiramente higroscópico. Miscível em qualquer proporção com água, acetona, álcool e outros glicóis, insolúvel no éter e no benzeno.
Propilenoglicol Fórmula CH2OH — CHOH — CH3 Nomenclatura oficial – propanodiol 1, 2. Peso molecular – 76,09 O propilenoglicol é um líquido viscoso, límpido, incolor, praticamente inodoro, com sabor ligeiramente
Medicação Intracanal
picante. Exposto ao ar úmido, absorve umidade. Mistura-se em qualquer proporção com água e álcool. Os veículos oleosos, em função de serem muito pouco solúveis na água, conferem à pasta de hidróxido de cálcio pouca solubilidade e difusão junto aos tecidos. Como veículos oleosos podem ser mencionados alguns ácidos graxos, como o ácido oleico, linoleico e isosteárico, o óleo de oliva, o óleo de papoula-lipiodol, o silicone e a cânfora-óleo essencial do PMC. As pastas LC (Herpo Produtos Dentários Ltda., Rio de Janeiro) e Vitapex (Neo Dental Chemical Products Co., Tóquio, Japão) são exemplos de formulações comerciais que utilizam veículos oleosos. Os ácidos graxos apresentam as seguintes características: possuem mais de 10 carbonos na cadeia, o que é normal, podendo ter ou não duplas ligações. São monocarboxílicos e têm número par de átomos de carbono. O ácido isosteárico é saturado e apresenta a fórmula funcional C17H35-COOH. O ácido oleico é insaturado com uma dupla ligação e fórmula funcional C17H-33-COOH. O ácido linoleico é insaturado, apresentando duas ligações duplas e fórmula funcional C17H31COOH.
Óleo de Oliva O óleo de oliva purificado é um líquido amareloclaro ou verde-claro, odor característico, insolúvel na água, ligeiramente solúvel no álcool. Quimicamente, compõe-se de ésteres de ácidos graxos de cadeias lineares longas (C18), entre os quais se destacam os seguintes: Ácidos
Variação percentual
Oleico
56,00 – 83,00%
Palmítico
7,50 – 20,00%
Linoleico
3,50 – 20,00%
Palmitoleico
0,30 – 3,50%
Esteárico
0,50 – 3,50%
Linoleico
0,00 – 1,50%
Mirístico
0,00 – 0,05%
Paramonoclorofenol canforado (PMCC) O PMCC é uma mistura líquida, oriunda da combinação do PMC com a cânfora em partes variáveis.
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Quando em associação com o hidróxido de cálcio, funciona como veículo biologicamante ativo e oleoso, em função de possuir eficácia antimicrobiana e a cânfora ser considerada um óleo essencial com baixa solubilidade em água. As preparações usualmente disponíveis no comércio odontológico são compostas por 35% de PMC e 65% de cânfora. Trabalhos de Naumovich91 e de Milano et al.86 revelaram que o PMCC apresenta baixa tensão superficial (36,7 e 37,2 dinas/cm2, respectivamente). Além disso, os compostos fenólicos são solúveis em lipídios. Essas duas características permitem que essa substância apresente maior penetrabilidade tecidual, aumentando seu raio de atuação dentro do sistema de canais radiculares. Como já esclarecido, o PMCC possui atividade bactericida por romper a membrana citoplasmática bacteriana, desnaturar proteínas (principalmente as de membrana) e inativar enzimas, como oxidases e desidrogenases bacterianas. Além disso, também libera cloro, que tem forte poder antibacteriano.
Substâncias adicionais Algumas substâncias químicas, além dos veículos, têm sido acrescidas ao hidróxido de cálcio, no intuito de melhorar suas propriedades físico-químicas para utilização clínica, como a própria radiopacidade. As substâncias associadas normalmente são: carbonato de bismuto, sulfato de bário, iodofórmio e o óxido de zinco80.
Carbonato de bismuto – Bi2(CO3)3 É um pó branco-amarelado, inodoro, insípido, insolúvel na água, ótima radiopacidade, boa fluidez e não altera o pH, tampouco a cor branca do hidróxido de cálcio.
Sulfato de bário – BaSO4 É um pó branco, fino, pesado, inodoro, insípido, insolúvel na água e solventes orgânicos. Favorece o escoamento da pasta e atua como agente radiopaco.
Iodofórmio – CHI3 (tri-iodometano) É um pó fino, com cristais brilhantes de cor amarelo-limão, de odor muito penetrante e persistente, muito pouco solúvel em água, mas moderadamente solúvel no álcool, no éter e no óleo de oliva. O iodofórmio se decompõe liberando iodo no estado nascente. É bastante radiopaco e reabsorvido rapidamente na área perirradicular e, mais lentamente, dentro do canal
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radicular, sendo perfeitamente tolerado pelos tecidos perirradiculares.
Óxido de zinco – ZnO É um pó branco ou branco-amarelado, inodoro, amorfo, insolúvel na água e no álcool. É radiopaco, ligeiramente antisséptico.
Colofônia ou breu É uma resina sólida de origem vegetal, composta principalmente de anidridos dos ácidos abiético, sapínico e pimárico. Apresenta-se como sólido amorfo, cor de âmbar, praticamente insolúvel na água e fracamente solúvel no álcool e clorofórmio. Confere diversas vantagens à pasta: escoamento, adesividade, corpo e endurecimento, diminuindo sua permeabilidade em contato com os líquidos teciduais.
Atividades do hidróxido de cálcio As pastas de hidróxido de cálcio, quando empregadas como medicamento intracanal, podem desempenhar atividades biológicas, químicas e físicas, que possibilitam à substância o exercício de diferentes funções. Vale ressaltar que, embora essas funções possam se desenvolver simultaneamente, discutiremos cada uma isoladamente. A composição da pasta e a natureza do veículo podem influenciar as atividades do hidróxido de cálcio136,148. Como aclarado anteriormente, os veículos biologicamente ativos podem conferir efeitos adicionais aos proporcionados pelo hidróxido de cálcio.
Atividades biológicas do hidróxido de cálcio 1 – Ação anti-inflamatória Tem sido sugerido que o hidróxido de cálcio tem a capacidade de controlar o processo inflamatório e, assim, pode ser utilizado de forma eficaz no tratamento não cirúrgico de dentes com lesões perirradiculares e nos casos com exsudação persistente51,177. Três mecanismos de ação têm sido propostos para justificar os efeitos anti-inflamatórios do hidróxido de cálcio: • Ação higroscópica. Quando colocado em contato com um tecido inflamado, o hidróxido de cálcio pode absorver exsudato inflamatório, reduzindo a pressão hidrostática tecidual. Essa absorção se deve ao fato de o hidróxido de cálcio ser hipertônico em relação ao meio; no caso, os fluidos teciduais. • Formação de pontes de proteinato de cálcio. Os íons Ca+2, oriundos da dissociação do hidróxido
de cálcio, podem combinar-se com proteínas presentes na substância intercelular das células endoteliais, formando complexos de proteinato de cálcio177. Esses atuariam como pontes interendoteliais, reduzindo a permeabilidade vascular e a consequente saída de fluido para o tecido. Esse mecanismo parece muito pouco provável de acontecer. Primeiro, por ser o hidróxido de cálcio pouco solúvel, a quantidade de íons cálcio disponível para exercer tal efeito é muito baixa. Além disso, esses íons reagiriam inicialmente com o CO2 tecidual e com proteínas presentes na matriz extracelular e no exsudato, sendo rapidamente consumidos. Segundo, as células endoteliais são unidas por zônulas de oclusão e aderência, praticamente sem substância intercelular. Mesmo assim, durante um processo inflamatório com aumento de permeabilidade vascular, essa união é rompida, abrindo canais nos vasos de aproximadamente 0,5 a 1µm de espessura, por onde passaria o fluido168. Assim, parece improvável a formação de tais pontes de proteinato de cálcio no espaço interendotelial. Não existe comprovação científica desse mecanismo de ação. • Inibição da fosfolipase177. As enzimas fosfolipases A2 e C estão envolvidas na hidrólise de fosfolipídios da membrana citoplasmática, com consequente liberação do ácido aracdônico. Esse é, então, oxidado por meio da enzima cicloxigenase, dando origem às prostaglandinas, importantes mediadores químicos da inflamação168. Assim, substâncias que inibem a ação da fosfolipase promovem a inibição da síntese de prostaglandinas. Não existem evidências científicas que suportem essa ação do hidróxido de cálcio. Se essa substância realmente age inibindo a fosfolipase, essa inibição é possivelmente de caráter inespecífico, graças ao seu elevado pH, que desnatura e inativa a enzima. Por outro lado, o efeito cáustico do hidróxido de cálcio pode causar lesão celular, influxo de cálcio para o interior de células e ativação de fosfolipases, estimulando a síntese de prostaglandinas. Agindo dessa forma, o efeito do hidróxido de cálcio será contrário ao sugerido, isto é, pró-inflamatório. Até o presente momento, calcado na ausência de maiores evidências científicas, parece lícito afirmar que o efeito anti-inflamatório direto do hidróxido de cálcio é bastante questionável. Outrossim, quando aplicado diretamente sobre um tecido acometido por resposta inflamatória aguda, o hidróxido de cálcio promove a exacerbação do processo199, o que certamente não ocor-
Medicação Intracanal
reria se essa substância fosse dotada de ação anti-inflamatória. A característica de ser higroscópico não justifica a atribuição de propriedades anti-inflamatórias ao hidróxido de cálcio, uma vez que o processo inflamatório não é inibido. Nesse caso, essa substância teria apenas um efeito osmótico, que poderia reduzir um dos sinais da inflamação, que é o edema.
2 – Ação antimicrobiana A grande maioria dos micro-organismos patogênicos para o homem não é capaz de sobreviver em um meio extremamente alcalino. Enquanto muitas espécies microbianas isoladas de canais radiculares conseguem manter sua viabilidade até cerca de pH 9, raras o fazem em meios que apresentam maiores valores de pH. Alguns micro-organismos são exceções, como o E. faecalis, que pode sobreviver em pH 11,513, a Candida albicans209,211 e o Actinomyces radicidentis63. Como o pH do hidróxido de cálcio é de cerca de 12,8, depreende-se que praticamente todas as espécies bacterianas já isoladas de canais infectados são sensíveis aos seus efeitos, sendo eliminadas em curto período quando em contato direto com essa substância.
Mecanismos de atividade antimicrobiana A atividade antimicrobiana do hidróxido de cálcio está relacionada com a liberação de íons hidroxila, oriundos de sua dissociação em ambiente aquoso. Os íons hidroxila são radicais livres altamente oxidantes que apresentam extrema reatividade, ligando-se a biomoléculas próximas ao seu local de formação48, isto é, onde o hidróxido de cálcio foi aplicado. Seu efeito letal se dá pelos seguintes mecanismos: a) Perda da integridade da membrana citoplasmática bacteriana. Isso ocorre devido à peroxidação lipídica, que resulta na destruição de fosfolipídios, componentes estruturais da membrana37. Os íons hidroxila removem átomos de hidrogênio de ácidos graxos insaturados, unidade básica dos lipídios, formando um radical lipídico livre, que reage com o oxigênio, transformando-se em um peróxido lipídico. Esse peróxido formado remove um outro átomo de hidrogênio de um segundo ácido graxo, culminando com a formação de outro peróxido lipídico. Ocorre, então, uma reação autocatalítica em cadeia, resultando na perda de ácidos graxos insaturados e em dano extenso à membrana citoplasmática, com perda de sua integridade19. O dano à membrana exerce papel importante na lise e morte do micro-
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organismo, visto que essa estrutura é responsável por uma série de funções biológicas, tais como: • Atua como barreira osmótica (permeabilidade seletiva) e transporte de moléculas, regulando a entrada e saída de substâncias para o citoplasma, sendo que quando danificada há o rompimento do equilíbrio entre os meios interno e externo da célula. Há, então, o extravasamento de moléculas para o compartimento extracelular e um maior influxo de água e íons para o interior da célula, que acaba morrendo. • Contém citocromos e outras enzimas da cadeia respiratória. • Está envolvida na excreção de exoenzimas, envolvidas na clivagem de polímeros orgânicos macromoleculares (proteínas, polissacarídios, lipídios), com consequente obtenção de nutrientes. • Está envolvida na biossíntese da parede celular. b) Inativação enzimática. Todo o metabolismo celular é dependente de ação enzimática, a qual está diretamente relacionada com o pH do meio. Proteínas (nesse caso em especial, as enzimas) e outras biomoléculas possuem uma faixa estreita de pH, onde a atividade ou estabilidade é ótima, girando em torno da neutralidade101. A alcalinização promovida pelo hidróxido de cálcio induz a desnaturação de enzimas por quebra de ligações iônicas, que mantêm sua estrutura terciária (a forma como a proteína está disposta tridimensionalmente). Assim, a enzima mantém seu esqueleto covalente, mas a cadeia polipeptídica se desdobra ao acaso em conformações espaciais variáveis e irregulares. Essa alteração de forma quase sempre resulta em perda de atividade biológica. Inibida a atividade enzimática, a célula morre. c) Dano ao DNA. Os íons hidroxila reagem com o DNA bacteriano, levando à cisão das fitas, acarretando a perda de genes e induzindo mutações37,61. Isso gera inibição da replicação do DNA e desarranjo da atividade celular. Há evidências científicas que demonstram que os três mecanismos realmente ocorrem. Assim, é difícil estabelecer, em um sentido temporal, qual deles é o principal mecanismo responsável pela morte da célula microbiana quando exposta a uma base forte.
Limitações do hidróxido de cálcio quanto à atividade antimicrobiana Vários estudos têm confirmado que o hidróxido de cálcio realmente exerce um efeito letal sobre microorganismos13,39,173. Contudo, esse efeito apenas foi obser-
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
vado quando a substância era colocada em contato direto com micro-organismos, situação em que a concentração de íons hidroxila é máxima, atingindo níveis incompatíveis com a sobrevivência microbiana. Entretanto, estudos utilizando o teste de difusão em ágar demonstraram que pastas de hidróxido de cálcio em veículos inertes (como água destilada ou glicerina) foram ineficazes em inibir o crescimento de várias espécies bacterianas anaeróbias estritas e facultativas1,27,41,141,145,150,151,155. Apesar de o hidróxido de cálcio apresentar baixa o solubilidade em água (1,2g/L a 25 C) e isso limitar sua difusibilidade, foi observado que as pastas contendo essa substância promoveram halos de difusão no ágar. Entretanto, sobre esses halos esbranquiçados foram observadas colônias bacterianas, sugerindo que a difusão do material não foi suficiente para inibir o crescimento bacteriano. Isso, provavelmente, ocorreu pelo fato de os meios de cultura possuírem em suas formulações substâncias tamponadoras. Assim, mesmo que sofra difusão, ela é lenta, graças à baixa solubilidade da substância, o que faz com que os níveis de pH alcançados pelo meio não sejam elevados o suficiente para apresentar atividade antimicrobiana. As bases de metais alcalinos, como hidróxido de sódio e hidróxido de potássio, apresentam alta solubilidade e, dessa forma, se difundem bem em ambiente aquoso, o que explica a pronunciada atividade antimicrobiana dessas substâncias155 (Fig. 14-7). Por outro lado, essa alta solubilidade e também a alta difusibilidade aumentam o poder tóxico dessas bases sobre células eucarióticas, não sendo o seu uso recomendado na prática endodôntica.
Figura 14-7. Eficácia antibacteriana de três hidróxidos. Desses, apenas o hidróxido de cálcio é seguro e, portanto, recomendado para utilização em pacientes. Média contra bactérias orais. Dados segundo Siqueira et al.155.
Inúmeros estudos revelaram que o hidróxido de cálcio não promove ação satisfatória sobre microorganismos presentes no interior de túbulos dentinários30,47,52,99,125,139,154,185,215. Orstavik e Haapasalo99 observaram que o hidróxido de cálcio pode levar até 10 dias para desinfetar túbulos dentinários infectados por facultativos. Siqueira e Uzeda139, trabalhando com infecção intratubular, demonstraram que o hidróxido de cálcio associado à solução salina não foi eficaz na eliminação de E. faecalis, um facultativo, e de F. nucleatum, um anaeróbio estrito, dentro dos túbulos dentinários, mesmo após uma semana de contato. Haapasalo e Orstavik47 observaram que uma pasta à base de hidróxido de cálcio (Calasept, Swedia, Knivsta, Suécia) falhou em eliminar, mesmo superficialmente, células de E. faecalis dentro dos túbulos. Safavi et al.125 relataram que células de Enterococcus faecium permaneceram viáveis no interior de túbulos dentinários após tratamento com uma pasta de hidróxido de cálcio em solução salina por períodos de tempo relativamente longos. Estrela et al.30 avaliaram a atividade antibacteriana da pasta de hidróxido de cálcio em solução salina no interior de túbulos dentinários, experimentalmente infectados com E. faecalis, Staphylococcus aureus, Bacillus subtilis, Pseudomonas aeruginosa ou com uma mistura dessas bactérias, e relataram que a pasta foi ineficaz para desinfetar os túbulos mesmo após uma semana de contato. Sukawat e Srisuwan185 também relataram que uma pasta de hidróxido de cálcio em veículo inerte (água destilada) foi ineficaz para eliminar E. faecalis em túbulos dentinários após 7 dias de exposição. Resultados similares foram demonstrados por Weiger et al.215. Todos esses relatos confirmam de forma inconteste que a pasta de hidróxido de cálcio em veículo inerte é ineficaz em desinfetar a dentina, pelo menos após única aplicação. Para ser eficaz contra micro-organismos localizados no interior dos túbulos dentinários, os íons hidroxila do hidróxido de cálcio devem difundir-se pela dentina e alcançar níveis suficientes para ter efeito letal. Foi demonstrado que a hidroxiapatita, principal componente inorgânico da dentina, tem efeito tampão para substâncias alcalinas, graças à presença de doadores de prótons em sua camada hidratada93,214. Tronstad et al.198 demonstraram que o pH da dentina radicular de macacos foi elevado após curativos intracanais com hidróxido de cálcio por 4 semanas. Entretanto, os valores do pH foram decrescentes nas porções dentinárias mais distantes do canal, onde o medicamento foi aplicado. No canal, o pH foi superior a 12,2; a dentina adjacente ao canal, em contato direto com o hidróxido de cálcio, apresentou pH variando en-
Medicação Intracanal
Figura 14-8. Alteração do pH da dentina em diferentes profundidades após medicação intracanal com pasta de hidróxido de cálcio. Dados segundo Tronstad et al.198.
tre 8 e 11; e, na dentina mais periférica, o pH foi de 7,4 a 9,6 (Fig. 14-8). Embora a alcalinização realmente ocorra, esses níveis de pH podem ser insuficientes para matar alguns micro-organismos, principalmente o E. faecalis, que pode sobreviver em condições de pH 11,5. Portenier et al.110 examinaram e compararam a capacidade da dentina, da hidroxiapatita e da albumina de inibir os efeitos antibacterianos do hidróxido de cálcio, da clorexidina e do iodeto de potássio iodetado contra o E. faecalis. O hidróxido de cálcio foi totalmente inativado na presença desses elementos orgânicos e inorgânicos. Os efeitos da clorexidina foram fortemente inibidos pela albumina, reduzidos pela dentina e inalterados pela hidroxiapatita. Já o iodeto de potássio iodetado teve seus efeitos antibacterianos totalmente inibidos pela dentina, mas não afetados pela hidroxiapatita e pela albumina. Haapasalo et al.46 investigaram os efeitos da dentina sobre a atividade antibacteriana do hidróxido de cálcio, NaOCl a 1%, acetato de clorexidina a 0,5% e a 0,05% e do iodeto de potássio iodetado a 2% e a 0,2%. Uma cepa de E. faecalis foi usada no teste e os períodos de avaliação foram de 5 minutos, 1 hora e 24 horas. A dentina apresentou efeito inibitório sobre todos os medicamentos testados. Enquanto o efeito do hidróxido de cálcio sobre o E. faecalis foi totalmente abolido na presença de dentina, os efeitos da clorexidina e do
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NaOCl foram reduzidos, mas não totalmente eliminados. Um outro fator também pode ajudar a explicar o porquê da ineficácia do hidróxido de cálcio na desinfeção dos túbulos dentinários. O arranjo das células bacterianas em biofilme colonizando as paredes do canal pode impedir um efeito em profundidade do hidróxido de cálcio, uma vez que as células da periferia do biofilme podem proteger aquelas localizadas mais profundamente e no interior tubular139. A principal razão de o hidróxido de cálcio ser bem tolerado pelos tecidos é a sua baixa solubilidade. Isso porque uma suspensão aquosa saturada dessa substância possui pH elevado, com grande potencial citotóxico. Contudo, por não penetrar nos tecidos em profundidade, essa citotoxicidade fica limitada à área em contato com a substância. Essa baixa solubilidade do hidróxido de cálcio impede que ocorra uma elevação de pH suficiente para destruir micro-organismos no interior dos túbulos dentinários. Além disso, a capacidade tampão da dentina tende a controlar alterações de pH. Uma base pouco solúvel como o hidróxido de cálcio pode levar muito tempo para exceder essa capacidade tampão. Quando deixado no canal por um período longo (possivelmente por mais de 1 mês), essa substância, teoricamente, teria mais chances de desinfectar túbulos dentinários. Mas a utilização rotineira de uma medicação intracanal por período tão longo parece inviável na prática clínica. Tem sido sugerido que o hidróxido de cálcio pode também exercer seu efeito antibacteriano indiretamente, por reagir com o CO2 tecidual, tornando-o indisponível para bactérias anaeróbias estritas67. Contudo, parece-nos muito pouco provável que esse mecanismo de ação ocorra de fato. Primeiro, o esgotamento do CO2 presente nos tecidos (oriundo do metabolismo de células eucarióticas) por meio da reação com o hidróxido de cálcio dificilmente ocorrerá, até mesmo porque a reação se dará na intimidade do canal radicular. Os fluidos contendo CO2 que banham os tecidos circundantes da raiz não sofrerão maiores efeitos do hidróxido de cálcio. Destarte, bactérias podem receber o CO2 via túbulos dentinários e ramificações, i.e., no sentido contrário ao local onde o hidróxido de cálcio é aplicado. Segundo, reagindo com o CO2, sem portanto esgotá-lo, o hidróxido de cálcio perderá seus efeitos dependentes do pH, pela resultante formação de carbonato de cálcio136. Micro-organismos colonizando remanescentes teciduais necrosados em ramificações, istmos e reentrâncias também são provavelmente protegidos da
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ação do hidróxido de cálcio, pela neutralização do pH. Dessa forma, a curto prazo, o hidróxido de cálcio apenas destrói células bacterianas em contato direto com ele, i.e., na luz do canal principal ou na entrada dos túbulos dentinários. Mas isso não representa maiores vantagens, uma vez que a instrumentação e a substância química auxiliar também agem nessas regiões.
Resistência microbiana ao hidróxido de cálcio Além do fato de ser inativado pela dentina ou outros componentes teciduais, um outro fator ajuda a explicar a ineficácia do hidróxido de cálcio em alguns casos. Tem sido demonstrado que alguns micro-organismos são mais resistentes aos efeitos alcalinos do hidróxido de cálcio. Isto se deve à utilização de mecanismos sofisticados por alguns micro-organismos que os permitem regular e manter o pH intracitoplasmático em níveis compatíveis com sua sobrevivência, a despeito de alterações de pH no ambiente extracelular10. Alguns desses micro-organismos resistentes ao hidróxido de cálcio, como E. faecalis, C. albicans e A. radicidentis, são frequentemente encontrados em casos de fracasso da terapia endodôntica18,42,63,88,103,104,107,108,118,119,159,160,188. Embora não seja frequentemente detectado em casos de infecção primária166,186, o E. faecalis é a espécie mais comumente encontrada em casos de fracasso endodôntico42,88,107,108,118,159,188. Essa espécie resiste a altos valores de pH do ambiente – até 11,513. A resistência do E. faecalis ao hidróxido de cálcio parece estar relacionada com uma bomba de prótons ativa, que reduz o pH intracitoplasmático ao bombear prótons para o interior da célula31. C. albicans também tem sido mais frequentemente encontrada em casos de fracasso da terapia endodôntica do que em infecções primárias, embora em prevalência inferior ao E. faecalis169,210,212. Waltimo et al.209 avaliaram a suscetibilidade de sete cepas de C. albicans a quatro agentes antimicrobianos: iodeto de potássio iodetado, acetato de clorexidina, NaOCl e hidróxido de cálcio. Além disso, associações entre os medicamentos também foram testadas. Os resultados mostraram que C. albicans foi altamente resistente ao hidróxido de cálcio. NaOCl a 5% e a 0,5% e o iodeto de potássio iodetado foram eficazes após 30 segundos de contato, enquanto o acetato de clorexidina a 0,5% requereu 5 minutos para ter total eficácia. A combinação do hidróxido de cálcio com o NaOCl ou com a clorexidina apresentou eficácia contra as cepas de C. albicans. Em outro estudo, Waltimo et al.211 testaram a suscetibilidade de espécies orais de Candida ao hidróxido de cálcio. As espécies testadas foram C. albicans (16 cepas), C. glabrata (3 cepas), C. guilliermondii (3 cepas), C.
krusei (2 cepas) e C. tropicalis (2 cepas). A suscetibilidade de uma cepa de E. faecalis também foi avaliada para fins comparativos. Os micro-organismos permaneceram em contato com o hidróxido de cálcio por 5 minutos a 6 horas. Comparadas ao E. faecalis, todas as espécies de Candida apresentaram resistência igualmente alta ou até maior ao hidróxido de cálcio. Uma outra espécie encontrada em associação com o fracasso da terapia endodôntica – o A. radicidentis – também apresenta elevada resistência aos efeitos do hidróxido de cálcio18,63. Todavia, a prevalência dessa espécie em casos de fracasso é baixa quando avaliada por uma técnica de Biologia Molecular sofisticada e altamente sensível160, o que coloca em dúvida a sua importância como patógeno endodôntico.
Desinfecção do canal pelo hidróxido de cálcio O tempo necessário para o hidróxido de cálcio promover uma desinfecção adequada do canal radicular é ainda desconhecido. Estudos in vivo, utilizando cultura do material coletado do canal após medicação com hidróxido de cálcio, têm revelado resultados conflitantes. Sjögren et al.173 verificaram que um curativo intracanal com hidróxido de cálcio por uma semana promove a total eliminação de micro-organismos do canal radicular, representado por 100% de culturas negativas. Por sua vez, Byström et al.13 demonstraram que a medicação com hidróxido de cálcio por 4 semanas foi totalmente eficaz para eliminar micro-organismos em 97% dos canais previamente infectados. Shuping et al.130 observaram que a aplicação do hidróxido de cálcio por no mínimo uma semana foi capaz de eliminar totalmente micro-organismos em 92,5% dos casos. Reit e Dáhlen112 encontraram infecção persistente em 26% dos casos, após 2 semanas de medicação com hidróxido de cálcio. Orstavik et al.100 relataram a permanência de micro-organismos no canal em 34,8% dos casos de canais medicados com essa substância por 1 semana. Barbosa et al.8 revelaram infecção persistente em 26,7% dos casos, após utilização do hidróxido de cálcio por 1 semana. Lana et al.71 observaram que 22,6% dos canais medicados com hidróxido de cálcio por 1 semana permaneceram infectados. Nesses casos, espécies dos gêneros Candida, Streptococcus, Lactobacillus, Pseudomonas e Gemella foram isoladas. Siqueira et al.146 relataram que 18% dos canais apresentavam cultura positiva após preparo químico-mecânico e 1 semana de medicação com hidróxido de cálcio associado à glicerina. Após identificação por sequenciamento do gene do 16S rRNA, apenas duas espécies bacterianas foram encontradas nos canais com cultura positiva – F. nucleatum e Lactococcus garviae.
Medicação Intracanal
Em dados completamente discrepantes dos demais estudos sobre o assunto, Peters et al.105 isolaram micro-organismos persistentes em 71,4% dos canais medicados com hidróxido de cálcio em solução salina por 4 semanas. Tais resultados foram provavelmente decorrentes da forma de aplicação do hidróxido de cálcio no canal, i.e., com pontas de papel absorvente. Na maioria dos demais estudos, o hidróxido de cálcio foi aplicado com espirais de Lentulo. Um estudo demonstrou que a aplicação do hidróxido de cálcio apenas com pontas de papel resultou em menores valores de pH nas paredes do canal do que quando comparada à aplicação com Lentulo193, o que pode ajudar a explicar os pobres resultados relatados por Peters et al.105. O hidróxido de cálcio, como medicação intracanal a curto prazo, parece funcionar principalmente como uma barreira física, impedindo a percolação apical de fluidos teciduais, negando, assim, o suprimento de substrato para micro-organismos residuais que sobreviveram ao preparo químico-mecânico. Essa barreira física também limita o espaço para a multiplicação desses micro-organismos remanescentes entre as sessões de tratamento. Outrossim, é possível que os efeitos antibacterianos do hidróxido de cálcio em um veículo inerte, exclusivamente dependentes do pH, apenas ocorram nas proximidades da luz do canal principal, onde a pasta é aplicada. A Fig. 14-9 mostra o resultado de vários estudos avaliando a incidência de culturas negativas após em-
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prego do hidróxido de cálcio em veículo inerte como medicação intracanal.
Efeito do veículo na atividade antimicrobiana Como já citado neste capítulo, os veículos para o hidróxido de cálcio podem ser classificados como inertes e biologicamente ativos sob o ponto de vista da atividade antimicrobiana. Os veículos inertes não influenciam as propriedades antimicrobianas do hidróxido de cálcio. Por sua vez, os veículos biologicamente ativos conferem efeitos antimicrobianos adicionais aos proporcionados pelo hidróxido de cálcio.
Associação do hidróxido de cálcio com o PMCC – pasta HPG Em 1966, Frank36 preconizou a utilização do PMCC como veículo para o hidróxido de cálcio em casos de apicificação. Contudo, essa associação foi alvo de críticas, uma vez que, por possuir atividade antimicrobiana dependente de seu pH, o hidróxido de cálcio dispensaria a associação a uma outra substância que, apesar de ter ação antimicrobiana reconhecida, também seria citotóxica. Na década de 1990 voltou-se a preconizar o emprego dessa associação com base na justificativa de que o espectro de ação do medicamento seria aumentado, principalmente por ter o PMCC atividade antibacteriana mais pronunciada contra o E. faecalis47,182. Na verda-
Figura 14-9. Resultados de vários estudos mostrando o percentual de canais apresentando culturas negativas após preparo químico-mecânico e medicação intracanal com hidróxido de cálcio em veículo inerte.
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de, vários estudos demonstram que a pasta de hidróxido de cálcio com PMCC apresenta excelente atividade antimicrobiana. Mas parecem haver mais justificativas para se associarem as duas substâncias além do aumento do espectro de atividade. Estudos demonstram que, quando aplicado em contato direto com bactérias anaeróbias estritas, o hidróxido de cálcio é mais eficaz do que o PMCC13,39,184. Contudo, utilizando o teste de difusão em ágar, Siqueira et al.151 demonstraram que o PMC, associado à cânfora ou ao Furacin, apresentou excelente atividade antibacteriana, inclusive superior à do hidróxido de cálcio, sobre bactérias anaeróbias estritas. Isso revela que o PMC se difunde mais, possuindo um maior raio de ação antibacteriana. Por isso, quando associado ao hidróxido de cálcio, o PMCC pode aumentar o raio de atuação da pasta, atingindo micro-organismos alojados em regiões mais distantes do local de aplicação daquele. Essa afirmativa foi comprovada por trabalho de Siqueira e Uzeda139. Esses autores observaram que a pasta de hidróxido de cálcio com PMCC foi eficaz na desinfecção de túbulos dentinários infectados experimentalmente com três espécies bacterianas (duas anaeróbias estritas e uma facultativa) comumente isoladas de canais radiculares. Esse efeito foi observado em um período de tempo curto. O hidróxido de cálcio em solução salina (veículo inerte) foi ineficaz contra duas das espécies bacterianas, inclusive após uma semana de contato. Siqueira et al.154 contaminaram cilindros de dentina bovina com cultura mista de F. nucleatum e Prevotella intermedia, duas espécies bacterianas anaeróbias estritas frequentemente encontradas em infecções endodônticas. Os espécimes contaminados foram expostos a pastas de hidróxido de cálcio em solução salina, glicerina, propilenoglicol ou PMCC/glicerina. Os espécimes foram deixados em contato com as pastas por 3 e 5 dias. Findos esses períodos, a viabilidade bacteriana foi avaliada por meio de incubação dos espécimes em caldo de cultura, de forma a comparar a efetividade das pastas na descontaminação da dentina. Apenas a pasta de hidróxido de cálcio/PMCC/glicerina (HPG) foi capaz de efetivamente descontaminar a dentina após 5 dias de contato. Sukawat e Srisuwan185 compararam a eficácia de três pastas de hidróxido de cálcio para desinfetar a dentina humana experimentalmente infectada com E. faecalis. Após 7 dias de exposição, apenas a pasta de hidróxido de cálcio com PMCC eliminou E. faecalis dos túbulos dentinários. As pastas de hidróxido de cálcio com água destilada ou com clorexidina a 0,2% foram ineficazes nesse sentido.
Siqueira e Uzeda141 também relataram que a associação do PMCC com o hidróxido de cálcio mostrou-se bastante eficaz contra 12 espécies bacterianas (6 anaeróbias e 6 facultativas), utilizadas no teste de difusão em ágar, ao contrário do que ocorreu com as pastas de hidróxido de cálcio em água destilada ou glicerina (Fig. 14-10). Esses achados corroboram aqueles de Difiore et al.27, utilizando a espécie Streptococcus sanguinis e a mesma metodologia. Gomes et al.41 avaliaram a suscetibilidade de 11 espécies bacterianas (4 anaeróbias estritas, 6 facultativas e 1 aeróbia) e 1 levedura (C. albicans) a pastas de hidróxido de cálcio em diferentes veículos. O método empregado foi o de difusão em ágar. Seus achados confirmaram que a pasta HPG apresentou eficácia antimicrobiana pronunciada, a qual foi significativamente superior quando comparada com as pastas de hidróxido de cálcio tendo como veículos o PMCC (sem acréscimo de glicerina), a glicerina, a solução salina ou o polietilenoglicol. Siqueira et al.165 investigaram a atividade antifúngica de vários medicamentos endodônticos contra C. albicans, C. glabrata, C. guilliermondii, Candida parapsilosis e Saccharomyces cerevisiae. Eles observaram que a pasta HPG apresentou os efeitos mais pronunciados. A associação do hidróxido de cálcio à glicerina (HG) ou
Figura 14-10. Eficácia de medicamentos intracanais contra 12 espécies bacterianas – 6 anaeróbias estritas e 6 facultativas. Notar que a pasta HPG foi mais eficaz do que os demais medicamentos. Dados adaptados de Siqueira e Uzeda141. HC, hidróxido de cálcio; CHX, clorexidina.
Medicação Intracanal
à clorexidina (HCx) também apresentou efeitos antifúngicos, mas muito menores do que os da pasta HPG (Fig. 14-11). Se, nos testes de difusão em ágar e de desinfecção da dentina, o hidróxido de cálcio associado a um veículo inerte foi ineficaz e, quando associado ao PMCC, micro-organismos foram inibidos e/ou eliminados, parece lógico afirmar que o efeito antimicrobiano da pasta em profundidade se deve principalmente ao PMCC. Destarte, se o PMCC é o principal responsável pela atividade antimicrobiana da pasta, a afirmativa de que essa substância é o veículo não procede. Na verdade, parece-nos que o inverso, pelo menos no que concerne à atividade antimicrobiana, seja mais verdadeiro, isto é, o hidróxido de cálcio funciona como veículo, permitindo uma liberação lenta e controlada de PMCC para o meio, o suficiente para ter ação contra micro-organismos136,151. Isso é importante, pois o PMCC na forma pura é extremamente citotóxico178,179. Contudo, trabalhos experimentais em modelo animal demonstraram que essa pasta é biocompatível44,60,196. Além disso, Gahyva
Figura 14-11. Atividade antifúngica de medicamentos intracanais contra 5 espécies. Notar que a pasta HPG foi mais eficaz do que os demais medicamentos. Dados segundo Siqueira et al.165. HC, hidróxido de cálcio.
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e Siqueira38 demonstraram que a pasta HPG não apresenta efeitos genotóxicos e mutagênicos (Fig. 14-12), o que confirma sua segurança para emprego clínico. Estudos avaliando o reparo dos tecidos perirradiculares de cães após tratamento endodôntico em uma ou duas sessões de dentes com necrose pulpar e lesão perirradicular associada revelaram que no grupo em que os canais foram medicados com uma pasta de hidróxido de cálcio com PMCC o reparo dos tecidos perirradiculares foi significativamente melhor do que nos dentes tratados em sessão única133,189. Isso certamente se deveu à excelente atividade antimicrobiana da pasta de hidróxido de cálcio em PMCC. Além disso, tais estudos confirmaram que tal pasta apresenta excelente comportamento biológico. A compatibilidade biológica da pasta HPG pode ser devida: 1. À pequena concentração de PMC liberado. Quando o PMCC é associado ao hidróxido de cálcio, há a formação de um sal pouco solúvel, o paramonoclorofenolato de cálcio, que em ambiente aquoso se dissocia lentamente liberando PMC e íons cálcio e hidroxila para o meio circundante7. Sabe-se que uma substância pode apresentar efeitos benéficos ou deletérios, dependendo de sua concentração. A baixa liberação de PMC da pasta, provavelmente, não é suficiente para ter ação citotóxica. 2. Ao fato de o pH alcalino da pasta causar uma desnaturação proteica superficial no tecido em contato com ela, que serve como barreira física para a difusão e maior penetrabilidade tecidual por parte do PMC. 3. À irritação ser de baixa intensidade por um curto período. Uma vez que micro-organismos residuais são eliminados pela pasta, após a sua remoção do canal não há a persistência de agressão aos tecidos perirradiculares148.
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Figura 14-12. Teste de Ames para avaliação de mutagenicidade. A. Ausência de efeitos mutagênicos para a pasta HPG. B. Controle positivo (4-nitroquinolina-1-óxido), mostrando forte efeito mutagênico.
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
É bastante admissível que as três hipóteses estejam inter-relacionadas para justificar a biocompatibilidade do PMCC quando associado ao hidróxido de cálcio. A pasta HPG apresenta maior espectro de atividade antimicrobiana, maior raio de atuação e efeito antimicrobiano mais rápido, quando comparada às pastas de hidróxido de cálcio em veículos inertes139-141,150,151,155,165 (Fig. 14-13). O maior raio de ação pode ser resultado da baixa tensão superficial do PMCC86,91 e da solubilidade em lipídios, o que facilita sua difusibilidade pelo sistema de canais radiculares. Por tais razões, recomendamos a pasta HPG como a medicação intracanal a ser utilizada rotineiramente após o preparo
Figura 14-13. Pronunciada atividade antibacteriana da pasta HPG evidenciada pelo teste de difusão em ágar. Comparar com os halos de inibição promovidos por clorexidina (CHX) a 0,2% com ou sem óxido de zinco (OZ). Notar a presença do halo de difusão do hidróxido de cálcio (seta amarela), halo de inibição definido (seta laranja) e um halo que sugere inibição inicial, mas que foi superada por crescimento exuberante das bactérias com o passar do tempo (seta vermelha).
químico-mecânico de dentes com necrose pulpar, devendo permanecer no canal por um período ideal de aproximadamente 7 dias135,156.
Eficácia clínica do protocolo usando a pasta HPG como medicamento Estudos clínicos avaliando importantes fatores, como a ocorrência de dor pós-operatória, a capacidade de eliminação bacteriana e o índice de sucesso a longo prazo, apontam resultados extremamente satisfatórios para o protocolo utilizando o tratamento em duas sessões baseado em estratégias antimicrobianas, tais como amplo preparo apical, estabelecimento e manutenção da patência foraminal, NaOCl a 2-3% como substância química auxiliar e pasta HPG como medicação intracanal por 7 dias. Incidência de dor pós-operatória: Em um estudo prospectivo, Siqueira et al.162 avaliaram a incidência de dor pós-operatória após procedimentos intracanais baseados em uma estratégia antimicrobiana. Todos os casos receberam medicação intracanal com a pasta HPG. Dados foram obtidos de 627 dentes que apresentavam polpas necrosadas ou necessitavam de retratamento. Os tratamentos foram efetuados por alunos de graduação em seu primeiro ano de treinamento endodôntico. No geral, algum nível de desconforto pós-operatório ocorreu em 15% dos casos. Dor leve ocorreu em 10% dos casos, moderada em 3% e grave (flare-up) em 2% (Fig. 14-14). O emprego dos procedimentos intracanais para controle da infecção, incluindo a utilização da pasta HPG, resultou em uma baixa incidência de dor pós-operatória, principalmente de flare-ups, mesmo quando em mãos inexperientes. Tais achados também atestam a biocompatibilidade da pasta HPG quando do uso clínico.
Figura 14-14. Incidência de dor pósoperatória após protocolo antimicrobiano usando a pasta HPG. Dados segundo Siqueira et al.162.
Medicação Intracanal
Eficácia antibacteriana in vivo: Siqueira et al.156 investigaram a redução da população bacteriana intracanal após preparo químico-mecânico com NaOCl a 2,5% como irrigante e posterior medicação intracanal por 7 dias com pasta HPG. Dentes unirradiculares com infecção endodôntica primária e lesão perirradicular associada foram selecionados de acordo com critérios de inclusão/exclusão bastante rígidos. Amostras bacteriológicas do canal foram coletadas antes do tratamento (S1), depois do preparo usando limas de NiTi manuais e NaOCl a 2,5% (S2) e após 7 dias de medicação intracanal com pasta HPG (S3). Bactérias cultiváveis isoladas dos canais nos três estágios foram contadas e identificadas por meio de sequenciamento do gene do 16S rRNA, um método da mais alta confiabilidade na identificação bacteriana. Em S1, todos os casos abrigavam bactérias, com uma média de 2,8 espécies por canal, variando de 1 a 6. Em S2, 54,5% dos canais apresentaram culturas positivas, com 1 a 3 espécies por canal. Em S3, apenas 9% dos casos foram positivos para a presença de bactérias. Propionibacterium acnes foi a única espécie encontrada no único canal com cultura positiva após medicação com a pasta HPG. Houve diferença significante nas comparações entre S2 e S3 tanto no que se refere à redução da contagem bacteriana, quanto ao número de culturas negativas. Os autores concluíram que o preparo químico-mecânico com NaOCl a 2,5% significativamente reduziu o número de bactérias no canal em relação à contagem pré-tratamento, mas falhou em promover culturas negativas em cerca de metade dos casos. A medicação com pasta HPG por 7 dias aumentou a desinfecção e o número de culturas negativas, indicando claramente que a medicação intracanal é necessária para maximizar a eliminação bacteriana de canais (Fig. 14-15). Sucesso a longo prazo: Siqueira et al.167 avaliaram os resultados do tratamento endodôntico a longo prazo (1 a 4 anos de prosservação) de dentes com lesão perirradicular tratados por alunos de graduação usando o protocolo antimicrobiano já delineado. Os primeiros 100 pacientes que atenderam ao chamado e aceitaram retornar para consulta de acompanhamento foram incluídos nesse estudo. O resultado do tratamento foi avaliado por meio de critérios clínicos e radiográficos como reparados (sucesso), em reparação (sucesso provável) e não reparados (fracasso). Apenas 5% dos tratamentos fracassaram, sendo os resultados favoráveis obtidos em 95% dos casos (76% reparados e 19% reparando). A maioria dos casos de sucesso (75%) e de fracasso (80%) foi evidente aos 2 anos de avaliação, indicando que esse é um bom período para avaliação do
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Figura 14-15. Eliminação bacteriana quantitativa, caso a caso, após preparo químico-mecânico usando NaOCl a 2,5% como irrigante e pasta HPG como medicação intracanal. Dados segundo Siqueira et al.156.
sucesso do tratamento. Contudo, sete dentes levaram 4 anos para serem reparados completamente. O baixo índice de fracasso observado neste estudo para tratamentos efetuados por operadores inexperientes reforça a importância de se empregar um protocolo antimicrobiano baseado em evidências para o tratamento endodôntico de dentes com lesão perirradicular associada. Tais achados de estudos clínicos definitivamente firmam esse protocolo de tratamento antimicrobiano como uma excelente opção de terapia baseada em evidência científica para dentes com lesão perirradicular associada (Fig. 14-16).
Associação do hidróxido de cálcio com clorexidina (HCx) A clorexidina é uma substância antimicrobiana altamente eficaz contra espécies orais de bactérias grampositivas e gram-negativas, além de fungos24,96,180. Essa bis-biguanida catiônica pode induzir dano nas membranas mais externas da célula microbiana, mas esse efeito é geralmente insuficiente para causar lise ou morte celular. A clorexidina atravessa a parede celular microbiana por difusão passiva e então ataca a membrana citoplasmática. O dano a essa delicada membrana é acompanhado pela infiltração de constituintes intracelulares. Em altas concentrações, a clorexidina
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
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causa precipitação de componentes fosfatados intracelulares, como os ácidos nucleicos. Em decorrência, o citoplama se torna “congelado”, o que diminui a infiltração de elementos intracelulares, de forma que há um efeito bifásico sobre a permeabilidade da membrana83. A atividade antimicrobiana da clorexidina é ótima em pH em torno de 5,5 a 7, sendo bastante reduzida ou mesmo abolida na presença de matéria orgânica83. A clorexidina é um agente antimicrobiano amplamente utilizado e que tem sido recentemente proposto para uso endodôntico como substância química auxiliar ou como medicação intracanal. Na irrigação, a clorexidina tem revelado resultados antimicrobianos similares ao NaOCl em vários estudos clínicos e laboratoriais29,62,122,170,203,204, embora existam controvérsias96,98,206. Além dos efeitos antimicrobianos, a clorexidina apresenta baixa toxicidade98,190 e a propriedade de substantividade à dentina, o que resulta em efeitos antimicrobianos residuais mantidos por dias a semanas75,121,217. Como medicação intracanal, a clorexidina tem sido recomendada sozinha ou em combinação com o hidróxido de cálcio. Devido às limitações já discutidas do hidróxido de cálcio, parece vantajoso associar outros medicamentos a essa substância148. A associação da clorexidina com o hidróxido de cálcio (HCx) tem sido então bastante estudada recentemente. Até o momento, não há consenso entre os estudos in vitro quanto à vantagem de associar clorexidina ao hidró-
Figura 14-16. Dente com lesão perirradicular associada, tratado pelo protocolo antimicrobiano usando a pasta HPG. A. Radiografia pré-operatória. B. Radiografia de prosservação após 1 ano de conclusão do tratamento mostrando paralisação da reabsorção dentária apical e reparo dos tecidos perirradiculares.
xido de cálcio. Alguns estudos mostram que os efeitos antimicrobianos do hidróxido de cálcio são significativamente aumentados quando ele é misturado à clorexidina32,43,109,111,171. Já outros estudos não encontraram vantagens significativas nessa associação127,164. Na verdade, a eficácia da clorexidina parece ser significativamente reduzida quando misturada com o hidróxido de cálcio43,127,164. A clorexidina permanece estável em pH 5-8, e, à medida que o pH aumenta, a ionização diminui. A pasta HCx mantém um pH alto similar ao do hidróxido de cálcio em água171,221. Em altos valores de pH, a clorexidina precipita e pode ficar indisponível para exercer seus efeitos antimicrobianos221. Contudo, apesar da perda da clorexidina ativa quando misturada ao hidróxido de cálcio, os efeitos residuais ainda podem ter significado clínico, como revelado por dois estudos157,221. Zerella et al.221 demonstraram que a medicação com pasta HCx (clorexidina a 2%) foi no mínimo tão eficaz quanto o hidróxido de cálcio em veículo inerte na desinfecção de canais de casos de retratamento com lesão. A incidência de culturas negativas após o uso dessa combinação por 7-10 dias foi de 65%221. Em outro estudo clínico, dessa vez avaliando a eficácia de um protocolo de tratamento contra infecções endodônticas primárias, Siqueira et al.157 irrigaram os canais durante o preparo com clorexidina a 0,12% e encontraram incidência de culturas positivas de 54%. A medicação intracanal com pasta HCx (clorexidina a
Medicação Intracanal
0,12%) reduziu ainda mais o número de culturas positivas, atingindo 8% dos casos, o que foi estatisticamente significante. Os efeitos antimicrobianos significativos da pasta HCx revelados por esses dois estudos clínicos podem ser creditados a resíduos ainda ativos e não precipitados de clorexidina na pasta, além do alto pH dela. Assim, essa pasta pode ser uma boa alternativa à pasta HPG para uso rotineiro no tratamento (e no retratamento) de dentes com lesão perirradicular, com o potencial de promover resultados similares.
3 – Neutralização de endotoxinas Endotoxinas ou lipopolissacarídeos (LPS) são constituintes da membrana externa da parede celular de bactérias gram-negativas que, quando liberadas para o meio externo, são importantes fatores de virulência. Essas moléculas exercem um papel relevante na patogênese das doenças da polpa e dos tecidos perirradiculares137,158. A porção lipídica da molécula, conhecida como lipídio A, é a principal responsável por seus efeitos biológicos115,116. Foi demonstrado que o hidróxido de cálcio pode promover a hidrólise do lipídio A, destruindo ligações éster dentro da molécula de LPS, promovendo assim a liberação de ácidos graxos hidroxilados124. Consequentemente, a molécula de LPS é inativada, tendo seus efeitos tóxicos neutralizados ou reduzidos significativamente92,123,132. Embora alguns estudos tenham relatado tal efeito in vivo, na verdade, nesses estudos o LPS foi misturado com o hidróxido de cálcio e aplicado no canal, tendo sido observada a sua inativação com consequente reduzida capacidade de causar inflamação nos tecidos perirradiculares92,132. Entretanto, essa não é a situação real in vivo, na qual a pasta de hidróxido de cálcio aplicada ao canal deve se difundir, atingir o LPS presente em localidades diversas no sistema de canais e assim exercer o efeito neutralizador. Até o momento, apenas um estudo em cães sugeriu que tal propriedade do hidróxido de cálcio pode ocorrer de forma significativa in vivo191. Assim, tornam-se necessários estudos em humanos para avaliar se o hidróxido de cálcio exerce tais efeitos neutralizadores sobre o LPS de forma significativa na real situação clínica. Na verdade, um estudo clínico recente em pacientes demonstrou níveis reduzidos significativamente, mas ainda relativamente elevados de LPS nos canais após preparo químico-mecânico, os quais foram praticamente inalterados após medicação intracanal com hidróxido de cálcio, clorexidina ou com uma associação das duas substâncias205. Tais re-
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sultados parecem indicar que o efeito neutralizador do hidróxido de cálcio sobre o LPS observado em estudos laboratoriais pode não ser significativo na situação in vivo.
4 – Indução de reparo por tecido mineralizado Quando em contato direto com um tecido conjuntivo organizado com memória genética para produção de tecido mineralizado, como polpa ou ligamento periodontal, o hidróxido de cálcio estimula a neoformação de dentina ou cemento, respectivamente40,55,56,128,129 (Fig. 14-17). Esta é, sem dúvida alguma, a propriedade mais difundida do hidróxido de cálcio, sendo suportada tanto pela prática clínica, quanto por inúmeros tra-
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Figura 14-17. Estímulo à formação de tecido mineralizado pelo hidróxido de cálcio. A. Na polpa, após pulpotomia. B. No ligamento periodontal apical, após biopulpectomia. (Gentileza do Prof. Roberto Holland.)
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
balhos científicos. Algumas modalidades de tratamento se utilizam desse efeito biológico do hidróxido de cálcio, tais como: capeamento pulpar direto, curetagem pulpar, pulpotomia, apicificação, tratamento de perfurações e de reabsorções radiculares. Embora se reconheça a citada propriedade dessa substância, seu mecanismo de ação ainda não foi perfeitamente elucidado. Alguns atribuem esse efeito aos íons hidroxila, enquanto outros julgam que os íons Ca+2 sejam os responsáveis pela indução do reparo. Seguem algumas tentativas de explicar os efeitos do hidróxido de cálcio sobre os tecidos que resultam na deposição de tecido duro neoformado:
a) Ativação de enzimas envolvidas no processo de reparo Ca+2-ATPase. A Ca+2-ATPase (adenosina trifosfatase) é uma enzima associada à membrana citoplasmática de células envolvidas na produção de tecido duro, a qual funciona como uma “bomba” de cálcio, promovendo o transporte desse elemento contra um gradiente de concentração2,45. Por sua ativação ser cálcio-dependente, acredita-se que o hidróxido de cálcio exerça seus efeitos desse modo. A ATPase exerce um papel importante nos processos de mineralização tecidual. Pirofosfatase. Essa enzima também é cálcio-dependente, estando envolvida em processos onde há necessidade de obtenção de energia a partir do ATP. Um desses processos é a síntese de proteínas, como o colágeno, principal componente da matriz orgânica de dentina, cemento e osso. Acredita-se, então, que a ativação da pirofosfatase pelos íons Ca+2 oriundos do hidróxido de cálcio aumentará a utilização de energia, favorecendo o mecanismo de reparo51. Fosfatase alcalina. A ativação dessa enzima pelo hidróxido de cálcio é um dos mecanismos mais defendidos por alguns autores181. A fosfatase alcalina está envolvida no processo de mineralização e é ativada, como o próprio nome indica, em pH alcalino, variando entre 8,6 e 10,3. Logo, o elevado pH do hidróxido de cálcio pode ativá-la. Ela é uma enzima hidrolítica que promove a liberação de fosfato inorgânico, a partir de ésteres fosfóricos. Os íons fosfato liberados podem reagir com os íons cálcio provenientes dos tecidos, formando precipitados de fosfato de cálcio (na forma de hidroxiapatita) sobre uma matriz orgânica, o que caracteriza o processo de mineralização.
b) Trauma químico Devido ao pH elevado, os íons hidroxila, oriundos da dissociação do hidróxido de cálcio, causam uma zona
de desnaturação proteica superficial no tecido em contato com essa substância, caracterizada por necrose de coagulação de espessura variável entre 0,3 e 0,7mm181. Esse efeito parece ser o responsável pela indução de reparo por deposição de tecido mineralizado20,128,136,200. A polpa e o ligamento periodontal, na grande maioria das vezes, são reparados pela deposição de tecido duro, i.e., dentina e cemento, respectivamente. Isso é uma característica natural desses tecidos ditada por sua memória genética, a qual é mantida por células indiferenciadas. Quando acometidos por um trauma superficial e transitório, na ausência de infecção, os mecanismos de reparação são desencadeados. A cauterização química induzida pelo hidróxido de cálcio sobre a polpa ou ligamento periodontal é superficial e transitória, graças à baixa solubilidade dessa substância, o que impede um efeito em maior profundidade no tecido. Esse trauma químico é suficiente para estimular a reparação20. Outras substâncias, como o eugenol, presente em cimentos para proteção pulpar ou para obturação de canal, podem promover esse mesmo trauma químico. Contudo, devido à maior solubilidade e consequente penetração tecidual, ele se dá em maior profundidade no tecido e por um período prolongado. Enquanto estiver sendo irritado, o tecido não inicia a sua reparação. Além de induzir um trauma químico superficial e transitório no tecido em contato direto com ele, o hidróxido de cálcio promove um ambiente alcalino na superfície do tecido, o qual é impróprio para o desenvolvimento de micro-organismos. Assim, o tecido fica em condições apropriadas para iniciar seu processo de reparo. Cumpre salientar que, para o hidróxido de cálcio estimular essa reparação, o tecido deve estar organizado e, no máximo, ligeiramente inflamado. De outro modo, essa propriedade não será observada.
Outras propriedades do hidróxido de cálcio 1 – Solvente de matéria orgânica Estudos de Hasselgren et al.50 e Andersen et al.3 revelaram que o hidróxido de cálcio, por possuir um pH extremamente alcalino, promove a quebra de ligações iônicas que mantêm a estrutura terciária de proteínas, desnaturando-as e tornando-as mais suscetíveis à dissolução por NaOCl. Tais estudos foram conduzidos em condições experimentais onde a área de contato entre as substâncias testadas e os tecidos era máxima, o que não condiz com a situação real dentro do sistema de canais radiculares, onde irregularidades, istmos e ramificações podem limitar esse contato.
Medicação Intracanal
Contudo, áreas de istmos e ramificações não são totalmente limpas, mesmo após a utilização de curativo com hidróxido de cálcio. No interior do canal radicular, a área de contato entre o tecido e o hidróxido de cálcio/NaOCl é mínima, limitando a eficácia dessas substâncias. Além disso, a baixa solubilidade da primeira praticamente restringe a sua ação à área de contato com o tecido e, consequentemente, apenas a superfície tecidual degenerada pela ação do hidróxido de cálcio sofrerá uma efetiva ação solubilizadora do NaOCl. Nos raros casos onde a área de contato da pasta de hidróxido de cálcio com o tecido conjuntivo for maior, esse efeito poderá ser observado. Siqueira et al.144 avaliaram histologicamente a limpeza de canais radiculares de molares após instrumentação, medicação intracanal com hidróxido de cálcio e posterior irrigação com NaOCl. Um grupo recebeu curativos com pasta de hidróxido de cálcio e soro fisiológico, sendo essa removida posteriormente por meio de irrigação profusa com NaOCl. O grupo-controle consistiu de dentes que não receberam medicação intracanal. A limpeza do canal foi avaliada em cortes histológicos das regiões localizadas a 1, 2 e 3mm do término apical. Apesar de a limpeza do canal radicular no grupo onde foi utilizado curativo de hidróxido de cálcio ter sido ligeiramente superior à do grupo-controle, não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos.
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2 – Inibição da reabsorção radicular externa
importante para estimular a biossíntese e liberação de citocinas (IL-1, TNF, IL-6) envolvidas na ativação de células clásticas137,158. Devido ao fato de ser uma base forte, tem sido sugerido que o hidróxido de cálcio promove a elevação do pH do meio, neutralizando ácidos e inibindo a atividade enzimática relacionada com a reabsorção197,198. Outrossim, a elevada alcalinidade do hidróxido de cálcio poderia induzir a morte da célula clástica, paralisando o processo de reabsorção49. Todavia, tais teorias carecem de suporte científico. É bastante questionável que o hidróxido de cálcio apresente eficácia diretamente sobre o processo de reabsorção inflamatória externa. Isso pode ser atestado pelo fato de que essa substância é completamente inoperante em casos de reabsorção por substituição, onde os mecanismos bioquímicos de reabsorção utilizados pela célula clástica são os mesmos, mas a causa da reabsorção é diferente. É imperioso ressaltar que o processo de reabsorção inflamatória é usualmente a consequência de uma infecção instalada no sistema de canais radiculares. Assim, nas reabsorções radiculares inflamatórias externas, o combate aos micro-organismos presentes no sistema de canais radiculares (o agente etiológico) é o fator primordial na paralisação do processo patológico (Figs. 14-16 e 14-18). O hidróxido de cálcio em veículo inerte apenas será eficaz para eliminar a infecção intratubular e, consequentemente, paralisar a reabsorção inflamatória externa após múltiplas aplicações (trocas), as quais
O processo de reabsorção de um tecido mineralizado se inicia pela perda da matriz orgânica que o reveste, como o osteoide no osso e o pré-cemento no cemento. Isso pode ocorrer pela ação de colagenases, liberadas por células ativadas pelos mediadores químicos da inflamação. O tecido mineralizado exposto é então destruído pela ação de substâncias liberadas por células clásticas. Ácidos promovem a dissolução da hidroxiapatita, componente inorgânico do tecido mineralizado. A seguir, enzimas, como catepsinas e metaloproteinases de matriz, degradam a matriz orgânica exposta168. O pH na lacuna de reabsorção cai para aproximadamente 4,5, o qual é ótimo para a atividade da catepsina K, principal enzima liberada pelo osteoclasto e envolvida na reabsorção192. Tais mecanismos bioquímicos utilizados pela célula clástica para reabsorver tecidos mineralizados são exatamente os mesmos, independentemente de a reabsorção ser fisiológica ou patológica. Nas reabsorções radiculares inflamatórias externas, componentes bacterianos, como o LPS de bactérias gram-negativas, desempenham papel
Figura 14-18. Reabsorção inflamatória externa. A infecção do sistema de canais radiculares deve ser devidamente controlada para a paralisação do processo.
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
são necessárias para exceder a capacidade tampão da hidroxiapatita e assim obter a alcalinização adequada da dentina para ter consequente efeito antimicrobiano. A associação do hidróxido de cálcio com veículos biologicamente ativos, como o PMCC e a clorexidina, apresenta maior capacidade de desinfetar túbulos dentinários em aplicação única e por isso é mais apropriada para o controle da reabsorção inflamatória externa.
Atividade física As pastas de hidróxido de cálcio usadas como medicamento intracanal atuam como barreira física e química (ação de preenchimento), impedindo ou retardando a infecção ou reinfecção do canal radicular por micro-organismos provenientes da cavidade oral. Canais instrumentados podem ser contaminados, nos casos de biopulpectomia, ou recontaminados, nos casos de necropulpectomia entre as sessões do tratamento endodôntico, em determinadas situações clínicas, tais como: a infiltração de saliva através do material selador temporário e perda ou fratura do material selador e/ou da estrutura dentária. Nessas situações, a cavidade pulpar se torna exposta à microbiota oral, o que pode comprometer o sucesso do tratamento endodôntico. Siqueira et al.149,153 avaliaram a efetividade do PMCC, tricresol formalina e pastas de hidróxido de cálcio/soro fisiológico e hidróxido de cálcio/PMCC/ glicerina (HPG) para prevenir a recontaminação do canal quando da ausência de um selador temporário. Concluíram que as pastas de hidróxido de cálcio preenchendo o canal foram significativamente mais eficazes do que o PMCC e o tricresol formalina aplicados em mechas de algodão na câmara pulpar no sentido de retardar a invasão microbiana do sistema de canais radiculares. Ainda segundo esses autores149,153, o PMCC e o tricresol formalina foram menos eficazes do que as pastas de hidróxido de cálcio para impedir a recontaminação dos canais radiculares, em função da diluição e neutralização dos medicamentos pela saliva. O tricresol formalina e o PMCC atuam somente pelo efeito químico e não físico, quando empregados como medicamento intracanal. Por mais essa razão, a utilização de medicamentos líquidos aplicados em mechas de algodão na câmara pulpar se torna questionável. Como já aclarado neste capítulo, a pasta HPG tem demonstrado um largo espectro de atividade antimicrobiana, rápido efeito letal para micro-organismos e um amplo raio de ação, quando comparada com as pastas em veículos inertes. Todavia, Siqueira et al.149
não observaram, nessa combinação, resultados estatisticamente superiores, quando comparada com a pasta de hidróxido de cálcio em soro fisiológico, no que tange à recontaminação do canal após exposição à saliva. Provavelmente, isso ocorreu porque a saliva pode ter diluído e neutralizado o efeito antimicrobiano do PMC liberado da pasta HPG. As pastas de hidróxido de cálcio utilizadas como medicação intracanal também funcionam como uma barreira física, impedindo a percolação apical de fluidos teciduais, negando assim o suprimento de substrato para micro-organismos residuais que porventura tenham sobrevivido ao preparo químico-mecânico. Também, essa barreira física limita o espaço para a multiplicação desses micro-organismos remanescentes entre as sessões de tratamento. Esses dados indicam que a ação de preenchimento dessas pastas pode ser mais relevante do que a ação química para prevenir a contaminação ou recontaminação do canal radicular entre as consultas. Além disso, impedem fisicamente a penetração de substratos que porventura venham a suprir as necessidades nutricionais de micro-organismos remanescentes no canal149,153. As pastas de hidróxido de cálcio também atuam como barreira química contra a proliferação de microorganismos residuais que sobreviveram ao preparo químico-mecânico e contra a contaminação ou recontaminação do canal por micro-organismos oriundos da cavidade oral. A ação química do hidróxido de cálcio é representada pela sua elevada alcalinidade. Sendo assim, sua eficácia é pH-dependente. Desse modo, a atividade antimicrobiana do hidróxido de cálcio pode ser limitada na presença de tecidos ou fluidos biológicos dotados de capacidade tampão. A saliva possui tal efeito em função da presença de proteínas e da atividade dos sistemas bicarbonato e fosfato. Os fluidos teciduais e o sangue também podem ter o efeito tamponador representado por proteínas e sistemas tampão, como o próprio bicarbonato, além de outras substâncias que eventualmente possam estar presentes, como ácidos orgânicos e CO2. Doadores de prótons presentes na camada hidratada da hidroxiapatita da dentina também tamponam o pH do hidróxido de cálcio. Baseado em tudo o que foi discutido sobre as propriedades atribuídas ao hidróxido de cálcio, ratificamos a afirmativa de que essa substância não é uma panacéia35. Contudo, embora não resolva todos os problemas, o hidróxido de cálcio é de extrema utilidade em Endodontia quando em indicações precisas e sensatas.
Medicação Intracanal
Extravasamento das pastas de hidróxido de cálcio O extravasamento das pastas de hidróxido de cálcio para os tecidos perirradiculares, nos casos em que há presença de lesão, não parece oferecer quaisquer benefícios. Como já comentado, o hidróxido de cálcio não apresenta efeito anti-inflamatório comprovado. Além disso, é improvável que essa substância vá eliminar micro-organismos situados na superfície radicular apical ou no interior da lesão. Nos tecidos perirradiculares há uma intensa atividade de substâncias tamponadoras, como o sistema bicarbonato, sistema fosfato e uma miríade de proteínas, que irão impedir a elevação significativa do pH. Além disso, a pasta seria rapidamente diluída pelos fluidos teciduais e “lavada” pela microcirculação, que é bastante desenvolvida na lesão perirradicular, pela intensa neoformação vascular. Para atingir pH de magnitude suficiente para eliminar micro-organismos na lesão, uma grande quantidade de pasta teria de ser extravasada para, em um momento inicial, exceder a capacidade tampão tecidual. Entretanto, isso seria extremamente agressivo para os tecidos, devido à ausência de toxicidade seletiva por parte do hidróxido de cálcio, o que inevitavelmente poderia resultar no desenvolvimento de um flare-up. O mesmo é válido para as pastas de hidróxido de cálcio com veículos biologicamente ativos, como o PMCC, os quais são também rapidamente neutralizados por proteínas teciduais. Por outro lado, embora o extravasamento de uma pequena quantidade de pasta de hidróxido de cálcio aparentemente não vá conferir efeitos benéficos, essa conduta usualmente não traz maiores consequências. Se um extravasamento acidental da pasta ocorrer durante sua aplicação, o que é comum, não há qualquer inconveniente23. Aliás, isso pode ser indicativo de que a pasta está atingindo toda a extensão do canal. No entanto, o exagero na quantidade extravasada de pasta, em determinadas situações, pode ter efeitos desastrosos para o paciente22,77..
Preenchimento do canal radicular com pasta de hidróxido de cálcio Várias técnicas para colocação da pasta hidróxido de cálcio no interior do canal radicular têm sido utilizadas, destacando-se o porta-amálgama, os instrumentos endodônticos, seringas especiais, cones de papel ou de guta-percha, a espiral de Lentulo e o compactador de McSpadden21,79,80.
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Sigurdsson et al.131 analisaram a eficiência da espiral de Lentulo, limas endodônticas e seringa com agulha na colocação de pasta de hidróxido de cálcio no interior de canais mesiovestibulares de primeiros molares superiores instrumentados até a lima K #25. Em função dos resultados, concluíram que a espiral de Lentulo foi mais eficiente, em relação ao limite de preenchimento e compactação da pasta no interior dos canais radiculares. A maior eficácia da espiral de Lentulo quando comparada ao cone de papel foi demonstrada em outro estudo193. De forma geral, além da anatomia e do preparo químico-mecânico, a eficiência da inserção da pasta de hidróxido de cálcio no canal radicular depende da sua composição química, da natureza do veículo, assim como da sua consistência no momento do emprego. Com relação à natureza dos veículos, os viscosos e oleosos, por agirem como lubrificantes, favorecem a colocação da pasta no canal. Também a presença da colofônia, do carbonato de bismuto e do sulfato de bário melhora o manuseio e a inserção da pasta no interior do canal radicular. Quando preparadas no momento de seu emprego, apesar das várias técnicas de aplicação proposta, as mais recomendadas são as que utilizam instrumentos endodônticos manuais, espirais de Lentulo ou compactadores de McSpadden.
a) Instrumentos endodônticos manuais Uma lima tipo K de diâmetro imediatamente inferior ao da última lima empregada para a confecção do preparo apical (lima de memória) é selecionada para a inserção da pasta de hidróxido de cálcio no canal radicular. O instrumento é carregado com a pasta em suas espirais, introduzido lentamente até alcançar o comprimento de trabalho, pincelado contra as paredes do canal e girado no sentido anti-horário por duas ou três vezes. A remoção do instrumento é realizada lentamente, sem interromper o movimento de rotação anti-horária. Repete-se esse procedimento uma a três vezes, até que todo o canal radicular esteja preenchido com a pasta. A operação é acompanhada com o auxílio do exame radiográfico. Isso posto, promove-se a compactação da pasta com uma pequena mecha de algodão esterilizada e de tamanho adequado, colocada na embocadura do canal e comprimida com as pontas de uma pinça clínica ou calcador de Paiva, que funciona como um êmbolo, para assegurar o preenchimento do canal em toda a sua extensão.
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b) Instrumentos rotatórios Os compactadores de McSpadden e as espirais de Lentulo são instrumentos que podem ser usados para o preenchimento do canal radicular com pasta de hidróxido de cálcio. Contudo, vale ressaltar que as últimas têm seu emprego muito mais difundido, com maior comprovação da eficácia (Fig. 14-19). Lopes et al.78, in vitro, constataram que a espiral de Lentulo é mais eficiente do que o compactador de McSpadden no preenchimento de canais radiculares com pasta de hidróxido de cálcio. Afirmam que essa diferença pode estar relacionada com a forma geométrica do instrumento. O compactador de McSpadden, por possuir maior seção reta do que a espiral de Lentulo, ao ser retirado do canal radicular, desloca a pasta para a lateral, deixando, dessa forma, maior percentual de vazios. Quando do uso de instrumento rotatório para a inserção da pasta no canal radicular, é importante que o mesmo tenha um diâmetro menor que o do final do preparo, seja colocado até a profundidade de 2 a 3mm aquém do comprimento de trabalho e acionado por um micromotor, com velocidade constante e com giro à direita, por aproximadamente 10 segundos.
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Figura 14-19. Espiral de Lentulo para aplicação de hidróxido de cálcio no canal. A. Eletromicrografia. B. Aplicação clínica com a espiral acionada a motor. C. Esquema.
Após a manipulação da pasta, ela é levada em pequenas porções à câmara pulpar por meio de calcadores espatulados. A seguir, o instrumento rotatório é carregado em suas espirais com pequena quantidade de pasta e introduzido lentamente no canal. Simultaneamente, a espiral de Lentulo é acionada para girar à direita e, com movimentos suaves e lentos de penetração e remoção, busca-se o preenchimento do canal radicular. É importante ressaltar que o instrumento deve ser retirado do canal estando em movimento de rotação. A operação é acompanhada com o auxílio do exame radiográfico, podendo ser repetida até o completo preenchimento do canal. A compactação da pasta ao nível da embocadura do canal é realizada como já mencionado. Do ponto de vista quantitativo, a permanência de espaços vazios diminui o volume de hidróxido de cálcio no interior do canal radicular. Consequentemente, é provável que isso possa influenciar a eficácia do medicamento78.
NOVOS MEDICAMENTOS E ASSOCIAÇÕES – PERSPECTIVAS Como aclarado alhures, uma das diretrizes para a pesquisa endodôntica se refere à descoberta de procedimentos e medicamentos que permitam um aumento significativo no índice de sucesso do tratamento endodôntico. Dos medicamentos com resultados mais promissores destacam-se a clorexidina, o óleo ozonizado e o vidro bioativo. Lima et al.76 avaliaram a eficácia de medicamentos contendo clorexidina ou antibióticos para eliminar biofilmes de E. faecalis. A associação da clindamicina com o metronidazol significantemente reduziu o número de células bacterianas no biofilme. Todavia, apenas os medicamentos contendo clorexidina a 2% foram eficazes em totalmente eliminar os biofilmes de E. faecalis. Provenzano et al.111 investigaram a eficácia de diferentes medicamentos intracanais contra E. faecalis, C. albicans e A. radicidentis, três espécies microbianas detectadas em casos de fracasso da terapia endodôntica e com reconhecidos níveis de resistência ao hidróxido de cálcio. Os seguintes medicamentos foram testados: pasta de solução aquosa de clorexidina a 0,2%/óxido de zinco e pastas de hidróxido de cálcio em glicerina, clorexidina a 0,2%, paramonoclorofenol canforado/ glicerina, iodeto de potássio iodetado ou iodo povidine. Os resultados demonstraram que a clorexidina associada ao óxido de zinco ou ao hidróxido de cálcio apresentou maior atividade antimicrobiana quando comparada aos outros medicamentos.
Medicação Intracanal
Siqueira et al.161 avaliaram a atividade antimicrobiana de um novo medicamento, o óleo de girassol ozonizado, e do hidróxido de cálcio associado ao PMCC/glicerina ou ao tricresol formalina (TCF)/ glicerina contra micro-organismos comumente en-
Figura 14-20. Eficácia antibacteriana do óleo ozonizado quando comparado a outros medicamentos intracanais. Dados segundo Siqueira et al.161. HG, hidróxido de cálcio em glicerina; HTG, hidróxido de cálcio associado a tricresol formalina e glicerina.
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volvidos na etiopatogenia das doenças perirradiculares. A metodologia empregada foi o teste de difusão em ágar. Discretos halos de inibição de crescimento bacteriano foram associados à pasta hidróxido de cálcio/TCF/glicerina. As pastas de hidróxido de cálcio/PMCC/glicerina apresentaram eficácia antimicrobiana pronunciada, principalmente na proporção PMCC/glicerina de 1:1. A maior eficácia de atividade antimicrobiana foi observada para o óleo ozonizado (Fig. 14-20). Um estudo em cães revelou bons resultados no grupo onde o óleo ozonizado foi empregado como medicação intracanal, com ocorrência de reparação perirradicular similar ao grupo onde a pasta HPG foi usada e superior ao grupo tratado em sessão única133 (Fig. 14-21). Estudos demonstraram que vidros bioativos (como S53P4 e 45S5) têm o potencial de ser usados como medicação intracanal208,218-220. Seus efeitos antimicrobianos parecem ser aumentados quando em contato com a dentina219,220, mas parecem ser inferiores quando comparados à clorexidina69.
A
D
B
C
E
Figura 14-21. Reparação perirradicular em cães após tratamento em uma ou duas consultas. A. Radiografia quando da conclusão dos tratamentos de dentes com lesão induzida. B e C. Espécimes obturados em sessão única. Notar intenso infiltrado inflamatório e reabsorção radicular. D. Espécime tratado em duas sessões com pasta HPG ou E, com óleo ozonizado. Ambos demonstram reparo perirradicular compatível com o sucesso do tratamento. Dados extraídos de Silveira et al.133.
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
Embora resultados promissores tenham sido publicados para alguns medicamentos e combinações, cumpre salientar que são ainda preliminares e, na maioria das vezes, desprovidos de comprovação quanto à eficácia e segurança para uso clínico.
EMPREGO DE MEDICAMENTOS Biopulpectomia Geralmente, a infecção em dentes com vitalidade pulpar está restrita à superfície da polpa coronária exposta, sendo que a radicular se encontra apenas inflamada, isenta de micro-organismos. Isso porque os mecanismos de defesa do hospedeiro, conquanto a polpa se encontre vital, impedem o avanço da infecção em direção apical. Esse fato se reveste de importância clínica, no que se refere à conduta terapêutica em dentes com polpa vital. Uma vez eliminada a infecção superficial da polpa através de profusa irrigação da câmara pulpar com solução de NaOCl, todos os procedimentos intracanais serão realizados em ambiente asséptico, não infectado. Destarte, uma vez combatida a infecção superficial da polpa e mantidos os princípios básicos de assepsia, nas biopulpectomias, recomendamos a obturação imediata do sistema de canais radiculares. Na eventualidade de o tratamento endodôntico não poder ser concluído na mesma sessão, sugerimos o emprego de um medicamento, cujo objetivo primordial é impedir a contaminação do sistema de canais radiculares entre as sessões de tratamento. Quando indicados nas biopulpectomias, os medicamentos intracanais recomendados são uma solução de corticosteroide/antibiótico (Otosporin ou Decadron colírio) ou as pastas de hidróxido de cálcio.
Decadron colírio ou Otosporin é utilizado para reduzir a inflamação do remanescente pulpar, que poderia resultar em sintomatologia até o retorno do paciente para a completa instrumentação. Esse medicamento pode ser acondicionado em tubetes de anestésicos vazios, o que facilita sua aplicação no canal radicular com o auxílio de uma seringa do tipo carpule e agulha G30. Também empregamos o Decadron colírio ou o Otosporin nos casos de uma sobreinstrumentação durante o tratamento de um dente polpado ou em casos de periodontite apical aguda de etiologia traumática ou química, mas não infecciosa.
Casos em que o canal foi totalmente instrumentado Hidróxido de cálcio. Pode ser usado em associação com veículos inertes, uma vez que não há infecção do canal. Recomendamos a utilização da pasta contendo hidróxido de cálcio e iodofórmio, na proporção de 3:1 em volume, tendo como veículo a glicerina, a qual permite uma adequada repleção do canal117. A pasta deve ser levada ao canal, de preferência por meio de espirais de Lentulo (Figs. 14-19 e 14-22). O medicamento deve preencher toda a extensão do canal preparado, entrando em íntimo contato com as paredes dentinárias e com os tecidos perirradiculares via forame apical, mas sem extravasar. A repleção adequada do canal com a pasta deve ser confirmada radiograficamente. As pastas de hidróxido de cálcio usadas como medicamento intracanal nos casos de biopulpectomia funcionam como obturação provisória, evitando ou retardando a contaminação do canal radicular por microinfiltração salivar via material selador temporário. Assim, quando o canal radicular se encontra devidamente preparado e a obturação foi postergada,
Casos em que o canal não foi totalmente instrumentado Solução de corticosteroide/antibiótico (Otosporin ou Decadron colírio). Podemos empregá-la quando: a) procedeu-se ao acesso coronário e à remoção da polpa coronária, mas o canal não foi instrumentado – aplica-se o medicamento embebido em uma mecha de algodão na câmara pulpar; b) procedeu-se a uma instrumentação parcial do canal – inunda-se o mesmo com o medicamento, bombeando-o para a região apical do canal com uma lima de pequeno calibre.
A
B
Figura 14-22. Aplicação da pasta HPG no canal. Iodofórmio foi adicionado para aumentar a radiopacidade da pasta (A), a qual é aplicada com espiral de Lentulo acoplada ao motor de baixa rotação (B).
Medicação Intracanal
consideramos as pastas de hidróxido de cálcio como o medicamento intracanal de primeira opção. O medicamento pode permanecer no interior do canal radicular por um período variável de 7 a 30 dias, aproximadamente.
Necropulpectomia e retratamento Como discutido alhures, após o preparo químicomecânico de canais radiculares infectados (casos de necrose pulpar ou de retratamento), impõe-se o emprego de um medicamento intracanal visando a maximizar a eliminação de micro-organismos. Todavia, é imperioso que se remova a smear layer com o objetivo de desobstruir o acesso às ramificações e aos túbulos dentinários e, com isso, facilitar a difusão e atuação do medicamento (Fig. 14-23).
A
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Casos em que o canal foi totalmente instrumentado Concluído o preparo químico-mecânico, o canal é seco e preenchido com EDTA a 17% por 3 minutos. Para facilitar a atuação da solução, a mesma é agitada no interior do canal radicular com uma lima de pequeno calibre ou com uma espiral de Lentulo. A seguir, retira-se o EDTA por meio de irrigação-aspiração com 5 a 10mL de uma solução de NaOCl a 2,5%. Seca-se o canal e prepara-se a pasta HPG. Pasta HPG. A pasta é preparada sobre uma placa de vidro estéril, utilizando-se espátula flexível para cimentos. Inicialmente, volumes iguais de PMCC e glicerina são depositados sobre a placa e então homogeneizados. Em seguida, agrega-se o pó do hidróxido de cálcio e do iodofórmio (na proporção de 3:1 em volume), gradativamente, até que se obtenha uma consistência cremosa similar a creme dental. O acréscimo de iodofórmio é adequado para conferir radiopacidade e não interfere na atividade antibacteriana da pasta150 (Fig. 14-24). Nos casos onde o iodofórmio puder determinar alteração cromática da coroa dentária ou reações alérgicas, podemos substituí-lo pelo pó de óxido de zinco ou pelo sulfato de bário. O pó da pasta LC também pode ser empregado. Em canais amplos pode-se suprimir o agente contrastante. A pasta passa então a apresentar radiopacidade semelhante à dentina. Após a aplicação, radiografa-se o dente para verificar se a repleção do canal foi satisfatória (Fig. 14-24A). Cumpre relembrar que a pasta deve preencher de forma homogênea toda a extensão do canal preparado para que exerça os efeitos esperados. Antes de selar a cavidade com um material selador temporário, a câmara pulpar deve ser devidamente limpa. Consideramos a pasta HPG como de primeira escolha quando o canal estiver completamente instrumentado. Em função dos resultados obtidos por Siqueira e Uzeda139,140 e Siqueira et al.126,141,149-151,156, indicamos o tempo mínimo de permanência do medicamento no interior do canal radicular de 7 dias. Opcionalmente, a pasta HCx (clorexidina de 0,12 a 2%) pode ser empregada com resultados possivelmente similares aos da pasta HPG. Contudo, essa última tem sido mais estudada e, portanto, possui maior volume de comprovação científica quanto à eficácia.
B
Figura 14-23. Smear layer. A. Eletromicrografia da smear layer gerada pós-instrumentação. B. Túbulos dentinários patentes após a remoção da smear layer, o que favorece a difusão e ação da medicação profundamente na dentina.
Casos em que o canal não foi totalmente instrumentado Hipoclorito de sódio. Seleciona-se uma mecha de algodão seca e esterilizada de tamanho compatível com
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
infectado do canal e, mais importante, atuar como uma barreira química contra a recontaminação do canal por micro-organismos da saliva que, porventura, possam adentrar a câmara pulpar, via percolação marginal, pelo selador temporário. Em casos de instrumentação parcial, não há a necessidade de secarmos totalmente o canal após a última irrigação com NaOCl. Aspira-se o excesso de hipoclorito do canal e, então, aplica-se a mecha umedecida com a mesma solução na câmara pulpar.
SELAMENTO CORONÁRIO
A
B
Figura 14-24. Aplicação da pasta HPG no canal. A. Radiografia para confirmação da adequada aplicação da pasta HPG com iodofórmio (HiPG) no canal. B. O acréscimo de iodofórmio à pasta HPG em diferentes proporções não influencia significativamente a eficácia antibacteriana. Dados segundo Siqueira et al.150. HG, hidróxido de cálcio em glicerina. Iodo/Glic, pasta de iodofórmio em glicerina.
as dimensões da câmara pulpar. A seguir, a mecha é umedecida com NaOCl a 2,5% e então colocada e acamada na câmara pulpar, de modo a permitir um espaço de 3 a 5mm de espessura para a aplicação do material selador temporário. Optamos pelo emprego do NaOCl nos casos em que o canal radicular não foi instrumentado ou o foi parcialmente. Isso porque esse medicamento pode promover uma desinfecção parcial do conteúdo
Na Endodontia, selamento coronário é o preenchimento da cavidade de acesso e parte da cavidade pulpar por um material selador temporário. É usado entre as sessões de um tratamento endodôntico e também após o seu término. Material selador temporário é aquele destinado ao preenchimento de cavidades dentárias por um período, sem alcançar o desempenho mecânico e biológico previsto para um material restaurador permanente. Segundo Weine216, o material selador temporário usado entre as sessões de um tratamento endodôntico tem como funções: impedir que a saliva e micro-organismos da cavidade oral ganhem acesso ao canal radicular, prevenindo assim o risco de infecção ou reinfecção, e evitar a passagem de medicamento do interior do canal radicular para o meio bucal, preservando a efetividade da medicação intracanal e impedindo qualquer ação deletéria na mucosa oral. Para cumprir tais funções, o material selador temporário deve apresentar estabilidade dimensional, boa adesividade às estruturas dentárias e elevada resistência mecânica. Outros fatores inerentes ao material podem causar microinfiltrações, tais como: preparo incorreto da cavidade de acesso, material mal adaptado às paredes da cavidade, resíduos entre as paredes cavitárias e a restauração temporária e deterioração do material selador pelo tempo. A forma da cavidade coronária também interfere na capacidade seladora do material empregado. A ca-
Quadro 14-1 Recomendações para as diferentes situações clínicas Biopulpectomia
Necropulpectomia/Retratamento
Canal totalmente instrumentado
Obturação ou medicação com pasta HG
Medicação com pasta HPG
Canal parcialmente instrumentado
Decadron colírio ou Otosporin
Hipoclorito de sódio
HG: pasta de hidróxido de cálcio em glicerina HPG: pasta de hidróxido de cálcio/paramonoclorofenol canforado/glicerina
Medicação Intracanal
vidade deve ter suas paredes paralelas ou ligeiramente expulsivas no sentido coronário. Cavidades que apresentam todas as paredes constituídas de estrutura dentária são as ideais para conter o material selador temporário. A ausência de paredes dentárias certamente compromete o selamento da cavidade pulpar. Outro aspecto a ser considerado é a profundidade da cavidade que irá receber o material selador. Diversos estudos evidenciam que uma espessura variável de 3 a 5mm é a mínima suficiente para permitir o selamento marginal94. No selamento coronário entre as sessões de um tratamento endodôntico os materiais mais empregados são os cimentos à base de óxido de zinco/eugenol e os denominados “prontos para uso”. Os cimentos à base de óxido de zinco/eugenol são encontrados na forma pó/líquido (OZE, Pulpo-San, IRM). Todavia, diversos trabalhos mostram que esses materiais não são bons seladores coronários4,26,66,152. Os produtos “prontos para uso” (Cavit, Coltosol, Cimpat) se apresentam na forma de pasta e endurecem por hidratação. Apresentam maior capacidade seladora do que os cimentos à base de óxido de zinco/ eugenol4,26,72,152,194. Entretanto, esses últimos possuem menor tempo de presa (cura) e maior resistência à compressão17,95. Na avaliação da capacidade de selamento marginal de diferentes materiais seladores temporários, os métodos mais comumente usados empregam: corantes94,222; filtração de fluido90,102 e penetração bacteriana25,26,152. A literatura evidencia grande divergência de resultados entre os autores, o que certamente se deve às diferentes metodologias empregadas. Todavia, o método que utiliza a penetração de micro-organismos tem, seguramente, um significado biológico superior25,26,152. Siqueira et al.152, avaliando a capacidade de três seladores temporários (Cavit, IRM e OZE) de prevenir a infiltração da espécie bacteriana Streptococcus sobrinus, observaram que, após 8 dias, houve infiltração bacteriana em 27% dos espécimes selados com Cavit, 45,5% com IRM e 45,5% com OZE. Após 16 dias ocorreu infiltração bacteriana em 54,5%, 64% e 73% das amostras seladas com Cavit, IRM e OZE, respectivamente. A diferença entre os materiais não foi estatisticamente significante. A penetração bacteriana, através da interface dente/restauração, pode ocorrer por dois mecanismos: • micro-organismos colonizam a coroa do dente e, por meio da divisão celular, invadem a interface; • micro-organismos podem ser transportados, passivamente, pela saliva.
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Por sua vez, os materiais seladores podem possuir atividade antimicrobiana, permitindo a eliminação ou redução de micro-organismos que permaneceram na cavidade e/ou de micro-organismos que tenham porventura penetrado em canais de microinfiltração. Esse último fator pode explicar a excelente capacidade que têm alguns seladores de prevenir a infiltração bacteriana. Siqueira et al.143 avaliaram a atividade antibacteriana de seis materiais usados como seladores temporários. Para isso, foram utilizadas quatro espécies bacterianas comumente associadas a processos patológicos na cavidade oral. Foi demonstrado que todos os materiais testados apresentaram atividade antibacteriana. No geral, Coltosol, Pulpo-San e OZE foram os mais eficazes. Vidrion-R, um cimento ionomérico, produziu os menores halos de inibição. Entretanto, deve-se ter em mente que, na condição clínica, a atividade antibacteriana pode não ser exercida quando uma grande quantidade de células bacterianas invadir a interface dente/restauração temporária e/ou a saliva neutralizar ou diluir a substância responsável pelo efeito antibacteriano.
Considerações clínicas O comportamento mecânico dos materiais seladores temporários está relacionado com as características morfológicas da cavidade coronária de acesso à cavidade pulpar.
Cavidades de acesso simples São aquelas que apresentam todas as paredes constituídas de estrutura dentária. Para os dentes anteriores, após a colocação da medicação intracanal, uma mecha seca de algodão de dimensão adequada é introduzida abaixo da embocadura do canal e sobre essa, o material selador temporário. Nesses casos devemos usar materiais prontos para uso – Cavit ou Coltosol. Para os dentes posteriores, a mecha de algodão deve ser recoberta por uma fina lâmina de guta-percha, e a cavidade selada com o material provisório.
Cavidades de acesso complexas Denominamos cavidades de acesso complexas aquelas que apresentam ausência de uma ou mais paredes dentárias. Nos casos de grande perda de estrutura coronária, ela pode ser reconstituída com bandas metálicas e/ou resina composta com ataque ácido. A utilização de material restaurador permanente no selamento coronário tem mostrado melhores resultados do que os materiais temporários120.
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
A seguir, o acesso e o selamento coronário serão realizados de forma convencional em função do dente a ser tratado endodonticamente. Normalmente, antes da reconstrução coronária, devemos remover todo o tecido cariado e executar o acesso à cavidade pulpar. A entrada dos canais deve ser bloqueada com gutapercha de cor rósea ou ceras de uso odontológico. Esse procedimento tem como objetivo evitar o entupimento cervical dos canais e facilitar o novo acesso após a reconstrução coronária. O tempo decorrido até a obturação do canal radicular deve ser o menor possível. Vários trabalhos mostram que a infiltração bacteriana em cavidades seladas com diferentes materiais temporários aumenta em função do tempo9,70,152. Todavia, é preciso levar em consideração o tempo mínimo de permanência do medicamento usado no interior do canal radicular para eliminar o agente infeccioso, assim como a ausência de sinais e sintomas do elemento dentário em tratamento endodôntico.
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Capítulo 14 Medicação Intracanal
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Medicação Intracanal
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Capítulo
15
Materiais Obturadores José Freitas Siqueira Jr. Isabela das Neves Rôças Hélio Pereira Lopes Edson Jorge Lima Moreira
O tratamento endodôntico deve ser considerado um processo cujas fases são igualmente importantes e, como tal, necessita de uma avaliação a cada etapa realizada. A prática comum de se avaliar os resultados imediatos do tratamento, aqueles relacionados com a habilidade mecânica do profissional, apenas pela radiografia final do caso, impossibilita a correção de fatores que estão diretamente associados ao “resultado” final. Como em todo processo, a avaliação criteriosa fase a fase dá a oportunidade de construir o sucesso do tratamento. Dessa forma, iniciar a instrumentação do sistema de canais radiculares sem que uma inspeção cuidadosa da cavidade de acesso seja feita é colocar em risco o êxito da instrumentação, pelos motivos já estudados. Todavia, um clínico perspicaz que prossegue com o preparo dos canais e detecta posteriormente um obstáculo ainda presente na câmara pulpar pode, nesse momento, voltar à fase anterior e corrigir o problema. Por outro lado, iniciar a obturação do sistema de canais radiculares sem o completo preparo dos canais ou ainda com o preparo imperfeito pode deixar, algumas vezes, consequências irreversíveis, uma vez que a obturação é a última etapa operacional do tratamento endodôntico convencional. Por exemplo, o dimensionamento impróprio do término apical pode acarretar sobreobturação ou extravasamento de material excessivo, que nem sempre se consegue reverter. Por essa razão, ainda que não se possa destacar uma fase como a mais importante do tratamento en-
dodôntico, uma atenção especial deve ser dada à obturação do sistema de canais radiculares. Nessa fase, visa-se à eliminação de espaços vazios, originalmente ocupados pela polpa dental, que podem servir de nichos para a proliferação de micro-organismos que resistiram ao preparo do canal (infecção persistente) ou que em momento posterior possam ganhar acesso a esses espaços (infecção secundária)93. Portanto, obturar o sistema de canais radiculares é uma combinação de técnica e seleção de materiais obturadores. Alguns materiais têm sido propostos para a obturação do sistema de canais radiculares. No entanto, nenhum substituiu a guta-percha, que é universalmente aceita como “padrão-ouro” para os materiais obturadores. Até agora, todos os materiais resinosos testados têm apresentado problemas quanto às características de trabalho, à radiopacidade e à capacidade de permitir o retratamento endodôntico. Nesse capítulo serão abordadas as principais características dos materiais empregados na obturação do sistema de canais radiculares com base no consenso universal de que a obturação deve consistir em uma massa formada pela guta-percha com um mínimo de cimento endodôntico, que preenche os espaços entre a guta-percha e as paredes do canal radicular.
Guta-percha Em 1843, José D’Almeida, residente em Cingapura, apresentou espécimes de guta-percha à Royal
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Capítulo 15 Materiais Obturadores
Asiatic Society, em Londres110. Alguns anos depois, mais precisamente em 1867, Bowman introduziu o uso dessa substância em Endodontia. Ela é um polímero do metilbutadieno ou isopreno (1,4 poli-isopreno), sendo assim um isômero da borracha, porém mais dura, mais quebradiça e menos elástica do que esta. Enquanto a borracha natural é um cis-poli-isopreno, possuindo grupamentos CH2 do mesmo lado da ligação dupla, a guta-percha é um transpoli-isopreno, o qual apresenta seus grupamentos CH2 em lados opostos da ligação dupla (Fig. 15-1)36,65. Na verdade, muitos produtos disponíveis comercialmente podem não apresentar guta-percha pura. Alguns fabricantes admitem que têm utilizado a balata, extraída da árvore Manilkara bidentata, da família das sapotáceas, a qual é abundante no Brasil, particularmente na Amazônia25. A verdadeira guta-percha é obtida a partir da coagulação do látex de árvores da Malásia, dos gêneros Payena ou Palaquium, também da família das sapotáceas. Tem sido relatado que, química
Figura 15-1. Estrutura química da guta-percha nas formas alfa e beta.
e fisicamente, balata e guta-percha são essencialmente idênticas50. Consequentemente, iremos nos referir a essa substância como guta‑percha. Em 1942, C. W. Bunn relatou que, quimicamente, a guta-percha pode ser encontrada em duas formas cristalinas distintas: alfa e beta. A forma alfa é a naturalmente extraída da árvore. Entretanto, a maioria das guta-perchas disponíveis comercialmente se encontra na forma beta. Ambas as formas cristalinas são trans‑ poli-isoprenos, que diferem basicamente na configuração da ligação dupla e na distância molecular repetida, a qual é de 8,8Å para a fase alfa e 4,7Å para a fase beta. A guta-percha na forma alfacristalina é quebradiça à temperatura ambiente, tornando-se, quando aquecida, pegajosa, aderente e com maior escoamento. Sua temperatura de fusão é de 65°C. Já a forma betacristalina é estável e flexível à temperatura ambiente. Quando aquecida, não apresenta adesividade e tem menor escoamento do que a forma alfa. Sua temperatura de fusão é de 56°C. A pureza da substância pode alterar o ponto de fusão36 (Figs. 15-2 e 15-3). A massa obturante é constituída principalmente pelo núcleo sólido, formado pela guta-percha e por uma quantidade mínima de cimento endodôntico. As técnicas de obturação mais difundidas entre os clínicos empregam a guta-percha sob a forma de cones. Tradicionalmente, os cones de guta-percha são classificados em dois tipos: os padronizados (calibrados) e os auxiliares (Fig. 15-4). Atualmente, tendo em vista o emprego crescente de técnicas que utilizam a guta-percha termoplastificada, outros tipos de cones são encontrados, além de outras formas de apresentação para a guta-percha, como em bastões para plastificação nas técnicas de injeção no interior dos canais radiculares. Os cones de guta-percha padronizados apresentam diâmetros e conicidades determinados. O diâmetro da ponta de um cone de guta‑percha é denominado D0. É um diâmetro virtual que consiste na projeção da conicidade do cone até a sua extremidade. Os diâmetros em D0, expressos em centésimos de milímetros, correspondem aos números padronizados (ISO) e variam entre 15 e 140. O diâmetro dos cones de guta-percha aumenta de 0,05mm até o no 60; a partir desse número, até o 140, o aumento é de 0,10mm. De acordo com a norma ISO 6877, Dental root canal obtu‑ rating points, de 1995, a tolerância de fabricação dos cones para o diâmetro é de ± 0,05mm até os diâmetros 0,25mm (no 25) e de ± 0,07 até os de diâmetro 1,4mm (no 140). O comprimento mínimo é de 28mm com uma tolerância de ± 2mm.
Materiais Obturadores
A
B
C
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D
Figura 15-2. Formas da guta-percha desde a extração até a forma utilizável. A. Balata bruta (seiva). B. Balata purificada com tolueno e álcool. C. Balata purificada e com óxido de zinco. D. Balata com óxido de zinco e corante, produto final. (Gentileza da Odous De Deus Ind. Com. Imp. Exp. Ltda, Belo Horizonte, Brasil.)
A
B
C
Figura 15-3. Eletromicrografias de cones de guta-percha.
Figura 15-4. Diversas apresentações da guta-percha na forma de cones.
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Capítulo 15 Materiais Obturadores
Para os cones padronizados convencionais, a conicidade é de 0,02mm/mm. Esses cones estão disponíveis com diâmetro D0 entre 15 e 140 (Dentsply/ Maillefer). São empregados como cones principais na técnica de compactação lateral. Também se encontram disponíveis cones com outras conicidades, como, por exemplo, os de conicidades 0,04 e 0,06mm/mm, que são apresentados entre os nos 15 e 40 (Dentsply/Maillefer). Cones de guta-percha com as dimensões de instrumentos endodônticos de sistemas mecanizados têm sido concebidos com a finalidade de se adaptarem ao espaço dos canais radiculares preparados por esses instrumentos. Como exemplos, citamos os cones de guta-percha correspondentes às dimensões dos instrumentos ProTaper Universal (Dentsply/Maillefer), K3 (SybronEndo) e Mtwo (VDW) (Fig. 15-4). Os cones auxiliares possuem conicidades variáveis (não padronizadas) e pontas mais afiladas, quando comparados aos padronizados. Eles estão disponíveis em tamanhos XF, FF, MF, F, FM, M, ML, L e XL (Quadro 15-1). Apresentam comprimento e tolerância de fabricação para diâmetros similares aos dos cones padronizados. Embora sejam mais utilizados como cones acessórios (secundários ou laterais) durante a técnica da compactação lateral, os cones auxiliares podem ser usados como principais em diversas situações clínicas, principalmente quando da obturação de canais curvos. Quadro 15-1 Calibre e conicidade dos cones de guta-percha auxiliares Tamanho
D3 (calibre a 3mm da ponta)
Conicidade (mm/mm)
XF (extra-fine)
0,2
0,019
FF (fine-fine)
0,24
0,025
MF (medium-fine)
0,27
0,032
F (fine)
0,31
0,038
FM (fine-medium)
0,35
0,041
M (medium)
0,40
0,054
ML (medium-large)
0,43
0,063
L (large)
0,49
0,082
XL (extra-large)
0,52
0,083
A Odous De Deus (Belo Horizonte, MG) fornece cones auxiliares MF, F, FM, MX, M, MLX, ML, L e XL. Ainda apresentam os cones FM e M padronizados em D0, nos nos 20, 25, 30 e 35, com comprimento de 28mm. Fornecem também cones auxiliares FM, M e MX extralongos, com 35mm de comprimento. A Dentsply fornece cones auxiliares em guta-percha TP (termoplastificação) nos tamanhos XF, FF, MF, F, FM, M, especialmente fabricados para obturação com técnicas de termoplastificação da guta-percha (Fig. 15-4). Os cones de guta-percha apresentam uma composição básica de guta-percha (de 19 a 20%), óxido de zinco (60 a 75%), radiopacificadores, como o sulfato de bário (1,5 a 17%), e outras substâncias, como resinas, ceras e corantes (1 a 4%). A presença do óxido de zinco confere rigidez e atividade antibacteriana aos cones de guta-percha50,69. Com 1mm de espessura, os cones de guta-percha apresentam radiopacidade equivalente a 6,44mm de alumínio. O escoamento dos cones de guta-percha é inversamente proporcional ao seu conteúdo de óxido de zinco, componente que altera o ponto de fusão da guta-percha. A guta-percha apresenta um comportamento viscoelástico, o que significa que em temperaturas mais altas ela apresenta o comportamento viscoso ou tal qual o de um líquido. Por outro lado, em temperaturas intermediárias, encontra-se como um sólido com as características de uma borracha, o qual exibe comportamentos mecânicos que são a combinação desses dois extremos. O comportamento viscoelástico da guta-percha depende tanto do tempo em que se mantém a carga sobre o material, como da temperatura em que a carga é aplicada. Quando submetida a uma força de compactação mantida por alguns poucos segundos, o material se deforma plasticamente. Quanto maior a deformação plástica, maior o escoamento do material. As vantagens e desvantagens dos cones de guta‑percha como material obturador dos canais radiculares são:
Vantagens • Adaptam-se facilmente às irregularidades do canal quando utilizados em várias técnicas de obturação. • São bem tolerados pelos tecidos perirradiculares. • São radiopacos. • Podem ser facilmente plastificados por meios físicos e químicos, de acordo com variações de técnicas. • Possuem estabilidade dimensional nas condições de uso.
Materiais Obturadores
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• Não alteram a cor da coroa do dente quando usados no limite coronário adequado da obturação do canal. • Podem ser facilmente removidos do canal radicular.
guta-percha, porém o tempo necessário para alcançar desinfecção ainda não foi estabelecido35.
Desvantagens
Muitas das modernas técnicas de obturação empregam a guta-percha termoplastificada com a finalidade de adaptar melhor o material às paredes do canal e preencher de forma mais eficiente todos os espaços no sistema de canais radiculares, inclusive os istmos. Um desses métodos de obturação é o sistema Thermafil (Dentsply/Maillefer). Os obturadores Thermafil são constituídos de um núcleo plástico revestido com gutapercha na fase alfa (Fig. 15-5). A guta-percha na fase alfa quando aquecida apresenta maior capacidade de escoamento do que na fase beta. Após o aquecimento dos obturadores em um forno especial, a guta-percha se torna amolecida e o obturador é introduzido no canal preparado. O núcleo plástico do obturador permanece no canal como parte integrante da massa obturadora (ver Capítulo 16, Obturação dos canais radiculares). O núcleo dos obturadores é de plástico biocompatível e radiográfico. Apresentam-se em comprimento de 25mm com conicidade de 0,04mm/mm, e o diâmetro D0 varia de 45 a 100 para os dentes anteriores e de 20 a 40 para os dentes posteriores. Da mesma forma que os cones de guta-percha, foram lançados no mercado os obturadores com conicidade variável (ProTaper Obturação, Dentsply/Maillefer), que também foram concebidos com a finalidade de se adaptarem ao espaço do sistema de canais radiculares preparado pelos instrumentos de NiTi do sistema de mesmo nome. Embora apresentem conicidade variável, são padronizados no diâmetro D0 com os nos 20, 25, 30, 40 e 50, correspondendo aos instrumentos F1, F2, F3, F4 e F5, respectivamente.
• Têm pequena resistência mecânica à flexocompressão (rigidez), o que dificulta o seu uso em canais curvos e atresiados. • Têm pouca adesividade, o que exige a complementação da obturação com cimentos endodônticos. • Podem ser deslocados pela pressão, provocando sobreobturação durante os processos de compactação. Tem sido relatado um número crescente de casos de hipersensibilidade ao látex da borracha natural, oriundo da árvore Hevea brasiliensis20. Isso pode ser devido em parte ao aumento do emprego de produtos médicos à base de borracha. Uma vez que o único método prático de se controlar os indivíduos alérgicos ao látex é evitar a exposição ao alérgeno, tem sido recomendado que os ambientes médico e odontológico abandonem os produtos que contenham o látex da He‑ vea brasiliensis. Foi estudada a possibilidade de reação cruzada entre a guta-percha, a guta-balata e o látex da borracha natural20. Verificou-se que o uso da guta-percha em pacientes sensibilizados ao látex representa um risco mínimo de indução de sintomas alérgicos. Quanto à guta-balata, os fabricantes de guta-percha devem ser encorajados a abandonar o seu uso na composição dos cones, tendo em vista que a guta-balata na forma bruta pode fazer a reação cruzada com o látex da Hevea brasiliensis, o que representa risco de induzir resposta alérgica em pacientes sensibilizados. Os cones de guta-percha devem ser conservados em local fresco e protegidos da luz, o que possibilitará sua longevidade. Caso contrário, ficarão quebradiços e não deverão ser utilizados na obturação dos canais radiculares. Esse estado quebradiço corresponde ao fenômeno conhecido como fendilhamento, que é a formação de pequenas trincas e que antecede à fratura do polímero18. A desinfecção dos cones de guta-percha antes do uso pode ser feita pela imersão do cone em hipoclorito de sódio na concentração de 2,5% até 5,25% por um minuto86,89,94, tomando-se o cuidado de lavá-lo em seguida em solução salina estéril. Foi sugerida ainda a desinfecção por meio da clorexidina a 2%, por não apresentar essa substância o potencial para alterar a estrutura superficial dos cones de
THERMAFIL
Figura 15-5. Obturadores do sistema Thermafil.
618
Capítulo 15 Materiais Obturadores
Resilon Resilon (RealSeal; SybronEndo) é um material obturador à base de polímero sintético termoplástico (Fig. 15-6). Baseado nos polímeros do poliéster, o Resilon contém carga radiopaca e partículas de vidro bioativo. É semelhante à guta-percha no que diz res-
A
B
C
Figura 15-6. Sistema RealSeal (Resilon & Epiphany). A. Apresentação comercial. B e C. Eletromicrografias da ponta dos cones.
peito às características de manipulação e de trabalho, e nos casos de retratamento pode ser amolecido pelo calor ou com o uso de solventes, como o clorofórmio. Do mesmo modo que a guta-percha, apresenta-se sob a forma de cones principais em todos os diâmetros ISO e também como cones auxiliares em diversos tamanhos. Além disso, também está disponível sob a forma de bastões para o emprego das técnicas de injeção do material termoplastificado. O cimento recomendado para o Resilon é o Epiphany (Pentron Clinical Technologies), que é um cimento de compósito resinoso de cura dual88. O sistema consiste de três partes: Resilon, o material obturador à base de polímero sintético (poliéster), como componente principal; Epiphany, um cimento resinoso ativado quimicamente e por luz halógena, que se propõe a formar uma ligação entre a dentina e o material obturador; e o primer, que prepara as paredes dentinárias para o contato com o Resilon e o cimento88. Um estudo clínico retrospectivo comparou os resultados do tratamento endodôntico usando na obturação dos canais guta-percha + cimento Kerr Pulp Canal Sealer ou Resilon + cimento Epiphany21. Os resultados não mostraram diferenças estatisticamente significantes entre as duas combinações de materiais obturadores quanto ao status dos tecidos perirradiculares verificado na prosservação. O escoamento do Resilon, assim como o da gutapercha, depende da sua viscoelasticidade e não das propriedades mecânicas dos sistemas de aplicação de ambos53. O Resilon se mostrou capaz de penetrar em canais laterais simulados quando empregada a técnica de injeção do material plastificado53,54. No entanto, do ponto de vista do selamento promovido, Baumgartner et al.9 compararam a infiltração de Enterococcus faecalis em canais radiculares de pré-molares humanos extraídos obturados com guta-percha + AH Plus e Resilon + Epiphany pela técnica da onda contínua de compactação. Os autores concluíram que aparentemente não existe vantagem em se substituir a guta-percha/AH Plus pelo Resilon/Epiphany. Raina et al.82 compararam a infiltração apical em canais obturados com guta-percha + AH Plus e Resilon + Epiphany pela técnica da compactação vertical. O modelo de filtração de fluidos foi utilizado. Após 7 dias da obturação, as medidas do fluxo de fluido foram obtidas. Os resultados não evidenciaram diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos de materiais testados. Além disso, em nenhum dos grupos foi observada a formação do monobloco.
Materiais Obturadores
Cimentos endodônticos A guta-percha é considerada um material impermeável, mas ela não se adere às paredes dentinárias. Por essa razão, torna-se imperioso o emprego do cimento juntamente com a guta-percha para a obturação do sistema de canais radiculares. Embora a guta-percha deva ser em volume o principal constituinte da massa obturadora, cimentos endodônticos são usualmente empregados para reduzir a interface existente entre a guta-percha e as paredes do canal. Além disso, quando do emprego da técnica de compactação lateral, o cimento também atua reduzindo a interface entre os cones de guta-percha, tornando a obturação mais homogênea. O cimento endodôntico ideal deveria apresentar as seguintes propriedades: • Ser de fácil inserção e remoção no canal radicular. • Ter bom tempo de trabalho. • Promover o selamento tridimensional do sistema de canais radiculares. • Apresentar estabilidade dimensional nas condições de uso. • Ter bom escoamento. • Ser radiopaco. • Não manchar a estrutura dentária. • Apresentar adesividade às paredes do canal. • Apresentar força coesiva. • Ser insolúvel nos fluidos teciduais e na saliva. • Ser solúvel ou reabsorvível nos tecidos perirradiculares. • Ser impermeável no canal. • Apresentar biocompatibilidade. • Ter atividade antimicrobiana. Encontram-se disponíveis no mercado diversos tipos de cimento endodôntico. São classificados em cimentos à base de óxido de zinco-eugenol (OZE); cimentos contendo hidróxido de cálcio; cimentos resinosos; cimentos de ionômero de vidro e cimentos à base de silicone.
Cimentos à base de óxido de zinco-eugenol A reação da mistura do pó ao líquido é essencialmente uma reação de interação ácido-base, com o eugenol cedendo hidrogênio para a estrutura do óxido de zinco. A reação é complexa e não está bem definida, mas admite-se, porém, que o zinco desloca os íons de hidrogênio de duas moléculas do eugenol para formar
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um composto quelato cristalino, denominado eugenolato de zinco. O endurecimento ou presa do cimento se dá por reação ácido‑base, onde o óxido de zinco age como base e o eugenol como ácido, formando um sal quelato de eugenolato de zinco e água. A água é essencial e funciona como um acelerador da reação de presa. O controle da quantidade de água no líquido é por isso um problema bastante crítico para o fabricante. Após a presa do material, 5% da quantidade original de eugenol permanecem livres68. O eugenol possui atividade antibacteriana, efeito anestésico e anti-inflamatório. Ele é bactericida em concentrações relativamente altas (10–2 a 10–3 mol/L). A dentina adjacente ao cimento de OZE pode ser exposta a níveis bactericidas de eugenol. Além do eugenol, íons Zn2+ também podem estar envolvidos na inibição do crescimento bacteriano, uma vez que em concentrações elevadas esses íons são inibidores enzimáticos e interferem no metabolismo bacteriano. Meryon e Jakeman67 demonstraram que o cimento de óxido de zinco e eugenol após 14 dias libera 26,88ppm de zinco (a concentração plasmática normal é de 1ppm), e que essa quantidade apresentou grande efeito citotóxico. O eugenol também apresenta citotoxicidade. Células eucarióticas podem morrer após uma breve exposição a uma concentração de eugenol de 10–2 mol/L. Mesmo menores concentrações podem inibir a respiração e a divisão celular. O efeito sobre a respiração pode se dar pela inativação da fosforilação oxidativa ao nível de mitocôndrias64. Essa substância tem alta afinidade pela membrana citoplasmática, graças à sua solubilidade em lipídios, o que pode colaborar para o dano celular. Em baixa concentração, o eugenol inibe a atividade nervosa de forma reversível, da mesma forma que os anestésicos. Entretanto, a exposição a uma alta concentração bloqueia a condução nervosa irreversivelmente, indicando um efeito neurotóxico. A redução na atividade nervosa também pode ajudar a explicar os efeitos anti-inflamatórios do eugenol, uma vez que a liberação de neuropeptídeos, envolvidos em vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular, é reduzida ou inibida. Além disso, essa substância, em baixa concentração, inibe a ação da cicloxigenase, enzima envolvida na síntese de prostaglandinas43; inibe a quimiotaxia para neutrófilos e a geração de radicais oxigenados por meio dessas células. Essas propriedades do eugenol podem modular a resposta tecidual à injúria, reduzindo a intensidade do processo inflamatório.
620
Capítulo 15 Materiais Obturadores
Por outro lado, em elevadas concentrações, o eugenol pode induzir vasodilatação e aumento do fluxo sanguíneo, o que pode ser deletério para uma polpa já lesada, acarretando necrose tecidual. Depreende-se, então, que altas doses de eugenol inibem o crescimento e a respiração celular, podendo levar à morte, promovem alterações vasculares, como vasodilatação, e são neurotóxicas. Tais propriedades são consideradas indesejáveis. Contrariamente, baixas concentrações dessa substância apresentam propriedades farmacológicas desejáveis, como ações anti-inflamatória e analgésica64. No caso da obturação do canal com cimento à base de OZE, uma pequena quantidade pode contatar os tecidos perirradiculares ao nível do forame apical. Essa quantidade pode conter uma concentração de eugenol suficientemente tóxica, tanto para as bactérias quanto para as células do hospedeiro. Ao redor dessa área de morte celular, os tecidos perirradiculares contatam uma menor dosagem de eugenol, a qual pode exercer efeitos anti-inflamatórios e analgésicos. O extravasamento de uma grande quantidade de cimento para os tecidos perirradiculares permite uma maior difusão de eugenol, o qual tende a exercer suas propriedades deletérias, podendo interferir negativamente no processo de reparo tecidual.
Efeito das matérias-primas nas propriedades do cimento endodôntico à base de OZE Matérias-primas Óxido de zinco. É a base para a reação iônica com o eugenol. A sua substituição por outros óxidos (MgO ou BaO) forma cimentos bastante solúveis em água, o que não é o desejado. Substituindo o óxido de zinco por CdO ou HgO, produzem-se cimentos com propriedades biológicas indesejáveis (muito tóxicos – o CdO possui propriedades carcinogênicas). Eugenol. É a base para a reação iônica com o óxido de zinco. Sulfato de bário. Confere radiopacidade ao cimento. Pode ser substituído por subcarbonato de bismuto, sulfeto de zinco ou tungstato de cálcio. Subcarbonato de bismuto. Plastificante que também confere radiopacidade ao cimento. Como plastificante, pode ser substituído por: N-etil orto e paratoluenossulfonamida (Santicizer tipo 8 especial – Monsanto); sendo líquido, deve ser acrescentado ao componente líquido do cimento (caso a composição do líquido seja eugenol e óleo vegetal, deve ser feita uma compensação percentual nele).
Outro plastificante é o Abitol, que é mistura de álcool tetra, di e de-hidroabetílico. Existem inúmeros plastificantes disponíveis no mercado; para qualquer modificação na formulação do pó ou do líquido são necessários os ensaios laboratoriais para que o produto resultante se enquadre nas especificações da ADA. Tetraborato de sódio. Retarda o tempo de endurecimento do cimento. Dependendo do tipo de derivado da colofônia e a presença ou não de óleos vegetais na composição do produto, pode ser excluído da formulação. Breu (colofônia) e derivados do breu. O principal ingrediente ativo do breu é o ácido abiético (C19H29COOH). A adição desse confere maior adesividade ao cimento e concomitantemente diminui a sua solubilidade. Existem vários tipos de colofônia e derivados da mesma. Quanto mais ácido o pH, mais rápido será o tempo de endurecimento do cimento. Cimentos contendo resinas de colofônia esterificadas ou hidrogenadas têm o tempo de endurecimento aumentado quando comparado com aqueles que contêm resinas não modificadas quimicamente. Óleo de amêndoas doces. Retarda o tempo de endurecimento do cimento. Cimentos contendo no pó o tetraborato de sódio anidro não requerem o óleo adicionado no eugenol. São necessários ensaios laboratoriais para se adequar o tempo de endurecimento. Pode ser substituído por outros óleos vegetais desde que não sejam tóxicos. Adicionando o óleo de soja no eugenol, o cimento apresenta tempo de endurecimento diminuído devido à maior acidez da mistura quando comparado com o óleo de amêndoas doces. Além disso, é importante ressaltar que as propriedades físico-químicas e biológicas dos cimentos à base de OZE dependem fortemente do tamanho de partícula do pó, da pureza das matérias-primas, das condições do ambiente clínico (temperatura e umidade relativa do ar) e do tempo e modo de espatulação. Aumentando-se a temperatura ou a umidade relativa do ar no ambiente da espatulação, o cimento tem seu tempo de endurecimento diminuído. De igual importância são as condições do sistema de canais radiculares (umidade) e os fundamentos da técnica de obturação (aplicação ou não de calor). Quando o canal apresenta umidade, o cimento nele inserido tem seu tempo de endurecimento e sua capacidade de escoamento diminuídos. Efeito semelhante é observado quando do aumento da temperatura nas técnicas que empregam a guta-percha termoplastificada. Silva et al.90 realizaram um estudo para determinar a influência de cada componente do cimento de Grossman sobre estabilidade dimensional, solubili-
Materiais Obturadores
dade/desintegração e radiopacidade. De acordo com esse estudo, a resina natural (breu) confere acentuada expansão, o tetraborato de sódio anidro aumenta significativamente a solubilidade e desintegração, a resina natural diminui a solubilidade do cimento de óxido de zinco, e o subcarbonato de bismuto é um excelente agente radiopaco. Universalmente, os cimentos à base de óxido de zinco‑eugenol têm sido os mais usados pelos profissionais para a obturação dos canais radiculares. A seguir, apresentam-se os cimentos à base de óxido de zincoeugenol mais comumente utilizados.
Cimento de óxido de zinco-eugenol (OZE) O cimento de OZE em sua forma mais pura (óxido de zinco no pó e eugenol no líquido) é comercializado por vários laboratórios e encontra inúmeras aplicações em Odontologia, sendo preferido por alguns poucos profissionais para a obturação do sistema de canais radiculares. Seu tempo de trabalho é de aproximadamente 3 horas, e o de endurecimento é de 20 horas. A radiopacidade de 1mm desse cimento é correspondente a 4-5mm de alumínio. Quando comparado a outros cimentos, o cimento de OZE sem aditivos apresenta uma baixa capacidade de adesão40 e baixo escoamento136. Além de alterar as propriedades físico-químicas do cimento, variações na proporção pó/líquido também exercem influência sobre a propriedade de biocompatibilidade. Holland et al.48 observaram que misturas fluidas acarretam uma resposta inflamatória tecidual mais intensa do que aquela produzida por misturas mais espessas (Fig. 15-7). Suas deficiências fizeram com que esse cimento fosse preterido pela grande maioria dos profissionais
Figura 15-7. Inflamação perirradicular associada à obturação do canal com cimento OZE. (Gentileza do Dr. Roberto Holland.)
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no que tange à obturação do sistema de canais radiculares.
Cimento de Grossman Pó: Óxido de zinco, resina hidrogenada, colofônia, subcarbonato de bismuto, sulfato de bário, borato de sódio (anidro). Líquido: Eugenol. Nos EUA, o cimento de Grossman é comercializado sob o nome de Procosol. No Brasil, temos apresentações com os nomes Endofill (Dentsply, Maillefer), Intrafill (SSWhite), Pulp Fill (Biodinâmica) e Fill Canal (Technew). Estudos têm demonstrado que o cimento de Grossman possui propriedades físico-químicas satisfatórias. Elas incluem: boa capacidade seladora, baixa permeabilidade, estabilidade dimensional, adesividade adequada, baixa solubilidade e baixa desintegração11,39,40. A adesividade é ditada pela presença da resina hidrogenada, a plasticidade pelo subcarbonato de bismuto, a radiopacidade pelo sulfato de bário, e o borato de sódio retarda o tempo de endurecimento do material. Grossman40 recomenda que o cimento seja preparado da seguinte forma: • deve-se sentir uma leve resistência quando da espatulação, no momento em que se aproxima da correta consistência; • levantando-se o cimento com o auxílio da espátula, ele não deverá cair antes de 16 segundos; • colocando-se a espátula sobre o cimento preparado, ao se levantar, o cimento deverá formar um fio de cerca de 2,5mm antes de se romper. O tempo de trabalho do cimento de Grossman in vitro é de 24 horas e o de endurecimento é de 40 horas. Pequenas variações podem advir em decorrência de algumas modificações na formulação do cimento, dependendo do produto comercial. Inúmeros estudos avaliaram a biocompatibilidade desse produto. Barbosa et al.7 relataram que o Fill Canal (cimento de Grossman) apresentou toxicidade superior àquela verificada para os cimentos N-Rickert e Sealer 26. Brodin et al.16 relataram que o Procosol causou inibição completa da condução nervosa, a qual foi, contudo, reversível. Esse cimento possui atividade antibacteriana pronunciada, graças à presença do eugenol3,97. Vassiliadis et al.126 avaliaram a penetração do cimento de Grossman em túbulos dentinários por meio
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Capítulo 15 Materiais Obturadores
de microscopia eletrônica. A smear layer, não removida antes da obturação, não impediu a penetração do cimento nos túbulos dentinários. Diferentes profundidades de penetração do cimento foram observadas, as quais poderiam ser decorrentes de diferenças na mistura e na consistência do cimento, assim como na força empregada na compactação lateral. O selamento apical promovido pelo cimento de Grossman é satisfatório96.
Pulp Canal Sealer (cimento de Rickert) O Pulp Canal Sealer (ou Kerr Pulp Canal Sealer, SybronEndo, EUA), apresenta a seguinte formulação: Pó: Óxido de zinco, prata precipitada, subcarbonato de bismuto, sulfato de bário. Líquido: Óleo de cravo, bálsamo-do-canadá. O cimento de Rickert foi introduzido na Endodontia em 1931. Esse produto possui boa estabilidade dimensional e capacidade seladora, adesão satisfatória, excelente escoamento, baixa solubilidade, radiopacidade elevada e baixa desintegração7,40,95,100. Após a preparação, o Pulp Canal Sealer apresenta um tempo de trabalho de aproximadamente 30 minutos e de endurecimento de 1 hora. Estudos demonstraram que esse cimento apresenta atividade antibacteriana satisfatória73,95. Devido à presença de prata em sua formulação, é altamente recomendada uma limpeza adequada da câmara pulpar, inclusive com solventes como álcool, clorofórmio, xilol ou óleo essencial de laranja (d-limoneno), de forma a eliminar os riscos de escurecimento da coroa dentária após a obturação. O Pulp Canal Sealer EWT (extended working time) apresenta tempos de trabalho e de endurecimento maiores do que o cimento convencional.
Endométhasone O Endométhasone (Specialités-Septodont, França) possui os seguintes componentes: Pó: Óxido de zinco, dexametasona, acetato de hidrocortisona, diiodotimol, paraformaldeído, óxido de chumbo, sulfato de bário, estearato de magnésio, subnitrato de bismuto. Líquido: Eugenol. O paraformaldeído foi adicionado com o intuito de melhorar os efeitos antibacterianos do cimento, enquanto os corticosteroides (dexametasona e acetato de hidrocortisona) visam a propiciar uma ação antiinflamatória. Suas propriedades físico-químicas são bastante similares às dos demais produtos à base de óxido de
zinco-eugenol. Possui um tempo de presa de aproximadamente 115 minutos, o que favorece seu emprego na obturação de canais de dentes multirradiculares. Ørstavik e Mjor74 avaliaram a biocompatibilidade do Endométhasone em tecido conjuntivo subcutâneo de ratos após os períodos de 14 e 90 dias. Foi verificado que esse cimento apresentou efeitos tóxicos sobre os tecidos similares aos de outros cimentos à base de óxido de zinco-eugenol testados (Procosol, Kerr Pulp Canal Sealer e N2), os quais foram pronunciados. Avaliando os efeitos de cimentos endodônticos sobre células imunocompetentes in vitro e in vivo, Bratel et al.15 relataram que o Endométhasone e o AH 26 inibiram a proliferação de linfócitos T. Isso caracteriza uma ação imunossupressora. Após o endurecimento, esse efeito foi consideravelmente reduzido. Ørstavik73 estudou as propriedades antibacterianas de vários materiais sobre Enterococcus faecium, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus. Alguns dos cimentos usados foram o AH 26, Endométhasone, Kerr Pulp Canal Sealer, Procosol e Tubli-Seal. Todos os materiais apresentaram algum efeito antibacteriano, principalmente quando recém-preparados. O Endométhasone, devido à presença do paraformaldeído, apresentou atividade antibacteriana pronunciada mesmo após o endurecimento. A ação inibitória do Endométhasone sobre bactérias foi também demonstrada por Pumarola et al.81. A adição do paraformaldeído é indesejável, uma vez que exacerba os efeitos tóxicos do eugenol. Isso pode retardar os mecanismos de reparação nos tecidos perirradiculares, em razão da coagulação e impregnação dos tecidos por essa substância. Com o tempo, o formaldeído é removido do tecido necrosado, o qual pode então ser infectado ou, dependendo do suprimento sanguíneo da região, ser reparado. Causa realmente surpresa o fato de que alguns ainda acreditam que o tratamento de uma ferida com uma substância tóxica e coagulante tecidual possa favorecer a cura dos tecidos perirradiculares.
Tubli-Seal O Tubli-Seal (SybronEndo, EUA) apresenta basicamente os seguintes elementos: óxido de zinco, sulfato de bário, resinas oleosas, iodeto de timol, trióxido de bismuto, óleos e eugenol. Esse produto se apresenta sob a forma pasta/ pasta, base e catalisador. Deve ser preparado espatulando-se porções iguais até se obter uma mistura bem homogênea e com uma consistência que, do pon-
Materiais Obturadores
to de vista clínico, seja considerada ideal. Apresenta um tempo de trabalho de 30 minutos e de endurecimento de 1 hora. Possui propriedades físico-químicas bastante similares às dos demais materiais à base de óxido de zinco-eugenol.
Cimentos resinosos São representados pelos seguintes cimentos: AH 26, Sealer 26 (a ser discutido adiante, como cimento contendo hidróxido de cálcio) e AH Plus.
AH 26 O AH 26 (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Suíça) é um cimento à base de resina epóxica constituído pelos seguintes elementos: Pó: Óxido de bismuto; pó de prata; óxido de titânio; hexametilenotetramina. Resina: Éter de bisfenol A diglicidil. Também está disponível o cimento sem a prata e o óxido de titânio, AH 26 Silverfree. Sua radiopacidade é similar à da guta-percha, isto é, 1mm do cimento corresponde a 6,66mm de alumínio. Esse produto apresenta excelentes propriedades físico-químicas, tais como: boa estabilidade dimensional, adesividade, radiopacidade, baixa solubilidade, boa capacidade seladora e alto escoamento2,40,55. Seu tempo de trabalho é de 7 horas e o de endurecimento é de cerca de 32 horas. O AH 26 apresenta partículas finas, o que pode ajudar a explicar seu elevado escoamento e a grande força adesiva. Wennberg e Ørstavik130 avaliaram a propriedade de adesão de vários cimentos endodônticos. Eles relataram que o cimento que apresentou a maior força de adesão foi o AH 26. Dos materiais testados, o que apresentou a menor força adesiva foi o Sealapex. Limkangwalmongkol et al.62, pelo método de infiltração de corante, avaliaram in vitro o selamento apical produzido por quatro cimentos endodônticos. O AH 26 apresentou os melhores resultados, seguido do Apexit, Tubli-Seal e Sealapex. Avaliando a infiltração coronária por Fusobacterium nucleatum de canais obturados com guta‑percha e dois cimentos, Chailertvanitkul et al.19 verificaram que a completa recontaminação foi observada, em média, em 8,4 e 8,2 semanas para o AH 26 e o Tubli-Seal EWT, respectivamente. Esses dados revelam que o AH 26 apresenta uma capacidade de selamento apical e coronário bastante satisfatória. Pascon et al.78 avaliaram a biocompatibilidade do AH 26 e de outros cimentos, utilizando dentes de maca-
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cos. Eles observaram reações inflamatórias ao AH 26 classificadas como graves para os períodos curtos (1 a 7 dias) e leves para os períodos longos (1 a 3 anos) de avaliação. Em relação à atividade antibacteriana, esse material apresenta bons resultados. Por meio do teste de difusão em ágar, Stevens e Grossman112 estudaram os efeitos antibacterianos de diversos cimentos sobre uma bactéria anaeróbia estrita, o Bacteroides fragilis. O AH 26, o Procosol e o OZE promoveram efeitos inibitórios significantes. O Kerr Pulp Canal Sealer e o Tubli-Seal provocaram pequenos halos de inibição do crescimento microbiano.
AH Plus O AH Plus (Dentsply/De Trey, Konstanz, Alemanha) é um cimento à base de resina do tipo epoxiaminas, cuja composição fornecida pelo fabricante é a seguinte: Pasta A: Éter de bisfenol A diglicidil; tungsteanato de cálcio; óxido de zircônio; aerosil; óxido de ferro. Pasta B: Amina adamantana; n,n-dibenzil-5-oxanonano-diamina-1,9; tcd-diamina; tungsteanato de cálcio; óxido de zircônio; aerosil; óleo de silicone. Apresenta-se sob a forma de pasta/pasta. A proporção indicada para se preparar a mistura é de 1:1, em volume. O tempo de trabalho é de aproximadamente 4 horas a 23°C, e o tempo de endurecimento é de cerca de 8 horas a 37°C. Esse cimento apresenta boa capacidade seladora apical e excelente comportamento histológico, permitindo o selamento biológico pela deposição de um tecido cementoide60. Ele possui atividade antibacteriana satisfatória e excelente escoamento, segundo achados de Siqueira et al.95. Saleh et al.84 compararam a adesão de vários cimentos endodônticos à dentina e à gutapercha e revelaram que o AH Plus apresentou a maior capacidade adesiva dos materiais investigados. Ørstavik et al.75 observaram que esse cimento apresentou expansão volumétrica de 0,4% depois de 4 semanas a até 0,9%. O bom selamento apical promovido por esse cimento é semelhante ao produzido pelo Sealer 26100.
Epiphany (Real-Seal) O cimento Epiphany (Pentron Clinical Technologies) ou Real-Seal (Sybron Endo) contém as resinas uretano dimetacrilato (UDMA), poli (etilenoglicol) dimetacrilatos (PEGDMA), bisfenol A dimetacrilato etoxilado (EBPADMA), bisfenol-A-glicidildimetacrilato (BisGMA), designadas para uso com materiais sólidos à base de policaprolactona. Esse cimento ainda contém
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Capítulo 15 Materiais Obturadores
vidro borosilicato de bário tratado com silano, sulfato de bário, sílica, hidróxido de cálcio, oxicloreto de bismuto com aminas, um fotoinibidor e pigmentos. O cimento Epiphany é um compósito de cura dual que autopolimeriza em cerca de 25 minutos. É acompanhado por um primer autocondicionante com ácido sulfônico, hidroxietilmetacrilato (HEMA), água e iniciador de polimerização. Uma vez que o hipoclorito de sódio pode afetar negativamente a força de adesão do primer, depois da irrigação com essa substância deve-se irrigar com EDTA e água destilada ou solução salina. Clorexidina não afeta a força de adesão. Quando a obturação está completa, deve-se fotopolimerizar a superfície coronária do material por 40 segundos para promover um selamento coronário.
EndoRez O EndoRez (Ultradent, EUA) é um cimento resinoso hidrofílico de UDMA que apresenta bom molhamento das paredes do canal e escoamento para o interior de túbulos dentinários131. A propriedade hidrofílica melhora a capacidade seladora, mesmo se alguma umidade está presente no canal no momento da obturação76. EndoRez é introduzido no canal com agulhas Navitip gauge 30 (Ultradent) e o canal é obturado com a técnica do cone único ou pela compactação lateral. Cones de guta-percha recobertos com EndoRez são também disponíveis comercialmente para uso com o cimento, favorecendo a união química de conecimento. Os cones EndoRez encontram-se disponíveis em calibres conforme a padronização ISO.
Cimentos à base de ionômero de vidro Em razão das várias propriedades benéficas que possui, tais como atividade antibacteriana, efeito cariostático, adesão química à estrutura dentária e biocompatibilidade, os cimentos de ionômero de vidro têm sido amplamente utilizados em Odontologia como material forrador de cavidades, restaurador, selante de cicatrículas e fissuras e na cimentação de próteses fixas32,33,66,72,113,132. Devido a tais propriedades, seu uso como cimento endodôntico foi preconizado. O KetacEndo (3M-ESPE, Alemanha) é o representante mais estudado desse grupo de cimentos. Atualmente, parece não haver qualquer cimento endodôntico à base de ionômero de vidro disponível comercialmente.
Cimentos à base de silicone O RoekoSeal Automix (Dental Products, Langenau, Alemanha) é um cimento à base de silicone. Sua
composição é a seguinte: polidimetilsiloxano, fluido de silicone, óleo à base de parafina, ácido hexacloroplatínico e dióxido de zircônio. O cimento é colocado por meio de um aplicador de câmara dupla, o qual já mistura o cimento na dosagem apropriada. O aplicador possui pontas misturadoras especiais e flexíveis, de emprego único, que permitem a aplicação do cimento no canal. O material polimeriza por completo, independentemente de umidade e temperatura. O tempo de trabalho é de 15-30 minutos e o de endurecimento é de 45-50 minutos. Há poucos estudos avaliando suas propriedades. Ørstavik et al.75 relataram que esse cimento expandiu até 0,2% em 4 semanas de avaliação, mas depois apresentou comportamento estável. Foram avaliados histologicamente os tecidos perirradiculares de dentes de cães após a obturação com os cimentos RoekoSeal e AH Plus61. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os dois cimentos quanto ao infiltrado inflamatório, à espessura do ligamento periodontal e à quantidade de reabsorção dentinária, cementária ou óssea. Özok et al.77 testaram a capacidade de selamento da GuttaFlow, do RoekoSeal e do AH26 em canais radiculares de dentes humanos extraídos. Os canais obturados com AH26 receberam a técnica da compactação lateral, ao passo que os canais obturados com RoekoSeal e GuttaFlow foram submetidos à técnica do cone único modificada. O modelo de penetração de glicose foi empregado no experimento. Os resultados mostraram diferenças estatisticamente significantes, evidenciando que a GuttaFlow apresentou os maiores valores de infiltração em todas as semanas. No entanto, a comparação entre RoekoSeal e AH26 não mostrou diferença significativa.
GuttaFlow Em 2004, a Coltène/Whaledent Inc (EUA) introduziu um material obturador que a frio apresenta bom escoamento e capacidade de autopolimerização. Esse material consiste na combinação da guta-percha com um cimento endodôntico em cápsulas que se acoplam a um sistema que permite a injeção direta do material no interior do canal radicular. GuttaFlow contém guta-percha finamente moída em partículas com menos de 30µm de diâmetro combinada com um cimento à base de polidimetilsiloxano (Fig. 15-8). Também contém óleo de silicone, óleo de parafina, agente catalítico de platina, dióxido de zircônio, nanopartículas de prata (conservante) e corante. Não contém eugenol.
Materiais Obturadores
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Figura 15-8. Sistema GuttaFlow. (Gentileza da Coltène/Whaledent Inc.)
Esse material deve ser triturado em sua cânula e injetado no canal para uso com um ou mais cones de gutapercha. O fabricante relata que o material pode escoar para os canais laterais e preencher completamente os espaços entre o cone de guta-percha e as paredes do canal radicular. Além disso, como a técnica não envolve a aplicação de calor, não é esperada a contração do material após o endurecimento. Ao contrário, afirma o fabricante que o material sofre expansão de 0,2% após o endurecimento. Uma vez que GuttaFlow é um novo material, existem relativamente poucos estudos que avaliam as suas propriedades. Embora GuttaFlow seja uma modificação do cimento RoekoSeal, os resultados dos estudos podem não ser os mesmos já encontrados, tendo em vista as diferentes composições dos dois materiais. Mesmo apresentando um escoamento melhor do que a guta-percha na porção apical, foi recomendada a aplicação de uma barreira de MTA para uso quando do emprego da técnica de compactação vertical aquecida com GuttaFlow, para que não ocorra a extrusão apical do material26,134.
Cimentos contendo hidróxido de cálcio Devido aos vários efeitos biológicos benéficos atribuídos ao hidróxido de cálcio, seu emprego na obturação definitiva do sistema de canais radiculares passou a ser preconizado. Contudo, um material para ser usado com essa finalidade deve obedecer a certos requisitos físico‑químicos e não apenas aos biológicos. Nesse sentido, o hidróxido de cálcio apresenta alguns inconvenientes, uma vez que não é radiopaco, tem pouco escoamento, não tem boa viscosidade, é permeável e é solubilizado com o tempo. Daí a necessidade de associá-lo a veículos e outras substâncias,
visando a contornar tais deficiências. Todavia, o ideal seria melhorar as propriedades físico-químicas dessa substância sem contudo interferir em suas propriedades biológicas. Os materiais desse grupo, comumente pesquisados e conhecidos, são Sealapex, CRCS, Sealer 26 e Apexit.
Sealapex O cimento Sealapex (SybronEndo/Kerr, EUA) foi um dos primeiros cimentos endodônticos à base de hidróxido de cálcio a ser comercializado. Ele se apresenta na forma pasta/pasta, contendo as seguintes substâncias em sua formulação: Base: Óxido de cálcio; óxido de zinco; composto à base de sulfonamida; sílica. Catalisador: Sulfato de bário; resina polimetileno metilsalicilato; dióxido de titânio; sílica; salicilato de isobutila; pigmentos. Partes iguais da base e do catalisador devem ser dispensadas sobre uma placa de vidro e manipuladas com uma espátula até que se obtenha uma massa homogênea. Recentemente, o fabricante lançou o Sealapex Xpress, com o cimento disponível em seringa automix. Seu tempo de presa pode ser de no mínimo 2 horas a 23°C. No canal radicular, a 37°C, com umidade relativa de 100%, a presa pode se dar em 1 hora, segundo as informações do fabricante. Clinicamente, tem sido observado que resíduos de umidade no canal aceleram significativamente o endurecimento do material, reforçando a necessidade imperiosa de se secar bem o canal antes de qualquer procedimento obturador. O óxido de cálcio reage com a água e forma o hidróxido de cálcio. A reação de presa do Sealapex ocorre por meio da ação quelante do componente salicilato
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Capítulo 15 Materiais Obturadores
(no catalisador) sobre o óxido de cálcio/hidróxido de cálcio (na base), em uma base aquosa, formando salicilato de cálcio. As outras substâncias associadas à formulação são responsáveis por radiopacidade, viscosidade, fluidez, adesividade e escoamento da pasta.
CRCS O CRCS (Calciobiotic Root Canal Sealer), fabricado pela Coltène/Whaledent Hygenic, apresenta-se na forma de pó (acondicionado em unidades contendo 0,4g em cada) e líquido, sendo que seus componentes básicos são: Pó: Hidróxido de cálcio; óxido de zinco; resina hidrogenada; sulfato de bário; subcarbonato de bismuto. Líquido: Eugenol; eucaliptol. Esse material deve ser espatulado sobre uma placa de vidro, à temperatura ambiente, na proporção de duas a três gotas de líquido para cada dose de pó. A consistência desejada é densa e cremosa. A presa sobre a placa de vidro, em temperatura ambiente, se dá em cerca de 2 horas, enquanto no canal geralmente ocorre em 20 minutos. Calor e umidade aceleram a presa do material, que ocorre após a reação do eugenol com o óxido de zinco, formando eugenolato de zinco, e, possivelmente, com o hidróxido de cálcio, formando eugenolato de cálcio. A presença do eucaliptol no líquido visa a reduzir o excesso de eugenol livre após a reação de presa e permitir uma união química com a guta-percha, uma vez que o eucaliptol é solvente desta.
Sealer 26 O Sealer 26 (Dentsply, Brasil) possui composição similar à do AH 26, cimento à base de resina epóxica, utilizado por muitos anos em Endodontia. A diferença básica entre os dois cimentos é que o Sealer 26 possui hidróxido de cálcio em sua composição e não prata. Sua apresentação é na forma de pó e resina, essa última acondicionada em uma bisnaga. A composição básica é a seguinte: Pó: Hidróxido de cálcio; óxido de bismuto; hexametilenotetramina; dióxido de titânio. Resina: Éter de bisfenol A diglicidil. O material deve ser espatulado sobre uma placa de vidro, agregando-se o pó gradativamente à resina, até que se obtenha uma mistura lisa e homogênea que, quando levantada com o auxílio de uma espátula, se parte a uma altura de 1,5 a 2,5cm acima da placa de vidro. A proporção ideal é de aproximadamente duas a três partes de pó para uma de resina, por volume. Quanto maior a proporção de pó, maior a radiopacidade do produto. A presa do material se dá em cerca de 48 a 60 horas em temperatura ambiente, enquanto no interior do ca-
nal radicular o Sealer 26 endurece em aproximadamente 12 horas. Para que o cimento adquira maior fluidez, facilitando sua inserção no canal radicular, pode‑se espalhá-lo na placa de vidro e aquecê-lo levemente a uma distância de 10 a 15cm de uma chama. Evidentemente, o aquecimento excessivo deve ser evitado. O endurecimento se deve à reação entre a resina e a hexametilenotetramina, o agente ativador. É interessante notar que o hidróxido de cálcio não participa da reação de presa do material.
Apexit O Apexit (Ivoclar/Vivadent, EUA) apresenta-se no sistema pasta/pasta e o princípio de presa é similar ao do Sealapex, isto é, por meio da formação do quelato salicilato de cálcio. Sua composição básica é a seguinte: Base: Hidróxido de cálcio; colofônia hidrogenada; dióxido de silício; óxido de cálcio; óxido de zinco; fosfato tricálcico; polimetilsiloxano; estearato de zinco. Catalisador: Salicilato de trimetil-hexanodiol; carbonato de bismuto; óxido de bismuto; dióxido de silício; salicilato de 1-3 butanodiol; colofônia hidrogenada; fosfato tricálcico; estearato de zinco. O material deve ser espatulado empregando-se volumes iguais de base e de catalisador, por 10 a 20 segundos, até que se obtenha uma massa homogênea. O endurecimento no interior de um canal radicular devidamente seco ocorre entre 10 e 30 horas. A presença de umidade acelera a presa.
Acroseal O Acroseal (Septodont, França), cimento contendo hidróxido de cálcio e recentemente lançado no comércio na forma pasta/pasta, é um cimento resinoso que contém hexametilenotetramina e éter de bisfenol A diglicidil, componente epóxico também presente no AH26 e Sealer 26. Assim como esses últimos, também libera formaldeído durante o endurecimento27,28. O fabricante anuncia a incorporação de enoxolona (ácido glicirretínico) na composição, com o intuito de exercer efeitos antisséptico e anti-inflamatório. O tempo de endurecimento varia entre 16 e 24 horas.
OUTROS MATERIAIS EMPREGADOS NA OBTURAÇÃO DOS CANAIS RADICULARES Pasta L&C A pasta L&C (Dentsply, Brasil) apresenta a seguinte composição:
Materiais Obturadores
Pó: Hidróxido de cálcio (65,6%); carbonato de bismuto (32,8%); colofônia (1,6%). Veículo: Óleo de oliva purificado. Graças à sua composição, a pasta apresenta boa radiopacidade, fluidez, adesividade e escoamento, o que permite sua fácil introdução no canal radicular. O veículo oleoso lhe confere pouca solubilidade, com liberação lenta e contínua de hidróxido de cálcio do interior das micelas formadas. Possui bom comportamento biológico. É indicada para fechamento de perfurações radiculares, obturação nos casos de rizogênese incompleta e na técnica do tampão apical63. Esse material deve ser espatulado utilizando-se placa de vidro e espátula estéreis, agregando-se o pó ao veículo, até se obter uma massa pastosa, homogênea, e com consistência de trabalho (massa de vidraceiro). É levada ao interior do canal com espirais de Lentulo. Avaliações clínicas e radiográficas de tratamentos endodônticos de dentes com canais radiculares obturados com pasta L&C como cimento obturador ou como tampão apical têm revelado resultados positivos6,12,63. Do ponto de vista biológico, Soares et al.104, em tratamento de dentes com rizogênese incompleta, observou a formação de uma barreira de tecido mineralizado. Sonada e Okamoto107, avaliando a influência da pasta de hidróxido de cálcio com um veículo oleoso ou aquoso como curativo de canal em reimplante dental imediato em ratos, concluíram que: • a falta de obturação do canal radicular no grupocontrole resultou em maior incidência de reabsorção radicular e neoformação óssea menos pronunciada na região de fundo de alvéolo; • o grupo tratado com pasta de hidróxido de cálcio e veículo oleoso (pasta L&C) apresentou neoformação óssea mais pronunciada na região de fundo de alvéolo do que o grupo tratado com veículo aquoso; • o grupo tratado com pasta de hidróxido de cálcio e veículo oleoso (pasta L&C) apresentou menor incidência de reabsorção radicular que o grupo tratado com pasta de hidróxido de cálcio e veículo aquoso. Em outro estudo semelhante, porém com reimplante dental mediato (após 60 minutos), Sonada106 concluiu que, no grupo em que foi utilizada pasta de hidróxido de cálcio com veículo oleoso (pasta L&C), áreas de reabsorção radicular foram encontradas no período de 10 dias; mantiveram-se constantes no período de 60 dias; o grupo que recebeu pasta de hidróxido
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de cálcio com veículo oleoso (pasta L&C) apresentou melhor reparo na região de fundo de alvéolo. Bittencourt et al.13, por meio de resultados histológicos, evidenciaram a viabilidade do uso de pastas de hidróxido de cálcio – com veículos hidrossolúveis e oleosos (pasta L&C) – para o recobrimento pulpar, permitindo a manutenção da polpa em plenas condições funcionais, apta ao reparo, inclusive com a formação de barreira de tecido duro, na maioria dos casos.
Sulfato de cálcio O sulfato de cálcio (Class Implant & R.L., Roma, Itália), comercialmente denominado Surgiplaster, apresenta a seguinte composição: Pó: sulfato de cálcio hemi-hidratado. Líquido regular: solução aquosa de cloreto de sódio a 0,9%. Líquido endurecedor: solução aquosa de sulfato de potássio a 4%. É utilizado na forma de pasta obtida a partir do pó, tendo como veículo o líquido regulador. O líquido endurecedor é para acelerar o endurecimento da pasta. Após a aplicação da pasta de sulfato de cálcio, nos casos em que se deseja um endurecimento rápido, pincela-se a sua superfície com a solução de sulfato de potássio. É indicado para funcionar como uma barreira, evitando o extravasamento do material utilizado como obturador nas perfurações, reabsorções interna e externa, em dentes com rizogênese incompleta e como tampão apical. É facilmente reabsorvido e possui bom comportamento biológico79,108. Esse material deve ser espatulado utilizando-se placa de vidro e espátulas estéreis, agregando-se o pó ao veículo, até se obter uma massa pastosa, homogênea e com consistência de trabalho (massa de vidraceiro). É levado ao sítio com espátulas e calcadores para cimento ou com espirais de Lentulo.
Agregado de trióxido mineral O agregado de trióxido mineral (MTA) é um pó cinza ou branco composto de trióxidos combinados com outras partículas minerais hidrofílicas e que se cristaliza na presença de umidade. Seus principais componentes são o silicato tricálcio, silicato dicálcio, aluminato tricálcio, ferroaluminato tetracálcio, sulfato de cálcio diidratado (gesso) e o óxido de bismuto, como radiopacificador. Pode ainda conter até 0,6% de resíduos insolúveis livres, como a sílica cristalina, e outros componentes, como óxido de cálcio, óxido de magnésio e sulfatos de sódio e de potássio.
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Capítulo 15 Materiais Obturadores
O agregado de trióxido mineral está disponível no mercado odontológico com as denominações ProRootMTA (Dentsply, Tulsa Dental, EUA) e MTA – Angelus (Ângelus Odonto, Logika Ind. de Prod. Odontológica Ltda., Londrina, PR). O MTA é um material cuja composição química é similar à do cimento Portland (cimento empregado em construções) agregado a outras substâncias30,133. O ProRoot-MTA é composto aproximadamente de 75% de cimento Portland, 20% de óxido de bismuto (radiopacificador) e 5% de gesso. A embalagem pode conter um ou dois envelopes de 1g do produto, além de uma seringa aplicadora e três pequenas bisnagas contendo água destilada. É produzido na coloração cinza e branco. O MTA-Angelus é composto de 80% de cimento Portland e 20% de óxido de bismuto. Não possui em sua fórmula o sulfato de cálcio (gesso), com o propósito de reduzir o tempo de presa, que se dá em 10 minutos. A embalagem contém um frasco com 2g e uma bisnaga contendo água destilada, além de um dosador plástico para dispensar o pó. Experimentos em culturas de células1, subcutâneo de ratos47 e em pulpotomia e pulpectomia46 em dentes de cães mostraram comportamento biológico semelhante entre o MTA e o cimento de Portland. A hidratação do pó com água destilada, solução anestésica ou fisiológica resulta em um gel coloidal, o qual se solidifica em menos de três horas, o ProRootMTA, e ao redor de 10 minutos, o MTA-Angelus. Apresenta pH alcalino (em torno de 12,5) depois de ser manipulado. Após o endurecimento, o material se expande, expansão essa responsável pelo selamento marginal das cavidades. Com relação à adaptação marginal, tem melhor adaptação do que outros materiais usados com as mesmas finalidades. É pouco solúvel, e a massa obtida não se dilui quando em presença de líquidos teciduais, sendo uma vantagem sobre as pastas e os cimentos à base de hidróxido de cálcio122-124. A natureza hidrofílica das partículas do pó do MTA confere uma característica especial a esse material, podendo ser empregado em presença de umidade, tal como ocorre durante os procedimentos clínicos em casos de perfurações, reabsorções e cirurgia perirradicular, não necessitando de um campo seco. A umidade presente nos tecidos atua como um ativador da reação química de hidratação desse material. Outro aspecto é que a capacidade exibida pelo MTA provavelmente se deve à sua natureza seladora hidrofílica, uma vez que ocorre uma ligeira expansão quando ele é utilizado em ambiente úmido116,118.
Além de estimular a neoformação dentinária, o MTA apresenta atividade antibacteriana satisfatória119, promove um selamento adequado, prevenindo a microinfiltração116,122,124, é biocompatível120 e não tem potencial carcinogênico56. A atividade indutora de calcificação do MTA, provavelmente, se deve à capacidade que esse material tem para atrair os cementoblastos e produzir uma matriz para a formação de cemento, o que seria determinado pela sua propriedade seladora, seu elevado pH ou pela liberação de substâncias que ativariam os cementoblastos a formarem uma matriz para a formação de uma barreira de tecido duro117,121. Outra teoria é que o MTA teria uma ação semelhante à do hidróxido de cálcio. O óxido de cálcio do pó do MTA, ao se realizar a preparação da pasta com água, seria convertido em hidróxido de cálcio. Esse, por sua vez, em contato com os fluidos tissulares, se dissociaria em íons cálcio e hidroxila. Os íons cálcio, reagindo com o gás carbônico dos tecidos, dariam origem às granulações de calcita; junto a essas granulações haveria acúmulo de fibronectina que permitiria adesão e diferenciação celular. Na sequência teríamos formação de uma ponte de tecido duro47. O MTA deve ser preparado imediatamente antes de sua utilização. O pó deve ser misturado com água destilada estéril na proporção de 3:1 sobre uma placa de vidro, durante 30 segundos, com a ajuda de uma espátula de metal ou plástico, exibindo na sequência uma consistência pastosa58. Se a área de aplicação do MTA for muito úmida, a umidade poderá ser reduzida com uma gaze seca ou cone de papel absorvente. A umidade excessiva torna difícil a manipulação do material. Quando a mistura é muito seca, mais água deverá ser adicionada. Em função de o MTA necessitar de umidade para endurecer, deixando-se o material sobre a placa de vidro, ocorrerá a sua desidratação, dando-lhe um aspecto arenoso. Para evitar isso, recomenda-se a colocação de uma gaze umedecida em água sobre a pasta de MTA116. Vários estudos têm demonstrado os excelentes resultados do MTA como material selador em perfurações radiculares e de furca; como material selador de perfurações resultantes de reabsorções internas e externas comunicantes; como material retro-obturador em cirurgias perirradiculares; como material de apicificação e como tampão apical115. Nos casos clínicos em que o MTA é levado à loja via cavidade pulpar, é recomendada, após a acomodação do material, a colocação de uma bolinha de algodão umedecida em água destilada por pelo menos 3 a 4 horas para manter a hidratação e permitir a solidificação
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do material. Após esse período, remove-se a bolinha de algodão, procedendo-se à restauração definitiva do dente. Em algumas situações clínicas (perfuração de furca e tampão apical) é recomendado deixar a bolinha de algodão umedecida com água destilada em contato com o MTA durante 1 a 3 dias para continuar a solidificação do material115.
NOVOS MATERIAIS Recentemente foram desenvolvidos estudos sobre um novo material obturador à base de óxido de zinco e poliuretano e um novo cimento endodôntico fotoativado à base de uretano-acrilato/diacrilato tripropileno glicol49,57. Os estudos têm mostrado que esse material apresenta boas propriedades mecânicas e térmicas quando comparado à guta-percha e ao Resilon49. A resistência à tração e o módulo de elasticidade desse material foram acentuadamente mais altos do que da guta-percha e do Resilon. O ponto de fusão dos três materiais foi similar, já a variação de entalpia e o calor específico do novo material ficaram próximos aos da guta-percha, porém foram inferiores aos do Resilon. Esses resultados indicam que o novo material apresenta boas propriedades mecânicas e térmicas como material obturador. No entanto, mais estudos acerca de suas propriedades mecânicas devem ser realizados. Além disso, obviamente as suas propriedades biológicas também devem ser testadas e comparadas aos materiais já consagrados pelo uso.
PROPRIEDADES DOS MATERIAIS OBTURADORES Propriedades biológicas Biocompatibilidade Qualquer material destinado ao uso biológico não deve apresentar citotoxicidade. Dessa forma, ele não irá interferir negativamente no processo de reparo dos tecidos com os quais está em contato. A guta‑percha é bem tolerada pelos tecidos perirradiculares e a maioria dos cimentos endodônticos, embora apresente níveis variados de citotoxicidade antes da presa, usualmente perde esta propriedade após o endurecimento7,109. Uma vez que a agressão química causada pelos cimentos é transitória, deve-se reconhecer então que é incapaz de induzir e manter uma lesão perirradicular. Na obturação de um canal radicular, quando extravasados, os cimentos podem ter três destinos, dependendo de suas propriedades físico-químicas. Se solúveis, podem ser
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fagocitados ou se dissolver e ser eliminados na forma de pequenas moléculas ou íons. Se insolúveis, podem ser encapsulados por tecido conjuntivo fibroso, caracterizado pelo predomínio de colágeno. A biocompatibilidade de um cimento endodôntico depende diretamente de seus componentes, de seu tempo de presa e de sua solubilidade. Estudos têm demonstrado que a maioria dos cimentos endodônticos utilizados na obturação dos canais radiculares não oferece diferenças quanto ao índice de sucesso do tratamento. Isso é muito provavelmente devido ao fato de que a maioria desses materiais apresenta boas propriedades seladoras e de biocompatibilidade. Embora existam alguns raros casos de fracassos associados à reação de corpo estranho ao material obturador70, na maioria da vezes a presença de micro-organismos é o principal elemento determinante do insucesso83,91,92,98 e não a toxicidade do material empregado. Esse dado ressalta o papel exercido por micro-organismos no processo de terapia endodôntica. Eriksen et al.29 avaliaram os resultados do tratamento endodôntico utilizando três cimentos obturadores: Procosol (à base de OZE), AH 26 (cimento resinoso) e Kloroperka NO (que consiste em guta-percha branca e clorofórmio). A avaliação se estendeu por 3 anos. Os autores relataram que, embora a resposta à Kloroperka NO tenha sido ligeiramente inferior à dos outros dois cimentos, não houve diferença significante entre os grupos. Waltimo et al.128 também compararam os resultados clínico-radiográficos após tratamento utilizando os cimentos Sealapex, CRCS e Procosol, os dois primeiros contendo hidróxido de cálcio e o último à base de OZE. Seus resultados demonstraram que no geral a influência do cimento no resultado do tratamento foi mínima. Após 3 a 4 anos de avaliação, não houve diferença significante entre os grupos quanto ao índice de sucesso do tratamento. Com os cimentos à base de óxido de zinco-eugenol, quando na intimidade do tecido perirradicular, à medida que ocorre o decréscimo de sua citotoxicidade aparece uma cápsula fibrosa cuja espessura tende a ser proporcional ao potencial irritante do material. Essa cápsula tende a isolar o material do tecido perirradicular. Nesse caso, diz-se que a reparação é feita por cicatrização. Os cimentos à base de hidróxido de cálcio provocam necrose por coagulação dos tecidos submetidos a seu contato íntimo, sendo que o tecido imediatamente subjacente reage pela deposição de tecido calcificado, desde que seja dotado dessa capacidade (exemplo: ligamento periodontal).
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Capítulo 15 Materiais Obturadores
Os inúmeros efeitos biológicos do hidróxido de cálcio estão relacionados com a sua dissociação em meio aquoso, liberando íons cálcio e hidroxila. Apesar de haver na literatura controvérsias quanto ao verdadeiro papel dos íons cálcio, parece existir um consenso quanto ao fato de os íons hidroxila exercerem um papel importante na resposta tecidual a essa substância. A simples presença do hidróxido de cálcio em um produto não é garantia de suas propriedades terapêuticas. Torna-se evidente então que, para um material contendo hidróxido de cálcio em sua formulação induzir efeitos similares aos da substância pura, ela deve ser liberada da massa obturadora. Para isso, o hidróxido de cálcio deve ser utilizado na composição do cimento, em excesso ao necessário para a reação de presa, de forma que assim possa ser liberado e ter ação terapêutica ou, então, que o hidróxido de cálcio não participe da reação química de endurecimento, estando assim livre para exercer seus efeitos. Além disso, se a matriz do cimento possuir grupos polares que permitam a entrada de água, haverá uma difusão reversa de soluções aquosas de hidróxido de cálcio, que alcalinizarão o meio circunjacente. Uma matriz hidrofóbica ou a adição de outras substâncias ao produto podem interferir em sua atividade. Tem sido demonstrado que o Sealapex apresenta liberação iônica extensa e gradual, capaz de alcalinizar o meio37,96,101,114. Em estudo de Siqueira et al.101, foi verificado que quatro cimentos à base de hidróxido de cálcio foram capazes de alcalinizar o meio de forma constante, tanto recém-preparados quanto já endurecidos, mas em diferentes magnitudes. O Sealapex apresentou os valores mais elevados, o que está relacionado com sua alta solubilidade. O CRCS, apesar de alcalinizar o meio, sempre apresentou uma tendência a diminuir seus valores de pH com o decorrer do tempo. Isso provavelmente ocorreu pelo fato de no líquido do produto estarem presentes dois componentes ácidos (eugenol e eucaliptol) que podem ser liberados lentamente. O Sealer 26, um cimento resinoso, foi capaz de alcalinizar o meio, mesmo endurecido. Esses dados discordam da afirmativa de que a trama resinosa impede a difusão do medicamento. Pelo menos para o Sealer 26 isso não ocorreu. Acreditamos que, por não participar da reação de presa, o hidróxido de cálcio fica embebido na malha resinosa e a sua liberação dependerá do grau de condensação e compactação dessa malha, e possivelmente da natureza hidrofílica da matriz. O Apexit também foi capaz de alcalinizar o meio em todos os períodos de tempo avaliados. Resultados similares entre Apexit e Acroseal foram observados por Eldeniz et al.27.
Um estudo avaliando a alcalinização dentinária por alguns compostos contendo hidróxido de cálcio demonstrou que o Sealapex promove elevação de pH moderada na dentina em contato direto com ele, desde que a smear layer tenha sido removida111. Nenhum efeito significativo foi observado na dentina mais distante do material. O Apexit não promoveu alcalinização da dentina em contato direto com ele. Além de ser biocompatível, tem sido demonstrada a formação de selamento biológico do forame apical por cemento neoformado em canais obturados com Sealapex45 (Fig. 15-9). Soares et al.105, testando os efeitos dos cimentos Sealapex, CRCS e OZE sobre os tecidos perirradiculares de cães após a obturação, encontraram resultados diferentes daqueles de Holland e Souza45 para o Sealapex. Verificaram que não houve evidência de que os cimentos contendo hidróxido de cálcio estimulem o reparo tecidual. A resposta dos tecidos perirradiculares ao Sealapex e ao CRCS foi similar àquela do cimento de OZE. Embora a deposição de cimento neoformado tivesse causado um estreitamento da abertura foraminal em muitos casos, independentemente do cimento empregado, em nenhum dos espécimes foi observado o selamento completo do forame. Em todos os casos de sobreobturação houve o
Figura 15-9. Corte histológico de dente de cão após obturação do canal radicular com guta-percha e cimento Sealapex (180 dias). Selamento biológico do forame apical por neoformação cementária. (Gentileza do Dr. Roberto Holland.)
Materiais Obturadores
desenvolvimento de uma reação inflamatória crônica nos tecidos perirradiculares. Beltes et al.10 avaliaram a citotoxicidade de três cimentos contendo hidróxido de cálcio em suas formulações, mediante um modelo de cultura de células. A partir dos resultados obtidos, esses autores concluíram que o cimento mais citotóxico foi o Sealapex, seguido do CRCS e do Apexit. Na verdade, todos esses cimentos contendo hidróxido de cálcio contêm substâncias citotóxicas em suas formulações. Sealapex, CRCS e Apexit possuem compostos à base de zinco em suas composições. O CRCS possui eugenol e eucaliptol, substâncias de reconhecida atividade citotóxica. O Sealapex possui dióxido de titânio, que pode se difundir para os tecidos e induzir uma reação de corpo estranho135. A hexametilenotetramina presente nos cimentos Sealer 26 e Acroseal se decompõe em meio aquoso, gerando formaldeído e amônia, substâncias reconhecidamente citotóxicas. Todavia, cumpre relembrar que a maior parte dos estudos tem demonstrado que a citotoxicidade desses materiais é reduzida com o decorrer do tempo. Isso provavelmente se dá devido ao endurecimento do material, o que permite uma redução da solubilidade e, consequentemente, da liberação de componentes citotóxicos. Por exemplo, a liberação de formaldeído pelo AH 26, similar ao Sealer 26, é máxima nas primeiras 48 horas, tendendo a reduzir-se significativamente depois, justificando assim a citotoxicidade transitória do material109. Pinna et al.80 compararam a citotoxidade do MetaSEAL (Parkell Inc), um cimento à base de resina metacrilato, com um cimento resinoso (AH Plus Jet) e um cimento à base de óxido de zinco e eugenol (Pulp Ca‑ nal Sealer). Todos os cimentos apresentaram toxicidade grave até 72 horas. Após esse período ela foi diminuindo durante o experimento, exceto o Pulp Canal Sealer, que permaneceu muito tóxico. O MetaSEAL foi mais tóxico que o AH Plus Jet na primeira semana. Heitman et al.44 estudaram a citotoxicidade do cimento Epiphany em várias concentrações sobre fibroblastos do ligamento periodontal humano. O efeito da concentração, de 25 a 800g/mL, do cimento sobre a viabilidade celular foi avaliado em 1, 3 e 7 dias. Os resultados mostraram significativa citotoxicidade do Epiphany contra os fibroblastos, que aumentou com o maior tempo de exposição e maior concentração do cimento. A citotoxicidade dos cimentos endodônticos pode ser alterada pela aplicação de calor nas técnicas de obturação. Quando se emprega o Sealapex, o aumento da
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temperatura não afeta a sua toxicidade, ao passo que usando o AH Plus a sua citotoxicidade diminui. Por outro lado, alguns cimentos apresentam maior citotoxicidade quando aquecidos, como é o caso do Pulp Ca‑ nal Sealer e Roth 80171. Os cones de guta-percha, quando em contato com os tecidos perirradiculares, estimulam a formação de uma cápsula fibrosa, envolvendo-os. Entretanto, podem existir situações em que o cone extravasado é de pequeno diâmetro e, com o passar do tempo, pode ser reabsorvido por meio de um fenômeno físico-químico de solubilidade e desintegração e, também, mediante ação macrofágica59.
Atividade antimicrobiana Além de ser biocompatível, o cimento endodôntico deve possuir atividade antimicrobiana para destruir micro-organismos que tenham sobrevivido ao preparo químico-mecânico. Outrossim, materiais seladores com essa propriedade podem eliminar micro-organismos presentes em canais de microinfiltração, prevenindo assim a entrada ou saída destes do sistema de canais radiculares. Pumarola et al.81 testaram a atividade antimi crobiana de vários cimentos usados em Endodontia contra 120 cepas de Staphylococcus aureus. Eles relataram que os cimentos à base de óxido de zinco e eugenol, paraformaldeído ou resinas apresentaram maior atividade inibitória do que o Sealapex, o de menor efeito antimicrobiano. Al-Khatib et al.3 avaliaram os efeitos antibacterianos de vários cimentos endodônticos sobre Streptococ‑ cus mutans, S. aureus e Porphyromonas endodontalis. Eles verificaram que o cimento de Grossman foi o de maior atividade. Contudo, o AH 26 foi mais eficaz contra a P. endodontalis. No geral, os cimentos à base de óxido de zinco-eugenol, como o de Grossman, o Tubli-Seal e o CRCS (embora também contenha hidróxido de cálcio), foram mais eficazes que a eucapercha (guta-percha + eucaliptol) e o cimento (Sealapex) e pastas contendo hidróxido de cálcio. Siqueira e Gonçalves97 avaliaram a atividade antibacteriana dos cimentos Sealapex, Sealer 26 e Apexit, à base de hidróxido de cálcio, comparando-os ao Fill Canal, cimento à base de óxido de zinco‑eugenol, contra bactérias anaeróbias estritas comumente associadas às infecções endodônticas. Os resultados revelaram que o Fill Canal apresentou a maior atividade inibitória de crescimento. Isso ocorreu por causa do seu conteúdo de zinco e, principalmente, de eugenol. O Sealer 26 foi o segundo de maior atividade, apenas
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Capítulo 15 Materiais Obturadores
não sendo eficaz contra P. endodontalis e Porphyromo‑ nas gingivalis (Fig. 15-10). Embora contenha hidróxido de cálcio em sua formulação, essa substância não parece ser a principal responsável por essa propriedade do cimento. A hexametilenotetramina, elemento ativador da presa da resina do cimento, presente no Sealer 26, se decompõe, em meio aquoso, em formaldeído e amônia. O formaldeído possui excelente atividade antibacteriana. O Sealapex apenas apresentou eficácia contra duas espécies bacterianas, enquanto o Apexit foi inerte. A atividade antibacteriana dos cimentos contendo hidróxido de cálcio depende dos seguintes fatores: • pH e solubilização do material. Para liberar substâncias ativas contra micro-organismos o material deve se solubilizar. Essa propriedade pode interferir negativamente no selamento produzido pela obturação. • Presença de hidróxido de cálcio livre no material, que não tenha participado da reação de presa. • Difusibilidade do material. O hidróxido de cálcio apresenta baixa solubilidade e se difunde pouco. Para exercer efeito antibacteriano, ele deve alcalinizar o pH do meio circundante em magnitude suficiente para ser letal às bactérias. A alcalinização do meio de cultura e da dentina radicular pela ação do hidróxido de cálcio não é na maioria das vezes suficiente para esse intento. • Presença de outras substâncias com atividade antibacteria‑ na, como eugenol no CRCS e formaldeído (pela decomposição da hexametilenotetramina) no Sealer 26. Slutzky-Goldberg et al.103 avaliaram as propriedades antibacterianas de quatro cimentos endodônti-
cos – AH Plus, Apexit Plus, Epiphany SE e RoekoSeal – quando em contato com E. faecalis. Os materiais foram utilizados logo após o tempo de presa e 1, 2, 7 e 14 dias após. Os resultados estatísticos mostraram que o Apexit Plus teve um curto período de atividade antibacteriana, ao passo que o Epiphany incrementou o crescimento bacteriano por pelo menos 7 dias. AH Plus e RoekoSeal foram ineficazes contra os microorganismos. Shin et al.87 avaliaram os efeitos da guta-percha e do Resilon sobre túbulos dentinários contaminados com E. faecalis. Blocos de dentina bovina foram infectados e preenchidos apenas com guta-percha, guta-percha e cimento à base de OZE, guta-percha e cimento resinoso e Resilon e cimento resinoso. Os blocos foram incubados por 4 semanas e, em seguida, raspas de dentina foram coletadas da parede dentinária e colocadas no meio de cultura. Os resultados indicaram que nenhum material foi capaz de impedir completamente o crescimento de E. faecalis. No entanto, o grupo do Resilon e cimento resinoso apresentou redução significativa na contagem de bactérias em relação ao tempo do experimento. Damasceno et al.23 avaliaram a atividade antifúngica do ProRoot MTA e de sete cimentos endodônticos contra as seguintes espécies: Candida albicans, Candida glabrata, Candida tropicalis e Saccharomyces cerevisiae. O teste de difusão em ágar foi o método utilizado. Placas de Petri contendo o meio tripticase-soja ágar foram inoculadas com cada espécie de fungo testada ou com saliva humana, representativa de uma cultura microbiana mista. Os resultados permitiram classificar os cimentos testados em ordem decrescente de eficácia antifúngica: Intrafill, AH Plus, Kerr Pulp Canal Sealer, Epiphany, MTA, Sealer 26, Acroseal e Roeko Seal. Nenhum material foi eficaz contra todas as espécies testadas.
Propriedades físico-químicas Adesividade
Figura 15-10. Halos de inibição do crescimento bacteriano induzidos por cimentos endodônticos.
De acordo com Anusavice5, quando duas substâncias são postas em contato íntimo uma com a outra, as moléculas de um substrato aderem ou são atraídas pelas moléculas do outro substrato. Essa força é denominada adesão, quando moléculas dissimilares são atraídas, e de coesão, quando moléculas do mesmo tipo são atraídas. De acordo com o autor, a adesão está envolvida em várias situações na Odontologia, sendo uma delas a infiltração adjacente aos materiais dentários que é afetada pelo processo de adesão.
Materiais Obturadores
Grossman38 salientou que a adesividade é a capacidade de um cimento permanecer aderido fisicamente às paredes dos canais radiculares e que a maior parte dos cimentos possui essa característica. Todavia, existe diferença no grau de adesividade de um cimento para o outro.
Estabilidade dimensional A estabilidade dimensional parece ser outra característica bastante importante em um cimento. Kazemi et al.55 compararam as mudanças sofridas pelos cimentos endodônticos AH26, Endo-Fill, Endométhasone e um cimento de óxido de zinco e eugenol. Os resultados obtidos por eles mostraram que todos os cimentos testados sofreram alterações dimensionais bastante similares em 180 dias.
Selamento As propriedades dos cimentos responsáveis pela promoção de um bom selamento são a estabilidade dimensional, a impermeabilidade aos fluidos orgânicos e a adesividade às paredes do canal. No que concerne à adesividade às paredes dentinárias, estudos demonstraram que o Sealapex e o Apexit apresentam fraca força adesiva31,34,84,130. O Sealer 26 apresenta adesão pronunciada31. Quanto à estabilidade dimensional, o Sealapex apresenta comportamento atípico, sofrendo alta absorção de água e expansão volumétrica, devido provavelmente à sua porosidade17. O CRCS apresenta estabilidade dimensional mais satisfatória17. O Apexit não apresentou significativa alteração dimensional durante 4 semanas de avaliação75. Venturi127 avaliou a precisão da obturação e a extensão de espaços vazios em canais principais e canais laterais de molares humanos extraídos. Os canais foram instrumentados e obturados pela técnica da compactação vertical complementada pela termocompactação. Os cimentos usados foram Pulp Canal Sealer EWT em um grupo e AH Plus em outro. Após a diafanização, os espaços vazios dentro dos canais foram observados em lupa estereoscópica e a eles atribuído um escore de 0 a 4. Além disso, os canais laterais visíveis foram contados. Em ambos os grupos, nos 4mm apicais, onde a guta-percha foi compactada a frio, foram encontrados menos espaços vazios do que nas porções média e cervical do canal. No grupo do AH Plus foi observada uma quantidade significativamente menor de espaços vazios. Com relação aos canais laterais, melhores resultados foram encontrados também com o AH Plus.
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Como a contração dos materiais após o tempo de presa pode comprometer o resultado do tratamento endodôntico, Hammad et al.42 estudaram o comportamento de três cimentos endodônticos quanto à contração após a polimerização. Os cimentos testados foram EndoRez, RealSeal e GuttaFlow, sendo o controle com o Tubli-Seal (à base de OZE). Os resultados mostraram diferenças estatisticamente significantes. O EndoRez apresentou maior valor de contração, seguido pelo Real-Seal, ao passo que o Tubli-Seal apresentou o menor valor de contração. GuttaFlow exibiu expansão após a polimerização. A forma mais tradicional de se testar a capacidade seladora dos cimentos in vitro é por meio de infiltração de corantes. Inúmeros estudos têm demonstrado que os cimentos endodônticos à base de hidróxido de cálcio proporcionam um selamento apical igual ou superior aos de óxido de zinco‑eugenol4,8,52,96,100. Bouillaguet et al.14 avaliaram a propriedade de selamento de quatro cimentos endodônticos (Pulp Canal Sealer, RoekoSeal, TopSeal e EndoRez). Os cimentos testados mostraram grau de infiltração significativo, mas o RoekoSeal apresentou melhores resultados. No referido trabalho os autores concluíram que o risco biológico do uso de cimentos endodônticos depende, entre outros fatores, da sua capacidade de selamento. Citaram ainda que o material ideal deveria apresentar citotoxicidade mínima sem permitir infiltração. Alexander e Gordon4 compararam a capacidade de selamento apical dos cimentos endodônticos Sealapex, CRCS e do cimento de Grossman, utilizando o método de infiltração do corante azul de metileno. Demonstraram que o Sealapex e o cimento de Grossman promoveram um selamento apical similar. O CRCS apresentou maior índice de percolação apical. Estudo de Siqueira et al.96 revelou que o Sealer 26 apresentou os melhores resultados em termos de selamento quando comparado a outros cimentos contendo hidróxido de cálcio e ao Fill Canal. Contudo, não foram detectadas diferenças estatisticamente significantes entre os materiais. Barnett et al.8 compararam o selamento apical in vivo promovido pelos cimentos CRCS, Sealapex e Roth 801, os dois primeiros contendo hidróxido de cálcio e o último sendo à base de óxido de zinco-eugenol. Os melhores resultados foram obtidos para o CRCS. Os dois cimentos contendo hidróxido de cálcio foram significativamente melhores do que o à base de óxido de zincoeugenol, no que se refere ao selamento apical. Siqueira et al.100 avaliaram o selamento apical promovido por cinco cimentos endodônticos: Pulp Canal
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Capítulo 15 Materiais Obturadores
Sealer EWT, cimento de Grossman, ThermaSeal, Sealer 26 e AH Plus. A solução evidenciadora consistiu em nanquim misturado com soro fetal bovino, no intuito de simular a consistência dos fluidos teciduais. O cimento de Grossman infiltrou significativamente mais do que os outros, exceto quando comparado com o ThermaSeal. Não houve diferença significante entre ThermaSeal e AH Plus, o mesmo ocorrendo quando o Pulp Ca‑ nal Sealer EWT foi comparado com o ThermaSeal ou com o AH Plus. O Sealer 26 apresentou selamento apical significativamente melhor do que os outros cimentos, exceto o AH Plus (Fig. 15-11). Além do selamento apical, a obturação do canal deve promover um selamento coronário adequado85. Siqueira et al.99, avaliando a capacidade de dois cimentos contendo hidróxido de cálcio na prevenção da infiltração de bactérias da saliva, revelaram que o Sealer 26 foi significativamente mais eficaz do que o Sealapex. Jack e Goodell51 compararam a microinfiltração coronária entre o Resilon isoladamente e a guta-per-
A
B
C
D
Figura 15-11. Selamento apical. Espécimes diafanizados representativos de canais obturados com: A. AH Plus; B. Sealer 26; C. Endofill; e D. ThermaSeal.
cha com uma barreira de ionômero de vidro usando um modelo de filtração de fluidos em dentes humanos extraídos. Após instrumentação padronizada, as raízes foram divididas aleatoriamente em dois grupos. Em um, a obturação foi feita com Resilon apenas; em outro, a obturação de guta-percha foi complementada com uma barreira de 2mm de cimento de ionômero de vidro. Os resultados estatísticos permitiram concluir que as raízes obturadas com guta-percha e cimento ionômero de vidro apresentaram microinfiltração significativamente menor do que as obturadas com Resilon. Wedding et al.129 com metodologia semelhante compararam a microinfiltração em canais radiculares obturados com guta-percha + AH 26, e com Resilon + Epiphany pela técnica da compactação vertical. Nesse estudo, os autores observaram que a combinação Resilon + Epiphany apresentou microinfiltração significativamente menor do que a da guta-percha com AH 26 em 1, 7, 30 e 90 dias. Eldeniz e Orstavik28 avaliaram a capacidade dos seguintes materiais obturadores na prevenção da infiltração coronária por Streptococcus mutans: Resilon/ Epiphany, EndoRez, GuttaFlow, RC Sealer, Acroseal, Apexit, AH Plus e RoekoSeal. Os melhores resultados, significantes ao nível estatístico, foram obtidos com Resilon/Epiphany, GuttaFlow e Apexit. Nos casos de perda da constrição apical são feitos esforços no sentido de se criar um batente apical e subsequentemente instrumentar e obturar o canal até esse ponto. A capacidade de selamento do material obturador nesses casos é uma propriedade importante a ser considerada na escolha do material a ser empregado. Dandakis et al.24 estudaram in vitro a capacidade de selamento de três cimentos endodônticos quando do emprego da técnica da compactação lateral em raízes que apresentavam a constrição alargada. Foram utilizados dentes pré-molares humanos unirradiculares retos extraídos. Os canais tiveram a constrição apical alargada e a instrumentação realizada a 1,5mm do comprimento de trabalho original, para criar um novo batente apical. Os canais foram obturados usando os cimentos Topseal, Roth 811 e Apexit. Os dentes foram seccionados transversalmente e a infiltração por corante foi observada por uma lupa estereoscópica e medida digitalmente. Não houve extrusão de guta-percha através do batente criado. Os resultados mostraram que o TopSeal exibiu infiltração significativamente menor que os demais cimentos. Não foram observadas diferenças significativas entre Apexit e Roth 811. Considerando que a capacidade de o material produzir um bom selamento está na dependência do estado
Materiais Obturadores
das paredes dentinárias, Varella et al.125 investigaram o efeito da aplicação do laser antes da obturação do canal radicular. Concluíram que os canais tratados com laser Cr, Er:YSGG proporcionaram um número significativamente maior de canais e istmos obturados.
Solubilidade Os cimentos endodônticos devem ser pouco solúveis junto aos fluidos teciduais. Todavia, essa propriedade é muito discutível, uma vez que o material extravasado deve ser absorvível por fagocitose ou por solubilização, dando lugar a um tecido de granulação, cuja evolução tende a culminar com a reparação. Entretanto, dentro do canal radicular, o cimento endodôntico deve ser estável (não solubilizado). Os cimentos endodônticos à base de hidróxido de cálcio devem apresentar solubilidade para poder liberar íons cálcio e hidroxila da massa. Por outro lado, no interior do canal radicular, essa solubilidade pode ser crítica, uma vez que tende a influir no selamento proporcionado pelo material. Acredita-se, entretanto, que o hidróxido de cálcio liberado nas primeiras horas por um cimento solúvel seja capaz de causar um trauma químico inicial suficiente para estimular a deposição de tecido calcificado em contato com o material. Uma vez que há a formação de um selamento biológico, a solubilização do material decresce, já que o contato com fluidos é drasticamente reduzido. Essas premissas são suportadas pelos achados de Cvek et al.22, que verificaram que apenas um breve contato do hidróxido de cálcio com os tecidos era suficiente para induzir reparo cálcico, sendo que a permanência dessa substância na região por um período prolongado apenas promovia um ambiente estéril, propício para o prosseguimento do processo de cura tecidual. Além disso, um estudo realizado a longo prazo demonstrou que o selamento apical produzido pelo cimento Sealapex é comparável àquele produzido por cimentos à base de óxido de zinco-eugenol102. Dessa forma, mesmo que o material não estimule a formação de selamento biológico por cemento neoformado, a área de contato do cimento endodôntico no interior do canal com os fluidos teciduais parece ser mínima para causar uma dissolução significativa.
Escoamento O escoamento exerce um papel importante na performance de um cimento endodôntico, uma vez que permite a sua penetração em irregularidades, istmos e ramificações inerentes ao sistema de canais radicula-
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res, favorecendo assim a obtenção de uma obturação tridimensional. Siqueira et al.96 realizaram um estudo com o objetivo de comparar o escoamento de três cimentos endodônticos à base de hidróxido de cálcio (Sealapex, Sealer 26 e Apexit) e um à base de óxido de zinco e eugenol (Fill Canal). Os resultados demonstraram que o Sealer 26 possui o maior escoamento, seguido por Fill Canal, Apexit e Sealapex. A análise estatística evidenciou diferença significante entre o Sealer 26, de maior escoamento, e os demais. O Sealapex apresentou escoamento significativamente inferior ao dos demais cimentos testados. Em outro estudo, Siqueira et al.95 testaram o escoamento dos seguintes cimentos: Kerr Pulp Canal Sealer EWT, Fill Canal, ThermaSeal, Sealer 26, AH Plus e Sealer Plus. O AH Plus e o Kerr Pulp Canal Sealer EWT apresentaram valores de escoamento significativamente superiores aos demais cimentos.
Radiopacidade A radiopacidade é uma propriedade importante dos materiais, pois permite o controle radiográfico do preenchimento do canal radicular. O grau de radiopacidade de uma obturação endodôntica está na dependência do tipo de cimento e cones utilizados, da compactação e do volume da obturação. A radiopacidade do cimento deve ser próxima à dos cones utilizados, para que a imagem radiográfica da obturação seja homogênea em toda a sua extensão. O sulfato de bário, carbonato de bismuto, óxido de zinco e óxido de bismuto são as substâncias químicas normalmente empregadas como radiopacificadores dos cimentos endodônticos.
Considerações sobre cimentos endodônticos Até o momento, nenhum material foi capaz de atingir o status de ideal. Em termos gerais, no que tange às propriedades biológicas e físico-químicas, a maioria dos cimentos disponíveis e descritos neste capítulo apresenta comportamento similar. Embora não promovam um perfeito selamento hidráulico e antibacteriano do sistema de canais radiculares41, os cimentos mais utilizados em Endodontia são eficazes em reduzir significativamente a microinfiltração de fluidos e bactérias, em níveis compatíveis com o sucesso da terapia endodôntica, desde que o controle da infecção intrarradicular tenha sido apropriado (ver Capítulo 8, Fundamentação filosófica do tratamento endodôntico). Além disso, a grande maioria dos cimentos aqui descritos apresenta diferentes graus de citotoxicidade imediatamente após a manipulação. Todavia, após a presa do material, sua toxicidade é
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Capítulo 15 Materiais Obturadores
usualmente bastante reduzida. Assim, com exceção dos produtos contendo paraformaldeído na formulação, os cimentos endodônticos não possuem toxicidade mantida com o tempo, o que os torna incapazes de induzir e/ou perpetuar uma lesão perirradicular.
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Obturação dos Canais Radiculares
Capítulo
16
Parte 1 Princípios e técnica de compactação lateral José Freitas Siqueira Jr. • Hélio Pereira Lopes • Carlos Nelson Elias O objetivo precípuo da obturação é selar toda a extensão da cavidade endodôntica, desde a sua abertura coronária até o seu término apical. Em outras palavras, o material obturador deve ocupar todo o espaço outrora ocupado pelo tecido pulpar, promovendo um selamento adequado nos sentidos apical, lateral e coronário13,14,64. É inteiramente possível que uma lesão perirradicular regrida após a instrumentação adequada, mesmo sem obturação. Isso ocorre devido à remoção significativa de irritantes durante o preparo químico-mecânico (Fig. 16.1-1A e B). Entretanto, embora possa resultar em sucesso a curto prazo, esta conduta é inaceitável na prática endodôntica. Canais instrumentados, mas não obturados, resultariam inevitavelmente em fracasso a longo prazo, pois o espaço vazio seria extremamente propício para a proliferação de micro-organismos remanescentes e o estabelecimento de novos microorganismos provenientes da cavidade bucal. O preenchimento adequado e definitivo do canal com um material obturador elimina esse espaço, perpetuando o estado de desinfecção obtido após o preparo químico-
mecânico e pela medicação intracanal (quando usada), além de reduzir os riscos de reinfecção. Outrossim, a obturação deve selar vestígios de irritantes, que podem permanecer após o preparo químico-mecânico, impedindo seu egresso para os tecidos perirradiculares. Quando o fracasso do tratamento endodôntico está relacionado com deficiências no selamento proporcionado pela obturação, o desenvolvimento de uma lesão perirradicular é comumente observado após um longo período, variando de meses a anos.
Selamento apical Micro-organismos remanescentes que sobreviveram ao preparo químico-mecânico constituem um potencial para o fracasso do tratamento endodôntico a longo prazo. Um dos objetivos da obturação é então impedir o egresso desses micro-organismos para os tecidos perirradiculares26,65. Evidentemente, esse isolamento deve se manter intacto definitivamente, pois o reservatório de irritantes também se mantém. As principais regiões que funcionam como reservatório compreendem istmos, túbulos dentinários, canais re-
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
A
B
Figura 16.1-1. Lesão perirradicular. Regressão da lesão. A. Molar inferior, após pré-alargamento cervical do canal distal, cateterismo parcial dos canais mesiais e curativo com tricresol formalina. Radiografia após 9 meses. B. Incisivo inferior, após cateterismo e curativo com tricresol formalina. Radiografia após 12 meses.
correntes, secundários, acessórios, canais comunicantes e reentrâncias do canal principal. Uma vez segregados nessas regiões, muitos micro-organismos poderão sucumbir por ausência de substratos. Outros, porém, podem permanecer quiescentes e, se porventura receberem substrato, podem proliferar e causar dano aos tecidos perirradiculares. Outrossim, uma região contendo micro-organismos mortos pode funcionar como reservatório para outros que eventualmente consigam alcançar essa área. A principal forma de suprimento de substratos para micro-organismos remanescentes em regiões do canal se dá por meio da percolação de fluidos, oriundos dos tecidos perirradiculares, via forame apical pelo espaço existente entre o material obturador e as paredes do canal, resultante de um selamento apical inadequado. Esses fluidos contêm principalmente glicopro-
teínas, que servem de fonte nutricional tanto para as bactérias sacarolíticas quanto para as que obtêm energia a partir de aminoácidos e peptídeos. Micro-organismos remanescentes recebendo nutrientes dos fluidos teciduais via canais de microinfiltração apical começam a proliferar e a liberar seus produtos. Dessa forma, podem então ter acesso aos tecidos perirradiculares, iniciando ou perpetuando lesões inflamatórias. Como esses micro-organismos remanescentes inicialmente estão em número reduzido, um período longo pode ser necessário para que proliferem de forma suficiente para induzir a formação da lesão. Por isso, o fracasso associado a um selamento apical defeituoso usualmente é observado a longo prazo. Foi sugerido que a própria degradação de componentes dos fluidos teciduais que penetram no canal poderia atuar como irritante para os tecidos perirradiculares. Todavia, o espaço vazio por si só não representa um fator irritante dos tecidos perirradiculares43,75. Para que isso ocorra há necessidade da participação de micro-organismos remanecentes. Em face dos conhecimentos existentes pode-se dizer que essa afirmativa não procede. Uma obturação que proporciona um selamento apical satisfatório impede a entrada de fluidos teciduais no canal e o tráfego de saída de micro-organismos e seus produtos para os tecidos perirradiculares.
Selamento lateral Ramificações do canal principal podem constituir, da mesma forma discutida para o forame apical, uma via de comunicação entre irritantes residuais no canal e os tecidos perirradiculares. Assim, um selamento lateral adequado também é requerido para o sucesso do tratamento endodôntico.
Selamento coronário Há até alguns anos, a grande maioria dos autores afirmava que a obtenção de um selamento apical “hermético” era o principal fator relacionado com o sucesso da terapia endodôntica. Todavia, alguns trabalhos têm revelado que um selamento coronário adequado também exerce extrema relevância no resultado do tratamento endodôntico (Fig. 16.1-2). Se irritantes presentes na saliva, como micro-organismos, produtos microbianos, componentes da dieta e substâncias químicas, contatam os tecidos perirradiculares, eles podem se tornar inflamados. De acordo com estudos in vitro, canais obturados expostos diretamente à saliva podem se tornar rapidamente recontaminados (em média após 30 a 45 dias)
Obturação dos Canais Radiculares
Figura 16.1-2. Obturação da cavidade endodôntica. Selamento coronário, médio e apical.
graças à solubilização do cimento endodôntico e à permeabilidade da obturação34,73. Estudo de Behrend et al.4, examinando o efeito da remoção da smear layer na penetração coronária de Proteus vulgaris, relatou que a frequência da penetração bacteriana em 21 dias foi significativamente maior em dentes obturados com a smear layer intacta (70%) do que naqueles onde ela foi removida (30%). A exposição da obturação do canal à saliva pode ocorrer nas seguintes situações clínicas: (a) perda do selador temporário ou da restauração dentária definitiva; (b) microinfiltração por meio do selador temporário ou da restauração dentária definitiva; (c) desenvolvi-
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mento de cárie secundária ou recidivante; (d) fratura do material restaurador e/ou da estrutura dentária. Após a obturação do canal radicular, um selador coronário provisório é aplicado até a realização do tratamento restaurador definitivo. Devido à solubilidade à saliva e à baixa resistência à compressão dos materiais seladores temporários, o selamento provisório não deve permanecer por um período longo. Assim, após a conclusão do tratamento endodôntico, a restauração definitiva do elemento dentário deve ser executada o mais rapidamente possível. A solubilização do cimento endodôntico e a permeabilidade da obturação do canal pela saliva permitem a comunicação entre irritantes da cavidade bucal e os tecidos perirradiculares via forame apical ou ramificações. Nessas condições, o tratamento endodôntico, mesmo bem executado, pode resultar em fracasso (Fig. 16.1-3). Como, clinicamente, ainda é impossível determinar se a comunicação entre a saliva e os tecidos perirradiculares ocorreu, parece contraindicada a restauração dentária definitiva de um dente cujo canal tenha permanecido exposto à cavidade bucal por um curto período. Estudos clínicos têm revelado que a qualidade do selamento coronário promovido pela restauração da coroa dentária pode estar relacionada com o sucesso da terapia endodôntica. Ray e Trope56 afirmaram que a qualidade da restauração coronária foi significativamente mais importante para o sucesso a longo prazo do tratamento endodôntico do que propriamente a qualidade da obturação do canal. Embora tenham alertado para essa questão importante, tal afirmativa não foi respal-
Figura 16.1-3. Ausência de restauração definitiva do dente tratado endodonticamente. Radiografia inicial. Radiografia após 2 anos (reparação da lesão). Radiografia após 4 anos (reaparecimento da lesão).
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
dada por outros estudos. Tronstad et al.76, por exemplo, revelaram que o maior índice de sucesso do tratamento endodôntico ocorreu quando da associação bom tratamento endodôntico/boa restauração coronária – 81% de sucesso. Quando o tratamento endodôntico foi bem executado, mas a restauração coronária ficou ruim, o índice de sucesso caiu para 71% dos casos. Por sua vez, quando a qualidade do tratamento endodôntico não foi boa, o índice de sucesso caiu drasticamente, independentemente de a qualidade da restauração coronária estar boa (56% de sucesso) ou ruim (57% de sucesso) (Quadro 16.1-1). Assim, se o tratamento endodôntico foi inadequado, a qualidade da restauração coronária não influenciou o índice de sucesso. Esse estudo e o de Ricucci et al.57 demonstraram que o fator mais importante para o sucesso da terapia endodôntica se refere à qualidade da mesma. Se o tratamento endodôntico foi bem executado, uma boa restauração coronária poderá elevar o índice de sucesso. Mas, se a qualidade do tratamento endodôntico for insatisfatória, a qualidade da restauração coronária não terá impacto significativo. Assim, uma vez que nenhuma técnica de obturação ou material obturador disponível atualmente apresenta eficácia em promover um bom selamento coronário, o ingresso de micro-organismos da saliva em um canal obturado só pode ser prevenido por adequada restauração coronária. Por outro lado, apenas uma boa restauração coronária não representa garantia de sucesso se o tratamento endodôntico não estiver adequado.
MOMENTO DA OBTURAÇÃO O momento oportuno para se obturar o canal radicular deve ser avaliado criteriosamente. Na sessão em que será executada a obturação do sistema de canais radiculares, o profissional deverá observar alguns
Quadro 16.1-1 Influência da qualidade do tratamento endodôntico e da restauração coronária no sucesso endodôntico. De acordo com Tronstad et al.76 Tratamento endodôntico
Restauração coronária
Índice de sucesso
Bom
Boa
81%
Bom
Ruim
71%
Ruim
Boa
56%
Ruim
Ruim
57%
fatores que determinarão a possibilidade ou não de se realizar tal procedimento. Para se eleger o momento ideal da obturação, alguns dos seguintes requisitos devem ser preenchidos:
Preparo químico-mecânico completo O canal radicular só deve ser obturado quando sua ampliação, limpeza, desinfecção e modelagem tiverem sido completadas. O canal deve estar o mais limpo possível, com a máxima remoção de irritantes (ampliação), para propiciar o reparo dos tecidos perirradiculares. Além desses cuidados, é imprescindível que também esteja adequadamente ampliado (modelado), favorecendo a execução da técnica de obturação. É imperioso ressaltar que os limites para essa ampliação se encontram condicionados aos aspectos patológicos do tecido presente no canal radicular, à anatomia radicular do dente a ser tratado e à flexibilidade dos instrumentos endodônticos.
Ausência de exsudação persistente No momento da obturação, necessariamente devemos secar o canal. Se após a remoção da medicação intracanal se observa a drenagem de exsudato pelo canal, ele não deve ser obturado. Primeiro, porque isso sugere que o tratamento não está sendo eficaz para eliminar irritantes do canal ou está sendo realizado de forma inadequada, causando uma agressão física (sobreinstrumentação) ou química (uso de substâncias citotóxicas) aos tecidos perirradiculares. Segundo, porque a presença de umidade no canal pode interferir com as propriedades físicas do material obturador, causando deficiências no selamento. Nesses casos, o profissional deve proceder da seguinte maneira: (a) recapitulação do preparo químicomecânico do canal; (b) emprego de medicação intracanal com pasta HPG. Na sessão seguinte, se ainda houver persistência da exsudação, devem ser repetidos os mesmos passos descritos, sendo agora necessária a prescrição de antibióticos. O antibiótico de eleição para esses casos é a amoxicilina. Para pacientes alérgicos às penicilinas, deve-se optar pela clindamicina. Se a exsudação ainda persistir após o emprego de antibióticos sistêmicos por 7 dias, deve-se optar pela cirurgia perirradicular.
Ausência de sintomatologia No momento da obturação, o paciente não deve apresentar sensibilidade à percussão, sensação de dente extruído ou dor espontânea, o que é altamente indicativo
Obturação dos Canais Radiculares
de que o tratamento endodôntico não está sendo realizado da forma ideal. A permanência de micro-organismos em número considerável no sistema de canais radiculares, a sobreinstrumentação e o uso abusivo de substâncias químicas de elevada citotoxicidade são as causas mais comuns de sintomatologia persistente. A sessão de obturação deve ser adiada nessas circunstâncias. O tratamento é o mesmo para casos de exsudação persistente.
Ausência de odor O canal não deverá ser obturado na presença de odor fétido, pois fica indicada a permanência da infecção endodôntica, com proliferação de micro-organismos, particularmente os anaeróbios. Ácidos graxos de cadeia curta, poliaminas, amônia e compostos sulfurados (metilmercaptana e sulfeto de hidrogênio) são os principais produtos bacterianos responsáveis pelo odor que pode emanar do canal radicular. O preparo químico-mecânico deve ser refeito, o canal novamente medicado e a obturação adiada para uma sessão ulterior. O odor necessita estar em alta intensidade para ser percebido pelo profissional, não devendo chegar ao limite extremo de cheirar instrumentos, felpas de algodão e cones de papel retirados do canal.
Obtenção de culturas negativas Embora seja ainda o método mais científico de avaliar as condições microbiológicas do canal radicular, o teste bacteriológico, de uso rotineiro, tem validade questionável. Alguns dos seguintes fatores nos levam a não recomendá-lo para uso rotineiro na prática endodôntica: a grande probabilidade de ocorrerem falhas durante a coleta de material do canal, o que pode conduzir a falsos resultados; não permitir que sejam avaliadas as condições microbiológicas de todo o sistema de canais radiculares; não serem eficazes os métodos comumente utilizados para manter a viabilidade de anaeróbios estritos, os principais patógenos endodônticos. Por essas razões, acreditamos que esse teste deva ser utilizado em casos limitados, como em pacientes de risco, e como meio de pesquisa. Nessas circunstâncias deve ser executado por um profissional devidamente treinado e afeito à técnica. Outrossim, a metodologia deve permitir o isolamento de bactérias anaeróbias estritas.
OBTURAÇÃO EM SESSÃO ÚNICA VERSUS DUAS OU MAIS SESSÕES O tratamento endodôntico executado em sessão única tem algumas vantagens tanto para o profissional,
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como para o paciente. Além de poupar tempo, bastante desejável nos dias atuais, previne a contaminação (dentes polpados – biopulpectomia) ou a recontaminação (dentes despolpados) que pode ocorrer entre as sessões de tratamento. Em casos de tratamento de dentes polpados, o tratamento em sessão única não apresenta maiores resistências por parte dos profissionais, devendo ser executado quando o fator tempo, a habilidade do operador, as condições anatômicas e o material disponível assim o permitirem. Por outro lado, a obturação imediata em casos de dentes despolpados, com uma infecção endodôntica estabelecida e lesão perirradicular associada ou não, representa um dos assuntos mais controversos da especialidade. Dois fatores são críticos quando se considera o tratamento em sessão única de dentes despolpados: a incidência de sintomatologia pós-operatória e o sucesso a longo prazo da terapia.
Sintomatologia pós-operatória Ao ser observada a incidência de sensibilidade pós-operatória após tratamentos endodônticos realizados em sessão única ou múltiplas, os resultados encontrados mostraram que o estado patológico pulpar não interfere nos resultados17,29,50,58,71,77. Esses dados atestam, claramente, que a incidência de dor pós-operatória não difere significativamente quando do tratamento endodôntico de dentes com necrose pulpar em uma ou em múltiplas sessões. Entretanto, além da avaliação do desenvolvimento de sintomatologia após o tratamento de dentes despolpados em sessão única, um outro fator, provavelmente mais relevante, deve ser considerado: o sucesso a longo prazo do tratamento.
Sucesso a longo prazo Diversos estudos avaliaram o sucesso a longo prazo da terapia endodôntica em dentes portadores de necrose pulpar realizada em sessão única ou múltipla. Weiger et al.79, em 2000, realizaram um trabalho prospectivo in vivo para verificar a influência do hidróxido de cálcio usado como medicação intracanal entre sessões na cura das lesões perirradiculares associadas em 67 dentes portadores de polpas necrosadas. Compararam o prognóstico dos tratamentos endodônticos realizados em sessão única ou em duas. Após 5 anos verificaram índices de reparação completa das lesões que excederam 90% dos casos para ambas as modalidades de tratamento. Araújo Filho1, avaliando clínica e radiograficamente o tratamento endodôntico de dentes
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
desvitalizados em sessão única, obteve um índice geral de sucesso de 90,2%. O tempo de prosservação foi de 2 a 10 anos após o tratamento endodôntico. De acordo com Peters et al.55, os dentes que receberam medicação intracanal de hidróxido de cálcio, in vivo, permitiram o crescimento microbiano entre as consultas. Quanto maior foi o tempo entre as consultas, maior o crescimento microbiano. Peters e Wesselink54 mostraram que culturas positivas colhidas imediatamente antes da obturação de canais radiculares não influenciaram o prognóstico dos tratamentos realizados em uma ou mais sessões clínicas. Molander et al.48 e Penesis et al.53 concluíram que não há diferença estatisticamente significativa quanto ao sucesso do tratamento endodôntico de dentes com necrose pulpar realizado em uma ou duas sessões. Os resultados desses estudos poderiam sinalizar a favor do tratamento em sessão única em casos de dentes despolpados. Todavia, todos esses estudos envolveram amostragem baixa, o que questiona a validade dos resultados “estatisticamente não significantes”. Na verdade, as evidências científicas atuais apontam para um maior índice de sucesso quando da utilização de um medicamento intracanal para potencializar a desinfecção. Além disso, estão de acordo com a lógica norteadora da Endodontia contemporânea, a qual estabelece que o controle da infecção é fator preponderante para o sucesso da terapia de dentes com lesão perirradicular. E isso não pode ser previsivelmente alcançado em uma única sessão operatória. Um estudo realizado por Sjögren et al.68 revelou resultados desalentadores para o tratamento em sessão única de canais infectados em dentes de humanos. Esses autores investigaram o papel da infecção no sucesso da terapia endodôntica concluída em sessão única. Os canais de 55 dentes unirradiculares, com lesão perirradicular associada, foram instrumentados, tendo sido usado como solução química auxiliar o hipoclorito de sódio a 0,5% e obturados na mesma sessão. Antes da obturação, amostras foram colhidas dos canais e processadas por métodos bacteriológicos avançados. Todos os canais estavam infectados antes do tratamento, e o sucesso de 53 casos foi avaliado em acompanhamento de 5 anos. Em 44 casos (83%), as lesões desapareceram completamente. Em nove casos (17%), houve fracasso da terapia endodôntica. Desses nove que fracassaram, sete apresentaram cultura positiva antes da obturação. Esse índice de sucesso obtido em sessão única (83% dos casos) pode ser considerado baixo quando comparado ao de outro estudo por Sjögren et al.66. Os canais de dentes despolpados
tratados em múltiplas sessões, quando obturados no limite de 0 a 2mm do ápice radiográfico, resultaram em um sucesso de 94%. Em um estudo clínico, Trope et al.78 compararam radiograficamente o sucesso de dentes tratados em sessão única ou em duas sessões. Todos os tratamentos foram efetuados pelo mesmo operador, sempre empregando a mesma técnica de instrumentação e o mesmo tipo de solução irrigadora (hipoclorito de sódio a 2,5%). No grupo de duas sessões, o hidróxido de cálcio foi a medicação utilizada por no mínimo uma semana. A prosservação de 1 ano revelou um índice de sucesso de 64% dos casos concluídos em sessão única e 74% para o efetuado em duas sessões. A ação desinfetante adicional da medicação intracanal elevou em 10% o índice de sucesso do tratamento. Tal diferença foi considerada clinicamente relevante. Bonetti Filho7, em 2000, em uma avaliação radiográfica, histopatológica e histomicrobiológica, realizou o tratamento de 72 canais com lesões perirradiculares induzidas em dentes de cães. Os canais foram divididos em quatro grupos experimentais. No grupo I se utilizou como medicação intracanal uma pasta à base de hidróxido de cálcio (Calen) associada a formocresol; no grupo II se utilizou a mesma pasta, associada ao formocresol e paramonoclorofenol canforado; no grupo III, a pasta Calen com paramonoclorofenol canforado; e, no grupo IV, os canais foram obturados na mesma sessão. Foi utilizada uma solução de hipoclorito de sódio a 5,25% como substância química auxiliar da instrumentação dos canais radiculares. O trabalho concluiu que o uso da medicação intracanal foi fundamental para o reparo da região perirradicular. No grupo onde se realizou a obturação imediata, radiograficamente ocorreram os menores percentuais de redução da área da lesão perirradicular, sendo o único a apresentar micro-organismos na região perirradicular quando comparado aos demais grupos. Otoboni Filho51, em 2000, estudou o processo de reparo após tratamento endodôntico em uma ou duas sessões em dentes de cães com lesões perirradicularres induzidas. Como medicação intracanal foi utilizada a pasta de hidróxido de cálcio por 7 e 14 dias e, como substância química auxiliar, solução de hipoclorito de sódio a 2,5%. Os resultados demonstraram que o tratamento em duas sessões foi superior ao realizado em sessão única, como também o curativo de hidróxido de cálcio por 14 dias foi mais eficiente do que por 7 dias. Tanomaru Filho72, em 2001, avaliou a reparação perirradicular após tratamento endodôntico de den-
Obturação dos Canais Radiculares
tes de cães com necrose pulpar e reação perirradicular crônica. Dois grupos foram obturados em sessão única e os outros dois em duas sessões, tendo como curativo intracanal pasta de hidróxido de cálcio por 15 dias. As substâncias químicas auxiliares da instrumentação empregadas foram hipoclorito de sódio a 5,25% ou clorexidina a 2%. Os resultados da análise histológica demonstraram que os grupos que receberam curativos intracanais apresentaram melhores resultados de reparo do que aqueles obturados em sessão única. Soares e César70, em 2001, avaliaram clinica e radiograficamente 37 dentes com necrose pulpar e lesão perirradicular assintomática. Após o preparo químicomecânico utilizando como solução química auxiliar o hipoclorito de sódio a 5%, 28 dentes (93,3%) estavam microbiologicamente negativos; no entanto, aos 12 meses apenas 46,4% apresentaram completa resolução das áreas radiolúcidas perirradiculares. Em função dos resultados concluíram que, a médio prazo, o tratamento endodôntico em sessão única proporciona 100% de sucesso clínico, mas reduzido percentual de sucesso radiográfico. Tem sido relatado que, em cerca de 40 a 50% dos casos de dentes com canais radiculares infectados, micro-organismos sobrevivem ao preparo químicomecânico9,10,67. Muitos desses micro-organismos estão destinados a morrer pela exposição a um material obturador dotado de atividade antimicrobiana ou por estarem confinados dentro do canal, ficando desprovidos de nutrientes. Contudo, em alguns casos, microorganismos podem sobreviver mesmo a despeito de uma obturação adequada do canal radicular, obtendo nutrientes e sobrevivendo em número suficiente para perpetuar uma lesão perirradicular. Isso é confirmado pelos achados de Sjögren et al.66, os quais verificaram que 31,8% dos casos que apresentavam cultura positiva antes da obturação resultaram em fracasso, caracterizado pela manutenção da lesão perirradicular mesmo após 5 anos de observação. É evidente que a redução da população microbiana dos canais radiculares promovida pelo preparo químico-mecânico é na maioria das vezes suficiente para permitir que os mecanismos de reparo dos tecidos perirradiculares tenham efeito. Contudo, a perpetuação de processos patológicos perirradiculares causada pela persistência de uma infecção endodôntica vai depender: (a) do acesso desses micro-organismos aos tecidos perirradiculares; (b) da resistência do hospedeiro; (c) da virulência; (d) do número de micro-organismos envolvidos.
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O alojamento de micro-organismos no interior de irregularidades do sistema de canais radiculares impede o acesso das células inflamatórias e imunológicas de defesa ao sítio infeccioso. Moléculas proteicas envolvidas na defesa do hospedeiro, como anticorpos e componentes do sistema complemento, podem efetivamente penetrar nessas áreas, mas podem não ter efeito desde que muitos patógenos endodônticos liberem proteases envolvidas na quebra e na consequente inativação dessas moléculas. Assim, como os micro-organismos remanescentes em localidades anatômicas inacessíveis aos instrumentos e à substância química auxiliar representam um potencial para o fracasso a longo prazo do tratamento endodôntico, medidas adicionais que envolvem o controle desse processo infeccioso (por eliminação ou máxima redução de micro-organismos) devem ser empregadas durante a execução da terapia em dentes despolpados. No presente momento, apenas a medicação intracanal com determinadas substâncias químicas pode ser eficaz nesse sentido43,62,67. Destarte, nos casos de biopulpectomia (dentes polpados), optamos pela obturação imediata do canal radicular após o preparo químico-mecânico, sempre que possível. Essa conduta se baseia no fato de o canal estar originalmente livre de micro-organismos, desde que a cadeia asséptica tenha sido mantida pelo profissional durante os procedimentos intracanais. Assim, não há razão aparente para não concluir o tratamento em sessão única, mesmo nos casos de pulpite irreversível sintomática, pois uma vez removida a polpa há remissão dos sintomas. Na pulpite irreversível, a infecção usualmente se restringe à superfície exposta da polpa, mantendo-se o seu segmento radicular livre de micro-organismos46,81. Entretanto, quando um quadro de sintomatologia à percussão, em razão de uma periodontite apical aguda, está associado à pulpite, o tratamento deve ser prolongado por mais uma sessão e o canal medicado com hidróxido de cálcio/glicerina ou com uma solução de corticosteroide/antibiótico. Em casos de necrose pulpar, mormente quando há associação com lesões perirradiculares, o canal deveria ser obturado em uma segunda sessão, após a permanência de uma medicação intracanal com a pasta de hidróxido de cálcio//PMCC/glicerina (HPG) por um período variável entre 3 e 7 dias. Essa medicação é bastante eficaz em maximizar a eliminação de micro-organismos do interior do sistema de canais radiculares (ver Capítulo 14, Medicação intracanal).
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
LIMITE APICAL DE OBTURAÇÃO Parece ser consensual entre a maioria dos autores o fato de que o material obturador deva se limitar ao interior do sistema de canais radiculares. Da mesma forma, preconiza-se que a obturação deva atingir as proximidades do forame apical. Em algumas situações clínicas, contudo, esse intento pode nem sempre ser alcançado. Nos casos de dentes polpados, nos quais microorganismos estão ausentes (e desde que o profissional não os tenha introduzido no canal), o limite apical de obturação não representa maiores problemas ao sucesso da terapia endodôntica, que usualmente é alto, independentemente de o canal estar obturado ao nível do ápice, aquém ou além dele. Todavia, em casos de dentes despolpados com lesão perirradicular associada, o limite da obturação pode influenciar o sucesso do tratamento. Sjögren et al.66, por meio da análise de diferentes fatores que podem influenciar o sucesso do tratamento endodôntico, acompanharam 356 pacientes após o período de 8 a 10 anos de conclusão do tratamento. O índice de sucesso para os casos sem lesão perirradicular associada, excedeu 96%, mas já nos casos de dentes despolpados com lesão o índice de sucesso foi de 86%. Esses dados demonstram claramente que na presença de uma lesão perirradicular o índice de sucesso pode cair significativamente, o que se deve à presença de uma microbiota complexa instalada e disseminada para todo o sistema de canais radiculares, caracterizando uma infecção mais difícil de controlar. O sucesso do tratamento de dentes despolpados com lesão perirradicular associada depende do nível da obturação em relação ao ápice radicular. Sjögren et al.66 relataram que, em tais casos, os canais obturados no limite do ápice ou até 2mm aquém apresentaram um percentual de sucesso de 94%, enquanto os sobreobturados ou os obturados a mais de 2mm do ápice apresentaram índices menores, ou seja, 76 e 68%, respectivamente. Araújo Filho1, avaliando clínica e radiograficamente o tratamento endodôntico de dentes desvitalizados realizados em sessão única, concluiu que o limite apical de obturação foi um fator diferencial, uma vez que o maior índice de sucesso foi observado no grupo onde os canais radiculares foram obturados no limite de 0 a 2mm aquém da abertura foraminal. O índice de sucesso dos casos de necropulpectomia obturados ao nível dos 2mm apicais do canal é bastante próximo daquele obtido para as biopulpectomias. Esse fato salienta a importância de se instrumentar o canal e obturá-lo a um nível mais próximo possível do forame
apical, garantindo com isso uma desinfecção adequada em uma máxima extensão do canal. Todavia, canais obturados a mais do que 2mm aquém do ápice radicular têm maiores chances de fracassar, inclusive quando comparados aos casos onde houve sobreobturação. A obturação muito aquém do forame representa um grande potencial para o fracasso da terapia principalmente nos casos onde o segmento apical além da obturação não foi instrumentado. Esse segmento abriga microorganismos envolvidos na indução e na perpetuação da lesão perirradicular e, uma vez não eliminados, têm um grande potencial para manter um nível de agressão que é incompatível com a reparação dessas lesões. Contudo, mesmo nos casos em que o segmento apical não obturado foi previamente instrumentado, o fracasso pode advir. Isso porque, embora o número de micro-organismos tenha sido reduzido nessa localização, o espaço vazio será rapidamente recolonizado pelos micro-organismos remanescentes, que irão se multiplicar na presença de substrato suprido por restos teciduais necrosados não removidos e, principalmente, por moléculas presentes no fluido tecidual oriundo dos tecidos perirradiculares que inevitavelmente, por capilaridade, irão preencher esse segmento apical vazio. Em pouco tempo, tais micro-organismos remanescentes, na presença de substrato disponível, poderão alcançar números suficientes para a manutenção da lesão perirradicular, resultando no fracasso da terapia. A ocorrência de sobreobturação pode também influenciar negativamente os resultados do tratamento endodôntico de dentes com lesão perirradicular. A princípio, isso sugere um efeito citotóxico proporcionado pelo material obturador. Entretanto, estudos revelam que a guta-percha é bem tolerada pelos tecidos perirradiculares, e a maioria dos cimentos endodônticos, embora apresente níveis variados de citotoxicidade antes da presa, usualmente perde essa propriedade após o endurecimento3,35. Uma vez que a agressão química causada pelos cimentos é transitória, deve-se reconhecer então que é incapaz de induzir e manter uma lesão perirradicular. Quando extravasados, os cimentos podem ter três destinos, dependendo de suas propriedades físico-químicas. Se solúveis, podem ser fagocitados ou se dissolver e serem eliminados na forma de pequenas moléculas ou íons. Se insolúveis, podem ser encapsulados por tecido conjuntivo fibroso, caracterizado pelo predomínio de colágeno (Fig. 16.1-4). Nos casos em que ultrapasse o cone de gutapercha para os tecidos perirradiculares geralmente se forma uma cápsula fibrosa envolvendo-o. Entretanto, podem existir situações em que o cone extravasado é
Obturação dos Canais Radiculares
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Figura 16.1-4. Extravasamento de material obturador. Incisivo lateral superior. Obturação do canal com grande extravasamento de material obturador (pasta L & C). Controle após 8 anos. Material encapsulado (radiograficamente).
de pequeno calibre e, com o passar do tempo, pode ser reabsorvido por meio de um fenômeno físico-químico de solubilização e desintegração e também pela ação macrofágica25,26,35 (Fig. 16.1-5). Aliás, para reforçar tais afirmativas inerentes à ausência de toxicidade significativa dos materiais obturadores, pode-se comentar o fato de que nos casos de dentes polpados, onde uma infecção endodôntica não está instalada no sistema de canais radiculares, a sobreobturação não influencia negativamente o sucesso do tratamento.
Figura 16.1-5. Extrusão de cone de guta-percha para os tecidos perirradiculares. Controle após 3 anos. Material encapsulado (radiograficamente).
Embora alguns raros casos de fracassos associados a sobreobturações possam ser atribuídos a uma reação de corpo estranho ao material extravasado43,67, na maioria das vezes, a presença de micro-organismos é o principal elemento determinante do insucesso e não a toxicidade dos materiais comumente utilizados na atualidade. Esse dado ressalta o papel exercido por microorganismos no fracasso da terapia endodôntica. Baseados no exposto, consideramos que a obturação deva preencher toda a extensão do canal preparado, devendo então se localizar, sempre que possível, 0,5 a 1mm do ápice radiográfico (Fig. 16.1-6). Isso permite a eliminação do espaço vazio, reduzindo o risco de ulterior colonização bacteriana nesse espaço, o que caracterizaria um potencial fracasso do tratamento endodôntico. Obturações muito aquém não são indicadas, uma vez que podem deixar um segmento muito extenso no qual micro-organismos inevitavelmente poderão se estabelecer. Deve-se ter ainda em mente que, embora o limite ideal seja de 0,5 a 1mm aquém do ápice, em determinadas circunstâncias ele será difícil de ser alcançado, como em casos de forame amplo, devido a reabsorções dentárias, sobreinstrumentação ou rizogênese incompleta, que predispõem à sobreobturação. Já nos casos de hipercementose e de acidentes, como degraus, bloqueios e instrumentos fraturados, a obturação pode ter de ficar muito aquém do limite ideal. O profissional deverá avaliar as condições peculiares de cada caso e decidir a conduta a ser tomada, que pode incluir prosservação ou cirurgia perirradicular (Figs. 16.1-7 e 16.1-8).
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
DESCONTAMINAÇÃO DOS CONES DE GUTA-PERCHA
Figura 16.1-6. Material obturador preenchendo toda a extensão do canal radicular preparado (limitado de 0,5 a 1mm do ápice radiográfico). Pré-molar inferior. (Gentileza do Ten.-Cel. Dent. Chiesa.) Corte histológico. Selamento apical. (Gentileza do Prof. R. Holland.)
Figura 16.1-7. Bloqueio apical. Obturação aquém do limite ideal.
Figura 16.1-8. Bloqueio apical. Cones de prata seccionados não removidos. Controle após 1 ano.
Os cones de guta-percha, como disponíveis no comércio especializado, por serem termolábeis, não podem ser esterilizados pelo calor. Uma vez que contatam os tecidos perirradiculares, é aconselhável descontaminar esses cones antes do uso por um método químico. Depois de removidos de suas embalagens, alguns cones de guta-percha comercialmente disponíveis podem se encontrar contaminados com micro-organismos potencialmente patogênicos49. Embora a maioria dos cones de guta-percha não seja esterilizada pelo fabricante, alguns fatores podem ser responsáveis pelo baixo percentual de contaminação dos cones. A atividade antimicrobiana provavelmente está relacionada com os efeitos de algumas substâncias, como o óxido de zinco, que fazem parte da composição do cone de guta-percha. Outrossim, a superfície dos cones de guta-percha dificulta a colonização microbiana. Estudos demonstraram que a imersão dos cones em hipoclorito de sódio nas concentrações entre 2,5 e 5,25% é suficiente para efetivamente eliminar microorganismos contaminantes60,61. O hipoclorito de sódio, além de possuir atividade antibacteriana, é também um agente esporocida6,16 que pode inibir a germinação e o crescimento de esporos. Siqueira et al.63 demonstraram que a solução a 5,25% foi eficaz para eliminar esporos sobre os cones de guta-percha após 1 minuto de contato, corroborando os achados de Senia et al.60. Esses dados indicam que o NaOCl a 5,25% pode ser usado de forma eficaz na descontaminação dos cones de guta-percha antes da obturação do sistema de canais radiculares. Silva et al.61 avaliaram a eficácia de quatro soluções comerciais de hipoclorito de sódio a 2–2,5% para eliminar esporos de Bacillus subtilis sobre cones de guta-percha. Os produtos testados foram três marcas de água sanitária (Clorox, Q-Boa e Super Globo) e Virex. Os cones de guta-percha contaminados com os esporos foram deixados em contato com as soluções por 1, 3, 5, 10 e 20 minutos. Os resultados demonstraram que todas as soluções testadas descontaminaram os cones após 1 minuto de contato. Tais resultados evidenciaram que a água sanitária pode ser utilizada para a descontaminação eficaz dos cones de gutapercha antes do uso. Lopes et al.38, por meio da microscopia eletrônica de varredura, não observaram alterações morfológicas
Obturação dos Canais Radiculares
Figura 16.1-9. Superfícies de cones de guta-percha (eletromicrografia). Lado esquerdo. Após contato com solução de hipoclorito de sódio. Ausência de alteração morfológica na superfície do cone. Lado direito. Sem contato com solução de hipoclorito de sódio.
nas superfícies dos cones de guta-percha Dentsply e Ohdacam: (a) após o contato por 30 minutos com solução de hipoclorito de sódio a 5%, álcool iodado a 0,3%, Germekil (Ceras Johnson Ltda. – Divisão Hospitalar), Cidex (Johnson & Johnson Medical, SP, Brasil) e clorexidina a 2%, e (b) por 7 dias com glicerina fenicada a 10% e em ambiente de formaldeído (4 g/L) (Fig. 16.1-9).
TÉCNICA DE COMPACTAÇÃO LATERAL Essa técnica de obturação, também denominada de compactação lateral a frio, parece ter sido inicialmente proposta por Callahan, em 191423. A expressão compactação lateral refere-se à colocação sucessiva de cones auxiliares lateralmente a um cone principal bem adaptado e cimentado no canal. O espaço para os cones auxiliares é comumente criado pela ação de espaçadores. O termo compactação em substituição ao de condensação é recomendado pelo Glossário de Terminologia Contemporânea para Endodontia22. A técnica de compactação lateral pode ser utilizada na grande maioria das situações clínicas. Contudo, em casos de curvatura extrema, aberrações anatômicas ou reabsorção interna, essa técnica deve ser modificada ou substituída por uma que empregue a termoplastificação da guta-percha. Entretanto, os resultados obtidos por diversos autores indicam não haver diferença estatística significante quanto à infiltração apical ou cervical de corantes ou de bactérias entre a técnica de compactação lateral e as de obturação pela termoplastificação da guta-percha2,21,24,73. Para Kerekes e Rowe33, onde se consegue um preparo do segmento apical com seção reta transversal circular, qualquer técnica de obturação tende a apresentar resultados semelhantes. Porém, em canais com
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seções retas transversais e irregulares, a técnica de obturação pela termoplastificação apresentará resultados superiores à de compactação lateral. Assim, podemos afirmar que o selamento de um canal radicular pelo material obturador está relacionado muito mais com a forma do preparo e a textura da superfície das paredes do canal radicular do que com a técnica de obturação empregada. A técnica consiste, basicamente, dos seguintes passos:
Seleção do espaçador Os espaçadores têm a função de abrir espaços para a colocação de cones acessórios lateralmente ao principal. Espaçadores digitais devem ser preferidos em relação aos manuais (Fig. 16.1-10A e B). O fato de a força aplicada estar na direção axial do instrumento (eixo do canal radicular) permite um melhor sentido tátil, uma melhor sensibilidade para avaliar a intensidade da resistência ao avanço do instrumento na massa obturadora e um menor risco de induzir tensões nas paredes do canal, o que poderia resultar em fraturas verticais. Por sua vez, quando usamos os espaçadores manuais,
A
B
Figura 16.1-10. Espaçadores endodônticos. A. Digital. B. Manual.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
a aplicação da carga para induzir o avanço do instrumento é paralela (distante) ao eixo do canal, tornando difícil ao profissional avaliar a intensidade da resistência da massa obturadora e da parede do canal. Além desse fato, há maior possibilidade de serem criados binários que aumentam o carregamento nas paredes do canal e possibilitam a indução de fratura da raiz. O espaçador a ser utilizado é o de maior diâmetro a penetrar livremente no canal de 1 a 2mm aquém do comprimento do trabalho (CT), sem transmitir durante a obturação força excessiva nas paredes do canal. Isso porque quanto mais profundamente penetrar o espaçador, melhor será a qualidade do selamento apical. Por essa razão, espaçadores devem ser usados com limitadores de penetração. Esse objetivo é geralmente logrado em canais retos, porém, em canais curvos os espaçadores encontram maior resistência ao seu avanço na massa obturadora induzindo maior carregamento nas paredes do canal radicular. A indução de tensões nas paredes de um canal radicular curvo durante a obturação pela técnica de compactação lateral pode ser influenciada por fatores inerentes à anatomia do dente e ao espaçador. Em relação à anatomia do dente, podemos destacar o diâmetro da raiz, a forma do canal radicular e o raio do arco de um canal curvo. Quanto ao espaçador, destacamos suas características geométricas e sua flexibilidade. Para Lopes et al.41, os espaçadores endodônticos (Dentsply-Maillefer, Suíça) de NiTi são estatisticamente mais flexíveis do que os de aço inoxidável. Comparando-se os valores das médias das forças para flexionar em cantilever, os espaçadores observaram que: a força para flexionar o espaçador A de aço inoxidável é 167% maior do que a necessária para o de NiTi; para os espaçadores B, C e D a força é maior 146%, 102% e 64%, respectivamente. Para os espaçadores de uma mesma liga metálica, a força máxima de flexão em cantilever aumentou com o aumento da conicidade da parte de trabalho da haste metálica. Devido à resistência em flexão espera-se que os espaçadores endodônticos digitais de NiTi induzam menor tensão do que os de aço inoxidável nas paredes de canais radiculares curvos, durante a obturação do canal pela técnica de compactação lateral15,32,41. Por essa razão para canais com segmentos curvos devemos dar preferência aos espaçadores de NiTi. A conicidade da parte de trabalho é de 0,02, 0,03, 0,05 e 0,06mm/mm, respectivamente, para os espaçadores endodônticos digitais A, B, C e D. O diâmetro
em D0 é de 0,20mm para os espaçadores A, B e C, e de 0,35mm para o D. Quanto à geometria, os espaçadores endodônticos digitais apresentam ponta cônica obtida por torneamento, exceto os de aço inoxidável D. Nesses, a ponta não é definida, sendo uma continuidade do segmento cônico da haste metálica. Os vértices das pontas dos espaçadores de aço inoxidável A, B e C são arredondados (obtusos), enquanto o do instrumento D é truncado. Para os de NiTi, os vértices são truncados e biselados. O ângulo da ponta é de 20° com pequenas variações para os espaçadores de aço inoxidável, exceto para o D, cujo ângulo é o mesmo do segmento cônico da haste metálica do instrumento (3,5°). Os espaçadores de NiTi apresentam dois ângulos, um de 90° na extremidade da ponta, formando o bisel, e outro de 20° com pequenas variações, localizado na parte posterior da ponta. Na análise por meio do microscópio eletrônico de varredura observamos que as pontas dos espaçadores A, B e C de aço inoxidável são lisas e os segmentos cônicos apresentam ranhuras longitudinais, enquanto os de NiTi apresentam ranhuras circunferenciais em toda a extensão na parte de trabalho oriundas das ferramentas de usinagem40 (Figs. 16.1-11 a 16.1-14).
Seleção do cone principal O cone é escolhido em função do diâmetro do instrumento empregado no preparo apical do canal radicular.
Figura 16.1-11. Espaçadores endodônticos digitais. Aço inoxidável, A, B e C (Maillefer, Suíça). Parte de trabalho: Ponta lisa, vértice arredondado, ângulo de 20° e ranhuras longitudinais.
Obturação dos Canais Radiculares
Figura 16.1-12. Espaçadores endodônticos digitais. Aço inoxidável, D (Maillefer, Suíça). Parte de trabalho: ponta truncada, ranhuras longitudinais.
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Os cones de guta-percha padronizados nas conicidades 0,02, 0,04 e 0,06mm/mm geralmente são escolhidos (Fig. 16.1-15). A maior conicidade do cone de guta-percha aumenta a resistência mecânica da flexocompressão da ponta no sentido da região de maior diâmetro do cone. Assim, cones de guta-percha com iguais diâmetros em D0, os de maior conicidade (milímetro por milímetro), são mais resistentes à flexocompressão. Essa forma permite a ponta do cone vencer durante o avanço, no interior do canal radicular, curvaturas e pequenos obstáculos presentes, até que seja alcançado o CT. Outra razão para o uso de cones com maior conicidade é que as técnicas de instrumentação recomendam uma maior ampliação do segmento cervical e médio dos canais radiculares. Assim, os cones de maior conicidade preenchem melhor o espaço do canal cirúrgico reduzindo o número de cones acessórios empregados na obturação do canal radicular. Alguns fabricantes fornecem cones de guta-percha com as dimensões correspondentes aos instrumentos endodônticos. Devem ser seguidos três critérios para seleção do cone principal: inspeção visual, critério tátil e critério radiográfico.
Inspeção visual
Figura 16.1-13. Espaçadores endodônticos digitais. NiTi, A, B C, e D (Maillefer, Suíça). Parte de trabalho: ponta com vértice truncado e biselado, ângulos de 20 e 90°, ranhuras circunferenciais.
Figura 16.1-14. Espaçadores endodônticos digitais. Superior. Aço inoxidável. Parte de trabalho: ponta lisa e haste cônica com ranhuras longitudinais. Inferior. NiTi. Parte de trabalho: ponta e haste cônica com ranhuras circunferenciais.
Apreende-se o cone com uma pinça clínica (tipo Perry), introduzindo-o no canal até o CT. Após sua retirada, não deve apresentar distorções (resultantes de pressão apical exercida durante a introdução de um cone de diâmetro inferior ao do canal). Se o cone
Figura 16.1-15. Cones de guta-percha padronizados.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
não alcança essa medida, deve ser testado um outro de diâmetro imediatamente inferior. A recapitulação do preparo, com o último instrumento que trabalhou em todo o comprimento de trabalho, e uma abundante irrigação/aspiração podem ser de grande valia na remoção de resíduos no canal que impedem o avanço apical do cone. Em determinadas situações, o instrumento alcança o CT; entretanto, o cone do mesmo diâmetro nominal não o faz. Isso pode ser justificado pelo alto limite de tolerância permitido e por deficiência na estandardização de instrumentos e cones ou pela presença de resíduos no interior do canal radicular, já que eles podem impedir o avanço dos cones, mas não dos instrumentos de mesmo diâmetro, pois, ao contrário daqueles, são mais resistentes à flexocompressão e possuem canal helicoidal, no qual os resíduos podem se acomodar. A pinça tipo Perry permite melhor acesso aos canais de dentes posteriores, assim como melhor controle da sensibilidade tátil na seleção dos cones de guta-percha.
Critério tátil Uma vez que o cone atinge o CT, o que é inicialmente avaliado de forma visual, deve oferecer uma certa resistência ao deslocamento coronário. Essa resistência muitas vezes referida como travamento é acentuada, sobretudo em canais preparados a um maior diâmetro em seu segmento apical, ou tênue, quando o preparo apical se limita a instrumentos de menor diâmetro. A resistência ao deslocamento oferecido pelo cone deve ser tanto no sentido coronário quanto no apical. Assim, o cone que alcança o CT não deve ultrapassar essa medida (Fig. 16.1-16).
Figura 16.1-16. Inspeção visual e critério tátil.
Critério radiográfico Aprovado nos testes visual e tátil, o cone é posicionado no canal e o dente é radiografado para confirmar a exatidão da seleção. Em cada um dos dentes com mais de um canal deverá ser posicionado o respectivo cone antes da tomada radiográfica. Nesses casos recomendamos a realização de, no mínimo, uma tomada no sentido ortorradial e outra angulada (mésio ou distorradial). Na dúvida quanto ao limite apical do cone, a seleção deverá ser individualizada, ou seja, canal por canal. A radiografia da prova do cone representa a oportunidade final de avaliação de todas as etapas operatórias, mostrando se o limite apical de trabalho foi correto e se ocorreram alterações na forma original do canal radicular. Mostrará também, dentro das resoluções proporcionadas pela técnica radiográfica, o ajuste do cone às paredes do segmento apical do canal (Fig. 16.1-17). Selecionado o cone principal, ele pode ser marcado por uma ligeira pressão com uma pinça clínica na região coincidente com o ponto de referência oclusal/incisal, permitindo que o profissional, no ato da cimentação, facilmente consiga reinseri-lo na extensão desejada. O procedimento de seleção deve ser realizado com o canal umedecido pela solução química auxiliar, permitindo assim a lubrificação do canal, à semelhança da que será proporcionada pelo cimento obturador. Após a remoção do cone selecionado do canal, o mesmo é envolto por uma gaze umedecida com hipo-
Figura 16.1-17. Seleção do cone. Critério radiográfico.
Obturação dos Canais Radiculares
clorito de sódio, permanecendo aí até o momento de sua cimentação. O mesmo deve ser feito com os cones acessórios. O ajuste do cone principal junto ao CT do canal contribui para um eficiente selamento apical da obturação e reduz a extrusão do material obturador para os tecidos perirradiculares. Entretanto, torna-se difícil o correto ajuste do cone principal de guta-percha junto ao segmento apical do canal, uma vez que os procedimentos endodônticos executados durante a instrumentação normalmente não permitem ao profissional um controle exato sobre o diâmetro e a forma final do preparo. Além disso, a despeito de todos os esforços no intuito de padronizar as dimensões dos instrumentos endodônticos e dos cones de guta-percha, há sempre uma discrepância entre as dimensões dos instrumentos e dos cones de uma mesma numeração. Sendo a tolerância de fabricação para o diâmetro em D0 dos instrumentos endodônticos de ± 0,02mm, pode haver uma discrepância de 0,07mm entre eles e os cones de guta-percha de mesmo diâmetro nominal especificado. Essa diferença ainda pode ser maior entre cones de mesmo diâmetro, isto é, de 0,1mm (tolerância para os cones de ± 0,05mm). Por exemplo, uma embalagem de cones no 40 pode, na verdade, conter cones nos 35 e 45. Essas diferenças podem gerar problemas quando da seleção do cone principal, sendo ainda mais críticas se o fabricante não obedecer estritamente aos valores estabelecidos. Deve-se salientar que a forma da ponta dos instrumentos endodônticos não é a mesma dos cones de guta-percha. Existem acentuadas diferenças entre as formas, conicidades, extremidades dos vértices e comprimentos das pontas (Fig. 16.1-18). Assim, uma melhor adaptação poderá ser obtida moldandose o preparo apical por meio da plastificação da ponta
Figura 16.1-18. Acentuadas diferenças entre as formas, conicidades, extremidades dos vértices e comprimentos das pontas dos instrumentos endodônticos comparadas às dos cones de gutapercha.
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do cone em solventes orgânicos ou pelo calor. A ponta do cone de guta-percha (3mm aproximadamente) é mergulhada por um segundo em clorofórmio ou por 5 segundos em eucaliptol. A seguir, com o canal umedecido pela substância química auxiliar, o cone é levado em posição e pressionado em sentido apical. Removido do canal, é mergulhado em álcool absoluto por 5 minutos e secado em gaze esterilizada. A remoção dos solventes com álcool é importante, uma vez que a presença do eucaliptol ou clorofórmio pode provocar a desintegração física do cimento obturador. Além disso, a evaporação do solvente pode provocar contração volumétrica do cone de guta-percha. Esses fatos, certamente, podem comprometer a qualidade do selamento apical da obturação do canal radicular. A ponta do cone de guta-percha também pode ser plastificada pelo calor por meio de toque rápido com espátula Hollembak aquecida à chama. Após a moldagem apical devemos realizar marcas na face vestibular da coroa dentária e na extremidade extracoronária do cone que permitam o posterior posicionamento e sua adaptação junto ao batente apical (Fig. 16.1-19). A modelagem apical, embora seja um método seguro para adaptação do cone de guta-percha junto ao batente apical, é prática pouco utilizada e difícil de ser executada em canais curvos. Assim, essa adaptação pode ser obtida executando-se sucessivos cortes da extremidade do cone com uma lâmina de barbear ou bisturi, até que ele se ajuste junto ao batente apical e ofereça alguma resistência à tração ou ao avanço.
Figura 16.1-19. Ponta do cone de guta-percha plastificada pelo calor e adaptada (moldada) junto ao batente apical do canal radicular.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
Outros autores mencionam o uso de tesoura para o corte da extremidade apical do cone de guta-percha. O corte com a tesoura produz uma superfície com forma semelhante à da boca de um saco de juta costurado (Fig. 16.1-20A e B). Essa forma torna impossível a adaptação do cone junto ao batente apical. A maior ou menor deformação do cone após o corte depende do desenho da tesoura e da plasticidade da guta-percha. Com o aumento do carregamento, o cone é forçado a deslizar sobre as duas superfícies da lâmina de corte da tesoura, produzindo os dois planos inclinados39. O corte da guta-percha deve ser realizado com uma lâmina, apoiando-se o cone sobre uma placa de vidro. Esse procedimento proporciona um corte regular, porém não permite a calibração do cone, o que dificulta o seu ajuste junto ao batente apical. O ajuste é feito por sucessivas tentativas. Durante o corte com uma lâmina são criadas tensões compressivas em um único plano, o que proporciona a formação de um corte perpendicular ao sentido da compressão39 (Fig. 16.1-21A e B). Outro método é o de introduzir a ponta do cone de guta-percha na perfuração padronizada de uma régua (Maillefer, Suíça) e, com uma lâmina, proceder à eliminação da porção que ultrapassou o limite do furo selecionado. Com esse método obtemos a calibração do cone; todavia, a superfície do corte não é regular, deixando rebarbas. Isto ocorre porque o cone não está apoiado e não há resistência oposta ao sentido de corte39. Quanto maior a plasticidade do cone, maior será o tamanho do defeito (rebarba)39 (Fig. 16.1-22A e B).
A
B
Figura 16.1-21. Corte da ponta do cone de guta-percha apoiado sobre uma placa de vidro com lâmina cortante (de barbear ou bisturi). A. Desenho esquemático. B. Eletromicrografias.
A
A
B
Figura 16.1-20. Corte da ponta do cone de guta-percha com tesoura. A. Desenho esquemático. B. Eletromicrografias.
B
Figura 16.1-22. Corte da ponta do cone de guta-percha. A. Por meio de uma régua calibradora e de uma lâmina cortante. B. Eletromicrografias.
Obturação dos Canais Radiculares
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Em função do exposto, indicamos inicialmente o corte do cone por meio da régua calibradora. A seguir, a regularização da superfície de corte pela remoção de uma delgada fatia da extremidade do cone com uma lâmina, estando ele sobre uma placa de vidro. Na execução do primeiro corte o cone deve ser posicionado no furo da régua calibradora até encontrar uma suave resistência39.
Secagem do canal Após abundante irrigação-aspiração realizamos inicialmente a secagem do canal, utilizando para isso pontas aspiradoras seguidas de cones de papel absorvente de diâmetros compatíveis com o do preparo apical, sobre os quais se delimita o comprimento de trabalho, para evitar traumatismos sobre o tecido perirradicular. Os cones de papel absorventes são oferecidos comercialmente nas conicidades de 0,02, 0,04 e 0,06mm/mm e diâmetros em D0 padronizados (ISO). Alguns fabricantes oferecem cones de papel absorvente com os diâmetros semelhantes aos dos instrumentos endodônticos empregados no preparo apical do canal radicular. Um cone de papel absorvente deverá ser mantido no interior do canal até o momento da obturação propriamente dita a fim de absorver a umidade que se deve acumular principalmente na região apical. Nos casos de ampla dilatação no sentido coroa-ápice, mais de um cone de papel pode ser colocado lateralmente ao apical.
Preparo do cimento obturador A manipulação do cimento é feita utilizando-se placa de vidro e espátula metálica flexível estéreis, de acordo com as características e instruções próprias do produto comercial selecionado para a obturação do canal radicular (Fig. 16.1-23).
Figura 16.1-23. Espátula metálica flexível (Odous Industrial e Comercial Ltda., Belo Horizonte, MG).
o cone de guta-percha principal, após secagem em gaze esterilizada, é introduzido no canal, com movimentos curtos de avanços e retrocessos, até atingir o CT. • Pelo uso de cone principal seguro com pinça tipo Perry na marca confeccionada correspondente ao CT. O cone é carregado com o cimento endodôntico e inserido no canal, realizando-se movimentos curtos de avanço e retrocesso até atingir o CT. Para se evitar excesso de cimento na câmara pulpar, o cone deve ser envolvido com material cimentante a partir de sua extremidade até a região mediana (Fig. 16.1-24). Deve-se evitar a colocação do cone em um único movimento no sentido apical para evitar que possíveis bolhas de ar existentes no canal fiquem aprisionadas. A
Colocação do cone principal O cimento poderá ser levado ao interior do canal de duas maneiras: • Por meio de instrumento de diâmetro imediatamente menor do que o usado no preparo do batente apical. O instrumento com o canal helicoidal carregado com o cimento é introduzido no canal até o CT e, em seguida, removido, realizando-se simultaneamente movimento de rotação anti-horária e retrocesso em sentido cervical. A seguir,
Figura 16.1-24. Cimento obturador levado ao interior do canal por meio do cone de guta-percha e por meio de instrumento endodôntico.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
Figura 16.1-25. Colocação do cone principal carregado com cimento endodôntico no interior do canal radicular. Figura 16.1-26. Compactação lateral.
presença de bolhas se movimentando em sentido apical pode provocar dores durante o ato da obturação. Além disso, a colocação do cone no canal radicular em único movimento pode induzir uma pressão unidirecional no sentido do forame radicular, promovendo o extravasamento do cimento para os tecidos perirradiculares (Fig. 16.1-25).
Compactação lateral propriamente dita A compactação do material obturador no interior do canal radicular é fundamental para se alcançar a impermeabilidade a fluidos, impedindo a infiltração microbiana advinda da cavidade bucal, e para a eliminação do espaço vazio propício à proliferação de microorganismos remanescentes. Estando o cone principal de guta-percha ajustado no segmento apical do canal, o avanço do espaçador devido à sua forma cônica promove a compactação ou a adaptação do material obturador nas paredes do canal radicular, propiciando um selamento adequado. O espaçador selecionado é introduzido no canal lateralmente ao cone de guta-percha principal, utilizando movimentos simultâneos de penetração no sentido apical e rotação alternada. Inicialmente o espaçador selecionado deve penetrar (avanço) no canal até 1 a 2mm aquém do CT (Fig. 16.1-26). Procede-se então à remoção do espaçador com uma das mãos, inserindo-se imediatamente no espaço criado um cone acessório carregado com cimento. Essa rápida inserção impede a perda do espaço criado, a qual ocorre devido à fluência da guta-percha para
o interior da cavidade pulpar, o que inevitavelmente dificultaria a introdução do cone acessório. Esse deve possuir diâmetro inferior ao do espaçador. A não observação desses procedimentos é a principal causa de defeitos na obturação. Todos esses procedimentos devem ser repetidos até que o espaçador não penetre mais do que a junção dos segmentos médio e cervical. Toma-se uma radiografia para avaliar a qualidade da obturação e, se necessário, são feitos os devidos ajustes (Fig. 16.1-27). Em dentes com mais de um canal, são repetidos todos os procedimentos desde a cimentação dos cones principais. Em determinadas circunstâncias devem ser
Figura 16.1-27. Término da compactação lateral. Tomada radiográfica.
Obturação dos Canais Radiculares
realizadas as obturações dos canais separadamente. Nesses casos, as entradas dos canais não obturados devem ser bloqueadas com cones de papel absorventes. Tomando como exemplo um molar inferior, podemos obturar os canais mesiais e, a seguir, o distal. Se a obturação for realizada em sessões diferentes, a embocadura do canal obturado deve ser bloqueada com cimento (Cavit, Coltosol etc.). A pressão nas paredes do canal exercida durante a penetração de espaçador, por ser semelhante à introdução de uma cunha, deve ser realizada com cuidado para não ultrapassar a resistência à compressão da dentina. O aumento abusivo da força, além de não melhorar a qualidade da obturação28,43, pode provocar o deslocamento longitudinal do cimento e/ou do cone de guta-percha em sentido apical e fraturas radiculares verticais que comprometem o sucesso do tratamento endodôntico25,47. Para evitar a fratura radicular vertical de uma raiz durante a compactação lateral, a carga máxima aplicada ao espaçador deve ser de 1,1kgf30. Lopes et al.40, avaliando a força de avanço de espaçadores endodônticos digitais de aço inoxidável e de NiTi durante a compactação lateral, concluíram que a força máxima necessária para o avanço do espaçador endodôntico digital em um canal artificial reto ou curvo foi maior para o de NiTi (canal reto 810gf, curvo 1.948gf) do que para o de aço inoxidável (canal reto 693gf, curvo 1.604gf). Vértice truncado, presença de bisel e ranhuras circunferenciais presentes nos espaçadores endodônticos de NiTi oferecem maior resistência mecânica ao avanço do instrumento no interior do canal artificial reto ou curvo, induzindo à aplicação de uma força maior. Ao contrário, ponta lisa, vértice arredondado e ausência de bisel oferecem menor resistência mecânica ao avanço do espaçador endodôntico digital de aço inoxidável.
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mais fácil em razão de induzir tensões cisalhantes, o que é difícil de conseguir com instrumentos cilíndricos (compactadores) (Fig. 16.1-28). Imediatamente depois do corte é realizada uma compactação no sentido apical, usando-se um compactador sem aquecimento. A compactação vertical da massa obturadora, plastificada pelo calor do corte, deve ser feita repetidamente. Encerrando o processo, executamos durante um tempo mínimo de 3 minutos uma compressão do material obturador com um compactador. Esse tempo mínimo empregado na compressão final é necessário devido à elevada taxa de resfriamento da guta-percha. Esse procedimento reduz, significativamente, o efeito de sua contração volumétrica e aumenta o contato do cimento com as paredes do canal durante a presa, o que diminui a interface do cimento à dentina radicular. Consequentemente se aumenta também o selamento da obturação junto ao segmento cervical do canal radicular (Fig. 16.1-29). Observa-se então se o limite coronário da obturação está em sentido apical ao nível da gengiva marginal, o que é facilmente realizado, utilizando-se uma sonda periodontal milimetrada. Feitos os ajustes quando necessário, limpa-se completamente a câmara pulpar com álcool etílico, removendo-se todos os resíduos de material obturador. Esses procedimentos visam a prevenir o escurecimento da coroa dentária após a conclusão do tratamento endodôntico. Toma-se uma radiografia para variar a qualidade da obturação e, se necessário, são feitos os seus devidos reajustes (Fig. 16.1-30). A cavidade coronária deve então ser preenchida com material selador temporário. Em dentes que
Compactação vertical final Os cones que projetam na câmara pulpar são cortados com instrumento aquecido (espátula no 1) em sentido lateral, de encontro à parede dentinária ao nível da embocadura do canal. O instrumento deve ser aquecido na zona redutora da chama de uma lâmpada de álcool durante 5 segundos. Com esse período, a temperatura alcançada pelo instrumento é capaz de plastificar e cortar o excesso de cones e não provocar o aquecimento externo do dente capaz de causar injúrias aos tecidos de sustentação. O corte com a espátula é
Figura 16.1-28. Corte dos cones de guta-percha com instrumento aquecido.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
Figura 16.1-31. Selamento coronário. Figura 16.1-29. Compactação vertical e compressão do material obturador.
Figura 16.1-30. Tomada radiográfica para avaliar a qualidade da obturação.
não serão restaurados com resina composta optamos pelo emprego de cimentos à base de OZE (Pulpo-San, IRM). Caso contrário, utilizamos cimentos que não contêm eugenol (Cavit, Coltosol, ionômero de vidro), pois ele interfere na reação de presa do material, comprometendo o selamento da restauração coronária20 (Fig. 16.1-31).
Removido o isolamento absoluto, toma-se uma radiografia ortorradial que funciona como arquivo do profissional (Fig. 16.1-32A, B, C, D e F). A restauração definitiva do elemento dentário deve ser realizada preferencialmente no menor tempo possível após a obturação. Nos casos onde a restauração definitiva será postergada, a cavidade coronária deve ser preenchida com ionômero de vidro ou resinas fotopolimerizáveis, que têm mostrado ser efetivas em impedir a microinfiltração. O retardo da restauração do dente pode permitir a infiltração microbiana advinda da cavidade bucal e comprometer o sucesso a longo prazo do tratamento endodôntico. É importante mencionar que, ao se realizar a compactação lateral ou vertical isoladamente, sempre haverá uma combinação de tensões no material obturador e nas paredes do canal radicular. Durante as manobras clínicas de obturação de um canal radicular as tensões oriundas das forças aplicadas nos espaçadores para compactar o material obturador não são, na verdade, nem lateral e nem vertical, mas uma combinação integrada de tensões. A pressão no material obturador induz o seu escoamento em todas as direções. Quanto maior o esforço de compactação, maiores são as pressões multidirecionais do material obturador (tensões denominadas hidrostáticas). Mesmo utilizando espaçadores com ponta afilada para fazer a compactação lateral ou compactadores com ponta truncada para obter a compactação vertical, os vetores de força aplicada são uma combinação de forças em várias direções.
Obturação dos Canais Radiculares
A
B
D
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C
E
F
Figura 16.1-32. Casos clínicos representativos da obturação do canal radicular pela técnica de compactação lateral. A. Molar superior. (Gentileza do Ten.-Cel. Chiesa.) B. Molar superior. C. Molar inferior. D. Molar inferior. E. Incisivos inferiores. (Gentileza de V. A. Fonseca.) F. Canino superior. (Gentileza de M. D. Viana.)
MANOBRA DO TAMPÃO APICAL Na obturação de dentes com necrose pulpar e reabsorção radicular apical visível radiograficamente, assim como em dentes com rizogênese incompleta, empregamos a manobra do tampão apical. O tampão apical consiste na colocação de um material obturador biologicamente compatível com os tecidos perirradiculares no segmento apical do canal radicular (tampão apical), sendo o restante obturado de forma convencional (cimento endodôntico e cones de guta-percha)36,37. O tampão apical é utilizado com objetivo mecânico e biológico. O objetivo mecânico é atuar como um obstáculo ao extravasamento da guta-percha e do ci-
mento utilizado na obturação do canal, e o biológico é favorecer a reparação por deposição de um tecido mineralizado junto à área crítica apical36,37 (Figs. 16.1-33 a 16.1-35). Como tampão apical podemos empregar materiais à base de hidróxido de cálcio (cimentos e pastas endodônticas) e o agregado de trióxido mineral (MTA)74. Essa manobra é indicada para os casos de dentes onde a criação do batente apical durante o preparo químico-mecânico, com a finalidade de restringir e confinar o material de obturação no interior do canal radicular, torna-se difícil de ser realizada. Geralmente empregamos a pasta L & C como material obturador do segmento apical radicular (tampão
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
Figura 16.1-33. Tampão apical. Ação mecânica impede extravasamento da guta-percha.
apical). A manipulação dessa pasta é feita utilizando placa de vidro e espátula estéreis e agregando o pó constituinte dela ao veículo até se obter uma massa pastosa, homogênea e com consistência de trabalho (massa de vidraceiro). Uma vez preparada a pasta e estando o canal corretamente preparado, realiza-se o seu preenchimento, utilizando-se espirais de Lentulo. A espiral de Lentulo deve ser acionada obrigatoriamente com giro à direita e possuir diâmetro menor do que o do preparo do canal radicular. Após carregada com a pasta, deve ser posicionada aquém do CT e acionada à direita. Sendo o sentido das hélices da esquerda para a direita, a espiral de Lentulo propulsiona o material (pasta em sentido apical), devendo ser retirada lentamente do canal, estando ela em movimento rotatório (Fig. 16.1-36).
Figura 16.1-34. Tampão apical. Ação biológica limita a invaginação do tecido conjuntivo perirradicular.
Figura 16.1-35. Tampão apical. Ação biológica favorece a deposição de tecido mineralizado junto à área apical do canal.
Obturação dos Canais Radiculares
Figura 16.1-36. Espiral de Lentulo. Sentido das hélices da esquerda para a direita.
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C) – tampão apical. A compactação é realizada com compactadores verticais e cones de papel absorvente. Geralmente, o cone de papel absorvente é empregado com extremidade de maior diâmetro em sentido apical do canal radicular. A remoção é realizada por meio de instrumentos tipo K ou H. Nesse passo não se deve utilizar solução irrigadora. Frequentemente ocorre extravasamento perirradicular do material empregado como tampão apical. A seguir, efetua-se a obturação do segmento restante do canal, utilizandose a técnica da compactação lateral, com cimento e cones de guta-percha. A pasta L & C (hidróxido de cálcio com veículo oleoso) sendo pouco solúvel limita a invaginação do tecido conjuntivo apical no interior do canal radicular, mantendo-o sempre em contato com o hidróxido de cálcio, criando condições para a reparação36,37 (Fig. 16.1-38A e B).
O giro dessa espiral à esquerda aliado à justeza no interior do canal radicular são os fatores determinantes de sua fratura por torção (Fig. 16.1-37). O material (pasta) também pode ser levado ao canal radicular por meio de instrumentos endodônticos tipo K. Após carregamento com pasta o instrumento é posicionado no interior do canal e girado manualmente à esquerda. Simultaneamente, deve ser retirado lentamente do interior do canal radicular. A operação é acompanhada com o auxílio do exame radiográfico. Preenchido o segmento apical do canal radicular, são promovidas simultaneamente a compactação e a remoção da pasta, deixando-se 2 a 3mm finais do canal radicular ocupados com o material (pasta L &
A
B
Figura 16.1-37. Espiral de Lentulo fraturada.
Figura 16.1-38. Tampão apical. Casos clínicos. A. Incisivo central superior. B. Molar inferior.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
Outras pastas de hidróxido de cálcio (HPG ou HIPG) podem ser utilizadas como tampão apical. Nesses casos, devido à diluição da pasta junto aos líquidos teciduais, a extensão do tampão deverá ser no máximo de 2mm em relação ao comprimento de patência do canal radicular. O MTA também é empregado como tampão apical na obturação de canais radiculares de dentes com reabsorções apicais ou com rizogênese incompleta74. O material será inserido na região apical com o emprego de instrumentos especiais (seringas) ou mesmo levado com auxílio de instrumentos endodônticos de ponta truncada (compactadores). O material deve ser colocado numa extensão de até 3mm e seu limite apical comprovado pelo exame radiográfico. Para prevenir o extravasamento apical do MTA durante a sua colocação no interior de um canal radicular, criamos uma barreira mecânica na porção apical do preparo com pastas de hidróxido de cálcio ou de sulfato de cálcio. Uma vez preparada a pasta, realiza-se o preenchimento do segmento apical do canal radicular, utilizando espirais de Lentulo, como descrito. A seguir, são efetuadas simultaneamente a remoção e a compactação da pasta numa extensão de até 2mm, e seu limite apical é comprovado pelo exame radiográfico. Na fase final da confecção da barrei-
ra mecânica, a pasta deve ser compactada com cones de papel absorvente. Geralmente, o cone é empregado com a extremidade mais calibrosa em sentido apical do canal radicular. Em seguida, o MTA é colocado conforme essa descrição com menores riscos de sobreobturação. Sobre o MTA é colocada uma bolinha de algodão umedecida com água destilada por um período mínimo de 3 a 4 horas protegida por selamento coronário5,52,74. Esse procedimento tem como objetivo manter a hidratação e permitir a solidificação do material. Todavia, Sluyk et al.69 não o recomendam, acreditando que a umidade advinda do tecido no local é suficiente para manter as necessidades hidrofílicas do MTA. Em razão da pouca solubilidade do MTA é conveniente evitar o seu extravasamento junto aos tecidos perirradiculares. Mesmo possuindo excelente comportamento biológico, seu extravasamento pode dificultar ou mesmo impedir o selamento apical do canal por tecido mineralizado. A proposta terapêutica do tampão apical tem como vantagem não retardar a restauração definitiva do dente. Isso favorece a não contaminação do canal radicular, reduz a possibilidade de fratura de dente e permite prontamente o restabelecimento da função mastigatória e estética (Fig. 16.1-39).
Figura 16.1-39. Tampão apical. Vantagem, não retarda a restauração do dente. Incisivo central com arrombamento apical.
Obturação dos Canais Radiculares
ESPAÇO PARA RETENTORES INTRARRADICULARES Para a maioria dos autores, devem ser mantidos 3 a 5mm de obturação no segmento apical do canal radicular com a finalidade de manter o selamento e resistir às manobras de preparo, moldagem e cimentação do pino8,11,12 (Fig. 16.1-40). O momento de preparo do espaço para pinos intrarradiculares está na dependência do tipo de restauração permanente planejada para o dente. Para os que necessitam de pino, a criação do espaço deve ser realizada imediatamente após a obturação do canal radicular. Todavia, para alguns autores, esse procedimento deve ser executado após um intervalo, a fim de que ocorra a presa completa do cimento selador endodôntico8,11,12. Quanto ao método de remoção do material obturador, não devem ser empregados instrumentos endodônticos associados a solventes orgânicos da gutapercha. A infiltração de solventes causa contração da guta-percha, prejudicando o selamento apical da obturação do canal radicular8. No método térmico, a remoção pode ser feita por meio de instrumentos de compactação vertical, aquecidos em uma chama de lamparina de álcool, ou por meio de dispositivos que geram calor por intermédio da energia elétrica; entre esses podemos citar o Touch’n Heat modelo 5004 e o System B (Analytic Technology, EUA).
Figura 16.1-40. Espaço para retentor intrarradicular.
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Lopes e Costa44 utilizam, como instrumentos condutores de calor, pedaços de fios ortodônticos de 2 a 3cm de comprimento, seguros por uma pinça de Mathiew de tamanho pequeno (14cm), tendo as extremidades preparadas: uma, com a forma cônica, utilizada na obtenção do espaço; a outra, com seção reta em relação ao seu eixo, empregada na compactação vertical do remanescente da obturação do canal radicular. Com o método térmico, a remoção parcial da obturação é obtida progressivamente partindo de condutores de maiores diâmetros para os de menores diâmetros, percorrendo sucessivamente distâncias variáveis de 2 a 3mm em sentido apical, até atingir o comprimento preestabelecido. O instrumento aquecido é levado rapidamente ao interior do canal, sendo retirado logo a seguir. A guta-percha aderirá à superfície do instrumento, sendo então removida. Os fragmentos do material obturador serão retirados da superfície do condutor quando for passado em uma gaze. A repetição sucessiva do procedimento promoverá a remoção rápida e segura da guta-percha do interior do canal. Atingindo o comprimento desejado, com um compactador frio é realizada a compactação vertical com o objetivo de melhorar o selamento da obturação remanescente. É importante jamais se tentar criar o espaço em uma única etapa ou mesmo penetrar além de 3mm, pois o emprego de instrumento aquecido em lamparina de álcool, percorrendo e permanecendo por mais tempo no canal, resfria-se rapidamente, e sua remoção pode provocar o deslocamento de todo o conjunto (cone e cimento) da obturação radicular. Por sua vez, os condutores de calor de aparelhos elétricos podem provocar aumento da temperatura na superfície externa da raiz. Para os aparelhos elétricos, a temperatura do condutor deve atingir 200°C. Quando do uso de chama (lamparina de álcool), o condutor deve ser aquecido durante 5 segundos e, a seguir, levado ao interior do canal. No método mecânico, mais rápido e prático, utiliza-se uma grande variedade de instrumentos rotatórios, como os alargadores Gates-Glidden, Largo, instrumento GPX e instrumentos especiais que acompanham os kits de pinos pré-fabricados. Para a confecção de RIRF (retentor intrarradicular fundido) são preferíveis os alargadores Largo, pois cortam apenas lateralmente. Sua extremidade remove apenas o material de menor resistência (guta-percha), não representando, portanto, risco de desvio do canal ou perfuração. Apresentam-se em diferentes diâ-
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
metros para atender às variações dos diversos canais radiculares. Os alargadores Peeso, em função de sua extremidade cortante, não devem ser utilizados. A remoção parcial da obturação do canal é realizada com movimentos curtos e sucessivos de penetração e remoção do instrumento rotatório, com o auxílio de um cursor, que servirá como guia de penetração até atingir a profundidade preestabelecida. Atingida a profundidade adequada, com um compactador manual frio e de diâmetro compatível, realiza-se a compactação vertical do remanescente da obturação. Os instrumentos rotatórios são montados em contraângulos com sentido de corte à direita, em baixa rotação, e levados, girando, ao interior do canal radicular. O diâmetro dos instrumentos deve ser aproximado ao do canal para que a guta-percha seja cortada por intermédio do calor provocado pelo atrito das arestas de corte com o material obturador e com as paredes do canal. O avanço do instrumento no canal radicular é representado por pequenos toques da parte de trabalho do instrumento na superfície externa do material obturador, seguido de retrocesso em sentido cervical, provocando o corte de pequenas porções dele. Avanços maiores plastificam a guta-percha, que acaba por aderir ao instrumento, podendo com o movimento de retrocesso deslocar ou mesmo remover a obturação do interior do canal. A parte de trabalho do instrumento deve ser limpa por meio de uma gaze estéril a cada penetração no canal radicular. Após a remoção do material obturador, o que é necessário à correta extensão do pino, deve-se preparar lateralmente o canal radicular com os mesmos instrumentos rotatórios utilizados na obtenção do espaço. Para retentores intrarradiculares fundidos, a largura do pino normalmente deve ser de aproximadamente 1/3 da largura total da raiz59, representando um importante aspecto para a resistência final da estrutura dental remanescente. Lopes et al.45 determinaram, in vitro, a temperatura externa da superfície radicular de dentes obturados com guta-percha e cimento durante a remoção de obturação do canal, quando do emprego de instrumentos rotatórios e aquecidos. A remoção por meio de instrumentos aquecidos ao vermelho-rubro transfere mais calor ao sistema, e a temperatura pode chegar a 57,5°C. Certamente, isso pode ser atribuído à temperatura de 700°C necessária para o instrumento atingir a coloração de um vermelho-rubro, apesar da perda de calor durante seu deslocamento, até ser
introduzido no canal radicular. A temperatura média do instrumento, ao entrar em contato com o material obturador, era de 480°C. Como a guta-percha amolece a 60°C e funde-se a 100°C, o excesso de energia térmica do instrumento é transferido à massa obturadora e à parede dentinária. Em outro experimento, a temperatura média do instrumento, quando deixado por 5 segundos na zona redutora da chama da lamparina de álcool, era de 365°C, sendo reduzida para 210°C no momento de entrar em contato com o material obturador. Com esse procedimento, o aquecimento externo médio da superfície radicular foi de 40,3°C. O uso de alargadores Gates-Glidden causou o menor aquecimento na superfície externa da raiz (32,8°C), comportamento que pode ser atribuído à fácil remoção da obturação por corte; à redução da resistência ao corte do material obturador, advindo da transformação da energia mecânica do alargador em calor; à forma ovoide da parte de trabalho do alargador, o que favorece o corte, a penetração e a remoção do material excisado; e à rapidez na execução do trabalho. Para Lopes et al.45, o efeito do calor no periodonto é desconhecido. Assim, a elevação da temperatura em algum ponto da superfície radicular poderá ser responsável por uma imediata ou futura injúria. Por sua vez, Eriksson et al.18 e Eriksson19 concluíram que o calor pode causar injúrias ao tecido ósseo, se houver aquecimento de 47°C durante um minuto. No preparo do espaço para pino, não se deve empregar instrumento aquecido ao vermelho-rubro. Temperaturas menores são suficientes para a remoção parcial da obturação do canal radicular, as quais provocam menor aquecimento das superfícies externas da raiz. Após a criação do espaço radicular, colocamos em seu interior um medicamento intracanal e selamos a cavidade com óxido de zinco e eugenol. A finalidade do curativo é impedir a contaminação desse espaço via cavidade bucal. Esse procedimento deve ser repetido durante as sessões da fase de preparo e cimentação do retentor protético, devendo-se tomar cuidado com toda e qualquer possibilidade de contaminação do canal radicular durante as fases de modelagem do retentor e confecção do provisório em retentores intrarradiculares indiretos. Os sistemas de pinos pré-fabricados, como já descrito, são compostos por instrumentos rotatórios padronizados, respectivos ao diâmetro apresentado pelo pino, e são fundamentais para a calibração do espaço obtido.
Obturação dos Canais Radiculares
PROSSERVAÇÃO A Fig. 16.1-41 revela taxas de sucesso do tratamento endodôntico obtidas em estudos epidemiológicos realizados em diferentes países. Esses dados se referem a tratamentos efetuados na grande maioria das vezes por clínicos gerais e podem ser considerados preocupantes, quando comparados com o potencial que pode ser atingido quando o tratamento endodôntico é efetuado em condições bem controladas e seguindo os padrões de qualidade estabelecidos. Nesses casos, níveis de sucesso numa margem de 90% a 95% podem ser atingidos, mesmo em dentes com lesão perirradicular pré-operatória62,66-68. O sucesso da terapia endodôntica deve ser avaliado periodicamente, sendo o ideal de 6 em 6 meses. Casos de biopulpectomia são observados até 1 ano de conclusão do tratamento e são considerados como sucesso se o dente permanece sem lesão perirradicular e se evidências clínicas de infecção não são observadas. Dentes com polpa necrosada devem, preferencialmente, ser avaliados até no mínimo 2 anos depois da
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conclusão do tratamento, embora alguns casos possam levar até 4 anos para que a lesão se repare totalmente62. O controle clínico e radiográfico periódico é o meio disponível para estabelecer o êxito ou o fracasso do tratamento endodôntico. Os critérios clínico e radiográfico para a determinação do sucesso devem ser os seguintes27,62,68:
Radiográfico: Ausência de lesão perirradicular (Fig. 16.1-42A a E), excetuando-se um espessamento do espaço do ligamento periodontal adjacente a um material eventualmente sobreobturado.
Clínico: 1. Ausência de dor e tumefação. 2. Ausência de sensibilidade à palpação e percussão. 3. Ausência de fístula. 4. Mobilidade dentária normal. 5. Função dentária normal.
Figura 16.1-41. Taxa de sucesso. Estudos epidemiológicos.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
A
B
C
D
E
Figura 16.1-42. Prosservação. Casos clínicos. A. Molar inferior. (Gentileza de Aires Pereira.) B. Molar inferior. C. Prémolar superior. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, J. C. Mucci.) D. Molar inferior. E. Incisivo lateral superior. (Gentileza do Prof. Luiz Lyon.)
Obturação dos Canais Radiculares
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
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Obturação dos Canais Radiculares
671
Parte 2 Técnicas de termoplastificação da guta-percha Janir Alves Soares • Frank Ferreira Silveira • Eduardo Nunes • Carlos Augusto Santos César Indubitavelmente, a obturação representa uma imprescindível etapa do tratamento dos canais radiculares. Do ponto de vista físico-químico tem como principal objetivo isolar, tridimensionalmente, a cavidade pulpar do ambiente periodontal e da cavidade bucal, em caráter permanente. Inicialmente, é oportuno reprisar que uma das melhores estratégias de obturação resulta, essencialmente, da associação da guta-percha à reduzida quantidade de cimento endodôntico. Por
conseguinte, pela prática já por mais de 100 anos, os cones de guta-percha compactados pela técnica da compactação lateral são considerados o Gold Standard das obturações5,31. Trata-se de uma técnica simplificada e de fácil execução, sendo a mais ensinada na maioria das universidades nacionais31 e estrangeiras5. Não obstante, a complicada morfologia do sistema de canais radiculares, a exemplo da Fig. 16.2-1A, B, C e D, traduzida pelo reduzido espaço e pelas irregularidades
A
B
C
D
Figura 16.2-1A. Obturação de vários canais secundários com o Sistema Resilon. B. Obturação de istmo. C. Obturação de canais laterais. D. Obturação de istmo na raiz mesial de molar.
672
Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
anatômicas, curvaturas, atresias e inúmeras ramificações, aliados ao baixo escoamento da guta-percha comparativamente aos cimentos, dificulta, sobremaneira, a obturação tridimensional de todo esse sistema8,41. Do ponto de vista físico-químico e radiográfico, a qualidade das obturações tem sido avaliada em termos de selamento marginal, homogeneidade, conicidade e limite apical. De longa data, vários estudos radiográficos e pela diafanização têm demonstrado inúmeros espaços vazios na massa obturadora e na interface obturação/parede do canal radicular, principalmente quando executada pela técnica da compactação lateral40. Nesse aspecto é oportuno salientar que recentes estudos epidemiológicos de diversas partes do mundo têm evidenciado uma premente necessidade de melhora de sua qualidade em tratamentos conduzidos em nível de graduação ou pós-graduação, ou seja, na atualidade a excelência nas obturações dos canais radiculares ainda é um desafio na clínica endodôntica1,9,10,17,23,27,32. Historicamente, almejando preencher tridimensionalmente o sistema de canais radiculares por uma massa densa e homogênea, Herbert Schilder (1967)29 teve a ideia de plastificar o cone de guta-percha no canal radicular, mediante a inserção de um instrumento aquecido – condutor de calor (heat carrier) seguido de imediata compactação vertical da guta-percha. Esses dois princípios constituem os fundamentos da Técnica da Compactação da Guta-Percha Termoplastificada. Essa contribuição de Schilder revolucionou a concepção de obturação do sistema de canais radiculares e constituiu o fundamento para as futuras evoluções tecnológicas. A guta-percha plastificada apresenta maior escoamento e melhor embricamento mecânico às paredes dentinárias. A compactação com compactadores (pluggers) de diâmetros compatíveis gera efeito hidráulico no material e promove o movimento apical e lateral da massa obturadora, preenchendo detalhes anatômicos, como istmos, canais laterais e acessórios, bem como irregularidades consequentes de reabsorção interna e acidentes ocorridos durante a instrumentação dos canais radiculares, a exemplo de degraus, desvios e perfurações.
no sentido ápice-coroa (backfill). Similarmente a outras técnicas, o treinamento pré-clínico é fundamenal e progressivamente propiciará o domínio e a segurança para a sua correta execução (Fig. 16.2-2). A partir de então os resultados radiográficos obtidos no dia a dia da clínica endodôntica serão realmente muito compensadores. É oportuno salientar que a qualidade da modelagem do canal radicular influencia, sobremaneira, vários aspectos da obturação, podendo torná-la simples, de fácil execução, e maximizando as particulares vantagens da técnica utilizada26,39. O material utilizado consta de cones de gutapercha, cimento endodôntico, fonte geradora de calor, conjunto de condutores de calor e compactadores verticais. Geometricamente, os cones de guta-percha devem apresentar acentuada conicidade e, quanto à composição química, a preferência recai pela fase alfa, que aquecida se torna pegajosa, aderente e com maior escoamento. Mormente, a técnica é compatível com todos os cimentos disponíveis no mercado. Conforme descrito adiante nesta seção, a ação dos condutores de calor e compactadores se restringe aos segmentos cervical e médio, permanecendo o remanescente apical com 5 a 7mm de cone de guta-percha. O condutor de calor eleva a temperatura da guta-percha para 40 a 45oC. No entanto, a baixa condutividade térmica da guta-percha limita a propagação da plastificação a uma extensão de aproximadamente 4 a 5mm, que é suficiente para plastificá-la e obter sua efetiva
1. TÉCNICA DE SCHILDER A Técnica de Schilder29 é, aparentemente, complexa e por vezes julgada como de difícil execução clínica. Essencialmente compreende um conjunto de manobras realizadas primeiramente no sentido coroa-ápice (downpack), complementada pela progressiva inserção/ compactação da guta-percha previamente plastificada
Figura 16.2-2. Adequado limite apical, conicidade e homogeneidade da obturação.
Obturação dos Canais Radiculares
A
C
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B
D
compactação em todo o segmento apical do sistema de canais radiculares. Também, durante o resfriamento da guta-percha à temperatura corpórea, a manutenção da compactação vertical reduz a contração volumétrica do material (Fig 16.2-3A, B , C e D). Aspectos a serem considerados na execução da Técnica de Schilder: 1. O canal radicular deve apresentar adequada modelagem envolvendo os três princípios propostos por Schilder: constrição apical, regularidade das paredes laterais e conicidade tridimensional (Fig. 16.2-4A).
Figura 16.2-3A e B. Segundo prémolares com três canais radiculares. C. Ramificações na raiz mesiovestibular. (Gentileza do Prof. João Américo Normanha.). D. Acentuada curvatura apical. (Gentileza do Prof. Alex Carvalho Quintino.)
2. Aquecimento da guta-percha: o excessivo aquecimento é desnecessário e prejudicial por dois motivos: 1o – pelo possível dano aos tecidos do ligamento periodontal3,11,34; 2o – pela aceleração da decomposição da guta-percha e pelo consequente fracasso do tratamento a longo prazo22. 3. Seleção dos compactadores verticais: são utilizados, em média, três de diâmetros progressivos (Fig. 16.2-4C, D e E). O importante é compatibilizar o seu diâmetro com o do segmento do canal radicular.7 Obviamente, o de maior diâmetro será utilizado no segmento cervical, o intermediário no segmento
674
Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
médio, e o de menor diâmetro no segmento apical. A correta seleção desses instrumentos influencia a qualidade do preenchimento do sistema de canais radiculares7,39. Como regra, nunca podem exercer efeito de cunha diretamente sobre as paredes dentinárias. Esse fato poderá acarretar fratura radicular vertical2. Para tanto, devem ser inseridos até o limite seguro e demarcar essa extensão com cursor de silicone. 4. Controle longitudinal do material obturador: O extravasamento periapical, seja de cimento e/ou de guta-percha, é indesejável sob vários aspectos. Do ponto de vista histológico da reparação, a sobreobturação pode impedir o selamento biológico12,33. Esse inconveniente é de difícil controle clínico em qualquer técnica de obturação. Especificamente, na Técnica de Schilder, a compressão hidráulica no segmento apical impulsiona cimento e guta-percha em todas as direções, resultando, na maioria das vezes, em extrusão foraminal da massa obturadora. Como manobra compensatória é recomendado travar o cone principal a 1-2mm aquém do comprimento de trabalho. A parada apical (ombro dentinário, parada apical ou batente apical), se corretamente executada, atua mecanicamente como um anteparo para a guta-percha e consequentemente reduz a sua extrusão no periápice.
Sequência técnica Em primeiro lugar, seleciona-se um conjunto de três compactadores verticais compatíveis com os segmentos cervical, médio e apical do respectivo canal radicular (Fig. 16.2-4C, D e E). Embora eles apresentem ranhuras padronizadas em sua parte ativa (Endoprime, Belo Horizonte, Brasil – Fig. 16.2-4B), é prudente delimitar com cursor de silicone a correta profundidade a ser alcançada com cada compactador. Em seguida, o cone de guta-percha principal deve ser posicionado 1–2mm do comprimento de trabalho (Fig. 16.2-4F), porque o material plástico se desloca no sentido apical durante a compactação vertical da guta-percha. Na seleção do cone de guta-percha, a preferência é por aqueles com conicidade acentuada, geralmente M ou FM7, seguido de tomada radiográfica (Fig. 16.24G). Após secar o canal radicular, o segmento apical do cone é envolvido pelo cimento e em seguida inserido no canal radicular até a extensão planejada. Em canais radiculares irregulares, com seção reta transversal ovalar
ou elipsoide, pode-se utilizar um cone complementar de tamanho FM ou MF lateralmente ao cone principal.
Fase coroa-ápice (Downpack) Essa fase corresponde à obturação do segmento apical do canal radicular no sentido coroa-ápice. Por conseguinte, após cimentação do cone principal, o instrumento condutor de calor (heat carrier) é aquecido em lamparina de álcool e inserido até a entrada do canal radicular (Fig. 16.2-4H). O simultâneo movimento de retirada remove toda a guta-percha cervical. Momentaneamente, procede-se à compactação vertical com o respectivo compactador selecionado (Fig. 16.2-4I). É recomendado cobrir a ponta do compactador com pó do cimento objetivando evitar adesão da guta-percha plastificada. Na sequência, com o condutor de calor removese a guta-percha do segmento médio (Fig. 16.2-4J) com simultânea compactação vertical da massa amolecida (Fig. 16.2-4K). Nessa etapa pode ser obtida a obturação de canais laterais. Finalizando essa etapa, remove-se uma pequena porção da guta-percha apical, deixando um remanescente de 4 a 5mm (Fig. 16.2-4L), seguido da sua pronta compactação (Fig. 16.2-4M). Nessa etapa é importante obter tomada radiográfica para averiguar a qualidade da obturação e providenciar a necessária correção. Caso se tenha planejado a cimentação de um retentor intrarradicular, a obturação está concluída.
Fase ápice-coroa (backfill) Corresponde ao preenchimento dos segmentos médio e cervical no sentido ápice-coroa, podendo ser realizada mediante introdução de pequenos segmentos de cones de guta-percha cortados (Fig. 16.2-4N). Assim, após a plastificação da guta-percha apical com condutor de calor (Fig. 16.2-4O), cones de guta-percha plastificados são inseridos próximos ao segmento apical (Fig. 16.2-4P) e compactados verticalmente (Fig. 16.2-4Q). Esses procedimentos são repetidos nos segmentos médio (Fig. 16.2-4R, S e T) e cervical (Fig. 16.24U, V, X e W), utilizando-se pedaços de guta-percha progressivamente mais calibrosos, seguindo-se uma radiografia final para avaliar a qualidade da obturação (Fig. 16.2-4Y). Originariamente, se utilizava lamparina a álcool como fonte geradora de calor. Com o aperfeiçoamento da técnica, como fonte geradora de calor podem ser utilizados aparelhos especiais, como o System B e o Touch’N Heat. Ademais, a fase backfilling envolvendo a Fig. 16.2-4Y pode ser executada em sua plenitude pela aplicação do Sistema Obtura II (Fig. 16.2-5A, B e C).
Obturação dos Canais Radiculares
A
B
C
D
E
F
G
H
I
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Figura 16.2-4A. Canal radicular formatado. B. Compactadores verticais. C, D e E. Seleção dos compactadores nos segmentos cervical, médio e apical. F. Prova clínica do cone principal. G. Prova radiográfica do cone principal. H. Remoção da guta-percha no segmento cervical. I. Compactação cervical da guta-percha. (Continua.)
676
Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
J
K
L
M
N
O
P
Q
R
Figura 16.2-4J. Remoção da guta-percha no segmento médio. K. Compactação da guta-percha. L. Remoção da guta-percha no segmento apical. M. Compactação da guta-percha. N. Radiografia para verificação da qualidade da obturação. O. Segmentos de guta-percha alfa. P. Condutor de calor no segmento apical. Q. Inserção de segmento de guta-percha. R. Compactação da guta-percha. (Continua.)
Obturação dos Canais Radiculares
S
T
U
V
X
W
Y
677
Figura 16.2-4S. Condutor de calor no segmento médio. T. Inserção de guta-percha com condutor de calor. U. Compactação da guta-percha. V. Condutor de calor no segmento cervical. X. Inserção de guta-percha. W. Compactação da guta-percha. Y. Radiografia final.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
A
C
B
Figura 16.2-5. Casos clínicos representativos da Técnica de Schilder. A. Canal radicular obturado deixando espaço para cimentação de retentor intrarradicular. B. Segundo molar superior com adequada obturação e restauração coronária. C. Terceiro molar inferior com três canais radiculares obturados.
2. Técnica de Onda Contínua de Compactação Proposta em 1994 por Buchanan4 é uma variação da técnica da compactação vertical da guta-percha aquecida, em que são utilizados menos instrumentos, podendo ser executada num tempo relativamente curto. A fonte de calor é gerada por um aparelho, denominado System B (Analytic Tecnology, USA – Fig. 16.2-6), o qual promove um aquecimento controlado dos condutores que também atuam como compactadores (calcadores). Por conseguinte, esse sistema propicia uma única onda de aquecimento e compactação, com a denominação de Técnica de Onda Contínua de Compactação. Os condutores são projetados para aquecer da ponta para o cabo, diminuindo o risco de deslocamento da massa obturadora. Assim, após a plastificação/compactação da guta-percha no canal radicular segue-se a compactação a frio com imediata complementação dos segmentos médio e cervical com uma modalidade de
Figura 16.2-6. System B.
Obturação dos Canais Radiculares
guta-percha termoplastificada, a exemplo dos sistemas de injeção. Os calcadores são de aço inoxidável e disponíveis em calibres similares aos cones acessórios F, FM, M e ML (Fig. 16.2-7). A fase de remoção da guta-percha nos segmentos médio e cervical é denominada downpack. Opcionalmente também pode ser realizada com o aparelho Touch’N Heat (SybronEndo, USA – Fig. 16.2-8), sendo oportuno salientar a necessidade da utilização das pontas do System B nesse equipamento. A fonte de calor ajustada a uma temperatura de 200ºC propicia um uso seguro38, constatando-se que a temperatura externa não excede 10ºC34. Parece oportuno salientar que temperaturas acima de 250ºC podem produzir danos ao ligamento periodontal11,40, não contribuindo para a melhora da qualidade da obturação19. Na complementação da obturação nos segmentos cervical e médio, chamada de fase backfill, podem ser adotados os seguintes procedimentos optativos: 1o) Originalmente se utiliza o sistema de injeção de gutapercha com a denominação de Obtura II (Fig. 16.2-9).
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Figura 16.2-9. Bomba Obtura II.
2o) Pode ser feita com pequenos incrementos de gutapercha ajustados à ponta do aparelho System B em 100ºC ou à ponta de calcadores. 3o) Pelo sistema Ultrafil 3D. 4o) Manualmente, conforme na técnica original de Schilder.
Sequência técnica
Figura 16.2-7. Pontas do System B.
Figura 16.2-8. Touch’N Heat.
1. Seleção clínica e comprovação radiográfica da adaptação do cone de guta-percha principal no comprimento de trabalho (CT) (Fig. 16.2-10A). 2. Na seleção da ponta do System B deve-se verificar se a sua conicidade é compatível com a do cone escolhido. A ponta System B deve ser previamente selecionada no nível de corte da guta-percha, ou seja, de 5–7mm do CT (Fig. 16.2-10B). Esse ponto deve ser demarcado com cursor do condutor/compactador. 3. Secagem, pincelamento de cimento obturador e posicionamento do cone principal no canal radicular. 4. Aparelho ajustado para o modo Use e Touch, com temperatura de 200ºC. Em sequência o aparelho é acionado no Holder, e o condutor/compactador, pré-aquecido, é direcionado através do cone de guta-percha, exercendo-se uma compressão até 3-4mm aquém da posição de travamento apical (Fig. 16.2-10C). 5. Libera-se o dispositivo acionador (Holder), mantendo-se a compressão apical por 10 segundos, com o objetivo de: a) reduzir o efeito da contração volumétrica da guta-percha; b) aumentar o embricamento do cimento endodôntico às paredes dentinárias; c) maximizar a qualidade do selamento apical.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
6. Previamente à remoção do condutor/compactador (Fig. 16.2-10D), deve-se acionar o Holder para facilitar o seu desgarramento da guta-percha. Caso seja indicada confecção de espaço para retentor intrarradicular, a obturação está concluída (Fig. 16.210E). Nessa fase é recomendada a realização de uma radiografia para verificação da qualidade da obturação. 7. Fase de preenchimento dos segmentos médio e cervical (fase backfill). Adapta-se a ponta da bomba Obtura II e aperta-se o gatilho para liberar gradualmente a guta-percha (Fig. 16.2-10F). 8. Compactação a frio com calcadores (Fig. 16.2-10G). 9. Novo incremento de guta-percha com a bomba Obtura II (Fig. 16.2-10H). 10. Compactação a frio (Fig. 16.2-10I).
mento acontece numa câmara portátil. Nesse sistema, a guta-percha apresenta três diferentes consistências e são acondicionadas em cânulas. A Regular Set é um material de baixa viscosidade que após injetada no canal radicular leva em torno de 30 minutos para solidificar. Na consistência Firme Set, a guta-percha endurece aproximadamente em 4 minutos, embora apresente viscosidade similar à Regular Set. A formulação Endo Set apresenta alta viscosidade e baixo escoamento. Cada cânula possui uma agulha de aço inoxidável, no diâmetro de no 22 e com comprimento de 21mm. Estando o aquecedor preparado, o tempo de plastificação da guta-percha é de 3 minutos. Para facilitar a aplicação no canal radicular, a agulha pode ser previamente encurvada.
Sequência técnica do sistema Obtura II Casos clínicos representativos da obturação de canais radiculares pela técnica de onda contínua de compactação são mostrados na Fig. 16.2-11A-F.
Considerações importantes • Em canais curvos, a penetração dos calcadores até a profundidade desejada é mais difícil, sendo necessária uma maior dilatação dos segmentos cervical e médio, o que pode levar ao enfraquecimento radicular. • Em tratamento de dentes com maior comprimento também haverá dificuldade na adaptação do condutor em níveis desejados, o que poderá inviabilizar a utilização dessa técnica.
3. Técnica de Injeção de Guta-Percha Termoplastificada Apresenta-se como uma variação das técnicas de guta-percha termoplastificada por meio de aparelhos especiais, seguindo-se sua compactação a frio com instrumentos manuais. Classicamente são representadas pelo Sistema Obtura II (Texceed Co, USA) e Ultrafil 3D (Hygienic Co, USA). O Sistema Obtura II, considerado de alta temperatura, contém uma câmara onde a guta-percha em bastões é adicionada e plastificada em torno de 160ºC num intervalo de 2 minutos. A fluidez adquirida permite a sua aplicação no canal radicular por meio de uma pistola acoplada a agulhas de prata com diâmetros nos 20, 23 e 25. Em contrapartida, o Sistema Ultrafill 3D plastifica a guta-percha alfa em torno de 70ºC. O aqueci-
1. Ligar o aparelho e definir a temperatura de plastificação (normalmente entre 150 e 200ºC). Colocar a guta-percha na câmara de plastificação e aguardar 2 minutos. 2. Pré-encurvar a agulha de aplicação de modo a favorecer a sua inserção no canal radicular. 3. Teste de fluidez. Com a guta-percha plastificada, pressionar suavemente a pistola e dispensar uma pequena quantidade do material obturador. 4. Aplicar uma camada de cimento endodôntico nas paredes do canal radicular. 5. Inserir a agulha no máximo 3 a 5mm aquém do comprimento de trabalho. Apertando o gatilho do aparelho, a guta-percha é injetada no canal radicular, gerando uma resistência que tende a deslocar a agulha cervicalmente. A obturação pode ser realizada gradualmente ou em incrementos, sendo a guta-percha compactada com calcadores manuais frios.
Considerações importantes • Como em toda técnica de obturação por termoplastificação, o preparo apical deve ser o menor possível para que se minimize a possibilidade de extravasamento de material obturador. • Preferencialmente se opta pelas agulhas mais finas, a fim de facilitar a inserção nos canais radiculares. • Os calcadores devem ser embebidos em álcool ou com pó de cimento obturador na ponta, a fim de evitar que a guta-percha adira ao instrumento e seja removida do canal radicular. • Em dentes longos a introdução da ponta da agulha próxima à região apical se torna inviável.
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Figura 16.2-10A. Adaptação do cone de guta-percha. B. Ponta do System B ajustada em nível de corte da guta-percha. C. Ponta do aparelho introduzida aquecida até a 7mm do CT. D. Aquecimento por 2 segundos e remoção da ponta do System B. E. Segmento apical obturado. F. Preenchimento dos segmentos médio e cervical (Backfill). G. Compactação a frio com calcadores. H. Novo incremento de guta-percha com o Obtura II. I. Compactação a frio.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
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Figura 16.2-11. Casos clínicos representativos da obturação pela técnica de onda contínua de compactação. A. Dente 25 com canal secundário obturado. B. Dentes 43 e 44 obturados e com espaço remanescente para retentor intrarradicular. C e D. Ramificações obturadas e controle de 36 meses no dente 48. E. Extensa reabsorção interna no dente 11. F. Controle de 12 meses. (Gentileza de Geraldo Weligton.)
Obturação dos Canais Radiculares
• Usualmente se observa sobre ou subobturação em razão da dificuldade de controlar a extensão do preenchimento pela guta-percha. • Com relação ao aquecimento gerado pelo sistema, a temperatura de extrusão da guta-percha na ponta da agulha fica em torno de 60ºC16. No interior do dente foi constatada variação de 26,6ºC a 6mm da região apical34, enquanto o aumento de temperatura no osso circundante ficou em torno de 1,1ºC por 60 segundos16, sendo considerada segura para o órgão dentário essa temperatura de plastificação da gutapercha. Em obturações de dentes com ápice incompletamente formado, situações em que houve sobreinstrumentação ou em casos de acentuadas reabsorções apicais, uma barreira apical (tampão apical) com mineral trióxido agregado (MTA) pode ser indicada com o objetivo de impedir o extravasamento de material obturador e induzir selamento biológico30. Especificamente nos casos de rizogênese incompleta, comparativamente ao estendido tratamento com hidróxido de cálcio13,21, o emprego do MTA apresenta várias vantagens: 1a) Reduz o número de sessões do tratamento. 2a) Minimiza o risco de fratura dentária. 3a) Diminui a possibilidade de perda de restauração temporária e concomitante contaminação do canal radicular.
A
B
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Na Fig. 16.2-12A, B e C observa-se um caso clínico de tampão apical com MTA em dente com ápice incompletamente formado, seguido do preenchimento de guta-percha termoplastificada, utilizando o Sistema Obtura II. Nessas circunstâncias, essa combinação de técnica e biomateriais permite a obturação imediata do canal radicular.
4. Técnica Híbrida de Tagger Coube a John McSpadden25 a idéia de plastificar e compactar a guta-percha no canal radicular mediante a ação mecânica de um instrumento apropriado, acionado em rotação contínua. Todavia, a adaptação do cone de guta-percha principal, seguindo-se a utilização do termocompactador, promovia frequente extravasamento periapical, de certa maneira inviabilizando a sua aplicação clínica. Esse problema foi estrategicamente contornado pela proposta de Tagger35 e Tagger et al.36, que essencialmente recomendaram a combinação da compactação lateral a frio seguida da termoplastificação da guta-percha. Dessa maneira, após a obturação do segmento apical pela compactação lateral, completa-se a obturação dos segmentos médio e cervical mediante a aplicação de um compactador. Disso resultou a denominação de Técnica Termomecânica de Compactação ou Técnica de Tagger. Originalmente, o instrumento idealizado por McSpadden apresentava o desenho da parte ativa semelhante a um instrumento tipo Kerr invertido, denominado Engine Plugger (Zipper VDW,
C
Figura 16.2-12A. Rizogênese incompleta do dente 21. B. Barreira apical com MTA. C. Obturação do canal radicular na mesma sessão com o Sistema Obtura II.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
Figura 16.2-14. Compactador de aço inoxidável. A
B
Figura 16.2-13A. Compactador de guta-percha. B. Lima Hedstrom.
Munique, Alemanha). Posteriormente foi desenvolvido um compactador semelhante a uma lima Hedstrom invertida, o Gutta-condenser (Maillefer, Ballaigues, Suíça) (Fig. 16.2-13A e B). Mecanicamente, o compactador acionado no canal radicular, a 8.000rpm, no sentido horário, gera calor por atrito, plastificando a guta-percha, e em virtude do seu desenho promove sua compactação lateral e apical. Com o sentido das hélices direcionado da esquerda para a direita, o compactador tende a se movimentar em sentido cervical, ou seja, a sair do canal radicular. O profissional, ao oferecer uma resistência a esse movimento, realiza em poucos segundos a simultânea plastificação/compactação da guta-percha. Os compactadores disponíveis são fabricados em aço inoxidável, nos diâmetros nominais de nos 25 a 80 e com comprimentos de 21 e 25mm, sendo mais utilizados os de diâmetros de nos 35 a 55 (Fig. 16.2-14). Modificações no compactador, a exemplo de hélices com angulações diminuídas e liga níquel-titânio (MK Dent, Porto Alegre, Brasil – Fig. 16.2-15), permitem trabalhar com menor risco de fratura e extravasamento. Ademais, os de NiTi, por apresentarem maior flexibilidade, permitem a termoplastificação em canais radicu-
Figura 16.2-15. Compactador de níquel-titânio.
lares curvos. Comercialmente, a Analytic Endodontics (Glendora, USA) lançou o Sistema Microseal de obturação composto de contra-ângulo, cones de guta-percha de baixa fusão e guta-percha de ultrabaixa fusão acondicionada em cartuchos, utilizando-se da técnica de termoplastificação mediante utilização de espaçadores e compactadores à base de NiTi. Satisfatórios resulta-
Obturação dos Canais Radiculares
dos radiográficos têm sido relatados com esse sistema (Mazzoti et al.24, 2008).
Vantagens • Dispensa equipamentos especiais, proporcionando uma opção de baixo custo para quem deseja realizar a obturação com a guta-percha termoplastificada. • Possibilita a correção da obturação (Fig. 16.2-16A e B) quantas vezes se fizer necessária, evitando a remoção de todo o material obturador15. • É de rápida execução, com reduzido consumo de material, e promove satisfatório selamento apical6.
Sequência técnica 1. Prova do cone principal de guta-percha semelhante à técnica de compactação lateral. 2. Aplicação do cimento obturador no canal radicular seguindo-se a adaptação do cone principal também envolto no cimento obturador. 3. Faz-se a compactação lateral do segmento apical, utilizando-se dois ou três cones acessórios (Fig. 16.2-17A). É recomendada tomada radiográfica para averiguar a homogeneidade e o limite apical da obturação. 4. Introdução do espaçador seguido de imediata inserção do compactador no espaço estabelecido (Fig. 16.2-17B). O compactador deverá apresentar diâmetro nominal igual ou superior ao respectivo cone principal, nunca menor. O compactador, acoplado a um contra-ângulo de baixa rotação, é inserido no canal radicular até o ponto onde encontra resistência e, então, retrocedido por cerca de 1mm e acionado no sentido horário. Após 1 segundo, o compactador é conduzido em sentido apical por 1 a 2mm, seguido
A
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de sua lenta remoção do canal radicular, com suave pressão lateral. Todo esse procedimento é realizado em não mais do que 10 segundos (Fig. 16.2-17C). 5. Compactação da massa obturadora na embocadura do canal radicular, com calcadores de Schilder (Fig. 16.2-17D), precedida de remoção de remanescentes de guta-percha na câmara pulpar, se houver. Na sequência faz-se a limpeza da câmara pulpar como descrita previamente, seguido de selamento coronário. 6. Radiografia final. Posteriormente, Tagger et al.37 propuseram uma modificação na técnica original, que consiste em realizar, logo após a utilização do termocompactador, novo espaçamento lateral seguido da inserção de um ou dois cones de guta-percha, reutilizando-se então o termocompactador com o objetivo de melhorar a densidade da obturação. Cabe salientar que essa manobra pode também ser utilizada na correção de outras técnicas de obturação, especialmente na eliminação de porosidades (Fig. 16.2-18A, B, C, D e E).
Considerações 1. O compactador de aço inoxidável deve se ater à porção reta do canal radicular. 2. Preventivamente, conferir o sentido de rotação do contra-ângulo, pois o compactador, em nenhuma hipótese, deve girar no sentido anti-horário. Pelo desenho da sua parte ativa, a rotação anti-horária resulta na rápida remoção da guta-percha do canal radicular e no imediato avanço do mesmo em sentido apical, com risco de travamento, perfuração radicular, transpasse foraminal ou fratura do instrumento.
B
Figura 16.2-16A. Falha na obturação dos canais radiculares da raiz mesial do dente 37. B. Melhor homogeneidade após uso do termocompactador. (Gentileza do Prof. Manoel Brito Jr.)
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
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Figura 16.2-17A. Canal radicular com cones de guta-percha. B. Termocompactador nos segmentos médio e cervical. C. Termoplastificação da guta-percha. D. Compactação vertical da guta-percha.
3. Preferencialmente a guta-percha fase alfa deve ser utilizada quando do emprego do compactador por ser mais plástica, possivelmente diminuindo o tempo de trabalho. 4. O compactador deve ser acionado somente após ser posicionado no canal radicular e removido com o micromotor em funcionamento. 5. A termoplastificação deve se limitar aos segmentos cervical e médio do canal radicular, ou seja, ficar 4-5mm aquém do comprimento de trabalho. 6. O profissional não deve impedir, mas simplesmente controlar o movimento de retrocesso do compactador, o que, do contrário, pode favorecer a sua fratura.
5. Técnica do Thermafil O sistema Thermafil se caracteriza por apresentar um núcleo central com dimensões padronizadas, revestido por guta-percha. O protótipo do Thermafil foi proposto por Johnson18, em 1978, cujo núcleo carregador da guta-percha era constituído por limas de aço inoxidável. Esse sistema representa uma interessante alternativa de obturação dada a sua facilidade de uso. Não obstante, durante a inserção no canal radicular a guta-percha era frequentemente deslocada do carreador metálico, o qual passava a constituir a obturação no segmento apical. Ademais, o núcleo metálico representava um obstáculo à confecção de espaço para retentores intrarradiculares e
Obturação dos Canais Radiculares
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nos casos de retratamentos endodônticos. Posteriormente, a lima foi substituída por núcleos condutores plásticos (carregadores) revestidos de guta-percha termoplastificada em fornos específicos (Fig. 16.2-19A e B). O carregador é recoberto por guta-percha na fase alfa, possuindo um limitador de penetração de silicone e demarcações de 18, 19, 20, 22, 24, 27 e 29mm. São produzidos para corresponder às especificações dos instrumentos endodônticos, inclusive no que tange ao código de cores. Podem ser encontrados nos diâmetros de nos 20 a 140. Para certificar as dimensões do canal radicular preparado, em termos de limite apical e conicidade, introduziram no sistema os verificadores. Esses instrumentos correspondem ao respectivo carregador
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C
Figura 16.2-18A. Dente 21 com rizogênese incompleta. B. Carregador de MTA no segmento apical. C. Tampão apical de MTA. D. Cone medium invertido, seguido de compactação lateral. E. Canal obturado pela termocompactação da guta-percha.
sem a guta-percha, e durante o uso devem atingir o comprimento. Portanto, são imprescindíveis na seleção do carregador Thermafil. A Técnica do Thermafil, que é bastante simples e oferece resultados similares aos das demais técnicas de guta-percha termoplastificada, consiste basicamente dos seguintes passos: 1. Um verificador, usualmente do diâmetro do último instrumento endodôntico usado no preparo apical, ou um imediatamente inferior é conduzido no canal até o CT. 2. Ajusta-se o limitador de silicone do carregador de acordo com as demarcações existentes. O carrega-
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
Figura 16.2-19A. Conjunto de obturadores Thermafil.
vidamente plastificada se apresenta levemente expandida e com superfície brilhante (Fig. 16.2-20A, B e C). 5. Na sequência o carregador é introduzido no canal radicular com firme pressão apical até o CT. Uma velocidade de inserção rápida melhora a qualidade da obturação, com melhor preenchimento de irregularidades. Radiografa-se. 6. O corte do carregador é efetuado 1 a 2mm acima da embocadura do canal radicular mantendo pressão em sentido apical no seu cabo. Após a remoção, o cabo é descartado. Os carregadores plásticos são cortados pelo atrito com o auxílio de brocas especiais em alta rotação, as quais possuem extremidades não cortantes. Os menos calibrosos podem ser cortados, opcionalmente, com espátula no 1 aquecida. 7. Se um preparo para pino é requerido, o carregador plástico pode ser removido até a extensão desejada por meio das brocas Prepi (Dentsply Tulsa Dental), esféricas, de haste longa, sem corte, em alta rotação. Previamente à sua inserção no canal radicular pode ser feito um entalhe (sulco) transversal no segmento apical do carregador no local correspondente ao corte da obturação. Após o resfriamento da guta-percha por 2 a 4 minutos faz-se ligeira torção e remove-se o remanescente do carregador. 8. Compacta-se verticalmente a guta-percha em volta do carregador, usando-se compactadores de Schilder ou Odous.
Considerações
Figura 16.2-19B. Aquecedor de guta-percha Therma Prep Plus.
dor deve ser descontaminado por imersão em solução de hipoclorito de sódio a 5,25% por 1 minuto, seguindo-se um enxágue em álcool etílico a 70%. 3. Após a secagem é aplicada uma camada fina de cimento nos segmentos cervical e médio do canal radicular. Os cimentos ideais para serem utilizados nessa técnica são aqueles cuja presa não é demasiadamente acelerada pelo calor. Os cimentos ThermaSeal, AH26, Sealer 26, AH Plus e o Kerr Pulp Canal Sealer oferecem bons resultados com essa técnica. 4. Na plastificação do carregador Thermafil é ligado o forno Therma Prep Plus 20 minutos antes do uso. Coloca-se o carregador no local indicado do aparelho. O tempo para a correta plastificação variará em função do diâmetro do carregador. Sabe-se que a guta-percha de-
1. O carregador deve ser imediatamente aquecido em fornos apropriados, que permitem maior controle da temperatura para plastificação da guta-percha. 2. Deve-se deixar por 1 a 2mm o carregador protraindo na câmara, o que facilita posteriormente se houver necessidade de retratamento. 3. Após o aquecimento, o carregador deve ser imediatamente inserido no canal, não permitindo que resfrie. 4. A inserção do carregador deve ser feita sem rotação, pois pode remover a sua guta-percha14.
6. Outros Sistemas de Termoplastificação da Guta-Percha Objetivando simplificar a obturação do sistema de canais radiculares pela guta-percha termoplastificada, vários sistemas têm sido propostos. No sistema Successfil (Coltone/Whaledent, Inc., USA) a guta-percha
Obturação dos Canais Radiculares
vem acondicionada em seringa e, após plastificada, é aplicada diretamente no condutor, que é inserido no canal radicular cujas paredes previamente foram cobertas com o cimento endodôntico. Atingido o comprimento de trabalho, a guta-percha pode ser compactada lateralmente ao condutor. Similarmente ao Thermafil, o corte do condutor se faz ligeiramente aquém da entrada do canal radicular. O Sistema EQ Plus (Driller, São Paulo, Brasil – Fig. 16.2-21) apresenta uma interessante combinação de funções num mesmo aparelho, pois possui uma ponta condutora de calor pelo princípio da Onda Contínua de Compactação associada a uma bomba de injeção de guta-percha termoplastificada, em alusão ao Sistema Obtura II.
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Figura 16.2-20C. Pré-molar obturado com Thermafil.
Figura 16.2-21. Sistema EQ Plus.
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Figura 16.2-20B. Canal secundário obturado.
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Capítulo 16 Obturação dos Canais Radiculares
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Capítulo
17
Retratamento Endodôntico Hélio Pereira Lopes José Freitas Siqueira Jr. Carlos Nelson Elias Isabela das Neves Rôças
O retratamento endodôntico consiste na realização de um novo tratamento, seja porque o anterior fracassou ou, simplesmente, porque se deseja fazer um tratamento mais correto ou adequado, principalmente nos casos em que surgiu a necessidade de os elementos dentários servirem de suporte a trabalhos protéticos. Basicamente, o retratamento endodôntico consiste em realizar a remoção do material obturador, a reinstrumentação e a reobturação de canais radiculares com o objetivo de superar as deficiências da terapia endodôntica anterior. O Glossário de Terminologia Contemporânea para Endodontia da Associação Americana de Endodontistas4 define o retratamento como um procedimento para remover os materiais obturadores da cavidade pulpar e novamente instrumentar (limpar e modelar) e obturar os canais radiculares. Usualmente é realizado devido ao tratamento original, parecer inadequado, ter falhado ou ter sido contaminado por exposição prolongada da cavidade pulpar ao meio bucal.
ETIOLOGIA DO INSUCESSO ENDODÔNTICO O objetivo precípuo do tratamento endodôntico é tratar ou prevenir o desenvolvimento de lesões perirradiculares. Assim, o sucesso de um tratamento endodôntico pode ser caracterizado como ausência de doença perirradicular após um período de prosservação suficiente.
O insucesso endodôntico é, na maioria das vezes, resultante de falhas técnicas, as quais impossibilitam a conclusão adequada dos procedimentos intracanais voltados para o controle e a prevenção da infecção endodôntica. Todavia, existem casos em que o tratamento seguiu os padrões mais elevados que norteiam a Endodontia e, ainda assim, resultam em fracasso. Evidências científicas indicam que o fracasso da terapia endodôntica nesses casos de canais tratados adequadamente está associado a fatores de ordem microbiana, caracterizando uma infecção intrarradicular e/ou extrarradicular, que não foram removidos pelo preparo químico-mecânico111.
Fatores microbianos Infecção intrarradicular Na maioria das vezes, o fracasso endodôntico é resultante da permanência de uma infecção instalada na porção apical do canal, mesmo nos casos em que os canais, aparentemente, foram tratados de forma adequada. A microbiota relacionada com tais casos difere significativamente daquela de dentes não tratados, ou seja, da infecção primária do canal. Enquanto essa última é tipicamente uma infecção mista, com um relativo equilíbrio entre bactérias gram-positivas e gramnegativas, predominantemente anaeróbias estritas, a microbiota associada a fracassos pode ser caracterizada como uma infecção mista com menor diversidade (menos espécies) do que as infecções primárias, sendo
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
compostas principalmente por bactérias gram-positivas e sem um predomínio aparente de anaeróbios estritos ou facultativos119. Estudos utilizando métodos de cultura e de biologia molecular têm revelado que Enterococcus faecalis é a espécie mais frequentemente encontrada em casos de fracasso do tratamento endodôntico, com prevalência de até 90% dos casos1,31,37,41,76,87,89,93,95,102,116,128,144,146. Isso sugere que essa espécie pode ser importante para a manutenção ou o aparecimento de lesões perirradiculares pós-tratamento. Cepas de E. faecalis podem ser extremamente resistentes a vários medicamentos, inclusive ao hidróxido de cálcio27,40,104,108. Um estudo recente demonstrou que a resistência do E. faecalis ao hidróxido de cálcio está relacionada com o fato de essa espécie possuir uma bomba de prótons que reduz o pH intracitoplasmático por projetar prótons para dentro da célula, impedindo um aumento do pH interno que redundaria em morte celular27. Dessa forma, quando o E. faecalis estiver presente na infecção do canal, sua erradicação pode ser de extrema dificuldade por meio de substâncias químicas auxiliares da instrumentação e de medicação intracanal. Além disso, tem sido demonstrado que o E. faecalis pode estabelecer estratégias para sobreviver por longos períodos em locais com reduzida disponibilidade de nutrientes, como canais obturados, e proliferar novamente quando uma fonte sustentável de substrato for restabelecida30,101. Todavia, o conceito de que o E. faecalis é o principal patógeno associado ao fracasso endodôntico tem sido questionado recentemente por estudos que não o encontraram em amostras de retratamento16,96, que o encontraram em prevalência similar em casos de retratamento de dentes com e sem lesão48,146 ou que o encontraram em infecções mistas, mas não como a espécie mais dominante94,97. Fungos são micro-organismos eucariotas que podem ser encontrados em duas formas básicas: leveduras e bolores. Embora não sejam usualmente constituintes da infecção endodôntica primária, fungos também têm sido encontrados em casos de infecções secundárias ou persistentes, incluindo casos de fracasso da terapia endodôntica. Estudos utilizando métodos de cultura ou de biologia molecular têm revelado a presença de Candida albicans, uma levedura, em 3 a 18% dos casos de fracasso endodôntico16,21,76,77,88,89,116,129. Outras espécies de fungos, como C. glabrata, C. guilliermondii, C. inconspicua e Geotrichium candidum, também têm sido ocasionalmente encontradas141. Tais relatos sugerem que fungos podem ser resistentes à terapia endodôntica. De fato, tem sido demonstrado que espécies de Candida podem ser resistentes a medicamentos e
substâncias comumente empregados em Endodontia, como o hidróxido de cálcio associado a veículos inertes142. Kalfas et al.46 relataram a ocorrência de uma nova espécie do gênero Actinomyces em casos de fracasso da terapia endodôntica. A bactéria foi pela primeira vez isolada e então designada Actinomyces radicidentis. Ela foi encontrada em cultura pura em dois casos de fracasso endodôntico e é resistente aos efeitos do hidróxido de cálcio. Contudo, considerá-la como importante patógeno endodôntico associado ao fracasso é precipitado, isso porque ela é encontrada em prevalência muito baixa em casos de fracasso da terapia e geralmente associada a outras espécies115,116. Depreende-se então que a microbiota associada a casos de fracasso da terapia endodôntica é constituída principalmente por micro-organismos facultativos, geralmente por bactérias gram-positivas e/ou fungos, às vezes em monoinfecção, mas geralmente em infecção mista composta por até cinco espécies121. Cumpre salientar que essas características da microbiota se referem a casos em que o tratamento endodôntico foi aparentemente bem executado, mas mesmo assim fracassou. Por outro lado, em casos de fracasso de canais tratados de forma não satisfatória, a microbiota associada é bastante similar à de infecções primárias, contendo um maior número de espécies bacterianas (de duas a até 30 espécies), predominantemente anaeróbias estritas. Isso é bastante comum nos casos em que a obturação do canal está muito aquém do ápice radicular ou se encontra com falhas de compactação, sugerindo que a instrumentação não foi devidamente realizada, permitindo a permanência das bactérias presentes na infecção original. Estando os canais adequadamente obturados, algumas bactérias podem permanecer vivas, gerando um risco potencial para o fracasso do tratamento endodôntico. Pressões ambientais operam no sistema de canais radiculares, selecionando os poucos micro-organismos que sobreviverão e induzirão o fracasso da terapia. Essas pressões são representadas, basicamente, pelas medidas de desinfecção (preparo químico-mecânico e medicação intracanal) e pelas condições de escassez de nutrientes em um canal adequadamente tratado117. Bactérias presentes em regiões de istmos, ramificações, reentrâncias, túbulos dentinários ou até mesmo no espaço extrarradicular podem não ser afetadas pelas medidas usadas no controle da infecção endodôntica84. O suprimento de nutrientes para bactérias localizadas nos tecidos perirradiculares ou em ramificações sofre mínimas alterações após o tratamento endodôntico.
Retratamento Endodôntico
Todavia, em áreas como túbulos dentinários, istmos e reentrâncias, a disponibilidade nutricional é reduzida drasticamente. Alojadas nessas regiões anatômicas, mesmo que aprisionadas por uma obturação adequada do canal, algumas espécies bacterianas podem sobreviver por períodos relativamente longos, utilizando resíduos nutricionais derivados de restos teciduais e de células mortas. É provável também que, de alguma forma, fluidos teciduais alcancem essas áreas, em pequenas quantidades, levando nutrientes para as bactérias residuais. Devido ao fato de que bactérias usualmente podem se deparar com períodos de baixa disponibilidade de nutrientes, como no interior de um canal adequadamente obturado, a capacidade de sobrevivência nessas condições é crucial para elas. E isso apenas é possível graças a mecanismos reguladores, sob o controle de determinados genes, cuja transcrição é ativada em tais situações. Um exemplo são as bactérias que necessitam de amônia como fonte de nitrogênio. Em condições em que a concentração de amônia é limitada, o sistema Ntr de genes é ativado, permitindo que a bactéria adquira mesmo pequenos traços de amônia. Quando a concentração de amônia é elevada, esse sistema é desativado. Também em condições de baixa concentração de oxigênio molecular, bactérias facultativas podem ativar o sistema Arc (aerobic respiration regulatory), composto pelos genes arcA e arcB, ativando as vias metabólicas que permitem a utilização de aceptores terminais de elétrons para o metabolismo respiratório, de modo que ele se altera de aeróbico para anaeróbico. Em baixa quantidade de glicose, algumas bactérias podem ativar o sistema de repressão de catabólitos, sob controle dos genes cya (adenilato ciclase) e crp (catabolite repressor protein), que permite à célula sintetizar enzimas para a utilização de várias outras fontes de carbono. Em carência de fosfato inorgânico, o sistema Pho pode ser ativado em algumas enterobactérias, permitindo a utilização de compostos fosfatados orgânicos e de traços de fosfato inorgânico6. Dependendo da quantidade de nutrientes disponíveis e da capacidade de sobreviver em condições de carência nutricional, micro-organismos sobreviventes às medidas de desinfecção podem morrer ou se manter viáveis, tendo, nesses casos, sua proliferação contida ou reduzida. O fracasso da terapia endodôntica, atribuído a micro-organismos que permaneceram viáveis, somente advirá se eles tiverem acesso aos tecidos perirradiculares, se forem patogênicos e se alcançarem número suficiente para induzir ou perpetuar uma lesão perirradicular111,112.
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Infecção extrarradicular Poucas espécies bacterianas podem ser capazes de sobreviver no interior dos tecidos perirradiculares inflamados, perpetuando, assim, uma lesão perirradicular. A sobrevivência nessa região, onde as defesas do hospedeiro têm maior acesso ao agente infeccioso, somente é possível para os micro-organismos dotados da capacidade de evadir tais defesas, mesmo assim em situações especiais111,112. Os diversos mecanismos de evasão microbiana e tais situações já foram devidamente abordados, e um dos exemplos mais discutidos talvez seja o arranjo microbiano em um biofilme105,107. O biofilme pode ser definido como uma população microbiana aderida a um substrato orgânico ou inorgânico, estando envolvida por seus produtos extracelulares, geralmente polissacarídeos, os quais formam uma matriz intermicrobiana18,21. Arranjadas em um biofilme, bactérias apresentam maior resistência a agentes antimicrobianos e aos mecanismos de defesa do hospedeiro36,72,124. Quando presente, o biofilme bacteriano perirradicular, caracterizando uma infecção extrarradicular, pode ser uma das causas de fracasso da terapia endodôntica58,136 principalmente pelo fato de que se encontra fora do campo de atuação dos procedimentos endodônticos intracanais. Alguns estudos relataram a presença de biofilmes bacterianos adjacentes ao forame apical e colônias bacterianas localizadas dentro do granuloma58,106,136. Isso sugere que a organização de bactérias em biofilmes pode permitir a evasão às defesas do hospedeiro e, assim, ser uma das causas de perpetuação de uma lesão perirradicular. A principal questão referente ao tratamento do biofilme é que o profissional não tem recursos disponíveis para detectar a sua ocorrência em um determinado caso clínico. Dados de laboratório evidenciaram que a incidência de biofilme perirradicular é muito baixa em dentes não tratados com lesão perirradicular (4% dos casos)113. Esse achado é condizente com o elevado índice de sucesso da terapia endodôntica convencional123. Destarte, torna-se evidente que o biofilme perirradicular pode ocorrer, mas ele é responsável por uma percentagem relativamente baixa dos casos de fracasso endodôntico. Por essas razões e devido ao fato de a presença de biofilme não ser passível de detecção clinica, o desenvolvimento de uma estratégia terapêutica não cirúrgica visando a sua eliminação é inteiramente questionável. Embora existam várias suposições e propostas terapêuticas (baseadas na maioria das vezes no modismo e na falta de informações), o profissional deve estar ciente de que a única modalidade de tratamento dispo-
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
nível na atualidade eficaz para eliminar o biofilme perirradicular (se presente) é representada pela cirurgia perirradicular. Todavia, como a infecção perirradicular apenas é diagnosticada após a remoção do espécime, o profissional, antes de optar pela cirurgia, deve buscar outras prováveis causas do insucesso endodôntico, as quais podem ser passíveis de solução pelo retratamento endodôntico não cirúrgico. Poucas espécies bacterianas podem ser capazes de sobreviver no interior dos tecidos perirradiculares, tornando-se, assim, responsáveis pela perpetuação de uma lesão perirradicular. A sobrevivência nessa região, onde as defesas do hospedeiro têm maior acesso ao agente infeccioso, somente é possível para os poucos micro-organismos dotados da capacidade de evadir essas defesas. Entretanto, deve-se ter em mente que a infecção perirradicular não é uma ocorrência comum. Assim, a principal causa de insucesso endodôntico é a persistência de uma infecção intrarradicular, independentemente de o canal aparentemente estar tratado satisfatoriamente ou não55,56,83,93,94,116. Isso é atestado pelo fato de que cerca de 2/3 dos casos de fracasso resultam em sucesso após o retratamento endodôntico clínico122. Um outro aspecto importante em relação às infecções extrarradiculares e que assume extrema relevância no entendimento de seu papel no fracasso da terapia endodôntica se refere ao fato de que elas podem ser dependentes ou independentes da infecção intrarradicular114. Na maioria das vezes, a infecção extrarradicular é mantida pela infecção intrarradicular localizada na parte mais apical do canal. Na verdade, o biofilme extrarradicular observado em alguns casos é apenas a região fronteiriça entre a infecção endodôntica e as defesas do hospedeiro. Essa fronteira está usualmente localizada no interior do canal, em alguns casos atinge o forame apical e, em poucos, se estende para os tecidos perirradiculares. Nessa última situação, um biofilme perirradicular pode ser observado, o qual é mantido pela infecção do canal na maioria das vezes. Já a infecção extrarradicular, independentemente da intrarradicular, é mais rara e talvez seja representada principalmente pela actinomicose perirradicular, onde colônias coesas de Actinomyces spp. ou de Propionibacterium propionicum podem ser encontradas no corpo da lesão sem aparente contato com a infecção do canal (se ainda existente). Contudo, se a actinomicose perirradicular realmente representa uma entidade independentemente da infecção intrarradicular ainda precisa ser elucidado120.
Envolvimento microbiano – considerações a respeito de situações especiais Sobreobturação Estudos indicam que o sucesso da terapia endodôntica é reduzido em casos de sobreobturação32,33,118,122. A toxicidade dos materiais obturadores tem sido considerada um fator importante nesse aspecto. Contudo, a grande maioria dos materiais utilizados na obturação de canais radiculares é biocompatível (como a guta-percha) ou apresenta citotoxicidade significativa apenas antes de endurecerem (cimentos endodônticos)7,126. Após o endurecimento do cimento, com exceção daqueles contendo paraformaldeído na composição, a citotoxicidade é reduzida de forma significativa ou mesmo ausente. Dessa forma, é pouco provável que, na ausência de uma infecção concomitante, esses materiais sejam capazes de induzir ou perpetuar uma lesão perirradicular quando extravasados pelo forame apical. Tal afirmativa encontra respaldo no fato de que o índice de sucesso nas biopulpectomias, onde há ausência de infecção pulpar, é bastante elevado, mesmo nos casos de sobreobturação. Obviamente isso não deve ser entendido como uma apologia da sobreobturação, uma vez que complicações pós-operatórias, como flare-ups, podem advir mormente quando a quantidade de material obturador extravasada for grande. Na verdade, tal constatação enfatiza a necessidade de se controlar e prevenir a infecção endodôntica para o sucesso da terapia. Depreende-se então que o fracasso associado às sobreobturações está relacionado com a presença de uma infecção concomitante. Na maioria das vezes, canais sobreobturados não apresentam um selamento apical satisfatório, o que permite que ocorra a percolação de fluidos teciduais para o interior do sistema de canais radiculares, os quais, sendo ricos em proteínas e glicoproteínas, podem suprir substrato para microorganismos residuais que sobreviveram aos efeitos dos procedimentos intracanais. Restabelecida a fonte nutricional, tais micro-organismos podem proliferar e atingir números compatíveis com a indução ou manutenção de uma lesão perirradicular111. Uma outra situação comum em casos de sobreobturação e que pode justificar o fracasso do tratamento se refere ao fato de que, usualmente, a sobreinstrumentação antecede a sobreobturação. Em casos de dentes despolpados, com necrose e infecção pulpar, tal evento faz com que raspas de dentina infectadas sejam projetadas para o interior da lesão perirradicular145. Nessa
Retratamento Endodôntico
situação, os micro-organismos são fisicamente protegidos dos mecanismos de defesa do hospedeiro e têm o potencial de sobreviver no interior da lesão e, assim, perpetuá-la128.
Selamento coronário Há até alguns anos, a grande maioria dos autores estava concorde em afirmar que a obtenção de um selamento apical “hermético” era o principal fator relacionado com o sucesso da terapia endodôntica. Todavia, para Saunders e Saunders98 um selamento coronário adequado também exerce extrema relevância no resultado do tratamento endodôntico. Se irritantes presentes na saliva, como bactérias, produtos bacterianos, componentes da dieta e substâncias químicas, contatam os tecidos perirradiculares, eles podem se tornar inflamados. Canais obturados expostos diretamente à saliva podem se tornar rapidamente recontaminados, graças à solubilização do cimento endodôntico e à permeabilidade da obturação. Khayat et al.49 avaliaram in vitro o tempo necessário para os canais obturados por duas técnicas se tornarem recontaminados após exposição à saliva. Eles verificaram que, quando a técnica de compactação lateral foi empregada, a total recontaminação do canal foi observada, em média, em 29 dias, variando entre 8 e 48 dias. Canais obturados pela técnica de compactação vertical foram recontaminados entre 4 e 46 dias, com uma média de 25 dias. Torabinejad et al.135 utilizaram culturas de bactérias para avaliar a recontaminação do canal. Eles verificaram que canais obturados expostos coronariamente a uma cultura de Staphylococcus epidermidis se tornaram recontaminados, em média, em 24 dias, enquanto aqueles expostos a Proteus vulgaris, em 49 dias. Estudo de Behrend et al.10, examinando o efeito da remoção da smear layer na penetração coronária de P. vulgaris, relatou que a frequência da penetração bacteriana em 21 dias foi significativamente maior em dentes obturados com a smear layer intacta (70%) do que naqueles onde esta camada de detritos foi removida (30%). Siqueira et al.109 compararam o selamento do canal radicular sem selamento coronário proporcionado por dois cimentos endodônticos contendo hidróxido de cálcio, Sealer 26 e o Sealapex. Foi demonstrado que, após 90 dias de exposição à saliva, 45% e 80% dos canais obturados onde se empregaram o Sealer 26 e o Sealapex, respectivamente, tornaram-se totalmente recontaminados. Em outro estudo, Siqueira et al.110 avaliaram a infiltração via coronária de microorganismos da saliva em canais obturados por três
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técnicas: onda contínua de compactação (System B), Thermafil e compactação lateral. Um número significativo de espécimes apresentava canais totalmente contaminados após 30 dias, independentemente da técnica. Após 60 dias, 75% dos canais obturados pela técnica da onda contínua de compactação, 85% dos obturados com Thermafil e 90% dos obturados pela compactação lateral estavam totalmente contaminados. Não houve diferença estatisticamente significante entre as três técnicas. A exposição da obturação do canal à saliva pode ocorrer nas seguintes situações clínicas: (a) perda do selador temporário ou da restauração coronária definitiva; (b) microinfiltração através do selador temporário ou da restauração coronária definitiva; (c) desenvolvimento de cárie secundária ou recidivante; (d) fratura do material restaurador e/ou da estrutura dentária. Após a obturação do canal radicular, um selador coronário provisório é aplicado, até a realização do tratamento restaurador definitivo. Devido à solubilidade à saliva e à baixa resistência mecânica à compressão dos materiais seladores temporários, o selamento provisório não deve permanecer por um período longo (como o próprio nome diz – é provisório). Assim, após a conclusão do tratamento endodôntico, deve ser executada o mais rapidamente possível a restauração definitiva ou o preenchimento da cavidade coronária (núcleo de preenchimento) do elemento dentário. A solubilização do cimento endodôntico e a consequente permeabilidade da obturação do canal pela saliva permite a comunicação entre irritantes da cavidade oral e os tecidos perirradiculares via forame apical ou ramificações. Nessas condições, o tratamento endodôntico, mesmo adequadamente executado, pode resultar em fracasso. Como, clinicamente, ainda é impossível determinar se a comunicação entre a saliva e os tecidos perirradiculares ocorreu, parece contraindicada a restauração dentária definitiva de um dente cujo canal tenha permanecido exposto à cavidade oral por um curto período de tempo. Estudos clínicos têm revelado que a qualidade do selamento coronário promovido pela restauração da coroa dentária pode estar relacionada com o sucesso da terapia endodôntica. Ray e Trope91 chegaram a afirmar que a qualidade da restauração coronária foi significativamente mais importante para o sucesso a longo prazo do tratamento endodôntico do que propriamente a qualidade da obturação do canal. Embora tenham alertado para essa questão importante, tal afirmativa não foi respaldada por outros estudos.
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Tronstad et al.137 revelaram que o maior índice de sucesso do tratamento endodôntico (81%) ocorreu quando da associação adequado tratamento endodôntico/ adequada restauração coronária. Quando o tratamento endodôntico foi bem executado, mas a restauração coronária estava ruim, o índice de sucesso caiu para 71% dos casos. Por sua vez, quando a qualidade do tratamento endodôntico foi ruim, o índice de sucesso caiu drasticamente, independentemente de a qualidade da restauração coronária estar adequada (56% de sucesso) ou não (57% de sucesso). Assim, se o tratamento endodôntico foi inadequado, a qualidade da restauração coronária não influenciou o índice de sucesso. Siqueira et al.118 avaliaram a prevalência de lesões perirradiculares em 2.051 dentes com canais tratados de uma população brasileira. Casos com tratamento endodôntico e restauração coronária adequados apresentaram um índice de sucesso de 71%. Tal índice caiu para 65% em casos de adequado tratamento e restauração inadequada e para 48% quando o tratamento estava adequado, mas com restauração coronária ausente. Dentes com tratamento endodôntico inadequado tiveram índices de sucesso de 38%, 25% e 18% quando a restauração coronária estava adequada, inadequada ou ausente. Assim, quando o tratamento endodôntico estava adequado, a qualidade da restauração não afetou os resultados, exceto quando ela estava ausente e a obturação do canal completamente exposta à cavidade oral. Por sua vez, a qualidade da restauração coronária afetou significativamente o resultado dos dentes com tratamento endodôntico inadequado. Levando-se em consideração que nenhuma técnica de obturação ou material obturador disponível na atualidade apresentam eficácia em promover um bom selamento coronário, o ingresso de micro-organismos da saliva em um canal obturado só pode ser prevenido por uma adequada restauração coronária. Entretanto, apenas uma adequada restauração coronária não representa garantia de sucesso se o tratamento endodôntico não estiver correto92,118,137.
Fatores não microbianos Embora fatores microbianos sejam citados como a causa primária de fracasso da terapia endodôntica, relatos sugerem que alguns poucos casos podem estar relacionados com a reação de corpo estranho a materiais endodônticos ou com fatores intrínsecos, como o acúmulo de produtos de degeneração tecidual. Nair et al.81 relataram um caso clínico de lesão refratária à terapia endodôntica. A lesão removida por cirurgia foi
processada e examinada por microscopia óptica e eletrônica, sendo diagnosticada como cisto perirradicular. Um grande número de cristais de colesterol foi observado no tecido conjuntivo, circundando o revestimento epitelial da loja cística. Uma vez que micro-organismos não foram detectados, esses autores atribuíram a causa da persistência da lesão ao desenvolvimento de uma reação de corpo estranho aos cristais de colesterol. Tais cristais podem se originar da precipitação do colesterol liberado por eritrócitos, linfócitos, plasmócitos e macrófagos, em estado de desintegração na lesão, ou por lipídios circulantes. Eles também podem evocar uma reação de corpo estranho, sendo então circundados por células gigantes multinucleadas82. É possível que essas células sejam incapazes de eliminar os cristais, que continuariam a se acumular, perpetuando a lesão perirradicular. Tem sido sugerido que o epitélio cístico pode ser o responsável pela ausência de reparo da lesão pós-tratamento endodôntico, principalmente em casos de cistos perirradiculares verdadeiros, nos quais a loja cística não se comunica com o canal radicular. Todavia, estudos revelam que cistos perirradiculares podem ser curados após tratamento endodôntico não cirúrgico57,78,79,134. Ademais, alguns cistos podem se tornar infectados, mormente quando a cavidade cística apresenta comunicação direta com a infecção do canal via forame apical (cisto em bolsa ou cisto baía). No interior da cavidade, micro-organismos que egressam do canal são combatidos por moléculas de defesa (anticorpos e componentes do sistema complemento) e por neutrófilos polimorfonucleares, únicas células capazes de atravessar o revestimento epitelial e adentrar a loja cística. Devido às características morfológicas da cavidade cística, o combate à infecção pode não ser eficaz, e a persistência de micro-organismos e de seus produtos pode ser a causa verdadeira do fracasso, também caracterizando uma infecção extrarradicular111,112. Além dos fatores intrínsecos, também os extrínsecos têm sido propostos como causa de fracasso endodôntico. Alguns materiais obturadores contendo substâncias insolúveis e irritantes, como o talco contaminando cones de guta-percha, quando extravasados para os tecidos perirradiculares, podem evocar uma reação de corpo estranho neles, o que perpetuará ou possivelmente induzirá uma lesão perirradicular, levando o tratamento endodôntico ao fracasso80. A celulose, presente em cones de papel, no algodão e em alguns alimentos, também pode ser a causa de insucesso endodôntico se, por algum motivo, contatar os tecidos perirradiculares50,111. Uma vez que nossas célu-
Retratamento Endodôntico
las não produzem celulase, a enzima que degrada esse carboidrato, ele permanecerá nos tecidos, evocando uma reação de corpo estranho. O uso de cones de papel absorvente além do comprimento do canal radicular, pode deixar fragmentos de celulose nos tecidos perirradiculares. Em nossa opinião, o emprego intracanal de algodão, independentemente da razão alegada, é totalmente desnecessário e contraindicado. Alimentos à base de celulose podem adentrar o canal nos casos em que ele é deixado aberto para drenagem ou quando o selamento temporário é perdido. Obviamente, tais alimentos também carrearão micro-organismos para o canal radicular. Deixar o dente aberto para drenagem já era considerado um procedimento antiquado e sem suporte científico sólido no início do século passado140. Cumpre salientar que, embora haja suposições quanto ao envolvimento de fatores não microbianos no fracasso endodôntico e até tentativas de explicação, não há fortes evidências científicas nesse sentido. Em todos os casos relatados é difícil excluir a possibilidade de infecção concomitante aos supostos fatores não microbianos. No momento, acredita-se que todos os casos de fracasso devido à perpetuação de uma lesão perirradicular sejam causados por micro-organismos presentes no canal ou nos tecidos perirradiculares.
AVALIAÇÃO DO SUCESSO DA TERAPIA ENDODÔNTICA No que tange às avaliações de sucesso ou fracasso realizadas por vários autores, podemos afirmar que elas divergem consideravelmente, talvez em razão da variação dos critérios empregados pelos pesquisadores39,75,122. Ao longo dos anos diversos critérios têm sido utilizados para o estabelecimento do índice de sucesso do tratamento endodôntico. Porém, é comum entre os autores considerar os aspectos clínicos e radiográficos, assim como o tempo de controle (prosservação), como critérios de avaliação do índice de sucesso e fracasso do tratamento endodôntico. A Sociedade Europeia de Endodontia em 1994 considerou que as ausências de dor, tumefação e outros sintomas; assim como a ausência de fístula, da perda de função e de evidência radiográfica de espaço do ligamento periodontal normal são indicativos de sucesso. Se a radiografia revela que a lesão permanece com a mesma dimensão ou diminui de tamanho, o tratamento não é considerado um sucesso26. Nos casos onde ocorre a redução do tamanho da lesão perirradicular significa que a infecção diminuiu, mas não aos
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níveis suficientes que sejam compatíveis com a reparação completa119. Quanto ao tempo de prosservação, os valores citados na literatura consultada são conflitantes, variando de 6 meses a 10 anos11,122,130. Para Friedman35, a maioria dos casos de dentes tratados endodonticamente é curada após 1 a 2 anos, com alguns podendo levar até 4 anos. Se após esse período a lesão ainda persistir sem sinais de redução nos últimos controles radiográficos, deve ser considerado o caso como um fracasso. A Sociedade Europeia de Endodontia determinou que a radiografia de controle deve ser tirada pelo menos após 1 ano do tratamento endodôntico. Para controles subsequentes, em caso necessário, até 4 anos, quando o tratamento é definitivamente considerado como sucesso ou fracasso26. A validade do critério clínico e radiográfico utilizado na avaliação do índice de sucesso ou de fracasso do tratamento endodôntico é questionada por diversos autores. Os critérios para a avaliação clínica são frequentemente mal-entendidos, mal-empregados ou mal-interpretados. Isso pode até acontecer com o mesmo dente e o mesmo profissional em duas ocasiões distintas. Fatores relacionados com o paciente, seleção do caso e interpretação do observador podem alterar de modo significativo as percepções do sucesso e do fracasso. A ausência de sintomas clínicos não serve de parâmetro para determinar o sucesso ou o fracasso de um tratamento endodôntico sem a integração de outros fatores39. Para que dados radiográficos obtidos na ocasião do tratamento endodôntico sejam comparados com os obtidos nas avaliações subsequentes, todas as radiografias devem ser de boa qualidade e com o mínimo de distorção. As angulações verticais e horizontais devem ser constantes e fornecer uma representação mais próxima possível da verdadeira anatomia radicular e da configuração do canal. O exame de controle clínico e radiográfico é difícil de ser concretizado devido à relutância do paciente em encontrar tempo para a sua realização quando o dente está bem clinicamente. A comunicação e a formação da importância do controle póstratamento endodôntico ao paciente são fundamentais para a obtenção de maiores percentuais de avaliação do tratamento endodôntico a longo prazo. Um dente, aparentemente normal com relação ao critério clínico e radiográfico, pode apresentar alterações patológicas nos tecidos perirradiculares. Na prática diária, a interpretação e a avaliação dos resultados obtidos pelo controle clínico e radiográ-
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
fico devem ser analisadas com muito rigor para evitarmos fatos – como o retratamento ou cirurgias perirradiculares desnecessárias – que acontecem em virtude da menor atenção dedicada aos exames de controle radiográfico associados à história clínica, que poderão facultar um diagnóstico correto em relação ao caso em questão.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Antes da indicação do retratamento endodôntico convencional ou da cirurgia perirradicular devemos descartar a possibilidade de dor: • Não odontogênica. Nesses casos, o diagnóstico diferencial deve incluir a síndrome de dor miofacial, a disfunção temporomandibular, as síndromes de cefaleia vascular, a dor neurogênica, a doença do sistema nervoso central, a infecção herpética ou por outros vírus e dor psicossomática. • Odontogênica de origem não endodôntica. Nesses casos, o diagnóstico diferencial deve incluir o trauma oclusal, a doença periodontal e as fraturas (fissuras) dentárias. Dentes com tratamento endodôntico submetidos a um trauma oclusal podem permanecer sensíveis. O retratamento endodôntico não removerá a verdadeira causa dessa sensibilidade. Da mesma forma, dentes envolvidos periodontalmente podem permanecer sensíveis, especialmente à percussão e à palpação após um tratamento endodôntico correto. As sondagens periodontais cuidadosas são imprescindíveis antes de se indicar o retratamento endodôntico convencional ou cirúrgico. Dentes com fraturas coronárias verticais ou oblíquas e fraturas radiculares permanecem sensíveis à percussão e à mastigação14. A análise do caso por meio de tomografia computadorizada de feixe cônico é imprescindível para completar o diagnóstico.
INDICAÇÕES Do ponto de vista endodôntico, toda vez que surge um insucesso, a opção recai sobre duas condutas básicas: a cirurgia perirradicular ou o retratamento convencional, que quando bem indicados proporcionam um bom prognóstico. A escolha entre uma ou outra opção depende de fatores como: acesso ao canal, localização e situação anatômica do dente, envolvimento com peças protéticas, qualidade do tratamento endodôntico anteriormente realizado e envolvimento periodontal (Fig. 17-1A e B).
A
B
Figura 17-1. Retratamento endodôntico. Indicação. A. Opção cirúrgica. B. Retratamento convencional.
Assim, a análise criteriosa da situação clínica, em sua totalidade, é fundamental para a escolha entre a opção cirúrgica e o retratamento convencional, a fim de se optar pela indicação mais acertada e com mais possibilidades de sucesso. O retratamento endodôntico pode ser assim indicado: • quando o tratamento inicial apresentar, mediante exame radiográfico, obturação endodôntica inadequada de um canal radicular (Fig. 17-2A e B). Nos casos em que a obturação endodôntica é inadequada e uma nova restauração protética do dente se faz necessária, mesmo não havendo manifestação clínica ou radiográfica de insucesso, o retratamento do canal deve ser realizado. As substituições de restaurações coronárias com ou sem uso de retentores intrarradiculares em dentes com obturações endodônticas inadequadas podem provocar a comunicação do canal radicular com o meio oral, contaminando-o e
Retratamento Endodôntico
Figura 17-2. Retratamento endodôntico. Indicação. A. Obturação inadequada do canal. B. Obturação inadequada e necessidade de nova restauração coronária.
A
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B
propiciando condições imediatas ou mediatas para o surgimento de manifestação clínica e/ou radiográfica adversa, em dentes que anteriormente se comportavam como sucesso. • quando o tratamento inicial apresentar por meio do exame clínico exposição da obturação de um canal radicular ao meio oral. Magura et al.70 recomendam o retratamento endodôntico em dentes sem restaurações coronárias, em que as obturações dos canais ficaram expostas ao meio oral por três meses ou mais (Fig. 17-3). • quando o exame clínico do dente tratado endodonticamente revelar: persistência de sintomas subjetivos, desconforto quanto à percussão e à palpação, fístula ou edema, mobilidade, impossibilidade de mastigação.
• quando observamos no exame radiográfico de um dente tratado endodonticamente: presença de rarefações ósseas em áreas perirradiculares previamente inexistentes, incluindo rarefações laterais; espaço do ligamento periodontal aumentado maior que 2mm; ausência de reparo ósseo em uma reabsorção perirradicular; aumento de uma área radiotransparente; não formação de nova lâmina dura; evidência de progressão de uma reabsorção radicular (Fig. 17-4). • o retratamento também deve ser indicado para os dentes que serão submetidos a cirurgia perirradicular, onde o canal radicular se apresenta inadequadamente instrumentado e obturado. A obturação retrógrada realizada em canais deficientemente obturados não é, por si só, fator de sucesso cirúrgico. O retratamento endodôntico pode ser realizado via convencional (coroa-ápice) ou por meio da loja cirúrgica (retroinstrumentação e retro-obturação).
Figura 17-3. Retratamento endodôntico. Indicação. Obturação exposta ao meio oral.
Figura 17-4. Retratamento endodôntico. Indicação. Presença de rarefação óssea em área perirradicular previamente inexistente.
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
RETRATAMENTO ENDODÔNTICO O retratamento endodôntico envolve etapas distintas, ou seja: • remoção da restauração coronária; • remoção de retentores intrarradiculares; • remoção do material obturador do canal radicular (esvaziamento); • reinstrumentação do canal radicular; • medicação intracanal; • obturação do canal radicular. Antes de programarmos o retratamento, uma cuidadosa análise clínica e radiográfica do elemento dentário se faz necessária. Nesse exame devemos observar a viabilidade do retratamento e, principalmente, o tipo de restauração coronária presente, o aspecto da obturação do canal radicular e a presença de iatrogenias (degraus, perfurações, instrumentos fraturados, obstruções e reabsorções). Porém, não devemos esquecer que, embora de valor inestimável na prática endodôntica, a radiográfia não é absoluta. Ao contrário, existem conceitos que, por si sós, limitam o seu valor. Assim, mesmo quando as imagens radiográficas não estimulam o retratamento, ele pode reservar boas surpresas quando iniciado, pois aquelas são sugestivas e nunca conclusivas.
REMOÇÃO DA RESTAURAÇÃO CORONÁRIA As restaurações coronárias em dentes tratados endodonticamente podem ser simples, sendo, normalmente, constituídas de amálgamas, compósitos e ionômeros de vidro ou complexas, representadas pelas incrustações e coroas metálicas ou cerâmicas que, às vezes, podem ser suportes de aparelhos protéticos. As restaurações simples, de modo geral, não requerem considerações especiais quanto ao acesso aos canais radiculares, devendo, sempre que possível, ser removidas integralmente por meio de instrumentos rotatórios. Quanto às restaurações complexas, uma situação alternativa pode ocorrer: a manutenção ou a remoção.
Manutenção das restaurações coronárias complexas A manutenção dessas restaurações pode ocultar rotações dentárias, alterações de posição e, radiograficamente, impedir a visualização da morfologia da câmara pulpar. Tais omissões de informações poderão
conduzir a erros e perfurações na preparação do acesso à cavidade endodôntica, além de dificultar o diagnóstico de fraturas verticais e contribuir para a contaminação do endodonto, em razão de cáries ou percolações. Entretanto, quando apresentam qualidades satisfatórias, as vantagens da manutenção dessas restaurações favorecem o isolamento absoluto; mantêm os dentes em função e a estética original. Nesses casos, a abertura coronária deve ser ampla, objetivando favorecer a visualização direta do material obturador existente na cavidade pulpar. Para restaurações metálicas ou de resina composta, brocas carbide são normalmente empregadas. Para restaurações cerâmicas são empregadas brocas diamentadas. As pequenas aberturas praticadas no pressuposto de manter as mesmas restaurações coronárias após o retratamento endodôntico certamente contribuirão para uma ineficaz limpeza dos canais radiculares, com graves repercussões no resultado da terapia empregada. Além disso, principalmente em dentes inferiores, poderá ocorrer a queda de resíduos da restauração coronária, na região apical ou perirradicular, durante reinstrumentação do canal radicular. Geralmente isso ocorre devido à ação dos instrumentos endodônticos nas paredes do material restaurador ou devido à tentativa de se ampliar o acesso após o esvaziamento do canal radicular. Dentre outros inconvenientes, esses resíduos podem impedir o acesso à área apical e, consequentemente, inviabilizar a terapia proposta. Nos casos onde a retificação do acesso for necessária, sugerimos o bloqueio da embocadura dos canais, com pequenas mechas de algodão ou de guta-percha.
Remoção das restaurações coronárias complexas A remoção das restaurações coronárias complexas pode ser realizada por desgaste, ultrassom, tração ou pelas combinações desses procedimentos
Remoção por desgaste Na remoção por desgaste de materiais metálicos são usados instrumentos rotatórios, de preferência especiais, como as brocas Transmetal FG-153 (cilíndrica) e 154 (pera), FG150/A e 150/B, FG155 (cilíndrica) e FG156 (cônica) da Maillefer. Também as brocas FG esféricas estandardizadas ou de haste longa são eficientes. A restauração pode ser desgastada na sua totalidade, o que geralmente consome muito tempo, perda de corte da broca e, por vezes, desperdício de metal nobre.
Retratamento Endodôntico
Outra maneira de se remover a restauração é realizar o seu seccionamento com broca, no sentido do menor diâmetro, até atingir o cimento e/ou a estrutura dentária. A seguir, um instrumento metálico rígido é introduzido no traço da seção e, com movimento discreto de alavanca, conseguimos o deslocamento dos fragmentos (Fig. 17-5A e B). Na remoção de material cerâmico são empregadas brocas diamantadas. Nas coroas metalocerâmicas, primeiramente, a cerâmica será seccionada com broca diamantada e, a seguir, secciona-se o metal com brocas carbide. Em função da estética, principalmente em dentes anteriores, pode-se desgastar a coroa pelo lado palatino ou lingual, contornando o preparo até liberá-la, sem prejudicar sua face vestibular. Após o desgaste, com
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um discreto movimento de alavanca entre a estrutura dentária e a coroa, esta é facilmente deslocada e, posteriormente, utilizada para a confecção da coroa provisória.
Remoção por ultrassom As restaurações coronárias complexas metálicas podem ser removidas pelo emprego de ultrassom. Entre os diversos tipos de aparelhos, podem ser citados o ENAC (Osada Eletric Co, Japão) e o NAC (Adiel Comercial Ltda, Ribeirão Preto, SP), que apresentam boa eficiência e simplicidade de emprego. Esses aparelhos vêm acompanhados de uma ponta especial ST 09, posicionada junto às diferentes faces da restauração. Com a aplicação da vibração ultrassônica ocorre a fragmentação do cimento, podendo, a seguir, a restauração ser re-
A
B
Figura 17-5. Remoção da restauração coronária por desgaste. A. Seccionamento com broca. B. Deslocamento com um instrumento metálico rígido. Restauração removida.
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Remoção por tração
Figura 17-6A. Aparelho de ultrassom ENAC (Osada Eletric CO, Japão). B. Ponta especial ST09.
Outra maneira de se promover a remoção de restaurações coronárias complexas, principalmente coroas artificiais, é por meio do aparelho saca-prótese (Fig. 17-7). Esse aparelho é formado por quatro peças: Peça 1 (gancho) – parte que fica em contato com a coroa dentária que se deseja remover. É rosqueada à haste do aparelho e apresenta garras na extremidade, que são posicionadas junto ao bordo cervical da coroa. Geralmente, esses aparelhos apresentam cinco tipos da peça 1, as quais diferem entre si pelo formato das garras, devido à variação da anatomia coronária; Peça 2 – haste esbelta (fina e comprida); Peça 3 – corpo com massa relativamente grande; Peça 4 – batente limitador de movimento da Peça 3 (massa). O funcionamento desse aparelho se desenvolve da seguinte maneira: a Peça 1 é adaptada geralmente ao bordo cervical, vestibular da coroa que se deseja remover. Em seguida, a Peça 3 é colocada em contato com a Peça 1, isto é, mais próxima à restauração e impulsionada pelo operador contra o batente da Peça 4, o que produz um choque mecânico que induz cargas superiores à da resistência ao cisalhamento do cimento.
movida com tração por meio de instrumentos clínicos (por exemplo, espátula de Hollemback). É importante o contato íntimo entre a ponta vibradora e o metal da restauração protética. A ligação do cimento pode se romper na interface cimento-metal ou na interface cimento-dentina (Fig. 17-6A e B). A remoção de trabalhos protéticos por ultrassom é mais eficiente quando cimentados com cimentos convencionais do que com cimentos resinosos ou cimentos com adesivos dentinários. Outras vezes, a seção da restauração com instrumentos rotatórios facilitará e diminuirá o tempo de remoção pelo ultrassom. Durante a aplicação do aparelho deve ser mantido o jato de água para evitar o aumento de temperatura, causado pela vibração da ponta do ultrassom, que deverá ser aplicado em intervalos de 1 a 2 minutos, e o tempo requerido para a remoção varia de 3 a 10 minutos, estando o registro de potência do equipamento posicionado em vibração. Para amenizar o desconforto da vibração pode ser aplicado um instrumento auxiliar (por exemplo, um calcador de cimento) junto a uma das faces da restauração. Todavia, esse procedimento reduz a energia vibratória.
Figura 17-7. Aparelho saca-prótese. 1. Gancho. 2. Haste esbelta. 3. Massa. 4. Batente.
A
B
Retratamento Endodôntico
Figura 17-8. Aparelho extrator pneumático.
Com isso é possível fraturar o cimento e, consequentemente, deslocar a coroa protética do dente. Outro aparelho empregado na remoção de prótese é o extrator pneumático (Dentco, NY, USA) (Fig. 17-8). Apresenta três ganchos que diferem entre si pelo formato das garras. O sistema transforma a energia cinética do ar comprimido em energia mecânica, impulsionando o gancho de encontro à peça protética. O número e a força de impacto podem ser controlados pelo ajuste da abertura de saída do ar comprimido. O equipamento é acompanhado de um manômetro para medir a pressão exercida pelo ar. É importante ressaltar que a força aplicada no colo anatômico da coroa é paralela ao eixo do dente, criando um momento (binário ou conjugado) que pode ocasionar a fratura do dente (Fig. 17-9A e B). Para evitar a criação do binário é necessário aplicar a força no eixo do dente. Esse procedimento pode ser obtido mediante o emprego de dispositivos especiais: quando a forma da coroa permitir, faz-se uma abertura no seu bordo incisal, passando por ela um fio metálico no qual seria aplicada a garra de tração do saca-prótese ou extrator pneumático; em coroas de pré-molares e molares o ideal é empregar dispositivos que prendam garras na face vestibular e na palatina. A força aplicada pode também afetar o ligamento periodontal, chegando até mesmo a ocasionar a extrusão do dente. Também pode danificar as bordas de coroas metálicas ou fraturar as bordas de coroas com porcelanas. Outra aplicação desses aparelhos é na tentativa de remoção de ponte fixa. O gancho (Peça 1) deve ser aplicado na parte central do pôntico. Todavia, pode não ocorrer a ruptura simultânea do cimento dos dentes pilares. Assim, há tendência de a ponte girar em torno de um dos pilares. Tal ocorrência pode provocar uma luxação lateral ou mesmo a fratura dos dentes pilares.
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A força necessária para a remoção de uma coroa ou ponte fixa dependerá, dentre outros fatores, da área da superfície do preparo do dente, da forma geométrica do preparo e da resistência à ruptura do cimento. Maior área da superfície do preparo do dente, preparo com paredes paralelas e próteses cimentadas com cimentos resinosos ou cimentos com adesivos dentinários necessitam de uma força maior para a remoção da prótese. Do exposto, pode-se afirmar que os aparelhos saca-prótese e extrator pneumático devem ser usados com cautela na remoção de peças protéticas cimentadas definitivamente. Todavia são úteis quando a cimentação for de caráter provisório, em razão da menor resistência à ruptura do cimento empregado. Outras versões de aparelhos de tração foram desenvolvidas especificamente para a remoção conservadora de restaurações e coroas, porém, todas sendo utilizadas de modo similar17 com o mesmo mecanismo de funcionamento. Apesar de propostas seguras de remoções de restaurações protéticas por desgaste e por ultrassom, ainda há improvisações empíricas e grotescas, como o uso de cinzéis e martelos cirúrgicos que, rotineiramente, levam à fratura da estrutura dentária. No retratamento endodôntico é insensato tentar remover por tração ou por ultrassom integralmente um trabalho protético com o intuito de reaproveitá-lo, expondo o elemento dentário a riscos que poderão culminar com a sua exodontia. Se o objetivo é preservar o trabalho protético, a melhor opção para o retratamento é a via cirúrgica.
A
B
Figura 17-9. Força aplicada paralela ao eixo do dente. A. Desenho esquemático. B. Fratura radicular.
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
REMOÇÃO DE RETENTORES INTRARRADICULARES Após a terapia endodôntica, nos casos onde há grande ou total perda de estrutura coronária, ocorre a necessidade de uso de retentores intrarradiculares com a finalidade de reter e facilitar a reconstrução protética do dente. Sua confecção não é um procedimento estandardizado, mas variável, de acordo com as condições das estruturas dentárias remanescentes, do periodonto e da anatomia radicular, isto é, depende da forma, volume, comprimento e diâmetro cervical. Existem diversos tipos de retentores intrarradiculares. Entretanto, para fins didáticos, consideraremos apenas os seguintes tipos: a) pino e núcleo fundidos; b) pino pré-fabricado e núcleo, de resina composta ou de ionômero de vidro. Os pinos e núcleos fundidos são de forma cônica e podem ser confeccionados por meio de diversas ligas metálicas (ligas de ouro, prata-paládio, prata-estanho e cobre-alumínio). Normalmente são cimentados nos canais radiculares com cimentos de fosfato de zinco (Fig. 17-10).
Pinos pré-fabricados podem ser metálicos e não metálicos. Os metálicos (aço inoxidável ou titânio), segundo a sua forma geométrica, podem ser cilíndricos e cônicos, e quanto ao acabamento superficial, lisos, serrilhados e rosqueados. São cimentados no interior dos canais radiculares com cimentos de fosfato de zinco. Os pinos não metálicos podem ser fabricados em fibra de carbono, em resina epóxica, em cerâmica (dióxido de zircônio e óxido de ítrio) ou em fibras de vidro embebidas em matriz resinosa com cargas. Podem ser cimentados com cimentos resinosos, ionômeros de vidro ou pela técnica adesiva (cimento dual). Para os pinos pré-fabricados os núcleos são confeccionados preferencialmente em resina composta. Para Shillinburg e Kessler103, existem quatro fatores que influenciam a retenção de qualquer pino: comprimento, conicidade, diâmetro e acabamento da superfície do pino. Comprimentos e diâmetros maiores aumentam a retenção dos pinos intrarradiculares, e os cilíndricos apresentam retenção superior aos cônicos. Quanto à configuração da superfície do pino, os trabalhos existentes na literatura revelam que os rosqueados ou serrilhados (adaptados por fricção) são mais retentivos do que os de superfície lisa com iguais diâmetros103,127. Lopes et al.68 em 500 dentes tratados endodonticamente, portadores de retentores intrarradiculares, observaram através de radiografias periapicais que: • os incisivos centrais (29,4%) e os laterais superiores (26,2%) apresentaram maiores incidências de retentores; • em 40,6% dos casos havia lesão perirradicular; • em 11,4%, os retentores foram instalados em dentes sem tratamento endodôntico; • em 80,6% dos casos, os comprimentos dos pinos eram incompatíveis com o princípio de retenção dos retentores intrarradiculares; • em 50,4% dos casos, os retentores foram confeccionados sem levar em consideração a condição da obturação do canal radicular.
Figura 17-10. Retentor intrarradicular fundido.
Entre os métodos e procedimentos sugeridos para a remoção dos retentores intrarradiculares, temos a tração, o emprego do ultrassom, o desgaste por meio de instrumentos rotatórios e a combinação destes métodos. Antes de se programar qualquer intervenção e a escolha do método para a remoção do retentor intrarradicular, uma cuidadosa análise clínica e radiográfica do elemento dentário se faz necessária. Nesse exame,
Retratamento Endodôntico
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Coroa protética A remoção da coroa protética tem como objetivo principal a visualização do núcleo, devendo ser realizada de acordo com os preceitos já mencionados.
Núcleo
observaremos a viabilidade do retratamento endodôntico e, principalmente, o tipo de retentor instalado e o posicionamento do pino intrarradicular.
Sendo de resina composta ou de ionômero de vidro, deve ser desgastado até a liberação da porção extrarradicular do pino. Geralmente, essa porção apresenta a forma cilíndrica e não é ideal para a apreensão do aparelho de tração. O desgaste vestibular e palatino, conferindo superfícies planas e paralelas, facilitará sua apreensão e aumentará a estabilidade do aparelho de tração. Sendo o núcleo fundido, com o uso de brocas carbide cilíndricas e troncocônicas de alta rotação, transformamos sua forma cônica em retangular. Sua espessura mesiodistal não pode ser superior a 2mm, visto que a abertura dos batentes solidários dos aparelhos de tração estudados é de 2,5mm (Fig. 17-12).
Remoção por tração
Estojo
A
B
Figura 17-11. Remoção por tração. Dispositivos especiais. A. Alicate saca-pinos. B. Pequeno gigante.
O método por tração é indicado na remoção de retentores intrarradiculares fundidos. A remoção de pino intrarradicular por tração pode ser realizada empregando-se dispositivos especiais ou não. A tração simples, com o emprego de alicates comuns, fórceps ou porta-agulhas, pode retirar os retentores intrarradiculares, quando eles são fracamente fixados no interior do canal. Entretanto, nos pinos solidamente fixados no canal pode ocorrer a exodontia ou fratura radicular. Tal fato ocorre em virtude de o sistema de aplicação da força de tração atuar apenas no sentido oposto à manutenção da raiz no interior do alvéolo. Havendo inclinação ou rotação do retentor, pode ocorrer fratura radicular. A maneira mais indicada para a retirada dos retentores intrarradiculares por tração é pelo emprego de dispositivos especiais, como, por exemplo, alicate sacapinos e pequeno gigante, que são capazes de aplicar no topo radicular uma força igual e com sentido contrário ao da remoção do pino (Fig. 17-11A e B).
Sendo o núcleo estojado, devemos remover toda a área metálica do topo radicular e conferir ao núcleo a forma já descrita.
Procedimentos operatórios Abordaremos, a seguir, os procedimentos que visam à remoção da coroa protética e ao preparo do núcleo e topo radicular com o propósito de criar condições seguras para a remoção do pino por tração. A não observação criteriosa dos procedimentos desses tópicos poderá provocar a fratura radicular60,61.
Figura 17-12. Núcleo fundido. Desgaste correto.
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Figura 17-13. Núcleo fundido. Desgaste incorreto.
Figura 17-14. Dimensão do pino metálico na embocadura do canal superior a 2mm. Procedimentos operatórios.
Os batentes solidários não devem se apoiar na estrutura metálica do estojo ou do pino (desgaste incorreto do núcleo), pois se ocorrer, as forças do batente e a de reação da estrutura metálica se anulariam, não havendo carregamento (remoção) do pino (Fig. 17-13). Essa mesma situação pode ocorrer quando o pino, na embocadura do canal, apresentar dimensão superior a 2mm. Nesses casos, com o auxílio de brocas FG esféricas nos 1 e 2, nós o desgastamos em toda a sua circunferência, com uma profundidade de 1 a 2mm em sentido apical, criando um espaço necessário ao seu deslocamento. Nessa situação, os batentes dos instrumentos de tração, aplicados diretamente ao topo radicular,
atuariam como cunhas e provocariam a fratura radicular. Temos, então, a necessidade de criar sobre o topo um anteparo estável (arruela metálica), para receber o apoio dos batentes (Fig. 17-14).
A
B
Topo radicular Para a remoção de um retentor intrarradicular, o topo radicular deve possuir um plano mesiodistal rigorosamente perpendicular ao eixo do pino, condição essa que pode ser obtida pelo desgaste das estruturas dentárias remanescentes (Fig. 17-15A e B) ou artificialmente nos casos de desnivelamento do topo radicular. Nesses casos, um plano perpendicular ao eixo do pino
Figura 17-15. Topo radicular oriundo das estruturas dentárias remanescentes. Plano e perpendicular ao eixo do pino. A. Desenho esquemático. B. Caso clínico.
Retratamento Endodôntico
é obtido pela reconstituição do topo radicular com resinas compostas e/ou arruelas metálicas (anteparo metálico). Em determinados casos, nos quais se obtém um sistema estável com a aplicação da arruela, a utilização da resina pode ser dispensada. Geralmente usamos resina composta e arruelas metálicas (arruelas de parafuso), de 5 a 10mm de diâmetro e de 0,5 a 1mm de espessura. Quando necessário, realizamos desgastes em suas bordas para melhor adaptação às faces proximais dos topos radiculares (Fig. 17-16). Após isolamento relativo, a parte extrarradicular do pino é coberta com uma fina camada de cera ou mesmo vaselina, que serve de área de escape ou alívio. A seguir, o topo radicular é coberto com uma camada de resina composta (b) e, imediatamente, a arruela metálica (a) selecionada é justaposta antes da polimerização da resina, procurando criar-se, com ligeira pressão em sentido apical, uma superfície plana
Figura 17-16. Arruelas metálicas.
A
B
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e rigorosamente perpendicular ao eixo do pino. Com instrumentos adequados, a resina é acomodada e removidos seus excessos. Após o endurecimento da resina composta, o excesso da cera ou vaselina usada como alívio é também removido, ficando o pino e o topo radicular preparados corretamente para a adaptação e aplicação do aparelho de tração usado na remoção do retentor intrarradicular (Fig. 17-17A e B). Outra maneira de se restabelecer a superfície plana é por meio de uma peça metálica fundida. Após os procedimentos convencionais de moldagem e fundição, a peça será adaptada e não cimentada no topo radicular60,61.
Remoção do pino Alicate saca-pinos Após preparo do pino e do topo radicular, o alicate seguro pela mão direita (operador destro) será aplicado e posicionado. As mandíbulas do bico (m e m1) seguram o pino, devendo ficar juntamente com os batentes solidários (n e n1), apoiados e adaptados no topo radicular. O próximo procedimento será levar a mão esquerda por baixo da direita, tendo para o maxilar o dedo polegar e para a mandíbula o indicador da mão esquerda, apoiado na extremidade da alavanca de acionamento (A). Com o sistema imóvel, aplicamos na alavanca uma força. Através da dinâmica de funcionamento do alicate saca-pinos (ação do CAME sobre a borda côncava da saliência lateral) surgem forças iguais e com sentidos contrários: a força T aplicada ao pino pelo bico do ali-
Figura 17-17. Topo radicular plano e perpendicular ao pino. Criado artificialmente. A. Desenho esquemático. B. Caso clínico.
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
cate e as de reação R1 e R2, no topo radicular exercidas pelos batentes solidários do aparelho. Com o aumento gradual da força T chega-se à tensão máxima de ruptura do material cimentante do pino, ocorrendo assim a sua remoção do canal radicular. Nesse sistema as tensões criadas são do tipo normal (trativa) no pino e cisalhante na interface do pino-parede dentinária do canal radicular (Fig. 17-18A e B). Nesse aparelho, a força de tração que atua no pino é cerca de 30 vezes maior que a aplicada na alavanca. É preciso ressaltar que, após o posicionamento do aparelho, ele deve permanecer imóvel, pois qualquer esforço (carregamento) inadvertidamente introduzido pelo profissional ao sistema poderá causar danos à estrutura dentária.
A
Como limitação desse aparelho podemos mencionar que o seu emprego é inviável na remoção de pinos intrarradiculares de molares, em função da forma geométrica do núcleo e do acesso a ele (Fig. 17-19A a C).
“Pequeno gigante” O funcionamento mecânico desse aparelho é semelhante ao do alicate saca-pinos. Esse aparelho apresenta várias limitações: • após posicionado, devido ao seu mecanismo de funcionamento, poderá o profissional introduzir esforços laterais no aparelho, que certamente causarão fraturas do dente;
B
Figura 17-18. Alicate sacapinos. Desenho esquemático. A. Vista lateral. B. Vista frontal.
A
B
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Figura 17-19A a C. Casos clínicos. Remoção de retentores intrarradiculares por tração.
Retratamento Endodôntico
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• devido a sua dimensão em relação ao tamanho do retentor intrarradicular, qualquer pequeno esforço em forma de alavanca, após o pino estar seguro, também poderá fraturar o dente; • pode ser usado apenas em dentes da bateria labial superior. Outras versões de aparelho de tração têm sido propostas com o objetivo de facilitar o uso intraoral, porém todas com o mesmo mecanismo de funcionamento sendo utilizadas de modo similar. Dentre esses aparelhos podemos citar: Gonan Post Removing System (R. Chige, Boca Raton FL) e o Ruddle Post Removel System (SybronEndo Specialties, Orange, CA)17.
Considerações mecânicas Como mencionamos, normalmente os instrumentos usados na remoção por tração de pinos intrarradiculares são o alicate saca-pinos e o pequeno gigante. De um modo geral, apresentam mandíbulas, que fazem a apreensão da porção extrarradicular do pino e uma peça móvel com dois batentes que, por construção, se solidarizam e se deslocam segundo um mesmo plano até atingir as bordas proximais do topo radicular60,61. Os esforços envolvidos na remoção do pino são a força T (tração), aplicada ao pino pelas mandíbulas, e as forças de reação R1 e R2, exercidas pelos batentes sobre as bordas proximais do topo radicular. Esse sistema de forças é o ideal, quando R1 for igual a R2, e só acontece se o topo for uma superfície plana e rigorosamente perpendicular ao eixo do pino. Caso essa superfície não seja plana, ao eixo do pino, somente um dos batentes encosta no topo, e uma das forças de reação (R1 por exemplo) desaparece. Assim, o sistema fica com as forças T e R2, de iguais valores, mesma direção, sentidos opostos e afastadas entre si da distância L. Aparece, em consequência, um conjugado (binário) de valor M = T × L, que tende a fletir o pino. O sistema é equilibrado por outro conjugado (binário) M1= N × d, sendo N o valor da força de resistência da raiz dentária e d o comprimento do pino no interior da raiz dentária. O pino ao fletir no interior do canal radicular pode provocar a fratura das raízes dentárias, inviabilizando o retratamento (Fig. 17-20).
Remoção por ultrassom Ultrassom é o nome atribuído às ondas acústicas de frequência maior que aquelas perceptíveis pelo ouvido humano. O menor limite de frequência de ondas ultrassônicas é de aproximadamente 16.000Hz.
Figura 17-20. Topo radicular. Superfície irregular e não plana ao pino.
As ondas de ultrassom podem ser geradas por um transdutor acústico, dispositivo que converte energia elétrica, térmica, magnética ou de outras formas em energia acústica (energia mecânica)13,53. Nos aparelhos usados em Odontologia, a geração de ondas ultrassônicas é obtida por meio do efeito piezoelétrico reverso, que transforma energia elétrica em energia mecânica. Durante essa conversão, praticamente não há dissipação de energia sob a forma de calor. Os retentores intrarradiculares podem ser removidos por meio do emprego de ultrassom. Dentre os diversos tipos de aparelhos de ultrassom, o ENAC (Osada Eletric Co, Japão) e o NAC (Adiel Comercial Ltda., Ribeirão Preto, SP) apresentam boa eficiência e simplicidade de emprego. Esses aparelhos vêm acompanhados de uma ponta ST 09, usada na remoção de retentores intrarradiculares. Com a aplicação da vibração ultrassônica ocorrem impactos mecânicos na porção extrarradicular do retentor, provocando a fragmentação do cimento que une o pino metálico à parede do canal radicular, podendo ele, a seguir, ser retirado facilmente por tração simples. A ligação do cimento pode romper na interface cimento-pino ou na interface cimento-dentina. Após a remoção da coroa dentária, alguns procedimentos clínicos devem ser executados no núcleo com o objetivo de favorecer a remoção do pino intrarradi-
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
cular. Assim, com o auxílio de instrumentos rotatórios podemos desgastar proporcionalmente as faces do núcleo para que ele fique com o diâmetro igual ao do pino junto à embocadura do canal radicular. O desgaste vestibular e palatino, conferindo superfícies planas e paralelas, facilitará o posicionamento da ponta vibradora. Podemos também, com o auxílio de uma broca LN 205 (Maillefer) de baixa rotação, realizar uma canaleta ou sulco, no sentido apical, entre o pino e a parede do canal radicular. Esse procedimento é de grande valia, principalmente, na remoção de pinos cimentados com cimentos resinosos (Fig. 17-21A e B). Em algumas situações, onde a liga metálica empregada na confecção do retentor não apresenta resistência ao desgaste (dureza), podemos prender o pino com uma pinça hemostática e nela aplicar a ponta geradora da energia mecânica. Nos dentes multirradiculares, o núcleo deve ser dividido em duas partes e as porções coronárias desgastadas em toda a sua circunferência. Para esses procedimentos empregamos brocas carbide cilíndricas, cônicas e esféricas de alta rotação, estandardizadas ou de haste longa. Brocas especiais produzidas pela Maillefer, como as Transmetal FG-153 (cilíndrica) e 154 (forma de pera), também são indicadas. Para os dentes posteriores superiores, o corte no núcleo é feito no sentido mesiodistal, separando a parte vestibular da palatina e, nos posteriores inferiores, no sentido vestibulolingual, separando a parte distal da mesial. É importante não danificar as paredes dentárias, principalmente o assoalho da câmara coronária. Após o procedimento realizado aplicamos a ponta vibradora ST 09 sucessivamente em diferentes áreas das faces do núcleo (Fig. 17-22A a D). O emprego do ultrassom na remoção de retentores intrarradiculares é um método conservador, eficiente e
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seguro que evita as perfurações e minimiza os riscos de fraturas. É indicado para todas as situações clínicas, principalmente para retentores em dentes posteriores e em dentes com estruturas dentárias enfraquecidas. Deve ser empregado com água para evitar o superaquecimento do retentor durante o período de vibração. Um superaquecimento pode conduzir calor ao ligamento periodontal por meio da dentina. A elevação da temperatura em algum ponto da superfície radicular pode ser responsável por uma imediata ou futura injúria no periodonto. A fratura radicular, embora com baixa incidência, é outra causa de preocupação quando se emprega a vibração ultrassônica na remoção de retentores intrarradiculares de dente com paredes dentinárias igual ou menor do que 1mm. Nesses casos, a tensão criada durante a vibração pode ultrapassar o limite de resistência à fratura da dentina. Nos casos de retentores fraturados no interior do canal devemos, com brocas LN 205, realizar um desgaste da estrutura dentária, contornando a ponta cervical do pino. A seguir, aplicamos a vibração ultrassônica, utilizando uma ponta periodontal. A fratura do pino ocorre na porção cervical da raiz ou logo abaixo (Fig. 17-23A a C). O tempo gasto na remoção de pinos intrarradiculares por ultrassom, além da experiência profissional, depende de vários fatores, tais como: • comprimento, diâmetro, forma e adaptação do pino no interior do canal radicular; • natureza do cimento utilizado e resistência da interface cimento-canal. A remoção de retentores intrarradiculares cimentados com cimentos resinosos ou com cimentos
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Figura 17-21. Retentores intrarradiculares. Remoção por ultrassom. A. Procedimentos operatórios. B. Aplicação da ponta vibradora.
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Figura 17-22A a D. Casos clínicos. Remoção de retentores intrarradiculares por ultrassom.
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Figura 17-23. Retentores fraturados no interior do canal radicular. Remoção por ultrassom. A. Ponta periodontal. B e C. Casos clínicos.
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
adesivos dentinários é extremamente difícil e as vezes impossível de ser obtida independentemente do procedimento empregado. Lopes et al.63 analisaram o tempo despendido na remoção de pinos metálicos fundidos de forma cilíndrica, com diâmetro de 1,4mm, tendo 11mm de comprimento intrarradicular e 8mm de segmento extrarradicular, cimentados com cimento fosfato de zinco, através da tração (alicate saca-pinos) e ultrassom (ENAC). Os resultados revelaram que ambos os métodos são eficientes, porém com acentuada disparidade no tempo consumido, ou seja, tempo médio, alicate saca-pinos, 2 segundos e 50 centésimos de segundo, ENAC modelo OE7, 15 minutos, 33 segundos e 5 centésimos de segundo. Observaram também que a força média de tração empregada na remoção dos pinos, quando testados na Máquina de Ensaio Universal – INSTRON, era de 26,40kgf. Finalizando, podemos afirmar que, mecanicamente, o ultrassom é um método seguro e eficiente na remoção de pinos intrarradiculares. Entretanto, a ponta vibradora não deve entrar em contato direto com a estrutura dentária por tempo prolongado, devido ao desconhecimento do potencial de injúrias que pode ser causado aos tecidos de sustentação do dente85.
Remoção por desgaste Tylman e Malone139 declaram que os pinos metálicos podem ser removidos por desgaste, por meio dos movimentos de rotação das brocas. Isso, porém, pode levar a problemas de enfraquecimento da raiz e até a perfurações. Para a remoção de pinos intrarradiculares metálicos por desgaste podemos usar brocas de diferentes formas e diâmetros. Todavia, podemos indicar as brocas: Transmetal 153 e 154 – Maillefer; FG 2SU de 25mm – Meisinger; LN 205 – Maillefer; e brocas de aço com wídia de 28mm, que são extremamente eficientes no desgaste de metais. Nessa técnica desgastamos totalmente o metal, procurando manter a broca em contato com o pino sem atingir a estrutura dentária. Quanto maior o comprimento do pino, maior será a dificuldade em removê-lo. Outra maneira é usar a broca LN 205 para criar sulcos ao longo do pino. É importante que a broca siga a parede do pino metálico e sua interface, imprimindolhe toques rápidos, para evitar grande destruição da estrutura dentária. É absolutamente necessário eliminar constantemente as raspas de dentina e metal por jatos de ar, com o propósito de manter limpo e visível
o campo de trabalho. A seguir, com pequenos toques laterais, procuramos deslocar o pino intrarradicular. Em função da anatomia radicular, os sulcos devem ser direcionados no pino intrarradicular. É importante ressaltar que, enquanto os métodos de tração e ultrassom, basicamente, são conservadores, o de desgaste é mutilante e promove acentuada perda de estrutura dentária (Fig. 17-24). Lopes et al.64 analisaram o volume do desgaste provocado pela remoção de pinos intrarradiculares, por meio de brocas movidas por aparelhos de baixa e alta rotação. Os resultados revelaram que a variação entre o volume do espaço, antes e após a remoção do pino, com broca em aparelho de baixa e alta rotação, é de 324% e 96%, respectivamente. Concluíram que: – a remoção de pinos intrarradiculares por desgaste promove perda exagerada de estrutura dentária; – o uso de brocas em micromotor de baixa rotação desgasta as estruturas dentárias 104% a mais do que as montadas em aparelho de alta rotação. Para Lopes et al.64, a justificativa físico-mecânica para esses resultados pode ser atribuída à diferença das forças impostas pelo profissional na broca, durante a remoção do pino por desgaste, com instrumento de alta ou baixa rotação. Se empregada baixa velocidade, a força imposta na broca terá que ser maior, tendendo a aumentar, à medida que a velocidade diminui. Com isso se torna difícil mantê-la em contato permanente
Figura 17-24. Retentores fraturados no interior do canal radicular. Remoção por desgaste.
Retratamento Endodôntico
com o pino sem atingir a estrutura dentária. Todavia, com alta velocidade, a força empregada será menor, visto que as lâminas da broca cortam o pino com maior facilidade. Em consequência, é muito maior a possibilidade de o operador restringir a parte cortante do instrumento na direção do pino. Devemos, no entanto, salientar que o uso da broca movida em alta rotação exige maior cuidado durante o avanço, uma vez que pequena variação na angulagem em relação ao eixo do pino poderá produzir perfuração radicular. É importante ressaltar que a maior fragilidade de dentes endodonticamente tratados se deve à perda de estrutura dentária. A preservação da dentina radicular, mais do que o tipo de restauração, é um fator crítico na resistência do dente à fratura. Assim, em função dos dados mencionados, é possível afirmar que, na remoção de pinos intrarradiculares, devemos dar preferência aos métodos que preservam as estruturas dentárias, como a tração e o ultrassom. A remoção por desgaste deve ser empregada em casos especiais em que os métodos mencionados não podem ser aplicados. Nesses casos dar-se-á preferência ao uso de brocas em aparelhos de alta rotação.
Remoção por combinações de métodos Para remoção de retentores intrarradiculares podemos, em determinadas circunstâncias, buscar a combinação de métodos e procedimentos. Assim, juntamente com a tração podemos empregar instrumentos rotatórios com o objetivo de realizar desgastes do pino junto à embocadura do canal ou mesmo realizar sulcos ao longo dele. Esses procedimentos buscam, de um modo geral, facilitar a apreensão do pino ou diminuir a sua retenção intrarradicular. Por sua vez, a combinação ultrassom e tração tem sido estudada por alguns autores. Jorge Prado45 verificou que não há influência na aderência dos pinos intrarradiculares quando da aplicação de ultrassom (ENAC) por 5 minutos. Todavia, para Tanomaru Filho et al.132, o emprego do ultrassom diminui significativamente a força de tração empregada na remoção de retentores intrarradiculares. Lopes et al.63 analisando o tempo despendido na remoção de pinos metálicos fundidos de forma cilíndrica e cimentados com fosfato de zinco, empregando a tração por alicate saca-pinos e o uso de ultrassom (ENAC), concluíram que ambos são eficientes, mas que a remoção é mais rápida pelo emprego do saca-pinos. A combinação do desgaste e ultrassom também é empregada nos casos em que há uma parede espessa
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de estrutura dentária. Com o auxílio de brocas criamos, junto ao pino, sulcos em sentido apical às expensas da dentina. Esse procedimento reduz o tempo necessário para a remoção do pino. A utilização desses procedimentos está fundamentada em resultados clínicos, normalmente sem comprovação experimental.
REMOÇÃO DE RETENTORES PRÉ-FABRICADOS Chalfin et al.15 afirmam que os pinos pré-fabricados metálicos são mais fáceis de ser removidos do que os fundidos, muito embora sejam estes menos retentivos. Embora os pinos roscados sejam os mais retentivos dos pinos pré-fabricados, são os mais fáceis de ser removidos, principalmente quando são utilizados movimentos de rotação ao redor de seu próprio eixo. Os pinos roscados são removidos do interior do canal radicular, quando da aplicação do movimento de rotação à esquerda, por meio de chaves específicas ou pinças hemostáticas. O emprego de aparelhos ultrassônicos, embora na maioria das vezes consuma muito tempo, é eficiente na remoção desses retentores. A combinação do emprego do ultrassom com a rotação geralmente é o procedimento empregado com esse objetivo. Alguns aparelhos específicos têm sido propostos para a remoção de pinos roscados. Dentre esses aparelhos podemos citar o Ruddle Post Removal System (SybronEndo Specialties, Orange, CA)17. Os pinos pré-fabricados não metálicos são removidos dos canais radiculares por desgaste com instrumentos rotatórios. Os de fibra de carbono e de vidro são facilmente removidos. Alguns pinos não metálicos são comercializados juntamente com brocas indicadas para sua remoção. Há também brocas desenhadas especificamente para remover pinos de fibra reforçada, como a Gyro Tip (MTI Precision Products, Lakewood, NY)17.
REMOÇÃO DO MATERIAL OBTURADOR DO CANAL RADICULAR Uma vez estabelecida a opção da reintervenção no canal radicular e não existindo maiores problemas iatrogênicos, as dificuldades do retratamento endodôntico, basicamente, ficam relacionadas com o material obturador utilizado. A necessidade de se remover o material obturador do canal radicular é a grande diferença entre a terapia endodôntica primária e o retratamento.
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Na obturação dos canais radiculares, uma infinidade de materiais tem sido empregada e investigada em busca de suas reais finalidades de selamento e de respeito aos tecidos perirradiculares. Assim, em busca do material ideal, centenas de substâncias já foram usadas, não só em sua forma pura, como também em associações. Para se obter uma obturação endodôntica compacta, além de técnica aprimorada, é necessária a associação dos materiais sólidos (cones de guta-percha, Resilon e prata) e plásticos (cimentos e pastas). A gutapercha e os cimentos à base de óxido de zinco-eugenol em sua composição básica ou em outras formulações têm sido os materiais mais usados nas obturações de canais radiculares. Todavia, outros materiais, como os cones de Resilon (polímero de poliéster termoplástico) em associação a um cimento adesivo resinoso (Epiphany, Pentron Clinical Technologies, Wallingford, CT), têm sido recomendados como materiais obturadores de canais radiculares17,69. Consequentemente nos retratamentos endodônticos, durante a fase de remoção do material obturador (esvaziamento), estaremos diante de mais de uma substância que geralmente apresenta comportamentos mecânicos, físicos e químicos desiguais. Em função disso têm sido propostas técnicas que vão desde a utilização de instrumentos manuais e mecanizados, associados ou não a solventes, até o emprego de calor e equipamentos de ondas sonoras. Todavia, além desses instrumentos e substâncias, encontramos na literatura citações de diversos engenhos e procedimentos, alguns até empregados com manobras mirabolantes na busca da resolução de um caso clínico. É evidente que, embora às vezes eficientes, esses engenhos e procedimentos tenham sido usados mais em função do virtuosismo do operador, sem se constituírem numa técnica que possa ser facilmente reproduzida e aplicada na maioria dos casos. Contudo, qualquer que seja a técnica empregada, é importante ressaltar que a remoção do material obturador do canal radicular não deve alterar a sua morfologia interna, preservando assim um dos principais objetivos da terapia endodôntica e contribuindo para o êxito do tratamento proposto. A remoção total ou parcial do material obturador tem como objetivo permitir o acesso do instrumento endodôntico em toda a extensão do canal radicular. Geralmente, a remoção é parcial, sendo completada durante a reinstrumentação do canal radicular.
Canais obturados com guta-percha e cimento Entre os inúmeros materiais, a guta-percha associada a um cimento são as substâncias mais empregadas nas obturações dos canais radiculares. A guta-percha é, basicamente, um polímero de hidrocarboneto (metilbutadieno ou isopreno), proveniente de plantas da espécie Palaquium, originária da ilha de Sumatra. Endodonticamente foi usada pela primeira vez por Bowman, em 1867. Como todo material obturador de canais radiculares, apresenta vantagens e desvantagens71. Entre as vantagens é pertinente mencionar a remoção sem grande dificuldade do interior dos canais radiculares, quando necessário. Nesses casos, o esvaziamento do canal radicular pode ser realizado por meios mecânicos, térmicos, químicos ou suas combinações. Mecânicos: instrumentos endodônticos; Térmicos: calcadores aquecidos, aparelhos especiais (Touch’n Heat, System B); Químicos: solventes orgânicos; Combinações: mecânicos-térmicos e mecânicos-químicos. A escolha do método de remoção a ser utilizado não depende da técnica de obturação empregada, mas certamente da compactação, anatomia do canal e limite apical da obturação. Os cimentos endodônticos, independentemente de sua composição química, são removidos das paredes de um canal radicular por meio da ação mecânica de alargamento e/ou limagem dos instrumentos endodônticos. A remoção do material obturador do interior de um canal radicular está relacionada com a qualidade da obturação primária.
Obturações pouco compactadas Quando o canal radicular é pobremente obturado e o cone de guta-percha aparentemente está livre, a sua remoção é simples e pode ser facilmente realizada com limas Hedstrom de calibre adequado. Após a retirada do material existente na câmara pulpar realizamos uma abundante irrigação-aspiração com soluções de hipoclorito de sódio (2,5%), tomando o cuidado de deixar a cavidade inundada com a solução química. A seguir, pelo movimento de remoção, a lima Hedstrom selecionada é inserida entre a parede do canal radicular e o material obturador em sentido apical, girando-a à direita. Uma vez ajustada no canal, faz-se a tração em sentido coronário, removendo-se o cone de guta-percha que, geralmente, vem aderido a haste helicoidal do instrumento. Se nas duas ou três primeiras
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Figura 17-25. Guta-percha e cimento. Obturação pouco compactada. Remoção.
tentativas isso não ocorrer, uma nova lima Hedstrom um ou dois números maiores será usada na tentativa de engajar o cone de guta-percha. Normalmente, o cone é removido após uma ou duas tentativas. Essa manobra é muito importante, principalmente quando o cone de guta-percha está extruído além do forame apical (Fig. 17-25). Nos casos onde a obturação do canal radicular é curta, o esvaziamento do segmento não instrumentado se processará com instrumentos de diâmetros adequados aos do canal e usando como solução química auxiliar de hipoclorito de sódio (Fig. 17-26A a C).
B
Obturações compactadas Quando a obturação do canal radicular é compacta, o material do segmento cervical pode ser removido por instrumentos endodônticos acionados manualmente, por dispositivos mecanizados ou por instrumentos aquecidos. Os instrumentos endodônticos tipo K de 21mm de comprimento, de seção reta transversal quadrangular e fabricados em aço inoxidável, devem ser os escolhidos. Instrumento de mesma liga metálica, mesma seção reta transversal e com menor comprimento é mais rígido do que os de comprimento maior. Quanto mais rígido o instrumento, maior a sua resistência à flexocompressão. Instrumentos de seção reta transversal quandrangular são mais resistentes à fratura por torção do que os de seção triangular. Consequentemente, os instrumentos de seção reta transversal quadrangular resistem a
C
Figura 17-26. Guta-percha e cimento. Obturação curta e pouco compactada. A. Molar inferior. B. Pré-molar superior. (Gentileza de Aires Pereira.) C. Pré-molar superior. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, JC Mucci.)
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
um maior carregamento (torção) durante a remoção do material obturador do interior do canal radicular. Após a remoção da restauração coronária da entrada dos canais radiculares e da visualização do material obturador endodôntico, será selecionado um instrumento endodôntico tipo K de diâmetro um pouco menor do que o diâmetro aparente da obturação em relação ao segmento cervical. A ponta do instrumento é direcionada à guta-percha, aplicando-lhe um carregamento axial (avanço) associado a um movimento de rotação à direita de uma a duas voltas sobre o seu eixo e, a seguir, removido em sentido coronário. A rotação e o avanço provocam o corte e o encravamento das hélices do instrumento no cone de gutapercha, com a remoção arrancando o material cortado do interior do canal radicular, manobra essa que será repetida com o mesmo instrumento ou outro de menor diâmetro, avançando-o em sentido apical do canal radicular. Sempre que removido do canal, o instrumento é limpo em gaze esterilizada e avaliado. Se ocorrer deformação plástica (distorção) na haste de corte helicoidal cônica, o instrumento deve ser descartado com o objetivo de prevenir a sua fratura por torção. Normalmente, os instrumentos tipo K são empregados juntamente com solventes, como o eucaliptol ou o clorofórmio. Os alargadores Largo, Gates-Glidden e Peeso são instrumentos mecanizados muito utilizados com esse objetivo. Os dois primeiros, por apresentarem a ponta não cortante, são mais seguros do que os de Peeso, cuja extremidade é perfurante e pode causar desvios ou perfurações radiculares. São montados em contraângulos, com sentido de corte à direita e em baixa rotação. O emprego desses alargadores retifica o desgaste da embocadura e do segmento cervical do canal, facilitando assim o acesso em sentido apical. Em razão de a força de atrito estática ser maior do que a dinâmica, os alargadores mecanizados devem ser levados em direção ao material obturador girando. Se a remoção for iniciada com o alargador em posição estática e junto ao material obturador do canal, devido ao fato de o coeficiente de atrito estático ser maior que o cinético, é gerado um torque maior no instrumento. Em consequência, as cargas criadas são maiores. Com a existência de concentradores de tensão (ranhuras, raio de concordância) no instrumento, a tensão de carregamento pode ultrapassar o limite de resistência ao cisalhamento do material, havendo assim a fratura prematura do alargador. Os alargadores mecanizados devem ser introduzidos e retirados sucessivamente do canal radicular, percorrendo distâncias variáveis de 2 a 3mm em
sentido apical, para que sejam removidos pequenos fragmentos do material obturador. É importante não penetrar profundamente na massa obturadora, porque o aquecimento gerado pelo atrito plastifica a guta-percha, podendo ela transmitir calor à superfície radicular externa. Outra maneira de se remover a guta-percha do segmento cervical é por meio de instrumentos aquecidos. Geralmente com esse propósito são usados aparelhos especiais, como o Touch’n Heat ou o System B e os calcadores de Donaldson ou de De Deus. Os aparelhos especiais são preferidos em virtude de propiciar um ajuste à temperatura biologicamente desejada. É muito importante lembrar que os calcadores não precisam ser aquecidos ao vermelho-rubro, já que a guta-percha amolece a uma temperatura de 60ºC. O aquecimento excessivo, fundindo a guta-percha à temperatura superior a 100°C, poderá causar injúrias às fibras periodontais e ocasionar o aparecimento de reabsorções radiculares cervicais. Para Lopes et al.67, a elevação da temperatura em algum ponto da superfície radicular poderá ser responsável por uma imediata ou futura injúria. Por sua vez, Eriksson et al.23 e Eriksson24 concluíram que o calor pode causar injúrias ao tecido ósseo, se houver aquecimento de 47ºC durante um minuto. Lopes et al.67 determinaram in vitro a temperatura externa da superfície radicular de dentes obturados com guta-percha e cimento, durante a remoção de obturação do canal, quando do emprego de instrumentos rotatórios e aquecidos. A remoção por meio de instrumentos aquecidos ao vermelho-rubro transfere mais calor ao sistema, podendo a temperatura chegar a 57,5ºC. Certamente, isso pode ser atribuído à temperatura de 700ºC necessária para o instrumento de aço inoxidável atingir a coloração de um vermelho-rubro, apesar da perda do calor durante seu deslocamento até ser introduzido no canal radicular. A temperatura média do instrumento, ao entrar em contato com o material obturador, era de 480ºC. Como a guta-percha amolece a 60ºC e se funde a 100ºC, o excesso de energia térmica do instrumento é transferido à massa obturadora e à parede dentinária. Em outro experimento, a temperatura média do instrumento, quando deixado por 5 segundos na zona redutora da chama da lâmpada de álcool, era de 365ºC, sendo ela reduzida para 210ºC no momento de entrar em contato com o material obturador. Com esse procedimento, o aquecimento externo médio da superfície radicular foi de 40,3ºC. O uso de alargadores Gates Glidden causou o menor aquecimento na superfície externa da raiz (32,8ºC).
Retratamento Endodôntico
Esse comportamento pode ser atribuído à fácil remoção da obturação por corte, à redução da resistência ao corte do material obturador, advinda da transformação da energia mecânica do alargador em calor, à forma ovoide da parte de trabalho do alargador, que favorece o corte, a penetração e a remoção do material excisado, e à rapidez na execução do trabalho. Com base nos resultados concluíram que não se deve empregar instrumento aquecido ao vermelho-rubro na remoção da obturação do canal. Os instrumentos aquecidos, em relação aos mecanizados, revelam a vantagem de não causar qualquer iatrogenia (desvios, perfurações, degraus), apresentando, porém, a desvantagem da não ampliação e retificação da porção cervical do canal radicular. Cumpre salientar que o espaço criado pela remoção da obturação do canal radicular no segmento cervical, quer por instrumentos acionados manualmente, por dispositivos mecanizados ou aquecidos, serve como reservatório para o solvente. Nesse espaço colocamos algumas gotas de solvente, levadas por uma seringa tipo Luer e agulha, ou por uma pinça, no caso de dentes inferiores, deixando ele agir por alguns minutos, com a finalidade de solubilizar a guta-percha remanescente no interior do canal radicular. Após esse tempo, com uma lima Hedstrom ou tipo K, procuramos remover, progressivamente em sentido apical pedaço a pedaço, a guta-percha amolecida. Vale ressaltar que o diâmetro do instrumento empregado depende do diâmetro aparente do canal radicular a ser retratado. Ao instrumento aplicamos o movimento de penetração, rotação à direita e remoção, tendo o cuidado de limpá-lo com gaze esterilizada sempre que removido do canal. De tempo em tempo, a câmara pulpar deve ser limpa com pequenas mechas de algodão e abundantemente irrigada com solução de hipoclorito de sódio e aspirada. Em seguida, o solvente é renovado e novas porções de material removidas, lembrando-se de que esses procedimentos devem ser repetidos até que se atinjam as proximidades do segmento apical da obturação. Uma vez atingida essa distância, paramos de utilizar o solvente e continuamos com o hipoclorito de sódio. O solvente quando empregado nessa condição solubilizará a substância obturadora que, pela ação de êmbolo do instrumento, muito provavelmente extruirá através do forame apical, causando injúrias aos tecidos perirradiculares. Tão logo seja possível, realizamos a tomada de uma radiografia para determinar o comprimento de trabalho desejado. É pertinente mencionar que, na de-
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terminação do comprimento de trabalho, a obturação remanescente na região apical pode ofuscar o limite do instrumento endodôntico. Nesses casos, procuramos cuidadosamente remover novas porções de material obturador ou ultrapassar o forame apical com um instrumento delgado. Na remoção do material obturador do segmento apical do canal radicular, as limas Hedstrom geralmente são substituídas por instrumentos tipo K nos 10, 15, 20 ou 25 de aço inoxidável. Esses instrumentos, por apresentarem maior rigidez em compressão do que as limas Hedstrom correspondentes, podem mais facilmente penetrar na massa obturadora em sentido apical. Quanto mais curta a obturação em relação à abertura do forame, mais simples é a sua remoção. Por outro lado, a remoção do material sobreobturado é difícil e na maioria das vezes impossível de ser obtida. Quando representada pelo cone de guta-percha, duas situações podem ocorrer: • Cone frouxo na constrição apical. Nesses casos, a remoção com limas Hedstrom e sem uso de solvente normalmente é obtida (Fig. 17-27). • Cone adaptado na constrição apical. Uma excessiva pressão axial pode ocasionar a passagem do cone além da constrição apical. Devido à fluência da gutapercha, o diâmetro do segmento do cone ultrapassado é maior do que o diâmetro da constrição apical. Esse estrangulamento impede a remoção do cone, que geralmente é rompido nesse ponto. Além disso, a cura do cimento endodôntico também dificulta a remoção do material (Fig. 17-28). Nas técnicas de obturação com guta-percha termoplastificada é frequente a ultrapassagem do material além do forame apical. Nesses casos, a remoção da
Figura 17-27. Guta-percha e cimento. Sobreobturação. Cone de guta-percha frouxo na constrição apical.
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Figura 17-28. Guta-percha e cimento. Sobreobturação. Cone de guta-percha adaptado na constrição apical. (Gentileza do Prof. AS Costa Filho.)
guta-percha via forame apical é impossível de ser realizada. O mesmo ocorre quando o material extravasado é o cimento obturador. Com o advento dos instrumentos de NiTi mecanizados, eles têm sido utilizados na remoção da gutapercha e selador empregados na obturação de canais radiculares43,44,73,99,100. Após a remoção do material existente na câmara pulpar e uma vez exposta a guta-percha, podemos ou não empregar solventes orgânicos (clorofórmio ou eucaliptol). Quando usado, devemos fazê-lo comedidamente em quantidades compatíveis com o volume do canal radicular. A seguir, com o auxílio da extremidade de uma sonda reta ou de um instrumento endodôntico tipo K rígido, criamos um espaço na massa obturadora. Em prosseguimento, com o instrumento mecanizado selecionado, iniciamos a remoção da guta-percha e do cimento selador. Esses instrumentos são acionados com giro à direita, em micromotores de baixa velocidade e torque. Empregamos instrumentos de diâmetros compatíveis com o do preparo anterior, a uma velocidade de 500 a 700rpm e torque de 5Ncm. O atrito do instrumento contra o material obturador gera calor suficiente para plastificar a guta-percha. Esse fato permite o avanço no sentido apical e a remo-
ção do material obturador para a câmara pulpar por meio da haste helicoidal dos instrumentos. Os avanços do instrumento em sentido apical devem ser progressivos e de aproximadamente 2mm, intercalados com retiradas. Dentre os sistemas com instrumentos específicos para o retratamento (remoção do material obturador) destacamos o ProTaper Universal Retratamento (Maillefer, Suíça) e o Mtwo Retratamento (VDW, Alemanha)9,38,125,133 (ver Capítulo 9, Instrumentos endodônticos). A velocidade de rotação recomendada pelo fabricante é de 500 a 700rpm. Esses instrumentos apresentam ponta cônica piramidal (facetada) que favorece a penetração no material obturador. São indicados para a remoção do material obturador do interior de um canal radicular e não para a instrumentação. Após obtido o esvaziamento do canal radicular, ele deverá ser instrumentado por meio de instrumentos endodônticos acionados manualmente ou por dispositivos mecanizados. O importante no emprego de instrumentos de NiTi mecanizados na remoção de materiais obturadores do interior de um canal radicular é a seleção de um instrumento com diâmetro menor do que o do tratamento anterior, para que o mesmo atue junto ao material obturador e não contra as paredes dentinárias. Atuando contra as paredes dentinárias, devido à resistência ao corte da dentina, o instrumento endodôntico pode ser submetido a um maior carregamento, o qual pode ser superior ao limite de resistência a sua fratura por torção. Uma velocidade maior do que a usada durante a instrumentação de um canal curvo (250 a 300rpm) também pode induzir o instrumento endodôntico a atingir o número de ciclos que ele resiste à fratura em flexão rotativa (fadiga de baixo ciclo) em um tempo mais curto. Alguns estudos mostraram que os instrumentos de NiTi mecanizados projetados para a instrumentação de canais radiculares, quando improvisados para o retratamento, apresentavam elevada incidência de fratura43,44,99,100. Todavia, os instrumentos de NiTi projetados para o retratamento (remoção do material obturador) têm se mostrado seguros (resistência à fratura) nos procedimentos de remoção do material obturador do interior de canais radiculares28,38,43,125,133. Quanto à avaliação de limpeza das paredes de canais radiculares submetidos ao retratamento, os estudos revelam não haver diferenças entre a remoção do material obturador por meio de instrumentos acionados manualmente ou por dispositivos mecanizados38,43,125,133.
Retratamento Endodôntico
Para Somma125, no retratamento é recomendável o uso combinado de instrumentos acionados por dispositivos mecânicos e manualmente na remoção do material obturador do interior de um canal radicular. Inicialmente, devem ser usados os instrumentos acionados por dispositivos mecânicos para a remoção da maior parte da obturação e, em seguida, os instrumentos acionados manualmente para completar a remoção e refinar o preparo (reinstrumentação) dos canais radiculares. A extrusão de material obturador via forame apical é observada em todas as técnicas, independentemente de os instrumentos serem acionados por dispositivos mecânicos ou manualmente. Para Somma125, a extrusão é maior para instrumentos acionados por dispositivos mecânicos. Ao contrário, para Imura44 e Schirrmeister99 onde o uso de limas Hedstrom promoveu maior extrusão do que os instrumentos ativados mecanicamente. Todavia, a quantidade de material obturador extruído via forame apical não está associada ao modo de acionamento do instrumento (manual ou mecanizado), mas sim à amplitude e à frequência do avanço e retrocesso de um instrumento endodôntico em um canal radicular. Quanto maiores, maior será a possibilidade de ocorrer a extrusão. Durante o retratamento (esvaziamento e reinstrumentação de um canal radicular) o instrumento endodôntico ao alcançar justeza no interior de um canal radicular, sua parte de trabalho (ponta e haste de corte helicoidal cônica), funciona como um cone móvel (êmbolo) promovendo o deslocamento do material existente na cavidade pulpar. Isso induz uma pressão unidirecional no sentido apical, promovendo o extravasamento de material oriundo da reinstrumentação de um canal radicular, independentemente de o instrumento endodôntico ser acionado por dispositivos mecânicos ou manualmente. Outros fatores, como os diâmetros da constrição apical, do preparo e do instrumento empregado também influenciam a quantidade de material extruído via forme apical. O tempo despendido na remoção do material obturador do interior de um canal radicular é menor para os instrumentos acionados por dispositivos mecânicos quando comparado aos acionados manualmente29,43,125. Porém, o profissional não deve ficar comprometido com o tempo despendido em um retratamento endodôntico, mas sim com o resultado do tratamento executado, avaliado por meio da prosservação clínica e radiográfica. No retratamento endodôntico, a remoção do material obturador pela associação solvente-instrumento
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endodôntico manual é, certamente, a técnica mais comumente praticada143. Independentemente da técnica empregada na remoção do material obturador, o fundamental é não criar iatrogenias que possam dificultar ou impedir a reinstrumentação do canal radicular. Contudo, é importante ressaltar que alterações iatrogênicas podem ocorrer, devido à resistência que a guta-percha e o cimento exercem na penetração do instrumento empregado, principalmente em canais radiculares curvos e com anatomia complexa.
Solventes Os solventes são substâncias químicas que têm a capacidade de dissolver outra e podem ser classificados em orgânicos e inorgânicos. Os primeiros dissolvem as substâncias orgânicas, enquanto as inorgânicas são dissolvidas pelos últimos. A guta-percha pode ser dissolvida com vários solventes orgânicos. Todavia é necessário salientar que esses, geralmente, são tóxicos, e o seu emprego deve ser evitado quando possível. Vários solventes orgânicos da guta-percha têm sido testados e pesquisados, todavia os mais conhecidos são o clorofórmio, o xilol e o eucaliptol3,42,47,131. O cone de Resilon é dissolvido pelo clorofórmio28,125. O cone de Resilon é solúvel em clorofórmio, podendo também ser removido pela aplicação de calor num comportamento similar ao cone de guta-percha. O cimento resinoso deverá ser removido pela ação mecânica de alargamento ou de alargamento e limagem obtida pelos instrumentos endodônticos15,28,86. Entretanto, pela presença de tags de resina nos túbulos dentinários e nas ramificações anatômicas a limpeza do canal radicular durante a reinstrumentação poderá ficar comprometida.
Clorofórmio (triclometano) Apresenta-se como um líquido pesado, transparente, incolor e odor característico. É pouco solúvel na água e inteiramente miscível com o álcool. Altera-se pela luz e pelo ar. É muito volátil e tóxico, não sendo biocompatível com os tecidos apicais e perirradiculares. Segundo o Serviço de Saúde dos EUA, possui potencial cancerígeno, embora tal efeito em humano venha sendo questionado, não sendo seu uso proibido na prática odontológica.
Xilol (dimetilfenol) Apresenta-se como um líquido límpido, incolor, com cheiro semelhante ao benzeno. É insolúvel na
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
água, porém solúvel no álcool e benzeno. Muito tóxico. Apresenta menor efeito solvente sobre a guta-percha quando comparado ao clorofórmio. Em função disso, pode ser usado como medicação intracanal para dissolver a guta-percha entre sessões no retratamento endodôntico.
Eucaliptol (1 metil, 4 isopropil cicloexano, 1-4 óxido) Apresenta-se como um líquido incolor e de odor aromático semelhante ao da cânfora. É insolúvel na água e inteiramente miscível com o álcool. É menos irritante do que o clorofórmio e não apresenta potencial cancerígeno. Exibe efeito antibacteriano e propriedades anti-inflamatórias, porém é menos efetivo como solvente da guta-percha. Quando aquecido acima de
A
C
30oC, sua capacidade solvente é aumentada e comparável à do clorofórmio (Fig. 17-29A a D).
Canais obturados com pastas e cimentos As pastas obturadoras de canais radiculares não tomam presa (cura), permanecendo, por tempo indeterminado, sob o mesmo estado físico, pelo fato de as substâncias que as constituem não reagirem quimicamente entre si. Algumas vezes sofrem ressecamento devido à volatilização de algum componente, sendo usadas mais com a finalidade terapêutica do que obturadora dos canais radiculares. Dentre as diversas pastas mencionadas na literatura, as alcalinas à base de hidróxido de cálcio são amplamente usadas como medicamento intracanal, na forma de obturação temporária52,53,71.
B
D
Figura 17-29. Guta-percha e cimento. Obturações compactadas. Remoção: instrumento tipo K e solvente. A. Incisivo central superior. (Gentileza de VA Fonseca.) B. Canino superior. (Gentileza de Lacerda CR.) C. Incisivos inferiores. D. Incisivos centrais superiores.
Retratamento Endodôntico
Do exposto podemos concluir que, nos casos de canais obturados com pasta, o seu esvaziamento é fácil e pode ser realizado com instrumentos acionados manualmente ou por dispositivos ultrassônicos, coadjuvados com abundante irrigação-aspiração. Os cimentos usados na obturação dos canais radiculares diferem das pastas, porque há reação química de seus componentes, ocorrendo posteriormente o seu endurecimento (cura). Dentre esses cimentos, o de óxido de zinco-eugenol, sem cone de guta-percha, tem sido o mais usado como material obturador de canais radiculares. A combinação do óxido de zinco com o eugenol assegura o endurecimento desse cimento por um processo de quelação, cujo produto final é o eugenalato de zinco. Esse cimento não apresenta em sua composição componentes orgânicos, fato esse que o torna praticamente insolúvel diante dos solventes orgânicos usados para a guta-percha. Em consequência, o ato de esvaziamento do canal radicular se torna trabalhoso e, muitas vezes, impossível de ser realizado. Instrumentos tipo K no 10 ou 15, de 21mm de comprimento e de seção reta transversal quadrangular, previamente preparados pelo corte de alguns milímetros em sua parte de trabalho, são eficientes na fragmentação do cimento. É pertinente ressaltar que esse procedimento deve ser aplicado apenas em canais retos ou segmentos retos de canais curvos. Devido à rigidez do instrumento e à resistência do cimento durante o esvaziamento, podem ocorrer degraus, falsos canais ou mesmo perfurações radiculares. Todavia, o acompanhamento radiográfico pode impedir tais ocorrências. Outras vezes, podemos empregar o ultrassom na remoção de cimento obturador de canais radiculares. A vibração mecânica do instrumento endodôntico resulta na fragmentação do cimento, enquanto o contínuo fluxo irrigante dispersa as partículas para a câmara pulpar. Como inconvenientes, temos o grande tempo consumido, possibilidade de fratura dos instrumentos e alterações da forma do canal radicular. Outro procedimento usado é a remoção da obturação do canal com instrumentos mecanizados, os quais devem apresentar corte na ponta, e os normalmente indicados são as brocas Peeso e esférica de aço-LN (Maillefer). Os alargadores Gates-Glidden e Largo não atuam com esse propósito, em função de apresentarem ponta não cortante. Entretanto, a remoção da ponta desses instrumentos possibilita o seu emprego no retratamento de canais radiculares obturados com cimentos. Com o emprego de instrumentos mecanizados, sempre ocorre grande destruição de estrutura dentária.
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As perfurações radiculares são outras iatrogenias que também podem ocorrer nesse procedimento. Porém, como as obturações com cimento normalmente são curtas na maioria das vezes, os instrumentos mecanizados podem ser aplicados com segurança, apenas no segmento cervical do canal radicular. No retratamento de canais obturados com cimento, a anatomia do canal, assim como a compactação, o comprimento longitudinal da obturação e o tempo decorrido do tratamento certamente influenciarão na desobturação. Os solventes orgânicos não têm capacidade de dissolver os compostos minerais que formam o óxido de zinco-eugenol. Isso provavelmente se deve ao fato de o cimento não apresentar, em sua composição, a colofônia, o que o torna praticamente insolúvel diante dos solventes orgânicos usualmente empregados em Endodontia. Porém, essas soluções químicas podem promover a desintegração física do cimento de óxido de zinco-eugenol65. O fenômeno da desintegração física se deve à adsorção e difusão de uma solução química pelo óxido de zinco-eugenol, acompanhada de aumento de volume e quebra das ligações entre as partículas do cimento. Vale ressaltar que adsorsão é a fixação das moléculas de uma substância (adsordato) na superfície de outra (adsorvente). A capacidade de desintegração do cimento de óxido de zinco-eugenol varia em função da compactação da obturação, da viscosidade e da polaridade das soluções químicas usadas. Quanto menor for a compactação, maior será a porosidade da obturação, o que permitirá a penetração de maior volume de solução, facilitando o amolecimento e a desintegração física do óxido de zinco-eugenol (Fig. 17-30). A viscosidade e a polaridade da solução química empregada são outros fatores que influenciam na capacidade de desintegração do óxido de zinco-eugenol. Quanto menor a viscosidade e maior a polaridade, maiores serão a absorção e a velocidade de difusão da solução por meio dos poros existentes na obturação65. Lopes et al.65 analisaram quatro soluções químicas – eucaliptol, clorofórmio, Endosolv-E e óleo de laranja doce – quanto à capacidade de solubilização e desintegração do cimento de óxido de zinco-eugenol. Os resultados mostraram que as soluções químicas testadas não foram capazes de solubilizar o cimento de óxido de zinco-eugenol. Verificaram também que o clorofórmio, o Endosolv-E e o óleo de laranja doce foram capazes de promover a desintegração física das amostras em tempos diferentes. O clorofórmio com maior rapidez. O eucaliptol não desintegrou o cimento de óxido
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Figura 17-30. Cimento endodôntico de óxido de zinco-eugenol. Porosidade (MEV 40x).
de zinco-eugenol, por ser uma substância oleosa e de baixa polaridade, o que dificultou a sua penetração na porosidade da amostra. Para os canais obturados com cimento de óxido de zinco-eugenol, após a remoção do selamento coronário, preenchemos a câmara pulpar com solvente orgânico (clorofórmio ou Endosolv E), esperando um tempo de 10 a 15 minutos para que se inicie o processo de desintegração do material obturador. A seguir, com instrumentos endodônticos rígidos (tipo K preparados), imprimimos ao material obturador cargas compressivas e de cisalhamento, que permitirão o avanço desses em sentido apical. Em canais mais amplos e retos podemos empregar, na desobturação do segmento cervical, instrumentos rotatórios (broca LN 205 Maillefer). Esses procedimentos devem ser repetidamente acompanhados de tomadas radiográficas para se observar a trajetória dos instrumentos. O Endosolv-E (Septodont, França) assim como o clorofórmio são derivados halogenados de hidrocarbonetos. Apresenta em sua composição 1.1.1 Tricloetano – 92,3%; Isoamilacetado – 7,5% e Timol – 0,2%. Sendo o clorofórmio uma substância muito volátil quando de seu emprego, a cavidade pulpar deve ser constantemente preenchida com a solução química. Uma vez vencida a região mais compactada da obturação, devemos empregar instrumentos de menor rigidez (tipo K no 10 ou 15 de 21mm), para se evitarem iatrogenias, como desvios e perfurações radiculares. Na clínica odontológica, canais radiculares obturados somente com cimento e que apresentem espaços vazios (porosidades) não oferecem grandes dificuldades para a remoção do material obturador. Esses espaços, às vezes ausentes em radiografias tomadas no sentido vestibulopalatino, podem estar presentes no
Figura 17-31. Canal obturado com cimento. Caso clínico. Retratamento.
sentido mesiodistal. Outro fato a ressaltar é que geralmente a compactação da obturação diminui de cervical para apical, o que favorece a remoção do material obturador presente na região terminal do canal radicular (Fig. 17-31).
Canais obturados com cones de prata Os cones de prata foram introduzidos como material obturador endodôntico por Trebitsh, em 192953. Embora conhecido universalmente, o uso desse material tem sido cada vez mais restrito, devido principalmente aos problemas de corrosão e às dificuldades de remoção em caso de retratamento. A remoção certamente depende da anatomia do canal radicular e do diâmetro, adaptação e altura da seção do cone de prata. É óbvio que, antes de programarmos qualquer retratamento, uma cuidadosa análise clínica e radiográfica do elemento dentário se faz necessária. Nesse exame devemos observar a viabilidade do retratamento e, principalmente, o aspecto e o posicionamento dos cones de prata. Uma ampla abertura coronária constitui fator decisivo no êxito do retratamento. Muitas vezes, somos obrigados a promover uma abertura coronária maior que a convencional ou mesmo remover totalmente a restauração existente para facilitar a visualização e a apreensão do cone de prata, assim como da embocadura do canal. Não podemos ser comedidos no acesso, sendo insensato preservar estruturas dentárias ou da restauração protética, o que poderia tornar o retratamento mais difícil, senão impossível19,54.
Retratamento Endodôntico
No retratamento de canais obturados com cones de prata, a remoção desses pode ser realizada por tração, ultrassom ou pela combinação ultrassom e tração58. Para fins didáticos, classificamos as obturações dos canais em função da altura da seção do cone de prata usado: • não secionados • secionados • secionados no segmento apical
Canais obturados com cones de prata não secionados Nesses casos, deparamos com cones de prata aflorando na câmara pulpar, apresentando, muitas vezes, uma angulação de 90º. Assim, a remoção do cone se torna relativamente fácil. Devemos apenas tomar a precaução de, ao retirarmos a restauração e o cimento existente na câmara pulpar, não secionar a extremidade aflorada do cone. Para tal, sugerimos, ao chegar na câmara pulpar, remover o cimento com o auxílio de instrumentos manuais (Hollemback, escavadores) ou mesmo ultrassom. Uma vez liberado o cone de prata na câmara pulpar, podemos usar uma solução química para conseguir a desintegração do cimento obturador do canal radicular e, a seguir, tentar a sua remoção. Geralmente, apreendemos o cone em sua extremidade coronária por meio de uma pinça tipo Stieglitz, Ralks ou mesmo porta-agulhas, removendo-o inteiro, por simples tração. Constitui boa norma, antes da tração, tentar penetrar entre o cone e a parede do canal com
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instrumentos tipo K esbelto no 10 ou 15, com o objetivo de fragmentar a substância cimentante (Fig. 17-32). Às vezes, o cone de prata está bem ancorado junto às paredes do canal radicular e a tração é ineficiente. Nesses casos devemos usar a associação ultrassom e tração. Uma ponta periodontal do aparelho ultrassônico é aplicada junto à extremidade do cone. A vibração da ponta é transferida ao cone, causando a fragmentação do cimento. A seguir, o cone será removido por tração. A aplicação prolongada de ultrassom desgasta a extremidade do cone de prata, podendo tal fato dificultar ou mesmo impedir a sua remoção. Para evitar esse problema podemos prender o cone com uma pinça e aplicar nesse instrumento a energia ultrassônica, a qual transfere para o cone de prata as vibrações mecânicas59.
Canais obturados com cones de prata secionados Nesses casos, os cones de prata podem estar secionados na altura da embocadura do canal ou ligeiramente aquém. As dificuldades, assim, passam a ser maiores, podendo-se realizar algumas manobras com a finalidade de remoção. Como, na maioria das vezes, os canais radiculares no segmento cervical não são circulares, existindo, consequentemente, um espaço, ocupado ou não por cimento, ou mesmo guta-percha, podemos por meio de instrumentos endodônticos e soluções químicas, criar passagem entre o cone de prata e a parede do canal radicular. Inicialmente, com instrumentos tipo K no 10 ou 15 de 21mm, buscamos uma passagem entre o cone e a
Figura 17-32. Canais obturados com cones de prata não secionados. Casos clínicos. Retratamento. (Gentileza do Prof. L Lyon.)
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
parede do canal radicular. A seguir, uma lima Hedstrom no 30, 35 ou 40 é introduzida justa nesse espaço, em sentido apical, e com pequenos movimentos de penetração com giro à direita procuramos cravar suas hélices no cone de prata. Apresentando a liga metálica da lima dureza maior do que a da prata, tal procedimento é possível e, com movimento de tração no sentido oclusal, promovemos a remoção do cone. Devemos salientar que o instrumento deverá ser de tal diâmetro que penetre justo, através das paredes radiculares e no cone de prata, não ultrapassando dois terços dele. Nunca devemos ultrapassar o cone em toda a sua extensão, pois tentativas de tração podem provocar alterações no forame apical que dificultarão a obturação do canal e o processo de reparação (Fig. 17-33A e B). Às vezes, penetramos a lima de um lado, porém há dificuldade em remover o cone, ocorrendo o seu desgaste após diversas tentativas. Se isso acontecer, com o auxílio de uma sonda clínica de ponta reta e pontiaguda ou mesmo de uma lima Hedstrom, procuramos penetrar o instrumento na posição diametralmente oposta, tentando deslocar o cone para o espaço criado. Em seguida, ocupa-se, com a lima Hedstrom, esse novo espaço e, com movimentos de penetração e tração do instrumento, remove-se o cone de prata. Podemos também empregar o ultrassom na remoção de cones de prata secionados. Nesses casos, um instrumento tipo K no 15 é inserido no espaço anteriormente criado entre o cone e a parede do canal radicular.
A
A vibração ultrassônica transmitida pelo instrumento e a abundante irrigação liberam o cone de prata. Outras vezes, após o uso da vibração ultrassônica, o cone fica aderido em alguma parte da parede do canal, podendo ser removido manualmente com o auxílio de uma lima Hedstrom. Quando não há espaço para a penetração de um instrumento endodôntico entre o cone de prata e a parede do canal radicular, procuramos, com o auxílio de broca esférica LN 205 (Maillefer) de baixa rotação, desgastar o tecido dentário circundante ao cone. Com o espaço criado, a extremidade fica exposta, o que permite a sua apreensão com pinça saca-cones. A seguir, o cone pode ser removido por tração simples ou pela combinação ultrassom e tração. Outras vezes, após a criação do espaço, com o auxílio de um escavador afiado, procuramos fazer uma reentrância no cone e usando o mesmo instrumento como alavanca, tendo as paredes dentárias como ponto de apoio, promovemos a sua remoção.
Canais obturados com cones de prata secionados no segmento apical Quando o cone de prata é secionado no interior do canal radicular, a tarefa se torna ainda mais difícil. O restante do canal radicular poderá ou não estar ocupado por guta-percha. Caso positivo, procuramos inicialmente sua remoção para posteriores manobras de retirada do segmento de prata.
B
Figura 17-33A e B. Canais obturados com cones de prata secionados. Casos clínicos. Retratamento.
Retratamento Endodôntico
A remoção do cone somente é possível quando há espaço para passagem de um instrumento endodôntico. Na altura da seção, o canal, normalmente, não apresenta forma circular e, quase sempre, é possível a passagem do instrumento entre o cone e a parede radicular. Nesses casos, os procedimentos já descritos: tração com limas Hedstrom ou combinações de ultrassom e tração são os recursos que possibilitam a remoção do cone de prata. Nos casos em que a seção na área apical for circular e o cone de prata ocupar todo o espaço, a possibilidade de remoção se torna extremamente difícil (Fig. 17-34). Em casos onde ocorram lesões supurativas, a desmineralização dentinária e a corrosão do cone de prata favorecem a passagem do instrumento endodôntico entre o cone e a parede radicular. Os métodos de Masserann e Endo Extractor também podem ser usados em alguns casos. O emprego desses sistemas fica restrito às raízes volumosas e retas. Os principais inconvenientes do emprego dessas técnicas consiste na possibilidade de ocorrerem perfurações em raízes curvas e exagerada perda de estrutura dentinária74. Nos casos em que o instrumento ultrapassa lateralmente o segmento do cone de prata, mas não consegue a sua remoção, ou nos casos em que não é possível passar lateralmente por ele, devemos dentro das condições do caso clínico obturar o segmento do canal preparado e acompanhar a evolução do tratamento por meio da prosservação periódica (Fig. 17-35A e B). A máxima redução possível de irritantes do interior do sistema de canais radiculares obtida por meio
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A
B
Figura 17-35. Canais obturados com cones de prata secionados no segmento apical. Casos clínicos. A. Ultrapassagem e não remoção do cone de prata. B. Não ultrapassagem do cone de prata.
da instrumentação, da ação antimicrobiana da solução química auxiliar e da medicação intracanal, associada a uma obturação adequada, pode permitir a reparação de uma lesão existente. Nesses casos, o período de prosservação deve ser maior, tendo em vista que os procedimentos realizados podem ter promovido um desequilíbrio da microbiota do canal, possibilitando uma reparação temporária da lesão perirradicular existente.
REINSTRUMENTAÇÃO DOS CANAIS RADICULARES
Figura 17-34. Canais obturados com cones de prata secionados no segmento apical. Caso clínico. Retratamento.
O retratamento endodôntico tem como objetivo a remoção de todo o material obturador previamente existente e uma efetiva reinstrumentação das paredes dentinárias do canal radicular para a obtenção de uma forma adequada (ampliação e modelagem) que favoreça a nova obturação. Após o esvaziamento e a determinação do comprimento da patência e de trabalho iniciamos a reinstrumentação do canais radiculares. Todavia, o esvazia-
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
mento e a reinstrumentação na maioria das vezes são realizados concomitantemente. Clinicamente, a reinstrumentação é considerada completa quando não há mais evidência de guta-percha ou selador no instrumento endodôntico, quando as raspas de dentina excisadas são de coloração clara e o canal radicular, através da sensibilidade tátil, apresentar paredes lisas e, imaginariamente, uma forma adequada que permita sua posterior obturação de maneira efetiva. Em busca desses fundamentos, várias manobras têm sido sugeridas: manuais e especiais, ultrassônicas, vibratórias-sônicas e acionadas a motor, com instrumentos de conicidades variáveis. Contudo, no retratamento, após o esvaziamento e a reinstrumentação de um canal radicular, resíduos do material obturador serão observados independentemente da técnica empregada e da natureza do material obturador28,38,133,143. Lopes e Gahyva62, utilizaram in vitro 30 dentes unirradiculares, obturados com guta-percha e cimento selador à base de óxido de zinco-eugenol, cujos limites da obturação estavam situados 1 a 3mm aquém do ápice radiográfico. Os dentes foram esvaziados e reinstrumentados 1mm aquém do comprimento de trabalho pela técnica convencional. A seguir, analisou-se a presença de resíduos de material obturador, por meio de tomadas radiográficas e das hemisseções com auxílio de uma lupa após clivagem mesiodistal dos espécimes. Os resultados revelaram que, após a reinstrumentação, os resíduos estavam presentes em 56,67% dos espécimes analisados radiograficamente e em 93,34% nos visualizados com lupa. No que concerne à localização,
A
em 85,71%, os resíduos do material obturador se estendiam além do limite apical de instrumentação, ou seja, ocupavam a porção terminal do canal radicular em sentido ao forame apical. Em função dos resultados, concluíram que: a) a avaliação radiográfica das hemisseções revela acentuada diferença estatística na quantidade de resíduos de material obturador, após a reinstrumentação dos canais radiculares; b) houve acentuado acúmulo de material obturador na porção terminal do canal radicular em dentes cujas obturações estavam aquém do ápice radiográfico (Fig. 17-36A e B). Lopes e Gahyva66 utilizaram 60 dentes unirradiculares extraídos, obturados com guta-percha e cimento selador à base de óxido de zinco-eugenol, cujos limites da obturação estavam situados 1 a 3mm aquém do ápice radiográfico. Após o esvaziamento, 30 dentes foram divididos e reinstrumentados pelas técnicas convencional e ultrassônica até o comprimento de trabalho situado 1mm aquém da abertura foraminal, com os demais recebendo os mesmos procedimentos. Entretanto, durante a sequência de instrumentação, a cada mudança de instrumento, um instrumento tipo K no 40 era introduzido até ultrapassar 1mm do forame apical. Finda a preparação endodôntica, os dentes foram cortados longitudinalmente no sentido mesiodistal, e os 3mm apicais de cada amostra foram avaliados com o auxílio de uma lupa. Os resultados revelaram que, nos retratamentos endodônticos, o esvaziamento além do forame, durante a reinstrumentação, favoreceu uma maior remoção de material obturador do segmento apical dos canais radiculares (Figs. 17-37A e B e 17-38A e B).
B
Figura 17-36. Retratamento endodôntico. A. Avaliação radiográfica. Ausência de resíduo. Avaliação da hemiseção da mesma amostra. Presença de resíduos. B. Avaliação da hemiseção. Presença de resíduo no segmento apical do canal.
Retratamento Endodôntico
B
A
Figura 17-37. Retratamento endodôntico. Reinstrumentação. A. Esvaziamento do canal cementário. Ausência de resíduos. B. Não esvaziamento do canal cementário. Presença de resíduos.
727
Dezan et al.20 relatam que, após a reinstrumentação, os resíduos de material obturador estavam presentes no canal radicular em 90% dos casos. Gu et al.38 utilizaram 60 dentes unirradiculares extraídos e obturados com cones de guta-percha e cimento AH-Plus (Dentisply, Alemanha). Inicialmente, parte dos canais radiculares foi esvaziada por meio de instrumentos de NiTi mecanizados ProTaper Universal – retratamento – e outra parte com alargadores Gates Glidden e limas Hedstrom com clorofórmio. A seguir, os dentes foram reinstrumentados pelo sistema ProTaper Universal ou por meio de instrumentos Kflex (Kerr). Os dentes foram diafanizados e todos revelaram resíduos de material obturado. A maior quantidade de resíduos era representada pelo selador. Todas as técnicas deixaram 10 a 17% da área dos canais cobertos com resíduos (guta-percha/selador). Para Bueno12, após a desobturação, o emprego de um procedimento complementar, com limas envoltas por algodão hidrófilo embebido em solvente e, posteriormente, num algodão seco, promoveu uma ação adicional, em média, de 60% na limpeza de resíduos aderidos às paredes do canal independentemente das técnicas testadas. A presença de resíduos de material obturador após a reinstrumentação de canais radiculares está certamente relacionada com a geometria e o tipo de movimento dos instrumentos endodônticos empregados, os quais foram incapazes de se adaptar às variações anatômicas internas dos canais radiculares (Fig. 17-39).
A
B
Figura 17-38. Retratamento endodôntico. Reinstrumentação. Avaliação no MEV. A. Não esvaziamento do canal cementário. Presença de resíduos. B. Esvaziamento. Ausências de resíduos.
Figura 17-39. Retratamento endodôntico. Caso clínico. Presença de resíduos após a reinstrumentação. Aspecto radiográfico.
728
Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Com relação às pastas, Porkaew et al.90 observaram, que em canais obturados temporariamente com pasta de hidróxido de cálcio, a reinstrumentação com um instrumento de diâmetro maior do que o último utilizado, seguida de abundante irrigação-aspiração, não foi suficiente para remover completamente a pasta de hidróxido de cálcio do interior dos canais radiculares. Lambrianidis et al.51, utilizando diferentes soluções químicas associadas à limagem – hipoclorito de sódio, solução salina e hipoclorito de sódio seguido de irrigação final com EDTA –, concluíram que nenhum dos métodos foi eficiente para remover todo o hidróxido de cálcio das paredes do canal. Observaram também que a composição da pasta usada teve pouco efeito na eficiência do método aplicado. Para Barcelos8, o veículo utilizado no preparo de pasta de hidróxido de cálcio empregada como medicação intracanal influenciou decisivamente na permanência de resíduos do material sobre as paredes do canal após a desobstrução. A quantidade de resíduo foi maior quando os veículos empregados eram classificados como oleosos (óleo de oliva e PMCC/Glicerina). Analisando por meio da microscopia eletrônica de varredura as paredes de canais radiculares, anteriormente preenchidos com pasta de hidróxido de cálcio e esvaziados com limas tipo Hedstrom, após irrigaçãoaspiração com solução de hipoclorito de sódio, observamos que a maioria das amostras revelou presença de resíduos do medicamento. A limpeza e a forma final de um canal radicular após a sua reinstrumentação estão associadas principalmente:
apresenta seções retas transversais com formas diferentes. Nos segmentos arredondados dos canais radiculares, o diâmetro do instrumento deverá ser maior do que o do canal, e o movimento empregado, o de alargamento (parcial alternado ou contínuo). Diâmetro de instrumento maior permite que todo o contorno do canal seja englobado pelo círculo de corte do canal cirúrgico. Nos segmentos achatados dos canais radiculares usamos instrumentos tipo Hedstrom ou tipo K de aço inoxidável de diâmetro inferior ao do canal com movimento de limagem circunferencial. O instrumento deve apresentar rigidez suficiente para exercer a ação de limagem das paredes do canal radicular. Alargador Largo ou instrumentos acionados por dispositivos ultrassônicos podem ser empregados antecedendo o uso de instrumentos manuais. Em combinação com soluções químicas auxiliares e a irrigação-aspiração, teremos uma melhor limpeza das paredes radiculares (Fig. 17-40).
• às propriedades mecânicas das ligas metálicas dos instrumentos endodônticos; • à complexidade anatômica dos canais radiculares; • à geometria (forma e dimensões) dos instrumentos endodônticos empregados; • ao movimento aplicado aos instrumentos endodônticos. Quanto às propriedades mecânicas, os instrumentos endodônticos devem ter grande tenacidade, baixa rigidez, elevada elasticidade em flexão e resistência à fratura (por torção e fadiga), propriedades essas que dependem da natureza da liga metálica, do diâmetro, do comprimento, da forma e área da seção reta transversal e do acabamento superficial do instrumento endodôntico. A anatomia dos canais radiculares não é uniforme em toda a sua extensão, podendo variar em um mesmo dente. Geralmente, o segmento apical, médio e cervical
Figura 17-40. Retratamento endodôntico. Análise no MEV. Paredes radiculares. Ausências de resíduos.
Retratamento Endodôntico
Considerações clínicas A sequência de instrumentação empregada é a coroa-ápice. Os seus princípios e manobras são utilizados, não apenas para a remoção do material obturador ou neutralização do conteúdo tóxico do segmento do canal não instrumentado, mas também na reinstrumentação dos canais, pela capacidade que tem a sequência de uma instrumentação de reduzir a extrusão de material obturador, de restos necróticos e produtos microbianos, em sentido aos tecidos perirradiculares. No retratamento endodôntico é fundamental que o diâmetro do preparo após a reinstrumentação seja maior do que o diâmetro do preparo anterior. O diâmetro do preparo deve ser o maior possível, levando-se em consideração a anatomia do canal e as propriedades mecânicas da liga metálica do instrumento endodôntico empregado. Nos casos em que o retratamento endodôntico é indicado por motivos protéticos, a obturação do canal radicular deve ser realizada imediatamente após o preparo químico-mecânico. Essa escolha se deve ao fato de que falhas do selamento coronário e a redução da atividade antimicrobiana do medicamento usado podem permitir a contaminação microbiana do canal radicular. Por outro lado, sabendo-se que a infecção microbiana é a responsável pela baixa taxa de sucesso obtida nos retratamentos, meios mecânicos e químicos, adequados para promoverem a eliminação ou máxima redução de micro-organismos no interior do sistema de canais radiculares, devem ser empregados com vistas a criar um ambiente favorável ao reparo dos tecidos perirradiculares. Consequentemente, durante a reinstrumentação dos canais radiculares, empregamos como substância química auxiliar e na irrigação-aspiração o hipoclorito de sódio (água sanitária). O preparo do canal deve estender-se a um limite próximo da abertura do forame principal (1 a 2mm aquém). Durante a sequência do preparo, ao passar-se de um instrumento de menor diâmetro para um outro maior diâmetro, é importante e fundamental que o canal cementário seja desobstruído até o diâmetro correspondente a um instrumento tipo K no 25. No retratamento endodôntico, a reinstrumentação curta, na esperança de não causar trauma perirradicular e de não permitir a passagem de resíduos oriundos do preparo por meio do forame, favorece o acúmulo de detritos na porção terminal do canal radicular e não impede o extravasamento de resíduos via forame apical. O instrumento endodôntico mesmo aquém do li-
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mite de instrumentação, ao alcançar justeza no interior de um canal radicular, funciona como êmbolo, promovendo o deslocamento do material existente no canal em sentido apical. Após o preparo, a smear layer das paredes do canal deve ser removida com o objetivo de favorecer a atividade antimicrobiana do medicamento intracanal e diminuir a infiltração apical de canais radiculares obturados. A remoção é realizada pela associação de soluções de EDTA e de hipoclorito de sódio. Como medicação intracanal recomendamos a pasta de hidróxido de cálcio, iodofórmio, paramonoclorofenol canforado e glicerina, devendo esta permanecer no canal por um período variável de 3 a 7 dias. Não havendo remissão dos sinais e sintomas clínicos, o preparo químico-mecânico e a medicação intracanal devem ser repetidos. Nos casos em que o preparo químico-mecânico e a medicação intracanal não estão sendo suficientes para eliminar o agente infeccioso, podemos empregar um antibiótico para debelar os sinais e sintomas persistentes. A amoxicilina é o antibiótico de eleição, podendo, em casos resistentes ou em pacientes alérgicos, ser substituída pela clindamicina. Se persistirem os sinais e sintomas, a opção de tratamento será a via cirúrgica. Quanto à obturação, a mesma deve ser homogênea e ficar confinada ao canal radicular, de 1 a 2mm aquém do vértice radiográfico. A técnica de compactação lateral é a utilizada na grande maioria dos retratamentos. Entretanto, em determinadas situações clínicas, pode ser substituída por uma outra que empregue a guta-percha termoplastificada. O retratamento endodôntico pode promover a extrusão, pelo forame apical, de micro-organismos e seus subprodutos, raspas de dentina contaminadas, substâncias químicas usadas como solventes e materiais obturadores, que poderão exacerbar a resposta inflamatória, contribuindo, assim, para a indução da dor pós-operatória. A extrusão de material do canal via forame apical ocorre em maior ou menor quantidade quando é empregada qualquer uma das técnicas de esvaziamento e reinstrumentação no retratamento endodôntico. Independentemente da técnica empregada na instrumentação do segmento apical, o movimento de limagem (vaivém) deve ser evitado. O deslocamento do instrumento no interior do canal atua como um êmbolo forçando o material presente para a região apical. A quantidade de material extruído para os tecidos perirradiculares via forame apical depende de diversos fatores. A maior quantidade de material extruído ocorrerá quanto:
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
• maiores forem a amplitude e a frequência do avanço e retrocesso (deslocamento) do instrumento no interior do canal; • maior for o volume do instrumento em relação ao volume do canal; • maior for a justeza do instrumento em relação ao diâmetro do canal radicular; • maiores forem a compactação e a extensão (limite) apical da obturação primária; • maior for a quantidade de solvente. A somatória desses fatores durante o deslocamento de um instrumento no interior de um canal aumenta a pressão unidirecional apical, favorecendo uma maior extrusão de material via forame para os tecidos perirradiculares. Vale ressaltar que, nos retratamentos, a extrusão de material obturador, embora presente, a dor pós-operatória, é menos acentuada nas situações clínicas assintomáticas do que nas sintomáticas. Trope138, no retratamento de dentes com periodontite apical, observou a agudização em 13,6% dos casos, sugerindo também que a obturação do canal não deve ser realizada na primeira sessão. Estrela et al.25 estudaram a prevalência de dor pós-operatória nos retratamentos endodônticos em 184 pacientes, sendo que 110 dentes se apresentavam assintomáticos e 74 sintomáticos, com aspectos radiográficos com e sem presença de rarefação óssea perirradicular. Frente à avaliação dos resultados observaram ausência de dor pós-operatória em 83,3%, 82,8% e 82%, respectivamente, nos retratamentos de dentes assintomáticos cujos aspectos radiográficos eram de ausência de rarefação, rarefação óssea difusa e rarefação óssea circunscrita, e em 59%, 50% e 54,5% nos retratamentos de dentes sintomáticos, respectivamente, para os mesmos aspectos radiográficos já descritos.
RETRATAMENTO DE DENTES SUBMETIDOS A CIRURGIA PERIRRADICULAR A cirurgia perirradicular não é a solução para corrigir os fracassos endodônticos, mas sim uma complementação da terapia endodôntica. Trabalhos existentes na literatura revelam que o sucesso da cirurgia perirradicular é baixo quando comparado ao retratamento endodôntico2,130. Para Allen et al.2, a taxa de sucesso obtida com cirurgia perirradicular com apicetomia foi de 57,4%; quando seguida de obturação retrógrada, foi de 60%; e o retratamento não-cirúrgico proporcionou sucesso em 72,7% dos casos.
Nas cirurgias perirradiculares, o índice de fracasso aumenta nos casos onde o canal radicular se apresenta inadequadamente instrumentado e obturado. Também devemos mencionar que a obturação retrógrada realizada em canais deficientemente obturados não é, por si só, fator de sucesso cirúrgico. Nos casos em que ocorre o fracasso da cirurgia perirradicular, nem sempre é viável a reintervenção cirúrgica, em função de condições anatômicas desfavoráveis ou mesmo emocionais do paciente. Nessas condições, dois são os problemas encontrados na solução terapêutica proposta: eliminação da infecção e obturação do canal radicular.
Tratamento Após o acesso, removemos a obturação do canal do modo já descrito. A seguir, realizamos o preparo químico-mecânico em toda a extensão do canal, empregando como solução química o hipoclorito de sódio (água sanitária). A remoção da smear layer é realizada com o uso associado do EDTA e do hipoclorito de sódio após o preparo do canal. Como medicamento intracanal empregamos a associação hidróxido de cálcio, iodofórmio, paramonoclorofenol canforado e glicerina. Além da propriedade antimicrobiana, a capacidade de preenchimento do medicamento permite o mapeamento da cavidade pulpar. Assim, podemos observar, por meio da imagem radiográfica, a posição vestibular do plano inclinado da ressecção apical (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). Combatida e debelada a infecção, realizamos a obturação do canal radicular. Porém, a remoção cirúrgica do ápice provoca a perda da constrição apical, criando um problema técnico para a realização da obturação do canal radicular. Nos casos em que é possível a determinação do bordo vestibular do plano inclinado da raiz podemos fazer o batente apical ligeiramente aquém desse limite e a obturação convencional do canal radicular. Em outras circunstâncias, podemos optar pela técnica do tampão apical (ver Capítulo 16, Obturação dos canais radiculares). Nos casos onde há a obturação retrógrada, ela deve ser mantida e os procedimentos endodônticos realizados dentro do segmento radicular existente. Todavia, durante a instrumentação do canal radicular, a obturação retrógrada pode sofrer deslocamento para a região perirradicular. Nesses casos, não há necessidade de remoção cirúrgica do material retro-obturador. A re-
Retratamento Endodôntico
A
B
C
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D
Figura 17-41. Retratamento endodôntico de dente submetido a cirurgia perirradicular. A. Fracasso cirúrgico. B. Esvaziamento e reinstrumentação. C. Obturação temporária com pasta L&C. D. Após reparação. Obturação convencional. Controle de 2 anos. (Gentileza dos professores E Nunes, FF Silveira, J A Soares.)
Figura 17-42. Retratamento endodôntico de dente submetido a cirurgia perirradicular. Fracasso cirúrgico. Esvaziamento e reinstrumentação do canal. Obturação do canal com pasta L&C. Controle de 12 anos. Reparação apical radiográfica e clínica.
paração da lesão perirradicular está relacionada com a qualidade do preparo químico-mecânico e da obturação do canal radicular. O sucesso do tratamento endodôntico reside na eliminação ou máxima redução possível de irritantes nos canais radiculares por meio de preparo químico-mecânico, do uso de medicação intracanal e de uma obturação adequada do canal radicular. Essa deve selar vestígios de irritantes que permanecem após o preparo químico-mecânico, impedindo seu egresso para os tecidos perirradiculares (Figs. 17-41 e 17-42A a D).
PROSSERVAÇÃO Prosservação é o controle clínico e radiográfico realizado após o tratamento endodôntico.
O índice de sucesso obtido nos retratamentos endodônticos é muito questionável, levando-se em consideração a impossibilidade de padronização do tratamento inicial. Para canais radiculares deficientemente tratados, onde obturações presentes sugerem que o preparo químico-mecânico não foi devidamente realizado, permitindo a permanência de microorganismos presentes da infecção original, um novo tratamento endodôntico e tecnicamente bem conduzido permitirá índices de sucesso elevado. Por outro lado, em casos de canais bem tratados, os índices de sucesso após o retratamento são reduzidos, o que geralmente ocorre porque as medidas de desinfecção (reinstrumentação e medicação intracanal) não foram suficientes para eliminar a infecção persistente no sistema de canais radiculares. Sjögren et al.122 observaram após 8 a 10 anos que nos retratamentos de dentes portadores de lesões perirradiculares a taxa de sucesso era de 62%, enquanto Sundqvist et al.129 observaram, após 5 anos, que nos retratamentos de dentes portadores de lesões a taxa de sucesso era de 74%. Em todos os casos, os canais retratados tiveram suas obturações em limites apicais adequados e aceitáveis em Endodontia, isto é, de 0 a 2mm do ápice. Araújo Filho5, analisando 47 retratamentos endodônticos seguidos de obturação imediata dos canais radiculares, concluiu que 81% dos casos tiveram sucesso. Considerando apenas os casos com rarefação óssea perirradicular preexistente (38 dentes), o índice de sucesso foi de 76%.
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Capítulo 17 Retratamento Endodôntico
Friedman e Mor34 relataram que nos retratamentos de dentes sem lesões perirradiculares a taxa de sucesso variou de 92 a 98%, enquanto na presença de lesões perirradiculares, de 74 a 86%. Para Lopes e Gahyva62,66, a baixa taxa de sucesso dos retratamentos endodônticos se deve à permanência de resíduos oriundos do material obturador após a reinstrumentação do canal radicular. Eles podem alterar o selamento tridimensional da obturação e também recobrir restos necróticos e micro-organismos que, certamente, perpetuarão as lesões perirradiculares após o retratamento endodôntico. O fracasso do retratamento endodôntico certamente é resultante da permanência de uma infecção instalada na região apical do canal radicular mesmo nos casos em que os canais aparentemente foram retratados de forma adequada (Figs. 17-43, 17-44A e B, 17-45A e B, 17-46, 17-47, 17-48 e 17-49). Nos casos em que um dente tratado endodonticamente revelar, por meio de um exame clínico e radiográfico: lesão crônica de pequena dimensão; tratamento já realizado por um longo período; ausência de sintomas; estar em função estética e mastigatória; e prognóstico de um retratamento endodôntico questionável, o dente pode ser mantido na boca sem a reinterveção endodôntica desde que o paciente seja informado e faça uma avaliação clínica e radiográfica regular (Fig. 17-50A e B).
A
B
Figura 17-44A e B. Prosservação. Caso clínico. Retratamento endodôntico. Molar inferior. Presença de cone de prata na região perirradicular. Raiz mesial cones de prata não ultrapassados e não removidos durante a instrumentação dos canais. Controle de 1 ano.
A
B
Figura 17-43. Prosservação. Caso clínico. Retratamento endodôntico. Molar inferior. Presença de cone de prata na região perirradicular. Raiz mesial cones de prata não ultrapassados e não removidos durante a instrumentação dos canais. Controle de 2 anos.
Figura 17-45. Prosservação. Caso clínico. Molar inferior. A. Radiografia inicial. Tratamento endodôntico deficiente. Retratamento endodôntico. B. Raiz mesial. Perfuração. Instrumento fraturado. Desvio do preparo. Controle de 18 meses. (Curso de Especialização ABE-RJ.)
Retratamento Endodôntico
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Figura 17-46. Prosservação. Caso clínico. Pré-molar superior. Presença de 3 canais. Controle de 1 ano. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, JC Mucci.) A
Figura 17-47. Prosservação. Caso clínico. Molar inferior. Raiz mesial. Presença de degrau. Não retomada dos canais. Obturação junto do degrau. Controle de 3 anos. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, JC Mucci.)
B
Figura 17-50A e B. Canais obturados com cones de prata secionados. Ausência de sintomas. Dentes suportes de ponte fixa. Tratamento realizado há 25 anos. Prognóstico de retratamento endodôntico convencional ou cirúrgico questionável. Baseado no exame clínico e radiográfico e no bom senso profissional, não é aconselhável reintervenção endodôntica desde que o paciente seja informado e faça avaliação clínica e radiográfica regular.
Figura 17-48. Prosservação. Caso clínico. Molar inferior. Retratamento endodôntico. Controle de 1 ano. (Gentileza do Prof. L Lyon.)
Figura 17-49. Prosservação. Caso clínico. Pré-molar superior. Instrumento fraturado. Canal perfurado. Não remoção do instrumento. Perfuração selada com pasta L&C. Controle de 2 anos. (Gentileza do Prof. RC Morais.)
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Capítulo
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Cirurgia Perirradicular Gabriele Pécora Osvaldo Massi Santiago Massi
Alguns dos problemas mais difíceis e instigadores que desafiam a Endodontia vêm sendo abordados pelo que se propõe como uma nova disciplina: a Microendodontia. Entre eles podemos incluir a localização de canais calcificados, a reparação clínica e cirúrgica de perfurações, a retirada de instrumentos fraturados e cones de prata, o refinamento da cirurgia de acesso e do préalargamento, a modelagem dos canais atrésicos, o diagnóstico clínico e cirúrgico de fraturas, a irrigação final, a cirurgia perirradicular, a revascularização pulpar e todos os procedimentos complexos que envolvem a precisão e uma abordagem minimamente invasiva como objetivo principal em Endodontia. Há uma tendência natural a exagerar o grau de eficiência dos resultados obtidos, mas não há dúvida de que eles representam uma visão conceitual nova e desafiadora que merece ser desenvolvida. O tratamento preciso de alguns problemas endodônticos ainda constitui um desafio para os endodontistas. A imprevisibilidade e a dúvida em relação aos resultados dos tratamentos têm preocupado os endodontistas e os profissionais de outras especialidades que precisam ancorar seus tratamentos nos dentes tratados. Na ausência dessa certeza é feito um uso generalizado de materiais, instrumentos e técnicas pouco eficazes, sem conseguir, entretanto, uma resposta efetiva nos prognósticos.
Microcirurgia endodôntica A utilização do microscópio operatório, além de permitir um elevado nível de qualidade nas várias fa-
ses da cirurgia perirradicular, permite uma avaliação crítica da técnica utilizada e, como consequência, uma escolha seletiva dos melhores procedimentos43. No passado, o foco principal era a eliminação da patologia. O dano funcional e o trauma anatômico no órgão operado eram considerados consequências do ato cirúrgico. Tais danos iatrogênicos têm sido analisados por meio de novas técnicas possíveis com a utilização do microscópio operatório, dando crédito, evidência e importância ao conceito de cirurgia mini-invasiva. Em microcirurgia, existe uma otimização do respeito aos tecidos, porque o operador tem facilitada a seleção e identificação das estruturas anatômicas e, como consequência, um risco menor, uma precisão maior e uma diminuição das complicações pós-operatórias. Atualmente, a microcirurgia endodôntica é uma realidade, preconizada por poucos, mas praticada por um número crescente de especialistas que perceberam que o futuro está na utilização do microscópio operatório. “A mente deve preceder a visão, e a visão deve preceder as mãos”, dizia O. W. Homes. “Nós podemos tratar aquilo que podemos ver.” (Rubinstein, 1994.) Isso é o objetivo dos microscopistas. Luz + aumento = microscópio operatório. 1. Simplificação técnica; 2. Precisão; 3. Potencialidade operatória. “Se podes olhar, vê; se podes ver, repara.” (José Saramago – Prêmio Nobel de Literatura)
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Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
Dessa forma, infere-se que uma nova dimensão na Endodontia foi criada – a microcirurgia. É aconselhável repensar a proposta de cirurgia endodôntica, porque a possibilidade operatória mediante a utilização de tecnologias avançadas permite a utilização de técnicas operatórias mini-invasivas e previsíveis nos resultados. A microcirurgia endodôntica permite realizar via retrógrada a tríade: limpeza – modelagem – obturação, consagrada por via ortógrada (Figs. 18-1 e 18-2). De um ponto de vista estritamente clínico, os objetivos que pretendemos obter por meio da terapia cirúrgica endodôntica podem ser resumidos aos seguintes: A
• eliminação de sinais e sintomas (dor, edema, mobilidade etc.); • diminuição ou desaparecimento da radiopacidade (doença) (Fig. 18-3); • restauração e manutenção da função mastigatória; • detenção da progressão da doença (perda de tecido de sustentação).
B
C
Figura 18-3. Um dos principais objetivos da cirurgia perirradicular é promover a cura dos tecidos perirradiculares. Caso clínico mostrando A, radiografia pré-operatória evidenciando lesão persistente após tratamento convencional. B, Pós-operatório cirúrgico e C, controle radiográfico de 12 meses.
Figura 18-1. Microcirurgia endodôntica.
Figura 18-2. Trabalho em equipe durante microcirurgia endodôntica.
Uma vez que as características anatômicas da lesão condicionam amplamente as suas potencialidades de regeneração e, em última análise, o prognóstico do dente atingido, foi proposta uma classificação levandose em conta as possibilidades que uma determinada lesão possui de curar em sentido regenerativo17: • Classe A: Lesões limitadas ao terço apical. • Classe B: Lesões estendidas ao terço médio da raiz. • Classe C: Lesões no meio da raiz com bolsa periodontal não comunicante. • Classe D: Lesões de Classe C com comunicação entre a lesão endodôntica e a bolsa periodontal. • Classe E: Lesão endoperiomarginal (EPM), com perda do osso vestibular e confluência das duas lesões. A reabsorção da cortical vestibular pode ser classificada como segue:
Cirurgia Perirradicular
1 – E1: menor do que a largura da raiz; 2 – E2: igual à largura da raiz; 3 – E3: maior do que a largura da raiz. Considerando a relação entre a convexidade da raiz e a superfície da cortical óssea, assim como a espessura da cobertura óssea da raiz, podemos distinguir igualmente outras três subclasses: 4 – E4: quando a raiz está por dentro da cortical óssea; 5 – E5: quando a raiz está ao mesmo nível do plano cortical; 6 – E6: quando a superfície radicular protrai da super fície do osso que a rodeia. Qualquer uma dessas classes tem uma diferente potencialidade de regeneração (de forma geral, tanto pior quanto mais se avança na classificação). Isso pode ajudar o clínico a tomar uma decisão, também transoperatória, resguardando a oportunidade de recorrer a um procedimento regenerativo. Podemos ressaltar que atualmente, havendo à disposição alternativa terapêutica extremamente válida, como o implante, poderia resultar em injustificada persistência terapêutica a aplicação de uma técnica regenerativa complexa e custosa frente a um dente com escassa capacidade residual de regeneração. Os autores vêm utilizando nos últimos anos diferentes técnicas de regeneração tecidual guiada (GTR), inclusive algumas alternativas ao uso das membranas. Dentre elas, uma das mais promissoras é a proporcionada pelo enxerto de sulfato de cálcio para uso médico (Medical Grade Hemydrate Calcium Sulfate ou MGHCS). Esse material não é certamente novo para a prática médica, pois tem sido usado em Ortopedia desde 18902, em Otorrinolaringologia18 e também em Cirurgia Oral59 e Periodontia3. Vários autores têm testado sua biocompatibilidade48, a ausência de resposta inflamatória, a total reabsorção e eficácia na GTR17. Pécora et al.48 têm estudado a capacidade de esse material atuar como barreira, enquanto Ricci et al.54 têm estudado seu poder osteocondutor. A regeneração tecidual em resposta à cirurgia perirradicular é evidente na restauração dos tecidos periodontais, isto é, cemento, osso alveolar e ligamento periodontal. A aplicação dos princípios de GTR em Cirurgia Endodôntica esteve sempre no centro de muitas discussões clínicas e pesquisas experimentais, tanto em humanos como em animais12, 17, 47. Muitos fatores influenciam o resultado do processo de cura após a cirurgia; em particular, os fatores
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considerados essenciais para se obter uma regeneração periodontal são bactérias na região radicular apical, a biomodificação da dentina, a estabilização da ferida, a migração celular e o suporte sanguíneo. O respeito à migração celular e à colonização da ferida em vias de regeneração por parte das células progenitoras periodontais é um pré-requisito para a formação de um novo cemento, de uma nova inserção do ligamento periodontal e de um novo osso alveolar sobre uma superfície previamente infectada. Para compreender o mecanismo da regeneração das estruturas periodontais é útil relembrar os conceitos básicos da reparação. A reparação por cicatrização acontece quando o processo reparativo resulta na formação de um novo tecido com células e estruturas que têm capacidade de reação diferente das originais. A regeneração se verifica quando o tecido preexistente, afetado pela patologia, é substituído por um novo tecido idêntico ao original na composição celular, na estrutura e na reatividade. Em Endodontia assim como em Periodontia, isto implica formação de um novo osso, novo ligamento periodontal e novo cemento. Estudos demonstraram que a cirurgia periodontal convencional induz mais à cicatrização do que à regeneração do periodonto52. Por outro lado a regeneração periodontal pode ser obtida de forma previsível com o uso de uma membrana ou barreira tanto em animais7 quanto em humanos24. De maneira similar, Dahlin et al.12 demonstraram que os defeitos perirradiculares e as cavidades císticas mandibulares em macacos regeneravam com um preenchimento quase total do osso, desde que fossem tratadas com barreira pela GTR. Por outro lado, os cistos tratados somente com cirurgia convencional, apesar de uma regeneração periférica, mostravam um consistente preenchimento de tecido conjuntivo fibroso. Isso mostra que na cirurgia endodôntica, especialmente com grandes defeitos em lesões bicorticais, a ação somente do periósteo (quando presente) pode ser suficiente para assegurar uma regeneração completa. Devemos lembrar também que a presença de uma grande lesão perirradicular, geralmente crônica, pode estar associada a uma fístula. Por isso, o periósteo está geralmente lesionado nesses casos. Isso mostra a possibilidade de uma reparação não desejável (cicatriz de tecido conjuntivo). Do ponto de vista biológico, a formação de nova inserção pode oferecer algumas vantagens em comparação com a reparação genérica. Isso inclui uma maior resistência à penetração bacteriana, assim como
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Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
um aumento da resistência a cargas oclusais. A qualidade da regeneração (e prognóstico) de um dente é influenciada pela localização da lesão. O prognóstico muda se, depois da cirurgia, a lesão permanece na área apical, estende-se ao terço médio radicular ou é uma comunicação marginal endoperiodontal. Com essa última produzir-se-á uma regeneração menos completa e menos previsível. Infelizmente, a área marginal é onde (por questões tanto biomecânicas quanto microbiológicas) uma nova inserção é mais desejável. Enquanto um dente pode sobreviver bem com o ápice circundado por tecido conjuntivo, uma lesão marginal endoperiodontal, inadequadamente reparada, causará uma infecção recorrente e perda de osso. A função do dente é ligada biomecanicamente à relação coroa-raiz. Depois da cirurgia endodôntica é importante considerar não só o comprimento da raiz, como também se está coberta de ligamento funcionalmente inserido ao osso de suporte. As indicações clínicas para uma GTR em Endodontia são as seguintes: • • • •
grandes lesões ósseas45; lesões bicorticais47 (Fig. 18-4); lesões endodônticas e de formação17; comunicações endoperiomarginais e perfurações23.
Figura 18-4. Lesão afetando as corticais vestibular e lingual (bicortical).
Uma fase crítica na cirurgia regenerativa é a manutenção do espaço sob a membrana. Quando o uso dessa não é capaz de assegurar a manutenção de tal espaço, pode ser útil um material a ser usado com tal propósito. Para conseguir isso, diversos materiais têm sido usados: • enxerto de osso desidratado congelado desmineralizado (DFDBA); • hidroxiapatita; • osso autólogo; • sulfato de cálcio63. O sulfato de cálcio tem uma longa história de utilização em Medicina e seu uso tem sido recentemente aplicado na Odontologia por suas potenciais aplicações na regeneração tecidual guiada10,37,63. Em algumas circunstâncias, o sulfato de cálcio pode atuar simultaneamente como preenchimento e como barreira47. A aplicação das técnicas regenerativas, a utilização de tecnologia avançada (microscópio e ultrassom) e a utilização de materiais obturadores com características favoráveis e de eficiência na previsibilidade de resultados têm permitido o tratamento de casos cirúrgicos com patologias estendidas a toda a superfície radicular e com comprometimento de todo o complexo dentoalveolar (lesões endoperiodontais). A técnica de descontaminar a superfície radicular tem elevado o percentual de êxito nos resultados. Não obstante a utilização das terapias regenerativas seja discutida e considerada por muitos autores, existe evidência clínica de que o prognóstico de muitos casos é considerado bom com procedimentos simples. Assim, as indicações para a colocação de implantes são reduzidas. O uso das membranas em cirurgias endodônticas tem sido sugerido por Duggings et al.17 no tratamento das perfurações radiculares, por Pécora et al.47 para o tratamento das grandes lesões e, de maneira mais generalizada, por Kellert et al.30. Gottlow et al.23,24, Cortellini et al.11 e Caffesse et al.7, entre outros, têm demonstrado a capacidade de vários materiais para criar um espaço em volta de uma raiz patologicamente exposta, permitindo uma migração seletiva de células, somente do osso e do ligamento periodontal. As membranas podem ser reabsorvíveis (osso laminar, ácido poliláctico, ácido poliglicólico, colágeno, sulfato de cálcio) e não reabsorvíveis (politetrafluoretileno expandido ou e-PTFE).
Cirurgia Perirradicular
Vantagens da GTR • ação de barreira na falta de periósteo; • regeneração mais rápida com maior quantidade e melhor qualidade do osso; • concentração de células osteogênicas na área de cura e possibilidade de regeneração.
Desvantagens da GTR • custo elevado dos materiais; • frequente exposição e infecção; • necessidade de uma segunda cirurgia (não reabsorvíveis); • necessidade de suporte nas grandes lesões (retentores intracanais, materiais de preenchimento); • habilidade cirúrgica (retalhos palatinos); • necessidade e dificuldade de se adaptar ao defeito. A soma dos inconvenientes e as dúvidas sobre a utilidade do uso de membranas e a respeito das suas reais vantagens têm, por uma parte, limitado a aplicação da GTR em Endodontia. Por outro lado, têm estimulado a pesquisa de materiais alternativos às membranas. Sottosanti63 em 1992 propôs o uso do sulfato de cálcio em Periodontia e Cirurgia, estimulando a pesquisa clínica e em animais. Paralelamente, no campo ortopédico, um grupo de pesquisadores e de bioengenheiros – Parsons et al.42 e Damien et al.13 – estudou o sulfato de cálcio, chegando a conclusões positivas sobre sua osteocondutividade e sua ação de barreira. A racionalidade para o uso do sulfato de cálcio é suportada pelas seguintes características: • • • • • • •
simplicidade da técnica de aplicação; total adaptação do material ao defeito; baixo custo; baixa incidência de complicações pós-operatórias; elevada potencialidade de estabilizar o coágulo; aderência à superfície radicular; ambiente de pH básico (que inibe o crescimento bacteriano e estimula as células mesenquimais a se diferenciar em osteoblastos); • biocompatibilidade; • total reabsorção. Em 1992, Sottosanti et al.63 levantaram a hipótese de que o sulfato poderia exercer uma função de barreira similar àquela exercitada pelas membranas. Essa hipótese foi valorizada por Pécora et al.47, em 1997, que duplicaram o estudo de Dahlin et al.12 em ratos, subs-
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tituindo as membranas de Gore-Tex por discos de sulfato de cálcio pré-endurecidos. Dahlin et al.12 criaram defeitos passantes, de 5mm de diâmetro na mandíbula de ratos, e recobriram os defeitos com membranas de politetrafluoretileno expandido (e-PTFE), posicionados sobre ambos os lados (vestibular e lingual); as lesões contralaterais foram deixadas sem barreira. O estudo mostrou o completo fechamento com osso nos sítios tratados com membrana, enquanto, no sítiocontrole, os defeitos estavam preenchidos com tecido conjuntivo denso. O estudo de Pécora et al.52 seguiu o mesmo protocolo, mas cobrindo os sítios-controle com discos préendurecidos de sulfato de cálcio (U.S. Gypsum, Medical Division, Chicago, Illinois, EUA). Os discos foram obtidos misturando sulfato de cálcio com solução fisiológica estéril, vazados em um molde de 9mm de diâmetro, 2mm de espessura e esterilizados a seco. Esses discos foram adaptados ao defeito de modo a cobri-lo com uma sobre-extensão periférica de cerca de 2mm. Os dados, avaliados com o mesmo sistema de Dahlin et al.12, confirmaram a validade do sulfato de cálcio em discos pré-moldados como barreira para prevenir a invaginação do tecido conjuntivo frouxo, promovendo assim a formação de osso.
Cirurgia para diagnóstico A dificuldade de diagnóstico pode ser melhorada com a utilização da cirurgia para diagnóstico ou “retalho diagnóstico”. Ela consiste nas seguintes etapas: 1. Desenho triangular com apenas uma incisão relaxante vertical. 2. Aplicação de azul de metileno a 2% sobre a superfície radicular exposta e lavagem com solução fisiológica. 3. Avaliação com a utilização do microscópio operatório.
Protocolo cirúrgico operatório 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.
Diagnóstico Anestesia Retalho Osteotomia Apicectomia Curetagem perirradicular Biópsia Descontaminação Hemostasia
744 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16.
Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
Avaliação da superfície seccionada Preparação da cavidade retrógrada Verificação e controle da cavidade retrógrada Obturação retrógrada Avaliação da necessidade de GTR Sutura Controle radiográfico
1 – Diagnóstico A) Avaliação radiológica: • OPT (ortopantomografia). Serve para avaliar as relações anatômicas, de um ponto de vista global, dos dentes e dos maxilares; pode ser utilizada como ajuda visual na explicação do caso e na educação do paciente. A radiografia panorâmica não serve para o exame diagnóstico, que requer uma alta resolução e a análise das alterações estruturais das trabéculas ósseas associadas a lesões perirradiculares. • INTRAORAIS. São realizadas três radiografias com posicionador radiográfico. Além da projeção axial, realizamos uma versão mesial e uma versão distal. São importantes o estudo da anatomia radicular e a extensão da lesão, dando especial atenção: a) ao comprimento radicular e à relação coroaraiz; b) ao nível da obturação do canal; c) aos retentores intrarradiculares; d) à relação da raiz com o canal mandibular, com o seio maxilar, com o nervo dentário inferior e com as fossais nasais; e) à localização da lesão; f) às fraturas e microfraturas (Fig. 18-5);
Figura 18-5. Dente acometido por fratura radicular, o qual tinha sido previamente submetido a tratamento, retratamento e cirurgia.
g) às lesões associadas a canais laterais e acessórios; h) às lesões periodontais; i) às reabsorções externas ou internas. • TOMOGRAFIA CONE-BEAM: Permite avaliação tridimensional mediante cortes longitudinais e axiais da lesão, do dente vizinho, dos limites anatômicos, da espessura e qualidade do osso. B) Avaliação periodontal: • Índice de placa de Silness e Loe60. • Índice gengival de Loe35. • Profundidade de sondagem mesial-vestibulardistal-lingual. • Nível de inserção. • Índice de mobilidade de Fleszar et al.21. • Palpação do movimento radicular. A sonda periodontal é um instrumento essencial para: 1. Determinar o tipo de retalho (intrassulcular ou parassulcular). 2. Avaliar o local de incisão (sondagem sem anestesia). 3. Avaliar a altura óssea (sondagem com anestesia).
2 – Anestesia Em cirurgia perirradicular, o objetivo da anestesia é duplo: anestesia e hemostasia. Portanto, se escolhemos uma anestesia de bloqueio, devemos realizar também uma infiltração local com elevado conteúdo de epinefrina (1:80.000 – 1:50.000). Uma anestesia profunda do sítio cirúrgico é essencial para o conforto do paciente e para eficiência do cirurgião. Uma dose suficiente de vasoconstritor produz uma adequada hemostasia, que permite uma simplificação da cirurgia e um tempo cirúrgico reduzido para a intervenção. A dúvida de alguns cirurgiões no uso de epinefrina, especialmente nos pacientes com riscos cardiovasculares, deverá ser superada levando-se em conta as vantagens supracitadas. Devemos, no entanto, considerar os eventuais efeitos sistêmicos do vasoconstritor, que injetado na mucosa não produz riscos potenciais, mas injetado na corrente sanguínea em doses altas pode produzir danos graves. Deve, portanto, ser usada sempre uma seringa com aspiração. Para se obter uma boa vasoconstrição é aconselhado o uso de uma concentração de 1:50.000, com o cuidado de fazer a infiltração pelo menos 10 minutos antes da intervenção. Maxila: na tuberosidade, para o nervo alveolar superior posterior; no forame palatino maior (palatino posterior), para o nervo palatino; no forame inci-
Cirurgia Perirradicular
sivo (palatino anterior), para o nervo nasopalatino; no forame infraorbitário, para o nervo alveolar superior anterior e médio. Mandíbula: no forame mandibular (espinha de Spix), para o nervo alveolar inferior, lingual e bucal; no forame mentoniano, para o nervo mentoniano e incisivo.
3 – Retalho Incisão Devem ser consideradas uma componente horizontal e uma ou duas verticais. Os critérios gerais para o desenho do retalho são amplitude e estética. A amplitude está ligada à extensão da lesão e à anatomia do local: nervos, vasos, inserções musculares, eminências e depressões das paredes ósseas, assim como a espessura dos tecidos moles. A estética está ligada à visibilidade do dente a operar: anterior, posterior, superior e inferior; ao potencial de regeneração: espessura dos tecidos moles e lesões periodontais concomitantes, suspeita de deiscência óssea ou de fraturas radiculares. O uso do microscópio é limitado nos casos em que é necessário eliminar dúvidas ou executar passos técnicos muito difíceis; em alguns casos, a necessidade de ter um campo visual amplo limita o aumento ideal a 6-8×. A realização de um retalho dividido necessita de aumento e iluminação; assim também nos casos de avaliação da espessura dos tecidos moles ou de incisões vizinhas a estruturas nervosas ou vasculares importantes. A componente horizontal pode ser intrassulcular ou parassulcular (ou submarginal); a avaliação é operatória e estética (Fig. 18-6). Geralmente, prefere-se incisar o sulco com a intenção de criar um leito receptor na papila, deixando o tecido e também fibras e vascularização.
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A incisão ou as incisões verticais devem ser rigorosamente verticais para passar através das fibras musculares, tentando não seccioná-las, o que pode ser visualizado levantando o lábio e avaliando o percurso das fibras e a presença dos vasos superficiais. Na maxila, a incisão vertical é realizada o mais posteriormente possível para os dentes anteriores e o mais anteriormente possível para os posteriores. Como regra, prefere-se levá-la posteriormente à fossa canina, sempre avaliando a extensão da lesão e a espessura do tecido. Em alguns casos, apresenta-se a possibilidade de se fazer uma primeira incisão e avaliar a situação antes de se fazer a segunda, que transforma o desenho, não permitindo que ele seja modificado. Na mandíbula, a presença do forame e do nervo dentário inferior indica a zona da sínfise mentoniana para a primeira incisão vertical para os dentes anteriores; em alguns casos, a incisão vertical deve ser retalho total na gengiva inserida e retalho dividido nas zonas críticas. A segunda incisão vertical é realizada posteriormente ao forame mentoniano (Fig. 18-7). Antes de estabelecer o local da incisão horizontal deve-se fazer uma
A
B
Figura 18-6. Incisão parassulcular (ou submarginal).
Figura 18-7A. Forame mentoniano e nervo mentoniano (cadáver). B. Ramos terminais do nervo mentoniano (cadáver).
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Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
detalhada sondagem periodontal e se avaliar atentamente a quantidade de gengiva inserida. As lesões periodontais e a escassez de gengiva inserida são contraindicações para uma incisão parassulcular. Na maxila, na vertente palatina, a incisão horizontal é sempre intrassulcular, assim como para as incisões verticais deve-se levar em conta a vascularização e, em particular, o calibre e o percurso da artéria palatina e dos seus ramos. A incisão vertical deve ter o traçado planejado, o posterior deve ser curto e distal ao primeiro molar. A forma do palato é importante para estabelecer uma correta avaliação do desenho. Na cirurgia da raiz palatina temos que avaliar também a possibilidade de fazer a intervenção via vestibular, de acordo com o seguinte critério: • comprometimento, também, de pelo menos alguma raiz vestibular; • dilaceração das raízes; • proximidade do seio maxilar; • comprimento da raiz a operar; • tamanho da lesão. Desenho do retalho: • uma incisão vertical: retalho triangular; • duas incisões verticais: retalho retangular. As incisões verticais são mais longas em microcirurgia, com o objetivo de permitir um descolamento e uma retração sem tensão e sem interferência com o trajeto da luz. Alguns instrumentos ultrassônicos se apresentam como alternativa aos instrumentos cirúrgicos clássicos. Bisturi ultrassônico: É um suporte para lâmina de bisturi adaptado numa ponta ultrassônica. Isso permite que ele vibre 30.000 vezes por segundo e irrigue a lâmina e o retalho, o que evita o aquecimento da parte ativa e banha o retalho, formando uma delgada camada de água sobre a área incisada, impedindo que a hemorragia interfira na visão do retalho, e melhorando o campo de trabalho. Esse bisturi pode ser utilizado nas incisões relaxantes verticais e no descolamento das papilas e incisões horizontais. A vibração ultrassônica permite fazer um corte mais eficiente com uma pressão menor sobre o retalho, o que libera a mão para um traço mais preciso e realiza uma incisão nítida e eficaz, cortando o periósteo.
Descolamento do retalho Usamos instrumento destaca-periósteo de pequenas dimensões para seguir melhor as saliências e de-
pressões ósseas. Essa fase, como a precedente, deve ser feita com pouco aumento, devido à necessidade de um campo visual amplo. Essa é uma fase extremamente importante, porque um retalho corretamente descolado pode ser reposicionado facilmente e sua recuperação é melhor e mais rápida. O retalho total se realiza com decisão sobre o osso e deve cortar o periósteo. Isso evita lacerações. Não devem ser feitos ângulos agudos, e o traço da incisão deve ser arredondado. A parte ativa do destaca-periósteo deve ser curva para as superfícies curvas e reta para as superfícies planas, devendo também ser cortante e de secção adequada às características do local. O descolamento deve ser iniciado no ponto mais favorável e levado adiante, progressivamente, sobre toda a superfície do retalho. O controle do sangramento inclui a necessidade de se fecharem eventuais pequenos vasos presentes nos tecidos moles, controle esse podendo ser feito com ligaduras, coagulação e compressão. Destaca-periósteo ultrassônico: Da mesma forma que o bisturi, ele vibra de acordo com o aparelho de ultrassom aproximadamente 30.000 vezes por segundo (30KHz) e irriga a parte ativa ao mesmo tempo. A parte ativa deve ser afiada, como nos instrumentos de Molt ou similares. O gume permite um descolamento do retalho com um corte nítido das fibras de Sharpey, que unem o periósteo ao osso, evitando que elas sejam esgarçadas. A irrigação lava a hemorragia, permitindo uma visão clara sobre a área de descolamento e um melhor controle da superfície óssea, ajudando na eficácia do procedimento. Esse tratamento minimamente invasivo do retalho diminui o trauma, melhorando a cicatrização e ajudando a regeneração óssea.
Afastamento do retalho Os afastadores devem se adaptar ao contorno ósseo, não devem escorregar, nem interferir com a entrada do microscópio na área operatória. Por esse motivo, devem conter uma parte terminal que tenha um contato estável com o osso, sobre o qual possam ser criados pequenos degraus, depressões ou sulcos para a ancoragem do afastador. Também a largura deve ser suficiente para separar o lábio e mantê-lo afastado passivamente, criando um acesso adequado e estável às estruturas subjacentes. Cinzel ultrassônico: Richman55, em 1957, foi o primeiro a falar de um cinzel ultrassônico, mas naquela época o que mais se valorizava na cirurgia apical era o tempo empregado na cirurgia e não a rege-
Cirurgia Perirradicular
neração óssea. As discussões sobre as vantagens entre cinzel e brocas começam com Mc Fall36, em 1961, que mostra a produção de resíduos, aquecimento e trauma, a ineficiência e a contaminação da área cirúrgica pelo instrumental rotatório. Frequentemente, as brocas dificultam o controle efetivo do corte do osso, resultando numa osteotomia inadequada e descontrolada e, também, na possibilidade de dano aos tecidos moles. Em 1965, Horton27 investiga os efeitos da ação de um cinzel como método para a remoção cirúrgica de osso. Os cortes histológicos mostram que nas áreas osteotomizadas com cinzel ultrassônico a atividade osteoclástica estava marcadamente reduzida 7 dias após a cirurgia, quando comparado com a osteotomia realizada com brocas. A formação de osso novo nas áreas foi mais avançada, evidenciada pela quantidade e maturidade da organização. Os defeitos criados com cinzel ultrassônico mostraram em duas semanas aumento de osteoblastos e de formação óssea. As diferenças histológicas observadas entre brocas e cinzel ultrassônico mostram que a utilização daquelas produz um aumento da margem de morte de osteócitos. No interior do defeito produzido, o componente fibrovascular persiste mais com o uso desses instrumentos e há um atraso nas respostas osteoclástica e osteoblástica. Essas observações histológicas estão de acordo com outros estudos feitos sob as mesmas condições (baixa velocidade e irrigação abundante) por Moss40, Spatz64 e Boyne6. Acreditamos que é um desperdício cortar osso com broca, sabendo das propriedades que esses fragmentos de osso podem induzir na regeneração. Pensando nisso, desenhamos um novo cinzel cirúrgico para fazer osteotomia em cirurgia perirradicular, que pode ser utilizado na desinclusão de dentes impactados e, também, nos casos que necessitam de osteotomia restrita com precisão, como em osteoplastia periodontal. Esse cinzel é acoplado a uma unidade de ultrassom, e seu desenho, com uma pequena curvatura na haste, permite ver ao microscópio o detalhe durante o corte dos fragmentos ósseos e coletá-los durante a osteotomia. Esses fragmentos podem ser acondicionados num pote dappen com soro fisiológico na mesa cirúrgica durante a apicectomia, retropreparo e retro-obturação, e, após esses passos, utilizados com o sulfato de cálcio para a regeneração óssea da área cirúrgica. O nosso cinzel se alinha com a filosofia minimamente invasiva e reduz o custo do material de enxerto (osso autólogo), provendo o cirurgião do melhor material de enxerto a custo zero.
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4 – Osteotomia A osteotomia pode ser realizada por corte com abertura de uma janela óssea ou por desgaste com fresas apropriadas, descobrindo e delimitando o terço apical. O aumento no microscópio adequado para essa fase é de 10-12×. Nos casos de maior espessura óssea, pode ser oportuno se criar uma janela óssea antes da localização do terço apical para diminuir a distância da raiz e, então, seguir as fases do terço apical. Essa é a verdadeira indicação da técnica mista – cinzel + fresa –, que encontra particular aplicação nos primeiros e segundos molares inferiores. A osteotomia pode ser: • Guiada: quando a lesão desgasta a cortical óssea e se põe em comunicação com a parte externa. Nesse caso, a localização é simples e se cria um acesso correto para poder continuar com as manobras sucessivas. • Não guiada: se há integridade óssea e, uma vez localizado o terço apical, a osteotomia pode ser efetuada com broca, com cinzel ou ambos. a) Técnica operatória. Uma vez explorada a superfície (8×) e sondada com curetas e com microespelhos qualquer possível comunicação, localiza-se o ápice com as coordenadas (osteotomia não guiada) e avaliam-se: • a espessura do osso; • a presença de formações anatômicas; • o tamanho da lesão; • a necessidade de enxerto de osso autólogo. É oportuno traçar duas coordenadas ideais: • uma horizontal, que liga os ápices do dente operado e de um ou dois dentes proximais; • uma vertical, que prolonga o eixo da raiz do dente a ser tratado. O comprimento presumido da raiz é determinado pela medida média do dente + o comprimento medido na radiografia dividido por 2. Comprimento médio = 22mm Comprimento Rx = 23mm
}
= 22,5mm
A preparação do acesso ao ápice se realiza com: • fresa esférica • fresa diamantada de granulação fina • fresa de acabamento
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Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
• cinzel reto • cinzel curvo A razão de aumento vai de 8× a 12×; raramente pode ser oportuno levá-lo a 16×. É necessário ter um campo visual amplo que permita uma boa orientação operatória. A localização do ápice e a osteotomia são duas fases estritamente conexas e comumente contemporâneas. A osteotomia pode ser dividida em: • • • • •
acesso ao terço apical; evidenciação do terço apical; forma de acesso; forma de conveniência para o melhor acesso; orientação visual (para os dentes posteriores).
O uso do microscópio permite, portanto, uma maior facilidade e precisão na identificação e na preparação da osteotomia apical. Na osteotomia guiada pode ser mais indicado o uso de brocas, devido à maior espessura óssea em que pode ser aberta uma janela. Essa técnica permite um acesso mais breve ao ápice e uma eventual retirada de osso. Na osteotomia não guiada, a integridade da parede óssea e a necessidade de não danificar a superfície radicular sugerem o uso do cinzel. No caso de grandes lesões subjacentes, o instrumental de mão permite uma clivagem fácil e uma remoção mais conveniente e funcional de lesões encapsuladas. O acabamento da cavidade de acesso pode ser habitualmente executado com brocas diamantadas de granulação média.
5 – Apicectomia É uma fase delicada em que se necessita de uma atenta avaliação e representa a premissa importante para um prognóstico favorável. Que parte da raiz será seccionada? A premissa anatômica é de que os 3mm apicais constituem a zona crítica da terapia endodôntica pela presença dos canais laterais. Isso, no entanto, não pode ser tomado como um valor absoluto para afirmar que vamos cortar pelo menos 3mm da raiz. Existem muitos fatores que devemos levar em conta, como, por exemplo: a) Limite apical da obturação do canal. A obturação retrógrada não pode ser adaptada de modo a promover um selamento efetivo sobre uma parte do
canal vazio contaminado por bactérias. Após a ressecção e preparo da cavidade retrógrada devemos chegar ao canal limpo e obturado. Por exemplo, se temos um canal obturado até 6mm aquém do forame, 3mm são seccionados e 3mm podem ser obturados. b) Relação coroa-raiz. Para manter a função do elemento singular, a relação coroa-raiz deve ser > que 1 a favor da raiz. Em dentes esplintados, a relação pode ser menor. c) Anatomia do sistema de canais radiculares. Diferentes limites de corte correspondem a uma anatomia diferente. Por isso, devemos levar em conta que a preparação da cavidade para obturação retrógrada deve ter as características o mais possível favoráveis. Portanto, deve ser levada à altura na qual a anatomia do sistema endodôntico seja funcional, segura e idônea. No caso de um canal lateral ou de uma microfratura, bastará aprofundar o corte de 0,5 a 1mm para melhorar a situação. Deltas apicais, os quais podem conter bactérias persistentes, são geralmente incluídos no corte (Fig. 18-8). d) Presença de pinos ou parafusos. A obturação não pode ser feita em contato com retentores intrarradiculares. Isso significa que, se temos um pino a 1mm do ápice, existe uma contraindicação absoluta para uma cirurgia de ápice. Se a distância é de 4-5mm, a obturação e, como conseqüência, a ressecção devem permitir uma distância da ponta do pino de pelo menos 1mm. A idéia de reduzir o pino por meio do acesso do ápice cortado é pura ilusão. O ápice pode ser cortado de várias maneiras: • com baixa rotação • com alta rotação A apicectomia pode ser realizada em um tempo ou em dois. O ângulo de corte final não deve ser superior a 10°. Podemos cortar 1 ou 2mm e retificar o corte depois da avaliação microscópica da superfície de corte. Tal procedimento pode ser realizado com alta rotação ou com peça de mão reta a baixa velocidade, segundo as condições anatômicas. A irrigação deve ser feita com solução fisiológica estéril, evitando o aquecimento da broca e do dente. Quando temos uma espessura de osso ou uma distância maior da cortical vestibular (por exemplo, da raiz palatina), é importante se usar a peça de mão reta para uma visibilidade adequada e um acesso correto.
Cirurgia Perirradicular
A
B
Figura 18-8. Dentes diafanizados (A e B) mostrando anatomia apical complexa que pode abrigar micro-organismos e, por isso deve ser englobada na ressecção cirúrgica. (Gentileza do Dr. L. Giardino.)
Habitualmente se utiliza a turbina Impact-Air 45 TM, desenhada especialmente para cirurgia, direcionando o aerossol residual de ar para fora da cavidade óssea. Na ressecção devemos avaliar: • • • •
altura de 2-3mm; inclinação do corte de menos de 10°; ressecção total da raiz em multirradiculares; regularidade da superfície de corte.
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melhor e facilita a inserção dos instrumentos. Às vezes é necessário aumentar a osteotomia para lidar com casos de acesso difícil. Se o tecido se lacera, é importante ser o mais preciso e cuidadoso possível na extirpação de todos os fragmentos, mas sem correr riscos desnecessários em relação aos dentes vizinhos ou sobre vasos e nervos próximos. Se a lesão é de origem endodôntica, o selamento do canal radicular ajuda a promover a cura da lesão. Certamente, o diagnóstico histológico (biópsia) é indicado para confirmar a origem endodôntica. Nessa fase pode ser necessário usar um aumento de 12×, seja para avaliar a osteotomia ou para o controle da limpeza da parede óssea. A escolha dos instrumentos depende em parte do tamanho da lesão e, por outro lado, de sua aderência ao dente. Curetas de Lucas ou tipo colher são indicadas para grandes lesões, encapsuladas, com necessidade de um plano de clivagem óssea amplo. A curvatura gradual da cureta Columbia 13-14 permite o acesso à superfície lingual, enquanto o scaler Jacquette 34-35 permite a remoção do tecido localizado por trás da parede óssea e da superfície radicular. Curetas ultrassônicas: um dos procedimentos mais cansativos e trabalhosos durante a cirurgia perirradicular é a curetagem. Esse procedimento dispendioso em tempo, energia e trabalho, às vezes cansativo e dificultoso, provoca desgaste e cansaço no cirurgião, podendo ser abreviado pela curetagem mais efetiva e rápida realizada com as curetas ultrassônicas. Essas curetas acopladas à base de insertos ultrassônicos microvibram e permitem a irrigação da área de curetagem, permitindo uma visão clara com o microscópio do detalhe da área curetada. Nos casos de aderências e bridas nos tecidos a serem curetados, a visibilidade do campo curetado e a eficiência da curetagem, somadas à precisão e proteção de injúrias nos tecidos adjacentes (vasos e nervos), permitem mais ergonomia com menos esforço.
7 – Biópsia Essa fase está estritamente relacionada com a curetagem, porque a retirada do tecido é muito ligada ao corte do ápice e à enucleação da lesão. A confirmação da origem endodôntica da lesão é efetuada histopatologicamente. A identificação bacteriana pode ser necessária para diagnósticos difíceis, tais como actinomicose perirradicular.
6 – Curetagem perirradicular
8 – Descontaminação
O momento mais apropriado para a curetagem é após a ressecção apical, porque ela permite uma visão
Deve ser feita tanto na cripta óssea como sobre a superfície radicular exposta ou inclusive na lesão. A
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Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
superfície radicular deve ser examinada a 12×-16× para avaliar a presença de eventuais crateras, reabsorções, depósitos de tártaro e biofilme. A cavidade pode ser irrigada com tetraciclina, preferencialmente em solução de 250mg por 5mL de solução fisiológica a 37oC.
Características da tetraciclina • poder bactericida (em elevadas concentrações); • poder anti-inflamatório; • substantividade (poder de se ligar à superfície radicular e de liberar substância ativa durante um determinado tempo); • promoção da adesão dos fibroblastos; • depressão da atividade osteoclástica.
9 – Hemostasia É uma fase importante, porque condiciona a execução da obturação retrógrada, que será tanto mais homogênea, quanto mais o operador consiga controlar o sangramento e a infiltração de fluidos. A concentração de vasoconstritor no anestésico deve ser elevada (1:50.000). Embora o efeito sistêmico seja mínimo (aceleração do pulso e leve aumento da pressão), há estudos que demonstram que uma dose elevada de epinefrina corresponde a elevados níveis plasmáticos68. Em cardiopatas, um cardiologista deve ser consultado. O controle do sangramento na cripta óssea, depois da ressecção apical e da curetagem, pode ser feito com:
fície de corte da raiz, uma vez endurecido o cimento. Assim, obtemos uma superfície seca e uma excelente hemostasia para as sucessivas fases técnicas operatórias. Em caso de perfuração da mucosa do seio maxilar, o material pode ser empurrado também dentro do seio, impedindo a comunicação, porque além da total biocompatibilidade é bem tolerado pela mucosa e não produz inflamação.
10 – Avaliação da superfície seccionada Pintamos com azul de metileno a 2% e lavamos com solução fisiológica. Avaliamos depois, por meio do microscópio operatório e com microespelhos, sob aumento de 12× a 26×. A observação da superfície cortada deverá estar concentrada nos seguintes aspectos (Fig. 18-9):
A
• agentes mecânicos: cera óssea. • agentes químicos: sulfato férrico. • agentes reabsorvíveis: sulfato de cálcio (Surgiplaster P 30, GHIMAS, Casalecchio di Reno, Bolonha, Itália). O sulfato de cálcio em forma de cimento (Surgiplaster P30) é comprimido na cavidade e, além de hemostático, atua como isolante da contaminação por fluidos do material de obturação, além de permitir uma remoção simples dos fragmentos de material obturador que não se acondicionarem ao retropreparo. Esse último sistema, sem efeitos colaterais (toxicidade, discromia, vasoconstrição prolongada) parece ser o mais simples, rápido e eficaz. O sulfato, sob forma de pó, é manipulado com consistência cremosa, sendo colocado em camadas e comprimido com quadradinhos de gaze esterilizada (trançada, não tecida), no defeito ósseo. Com um escavador, limpamos a super-
B
Figura 18-9. Inspeção da superfície seccionada para diferentes parâmetros (ver texto).
Cirurgia Perirradicular
• • • • • • • •
qualidade da obturação do canal; anatomia do sistema de canais radiculares; canais não tratados; microfraturas; canais laterais; presença de istmos; presença de retentores intrarradiculares; totalidade da ressecção apical.
Eventualmente pode ser necessária, especialmente para avaliação das fraturas, a técnica da transiluminação, com uma fonte luminosa inserida dentro da boca. Às vezes, a superfície cortada deve ser lavada com soro fisiológico para melhorar a visibilidade e ser sondada sob visão do microespelho. Devemos começar com um aumento baixo (12×) e vamos aumentando
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gradualmente quando aparecerem dúvidas ou necessidades de evidenciar algum detalhe. As condições para uma avaliação correta da superfície de corte podem, portanto, ser assim resumidas: • • • •
corte correto pela totalidade e pela inclinação; possibilidade de realizar outros cortes; isolamento total de fluidos; evidenciamento com azul de metileno ou transiluminação; • microinstrumentos adequados para a sondagem da superfície.
11 – Preparo da cavidade retrógrada A análise da literatura e dos dados clínicos e experimentais mostra alguns princípios básicos que devem guiar o operador (Figs. 18-10 e 18-11):
Figura 18-10. Cavidades retrógradas preparadas com ultrassom.
Figura 18-11. Retropreparo com ponta diamantada.
752 • • • • •
Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
incluir todo o forame apical; ser de secção reduzida; ter uma profundidade de pelo menos 3mm; estar limpa; incluir um eventual istmo.
Essas características podem ser realizadas com o uso do microscópio e do ultrassom, sendo que esse último permite uma série de vantagens: • • • • • • •
melhor acesso; preparo conservador; extrema simplicidade e rapidez de execução; preparo sem detritos e de paredes paralelas; preparo do istmo; menos estresse para o operador e mais segurança; melhores resultados com o tempo.
No que concerne à profundidade da obturação, a maioria dos estudos tem demonstrado que com cavidades de 3mm há uma infiltração mínima e uma equivalência entre os vários materiais. Com cavidades de profundidade de 1mm, a infiltração é maior e, geralmente, ficam evidenciadas sensíveis diferenças entre os materiais. Outro ponto importante na escolha do material obturador é que ele não deve se solubilizar na presença de umidade, deve ser de fácil inserção e ser biocompatível com os tecidos perirradiculares. Segundo Tanomaru-Filho et al.66, diversos materiais apresentam resultados histológicos similares quando comparados em condições ideais, embora possam apresentar diferenças significativas em testes in vitro. Uma das mais frequentes causas de insucesso da cirurgia perirradicular é a presença de resíduos de obturações de canais ou de substâncias contaminantes na parede vestibular da cavidade. Esse fato torna bastante relevante o controle da limpeza e da adequação das paredes da cavidade por meio de microespelhos. O uso de pontas com curvatura adequada (Back Action Ultrasonic Tip) e um correto uso dos compactadores para a devida compactação dos resíduos de guta-percha no assoalho da cavidade, com iluminação e aumento adequados, permitem obter as melhores condições para uma obturação retrógrada compacta. Para tanto, devem ser considerados os seguintes fatores: • a limpeza da parede; • a ausência de sangramento; • o fundo da cavidade;
• a regularidade das margens e o paralelismo das paredes; • a preparação completa; • a ausência de microfraturas. O controle é realizado com grandes aumentos 20×-30×, com o auxílio de microespelhos, sem os quais no passado era impossível a avaliação da limpeza da cavidade. Eles estão disponíveis em várias formas, tamanhos e qualidades, entram facilmente na cripta óssea e permitem uma boa visão dentro da cavidade quando usados com uma inclinação de 45°.
Instrumentos ultrassônicos de retropreparo O recente desenvolvimento de novos instrumentos e técnicas vem melhorando o resultado das cirurgias perirradiculares de apicectomia com retro-obturação. Como o resultado da cirurgia depende muito de boa obturação e do selamento da cavidade, um ótimo preparo do local é requisito essencial para uma obturação adequada depois da apicectomia9,65,70. As pontas ultrassônicas para retropreparo apical são atribuídas a Bertrand4. Em 1987, Flath e Hicks20 reportaram o uso de pontas sônicas e ultrassônicas. As pontas ultrassônicas revolucionaram a terapia cirúrgica perirradicular, melhorando os procedimentos ao permitirem um melhor acesso ao canal apical, o que resulta num melhor retropreparo32,71. Essas pontas vêm com diferentes ângulos, comprimentos, diâmetros, e acabamentos, o que permite trabalhar melhor e ser mais eficiente, quando se escolhe a ponta certa8,29,55. Uma das vantagens mais importantes é a de poder trabalhar com uma osteotomia menor. Isso permite ser minimamente invasivo na osteotomia durante os procedimentos, já que a escolha da ponta certa permite um espaço de trabalho pequeno39. As pontas permitem uma cavidade mais profunda, preparando o local originalmente ocupado pela polpa apical, conservando maior quantidade de dentina nas bordas da cavidade25,31,74, e, como se sabe, uma cavidade mais centrada afasta o risco de fratura e de perfuração lateral1,34. A geometria das pontas não requer bisel para acesso ao canal71, reduzindo assim a superfície de dentina cortada e diminuindo dessa forma o número de canalículos dentinários expostos. Essas pontas também permitem a remoção do istmo, quando ele está presente entre dois canais na mesma raiz19,34,72,75, evitando fracassos71 (Fig. 18-10).
Cirurgia Perirradicular
O refinamento das margens da cavidade, obtido com as pontas de ultrassom, facilita a obturação, permite levar melhor o material retro-obturador e condensá-lo, melhorando o selamento9,41,58,65. Existem controvérsias sobre a produção de fraturas, sobre o tempo de utilização, o diâmetro da ponta e a amplitude de vibração do aparelho. Khabaz31 diz que as pontas lisas produzem mais fraturas que as pontas com diamante. A influência de microfraturas69 é compensada em parte pela reabsorção remodeladora pós-cirúrgica, que pode eliminar os defeitos de superfície e contribuir com o sucesso da cirurgia26. Esses defeitos podem ser eliminados por acabamento e obturação20. Estudos reportam excelentes taxas de sucesso quando são utilizados microscópio e pontas ultrassônicas, considerados atualmente como fundamentais em cirurgia perirradicular67. Alguns autores recomendam potência ultrassônica média ou mínima e cavidades de 3mm de profundidade para haver uma boa compactação e assegurar o selamento39. A cavidade ideal deve ser de paredes paralelas, ocupando o espaço pulpar apical8,29. Alguns autores preconizam iniciar a cavidade com a ponta coberta com diamante, e, uma vez obtida a profundidade, alisar as paredes com pontas de aço polidas75. A ponta pode servir para colocar o material na cavidade e vibrá-lo para aumentar a adaptação às paredes e ao fundo, melhorando a obturação33. Também pode ser utilizada para o polimento da superfície apical, eliminando bactérias que poderiam ser responsáveis por infecção persistente61,62.
12 – Verificação e controle da cavidade retrógrada Nunca é demais repetir que devemos prestar atenção especial à parede vestibular do preparo, verificando com microespelho a limpeza da cavidade. A observação microscópica de centenas de casos de insucesso mostrou a presença de materiais de obturação ou detritos na parede vestibular coronariamente à superfície de corte. Depois dessas observações podemos concluir que muitos desses insucessos aconteceram por um preparo incompleto ou pela obturação defeituosa da parede vestibular da preparação apical. Mesmo que muitos sustentem a impossibilidade de perfuração com o uso do ultrassom, tem havido muitos casos por erro de posicionamento da ponta. São importantes um detalhado controle pré-operatório e o uso do ultrassom na potência média. Em
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caso de perfuração pode-se cortar um pouco mais de raiz no local da perfuração (se a relação coroa-raiz o permite) ou mesmo fazer uma obturação detalhada com um prévio controle de sangramento. O controle visual deve ser acurado e eventualmente integrado com o controle radiológico, especialmente no caso de canais com obturações defeituosas ou com presença de retentores intrarradiculares. No primeiro caso, não devem permanecer espaços vazios; deve-se aprofundar o preparo, seccionar mais o ápice, ou ainda limpar e obturar com material bacteriostático não reabsorvível a parte vazia do canal. No segundo caso, se o retentor intracanal está perto do fundo da cavidade retrógrada, é importante remover pelo menos 1mm de cimento em volta do pino e descontaminar a área com solução de tetraciclina antes da obturação retrógrada. Margens irregulares apresentam dificuldade de obturação e aumentam o espaço entre a parede e o material de obturação. Por isso, é importante uma parede lisa para se obter uma correta vedação. Deve ser considerado também que uma parede irregular apresenta uma superfície maior. O paralelismo das paredes é importante para a retenção da obturação, especialmente para os materiais que têm um tempo de endurecimento longo (MTA – agregado de trióxido mineral). Todas as portas de saída do sistema de canais devem estar incluídas na preparação. Habitualmente, é difícil avaliar a presença de istmo, e é de bom alvitre, na dúvida, fazer o preparo. Isso vale também para a presença de pequenas depressões, de microfraturas e de suspeita de canais laterais durante a observação da superfície do corte. Pode ser usado também maior aumento, lavar com solução fisiológica a superfície ou usar transiluminação. Nos casos de superfície radicular exposta é necessária uma avaliação extremamente detalhada na busca de microfraturas. Deve ser reavaliada a radiografia inicial na busca de radiolucidez lateral na raiz e testar a oclusão do paciente em uma espátula de madeira (prova de mordida). A fase de secagem da cavidade é realizada tanto antes do controle final da cavidade, como também antes da aplicação do material de obturação. A obtenção de uma superfície seca é útil para uma visão melhor da cavidade e para uma perfeita adaptação da obturação às superfícies. O irrigador de Stropko, uma agulha de ponta cega, não cortante, que está adaptada a uma seringa tríplice de baixa pressão (4 libras por polegada), é um
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Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
instrumento útil para levar água e ar na cavidade, à qual se adapta muito bem. Muitos materiais de retro-obturação proporcionam um bom selamento, mesmo na presença de umidade; entretanto, a melhor adaptação se consegue com uma cavidade seca. É impossível ter um bom controle da cavidade na presença de secreções, e com o microscópio operatório e com os microespelhos podemos conseguir uma correta observação da cavidade seca. Portanto, depois de uma última lavagem com tetraciclina usando aumentos de 10× a 16× podemos obter uma secagem eficiente com o irrigador de Stropko, o qual permite uma lavagem e secagem melhor e mais rápida que os cones de papel.
13 – Obturação retrógrada Selecionamos os instrumentos adequados, provando-os dentro da cavidade, enquanto o assistente prepara o material de obturação. As várias fases podem ser assim resumidas: • • • • • • •
Seleção do material. Preparação do material. Adaptação do material na cavidade. Compactação. Modelagem da superfície. Acabamento da superfície. Controle visual e radiográfico.
As características ideais do material de retro-obturação são: • Ser bem tolerado pelos tecidos perirradiculares. • Ser bactericida ou bacteriostático. • Prover um selamento adequado mesmo em ambiente úmido. • Ser de fácil manipulação. • Ter estabilidade dimensional. • Não provocar alterações de cor nos tecidos. • Não ser solúvel com o tempo. • Promover a cementogênese. • Ser radiopaco. O material é compactado com um microcompactador, que, em cada caso, é primeiramente experimentado na cavidade. O cone do material é compactado contra o fundo da cavidade, e o compactador é retirado comprimindo contra a parede vestibular. As porções seguintes encontram assim um espaço adequado sucessivamente. Dessa forma evitaremos falhas na ob-
turação, que é realizada com um ligeiro excesso, e a compactação final é finalizada com brunidor de diâmetro superior à cavidade, passado alternativamente nas bordas (Fig. 18-12). O material excedente é removido com um escavador de secção maior ou com uma cureta Columbia 13-14. Quando é utilizado MTA, após a remoção do excesso podemos cobrir o material com sulfato de cálcio, que protege o material durante o tempo de presa final e mantém um pH favorável à deposição do cemento sobre a superfície de corte, durante o tempo em que é reabsorvido. O conceito de selamento é ligado, em cirurgia endodôntica, à capacidade de impedir a passagem de bactérias ou produtos bacterianos do sistema de canais radiculares para os tecidos perirradiculares. Sabemos que o cemento é uma barreira natural; portanto, a deposição do cemento sobre a superfície do corte seria a situação ideal. Entretanto, os estudos têm demonstrado que existe uma dupla infiltração via apical por meio dos túbulos dentinários e do espaço entre a parede dentinária e o material de retro-obturação. Entre os numerosos materiais de retro-obturação podemos indicar o SuperSeal (um cimento similar ao Super-EBA, uma associação de óxido de zinco com ácido etoxibenzoico), com um tempo de trabalho maior. Esse material é biocompatível, não reabsorvível, radiopaco, tem uma excelente adaptação tridimensional e não produz descoloração nos tecidos vizinhos (tatuagem). SuperSeal é simples de preparar e de levar na cavidade, o tempo de trabalho é suficientemente longo, sendo adequado às necessidades operatórias. É apresentado em cápsulas monodose e a relação ideal é de duas cápsulas por gota de líquido. A espatulação deve ser realizada incorporando lentamente o pó ao líquido, para produzir uma saturação progressiva e produzir uma consistência compacta, similar a uma massa de vidraceiro, não pegajosa. O tempo de endurecimento é de cerca de 8 minutos. Uma vez espatulado, o material é levado à cavidade em forma de pequenos cones, com uma microespátula e condensado com microcondensadores. Depois de endurecido é feito o acabamento com brocas diamantadas com baixa rotação ou brocas multilaminadas e alta rotação, visualizando o procedimento com aumentos de 8× a 12×. Outro material interessante é o MTA, que se apresenta em pó e deve ser misturado com água destilada. O tempo de endurecimento é de 4 horas, podendo ser levado à cavidade com uma ponta de ultrassom, microespátula ou microporta-amálgama, que
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Figura 18-12. Aplicação do material retroobturador.
permite levar pequenas doses do material no interior da cavidade. Ele deve ser compactado, e o ultrassom permite o preenchimento da cavidade sem bolhas. A desvantagem desse material, além de seu longo tempo de presa, é sua consistência peculiar, que exige uma adaptação do profissional para dominar seu uso. Uma vez preenchida a cavidade, pode ser alisado com brunidor, e colocamos a proteção do capuz de sulfato de cálcio. O controle da obturação se realiza a 20×-25× com auxílio de microespelhos. Nesse momento é oportuna uma documentação fotográfica para arquivar na ficha do paciente ou enviar ao dentista referente.
14 – Avaliação da necessidade de GTR Para uma melhor finalização do tratamento é necessária a avaliação da oportunidade ou da necessidade de aplicar os princípios da GTR. A pergunta principal é: quanto é importante nesse caso ter uma reparação
por regeneração ou por cicatrização? Nesse ponto, a resposta está no tipo de lesão. Quando a lesão se restringe ao ápice, o tipo de cura não possui importância particular. Somente em lesões particularmente grandes pode se materializar a oportunidade de privilegiar a formação de osso e, então, de guiar a cura em tal sentido. Quando a lesão se estende à superfície radicular, não permitindo a ressecção de toda a porção de raiz comprometida, é necessário que sejam aplicados os princípios da GTR, com o objetivo de obter formação de cemento, ligamento e osso. Um material que tem suscitado extremo interesse e uma confirmação na clínica e nas pesquisas é o sulfato de cálcio. A técnica de aplicação é a “estratificação” (em camadas); o material é misturado com consistência cremosa, colocado em pequenas quantidades, e comprimido com pequenos quadradinhos de gaze trançada até preencher ligeiramente em excesso o defeito.
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Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
15 – Sutura A fase de sutura requer o uso do microscópio operatório. Nos casos de necessidade estética ou de suturas 6-0 pode ser útil um aumento de 2,5× a 8×. Para a remoção da sutura é importante um aumento adequado (6× a 8×), especialmente as microssuturas, com o uso de pinças e fórceps de microcirurgia, seja para controlar a remoção completa do fio, seja para evitar a laceração do tecido na remoção precoce (48 horas). A
16 – Controle radiográfico Em condições normais os controles são realizados a 1, 3, 6 e 12 meses. Nos casos de lesões mais extensas, eles se estendem por 2 a 3 anos. As radiografias devem ser realizadas com posicionadores.
Considerações gerais
B
Figura 18-13. Sulfato de cálcio preenchendo a loja cirúrgica. A. Reconstrução com Surgiplaster. B. Radiografia de controle pós-operatório mostrando o Surgiplaster em volta do ápice, preenchendo a lesão.
Nas grandes cavidades pode ser usado o Surgiplaster G 170 em grânulos, que apresenta uma extrema simplicidade no seu uso e uma grande previsibilidade nos resultados (Fig. 18-13). O sulfato de cálcio (Surgiplaster) possui algumas características que o tornaram popular e indispensável por aqueles que o têm experimentado nas várias situações clínicas: é osteocondutor; é totalmente reabsorvível; impede o crescimento bacteriano; mantém o espaço no defeito, impede a colonização da cavidade por células não osteogênicas (ação de barreira); • estimula o crescimento e a maturação do tecido ósseo; • estimula a neoangiogênese.
A vantagem maior na utilização do microscópio operatório é permitir tratar casos difíceis com maior confiança e simplicidade, além de permitir um prognóstico favorável em casos extremos. A pergunta mais importante é: com as técnicas microcirúrgicas temos um maior percentual de sucesso? A resposta vem fornecida por um estudo clínico de Rubinstein e Kim57 que revelou um percentual de sucesso de 96,8% com um tempo de cura médio de 7,2 meses nos controles de 1 ano. A grande experiência clínica, acumulada nos últimos anos, nos leva a coincidir com o pensamento de Rubinstein: “O elevado percentual de sucesso revelado nesse estudo deve ser atribuído às técnicas microcirúrgicas, muito mais que ao material de obturação utilizado.” As Figs. 18-14 a 18-16 são casos clínicos operados seguindo os princípios e técnicas descritos neste capítulo.
• • • •
A
B
Figura 18-14. Caso clínico. A. Radiografia pré-operatória. B. Controle de 12 meses.
Cirurgia Perirradicular
A
B
C
D
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Figura 18-15. Caso clínico. A. Radiografia pré-operatória. B. Osteotomia guiada por cone de guta-percha. C. Surgiplaster preenchendo a área da lesão. D. Controle de 12 meses.
A
B
C
Figura 18-16. Caso clínico. A. Radiografia pré-operatória. B. Surgiplaster na área da lesão. C. Controle de 12 meses. Notar pequenas áreas arredondadas mostrando a não regeneração da cortical palatina por defeito de técnica de regeneração.
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Capítulo 18 Cirurgia Perirradicular
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Emergências e Urgências em Endodontia
Capítulo
19
José Freitas Siqueira Jr. Isabela das Neves Rôças Hélio Pereira Lopes
Dentre as atribuições do cirurgião-dentista, uma das mais nobres e importantes se refere à promoção do alívio da dor do paciente. A dor de origem pulpar ou perirradicular corresponde a cerca de 90% dos casos de emergência em consultórios dentários38, sendo que, em muitas das vezes, a intervenção endodôntica se torna imprescindível para alívio imediato dos sintomas. As emergências endodônticas estão relacionadas com casos de dor e/ou tumefação que requerem diagnóstico e tratamento imediatos. O sucesso do tratamento emergencial, caracterizado pela remissão da sintomatologia, é gratificante para ambos, profissional e paciente, e contribui decisivamente para que a confiança do paciente seja conquistada. Todavia, o fracasso em debelar a dor resulta em frustração para ambos e comprometimento da relação profissional-paciente. O propósito deste capítulo é discutir os princípios e sugerir os procedimentos técnicos relacionados com o tratamento das urgências e, principalmente, das emergências de origem endodôntica. Opções de tratamento serão também apresentadas, levando-se em consideração possíveis limitações técnicas do profissional, tempo disponível para tratamento e dificuldades impostas pela anatomia dentária (por exemplo, canais curvos, atresiados, calcificados etc.).
EMERGÊNCIA VERSUS URGÊNCIA A diferenciação dessas duas condições propiciará ao profissional a melhor maneira de lidar com o pro-
blema do paciente, adequando-o, assim, a uma conveniência mútua. Enquanto a urgência não representa uma condição séria, que necessite de intervenção imediata, a emergência requer tratamento imediato para restabelecimento do conforto do paciente. Walton & Torabinejad42 propõem questionamentos que podem ser dirigidos ao paciente visando ao reconhecimento de uma emergência verdadeira: 1. Seu problema está interferindo em seu sono, na alimentação, no trabalho, na concentração e em outras atividades diárias? Uma emergência verdadeira rompe o equilíbrio do paciente e o impede de executar atividades rotineiras. 2. Há quanto tempo esse problema o aflige? Uma emergência verdadeira raramente dura mais do que 2 a 3 dias, que é o período normal do curso de uma resposta inflamatória aguda. 3. Você precisou tomar algum medicamento para aliviar a dor? Ele foi eficaz? Dificilmente o emprego de analgésicos alivia a dor associada a uma emergência verdadeira. Identificadas e diferenciadas essas duas condições, deve-se proceder da forma mais conveniente, que seria: tratamento imediato para as emergências, procurando encaixar o paciente no atendimento do dia e marcação de consulta para os casos de urgência, atendendo à conveniência tanto do paciente quanto
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Capítulo 19 Emergências e Urgências em Endodontia
do profissional (preferencialmente, o mais breve possível, pois determinados casos de urgência podem evoluir imprevisivelmente para uma emergência verdadeira se o tratamento necessário for por demais postergado).
DIAGNÓSTICO Um diagnóstico correto assume extrema relevância na resolução do problema, visto que propiciará a realização do tratamento adequado. Para chegar a um diagnóstico correto devem ser realizados sistematicamente os seguintes exames: a) Subjetivo: história médica e dental. b) Objetivo: exame clínico-visual, testes de vitalidade pulpar (térmico, elétrico, cavidade), testes perirradiculares (palpação e percussão), sondagem periodontal. c) Exame radiográfico.
TRATAMENTO Várias alterações pulpares e perirradiculares podem levar o paciente à procura de resolução do problema dor/tumefação. Determinadas condições não requerem intervenção endodôntica para alívio da sintomatologia. Essas geralmente representam quadros de urgência. Entretanto, a experiência clínica nos reporta que, na maioria das vezes, as verdadeiras emergências endodônticas requerem a intervenção no sistema de canais radiculares.
Dor de origem pulpar Princípios do tratamento A dor de origem pulpar pode ser resultado da estimulação de dois tipos de fibras nervosas sensoriais, oriundas do gânglio trigeminal: as fibras A-δ e as do tipo C. As fibras nervosas A-δ são mielínicas, com rápida velocidade de condução (de 6 a 30m/s), apresentam diâmetro variável entre 1 e 5µm e possuem um baixo limiar de excitabilidade20,39 (Quadro 19-1). Ao deixarem o plexo nervoso de Raschkow, localizado na zona pulpar subodontoblástica livre de células, essas fibras perdem seu envoltório de células de Schwann, apresentando-se como terminações nervosas livres na camada odontoblástica e na porção pulpar da dentina. As fibras A-δ são as responsáveis pela dor de origem dentinária. Uma vez exposta à cavidade oral, a dentina é sensível a estímulos aplicados, mesmo na ausência de um processo patológico da polpa (sensibilidade ou hipersensibilidade dentinária). Nos estágios iniciais da inflamação (pulpite reversível), o limiar de excitabilidade dessas fibras é reduzido, tornando-as mais suscetíveis aos estímulos externos (mormente o frio). A dor oriunda da estimulação das fibras A-δ é provocada, rápida e de curta duração, desaparecendo imediatamente ou após um curto período após a remoção do estímulo. Quando a dor é dessa natureza, o problema é usualmente solucionado sem a necessidade de tratamento endodôntico. As fibras do tipo C são amielínicas, com diâmetro médio de 0,4 a 1µm, velocidade de condução de aproximadamente 0,5 a 2m/s e elevado limiar de excitabilidade20,39 (Quadro 19-1). Elas são responsáveis
Quadro 19-1 Características das principais fibras nervosas Fibra
Função
Diâmetro (µm)
Velocidade de condução (m/s)
Aα
Motora, propriocepção
12-20
70-120
Aβ*
Pressão, toque
5-12
30-70
Aγ
Motora para feixes musculares
3-6
15-30
Aδ*
Dor, temperatura, toque
1-5
6-30
B
Autonômica pré-ganglionar
<3
3-15
C*
Dor
0,4-1
0,5-2
Simpática*
Simpática pós-ganglionar
0,3-1,3
0,7-2,3
*Fibras encontradas na polpa dental.
Emergências e Urgências em Endodontia
pela dor grave, contínua, excruciante, espontânea, fastidiosa e, às vezes, difusa, própria de pulpite irreversível sintomática. Nesses casos, há a necessidade de intervenção endodôntica para alívio da sintomatologia. As condições associadas a polpas vitais que podem requerer tratamento para alívio da sintomatologia são hipersensibilidade dentinária, pulpites reversível e irreversível. Com exceção da hipersensibilidade dentinária, que geralmente ocorre apenas pela mera exposição da dentina à cavidade oral27, micro-organismos representam o principal fator etiológico das pulpites2,4,12. Na pulpite reversível, a remoção do agente infeccioso (cárie) é, na maioria das vezes, suficiente para alívio da dor. Na pulpite irreversível, além da remoção da cárie, há a necessidade de realizar um procedimento invasivo na polpa, cuja profundidade de atuação (pulpotomia ou tratamento endodôntico) dependerá do nível de degeneração tecidual. Nesses casos, apenas a remoção da causa (cárie) não é suficiente para a remissão dos sintomas.
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Tratamento O tratamento consiste, basicamente, em utilizar substâncias que promovem a oclusão dos túbulos expostos e/ou reduzem a atividade nervosa sensorial5,11,13-15,21,27,40 (Fig. 19-2A). Optamos pelo selamento da dentina exposta, que apresenta resultados mais previsíveis e duradouros e pode ser feito por: a) Aplicação de um gel de oxalato de potássio por 3 minutos sobre a área de dentina exposta, sob isolamento relativo (Fig. 19-2B). Essa conduta é indicada nos casos em que é mínimo o tempo disponível para a consulta. Apresenta excelente resultado imediato quanto à remissão dos sintomas. Contudo, em alguns casos, a hipersensibilidade pode recidivar após um curto período.
Condições que não requerem terapia endodôntica São representadas pela hipersensibilidade dentinária e pela pulpite reversível.
Hipersensibilidade dentinária Características Dor aguda, fugaz, localizada e provocada após estímulos mecânicos, osmóticos, térmicos e bacterianos. Muitas vezes está associada à recessão gengival, que, em cerca de 10% dos pacientes, promove exposição dentinária na região cervical do dente, por ausência de coaptação entre esmalte e cemento19 (Fig. 19-1).
A
B
Figura 19-1. A recessão gengival é uma das principais causas de hipersensibilidade dentinária.
Figura 19-2. Formas de tratar a hipersensibilidade dentinária. A. Oclusão tubular ou redução da atividade nervosa sensorial. B. Utilização clínica do oxalato de potássio, aplicado sobre a área sensível (no caso, na cervical do dente).
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Capítulo 19 Emergências e Urgências em Endodontia
b) Aplicação de adesivos dentinários, que agem por hibridização com a dentina, ou de cimentos de ionômero de vidro fotopolimerizáveis, sob isolamento absoluto. Esses materiais restauradores apresentam um resultado também imediato, contudo mais duradouro do que o oxalato de potássio. Preferimos o emprego dos adesivos dentinários ou dos cimentos de ionômero de vidro fotopolimerizáveis, pois propiciam um selamento adequado dos túbulos dentinários e, consequentemente, reduzem a movimentação do fluido e do conteúdo tubular6, responsável pelo mecanismo de dor da dentina (teoria hidrodinâmica)22. Outrossim, alguns adesivos e os cimentos de ionômero de vidro possuem atividade antibacteriana, inibindo a colonização bacteriana e eliminando bactérias remanescentes sobre a superfície dentinária7. Em casos de abrasão ou atrição, onde houver perda de estrutura dentária na cervical do dente associada à hipersensibilidade, a área deve ser restaurada com resina composta ou cimento de ionômero de vidro.
Pulpite reversível Características Quando presente, a dor é semelhante à descrita para a hipersensibilidade dentinária. Os exames revelam cárie profunda e/ou recidivante, restaurações extensas, recentes ou fraturadas. Não há exposição pulpar.
Tratamento Remoção do tecido cariado ou restauração defeituosa e aplicação de curativo com cimento à base de óxido de zinco e eugenol (Fig. 19-3). Em dentes ante-
Figura 19-3. Remoção de cárie profunda e aplicação de curativo com cimento à base de óxido de zinco-eugenol em um terceiro molar inferior com pulpite reversível. Clinicamente, não havia indícios de exposição pulpar.
riores ou mesmo posteriores que irão receber restauração com resina composta é conveniente aplicar um forro com cimento de hidróxido de cálcio e selar a cavidade com cimento de ionômero de vidro. Após uma a duas semanas, se o dente estiver assintomático, a restauração definitiva pode então ser aplicada.
Condição que requer terapia endodôntica É representada pela pulpite irreversível sintomática.
Pulpite irreversível sintomática Características A ocorrência de dor em casos de pulpite irreversível não é regra, mas exceção. Clinicamente, sabemos que uma polpa está inflamada irreversivelmente quando há exposição pulpar por cárie e/ou se o dente apresenta dor aguda, contínua, excruciante, fastidiosa, espontânea e, às vezes, difusa. O paciente comumente relata uso de analgésicos, o qual pode ou não ser eficaz, dependendo do estágio da inflamação. Em alguns raros casos pode haver dor à percussão.
Tratamento 1a Opção (há tempo disponível): • Preparo inicial: anestesia (ver Capítulo 6.2 – Anestesia em Endodontia); raspagem e polimento coronário; isolamento absoluto; descontaminação do campo operatório com hipoclorito de sódio (NaOCl) a 2,5% ou álcool iodado a 2%; e acesso à câmara pulpar (Fig. 19-4). • Exploração do canal e obtenção do comprimento de trabalho (CT). Durante a exploração de canais mais amplos, a polpa deve ser descolada das paredes dentinárias pela ação do instrumento. • Pulpectomia em canais amplos com limas rabo de rato ou extirpa-nervos (Fig. 19-5). Esses instrumentos, selecionados de acordo com o diâmetro do canal, não devem sofrer resistência das paredes de dentina quando introduzidos até próximo do CT. Nessa posição, o extirpa-nervos deve ser girado no sentido horário, aprisionando a polpa em suas farpas, sendo em seguida retirado do canal. Se a polpa não for totalmente removida, repetem-se os passos descritos. Às vezes, a polpa é removida por fragmentos. Em canais atrésicos e/ou curvos não se utiliza extirpanervos – a polpa é removida por fragmentação durante a instrumentação.
Emergências e Urgências em Endodontia
Figura 19-4. Acesso à câmara pulpar de um dente com pulpite irreversível.
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• Completo preparo químico-mecânico. • Se não houver dor à percussão, pode-se proceder à obturação do canal radicular, uma vez que nessa situação a inflamação está restrita à polpa, a qual será extirpada em sua totalidade. Se por qualquer limitação (tempo, habilidade do operador, anatomia, dor à percussão) houver a necessidade de uma consulta adicional, utilizamos medicação intracanal com pasta de hidróxido de cálcio associado a um veículo inerte (glicerina, soro fisiológico, água destilada ou anestésico). • Selamento coronário. 2a Opção (limitações de tempo, habilidade do operador ou problemas anatômicos): • Unirradiculares: pulpectomia e medicação com corticosteroide (ex., Decadron colírio ou Otosporin – ver Capítulo 14, Medicação intracanal). • Multirradiculares: pulpectomia do canal mais amplo (distal nos molares inferiores e palatino nos molares superiores) ou apenas pulpotomia (quando o tempo disponível para atendimento for muito curto). Medicação com corticosteroide (ex., Decadron colírio ou Otosporin). • Selamento coronário e prescrição de analgésico/anti-inflamatório. A droga indicada é o ibuprofeno de 400 a 600mg, de 6 em 6 horas, por 1 ou 2 dias. Para pacientes com intolerância a anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) recomenda-se o acetaminofeno (paracetamol) de 650 a 1.000mg41.
A
Dor de origem perirradicular Princípios do tratamento
B
C
Figura 19-5. Pulpectomia realizada com lima rabo de rato. A. Eletromicrografia da ponta e B, do corpo do instrumento. C. Utilização clínica.
A agressão microbiana aos tecidos perirradiculares pode induzir a liberação de mediadores químicos envolvidos no desenvolvimento de uma resposta inflamatória aguda24,35. Muitas dessas substâncias agem sobre a microcirculação, promovendo vasodilatação (histamina, prostaglandinas, neuropeptídeos, óxido nítrico) e aumento da permeabilidade vascular (bradicinina, histamina, C3a, C5a, PAF, neuropeptídeos)32,35. Isso gera a saída de fluido dos vasos e formação de edema, que eleva a pressão hidrostática tecidual e promove a compressão de fibras nervosas sensoriais. Essa compressão é crítica para o ligamento periodontal, que possui espaço limitado para se expandir. Assim, esse mecanismo é, indubitavelmente, o principal responsável pela ocorrência de dor de origem perirradicular.
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Capítulo 19 Emergências e Urgências em Endodontia
Além do aumento de pressão intratecidual, bradicinina e histamina também induzem dor por ação direta sobre as fibras nervosas. Prostaglandinas não causam dor diretamente, mas podem reduzir o limiar das fibras nervosas, tornando-as mais suscetíveis aos efeitos algógenos da bradicinina e da histamina. Tem sido sugerido que a produção de gases por bactérias pode também ser responsável pela dor, por comprimir fibras nervosas. Não existem quaisquer evidências científicas de que a produção de gases por bactérias no canal atinge proporção capaz de causar dor por compressão. Na verdade, tal ocorrência é muito pouco provável. Outros produtos bacterianos, como enzimas e componentes estruturais da célula bacteriana, são certamente os fatores de virulência mais envolvidos na indução da dor de forma indireta porque estimulam o desenvolvimento de uma resposta inflamatória aguda. Como a causa da dor perirradicular de origem infecciosa é a presença de bactérias no interior do sistema de canais radiculares, o tratamento para essa condição é a eliminação ou pelo menos a redução da população bacteriana intracanal. Uma vez que as bactérias localizadas na porção apical do canal são as principais envolvidas na agressão aos tecidos perirradiculares, parece óbvio que aquele objetivo apenas é logrado quando o canal é instrumentado em toda a sua extensão. Não é justificado realizar a instrumentação dos 2/3 coronários do canal na sessão de emergência, deixando-se o 1/3 apical para uma segunda sessão. Isso só é justificado se o tempo disponível para o atendimento emergencial for curto. Alguns alegam que tal procedimento causará a descompressão causada pelos gases bacterianos. Como já discutido, se os gases liberados realmente exercem algum efeito na indução de dor, ele é mínimo quando comparado à compressão de fibras nervosas pelo edema no ligamento periodontal. Na verdade, ao procedermos à abertura coronária e à limpeza dos 2/3 coronários, pode-se ter o alívio de sintomas devido à diferença de pressão (perirradicular e atmosférica), que induz uma drenagem, ainda que mínima e às vezes imperceptível clinicamente, mas de magnitude suficiente para reduzir a compressão ao nível do ligamento periodontal apical. Contudo, a remissão de sintomas é mais previsível quanto o canal é limpo e desinfetado em toda a sua extensão. Realizamos nesses casos uma técnica progressiva de instrumentação no sentido coroa-ápice, como as técnicas MRA29, de Oregon17 e de instrumentos acionados a motor. Assim, embora a limpeza dos 2/3 coronários do canal deva idealmente preceder a apical, essa última
também deve ser realizada na mesma consulta de emergência, quando os fatores tempo, habilidade do operador e variações anatômicas obviamente permitirem. A instrumentação apical com limpeza do forame com uma lima de patência, além de permitir a drenagem, promove a eliminação da causa principal da agressão, isto é, bactérias alojadas no 1/3 apical do canal, em íntimo contato com o ligamento periodontal. Alguns temem que a instrumentação apical na sessão de emergência possa promover a extrusão apical de detritos contaminados, o que resultaria em exacerbação da resposta inflamatória. Ora, o risco de extrusão de detritos contaminados durante a instrumentação apical é o mesmo, tanto na sessão de emergência quanto em qualquer outra. É nossa opinião que essa extrusão resulta em menores problemas justamente na sessão de emergência, quando os tecidos perirradiculares já estão inflamados, preparados para a agressão. Outrossim, a sintomatologia clínica pós-operatória pode ser controlada pelo emprego de anestésicos de longa duração, como a bupivacaína, durante a execução dos procedimentos, e pela prescrição de agentes analgésicos/anti-inflamatórios, como o ibuprofeno de 400 a 600mg, de 6 em 6 horas. Outros agentes, como diclofenaco, naproxeno, cetoprofeno e piroxicam, também são bastante eficazes no controle da dor de origem endodôntica. Em casos de dor severa é recomendado associar o acetaminofeno de 650 a 1.000mg no intervalo das doses do ibuprofeno41. Para pacientes com intolerância a AINEs que apresentam dor aguda é recomendado o acetaminofeno de 650-1.000mg associado a um opioide (60mg de codeína ou 10mg de hidrocodona)41. Em consultas posteriores, após a remissão dos sintomas em canais parcialmente instrumentados, a extrusão apical pode causar exacerbação por mobilização de novas células inflamatórias para aquela região. Esse flare-up gera frustração ao profissional e principalmente ao paciente, que se julgava livre da dor.
Tratamento – procedimentos Necrose pulpar com periodontite apical aguda Características Dor intensa à mastigação. Teste positivo de percussão e às vezes de palpação. Dor ao toque, o paciente tem sensação de “dente crescido” devido à ligeira extrusão do dente no alvéolo em decorrência do edema no ligamento periodontal apical. Radiograficamente pode haver ou não espessamento do espaço do ligamento periodontal (Fig. 19-6).
Emergências e Urgências em Endodontia
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• Completo preparo químico-mecânico. • Colocação de medicação intracanal com pasta de hidróxido de cálcio/paramonoclorofenol canforado/ glicerina (HPG). • Selamento coronário e prescrição de analgésico/ anti-inflamatório. • Alívio de oclusão. 2a Opção (limitações de técnica, tempo e anatomia):
Figura 19-6. Espessamento do espaço do ligamento periodontal em dente com periodontite apical aguda.
Tratamento Como já discutido, se o conteúdo tóxico no canal radicular é o responsável pela inflamação perirradicular, então a limpeza completa do canal em toda a sua extensão, por meio de técnicas progressivas de instrumentação, é o procedimento de escolha para alívio da dor29. O completo preparo químico-mecânico só não deve ser realizado na consulta de emergência se houver limitação técnica do operador, carência de tempo ou interferências anatômicas. 1a Opção: • Preparo inicial. Optamos pela anestesia com bupivacaína. • Inundação da câmara pulpar com NaOCl a 2,5%. • Desinfecção progressiva. Uma lima de pequeno calibre (#08, #10 ou #15) é introduzida frouxa no canal, com movimentos suaves de vaivém, carreando a solução irrigadora no sentido apical e desalojando o tecido pulpar necrosado e infectado. Nenhuma ação de corte deve ser exercida contra as paredes dentinárias. Após o avanço de 2 a 3mm no interior do canal, a lima é removida, limpa com gaze estéril, e a solução irrigadora é renovada na câmara pulpar. A lima é então reinserida no canal, e essas manobras são repetidas até que o instrumento atinja o limite entre os terços médio e apical. • Limpeza por ampliação dos 2/3 coronários com brocas de Gates-Glidden ou outros instrumentos acionados a motor. • Limpeza apical e obtenção do CT com limas de pequeno calibre (#08, #10 e #15) e irrigações abundantes com NaOCl a 2,5%.
• Preparo inicial. • Instrumentação dos terços médio e cervical, preservando os 3 a 4mm apicais e irrigando-se com NaOCl a 2,5%. • Remoção do excesso de NaOCl do canal por meio de aspiração. Não secar o canal. • Colocação de mecha de algodão embebida em NaOCl na câmara pulpar. Uma pasta de hidróxido de cálcio não é aplicada nessa situação, pois o canal ainda não foi totalmente instrumentado. A aplicação do NaOCl visa a minimizar a penetração de bactérias da saliva por uma possível microinfiltração do selador temporário. Além disso, mantém ação antimicrobiana residual, impedindo a proliferação microbiana até que a completa instrumentação seja executada em, no máximo, 7 dias. • Selamento coronário e prescrição de analgésico/ anti-inflamatório. • Alívio de oclusão.
Abscesso perirradicular agudo Características Dor espontânea, pulsátil e à mastigação. Testes de percussão e palpação positivos. Pode haver mobilidade dental e também envolvimento sistêmico, como febre. O tratamento varia conforme o estágio de evolução do abscesso: ESTÁGIO INICIAL: Não há tumefação. A dor é excruciante. O diagnóstico clínico é usualmente confundido com a periodontite apical aguda e só é confirmado quando da visualização de exsudato purulento drenando pelo canal após a abertura coronária.
Tratamento • Preparo inicial. • Drenagem da coleção purulenta pelo canal (Fig. 19-7). Esperar por 15 a 30 minutos até que todo o exsudato se esvaia. • Tratamento como já recomendado para a periodontite apical aguda.
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Capítulo 19 Emergências e Urgências em Endodontia
Figura 19-7. Drenagem da coleção purulenta via canal. (Cortesia do Dr. Amauri Favieri.)
• Medicação intracanal com a pasta HPG. • Selamento coronário. • Prescrição de analgésico/anti-inflamatório. EM EVOLUÇÃO: Semelhante ao estágio inicial, mas agora com tumefação consistente, não flutuante. A dor é pronunciada quando o abscesso já se localiza no espaço subperiosteal por causa da rica inervação do periósteo38. Um dramático alívio da dor ocorre após a ruptura do periósteo pelo exsudato purulento, atingindo os tecidos moles supraperiosteais (abscesso evoluído – ver adiante).
Tratamento • O mesmo da fase inicial. • Se a tumefação se encontra intraoral, optamos pela incisão da mucosa, mesmo na ausência de flutuação. Na maioria das vezes apenas sangue drenará pela incisão. Contudo, esse procedimento favorece a redução da pressão intratecidual e a drenagem de mediadores químicos e de produtos tóxicos, além de aumentar o fluxo sanguíneo para a região, acelerando o processo de resolução da inflamação. Idealmente, a incisão deve preceder a intervenção no canal. Isso reduz a pressão, responsável pela dor, e deixa o paciente mais confortável para a execução dos procedimentos de acesso coronário e de instrumentação do canal. Na presença de tumefação extraoral, optamos por não incisar, prescrevendo a aplicação de calor intraoral (por bochechos com solução aquecida) e frio externamente sobre a área de tumefação. Esse procedimento visa a estimular a exteriorização in-
traoral do abscesso, o que facilita o procedimento de incisão e drenagem em consulta posterior (12 a 36 horas depois), mais cômodo e sem sequelas para o paciente. Embora empírico, tal procedimento é usualmente eficaz em seu intento. • Prescrevem-se bochechos com soluções aquecidas. • Analgésicos/anti-inflamatórios também são prescritos. Pesar a necessidade do emprego de antibióticos (ver Capítulo 21, Antibióticos em Endodontia). Obs.: Se não houver drenagem de pus pelo dente, pode-se, com o canal seco e após completa instrumentação, ampliar ligeiramente o forame apical até uma lima #25, usando-se movimentos de alargamento ou de rotação alternada. Mesmo assim, a drenagem pode não ocorrer. Isso acontece porque, em determinadas situações, a região acometida por necrose de liquefação não está contígua ao forame apical. Nesses casos, o canal deve ser medicado com pasta HPG e então selado coronariamente. EVOLUÍDO: Quadro clínico semelhante às fases antecessoras, mas agora com tumefação flutuante (Figs. 19-8A e 19-9A).
Tratamento • Anestesia. • Incisão da área flutuante (intra ou extraoral) (Figs. 19-8B, C e 19-9B). • Isolamento absoluto. • Confecção da cavidade de acesso coronário e drenagem do pus pelo dente. • Instrumentação de todo o canal com uma técnica progressiva. • Medicação intracanal com pasta HPG e então selamento coronário. • Se a incisão para drenagem for extraoral, deve-se colocar um dreno. Se for intraoral, o dreno é dispensável. • Prescrição de bochechos com solução aquecida e de analgésico/anti-inflamatório. Pesar a necessidade do emprego de antibióticos (ver Capítulo 21, Antibióticos em endodontia).
Considerações gerais Sempre que possível, esperar que todo o exsudato purulento se esvaia. Após, limpar e modelar o canal, secar, medicar e selar coronariamente. Deixar o dente aberto para drenagem só traz problemas, tais como: permitir aumento significativo da população microbiana dentro do canal; introduzir novos micro-
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B
A
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C
Figura 19-8. Abscesso perirradicular agudo. A. Tumefação intraoral flutuante. B. Ilustração esquemática da incisão para drenagem. C. Drenagem da coleção purulenta após incisão da mucosa.
organismos no canal, inclusive bactérias entéricas raramente encontradas na infecção endodôntica primária, mas que podem causar infecções secundárias de difícil resolução1,23,33; introduzir substrato para a proliferação microbiana; permitir contaminação e obstrução por restos alimentares; introduzir a necessidade de consultas adicionais com risco de exacerbações frequentes31,43,44. Deixar o dente aberto só é justificado quando não há tempo disponível para o tratamento ou quando a drenagem de exsudato purulento não cessa no tempo esperado (o que é muito raro!). Assim, o profissional deve preparar o paciente e a si mesmo para os inconvenientes de tal conduta. Antibióticos somente devem ser prescritos em casos de abscesso quando:
A
B
Figura 19-9. Abscesso perirradicular agudo. A. Tumefação extraoral flutuante. B. Drenagem da coleção purulenta após incisão cutânea. (Gentileza do Dr. Henrique Martins.)
• há o desenvolvimento de edema generalizado, difuso (celulite); • há o envolvimento sistêmico, como febre, mal-estar e linfadenite regional; • ocorre em pacientes debilitados e/ou com risco de desenvolver endocardite bacteriana. O uso indiscriminado, abusivo e empírico de antibióticos é considerado uma conduta inaceitável nos dias atuais. Os antibióticos de primeira escolha para o tratamento das infecções endodônticas são as penicilinas (em especial, a amoxicilina). Em casos resistentes ou de alergia às penicilinas, a clindamicina é geralmente indicada. Já as pacientes fazendo uso de contraceptivos orais devem ser alertadas para o risco de interferência dos antibióticos e aconselhadas a usar métodos alternativos desde o início até 1 semana depois da terapia antibiótica3,10. Antibióticos são mais bem discutidos no Capítulo 21, Antibióticos em Endodontia.
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Capítulo 19 Emergências e Urgências em Endodontia
Flare-up Flare-up é uma emergência verdadeira que se desenvolve entre as sessões de tratamento endodôntico, sendo caracterizada por dor e/ou tumefação37. Tipicamente, após a intervenção endodôntica em um dente assintomático, o paciente retorna algumas poucas horas ou no dia seguinte queixando-se de dor severa e/ou de tumefação. Há o desenvolvimento de uma resposta inflamatória aguda dos tecidos perirradiculares, caracterizada pelo desenvolvimento de uma periodontite apical aguda ou mesmo de um abscesso perirradicular agudo secundários à intervenção endodôntica, causados por um ou mais dos seguintes fatores18,25,28,30,37: • micro-organismos e seus produtos (principal causa!); • iatrogenia (sobreinstrumentação, instrumentação incompleta do canal, extravasamento de solução irrigadora pelo forame apical, perfurações etc.). Existem fatores relacionados com o hospedeiro que podem predispor a flare-ups, tais como: dor prévia ao tratamento; mulheres com idade acima de 40 anos; dentes inferiores; dentes com lesão perirradicular; história de alergia e retratamento36. Doenças sistêmicas, aparentemente, não consistem em fator de risco para o desenvolvimento de flare-ups36. Estudos revelam que a incidência de flare-ups varia entre 2,5 e 16%8.
Condições em que bactérias estão envolvidas na indução de um flare-up28,30 1. Extrusão apical de detritos contaminados. Em dentes assintomáticos com lesão perirradicular associa-
da existe uma relação de equilíbrio estabelecida entre as defesas do hospedeiro e os irritantes presentes no interior do sistema de canais radiculares. Se esses irritantes são lançados para o interior da lesão na forma de detritos contaminados extruídos durante o preparo químico-mecânico, o equilíbrio pode ser rompido. Em função disso, o hospedeiro mobiliza uma resposta inflamatória aguda para restabelecer o equilíbrio (Fig. 19-10). 2. Aumento do potencial de oxirredução. Embora anaeróbios estritos sejam os principais patógenos endodônticos, facultativos podem estar presentes, compondo a microbiota endodôntica (ver Capítulo 4, Microbiologia em Endodontia). Durante o preparo químico-mecânico, o canal radicular fica exposto ao ar atmosférico. Pela presença do oxigênio em alta tensão, o potencial de oxirredução se torna elevado, podendo causar rápida e exuberante proliferação de micro-organismos facultativos, como estreptococos, os quais, se sobreviventes à instrumentação, podem induzir um flare-up. Esse mecanismo, embora não comum, pode ser uma das causas de exacerbações entre as sessões do tratamento16,18 (Fig. 19-11). 3. Desequilíbrio da microbiota endodôntica. Bactérias presentes em uma comunidade mista no interior do canal estão em relações ecológicas de comensalismo e amensalismo. O preparo químico-mecânico incompleto pode desequilibrar tais relações, fazendo com que espécies que originalmente eram inibidas passem a proliferar, causando agudização. Um exemplo clássico é a espécie Enterococcus faecalis, que usualmente não representa grandes problemas.
Figura 19-10. Extrusão apical de detritos é uma das principais causas de flare-up (ver texto para mais detalhes).
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Figura 19-11. Aumento do potencial de oxirredução pode levar a uma proliferação excessiva de bactérias facultativas que podem causar um flare-up (ver texto para mais detalhes).
Figura 19-12. O desequilíbrio da microbiota do canal, como, por exemplo, devido à instrumentação incompleta, é uma das causas de flareup (ver texto para mais detalhes).
Quando a microbiota é desequilibrada, esse microorganismo pode então proliferar e causar processos infecciosos de difícil tratamento26,34 (Fig. 19-12). 4. Introdução de novas bactérias no canal. Quando o profissional não respeita as devidas medidas de assepsia ou elas são rompidas acidentalmente durante a execução do tratamento endodôntico, bactérias que originalmente não eram componentes da microbiota endodôntica podem ser carreadas para o canal. Se conseguirem sobreviver nesse microambiente, podem causar infecções secundárias de tratamento difícil. Exemplos são a espécie Pseudomonas aeruginosa e alguns estafilococos, bactérias presentes no ambiente e/ou na pele, que podem ser veiculadas pelo próprio profissional para o interior do canal radicular1,23,31 (Fig. 19-13).
Tratamento 1) Periodontite apical aguda secundária: • Remoção do curativo, irrigação abundante do canal com NaOCl a 2,5%, revisão da instrumentação e verificação da patência do forame apical. • Aplicação de medicação intracanal com pasta HPG. • Selamento coronário e prescrição de analgésico/ anti-inflamatório. Obs.: Sangue na porção apical do canal indica sobreinstrumentação. O CT deve então ser reavaliado. 2) Abscesso perirradicular agudo secundário: • Um abscesso já está instalado e, como tal deve ser tratado.
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Capítulo 19 Emergências e Urgências em Endodontia
Figura 19-13. A introdução de novas bactérias no canal, como, por exemplo, devido à quebra da cadeia asséptica durante o tratamento, é uma das causas de flare-up (ver texto para mais detalhes).
Em todos os casos, os analgésicos/anti-inflamatórios a serem administrados poderão ser o ibuprofeno, o naproxeno, o diclofenaco, o cetoprofeno ou o piroxicam, todos bastante eficazes para tratar a dor de origem endodôntica.
Dor pós-obturação
Em estudo realizado por Harrison et al.9, a dor pós-obturação ocorreu em 48% dos casos. Os sintomas, na maioria dos casos, apareceram nas primeiras 24 horas, sendo que, após 7 dias, 92% dos pacientes estavam assintomáticos. Se a dor for aguda e persistente, o tratamento dependerá da situação:
Um ligeiro desconforto após a obturação de canais radiculares é previsível. Se o profissional alerta o paciente a respeito dessa possibilidade, recomendando analgésicos leves em caso de dor, tal fato não constituirá uma emergência verdadeira. O desconforto, na grande maioria das vezes, resolve-se espontaneamente nos primeiros dias.
• Obturação adequada – Prescrição de analgésico/ anti-inflamatório. • Obturação inadequada – Retratamento. • Sobreobturação – Prescrição de anti-inflamatório (Fig. 19-14A).
A
B
Figura 19-14. Sintomatologia após sobreobturação. A. Em canais aparentemente bem obturados, a presença de sintomas pode ser solucionada pela prescrição de anti-inflamatório. B. Canais com obturação incorrigível e que apresentam sintomatologia pós-operatória de intensidade moderada a grave requerem cirurgia perirradicular para resolução do problema.
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Se não resolver: • Remoção da obturação, drenagem e retratamento. Se o problema ainda não for resolvido, está indicada a cirurgia perirradicular para curetagem do material extravasado. • Obturação incorrigível – nesses casos está indicada a cirurgia perirradicular (Fig. 19-14B).
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Capítulo
20
Analgésicos em Endodontia
Anibal R. Diogenes Kenneth M. Hargreaves
Cirurgiões-dentistas são responsáveis por intervenções que variam de procedimentos preventivos não invasivos a procedimentos operatórios/cirúrgicos em uma das áreas mais inervadas do corpo humano – a cavidade oral. Apesar dos grandes avanços tecnológicos, o tratamento endodôntico é ainda temido pela população em geral, sendo considerado um “procedimento doloroso”. Um clínico consciente é responsável por educar a população informando que a Endodontia moderna é baseada na prevenção e tratamento das lesões perirradiculares, de forma assintomática (“sem dor”) e calcada em evidências científicas. Mais importante ainda, o clínico deve ser um profundo conhecedor dos mecanismos da dor para intervir de forma consistente na prevenção e paralisação da hiperalgesia (resposta aumentada a estímulos que normalmente causam dor), da alodinia (redução do limiar, de forma que um estímulo normalmente inócuo é percebido como nocivo) e da dor espontânea. Embora o paciente possa apreciar a habilidade técnica do tratamento executado, a opinião sobre a qualidade do tratamento recebido dependerá bastante da capacidade de o profissional oferecer um procedimento que livre o paciente da dor e que traga uma experiência pósoperatória confortável. Este capítulo fornece o suporte básico para o entendimento de como a dor é detectada, processada e percebida, mantendo ainda o foco no emprego de diferentes classes de analgésicos para prevenir e parar a dor quando da terapia endodôntica.
Vias da dor A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP, do inglês The International Association for the Study of Pain) define dor como “uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a um dano tecidual potencial ou real”. Para alguns pacientes, a dor pode ser vista como uma resposta binária (“dói” ou “não dói”). Todavia, a percepção da dor é resultante de uma interpretação complexa da excitação sensorial integrada com emoções como medo, ansiedade, memória de experiências prévias etc., ao nível do córtex cerebral. Dessa forma, a dor tem três estágios: 1) detecção, 2) processamento e 3) percepção. A detecção de dano tecidual potencial ou real é realizada por fibras nervosas altamente especializadas, chamadas nociceptores. Os corpos celulares desses neurônios residem no gânglio sensorial. Para a região orofacial, esses neurônios se originam de um dos três ramos do nervo trigêmeo (quinto par craniano) com os corpos celulares residindo no gânglio trigeminal. Neurônios sensoriais trigeminais têm uma projeção aferente primária que se encerra como terminações nervosas livres nos tecidos inervados (polpa e tecidos perirradiculares). A outra projeção desses neurônios bipolares ou pseudounipolares é uma projeção central para o corno dorsal da medula. Muitas das fibras do sistema trigeminal envolvidas com dor são equipadas com detectores moleculares para uma gama variada de modalidades de estímulos, incluindo mecânicos,
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Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
químicos e térmicos. Assim, são chamados nociceptores polimodais. A detecção de diferentes estímulos na periferia é diretamente modulada no local de detecção pela presença de mediadores inflamatórios, tais como bradicinina, fator de crescimento neural, substância P e outros3,5,6,19,28,46,67-69,107. Esses mediadores têm efeitos sensibilizantes a curto prazo e efeitos plásticos a longo prazo, ambos resultando em resposta aumentada ao estímulo detectado27. Dessa forma, mediadores inflamatórios permitem um aumento da resposta aferente primária, levando potencialmente a uma maior percepção da dor. Antes de a resposta sensorial primária ao estímulo nocivo (isto é, potencial de ação) ser conduzida ao córtex cerebral para percepção, ela alcança o corno dorsal da medula. Nessa região, neurônios sensoriais primários fazem sinapse com neurônios de segunda ordem, tais como os neurônios de ampla faixa dinâmica (ou WDR, do inglês wide-dynamic range), para transmitir sua informação sensorial. Esse processo não é um simples tráfego de sinais elétricos inalterados. Há um processamento considerável ao nível espinhal levando à amplificação do sinal inicial (por exemplo, pela ação da ativação dos receptores NMDA – N-Metil-D-Ácido aspártico – nos neurônios WDR) ou amortecimento do sinal (por exemplo, pela ação do GABA – ácido gamaaminobutírico – liberado por interneurônios interagindo com os neurônios WDR). É importante salientar que a descarga crônica de um aferente primário sensorial dentro do terminal central muitas das vezes leva a alterações plásticas no circuito, que resulta na sensibilização para inputs subsequentes. Esse processo, denominado sensibilização central, é um dos mecanismos pelos quais um estímulo que previamente era inócuo agora se torna doloroso, o que é conhecido como alodinia (por exemplo, uma leve percussão com o cabo de um espelho sobre dentes adjacentes a um dente com lesão perirradicular pode evocar uma resposta dolorosa)63,92,124. A última fronteira do mecanismo de dor é a projeção dos neurônios de segunda ordem do corno dorsal medular via trato espinotalâmico contralateral para o tálamo e daí, por meio de sinapses com neurônios de maior ordem, para áreas diferentes do córtex cerebral. Não é surpresa para um profissional bem informado que há uma área ampla do córtex cerebral dedicada a integrar sinais nociceptivos, permitindo a percepção da sensação altamente complexa de dor93. Assim, ao longo da via da dor há níveis consideravelmente diferentes de processamento e potencial para desenvolvimento de estados dolorosos persistentes. Um clínico astuto
entende a necessidade de intervir em um ou mais níveis da via de transmissão da dor. Os instrumentos farmacológicos (analgésicos e anestésicos) disponíveis na clínica atuam em um ou mais dos três níveis da via de dor. É importante para o clínico entender o mecanismo de ação de cada uma dessas drogas de uma forma que sejam usadas quando apropriadas para atingir um nível máximo de conforto para o paciente e uma satisfação com o tratamento oferecido. Todavia, é importante enfatizar o papel dos anestésicos locais (ver Capítulo 6, Seção 2, Anestesia em Endodontia) em fornecer redução da dor transoperatória e também redução pós-operatória da sensibilização central (será discutido adiante). As principais classes de analgésicos discutidas neste capítulo são os não esteroidais (ou AINEs – anti-inflamatórios não esteroidais; por exemplo, ibuprofeno e dipirona), os não AINEs (por exemplo, paracetamol e opioides) e os esteroides (por exemplo, dexametasona).
FATORES PREDISPONENTES DA DOR ENDODÔNTICA PÓS-OPERATÓRIA Embora o tratamento endodôntico moderno tenha o potencial de ser um procedimento livre de dor, em parte devido a avanços na técnica anestésica, como os sistemas de anestesia intraósseo (por exemplo, Xtip da Dentsply e Stabident da Fairfax Dental Inc.) e de injeção controlada por computador (por exemplo, The Wand, CompuDent System), pacientes ainda podem experimentar dor pós-operatória. Estudos investigando a dor endodôntica pós-operatória têm relatado uma incidência de dor moderada a aguda em 15 a 25% dos casos11,47,91. Em um estudo clínico prospectivo, 57% dos pacientes relataram ausência de dor após o preparo químico-mecânico, enquanto 21% apresentaram dor leve, 15% dor moderada e 7% dor aguda38. Um episódio de dor extrema, muitas das vezes associada a tumefação, febre e mal-estar, que requer uma consulta imprevista, é denominado flare-up (ver Capítulo 19, Emergências e urgências em Endodontia). A incidência de flare-ups (de 2 a 20%) é significativamente menor do que a de pacientes experimentando dor leve a moderada80,82,112,113,116,118. Inúmeros estudos objetivaram determinar os fatores predisponentes à dor pós-operatória endodôntica e ao flare-up. Uma comparação direta entre os dados desses estudos é difícil devido às diferenças nos métodos utilizados. No geral, esses estudos avaliaram mais de 12.000 pacientes, e um consenso entre os achados é que a dor pré-operatória, mais especi-
Analgésicos em Endodontia
ficamente a alodinia mecânica (definida como limiar de sensibilidade reduzido a estímulos mecânicos, ou seja, dor à percussão), é um fator que predispõe à dor pós-operatória15,32,35,37,42,52,55,75,86,109,119. Outros fatores foram mais variáveis em seu valor preditivo da dor pós-operatória. Por exemplo, em um estudo retrospectivo, registros odontológicos de 1.000 pacientes que foram submetidos ao tratamento endodôntico e não relataram a ocorrência de flare-ups (isto é, necessidade de consulta extra imprevista) foram comparados com os registros de outros 1.000 pacientes que apresentaram flare-ups após o preparo de canais com polpa necrosada. Os resultados mostraram que a presença de dor pré-operatória, elemento dentário, sexo, idade, história de alergia e retratamento foram fatores predisponentes para flare-ups, enquanto medicamentos intracanais, doenças sistêmicas e estabelecimento de patência foraminal durante o preparo não tiveram relação com a incidência de flare-ups111. Especificamente, as incidências mais altas de flareups foram associadas ao retratamento endodôntico, em dentes inferiores, de mulheres com idade acima de 40 anos e em pacientes com história de alergia111. Mor et al.80 determinaram a incidência de flare-ups em pacientes tratados em múltiplas consultas por alunos de graduação80. A incidência de flare-up foi de 4,2%, o qual foi positivamente relacionado com dentes com polpa necrosada. Não houve, entretanto, correlação entre a ocorrência de flare-up e a presença ou ausência de lesão perirradicular. Em um estudo prospectivo de tratamento em sessão única, a taxa geral de flare-up foi de apenas 1,8%112. Contudo, esse mesmo estudo determinou que o retratamento de dentes com lesão perirradicular em sessão única teve uma incidência quase dez vezes maior de flare-ups (13,6%). Com base nesses achados, os autores não recomendam que o retratamento de dentes com lesão seja concluído em sessão única. Outro estudo clínico prospectivo relatou uma incidência de flare-up de 3,17% em 946 casos endodônticos119. Pacientes com dor pré-operatória aguda apresentaram uma taxa de flareups de 19%, enquanto a presença de tumefação difusa ou localizada foi observada em 15% dos casos. Nesse estudo, o status pulpar predispôs ao flare-up, com dentes com polpa necrosada apresentando uma incidência de flare-ups significativamente mais alta do que dentes com polpa viva (6,5 versus 1,3%). O status perirradicular também foi um fator predisponente, sendo diferenças observadas entre os casos com lesão perirradicular crônica (3,4%), periodontite apical aguda (4,8%) e abscesso perirradicular agudo (13,1%). Não houve diferença
777
significante entre os casos tratados em uma ou mais sessões. Por fim, não houve aumento significativo na taxa de flare-ups em dentes submetidos a retratamento, embora subgrupos com e sem lesão não tenham sido comparados. Em suma, o fator predisponente mais consistente da dor pós-operatória é a presença de dor pré-operatória ou alodinia mecânica. Embora nenhum fator isoladamente possa servir para prever a ocorrência e magnitude da dor pós-operatória, o clínico consciente muitas das vezes interpreta a presença de dor pré-operatória ou alodinia mecânica como um sinal de alarme para a seleção de um regime de controle da dor para cada paciente.
AINEs Analgésicos anti-inflamatórios são drogas amplamente utilizadas e com um perfil relativamente seguro. Essas drogas prontamente se ligam à albumina plasmática e são transportadas para os tecidos periféricos e centrais. Salienta-se que a inflamação é caracterizada pelo extravasamento de plasma, causando edema e tumefação, um dos sinais cardinais do processo inflamatório. Esse mecanismo aumenta a distribuição dessas drogas pelo sítio inflamado, uma característica bastante desejável. AINEs atuam primariamente pela inibição da atividade das enzimas cicloxigenases 1 (COX-1) e 2 (COX-2). Essas enzimas são responsáveis pela conversão do ácido aracdônico em diferentes subprodutos bioativos, tais como tromboxane A2, prostaciclina e prostaglandinas. As enzimas cicloxigenases estão presentes em praticamente todas as células do corpo. A COX-1 é responsável por manter níveis basais de prostaglandinas, incluindo os requeridos para proteger o trato gastrintestinal (GI) contra os ácidos gástricos. Por sua vez, a COX-2 é uma enzima induzida com expressão e função aumentadas por certos processos, como a inflamação21,24,61. A inibição das cicloxigenases pelos AINEs é não específica e tanto a COX-1 quanto a COX-2 são inibidas. Assim, com o uso de AINEs há também inibição das “prostaglandinas benéficas”, que têm papel protetor no trato GI. Essa é a razão pela qual os AINEs não são tolerados por algumas pessoas em virtude do desconforto gástrico. Na polpa inflamada há indução da expressão e atividade de COX-2, resultando em níveis aumentados de prostaglandinas87. Prostaglandinas exercem um papel relevante na dor inflamatória por sensibilizar diretamente os nociceptores, levando à transmissão aumentada da dor40. Dessa forma, a prevenção da
778
Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
atividade de COX-2 e da produção de prostaglandinas é a razão principal para a alta eficácia dos AINEs na prevenção e tratamento da dor endodôntica, além de suprimir o desenvolvimento da inflamação. Infelizmente, há ainda uma escassez de informação oriunda de estudos clínicos randomizados controlados por placebo. Todavia, um relato recente de uma revisão sistemática a respeito dos AINEs e da dor endodôntica sugere que os AINEs orais combinados com outras classes de analgésicos (por exemplo, flurbiprofeno e tramadol26) ou isoladamente são eficazes no manejo da dor endodôntica. Ibuprofeno é considerado o protótipo de AINE com eficácia e perfil de segurança bem documentados22,23. Sua eficácia no controle da dor dentária tem sido confirmada no modelo de dor relacionado com a extração do 3o molar14,50,51 e após tratamento endodôntico108. A despeito do número limitado de estudos clínicos randomizados controlados por placebo avaliando o manejo da dor endodôntica, informações valiosas podem ser encontradas nas revisões sistemáticas contínuas sumarizadas na Oxford League of Analgesic Efficacy (Quadro 20-1). Os dados dessas revisões foram gerados baseados em pacientes apresentando dor pós-operatória moderada/aguda, e o NNT (número necessário para tratar) é baseado na superioridade relativa do analgésico sobre o placebo em produzir 50% de alívio da dor. Assim, esses dados são informação clínica importante para os profissionais compararem a eficácia relativa dos analgésicos usados no pós-operatório. Obviamente, outros fatores, como os efeitos adversos das drogas e a história médica do paciente, devem ser considerados durante o desenvolvimento de um plano de tratamento para a dor pós-operatória. A dipirona (metamizol sódico), droga analgésica e antipirética bastante eficaz e amplamente utilizada que pertence à classe das pirazolonas, foi inicialmente introduzida na Alemanha em 1922 e, até o momento, permanece como um dos analgésicos mais populares no manejo da dor pós-operatória em países como Brasil, Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Holanda, Espanha, Suíça, África do Sul, Rússia, Israel e Índia. Nesses países, ela é bem aceita graças à sua eficácia, início rápido (cerca de 30 minutos, particularmente em formulações líquidas), longa duração analgésica e baixo custo85,99. O seu mecanismo de ação é complexo e não é completamente entendido, mas parece estar relacionado, pelo menos em parte, com o efeito direto sobre neurônios sensoriais em níveis periféricos e espinhais, e com o bloqueio das vias arginina-óxido nítrico-GMPc18,29,71,73,101,106.
Em estudos clínicos multicêntricos duplo-cegos randomizados e controlados por placebo, a dipirona resultou em significante maior analgesia do que o placebo em pacientes com dores de cabeça severas76 e foi superior ao ibuprofeno no modelo de extração do 3o molar, com efeitos colaterais similares aos do placebo96. Ela causou maior analgesia do que a morfina em pacientes com câncer e dor severa, sem os significantes efeitos colaterais típicos dos opioides (por exemplo, desconforto gástrico e depressão cardiorrespiratória)97. Uma comparação consistente dos analgésicos pode ser vista no Quadro 20-1, resumindo os níveis mais altos de evidência na analgesia terapêutica a partir de estudos clínicos randomizados duplo-cegos controlados por placebo. Os dados presentes no Quadro 20-1 sugerem que a administração de 1.000mg de dipirona requer menos doses de medicação (NNT = 1,6) do que o ibuprofeno de 600mg (NNT = 1,7) e o acetaminofeno (paracetamol) de 1.000mg (NNT = 3,8) para alcançar 50% de redução da dor. Além disso, percentagens mais altas de pacientes experimentam 50% de redução da dor pós-operatória quando tomam dipirona (79%) em comparação com 400mg de ibuprofeno (55%), 500mg de paracetamol (61%) e a combinação de 1.000mg de paracetamol com 50mg de codeína (57%). Assim, a dipirona é um dos analgésicos mais potentes e eficazes disponíveis para aquisição sem prescrição em farmácias. Contudo, seu emprego não está livre de controvérsias. Em 1974, a Suécia foi o primeiro país a banir a droga ou restringir seu uso sob prescrição devido a relatos de diferentes países associando a dipirona a discrasias sanguíneas, principalmente agranulocitose. Essa iniciativa foi seguida pelos Estados Unidos, Japão, Austrália e Reino Unido. Agranulocitose é uma reação adversa rara, mas potencialmente fatal. É caracterizada por um decréscimo na contagem de leucócitos periféricos para menos do que 500 células/µL devido a mecanismos citotóxicos ou imunológicos49. Tem sido sugerido que esses relatos apresentam evidência não conclusiva sobre a correlação real entre dipirona e agranulocitose25. As diferenças entre os relatos de vários países, pelo menos em parte, podem ser causadas pelos diferentes desenhos experimentais e a ausência de evidência diretamente associando o consumo da droga à doença25. Entretanto, um clínico cuidadoso deve avaliar de forma crítica os riscos e benefícios de cada droga prescrita. Outro membro proeminente dos AINEs é o diclofenaco, comercializado sob muitos nomes incluindo Cataflam e Voltaren. Da mesma forma que o ibuprofeno, o mecanismo de ação do diclofenaco consiste ba-
Analgésicos em Endodontia
779
Quadro 20-1 Quadro de eficácia analgésica da Liga de Oxford 2007 Número de pacientes na comparação
% com pelo menos 50% de alívio de dor
Número necessário para tratar (NNT)
Menor intervalo de confiança
Maior intervalo de confiança
Etoricoxibe 180/240
248
77
1,5
1,3
1,7
Etoricoxibe 120
500
70
1,6
1,5
1,8
Valdecoxibe 40
473
73
1,6
1,4
1,8
Dipirona 1000
113
79
1,6
1,3
2,2
Ibuprofeno 600/800
165
86
1,7
1,4
2,3
Valdecoxibe 20
204
68
1,7
1,4
2,0
Cetorolaco 20
69
57
1,8
1,4
2,5
Cetorolaco 60 (intramuscular)
116
56
1,8
1,5
2,3
Diclofenaco 100
545
69
1,8
1,6
2,1
Piroxicam 40
30
80
1,9
1,2
4,3
Celecoxib 400
298
52
2,1
1,8
2,5
Paracetamol 1.000 + Codeína 60
197
57
2,2
1,7
2,9
Oxicodona IR 5 + Paracetamol 500
150
60
2,2
1,7
3,2
Bromfenac 25
370
51
2,2
1,9
2,6
Rofecoxibe 50
675
54
2,3
2,0
2,6
Oxicodona IR 15
60
73
2,3
1,5
4,9
Aspirina 1200
279
61
2,4
1,9
3,2
Bromfenac 50
247
53
2,4
2,0
3,3
Dipirona 500
288
73
2,4
1,9
3,2
Ibuprofeno 400
5.456
55
2,5
2,4
2,7
Bromfenac 100
95
62
2,6
1,8
4,9
Oxicodona IR 10 + Paracetamol 650
315
66
2,6
2,0
3,5
Diclofenaco 25
502
53
2,6
2,2
3,3
Cetorolaco 10
790
50
2,6
2,3
3,1
Paracetamol 650 + Tramadol 75
679
43
2,6
2,3
3,0
Oxicodona IR 10 + Paracetamol 1.000
83
67
2,7
1,7
5,6
Naproxeno 400/440
197
51
2,7
2,1
4,0
Piroxicam 20
280
63
2,7
2,1
3,8
Lumiracoxibe 400
370
48
2,7
2,2
3,5
Naproxeno 500/550
784
52
2,7
2,3
3,3
Analgésico
(Continua)
780
Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
Quadro 20-1 Quadro de eficácia analgésica da Liga de Oxford 2007 (Continuação) Número de pacientes na comparação
% com pelo menos 50% de alívio de dor
Número necessário para tratar (NNT)
Menor intervalo de confiança
Maior intervalo de confiança
Diclofenaco 50
1.296
57
2,7
2,4
3,1
Ibuprofeno 200
3.248
48
2,7
2,5
2,9
Dextropropoxifeno 130
50
40
2,8
1,8
6,5
Paracetamol 650 + Tramadol 112
201
60
2,8
2,1
4,4
Bromfenac 10
223
39
2,9
2,3
4,0
Petidina 100 (intramuscular)
364
54
2,9
2,3
3,9
Tramadol 150
561
48
2,9
2,4
3,6
Morfina 10 (intramuscular)
946
50
2,9
2,6
3,6
Naproxeno 200/220
202
45
3,4
2,4
5,8
Cetorolaco 30 (intramuscular)
359
53
3,4
2,5
4,9
Paracetamol 500
561
61
3,5
2,2
13,3
Celecoxibe 200
805
40
3,5
2,9
4,4
Paracetamol 1500
138
65
3,7
2,3
9,5
Ibuprofeno 100
495
36
3,7
2,9
4,9
Oxicodona IR 5 + Paracetamol 1.000
78
55
3,8
2,1
20,0
Paracetamol 1.000
2.759
46
3,8
3,4
4,4
Paracetamol 600/650 + Codeína 60
1.123
42
4,2
3,4
5,3
963
38
4,4
3,5
5,6
Aspirina 600/650
5.061
38
4,4
4,0
4,9
Paracetamol 600/650
1.886
38
4,6
3,9
5,5
Ibuprofeno 50
316
32
4,7
3,3
8,0
Tramadol 100
882
30
4,8
3,8
6,1
Tramadol 75
563
32
5,3
3,9
8,2
Aspirina 650 + Codeína 60
598
25
5,3
4,1
7,4
Oxicodona IR 5 + Paracetamol 325
149
24
5,5
3,4
14,0
Cetorolaco 10 (intramuscular)
142
48
5,7
3,0
53,0
Paracetamol 300 + Codeína 30
379
26
5,7
4,0
9,8
Bromfenac 5
138
20
7,1
3,9
28,0
Tramadol 50
770
19
8,3
6,0
13,0
Codeína 60
1.305
15
16,7
11,0
48,0
>10,000
18
N/A
N/A
N/A
Analgésico
Paracetamol 650 + Dextropropoxifeno (65 mg hidrocloreto ou 100 mg napsilato)
Placebo
NNT: “Números necessários para tratar” são calculados para a proporção de pacientes com no mínimo 50% de alívio da dor em 4-6 horas, quando em comparação com placebo em estudos de dose única duplo-cegos randomizados, envolvendo pacientes com dor moderada a grave. As drogas foram administradas por via oral, exceto onde especificado, e as doses são em miligramas. Fonte: http://www.medicine.ox.ac.uk/bandolier/booth/painpag/acutrev/analgesics/Acutepain2007.pdf
Analgésicos em Endodontia
sicamente na inibição não seletiva das cicloxigenases. Contudo, os efeitos do diclofenaco são usualmente mais duradouros do que os do ibuprofeno. Além disso, acredita-se que tenha maior predileção pela isoforma 2 da enzima cicloxigenase (COX-2). Assim, menos problemas gástricos devem ser esperados quando do uso do diclofenaco17,56. Um estudo clínico prospectivo randomizado duplo-cego e controlado por placebo envolveu 267 pacientes submetidos ao tratamento endodôntico com relato de dor moderada a aguda com o intuito de determinar a eficácia do diclofenaco como analgésico pós-operatório88. Aproximadamente 80% dos pacientes relataram remissão total da dor. Outrossim, ele tem apresentado bons resultados quando administrado em combinação com outros medicamentos devido ao sinergismo. Por exemplo, em um estudo clínico randomizado, 120 pacientes apresentando dor moderada a aguda após extração do 3o molar tiveram um alívio significativamente maior da dor quando do uso do diclofenaco com paracetamol do que de cada uma dessas drogas usadas isoladamente ou em associação com opioides8. Essa conduta tem o potencial de reduzir os riscos de desconforto gástrico em relação ao emprego de um único AINE. A introdução de inibidores seletivos para COX-2 ofereceu o potencial para benefícios analgésicos e antiinflamatórios e reduzida irritação gastrintestinal21,62. Todavia, tem sido gerada preocupação no sentido de que os inibidores de COX-2 podem apresentar ainda alguma irritação ao trato GI em casos com doença preexistente, sugerindo cuidados com o emprego dessas drogas115. Além disso, a demonstração de um risco aumentado de eventos pró-trombóticos após administração a longo prazo de rofecoxibe (Vioxx) levou à retirada dessa droga do mercado em 200431. No momento, não é conhecido se o evento pró-trombótico é droga-específico (isto é, afeta apenas a rofecoxibe) ou é classe-específico (isto é, afeta todos os inibidores de COX-2). Devido a essa situação e à eficácia dos AINEs como alternativa, não recomendamos os inibidores específicos de COX-2 para tratar rotineiramente a dor de origem endodôntica.
NÃO AINEs O paracetamol foi inicialmente comercializado nos Estados Unidos sob o nome de Tylenol, em 1955. Atualmente, ele ainda é comercializado sob o nome original de Tylenol sozinho ou combinado a outras drogas como expectorantes e opioides, além da forma
781
genérica. Embora tenha sido empregado por décadas, seu mecanismo de ação ainda permanece fonte de controvérsia. Dois principais mecanismos de ação para o paracetamol têm sido sugeridos. O primeiro envolve a inibição da enzima cicloxigenase 3 (COX-3), a qual foi identificada e clonada em 2002 e é preferencialmente expressa no sistema nervoso central10. O paracetamol inibe a COX-3 seletivamente em modelos animais. Contudo, ainda não há evidências a partir de estudos em humanos de que a COX-3, in vivo, seja uma cicloxigenase funcional e, assim sendo, seja inibida pelo paracetamol64,102. Outro mecanismo possível e talvez mais provável envolve a ativação do sistema endocanabinoide e serotonérgico no sistema nervoso central72. Há considerável evidência de que o paracetamol é convertido no composto AM404, que inibe o consumo do canabinoide endógeno anandamida no cérebro. O receptor canabinoide 1 (CB-1) é expresso no sistema nervoso central e é o alvo central dos canabinoides exógenos (por exemplo, ∆-9-tetra-hidrocanabinol, o componente ativo das folhas de Cannabis sativa, ou maconha) e endógenos (por exemplo, anandamida). Os efeitos analgésicos do paracetamol têm sido completamente abolidos pelo bloqueio da sua conversão em AM404, pelo antagonismo dos receptores CB-1 no sistema nervoso central e em animais pela deleção genética do receptor CB-172. Ademais, a ativação do sistema endocanabinoide intensifica as vias descendentes serotonérgicas inibidoras da dor95. Em suma, o paracetamol parece ativar os mecanismos centrais de inibição da dor para exercer sua eficácia analgésica. Dados de revisões sistemáticas de estudos clínicos randomizados duplo-cegos sugerem que o paracetamol em concentrações de até 1.500mg não é tão eficaz quanto a dipirona e o ibuprofeno (Quadro 20-1). Contudo, é importante salientar que o paracetamol não gera os efeitos colaterais gástricos apresentados pelo ibuprofeno. Dessa forma, é uma boa alternativa para pacientes com história de desconforto gástrico ou de hipersensibilidade aos inibidores de COX. Além disso, o paracetamol é um agente valioso quando combinado com inibidores de COX, uma vez que seu efeito sinérgico permite redução na dosagem do inibidor de COX, reduzindo também os efeitos colaterais gástricos sem perder eficácia analgésica (ver discussão adiante na seção de estratégias). Opioides são analgésicos reconhecidamente eficazes. Sua ação é principalmente restrita ao sistema nervoso central, onde eles bloqueiam a condução de sinais elétricos dolorosos para regiões superiores do cérebro
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Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
no qual o estímulo seria percebido como dor. O mecanismo de ação parece ser mediado pela ativação de receptores opioides mu, que estão estrategicamente posicionados em várias áreas superiores do cérebro envolvidas na percepção da dor. Todavia, o uso de opioides é acompanhado por vários efeitos colaterais, incluindo náusea, vômito, tonteira, torpor e potencial para constipação e depressão respiratória. O uso crônico é associado a tolerância e dependência. Uma vez que a dose de opioides é restrita pelos potenciais efeitos colaterais, os opioides são quase sempre usados em combinação com outras drogas para manejo da dor dentária. O uso de combinações é preferido, uma vez que permite uma dose baixa do opioide com consequente redução dos efeitos colaterais. É importante salientar que o uso de narcóticos (isto é, opioides) deve ser extremamente restrito devido aos efeitos colaterais, potencial para abuso e ausência de evidência científica de que os opioides, mesmo combinados com AINEs, são mais eficazes do que os AINEs usados isoladamente12,13,44.
ESTEROIDES Glicocorticosteroides reconhecidamente reduzem a resposta inflamatória aguda pela supressão da vasodilatação, da migração de neutrófilos e da fagocitose, além de inibirem a formação de ácido aracdônico a partir dos fosfolipídios da membrana dos neutrófilos e macrófagos, bloqueando assim as vias da cicloxigenase e lipoxigenase e as respectivas sínteses de prostaglandinas e leucotrienos. Assim, não causa surpresa o fato de vários estudos terem avaliado a eficácia dos corticosteroides (administrados via intracanal ou sistêmica) na prevenção ou controle da dor endodôntica pós-operatória e dos flare-ups74.
Uso intracanal Vários estudos avaliaram a administração intracanal de esteroides. Em 50 pacientes consecutivos requerendo tratamento endodôntico de dentes com polpa viva, Moskow et al.84 aplicaram em pacientes alternados uma medicação intracanal com uma solução de dexametasona ou solução salina como placebo após o preparo químico-mecânico. Índices de dor foram registrados no pré-operatório e após 24, 48 e 72 horas do tratamento. Os resultados indicaram uma redução significante na dor após 24 horas, mas sem diferença significante após 48 e 72 horas. Em estudo clínico duplocego similar, a aplicação intracanal de uma solução de esteroide a 2,5% foi mais eficaz do que a solução salina
como placebo após o preparo no sentido de reduzir a incidência de dor pós-operatória9. No entanto, quando a polpa estava necrosada, não houve diferença significante entre esteroide e placebo na redução do desconforto pós-operatório. Outro estudo não encontrou diferença significante no índice de flare-ups quando formocresol, Ledermix (uma combinação de antibiótico com corticosteroide), ou hidróxido de cálcio foi usado como medicação intracanal, a despeito da presença ou ausência de lesão perirradicular113. Entretanto, um amplo estudo clínico envolvendo 223 pacientes relatou uma significativa menor incidência de dor após o uso de Ledermix como medicação intracanal quando comparado ao hidróxido de cálcio ou casos onde nenhuma medicação foi usada30. Assim, esteroides intracanais parecem exercer efeitos significantes na redução da dor pós-operatória98.
Uso sistêmico Outros estudos avaliaram a eficácia da via sistêmica de administração de corticosteroides sobre a dor pós-operatória ou flare-ups. Em um estudo duplo-cego controlado por placebo, dexametasona (4mg/mL) ou solução salina foi injetada por via intramuscular ao término de uma consulta de tratamento em sessão única ou da primeira consulta de um tratamento em múltiplas sessões75. Os resultados indicaram que o esteroide reduziu significativamente a incidência e magnitude de dor após 4 horas quando em comparação com o placebo. Embora a dor tenha sido reduzida após 24 horas, não houve diferença estatisticamente significante nem na incidência ou intensidade da dor após 48 horas entre os dois grupos. Em estudo similar, 106 pacientes com pulpite irreversível e periodontite apical aguda receberam injeção intramuscular intraoral de dexametasona em diferentes concentrações ao término do tratamento em sessão única ou depois da primeira consulta de um tratamento em várias sessões70. A administração de dexametasona reduziu significativamente a intensidade da dor em 4 e 8 horas, com dosagem ótima entre 0,07 e 0,09mg/kg. Não houve contudo redução significativa na intensidade da dor após 24, 48 e 72 horas, tampouco um efeito geral na incidência de dor. Outro estudo comparou os efeitos da injeção intraligamentar com metilprednisolona, mepivacaína ou placebo na prevenção da dor pós-operatória em Endodontia57. Os resultados mostraram que a metilprednisolona reduziu significativamente a dor pós-operatória dentro de um período de observação de
Analgésicos em Endodontia
24 horas. Um estudo interessante avaliou a injeção intraóssea de metilprednisolona ou placebo em pacientes com pulpite irreversível, demonstrando uma redução de dor altamente significante no grupo do esteroide, que se manteve por 7 dias após injeção única36. Estudos em animais avaliaram histologicamente os efeitos anti-inflamatórios dos corticosteroides sobre os tecidos perirradiculares inflamados90. Depois de induzir uma resposta inflamatória aguda em molares de ratos por meio de sobreinstrumentação, uma solução salina estéril ou dexametasona foi infiltrada supraperiostealmente no vestíbulo adjacente aos dentes tratados. Os resultados demonstraram que a dexametasona reduziu significativamente o número de neutrófilos presentes e, assim, teve efeito anti-inflamatório nos tecidos perirradiculares dos dentes submetidos a tratamento endodôntico. Outros estudos de administração sistêmica avaliaram a eficácia da administração oral de corticosteroides sobre a incidência e a gravidade da dor pósoperatória endodôntica. Em estudo clínico controlado, 50 pacientes receberam aleatoriamente 0,75mg de dexametasona ou placebo por via oral após tra-
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tamento endodôntico inicial65. A administração de dexametasona oral reduziu significativamente a dor pós-operatória após 8 e 24 horas quando comparada com os indivíduos que receberam placebo. Um estudo de acompanhamento avaliou os efeitos de uma dose oral maior de dexametasona (isto é, 12mg a cada 4 horas) sobre a gravidade da dor pós-tratamento endodôntico39. Os resultados demonstraram que a dexametasona do jeito prescrito foi eficaz para reduzir a incidência de dor até 8 horas depois da conclusão do tratamento. Não pareceu haver qualquer efeito na gravidade da dor após 24 e 48 horas. No geral, esses estudos sobre administração sistêmica indicam que os corticosteroides reduzem a gravidade da dor pós-tratamento endodôntico quando comparados com o tratamento com placebo. Contudo, devido à relação segurança-eficácia entre esteroides e AINEs, a maioria dos pesquisadores elege os AINEs como drogas de primeira escolha para controle da dor pós-operatória. O Quadro 20-2 sumariza as principais propriedades farmacocinéticas de diversos medicamentos usados no controle da dor em Endodontia.
Quadro 20-2 Propriedades farmacocinéticas de analgésicos usados em Endodontia Agente
Dosagem recomendada
Dosagem máxima/dia (mg/dia)
Meia-vida (horas)
Início do efeito (horas)
Pico (horas)
% ligação a proteínas plasmáticas
Celecoxibe
400mg inicial e 200mg, cada 12h
400
11
~1
3
~97
Codeína
30mg, cada 4-6h
120
2,5-3,5
0,5-1
1-1,5
~7-10
Dexametasona (oral ou intramuscular)
0,75-9mg/dia dividida cada 6-12h
<12
1,8-3,5
–
1-2 (oral); ~8 (i.m)
~75
Flurbiprofeno
200-300mg, dividida em 2-4 doses
300
5,7
~1-2
1,5
~99
Hidrocodona
2,5-10mg, cada 4-6h
60
3,3-4,4
0,6-0,8
~15-40
Ibuprofeno
600mg, cada 6h; 800mg, cada 8h
3.200
2-4
0,5
1-2
~90-99
Paracetamol
500-1.000mg, cada 4-6h
4.000
2-4
<1
1-3,5
~20
Tramadol
50-100mg, cada 4-6h
400
<6
~1
2
~20
Fonte: Wynn R, Meiller T, Crossley H. Drug information handbook for dentistry. Hudson, Ohio: Lexi-Comp Inc., 2000.
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Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
ANTIBIÓTICOS Papel dos antibióticos na prevenção da dor pós-operatória e flare-ups Uma vez que bactérias estão envolvidas com a etiologia das lesões perirradiculares, a incidência de infecção pós-tratamento e de flare-ups é uma preocupação para o profissional clínico. Assim, a princípio, imaginase fazer sentido prescrever antibióticos profilaticamente para prevenir tais ocorrências. Tal uso de antibióticos é, entretanto, controverso por várias razões33. Primeiro, o abuso nas prescrições de antibióticos, especialmente quando não indicados, tem levado a um aumento na resistência bacteriana e sensibilização do paciente. Segundo, antibióticos têm sido erroneamente prescritos em pacientes com dor aguda, mas com polpa vital (isto é, quando bactérias não são a causa de dor)126. Terceiro, mesmo em casos onde bactérias estão provavelmente presentes, dados de estudos clínicos controlados dão pouco ou nenhum suporte à hipótese de que antibióticos reduzem a dor. Uma série de estudos clínicos tem avaliado a eficácia de antibióticos sistêmicos administrados profilaticamente para a prevenção de flare-ups. Trabalhando com a premissa de que a incidência de flare-ups infecciosos após tratamento é de 15%, Morse et al.83 aleatoriamente prescreveram uma dose profilática de penicilina ou eritromicina após o tratamento de dentes com necrose pulpar e lesão perirradicular crônica (placebo não foi usado). Os resultados revelaram que a incidência de flare-ups foi 2,2%, sem diferença entre penicilina e eritromicina. Resultados similares foram obtidos em estudo semelhante em que alunos de graduação realizaram o tratamento endodôntico2. Nesse estudo prospectivo, uma incidência de flare-up de 2,6% foi observada, sem diferença significante entre penicilina e eritromicina. Todavia, é importante salientar que esses estudos não foram randomizados e controlados por placebo. Para verificar se o momento de administração de antibióticos altera a ocorrência de flare-ups e de dor e tumefação não associadas a flare-up, uma análise de componentes de dois estudos prospectivos, envolvendo pacientes com polpa necrosada e lesão perirradicular crônica, foi realizada. No primeiro estudo, penicilina foi receitada profilaticamente, enquanto, no segundo, os pacientes foram instruídos a ingerir penicilina ou, em caso de alergia, eritromicina, ao primeiro sinal de tumefação82,83. Quando os resultados foram comparados, os autores concluíram que o uso profilático de antibióticos é preferível à utilização ao primeiro sinal de infecção.
Outro estudo de desenho experimental similar comparou a incidência de flare-ups quando cefalosporina ou eritromicina foi administrada profilaticamente81. Quando os achados de estudos prévios foram compilados e comparados retrospectivamente, os autores concluíram que antibióticos usados profilaticamente, incluindo cefalosporinas, reduziram significativamente a incidência de flare-ups em casos com polpa necrosada e lesão perirradicular crônica associada. Contudo, esses estudos têm sido questionados por causa da ausência de grupos-controle tratados com placebo e pelo emprego de controles históricos. Em um estudo clínico multicêntrico dividido em duas partes, 588 pacientes consecutivos receberam um entre nove medicamentos ou placebo e foram monitorados por 72 horas após o tratamento109,110. Os resultados mostraram que ibuprofeno, cetoprofeno, eritromicina, penicilina e penicilina + metilprednisolona reduziram significativamente a severidade de dor nas primeiras 48 horas pós-instrumentação quando comparados ao placebo109. A segunda parte do estudo avaliou a incidência de dor pós-operatória depois da obturação dos mesmos dentes da primeira parte do estudo110. Apenas 411 dos 588 pacientes iniciais participaram dessa fase, os quais aleatoriamente receberam os mesmos medicamentos ou placebo ao término da consulta de obturação. Os resultados mostraram que a incidência de dor pós-operatória foi menor após a obturação (isto é, 5,83%) do que após o preparo químico-mecânico (isto é, 21,76%). Não houve diferença significante entre os vários medicamentos e o placebo em controlar a dor pós-obturação. Walton e Chiappinelli117, conscientes de que estudos prévios não foram adequadamente controlados, além de terem sido de caráter retrospectivo e envolvendo diferentes grupos de pacientes em momentos diferentes e com modalidades terapêuticas também diferentes, conduziram um estudo prospectivo duplo-cego randomizado para testar a hipótese de que antibióticos (por exemplo, penicilina) previnem a ocorrência de flare-ups. Oitenta pacientes com diagnóstico de necrose pulpar e lesão perirradicular crônica foram aleatoriamente divididos em três grupos. Os dois primeiros receberam penicilina ou placebo 1 hora antes e 6 horas depois da consulta. O outro grupo não recebeu qualquer medicação. Após o término da sessão, que incluiu preparo e possível obturação do canal, os pacientes completaram questionários após 4, 8, 12, 24 e 48 horas. Os resultados indicaram que não houve diferença estatisticamente significante entre os três grupos quanto à incidência de flare-ups. Os autores concluíram que o uso
Analgésicos em Endodontia
profilático de penicilina não oferece benefícios quanto à prevenção de dor pós-operatória e flare-ups. Assim, não indicam seu uso profilático rotineiro em pacientes submetidos ao tratamento endodôntico de dentes com necrose pulpar e lesão perirradicular crônica. Em outro estudo prospectivo randomizado controlado por placebo, Fouad et al.34 avaliaram se o uso suplementar de penicilina reduzia os sintomas ou o curso de recuperação de pacientes de emergência com diagnóstico de necrose pulpar e abscesso perirradicular agudo. Os pacientes receberam aleatoriamente penicilina, um placebo ou nenhuma medicação. Usando uma escala analógica visual, os próprios indivíduos avaliaram a ocorrência e os níveis de dor e tumefação até 72 horas. Os resultados mostraram ausência de diferença significante entre os três grupos. A recuperação dos pacientes ocorreu como resposta ao tratamento endodôntico em si. Antibióticos podem ser indicados quando do manejo de alguns casos de infecção endodôntica. Contudo, uma revisão da literatura disponível indica que seu uso profilático está contraindicado em pacientes imunocompetentes que não apresentam sinais sistêmicos de disseminação da infecção, com tumefação localizada no vestíbulo. Nessas condições, estudos clínicos controlados indicam que antibióticos oferecem pouco ou nenhum benefício no que se refere à redução da dor. Entretanto, podem ser indicados para pacientes imunocomprometidos e para aqueles casos nos quais o paciente apresenta sinais e sintomas típicos de envolvimento sistêmico ou quando a infecção se disseminou para espaços anatômicos da cabeça e pescoço (ver Capítulo 21, Antibióticos em Endodontia).
ESTRATÉGIAS PARA CONTROLE DA DOR Para o manejo da dor em um determinado indivíduo, o clínico hábil deve personalizar o plano de tratamento, equilibrando os princípios gerais de Endodontia, os mecanismos de hiperalgesia e as estratégias para controle da dor com fatores individuais de cada paciente (por exemplo, história médica, uso concomitante de outras medicações)45,58,59,100,103. A discussão a seguir revisa considerações gerais para as estratégias de controle da dor. O manejo eficaz do paciente com dor endodôntica envolve três etapas: diagnóstico, tratamento dentário adequado e drogas (Quadro 20-3). Em inglês, essas etapas são conhecidas como 3 Ds: Diagnosis, Definitive dental treatment and Drugs. O manejo da dor endodôntica deve focar a remoção dos mecanismos periféricos de
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Quadro 20-3 Considerações para o controle eficaz da dor 1. Diagnóstico 2. Tratamento dentário adequado 3. Drogas a. Pré-tratamento com AINEs ou acetaminofeno quando for apropriado b. Uso de anestésicos locais de longa duração quando for indicado c. Uso de um plano de prescrição flexível d. Prescrição “pelo relógio” em vez de “quando necessário”
hiperalgesia e alodinia. Isso usualmente requer um tratamento que remova e reduza os fatores causais (por exemplo, fatores bacterianos e imunológicos). Tanto assim que não só a pulpotomia, como a pulpectomia têm sido associadas à redução substancial dos relatos de dor em comparação com os níveis pré-operatórios de dor26,48,94. Todavia, a terapia farmacológica é muitas das vezes requerida para reduzir a estimulação continuada de nociceptores (por exemplo, AINEs, anestésicos locais) e suprimir a hiperalgesia central (por exemplo, AINEs e opioides).
Pré-tratamento Tem sido demonstrado que a prescrição de um AINE antes da intervenção endodôntica produz benefícios significantes em muitos22,53, mas não em todos os estudos89. O objetivo do pré-tratamento é bloquear o desenvolvimento de hiperalgesia pela redução da estimulação dos nociceptores periféricos. É interessante notar que os pacientes impossibilitados de tomar AINEs podem ainda se beneficiar do pré-tratamento com acetaminofeno79. Assim, pacientes podem ser prétratados 30 minutos antes do procedimento com um AINE (por exemplo, ibuprofeno 400mg ou flurbiprofeno 100mg) ou com acetaminofeno 1.000mg26,53,79.
Anestésicos de longa duração Uma segunda conduta farmacológica para manejo da dor é usar anestésicos locais de longa duração. Bupivacaína e ropivacaína são dois exemplos desses tipos de anestésico que se encontram disponíveis para uso. Estudos clínicos indicam que anestésicos locais de longa duração não somente produzem anestesia durante o procedimento, mas também retardam significativamente o desenvolvimento da dor pós-operatória quando comparados com anestésicos locais contendo lidocaína16,22,41,42,54. Aliás, tem sido demonstrado que o
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Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
emprego de anestésicos de longa duração para anestesia por bloqueio reduz a dor pós-operatória por 2 a 7 dias após o procedimento oral41,42,54, uma vez que uma descarga aferente acentuada de nociceptores pode induzir hiperalgesia central121-123. O benefício analgésico de anestésicos locais de longa duração é mais frequentemente observado quando de injeções para bloqueio do que de injeções infiltrativas. Contudo, o clínico deve estar atento para os efeitos adversos atribuídos aos anestésicos locais de longa duração4,78.
Plano de prescrição flexível Uma terceira conduta farmacológica é usar um plano flexível de prescrição analgésica1,13,43-45,58,60,114. Tal plano serve para minimizar a dor pós-operatória e os efeitos colaterais. Com esse objetivo em mente, a estratégia é primeiro alcançar uma dose de analgésico não narcótico com máximo de eficácia (um AINE ou acetaminofeno para pacientes que não podem tomar AINEs). Segundo, naqueles raros casos em que o paciente ainda apresenta dor moderada a grave, o clínico deveria considerar a necessidade de combinar outras drogas para aumentar a analgesia. Por causa do seu valor preditivo, a presença de dor ou alodinia mecânica pré-operatória pode servir como uma indicação para o uso dessas combinações de AINEs. Estudos recentes têm demonstrado que a combinação de um AINE com acetaminofeno 1.000mg sozinho (isto é, sem opioide) produz cerca de duas vezes a resposta analgésica de pacientes tratados apenas com o AINE7,14,77. A administração de ibuprofeno 600mg com acetaminofeno 1.000mg resultou em alívio significante da dor pós-operatória endodôntica em comparação com o ibuprofeno sozinho ou com o placebo. Além disso, estudos demonstraram que a administração concomitante de um AINE com o acetaminofeno combinado com opioide produziu analgesia significativamente maior do que quando comparado com o AINE sozinho7,104. O uso concomitante de AINEs e acetaminofeno parece ser bem tolerado, sem aumento detectável nos efeitos colaterais ou alterações na farmacocinética7,66,104,125. Em situações raras pode ser necessário receitar um AINE com um opioide. Há dois métodos gerais para combinar um AINE com um opioide a fim de tratar casos raros de dor moderada a severa. O primeiro método atinge as vantagens analgésicas do AINE e também do opioide por meio da prescrição de um regime alternado consistindo de um AINE seguido por uma combinação de acetaminofeno e opioide1,13. Por exemplo, um paciente de emergên-
cia com dor pode tomar ibuprofeno 400mg (ou outro AINE de escolha) no consultório. A seguir, o paciente pode tomar a combinação de acetaminofeno com opioide 2 horas mais tarde. O paciente então tomaria cada medicamento em intervalos de 4 horas, usando o esquema de 2 horas alternadas. Na maioria dos casos, esse tratamento não necessita ser continuado por mais de 24 horas1,13,26. Aspirina e combinações de opioides não são obviamente usadas nesse regime alternado por causa do potencial para interações medicamentosas. O segundo método para combinar um AINE com um opioide para tratar dor de intensidade moderada a severa explora as vantagens analgésicas do AINE e do opioide pela administração de uma combinação simples dessas drogas. Por exemplo, o Vicoprofen contém ibuprofeno a 200mg e hidrocodona a 7,5mg em um comprimido. (Nota: esse medicamento não se encontra disponível no Brasil.) Estudos de dor pós-operatória têm demonstrado que essa combinação foi cerca de 80% mais eficaz para analgesia do que o ibuprofeno a 200mg sozinho, com aproximadamente a mesma incidência de efeitos colaterais120. Dobrar a dose para ibuprofeno a 400mg e hidrocodona a 15mg produz ainda maiores efeitos de analgesia com concomitante aumento dos efeitos colaterais105,120. Não há estudos disponíveis comparando o Vicoprofen sozinho com a combinação de Vicoprofen e 200 a 400mg de ibuprofeno. Outros opioides podem também ser adicionados a um AINE para aumentar a analgesia. Por exemplo, o ibuprofeno a 400mg com 10mg de oxicodona em comprimido produz analgesia significativamente maior do que o ibuprofeno a 400mg sozinho20. Um estudo recente sobre dor pós-operatória em Endodontia demonstrou benefícios a curto prazo da combinação entre flurbiprofeno e tramadol26. Outra combinação de AINE e opioide também tem sido avaliada23. Obviamente, nem todos os pacientes requerem uso concomitante de AINE com uma combinação de acetaminofeno e opioide, tampouco combinações de um AINE e um opioide. Na verdade, essa é a premissa básica do plano flexível de prescrição, ou seja, que o analgésico prescrito se encaixe nas necessidades do paciente. A maior vantagem de um plano flexível de prescrição é que o clínico está preparado para aqueles raros casos em que uma terapia farmacológica adicional está indicada, o que aumenta a eficácia do controle da dor. Como discutido previamente, a presença de hiperalgesia pré-operatória pode servir como indicação para uma terapia farmacológica mais consistente. As informações e recomendações fornecidas neste capítulo foram selecionadas para ajudar o clínico
Analgésicos em Endodontia
no manejo da dor endodôntica aguda. Todavia, o julgamento clínico deve também levar em consideração outras fontes de informação, incluindo história do paciente, uso concomitante de outras medicações, natureza da dor e plano de tratamento para oferecer o maior controle e manejo do problema de dor individual de cada paciente. A integração desses princípios gerais dos mecanismos e do controle da dor com a avaliação profissional de cada paciente oferece uma conduta eficaz para o manejo bem-sucedido da dor de origem endodôntica.
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Capítulo 20 Analgésicos em Endodontia
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Capítulo
21
Antibióticos em Endodontia
José Freitas Siqueira Jr. Julio Cezar Machado de Oliveira
Inquestionavelmente, a descoberta dos antibióticos representa um dos maiores avanços da humanidade. Doenças infecciosas, que representavam uma das principais causas de mortalidade até o início do século XX, passaram a ser controladas de forma extremamente eficaz. Como a maioria das grandes descobertas da humanidade, a dos antibióticos também foi casual. Em 1875, John Tyndall, médico inglês, observou que esporos de um fungo que contaminou seus tubos de cultura eram capazes de destruir bactérias. Todavia, não deu maior importância a tais achados. A razão para isso parece óbvia. Sua descoberta da propriedade antibacteriana desse fungo ocorreu cerca de 7 anos antes de Robert Koch demonstrar, em 1882, que as bactérias podiam causar doenças. Na verdade, a descoberta da penicilina é creditada a Alexander Fleming, médico escocês, que trabalhava no Hospital Saint Mary, em Londres. A descoberta de Fleming também foi casual. Esporos de um fungo – o Penicillium notatum – que se dispersaram pelo ar, originários da manipulação em um laboratório no andar debaixo do de Fleming, contaminaram suas placas nas quais Staphylococcus aureus estavam sendo cultivados. Ao retornar de suas férias em setembro de 1928, Fleming observou que, embora um profuso crescimento de estafilococos ocupasse a superfície do ágar, uma ampla área em volta do crescimento do fungo Penicillium não apresentava crescimento bacteriano. Contrariamente a Tyndall, Fleming resolveu estudar esse
fenômeno e deu o nome à substância produzida pelo fungo de penicilina. Após descobrir que a penicilina era também eficaz contra pneumococos, estreptococos, gonococos e meningococos e publicar seu trabalho clássico em 1929 (além de outro em 1932), Fleming abandonou seus estudos sobre esse fungo e essa substância. Fleming não isolou a penicilina pura, tampouco demonstrou seus efeitos quimioterapêuticos. A penicilina apenas começou a ser empregada em pacientes no início da década de 1940, após inúmeras investigações e os esforços de um grupo de pesquisadores notáveis em Oxford, chefiado por Howard Walter Florey e composto por Chain, Jennings, Heatley e Abraham. A história da humanidade e sua relação com doenças infecciosas começou a mudar significativamente. Em 1945, Fleming, Florey e Chain foram, com justiça, laureados com o Prêmio Nobel de Medicina15. Antibiótico é uma substância produzida por um micro-organismo (geralmente bactéria ou fungo) ou uma similar desenvolvida total ou parcialmente por síntese química, que, em baixas concentrações, inibe o metabolismo ou destrói micro-organismos. Os antibióticos exercem seus efeitos sobre um grupo de microorganismos, e o alcance de efetividade é denominado espectro. Antibióticos de amplo espectro agem sobre uma ampla variedade de micro-organismos grampositivos e gram-negativos, enquanto os de pequeno espectro atuam apenas sobre um número reduzido de espécies.
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Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
Alguns micro-organismos são considerados patógenos verdadeiros, isto é, quando conseguem se estabelecer no hospedeiro irão necessariamente provocar doença. Exemplos desse tipo de micro-organismo são as espécies bacterianas Treponema pallidum e Clostridium tetani, agentes etiológicos da sífilis e tétano, respectivamente. Entretanto, um número considerável de micro-organismos coloniza o organismo humano sem provocar doença e, de fato, são fundamentais para a homeostase, para o funcionamento normal dos sistemas e para a própria manutenção da vida. Esses micro-organismos ajudam na digestão de alimentos e dificultam ou mesmo impedem que patógenos estritos se estabeleçam no hospedeiro, já que ocupam espaço e produzem substâncias que são tóxicas para outros micro-organismos. Obviamente, se um micro-organismo que coloniza a cavidade oral tem acesso a locais que deveriam se manter estéreis (como a polpa dental), tem-se uma situação onde esse ser, antes benéfico ao hospedeiro, irá agora produzir doença. Os micro-organismos que possuem esse comportamento dual constituem a microbiota anfibiôntica humana e podem ser considerados patógenos oportunistas. A relação entre os micro-organismos que constituem a microbiota anfibiôntica e entre esses e o hospedeiro humano progride ao longo dos anos desde a infância até alcançar uma situação equilibrada na vida adulta. Interferir nesse equilíbrio ecológico sempre poderá acarretar prejuízos ao hospedeiro humano. Portanto, o antibiótico ideal seria aquele que eliminasse micro-organismos patogênicos sem afetar o hospedeiro humano. Tal medicamento não existe e provavelmente não existirá em se tratando dos microorganismos envolvidos nas infecções endodônticas, pois os prováveis patógenos endodônticos parecem ser alguns dos constituintes da microbiota anfibiôntica humana, ou seja, essas infecções são endógenas e a grande maioria dos micro-organismos envolvidos pode ser considerada patógenos oportunistas. O médico alemão Paul Ehrlich (1854-1915) estabeleceu no início do século XX o conceito básico da quimioterapia anti-infecciosa: A droga deve ser seletiva para o agente agressor em dose tolerada pelo hospedeiro. A partir desse conceito procura-se escolher o medicamento que apresente o mínimo de efeitos colaterais ao hospedeiro, dentro da dosagem mínima efetiva e pelo tempo mínimo de administração necessário, de forma que se afete minimamente o equilíbrio ecológico do hospedeiro. Os efeitos dos antibióticos se devem à sua ação específica sobre determinados alvos estruturais ou metabólicos dos micro-organismos. Muitos desses efeitos
ocorrem exclusivamente sobre micro-organismos, uma vez que afetam estruturas ou vias metabólicas não observadas em nossas células. Tais efeitos são principalmente representados por: • Inibição da síntese de parede celular (β-lactâmicos, vancomicina, bacitracina); • Ação sobre a membrana citoplasmática (polimixinas, poliênicos); • Inibição da função do DNA (metronidazol, quinolonas, novobiocina); • Inibição da síntese de proteínas (aminoglicosídeos, cloranfenicol, macrolídeos, tetraciclinas, lincosamidas); • Inibição da síntese de ácido fólico (sulfonamidas, trimetoprim). Apenas os antibióticos de interesse para o controle das infecções endodônticas serão considerados neste capítulo.
PRINCÍPIOS DE ANTIBIOTICOTERAPIA Antibióticos não promovem a cura do processo infeccioso, mas permitem um controle da infecção até que os mecanismos de defesa do hospedeiro, inicialmente surpreendidos pelos micro-organismos patogênicos, consigam efetivamente controlar a situação e debelar a infecção45,48. Atualmente, tem havido uma grande mobilização da comunidade científica no sentido de restringir o uso de antibióticos para apenas as situações em que essas drogas são realmente necessárias e nas quais o benefício supera o risco do emprego. Partindo dessa conscientização, o profissional deve, antes de pensar em qual antibiótico irá receitar, avaliar a real necessidade de seu uso. Em aproximadamente 60% dos casos de infecção em humanos, as próprias defesas do hospedeiro são as responsáveis pela resolução do processo sem a necessidade de utilização de antibióticos39. Como será discutido adiante neste capítulo, o uso indiscriminado de antibióticos é a causa principal do crescente desenvolvimento de resistência bacteriana, o que tem gerado consequências desastrosas para a humanidade. Antibióticos não são eficazes no tratamento de doenças crônicas, como no caso de lesões perirradiculares refratárias ao tratamento endodôntico. Nessas situações, o uso prolongado da droga pode induzir a seleção e predomínio de micro-organismos resistentes, além de predispor a infecções secundárias em outras regiões do organismo. Tem sido demonstrado que o
Antibióticos em Endodontia
índice de sucesso do tratamento endodôntico não é aumentado após o emprego de antibioticoterapia sistêmica55. Além disso, o uso de antibióticos também não reduz a incidência de dor pós-operatória após a manipulação de dentes com polpas necrosadas e com lesão perirradicular associada64. Na verdade, os antibióticos devem ser, na maioria das vezes, reservados para o tratamento a curto prazo de doenças infecciosas com sintomatologia aguda ou como medida profilática. Nos casos em que a antibioticoterapia sistêmica está indicada, alguns princípios básicos devem ser obedecidos. Como a maioria das infecções orais é de rápida progressão, há a necessidade de se realizar imediata terapia antibiótica, não havendo geralmente tempo para coletar material, cultivar os micro-organismos e realizar o antibiograma. Assim, a escolha do antibiótico deve recair sobre a droga reconhecidamente eficaz contra as espécies comumente isoladas daquele processo infeccioso. Como as infecções endodônticas são mistas, de etiologia polimicrobiana, e predominadas por anaeróbios estritos gram-negativos, deve-se optar por um antibiótico de amplo espectro com eficácia sobre esses tipos de bactérias. É importante, quando do tratamento de infecções graves, iniciar a terapia com uma dose de ataque, que usualmente corresponde ao dobro da dose de manutenção. A maioria dos antibióticos empregados em infecções na cavidade oral possui meia-vida inferior a 3 horas. Os níveis plasmáticos ideais dos antibióticos são usualmente obtidos em período de três a cinco vezes maior do que a sua meia-vida. Isso leva a um retardo na obtenção de níveis terapêuticos da droga, o que é contornado pela utilização da dose de ataque. Pacientes sob terapia antibiótica devem ser monitorados diariamente. O melhor guia prático para se determinar a duração da terapia antibiótica é a melhora clínica do paciente. Assim, se as evidências clínicas indicam que a infecção está sob controle do hospedeiro, antibióticos deveriam ser administrados por não mais do que 1 a 2 dias. Não há benefícios em se prolongar a terapia antibiótica por mais tempo que o necessário. Pelo contrário, os riscos aumentam significativamente, tanto em relação ao favorecimento da expressão de resistência, como pelo desequilíbrio ecológico na microbiota anfibiôntica. Outro fato que contribui para um tempo mais reduzido de administração de antibióticos na Endodontia se dá pela terapia cirúrgica que acompanha o tratamento, seja pela drenagem de coleção purulenta da lesão perirradicular, seja pelo preparo químico-mecânico do canal radicular ou mesmo pela exodontia do elemento dentário que constitui a fonte
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da infecção8. De fato, mesmo nos casos dos abscessos perirradiculares agudos mais exuberantes que evoluíram para celulites (como na angina de Ludwig), a terapia cirúrgica constitui o fator mais importante no controle da infecção, sendo a terapia antibiótica importante nesses casos, mas coadjuvante12,33.
INDICAÇÕES PARA O USO DE ANTIBIÓTICOS SISTÊMICOS EM ENDODONTIA O uso de antibióticos em Odontologia tem sido cada vez mais restrito e há uma grande preocupação quanto ao uso errôneo ou abusivo dessas drogas19,60,62. A Endodontia se insere perfeitamente nesse contexto de conscientização quanto ao emprego de antibioticoterapia sistêmica. Cumpre salientar que a grande maioria das infecções de origem endodôntica é tratada sem a necessidade do emprego de antibióticos. A ausência de circulação sanguínea na polpa necrosada e infectada impede o acesso de antibióticos administrados sistemicamente a micro-organismos infectando o sistema de canais radiculares. Assim, a fonte de infecção não é afetada pela antibioticoterapia sistêmica. Por outro lado, os antibióticos podem ajudar a impedir a disseminação da infecção endodôntica e o desenvolvimento de infecções secundárias em pacientes medicamente comprometidos. Isso faz com que antibióticos sejam de grande valia no tratamento coadjuvante de alguns casos de infecções endodônticas. As raras ocasiões em que antibióticos devem ser prescritos em Endodontia incluem: a) Abscesso perirradicular agudo com ocorrência de tumefação difusa e/ou envolvimento sistêmico. Um abscesso perirradicular agudo em pacientes saudáveis que se apresenta com tumefação localizada e sem envolvimento sistêmico é tratado de forma extremamente eficaz por meio de drenagem via incisão e/ou via canal, seguida pelo preparo químicomecânico completo, sem a necessidade de administração de antibióticos. Em indivíduos saudáveis, a drenagem do exsudato purulento permite a redução significativa de irritantes microbianos e mediadores químicos da inflamação, permitindo o início do processo de reparação sem a necessidade de emprego de antibióticos. Contudo, em pacientes imunocomprometidos/imunossuprimidos devem ser prescritos antibióticos mesmo se a drenagem foi lograda satisfatoriamente, pois nesses pacientes podem ocorrer complicações sistêmicas mesmo diante de
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Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
quadros infecciosos brandos. Quando o abscesso está associado à ocorrência de tumefações difusas, levando ao desenvolvimento de uma celulite com a disseminação do processo infeccioso para outros espaços anatômicos, ou quando está associado a indícios de envolvimento sistêmico, como febre, mal-estar, linfadenite regional ou trismo, é necessária a utilização de antibióticos como tratamento coadjuvante à drenagem, pois o sistema imunológico do paciente não está sendo capaz de fazer frente ao avanço da infecção. Deve-se realizar um monitoramento diário da resposta do paciente à terapia antibiótica e, diante do fracasso em obter a melhora clínica em 48 horas, deve-se optar por uma droga com espectro diferenciado. Nos casos de abscessos mais graves ou de celulites, em que o envolvimento sistêmico do paciente pode ser mais crítico, optamos por uma abordagem antimicrobiana mais ampla com a prescrição da associação amoxicilina com o ácido clavulânico como primeira opção. Casos raros que não respondam a essa medicação devem ser considerados para encaminhamento ao cirurgião bucomaxilofacial para internação hospitalar. Nos casos de abscessos drenados em ambiente hospitalar, deve-se encaminhar parte da coleção purulenta coletada para a realização do teste de sensibilidade aos antimicrobianos (TSA ou antibiograma). Com o paciente internado, geralmente se inicia a terapia endovenosa com ampicilina associada ao metronidazol ou a um aminoglicosídeo, aguardando-se o resultado do TSA para eventuais mudanças na abordagem terapêutica. Aos pacientes graves e alérgicos às penicilinas, a clindamicina na dosagem de 300mg de 6 em 6 horas parece a melhor opção2,20,61. b) Avulsão dentária. O emprego de antibioticoterapia em casos de reimplante de dentes avulsionados pode favorecer o prognóstico do tratamento. A associação Internacional de Traumatologia Dentária (IADT) publicou em 2007 um consenso sobre o manejo dos casos de avulsão de dentes permanentes em que recomenda a utilização da doxiciclina administrada sistemicamente (100mg/dia por 7 dias) para estes casos. Se o paciente tiver menos que 12 anos de idade, a medicação de escolha será a penicilina V (40mg/kg/dia ou 50.000U/kg/dia de 6/6 horas por 7 dias). c) Sintomatologia e/ou exsudação persistentes. Em raras situações, quando os procedimentos intracanais de instrumentação e medicação intracanal não estão sendo suficientes para eliminar o agente
infeccioso (que inclusive já pode estar na intimidade dos tecidos perirradiculares), pode-se empregar um antibiótico para debelar sinais e sintomas persistentes. A amoxicilina em comprimidos de 875mg de 12 em 12 horas ou cápsulas de 500mg de 8 em 8 horas é o antibiótico de eleição. Em casos resistentes ou em pacientes alérgicos, utiliza-se a clindamicina (cápsulas de 150 a 300mg de 6 em 6 horas), não sendo indicado o uso isolado do metronidazol, pois algumas espécies bacterianas frequentemente associadas a esses quadros pertencem aos gêneros Actinomyces, Propionibacterium e Streptococcus, geralmente resistentes a esse antimicrobiano. Se possível, realizar a coleta de material para análise microbiológica. Embora alguns recomendem o uso de apenas anti-inflamatórios nesses casos, tais medicamentos podem mascarar a causa do problema por reduzir a exsudação/sintomatologia atuando no processo inflamatório, que é a consequência, não a causa. d) Abscesso perirradicular agudo em pacientes de risco. Exemplos de pacientes de risco incluem imunocomprometidos, imunossuprimidos, diabéticos não controlados e aqueles propensos a desenvolverem um quadro de endocardite bacteriana. Como em casos de abscesso agudo pode se estabelecer uma bacteremia, é indicada a terapia antibiótica para prevenir o estabelecimento de complicações infecciosas sistêmicas. Além disso, o antibiótico deve ser bactericida (no caso, a amoxicilina), uma vez que a resistência do hospedeiro está baixa. Nesses pacientes, o antibiótico auxilia de forma decisiva no controle da infecção, criando um ambiente propício para a ulterior (e usualmente tardia) reparação. e) Uso profilático em pacientes de risco. Embora a incidência de bacteremia seja baixa durante a execução dos procedimentos endodônticos, pacientes com risco de desenvolver endocardite bacteriana devem receber profilaxia antibiótica, de acordo com o regime proposto pela American Heart Association (AHA)13,68,69. Há outras condições que também podem requerer cobertura antibiótica durante a intervenção intracanal. (O uso profilático de antibióticos será discutido mais adiante.) Uma vez que os antibióticos não penetram bem em áreas de abscesso, é de suma importância que se estabeleça a drenagem da coleção purulenta a fim de se eliminarem as potenciais barreiras para a difusão dos antibióticos. Salienta-se então que antibióticos não devem ser utilizados isoladamente para tratar
Antibióticos em Endodontia
abscessos de origem endodôntica. Na verdade, são drogas coadjuvantes ao tratamento que consiste em drenagem e posterior tratamento endodôntico ou extração dentária. A drenagem de abscessos e remoção de tecidos necrosados como medida principal do tratamento é conduta mandatória em todas as áreas da Medicina, não sendo uma manobra original da Odontologia8,9,32,42. O uso de antibióticos para o tratamento de infecções de origem endodôntica é iniciado tomando-se como base os patógenos endodônticos mais prováveis de estarem envolvidos. A amoxicilina, uma penicilina semissintética de amplo espectro, representa o antibiótico de primeira escolha a ser usado, uma vez que seu espectro abrange os principais micro-organismos envolvidos no abscesso perirradicular agudo. Baumgartner e Xia6 testaram 98 cepas bacterianas quanto à suscetibilidade a seis antibióticos por meio do método do E-test. Os percentuais de suscetibilidade das 98 cepas testadas foram os seguintes, em ordem decrescente: • • • • •
Amoxicilina/ácido clavulânico: 98 de 98 (100%); Clindamicina: 94 de 98 (96%); Amoxicilina: 89 de 98 (91%); Penicilina V: 83 de 98 cepas (85%); Metronidazol: 44 de 98 (45%).
O metronidazol apresentou o maior percentual de resistência bacteriana. Entretanto, usado em combinação com a amoxicilina ou penicilina V, o percentual de cepas suscetíveis se elevou para 99 e 93%, respectivamente. Kuriyama et al.34 determinaram a suscetibilidade antimicrobiana de 800 cepas isoladas de patógenos anaeróbios associados a abscessos orais (Prevotella spp., Fusobacterium spp., Porphyromonas spp. e Parvimonas micra) a vários antibióticos. Embora a maioria das cepas de Fusobacterium tenha sido resistente a eritromicina, azitromicina e telitromicina, vários outros antibióticos, como penicilinas, cefalosporinas e clindamicina, demonstraram alto grau de eficácia. P. micra e Porphyromonas spp. foram altamente sensíveis a todos os antibióticos testados. Em relação às espécies de Prevotella, resistência à amoxicilina ocorreu em 34% das cepas, todas produtoras de β-lactamase. A suscetibilidade das cepas de Prevotella ao cefaclor, cefuroxima, cefcapene, cefdinir, eritromicina, azitromicina e minociclina estava relacionada com a suscetibilidade à amoxicilina. Todas as cepas resistentes à amoxicilina também o foram às cefalosporinas, o que questiona a indicação desses
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últimos para o tratamento de abscessos orais. Amoxicilina/clavulanato, clindamicina, telitromicina e metronidazol apresentaram elevada eficácia contra cepas de Prevotella resistentes à amoxicilina. Amoxicilina tem sido amplamente utilizada no Japão e na Europa para o tratamento de abscessos orais, principalmente por causa da melhor absorção no trato gastrintestinal quando comparada a outras penicilinas orais. Por sua vez, a penicilina V tem sido a preferida nos Estados Unidos34. A opção pela associação amoxicilina/clavulanato como primeira escolha deve se limitar aos casos mais graves, já que se mostra a mais eficaz, porém com maior propensão a efeitos colaterais. Apesar de a amoxicilina isoladamente não ser tão eficaz, sua condição de primeira escolha permanece para os casos considerados como moderados ou leves, em que há uma situação de início de sinais de envolvimento sistêmico, mas ainda sem gravidade34. De acordo com o conceito risco/benefício, a amoxicilina será adequada na grande maioria dos casos provocando menos efeitos colaterais sobre a homeostase do paciente do que a associação amoxicilina/clavulanato, associação essa muito mais propensa à indução de quadros diarreicos e ao favorecimento da candidíase. Dessa forma, consideraremos aqui duas situações clínicas distintas para a escolha da apresentação da amoxicilina: casos graves e leves/moderados. Os casos graves serão aqueles caracterizados como abscessos perirradiculares agudos com sinais de envolvimento sistêmico, quando optamos pela amoxicilina associada ao ácido clavulânico (cápsulas com 500mg de amoxicilina e 125mg de clavulanato) de 8 em 8 horas. Quando houver uma evolução negativa nesses casos após 48 horas de início da antibioticoterapia, a conduta ideal deverá ser o encaminhamento do paciente para internação hospitalar e acompanhamento pelo cirurgião bucomaxilofacial. Pacientes alérgicos às penicilinas receberão a clindamicina na posologia de 300mg de 6 em 6 horas. Em ambos os casos deve-se iniciar a terapia com uma dose de ataque constituída de uma dose dobrada. É imperioso salientar também que a terapêutica com antibiótico deve persistir por 2 a 3 dias após a resolução dos sinais e sintomas da infecção, o que geralmente irá resultar em 5 a 7 dias de administração, desde que a terapia cirúrgica tenha sido corretamente conduzida. Nos casos que podem ser classificados como leves a moderados (como na profilaxia em seguida aos reimplantes e na proteção contra a bacteremia e casos de abscessos sem envolvimento sistêmico para pacientes
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Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
imunossuprimidos) ou nos casos de terapia coadjuvante de canais com exsudato persistente, pode-se optar por uma abordagem mais conservadora, e a escolha recai para o uso isolado da amoxicilina na forma de comprimidos solúveis de 875mg administrados duas vezes ao dia. Nesses casos, quando houver sinal de resistência à amoxicilina, com uma evolução desfavorável do quadro infeccioso do paciente mesmo 48 horas após o início da antibioticoterapia, optamos por orientar o paciente a adquirir o metronidazol na apresentação de comprimidos de 250mg (podendo essa dosagem ser elevada até 400mg de 8 em 8 horas se necessário) e administrá-lo associado à amoxicilina. A associação do metronidazol com a amoxicilina apresenta resultados semelhantes quanto ao espectro de ação da associação amoxicilina/clavulanato34 por um custo inferior. Os efeitos colaterais do metronidazol (discutidos mais adiante) são minimizados pela dosagem menor do que quando do seu uso isolado, e a possibilidade de ocorrência da colite pseudomembranosa também fica minimizada pela ação do metronidazol sobre o Clostridium difficile. Uma outra opção seria a substituição da amoxicilina pela clindamicina na dosagem de 150mg de 6 em 6 horas, sendo também essa a opção para os pacientes alérgicos às penicilinas. Embora tenha sido sugerido que a terapia sistêmica com antibióticos possa reduzir a eficácia de contraceptivos orais, estudos demonstram que a taxa de fracasso dos anticoncepcionais (1 a 3%) não é diferente da observada quando do uso concomitante de antibióticos29. Mesmo assim, é recomendável que pacientes fa-
zendo uso de contraceptivos orais sejam alertadas para o risco de interferência dos antibióticos e aconselhadas a usar métodos anticoncepcionais alternativos desde o início do uso de antibióticos até 1 semana depois de encerrada a terapia antibiótica10,29. As dosagens terapêuticas para adultos dos antibióticos mais utilizados em Endodontia são mostradas no Quadro 21-1 e suas principais propriedades farmacocinéticas, no Quadro 21-2. As dosagens referentes ao uso profilático de antibióticos são discutidas em seção separada adiante. As principais causas de fracasso da antibioticoterapia são mostradas no Quadro 21-3.
PRINCIPAIS ANTIBIÓTICOS DE INTERESSE NA CLÍNICA ENDODÔNTICA β-lactâmicos Os principais antibióticos que compõem esse grupo são as penicilinas e as cefalosporinas, que possuem um anel β-lactâmico. O ácido clavulânico também possui o anel β-lactâmico, mas não deve ser considerado um antibiótico. Os antibióticos desse grupo são bactericidas, agindo pela inibição da síntese de parede celular.
Penicilinas Penicilina é um termo genérico para um grupo de antibióticos de estrutura química similar, todos possuindo como núcleo molecular o ácido 6-aminopenici-
Quadro 21-1 Dosagens terapêuticas de antibióticos para adultos (via oral) Antibiótico
Dosagem
Amoxicilina (comprimidos solúveis) Amoxicilina (cápsulas)
875mg de 12 em 12h 500mg de 8 em 8h
Clindamicina
150 a 300mg de 6 em 6h
Metronidazol Metronidazol (associado à amoxicilina)
400mg de 8 em 8h 250 a 400mg de 8 em 8h
Ciprofloxacin
500mg de 12 em 12h
Azitromicina
250-500mg 1 × por dia
Penicilina V
500mg de 6 em 6h
Doxiciclina
Inicial (200mg): 100mg a cada 12h Manutenção: 100mg 1 × por dia
Antibióticos em Endodontia
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Quadro 21-2 Farmacocinética dos principais antibióticos usados em Endodontia (via oral) Antibiótico
% absorção após administração oral
% ligação a proteínas plasmáticas
Meia-vida (horas)
Pico (horas)
Efeito adverso mais comum (ocorrência)
Amoxicilina
93
18%
1,7
1-2
Clindamicina
87
94%
2,9
–
Metronidazol
99
11%
8,5
2,8
Náusea/vômito (12%)
Ciprofloxacin
60
40%
3,3
0,6
Náusea/vômito (5%) Fotossensibilidade
Azitromicina
34
7-50%
40
2-3
Diarreia (5%)
Penicilina V
75
80%
1
0,5-1
Doxiciclina
93
88%
16
1-2
Hipersensibilidade (5%) Diarreia (5%) Diarreia (7%)
Hipersensibilidade (5%) Diarreia (5%) Fotossensibilidade
Quadro 21-3 Principais causas de fracasso da antibioticoterapia • Escolha imprópria do antibiótico • Emergência de cepas microbianas resistentes • Dosagem baixa do antibiótico • Micro-organismos de crescimento lento (crítico p/β-lactâmicos) • Baixa resistência do hospedeiro • Paciente não coopera (não toma o medicamento como recomendado; por exemplo, não respeita intervalos) • Baixa penetração do antibiótico no sítio infectado (presença de pus, bactérias em biofilmes etc.) • Baixa vascularização do sítio infectado (por exemplo, devido à necrose) • Permanência da fonte de infecção
lânico, mas com diferentes espectros de atividade antibacteriana, farmacocinética e modelos de resistência à ação de β-lactamases. Por atuarem sobre uma estrutura não existente em células eucarióticas, isto é, a parede celular bacteriana, as penicilinas são dotadas de toxicidade seletiva. Contudo, são os antibióticos mais propensos a causar reações alérgicas. As penicilinas podem ser classificadas em três grupos, segundo sua origem:
Naturais: Penicilina G cristalina Penicilina G procaína Penicilina G benzatina
Biossintéticas: Penicilina V (fenoximetil penicilina)
Semissintéticas: Isoxazolil penicilinas – oxacilina, cloxacilina e dicloxacilina Aminopenicilinas – ampicilina e amoxicilina A penicilina V apresenta melhor absorção oral do que a penicilina G. A absorção oral das penicilinas de amplo espectro (ampicilina e amoxicilina) é pouco afetada pela ingestão de alimentos. Ambas apresentam espectro de ação idêntico. Entretanto, a amoxicilina alcança níveis séricos duas vezes maiores do que a am-
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Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
picilina por sua melhor absorção e, por isso, constitui a escolha frente à ampicilina quando da utilização por via oral. As isoxazolil penicilinas apresentam pequeno espectro de atividade antibacteriana, sendo, contudo, resistentes à ação das β-lactamases. As aminopenicilinas apresentam um amplo espectro de ação, mas são sensíveis à ação das enzimas β-lactamases. Cerca de 10% da população sofre de alergia às penicilinas. A incidência de alergia varia com a via de administração: oral – 0,3%; intravenosa – 2,5%; intramuscular – 5%. Em cerca de 75% dos óbitos por resposta anafilática às penicilinas, não há relato prévio de alergia a essa droga. As penicilinas são a principal causa de morte por anafilaxia nos Estados Unidos, correspondendo a 75% dos casos, isto é, de 400 a 800 mortes anuais. Essa droga pode funcionar como hapteno, ligando-se a proteínas do hospedeiro, assumindo assim imunogenicidade capaz de evocar três tipos de hipersensibilidade imunológica: tipo I (anafilática); tipo II (citotóxica) e tipo III (complexo imune).
Mecanismo de ação As penicilinas agem por inibição da síntese da parede celular bacteriana, tendo um efeito bactericida. Por atuar dessa forma, requerem que os micro-organismos estejam em estado de proliferação, o que comumente ocorre em processos infecciosos. A inibição se dá pela ligação covalente, irreversível, a enzimas transpeptidases (também conhecidas como PBP – penicilin binding protein), que promovem a transpeptidação, responsável pelas ligações cruzadas entre as moléculas de peptidoglicano. O arranjo tridimensional das unidades de peptidoglicano, ditado pelas ligações cruzadas, confere a rigidez característica da parede celular. A deficiência na formação dessa configuração rompe a integridade da parede celular e expõe a célula bacteriana à pressão osmótica, que culmina com a sua lise. É possível que as penicilinas também inibam a atividade, de forma reversível, da enzima D-alanina carboxipeptidase, responsável pela geração de energia para a ação das PBPs. Contudo, a inibição dessa enzima provavelmente não ocasiona efeitos letais à bactéria.
Espectro de atividade As penicilinas G e V possuem espectro de atividade antibacteriana similar, sendo que a última é ligeiramente menos eficaz contra anaeróbios estritos. As aminopenicilinas apresentam amplo espectro de atividade antibacteriana, sendo bastante eficazes contra bactérias
gram-negativas. A presença do grupamento amina aumenta a penetração desses agentes através da membrana externa de gram-negativos. A maioria das cepas de anaeróbios, como Porphyromonas, Prevotella, Fusobacterium, Peptostreptococcus, Campylobacter e Actinomyces e de facultativos, como estreptococos, enterococos e Capnocytophaga, isoladas de canais radiculares ou de abscessos perirradiculares, é sensível à amoxicilina, o que faz desse antibiótico o de primeira escolha no tratamento das infecções endodônticas. A associação da amoxicilina com o ácido clavulânico resulta em uma combinação extremamente eficaz, pela inativação que o clavulanato provoca nas β-lactamases. Com o espectro de ação aumentado pela associação da amoxicilina com o clavulanato, a quase totalidade das espécies bacterianas envolvidas em infecções endodônticas fica afetada. Por outro lado, a possibilidade do surgimento de superinfecções aumenta, podendo mais facilmente ocorrer episódios de candidíase ou diarreia. As espécies bacterianas mais frequentemente associadas à produção de β-lactamases na cavidade oral pertencem aos gêneros Prevotella e Fusobacterium, ambos fortemente associados à infecção endodôntica. Estima-se que um terço das espécies de Prevotella encontradas na cavidade oral sejam produtoras de β-lactamase, o que poderia resultar em um grau de ineficácia elevado da amoxicilina no tratamento das infecções orais, mas tal fato ainda não se observa na prática clínica34. Entretanto, há indícios sugestivos de que a incidência de Prevotella spp. em infecções endodônticas de indivíduos brasileiros possa não ser tão elevada quanto em outros países59. A resistência às penicilinas pode se dar por outros mecanismos que não a produção de β-lactamases, sendo esses casos mais raros e na maioria das vezes associados a bactérias grampositivas, como Enterococcus e Staphylococcus, a bactérias gram-negativas não fermentadoras, como Pseudomonas e Acinetobacter, ou ainda a enterobactérias, como Klebsiella spp. Esses micro-organismos estão associados a quadros infecciosos de difícil manejo, sendo, entretanto, relativamente fáceis de ser identificáveis por cultura em laboratórios de bacteriologia. Dessa forma, a coleta de material clínico para a realização do antibiograma deve constituir conduta de rotina sempre que possível nos casos que receberam drenagem cirúrgica, aproveitando-se o material drenado para a análise microbiológica.
Cefalosporinas Seu núcleo básico é o ácido 7-aminocefalosporânico. Modificações no anel β-lactâmico permitiram
Antibióticos em Endodontia
uma maior resistência às β-lactamases e maior ligação às PBPs por parte das cefalosporinas, quando comparadas às penicilinas. No entanto, a atividade contra gram-positivos se tornou reduzida. As cefalosporinas também agem pela inibição da síntese de parede celular, provavelmente por um mecanismo similar ao das penicilinas.
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serem menos eficazes e mais caras do que as aminopenicilinas (amoxicilina) e por não serem indicadas como droga de eleição em pacientes alérgicos às penicilinas (pelo risco de reatividade cruzada), acreditamos que as cefalosporinas não têm o potencial de ser empregadas no tratamento das infecções endodônticas.
Ácido clavulânico e sulbactam Espectro de atividade As cefalosporinas de primeira geração apresentam um espectro de atividade contra: cocos gram-positivos (Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, estafilococos e peptostreptococos), Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Proteus mirabilis. Exemplos: cefalexina, cefadroxila, cefalotina, cefazolina e cefradina. As de segunda geração são mais eficazes contra E. coli, K. pneumoniae, P. mirabilis, Haemophilus influenzae, Neisseria gonorrhoeae e Neisseria meningitidis. A eficácia contra gram-positivos é reduzida quando comparada às de primeira geração. Exemplos: cefaclor, cefonicida, cefamandol, ceforanida e cefuroxima. As de terceira geração perderam ainda mais a eficácia contra gram-positivos, mas apresentam extrema eficácia contra micro-organismos gram-negativos resistentes a vários antibióticos, como Enterobacteriaceae, Pseudomonas aeruginosa, Prevotella spp. e Bacteroides fragilis. As cefalosporinas de terceira geração são resistentes contra as β-lactamases de muitas bactérias gram-negativas, sendo apenas indicadas para casos de infecção nosocomial (hospitalar) e/ou com risco de vida. Exemplos: cefixima, cefmenoxima, cefotaxima, ceftazidima e ceftriaxona. As de quarta geração conservaram a eficácia contra gram-negativos, mas também possuem elevada potência contra gram-positivos, especialmente contra os estafilococos. São bastante resistentes à inativação por β-lactamases. Exemplos: cefpiroma, cefepima, cefquinoma, cefprozam, cefclidina, cefluprenam e cefoselis. As cefalosporinas de terceira e quarta gerações devem ser guardadas para infecções graves, com alto risco de vida e envolvendo cepas microbianas multirresistentes. Isso não se aplica às infecções endodônticas. É limitada a eficácia das cefalosporinas de uso oral contra anaeróbios estritos comumente associados às infecções endodônticas, com exceção do cefaclor, de segunda geração5. Além disso, também com exceção do cefaclor, a penetração desses antibióticos no tecido ósseo é reduzida5. Todavia, o cefaclor não parece apresentar maior eficácia do que a amoxicilina sobre bactérias isoladas de lesões perirradiculares agudas34. Por
Como já citado, essas substâncias não devem ser consideradas como antibióticos, mas uma vez que são de grande importância na terapêutica antibiótica serão brevemente discutidas aqui. São drogas β-lactâmicas com elevada afinidade pelas enzimas β-lactamases, ligando-se a essas de forma irreversível e “suicida”. O mecanismo de ação dessas drogas se dá pela ávida ligação da β-lactamase com o anel β-lactâmico do ácido clavulânico (ou do sulbactam). Essa ligação resulta na hidrólise do anel β-lactâmico do clavulanato, mas a enzima permanece ligada aos produtos resultantes da hidrólise, sendo dessa forma inativada irreversivelmente. Por essas características, são chamadas de drogas inibidoras das β-lactamases, sendo geralmente associadas a um antibiótico β-lactâmico. Existem vários tipos de β-lactamases, mas tanto o clavulanato quanto o sulbactam são efetivos contra a quase totalidade dessas enzimas produzidas por bactérias associadas às infecções endodônticas. O ácido clavulânico se mostra mais potente que o sulbactam e por isso é a droga preferencial para o uso terapêutico, mas encontra-se disponível comercialmente a associação de sulbactam e ampicilina para uso injetável.
Clindamicina A clindamicina, assim como a lincomicina, é classificada como uma lincosamida. Quando comparada à lincomicina, a clindamicina apresenta melhores propriedades farmacocinéticas. Em baixas concentrações, as lincosamidas são bacteriostáticas, enquanto, em maiores, são bactericidas. A clindamicina é bem absorvida por via oral, atinge um pico de concentração sanguínea em 45 minutos e possui meia-vida de 2 a 4 horas.
Mecanismo de ação A clindamicina age por inibição da síntese proteica. Ela se liga à subunidade 50S do ribossoma bacteriano, interferindo na ligação do tRNA ao ribossoma, inibindo a formação da cadeia peptídica.
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Espectro de atividade Seu espectro de atividade antibacteriana atinge estreptococos, estafilococos e anaeróbios estritos, tais como Peptostreptococcus, Eubacterium, Selenomonas, Campylobacter, Clostridium, Actinomyces, Veillonella, Fusobacterium, Prevotella e Porphyromonas. A resistência à clindamicina pode ser observada em cepas de Aggregatibacter (Actinobacillus) actinomycetemcomitans e Eikenella corrodens.
Efeitos colaterais Tem sido relatado que um dos principais e mais sérios efeitos colaterais associados ao uso da clindamicina é o desenvolvimento de colite pseudomembranosa (CP). Isso ocorre por desequilíbrio da microbiota intestinal com consequente estímulo à proliferação da espécie C. difficile. Essa enfermidade pode ser grave, sendo caracterizada por dor abdominal, diarreia amarelo-esverdeada, presença de sangue e muco nas fezes, desidratação e choque. Cerca de 2 a 4% dos adultos contêm o C. difficile como componente de sua microbiota intestinal. A estimativa da incidência de CP associada ao uso da clindamicina varia entre 1/100.000 e 1/10 pacientes tomando a droga. Evidências sugerem que a maioria dessas infecções causadas por C. difficile seja de origem nosocomial49. Cerca de 20% das pessoas hospitalizadas por cerca de 16 dias são colonizadas por essa bactéria, em contraste com os 2 a 4% de indivíduos não hospitalizados, o que indica uma contaminação em ambiente hospitalar. Pacientes que apresentam sinais e sintomas de CP devem ser encaminhados imediatamente a um médico. O tratamento desta condição grave é a imediata interrupção da terapia antibiótica, administração de metronidazol (250mg, 4 vezes ao dia, por 10 a 14 dias). Situações mais graves podem requerer o uso da vancomicina. Pode ser necessário o emprego de um reconstituinte de microbiota, o Saccharomyces boulardii (Floratil®). Drogas que inibem o peristaltismo são contraindicadas, pois retardam a excreção fecal do C. difficile. Se não tratada convenientemente, pode resultar em morte. Embora um risco maior seja suspeito durante o uso da clindamicina, cumpre salientar que a maioria dos antibióticos disponíveis pode induzir o desenvolvimento de CP49. Assim, pacientes submetidos à terapia antibiótica que estejam apresentando os sinais e sintomas descritos acima para essa enfermidade devem ser tratados convenientemente.
Devido ao seu espectro de atividade antibacteriana e à sua excelente penetração no tecido ósseo, consideramos a clindamicina a droga de eleição para o tratamento de infecções endodônticas em pacientes alérgicos às penicilinas e nos casos resistentes a elas. A posologia usual para clindamicina é de 150300mg a cada 6 horas. Optamos por administrar, concomitantemente à terapêutica com clindamicina, um reconstituinte de microbiota intestinal à base de S. boulardii, como o Floratil®, uma cápsula de 100mg antes das refeições (almoço e jantar). Aproveitamos para reiterar que todo paciente sob medicação antibiótica deve estar sob frequente observação para a identificação precoce de qualquer reação adversa que demande a intervenção do clínico.
Metronidazol O metronidazol é um derivado nitroimidazólico, de baixo peso molecular, bastante eficaz no tratamento de infecções por anaeróbios. Sua meia-vida plasmática é de 7 a 8 horas. Apresenta excelente penetração em tecido ósseo e em áreas de abscesso. O uso de bebidas alcoólicas durante a terapia com metronidazol deve ser evitado, pois pode resultar em intoxicação por acetaldeído, gerando vômitos, tremores, inquietação e convulsões. Por agir sobre o DNA, questionamentos têm sido levantados quanto a possíveis efeitos mutagênicos, teratogênicos e carcinogênicos. Entretanto, esses efeitos não têm sido observados em estudos clínicos usando-se a dosagem terapêutica.
Mecanismo de ação O metronidazol penetra na célula bacteriana por difusão. Quando o grupo nitro do composto é reduzido por uma nitrorredutase, um gradiente de concentração é gerado e mais droga adentra a célula. A redução do metronidazol resulta na liberação de produtos tóxicos intermediários ou radicais livres que promovem danos ao DNA e rapidamente impedem a sua replicação. O processo de redução do metronidazol ocorre em meio de baixo potencial de oxirredução, associado à anaerobiose. Daí seu efeito bactericida específico sobre anaeróbios ou facultativos. O metronidazol é bem absorvido por via oral, não sofrendo alterações pela presença de alimentos. De fato, sua absorção é até favorecida pela presença de alimentos no estômago, e como essa droga provoca irritação gástrica em muitos pacientes é aconselhável que seja administrada às refeições. Alguns pacientes reclamam ainda
Antibióticos em Endodontia
de náuseas, dor abdominal, cefaleia, anorexia e sensação de gosto metálico desagradável na boca. Por vezes esses sintomas são tão pronunciados que o paciente pode recusar a continuidade do tratamento. Pacientes com insuficiência hepática podem apresentar neuropatia, que reverte com a suspensão da droga. De fato, a suspensão da administração do metronidazol quando do surgimento de sintomas de neuropatia (como a parestesia) constitui uma prática formal devido à possibilidade de essas lesões se tornarem irreversíveis com a continuidade da administração dessa droga. Também não é recomendável a utilização do metronidazol no primeiro trimestre da gravidez, pois, apesar de não terem sido observados efeitos carcinogênicos e teratogênicos em humanos, eles ocorrem com animais de laboratório (camundongos e ratos). Desaconselha-se também a administração de imidazólicos a lactantes, pois o leite adquire sabor amargo e pode ser rejeitado pela criança ou provocar alterações na sua microbiota entérica61.
Espectro de atividade O metronidazol apresenta especificidade de atuação sobre bactérias anaeróbias estritas (Prevotella, Porphyromonas, Fusobacterium, Clostridium, Bacteroides, Selenomonas, Campylobacter e Peptostreptococcus) e alguns protozoários anaeróbios (Trichomonas vaginalis, Entamoeba histolytica, Giardia lamblia e Gardnerella vaginalis). A sensibilidade de Actinomyces e Propionibacterium ao metronidazol varia entre as cepas isoladas, não sendo indicado para infecções onde essas bactérias predominam34,56. Devido ao fato de as infecções endodônticas serem predominantemente anaeróbias, consideramos esse antibiótico de extrema utilidade em casos refratários à terapêutica com penicilinas ou clindamicina. A associação do metronidazol à amoxicilina em casos de infecções endodônticas graves, mormente em pacientes de risco e nos casos onde a amoxicilina isoladamente não mostrou resultado terapêutico, pode ser bastante apropriada. A posologia usual para infecções orais em adultos é de 400mg a cada 8 horas.
Macrolídeos São antibióticos que apresentam em seu núcleo um anel macrocíclico de lactona. Entre as drogas desse grupo, algumas têm sido indicadas para o tratamento de infecções orais, como a eritromicina, a azitromicina, a claritromicina, a roxitromicina, a espiramicina e a miocamicina.
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O efeito colateral mais comum observado com o uso da eritromicina é a intolerância digestiva, manifestando-se por náuseas, vômitos, dor abdominal, anorexia, distensão abdominal, flatulência e diarreia. Outro fator negativo desse medicamento é a sua incompatibilidade com o uso concomitante de várias substâncias, como os anticoncepcionais orais, vitaminas do complexo B e vitamina C, fenobarbital, corticosteroides, teofilina, carbamazepina, aminofilina, ciclosporina, anticoagulantes (pode facilitar hemorragias), ergotamina, digoxina e terfenadina. Esses fatores levaram ao desenvolvimento dos novos macrolídeos para substituir a eritromicina. Os macrolídeos mais recentes, como a azitromicina, a claritromicina e a roxitromicina, apresentam vantagens quando comparados à eritromicina, no que tange à maior meia-vida, maior resistência à degradação por ácidos gástricos, menor irritação gástrica e eficácia contra alguns patógenos, mormente gram-negativos. A presença de alimentos no estômago diminui o grau de absorção da droga. Assim, os macrolídeos devem ser ingeridos com estômago vazio ou antes das refeições.
Mecanismo de ação O mecanismo de ação dos macrolídeos se dá pela ligação à subunidade ribossomal 50S, bloqueando a translocação por interferir na dissociação do tRNA ligado ao sítio doador do ribossoma. A eritromicina também inibe a ação da peptidil-transferase, enzima que faz a transferência de aminoácidos entre os tRNA. A síntese proteica é então inibida. Nas doses usuais da prática clínica, os macrolídeos geralmente apresentam atividade bacteriostática, podendo eventualmente atuar como bactericidas em micro-organismos mais sensíveis.
Espectro de atividade A eritromicina é eficaz contra muitos estreptococos e alguns estafilococos. Ela pode apresentar eficácia contra Veillonella, Capnocytophaga, Campylobacter, Eubacterium, Actinomyces e Porphyromonas. Muitas cepas de Prevotella, Eikenella corrodens, Selenomonas, Peptostreptococcus e Fusobacterium apresentam resistência à eritromicina. A eritromicina foi durante muito tempo o antibiótico substituto das penicilinas nos pacientes odontológicos alérgicos a esses antibióticos. Entretanto, a eritromicina tem apresentado uma atividade apenas moderada sobre os micro-organismos anaeróbios. De
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fato, algumas espécies de bactérias anaeróbias, como as do gênero Fusobacterium, assim como outros bacilos gram-negativos, são naturalmente resistentes à eritromicina, o que leva à restrição do uso desse antibiótico na prática odontológica28,61. A espiramicina e a miocamicina apresentam atividade mais pronunciada que a eritromicina sobre microorganismos anaeróbios, porém perderam importância com o advento dos novos macrolídeos. Williams et al.67 relataram que a azitromicina apresenta um desempenho superior à eritromicina e à claritromicina sobre anaeróbios. Esse antibiótico apresenta um prolongado tempo de permanência nos tecidos, propiciando atividade antimicrobiana por vários dias mesmo após poucas doses por via oral. A azitromicina apresenta espectro de ação mais amplo do que a eritromicina, com uma eficácia maior sobre gram-negativos e anaeróbios, porém menor sobre gram-positivos. A atividade da azitromicina sobre os anaeróbios isolados de lesões perirradiculares agudas não parece ser superior à da amoxicilina ou da clindamicina34. A ação variável e inconstante sobre as espécies anaeróbias de todos os macrolídeos (inclusive dos novos macrolídeos) resulta em um desempenho inferior desses antibióticos em relação à clindamicina ou ao metronidazol no tratamento das infecções endodônticas17.
Cetolídeos A primeira droga dessa classe de antimicrobianos foi testada em 1996, recebendo posteriormente a denominação de telitromicina, sendo disponibilizada comercialmente em 2001. Os cetolídeos vieram se somar ao grupo formado pelos macrolídeos, lincosamidas e estreptograminas, sendo um derivado semissintético da eritromicina. Foram desenvolvidos inicialmente para o tratamento da pneumonia comunitária. Entretanto, devido a casos graves de hepatotoxicidade, foi proposta uma nova droga da mesma classe que ainda está sob avaliação, a cetromicina1,22.
Mecanismo de ação Apesar de se ligar ao mesmo sítio que os macrolídeos na subunidade 50S do ribossoma, a união dos cetolídeos é mais forte do que a apresentada pelos macrolídeos (10 vezes mais forte do que a eritromicina).
Espectro de atividade Em relação às infecções odontogênicas, os cetolídeos não parecem mostrar um desempenho superior aos novos macrolídeos, sendo de custo bem mais elevado e sem eficácia comparável à clindamicina17.
Tetraciclinas As tetraciclinas constituem um grupo de antibióticos similares, com diversas substituições em suas estruturas químicas. Embora o espectro de atividade antibacteriana seja similar entre as drogas, elas podem diferir nos valores de MIC (concentração inibitória mínima) para determinados micro-organismos, na farmacocinética e nos efeitos colaterais. As mais novas tetraciclinas (minociclina e doxiciclina) apresentam maior solubilidade em lipídios e uma maior meia-vida plasmática, requerendo dosagens menos frequentes. Enquanto a meia-vida da tetraciclina é de 10 horas, a da minociclina e da doxiciclina é de cerca de 16-17 horas. Seus efeitos tóxicos sobre as células eucarióticas (do organismo do paciente) se dão principalmente pela sua alta capacidade de penetrar nessas células, por sua afinidade por íons magnésio, ferro e cálcio (indisponibilizando esses íons para o metabolismo celular) e também por inibirem em certo grau a síntese proteica de nossas células. A absorção oral é prejudicada pela ingestão de alimentos e produtos contendo sais de cálcio e magnésio, hidróxido de alumínio ou bicarbonato de sódio. Minociclina e doxiciclina são menos afetadas por alimentos, mas sofrem interferência apenas daqueles que contêm ferro. A tigeciclina é um novo antimicrobiano, do grupo das glicilciclinas, derivada da minociclina, que mantém o amplo espectro de atividade das outras tetraciclinas, associado a um baixo risco de ocorrência de colite pseudomembranosa, porém com um custo extremamente elevado e sem disponibilidade para uso oral71.
Mecanismo de ação As tetraciclinas agem por inibição da síntese proteica. A droga é transportada através da membrana complexada a íons magnésio, por meio de uma permease. Uma vez dentro da célula bacteriana, liga-se a grupamentos fosfato (negativo) da subunidade ribossomal 30S, via magnésio (positivo), o que impede a fixação do RNA transportador-aminoacil ao seu sítio receptor no ribossoma. Dessa maneira, não ocorre incorporação de novos aminoácidos, e a cadeia peptídica não se forma. As tetraciclinas provocam com grande frequência efeitos colaterais dos mais diversos, o que por si só já representa um motivo para questionar seu uso clínico. Especificamente, esses antibióticos estão formalmente contraindicados em pacientes que ainda se encontrem em idade relacionada com a formação coronária de algum elemento dentário (menos de 9 anos de idade), pois a deposição irreversível das tetraciclinas nos os-
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sos e dentes pode provocar desde malformações até pigmentações irreversíveis nas coroas dentárias. Com relação às gestantes, além das possíveis malformações fetais, tem sido relatado o óbito por falência hepática com doses acima de 2 gramas diários.
Espectro de atividade As tetraciclinas são antibióticos de amplo espectro, atuando sobre várias espécies gram-positivas, gram-negativas, aeróbias ou anaeróbias, além de espiroquetas e alguns protozoários. Tem sido relatada uma alta incidência de resistência às tetraciclinas por várias cepas de Prevotella intermedia, Selenomonas spp. e Peptostreptococcus spp. Muitas proteínas que promovem resistência às tetraciclinas pelo efluxo desse medicamento do interior das células bacterianas estão codificadas no genoma de várias espécies bacterianas. No entanto, essas proteínas são induzidas à expressão geralmente apenas quando da presença do antibiótico. Esses genes normalmente não são expressos, sendo reprimidos por outro gene que codifica um sistema repressor. Esse sistema repressor pode facilmente deixar de funcionar, seja por falha na sua expressão, por indução pela presença do medicamento ou por informações codificadas em plasmídios ou transposons transmitidos por outras bactérias. Um fator que facilita o crescimento populacional das espécies resistentes é o uso rotineiro das tetraciclinas em ração de animais para consumo humano, com a finalidade de modular a população microbiana intestinal, sobretudo em aves, levando a um ganho de peso mais acelerado nesses animais. O uso indiscriminado das tetraciclinas na forma de automedicação pelos pacientes é muito comum, uma prática que facilita ainda mais a disseminação de espécies bacterianas resistentes. Outra questão-chave é que a resistência às tetraciclinas se dá de forma cruzada entre os membros do grupo, isto é, a ativação da resistência pode ser desencadeada por qualquer antibiótico do grupo. As tetraciclinas e o cloranfenicol são antibióticos frequentemente associados a superinfecções, especialmente do trato digestivo, podendo se manifestar inclusive como um quadro de CP. São muito frequentes também as manifestações de intolerância gastrintestinal (relacionadas com 10% dos pacientes), expressando-se como náusea e/ou diarreia. Para aliviar os sintomas de irritação gástrica, o paciente tende a administrar o medicamento às refeições ou associado ao leite, o que pode prejudicar sensivelmente a absorção das tetraciclinas. A minociclina provoca efeitos colaterais em até
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90% dos pacientes, que se manifestam principalmente como tonteiras, vertigem, náuseas, vômitos e ataxia. Esses sintomas aparecem nos primeiros 3 dias de uso e regridem com a suspensão do medicamento. É importante observar que o uso de tetraciclinas em pacientes cardiopatas pode representar um problema a mais em Odontologia. As tetraciclinas, assim como o metronidazol, podem potencializar o efeito de anticoagulantes orais. Esses pacientes frequentemente fazem uso contínuo de substâncias com atividade anticoagulante, e a associação com tetraciclinas pode consequentemente levar a quadros hemorrágicos complexos durante o atendimento odontológico cruento, principalmente nos procedimentos periodontais, nas exodontias e na cirurgia perirradicular. De acordo com Tavares61, atualmente as tetraciclinas são consideradas antibióticos de primeira escolha apenas nas infecções causadas por bactérias parasitas intracelulares, principalmente devido à sua boa difusão para o interior das células eucarióticas, ou seja, em doenças causadas por riquétsias, clamídias e borrélias. Seu uso em outras situações deveria ser restringido aos casos onde se pode comprovar sua eficácia pela realização de um antibiograma. Tem sido frequente a detecção de espécies resistentes provenientes de bolsas periodontais e abscessos de origem endodôntica. Por outro lado, Golub et al.,18 em um ensaio laboratorial, observaram que as tetraciclinas são capazes de inibir a colagenase, o que pode constituir um auxílio significativo na contenção do dano aos tecidos durante a infecção periodontal. Esses autores chegam a sugerir que essa atividade antienzimática das tetraciclinas pode ser mais importante que sua ação antimicrobiana especificamente. Essa característica de inibição da colagenase e também da atividade de osteoclastos mostrase de grande valia nos casos de dentes traumatizados, principalmente quando da avulsão dentária. Dessa forma, Sae-Lim et al.57 consideram a doxiciclina o antibiótico de escolha na profilaxia antibiótica associada ao tratamento dos casos de reimplante de dentes traumatizados, na posologia de 100mg/dia por 7 dias.
Oxazolidinonas As oxazolidinonas são drogas sintéticas desenvolvidas originalmente como inibidoras da monoamino-oxidase (IMAO) utilizadas no tratamento da depressão. No final dos anos 1970 descobriu-se que possuíam atividade antimicrobiana e foram então utilizadas no controle da infecção por bactérias e fungos em plantas como o tomate. Modificações em sua es-
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trutura permitiram a utilização por via oral em modelos animais, mas se mostrou muito tóxica, sendo inicialmente descartada a possibilidade de seu emprego em humanos. Os esforços dos pesquisadores continuaram até obter duas drogas com excelente atividade antimicrobiana e baixa toxicidade: a eperezolida e a linezolida. A linezolida mostra biodisponibilidade e níveis séricos superiores, permitindo uma posologia de duas doses diárias41. O elevadíssimo custo (cerca de 40 vezes mais alto do que o custo da clindamicina no mercado farmacêutico brasileiro) coloca esse medicamento apenas como uma possibilidade futura para o uso na clínica odontológica.
Mecanismo de ação As oxazolidinonas são inibidoras da síntese de proteínas, mas, diferentes de outros agentes antimicrobianos que atuam em nível ribossomal, essas drogas apresentam um mecanismo de ação inovador, interferindo com o primeiro passo da ligação entre as frações 30S e 50S. A linezolida se liga à subunidade 50S em um local próximo onde ocorre a ligação do cloranfenicol e das lincosamidas. Mesmo sendo o local de ligação da linezolida próximo ao destes outros antimicrobianos, não há resistência cruzada desta com o cloranfenicol e as lincosamidas41. Apresenta meia-vida de 6 horas, possibilitando sua administração a cada 12 horas, tanto por via oral quanto endovenosa, sendo a posologia de 1.200mg/ dia para adultos.
Espectro de atividade A linezolida apresenta ação potente sobre grampositivos, sendo bactericida contra estreptococos e bacteriostática contra estafilococos e enterococos. Não se mostra eficaz contra bacilos gram-negativos não fermentadores (como Pseudomonas) ou enterobactérias, mas é eficaz contra bactérias gram-negativas anaeróbias com desempenho comparável à clindamicina72 e pode representar uma opção terapêutica futura na clínica endodôntica.
Quinolonas As quinolonas são agentes totalmente sintéticos. As mais utilizadas são ciprofloxacin, norfloxacin e ofloxacin. Ciprofloxacin é o único com possibilidades de uso em Endodontia. O ciprofloxacin é bem absorvido por via oral e atinge picos de concentração em cerca de 1 hora. Alimentos podem retardar, mas não reduzir, a absorção.
Sua meia-vida plasmática é de 3 a 4,5 horas, sendo utilizado, assim, em duas doses por dia.
Mecanismo de ação Inibe a ação da DNA girase ou topoisomerase, enzima envolvida no enrolamento das moléculas de DNA, para que ocupem um menor espaço dentro da célula. Isso resulta em crescimento anormal, síntese proteica diminuída e lise do micro-organismo.
Espectro de atividade Seu espectro de atividade antibacteriana atinge principalmente bacilos e cocos gram-negativos, facultativos ou aeróbios: Enterobacteriaceae, P. aeruginosa, N. gonorrhoeae, N. meningitidis e Mycobacterium. Essas drogas são muito pouco eficazes contra estreptococos, enterococos e anaeróbios estritos, sendo de pouca utilidade em Endodontia. Sua indicação se restringe a casos de infecções endodônticas persistentes ou secundárias causadas por P. aeruginosa onde a presença desse micro-organismo tenha sido confirmada por cultura. Casos de osteomielite por Staphylococcus spp também podem ser tratados com quinolonas.
Resistência a antibióticos Há um século, doenças infecciosas como tuberculose, pneumonia e infecções gastrintestinais representavam a principal causa de mortalidade no mundo. O advento dos antibióticos resultou em um declínio significativo na incidência de infecções letais e anunciou uma nova era na terapia das doenças infecciosas. Todavia, o entusiasmo gerado se revelou prematuro. Durante os anos seguintes, a resposta evolucionária dos micro-organismos à pressão seletiva exercida por antibióticos culminou no aparecimento de algumas cepas microbianas resistentes a praticamente todos os antibióticos conhecidos16,35. Dados da Organização Mundial de Saúde relativos a 1997 revelaram que doenças infecciosas foram responsáveis por 32% dos óbitos no mundo (16,4 milhões de pessoas), seguidas por doenças circulatórias (19% ou 9,7 milhões de pessoas), câncer (12% ou 6 milhões) e acidentes (8% ou 3,9 milhões). Tais índices conferem às doenças infecciosas novamente o status de principal causa de mortalidade no mundo. Se um determinado membro de uma comunidade microbiana possui genes de resistência contra um determinado antibiótico e a comunidade é persistentemente exposta à droga, o micro-organismo resistente é então selecionado, emerge e se multiplica. Se a pressão
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felizmente, em muitos casos esse outro agente pode ser ainda ineficaz para tratar a doença. Apesar dos inúmeros centros de pesquisa envolvidos no desenvolvimento de novos fármacos, surgiram nos últimos 40 anos apenas duas novas classes relevantes de antimicrobianos de amplo espectro: as oxazolidinonas (principalmente a linezolida) e os antibióticos lipopeptídeos (o único aprovado para uso clínico é a daptomicina). Por outro lado, mesmo sendo capazes de obter novos antimicrobianos, a resposta bacteriana com o surgimento da resistência tem se dado de forma cada vez mais precoce. O exemplo da linezolida ilustra bem essa situação. Por ser uma droga totalmente sintética, quando do seu lançamento no mercado em 2000, apregoava-se que as bactérias levariam muito tempo até se adaptarem a uma nova substância que não encontrava similar na natureza. Pois a resistência à linezolida foi relatada pela primeira vez em 2002, apenas 2 anos após seu lançamento comercial31. O que se tem dito é que estamos perdendo a corrida contra as bactérias: a capacidade de desenvolver novos antimicrobianos não é páreo para a capacidade bacteriana de se adaptar a eles e de expressar novas formas de resistência11. A Fig. 21-1 ilustra essa corrida no momento do lançamento do antimicrobiano e quando foi detectada
seletiva persistir, tal micro-organismo passará a prevalecer na comunidade. No mundo moderno, tais microorganismos rapidamente se alastram para outras regiões, ajudando a disseminar a resistência contra aquele antibiótico. Tem sido relatada a ocorrência de cepas multirresistentes das espécies S. aureus, Enterococcus faecalis, P. aeruginosa, S. pneumoniae, Mycobacterium tuberculosis e de muitas outras espécies capazes de causar infecções letais16,23-25,35,47,65,66. Além disso, a incidência de resistência entre bactérias anaeróbias tem aumentado, principalmente contra clindamicina, cefalosporinas e penicilinas, como observado em hospitais e nos principais centros de atendimento médico23,26. O aumento assustador na incidência da resistência a múltiplos antibióticos por parte dos principais patógenos humanos é de grande preocupação e incita o compromisso de agirmos cuidadosamente e com responsabilidade. Uma única utilização errônea de antibióticos consiste em uma contribuição significativa para o cenário atual de emergência. Doenças infecciosas que já foram tratadas com sucesso por meio de um determinado antibiótico agora podem requerer outro agente antimicrobiano, usualmente mais caro e potencialmente mais tóxico, para se alcançar o êxito terapêutico. In-
Surgimento do antibiótico tetraciclina cloranfenicol
ampicilina
estreptomicina
1935
1940
daptomicina
meticilina
penicilina
1930
cefalosporinas
eritromicina
sulfonamidas
1945
1950
1955
1960
1965
cloranfenicol
sulfonamidas penicilina
estreptomicina tetraciclina
linezolida
1970
1975
1980
1985
1990
2000
2005
linezolida
cefalosporinas vascomicina ampicilina
1995
daptomicina
eritromicina
meticilina
Surgimento da resistência Figura 21-1. “Corrida” contra micro-organismos resistentes. Esquema revelando o momento do lançamento do antimicrobiano e o momento quando foi detectada a resistência microbiana.
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a sua resistência. O uso abusivo, inadequado e indiscriminado de antibióticos é uma das principais causas do desenvolvimento de múltiplas e preocupantes formas de resistência bacteriana. Esse uso é representado por: a) Uso em pacientes sem um processo infeccioso. Ex.: É um absurdo utilizar antibióticos no tratamento da pulpite, que é eminentemente caracterizada por um processo inflamatório com a infecção se restringindo à polpa coronária exposta. O uso de antibióticos não eliminará a infecção, localizada na superfície exposta, sendo constantemente mantida por microorganismos da cavidade oral. b) Escolha errônea do agente, dose e/ou duração. c) Uso abusivo em profilaxia. Nesse caso, existem indicações precisas (discutidas a seguir) que devem ser seguidas. Os antibióticos prescritos com maior frequência no mundo são: cefalosporinas (36% do total de prescrições de antibióticos), penicilinas (17%), quinolonas (14%), macrolídeos (11%) e tetraciclinas (3%). Os demais antibióticos perfazem o total de 18% do total de prescrições. Na verdade, antibióticos são utilizados na clínica médica muito mais do que o necessário. Enquanto cerca de 20% dos pacientes examinados em razão de uma doença infecciosa realmente necessitam de antibioticoterapia, antibióticos são receitados em 80% dos casos39. Um erro comum de prescrição por muitos médicos consiste no emprego de antibióticos para tratar infecções virais. Para complicar ainda mais o quadro, em cerca de 50% dos casos, as drogas prescritas, a dosagem ou a duração da terapia não estão corretas39. A venda sem prescrição profissional e a automedicação têm também significantemente contribuído para o surgimento de cepas multirresistentes nos países em desenvolvimento. Além disso, devido à maior rapidez das viagens internacionais, cepas multirresistentes podem viajar centenas a milhares de quilômetros em poucas horas. Assim, o problema de resistência a antimicrobianos tem-se propagado com uma velocidade assustadora para inúmeras regiões do planeta, assumindo assim a condição de preocupação mundial. O crescente desenvolvimento de cepas resistentes é caracterizado pela reincidência de antigas doenças, julgadas sob controle, o aparecimento de novas e a persistência de processos infecciosos a despeito de terapia antibiótica que, tempos atrás, seriam facilmente resolvidos16,47. A face mais aparente dos riscos envolvendo a crescente resistência bacteriana aos antimicrobianos
disponíveis se dá no ambiente hospitalar. A Infectious Disease Society of America estima que 70% dos casos de infecção hospitalar nos EUA envolvem bactérias resistentes a um ou mais antibióticos11. Novas ideias talvez possibilitem uma abordagem diferente para enfrentar a crescente taxa de resistência bacteriana aos antibióticos. Interferir na capacidade do patógeno de provocar doença, isto é, impedindo a ação de seus fatores de virulência (toxinas, citolisinas ou proteases produzidas pelas bactérias patogênicas), pode ser uma nova forma de tratar infecções sem provocar alteração significativa na microbiota do hospedeiro. Mas são apenas conjecturas e possibilidades para o futuro11. No presente, a melhor forma de se postergar o crescimento da resistência entre os micro-organismos é melhorar o discernimento pelos clínicos no uso das drogas antimicrobianas ora disponíveis.
Mecanismos genéticos de resistência Micro-organismos podem adquirir resistência a antibióticos por dois mecanismos genéticos: mutação (cromossomial) e trocas genéticas (transformação, transdução e conjugação)14,58.
Mutação A mutação, caracterizada por alterações genéticas cromossomiais, ocorre ao acaso e não é usualmente induzida pelo antibiótico. A frequência em que ocorre é de uma em 105 a 1010 divisões celulares. Essas alterações genéticas são expressas fenotipicamente, causando assim uma modificação na suscetibilidade ao agente antimicrobiano. Nesse caso, a droga funciona apenas como um agente que seleciona cepas resistentes em detrimento das sensíveis.
Trocas genéticas As informações genéticas que controlam a resistência a drogas estão presentes tanto no cromossoma quanto no DNA de plasmídios extracromossomiais. A informação genética pode ser transferida de uma célula resistente a uma sensível por meio de transformação, transdução e conjugação. Na transformação, a transferência de material genético ocorre quando uma célula bacteriana capta DNA solúvel liberado no meio, geralmente oriundo de outras células mortas. Na transdução, a transferência de genes cromossomiais e/ou de plasmídios é mediada por vírus, os bacteriófagos. No momento da montagem de suas partículas, o bacteriófago pode erroneamente englobar
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fragmentos de DNA cromossomial ou de plasmídios. Uma vez infectando outra célula bacteriana, esse material genético pode ser inserido em seu genoma. Na conjugação há a transferência de material genético entre as células bacterianas por meio de pili sexuais, que fixam uma célula à outra, estabelecendo conexões intercitoplasmáticas. Isso permite a passagem do DNA de plasmídios pelo interior dos pili de uma célula para outra. Se em todos esses mecanismos há a aquisição de genes que codificam para fatores de resistência, cepas outrora sensíveis podem agora ser resistentes.
Mecanismos bioquímicos de resistência Os mecanismos genéticos de aquisição de resistência são responsáveis pelo desenvolvimento de mecanismos bioquímicos que permitem às células bacterianas resistir a um agente antimicrobiano. Os principais mecanismos bioquímicos de resistência são: a) Inativação da droga pela produção de enzimas. Bactérias podem produzir enzimas que inativam o antibiótico. Um exemplo típico é a enzima penicilinase, uma β-lactamase, produzida por cepas resistentes à penicilina. As β-lactamases de bactérias gram-positivas, codificadas por plasmídios, são induzidas e possuem uma alta afinidade por seus substratos. São extracelulares e produzidas em grandes quantidades. Por isso, podem proteger toda a população bacteriana da região dos efeitos da penicilina (incluindo cepas vizinhas sensíveis). As β-lactamases de gramnegativos são constitutivas e ligadas à célula. São codificadas por genes cromossomiais ou de plasmídios. Sua localização no espaço periplásmico restringe o acesso da penicilina ao seu receptor e, ao contrário das β-lactamases de gram-positivas, protege apenas a célula que a produz. A produção de β-lactamases constitui a forma mais comum de resistência bacteriana às penicilinas, advindo daí o desenvolvimento de drogas com o intuito de impedir a ação dessas enzimas, chamadas de inibidores de β-lactamases. A utilização do ácido clavulânico associado à amoxicilina visa justamente a bloquear a ação dessas enzimas, impedindo a destruição do antibiótico. A resistência à eritromicina e à tetraciclina também pode ser mediada por inativação enzimática. b) Alterações no receptor da droga. Receptores podem ser produzidos com seu sítio de ligação à droga alterado, oferecendo baixa afinidade de ligação. Isso faz com que o agente antimicrobiano não se ligue
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mais de forma efetiva sobre seu alvo de atuação. Essa é uma forma de resistência aos β-lactâmicos, à eritromicina, à clindamicina, às tetraciclinas e às quinolonas. c) Aumento da produção do receptor para a droga. Um aumento da produção de receptores pode tornar a droga ineficaz. Isso porque, embora a droga se ligue a seu alvo específico, inibindo-o, outros permanecem livres para continuar suas funções. Por exemplo, um aumento na síntese de PBPs pode resultar em resistência aos β-lactâmicos. d) Redução da permeabilidade à droga. Alterações estruturais no envelope celular ou a perda da capacidade de transportar a droga para o interior da célula bacteriana podem diminuir ou impedir a penetração da droga, limitando seus efeitos. Esse mecanismo é responsável pela resistência bacteriana aos β-lactâmicos, à eritromicina, às tetraciclinas, ao metronidazol e às quinolonas. Calcado no exposto, observa-se que existem múltiplas formas de resistência para uma mesma droga. Assim, a inibição de uma via não implica necessariamente maior eficácia da droga. Por exemplo, a resistência à penicilina associada a um inibidor competitivo da β-lactamase (ácido clavulânico) pode ser mantida por cepas que utilizam um outro mecanismo de resistência, como a produção de PBPs de baixa afinidade. Assim, a droga permanecerá ineficaz no combate à infecção.
DIARREIA ASSOCIADA AO USO DE ANTIBIÓTICOS Os quadros de diarreia associados à administração de antimicrobianos geralmente se instalam por uma alteração profunda na comunidade microbiana intestinal. Antibióticos de amplo espectro de ação que são mal absorvidos por via oral tendem a se acumular em maiores quantidades no trato gastrintestinal, sendo mais associados a esses quadros patológicos. A microbiota anfibiôntica intestinal possui várias espécies celulolíticas que produzem celulase, ajudando a digerir os vegetais da nossa dieta. A depleção dessa microbiota acelera o trânsito intestinal pelo acúmulo de fibras vegetais, podendo estabelecer um quadro diarreico. Igualmente, a eliminação da microbiota anfibiôntica intestinal abre espaço para a colonização por bactérias patogênicas ou permite que espécies oportunistas que se encontravam em pequeno número se multipliquem e estabeleçam a doença. Por outro lado, as diarreias associadas aos antibióticos podem não ser infecciosas,
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mas sim causadas pela redução no metabolismo de ácidos biliares primários e de carboidratos, alergia ou efeitos tóxicos dos antibióticos sobre a mucosa intestinal e efeito farmacológico na motilidade intestinal. Uma medida que pode minimizar a ocorrência de diarreia associada ao uso de antimicrobianos é a administração profilática do liófilo de S. boulardii (Floratil®, 100 a 200mg de 12 em 12 horas), com a finalidade de promover uma colonização intestinal com micro-organismos não patogênicos resistentes aos antibióticos utilizados, dificultando a invasão e/ou proliferação de bactérias patogênicas, como o C. difficile7. A maioria dos quadros diarreicos pode ser tratada pela simples reposição hidroeletrolítica (utilização do soro de reidratação caseiro). Todavia, dor abdominal, acompanhada de febre, fezes mucossanguinolentas em evacuações líquidas, profusas e frequentes, constitui uma situação mais grave, podendo ser um quadro de CP, a qual representa 10 a 20% dos casos de diarreia associada aos antibióticos, e sua ocorrência está associada à presença de uma cepa de C. difficile produtora de toxina entero-hemorrágica no intestino do paciente, cepa essa resistente ao antibiótico ministrado. Antibióticos de amplo espectro depletam a microbiota intestinal e, se cepas de C. difficile produtoras de toxina estiverem presentes (ou infectarem o paciente durante o tratamento) e não forem afetadas pela medicação, elas podem encontrar condições ambientais para se multiplicar e causar doença. A ocorrência de um quadro de CP é preocupante, já que a ausência de uma intervenção adequada pode levar o paciente ao óbito. Todavia a incidência dessa patologia varia em diferentes estudos entre 0,01 e 10% dos pacientes61, com uma maior incidência para os pacientes internados por períodos mais longos em hospitais gerais. Pacientes submetidos a regimes de antibioticoterapia mais prolongada são mais suscetíveis aos quadros diarreicos, principalmente os idosos70. A ocorrência de CP geralmente se dá após a administração dos seguintes antibióticos (em ordem de frequência de ocorrência): ampicilina, cefalosporinas (principalmente a cefoxitina), lincosamidas (principalmente a clindamicina), tetraciclinas, macrolídeos e cloranfenicol30. A amoxicilina também pode provocar a CP; entretanto, como apresenta uma boa absorção, raramente isso ocorre. De toda forma, é muito importante salientar que a CP pode estar associada à utilização de qualquer antimicrobiano de amplo espectro e, por isso, o paciente deve ser acompanhado e esclarecido sob a possível ocorrência de diarreia para que se proceda à intervenção necessária o mais breve possível.
O metronidazol é a droga de escolha para o tratamento da maioria dos casos de diarreia associada ao C. difficile21. Embora o paciente deva ser encaminhado ao médico para o tratamento da colite, cabe ao dentista suspender e alterar o regime antibiótico em curso para o tratamento da infecção oral.
PROFILAXIA ANTIBIÓTICA A profilaxia antibiótica consiste na administração de antibióticos a pacientes sem evidências de infecção para prevenir a colonização bacteriana e reduzir o risco de desenvolvimento de complicações pós-operatórias.
Indicações O uso profilático de antibióticos é indicado em Odontologia principalmente para prevenir o desenvolvimento de endocardite bacteriana (EB) em pacientes de risco, resultante de bacteremias seguintes a procedimentos operatórios44,46,50. A endocardite bacteriana é uma infecção grave das válvulas cardíacas ou das superfícies endoteliais do coração, que atinge um índice de mortalidade de aproximadamente 10%. Em 2007, a American Heart Association (AHA) revisou as indicações para a realização da profilaxia da EB, diminuindo o número de indicações em relação às recomendações anteriores de 199768,69. Pacientes de risco para desenvolver EB, logo que necessitam de profilaxia antibiótica, estão listados no Quadro 21-4. Os motivos que motivaram as mudanças nos pacientes-alvo para receberem a profilaxia antibiótica no que concerne à EB são: • a EB resulta muito mais provavelmente de exposições frequentes a bacteremias aleatórias associadas a atividades diárias do que a bacteremias causadas por procedimentos odontológicos; • a profilaxia antibiótica pode prevenir um número extremamente reduzido de casos de EB, se é que previne algum caso, em pessoas submetidas a procedimentos odontológicos; • o risco de eventos adversos pelo uso de antibióticos excede os benefícios, se é que há algum, da profilaxia antibiótica; • a manutenção da saúde e da higiene oral pode reduzir a incidência de bacteremia decorrente de atividades diárias e é mais importante que a antibioticoprofilaxia nos procedimentos odontológicos para reduzir o risco de EB.
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Quadro 21-4 Condições cardíacas associadas à endocardite segundo a American Heart Association Profilaxia recomendada Alto risco • Válvulas cardíacas protéticas ou material protético utilizado para reparo de válvula cardíaca • Endocardite bacteriana prévia • Doenças cardíacas congênitas (DCC): – DCC cianótica não reparada, incluindo shunts ou condutos paliativos – Defeito cardíaco congênito completamente reparado com material protético ou aparelho, se colocado por cirurgia ou intervenção por cateter, apenas nos primeiros 6 meses após o procedimento – DCC reparada, mas com defeitos residuais no local ou adjacentes ao local da prótese (que iniba a endotelialização) • Receptores de transplantes cardíacos que desenvolveram valvulopatia cardíaca Profilaxia não recomendada Médio risco • Maioria das outras malformações congênitas • Disfunção valvular adquirida (por exemplo, doença cardíaca reumática) • Cardiomiopatia hipertrófica • Prolapso da válvula mitral com regurgitação valvular Baixo risco • Defeito septal atrial secundário isolado • Reparo cirúrgico de defeito do septo atrial, defeito do septoventricular ou duto arterial persistente (sem resíduos além de 6 meses) • Cirurgia com enxerto para derivação da artéria coronária • Prolapso da válvula mitral sem regurgitação valvular • Sopro cardíaco fisiológico, funcional ou inocente • Doença de Kawasaki prévia sem disfunção valvular • Febre reumática prévia sem disfunção valvular • Marcapasso cardíaco (intravascular ou epicárdico) e desfibriladores implantados
A profilaxia não está indicada para pacientes portadores de pinos, placas ou parafusos ortopédicos. Pacientes com próteses articulares devem receber profilaxia antibiótica durante os 2 primeiros anos após a colocação da prótese. Findo esse período, a profilaxia deve ser feita apenas para pacientes de alto risco, como imunossuprimidos, imunocomprometidos, diabéticos, hemofílicos e para indivíduos malnutridos. Pacientes recebendo quimioterapia para tratamento do câncer e casos de transplante de medula devem receber profilaxia antibiótica se a contagem de leucócitos for inferior a 2.500. Nesses casos, o regime profilático proposto para a endocardite também pode ser utilizado.
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Pacientes infectados por HIV e que necessitam de tratamento endodôntico não apresentam maiores riscos de complicações infecciosas quando comparados com pacientes não infectados. Assim, não requerem antibióticos administrados profilaticamente. Na verdade, o uso de profilaxia antibiótica em pacientes infectados por HIV que se apresentam gravemente imunocomprometidos gera um grande risco de desenvolvimento de infecções secundárias causadas por patógenos oportunistas que são resistentes à droga. A profilaxia antibiótica tem sido prescrita por alguns profissionais antes ou depois de procedimentos de cirurgia oral menor em pacientes que não estão incluídos no grupo de risco para sequelas infecciosas decorrentes de bacteremia. Tal procedimento não é substanciado por evidências científicas e diverge significativamente dos protocolos e princípios de profilaxia antibiótica em cirurgia. A cobertura antibiótica profilática em pacientes cirúrgicos é comprovadamente eficaz e com uma razoável relação risco-benefício em casos de cirurgias “limpas” (cirurgia aberta do coração, reconstrução de vasos principais, cirurgia para colocação de próteses articulares), nos quais o risco de infecção é remoto, mas, se ocorrer, pode gerar consequências graves; ou em casos de cirurgias “contaminadas” (cirurgia eletiva biliar, gástrica ou colônica), nos quais a probabilidade de infecção é grande, mas raramente fatal. Autoridades em doenças infecciosas apenas recomendam cobertura antibiótica profilática para procedimentos cirúrgicos com um alto risco de infecção e/ou para colocação de implantes. De acordo com esse critério, o único procedimento cirúrgico oral que poderia justificar a profilaxia antibiótica em pacientes saudáveis seria a cirurgia para colocação de implantes; todavia, mesmo nesses casos há indicações de que a administração de antibióticos não melhora o prognóstico do procedimento60. Cumpre enfatizar que a utilização da profilaxia antibiótica para o tratamento de pacientes normais, saudáveis, é extremamente empírica e contraindicada. Um caso específico constitui a profilaxia antibiótica nos casos de dentes avulsionados. Nos casos de avulsão traumática, geralmente o dente entra em contato com superfícies contaminadas e os procedimentos adequados ao reimplante não permitem uma limpeza eficiente da superfície radicular. A limpeza vigorosa da superfície radicular irá danificar as fibras residuais do ligamento periodontal, acarretando um risco aumentado de reabsorção por substituição pós-reimplante. Dessa forma, a administração de antibióticos no período mais crítico do reimplante é fundamental para evitar a proliferação de bactérias que, estabelecendo uma in-
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fecção, poderiam impedir o reparo do ligamento periodontal. Devido às suas propriedades inibitórias sobre metaloproteinases e pelo espectro de ação adequado, a doxiciclina se apresenta como o antibiótico mais indicado para esses casos, na posologia de 100mg/dia, por 7 dias.
Eficácia da profilaxia Alguns requisitos são necessários para a eficácia da profilaxia antibiótica44,46,49,50: a) a seleção do antibiótico deve ser fundamentada no provável micro-organismo que causará a infecção; b) o antibiótico deve atingir concentração sérica eficaz antes da disseminação dos micro-organismos; c) o antibiótico deve ser bactericida; d) o antibiótico não deve ser administrado por um período prolongado antes do procedimento, isso para evitar o risco de selecionar micro-organismos resistentes; e) o benefício da profilaxia para o paciente deve compensar os riscos de alergia (anafilaxia), resistência, toxicidade e superinfecções. A efetividade da profilaxia antibiótica em Odontologia tem sido questionada, uma vez que inúmeros patógenos podem estar associados a infecções orais, sendo muito difícil a seleção de um antibiótico eficaz contra todos. Entre esses patógenos existem ainda diversos graus de virulência e modelos diferentes de resistência aos antibióticos. Outrossim, não existem estudos clínicos controlados que tenham determinado a droga de escolha, sua efetividade, a dose terapêutica e o intervalo apropriado entre as doses. Reconhecidamente, o uso profilático de antibióticos em procedimentos orais é empírico. Ele visa a prevenir uma infecção por uma espécie bacteriana a princípio desconhecida, de patogenicidade também desconhecida, em um tecido desconhecido, utilizando uma dosagem de eficácia desconhecida. Acreditamos que o uso profilático de antibióticos, como o recomendado pela AHA, deva ser empregado nas indicações já citadas (ver também as indicações no Quadro 21-5), pois, embora sua eficácia não seja comprovada cientificamente, por outro lado também não existe comprovação de sua ineficácia. Já a British Society for Antimicrobial Chemotherapy estabelece que a profilaxia da endocardite bacteriana no âmbito da Odontologia deveria se restringir aos pacientes com história de endocardite prévia ou que possuam válvulas cardíacas
Quadro 21-5 Procedimentos dentários e profilaxia da endocardite segundo a American Heart Association Profilaxia recomendada* • Extração dentária • Procedimentos periodontais, incluindo cirurgias, raspagem e polimento radicular, sondagem e consultas de manutenção • Aplicação de implantes dentários e reimplantes após avulsão • Instrumentação endodôntica e cirurgia perirradicular • Aplicação subgengival de fibras ou fitas de antibióticos • Colocação de bandas ortodônticas, mas não de brackets • Anestesia intraligamentar • Profilaxia dentária ou de implantes quando é previsto sangramento Profilaxia não recomendada • Dentística restauradora** com ou sem fio retrator*** • Anestesia local (exceto intraligamentar) • Cimentação de núcleo metálico e reconstrução • Aplicação de isolamento absoluto • Remoção de suturas • Colocação de prótese removível ou aparelhos ortodônticos • Moldagens • Aplicação de flúor • Tomadas radiográficas • Ajustes de aparelhos ortodônticos • Exfoliação de dentes decíduos * Profilaxia recomendada para pacientes de alto e médio riscos. ** Inclui restaurações de dentes cariados e substituição de dentes perdidos. *** Avaliação clínica pode indicar o uso de antibióticos em circunstâncias especiais que podem gerar sangramento significativo.
repostas cirurgicamente ou shunts e próteses vasculares pulmonares estabelecidos cirurgicamente68,69. O médico do paciente deve ser consultado e a relação risco-benefício discutida, incluindo o desenvolvimento de reações alérgicas (muitas vezes letais), resistência, toxicidade e superinfecções. Absolutamente, não é vergonha para um profissional debater com outro questões inerentes a um paciente em comum.
Regime profilático Determinados procedimentos odontológicos em tecidos contaminados podem causar bacteremia transitória, que raramente persiste por mais de 30 minutos4,27,36,53,54. Todavia, tem sido relatado que bacteremia envolvendo algumas espécies potencialmente patogênicas pode durar no mínimo 60 minutos3,37. Bactérias presentes na corrente sanguínea podem ser aprisionadas e se estabelecer em válvulas cardíacas anormais ou danificadas, no endocárdio ou no endotélio adjacente a defeitos
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anatômicos, induzindo a endocardite bacteriana ou a endoarterite51. Embora a ocorrência de bacteremia seja comum após procedimentos invasivos, apenas certas espécies bacterianas podem causar endocardite. Devese aclarar que nem sempre é possível prever quais pacientes desenvolverão esse processo infeccioso ou qual procedimento específico será o responsável50,51. Bochechos com antissépticos, como a solução de gluconato de clorexidina a 0,12%, realizados imediatamente antes de procedimentos dentários, podem reduzir a incidência ou a magnitude de bacteremias. De fato, bochechos com 15mL dessa solução de clorexidina são recomendados para todos os pacientes de risco ou não, cerca de 30 segundos antes do procedimento a ser executado, como uma das medidas rotineiras de precaução universal no atendimento odontológico38,63. Por outro lado, a utilização caseira continuada e sem orientação profissional
desses bochechos deve ser desestimulada, uma vez que pode resultar em seleção de micro-organismos resistentes e dificultar o processo de reparo de feridas orais. Os procedimentos odontológicos com risco de desenvolver bacteremias e, portanto, justificando o emprego de profilaxia estão listados no Quadro 21-6. No geral, a profilaxia antibiótica para prevenção da endocardite bacteriana é recomendada em procedimentos associados a sangramento significante oriundo de tecidos moles e/ou duros, como em raspagem periodontal e em cirurgia perirradicular. De forma similar, também é indicada em tonsilectomia ou em cirurgia periodontal. Como pode ocorrer sangramento inesperado ocasionalmente, dados de estudos utilizando um modelo animal sugerem que a profilaxia antimicrobiana administrada até 2 horas após o procedimento pode ainda apresentar eficácia. Antibióticos administrados por
Quadro 21-6 Regime profilático para procedimentos odontológicos Situação
Agente
Regime *
Profilaxia padrão
Amoxicilina
Adultos: 2g; Crianças: 50mg/kg Via oral, 1 hora antes do procedimento
Pacientes impedidos de tomar medicação por via oral
Ampicilina
Adultos: 2g IM ou IV Crianças: 50mg/kg IM ou IV 30min antes do procedimento
ou
Pacientes alérgicos às penicilinas
Cefazolina ou Ceftriaxona
Adultos: 1g IM ou IV Crianças: 50mg/kg IM ou IV 30min antes do procedimento
Clindamicina
Adultos: 600mg Crianças: 20mg/kg Via oral, 1 hora antes do procedimento
ou Cefalexina ou Cefadroxil ** ou
Pacientes alérgicos às penicilinas e impedidos de tomar medicação por via oral
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Adultos: 2g Crianças: 50mg/kg Via oral, 1 hora antes do procedimento
Azitromicina ou Claritromicina
Adultos: 500mg Crianças: 15mg/kg Via oral, 1 hora antes do procedimento
Clindamicina
Adultos: 600mg IV Crianças: 20mg/kg IV 30min antes do procedimento
ou Cefazolina ou Ceftriaxona**
Adultos: 1g IM ou IV Crianças: 50mg/kg IM ou IV 30min antes do procedimento
* A dosagem para crianças não pode exceder a de adultos. ** Não deveriam ser utilizadas em pacientes com reação de hipersensibilidade imediata (urticária, angioedema ou anafilaxia) às penicilinas.
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Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
mais de 4 horas após o procedimento aparentemente não apresentam benefícios profiláticos. Já os seguintes procedimentos ou eventos não necessitam de profilaxia antibiótica: injeções para anestesia de rotina em tecidos não infectados, tomada de radiografias dentais, colocação de próteses removíveis ou aparelhos ortodônticos, ajustes de aparelhos ortodônticos, colocação de brackets ortodônticos, exfoliação de dentes decíduos e sangramento decorrente de trauma nos lábios ou na mucosa oral68,69. Se o paciente necessita de uma série de intervenções dentárias, é prudente se observar um intervalo entre as sessões de tratamento para prevenir o risco de selecionar cepas bacterianas resistentes e permitir a repopulação da cavidade bucal por bactérias suscetíveis ao antibiótico. Um período de 9 a 14 dias entre as sessões parece ser o ideal13. Os estreptococos alfa-hemolíticos são a principal causa de endocardite após intervenções na cavidade bucal. Assim, a profilaxia deveria ser direcionada especificamente contra esses micro-organismos. O regime padrão recomendado para todos os procedimentos odontológicos indicados é representado por uma única dose de amoxicilina por via oral. A amoxicilina, a ampicilina e a penicilina V são identicamente eficazes contra esses estreptococos alfa-hemolíticos, sendo a amoxicilina a droga de eleição graças à sua melhor absorção ao nível do trato gastrintestinal, além de alcançar níveis séricos mais elevados e prolongados. A dosagem atualmente recomendada é de 2g de amoxicilina, 1 hora antes do procedimento13,68,69. A segunda dose, a qual era advogada pela recomendação anterior da American Heart Association de 1990, não se torna necessária, devido aos níveis séricos prolongados atingidos pela droga, os quais se encontram acima da concentração inibitória mínima para a maioria dos estreptococos orais e devido à prolongada atividade inibitória no soro induzida pela amoxicilina contra tais cepas (cerca de 6 a 14 horas). O Quadro 21-6 mostra o regime profilático indicado pela AHA. Embora de eficácia ainda questionável, toda intervenção endodôntica em pacientes de risco para endocardite bacteriana deve ser realizada sob profilaxia antibiótica. Isso é ainda mais crítico no tratamento endodôntico de dentes com polpa necrosada e na cirurgia perirradicular, devido ao fato de o risco de bacteremia ser maior.
Tratamento odontológico e a endocardite bacteriana Relação causal Bacteremias associadas a tratamentos dentários podem ser responsáveis por 4% ou menos dos casos de
endocardite bacteriana49,50. Procedimentos invasivos podem causar endocardite devido a bacteremias. Contudo, bacteremias casuais podem ser observadas no próprio cotidiano do paciente, associadas à escovação, mastigação, uso de fio dental e injúrias traumáticas à pele e mucosas. Como bacteremias também ocorrem em tais circunstâncias, é extremamente difícil estabelecer a causa da endocardite3,37,43,52. O estabelecimento de uma relação de causa e efeito é possível quando se conhece o período de incubação da doença. Na grande maioria dos casos, a endocardite bacteriana se desenvolve no período de duas semanas subsequentes à ocorrência de bacteremia. Assim, um tratamento odontológico concluído 2 semanas ou mais antes do aparecimento dos sinais e sintomas de endocardite não pode ser considerado como sua causa. Uma exceção é a endocardite estafilocócica, que apresenta um menor período de incubação e rápido desenvolvimento. Como estafilococos são menos frequentes na cavidade oral do que em outras regiões, como pele, nasofaringe, conjuntiva e tratos gastrintestinal e geniturinário, é arriscado atribuir a procedimentos odontológicos a causa da endocardite estafilocócica.
CONCLUSÕES GERAIS Baseado no exposto neste capítulo, antibióticos devem ser considerados como o ás na manga do endodontista, sendo utilizados apenas em algumas situações específicas. De outra forma, seu uso abusivo e errôneo contribui decisivamente para o cenário atual de desenvolvimento e disseminação de resistência bacteriana. Destarte, para que possamos ter antibióticos eficazes no combate às doenças infecciosas, eles devem ser prescritos hoje com muita prudência. A comunidade científica tem despertado para essa questão da disseminação de resistência microbiana, e novas perspectivas têm sido geradas quanto ao desenvolvimento de novos antibióticos para contornar o problema sério que vivemos40. Como profissionais da área de saúde aptos a prescrever, é nosso dever contribuir para garantir que, no futuro, os antibióticos ainda sejam eficazes no manejo de doenças infecciosas. Para isso, basta estarmos bem informados e agirmos conscientemente, reconhecendo as indicações para seu uso responsável e criterioso na prática odontológica.
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Capítulo 21 Antibióticos em Endodontia
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Capítulo
22
Traumatismo Dentário
Gilberto Debelian Martin Trope Asgeir Sigurdsson
INCIDÊNCIA
História do acidente
Embora as injúrias traumáticas ocorram em qualquer idade, a idade mais comum em que afetam os dentes permanentes varia ativamente de 8 a 12 anos, principalmente como resultado de acidentes em bicicletas, skates, playgrounds ou acidentes esportivos11,14,21,26,107. Meninos são mais comumente afetados do que meninas, na proporção de 1,5:111,14,21,26,107. O dente mais vulnerável é o incisivo central superior, que envolve aproximadamente 80% das injúrias dentárias, seguido pelo lateral superior e pelos incisivos centrais e laterais inferiores14,26,107.
Quando, como e onde ocorreu o acidente são significativos14.
HISTÓRIA E EXAME CLÍNICO As injúrias dentárias nunca são agradáveis nem para o paciente nem para o clínico. Consequentemente, a visita de emergência geralmente consiste de um paciente ou seu responsável estressado se deparando com um clínico assoberbado. Esse é um dos desafios que os clínicos enfrentam para controlar a cena, acalmar os pacientes e os pais, e levar o tempo necessário para conduzir uma avaliação qualitativa das injúrias do paciente. Sem esse controle pelo clínico, injúrias significativas podem ser facilmente negligenciadas pela urgência do momento. A história médica é fundamental para todas as outras avaliações e para o tratamento do paciente.
Quando o acidente ocorreu é o mais importante. Com o passar do tempo começam a se formar coágulos sanguíneos, o ligamento periodontal resseca, a saliva contamina a ferida e todos esses se tornam fatores decisivos em relação à sequência de tratamento. Compreender como o acidente ocorreu ajudará o clínico a localizar injúrias específicas. Um murro nos dentes anteriores pode causar fraturas da coroa, da raiz e do osso da região anterior e é menos provável de lesar regiões posteriores. Uma pancada sob o queixo ou sob a mandíbula pode causar fraturas em qualquer dente da boca. Uma pancada amortecida (por exemplo, queda contra o braço de uma cadeira revestida) pode causar fratura da raiz ou deslocamento do dente, enquanto uma pancada em superfície dura (parede de concreto) tende a causar fraturas coronárias. Onde o trauma ocorreu se torna significativo para o prognóstico. A necessidade de profilaxia para o tétano é influenciada pelo local do acidente. Onde o trauma ocorreu também pode ser significativo por causa do seguro e de um possível litígio. Outra questão importante é perguntar se qualquer tipo de tratamento já foi realizado pelos pais, técnico, médico, enfermeira do colégio, professor ou funcionário de ambulância. Um dente de aparência
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Capítulo 22 Traumatismo Dentário
normal pode ter sido reimplantado ou reposicionado previamente por qualquer uma dessas pessoas ou pelo próprio paciente, e isso irá influir no prognóstico e na sequência do tratamento.
Exame clínico Queixa principal Com exceção de dor e sangramento, pode haver uma queixa específica que ajude no diagnóstico. Se a queixa for de que os dentes “não estão encaixando”, o clínico deve considerar possíveis deslocamentos ou fratura óssea. Dor que ocorre somente quando o paciente trinca os dentes pode indicar fraturas coronárias, radiculares ou ósseas ou, ainda, deslocamentos.
Exame neurológico Quando o clínico está obtendo a história do acidente e da queixa principal, o paciente deve ser observado em relação a complicações neurológicas ou médicas32. As injúrias dentárias podem ocorrer simultaneamente com outras injúrias da cabeça e pescoço. Deve ser registrado se o paciente está-se comunicando de forma coerente. O paciente tem dificuldade para focar ou rodar os olhos ou para respirar? O paciente pode virar a cabeça de um lado para o outro? Existe alguma parestesia dos lábios ou da língua? O paciente reclama de zumbido no ouvido? Ele tem apresentado dores de cabeça persistentes, tonteiras, sonolência ou vômitos desde o acidente? Obstrução aérea por aparelhos dentários deve ser considerada.
Exame externo Antes de o paciente abrir a boca para um exame intraoral, o clínico deve primeiramente procurar sinais externos da injúria. Lacerações da cabeça e pescoço são facilmente detectáveis. Entretanto, desvios dos contornos normais do osso devem ser atentamente investigados. A articulação temporomandibular deve ser palpada externamente quando o paciente abre e fecha a boca. O padrão de abertura e fechamento da boca do paciente desvia para um dos lados? Se isso ocorre, pode haver indicação de uma fratura mandibular unilateral. Da mesma forma, o arco zigomático, o ângulo e a borda inferior da mandíbula devem ser palpados bilateralmente, devendo ser feitos registros sobre qualquer área de amolecimento, edema ou equimose da face, bochecha, pescoço ou lábios. Esses podem ser sinais de possíveis fraturas ósseas.
Exame dos tecidos moles intraorais A próxima etapa é procurar lacerações dos lábios, língua, mucosa jugal, palato e assoalho bucal. As gengivas vestibulares e linguais e a mucosa oral são palpadas, devendo ser registradas áreas de sensibilidade, edema ou equimose. A borda anterior do ramo da mandíbula é palpada. Quaisquer achados anormais sugerem possíveis injúrias ao dente e ao osso, sendo indicado um posterior exame radiográfico da área. Lacerações dos lábios e da língua devem ser observadas e radiografadas no caso de envolvimento de corpos estranhos.
Exame dos tecidos duros Um dos melhores exames para evidenciar injúrias traumáticas é simplesmente olhar cuidadosamente. Cada dente e suas estruturas de suporte devem ser examinados com uma sonda exploradora e periodontal. Perguntas básicas como “O plano oclusal está desalinhado?” e “Está faltando algum dente?” devem ser respondidas antes da realização de qualquer teste térmico ou elétrico. O examinador procura inicialmente por uma evidência grosseira de injúria. Se vários dentes estiverem fora de alinhamento, uma fratura óssea é a explicação mais razoável. A mandíbula deve ser examinada para pesquisa de fraturas colocando-se o dedo indicador sobre o plano oclusal dos dentes inferiores com os polegares sob a mandíbula, movendo-a de um lado para o outro, para a frente e para trás. Uma fratura mandibular irá causar desconforto com esses movimentos, e um som desagradável de fragmentos quebrados poderá ser ouvido. Uma pressão suave, mas firme, deve ser usada para prevenir um possível trauma adicional ao nervo alveolar inferior e aos vasos sanguíneos. Também pode se tentar mover os dentes individualmente com uma pressão com o dedo. Qualquer mobilidade é indicativa de deslocamento do osso alveolar. O movimento de vários dentes juntos evidencia fratura alveolar. A mobilidade da coroa deve ser diferenciada da de um dente. Quando ocorrem fraturas coronárias, a coroa ficará móvel, mas o dente permanecerá em posição. Ocasionalmente, fraturas radiculares podem ser sentidas colocando-se um dedo sobre a mucosa de um dente e movendo a coroa. Quaisquer fraturas recentes de cúspides ou de margem incisal devem ser registradas. Fraturas incompletas de cúspide podem ser observadas usando-se a ponta de um explorador dental como uma cunha nos sulcos oclusais dos dentes posteriores para evidenciar o movimento de alguma cúspide.
Traumatismo Dentário
Cada margem incisal e cada cúspide devem ser gentilmente percutidas com o cabo do espelho para localizar fraturas incompletas ou dentes que tenham sido levemente deslocados de seus alvéolos. Hemorragia no sulco gengival pode indicar um dente ou um segmento de dente deslocado. Qualquer alteração na coloração dos dentes deve ser observada; a inspeção da superfície lingual dos dentes anteriores com uma luz refletida irá ajudar. Exposições evidentes da polpa devem ser observadas, e as fraturas coronárias com exposições pulpares mínimas podem ser detectadas com uma bolinha de algodão embebida em solução salina e pressionada contra a área suspeita de exposição14. Quando o exame visual está completo e todos os achados anormais foram registrados, devem ser realizadas radiografias das áreas traumatizadas.
Testes térmicos e elétricos Durante décadas, a validade dos testes térmicos e elétricos em dentes traumatizados tem sido motivo de controvérsia. Apenas impressões genéricas podem ser obtidas a partir desses testes subsequentes a uma injúria traumática. Eles são, na realidade, testes de sensibilidade para a função nervosa e não indicam a presença ou a ausência de circulação sanguínea no interior da polpa. Presume-se que após a injúria traumática a capacidade de condução das terminações nervosas e/ou dos receptores sensoriais esteja suficientemente desordenada para inibir o impulso nervoso a partir de um estímulo elétrico ou térmico. Isso torna o dente traumatizado vulnerável a leituras falso-negativas a partir desses testes91. Os dentes que apresentam resposta positiva ao exame inicial podem não necessariamente ser considerados saudáveis, uma vez que com o tempo podem não continuar a dar respostas positivas. Dentes que produzem resposta negativa ou nenhuma resposta não podem ser considerados com polpas necrosadas, porque podem apresentar resposta positiva em consultas posteriores de controle. Foi demonstrado que pode levar cerca de 9 meses para que o fluxo sanguíneo normal retorne à polpa coronária de um dente traumatizado completamente formado. À medida que a circulação é restaurada, a resposta aos testes retorna55. A transição de uma resposta negativa para positiva em um teste subsequente pode ser considerada um sinal de polpa saudável. Os achados contínuos de respostas positivas podem ser considerados como um sinal de polpa saudável. A transição de uma resposta positiva para negativa pode ser considerada como
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uma indicação de que a polpa esteja provavelmente em processo de degeneração. A persistência de uma resposta negativa sugere que a polpa foi comprometida de forma irreversível, mas, mesmo assim, isso não é absoluto27. Testes pulpares térmicos e elétricos de todos os dentes anteriores (canino a canino), superiores e inferiores, devem ser realizados no momento inicial do exame e cuidadosamente registrados para estabelecer uma base de comparação com testes subsequentes repetidos nos meses posteriores. Esses testes devem ser repetidos depois de 3 semanas, com 3, 6 e 12 meses de intervalo anual após o trauma. O propósito dos testes é estabelecer uma diretriz do status fisiológico das polpas desses dentes. Particularmente, em dentes traumatizados, a neve de dióxido de carbono (–78ºC) ou o diclorodifluormetano (–40ºC) colocados sobre o terço incisal da superfície vestibular produzem respostas mais precisas do que o bastão de água gelada53,54 (Fig. 22-1). O frio intenso parece penetrar no dente e na cobertura dos splints ou das restaurações e alcançar áreas mais profundas do dente. Além disso, o gelo seco não forma água gelada, que pode dispersar sobre o dente adjacente ou sobre a gengiva e produzir uma resposta falsonegativa. O teste pulpar elétrico se baseia em estímulos elétricos diretamente sobre os nervos pulpares. Esses testes apresentam valor limitado em dentes jovens, porém são úteis em casos onde os túbulos dentinários estão fechados e não permitem que os fluidos dentinários circulem dentro deles. Essa situação é típica em dentes de pacientes mais idosos ou em dentes traumatizados que foram submetidos à esclerose prematura. Nessas situações os testes térmicos que se baseiam no fluxo do fluido nos túbulos não podem ser usados e o teste elétrico se torna importante.
Figura 22-1. Gás diclorodifluormetano (–40°C) é aplicado em uma mecha de algodão e então colocado em contato com a borda incisal do incisivo superior.
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Capítulo 22 Traumatismo Dentário
A fluximetria laser Doppler (FLD) foi introduzida no início dos anos 1970 para a mensuração do fluxo sanguíneo na retina68. A técnica tem sido usada para avaliar o fluxo sanguíneo em outros sistemas tissulares, como a pele e a córtex renal, e utiliza um feixe de luz infravermelha (780-820nm) ou quase infravermelha (632,8nm) direcionada para o tecido por fibras óticas. Enquanto a luz penetra no tecido, ela se dispersa através dos eritrócitos em movimento e das células teciduais estacionárias. Os fótons que interagem com os eritrócitos em movimento são dispersados e a frequência é modificada de acordo com o princípio do Doppler. Os fótons que interagem com as células estacionárias são dispersados, mas não são modificados pelo Doppler. Uma porção da luz retorna ao fotodetector e um sinal é produzido (Fig. 22-2). Têm sido feitas tentativas de utilizar a tecnologia FLD para o diagnóstico da vitalidade pulpar em dentes traumatizados, porque ela ofereceria uma leitura mais precisa do status de vitalidade da polpa85,133. Estudos demonstraram resultados promissores, indicando que o laser Doppler pode detectar o fluxo sanguíneo de forma mais consistente e mais cedo do que os testes comumente utilizados. Atualmente o custo do aparelho de fluxometria por laser Doppler limita seu uso nos consultórios dentários particulares, sendo usado primariamente em hospitais e em instituições de ensino.
Exames radiográficos As radiografias são instrumentos essenciais no exame completo dos tecidos duros traumatizados. Elas podem revelar fraturas radiculares, fraturas coronárias subgengivais e fraturas ósseas, deslocamentos dentários, reabsorções das raízes e do osso adjacente ou objetos estranhos.
A
B
Entretanto, o padrão da radiografia dentária apresenta graves limitações. Por exemplo, uma linha de fratura pode correr no sentido mesiodistal de um dente e não estar evidente na radiografia. Uma linha de fratura também pode ser diagonal em um sentido vestibulolingual e não ser óbvia em um filme. Da mesma forma, uma fratura muito fina pode não estar evidente na radiografia ao exame inicial e somente mais tarde se tornar óbvia quando fluidos teciduais e mobilidade se espalharem sobre as partes fraturadas. A reabsorção radicular também é extremamente difícil de se detectar em radiografias dentárias. A radiodensidade da raiz requer que uma quantidade significativa de substância radicular seja removida para que haja contraste suficiente na radiografia que permita detectá-la. Assim, somente os defeitos de reabsorção na superfície mesial ou distal da raiz podem ser detectados de forma previsível. A fim de superar essas dificuldades é essencial que sejam tiradas quantas radiografias anguladas forem possíveis para avaliar a reabsorção do osso adjacente125. A partir do momento em que a reabsorção devido ao trauma dentário for de natureza inflamatória, o osso adjacente a uma área de reabsorção radicular será afetado de forma semelhante e irá reabsorver. Pelo fato de o osso não ser tão radiodenso quanto a raiz, é mais fácil detectar reabsorção óssea do que reabsorção radicular125. Novas técnicas radiográficas, como a tomografia computadorizada de abertura sincronizada (Tuned Aperture CT ou TACT), têm-se mostrado promissoras na melhora da capacidade de os clínicos diagnosticarem reabsorção radicular86, mas atualmente são experimentais ou financeiramente inviáveis de ser praticadas pelo dentista. Nos casos de laceração dos tecidos moles é recomendável radiografar a área lesada antes de suturar para
Figura 22-2. Fluximetria laser Doppler. A. Uma luz vermelha é emitida de uma fonte – se o feixe de luz encontra células ou tecidos estacionários, não há alteração no espectro de luz; contudo, se a luz encontra células se movimentando no interior de vasos sanguíneos, há uma alteração no espectro de luz espalhada (por dispersão), de acordo com o princípio de Doppler. B. Aparelho laser Doppler da Moor Instruments. Esse aparelho é montado com duas sondas que podem medir a circulação de dois dentes simultaneamente.
Traumatismo Dentário
A
B
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C
Figura 22-3. Paciente com fraturas coronárias complicadas em dentes superiores. A. Capeamento pulpar de emergência foi realizado e aplicada resina composta. Seis dias depois, o paciente foi encaminhado à clínica por causa de reparação inadequada da laceração do lábio. B. Uma radiografia do lábio revelou parte da coroa do incisivo lateral ainda no lábio. O paciente foi anestesiado e a coroa removida. C. A reparação então ocorreu sem maiores incidentes subsequentemente.
se ter certeza de que não há corpos estranhos envolvidos. Uma radiografia de tecido mole com um filme de tamanho normal exposta brevemente a uma quilovoltagem reduzida deve revelar a presença de várias substâncias estranhas, inclusive fragmentos dentários (Fig. 22-3). Na revelação dos filmes de dentes traumatizados, uma atenção especial deve ser direcionada para a dimensão do espaço do canal radicular, para o grau de fechamento apical da raiz, para a proximidade das fraturas com a polpa e para a relação das fraturas radiculares com a crista alveolar. Enquanto os filmes periapicais convencionais são geralmente úteis, um filme oclusal ou um filme panorâmico pode complementá-los quando o examinador está investigando fraturas ósseas ou corpos estranhos. Traumas sérios como acidentes de automóvel podem afetar qualquer dente e ocorrem em todas as faixas etárias. Assim, em muitos casos após injúria traumática dentária, a terapia endodôntica é realizada em um dente permanente jovem unirradicular sem cárie. Portanto, se um tratamento rápido e correto é realizado logo após a injúria, o potencial para um resultado endodôntico bem-sucedido é muito providencial.
Fraturas coronárias Essas injúrias geralmente ocorrem em dentes anteriores jovens e sem cáries. Isso faz com que a manutenção da vitalidade pulpar seja altamente desejável. Por sorte, a terapia para polpa vital tem um bom prognóstico nessas situações se o tratamento correto e os procedimentos de acompanhamento forem seguidos.
Fraturas coroa-raiz Essas fraturas são primeiramente tratadas periodontalmente para assegurar que seja possível uma
margem para a restauração. Se o dente pode ser mantido do ponto de vista periodontal, a polpa é tratada como para uma fratura de coroa.
Fraturas radiculares Surpreendentemente, um grande número de polpas em dentes com fratura radicular sobrevive a uma injúria traumática. Na verdade, em quase todos os casos o segmento apical permanece vital. Se o segmento coronário perde a vitalidade, ele deve ser tratado como um dente permanente jovem necrosado. O segmento apical vital não deve ser tratado!
Injúrias por luxações Essas injúrias geralmente resultam em necrose pulpar e também em lesão da camada protetora de cemento. A combinação potencial da infecção pulpar em uma raiz que tenha perdido sua camada protetora de cemento torna essas injúrias potencialmente catastróficas, e o tratamento de emergência correto e o tratamento endodôntico, críticos.
FRATURAS CORONÁRIAS Como já mencionado, o primeiro objetivo sob o ponto de vista endodôntico é manter a vitalidade após esses tipos de injúrias dentárias. Trincas de esmalte – “Fratura incompleta ou rachadura do esmalte sem a perda de estrutura dentária”14 e Fratura dentária não complicada – “Fratura somente do esmalte ou do esmalte e da dentina sem exposição pulpar”14 são injúrias que têm pouco risco de resultar em necrose pulpar. Na verdade, o maior risco à saúde da polpa se deve a causas iatrogênicas provocadas pelo
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dentista durante a restauração estética desses dentes. Portanto, um acompanhamento meticuloso por um período de 5 anos é a medida endodôntica preventiva mais importante nesses casos. Se a qualquer momento do acompanhamento muda a reação aos testes de sensibilidade, são desenvolvidos sinais de lesão perirradicular à avaliação radiográfica ou a raiz parece ter interrompido seu desenvolvimento ou se encontra obliterada, deve ser considerada a intervenção endodôntica.
Fratura coronária complicada Definição Fraturas coronárias que envolvem esmalte, dentina e polpa14 (Fig. 22-4).
Incidência Fraturas coronárias complicadas ocorrem em 0,913% das injúrias dentárias34,98,115.
Consequências biológicas Uma fratura que envolve a polpa, se não for tratada, sempre irá resultar em necrose pulpar74. Entretanto, a maneira e a sequência de tempo pela qual a polpa se torna necrosada são responsáveis por grande parte do potencial de sucesso em uma intervenção para manter a polpa saudável. A primeira reação após a injúria é hemorragia e inflamação local (Fig. 22-5). As alterações inflamatórias subsequentes geralmente são proliferativas, mas também podem ser destrutivas. Uma reação proliferativa é favorecida nas injúrias traumáticas, já que a superfície fraturada geralmente é plana, permitindo a irrigação pela saliva com pouca chance de impactação de restos alimentares contaminados. Portanto, a menos que a impactação de detritos contaminados seja óbvia, espera-se que nas
Figura 22-4. Fratura coronária complicada envolvendo esmalte, dentina e polpa.
Figura 22-5. Aparência histológica da polpa 24 horas após exposição traumática. A polpa proliferou para a área de dentina exposta. Há aproximadamente 1,5mm de polpa inflamada abaixo da superfície de fratura.
primeiras 24 horas após a injúria uma resposta proliferativa com inflamação se estendendo não mais do que 2mm para o interior da polpa esteja presente36,40,63 (Fig. 22-5). Com o tempo, a invasão bacteriana irá resultar em necrose pulpar e em reabsorção radicular (Fig. 22-6).
Figura 22-6. Aspecto radiográfico. Reabsorção radicular.
Traumatismo Dentário
Tratamento As opções de tratamento são: 1 – Tratamento da polpa vital, compreendendo capeamento pulpar, pulpotomia parcial e pulpotomia total, ou 2 – Pulpectomia. A escolha do tratamento depende do estágio do desenvolvimento do dente, do tempo entre o trauma ou a lesão e o tratamento, da injúria periodontal concomitante e do plano de tratamento restaurador.
Estágio do desenvolvimento do dente A perda da vitalidade em um dente imaturo pode ter consequências catastróficas. O tratamento do canal radicular em um dente com um canal em forma de bacamarte é difícil e leva tempo. Provavelmente, o mais importante é o fato de que a necrose de um dente imaturo o deixa com paredes dentinárias delgadas e suscetíveis à fratura durante e depois do procedimento de apicificação75 (Fig. 22-7). Portanto, todo o esforço deve ser realizado para manter o dente vital pelo menos até que o ápice e a raiz cervical tenham se desenvolvido completamente. A remoção da polpa em um dente maduro não é tão significativa quanto em um dente imaturo, já que a pulpectomia em um dente maduro tem um índice de sucesso extremamente alto106. Entretanto, foi demons-
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trado que o tratamento da polpa vital (em vez de sua remoção) em um dente maduro realizado sob condições ideais pode ser executado com sucesso83,130. Portanto, essa forma de tratamento pode ser uma opção sob certos aspectos mesmo sendo a pulpectomia o tratamento que oferece o sucesso mais previsível. Em dentes imaturos deve-se sempre que possível optar pelo tratamento conservador da polpa vital, devido às grandes vantagens da manutenção da vitalidade pulpar.
Tempo entre o trauma e o tratamento Até as primeiras 48 horas após a injúria traumática, a reação inicial da polpa é proliferativa com não mais do que 2mm de profundidade de inflamação pulpar. Depois de 48 horas, as chances de contaminação bacteriana direta da polpa aumentam na medida em que a zona de inflamação progride apicalmente40. Assim, com o passar do tempo diminui a chance de sucesso de manutenção de uma polpa saudável.
Dano concomitante ao periodonto Uma injúria periodontal irá comprometer o suprimento nutricional da polpa. Esse fato é especialmente importante em dentes maduros onde a chance de sobrevivência da polpa não é tão boa quanto nos dentes imaturos12,45.
Plano de tratamento restaurador Ao contrário de um dente imaturo onde são grandes os benefícios da manutenção da vitalidade da polpa, em um dente maduro a pulpectomia é a opção de tratamento mais viável. Entretanto, quando realizada em condições ideais, o tratamento da polpa vital após exposições traumáticas pode ser bem-sucedido. Assim, se o plano de tratamento restaurador é simples e uma restauração de resina composta é suficiente como restauração permanente, essa opção de tratamento deve ser seriamente levada em consideração. Se, por outro lado, uma restauração mais complexa for colocada, como, por exemplo, uma coroa ou uma ponte fixa, a pulpectomia pode ser o método de tratamento mais indicado.
Tratamento da polpa vital Requisitos para o sucesso Figura 22-7. Dente imaturo (rizogênese incompleta) submetido a capeamento pulpar e que, devido a um selamento coronário inadequado, acabou resultando em necrose pulpar e lesão perirradicular.
O tratamento da polpa vital tem um índice de sucesso extremamente alto se os seguintes requisitos puderem ser adicionados:
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a) Tratamento de uma polpa não inflamada O tratamento de uma polpa saudável tem demonstrado ser um requisito essencial para o sucesso no tratamento114,123. O tratamento da polpa vital quando está inflamada, apresenta, por outro lado, um índice de sucesso inferior114,123. Portanto, o tempo ideal para o tratamento envolve as primeiras 24 horas quando a inflamação pulpar é superficial. À medida que aumenta o tempo entre o momento da fratura e o tratamento, a remoção da polpa deve ser estendida apicalmente a fim de ficar assegurado que um segmento de polpa não inflamada foi atingido.
b) Selamento antibacteriano Em nossa opinião, esse requisito é o fator mais crítico para um tratamento bem-sucedido114. A invasão por bactérias durante a fase de reparação causará insucesso35. Por outro lado, se a polpa exposta estiver efetivamente vedada contra a passagem bacteriana, a reparação bem-sucedida da polpa com a formação de uma barreira de tecido duro irá ocorrer independentemente da proteção colocada sobre ela35.
c) Curativo pulpar Atualmente, o hidróxido de cálcio é o curativo mais comum usado para a tratamento da polpa vital. Suas vantagens são que ele é antibacteriano33,105 e irá desinfetar a polpa superficialmente. O hidróxido de cálcio puro causará uma necrose em cerca de 1,5mm do tecido pulpar84, que removerá as camadas superficiais de polpa inflamada quando elas estiverem presentes (Fig. 22-8). O alto pH de 12,5 do hidróxido de cálcio causa uma necrose por liquefação nas camadas mais superficiais da polpa100. A toxicidade do hidróxido de
Figura 22-8. Necrose superficial da polpa com cerca de 1,5mm de profundidade como resultado do alto pH do hidróxido de cálcio.
Figura 22-9. Barreira de tecido duro após pulpotomia parcial e aplicação de hidróxido de cálcio. Aparência histológica de odontoblastos de substituição e da barreira.
cálcio parece ser neutralizada à medida que as camadas pulpares mais profundas são afetadas, causando uma necrose coagulativa na junção da polpa necrótica com a polpa vital, resultando apenas em uma discreta irritação pulpar. Essa discreta irritação dará início a uma resposta inflamatória que na ausência de bactérias100 irá permitir à polpa uma reparação por formação de uma barreira de tecido duro99,100 (Fig. 22-9). A colocação de hidróxido de cálcio de presa rápida não causará necrose nas camadas superficiais da polpa e tem demonstrado iniciar uma reparação também com a formação de uma barreira de tecido duro113,120. A principal desvantagem do hidróxido de cálcio é que ele não veda a superfície fraturada. Portanto, um material adicional deve ser usado para assegurar que a polpa não seja invadida por bactérias, particularmente durante a fase crítica de reparação. Muitos materiais como o óxido de zinco e euge123 nol , fosfato tricálcico65 e resina composta22 têm sido propostos como medicamentos para a terapia da polpa vital. Até hoje, nenhum ofereceu a previsibilidade do hidróxido de cálcio usado em conjunção com uma restauração coronária bem vedada. O agregado de trióxido mineral (MTA) tem-se mostrado promissor como agente capeador da polpa46 (Fig. 22-10). Ele possui um alto pH semelhante ao hidróxido de cálcio antes de endurecer117; depois de en-
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Indicações As mesmas do capeamento pulpar.
Técnica
Figura 22-10. Corte histológico de dente de cão após capeamento direto com MTA. Há boa evidência de formação de ponte de dentina diretamente abaixo do MTA. (Gentileza do Dr. L. K. Bakland.)
durecido, irá gerar um excelente selamento antibacteriano118 e é resistente o bastante para agir como base para a restauração final117.
Métodos de tratamento Capeamento pulpar O capeamento pulpar implica a colocação de um curativo diretamente sobre a exposição pulpar.
Indicações Como é demonstrado pelo índice de sucesso desse procedimento (80%)51,93 comparado ao da pulpotomia parcial (95%)36, parece que um capeamento pulpar superficial não deve ser considerado após exposições traumáticas da polpa. O baixo índice de sucesso não é difícil de entender, já que uma inflamação superficial se desenvolve imediatamente após a exposição traumática. Assim, se o tratamento é realizado em um nível superficial, um número de polpas inflamadas (em vez de saudáveis) será tratado diminuindo o potencial de sucesso. Além disso, um selamento antibacteriano coronário rigoroso é muito mais difícil em um capeamento pulpar superficial, uma vez que não há profundidade da cavidade para ajudar a criação de um selamento contra bactérias como em uma pulpotomia parcial.
São realizadas anestesia, aplicação do isolamento absoluto e desinfecção superficial. Uma cavidade de 1-2mm de profundidade é preparada no interior da polpa usando uma broca diamantada estéril de tamanho apropriado com refrigeração profusa com água59 (Fig. 22-11). O uso de broca de baixa rotação ou de colher escavadora deve ser evitado a não ser que a refrigeração com a broca de alta rotação não seja possível. Se o sangramento for excessivo, a polpa é amputada mais profundamente até que apenas uma hemorragia moderada seja observada. O excesso de sangue deve ser cuidadosamente removido por meio da irrigação com substância salina estéril ou solução anestésica e deve ser seco com bolinha de algodão estéril. Deve-se ter o cuidado de não permitir que um coágulo sanguíneo se desenvolva, o que iria comprometer o prognóstico36,99. Se a polpa possui tamanho suficiente que permita uma necrose adicional de 1-2mm, uma fina camada de hidróxido de cálcio puro é misturada com solução salina estéril ou com anestésico e é cuidadosamente depositada sobre ela. Se o tamanho da polpa não permite uma perda adicional de tecido pulpar, pode ser usado um hidróxido de cálcio comercial de presa fácil113 e a cavidade preparada pode ser obturada com um material que apresente a melhor chance de um selamento contra bactérias (óxido de zinco e eugenol ou cimento de ionômero de vidro) em um nível que recubra a superfície fraturada. O material na cavi-
Pulpotomia parcial A pulpotomia parcial implica a remoção do tecido pulpar coronário até o nível da polpa saudável. Em injúrias traumáticas esse nível pode ser precisamente determinado devido ao conhecimento da reação da polpa após uma injúria traumática, procedimento esse que é comumente chamado pulpotomia de Cvek.
Figura 22-11. Pulpotomia parcial de Cvek. O dente fraturado é limpo e desinfetado e é aplicado isolamento absoluto. A cavidade é preparada com broca esférica diamantada em alta rotação na profundidade de 1 a 2mm dentro da polpa. Cavidade após aplicação do hidróxido de cálcio.
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Capítulo 22 Traumatismo Dentário
dade pulpar e todos os túbulos dentinários expostos são recobertos com cimento de hidróxido de cálcio de presa fácil e o esmalte condicionado e restaurado com resina composta adesiva como no capeamento pulpar. Recentemente, o MTA tem sido usado como material de forração permanente para se aplicar diretamente sobre a polpa exposta e substituir o uso do Ca(OH)2. Vários estudos57,82 sobre polpas expostas devido ao trauma mostraram resultados previsíveis de formação de barreira dentinária dura adjacente à exposição quando o MTA foi aplicado.
Acompanhamento O mesmo do capeamento pulpar. Novamente, a ênfase é colocada na evidência da manutenção de positividade pelos testes de sensibilidade e nas evidências radiográficas da continuação do desenvolvimento radicular (Fig. 22-12).
Prognóstico Esse método apresenta muitas vantagens sobre o capeamento pulpar. A polpa superficial inflamada é removida no preparo da cavidade pulpar. O hidróxido de cálcio desinfeta a dentina e a polpa. O mais importante é o espaço oferecido para um material que irá promover o selamento contra bactérias para permitir que a polpa se repare por formação de tecido duro sob condições ideais. Além disso, a polpa coronária não é removida, o que permite a realização dos testes de sensibilidade em consultas de acompanhamento.
A
B
O prognóstico é extremamente satisfatório (9496%)36,52.
Pulpotomia total Esse procedimento envolve a remoção de toda a polpa coronária ao nível dos orifícios radiculares. Esse nível de amputação pulpar é escolhido arbitrariamente de acordo com sua comodidade anatômica. Portanto, já que a polpa inflamada algumas vezes se estende além dos orifícios do canal para o interior da polpa radicular, muitos “erros” são cometidos resultando no tratamento de uma polpa inflamada em vez de uma polpa não inflamada.
Indicações Quando é previsto que a polpa esteja inflamada em níveis mais profundos do que a polpa coronária. Exposições traumáticas após 72 horas ou uma exposição por cárie são exemplos em que essa forma de tratamento pode ser indicada. Devido às chances razoavelmente boas de que o curativo será colocado sobre a polpa inflamada, a pulpotomia total é contraindicada em dentes maduros. Entretanto, os benefícios superam os riscos nesta forma de tratamento em dentes imaturos com os ápices incompletamente formados e com paredes de dentina delgadas.
Técnica Anestesia, aplicação do isolamento absoluto e desinfecção superficial como no capeamento pulpar e
Figura 22-12. Capeamento pulpar. A. Foi realizado capeamento pulpar com hidróxido de cálcio, seguido de aplicação de uma camada de cimento de ionômero de vidro e, então, o fragmento fraturado foi colado com resina composta. B. Um ano de acompanhamento. O dente responde normalmente ao frio. Há boa evidência de continuação da formação radicular e de calcificação imediatamente adjacente ao capeamento.
Traumatismo Dentário
na pulpotomia parcial. A polpa coronária é removida como na pulpotomia parcial, mas ao nível dos orifícios radiculares. Um curativo de hidróxido de cálcio, o selamento contra bactérias e a restauração coronária são realizados como na pulpotomia parcial. O MTA nesse caso também pode substituir o Ca(OH)2 e pode ser usado como um material permanente. Entretanto, o MTA necessita de vários minutos, horas ou dias para endurecer completamente antes que uma obturação permanente seja aplicada sobre ele83.
Acompanhamento O mesmo do capeamento e da pulpotomia parcial. A principal desvantagem desse método de tratamento é o fato de que o teste de sensibilidade não é possível devido à perda da polpa coronária. Portanto, o acompanhamento radiográfico é extremamente importante para a avaliação de sinais de lesão perirradicular e para assegurar a continuação da formação radicular.
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tores recomendam a pulpectomia rotineiramente após a formação completa das raízes (Fig. 22-13). Essa filosofia se baseia no fato de que enquanto o procedimento de pulpectomia apresenta um índice de sucesso de 95%, quando uma lesão perirradicular se desenvolve, o prognóstico do tratamento do canal radicular cai significativamente para cerca de 80%101,102,106 (ver Capítulo 8, Fundamentação filosófica do tratamento endodôntico).
Pulpectomia A pulpectomia implica a remoção de toda a polpa ao nível do forame apical.
Indicações Fratura coronária complicada em um dente maduro (se as condições não forem ideais para o tratamento da polpa vital). Esse procedimento não difere do tratamento do canal radicular de um dente vital não traumatizado.
Prognóstico Na medida em que a pulpotomia é realizada em polpas onde é esperada a presença de inflamação profunda, sendo o local de amputação pulpar arbitrário, muitos “erros” ocorrem, levando ao tratamento de uma polpa inflamada. Consequentemente, o prognóstico que se encontra na faixa de 75% é pior do que o da pulpotomia parcial56. Devido à incapacidade de avaliar o status da polpa após a pulpotomia total, alguns au-
Tratamento da polpa necrosada Dente imaturo – apicificação Indicações Dentes com ápices abertos e paredes de dentina delgadas nos quais as técnicas padronizadas de instrumentação não podem criar um fechamento apical para facilitar a obturação efetiva do canal radicular.
Figura 22-13. Pulpotomia bem-sucedida seguida por pulpectomia 18 meses depois. (Gentileza do Dr. Leif Tronstad.)
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Capítulo 22 Traumatismo Dentário
Consequências biológicas Um dente imaturo não vital apresenta várias dificuldades para o tratamento endodôntico adequado. O canal geralmente é mais amplo apicalmente do que coronariamente, necessitando de uma técnica de obturação com o uso de um material obturador mais amolecido para moldá-lo na forma da porção apical do canal. Uma vez que o forame apical é muito amplo, não existe barreira para impedir que esse material amolecido invada e traumatize os tecidos periodontais apicais. E a falta de fechamento apical e o extravasamento do material através do canal podem resultar em um canal mal obturado e suscetível à infiltração. Um problema adicional em um dente imaturo com paredes dentinárias delgadas é sua suscetibilidade à fratura durante e depois do tratamento37. Esses problemas são superados pelo estímulo da formação de uma barreira de tecido duro que permita uma obturação do canal de forma ideal e reforce a fragilidade da raiz contra fratura antes e depois da apicificação75,116.
Técnica Desinfecção do canal Já que na grande maioria dos casos os dentes não vitais estão infectados, a primeira fase do tratamento é desinfetar o sistema de canais radiculares para assegurar a reparação perirradicular33,41. O comprimento do canal é estimado com uma radiografia pré-operatória e, depois que o acesso aos canais é realizado, uma lima é conduzida a essa extensão. Quando o comprimento tiver sido confirmado radiograficamente, uma limagem muito suave (devido às paredes delgadas de dentina) é realizada com irrigação copiosa com hipoclorito de sódio a 0,5%42,110. Uma concentração menor de NaOCl é usada em razão do maior risco de introdução de hipoclorito de sódio através do ápice em dentes imaturos. Essa concentração mais baixa de NaOCl é compensada pelo volume da solução irrigadora usada. Uma agulha de irrigação que possa alcançar passivamente um comprimento próximo do ápice é útil na desinfecção dos canais desses dentes imaturos. O canal é seco com pontas de papel, e uma mistura pastosa de hidróxido de cálcio é introduzida no canal com uma espiral de Lentulo (Fig. 22-14). A ação desinfetante adicional (à instrumentação e irrigação) do hidróxido de cálcio é efetiva após a sua aplicação por no mínimo uma semana. O tratamento posterior não deve demorar mais do que 1 mês, já que o hidróxido de cálcio pode ser eliminado pelos fluidos teciduais através do ápice aberto, deixando o canal suscetível à reinfecção.
Figura 22-14. Mistura cremosa de hidróxido de cálcio em espiral de Lentulo pronta para aplicação no canal.
Barreira apical de tecido duro Método tradicional A formação de uma barreira de tecido duro no ápice requer um meio semelhante ao que é necessário para a formação de tecido duro no tratamento conservador pulpar, isto é, um discreto estímulo inflamatório para iniciar a reparação e um meio ambiente isento de bactérias para assegurar que a inflamação não seja progressiva. Assim como no tratamento da polpa vital, o hidróxido de cálcio é usado para esse procedimento37,64,66. O hidróxido de cálcio em pó é misturado com uma solução salina estéril (ou solução anestésica) até uma consistência espessa (com mais pó) (Fig. 22-15). O hidróxido de cálcio é acamado contra os tecidos moles apicais por meio de um compactador ou instrumento de ponta romba para iniciar a formação de tecido duro. Esse passo é seguido pelo preenchimento do restante do canal com hidróxido de cálcio, garantindo dessa forma um canal isento de bactérias com pouca chance de reinfec-
Figura 22-15. Mistura espessa de hidróxido de cálcio.
Traumatismo Dentário
ção durante os 6 a 18 meses necessários para a formação de tecido duro no ápice. O hidróxido de cálcio é meticulosamente removido da cavidade de acesso ao nível dos orifícios radiculares e um material restaurador temporário é colocado na cavidade de acesso. Uma radiografia é realizada e o canal deve parecer como se estivesse calcificado, indicando que ele foi totalmente preenchido com hidróxido de cálcio (Fig. 22-16). Pelo fato de a eliminação do hidróxido de cálcio ser avaliada por sua radiodensidade relativa, é prudente usar uma mistura de hidróxido de cálcio sem a adição de um material radiopaco como o sulfato de bário. Esses aditivos não são eliminados prontamente como o hidróxido de cálcio, de modo que, se estiverem presentes no canal, a avaliação da eliminação é impossível. Em intervalos de 3 meses uma radiografia é realizada para avaliar se uma barreira de tecido duro se formou e se o hidróxido de cálcio foi eliminado do canal. Essa ocorrência só pode ser avaliada por meio de novas radiografias. Se a eliminação do hidróxido de cálcio é observada, ele é recolocado como antes. Se não há evidências de eliminação, ele pode ser deixado intacto por mais 3 meses. Trocas excessivas no curativo de hidróxido de cálcio devem ser evitadas, já que se considera que a toxicidade inicial do material atrasa a reparação77. Quando se suspeita da conclusão da barreira de tecido duro, o hidróxido de cálcio deve ser removido do canal com hipoclorito de sódio, devendo uma radiografia ser realizada para avaliar a radiodensidade do fechamento apical. Uma lima de calibre suficiente para alcançar facilmente o ápice pode ser usada para sondar delica-
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damente o fechamento apical por tecido duro. Quando uma barreira de tecido duro é observada radiograficamente e pode ser sondada com um instrumento, o canal está pronto para ser obturado.
Barreira por MTA A previsão para a criação de uma barreira fisiológica de tecido duro gira em torno de 3 a 18 meses. A desvantagem desse longo período é a necessidade de que o paciente se apresente várias vezes para o tratamento e também que o dente possa fraturar durante o tratamento e antes que as paredes delgadas do canal sejam fortalecidas. Além disso, um estudo indica que a longo prazo o tratamento com hidróxido de cálcio pode enfraquecer as raízes e torná-las ainda mais suscetíveis à fratura17. O MTA tem sido usado para criar uma barreira de tecido duro imediatamente após a desinfecção do canal (Fig. 22-17). Sulfato de cálcio é empurrado para além do ápice para produzir uma barreira extrarradicular reabsorvível contra a qual o MTA vai ser acondicionado. O MTA é misturado e colocado em 3 a 4mm apicais do canal de forma semelhante à colocação do hidróxido de cálcio. Uma bolinha de algodão molhada pode ser colocada sobre o MTA e deixada por no mínimo 6 horas e, então, todo o canal deve ser obturado com um material obturador endodôntico ou a obturação pode ser colocada imediatamente, já que os fluidos teciduais do ápice aberto provavelmente irão produzir uma umidade suficiente para garantir o endurecimento do MTA. A porção cervical do canal então é reforçada com resina composta
Figura 22-16. Canal radicular que “desaparece” após colocação de uma mistura espessa de hidróxido de cálcio. (Gentileza da Dra. Cecilia Bourguignon.)
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Figura 22-17. Apicificação com MTA. A. O canal é desinfetado com instrumentação discreta, irrigação copiosa e medicação com mistura cremosa de hidróxido de cálcio por um mês. B. Sulfato de cálcio é aplicado além do ápice como uma barreira contra a qual o MTA é compactado. C. Um plug de MTA de 4mm é colocado na região apical do canal. D. O corpo do canal é obturado com o sistema Resilon. E. Resina composta é utilizada abaixo da junção amelocementária para fortalecer a raiz. (Gentileza da Dra. Marga Ree.)
abaixo do nível do osso marginal como descrito a seguir (Fig. 22-17). Vários relatos de caso foram publicados usando essa técnica de barreira apical por MTA57,82 e ela obteve prontamente a popularidade entre os clínicos. Atualmente, não existe um estudo com resultado a longo prazo comparando seu índice de sucesso com a técnica tradicional do hidróxido de cálcio.
Obturação do canal radicular Já que o diâmetro apical é maior do que o coronário da maioria desses canais, uma técnica de obturação termoplastificada é indicada nesses dentes. Deve-se ter cuidado para evitar força lateral excessiva durante a obturação devido às finas paredes da raiz. Se a barreira de tecido duro foi “produzida” pelo tratamento com hidróxido de cálcio a longo prazo, ela vai consistir de camadas arranjadas de maneira irregular de tecido mole coagulado, tecido calcificado e tecido semelhante ao cemento (Fig. 22-18). Também estão incluídas ilhas de tecido conjuntivo conferindo à barreira uma consistência de “queijo suíço”28,38. Devido à natureza irregular da barreira, não é raro que o cimento endodôntico e o material obturador amolecido sejam empurrados para os tecidos perirradiculares durante a obturação (Fig. 22-19). A formação da barreira de tecido duro deve estar a uma pequena distância aquém do ápice radiográfico, isso porque ela se forma onde o hidróxido de cálcio entra em contato com tecidos vitais. Em dentes com ápice aberto, o tecido vital pode sobreviver e proliferar em alguns milímetros a partir do ligamento
Figura 22-18. Aparência histológica da barreira de tecido duro após apicificação com hidróxido de cálcio. A barreira consiste de cemento e osso com inclusões de tecido mole.
Figura 22-19. Obturação com uma técnica de termoplastificação do material após apicificação com hidróxido de cálcio. Cimento e material obturador amolecido extravasaram pelos “buracos de queijo suíço” na barreira apical.
Traumatismo Dentário
periodontal para o interior do canal radicular. A obturação deve ser concluída ao nível da barreira de tecido duro e não deve ser forçada em direção ao ápice radiográfico.
Reforço das paredes delgadas de dentina O procedimento de apicificação se tornou previsivelmente bem-sucedido (ver Prognóstico)50. Entretanto, as finas paredes de dentina ainda constituem problema clínico. Se ocorrerem injúrias secundárias, os dentes com paredes dentinárias delgadas ficam mais suscetíveis à fratura, o que os torna não restauráveis44,119. Tem sido relatado que aproximadamente 30% desses dentes irão fraturar durante ou após o tratamento endodôntico76. Consequentemente, alguns clínicos têm questionado a conveniência do procedimento de apicificação e têm optado por tratamentos mais radicais incluindo extração seguida por procedimentos restauradores mais avançados como implantes dentários. Estudos recentes têm demonstrado que restaurações adesivas intracoronárias podem reforçar internamente os dentes tratados endodonticamente e aumentar sua resistência à fratura58,75. Assim, após a obturação do canal, o material deve ser removido a um nível abaixo do osso marginal e uma obturação de resina adesiva deve ser colocada (Fig. 22-17).
Acompanhamento Devem ser realizadas novas consultas para avaliação a fim de determinar o sucesso na prevenção ou no tratamento da lesão perirradicular. Os procedimentos restauradores devem ser avaliados para assegurar que eles não promovam, em qualquer hipótese, fraturas radiculares.
Prognóstico A reparação perirradicular e a formação de uma barreira de tecido duro ocorrem de forma previsível no tratamento com hidróxido de cálcio a longo prazo (79 a 96%)37,76. Entretanto, a sobrevida a longo prazo é colocada em risco pelo potencial de fratura das paredes delgadas de dentina desses dentes. É esperado que as mais novas técnicas de reforço interno desses dentes já descritas aumentem sua sobrevida a longo prazo.
Revascularização pulpar A regeneração de uma polpa necrosada tem sido considerada possível apenas após a avulsão de um dente permanente imaturo (ver a seguir). As vantagens da revascularização pulpar se baseiam na possibilidade de
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um posterior desenvolvimento radicular e do reforço das paredes dentinárias pela deposição de tecido duro, fortalecendo a raiz contra a fratura. Após o reimplante de um dente imaturo avulsionado existe um conjunto exclusivo de aspectos capaz de permitir que ocorra regeneração. O dente jovem tem um ápice aberto e é curto, o que permite o crescimento relativamente rápido de um novo tecido para o interior do espaço pulpar. A polpa está necrosada, mas geralmente não está degenerada e infectada e, dessa forma, irá agir como uma matriz dentro da qual o novo tecido pode crescer. Foi demonstrado experimentalmente que a porção apical de uma polpa pode permanecer vital e proliferar coronariamente após o reimplante, substituindo a porção necrosada da polpa24,87,108. Além disso, o fato de que na maioria dos casos a coroa do dente se encontra intacta e livre de cáries assegura que a penetração bacteriana dentro do espaço pulpar através de rachaduras80 ou defeitos seja um processo lento. Assim, a corrida entre o tecido novo e a infecção do espaço pulpar favorece o tecido novo. Até hoje se pensava que fosse impossível a regeneração do tecido pulpar em um dente necrosado e infectado com lesão perirradicular associada. Entretanto, se for possível criar um meio ambiente como já foi descrito para o dente avulsionado, a regeneração poderá ocorrer. Assim, se o canal for efetivamente desinfetado, a matriz na qual o novo tecido poderia crescer for produzida e o acesso coronário for efetivamente selado, a regeneração deverá ocorrer como em um dente imaturo avulsionado. Um relato de caso por Banchs e Trope23 reproduziu os resultados de casos reportados por outros que indicam ser possível replicar os aspectos exclusivos de um dente avulsionado de forma a revascularizar a polpa de raízes imaturas necrosadas infectadas. O caso mostrado na Fig. 22-20 descreve o tratamento de um incisivo superior com sinais clínicos e radiográficos de lesão perirradicular com a presença de fístula. O canal foi desinfetado sem instrumentação mecânica, mas com irrigação copiosa com hipoclorito de sódio a 5,25% e com o uso de uma mistura de antibióticos69. Um coágulo sanguíneo foi produzido ao nível da junção amelocementária para obter uma matriz para o crescimento de um novo tecido seguido por uma restauração coronária para oferecer um selamento contra bactérias. Com evidências clínicas e radiográficas de reparação em 22 dias, a ampla área radiolúcida desapareceu em 2 meses e, no controle de 24 meses, era óbvio que as paredes radiculares estavam espessas e que o desenvolvimento da raiz abaixo da restauração era semelhante à dos dentes adjacentes e contralaterais.
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Capítulo 22 Traumatismo Dentário
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Estudos recentes confirmaram as potentes propriedades da pasta triantibiótica utilizada nesse caso e estudos estão sendo realizados para descobrir uma matriz sintética que irá agir como um scaffold mais previsível para o neocrescimento tecidual do que o coágulo sanguíneo usado nesses casos anteriores. O procedimento descrito nesta seção pode ser experimentado na maioria dos casos e, se depois de 3 meses não houver sinais de regeneração, os métodos mais tradicionais de tratamento podem ser iniciados.
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Figura 22-20A. Radiografia pré-operatória mostrando dente imaturo com lesão perirradicular depois de luxação grave 6 meses antes (os pontos negros na cervical são artefatos). B. Radiografia de acompanhamento 4 meses depois do tratamento que incluiu aplicação da mistura de ciprofloxacin, metronidazol e minociclina. C. Vinte e quatro meses de acompanhamento revelando formação radicular continuada tanto em comprimento quanto em espessura.
Incidência Essas injúrias são relativamente infrequentes, ocorrendo em menos de 3% de todas as injúrias dentárias133. Raízes incompletamente formadas com polpas vitais raramente fraturam horizontalmente5.
Consequências biológicas
Tratamento de canal como em um dente não traumatizado.
Quando uma raiz fratura horizontalmente, o segmento coronário é deslocado em um grau variável, mas geralmente o segmento apical não se desloca. Em razão de a circulação pulpar apical não ser rompida, a necrose pulpar no segmento apical é extremamente rara. A necrose pulpar do segmento coronário resulta devido ao seu deslocamento e ocorre em cerca de 25% dos casos6,7,72.
FRATURA COROA-RAIZ
Diagnóstico e apresentação clínica
Como já dito, essa injúria traumática é um desafio mais periodontal do que endodôntico. O dente deve ser tratado periodontalmente de forma a permitir a colocação de uma restauração coronária adequada. Uma vez que a exequibilidade da restauração coronária esteja garantida, a fratura coronária é tratada como descrito.
A apresentação clínica é semelhante à das injúrias por luxação. A extensão do deslocamento do segmento coronário geralmente indica a localização da fratura e pode variar de nenhum, simulando uma injúria por concussão (fratura apical), a grave, simulando uma luxação extrusiva (fratura cervical). O exame radiográfico para fraturas radiculares é extremamente importante. Visto que as fraturas radiculares geralmente são oblíquas (vestibular para palatina) (Fig. 22-21), uma radiografia periapical pode não revelar sua presença. É imperativo realizar pelo menos três radiografias anguladas (45, 90, 110°) para que, pelo menos em uma angulação, o feixe de raios X passe diretamente através da linha de fratura, tornando-a visível na radiografia (Fig. 22-22).
Dente maduro
FRATURA RADICULAR Definição Essa injúria dentária implica o envolvimento de cemento, dentina e polpa.
Traumatismo Dentário
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sua posição inicial não vai ser possível, comprometendo o prognóstico do dente a longo prazo.
Padrões de reparação Andreasen e Hjorting-Hansen18 descreveram quatro tipos de reparação das fraturas radiculares.
Figura 22-21. Dente extraído após fratura radicular. Note o ângulo oblíquo da fratura.
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1. Reparação com tecido calcificado. Radiograficamente, a linha de fratura é visível, mas os fragmentos estão em contato íntimo (Fig. 22-23A). 2. Reparação com tecido conjuntivo interproximal. Radiograficamente, os fragmentos parecem separados por uma estreita linha radiotransparente e as margens da fratura parecem arredondadas (Fig. 22-23B). 3. Reparação com tecido conjuntivo e osso interproximal. Radiograficamente, os fragmentos estão separados por uma ponte óssea distinta (Fig. 22-23C). 4. Tecido interproximal inflamatório sem reparação. Radiograficamente, um aumento da linha de fratura e/ou o desenvolvimento de uma radiolucidez correspondente à linha de fratura se tornam aparentes (Fig. 22-23D).
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Figura 22-22. Radiografias mostrando a importância de diferentes angulações verticais para diagnóstico de fratura radicular. Todas as três radiografias foram realizadas na mesma consulta com diferenças de poucos minutos entre elas.
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Tratamento O tratamento de emergência envolve o reposicionamento dos segmentos o mais próximo possível e esplintagem aos dentes adjacentes por 2-4 semanas16. Esse protocolo de esplintagem mudou recentemente dos 2 aos 4 meses tradicionalmente recomendados92. Se um longo período ocorreu entre a injúria e o tratamento, provavelmente a reposição dos segmentos próximos à
Figura 22-23. Padrões de reparação após fraturas radiculares horizontais. A. Reparação por tecido calcificado. B. Reparação com tecido conjuntivo interproximal. C. Reparação com osso e tecido conjuntivo. D. Tecido conjuntivo interproximal sem reparação.
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Capítulo 22 Traumatismo Dentário
Os três primeiros tipos de padrões reparadores são considerados bem-sucedidos. Os dentes geralmente são assintomáticos e respondem positivamente aos testes de sensibilidade. O amarelamento da coroa é possível porque a metamorfose cálcica no segmento coronário não é incomum73,133. O quarto tipo de padrão reparador é típico quando o segmento coronário perde sua vitalidade. Os produtos infecciosos da polpa coronária causam uma resposta inflamatória e radiolucidez típicas na linha de fratura18 (Fig. 22-23D).
Tratamento das complicações Fraturas coroa-raiz Historicamente, pensava-se que as fraturas no segmento coronário tinham um prognóstico ruim e que a extração dele fosse recomendada. As pesquisas não sustentam esse tratamento e de fato, se esses segmentos coronários forem adequadamente esplintados, as chances de reparação não diferirão das fraturas radiculares médias ou apicais133. Entretanto, se a fratura ocorrer ao nível da crista óssea alveolar ou coronariamente a ela, o prognóstico é extremamente ruim. Se a reinserção dos segmentos fraturados não for possível, a extração do segmento coronário é indicada. O nível da fratura e o comprimento da raiz remanescente são avaliados para a possibilidade de restauração. Se o segmento apical da raiz é suficientemente longo, a erupção forçada desse segmento pode ser realizada para viabilizar a realização da restauração.
Fratura radicular – média, apical A necrose pulpar ocorre em 25% das fraturas radiculares38,72. Na grande maioria dos casos, a necrose ocorre apenas no segmento coronário e o segmento apical permanece vital. Portanto, o tratamento endodôntico é indicado no segmento radicular coronário somente, a menos que uma lesão perirradicular seja observada no segmento apical. Em muitos casos o lúmen pulpar é amplo na extensão apical do segmento coronário de modo que é indicado o tratamento com hidróxido de cálcio a longo prazo ou a obturação apical com MTA (ver Apicificação). O segmento coronário é obturado depois que uma barreira de tecido duro tenha se formado apicalmente e a reparação perirradicular tenha ocorrido (Fig. 22-24). Nos raros casos em que tanto a polpa coronária quanto a apical estão necrosadas, o tratamento é mais complicado. O tratamento endodôntico por meio da fratura é extremamente difícil. Manipulações endo-
Figura 22-24. Tratamento endodôntico realizado até a linha de fratura, uma vez que uma barreira apical foi formada nessa região.
dônticas, medicamentos e materiais obturadores têm um efeito deletério sobre a reparação do local da fratura. Se a reparação de uma fratura já ocorreu completamente, mas foi seguida de necrose do segmento apical, o prognóstico é muito melhor. Nas fraturas radiculares mais apicais, os segmentos apicais necrosados podem ser cirurgicamente removidos. Esse é um tratamento viável se a raiz remanescente é longa o bastante para fornecer um suporte periodontal adequado. A remoção do segmento apical nas fraturas radiculares medioapicais deixa o segmento coronário com uma inserção comprometida e os implantes endodônticos têm sido usados para promover um suporte adicional ao dente.
Acompanhamento Depois que o período de esplintagem foi concluído, o acompanhamento é o mesmo das injúrias dentárias traumáticas, isto é, aos 3, 6 e 12 meses e, daí em diante, anualmente.
Prognóstico Fatores que influenciam no reparo 1. Os graus de deslocamento e mobilidade do fragmento coronário são extremamente importantes na determinação do resultado5,15,73,111,133. Quanto maiores o deslocamento e a mobilidade do fragmento coronário, pior é o prognóstico.
Traumatismo Dentário
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2. Dentes imaturos raramente estão envolvidos em fraturas, mas, quando estão, o prognóstico é bom15,71. 3. Qualidade do tratamento. O prognóstico melhora com o tratamento rápido, redução dos segmentos radiculares e esplintagem semirrígida por 2 a 4 semanas16.
lar é novamente recoberto por cemento. A reparação é desfavorável quando ocorre a inserção direta do osso à raiz e ela é progressivamente substituída pelo osso (reabsorção por substituição)79. Existem dois tipos de reabsorção em que a polpa tem um papel essencial:
As complicações são: 1 – necrose pulpar, que pode ser tratada de forma bem-sucedida38,72 com o tratamento do segmento coronário com hidróxido de cálcio a longo prazo e obturação após a formação de uma barreira de tecido duro; 2 – a obliteração do canal radicular não é incomum se o segmento (coronário ou apical) permanecer vital.
1. Na reabsorção radicular inflamatória externa, a polpa necrosada infectada produz o estímulo para a inflamação periodontal. Se a situação tem origem onde o cemento foi danificado por uma injúria traumática, bactérias e seus produtos presentes no espaço pulpar são capazes de se difundir por meio dos túbulos dentinários e estimular uma resposta inflamatória sobre amplas áreas do ligamento periodontal. Novamente, devido à falta de proteção cementária, a inflamação periodontal incluirá reabsorção radicular, assim como a esperada reabsorção óssea32,60,79,121,124. 2. Na reabsorção radicular inflamatória interna, a polpa inflamada é o tecido envolvido na reabsorção da estrutura radicular. A patogênese da reabsorção interna não está completamente entendida. Considera-se aqui que a polpa coronária necrosada infectada produz um estímulo para uma inflamação nas porções mais apicais da polpa. Se em casos raros a polpa inflamada estiver adjacente a uma superfície radicular que tenha perdido sua proteção cementária, poderá ocorrer a reabsorção radicular interna. Assim, tanto a polpa necrosada infectada como a polpa inflamada contribuem para esse tipo de reabsorção radicular121,124.
INJÚRIAS POR LUXAÇÃO Definições 1. Concussão implica ausência de deslocamento, mobilidade normal, sensibilidade à percussão. 2. Subluxação implica sensibilidade à percussão, mobilidade aumentada, sem deslocamento. 3. Luxação lateral implica deslocamento vestibular, lingual, distal ou incisal. 4. Luxação extrusiva implica deslocamento na direção coronária. 5. Luxação intrusiva implica deslocamento na direção apical dentro do alvéolo. Essas definições descrevem injúrias de magnitude crescente em termos de intensidade e sequelas subsequentes.
Incidência De todas as injúrias dentárias, as por luxação são as mais comuns, com incidências reportadas variando de 30 a 44%43.
Consequências biológicas As injúrias por luxação resultam em danos ao aparato de inserção (ligamento periodontal e camada de cemento), cuja gravidade depende do tipo de injúria ocorrida (concussão menos, intrusão mais). O suprimento neurovascular apical da polpa também é afetado em graus variáveis resultando na alteração ou na perda da vitalidade pulpar do dente. A reparação pode ser favorável ou desfavorável. A reparação favorável após uma injúria por luxação ocorre se o dano físico inicial à superfície radicu-
Consequências do dano ao suprimento neurovascular apical Obliteração do canal radicular A obliteração do canal radicular é comum após as injúrias por luxação (Fig. 22-25). A frequência da obliteração do canal parece ser inversamente proporcional à da necrose pulpar. O exato mecanismo da obliteração do canal não é conhecido. Tem sido teorizado que o controle simpático/parassimpático do fluxo sanguíneo para os odontoblastos se encontra alterado, resultando em produção descontrolada de dentina reparadora5,13. Outra teoria é que a hemorragia e a formação de um coágulo sanguíneo na polpa após a injúria sejam um foco para a calcificação subsequente se a polpa permanecer vital5,13. A obliteração do canal radicular geralmente pode ser diagnosticada no primeiro ano após a injúria9 e tem sido observada com mais frequência em dentes
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crosada tornar-se-á infectada. Pelo fato de uma injúria grave ser necessária para que haja necrose pulpar, é frequente que as áreas da raiz que são recobertas por cemento também sejam afetadas resultando na sua perda de proteção. Nesse momento, produtos bacterianos podem passar através dos túbulos dentinários e estimular uma resposta inflamatória no ligamento periodontal correspondente. O resultado é a reabsorção da raiz e do osso. O infiltrado periodontal consiste de tecido de granulação com linfócitos, plasmócitos e leucócitos polimorfonucleares. As células gigantes multinucleadas reabsorvem a superfície desnuda da raiz e isso continua até que o estímulo (bactérias no canal radicular) seja removido121 (Fig. 22-27). Radiograficamente a reabsorção é observada como áreas radiolúcidas progressivas da raiz e do osso adjacente (Fig. 22-26).
Tratamento Figura 22-25. Obliteração quase completa do canal radicular em dente superior 1 ano após luxação grave.
com ápices abertos (>0,7mm radiograficamente), em dentes com injúrias por luxação extrusiva e lateral e em dentes que tenham sido esplintados rigidamente9.
Necrose pulpar
O dano de inserção devido à injúria traumática e a diminuição da inflamação subsequente são o foco da visita de emergência. A atenção do profissional para a infecção pulpar deve ser exatamente de 7 a 10 dias após a injúria127,128. A desinfecção do canal radicular remove o estímulo da inflamação perirradicular e a reabsorção irá cessar60,127,128. Em muitos casos, uma nova inserção irá se formar, mas, se uma grande área da raiz é afetada, a substituição óssea pode ocorrer
Os fatores mais importantes para o desenvolvimento da necrose pulpar são o tipo de injúria (concussão menos, intrusão mais) e o estágio do desenvolvimento radicular (ápice maduro > ápice imaturo)8. A necrose pulpar pode levar à infecção do sistema de canais radiculares com as seguintes consequências.
Infecção pulpar A infecção pulpar em conjunto com lesão da superfície externa da raiz resulta em reabsorção da raiz e do osso, e continuará em seu estado ativo enquanto o estímulo pulpar (infecção) permanecer. Quando a raiz perde sua proteção cementária, pode ocorrer uma lesão lateral com reabsorção radicular (Fig. 22-26). Para que haja uma infecção do espaço pulpar, a polpa deve primeiramente se tornar necrosada. Isso ocorrerá após uma injúria bastante grave na qual o deslocamento do dente resulta em danos aos vasos sanguíneos apicais. Em dentes maduros, a regeneração pulpar não pode ocorrer e geralmente em 3 semanas a polpa ne-
Figura 22-26. Reabsorção radicular inflamatória causada por infecção endodôntica. Note as áreas radiolúcidas na raiz e no osso adjacente. (Gentileza do Dr. Fred Barnett.)
Traumatismo Dentário
Figura 22-27. Aparência histológica de osteoclastos reabsorvendo a dentina radicular.
por mecanismos já descritos. Novamente os princípios do tratamento incluem prevenção da infecção do canal radicular ou eliminação das bactérias se elas estiverem presentes no canal.
1. Prevenção da infecção do canal radicular a) Restabelecer a vitalidade da polpa. Se a polpa permanece vital, o canal estará isento de bactérias e, dessa forma, a reabsorção radicular externa inflamatória não ocorrerá. Em injúrias graves onde a vitalidade foi perdida é possível sob determinadas circunstâncias promover a revascularização da polpa. A revas-
A
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cularização é possível em dentes jovens com ápices incompletamente formados se eles forem recolocados em sua posição inicial até 60 minutos após a injúria39 (Fig. 22-28). Se o dente foi avulsionado, embebê-lo em doxiciclina por 5 minutos ou cobrir a raiz com minociclina em pó antes de o reimplante poder dobrar ou triplicar as chances de revascularização39,95. Entretanto, mesmo sob as melhores condições, poderá não ocorrer revascularização, o que gera um dilema diagnóstico. Se a polpa revascularizar, a reabsorção radicular externa não ocorrerá e a raiz continuará a se desenvolver e fortalecer. Entretanto, se a polpa se tornar necrosada e infectada, a subsequente reabsorção radicular inflamatória externa que se desenvolve poderá resultar em perda do dente em um curto período. Atualmente, os recursos diagnósticos disponíveis não podem detectar uma polpa vital nessa situação antes de aproximadamente 6 meses de uma revascularização bem-sucedida. Esse período, obviamente, é inaceitável, visto que nesse momento os dentes que não se revascularizaram poderão ser perdidos por um processo de reabsorção. Recentemente, a fluxometria laser Doppler tem sido considerada como um excelente recurso diagnóstico para a detecção da revascularização em dentes imaturos (Fig. 22-2). Esses equipamentos parecem detectar precisamente a presença de tecido vital no espaço pulpar em 4 semanas após a injúria traumática132. b) Prevenir a infecção endodôntica pelo tratamento do canal em 7-10 dias. Em dentes com ápices fechados, a revascularização não pode ocorrer. Esses
C
Figura 22-28A. Incisivo central superior após luxação lateral grave. Não respondeu ao teste do frio com CO2, embora os dentes adjacentes tenham apresentado resultados positivos. B. Quatro meses depois, todos os dentes responderam normalmente ao frio. C. Sete meses depois, há bons sinais de formação radicular no incisivo.
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dentes devem ser tratados endodonticamente em 7 a 10 dias após a injúria antes que a polpa necrosada por isquemia se torne infectada127,128. Teoricamente, o tratamento desses dentes nesse período pode ser considerado equivalente ao tratamento de um dente com a polpa vital. Portanto, o tratamento endodôntico pode ser concluído em uma consulta. Entretanto, o tratamento eficiente imediatamente após uma séria injúria traumática é extremamente difícil e, na opinião dos autores, é vantajoso iniciar o tratamento endodôntico com o preparo químico-mecânico seguido por medicação intracanal com uma mistura cremosa de hidróxido de cálcio127 (Fig. 22-14). O profissional pode então obturar o canal de acordo com a sua conveniência depois que a reparação periodontal da injúria estiver completa, aproximadamente 1 mês após a consulta de instrumentação. Parece não haver necessidade do tratamento com hidróxido de cálcio a longo prazo em casos onde o tratamento endodôntico tem início dentro de 10 dias a partir da injúria. Ainda assim, em um paciente complacente o hidróxido de cálcio pode ser aplicado por um longo prazo (até 6 meses) para assegurar a saúde periodontal antes da obturação final do canal radicular127.
2. Eliminar a infecção endodôntica Quando o tratamento do canal radicular é iniciado depois de 10 dias do acidente ou se uma reabsorção inflamatória externa é observada, o protocolo antibacteriano preferido consiste no controle microbiano seguido por um curativo a longo prazo com hidróxido de cálcio de consistência espessa127. O hidróxido de cálcio pode gerar um pH alcalino na proximidade dos túbulos dentinários (Fig. 22-29), eliminando bactérias e neutralizando endotoxinas, potentes estimulantes inflamatórios.
Figura 22-29. Alto pH do hidróxido de cálcio. O canal foi preenchido com hidróxido de cálcio, e a raiz então foi seccionada transversalmente. Um indicador de pH revela altos valores no canal e dentina circundante, enquanto o tecido circunjacente está em pH neutro.
A
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Figura 22-30. Reparação da reabsorção radicular inflamatória externa após tratamento com hidróxido de cálcio. As áreas radiolúcidas vistas antes do tratamento desapareceram com o restabelecimento da lâmina dura. (Gentileza do Dr. Fred Barnett.)
A primeira visita consiste da fase de controle microbiano com instrumentação do canal e colocação de uma mistura cremosa de hidróxido de cálcio usando uma espiral de Lentulo. O paciente retorna em aproximadamente 1 mês, quando então o canal é preenchido com uma densa mistura de hidróxido de cálcio. Uma vez preenchido, o canal deve parecer radiograficamente como se estivesse calcificado, visto que a radiodensidade do hidróxido de cálcio no canal é semelhante à da dentina circunjacente (Fig. 22-16). Radiografias são então realizadas em intervalos de 3 meses. A cada visita, o dente é testado para sintomas de lesão perirradicular. Além da reparação do processo de reabsorção, a presença ou a ausência de hidróxido de cálcio é avaliada. Visto que a superfície radicular é radiodensa, o que torna a avaliação difícil, a reparação do osso adjacente é avaliada. Se o osso adjacente estiver reparado, presume-se que o processo de reabsorção radicular foi interrompido e então o canal pode ser obturado com material obturador permanente (Fig. 22-30). Se for observado que uma reparação adicional seria vantajosa antes da obturação radicular, é avaliada a necessidade da reposição de hidróxido de cálcio no canal. Se o canal ainda parecer calcificado radiograficamente, não há necessidade da reposição de hidróxido de cálcio. Por outro lado, se o canal retornou à sua aparência radiolúcida, o hidróxido de cálcio deve ser recolocado e reavaliado em outros 3 meses.
Diagnóstico das injúrias por luxação na sessão de emergência Avaliação – Pacientes apresentarão história recente de injúria traumática, grau variável de desloca-
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mento dentário e dor à percussão. A história médica e dental deve ser registrada e a avaliação clínica dos dentes feita com ênfase particular na dor à percussão e mobilidade. A avaliação radiográfica é de vital importância para detectar a extensão do deslocamento e avaliar a presença ou não de fratura radicular.
Diagnóstico e tratamento de emergência Concussão Diagnóstico e apresentação clínica O dente com concussão não apresenta deslocamento, tampouco mobilidade. Dor à percussão é a única característica presente. Uma história de trauma recente associada à dor à percussão torna o diagnóstico possível.
Tratamento A possibilidade de fratura radicular pode ser excluída por meio de radiografias anguladas. A oclusão deve ser checada e ajustada, se necessário. Os testes de sensibilidade pulpar podem dar resultado negativo e a coroa pode ter alteração de cor. O tratamento endodôntico não deve ser realizado nesta consulta, pois os resultados negativos dos testes de sensibilidade e a alteração de cor podem ser reversíveis.
Acompanhamento Três semanas, 3, 6, 12 meses e anualmente. A maior preocupação durante o acompanhamento é o desenvolvimento de necrose pulpar. Testes pulpares e perirradiculares são realizados, assim como radiografias. Necrose pulpar pode ser diagnosticada aos 3 meses.
Subluxação Diagnóstico e apresentação clínica A apresentação clínica da subluxação é similar à da concussão. Além disso, o dente pode apresentar leve mobilidade e tipicamente apresenta sinais clínicos de sangramento ao nível do sulco gengival.
Tratamento Como na concussão.
Acompanhamento Como na concussão.
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Luxação lateral Diagnóstico e apresentação clínica História de injúria traumática recente. O dente se encontra deslocado lateralmente (a coroa usualmente está deslocada no sentido palatino) e sangramento sulcular está usualmente presente. O dente usualmente se encontra sensível à percussão.
Tratamento Na maioria dos casos, a coroa está para a palatina e o ápice radicular para a vestibular. Muitas das vezes o ápice é forçado contra a cortical óssea vestibular e o dente fica então travado nessa nova posição e com dificuldade de ser deslocado. O dente deve ser removido dessa posição por um movimento em direção coronária e então apical. Isso é realizado da forma mais delicada possível, aplicando-se uma pressão no sentido coronopalatino sobre o ápice radicular com o dedo indicador e exercendo uma pressão na coroa no sentido vestibular com o polegar. O dente é então movido primeiro coronariamente para fora da cortical vestibular e, então, é algo que “sugado” para sua posição original. O reposicionamento requer anestesia. Se o dente estiver com mobilidade após reposicionamento, deve ser esplintado da mesma forma que para avulsão (ver adiante). Testes de sensibilidade são de pouco valor nessa consulta.
Acompanhamento Dente maduro Embora a sobrevivência da polpa seja possível em alguns casos, é nossa opinião que, se após 3 semanas os testes de sensibilidade indicam necrose pulpar, o tratamento endodôntico deve ser realizado. O tratamento endodôntico de um dente maduro sem infecção pulpar tem um índice de sucesso extremamente alto e deveria ser realizado em vez de se correr o risco de complicações por reabsorção externa.
Dente imaturo Dentes imaturos representam um dilema. As chances de a vitalidade pulpar ser mantida ou haver revascularização são razoavelmente boas. Contudo, se necrose e infecção ocorrerem, esses dentes que já sofreram dano ao cemento devido ao trauma são suscetíveis de reabsorção inflamatória externa e podem ser perdidos em pouco tempo. Acompanhamento cuidadoso é muito importante e, ao primeiro sinal (clínico ou radiográfico) de reabsorção radicular, o tratamento
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endodôntico deve ser iniciado. Fluximetria laser Doppler é um instrumento promissor para o diagnóstico de revascularização desses dentes jovens.
Diagnóstico e apresentação clínica, tratamento e acompanhamento são essencialmente os mesmos para as luxações laterais.
ce resultar em dano mínimo, conduz à necrose pulpar em 12 a 20% dos casos. Nas luxações lateral e extrusiva, a polpa necrosa em mais da metade dos casos. A incidência de necrose após intrusão é altíssima. A infecção da polpa necrosada ocorre depois de um período variável. Sinais de lesão perirradicular, incluindo dor à percussão, podem levar de meses a anos para ocorrer.
Luxação intrusiva (intrusão)
Obliteração do canal radicular
Diagnóstico e apresentação clínica
A obliteração do canal é ocorrência comum nas luxações. O tratamento endodôntico não é rotineiramente indicado nesses dentes.
Luxação extrusiva (extrusão)
O dente é empurrado para o interior de seu alvéolo e se apresenta firmemente preso, com um som metálico ao teste de percussão e em infraoclusão. Avaliação radiográfica é essencial para checar a extensão e a posição do dente intruído.
Tratamento A luxação intrusiva é provavelmente a pior injúria traumática que um dente pode suportar. O movimento do dente no alvéolo resulta em dano extensor ao aparato de inserção com a ocorrência de anquilose e reabsorção por substituição como quase uma certeza. Além disso, necrose pulpar é bastante comum e reabsorção inflamatória externa pode se desenvolver se o tratamento endodôntico não for realizado a tempo. O tratamento inicial depende do estágio de desenvolvimento do dente. Dentes imaturos usualmente reerupcionam espontaneamente e retornam a sua posição original em poucas semanas a meses. Se a reerupção cessa antes de o dente atingir a oclusão normal, devese iniciar imediatamente a movimentação ortodôntica antes que o dente fique anquilosado em posição. Dentes maduros devem ser reposicionados imediatamente para evitar anquilose na posição intruída14. O reposicionamento ortodôntico é sempre preferível se um dispositivo ortodôntico puder ser aplicado à coroa do dente intruído. Se a intrusão for pronunciada, pode ser necessário se confeccionar um acesso cirúrgico para colocação do dispositivo ortodôntico ou o dente pode ser reposicionado por meio de uma luxação cirúrgica seguida de recolocação do dente em alinhamento com os dentes adjacentes. Protocolos de tratamento endodôntico são similares ao dente avulsionado (ver adiante).
Prognóstico das injúrias por luxação Necrose pulpar A necrose da polpa é comum após injúrias traumáticas de luxação. Mesmo a subluxação, a qual pare-
Reabsorção radicular A reabsorção radicular ocorre em 5 a 15% das luxações. A reabsorção radicular inflamatória pode ser tratada com alto índice de sucesso pelo tratamento endodôntico. Por sua vez, a anquilose é irreversível pelos métodos disponíveis atualmente, tanto que, uma vez detectada, deve ser preparado um plano de tratamento levando em consideração a perda do dente.
AVULSÃO E REIMPLANTE Definição Avulsão implica o deslocamento total do dente de seu alvéolo.
Incidência A incidência de avulsão dentária varia entre 1 e 16% de todas as injúrias traumáticas que acometem dentes permanentes14. Como a maioria das injúrias, incisivos centrais superiores são os mais afetados14. Esportes e acidentes automobilísticos são as causas mais frequentes e a faixa etária mais envolvida é a de 7 a 10 anos de idade14.
Tratamento clínico do dente avulsionado A reparação favorável após uma avulsão requer uma intervenção emergencial rápida seguida pela avaliação e possível tratamento em momentos decisivos durante a fase de reparação. A emergência de atendimento e a natureza multidisciplinar das avaliações de acompanhamento requerem que tanto o público leigo quanto os profissionais de várias disciplinas estejam conscientes das estratégias de tratamento envolvidas.
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CONSEQUÊNCIAS DA AVULSÃO DENTÁRIA A avulsão dentária resulta em lesão de inserção e necrose pulpar. O dente é “separado” do alvéolo devido principalmente à ruptura do ligamento periodontal, que deixa células viáveis na maior parte da superfície radicular. Além disso ocorre uma pequena lesão cementária localizada em razão do impacto do dente contra o alvéolo. Se o ligamento periodontal que ficou inserido na superfície radicular não ressecar, as consequências da avulsão dentária geralmente são mínimas10,109. As células do ligamento periodontal hidratadas irão manter sua viabilidade e irão se reparar após o reimplante, com uma destruição inflamatória mínima como resultado. Afora isso, visto que as áreas da injúria de impacto são localizadas, a inflamação estimulada pelos danos teciduais será igualmente limitada e a reparação favorável com uma nova reposição de cemento é provável de ocorrer após os episódios inflamatórios iniciais (Fig. 22-31). Se, por outro lado, ocorrer um ressecamento excessivo antes do reimplante, as células danificadas do ligamento periodontal irão promover uma grave resposta inflamatória sobre uma área difusa da superfície radicular. Ao contrário da situação já descrita onde a área a ser reparada após a resposta inflamatória inicial é pequena, aqui uma grande área da superfície radicular, que deve ser reparada por um tecido novo, é afetada.
Figura 22-31. Corte histológico mostrando defeito de reabsorção radicular prévio reparado com novo cemento e ligamento periodontal.
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Os cementoblastos que se movem mais lentamente não podem recobrir toda a superfície radicular a tempo e é provável que em certas áreas o osso irá se inserir diretamente sobre a superfície da raiz. Durante o período de remodelação óssea fisiológica, toda a raiz será substituída por osso. Isso foi denominado substituição óssea ou reabsorção por substituição19,125 (Figs. 22-32 e 22-33). A necrose pulpar sempre ocorre após uma injúria por avulsão. Enquanto uma polpa necrosada não é uma consequência por si só, o tecido necrótico é extremamente suscetível à contaminação bacteriana. Se não ocorrer a revascularização ou não for realizado um tratamento endodôntico efetivo, o espaço pulpar tornar-se-á inevitavelmente infectado. A combinação de bactérias no canal radicular e a lesão do cemento na superfície externa da raiz resultam em uma reabsorção externa inflamatória que pode ser bastante grave e levar a uma rápida perda do dente121 (Fig. 22-26). Assim, as consequências após a avulsão dentária parecem diretamente relacionadas com a gravidade, a área de inflamação sobre a superfície radicular e a lesão resultante na superfície da raiz que deve ser reparada. As estratégias de tratamento devem ser sempre consideradas em um contexto de limitação da extensão da inflamação perirradicular, pendendo a balança para uma reparação mais favorável (cementária) do que desfavorável (reabsorção inflamatória ou por substituição).
Figura 22-32. Aparência histológica da reabsorção por substituição. Há contato direto entre o osso e a estrutura radicular. Defeitos reabsortivos são vistos no osso e na raiz, representando processo fisiológico de turnover ósseo. Os defeitos reabsortivos serão preenchidos com novo osso, e áreas adicionais serão reabsorvidas. Dessa forma, toda a raiz será substituída por osso em velocidade dependente do metabolismo do paciente.
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realizados para prevenir ou eliminar a infecção do espaço do canal radicular.
Tratamento clínico Tratamento de emergência no local da lesão
Figura 22-33. Aparência radiográfica da reabsorção por substituição. A raiz adquire a aparência radiográfica do osso circundante (sem lâmina dura). Note que áreas radiolúcidas típicas de inflamação ativa não estão presentes.
Objetivos do tratamento O tratamento é direcionado para o impedimento ou minimização da inflamação resultante das duas principais consequências de uma avulsão dentária, denominadas lesão de inserção e infecção pulpar. A lesão de inserção como um resultado direto da avulsão não pode ser evitada. Entretanto, uma lesão adicional considerável pode ocorrer ao ligamento periodontal no momento em que o dente está fora da boca (primeiramente devido ao ressecamento). O tratamento é direcionado para a minimização dessa lesão (e da inflamação resultante) para que as complicações sejam as menores possíveis. Quando uma lesão adicional grave não pode ser evitada e a substituição óssea da raiz é considerada certa, algumas medidas são tomadas para retardar a substituição da raiz pelo osso e manter o dente na boca pelo maior período possível. Em um dente com o ápice aberto, todos os esforços são feitos para promover a revascularização da polpa, evitando, assim, a infecção do espaço pulpar. Quando a revascularização falha (em um dente com o ápice aberto) ou não é possível (em um dente com o ápice fechado), todos os esforços para o tratamento são
Reimplantar se possível ou colocar em um meio apropriado de armazenamento. Como já mencionado, a lesão do aparato de inserção que ocorreu na fase inicial da injúria é inevitável, mas geralmente é mínima. Entretanto, todos os esforços são realizados para minimizar a necrose do ligamento periodontal remanescente enquanto o dente estiver fora da boca. As sequelas pulpares não são levadas em conta inicialmente e serão consideradas em um estágio mais avançado do tratamento. O fator mais importante para assegurar um resultado favorável após o reimplante é a rapidez com a qual o dente é reimplantado14,20. De máxima importância é a prevenção do ressecamento, que causa perda do metabolismo fisiológico normal e da morfologia das células do ligamento periodontal20,109. Todo esforço deve ser feito para reimplantar o dente dentro dos primeiros 15 a 20 minutos25. Isso geralmente requer uma equipe de emergência no local da injúria com algum conhecimento do protocolo de tratamento. O dentista deve se comunicar claramente com as pessoas no local do acidente. O ideal seria que essa informação fosse dada anteriormente como um suporte educacional às escolas de enfermagem ou aos treinadores de atletas, por exemplo, mas, como isso não é feito, a informação pode ser dada por telefone. O objetivo é reimplantar um dente limpo com uma superfície radicular sem danos, o mais delicadamente possível, e depois disso o paciente deve ser levado ao consultório imediatamente. Se houver dúvida em relação ao reimplante adequado do dente, ele deve ser armazenado em um meio apropriado até que o paciente possa chegar ao consultório dentário para o reimplante. Os meios de armazenamentos sugeridos por ordem de preferência são leite, saliva, tanto no vestíbulo da boca como em um recipiente onde o paciente cuspa, solução salina fisiológica e água67. A água é o meio de armazenamento menos desejável porque um ambiente hipotônico causa uma rápida lise celular e aumenta a inflamação durante o reimplante30,31. Meios de cultura em recipientes de transporte especializados, tais como solução salina balanceada de Hank (HBSS) ou ViaSpan, mostraram uma capacidade superior de manter a viabilidade das fibras do ligamento periodontal por longos períodos126. Atualmente, eles
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são considerados impraticáveis, visto que precisam estar presentes no local do acidente antes que a injúria ocorra. Se considerarmos que mais de 60% das injúrias por avulsão ocorrem perto de casa ou da escola62, seria vantajoso ter esses meios disponíveis em kits de emergência nesses dois locais. Além disso, seria razoável têlos em ambulâncias e em outras equipes de emergência que sejam prováveis de tratar injúrias mais sérias onde os dentes teriam que ser sacrificados devido a situações mais graves de risco de vida.
ou o seu colapso. O alvéolo e as áreas circunjacentes, incluindo os tecidos moles, devem ser radiografados. Três angulações verticais são necessárias para o diagnóstico da presença de uma fratura radicular horizontal em dentes adjacentes14. Os dentes remanescentes tanto na arcada superior como na inferior devem ser examinados para injúrias, como as fraturas coronárias. Quaisquer lacerações dos tecidos moles devem ser anotadas.
Tratamento no consultório dentário
PREPARAÇÃO DA RAIZ
Visita de emergência
A preparação da raiz depende da maturidade do dente (ápice aberto versus ápice fechado) e do tempo de ressecamento do dente antes de ser colocado em um meio de armazenamento. Um tempo de ressecamento de 60 minutos é considerado o ponto onde a sobrevivência das células do ligamento periodontal radicular é improvável.
Preparar o alvéolo, preparar a raiz, construir um splint funcional, antibióticos locais e sistêmicos. É essencial reconhecer que a injúria dentária pode ser secundária a uma injúria mais grave. Se ao exame se suspeitar de uma injúria mais grave, o encaminhamento imediato a um especialista é a prioridade. O foco da consulta de emergência é o aparato de inserção. O objetivo é reimplantar o dente com o mínimo de células lesadas irreversivelmente (que irão causar inflamação) e com uma quantidade máxima de células do ligamento periodontal que tenham o potencial de regenerar e reparar a superfície radicular danificada.
Diagnóstico e plano de tratamento Se o dente foi reimplantado no local da injúria, uma história completa deve ser registrada para avaliar a probabilidade de um resultado favorável. Além disso, a posição do dente reimplantado deve ser avaliada e ajustada se necessário. Em raras ocasiões o dente pode ser “delicadamente” removido para preparar a raiz a fim de aumentar as chances de um resultado favorável (ver a seguir). Se o paciente se apresentar com o dente fora da boca, o meio de armazenamento deve ser avaliado e, se necessário, o dente deve ser colocado em um meio mais apropriado. A solução salina balanceada de Hank é considerada atualmente o melhor meio para esse propósito. O leite ou a solução salina fisiológica também são apropriados para fins de armazenamento. A história médica e do acidente é registrada e um exame clínico realizado. O exame clínico deve incluir um exame do alvéolo para assegurar que ele esteja intacto e adequado para o reimplante. O alvéolo é delicadamente irrigado com solução salina. Quando da remoção de coágulos ou fragmentos, suas paredes são examinadas diretamente para a presença, ausência
Tempo extraoral < 60 minutos Ápice fechado A raiz deve ser irrigada com água ou solução salina para remover detritos e reimplantada da forma mais delicada possível. Se o dente tiver ápice fechado, a revascularização não é possível39, mas, uma vez que o tempo de ressecamento do dente foi inferior a 60 minutos (reimplantado ou colocado em um meio apropriado), a chance de reparação periodontal existe. O mais importante é que fica reduzida a chance de uma grave resposta inflamatória no momento do reimplante. Um tempo de ressecamento de menos de 15 a 20 minutos é considerado ideal para que a reparação periodontal seja esperada10,25,109. Um desafio contínuo é o tratamento do dente que tenha ressecado por mais de 20 minutos (sobrevivência garantida das células periodontais), porém menos de 60 minutos (sobrevivência periodontal improvável). Nesses casos, a lógica sugere que a superfície radicular consiste de algumas células com o potencial de regenerar e algumas que agirão como estimuladoras inflamatórias. Novas estratégias que podem ser extremamente valiosas nesses casos se encontram sob investigação. O uso de Emdogain® tem sido importante nos casos que eram considerados sem esperança no passado (ver a seguir). Esse medicamento tem o potencial de ser extremamente valioso em um período de ressecamento entre 20 e 60 minutos. Estudos estão em andamento para avaliação do seu potencial.
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Ápice aberto Embeber em doxiciclina ou recobrir com minociclina por 5 minutos, remover delicadamente os fragmentos, reimplantar. Em um dente com o ápice aberto, são possíveis a revascularização da polpa bem como a continuidade do desenvolvimento radicular. Cvek et al.39 observaram em macacos que a imersão do dente em doxiciclina (1mg em aproximadamente 20mL de solução salina) por 5 minutos antes do reimplante intensificava significativamente a revascularização. Esse resultado foi confirmado em cães por Yanpiset et al.132. Um estudo recente observou que a cobertura do dente com minociclina aderida à raiz por aproximadamente 15 dias aumentava o índice de uma posterior revascularização em cães95. Enquanto esses estudos em animais não nos oferecem uma previsão do índice de revascularização em humanos, é razoável esperar que a melhora na revascularização observada em duas espécies animais ocorra também em humanos. Como o dente com ápice fechado, o dente com o ápice aberto também deve ser delicadamente irrigado e reimplantado.
Tempo extraoral > 60 minutos Ápice fechado Remover o ligamento periodontal por meio da colocação em ácido por 5 minutos, embeber em fluoreto ou recobrir a raiz com Emdogain, reimplantar. Quando a raiz sofreu um ressecamento por 60 minutos ou mais, a sobrevivência das células do ligamento periodontal não é esperada20,109. Nesses casos, a raiz deve ser preparada para ser o máximo possível resistente à reabsorção (atentando para o lento processo de substituição óssea). Esses dentes devem ser embebidos em ácido por 5 minutos para remover todo o ligamento periodontal remanescente e, dessa forma, remover o tecido que irá iniciar a resposta inflamatória no reimplante. O dente deve ser então embebido em fluoreto estanhoso a 2% por 5 minutos e reimplantado29,103. Foi observado que o alendronato tem efeitos de retardamento da reabsorção semelhantes aos do fluoreto quando utilizado topicamente78, porém outros estudos devem ser realizados para avaliar se sua efetividade é superior à do fluoreto e se isso justifica seu custo adicional. Estudos recentes observaram que o Emdogain (proteína da matriz do esmalte) pode ser extremamente benéfico em dentes com períodos longos de ressecamento extraoral, não somente por tornar a raiz mais resistente à reabsorção, mas possivelmente por estimular
a formação de um novo ligamento periodontal a partir do alvéolo40,70. Se o dente ficou seco por mais de 60 minutos e não foram consideradas medidas para a preservação do ligamento periodontal, o tratamento endodôntico deve ser realizado extraoralmente. No caso de um dente com o ápice fechado, não existe vantagem para esse passo adicional na consulta de emergência. Entretanto, em um dente com o ápice aberto o tratamento endodôntico, se realizado após o reimplante, envolve um procedimento de apicificação a longo prazo. Nesses casos, completar o tratamento endodôntico extraoralmente, em que um selamento de um ápice em forma de bacamarte é mais fácil de ser realizado, pode ser vantajoso. Quando o tratamento endodôntico é realizado extraoralmente, ele deve ser realizado assepticamente com o máximo cuidado para garantir um sistema de canais radiculares isento de bactérias.
Ápice aberto Reimplantar? Em caso afirmativo, tratar como um dente com o ápice fechado. O tratamento endodôntico deve ser realizado fora da boca. Visto que esses dentes são de pacientes jovens nos quais o desenvolvimento facial geralmente está incompleto, muitos odontopediatras consideram o prognóstico tão ruim e as complicações potenciais de anquilose dentária tão graves, que recomendam que esses dentes não sejam reimplantados. De fato, não reimplantar esses dentes é a recomendação atual da Associação Internacional de Trauma Dental49. Entretanto, existe uma considerável discussão se seria vantajoso reimplantar a raiz mesmo que sua perda fosse inevitável em razão da reabsorção por substituição. Se os pacientes forem acompanhados cuidadosamente e se a raiz ficar submersa no momento apropriado4,47, o comprimento e, mais importante, a largura do osso alveolar seriam mantidos, permitindo a realização mais fácil de uma restauração permanente no momento apropriado quando o desenvolvimento facial da criança estiver completo. Estudos estão em andamento para avaliar se as recomendações atuais devem ser modificadas.
PREPARAÇÃO DO ALVÉOLO O alvéolo não deve ser molestado antes do reimplante14. É relevante a remoção de obstáculos dentro do alvéolo para facilitar a reposição do dente no seu
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interior60. Ele deve ser levemente aspirado se um coágulo sanguíneo estiver presente. Se o osso alveolar sofreu colapso e pode impedir o reimplante ou torná-lo traumático, um instrumento rombo deve ser inserido cuidadosamente dentro do alvéolo na tentativa da reposição da parede.
ESPLINTAGEM Uma técnica de esplintagem que permita o movimento fisiológico do dente durante a reparação e que permaneça no local por um período mínimo resulta na diminuição da incidência de anquilose3,11,60. Uma fixação semirrígida (fisiológica) por 7 a 10 dias é recomendada3. O splint deve permitir o movimento do dente, não deve ter memória elástica (assim o dente não é movido durante a reparação) e não deve invadir a gengiva e/ou impedir a manutenção de higiene oral na área. Muitos splints satisfazem os requisitos aceitáveis. Recentemente, um novo splint de titânio para trauma (TTS) tem demonstrado ser particularmente efetivo e fácil de usar129 (Fig. 22-34). Depois que o splint é colocado, uma radiografia deve ser realizada para verificar a posição do dente e como uma referência pós-operatória para o futuro tratamento e acompanhamento. Quando o dente está na melhor posição possível, é importante ajustar a mordida para que ele não seja esplintado em uma posição que cause oclusão traumática. Uma semana é suficiente para criar um suporte periodontal que mantenha o dente avulsionado em posição124. Portanto, o splint deve ser removido depois de 7 ou 10 dias. A única exceção é a avulsão em conjunção com fraturas alveolares, para a qual é sugerido um tempo de splint de 4 a 8 semanas124.
Figura 22-34. Splint de titânio para trauma (TTS) aplicado.
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TRATAMENTO DOS TECIDOS MOLES As lacerações da gengiva alveolar devem ser adequadamente suturadas. As lacerações do lábio são muito comuns nesses tipos de injúria. O dentista deve abordar as lacerações labiais com alguma cautela, e uma consulta ao cirurgião plástico poderia ser prudente. Se essas lacerações forem suturadas, deve-se ter cuidado de limpar totalmente a ferida de antemão porque a sujeira ou até mesmo fragmentos dentários diminutos deixados na ferida afetam a reparação e o resultado estético.
TERAPIA COMPLEMENTAR A administração de antibióticos sistêmicos no momento do reimplante e antes do tratamento endodôntico é efetiva na prevenção da invasão bacteriana da polpa necrosada e, portanto, da reabsorção inflamatória subsequente61. A tetraciclina tem uma vantagem adicional na diminuição da reabsorção radicular porque afeta a motilidade dos osteoclastos e reduz a efetividade da enzima colagenase96. A administração de antibióticos sistêmicos é recomendada, começando pela consulta de emergência e continuando até que o splint seja removido61. Para pacientes não suscetíveis à pigmentação por tetraciclina, doxiciclina 2 vezes ao dia por 7 dias em doses apropriadas para a idade e peso do paciente96,97 é o antibiótico de escolha. A penicilina V 1.000mg e 500mg, 4 vezes ao dia por 7 dias, também tem demonstrado ser benéfica. O conteúdo bacteriano do sulco gengival também deve ser controlado durante a fase de reparação. Além de reforçar a necessidade de uma higiene oral adequada ao paciente, o uso de enxágues com clorexidina por 7 a 10 dias pode ser útil. Em estudo recente realizado por nosso grupo, uma grande vantagem foi observada na remoção dos conteúdos pulpares na visita de emergência e a colocação de Ledermix no interior do canal radicular32. Esse produto contém uma combinação de tetraciclina com corticosteroide e foi demonstrado que ele penetra nos túbulos dentinários. Aparentemente o uso do medicamento foi capaz de reduzir significativamente a resposta inflamatória após o reimplante, o que permitiu uma reparação mais favorável comparada aos dentes nos quais o medicamento não foi usado. Estamos confiantes de que o uso imediato desse medicamento tornar-se-á uma prática-padrão em um futuro não muito distante. A necessidade de analgésicos deve ser avaliada com base nos casos individuais. É incomum o uso de uma medicação mais forte para dor do que
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anti-inflamatórios não esteroidais que não necessitam de prescrição. O paciente deve ser encaminhado ao médico para consulta em relação a um reforço contra o tétano dentro de 48 horas a partir do atendimento inicial.
Segunda consulta Ela deve ocorrer 7 a 10 dias após a sessão de emergência. Na consulta de emergência foi colocada ênfase na preservação e na reparação do aparato de inserção. O foco dessa segunda visita é a prevenção ou eliminação de agentes irritantes potenciais do espaço do canal radicular. Esses agentes irritantes, se presentes, produzem o estímulo para a progressão da resposta inflamatória e da reabsorção óssea e radicular. Ainda nessa visita, o curso de antibióticos sistêmicos é concluído, o enxágue com clorexidina pode ser interrompido, e o splint, removido.
Tratamento endodôntico Tempo extraoral < 60 minutos Ápice fechado Iniciar o tratamento endodôntico em 7 a 10 dias. Em casos em que o tratamento endodôntico é atrasado ou sinais de reabsorção estão presentes, tratar com hidróxido de cálcio “a longo prazo” antes da obturação. Não existem chances de revascularização desses dentes, devendo ser iniciado o tratamento endodôntico na segunda visita, 7 a 10 dias depois da consulta de emergência12,39. Se a terapia iniciar em seu momento ideal, a polpa deve estar necrosada sem infecção ou no máximo apenas com uma infecção mínima81,127. Portanto, o tratamento endodôntico com um efetivo agente antibacteriano entre as consultas127 por um período relativamente curto (7 a 10 dias) é suficiente para garantir uma desinfecção efetiva do canal105. Se o dentista confia na cooperação total do paciente, a terapia com hidróxido de cálcio a longo prazo continua um excelente método de tratamento121,127. A vantagem do uso do hidróxido de cálcio é que ele permite que o profissional coloque um material obturador temporário no local até que um espaço intacto do ligamento periodontal seja confirmado. O tratamento com hidróxido de cálcio a longo prazo deve ser sempre usado quando a injúria ocorreu mais de 2 semanas antes do início do tratamento endodôntico ou se houver evidência radiográfica de reabsorção127. O canal radicular é instrumentado completamente e irrigado e, então, preenchido com uma mistura
espessa de hidróxido de cálcio e solução salina estéril (a solução anestésica também é um veículo aceitável). O hidróxido de cálcio é trocado a cada 3 meses em uma variação de 6 a 24 meses. O canal é obturado quando o espaço do ligamento periodontal parecer radiograficamente intacto ao redor da raiz. O hidróxido de cálcio é um agente antibacteriano efetivo33,105 e influencia favoravelmente o meio ambiente no local da reabsorção, teoricamente promovendo a reparação122. Ele também modifica o meio ambiente na dentina para um pH mais alcalino, que pode retardar a ação das células de reabsorção e promover a formação de tecido duro122. Entretanto, a troca do hidróxido de cálcio deve ser mantida por um tempo mínimo (não mais do que a cada 3 meses), porque ele tem um efeito necrosante sobre as células que estão tentando repovoar a superfície radicular danificada77. Enquanto o hidróxido de cálcio é considerado a substância de escolha na prevenção e no tratamento da reabsorção radicular inflamatória, ele não é o único medicamento recomendado nesses casos. Algumas tentativas têm sido feitas não apenas para remover o estímulo das células da reabsorção, mas também para afetá-las diretamente. O Ledermix é efetivo no tratamento da reabsorção radicular inflamatória por meio da inibição dos osteoclastos89,90 sem danificar o ligamento periodontal, tendo sido demonstrada sua capacidade de se difundir através da raiz do dente humano1. Sua liberação e difusão são intensificadas quando usado em combinação com pasta de hidróxido de cálcio2. A calcitonina, hormônio que inibe a reabsorção óssea, também é uma medicação efetiva no tratamento da reabsorção radicular inflamatória89.
Ápice aberto Evitar o tratamento endodôntico e procurar por sinais de revascularização. Ao primeiro sinal de uma polpa infectada, iniciar o procedimento de apicificação. Os dentes com ápices abertos têm um potencial para revascularizar e continuar o desenvolvimento da raiz, e o tratamento inicial é direcionado para o restabelecimento do suprimento sanguíneo39,95,131. O início do tratamento endodôntico deve ser evitado caso seja possível, a menos que estejam presentes sinais explícitos de necrose pulpar, como a inflamação perirradicular. O diagnóstico de vitalidade pulpar é extremamente desafiador nesses casos. Após o trauma, o diagnóstico de uma polpa necrosada deve ser particularmente criterioso, uma vez que a infecção nesses dentes é potencialmente mais nociva em razão da lesão do cemento acompanhando a injúria traumática. A reabsorção radicular inflamatória externa pode
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ser extremamente rápida nesses dentes jovens porque os túbulos dentinários são amplos e permitem que os agentes irritantes circulem livremente pela superfície externa da raiz39,131. Os pacientes são chamados a cada 3 a 4 semanas para a realização de testes de sensibilidade. Relatos recentes indicam que os testes térmicos com neve de dióxido de carbono (–78ºC) ou diclorodifluormetano (–40ºC) colocado na margem incisal ou no corno pulpar são os melhores métodos para testar a sensibilidade, particularmente em dentes jovens permanentes53,54,88. Um desses dois testes deve ser incluído na avaliação da sensibilidade desses dentes traumatizados. Relatos recentes confirmam a superioridade da fluxometria laser Doppler no diagnóstico da revascularização de dentes imaturos traumatizados132. No momento, entretanto, o custo de tal instrumento impede seu uso na maioria dos consultórios dentários. Sinais radiográficos (destruição apical/ou sinais de reabsorção radicular lateral) e clínicos (dor à percussão e à palpação) de doença são cuidadosamente avaliados. Ao primeiro sinal de doença, o tratamento endodôntico deve ser iniciado e, após a desinfecção do espaço do canal radicular, um procedimento de apicificação deve ser realizado.
Tempo extraoral > 60 minutos Ápice fechado Esses dentes são tratados endodonticamente da mesma forma que os que tenham um tempo extraoral < 60 minutos.
Ápice aberto (se reimplantado) Se o tratamento endodôntico não foi realizado fora da boca, iniciar o procedimento de apicificação. Nesses dentes, a chance de revascularização é extremamente baixa125,128; portanto, tentativas são evitadas. Um procedimento de apicificação é iniciado na segunda visita se o tratamento do canal radicular não foi realizado na de emergência. Se o tratamento endodôntico foi realizado na visita de emergência, a segunda visita é uma nova convocação para avaliar apenas a reparação inicial.
Restauração temporária O selamento efetivo do acesso coronário é essencial para prevenir a infecção do canal entre as consultas. Restaurações temporárias recomendadas são reforçadas com cimento óxido de zinco e eugenol, re-
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sina composta de ataque ácido ou cimento ionômero de vidro. A profundidade da restauração temporária é crítica para seu selamento. Uma profundidade de no mínimo 4mm é recomendada para que uma bolinha de algodão não possa ser colocada; a restauração temporária é colocada diretamente sobre o hidróxido de cálcio na cavidade de acesso. O hidróxido de cálcio deve ser primeiramente removido das paredes da cavidade de acesso, porque ele é solúvel e será eliminado quando entrar em contato com a saliva, deixando a restauração temporária defeituosa. Após o início do tratamento endodôntico, o splint é removido. Se o tempo não permitir a remoção completa do splint nessa visita, as bordas da resina devem ser alisadas para que não irritem os tecidos moles e a resina residual é removida em consulta posterior. Nessa consulta, a reparação geralmente é suficiente para a realização de um exame clínico detalhado nos dentes adjacentes ao dente avulsionado. Os testes de sensibilidade, a reação à percussão e à palpação e as medidas à sondagem periodontal devem ser cuidadosamente registradas para referência nas visitas de acompanhamento.
SESSÃO PARA OBTURAÇÃO DO CANAL RADICULAR Atendendo à conveniência dos profissionais ou, no caso de uma terapia com hidróxido de cálcio a longo prazo, quando uma lâmina dura intacta for identificada. Se o tratamento endodôntico teve início em 7 a 10 dias após a avulsão e os exames clínicos e radiográficos não indicam doença, a obturação do canal radicular nessa visita é aceitável, embora o uso de hidróxido de cálcio a longo prazo seja uma opção comprovada para esses casos. Por outro lado, se o tratamento endodôntico tiver início em mais de 7 a 10 dias após a avulsão ou se uma reabsorção ativa for visível, o espaço pulpar deve ser primeiramente desinfetado antes da obturação do canal radicular. Tradicionalmente, o restabelecimento da lâmina dura é um sinal radiográfico de que a infecção do canal foi controlada. Quando uma lâmina dura intacta for identificada, a obturação do canal radicular pode ser realizada. O canal é limpo, modelado e irrigado sob estrita assepsia. Após a conclusão da instrumentação, o canal pode ser obturado por qualquer técnica aceitável, com especial atenção para a manutenção da assepsia e o melhor selamento possível promovido pelo material obturador.
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Capítulo 22 Traumatismo Dentário
Restauração permanente Existem muitas evidências de que a infiltração coronária causada pelas restaurações temporárias ou definitivas defeituosas resulte em uma contaminação bacteriana clinicamente relevante do canal radicular após a sua obturação94. Portanto, o dente deve receber uma restauração permanente no momento ou logo em seguida à obturação do canal radicular. Como na restauração temporária, a profundidade da restauração é importante para seu selamento e por isso uma restauração mais profunda possível deve ser realizada. Um pino deve ser evitado, se possível. Uma vez que a maioria das avulsões ocorre na região anterior da boca, onde a estética é importante, as resinas compostas associadas a agentes adesivos dentinários são geralmente recomendadas nesses casos. Elas possuem a vantagem adicional de reforçar internamente o dente contra a fratura se ocorrer outro trauma.
Cuidados no acompanhamento As avaliações de acompanhamento devem ocorrer aos 3 meses, aos 6 meses e, anualmente, por no mínimo 5 anos. Se a reabsorção por substituição for diagnosticada (Fig. 22-33) são indicadas revisões periódicas do plano de tratamento a longo prazo. No caso de reabsorção radicular inflamatória (Fig. 22-26), uma nova tentativa de desinfecção do espaço do canal radicular por retratamento pode reverter o processo. Os dentes adjacentes e próximos do dente ou dos dentes avulsionados podem mostrar alterações patológicas bem depois do acidente inicial. Portanto, esses dentes devem ser testados a cada nova consulta e os resultados devem ser comparados aos que foram registrados logo depois do acidente.
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Capítulo
23
Reabsorções Dentárias
Hélio Pereira Lopes Isabela das Neves Rôças José Freitas Siqueira Jr.
A reabsorção dentária pode ser definida como um evento fisiológico ou patológico decorrente, principalmente, da ação de clastos ativados, sendo caracterizada pela perda progressiva ou transitória de cemento ou cemento e dentina17,48. A dentina, o cemento e o osso são tecidos mineralizados de origem mesenquimal, sendo o colágeno e a hidroxiapatita seus componentes principais. Embora similares, a presença de um ligamento de, em média, 200µm de espessura, separando os tecidos mineralizados dentários do osso alveolar, determina suscetibilidades diferentes desses tecidos à reabsorção. Assim, os tecidos mineralizados do dente não são normalmente reabsorvidos, enquanto o osso é continuamente remodelado. Algumas hipóteses63,69,81 têm sido sugeridas para explicar essa diferença, mas, segundo Hammarström e Lindskog28, é ainda obscuro o exato mecanismo pelo qual o processo de reabsorção é inibido. As reabsorções dentárias são um fenômeno estritamente local e podem ser induzidas por meio de fatores traumáticos e/ou infecciosos. Os tipos de trauma mais envolvidos são luxação lateral, intrusão, avulsão seguida de reimplante, fratura radicular e fratura coronária (com lesão de luxação). A necrose pulpar associada a lesões perirradiculares, assim como os movimentos ortodônticos intempestivos, dentes impactados, trauma oclusal ou tecido patológico (cistos ou neoplasias), também estão relacionados como fatores etiológicos das reabsorções dentárias1,2,4,52,69,82.
O trauma dental geralmente determina uma lesão complexa das estruturas dentárias e, algumas vezes, também do osso alveolar. Assim, pode resultar em destruição celular direta, pelo esmagamento de células, ou destruição celular indireta, devido à limitação ou à paralisação do suprimento sanguíneo2,10,12. Quando um trauma dentário ocasiona ruptura do feixe vasculonervoso apical de um elemento dentário, a polpa dental poderá se tornar necrosada e, dessa maneira, micro-organismos presentes na saliva ou no sulco gengival poderão invadir e colonizar a polpa dental necrosada por meio de túbulos dentinários que possam estar expostos à cavidade oral ou ao sulco gengival2,12,80. Além disso, o trauma dentário poderá acarretar o aparecimento de micro e macrofissuras de esmalte que também funcionariam como vias para a invasão microbiana, já que a polpa dental necrosada perde seus mecanismos de defesa. Sendo assim, além da injúria traumática que representa o fator desencadeante, a infecção pulpar que representa o fator de manutenção poderá perpetuar a reabsorção dentária de natureza inflamatória. Portanto, a reabsorção de um dente permanente poderá ser decorrente de trauma dentário, de um processo inflamatório crônico do tecido pulpar e/ou periodontal ou ainda ser induzida por meio da pressão exercida pela movimentação ortodôntica dentária, neoplasias ou devido à erupção dentária1,3,21,27,63. Na patologia das reabsorções dentárias há normalmente envolvimento pulpar, periodontal ou periodontopulpar.
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
ATIVAÇÃO E MECANISMO DA REABSORÇÃO Osteoclastos são células gigantes multinucleadas com origem nos mesmos precursores hematopoiéticos dos monócitos/macrófagos e que podem apresentar 50 a 100µm de diâmetro e 6 a 12 núcleos, alguns atingindo até cerca de 100 núcleos45. O tempo de vida do osteoclasto é de usualmente 2 semanas78. Essa célula participa decisivamente do processo de remodelação óssea por reabsorver osso, e os problemas com ela podem levar a diversas condições patológicas. A diferenciação anormal ou redução no número de osteoclastos pode resultar em osteosclerose/osteopetrose. Por sua vez, doenças caracterizadas pelo excesso de atividade osteoclástica incluem osteoporose, artrite reumatoide, mieloma múltiplo, metástase de câncer, doenças periodontais e lesões perirradiculares. As atividades osteoblástica e osteoclástica são processos fisiológicos normais do tecido ósseo, o qual sofre reabsorção e aposição, como parte de um processo contínuo de remodelação. Os tecidos mineralizados dos dentes permanentes, ao contrário do osso, não sofrem remodelação e, portanto, não são normalmente reabsorvidos. Eles são protegidos, na superfície radicular, pelo pré-cemento (cementoide) e por cementoblastos (Fig. 23-1) e, na cavidade pulpar, pela pré-dentina e por odontoblastos (Fig. 23-2). A perda da integridade
Figura 23-1. Corte histológico de dente de cão evidenciando (4) dentina, (3) cemento, (2) ligamento periodontal, (1) osso alveolar com área de reabsorção e de aposição de tecido mineralizado. (Gentileza do Prof. R. Holland.)
Figura 23-2. Corte histológico de dente de humano evidenciando (1) camada de odontoblasto, (2) pré-dentina, (3) dentina. (Gentileza do Prof. E. Mattos.)
da camada de odontoblastos e cementoblastos que reveste a pré-dentina e o pré-cemento, respectivamente, causada mecânica ou quimicamente, permite o acesso de células clásticas ao tecido mineralizado e predispõe à reabsorção. O cemento é um tecido semelhante ao osso; entretanto, é mais resistente ao processo reabsortivo que esse último. Apenas o terço apical da raiz dental é recoberta por cemento celular, onde estão situados os cementócitos, enquanto o restante da raiz é recoberto por cemento acelular28. Entre a camada de cemento periférica e a dentina radicular se encontra uma camada de cemento intermediária que parece ser mais hipercalcificada que a dentina adjacente e o cemento periférico58. Andreasen7 acredita que o cemento intermediário pode contribuir para a proteção do ligamento periodontal, já que ele formaria uma barreira contra a passagem de produtos tóxicos oriundos de uma polpa inflamada ou necrosada. As possíveis razões para o cemento ser significativamente menos afetado por reabsorção do que o osso incluem: a) presença de pré-cemento. A reabsorção ocorre em superfícies do osso alveolar não cobertas por osteoide. A porção mineralizada do cemento é reves-
Reabsorções Dentárias
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tida por pré-cemento, uma camada de matriz não mineralizada de 3 a 5µm de espessura, que é continuamente depositada durante a vida. Por sua vez, o osso alveolar apenas é coberto por osteoide (matriz óssea não mineralizada) durante a formação do osso. A matriz não mineralizada tende a resistir à atividade osteoclástica54; b) restos epiteliais de Malassez podem de alguma forma proteger o cemento contra reabsorção; c) cementoblastos formam uma camada que reveste a superfície radicular e podem também exercer papel protetor por não responderem a estímulos reabsortivos como o fazem as células que revestem o osso; d) ausência de vascularização do cemento14. Embora o dente seja comumente menos afetado do que o osso, o processo de reabsorção dentária parece ser similar ao de reabsorção óssea. No dente e no osso, as células clásticas que participam do processo de reabsorção dentária são usualmente multinucleadas, derivadas da fusão de células precursoras da mesma linhagem embrionária dos monócitos do sangue38. Uma vez que aparentemente são a mesma célula reabsorvendo substratos diferentes, opta-se por utilizar a mesma denominação de osteoclasto para a célula capaz de reabsorver dente e osso. Durante a reabsorção dentária, as células clásticas são encontradas na interface entre o tecido mole (polpa ou ligamento periodontal) e o duro (dentina e/ou cemento), alojadas em depressões da matriz óssea calcificada, que são áreas escavadas pelo processo reabsortivo e que representam as lacunas de Howship (Fig. 23-3). Projetados para o interior da lacuna, estão os prolongamentos citoplasmáticos da célula clástica, semelhantes a uma escova, que são denominados região de bordas pregueadas. Essas bordas aumentam a superfície de contato entre a célula clástica e seu substrato, além de potencializarem o processo reabsortivo devido à sua movimentação e à presença de uma bomba de prótons (H+ ATPase). Adjacente a elas, no citoplasma da célula clástica, há uma zona totalmente desprovida de organelas, contendo um sistema de microfilamentos, que é denominada zona clara, envolvida na adesão da célula clástica ao tecido a ser reabsorvido. Essa adesão é firme e cria um espaço extracelular isolado, onde um ambiente ácido, necessário para a reabsorção, é mantido68. O osteoclasto pode existir em dois diferentes status funcionais – o móvel e o reabsortivo –, os quais apresentam distintas características morfológicas. Quando alcança o sítio reabsortivo, o osteoclasto se torna polarizado pela reorganização de seu citoes-
Figura 23-3. MEV. Reabsorção radicular. Presença de células clásticas.
queleto, dando origem à forma típica reabsortiva que apresenta zona clara e bordas pregueadas envolvidas na reabsorção de osso. A célula clástica é capaz de promover tanto a dissolução da porção mineral quanto a degradação da matriz orgânica, sem necessitar do auxílio direto de outras células. Uma vez em contato com a matriz mineralizada, após a perda do pré-cemento ou da pré-dentina, a célula clástica inicia a destruição tecidual pela liberação de ácidos e enzimas. A porção inorgânica, composta principalmente por cristais de hidroxiapatita, é inicialmente decomposta pela ação de ácidos. Em seguida, a fase orgânica exposta é degradada por enzimas liberadas pela célula clástica e que funcionam bem em ambiente ácido (ver adiante). Os componentes do tecido mineralizado são então degradados no compartimento extracelular e reduzidos às suas formas elementares, isto é, íons e aminoácidos, não havendo fagocitose por parte da célula clástica. Depois de reabsorver o osso a uma profundidade de aproximadamente 50µm, o os-
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
teoclasto se solta, desorganiza seu anel de actina e as bordas pregueadas, migrando para seu próximo sítio de reabsorção78. Embora o osteoblasto seja uma célula preferencialmente responsável pela formação de osso, o mecanismo bioquímico da reabsorção óssea se inicia pela ativação dessa célula que passa a secretar colagenases que serão responsáveis pela degradação da osteoide, expondo a porção mineralizada do osso à ação dos osteoclastos. No caso da reabsorção dentária, é possível que os odontoblastos e os cementoblastos exerçam tais efeitos. Pelo menos duas moléculas são essenciais para que o processo de reabsorção ocorra: o fator estimulador de colônias de macrófagos (M-CSF) e o ligante do receptor para ativação do fator nuclear κB (RANKL). M-CSF direciona a diferenciação das células hematopoiéticas em precursores de macrófagos e osteoclastos8. Além disso, M-CSF induz a expressão de RANK nos precursores do osteoclasto, preparando-os para a diferenciação em resposta a RANKL16. Osteoblastos e células do estroma da medula óssea expressam RANKL assim como MCSF, de acordo com a regulação exercida por algumas moléculas como o hormônio da paratireoide (PTH), prostaglandina E2 (PGE2), 1,25-di-hidroxivitamina D3, interleucina 11 (IL-11), interleucina 1 (IL-1) e o fator de necrose tumoral (TNF)33,39,40,73,74. RANK e RANKL são membros da família do TNF e da família do receptor para TNF, respectivamente15. A molécula RANKL já recebeu várias denominações, tais como: fator de diferenciação de osteoclastos (ODF), ligante de osteoprotegerina (OPGL) e citocina indutora de ativação relacionada com o TNF (TRANCE). Faz-se necessária a interação entre o osteoblasto e o osteoclasto para que esse último seja ativado. Essa interação ocorre principalmente por meio da ligação de RANK (presente no osteoclasto) ao RANKL (presente no osteoblasto). Sendo assim, a atividade reabsortiva do osteoclasto é estimulada diretamente por meio dessa interação. O aumento da expressão do RANKL estimulada pela atividade de determinadas citocinas é, portanto, responsável pela elevação da osteoclastogênese. De acordo com Teitelbaum77, RANKL e M-CSF interagem com seus receptores presentes nos precursores do osteoclasto (RANK e c-Fms, respectivamente), induzindo a diferenciação desses em osteoclastos. A maturação dos osteoclastos permite que essas células se tornem polarizadas na superfície a ser reabsorvida devido ao surgimento das bordas pregueadas nas mesmas. Dessa maneira, o osteoclasto polarizado po-
derá aderir à superfície mineralizada do tecido ósseo ou dentário por meio da presença da integrina ανβ3 na região da zona clara do osteoclasto, a qual é capaz de se ligar a peptídeos contendo a sequência de aminoácidos Arg-Gly-Asp (RGD), presente em proteínas da matriz óssea como osteopontina e sialoproteína do osso79. Após ligação ao osso, as integrinas da superfície do osteoclasto transmitem sinais intracelulares para reorganizar o citoesqueleto e induzir a migração de vesículas acídicas para a região de bordas pregueadas. O principal ácido envolvido no processo de reabsorção é o ácido clorídrico (HCl) que se forma na lacuna de reabsorção. A enzima anidrase carbônica II catalisa a reação entre o dióxido de carbono (CO2) com a água, formando ácido carbônico, o qual se dissocia em íons H+ e em íons bicarbonato (HCO3–). Os prótons (H+) são transferidos para a lacuna de reabsorção com o auxílio das ATPases presentes nas bordas pregueadas. O transporte extracelular de prótons tende a alcalinizar o citoplasma, o que é prevenido pelo mecanismo de troca de cloro-bicarbonato localizado na membrana citoplasmática da região contrária à área de reabsorção. O cloro que entra na célula se move para a região de bordas pregueadas e é transportado para a lacuna de reabsorção por um canal de ânions acoplado à H+ ATPase. Com a formação de HCl, o osteoclasto promove a queda do pH na área a ser reabsorvida para aproximadamente 4,577. A desmineralização do tecido promove a exposição da matriz orgânica do mesmo, a qual será degradada pela ação de enzimas proteolíticas, principalmente pela catepsina K79, que apresenta melhor ação em pH ácido que as metaloproteinases de matriz (colagenases). Células imunes participam ativamente da ativação de osteoclastos durante um processo inflamatório crônico. Macrófagos ativados pela resposta imune celular produzem IL-1, TNF e IL-6, que estimulam a expressão de RANKL por osteoblastos, células do estroma da medula e fibroblastos75,76. Linfócitos T podem produzir vários fatores que promovem diretamente a formação do osteoclasto (RANKL e IL-7) ou que agem indiretamente por induzir a produção de RANKL por osteoblastos, fibroblastos e células do estroma da medula (IL-1, IL-6, IL-17). Linfócitos T também produzem moléculas que podem inibir a reabsorção, como IL-4, IL-12, IL-15, IL-18, IL-23 e osteoprotegerina23. A IL-1 é uma das principais citocinas com efeitos pró-reabsortivos57,72. Essa citocina é produzida por monócitos/macrófagos, linfócitos T, células da medula óssea e por osteoclastos. Essa citocina, além de induzir o aumento do número de células precursoras
Reabsorções Dentárias
dos osteoclastos, pode também estimular osteoclastos maduros61. TNF-α e TNF-β (linfotoxina) também são citocinas potentes em estimular a diferenciação de osteoclastos, sendo que TNF-α atua independentemente da interação entre RANK e RANKL9,41. Estudos têm demonstrado que algumas citocinas e o lipopolissacarídeo (LPS) de bactérias gram-negativas podem induzir diretamente a diferenciação e a ativação de osteoclastos. IL-1 ativa diretamente osteoclastos por meio da ligação ao seu receptor presente nessas células37. O receptor para LPS em osteoclastos é o receptor tipo Toll 4 (TLR4)35,59,60. Calcitonina (hormônio peptídico secretado pelas células parafoliculares da glândula tireoide), glicocorticoides e a concentração de cálcio e fosfato extracelular podem inibir a reabsorção26. Linfócitos T produzem interferon-γ (INF-γ) que é capaz de suprimir a osteoclastogênese, já que interfere com a interação RANK-RANKL38. TGF-β é secretado por osteoblastos e osteoclastos, sendo responsável pela modulação da reabsorção óssea, pela migração e diferenciação de osteoclastos, além de agir estimulando a quimiotaxia, proliferação e diferenciação de osteoblastos56. IL-4, óxido nítrico e IL-18 também são potentes inibidores de reabsorção61. Outro exemplo é o estrogênio que é capaz de inibir a produção de IL-1 e de TNF40. Antagonistas de IL-1, TNF e IL-6 podem inibir indiretamente a reabsorção39. A osteoprotegerina (OPG) também funciona como inibidor da reabsorção, uma vez que é capaz de se ligar ao RANKL, impedindo a interação entre o osteoclasto e o osteoblasto42. Essa molécula faz parte da família dos receptores para TNF15. Assim, fatores liberados durante a resposta inflamatória a uma infecção podem estimular a diferenciação dos precursores hematopoiéticos dos osteoclastos, induzindo a formação e o aumento do número dessas células, ou podem ativar osteoclastos maduros. Na persistência da inflamação, esses mediadores químicos mantêm a reabsorção. Todavia, fatores inibitórios que controlam a reabsorção são liberados e, uma vez removido o estímulo à inflamação, tais fatores podem se sobrepor aos fatores indutores e, então, darem início ao processo de reparo das estruturas reabsorvidas. Nas reabsorções dentárias sempre haverá uma causa representada por fatores desencadeantes que iniciam ou criam as condições iniciais à reabsorção e um estímulo representado por fatores de manutenção que a perpetuam. Baseado no exposto, depreende-se a natureza multifatorial do processo reabsortivo, no qual inúmeros fatores podem estar envolvidos.
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CLASSIFICAÇÃO DAS REABSORÇÕES DENTÁRIAS A classificação das reabsorções se torna difícil, em função da complexidade etiológica. Assim, são classificadas no intuito de selecionar uma terapêutica mais apropriada. Inicialmente, podemos classificá-las em função da superfície dentária afetada em: reabsorções externas, quando se iniciam na superfície radicular externa; reabsorções internas, quando se iniciam nas paredes da cavidade pulpar e reabsorções internas-externas (perfurantes), quando o processo reabsortivo se estabelece nas superfícies radiculares, externas e internas, ocorrendo a comunicação entre as áreas de reabsorção. Geralmente nesses casos não é possível identificar em que superfície dentária se iniciou o processo de reabsorção.
Reabsorções dentárias externas A reabsorção dentária externa pode iniciar em qualquer ponto da superfície radicular nos dentes erupcionados completamente. No exame radiográfico das reabsorções externas fica mantido o contorno pulpar, havendo superposição do canal radicular sobre a área irregular da reabsorção externa (Fig. 23-4).
Figura 23-4. Reabsorção dentária externa. Contorno do canal presente na área de reabsorção externa.
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
Os tecidos mineralizados dos dentes permanentes não são normalmente reabsorvidos, estando fisiologicamente isentos de atividade blástica e clástica. Assim, a superfície radicular é protegida pelo pré-cemento ou cementoide e pela camada de cementoblastos. A camada de pré-cemento funciona como uma barreira orgânica impedindo a atração quimiotática de células clásticas sobre cemento. Contudo, as camadas de cementoblastos e pré-cemento são sensíveis a pequenas agressões – físicas, químicas ou biológicas – que poderão danificá-las, removendo-as ou acelerando a mineralização do pré-cemento. Esses eventos expõem áreas de cemento que serão colonizadas por células clásticas dando início à reabsorção dentária externa. É provável que a exposição de elementos como a hidroxiapatita e/ou determinadas glicoproteínas da matriz mineralizada seja a principal responsável por essa ativação80,81,82. A agressão responsável pela lesão dos cementoblastos e pré-cemento também induz na região um processo inflamatório, propiciando um acúmulo maior de mediadores locais da osteoclasia19. Nas áreas de reabsorção dentária externa, o exame microscópico revela superfícies dentinárias irregulares repletas de clastos em lacunas de Howship, no interior das quais se abrem numerosos túbulos dentinários sem alteração dos seus diâmetros, mesmo quando observados à microscopia eletrônica de varredura. Na microscopia óptica, os clastos apresentam morfologia variada em seu contorno, forma e distribuição, bem como no número de núcleos, em média de um a sete19.
Reabsorção dentária externa substitutiva É uma reabsorção dentária externa observada nos reimplantes, transplantes e luxações. Assim, qualquer trauma dentário capaz de provocar um dano irreversível ao ligamento periodontal e/ou à superfície radicular pode desencadear uma reabsorção substitutiva também denominada reabsorção por substituição. Entretanto, a luxação intrusiva e a avulsão dentária, pela extensão do dano ao ligamento periodontal, são os traumatismos responsáveis pelo maior número de reabsorção substitutiva. Há indícios significativos de que o ligamento periodontal e um (ou mais) fator inibidor da reabsorção liberados pelos cementoblastos e cementoide (pré-cemento) poderiam se constituir, cada um isoladamente ou em conjunto, em um escudo protetor para o dente, evitando o aparecimento das condições favoráveis à reabsorção e/ou mantendo afastadas da raiz dentária as células clásticas69,81.
Trope e Chivian81 descrevem que o ligamento periodontal, cementoblastos cementoides e cemento intermediário parecem desempenhar algum papel na resistência da superfície externa da raiz à reabsorção. Acreditam, também, que os restos epiteliais de Malassez da bainha radicular estejam relacionados com a resistência à anquilose e à reabsorção substitutiva da raiz dentária. Na ausência do ligamento periodontal ou de parte dele, assim como do fator ou dos fatores antirreabsortivos o tecido ósseo fica intimamente justaposto à superfície radicular, estabelecendo uma anquilose dentoalveolar. Essa união direta entre o osso e a raiz favorece a atração e ligação de células clásticas à superfície radicular. Lacunas de reabsorção ativa com osteoclastos podem ser vistas em conjugação com aposição de osso normal realizada pelos osteoblastos1,3,5,80. Devido ao ciclo normal de remodelação óssea, o dente anquilosado se converte em parte desse sistema. Sendo assim, a raiz é substituída gradualmente por osso11. A reabsorção substitutiva é dependente da destruição do ligamento periodontal. A polpa não está envolvida no processo de reabsorção externa substitutiva. Após o traumatismo e uma vez cessada a inflamação inicial responsável pela remoção dos restos necróticos da área, células adjacentes à raiz desnudada competem para repovoá-la5,6. Assim, o reparo será caracterizado por uma competição entre as células vitais do ligamento periodontal remanescente e as células osteogênicas. Em caso de grandes injúrias do ligamento periodontal (mais de 20% da superfície radicular), o número de células vitais remanescentes do ligamento periodontal é muito pequeno ou mesmo inexistente, permitindo que as células osteogênicas se movam da parede do alvéolo e colonizem a superfície radicular danificada. Consequentemente, há formação de tecido ósseo em contato direto com a raiz dentária. Esse fenômeno é denominado anquilose dentoalveolar1,82. O processo de remodelação óssea (reabsorção e formação) determina por meio dos osteoclastos a reabsorção dos tecidos dentários, enquanto os osteoblastos na fase de formação produzem novo osso na área reabsorvida da raiz. Essa substituição progressiva dos tecidos dentários pelo osso é denominada reabsorção substitutiva1,82. A anquilose dentoalveolar e a reabsorção substitutiva não podem ser revertidas porque o tecido ósseo reabsorve e remodela durante toda a vida. A reabsorção substitutiva é assintomática. Clinicamente, o dente anquilosado se mostra imóvel (sem mobilidade fisiológica) e, frequentemente, em suboclusão. O dente permanece estável no arco, até uma pe-
Reabsorções Dentárias
quena porção remanescente de raiz. Apenas quando a inserção epitelial sustentar o dente é que a exodontia será indicada. O som à percussão é metálico (alto), claramente diferente dos dentes adjacentes. Pode revelar a anquilose, mesmo antes da radiografia1,48,69. Radiograficamente, há o desaparecimento do espaço pericementário e uma substituição contínua da raiz por osso, a qual se origina no segmento apical. As margens da reabsorção são irregulares. O osso adjacente não é reabsorvido, de modo que áreas radiolúcidas não são encontradas no osso junto à raiz reabsorvida (Fig. 23-5). Reabsorções substitutivas recentes apresentam poucos sinais radiográficos, sendo sua identificação muito difícil. Em reabsorções antigas as evidências radiográficas são nítidas e a sua identificação se torna fácil. A reabsorção substitutiva é muito lenta e levará 3 a 10 anos para substituir a raiz dentária. O trauma, além do dano às estruturas periodontais, pode afetar o suprimento neurovascular apical para a polpa dentária. Como consequência, pode ocorrer a obliteração da cavidade pulpar ou necrose pulpar. Nos dentes com necrose pulpar pode ocorrer um processo infeccioso com superposição de uma reabsorção dentária externa substitutiva, a qual, conforme vai progredindo, se encontra com zonas de tecidos pulpares necrosados e infectados. O tra-
Figura 23-5. Reabsorção dentária externa substitutiva.
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tamento endodôntico geralmente consegue conter o processo infeccioso, mas não a reabsorção externa substitutiva1,4,6,10,19. Em pacientes jovens, quando a anquilose é acompanhada de suboclusão, a exodontia deve ser levada em consideração para prevenir a interferência com o crescimento alveolar. Todavia, a exodontia é complicada e pode acarretar perda vertical e horizontal do osso alveolar com graves comprometimentos estéticos. Nesses casos, pode-se remover a coroa dentária e deixar no alvéolo a raiz para ser paulatinamente substituída por osso, procedimento esse que atenua consideravelmente a perda óssea. O tratamento ortodôntico é contraindicado em dentes anquilosados ou com reabsorções substitutivas.
Reabsorção dentária externa transitória Reabsorção dentária transitória ou de superfície é uma reabsorção externa que paralisa sem qualquer intervenção. É autolimitante e prontamente reparada1,19,69. Pode-se estabelecer em qualquer ponto situado ao longo da raiz dentária. A reabsorção é paralisada porque: • a área danificada da raiz e o processo inflamatório instalado não têm magnitude suficiente para manter e dar continuidade à reabsorção; • um fator inibidor da reabsorção presente na dentina é maior do que o estímulo recebido pelas células clásticas oriundo de pequenas agressões ao complexo protetor da raiz; • a polpa não está envolvida. Pela falta de estímulo para manter sua ação e/ ou para vencer o fator inibidor de reabsorção presente na dentina, as células clásticas cessam a atividade reabsortiva e as do ligamento promovem o reparo da área, o que caracteriza a reabsorção dentária externa transitória19,32,52,63. A reabsorção dentária externa transitória é causada por agressões pouco significativas e de pequeno tempo de ação. Havendo a sobrevivência de grande número de células vitais remanescentes do ligamento periodontal, elas poderão reverter a anquilose inicialmente instalada, paralisando o processo reabsortivo iniciado pelas células clásticas. Tem como etiologia lesões traumáticas de baixa intensidade localizadas nos tecidos de sustentação do dente, como a concussão e a subluxação. As reabsorções dentárias externas transitórias, embora frequentes quando do exame histológico de
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
dentes humanos extraídos, raramente são observadas no exame radiográfico. Devido ao pequeno tamanho são de difícil visualização radiográfica. São autolimitantes e se reparam espontaneamente, por meio de neoformação cementária, com restabelecimento do contorno original da raiz. Nas cavidades mais profundas, que penetram na dentina, não há restabelecimento do contorno. Segundo Henry e Weinmann32, 90% dos dentes normais apresentam esse tipo de reabsorção. Ao exame clínico, o dente se apresenta com características de normalidade e nenhum tratamento está indicado, em razão de a reparação ocorrer espontaneamente1,3,19.
Reabsorção dentária externa por pressão É uma reabsorção dentária externa determinada por pressão. Pode ser provocada por tratamento ortodôntico, dentes impactados, erupções dentárias, cistos, neoplasias e trauma oclusal, e cessa desde que removida a causa, estando a polpa dentária hígida. Contudo, em determinadas circunstâncias, em que a remoção cirúrgica da causa pode comprometer a integridade do feixe vasculonervoso pulpar, o tratamento endodôntico se faz necessário13,21,36,48. Quando o tratamento ortodôntico é a causa e o estímulo para a reabsorção, a mesma cessará após a remoção da força. Nos casos de dentes vitais onde não há paralisação parece que a reabsorção está associada à patologia pulpar (inflamação pulpar). Nesses casos, a terapia endodôntica é indicada na tentativa de cessar a reabsorção1,36,48. A reabsorção está localizada com mais frequência na região apical dos dentes do que nas paredes laterais. Não há confirmação de que os dentes traumatizados sejam mais suscetíveis à reabsorção por pressão. Porém, aqueles com sinais de reabsorção antes do tratamento ortodôntico podem ser mais propensos a ela1,51,53. Quanto aos dentes tratados endodonticamente, não há estudos mostrando diferença em relação aos vitais quanto à reabsorção dentária externa por pressão51,71.
Reabsorção dentária externa associada à infecção da cavidade pulpar Essa reabsorção progride continuamente, e sua paralisação exige a intervenção do profissional, que retira ou elimina o fator de manutenção presente no interior do canal radicular69,82.
As reabsorções dentárias externas associadas à infecção da cavidade pulpar podem ser classificadas em reabsorção dentária externa apical, reabsorção dentária externa do segmento médio e reabsorção dentária externa cervical.
Reabsorção dentária externa apical É uma reabsorção dentária progressiva localizada no ápice radicular e ocorre em dentes portadores de necrose pulpar e lesão perirradicular crônica. O processo de reabsorção apical é progressivo, provocando desde pequenas perdas de substâncias, imperceptíveis ao exame radiográfico, até grandes destruições que podem comprometer o sucesso do tratamento endodôntico (Fig. 23-6A a C). Também pode estar presente em dentes tratados endodonticamente portadores de lesão perirradicular crônica (Fig. 23-7). Ferlini20 afirmou que reabsorções dentárias apicais estão presentes na maioria dos dentes com processo periapical crônico e são mais facilmente vistas ao exame microscópico óptico ou eletrônico do que no exame radiográfico. Esses achados foram confirmados pelo trabalho de Lauz et al.44 em que apenas 19% dos dentes estudados (114 dentes) apresentaram reabsorção apical evidenciável radiograficamente, enquanto ao exame histopatológico 81% apresentaram essa condição. Nas periapicopatias agudas, como o abscesso dentoalveolar, à necrose por liquefação típica da abscedação, não favorece a instalação de células clásticas na superfície radicular desnuda e não propicia um mínimo de organização tecidual, como uma vascularização adequada, para que a reabsorção ocorra. Dessa forma, nos abscessos dentoalveolares, a raiz envolvida não sofre reabsorções dentárias significantes que possam ser notadas nas radiografias periapicais19. Polpa dental necrosada e infectada constitui-se no principal fator etiológico. Os micro-organismos no interior do sistema de canais radiculares promovem uma inflamação crônica nos tecidos perirradiculares que induzem a liberação de mediadores químicos, como interleucinas, prostaglandinas e fator de necrose tumoral, que podem estimular ou ativar as células clásticas que promovem a reabsorção óssea e dentária apical1,12. A sobreinstrumentação do canal radicular, durante o tratamento endodôntico, pode desencadear a reabsorção inflamatória apical. Porém, a continuidade da reabsorção está ligada à presença de um estímulo de manutenção, representado por uma lesão perirradicular crônica. As razões para a maior suscetibilidade do ápice radicular à de outras áreas radiculares quanto à reab-
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Figura 23-6. Reabsorção dentária externa apical. A. Região apical normal. (Gentileza do Prof. E. Mattos.) B. Aspecto histológico da reabsorção. (Gentileza da Profa T. Aguiar.) C. Aspecto radiográfico.
Figura 23-7. Reabsorção dentária externa apical presente em dente com tratamento endodôntico.
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
sorção dentária externa apical não estão bem elucidadas. Todavia, admite-se que, estando o processo inflamatório confinado a uma pequena área do ápice radicular, há maior concentração de fatores da reabsorção capaz de vencer a resistência dos tecidos radiculares à instalação do processo patológico. Outra suposição seria a de falhas na junção cementodentina ou a pequena espessura do pré-cemento e cemento no canal cementário. Assim, a dentina mineralizada estaria exposta, atraindo as células clásticas da reabsorção. Também se sabe que a fixação inicial dos clastos na superfície radicular ocorre nas áreas entre as inserções das fibras periodontais, que, assim, funcionariam como protetoras. Como tem sido citado, a concentração dessas inserções é menor no segmento apical, resultando disso mais áreas a serem alcançadas pela célula de reabsorção48,69,81. A reabsorção apical clinicamente é assintomática. Sintomas que podem levar a seu diagnóstico estão associados à inflamação perirradicular. Radiograficamente, observam-se áreas radiotransparentes no ápice radicular e no osso adjacente. Geralmente, há um encurtamento da raiz, representado por um plano perpendicular ao eixo radicular. Entretanto, a reabsorção, na maioria das vezes, é irregular, podendo ser mais acentuada em uma das faces da raiz, adquirindo o aspecto denominado bico de flauta. Outras vezes, além do encurtamento da raiz, a reabsorção adentra o canal em sentido coronário. Também é observada a reabsorção
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do segmento apical com manutenção da luz do canal intacta (Fig. 23-8A a D). Histologicamente, a lesão perirradicular tem características de um granuloma ou cisto. Na superfície radicular apical se observa reabsorção de cemento, ou cemento e dentina. Ao lado das lacunas de reabsorção podem ser encontradas lacunas remineralizadas13,19,20. O tratamento das reabsorções dentárias externas apicais visíveis radiograficamente deve ser direcionado ao combate da infecção endodôntica. A instrumentação deve ser realizada em toda a extensão do canal remanescente, buscando-se, com os instrumentos mais calibrosos, criar um batente ligeiramente aquém da margem mais reabsorvida. Nas reabsorções apicais geralmente há um encurtamento da raiz, representado por um plano perpendicular ao eixo radicular. Entretanto, outras vezes a reabsorção é irregular, podendo ser mais acentuada em uma das faces da raiz, adquirindo o aspecto denominado bico de flauta. Nesses casos, a radiografia revela o término da raiz e não o término do canal radicular. O término do canal radicular pode ser evidenciado por meio da colocação de uma pasta de hidróxido de cálcio com um contrastante (iodofórmio ou óxido de zinco). A pasta deve preencher todo o canal e promover um extravasamento na região apical. A seguir, radiografando-se o dente, observa-se o preenchimento do canal até o ponto onde ocorreu o extravasamento,
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Figura 23-8. Reabsorção dentária externa apical. Aspectos radiográficos. A. Encurtamento da raiz. B. Reabsorção adentra o canal. C. Manutenção da luz do canal. D. Bico de flauta.
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que aparece com a forma de um cogumelo, com o término da raiz sendo visto mais além. Com esse procedimento podemos determinar o comprimento do canal radicular e o posicionamento do batente apical. Para raízes com dois canais, eles deverão ser preenchidos isoladamente e a seguir radiografados. Solução de hipoclorito de sódio a 2,5% deve ser usada como substância coadjuvante do preparo30,48 (ver Capítulo 13, Substâncias químicas empregadas no preparo de canais radiculares). Após o preparo, a smear layer é retirada, preenchendo-se o canal radicular com solução de EDTA a 17%. A solução permanece no interior do canal por 5 minutos, sendo que, durante os 2 primeiros, ela é agitada com uma espiral de Lentulo ou instrumento endodôntico tipo K de diâmetro menor do que o empregado no preparo apical. A seguir, o canal radicular é irrigado com hipoclorito de sódio48. O uso de um medicamento intracanal é imprescindível e tem como objetivo eliminar micro-organismos que permaneceram, após o preparo químico mecânico, no interior dos canais radiculares. Como medicamento intracanal utilizamos uma pasta de hidróxido de cálcio e iodofórmio (proporção de 3:1 em volume), tendo como líquido uma gota de PMCC e uma gota de glicerina HIPG65,66. A mistura obtida deve apresentar aspecto homogêneo e consistência cremosa. O medicamento deve preencher o canal em toda a extensão, sendo recomendado um pequeno extravasamento da pasta na região apical. A seguir, realiza-se o selamento coronário (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). A pasta de hidróxido de cálcio, além da atividade antimicrobiana, atua como uma barreira físico-química, impedindo a proliferação de micro-organismos residuais, a reinfecção do canal radicular por microorganismos oriundos da cavidade oral e a invaginação de tecido de granulação da área reabsorvida à luz do canal radicular. Promove também a necrose das células de reabsorção nas lacunas de Howship, neutraliza ácidos de células clásticas, impedindo a dissolução mineral da raiz e torna o meio inadequado para a atividade das hidrolases ácidas67. Geralmente, renovamos a pasta de hidróxido de cálcio 7 dias após a colocação inicial. Persistindo a tumefação apical e/ou exsudato, renovamos o preparo químico-mecânico e o medicamento a cada 7 dias. O tempo de permanência da pasta de hidróxido de cálcio no interior do canal radicular está condicionado à terapia endodôntica proposta. Nos casos em que a medicação intracanal é empregada com objetivo antimicrobiano, após a remissão
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dos sintomas clínicos, a pasta de hidróxido de cálcio é removida, e o canal é obturado pela técnica convencional ou da guta-percha termoplastificada. Todavia, em razão de a reabsorção apical alterar a anatomia interna do forame e do canal cementário, fica problemático o controle longitudinal do material obturador no interior do canal radicular remanescente. Nesses casos é recomendada a técnica de obturação com tampão apical (Figs. 23-9A a C, 23-10A e B, 23-11A a D, 23-12A e B, 23-13 e 23-14A a D) (ver Capítulo 16, Obturação dos canais radiculares). Outra proposta terapêutica é a de que, além da finalidade antimicrobiana, a pasta de hidróxido de cálcio deve funcionar como uma obturação temporária. O objetivo principal de tal proposta é em razão de que essa pasta, ao entrar em contato com o tecido conjuntivo da área de reabsorção, favorece a reparação dessa área, a partir da deposição de um tecido mineralizado69,84. Os íons hidroxila, oriundos da dissociação do hidróxido de cálcio em contato com o tecido, causam nele uma zona de desnaturação proteica superficial, que é caracterizada por uma necrose de coagulação. Devido à baixa solubilidade do hidróxido de cálcio, a cauterização química ocorrida no tecido é superficial e transitória. Outrossim, essa substância promove um ambiente alcalino, impróprio para o desenvolvimento de micro-organismos na superfície do tecido necrosado. Assim, o tecido fica em condições celulares e enzimáticas para iniciar o seu processo de reparo. Cumpre salientar que, para ocorrer essa reparação, o tecido deve estar organizado e, no máximo, ligeiramente inflamado. De outro modo, esta propriedade do hidróxido de cálcio não será observada34,69,84. Controles clínicos radiográficos são recomendados para se avaliar a evolução do processo reparativo. Recomenda-se o primeiro exame 30 dias após a colocação da pasta de hidróxido de cálcio no interior do canal radicular, seguido de controles trimestrais. Embora, em alguns casos, o fechamento apical possa ocorrer dentro de 6 meses, é normal que ele demore 18 meses ou mais, período esse aparentemente relacionado com a extensão da área reabsorvida. Nesses controles, a troca da pasta de hidróxido de cálcio não é necessária. Entretanto, se o controle radiográfico revelar a reabsorção da pasta no interior do canal, a troca será realizada. Alguns autores têm observado melhores resultados com a renovação mensal da mesma1,69,84. Radiograficamente, obtido o selamento apical, a pasta de hidróxido de cálcio é removida do interior do canal radicular até o limite de barreira mineralizada.
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
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Figura 23-9. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. A. Inicial, após preparo e colocação de pasta HIPG. B. Após obturação com tampão de pasta L&C. Controle de 6 meses e 1 ano. C. Controle de 6 anos.
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Figura 23-10. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. A. Inicial e preparo dos canais. B. Após obturação com tampão apical de pasta L&C. Controle de 1 e 10 anos.
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Figura 23-11. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. A. Inicial. B. Após preparo e colocação de pasta HIPG. C. Obturação com tampão apical de pasta L&C. Controle de 1 ano. D. Controle de 2 anos.
Reabsorções Dentárias
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Figura 23-12. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. A. Inicial. B. Após preparo e obturação com tampão apical de pasta L&C. Controle de 2 anos.
Figura 23-13. Reabsorção dentária externa apical. Sequência radiográfica. Inicial. Preparo. Obturação com tampão apical de pasta L&C. Controle de 2 anos. (Gentileza de V. de Souza.)
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Figura 23-14. Reabsorção dentária externa apical. Raiz palatina do primeiro molar superior. A. Inicial. B. Obturação canal palatino com pasta L&C. Canais vestibulares obturação convencional. C. Controle de 6 meses. D. Controle de 18 meses.
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
A seguir, o canal é obturado pela técnica de compactação lateral ou guta-percha termoplastificada. Essa proposta terapêutica tem como inconveniente retardar a restauração definitiva do dente, o que pode favorecer a contaminação do canal radicular, a fratura do dente e retardar o restabelecimento da função mastigatória e da estética. Para a reabsorção apical quando presente em dentes tratados endodonticamente de maneira deficiente é indicado o retratamento endodôntico. Se a terapia endodôntica fracassar na interrupção da reabsorção, a cirurgia perirradicular deve ser indicada. Para dentes portadores de um tratamento endodôntico bem conduzido, a opção poderá ser cirúrgica. Nesse caso é provável que o fator de manutenção que estimula o processo de reabsorção seja a presença de um biofilme perirradicular ou mesmo de uma infecção persistente em áreas não acessíveis ao procedimento químico-mecânico do canal radicular. Se as radiografias de controle, após 6 meses ou 1 ano mais tarde, mostrarem a reabsorção continuada ou periapicopatia persistente, parte-se para a cirurgia apical, ficando claro, porém, que o tratamento clínico é sempre a primeira opção de resolução para as reabsorções dentárias externas apicais1,10,21,48.
Reabsorção dentária externa lateral É uma reabsorção dentária externa progressiva estabelecida nos segmentos médio e/ou apical da superfície radicular. A face externa da raiz é, normalmente, bem protegida pelo ligamento periodontal e pelo cemento. Se o ligamento periodontal for perdido, ocorrerá a anquilose. Injúrias traumáticas de baixa intensidade, como oclusão traumática, concussão e subluxação, geralmente não causam necrose pulpar. Assim, após o dano mecânico na superfície da raiz, o tecido lesado será eliminado pela resposta inflamatória local e ocorrerá a reparação com novo cemento e ligamento periodontal, devido à ausência de estímulos para a continuação da resposta inflamatória (reabsorção dentária externa lateral transitória)1,3,19,80. Entretanto, injúrias mais graves, como luxações ou avulsões, determinam a ruptura dos vasos sanguíneos do forame apical e, consequentemente, a necrose pulpar isquêmica. Micro-organismos então alcançarão o canal radicular, através de microrrachaduras do esmalte-dentina ou de túbulos dentinários expostos, estabelecendo-se, em 2 a 3 semanas, um processo infeccioso endodôntico. A reabsorção dentária externa, localizada na superfície radicu-
lar vencendo a barreira estabelecida pelo cemento, deixará expostos túbulos dentinários adjacentes. Os produtos tóxicos autolíticos pulpares ou microbianos e toxinas do canal radicular podem, através desses túbulos dentinários, alcançar os tecidos periodontais laterais e provocar uma resposta inflamatória (reabsorção dentária externa lateral progressiva), que no exame clínico pode demonstrar uma flutuação ou até mesmo uma fístula.Também está presente em dentes cujos canais foram tratados de maneira deficiente1,2,7,80 (Fig. 23-15). A resposta inflamatória no periodonto consiste em um tecido de granulação com numerosos linfócitos, células plasmáticas e leucócitos polimorfonucleares. Ao lado dessa área, a superfície radicular sofre uma reabsorção intensa, com numerosas lacunas de Howship e células multinucleares1,4,7,19,80. Radiograficamente, há perda contínua de tecido dental, associada a zonas radiolúcidas persistentes e progressivas no osso adjacente. Podem estar localizadas nas faces laterais (mesial e distal) ou vestibular ou palatina da raiz dentária. Quando localizadas nas faces vestíbular ou lingual, as lesões (reabsorções) se movem com as variações de angulagem horizontal radiográfica. Devido à falta de comunicação com a cavidade pulpar, é possível distinguir claramente o contorno do canal radicular por meio da área radiolúcida de reabsorção. Essas características diferenciam as reabsorções externas das internas.
Figura 23-15. Reabsorção dentária externa lateral progressiva.
Reabsorções Dentárias
Normalmente, a reabsorção não atinge a luz do canal – reabsorção externa não perfurante. Porém, às vezes, o processo pode penetrar no canal radicular ou, durante a instrumentação, ocorrer a comunicação – reabsorção externa perfurante (reabsorção internaexterna). Nos casos considerados não perfurantes realizamos o tratamento endodôntico em dentes com necrose pulpar ou o retratamento endodôntico de dentes tratados deficientemente, dando ênfase ao combate da infecção endodôntica presente no sistema de canais radiculares. A instrumentação deve ser realizada visando à limpeza e modelagem do canal radicular. Solução de hipoclorito de sódio a 2,5% é usada como substância coadjuvante do preparo. A smear layer deve ser removida, e uma medicação intracanal, usada. Como medicamento intracanal devemos usar a pasta HPG com contrastante (iodofórmio ou óxido de zinco). Damos preferência ao uso dessa pasta em função de ela, ao preencher o canal radicular, revelar radiograficamente a presença ou não de possível comunicação com a área de reabsorção. A seguir realiza-se o selamento coronário48. Geralmente renovamos a pasta de hidróxido de cálcio 7 dias após sua colocação inicial. Persistindo a tumefação, renovamos o preparo químico-mecânico e o medicamento a cada 7 dias. Não havendo sintomas clínicos retiramos a pasta e obturamos o canal radicular. Nesses casos não há necessidade de usarmos cimentos obturadores à base de hidróxido de cálcio (Fig. 23-16).
Figura 23-16. Reabsorção dentária externa lateral não perfurante. Sequência radiográfica. Inicial. Após preparo e colocação da pasta HIPG. Após obturação, controle de 2 anos.
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Nos casos considerados perfurantes (interna-externa), após o preparo químico-mecânico e a remoção da smear layer, o uso de um medicamento intracanal é imprescindível, tendo como objetivo eliminar microorganismos, assim como preencher todo o canal radicular e a região da perfuração (reabsorção). Como medicamento intracanal utilizamos a pasta HIPG com contrastante. A mistura obtida deve apresentar aspecto homogêneo e consistência cremosa. A seguir realizamos o selamento coronário. A pasta HIPG, além da atividade antimicrobiana, atua como uma barreira físico-química, impedindo a proliferação de micro-organismos residuais, a reinfecção do canal radicular por micro-organismos oriundos da cavidade oral e a invaginação de tecido de granulação da área reabsorvida à luz do canal radicular. Geralmente renovamos a pasta de hidróxido de cálcio 7 dias após sua colocação inicial. Persistindo a tumefação e/ou exsudato, renovamos o preparo químico-mecânico e o medicamento a cada 7 dias. O objetivo precípuo da medicação intracanal com a pasta HIPG é o de eliminar a infecção intratubular responsável pela manutenção da reabsorção dentária externa inflamatória progressiva. Controles clínicos radiográficos são recomendados para se avaliar a evolução do processo reparativo. Recomendamos o primeiro exame 30 dias após a colocação da pasta de hidróxido de cálcio no interior do canal radicular, seguido de controles trimestrais. Embora, em alguns casos, o fechamento da perfuração lateral possa ocorrer dentro de 6 meses, é normal que ele demore 18 meses ou mais, tempo esse aparentemente relacionado com a extensão da área reabsorvida. Nesses controles, a troca da pasta de hidróxido de cálcio não é necessária. Entretanto, se o controle radiográfico revelar a reabsorção da pasta no interior do canal, a troca será realizada. Alguns autores têm observado melhores resultados com a renovação mensal da mesma1,69,84. Radiograficamente obtido o selamento da reabsorção lateral perfurante, a pasta de hidróxido de cálcio é removida do interior do canal radicular. A seguir, o canal é obturado pela técnica de compactação lateral ou guta-percha termoplastificada17,62. A proposta terapêutica descrita tem como inconveniente o tempo muito longo que o paciente permanece em tratamento. Assim, após o uso da pasta HIPG com finalidade antimicrobiana, podemos obturar o canal e a área reabsorvida definitivamente. Nesses casos devemos usar material obturador contendo hidróxido
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
Figura 23-17. Reabsorção dentária externa lateral perfurante. Sequência radiográfica. Inicial. Obturação convencional do segmento apical do canal. Preenchimento da área de reabsorção com pasta L&C. Controle de 2 anos.
de cálcio. O canal deve ser obturado pela técnica de compactação lateral. Como rotina, empregamos como material obturador a pasta L&C. Nos casos de reabsorções perfurantes podemos afirmar que o uso do hidróxido de cálcio com veículo oleoso é melhor do que com o aquoso, uma vez que aquele diminui a diluição do material nos fluidos orgânicos da reabsorção, tornando-o menos facilmente absorvível, criando melhores condições para a deposição de tecido duro na reparação da lesão34,46,48,50. O material obturador deve preencher o canal radicular e a área reabsorvida (Fig. 23-17). Podemos também obturar o canal, inclusive a área reabsorvida, com MTA (agregado de trióxido mineral)48,69,82 (ver Capítulo 15, Materiais obturadores). A opção cirúrgica, dependendo da localização da área de reabsorção, pode ser indicada quando do fracasso da terapia endodôntica. Em função do tamanho da reabsorção, do comprometimento dos tecidos adjacentes e da disseminação do processo infeccioso, a exodontia deve ser indicada.
Reabsorção dentária externa cervical invasiva É uma reabsorção dentária externa progressiva que se localiza no segmento coronário da raiz no sentido coroa-ápice, além do epitélio juncional do dente. É também denominada reabsorção inflamatória subepitelial da raiz ou simplesmente reabsorção cervical22,31,47,52,70,81,82. É resultado de uma reação infla-
matória do ligamento periodontal advinda de estímulo microbiano oriundo do sulco gengival ou mesmo do canal radicular1,31,80. Todavia, para Heithersay31, a reabsorção cervical pode também ser oriunda de uma desordem benigna proliferante fibrovascular ou fibroóssea, em que os micro-organismos não têm nenhum papel patogênico, mas podem se tornar invasores secundários. A expressão reabsorção cervical implica que a reabsorção deve ocorrer na área cervical do dente. Porém, a inserção periodontal do dente não está sempre na margem cervical, fazendo com que o mesmo processo possa ocorrer mais apicalmente na superfície radicular2,11,19,31,49,51. Pode ocorrer após anos do acidente traumático, e o paciente, geralmente, não se recorda. Sua exata patogenia não está totalmente esclarecida21,31. De modo geral ocorre em dentes reimplantados e anquilosados, em infraoclusão, mas pode ocorrer em dentes luxados. Pode ser consequência também de movimentos ortodônticos e cirurgia ortognática2,11,19,31,49,51. Alguns trabalhos relacionam também as reabsorções inflamatórias cervicais como consequência do clareamento não vital. Todavia, os dentes que apresentaram reabsorções estavam relacionados com a história de trauma24,25,29,43,49,55. Ocorre em dentes com polpa viva, assim como em dentes tratados endodonticamente. A polpa não exerce nenhum papel na reabsorção cervical e, na maioria das vezes, se apresenta normal histologicamente. Devido à origem do estímulo (infecção) geralmente não ser da polpa, acredita-se que os micro-organismos do sulco gengival são os que estimulam e mantêm a resposta inflamatória no periodonto ao nível da união da raiz31,82. Tem-se postulado que micro-organismos e produtos microbianos do sulco gengival alcançariam a área via túbulos dentinários da dentina cervical, estimulando e mantendo a resposta inflamatória do periodonto. Na área inflamada e infectada há produção e liberação de mediadores químicos da reabsorção (citocinas dos macrófagos, linfócitos e prostaglandinas) que ativarão as células clásticas a reabsorverem a dentina e o osso. Endotoxinas, produzidas e liberadas por bactérias, também contribuirão para a progressão da reabsorção. Desse modo, a reabsorção cervical se torna progressiva e pode destruir o dente por completo em um curto período19,31,82. A reabsorção cervical é assintomática e, geralmente, detectada pelo exame radiográfico. Os dentes unirradiculares são geralmente os afetados, e o processo tende a ser lento. Como citado, a polpa não está envolvida e os testes de sensibilidade resultantes esta-
Reabsorções Dentárias
rão dentro de limites normais. Se a polpa é exposta por uma reabsorção extensa, é esperada uma sensibilidade anormal ao estímulo térmico. A pré-dentina e a camada de odontoblastos parecem funcionar como uma barreira à reabsorção. Quando a pré-dentina é atingida, o processo de reabsorção sofre resistência e continua lateralmente em sentido coronário e apical. Em estados avançados, o tecido de granulação pode ser observado solapando o esmalte da coroa dentária, dando-lhe uma aparência rosada. Essa mancha rósea é oriunda do ligamento periodontal e não da polpa dentária1,3,13,21,70. Nessas condições, geralmente o esmalte dentário é fraturado promovendo a comunicação da reabsorção com o suco gengival (Fig. 23-18A e B).
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Figura 23-18. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. A. Aspecto clínico. B. Aspecto radiográfico (incisivo central).
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A mancha rósea tem sido tradicionalmente descrita como um sinal patognomônico da reabsorção radicular interna, localizada na região coronária e oriunda da polpa dentária. Em consequência, muitos casos de reabsorção cervical são mal diagnosticados e tratados como reabsorção radicular interna1,13,31,82. O aspecto radiográfico da reabsorção cervical é variável. Quando localizada nas faces proximais da superfície radicular, é caracterizada por uma área radiotransparente no interior da raiz, que se expande na dentina em sentidos coronário e apical. As imagens são similares às de cáries profundas. Entretanto, a sondagem revela paredes amolecidas, enquanto nas reabsorções cervicais são duras e resistentes. A reabsorção óssea sempre acompanha a reabsorção cervical com imagens que se confundem com bolsas infraósseas de origem periodontal. Entretanto, quando sondadas, diferentemente das bolsas periodontais, sangram abundantemente, e uma sensação tátil de uma esponja é observada em função da presença de tecido de granulação firmemente aderido à área reabsorvida. Quando vestibular ou lingual, a imagem radiográfica depende da extensão da área reabsorvida. Inicialmente, uma radiotransparência próxima à margem cervical será observada. Com o progresso da reabsorção sobre a dentina, a área radiotransparente pode estender-se, de um modo considerável, em sentido apical e coronário. Devido à falta de comunicação com a cavidade pulpar é possível distinguir claramente o contorno do canal radicular, identificado por linhas radiopacas através da área radiotransparente da reabsorção cervical. O aspecto histopatológico revela a tentativa de reparação por meio de um tecido semelhante a osso ou cemento, ocorrendo, algumas vezes, a união do osso e dentina (reabsorção substitutiva)1,22,31,70. A reabsorção cervical pode se apresentar clínica e radiograficamente na superfície radicular como uma cratera ampla (Fig. 23-19A e B) ou como uma pequena abertura (Fig. 23-20). Quando apresentar a forma de uma cratera ampla, onde parte do processo patológico se situa de maneira intraóssea e a outra supraóssea, o tratamento consiste em expor cirurgicamente a lesão, remover o tecido de granulação e restaurar a área reabsorvida. Todavia, o padrão da extensão da área reabsorvida faz com que a aplicação dos princípios do tratamento seja difícil e complexa. A remoção de todo o tecido de granulação da raiz e do osso, até alcançar o tecido não infectado, é imprescindível para o sucesso do tratamento.
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
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Figura 23-19A e B. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. Aspecto de cratera ampla na superfície radicular.
Figura 23-20. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. Aspecto de pequena abertura na superfície radicular.
Dependendo da extensão e do local da reabsorção, a osteotomia poderá ser indicada. Após a regularização dos bordos e secagem da área reabsorvida, esta será obturada com resina composta ou ionômero de vidro. Se possível, o isolamento absoluto deve ser aplicado durante a fase de obturação da área reabsorvida. A seguir, o retalho mucoperióstico é reposicionado e suturado. Procedimentos de regeneração tecidual guiada são promissores para o tratamento dessas patologias. Nas reabsorções cervicais, o tratamento endodôntico poderá ou não ser indicado, em função da quantidade de dentina que separa o assoalho da área reabsor-
vida da luz do canal radicular. Entretanto, é aconselhável a terapia endodôntica eletiva antes da cirurgia. Nessas reabsorções, após a remoção do tecido patológico, observamos uma loja ampla de paredes firmes e brilhantes. Essas características são fatores marcantes no diagnóstico diferencial de processos cariosos, que também podem ocorrer nas áreas cervicais dos dentes. É imperioso ressaltar que, radiograficamente, essas entidades patológicas nem sempre são diferenciadas, o que leva muitos profissionais a confundirem reabsorções com cáries cervicais. No tratamento das reabsorções cervicais de dentes anteriores, como parte do processo está localizado em situação intraóssea, recomenda-se a tração ortodôntica controlada do dente, até que toda a área de reabsorção fique em uma situação supraóssea64. Faz-se necessária após a extrusão do dente sua esplintagem para a formação de osso na região periapical, cirurgia para o contorno ósseo e periodontal, além de restauração definitiva. O material restaurador de escolha da área reabsorvida tem sido, tradicionalmente, os compósitos de micropartículas em face da possibilidade de se obter uma melhor lisura superficial; entretanto, uma desvantagem importante pode ser a sua radiolucidez. Portanto, compósitos micro-híbridos, em função de sua radiopacidade e melhor reologia, representam uma melhor alternativa. Apesar da ausência de esmalte nessa área, a hibridização dentinária com sistemas adesivos de última geração promoverá excelente selamento marginal (Figs. 23-21 e 23-22). Na reabsorção cervical nos casos onde a abertura da área patológica junto à parede externa do dente é de pequena dimensão, as células reabsortivas penetram no dente (dentina) através da pequena área desnuda e causam a expansão da reabsorção no tecido dentinário entre o cemento e a pré-dentina. Geralmente, a polpa mantém-se viva e o processo reabsortivo não penetra no tecido pulpar devido às qualidades protecionais da pré-dentina, mas se espalha ao redor do canal radicular de forma irregular. À medida que avança tortuosamente através da dentina há deposição de tecido duro, de aparência osteoide. A reabsorção cervical com essas características é chamada de reabsorção cervical invasiva, a qual, radiograficamente, não apresenta um padrão ou modelo definido que possa caracterizá-la. Entretanto, revela uma área radiotransparente irregular, geralmente superposta ao canal radicular, que conserva a sua forma original. A lesão (reabsorção) se move com as variações de angulagem horizontal radiográfica1,10,22,47,63.
Reabsorções Dentárias
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Figura 23-21. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. Abertura ampla na superfície radicular. Retratamento endodôntico e tratamento cirúrgico da reabsorção.
Figura 23-22. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. Abertura ampla na superfície radicular. Retratamento endodôntico e tratamento cirúrgico da reabsorção.
Devido à expansão da reabsorção cervical invasiva na dentina em sentido coroa-ápice, aliado a que a pequena abertura da área patológica está localizada além da inserção epitelial junto à parede externa do dente, o acesso à área de reabsorção será via endodôntica e não cirúrgica via externa. Durante o preparo químico-mecânico, geralmente ocorre a comunicação do canal radicular com a reabsorção cervical invasiva. Em seguida, por escavação obtida por meio de inclinação imprimida a uma broca cirúrgica de Muller (Hager e Messinger), procuramos remover mecanicamente o tecido patológico. É importante ressaltar que, para alcançarmos amplitudes maiores nas inclinações dos instrumentos empregados na escavação, o diâmetro do canal radicular, no segmento cervical, deve ser ampliado22,47.
Abundante irrigação com hipoclorito de sódio a 2,5% favorece a retirada de detritos da loja cirúrgica. O uso de ultrassom, assim como de cureta de intermediário longo, também pode auxiliar na remoção do tecido patológico de áreas inacessíveis às brocas cirúrgicas. A seguir, por aspiração e utilizando cones de papel absorvente, procuramos secar o canal radicular e a loja cirúrgica correspondente à reabsorção. Geralmente, esse procedimento é ineficiente, em razão da intensa hemorragia oriunda da remoção do tecido patológico. Em prosseguimento, com o auxílio de uma espiral de Lentulo, preenchemos o canal radicular e a loja cirúrgica com uma pasta de hidróxido de cálcio com contrastante (proporção 3:1, v:v), veiculada em glicerina. A pasta deve ser manipulada em placa de vidro, por meio de espátula, previamente esterilizadas. A pasta de hidróxido de cálcio deverá ser renovada após 3 a 7 dias nos casos em que não ocorreu o preenchimento total da loja cirúrgica. Isso ocorre devido à presença de tecido patológico não removido, resíduos teciduais ou mesmo coágulo sanguíneo47,48. Cerca de 7 dias após, a pasta de hidróxido de cálcio é retirada do interior do canal radicular e da loja cirúrgica com limas tipo Hedstrom, com acompanhamento de abundante irrigação-aspiração com solução de hipoclorito de sódio a 2,5%30. Após secagem por aspiração e cone de papel absorvente, o segmento apical do canal radicular é obturado por meio da técnica de compactação lateral. Apenas o cone de guta-percha principal é carregado com cimento endodôntico em sua extremidade e, a seguir, posicionado no interior do canal radicular. Os cones que protraem a câmara pulpar são cortados com instrumentos aquecidos em toda a extensão da reabsor-
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
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Figura 23-23. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. Abertura pequena na superfície radicular. Tratamento via canal radicular. Sequência radiográfica. A. Inicial. Colocação de pasta HIPG. B. Obturação convencional do canal. Corte dos cones de guta-percha em toda a extensão da reabsorção. Preenchimento da área de reabsorção com MTA. Controle de 3 anos.
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Figura 23-24. Reabsorção dentária externa cervical invasiva. A. Inicial. Preparo do canal radicular e remoção do tecido patológico da área de reabsorção. Preenchimento com pasta HIPG. B. Obturação convencional do canal radicular. Corte dos cones de guta-percha em toda a extensão da reabsorção. Preenchimento da área de reabsorção com MTA. Controle de 1 ano.
ção. Imediatamente depois do corte é realizada uma compactação vertical do material obturador, usandose compactador frio. Após a limpeza da loja cirúrgica correspondente à reabsorção, ela é preenchida com pasta L&C ou MTA. Todas as etapas do tratamento são acompanhadas radiograficamente. Após a remoção do excesso do material na câmara pulpar é feito o selamento coronário com os materiais restauradores indicados (Figs. 23-23A e B e 23-24A e B). Dependendo da extensão e da localização da reabsorção cervical, a exodontia deve ser indicada.
Reabsorção dentária interna A reabsorção dentária interna pode ter início em qualquer ponto da superfície da cavidade pulpar. Po-
dem ser transitórias ou progressivas. As transitórias envolvem apenas a perda de odontoblastos e pré-dentina, sendo autolimitantes e reparadas por novo tecido duro que pode preencher a lacuna de reabsorção. As progressivas continuam além do local em que a dentina foi exposta após a perda dos odontoblastos e prédentina1,18,80,83,85. Quanto ao mecanismo do processo reabsortivo, as reabsorções internas progressivas são classificadas em inflamatória e substitutiva.
Reabsorção dentária interna inflamatória A reabsorção dentária interna inflamatória se caracteriza pela reabsorção da face interna da cavidade pulpar, por células clásticas adjacentes ao tecido de granulação da polpa1,19,52,69.
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Resulta de uma inflamação crônica pulpar, tendo como fatores etiológicos o trauma e a infecção. Para que a reabsorção se instale além do tecido de granulação é necessário que as camadas de odontoblastos e pré-dentina sejam perdidas ou alteradas. O trauma e o superaquecimento do dente, por preparo cavitário, podem danificar essas camadas1,19,81,85. Histologicamente se observa uma transformação do tecido pulpar normal em tecido de granulação, com células gigantes multinucleadas reabsorvendo as paredes dentinárias da cavidade pulpar e avançando em sentido à periferia. A polpa coronária apresenta uma zona com tecido pulpar necrosado e infectado e esse é, aparentemente, o fator de manutenção do processo de reabsorção. Produtos microbianos da área necrosada podem alcançar áreas do canal radicular com polpa vital por meio dos túbulos dentinários. Assim, para a reabsorção interna progredir, túbulos dentinários contaminados devem promover a comunicação da área necrosada com a área do canal com tecido vital. Isso provavelmente explica por que a reabsorção interna progressiva é rara em dentes permanentes. Nos casos em que não há uma área de necrose pulpar, a reabsorção interna é dita transitória. Nesse caso os odontoblastos em uma área da superfície radicular são destruídos e a pré-dentina se torna mineralizada1,19,52,82. Assintomática geralmente, a reabsorção dentária interna inflamatória é diagnosticada durante exame radiográfico de rotina. A dor pode estar presente se a perfuração da coroa ocorrer (mancha rósea) e o tecido metaplásico ficar exposto ao meio oral. Parte da polpa coronária se apresenta frequentemente necrótica, enquanto o segmento pulpar remanescente permanece
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com vitalidade, podendo, assim, responder ao teste de sensibilidade pulpar. Entretanto, após um período de atividade da reabsorção interna, a polpa pode tornar-se não vital, dando resposta negativa ao teste de sensibilidade. Nesses casos, o desenvolvimento da reabsorção é paralisado1,3,19. Quanto à localização, a reabsorção interna pode ocorrer em qualquer região da cavidade pulpar que apresente polpa viva. Assim, pode se localizar quer na câmara pulpar, quer no canal radicular. Se ocorrer na coroa do dente, a rede vascular do tecido de granulação pode ser vista pelo esmalte como um ponto róseo (mancha rósea)1,13,19,48. Radiograficamente, apresenta-se como uma área radiotransparente, caracterizada por um aumento uniforme, de aspecto ovalado, do canal radicular. Com o objetivo de estabelecer o correto planejamento, tratamento e prognóstico, as reabsorções dentárias internas inflamatórias são divididas em não perfurantes e perfurantes (interna-externa) (Fig. 23-25A e B). Nos casos considerados não perfurantes o tratamento é relativamente fácil. Uma vez diagnosticada a reabsorção, o tratamento endodôntico deve ser realizado prontamente, com o intuito de paralisar o processo, o qual cessa quando da remoção da polpa, tendo em vista a interrupção da circulação sanguínea que nutre as células clásticas. Quanto mais apical estiver localizada, mais difícil se torna a remoção de tecido patológico. Para a remoção do tecido da área de reabsorção devemos usar solução de hipoclorito de sódio a 2,5%, instrumentos endodônticos dobrados em ângulo (90º), ultrassom, brocas de Muller e alargadores Gates-Glidden. Se a le-
Figura 23-25. Reabsorção dentária interna inflamatória. A. Não perfurante. B. Perfurante.
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são é extensa, geralmente não é possível remover todo o tecido patológico. O hidróxido de cálcio e iodofórmio + PMCC + glicerina, aplicado como medicamento intracanal, cauteriza o restante do tecido que é posteriormente removido por abundante irrigação com hipoclorito de sódio. A aplicação de hidróxido de cálcio é repetida com o objetivo de se mapear a extensão da área reabsorvida e de se observar a completa remoção do tecido patológico por meio da tomada radiográfica. A obturação se faz, preferencialmente, com guta-percha termoplastificada. Não há obrigatoriedade de se empregarem cimentos obturadores à base de hidróxido de cálcio (Fig. 23-26A a D). Nos casos considerados perfurantes, com presença ou não de lesão no periodonto, o tratamento se torna mais complicado. Pode ser não cirúrgico e cirúrgico.
O tratamento não cirúrgico é semelhante ao empregado na reabsorção dentária externa perfurante (Fig. 23-27A e B). O cirúrgico, que depende do tamanho e da localização da reabsorção, é realizado após o tratamento do canal radicular. Quando ela é localizada na região cervical, o envolvimento periodontal é agravante, determinando solução de continuidade entre o defeito e a cavidade oral, via sulco gengival. Os procedimentos cirúrgicos empregados são semelhantes aos de reabsorção cervical. Dependendo da extensão e da localização da reabsorção interna perfurante, a exodontia deve ser indicada. Quando localizada no terço apical, é indicada a remoção apical. Em outros segmentos da raiz, quando acessível, procede-se ao fechamento do defeito, com
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Figura 23-26. Reabsorção dentária interna inflamatória. Não perfurante. A. Molar inferior. (Gentileza de Melissa Boechat.) B. Incisivo central superior. (Gentileza de E. S. P. Araújo.) C. Canino inferior. D. Incisivo central superior. (Gentileza de I. M. Lourenço Filho)
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Figura 23-27. Reabsorção dentária interna inflamatória. Perfurante. A. Molar inferior. Raiz mesial, controle de 8 anos. B. Molar inferior, raiz distal, controle de dois anos. (Gentileza da Profa M. D. Viana.)
materiais indicados para as obturações retrógradas (ver Capítulo 18, Cirurgia perirradicular).
Reabsorção dentária interna por substituição A reabsorção dentária interna por substituição se caracteriza radiograficamente por um aumento irregular da cavidade pulpar. O contorno pulpar não é mantido, não havendo consequentemente a superposição da cavidade pulpar sobre a área de reabsorção. Histologicamente há metaplasia do tecido pulpar normal por tecido ósseo medular. A reconstituição contínua do tecido ósseo às expensas da dentina é responsável pelo aumento gradual da cavidade pulpar. Após algum tempo o processo de reabsorção é
suspenso e acontece a obliteração do canal radicular. Tem como fator etiológico o trauma, geralmente de baixa intensidade1,3. A análise radiográfica, ao contrário da reabsorção cervical invasiva, revela ausência da linha radiopaca de demarcação entre o canal radicular e a imagem da reabsorção na dentina31. Localiza-se na coroa dentária e nos segmentos radiculares cervical e médio. Dependendo da localização e da possibilidade de acesso à área de reabsorção, o tratamento endodôntico pode ser instituído com o intuito de paralisar o processo. Os procedimentos técnicos empregados no tratamento são semelhantes aos da reabsorção dentária interna inflamatória não perfurante (Fig. 23-28A e B).
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
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Figura 23-28. Reabsorção dentária interna de substituição. A. Canino inferior. Localizada na coroa dentária (câmara pulpar). Controle de 1 ano. (Gentileza do Cap. Dent. PMMG, J. C. Mucci.) B. Incisivo lateral superior. Localizada no segmento cervical e médio. Controle de 2 anos.
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Capítulo 23 Reabsorções Dentárias
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Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta
Capítulo
24
Hélio Pereira Lopes José Freitas Siqueira Jr. Mônica Aparecida Schultz Neves Carlos Estrela
Um dos grandes problemas encontrados pelo endodontista é o tratamento endodôntico de dentes permanentes com ápices incompletamente formados (Fig. 24-1A a C). Embora os mesmos princípios que norteiam a terapêutica endodôntica de dentes completamente desenvolvidos sejam também aplicados aos dentes com rizogênese incompleta, o objetivo, nesses casos, é mais complexo, porque são buscados o completo desenvolvimento radicular nos casos de polpa viva e o fechamento do forame apical por tecido duro calcificado, nos casos de necrose pulpar. Denomina-se apicigênese a complementação radicular fisiológica em dentes que apresentam tecido pulpar ainda com vitalidade, pelo menos na porção apical do canal radicular, com existência de viável bainha de Hertwing, e apicificação a indução do fechamento do forame apical, em dentes com necrose pulpar12,28. O trauma ou a fratura coronária com envolvimento pulpar, assim como a cárie dentária e restaurações inadequadas, constituem-se geralmente nos fatores etiológicos. A perda prematura de dentes pode afetar, psicologicamente, o paciente, além de acarretar graves alterações no plano estético e no fonético, bem como prejudicar o desenvolvimento do arco dentário. Quando as lesões pulpares não se estenderem até a porção radicular, poder-se-á conseguir a complementação apical, utilizando-se o tratamento conservador da polpa dentária. Entretanto, diante da necrose pulpar, inclusive com lesão perirradicular recente ou antiga,
o problema tornar-se-á grave. Nesses casos, a formação normal e fisiológica do ápice, que corresponde, em quase sua totalidade, à função pulpar, poderá ficar detida definitivamente e, com infecção ou não, com complicação perirradicular ou não, o dente se não tratado convenientemente permanecerá com o ápice divergente, sem terminar de formá-lo, em caráter definitivo. Embora a necrose pulpar possa deter o desenvolvimento apical radicular, é importante ressaltar que o ápice deve ser visto como um tecido dinâmico, capaz de crescer, desenvolver-se e reparar-se. Esses atributos podem ser vistos como de grande valor quando usados adequadamente33.. No estudo do problema deve-se ressaltar que a complementação ou o fechamento do forame apical estão relacionados com os seguintes fatores: estágio de desenvolvimento da raiz do dente, condições da polpa dentária e dos tecidos perirradiculares no momento da intervenção e substância empregada20. Várias técnicas, orientações e medicamentos têm sido propostos com relação ao tratamento endodôntico dos dentes com rizogênese incompleta1,16,27,29. Porém, alguns trabalhos, tanto radiográficos como histológicos, têm mostrado que os medicamentos não são necessários para estimular o fechamento do forame apical4,9,11,15,39. Outros estudiosos, embora admitindo que a apificação seja um fenômeno natural, advogam técnicas que incluem o uso de diversas substâncias com o objetivo
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Capítulo 24 Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta
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Figura 24-1. Rizogênese incompleta. A. Corte histológico. B. Microscopia eletrônica de varredura. C. Radiografia.
de se obter a complementação ou fechamento do ápice radicular. Porém, o hidróxido de cálcio, puro ou associado a outras substâncias, tem sido o material de escolha e de maior suporte científico usado no tratamento endodôntico em dentes com rizogênese incompleta. Desse interesse resultaram estudos clínicos13,16,49, bem como histológicos17-19, que contribuíram para o melhor conhecimento de sua atuação junto aos tecidos perirradiculares, mostrando a aparente supremacia desse material sobre os demais. Quando em contato direto com a polpa, o hidróxido de cálcio estimula a neoformação de dentina ou cemento, respectivamente. Embora se reconheça a citada propriedade do hidróxido de cálcio, seu mecanismo de ação ainda não foi perfeitamente elucidado. Alguns atribuem esse efeito aos íons hidroxilas, enquanto outros julgam que os íons cálcio sejam os responsáveis pela indução do reparo. Algumas tentativas de explicar os efeitos do hidróxido de cálcio sobre os tecidos e que resultam na deposição de tecido duro neoformado são descritas no Capítulo 14, Medicação intracanal. Outro material empregado no tratamento de dentes com rizogênese incompleta é o agregado de trióxido mineral (MTA). O MTA é um pó cinza ou branco composto de trióxidos combinados com outras partículas minerais hidrofílicas e que cristalizam na presença de umidade. É disponível no mercado odontológico com as denominações ProRoot-MTA (Dentisply, Tulsa Dental, EUA) e MTA-Angelus (Angelus Odonto-Logika Ind. de Prod. Odontológicos Ltda., Londrina, PR). O MTA é um material cuja composição química é similar ao cimento Portland agregado a outras substâncias. O ProRootMTA é composto aproximadamente de 75% de cimento Portland, 20% de óxido de bismuto e 5% de gesso. O MTA-Angelus é composto de 80% de cimento Portland e 20% de óxido de bismuto. A hidratação do pó com água destilada, solução anestésica ou fisiológica resulta em um gel coloidal, o qual solidifica em menos de 3 horas – ProRoot-MTA – e ao redor de 10 minutos – MTA-Angelus6. O MTA, além de estimular a neoformação dentinária, apresenta atividade antibacteriana satisfatória e promove um selamento adequado, prevenindo a microinfiltração. É um material biocompatível e não tem potencial carcinogênico. É pouco solúvel e a massa obtida não se dilui quando em presença de líquidos teciduais, sendo essa uma vantagem sobre as pastas e cimentos à base de hidróxido de cálcio6. Outra opção terapêutica proposta tem sido a revascularização pulpar com o objetivo de permitir o
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta
completo desenvolvimento radicular em dentes com polpa necrosada com ou sem lesão perirradicular5.
TRATAMENTO ENDODÔNTICO Ao se realizar o tratamento endodôntico em dentes com rizogênese incompleta é fundamental que se tenha conhecimento da área onde se irá intervir. A análise radiográfica inicial revela o estágio de desenvolvimento da raiz e as condições do segmento apical, que poderá se apresentar de forma divergente, paralela ou ligeiramente convergente. Contudo, o desenvolvimento radicular no sentido vestibulopalatino é mais lento, sendo consequentemente essas paredes mais curtas e o forame apical maior quando comparados ao plano mesiodistal8,25. Outro aspecto a ser considerado e que define os procedimentos endodônticos a serem empregados é o estado patológico da polpa. Assim, visando a esse objetivo, devemos realizar um exame clínico minucioso. A inspeção, percussão/palpação e o emprego de agentes térmicos e elétricos permitem que se chegue ao diagnóstico correto. Os testes térmicos e principalmente os elétricos podem, algumas vezes, não fornecer respostas precisas. Isso porque, em dentes com rizogênese incompleta, a camada parietal de nervos (plexo de Raschkow) não se encontra desenvolvida, e a polpa, sendo ainda pouco inervada, reponde menos a esses estímulos12,45. Portanto, para diagnóstico e tratamento adequados, devemos realizar uma sequência de exames, e os dados colhidos devem ser criteriosamente analisados. Quando ainda existirem dúvidas quanto à condição do tecido pulpar, é possível estabelecer um período de espera com controle periódico cuidadoso, objetivando obter dados mais conclusivos. Vale ressaltar que, após o traumatismo dentário em dentes com rizogênese incompleta, onde o segmento apical da raiz ainda não está formado, podem ocorrer a revascularização e a reinervação do feixe vasculonervoso. Nesses casos, a revascularização ocorre entre 24 e 48 horas após o traumatismo dentário, mantendo-se a polpa viva por um fenômeno conhecido em histologia por embebição plasmática. A reinervação pode ocorrer após 40 dias na velocidade de 0,5mm por dia1,12,38,41. Diante de um dente com rizogênese incompleta que necessite de intervenção endodôntica, três situações distintas da condição pulpar podem ocorrer: dentes com vitalidade pulpar, dentes com tecido pulpar vivo apenas no segmento apical do canal radicular e dentes com necrose total do conteúdo pulpar.
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DENTES COM VITALIDADE PULPAR Sempre que for diagnosticada a vitalidade pulpar, um tratamento endodôntico conservador é o indicado, evitando-se intervenções no canal radicular. Se a polpa radicular com vitalidade for mantida, a raiz a ser formada será mais organizada e mais bem estruturada, em razão de os odontoblastos serem preservados. Nesses casos, o tratamento indicado será a pulpotomia. A pulpotomia é um tratamento conservador, sendo seu objetivo a remoção total da polpa coronária viva, sã ou inflamada, mantendo-se a porção radicular. Se o paciente manifestar dor pulpar espontânea ou estivermos diante de uma polpa exposta, encontrar-nos-emos em face de situações em que a pulpotomia se presta adequadamente.
Características clínicas favoráveis à pulpotomia • Hemorragia abundante quando da remoção da porção coronária pulpar; • Sangue com uma coloração vermelho-rutilante; • Tecido pulpar (remanescente pulpar) com consistência firme e coloração róseo-avermelhada. Diferentes materiais podem ser empregados como revestimentos biológicos pulpares. Destacando-se o hidróxido de cálcio e o MTA. Em dentes com rizogênese incompleta e que apresentam exposição pulpar, o tratamento de eleição é a pulpotomia, com o objetivo de se manter a polpa vital e permitir a complementação radicular. Alguns profissionais preconizam a realização do tratamento endodôntico convencional após constatada a complementação da rizogênese de um dente submetido a pulpotomia. Ora, se houve a formação de ponte de dentina, a raiz teve seu desenvolvimento completo, há silêncio clínico e os tecidos perirradiculares se apresentam normais radiograficamente, parece-nos inoportuno e incoerente realizar a tal pulpectomia eletiva. Se, por ventura, houver indícios de fracasso ou necessidade de tratamento endodôntico por finalidade protética, a ponte dentinária pode, na maioria das vezes, ser removida com o auxílio de instrumentos endodônticos forçados contra a ponte na entrada dos canais.
Técnica de pulpotomia 1. Anestesia, isolamento absoluto e antissepsia do campo operatório.
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2. Abertura coronária, com remoção completa do teto da câmara pulpar. 3. Remoção da polpa coronária com curetas de intermediário longo e bem afiadas. 4. Abundante irrigação-aspiração da câmara pulpar com solução fisiológica. 5. Descompressão pulpar por 5 minutos. 6. Irrigação-aspiração com solução fisiológica, secagem com bolinhas de papel absorvente esterilizadas e exame da superfície do remanescente pulpar, que deverá apresentar as características já mencionadas. 7. Aplicação do cortecosteroide-antibiótico (Ostoporin otossolução), mantendo uma bolinha de papel absorvente esterilizada embebida nesse medicamento. 8. Selamento duplo com guta-percha e cimento. 9. Decorridos 2 a 7 dias, são removidos o selamento e o curativo, irrigando-se fartamente com solução fisiológica e retirando-se qualquer coágulo presente. 10. Acama-se sobre o remanescente pulpar com suave pressão a pasta de hidróxido de cálcio pró-análise com solução fisiológica, em uma fina camada, adaptado por uma bolinha de papel absorvente esterilizado. Remove-se o excesso da pasta das paredes laterais e coloca-se sobre esse revestimento biológico uma fina camada de cimento com hidróxido de cálcio com a finalidade de protegê-lo. 11. Coloca-se ionômero de vidro ou cimento de óxido de zinco e eugenol como base protetora para a restauração ou se realiza diretamente a restauração coronária verificando-se a oclusão20. Nos atendimentos ambulatoriais, que por impossibilidade de uma segunda sessão ou por insegurança quanto ao correto selamento coronário da cavidade se realiza a pulpotomia em sessão única, deixa-se o corte costeroide-antibiótico por 10 a 15 minutos sobre o remanescente pulpar e acama-se, a seguir, a pasta de hidróxido de cálcio, mantendo-se todos os demais cuidados. Contudo, o maior índice de sucesso é o obtido com a pulpotomia realizada em duas sessões. O MTA também tem sido empregado como revestimento biológico pulpar imediatamente após a pulpotomia em dentes hígidos com excelentes resultados histológicos24.
DENTES PORTADORES DE TECIDO PULPAR VIVO NO SEGMENTO APICAL DO CANAL RADICULAR Geralmente, nos dentes em desenvolvimento em que ocorrem fratura coronária ou processo cario-
so antigo, com exposição pulpar, a necrose da polpa poderá limitar-se às partes coronária e média do canal radicular, permanecendo sua porção apical inflamada, porém com vitalidade. Isso se deve, provavelmente, à drenagem dos produtos tóxicos, do interior do canal radicular ao meio bucal, à dissipação de parte da força traumática no traço de fratura, causando menor dano à circulação vascular apical, e ao fato de a rizogênese incompleta possibilitar ampla circulação sanguínea, o que aumentaria a capacidade de defesa orgânica do tecido pulpar à invasão infecciosa1. Nesses casos, procuramos preservar o remanescente de tecido apical com vitalidade e, principalmente, a bainha epitelial de Hertwing, com o objetivo de se alcançar o desenvolvimento radicular2,50,51. Sendo os elementos de diagnóstico imprecisos, não se deve anestesiar o paciente de imediato, até que clinicamente se possa ter certeza da presença do tecido pulpar vivo. Assim procedendo, evita-se danificar esse tecido ou mesmo retirá-lo da região apical, o que prejudicaria o desenvolvimento radicular. O mesmo procedimento se aplica aos casos de lesões traumáticas. Nesses, os dentes se apresentam insensíveis, por vários dias ou semanas após o traumatismo, permanecendo, contudo, na porção terminal do canal radicular, tecido vital – presença que é caracterizada pelo sangramento vivo e consistência firme1.
Técnica mediata 1. Automatização da cavidade oral com solução antisséptica e preparo do dente, que tem como objetivo a regularização da coroa (nos casos de fratura coronária), a remoção de toda a dentina cariada e de restaurações defeituosas, reconstituindo-se, quando necessário, a coroa dentária com cimento ou resina, bandas ortodônticas, coroas provisórias etc. 2. Isolamento absoluto, sempre que possível, com dique de borracha e antissepsia do campo operatório. É certo que, muitas vezes, devido a fatores psicológicos do paciente ou a extensas fraturas coronárias, não se consegue o isolamento absoluto. Nesses casos, usamos o melhor isolamento relativo possível, pois é melhor um bom isolamento relativo que um mau isolamento absoluto. 3. Abertura coronária que, a princípio, deve ser ampla, devido à largura do canal e ao volume da câmara pulpar. Para os dentes anteriores, a parede vestibular da cavidade deverá ser biselada para a extremidade incisal, a fim de permitir o adequado preparo do canal radicular.
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4. Neutralização imediata do conteúdo séptico e exploração do canal radicular, com a finalidade de neutralizar e remover o conteúdo séptico, com solução de hipoclorito de sódio a 1% de cloro ativo e limas Hedstrom, até as proximidades do tecido vivo, bem como determinar, clínica e radiograficamente, o limite coronário do tecido pulpar vivo existente no segmento apical do canal radicular. 5. Anestesia adequada aos casos clínicos, removendo-se ou não, momentaneamente, o isolamento absoluto. 6. Pulpectomia, que deverá se estender em sentido apical até atingir tecido pulpar vivo, de consistência firme e coloração róseo-avermelhada. Esse limite cervical de corte da polpa, todavia, varia em função da dimensão e da condição do tecido vital existente no segmento apical e do grau de desenvolvimento do ápice radicular. Contudo, de modo geral, deverá se situar no início da divergência apical, ou seja, aproximadamente 2 a 3mm aquém do ápice radiográfico. A pulpectomia é realizada com limas Hedstrom de ponta truncada, adequadas ao caso. Jamais se deve utilizar extipar-polpas, pois, assim procedendo, podem ser removidos o remanescente de tecido apical e a bainha epitelial de Hertwig, ocasionando sérios problemas à complementação radicular. 7. Preparo químico-mecânico, constando de instrumentação e irrigação-aspiração. A instrumentação deve ser realizada com limas Hedstrom ou tipo K, providas de limitadores do comprimento de trabalho determinado na pulpectomia, empregando-se pressão lateral e remoção vertical. Recomenda-se uma instrumentação cuidadosa, porém não vigorosa, principalmente nos casos de grande abertura apical, onde as paredes do canal são finas e tênues. O preparo visa, apenas, a regularizar as paredes dentinárias e a remover os resíduos pulpares, criando espaço para colocação da pasta de hidróxido de cálcio. Antes, durante e após a instrumentação devem ser realizadas a irrigação-aspiração e a inundação da cavidade pulpar com solução irrigante citotofilática (soro fisiológico). Na sequência da instrumentação, sempre realizamos profusa irrigação-aspiração, procurando remover raspas de dentina e resto pulpares. A presença desses resíduos sobre o remanescente de tecido apical poderá impedir o contato direto do hidróxido de cálcio com o mesmo, levando a resultados que não os esperados19,22. A seguir, realizamos a secagem do canal radicular pela aspiração, completada pelo uso de pontas absorventes estéreis, dentro do comprimento de trabalho estabelecido.
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8. Manipulação e colocação da pasta de hidróxido de cálcio: algumas fórmulas já se apresentam em forma de pasta; outras são manipuladas usando-se placa de vidro e espátula estéreis, agregando-se o pó ao veículo usado, até se obter uma massa pastosa, homogênea e com consistência de trabalho (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). Normalmente empregamos pasta de hidróxido de cálcio com veículo hidrossolúvel aquoso ou viscoso. Empregamos uma pasta constituída de hidróxido de cálcio e iodofórmio (proporção de 3:1 em volume) veiculada ao propilenoglicol ou glicerina. Em função de razões cromáticas ou imunológicas podemos substituir o iodofórmio pelo óxido de zinco32. A adição de uma substância radiopacificadora (iodofórmio ou óxido de zinco) permite que se constate, por meio de uma radiografia, o preenchimento total do canal radicular. A glicerina ou o propilenoglicol são polialcoóis hidrossolúveis de aspecto viscoso, que permitem a obtenção de uma pasta com boa fluidez e de fácil colocação e remoção do canal radicular. Esses veículos, em 24 horas, possibilitam à pasta de hidróxido de cálcio pH semelhante ao observado com veículos hidrossolúveis aquosos. Nesses casos, o hidróxido de cálcio tem como objetivo causar uma zona de desnaturação proteica superficial no tecido em contato com ele, o que é caracterizado por uma necrose de coagulação, com espessura variável entre 0,3 e 0,7mm. Esse efeito parece ser o responsável pela indução do reparo por deposição de tecido calcificado. Outro objetivo é o de limitar a invaginação de tecido remanescente apical para o interior do canal radicular (ver Capítulo 14, Medicação intracanal)46. A operação de preenchimento é acompanhada com auxílio de exame radiográfico. Preenchido o canal radicular em toda a extensão, promovemos a compactação da pasta com uma pequena mecha de algodão esterilizado, de tamanho adequado, a qual é colocada na embocadura do canal e comprimida com as pontas de uma pinça clínica ou calcador endodôntico que funciona como um êmbolo, para assegurar o contato íntimo da pasta com o remanescente de tecido apical, bem como a remoção do excesso de veículo. Se forem utilizadas expirais (Lentulo), é conveniente que se adapte a elas um limitador de penetração, 3mm aquém do comprimento de trabalho, para evitar a agressão mecânica e a invasão da pasta no tecido remanescente29,30. Geralmente renovamos a pasta de hidróxido de cálcio 7 dias após a colocação inicial. O primei-
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Figura 24-2. Representação esquemática do tratamento de dente portador de tecido pulpar vivo no segmento apical do canal radicular. A. Remanescente pulpar. B. Preparo químico-mecânico. C. Preenchimento do canal com pasta de hidróxido de cálcio e selamento da cavidade de acesso.
ro curativo pode entrar em contato com exsudato, coágulo sanguíneo e fragmentos teciduais. Assim, o segundo curativo encontrará condições microambientais mais favoráveis ao processo de reparo. 9. Selamento: removido o excesso da pasta existente na câmara pulpar, colocamos, no espaço criado, uma porção de guta-percha, recobrindo-a com óxido de zinco-eugenol presa rápida, ionômero de vidro ou resina fotopolimerizável. Sobre esse selamento reconstruímos a coroa dentária com os materiais obturadores existentes (Fig. 24-2A a C ).
Controle clínico-radiográfico Utilizamos, como rotina, exames clínico-radiográficos, 1, 3 e 6 meses após a execução da técnica descrita. Pelo exame radiográfico podemos observar a comple-
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mentação e o selamento apical (simples, duplo ou total), normalmente 3 a 6 meses após o tratamento. A renovação periódica da pasta está relacionada com diversos fatores: composição química da pasta, proporção pó/líquido (consistência), natureza química do veículo, diâmetro da abertura do forame apical e eficiência do selamento coronário. O hidróxido de cálcio em contato com o tecido pulpar promove uma necrose superficial, tendo início a formação da barreira cálcica, que provavelmente impede a diluição e a reabsorção da pasta. Nesse caso não há necessidade da renovação da pasta. Todavia, o hidróxido de cálcio pode ser diluído pelos fluídos teciduais perirradiculares inflamados, e, isso ocorrendo o material não aparece na radiografia ou a densidade radiográfica fica significativamente menor do que aquela obtida no atendimento anterior. Em tais casos, a pasta de hidróxido de cálcio deve ser renovada. Não ocorrendo a complementação apical, devemos repetir a técnica descrita, sendo possível, durante o novo preparo químico-mecânico, remover restos necróticos residuais. Completada a formação apical, procedemos à remoção da pasta do interior do canal radicular até o limite da barreira de tecido duro e realiza-se, dentro da sequência de técnica, a obturação do canal, geralmente pela técnica da compactação lateral ou da guta-percha termoplastificada (ver Capítulo 16, Obturação dos canais radiculares). A barreira apical de tecido duro quando não observada radiograficamente pode ser constatada clinicamente por meio de um instrumento endodôntico introduzido suavemente no interior do canal radicular. As radiografias podem não revelar a barreira apical do tecido mineralizado mesmo estando elas presentes. Isso ocorre em razão da direção do feixe de raios X em relação a uma barreira mineralizada muito delgada (Fig. 24-3A a C).
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Figura 24-3. Caso clínico. Incisivo central superior. Técnica imediata. A. Radiografia inicial. B. Após preparo, preenchimento do canal com pasta de hidróxido de cálcio. Controle de 1 ano. Selamento apical simples. Seleção do cone de guta-percha. C. Obturação do canal até a barreira mineralizada. (Gentileza de Aires Pereira.)
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Figura 24-4. Caso clínico. Incisivo central superior. Técnica imediata. Tampão de pasta L&C. Controle após 2 anos.
Técnica imediata Nessa técnica, imediatamente após o preparo do canal radicular ou após o uso de um curativo intracanal com pasta de hidróxido de cálcio, realizamos a escolha clínica e radiográfica do cone de guta-percha principal, aproximadamente 2mm aquém do comprimento de trabalho. A seguir, realizamos a obturação do canal radicular pela manobra do tampão apical, utilizando como material obturador permanente do segmento apical radicular (tampão apical) a pasta L&C (hidróxido de cálcio com veículo oleoso) ou o MTA. Esse tampão apical, além de servir como barreira mecânica, estimula o fechamento apical (ver Capítulo 16, Obturação dos canais radiculares) (Fig. 24-4). Essa técnica é indicada nos casos em que o segmento apical apresentar paredes paralelas ou ligeiramente convergentes.
DENTES COM NECROSE TOTAL DO CONTEÚDO PULPAR Nos casos de rizogênese incompleta de dentes com necrose pulpar e infectados, com ou sem reação perirradicular, a reparação e a complementação da raiz estão na dependência do combate à infecção, desde que nunca seja observada a deposição cementária em um caso ainda infectado1,50 (ver Capítulo 8, Fundamentação filosófica do tratamento endodôntico).
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1. Automatização da cavidade oral, preparo do dente, isolamento, antissepsia do campo operatório e abertura coronária, conforme já descritos. 2. Neutralização imediata do conteúdo séptico com solução de hipoclorito de sódio. O instrumento usado para desalojar o conteúdo séptico e favorecer a penetração da solução de hipoclorito de sódio é uma lima Hedstrom. É importante que esse instrumento esteja provido de um cursor, delimitando o comprimento, baseado na radiografia de estudo, sempre com alguns milímetros aquém do forame, como medida de segurança. Inundadas a câmara pulpar e a entrada do canal radicular com solução de hipoclorito de sódio a 2,5% de cloro ativo (NaOCI), inicia-se, com a lima, um discreto movimento de penetração e rotação para deslocar os restos necróticos neutralizados pelo contato com o agente químico e que, em seguida, serão removidos pela irrigação e aspiração. Essa sequência será repetida várias vezes, aprofundando-se, gradativamente, o instrumento até que se chegue a alguns milímetros da região apical. Essa porção final será neutralizada e removida após a determinação do comprimento de trabalho. Nos casos de ampla comunicação do canal com os tecidos perirradiculares devemos usar solução de hipoclorito de sódio de menor concentração (1%). 3. Para se determinar o comprimento de trabalho, adota-se uma medida que fique, aproximadamente, a 1mm aquém do ápice radiográfico. 4. Preparo químico-mecânico, constando de instrumentação e irrigação-aspiração. A instrumentação deve ser feita com limas Hedstrom ou tipo K, providas de cursores ao nível do comprimento de trabalho. O preparo deve ser feito até que todas as irregularidades das paredes dentinárias tenham sido retiradas e alisadas. Mesmo se tratando de dentes com polpa necrosada, a instrumentação deve ser comedida e metódica, evitando-se a dilaceração da extremidade radicular. Deve-se aplicar, aos instrumentos, o movimento de limagem (penetração, pressão lateral e remoção vertical) e jamais a dinâmica do vaivém, porque essa, devido à grande abertura do forame, pode levar restos necróticos à região perirradicular, dificultando o processo de reparo. A solução química auxiliar da instrumentação empregada é a solução de hipoclorito de sódio a 2,5% de cloro ativo, porque essa concentração apresenta estabilidade química, possui todas as propriedades favoráveis das soluções de hipoclorito de sódio e é bem tolerada sob condições clínicas de uso. A instrumentação deverá ser sempre intercalada com
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a irrigação/aspiração e inundação da cavidade pulpar. A irrigação-aspiração final deverá ser feita com soro fisiológico. A seguir, realiza-se a secagem do canal radicular, conforme já descrito. 5. Medicamento intracanal: considerando que a apicificação somente ocorre após a eliminação ou redução dos micro-organismos em termos de números e virulência, há a necessidade, nesses casos, de usar um medicamento intracanal com efetiva ação antimicrobiana e de preenchimento. Utilizamos uma pasta de hidróxido de cálcio e iodofórmio (proporção de 3:1 em volume), tendo como líquido uma gota de paramonoclorofenol canforado (PMCC) e uma de glicerina. A mistura obtida deve apresentar aspecto homogêneo e consistência cremosa. Em função de razões cromáticas ou imunológicas podemos substituir o iodofórmio pelo óxido de zinco. Essa pasta, empregada como medicamento intracanal, é efetiva contra os micro-organismos encontrados no canal radicular. O hidróxido de cálcio reage com o PMCC formando o paramonoclorofenolato de cálcio, um sal fraco que libera, progressivamente, o paramonoclorofenol e o hidróxido de cálcio. Assim, o PMCC aumenta o espectro da atividade antimicrobiana do hidróxido de cálcio. Por sua vez, o amplo espectro antimicrobiano do PMCC não interfere no efeito biológico do hidróxido de cálcio, provavelmente em razão de aquele não afetar o pH desse32. Tem sido reportado que o PMCC é um medicamento fortemente citotóxico. Entretanto, sabe-se que uma substância pode apresentar efeitos benéficos ou deletérios em função da sua concentração. Quando associado ao hidróxido de cálcio, o paramonoclorofenol é liberado lentamente do paramonoclorofenolato de cálcio. Além do mais, a glicerina associada à pasta reduz a concentração do PMCC, que era de 35% (porção de 6,5:3,5), para cerca de 17,5%. Assim, a redução da concentração e a liberação controlada do PMCC permitem uma maior biocompatibilidade da pasta, sem interferir em sua atividade antimimicrobiana32. A pasta deve ter a consistência de um creme e preencher homogeneamente todo o canal radicular. Geralmente o preenchimento é acompanhado de um extravasamento perirradicular. Normalmente renovamos a pasta de hidróxido de cálcio 7 dias após a colocação inicial. A renovação da pasta permite que o hidróxido de cálcio entre em contato com um tecido conjuntivo desenvolvido que poderá favorecer o processo de reparo22. Persistindo a tumefação apical e/ou exsudato, renovamos o preparo
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Figura 24-5. Representação esquemática do tratamento de dente com necrose total do conteúdo pulpar. A. Esvaziamento do canal. B. Preparo químico-mecânico. C. Preenchimento do canal com pasta de hidróxido de cálcio associado a paramonoclorofenol canforado e glicerina (HPG).
químico-mecânico e o medicamento (pasta). A seguir, realiza-se o selamento coronário de maneira semelhante à já descrita (Fig. 24-5A a C).
Controle clínico-radiográfico Recomenda-se o primeiro exame 30 dias após a colocação da pasta de hidróxido de cálcio (HPG) no interior do canal radicular, seguido de controles trimestrais. Embora, em alguns casos, a apicificação possa ocorrer em 6 meses, é normal o processo de fechamento apical demorar 18 meses ou mais, tempo esse aparentemente relacionado com o tamanho da lesão perirradicular inicial e com o estágio de desenvolvimento radicular1. A renovação da pasta está relacionada com diversos fatores: composição da pasta, proporção pó/líquido (consistência), natureza do veículo, abertura do forame e deficiência do selamento coronário. Quanto menor a consistência da pasta, maior será a sua diluição junto aos líquidos tissulares. Em relação ao forame, quanto maior ele for, maior a possibilidade de a troca ser necessária. Uma ampla área de contato entre a pasta e os tecidos perirradiculares pode acelerar a velocidade de neutralização ou de sua diluição. Microinfiltração da saliva via selamento coronário também pode diluir a pasta de hidróxido de cálcio. Alguns autores têm observado melhores resultados com a sua renovação mensal12,45. Nos controles periódicos se a pasta permanecer no interior do canal
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com contraste e nível apical adequados, a renovação não é recomendada. Segundo Felipe et al.14, a renovação da pasta de hidróxido de cálcio não é necessária para ocorrer a apecificação. Na renovação da pasta após 7 dias, podemos usar veículo oleoso (pasta L&C). Acredita-se que, nos tratamentos endodônticos em dentes com rizogênese incompleta e necrose pulpar, o uso do hidróxido de cálcio com veículo oleoso é melhor do que com o aquoso23,29,30,32. Provavelmente aquele diminui a diluição do material nos fluidos orgânicos da região perirradicular, tornando-o menos facilmente absorvível, criando melhores condições para a deposição de tecido duro no fechamento apical23. Obtida a apicificação, a pasta de hidróxido de cálcio deverá ser removida do interior do canal radicular até o limite da barreira calcificada, nem sempre visível em nível radiográfico, mas clinicamente comprovada pelo instrumento endodôntico junto do ápice. O canal radicular geralmente permanece amplo com a forma de bacamarte, o que pode tornar a obturação um procedimento técnico difícil. As técnicas recomendadas são do cone de guta-percha moldado, do cone invertido, do cone pré-fabricado, da guta-percha termoplastificada e da compactação lateral. Embora investigações clínicas e histológicas tenham certamente comprovado que as barreiras formadas são resistentes, pode ocorrer seu rompimento se a pressão exercida durante a compactação da guta-percha for demasiadamente exagerada, principalmente em canais amplos28. Dependendo do estágio de desenvolvimento apical do dente com rizogênese incompleta, podemos empregar o MTA como tampão apical na obturação do
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canal radicular. Após o preparo do canal radicular e do uso da medicação intracanal (HPG) por um tempo mínimo de 3 dias, estando o dente livre de sinais e sintomas de infecção observáveis sobretudo pela inspeção, palpação e percussão, a pasta de hidróxido de cálcio é removida e a seguir procede-se à imediata colocação do MTA. O material será inserido na região apical com o emprego de instrumentos especiais (seringas) ou mesmo levado com auxílio de instrumentos endodônticos de ponta truncada (compactadores). O material deve ser colocado numa extensão de até 3mm e seu limite apical comprovado pelo exame radiografico. Para prevenir o extravasamento do MTA durante sua colocação em casos de forames muito abertos, procedemos à criação de uma barreira apical de hidróxido ou sulfato de cálcio junto aos tecidos perirradiculares. Em seguida, o MTA é colocado conforme já descrito, com menores riscos de sobreobturação. Sobre o MTA é colocada uma bolinha de algodão umedecida em água destilada por um período mínimo de 3 a 4 horas, protegida por selamento coronário provisório. Esse procedimento tem como objetivo manter a hidratação e permitir a solidificação do material. O MTA em contato com os tecidos perirradiculares estimula a formação de um selamento biológico junto ao forame apical24,48,49. Todavia, Sluyk et al.44 não recomendam esse procedimento, acreditando que a umidade advinda do tecido no local é suficiente para manter as necessidades hidrofílicas do MTA. A proposta terapêutica do tampão apical tem como vantagem não retardar a restauração definitiva do dente, o que favorece a não contaminação do canal radicular, reduz a possibilidade de fratura do dente e permite prontamente o restabelecimento da função mastigatória e da estética (Figs. 24-6A a C, 24-7A a C e 24-8A a C).
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Figura 24-6. Caso clínico. Incisivo central superior. Manobra do tampão apical. A. Radiografia inicial. B. Preparo do canal e uso da pasta HPG. Sete dias após obturação do canal. Manobra do tampão apical de pasta L&C. C. Controle de 1 ano.
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Figura 24-7. Caso clínico. Incisivo central superior. Manobra do tampão apical. A. Radiografia inicial. B. Após preparo, uso da pasta HPG como medicação apical. Manobra do tampão apical de pasta L&C. C. Obturação do canal. Controle de 6 meses. (Gentileza de G. Venanzoni.)
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Figura 24-8. Caso clínico. Molar inferior. Raiz mesial. Rizogênese incompleta. A. Radiografia inicial. B. Após preparo, uso da pasta HPG por 7 dias. Remoção da pasta. Tampão apical de pasta L&C. Obturação dos canais radiculares. C. Controle após 6 anos. Selamento apical.
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta
Andreasse et al.3 concluíram, por meio de um trabalho com incisivos mandibulares imaturos de ovelhas, que a resistência à fratura em dentes imaturos tratados com hidróxido de cálcio será de 50% em 1 ano devido ao tratamento de canal, constatando o porquê de frequentes relatos de fraturas de dentes tratados com hidróxido de cálcio por longo período. Simon et al.43 realizaram um teste para substituir o hidróxido de cálcio por MTA em apicicações de dentes imaturos com polpa necrosada. O hidróxido de cálcio tem muita eficiência até mesmo na presença de lesão periapical, porém tem muitas desvantagens, tais como a variação no tempo de tratamento (média de 12,9 meses), a dificuldade de retorno de pacientes e a demora no tratamento com hidróxido de cálcio por períodos extensos. Como alternativa para o tratamento com hidróxido de cálcio, sugeriram a técnica de tampão apical com o MTA, observando as seguintes vantagens: redução do tempo de tratamento, possibilidade de restaurar o dente com o mínimo atraso e, assim, prevenir a fratura de raiz e também evitar mudanças nas propriedades mecânicas da dentina por causa do uso prolongado do hidróxido de cálcio. Além disso, por causa da atoxicidade, o MTA tem boas propriedades biológicas e estimula a reparação. Os resultados do estudo indicaram sucesso de 81%, porém novos estudos devem ser feitos para confirmar esses resultados.
REVASCULARIZAÇÃO PULPAR A possibilidade de regeneração de uma polpa necrosada tem sido considerada apenas em casos de avulsão de dente permanente com rizogênese incompleta. A vantagem de uma revascularização pulpar está no fato de serem obtidos o completo desenvolvimento radicular e a deposição de dentina nas paredes do canal e, consequentemente, a raiz dentária terá maior resistência à fratura. A condição de um dente jovem com ápice aberto e raiz curta favorece a invaginação de um novo tecido para dentro do espaço pulpar. A polpa necrosada, porém não infectada, pode funcionar como uma matriz na qual um novo tecido poderá se desenvolver5. Tem sido considerado impossível a regeneração pulpar em dentes necrosados e infectados. Contudo, se for possível criar um meio como descrito no caso de avulsão, a regeneração poderá ocorrer5. Nos últimos anos, novos métodos de terapia têm sido propostos com o objetivo de permitir o completo desenvolvimento radicular em dentes com polpa necrosada
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com ou sem lesão perirradicular e vários trabalhos vêm demonstrando clinicamente resultados bemsucedidos de revascularização pulpar5,7,26,47. Esse método de tratamento utiliza o coágulo sanguíneo como substância de preenchimento do canal radicular. O coágulo atua como uma matriz (malha) para o crescimento de um novo tecido dentro do espaço pulpar, similar à polpa necrosada de um dente reimplantado após um trauma dental. Antes porém, é fundamental uma criteriosa desinfecção do canal por meio de copiosa irrigação, utilizando-se solução de hipoclorito de sódio (1,25 a 5,25%). A instrumentação nesses casos é contraindicada, pois agravaria a fragilidade das paredes dentinárias. Segundo alguns autores5,26,47, após a desinfecção com uma solução irrigadora, o canal deve ser preenchido inicialmente com uma pasta à base da associação de três antibióticos (ciprofloxacin + metronidazol + minociclina) a fim de promover a eliminação de micro-organismos que sobreviveram à desinfecção com a irrigação. Após 4 semanas, constatado o desaparecimento de sinais e de sintomas clínicos de infecção, remove-se a pasta através de irrigação e estimula-se um sangramento apical, utilizando-se uma sonda endodôntica exploradora. O sangramento deve ser mantido a 3mm da junção cemento-esmalte e, após 15 minutos, se forma o coágulo sanguíneo nesse local. O selamento coronário deve possuir dupla camada a fim de assegurar um meio sem penetração bacteriana. Em contato com o coágulo se coloca uma camada de MTA, seguida de uma bolinha de algodão estéril umedecida com água destilada e, por último, um selador temporário com profundidade adequada. Duas semanas após, mantendo-se os sinais e sintomas clínicos normais, são substituídos o algodão e o selador temporário, por uma restauração de resina adesiva. A prosservação deve ser mantida por 2 anos por meio do exame clínico e radiográfico. Durante esse período podem ser observados o crescimento radicular, o aumento da espessura da parede do canal e o fechamento do forame apical. Em alguns casos pode haver resposta pulpar positiva ao teste frio. Nos casos em que após 3 meses não se observar o desenvolvimento radicular deve-se optar pela apicificação tradicional5,8. Segundo alguns autores5,7,26,47, a revascularização em canais previamente necrosados e infectados só é possível desde que haja uma eficaz desinfecção. Vale ressaltar que, embora o desenvolvimento radicular e o aumento na espessura das paredes do canal sejam observados, não se pode afirmar que o novo tecido formado seja polpa dentária10. Alguns trabalhos em animais36,37 demonstraram a presença de fibras do tipo
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Capítulo 24 Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta
do ligamento periodontal e cemento dentro do canal radicular. A pasta L&C também pode ser empregada como material obturador permanente do segmento apical radicular como tampão apical (ver Capítulo 15, Materiais obturadores). Após, o espaço do canal radicular deve ser obturado com cone de guta-percha e cimento endodôntico pela técnica convencional ou termoplastificada.
FORMAS DA ZONA APICAL APÓS A COMPLEMENTAÇÃO OU FECHAMENTO DO ÁPICE As condições histopatológicas dos tecidos pulpar e perirradicular, em nível de localização do processo de reparação, parecem influenciar as características morfológicas do tecido duro depositado17,18,28,45, o qual, radiograficamente12,52, poderá apresentar as seguintes formas:
Em dentes portadores de tecido pulpar vivo no segmento apical do canal radicular A) Selamento duplo. Radiograficamente há formação de barreira de tecido duro, alguns milímetros antes do ápice. Histologicamente, nesses casos, a barreira é constituída de dentina, há deposição lateral desse tecido e selamento apical com cemento, restando, todavia, comunicação entre o periodonto e o tecido conjuntivo semelhante à polpa existente na região apical (Fig. 24-9A). B) Selamento simples. Radiograficamente há formação de barreira de tecido duro, alguns milímetros
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Figura 24-9. Representação esquemática das formas da zona apical após complementação do ápice. Dentes com tecido pulpar vivo no segmento apical. A. Selamento duplo. B. Selamento simples. C. Calcificação total da porção apical.
antes do ápice. Histologicamente, nesses casos, a barreira é constituída de cemento, há deposição lateral desse tecido, e o ápice, inicialmente, permanece aberto, ocorrendo ampla comunicação entre o periodonto e o tecido conjuntivo existente no interior das paredes radiculares (Fig. 24-9B). Com o tempo, o aspecto radiográfico tende a se assemelhar ao descrito em A. C) Calcificação total da porção apical. Há o desenvolvimento radicular, porém ocorre a calcificação maciça da porção terminal da raiz (Fig. 24-9C).
Em dentes com necrose total do conteúdo pulpar A) Fechamento em semicírculo. O ápice se calcifica, tomando a forma de semicírculo, porém o canal permanece com a forma de bacamarte. Histologicamente, o selamento ocorre com cemento ou com tecido osteocementoide. Radiograficamente não há comunicação entre o canal e a área perirradicular12,17,18,20,52 (Fig. 24-10A). B) Calcificação tênue. Não há evidência radiográfica do fechamento apical, porém uma delgada barreira cálcica pode ser comprovada pelo instrumental junto do ápice. Não há mudança na divergência das paredes do canal radicular12,17,18,20,52 (Fig. 24-10B). Essas duas últimas configurações morfológicas não promovem o alongamento radicular, permanecendo o dente mais curto do que o seu homólogo. Entretanto, radiograficamente, em alguns casos podem não ser encontrados os padrões descritos, apresentando a região apical morfologia atípica.
A
B
Figura 24-10. Representação esquemática das formas da zona apical após selamento do ápice. Dentes com necrose total do conteúdo pulpar. A. Fechamento em semicírculo. B. Barreira tênue de tecido mineralizado.
Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta
HISTOPATOLOGIA DA REPARAÇÃO Radiograficamente, o processo de reparo de dentes com rizogênese incompleta tem sido caracterizado pelo aparecimento de substância radiopaca obstruindo a abertura apical ou, então, por um crescimento apical, após haver deposição de barreira de tecido duro. É provável que o quadro morfológico do processo de reparo da região apical, de dentes com rizogênese incompleta, deva manter estreitas relações com diferentes fatores, tais como: estágio de desenvolvimento da raiz do dente; condições da polpa dentária e dos tecidos perirradiculares, no momento da intervenção; e substância utilizada como material obturador. A reparação apical e perirradicular dos dentes com rizogênese incompleta pode ser assim efetuada: • à custa de odontoblastos: quando alguns fragmentos pulpares são preservados na região apical; • à custa de papila dentária e bainha de Hertwig: quando preservadas, mesmo que desorganizadamente e na ausência de lesão perirradicular. Nesse caso, haverá células se diferenciando em odontoblastos para promover a formação de dentina; • à custa de cementoblastos e células mesenquimais indiferenciadas e jovens do ligamento periodontal, cuja diferenciação e atividade levam à produção de matriz cementoide e osteoide para complementar a formação da raiz12. Entretanto, deve-se ressaltar que há duas correntes com relação ao fenômeno biológico do processo de reparo da região apical de dentes com rizogenêse incompleta: não é a colocação de uma substância no interior do canal radicular que irá estimular ou despertar a memória genética das células e provocar o desenvolvimento ou fechamento apical. O processo de reparo ocorre uma vez removidos os restos necróticos e micro-organismos do canal radicular, sendo o material utilizado apenas para preencher o espaço criado4,9,11,29. A segunda corrente parte do princípio de que, embora o desenvolvimento ou fechamento apical seja um processo natural, as células do periápice devem ser estimuladas por um ativador biológico com o objetivo de favorecer a reparação13,16,20,28. Se após a colocação do material obturador ainda restar apreciável parte de polpa dentária na porção apical, a raiz do dente poderá crescer, exibindo características morfológicas semelhantes às de um dente normal. O tecido conjuntivo frouxo, situado ao nível apical, apresenta comportamento similar ao localizado na
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câmara coronária e radicular quando em contato com hidróxido de cálcio. No entanto, na maioria dos casos, o crescimento da raiz se dá às expensas da deposição de cemento12,17,18. A maioria dos autores acredita que a bainha epitelial de Hertwig é de importância básica na complementação apical e, apesar de outrora se admitir sua destruição pelas lesões perirradiculares, hoje se acredita que, depois de um período de inatividade, ela pode se tornar vital e reiniciar sua função, uma vez desaparecida a infecção2,51. Entretanto, autores que estudaram, em nível histológico, o processo de reparação de dentes com rizogênese incompleta não observaram a presença da bainha de Hertwig, nada opinando sobre sua importância na complementação ou fechamento apical15. Outros investigadores têm opinado que, melhoradas as condições do periápice, a bainha epitelial de Hertwig pode continuar sua função com consequente formação radicular. Porém, tem sido demonstrado que, uma vez produzida a formação de abscesso, é pouca ou nula a atividade odontogênica posterior. O fechamento do forame apical seria, então, o resultado de uma proliferação do tecido conjuntivo apical, com sua calcificação posterior, e não uma continuação da função da bainha de Hertwig34. Histologicamente é obscuro o mecanismo de complementação ou fechamento apical. Todavia, pode-se afirmar que o básico e importante é que todo esse mecanismo de reparação funciona nos dentes com rizogênese incompleta, desde que não haja micro-organismos, toxinas, nem substâncias estranhas que hostilizem ou perturbem o tecido da região apical ou perirradicular e que o canal esteja devidamente preenchido com um material obturador.
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Capítulo 24 Tratamento Endodôntico em Dentes com Rizogênese Incompleta
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Capítulo
Inter-relação Endodontia e Periodontia
25
Ilan Rotstein James H. Simon
As doenças endodôntico-periodontais geralmente apresentam desafios para o clínico em relação ao seu diagnóstico, tratamento e avaliação do prognóstico. Fatores etiológicos, como os micro-organismos, e os fatores contribuintes, como trauma, reabsorções radiculares, perfurações e má formação dentária, desempenham papel importante no desenvolvimento e na progressão dessas doenças. O tratamento e o prognóstico das doenças endodôntico-periodontais variam e dependem da etiologia, patogênese e reconhecimento correto de cada condição específica. Portanto, a compreensão da inter-relação entre as doenças endodônticas e periodontais reforçará a capacidade de o clínico estabelecer diagnósticos corretos, avaliar o prognóstico do dente envolvido e optar por um plano de tratamento com base em evidências clínicas e biológicas.
ocorrer devido a defeitos do desenvolvimento, doença ou procedimentos periodontais ou cirúrgicos. Os túbulos dentinários radiculares se estendem da polpa para a junção cemento-dentina (JCD). Eles seguem um curso relativamente retilíneo e variam de 1 a 3µm de diâmetro122. O diâmetro dos túbulos diminui com a idade ou em resposta a um estímulo crônico de baixa intensidade que causa aposição de dentina peritubular altamente mineralizada. O número de túbulos dentinários varia de aproximadamente 8.000 na JCD a 57.000/mm2 na porção terminal da polpa. Existem cerca de 15.000 túbulos dentinários/mm2 na área cervical da raiz122. Quando o cemento e o esmalte não se encontram na junção cemento-esmalte (JCE), esses túbulos ficam
RELAÇÕES ANATÔMICAS A polpa dental e o periodonto estão conectados por meio de três vias de comunicação: 1) túbulos dentinários expostos, 2) portais menores de saída e 3) forame apical.
Túbulos dentinários expostos Túbulos dentinários expostos em áreas desprovidas de cemento podem servir como vias de comunicação entre a polpa dental e o ligamento periodontal (Fig. 25-1). A exposição dos túbulos dentinários pode
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Figura 25-1A. Eletromicrografia de varredura dos túbulos dentinários abertos. B. Maior aumento demonstra a ausência de processo odontoblástico.
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Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
expostos, criando, assim, vias de comunicação entre a polpa e o ligamento periodontal. Os pacientes que apresentam hipersensibilidade dentinária cervical são um exemplo desse fenômeno. Fluidos e agentes irritantes podem escoar por meio dos túbulos dentinários patentes e, na ausência de um esmalte intacto ou de um revestimento cementário, a polpa pode ser considerada exposta ao meio oral através do sulco gengival ou bolsa periodontal. Estudos experimentais demonstram que o material solúvel da placa bacteriana aplicado sobre a dentina exposta pode causar inflamação pulpar, indicando que os túbulos dentinários podem proporcionar acesso imediato entre o periodonto e a polpa17. Estudos de investigação por microscopia eletrônica de varredura demonstraram que a exposição dentinária na JCE ocorreu em cerca de 18% dos dentes em geral e em 25% dos dentes anteriores em particular128. Além disso, o mesmo dente pode apresentar diferentes características na JCE mostrando exposição dentinária em uma superfície enquanto as outras superfícies estão recobertas por cemento161. Essa área se torna importante na avaliação da progressão dos patógenos endodônticos, bem como no resultado da raspagem radicular e no planejamento da integridade cementária, trauma e alteração patológica induzida por clareamento48,149,153. Pode haver outras áreas de comunicação dentinária por meio de sulcos de desenvolvimento gengivo-palatinos ou apicais169.
Outros portais de saída Canais acessórios e laterais podem estar presentes em qualquer lugar ao longo do comprimento da raiz (Fig. 25-2). Sua incidência e localização têm sido bem
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documentadas tanto em dentes de animais quanto em dentes humanos utilizando vários métodos. Esses métodos incluem perfusão de corantes, injeção de materiais de impressão, microrradiografia, microscopia óptica e microscopia eletrônica de varredura23,43,65,96,111,154. Estima-se que 30 a 40% desses dentes possuam ramificações e que a maioria delas seja encontrada no terço apical da raiz. De Deus43 relatou que 17% dos dentes apresentavam múltiplos sistemas de canais no terço apical da raiz, cerca de 9% no terço médio e menos de 2% no terço coronário. Entretanto, parece que a incidência de doença periodontal associada a ramificações seja relativamente baixa. Kirkham96, estudando 1.000 dentes humanos com doença periodontal extensa, encontrou apenas 2% de ramificações associadas com a bolsa periodontal presente. Ramificações na região de furca de molares também podem ser uma via direta de comunicação entre a polpa e o periodonto65,111. A incidência de canais acessórios pode variar de 23 a 76%23,43,62. Esses canais acessórios contêm tecido conjuntivo e vasos sanguíneos que conectam o sistema circulatório da polpa com o periodonto. Entretanto, nem todos esses canais estão presentes em toda a extensão da câmara pulpar ao assoalho da furca62. Seltzer et al.163 reportaram que a inflamação pulpar pode causar uma reação inflamatória nos tecidos periodontais inter-radiculares. A presença desses canais menores abertos é uma via potencial para a disseminação de micro-organismos e seus produtos da polpa para o ligamento periodontal e vice-versa, resultando em um processo inflamatório nos tecidos envolvidos (Fig. 25-3).
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Figura 25-2. Tratamento endodôntico não cirúrgico de um incisivo central superior com radiolucidez lateral. A. Radiografia préoperatória mostrando canal tratado previamente com lesão lateral mesial. B. O dente foi retratado e o canal radicular obturado com guta-percha termoplastificada. Notar o canal lateral se estendendo em direção à lesão. C. Controle de 1 ano mostra evidência de reparo ativo.
Inter-relação Endodontia e Periodontia
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Figura 25-3. Seção corada com tricrômico de Masson de um incisivo lateral superior com a polpa necrosada associada a processo inflamatório lateral no ligamento periodontal. A. Canal principal, canal acessório e resposta inflamatória resultante no ligamento periodontal são evidentes. B. Maior aumento da área mostra inflamação crônica com proliferação epitelial.
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Forame apical O forame apical é a principal via de comunicação entre a polpa e o periodonto. Produtos microbianos e inflamatórios podem sair prontamente através do forame apical, causando doença perirradicular. O ápice também é uma potencial porta de entrada de produtos inflamatórios de bolsas periodontais profundas para a polpa. A inflamação ou a necrose pulpar se estendem para os tecidos perirradiculares, causando uma resposta inflamatória local geralmente associada à reabsorção óssea e radicular163. O tratamento endodôntico visa a eliminar os fatores etiológicos intrarradiculares, levando, assim, ao reparo dos tecidos perirradiculares afetados.
DOENÇAS RELACIONADAS A inflamação da polpa provoca uma resposta inflamatória no ligamento periodontal no forame apical e/ou adjacente à abertura de ramificações162. Irritantes de origem pulpar podem penetrar nos tecidos perirradiculares através do forame apical, de ramificações no terço apical do canal radicular ou de túbulos dentinários expostos, e acionar uma resposta inflamatória vascular no periodonto. Tais irritantes incluem micro-organismos patogênicos vivos como certas bactérias (incluindo espiroquetas), fungos e vírus12,13,37,47,66,83,88,131,176,191, bem como patógenos não vivos49,130,131,167,184. Muitos deles são semelhantes aos patógenos encontrados na doença periodontal inflamatória. Em certos casos, a doença pulpar irá estimular o crescimento epitelial, afetando a integridade dos tecidos perirradiculares132,168.
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O efeito da inflamação periodontal sobre a polpa é controverso e existem muitos estudos conflituosos sobre isso3,4,15,36,61,119,163,186,202. Tem sido sugerido que a doença periodontal não tem efeito sobre a polpa pelo menos até que envolva o ápice radicular36. Por outro lado, vários estudos sugerem que de alguma forma o efeito da doença periodontal sobre a polpa seja degenerativo, incluindo um alto índice de calcificações, fibroses e reabsorção de colágeno, bem como um efeito inflamatório direto102,115. Parece que a polpa geralmente não é gravemente afetada pela doença periodontal até que a recessão tenha exposto um canal acessório para o meio oral. Nesse estágio, os patógenos que migram da cavidade oral para dentro da polpa pelos canais acessórios podem causar uma reação inflamatória crônica seguida pela necrose pulpar localizada. Todavia, se a microcirculação vascular do forame apical permanecer intacta, a polpa manterá sua vitalidade102. O efeito do tratamento periodontal sobre a polpa é semelhante durante a raspagem, curetagem ou cirurgia periodontal se os canais acessórios estiverem injuriados e/ou expostos ao meio oral. Nesses casos podem ocorrer a invasão microbiana, a inflamação secundária e a necrose da polpa.
ETIOLOGIA Patógenos vivos e biofilmes infecciosos Entre os patógenos vivos encontrados na polpa e nos tecidos perirradiculares em condições de doença estão as bactérias, os fungos e os vírus (Figs. 25-4 a 25-6). Esses patógenos e seus produtos podem afetar o periodonto de uma série de formas e precisam ser eliminados durante o tratamento endodôntico.
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Figura 25-4. Infecção perirradicular por Actinomyces. Esse caso demonstra o crescimento de bactérias além do forame apical e sua invasão para o cemento e para os tecidos perirradiculares. A. Radiografia de um incisivo central superior com polpa necrosada mostrando ampla lesão perirradicular. B. A terapia endodôntica não cirúrgica foi realizada, mas os sintomas persistiram. C. Cirurgia perirradicular foi então realizada. A fotomicrografia mostra parte da raiz com a lesão aderida. D. Colônias de Actinomyces no lúmen da lesão são evidentes. E. Maior aumento mostra grande colônia de Actinomyces. F. Macrófagos atacando as bactérias. G. Margem da megacolônia bacteriana mostrando a ausência de células inflamatórias capazes de penetrar na colônia. H. Maior aumento da colônia bacteriana. I. Centro da colônia desprovido de células inflamatórias. J. Bactérias viáveis no cemento apical.
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Figura 25-5. Fungos em uma lesão perirradicular persistente. A. Radiografia do incisivo lateral superior com polpa necrosada e radiolucidez perirradicular. B. Radiografia pós-operatória imediata ao tratamento não cirúrgico. C. Aos 3 meses de controle, o paciente ainda estava sintomático e a radiolucidez perirradicular estava aumentada. D. Eletromicrografia de transmissão mostra o crescimento de hifas de um fungo. E. Maior aumento das hifas mostrando a parede celular. F. Esporos reprodutores dos fungos.
Bactérias
Figura 25-6. Eletromicrografia de transmissão do núcleo de um macrófago em uma lesão perirradicular, sugerindo uma possível infecção viral.
Bactérias desempenham um papel crucial na formação e na progressão das doenças perirradiculares12. Os tecidos perirradiculares se tornam envolvidos quando bactérias invadem a polpa, causando necrose parcial ou total. Kakehashi et al.89, em um estudo clássico, demonstraram a relação entre a presença de bactérias e a patologia da polpa e dos perirradiculares. Nesse estudo, polpas de ratos normais foram expostas e deixadas expostas ao meio oral. Consequentemente, houve necrose pulpar seguida por inflamação e formação de lesão perirradicular. Entretanto, quando o mesmo procedimento foi realizado em ratos germ-free, não somente as polpas se mantiveram vitais e relativamente não inflamadas, como os locais de exposição mostraram evidências de reparação dentinária. Möller et al.124 confirmaram esses achados em macacos e relataram que o tecido pulpar necrótico não infecta-
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Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
do não induz lesões perirradiculares ou reações inflamatórias. Todavia, uma vez que a polpa se tornou infectada, lesões perirradiculares se desenvolveram. Korzen et al.100 relataram resultados semelhantes e sugeriram que as infecções pulpares geralmente são infecções mistas por natureza. Coletivamente, esses estudos forneceram evidência-chave em relação ao papel dos micro-organismos nas doenças pulpares e perirradiculares. Blomlof et al.19 criaram defeitos sobre as superfícies radiculares de dentes extraídos de macacos com ápices abertos ou maduros. Os canais foram infectados ou preenchidos com hidróxido de cálcio e reimplantados em seus alvéolos. Após 20 semanas, os achados de proliferação epitelial abaixo das áreas de dentina desnuda indicaram associação entre o tecido pulpar infectado e a doença periodontal. Jansson et al.85 avaliaram o efeito de patógenos endodônticos na reparação da lesão periodontal marginal de superfícies dentinárias desnudas cercadas por ligamento periodontal saudável, e seus resultados mostraram que, em dentes infectados, os defeitos eram recobertos por 20% a mais de epitélio, enquanto os dentes não infectados mostravam apenas mais 10% de revestimento por tecido conjuntivo. Concluíram que os patógenos nos canais radiculares necrosados podem estimular a proliferação epitelial abaixo das superfícies dentinárias expostas, resultando em comunicação marginal e também em aumento da doença periodontal. Jansson et al.84 em um estudo radiográfico retrospectivo de 3 anos avaliaram 175 dentes unirradiculares tratados endodonticamente de 133 pacientes. Os pacientes mais propensos a periodontites e exibindo evidências de falhas no tratamento endodôntico mostravam aumento de aproximadamente três vezes na perda óssea marginal quando comparados a pacientes sem infecção endodôntica. Além disso, também foram investigados o efeito da infecção endodôntica sobre a sondagem periodontal profunda e a presença de envolvimento de furca em molares mandibulares82, sendo observado que a infecção endodôntica nos molares inferiores estava associada a maior perda de inserção na área de furca. Por isso, foi sugerido que a infecção endodôntica em molares associada à doença periodontal poderia reforçar a progressão da periodontite pela disseminação de patógenos através dos canais acessórios e dos túbulos dentinários82. Entretanto, quando a infecção era tratada com sucesso, o vetor periodontal desaparecia, indicando que existia apenas um vetor infeccioso presente. Bactérias proteolíticas predominam na microbiota do canal radicular, que com o passar do tempo se torna
predominantemente mais anaeróbia53,182. Rupf et al.155 estudaram os perfis dos patógenos periodontais nas doenças pulpares e periodontais associadas ao mesmo dente. Métodos específicos de PCR foram usados para detectar Aggregatibacter (Actinobacillus) actinomycetemcomitans, Tannerella forsythia, Eikenella corrodens, Fusobacterium nucleatum, Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia e Treponema denticola. Esses patógenos foram encontrados em todas as amostras endodônticas e também em dentes com lesão perirradicular crônica e periodontite crônica do adulto. Portanto, parece que os patógenos periodontais acompanham as infecções endodônticas e que as inter-relações endodônticas e periodontais são a via crítica para ambas as doenças. Espiroquetas são um grupo de bactérias associadas tanto à doença endodôntica quanto à periodontal. Espiroquetas geralmente são encontradas com mais frequência na placa subgengival do que nos canais radiculares. Vários estudos mostraram uma ampla diversidade de treponemas orais presentes nos biofilmes subgengivais de bolsas periodontais26,45,91. Foi proposto anteriormente que a presença ou a ausência de espiroquetas orais pode ser usada para diferenciar os abscessos endodônticos dos periodontais191. Atualmente, entretanto, a presença de espiroquetas no sistema de canais radiculares tem sido bem documentada e demonstrada por diferentes técnicas de identificação, tais como microscopias de campo escuro e eletrônica, identificação bioquímica e métodos moleculares37,38,87,88,125,147,175. As diferenças na incidência das espiroquetas associadas às doenças endodônticas reportadas por vários autores podem ser atribuídas aos diferentes métodos de detecção utilizados. Foi demonstrado que as espécies de espiroquetas mais comumente encontradas nos canais radiculares são Treponema denticola147,175 e Treponema maltophilum87. O principal fator de virulência do T. denticola inclui proteínas de superfície com atividade citotóxica, como a proteína principal de superfície e o complexo de proteases semelhantes à quimiotripsina, enzimas proteolíticas ou hidrolíticas associadas à membrana, e metabólitos54. Essa espécie possui um arranjo de fatores de virulência associado à doença periodontal e também pode participar na patogênese da doença perirradicular147. Os fatores de virulência do T. maltophilum ainda não foram completamente elucidados. Foi proposto que a motilidade do T. maltophilum, causada pela rotação de seu flagelo periplasmático, poderia contribuir para sua patogenicidade78. Esse micro-organismo também foi isolado com frequência em pacientes apresentando periodontite de progressão rápida127. Entretanto, o papel exato desse micro-
Inter-relação Endodontia e Periodontia
organismo nas doenças endoperiodontais requer mais investigações. Também tem sido sugerido que bactérias na forma L desempenham um papel na doença perirradicular173. Foi reconhecido que algumas cepas bacterianas podem passar por uma transição morfológica à forma L após exposição a certos agentes, particularmente a penicilina92. A forma L e a forma comum da bactéria podem não só aparecer individualmente ou juntas, como também se transformar de uma variante para outra com numerosos estágios intermediários e transicionais da forma L, o que pode ocorrer espontaneamente ou por indução em uma forma cíclica. Sob certas condições, dependendo dos fatores de resistência do hospedeiro e da virulência bacteriana, as formas L revertem para sua forma bacteriana patogênica original, podendo ser responsáveis pela exacerbação aguda de lesões perirradiculares crônicas173.
Fungos (leveduras) A presença e a prevalência de fungos associados à doença periodontal têm sido bem documentadas176. A colonização por leveduras associada à doença perirradicular foi demonstrada em dentes com cáries radiculares não tratadas81,201, túbulos dentinários40,165, tratamentos de canais radiculares com insucesso123,133,140,183, ápices dos dentes com lesão perirradicular assintomática110 e nos tecidos perirradiculares189. A maioria dos estudos reportou que a prevalência de fungos em amostras do sistema de canais radiculares submetidas à cultura é variável, podendo alcançar mais de 26% em canais radiculares não tratados14,64,81,94,106 e 33% em casos de canais radiculares tratados previamente81,123,183,185,195. Alguns estudos, entretanto, demonstraram uma incidência ainda mais alta, isto é, de mais de 55%135,165. O fungo predominante recuperado foi a Candida albicans195, a qual foi detectada em 21% dos canais infectados usando primers espécie-específicos direcionados para o gene do 18S rRNA14 e também mostrou a capacidade de colonizar as paredes do canal e invadir os túbulos dentinários174. Outras espécies como C. glabrata, C. guillermondii e C. inconspicua195 e Rhodotorula mucilaginosa47 também foram detectadas. Os fatores que afetam a colonização do canal radicular pelos fungos não estão totalmente entendidos. Entretanto, parece que entre os fatores predisponentes desse processo estão as doenças imunossupressoras, como o câncer40, certos medicamentos intracanais81, antibióticos locais e sistêmicos118,201 e o insucesso na terapia endodôntica prévia177,183. A redução de cepas
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específicas de bactérias no canal radicular durante o tratamento endodôntico pode permitir a proliferação excessiva de fungos no ambiente que se tornou pobre em nutrientes177,183. Outra possibilidade é a de que os fungos podem ter acesso ao canal radicular através da cavidade oral como resultado de assepsia precária durante o tratamento endodôntico ou quando dos procedimentos pós-operatórios. Foi reportado que aproximadamente 20% dos pacientes com periodontite do adulto também abrigam fungos subgengivais39,179, e a C. albicans foi a espécie isolada mais comum67. Além disso, foi demonstrado que a presença de fungos no canal radicular está diretamente associada à sua presença na saliva47. Esses achados reforçam ainda mais a importância do uso de técnicas endodônticas e periodontais assépticas, mantendo a integridade dos tecidos duros dentários e revestindo a coroa dentária assim que possível com uma restauração permanente bem selada com a finalidade de prevenir a reinfecção.
Vírus Existem fortes evidências sugerindo que os vírus têm um papel importante nas doenças endodônticas e periodontais. Em pacientes com doença endodôntica e periodontal, o vírus herpes simples foi frequentemente detectado no fluido crevicular gengival e nas biópsias gengivais de lesões periodontais27,29. O citomegalovírus humano foi observado em cerca de 65% de amostras de bolsa periodontal e em aproximadamente 85% de amostras de tecido gengival27. O vírus Epstein-Barr tipo I foi observado em mais de 40% de amostras de bolsa e em cerca de 80% de amostras de tecido gengival27. Herpesvírus gengivais foram observados associados a uma grande ocorrência de P. gingivalis, T. forsythia, P. intermedia, Prevotella nigrescens, T. denticola e A. actinomycetemcomitans, sugerindo seu papel na proliferação excessiva de bactérias periodontais patogênicas99. A presença de vírus na polpa dental foi primeiramente relatada em um paciente com AIDS60. O DNA do vírus HIV também foi detectado em lesões perirradiculares50. Entretanto, não foi estabelecido que o vírus HIV possa causar diretamente doença pulpar. O vírus herpes simples também foi estudado em relação à doença endodôntica. Entretanto, parece que, ao contrário do que ocorre na doença periodontal, esse vírus não desempenha papel significativo na doença endodôntica75,145. Por outro lado, outros tipos comuns de herpesvírus humanos podem estar envolvidos nas doenças pulpares e perirradiculares. Foi sugerido que o citomegalovírus humano e o vírus Epstein-Barr têm
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Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
um papel na patogênese das lesões perirradiculares sintomáticas156,157. Parece que a infecção ativa pode dar origem à produção de um arranjo de citocinas e quimiocinas com o potencial de induzir imunossupressão ou destruição tecidual28. A ativação de herpesvírus nas células inflamatórias perirradiculares pode prejudicar os mecanismos de defesa do hospedeiro e dar origem à proliferação excessiva de bactérias, como observado nas lesões periodontais. A imunossupressão mediada pelos herpesvírus pode ser determinante nas infecções perirradiculares em razão de respostas já comprometidas do hospedeiro no tecido granulomatoso116. Alterações entre períodos prolongados de latência do herpesvírus interrompidos por períodos de ativação podem explicar alguns episódios sintomáticos da doença perirradicular. A reativação frequente dos herpesvírus nos tecidos perirradiculares pode ajudar na rápida destruição perirradicular, e a ausência de infecção por herpesvírus ou de reativação viral pode ser a razão pela qual algumas lesões perirradiculares se mantêm clinicamente estáveis por longos períodos156.
Em meios muito hostis como nos extremamente aquecidos, ácidos ou secos, esse modo de crescimento estacionário é basicamente defensivo, porque as células bacterianas não são varridas para áreas onde possam ser mortas32. Biofilmes infecciosos são difíceis de detectar por métodos diagnósticos de rotina e são basicamente tolerantes às defesas do hospedeiro e a terapias antibióticas59. Além disso, os biofilmes facilitam a disseminação de resistência antibiótica pela promoção de transmissão horizontal de genes. Eles também são ativamente adaptados às tensões ambientais, tais como alteração na qualidade nutricional, densidade celular, temperatura, pH e osmolaridade136. A inanição prolongada induz a perda do cultivo sob condições-padrão, enquanto os micro-organismos permanecem metabolicamente ativos e estruturalmente intactos144. Isso é considerado o principal motivo para o baixo índice de detecção de infecções por biofilme por meio de métodos rotineiros de cultura. Entretanto, até agora, o exato papel dos biofilmes na inter-relação das doenças endodônticas e periodontais ainda não foi totalmente elucidado.
Biofilmes infecciosos
Patógenos não vivos
A maioria das bactérias em praticamente todos os ecossistemas naturais cresce em biofilmes, e o seu crescimento nos tecidos afetados é caracterizado por comunidades envoltas em uma matriz30,31. Um biofilme é composto por aproximadamente 15% de células, formando microcolônias (em volume) embebidas em 85% de matriz32. As microcolônias são permeadas por canais ramificados que carregam grande quantidade de fluido para a comunidade por fluxo de propagação42. A composição estrutural dos biofilmes indica que essas comunidades são reguladas por sinais análogos aos dos hormônios e feromônios que regulam muitas comunidades celulares eucarióticas32. A formação do biofilme tem uma sequência de desenvolvimento que resulta na formação de uma comunidade madura de microcolônias em forma de torre e também de cogumelo, com alguma variação entre as espécies. A sequência de eventos geralmente envolvida é a adesão microbiana a uma superfície, proliferação celular, produção de matriz e destacamento59. A formação do biofilme e o destacamento estão sob o controle de sinais químicos que regulam e guiam a formação de microcolônias envoltas pela matriz e circundada pelos canais de água32. Foi estabelecido que os biofilmes microbianos constituem a estratégia de vida mais “defensiva” que pode ser adotada por células procarióticas181.
Os patógenos não vivos podem ser extrínsecos ou intrínsecos, dependendo de sua origem e natureza.
Extrínsecos Corpos estranhos Os corpos estranhos geralmente estão associados a processos inflamatórios dos tecidos perirradiculares (Figs. 25-7 e 25-8). Embora as doenças endodônticas e periodontais estejam primariamente associadas à presença de micro-organismos, a presença de certas substâncias estranhas in situ pode explicar algumas falhas no tratamento. Exemplos incluem raspas de dentina e cemento57,80,203, amálgama99,203, materiais obturadores endodônticos57,93,99,203, fibras de celulose das pontas de papel absorvente52,98,99, fios de retração gengival55, alimentos leguminosos121 e depósitos semelhantes a cálculos68. Uma reação de corpo estranho pode ocorrer em qualquer dessas substâncias, e a resposta clínica pode ser aguda ou crônica. Portanto, clinicamente essas condições podem ser sintomáticas ou assintomáticas. Microscopicamente, essas lesões demonstram a presença de células gigantes multinucleadas circundando o material estranho em um infiltrado inflamatório crônico. A remoção mecânica ou cirúrgica dos corpos estranhos geralmente consiste no tratamento de escolha.
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Figura 25-7. Partículas de corpo estranho em uma lesão perirradicular. A. Radiografia de um incisivo central superior sintomático com uma grande lesão perirradicular. O tratamento endodôntico foi realizado 17 anos antes. B. A cirurgia perirradicular foi realizada e o tecido perirradicular submetido à análise histológica. A fotomicrografia mostra partículas de corpo estranho na presença de células gigantes. C. Maior aumento das partículas de corpo estranho e das células gigantes. D. Parte do corpo estranho. Quando colocado sob luz polarizada, respondeu como substância de origem vegetal. O diagnóstico foi a presença de fragmentos de uma ponta de papel junto ao forame apical.
Intrínsecos Epitélio Um dos componentes normais do ligamento periodontal lateral e apical são os restos epiteliais de Malassez. O termo restos é enganoso, já que evoca uma visão de discretas ilhas de células epiteliais. Foi demonstrado que esses restos são na verdade uma rede tridimensional semelhante a uma rede de pesca entremeada por células epiteliais. Em muitas lesões perirradiculares, o epitélio não está presente e, portanto, presume-se que tenha sido destruído164. Se os restos permanecem, podem responder a estímulos pela proliferação na tentativa de emparedar os irritantes oriundos do forame apical. O epitélio pode estar rodeado por inflamação crônica. Essa lesão é denominada granuloma epitelial e, se não for tratada, o epitélio vai continuar proliferando na tentativa de bloquear a origem da irritação que se comunica com o forame apical.
A expressão cisto baía foi introduzida para a representação microscópica dessa situação168, a qual é uma lesão inflamatória crônica que tem revestimento epitelial circundando o lúmen, o qual, contudo, possui comunicação direta com o sistema de canais radiculares através do forame apical (Fig. 25-9). Por outro lado, um cisto verdadeiro, que é a conclusão da lesão epitelial proliferativa, é uma cavidade tridimensional revestida por epitélio sem comunicação entre o lúmen e o sistema de canais radiculares (Fig. 25-10). Quando as lesões perirradiculares são estudadas em relação ao canal radicular, uma clara distinção entre essas duas entidades deve ser estabelecida132,168. Tem havido alguma confusão em relação ao diagnóstico quando as lesões são estudadas apenas em material de biópsia curetado. Uma vez que o dente não está aderido à lesão, a orientação para o ápice está perdida. Portanto, o critério usado para o diagnóstico
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Figura 25-8. Fatores etiológicos múltiplos próximos do forame apical associados ao fracasso do tratamento. A. Radiografia mostrando fracasso do tratamento em um segundo pré-molar superior. O dente foi tratado por reimplante intencional durante o qual a lesão perirradicular foi removida. B. Fotomicrografia da lesão mostrando a presença de material estranho. C. Maior aumento mostra material arroxeado não identificado e tecido muscular necrótico (“granuloma de tecido morto”). D. Uma área diferente da lesão mostrando músculo necrótico com colônias de bactérias viáveis. E. Tecido muscular necrótico infectado por bactérias e presença de lentilhas (granuloma vegetal). F. Acompanhamento radiográfico de 1 ano. O dente está assintomático. Consolidação e reparação óssea são evidentes.
Inter-relação Endodontia e Periodontia
Figura 25-9. Fotomicrografia mostrando um cisto baía associado a um canal radicular que se abre diretamente para o interior do lúmen da lesão.
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se comunica com o canal radicular possa ser reparado com tratamento do canal radicular não cirúrgico. Visto que o tratamento do canal pode afetar diretamente o lúmen do cisto baía, a alteração do meio ambiente pode levar à resolução da lesão. O cisto verdadeiro é independente do sistema do canal radicular e, portanto, o tratamento do canal convencional pode não ter um efeito sobre ele. A formação de um cisto e sua progressão de um cisto baía para um verdadeiro ocorre com o passar do tempo. Valderhaug et al.193, em estudo realizado em macacos, mostraram a não formação cística até pelo menos 6 meses depois que os conteúdos do canal se tornaram necrosados. Assim, quanto mais tempo a lesão estiver presente, maior a probabilidade de se tornar um cisto verdadeiro. Entretanto, a incidência de cisto verdadeiro é provavelmente inferior a 10%168, o que pode explicar o relativo alto índice de sucesso do tratamento não cirúrgico do canal radicular em dentes associados a lesões perirradiculares.
Colesterol
Figura 25-10. Fotomicrografia de um cisto inflamatório verdadeiro corado com tricrômico de Masson, mostrando uma lesão tridimensional revestida por epitélio sem conexão com o sistema do canal radicular e com o forame apical.
de um cisto é uma faixa de epitélio que parece estar revestindo a cavidade. Portanto, é provável que a curetagem tanto de um cisto baía quanto de um cisto verdadeiro possa levar a idêntico diagnóstico microscópico. Um cisto baía pode ser seccionado de tal forma que possa lembrar ou dar a impressão de um cisto verdadeiro, distinção essa que pode ser importante do ponto de vista da reparação. Pode ser que o cisto verdadeiro deva ser cirurgicamente removido, mas que o cisto baía que
A presença de cristais de colesterol nas lesões perirradiculares apical é um achado histopatológico comum18,22,134,166,192. Com o tempo, os cristais de colesterol são dissolvidos e eliminados, deixando espaços em forma de fendas. A incidência de fendas de colesterol reportada na doença perirradicular varia de 18 a 44%22,166,192. Tem sido sugerido que os cristais podem ser formados a partir do colesterol liberado por eritrócitos em desintegração, presentes em vasos sanguíneos estagnados dentro da lesão perriradicular22, de linfócitos, plasmócitos e macrófagos que morrem em grande quantidade e se desintegram em lesões perirradiculares crônicas192 ou de lipídios plasmáticos circulantes166. Entretanto, é possível que todos esses fatores possam contribuir para o acúmulo, concentração e cristalização de colesterol em uma lesão perirradicular (Fig. 25-11). Tem sido sugerido que o acúmulo de cristais de colesterol nos tecidos perirradiculares inflamados em alguns casos pode causar o fracasso do tratamento endodôntico130,134. Parece que macrófagos e células gigantes multinucleadas que se congregam em volta dos cristais de colesterol não são eficientes o bastante para destruir e remover os cristais completamente. Além disso, o acúmulo de macrófagos e de células gigantes ao redor das fendas de colesterol na ausência de outras células inflamatórias, como neutrófilos, linfócitos e plasmócitos, sugere que os cristais de colesterol induzem uma típica reação de corpo estranho130.
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Figura 25-11. Fendas de colesterol em uma lesão perirradicular. A. Fotomicrografia corada com tricrômico de Masson de um cisto com uma espessa parede fibrosa. Embebida na parede, há uma grande coleção de fendas de colesterol. B. Maior aumento mostrando fendas vazias onde o colesterol foi dissolvido durante a preparação histológica.
Corpúsculos de Russel Os corpúsculos de Russel podem ser encontrados na maioria dos tecidos inflamados por todo o organismo, inclusive nos tecidos perirradiculares (Fig. 25-12). Eles são pequenos acúmulos esféricos de uma substância eosinofílica encontrada dentro ou próximo de plasmócitos e de outras células linfoides. A presença e a ocorrência dos corpúsculos de Russel nos tecidos orais e nas lesões perirradiculares tem sido bem documentada108,117. Estudos têm indicado a presença de corpúsculos de Russel em cerca de 80% das lesões perirradiculares. Recentemente, volumosos corpúsculos de Russel intra e extracelulares também foram encontrados no tecido pulpar inflamado de dentes com cárie primária184. Tem
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sido sugerido que os corpúsculos de Russel são causados pela síntese de quantidades excessivas de proteína secretória normal por certos plasmócitos envolvidos na síntese ativa de imunoglobulinas. O retículo endoplasmático se torna amplamente distendido, produzindo, assim, grandes inclusões eosinofílicas homogêneas33. Entretanto, a incidência de corpúsculos de Russel, seu mecanismo de produção, bem como seu exato papel na inflamação pulpar, ainda não foram completamente esclarecidos.
Corpúsculos hialinos de Rushton A presença de corpúsculos hialinos de Rushton é uma característica única de alguns cistos odontogênicos. Sua frequência varia de 2,6 a 9,5%6. Os corpúsculos
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Figura 25-12A. Fotomicrografia de uma lesão perirradicular mostrando a presença de corpúsculos de Russel. B. A eletromicrografia de transmissão demonstra a configuração arredondada e amorfa dessas estruturas.
Inter-relação Endodontia e Periodontia
hialinos de Rushton geralmente aparecem dentro do revestimento epitelial ou no interior do lúmen cístico (Fig. 25-13). Eles possuem uma variedade de aspectos morfológicos incluindo estruturas lineares (retas ou curvas), irregulares, arredondadas e policíclicas, ou podem aparecer de forma granular6,49. A natureza exata dos corpúsculos hialinos de Rushton não é completamente entendida. Foi sugerido
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que eles são de natureza ceratinosa166, de origem hematogênica79, um produto secretório especializado do epitélio odontogênico126 ou de eritrócitos degenerados49. Alguns autores sugerem que os corpúsculos hialinos de Rushton são materiais remanescentes de um procedimento cirúrgico prévio120. Ainda não está claro por que a maioria dos corpúsculos hialinos de Rushton se forma no interior do epitélio.
Cristais de Charcot-Leyden
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Os cristais de Charcot-Leyden são cristais originariamente hexagonais e bipiramidais, derivados de grânulos intracelulares de eosinófilos e basófilos2,185,198. Sua presença, na maioria das vezes, está associada ao aumento do número de eosinófilos no sangue periférico ou nos tecidos, nas doenças parasitárias, alérgicas, neoplásicas e inflamatórias2,104,185. Tem sido reportado que os macrófagos têm um importante papel na formação dos cristais de Charcot-Leyden em vários processos patológicos46. Cristais de Charcot-Leyden e eosinófilos danificados têm sido observados no interior dos macrófagos24,46,104. Tem sido proposto que as proteínas dos cristais de Charcot-Leyden, após a desgranulação dos eosinófilos, podem ser fagocitadas para o interior da membrana acidificada ligada aos lisossomos104. Em algum momento, a proteína dos cristais de CharcotLeyden começa a se cristalizar, formando discretas partículas que com o tempo aumentam de volume e densidade. Por fim, esses cristais seriam liberados via exocitose fagossomal ou pela perfuração da membrana do fagossoma e do citoplasma do macrófago, ficando livres no estroma tecidual. Achados recentes sustentam a teoria de que os macrófagos ativados têm um papel na formação dos cristais de Charcot-Leyden167. Além disso, a presença de cristais de Charcot-Leyden pode ser detectada no interior da lesão perirradicular que não se resolveu após o tratamento endodôntico convencional (Fig. 2514). Embora o papel biológico e patológico dos cristais de Charcot-Leyden nas doenças endodônticas e periodontais ainda seja desconhecido, eles podem estar envolvidos em alguns casos de fracasso do tratamento.
FATORES CONTRIBUINTES Tratamento endodôntico deficiente C
Figura 25-13A. Fotomicrografia mostrando corpúsculos de Rushton no revestimento epitelial de um cisto perirradicular. B e C. Maior aumento demonstrando o pleomorfismo desses corpúsculos.
Procedimentos e técnicas endodônticas corretas são fatores-chave para o sucesso do tratamento. Durante a avaliação do índice de retenção dos dentes tratados endodonticamente foi demonstrado que o tratamento
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Figura 25-14. Cristais de Charcot-Leyden em uma lesão perirradicular. A. Incisivo lateral superior com polpa necrosada e lesão perirradicular. B. Nove meses após tratamento endodôntico, o dente ainda estava sintomático e a lesão maior. C. Foi realizada cirurgia perirradicular, e a lesão foi submetida à análise microscópica. Fotomicrografia corada com HE mostra somente infiltrado inflamatório agudo e crônico. D, F e H. Coloração de May-Grunwald-Giemsa revela a presença de cristais de Charcot-Leyden. E e G. A luz polarizada demonstra refração dos cristais de Charcot-Leyden.
Inter-relação Endodontia e Periodontia
endodôntico não cirúrgico é um procedimento previsível com um excelente prognóstico a longo prazo105,150,158. É imperativo que o sistema de canal radicular seja completamente limpo, modelado e obturado para que sejam obtidos resultados satisfatórios. O tratamento endodôntico incorreto permite a reinfecção, o que frequentemente leva ao insucesso no tratamento141. As falhas endodônticas podem ser tratadas, tanto por retratamento quanto por cirurgia perirradicular, com bons índices de sucesso. Parece que o índice de sucesso é semelhante ao do tratamento endodôntico convencional inicial se a causa do fracasso for adequadamente diagnosticada e corrigida16. Nos últimos anos, as técnicas de retratamento e cirurgia melhoraram dramaticamente devido ao uso de microscópio e ao desenvolvimento de novos equipamentos.
Restauração deficiente A infiltração coronária é uma causa importante de fracasso do tratamento endodôntico. Os canais radiculares podem ser recontaminados por micro-organismos em razão da demora na colocação de uma restauração coronária e da fratura da restauração coronária e/ou do dente160. Madison e Wilcox113 observaram que a exposição dos canais radiculares ao meio oral permitia a ocorrência de infiltração coronária, atingindo em alguns casos toda a extensão do canal radicular. Ray e Trope143 reportaram que dentes com obturações endodônticas adequadas e restaurações coronárias defeituosas tinham uma incidência maior de fracasso do que dentes com obturação inadequada e restaurações adequadas. Os dentes onde tanto as obturações do canal radicular quanto as restaurações eram adequadas apresentavam apenas 9% de fracasso, enquanto os dentes nos quais tanto as obturações do canal radicular quanto as restaurações eram defeituosas apresentavam cerca de 82% de fracasso143. Saunders e Saunders159 mostraram que a infiltração coronária era um problema clínico significativo em molares obturados. Em um estudo in vitro, eles observaram que a compactação do excesso de guta-percha e cimento sobre o assoalho da câmara pulpar, após a conclusão da obturação do canal, não oferecia um melhor selamento dos canais radiculares. Portanto, é recomendável que o excesso de obturação de guta-percha seja removido até o nível dos orifícios do canal e que o assoalho da câmara pulpar seja protegido com um material restaurador com uma boa capacidade seladora159. A restauração coronária é a primeira barreira contra a infiltração coronária e a contaminação bacteriana
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do canal radicular tratado. Portanto, a falta de revestimento coronário após o tratamento endodôntico pode comprometer de maneira significativa o prognóstico do dente158. Então, é essencial que o sistema de canais radiculares seja protegido por uma boa obturação endodôntica e uma adequada restauração coronária. Todavia, mesmo os materiais restauradores permanentes nem sempre podem evitar a infiltração coronária200. Coroas totais cimentadas63,199, bem como coroas adesivas à dentina138, também mostram infiltração. Uma revisão da literatura74 examinou os fatores associados ao prognóstico de dentes tratados endodonticamente a longo prazo. Os achados indicaram que: 1) o preparo para pinos e a cimentação devem ser realizados sob isolamento absoluto; 2) o espaço para pinos deve ser preparado com um instrumento aquecido; 3) um mínimo de 3mm de material obturador deve permanecer no canal; 4) o espaço para pinos deve ser irrigado e preparado da mesma forma que durante o tratamento do canal radicular; 5) as restaurações bem adaptadas devem ser colocadas tão logo possível após o tratamento endodôntico; 6) o retratamento endodôntico deve ser considerado para dentes com o selamento coronário comprometido por mais de 3 meses74. Levando esses fatores em consideração, muitas complicações endodônticas e periodontais podem e devem ser prevenidas.
Trauma O trauma aos dentes e ao osso alveolar pode envolver a polpa e o ligamento periodontal. Ambos os tecidos podem ser afetados direta ou indiretamente. As injúrias dentárias podem tomar várias formas, mas geralmente podem ser classificadas como fraturas de esmalte, fraturas coronárias sem envolvimento pulpar, fraturas coronárias com envolvimento pulpar, fratura coroa-raiz, fratura radicular, luxação e avulsão11. O tratamento do dente acometido por traumatismo varia dependendo do tipo de injúria e irá determinar o prognóstico da reparação da polpa e do ligamento periodontal10.
Fratura de esmalte Envolve apenas o esmalte e inclui lasca do esmalte e fraturas incompletas ou fissuras do esmalte. O tratamento geralmente inclui polimento e alisamento das margens irregulares ou restauração da estrutura de esmalte perdida. Em casos onde somente o esmalte foi envolvido, a polpa geralmente mantém sua vitalidade e é bom o prognóstico tanto para a polpa quanto para o periodonto.
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Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
Fratura coronária sem envolvimento pulpar Essa é uma fratura sem complicações que envolve esmalte e dentina sem exposição pulpar. O tratamento pode incluir restauração com resina composta ou a colagem do fragmento fraturado. Tem sido relatado que a colagem de fragmentos coronários de dentina e esmalte é uma possibilidade conservadora para a restauração da coroa8. O prognóstico para a polpa e para o periodonto é bom.
Fratura coronária com envolvimento pulpar Essa é uma fratura complicada que envolve esmalte e dentina e exposição da polpa. A extensão da fratura ajuda a determinar os tratamentos pulpares e restauradores necessários11. Uma pequena fratura pode indicar tratamento conservador pulpar seguido por restauração com resina composta e ataque ácido. Uma fratura mais extensa pode requerer pulpectomia parcial ou tratamento endodôntico convencional. O estágio de maturação dentária é um fator importante na escolha entre a pulpectomia parcial ou total11. A quantidade de tempo decorrido a partir da injúria geralmente afeta o prognóstico da polpa. Quanto mais cedo o dente é tratado, melhor é o prognóstico.
Fraturas de coroa-raiz Essas fraturas geralmente são oblíquas e envolvem tanto a coroa quanto a raiz. Elas incluem esmalte, dentina e cemento, podendo incluir ou não a polpa. As fraturas de coroa-raiz podem afetar molares e pré-molares assim como dentes anteriores. A fratura da cúspide que se estende para a região subgengival é um achado comum que geralmente apresenta desafio diagnóstico e clínico11. O tratamento depende da gravidade da fratura e pode variar desde a remoção do fragmento do dente fraturado e restauração apenas até o tratamento endodôntico, tratamento periodontal e/ou procedimentos cirúrgicos. Algumas vezes o prognóstico é ruim e o dente precisa ser extraído. Devido à complexidade dessa injúria, uma equipe de abordagem que inclua endodontistas, periodontistas, ortodontistas e protesistas é altamente recomendável11.
Fraturas radiculares Esses tipos de fratura, que envolvem tipicamente cemento, dentina e polpa, podem ser horizontais ou transversas. Clinicamente, as fraturas radiculares podem causar com frequência mobilidade dos dentes envolvidos, assim como dor à mastigação. Geralmente,
um defeito periodontal ou uma fístula está associado à raiz fraturada. Radiograficamente, uma fratura radicular pode ser visualizada somente se o feixe de raios X passar pela linha de fratura. Fraturas radiculares horizontais e oblíquas são mais fáceis de se detectar radiograficamente enquanto o diagnóstico de fraturas radiculares verticais é mais desafiador. Uma tecnologia avançada de imagem pode se mostrar benéfica para fins diagnósticos129. O tratamento, quando possível, geralmente inclui reposição do segmento coronário e estabilização por esplintagem11. Um splint flexível usando fio ortodôntico ou de nailon afixado com resina composta e ataque ácido por períodos acima de 12 semanas irá intensificar o reparo pulpar e periodontal7. Os dentes com raízes fraturadas não requerem necessariamente o tratamento do canal radicular se a reparação ocorrer sem evidência de doença pulpar204.
Luxações Essa categoria envolve diferentes tipos de injúrias e deslocamento dentário, incluindo concussão, subluxação, luxações extrusivas, laterais e intrusivas. Geralmente, quanto mais grave é a luxação, maior é o dano ao periodonto e à polpa dental11. Nas concussões, o dente está apenas sensível à percussão. Não há aumento na mobilidade e não são observadas alterações radiográficas. A polpa pode responder normalmente aos testes de vitalidade e geralmente não há necessidade de tratamento imediato11. Nas subluxações, os dentes estão sensíveis à percussão e também apresentam mobilidade. Geralmente o sangramento sulcular é observado, indicando dano ao ligamento periodontal. Os achados radiográficos não são marcantes e a polpa pode responder normalmente aos testes de vitalidade11. Geralmente, não há necessidade de tratamento para as subluxações menores. Se a mobilidade for grave, será necessária a estabilização do dente. Em luxações extrusivas, os dentes foram parcialmente deslocados do alvéolo, e uma maior mobilidade é observada. As radiografias também mostram deslocamento. A polpa geralmente não responde aos testes de vitalidade e requer tratamento do canal radicular11. O dente requer reposição e esplintagem geralmente por um período de 2 a 3 semanas. Em luxações laterais, o dente foi deslocado do seu longo eixo. A sensibilidade à percussão pode estar presente ou não. Um som metálico à percussão indica que a raiz foi empurrada para dentro do osso
Inter-relação Endodontia e Periodontia
alveolar11. O tratamento inclui reposição e esplintagem. As luxações laterais que envolvem fraturas ósseas geralmente requerem períodos de esplintagem de mais de 8 semanas. A terapia endodôntica deve ser realizada somente quando foi estabelecido um diagnóstico definitivo de pulpite irreversível ou de necrose pulpar. Durante as luxações intrusivas, os dentes são empurrados para dentro de seus alvéolos em direção axial. Eles apresentam pouca mobilidade e se assemelham à anquilose11. O tratamento depende do estágio de desenvolvimento radicular. Se a raiz não estiver completamente formada e apresentar o ápice aberto, o dente pode reerupcionar. Nesses casos, o tratamento do canal radicular não é necessário, já que a polpa pode se revascularizar7. Se o dente estiver totalmente desenvolvido, com rizogênese completa, a extrusão ativa é indicada. Nesses casos, o tratamento do canal radicular é indicado, já que a necrose pulpar se desenvolve na maioria dos casos7.
Avulsão Em casos de avulsão, o dente é totalmente deslocado para fora de seu alvéolo. Se o dente for reimplantado logo após a avulsão, o ligamento periodontal tem uma boa chance de reparação11. O tempo extra-alveolar e o meio de armazenamento usado para o transporte do dente são fatores críticos para o sucesso do reimplante. O tratamento do canal radicular até 10 dias a partir da injúria e o grau de recuperação das células do ligamento periodontal irão determinar o sucesso a longo prazo.
Reabsorções A reabsorção radicular é uma condição associada tanto a um processo fisiológico quanto a um processo patológico, que resulta na perda de dentina, cemento e/ou osso1. Apesar de uma vasta literatura existente sobre o assunto, esse processo complexo apresenta ainda alguma confusão, principalmente por causa das inúmeras classificações usadas. Portanto, a seguinte classificação é sugerida: reabsorção radicular não infecciosa e reabsorção radicular infecciosa.
Reabsorção radicular não infecciosa Esse processo ocorre como resultado de uma resposta tecidual a um estímulo não microbiano nos tecidos afetados, o que inclui reabsorção radicular transitória, reabsorção radicular induzida por pressão e reabsorção por substituição.
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Reabsorção radicular transitória A reabsorção radicular transitória, ou reabsorção por remodelação, é um processo reparativo que ocorre em resposta a um trauma menor aos dentes normalmente funcionais. Microscopicamente, são observadas pequenas áreas de reabsorção cementária e dentinária. Esse fenômeno não apresenta um problema clínico e pode ser observado apenas microscopicamente.
Reabsorção induzida por pressão A reabsorção das raízes de um dente decíduo pelo dente sucessor é um exemplo típico desse tipo de reabsorção. A raiz decídua é reabsorvida sem infecção e geralmente sem inflamação. Se um dente sucessor não estiver presente abaixo do dente decíduo, a reabsorção geralmente fica atrasada ou ausente. As impacções dentárias também podem gerar uma pressão sobre as raízes, causando reabsorção. Uma vez removida a força da pressão, cessa o processo de reabsorção. De forma semelhante, as lesões expansivas que exercem pressão – por exemplo, tumores ou cistos – podem causar reabsorção radicular. A remoção da lesão irá interromper o processo de reabsorção. Esse tipo de reabsorção geralmente é assintomático, a menos que ocorra infecção secundária. A pressão iatrogênica, como movimentos ortodônticos excessivos, também pode causar reabsorção radicular. Dependendo de sua natureza, essas forças podem causar arredondamento e áreas de reabsorção ao longo das superfícies radiculares. A reabsorção cessará, uma vez removido o estímulo.
Reabsorção radicular quimicamente induzida Certos agentes químicos usados em Odontologia têm um potencial de causar reabsorção radicular. Relatos clínicos têm demonstrado que o clareamento coronário com alta concentração de agentes oxidantes, como o peróxido de hidrogênio a 30-35%, pode induzir a reabsorção radicular35,56,69,73,77,112,149. O irritante químico pode se difundir através dos túbulos dentinários, e quando combinado com calor pode haver necrose do cemento, inflamação do ligamento periodontal e subsequentemente reabsorção radicular112,152,153. É provável que o processo seja reforçado na presença de bactérias35,76. A ocorrência de injúria traumática prévia e pacientes jovens são possíveis fatores predisponentes69.
Reabsorção radicular por substituição A reabsorção radicular por substituição, ou anquilose, ocorre após necrose extensa do ligamento
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Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
periodontal com a formação de osso sobre a área desnuda da superfície radicular188. Essa condição é observada com mais frequência como uma complicação das luxações, especialmente em dentes avulsionados que tenham ficado fora de seus alvéolos em condições secas por várias horas. Certos procedimentos periodontais têm sido relatados como indutores da reabsorção radicular por substituição114. O potencial para a reabsorção por substituição também foi associado ao reparo de lesões periodontais90. O tecido de granulação derivado do osso ou do tecido conjuntivo gengival pode induzir a reabsorção radicular e anquilose. Parece que a incapacidade de formar tecido conjuntivo de inserção sobre a superfície desnuda da raiz é a responsável. As únicas células do periodonto que parecem ter a capacidade de fazer isso são as células do ligamento periodontal21. Em geral, se menos de 20% da superfície radicular está envolvida, pode ocorrer a reversão da anquilose9. Caso contrário, os dentes anquilosados são incorporados ao osso alveolar e se tornam parte do processo normal de remodelação óssea. Esse é um processo gradual e a velocidade pela qual os dentes são substituídos por osso varia dependendo principalmente da taxa metabólica do paciente. Na maioria dos casos, pode levar anos antes que a raiz seja completamente reabsorvida. Clinicamente, a reabsorção radicular por substituição é diagnosticada quando a falta de mobilidade dos dentes anquilosados é determinada9. Os dentes também irão apresentar um som metálico à percussão, e após um período ficarão em infraoclusão. Radiograficamente, a ausência do espaço do ligamento periodontal é evidente e a invaginação de osso na raiz irá apresentar uma aparência característica de “roído de traça”188.
Reabsorção radicular invasiva extracanal A reabsorção radicular invasiva extracanal é uma forma relativamente incomum de reabsorção radicular70-72. Ela se caracteriza por uma localização cervical e natureza invasiva. A invasão da região cervical da raiz é predominada por tecido fibrovascular derivado do ligamento periodontal. O processo reabsorve progressivamente o cemento, o esmalte e a dentina, podendo, mais tarde, envolver o espaço pulpar. Pode não haver sinais ou sintomas a menos que a reabsorção esteja associada à infecção pulpar ou periodontal. A invasão bacteriana secundária para o interior da polpa ou do espaço do ligamento periodontal causará uma inflamação dos tecidos acompanhada de dor. Entretanto, frequentemente, o defeito causado pela reabsorção
é detectado somente ao exame radiográfico de rotina. Onde a lesão é visível, os aspectos clínicos variam de um pequeno defeito na margem gengival até uma descoloração rósea da coroa dentária70. Radiograficamente, a lesão varia de uma radiolucidez bem delimitada a uma radiolucidez de bordas irregulares. Uma linha radiopaca característica geralmente separa a imagem da lesão da imagem do canal radicular, porque a polpa se mantém protegida por uma fina camada de prédentina até o fim do processo70. A etiologia da reabsorção cervical invasiva não é totalmente entendida. Entretanto, parece que fatores predisponentes potenciais são as injúrias traumáticas, tratamento ortodôntico e clareamento coronário com agentes oxidantes altamente concentrados71,149. O tratamento da condição apresenta problemas clínicos porque o tecido reabsorvido é altamente vascular e a hemorragia resultante pode impedir a visualização e comprometer a colocação da restauração72. O sucesso no tratamento depende da remoção completa ou da inativação do tecido reabsorvido. É difícil obter sucesso nas lesões mais avançadas caracterizadas por uma série de pequenos canais geralmente interligando o ligamento periodontal apical à lesão principal. Na maioria dos casos, é necessária a cirurgia para ter acesso ao defeito da reabsorção e frequentemente pode haver perda do osso e do periodonto de inserção. A aplicação tópica de solução aquosa de ácido tricloroacético a 90%, curetagem e selamento do defeito obteve sucesso em muitos casos72. Parece que o ácido tricloroacético a 90% tem um efeito amolecedor sobre os tecidos duros dos dentes109. Grandes defeitos associados a estágios avançados dessa condição têm prognóstico ruim. A reabsorção radicular por substituição e a reabsorção radicular invasiva extracanal têm sido classificadas separadamente na literatura. Entretanto, a um olhar mais atento elas parecem ser bastante semelhantes. Histologicamente, o cemento e a dentina são invadidos e reabsorvidos por um tecido não inflamado. Mais tarde, um tecido duro semelhante ao osso é depositado da superfície de dentina reabsorvida, levando à anquilose.
Reabsorção radicular infecciosa Esse processo ocorre devido à resposta vascular aos micro-organismos que invadem os tecidos afetados. Pode ocorrer tanto no interior do espaço do canal radicular (reabsorção interna) quanto na superfície externa da raiz (reabsorção externa). Na polpa, esse processo está associado a uma resposta inflamatória
Inter-relação Endodontia e Periodontia
que progride até que a polpa se torne necrosada. Geralmente isso também é acompanhado por uma inflamação perirradicular. Praticamente, quase todos os dentes com lesão perirradicular exibirão certo grau de reabsorção radicular44. Essa pode estar localizada tanto na região apical quanto na face lateral da raiz, mas ocorre com mais frequência no ápice. Durante os estágios iniciais, a reabsorção não pode ser identificada radiograficamente; entretanto, ela é evidente em cortes histológicos. Se sua progressão for permitida, o processo de reabsorção pode destruir a raiz inteira. Se for detectada e tratada precocemente, o prognóstico é bom. A remoção do tecido pulpar infectado e a obturação do sistema do canal radicular são o tratamento de escolha34,178. Em alguns casos ocorre um processo de reabsorção radicular interno como resultado da atividade de células gigantes multinucleadas em uma polpa inflamada. A origem dessa condição não é totalmente entendida, mas parece estar relacionada com a inflamação pulpar crônica associada à infecção do espaço pulpar coronário196. Essa reabsorção ocorrerá apenas na presença de tecido de granulação e se a camada odontoblástica e a pré-dentina forem afetadas ou perdidas188,197. Quando confinadas apenas ao espaço dos canais radiculares, as implicações sobre o ligamento periodontal são mínimas. Entretanto, caso o defeito de reabsorção perfure as paredes da dentina, aparecerão complicações periodontais. A etiologia desse tipo de reabsorção é geralmente um trauma196. Foi sugerido que o calor extremo pode ser uma possível causa para esse tipo de reabsorção190. Portanto, o clínico deve usar soluções irrigadoras suficientes quando estiver realizando raspagem radicular com aparelhos de ultrassom, bem como quando estiver utilizando cauterização durante procedimentos cirúrgicos. A reabsorção radicular interna geralmente é assintomática e diagnosticada durante um exame radiográfico de rotina. O diagnóstico precoce é crítico para prognóstico. O aspecto radiográfico do defeito da reabsorção mostra um contorno distorcido do canal radicular. Geralmente um defeito arredondado ou oval no espaço do canal radicular é observado. Na maioria dos casos não ocorre a reabsorção do osso adjacente, a menos que grandes extensões da polpa se tornem infectadas. Histologicamente se observa geralmente a presença de tecido pulpar de granulação associado a células gigantes multinucleadas e necrose da polpa mais coronária. Quando diagnosticadas em estágio inicial, o tratamento endodôntico
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dessas lesões geralmente é inevitável e o prognóstico é excelente190.
Perfurações As perfurações radiculares são complicações clínicas indesejáveis que podem levar ao insucesso no tratamento. Quando a perfuração ocorre, as comunicações entre o sistema de canais radiculares com os tecidos perirradiculares ou com a cavidade oral podem restringir o prognóstico do tratamento. As perfurações radiculares podem resultar de extensas lesões por cárie, reabsorção ou de acidentes operatórios que ocorram durante a instrumentação do canal radicular ou a preparação para pinos101,187. O prognóstico do tratamento das perfurações radiculares depende do tamanho, da localização, do tempo de diagnóstico e tratamento, do grau do dano periodontal, bem como da capacidade de selamento e da biocompatibilidade do material de reparo58. Foi reconhecido que o sucesso do tratamento depende principalmente do selamento imediato da perfuração e do controle de infecção apropriado. Alguns materiais têm sido recomendados para selar as perfurações radiculares que incluem, entre outros, MTA, Super EBA, Cavit, IRM, cimentos de ionômero de vidro, compósitos e amálgama41,86,107,137,146. Atualmente, o MTA é o mais usado. Uma modalidade de tratamento excelente e conservadora para perfurações, reabsorções radiculares e certas fraturas radiculares é a extrusão radicular controlada171. O procedimento tem bom prognóstico e baixo risco de recidiva, e sua versatilidade tem sido demonstrada em várias situações clínicas51,180,194. Ele pode ser realizado imediatamente ou em um período de algumas semanas, dependendo de cada caso. O objetivo da extrusão radicular controlada é modificar os tecidos moles e o osso, e, portanto, é usada para corrigir discrepâncias gengivais e defeitos ósseos de dentes envolvidos periodontalmente180. Também é usado no tratamento de dentes não restauráveis. O objetivo da erupção forçada em dentes tratados e comprometidos protética e endodonticamente é permitir a restauração do defeito localizado abaixo da crista óssea por meio da movimentação do defeito até um ponto onde o acesso não seja mais um problema170. Em todos os casos, a inserção epitelial permanece no nível da junção amelocementária. A erupção forçada também se apresenta uma boa alternativa para o aumento de coroa clínica, já que previne alterações estéticas e redução desnecessária do suporte ósseo dos dentes adjacentes.
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Malformações de desenvolvimento Os dentes com malformações de desenvolvimento tendem a falhar na resposta ao tratamento quando diretamente associados a uma invaginação ou a um sulco radicular vertical do desenvolvimento. Tais condições podem levar a uma complicação periodontal intratável. Esses sulcos geralmente começam na fossa central dos incisivos centrais e laterais superiores cruzando o cíngulo e continuando apicalmente em direção à raiz por distâncias variáveis. Esse sulco provavelmente é o resultado de uma tentativa do germe dentário de formar outra raiz. Na medida em que a inserção epitelial permanece intacta, o periodonto se mantém saudável. Entretanto, uma vez que essa inserção é rompida e o sulco se torna contaminado, uma bolsa infraóssea autossustentável pode ser formada ao longo de toda sua extensão. Esse canal semelhante a uma fissura proporciona um foco para o acúmulo de biofilme bacteriano e uma via de progressão da doença periodontal que também pode afetar a polpa. Radiograficamente, a área de destruição óssea segue o curso do sulco5. Do ponto de vista diagnóstico, o paciente pode apresentar sintomas de um abscesso periodontal ou uma variedade de condições endodônticas assintomáticas. Se a condição for puramente periodontal, ela pode ser diagnosticada acompanhando visualmente o sulco até a margem gengival e sondando a profundidade da bolsa, que geralmente é tubular em sua forma e se encontra localizada nessa única área, o contrário do que ocorre em um problema periodontal mais generalizado. O dente responderá aos testes pulpares. A destruição óssea que acompanha o sulco verticalmente pode estar aparente radiograficamente. Se essa condição estiver associada à doença endodôntica, o paciente pode se apresentar clinicamente com alguns sintomas endodônticos. O prognóstico do tratamento do canal radicular nesses casos é duvidoso e depende da extensão apical do sulco. O clínico deve procurar o sulco, já que ele pode ter sido alterado por um acesso prévio ou por uma restauração colocada na cavidade de acesso. O aspecto de uma área em forma de gota na radiografia deve imediatamente levantar suspeitas. O sulco do desenvolvimento pode de fato estar visível na radiografia. Caso isso ocorra, ele aparecerá como uma linha vertical escura. Essa condição deve ser diferenciada de uma fratura vertical, que pode apresentar um aspecto radiográfico semelhante. O tratamento consiste em desgastar o sulco com uma broca, aplicando substitutos ósseos, e manejo ci-
rúrgico dos tecidos moles e osso adjacente. Um caso clínico usando Emdogain como tratamento coadjuvante foi recentemente descrito5. Os sulcos radiculares são bolsas infraósseas autossustentáveis e por isso o selamento e o alisamento radicular não serão suficientes. Embora a natureza aguda do problema possa ser aliviada inicialmente, a fonte de inflamação crônica ou aguda deve ser erradicada por uma abordagem cirúrgica. Ocasionalmente, o dente precisará ser extraído devido a um prognóstico ruim.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Para o diagnóstico diferencial e para fins de tratamento, as chamadas “lesões endoperio” são mais bem classificadas como doenças endodônticas, periodontais ou combinadas151. Essas incluem: doenças endodônticas primárias, doenças periodontais primárias e doenças combinadas. As doenças combinadas incluem: doença endodôntica primária com envolvimento periodontal secundário, doença periodontal primária com envolvimento endodôntico secundário e doenças verdadeiras combinadas. Essa classificação se baseia nas vias teóricas que explicam como essas lesões são formadas. Pela compreensão da patogênese, o clínico pode então sugerir um curso de tratamento apropriado e avaliar o prognóstico. Uma vez que as lesões progridem para seu envolvimento final, elas apresentam um quadro radiográfico semelhante, e o diagnóstico diferencial se torna um maior desafio.
Doenças endodônticas primárias Uma exacerbação aguda de uma lesão perirradicular crônica em um dente com a polpa necrosada pode drenar coronariamente através do ligamento periodontal para o interior do sulco gengival. Essa condição pode imitar clinicamente a presença de um abscesso periodontal. Na realidade, trata-se de uma fístula de origem pulpar que se abre na área do ligamento periodontal. Para fins diagnósticos é essencial para o clínico inserir um cone de guta-percha, ou outro instrumento explorador, no interior da fístula e tomar uma ou mais radiografias para determinar a origem da lesão. Quando a bolsa é sondada, ela fica estreita e sem amplitude. Uma situação semelhante ocorre onde a drenagem do ápice de um molar se estende coronariamente para a área de furca, o que também pode ocorrer na presença de canais laterais que se estendam de uma polpa necrosada para a área de furca151.
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Figura 25-15. Doença endodôntica primária em um primeiro molar inferior com polpa necrosada. A. Radiografia pré-operatória mostrando radiolucidez perirradicular associada à raiz distal. B. Clinicamente, uma lesão periodontal profunda estreita e vestibular pode ser sondada. C. Um ano após a terapia do canal radicular, a resolução da radiolucidez óssea perirradicular é evidente. D. Clinicamente, a lesão se reparou e a sondagem está normal.
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As doenças endodônticas primárias geralmente se reparam após o tratamento do canal radicular (Fig. 25-15). A fístula que se estende para o sulco gengival ou para a área de furca desaparece em um estágio inicial, desde que a polpa necrosada afetada tenha sido removida e os canais radiculares estejam bem limpos, modelados e obturados151.
Doenças periodontais primárias Essas lesões são causadas primariamente por patógenos periodontais. Nesse processo, a periodontite marginal crônica progride apicalmente ao longo da superfície radicular. Na maioria dos casos, os testes pulpares revelam uma reação clinicamente normal (Figs. 25-16 e 25-17). Frequentemente ocorre um acúmulo de placa e cálculo, e as bolsas são mais amplas. O prognóstico depende do estágio da doença periodontal e da eficácia do tratamento periodontal. O clínico também deve estar inteirado do aspecto radio-
gráfico da doença periodontal associada às anomalias radiculares de desenvolvimento (Fig. 25-18).
Doenças combinadas Doença endodôntica primária com envolvimento periodontal secundário Se após um período uma doença endodôntica primária supurativa não é tratada, ela pode se tornar secundariamente envolvida com uma lesão periodontal marginal (Fig. 25-19). A placa se forma na margem gengival da fístula e leva a uma periodontite marginal. Quando a placa ou o cálculo estão presentes, o tratamento e o prognóstico do dente são diferentes do prognóstico dos dentes envolvidos apenas com uma doença endodôntica primária. Nesse momento, o dente requer tratamento endodôntico e periodontal. Se o tratamento endodôntico for adequado, o prognóstico vai depender da gravidade da lesão periodontal marginal e da eficácia do tratamento periodontal. Somente com o tratamento endodôntico, apenas parte da lesão irá se
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Figura 25-16. Doença periodontal primária em um segundo molar inferior. O paciente foi encaminhado para tratamento endodôntico. A. Radiografia préoperatória mostrando radiolucidez perirradicular; entretanto, o dente respondia normalmente aos testes de sensibilidade pulpar. O dentista para o qual o paciente foi encaminhado insistia que o tratamento endodôntico deveria ser realizado. B. Fotomicrografia do tecido pulpar removido durante o tratamento. Notar a aparência normal da polpa. C. Maior aumento mostra componentes celulares normais, bem como microvascularização sanguínea. D. Radiografia pós-operatória. O dente foi subsequentemente perdido por doença periodontal.
Figura 25-17. Lesão periodontal primária simulando uma lesão endodôntica. A. Radiografia do primeiro molar inferior mostrando radiolucidez perirradicular e reabsorção radicular. B e C. Vista lingual e vestibular do dente afetado. Notar a tumefação gengival e a evidência de doença periodontal. Além disso, uma restauração oclusal está presente próxima à câmara pulpar. Apesar da imagem clínica e radiográfica, a polpa respondia normalmente aos testes de vitalidade indicando que a radiolucidez, a reabsorção e a tumefação gengival eram de origem periodontal. D. Fotomicrografia corada com HE mostrando o assoalho da câmara pulpar e a entrada do canal mesial contendo tecido pulpar normal.
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Figura 25-18. Doença periodontal primária em um segundo pré-molar superior. A. Radiografia mostrando perda de osso alveolar e uma lesão perirradicular. Clinicamente, uma bolsa profunda e estreita foi observada na face mesial da raiz. Não havia evidência de cárie e o dente respondia normalmente aos testes de sensibilidade pulpar. B. Radiografia mostrando o trajeto da bolsa para região apical com um cone de guta-percha. Foi decidido extrair o dente. C. Imagem clínica do dente extraído com a lesão aderida. Notar sulco do desenvolvimento profundo na face mesial radicular. D. Fotomicrografia do ápice do dente com a lesão aderida. E e F. Maior aumento mostra a lesão inflamatória, reabsorção de cemento e dentina e osteoclastos. G e H. Cortes histológicos da câmara pulpar mostram polpa não inflamada, camada odontoblástica e pré-dentina intacta.
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Figura 25-19. Doença endodôntica primária com envolvimento periodontal secundário em um primeiro molar inferior. A. Radiografia préoperatória demonstrando defeito inter-radicular se estendendo até a região apical da raiz mesial. B. Radiografia tirada ao final do tratamento do canal radicular. C. Acompanhamento radiográfico de 1 ano mostrando a resolução da maior parte da lesão perirradicular; entretanto, um defeito ósseo na região de furca permaneceu. Notar que apenas o tratamento endodôntico não levou à reparação completa da lesão. O tratamento periodontal é necessário para reparo posterior da área de furca e dos tecidos gengivais inflamados.
reparar até o nível da lesão periodontal secundária. Em geral, o reparo dos tecidos danificados pela supuração da polpa pode ser previsível151. As lesões endodônticas primárias com envolvimento periodontal secundário também podem ocorrer como resultado de uma perfuração radicular durante um tratamento de canal ou onde pinos intrarradiculares tenham sido mal colocados durante a restauração. Os sintomas podem ser agudos, com a formação de abscesso periodontal associado à dor, edema, exsudato purulento, formação de bolsa e mobilidade dentária. Às vezes pode ocorrer uma resposta crônica sem dor, envolvida com o aparecimento súbito de uma bolsa com sangramento à sondagem ou exsudação de pus. Quando a perfuração radicular está situada próxima à crista alveolar, pode ser possível levantar um retalho e reparar o defeito com um material obturador. Em perfurações mais profundas ou no teto da furca, o tratamento imediato da perfuração tem um prognóstico melhor do que o tratamento tardio de uma perfuração infectada. Foi demonstrado que o uso do agregado trióxido mineral (MTA) nesses casos pode melhorar o reparo do cemento após o tratamento imediato da perfuração142. As fraturas radiculares também podem se apresentar como lesões endodônticas primárias com envolvimento periodontal secundário. Essas ocorrem tipicamente em dentes com a raiz tratada geralmente com pinos e coroas. Os sinais podem variar de um aumento da profundidade local de uma bolsa periodontal à for-
mação de um abscesso periodontal. As fraturas radiculares também se tornaram um grande problema em molares tratados por ressecção radicular103,148.
Doença periodontal primária com envolvimento endodôntico secundário A progressão apical de uma bolsa periodontal pode continuar até que os tecidos perirradiculares sejam envolvidos. Nesse caso, a polpa pode se tornar necrosada como resultado de uma infecção que penetrou através dos canais laterais ou do forame apical (Fig. 25-20). Em dentes unirradiculares, o prognóstico geralmente é sombrio. Nos molares o prognóstico pode ser melhor. Já que nem todas as raízes do molar podem sofrer a mesma perda dos tecidos de suporte, a ressecção radicular pode ser considerada como um tratamento alternativo. O efeito da periodontite progressiva sobre a vitalidade da polpa é controverso3,4,102. Se o suprimento de sangue circulante através do forame apical estiver intacto, a polpa tem boas chances de sobrevivência. Tem sido relatado que alterações pulpares em decorrência de doença periodontal são mais prováveis de ocorrer quando o forame apical está envolvido102. Nesses casos, bactérias oriundas da bolsa periodontal são a fonte de infecção do canal radicular. Tem sido demonstrada uma forte correlação entre a presença de micro-organismos no canal radicular e sua presença nas bolsas das periodontites avançadas95,97. O suporte para esse conceito veio de estudos nos quais as amostras de cul-
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Figura 25-20. Doença periodontal primária com envolvimento endodôntico secundário em um pré-molar superior. A. Radiografia mostrando perda óssea em um terço da raiz e uma radiolucidez perirradicular separada. A coroa estava intacta, mas os testes de sensibilidade pulpar foram negativos. B. Radiografia tirada imediatamente após a terapia do canal radicular mostrando cimento em um canal colateral que foi exposto devido à perda óssea.
turas obtidas a partir do tecido pulpar e da dentina radicular de dentes humanos envolvidos periodontalmente mostraram crescimento bacteriano em 87% dos dentes3,4. O tratamento da doença periodontal também pode levar ao envolvimento endodôntico secundário. Os canais colaterais e os túbulos dentinários podem ser expostos à cavidade oral pela raspagem, curetagem ou procedimentos de retalhos cirúrgicos. É possível que um vaso sanguíneo no interior de um canal colateral possa ser danificado por uma cureta e que micro-organismos sejam forçados para a área durante o tratamento, resultando assim em inflamação pulpar e necrose.
tecidos periodontais, entretanto, podem não responder bem ao tratamento, o que depende da gravidade da doença combinada. O aspecto radiográfico da doença endodônticoperiodontal combinada pode ser semelhante ao do dente fraturado verticalmente. Uma fratura que tenha invadido o espaço pulpar, com necrose resultante, também pode ser classificada como uma lesão verdadeira combinada e pode não ser receptiva a um tratamento de sucesso. Se uma fístula estiver presente, pode ser necessário levantar um retalho para determinar a etiologia da lesão.
Doenças verdadeiras combinadas A doença endodôntico-periodontal combinada ocorre com menos frequência. Ela se forma quando uma doença endodôntica que progrediu coronariamente se junta com uma bolsa periodontal infectada que progrediu apicalmente163,172. O grau de perda de inserção nesse tipo de lesão é invariavelmente grande e o prognóstico deve ser contido (Fig. 25-21). Isso é particularmente verdadeiro em dentes unirradiculares (Fig. 25-22). Nos molares, a ressecção radicular pode ser considerada como um tratamento alternativo se nem todas as raízes estiverem gravemente envolvidas. Algumas vezes, procedimentos cirúrgicos suplementares são necessários (Fig. 25-23). Na maioria dos casos, o reparo perirradicular pode ser antecipado após tratamento endodôntico bem-sucedido. Os
Figura 25-21. Doença endodôntico-periodontal combinada em um primeiro molar inferior. Radiografia mostrando a progressão individual da doença endodôntica e da doença periodontal. O dente continuou sem tratamento e, consequentemente, as duas lesões se juntaram.
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Figura 25-22. Doença endodôntico-periodontal combinada. A. Radiografia mostrando perda óssea em dois terços da raiz com cálculo presente e radiolucidez perirradicular separada. B. O exame clínico revelou alteração de cor da coroa do dente envolvido e exsudação de pus no sulco gengival. Os testes de sensibilidade pulpar foram negativos.
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Figura 25-23. Doenças endodôntico-periodontais verdadeiras combinadas em um primeiro molar inferior. A. Radiografia pré-operatória mostrando lesões perirradiculares. Os testes de sensibilidade pulpar foram negativos. B. Radiografia pós-operatória imediata do tratamento endodôntico não cirúrgico. C. Acompanhamento radiográfico de 6 meses não mostrando evidência de reparação. Um cone de guta-percha foi inserido no sulco gengival vestibular. D. Fotografia clínica mostrando o tratamento das superfícies radiculares e a remoção da lesão perirradicular. E. Acompanhamento radiográfico de 1 ano mostra evidências de reparo ativo.
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PROGNÓSTICO O prognóstico do tratamento depende primariamente do diagnóstico da doença endodôntica e/ou periodontal específica. Os principais fatores a serem considerados para a decisão sobre o tratamento são a vitalidade pulpar e a extensão da lesão periodontal. O diagnóstico da doença endodôntica primária e da doença periodontal primária geralmente não apresenta dificuldade. Na doença endodôntica primária, a polpa está infectada e necrosada. Por outro lado, em um dente com doença periodontal primária, a polpa está vital e responde aos testes. Entretanto, a doença endodôntica primária com envolvimento periodontal secundário, a doença periodontal primária com envolvimento endodôntico secundário ou as doenças verdadeiras combinadas são clinicamente bastante semelhantes. Se a lesão for diagnosticada e tratada primeiramente como doença endodôntica em razão da falta de evidência de uma periodontite marginal e se estiver havendo reparo dos tecidos moles à sondagem clínica e cicatrização óssea ao controle radiográfico, um diagnóstico válido retrospectivo pode ser realizado. O grau de reparo que ocorreu após o tratamento do canal radicular irá determinar a classificação retrospectiva. Na ausência de reparo adequado é indicado o tratamento periodontal avançado. O prognóstico e o tratamento de cada tipo de doença endodôntico-periodontal variam. A doença endodôntica primária deve ser tratada apenas pela terapia endodôntica com um bom prognóstico. A doença periodontal primária deve ser tratada apenas pela terapia periodontal. Nesse caso, o prognóstico depende da gravidade da doença periodontal e da resposta do paciente. A doença endodôntica primária com envolvimento periodontal secundário deve ser tratada primeiramente por terapia endodôntica. Os resultados do tratamento devem ser avaliados em 2 a 3 meses e só então o tratamento periodontal deve ser considerado. Essa sequência de tratamento proporciona um tempo suficiente para o reparo inicial dos tecidos e melhor avaliação da condição periodontal25,139, reduzindo também o risco potencial de introdução de bactérias e seus produtos durante a fase inicial de reparação. Sob esse aspecto, tem sido sugerido que a remoção agressiva do ligamento periodontal e do cemento adjacente concomitante ao tratamento endodôntico afeta de forma adversa o reparo periodontal20. As áreas do canal radicular que não foram agressivamente tratadas mostraram
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reparo não significativo20. O prognóstico da doença endodôntica primária com envolvimento periodontal secundário depende primeiramente da gravidade do envolvimento periodontal, do tratamento periodontal e da resposta do paciente. A doença periodontal primária com envolvimento endodôntico secundário e as doenças endodôntico-periodontais combinadas requerem tanto terapia endodôntica quanto periodontal. Foi demonstrado que a infecção endodôntica tende a promover a migração epitelial apical a áreas de superfície desnuda de dentina19,83. O prognóstico da doença periodontal primária com envolvimento endodôntico secundário e as doenças verdadeiras combinadas dependem precipuamente da gravidade da doença periodontal e da resposta dos tecidos periodontais ao tratamento. As doenças verdadeiras combinadas geralmente têm um prognóstico mais contido. Em geral, assumindo-se que o tratamento endodôntico foi adequado, o que for de origem endodôntica irá se reparar. Assim, o prognóstico das doenças combinadas depende basicamente da eficácia da terapia periodontal.
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Capítulo 25 Inter-relação Endodontia e Periodontia
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Capítulo
26
Síndrome do Dente Rachado
Domenico Ricucci
A expressão síndrome do dente rachado (cracked tooth syndrome) foi criada por Cameron, em 19642. Ele foi o primeiro a destacar os sintomas do diagnóstico diferencial dessa entidade clínica. De fato, esses sintomas podem aparecer indiferenciados e pouco claros, necessitando o conhecimento da elevada frequência dessa condição clínica para chegar ao correto diagnóstico. A síndrome do dente rachado pode ser definida como uma fratura incompleta de um dente posterior vital que, ocasionalmente, se estende à polpa. Esse quadro tem geralmente características crônicas. Os estudos epidemiológicos revelam que as fraturas dentárias constituem a terceira causa de perda de dentes nos países industrializados depois da cárie e da doença periodontal.
estudos, as restaurações de classe I e II (de modo particular as cavidades MOD) aumentariam as possibilidades de fratura12 (Fig. 26-1). Em particular, a perda e a consequente restauração das cristas marginais aumentariam sua incidência7. Também a combinação de vá-
Fatores etiológicos Na formação das rachaduras ou fraturas incompletas, o papel principal é atribuído às forças oclusais. Alguns atribuem ao efeito cunha na relação cúspidefossa. As fraturas começam na fossa, ao longo do sulco de desenvolvimento central, se estendem ao longo da crista marginal e progridem através da polpa ou em direção apical ao longo da raiz6. A presença de restaurações e de lesões cariosas não tratadas é um fator predisponente (Figs. 26-1 e 26-2). Na verdade, a perda da integridade da estrutura coronária em razão desses fatores é o principal fator predisponente. De acordo com os resultados de alguns
Figura 26-1. Paciente apresentando dor à mastigação. A restauração MOD preexistente em compósito foi removida para inspeção do assoalho da cavidade em ambos os dentes. A manobra evidenciou uma linha de fratura atravessando todo o assoalho cavitário do primeiro molar em sentido mesiodistal.
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Capítulo 26 Síndrome do Dente Rachado
associadas ao uso maciço de pinos rosqueáveis, atarraxados na dentina com o objetivo de aumentar a retenção das restaurações diretas. A trinca causada pelos pinos pode se transformar em fratura verdadeira16. Felizmente, o recurso desse sistema de retenção parece ter perdido popularidade.
Classificação
A
As classificações propostas são múltiplas e em muitos casos se sobrepõem. Reportamos a seguir a sugerida por Williams19: Classe I – Fratura vertical incompleta de esmalte e dentina sem envolvimento pulpar. Classe II – Fratura coronária incompleta com envolvimento pulpar. Classe III – Fratura vertical incompleta com envolvimento periodontal. Classe IV – Fratura promovendo separação completa dos fragmentos.
Sintomatologia
B
Figura 26-2. Paciente de 75 anos com queixa de dor recorrente na região superior esquerda. A. A radiografia revela um segundo pré-molar com uma restauração oclusodistal em amálgama e uma cavidade cariosa na mesial. O teste de sensibilidade dá resposta exacerbada, e a resposta à percussão é positiva. B. Após anestesia, isolamento e remoção da restauração e da cárie mesial, podemos ver uma linha de fratura a partir do centro do assoalho cavitário em direção à região distal.
rios fatores, como restauração e interferências oclusais, tem sido considerada como possível causa de trincas e fraturas12. Por muito tempo se pensou que a contração de polimerização das resinas compostas pudesse ter um papel determinante nas microfraturas (microcracks), mas os dados experimentais não parecem confirmar essa hipótese15. Finalmente, devemos avaliar os fatores iatrogênicos. Trincas foram observadas em épocas passadas
A sintomatologia que acompanha a fratura incompleta dos tecidos dentais pode variar enormemente. Varia de ausência total de sintomas, e nesses casos a presença de uma trinca é descoberta ocasionalmente quando é removida uma restauração pelos mais variados motivos, aos casos nos quais a sintomatologia é evidente. É importante ressaltar como a adoção de sistemas de magnificação em Odontologia operatória tem facilitado o diagnóstico precoce dos defeitos estruturais, assim como o reconhecimento das restaurações com margens inadequadas. Na presença de sintomas, o diagnóstico dessa condição pode ser às vezes muito difícil11,17. Normalmente os pacientes relatam uma sensação de incômodo ou dor a partir de um dente, que se inicia com a mastigação de alimentos sólidos e que desaparece com o cessar da pressão. O paciente em geral é incapaz de indicar o dente responsável e, às vezes, tanto pode não distinguir completamente o quadrante envolvido, como indicar o lado, mas não a arcada. Comumente está relacionado com uma história de numerosos tratamentos dentários com resultados insatisfatórios11. Como já destacado, os dentes afetados pela síndrome podem apresentar restaurações de extensão variada. Com o crescimento da experiência sobre trincas dentárias e a progressiva atenção na clínica cotidiana sobre esse problema, a síndrome do dente rachado vem sendo diagnosticada com maior frequência14. Os den-
Síndrome do Dente Rachado
tes mais atingidos seriam, segundos alguns autores, os molares e pré-molares superiores, seguidos dos molares inferiores4. Segundo outros autores14, a síndrome se observa mais frequentemente nos molares inferiores com extensas restaurações e em pacientes com mais de 50 anos de idade. Em um estudo conduzido por 1 ano, Ron e Lee14 analisaram todos os dentes com diagnóstico de fratura, avaliando o tipo de cavidade e restaurações presentes, as características dos dentes antagonistas, a posição na arcada, a idade e o sexo, bem como os sinais e sintomas clínicos resultantes dos tratamentos realizados. As fraturas foram encontradas com maior frequência nos dentes sem restauração (60,4%) e com restaurações de classe I (29,2%). A fase etária mais atingida foi a dos 40 anos, com frequência similar entre os dois sexos. Os mais atingidos foram os molares superiores (33,8% o primeiro molar e 23,4% o segundo) em relação aos molares inferiores (20,1% o primeiro e 16,2% o segundo). No geral, 96,1% respondiam ao teste “de mordida”, e 81,1% das fraturas estavam orientadas em relação mesiodistal. Os autores concluíram que quando se examina um molar superior hígido, que é sensível a alterações térmicas e ao teste de mordida, deve ser considerada como possível causa uma fratura mesiodistal. É importante ressaltar que, em algumas situações clínicas particulares, para realizar um diagnóstico preciso devemos realizar procedimentos invasivos. É o caso dos dentes com restaurações que geram uma sintomatologia difusa e para os quais não é possível realizar um diagnóstico preciso com a inspeção e imagem radiográfica. A presença de restaurações coronárias impede a visão do tecido cariado subjacente ou uma fratura atingindo o assoalho da cavidade13. Portanto, está justificado proceder à completa remoção do material restaurador presente e de um eventual tecido cariado para exibir o tecido dentário remanescente (Figs. 26-1 e 26-2). A exploração do assoalho da cavidade representa um estágio fundamental com a finalidade de decidir se a polpa pode ser conservada sob uma restauração que proteja as cúspides. A exploração do assoalho cavitário após a remoção dos materiais restauradores e tecido cariado permite evidenciar linhas de fraturas responsáveis pela sintomatologia pulpar. Mas somente depois da remoção do teto da câmara é possível compreender como é incerto o prognóstico devido à extensão em sentido apical da linha de fratura ao longo do perfil distal. Mesmo que um envolvimento periodontal não seja detectável, é fácil prever que um defeito periodontal poderá instalar-se ao longo da extensão apical da fratura. Assim,
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é difícil decidir se o elemento pode ser tratado ou se deve ser extraído. Qualquer decisão terapêutica deve ser tomada com o acordo e consentimento do paciente. O ideal seria remarcar o paciente para uma consulta de diagnóstico meticulosa e para fornecer uma adequada informação para melhorar o relacionamento dentistapaciente, diminuindo os riscos de um problema legal no futuro. Em outros casos a intervenção exploratória elimina qualquer dúvida sobre a possibilidade de tratamento do elemento dentário. Se a eliminação do teto da câmara pulpar após a confecção do acesso revelar uma linha de fratura que atravessa por inteiro o assoalho da câmara pulpar no sentido vestibulolingual, a extração pode ser a única solução viável. Um aspecto importante a ser considerado é que, nas situações crônicas, há a possibilidade de desenvolvimento de processo carioso na dentina adjacente à linha de fratura. Isso não é incomum, visto que essa linha é usualmente colonizada por bactérias. Se cárie for observada em volta da fratura, todo o tecido amolecido deverá ser eliminado, e o término apical do defeito, localizado. Em casos avançados, quando a degeneração pulpar já está instalada, os sintomas podem ser mais precisos. Infelizmente, muitas das vezes quando o paciente é capaz de distinguir o dente responsável, a fratura já atingiu a inserção periodontal, e o prognóstico passa a ser desfavorável.
Aspectos microbiológicos e patológicos das fraturas Todas as falhas de continuidade do esmalte e dentina subjacente constituem uma ameaça à integridade da polpa e favorecem a entrada e colonização de bactérias orais. Em dentes onde linhas de fratura do esmalte são apenas visíveis sob magnificação, a dissolução química do esmalte revela uma quantidade enorme de material orgânico superior ao que poderia ser detectado pela simples observação clínica. Na literatura aparecem poucos estudos sobre os aspectos microbiológicos nas fraturas. Cúspides fraturadas de dentes com trincas têm sido examinadas ao MEV (microscópio eletrônico de varredura). Têm sido observadas bactérias com diversas morfologias: cocos, bacilos e formas filamentosas, muitas delas em franca proliferação8. Parece evidente que a gravidade da resposta pulpar varia segundo a extensão da trinca da dentina em direção pulpar. Embora inicialmente a fratura não envolva toda a espessura dentinária, sem alcançar a câmara pulpar por via direta, a polpa é comumente
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exposta através dos túbulos dentinários adjacentes à linha de fratura. Esses são imediatamente colonizados permitindo que produtos bacterianos penetrem precocemente no tecido pulpar e iniciem uma reação inflamatória inicial. Quando uma fratura em estado avançado envolve por completo a dentina e se estabelece uma comunicação direta entre o ambiente oral e a polpa, essa última será invariavelmente afetada de forma irreversível. A Figura 26-3 ilustra os eventos histológicos e histobacteriológicos que se observam quando a polpa é atingida por uma linha de fratura. O caso se refere ao segundo molar inferior de uma paciente de 61 anos, portadora de uma acentuada sintomatologia dolorosa espontânea. O dente estava isento de cárie, mas com sinais evidentes de envolvimento periodontal (Fig. 26-3A). A inspeção clínica revela uma linha de fratura entendida a toda superfície oclusal. A paciente rejeitou qualquer tipo de tratamento conservador e o dente foi extraído (Fig. 26-3B). O exame histológico sucessivo evidenciou que a fratura atingiu a câmara pulpar (Fig. 26-3C, D, E). Bactérias são evidentes em toda a profundidade da fratura, e o tecido pulpar apresenta inflamação grave com áreas de abscesso (Fig. 26-3F, G, H). As sugestões seguintes nos parecem idôneas para ajudar o clínico a realizar escolhas prudentes e ponderadas: 1. Nos casos onde os sintomas clínicos parecem indicar um envolvimento reversível da polpa e o clínico opta pela manutenção da vitalidade pulpar, o paciente deve ser informado de que a extensão real da linha de fratura em direção à polpa não é previsível somente com parâmetros clínicos e que a progressão de uma linha de fratura é dinâmica. Portanto, a remoção da polpa pode se tornar necessária em qualquer momento após o tratamento conservador. 2. Mesmo procedendo à remoção da polpa, um envolvimento eventual do assoalho da câmara e das áreas de furca não é sempre diagnosticado. Analogamente, não é possível quantificar a eventual extensão da fratura ao longo da superfície externa da raiz em direção apical. Então, a partir de certo momento, o problema deixa de ser uma área de interesse apenas endodôntico, passando a ser também de interesse periodontal. O prognóstico da unidade dente-restauração está estritamente ligado à propagação apical da fratura e à instauração de uma franca linha de fratura vertical. O paciente deve ser informado e conscientizado dessas possíveis evoluções negativas
e dos riscos relacionados a tratamentos complexos de êxito não previsível.
Tratamento Quando o diagnóstico da síndrome do dente rachado é confirmado antes que se tenha um comprometimento pulpar irreversível, o clínico pode optar pela manutenção da vitalidade pulpar. O objetivo do tratamento restaurador é minimizar a flexão das cúspides comprometidas para prevenir a propagação da fratura9. Portanto, a primeira intervenção indicada é desgastar o dente para retirá-lo de oclusão. Então, remove-se a restauração presente para visualizar o piso da cavidade e, caso seja feita a opção de manter a polpa vital, a cavidade deve ser restaurada com cimento de óxido de zinco e eugenol. A seguir, as duas partes são imobilizadas com uma banda ou um anel ortodôntico. Promove-se então um acompanhamento atento da sintomatologia do dente. Uma alternativa é preparar o dente e colocar uma coroa acrílica devidamente adaptada e polida5,10. Se após o período de 1 a 2 semanas não existirem sintomas, pode ser programada uma restauração coronária total19. Como alternativa à agressiva remoção de estrutura dentária para uma coroa total, os recentes avanços da tecnologia adesiva e materiais compósitos permitem preparos coronários parciais e restaurações com incrustações em cerâmica e compósito1. A escolha entre uma restauração coronária total ou parcial depende de uma série de fatores, entre os quais a quantidade de tecido residual e a extensão gengival do traço de fratura. Nos casos onde a polpa parece comprometida irreversivelmente é indicado o tratamento endodôntico. A pulpectomia deve ser necessariamente seguida de uma restauração coronária que proteja as cúspides (onlay ou coroas totais). Um exemplo de reconstrução com coroa total após a pulpectomia é mostrado na Fig. 26-4. É desaconselhável proceder a uma restauração direta após a pulpectomia, deixando as cúspides residuais sem proteção. O efeito de cunha continuará, favorecendo a propagação da linha vertical de fratura, estimulando cedo ou tarde a formação de uma fratura vertical total. O insucesso de uma escolha restauradora imprópria é ilustrado na Fig. 26-5, onde o paciente não aceitou uma restauração total, optando por uma restauração direta de compósito para uma extensa destruição coronária e uma fratura foi identificada após apenas 2 anos (Fig. 26-5F). Qualquer que seja o tipo de restauração, todos os casos com trincas devem ser periodicamente controla-
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Figura 26-3. Paciente de 61 anos se apresenta para tratamento de emergência com queixa de forte dor na área de molares direitos. A coroa do segundo molar não apresenta cárie à inspeção, mas é visível uma fratura no esmalte ao longo do sulco central por toda a superfície oclusal. A. Radiografia revela comprometimento periodontal avançado e calcificações ocupando quase totalmente o volume da câmara pulpar. A paciente rejeitou qualquer tratamento conservador e optou pela extração do elemento. B. Uma fotografia da face distal após a extração mostra o comprometimento da crista marginal distal. O dente foi processado para análise histológica (C) e histobacteriológica (D). Decidiu-se pela realização de secções seriadas com plano transversal. Podemos notar a fratura presente em todas as secções e também a massa calcificada que ocupa grande parte da câmara pulpar (HE e Brown & Brenn modificado, aumento original de 10×). E. Metade distal de um corte passando apicalmente pela junção esmalte-cemento. Visão que mostra a linha de fratura conectando a superfície externa da raiz com a câmara pulpar. Área vazia no alto da câmara pulpar é um abscesso (Brown & Brenn modificado, aumento original 25×). F. Área na qual a fratura penetra no tecido pulpar. Destruição do tecido e grave inflamação (Brown & Brenn modificado, 400×). G. Porção mesial. A linha de fratura aparece menos marcada (Brown & Brenn modificado, 25×). H. Maior aumento da área pulpar adjacente à fratura em G. Bactérias sendo fagocitadas por leucócitos atraídos para a região (Brown & Brenn modificado, 1.000×).
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Figura 26-4. Paciente de 45 anos apresentando restauração extensa de amálgama e recidiva de cárie em molar inferior. O dente se apresentou sensível à temperatura e à mastigação. A. Após o toalete da cavidade, podemos ver sobre o assoalho da mesma uma fratura mesiodistal. Na presença de periodonto ainda íntegro na vertente distal, o plano de tratamento consistiu em biopulpectomia, seguida da reconstrução com pino metálico fundido e coroa metalocerâmica. B. Após a intrumentação endodôntica, a linha de fratura é visível sobre o assoalho distal. C. O pino é cimentado e as margens do preparo são refinadas. D. A restauração é cimentada. E. Radiografia após a cimentação da coroa protética.
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Figura 26-5. Segundo molar inferior com sintomas espontâneos em uma mulher de 52 anos com bruxismo. A. São observadas uma restauração de amálgama fraturada na porção distal e uma linha de fratura comprometendo a crista marginal distal. A sondagem periodontal não mostra profundidade patológica na vertente distal. B. O material de restauração foi removido e a crista marginal eliminada. C. Removido o teto da câmara pulpar e preparada a entrada dos canais, a fratura parece comprometer significativamente a porção distal do dente. D. Tratamento endodôntico concluído. A paciente não aceitou uma restauração coronária com cobertura de cúspides, e o molar foi reconstruído com resina composta. E. Radiografia pós-operatória. F. Após 2 anos, a paciente se apresenta com dor no molar, e a sondagem mostra uma bolsa distal de 10mm. A radiografia mostra um defeito ósseo angular distal estendido ao ápice radicular. A fratura nesse momento já é uma fratura completa, e o elemento está condenado.
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dos clínica e radiograficamente de maneira criteriosa. O prognóstico permanece incerto enquanto existir a possibilidade de que a linha de fratura se propague verticalmente, comprometendo o periodonto (Fig. 26-5F). Nos casos em que a fratura atinge o assoalho da câmara pulpar ou já possui algum comprometimento periodontal com sondagem positiva, a extração parece ser a decisão terapêutica mais aceitável. Da mesma forma, nos casos extremos, quando a fratura é completa e os fragmentos já se mobilizam, a extração é recomendada.
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Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico
Capítulo
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José Freitas Siqueira Jr. Leonardo M. Veiga Isabela das Neves Rôças Hélio Pereira Lopes
Há determinadas situações na clínica endodôntica diuturna em que o profissional é desafiado por uma condição que requer diagnóstico preciso para uma tomada de decisão, mas nem sempre esse diagnóstico é facilmente executado. Um dos principais exemplos se refere a pacientes que tiveram o tratamento endodôntico concluído, mas que continuam se queixando de certo desconforto à mastigação, à percussão com o dedo e/ou à palpação. O paciente pode relatar essa sintomatologia dias, semanas e até meses após a obturação do canal. Tal quadro usualmente não representa uma emergência, visto que a dor apresentada é crônica, de intensidade tolerável e geralmente provocada. A causa muitas das vezes não é aparente, pois o canal pode estar bem tratado, fazendo com que o profissional questione a sua real existência e atribua a dor a fatores psicológicos do paciente. Entretanto, embora possa ser influenciada por fatores psicológicos, principalmente no que tange à intensidade, na grande maioria das vezes, embora não aparente, a causa é real e, uma vez identificada, pode requerer intervenção para resolução do quadro. O conhecimento adequado da etiologia e da fisiopatologia das patologias pulpar e perirradicular e de possíveis fatores agravantes ajuda significativamente no diagnóstico desses casos mais difíceis. O emprego de recursos mais sensíveis de diagnóstico, como a tomografia computadorizada cone-beam (ou do feixe cônico), pode revelar situações que podem passar des-
percebidas em radiografias periapicais convencionais. Um exame clínico e imaginológico cuidadoso pode fazer a diferença entre o sucesso e o desastre no manejo de tais casos. Um estudo relatou a incidência de 12% de dor persistente a despeito de tratamento endodôntico aparentemente bem executado4. As principais causas da dor crônica persistente pós-obturação estão descritas a seguir, e os detalhes sobre cada uma podem ser encontrados nos respectivos capítulos: • Infecções persistentes: causadas por bactérias presentes em áreas do canal apical não tocadas pelos instrumentos ou afetadas pela irrigação7. Isso pode ocorrer: a) em paredes irregulares, com reentrâncias anatômicas ou causadas por reabsorção apical; b) no delta apical e em outras ramificações laterais; c) em canais ovais, onde o maior diâmetro do mesmo pode não ser adequadamente limpo e desinfetado. A ocorrência de bloqueio apical por raspas de dentina infectada também pode levar à sintomatologia persistente pós-obturação. Além desses fatores, a instrumentação apical muito aquém do término do canal e/ou limitada a instrumentos de pequeno calibre tende a deixar micro-organismos residuais em casos de necrose pulpar que podem induzir ou manter um quadro sintomático (Fig. 27-1). • Infecções secundárias: causadas por micro-organismos levados ao canal durante ou após a intervenção
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Capítulo 27 Causas de Dor Persistente Pós-tratamento Endodôntico
Figura 27-1. Canais tratados inadequadamente permitem a persistência da infecção endodôntica que pode resultar em dor persistente pós-obturação.
profissional. Nesse caso, mesmo dentes com polpa vital podem apresentar dor crônica pós-tratamento (ou mesmo aguda – ver Capítulo 19, Emergências e urgências em Endodontia). As causas principais de infecção secundária são quebra da cadeia asséptica durante o tratamento e percolação de saliva para o canal devido à fratura ou perda do selador coronário temporário ou definitivo6. • Inflamação persistente, lesão perirradicular presente, mas não visível na radiografia: tais casos usualmente se apresentam clinicamente como uma incógnita. Lesões não visíveis na radiografia podem estar restritas ao osso esponjoso e passar então despercebidas, principalmente na região de molares inferiores, onde a cortical óssea é mais espessa e, portanto, mais radiopaca3. A tomografia computadorizada cone-beam pode ser de grande valia para identificar lesões restritas ao osso esponjoso não diagnosticadas na radiografia periapical3 (Fig. 27-2). Além disso, em casos de fenestrações ósseas ao nível dos ápices radiculares, a inflamação pode estar em tecidos moles e não ser visível radiograficamente. O profissional pode suspeitar de fenestração óssea durante palpação, mas o diagnóstico definitivo é por tomografia computadorizada cone-beam ou durante cirurgia (Fig. 27-3). A persistência da inflamação está relacionada com infecções persistentes ou secundárias.
Figura 27-2. Sobreobturação evidenciada por tomografia computadorizada cone-beam muitas das vezes não visível pela radiografia periapical. A lesão perirradicular na raiz palatina também só foi diagnosticada pelos cortes transaxiais.
Figura 27-3. Sobreobturação, lesão de furca e fenestração óssea vestibular (setas) em molares tratados endodonticamente. Diagnóstico por tomografia computadorizada cone-beam em cortes transaxiais.
• Sobreobturação: às vezes não visualizada dada a incidência da radiografia. Por exemplo, se o forame apical estiver deslocado em direção vestibular ou palatina/lingual em relação ao ápice radicular, casos que radiograficamente aparentam estar obturados
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aquém ou no limite do ápice estão muitas das vezes sobreobturados. Situações onde acidentes anatômicos se sobrepõem ao ápice radicular podem impedir apropriada visualização do término ou qualidade da obturação endodôntica. Alteração na angulação vertical da radiografia periapical e, principalmente, o emprego de tomografia computadorizada cone-beam podem revelar tal sobreobturação (Figs. 27-2 a 27-4). A sobreobturação pode causar dor crônica devido à irritação inicial causada pela compressão mecânica do ligamento periodontal e pelo efeito químico de substâncias irritantes liberadas da massa do material. No entanto, a dor a longo prazo associada à sobreobturação tem usualmente a sobreposição de fatores microbianos5. • Perfuração radicular: da mesma forma que a sobreobturação, dependendo da localização, perfurações podem não ser visualizadas em razão da incidência da radiografia (Figs. 27-5 e 27-6). Perfurações causam dor persistente quando associadas a uma infecção persistente/secundária e/ou a uma sobreobturação. • Canal não tratado: canais extras podem conter suficiente tecido pulpar, inflamado ou necrosado-infec-
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tado, para induzir ou manter um quadro sintomático. Alterações na angulação horizontal da radiografia bem como a utilização de tomografia computadorizada cone-beam ajudam a identificar tais canais (Figs. 27-7 e 27-8). • Fratura vertical/oblíqua ou fissuras radiculares: fraturas radiculares podem levar à dor persistente pós-tratamento (Fig. 27-9). Em determinadas circunstâncias, podem não ser facilmente visualizadas na radiografia, principalmente quando não há significante separação dos fragmentos ou quando há sobreposição de outras estruturas. Fissuras radiculares são ainda mais difíceis de ser visualizadas. Fraturas e fissuras representam mais uma situação em que a tomografia computadorizada cone-beam pode ser de grande valor no diagnóstico (Figs. 27-10 a 27-13). A dor pode estar relacionada com a movimentação dos fragmentos, mas é usualmente agravada pela concomitante infecção por bactérias do canal, do sulco ou da saliva, dependendo da extensão da fratura/ fissura e das condições patológicas do canal. • Dente errado: em algumas situações, o paciente se engana e relata dor em um dente que foi recentemente tratado endodonticamente, mas na verdade
Figura 27-4. Sobreobturação não visível na radiografia periapical, mas evidente na imagem de reconstrução 3D por tomografia computadorizada cone-beam (seta).
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Figura 27-5. Perfuração radicular na face vestibular da raiz. Visualização no corte transaxial e na reconstrução 3D por tomografia computadorizada cone-beam.
Figura 27-6. Perfuração radicular na face vestibular do dente 13 associada a extravasamento de cimento para tecidos moles. Diagnóstico e determinação da superfície perfurada por meio de tomografia computadorizada cone-beam em cortes transaxiais.
Figura 27-7. Lesão perirradicular associada ao dente 32 com dois canais que aparentemente se fusionam na porção apical da raiz – notar que um dos canais e a região apical comum não foram tratados. Diagnóstico por tomografia computadorizada cone-beam em cortes panorâmico e transaxial.
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Figura 27-8. Quarto canal de um molar superior tratado endodonticamente, o qual não foi instrumentado e obturado. Corte axial por tomografia computadorizada cone-beam.
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um outro elemento é o responsável. Isso pode ser facilmente corrigido quando do exame clínico-radiográfico. • Causa não odontogênica: alguns fatores, como sinusite, trauma oclusal, neoplasias etc., podem simular dor de origem endodôntica. O conhecimento das características fisiopatológicas das doenças pulpares e perirradiculares aumenta as chances de interpretação competente dos dados de exames e testes diagnósticos e consequentemente de um diagnóstico mais preciso nessas situações. Métodos avançados de diagnóstico podem também revelar comunicações de lesões perirradiculares extensas com outras regiões anatômicas, o que também pode levar à ocorrência de sintomas (Fig. 27-14). • Sensibilização central: dor pré-operatória, tratamento odontológico anterior doloroso e histórico de problemas prévios de dor crônica (dor de cabeça, coluna, ombro, pescoço etc.) podem causar alterações sensoriais centrais e/ou periféricas que aumentam
Figura 27-9. Fratura radicular vertical/oblíqua. Radiografias periapicais e eletromicrografia de varredura de um dente extraído.
Figura 27-10. Fratura radicular e lesão de furca (setas) sugeridas por radiografia periapical e confirmadas nos cortes transaxiais por tomografia computadorizada cone-beam.
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Figura 27-11. Fratura radicular e lesão radicular lateral associada (setas) em molar superior previamente submetido à cirurgia perirradicular. Diagnóstico por tomografia computadorizada cone-beam em cortes sagital-oblíquo e axial.
Figura 27-12. Fratura radicular na raiz distal do dente 36 previamente submetido à hemissecção radicular. Diagnóstico por tomografia computadorizada cone-beam em corte coronal.
Figura 27-13. Pré-molar superior tratado endodonticamente. A primeira radiografia de prosservação evidencia redução do tamanho da lesão, o qual se estabilizou como mostrado na segunda radiografia pós-preparo para pino. Esse dente passou a exibir uma fístula por vestibular e foi extraído. Análise por tomografia cone-beam pós-extração revela fratura radicular associada a paredes radiculares demasiadamente delgadas em decorrência do preparo para pino.
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Figura 27-14. Lesão perirradicular extensa afetando o seio maxilar e causando destruição da cortical óssea vestibular. Análise nos cortes transaxiais e 3D por tomografia conebeam.
a vulnerabilidade do paciente à dor crônica persistente4. A sensibilização central ocorre ao nível dos neurônios de projeção (ou de segunda ordem) presentes no núcleo trigeminal (subnúcleo caudal) após estimulação excessiva por fibras nociceptoras periféricas (por exemplo, quando da dor pré-operatória). Uma vez sensibilizados, os neurônios de projeção passam a amplificar os impulsos nervosos ao enviá-los para porções cerebrais mais elevadas (tálamo e córtex), independentemente da redução da sensibilidade nos nociceptores periféricos1,2. A sensibilização central é responsável por hiperalgesia (dor exacerbada a estímulos que normalmente causam dor) e alodinia (dor a estímulos que normalmente não causam dor) secundárias, com consequente dor pós-operatória prolongada (horas a dias) e/ou por dor referida.
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