TEORIA MARXISTA
DA EDUCACAO ,
Distribuldor no Brasil: Livraria Martins Fontes Pra«;a da lndependAncla, 12 Santos- S. Paul·o
BOGDAN SUCHODOLSKI
TEORIA MARXISTA DE EDUCACAO ~
Volume D
Editorial Estampa
Titulo original U Podstaw Materialstycroej Teorii Wychowania
Traduc;:ao de J·ose Magalhaes Capa da Soaras Rocha
Copyright
Panstwowe Wydawnictwo Naukow, Vars6via Editorial Estampa, Lda., 1976, Lisboa Para a lfngua portuguese
INDICE
0 signific~»do da revolw;ao soC'i'aUsta, para a edttcar;ao .
CAPITULO IV -
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1. 0 caracter de classe do sistema de ensino na
sociedade burguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
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2. A educa!;iio e o ensino dos filhos dos operarios
no capitaUsrno
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
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3. A 1iga9iio entre ·o ensino e o trabalho, germe
do ensino socialista A ·educa!;iio para e pela revolu9iio . . . . . . . . . . .. A organiza~tiio das massas populares e a importil.ncia das suas experiencias . . . . . . . . . . . . . . . . .. A actuagiio espontanea e a actua!;ii.O consciente A Iuta pela concepgiio materialista revolucionaria do ensino Problemas da educa9iio moral. . . . . . . . . . . . . . .. 00
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CAPITULO V - Sabre os fundamentos da teoria ma.rxista d;a; cultura
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1. A concep!;iio marxista da actuagiio humana 2. A critica de Marx a concep!;iio de cultura de
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Hegel 3. Contra OS metodos de especula!;6es abstractas .. . 4. A heranga do hegelianiiSmo na pedagogia burguesa 5. 0 desenvolvimento posterior da teoria mateII'ialista da cultura 6. Critica da concepgiio materialista da cultura . .. 7. 0 papel e a responsabilidade do autor da cul. tura espiritual
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8. A inicia!;ao na cultura como prepara!;aO para o futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Or~tka1 dai concepqiio· metafisico-ideadealista do homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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CAPiTULO VI-
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1. Critica das concep!;6e.s espiritualistas e natura-
listas ... ... ... ... ... ... .. . ... .. . ... ... ... ... 2. Criti:ca dos fundamentos da mistifica!;ao bur.guesa ... ... .. . ... ... ... ... ... ... ... ... ... 3. 0 utilitarismo burgues como teoria err6nea da motivagao do comportamento humano . . . . . . . . . 4. A hist6ria da origem e 0 verdadeiro conteudo dos ideais burgueses de hom em e cidadao .. . 5. Critica da educagao burguesa do «homem)) e do «cidadam) · Apendice
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CAPiTULO IV
0 SIGNIFICADO DA REVOLUQ.AO SOCIALISTA PARA A EDUCAQ.AO
A analise da situa~ao do homem sob o capitalismo mostrou a crescente aliena~ao que impossibilita run desenvolvimento das massas trabalhadoras, destr6i a sua rela~ao com o trabalho e a sociedade e deforma a sua consciencia. Para que a educa~ao desempenhe a importante tarefa do desenvolvimento do homem em todos os sentidos, deverao, antes de tudo o mais, quebrar-se as cadeias que no capitalismo prendem o homem. 0 destino da educa~ao, em ultima instancia, depende da transforma~ao social, do derrube do sistema capitalista. Nesta base, dar-se-a na sociedade socia~ lista uma aproxima~ao entre as condi~oes e necessidades da vida social e as tarefas e possibilidades da actividade educativa. Que papel desempenha a educa~ao nas condi~oes de decadencia e destrui~ao do capitalismo, isto e, na epoca da revolu~ao proletaria? A resposta a esta questao exige uma analise exacta tanto da politica educativa burguesa e da situa~ao da escola na sociedade capitalista, como do significado do desenvolvimento das for~as produtivas e da luta revolucionaria da classe operaria pela educa~ao e pelo ensino. 9
TEORIA
MAR~ISTA
DA EDUCAg.AO
1. 0 caracter de classe do sistema de ensino na sociedade burguesa As teses marxistas fundamentais que dizem respeito a educa~ao na sociedade capitalista baseiam-se na tese do seu caracter de classe que esta encoberto pela fraseologia ideol6gica. A educa~ao e urn instrumento nas maos da classe dominante que determina o seu caracter de acordo com os seus interesses de classe, assim como 0 ambito que engloba 0 ensino para a sua pr6pr~a classe e para as classes oprimidas. Mas como a burguesia apresenta o capitalismo como sendo a realiza~ao completa da ordem de vida «natural e racional», o sistema de ensino e o sistema educativo, que na realidade sao urn instrumento dos seus interesses, embelezam-se com bonitas palavras acerca da liberdade e das possibilidades de desenvolvimento. Marx desmascara constantemente esta questao e indica tambem o que significa realmente o ensino na sociedade capitalista para as diferentes classes. No Manifesto Oomunista este problema e sistematicamente tratado. Marx assinala tambem, no aspecto cultural, a falsidade e a hipocrisia dos ataques da burguesia aos comunistas. «As acusa~oes - lemos no Manifesto- dirigidas contra o modo comunista _de apropria~ao e de produ~ao dos produtos materiais, · foram-no igualmente contra a apropria~ao e produ~ao das obras do espirito. Assim como, para o burgues, o desaparecimento da propriedade privada equivale ao desaparecimento de toda a produ~ao, tambem o desaparecimento da cultura declasse signi- . fica, para ele, a elimina~ao do ensino em geral. 0 ensino, cuja perda 0 burgues lamenta, nao e para a imensa maioria mais do que urn adestramento que o transforma em maquina .. . Mas quebramos, dizeis, v6s, os la~os mais intimas, ao substituir o ensino · familiar pelo ensino social. Mas nao esta tambem o vosso ensino determinado pela sociedade? Deter10
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
minado pelas rela!;oes sociais, nas quais ensinais os VOSSOs filhos, pela interven!;aO, directa OU nao, da sociedade, pela escola, etc.? Os comunistas nao inventam a ac!;iio da sociedade na educagao; mudam-lhe somente 0 caracter e tiram a educagao a influencia da classe dominante. » (1) 0 caracter de classe da educagao burguesa manifesta-se num duplo aspecto. Em primeiro Iugar, pelo facto de que a educagao, que supostamente deveria servir todos os homens, s6 e concedida aos filhos da burguesia. A educagao nao e urn elemento de igualdade social; e, pelo contrario, urn elemento da hierarquia social burguesa moderna. Ja no estudo da filosofia de Hegel, Marx sublinhou o papel da educagao na sociedade burguesa. Indicou que a sociedade burguesa moderna se desembaragou, ao contrario do feudalismo, da estrutura de castas e pretendeu construir uma sociedade de homens iguais. No entanto, converteu-se na realidade numa ordem social com antagonismos de classe ainda mais irreconciliaveis. A igualdade politica formal de todos os cidadaos converte-se em alga ilus6rio par causa das reais desigualdades sociais. Segundo Marx esta desigualdade e completamente arbitraria e pode ser remetida a dais momentos: a propriedade privada e o ensino ( 2 ). Isto mostra como Marx estava consciente do significado social do ensino no capitalismo, cuja tarefa e escolher os representantes da classe dominante para os «altos postos». Marx desmascarou este papel da educagao, especialmente no campo da cultura geral que a burguesia organiza. Face as c6modas e ut6picas esperangas de que a melhoria do ensino geral constituiria uma prova do ponto de vista humanista da burguesia e urn elemento da melhoria evolutiva (') Marx-Engels, Ausgewi.ihlte Schiften (Obras Escothidas), Berlim, 1953, vol. I, pp. 38 e segulntes. (') Ibi dem.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
da situagao das camadas oprimidas, Marx demonstra que todas as concessoes da classe dominante sao 0 resultado de necessidades econ6micas provocadas pela produgao mecanizada em grande escala e exprimem os novos interesses da burguesia. 0 ensino nacional, especialmente o ensino operario, e urn elemento necessaria da produgao. No entanto, no capitalismo tern a tarefa exclusiva de formar forgas de trabalho baratas e nunca ultrapassara OS limites que OS interesses da produgao capitalista exigem. Uma analise detalhada do caracter do ensino operario demonstra isto muito claramente. Em segundo Iugar, o caracter de classe do ensino burgues manifesta-se ao transformar o ensino num instrumento supostamente eficaz da «renovagao social». Em todas as ocasioes em que a burguesia se ve forgada a reconhecer que as relagoes capitalistas sao inadequadas, tenta demonstrar com «argumentos educatiVOS» que sao inadequadas, porque OS homens nao sao bons e que estas rela~oes melhorarao quando os homens se tornarem melhores. A educagao deve converter -se numa garantia da futura melhoria dos ·homens, melhoria essa que nao pode ser assegurada em absoluto, porque o mal reside nas rela~oes sociais predominantes e nao nos homens. Ja Thomas More mostrou a ineficacia da educagao sob condigoes que previamente conduzem OS homens a miseria e OS estimulam ao crime. Marx, especialmente nas divergencias com os socialistas ut6picos, sublinha com toda a evidencia a ineficacia de tal educagao. 0 conjunto da obra cientifica de Marx esta orientado no sentido de indicar o caracter objective do desenvolvimento hist6r ico. Por isso, os seus esforgos revolucionarios deviam orientar-se no sentido do derrube da ordem social capitalista existente e nao no sentido de uma «melhoria» sentimental dos homens. Na sociedade de classes antag6nicas, as relagoes miituas entre OS homens nao sao «rela12
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
goes de individuos com individuos, mas si~. do operario com o capitalista, do arrendatario com o latifundiario, etc.» ( 3 ) . Devem mudar nao apenas OS hemens, mas principalmente as relagoes e as instituigoes da vida social. Os escritores burgueses, ao recomendarem a educagao como remedio para os pecados sociais da sua propria ordem social, convertem a educagao numa manobra de desvio que deve sufocar o impulse revolucionario das massas. A educagao adquire entao uma fungao que ·nao deve exercer. Num dos seus primeiros artigos Marx escreve: «
!arx-Engels, Werke (Obras), Berlim, 1956, voi. I, p. ·396.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
Com esta analise Marx e Engels descobrem a contradiQao fundamental da politica educativa burguesa. Sao os interesses de classe da burguesia que obrigam a uma limitaQao da educaQao das classes oprimidas e sao os interesses da burguesia que exigem uma certa elevaQao do nivel educativo das forQas produtivas. Ja em A SituaQiio da Olasse Trabalhadora em lnglaterra Engels observa que a burguesia e forQada a ocupar-se dos operarios apenas na medida em que e ditada pela sua ambiQao de maiores lucros. Mas tambem deve evitar que a formaQao dos operarios se converta numa arma nas maos da classe oprimida. S6 nestas condiQoes a burguesia pactua com a Igreja, porque esta convencida que uma educaQao religiosa oferece a melhor protecQao contra as perigos da educaQao revolucionaria das massas populares. Este pacta e especialmente util quando o dominio da burguesia comeQa a tornar-se vacilante. Isto pode ser provado com numerosos exemplos de diversos paises capitalistas. Marx ilustra esta questao especialmente com o exemplo da FranQa. «Atraves da lei do ensino - escreve Marx no Achtzehnten Brumaire des Louis Bonaparte (0 18 de Brumcirio de Luis Bonaparte)- a burguesia intentava assegurar o antigo estado de espirito das massas que permitia manter o sistema tributario. As pessoas admiram-se de ver as orleanistas, os burgueses liberais, esses antigos ap6stolos do voltairianismo e da filosofia eclectica, confiarem a direcQao do espirito frances aos seus inimigos hereditarios, as jesuitas. Mas orleanistas e legitimistas divergiam no respeitante ao pretendente ao trona, e depois compreenderam que o seu dominio comum exigia unir os meios de opressao de duas epocas, que OS meios de repressao de Julho se fortaleciam e completavam com os meios de repressao da RestauraQao.» ( 6 ) (') Marx-Engels, A.wsgmviihltt Schriften, Berlim, 1953, vol. I, p. 263.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
Outro ponto da educaQao burguesa a que Marx dedicou especial atenQaO e 0 seu caracter antinacional e imperialista. Exemplos disso sao a politica educativa prussiana nos terit6rios polacos e a politica educativa colonialista inglesa na india. Nos territ6rios da Posnania, as autoridades prussianas utilizaram as escolas para assegurar o seu dominio e para assegurarem os interesses dos militares e da aristocracia feudal. Na politica colonial inglesa, 0 caracter de classe da educaQao burguesa mariifestou-se, no entanto, de urn modo mais evidente. «A grande hipocrisia da civilizaQao burguesa e a crueldade a ela ligada apresentam-se-nos de uma maneira clara - escreve Marx - se desviarmos o nosso olhar da sua patria, onde adopta formas respeitaveis, e o dirigirmos para as suas col6nias, onde · se manifesta em toda a sua nudez.» ( 0 ) Na india os imperialistas ingleses destruiram a civilizaQao indiana ao «destruirem os interesses publicos indigenas, ao desarreigarem a industria indigena e ao rebaixarem tudo quanto na ordem social indigena era grande ou se destacava» ( 7 ). Depois da Inglaterra ter destruido tudo, isso nao a contentou, e empreendeu o seu ataque contra o desenvolvimento social e cultural do pais. Destruiu . a cultura tradicional sem, no entanto, criar urn sistema de ensino e educaQao moderno, apesar dos funcionarios britanicos conservadores considerarem que a populaQao indiana «possui uma grande energia industrial, e perfeitamente capaz de acumulaQao de capital e caracteriza-se pela inteligencia nas matematicas, habilidade nos calculos e talento para as ciencias exactas». A politica educativa inglesa propos-se outras tarefas. Tentou isolar uma quantidade de crianQas indianas das massas e deste modo educar uma nova 6 ( ) Ibidem, p. 331. (') Ibidem, p. 327.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAg.AO
camada de administradores ingleses de urn grande pais. «Dos poucos indigenas indianos educados sob a vigilancia inglesa - escreve Marx - cresce uma nova classe que possui as qualidades exigiveis para governar e que adoptou o saber europeu. » Este caracter antinacional da educaQao esta intimamente ligado a aspiraQao de deixar a populaQao indiana na ignorancia e na impotencia frente as novas condigoes de vida impostas pelos ingleses. 2. A educa~ao e o ensino dos filhos dos opera:rios no capitalismo · 0 caracter declasse do ensino burgues manifesta-se de uma maneira mais clara quando nos ocupamos do ensino que e concedido aos filhos dos operarios e camponeses do que quando nos ocupamos do ensino que ela reserva para os seus pr6prios filhos e para os da nobreza. A educaQao dos filhos da classe dominante baseia-se na mentira e na fraude, e a educaQao dos filhos da classe oprimida, no indispensa vel No entanto, quem decide o que e indispensavel sao os capitalistas e nao as necessidades das crianQas ou as necessidades gerais da sociedade. Marx em 0 Capital da exemplos convincentes da miseria e da exploragao das familias operarias, que se veem forQadas a alugarem-se aos capitalistas como forQa de trabalho «barata». Os capitalistas conside.:. ram que «a jornada de trabalho compreende as 24 hMas do dia, descontando unicamente as poucas horas de descanso sem as quais a forga de trabalho se negaria em absoluto a funcionar. Em primeiro lugar, achamos muito facil compreender que o operario, desde que nasce ate que morre, niio seja mais que a farr,;a de trabalho; portanto, todo o seu tempo disponivel e, por obra da natureza e do direito, tempo de trabalho e pertence, como e l6gico, ao capital para se'u incremento. Tempo para a formaQiio de uma 16
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cultura humana, para aperfei~oamento espiritual, para o cumprimento das fun~6es sociais do homem, · para o trato social, para o livre jogo das for~as fisicas e espirituais da vida humana, inclusivamente para santificar o domingo - mesmo ate na terra dos beatos, adoradores do preceito dominical- tudo isso nao passa de uma pura ficQaO » ( 8 )! Estas condi~6es de vida dos operarios sao especialmente crueis ' para as crian~as que desde tenra idade tern de trabalhar em trabalho.s pesados. Este trabalho torna , impossivel nao s6 a aquisiQao de uma cultura humana mas tambem destr6i o aspecto fisico. Que tipo de ensino podem receber crianQas que tern de trabalhar durante todo o dia e muitas vezes a noite tambem, trabalho esse que e superior as suas forQas? As normas do trabalho infantii sao extraordinariamente altas e tornam impossivel qualquer ensino. Alem disso, estas normas nem sequer sao geralmente respeitadas. As crianQas convertem-se em forQa de trabalho e sao exploradas sem limites. Marx sublinha especialmente o caracter criminoso desta degeneraQao espiritual de que sao vitimas as crianQas que trabalham. «A degenerar;ao intelectual - escreve Marx- produzida artificialmente pelo facto de converter seres incipientes em simples rna- ' quinas de fabrico da mais-valia - degeneraQao que nao deve ser confundida com esse estado elementar de incultura que deixa os espiritos em estado de · ignorancia sem, no entanto, corromper os seus dotes de desenvolvimento nem a sua fertilidade natural obrigou finalmente o parlamento ingles a decretar o ensino elementar como condiQao legal para o consumo "produtivo" de crianQas menores de 14 anos em todas as industrias submetidas a lei fabril.» ( 9 )
(") K. Marx, Das K I(J)pitaZ (0 Capital), Berlim, 1953, vol. I, p . 275. (") Ibidem, p. 419.
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Marx demonstra, com muitos exemplos concretos, que esta lei foi rapidamente transgredida. Todos esses exemplos caracterizam a situa~ao das crian~as e testemunharam tanto o interesse pedag6gico de Marx como a sua penetra~ao e conhecimentos neste campo. A analise critica das reais condi~oes de vida, como base indiscutivel para o desenvolvimento de formas de vida moral e intelectualmente mais elevadas, possibilitou a Marx uma visao do problema do ensino das crian~as real e concreta, livre de qualquer fraseologia pedag6gica ilus6ria. Marx dirige a sua aten~ao para as condi~Qes de trabalho das crian~as na fabrica e na escola, para a posi~ao dos pais e dos mestres no que respeita aos capitalistas. Aqui se evidencia todo o caracter hip6crita e a superficialidade do sistema de ensino e de educa~ao burgues. 3. A liga~ao entre o ensino e o trabalho, germe do ensino socialista A analise do caracter classista do ensino na sociedade burguesa e o desmascarar das insuportaveis condi~oes de trabalho e estudo que suportam as crian~as de maneira nenhuma impediriam que Marx visse os valores gerais que consistem na liga~ao entre o tra:balho fisico e o ensino, e que no capitalismo nao s6 nao se podem desenvolver mas que sao precisamente destruidos. Marx reconheceu muito claramente que, apesar das condi~oes de vida e de estudo terrivelmente dificeis que suportam as crian~as que trabalham e apesar das melhores condi~oes existentes para os filhos da burguesia, o primeiro grupo de . crian~as supera o segundo. «Do sistema fabril, que podemos seguir em detalhe lendo Robert Owen - escreve Marx- surge o germe da educa~ao do futuro, na qual se combinara, para todas as crian~as a partir de certa idade, o trabalho produtivo com o ensino e a ginastica, nao s6 como 18
TEORIA MARXISTA DA EDUCA<;.A.O
metoda para intensificar a produgao social, mas tambern como o ii.nico metoda que permite produzir homens plenamente desenvolvidos.» (1°) As crian<;as que tra:balham tern a oportunidade de ligar a actividade fisica ao trabalho intelectual, a teoria a pratica, e deste modo tern a possibilidade de realizar urn desenvolvimento em todos os sentidos. Mas estas possibilidades sao destruidas pela produgao capitalista ainda que se manifestem ate no facto de «as criangas das fabricas, apesar de nao recel::>erem mais do que 0 ensino medio, aprenderem tanto e as vezes mais que os alunos das escolas comuns» (11 ) . Do mesmo modo que o trabalho mecanizado - na opiniao de Marx - nao destr6i por ser mecanizado, mas porque esta organizado pelos capitalistas, tambern 0 trabalho das crian<;as s6 e criminoso, porque os capitalistas o convertem em objecto de exploragao. Mas do mesmo modo que a produgao mecanizada se converte em elemento de libertagao e desenvolvimento do liomem no socialismo, tambem a liga<;ao entre o ensino e o trabalho produtivo adquire no socialismo urn alto valor educativo. Marx assinala as possibilidades de ensino que surgem como desenvolvimento das forgas produtivas e que no capitalismo ficam atrofiadas. Sublinha especialmente o significado deste desenvolvimento para o ensino e a educagao completa dos homens. A divisao social do trabalho que existe ha seculos conduziu a uma primeira limitagao e anquilosamento dos homens, ·a sua submissao ao poder das ocupagoes tornadas independentes. 0 capitalismo - como vimos anteriormenteagudizou de forma inaudita as consequencias da divisao do trabalho atraves da organiza<;ao da manufactura e mais ainda atraves da organizagao de fabricas.
('"> Ibidem, p. 509. (") Ibid!em, p. 508. 19
TEORIA MARXISTA DA EDUCAgAO
A organizaQao da manufactura consistiu no facto do trabalho manual anteriormente realizado por urn artesao qualificado ter sido substituido por diversos tra.balhos divididos e parciais realizados por diversos operarios. Deste modo o operario transformou-se gradualmente em «Operario parcial». Teve de realizar durante toda a sua vida a mesma actividade simples e o seu corpo converteu-se em «Urn 6rgao automatico e parci.a l desta actividade». A manufactura cria homens com uma especializaQao de estreitos limites, que deve constituir· a sua forma de trabalho durante toda a sua vida, e recruta tambem operarios sem qualificaQao alguma para os trabalhos mais simples. «Ao mesmo tempo que fomenta ate ao virtuosismo as especializaQoes parciais e particulares a custa da capacidade conjunta de trabalho - escreve Marx - converte a especializaQao em ausencia de toda a formaQao.» {1 2 ) As maquinas, em certa medida, revoltaram-se contra estas relaQoes, mas fortaleceram-nas simultaneamente. Na grande industria consuma-se urn definitivo «div6rcio entre potencias espirituais do processo de produQao e do trabalho manual, com a transformaQao daquelas em molas do capital sobre o tra~ balho» (1 3 ). Saber e inteligencia materializam-se em maquinas e especialistas e os operarios convertem-se exclusivamente em forQa de trabalho. «Vimos como a grande industria vern abolir tecnicamente a divisao manufactureira do trabalho, divisao essa que supoe ligar toda a vida de urn homem a uma determinada operaQao, ao passo que a forma capitalista da grande industria reproduz em proporQ6es ainda mais monstruosas essa divisao do trabalho; ria verdadeira fabrica, ao converter o operario num acess6rio com consciencia propria de uma maquina parcial, e nos (") Ibidem, p. 367. (") Ib~dem, p. 444. 20
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
outros sitios, atraves do emprego esporadico de maquinas e de trabalho -mecanico e atraves do uso do trabalho da mulher e da crian~a e do trabalho nao especializado como base de divisao do trabalho.» (14 ) «0 caracter da grande industria leva, portanto, a mudan~as preparadas e constantes de trabalho, a substituiQoes de fun~oes, a uma completa mobilidade do operario», porque a grande industria vive da constante renova~ao do processo de produQiio, da melhoria da tecnica e dos metodos de trabalho e de inova~ao de novas ramos produtivos. Este elemento revolucionario da produ~ao esta em aguda contradiQao com a organiza~a6 do trabalho capitalista, que se baseia «na especializa~ao parcial» e no «trabalho nao-especializado» do operario. Assim, manifestam-se rapidamente os primeiros sintomas de urn modo de vida configurado de modo diferente do modo capitalista. A grande industria exige - sem consideraQoes pelos interesses dos capitalistas - o principia da «maior perfei~ao possivel do operario», a sua boa e completa capacita~ao para o trabalho. 0 desenvolvimento das forQas produtivas exige homens capazes de se adaptarem a «necessidades variaveis de trabalho»; e necessaria substituir «0 individuo parcial,' simples instrumento de uma funQiio social parcial, pelo individuo desenvolvido no seu todo, para quem as diversas funQoes sociais nao sao mais que outras tantas manifestaQoes de actividade que se alternam e se substituem» (1 5 ). 0 desenvolvimento do sistema de ensino profissional que se aperfeiQoa «naturalmente», constitui, como disse Marx, urn dos fe1i6menos e urn dos elementos deste processo. A este respeito Marx, cita as palavras de urn operario acerca das suas experiencias obtidas na California: «Jamais acreditaria que seria (") Ibiaen'IJ, p. 509. 5 (' ) Ibi cZem, -p. 513.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O
capaz de desempenhar todos os trabalhos que fiz na California. Estava convencido que s6 sabia ser impressor ... Logo que me vi metido naquele mundo de aventureiros que mudam de oficio mais facilmente que de camisa, que diabo! fiz como todos os outros. Como o trabalho nas minas nao rendia bastante, abandonei-o e fui para a cidade onde fui sucessivamente tip6grafo, construtor de telhados, estanhador, etc. GraQas a esta experiencia; que me demonstrou que podia trabalhar em todos os oficios, comecei a sentir-me menos molusco e mais homem.» (16 ) Estas experiencias constituem para Marx urn exemplo de como os trabalhadores, sob as relaQoes de produQao capitalistas, desbravam o caminho de urn modo natural para adquirirem novas possibilidades de ganhar a vida, como conseguem organizar uma vida que nao esta limitada par nenhuma especializaQao parcial. Mas tanto a ampla formaQao tecnica como a variabilidade do trabalho constituem apenas sintomas latentes. «Tambem nao oferece duvidas que a forma capitalista de produQao e as condiQ6es econ6micas do trabalho que lhe correspondem estao em diametral oposiQao com esses fermentos revolucionarios e com a sua meta: a aboliQao da antiga divisao do trabalho.» 7 ) Mas e precisamente esta oposiQao diametral que determina o futuro desenvolvimento hist6rico. As experiencias tecnicas adquiridas acabaram com o principia baseado no periodo da manufactura: sapateiro, aos teus sapatos! Desbravaram o caminho para superar a divisao do trabalho na sua forma actual que conduziu ao depauperamento dos homens par causa da sua especializaQao unilateral e parcial e abrem caminho para a aboliQao das contradiQ6es entre o trabalho fisico e o trabalho intelectual. 0 derrube do sistema capitalista, que, contra as tendencias
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( ••) Ibidem. 1 {' ) Ibidem, p. 513, nota de
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TEORIA MARXIST.A DA EDUCAQ.A.O
evolutivas das forQas produtivas, mantem a insustentav5!1 situaQao actual, permitira organizar o trabalho de urn novo modo em toda a sua extensao. Estas possibilidades educativas e sociais foram ja confirmadas por alguns escritores anteriores ·a Marx. Marx cita Beller s; «John Bellers - escreve Marx - nos fins do seculo XVII ja ve, com absoluta transparencia a necessidade de abolir o sistema educativo e a divisao de trabalho actuais, que produzem a hipertrofia e a atrofia em ambos os p6los da sociedade, ainda que em sentido oposto. » (1 8 ) Uns sofrem por excesso de formaQao intelectual e abstracta enquanta que os outros desfalecem sob o peso de urn trabalho mecanico e embrutecedoramente fisico ( * ). Portanto, a ligagao entre o ensino e o trabalho e para Marx, tambem valiosa porque supera a divisao entre o trabalho fisico e o intelectual, que e originada pela divisao do trabalho e acaba com o desenvolvimento prejudicial e unilateral do individuo humano. Marx nao s6 indicou frequentemente que o trabalho fisico sem elementos espirituais destr6i a natureza humana como tambem que a actividade intelectual, a margem do trabalho fisico, conduz facilmente aos erros de urn idealismo artificial e de uma abstracQiio falsa. «A independencia entre os pensamentos e as ideias» e, como Marx disse, «uma consequencia da independencia entre as relaQoes pessoais e as relaQoes entre os individuos » (1 °). A divisao do trabalho que torna o «pensar» atributo exclusivo de urn grupo de homens, destr6i tanto o pensamento como os pr6prios homens. Par isso Marx valoriza muito a ligaQao entre o trabalho fisico e o intelectual. Tinha uma grande admiraQao par John Bellers («Urn verdadeiro fen6meno na hist6ria da economia politica») e sublinhou (" ) Ibi dem. ( *) •Observagoes do autor. Veja Apendice, cap. IV, 2). (" ) Marx-Engels, Wei7'1ce, Berlim, 1958, vol. 3, p . 432.
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as suas correctas anaJises e observa~oes sobre a edu- ca~ao. Bellers disse de modo convincente: -«0 aprender ociosamente e pouco melhor que 0 aprender ociosidade ... 0 trabalho e tao necessaria para a saude . do corpo como comer e necessaria para a conserva~ao do corpo ... 0 trabalho eo azeite da lamparina da vida que o espirito se encarrega de acender.» A exactidao com que Marx conhecia as correntes pedag6gicas da sua epoca manifesta-se na observa~ao que fez as palavras de Bellers: «Urn trabalho infantil nescio nao tira a sua ignorancia da inteligencia infantil.» Marx observa que estas palavras de Bellers se podem referir profeticamente as concep~oes de Basedow e aos «seus imitadores modernos» (2°). Este comentario mostra claramente a diferen~a radical entre ·a concep~ao marxista sobre a liga~ao .da educa~ao ao trabalho e as concep~oes semelhantes de caracter burgues. Basedow e principalmente o seu discipulo Salzmann organizaram, preocupados com o povo sob a 6ptica burguesa, urn ensino pratico destinado a preparar para a vida principalmente os 6rfaos. Estas teorias nao continham nem teses gerais acerca da forma~ao te6rica e pratica dos homens, nem tendencias revolucionarias de uma transforma~ao social. Marx e Engels combateram sistematicamente esta liga~ao insuficiente entre a educa~ao e o trabalho. Na sua obra Anti-Duhring Engels expoe: «Certamente o Sr. Dtihring ouviu algo sobre o facto de que na sociedade socialista o trabalho e a educa~ao devem ligar-se e que por isto deve ser assegurado urn ensino tecnico complete, assim como uma base pratica para a educa~ao cientifica; este ponto e tam bern muito util para a sociabilidade. Mas, tal como vimos anteriormente, a antiga divisao do trabalho conserva-se nas suas partes essenciais na produ~ao futura organizada segundo o modo Dtihring, este ensino fica se(") K. Marx, Das Kapital, Berlim, 1953, vol. I, p. 514.
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parado de qualquer aplicaQao pratica posterior e de qualquer importancia ou significado para a propria prodUQaO. 0 seu unico objectivo e substituir a ginastica, de que o nosso revoluciom'trio nao quer saber.» {2 1 ) Com estas palavras clarifica-se a diferenQa radical que existe entre as ideias burguesas de uma ligaQao do trabalho ao ensino, ideias que . servem fins filantropic6s ou ideologias reformistas, e a concepQao marxista de tal ligaQao, que so pode desenvolver-se por completo atraves do moderno desenvolvimento das forQas produtivas na sociedade socialista. Marx e Engels formularam os principios da ligaQao entre o trabalho eo ensino na sua luta implacavel contra a exploraQao capitalista do trabalho infantil. Assim, assentaram as bases para a politica educa- . tiva da classe operaria e para o seu futuro programa. Neste sentido o Manifesto do Partido Comunista propoe a «aboliQao do trabalho fabril das crianQas na sua forma actual», mas ao mesmo tempo acentua ,a necessidade de «ligar o ensino a produQao material». Em Critica do Programa de Gotha) Marx precisa este ponto de vista ao opor-se a aboliQao absoluta do trabalho infantil e exige nesta questao que se determine com toda a precisao os limites de idade. Marx escreve: «A proibiQaO geral do trabalho infantil e incompativel com a propria existencia da grande industria e, portanto, nao e senao urn desejo ingenuo e vao. A aplicaQao desta medida, caso fosse possivel, tornar-se-ia reacciom'tria, porque, sendo assegurada uma exigente regulamentaQao do tempo de trabalho segundo as diferentes idades e tomando as devidas precauQ6es para proteger o trabalho das crianQas, combinar o trabalho produtivo desde a mais tenra (") F. Engels, Hen·n Eugen Duhrvngs Urnwiilzung der W ·iJssensclwft (TmmsformaQiio da Oiencba pelo S snhor Eugen Diihring ) , Berlim, 1952, p. 401.
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idade ao ensino e urn dos mais eficazes meios de transformaQao da sociedade actual.» (2 2 ) Marx nao determinou mais precisamente OS principios de tal ligaQao. Em InstTuktion an die Delegierten des Provisorischen Zentralrats uber eizelne Fragen (1866), Marx exigia apenas que as escolas tecnicas ocupassem os seus tempos livres, pelo menos parte deles, com a venda de objectos produzidos e que este trabalho economicamente produtivo estivesse ligado a urn programa adequado de ocupaQoes fisicas e intelectuais. «A relaQao entre o trabalho produtivo pago, ensino intelectual, exercicios fisicos e o ensino politecnico elevara a classe operaria a urn nivel muito superior ao nivel das classes medias. » (2 3 ) S6 a revoluQao socialista podera focar de urn modo pratico o problema da educaQao do homem para o trabalho e atraves do trabalho de tal forma que o trabalho nao limite o homem, mas que, pelo contrario, o desenvolva em todos os seus aspectos. S6 a revoluQao socialista quebrara as cadeias que impedem o desenvolvimento das forQas produtivas. Com ela, pela primeira vez na Hist6ria, e possivel apresentar a questao da educaQao do homem para o trabalho e pelo trabalho numa esfera humana nova na qual os homens se convertem em produtores independentes e responsaveis, que os liberia da esfera do cultivo de escravos e da formaQao de «forQas produtivas».
4. A
educa~o
para e pela
revolu~ao
A concepQao da ligaQao entre o ensino e o trabalho produtivo e, no entanto, apenas urn dos elementos fundamentais do programa educativo e de ensino que os fundadores do socialismo cientifico ("") Marx-Engels, Ausgewiihltt Bchritten, Berlim, 1952, · ("") Marx -Engels, Vber Erziehung ~ma Bildung ( Sobre Ensirtw e E ducagiio) , Berlim, 1960, p. 162
vol. II, p. 28.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ./1.0
defenderam. 0 segundo elemento fundamental e 0 principia da ligaQao entre a educaQao, o ensino e a actividade revolucionaria da classe operaria. A concepQao geral da luta contra o capitalismo que Marx e Engels desenvolveram implica, antes de mais, afastar todo 0 programa ut6pico que nao expressa nenhuma medida para a realizaQao das ideias referidas. 0 principia fundamental de Marx e Engels era ligar o mais estreitamente possivel o socialismo cientifico e a luta revolucionaria da classe operaria e organizar esta luta como o unico caminho que conduz ao socialismo. A separaQao de esperanQas ut6picas, aspiraQoes ou intenQoes de organizar as «futuras» comunidades no seio da actual sociedade e a politica concreta da luta revolucionaria que conduz a aboliQao das relaQoes existentes sao algo tao primordial que, naturalmente, tinha de afectar tambem as questoes do ensino. E evidente que a educaQao dos homens na base do socialismo ut6pico tinha de ser algo totalmente diferente da educaQao nos principios da luta de classe do proletariado. Isto requereu um amplo e intensivo trabalho ideol6gico organizador a Marx e Engels. Embora no periodo do crescimento constante do movimento operario e do desenvolvimento da conscH~ncia ideol6gico-politica dos operarios a eliminaQao das tradiQoes ut6picas tenha criado enormes dificuldades, a determinaQao do processo correcto nas situaQoes politicas concret:;~.s era uma tarefa tao dificil como extraordinariamente necessaria. Neste aspecto, Marx e Engels tiveram de se desembaraQar de muitos obstaculos e de se distanciar claramente de muitas concepQoes inimigas. Dado que se consagraram a politica revolucionaria da classe operaria, tiveram de repelir em muitas ocasioes os ataques da burguesia liberal e de combater o programa da pequena burguesia. Alem disso, tratava-se de combater todas as tentativas de tergiversar os antagonismos fundamentais de classe e as tentativas de defender uma politica 27
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de reconciliaQiio e compromisso, assim como de desmascarar as tendencias anarquistas e conspirativas que se manifestavam em defesa de uma acQiio revolucionaria espontanea sem que as condiQoes objectivas estivessem dadas. Em oposiQiio a tudo isto, a linha politica de Marx e Engels unia o principia da luta revolucionaria a analise ser ena e precisa da realidade social, a uma estratt'! gia e uma tactica ponderadas. Isto surgiu naturalmente em intima relaQiio com as suas concepQoes filos6ficas e cientificas acerca do desenvolvimento hist6rico, em especial o do capitalismo. 0 sublinhar do caracter objective destas leis de desenvolvimento e simultaneamente o destaque dado ao papel consciente da classe operaria deram a base para a luta sem compromissos contra todas as correntes oportunistas e anarquistas. No decur so desta luta devia desenvolver-se urn programa completamente novo de educaQiio do operario. E naturalmente tambem na pratica. A luta de Marx e Engels por uma linha consequentemente revolucionaria da luta dos operarios encontrou a sua expressao nas concepQoes sabr e a educaQiio dos homens que devem participar na configuraQiio do futuro socialista. Por isso, o objecto da nossa exposiQiio posterior deve ser precisamente a analise de todas as concepQoes fundamentais sabre a educaQiio da classe operaria para o cumprimento das suas tarefas h ist6ricas, que se opoe aos programas educativos dos socialistas ut6picos e tambem aos programas do socialismo pequeno-burgues de todo o genera, especialmente oportunismo e anarquismo. «0 mais importante no ensino de Marx- escreve Lenine- e a explicaQiio do papel hist6rico universal do proletariado como criador da sociedade socialista.» ( 2 4 ) Este papel da classe operaria, segundo ("' ) V.
I . Lenine, Au,sgewiihlt·e W erke,
vol. . I, p. 69. 2.8
Berlim, 1954,
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
Marx, . e o~ factor principal que permite abolir a miseria, a explora~ao e as humilha~6es que a classe possuidora faz. Marx, no seu trabalho Critica da Filosofia do Direito de Hegel, formula de urn modo geral as tarefas especiais do proletariado. «E, pois, necessaria - escreve Marx - que uma determinada classe resuma em si a repulsa geral, de tal modo que a liberta~ao desta esfera aparega como a autolibertagao universal.» (2°) Contra a classe opressora levanta-se a classe dos libertadores. Esta classe e concretamente o proletariado~ 0 proletariado encontra-se numa situa~ao de opressao tal, que as suas reivindicag6es tomam o caracter de reivindicag6es sociais universais, nao se limitando a exprimir" apenas as necessidades de urn determinado grupo de homens. Esta classe nao defende para si mesma nenhum direito privativo; no caso de reivindica-lo, trata-se de urn interesse que se repercute para o bern de todos. As suas reivindicagoes nao s6 o sao do ponto de vista hist6rico, mas partem tambem do interesse humano geral. A libertagao do proletariado e a liberta~ao de toda a sociedade, e «a recuperagao total do homem que se baseia numa perda total» (2°) . 0 proletariado nao s6 deve empreender a luta contra as classes dominantes porque tern de defender os seus interesses vitais imediatos, mas tambem porque aspira a uma nova ordem social e por iss6 deve combater toda a classe que constitua a sua negagao. Nesta luta, a consciencia do proletariado e o conhecimento do seu papel hist6rico desenvolvem-se. Esta consciencia deve exigir que a filosofia se converta na arma espiritual do proletariado. Esta concepgao do papel do proletariado, que Marx expos nos seus escritos de juventude, constitui (" ) Marx-Engels, La Sa,gmdJa Familia, Ed. Grijalbo, xico, 1962, p. 12. ' (") Ibvaem, p. 14.
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Me-
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
tambem o objecto dos seus posteriores pensamentos e investigaQoes. De acordo com os principios materialistas da sua filosofia, Marx tentou rebater as diversas concepQoes sobre o papel da classe operaria com que, entao, teve de se enfrentar. Teve principalmente de enfrentar a idealizaQao ut6pica infundada do proletariado, que via neste todas as virtudes e valores num estado de perfeiQao, assim como o desprezo fatalista pela !uta do proletariado consciente e disposto ao sacrificio. Em oposiQao a estes dois pontos de partida, Marx defendeu a concepQao de que a decisiva tarefa hist6rica universal da classe operaria e determinada pelo desenvolvimento hist6rico objectivo e que da sua disposiQao consciente e activa depende o cumprimento desta tarefa. Deferideu tambem a conviQiio de que a classe operaria se desenvolvera no decurso da sua Iuta e dos seus esforQos; que o resultado do movimento operario revolucionario socialista nao sera a consequencia mecanica da situaQao dos operarios nem das suas condiQoes de vida. Ja em A Sagrada Familia Marx e Engels criticam decididamente as representaQoes ingenuas e idealistas do proletariado. «E quando os escritores socialistas - escreve Marx- atribuem ao proletariado este papel hist6rico-universal nao e, como a Critica critica pretexta acreditar, porque considerem os proletarios como deuses. Antes pelo contrario, atribuem-lho por chegar a sua maxima perfeiQaO pratica, no proletariado desenvolvido, a abstracQao de toda a humanidade e ate a aparencia dela; porque nas condiQoes de vida do proletariado se condensam todas as condiQoes de vida da sociedade actual, agudizadas no modo mais desumano; por o hom em se ter perdido a si proprio no proletariado, adquirindo em troca nao s6 a consciencia te6rica desta perda mas tambem sob a acQao imediata de uma penuria absolutamente imperiosa- a expressao pratica da necessidade - a que ja se nao pode fugir nem tentar mitigar, o acicata30
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menta inevitavel da sublevaQao contra tanta desumanidade; por todas estas razoes, o proletario pode e deve libertar-se a si proprio. » (2 7 ) 0 papel do proletariado e determinado atraves do processo do desenvolvimento social e nao por quaisquer qualidades fisicas inatas dos homens que lhe sejam proprias. A idealizaQao consciente das qualidades da classe operaria como «argumento» para a possibilidade da sua libertaQao nao corresponde em absoluto aos factos e, alem disso, testemunha concepQoes ingenuas e utopicas acerca do desenvolvimento social e dos seus factores realmente eficazes. Alem disso, tal idealizaQao da Iugar a todos os possiveis ataques da reacQao que se levantam contra os operarios. Estes ataques tern por objectivo despojar ainda mais os operarios das suas condiQoes humanas de vida. Toda a discussao toma entao urn rumo falso e converte-se numa discussao acientifica, tendenciosa e inutil. 0 essencial nao e a maneira como esta constituida a maioria dos operarios, como tambem nao e «aquila que este . ou aquele proletario ou mesmo o proprio proletariado possa ter de vez em quando como meta. E o que o proletariado e e o que esta historicamente obrigado a fazer no que respeita a esse seu ser. A sua meta e a sua acQao historica estao clara e irrevogavelmente predeter minadas pela sua propria condiQao de vida e por toda a organizaQao da sociedade burguesa actuaL» (2 8 ) Com esta exposiQao do problema, Marx sublinha todo o conhecimento pedagogico que podia caracterizar-se como o «crescimento dos homens nas suas tarefas». Isto significa que nas tarefas educativas nao deve ser apenas considerado o que os homens particulares sao numa dada epoca, mas tambem e principalmente 21 ( ) Ibi~mn, p . 101. ('") Ibidem, p. 102.
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aquila a que sao chamados numa, situaQao hist6rica concreta e que tarefas lhes sao apresentadas a partir do desenvolvimento social objectivo. Isto e urn criteria transcendente. Determina que nao se pode atribuir significado extraordinario ao determinismo psicol6gico segundo o qual o homem, no decurso da sua vida, continua a ser o que era no principia. Isto significa que se deve confiar no desenvolvimento que se efectua na base de condiQ6es objectivas atraves da soluQao de tarefas objectivamente possiveis. 0 ensino marxista nao e apenas urn ensino da revoluQao proletaria historicamente inevitavel, mas ao mesmo tempo urn ensino da educaQao do proletariado para o cumprimento destas tarefas hist6ricas. Esta educaQao deve ser concr etizada na «pratica revolucionaria». 0 marxismo e uma demonstraQaO de que 0 desenvolvimento hist6rico se processa por etapas que se caracterizam pelas transformaQ6es revolucionarias. «Pais Marx- disse Engels no seu discurso junto ao tfunulo de Marx - foi sobretudo urn r evolucionario. A sua verdadeira palavra de ordem foi colaborar de uma maneira ou outra no derrube da sociedade capitalista e das instituiQ6es estatais criadas por esta sociedade, colabor ar na libertaQao do proletariado moderno, a quem foi o primeiro a dar consciencia da sua propria situaQao e necessidades, a consciencia das condiQ6es da sua emancipaQao. A luta foi o seu elemento. » (2 9 ) Marx rebateu sempre toda a politica conciliadora que se esforQa exclusivamente por obter «pequenos exitos» e que deste modo anulam a forQa revolucionaria do proletariado. «Os pequeno-burgueses democratas muito Ionge de querer transformar toda a sociedade em proveito do proletariado r evolucionario, (" ) Marx-Engels, A usgewahlte SchT·iJrten, B erltim , 1953, vol. II, p . 157. 32
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a
pretendem modificar a ordem social de modo tornar a sociedade existente tao suportavel e c6modo que possivel... No entanto, estas reivindicag6es nao pode:in satisfazer em absoluto o partido do proletariado. Enquanto os pequeno-burgueses democratas pretendem acabar a revolugao o mais rapidamente possivel e ap6s ter realizado, como ponto maximo, as reivindicag6es atras citadas, e de nosso interesse e dever fazer com que a revolugao seja permanente, ate que as classes possidentes em maior ou menor grau sejam desapossadas do seu dominio.» (8°) A tenacidade e a constancia na luta revolucionaria, a sublevagao sem compromissos contra a sociedade burguesa sao para Marx OS momentos decisivos . politica e educativamente. Na luta revolucionaria, o proletariado toma consciencia das suas tarefas e da ·sua forga. A luta revolucionaria constitui a melhor escola do novo homem socialista. Os pensamentos contidos em A I de alogia A lema tornam mais preciso este ponto de partida que Marx seguiu fielmente toda a vida. Marx atenta na absoluta novidade hist6rica da revolugao socialista que nao s6 destr6i uma classe dominante determinada, mas que ainda por cima anula por completo a sociedade de classes, e a este respeito Marx sublinha a grande importancia da consciencia comunista. Escreve: «Tanto para a constituigao desta consciencia comunista como para a realizagao desta mesma questao sao necessaria::; amplas mudangas no homem, que s6 num movimento pratico, numa revolugao, se podem produzir; assim, pois, a revolugao nao s6 e necessaria porque a classe que provoca o derrube s6 numa revolugao pode alcangar os objectivos de se desfazer de toda a velha porcaria e alcangar a nova fungao da sociedade.» (8 1 )
(:ro) (
31
)
Ibidem, val. I, pp. 90 e seguintes. Marx-Engels, Werke, Bedim, 1958, val. III, p, 70 .
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A importancia do facto de Marx considerar a revolugao como a escola do novo homem e-nos mostrada em toda a sua extensao ao · sublinhar que a revolugao, segundo a concepgao dos clasicos do marxismo, nao pode ser urn acto unico desligado .dos outros. Uma revolugao, que elimina definitivamente a sociedade de classes, deve ser a coroagao de uma larga luta revolucionaria. Neste sentido Marx escreye: «0 comunismo nao e para nos nem uma situagao que se deva criar, nem urn ideal ao qual a realidade se deve adaptar. Chamaremos comunismo ao movimento real que termina com a situagao actual. As condigoes deste movimento provem das premissas actualmente existentes. » ( 32 ) A actividade concreta, real, que se realiza sob condigoes determinadas opostas as representagoes ideais do futuro, constitui a tese fundamental da tactica politico-ideol6gica marxista, que possui urn grande significado educativo. Esta tese determina que OS homens nao devem estar na expectativa frente as tarefas hist6ricas objectivas, mas que devem actuar eficazmente. A revolugao nao e para Marx algo do futuro, mas a ultima etapa da acgao revolucionaria da actualidade. Constitui, como se diz em Teses sabre Feuerbaoh~ a «pratica revolucionaria». A organizagao desta pratica e a principal tarefa da vanguarda do proletariado. S6 na pratica revolucionaria se educam os homens de amanha. A concepgao marxista estabelece, pais, uma ~s treita ligagao da actuagao no presente com a actuagao tendo em vista o futuro. Esta e a tese principal da tactica politica que o Mani festo do Partido Comunista resume nas seguintes palavras: «Os comunistas lutam para alcangar os fins imediatos presentes e os interesses da classe operaria, mas representam tambern no momenta actual o movimento do futuro. » (" ) Ibidem , p. 35. 34
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Este principia determina o caracter da «educagao do proletariado para as tarefas revolucionarias» como uma educagao que esta ligada a pratica da actividade revolucionaria. Deste modo, a concepgao da educagao dos fundadores do socialismo cientifico adquiriu caracteristicas particularment'e importantes. Como se sabe, havia urn certo conflito na teoria edu, cativa no que respeita ao que devia ser feito ao aluno, tendo em conta as actuais possibilidades e necessidades, e o que deveria ser feito considerando as necessidades e tarefas futuras. A educagao que se ocupava do presente preocupava-se muito pouco com o futuro, enquanto que a educagao que se ocupava do futuro nao tinha possibilidade alguma de actuar no presente. Este conflito foi especialmente patente ao agudizar-se a luta da classe operaria na sociedade burguesa contra a ordem capitalista. Na pedagogia - burguesa a educagao tern urn caracter apologetico em relagao a ordem existente e nao prepara a juventude para urn novo futuro. Segundo as concepgoes dos · ut6picos, a educagao para o futuro impede qualquer ligagao com as condigoes actuais. Pelo contrario, a concepgao marxista diz como se deve organizar o conjunto do ensino que prepara ja na actualidade capitalista o futuro socialista. Esta concepgao apareceu ligada a nova concepgao materialista da psique humana, das fontes da sua forga e da consistencia das representagoes e concepgoes. Tal como indicamos, Marx opos-se a substan~ tivar e a absolutizar o conteudo da consciencia. Defendeu a concepgao contraria de que o motor essencial da vida pessoal do homem e a sua actividade na existencia real, que se reflecte mais ou menos correctamente nas suas representagoes, concepgoes, sentimentos, etc. «0 ser produz a consciencia» tanto no campo social como, em certa medida, no campo individual. 0 isolamento de determinadas ideias da consciencia humana e a introdugao de novas fazem-se, segundo Marx, nao atraves de uma critica intelectual 35
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
a margem da vida, mas dentro do enquadramento de uma vida realmente mutavel. A elimina~iio da conscH~ncia de representa~oes err6neas «realiza-se mediante circunstancias que mudam e niio atraves de dedu~oes te6ricas» (8 8 ). Na vida intelectual, em Ultima instancia, afirma-se a mesma verdade que rege a hist6ria, isto e, que «a for~a motriz da hist6ria, da religiiio, da filosofia e de outras teorias semelhantes niio e a critica mas a revolu~iio» (84,). Mas a importancia da revolu~iio reside apenas no facto de criar . condi~oes novas para os homens, sob as quais se pode formar uma nova consciencia social, mas tambem no facto de chamar os homens a colaborar conscientemente na cria~iio de novas rela~oes sociais. «0 meio ambiente - escreve Marxforma os homens do mesmo modo que os homens formam o meio ambiente.» ( 85 ) A actividade revolucionaria e precisamente esta «Convergencia do ambiente ou das circunstancias mutaveis e da actividade humana» que condiciona principalmente a «transforma~iio» dos homens. 5. A organiz~ao das massas populares e a importancia das suas experH~ncias 0 mais importante, alem do caracter do proletariado, e a maneira como se criam as suas tarefas hist6ricas e a pratica revolucionaria na qual o proletariado pode amadurecer para estas tarefas. Sendo assim, 0 problema central da educa~iio e, evidentemente, responder a questao de como deve organizar-se este processo de amadurecimento. Se isto deve acontecer na actividade real, concreta, revolucionaria, esta actividade deve ser naturalmente uma actividade 33 ( ) Ibid·e m, p. 40. (") Ibidem, p. 38. 35 ( ) Ibidem.
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de massas. Marx tinha uma sensibilidade altamente desenvolvida no sentido de valorizar todo o homem e por isso foi um inimigo decidido de todo o genero de teoria de elite, que despreza as massas. Marx ligou esta sensibilidade moral a teoria do desenvolvimento hist6rico, segundo a qual nao sao os individuos destacados que exercem uma influencia decisiva no decurso dos acontecimentos, mas o desenvolvimento das for~as produtivas, isto e, todos OS factores relacionados com as condi~6es de trabalho e de vida das massas. Ao criticar Hegel, Marx refere-se tambem a outros que, como Hegel, defendem teorias idealistas da elite sabre a hist6ria, que proporcionam argumentos sabre a falsa caracteriza~ao dos «representantes do Espirito objective». Na sua critica aos doutrinadores franceses que fazem exercicios de magia com o conceito da razao, indica que este conceito se utiliza da participa~ao no Governo para separar as massas (3°). Faz o mesmo na sua critica a Stirne, que tirava toda a importancia as massas e que via nelas a «nega~ao do Espirito». Em oposi~ao a estas concepg6es, Marx sublinha a importancia dos movimentos populares na hist6ria, A grandeza e o significado dos acontecimentos hist6ricos alcangaram-se -segundo Marx- com a participagao activa das massas. No entanto, as massas tern estado afastadas, na hist6ria ate aos nossos dias, da participagao nos bens e na cultura que, . gradualmente, se foram transformando em dominies reservados dos privilegiados. Esta situagao deve mudar e a critica que os comunistas fazem neste campo - na opiniao de Marx - corresponde a realidade, na forma de movimentos emancipalistas das massas. «E preciso conhecer - escreve Marx - a ansia de instrugao dos operarios ingleses e franceses, a sua energia
( '
6
)
Ibiu~em,
vol. II, pp. 89 e seguintes. 37
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moral, o seu impulso ilimitado de desenvolvimento, para ser passive! ter-se uma ideia da nobreza humana deste movimento.» (3 7 ) A actividade que afecta as massas e uma necessidade hist6rica de todas as epocas em que 0 proletariado se apresenta como a classe mais revolucionaria, que participa com 0 trabalho das suas maos no processo de produ~ao. Constitui simultaneamente o cumprimento das exigencias marais e humanas. Com esta actividade para o trabalho, cujo primeiro impulso foi observado par Marx em Fran~a e na lnglaterra, aument~ tambem a nova consciencia do proletariado. Se esta actividade afecta as massas, a sua actividade deve ligar-se 0 mais estreitamente passive! as tarefas hist6ricas do proletariado, porque s6 neste caso esta actividade tera uma eficacia educativa. Marx concebeu esta Iiga~ao de urn modo perfeitamente concreto. Foi sempre inimigo das concep~oes do politico que s6 tenta agir com as massas e utilizar a sua imensa for~a. Lutou sempre por urn movimento organizado, activo e vivo das massas trabalhadoras. 0 comunismo nao pode, desde logo, ser construido par fil6sofos, legisladores ou politicos. S6 se pode e deve alcan~a-lo desde o inicio com as maos dos trabalhadores. «Cada passo verdadeiro do movimento - escreve Marx a Bracke - e mais importante do que uma duzia de programas.» (3 8 ) Marx manifesta uma posi~ao semelhante em rela~ao a Comuna de Paris. «0 seu verdadeiro segredo - escreve Marx - foi ser essencialmente urn Governo da classe operaria», urn Governo formado exclusivamente par operarios, apesar de todos os «especuladores politicos» e «federa~oes politicas». Houve dificuldades e erros neste (") lbi·dem, p. 89.
(") Marx-Engels, vol. II, p . 9.
AW81gewiihUt~
· 38
Schriften, Berlim, 1953,
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO \ 1
grande exemplo da construQiio de uma sociedade socialista. Mas sao precisamente estas dificuldades que possuem urn grande significado educativo. «A classe operaria - escreve Marx - nao exigia nenhum milagre da Comuna. Nao e necessaria introduzir nenhuma utopia fixa e elaborada por decisao popular. A classe operaria sabe que para preparar a sua propria libertaQao e com ela toda a forma de vida mais elevada ... tera de travar grandes lutas, tera de passar por toda uma serie de processos hist6ricos, atraves ·dos quais os homens e o ambiente social se transformam por completo. Nao ha nenhum ideal a realizar; s6 ha que par em liberdade os elementos da nova sociedade que se desenvolveram ja no seio da sociedade burguesa em decadencia.» (3 9 ) 0 materialismo hist6rico preve o aparecimento de novas forQas no seio do passado capitalista no ocaso e nas lutas contra o velho, o superado. Da o fundamento essencial para esta tactica politica que sublinha a necessidade da luta revolucionaria das massas e outorga urn valor especial ao processo da formaQao dos homens nesta luta. 0 materialismo hist6rico exige desconfianQa face aos diversos «ideais» e «Sistemas» que se afastam da realidade. No entanto, tambem pede confianQa para a nova vida, que esta em germe no seio das velhas relaQoes, e uma actuaQao para urn novo futuro. · Este realismo da actividade socialista das massas afasta todas as concepQoes que representam o deselivolvimento social como urn resultado da actuaQiio de politicos ou de assombrosas concessoes da classe dominante. Opoe-se a todas as concepQoes segundo as quais a nova sociedade nao deve surgir como resultado de uma luta irreconciliavel dos antagonismos de classe.
(
30
)
Ibidem, Berlim, 1953, vaL I, ·P· 495.
39
TEORIA MARXISTA .DA EDUCAQ.AO
Segundo Marx, a luta revolucionaria da classe operaria e 0 elemento mais importante da constru~ao' do futuro socialista. 0 processo de educa~ao dos cons~ trutores do socialismo e a sua participa~ao nas transforma~oes hist6ricas, que se produzem como resultado da sua luta, sao urn todo coeso e unico. Esta - concep~ao da educa~ao opoe-se decididamente a todas as formas de educa~ao pessoal «desmedida», que nao valoriza as tendencias de desenvolvimento da sociedade e carece de todo o criteria cientifico. A concep~ao marxista estabelece de modo especial estes criterios que s6 podem dar-se atraves da actividade social pratica. Esta concep~ao opoe-se a todas as representa~oes ihis6rias de uma educa~ao individualista, que pretende educar OS homens a margem da actua~ao social e do processo hist6rico da !uta por urn futuro socialista.
6. A
actu~ao
esponmnea e a
actu~
consciente
De tudo o que foi exposto depreende-se claramente que o problema da educa~ao e forma~ao da consciencia socialista esta ligado o mais estreitamente passive! ao crescimento da !uta revolucionaria. Ao afirmar que o ser social determina a consciencia social, Marx e Engels sublinharam sempre a importancia do progresso social para o desenvolvimento da consciencia. A maneira clara como Marx viu esta dependencia e demonstrada pelo desmascaramento que fez da politica colonial inglesa na india, que destruiu a cultura nativa: «... nao devemos esquecer que estas comunidades camponesas idilicas, apesar do seu aspecto inofensivo, constituiram sempre a base concreta do despotismo oriental, que limitavam a razao humana a urn circulo extremamente estreito, convertendo-a num instrumento d6cil da supersti~ao e 40
TEORIA MARXISTA · DA EDUCAQ.AO
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o escravo das normas aceites, despojando-a de toda a grandeza e de toda a forQa hist6rica.» ( 10 ) A passagem do feudalismo ao capitalismo foi extremamente tn1gica para as massas populares, mas deu ao proletariado a possibilidade hist6rica da sua libertaQiio. 0 aproveitamento destas possibilidades devia servir, entre outras coisas, para a formaQiio da consciencia dos operarios. 0 facto do socialismo ter sido fundado ap6s uma analise exacta da realidade social torna possivel a descoberta das leis fundamentais da sociedade capitalista. Isto teve naturalmente uma grande importancia para a educaQiio. N a formaQiio da conscH~ncia politica do proletariado corresponde uma grande importancia a acumulaQiio de saber. Apesar da tradiQiio de apelar para os sentimentos, apesar dos diversos tipos de ensino moralizador, apesar das muitas formas semimisticas e quase rituais do actuar, apesar de tudo o que na pratica tornava doente o socialismo ut6pico e tambem o socialismo pequeno-burgues frances e o socialismo alemao, Marx e Engels quiseram sobretudo facilitar a actuaQiio do proletariado com urn saber exacto e uma vontade consciente. «E o comunismo ja nao significa mais urn invento da fantasia, urn ideal social perfeito, mas compreensao da natureza, condiQoes e objectivos gerais que provem da luta dirigida pelo proletariado. De maneira . nenhuma defendemos a opiniao de insinuar os novos resultados cientificos em grossas brochuras apenas ao mundo culto. Antes pelo contrario. Assentamos · ambos profundamente no movimento politico, dependemos de certo modo do mundo culto, concretamente na Alemanha Ocidental, e de urn rico contacto com o proletariado organizado. Tinhamos o dever de fun-
(") Ibidem, p. 324.
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damentar as nossas opini6es cientificamente» ( 41 ) . No prefacio ao Manifesto do Partido Oomunista) no seu discurso sobre as perspectivas de desenvolvimento da AssociaQiio Internacional de Trabalhadores de 1890, Engels observa : «Para a vit6ria definitiva das proposiQ6es enunciadas no Manifesto) . Marx contava unicamente com o desenvolvimento intelectual da classe operaria, que devia resultar da acQiio e da discussao comuns. » ( 4 2 ) . Este ponto de partida determinou que os valores espirituais do ·proletariado e que os factores do seu desenvolvimento se valorizassem com especial prudencia. Tanto Marx como Engels indicaram frequentemente a delicadeza e a honradez dos operarios em oposiQiio a superficialidade e ao convencionalismo intelectual das chamadas camadas cultas. Ja a Briefe aus London (Carta de Londres) da epoca juvenil de Engels continha, ao lado de uma critica aguda as retr6gradas universidades inglesas, a afirmaQaO de que s6 as chamadas camadas inferiores se interessam pela arte e pela ciencia. S6 elas leem Byron e Schelley, s6 para elas existem ediQ6es baratas de Leben Jesu (Vida de Jesus) de Strauss, assim como traduQ6es de Rousseau, Voltaire e Hoibach ( 43 ) • Engels repetiu esta afirmaQiio mais tarde nos seus estudos sobre A Situagiio da Olasse Trabalhadora na lnglaterra) onde sublinha com mais destaque «Como conseguiu o proletariado ingles adquirir uma cultura independente. Ouvi muitos operarios falarem sobre geologia, astronomia, etc., com mais conhecimentos que muitos burgueses cultos da Alemanha» ( 44 ). (") Ibidem, Berlim, 1953, vol. II, rp. 320. (") Ibidem, Berlim, 1953, vol. I , p. 20. (") Marx-Engels, Werke, Berlim, 1958, vol. I, p . 469. 44 ( ) F. Engels, D iJ e Lage der arbeiJtenden K'lasse in England, (A Situagao da Classe Trabalhadora na Inglaterra), Berlim, 1952, p. 292.
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Tambem a penetraQao dos operarios, com quem discutia muitas vezes, foi especialmente valorizada por Marx. Na valorizaQao da obra principal de Weitling Gar.a ntien der Harmonie und Freiheit (Garantias da Harmonia e Liberdade), Marx escreve no anode 1884 : «Se compararmos a mediocridade insipida e terra a terra da literatura politica alema com' o inicio literario, enorme e brilhante, dos operarios alemaes; se compararmos as enormes possibilidades do proletariado no seu amanhecer, com a politica ja gasta da burguesia alema, nao podemos fazer outra coisa senao profetizar urn tamanho gigantesco a Gata-Borralheira.» ( 45 } Com interesse semelhante fala Marx do operario Dietzgen e observa que ele exprime «pensamentos valiosissimos» ( 40 ). Esta grande valorizaQiio da potencia espiritual da classe operaria expressa-se nas tarefas que Marx e Engels prop6em aos operarios no trabalho ideol6gico-politico. Numa energica discussao no comite correspondente de Bruxelas, em 30 de MarQo de 1846, Marx op6e-se as tendencias que nao valorizam suficientemente a ciencia e a cultura. Segundo a informaQao que Annenkow nos da, Marx teria dito: «Especialmente na Alemanha existe urn jogo vazio e desavergonhado nos discursos em que por um lado e preciso urn profeta entusiasmado e por outro lado s6 se admitem asnos que o ouQam boquiabertos. Evidentemente, nestes discursos que se dirigem aos operarios nao existe a menor ideia cientifica nem nenhuma teoria positiva.» ( 47 } Urn juizo semelhante e expresso por Engels alguns anos mais tarde quando afirma que «os operarios
C"' ) Marx-Engels,
Werlve, Berlim, 1958, vol. I, p. 405. K. Marx, Brief wn Kugelmann (Oar.t a a Kugetmann), Berlim, 1952, p. 74. (") E. P. Kandel, Marx i Enge~-organizatorzy Zwiazku Ko'YI'liU/IVi!st6w, Vars6via, 1954, p. 126. (
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alemaes ... pertencem ao povo da Europa mais te6rico e conservaram este sentido te6rico que os chamados cultos da Alemanha perderam». Com este «Sentido te6rico que se desenvolve entre os operarios alemiles» Engels fundamenta a grande for~a de atrac~ao do socialismo, afirmando ao mesmo tempo que «a indiferen~a face a todas as teorias» e uma das razoes principais do avan~o lento do movimento operario ingles, apesar da organiza~ao perfeita dos gremios. Engels caracteriza tambem como profundidade te6rica insuficiente .a «confusao que o proudhonismo na sua forma original ocasionou nos franceses e belgas, e nos espanh6is e italianos na sua forma caricaturada por Balmnine». Partindo disto, Engels considera que alem disso sao necessarios «esfor~os duplos no campo da luta e da agita~ao. 0 dever do dirigente e esclarecer cada vez mais todas as questoes te6ricas, e libertar-se cada vez mais da influencia recebida, das velhas concep~oes pertencentes as frases, e ter sempre presente que o socialismo, desde que se converteu numa ciencia, deve ser estudado como ciencia. Trata-se de difundir com paixao intelectual a inteligencia cada vez mais clara deste modo adquirida entre as massas trabalhadoras» ( 48 ). Marx e Engels defenderam decididamente esta concep~ao de actua~ao politico-educativa. Isto manifesta-se nas lutas que Marx e Engels dirigiram como organizadores da Liga dos Comuriistas e mais tarde da Associa~ao Internacional de Trabalhadores. Nas numerosas · discussoes que tiveram lugar nos anos 40 na Associa~ao Cultural Operaria Alema, Marx exigia constantemente que a propaganda tivesse urn caracter cientifico e nao agitador, moralizante ou (") F. Engels, Der Deutsche Bauernkrieg, (Guerra dos Oamponeses rva A~emamha), Berlim, 1951, .pp. 28 e seguintes :
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sentimental ( 19 ). Marx e Engels condenaram, nas polemicas contra Bakunine e seus partidarios, a sua aversao a ciencia e a cultura e sublinharam a grande importancia da divulgaQao do saber socialista para a elevaQao do nivel da actividade revolucionaria. Afirmam com indignaQao que nestes circulos se proibe a juventude de se ocupar do pensar e da ciencia s6 porque se teme que isso possa prejudicar a fidelidade a ortodoxia {50 ). A maneira como Marx e Engels destacaram a educaQao intelectual do proletariado para o cumprimento das suas tarefas hist6ricas nao significa de maneira nenhuma que fossem «professores de gabinete», como Weitling os acusou, nem que considerassem o ensino intelectual como representaQao especifica da verdade, que os cientistas tenham alcanQado para as massas. Muito pelo contrario, Marx e Engels destacaram a dependencia do conhecimento correcto da realidade em relaQao a actividade progressista de urn novo tipo. Na critica aos socialistas . ut6picos, indicam que o seu erro principal consistia na convicQao de que o socialismo e a expressao da verdade absoluta, da razao e da justiQa, que s6 tern de ser descoberto para que conquiste o mundo pela sua propria forQa. Este erro tambem era compartilhado pelos comunistas pequeno-burgueses franceses, ingleses e alemaes. Para os socialistas ut6picos, dado que a verdade absoluta e independente do tempo, <;to espaQo e do desenvolvimento humano ·e hist6rico, o quando e o onde da descoberta da verdade absoluta e uma mera casualidade. Assim, isto e uma visao completamente subjectiva que deve ser uma suposta «revelaQaO» da verdade e exige dos partidarios uma obediencia passiva as visoes muito diversas, que se tentaram conciliar com urn metoda 40 ( ) Ma rx -Engels, Obras, vol. XXVIII, pp. 60 e s egs. (em russo). (" ) I bidem, Segunda Parte, vol. XIII, p . 505 (em ~usso) .
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que Engels caracteriza como «polimento das arestas». A este «metodo» da produQao de uma consciencia socialista, Engels opoe o seguinte principia: «Para converter o socialismo numa ciencia, era necessaria, em primeiro Iugar, assenta-lo numa base real.» ( 51 ) Este ponto de partida real significa estabelecer uma intima relaQao entre a · vida e a actividade do proletariado, enquanto classe hist6rica que e 0 tilmula da burguesia. «Na mesma medida em que a burguesia desenvolve a sua industria, o seu comercio e os seus meios de intercambio - escreve Engels produz por sua vez o proletariado. E num certo ponto - que nao se produz necessariamente em todos os sitios ao mesmo tempo ou no mesmo nivel de desenvolvimento - a burguesia comeQa a observar que o seu duplo proletario se emancipa dela.» ( 5 2 ) A partir deste momenta, a burguesia combate o proletariado sem consideraQoes e, de modo cada vez mais decisivo, combate tambem a ·verdade cientifica que ameaQa o seu dominio. No conhecido prefacio a 0 Capital) Marx mostra como a burguesia se converte progressivamente no inimigo da «livre investigaQao cientifica». Inclusivamente em todos os campos da ciencia em que a burguesia poderia alcanQar resultados muito valiosos, na fase de desenvolvimento agonizante do capitalismo, inicia-se uma evoluQao reaccionaria. Assim e, por exemplo, no campo da economia politica: «A burguesia, - escreve Marx - tiriha conquistado o poder politico na FranQa e na Inglaterra. A partir deste momenta a luta de classes comeQa a tamar, te6rica e praticamente, formas cada vez mais pronunciadas e mais acusadoras. Havia soado a sineta (") Marx-Engels, Ausgewiihlte Schriften, Berlim, 1953, vol. II. rp. 118. 0 ( ' ) F . Engels, De1· Deutsche Bauernkrieg, Berlim, 1951, !P· 14. .
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do funeral da ciencia econ6mica burguesa. Ja nao se tratava de saber se este ou aquele teorema era verdadeiro ou nao, mas se era born ou prejudicial, c6modo ou inc6modo, se infringia ou nao as ordens da policia. Os investigadores desinteressados foram substituidos por espadachins a soldo e os estudos cientificos imparciais deram Iugar a consciencia turva e as perversas inten~oes da apologetica» ( 53 ) . Algo de semelhante sucedeu na historiografia. 0 seu merito foi a descoberta da !uta de classes na hist6ria, mas 0 ambito da validade desta descoberta foi limitado em correspondencia com os interesses de classe da burguesia. Reproduzimos urn exemplo de como Marx julga o proeminente historiador frances A. Thierry, que durante certo tempo esteve sob a influencia de Saint-Simon: «E assombroso como este senhor, o pai da "luta de classes" na historiografia francesa, no prefacio se agasta com os "novos" que querem ver tambem urn antagonismo inclusivamente na hist6ria do tiers-etat ate 1789. Esfor~a-se muito por demonstrar que o tiers-etat engloba as camadas que nao sejam a nobreza ou o clero e que a burguesia desempenha o seu papel como representante de todos estes outros elementos. » ( 54 ) Nesta base esconde-se a verdade atraves de mentiras que servem ' objectivos concretos e dissimulam-se os interesses - dos possuidores com uma roupagem cientifica. Sair destas redes nao e facil para OS cientistas. As autoridades e o Governo exercem uma resistencia e um.a oposi~ao que exigem valor pessoal. 0 cientista arrisca nesta questao a sua paz e bem-estar e inclusivamente a sua propria vida. Do mesmo modo que em muitas outras situa~oes, 0 problema da analise exacta da realidade nao e urn problema exclusivo da qualifica~ao psicol6gica e moral dos cientistas. 03 ( ) K Marx, Das K
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E tambem e principalmente urn problema dos criterios objectivos. Existem criterios extrapsicol6gicos com a ajuda dos quais se pode determinar o caminho para uma investigac;;ao e uma compreensao correctas, inclusivamente sabre as condic;;6es da sociedade de classes, criterios esses que por sua vez evitam erros. Estes criterios podem definir-se geralmente como uma ligac;;ao entre o espirito investigador e a pratica revolucionaria. 0 modo como Marx concebe esta ligac;;ao e indicado pela sua actividade te6rica e pratica. Marx examina este problema de urn modo muito clara na sua critica a Proudhon. Toda a exposic;;ao mostra que Proudhon, enquanto representante dos interesses pequeno-burgueses, nao podia compreender a acc;;ao revolucionaria da classe operaria e que, por nao ter participado nesta acc;;ao, nao foi capaz de formular a sua teoria socioecon6mica sem preconceitos. «Proudhon - escreve Marx - ao lado dos utopistas, perseguiu uma chamada "cH~ncia" atraves da qual deveria extrair-se "a priori" uma formula para a "soluc;;ao da questao social", em vez de deduzir a cii.~ncia a partir do conhecimento critico do movimento hist6rico, de urn movimento que produz em si mesmo as condir,;oes materiais da emancipar,;ao.» ( 55 ) Em relac;;ao a critica a Proudhon e aos economistas burgueses, Marx indica no exemplo dos utopistas o caminho que conduz a ligaQao criadora entre o pensamento e a pratica revolucionaria. «Do mesmo modo que os economistas sao os representantes cientificos da classe burguesa, os socialistas e os comunistas sao os te6ricos da classe proletaria. Estes te6ricos nao serao mais que utopistas que, para resolverem as necessidades da classe oprimida, for("') K. Marx, Das Elend der Phi losophie, Berlirn, 1952, p. 43.
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mulam sistemas e seguem uma ciencia regeneradora, enquanto o proletariado nao esta suficientemente desenvolvido para constituir-se em classe e, par conseguinte, a luta do proletariado contra a burguesia nao adopta ainda nenhum caracter politico; enquanto as for~as produtivas nao se tenham ainda desenvolvido suficientemente no seio da mesma burguesia, para que se manifestem as condi~oes materiais que sao necessarias para a liberta~ao do proletariado e para a forma~ao de uma nova sociedade. Mas a medida que a hist6ria evolui e com ela a luta do proletariado se define mais claramente, ja nao ha necessidade de procurar nas suas mentes a ciencia, nao tern mais que dar-se conta do que acontece ante os . seus pr6prios olhos e converterem-se no 6rgao disso mesmo. Enquanto perseguirem a ciencia e s6 construirem sistemas, enquanto permanecerem no come~o da luta, nao verao mais que miseria na miseria, sem captarem dela o aspecto revolucionario e capaz de provocar o derrube da antiga sociedade. A partir deste instante a ciencia converte-se em produto consciente do movimento hist6rico e deixa de ser doutrinaria; torna-se revolucionaria» ( 50 ). N estas condi~oes e possivel urn posterior progresso da ciencia, uma luta consequente pela verdade, apenas do ponto de vista de que ha uma nova classe progressista, a classe operaria. 86 a partir da posi~ao do movimento operario revolucionario, a filosofia e a ciencia burguesas se podem desentranhar e captar as tendencias essenciais do desenvolvimento hist6rico. 0 desenvolvimento deste movimento nao e s6 um progresso social, mas significa ao mesmo tempo um progresso no campo das ciencias econ6micas e sociais. Ja nos seus primeiros trabalhos, Marx indica esta intima rela~ao entre a filosofia e o proletariado. ('"' ) lbid&m, p . 146.
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Em numerosas exposiQ6es posteriores Marx e Engels destacam o valor te6rico-cognoscitivo das experiencias hist6ricas do movimento operario. Assim, por exemplo, no seu Inauguraladresse der Internationalen Arbeiterassoziation (Discurso Inaugural da AssociaQao Operaria Internacional) Marx examina o significado do triunfo dos operarios na luta pela jornada de dez horas. «Atraves dos seus sabios mais conhecidos, como o doutor Ure, o professor Senior e outros fil6sofos desse tempo, a classe media tinha predito e ia repetindo que . qualquer intervenQao da lei para limitar as horas de trabalho representaria a campanha funebre da industria inglesa, que, como urn vampiro, s6 podia viver de sangue e do sangue das crianQas principalmente ... A luta por uma limitaQao legislada do tempo de trabalho desencadeou-se de urn modo cada vez mais agudo, prescindindo da avareza assustada, quando esta luta afectou as grandes questoes em litigio, as questoes em litigio entre o dominio cego das leis da oferta e da procura, que formam a economia politica da classe burguesa, e a produQao social controlada e dirigida pela supervisao social, que constitui a economia politica da classe operaria. 0 projecto-lei sabre as dez horas nao foi, portanto, apenas urn grande sucesso pratico; foi tambern o triunfo de urn principia; pela pr imeira vez, a economia politica da burguesia foi pasta a nu e superada pela economia politica da classe operaria.» ( 57 ) Ao mesmo tempo, Marx adverte que no decurso das posteriores lutas da classe operaria contra a opressao, se anuncia «Uma vit6ria ainda maior da economia politica do trabalho sabre a economia politica do capital». Isto sucedeu atraves do movimento cooperativista. Apesar de Marx fazer reparos serios
(
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)
Marx-Enge1s,
Ausgewiih~te
vol. I, p. 356.
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Schrif.ten, Berlim, 1953,
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as esperan~as politicas que se ligavam a este movimento, valorizou toda a transcendencia do facto de que os operarios, neste movimento; «demonstram pelos factos e nao pelos argumentos que a produ~ao a urn nivel maior e em correspondencia com as exigencias da ciencia moderna podia progredir sem a existencia de uma classe de patroes empregando uma classe de assalariados ; demonstraram que nao era necessaria para o sucesso da produ~ao que o instrumento de trabalho fosse monopolizado e servisse de instrumento de domina~ao e de explora~ao dos operarios; e que o trabalho assalariado, como o trabalho dos escravos e como o trabalho dos servos, e apenas uma forma superavel e subordinada, condenada a desaparecer pelo trabalho associado que empreende a sua obra com espirito solicito, activo e com satisfa~ao.» ( 58 ) Deste modo, estabelece-se uma estreita liga~ao entre as experiencias e conquistas do movimento operario revolucionario e o socialismo cientifico. Este vinculo foi precisamente a base a partir da qual Marx e Engels se opuseram a que a forma~ao da consciencia socialista das massas se isolasse da sua vida concreta e se abandonasse o movimento operario ao desenvolvimento espontaneo. Se se quer renunciar a inculcar as leis cientificas do socialismo e se se confia unilateralmente no «instinto revolucionario» das massas - Engels ataca esta concep~ao na polemica com Tkatschoff ( 59 ) - , abandona-se ·O movimento operario a ideologia burguesa e p~queno -burguesa como urn despojo. Par outro lado, os principios do socialismo nao constituem nenhuma espe- , cula~ao arbitraria dos cientistas que se ofere(;a as massas. Provem da situa(;ao hist6rica concreta e ·constituem 0 resultado das analises feitas a partir ("") Ib~dem, p. 357. (") Ibidem, 1953, vol. II, p. 48.
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de uma base proletaria que permitem investigar de urn modo mais amplo e profundo os processos hist6ricos do que permitia o ponto de partida da classe dominante. Assim, o problema da ligaQao do socialismo cientifico com o movimento operario solucionou-se de urn modo dialectico a partir da teoria e da pratica, e estes precisos resultados determinaram os principios do trabalho ideol6gico e politico. A precisao com que Marx e Engels observaram estes principios e demonstrada do .melhor modo possivel pelas obras de Lenine, especialmente pelo Que Fazer? Referindo-se as anteriormente citadas observaQoes de Engels, expostas em Bauernkrieg) Lenine sublinha que Engels - ao lado da importancia e significado da luta politica - reconheceu o grande significado da luta ideol6gica e te6rica. Dirigindo-se contra os ide6logos da «espontaneidade» do movimento operario, Lenine acentua: «Sem teoria revolucionaria nao pode haver nenhum movimento revolucionario.» ( 60 ) Lenine mostra isto no exemplo do desenvolvimento hist6rico e diz: «A hist6ria de todos os paises e urn testemunho de que a classe operaria, baseando-se unicamente nas suas pr6prias forQas, s6 e capaz de conseguir uma consciencia "trade"-unionista, isto e, de se convencer da necessidade de desenvolver a luta contra os empresarios, unindo-se em associaQoes para, entre outras coisas, conseguir do Governo esta ou aquela lei necessaria aos operarios. 0 ensino do socialismo, pelo contrario, tern origem nas teorias filos6ficas, hist6ricas e econ6micas, que foram elaboradas pelos representantes das classes possidentes, da intelectualidade.» (61 ) A unidade dialectica da teoria do socialismo cientifico e do movimento operario revolucionario e, por isso, a base de todas as disposiQoes ou medi('') V. Lenine, Werke, Berlim, 1955, vol. V, p. 379. ('') Ibidem, pp. 385 e seguintes.
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das para a formaQiio da consciE~ncia socialista dos operarios e ao mesmo tempo previne contra todas as falsificaQ6es que provem das falsas abstracQ6es ou da aceitaQao da espontaneidade.
7.
A luta pela concep9ao materialista revolucionaria do ensino
Marx e Engels realizaram concretamente o programa de ensino e educaQao durante a sua luta levada a cabo de urn modo consequente e sistematico no aspecto politico, cujo objectivo era a organizaQao da classe operaria e a criaQiio de urn partido operario. «Urn dos elementos do exito e o numero. Mas OS niimeros SO pesam na balanQa quando sao unidos pela combinaQao e dirigidos pelo conhecimento.» ( 0 2 ) Em conformidade com este principia, Marx e Engels lutaram pela criaQiio de urn partido de tipo novo, o partido revolucionario da classe operaria. Esta luta serviu tanto para o estabelecimento de urn programa basico como para a sua aplicaQiio e organizaQao. Na elaboraQiio deste programa tratou-se, primeiro que tudo, de afastar energicamente todas as correntes da ideologia burguesa e pequeno-burguesa, de estabelecer o desenvolvimento de uma ideologia proletaria independente e de fixar exactamente os principios da luta revolucionaria. Nos anos 40, Marx e Engels organizaram, como resultado de largas e dificeis discuss6es de problemas ideol6gicos e tacticos da luta revolucionaria, a Liga dos Gomunistas) cujo caracter e tarefas estao expostas no trabalho de Engels Grundsiitze des Kommunismus (Principios do Gomunismo)) de 1847, e que foram mais tarde melhor explicitadas no Manifesto do Partido Gomunista. 0 ( ' ) Marx-Engels, Ausgewiihlte SchriJjten, Berlim, 1953, vol. I ., p. 358.
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De que se tratava nestas discussoes? Que significado tern para o ensino? Tratava-se principalmente de concretizar as tarefas historicas e OS metodos do trabalho politico. Naturalmente isso devia repercurtir-se decisivanente nos homens, nas tarefas intelectuais expostas e na formaQaO do caracter das roesmas. Estas discussoes ( 0 3 ) duraram alguns anos e desenvolveram-se em diversos centros. Nestas discussoes participaram tambem alguns «SOCialistaS» que Marx e Engels combateram, porque o seu ponto de vista comum era que o proletariado nao se devia organizar segundo as necessidades da luta em que diariamente se ve lanQado, mas segundo as ilusoes que tinham alguns sabre a sociedade futura. Em oposiQao a isto, Marx e Engels em A Sagrada Familia e em A I deologia A lema exprimiram a convicQiio de que o ponto de partida do movimento socialista devia ser a analise cientifica do desenvolvimento da sociedade capitalista, as analises da situaQiio politica concreta, assim como a compreensao das tarefas revolucionarias do proletariado e a tactica da luta revolucionaria que provem delas. Esta concepQao defendia que «O proletariado pode e deve Iibertar-se a si proprio» e que «nao recorre em vao a escola dura e endurecedora do trabalho». Lenine sublinha precisamente este principia ao analisar o significado de A Sagrada Familia em Philosophischer Nachlass e diz que tais principios se tornarao no ponto de partida da critica do socialismo ut6pico e pequeno-burgues, cujas influencias se reconheciam cada vez mais. Numa reuniao da AssociaQao de ensino de Londres considerou-se que «a origem de todas as desgraQaS» sabre a Terra assim como da hipocrisia religiosa e nacional tinha sido a invenQao da propriedade ("') Ma:rx-Engels, Obros, Segunda Parte, vol. XIII, p . 379 (em russo).
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privada e que apenas a educaQao seria capaz de transformar a Terra num jardim e a Humanidade numa familia. Certamente expressaram-se outros pensamentos que eram caracteristicos do ponto de vista de Bauer. Na sessao plenaria de 6 de Julho de 1845, Bauer pos em duvida o tao recomendado caminho da educaQao. «Nao se pode contar que a actividade educativa normal traga resultados serios. A classe possidente nao fara concess6es a nao ser que seja obrigada a isso por uma forte pressao fisica.» Por esta razao Bauer acreditava que «a actividade educativa prepara sempre uma nova revoluQao». Assim, Bauer concebeu o papel da educaQao como o de uma componente que certamente coopera na preparaQao da revoluQao, mas que, no entanto, nao a pode substituir. Esperava que os cientistas e os fil6sofos coadjuvassem na organizaQao de urn sistema de ensino que facilitaria aos operarios a sua !uta decisiva ( 04 ). Como resultado destes esforQos recorreu a leitura das obras de Feuerbach, em especial de Die Religion der Zukunft (A Religiao do Futuro).
Isto evidencia, naturalmente, quao lange estes grupos estavam de uma concepQao revolucionaria e proletaria do mundo e a lentidao com que a influencia de Marx e Engels se produziu na associaQao de operarios. Marx e Engels levaram a cabo uma !uta incansavel contra 0 «SOCialismo verdadeirO», especialmente contra OS lemas que Griin e Kriege propagavam. Marx e Engels condenaram o facto de Kriege se _ servir de urn esquema superficial de amor e 6dio em vez de analisar exactamente a situaQao e indicar o caminho para a acQao. As discuss6es de Kriege sobre o amor nao sao mais que o reconhecimento petulante da consciencia que se encontra completa("') Archiv fur Geschichte des Sozialismus una der Arbeitm-bewegung ( Arquivo para a Hist6T'ila do Sodalismo e do Movimento. Op·erario), t. X, pp. 362 e seguintes.
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mente nas maos da religiao. A critica mais destrutiva do «socialismo verdadeiro» encontra-se em A Ideologia Alemii que, ao mesmo tempo, mostra a limitaQao do humanismo de Feuerbach que proporcionou os argumentos aos «socialistas verdadeiros». «Se os representantes te6ricos do proletariado querem fazer algo atraves da sua actividade literaria - escrevem Marx e Engels - devem insistir em afastar-se de todas as frases que debilitem a conscH~ncia da agudeza deste antagonismo, de todas as frases que diluam este antagonismo e que possam dar ocasiao a que o burgues se aproxime dos comunistas atraves da sua exaltaQao filantr6pica da segu. ranQa.» ( 65 ) Foi em Paris, onde Griin actuava, que Engels levou a cabo a principal luta contra o «Socialismo verdadeiro». «0 essencial nesta questao - escreve Engels a Marx - consistia em indicar a necessidade - da revoluQao violenta e denunciar radicalmente o socialismo verdadeiro de Griin, que encontrou na panaceia de Proudhon novas forQas de existencia, como antiproletario, pequeno-burgues e oposicionista.» (66 ) A luta contra Griin devia, pois, estender-se a Proudhon e isto foi realizado por Marx com a sua obra A Miseria da Filosojia que revelou todas as «ilus6es metafisicas» como teoricamente falsas e prejudiciais a luta politica. Marx exp6e as tarefas - hist6ricas fundamentais do proletariado. Esta obra ,converteu-se ~a base de todas as lutas revolucionarias posteriores atraves das quais o proletariado deve derrubar a ordem social capitalista e libertar-se a si proprio a partir das suas forQas.
("') Marx-Engels, Die Deutsche Ideolo[Jie (A Ideologia Alemii), Ber.lim, 1953, p. 500. ("") Marx-Engels, Ausgewiih~te Brlefe, Berlim, 1953, pp. 26 e seguintes.
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As condiQoes para a luta decisiva amadureceram. Teve Iugar em Londres, nos anos de 1847-1848, e concretamente foi motivada pela entrada de Marx e Engels para a Liga dos Justos. Ja as primeiras discussoes com os representantes da Liga demonstraram as diferenQas entre os comunistas e urn Schapper, urn Moll ou urn Bauer, defensores do «comunismo critico» ( 0 7 ) ; que se afastaram de Marx e de Engels. Os dirigentes da Liga estavam conscientes da falta de solidez das ideias de entao, dos desvios prati- · cos (08 ) que surgiam delas, e tentavam liberta-se, em certa medida, das influencias do «socialismo verdadeiro». Ja no apelo aos membros, feito no principia do ano de 1847, se disse: «Apelamos a Iuta contra o tolo instrumento do amor, que desgraQadamente se introduziu aqui e no seio dos comunistas. » ( 0 9 ) Em meados do ano de 1847 convocou-se urn congresso da Liga dos Justos em Londres para deliberar sobre os novos Estatutos. Nestes Estatutos eliminaram-se as primitivas tendencias conspiradoras, a cerim6nia semimistica da admissao de novos membros e mudaram-se o conteudo e os objectivos das aspiraQoes da Liga. Substituiu-se o antigo lema da Liga «Todos OS homens sao irmaOS», pelo apelo combativo: «Proletarios de todo o mundo, uni-vos! » Em vez da determinaQao nebulosa e confusa de objectivos, estipulou-se no § 1 dos Estatutos: «0 objectivo da Liga e 0 derrube da burguesia, 0 dominio do proletariado, a supressao da velha sociedade burguesa, que consiste nos antagonismos de classe, e a fundaQao de uma nova sociedade sem classes nem propriedade · privada. » ( 7 0 ) ("') Marx-Engels, AU8[!'6Wiihlte SchrEften, Berlim, 1953, II, rp. 323. 08 ( ) Ibidem, p. 322. (") E. P. Kandel, Marx i Engels- organizatorzy Zwitzku Komunis
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Deste modo, da Liga dos Justos surgiu a Liga dos Comunistas. Para a propagaQao dos seus principios, Marx e Engels fundaram em Bruxelas a Asso- , ciaQao Alema de Ensino, que devia difundir os fundamentos cientificos do socialism a. Nesta AssociaQiio realizavam-se conferencias semanais. Das aulas que ::M:arx ali deu surgiu a obra Trabalho Assalariado e Capital. Estudava-se arte, liter atura e teatro. A importancia desta associaQao manifesta-se pelo facto de que a sua actividade transcendeu os limites do circulo de operarios alemaes e conduziu a fundaQaO da Sociedade Democratica Internacional. A actividade posterior de Marx e Engels nas organizaQ6es de · operarios pode ser claramente vista nas concepQ6es fundamentais do trabalho educativo que defenderam na luta pela organizaQao de urn partido operario ( * ). Esta concepQao baseava-se na consideraQao das aquisiQ6es da ciencia no seu trabalho educativo. Marx e Engels opuseram-se as fortes tendencias de ligar o trabalho educativo entre os operarios aos principios religiosos ou de reduzir o ·seu campo apenas as concepQ6es da vida pratica ou, finalmente, de o substituir por uma mistica especifica, ut6pica e moralizante. Defenderam decididamente os fundamentos cientificos do ensino popular e 0 seu caracter intelectual. Isto teve uma grande importancia para a luta contra as concepQ6es religiosas que entao se encontravam em diversos grupos pequenos de socialistas ut6picos, assim como entre os representantes que dirigiram o sistema de ensino popular. Marx e Engels defenderam o ponto de vista de que a critica desta imagem religiosa era urn passo necessaria para o conhecimento do mundo. Em 0 Capital ( onde Marx demonstrou as teses da sua juventude de que o mundo da fe religiosa e ( * ) Observagoes do autor. Veja Apendfc.e, cap. IV, 3) .
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apenas uma imagem da miseria do mundo real, expoe: «Para uma sociedade de produtores de mercadorias, cujo regime social de produ~ao consiste em comportar-se em rela~ao aos seus produtos como mercadoriasJ isto e, como valores, e em relacionar os seus trabalhos privados, revestidos desta forma material) como modalidades do mesmo trabalho humanoJ a forma de religi{io mais adequada e, sem duvida, o cristianismoJ com o seu culto do homem abstracto, sobretudo na sua modalidade burguesa, sob a forma de protestantismo, deismo, etc.» Antigamente, numa etapa mais atrasada do desenvolvimento das for~as produtivas e na dura limitaQao dos homens pelo «processo material de produ~ao da vida», predominavam «rela~oes mais limitadas entre os homens ... e com a natureza». Isto «reflecte-se de urn modo ideal nas religioes naturais e populares dos antigos». «0 reflexo religioso do mundo real escreve Marx - s6 podera desaparecer para sempre quando as condi~oes da vida diaria laboriosa e activa representem para os homens rela~oes claras e racionais entre si e em rela~ao a natureza. A forma do processo social de vida, que e o mesmo do processo .material de produ~ao, s6 se despojara do seu halo mistico quando esse processo for obra de homens livremente socializados e posto sob o seu comando consciente e racional. Mas, para isso, a sociedade tera de contar com uma base material ou com uma serie de condi~oes materiais de existencia que sao, por sua vez, fruto natural de uma larga e penosa evoluQao.» (71 ) No decurso desta evolu~ao, a educa~ao cientificamente fundamentada e ligada a actividade revolucionaria pode contribuir para a superaQao das ilusoes religiosas, que velam pelas rela~oes reais e tentam impedir uma transformaQao revolucionaria. (") K . Marx, Da11 K(JJpital, Berlim, 1953, vol. I, rpp. 84 e seguintes. 59
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Marx submeteu-se precisamente a esta exigencia durante toda a sua vida. No prefacio a ediQao alema do Manifesto do Partido Comunista do ana de 1890, Engels escreve : «Para a vit6ria definitiva das proposiQ6es enunciadas no Manifesto, Marx contava unicamente com o desenvolvimento intelectual da classe operaria, que devia resultar da acQao e da discussao comuns.» ( 72 ) A actuaQiio cientifica de Marx e Engels caracterizou este desenvolvimento, enquanto que a sua actividade politica conformou as forQas sociais. Nos seus numerosos estudqs e exposiQ6es sabre o problema da filosofia e da ciencia, da arte e da literatura, Marx e Engels revelaram os falsos valores da cultura burguesa, demonstraram o seu caracter de classe oculto e ensinaram como pode produzir-se a uniao com as aquisiQoes culturais progressistas do seculo passado. A este respeito guiaram-se sempre pelas crescentes necessidades de educaQao e ensino da classe operaria. Ja em A Situagao da Classe Trabalhadora em Inglaterra, Engels observa que o ensino da burguesia inglesa desenvolve principalmente as aptidoes egoistas que convertem o dominio sabre si mesmo em paixao de dominaQao (7 3 ) , enquanto -que os operarios, que nao conhecem esta educaQiio e que inclusivamente nao sabem ler nem escrever, conhecem a realidade e tentam orientar-se no mundo. «Apesar de todos os esforQos dos curas, as questoes do ceu sao para ele muito obscuras, e e mais versado nas questoes terrenas, politicas e sociais.» ( 71 ) A organizaQao politica da classe operaria desenvolveu os seus interesses de ensino e de cultura de tal modo (") Marx-Engels, Ausgewiihzte Schl"~[ten, Berlim, 1953, val. I, p. 20. · (1') F. Engels, Die Lage der arbeitende Klasse;. im. EnglandJ (A Situagiio· dJa Classe Traba:lhado1·a em Ing7Jaterra), Berlim, 1952, p. 264. (") Ibidem, p.156.
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que, no povo ingles, esta· classe se converteu gradualmente na classe dirigente. Os operarios .valorizaram o alto valor da literatura do passado e desenvolveram uma literatura nova e propria, que «supera em muito a ideia de qualquer burgues» (7 5 ) . Deste modo surgiu uma dep.e ndencia dialectica entre as analises e a critica da tradiQao cultural e a actividade politico-social da classe operaria. Este vinculo dialectico, como base do programa de ensino, foi oposto por Marx e Engels a escola burguesa e as suas mentirosas frases de uma «Cultura geral». Neste programa, os chamados valores de uma cultura geral humana perderam o seu -caracter aut6nomo. E evidente que eles nao constituem mais que uma mascara dos interesses burgueses e que uma classe de tradiQao viva e valiosa materializa. Marx e Engels descobriram as fontes do posterior progresso da ciencia e da arte e observaram que s6 a classe operaria, como classe progressista, pode quebrar as cadeias capitalistas, libertar os oprimidos e deste modo assentar os fundamentos de urn verdadeiro humanismo profundo. E certo que o conteudo desta educaQao foi formulado de urn modo geral, embora claramente compreensivel. Ja no Manifesto do Partido Gomunista se acentua que nao s6 0 acesso ao ensino mas tambem o seu conteudo sao urn fen6meno de classe. Com a advertencia de que a «liquidaQao do caracter de classe do ensino actual» nao significa de maneira nenhuma a liquidaQao do ensino em geral, como tentam . demonstrar os representantes das concepQ6es burguesas, Marx e Engels sublinham que se trata exclusivamente da superaQao de todo o ensino que «representa para a grande maioria 0 treino para a rnaquina»· Em oposiQao a tal ensino, Marx e Engels
( TG ) Ibidem, p. 293.
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conceberam o ensino como urn instrumento para o conhecimento e transforma~ao do mundo. Urn ensino desse tipo deve, antes de mais, englobar o conhecimento da realidade em que deve destacar-se em primeiro Iugar o conhecimento das leis da natureza e da sociedade. No estudo destas leis ha que por em primeiro plano a sua interdependencia dialectica. Tal como demonstraremos mais adiante, Marx pos em duvida a legitimidade de uma 6ptica diferente das cH~ncias da natureza e da sociedade. E precisamente a .sua liga!;ao que exprime cada processo hist6rico fundamental · que configura a natureza e as homens. <
Deste modo, o conteudo essencial do ensino e constituido pela compreensao do processo hist6rico, no qual se ligam o desenvolvimento das for~as produtivas e o dominio do homem sabre a natureza :;to conhecimento da propria natureza e das rela!;6es sociais, que o homem pode dominar. 0 segundo elemento fundamental do ensino provern da !uta pela liberta!;aO do trabalho produtiVO dos homens do juga capitalista que prende as homens as maquinas e ao oficio que lhes foi impasto. Para satisfazer a reivindica!;ao de «Urn desenvolvimento (7") K. Marx, Da.s Kapital, Ber1im, 1953, vol. I, p . 389.
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livre de todos os homens», expressa no Manifesto do Partido ComunistaJ o ensino e a educa~ao devem organizar-se ja no capitalismo de modo que se superem, atraves da transforma~ao das condi~oes de vida e de trabalho das crian~as, «a depaupera~ao moral e a degenera~ao intelectual» (7 7 ) que sao urn obstaculo ao desenvolvimento dos homens. Mas isto nao e mais que urn primeiro passo. 0 seguinte deve provocar o aumento geral do nivel geral do ensino, de modo que sejam dadas multiplas possibilidades de trabalho e as premissas para o desenvolvimento de diversas capacidades e habilidades. «Se a legisla~ao fabril - escreve Marx - , como primeira concessao duramente arrancada ao capital, se limita a combinar Cl ensino elementar com o trabalho fabril, nao ha duvida que a conquista inevitavel do poder politico pela classe operaria conquistara tambem para o ensino tecnol6gico o posto te6rico e pratico que lhe corresponde nas escolas do trabalho.» ( 78 ) Marx indica que o desenvolvimento da industria moderna, apesar da grande especializa~ao, deixa entrever a importancia das «poucas grandes formas fundamentais do movimento, as quais, apesar da variedade de instrumentos usados, se ajusta for~osamente toda a actividade produtiva do corpo humano» e que «a mecanica nao perde de vista as potencias mecanicas simples, constantemente repetidas, por maior que seja a complexidade da maquinaria» (7 9 ). E assim que Marx tra~a o perfil dos fundamentos e das possibilidades do ensino politecnico. A determina~ao do conteudo do ensino em ambos os campos foi uma nova e importante contribui~ao de Marx para urn problema que a pedagogia burguesa abordou ha urn certo tempo, mas que concebeu de modo err6neo a partir das pr6prias bases. (") Ibidem, p. 419. (18 ) IbidJem, p. 513. (" ) Ibidem, p. 512.
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Marx e Engels formularam o programa da eduintelecttial da classe operaria no seio do capitalismo e mais tarde na sociedade socialista, e sub. linharam em especial o papel da escola. Consideraram-na uma institui~ao que deve proporcionar urn saber polifacetado e solido, baseado nos ultimos conhecimentos da cH~ncia. No decurso da sua divergencia com Diihring, Engels opos-se ao pensamento pedocentrista ( *) segundo o qual as crian~as s6 deviam aprender aquila por que manifestassem urn interesse imediato. Portanto, devia ser estabelecido para elas urn programa geral dos «elementos do saber» que se adaptai:-ia especialmente as necessidades escolares ( 80 ) • Em oposi~ao a isto, Engels exigia urn plano de estudo que contivesse os resultados da ciencia moderna, baseado e apoiado nas capacidades de manejo dos metodos cientificos, nos resultados do conhecimento e transforma~ao da realidade, e que contribuisse para rebater as generaliza~oes inadmissiveis e os preconceitos sociais e religiosos. 86 atraves de tal ensino sistematico podem as crian~as e os jovens adquirir os elementos de uma concep~ao cientifica do mundo e dos conhecimentos. Foi deste modo que Marx e Engels superaram as tradi~oes perniciosas do «ensino formal» que menosprezavam a importancia da materia de ensino e forneciam c·o nhecimentos inuteis para a vida moderna. Tambem indicaram a dependencia que existe entre a forma~ao das capacidades intelectuais e a apropria~ao do saber progressista sobre a natureza e a sociedade. ca~ao
( *) Presidido pelo pedocentrismo, corrente idealista da pedagogia. Todas as questoes de ensino e educagao sao consideradas a partir da crianga e das suas necess1dades.-
(N . daR.)
(") F . Engels, Herrn Eugen Duhrings Umwiilzung der Wissenschaft, Berlim, 1952, p. 397.
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8.
'
Problemas da
edu~ao
moral
Segundo a concepgao de Marx, a educagao moral deve apoiar-se nos conhecimentos cientificos do mundo, que revelam leis que actuam e assinalam possibilidades concretas de actuagao dos homens. A educagao moral nao podia, portanto, - como nas concepgoes idealistas burguesas - basear-se na religiiio, nem nas tradigoes marais das classes dominantes nem deixar-se dirigir par impulses sentimentais ou exaltagoes irracionais. 0 problema da educagao moral e sobretudo urn problema da actividade social dos homens, do seu papel real na vida e das suas relagoes concretas, respectivamente. Assim, Marx revela a tipica hipocrisia burguesa no campo da moral. Esta baseia-se principalmente na diferenciagao radical da chamada vida interna da vida externa. A vida externa, que e, em geral, a vida real e concreta dos homens, e considerada de modo depreciativo, dando-se especial atengao a vida interna, completamente independente da anterior. Para melhor elaborar tal resposta, dissimula-se frequente e injustamente a vida externa e encontram-se, ali onde s6 existem os brutais interesses de classes egoistas, palavras brilhantes acerca do servigo da patria, dos homens, do futuro, etc. Marx desmascara esta mentira e sublinha constantemente que devem ser reveladas as dissimulagoes das classes sob as quais os homens da sociedade burguesa se encobrem para ocultarem o vazio humano e a sua rna consciencia. Marx indica muitas vezes que o homem no sentido moral e o que ele faz de si nos seus pensamentos e fantasias. Deste modo, Marx e Engels abordam urn pro-blema fundamental da moral, concretamente o problema da liberdade e responsabilidade dos homens sob condigoes hist6ricas concretas de vida. Se a moral se encerra no «interior» dos homens, nao podem existir nenhuns criterios objectives e aceita-se a si65
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tuaQao historica do homem como algo secundario. Ao exteriorizar-se na actuaQao concreta, na pratica social, a moral entra em contacto estreito com a historia. E aqui estamos perante um problema que ja Hegel reconheceu claramente ao indicar que a moral individual nao pode ser qualquer coisa que se preconceitua anteriormente ao desenvolvimento da historia. Marx escreve no prefacio de 0 Capital: «Quem, como eu, concebe o desenvolvimento da formaQao economica da sociedade como um processo historico-natural, . nao pode responsabilizar 0 individuo pela existencia de relaQoes a que ele esta socialmente submetido, ainda que subjectivamente se considere muito acima delas.» ( 81 ) Marx, ao sublinhar que uma interpretaQao correcta da historia deve conduzir a determinagao de que o capitalismo cria os capitalistas e nao o inverso, nao tira por isso aos homens a responsabilidade concreta em relaQao a escolha do seu modo de vida. Precisamente quando o homem «se eleva subjectivamente» acima das relaQoes sociais, que determinam a sua situaQao e fungao e ao mesmo tempo o determinam a ele proprio, surge o grave problema das consequencias que esta «elevaQaO» tern. A escolha da propria vida nao e uma escolha entre quaisquer modos de vida, mas vern determinada pelo desenvolvimento historico que obriga os homens a cooperar. Este caminho do progresso e apoiado pelas massas, uma vez que as ha-de libertar. Por isso, a moral dos homens que lutam por um futuro melhor esta em oposiQao objectiva com a moral da burguesia, a moral da classe dominante. Na sua divergencia com Di.ihring, Engels determinou o caracter e as bases de tal tipo de moral. Depois de indicar que existem divers as marais, diz: « ... mas seguramente que possuira a maioria de (
81
)
K. Marx, Das Kapital, Berlim, 1953, voL I, p. 8.
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elementos que prometem perdurar aquela moral que representa na actualidade a transformaQao da actualidade, que representa 0 futuro, isto e, a moral proletaria. » ( 8 2 ) Esta moral proletaria e, no capitalismo, uma moral de luto de classes para o derrube do dominio burgues, para a libertaQao dos homens das cadeias da exploraQaO. No socialismo sera urn factor basico da evoluQao da nova sociedade e da sua defesa. No decurso da luta revolucionaria, no capitalismo configura-se para a classe operaria uma nova moral proletaria de cooperaQao e constancia. Esta moral deve tornar-se consciente e desenvolver-se e afirmar-se orientada para urn objectivo. Marx e Engels nao desanimaram perante nenhum esforQo para revelar as falsas e prejudiciais teorias da moral burguesa e para assentar as bases sociais e cientificas da moral proletaria, que, com a vit6ria da revoluQao socialista, se converte numa verdadeira moral humanista, poe fim a luta pela sobrevivencia, «em certo sentido diferencia definitivamente o homem do animal, transforma as condiQoes de existencia animal em condiQoes verdadeiramente humanas» ( 83 ). No caminho para esse futuro sao necessarios grandes esforQos e vitimas, vontade e valentia decididas. 0 proletariado, despojado pela burguesia dos seus bens materiais e espirituais, empreende a luta pela libertaQao, para proteger a sua verdadeira ·patria, para proteger a ordem socialista que a burguesia gostaria de tirar. Engels previu a luta da burguesia contra os paises socialistas e exprimiu a sua inquebrantavel convicQiio de que a justeza da empresa e a valentia do proletariado aniquilariam a forQa do exercito formado mecanicamente (84 ) . A 82 ( ) F. Engels, H-errn Eugen Duhritngs Umwiilzung d'flr Wissenschaft, Berlim, 1952, p. 112. 113 ( ) Ibidem, p. 351. ("') Marx-Engels, Kleine Okonomische Schrijten, Berlim,
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moral da classe operaria e util precisamente esta luta vencedora. A organiza~ao da classe operaria, segundo Marx, nao pode ser apenas a organiza~ao da for~a politica, mas devia ser tambem uma organiza~ao da consciencia comum e dos sentimentos mutuos de fraternidade. Os dais aspectos estao estreitamente ligados. A for~a politica da classe operaria baseia-se precisamente na sua solidariedade consciente e real. Esta solidariedade e a educa~ao autentica do dever. Distingue-se de todas as proclama~oes sentimentais e verbais, porque dispoe da for~a politica. 0 enlace dos dois aspectos da organiza~ao da classe operaria faz com que o ensino de Marx adopte · uma insignia . educativa . especial. A educa~ao converte-se aqui no processo da ajuda mutua e do apoio dos homens na base da ac~ao politica comum. A rela~ao de homem para homem deixa de ser uma questao exclusivamente privada; passa a ser uma consequencia legitima para todos. 0 programa politico de ac~ao nao pode separar-se dos problemas diarios do homem, das rela~oes concretas entre as homens ( * ). A incorpora~ao da classe operaria nas suas hist6ricas tarefas revolucionarias conduz, gra~as a organiza~ao do trabalho politico diario e gra~as ao caracter cientifico da consciencia socialista, a educa~ao de homens novas. Isto foi frequentemente indicado par Marx e Engels. Opoem-se a concep~ao idealista de que s6 se pode criar uma sociedade nova atraves da educa~ao de homens novas e sublinham o papel do ensino materialista da educa~ao de homens novos nas caracteristicas da cria~ao de novas rela~oes sociais. A direc~ao da luta politica e o desenvolvimento da consciencia socialista sao dais aspectos, intimamente ligados entre si, desta educa~ao, educa~ao
( * ) O!Jserva~oes
do autor. Veja Ai>endice, cap. IV, 4).
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..
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cujo grande significado foi sempre altamente valorizado por Marx e por Engels. As opinioes, que exprimiram mais tarde a este respeito, sao muito valiosas. Assim, por exemplo, Marx destruiu a divisao do Conselho Geral da Internacional do Conselho Regional com as seguintes palavras: «A iniciativa revoluciomiria partira sem duvida da Fran!;a, mas s6 a Inglaterra podera servir de alavanca para uma seria revolugao econ6mica ... E o unico pais em que a luta de classes e a organizagao da classe operaria em trade-unions alcangaram um certo grau de maturidade e de universalidade. Gra!;as a sua supremacia sabre o mercado mundial, a Inglaterra e o linico pais no qual qualquer revolugao nas rela!;6es econ6micas, se deve repercutir directamente em todo o mundo ... 0 Conselho Geral esta actualmente na feliz situagao de ter milo direc-
tamente na grande alavanca da revolugiio proletdria. Que loucura, podemos dizer, que crime seria deixa-la cair exclusivamente nas maos dos ingleses! Os ingleses possuem todas as condigoes materiais necessarias para uma revolugao social. 0 que lhes falta
eo
espirito de generalizagiio e a paixiio revoluciondria.» ( 85 )
Na sua biografia da hist6ria da Liga dos Comunistas, Engels recorda em 1885 o seu primeiro encontra com Heinrich Bauer, com Schapper e com Moll, funcionarios da Liga dos Justos : «Conheci os tres em Londres em 1843. Eram os primeiros proletarios revolucionarios que eu via. E se bern que nao houvesse coincidencia nos nossos pontos de vista - eu opunha uma boa parte do orgulho filos6fico limitado ao seu comunismo igualitario limitado nunca esquecerei a forte impressao que estes tres homens verdadeiros exerceram sabre mim, porque entao eu ainda nao estava em vias de me tornar num 85 ( ) K. ·M arx, Bri6f an; KugBlrnxliwn, Berlim, 1952, p. 102. 1955, p. 360.
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homem.» ( 80 ) Assim, «tornar-se homem» significa alcan~ar o nivel da actua~ao e pensamento revolucionarios. Nos seus estudos hist6ricos Marx e Engels prestaram muita aten~ao a forma~ao do homem. Analisaram detalhadamente a maneira como as diversas condi~6es hist6ricas facilitam ou dificultam ao homem alcan~ar o nivel do verdadeiramente humano. Nos seus estudos dedicados a hist6ria de Fran~a do seculo XIX, Marx exp6e o modo como, sob a pressao de determinadas rela~6es econ6micas e politicas e como resultado das lutas de classes, se forjam os homens-her6is da · Comuna e como surgiram os homens-criminosos. «Em qualquer caso - escreve Marx - o actual levantamento de Paris e o feito mais glorioso do nosso Partido desde a insurrei~ao de Junho de Paris, ainda que tenha sido derrotado pelos lobos, suinos e caes brutais da velha sociedade. Comparem-se estes titas de Paris com os escravos do ceu do sacro imperio romano-germanico-prussiano, ao lado das suas mascaradas p6stumas, que empestam os quarteis, a igreja e a fidalguia, e, antes de mais, o filisteismo.» ( 87 ) Em A Guerra dos Camponeses na Alemanha Engels estabelece urn paralelo entre Lutero e Mi.intzer ao mostrar como os tra~os de caracter e as caracteristicas da actua~ao se condicionam mutuamente em determinadas situa~6es, como «a falta de decisao, o temor face ao grave movimento que surgia, o cobarde servilismo aos principes de Lutero correspondia por completo a vacilante e equivoca politica da burguesia e como a energia revolucionaria e a decisao de Mtintzer se reproduzia na fracgao exis-
(
80
)
Marx-Engels, AUS[Jewahlte Schmften, Berlim, 1953,
vol. II, ·P· 316. ( ) K. Marx, Brief e seguintes. 81
am,
Kugelm,ann, Berlim, 1952, pp. 124
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tente de plebeus e camponeses» ( 88 ) . E em rela~ao ao posterior procedimento de Mlintzer, Engels indica que o pior «que pode suceder a urn dirigente de urn partido extremista e ver-se for~ado a aceitar o Go, verna numa epoca em que o movimento nao esta ainda suficientemente amadurecido para o dominio da classe que representa». Nestas circunstancias, origina-se uma contradi~ao entre o que se pode fazer e o que se deve fazer. 0 dever mostra-lhe urn caminho adequado aos ideais que se anunciam, caminho esse que, no entanto, e irreal. As possibilidades que se abrem for~am-no «a representar nao o seu partido, a sua classe, mas a classe que esta madura para o dominio do movimento». Nesta situa~ao deve «realizar OS interesses de uma classe que lhe e alheia e despedir a sua propria classe com frases e promessas afirmando que os interesses da outra classe sao os seus pr6prios interesses»· A conclusao que Engels tira desta analise e que ao mesmo tempo generaliza ao referir-se tambem a situa~ao da Fran~a no seculo XIX e a seguinte: «quem se encontra nesta situa~ao equivoca esta irremediavelmente perdido» ( 8 9 ). Esta perdido como dirigente e como homem quem, na opiniao dos seus pr6ximos, trai desesperos e desilus6es e demonstra profundas contradi~6es internas. A filosofia correcta e da maior importancia para o advento da «humanidade verdadeira». Marx presta aten~ao a isto ao criticar Proudhon e especialmente a influencia da sua ideologia sabre a juventude. «A sua aparencia de critica e o seu aspecto de oposi~ao aos ut6picos capta e seduz primeiro estudantes, "jeunesse brillante"; depois os operarios, especialmente os parisienses, que, por serem operarios de luxo sem 0 saberem, pertencem "em muito" a velha
•
("' ) F. Engels, D er Deu tsche B auernk rieg, Berlim, 1951, pp. 83 e s egu intes. 0 (' ) Ib·id ern, pp. 158 e s eguintes. 71
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imundicie. Ignorantes, presun~osos, vaidosos, charlaUies, enfaticamente envaidecidos ... » (90 ) Sese compendiarem estas analises, pode comprovar-se como sao profundas e novas as conclusoes para a educa~ao que se depreendem do programa politico e da luta politica de Marx e Engels. Sob o aspecto do ensino, a luta opos-se ao socialismo ut6pico, ao «Socialismo verdadeirc:l», aos diversos tipos de oportunismo e as tendencias anarquistas e tambern as concep~oes idealistas de ensino; e foi tambern uma batalha pela concep~ao materialista do papel do ensino e da educa~ao e pelos fundamentos materialistas do seu conteudo e metodos. Marx e Engels opuseram a tese da « revolu~ao permanente» as ilusoes ut6picas do papel essencial e aut6nomo do ensino e da educa~ao na transforma~ao social. Esta revolu~ao e o unico caminho para a nova sociedade e simultaneamente a unica fonte criadora de urn ensino que conduza a educa~ao de verdadeiros homens. Esta tese e igualmente uma aguda denuncia de todas as tendencias conciliadoras e de todos os compromissos que ocultam as diferen~as de classe, facilitam o chamado progresso individual e se propoem difundir a opiniao da superfluidez dos metodos revolucionarios. Isto significa que o ensino deve servir o futuro. Este servi~o nao deve exteriorizar-se alimentando esperan~as saidas dos actuais conhecimentos nem desenvolver virtudes que sao supostamente necessarias na «SOCiedade ideal». Deve, pelo contrario, reflectir-se na organiza~ao da vida real e diaria que esta sob o signo da luta revolucionaria. Nesta luta sera aperfei~oada a comunidade dos homens e a for~a da sua personalidade. Por isto, em oposi~ao a todas as concep~oes baseadas em que a educa~ao s6 e valida para aperfei~oar os sentimentos e as representa~oes, acentuou-se a necessidade da forma~ao da consciencia socialista, (
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}
K. Marx, Brief am Kugelmamn, Berlim, 1952, p. 32. 72
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da compreensao da realidade social e da actuagao revolucionaria eficaz. De acordo com isto, o problema principal da educagao e 0 problema da participagao dos homens na luta pelo progresso social. 0 que acontece no «interior>> dos homens e profundamente influenciado pelo que sucede a sua volta e pelas coisas em que participa. Assim se liberta o homem das quimeras e das representag6es pr6prias do isolamento e da sedugao da moral e liga-se a realidade. Esta ligagao supera tambem o oportunismo, que as relag6es capitalistas existentes consideram como inevitavel, e adverte contra uma adaptagao utilitarista a estas relag6es que destroem a moral no sentido proprio da palavra. Assim, a diferenga entre o que e e o que deve ser permanece concretamente na luta pela nova realidade social, na luta pela realizagao do que deve ser. Este ponto de vista possibilita opor o sistema socialista do ensino moral tanto aos sistemas burgueses do hedonismo e utilitarismo como aos sistemas de rigor etico e do formalismo. Atraves deste sistema de educagao moral aperfeigoa-se o homem na medida em que participa activamente na luta das forgas progressistas hist6ricas.
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CAPITULO V
SOBRE OS FUNDAMENTOS DA TEORIA MARXISTA DA CULTURA
Nos capitulos precedentes analisamos o programa de ensino e educa~ao de Marx e Engels, que provem do seu ensino das leis do desenvolvimento social no periodo do inicio e da agudiza~ao da luta da classe operaria contra a burguesia, assim como das experH~ncias do movimento operario internacional. Este programa e igualmente urn elemento da luta revolucionaria pela nova ordem social. A liga~ao destas quest6es pedag6gicas aos problemas gerais do desenvolvimento social e das tentativas para superar a sociedade de classes capitalista cria bases totalmente novas para o trabalho educativo e sua teoria. Deste modo, surgiu a concep~ao materialista do ensino em oposi~ao as concep~6es pedag6gicas idealistas. Enraizada na luta politica que se desenvolve em condi~6es hist6ricas concretas, originou-se esta concep~ao pedag6gica, em considera~6es gerais que possuiam 0 caracter de generaliza~6es filos6ficas em rela~ao ao homem e ao seu desenvolvimento. Em rela~ao a isto, Marx e Engels lutaram desde o principia contra diversas correntes da filosofia idealista. Foi nestas divergencias que se fundamentou e precisou o ponto de vista do materialismo dialectico. Isto tern para a pedagogia urn significado especial. . Marx e Engels expuseram nao s6 urn programa com75
TEORIA
M~STA - DA
EDUCAQAO
pletamente novo para o trabalho de ensino e educa~ao, mas deram tambem as bases para uma nova teoria pedag6gica. E ao chamar-lhes criadores da verdadeira sociologia cientifica da economia e ao caracterizar justamente a sua ac~ao no campo das cH~ncias sociais e econ6micas como decisiva, podemos considerar igualmente que desempenharam urn papel decisivo para a ciencia pedag6gica. E certo que nem Marx nem Engels se ocuparam directamente da teoria pedag6gica, mas formularam nos seus estudos filos6ficos todas as teses fundamentais sobre as quais se · deve apoiar a teoria da pedagogia socialista ( *) . Depois de termos exposto o programa educativo de Marx e Engels em rela~ao a teoria geral do desenvolvimento social e da luta politica, abordaremos agora outro aspecto do problema, concretamente o aspecto filos6fico contido neste programa e que se desenvolveu conjuntamente com ele. Consideramos correcto iniciar esta analise com o problema geral da teoria da cultura para entrarmos depois em problemas mais complicados e centrais da reflexao sobre os homens, sabre os fundamentos e factores da sua actua~ao e desenvolvimento, assim como sabre o processo de aperfeic;oamento da sua personalidade. Estes problemas constituirao o objecto das nossas considera~6es nos capitulos seguintes. Come~amos com OS problemas da cultura nao s6 par se tratar do problema mais geral, mas tambem porque Marx se interessou desde muito cedo par estas quest6es e porque foi precisamente neste campo que divergiu radicalmente de Hegel. A ciencia materialista da cultura come~ou por tomar forma na dura h_1ta contra a filosofia de Hegel, que era a base de uma teoria idealista da cultura. Naturalmente a teoria materialista da cultura (*) Observagoes do autor. Veja Apendice, cap. V, 1).
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opoe-se a todas as concepQoes idealistas e nao apenas as mais ou menos influenciadas por Hegel. No entanto, o idealismo de Hegel era indubitavelmente a forma mais elevada do idealismo, dado que ilenhuma outra teoria da cultura nos apresenta a problematica cientifica da evoluQao da cultura e dos valores culturais de um modo tao polifacetado como as concepg6es hegelianas. Por isso, a divergencia da teoria hegeliana da cultura era tao frutifera como necessaria no aspecto filos6fico. A critica de Marx a Hegel permite ver de facto as contradiQ6es basicas, metodol6gicas e ideol6gicas, entre o materialismo e o idealismo. Se actualizarmos o significado da filosofia hegeliana para muitas teorias da cultura posteriores e em especial do neo-hegelianismo para as chamadas pedagogias da cultura na transiQao do seculo XIX para o XX, chegaremos a conclusao correcta de que a critica marxista da filosofia hegeliana mantem-se hoje vigente. Isto permite-nos iniciar as nossas analises dos fundamentos da teoria materialista da cultura com a exposiQao da critica marxista a Hegel (*). 1.
A
concep~ao
marxista da actu~o humana
Marx, sintetizando a critica do marxismo existente ate entao, escreve na primeira tese sobre Feuerbach: «Dai que para o idealismo, em oposiQao ab materialismo, o aspecto activo se desenvolva de urn modo abstracto, dado que naturalmente o idealismo nao reconhece a verdadeira actividade como tal.» Esta frase contem o resultado de estudos realizados durante anos, especialmente estudos da filosofia de Hegel. Marx e Hegel foram objecto de estudos, cujos resultados nao e oportuno expor aqui. Ocupar-nos( *) Observac;oes do autor. V·e ja .AJpendice, {!ap. V, 2).
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-emos exclusivamente dos elementos das relaQoes entre Marx e Hegel que tern especial importancia para a teoria pedag6gica. Segundo Marx, o valor de Hegel consiste em, ao contrario da filosofia do Iluminismo, sublinhar o caracter activo e hist6rico do homem, consiste em «captar a essencia do trabalho e em conceber o homem objectivado e verdadeiro como resultado do seu proprio trabalho» (1). Esta concepQao do hom em, como urn ser que se autoproduz no decurso da sua actividade hist6rica foi, no entanto, desvirtuada por Hegel e despojada do seu significado te6rico e pratico precisamente porque « 0 unico trabalho que Hegel conhece e reconhece e o trabalho abstractamente intelectual» ( 2 ) • Assim, nao podia reconhecer a vida real, nem o verdadeiro acontecer hist6rico nem os factores reais de todas as transformaQoes da natureza e da sociedade. Deus, o Espirito absoluto, a Ideia} que se torna consciente de si propria e que se manifesta, tornaram-se o sujeito aparente que devia criar-se a si e a realidade atraves da sua acQao e exteriorizaQao. Deste modo, «O homem real e a natureza real tornaram-se meros predicados, simbolos deste homem irreal oculto e desta natureza irreal. Portanto, sujeito e predicado mantem entre si relaQ6es de uma inversao absoluta.» (S) Marx refere-se muitas vezes a esta objecQao. Em Gritica do Direito de Estado de Hegel enumera as mistificaQ6es no campo juridico e ·social que provem da falsa concepQao da relaQao entre o ser e a consciencia sociais. Hegel analisou a relaQao do Estado com a sociedade e a familia ao expo-lo como realizaQao de fases parciais do desenvolvimento do Espirito. Sob este ponto de vista, as relaQ6es reais con(') Marx-Engels, La Mexico, 1962, p. 55. (2) Ibi~mn, p. 56. (") Ibidem, p. 65.
Sagrada
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Familia,
Ed.
Grijalbo,
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vertem-se em meras manifesta~oes de processos ocultos, ainda que essencialmente ideais. «Esta relagiio verdadeira - escreve Marx - e exposta pela especula~ao como aparencia) fen6meno. Estas circunstancias, esta arbitrariedade, esta escolha da determina~ao, esta verdadeira mediagiio) sao apenas fen6menos de uma mediagiio) que a ideia verdadeira faz consigo propria e que tern lugar a porta fechada. A realidade nao se manifesta por si mesma, mas por outra realidade.» ( 4 ) Hegel nao analisa os verdadeiros e concretos elementos da vida social nem da ideologia burguesa, das institui~oes da familia e das institui~oes sociais. Nao reconhece que na esfera da realidade social devem existir elementos reais das _ ~mas mudan~as e considera que estas mudan~as sao apenas fen6menos de transforma~oes mais profundas e ocultas do Espirito. Esta tergiversa~ao mistificada da rela~ao entre a «esfera do ser» e a «esfera da conscH~ncia» faz com que o imico problema tratado por Hegel seja a descoberta de todas as determina~oes abstractas que regem as determina~oes concretas, individuais. A actividade cognoscitiva reduz-se por completo a amilise abstracta dos conceitos e categorias. Pode provar-se sob todos os aspectos que o resultado de urn trabalho intelectual deste tipo transforma o «sujeito real», que actua efectivamente no campo da realidade empirica, em predicado apesar da afirma~ao lapidar de Marx: «No entanto, o desenvolvimento precede sempre o predicado no aspecto.» ( 5 ) 0 conceito hegeliano de realidade ensina a captar nas transforma~oes da realidade urn determinado sentido, umas determinadas leis, mas e obviamente expressao e lei do mundo espiritual, nao empirico. Hegel indica que a realidade empirica e racional,
(
(
4
5
)
)
Marx-Engels, Werke, Berlim, 1956, vol. I, p. 206. Ibridem, p. 209.
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«mas nao e racional por causa da sua razao propria, mas porque os factos empiricos na sua existencia empirica tern urn significado diferente do que aquilo que em si mesmos sao. 0 facto de que se parte nao se concebe como tal, mas como resultado mistico» (6 ) . Por esta razao, a filosofia da historia de Hegel nao e uma filosofia da historia verdadeira, mas da historia mistificada. Na sua critica a concepQao de historia de Proudhon, Marx escreve: «
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homens do seculo XI e do seculo VIII, quais eram as suas necessidades, as suas forgas produtivas, os seus modo de produgao, a materia da sua produgao; enfim, quais eram as relagoes que estas condigoes de existancia originavam entre os homens». Ao proceder assim reuniremos as bases para «a verdadeira hist6ria profana dos homens de cada seculo», para descrever os homens, «como eram simultaneamente actores e autores do seu proprio drama» ( 9 ) . Segundo Marx, os erros mencionados das concepgoes hegelianas n:ao sao simplesmente erros te6ricos. Como todas as operagoes mentais falsas, dependem dos limites de classe da consciencia e conduzem a conseqllencias praticas prejudiciais, a comportamentos reaccionarios falsos. N a Einteitung zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie (OontribuiQiiO para a Oritica da Filosofia do Direito de Hegel)
Marx expoe as premissas sociais da origem da filasofia classica alema burguesa e as suas perspectivas que se anunciam com a transformagao revolucionaria. Em comparagao com outros paises, o desenvolvimento econ6mico da Alemanha ficou muito atras, enquanto que a filosofia alema estava disposta a alcangar urn nivel que correspondia ao nivel de desenvolvimento econ6mico de outros paises. Constituia uma antecipagao ideal do futuro que os alemaes ainda nao tinham experimentado. «Assim como os povos antigos viveram a sua pre-hist6ria na imaginagao, na mitologia, tambem n6s, os alemaes, vivemos a nossa p6s-hist6ria no pensamento, na filosofia. Somos contemporaneos filos6ficos do presente sem sermos seus contemporaneos hist6ricos.» U0 ) Por causa disto surge uma ilusiio dupla e contradit6ria. Uns, os «politicos da pratica», afastam esta filasofia sem, no entanto, terem consciencia de que a {
0
)
Ibidem> p. 136.
(1°) Marx-Engels,
La
Sagrada Familia>
Mexico, 1962, p. 8.
81
Ed.
Grijalbo,
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.A.O
sua realizaQao nao pode ser superada. Outros, «politicos da teoria», apoiam-se nesta filosofia sem verem claramente que s6 pode realizar-se pela sua superaQao, porque, se bern que esta filosofia proclame a critica da ordem social existente na Alemanha, pertence-lhe. «Em politica os alemaes pensaram o que os outros povos fizeram.» (11 ) Por isso, a realizaQao pratica desta filosofia s6 pode conduzir a sua superaQao pela pratica. A essencia do problema nao e demonstrar OS pros e OS contras desta filosofia, mas e apenas a questao pratica de saber se na Alemanha «ha condiQoes para uma revoluQao que nao s6 a eleve ao nivel oficial dos povos modernos, mas ate ' a altura humana que seria 0 futuro imediato destes paises» (1 2 ) . Na compreensao dos mU.ltiplos erros mencionados dos homens que creem que se pode «SUperar a filosofia sem a realizar» reside a chave da relaQao marxista com o problema hegeliano da filosofia e da vida, isto e, com 0 problema que esta tambem ligado a pedagogia. 0 primeiro erro e originado por um falso entendimento : a filosofia politic a alema poderia antecipar de um modo ideal a verdadeira hist6ria alema, e a critica que afasta esta filosofia s6 teria um significado real quando a hist6ria alema se tivesse desenvolvido nao s6 acima do nivel momentaneo, mas tambem ao ultrapassar todo o estado que esta filosofia opoe a realidade actual. Ao repelir a critica da filosofia classica burguesa alema, criti.: camas no ambito do ideal o que noutros paises progressistas se leva a cabo na base econ6mica real. «0 que nos povos progressistas e a ruptura pratica com as situaQoes do Estado moderno, na Alemanha, onde estas situaQ6es nem sequer existem, e sobretudo a ruptura critica com o reflexo filos6fico das ditas
{ {
11 12
) )
IMde.m, p. 9. Ibidem. 82
TEORIA MARXISTA DA EDUCA9AO situa~oes.»
(1 8 ) Do ponto de vista radical criticamos
· esta filosofia que, certamente, conduz mais lange no caminho do progresso, embora nao tao lange como seria possivel .na base do desenvolvimento dos paises dirigentes economicamente. Com efeito, afastar e superar esta filosofia nao pode ser realizado na esfera ideal. S6 sera realmente afastada e superada quando o povo alemao alcan~ar urn nivel mais alto de liberta~ao social. Que significa isto? Como e isto possivel? Isto e possivel atraves da luta revolucionaria da classe operaria, que se opoe aos fundamentos da actual ordem social e que liberta todos as homens oprimidos. Isto e possivel ao passar das actuais reformas burguesas parciais, que s6 trazem uma melhoria para determinadas camadas da popula~ao, a urn dominio revolucionario da ordem social capitalista. Entao realiza-se «a emancipa~ao geral e humana», uma verdadeira «emancipa~ao do homem»· Considerado deste modo, demonstra-se imediata-mente o caracter reaccionario da filosofia burguesa alema. No principia fica oculto pelo caracter progressista que se manifesta ao compara-la com a actual economia alema, mas rapidamente se tornam evidentes as ilusoes de quantos circulos pretendem realizar hoje esta filosofia, sem ter em conta que a realiza~ao da mesma significaria o fim dos seus circulos de opiniao e o derrube de todos os seus principios. A mesma pratica, necessaria para a realiza~ao desta filosofia, dara Iugar a urn juizo aniquilante sabre ela, por isso deve ser superada. Marx concebe o problema da realiza~ao e supera~ao desta filosofia condicionando-os a estes aspectos da luta revolucionaria da classe operaria. Com isto opoe-se resolutamente a concep~ao hegeliana da «auto-supera~ao» do pensamento, a sua concep~ao (") Ibidem, p. 8.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
do desenvolvimento inato das ideias que se faz no caminho da sua negaQiio. Assim como a filosofia da historia concebeu injustamente que o processo do desenvolvimento historico e exclusivamente a realizaQiiO do desenvolvimento das ideias e por isso e uma «historia sagrada» alegorica, reverenciava tambern representaQ6es politicas falsas que procuravam no proprio pensamento as instancias da sua realizaQiio e superaQiio. No entanto, sem a base economica que da origem as ideias e nao 0 inverse, e precisamente a realidade · social quem decide do seu real significado. Marx exp6e isto no mesmo artigo que contem a critica a Hegel. · «E certo que a arma da critica - escreve- nao pode substituir a critica das armas, que o poder material tern de ser derrubado atraves do poder material, mas tambem a teoria se converte em poder material logo que se apodera das massas. E a teoria e capaz de se apoderar das massas quando argumenta e demonstra ad hominem~ quando se torna radical. Ser radical e atacar o problema pela raiz. E a raiz para o homem e o proprio homem.» (14 ) So uma filosofia, que reivindique a supressao das relaQ6es que denigrem e prejudicam os homens e que tambem reivindique de um modo categorico uma libertaQao completa e geral dos homens, pode ser adequada as necessidades crescentes, as reais condiQ6es materiais da luta revolucionaria. «Assim como a filosofia encontra no proletariado as suas armas materiais~ assim tambem o proletariado encontra na filosofia as suas armas espirituais.» (1 5 ) Neste sentido Marx escreve no fim do artigo citado: «A cabega desta emancipaQiio e a filosofia; o seu coragao~ o proletariado. A filosofia nao pode realizar-se sem a superaQiio do proletariado; o prole(H) Ibidem, p . .9.
('") Ibidem, p. 15.
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tariado nao pode superar-se sem a realizagao da filosofia. » (1°) A critica da teoria hegeliana do desenvolvimento hist6rico, da teoria hegeliana do direito e do Estado assim como a critica da teoria hegeliana da consciencia e do papel da filosofia convergem na convicgao marxista essencial de que e necessaria criar toda a actividade idealista e abstracta, mas que esta actividade, concretamente perceptive!, deve ser concebida de um modo pratico, real e hist6rico e nao, como Hegel faz, como .actividade espiritual que exprime as transformagoes da I deia a margem do mundo real humane. «0 homem - diz Marx em OontribuiQiiO para a Oritica da Filosofia do Direito de Hegelo mundo dos homens) o Estado, a sociedade.» (1 7 )
e
Esta consideragao hist6rica e concreta do homem como um ser real que actua sob as condigoes reais da existencia material, sob as coridigoes reais da sociedade de classes transformou-se no nucleo da filosofia da cultura que Marx opos a Hegel. 2. A critica de Marx
a concepQao de cultura de Hegel
Em toda a parte onde Hegel viu nos acontecimentos e nos homens a realizagao da Ideia) Marx mostra o homem real sob as reais condigoes de existencia. Onde quer que Hegel usou o metoda abstracto de confrontagao dialectica de conceitos, Marx nao conhece mais que a investigagao concreta da realidade. Onde quer que Hegel fala de contradigoes na Ideia) Marx observa as reais contradigoes de classes. A filosofia de Hegel e uma filosofia «aleg6rica» porque situa o mundo real, perceptive! pelos sentidos, como urn mero fen6meno da consciencia; a filosofia (1") Ib-Vdem. (
17
)
Ibi~em)
p. 3.
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marxista e uma filosofia realista, porque considera o mundo real como algo real, no qual se devem procurar as fontes e os limites do seu proprio desenvolvimento. Marx caracteriza os principais tra~os desta concep~ao materialista que se opoe ao idealismo. «Em oposi~ao a filosofia alema que desce do ceu a terra, aqui subimos da terra para o ceu. Isto e, nao se parte do que os homens dizem, imaginam ou representam, nero tao-pouco o que os homens sao nas palavras, no pensamento, na imagina~ao e na rep:r:esenta~ao de outrem para a partir dai chegar aos homens de carne e osso, nao, parte-se dos homens em plena actividade real; e a partir do seu processo de vida real que se representa tambem o desenvolvimento dos reflexos e dos ecos ideologicos deste processo de vida ... a moral, a religiao, a metafisica e outras ideologias deste tipo e as formas de consciencia que lhes correspondem perdem imediatamente toda a aparencia de autonomia. Nao tern historia, nao tern desenvolvimento proprios; sao ao contrario dos homens que, desenvolvendo a sua produ~ao material e as suas rela~oes materiais mudam o seu pensamento e os produtos do seu pensamento com esta realidade que lhes e propria. Nao e a consciencia que determina a vida, mas a vida que determina a conscH~ncia. N a primeira maneira de considerar as coisas, parte-se da consciencia como sendo o individuo existente; na segunda, que corresponde a vida real, parte-se dos proprios individuos existentes e considera-se a consciencia como sendo apenas a sua consciencia. » (1 8 ) Este realismo centra o pensamento pedagogico na analise das condi~oes concretas de vida dos homens, tanto nas suas necessidades concretas e nos seus interesses, como nas lutas e nos seus antagonismos concretos. (") Marx-Engels, W erke, Berlim, 1958, val. III, pp. 26 e seguintcs.
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A teoria da educaQao ja nao e, portanto, uma teoria dos comportamentos que venham determinados pela anaJise conceptual das ideias fundamentais (1 9 ) . Estas ideias deviam realizar supostamente o conteudo principal da vida humana e das suas transformaQ6es. A teoria da educagao deve desenvolver -se a partir deste ponto em intima ligagao com as necessidades da vida concreta da sociedade existente, com a sua actividade e a sua produgao. Esta teoria fundamenta-se em determinadas premissas. Estas premissas sao os ho.mens reais, a relag6es de produgao existentes, assim como as t r ansformag6es nas forgas produtivas, que possibilitam uma acQao r evolucionaria para a transformagao das relag6es sociais. A teoria pedag6gica idealista apoia-se em con: ceitos do homem, arbitrariamente eleitos e constantes, e em representag6es subjectivas impossiveis de dominar. Com razao os hegelianos censuraram os empiricos que consideravam a hist6ria uma mera acumulagao de acontecimentos sucessivos, que no entanto, nao estavam ligados entre si. Eles apareceram na hist6ria com uma certa ordem. Mas, dado que nao conceberam a sua natureza real, material, conver:teram a hist6ria numa «acgao conformada por sujeitos cultos». Ao superar ambos os erros, disse Marx, assentamos o caminho das investigag6es cientificas, com a ajuda das quais se substituirao a actual historiografia, com a sua representagao de factos isolados, e a historiografia de especulaQ6es metafisicas. Assim, surge a possibilidade de uma verdadeira «ciencia positiva, a representagao da ocupagao pratica, do processo de desenvolvimento dos homens» (2°). Assim, para poder substituir a filosofia da educagao idealista pela ciencia da educagao materialista, necessitamos de profundos estudos hist6ricos que ampliem o nosso conhecimento do homem real. Em mui( ' ") Ib~aem. ('") IbiJdlem, p . 27.
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tas ocasioes Marx previne contra uma hist6ria considerada como acumula~ao de factos mortos que devem «sistematizar-se» e «explicar-se» atraves de determinadas categorias conceptuais gerais e de constru~6es «a priori» da filosofia da hist6ria. Lenine, na sua conhecida polemica com Mikhailovski, sublinhou este modo de pensar de Marx. «Tambem 0 Capital nao e naturalmente a obra adequada para urn metafisico em sociologia, que nao ve como sao infrutuosas as considera~6es "a priori" sabre o que a sociedade e, .que nao concebe que tais metodos em vez de serem uma investiga~ao e uma explica~ao da sociedade dao origem a que se introduzam, no conceito de sociedade, ou as ideias burguesas de urn feirante ingles ou as ideias provinciano-socialistas de urn democrata russo e nada mais. Por esta razao todas estas teorias hist6rico-filos6ficas surgiram como borbulhas e como elas desapareceram, ja que, no melhor dos casas, sao urn sintoma das ideias e rela~6es sociais da sua epoca, que nao exigem urn minima de compreensao, da concepgao de qualquer rela~ao parcial, ainda que real (e, no entanto, nao correspondente a natureza l;lumana), atraves dos homens. 0 enorme passo em frente dado por Marx foi precisamente ter afastado todos estes raciocinios sabre a sociedade em geral e ter proporcionado a analise cientifica de uma sociedade particular concretamente a sociedade capitalista, e de urn progresso particular, o progresso capitalista. » ( 21 ) A critica a Hegel, focada deste modo, e uma critica as tendencias resultantes da sua filosofia, de considerar a pedagogia como uma ciencia que determina as «leis sagradas» da consciencia, que aspira a formula~ao de regras «Validas em geral» . e a C011fusao do caracter hist6rico do processo educative. Hegel foi certamente urn fil6sofo da hist6ria; no ('") V. I. Lenine, Aus.gewiihlte Schri!f.te>n (Obras Escolhi!tros), Berlim, 1954, vol. I, p . 38.
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· TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
entanto, a critica marxista mostra que, na concepQao hegeliana, a hist6ria e apenas uma hist6ria aleg6rica. Isto explica o facto das concepQ6es hegelianas dos partidarios da filosofia absolutista poderem facilmente servir-se de uma filosofia de verdades e valores eternos. Pela clara demonstraQao de que o mundo dos produtos nao tern hist6ria propria, mas que e exclusivamente a impressao das transformaQ6es hist6ricas que se realizam no mundo material, Marx fez uma verdadeira revoluQao copernicana na pedagogia ao indicar que nao e a vida que gira a volta das ideias, mas que sao as ideias que giram a volta da vida. A partir deste momento, a pedagogia deve conceber principalmente a vida e nao a I deia. Deve conhecer os homens reais sob condiQ6es concretas e nao as ideias dos homens e da cultura. Isto e a verdadeira «revoluQao copernicana» em pedagogia. 3. Contra OS metodos de
especula~oes
abstractas
A critica marxista a Hegel e uma critica das generalizaQOes que se atribuem 0 direito a «SUbordinaQaO» e a «interpretaQaO» do particular e nao consideram devidamente o facto delas pr6prias serem o produto de uma situaQao particular. Hegel, escreve Marx, transforma categorias l6gico-abstractas e o que provem do mundo real concreto, em sujeitos. «0 conteudo concreto e a determinaQao real sao formais e a determinaQao formal completamente abstracta apresenta-se como sendo o conteudo concreto.» Marx deu grande valor a superaQao consciente dos habitos abstractos no pensamento filos6fico, que se desprendem da realidade e a representam de forma inversa. A divisao do trabalho, que tornou possivel que alguns homens se ocupassem unicamente do «pensar» e que s6 produzissem «produtos do pensamento», , na opiniao de Marx, trouxe a difusao e consolidaQao 89
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
da ilusao perniciosa de que as abstracQoes produzem objectos particulares, reais e concretos. A libertaQao desta ilusao e a premissa iniludivel para 0 inicio de investigaQoes cientificas em todos os campos, mas especialmente no campo da pedagogia, porque neste campo estava muito difundida a consideraQao de fen6menos a partir de abstracQoes ideais. 0 pensamento pedag6gico, que se ligava as tendencias moralizadoras, estava fortemente apegado as concepQ08S abstractas. Por isso a critica de Marx a Hegel tern urn valor especial para a pedagogia. Em A Sagrada Familia) Marx analisa os perigosos erros do pensamento hegeliano como expressao de urn pensamento idealista especulativo. «Quando partindo das maQas, das peras, dos morangos reais, formo a ideia geral "fruta" e quando, vendo mais alem, imagino que a minha representaQao geral abstracta, "a fruta" obtida dos frutos reais, e algo que existe fora de mim, mais ainda, e 0 verdadeiro ser da: pera, maQa, etc., explico - especulativamente falando- "a fruta" como sendo a substancia da pera, maQa, da amendoa, etc. Portanto, digo que o essencial da pera nao e ser pera, como o essencial da maQa nao e ser maQa. 0 essencial destas coisas nao e a sua existencia real, apreciavel pelos sentidos, mas sim o que eu abstraio delas e o que lhes atribuo, o ser da minha representaQao, ou seja, "a fruta". Ao fazer isto, considero a maQa, a pera, a amendoa como simples modalidade de existencia, modos da "fruta".» ( 22 ) E apesar de ser capaz de distinguir uma maQa de uma pera, o espirito especulativo tenta convencer-me de que esta diferenQa pratica e sensivel nao e essencial nem importante. Os frutos particulares e concretos sao apenas uma forma fenomenica de diversos tipos do que nelas e comum e verdadeiramente essencial, a saber, «a fruta». ("") Marx-Engels, La Sagroda Familia, Mexico, 1962, p. 122. 90
Ed. Grijalbo,
TEORIA . MARXISTA DA EDUCAQAO
Uma concepQao especulativa deste tipo - diz Marx- e urn obstaculo para a investigaQao cientifica. Que valor teria para urn mineralogista saber que a essencia de cada mineral e ser mineral? A evidencia deste absurdo nao e, no entanto, . tao manifesta noutros campos. Temos de aceitar que, em especial a chamada pedagogia filos6fica, se inclina para urn modo de pensar idealista e abstracto deste tipo. Transforma os conceitos extraidos da realidade em formas de existencia independente, pelo que sacrifica a realidade concreta e empirica ao valor de uma «existencia verdadeira». Conceitos como inteligencia, personalidade, cultura, capacidades, necessidades, impulsos, interesses, tipo psicol6gico, escola, castigo, jogo, trabalho, etc., convertem-se nas tais essencias ideais que se escondem nos fen6menos concretos que lhe devem dar urn conteudo verdadeiro, oculto nas formas fenomenicas acidentais superfluas da existencia empirica. Tudo o que na pedagogia burguesa e artificial e alheio a vida manifesta este modo de pensar. Disto depende tambem a infrutuosidade desta pedagogia. Que jardineiro poderia trabalhar com exito se s6 tivesse conhecimentos te6ricos sobre a cultura das arvores de fruto, sem ao mesmo tempo saber como se cultivam maQas e morangos? A pedagogia burguesa foi sempre orientada para a «generalidade mais elevada», para a educaQao do homem e valorizou depreciativamente o significado das formas concretas e reais nas quais os homens existem na hist6ria. Tal como Marx demontra, este tipo de orientaQao responde especialmente aos interesses da burguesia, porque ensina que esta ordem hist6rica, em que esta a classe dominante, deve ser considerada «racional», deve ser considerada a ordem humana. Urn pensamento empirico e hist6rico do qual derivaria o que e real e concreto, diverso e variavel, seria, pelo contrario, para os interesses da burguesia, uma forQa perigosamente revolucionaria que impulsionaria a 91
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
transforma!taO da realidade, a margem dos enquadramentos das formas determinadas pelo actual desenvolvimento e das categorias ideais dos tipos e valores. A consequencia desta critica deveria ser a - aquisi!tao de valores consistentes para que se torne possivel o estudo dos processos da transforma!taO e da participa!tao nesta transforma!tao atraves do trabalho humano, em vez de se exercitar na consistencia das dedu!t6es. No entanto, Marx vai ainda mais longe na analise do modo de pensar especulativo. A especulaQao, escreve Marx, nao se satisfaz com reduzir as verdadeiras peras, maQas, etc., a sua essencia, «a fruta ». Tern de explicar, no entanto, como da essencia geral de fruta se originam os frutos individuais. 0 caminho dos objectos concretos aos conceitos e facil ; o caminho dos conceitos concebidos como «presenQaS» independentes e criadoras para as suas formas fenomenicas concretas e urn caminho dificilmente explicavel. «Se a maga, a pera, a amendoa e o morango nao sao outra coisa senao "a substancia", "a fruta", podemos perguntar: como e que "a fruta" me aparece umas vezes como maga e outras vezes como pera ou amendoa; donde provem esta aparencia de variedade que tao sensivelmente contradiz a minha intui!tao especulativa da unidade, de "a substancia", de "a fruta" ?» (2 3 ) A esta questao especulativa que exprime as dificuldades artificiais que provem das considerag6es metafisicas e idealistas, a filosofia hegeliana responde com a determinagao de que os conceitos gerais nao sao r igidos nem mortos, mas dotados de vida e movimento, de certa diversidade que se desenvolve. «Portanto, "a fruta" ja nao e uma unidade sem conteudo, indiferenciada, mas e a unidade como "totalidade" dos frutos, que formam ("" ) Ibidem.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
uma "serie organicamente estruturada" .. , Portan~o, ja nao devemos dizer, como diziamos do ponto de vista da substancia, que a pera e "a fruta", que a ma~a. a amendoa, etc., sao "a fruta", mas que "a fruta" se apresenta como pera, ma~a ou amendoa, e que as diferen~as que separam a ma~a da amendoa ou da pera sao precisamente autodistin~oes entre a propria "fruta", que fazem dos frutos especificos outras tantas fases distintas do processo de vida da "fruta". » (2 4 ) Aparentemente este processo une o pensamento especulativo a realidade empirica ao tentar explicar esta como processo da realiza~ao de possibilidades espirituais criadoras. Mas esta uniao, que a filosofia de Hegel apresenta como supera~ao da abstrac~ao, e, no fundo, urn desprezo extrema, ainda que dissimulado, pela realidade concreta; e uma abstrac~ao ainda mais radical. «Mas as ma~as, as peras, as amendoas e as passas com que nos tornamos a encontrar no mundo especulativo nao sao mais que pseudoma~as, pseudoperas, pseudo-amendoas e pseudopassas, porque sao mementos vitais da "fruta", deste ser conceptual e abstracto, e, portanto, sao em si mesmos seres conceptuais abstractos. Por conseguinte, o que nos alegra na especula~ao e voltarmos a encontrar-nos com todos os frutos reais, mas enquanta frutos dotados de um significado mistico superior, que brotam do eter do nosso cerebro e nao do solo material, que sao a encarna~ao da "fruta"·, do sujeito absoluto.» ( 25 ) 0 caminho que conduz da abstrac~ao a realidade e um caminho no qual tudo o que e concreto e real adquire o valor mistico de uma «ideia que se desenvolve da fruta», de uma ideia que se apresenta sob formas individualizadas. Uma concep~ao deste tipo conduz a valo(") Imdem, p. 124. ("') Imdem. 93
TEORIA MARXISTA DA ED UCA<;A.O riza~ao
destas formas como etapas de uma realiza~ao, cada vez mais perfeita e completa da «fruta» e leva a que as situemos num ponto determinado de uma hierarquia. «Par conseguinte, o valor das frutas profanas tambem ja nao consiste nas suas propriedades naturaisJ mas na sua propriedade especulativa, gr::J.~as a qual ocupa urn lugar determinado no processo vital da "fruta absoluta".» ( 26 ) Par conseguinte, o fil6sofo especulativo da as palavras, que na linguagem comum designam coisas concretas, urn significado especificamente metafisico. Ao empregar tais palavras para a designa~ao dos seus produtos conceptuais, gera a convic~ao de que sao algo real, 0 unico real que a forma empirica das coisas produz. Trata a propria actividade intelectual, atraves da qual lhe foi possivel diferenciar a ma~a da pera, como actividade do «sujeito absoluto», como processo evolutivo da «fruta». Assim, deixa de conceber a «realidade» e come~a a considera-la como realidade sagrada. Este processo completamente intelectual, escreve Marx, «chama-se, na terminologia especulativa, conceber a substancia como sujeito, como processo interiorJ como pessoa absoluta, concep~ao que forma o caracter essencial do metoda hegelianO» ( 27 ). Consideramos necessaria apresentar esta abundancia de cita~oes, porque nos parece especialmente importante na pedagogia burguesa criticar o modo de pensar especulativo-idealista. Nos paragrafos citados e em vez da compara~ao de Marx, em vez das ma~as, peras, etc., situemos qualquer conceito pedag6gico, par exemplo, o conceito de castigo, recompensa, forma~ao, inteligencia da crian~a, do ambiente, etc.; observaremos que este modo de raciocinar especulativo e abstracto, que Marx criticou com clareza classica, se tornou num habito na peda('") Ibid!em, p. 125. ('"') Ibidem.
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gogia burguesa. Esta-se habituado a conceber a diversidade empirica como fases, etapas ou formas da I deia) que tern em si pr6prias a for~a do desenvolvimento e da diferencia~ao interna, assim como a capacidade de se apresentar sob diversas formas estruturadas hierarquicamente. E isto e assim tanto para o pensamento estatico «substancial» como para o hist6rico. Portanto, pensar e, para a interpreta~ao idealista, urn pensar especulativo que nao nos aproxima da realidade, que nao permite compreender as causas reais que actuam sobre ela, isto e, que nao facilita a sua transforma~ao. Trata-se, portanto, de urn pensamento inadequado a pedagogia, apesar da pedagogia burguesa o ter usado frequentemente. Portanto, «a revolu~ao copernicana», levada a cabo na pedagogia por Marx, consiste nao s6, como indicamos, na mudan~a da rela~ao estabelecida ate agora entre ser e consciencia, mas tambem na mudan~a da rela~ao entre o concr eto e o abstracto no modo de pensar predominante, Marx indica modos de pensar cientificos, nao especulativos, isto e, que vao dos factos as generaliza~oes, do concreto ao abstracto. Marx adverte contra a autonomiza~ao das abstrac~6es extraidas e a generaliza~ao do seu significado. Devem ser sempre e exclusivamente generaliza!;6es que valem para cada materia concreta da qual sao deduzidas. A sua aplica~ao posterior deve ser sempre verificada de novo. S6 podem ser usadas como es~ quemas e nunca devem assumir dimensoes de causas absolutas e imutaveis. A metodologia marxista contrapoe-se a metodologia hegeliana e ao seu pensamento hist6rico. Marx op6e-se ao uso de esquemas genericos humanos na hist6ria e desmascara-os como produto dos interesses de classe numa determinada situa~ao hist6rica. Por conseguinte, afasta tambem os modos de pensar que tornam impossivel tomar em considera~ao e investigar a realidade concreta em muta~ao, os que estao 95
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orientados para captar «a substancia» e os que concebem o movimento como a transformagao eterna' da Ideia. Opor-se a Hegel significa, no aspecto pedag6gico, afastar especialmente as concepgoes universalistas da hist6ria e do modo de pensar especulativo. 0 pensamento pedag6gico nao deve ter o caracter de pen.samento com «substantivos», mas deve sobretudo conjugar o caracter do pensamento com «adjectivos.» Isto significa que todas as categorias que identificam e dao por verdadeira «a unidade dos objectos como unidade da substancia oculta nas coisas distintas» nao sao validas. Ao contrario, sao validas as categorias que permitem reconhecer a diversidade concreta e as propriedades especificas relacionadas com determinadas condigoes reais. Por isso, o pensamento pedag6gico nao se deve orientar para a «crianga», mas para a crianga fortemente determinada. 0 conceito «crianga», como o conceito «crianga em geral», como «ideia da infancia», nao e importante nem adequado. 0 importante e conhecer a crianga concreta, isto e, por exemplo, uma crianga de uma familia pobre ou de uma familia rica de uma aldeia, etc. E algo de semelhante sucede em todos os conceitos. Nao temos de compendiar generalizagoes especulativas em forma de substantivagoes, que manifestam «substancialidade», «essencia» ou «espirito», mas investigagoes cientificas que registem a diversidade do estado de coisas e que se formaram em grupos segundo as mais importantes opinioes empiricas, segundo as caracteristicas originadas por circunstancias determinadas, isto e, investigagoes que operam com adjectivos. Esta e a primeira observagao que se depreende da critica marxista a Hegel para a pedagogia. Ao tentar repensar, segundo este principio, as descrigoes, as analises, as conclusoes e as recomendagoes da pedagogia filos6fica burguesa, provaremos que estao formuladas quase exclusivamente na lin96
. TEORIA
MARXIST~
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guagem substantivadora da especulaQao idealista que menospreza o concreto e o variavel. Fica assim patente a importancia da critica marxiana e ate que ponto e necessaria para a pedagogia reformularem-se todos os conceitos, ja que, em vez dos conceitos gerais e metafisicos e das ideias, devem propor-se generalizaQoes obtidas a partir da realidade, realizaQoes estas que devem ser verificadas de novo quando muda a realidade de que foram extr aidas. 0 metodo dialectico desenvolvido por Marx e usado nas suas investigaQoes socioecon6micas mostra como podem e devem ser feitos este exame e reorientaQao. Tambem neste aspecto o pensamento de Hegel e o caminho indicado por Marx na sua critica a Hegel sao duas coisas completamente diferentes. A diferenQa pode ser nitidamente observada pela analise, a titu~o de exemplo, de alguns problemas pedag6gicos para cuja soluQao Hegel desenvolveu determinadas formulas e induQoes na pedagogia burguesa. 4. A heran{la do hegelianismo na pedagogia burguesa
Nao podemos esquecer que a influencia da filosofia hegeliana no pensamento pedag6gico burgues foi especialmente marcada na segunda metade do seculo XIX e na primeira metade do seculo XX, e nao se limitou apenas a chamada pedagogia da cultura, que recolhia o conceito de cultura e personalidade expresso pela teoria hegeliana do «Espirito objective». Esta teoria transformava as analises psi:.. col6gicas das pessoas, · seguindo o esquema hegeliano, num sistema l6gico das «tendencias do espirito» e considerou que a tarefa do trabalho educativo consistia na orientaQao da «elaboraQaO» da estrutura de valores absolutos ( * ). ( * ) Observagoes do a utor. Veja
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Ap~ncllce,
cap. V , 3).
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No entanto, a influencia de Hegel transcendeu os limites da pedagogia na cultura, porque, mesmo nos casos em que o seu metoda e repelido completamente, tomam-se deles alguns aspectos e procede-se a sua utiliza~ao de acordo com os pr6prios interesses. A teoria da educa~ao civica, que a burguesia desenvolveu especialmente no periodo do imperialismo, liga-se ao conceito hegeliano de Estado como corporiza~ao do Espirito, como personifica~ao da mais elevada moral objectiva, que prod:uz a moral subjectiva. A teoria fascista da educa~ao de Giovanni Gentile nao poderia ter chegado a ser uma concep~ao sem a filosofia de Hegel, apesar de Gentile ter posi~oes diferentes das de Hegel em rela~ao a algumas questoes. Tambem a chamada pedagogia de comunidade -'- especialmen:te a concep~ao de Petersen encontrou na filosofia de Hegel uma fonte frutifera para o seu desenvolvimento. Finalmente ha que sublinhar, alem disso, que OS metodos desta filosofia, OS metodos da dialectica idealista, OS de contempla~ao idealista da evolu~ao do pensamento pedag6gico burgues proporcionam uma orientaQao completa determinada e especifica. A influencia de Hegel sobre a pedagogia burguesa alcan~ou o seu ponto culminante no seculo XX. Isto e facilmente compreensivel. Depois da !uta vitoriosa contra o feudalismo, a burguesia perdeu de urn modo cada vez mais manifesto as posi~oes iniciais progressistas e adquiriu posi~oes defensivas reaccionarias e conservadoras. .A medida que a burguesia se afasta da sua posi~ao primaria, distancia-se da filosofia materialista e une-se a filosofia idealista. A hist6ria da burguesia, escreve R. Garaudy, atesta ~que [esta] se serviu do materialismo para tomar nas maos 0 poder e do idealismo para conserva-10» (2 8 ). (") R. Garaudy, Le Mamifeste du Parti Oommunilste, Paris, 1953, p. 27.
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Hegel foi, sem duvida, o mais importante dos fil6sofos idealistas. Dai que se verifique, no periodo em que a ordem burguesa se encontra mais ameaQada pela classe operaria, o retorno espiritual a Hegel, manobra tactica destinada a conseguir as armas necessarias para a luta. E, como e habitual nas lutas, nao e necessaria que OS que lutam saibam quem produz as armas com que lutam, basta que estejam satisfeitos com elas. Em muitas concepQ6es pedag6gicas burguesas encontramos pensamentos hegelianos, apesar de Hegel nao ser citado. As formulaQ6es de Hegel e o seu modo de conceber a realidade correspondem tao exactamente as necessidades de classe, que permanecem algo evidente, 0 unico possivel. Julgam-se «a voz do proprio Espirito»~ quando nao passam da voz dos interesses burgueses que Hegel encobriu com «mistificaQao filos6fica». A critica marxista a Hegel significa nao s6 a critica do jovem Marx a urn grande fil6sofo, nao s6 a critica a urn dos fil6sofos mais importantes · da epoca passada, mas tambem a critica fundamental a urn ponto de partida que permanece no pensamento burgues e que ira influenciar todo o seculo seguinte. Especialmente no campo da pedagogia, que esta tao ligada a tradiQao hegeliana, a critica marxista adquire urn valor duradouro. Converte-se no instrumento da compreensao e da valorizaQao correcta das correntes passadas e presentes mais perigosas que se apresentam como marcas da cultura, da moral e da perso":" nalidade que encontraram eco nos amplos circulos · do ensino. Naturalmente, nao podemos tratar urn tema tao complicado como a critica a tendencia hegeliana na pedagogia burguesa dentro dos limites deste estudo. Assim, vamo-nos circunscrever a alguns traQOS fundamentais desta critica. 0 primeiro problema e 0 do ensino politico-social. Para Hegel o processo educativo era urn processo geral da superaQao do natural e subjectivo pelo espi-
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ritual e objectivo. 0 Estado e a sociedade desempenham urn papel decisivo nas diversas fases desta superaQao. Principalmente o Estado e considerado por Hegel a instancia suprema da educaQao, o ponto de referencia moral, o objectivo, essencial para os processos de educaQao e auto-educaQao. 0 Estado, como Espirito objectivo, liberta o individuo das cadeias da subjectividade; servir o Estado eleva-o ao nivel da verdadeira vida moral e espiritual. Este serviQo tern as caracteristicas de uma «moral rigida, her6ica». «A hist6ria mundial- escreve Hegel- nao e a sede da felicidade. Nela OS periodos de felicidade sao folhas vazias. » (2 9 ) Assim, o individuo particular deve superar os seus pequenos e intranscendentes desejos de paz, tranquilidade e prazer. «Pois ha que saber - continua Hegel- que urn tal [Estado] e a realizaQao da sua liberdade isto ·e, do objectivo final absoluto, que e por si mesmo; alem disso, ha que acentuar que todos os valores que o homem tern, toda a realidade espiritual sao dele s6 atraves do Estado ... 0 Estado e a Ideia divina presente na terra. » ( 80 ) 0 pensamento pedag6gico do imperialismo recolhe com satisfaQao esta teoria hegeliana, especialmente quando esta teoria atribui ao «ServiQO do Estado» 0 mais alto valor moral e a r azao do Estado o caracter de «razao da hist6ria». Fizeram isto nao s6 os pedagogos do fascismo, como Gentile ou Krieck, mas tambem os pedagogos de tendencia liberal-burguesa como, por exemplo, Kerschensteiner. Este pedagogo, ao sublinhar que concebe urn «Estado do direito e da cultura», critica todas as concepQoes pedag6gicas individualistas (como, por exemplo, a de Gauding) e procura demonstrar que a educaQao deve compreender-se como a «realizaQao das I deias
(2°) G. W . F. H eg el, Lit;oes sobre a: Filooofi a da Hist6ria, , Leipzig, 0 . J ., pp. 62 e s eguint es. (3°) Ibii/;mn, pp. 77 e s eguintes.
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eticas do patrim6nio externo mais elevado servindo adequadamente o Estado existente» ( 81 ) • A critica marxista ataca na raiz a concep~ao de Hegel. Ao apontar que nao se devem considerar a partir do «ceu» os problemas sociais da «terra» e ao encarar a hist6ria como «hist6ria profana» e nao como «hist6ria sagrada», Marx indica os factores hist6ricos reais da forma~ao e transforma~ao do Estado e o seu papel hist6rico, que se fundamenta na protec~ao dos interesses da classe dominante. E falso que o Estado se deva configurar como entidade independente, situada acima dos individuos e da sua vida social. Trata-se precisamente do contr ario. Os interesses emergentes das rela~oes de produgao configuram a materia para a organizagao do Estado; a vit6ria de uma classe social sabr e outra e o dominio dos meios de produgao pela primeira significam a conquista do poder no Estado. Neste sentido o Estado burgues e um produto da sociedade burguesa. Este ponto de vista permite conceber de urn modo revolucionario «a intangibilidade, caracter sagrado e moral» do Estado como urn instrumento nas maos da classe dominante. Torna tambem possivel or ganizar a educa~ao para o cumprimento do dever e orientar 0 altruismo face as necessidades e tarefas das classes oprimidas, e nao a legalidade respeitante as instituigoes de exploragao e poder. Marx, em Oritica ao Direito de Estado de Hegel) opos-se as concepgoes de Estado ao formular o que primeiramente defin~u como democracia e mais tarde precisou como concepgao do socialismo. A este respeito, Marx indica muito claramente a diferenga entre ele proprio e Hegel. «Hegel - escreve Marx - parte do Estado e converte os hom ens em Estado subjectivado; a democracia parte do homem e converte o Estado em ho(" ) K ers chen steiner , B e.griff der A. rb eitscht~le ( GonceUo Trab a~ho) Est ugar da, 1957, p . 8.
da E scola d o
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mem objectivado. Assim como a religiao nao cria os homens, mas sao os homens que criam a religiao, tambem a constitui~ao nao cria 0 povo, mas e 0 povo que cria a constitui~ao.» ( 32 ) 0 povo -segundo a concep~ao de Marx e o concreto a partir do qual se origina o Estado como abstrac~ao. Tal como se depreende das primeiras ana.lises, o Estado burgues separou-se de urn modo especialmente evidente da «sociedade civil». Deste modo, manifestou-se claramente o seu papel formal-juridico como instrumento ~o servi~o dos interesses da burguesia. A exalta~ao hist6rico-filos6fica e etica por este instrumento e, pais, uma prejudicial mistifica~ao pedag6gica do mesmo. 0 «ensino estatal», se e que assim se pode chamar-lhe, deve preparar para as futuras rela~oes nas quais o Estado se separara das actividades concretas da vida social pela elimina~ao da ordem .de classes, sob as quais constituira uma actividade social produtiva. Isto significa que a educa~ao sob as rela~oes concretas do Estado burgues deve ser uma educa~ao «inimiga do Estado» que descubra o caracter de classe do Estado e lhe discuta a autoridade moral ou divina. Em oposi~ao as especula~oes de Hegel, que desce das alturas da abstrac~ao -do Espirito objectivo, do Estado, da razao da hist6riado «sentido verdadeiro» aos sujeitos concretos, Marx demonstra, seguindo os principios do seu metoda, como surgem generaliza~oes, objectivos e valores a partir das rela~oes de produ~ao concretas e reais. Tambem neste campo Marx «inverte Hegel» ao sustentar que, em vez deste criteria segundo o qual o Estado produz urn homem verdadeiro, real, o Estado - precisamente ao contrario- e urn produto da verdadeira vida social dos homens, das suas rela~oes e das suas actividades. Estas diferenQas radicais manifestam-se nas con(") Marx Engels, Werke, Berlim, 1956, vol. I, p. 231.
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sequencias referentes a rela~ao entre o individuo e a sociedade. Considerando a hist6ria como desenvolvimento da Ideia, Hegel tern de conceder a actividade humana e hist6rica como algo secundario e - no sentido proprio - como algo irreal; assim, deve considerar a existencia principal do homem como fen6meno do processo hist6rico espiritual objectivo; o mundo do Espirito objectivo- na opiniao de Marx- torna-se subjectivo «enquanto que o mundo subjectivo dos homens se eleva as alturas do objectivo» ( 58 ). Por isso, a concep~ao hegeliana abriu as portas ao culto dos «individuos eleitos», apesar de sublinhar 0 caracter objectivo e racional do processo hist6rico, e de repelir as concepQoes segundo as quais este se configuraria atraves das qualidades particulares dos individuos. A importancia destes individuos radicaria em serem capazes, pela identificaQao dos seus objectivos pessoais com o geral, de compreenderem o «processo do Espirito» e de o desvendarem a outros. «Estes sao os grandes homens da hist6ria - escreve Hegel -, cujos objectivos particulares e pr6prios continham o que e vontade do Espirito mundiaL» Estes grandes homens interessavam as massas, porque tor naram patente, ainda que de um modo oculto e inconsciente, as necessidades variaveis e as tarefas. «Pois o Espirito progressivo e a alma interna de todos OS indivfduos, mas os grandes homens tornam conscience a interioridade falha de conscH~ncia. Assim, os outr os homens seguem estes dirigentes de almas, pois captam o irresistivel poder do seu proprio espirito interno, .que lhes e apresentado. » ( 54 ) Nao e preciso destacar especialmente a preferencia e a medida em que a pedagogia burguesa utilizou esta teoria para os 88 ( ) Ibi dem, p . 206. ("') G. W. F. H egel, Vorlesungen uber Philosophie der Geschichte (Lir;oes sabre a; Filosofia; da; Hist6ria) , L eipzig, 0. J., p. 67.
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seus objectivos. A pedagogia fundamentada no <
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Ed.
Grijalbo,
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eles pr6prios. Isto e 16gico, observa Marx. «Sea actividade da humanidade real nao e mais que a actividade de uma massa de individuos humanos, a generalidade abstracta, a razao, o espirito deve possuir necessariamente, pelo contrario, uma expressao abstracta, reduzida a uns quantos individuos. E quem quiser fazer-se passar por este representante do "espirito" dependera apenas da posiQao e da capacidade de imaginaQao de cada individuo.» Ja em Hegel vemos que o espirito absoluto da Hist6ria tern o seu material na massa, enquanto que a sua expressao adequada se encontra unicamente na filosofia (80 ). Esta critica e perfeitamente compreensivel. Se se concebe o desenvolvimento social como desenvolvimento «Sagrado», isto e, COIDO desenvolvimento que se leva a cabo «no espirito» e s6 se manifesta nos homens, mas nao e produzido por eles, entao s6 se deve atribuir importancia especial ao 8 individuos que sao capazes de conceber o caminho deste desenvolvimento. Assim, pois, a educaQao deve converter-se paulatinamente em direcQao e iniciaQao. Pelo contrario, concebido o desenvolvimento da hist6ria como urn desenvolvimento das forQas produtivas e das relaQ6es sociais emergentes das forQas produtivas e da actividade de classe consciente e revolucionaria, entao os elementos da vida real dos homens adquirem uma importancia decisiva na educaQao. A educaQap cresce «de baixo para cima» como processo que esta ligado estreitamente aos empenhos revolucionarios das classes oprimidas e que lutam pela libertaQao dos homens. Numa interpretaQao deste tipo de educaQao, personalidade, comunidade e formaQao recebem urn sentido totalmente distinto do que tern em Hegel e nas
("" ) Ibi dem.
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correntes posteriores da pedagogia burguesa par ele influenciadas. A concepQao hegeliana do ensino sublinha a diah~ctica interna do sujeito e do objecto, mas fa-lo de urn modo «intelectual e especulativo» e nao sensivel e pratico. Nesta concepQao, o processo educativo converte-se num processo de auto-educaQao do individuo, num processo de formaQao da personalidade por meio do trabalho espiritual, que consiste na superaQao da subjectividade natural e na apropriaQiio activa dos valores objectivos. A pedagogia da cultura do seculo XX esta ligada a estas concepQoes metafisico-hist6ricas de Hegel. 0 espirito objectivo, escreve por exemplo Spranger, «e uma estrutura supra-individual, uma 'dependencia de sentido e efeito supra-individuais. Existe somente enquanto e vivido por individuos existentes e incorporado por estes. Mas para cada individuo em particular e alga previa e significa urn complexo anterior as condiQoes de vida e aos factores dados. A sua estrutura esta determinada pelas mesmas tendencias fundamentais dos valores que tambem imperam no individuo. Mas o sentido objectivo a que n6s atribuimos uma forma identica nao e adequadamente concebido por todos os individuos nele incluidos. Melhor e urn principia decisivo da ciencia do espirito, que o sentido objectivo e o sentido experimentado subjectivamente nao encobrem completamente.» ( 37 ) E sob estas perspectivas do espirito objectivo e subjectivo, dos valores objectivos e dos valores subjectivamente experimentados, do conflito espiritual e as suas conclusoes, que se considera na pedagogia da cultura o processo da auto-educaQiio da personalidade. Marx desenvolve uma critica destruidora de toda esta concepQao. Hegel concebeu correctamente que o (
·log·ila
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)
E. Spranger, Psyc:ho·logie des Jugendalte1·s (Psico-
eM. Juvr7ntude), Leipzig, 1945, p . 12. 106
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homem se produz a si mesmo pela sua propria actividade e que nisto consiste a educaQao. Mas limitou injustamente esta actividade a pura actividade espiritual, ao equiparar a autoconsciencia aos homens. «0 ser humano} o homem} e para Hegel igual a autoconsciencia. » Partindo deste ponto de vista, todo o objecto da consciencia se converte em autoconsciencia do objecto, e o processo total da libertaQao do homem das cadeias da alienaQao limita-se a supera- . Qao destas cadeias no campo da consciencia. 0 homem, ao incorporar o mundo na sua consciencia - o mundo material tam bern-, supera o objecto como algo alheio, ao reconhece-lo como obra da sua propria consciencia. 0 homem, entao, eleva-se a urn grau superior de autoconsciencia ( 38 ) . Este modo de tratar o problema e incorrecto. 0 homem nao se identifica com a sua autoconsciencia. 0 homem e urn ser material, concreto e que vive. 0 seu desenvolvimento processa-se no ambiente sociomaterial historico e nao exclusivamente na consciencia. Este desenvolvimento eo resultado da actividade concreta, real, que supera o «objecto» nao so no espirito, mas tambem de urn modo concreto, pratico. Deste modo, Hegel transpunha tudo para as abstracQ6es. Concebeu que o homem vive num mundo alienado e que o seu desenvolvimento consiste na superaQao desta alienaQao. No entanto, nao concebeu que tanto a propria alienaQaO COIDO OS metodos de superaQaO nao sao proprios do mundo imaginario, ma:s do mundo sociomaterial, que no mundo imaginario se manifestam exteriorizaQ6es essenciais da vida de urn modo secundario e de uma maneira mistica. E por isso que o caminho indicado por Hegel nao conduz a supressao da alienaQao, mas a supressao de toda a objectividade, isto e, deixa que OS homens resvalem no espaQo vazio, num mundo de ilusao. ( 38 ) Marx-Engels, Mexico, 1962, p. 57.
La Sagrada Familia, Ed. Grijalbo,
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Tal como expusemos no capitulo III, a aliena~ao _ so pode ser superada suprimindo todas as rela~6es de classe originadas pela explora~ao do trabalho humano e por ela mantidas. A transposi~ao idealista da aliena~ao para o campo espiritual, para a problematica da consciencia e autoconsciencia, para a problematica do Eu e do niio-Eu e urn ataque as tarefas revolucionarias verdadeiramente reais, pelas quais se pode alcan~ar urna verdadeira e completa «liberta~ao do homem». Isto representa urn modo de educar e considerar a personalidade diferente do de Hegel. 0 caminho marxista considera os homens no mundo concreto, sob relaQ6es socioecon6micas, no trabalho e na actividade colectiva. E urn metoda para a concepQao da educa~ao da personalidade em rela~ao aos principios sociais revolucionarios, em relaQao a luta dos oprimidos contra os opressores. Neste contexto, a consciencia representa uma expressao das transformaQ6es realmente exequiveis do mundo circundante e das relaQ6es sociais e nao urn inventario das complica~6es psiquicas internas individuais. Em vez da «elaboraQao da personalidade» introvertida e idealista, apresenta-se a concepQao clara e empirica da participa~ao numa transforma~ao tal das condiQ6es materiais e sociais de vida, que permite a cada urn ao Iongo da sua vida desenvolver-se de urn modo polifacetado. As diferen~as entre os pontos de partida de Marx e Hegel, no que diz respeito ao conceito de comunidade sao igualmente intransponiveis. 0 conceito de comunidade foi urn conceito que a pedagogia burguesa do imperialismo converteu na base da sua actividade educativa. Alguns pedagogos relacionaram-no com a concepQao dos valores objectivos. Para estes a comunidade significava uma uniao de personalidades a volta de conteudos espirituais identicos. Assim se pronunciaram, em geral, os pedagogos da cultura. Outros, pelo contrario - como Petersenconceberam-na como «comunidade de vida», isto e, 108
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como algo imanente e nao normativo. «Por educaescreve Petersen- entendemos nao a soma dos meios da arte educativa, utilizados na pratica, mas uma fungao que compreende toda a realidade que da origem a tudo quanta no homem chamamos espiritualizagao, humanizagao, o seu ser personalidade. Neste sentido a educagao e o mesmo que a vida.» ( "9 ) Hegel e uma fonte fecunda para ambas as concepgoes de educagao da comunidade. N as suas primeiras ligoes de Berlim, no ano de 1918, Petersen expoe: «0 que na vida e puro, grande e divino, e-o gragas as ideias. A tarefa dos fil6sofos consiste em compendiar estas ideias de uma forma e generaliza~ao verdadeiras. A natureza e tao limitada que s6 pode realizar a razao de modo necessaria, mas o reino do espirito e o reino da liberdade. Tudo quanta a vida · humana no seu conjunto contem, tudo quanta possui urn valor e espirito. E este reino do espirito existe unicamente gragas a concepgao de ideias. » Espirito e consciE~ncia unem os homens as comunidades que se convertem no centro da educagao dos individuos. A concepgao panteista · e transcendente de Hegel tornou-se facilmente o ponto de partida das teorias pedag6ricas das comunidades da vida e do valor· A participagao destas teorias no hitlerismo e no fascismo mostrou claramente os perigos nelas ocultos, assim como as mentiras escondidas sob o manto de palavras bonitas. A critica marxista a Hegel descobre nao s6 os seus erros, mas tambem os erros dos seus discipulos posteriores. Marx mostra que nas concepgoes de Hegel sabre a vida comunitaria dos individuos e grupos manifesta-se sempre o mesmo erro fundamental da concepgao especulativa do problema. Hegel acredita que a comunidade se configura «de cima para baixo» como uma ~ao-
(" ) P . Petersen, Szkola wsp{Jlnoty sycia) Vars6via, 1934, p. 19.
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questao das ideias, enquanto que os individuos e os seus grupos nao sao mais que fen6menos destas. Par exemplo, opina Marx, se se quer analisar a familia, a sociedade, o Estado, isto e, aqueles modos de existencia social do homem que representam a realiza~ao da sua natureza, estas formas aparecem como qualidades inerentes a urn sujeito. 0 homem continua sempre a ser a natureza destas naturezas, mas estas naturezas aparecem tambem como a sua generalidade real, isto e, tambem como o comum. Pelo contrario, quando se concebe de modo inverso a familia, a sociedade, o Estado, como autodetermina~ao da Ideia) como o seu modo de existencia no mundo empirico, entao os vinculos entre os homens convertem-se em alegorias. Entao os homens nao podem compreender a sua verdadeira comunidade, a vida do individuo isola-se, mas ambas as coisas se ligam a regiao do abstracto ( 46 ) . Esta comunidade aleg6rica converte-se em objecto de culto que a educa~ao propaga e encobrindo-se deste modo os autenticos conflitos e lutas da vida com as palavras de uma «comunidade elevada e espiritual». Esta palavra de ordem exerce na sociedade de classes uma fun~ao de « forma~ao da comunidade» importante para a classe dominante. 0 grande perigo desta concep~ao nao e que se produza junto do mundo real urn mundo da «comunidade espiritual», como fazem os cristaos, mas que as formas existentes da vida social dos homens se tornem alegorias como «formas das ideias» em vez de as analisar cientifica e concretamente descobrindo as suas raizes e facto- · res do seu desenvolvimento. «Portanto a existencia empirica e considerada a verdadeira verdade das ideias », isto e, de certo modo canonizada, arrancada as fontes reais e transformada em alga independente da actua~ao dos homens. Urn tal tipo de «comunidade espiritual» e o mais seguro dos metodos de con('") Marx-Engehs, Werke, Berlim, 1956, vol. I, p. 241,
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solidaQao reaccionaria do poder, urn metoda que arrebata aos homens a valentia e a capacidade de agir e as reduz aos limites de uma docilidade fatal face ao «espirito comunitario» que lhes e ensinado. De tudo isto resulta que a critica marxista a Hegel abarca todos as elementos da sua doutrina que tiveram e tern ainda hoje urn significado notavel na pedagogia da sociedade burguesa. As concepQoes gerais da cultura e do homem, assim como as teses fundamentais do modo de pensar abstracto e especulativo de Hegel .eram pr6prios a natureza da pedagogia burguesa de diversas tendencias. Uma serie particular de teses, que se referem ao Estado, a personalidade e a comunidade, foi utilizada pelos pedagogos burgueses no seculo XX de urn modo que excede o proprio Hegel, de tal modo que estas teses se adaptaram do melhor modo possivel a aguda luta de classes no imperialismo. No entanto, hoje, ao querer apurar uma critica a estas concepQoes e compreender completamente em que consiste 0 metoda marxista de compreensao do processo educativo e da actividade educativa, podemos faze-lo estudando detalhadamente a luta que Marx levou a cabo contra o idealismo hegeliano. 5. 0 desenvolvimento posterior da teoria materialista da cultura Os problemas te6ricos surgidos na polemica com Hegel tambem foram objecto do interesse vivamente cientifico de Marx em epocas posteriores. A medida que Marx desenvolveu a sua teoria da sociedade e, principalmente, do antagonismo radical entre o desenvolvimento das forQas produtivas e as transformaQoes das relaQoes sociais, assim como a sua teoria da luta de classes e da ditadura do proletariado, tornaram-se tambem mais precisos os conceitos basicos da cultura e do seu desenvolvimento hist6rico. No 111
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prefacio a Critica da Economia Politica) Marx compendia em frases conhecidas as suas concepgoes sobre a teoria da cultura: «Na produgao social da sua existencia - escreve - os homens entram em relagoes determinadas, necessarias, independentes da sua vontade, relagoes de produgao que correspondem a urn grau de desenvolvimento determinado das suas forgas produtivas materiais. 0 conjunto dessas relagoes de produgao constitui a estrutura econ6mica da sociedade, a base concreta sobre a qual assenta uma superstrutura juridica e politica e a qual correspondem formas de consciencia social determinadas. 0 modo de produgao da vida material condiciona o processo social, politico e intelectual em geral. Nao e a consciencia dos hom ens que determina o seu ser; e, ao inves, o ser social que determina a sua consciencia. » ( 41 ) Nesta concepgao materialista, a cultura espirh tual esta firmemente radicada na vida material dos homens. Ja nao e algo que acontece acima da vida, algo - como conceberri as teorias burguesas - que apenas uns poucos «elaboram» atraves de urn trabalho educativo intenso e de disposigoes inatas, mas e algo que existe numa determinada formagao econ6mica como expressao de relagoes e anseios sociais. Deste modo, a teoria materialista determinou a dependencia real que existe entre a chamada «vida» e a chamada «cultura» nas concepgoes da burguesia. · A teoria materialista defendeu a opiniao de que os chamados fen6menos sao urn unico processo hist6rico em que s6 com a ajuda do metodo dialectico podem ser extraidos os elementos particulares. Apesar de algumas diferengas e as vezes algumas contradigoes estao mutuamente ligados. Nesta ligagao sao elos necessarios do desenvolvimento hist6rico. «E o homem livre de escolher esta ou aquela forma social? (" ) Marx-Engels, A usgewiihlte S chri[ten (Obras Escolhidas) , Ber llm, 1953, vol. I, p . 337.
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- escreve Marx a Annenkow a 28 de Dezembro de 1846. -De modo nenhum. Imagine urn determinado nivel de desenvolvimento das forc;as produtivas dos homens e obtera uma forma correspondente de comercia e de consumo. Imagine determinados niveis de desenvolvimento da produc;ao, do comercio e do consumo e obtera uma forma correspondente de constituic;ao social, uma organizac;ao adequada da familia, das camadas ou classes; numa palavra, uma sociedade burguesa correspondente (societe civil). Imagine uma tal sociedade como dado e obtera urn nivel politico correspondente ( etat politique) que nao e mais que a expressao oficial desta sociedade.» ( 42 ) Partindo deste ponto de vista, o problema da permanencia e da transmissao da cultura aparece de . urn modo completamente distinto do que aparecia nas concepc;oes idealistas. 0 que explica que uma determinada cultura se mantenha na hist6ria nao sao as suas propriedades cultivadas pelos educadores · e pela gerac;ao jovem, especialmente a classe dominante, mas o encontrar-se estreitamente ligada a realidade, ao tipo de vida material, ao tipo de existencia politico-social na qual surgiu a determinada cultura espiritual. Os homens que nascem sob estas relac;oes nao sao, naturalmente, capazes de escolher outro modo de vida e, portanto, devem pertencer ao tipo que predomina na epoca do seu nascimento. . «Nao e necessaria acrescentar- escreve Marx a Annenkow- que OS hom ens nao dispoem livremente das suas /orQas produtivas - a fase de toda a sua hist6ria - ; pais toda a forc;a produtiva e uma forc;a adquirida, o produto de uma actividade anterior ... Grac;as ao simples facto de cada gerac;ao seguinte encontrar forc;as produtivas adquiridas pela gerac;ao anterior que lhe sirvam de materia-prima para a nova produc;ao, origina-se uma dependencia na hist6(") Ibidem, vol. II, p. 414. 113
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ria dos homens, origina-se a hist6ria da humanidade, que se converte tanto mais em hist6ria da humanidade quanta mais se desenvolvem as forgas produtivas dos homens, e, em consequencia disso, as suas relag6es sociais. » ( 48 ) A teoria materialista da cultura supera deste modo as representaQ6es imaginaria do educador acerca da sua missao como expositor e difusor da cultura e liga a consistencia e a variabilidade da cultura espiritual principalmente a persistencia e a variabilidade da vida· social. A teoria materialista dirige a atengao do educador para os problemas da situaQao social, material de classes dos homens na pratica e na teoria, para os problemas do seu trabalho produtivo e para os processos de formagao das suas repre~ sentag6es e concepg6es na vida real diaria. A participaQao na chamada cultura espiritual esta relacionada com o papel que os homens desempenham na vida e nao com a transmissao desligada da realidade, do patrim6nio hist6rico dos grandes criadores da cultura. 0 caminho para a apropriagao deste valioso patrim6nio ha-de conduzir a criagao de uma vida real e nao a urn apelo idealista a consciencia dos individuos. Isto exige naturalmente metodos educativos completamente distintos dos recomendados pela pedagogia burguesa, que se fundamentam na ~formagao de uma elite de bens culturais». 6. Critica da concepQao materialista da cultura 0 fundamental da concepQao materialista da hist6ria nao se esgota com o que ate agora foi exposto. Ate aqui analisamos esta concepQao unicamente em relagao as teorias idealistas de uma cultura aut6noma. No entanto, estas teorias muito difundidas nao esgo("') Ibidem, PP. 414 e seguintes.
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tam em absoluto o ponto de vista burgues. Este manifesta-se tambem nas concep~oes que defendem uma grande dependencia da cultura e dos factores extraculturais de diversos tipos. Nao nos e possivel examinar aqui as diversas teorias que consideram a cultura espiritual expressao de factores biol6gicos, geograficos, sociais, etc. 0 seu tra~o comum e a convic~ao de que a cultura espiritual e uma fun~ao destas rela~oes, uma fun~ao que deve ser "investigada de modo semelhante aos processos fisicos e quimicos, uma fun~ao que se encontra, como eles, determinada fatalmente. Aceitando este ponto de vista, nao se pode admitir que a cultura tenha caracter aut6nomo nero se pode organizar na base dessa autonomia nenhum trabalho educativo. Haque analisar a cultura e os factores que a determinam e adquirir deste modo uma orienta~ao eficaz correspondente para o trabalho educativo. E este deve apoiar-se nas causas primarias e nao nos fen6menos secundarios, como faz a teoria pedag6gica que se apoia na autonomia do de- ' senvolvimento cultural na hist6ria e nos individuos humanas. Assim, a teoria marxista da cultura e a concep~ao do ensino nela contida opoem-se decididamente as concep~oes fatalistas e as concep~oes de uma cultura aut6noma. Uma considera~ao da cultura como expressao de urn produto mecanico das rela~oes ou do ambiente biogeografico, ou econ6mico-social, e completamente alheia a concep~ao expressa par Marx. Nao ha duvida que Marx nunca defendeu o fatalismo naturalista e que jamais considerou a cultura como produto da ra~a ou do ambiente, da transmissao hereditaria ou do clima. 0 escritos de Marx, inclusivamente os seus escritos de juventude, sublinham o papel activo dos homens na transforma~ao do ambiente natural e acentuam a importancia da vida social na transforma~ao do homem, de tal modo que a rela~ao critica de Marx com as teses do naturalismo fatalista e uma coisa indiscutivel. 115
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Algo completamente diferente sucede com o problema do papel dos factores econ6micos. Os materialistas vulgares conceberam o processo de desenvolvimento da produgao material como urn processo independente que determina os outros conteudos da vida dos homens e as suas transformagoes hist6ricas de urn modo fatalista. Os criticos do marxismo recorreram a esta simplificagao para fazerem ataques espectaculares, para difundirem na opiniao publica a crenga de que o marxismo, em relagao a sua teoria da cultura, representa uma modificagao do economismo fatalista. Por esta razao devemos analisar mais detalhadamente a verdadeira concepgao marxista acerca do papel dos factores materiais na produgao da cultura espiritual, acerca do suposto fatalismo econ6mico que Iastra a criagao espiritual dos homens. S6 depois de feitas estas analises obteremos uma imagem completa da teoria marxista da cultura e das concepgoes de educagao nela contidas. Esta concepgao e diferente nao s6 da teoria ut6pico-idealista de urn desenvolvimento aut6nomo da cultura espiritual e da sua transmissao atraves do ensino, mas tambem e diferente das teorias fatalistas e pessimistas que consideram a cultura e o ensino como urn produto determinado pelos factores sociomateriais. 0 problema da correcta compreensao da teoria marxista da cultura era ja actual no tempo de Engels e dos amigos e partidarios de Marx. Como se sabe, nos anos 90, Engels opos-se decididamente a todas as interpretagoes da cultura espiritual como produto mecanico das relagoes econ6micas. «Marx e eu escreve Engels a J. Bloch a 21 de Setembro de 1890 tivemos de arcar com a culpa do facto de, as vezes, ser atribuida pelos discipulos uma importancia ao aspecto econ6mico maior do que aquela que lhe e devida. Face aos inimigos, tivemos de sublinhar o principia essencial legado por eles e nem sempre encontramos o momento, o local e a ocasiao de focar 116
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os outros factores com toda a justeza, factores que participam na acQao reciproca. No entanto, enquanto se tratou de apresentar urn aspecto hist6rico, isto e, de passar a aplicaQao pratica, a questao mudava e ja nao havia erro possivel.» ( 44 ) A observaQao de Engels de que as bases para a compreensao da teoria marxista da cultura devem ser procuradas nao s6 nos escritos, mas tam bern-e talvez principalmente- nos estudos hist6ricos de Marx e muito valiosa. De facto, como Engels sublinhou especialmente, Marx «apenas nao escreveu uma fulica coisa em que a teoria do materialismo hist6rico nao desempenhasse urn papel.» ( 45 ) Nos estudos de hist6ria - aos quais em grande parte pertence 0 Capital-, Marx indica o papel fundamental dos factores materiais e das lutas declasse no desenvolvimento da cultura espiritual. Sublinha simultaneamente o complicado mecanismo da acQao e reacQao que existe entre os processos no campo das forQas produtivas e os processos no campo do pensamento econ6mico e politico, das correntes espirituais e literarias, das ideias religiosas e marais, etc. 0 pensamento dialectico exige necessariamente a compreensao de todas as circunstancias do seu desenvolvimento, da sua dependencia mutavel que afecta a unidade e a luta dos antagonismos, e das interacQoes mutuas. 0 pensamento dialectico opoe-se, pais, a uma separaQao estatica de factos isolados, assim como de campos completos da realidade, e a sua classificaQao segundo categorias l6gicas fixas. Marx usou a determinaQao «estrutura» e «superstrutura». Estas categorias lembram a construQao de urn edificio e utilizam-se em geral como caracterizaQao da peculiaridade e do caracter de dependencia da superstrutura em relaQao ao papel necessaria(" ) Ibidem, (''' ) IbiJoom.
p . 460.
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mente determinante da estrutura. Nao ha duvida que esta caracteriza~ao de Marx se dirigia contra as teorias espiritual-idealistas, segundo as quais a cultura se desenvolve por completo independentemente das leis do espirito: a sua missao era destacar a real radica~ao da cultura no ser social. Mas nao se trata de modo nenhum que a cultura seja urn produto mecanico das rela~oes materiais. Marx, de acordo com as exigencias da diah~ctica, nunca separou os processos hist6ricos reais, nos elementos abstracta e estaticamente separaveis, «da materia e do espirito», das for~as produtivas e das rela~oes de produ~ao, da base econ6mica e da estrutura social, etc. Mas, dado que o seu materialismo e dialectico, Marx mostra sempre como no desenvolvimento da materia surgem novas qualidades que participam activamente nos processos do desenvolvimento posterior. Janas suas obras de juventude Marx repele as concep~oes err6neas que consideram o ser material dos homens como algo exclusivamente material; como algo que ja nao contem nenhum elemento psiquico, e recomenda a psicologia que oriente as suas investiga~oes especialmente para este aspecto «material» da vida dos homens. ( 46 ) De modo semelhante, tambem nas suas analises posteriores da situa~ao «material» dos operar ios e da realidade econ6mica «material», Marx desentranhou os elementos de consciencia, vontade, valoriza~ao moral, etc. nela contidos. 0 seu empenho cientifico foi demonstrar que e completamente injusto separar os «Conteudos humanos» - conteudos psiquicos e sociais da nossa vida- dos conteudos materiais, dos condicionamentos materiais de existencia e que nao se concebam exclusivamente como algo material, econ6mico ou tecnico. Os conteudos humanos da nossa vida espiritual, moral, estetica, etc. nao estao fixos ('" ) Marx-Engels, Kleine Olcon omi sche Schrif t en (Manuscritos E con6m icos) , B erlim, 1955, pp. 135 e seguintes.
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em qualquer sitio, a margem da nossa vida real, material, ·mas estao contidos nela de urn modo imanente e sao, com ela, urna unidade diaU~ctica. Urn born exemplo desta 6ptica sao as analises do trabalho humano que Marx apresenta em 0 Capital. Depois de esboQar o processo hist6rico da formaQao do trabalho humano, Marx escreve: «Aqui, partimos do pressuposto do trabalho plasmado ja sob uma forma que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operaQ6es semelhantes as manipulaQ6es de urn tecelao, e a construQao dos fa vas de mel das abelhas podia,· pela sua perfeiQao, envergonhar mais de urn mestre de obras. Mas ha alga em que ate o pior mestre excede desde logo a melhor abelha, e o facto dele, antes de executar a construQao, a projectar no seu cerebra. No fim do processo de trabalho, brota urn resultado que, antes de comeQar o processo, existia ja na mente do operario, isto e, urn resultado que ja tinha existencia ideal. 0 operario nao se limita a fazer mudar de forma a materia que lhe e oferecida pela natureza, mas tambem realiza nela o seu fim, esse que ele sabe que rege como uma lei as modalidades da sua actuaQao e ao qual ele tern necessariamente de sujeitar a sua vontade. E esta sujeiQao nao e urn acto isolado. Enquanto estiver a trabalhar, alem de exigir urn esforQo dos 6rgaos que trabalham, o operario tern de manter essa vontade consciente do fim a que chamamos atenQao, atenQa,o essa que devera ser tanto mais concentrada quanta menos atraente for o trabalho, pelo seu caracter ou pela SUa exeCUQaO, para quem 0 realiza, isto e, quanta mais Ionge o operario estiver de obter no seu trabalho satisfaQao que a aplicaQao das suas forQas fisicas e espirituais num jogo lhe proporcionaria.» {4 7 ) Esta unidade dialectica do esforQo fisico e espiritual, da actividade material e espiritual, da exis(") K. Marx, Das K'(J)pbtal (0 Capital), Berlim, 1953, vol. I, p. 186. 119
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tencia real, espiritual e moral, assim como da cultura estetica, destr6i precisamente todo o espiritualista que converta o Espirito num reino independente. 0 mesmo fazem os mecanicistas ao considerarem a actividade cultural dos homens como uma simples sucessao de situa~oes que se produzem como urn efeito nao participando desde o principia no desenvolvimento deste processo como seu elemento essencia!, caracteristico e activo. Marx nunca aceitou este modo estatico de considerar a vida huinana, a sociedade e a cultura. Trata-se precisamente do contrario. Destacou sempre a unidade dialectica da vida humana, isto e, sublinhou 0 processo inevitavel das mutuas influencias de diferentes tipos de elementos, o processo da unidade e da luta dos contrarios, a reciproca penetra~ao e aparecimento de novas elementos. Este processo acentua Marx - tern as suas pr6prias leis e por isso os elementos parciais nao podem ser «livres» no sentido dos espiritualistas. No entanto, estes elementos surgidos no Iento desenvolvimento hist6rico, tern 0 caracter de qualidades realmente existentes e actuantes e nao sao de modo nenhum urn produto lateral e passivo de urn processo exclusivamente material e isolado deles, como pensavam os mecanicistas. A carta citada de Marx a Annenkow confirma uma interpreta~ao deste tipo. Esta carta responde de modo negativo a questao de saber se 0 homem e ou nao livre de escolher esta ou aquela forma social. Afirma que numa epoca concreta existe uma inevitavel dependencia entre os diversos elementos da vida social: determinadas formas de produ~ao tern rela~oes sociais correspondentes, determinadas rela~oes sociais tern formas politica8 correspondentes, etc. Mas nao e de concluir que Marx queira dizer; com isto que os elementos isolados surgem independentemente uns dos outros e que sao depois da elabora~ao do preexistente, como a constru~ao de 'uma casa de 120
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andares a partir de uma casa ja existente. Tambem nao se deve deduzir que estas formulaQ5es, que determinam a necessaria vinculaQao dos elementos parciais, podem eliminar as oposiQoes que existem entre eles e sao a fonte de todo o desenvolvimento posterior. 0 pensamento diah~ctico sublinha, no desenvolvimento da cultura, a relaQao entre os elementos isolados, qualitativamente diferenciaveis, e os antagonismos existentes; destaca o papel dos factores materiais, cujas mudanQas sao especialmente revolu- · cionarias, mas que na sociedade humana formam com o resto dos elementos uma unidade dialectica. 0 pensamento dialectico repele o tratamento dogmatico que consiste em considerar a cultura uma realidade especial, independente, mas sem a liquidar nem a considerar urn epifen6meno ·s ecundario da materia. Deste modo, destaca de maneira mais clara o verdadeiro papel responsavel da «cultura» nas grandes transformaQ5es sociais, no desenvolvimento e no processo geral. A actividade cientifica e social de Marx e de Engels serve precisamente de testemunho ao que ficou afirmado. 7. 0 papel e a responsabilidade do autor da cultura espiritual
Destacar o papel activo da cultura espiritual mi hist6ria tern uma grande importancia e graves consequencias. Antes de mais, afirma-se que os autores da cultura sao responsaveis pelo caracter e pela influencia dos seus valores na vida social. A esta responsabilidade individual corresponde, por parte da sociedade, o direito de valorizar e julgar a actividade dos autores da cultura, dos artistas e cientistas. · Nos seus diversos estudos, Marx investigou de forma critica o papel dos fil6sofos e dos cientistas, 121
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dos moralistas e ide6logos, dos artistas e educaddres, na vida social da sua epoca. Depois da ter afirmado na sua obra de juventude Contribuir;iio para a Critica da Filosofia do Direito de Hegel que se deve estender a critica das religioes
as ilusoes que a critica da cultura encobre, empreendeu uma aguda polemica contra a filosofia burguesa e a ciencia que impossibilitam o conhecimento da re(cl.lidade e suas transforma~oes, de acordo com as necessidades humanas. Em A Sagrada Familia sao criticados os iniinigos do «humanismo real», que tentaram regressar ao espiritualismo e individualismo. 0 amplo estudo dedicado a ideologia alema opoe-se aos pseudo-radicais segundo a filosofia dos quais o mundo avan~aria. Tal como se adverte no prefacio, este estudo propoe-se «desmascarar estas ovelhas que se julgam e sao julgadas lobos, mostrar como as ideias dos burgueses alemaes se limitam a repetir em filosofia, como a jactancia destes expositores filos6ficos s6 reflectem a miseria da real situa~ao alema.» ( 48 ) A extraordinaria importancia, que Marx concedeu a uma ideologia progressista, manifesta-se no Manifesto do Partido Comunista, em que a terceira parte e dedicada a analise e critica das ideologias err6neas e mistificadoras. Manifesta-se tambem nos posteriores estudos de Marx, onde se ligam sempre as teses positivas a critica dos erros e ilusoes dos mistificadores. No prefacio a 0 Capital, formula uma censura aguda a cultura espiritual e moral contemporanea que nao quer combater o capitalismo: «Perseu envolvia-se num manto de nevoa para perseguir os mortos. N6s tapamos com a nossa capa de nevoa OS OUVidos e OS olhos para nao vermos e ouvirmos as monstruosidades e podermos assim nega-las.» ( 49 ) (
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)
Marx-Engels, Werk'!3, Berlim, 1958, vol. III, p. 13.
('"') K. Marx, Das Ka;pital, Bedim, 1953, vol. I, p. 7. 122
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Destacar o papel que corresponde a cultura espiritual na vida material da sociedade, assim como formular criterios unilaterais para julgar os criadores da cultura e as suas obras s6 e possivel se se conceber de urn modo verdadeiramente exacto a dependencia da cultura da base material no sentido dialectico. Se, como e certo, a cultura espiritual exerce realmente uma influencia determinada no decurso do processo da vida da sociedade humana, nao pode ser urn produto deste processo no sentido dos mecanicistas, que a consideram como urn reflexo completamente passivo, dependente das rela~6es humanas. _ 0 erro da interpreta~ao mecanicista foi ter concebido, entre outras coisas, estas rela~6es como urn todo determinado e fulico. No entanto, trata-se na realidade de alga completamente diferente. As rela~6es materiais, sob as quais se desenvolve a sociedade e sua cultura, sao urn processo das transforma~6es, das contradi~6es e lutas. Neste processo pode-se distinguir principalmente 0 que e novo do que e velho. A cultura espiritual de todas as epocas esta ligada a estas ou aquelas for~as. Par isso, o seu processo de aparecimento e transforma~ao nao e nero pode ser urn processo de reflexo mecanico d~s rela~6es no psiquismo dos pensadores, e, isso sim, pelo menos em determinados casas e num campo determinado, urn processo de op~ao: pela reac~ao ou pelo progresso social. Assim torna-se compreensivel que a escolha do segundo caminho, o do progresso, esteja mais profundamente ligada a consciencia do que a escolha do primeiro. N a escolha do primeiro caminho actuam tradi~6es automaticas, costumes e exemplos e opini6es publicas estimulantes inspiradas pelos interesses das classes ate entao dominantes. Se se decide aceitar o segundo caminho, e-se for~ado a romper como automatismo e a afastar o ambiente imediato: firmeza e for~a de compreensao que perfilam ja o sentido das transforma~6es que se operam na vida. ' 123
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Assim, se a existencia de elementos conservadores na cultura poderia constituir uma prova da tese mecanicista, segundo a qual a cultura e urn produto adicional das relaQoes, tudo o que diz respeito as forQas progressistas que configuram o futuro revela elementos de uma escolha consciente e responsavel que de maneira nenhuma encontramos nas interpretaQoes mecanicistas. Esta escolha exige uma analise que penetre a realidade, exige o correcto conhecimento das suas leis de desenvolvimento. Este conhecimento nao de:dva mecanicamente da realidade social; encontra ate, na realidade, multiples obstaculos que dificultam urna visao clara. Precisamente todas as questoes que sao muito importantes para 0 desenvolvimento hist6rico posterior sao desvirtuadas e encobertas par aquela classe social que esta interessada na conservaQao da ordem existente. A economia politica e urn exemplo disto. Quando Marx formulou a sua teoria econ6mica, realQOU que a: economia classica deu importancia a determinados problemas no principia, e posteriormente, ao manifestar-se claramente 0 seu caracter de classe, ja nao considera que estas questoes sejam reais. No pr efacio a 0 Capital, Marx mostra claramente como se impede o progresso da investigaQao cientifica e como esta quebra as cadeias. Portanto, uma correcta teoria cientifica nao eno campo dos problemas sociais- em absoluto o resultado inevitavel e passivo das relaQoes existentes. As relaQoes existentes, especialmente as contradiQoes e antagonismos predominantes e mais agudos, sao apenas as condiQoes previas da possibilidade de criar uma teoria que explique estas relaQoes generalizadas. Estas relaQoes nao participam na formulaQao de uma teoria deste tipo, mas dificultam-na de certo modo. Ha que tamar o partido das classes oprimidas e progressistas, ha que ter urn entendimento genial, corajose e critico que descubra o que amadurece no desen124
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volvimento hist6rico e o que, todavia, nao se reflecte na consciencia social. A formulaQao de teorias novas e progressistas que sejam o reflexo do aparecimento de uma nova realidade social e, pais, 0 resultado de urn energico e critico esforQo da consciencia, de uma luta aberta, sem compromissos, contra o que e caduco na filosofia e na ciencia, contra as mistificaQ6es que servem interesses de classe. Quanto mais amadurecem os processos do desenvolvimento hist6rico, mais a consciencia ve uma imagem correcta das suas leis. Mas esta imagem nao e nunca 0 resultado mecanico das pr6prias relaQoes. 8. A inici~o na cultura como futuro
prepara~
para o
Tal como indicam as analises precedentes, a concepQao marxista da cultura op6e-se radicalmente tanto as concepQ6es metafisicas da total autonomia da cultura, como as concepQ6es mecanicistas do sociologismo, segundo as quais a cultura nao e mais que uma imagem das relaQ6es do ambiente. A comprovaQao de que a cultura tern uma autonomia determinada, limitada pelo desenvolvimento geral, conduz a uma valorizaQao decisiva e precisa do seu papel. Este papel pode ser reaccionario ou progressista de acordo com as forQas sociais - nascentes ou mori.:. bundas - a que esteja ligado. Sob este ponto de vista a concepQao marxista op6e-se a todo o tipo de fetichismo da cultura que lhe era atribuido pelos idealistas ao considera-la expressao do Espirito, algo muito elevado e inacessivel, realidade que obriga os homens a uma obediencia cega e nao a uma critica. Ao mesmo tempo a concepQao marxista op6e-se a todo ' o genero de fatalismo do economismo vulgar, segundo o qual a «critica da cultura» carecia de sentido, posto que a propria cultura nao seria algo minimamente 125
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independente, mas uma passiva imagem das rela~6es predominantes. A afirma~ao marxista de que a cultura deve conceber-se como uma actividade que possui uma certa autonomia deve ser relacionada com a agudiza~ao das reivindica~6es sociais que se devem expor nesta actividade. A liberdade nao deve ser usada para o engenhoso ou o original. A liberdade comporta uma maior responsabilidade em rela~ao ao desenvolvimento social, ao futuro que se desenvolve. As obras da produ~ao cultural podem e devem ser julgadas segundo o grau em que sao expressao das for~as progressistas na hist6ria e lhes facilitam a vit6ria. Isto significa que as quest6es educativas nao podem limitar-se a uma transmissao da cultura existente. Estas conclus6es exigem primeiro o conhecimento do desenvolvimento hist6rico geral em cujas fases concretas vivem e actuam os homens de uma determinada epoca e criam a sua propria vida material e espiritual. Em segundo lugar, exigem uma actua~ao estreitamente ligada a este conhecimento que permita ter percep~ao do futuro. A educa~ao nao e·de modo nenhum- segundo a concep~ao marxista de sociedade e cultura- uma questao do «ensino dos bens culturais», como prop6em os escritores burgueses, mas e a forma~ao de combatentes para 0 · progresso social. A participagao nesta luta cria e educa verdadeiros homens. No entanto, a participagao e urn acto consciente que depende da educagao. A interpretagao dialectica, ao indicar que a cultura esta relacionada com as condig6es de vida e ao mesmo tempo exerce nelas a sua influencia, ensina a julgar a cultura a partir do progresso social. Defende a ideia de que a cultura em cada epoca possui tragos reaccionarios e tra~os progressistas, e formula, tendo em conta estas considerag6es, os deveres especiais dos educadores. Estes consistem na formagao psiquica da geragao jovem para que se 126
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converta na activa construtora do progresso. No prefacio a 0 Capital) Marx escreve: «Ao lado das miserias modernas, angustia-nos toda uma serie de miserias herdadas, fruto da sobrevivencia de formas de produ~ao antiquissimas e caducas, com todo o seu sequito de rela~6es politicas e sociais anacr6nicas. Nao s6 somos atormentados pelos vivos, como o somas tambem pelos mortos, le mort saisit le vif! ( * ) » ( 50 ) E no Aohtzehnten Brumaire des Louis Bonaparte afirma: «A tradi~ao de todas as gera~6es mortas pesa sobre o cerebro dos vivos como um pesadelo ... A revolu~ao social do seculo XIX nao pode ir buscar a sua poesia ao passado mas sim ao futuro. Nao pode come~ar por si propria enquanto nao tiver acabado com todas as supersti~6es do passado.» (6 1 ) 0 trabalho deve estar orientado precisamente no sentido da utiliza~ao revolucionaria da vida psiquica, em direc~ao ao futuro. Esta vincula~ao da teoria do ensino a ac~ao revolucionaria da classe operaria opos radicalmente o ponto de vista de Marx e Engels a todas as concep~6es pedag6gicas de entao. A exigencia de uma colabora~ao com a prepara~ao da revolu~ao expos a necessidade de determinar a rela~ao entre a educa«;ao e o patrim6nio cultural de um modo completamente diferente do usado pela pedagogia burguesa. Esta pedagogia considerava que o conteudo fundamental da actividade educativa era transmitir a gera~ao jovem os bens culturais que a classe dominante considerava como cultura «geral» indiscutivel para a forma~ao dos homens. Na inicia~ao a cultura assim entendida, a educa~ao desempenha o papel de um factor que mantem a ordem existente e consequentemente e um dos mais importantes elementos da superstrutura ( * ) Em frances no original. 00 ) Ibidem, PP. 6 e seguintes. ("') Marx-Engels, Ausgewiihlte Schrif,t en, Berlim, 1953, vol. I, pp. 226 e seguintes. (
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que serve uma determinada estrutura. As teorias pedag6gicas dissimulam este facto ao pretenderem demonstrar que no trabalho educativo se realiza urn processo de transmissao dos bens culturais gerais humanos, que estao acima das classes e do tempo. Conclusao completamente diversa se tira se se partir da base adoptada por Marx e Engels para a analise do problema da cultura e do ensino. Este ponto de partida permite nao s6 descobrir as falsidades da concepgao burguesa, mas estabelecer a relagao entre o ensino e a cultura, como conteudo formativo, de uma forma exacta, livre de toda a fra~ seologia metafisica e estreitamente cientifica.
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CAPITULO VI
CRfTICA DA CONCEPQA.O METAFfSICO-IDEALISTA DO HOMEM
A concepQiio do homem e, com a concepQiio da cultura, o segundo problema central da teoria pedag6gica. As concepQoes de ensino estiio sempre ligadas · a urn determinado conceito de hom em; inclusivamente no caso deste conceito niio ser objecto de uma investigaQiio especial par parte dos pedagogos, mas empreendido exclusivamente pelas classes dominantes. A pedagogia burguesa opera com uma concepQiio de homem especial, na qual se exptessa tanto uma certa critica as concepQ6es feudais como uma permanencia encoberta destas concepQ6es. A concepQiio do homem que foi desenvolvida pela ideologia predominante do feudalismo apoiava-se em principios religiosos e deste modo servia os interesses da Igreja e dos detentores do poder mundial. Exigia religiosidade e submissiio, e nisso fundamentava a estrutura social hierarquica e a orientaQiio dos homens para uma vida supraterrena. A burguesia, que empreendeu a luta contra o poder temporal e religioso, teve de se opor a esta concepQiio do homem e consequentemente fez-se no Renascimento uma critica na qual se destacavam os valores que o homem possui autonomamente, em especial os valores intelectuais; sublinhou-se a actividade terrena dos homens e formularam-se os principios da moral universal. 129
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No entanto, esta oposiQao a concepQao medieval foi limitada. Na ideologia burguesa predominava o · conceito fundamental da existencia de urn conteudo conceptual geral imutavel do «Homem». Esta ideologia tentava definir em alguns campos este conteudo conceptual de modo distinto, mas nao rompeu com a convicQao de que a chamada essencia «humana» e urna imagem ideal previa para todos os homens concretes. A filosofia burguesa aceitou esta conceptualizaQao «a priori» idealista da escolastica e tentou conseguir urna definiQao da «essencia do homem» adequada as suas reivindicaQ6es. Afastou as conclus6es de tipo mistico e fideista e julgou ter encontrado as caracteristicas essenciais na razao e na linguagem, na actividade pratico-mecanicista ou no modo de vida social. Nas conhecidas definiQ6es do homem como «animal racional» ou «ente politico» ou finalmente como homo faber) exprimiram-se as tendencias fun' damentais desta tentativa- de definir a «essencia, do hom em. Estes pensamentos filos6ficos conduziram certamente a resultados muito diversos - na hist6ria do pensamento burgues desenvolveram-se controversias agudas entre os partidarios de debeis soluQ6es do «enigma» do homem como, por exemplo, entre os pragmaticos e os racionalistas -mas todas se apoiavam nos mesmos principios metodol6gicos de definir a «essencia» do homem como urn «conteudo ideal» constante, geral e basico que cria o homem ( * ). Este modo de pensar teve para a pedagogia urn significado especial. A pedagogia como ciencia do ensino do homem queria saber em que consiste a «Verdadeira essencia» do homem para poder «Cunhar» discipulos. 0 educador deve formar urn individuo concreto, empirico, de tal modo que se realize nele a ( * ) Observagoes do autor. Veja Ap1!ndice, cap. VI, 1).
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«Verdadeira essencia» do homem. 0 conhecimento desta essencia converteu-se, pois, no fundamento dos objectives do ensino e do programa do trabalho educative. GraQas aos esforQos educativos, as crianQaS transformam-se, neste sentido, em «homens», de tal modo que a ideia de homem -de certo modo latente nelas - e despertada e eleva-se as alturas da abstracQao ao incorpora-la - naturalmente apenas de modo fragmentario - no seu ser individual. Esta forma metafisica de «tornar-se homem» foi o nucleo da concepQao pedag6gica burguesa que se fundamenta na concepQao metafisica do homem. 0 valor progressista desta educaQao dura enquanto ela e empregada como meio de luta contra as concepQoes escolasticas que explicam a essencia do homem de urn modo mistico e fideista. Em oposiQao a estas concepQoes surgiu a pedagogia de Comenio, segundo a qual ensino significa converter a crianQa em homem, dar-lhe formaQao. Isto representou urn grande progresso no ensino. No entanto, no desenvolvimento posterior tornou-se cada vez mais claro que esta concepQao metafisica da essencia do homem devia comportar consequencias reaccionarias. Esta teoria prescinde do processo hist6rico de desenvolvimento do homem e da como essenciais as caracteristicas aparentemente constantes e gerais. 0 «Homem», concebido de modo metafisico, que a educaQao devia realizar, nao era mais que urn compendia das experiencias hist6ricas ate entao adquiridas. No primeiro periodo do desenvolvimento da sociedade capitalista, quando se tratava de superar os residues feudais, esta determinaQao conceptual burguesa da essencia do homem ajudou a criar novas relaQoes de conteudo antifeudal. Com a estabilizaQao paulatina da ordem social burguesa, no entanto, esta definiQao metafisica do homem converteu-se num factor da posterior consolidaQao destas relaQoes. Esta concepQao do homem culminou precisamente na consideraQao das caracteristicas do homem sob o 131
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capitalismo como caracteristicas «substanciais» da hurnanidade em geral e, por conseguinte, na proclama~ao da ordem predominante como a mais adequada a «natureza hurnana». Ao analisar o destino e fun~ao da concep~ao metafisica do homem - especialmente nos seculos XVIII e XIX-, comprovamos que a teoria da natureza do «Homem» serve a consolida~ao da ordem capitalista. A filosofia burguesa esfor~a-se por determinar a «verdadeira essencia» do homem como algo diferente quanto ao conteudo do defendido na epoca do feudalismo. Mas, ao mudar gradualmente o inimigo contra o qual tern de lutar (ja nao se trata do mundo feudal, mas das massas populares e principalmente do proletariado), apresenta-se a «Verdadeira essen- . cia» do homem como urn argumento convincente para fundamentar que a ordem burguesa e justa e legal porque corresponde a natureza hurnana. Hoje podemos descobrir facilmente este processo de mistifica~ao filos6fica que devia dar ao sistema capitalista a mais alta san~ao metafisica. No capitalismo, a partir das rela~oes sociais predominantes «desentranha-se» o modo como a natureza hurnana foi conformada por estas rela~oes. Mas ao considerar este «desentranhar» como revela~ao das caracteristicas essenciais e independentes do ambiente, tenta-se demonstrar que a natureza do proprio homem exige a consecu~ao da ordem burguesa, dado que esta seria a unica adequada a «essencia» do hom em. Deste modo a concep~ao metafisica do homem tornou-se urn importante factor da defesa das posi~oes burguesas e, ao mesmo tempo, impossibilitou qualquer progresso no sentido de urn conhecimento verdadeiro do homem. A teoria da «natureza · do homem» foi, em rela~ao as concep~oes religioso-feudais do homem, urn progresso relativo e desempenhou urn papel progressista na hist6ria- especialmente no Renascimento -. No periodo do inicio da 132
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luta de liberta~ao da classe operaria tornou-se uma teoria que dificulta os esfor~os por uma mudan~a das rela~oes predominantes e que restringiu e desfigurou o processo hist6rico de desenvolvimento do homem, porque atribuiu perfei~ao e imutabilidade ao modelo burgues. 1.
Critica das listas
concep~oes
espiritualistas e natura-
Janas suas primeiras obras Marx fez uma analise do homem. Expoe esta analise na sua luta contra as concep~oes metafisicas e estaticas de caracter religioso e espiritualista e contra·as concep~oes do natu- . ralismo, especialmente da filosofia sensualista. Na opiniao de Marx, a essencia humana nao pode ser entendida como uma essencia cujo conteudo esta eternamente fixado e cuja vida real seja exclusiva_mente urn secular esfor~o de realiza~ao desta essencia. Mas tambem nao pode ser considerada como uma essencia criada exclusivamente pelas for~as da natureza, como sucede com os animais. Se se quer penetrar na essencia do homem ha que ter em conta fundamentalmente a sua actividade que transforma o ambiente e actualiza o processo fundamental da autoprodu~ao do homem pelo trabalho criador. No entanto, todas as teorias que reduzem o homem a uma realidade extra-humana - religiosa, espiritual ou material- concebem-no como urn produto mecanico da actua~ao de for~as alheias. Ja na sua obra Oritica da Filosofia do Direito de Hegel Marx, ao analisar a religiao e ao interpreta-la como expressao dos anseios do homem num mundo de total miseria, escreve o seguinte: A religiao e «a fantastica realizar;ao da essencia humana, porque a essencia humana carece de verdadeira realidade». Com isto, Marx quer dizer que, no entanto, o homem nao se criou na hist6r ia existente ate hoje, isto e, 133
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
nao existe aquela essencia humana que OS metafisicos descreveram e que deve ser urna imagem da eternidade preestabelecida e imutavel, segundo a qual tern de ser julgados os seres individuais. Esta essenciasegundo Marx- esta na base de urn chegar a ser constante gra~as a actividade que transforma 0 mundo e diferencia radicalmente os homens das feras. «Mas o homem nao e urn ser abstracto - escreve Marx na mesma obra- situado fora do mundo. 0 homem e o mundo dos homens, o Estado e a sociedade.» (1) Este pensamento sera desenvolvido mais tarde em Manuscritos Econ6mico-Filos6ficos. Aqui o ataque dirige-se nao s6 as concep~6es metafisicas da religiao, mas principalmente ao caracter sensualista do naturalismo. Marx op6e-se tanto aqueles que separam OS homens da natureza por os considerarem essencia especial, espiritual, como aos que prendem os homens ao mundo material e os convertem nurn produto desse mundo. Marx sublinha especialmente a estreita dependencia do homem em rela~ao a natureza, mas . sublinha tambem que esta dependencia tern urna forma especifica da actividade que permite que a natureza e os homens se convertam em «mundo humane». Toda a hist6ria e urn processo de transforma~ao de todo o mundo humane, em cujos limites o homem transforma a natureza e se transforma a si proprio. Esta concep~ao activa e hist6rica afasta todas as teorias que fa~am da concep~ao geral do mundo, da sobreposi~ao da natureza e do mundo dos homens urn principia fundamental. Marx ensina a conceber «como o comportamento natural do homem se converteu no seu comportamento humano, isto e, como a sua existencia humana se converteu na sua natureza hurnana (') Marx Engels, La SagradJa Flamilia, Ed. Grijalbo,
. xico, 1962, p. 3. 134
Me-
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O
e a sua natureza hurnana simplesmente em sua natureza». Neste sentido, cada passo que conduz ao dominio e transforma~ao da natureza e liga o homem de urn modo cada vez mais estreito as forgas naturais e um passo na forma~ao de um conteudo amplamente humano. Esta Iiga~ao das for~as humanas a s for~as da natureza e, para Marx, a chave para a solugao do «antagonismo entre o homem e a natureza, e entre os homens, a verdadeira solugao da !uta entre existencia e essencia, entre objectiva~ao e auto-afirmagao, entre liberdade e necessidade, entre individuo e genero» (2). Quanto mais longe os homens avan~am neste caminho da cria~ao de um «mundo humano» na sua actividade historica, mais agudamente sao afastadas duas concepgoes opostas: o naturalismo fatalista e o humanismo espiritualista. Concep~oes que sao expressao da desorientagao e da falta de independencia historicas, do nao ter consciencia de que os homens sao criadores do seu proprio mundo na natureza. Nestas condi~oes, surgiram as concepgoes erroneas que, por urn !ado, atiram o homem inevitavelmente para os bra~os da natureza ou para fora dela e, por outro !ado, as que veem a grandeza humana na total separagao em rela~ao a natureza, no reino do «espirito puro». Em oposi~ao a ambas as concep~oes, Marx destaca que o dominio da natureza pelos homens os converte em homens no sentido proprio, e que o tor nar-l;le homem coincide com o, cada vez mais anunciado, crescimento do homem na natureza. «A propria historia - escreve Marx - e uma parte real da hiSt6ria da natureza, da transforma~ao da natureza em homem. As ciencias da natureza converter-se-ao posteriormente tanto na ciencia dos homens como, por (' ) Marx-Engels, Manu.scritos EC'0'1'0micos, Berlim, 1955, p. 127.
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seu lado, a ciencia dos homens, subsumi; a as ciencias da natureza: existira uma ciencia. » ( 8 ) 0 caminho que conduz a isto e 0 desenvolvimento da industria, que, num sentido geral, se entende como o desenvolvimento da actividade humana ' na transforma~ao da natureza. Esta actividade e, tal como Marx a caracteriza, «O livr o aberto das forQas humanas) a psicologia humana perceptive! ante nos». Portanto, nao representa s6 uma aquisi~ao externa, material, mas e tambem uma forma~ao moderna dos homens e das suas mutuas rela~oes, do seu ser social e individual no modo especifico. Por isso ha que analisar este «livro ·aberto» se se quer saber o que o homem e e 0 que .ele sera. A industria e uma rela~ao hist 6rica dos homens com a natureza e tambem das ciencias naturais com o hom em; neste processo configura-se a natureza humana do homem, a sua verdadeira natureza. Quanta mais humana se torna a natureza, mais humano se torna o homem. 0 homem forma-se e desenvolve-se nas obras das suas pr6prias maos e do seu proprio espirito que lhe permitem actuar com exito na natureza. A critica de Marx ao sensualismo ( 4 ) poe a nu a concepQao err6nea segundo a qual os sentidos humanos seriam aparelhos receptivos da natureza ja acabados. Marx assinala que os sentidos humanos s6 adquirem caracter verdadeiramente «humano» na actividade dos homens. Na actividade os homens criam, a partir do material da natureza, objectos humanos e deste modo desenvolvem-se os sentidos e as capacidades para o trabalho. «A forma~ao dos cinco sentidos - escreve Marx - e urn trabalho de toda a hist6ria universal existente ate aos nossos dias. » (') Ibidlem, p. 137. 4 ( ) Ibidem, p, 134.
136
:
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Quanta mais humana e a natureza, mais independente e 0 homem das necessidades naturais, mais livre . e correctamente pode conformar as relaQ6es mutuas. 0 triunfo no dominio da natureza e a base para · Q triunfo na vida social. 0 comunismo, que s6 e possivel quando existe urn elevado nivel de desenvolvimento das forQas produtivas, representa tanto a superaQiio do dominio da natureza sabre os homens, como a superaQiio do dominio dos homens sabre os homens. 0 desenvolvimento da industria cria as premissas para a «emancipaQiio humana» que o comunismo realiza. · Como resultado destes pensamentos, Marx formula, em relaQiio a luta contra os chamados «verdadeiros» socialistas, a tese de que este «conteudo humano» depende completamente do grau de desenvolvimento da produQiio e da troca entre os homens ( 5 ). Tal como se compreende a partir destes conhecimentos, Marx ataca as concepQ6es metafisicas do homem nas suas raizes. Ja dissemos que a concepQiio burguesa se distingue no seu conteudo da concepQiio feudal, ainda que niio se distinga no seu caracter metafisico, e isto afecta tambem as concepQ6es primarias. A critica de Marx refere-se precisamente a estes principios metodol6gicos da concepQiio burguesa que sao comuns a esta e a outras teorias do homem. Esta critica op6e o ponto de vista dialectico, que se desenvolve historicamente, ao modo de conceber estatico e metafisico. Na conhecida obra Teses sobre Feuer bach exp6e: «A essencia humana niio e nenhuma abstracQiio inerente ao individuo isolado. Na realidade, e o conjunto das relaQ6es sociais. » ( 6 ) Nesta tese de formulaQiio lapidar esta contida toda a riqueza de urn pensamento que ataca as concepQ6es (
0
)
Marx -Engels, W erke (O br'as), B erlim, 1958, vol. ITI,
p. 500. (
6
)
lbidBm, p. 534.
137
1
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ate hoje existentes em varios aspectos e indica ao conhecimento o caminho correcto para o futuro. A critica marxista da filosofia idealista de Hegel, que analisamos no capitulo anterior, mostra a tendencia das concepgoes metafisicas do homem. 0 seu erro basico, segundo Marx, e considerar a «essencia» como algo originario e so breposto a relagao com o hom em concreto, como uma «forga de facto » ·que forma os homens, como urn certo «pre-conteudo» de que surge o mundo empirico. Precisamente onde a filosofia burguesa ve processes hist6ricos, ela considera-os independe'n tes, «realizagao» das modificagoes da «essencia» humana. «Se se considerar este desenvolvimento dos individuos - escreve Marx- de urn modo filos6jico nas condigoes de existencia comuns aos sucessivos estadios hist6ricos e as classes e as ideias gerais aceites, e facil imaginar-se que nestes individuos se desenvolveu o genero ou o homem, ou que desenvolveram o hom em; imaginagao essa que da fortes sopapos na hist6ria. Entao pode-se conceber estes diferentes estadios e classes como especificagoes da expressao geral, como tipos subordinados do genero, como fases de desenvolvimento do homem. » (7) Este ponto de partida falso, que conduz ao erro, exprime-se na aceitagao .do geral como o original e o unico que produz os factos particulares. Neste sentido, os fil6sofos metafisicos aceitam a «preexistencia da classe» porque creem por exemplo, que «O burgues nao e mais que urn exemplar do genero burgues », opiniao que, segundo Marx, «exige que a classe do burgues tenha existido antes dos individuos que a constituem» ( 8 ) . Na realidade, o problema apresenta-se de maneira totalmente diversa. Nao e o «homem em geral» que se realiza nos periodos particulares da hist6ria, mas (') Ibidem, p. 75. 8 ( ) Ibidem. 138
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
e «a soma das forQas produtivas, as riquezas e as formas de relaQoes sociais que cada individuo e cada gera~ao encontra como algo dado que e a base real do que os fil6sofos imaginaram como "substancia" e "essencia do homem"» ( 9 ) Assim, quando os metafisicos consideram o processo hist6rico como processo de desenvolvimento, confundem radicalmente as causas com os fen6menos. «Conceberam - escreve Marx - todo o processo por n6s desenvolvido como o processo de desenvolvimento "do hom em", de tal modo que o "homem" suplanta os individuos ate agora existentes em cada nivel hist6rico e apresenta-se como for!;a motriz da hist6ria. Concebe-se, pois, todo o processo como processo de autoaliena!;ao "do homem" devido a que 0 individuo medio da etapa posterior e sempre introduzido na etapa precedente e a consciencia posterior nos individuos precedentes.» (1°) 2. Critica dos fundamentos da
mistifica~ao
burguesa
A concep!;ao metafisica do homem e, pois, em si, urn registo inconsciente de factos do desenvolvimento do homem que esta ligado as relaQoes sociais. A teoria metafisica considera este patrim6nio hist6rico como exterioriza!;ao da «verdadeira essencia» do homem e deste modo torna impossivel a conceptualiza!;aO real. Numa fase determinada da hist6ria acontece que 0 burgues da a esta teoria urn caracter reaccionario. Marx pos a nu o caracter mistico das teorias burguesas ao analisar de modo preciso os ideais formulados como expressao supostamente perfeita da essencia humana. Os escritores burgueses apresentaram frequentemente o ideal do homem como meta do trabalho educativo, sem compreenderem ou sem quererem compreender o facto de que este ideal (") Ibidem, p, 38. ('") Ibidem, p. 69.
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esta limitado no seu conteudo pelos interesses e experiencias da burguesia. «0 Sr. Proudhon nao afirma directamente - escreve Marx a Annenkow- que a vida burguesa e para ele uma verdade eterna. Di-lo indirectamente ao divinizar as categorias que exprimem as rela~oes burguesas sob a forma do pensamento. Toma os produtos da sociedade burguesa por algo que surgiu espontaneamente, dotado de vida propria, essencia eterna desde que se lhe apresente sob a forma de categorias, sob a forma de pensamento. Assim, nao ultrapassa o horizonte burgues. Dado que opera com os pensamentos burgueses como se eles fossem eternamente verdadeiros, busca a sintese destes pensamentos, 0 seu equilibria e nao ve que o modo como se obtem actualmente o equilibria e o unico modo possivel. Nao faz mais do que faria urn born burgues. Todos eles dizem que a concorrencia, 0 monop61io, etc., em principia, isto e, tornados como pensamentos abstractos, sao as unicas bases da vida, ainda que, na pratica, deixem muito a desejar. Todos querem a concorrencia sem as consequen.c ias funestas da concorrencia. Todos querem o impossivel, isto e, querem condi~6es de vida burguesas sem as consequencias necessarias destas condi~oes. Nenhum deles compreende que a forma de produ~ao burguesa e uma forma hist6rica e transit6ria, do mesmo modo que o foi a forma feudal. Este erro faz com que 0 homem burgues seja para eles a unica base possivel de toda a sociedade, faz com que nao possam conceber nenhuma situa~ao social na qual o homem deixe de ser burgues.» ( 11 ) Os escritores burgueses nao compreendem que o que se define como «Homem» e uma expressao das especificas rela~6es predominantes na sociedade burguesa; absolutizam o conteudo achado e convertem-no numa imagem eterna e imutavel. 11 ( ) Marx-Engels, pp. 50 e seguintes.
Ausgewiihlte
140
Briefe;
Berlim,
1953,
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A pratica educativa revestida de palavra como liberdade, humanidade, desenvolvimento do individuo, etc., e, na realidade, somente a forma~ao de homens burgueses. Tudo isto-escreve Marx-e apenas «Oreconhecimento do individuo burgues, egoista, e do movimento desordenado dos elementos espirituais e materiais que configuram a actual vida burguesa (1 2 ) . A hipocrisia da burguesia cresce continuamente; e a consequencia da for~a crescente do proletariado. A diferen~a entre a burguesia e o proletariado nao se esgota no campo da actual situa~ao socioecon6mica destas duas classes. Elas estao ligadas tambern pelo seu diferente papel no futuro. 0 proletariado e uma classe que dominara no futuro ao erial' uma sociedade socialista sem classes, enquanto que a burguesia e uma classe condenada a decadencia. N a luta dos operarios explorados e oprimidos pelos capitalistas amadurece urn novo mundo no qual os operarios come~am a dominar depois do derrube da ordem social burguesa. 0 que hoje criam no seu trabalho diario e certamente destruido e explorado pelos capitalistas, mas florescera por completo quando os operarios tiverem conquistado os meios de produ~ao. E certo que hoje sofrem derrotas na sua luta revolucionaria, mas nela configuram e assentam os novos tra~os que no futuro caracterizarao o homem socialista. Algo completamente diferente sucede com o papel da burguesia. «No periodo burgues da hist6ria - escreve Marx- ha que criar a base material de urn mundo novo; por urn lado, o comercio mundial baseado na mutua dependencia dos povos e dos meios de comunica~ao para ele necessarios; por outro lado, o desenvolvimento das for~as produtivas humanas e a transforma~ao da produ~ao material no dominio cientifico das for~as naturais. A industria burguesa (") Marx-Engels, Werke, Berlim, 1958, vol. II, 'P· 119. 141
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e o comercio burgues criam estas condi~oes materiais de urn mundo novo, do mesmo modo que as revolu~oes geol6gicas criaram a superficie da terra. Quando uma grande revolu~ao social tiver dominado os resultados da epoca burguesa, do mercado mundial e as for~as produtivas humanas, e as tenha submetido ao dominio comum dos povos mais desenvolvidos, s6 entao 0 progresso humano ja nao sera equiparavel a qualquer idolo abominavel que s6 deseja beber o nectar nos cranios das suas vitimas.» (1 3 ) Portanto, · o papel hist6rico da burguesia e preparar 0 terreno para urn sistema que sera a nega~ao . desta burguesia. Mas e evidente que nenhuma cla.sse quereria colaborar na desfrui~ao do seu proprio ideal · de vida. A burguesia tambem nao. Pelo contrario, ela esfor~a-se por dar na sua ideologia a demonstra~ao da legalidade e eternidade da sua existencia. Mas, dado que 0 sistema capitalista nao e mais do que uma etapa do desenvolvimento hist6rico da humanidade e nao pode por isso durar eternamente como realiza~ao da razao natural e da justi~a, a ideologia tern de conter contradi~oes, hipocrisias e ilusoes. Por isso a burguesia nao esta interessada em investiga~oes cientificas que possam por a descoberto o seu caracter hist6rico e o seu papel. Pelo contrario, tern de destruir tais estudos, posto que os resultados a que chegam amea~am o seu dominio. Em oposi~ao a isto tern de aceitar como valida uma filosofia que apresenta a ordem burguesa como algo independente da hist6ria, geral, persistente e obrigat6rio no aspecto metafisico, ao inferir os principios fundamentais desta ordem prescindindo da vida social. Marx assinala especialmente estas ilusoes tipicamente burguesas e poe-na.s a descoberto. Fe-lo face aos fil6sofos do Iluminismo, que apresentam os privilegios e os desejos da classe burguesa como direito (" ) Marx-Engels, AusgeJWiihlte Schritten (OlnvJJs EscoZhidas) , Berlim, 1953, vol. I, P. 332.
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· natural; fe-lo frente a Hegel, que tornou aproveitaveis os resultados do Estado burgues para a metafisica do Estado, e fe-lo tambem face a «ideologia alemii» e ao chamado socialismo «verdadeiro». Hipocrisia e cegueira da ideologia burguesa sao algo que se pode apreciar facilmente em todas as suas variantes que se dizem progressistas e inclusivamente socialistas. Neste «socialismo conservador ou burgues» torna-se patente a tarefa irreal que ele se propos, a saber: melhorar a ordem burguesa sem a destruir. «Os socialistas burgueses- diz-se no Manifesto do Partido Comunista - querem as condi~oes de vida da sociedade moderna sem as lutas e os perigos que delas derivam fatalmente. Querem a sociedade actual, mas expurgada dos elementos que a revolucionam e a dissolvem. Querem a burguesia sem o proletariado.» Como representante de uma filosofia deste tipo temos Proudhon, que Marx combateu frequentemente. 3. 0 utilitarismo burgues como teoria er ronea da motiv~ao do comportamento humano No desmascaramento da fun~iio de classe da filosofia educativa burguesa, Marx analisa duas concep~oes fundamentais do homem que representam esta filosofia. Uma delas comporta o caracter de pensamentos te6ricos acerca da natureza humana 'e as motiva~oes que determinam a sua actua~iio; a outra procura determinar as tarefas do individuo como cidadiio e como homem. 0 fundamento das ideias burguesas e, no primeiro caso, 0 conjunto das experiencias adquiridas da economia capitalista em crescente expansiio, do seu caracter e metodos ; no segundo caso, as experiencias que se realizaram na forma~iio no Estado burgues. Estas concep~oes que se relacionam com a natureza do homem conduzem a conclusiio de que a prin143
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
cipal for~a motriz do comportamento humano e a sua tendencia para conseguir beneficios ou lucros. Este pensamento e apresentado pela filosofia burguesa como algo muito valioso para o ensino. A conversiio dos individuos em homens que compreendem apropriada e razoavelmente o seu circulo de interesses deve constituir o programa fundamental do ensino individual e do ensino social. Marx critica esta concep~iio ao indicar que se trata principalmente de interesses burgueses. De que tipo e · a situa~iio hist6rica e o aspecto espiritual da burguesia? A burguesia realizou na hist6ria uma grande revolu~iio gra~as a sua luta decidida e vitoriosa contra o feudalismo. Esta revolu~iio tomou 0 caracter de urn progresso alcan~ado por toda a sociedade. Mas, ao derrubar a ordem ate entiio existente, a burguesia conquistou as suas pr6prias posi~oes. «As revolu<;oes de 1648 e de 1789 niio foram a revolu~iio inglesa e a revolu~iio francesa)· foram revolu~oes a escala europeia. Niio representaram o triunfo de uma determinada classe da sociedade sobre o antigo regime politico)· proclamavam o regime politico de uma nova sociedade europeia. A burguesia venceu, mas o triunfo da burguesia era entiio o triunfo de uma nova ordem social) o triunfo da propriedade burguesa sobre a feudal, da nacionalidade sobre o provincialismo, da concorrencia sobre o regime corporative, da divisiio da propriedade sobre o direito exclusivo do primogE'mito, dos proprietaries da terra contra o dominio que os rendeiros exerciam por meio do solo, da ilustra~iio sobre as · supersti~oes, da familia sobre os apelidos, do trabalho sobre a pregui~a, do direito burgues sobre os privilegios medievais.» (H) A revolu~iio burguesa foi uma etapa necessaria e progressista do desenvolvimento hist6rico, mobilizou as for~as produtivas que amadureceram no seio ('·') Ibidem, pp. 56 e seguintes.
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da ordem feudal e que nab conseguiam dentro dela a sua liberdade de actuagao. Mas, apesar do ca racter objectivamente valioso desta revolugao, ela levou-se a cabo de tal forma, que suscitou e consolidou as mais baixas tendencias da burguesia. «A transformagao dos meios de produgao individuais e dispersos em meios sociais e concentrados de produgao e, portanto, da propriedade raquitica de muitos em propriedade gigantesca de poucos, ou, 0 que e 0 mesmo, a expropriagao que priva a grande massa do povo da terra dos meios de vida e instrumentos de trabalho, esta espantosa e dificil expropriagao da grande maioria do povo, forma a pre-hist6ria do capital... A expropriagao do produtor directo e conseguida com o mais desapiedado vandalismo e sob o incentive das paix6es mais infames, mais sujas, mais mesquinhas e mais odiosas. » ( 15 ) Estes motives de actuagao presentes na classe burguesa converteram-se paulatinamente na fonte das ideologias socioeticas que foram criadas par esta classe para fundamentar o seu modo de actuagao. Ao mesmo tempo tinham par missao conquistar a geragao jovem atraves de uma educagao adequada a esta actuagao. Tal foi o caracter da filosofia do utilitarismo e do hedonismo. 0 utilitarismo filos6fico era urn equivalente da pratica burguesa no campo da actividade socioecon6mica. Diversas formulag6es deste utilitarismo corresponderam a diversas fases do desenvolvimento da economia capitalista e a diversas posig6es da classe burguesa na sociedade. Em Hobbes e em Locke comega este utilitarismo cujo percurso passa pelos economistas e fisiocratas, par Helvecio e Halbach ate Bentham e Mill. 0 desenvolvimento deste utilitarismo exprime - na opiniao de Marx- a transformagao da burguesia de uma classe «combativa, ('" ) K
M arx, D as K apvt al
vol. I, p . 802. 145
(0
Capit al), Berlim , 1953, .
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mas nao desenvolvida» nurna classe «dorninante e desenvolvida». (1 6 ) Mas esta transforrna~ao nao tern interesse para o objectivo que nos propornos. 0 irnportante e o conteudo desta concep~ao utilitarista. Marx analisa este problema ern A Ideologia Alema e sublinha a influencia prejudicial destas teorias utilitaristas no campo do ensino. Assinala que estas teorias se apresentarn como irnagern ideal de toda a rela~ao do hornern consigo proprio, corn a sua propria actua~ao e corn os outros hornens. Para a burguesia existe urn so tipo de rela~oes, as de explora~ao. Todas as outras rela~oes sao apenas reconhecidas unicarnente enquanto podern integrar-se na posi~ao fundamental da explora~ao. Inclusivarnente quando deterrninadas rela~oes nao podern subsurnir-se ern rela~oes de explora~ao, na rnelhor das hipoteses a burguesia interpreta esta estrutura como ilusoria. «A expressao material desta utilidade e o dinheiro, o representante do valor de todos os objectos e coisas, dos hornens e das rela~oes sociais.» ( 17 ) No entanto, a filosofia utilitarista encobre a sua origem de classe. Apesar de ter tornado dela o seu conteudo ideologico, apresenta a utilidade como ideia que deriva, corn a ajuda da razao, da natureza do hornern. Segundo esta filosofia, as rela~oes socioeconornicas concretas nao devern ser o seu substrata, mas a sua utiliza~ao, a sua realiza~ao progressiva. A ordern burguesa recebe deste modo a rnais elevada san~ao rnetafisica dos filosofos. A filosofia utilitarista considera as suas proprias origens de classe como realiza~ao social dos principios por ela descobertos e das leis do ser. Deste modo, nao colabora na cornpreensao historica da ideologia da utilidade, mas difunde, pelo contrario, a convic~ao de que o significado desta ideologia esta acirna das classes e que e algo eterno. 6 (' )
Marx Engels, We1'ke, Berlim, 1958, vol. III, (") Ibidem, rp. 395. 146
P.· 397.
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E, no entanto, assinala Marx, esta estreitamente ligada a historia da burguesia como expressao da sua actua~ao. F.oi progressista ao lutar contra o feudalismo, 0 solidarismo e a etica do dever moral; desenvolveu sacrificios e submissao e mostrou que por ' tras do aspecto de fraternidade e amor ao proximo se ocultavam motiva~oes egoistas que so conduziam ao proveito proprio. Esta ideologia tornou-se reaccionaria a partir do momenta em que se quis fazer da pratica de explora~ao burguesa uma categoria perduravel das rela~oes humanas e das rela~oes entre os homens sem que se fosse consciente de que a ordem burguesa representa uma ordem de classe passageira na historia. Uma ideologia deste tipo nao so limita o desenvolvimento do homem no mundo burgues, mas tambem representa erroneamente a actividade do homem nas rela~oes com a propria sociedade burguesa. «Em Halbach - escreve Marx - toda a actividade dos individuos e representada atraves da sua mutua rela~ao como rela~ao de utilidade e proveito; par exemplo, o falar, o amor. As verdadeiras rela~oes que aqui se pressupoem sao, pois, o falar, o amor, certas aplica~oes de determinadas aptidoes dos individuos. Estas rela~oes devem ter nao so o seu significado proprio, mas devem ser tambem expressao e manifesta~ao de uma terceira rela~ao a elas sujeita, a rela~ao de proveito e utilidade.» ( 18 ) Esta «circunscri~ao» da realidade e - segundo Marx - absutda e arbitraria. Mas este tipo de «mascarada», do ponto de vista de classe, tern naturalmente urn significado. Exprime a natureza da ordem social burguesa na qual a categoria da utili dade (do proveito e da explora~ao) em todo o trabalho e nos seus produtos e extraida sem que de modo algum se tenha em conta o seu conteudo.
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0 trabalho e os produtos do trabalho sao apenas «mercadorias» que pressup6em exclusivamente o criteria do proveito. Este modo de pensar e transpasta para a analise qe todos OS problemas psicologiCOS e marais e deste modo se restringem todos Os aspectos do homem. A filosofia utilitarista e responsavel por estas consequencias educativas. Apresenta como essencia da natureza humana as caracteristicas dos homens apenas sob as rela~6es de produ~ao capitalistas. Apresenta como unicas normas educativas verdadeiras e humanamente gerais aquila que e simplesmente a adapta~ao do homem a estas condi~6es de existencia «desumanas.» A educa~ao espiritual e principalmente a moral sao submetidas sem considera~ao alguma, dissimuladamente, aos interesses da classe dominante. Marx mostra o caracter err6neo e falso dos ideais educativos burgueses, assim como o nucleo essencial das concep~6es utilitaristas de moral e ensino. Alem disso, da aten~ao a todas as frases engenhosas que esta concep~ao usa na luta. Trata-se de palavras de ordem como «homens e cidadaos» com as quais a burguesia festejou o seu triunfo sabre o regime feudal e que levanta como urn canhao face a nova ordem que deve trazer a felicidade e a liberdade a todos os homens. 4. A histOria da origem e o verdadeiro conteiido dos ideais burgueses de homem e cidadiio Quando Marx decidiu analisar o programa burgues de liberta~ao do homem das cadeias existentes e o novo ensino, escolheu como ponto de partida o processo de desenvolvimento hist6rico da sociedade e do seu Estado. Sabre este pano de fundo explicou o humanismo burgues e os seus limites . de classe. Em Criti ca da F i losofia do Direito de Hegel tentou 148
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explicar pela primeira vez o caracter da sociedade moderna e do seu Estado e os conceitos basicos de homem e de cidadao. Max analisa ai as transforma~oes hist6ricas na rela~ao entre a sociedade e o Estado, especialmente as rela~oes entre a sociedade «burguesa» e «politica». Marx compreende o problema de urn modo hist6rico e diz que se pode exprimir o espirito da Idade Media do seguinte modo: «Os estados da sociedade burguesa e as estados em sentido politico eram identicos, porque a sociedade burguesa era a sociedade politica; porque o principia organizativo da sociedade burguesa era o principia do Estado.» (1°) 0 individuo adiantou-se na sua vida privada concreta, quotidiana, a determinados principios «burgueses», que par sua vez serviram de base a institui~oes publicas, .de fundamento a organiza~ao politica do Estado. Assim, par exemplo, propriedade, familia, trabalho foram nao s6 formas de existencia privadas e burguesas do individuo, mas tambem - como organiza~ao do possuidor feudal, significado da origem, papel dos gremios - formas funcionais do Estado. Deste modo, foi determinado o trabalho politico e as direitos politicos do individuo. 0 seu nivel burgues foi urn nivel politico. E assim foi, mesmo no caso deste nivel · burgues privar o individuo de todos au alguns direitos politicos. Precisamente entao, a situa~ao burguesa manifesta-se como nucleo da situa~ao politica. · Esta identidade foi destruida com o decorrer do desenvolvimento hist6rico posterior e, concretamente e em primeiro lugar, pela monarquia absoluta e depois pela Revolu~ao Francesa. Na monarquia absoluta os estados politicos perdem o seu sentido, porque a administra~ao do Estado ja nao se apoia neles; ja nao sao a sua estrutura organizativa objec('") Marx-Engels, W ·e rke, Berlim, 1956, vol. I, p . 275.
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tiva. Os direitos politicos, ou privilegios, entroncam no monarca, este cria-os arbitrariamente e da-os a urn qualquer como recompensa de servi!;os pessoais. A base real e o instrurnento da nova organiza!;ao politica foi-se convertendo gradualmente em burocracia dirigida pelo senhor absoluto. Naturalmente as transforma!;6es nao trazem nenhuma igualdade real dos homens, porque eles pertencem sucessivamente a diversos estratos sociais e e a partir deles que se diferenciam mutuamente. Estas transforma!;6es determinaram apenas que estas diferen!;as sociais «burguesas» deixassem de ter urn senti do directo e urn objectivo politico. «Como os cristaosescreve Marx - , iguais no ceu e desiguais na terra, sao Os membros individuais do povo: iguais no ceu do seu mundo politico e desiguais na sua existencia terrena na sociedade. » ( 2 0 ) Este processo de separaQao da vida social da vida politica alcan!;a o seu ponto culminante com a Revolu!;ao Francesa, porque sob a monarquia absoluta as diferen!;as dos estratos sociais tinha ainda, no entanto, determinadas consequencias politicas. Pelo contrario, a Revolu!;ao Francesa dominou radicalmente todos os «estratos politicos» e converteu as diferenQas reais da sociedade exclusivamente em diferenQas sociais, diferenQas no campo da vida privada as quais nao tinham nenhum significado na vida politica. «Assim terminou a separaQao entre vida politica e sociedade burguesa. » ( 2 1 ) Esta separaQao teve importantes consequencias na vida dos homens. Par esta razao, as consequencias sao um elemento fundamental da analise pedag6gica que tern por objectivo o ensino do homem moderno. Uma manifestaQao destas consequencias foi a sepa-
(") IMdem, p. 283. ("' ) Ib'bdem, p. 284.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO ra~ao do ser humano em um «cidadao no sentido politico» e um «cidadao no sentido social». Ate entao o individuo cumpria os seus direitos e obriga~oes politicas a margem da sua posi~ao social, do seu verdadeiro papel burgues concreto (na sociedade burguesa). Como cidadao (no sentido politico), o homem e simplesmente urn individuo que esta separado da base real, da comunidade e de todas as caracteristicas concretas que constituem a vida social dos homens. Inversamente, como cidadao, o homem esta (no sentido social) separado do Estado, que na sua · estrutura politica nao se apoia na organiza~ao da sociedade burguesa. Nesta organiza~ao, o hom em apresenta-se como «homem particular» e, portanto, nao entra em nenhuma rela~ao com o Estado. Esta divisao interna, que reflecte principalmente a separa~ao entre o Estado e a sociedade, e especialmente importante para a problematica do ensino, dado que o que o homem e concretamente na sua vida - na familia, no trabalho, na sociedade - nao tern importancia nenhuma na sua esfera politico-estatal, a qual 0 homem SO pode aceder «COIDO homem», em virtude dos direitos que lhe correspondem «par natureza». Inversamente, a fun~ao politica, burguesa, estatal do individuo nao se encontra ligada ao seu nivel social nem a sua actividade que, por sua vez, se processa a margem do Estado, em qualquer esfera privada. Nesta situa~ao apresenta-se a questao fundamental de saber propriamente em que esfera vive o homem verdadeiramente a sua vida humana. Na politica, onde se apresenta a margem de todas as determina~oes concretas e sociais, como individualidade abstracta, como «puro individuo»; ou na social, esfera em que e alguem determinado que esta ligado aos outros homens par la~os concretes de depen- , dencia mutua e onde se diferencia deles ; isto e, numa esfera que nada tern a ver com os interesses do Estado e par isso aparece exclusivamente como esfera privada?
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EDUCAc;;:!~O__
...
A resposta a esta questao nao pode ser unia res- ·· pasta indeterminada, nao hist6rica. Pelo contrario, ela sai da situa~ao hist6rica. Segundo a concep~ao de ' Marx, esta analise permite captar o caracter aleg6~ rico das respostas ate agora propostas a questao de como avaliar o homem e o cidadao. Possibilita tambem a compreensao da questao de saber que condiQ6es reais devem cumprir-se para que a resposta a rela~ao multipla deste conceito reflita o que e realmente. Na divergencia entre os que consideram o conflito entre o homem e o cidadao como duradouro e defendem ou a ideologia da «vida humana» ou da «Vida burguesa», e aqueles que nao reconhecem a continuidade do conflito e tentam demonstrar que se pode conseguir uma ligaQao entre o homem e o cidadao pelo ensino, apresenta-se de urn modo especial a posi~ao marxista. 0 metoda hist6rico, que revela o decurso real dos processos hist6ricos que conduzem ao aparecimento e consolida~ao da separaQao entre a vida politica e a social, possibilita, par seu turno, descobrir as fontes das ilusoes ideol6gicas e pedag6gicas que se encontram no actual problema da coincidencia de ambas as esferas. Tambem podem ser mostradas as premissas reais das quais depende uma soluQao real e nao aleg6rico-ilus6ria do problema. Depois destas convincentes analises, Marx em. prende a analise do desenvolvimento politico-social da Europa a partir da Idade Media. Nao basta, pensa Marx, indicar apenas o processo de separa~ao entre a «sociedade burguesa» e a «sociedade politica» que se leva a cabo como consequencia da monarquia absoluta e da RevoluQao Francesa. Haque compreende-lo de urn modo mais exacto juntamente com as transforma~oes da «sociedade burguesa» que acompanharam este processo. Ja em Critica da Filosofia do Direito de Hegel esta indicado o caminho seguido pelos seus pensamentos posteriores. «As camadas sociais da sociedade burguesa - escreve Marx 152
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tambern se transformam; a sociedade burguesa con. verteu-se noutra pela sua separa~ao da politica. » (2 2 ) A partir do momenta em que a estrutura da «Sociedade burguesa» deixou de ser urn significado constitutivo politico, come~ou a adquirir urn significado exclusivamente «privado». Dado que todos os homens eram definidos como iguais pelo Governo e pelo direito, as diferen~as reais da vida s6 tiveram significado para a «esfera privada». A divisao em camadas - camadas sociais - pelo tipo de trabalho e actividade, pelo nascimento, etc., perdeu a sua primeira justifica~ao objectiva. Converteu-se num problema imutavel, arbitrariamente solucionado. Os criterios fundamentais sao agora 0 dinheiro e a forma~ao.
Isto tern urn significado notavel para o homem. Na sociedade feudal o individuo pertencia a urn determinado estrato e a sua vida real era tambem a sua vida social e politica. Na sociedade actual escreve Marx- e completamente diferente. A classe do individuo «ja nao esta em rela~ao real com a sua actividade principal, como seu estrato real. 0 medico nao faz parte de urn estrato especial na sociedade burguesa. Urn comerciante e de urn estrato diferente de outro comerciante, se tern uma situa~ao social diferente» (2 5 ). Isto significa que esta situa~ao come~a a s er alga «externo» em rela~ao ao individuo quando esta situa~ao nao provem do seu trabalho e nao corresponde ao individuo na razao da sua inserQao na comunidade objectiva que esta organizada segundo leis constantes. Sob estas rela~6es a «verdadeira» existencia humana aparece ou como uma existencia completamente privada ou como existencia politica. Nas esferas privadas o individuo parece estar livre das caracteriza~6es «externas e casuais» que determinam o seu papel social, o seu vinculo a toda a sociedade. Estas nao sao absolutamente nada (" ) I bdiclem. ( ~' )
I bidem.
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..
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importantes para o homem segundo a concepQao do individualismo. Na esfera politica o papel do individuo tambem nao e uma funQao da sua vida e do seu trabalho, mas vern da «natureza» e e urn «direito fundamental do homem» eterno. Enquanto o homem desenvolve uma vida aparentemente «verdadeiramente humana» em ambos os casas de existencia, a sua vida concreta, real, diaria, comeQa a parecer alga desprezavel, acidental. «A epoca moderna, a civilizaQao, cai nos erros contrarios. Separa a essencia objectiva do homem como algo material e que lhe e externa» ( 24 ) , enquanto que na !dade Media o ser concreto social do homem compreendia exclusivamente toda a sua existencia dentro dos direitos politicos. Isto significa que o homem nao podia desenvolver a sua vida humana a nao ser do modo como ela vinha determinada pela sua propria existencia concreta. Neste sentido, disse Marx, a !dade Media converteu o homem em «Urn animal que coincide directamente com a sua determinaQaO». E, considerada deste modo, a Idade Media e «a hist6ria da animalidade da humanidade, a sua zoologia» ( 25 ) . Mas a sociedade moderna tern urn erro fundamental, apesar de ser radicalmente diferente: nao da a devida importancia ao conteiido concreto da vida humana e nao percebe que e precisamente ele que constitui a verdadeira «realidade» do homem, porque e par ele que se determina principalmente a sua vida inclusivamente quando esta -sob as condiQoes da sociedade burguesa - nao e acompanhada de nenhum direito determinado na esfera politica ou social. Esta analise e feita par Marx nos seus estudos posteriores ao dar atenQao ao processo de aparecimento da sociedade burguesa. As teses fundamentais sabre este problema estao expostas claramente em A (,..) Ibidem. ("") Ibidem, p. 285. 154
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Questao dos Judeus. Depois do sistema social de estratos ter perdido o sentido que possuira na sociedade feudal, formaram-se tendencias egoistas na mesma medida em que o «Estado politico» se separou da «Sociedade burguesa». Enquanto a ordem social coincidia com a ordem estatal, a burguesia teve de ' ver nos seus direitos politicos que provinham do seu «estrato» certos elementos politicos que obrigavam a respeitar o bem-estar da generalidade. No entanto, depois da revolu~ao burguesa ter dissolvido definitivamente este la~o ·e a actividade politica se ter convertido em actividade dos homens - dos individuos que pela sua situa~ao eram independentes na vida concreta - e dos elementos concretos burgueses da vida terem perdido o seu sentido politico e recebido exclusivamente um significado individual, manifestaram-se abertamente nos homens as caracteristicas ocultas do egoismo, da busca do prazer e a avidez. A sociedade burguesa libertou-se dos deveres politicos tanto no aspecto de possuir um conteudo especial como no aspecto de o defender. Deste modo, realizou-se a ruptura definitiva com a sociedade feudal e o tipo de homem egoista formado nas rela~oes feudais, mas nao desenvolvido, adquire sob as novas rela~oes uma liberdade de ac~ao ilirnitada. A sociedade burguesa nao transformou o homem · feudal; libertou-o apenas das cadeias, proibi~oes e deveres marais. «0 homem - escreve Marx- nao foi, pois, libertado da religiao, mas adquiriu a liber~ dade de religiao. Nao foi libertado da propriedade, conseguiu a liberdade da propriedade. Nao foi libertado do egoismo da industria, conseguiu a liberdade da industria. » ( 26 ) A revolu~ao politica burguesa derrubou a ordem de estratos feudal, uma ordem de comunidades e associa~oes que estavam mutuamente ligadas por privilegios e que se separaram em grupos ('") Ibidem, p. 369.
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particulares independentes. Destruiu tambem os principios que faziam da vida politica e da organiza~ao politica do Estado uma expressao desta estrutura de camadas. Em vez dos privih~gios que dividiam, estabeleceu-se o principia do mesmo direito para todos os homens. Deste modo, a sociedade burguesa tornou-se a soma de individuos iguais por natureza. No entanto, a revoluc;ao burguesa nao . revolucionou os principios fundamentais da vida social que estavam ligados a propriedade privada. Deixou-os manifestarem-se abertamente ao romper ·as cadeias institucionais e marais que se encontravam no feudalismo, ainda que por vezes veladamente. As consequencias destas circunstancias foram as concep~oes burguesas tipicas do homem e do cidadao. A anaJise marxista destas questoes tern grande importancia para a pedagogia. Enquanto a revolu~ao burguesa se libertava das cadeias dos privilegios pelos quais se determinavam diversos circulos do bem-estar publico e a sociedade burguesa se converte no foco de individuos «iguais», estes individuos desenvolvem o seu modo de vida habitual e pensam que e o seu modo de vida natural. 0 homem egofsta e, neste ambiente, «Objecto da cer• · teza imediata»; encontra-se dado como base indestrutivel, como «base natural». E simplesmente homem. Pelo contrario, os seus direitos politicos e os seus deveres que Ihe sao apresentados na mesma medida que aos outros homens, como membro da sociedade e nao como resultado da sua vida concreta e das suas fun~oes concretas no grupo da sociedade, parecem por esta razao algo abstracto, igual para todos, a margem da situa~ao .concreta de cada urn. «Finalmente dirige o homem, como membra da sociedade burguesa, para o homem propriamente dito; para o homme diferente do citoyen) porque e 0 homem na sua existencia imediata sensivel e individual, enquanta 0 homem politico e apenas 0 homem abstracto, artificial, o homem como pessoa aleg6rica, moral. 0 156
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
verdadeiro homem e reconhecido na forma do individuo egoista, na forma do citoyen abstracto.» (2 7 ) E nesta base que Marx fundamenta as suas analises dos «direitos do homem e do cidadao» proclamados pela RevoluQao Francesa e mostra as suas contradiQoes e iiusoes. Que «direitos do homem» sao estes? Sao direitos de urn homem que e membro da sociedade burguesa, direitos do homem egoista, de urn homem que esta separado dos homens e da sociedade. Igualdade, liberdade, seguranQa, propriedade sao direitos deste tipo. «Nenhum dos chamados direitos do homem transcende o homem egoista escreve Marx-, do homem como membro da sociedade burguesa, isto e, virado para OS seus interesses privados e para a sua arbitrariedade privada, individuo a margem da comunidade. 0 homem, que foi concebido precisamente a margem do seu genera especifico, apresenta-se-lhe como o proprio genero e a sociedade como enquadramento exterior ao individuo, como limitaQao da sua independencia original. 0 unico laQO que a ela 0 liga e a necessidade, OS interesses privados, a conservaQao da sua propriedade e da sua pessoa egoista. » {2 8 ) Formular o conceito «homem» significa formular o conceito «Cidadao». Pelo derrube da estrutura politica do Estado feudal, a revoluQao burguesa fez, a partir desta estrutura, uma realidade q:ue e alheia a vida real dos individuos que actuam em comum. 0 Estado, nestas condiQoes, converte-se na unica garantia das necessidades individuais, egoistas, que se definem como direitos humanos. Deste modo, o «Cidadao» converte-se no instrumento do «homem», que na realidade nao e mais que urn burgues egoista. «A esfera, na qual o homem se mantem como natureza, degrada finalmente nao o homem como citoyen) mas Ibi dem, pp. 369· e seguintes. {"") Ibildem, p. 366.
{zr )
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sim 0 homem como burgues, isto e, como aquila que passa par ser propriamente e verdadeiramente homem.» (2 9 ) No entanto, o Estado deve ser representado como o «bem-comum» e como o todo moral mais elevado, como o objecto da dependei.J.cia e sacrificios dos seus cidadaos. Assim, surge o perigoso preconceito politico de que a sociedade burguesa se faz a imagem do Estado, enquanto que, na realidade, e o Estado que e criado pelos interesses desta sociedade. Este preconceito faz com que se chame ao Estado a encarnagao da ordem mais elevada, quando o Estado e precisamente a ordem que se intromete na vocagao propria. «A anarquia - escreve Marx - e a lei da sociedade burguesa emancipada dos privilegios hierarquicos; e a anarquia da sociedade burguesa e a base da situagao publica moderna, como, por sua vez, a situagao publicae a arma desta anarquia. Na medida em que ambas se op6em, sao mutuamente neCeSSariaS.» ( 80 ) Esta analise encerra nao s6 o conteudo burgues dos «direitos do homem», mas tambem o dos «direitos do cidadao». Mostra tambem que as contradig6es entre «homem» e «Cidadao» nao sao contradig6es fundamentais. Nelas exprimem-se apenas todos os conflitos que existem entre o egoismo do individuo isolado e a necessidade de fazer determinados acordos e pactos que resultam do mesmo egoismo. Finalment~ faz urn aviso das ilus6es que surgem ao apresentar o Estado com o aspecto de superioridade moral e legal, contra o querer transforma-lo num Estado de fraternidade e igualdade sem mudar as relag6es e o caracter da vida burguesa. Esta ilusao torna-se mais clara quanta mais a sociedade burguesa quebra os lagos comunitarios feudais, convertendo a sociedade num somat6rio de ( (
20 30
)
Ibidem.
)
Ibidem, Berlim, 1958, vol. ll, p . 124.
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individuos isolados. Precisamente por isto transforma o Estado no ponto central dos vinculos e da comunidade. E facil compreender que tais aspira~6es e ilus6es surjam, mas de modo nenhum se pode considera-las justas. Ha que reconhecer que apresentam alegoricamente a verdadeira natureza do Estado burgues. Apesar de parecer completamente diferente, o Estado tern. o mesmo caracter que tinha na antiguidade e na Idade Media. Se actualmente se apoia nos «direitos do homem», representa apenas de urn modo aparente a «comunidade» que ate agora nunca representou. Porque o sistema dos privilegios e da escravatura continua _a existir, ainda que sob outro' nome. Qual e o fundamento do estado actual? Marx define-o de urn modo conciso ao escrever: «Em vez do privilegio implantou-se o direito. » (8 1 ) Isto significa que os privilegios feudais que diferenciavam certos grupos foram anulados apenas porque diferenciavam predestinados. No entanto, o seu conteudo, que garante urna vida livre e egoista, permanece e converte-se em «direito» para todos os homens. Ao substituir-se os primitivos privilegios dos predestinados pela «industria livre» e pelo «comercio livre», transformou-se a sociedade de urna sociedade de grupos exclusivos nurn somat6rio de individuos que lutam entre si movidos pelos seus interesses individuais. Concretamente, e este estado de coisas que o Estado burgues sanciona e legaliza ao formular os ditos «direitos do homem». Portanto, o Estado nao e nenhuma comunidade, mas urna «abstracQao politica» que protege os interesses da sociedade burguesa. No entanto, pode-se prosseguir esta analise. No Estado burgues conservam-se nao s6 os privilegios transformados em direitos gerais, mas tambem o antigo sistema de escravatura. Apesar de urna apa(" ) Ibidem, p . 123.
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rencia de liberdade crescente, ele continua a existir. Liberdade aqui nao e mais que a livre disposi~ao da propriedade, o dar redea salta as aspira~oes e aos interesses egoistas. «Precisamente a escravatura da sociedade burguesa - escreve Marx- e a aparencia de maior liberdade, porque parece ser a independencia perfeita do individuo que toma o desenfreado movimento dos seus elementos de vida, a margem de grupos e do homem como, por exemplo, da propriedade, da industria, da religiao, etc., pela sua_propria liberdade, enquanto que isto nao e mais que a total servidao e desumanidade.» (3 2 ) Deste ponto de vista pode-se estabelecer uma completa analogia entre o Estado antigo e o Estado burgues; isto e, quanta aos seus fundamentos. «Assim como o Estado antigo tern por fundamento natural a escravatura, o Estado moderno tern como fundamento a sociedade burguesa, . bern como 0 homem da sociedade burguesa, isto e, . o homem independente que s6 esta ligado aos homens pelos vinculos dos interesses privados e da fatalidade inconsciente, o escravo do trabalho e das necessidades tanto pr6prias como alheias.» (3 3 ) Por conseguinte, Marx pode dizer que «O reconhecimento por parte do Estado moderno dos direitos humanos nao tern significado diferente do reconhecimento da escravatura pelo Estado antigo». E pode afirmar ainda: «A oposi~ao entre o Estado democratico representativo e a sociedade burguesa e 0 ponto culminante da oposigao classica entre a comunidade e a escravatura. No mundo moderno cada pessoa pertence ora a escravatura ora a comunidade.» (3 4 ) As analises de Marx mostram, pois, a limitagao de classe do conceito «homem» que e representado pela suposta naturalidade das suas ambigoes e capa(") Ibidem. (") Ibidem, p. 120. 34 ( ) IbidJem, p. 123.
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cidades. Ao mesmo tempo assinalam tambem a falsa alegorizaQao do Estado que, na realidade, e a expres.sao dos interesses burgueses. Indicam o verdadeiro caracter entre «homem» e «cidadao», urn conflito que e uma forma da contradiQaO entre OS interesses egoistas concretos e o dever politico abstracto. Estas · analises mostram tambem as possibilidades de superar falsos entendimentos e representaQoes. As analises que consideramos ate agora dao apenas indicaQoes gerais que posteriormente se analisam mais detalhadamente. «A emancipaQao politica - diz Marx - e a reduQao do ho.:. mem, por urn lado, a urn membra da sociedade burguesa, ao individuo egoista independente, por outro lado, ao cidadao do Estado, a pessoa moral. S6 quando o verdadeiro homem se assume como cidadao e se converte em genero como homem individual na sua vida empirica, no seu trabalho individual, nas suas relaQoes individuais ; s6 quando o homem reconhece as suas pr6prias forQas como forQas sociais e as organiza e, portanto, ja nao separa as forQas sociais do enquadramento das forQas politicas, s6 entao se realiza a emancipaQao humana. » ( 35 ) Os posteriores estudos de Marx determinam em que consiste este processo da verdadeira libertaQao do homem. Estes estudos sao o resultado do materialismo hist6rico e dialectico, que da a possibilidade de compreender a realidade natural e social e de a trans:formar, enquanto que o materialismo sensualista so a descreveu. Mas, ao descreve-la, nao captou as leis do desenvolvimento desta realidade nem as condiQoes sob as quais este desenvolvimento se processa, e por causa disto projectou ideias falsas na esfera politico-social, ideias essas que tern a sua origem nas contradiQoes entre o desenvolvimento social e os interesses de classe. I bidem, Berlim, 1956, val. I , p . 370. 161
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Ambos os processos de idealizaQao do Estado e da configuraQao hist6rica da sociedade burguesa egoista foram, na opiniao de Marx, uma unidade especial de contradiQ6es. Apoiaram-se mutuamente. Na idealizaQao do Estado a rna consciencia do burgues encontrou a sua tranquilidade moral. No modo de solucionar as quest6es reais, egoistas, encontrou a satisfaQao dos seus interesses. A separaQao da vida politica da vida socioecon6mica tornou possivel nao s6 idealizar o Estado e a politica, mas permitiu tambern que o individuo actuasse na sua vida privada sem uma responsabilidade publica. «S6 a consuma~ao do idealismo do Estado - escreve Marx- representou tambern a ·consumaQao do materialismo da sociedade burguesa. » (8 6 ) Anteriormente, quando os deveres politicos dos homens provinham da sua posiQao social, de pertencerem a urn estrato social, existiam certos trav6es a actividade egoista. Mas no Estado democratico-burgues, ao converterem-se estes deveres em obrigaQ6es do individuo como homem abstracto, a idealizaQao dos mesmos coincide com a libertaQao do individuo do serviQo publico no campo da actividade da vida social. A relaQao dialectica entre a idealizaQao da vida do Estado e a inaterializaQao da vida social no capitalismo faz com que a situaQao do ensino dos homens se torne especialmente dificil. Traduz-se uma crescente hipocrisia interna. 0 caracter desta hipocrisia e muito mais complicado do que a discrepancia entre o que se faz no quadro da sociedade burguesa e o que se apregoa para a comunidade estatal. Afecta as bases da vida do proprio homem. Marx concentra a sua atenQao nesta questao - como em tantas outras quest6es,- para distinguir o verdadeiro do aparente, ainda que seja a vida factual dos homens. A vida real dos homens no capitalismo e a sua vida no quadro da sociedade burguesa, uma vida ('") Ibiaem, p . 369. 162
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diaria profissional e econ6mica. Mas precisamente esta vida, do ponto de vista do Estado idealizado, e uma vida casual, acidental e sem importancia para , os homens. 0 verdadeiramente importante da verdadeira vida humana deve ser, sob este ponto de vista, a vida do cidadao, a vida no ambito da comunidade estatal. Mas precisamente esta vida representa a vida irreal do individ.uo, a sua vida abstracta, sem qualquer coisa concreta. A vida concreta e real, que 0 homem tern na sociedade, e considerada, partanto, vida acidental em rela~ao ao ser humano da vida externa e s6 necessaria para a sua existencia fisica, enquanto que a vida humana no ambito do Estado, a vida politica, o que e abstracto, arvora-se em humana no verdadeiro significado da palavra. No entanto, par outro lado, a vida humana desenvolvida no ambito da sociedade burguesa deve valorizar-se, porque e a unica verdadeira, concreta e individualmente diversa, e nao a vida desenvolvida no ambito do Estado burgues, em que o homem aparece como urn sujeito abstracto, como urn «individuo», que pelo facto de existir possui direitos e obriga~oes identicas -as dos outros. «0 homem real s6 e reconhecido na forma do individuo egoista; o hom em verdadeiro s6 e reconhecido na forma de citoyen abstracto.» (3 7 ) Deste modo, surge a hipocrisia que torna falsa tanto a vida real dos homens como a sua verdadeira essencia. Os homens configuram de urn modo falso e prejudicial a sua rela~ao com o que fazem na sua vida real, assim como tambem o que consideram a sua vida real diaria. No primeiro caso, deixam-se conduzir pela cobi~a egoista que se torna mais desconsiderada ao pertencer supostamente a «exterioriza~ao» do hom em; no segundo caso, deixam-se levar par uma idealiza~ao enquanto esta esta livre de toda a condi~ao ou determinagao concreta. ('"} Ibidem, rp. 370.
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TEORIA
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M~STA
DA EDUCAQAO
Mas a existencia concreta do homem, tal como Marx observa, nao pode ser deixada a margem do proprio homem como se fosse uma exterioridade · material aparente. Nao se pode menosprezar o conteiido assim estabelecido como acidental, porque, expressa a vida real dos homens, o que a natureza propria do homem configura e deve defender-se das forQas inimigas que o ocultam. A perspectiva para o ensino, obtida deste modo diferencia-se radicalmente do ponto de vista burgues: a educaQao do homem deve ser cada vez mais realista, mas este realismo nao se torna oportunista se se transformar propria vida de tal modo que se superem todas as formas de alienaQao humana.
a
5. Critica da «cidadao»
edu~ao
burguesa do «homem» e do
A analise da sociedade burguesa feita por Marx nos seus primeiros estudos possui urn significado decisivo para muitas questoes do pensamento pedagogico. Marx considera a revoluQao burguesa como o fim da separaQao entre «sociedade politica» e «Sociedade burguesa» e como uma tentativa de criar a organizaQao do Estado tendo em consideraQao os «direitos do cidadao». Este processo implica que as relaQoes sociais, os individuos particulares e os grupos se liguem atraves de dependencias miituas e obrigaQoes reciprocas, nao se transformando de urn modo directo na organizaQao do Estado nem na sua estrutura politica. Supostamente esta organizaQao deduz-se de principios morais gerais, dos direitos naturais do cidadao, que afectam todo o homem enquanta homem, mas na realidade sao expressao dos interesses de classe da burguesia, que faz deste Estado democratico-liberal urn instrumento de protecQao dos seus interesses individuais. 164
,·
TEORIA MARXISTA DA. EDUCAQ.AO
Este facto tern consequencias muito importantes - para a posi~ao real do individuo particular e para as concep~oes politico-sociais atraves das quais se representa a realidade politico-social de urn modo aleg6rico. Os processos educativos realizam-se sob a influencia de tais concep~oes mistificadoras que influem poderosamente no comportamento humano. As teorias educativas que se ocupam deste processo evidenciam as contradi~oes e as falsidades nelas contidas. 0 primeiro conjunto de questoes abarca o ensino «do homem» e «do cidadao». No periodo do Iluminismo estes conceitos vincularam-se mutuamente e estavam mutuamente condicionados. Mas ja Rousseau reconhecia entre eles uma clara oposi~ao apesar ge nao ter conseguido ver claramente a sua origem e o seu verdadeiro caracter. «E-se for~ado a combater ou a natureza ou as institui~oes sociais; e preciso escolher se se quer educar urn homem ou urn cidadao, porque ja nao se podem fazer ambas as coisas ao mesmo tempo ... Estes dois objectos necessariamente opostos correspondem mutuamente a dois tipos de instru~ao: uma, publica e comurn; outra, especial e familiar.» (8 8 ) 0 conflito indicado por Rousseau tornou-se o ponto de vista de correntes pedag6gicas opostas entre si: o ensino individual e o estatal. No entanto, na sociedade burguesa nao foi possivel nem uma verdadeira educa~ao do «homem» nem do «cidadao»; tambem nao foi passive! uma teoria livre destas tendencias educativas. A critica de Marx nao se limita as teorias pedag6gicas, ela indica tambern as suas consequencias imediatas. Os temas da educa~ao do homem como forma~ao da sua «disposi~ao natural» fundamenta-se numa ilusao perigosa. Consideram a «natureza humana»
(" ) J . J. Rousseau, Vber die Erzilechung Ensino), Berlim, 1959, pp. 96 ·e seguintes.
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( Acerca do
TEORIA MARXISTA DA EDUCAt;;AO
como ponto de orienta~ao fixo e fundamental . para · o trabalho educativo. Mas o chamado homem natural nao e mais que 0 produto da sociedade burguesa; isto e, 0 produto de uma fase temporal da hist6ria. 0 suposto amor desta educaQao natural pelos homens desmascara-se como reconhecimento da ordem social existente, que criou os homens, quer dizer, que determinou o conteudo das suas necessidades, habitos, aspiraQoes e opinioes acerca de si proprio. Esconde, pais, o reconhecimento e a aceitaQao da sua «natureza» egoista e individual que aparentemente e eterna e inata. . Esta educaQao do cidadao mostra-se como formaQao dos laQos comuns existentes nas relaQoes que dominam toda a sociedade como vinculo com o Estado que se apresenta como o bern comum e em geral nao e mais do que a garantia dos interesses parti- culares. Como Rousseau assinalou, a educaQao burguesa e oposta a educaQao do homem. E nao pode ser de outro modo se a organizaQao estatal nao provern directamente da sociedade. Enquanto a educa~ao do homem for oposta ao Estado, sera sempre mais ou menos importante para ele: parece-lhe mais importante, porque lhe recomenda pacH~ncia face a colectividade e parece-lhe menos importante porque nao contem a existencia concreta e real do homem e nao se apoia na sua «disposiQao originaria». Os pedagogos do Iluminismo tambem se enganaram ao formularem o programa educativo do homem, defendendo o principio da natureza e da individualidade, ao estabelecerem o programa educativo do cidadao, preocupando-se com a formaQao da obediencia e do entusiasmo pelo Estado. Ambos os programas exprimiam uma concepQao limitada dos problemas do homem e da sociedade do ponto de vista da ordem feudal avaliada em decadencia e a ordem capitalista tida em construQao, ambas reflectem as contradiQoes inerentes a vida social sob as rela~oes de classe ate entao existe~tes. 166
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Esta critica de Marx dirige-se nao s6 as concepg6es do Iluminismo, mas tambem se refere a epocas posteriores e conserva a sua validade nos nossos dia.s. A pedagogia burguesa girava sempre, no seu desenvolvimento, no mesmo circulo do conceito de «homem» e «cidadao» que o burgues adquiriu na epoca da sua vit6ria sobre o feudalismo. Uma das divergencias fundamentais que se produziu na pedagogia dos seculos XIX e XX foi a luta entre os partidarios da educagao individualista e os partidarios da educa~ao social. Estaluta elevou-se a uma oposigao metafisica que supostamente afecta uma contradi~ao eterna da educagao, que ja se tinha mostrado na pedagogia grega permanecendo desde entao, ainda que a sua forma externa tenha mudado. A maioria · das classificag6es burguesas das correntes pedag6gicas tornam esta oposigao uma questao fundamental divis6ria ( * ) . , A importancia das analises de Marx reside fundamentalmente na comprovagao de que estas oposig6es, que sao exclusivamente oposig6es entre a vida social e a estatal, mudam o seu caracter hist6rico. Sao especialmente caracteristicas da ordem burguesa capitalista em formagao que supera a unificagao feudal da sociedade burgesa com o Estado e fundamenta a organizagao estatal no cidadao abstracto, separando deste modo a organizagao estatal das relagoes sociais concretas. Sob estas relagoes, a educagao individual e a educagao social deviam parecer forgosamente algo diametralmente oposto. No entanto, trata-se de uma oposigao causada pelas condig6es hist6ricas da ordem de classes e de uma contradigao interna metafisica. Esta comprovagao tern uma importancia extraordinaria para todas as tentativas de superagao deste conflito. A pedagogia burguesa mostrou dois cami( "' ) Observag5es do autor. Veja Apendice, cap. VI, 2). 167
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nhos para esta superaQao, de acordo com as teses fundamentais da sociedade capitalista nos dais momentos distintos do seu desenvolvimento. Urn deles parte da concepQao de que o ensino do individuo pode e deve canter tudo quanta e verdadeiramente necessaria para o bern com urn, para o Estado; o outro caminho tern como ponto de partida o facto de que no ensino para a comunidade se oculta o verdadeiro ensino individual, porque o individuo s6 se converte em homem pelo serviQo do Estado ou do povo. Uns creem que a «educaQaO social», nao enquadrada na eduCaQaO individual, e superficial e prejudicial para a sociedade, enquanto que outros, pelo contrario, defendem que uma educaQao do ser particular, se nao se processa no enquadramento de urn ensino estatal-nacional, representa uma desorganizaQao projudicial da vida do individuo. Estas duas posiQ6es traQadas ja nos principios do seculo XIX, especialmente sob as especificas relaQ6es alemas em oposiQao as concepQ6es de Humboldt e Fichte, sao analisadas pela critica de Marx que indica o seu caracter err6neo e o seu desfazamento em relaQao a realidade. Ambas as posiQ6es se apoiam nas teses de que a SOCiedade burguesa e uma «SOciedade em si», isto e, uma forma natural da existencia humana, assim como na afirmaQao de que o trabalho educativo podia, por si proprio, superar os conflitos ·q ue surgem no acontecer humano. No entanto, na realidade estes conflitos do acontecer «privado» e «burgues» sao apenas urn reflexo dos conflitos reais da ordem social capitalista que forQa o individuo a uma vida puramente pessoal e privada, e a submete a vontade do Estado, que em-preende grandes acQ6es politicas para a protecQao dos interesses da classe possidente. Nenhum tipo de educaQao pode destruir esta situaQao. Isso s6 pode ser · alcanQado atraves de uma revolugao que destrua a ordem de classes apoiada na propriedade privada e erie uma relaQao nova entre a «sociedade burguesa» 168
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e o Estado. Na sociedade socialista, que se alcanQara na base do trabalho comum de todos os cidadaos, desaparecera este antagonismo entre «homem» e «cidadiio». No entanto, nesta critica que Marx faz as concepQ6es burguesas esta contido urn importante elemento pedag6gico que ate agora foi pouco examinado. Marx sublinha que a separaQiio da «sociedade burguesa» do Estado da origem a duas abstracQ6es prejudiciais. A primeira e a «abstracQiiO do cidadiio». Enquanto se existe a partir da «natureza» e nao na base de determinadas actividades concretas, enquanto que todos os que vivem num mesmo territ6rio determinado sao cidadaos iguais, esta categoria de «cidadiio» e uma categoria abstracta que -como Marx indica - esta a margem das formas concretas dos diversos tipos de vida real e dos homens particulares e da sua actividade. Portanto, e apenas uma caracterizaQiio geral e formal para todos que nao permite a ninguem reconhecer nela o conteudo da sua propria vida concreta. Origina-se tambem uma verdadeira abstracQiio. Esta abstraq;ao e a «minha vida privada», a minha vida «verdadeiramente humana». Configura-se em oposiQiio aos direitos e obrigaQ6es do cidadao como que uma esfera de necessidades pessoais e aspiraQ6es que na sociedade capitalista tern urn marcado cunho egoista. Esta vida privada, esta vida pessoal e uma abstracQiio, porque esta isolada da vida concreta, diaria, real do trabalho e da actividade social, porque se considera como algo independente, como «geral humano» e nao vinculado a uma forma material determinada da «minha» existencia. Porque na sociedade burguesa os ·hom ens estao submetidos a estas duas abstracQ6es do «homem» e do «cidadiio», perdem a compreensao da sua verdadeira vida real, isto e, de uma vida com relaQoes socioecon6micas completamente determinadas e que se realiza num trabalho determinado, numa epoca 169
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determinada e num Iugar determinado. Conduzem ao erro de considerar, como posteriormente Marx indica em Teses sabre Feuerbach que os homens se convertem em homens, porque neles se esconde uma «essencia abstracta humana» que eles exprimem quando se desligam da vida concreta. No entanto, na realidade o «conjunto das relaQoes sociais» em que vivem determina 0 que eles sao realmente. Marx volta a tratar este problema diversas vezes· nas suas investigaQoes. Esta pedagogia, tal como toda a pedagogia ·burguesa posterior, atribui muito pouco valor a uma investigaQao da relaQao entre a consciencia e o ser. Da como pressuposto o principia tradicional de que a esfera da consciencia e a Unica esfera do trabalho educativo. No entanto, ao sublinhar o papel da actividade infantil, ja nao parte do seu esquema fundamental, segundo o qual a educaQao e a formaQao da consciencia. Num certo sentido esta tese e certa e e progressista em comparaQao com as teses da pedagogia feudal. No entanto, nao esta isenta de preconceitos. Considera a consciencia como se fosse alga aut6nomo, como se pudesse configurar a vontade do educador. Nao reconhece nem o condicionamento da consciencia pela vida concreta que o homem leva nem as motivaQ6es sociais que dao origem as ilusoes da consciencia. Em oposiQao a este ponto de vista, Marx assinala que urn determinado modo de vida social forma o psiquismo do homem de maneira decisiva e desperta nele necessidades e aspiraQoes que nas posteriores elaboraQoes da consciencia se descobrem como supostamente inatas, naturais e gerais do homem. Indica que em muitos casas se projectam imagens ficticias da grandeza humana pela consciencia com as quais se escamoteia ao homem o verdadeiro sentido da sua actividade. Por estas razoes, e aconselhavel ter muito cuidado com a identificaQao da psicologia com a analise da consciencia. Uma educaQao s6lida 170
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deve empreender uma analise da consciencia existente dos homens, que nao e mais que a expressao das condi!;6es de existencia existentes no momento. Esta analise nao deve reger nem como fundamento imutavel do trabalho educativo nem como seu criterio. De acordo com este principio, Marx indica as incompreensoes que surgem quando se consideram os elementos reais e concretos da vida do individuo como algo acidental e externo sem compreender o que realmente sao. Precisamente este ponto de vista facilitou uma critica do caracter enganoso do ensino moral da burguesia e ajudou a desenvolver as bases de uma educa!;ao sociomoral concreta do homem.
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AP:ENDICE
CAPITULO IV
1) James Kay (1804-1870), urn homem proeminente do sistema de ensino ingles, era medico e teve oportunidade de conhecer as terriveis condi~oes de vida dos operarios de Manchester. Nas suas obras, dirige a sua aten~ao para este estado de coisas e exige a sua elimina~ao. Isso deveria realizar-se mediante adequadas reformas sociais da classe possidente. Neste sentido desenvolveu Kay uma grande actividade. Manteve estreito contacto com os dirigentes do sistema de ensino escoces; apoia especialmente Stowe Wehrli, discipulos e partidarios de Pestalozzi. A partir de 1839, Kay foi secretario do Comite Executivo do Conselho de Ensino, tendo dirigido o organismo de finan~as do sistema de ensino, e formou professores. No entanto, nao pode superar a oposi~ao da classe dominante em rela~ao a uma prqtec~ao da cultura popular por meio do Estado - inclusive nestes estreitos limites- e separou-se deste Comite em 1859. 2) John Bellers (por volta de 1654-1725), urn politico social radical ingles, foi o autor de urn estudo que tern por titulo: Proposal for raising a College of Industry of all useful Trades and Husbandry) que se publicou em Londres em 1696 e que posteriormente foi esquecida por completo. Foi Owen quem recordou 173
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este trabalho publicando-o no seu livro New View Society~ Londres, 1818. A tese principal de Bellers era a ideia de que urn ensino bern organizado podia contribuir para a transformaQao radical da sociedade. Sob este aspecto ut6pico, Bellers via a importancia dos colegios propostos; para ele, nao se tratava, portanto, de assegurar as crianQas pobres urn futuro individual mediante urna formaQao basica, mas das mais amplas perspectivas de transformaQao social. Por esta razao, as concepQoes pedag6gicas de Bellers superavam .o nivel media das «escolas dominicais» ou das «escolas para pobres», que abundaram em Inglaterra durante o seculo XVII. Nestas concepQoes expressa-se a ideia do valor generico humano da vinculaQao do trabalho e do ensino, uma vinculaQiio que devia proteger o trabalho da irreflexao e o ensino da infrutuosidade. «0 trabalho- escreve Bellers, citando Marx em 0 Capital- derrama o azeite na lampada da vida e as ideias acendem-no.» Com este ponto de vista, Bellers opoe-se a limitaQaO do ensino infantil, a ocupaQao com actividades «puerilmente tontas» e recomenda iniciar as crianQas no trabalho produtivo responsavel. Assim, critica tambern 0 caracter unilateral das ocupaQoes intelectuais na escola, pois julgava que esta ocupaQao e frequentemente superficial e que as crianQas trabalham melhor com lentidao do que com aplicaQao. 0 trabalho fisico e em certo aspecto mais exequivel para as crianQas do que o trabalho intelectual. As concepQoes de Bellers opoem-se, pois, as tradiQoes das escolas que existiam para as crianQas pobres. Assim se explica tambem que o reformador social Owen se remeta para Bellers, o que ja se nao pode dizer do filantropo Johann Bernhard Basedow (1723-1790), discipulo de Rousseau, que instalou em Dessau uma instituiQao educativa. Foi apoiado por amplos subsidios de reis e nobres. Christian Gotthilf Salzman (1744-1811) criou uma instituiGiio semelhante em Schepfenthal (Turingia). A actividade de of
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Basedow apoiou-se nos principios da concepQao geral do Iluminismo, segundo a qual era tarefa do homem procurar a felicidade e a propria utilidade vinculada a utilidade geral par meios inteligentes. Esse e o caracter que tern a sua Praktische Phi losophie fur alle Stande (Filosofia Prdtica para todos os Estados),
1758, e a sua Philalethie, 1764. Partindo destes criterios, Basedow deu indicaQ6es pedag6gicas concretas. Interessou-se especialmente pelo ensino elementar e compos para estas classes cartilhas que estavam providas de gravuras de Chodowiecki. U programa de ensino e a organizaQao da educaQao moral deviam preparar para as circunstancias da vida, de tal modo que o aluno se pudesse adaptar aos deveres do seu «estado». Os metodos de ensino deviam ter amplamente em conta o gosto da crianQa pelos jogos e, nas suas delimitaQ6es, organizar trabalho e classes. Numa direcQao parecida actuou tambem Salzman ao destacar a necessidade de vincular a educaQao dos alunos ao esforQO par uma preparaQaO Vinculada a vida para o trabalho e relacionar o estudo com o trabalho. Neste sentido, escreveu numerosos livros para professores e pais, nos quais ensina a prestar atenQao a crianQa, a despertar os seus interesses e a suavisar as dificuldades do ensino. A grave condenaQao de «Basedow e os seus actuais continuadores» feita par Marx resulta da sua convicQao basica de que nao se deve chegar a uma estabilizaQao da divisao do trabalho em trabalho fisico e mental, mas a superaQaO desta divisao. Beller's, como observa Marx com razao, «ve ja nos fins doseculo XVII, com absoluta claridade, a necessidade de abolir o sistema educativo e a actual divisao do trabalho que produzem a hipertrofia e a atrofia de ambos os palos da sociedade, se bern que em sentido oposto» (Das Kapital, val. I, Berlim, 1953, p. 514), e precisamente a pedagogia do filantropismo actuava em sentido oposto, ao querer adaptar os homens ao estado em que haviam nascido e ao fomenta1' certas 175
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vii-tudes da vida e sentimentos humanitarios para tornar a vida mais facil e mais agradavel. Neste aspecto tambem Marx aprovava a observa~ao feita por Bellers acerca das ocupa~oes puerilmente tontas que embrutecem as crian~as. Esta observa~ao opoe-se a isolar as crian~as da vida «seria» e a transformar num jogo tudo quanta se faz pelo ensino. Seria, naturalmente, completamente falso atribuir a esta observa~ao uma condena~ao geral do principia da adapta~ao do ensino a estrutura psiquica da crian~a. As ideias de Marx referem-se a algo diferente. Marx, ao indicar a necessidade e possibilidade da participa~ao das crian~as .no trabalho produtivo, sublinha que este trabalho - organizado, naturalmente, de modo adequado ____:_ corresponde as necessidades da crian~a e tambem e importante como forma~ao. Nao se trata, pois, da «destrui~ao do mundo da crian~a», mas de sublinhar que ja na vida da crian~a se encontram trabalho «puro» e deveres «autenticos». A considera~ao dos problemas da forma~ao e do ensino sob perspectivas da aboli~ao da divisao do trabalho e da vincula~ao do trabalho ao ensino para todas as crian~as a partir de certa idade devia naturalmente estar em rela~ao com as novas concep~oes acerca do psiquico e do seu desenvolvimento. Teve de conduzir a uma analise critica das concep~oes que consideram a vida psiquica da crian~a como urn desenvolvimento aut6nomo e o mundo das crian~as como urn reino independente. A indica~ao de que este mundo infantil se desenvolve na vincula~ao ao trabalho e no processo de conhecimento constituiu o ponto de partida para a afirma~ao das directrizes pedag6gicas, que se separavam tanto das velhas escolas intelectualistas como das tentativas de transfermar a educa~ao num jogo. 3) Uma analise das concep~oes do ensino em Marx e Engels, na base das correntes entao vigentes na pedagogia, seria certamente rica em conclusoes. 176
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Deveria mostrar a rela~ao destas ideias com os diferentes ensaios ingleses no campo do ensino. Aqui trata-se especialmente da actua~ao de personalidades como George Birkbeck (1776-1841) e o movimento para o ensino par ele criado, que tomou a sua expressao organizativa nos chamados institutes para mecanica; o de hom ens como Frederick Denison Maurice (1805-1872), urn dos organizadores dos colegios de trabalho (Workingmen's Colleges), onde actuaram escritores e artistas como Ch. Kingsli e J. Ruskin. Trata-se de uma rica literatura pedag6gica que se ocupa destes problemas. Infelizmente, a nossa analise destas questoes carece de fontes de investiga~ao que exigem uma larga permanencia em Inglaterra. Sao tambem insuficientes os nossos conhecimentos sabre a actividade do ensino noutros paises, especialmente em Fran~a, Alemanha e Dinamarca. Sabemos apenas, de urn modo geral, alguma coisa sabre as associa~oes politecnicas e filotecnicas francesas de metade do seculo XIX; sabemos alguma coisa acerca dos esfor~os dos operarios franceses a partir do livro de George Duveau, La pensee ouvrwre sur z>education pendant la seconde Republique et le seconde Empire> Paris, 1948; conhecemos muito pouco acerca da Alemanha, mais sabre a Dinamarca, se bern que a considera~ao tradicional da actividade de N. F. S. Grundvig (1782-1872) apresente muitas duvidas. ' 0 nosso conhecimento historic a nao ultrapassou · ate hoje a antologia alema: Leopold v. Wiese, Soziologie des Volksbildungswesens (Sociologia do Sistema de Ensino Nacional)> Munique e Leipzig, 1921, que foi elaborada por destacados soci6logos burgueses (L. Wiese, Honigsheim, R. Michels, M. Scheler, etc.). Basta comprovar que no livro de Wiese se menciona o nome de Marx duas vezes em mementos acidentais, enquanto que o nome de Engels nao e referido. Isto 177
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mostra claramente os interesses desta obra opostos ao desenvolvimento hist6rico da formaQao operaria. Desejamos por isso destacar especialmente o problema das ideias sabre ensino de Marx e Engels e a sua actividade neste sentido em relaQao as correntes de entao e as formas de organizaQao da formaQao operaria. 4) 0 diferente ponto de vista de Marx e Engels destaca-se do pano de fundo da hist6ria da educaQao moral burguesa. As concepQ6es pedag6gicas durante o lluminismo destacavam a lei natural de igualdade entre «dever e ter», e consideravam a moral como urn calculo especial que se apresenta na ordem existente. Quando transcendia OS marCOS destes calculos, tinha 0 caracter de «beneficencia» ou «heroismo», que podia certamente adornar o homem, mas que nao devia ter nenhum caracter hist6rico. Em oposiQao a esta educaQao moral social que se concebia de modo tao estreito, surgiram os sistemas apoiados na filasofia de Kant, que separavam a moral da utilidade e do prazer e da vinculaQao ao dever «puro». Na base desta filosofia, a educaQaO moral conduz a formaQaO da rigidez da consciencia que se separa da realidade social e a qual se op6e. . A critica de Marx a estas duas concepQ6es dirige-se contra as tendencias principais das teorias burguesas da educaQao moral que se desenvolveram no seculo XIX e posteriormente. A primeira destas te:odencias apresentava a moral como o problema social, mas compreendia-o no sentido em que a moral deve ser a consequencia e consolidaQao da situaQiio existente. 0 modo de expor esta tese foi muito diverso, mas no essencial os te6ricos da educaQao moral coincidiam, como depois H. Spencer eA. Durkheim. Isto e tambem Valida para OS pedagogos do pragmatismo ou para os pedagogos que tentaram considerar a educaQao moral como uma auto-integraQao na chamada sociedade, como por exemplo P. Petersen, E. Krieck, 178
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etc. A segunda destas tendencias esforQava-se por apresentar a moral como urn problema puramente individual da consciencia. Tambem aqui as concepQ6es foram muito diferentes; comeQando pelas concepQ6es religiosas e mistica.s, passando pela consideraQao personalista, ate as tentativas de solUQaO laicas e racionalistas. A luta destas duas concepQ6es da educaQao moral pareceu ao pensamento burgues tao primordial e de caracter tao alternativo, que Bergson lhe dedica uma analise que se tornou famosa. Assinala cpncretamente a dualidade radical das fontes da religiao e da moral (no livro Deux sources de la morale et de la religion) e define-as como sociedade publica e privada. Marx e Engels mostraram que esta alternativa apontada pela filosofia burguesa era falsa. Nao precisamos de considerar a «moral publica» como urna vida mistico-individual a margem da vida social concreta; nao e necessaria, ao eleger a moral social, estar de acordo com uma moral «privada». Por outras palavras: nao e necessaria reduzir a consideraQaO social da moral a adaptaQao, nem expo-la como questao individual na linha do subjectivismo. A educaQao moral na concepQao do marxismo vincula o problema da formaQao interior do individuo a transformaQao da realidade social, de tal modo que coincide com os empenhos gerais dos homens.
CAPITULO V
1) 0 problema situado deste modo nao foi ate hoje objecto de qualquer investigaQao cientifica e sistematica. Sempre que se escreve acerca da importancia de Marx e Engels para a pedagogia, faz-se de urn modo geral, assinalando express6es particulares sabre o problema da formaQao que se transp6em di179
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rectamente para a nossa epoca. Isto constitui uma transgressao das exigencias metodol6gicas que pedem que se considere a hist6ria do pensamento de modo hist6rico e metodol6gico e se deduza da compreensao do conteudo hist6rico da teoria de Marx e Engels as conclus6es va.lidas para o posterior desenvolvimento do pensamento pedag6gico. Por outro lado, quando se sublinha a importancia fundamental de Marx e Engels no campo da filosofia e da economia, nao se esclarece a sua importancia no campo da sociologia e da pedagogia e psicologia, apesar destas serem as principais ciencias do homem. Tanto a pedagogia e a psicologia como a sociologia menosprezam a teoria de Marx e Engels e apoiam-se nas bases anteriores que perduraram ate ao seculo XX. A amilise critica destes fundamentos torna-se, pais, uma premissa iniludivel para uma reorientaQao radical na pedagogia e na psicologia. 2) Analisar a importancia que teve o regresso a Hegel, que se produziu nos fins do seculo XIX e por todo o seculo XX, constituiria urn trabalho especialmente valioso para a filosofia da cultura. Nao existe nenhum trabalho deste tipo. Urn dos defeitos do livro de Lukacs, Die ZerstOrung der V ernunft (A Destruigao da Razao) 1 Berlim, 1953, e que, ao defender a interpretaQao racionalista da filosofia de Hegel frente aos interpretes irracionalistas, menospreza o facto hist6rico de que precisamente este ponto de vista do irracionalismo de regresso a Hegel teve uma grande importancia para a formaQao do pensamento reaccionario burgues. Desde Dilthey, que descobriu o «jovem» Hegel, Die Jugendgeschichte Hegels (A Hist6ria da Juventude de Hegel) 1 1907, passando por Windelband, que tentou fazer uma sintese de Hegel e Kant, Die Erneuerung des H egelianismus- Sitzungsbericht der Heilderberger Akademie der Wissenschaften (A Renovar;ao do Hegelianismo- lnformar;ao da Sessao da Academia das, 180
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Oiencias de Heidelbe:rg)} Heidelberg, 1910, ate a obra de R. Kroner, Von Kant zu Hegel (De Kant a Hegel)}
Estugarda, 1929, aumentou a importancia do estudo de Hegel para a consideraQao do problema da cultura. Esta importancia consiste em primeiro Iugar na acei- taQao da teoria geral da hist6ria tal como Hegel a apresentou na sua concepQao do espirito objectivo; toda a concepQao das chamadas ciencias do espirito objectivo se apoiou na concepQao que Hans Freyer soube adoptar no seu livro Theorie des objectiven Geistes (Teoria do Espirito Objectivo)} Leipzig, 1923, as necessidades da nova epoca com uma visao notavelmente cientifico-popular. Mas esta importancia reside tambem na aceitaQao da dialectica idealista. Especialmente a partir do livro de S. Marek, Die Dialektik in der Philosophie der Gegenwart (A Dialectica na Filosofia da Actualidade)} Tilbingen,
1929-1931, o problema da dialectica transformou-se no problema central da filosofia idealista. A partir dela, Nicolai Hartmann deu a conhecer o elemento fundamental da sua filosofia, especialmente nos livros que sao muito importantes para a pedagogia, como por exemplo, Das Problem des geistigen Seins (0 Problema do Se:r Espiritual)} Berlim, 1933, e De:r Aufbau de:r realen Welt (A Transformar;fio do Mundo Real)} Berlim, 1940. Toda a pedagogia de S. Hessen
se apoia na concepQao hegeliana da hist6ria e da dialectica. Este facto mostra, da melhor maneira possivel, quao importante e a filosofia de Hegel e ·a sua interpretaQao para a nossa ciencia. 0 problema complicou-se no periodo do fascismo. Em ItaJia, os caminhos do hegelianismo separaram-se: B. Croce defendeu abertamente posiQoes liberais, enquanto que G. Gentile tentou fundamentar o fascismo de modo filos6fico. Tambem na Alemanha fascista o problema de Hegel se dividiu em dois sentidos: a clara inclinaQao dos ide6logos oficiais do fascismo de Hitler como, por exemplo, urn Rosenberg, vinculou-se a tentativa de aproveitar a filosofia d~ 181
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Hegel para o imperialismo de Hitler. 0 papel do neo-hegelianismo foi uma das causas que, durante o p6s-guerra, levou a que se considerasse Hegel como urn fil6sofo da reacQao. Este ponto de vista, evidentemente err6neo, encontra-se na base da critica actual. Apareceram trabalhos que assinalaram os elementos positivos da filosofia hegeliana e recordavam a este respeito as expressoes de Marx e Lenine sobre o valor desta filosofia. No artigo de T. Oisermann, «Die Klassische deutsche Philosophie - einer der Quellen des Marxis-m us» («A Filosofia Classica Alema - Uma das Fontes do Marxismo»), Kommunist, 2/1955, desenvolveram-se os principios para uma nova consideraQao de Hegel. Este artigo mostra quao actual e o problema da «polt~mica em torno de Hegel». Esta polemica interessa particularmente aos pedagogos, porque diz respeito a conceitos fundamentais da pedagogia da cultura, ao seu desenvolvimento hist6rico e ao papel do homem neste desenvolvimento. Por isso tentamos extrair as consequencias pedag6gicas da critica marxista a Hegel e assim dar uma imagem da influencia do neo-hegelianismo na pedagogia, no periodo de transiQao do seculo XIX para o seculo XX. 3) 0 que geralmente se define como pedagogia da cultura ou pedagogia humanista, e pouco claro e mal delimitado. As suas origens encontram-se na obra de Dilthey (1833-1911). Dilthey, ao formular os principios da metodologia da filosofia da cultura em !uta contra os principios do positivismo, apresentou urn novo ponto de vista para a pedagogia e para a psico. logia. Os seus estudos Vber die Moglichkeit einer allgemeingultigen piidagogischen Wissenschaft (Sabre a Possibilidade de uma Oiencia Pedag6gica Valida em Geral) e especialmente I deen uber e~ne besch'riebene und eine zergliedernd Psychologie (ldeia.~ acerca de uma Psicologia Ordenada e Dividida), 1874, 182
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indicam uma problematica que nao tern lugar nas concepQ6es positivistas. A consideraQao da essencia humana como urn ser espiritual que actua historicamente constituiu uma tentativa de reanimar a dialectica idealista e a mentalidade hist6rica idealista. Isto era a problematica do homem como urn ser criador de cultura e experimentador de cultura. Em oposiQao as limitaQ6es naturalistas do positivismo e as limitaQ6es psicologistas e sociol6gicas da essencia humana aos processos psicol6gicos e sociais que se concebiam de modo organizado, Dilthey sublinhou a existencia de urn mundo hist6rico-cultural como obra especifica dos homens e, por sua vez, como origem do seu desenvolvimento. «0 que e o homem - escreve Dilthey- e o que deseja ser experimenta-o apenas no desenvolvimento da sua essencia atraves dos seculos, desenvolvimento que nunca termina, e nos conceitos geralmente vigentes, mas sempre nas experiencias vivas que se desprendem das profundidades de toda a sua essencia» (Gesammalte Schriften, IX, p. 9). Nesta tese misturam-se verdades e falsidades das concepQ6es de Dilthey. A consideraQao do homem como urn ser espiritual que actua historicamente e cria cultura, que por sua vez constitui a fonte do posterior desenvolvimento hurnano, entronca em Hegel, que naquele tempo foi tratado -como disse Marx- pela «geraQao arrogante, pretensiosa e grandiloquente dos epigonos ... » como urn «cao morto». Dilthey orienta-se no sentido de Hegel e, naturalmente, toma todos os erros e faltas de teoria idealista da hist6ria e da dialectica idealista. Mas dado que Dilthey s6 queria transcender urn certo esquematismo da filosofia de Hegel, nao as suas pr6prias bases, destaca a especial importancia do processo da vida e da vivencia. Tal como mostra Lukacs, esta dialectica subjectiva da vida e da vivencia fundamentam especialmente as concepQ6es de Dilthey. (G. Lukacs, Die ZerstOrung der Vernunjt, Berlim, 1953, pp. 329-350.) 183
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No posterior desenvolvimento da pedagcigia da cultura desenham-se tres tendencias. Uma delas prossegue as tradiQ6es do idealismo subjectivo e tende para a elaboraQao da problematica da personalidade e formaQao, que se concebe como processo vivo de participaQao na cultura; a segunda continua as tradiQ6es do idealismo objectivo e concentra-se na problematica do Estado como instituiQao da vida espiritual, e a ultima tentou unificar estas duas correntes. A primeira destas tendencias foi defendida por T . Litt; a segunda, por Kerschensteiner e Gentile; a terceira, por Spranger e Hessen. A teoria idealista da cultura, que separa a cul. tura do desenvolvimento hist6rico da produQao material e da luta social, do progresso hist6rico da vida social, nao podia constituir uma base positiva ·e unificada para as concepQ6es pedag6gicas. De facto, houve que chegar-se a diferentes soluQ6es segundo o modo como se concretizava o conceito de cultura. Estas soluQ6es desenvolveram-se especialmente na interdependencia com as diferentes correntes filos6ficas , especialmente com a filosofia irracionalista da vida e com a fenomenologia, assim como na vinculaQao as tendencias do neokantismo e do neo-hegelianismo. Mas o periodo do fascismo e do hitlerismo desmascarou as verdadeiras contradiQ6es neste campo e mostrou a diversidade de teses fundamentais que marcavam diferentes direcQ6es. A pedagogia da cultura constituiu a base de diferentes aspiraQ6es e necessidades. Nelas desembocaram: a critica conservadora e social-democrata da sociedade burguesa; os sonhos ut6picos da difusao da cultura sob relaQ6es da sociedade de classes e as teorias aristocraticas de uma elite cultural, que se diferenQava radicalmente das mass as; as aspirag6es da configuraQao religiosa da vida cultural actual e o desejo de uma soluQao definitiva de conteudos fideistas no campo das con.cepQ6es da cultura; a defesa do individualismo e do 184
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culto do Estado; a aspiragao a uma configuragao totalmente nova da tradigao como uma vivencia actual progressivamente «SUbjectiva», que e por SUa vez uma experiencia geral e uma tendencia para a determinagao rigorista do canone obrigat6rio dos bens culturais. 0 periodo do fascismo transformou-se no periodo da decadencia da pedagogia da cultura. Varios dos seus defensores, como Kerschensteiner e em especial Gentile, aceitaram os principios ideol6gicos do fascismo; outros, como Spranger, deslocaram-se para o campo religioso e outros, como por exemplo S. Hessen, formularam concepgoes do futuro que se baseavam no social-democratismo e se vincularam a visao religiosa de uma comunidade humana; outros ainda, como H. Freyer ou B. Nawroczynski, permaneceram fieis as concepgoes idealistas que se opunham ao progresso social e a revolugao, e finalmente outros, como Z. Myslakowski e o autor do presente livro, viram na revolugao socialista na Pol6nia a premissa e perspectivas para urn programa humanista cuja realizagao, no entanto, haviam vista de modo muito estreito e ut6pico. A critica de Marx ·a Hegel possibilitou a tomada de posigao de toda esta corrente na hist6ria do pensamento pedag6gico e o clara reconhecimento dos seus erros basicos. Esta corrente realizou a necessaria critica a pedagogia naturalista, a unilateralidade da interpretagao psicologista do homem, as simplifi~ cagoes sociol6gicas que limitavam toda a cultura a problematica de grupos e de tipos pessoais, assim como a pedagogia pragmatica da adaptagao. Mas esta critica, necessaria e justificada em muitos aspectos, foi feita a partir de pontos de vista err6neos. Isso conduziu a que tanto essa critica como toda a posi!;aO vacilassem. Esta critica foi entao feita a partir da filosofia idealista da hist6ria e da vida, isto e, a partir de urn ponto de vista que nao permitia compreender nem a verdadeira hist6ria nem a verdadeira 185
TEJORIA MARXISTA DA EJDUCAQ.AO
vida. 0 conceito de cultrira transformou-se, nestas condiQoes metodol6gicas e filos6ficas, em alga de univoco e confuso que permitia diversas interpreta- _ Qoes possiveis. Separada da corrente da luta pelo progresso, de modo nenhum podia conduzir ao fundamento de uma teoria e pratica correctas da educaQaO e leVOU fOrQOSamente a multiplas desvirtuaQOes.
CAPITULO VI
1) Nao conhecemos qualquer trabalho marxista que exponha de modo critico as aquisiQoes e erros do pensamento filos6fico burgues acerca da questao do homem. E esta questao e precisamente, desde o Renascimento, o problema central da filosofia. Desde que o Renascimento contrapos as concepQoes da Idade Media a dignificaQao da grandeza humana e das possibilidades humanas - recordemos a expressao simb6lica de Pica della Mirandolla (1) - , o problema do homem foi tratado pelos mais destacados escritores e situa-se no centro da luta par uma ideologia. No entanto, ha que destacar que esta problematica no imperialismo, em interdependencia com a grande ofensiva da mistica e das tendencias reaccionarias, exaltou apaixonadamente OS animas, em especial com a investida do irracionalismo. Aqui, e suficiente citar Nietzsche e Freud, assim como os fi16sofos existencialistas. Em relaQaO a ultima Corrente citada, cresceu 0 numero tanto de trabalhos hist6ricos que se ocuparam das diversas interpretaQoes sabre a essencia do homem, como as tentativas de fundamentar uma ciencia especial - a antropologia filos6fica -, que devia conceber os homens de modo distinto de como tura
(') J. Burckhardt, Die KttPtur des Re'l'lai·ss'Wnce (A Gutoo RetnaJScimento), Berlim, 1957, vol. III, p . 241.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
sao captados pelas ciencias da natureza. Mencionemos os trabalhos de B. Geothuysen, Philosophische Anthropologie (F'ilosofia Antropol6gica), Berlim, 1931; de M. Scheler, Die Stellung des Menschen im Kosmos (A Situagiio do Homem no Cosmos), Darmstadt, 1928; de Nicolai Hartman, Neue Anthropologie in Deutschl.a nd (Nova Antropologia na Alemanha), Blatter fur deutsche Philosophie (Publicagoes de F'ilosofia Alemii), 1941, vol. XV; de Paul Haberlin, Der Mensche- eine philosophische Anthropologie (0 Homem: uma Antropologia F'ilos6fica), Zurique, 1941; de Ernst Cassirer, An Essay on Man, Yale, 1944; W. Sombart, Von Menschen (Acerca dos Homens), Berlim, 1939; P . Landsberg, Einfuhrung in die philosophische antropologie (Introdugiio Antropologia F'ilos6fica). A partir
a
da concepQao mandsta, Vernon Venerable concebe o problema no seu livro Human nature, Birmingham, 1946; infelizmente limita-se a exposiQao da teoria de Marx e Engels sem analisar criticamente o desenvolvimento da filosofia do homem. A explicaQao de urn trabalho deste tipo sabre a concepQao do homem traria urn importante contributo para a compreensao das limitaQ6es e erros da teoria idealista do homem e do humanismo burgues, assim como para o significado hist6rico das concepQ6es materialistas do homem e do humanismo socialista. 2) A destacada importancia pedag6gica da concepQao da sociedade de Marx manifesta-se de modo patente se se confrontam as duas soluQ6es alternativas que apresentaram a sociologia burguesa e a pedagogia. Estas soluQ6es baseiam-se no principia de que a sociedade e uma soma mecanica de individuos, ou em que as leis da vida social podem remeter-se para as leis psicol6gicas que determinam a funQao ·da psique individual ou no principia de que a sociedade e urn conjunto especifico em que os 187
TEORIA
M~STA
DA EDUCAQAO
individuos apenas se encontram em relaQao fun'cional, enquanto que a sua psique esta dominada pelas leis desta totalidade social. No primeiro caso deparamos com as teorias indi.:. vidualistas do ensino social que se desenvolveram na atmosfera do liberalismo politico e empregaram de preferencia argumentos psicol6gicos, especialmente na terminologia da psicologia do desenvolvimento !nfluenciada pela psicologia profunda. No segundo caso encontramos as teorias da comunidade da educagao social que se desenvolveram na atmosfera do nacionalismo e fascismo e empregam de preferencia argumentos sociol6gicos acerca do caracter estrutural dos grupos humanos que funcionam estruturalmente como sociedade. A plataforma comum a estas duas soluQoes alter- ' nativas foi o principia de que a vida social e uma realidade psiquica que repousa nos contactos entre OS homens. Este principia foi fundamental o que e demonstrado pelo facto dos partidarios de teoria de totalidade da sociedade, isto e, o campo em que se podia contar com uma relagao critica a respeito da concepgao psicologista da realidade social, se decidirem por uma interpretagao deste tipo e desenvblverem diferentes teorias da «alma das massas», da «alma colectiva» e «do espirito comunitario», etc. - Ja o proprio Durkheim, que proclamou de modo programatico o metodo «objectivo» na sociologia, que considerou prudente analisar os factos sociais como «Coisas», que investigou a moral como urn complexo de normas e nao como consciencia moral, esse mesmo Durkheim concebeu a sociedade como urn tipo especifico de ser psiquico no qual participa o psiquico do individuo, e gragas a esta participagao adquire expressao humana e desenvolve-se moral e espiritualmente. Em oposiQao a este principia, a concepgao de Marx destaca algo de totalmente diferente. Marx afirma: «A sociedade nao se compoe de individuos, mas ex" 188
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pressa a soma de relaQ6es, dependencias, as quais estes iridividuos se encontram mutuamente vinculados » (K. Marx, Grundisse der Kritik der politischen OkonomieJ Berlim, 1953, p. 175). Partindo deste ponto, Marx critica a tese de Proudhon de que, por exemplo, a diferenQa entre o capital e o trabalho nao tern urn caracter social, mas individual. Na opiniao de Marx nao se deve considerar que a sociedade se comp6e de «homens», porque se comp6e na realidade de senhores e escra:vos, de capitalista:s e trabalhadores, etc., isto e,. de individuos determinados concretamente. Este ponto de vista permite opor-se tanto a teoria sociol6gica individualista como a toda:s as confus6es de uma mistica comunitaria. Permite afirmar que a estrutura objectiva da sociedade, que configura as inter-relaQ6es dos individuos entre si, as suas contradiQ6es internas e vinculos, assim como a sua vida psiquica de modo especifico, constitui urn elemento extraordinariamente importante da vida social. ' Uma concepQao pedag6gica que se apoie nesta base deve enfrentar tanto aquela pedagogia que ve a educaQao social, de acordo com as teorias sociol6gicas individualistas, como uma arte especifica da terapia psiquica do individuo, como tambem aquela pedagogia que, de acordo com a teoria da unidade da sociedade, trata a educaQao social como uma arte especifica para a reacQao comunitaria do individuo. A concepQao pedag6gica, fundada na concepQao marxista da sociedade, deve conceber a educaQao social como iniciaQao a compreensao da estrutura objectiva da sociedade, das leis que nela imperam, da:s suas tendencias evolutiva:s e deve preconizar, alem disso, a formaQao das capacidades para a actuaQao no caminho da luta por uma transformaQao progressiva desta estrutura; a criaQao de tragos psiquicos, assim como a experiencia comum a outros homens, e co:risequencia destes problemas fundamentais. Assim, pois, se a pedagogia social burguesa se ocupa especial-' 189
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mente da problematica da forma~ao da psique, como fundamento do actuar social do individuo, a pedagogia socialista deve ocupar-se em primeiro Iugar das condi~oes e tarefas da actividade objectiva dos homens para fundamentar nesta inter-rela~ao o seu desenvolvimento psiquico. Este ponto de partida separa-nos da pedagogia social que promete a supera~ao de todos os conflitos entre os homens, de acordo · com a psicologia profunda, mediante lima forma~ao precoce dos impulsos elementares. Numerosas correntes psicanaliticas coincidem, mau grado as diversas interpreta~oes da teoria de Freud, Adler e Jung, em que ja nos primeiros meses e anos de vida do homem, talvez inclusive no proprio instante do nascimento, se decide que caminho tomara o homem na vida social; todos eles sao de opiniao que uma boa educa~ao e principalmente o amor materno permitem formar as jovens gera~oes de tal modo que se transforme a actual atmosfera da sociedade aterrorizada e em luta, na atmosfera de trabalho comum e seguran~a, sem que para isso haja que transformar a estrutura da sociedade. A educa~ao social e, segundo esta concep~ao, uma terapia cujo exito s6 consegue demonstrar que as reformas sociais objectivas nao sao necessarias, dado que OS COnflitos SOCiais nao seriam mais do que de natureza «psiquica». 0 ponto de vista de Marx separa-nos daquela pedagogia que opera com o conceito de comunidade de grupos. Na Alemanha, especialmente a partir de Tonnies, cavou-se uma diferen~a cada vez maior entre a forma racionalista e irracionalista do ser social,' entre sociedade e comunidade, e o conceito de comunidade adquiriu maior importancia na pedagogia da Republica de Weimar e posteriormente numa forma diferente na epoca fascista. A educa~ao social devia constituir, segundo este ponto de vista, a consolida~ao da sociedade como fundamento do desenvolvimento espiritual e moral. Assim, Petersen entendeu de modo semelhante «a escola da comunidade da 190
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vida». 0 modo como podiam superar-se os conflit os sociais, segundo os individualistas, seria par meio da terapia individual; para os anteriores seria par meio de uma ac~ao psicol6gica que teria tra~os mis- tico-colectivos, e cujo 6rgao nao seria o trabalho dos psicoanalistas, mas o aparelho politico da propaganda. Mas tambem aqui, como nas anteriores concep~oes analisadas, consideram-se superfluas as reformas sociais objectivas, ja que a essencia dos conflitos sociais incide no campo da psicologia social. Assim, portanto, o aspecto psicol6gico continua a ser urn aspecto psicol6gico, indiferentemente de se apoiar na aceita~ao de uma psique individual ou numa ·a lma colectiva, de .o perar com os conceitos «impulse» e « sublima~ao » ou com os conceitos «fidelidade » e «submissao»; de prometer descarregar complexes ou despertar o interesse colectivo. A teoria marxista da sociedade destr6i esta alternativa entre «individuo» e «comunidade» ao indicar-nos a estrutura objectiva da vida social, o seu processo hist6rico evolutivo e a encarna~ao do psiquico dos homens neste processo e na actividade historicamente decisiva. Este modo de encarar o problema da vida social liberta-nos de toda a «psicomania» ( «luta pela psique»), a que chegou a pedagogia burguesa na ultima epoca, e assinala as tarefas concretas, objectivas, a que cada urn tera de se dedicar. E e precisamente este processo de matura~ao das tarefas que se converte no conteudo primordial do ensino. Gra~as a este pro.. cesso, alarga-se e aprofunda-se a vida interior do ser particular. E s6 deste modo o individuo pode ser eficazmente curado, quando a sua rela~ao com a sociedade adopta a forma de urn conflito. Estas ideias mostram claramente com que profundidade permite o pont o de partida de Marx confrontar a concep!;iio materialista e as teorias burguesas do homem. Gra~as a concep~ao materialista da sociedade, foi possivel resolver muitos conflitos entre individuo e sociedade e, ao mesmo tempo, superar 191
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muitas teorias err6neas acerca do homem, especial- · mente aquelas que concebiam o homem como urn n6mada independente au como urn mosaico da «alma da massa». 0 homem nao e nem uma essencia aca• bada, que tern contactos sociais para satisfa_?;er as suas necessidades -como afirmava a teoria individualista - , nem urn elemento da «alma humana». Nao se transforma em homem atraves da participa~ao na comunidade, que se concebe como uma realidade psiquica especifica, como foi entendido pelas teorias da comunidade. A concep~ao de que o elemento mais importante da vida social sao, as rela~oes objectivas sociais dos individuos entre si, que expressam o desenvolvimento das for~as produtivas e das lutas de classes, esclarece o desenvolvimento hist6rico do homem com base nestes processos e em rela~ao com eles.
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