TEORIA MARXISTA
DA EDUCACAO ,
Distribuidor no Brasil:
Livraria Martins Fontes Prac;a da lndependAncia, 12 Santos- S. Paulo
BOGDAN SUCHODOLSKI
TEORIA MARXISTA DA EDUCACAO I
Volume I
Editorial
Estampa
Titulo original U tPodstaw Materialistycznej Teorii Wychowania
Traduc;:ao de Maria Garlota Mel,o Capa de Soares -Rocha
Todos os direitos para esta edic;:ilo estilo reservados por Editorial Estampa, Lda., tisboa, 1976
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Prejliaio· . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. .. . .. . .. . .. . . . . . . . .. . . . . Prejacio do a:u,tor a edir;ao a;lema . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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CAPITULO I - Evolugao· doS> problemas pedag6gico>S nas obra/8 d6 Marx e Engels .. . 1. Inicio da adividade de Marx . . .
2. Inicio da actividade de Engels . . . 3. Fundamentos do materialismo hist6rico e a sua importancia para a pedagogia . . . . . . . . . 4. 0 conhecimento dos factos . . . . . . . . . . . . 5. A luta para a criagao de urn partido operario 6. 0 caracter de classe da educagao . . . . . . . . . . . . 7. Os problemas da economia e da pedagogia . . . 8. 0 metodo dialectico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9. A ultima etapa da Iuta de Marx e Engels pela formagao proletaria . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. . . . . CAPITULO I I - Diagnose da aotualidtu:te .. , . . . . . . . . . 1. ~ c~p_italismo como estadio do desenvolvimento h1stonco . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . 2. 0 hom em e a divisao do trabalho . . . . . . . . . . . . 3. 0 individuo e a qlasse na sociedade capitalista 4. A situagao do proletariado . . . . . . . . . ... . . . . . . . 5. 0 problema do tempo Hvre na sociedade capitalista .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . . . . . . . .. . . . . 6. 0 derrube da ordem cla'Ssista e a libertaJgao do hom em . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .
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CAPITULO III- P r oblemas da 'flll-benagiilo e do jeticll!ismo .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. 1. A critica marxista da concepgao hegeliana da
alienagao .. . . . . . . . . . .
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2. No caminho -de uma teoria materialista da alienagao ma;terialista . . . . . . . . . . . . . . . 3. 0 caracter feti chista -da mereadoria ... .. . ... 4. A superaga 0 da alienagao . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5. A ·c oncepgao marxista da alienagao dos homens no capitalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6. 0 significado pedag6gico da alienagao Apendice (Observagoes do Autor) . .. . .. . . . . .. . ..
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PREF.ACIO
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Num pais que constr6i o socialismo, a actividade jormativa e educativa deve ocupar um lugar destacado entre os assuntos sociais importantes. A unica condiQiio para alcanQar o sucesso neste campo e o aprofundamento cientifico das leis e metodos da actuaQiio pedag6gica. Actualmente, um trabalho neste sentido deve ocupar-se sobretudo do problema central da relaQiio com a ideologia da heranQa pedag6~ gica. E indiscutivel que se conseguiram importantes progressos no campo das ciencias pedag6gicas na epoca burguesa da hist6ria europeia. Tambem e incontestdvel que neste periodo se desenvolveram correntes e concepQoes totalmente falsas ou surgidas em condiQoes concretas as quais estiio estreitamente vinculadas. 0 derrube da ordem capitalista e a criaQiiO · da sociedade socialista estabelecem um grande e hist6rico processo que exige um novo conteudo do problema pedag6gico. Oonsiderando esta nova situaQiio, devemos estar preparados para determinar o conteudo cientifico da teoria pedag6gica. Seria um grave erro querer separar a pedagogia socialista da ampla Corrente do progresso cientifico, que e patrim6nio comum do mundo inteiro. Mas seria igualmente perigoso e prejudicial niio par energicamente em destaque aquila em qu,e nos distinguimos e em que consiste principalmente a nossa nova problematica te6rica: 9
I
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Em que aspecto e a pedagogia socialista uma continuaqiio do desenvolvimento hist6rico da teoria da educaqiio e da pratica, quais as limitaQi5es que suscita e que novas problemas soluciona? Esta e a questiio essencial da nossa epoca, que se poe tanto aos cientistas como aos amplos circulos de pratessores e educadores. Neste livro tenta-se responder a esta questiio apoiando-se numa analise detalhada da actividade te6rica e pratica de Marx e Engels. Embora niio se tivessem ocupado directamente da pedagogia e apenas relativa e fragmentadamente falassem e escrevessem acerca dos problemas da form aqiio e educaqiio, tem uma importancia decisiva na hist6ria do pensamento pedag6gico como criadores de uma nova concepqiio da cultura e da hist6ria, da sociedade e do homem ( * ). Esta concepqiio constituiu um ponto de partida niio s6 para a critica principal dos fundamentos da politica cultural burguesa e da sua pedagogia, mas tambem para os principios da pedagogia socialista. A critica realizada por Marx e Engels niio e somente uma critica hist6rica de relaqi5es humanas e correntes ideol6gicas, pais o sistema capitalista im~ pera ainda hoje em muitos paises do mundo e as tendencias ideol6gicas contemporaneas desenvolvem as concepqi5es que surgiram na metade do seculo passado. Ao analisar a teoria marxista da sociedade, da · cultura e da educaqiio, encontramo-nos em plena actualidade. N a luta ideol6gica para o triunfo da pedagogia socialista situamo-nos naturalmente contra estas correntes que ja Marx combateu no seu periodo inicial. Assim, as questi5es fundamentais do naturalismo, psicologismo e sociologismo em pedagogia, da pedagogia ut6pica e da cultura, da pedagogia do «Ideal» e da «Existencia» encontram-se niio s6 pe(*)
Observa~5es
do autor. V. Apendice, prefacio, 1) .
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TEORIA
M~STA
DA EDUCAQAO
rante o tribunal da hist6ria, mas tambem perante o da actualidade. Por isso cremos que o nosso estudo, ao analisar os problemas fundamentais da pedagogia nas obras de Marx e Engels, esta muito ligado a superat;ao das dificuldades te6ricas que surgem no desenvolvimento das ciencias pedag6gicas no periodo de transit;ao do capitalismo para o socialismo. 0 livro esta dividido do seguinte modo: No capitulo I tent amos facilitar um quadro das opinii5es pedag6gicas contidas nas obras de Marx e Engels. Conservando a sucessao cronol6gica, remetemos para os trabalhos de ambos os autores que possuem um conteitdo pedag6gico rico e caracterizam de um modo geral as etapas de desenvolvimento da sua concept;ao sabre a educat;ao e seus fundamentos. Os capitulos seguintes estao ordenados sistematicamente: neles se apresentam e analisam determinados problemas, comprovando a cronologia somente nos casas em que o desenvolvimento das ideias o exige. Por esta razao consideramos que a caracterizat;ao do ensino feita por Marx e Engels e compreendida no capitulo I tem importancia para a pedagogia como introdut;ao necessaria para os pensamentos sistematizados nos restantes capitulos. Por isso, decidimos, ainda que tal conduza a evidentes repeti<;oes, ser imprescindivel apresentar o material em dois aspectos - cronol6gico e sistematico. Os capitulos II a IV analisam problemas bdsicos da filosofia e actividade de Marx e Engels no que · respeita as suas repercussoes nas concepg5es sabre questoes de ensino e educat;ao. Esfort;amo-nos por mostrar como Marx e Engels viram o mundo do seu tempo (capitulo II) e o papel do homem neste context a hist6rico, a sua visao sobre a possibilidade de libertat;ao (capitulo Ill), o modo como sabre estes fundamentos analisaram o sistema educativo na sociedade burguesa e o que entenderam dever ser a preparaQfio do proletariado para as tarefas hist6ricas da «revoluQfio permanente» (capitulo IV). 11
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Os capitulos V a IX tem um caracter distinto. A actuagao e ensino de Marx e Engels estavum, e certo, estreitamente ligados a situagao hist6rica de'terminada e a luta politica concreta para a libertagao da classe operaria, mas tambem as suas concepgoes filos6ficas e cientijicas- precisamente devido a este Vinculo - tf,ltrapassam OS limites da epoca e representam, com a elaboragao das leis do materialismo hist6rico e dialectico e sua utilizagao nas ciencias sociais particulares, um feito decisivo para o desenvolvimento da ciencia actual. Precisamente desejamos chamar a atengao, para este aspecto te6rico do problema ao analisar neste capitulo a importancia do ensino de Marx e Engels para a pedagogia. Marx e Engels ocuparam-se de problemas da cultura ( capitulo . V), do homem (capitulos VIe VII) e da personalidade (capitulo VIII). Na analise destas questoes damos, naturalmente, uma atengao especial a luta filos6fica que Marx e Engels levaram a cabo para a defesa do seu ensino materialista contra as teorias burguesas. Neste aspecto, expor os elementos basicos da teoria da educagao materialista e os principais feitos da critica das concepgoes-idealistas em pedagogia significa, sobretudo, mostrar o valor permanente do ensino de Marx e Engels e o que ele significa para a luta pelo progresso nas ciencias pedag6gicas. No capitulo IX nao s6 se compendiam como tambem se ampliam as explicagoes expressas ao longo de todo o livro. Indicamos a importancia de Marx e Engels para o desenvolvimento do pensamentos pedag6gico e primeiro . que tudo queremos sublinhar o seu caracter filos6fico e cientifico. Alem disso, o livro contem muitas observagoes. Tem caracter de documentagao hist6rica e bibliogrtir fica por vezes, cumprem tarefas distintas noutros casos. No decorrer das nossas investigagoes referimo-nos frequentemente a questoes em que as ideias de Marx e Engels - tanto no sentido positivo como 12
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na critica de falsas concepr;oes - resultam particularmente actuais. Contudo, nao foi possivel na parte principal do livro abarcar toda a importancia do pensamento marxista para a critica da pedagogia contemporanea, sem aludir aos principios hist6ricos e sistematicos da sua construr;ao. Por isso, no texto do livro limitamo-nos a indicar estes problemas de um modo geral. Desta forma, pareceu-nos necessaria tratar destas exigencias actuais mais detalhadamente - ainda que niio exaustivamente de imediato. Por esta raziio, as observar;oes do anexo- especialmente as dos capitulos V a IX - represent am uma ampliar;iio e complemento essenciais do proprio texto. Talvez estas observar;oes facilitem a alguns leitores pouco preparados a compreensiio filos6fica e hist6rica do papel que desempenha a analise do pensamento de Marx e Engels para a pedagogia, papel que e evidente nas questoes abstractas, filos6ficas e cientificas de solur;iio dificil, formuladas por eles, 0 presente livro foi realizado por etapas. A sua primeira parte, planeada como um estudo independente sabre a critica da pedagogia burguesa nas obras de Karl Marx, terminou no anode 1950. A segunda parte, analise da concepr;iio pedag6gica de Marx, foi finalizada em 1952. Prosseguindo o trabalho sabre este tema, ampliei consideravelmente a versiio original e reelaborei todo o material num livro unico. Vars6via, 1957. BOGDAN SUCHODOLSKI
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I
PREFACIO DO AUTOR A EDIQAO ALEMA
A pedagogia, segundo a teoria tradicional da educagao, tern a tarefa de adaptar a geragao dos jovens as relagoes humanas vigentes na sociedade. N ao e trabalho seu . prepara-la para criar novas relagoes. No feudalismo, o destino do homem na sociedade vinha determinado nao pela educagao, mas pela sua arigem. Gada homem recebia a educagao que a sua posigao exigia. A educagao nao era o factor que decidia a posigao a ocupar na sociedade; era a situagao social que o determinava. N a sociedade capitalista foi ja possivel que os homens alcangassem uma posigao e consideragao na sociedade atraves da sua formagao, porem uma vez que o sistema social devia dontinuar imutavel no seu conjunto, a educar;ao teve de conservar o seu caracter de adaptar;ao. Considerau-se como sua tarefa principal adaptar a jovem gerar;ao as condir;oes de vida vigentes na sociedade . capitalista de classes. Somente os ut6picos tentaram considerar o papel da pedagogia sob outra perspectiva completamente diferente, esperando que no futuro a educagao daria lugar a uma transformar;ao total da vida do homem. J. A. Comenio deve ser considerado o criador de uma verdadeira pedagogia moderna e nao s6 porque foi ele o primeiro a analisar as relar;oes de que depende a eficacia dos metodos educativos, .mas tambem e principalmente porque foi ele o primeiro, aprofun15
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dando e analisando os pensamentos ut6picos, a esbogar uma concepgao pedag6gica que permitisse conceber a educagao como factor principal da melhoria das relagi5es humanas «emendatio verum humanorum». A crenga de que os homens podiam criar uma nova ordem social, melhores condigi5es de vida para todos os homens e povos, atraves da educagao, encontrou partidarios activos a partir desta altura. Ja a partir dai se firmou a convicgao-especialmente expressa na obra de Pestalozzi Nachforschugen iiber den Gang der Natur in der Entwicklung des Menschengeschlechts (Investigagoes Acerca do Processo da Natureza no Desenvolvimento do Genero Humano), 1797- de que uma autentica educagao humana dentro da ordem social capitalista entra em conflito com as desumanas relagi5es materiais entre as pes-. soas. Contudo, este vasto programa educativo deveria despertar duvidas inclusive entre os seus adeptos. Ja Helvecio afirmou, apesar do seu convencimento do papel dominante da educagao, que em todos os paises «a arte da formagao dos homens esta tao intimamente ligada ao sistema politico, que nao e possivel uma transformagao essencial da educagao popular sem uma correspondente modificagao da constituigao pais». Do mesmo modo, tambem Kant adverte no final do seu Anthropologie in Pragmatischer Hinsicht (Antropologia no Aspecto Pragmatico), 1798, sobre as dificuldades bdsicas que surgem ao confiar no papel criador da educagao para o progresso da humanidade: «0 homem deve ser educado para o bem, mas quem o ha-de educar e por sua vez um homem que, no entanto, permanece na ignorancia da natureza e ele proprio precisa do que vai efectuar.» - A prop6sito destas duvidas radicais expressas por Helvetica e Kant, Marx na sua critica a Owen pergunta quem educara o educador. Mostrou, muito mais claramente que Helvecio e Kant, que a crenga no poder da educagao para criar 16
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novas condigoes de convivencia humana prescinde da realidade) que a propria educagao e fruto das rela~oes humanas anteriores ). tambem indicou o caminho que possibilita sair deste circulo vicioso mediante a pratica revolucionaria. Marx ensina como os hom ens podem criar novas relagoes materiais entre as pessoas pela sua acgao revolucionaria) mesmo apesar de serem eles pr6prios um produto das velhas relagoes. E por isso a educagao) apenas quando unida a actividade revolucionaria dos homens) consegue satisfazer as esperangas nela depositadas) nao podendo evidentemente ser determinadas como nem em que medida serao realizadas. Vivemos uma epoca em que a «pratica revolucionaria» conduz) em muitos paises do mundo) ao derrube do sistema capitalista e a construgao de uma nova ordem. Precisamente por isto a educagao pode - pela primeira vez na hist6ria - ajudar a construir um novo futuro para a humanidade)· e nao isoladament.e) como os ut6picos pensavam) mas ao servigo das forgas sociais que levantam a nova ordem social. Por este motivo) o papel social da educagao nao deve fundamentar-se em algo ut6pico e alheio a realidade) como formagao de um novo homem que deve construir um novo sistema social) mas exacta e Gientificamente como formagao do homem) adequada as necessidades --e tarefas da sociedade socialista que se constitui e desenvolve. Esta enorme tarefa hist6rica) que a revoZugao · socialista propoe a pedagogia) exige dos educadores uma grande dedicagao ao trabalho e um novo impulso. Por isso) o intercambio de experiencias praticas e de investigaQi5es te6ricas entre pedagogos dos paises socialistas adquire uma grande importancia e contribui para o desenvolvimento e enriquecimento da pedagogia socialista. Ap6s muitos seculos de confrontaQCio entre a Pol6nia e a Alemanha no campo da educaQao) que servia objectivos vincadamente diferentes) chegou actualmente a epoca em que as 17
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tarefas educativas basicas a formaQiio do homem socialista sao identicas nos nossos dais paises1 Pol6nia e Republica Democratica Alemii. Por isso1 saudn com satisfaQiio esta ediQiio alemii que creio pode1 ser considerada como um passo para uma mais estreita colaboraQiio entre os pedagogos de ambos os paises. Alem de me referir as grandes tarefas hist6ricas desejo expressar a minha satisfar;iio par motivos estritamente pessoais. Esta obra1 como o leitor observara constitui uma tentativa de cr·l.tica filos6fica fundamental da teoria da educar;iio idealista; precisamente nos meus anos de estudante na Universidade de Berlim durante a Republica de Weimar conheci de perto estas teorias. Entao1 a tradir;ao da filosofia clr.issica idealista alemii estava na ordem do dia e especialmente no campo da pedagogia. A grande maioria dos pedagogos alemiies desse tempo baseavam-se em Hegel Fichte e Humboldt. Actualmente a heranr;a da filosofia idealista submete-se a critica de uma perspectiva marxista e destacam-se os seus limites e erros; no campo do pensamento pedag6gico tambem se opera um processo de negar;ao e assimilar;iio dialectica - processo · de superaQiio -. Neste aspecto julgo acrescentar um novo capitulo a minha biografia intelectual corrio fil6sofo e pedagogo ao participar neste processo hist6rico de confrontar;iio ideol6gica. A publicar;ao em lingua alemii das minhas rneditar;oes e opinioes tem a sua justificar;iio na grande influencia que a filosofia alemii do seculo passado teve e tern ainda na pedagogia idealista do seculo XX. Espero que este livro1 que descreve a luta filos6fica par uma teoria pedag6gica de acordo com as exigencias e tarefas de urna revoluQiio socialista contribua para que os pedagogos alemiies como aconteceu entre os pedagogos polacos1 determinem os fundamentos filos6ficos da teoria marxista da educar;iio. 1
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CAPiTULO I
EVOLUQAO DOS PROBLEMAS PEDAG6GICOS NAS OBRAS DE MARX E ENGELS
0 ponto central, a volta do qual cristalizaram todas as quest6es principais da pedagogia, foi a actividade revolucionaria de Marx e Engels e a sua teoria. Por conseguinte, e irrelevante o facto de~tes problemas pedag6gicos terem sido directamente abordados ou serem consequencia de d&terminada tese. As etapas de desenvolvimento desta actividade, identica ao desenvolvimento do pensamento filos6fico e das investiga~6es cientificas no campo da economia e da hist6ria, coincidem com as etapas de desenvolvimento dos problemas pedag6gicos. De entre todos os periodos destaca-se aquele em que Marx e Engels- sem se conhecerem pessoalmente -, mutuamente independentes, ultrapassaram a influencia da ideologia burguesa e elaboraram . gradualmente urn novo ponto de partida materialista nas suas numerosas polemicas filos6ficas e politicas. E o periodo que vai aproximadamente ate fins de
1844.
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1. Inicio da actividade de Marx
Para Marx, este periodo constitui uma epoca de actividade politica e jornalistica que o for~a a abandonar o pais e, ao mesmo tempo, das divergencias 19
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filos6ficas com Hegel sabre as quais contribuiu a sua propria ideologia. Sao os anos de estudo universitario, publica~ao do Reinischer Zeitung e mais tade do Deutsch-Franzosischen Jahrbucher) anos de arduo trabalho filos6fico cujo resultado foi uma ampla analise critica da Filosofia do Direito de Hegel, publicada pela primeira vez depois da morte de Marx. Juntamente com a Introdu~ao desta Critica, surgiu nos JahrbucheT o artigo hist6rico-filos6fico Zur Judenfrage (Sabre a questao dos judeus), assim como a extraordinariamente importante, ainda que incompleta, elabora~ao sobre economia e filosofia que exp6e de forma convincente a transposi~ao das concep~6es idealistas e abre perspectivas completamente novas. Este trabalho encerra o periodo juvenil de Marx tanto no aspecto da sua· vida como no da sua filosofia e abre o caminho a sua maturidade (*). No processo da sua evolu~ao politica, o jovem · Marx chegou a uma critica cada vez mais consequente do Estado absolutista, a uma formulaQiio cada vez mais radical das exigencias democraticas. De inicio, Marx formulou as suas opini6es politicas ligado aos circulos de tendencia esquerdista da burguesia alema e da sua intelectualidade e mais tarde, cada vez mais abertamente, como «cisionista)) ao formular a transi~ao do democratismo revolucionario ao comunismo. Desde o aparecimento dos Deutsch-Franzosischen J ahrbucher que estas opini6es adquirirarn urn caracter cada vez rnais radical. 0 cenario onde se representa a «comedia do despotismo» e como urn «barco de buf6es»: conduz inevitavelrnente ao seu destino oposto, a revolu~ao (1). «0 mundo velho - escreve Marx - pertence ao filisteu». Na realidade, e indubitavelmente urn «rnundo desurnanizado», urn mundo onde se pretende viver e Observag5es do autor. V. Apendice, cap. I, 1). (') Marx-Engels, Werke (Obras), Berlim, 1956, vol. 1, p. 338. ·( * )
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reproduzir-se exactamente como no mundo animal; urn mundo onde o despotismo e o sistema de produgao, o sistema da propriedade privada e da -::xploragao dos homens ha-de conduzir a sua propria destruigao. Temos de nos opor - escreve Marx- a absurda idolatria deste mundo, assumir corajosamente a posigao da «humanidade que pensa» e colaborar no nascimento do novo mundo que esta amadurecendo ( 2 ). A critica a ordem social constituida e a sua classe dominante, a convicgao de que a tarefa do pensamento humano consiste em desmascarar o ·mundo burgues e cooperar com a revolugiio que se anuncia e devolve a dignidade humana, tudo isto representa uma parte da luta politica de Marx. Rapidamente comegou a desenhar-se a segunda frente, dirigida contra as concepgoes utopicas e abstractas ·dos chamados benfeitores da humanidade. Marx cita Cabet, Dezamy, Weithing e Fourier e demonstra que o seu «principia humanista» era limitado, cheio de contradigoes, dogmatico e abstracto. Reconheceu perfeitamente a diferenga que ja se esbogava entre o ponto de partida democratico, o do socialismo utopico e o seu proprio. «A vantagem da nova tendencia consiste precisamente - escreve Marx - em que nos nao antecipamos dogmaticamente o mundo, mas que queremos encontrar o mundo novo somente a partir da critica do velho.» ( 8 ) Era caracteristico dos utopicos a sua «Critica do velho mundo» nao conduzir a urn ponto de · partida para urn novo quadro do futuro. Este futuro era expressao de desejos e sonhos, uma «construgao dogmatica». Marx queria deduzir da «critica do velho mundo» os «principios» do mundo novo. Isto significa que a critica deve descobrir cada processo historico real que conduza, no seu desenvolvimento posterior, a totai destruigao da ordez:n mundial cons(') Ibidem, p. 343. (•) Ibidem, ;p. 344. 21
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tituida e a cria~ao de urna ordem nova. Foi exactamente este desenvolvimento hist6rico objective que OS ut6picos nao souberam ver. lmaginavam que 0 futuro depende da boa vontade do homem. 0 conhecimento de urn processo hist6rico objective nao deve conduzir a proclama~ao de urn principia de passividade. Pelo contrario, a critica nao deve limitar-se a teoria. «Nada nos impede- escreve Marx- unir a nossa critica com a critica da politica, com a participa~ao na politica, isto e, com a luta real e identifica-la com ela. N6s surgimos impetuosamente no mundo como doutrinarios e urn novo principia: Aqui esta a verdade, prostai-vos! Desenvolvemos os nossos principios partindo dos principios do mundo velho. Nao vos dizemos: Abandona a tua luta, ela e uma tolice; gritamos a verdadeira palavra de ordem para a luta!» ( 1 ) Precisamente este principia da luta revolucionaria de Marx transformou-se paralelamente no factor basico da sua evolu~ao filos6fica e encontrou nela a sua ratificacao e desenvolvimento. Nas notas filos6ficas, cartas e polemicas, na disserta~ao sobre Dem6crito e Epicuro, amadureceu nele, no contacto com Hegel, ainda que tambem oposto a este, a convic~ao da dependencia dialectica reciproca do Ser e da Consciencia. Dado que Marx nunca mais aceitou incondicionalmente a concep~ao hegeliana do desenvolvimento imanente do Espirito, rejeitou tambem as concep~oes do jovem Hegel que conduzem facilmente a posi~ao do idealismo subjective de Fichte. Concentrou 'a sua aten~ao nas rela~oes histnricas onde observou a unidade dialectica entre o Ser e a Consciencia ( 5 ). Isto significa que a filosofia, que (•) Ibi~em, p. 345. (") A. Cornu analisa esta evolugiio filos6fica multo detalhadamente no livre: Ka.r l Marx und Friedrich Engels -Leben una Werke (Karl ll!farx e FriedTcich Engels- Vida
Berlim, 1954.
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e Obra),
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trata o Ser simplesmente como uma consequencia da Consciencia, nao mais o satisfez. Mesmo se indiferentemente estes conceitos possuem urn caracter objectivo, como em Hegel, ou subjectivo como em Fichte, o erro comum consiste, segundo Marx, -no desconhecimento da verdadeira oposiQao e relaQao entre Sere Consciencia. Marx observou o mundo com olhos de homem social e determinou que o mundo nao e absolutamente «racional» e nao se subordina aos ideais humanos objectivos; muita luta e necessaria para realizar tudo 0 que moral e historicamente e correcto. Urn factor importante para veneer o idealismo foi nessa epoca a filosofia de Feuerbach; no entanto, Marx apercebeu-se logo das suas limitaQ6es. Escreveu que nao podia aceita-la completamente, porque se refere muito «a natureza e muito pouco a politica: Esta e, indiscutivelmente, a (mica ligaQao mediante a qual a filosofia actual pode chegar a ser vei·dadeira» ( 6 ). Apenas a actividade social e nao a consciencia em si transforma a realidade social. Partindo deste ponto, Marx critica energicamente a filosofia de Hegel, principalmente a sua teoria do Estado e do direito. Esta aguda critica vinha demonstrar que a evoluQao do Estado e do direito nao e a expressao do desenvolvimento de uma Ideia abstracta, mas consequencia de modificaQ6es sociais. Marx comeQou a desmascarar os ideais burgueses e a descobrir a . natureza das classes na hist6ria, observando principalmente os precedentes hist6ricos, reais. Na prosseCUQao do evoluir destas ideias rompeu definitivamente tanto com o idealismo hegeliano como com o materialismo mecanicista de Feuerbach ·que conduz a ilusoes sentimental-humanitarias. Nos seus lJfanuscritos Ecoo6mico-F'ilos6fioos) Marx mostrou, numa 6 ( ) Mega, Primeira Parte, vols. 1-2, p. 308, Marx an Ruge, Brief vom 13-3-1843 (Carta de Marx a Ruge, 13-3-1843).
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violenta polemica filos6fica, como a propriedade privada desumaniza os homens atraves da explora~ao da for~a de trabalho humano, como da origem a urn mundo estranho e inimigo do homem e lhe inocula a ilusao de que ha-de ser sempre urn escravo · do ambiente em que se encontra; impede-ode pe:..1sar que o homem pode e deve ser urn criador consciente do seu proprio mundo, urn criador de si mesmo. Este primeiro periodo de Marx tern importancia relevante para a pedagogia. Nao obstante, tern de s~r rebatidas duas opinioes sobre este periodo a fim de as caracterizar adequadamente. Uma delas esfor~a-se por demonstrar que somente o «jovem Marx» foi um «verdadeiro humanista», tendo mais tarde atrai~oado o seu interesse da juventude pelos homens em beneficia da luta politica e econ6mica. Segundo este ponto de vista, as primeiras obras de Marx teriam uma importancia especial para a pedagogia e apenas nesta epoca exclusivamente se poderia estabelecer urn vinculo entre a filosofia marxista e a pedagogia. Tal como demonstraremos claramente no decorrer da nossa exposi~ao, esta concep~ao e .inteiramente errada, ja que o periodo de maturidade filos6fica e cientifica de Marx constitui justamente o desenvolvimento e realiza~iio de tudo quanta a primeira epoca promete, niio significando de modo nenhum a sua nega~ao. 0 problema da liberta~ao do homem constitui sempre para Marx o principal problema, porem posteriormente precisa 0 caracter e origem da actual explora~ao e indica cada vez de uma maneira rna is / real OS metodos para a destrui~ao definitiva destas cadeias. A importancia do periodo juvenil de Marx nao consiste, pois, no encerramento de algo que mais tarde nao seja retomado; constitui o momento da genese criadora do pensamento materialista de Marx. Este processo - 0 fen6meno acontece de modo identico na vida de Engels - nao e s6 biograficamente importante, mas representa tambem a expressao de 24
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uma eleiQao ideol6gica fundamental na cultura da Europa nos anos quarenta do seculo passado. Esta eleiQao caracterizou a atitude critica perante a sociedade burguesa enquanto que acentuou com toda a nitidez a diferenQa entre a critica das direitas e a das esquerdas; precisou as diferenQas fundamentais ~mtre liberalismo e democracia e mais tarde entre democracia e comunismo, e as diferenQas entre o humanismo de Duselei, socialismo ut6pico, «Socia- , lismo verdadeiro», etc. e o socialismo cientifico; entre QS diversos tipos de idealismo, materialismo metafisico e o materialismo hist6rico e dialectico. Talvez nao tenha existido uma epoca hist6rica tao rica de divergencias ideol6gicas e raramente se tenham dado consequencias tao frutiferas de uma tal decisao, como demonstraram os cern anos seguintes. Por isso, torna-se especialmente instrutivo estudar a epoca em que o marxismo nasceu. E precisamente por isso tambem nao e correcta a concepgao que ataca uma valorizaQao excessiva do periodo de juventude de Marx e menospreza este periodo por imaturidade, pois esta «epoca de imaturidade» constitui o momenta do nascimento do pensamento materialista e neste processo evolutivo aclaram-se muitas questoes de diversos problemas e apontam-se as possibilidades para a sua soluQao. Portanto, e recomendavel, no que respeita a pedagogia, seguir atentamente a produQao da juventude de Marx- e igualmente a de Engels ( *) . No pensamento filos6fico e politico do jovem Marx, quais os problemas pedag6gicos que estao em primeiro plano? Trata-se principalmente de questoes vinculadas a relaQao da filosofia com a vida e problemas sociais que afectam a situaQao do homem na sociedade burguesa.
( * ) Observagoes do autor. V. Apendice, cap. I, 2).
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0 primeiro problema e discutido no ano de 1844 nos Deutsch-Franzosischen Jahrbucher e na introdu~ao do ensaio Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie (Oritica da Filosofia do Direito de Hegel). Marx analisa a rela~ao entre a filosofia e o proletariado que luta pela sua liberta~ao; neste estudo, a filosofia e tomada num sentido tao vasto que inclui todos os problemas da educa~ao. A tarefa da filosofia consiste principalmente em libertar o homem das ilusoes mostrando-lhe as raizes sociais das mesmas e estimulando-o a uma ac~ao para modificar o mundo. «A religiao - escreve Marx - e apenas o sol ilus6rio que gira a volta do homem enquanto este nao gira a volta de si mesmo. Portanto, a missao da hist6ria consiste, uma vez que desapareceu o mais azem da verdadeJ em averiguar a verdade do aqui.» (7) Exigir sobrepor-se as ilusoes sobre urn estado de coisas «vale tanto como exigir que se abandone um estado de coisas que necessita de ilusoes» ( 8 ) . «A critica do ceu transforma-se assim - prossegu:e Marx- na critica da terra; a critica da religiao, na critica do direito; a critica da teologia, na critica da politica. » Mas este papel critico e criador, este papel educativo e activo, apenas pode ser desempenhado pela filosofia quando esta se tiver convertido na arma do proletariado que luta. Esta liga~ao, e somente ela, pode assegurar a filosofia a positiva eficacia material da for~a de vontade espiritual. Se nao, permaneceria numa esfera alheia a vida, os seus empenhos consistiriam numa mudan~a da «filosofia como filosofia» e as suas vit6rias se-lo-iam num mundo de abstrac~oes e ilusoes. «Nao basta que o pensamento estimule para a sua realiza~ao- diz Marx- e ne-
(') Marx-Engels, La Sag·radJa Familia, Ed. Grijalbo, xico, 1962, p. 4. (") Ibi~em, p. 3. 26
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cessario que a mesma realidade estimule o pensamento.» ( 0 ) 0 proletariado e uma classe emancipada por excelencia, isto e, uma classe onde todas as injusti~as e explora~oes sao realidade, uma classe em que se concentram todas as for~as que tendem para uma liberta~ao humana, verdadeira, geral, de base. No proletariado, pois, «a filosofia encontra as suas armas materiais » e na filosofia «O proletariado encontra as suas armas espirituais» (1°). Esta uniao da origem a que a liberta~ao dos homens das cadeias da sociedade classista e dos credos e ensinamentos falsos deve alcan~ar 0 exito em dois processos unidos mutuamente por uma . dependencia reciproca. A forma~ao da consciencia do novo homem e a constru~ao de uma nova ordem social, a supera~ao das concep~oes religiosas e autoritarias e o dominio das classes feudal e burguesa, a critica dos fundamentos da imaterialidade nos quais o homem se nega a si mesmo e a sua independencia, e a critica da propria ordem social que for~a as massas trabalhadoras a renunciar a uma vida digna e a subordinar-se ao poder; estes sao os dois aspectos de urn mesmo caminho para a « emancipa~ao dos homens» que Marx ja indicou na sua epoca de juventuCle. Partindo deste ponto de vista, a educa~ao esta indissoluyelmente ligada a transforma~ao social que se consegue sob a direc~ao do proletariado. Tambem o problema de libertar a consciencia humana de elementos miticos e aleg6ricos e urn problema ligado ao derrube da ordem social que oprime e explora as massas trabalhadoras. Este ponto de partida orienta a educa~ao para as suas futuras tarefas hist6ricas: a luta pelo progresso social e o humanismo socialista que significa uma emancipa~ao econ6mica, espiritual e poll(') Ilri dem, p. 11. 0 (' ) Ibtde:ln, p. 15.
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tica. Este trabalho educativo entende-se como uma actividade social e politica que decididamente se opoe as concepQ6es do pensamento aut6nomo e da acQao aut6noma sobre a consciencia alheia, concepQ6es segundo as quais a formaQao do homem e urn facto que se realiza num mundo privado de pensamentos, convicQ6es e influencias educativas pessoais, etc. 0 trabalho educativo concebe-se, pois, como urn trabaLl].o que conduz a «alga» no contraste com as concepQ6es retrospectivas, segundo as quais o homem se forma por tradi~ao e nao por participaQaO no que ele cria e anseia. E finalmente o trabalho educativo concebe-se tambern historicamente, ou seja, ao servi~o do processo evolutivo hist6rico da humanidade, em oposiQao a todas as concep~6es reaccionarias, bern como ao universalismo religioso e ilus6rio que considera definitivas as etapas de desenvolvimento hist6rico particulares e, num sentido metafisico, realizaQao da «essencia humana». 0 problema da filosofia, isto e, 0 problema da forma~ao da consciencia surgiu nestas medita~6es de Marx intimamente ligado ao problema da transform:a~ao da vida social. Foi este o principal motivo de divergencia com Hegel. Num vasto estudo sobre a filosofia do direito hegeliano e nos seus Manuscritos Econ6mico-F'ilos6ficos) Marx supera a concep~ao hegeliana da aliena~ao ao indicar que as raizes . da aliena~ao devem ser procuradas no mundo material que o homem cria, embora nao dirija consciente e humanamente, ja que a propriedade privada expropria os hom ens da sua humanidade (11 ) . Hegel, como se sabe, definiu a aliena~ao do homem como processo puramente espiritual. A aptidao do Espirito para criar o novo devia alcan~ar resultados que, por parte dele mesmo, resultavam incompreen-
(
11
)
No capitulo III realiza-se uma an:ilise deBta alie-
na~ao.
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siveis e estranhos, e impelir o seu desenvolvimento sucessivo. Mas este desenvolvimento devia conseguir o seu objectivo mediante processos semelhantes a representaQaO, isto e, mediante a implantaQaO na realidade. 0 conhecimento de que o mundo e urn produto proprio do Espirito, embora desconhecido par ele mesmo, devia constituir a fonte principal da liberdade espiritual. Marx concebe o problema de outro modo: 0 process a de prodUQaO e sobretudo Uffi processo de produQao material; o process a de alienaQao e principalmemte urn processo de desumaniZaQaO deste mundo social que, tornado no seu conjunto, foi criado pe~o trabalho social dos homens; a superaQaO da alienaQaO e Uffi proceSSO da luta pela transformaQao deste mundo desurnanizado nurn mundo adequado ao homem que responda aos seus desejos e desenvolva a sua humanidade. Pelo contrario, o mundo do capita!ismo e urn mundo desumanizado; a sua destruiQao liberta o hom em oprimido, ajuda-o a reencontrar-se e oferece-lhe -todas as possibilidades para o seu total desenvolvimento. 0 trabalho humano, que cria e transforma o meio ambiente no qual o hom em vive; o trabalho, que se expressa nos produtos objectivos, desenvolve os hom ens. Neste processo hist6rico, segundo Marx, o homem hurnaniza-se ao dominar cada vez mais a natureza. De acordo com esta tese, a educaQao esta estreitamente vinculada ao processo hist6rico da actividade social e produtiva dos homens. Par isso diferencia-se radicalmente de todas as concepQoes naturalistas e psicologistas sabre a educaQao que tern como fundamento para o trabalho educativo uma «natureza humana» configurada de urn modo determinado e que funciona sempre equilibradamente. Diferencia-se tambem de todas as teorias irracionais e :subjectivistas, segundo as quais o processo educativo deveria ser identico ao «encontrar-se a si mesmo», ao emancipar-se da actividade objectiva e 29
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tambem, naturalmente, do ~eio social. Marx, pelo contrario, indica a dependencia indestrutivel da educa~ao do homem com a sua actividade. Isto significa que Marx conheceu de modo cada vez mais evidente o processo de « desumaniza~ao » que acom-:panha o desenvolvimento da sociedade burguesa e mostrou de urn modo decisivo o novo mundo no qual se «realiza a emancipa~ao do homem, cuja cabe~a e a filosofia e cujo cora~ao e o proletariado». Incitado pelo estudo de . Bruno Bauer, Marx ocupou-se da analise do problema judeu, do problema geral do Estado e da sociedade, dos cidadaos e dos homens. N a sua analise revela as ilusoes e os erros das solu~oes burguesas, indica as raizes das supostas leis sagradas e invariaveis entre o individuo e a sociedacle e demonstrou de modo convincente as premissas sociais de que depende a sua supera~ao. Assim, pois, ao analisar o processo de evolu~ao do pensamento materialista no jovem Marx, encontraremos uma grande quantidade de problemas pedag6gicos polifacetados cujo conteudo e alcance se opunham completamente as teorias e principios entao predominantes. 0 problema do ser e da consciencia da personalidade humana, da evolu~ao do individuo e do cidadao, o problema do trabalho e sua «desumaniza~ao» dentro de uma ordem assente na propriedade privada e a sua « emancipa~ao » pela ac~ao revolucionaria do proletariado, tudo isto constitui o conteudo da sua problematica.
2. Inicio da actividade de Engels
Engels chegou as concep~oes materialistas e comunistas por outro caminho. Embora precedesse de uma familia de fabricantes, rica e pietista, liber~ tou-se gradualmente das cadeias da cultura e moral 30
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burguesas, espir itualistas, colheu sempre ricas experiencias da vida da classe oprimida e escreveu e falou sempre corajosamente em oposi~ao a hipocrisia social e religiosa. Das suas experiencias em Inglaterra extraiu conclus6es amadurecidas nas quais se podem reconhecer os principios do socialismo cientifico. Enquanto Marx se interessou principalmente pelos problemas basicos filos6ficos do homem e da sociedade, donde se podem extrair importantes conclusoes para a pedagogia, em Engels predominou a reac~ao a observa~oes empiricas, concretas, que actuaram sabre ele assinalando~lhe o caminho da sua evolu~ao · e possibilidades; nesta analise da vida social depar aram-se-lhe tambem os problemas da educa~ao. Sao caracteristicas a este respeito as Briefe aus den Wuppertal (Oartas de Wuppertal) que se publicaram no ano de 1839 no Telegraph fur Deustchland e contem uma exacta descri~ao do sistema de . ensino de Barmen e Elberferd. Esta exposi~ao ocupa-se do trabalho dos professores, em especial, mostrando com toda a clareza 0 caracter classista do sistema de ensino. Engels destaca que de 2500 filhos de operarios em idade escolar, 1200 deixaram de ir a escola porque trabalhavam em dificilimas condi~oes em fabricas que nao admitiam pessoas adultas. Sublinha tambem o caracter pietista da Escola. 0 pietismo serve, no entanto - tal como Engels demonstra - , especialmente para a explora~ao dos trabalhadores, ja que apoia os baixos salarios e mostra uma ficticia preocupa~ao pela moralidade do operario. Engels indica, alem disso, que a burguesia valoriza tal educa~ao ideol6gica e desvaloriza em troca o patrim6nio da educa~ao; na realidade, nao respeita nem a ciencia nem a arte. Engels criticou tambem os metodos de ensino: nas escolas domina «uma terrivel febre pela escrita de caderno que pode em meio ano embrutecer urn aluno»; falou tambem sobre bans e maus livros de ensino, infuneras obras pedag6gicas cuja «bela teoria» nao e levada a pratica I
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e sobre diferentes metodos de trabalho do professor (1 2 ). A escola servia como pano de fundo as relag6es sociais, dissimulando a exploragao burguesa com palavras bonitas. Engels desmascarou tambem a pretendida «cultura» das cabegas dominantes, que na realidade mais nao e que diaJogos vazios sobre dinheiro e carreiras hipicas. Este ataque ao filisteismo que coincide com a critica marxista, e continuado por Engels mais tarde. 0 ataque torna-se mais agudo e mais firme. Ja aqui Engels demonstra como deve conceituar-se o sistema de ensino, a origem classista da sua organizagao, do seu programa e metodos; como tern de valorizar os seus resultados em relagao as reivindicag6es da classe dominante sobre o monop6lio do ensino e a situagao real do operario. Este ponto de partida torna-se mais preciso nos trabalhos posteriores de Engels: «Fecham-nos- escreve- em carceres chamados escolas e quando finalmente nos Iibertam das cadeias desta disciplina, caimos nos bragos da policia, a deusa do nosso seculo.» Referindo-se a saga de Siegfried, acrescenta simbolicamente: «... apenas nos deixam uma ilusao da realidade: o florete em vez da espada. Mas que valor tern a esgrima se nao podemos usar a espada ?» (1S) . Engels mantem uma posiQao de critica semelhante relativamente ao sistema de ensino superior. No seu trabalho Tagebuch eines Hospitanten (1 4 ) analisa a vida espiritual da Universidade de Berlim; ataca as forgas crescentes da reacgao, especialmente a filosofia de Schelling, a escola do direito hist6rico 12 ) Marx-Engels, Wiwke, Berlim, 1956, vol. 1, p. 426. (") Mega, Primeira Parte, vol. 2, p. 91. Friedrich Engels, Siegfrieds Hei>rnat (A P1Uria de Siegfried), publicada no Telegraph fUr Deutschland, Dezembro, 1840. (") Mega, Primeira Parte, vol. 2, pp. 290, 296. (
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e as correntes misticas nas ciencias naturais. Nestes anos de estudante universitario, Engels levou a cabo uma decidida batalha ideol6gica contra Schelling, a quem o Governo, inquieto com o desenvolvimento da esquerda hegeliana, ha via chamado a Berlim. Em dais opusculos, Engels defende o racionalismo e laici3mo de Hegel e op6e-se as inten~6es misticas de separar a razao da vida. Hegel, segundo Engels, nao deve ser criticado par reduzir a cren~a ao conheci' menta, mas porque, sob a pressao da reac~ao, nao extraiu todas as consequencias do seu principia do conhecimento. A epoca da Restaura~ao imprimiu a sua marca na filosofia de Hegel e anulou-a. Engels incita a luta para uma vida melhor sabre a terra com palavra:s ardentes. Ao libertar-se das tendencias reaccionarias da filosofia teo16gica, da historiografia racionalista e da teoria do Estado organicista (1") , Engels distinguiu de forma progressivamente mais evidente o que o separava dos jovens progressistas de Berlim. Isto evidencia-se ja no artigo sabre Alexandre Jung, no qual contrap6e os «impotentes apelos ao futuro» com a situa~ao real. De modo identico a Marx, Engels na sua critica a Hegel rejeitou tambem o subjectivismo fichteano que adquiria uma importancia crescente nos circulos de jovens hegelianos sob a forma de anarquismo. Engels caminhava em busca de urn caminho para a ac~ao. Nestes circulos reinava o criteria de que as armas intelectuais eram suficientes para conseguir uma transforma~ao do mundo. A critica da burguesia devia destruir a burgue:sia; a critica da religiao, a religiao; a critica do absolutismo, o trona. Enquanto a direita hegeliana retirava da filosofia hegeliana o conteudo reaccionario e sublinhava que a realidade devia ser reconhecida pela razao, a esquerda hege-
{
10
)
Ibidem, p. 96.
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Iiana albergava ilusoes de que esta realidade nao poderia resistir ao julgamento da razao. Nem urn nem outro caminho eram aceitavei:s. Engels descobriu o seu proprio caminho durante a sua permanencia na Inglaterra. Esta permanencia de quase dois anos em Inglaterra pos Engels em contacto com urn pais que possuia urn capitalismo altamente desenvolvido com uma forte e, em parte, ja organizada classe operaria com aspira~;;oes radicais cartistas. Ja nas suas primeiras cartas de· Inglaterra, Engels refere a impassive! arrogancia e altivez da burguesia; sublinha que esta nao se deixa convencer nem expulsar por qualquer metodo pacifica e apresenta a questao da possibilidade de uma revoluQao em Inglaterra. Refere, contudo - em oposiQao as diversas correntes do idealismo - , que esta revolu~;;ao vai necessariamente ' amadurecendo e que «niio podera come~;;ar nem realizar-se por uma questao de principios, mas por interesses; somente a partir dos interesses os principios poderao ser desenvolvidos; isto e, a revolu~;;ao nao sera politica, mas social» {1 6 ) . Na sua posterior correspondencia de Inglaterra, Engels ocupa-se da situa~;;ao economica, das c·ontradiQ6es da economia capitalista e, principalmente, da vida dos operarios. Por ultimo, produz muito material e muita;s valorizaQ6es, que anos mais tarde repetiu e ampliou, sobre a situaQao da classe operaria. Nas suas Briefes aus London (Oartas de Londres)) Engels descreve nao so as dificeis condiQ6es de trabalho dos operarios ingleses, mas refere-se tambem as suas aspiraQ6es ao ensino e o interesse pela arte e pela ciencia, em nitido contraste com o snobismo, hipocrisia e indiferenQa da burguesia ; somente entre os trabalhadores encontrou Engels interesse pela critica alema da religiao (o livro de Strauss); somente
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)
Marx-Engels, Werke, Berlim, 1956, vol. 1, p . 460. 34
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entre os · trabalhadores, entusiasmo por Byron e Shelley que eram atacados nessa altura por todos os homens «respeitaveis» da classe dominante; apenas entre os trabalhadores, tradu~6es das obras de Rousseau, Voltaire, Halbach (1 7 ) . Quanto mais se afastava dos conceitos idealistas entao vigentes, mais Engels reconhecia claramente determinadas leis objectivas do processo hist6rico, especialmente do processo de desenvolvimento das rela~6es econ6micas, assim como o papel activo da classe operaria, cujas dificeis condi~6es de vida nao s6 nao lhe retiravam a for~a para a luta . mas a fortaleciam; forma~ao politica e forma~ao pessoal transformavam-se em armas e simultaneamente em fonte de energia. Ao fim de uns anos, Engels pode dizer deste periodo da sua vida: «Dei-me conta em Manchester de que os factos econ6micos ... , pelo menos no mundo moderno, constituem urn poder hist6rico decisivo; de que constituem a base do aparecimento das actuais contradi~6es de classe; de que estas contradi~6es de classe constituem, por seu lado, a base da forma~ao de partidos politicos, das lutas entre partidos e, em resumo, de toda a hist6ria politica, nos paises onde tais contradi~6es se desenvolveram totalmente gra~as a grande industria, tal como em Inglaterra.» {1 8 ) Nesta base iniciou-se, tal como Engels provou, o aparecimento de urn socialismo radicalmente distinto do actual, ao qual dedicou urn extenso artigo. Neste artigo- «Progress of social reform on the continent» (1 9 ) - concebe-se o movimento comunista como urn movimento geral europeu onde, embora custando as particularidades nacionais, se luta por uma causa comum. Este movimento, sublinha Engels de modo convincente, surge de condi~6es concretas 11 ( ) Ib~dem, p . 468. ('") Marx-Engels, Augewiihlte Schriften (Obras Escolhida8), Berlim, 1953, vol. II, p. 319. 10 ( ) Marx-Engels, Werke, vol. 1, Berlim, 1956, p. 480.
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hist6ricas, econ6micas, politicas e filos6ficas que em parte se formam de modo diferente em cada pais. Mas o amadurecimento deste movimento e o intercambia mutuo de experiencias fortalecem-no e desenvolvem-no. A analise do livro de T. Carlyle Past and Present (2°) feita por Engels constitui urn complemento desta questao. A prop6sito da critica de Carlyle aos seus contemporaneos ingleses, Engels demonstra com toda a clareza a diferen~a entre a critica feita a sociedade burguesa pela «direita» e pelo socialismo revolucionario. Mostra o superficial romantismo pseudo-humanitario de Carlyle e a sua mistica que se expressa no culto ao her6i e na esperan~a de uma nova religiao. Engels, pelo contrario, lutou activamente contra tudo o que oculta uma suposta autonomia do homem: queremos «devolver ao homem 0 valor que perdeu pela religiao» isto e, 0 valor puramente humano. «Reconhecemos - escreve Engels - o contei1do da hist6ria; porem, na hist6ria nao vemos a manifesta~ao dos "deuses", mas do homem e apenas do homem.» Segundo Engels, nao deve ser Deus o nosso ponto de partida, mas o homem se queremos medir justamente a capacidade humana, o desenvolvimento e o progresso da hist6ria. Este ponto de partida conduz a vit6ria sabre 0 «irracionalismo do particular», sabre tudo quanta e sabrenatural, e a vit6ria sabre a natureza e fundamenta o progresso que constituira o lucro da livre independencia humana e a cria~ao de uma nova vida, tudo isso a partir de «rela~oes humanas puras e marais» ( 2 1 ) . Do mesmo modo Engels · critica duramente o individualismo romantico de Carlyle. «Se tivesse considerado o homem como homem em toda a sua extensao, nao tivesse dividido a humanidade em rebanhos de ovelhas e carneiros, gover('") Ibidem, p. 544. Ibidem, p. 246.
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nantes e governados, aristocratas e plebeus, senhores e estiipiclos; teria descoberto a correcta situa~ao social do talento nao nos poderosos governantes, mas no estimulo e no avanQO.» ( 22 ) Finalmente, Engels combateu tambem as representa~oes vagas do futuro, caracteristicas de quase toclos os escritores para quem a imagem do futuro nao e mais que a expressao clos seus desejos subjectivos. 0 que mais necessitamos nao sao os resultados nus - disse Engels- mas o estudo». 0 conhecimento autentico obtem-se a partir da compreensao do processo hist6rico concreto deduzindo dele as conclus6es que representam factores do desenvolvimento posterior (2 3 ). Assim, as divergencias com a critica romantica da sociedade burguesa assinalam ao mesmo tempo as insuficiencias da critica idealista dos ut6picos e dos socialistas romanticos. A rapidez com que o pensamento de Engels atingiu o materialismo fica demonstrada nos seus outros estudos. Neste sentido tern particular importancia o trabalho Umrisse zu einer Kritik del N ationalOkonomie ( 24 ) (Ensaio para uma Critica da Economia Nacional), acerca do qual Lenine disse que representa «Uffia anaJise a partir do ponto de vista SOCialista dos fen6menos basicos do actual sistema econ6mico como consequencia inevitavel da propriedade privada» ( 2 5 ). Engels investiga aqui as caracteristicas essenciais da economia capitalista e indica as suas contradigoes . internas: a concorrencia que se agrava constantemente como consequencia necessaria da propriedade privada, deve conduzir a contradi~6es cada vez mais profundas, a opressao e explora~ao cada vez maiores. «Enquanto existir a propriedade privada - escreve Engels- tudo termina finalmente em con("") Ibidem, p. 547. ("") Ibidem, p. 538. (") Ibi~em, p. 499. ("') V. I. Lenine, Obras, Vars6via, 1950, vol. 2, p. 10. 37
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correncia. E a categoria principal do economista, sua filha querida que ele amima e acaricia e que se transformara no rosto de uma medusa.» ( 2 6 ) Este rosto de medusa e descrito par Engels. Mostra como a concorrencia e o seu oposto, o monop6ho, destroem a economia capitalista internamente e aniquilam simultaneamente tudo 0 que e puramente humano no trabalho dos homens e das suas relagoes mutuas. Indicando com numerosos exemplos a decadencia da moral publica, Engels escreve: «Quero mostrar e referir a profunda degradagao a que a propriedade privada langou os homens, incluindo no campo moral, como consequencia do alargamento da concorrencia (2 7 ) . Este curta ensaio termina com a referencia de que no sistema de produgao capitalista a maquina constitui urn instrumento de exploragao complementar nas maos dos empresarios, escraviza o operario e torna impassive! a mudanga de profissoes. Com este esbogo, que Marx classificou de «genial» (2 8 ), fica caracterizada a posterior actividade cientifica de Engels. No seu artigo publicado na revista parisiense V orwarts (A vante) J 1844, destaca muito expressivamente o processo de desumanizagao que S(;l processa na sociedade burguesa. A queda do feudalismo- disse Engels - nao trouxe nenhuma liberdade aos homens, mas antes uma maior escravidao: «0 homem deixou de ser escravo do homem para ser escravo das coisas. A dissimulagao das relagoes humanas terminou. A servidao do mundo moderno das coisas, a compra-e-venda universal, perfeita, total, e mais desumana e geral que a propriedade (" ) Marx-Engels, Werke, Berlim, 1956, voi. 1, p. 513. (" ) Ibidem , p . 523. (" ) K. Marx, Zur Kri-Hk der politi sc hen okonomie (Oont.r tbuigao para a Oritica eta Econom~a PoUtica), BerUm, 1951, p . 14. . 38
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sobre OS corpos da epoca feudal.» (2 9 ) Na analise destas relagoes, Engels mostra quao profunda e a desumanizagao, consequencia inevitavel do predominic da propriedade privada. A propriedade privada capitalista, radicalmente oposta a tudo o que e humano, priva 0 hom em da sua humanidade; 0 dinheiro, que expressa melhor as relagoes de propriedade, ao faze-lode urn modo abstracto, aperfeigoa esta obr a de destruic;ao. Mas «a completa exteriorizagao no dominic do dinheiro e urn passo inevitavel para que o homem regresse a si mesmo, do que esta ja actualmente muito proximo» ( 30 ) . Daqui se depreende que os pensamentos de Engels evoluem de modo urn pouco diferente dos de Marx, mas conduzem as mesmas ccnclusoes, ~omo por exemplo, as concepgoes materialistas e comunistas. No que respeita ao estudo de problemas pedag6gicos, as obras da juventude de Engels sao especialmente importantes especialmente por mostrarem a fungao da escola e da cultura. Engels desmarara, como vimos anteriormente, os fundamentos classistas do sistema escolar, destaca a diferenga entre a escola para o povo e a escola para os filhos da classe dominante, a influencia dos interesses de classe na educagao e no ensino. Mostra ao mesmo tempo que as necessidades espirituais e a relagao com o patrim6nio cultural comportam caracter de classe, que a classe operaria se transforma na defensora da tradigao filos6fica e artistica que foi sempre ignorada pela burguesia · quando ameagava o seu imperio nalgum aspecto. A concepgao dos problemas da educagao e da cultura ligados a luta de classes conduziu Engels a elaboragao cada vez mais certa do conteudo do ideal educativo. Na luta contra o filisteismo burgues Engels refere-se, como Marx, ao heroismo das antigas ("') Marx-Engels, Wetrke, Berlim, 1956, voL 1, p, 557. ( "" ) IMdJem.
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sagas germanicas e quer depositar a espada de Siegfried nas maos da juventude. Esta espada tern de ser o novo mundo conquistado; assim, Engels desmascara os ideais educativos burgueses oficiais, rejeita OS ilus6rios SOCialistas ut6piCOS, op6e-se a fuga anarco-individualista da vida real e ataca a fraseologia romantico-mistica, que constituem armas da reacQiio. Em oposiQiio a tudo isto Engels apresenta os . ideais do socialismo, pelos quais se deve lutar; ha que lutar pela democracia, escreve, mas niio pela «democracia da .RevoluQiio Francesa, cuja contradiQiio era monarquia e feudalismo, mas pela democracia cuja contradiQiio e classe mediae propriedade». 0 principia de uma tal democracia significa socialismo (3 1 ) . Aqui formulam-se claramente os ideais educativos, os ideais da educaQiio futura. Para a actualidade significam luta contra as relaQ6es dominantes e ao mesmo tempo contra a ideologia dominante. Os problemas pedag6gicos nos escritos juvenis de Engels sao, pois, essencialmente complemento do conteudo do problemas das obras de juventude de Marx. Sao complementos mediante a descriQiio de quest6es concretas da situaQiio social da escola, dos objectivos e soluQ6es que devem mobilizar a juventude para a acQiio. Mas os fundamentos destes problemas polifacetados contem pensamentos comtms. Conduzem a uma posiQiio identica de comunismo revolucionario, a superaQaO do idealismo e a criaQaO das bases de urn novo materialismo, hist6rico . e dialectico. Este processo evolutivo do pensamento materialista e do programa para uma acQiio comunista tern muita importancia para a pedagogia. Na ana.lise destes problemas podemos ver que 0 traQado . dos problemas pedag6gicos deve ser feito de uma maneira semelhante aquela como Marx e Engels superaram as concepQ6es idealistas e a ideologia ( " ) Ibidem, p. 592.
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pequeno-burguesa. Par isso e muito importante c6nhece1· as obras de juventude de Marx e Engels.
3. Fw1damentos do materialismo hlsrorico e a sua importancia para a pedagogia Esta aproximaQiio dos pontos de vista . de Marx e Engels conduziu-os a urn trabalho que durou desde o ana de 1844 ate a morte de Karl Marx. 0 primeiro · fruto deste trabalho em comum foi A Sagrada Fa- milia. Esta obra, assim como a obra escrita mais tarde, mas tambem em colaboraQiio, A Ideologia Alema) o livro de Engels A Situagao da Classe Operaria em Inglaterra e o livro de Marx de critica ao proudhonismo pertencem as obras principais desta epoca que finaliza como Manifesto do Partido Oomunista e que se pode qualificar como o segundo periodo da produQao literaria de Marx e Engels. Relativamente aos problemas pedag6gicos, que e 0 que nos interessa aqui, 0 mais importante desta epoca e o nascimento do materialismo hist6rico, com o qual se atinge uma total soluQiio materialista, atraves das concepQoes da emancipaQao do homem e a superaQiio da alienaQao. A Sagrada Familia e dirigida contra os irmaos Bauer -Bruno, Edgar e Egbert -, assim como contra os seus partidarios que pertenciam aos circulos da jovem intelectualidade alema e simpatizavam com a esquerda hegeliana, cuja actividade tomou urn caracter cada vez mais reaccionario. 0 grupo de Bauer formulou urn programa de luta filos6fica apolitica, precisamente na epoca das inflamadas lutas politicas que conduziram Marx e . Engels a concepQoes progressivamente mais radicais. Esta luta devia permanecer a margem da situaQao politica concreta. Bruno Bauer sublinha cla41
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ramente que «O verdadeiro inimigo do espirito deve ser procurado nas massas e nao noutro lado» (R 2 ) . A Sagrada Familia tern muita importancia para a pedagogia, especialmente por formular de um modo muito mais clara, nunca realizado ate entao, os fundamentos do materialismo hist6rico. Perante as concepQ6es de Bauer, para quem a ldeia e independente da realidade material social, e perante os ensaios idealistas de julgar qualquer «interesse» de um modo aristocratico, Marx sublinha a exactidao da tese que supoe que as ideias provem dos interesses, concretamente dos interesses hist6ricos de classes. Marx ilustra esta tese com exemplos hist6ricos e chega a conclusao de que actualmente a hist6ria propoe ao proletariado a tarefa de lutar pelos seus pr6prios interesses que sao simultaneamente os de todos os oprimidos e formam a base de autenticos ideais humanos e nao burgueses. Ao fundamentar a tese do papel hist6rico do proletariado, Marx e Engels delinearam a questao basica da relaQao entre a consciencia do individuo e a situaQao hist6rica da classe e suas tarefas. Destacaram objectivamente o papel do proletariado ao analisar as contradiQ6es crescentes da economia capitalista; em contrapartida, nao apelaram pela chamada justiQa nem tentaram legitimar as justas aspiraQ6es do operario com criterios individuais. «Nao se trata - escrevem Marx e Engels - de se imaginar um proletario de imediato, ou inclusive de todo o proletariado, como objectivo. Trata-se do que este e e do que este ser se ve forQado a fazer. 0 seu objectivo e a sua actuaQao hist6rica estao expressos nas suas pr6prias condiQ6es de vida e na organizaQao completa da actual sociedade burguesa.» (3 3 ) Este enunciado da questao resulta par32 ( ) V. I. Lenine, Ob1·a.s FilD's6fica'S', Vars6via, 1956, p. 13 (ed. polaca). (") Marx-Engels, Werke, Berlim, 1958, vol. 2, p. 38.
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ticularmente interessante para a pedagogia, porque faz conceber o individuo e o seu desenvolvimento a partir das tarefas hist6ricas de classe a que pertence e nao segundo a situa~ao individual fisica. Marx desenvolve mais tarde estes pensamentos, mas com esta formula~ao rompe com toda a especie de psicologismo e concebe o desenvolvimento humano como algo hist6rico sob a considera~ao da sua evolu~ao e das suas tarefas e nao como algo individual e retr6grado, tendo em conta apenas as suas possibilidades actuais que amadureceram no passado individual. Este principio foi aprofundado e ampliado pela critica das concep~6es individualistas de Bauer que supervaloriza o papel das personalidades destacadas, especialmente dos fil6sofos, e menospreza o trabalho das massas. No prosseguimento da critica a Carlyle, os autores de A Sagrada Familia indicam a origem das ideias criadoras e a sua vit6ria hist6rica pela ac~ao revolucionaria das massas. Esta ac~ao constitui precisamente a alta escola de novos homens. A no~ao do papel educativo da revolu~ao proletaria, elaborada mais tarde de modo concreto, ja esta contida aqui em forma de germe. Ao referir que «propriedade, capital, dinheiro, trabalho assalariado, etc., nao sao ideais quimericos, mas algo real, produtos objectivos da propria aliena~ao, que ha que eliminar de urn modo tambem pratico, objectivo», . indicam ao mesmo tempo que somente a participa~ao nesta luta desenvolve e fortalece os homens, enquanto que o ocupar-se da «critica» anula a personalidade. A degenera~ao consiste em que urn individuo come~a a acreditar, ao ampliar os pensamentos «livres», que e realmente livre na vida social quando critica a realidade e que nao participa desta realidade nem retira dela qualquer beneficio. Mas na realidade o individuo que critica abstem-se da ac~ao real, da verdadeira luta. A verdadeira educa~ao deve ter como base a participa~ao do individuo no movi43
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mento do progresso hist6rico e nao apenas nas divergencias ideol6gicas. Por isso, a teoria pedag6gica deve estar isenta de qualquer posiQao idealista, de qualquer individualismo a prop6sito da acQao hist6rica das massas. A importancia de A Sagrada Familia consiste finalmente em demonstrar as caracteristicas das aquisiQ6es do materialismo ingles e frances e seus limites, mostrando em que medida liberta o homem das cadeias actuais e situa os limites das etapas desta libertaQao. Marx e Engels indicaram o papel progressista do materialismo mecanicista e simultaneamente as suas contradiQ6es e limitaQoes. Destacaram as conclusoes comunistas que deste materialismo somente o movimento operario pede extrair. Estas conclusoes encontram-se na teoria materialista que ensina que 0 homem e educado pelo ambiente. Mas como a burguesia interpretou esta tese cada vez mais no sentido da adaptaQao as relaQoes dominantes, Marx e Engels determinaram: «Se o homem forma todos os seus conhecimentos, as suas sensaQ6es, etc., na base do mundo dos sentidos e da experiencia dentro deste mundo, trata-se, pais, consequentemente, de organizar o mundo empirico de modo que o homem se experimente a si mesmo enquanto hom em. Se o interesse, bern entendido, .e o principia de toda a moral, o que importa e que o interesse privado do homem coincida com o in~e resse humano .. . Se o homem e formado pelas circunstancias, sera necessaria formar as circunstancias humanamente.» ( 34 ) Precisamente neste sentido desenvolveram os socialistas ut6picos o patrim6nio do materialism a frances do ·seculo XVIII. Estas analises indicam a dependencia existente entre o homem e o ambiente e a actividade humana (") Marx-Engels, La SOJgradJa xico, 1962, p. 197.
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Fa;n~ilia,
E . Grijalbo,
Me-
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que exige uma transforma~ao deste ambiente. Este e o problema fundamental da educa~ao. Marx e Engels ocuparam-se frequentemente desta questao expressa pela primeira vez em A Sagrada Familia) na critica do materialismo frances. 0 modo de formular a questao distingue Marx e Engels na pedagogia de qualquer sociologismo que conceba a educa~ao como adapta~ao e tente demonstrar que esta adapta~ao do individuo ao ambiente garante a sua «saude». Pelo contrario, indicam-se aqui as consequencias revolucionarias que se devem extrair da teoria do meio ambiente; fundamenta-se o programa da transforma~ao «humana» do ambiente dominante que nao aprecia a educa~ao dos homens. A Sagrada Familia indica claramente o facto de .que as conclusoes pedag6gicas da teoria do materialismo hist6rico se diferenciam basicamente da pedagogia burguesa; esta diferen~a manifesta-se numa concep~ao completamente nova do desenvolvimento humano que se opoe as interpreta~oes psicol6gicas e sociol6gicas. Estas duas interpreta~oes aceitam de facto o fatalismo enquanto fazem depender o desenvolvimento do individuo de circunstancias biofisiol6gicas ou do meio ambiente; nenhuma delas concebe o processo hist6rico da evolu~ao do individuo, o aparecimento de tarefas hist6ricas determinadas e com ele tambem a evolu~ao criadora dos individuos que se vao desenvolvendo nestas tarefas tra~adas pela hist6ria. Noutras obras · de Marx e Engels desenvolve-se uma concep~ao hist6rica da educa~ao do hom em que tern em conta ·os elementos sociais e activos voltados para o futuro. 0 desenvolvimento das concep~oes implicitas em A Sctgrada Familia Ievou a redac~ao de A !delogia Alemii nos anos 1845-1846. Nesta obra, publicada depois da morte do seu autor, e feita uma critica radical de todas as concep~oes ideol6gicas inimigas. 0 ataque dirige-se contra os pretensos companheiros, os jovens hegelianos idealistas e materialismo de 45
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Feuerbach. Marx e Engels mostram o caminho errado, apesar do seu aspecto radical, seguido pela «filosofia critica» que, tomada no seu todo, pode qualificar-se de reacciom1ria; consideram ao mesmo tempo limitado e ineficaz o materialismo metafisico para avaliar a hist6ria e os homens. A Sagrada Fa,m ilia precisa muitos pensamentos s6 esboQados ate entao; analisa o process a da transformaQao his torica das formas de propriedade e vincula-lhe o completo desenvolvimento hist6rico; assinala 0 caracter de classe do Estado e do poder, mostra as perspectivas da revoluQao . proletaria e a necessidade de uma consequente luta politica contra o Estado burgues. 0 problema central e, em resumo, o desenvolvimentq do materialismo hist6rico, de seus fundamentos te6ricos e consequencias praticas, a critica dos fundamentos de toda a «ideologia». Tern muita importancia para a pedagogia que esta intimamente ligada .a «ideologia». Depois de referir a importancia deste conjunto de questoes, devemos antes de mais esclarecer o que e que Marx entendeu par ideologia. Este conceito, tao utilizado actualmente e par vezes num sentido tao univoco, tinha para Marx urn significado muito deter~ minado, ligado a tradiQaO linguistica de entao, particularmente da francesa. Esta tradiQao via nos homens ide6logos os que op6em os seus pr6prios sistemas especulativos filos6ficos e politicos a todos os factos hist6ricos. Marx recolheu esta tradiQao linguistica e deu uma definiQao precisa de ideologia. A ideologia caracteriza urn conjunto de concepQ6es que simula a realidade, uma mescla de concepQ6es, em cuja quimera se encontra uma origem de classe hist6rica e que desempenha urn papel ao serviQo de alguns interesses de classe. «Temos de recorrer a hist6ria dos homens - escreve Marx- ja que quase toda a ideologia se reduz a uma concepQao tergiversada desta hist6ria ou entao a uma total abstracQao. A propria ideologia nao e mais que urn aspecto desta 46
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hist6ria. » ( 35 ) Ideologia significa propriamente «Colocar a realidade acima da cabega» ; existem motivos concretos para que a «expressao consciente das relagoes reais seja ilus6ria». Por isso, Marx determina que «quando os homens e as suas relagoes surgem em toda a ideologia, como numa camara escura, colocados sabre a sua cabega, este fen6meno tern a sua origem no desenvolvimento hist6rico, do mesmo modo que a inversao dos objectos na retina e produzida pela estrutura fisica imediata desta» (3°). A critica de uma ideologia, entendida deste modo, deve nao s6 destacar. o facto de que nos encontramos com urn quadro «invertido» da realidade, mas tambern mostrar por ·que e assim. Precisamente isto nao foi feito ate ao presente. Fi16sofos, supostamente muito radicais, tentaram ultrapassar algumas das formas ideol6gicas actuais, sem serem capazes de conceber a verdadeira essencia da ideologia. Nao tiveram o merito de desmascarar a ideologia, sem compteender que as ilusoes e mistificagoes escondem_ raizes de classe que se encontram para cada ideologia numa sociedade classista. A obra de Marx e Engels e dirigida contra os fil6sofos que conduzirq.m a luta contra formas consdentes da ideologia com os mesmos padroes da ideologia. Estes fil6sofos consideravam que a critica e valor intelectual podem transformar o espirito humano e, por conseguinte, tambem as condigoes de vida reais dos homens. Tais fil6sofos propunham-se educar urn novo homem, compreendendo perfeitamente que tal tarefa exige a transformagao da consciencia humana e a subjugagao das ilusoes e dogmas vigentes ha seculos. Compreenderam que os conceitos e principios criados pelos homens se situaram acima dos seus cria("' ) Marx-Engels, W ·eu·ke, B erlim, 1958, voi. 3, p . l f' . ("' ) Ibidem, p . 26.
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dores e se transformaram em principios objectivos e independentes. Mas nao compreenderam por que foram estas e nao outras ideias e principios que surgiram, sob que circunstancias sociais se desen:.. volveram e com que meios podem ser efectivamente ultrapassados. Por isso o seu diagn6stico resultou vago e a sua terapia ineficaz. A ,a nalise marxista descobre os fundamentos reais da origem de urna ideologia. Os seus elementos surgem como uma imagem da realidade material que podemos comprovar empiricamente e estao vinculados a premissas materiais. «A moral, a religiao, a metafisica e outras ideologias semelhantes, juntamente com as . suas correspondentes forma.s de consciencia, nao resistem assim muito tempo a sua aparencia de independencia.» ( 3 7 ) Sao o produto de relagoes de produgao concretas. A origem e evolugao das ideologias particulares nao constituem de modo algum urn processo independente de especulagoes intelectuais, da criagao intelectual ou da critica, mas urn reflexo das alteragoes que se produzem na base material da vida humana. Neste sentido, disse Marx, os produtos ideol6gicos «nao tern hist6ria nem desenvolvimento». Os homens, ao desenvolver por meio do trabalho a sua produgao material, modificam deste modo as maneiras de pensar e produzem tipos diferentes de ideologias {3 8 ). A analise e a critica da ideologia exigem, pois, urna analise cientifica da evolugao hist6rica real, uma investigagao das etapas desta evolugao, urna referencia as novas forgas que modificam a ordem dominante e com ela a ideologia predominante. Analise e critica da ideologia estao na vanguarda de urn problema hist6rico e nao filos6fico. «Apenas conhecemos uma ciencia Un.ica - escreve Marx-, ( 81 ) Ibidem. ("") Ibid.em, p. 27.
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a cH~ncia da historia.» (3°) 0 estudo desta ciencia e particularmente importante, «ja que quase toda a lideologia se reduz ou a uma concep~ao tergiversada desta historia ou entao a uma total abstrac~ao. A propria ideologia nao e mais que urn aspecto desta historia» ("10 ) • Indicar como os factores reais das altera~oes se representam de urn modo falso nas ideologias particulares e porque tern de ser precisamente assim significa definir a ideologia como uma ilusao com fundamentos reais ·ou como fenomeno. E stas ideologias tern a sua origem nas rela~oes sociais concretas e somente poderao ser destruidas pelo nascimento de outras · rela~oes as quais a critica das ilusoes pode dar uma verdadeira for~a. A critica da ideologia compreende, segundo Marx, tanto o campo filosofico, no qual os fil6sofos sup6em poder «derrubar» ou «suprimir» os anteriores erros e quimeras do espirito humano atraves dos seus sistemas, como o campo historico e pratico para elucidar a genealogia social e os produtos ideologicos, como tambem a actividade concreta, material e social que modifica a propria realidade, as condi~6es de vida sociais dos homens e com ela tambem o seu esquema ideologico. Quanta melhor compreendermos que as ideologias constituem uma manifesta~ao concreta do ser humano e nao uma casual ilusao do espirito, mais eficazmente poderemos imu'n izar-nos contra a doen~a dos intelectuais e contra · as fantasias. Disto depende a supera~ao dos pre·conceitos. Quanto melhor virmos isto, mais claramente compreenderemos quanto o pensamento critico e criador esta ligado a luta da classe oprimidl). pela sua liberta~ao.
0 (' )
Ibidem, p. 18.
( ••)
Ibfl~em.
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Marx sistematiza dois problemas basicos da teoria geral exposta sobre a ideologia: a divisao do trabalho e as rela~oes de classe. A descoberta do verdadeiro caracter da ideologia deve levar-nos a formular a questao: por que razao subsistem ha seculos ilusoes deste genero; porque nao tern sido consciente o caracter secundario e condicionado da ideologia e porque, no entanto, actualmente os que lutam contra as velhas concep~oes pensam por seu lado «ideologicamente» ao acreditar num papel independente e incondicionado da filosofia? Aqui desempenham urn certo papel dois factores mutuamente ligados. Primeiro, a divisao do trabalho e especialmente a separa~ao entre trabalho intelectual e trabalho manual. Marx afirma o decisivo significado da divisao do trabalho ao analisa-lo. «A divisao do trabalho - escreve- chega a ser divisao real a partir do momenta em que se inicia a divisao ·entre trabalho manual e intelectual. A partir deste momenta pode formar-se realmente uma consciencia como algo diferente do que seria a consciencia ·da pratica existente, pode apresentar realmente algo diferente sem representar nada real. A partir deste momenta a consciencia esta disposta a emancipar-se do mundo e conduzir a forma~ao de uma "pura" teoria, teologia, filosofia, moral, etc ... » ( 41 ) Deste modo, segundo Marx, criam-se as possibilidades para o aparecimento de diversas especula~oes intelectuais que tern a sua tradi~ao propria' a margem da realidade. A partir de agora come~a a consciencia a supor-se origem da realidade e ultima instancia, interpretando falsamente os seus pr6prios produtos. Os te6ricos e ide6logos consideram as aquisi~oes, transforma~oes e conflitos do trabalho intelectual como algo totalmente independente do mundo material, como problemas pr6prios do pensamento, como produto da «ldeia» que se desenvolve. (")
Ib~dem,
p. 31. 50
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Ilusoes deste tipo sao caracteristicas particulares dos periodos em que as novas relaQ6es de produQao forQam as antigas, pois entao surgem na conscH\ncia novos conteudos que os intelectuais consideram produto «do progresso do pensamento», tomando-os por uma demonstraQao da sua promoQao criadora e independente. A luta das novas ideias contra as velhas nao e, a seus olhos, mais que uma luta de principios intelectuais, uma luta que depende somente do pensamento, determinante da vida social e do seu desenvolvimento posterior. E nenhum intelectual compreende que, quando .os produtos da consciencia «entram em conflito com as relaQ6es existentes, isso sucede apenas porque as relaQ6es sociais existentes entraram em contradiQaO com a forQa produtiva existente» ( 42 ) . E nao podem compreender que as dificuldades e falsas compreensoes dos problemas intelectuais sao expressao de concepQ6es err6neas e misticas de processes do mundo material que comeQam a tamar forma. E consequencia da separaQao entre consciencia e ser, da ilusao da independencia do pensar. 0 pensamento nao pode terminar com OS «problemaS», porque os considera tarefas que provem de si mesmo, sem compreender que sao expressao da realidade social e material. Somente a superaQao da situaQao existente, na qual o trabalho intelectual esta a margem do manual, pode veneer no futuro os conflitos existentes entre consciencia e realidade, liquidando as contradiQ6es «internas» da cons- · ciencia, suas ilusoes e fantasias, sua problematica ficticia que constituem urn adorno ideol6gico e idealista das limitaQ6es e conflitos econ6micos e reais dos quais 0 intelectual nao tern consciencia (43 ) • Estes pensamentos de Marx podem ser ilustrados com os seguintes exemplos: a separaQao da activi("'"') Ibi!Zem. ( "' ) Imdem.
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dade intelectual da manual conduz a que o pensador perca todo o vinculo imediato com as coisas que evoluem, considerando-as como mero reflexo do proprio Espirito. Se colocassemos alguem diante de urn espelho e por tras dele produzissemos coisas que ele ignorasse, nao as poderia reconhecer, pois apenas veria a imagem do espelho. Se este alguem fosse urn filosofo poderia desenvolver enormes e dificeis teorias sobre a rela~ao entre «sujeito» e «objecto» (no espelho). Tais teorias seriam nao so improdutivas como tambem ilusorias, porque a problematica desapareceria quando o filosofo se voltasse e participasse na realidade que conhecia ate entao apenas atraves do espelho. A divisao do trabalho na sociedade de classes conduziu OS intelectuais a convic~ao de que tudo 0 que sucede no seu espirito e independente; levou-os a tomar a imagem reflexa pela propria realidade. As suas disputas sobre se a imagem reflectida e «realidade objectiva» ou «produto do espirito» sao inconsequentes, ja que em caso algum conduzem os filosofos a realidade verdadeira que e criada e transformada pelos homens. «Os filosofos- diz a Tese 11 sobre Feuer bach- tern interpretado · o mundo de diversas formas ate agora, trata-se agora de _o transformar.» Nesta transforma~ao, efectuada pelos homens, o filosofo pode encontrar novamente o seu Iugar se deixar de olhar para o espelho e comeQar a contemplar a propria realidade, desenvolvendo mila filosofia das transforma~oes historicas e sociais da realidade realizada pelos homens. Este regresso dos filosofos a actividade real e a sua libertagao das cadeias da ideologia so e possivel atraves da acgao revolucionaria do proletariado que conduz a destruiQaO da orclem capitalista, na qual se consuma a divisao do trabalho intelectual e fisico como divisao fundamental de classes. Esta acQao destroi as principais raizes da ideologia actual com o fim da sociedade de classes. 52
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Que rela~ao existe entre a sociedade de classes e o aparecimento e continuidade da ideologia? Esta rela~ao e muito estreita. As classes dominantes defenderam sempre concep~oes sabre o seu proprio papel que fundamentavam o seu dominio com exigencias gerais «humanas ». Estas concep~oes encobriam os fundamentos reais do dominio de classe, possuindo urn caracter «ideal». A ideologia foi sempre expressao de interesses de classe, conscientes ou inconscientes, apoiando ilusoes a respeito do caracter do dominio de classe e suas « justifica~oes » . Tais justifica~oes as sum em diversas form as: religiosas, marais e filos6ficas. Faz-se apelo a Deus, a moral, as leis da natureza, as exigencias da razao, e nesta base desenvolvem-se amplos sistemas de concep~oes da vida, da natureza dos homens e sua conduta. Estas inten~oes intelectuais constituiram os elementos da forma~ao da ideologia sob as rela~oes da sociedade classista. «Os pensamentos da classe dominante - escreve Marx- sao tam bern, em todas as epocas, OS pensamentos dominantes, isto e, a classe que constitui o poder matm·ial dominante da sociedade constitui tambem o poder intelectual dominante. A classe que tern a SUa disposi~ao OS meios para a produ~ao material, dispoe simultaneamente dos meios de produ~ao intelectual. .. _Os pensamentos dominantes nao sao senao a expressao ideal das reia~6es materiais do- . minantes compendiadas em pensamentos.» ( 44 ) Estes pensamentos abstraem-se geralmente das rela~oes materiais sob as quais tern origem e se consideram independentes, pertencentes somente ao mundo do Espirito. Os fil6sofos da classe dominante nao sabern donde provem estes pensamentos que encontram e desenvolvem. «A "fantasia", a "representa~ao" destes homens determinados na sua pratica real (") lb·idem-, p. 46.
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transforma-se num poder determinado e activo que dominae determina a actividade destes homens.» ( ' 5 ) Os ide6logos participam tambem desta «ilusiio da epoca». Desenvolvem sistemas de tais concep~6es que expressam a situa~iio existente e que se consideram sua foq~a determinante. Deste modo chegam a ser os especialistas da ideologia. A divisiio do trabalho, que a classe dominante utiliza para dominar a classe trabalhadora, estende-se tambem a classe dominante. Uma parte dedica-se a produ~iio de bens materiais fortalecendo com isso o seu dominio de classe; outra parte consagra-se, com o mesmo objectivo, a « produ~iio material», desenvolvendo e fundamentando as ilus6es de classe. Este papel e desempenhado pelos «pensadores desta classe ... os activos ide6logos que se especializam em dar forma as ilus6es deste tipo, enquanto OS outros se mantem mais passivos e receptivos a respeito destes pensamentos e ilus6es, porque sao na realidade os membros activos desta classe e tern menos tempo para construir pensamentos e ilus6es sobre si pr6prios» ( 4G). · Entre os dois grupos da classe dominante podem surgir contradi~6es e conflitos que terminam, no entanto, quando a dita classe se sente amea~ada no seu dominio. Entiio, os ide6logos defendem com especial vigor e diversos argumentos fundamentais - com a etica, a religiiio e a filosofia - o poder da propria classe, desenvolvem importantes concep: ~6es hist6ricas para fundamentar que o «desenvolvimento do Espirito » ou o «desenvolvimento do pensamento» exigem a existencia de determinadas formas de vida politico-social. Tal ciencia hist6rica separa as ideias predominantes da classe dominante, apresenta-se como objectiva e independente, como C"') I bilctem, p. 39. ('" ) Ibidem, p . 46 .
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portadora de ideias eternas e sagradas. Especialmente quando o poder da classe dominante esta amea~ado, os ide6logos esfor~am-se por conseguir urn caracter abstracto para os seus pensamentos e atingir a sua autonomia. Se fosse evidente serem estes o produto e propriedade da classe amea~ada, nao teriam apoio algum, sendo escorra~ados juntamente com ela. Mas os ide6logos, ao apresentarem estes pensamentos como algo objectivo e independente, manejam-nos como algo acima das classes que mais tarde possa decidir a favor da classe amea~ada. Ao considerar estes ,pensamentos como verdades e normas gerais, como principios gerais, pode-se transforma-los em poderosas armas na luta contra as classes revolucionarias, numa arma que interdita os direitos morais do inimigo. Esta mistifica~ao e precisamente o conteudo essencial da ideologia na sociedade classista. Esta mistifica~ao consiste em apresentar as ideias que defendem os interesses da classe dominante como interesses acima das classes, como ideias ii.teis para todos. Esta defini~ao evidencia que a unica supera~ao efectiva da ideologia consiste na aboli~ao da sociedade de classes e nao numa filosofia especulativa e alheia a vida. «Toda a aparencia - escreve Marx de que 0 poder de uma determinada classe e apenas o poder de certos pensamentos desaparece naturalmente quando 0 poder de classes e eliminado por completo, quando a forma de ordem social deixa de existir, nao sendo ja necessaria apresentar urn interesse especial como geral ou "o geral" como dominante.» ( 47 ) A analise da ideologia, realizada em rela~ao a investiga~ao da sociedade classista e a divisao do trabalho, engloba de urn modo imediato os proble( " ) IOi>dern, p. 48.
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mas da educaQao, cuja soluQao pertence precisamente ao campo que Marx caracterizou como ideologia. Esta analise mostra que a educaQao e urn instrumento de fortalecimento do poder de classes na sociedade classista, porque propaga uma ideologia adequada a ele. Mostra que surge urn grupo especial que se ocupa da teoria pedag6gica e desenvolve esta teoria de urn modo semelhante a uma filosofia. Deixa clara que este grupo de especialistas pode encontrar-se em conflito com os outros membros da classe dominante que actua· na esfera da produQao material, mas que estes conflitos sao marginais quando a classe dominante esta ameaQada no seu conjunto. E entao os pedagogos, juntamente com todos os outros «colaboradores da industria ideol6gica», empreendem a tarefa de defender ideais educativos da classe supostamente valida no seu conjunto. 0 ponto de partida de Marx respeitante a supe. rac;;ao da ideologia coincide com o ponto de partida para a superaQao dos principios da politica educativa na sociedade classista. Contudo, tal superaQao nao pode ser alcanc;;ada com OS metodos da critica intelectualista e abstracta ou com a ajuda · de apelos e conselhos. Pode e deve alcanQar-se considerando o verdadeiro movimento revolucionario que modifica as condiQ6es de vida e trabalho, e com ele tambem os pr6prios homens. Marx sublinha vigorosamente que o comunismo nao e de modo algum urn remota ideal moral que chame os homens a uma actividade determinada, mas uma forQa real que actua no presente. «0 comunismo nao e para n6s - escreve Marx- urn estado que deva atingir-se, urn ideal a que a realidade deva adaptar-se. Chamamos comunismo ao movimento real que suprime o estado actual. As condiQ6es deste movimento deduzem-se das premissas actualmente existentes.» ( 48 ) A educac;;ao para o comunismo de(") Ibidem, p. 35.
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veria caracterizar-se pela participagao neste movimento, pela colaboragao nas suas lutas, pela participagao real e diaria no percurso revolucionario, pelo zelo das vitimas e o risco. A partir daqui e evidente o duplo significado da palavra educagao na sociedade burguesa: educagao como processo de adaptagao as relagoes existentes, adaptagao que assegura aos filhos da classe dominante as vantagens e privilegios da sua classe e «adapta» os filhos da classe oprimida as condigoes de exploragao da sua existencia. E educagao como arma na luta contra a opressao, como instrumento moral e intelectual da jovem geragao da classe oprimida - ainda que tambem de todo o jovem de outra classe qualquer que se ponha ao lado da revolugao -, como uma base de organizagao do movimento socialista actual para o futuro socialista. Neste sentido Marx indica o decisivo papel educativo da revolugao proletaria. Esta revolugao exige as massas uma nova consciencia que apenas pode ser adquirida em plena acgao revolucionaria. «A revolugao - escreve Marx- nao e somente necessaria porque a classe dominante nao pode ser derrubada de outro modo, mas tambem porque a classe demolidara s6 se pode capacitar numa revolugao que fundamente uma nova sociedade.» ('! 9 ) Numa acgao revolucionaria real e concreta, todos estes produtos ideol6gicos que a sociedade de classes propagou e produziu sao fragmentados na consciencia. As teses de A Ideologia Alema ampliam e precisam o ponto de vista mantido por Marx ja no seu ensaio dedicado a Hegel. Acrescenta aqui uma caracterizagao mais exacta da essencia da ideologia, o processo do seu nascimento e continuidade na sociedade de classes e OS metodos socio-revolucionarios para a sua destruigao. Esta ampliagao proporciona muitos ("') lb idiem, p. 70.
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esclarecimentos aos problemas da teoria educativa. E isso em dais sentidos: primeiro, ensina a tra~ar uma linha divis6ria entre a educa~ao na sociedade de classes e na sociedade socialista. A primeira pertence a existencia da «produ~ao ideol6gica», constitui a sua arma e instrurnento, enquadra-se, pais, no mundo das ilusoes egoistas de classe e deve estar sujeita a ideologia total. A segunda pertence a urn novo mundo real que a classe operaria alcan~a com a sua luta e o seu trabalho. No primeiro caso a educa~ao e urna manifesta~ao e arma da ideologia ou da critica ideol6gica de uma ideologia determinada par outra. No segundo caso e urn a expressao, urn elemento e uma arma da revolu~ao que derruba a ordem capitalista, que concebe a realidade de urn modo real e a transforma atraves do trabalho colectivo. Assim, pois, era necessaria efectuar uma modifica~ao fundamental no pensamento pedag6gico analoga ao necessaria no pensamento filos6fico, cujo objectivo nao era a « produ~ao » de urna ideologia, 'm as proporcionar armas intelectuais para a ac~ao do proletariado. Esta modifica~ao consiste em implantar a convic~ao de que a pedagogia tern de ser concebida como «produ~ao ideol6gica» e compreender que tern de ser posta em conexao com o movimento revolucionario. Os produtos da consciencia nao sao de modo algum obra do espfrito «pUrO» e. nao podem superar-se nem eliminar-se atraves da critica «intelectual», mas somente pelo derrube pratico das reais questoes sociais, das que proveem destas patranhas intelectuais. Tern de se compreender, formula Marx lapidarmente, que «nao e a critica, mas a revolu~ao, a for~a impulsionadora da hist6ria, assim como a religiao, a filosofia e outras teorias» ("0 ) . Transferindo isto para o campo da pedagogia, ("" ) lb·i de?n, p . 38 .
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significa que toda a pura critica intelectual e abstracta da pedagogia burguesa se limita as fronteiras do pensamento «ideol6gico», embora isto parega muito radical. Este «reformismo» pedag6gico, que parece muito radical, substitui frequentemente as correntes reaccionarias da pedagogia burguesa, mas, na realidade nao afecta os seus fundamentos; contudo, despertando ilusoes de ataque a tais fundamentos, satisfaz ilusoriamente as necessidades de critica e luta contra a ordem burguesa em nome do desenvolvimento humano. Para destruir as bases da educagao e imprescindivel destruir realmente a burguesia. Por isso, e «a revolugao e nao a critica» o fundamento da reforma pedag6gica. Uma revolugao, todavia, nao se produz espontaneamente. Exige uma acgao consciente dos homens debaixo das relagoes burguesas. Mas nao ha duvida que a participagao na acgao revolucionaria constitui 0 unico metoda que pode destruir realmente OS fundamentos educativos na sociedade de classes, ao superar a ordem burguesa de classes e com ela eliminar os fundamentos das «ilusoes pedag6gicas», os fundamentos da ideologia pedag6gica. A vinculagao da pedagogia aos problemas da revolugao e a confrontagao deste novo modo de pensar com a educagao tradicional, que relaciona a pedagogia com a «produgao ideol6gica», constitui uma clara consequencia das teses de A Ideologia Alema. A segunda consequencia afecta o vinculo real e concreto do trabalho educativo e o processo de educagao com a vida material pratica do homem. A critica da ideologia nao e apenas uma critica do produto do espirito abstracto, e tambem uma critica da consciencia individual na qual a ideologia estabelece as suas raizes. A consciencia humana nao e uma fonte independente de representagoes, ideias e principios. «A consciencia - escreve Marx - nao pode ser outra coisa senao o ser consciente, e o ser do homem esta no seu processo real da vida. As representagoes que 59
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os individuos realizam sao representa~oes sobre a sua rela~ao com a natureza, sobre as suas rela~oes mutuas ou sobre a sua propria condi~ao.» ( 51 ) Marx sublinha que s6 deste modo se pode exemplificar a consciencia do individuo, se nao se quiser sobrepor, contudo, «alem do espirito dos individuos reais e materiais», «OUtro espirito a parte» ( 52 ) . Justamente por esta razao cada actividade que modifique realmente os homens deve ser uma actividade que, primeiro que tudo, modifique as relaQ6es dos seres humanos, isto e, que arranque OS fundamentos da consciencia actual e ofere~a fundamentos reais para urn novo conteudo de consciencia. Nesta base so mente poderemos modificar OS hom ens atraVeS da educa~ao.
«Se a expressao consciente das rela~oes reais dos individuos e ilus6ria - determina Marx-, se estes nas suas representa~oes colocam a realidade na ca,be~a, entao isto e novamente uma consequencia do seu modo material limitado de actuar. A produ~ao de ideias e representa~oes da consciencia entrela~a -se de imediato com a actividade material e com o trato material dos homens, linguagem da verdadeira vida.» ( 5 3 ) Por isso a educaQao nao pode entender-se como «reforma da consciencia» independente. Deve estar ligada a transformagao das reais condigoes de vida que constitui a base da alteraQao da consciencia. Os educadores nao estao naturalmente capacitados para efectuar esta obra sozinhos, devem unir-se ao movimento revolucionario da classe que transforma realmente a vida e cria as bases para uma nova consciencia. A esta ac~ao da classe revolucionaria para a transformagao das condiQ6es de vida une-se a transformaQao da consciencia. Os educadores transmitem estas transformaQoes a vida e pensamento das (
61
)
Ibidem, p. 26.
.
(") Ib-idem. (
53
)
Ibi&am.
60
.
TEORIA MARXIST A DA . EDUCAQAO crian~as e jovens, e actualmente tambem aos adultos. A tarefa do educador consiste em ajudar os individuos a superar o velho na sua consciencia e construir urn novo mundo adequado a ciencia e as necessidades das urgentes tarefas sociais. A terceira conclusao sup6e que a pedagogia deve fundamentar-se cientificamente. Marx extrai conclus6es da hist6ria; no campo da pedagogia sucede o mesmo. Qual e o conteudo destes fundamentos? E a referencia de que a consciencia humana esta estritamente ligada a vida material, real e social do homem. Com base nesta tese pode-se investigar exacta e experimentalmente a consciencia humana e sua evolu~ao. Tal nao foi possivel enquanto se concebeu esta consciencia como uma autoconsciencia independente e originaria ou como uma «consciencia objectiva» que se desenvolve por si propria. No primeiro caso, tudo na hist6ria resultaria casual e imprevisto; no segundo, tudo resultaria urn mero objecto da especula~ao filos6fica. Somente sublinhando o papel das rela~6es e do trabalho social e possivel fazer verdadeiras investi- ga~6es cientificas. «A hist6ria - escr eve Marxdeixa de ser uma colec~ao de factos mor tos, como para os empiristas abstractos, ou uma ac!;ao inorganica de sujeitos desorganizados, como para os idealistas. Pais, ao desaparecer a especula~ao na vida real, come~a a ciencia positiva e real, a representa~ao da actividade pratica, do processo evolutivo pratico dos hom ens. » ( 54 ) Tal ciencia hist6rica assinala as verdadeiras etapas evolutivas da humanidade e es1Clarece o conteudo real da consciencia transforma'dora que se patenteia na religiao, na filosofia e na etica. Esta ciencia hist6rica analisa sobretudo as modifica~6es que se efectuam na base real da vida humana e que a historiografia tradicional nao costuma referir. A rela~ao dos homens com a natureza
('·' ) Ibidem, p . 27.
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e o seu proprio ser material foram excluidos da historia, de tal modo que representavam «certamente alga espiritualizado» que nao tinha rela!;iio alguma com a vida real {5 5 ) . Contrariamente a estas considera!;oes historicas especulativas, a ciencia historica autentica regista, antes de mais, cada transformagao verdadeira, como o proprio processo de produgao que produz diversas formas da consciencia. Este ponto de vista tern uma grande importancia para a pedagogia. Ensina o homem a julgar, nao segundo o que ele pensa de si proprio, mas segundo o que e realmente a sua propria vida p a). Isso leva a pedagogia a realizar investigagoes objectivas das condigoes de vida social dos homens, a investigar os processos de transformagao destas relagoes atraves da actividade colectiva dos homens e somente em relagao a isto formular a questao da transformagao do homem. Estas transformagoes nao sao nem casuais, originadas pela forga de qualquer filosofia ou propaganda, nem elos de uma cadeia que expressem urn certo «processo evolutivo logico da ideia humana». E, pais, perfeitamente possivel uma analise cie~tifica destas transforma!;oes e e tambem a base da actividade educadora, assim como tambem uma conceptualiza!;iio cientifica da educa!;ao que, par seu -lado, possibilita trabalhar eficaz e fecundamente. A farisaica pedagogia moralizadora e idealista e substituida pela pedagogia materialista que considera as reais condi!;oes de vida e de evolugao e pode determinar os meios apropriados da actividade educadora. Aqui se desenham as perspectivas de uma fundamenta!;ao cientifica da actividade educadora. Na metafora utilizada por Marx no prefacio da primeira parte de A Ideologia Alemii, esta concep!;iiO da educa!;iio dos homens como ciencia esta contida de urn modo muito plastico e sugestivo. ("" ) Ibidem, p. 39. (") Ibilderm, p. 21.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAg.AO
Era uma vez, narra Marx, urn homem honrado que julgava que os hom ens s6 se afogam por estarem sugestionados com a ideia da gravidade. Acreditava que os homens nao correriam qualquer perigo se rejeitassem esta ideia e a considerassem como uma supersti~ao ou mera representa~ao religiosa. Por isso combateu durante toda a sua longa vida contra a ideia da gravidade que acarretava aos homens tao nefastas consequencias. De modo identico, acrescenta Marx, actuam os jovens hegelianos pretensamente revolucionarios. Este exemplo simboliza as ilusoes da pedagogia burguesa que se afasta da verdade tanto ao dar li~oes de moral como ao tornar-se «Critica», pois 0 unico metodo para evitar ao homem 0 perigo de se afogar consiste em aprender a nadar. Uma educa~ao deste tipo vai contra uma exacta analise cientifica da realidade (no caso mencionado da fisica) e da actividade humana que utiliza o conhecimento das leis que regem a realidade e atraves delas permite ao homem urn amplo dominio sobre a natureza. A liberta!;ao da ideologia burguesa, a mudan~a para urn modo de pensar materialista e revolucionario ligado a actividade revolucionaria do proletariado significa, pois, na pratica e na teoria da educa~ao, a rejei!;ao das ilusoes de uma pedagogia evocadora, isto e, de uma pedagogia que se proponha «reformar a consciencia» com meios puramente espirituais. Isto exige que se formule a pedagogia como uma teoria de actividade eficaz que se anuncia ja na evolu~ao hist6rica das for~as produtivas e na ac!;ao da classe operaria que transforma a actual ordem social e constr6i uma sociedade socialista. 4. · 0 conhecimento dos factos
Paralelamente a esta polemica filos6fica fundamental e de acordo com a sua concep!;ao materialista, 63
TEORIA MARXISTA DA EDUCAgAO
Marx e Engels extraem sempre estudos hist6ricos e econ6micos fundamentais. Marx estudou, especialmente durante a sua permanencia em Paris, a hist6ria de FranQa, sobretudo a hist6ria da RevoluQao Frances a; Engels aprofundou os seus estudos da hist6ria inglesa e coleccionou documentos para o seu trabalho sobre o desenvolvimento do capitalismo. Estes estudos hist6ricos tinham urn objective muito nitido: na opiniao dos autores deviam contribuir para a compreensao da actualidade que encobr e processes de desenvolvimento hist6ricos que constituem urn instrumento fecundo e cientifico para \....na acQao eficaz. Por esta razao, estes estudos estavam intimamente relacionados com a anaJise da situaQa o contemporanea. Com isto a nova interpretaQao materialista da realidade, iniciada com a critica da filosofia .e a actividade jornalistica, adquire urn canicter cientifico. Mais tarde as grandiosas obras hist6ricas e econ6micas de Marx e os numerosos estudos de Engels surgiriam nesta base. Este metodo, visivel ja nalguns artigos dos anos quarenta, foi iniciado com o livro de Engels A BituaQiio da Glasse Operaria em Inglaterra. Este livro, que de certo modo representa uma continuaQao das Cartas de Londres, constitui urn exemplo de uma analise social concreta que demonstra a justeza dos principios fundamentais do materialismo hist6rico e representa tambem urn desenvolvimento do mesmo. Esta analise nao tern nenhum preconceito burgues, urn dos quais e defender 0 pri:o.cipio da invariabilidade das relaQoes sociais. Pelo contra:rio, indica o processo hist6rico do crescimento das forQas da classe operaria paralelamente as tarefas que lhe competem. A exigencia marxista de uma actuaQao concreta, que devia conduzir ao derrube da ordem burguesa, possibilitou reconhecer os factos silenciados pela burguesia. Tambem permitiu urn profunda conhecimento das relaQoes sociais existentes 64
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TEORIA MARXISTA DA EDUQAQAO
do ponto de vista puramente «filos6fico». Para Marx e Engels o valor do conhecimento. da pratica social estava completamente esclarecido. No prefacio a A .Situar,;iio da Classe Operaria em lnglaterra) Engels escreve em 1845: «0 socialismo e comunismo alemao e algo mais que 0 deduzivel a partir de premissas te6ricas; n6s, os te6ricos alemaes, conheciamos menos do mundo real do que as rela~6es reais podiam impelir~nos imediatamente as reformas desta desa~ .gradavel realidade. Dos representantes publicos de tais reformas quase · nenhum chegou ao comunismo pela analise que Feuerbach realiza da especula~ao hegeliana ... A n6s, alemaes acima de tudo, esta questao deu~nos o conhecimento dos factos.» (57 ) Urn «conhecimento dos factos» deste tipo facilita a obra de Engels sobre a situa~ao da classe operaria em Inglaterra que mostra o verdadeiro aspecto do capi~ talismo com urn exemplo de urn pais dos mais a van~a~ dos no seu desenvolvimento. Engels formula nesta obra duas teses que a partir de entao constituem as teses fundamentais das quest6es da cultura e da educa~ao: indica o alcance e 0 caracter real que tern a propor~ao de educa~ao que se concede a classe operaria e sublinha a obra cientifica e cultural que o operario empreende, sob as mais dificeis condi~6es materiais, para se esfor~ar politica e socialmente. . Engels mostra as insuportaveis condi~6es de tra- . balho existentes nas fabricas inglesas para as crian~as e jovens, condi~6es de explora~ao ilimitada, ainda que legalizada, que conduzia a sua ruina fisica e moral. Desmascara as verdadeiras causas do medo da burguesia a uma extensao do ensino que poderia resultar perigosa para o sistema capitalista; revela · os verdadeiros motivos por que a educa~ao esta sob a tutela das seitas religiosas. «A religiao - escreve ("') Marx-Engels, Werke, Berlim, 1958, vol. 2, p. 233. 65
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
Engels - e o servo submisso da burguesia, divide-se em numerosas seitas: cada seita concede ao operario a perigosa educa~ao apenas se o operario aceitar por sua vez o antidoto dos dogmas especiais pertencentes ·a esta seita.» ( 58 } Sob a pressao da classe operaria e dada a necessidade de dispor de urn certo numero de operarios qualificados para a produ~ao, a burguesia ve-se obrigada a fazer certas concessoes ao ensino popular. Fa-las, contudo, com certas precau~oes e esta sempre pronta a ter sob sua vigilancia as perigosas aspira~oes de cultura do movimento operario. Engels refere a luta que se desenvolve em Inglaterra entre a classe operaria e a burguesia para determinar o genera da educa~ao. Nos centros do movimento operario sob os cartistas e socialistas, existem diversas institui~oes culturais e educativas. «Aqui - afirma Engels- da-se as · crian~as uma autentica educa~ao proletaria, livre de todas as influencias da burguesia, e nas salas de leitura predominam jornais e livros proletarios. Estas institui~oes sao muito perigosas para a burguesia. Esta conseguiu transformar algumas institui~oes similares, as «Mechanics Institutions», em 6rgao de difusao da ciencia que apoia a burguesia, tirando-lhes a influencia proletaria. Em tais institui~oes sao ensinadas as ciencias naturais que separam os operarios da oposi~ao contra a burguesia e lhes dao talvez meios para inven~oes que produzam dinheiro para a burguesia.» ( 59 } · Engels caracteriza a dificil situa~ao material da classe operaria e o atraso cultural e cientifico em que deve viver, consequencia da politica burguesa, e sublinha a actividade intelectual da classe operaria, seu vivo e profunda interesse pelo saber. «No melhor dos casas - escreve Engels - as condi~oes em que ("') Ibk~em, p. 340. (") Ibidem, p. 453.
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esta classe vive sao de tal natureza, que lhe permitem uma educa~ao pratica que nao so substitui a escola, mas tambem anula as representa~oes religiosas e situa os trabalhadores no auge do movimento em Inglaterra.» (60 ) Precisamente a miseria ensina o trabalhador ingles «a pensar e actuar». A sua participa~ao no movimento da sua propria classe amplia os seus horizontes intelectuais, a sua posi~ao proletaria permite-lhe conceber a realidade de urn modo isento de preconceitos. «Q burgues - escreve Engels-, que e escravo da sua posi~ao social e dos preconceitos que lhe estao relacionados, teme e benze-se perante tudo o que representa urn progresso real; o proletario mira-o com interesse e estuda com prazer e com exito.» ( 61 ) No seu esfor~o para conhecer o mundo, o proletario estuda as ciencias naturais e sociais e apodera-se de urn extraordinario saber adquirido no desenvolvimento da sociedade ate aos nossos dias. «As obras mais notaveis, que marcam a epoca da nossa literatura filos6fica e politica, encontram o maior numero de leitores entre os trabalhadores.» ( 62 ) Engels alude a obra realizada desde Helvetius ate Bentham e sublinha a importancia nacional deste movimento intelectual. Enquanto a burguesia poe algemas a ciencia e a arte para defender OS seus interesses de classe, o proletariado empreende a luta para a liberta~ao da cria~ao intelectual e artistica destas algemas. 0 livro de Engels, todavia, nao e somente importante para a pedagogia apenas porque trata de urn modo imediato os problemas educativos (*). Tambern possui importancia no aspecto metodol6gico. Mostra que a circunstancia concreta social deve ser 66
Ibiden~,
p. 342. Ibidem, p. 454. ("') Ibidem, p. 455. (
(
61
)
)
(*) Observa~oes do
autor. V. Apendice, cap. I, 3). 67
TEORIA MARXISTA DA EDUCAgA.O
analisada a partir da evoluQao hist6rica e do aumento da luta revoluciom1ria. Mostramos ja como os fundadores do materialismo hist6rico delimitaram as suas concepQ6es da educaQao do homem do psicologismo e socialismo. No livro de Engels e bern demonstrado que no decorrer das investigaQ6es, conquanto se apoiem em grande numero de dados empiricos, nao se limitam de modo nenhum a urn empirismo, mas a introdUQaO de certas leis gerais e a formulaQaO de maximas adequadas a uma pratica eficaz. Principalmente nos anos seguintes, ao transformar a sociedade burguesa num instrumento da defesa da ordem predominante pelo seu modo estatico e fatalista de investigar, o aspecto metodol6gico do estudo de Engels adquiriu ainda mais valor para a pedagogia. Este estudo mostra plasticamente a diferenQa entre as investigaQ6es que se apoiam nas bases do materialismo hist6rico e as da sociologia burguesa. Mostra tambem a nitida diferenQa entre as concepQ6es do homem e os ensinamentos da sociologia burguesa. 5. A luta par a a cr:ia@,o de urn partido operario As concepQ6es te6ricas de Marx e Engels amadureceram durante a luta que levou, nos anos quarenta, a fundaQao de urn partido revolucionario proletario. Esta luta desenvolveu-se em diversas frentes, precisando cada vez mais o ponto de partida do socialismo cientifico. Dirigiu-se contra o liber alismo burgues e mais tarde tambem contra a democracia burguesa a favor de uma «democracia revolucionaria»; defrontou-se com os diversos tipos de socialismo pequeno-burgues, com o socialismo ut6pico frances, o «verdadeiro socialismo» alemao, as tendencias anarquistas, o socialismo proudhoniano, etc. Considerando as tarefas hist6ricas do proletariado, 68
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
«coveiro do capitalismo», e a importancia decisiva da revolu!;aO, teve de opor-se radicalmente a todas as concep!;oes burguesas e pequeno-burguesas que dificultavam a luta de liberta!;ao do proletariado. A prop6sito, Marx e Engels sublinham especialmente as condi!;6es hist6ricas objectivas que anunciam a revolu!;ao proxima, a necessidade da organiza!;ao politica da classe operaria e da luta politica pelo poder, dando uma analise, cientificamente fundamentada, da situa!;aO e do crescimento constante da consciencia revolucionaria proletaria. Este estabelecimento de objectivos politicos conduziu a uma concep!;aO da educaQao e do ensino completamente nova. Marx e Engels conceptualizaram de urn modo completamente novo as tarefas e conteudo do ensino dos operarios, sua vinculagao com a vida e as tarefas hist6ricas do proletariado. Segundo a opiniao dos socialistas ut6picos, a educaQao devia ser urn dos factores mais importantes da criaQao de uma nova sociedade; para Marx e Engels isso deve estar estreitamente ligado a pratica revolucionaria concreta. Ao dizer que a educaQao devia partir o mais possivel da revoluQao concreta, Marx e Engels assinalam que e seu dever preparar esta ultima ideologicamente. Perante a opi.niao de certos circulos de que o «instinto revolucionario» conduz indefectivelmente a acQoes espontaneas, Marx defende, em oposiQao a estes «alquimistas da revoluQao», que «a ignorancia nao ajuda nunca a · nada» ( 63 ) , mas que ha que actuar seriamente e com conhecimento dos factos, e a ciencia e a unica capaz de o facilitar. Para muitos as tarefas fundamentais da educaQao consistem em educar o coraQao e a virtude; para Marx e Engels tern a maior imp or-
( .. ) F . Mehring, Karl Marx- Geschichte sll!itnes Lebens (Karl Marx- Hi&t6ria da sua Vioo), Berlim, 1919, :p. 19.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
taricia o desenvolvimento da conscH~ncia e o despertar interesse pela revolu~ao. As polemicas de Marx e Engels nos anos quarenta, as suas numerosas discuss6es politicas nas associa~6es e circulos de trabalhadores, a sua actividade organizadora que conduziu a reuniao das for~as revolucioriarias do proletariado, contem uma grande riqueza de concep~6es sabre a educa~ao e o ensino. Contudo, isto nao foi estudado ate ~ actualidade. Os inimigos do marxismo difundem falsas ideias de que Marx e Engels rejeitavam a importancia da actividade educativa ao sublinhar o processo evolutivo hist6rico e organizar a luta revolucionaria. 0 facto de Marx e Engels terem rejeitado as concep~6es idealistas e ut6picas do poder ilimitado da educa~ao, e utilizado como «argumento», tentando convencer que os fundadores do socialismo cientifico menosprezaram o papel do ensino e da educa~ao. Par outro lado, deparamos com o receio de alguns perante a importancia que Marx e Engels atribuem a organiza~ao do ensino operario, receosos de que isso possa conduzir a uma « humaniza~ao superficial» das ideias de Marx e Engels. Contudo, pelo facto de que par vezes se ocultam inten~6es de falseamento ao mostrar urn «Verdadeiro» Marx, nao devemos tirar a conclusao de marginalizar os problemas do ensino e educa~ao da classe operaria na actua~ao de Marx; e isto nao s6 porque estas quest6es interessam particularmente aos pedagogos, mas tambem porque Marx e Engels lhes concederam realmente uma grande importancia ao lutar para que o proletariado estivesse a altura das tarefas revolucionarias que a hist6ria lhe prop6e. A evolu~ao do pensamento de Marx e Engels desde o idealismo ao materialismo nao significa de modo algum para a educa~ao a rejei~ao da « educa~ao dos homens», mas, pelo contrario, a formula~ao de urn programa historicamente eficaz para a sua reali70
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
zaQao. A superaQao da teoria idealista da educaQao pela materialista conduz a uma concepQao da educaQao que fica compreendida dentro das categorias do materialismo hist6rico. 0 materialismo hist6rico indica que o mundo se desenvolve segundo.leis objectivas pela acQao das massas populares e finalmente pela acQao revoluciomiria do proletariado. A questao principal esta em determinar como devem ser consideradas as tarefas do trabalho educativo dentro deste modelo. Da resposta certa depende a organizaQao apropriada deste trabalho. Marx e Engels deram justamente uma grande importancia a este assunto. A divergencia com Proudhon mostra a estreita uniao da luta politica pelo partido operario revolucionario com as questoes te6ricas do materialismo hist6rico e as respostas que Marx e Engels deram as questoes basicas da educaQaO. Esta polemica, necessidade politica temporal, chegou a constituir uma analise te6rica do materialismo hist6rico, analise que possui precisamente uma grande importancia para a pedagogia. A luta contra Proudhon desenvolve-se paralelamente a organizaQao do movimento operario internacional e ao aparecimento da consciencia revolucionaria do proletariado. Em oposiQao a diferentes correntes conciliadoras e oportunistas, em vesperas da revoluQao de 1848, Marx e Engels reconheceram claramente o caminho revolucionario. Numa carta · ao Comite de Correspondencia Comunista de Bruxelas, Engels escreve em 25 de Outubro de 1846 sabre as suas divergencias com os reformistas: «Durante tres tardes discutiu-se sabre o plano de associaQao proudhoniana. No principia tinha contra mim quase todo o grupo; no fim, s6 Eisermann e os restantes partidarios de Griin. A questao principal aqui era sublinhar a necessidade da revoluQao violenta e denunciar o «socialismo verdadeiro» de Gri.in, que encontrou na panaceia de Proudhon novas forQas, 71
..
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TEORIA MARXISTA ·DA EDUCAQ.AO
como antiproletario, pequeno-burgues e oposicionista. » ( 64 ) Sob este aspecto, a divergencia ideol6gica com Proudhon devia ir consequentemente ate ao fim. Para ele o aparecimento da obra de Proudhon AMiseria da Filosofia foi urn pretexto para ele. Ja em fins de 1846, Marx toma posiQao a respeito deste livro, numa carta a Annenkow (05 ) e escreve a obra, publicada em frances, Das Elend der Philosophie-die Antwort auf «Die Philosophi e des Elends » von Hr. Proudhon, 1847 (Miseria da Filosofia. Resposta «Filosofia da Miseria» de Proudhon) que constitui
a
uma critica destrutiva. I\Testa obra e na carta a Annenkow, Marx expoe os principios do materialismo hist6rico e mostra a falsidade da concepQao proudhoniana da evoluQao · social. A polemica de Marx dirigiu-se nao s6 contra os seus inimigos imediatos, mas fundamentalmente contra os conceitos e teoria burgueses. Refere-se principalmente as concepQoes hegelianas e pseudo-hegelianas da «evoluQao objectiva da hist6ria», na qual devem realizar-se presumiveis valores determinados e os homens s6 «Servem» como instrumentos ou meios para este fim. Ja em A Sagrada Familia Marx ataca esta liquidaQao idealista da verdadeira hist6ria. «Tal como os te6logos primitivos- escreve Marx- consideravam que as plantas existem para serem comidas pelos animais e os animais para serem comidos pelos homens, do mesmo modo a hist6ria existe para o acto de assimilaQao te6rica do ser, para servir de demonstraQao. 0 homem existe para que exista a hist6ria e a hist6ria existe para que exista demonstrar;ao das .verdades. Nesta forma critica trivial repete-se o saber especulativo 6 ( ' ) Marx-Engels, Bri lfwechsel (Oorre.sponit encia), Berlim, 1949, vol. 1, p. 69. 6 ( ' ) Marx-Engels, Awsg:ewiihlte B riefe (Oar tOJS Escolhidia-s), Berlim, 1953, p , 41. ·
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TEORIA :MARXISTA
DA EDUCAQAQ
. de que 'o homein e a hist6ria existem para · que a _ verdade alcance a autoconsciencia. A hist6ria trans- · forma-se assim, tal como a verdade) numa pessoa a parte, num sujeito metafisico, cujo portador e o individuo realmente humano» ( 00 ) . Proudhon nao dominava a lingua alema, par isso nao pode estudar Hegel no original e conhecia-o apenas atraves de tradu~oes. Levou a concep~ao do idealismo objectivo no campo da historiografia ad absurdum. No seu designio de construir uma ·presumida concep~ao filos6fica da hist6ria e sua · · evolu~ao, ignorava ~como Marx demonstra- a · evolu~ao hist6rica real. «Aceitemos com o Senhor Proudhon que a hist6ria real seja, segundo a cronologia, a sucessao hist6rica em que as ideias, as categorias e os principios se patentearam. Cada principia teve o seu seculo em que se manifestou. 0 principia de autoridade teve, par exemplo, o seculo XI, tal como o principia do individualismo, o seculo XVIII . . Deste modo o seculo pertence ao principia, nao o principia ao seculo. Par outras palavras: o principia faz a hist6ria, nao a hist6ria o principia.» ( 07 ) As considera~oes de Proudhon eliminam a hist6ria real, cujas leis de desenvolvimento se determinam pela transforma~ao das for~as produtivas do homem. 0 processo de vida real produz a consciencia e ideais e nao vice-versa. Haque seguir, pais, urn caminho diferente do que Proudhon indica. Ha que analisar principalmente as for~as produtivas, os ' homens de cada epoca, suas necessidades e suas rela~oes mutuas; ha que investigar as condi~oes reais de existencia e considerar o homem como «autor e ao mesmo tempo actor do seu proprio drama». Ao mostrar este caminho, Marx distancia-se deci-
Marx-Engels, Wer.ke, Berlim, 1958, vol. 2, p. 83. Karl Marx, DaR~ Elena der PhilosoP'hie (A Miserva da F'i.losofia), Berlim, 1952, p. 135. (
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
didamente de todo o subjectivismo e psicologismo, na concep~ao do homem. Critica os historiadores e economistas burgueses justamente porque trabalham com o conceito da «natureza humana» como factor constante, com ajuda do qual se podem compreender supostamente todas as institui~6es e resultados hist6ricos. Deste modo deixam de compreender a evolu~ao hist6rica real. No melhor dos casos, veem nela urn processo de supera~ao de erros e formas de organiza~ao arbitrarias da vida comunitaria, da recupera~ao de uma «ordem natural». Mas os historiadores e economistas burgueses que concebem que a ordem social predominante e finalmente uma ordem natural, depois dos seculos do «artificial» feudalismo, hao-de chegar a convic~ao de que existiu uma hist6ria, mas que ja nao existe hist6ria ( 68 ). A natureza humana nao deve ser considerada urna categoria sagrada. Tern de ser concebida em rela~ao a concreta situa~ao hist6rica, ao processo de produ~ao e rela~6es fundamentais de produ~ao. 0 materialismo hist6rico ensina a considerar os homens de modo tal que sao rejeitadas tanto as concep~6es idealistas e especulativas como as psico16gico-naturalistas. Considera a hist6ria como urn processo evolutivo real do homem que se efectua no decorrer da sua actividade transformadora do ambiente natural. Concebida deste modo, a hist6ria e uma hist6ria dos homens e «deixa de ser uma hist6ria "sagrada", uma hist6ria das ideias» {69 ) . Tal concep~ao da hist6ria mostra a unidade dialectica entre as condi~6es de existencia dos homens e a sua vida e actua~ao, entre as transforma~6es das for~as produtivas e as das rela~6es sociais. Mostra tambem
as
Ibidem, p. 141. Marx-Engels, AwsgewiihZte Briefe (Oartas Escolhid(I)S), Berlim, 1953, p. 44. · 6 ( ') 60 )
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o processo de verdadeiro desenvolvimento que vern determinado pelo desenvolvimento das for~as produtivas e as contradi~6es de classes. Estes principios do materialismo hist6rico, desenvolvidos na epoca das divergencias com Proudhon, encerram novas perspectivas para a pedagogia. A pedagogia burguesa permaneceu ao servi~o das duas concep~6es que Marx combateu na critica a Proudhon: a educa~ao deve facilitar aos hom ens a realiza~ao da sua propria sagrada essencia metafisica ou deve ser uma actividade social dirigida a supostas necessidades da «natureza» humana. Tanto a concep~ao metafisico-idealista como a psicol6gico-naturalista deixam a margem 0 processo hist6rico de desenvolvimento dos homens. Em rela~ao a estas concep~6es, o ponto de partida de Marx representava uma mudan~a fundamental. Os problemas educativos deixavam de ser quest6es das «categorias sagradas », dos «ideais gerais da humanidade», da «natureza humana invariavel». Transformavam-se cada vez mais em problemas hist6ricos, problemas de uma epoca determinada, de urn lugar determinado e de determinadas tarefas sociais. Os educadores nao devem supor que podem estabelecer arbitrariamente os ideais educativos. Devem compreender que a sua actividade depende, principalmente nas etapas determinadas de desenvolvimento social, das rela~6es materiais predominantes. Nunca se encontram com «Uma crian~a ·em · si», mas com uma crian~a de uma classe determinada, com uma crian~a que cresce sob determinadas rela~6es sociais. Esta concep~ao concreta hist6rica da essencia da equca~ao foi realizada por Marx e Engels durante a sua actividade pratica politico-organizativa. As divergencias com Proudhon e os seus partidarios nao foram uma simples disputa academica. Surgiram das oposi~6es que se haviam ja manifestado na actividade politica e que conduziram a separa~ao 75
TEORIA MAR)hs:rA DA EDUCAQA.O
te6rica de Proudhon. Os chamados «Verdadeiros socialistas» e os partidarios de Proudhon manifestavam-se contra a acQao revolucionaria e rejeitavam a formaQao de uma consciencia politica fundameritada no conhecimento cientifico da realidade. Marx e Engels combateram decididamente esta fraseologia idealista que se coloca ao serviQo dos elementos pequeno-burgueses. A educaQao do proletariado pode servir somente para a preparaQaO das tarefas revolucionarias, ou seja, ser a educaQao da consciencia revolucionaria mima determinada situaQao concreta. N as cartas de Ma:rx e Engels destes anos estabelece-se sempre a critica a educaQao idealista alheia as tarefas revolucionarias concretas. «Griin foi muito prejudicial - escreve Engels em 1846. - Transformou o concreto no individuo em meras ilus6es, aspiraQ6es humanas, etc. Sob as aparencias de atacar os partidarios de Weitling e o comunismo sistematico, encheu-lhes a cabeQa de complexas frases literarias e pequeno-burguesas e apresentou todo o resto como sistemas de cavalarias.» ( 70 ) Deste modo, na poh~mica com Proudhon e na luta contra o idealismo subjectivo e objectivo, as concepQ6es gerais te6ricas do materialismo hist6rico formuladas estao intimamente ligadas a actividade concreta politico-social ( *). Neste aspecto, a educaQao adquire tambem uma orientaQao politica, isto e, deve participar na formaQao da classe revolucionaria. «De todos OS instrumentos de produQao - escreve Marx, na conclusao de A Miseria da Filosofiaa maior forQa produtiva e a propria classe revolucionaria. » ( 71 ) A organizaQao desta classe chega a ser uma das tarefas mais importantes. Estes pensamentos, que sao tao importantes para a compreensao 0 (' ) Ibrildem., p . 29 . . {*) Observag5es do autor. V. Apendice, cap. I, 4). C') K. Marx, Das Elernd der Phiiwsoph'i!e, Berlim, 1952,
p. 193.
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das questoes relativas a educagao, sao desenvolvidas por Marx e Engels no Manlifesto do Partido Gomunista.
6. 0 caracter de classe da educagao 0 Manifesto do Partido Gomunista encerra esta etapa do desenvolvimento dos problemas pedag6gicos em Marx e Engels. J a no ano de 1847 Marx e Engels trabalharam nos piincipios de urn programa comunista. Isso e evidenciado na correspondencia e num projecto de Engels que se intitula Grundsiitze des Kommunismus (Fundamentos do Gomunismo)} escrito em fins de 1847 e publicado no ano de 1914. Este projecto acentua o grande valor que Marx e Engels concediam aos problemas da educagao na elaboraQao do seu programa. Engels pede nao s6 a «educaQao total das criangas, a partir do momento em que comegam os primeiros cuidados maternos, em instituigoes nacionais e a expensas da nagao», sublinha nao s6 a necessidade de relacionar «educaQao e fabricagao» (7 2 ), mas faz tambern uma analise fundamental do papel da educagao na sociedade capitalista e na futura sociedade socialista. Engels escreve que na sociedade de classes nao existe nenhuma possibilidade para o completo desenvolvimento do homem e suas capacidades. A so- . ciedade esta dividida em duas classes antag6nicas em que a classe dominante se apodera nao s6 dos bens materiais mas tambem dos culturais. Contudo, o desenvolvimento das forgas produtivas possibilita a supressao da propriedade privada, condigao para a utilizagao do posterior crescimento das forgas produtivas. No comunismo alcanga-se nao s6 urn tipo
(" ) Marx-Engels, Werke, Berlim, 1959, vol. 4, p . 373.
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de produ~ao que satisfaz todas as necessidades, mas onde se desenvolvem tambem simultaneamente novas propriedades e caracteristicas dos homens. Para o desenvolvimento da produ~ao baseada num novo nivel tecnico, determina Engels, «nao ba.stam os meios quimicos e mecanicos auxiliares; as aptidoes dos homens que poem esses meios em movimento devem desenvolver-se de modo adequado. Do mesmo modo que os camponeses e os artesaos do seculo passado modificaram toda a sua maneira de viver e se transfbrmaram noutros homens ao entrar na grande industria, tambem o trabalho comum da produ~ao de toda a sociedade e o consequente desenvolvimento da produ~ao necessitara e produzira homens completamente diferentes» ( 73 ) . Engels, evidentemente, nao apresenta nenhuma caracteristica deste hom em novo; no entanto, dedica uma aten~ao especial a todas as qualidades paralelas ao desenvolvimento das for~as produtivas e a supressao das classes. 0 desenvolvimento das for~as produtivas exige sempre homens de forma~ao po·lifacetada; ja sob as condi~oes capitalistas se apresenta a necessidade de superar a forma~ao unilateral que e propria do trabalho existente ate aos nossos dias. Esta necessidade chega a ser, sob as rela~oes socialistas, uma exigencia primordial. «A industria dirigida conjunta e planificadamente por toda a sociedade - escreve Engels- exige homens co~ pletos, cujas aptidoes estao desenvolvidas em todos os sentidos, que sejam capazes de captar todo o sistema de produ~ao. » ( 74 ) A partir desta necessidade surgira precisamente uma nova educa~ao que formara os novos homens que a sociedade socialista reguer. «A educa~ao - escreve Engels - permitira aos jovens participar ra("' ) I bildem , 'P· 376. (" ) I oodem. 78
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pidamente em todo o sistema de produQao, colocara as premissas necessarias para que possam transferir-se de urn ramo industrial para outro, cada urn segundo as necessidades da sociedade ou segundo as suas pr6prias aptidoes. » (7G) Tal educaQao, que Engels denomina educaQao industr ial, assegura « O desenvolvimento completo das capacidades da maioria dos membros da sociedade» e colabora na supressao das classes e da oposiQao entre a cidade e o campo. Estes pensamentos de Engels fazem parte, por urn lado, do Manifesto do Partido Comunista e, por outro lado, provem dos trabalhos que Marx e Engels desenvolveram mais tarde sobre a educaQao politecnica. Na etapa de desenvolvimento seguinte, o Manifesto do Partido Comuni sta) inclui -no que se refere aos problemas pedag6gicos que aqui nos interessam - urn compendio das aquisiQoes conseguidas ate ao presente e urna formulaQao dos novos problemas te6ricos e praticos que mais tarde Marx analisou nas suas obras posteriores. 0 Manifesto do Partido Comunista mantem a tese de que a educaQao constitui urn fen6meno de caracter classista. «A hist6ria de qualquer sociedade ate aos nossos dias nao foi mais do que a hist6ria das lutas de classes», comeQa por dizer o primeiro capitulo do Manifesto. Assim, pois, a hist6ria das ideias, da moral, do direito, etc., constitui a hist6ria · das etapas destas lutas de classes e seus instrumentos. «E necessaria uma penetraQao muito profunda para compreender que com as condiQoes de vida dos homens, com as suas relaQoes sociais, com o seu ser social, se transformam tambem as suas representaQoes, conceitos e concepQoes, numa palavra, a sua consciencia tambem? Que demonstra a (" ) Ibidem.
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I
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hist6ria das ideias sehao que a produQao intelectual se transforma conjuntamente com a material? As ideias predominantes de uma epoca foram sempre as ideias da classe dominante. » (7 6 ) Neste campo a actividade educativa ocupa tam-· bern o seu Iugar. Na defesa do ponto de vista comunista onde a educaQao social e contraria ao projecto de proteger a educaQao da familia, Marx poe a burguesia perante a questao: «Nao esta tambem a v6ssa educaQao determinada pela sociedade? Atraves das relaQ6es· sociais sob cujo padrao educais, atraves da intromissao directa ou indirecta da sociedade, facilitando escolas, etc.? Os comunistas nao descobriram a acQao da sociedade na educaQao; apenas modificam o seu caracter, tiram-na da influencia da classe dominante. » (7 7 ) Ao desmascarar 0 caracter de classe da educaQaO, ao descobrir a sua funQao politica ao serviQo da classe dominante, esta ve-se forQada a empreender acQ6es de defesa do seu programa educativo salientando os seus supostos valores humanos gerais. A burguesia utiliza nesta luta como arma principal a mistificaQao ideol6gica que Marx analisava ja nas suas primeiras obras. Apresenta os seus ideais de classe que ocultam os seus interesses de classe, como ideais «humanos gerais». Consequentemente, apresenta o ataque comunista a educaQao burguesa como urn ataque a educaQao em geral. «Todas as acusa~oes -Iemos no Manifesto- dirigidas contra · o modo comunista de produQao e apropriaQao dos produtos materiais sao tambem extensiveis a apropriaQaO e produQao dos produtos intelectuais. Do mesmo modo que para o burgues a supressao da propriedade classista representa a destruiQao de toda . a
('" ) Marx-Engels,
Ausgewiih~te
l hiJoos), Berlim, 1953, vol. I, p. 41.
(") Ibidem, p . 39.
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Schriften (Obras Esco-
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DA
EDUCA<;;!AO
produ~ao,' tambem a supressao do ensino classista significa, para ele, a supressao da cultura em geral.» (7 8 ) Estas afirma~oes poem o problema das tarefas e caracter da pedagogia. A pedagogia verdadeiramente cientifica e progressista deve ser capaz de analisar a actividade educadora COID OS metodos do · materialismo hist6rico. Nao deve cair nas ilusoes de que numa determinada epoca as exigencias educativas expostas eram uma emana~ao de «ideias sagradas», ideais incompreensiveis do Bern, da Justi~a, Liberdade, etc. Tambem nao deve considerar que a critica e rejei~ao de uma determinada forma classista hist6rica · da educa~ao significa negar o trabalho educativo numa nova etapa do desenvolvimento hist6rico. Pelo contrario, a pedagogia situa. -se no oposto das concep~oes educativas das classes dominantes, mas defende uma nova concep~ao educativa das classes revolucionarias. A pedagogia cientifica e progressista tern como tarefa analisar a situa~ao da educa~ao caracteristica da epoca concreta com o esquema classista. 0 seu dever consiste em desmascarar a face de J ano do sistema educativo, que apresenta uma educa~ao para as crian~as da classe dominante diferente da das crian~as da classe oprimida. «A cultura, cuja perdi~ao o burgues lamenta - diz o Manifesto e, para a grande maioria, urn treino que produz rna- ' quinas.» (79 ) A pedagogia deve contar com as forgas · novas e criadoras que surgem na classe oprimida e as quais pertence 0 futuro; assim, pais, ha-de realizar uma analise dos problemas educativos segundo . este ponto de vista. Perante a pedagogia apresentam-se duas tarefas, intimamente ligadas entre si: par urn lado, deve
('") Ibide111, iP. 38. ( TD) Ibide111.
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revelar a condiQao classista da actividade educadora, do caracter da escola e das teorias pedag6gicas que a classe dominante desenvolve e organiza e, por outro lado, deve colaborar para determinar as necessidades relacionadas com o movimento revolucionario da classe oprimida e OS metodos da educaQaO. Uma pedagogia deste tipo salvaguarda-se com a formulaQao do caracter hist6rico dos conceitos; a formaQao dos conceitos deve produzir-se a partir de uma realidade modificadora, e assim nao constituira urn desvio idealista e metafisico da «essencia» das coisas que representa propriamente uma hip6tese das relaQoes sociais existentes ate aos nossos dias. _ A necessidade de fundamentar a teoria e pratica da educaQao nos principios do materialismo hist6rico e na acQao revolucionaria da classe operaria fica esclarecida no Manifesto) particularmente nos paragrafos dedicados a critica do socialismo ut6pico. 0 socialismo ut6pico reconheceu perfeitamente «O antagonismo das classes e a eficacia dos elementos que se decompoem na mesma sociedade predominante», mas nao concebeu os factores que determinam o desenvolvimento social e nao concedeu «por parte do proletariado nenhuma tarefa hist6rica propria nem nenhum movimento politico aut6nomo» ( 80 ) Por estes motives estava condenado a alimentar crenQas ilus6rias na forQa revolucionaria da educaQao, da propaganda e do exemplo, que ficavam a margem do movimento revolucionario da classe operaria. Apenas o continuo desenvolvimento das forQas produtivas, que agudiza as contradiQoes de classe e colabora para que o proletariado seja uma classe cada vez mais consciente politica e ideologicamente, crhi as premissas para uma acgao conducente ao derrube da burguesia. Nestas condiQoes abrem-se ("" ) Ibidern, p. 51.
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tambem novas perspectivas para a educa~ao . Em .vez de uma educa~ao que constitui urn apelo a boa vontade e pretende transformar os homens e a sociedade isoladamente das lutas revolucionarias, surge a educa~ao como uma actividade unida a luta de classes do trabalhador. Uma ·educa~ao deste tipo e, na opiniao de Marx, verdadeiramente geral e humana pela primeira vez na hist6ria. «Todos os movimentos hist6ricos, ate hoje - anuncia o Mar nifesto - foram movimentos de minor ias ou ao servigo de minorias. 0 movimento proletario e 0 movimento espontaneo da grande maioria no inter esse da grande maioria. 0 proletariado, camada inferior da sociedade actual, nao pode levantar-se nero endireitar-se sem fazer estalar toda a superstrutura das camadas que constituem a sociedade oficial. » ( 8 1 ) A educagao ligada a luta do proletariado constitui, pois, uma educagao verdadeiramente humana que cria as premissas para urn desenvolvimento completo. Depois da revolu~ao proletaria surge «em Iugar da velha sociedade burguesa com suas classes e antagonismos de classe ... uma associagao na qual 0 desenvolvimento livre de todos e a condi~ao para o desenvolvimento de todos » ( 82 ) . 0 Manifesto do Partido Oomunista e uma das obras de Marx e Engels onde a amadurecida concepgao hist6rica do materialismo encontra a sua expressao definitiva como teoria do movimento operario revolucionario. A obra evidencia a importancia: que os fundadores do socialismo cientifico atribuiam a educagao e em que principios hist6rico-politicos se queriam fundamentar, tanto no periodo de luta contra a burguesia como tambem ap6s o triunfo do proletariado. Mostra a ambiguidade da educagao e do pensamento pedag6gico na sociedade de classes.
('" ) Ibidem, p. 34. ("' ) Ibidem, p. 43.
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Poe de imediato a diferen~a entre a pedagogia burguesa nas suas multiplas formas- sempre apologia evidente da domina~ao de classe dissimulada sob pretensos humanitarismos, o chamamento moraliza~ dar «critico», mas na pratica ineficaz como as formas ut6picas - e a pedagogia cientifica que se fundamenta na analise do processo hist6rico e apoia a ac~ao da classe operaria. 7. Os problemas ·da economia e da pedagogia As teses contidas no Mani festo do Partido Comunista constituem o ponto de partida da posterior actividade cientifica e politica de Marx. Esta actividade e presidida par uma investiga~ao das leis que determinam a origem, apogeu e queda do capitalismo e pelos principios da ac~ao revolucionaria do proletariado que se baseia no conhecimento de tais leis. Considerou-se muitas vezes que Marx na sua epoca de maturidade se «limitou» as questoes econ6micas abandonando assim as preocupa~oes filos6ficas humanitarias do periodo da sua juventude. Uma avalia~ao deste tipo e totalmente falsa e prejudicial politicamente, porque tem o objectivo de desacreditar toda a obra de Marx aos olhos dos intelectuais cuja for~a revolucionaria se manifesta no campo da actividade cientifica e politica. · A falsidade desta concep~ao, que fundamentalmente opoe o Marx «maduro» ao Marx «jovem» e .da aos seus escritos de juventude urn suposto valor especial para o humanismo, pode-se demonstrar com muitos argumentos. Ha que referir a indiscutivel unidade da ac~ao pratico-revolucionaria de Marx . A rela~ao do seu pensamento com esta actividade seria inexplicavel se posi~oes e concep!;6es diferentes acompanhassem a continuidade da sua actua!;iio revolucionaria. Na 84
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realidade estas concepQoes implicavam o problema da libertaQao dos homens das algemas da servidao, impostas ate entao pela natureza e pela sociedade classista. Nos seus escritos de juventude, Marx considera este problema sob o aspecto mais geral e filos6fico ao levar a cabo uma luta contra o idealismo; nos escritos da epoca anterior investiga estas questoes sob o aspecto das leis de desenvolvimento da economia capitalista, mas em ambos os periodos criadores, 0 fundamental . do seu pensamento e 0 mesmo, concebendo a vinculaQao com a acQao revolucionaria do proletariado como garantia basica da justeza das soluQoes intelectuais. 0 facto de Marx, nos seus escritos de juventude, mencionar Hegel tao frequentemente e de mais tarde falar tanto do capital, da acumulaQao, da mais-valia, etc., demonstra apenas que mudou a tematica, mas nao constitui absolutamente nada a prova de uma transformaQao da sua concepQao. Em 0 Capital Marx trata fundamentalmente os mesmos problemas dos Manuscritos Econ6mico-Filos6ficos: a libertaQao dos homens. Podemo-nos certificar de tal se penetrarmos mais profundamente nos ensinamentos econ6micos de Marx e mostrarmos completamente o seu caracter humanitario, moral e humano. 0 ensinamento econ6mico de Marx mostra justamente como o caracter anti-humanista da economia necessariamente se forma no periodo do capitalismo e como o capitalismo desenvolve de urn modo natural as forQas reais - tecnicas e das classes - que sao capazes de destruir este sistema. Tal como Marx indica no prefacio a primeira ediQao de 0 Capital} descobrir as «leis de desenvolvimento econ6mico da sociedade moderna» constitui a tarefa principal das suas investigaQoes; a caracteristica das suas investigaQoes e a consideraQao de que a sociedade nao pode escapar as etapas necessarias do seu desenvolvimento, mas pode, atraves do conhecimento destas leis, «encurtar e 85
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suavizar as dores do parto» ( 88 ). Pelo conhecimento destas leis, a acQao do proletariado pode organizar e utilizar racionalmente os meios adequados. Desde o principia da obra que Marx mostra urn especial sentido da realidade que o fez ficar desconfiado e critico em relaQao as teorias ut6picas. Marx nao queria apenas sonhar com o melhor destino da humanidade, fazer s6 agitaQao para melhorar as relaQoes humanas, mas acima de tudo lutar eficazmente por estes objectivos. 0 conhecimento do mecanismo da economia capitalista havia de assegurar a eficacia, do mesmo modo que no campo da tecnica o conhecimento te6rico e pratico das leis da natureza assegura o exito. E o ensino econ6mico de Marx transformou-se de facto num instrumento deste tipo. Mas nao s6 o significado fundamental das investigaQoes econ6micas de Marx coincide completamente com as realizadas no seu periodo de criaQao da juventude; tambem o conteudo destas investigaQoes possuia o mesmo caracter humanista, embora mais profunda, que tern as consideraQoes do jovem Marx. Marx analisou as leis econ6micas e mostrou que nao sao de modo nenhum leis das coisas, mas leis hist6ricas de determinadas formaQoes socioecon6micas. As investigaQoes de Marx descobriram precisamente 0 caracter fetichista das denominadas leis econ6micas de ferro e consistiram em «par em evidencia o facto dos homens serem desumanizados pela explor aQao em beneficia da classe dominante atraves da emancipaQao dos produtos que sao obra das suas pr 6prias maOS» ; tais investigaQoes levarao OS homens a opor-se a este fetichismo da mercadoria com a utilizaQao de todas as possibilidades existentes no estadio de desenvolvimento concreto das forQas produtivas. ("" ) K a rl Marx , D ws vol. I , p . 8 .
Kapita;~
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(0 Owpi-tal) , Ber1im , 1953,
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As investigaQ6es de Marx mostram concretamente a situaQao dos homens trabalhadores e explorados e nao s6 a situaQao no neg6cio de mercadorias. Mostram as causas reais do dominio das coisas sobre os homens e nao s6 o processo da acumulaQao do capital. Mostram as forQas antag6nicas que amadurecem com o desenvolvimento da tecnica e do proletariado e preparam o derrube do sistema capitalista e nao s6 o mecanismo funcional desta ordem social. Os ensinamentos econ6micos de Marx concebem a ordem da sociedade capitalista que os economistas aceitam normalmente como definitiva e independente dos homens e da sua vida, como objecto de uma anaJise que patenteia a situaQao dos homens no capitalismo e que ao mesmo tempo .sublinha o crescimento das forQas que possibilitam a emancipaQao humana. As anaJises de Marx explicam como OS homens perderam o dominio da sua propria actividade produtiva e como podem recuperar este dominio a urn nivel incomparavelmente mais elevado. Do ponto de vista humanista e moral, e evidente que o balanQo da economia capitalista e negativo. No interior do sistema capitalista - escreve Marx«todos OS metodos destinados a intensificar a forQa produtiva social do trabalho se realizam a custa do operario individual; todos os meios destinados ao desenvolvimento da produQao se convertem em meios de exploraQao e de escravizaQao do produtor, muti- · lam o operario convertendo-o num homem fragmentario, rebaixam-no a categoria de apendice da rnaquina, destroem com a tortura do seu trabalho o conteudo deste, anulam-lhe as potencias espirituais do processo do trabalho na medida em que a ciencia lhe e incorporada como potencia independente; corrompem as condiQ6es em que trabalha; submetem-no, durante a execuQao do seu trabalho, ao despotismo mais odioso e mais mesquinho; convertem todas as horas da sua vida em horas de trabalho; 87
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TEO RIA · MARXISTA DA EDUCAQ~Q
· · ' e lanQam
as suas mulheres e os seus filhos sob a ·roda trituradora do capital. Mas todos OS metodos de acumulaQaO de mais-valia sao tambem metodos . de acumulaQao, e todos os progressos da ~cumulaQao se convertem, por sua vez, em meios de desenvolvimento daqueles metodos.. . 0 que num polo e acumulaQaO de riqueza e, no polo oposto, isto e, na classe que cria o seu proprio produto como capital acumulaQao de miseria, de tormentas, de trabalho, de escravidao, de despotismo e de ignorancia e degradaQao moral>~ ( 81 ) • Este caracter antagonico da economia capitalista foi provado por escritores burgueses, mas estes aceitam-no como necessidade inevitavel. Especialmente os escritores religiosos inspiram-se neste facto para , recomendar a caridade ou para reflectir sabre o pecado e as recompensas divinas. Para Marx este antagonismo nao constitui nenhuma lei natural. Os homens nao dominam as coisas e as maquinas, mas, pelo contrario, sao as coisas e as maquinas que dominam o homem. As investigaQoes economicas da epoca de maturidade de Marx nao contradizem nada a sua primeira posiQao humanista e revolucionaria, mas expressam-na o mais ampla e concretamente possivel ao indicar o caminho para se transformar em realidade social. Este caracter verdadeiramente humanista dos estudos economicos de Marx e sublinhado claramente por Lenine na sua conhecida obra Drei Quellen und drei Bestandteile des Marxismus (Tres Fontes e Estadios do Marxismo). Lenine escreve a este respeito: «Onde os economistas burgueses viram uma relaQao mutua das coisas (troca de mercadoria por mercadoria), Marx descobriu uma relagiio mutua dos homens.» ( 8 ") ("') Ibia6m, p. 680. ("' ) V. I. Lenine, l~a;rx, Engels, Manr*Mnus, Moscovo, 1947, p. 57. 88
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A .interpretaQiio de Lenine indica o caminho corr ecto· para a compreensiio das investigaQoes econ6micas de Marx e constitui a chave para determinar · o conteudo pedag6gico que se esconde na analise dos processos econ6micos e para descobrir as relaQ6es mutuas entre OS homens ocultas sob 0 aspecto dos objectos ( * ). Deste modo, as investigaQ6es hist6rico-econ6micas de Marx acerca da origem e evoluQiio do capitalismo constituem investigaQoes sobre a economia e os homens produtores de urn determinado tipo, numa determinada etapa hist6rica. Ao rejeitar o psicologismo em economia, que pretende explicar o processo econ6mico por motivos caracteristicos psicol6gicos da natureza humana, Marx niio prescinde dos hom ens de modo nenhum; pelo contrario, pros- · segue a analise ate elucidar as propriedades concretas dos homens que se encontram vinculados a estas condiQ6es de vida. Mas por oposiQiio as teorias objectivistas e fatalistas da economia que se esforQam por explicar o desenvolvimento econ6mico como «natural», isto e, independente dos homens, Marx indica o papel que a consciencia e a actividade dos homens podem e devem desempenhar no quadro das leis evolutivas objectivas determinantes das transformaQoes econ6micas. A unidade da ciencia com a economia e o conhecimento do papel dos homens expressa a relaQiio dialectica fundamental que existe na realidade entre os homens e o ambiente material criado por eles. Esta relaQiiO e demonstrada com es' pecial evidencia nas obras de Marx. A importancia dos estudos hist6rico-econ6micos de Marx para a pedagogia niio se esgota, de modo algum, nesta determinaQiio da relaQiio existente entre economia e psicologia. 0 caracter dialectico desta r elaQiio exige que niio seja interpretada mecanica e · ( *)
Observagoes do autor.
v.
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Apendice, cap. I, 5).
".
TEORIA MARX ISTA DA EDUCAQ.AO
objectivamente. A psique humana nao e s6 o resultado, das condiQoes materiais de vida humanas, e tambem urn factor que contribui para a transformaQiio destas relaQoes. 0 seu vinculo com as relaQoes materiais de vida constitui nao s6 uma total e incondicionada adaptaQiio a estas, mas tambem cria novas relaQoes na luta. A sua relaQiio constitui uma unidade de contradiQoes que se resolvem na luta. As anaJises de Marx mostram nao s6 como o sistema capitalista em desenvolvimento formou os homens, mas tambem a sua sublevaQiio contra este sistema. No entanto, esta rebeliao pode consistir numa ambiQiio prejudicial socialmente e ineficaz his~ toricamente que conduza a relaQiio do passado, patriarco-feudais ou pode constituir uma acQiio historicamente progressista e criadora conducente a superar o capitalismo pela futura ordem socialista. 0 optar por urn ou outro caminho define de modo diferente a psique do homem e o eleger urn ou outro depende da classe social a que se pertence e, em grande medida, da consciencia que se possui. A formaQiio da psique humana constitui urn processo em que o trabalho educativo consciente desempenha urn papel decisivo. Esta educaQiio apetrecha o intelecto humano com o saber acerca da r ealidade e das suas leis, capacitando os homens para uma eficaz actividade. Com estes processos mudam tam~ bern as relaQoes dos homens com o mundo circundante e mobilizam-se forQas imensas da transfor~ maQiio r evolucionaria. N as suas investigaQoes hist6ricas, Marx analisa a sociedade a partir dos seus fundamentos para determinar o conjunto de posiQoes de classe dos homens numa epoca concreta e para descobrir a seu respeito os motivos reais da sua aCQiiO, desentranhando assim as multiplas ilusoes uteis aos interesses de classe. Tal como nos seus estudos econ6micos, Marx, nas suas investigaQoes da hist6ria politica, nao alude ao psicologismo que deduz da analise da «natureza 90
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e
humana» OS acontecimentos institui~oes politicas. Marx mostra que os homens foram prefigurados pelas rela~oes sob as quais desenvolvem a sua actividade. As amilises dos homens e da hist6ria realizadas com este metodo, analises da forma~ao do homem, apresentam urn segundo grupo de problemas da pedagogia: a questao da rela~ao entre Ser e Consciencia · na vida particular. J a em A I deologia A lema Marx previne contra o facto de julgar os. homens pelo que estes pensam de si mesmos. Queria .ver hom ens «nao como podem aparecer nas representa~oes pr6prias, nas ideias mas como sao na "realidade", is to e, como actuam e produzem materialmente, como actuam dentro dos seus limites, premissas e condi~oes materiais determinadas e independentemente do arbitrario». Indica que «a consciencia (Bewusstsein)... nao pode ser senao o ser consciente (bewusstes .Sein)J que o ser dos homens ... e 0 processo real da vida material», e que se na consciencia surgem desvios ou ilusoes, ha que buscar a fonte real destes erros na mesma vida (8°) . No prefacio ao seu trabalho Contribuigao para a Critica da Economia Politica) Marx repete a advertencia de que nao «Se julgue urn individuo pelo que parece» ( 87 ) . A justeza desta advertencia complementa-se nos trabalhos posteriores de Marx com amplo material hist6rico. Nos trabalhos econ6micos, particularmente em 0 Capital) e nos seus estudos hist6ricos, que tratam principalmente da hist6ria contemporanea da Fran~a, Marx descobre realmente 0 que OS homens sao e a falsidade das suas pr6prias representa~oes. «Sobre as diversas formas de propriedade - escreve Marx-, sobre as condi~oes de existencia social, levanta-se (.. ) Marx-Engels, Werke, Berlim, 1958, vol. 3, p. 25. (
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)
Karl Marx,
ZUT
Kritik 'der p•olitilschen okonomie,
Berlim, 1947, p. 13.
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toda uma superstrutura de sentimentos difer entes, ilusoes, opinioes e concep~oes diferentes de vida. A ' classe cria-se e forma-se a partir dos seus fundamentos materiais e das correspondentes rela~6es sociais. 0 individuo concreto, sobre o qual actuam as rela~oes sociais atraves da tradi~ao e da educa~ao, pode supor que estas constituem os seus pr6prios fundamentos determinantes e o ponto de partida da sua actua~ao. » ( 8 8 ) No entanto, a antropologia burguesa toma estas ilus6es pela verdade e analisa os homens segundo · o que eles pensam de si pr6prios e nao segundo 0 que realmente sao. Na sociedade burguesa, questoes importantes da educa~ao relacionam-se com esta oposi~ao entre Ser e Consciencia na vida do individuo. Muitos problemas reflectem-se na consciencia da classe dominante de · urn modo completamente diferente do que sao na realidade. Os individuos pertencentes a esta classe apropriam-se destas ilusoes, ditadas pelos interesses de classe. A educa~ao deve destruir estas ilusoes, devolver ao individuo a capacidade de reconhecer o que e na realidade, e deve ajudar a rasgar 0 veu que o separa do mundo e da propria vida real. Neste aspecto, a educa~ao pode - em certos casos - conduzir ao rompimento de urn individuo com a classe a que pertence. Particularmente quando a «luta de classes se aproxima do momenta decisivo » e « O processo de decomposi~ao no interior da classe dominante adopta urn caracter eminente e amplo »; e possivel tal ruptura e a passagem para o lado da classe progressista e revolucionaria. Aqui cabe a educa~ao urn papel criador. 0 materialismo hist6rico abre perspectivas pedag6gicas completamente novas: desmascarar os interesses declasse que favorecem os erros da vida cheia de imagina~ao e representa~oes; descobrir a contra83 ( ) Marx-Eng.e ls, Ausgewiihlrte; Schrt[te.n , Berlim, 1953, vol. I, p. 250.
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di~ao
entre o que a vida quotidiana e realmente e o que cada julga de si proprio - contradi~ao que reflecte os conflitos reais da sociedade burguesa - ; mostrar aos homens uma saida da opressao da «Consciencia erronea» atraves da sua vincula~ao com a corrente revolucionaria e progressista da historia. 0 problema do Ser e da Consciencia na vida do individuo conduz-nos a outra questao importante: a rela~ao entre a educa~ao autonoma dos homens atraves do seu trabalho realizado no decurso da historia e as medidas educativas organizadas pela classe dominante com objectivos concretos. Ja nos seus escritos de juventude, Marx assinala que no percurso do processo historico da transforma~ao da natureza, das suas rela~oes sociais e da sua vida individual, os homens conseguem ser cada vez mais ricos. Marx rejeitou sempre as teorias que depreciam ou nao valorizam justamente este papel criador da actividade humana. Combateu tanto as teorias espiritua.: listas que valor izam pouco esta actividade, porque consideram o homem como urn ente espiritual independente do mundo material, como os ensinamentos naturalistas que nao dao nenhuma importancia a esta actividade criadora, porque consideram o homem urn produto das condiQoes naturais ou socionaturais independentes dele. Contrariamente a estas concepQoes, Marx acentua o papel da actividade propria dos homens na sua auto- educa~ao. 0 desenvolvimento historico constitui o desenvolvimento das for~as produtivas que superou por etapas as barreiras dos homens em rela~ao a natureza e rompeu sempr e as rela~oes de produ~ao. «Todas as colisoes da historia, segundo a nossa concepQao, tern a sua origem na contradi~ao entre as forQas produtivas e as formas de rela~ao. » ( 80 ) Mas as forQas produtivas sao -tal como ' (" ) Marx-Eng els, Werk e, B erlim, 1958, v ol. 3, p . 73 .
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Marx precisa na sua carta a Annenkow- «O resultado das energias empregues pelos homens» que actuam nos limites e na base das conquistas adquiridas ate ao presente. Nao sao expressao de uma for~a estranha, metafisica, que ponha em movimento do exterior o mecanisme da hist6ria. As for~as produtivas criam sucessivamente urn determinado tipo de rela~6es de produ~ao que corresponde ao seu principo e que mais tarde as limita. Neste tipo de rela~6es de produ~ao formam tambem os homens de um modo determinado nas suas rela~6es mutuas. «Na produ~ao- escreve Marx em Trabalho Assalariado e Capital- (Lohnarbeit und Kapital) os homens nao actuam somente sabre a natureza, mas tambem entre eles.» ( 90 ) Os individuos humanos ficam marcados pelas rela~6es em que vivem, independentemente de serem ou nao conscientes delas. Nao se consegue o desenvolvimento hist6rico das for~as produtivas a margem dos homens. Realiza-se atraves deles e neles, na sua actividade produtiva, que desenvolve e configura os homens mediante transformag6es tanto das suas rela~6es com a natureza como das rela~6es mutuas existentes entre eles. «A consequencia necessaria- escreve Marx a Annenkow- a hist6ria social dos homens e sempre s6 a hist6ria do seu desenvolvimento individual, tanto sendo os homens conscientes disso ou nao.» ( 91 ) A educa~ao dos homens constitui, pois, urn importante processo da autoprodu~ao dos homens 'no decurso do seu trabalho social produtivo. Mas, como ensina 0 materialismo hist6rico, este processo nao decorre de modo linear. Pelo contrario, realiza-se mediante lutas e contradig6es. «Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as for~as materiais produ-
('') Marx-Engels, Ausgewiihlte Schriften, Berlim, 1953, vol. I, p. 77. ("') Ib~dlem, vol. II, p. 415.
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tivas da sociedade entram em contradiQao com as relaQoes de prodUQaO Vigentes OU, 0 que nao e mais do que a sua expressao juridica, com as relaQoes de propriedade em que se desenvolveram ate entao. A partir das formas de desenvolvimento das forQas produtivas, estas relaQoes transformam-se em cadeias. Apresenta-se entao uma epoca de revoluQao social. Com a transformaQao da base econ6mica transforma-se, mais ou menos lentamente, toda a enorme superstrutura. » ( 0 2 ) Nesta epoca revolucionaria, as relaQoes sociais conservadoras da classe dominante e a sua ideologia opoem-se aos impulsos revolucionarios que surgem a partir da evoluQao das forQas produtivas e da classe oprimida. Nesta oposiQao, a educaQao serve, entre outras coisas, como meio de luta. A educaQaO nas maos da classe dominante e uma arma, urn dos meios mais importantes para conservar o seu dominio e impedir o seu derrube, mantendo a psique humana livre de todas as influencias que surgem pela transformaQao das forQas produtivas. Neste sentido, a educaQao apresenta-se como influencia destinada a defender os interesses da ordem decadente em franca contradiQao com a educaQao que se concebe como verdadeiro processo de formaQao de novos homens no desenvolvimento hist6rico das forQas produtivas. No primeiro caso, a educaQao e urn instrumento de opressao de classe; no segundo, pelo contrario, urn elemento de autoproduQao dos homens no decurso do seu trabalho produtivo hist6rico. A contradiQao entre ambas as formas de educaQao reflecte a oposiQao existente na hist6ria entre o desenvolvimento revolucionario e criador das forQas produtivas e a forQa retardadora das relaQoes de produQao. Esta contradiQao e particularmente aguda na epoca do capitalismo. (" ) !Oidem, vol. I, p. 338.
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. TEORIA MARXIST A DA EDUCAQAO
Marx mostra que, graQas a mo!ferna tecnica do trabalho colectivo e mecanizado, existem grandes possibilidades para o desenvolvimento humano e que · estas possibilidades ficam destruidas pela organi, zaQao capitalista desse trabalho. Manifesta que os homens sao subjugados por este sistema capitalista e pela educaQao posta ao seu serviQo e que os homens podem desenvolver-se completamente na sociedade socialista com ajuda da educaQao socialista. Entao a contradiQao entre a formaQao dos homens no processo hist6rico do seu trabalho e a sua deformaQao sob a influencia da opressao de classe ·. e dominio de classe e definitivamente superada. A educaQao organizada transforma-se numa forQa que auxilia realmente os homens a desenvolverem-se completamente e a criar urn conteudo completo do ensino a partir do dominio das forQas produtivas. 8. 0 metodo dialectico Lenine afirmou: «Nao se pode compreender completamente 0 Capital de Marx, especialmente o pri' meiro capitulo, se nao se estudou e compreendeu toda a L6gica de Hegel-» ( 93 ) De facto, o fundamento . das aquisiQoes de 0 Capital e o metodo dialectico que Hegel formulou na base do idealismo e que Marx concebeu de urn modo materialista. Marx destruiu o «nucleo racional do envolvimento mistico» e libertbu ta:inbem 0 caracter revolucionario deste metodo, que persegue o movimento das coisas e suas contradiQoes. A dialectica «mistificada. .. parecia transfigurar o existente - escreve Marx. - Reduzida a sua forma racional, provoca a c6lera e e 0 aQoite da burguesia e dos seus porta-vozes doutrinarios, ("") V. I. Lenine, Aus dem
Phi~osoph'bschen
Nachlass,
(Das Obras Filo·s 6fioas P6&tuma.s), Berlim, 1954, p . 99.
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I
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porque na compreensao e explicagao positiva do que existe alberga simultaneamente a compreensao da sua negagao, da sua morte forgada; porque, critica E;! revolucionaria por essencia, distingue todas as formas actuais em pleno movimento, sem omitir, por isso, o que tern de perecivel e sem se deixar intiminar por nada» ( 94 ) . A elaboragao deste metoda com o exemplo de analises concretas encontra-se nas obras mais amadurecidas de Marx, especialmente 0 Capital, e de Engels, sobretuQ.o o Anti-Duhring e a Dialectica da Natureza. E enorme a importancia deste metoda para a pedagogia. A sua importancia consiste em por de parte 0 metoda metafisico que estava precisamente muito difundido em pedagogia. Tanto os objectivos da educagao como as concepgoes do processo educative construiram-se metafisicamente. E tal nao sucedeu somente no campo dos idealistas. Tambem nos casos em que se intentou conceber os problemas da educagao de urn modo materialista- por exemplo, na epoca do Iluminismo- realizou-se de urn modo metafisico. Procuravam-se sempre fins e propriedades invariaveis, uma essencia sagrada, para determinar os casos concretos a partir destas rigidas medidas e colocar exigencias que se pudessem dominar e determinar. Isso constituiu uma fonte de diversas mistificagoes que serviam os interesses da classe dominante, mas que obstruiam simultaneamente a penetragao da realidade a teoria pedag6gica. · A educagao foi e e variavel, desenvolve-se e transforma-se; nao pode, pois, alcangar-se com a ajuda d~ conceitos estaticos e metafisicos. «Para os metafisicos - escreve Engels - as coisas e os seus esquemas mentais sao os conceitos, isolados, urn atras de outro e sem considerar nada sem ser eles, fixos, rigidos, objectos da investigagao ( .. ) K. Mrurx, DaJ8 Kapital, Berlim, 1953, vo.I. I, p. 18. .
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DA EDUCAQaO
dados de uma vez por todas. 0 metafisico pensa entre evidentes contradi~oes imediatas ... » ( ~) Isto e completamente diferente a partir da dialectica. Se a partir daqui «submetemos a considera~ao mental a natureza, a hist6ria da humanidade ou a nossa propria actividade intelectual, tal exige, em primeiro Iugar, urn quadro de interminaveis elos de rela~oes e influencias variaveis, em que nada permanece tal como estava, mas em que tudo se move, modifica, chega a ser e deixa de ser» (96 ) . Este modo de distinguir os problemas liberta a teoria pedag6gica do esquematismo metafisico, vincula-a aos processos concretos da realidade, tanto psiquica como social, supera o habito de considerar separadamente as causas e os efeitos, de crer na invariabilidade das propriedades e aptidoes, de separar a actividade educativa do denominado desenvolvimento natural da crian~a. Este ponto de vista da a possibilidade de separar a teoria pedag6gica, de urn modo eficaz e criador, dos diversos metodos e teorias burgueses que fixam os conceitos basicos pedag6gicos de urn modo metafisico e rigido. E tarefa dificil explicar que o metoda dialectico utilizado por Marx e Engels, tanto para as investiga~oes cientificas como para as sociais, possui uma grande importancia tambem no campo da pedagogia. Nas obras de Marx e Engels encontramos muito poucas observa~oes que se refiram a isso de urn modo imediato. Mas ao estudar atentamente a aplica~ao do metoda dialectico nos estudos de economia ou hist6ria, podemos reconhecer claramente as consequencias que se deduzem para a pedagogia. Sao importantes os seguintes problemas: em prireiro Iugar, o problema do hist6rico e do l6gico. Marx 9
("') F. Engels, Herrn Euge>n Diihrings Umwiilzung d!er WiJssenschaJft (Transformat;oes da Cienoita pefl.o Senhor Eugen Diihring), Berlim, 1952, p. 24. ("') Ibid.em.
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e Engels indicaram a intima relaQao existente entre as investigaQ6es da essencia de urn fen6meno determinado com a investigaQao da hist6ria. Sabe-se que 0 Capital constitui nao s6 uma hist6ria da produQao capitalista, mas tambem sua analise e critica. Na caracterizaQao da obra de Marx Contribuigao para a Critica da Economia Politica) Engels dedica uma atenQao especial a estes problemas fundamentais e escreve: «A critica da economia ... podia-se expor de dois modos diferentes: hist6rica ou logicamente. » ( 9 7 ) 0 dificil metoda hist6rico parecia adequado, mas «por vezes a hist6ria evolui aos saltos e em ziguezague, e havia que segui-la por todo o lado, de que resultava apanhar muito material de pouca importancia, mas tambem se tinha de interromper frequentemente o processo mental... 0 processo 16gico era o unico que entao podia adaptar-se. No entanto, este nao e mais do que 0 hist6rico, apenas encoberto na forma hist6rica e nas casualidades negativas » (98 ) . Por isso, ha que comeQar por onde «comeQa esta hist6ria», enquanto nas meditaQ6es posteriores pode e deve surgir urn esquema abstracto do processo hist6rico que em certo sentido «corrige» as leis fundamentais de desenvolvimento, tal como as conhecemos atraves da hist6ria. Disto resultam importantes consequencias para a pedagogia: 0 metoda puramente hist6rico nao facilita de modo algum a penetraQao no nucleo das coisas e 0 metodo puramente 16gico conduziria a especulaQaO. A investigaQao dos problemas pedag6gicos exige precisamente urn metoda 16gico deste tipo, cuja essencia «e apenas, no que respeita ao metoda hist6rico, uma forma hist6rica dissimulada». Isto constitui urn postulado que possibilitaria solucionar correctamente muitos problemas das mutuas relaQ6es (" ) K. Marx, Zur KriJtik der poli t i.s ch£n okon omie, B erlim, 1953, p . 217. ( "") Ib·idem, p . 218.
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entre a pedagogia, a hist6ria da pedagogia como c1encia, a hist6ria do pensamento pedag6gico e a hist6ria do ensino e da educaQiio. Urn segundo problema importante e a relaQiiO ' entre o concreto e o abstracto. Marx mostrou ja no · seu primeiro periodo de critica a Hegel urn grande interesse por este problema. Na epoca dos seus trabalhos sabre economia ocupa-se novamente destas questoes. A introduQiio a obra Contribuigiio para a Critica da Economia Politica inclui analises directas deste problema. · «0 correcto parece ser- escreve Marx - comeQar pelo real e pelo concreto, premissa da realidade», mas o problema complica-se ao apresentar a questiio do que e propriamente «0 real e 0 concreto». Assim poderia parecer. «Niio obstante, isto apresenta-se falso ao ser examinado melhor. A populaQaO e uma abstracQaO se prescindo, por exemplo, das classes de que e constituida. Por sua vez, estas classes sao uma palavra sem significado se desconheQo os elementos em que se baseiam, como trabalho assalariado, capital, etc. Estes compreendem troca, divisiio do trabalho, preQos, etc. » ( 99 ) Desta abundancia de conceitos ha que escolher alguns - simples, «sempre o abstracto mais subtil», e entiio voltar novamente a analise do concreto. «0 concreto e concreto - escreve Marx - porque constitui a sintese de muitas determinaQoes, ou seja, a unidade da diversidade. No pensamento surge como processo da sintese, como resultado, niio como ponto de partida embora constitua tambem o verdadeiro ponto de partida da concepQiio e da representaQiiO» {1°0 ). Se procedemos indo da realidade a abstraCQaO, «toda a representaQiio se dissolve numa abstracta determinaQiiO»; se voltamos a realidade, «as ·abstractas
(" ) l biaem, p. 256. 100 ( ) Ibide m, p. 257. 100
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determina~6es conduzem a reprodu~ao do concreto no caminho do pensamento» p o.1 ) , , A distin~ao destas duas direc~6es do pensamento, o conhecimento do duplo sentido do conceito «concreto» - a realidade e o esquema mental, que indica a
..
·,
{'"' ) Ibidem. 101
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mente em opor as concep~oes metafisicas da realidade uma conceptualiza~ao dialectica. A grande importancia de Marx e Engels para a pedagogia fundarnenta-se nestas duas aquisi~oes. 0 seu ensino materialista constitui urna ciencia dialectica e dirige-se par isso nao s6 contra tudo quanta e idealista, mas tam bern contra tudo quanta- ern bora seja materialista - possua urn caracter antidialectico. Isto constitui urna luta em tres frentes: contra o idealismo metafisico, contra o idealisrno que utiliza a dialectica de Hegel e contra o materialismo que desconhece a dialectica. Estas tres frentes de luta tern urn grande significado para a pedagogia dos nossos dias : a pedagogia burguesa dos seculos XIX e XX deriva das posi~oes tradicionais do idealismo metafisico ou explica principalmente em rela~ao ao neo-hegelianismo- os principios da dialectica idealista como base principal do pensamento educativo, ou, finalmente, representa as concep~oes do materialismo vulgar, que nao esta em condi~oes de captar as rela~oes entre a psique e o corpo, entre o homem e o ambiente. 9. A Ultima etapa da luta de Marx e Engels pela form~
proletaria
A importancia do periodo analisado da actua~ao de Marx e Engels para a pedagogia nao termina com o facto de ter apresentado os problemas te6ricos de urn modo novo. Este periodo e extraordinariamente importante na determina~ao das directrizes para a politica da escola, bern como para o conteudo e os metodos do ensino. A actividade cientifica de Marx e Engels nunca esteve - tal como referimos - separada da sua actua~ao politica, do seu anseio de criar urn partido operario revolucionario. Neste trabalho organizativo, Marx e Engels prestavam muita aten~ao as questoes do ensino. lOl
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Tal depreende-se do seu principal ponto de partida cientifico e politico. 0 socialismo cientifico diferencia-se precisamente de todas as correntes socialistas existentes ate entao, par sublinhar a necessidade de reconhecer as leis que determinam o desenvolvimento social e acentua o papel deste conhecimento para a organizaQao do partido operario consciente de seus objectives e metodos. Nas divergencias com os seus inimigos, Marx e Engels repetiram que os principios do ensino cientffico constituem uma arma para a classe operaria na sua luta contra a burguesia. Manifestaram-se contra fraseologias moralizantes vazias de sentido, declamat6rias, contra a agitaQao superficial e contra as manifestaQoes anarco-misticas de uma suposta posiQao revolucionaria. Desde a mais remota intervenQao que Engels denunciou a superficialidade e a forma tendenciosa do ensino escolar na sociedade burguesa. V arias anos depois repetiu esta censura em Dialectica da N atureza, onde escreve «que esta antiquada concepQao da natureza, apesar de se acoitar por todas as esquinas e extremes, dominou toda a primeira metade do seculo XIX e, no entanto, nas questoes fundamentais, ensina-se actualmente em todas as escolas» (1° 2 ) • Marx e Engels sublinharam com toda a clareza a necessidade de colocar o ensino que se apoia no progresso sob a orientaQao da classe operaria. A · grande importancia que atribuiam a isto manifesta-se no facto de que nas InstruQoes aos Delegados do Oongresso da I Internacional em Genebra, de 1866, examinavam atentamente a expressao dos principios da luta para a educaQao da classe operaria, para a determinaQao de urn programa educative e o esclarecimento do seu papel social. (1°' ) F. Engels, D valekttk aer N(]jtur (Di!aliectica tu7'e:ro), Berlim, 1955, p. 13.
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Nestas instru~oes, Marx e Engels sublinham categoricamente que «a parte consciente da classe operaria» compreende perfeitamente «que o futuro desta classe e o futuro da humanidade dependem em grande medida da educa~ao dada a gera~ao operaria em desenvolvimento». Refutaram decididamente as tendencias de urn falso radicalismo que se manifestava contra a luta pelas reformas do ensino no quadro do Estado burgues. Pelo contrario, Marx e Engels exigiam a luta pelo ensino e pelo direito das crian~as a ele, para for~ar os governos burgueses a permitir leis adequadas. Com a reivindica~ao de tais leis, afirmam Marx e Engels, a classe operaria nao fortalece de modo nenhum o poder do governo. Pelo contrario! 0 poder, que agora se volta contra ela, transforma-se no seu proprio instrumento. Mediante a sensa~ao publica, o operario alcan~a o que ate agora solicitou inutilmente em muitas reivindica~oes individuais » (1° 3 ). 0 abortar destas questoes conduziu a luta contra as teorias anarco-misticas de Bakunine que rejeitava urn ensino sistematico das crian~as e dos jovens e defendia o principio do seu desenvolvimento espontaneo e livre das influencias dos adultos, combatendo o programa de urn ensino cientifico da classe operaria. Marx desmascarou estas obscuras concep~oes de Bakunine, «o seu ja ha muito tempo conhecido 6dio a ciencia», a sua falsa politica que, entre outras ·coisas, impossibilitou a instala~ao de uma universidade na Siberia (1°4 ) • As concep~oes de Bakunine deduziam-se do seu falso principio fundamental que defende instalar a revolu~ao com uma anarquia total. Marx determina que a revolu~ao e, segundo a concep~ao de Bakunine, «Uma serie de crimes, primeiro 10 ( ' ) Marx-Engels , tJber E rziehttng unit Bi~dtung (Sabre E nsilno e Educar;a o) , Berlim, 1960, p . 162. 0 { ' ' ) L' all~wnce de la d em ocrwtie socmlilste et l'Asso~tion , / 'll!f!ernational e des Tm·v ailleurs, Londres - Hamburgo, 1872.
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individuais e depois de massas ; o modelo do revolucionario e a moralidade jesuita glorificada: 0 unico . processo, o roubo. Sob estas rela~oes proporciona-se ao jovem ocupar-se do saber e do pensar considerando isso como uma ocupa~ao pacifica que lhe tira a consciencia das cadeias de toda a ortodoxia dest rutiva» (1°5 ). Urn programa de ensino que se apoie no progresso da ciencia ( * ) , compreende tambem, segundo Marx e Engels, o ensino de conhecimentos politec- ' nicos. Marx descreve em 0 Capital a explora~ao de crian~as empregadas em empresas burguesas como urn dos maiores crimes do sistema capitalista; no entanto, acentua sempre que 0 prejudicial nao e 0 facto da crian~as realizarem urn trabalho. 0 censuravel sao as condi~oes sob as quais este trabalho se realiza e os objectivos que serve. Marx considerava urn principio correcto e recomendavel relacionar o trabalho produtivo com a educa~ao, ainda que isto na sociedade burguesa resulte abominavel. «Do sistema fabril, que podemos examinar em por menor lendo a obra de Robert Owen, brota o germe da educa~ao do porvir, na qual se combinara para todos os meninos a partir de certa idade o trabalho produtivo com o ensino e a ginastica, nao apenas para intensificar a produ~ao social, mas tambem como 0 unico metodo que permite produzir homens plenamente desenvolvidos. » ( 1 0 0 ) Nas ja citadas instru~oes para o Congresso de · Genebra, Marx precisa esta questao ao indicar que se deve distinguir tres grupos de crian~as: de 9 a 12 anos de idade, de 13 a 15 e de 16 a 17; para cada urn destes grupos ha que prever medidas diferentes para o trabalho produtivo. Acentua o direito das
0 ( ' ' )
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)
Ibidem.
Observagoes do autor. V. Apendice, cap. I, 6) . K. M a rx, Das KapiJtal, Berlim 1953, vol. I , p . 509. 105
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO crian~as e dos jovens a nao serem lesionados em caso nenhum e a receber toda a protec~ao necessaria da sociedade para o seu desenvolvimento espiritual. Marx indica que uma organiza~ao educativa deste tipo pora «a classe operaria acima do nivel das classes medias e superiores». No ano de 1875, na Critica do Programa de Gotha, Marx ocupa-se novamente deste problema. Escreve: « Uma proibi~ao geral do trabalho das crian~as resulta incompativel com a grande industria e por isso constitui urn anseio vao. A realiza~ao deste desejo- se fosse possivel - resultaria algo reaccionario. Urn dos meios mais poderosos de transforma~ao da actual sociedade consiste na vincula~ao do trabalho produtivo com o ensino, sob severas regras do tempo de trabalho segundo as diferentes idades e medidas especiais de protec~ao das crian~as» (1° 7 ) . A participa~ao das crian~as e jovens no trabalho produtivo e o ensino politecnico ligado a este deviam contribuir, segundo esta concep~ao, conjuntamente com a ac~ao das for~as revolucionarias para destruir a sociedade capitalista que degrada os operarios a condi~ao de aut6matos com a utiliza~ao da tecnologia. Devia colaborar na supera~ao da divisao do trabalho que se concretiza sob a pressao do capitalismo. Marx sublinha o caracter revolucionario desta concep~ao educativa, baseada na liga~ao da ciencia como trabalho. Escreve: «Sea legisla~ao fabril, como primeira concep~ao arrancada ao capital a grande custo ·se limita a combinar o ensino elementar com o trabalho fabril, nao ha duvida que a conquista inevitavel do poder politico pela classe operaria conquistara tambem para o ensino tecnol6gico o posto te6rico e pratico que lhe corresponde nas escolas do trabalho. Tambem nao oferece duvida que a forma capitalista
07 ( ' ) Marx-IDngels, AU8gewiih'lte Schrijrten, Berllm, 1953, vol. II, p. 28.
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de produ"iio e as condi"oes econ6micas do trabalho que lhe correspondem se encontram diametralmente opostas a esses fermentos revolucionarios e a sua meta: a aboliQiio da antiga divisiio do trabalho.» {1° 8 ) Este pensamento e expresso por Engels tambem na sua polemica contra Di.ihring. Di.ihring, observa Engels, niio compreendeu esta funQiio decisiva do programa pedag6gico consistente em vincular a ciencia ao trabalho. «Dado que ... a antiga divisiio do trabalho, na produQiio do futuro, segundo Di.ihring, continuara a existir" apenas no essencial, do mesmo modo sera negada qualquer aplicaQiio pratica no futuro a este ensino tecnico. Tern apenas urn objectivo: deve substituir a ginastica da qual o nosso insipido revolucionario niio quer saber.» ( 109 ) 0 complexo de questoes educativas e de ensino, que abarca o ultimo periodo criador de Marx e Engels, compreende: OS metodos de luta pelo ensino operario; o programa de ensino baseado no progresso da ciencia e a vincula"iio do trabalho escolar ao trabalho produtivo; a reivindica"iio de uma educa"iio que desenvolva os homens em todos os aspectos ; as perspectivas deste programa sob as condi"oes do socialismo. A notavel importancia pedag6gica deste programa consiste primeiro em que as tarefas educativas pr6prias das reivindicaQoes revolucionarias, depois da eliminaQiio da divisiio do trabalho dominante na sociedade classista, correspondem tanto ao trabalho fisico como ao intelectual. Isto traz nova luz sabre os programas do ensino geral e profissional que se formularam na epoca do triunfo da burguesia, como tambem dos programas de ensino oposto mutuamente para as crianQas das classes privilegiadas e as da 10 ( ' ) K. Marx, Das KaJpital, Berlim, 1953, vol. I, pp. 513 e seguintes. 00 (' ) F . Engels, H errn Eugen D·uhri11gs Urnwiilzwng der Wisv3e'!Mchajt, Berlim, 1952, p . 401 .
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classe oprimida, e simultaneamente sabre o programa «filantr6pico» -do grau elementar para os filhos dos operarios que se mantem dentro dos limites determinados pelos interesses da produ~ao capitalista. Consiste, em segundo lugar, na formula~ao do principia de relacionar o ensino com o trabalho, a teoria com a pratica, o ensino com a produ~ao, dando ao mesmo tempo indicaQoes sabre as relaQoes sociais e as for~as graQas as quais sera possivel realizar uma vincula~ao revolucionaria, progressista e criadora. · Isto diferencia o ponto de partida marxista das primitivas concep~oes dos socialistas ut6picos e tambem das ideias filantr6picas e fisiocraticas, universais ou pietistas. E consistem, em terceiro lugar, na formula~ao do principia do ensino politecnico como ensino moderno, onde desaparecem as oposi~oes entre os chamados ensinos geral e profissional, e onde as · hip6critas reivindica~oes, apresentadas na sociedade de classes e que sao somente realizaveis por uma minoria, se realizam de urn modo geral para o desenvolvimento dos homens em todos os seus aspectos. Do exposto depreende-se o grande interesse de Marx e Engels no seu mais importante periodo criador pelos problemas do sistema de ensino. Deram muita importancia a determina~ao das tarefas e 0 caracter do sistema escolar, nas condiQoes da soc.iedade burguesa, e a ac~ao revolucionaria do proletariado, esbo~ando os tra~os gerais para a sociedade do futuro. Sublinhar a especial importancia dos problemas do ensino e da educa~ao e alga que se tira dos principios fundamentais do socialismo: cientifico. 0 socialismo cientifico descobre as leis do desenvolvimento da sociedade, revela as contradi~oes crescentes no interior do sistema capitalista e mostra as tarefas revolucionarias do proletariado. A .e ste respeito presta especial atenQaO a organiza~ao do partido operario, a constituiQao da conscienl08
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cia revolucioml.ria e a moral do proletariado, como meios necessaries de luta. «A classe operaria - escreve Marx em A Guerra Civil em F'ranf}a- sa be que, para preparar a sua propria libertaQao e com ela toda a forma de vida mais elevada a qual tende irresistivelmente pelo seu proprio desenvolvimento economico a actual sociedade, tern de realizar grandes lutas, toda uma serie de processes historicos mediante os quais os homens, ·tal como as circunstancias, se transformarao. A classe operaria nao tern de realizar ideal algum, so tern de libertar os elementos da nova sociedade que se desenvolveram ja no seio da sociedade burguesa em decomposiQaO. » (ll 0) Precisamente neste processo da construQao de uma nova sociedade o ensino e a educaQao tern de cumprir uma tarefa muito importante em cada etapa. Devem preparar o proletariado para a luta contra a burguesia; devem acompanha-lo tam bern nos momentos da dificil luta, no periodo da revoluQao, no momenta da tomada do poder pelo povo, e assim podem alcanQar ainda melhores condiQ6es para · o seu desenvolvimento posterior. Este papel e res- · ponsabilidade politica da ciencia e do ensino e particularmente evidenciado por Marx e Engels na sua analise da vitoria e fracasso da Comuna de Paris. Segundo Marx, os membros da Comuna, especialmente os blanquistas, eram «na sua grande maioria socialistas somente por instinto proletario revolucionario .. . » ( 111 ). Nao confiavam suficientemente nos principios do socialismo cientifico e por · isso Marx reduz as suas faltas ao campo economico e politico em que estavam inseridos. No entanto, o triunfo da Comuna de Paris mostrou claramente o
(
110
)
M arx-Engels, Ausge.wahlte Schri;ften, Berlim, 1953,
vol. I, p . 495. ( 111 )
Ibi dem, p . 453.
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esquema da nova ordem social e trouxe novas perspectivas ao sistema de ensino. «Muitas institui~6es de ensino - observa Marx - foram abertas para o povo e ao mesmo tempo estavam livres de toda a intromissao do Estado e da Igreja. Com isto nao apenas o sistema escolar estava ao alcance de todos, mas tambem a ciencia ficou livre das cadeias impostas pelos preconceitos de classe e pelo poder governamental. » (112 ) A revolu~ao socialista, a liberta~ao dos homens das cadeias da opressao de classe esta indissoluvelmente ligada ao . desenvolvimento da ciencia e do ensino, a sua liberta~ao das cadeias dos preconceitos e servid6es, para conseguir o bem-estar dos homens mediante os vinculos da independencia mutua. ( * )
( "' ) Jb1Jdem, p . 491. (*)
Observagoe.s do autor. V. Apendice, cap. I, 7) .
110
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CAPITULO II
DIAGNOSE DA ACTUALIDADE
0 trabalho cientifico e filos6fico de Marx e Engels estava intimamente ligado a sua actividade revolucionaria. Parte desta actuaQao fortalece a preparaQao para as suas lutas revolucionarias posteriores. 0 conhecimento da realidade, principalmente da realidade hist6rica e social, e a descoberta das leis que a regem possibilitaram organizar eficazmente as acQ6es da classe operaria contra a ordem dominante, cujas contradiQ6es a ciencia revelava. Esta intima relaQao entre a actividade revolucionaria e a investigaQao cientifica teve como consequencia que o tema basico das suas investigaQ6es fosse uma analise da sua epoca. Esta analise devia conduzir a descoberta do processo de desenvolvimento hist6rico da epoca, as leis hist6ricas que determinam este processo, as inevitaveis perspectivas do desenvolvimento posterior destas relaQ6es e os metodos de unia acQaO revolucionaria eficaz. Marx nao tern a intenQao, como Lenine afirma, de criar imediatamente uma filosofia de todo o desenvolvimento hist6rico nem indicar as leis que actuam em todas as epocas e formaQ6es sociais. Marx prop6e, ao contrario de perseguir objectivos universais deste tipo caracteristicos de muitos predecessores seus, uma tarefa totalmente concreta e actual. Esta consiste na analise do sistema capitalista que devia 111
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descobrir as leis fundamentais do seu desenvolvimento, do seu apogeu e do seu ocaso. No decurso destas investigaQoes, Marx e Engels chegaram a metodos de investigaQaO e generalizaQoes que SaO muito importantes para outros periodos hist6ricos e contribuem para ampliar as investigaQ6es hist6ricas. De modo identico, tambem nao analisaram OS problemas educativos sob o aspecto de uma teoria geral da cultura ou de concepQ6es gerais dos homens. Em oposiQao a urn universalismo nao hist6rico deste tipo, Marx e Engels trataram as questoes da educaQao principalmente em intima relaQao com a situaQao contemporanea hist6rica e com as urgentes tarefas sociais. S6 a partir daqui comeQaram a realizar certas generalizaQ6es.
1. 0 capitalismo como estadio do desenvolvimento histO rico Os estudos hist6ricos de Marx sobre os problemas da genese e desenvolvimento da economia capitalista tratam da situaQao dos homens e da sua actividade em relaQao com a origem, expansao e proximo periodo de transiQao do capitalismo. Marx refere-se por diversas vezes a epoca precedente ao capitalismo, ao feudalismo, nas suas consideraQ6es e trata tam bern do futuro, indicando que nele · a revoluQao socialista constitui o fim do dominio da burguesia e o comeQo da sociedade sem classes, da sociedade isenta de antagonismos. Este amplo marco hist6rico caracteriza as peculiaridades da epoca capitalista. Deixa entrever, em comparaQao com a economia feudal, quem e progressista e quem constitui uma cristalizaQao de forQas reaccionarias. Permite distinguir os metodos correctos e eficazes de luta contra o capitalismo das rebelioes ut6picas ou evasoes. ])2
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As caracteristicas gerais da vida humana na nova epoca estao esbogados no Manifesto do Partido OomuniSta. Ai se diz: «A burguesia desempenhou urn papel eminentemente revolucionario na hist6ria. Nos locais onde alcangou o poder, destruiu todas as relag6es feudais, patriarcais e idilicas. Destrogou sem piedade todos os lagos feudais que uniam os homens aos seus senhores naturais, nao deixando entre homem e homem qualquer vinculo senao 0 do frio interesse, o das exigencias duras de «mero pagamento». Afogou a sagrada protecgao do extase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burgues, na agua . gelada do calculo egoista. Redu- . ziu a dignidade pessoal ao valor de troca; substituiu os inumeraveis privilegios tao dificilmente conquistados por uma liberdade de comercio unica ·e sem escrupulos. Numa palavra, substitui a explo. ragiio dissimulada pelas ilus6es religiosas e politicas pela exploragao aberta, descarada, directa, brutaL» ( 1 ) Neste sentido, a burguesia revolucionou as relag6es sociais. Modificou os metodos de produgao e de comercio; centralizou o poder politico; destruiu as barreiras locais da economia; criou urn mercado nacional e iniciou a vitoriosa marcha colonizadora. 0 avanQo da burguesia e a consequencia social ~ econ6mica do desenvolvimento das forgas produti. vas que surgiram na sociedade feudal, mas as rela~ goes sociais ficaram acorrentadas pelo sistema nela predominante. Mas, as «armas com as quais a burguesia derrotou o feudalismo, dirigem-se agora contra a mesma burguesia» (2). As forgas produtivas, desenvolvidas
(') Marx-Engels, Ausgewiihlte Schriften (Obraso Escoll!ihdJas), Berlim, 1953, vol. I, p. 26. (') Ibidem, p. 29.
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por ela, superam o marco da sociedade burguesa, as fronteiras dos seus principios econ6micos, os seus conceitos de propriedade e lucro. «Ha decadas diz-se no Manifesto - que a hist6ria da industria e do comercio nao e mais do que a hist6ria da subleva~ao das for!;as produtivas modernas contr a as rela!;6es de produ!;iio modernas, contra as r ela!;6es de propriedade que constituem as condi~oes de vida da burguesia e do seu dominio. » (8 ) 0 futuro desaparecimento inevitavel da burguesia nao se consegilira, no entanto, automaticamente, como resultado do desenvolvimento posterior das for!;as produtivas. Sera obra dos homens. Mas a burguesia- esclarece o Manifesto- nao s6 forjou as armas que lhe hao-de provocar a morte, como tambem criou os homens que empunharam estas armas: os operarios ' modernos, os proletarios.» (4 ) Precisamente esta classe social explorada pela burguesia, a qual pertencem OS homens que 0 capitalismo empobrece de modo mais grave, e simultaneamente a classe onde amadurece a vontade revolucionaria e a consciE~ncia revolucionaria. «0 trabalho do proletariado perdeu todo 0 caracter independente e com ele todo o incentivo para o operario, com a extensao da mecaniza~ao e divisao do trabalho. 0 operario transforma-se num mero complemento da maquina, a quem somente e exigido o manejo mais simples, mais unilateral, mais f acjl de aprender. » {5) «Mas o desenvolvimento da industria nao s6 incrementa o numero dos proletarios, mas concentra-os em massas mais consideraveis ; a for!;a dos proletarios aumenta e tomam mais conscH~ncia disso .. . » ( a) «De todas as classes opostas hoje em (' ) I bidlem, (' ) Ibi dem, (• ) I b'vdem, 6 ( ) Ibidem ,
p. 28. p. 29. p . so. p . 31.
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dia a l;>urguesia, a \mica classe verdadeiramente revolucionaria e 0 proletariado.» (7) A queda do feudalism a; o crescimento da economia capitalista; as suas contradiQoes internas; a passagem da burguesia, em principia progressista, a posiQoes reaccionarias ; o crescimento da forQa e da consciencia revolucionaria do proletariado; a luta pelo dominio da ordem classista; tudo isto constitui 0 pano de fundo da vida dos homens na nova epoca, o quadro social dos novas tempos, os objectivos e tarefas as quais os ·homens ajustam a sua actividade material e espiritual. A situaQao de classe define as determinadas caracteristicas intelectuais e marais dos individuos e grupos, cada urn segundo a sua posiQao em relaQao aos meios de produQao e as caracteristicas da sua acQao. A situaQao da sua epoca foi caracterizada por Marx no discurso que pronunciou sabre o aniversario do jornal The people's Paper em Abril de 1856. «Existe urn facto importante, caracteristico do seculo XIX, facto que nenhum partido se atreve a negar. Por urn lado, existem forQas industriais e cientificas que surgiram, das quais nenhuma epoca anterior da hist6ria pode mesmo duvidar. Por outro lado, existem sintomas de decadencia que ultrapassam largamente os horrores testemunhados pelos anais dos ultimos anos do Imperio Romano. Nos nossos dias, cada coisa aparece acompanhada pelo seu oposto. V emos que uma maquina dotada de uma forQa maravilhosa, capaz de reduzir o esforQo e de efectuar urn trabalho humano fecundo, leva o homem a fame e ao excesso de trabalho. As fontes de riqueza recentemente descobertas, por uma magia fatal qualquer, transformam-se em fontes de miseria. Os exitos da arte parecem ser conseguidos a custa da perda das qualidades marais. A humanidade (') Ibi:dem, p. 33.
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no seu conjunto domina cada vez mais a natureza, enquanto o individuo se torna escravq doutros homens ou da sua propria humilha~ao. Ate a luz pura da ciencia somente parece iluminar sobre o pano de fundo da ignorancia. Todas as nossas descobertas e progressos parecem conduzir a que as for~as matedais assumam vida intelectual e a que a vida humana se degrade a uma for~a material obtusa. Este antagonismo entre a industria moderna e a ciencia, por urn lado, e a miseria moderna e a decadencia, por , outro, este antagonismo entre as for~as produtivas e as rela~oes sociais da nossa epoca constitui urn facto evidente, opressor e inegavel. » ( 8 ) Os diferentes partidos politicos reconhecem a existencia desta contradi~ao, mas recomendam metodos errados para veneer o mal. Uns veem a sua origem em tudo quanta e parte constituinte da nova epoca, da tecnica e do desenvolvimento econ6mico, e clamam pelo regresso aos «bons» velhos tempos. Outr os consideram como origem de todos os males a insuficiencia de liberdade dos capitalistas, as desmedidas exigencias das massas trabalhadoras. E ha ainda quem se encubra sob a roupagem de urn predicador de moral ou frade, lance insultos contra a imoralidade e clame pelo ascetismo, a humildade e o labor. A terapia recomendada por Marx e algo totalmente diferente, dado que se fundamenta num conhecimento autentico das causas do mal. Marx caracteriza-a, no discurso anteriormente mencionado, com as simples palavras : «Sabemos que as novas foq;as da sociedade necessitam apenas de homens novas que se transformem em seus mestres, para que possam render mais, e estes sao os operarios.» ( 9 ) 0 ponto de partida de Marx distingue-se (' ) Ibi dem, p. 333. (' ) Ibidem, p. 334.
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radicalmente de todas as concep~oes historic as reli- · giosas e moralizadoras que niio tern em considera~iio, ao avaliar a epoca, os factores concretos, materiais e sociais, mas apenas e exclusivamente principios metafisicos aos quais outorgam uma sagrada for~a transcendental. Diferencia-se de todas as opinioes conservadoras que tendem a uma restaura~iio da velha ordem feudal aristocr:Hica dos gremios e da economia natural. Distingue-se das posi~oes liberal-capitalistas que se apresentam como progressistas, pais combatem as ·sobrevivencias da epoca feudal, mas que, em rela~iio as novas for~as sociais em desenvolvimento, sao reacciomirias. Diferencia-se das concep~oes reformistas que prometem corrigir as piores faltas da epoca moderna com a ajuda de reformas realizadas no padriio de ordem burguesa, sem levar a cabo uma luta radical e revolucionaria contra este sistema. Diferencia-se, finalmente, das concep~oes socialistas ut6picas que rejeitam, e certo, as rela~oes existentes, em principia, mas niio estiio a altura de captar a sua essencia nem de mostrar as condi~oes hist6ricas e sociais para o seu derrube. Marx, que se apoia nos principios do materialismo hist6rico e dialectico, considera a epoca capitalista como uma etapa determinada ao desenvolvimento hist6rico, como uma etapa que se caracteriza pela crescente intensidade da luta entre as for~as de classe antag6nicas. 0 juizo emitido sabre esta epoca deve ter 0 caracter de urn ditame hist6rico que desentra- . nhe a sua genese, as suas leis de desenvolvimento e o seu inevitavel ocaso. Num ditame deste tipo, incluem-se tambem as for~as que surgiram e cresceram no intervale desta epoca, as for~as produtivas, os homens, as for~as sociais que destroem a ordem capitalista e conduzem a uma nova etapa de desenvolvimento socialista atraves da revolu~iio. Na conhecida sec~iio de 0 Capital «Tendencia historica da acumula~ao capitalista», Marx esbo~a as suas concep~oes do caminho de desenvolvimento ll7
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para o capitalismo. «Ao chegar a urn certo grau de progresso- escreve Marx sobre o modo de produ~ao feudal - ele proprio ilumina os meios materiais para a sua destrui~ao. A partir deste momento, no seio da sociedade agitam-se for~as e paixoes que se sentem coibidas por ele. Torna-se necessaria destrui-lo e destr6i-se. A sua destrui~ao, a transforma9iio dos meios de produ9ao individuais e dispersos em meios sociais e concentrados de produ<;;ao e, por conseguinte, da propriedade raquitica de muitos e]ll propriedade gigantesca de poucos, ou 0 . que e 0 mesmo, a expropr.ia<;;ao que priva a grande massa do povo da terra e dos meios de vida e instrumentos de trabalho, esta espantosa e dificil expropria<;;ao da massa do povo forma a pre-hist6ria do capital. Engloba toda uma serie de metodos violentos. A expropria~ao do produtor directo e levada a cabo com o mais cruel vandalismo e sob o acicate das paixoes mais infames, mais sujas, mais mesquinhas e mais odiosas.» (1°) Depois deste acto de expropria~ao estar terminado, come~ou outro processo : «Cada capitalista substitui muitos outros» (1 1 ) , mas ao mesmo tempo amadurece a conscH~ncia e cresce a for~a da classe operaria, ate que chega o momento em que «a centralizaQao dos meios de produ~ao e a socializa~ao do trabalho chegam a urn ponto em que se tornam incompativeis com o seu env6lucro capitalista. Este rompe-se em mil bocados. Soou a hora final da piopriedade privada capitalista. Os expropriadores sao expropriad08.» (1 2 ) Este modo de considerar o capitalismo inclui uma cabal, exacta e justa avaliaQao que o distingue tanto das criticas moralizadoras como das apologias ('") K. Marx, Das Kapi1:al (0 Cap£ta:l), Berllm, 1953,
vol. I, p. 802. (
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lbiil~lmil,
p. 803.
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burguesas do capitalismo. Arnbas as concep~oes sao para 1rarx expressao de urn modo de pensar historico. A primeira, porque reduz o decurso real da historia a urn modo romantico utopico e cria a si proprio ilusoes de o poder anular; a segunda, porque explica urna determinada etapa do desenvolvimento como algo de invariavel e imperecivel, sem considerar transforma~oes posteriores, qualitativamente novas. No entanto, o erro de ambas as concep~oes nao consiste apenas numa falsa antevisao do futuro acrescido de equivocas recomenda~oes praticas. Deriva tambem da erronea caracteriza~ao da mesma actualidade capitalista. Nem os que atacam nem os. que defendem 0 capitalismo compreendem a essencia das for~as antagonicas que configuram esta forma~ao. Tanto uns como os outros consideram-na como urn todo unificado que deve reconhecer-se completamente ou condenar-se. Ate ao prever certas reformas a realizar aceitam a forma~ao capitalista como urn todr> unificado. Marx, pelo contrario, concentra a sua aten~ao precisamente nas contradi~oes fundamentais que caracterizam esta forma~ao, que alcan~am o seu ponto culrninante na historia e causam mais tarde a destrui~ao da sua propria forma~ao. 0 futuro ja esta anunciado no presente. Em certa medi~.a e criado pelos homens. As for~as produtivas desenvolvidas pelo capitalismo e a classe operaria engendrada pela economia capitalista for- · talecem-se, e as actuais lutas revolucionarias anunciam a hora da liquida~ao definitiva. Esta concep~ao deixa entrever de urn modo completamente novo a avalia~ao do capitalismo e das suas normas para a conduta hurnana. Muitos criticos contemporaneos partem de uma atitude moralizadora e dirigem as suas recomenda~oes tanto aos capitalistas como aos operarios, aconselhando modera~ao e desprendimento aos primeiros e mais obediencia e disciplina aos segundos. No entanto, o 119
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sistema pode permanecer invariavel. Inclusive aqueles que efectuam uma avaliagao sem compromis. sos, tal como alguns romanticos ou socialistas ut6picos, nao querem dizer o que realmente se deve e pode fazer para modificar a realidade consoante as exigencias da consciencia. Limitam-se a confiar em rebeli6es romantic as ou esperangas ut6picas. N estas condig6es, as reivindicag6es marais transformam-se numa modificagao sem garantias. Marx formula a questao de outro modo. 0 objecto da sua avaliagao .moral e 0 sistema, nao OS homens. No prefacio a primeira edigao de 0 Capital escreve: «As figuras do capitalista e do latifundiario nao surgem, nesta obra, pintadas de cor-de-rosa nem pouco mais ou menos. Mas trata-se aqui de pessoas como personificagao de categorias econ6micas) como · representantes de determinados interesses e relagoes de classe. Quem como eu concebe o desenvolvimento da formagao econ6mica da sociedade como urn processo hist6rico-natural) nao pode tornar 0 individuo responsavel pela existencia de relag6es de que ele e socialmente a criatura, ainda que subjectivamente se considere muito acima delas. » ( 13 ) Marx verifica esta avaliagao do «Sistema» e nao da «pessoa» sob o aspecto do desenvolvimento dos hom ens. Lenine com razao observa: «Onde os eco'nomistas burgueses viam uma relagao mutua entre coisas (troca de mercadorias), descobre Marx uma relagao entre homens.» ( 14 ) E esforgou-se justamente por romper com as suas investigag6es os env6lucros das coisas supostamente naturais e necessarias que escondiam as relag6es de poder e exploragao entre os hom ens. Nos seus numerosos estudos, artigos e · discursos, Marx mostra concretamente qual e a
(") Ibidem, p. 8. 14 ( ) V. I . Lenine, Marx, E ngels, MarxiJ.smus, Moscovo, 1947, p . . 57.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO situa~ao material . dos homens no capit~lismo em desenvolvimento e o que sera no futuro. Com seria exactidao, que expressa o rigor dos juizos cientificos e morais, Marx expoe as desumanas condi~oes de vida a que o capitalismo submete os seus escravos. Tambem mostra como o egoismo da propriedade e o meio da catastrofe condicionam a classe dominante e exploradora. Estas questoes hist6ricas morais e humanitarias na caracteriza~ao das rela~oes existentes aparecem muito claras nas analises de Marx. Questoes que se referem a situa~ao dos homens na epoca capitalista e que possuem uma grande importancia para a pedagogia.
2. 0 homem e a divisao do trabalho
Marx considera a educa~iio como algo que se realiza atraves do trabalho e na comunidade dentro dos padroes do desenvolvimento hist6rico, em cujo decurso se operam dois processos opostos. Sociedade e trabalho no decurso da hist6ria criam e formam os homens. Mas estes processos nas sociedades classistas desumanizaram-nos, apesar de oferecerem grandes possibilidades para o seu desenvolvimento. Na epoca do capitalismo esta contradi~ao agudizou-se particularmente. A divisao crescente do trabalho e o papel · crescente da propriedade privada e da opressao de classe chegaram a ser urn factor cada vez mais forte de diferencia~ao que destr6i o vinculo do individuo com o trabalho e a sociedade e que, por sua vez, aniquila a vida individual. Por outro lado, o desenvolvimento actual das for~as produtivas conduz os individuos ao trabalho colectivo ou intelectual-criador e cria as premissas para urn trabalho educativo em todos os sentidos, apesar destas possibilidades de desenvolvimento dos homens . estarem anuladas pelo capitalismo, cujo objectivo e conseguir lucros cada vez maiores. As for~as que 121
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rodeiam os homens s6 poderao actuar sem entraves sobre o ser destruido pela revolugao proletaria, o sistema capitalista. Marx analisou de modo muito concreto estes processos do crescimento, das contradigoes e da transformagao no ensino e desenvolvimento dos homens em relagao ao trabalho e no quadro das relagoes sociais. A divisao do trabalho que Marx classificou de natural ou «divisao do trabalho na sociedade», ou «divisao social . do trabalho», aparece em epocas muito remotas. «No seio da familia e mais tarde, ao desenvolver-se esta, no seio da tribo, surge uma divisao natural do trabalho, baseada nas diferengas de idades e de sexo, isto e, em causas puramente fisiol6gicas que, ao dilatar-se a comunidade, ao crescer a populagao e sobretudo ao surgirem os conflitos entre diversas tribos, com a submissao de umas em relagao a outras, vai estendendo o seu raio de acgao.:. (1 5 ) Mas ao mesmo tempo surge o intercambio de produtos em todos os !ados do que resultam contactos entre tribos ou familias. Este intercambio facilita uma divisao do tra;balho de outro tipo que nao se fundamenta ja em causas fisiol6gicas. Somente ao desenvolverem-se posteriormente estas casuais situag6es primitivas, baseadas em diferengas fisiol6~ gicas ou capacidades naturais (por exemplo, forga corporal) a mencionada divisao do trabalho adopta padroes qualitativamente novas, transforma-se ·na propria divisao do trabalho que congrega diversas contradigoes e perigos. Em lugar da divisao variavel do trabalho entre os homens, que deve realizar-se numa determinada comunidade, surge entao a divi-' sao do trabalho desigual, tanto quantitativamente como qualitativamente e dos seus produtos, ou seja; a propriedade privada, «que tern o germe e a pri('") K. Marx, Da.s- Kapttal, Berlim, 1953, vol. I, p. 368: 122
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meira forma na existente na familia, na qual a mulher e os filhos sao escravos do homem» {1 6 ) . A partir daqui come~a a desenhar-se «a contradi~ao entre os interesses do individuo particular ou de familias concretas e os interesses comunitarios de todos os individuos que se relacionam entre si» {1 7 ) . E a partir dai come~a tambem a tornar-se independente urn tipo determinado de trabalho como actividade prevista, como fun~ao for~ada para os individuos. Os homens podem ser agora uma coisa, depois outra; nao podem fazer ja 0 que querem, visto que o sistema objectivado da divisao do trabalho for~a a realizar tarefas determinadas. Cada urn tern «Urn circulo fechado delimitado de actividade que foi obrigado a aceitar e do qual nao pode sair; e ca~ador, pescador ou pastor, ou critico, e ha-de continuar a se-lo, se nao quer perder OS meios de subsistencia... ~ (1 8 ) Esta divisao do trabalho, que e facilitada pelo intercambio de mercadorias, agudiza-se cada vez mais na hist6ria e os seus sintomas e factores sao principalmente a separa~ao da cidade e do campo, na qual se «resume toda a hist6ria econ6mica da sociedade» (1 9 ) . «A maior divisao do trabalho manual e intelectual - escreve Marx em A I deologia A lema . .,. .-- e a separa~ao da cidade e do campo. A oposi~ao entre cidade e campo come~a com a transi~ao do estado barbaro para a civiliza~ao, da organiza~ao tribal para o Estado, do provincialismo para a Na~ao, e continua atraves de toda a hist6ria da civiliza~ao ate aos nossos dias ... Aqui se manifesta pela primeira vez a divisao da popula~ao em duas grandes classes, divisao directamente baseada na divisao do (") Marx-Engels, Werke (Obva.s), Berlim, 1958, vol. III, p. 32. (") IMdem. 8 ( ' ) Ibidem.
('" ) K. Ma rx, Das Kapi·tal, Berlim, 1953, vol. I, P. 369.
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trabalho e dos instr'umentos de produ~ao. A cidade e 0 facto da concentra~ao da popula~ao, dos instru-. mentos de produ~ao, do capital, das distrac~6es, das necessidades, enquanto que o campo constitui con-. cretamente o contnirio, o alheamento e desmembramento.» (2°) Neste contexto, Marx investiga as diferen~as fuhdamentais entre os modos de trabalho e de vida origimirios e locais, e a divisao do trabalho posterior e o comercio desenvolvido. «A terra (a agua, o ar, etc.) pode ser considerada como urn instrumento de produ~ao natur al. No primeiro caso (de meios naturais de produ~ao), os individuos sao subjugados pela natureza; no segundo caso (de instrumentos de produ~ao criados pela civiliza~ao, B.S.), pelo produto do trabalho ... 0 primeiro caso pressup6e que os individuos estao ligados por urn vinculo. qualquer, seja a familia, a tribo, a terra; o segundo caso pressup6e que sao independentes entre si e s6 se relacionam atraves do intercambio ... No primeiro caso, a inteligencia media e suficiente, a actividade fisica e a actividade intelectual nao se separaram ainda; no segundo caso, a divisao entre trabalho intelectual e manual deve estar ja praticamente realizada. No primeiro caso, o dominio dos proprietaries sobre OS nao proprietaries pode basear-se num tipo de rela~6es pessoais, numa especie de comunidade; no segundo caso, deve adoptar uma forma material, encarnar-se num terceiro termo, o dinheiro. No pri..; meiro caso, existe a pequena industria, mas submetida ao emprego de instrumentos de produ~ao natural e, por isso, sem divisao do trabalho entre os diversos individuos; no segundo caso, a industria apenas existe na e atraves da divisao do trabalho. » (2 1 )
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)
Marx -Engels, Werlve, Berlim, 1958, vol. III, p . 50. Ibidle
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As contradigoes entre o individuo e fungao que lhe foi imposta, entre o individuo e a comunidade, agudizam-se na medida em que os instrumentos produtivos se complicam. Entao recai «em diferentes individuos a actividade intelectual e manual... as distracgoes e o trabalho, a produgao e o consumo. » (2 2 ) Esta separagao forma o proprio conteudo social da divisao hist6rica do trabalho e constitui o que se ergue com mais forga contra o homem e a sociedade. «A divisao do trabalho comega realmente a partir do momenta em que aparece uma divisao do trabalho manual e intelectuaL» (2 3 ) Neste caso nao s6 o individuo particular fica subordinado as ocupagoes que lhe impuseram, mas tambem a sua vida sucumbe a uma desorganizagao interna causada pela separagao do trabalho intelectual e manual. «A partir deste momenta, a consciencia pode imaginar verdadeiramente como algo diferente da consciencia da pratica existente, que representa realmente algo sem representar nada real. A partir deste momenta, a consciencia esta em condigoes de se emancipar do mundo e dar lugar a fof magao da teoria «pura», teologia, filosofia, moral, etc. » ( 24 ) Todas as ilusoes ideol6gicas que Marx combateu sempre tern a sua origem precisamente aqui. Assim, o desenvolvimento da divisao do trabalho intimamente ligado a evolugao das formas de propriedade constitui urn elemento constante de contradigoes em que caem a forga produtiva, a estrutura social e a consciencia {2 5 ) • Quanta mais complicados se tornam os instrumentos de produgao, mais agudamente se esboga urn novo tipo de divisao do trabalho que depende da propriedade privada e outorga diferentes ocupagoes (" ) Ib~dem, p. 32. ("' ) Ibidem, p . 31. ("' ) I Mdem. ("' ) I bidem, p . 32.
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as diversas categorias de homens. «A oposiQaO entre cidade e campo - escreve Marx - somente pode existir no dominio da propriedade privada. Constitui a mais completa expressao da subordinaQao do individuo a divisao do trabalho, a uma determinada actividade que lhe e imposta, subordinaQaO que transforma uns em estupidos animais da cidade e outros do campo e provoca diariamente a oposiQao dos inte~ resses de ambos os grupos. » ( 20 ) A propriedade privada dos meios de produQao utiliza a divisao social do trabalho, transforma-a numa rigida divisao obrigat6ria que agrupa os homens segundo as necessidades do oficio. Conduz a uma profunda divisao progressiva do trabalho individual que exige do operario uma actividade completamente determinada. 0 decurso posterior deste processo comporta consequencias desumanas. «E indubitavel que toda a divisao do trabalho no seio da sociedade traz preparada inseparavelmente certa degeneraQao fisica e espiritual do homem. Mas o periodo manufactureiro acentua este desdobramento social dos ramos do trabalho de tal modo e consome a tal ponto, com o seu regime peculiar de divisao, as bases vitais do individuo, que cria a base e da o impulso para que se forme uma patologia industrial. » (2 7 ) Nas suas profundas investigaQoes, tanto do trabalho individual primitive artesao como do moderno, Marx mostra em 0 Capital como os valores formativos dos homens se vao perdendo no capitalismo e este esconde urn perigo ameaQador de desumanizaQao. «A verdadeira manufactura nao s6 submete os operarios antes independentes ao mando e a disciplina do capital, mas, alem disso, tambem cria uma hierarquia entre os pr6prios operarios. Enquanto que a cooperaQao simples deixa intacto, em geral, o ( "' ) Ibidem , p. 50. (" ) K. Marx , Dais Kapital, Berlim, 1953, vol. I, p. 381.
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modo de trabalhar de cada operario, a manufactura revolve-a desde os alicerces ate ao cimo e desgasta a forga de trabalho individual. Converte o operario nurn monstro, fomentando artificialmente urna das suas aptid6es parciais, a custa do esmagamento de todo urn mundo de fecundos estimulos e capacidades... Alem de distribuir os diferentes trabalhos parciais entre diversos individuos, secciona o proprio individuo, converte-o nurn aparelho automatico adstrito a urn trabalho parcial... » ( 28 ) «Os conhecimentos, a perspicacia e ·a vontade que se desenvolvem, ainda que em pequena escala, no lavrador ou no artesao independente ... , basta agora que as reuna o oficio no seu conjtinto. » {2 9 ) 0 trabalho deste tipo nao s6 deixa de ser urn factor de desenvolvimento e formagao do homem, mas tambem destr6i as suas forgas fisicas e espirituais, converte-o nurn ser apatico, conduz a degeneragao. «Na manufactura- escreve Marx- o enriquecimento da forga produtiva social do operario colectivo e, portanto, do capital, encontra-se condicionada pelo empobrecimento do operario nas suas f orgas produtivas individuais ...» ( 30 ) «E indubitavel que toda a divisao do trabalho no seio da sociedade traz preparada inseparavelmente certa degeneragao fisica e espiritual do homem. Mas o periodo manufactureiro acentua este desdobramento social dos ramos de trabalho de tal modo e desgasta a tal ponto, com seu peculiar regime de divisao, as bases vitais do individuo, que cria a base e da o impulso para que se forme uma patologia industrial. » (3 1 ) Este processo, em que o trabalho hurnano deixa de ser humano e urn factor do desenvolvimento hurnano, em que o trabalho se converte nurna fonte Ibi dem , p . 378. (") Ibidem, p. 379. (" ) Ib bdem. (" ) Ibidem, p. 381.
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de limita~ao e · deforma~ao, adquire caracteristicas novas na epoca seguinte ao periodo da produ~ao mecanizada. Na realidade, a maquina deve substituir o homem em todos os trabalhos dificeis e mecanicos, transforma-lo num dirigente inteligente do pro;cesso de produ~ao. «Ao converter-se em maquinaria - determina Marx- os instrumentos de trabalho adquirem uma modalidade material de existencia, que exige a substitui~ao da for~a humana pelas for~ ~as da natureza, e a rotina nascida da experiencia, por lima aplica~ao consciente das ciencias naturais.» ( 82 ) No entanto, este valor da maquina no capitalismo nao s6 nao e aproveitado, mas, pelo contrario, fica destruido. 0 capitalismo utilizou a maquina para conseguir lucros mais rapida e facilmente e empregou-a para a desumaniza~ao das massas trabalhadoras. Em que consistem as propriedades da rna~ quina que possibilitam tal explora~ao? Facilita principalmente o trabalho das mulheres e crian~as. «A maquinaria, ao tornar a for~a do mus~ culo inutil, permite empregar operarios sem forr;a muscular ou sem urn completo desenvolvimento fisico que possuam, em contrapartida, uma grande flexibilidade nos seus membros. 0 trabalho da mulher e da crianr;a foi, portanto, o primeiro grito da aplica~ao capitalista da maquinaria.» ( 33 ) A avareza da ganancia capitalista destruiu, pois, a familia, a infancia, tirou a mulher o seu lugar. 0 operario, que ate ali vendia ao capitalista apenas a sua for~a de trabalho, vende-lhe agora tambem a mulher e o filho. E dado que a maquina aumenta a necessidade de for~as de trabalho sem qualifica~ao, diminui por isso o valor da for~a de trabalho. Embora se tenha . de trabalhar cada vez mais, vive-se cada ve.z com maior miseria. Ibidem, p. 404. ("" ) Ib-idem, p. 413.
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A maquina esta propriamente destinada a aumentar a produtividade do trabalho e a reduzir o tempo de trabalho. No entanto, nas maos do capitalista converte-se num poderoso meio para aumentar o tempo de trabalho. 0 trabalho humano converte-se na fabrica num mero apendice do trabalho da rnaquina que dita o seu volume e o seu ritmo. «Na manufactura e na industria manual - escreve Marx - o operario serve-se da ferramenta; na fabrica serve a maquina. Ali, os movimentos do instrumento de trabalho partem dele; aqui, e ele quem tern de seguir os seus movimentos. Na manufactura os operarios sao outros tantos membros de urn mecanismo vivo. Na fabrica, existe por cima deles urn meca:nismo morto que os incorpora como apendices vivos.» ( 3 4 ) A maquina, que principalmente devia libertar o homem dos trabalhos mais pesados, tira o conteudo ao trabalho na fabrica capitalista e transforma-a numa tortura. «Nota comum a toda a produ~ao capitalista, considerada nao apenas como processo de trabalho, mas tambem como processo de exploragao do capital e que, lange de ser o operario quem maneja as condi~oes de trabalho, sao estas que o manejam a ele; mas esta inversao nao ad quire realidade tecnicamente tangivel ate a era da maquinaria. Ao converter-se num automata, o instrumento de trabalho e enfrentado como capital, durante 0 process a de trabalho, com o proprio operario; ergue-se defronte dele como trabalho morto que domina e absorve a for<;a de trabalho viva.» ( 35 ) De modo identico, o capitalismo adultera outra das fun<;oes da maquina. A maquina e, fundamentalmente uma manifesta<;ao da inteligencia humana, - urn testemunho do efectivo dominio da natureza pelo espirito humano. 0 trabalho humano devia trans("') Ibidem, p . 444. ("") Ibi~em.
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formar-se com a maquina num trabalho mais racional. No entanto, a maquina converteu-se num factor que arrebata ao trabalho dos operarios o seu conteudo espiritual e degrada os trabalhadores em meros «aprendizes do trabalho». A sua qualificagao ja nao e necessaria, 0 seu pensamento ja nao se utiliza. Par seu lado, isto cria a possibilidade de empregar grandes massas de operarios sem qualificagao, com o que se ameaga em grande medida o proletariado. Para estes, o trabalho converte-se em alga indiferente e a sua vida e presidida pelo medo e pela depressao. Em qualquer momenta pode surgir o desemprego e a maior miseria. 0 capitalismo cria urn imenso exercito de reserva industrial «que se mantem na miseria de modo que esta sempre dispasta a cobrir as necessidades do capitalismo». A divisao do trabalho, existente nas bases capitalistas da propriedade privada dos meios de produgao, agudiza todos os perigos que ameagavam os homens nas epocas preteritas. Mesmo considerando que as maquinas permitiam superar a divisao do trabalho existente ate aos nossos dias e configurar urn ensino politecnico e urn autentico trabalho colectivo, a economia capitalista destruiu todas estas possibilidades. A divisao do trabalho permanece como alga objectivo, como alga existente a margem dos feitos dos homens. «Esta afirmagao da actividade social, esta consolidagao do nosso proprio produto num poder objectivo que nos domina, escapando ao nosso controle, que interfere nas nossas esperangas, que destr6i os nossos calculos - escreve Marx - e urn dos momentos principais no desenvolvimento hist6rico ate aos nossos dias ... » (8°) A situagao dos homens nestas novas condigoes criadas pela divisao do trabalho capitalista dife('"')
Marx-Enge~s.
Werke> Berlim, 1958, vol. 3, p. 33.
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rencia-se radicalmente da situaQao primitiva. «As condiQoes sob as quais os indivfduos se relacionam mutuamente, enquanto a contradiQao nao se produz, sao condiQoes inerentes a sua individualidade; elas nao lhe sao exteriores e permitem aos indivfduos determinados que existem em condiQoes determinadas, produzir a sua vida material e quanta dela depende; constituem, pois, as condiQoes da sua propria manifestaQao e sao determinadas por esta propria manifestaQao. A condiQao determinada, sob a qual estes indivfduos pr oduzem, corresponde, pois, enquanto a contradiQao nao ocorra, a real limitaQao, ao seu ser parcial... » (3 7 ) Nesta situaQao surge entre os homens uma harmonia dentr o da sua actividade que estes interpretam como propria, uma harmonia entre os homens e a realidade constitufda, cujos criadores conscientes sao eles, urna harmonia nos padroes da sociedade onde nao existe nenhuma exacta e justa repartiQao da actividade e do lucro. Mas com o tempo estas condiQoes «que apareciam no principia como tfpicas da propria actividade» transformam-se nas suas cadeias. As forQas produtivas aparecem como urn mundo proprio que se diferencia e e independente do mundo individual. E precisamente por isto: porque, por urn lado, «OS indivfduos, possuidores destas forQaS, SaO enfrentados, separados e vivem em oposiQao mutua (3 8 ), e, por outro lado, as forQas produtivas impoem a solidariedade destes indivfduos, necessaria para a produ<:;ao. A cont radiQao fundamental consiste em que OS homens que vivem em oposiQaO mutua chegam a integrar-se e unir-se pelas necessidades que para a produQao exigem o actual nfvel da'! forQas produtivas e as relaQoes sociais. Esta contradiQao esta agudi:r.ada pelo facto de as forQas produtivas se organizarem com base na (" ) Ibidem, pp. 71 e se·g uintes. (" ) Ibidem, p . 67. 1~1
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propriedade privada. Deparam-se, pais, aos homens, como uma realidade alheia e independente, deixam de constituir a sua propria for~a, o que sao na realidade e transformam-se em «for c;;a da propriedade privada». Isto significa que os homens so podem utilizar estas for~as na qualidade de proprietarios e nao enquanto operarios, que sao na r ealidade tambern for~as produtivas. A separa~ao das for~as produtivas dos homens que trabalham concretamente e a sua independencia sob o poder da propriedade privada traz como consequencia que se tira ao individuo humano o conteudo essencial da vida, tanto no que constitui experiencia adquirida como no seu sentido moral e espiritual. «0 unico vinculo que OS une as for~as produtivas e a sua propria existencia, 0 trabalho, adopta neles o aspecto de actividade independente perdida e ilumina a sua vida apenas ao arruina-la. » (3 9 ) 0 trabalho converteu-se no meio de subsistencia e a vida num miseravel vegetar. Deste modo, o trabalho, no qual deveria manifestar-se a actividade humana que constitui a essencia do homem, expressa apenas a parte negativa desta actividade independente. No entanto, o desenvolvimento, que separou as for~as produtivas dos homens e lhes arrebatou as qualidades essenciais, conduziu a uma uniao cada vez mais estreita entre os homens como produtores sociais. A divisao do trabalho originada ao serviQo da propriedade privada trouxe consigo uma dependencia em constante crescimento e uma cooperagao entre os diversos tipos de produgao e principalmente - desde a introdUQao da maquina - no padrao interno de cada ramo produtivo. «Na manufactura - escreve Marx - a divisao e articula~ao do processo social e puramente subjectiva, uma simples combinaQiio de operarios parciais; no sistema ba9 (' )
I b-i~em.
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seado na maquinaria, a grande industria possui urn organismo perfeitamente objectivo de produ~ao com o qual o operario se encontra como uma condi~ao material de produ~ao rapida e acabada. Na coopera~ao simples, e inclusive na coopera~ao especificada pela divisao do trabalho, a substituigao do operario isolado pelo operario colectivo apresenta-se sempre como alga mais ou menos casual. A maquinaria, com algumas excep~oes a que nos referiremos mais adiante, apenas funciona nas maos do trabalho directamente socializado ou colectivo. Partanto, agora e a propria natureza do instrumento de trabalho que imp6e como uma necessidade teonica 0 caracter cooperativo do processo de trabalho.» ( 40 ) Mas esta coopera~ao organizada e criada pelo capitalismo deve apoiar-se nos operarios livres assalariados «que vendem a sua for~a de trabalho ao capital», no operario que esta a disposi~ao do capitalista e e explorado ao apresentar-se ao trabalho. Deste modo, a coopera~ao converte-se «num metoda utilizado pelo capital para o explorar proveitosamente mediante o incremento da sua for~a produtiva» ( 41 ) . 3. 0 individuo e a classe na sociedade capitalista
A divisao do trabalho nao constitui naturalmente · urn processo isolado no qual, como pretendiam os idealistas, o trabalho se havia diferenciado a si mesmo como a chamada ideia pura. A divisao do trabalho esta estreitamente vinculada as altera~oes da propriedade e das rela~oes sociais. «As diferentes etapas de desenvolvimento da divisao do traba(") Karl Marx, Das Kapital, Berlim, 1953, voL I , p. 40'1. 41 ( ) IbidJern, p. 351.
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lho - esclarece Marx - constituem tambem diversas formas de propriedade; isto e, cada etapa da divisao do trabalho determina tambem as rela~6es mutuas entre os individuos em rela~ao com o material, instrumento e produto do trabalho. » ( 42 ) Por outro lado, as formas de propriedade privada existentes influenciam a divisao do trabalho ao conforma-la a urn tipo e forma especificos, e ao organiza-los conforme as necessidades do proveito individual. As formas de propriedade vinculadas a divisao do trabalho .c onstituem ao mesmo tempo uma forma determinada de rela~6es sociais. «A produ~ao dos meios de vida - escreve Marx - tanto dos pr6prios no trabalho como nos alheios na reprodu~ao, adquire o aspecto de urna dupla rela~ao, por urn lado como natural, por outro como social, social no sentido em que se entende aqui a coopera~ao de varios individuos sob determinadas condi~6es, sob metodos e objectivos concretos. Daqui se depreende que urn determinado modo de produ~ao ou uma etapa industrial estao unidos sempre a urn modo concreto de coopera~ao ou de etapa social. Este modo de coopera~ao constitui por si s6 uma «for~a produtiva» que condiciona a quantidade de for~as produtivas acessiveis aos homens num estadio social... » ( 43 ) «Alias, divisao do trabalho e propriedade privada sao express6es identicas; expressa-se na primeira em rela~ao a actividade o mesmo que na segunda se expressa em rela~ao ao produto 'da actividade. » ( 44 ) Na origem do processo hist6rico da divisao do trabalho, que e presidido pela propriedade privada dos meios de produ~ao, Marx investiga a situa~ao do individuo e a sua rela~ao com a sociedade e com os outros individuos. A este respeito, sublinha em ("" ) Ma rx-Engels, We1·k e, B erlim, 1958, vol. III, p. 22.
(") IIJicnem, pp. 29 e seguintes. C'' ) Ibi.dem, p. 32.
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A Ideologia Alemfi) em oposiQao as concepQ6es dos
idealistas, que «dentro do padrao da divisao do trabalho aperfeiQoam-se e concretizam-se as relaQ6es pessoais necessaria e inevitavelmente em relagoes de classe ... » ( 45 ) • Tudo o que se apresenta a urn individuo como necessidades ou tendencias suas, quanto lhe aparece como sua propria contribuiQao pessoal em relagao aos outros, tudo isso mais nao e do que urn produto de situaQ6es sociais determinadas, de uma concreta divisao do trabalho da qual os individuos participam. Os individuos humanos relacionam-se mutuamente, nao na qualidade de «individuos puros», mas sempre na qualidade de homens concretes que actuam sob relagoes de produgao determinadas. Esta limitaQaO social do individuo e indicada por Marx principalmente na sua critica a Stirner. Isto nao significa, no entanto, que Marx, ao refutar a teoria da individualidade metafisica, deixasse de ver todos os conflitos que se produzem nos homens entre a sua propria individualidade e as exigencias da sociedade. Pelo contrario, a analise historica da divisao do trabalho mostrou claramente a inevitabilidade e essencia de tais conflitos sob as condigoes da sociedade classista. «Os individuos partiram sempre de si mesmos, mas naturalmente de si mesmos no sentido dos pensadores, no padrao dado de condiQ6es historicas. Mas no decurso da evoluQao historica e precisamente devido a inevitavel independencia das relaQoes sociais · dentro do modo da divisao do trabalho, produz-se uma diferenciaQao na vida de cada individuo enquanto esta e pessoal e enquanto fica submetida a qualquer ramo do trabalho e as condiQ6es que lhe correspondem.» ( 46)
('") Ib·idem, p. 422. Ibi·d!em, pp. 75 e seguintes.
1 {' ' )
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Na hist6ria realiza-se urn processo de consolidas rela~6es humanas consistindo em t ransformar as rela~oes IDUtuas entre OS hOIDel1S em rela~6es entre as coisas que deveriam estar ao servi~o do homem. Nestas condi~6es, agiganta-se o abismo entre a «individualidade e o caracter arbitrario do seu trabalho e posi~ao » . «Na epoca actual do dominic das rela~6es personificadas nas coisas sabre os individuos, a anula~ao da individualidade pela arbitrariedade adopta a sua forma mais aguda e universal.» ( 4 7 ) Este fen6meno manifesta-se com especial relevancia no proletariado que se encontra sujeito da forma mais aguda a arbitrariedade das condi~6es de vida e do trabalho. «No proletariado, pelo contrario, as suas pr6prias condi~6es de vida, o trabalho e com ele todas as condi~6es de exisH\ncia da sociedade actual transformaram-se em alga arbitrario, a respeito do qual 0 proletario individual nao tern qualquer dominic nem disp6e de qualquer organiza~ao social que possa outorgar-lhe tal dominic. A contradi~ao entre a personalidade do proletario individual e as condi~6es de vida, que lhe foram impostas, manifesta-se ja no facto de que e sacrificado desde jovem e carece da oportunidade de sair das condi~6es da sua classe. » ( 48 ) Esta sujei~ao da individualidade as condi~6es de trabalho e de vida arbitrarias, independentemetite dele e determinadas pela divisao do trabalho e da economia mercantil, significa tambem uma sujei~ao do individuo a classe que lhe foi imputada. «A diferen~a entre o individuo pessoal e o individuo de classe» manifesta-se pela primeira vez com toda a clareza com o aparecimento da sociedade classista da~ao
( " ) l biJdern, p . 424. (" ) Ib·idern, p. 77.
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contemporanea que constitui urn produto do capitalismo. No entanto, sob as condigoes primitivas, 'n a tribo e tambem no corporativismo, esta diferenga encontra-se dissimulada «por exemplo, urn nobre permanece sempre urn nobre; urn lavrador, sempre urn lavrador. Prescindindo das suas relagoes especiais, conserva uma qualidade indestrutivel da sua individualidade» ( 49 ) . Na sociedade burguesa, que supera a ordem rigida tradicional e situa os individuos num plano de igualdade impondo-lhes identicas condig6es de vida, o abismo entre o individuo e a sua forma de vida patenteia-se com maior evidencia. «lsto niio deve ser interpretado - observa Marx - como se, por exemplo, o capitalista ou o financeiro deixassem de ser pessoas ; significa que a sua personalidade esta condicionada e determinada par relagoes de classe muito concretas e a diferenga evidencia-se para as demais classes e para si proprio somente quando vai a faH~ncia.» ( 50 ) Em A Ideologia Alema) Marx analisa a situaQiio do individuo na sociedade e as suas modificag6es sob as relagoes de classe. «A classe - escreve Marx - liberta-se... do individuo, de tal modo que este tern predestinadas as suas condigoes de vida e a sua situagiio na vida da classe, e com isso encontra assinalado o seu desenvolvimento pessoal. Fica submetido pela classe.» ( 51 ) «Esta assimilagiio do individuo por uma classe determinada niio pode eliminar-se enquanto niio esta formada uma classe que niio oponha a classe dominante nenhum interesse especial de classe.» (5 2 ) 0 poder da classe, no entanto, consiste na posse da propriedade privada, na utilizagiio da divisiio do trabalho humano. A pertenga a classe constitui a pertenQa a uma ('") ('") (") ('")
Ibidem, p. 76. Ibidem . IbidB'Yil , p. 54. IbiJd;em, p. 75.
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«aparente comunidade», pois os homens nao se unem a uma classe como individuos particulares, mas na base de condiQoes e relaQoes objectivas. «De todo o desenvolvimento registado ate ao presente depreende-se que a relaQao comunitaria em que entraram os individuos de uma classe, que foi condicionada pelos seus interesses comuns frente a urn terceiro, foi sempre uma comunidade a que estes individuos pertenciam apenas como individuos meio-termo, somente enquanto viviam nas condiQoes de existencia da sua classe, uma relaQao em que participavam nao enquanto individuos, mas como membros de classe.» (5 3 ) A classe constituiu, pois, urn certo «sucedaneo da verdadeira comunidade», que vinculou os individuos humanos como individuos e lhes assegurou deste modo uma evoluQao simultanea, humana. Constituiu uma «comunidade aparente» que se tornou independente dos individuos para dominar acima deles e limita-los no caso do que lhes outorgara como a classe burguesa aos seus membros - urn sentimento subjectivo de liberdade. A classe foi sempre uma uniao de uma classe frente a outra, o que levou a classe dominante a obter apenas uma falsa liberdade e a classe oprimida a receber novas cadeias impostas. Apenas na «verdadeira comunidade e atraves da sua uniao conseguem os individuos a sua liberdade» ( 54 ). Contudo, a pertenQa a classe fortaleceu e ap'rofundou ainda mais a despersonalizaQao, que se introduziu com a divisao do trabalho, e Ievou o individuo, de acordo com a sua classe, a luta com os inimigos, ao exclusivismo e a idolatria. Pas tambem rigidos Iimites a sua consciencia. «Os individuos que constituem a classe dominante tern tambem a conscien("') Ibidem, p. 74. (") Ihldem 138
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cia sujeita a outros e pensam a partir dai; pelo facto de dominarem como classe e determinarem todo o alcance de uma epoca hist6rica, e evidente que tudo isso se leva a cabo em toda a sua extensao sob outros que dominam como pensadores, produtores de pensamentos, que organizam a produQiio e distribuiQiio dos pensamentos do seu tempo; isto e, que OS seus pensamentos sao OS pensamentos predominantes na epoca.» (5 5 ) Na sua analise Marx recusa as teorias metafisicas que diferenciam uma essencia do Eu humano em si e suas formas fenom€micas empiricas e indica, de urn modo hist6rico-cientifico, que na sociedade classista, na qual a divisao do trabalho esta organizada de modo a corresponder as necessidades da propriedade privada e da economia mercantil, deve surgir uma discrepancia insuportavel, desumana e que se agudiza incessantemente entre o que o homem e e o existir arbitrario ao qual se encontra arremessado. «A diferenQa- escreve Marx- entre o individuo pessoal e o individuo casual nao e uma distinQiio do conceito, mas urn facto hist6rico. Esta distinQiio tern urn sentido diferente em epocas diferentes: por exemplo, a ordem como casual para o individuo no seculo XVIII, e a familia tambem plus ou moins. Trata-se de uma distinQiio que n6s realizamos para todos OS tempos, mas que cada epoca, sob diversos elementos preexistentes, efectua, e nao certamente segundo m;n conceito, mas sob pressao dos conflitos materiais da vida.» ( 50 )
4. A
situa~ao
do proletariado
As analises das condiQoes de vida sob o capitalismo demonstram a transformaQiio desta divisao ("') Ibidem, p. 46. 6 (" ) Ibiaem, p. 71. 139
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do trabalho e da vida social em comum em factores que retardam o desenvolvimento humano. Marx exemplifica estas consequencias com a descri~ao da vida do proletariado. No Manifesto do Partido Oomunista e noutras obras, particularmente no trabalho Lohnarbeit und Kapital (Trabalho Salariado e Capital), que se publicou no ano de 1849 no Neue Rheinische Zeitung (Nov o Jornal do Reno) e em Lohn) Preis und Profit (Salario) Prego e Lucro), 1865, Marx indicou o processo de deforma~ao intelectual do operario sob o capitalismo. Este processo foi resultado do prolongamento da jornada de trabalho e da transforma~ao do proprio caracter do trabalho. «Tempo e o espa~o para o desenvolvimento humano. Urn homem, que nao disponha de tempo livre, cujo tempo de vida- exceptuando as interrupgoes de ordem puramente fisica, necessarias para dormir, comer, etc. - esta absorvido por completo pelo trabalho para OS capitalistas, pOUCO menos e do que urn animal de carga. E uma mera maquina para a produ~ao de riqueza alheia, esgotado fisicamente e espiritualmente embrutecido. No entanto, toda a hist6ria da indUstria moderna mostra que, se nao se lhe poe freio, esta orientada, sem d6 nem piedade, para situar o conjunto da classe operaria numa situa~ao de degrada~ao maxima.» ( 5 7 ) Contudo, a tragedia desta situa~ao e agravada pelo facto de que para 0 operario 0 trabalho se converte em algo alheio, indiferente e extenuante. 0 capitalismo realiza «a separa~ao entre o homem, o trabalho e os meios de trabalho» e a chamada acumula~ao primitiva que, segundo Marx, deve chamar-se expropria~ao primitiva, «significa urn conjunto de processes hist6ricos que ocasionam a su(" ) Marx-Engel&, A gsgewah~te Schrijten, B erlim, 1953, vol. I, pp, 412 e s eguintes.
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pressiio da unidade primitiva» ("8 ). Na ordem capi-
talista, os meios de trabalho concentraram-se nas maos da bur guesia que os emprega na produQao ao serviQo dos seus interesses. Os meios de trabalho converteram-se deste modo em meios de exploraQao do operario. Marx analisou com muita clareza em 0 Capital a crescente exploraQao do proletariado efectuada pelos capitalistas que empregam o trabalho mecanizado. «Vemos- escreve sintetizando- como a maquinaria amplia o material humano de exploraQao do capital mediante a apropriaQao do trabalho da mulher e da crianQa; como confisca toda a vida do operario, ao alargar em desmedidas proporQ6es a jornada de trabalho e como os seus progresses, que permitem fabricar uma gigantesca massa de produtos num periodo cada vez menor, acabam por se converter num meio sistematico para mobi lizar mais trabalho em oada momenta ou explorar a forQa de trabalho de lim modo cada vez mais extensive.» ( 59 ) Deste modo, as maquinas converteram-se no instrumento do dominio do capital sobre o trabalho e por isso e compreensivel que tenham dado lugar a diversas acQ6es de operarios contra as maquinas. «De base material do modo de produQao capitalista», . as maquinas converteram-se em motivo e objectivo dos levantamentos operarios. Via-se nelas urn cruel instrumento da exploraQao capitalista que prolongava e intensificava a jornada de trabalho e se convertia «num sistematico saque contra as condiQ6es de vida do operario durante o trabalho, num roubo organizado de espaQo, de luz, de ar e de meios pessoais de protecQao contra os processos de produQao doentios ou insalubres. » (6 0 )
( "" ) Ibidem, p . 399. (" ) K. Marx, Das Kapi tal, Berlim, 1953, vol. I, ( GO ) I bidem, pp . 148 e seguinte.s.
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r
440.
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A apropria~ao das maquinas pelos capitalistas levou igualmente a converter a tarefa do operario em algo cada vez mais automatico e esgotante. Embora a maquina, enquanto instrumento de trabalho, possibilitasse evidentemente a « Substitui~ao da for~a humana pelas for~as da natureza, e a rotina nascida da experiencia, por uma aplica~ao consciente das ciencias naturais» ( 61 ) , o sistema de produ~ao capitalista nao permitiu a realiza~ao destas possibilidades, antes colocou a maquina ao servi~o do lucro privado. Por isso, a diferen~a entre o trabalho com maquina sob as condi~oes capitalistas e o realizado artesanalmente e na industria manufactureira consiste em que o trabalho com maquina resulta particularmente extenuante e desurnano. «Na manufactura e artesanato - escreve Marx - o operario serve-se da ferramenta; na fabrica serve a maquina. Ali, OS movimentos do instrurnento de trabalho partem dele; aqui, e ele quem tern de seguir OS movimentos da maquina. N a manufactura, os operarios sao outros tantos membros de urn mecanismo vivo. Na fabrica existe acima deles urn mecanismo morto, ao qual eles sao incorporados como apendices vivos. Essa triste rotina de uma infindavel tortura de trabalho, na qual se repete continuamente o mesmo processo mecanico, e como 0 tormento de Sisifo: a carga do trabalho roda constantemente sobre o operario esgotado como a rocha da fabula. 0 trabalho mecanico afecta enormemente o sistema nervoso, asfixia o jogo variado dos musculos e confisca toda a livre actividade fisica e espiritual do operario. Ate as medidas que tendem a facilitar o trabalho se convertem em meios de tortura, pois a maquina nao livra 0 operario do trabalho, mas priva este do seu conteudo.» {6 2 )
(
01
)
0 ( ' )
Ibidem, p. 404. Ibidem, p. 444.
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As condiQ6es de trabalho na industria capitalista sao cada vez mais dificeis, porque a necessaria divisao do trabalho, que se faz cada vez mais devido a concorrencia capitalista, «simplifica o trabalho» cada vez mais tambem e torna desnecessaria «a pericia do operario». 0 trabalhador «converte-se numa forQa produtiva ingenua, uniforme, que nao requer por em jogo nem forQa de tensao fisica nem espiritual. 0 seu trabalho resulta urn trabalho acessivel para toda a gente. De todos os lados surgem competidores e lembremos, alias, que quanto mais facil e simples de aprender e urn trabalho, quanto menos gastos de produQao exige para o assimilar, mais desce o salario do trabalho, visto que igualmente ao preQo de qualquer outra mercadoria, o desta se determina pelos gastos de produQaO» ( 08 ) . Sintetizando, Marx sublinha : «N a mesma medida em que o trabalho se converte em alga insatisfat6rio ou penoso) a concorrencia aumenta e o salario pelo trabalho realizado diminui. » ( 04 ) A situaQao da classe operaria sob as condiQ6es da economia capitalista e nao s6 dificil economicamente em grande grau, mas tambem degradante no campo da vida espiritual e moral. Isso constitui dois aspectos de urn mesmo processo: a escravatura econ6mica e tambem escravatura espiritual. A classe operaria oprimida pela burguesia encontra-se numa situaQao que destr6i radicalmente a vida humana do operario. Pois o que e obrigado a fazer na sua · vida nao tern para ele outro sentido senao prolongar a sua vida puramente biol6gica. Mais ainda: a sua vida consiste em enriquecer outros e criar enormes desproporQ6es cada vez mais agudas, caracteristicas da economia capitalista.
03 ( ) Marx-Engels, AusgetwiihlJte Schriften) Berlim, 1953, vol. I, p . 89. 64 ( ) Ibidlem .
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0 peso desta vida desumana e, no entanto, mais dificil de suportar, porque 0 operario, de jure, nao e, na economia capitalista, urn escravo. E urn homem livre como OS outros. No entanto, porque e «livre» ve-se obrigado a vender a sua forQa de trabalho de tal forma, que anula toda a sua vida humana. «A forQa de trabalho - escreve Marx - e uma mercadoria que o seu possuidor, o operario assalariado, vende ao capital. Porque a vende? Para viver. Mas a manifestaQao da forQa de trabalho, o trababalho, e a actividade vital peculiar do operario, a sua maneira de manifestar a vida. E e esta actividade vital que ele vende a urn terceiro para assegurar os necessaries meios de subsistencia. A sua actividade vital nao e, pois, para ele, senao 0 meio para poder existir. Trabalha para viver. Para ele, o trabalho nao e uma parte da sua vida; e, pelo contrario, urn sacrificio da sua vida. E urna mercadoria que foi adjudicada a urn terceiro. 0 produto da sua actividade nao constitui o objective da mesma. 0 que produz para si proprio nao e a seda que tece, nem o ouro que extrai da mina, nem o palacio que constroi. 0 que produz para si proprio e o saltirio, e seda, ouro e palacio reduzem-se para ele a uma quantidade determinada de meios de subsistencia, talvez urn casaco de algodao, urna moeda de cobre e urn casebre. E para o operario que durante doze horas tece, fia, perfura, confecciona, constroi, trabalha com a pa, pica as pedras, transporta, etc. - valem-lhe estas doze horas de tecer, fiar, perfurar, confeccionar, construir, trabalhar com a pa, picar as pedras, transportar, como manifestaQao da sua vida, como vida? Sucede precisamente o contrario. A vida comeQa para ele ao deixar esta actividade, frente a mesa, na cadeira do dono da casa, na cama. Pelo contrario, as doze horas de trabalho nao tern para ele sentido nenhurn, nada significa tecer, perfurar, etc., a nao ser o serviQo que lhe concede o direito a urna mesa, ao dominio da sua casa, a uma cama. 144
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Se o bicho da seda se mexesse para ganhar o alimenta como larva, seria urn trabalhador assalariado perfeito.» (65 ) Estas amilises de Marx expressam com evidente clareza o problema do trabalho e da vida do operario sob as condiQoes da ordem capitalista. Esta analise inclui dais aspectos. Dirige-se em primeiro lugar contra quantos, mediante aparatosos sermoes romantico-cristaos de moral, intentam estimular 0 operario ao trabalho, pretendem pregar-lhe que 0 trabalho constitui urn «dever do homem», sua dignidade e sua honra. Marx mostra que este trabalho na sociedade capitalista constitui uma venda habitual da forQa de trabalho, que se valoriza como urn elemento dos gastos de produQao segundo o padrao · que o preQo do mercado fixa. Em segundo lugar, a anaJise marxista ataca todo o genera de colaboracionistas que baseiam o seu optimismo nos calculos, pois que creem que 0 desenvolvimento posterior da economia capitalista trara uma relaQao harmonica entre operarios e capitalistas. Pelo contrario, «ao incrementar-se o capital produtivo, agudiza-se a divisao do trabalho e aumenta o emprego da maquinaria; ao incrementar-se a concorrencia entre os operarios, reduz-se o seu salario» (66 ) . 0 conflito entre o mundo do trabalho e o capital deve produzir-se inevitavelmente. Os operarios experimentam-no na sua vida diaria, nas reduQoes de salarios, agravamento das condiQoes de trabalho e na destruiQao de todos os valores do trabalho. Marx distancia-se deste modo das palavras moralizadoras e colaboracionistas, ao serviQo dos interesses de classe, e destaca com toda a crueza o caracter anti-humanista da economia capitalista, que reduz o operario a categoria de «livre vendedor» da sua ("' ) Ibidem, p. 70. ( .. ) 1/Fid:em, p. 91.
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propria forga de trabalho, menosprezando assim totalmente a sua vida de tal modo que esta e apenas urn mero vegetar. Opoe-se decididamente a todas as frases sobre a «educagao para o labor» que foram formuladas pela burguesia, ja que favorecem magnificamente os seus interesses em relagao aos operarios e camponeses. Rejeita o programa de ensino desta classe, quer seja apresentado sob urn modo encoberto de idealismos, quer quando manifesta abertamente as suas intengoes. 5. 0 problema do tempo livre na sociedade capitalista A situagao do homem na sociedade capitalista caracterizada pelo modo como se utiliza o seu tempo livre, tanto por parte da classe dominante como por parte da explorada. De modo semelhante a como o tempo de trabalho mostra na realidade como vivem os homens, o tempo livre serve para determinar o mesmo. A filosofia do prazer, escreve Marx em A Ideologia Alemii na critica a Stirner, tern a sua origem na antiguidade grega, concretamente na escola cirenaica. Mas em todo o seu amplo desenvolvimento nao constitui mais do que «a linguagem artificiosa de certos circulos socialmente privilegiados com respeito ao prazer» ( 0 7 ). 0 seu conteudo esteve sempre condicionado pelo sistema social e expressou todas as suas limitagoes e contradigoes. Sempre que se tentou extrair dela uma filosofia geral da vida humana, dirigida a todos, era forgoso cair em sofismas e falsidades, se consideramos o facto de que nero todos estao em situagao de procurar o prazer. A hipocrisia burguesa foi tao longe, que muitas vezes concebeu o prazer como uma forma de ascetismo.
e
(")
Ib~dem,
p. 403.
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Desta forma, a filosofia do prazer niio necessitava de estimular o publico com os privilegios dos predestinados: os divertimentos deles apresentavam-se ao mesmo tempo como renuncia. Do mesmo modo que em todos os outros campos da cultura e educaQiio, tambem se encontram aqui inevitaveis contradiQoes e hipocrisias, devido ao ponto de partida da classe socialmente dominante se apresentar como algo «geral-humano». Marx indica os fundamentos sociais das alteraQoes produzidas na moderna filosofia hedonista. Surge nos tempos da epoca do ab.solutismo, quando a aristocracia feudal se converte em aristocracia de palacio e a jovem burguesia, ao admitir esta vida de palacio, em correspondencia com os seus habitos, comeQa a formular os principios ai dominantes como regras do comportamento geral. Precisamente aqui reside o revolucionario da burguesia de entiio, ao elevar a normas o que para o nobre constituia uma concepQiio da vida natural e imediata. Naturalmente, todos quantos pertencem a burguesia estiio dispostos a aceita-las para si na qualidade de direitos. No entanto, ao estar ameaQada pelo proletar iado a situaQiio da burguesia no desenvolvimento hlst6rico posterior, os fundamentos do hedonismo entram em decadencia. «0 nobre- escreve Marx- torna-se devoto e religiose, a burguesia, alegre e moral, e esforQa-se nas suas teorias» ( 08 ), enquanto estas permitem actualizar o principia do luxo, mediante hipocrisias dissimuladas. Isto teve uma influencia decisiva sabre o caracter dos prazeres desejados. «Sob o dominio da burguesia - esclarece Marx - os prazeres recebem a sua forma das classes da sociedade. » ( 09 ) Os prazeres criados sob o signa do dinheiro converteram-se em aborrecimento mortal, os prazeres do proletario em 08 ( ) Ibide m. (" )· IbiclMn.
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algo brutal, pois que as limita~6es quantitativas e qualitativas do prazer e as exigencias de divertimento, alem do muito e esgotante trabalho, nao permitiam preencher o tempo livre com uma cuitura elevada. Os prazeres de ambas as classes ficavam a margem da vida real, humana e da verdadeira actidade que confere o autentico conteudo da vida. 0 emprego dos estimulos vitais pela burguesia patenteia a mesma contradi~ao fundamental em que se baseia toda esta ordem. Surge em forma de conflito entre o asc·e tismo e o desejo de viver. «Nas origens hist6ricas do regime capitalista de produ~ao - e todo o capitalista em perspectiva passa, individualmente, por esta fase hist6rica - imperam, como paix6es absolutas, a avareza e a ambi~ao de enriquecer.» (7°) Mais tarde apresentam-se outras necessidades e e necessaria para OS capitalistas «Ulla convencional dose de esbanjamento» como «ostenta~ao de riqueza» que lhe pode facilitar · creditos e exitos financeiros posteriores. Deste modo o seu luxo pessoal «passa a fazer parte das despesas de representa~ao». Nao obstante, continua Marx, «O esbanjamento do capitalista nao apresenta nunca aquele caracter bern intencionado e inofensivo do esbanjamento de urn senhor feudal afortunado, pois no seu fundo espreitam sempre a mais suja avareza e o mais cobarde caiculo; o seu esbanjamento aumenta, apesar de tudo, a par com a sua acumulagao, sem que uma tenha que censurar o outro. Deste modo, no nobre peito do capitalista se vai amassando urn conflito demoniaco entre o instinto de acumu·la~ao e o instinto de gozo» ( 71 ) . Adquire cada vez formas mais agudas, ao cres. cer a riqueza do capitalista que nao trabalha. Na primeira epoca, 0 capitalista devia trabalhar ao mesmo tempo que explorava outros, pois «a explo0 {' )
K. Marx, Da.3 Kap4tal, Berlim, 1953, vol. I, p. 623.
(")
Ibi~em.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO ra~ao imediata do trabalho custa trabalho, como todo o possuidor de escravos sabe»; mais tarde pode viver no luxo ainda que devesse sacrificar as necessidades da economia capitalista o que a abstinencia e o ascetismo recomendavam. De modo identico ao que sucede noutros casas, as anaJises de Marx mostram aqui tambem como o homem e conformado pela sua participa~ao nos processos socioecon6micos. Acumula~ao capitalista e luxo sao categorias econ6micas, mas tambem elementos da vida individual constituida correspondente. A critica da teoria e pratica do hedonismo resultou possivel apenas gra~as a for~a crescente do proletariado que se sente capaz de transformar o conjunto da vida prevalecente ate aos nossos dias e de fazer desaparecer tambem toda a sua moral ascetica e hedonista. Do ponto de vista do proletariado tornava-se evidente nao s6 o privilegio social unilateral de uns a custa dos outros, mas tambem a falta de conteudo dos «prazeres» da sociedade capitalista. «Dadas a intensidade e a for~a produtiva do trabalho, a parte da jornada social de trabalho necessaria para a produgiio material sera tanto mais curta, e tanto mais ampla, portanto, a parte de tempo conquistada para a livre actividade espiritual e social dos individuos, quanta mais equitativamente se distribua 0 trabalho entre todos OS membros uteis da sociedade, quanta mais se reduzam os sectores sociais' que afastam a necessidade natural do trabalho para alija-la sabre os ombros dos outros. Neste sentido, o absolute limite com que trope~a a redu~ao da jornada de trabalho e o caracter geral deste. Na sociedade, se uma classe goza de tempo livre e a custa de converter toda a vida das massas em tempo de trabalho.» (7 2 )
(" ) Ibidem , p . 555.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCA(:.AO
Quando esta desigualdade for superada e as amplas massas disponham de tempo livre de trabalho e quando ao mesmo tempo o seu trabalho deixe de ser uma infrutifera e esgotante opressao, quando a alienagao do homem for superada, entao podera preencher-se o tempo livre com ocupagoes cheias de conteudo. A critica das actuais formas de distracgao assim como a superagao destas s6 podem ser conseguidas quando o desenvolvimento do proletariado e a sua luta contra a burguesia alcangar urn nivel material e ideol6gico correspondente (7 3 ) . Marx resume as suas conclusoes com as seguintes palavras : «As distracgoes de todos os estratos e classes actuais tiveram de ser pueris, ou esgotantes ou brutais, porque sempre estiveram separadas do conjunto de ocupagoes do homem, que constitui o conteudo proprio da existencia dos individuos, e se reduziram, mais ou menos, a uma ocupagao vaga a qual foi dado urn sentido aparente.» (7 4 ) As analises do tempo livre na sociedade capitalista confirmam todas as investigag6es precedentes de Marx onde se expressa a degenerescencia nesta sociedade de tudo o que e moral e decente. «Para a economia classica, 0 proletariado nao e mais do que uma maquina de produzir mais-valia; numa justa reciprocidade, este nao ve no capitalista mais que uma maqina para transformar esta mais-valia em capital excedente.» (7 5 ) 6. 0 derrube da ordem classista e a homem
Iibert~
do
As explicagoes precedentes permitem reconhecer as contradigoes que se formam sabre os homens na (") Marx-Engels, Werlce, Berlim, 1958, vol. III, p. 404. (") Ibidem. (") 'K. Marx, Das Kap·ital, Berlim, 1953, vol. I, rp. 625. 150
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sociedade burguesa. Os ide6logos aperceberam-se destas contradiQoes, mas interpretaram-nas de urn modo totalmente errado ao atribuir a sua origem a certos principios sagrados, metafisicos, que teriam provocado o conflito fundamental entre o Eu e as suas formas fenomenicas empiricas na vida. Convictos de que 0 homem existente nao e urn verdadeiro homem, os, pensadores formularam urn principia em que se esconde urn nucleo de verdade; formularam-no de tal modo, no entanto, que a verdade ficou completamente oculta e deformada. Conceberam toda a vida real do homem como uma aparencia em vez de incitar a sua transformaQaO real e humana. «0 paradoxa do juizo dos fil6sofos de que o homem real nao e urn homem, e somente a mais universal e ampla expressao, no marco da abstracQiio, da contradiQao . universalmente existente entre as relaQoes e necessidades dos homens.» (7°) A superaQao desta contradiQao nao pode ser levada a cabo apenas no campo ideol6gico. Exige uma superaQao de qualquer contradiQao real da exisH\ncia; requer, pois, urn tal dominio das relaQoes sociais que de forQa estranha, que escraviza os homens, as transforme em expressao da sua actividade consciente. Somente deste modo podemos sair da confusao da filosofia e da pedagogia que ou degrada a realidade a favor de representaQoes ideais ou desiste de todos os postulados morais a favor de uma obediencia passiva a realidade existente. Todas as outras intenQoes de · resolver estas contradiQoes mais nelas nos submergem, tal como Marx evidencia nas suas am1lises da filosofia de Stirner e do «humanismo» dos «socialistas verdadeiros» (7 7 ) . Apenas o derrube do capitalismo pode superar o natural e espontaneo desenvolvimento das forQas 0 {' ) Marx-Engels, We1·ka, Berlim, 1958, vol. III, p. 415. (") Ibidem, pp. 101 e seguintes.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
produtivas utilizadas pela classe dominante e transforma-lo num processo consciente e orientado para os interesses do bem-estar comum. S6 sob estas novas condi~oes conseguem os seres humanos a possibilidade de constituir mutuas rela~oes humanas. «0 comunismo - escreve Marx - distingue-se de todos os movimentos que o precederam, porque revoluciona a base de todas as rela~oes de produ~ao e intercambios anteriores e porque considera todas as hip6teses originais, pela primeira vez, conscientemente como cria~oes dos homens que nos precederam, tira-lhes o caracter naturale submete-as ao poder de individuos unidos.» (7 8 ) 0 comunismo nao se introduz na sociedade actual vindo de fora. Surge, pelo contrario, da pratica revolucionaria da classe operaria, que brota das rela~oes materiais existentes como a for~a que prepara mais tarde a transi~ao. A classe operaria e, como Marx sublinha em diversas ocasioes, uma classe completamente peculiar, porque os seus interesses de classe nao estao dirigidos para dominar as outras classes : ao representar os seus pr6prios interesses, defende tambem os interesses de toda a humanidade. 0 movimento operario empreende a defesa dos homens oprimidos pela divisao do trabalho. Os proletarios devem apoderar-se dos meios de produ~ao e para isso dispoem de for~a suficiente. Mas a tomada das for~as produtivas, ate agora ao servi~o da propriedade privada, pela classe operaria deve coincidir com o desenvolvimento «de todas as capacidades individuais correspondentes aos instrumentos materiais de produ~iio». 0 capitalismo nao s6 nao aproveita, como ja sabemos, toda a tecnica moderna de produ~ao inerente a ele, mas destr6i-a tambern ao organizar a tecnica de urn modo adequado as necessidades do capital. Converte o trabalho colec(" ) Ibidem, ;p. 70.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
tivo em insuporta vel escra vidao, prescinde da indispensavel inteligencia na tecnica do trabalho propriamente dito e reserva as ocupagoes intelectuais a uma classe especial de empregados. 0 dominio dos meios de produgao pelos operarios e a sua organizagao par a o servigo geral permitirao realizar todas estas questoes e possibilidades. «A apropriagao de urn conjunto de instrumentos de produgao constitui por si s6 o desenvolvimento de urn conjunto de capacidades no mesmo individuo. » ( 79 ) Toda a apropriaQao de forgas produtivas ate ao presente foi limitada, porque estas forgas estavam pouco desenvolvidas e eram pouco universais. A sua apropriagao foi levada a cabo como propriedade privada e deu origem a que os individuos humanbs, que dominavam os instrumentos de produQao, permanecessem sujeitos a eles. Actualmente presenciamas urn completo desenvolvimento das forgas pr odutivas e das relagoes entre pessoas em grande escala que super am as tradicionais limitagoes da economia. «A circulagao moderna universal nao pode mais ficar sujeita aos individuos s·e ficar sujeita a todos. » Sob as r elaQoes materiais entre pessoas primitivas, dado que as forgas produtivas estavam muito pouco desenvolvidas, a sua apropriagao baseava-se exclusivamente na sua utilizagao e isso limitava todos os homens, inclusive os pr6prios possuidores. «Em todos os tipos de apropriagao - escreve Mar x uma massa de individuos permanece submetida sob urn unico instrumento de produgao; na apropriagao car acteristica do proletariado deve ser submetida uma massa de instrumentos de produgao sob todo o individuo e a propriedade sob todos.» ( 80 ) Esta apropriagao de instrumentos modernos de produQao exigir a simultaneamente uma autentica (" ) I bildem, p . 68. ( '" ) Ibi dem.
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cooperaQao de todos os homens que se diferencia radicalmente de todas as associaQ6es obrigat6rias e impostas existentes ate aos nossos dias, e que separam uns dos outros no trabalho cooperativo. Esta cooperaQao crescente, que se origina no seio do proletariado e graQas a revoluQao, e tambem o resultado das forQas produtivas modernas e a causa que possibilita a sua apropriaQao. Homens com psicologia de pr~prietarios individuais nunca estiveram preparados para realizar isto. 0 dominio capitalista destes meios perpetua as lutas e antagonismos que sao inevitaveis numa fase inferior de desenvolvimento, mas que prejudicam e limitam as possibilidades modernas. S6 homens, que carecem de meios de produQao e, mediante a revoluQao, destroem os cimentos do modo de vida e trabalho burgueses, sao capazes de criar uma sociedade colectiva trabalhadora, isenta de estatutos que apenas mantem desigualdades. Destas analises depreende-se que a separaQaO do homem do seu trabalho e do individuo da sociedade s6 sera superada sob as relaQ6es que o desenvolvimento moderno das forQas produtivas possibilita e que se estabelecerao atraves da revoluQao. S6 nesta etapa hist6rica- anuncia Marx- coincidira a actividade independente do homem, a sua ocupaQao individual, COm a vida material; is to e, a prodUQaO desta vida nao tera o caracter da mera ·aquisiQao de meios de existencia para os trabalhadores e do proveito para os proprietarios. A produQao da vida material para todos e mediante todos converte-se na expressao da ocupaQao humana de cada urn dos homens, na qual se aperfeiQoam e desenvolvem conscientemente. Esta aproximaQao entre a produ~ao da vida material e a ocupaQao independente e individual dos homens significara que se consegue urn «desenvolvimento do individuo ate ao individuo total», que se liberta de todas as «espontaneidades»; isto e, o homem ja nao se adapta mais, cega e automaticamente, as relaQ6es arbitrarias e as situaQ6es, tal 154
TEORIA MARXISTA DA EDUCA<;AO
como foi caracteristico do desenvolvimento da sociedade humana na epoca actual. A transforma~ao do trabalho humano, que no capitalismo constituia exclusivamente urn meio de existencia e de lucre, numa ocupa~ao independente e consciente dos homens trara consigo a sua libert aQao das cadeias impostas da propriedade privada e simultaneamente uma completa transforma~ao das rela~oes entr e OS homens. Estas rela~oes nao serao ja determinadas pelas necessidades objectivas da economia mercantil. A supressao da pr opriedade privada destruira as desigualdades no nivel de vida, que ate a actualidade surgiram sempre arbitrariamente. «Enquanto que ate agora uma condi~ao determinada aparecia sempre como algo fortuito, actualmente a propria especializa~ao do individuo, a prof issao particular de cada urn fica estabelecida de urn modo casual.» (8 1 ) Marx resume a analise total da actualidade nas seguintes palavras: «Demonstramos ja ... que a eliminaQao .. . da submissao da individualidade a arbitrariedade, a assimilaQao das suas rela~oes pessoais as relaQoes gerais de classe, etc., esta condicionada em ultima instancia pela elimina~ao da divisao do trabalho. Mostramos ja igualmente que a eliminaQao da divisao do trabalho esta submetida ao desenvolvimento das for~as produtivas e das rela~oes materiais entre pessoas a urn tal grau de universalidade, que impede a propriedade e a divisao do trabalho. Mostramos tambem que a propriedade privada apenas pode ser suprimida sob a condi~ao de urn desenvolvimento dos individuos em todos os sentidos, porque precisamente as relaQoes e forQaS produtivas existentes SaO polifacetadas e s6 sao adequadas a individuos que se desenvolvem em todos OS sentidos, isto e, que podem ("' ) Ib ide1n .
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O
transforma-la em actividade livre da sua vida. Mostramos ja que os individuos actuais devem suprimir a propriedade privada, porque as forQas produtiva.s e as formas de se relacionarem se desenvolveram a tal ponto que sob o dominio da propriedade privada se transformaram em forQas destrutivas e parque os antagonismos de classe alcanQaram o seu grau maximo. Finalmente, mostramos que a supressao da propriedade privada e da divisao do trabalho constitui a uniao de todos os individuos na base dada pelas forQas produtivas actuais e o intercambio mundial.» ( 82 ) Uma das tarefas muito concretas que os individuos existentes devem cumprir consiste em «implantar o dominio dos individuos sabre a arbitrariedade e as relaQ6es entre pessoas, em vez do dominio da arbitrariedade e as relaQ6es entre pessoas, sobre os individuos: cumpre-se esta tarefa ditada pelas relaQ6es actuais ao organizar a sociedade de modo comunista» ( 83 ).
("" ) Ibidem, p. 424. ("") Ibidem.
!56
CAPiTULO III
PROBLEMAS DA ALIEN.AtQA.O E DO FETICHISMO
A analise da actualidade mostra com toda a precisao o processo do aparecimento hist6rico da sociedade capitalista, acentua o significado deste processo para a vida dos homens e traga as perspectivas do futuro. Estas analises, no entanto, nao s6 descobrem a situagao, como tambem descobrem as leis concretas e objectivas. A este prop6sito, Marx afirma que a ordem social capitalista nao constitui na hist6ria urn produto consciente ou casual, embora tivesse surgido como resultado da actividade humana. Marx descobriu as leis que regem o aparecimento do capitalismo, o seu desenvolvimento e o seu futuro ocaso. Descobriu estas leis como urn cientista que mostra aos homens as leis objectivas da natureza para que este possa utiliza-las. Estas leis, que regem as transformagoes das for~as produtivas e das relagoes de produgao de urn modo objectivo, determinam por sua vez o desenvolvimento da actividade humana e da consciencia humana que dependem destas transformagoes e constituem alias a sua pedra de toque. Ao referir-se a contradigao, cada vez mais agudizada, entre as forgas produtivas e as relagoes de produgao, Marx indicou tambem a contradigao entre o desenvolvimento e enriquecimento da natureza humana mediante o trabalho e a vida social, por urn lado, e 157
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
o amordaQamento e esterilizaQao das forQas espirituais e marais dos homens realizados pela ordem capitalista, par outro. Marx prestou muita atenQao as anaJises desta contradiQao no desenvolvimento da sociedade humana. 0 primeiro confronto filos6fico que Marx empreendeu- a divergencia com Hegel- radica principalmente na concepQao da alienaQao e nos erros da teoria da alienaQao idealista.
1. A critica ma1·xista d.a
concep~ao
hegeliana da
aliena~ao
A concepQao idealista da alienaQao fundamenta-se na oposiQao metafisica do Eu ao mundo, oposiQao de que nao se tern consciencia de ser obra do proprio Eu. 0 processo de chegar a ser consciente devia converter-se no processo da superaQao da alienaQao ao regresso do Espirito a si mesmo, mediante a tomada de conscH~ncia da sua propria obra. Marx expoe conscientemente o especifico do seu proprio ponto de vista na critica as concepQoes de Hegel ao esclarecer que estas implicam uma certa verdade abstracta e geral que, no entanto, esta tergiversada pela interpretaQiio idealista. Esta verdade consiste em sublinhar a autocriaQao do homem mediante a sua propria actividade produtora do mundo objective. «0 que ha de grande na F'enomenologia de Hegel - escreve Marx - e no seu resultado final - a dialectica da negatividade, como o principia motor e criador - e, portanto, por urn lado, que Hegel concebe a autogenese do homem como urn processo, a objectividade como desobjectivaQao, como alienaQao e como supera.Qao desta alienaQao, e capta, portanto, a essencia do trabalho e concebe o homem 158
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
objectivado e verdadeiro, por ser o homem real, como resultado do seu proprio trabalho.» (1) 0 erro de Hegel consiste em que concebeu todo o processo de forma~ao do homem de urn modo abstracto. «0 unico trabalho que Hegel conhece e reconhece e o abstractamente intelectual.» (2) Por esta razao, a filosofia hegeliana comporta, em vez de homens concretos e de um desenvolvimento historico concreto das transforma~6es sociais, conceitos abstractos, desfigurando assim o sentido proprio da aliena~ao. A aliena~ao
converte-se deste modo numa questao exclusivamente intelectual, numa questao da consciencia. 0 homem aliena-se a si proprio, enquanto as suas obras sao apenas supostamente uma realidade alheia, porque nao possui a autoconsciencia completa, porque - imaturo espiritualmente- esta sujeito as ilus6es da consciencia e nao porque nao domine de facto a realidade e esteja subordinado a ela. Para Hegel a autoconsciencia constitui a essencia do homem «Toda a aliena~ao do ser humano nao e, pois, mais nada do que a alienagao da autoconsciencia. A aliena~ao da autoconsciencia nao se considera como expressao ... da aliena~ao real da essencia humana.» {3 ) Pelo contrario, esta aliena~ao real considera-se o reflexo da consciencia imatura que desaparecera ao alcan~ar a completa autoconsciencia espiritual. A aliena~ao fundamental do homem e - para ' Hegel- apenas urn fenomeno da aliena~ao realizada no campo espiritual. Uma concep~ao deste tipo determina metodos idealistas para a supera~ao da aliena~ao. A supera~ao efectua-se no pensamento. Para Marx, no en{') Mexico, (') (')
Marx-Engels, La, Sagrarla Fl1ilnilia, 1962, p. 55. IbirJ;em, p. 56. Ibidem, p. 57. 159
Ed.
Grijalbo,
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
tanto, nao e capaz de modificar as relaQoes materiais entre pessoas, pais aceita a situaQao real do homem e modifica-a apenas no Espirito. Deste modo, da concepQao idealista da natureza da alienaQao depreende-se a concepQao idealista da sua superaQao. Par isso, na filosofia hegeliana tern urn significado fundamental a tese de que o «objecto da consciencia nao e mais do que urn elemento da autoconscH~ncia » ou -par outras palavras- uma «autoconsciencia objectiva». Todo o objectivo constituiria, a partir da sua propria natureza, a base das relaQoes alienadas, pais 0 objectivo e alheio ao homem; a superaQaO da alienaQao deve conceber-se, pais, como superaQao do objectivo. A filosofia hegeliana indica nao s6 como o espirito humano deve superar a alienaQao, mas tambem que esta superaQao somente e possivel na base do idealismo que nega a realidade do objectivo. A negaQaO, que significa opor a essencia humana o mundo objectivo, perde a sua forQa fundamental e converte-se num factor que incita a consciencia a superar estes impedimentos atraves da comprovaQao de que a sua objectividade, o objectivo e o independente, constitui uma ilusao. A filosofia de Hegel nao viu o processo de exteriorizaQao do homem nas suas verdadeiras obras nem os processos de sujeiQao dos homens a estes produtos reais tornados como urn mundo alheio e superior. A filosofia hegeliana interpreta estes processos da vida como processos do pensamento. 0 principal obstaculo com o qual se encontrava a conscH~ncia consistia, pais, no objectivo como tal e nao no objectivo alienado ('1 ) . No intuito de eliminar o proprio objectivo da vida e nao as suas formas alienadas, a filosofia hegeliana converte-se num elemento de mistificaQao e tambem de oportunismo. Em vez da supe(' ) Ibi dem , pp . 61 e seguintes.
160
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO ra~ao real, surgem as supera~oes ideais ; em vez da autentica transforma~ao da realidade por obra do homem, origina-se a degrada~ao total que se efectua nas alturas do Espirito e constitui, na pratica, o reconhecimento da ordem existente. Hegel ao substituir o homem concreto e real pelo conceito de consciencia- escreve Marx-, «a realidade humana mais diversa apenas aparece como uma determinada forma, como uma determinabilidade da , autoconsciencia ... Na fenomenologia hegeliana ficam de pe os fundamentqs materiais) sensiveis) objectivos das diferentes formas alienadas da autoconsciencia humana, e toda a obra destrutiva tern como resultado a mais conservadora filosofia) pois ere ter superado o mundo objectivo) o mundo sensivelmente real, tao depressa como o converte numa mera determinabilidade da autoconsciencia» ( 5 ). Por isso, a demonstra~ao da aliena~ao assim como a sua supera~ao constituem na filosofia hegeliana uma pura opera~ao pensante que nao descobre OS factores reais nero os reorganiza. A filosofia hegeliana, tomada no seu conjunto, nao tern validade para a vida humana real, mas para a consciencia, a qual e considerada urn elemento fundamental da existencia. A vida real e considerada como algo ilus6rio, aparente, e, pelo contrario, a consciencia como o unico real e determinante. A filosofia de Hegel nao terminou propriamente com a religiao real, mas s6 com a religiao como objecto da consciencia, isto e, com o dogmatismo. Nao analisa o Estado real, mas s6 o Estado como objecto da consciencia, isto e, a ciencia do Estado e do direito. Nao liquida a natureza real, mas s6 as ciencias naturais. 0 revolucionario na filosofia de Hegel vive apenas no mundo dos conceitos, das concep~oes e opinioes. Nao tern, no entanto, vigencia na vida real, pois
(') Ib1ulem, p. 257.
161
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
trabalha com abstracgoes e interpreta a consciencia como o ser, como a origem exclusiva da realidade. Deste modo se origina a metafisica do Espirito, a metafisica das ldeias. «0 homem real e a natureza real convertem-se simplesmente em predicados, em simbolos deste homem real oculto e desta natureza irreal. » ( 0 ) A filosofia hegeliana, embora contenha uma correcta ideia basica da autoprodugao do homem no decurso da sua produgao material e das suas manifestagoes exte:rnas que se lhe opoem, deformou esta ideia atraves da metafisica idealista. A alienagao e a sua superagao, o objective e a negagao receberam urn conteudo abstracto, converteram-se em instrumento que mistificou a situagao real do homem, num instrumento do oportunismo perante as condi~oes reais de vida. 2. No caminho de uma teoria materialista da aliena~ao matelialista Urn esquema grosseiro mas elementar das concepgoes de Marx encontra-se nos manuscritos nao publicados em vida e que foram tornados publicos no terceiro volume das obras completas de Marx e Engels em 1932 sob o titulo de Manuscritos Eoon6mico-Filos6fioos (7) a par de outros trabalhos, especialmente em A Questiio Judaica, em A ldeologia Alemii e em A Sagrada Familia. Marx interessava-se entao particularmente pelas analises da situagao dos homens em condigoes de vida concretas, configuradas pelo dinheiro e pelo trabalho humano produtivo. Marx demonstra neste campo como a vida humana se aliena na epoca do (') Ibi dem, p. 65. (1) Marx-Eng>els, Kleine okonomische Schriften (Cadernos Econ6micos ), Berlim, 1955, pp. 42 e seguintes.
162
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
capitalismo ('''), e perde o seu verdadeiro conteudo human a. Para Marx, o trabalho humano que transforma a natureza constitui a caracteristica fundamental e especifica do genera humano. E por esta caracteristica que o homem se diferencia dos animais. Certamente, tambem Os animais sao capazes de pro~ duzir, mas a sua produ~ao, como Marx assinala, e alga completamente diferente. Realizam-na somente, sob a imperiosidade das necessidades vitais, enquanto que o homem, . prescindindo de tal impulso, pode produzir e produz melhor precisamente quanto mai~ livre esta de tais necessidades vitais imediatas. A fun~ao vital dos animais e algo totalmente especifico e desenvolve-se dentro do genera respectivo de modo adequado as suas limita~oes; 0 homem, pelo contrario, e capaz de criar em diversos aspectos e adaptar-se nas suas cria~oes a natureza do objecto; e capaz, tal como Marx refere, de criar tambem segundo os principios da beleza. 0 que os animais produzem serve somente para a manuten~ao da sua existencia, enquanto que o que o homem cria, transforma e ilumina a natureza a imagem do hom em. Isto explica-se, porque os produtos dos animais, num certo sentido, pertencem ao seu corpo e os produtos do homem, pelo contrario, existem como objectos independentes ( 8 ). Nesta actividade transformadora do mundo externo manifesta-se, surge e consolida-se a essencia do genera humano. Gra~as a produ~ao · material, a natureza pode converter-se em obra humana e realidade humana. Por esta razao, pode definir-se o trabalho como uma actividade cujo conteudo constitui a objectiviza~ao da vida generica do homem. Gra~as ao trabalho, o homem desdobra-se
(*) (
8
)
Observagoes do autor. V, Apendice, cap. III, 1). Ibidem, p. 104.
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TEORIA
I
-
M~STA
DA EDUCAQAO
nao s6 espiritualmente na conscH~ncia, mas tambem realmente ao contemplar-se e criar-se (9 ) . Este caracter do trabalho, que constitui o especifico do ser generico do homem, destr6i-se par completp na economia capitalista, pais o homem aliena-se cada vez mais sob as suas condi~oes. Em que consiste este processo de aliena~ao, que e este trabalho alienado? A este respeito Marx indica quatro aspectos fundamentais. Em primeiro Iugar, o trabalho que ele realiza produz objectos que ja nao lhe pertencem. Nao lhe pertencem nao s6 no sentido humano como nem sequer no sentido de possuidor econ6mico. Isto significa que ele nao deve utiliza-los de modo nenhum, visto que nao sao para ele. 0 operario nao pode viver deles nem formar-se com eles, nem pode admira-los esteticamente ou apropriar-se espiritualmente. Sao-lhes arrebatados tanto no sentido material, econ6mico, como no espiritual e moral. «0 que e o produta do seu trabalho - escreve Marx- nao e ele.» (1°) 0 produto nao lhe pertence, nao 0 forma nem o desenvolve. A diferen~a entre o que o operario produz e 0 que ele e realmente na sua vida quotidiana e enorme e torna-se cada vez maior. «0 operario fica mais pobre - escreve Marxquanta mais riqueza produz ... ; com a valorizar;ao do mundo das coisas aumenta em rela~ao directa a desvalorizar;ao do mundo humano.» (11 ) Os produtos do trabalho apresentam-se perante os homens cori:w imagens alheias e impenetraveis ao ditar-lhe as suas exigencias. Servindo-as, os homens perdem o que sao na realidade, perdem tanto no sentido espiritual como no fisico. Embora o operario produza varias riquezas mediante o seu trabalho, perde cada vez mais a sua verdadeira existencia, morre de fome e (') IlYVdem, p. 105. 0 ( ' ) Ibildem, p. 99. 11 ( ) Ibidem, p . 98.
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TEORIA
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torna-se rude. A sua vida assume uma forma alienada, converte-se em escravo da sua produ~ao que lhe e totalmente alheia. N estas analises Marx assinala a discrepancia crescente entre a vida do operario e as riquezas produzidas pelo operario. Esta diferen~a - e isto e muito importante para a compreensao do pensamento marxista- nao e so uma diferen~a economica que consiste em nao se poder possuir o que se produz. E tambem uma diferen~a humana, espiritual, que estabelece que os objectos produzidos sob estas condi~oes nao constituem nenhuns factores do desenvolvimento do ser humano nem podem constitui-lo. 0 operario nao pode chegar a ser 0 que sao as coisas produzidas por ele, nao pode converte-las em elementos da sua propria vida espiritual, moral e estetica. Por isso, o mundo das coisas que ele produz converte-se para si em algo cada vez mais alheio, e ao mesmo tempo nao pode, devido a sua aliena~ao frente a este mundo, enriquecer sequer o seu conteudo humano. Desce cada vez mais baixo e converte-se na mais miseravel mercadoria que e a sua forga de trabalho. A alienagao existente no homem assume, no entanto, urn segundo aspecto. Confronta o homem com o seu proprio desenvolvimento. 0 trabalho ja nao e 0 trabalho proprio e individual do operario e chega a ser algo cada vez mais alheio a este. Converte-se numa actividade que ele sente como algo externo. · 0 operario nega-se a si mesmo neste trabalho e nao se afirma, arruina o seu corpo e o espirito, em vez de se fortalecer e desenvolver-se, como sucede com qualquer outra actividade humana. 0 facto de trabalhar nao constitui neste caso uma actividade que satisfaga as necessidades essenciais do homem como urn ser que aetna, mas que constitui somente urn meio de assegurar a existencia. No trabalho, o homem realiza o que lhe for encomendado e por isso nao pertence a si mesmo, mas converte-se no ins165
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trumento de algo que deve ser conseguido atraves de si. «Assim como na religiao - escreve Marx a actividade propria da fantasia humana, do cerebra humano e do cora~ao humano actua sobre o individuo independentemente dele, isto e, como uma actividade estranha, divina ou demoniaca, assim tambem a actividade do operario nao e a sua actividade propria. Pertence a outro, constitui a diminui~ao de si mesmo.» ('1 2 ) A aliena~ao do homem atraves do trabalho alheio a ele, que produz objectos alheios, possui, no entanto, urn terceiro sentido. Manifesta-se na natureza do homem e na sua propria essencia generica. Ja temos observado que 0 trabalho e 0 que transforma a natureza e a partir dela cria a realidade humana. 0 trabalho alienado deforma, segundo Marx, a rela~ao do individuo com o que constitui a essencia da propria humanidade. A caracteristica especifica do genero humano consiste em que utiliza cada vez mais a natureza como aprovisionamento imediato de meios de existencia e como materia e instrumento da actividade vital e, no campo do conhecimento teorico, da cria~ao estetica, etc. A vida dos homens encontra-se indissoluvelmente vinculada a natureza que fornece alimentos, objectos de investiga~ao, objectos para a arte, etc. 0 trabalho alienado, ao destruir o vinculo entre o homem e as suas obras, que constituem uma reelabora~ao da natureza, destroi 0 vinculo entre 0 homem e a essencia generiCa humana. 0 individuo, entao, nao participa ja desta essencia generica e existencia humana, mas sujeita-as as proprias necessidades individuais na luta pela sua existencia fisica. A actividade vital surge entao ao individuo apenas como urn meio para a conserva~ao da existencia, enquanto que a produ~ao em si constitui fundamen-
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talmente uma caracteristica do ser especifico proprio ao genera humano. «li: a vida produtora de vida. No tipo de actividade vital reside todo o caracter de uma especie, o seu caracter generico.» (1 3 ) Uma caracteristica do homem como genera e viver para produzir, enquanto o trabalho alienado ensina ao individuo humano precisamente 0 contrario, isto e, que deve produzir para viver. Deste modo, o homem converte «a sua essencia num mero meio da sua existencia» (1 4 ) . Isto significa que este sentido, que configura a essencia do homem, se considera como algo secundario, como uma obrigaQiio para assegurar a sua subsistencia. 0 homem arroja, por assim dizer, atras de si, 0 que para ele e assegurar urn meio de existencia e aliena-se ainda que niio seja completamente consciente disso, pois aliena o mais proprio e essencial da sua natureza. A alienaQiio afecta ate as raizes da vida humana. Niio so origina que a realidade produzida pelo hom em lhe apareQa alheia e que o trabalho realizado por ele se lhe apresente no seu proprio processo como algo alheio. Origina tambem que as capacidades mais proprias e essenciais do homem -as capacidades de produQiio - se lhe representem concretamente como algo alheio a ele, pois lhe aparecem como instrumento na luta individual pela existencia. Deste modo, o homem perde a compreensiio da sua propria essencia e faz falsas representaQoes do que ' e. Devido a esta perda que o priva da essencia generica do homem, 0 individuo isola-se cada vez mais do genera, do que constitui o humano generico, e comeQa a viver uma existencia em aparencia rica e livre, mas na realidade vazia e desumana. Isto manifesta-se especialmente naqueles que niio podem trabalhar e podem viver livres de preocupaIbidem, p. 104. (") Ibidem. (1ll)
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~oes materiais. «Em primeiro Iugar ha que prevenir que tudo - escreve Marx- quanta aparece no operario como actividade de exteriorizar;ao, como alienagao, naquele que nao trabalha manifesta-se como estado de exteriorizagao, de alienagao.» (1 6 ) Este estado de alienaQaO, em que vivem OS que nao trabalham, facilita-lhes projectar representaQoes imaginarias, urn individualismo radical, cujos fen6menos Marx criticou principalmente no exemplo de Max Stirner. Esta ignorancia, na dificil luta pela existencia e quase no estado de vegetar, do criteria de que a essencia do homem e uma actividade consciente, produtiva e livre, corresponde a urna ignorancia semelhante de consciencia sabre a essencia hurnana que se manifesta nos ricos e nas pessoas que nao trabalham. E finalmente a quarta forma de alienaQao. Consiste na crescente alienaQao dos homens nas suasrelaQoes mutuas. Este fen6meno constitui uma parte integrante - e tambem urn resultado - do processo descrito. Urn individuo, ao alienar o seu trabalho e a si mesmo, tern for~osamente de alienar tambem outros homens, pois o vinculo real entre os homens, a verdadeira comunidade humana s6 pode ser estabelecida no que constitui a essencia da humanidade; isto e, sobre urn trabalho produtivo, consciente e livre. Quando este sentido se perde e desfigura, sij.o · derrubadas as bases da sociedade humana. Mais ainda, o processo de alienaQao que separa os pr6prios produtos, o proprio trabalho do homem das suas capacidades essenciais deve conduzir a agudos antagonismos entre os homens, concretamente entre aqueles que trabalham e os que dominam sabre eles e utilizam os produtos do seu trabalho. A propriedade privada esta vinculada dialecticamente a alie-
( " ) Ibidem, p. 111. 168
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naQao, produ-la e e produzida por ela. 0 trabalho alienado do operario produz a daquele que o governa, o capitalista, de modo semelhante ao modo como este produz a alienaQao do operario. A propriedade privada e a negaQao da «propriedade verdadeira e social» que vincularia os homens. Constitui urn elemento do seu antagonismo e luta. A alienaQao dos homens e o seu trabalho origina antagonismos cada vez mais agudos entre os que extraem da alienaQao urn beneficia egoista correspondente as necessidades da propriedade privada e os que a alienaQao situa num modo distinto de existencia humana ou seja, a miseria e a exploraQao. No entanto, entre os operarios, cresce a revolta contra a alienaQao, na relaQao de homem a homem na classe operaria. Os operarios sabem que a sociedade hurnana, da qual se encontram excluidos devido ao seu trabalho, nao constitui somente uma comunidade politica com determinados direitos e privilegios, mas que uma comunidade verdadeiramente hurnana e aquela onde existe lugar suficiente para a vida fisica e espiritual completa, para a actividade verdadeiramente hurnana e a alegria, para todas as manifestaQ6es do ser hurnano. Por isso, conseguem realizar urna modificaQao revolucionaria mais radical que urna mera modificaQao politica, urna revoluQao que elimine todos os impedimentos que se opoem a sua verdadeira associaQao para constituir urna comunidade verdadeiramente humana ( 16 ). A analise do trabalho alienado empreendida por Marx compreende, pois, quatro amplos aspectos aos quais conduzem as consequencias da total e polifacetada alienaQao do hom em: o hom em aliena-se dos produtos do seu trabalho, o proprio processo do seu trabalho, do seu proprio ser e do respeito dos outros homens. 0 trabalho alienado e caracteristico do ca(' 0 )
Marx-Engels, ·W erke, Berlim, 1956, vol. I, p. 408. 169
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pitalismo que se baseia na propriedade privada. A propriedade privada, tal como Marx assinala, nao constitui s6 urn elemento da aliena~ao do homem, mas tambem um elemento da aliena~ao das coisas em si: a terra nao tern nada em comum com a renda do solo, e a maquina tambem nao tern nada em comum com o beneficia; no entanto, para os possuidores, que estao dominados pela avareza, o solo nao e mais do que a fonte da renda e a maquina, o instrumento d() lucro (1 7 ) . A analise do papel desempenhado pelo dinheiro na vida dos homens na sociedade capitalista pode ilustrar o melhor possivel 0 caracter desumano da propriedade privada, a sua for~a alienante. Nas suas medita~6es sabre o caracter do dinheiro e o seu papel na forma~ao do homem, especialmente no capitalismo, Marx enla~a com pensamentos de Shakespeare e Goethe; a este respeito, indica que o dinheiro assegura ao possuidor a consecussao das qualidades pessoais desejadas, incluindo ate quando as nao possui em absoluto. « :E tao grande a for~a do dinheiro - escreve Marx - , e tao grande a minha for~a . As propriedades do dinheiro sao minhas - do possuidor - propriedades e for~as essenciais. 0 que eu sou e posso nao esta determinado de modo nenhum pela minha pessoa. Sou odioso) mas posso comprar a mulher mais bela. Deste modo, portanto; nao sou odioso) pais o efeito do odioso) a sua for~a repulsiva foi destruida pelo dinheiro ... Sou um homem mau, sem honra, sem escrupulos, vulgar, no entanto honra-se o dinheiro; do mesmo modo, ao seu possuidor ... Eu, que posso tudo quanto urn cora~ao deseja gra~as ao dinheiro, nao pOSSUO todos OS poderes humanos? Nao transforma, por acaso, todas as minhas impotencias no seu contrario?... 0 que eu nao posso enquanto homem) o que as minha.S
(
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)
Ib1utem, Berlim, 1958, vol. III, p. 211.
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pessoais pr6prias nao podem, posso-o atraves do dinheiro.» (1 8 ) A posse do dinheiro e o facto de dispor dele oculta aos meus olhos as representa~oes do ambiente acerca do que realmente sou e da Iugar a uma nova representa~ao baseada nas possibilidades financeiras. Assim se origina uma discrepancia entre o que o homem e realmente e 0 que parece por causa da posse de dinheiro. Esta discrepancia, no entanto, nao e s6 uma ilusao da mente, e a ilusao propria do homem que. come~a a ver-se a si mesmo sob o prisma do seu dinheiro e nao segundo as verdadeiras capacidades. Os criterios morais e verdadeiramente humanos de avalia~ao sao enfraquecidos ou destruidos pelo primado do dinheiro. Os homens e as coisas nunca mais sao julgados pelo que sao. Avaliam-se segundo o dinheiro, segundo o poder do dinheiro de que dispoem. No mundo vista sob o prisma do dinheiro, tudo e diferente da realidade; e possivel tudo aquila que nao deveria ser realmente possivel. Neste sentido, Marx des creve o dinheiro como instrumento da prostitui~ao geral, como «a prostituta geral. .. dos homens e povos» ( ~ 9 ). Com isto, no entanto, nao finaliza o papel destrutivo do dinheiro na economia capitalista. Desumaniza nao s6 a vida dos ricos, mas tambem a dos pobres. Enquanto da a uns o que na realidade nao tern, tira aos outros o que objectivamente sao. As propriedades e desejos dos homens que nao dispoem de dinheiro nenhum nao podem realizar-se num mundo baseado no dinheiro. Sao, neste mundo, algo irreal, ainda que originariamente tivessem sido alga real e completamente pessoal. «Quando nao tenho dinheiro para viajar - escreve Marx - nao tenho necessidade nenhuma de viajar, ou seja, nenhuma 6 ( ' ) lbid!em, pp. 162 e seguintes. ( " ) lb•i!dem, p . 163.
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necessidade verdadeira e que se realize. Quando tenho capacidade para o estudo, mas nao disponho de dinheiro para ele, nao tenho capacidade nenhuma para 0 estudo; isto e, nenhuma capacidade efectivaj verdadeira. Pelo contrario, se nao possuo realmente capacidade para o estudo, mas sim o dinheiro e a vontade para isso, possuo uma capacidade efectiva.» (2°) 0 dinheiro constitui, portanto, urn factor que leva muitos homens a atrofiarem-se, porque nao disp6em de possibilidade nenhuma para se realizar na vida social, vida que esta constituida sabre os principios da economia capitalista. Nesta ordem social, a vida dos homens esta afectada por uma separaQao intrinseca e radical: a zona das capacidades pessoais e hunianas e a zona que 0 dinheiro poe a disposiQao nao existem; existem opostamente. A posse do dinheiro faz que sejamos na vida o que nao somas na realidade. «0 dinheiro - escreve Marx-, como alga externo, que nao pro~ vern do homem enquanto homem nem da sociedade enquanto sociedade, e que e urn meio e urn poder, transforma a representagiio em realidade .e a realidade em mera representagiio) transforma as capacidades verdadeiras) humanas e naturais em meras representaQ6es abstractas e por isso em imperfeigoes e quimeras penosas, assim como, por outro lado, ~ransforma as verdadeiras imperfeigoes e quimeras, as capacidades realmente impotentes, existentes apenas na imaginaQao dos individuos, em capacidades reais e aptidoes.» (21 ) Deste modo, a vida, que os homens levam numa sociedade baseada no predominio do dinheiro, esta articulada de uma maneira completamente distinta de como poderia e deveria estar segundo as neces-
(' ") Ibidem, p. 164. ('') Ibidem, pp. 164 e seguintes.
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sidades pr6prias, pessoais e humanas e as capacidades. 0 poder do dinheiro da origem a uma «transformaQao da individualidade», pois converte os hoJilens nos seus pr6prios contrarios ao originar neles propriedades que nao possuiam e liquidar as que tinham. Isso, naturalmente, nao e levado a cabo por qualquer educaQao mediante a qual se realize urn processo de formaQao e de ensino. Trata-se de urn poder externo sob cuja influencia se origina uma certa forma da nossa existencia que, tendo em conta as nossas capacidades, e ilus6ria e falsa; uma forma de existencia que, se temos dinheiro, e injustamente perfeita e, se nao 0 possuimos, e limitada e miseravel. 0 caracter anti~humanista da sociedade capitalista patenteia-se do modo mais evidente nesta discrepancia. E o pior consiste em que esta vida, que compramos com dinheiro e que constitui por isso uma existencia falseada, ficticia, melhor ou pior do que realmente somos, e a nossa (mica vida real, uma vida que levamos todos os dias da nossa existencia, no nosso trabalho e nas nossas ocupaQoes nos tempos livres, nas nossas relaQoes com os outros homens. Todos os dias de trabalho e descanso da nossa vida estao determinados no seu conteudo e campo de -acQao economicamente pelo dinheiro. E inversamente, a nossa verdadeira vida, que se construiria a partir d as nossas pr6prias necessidades, essa vida que se possui e aperfeiQoa sem ser comprada, nao dispoe 'de qualquer lugar nas relaQoes econ6micas predomi- · nantes no capitalismo. Constitui uma vida puramente interior, isto e irreal e falsa. A sociedade capitalista nao s6 cria .a burguesia e o proletariado, duas classes que participam de modo diferente no processo de produQao. Tambem ctia homens, ricos e pobres, cuja vida depende do dinheiro cada vez em maior grau isto e, homens cuja existencia se separa cada vez mais do conteudo pes.s oal e humano e que adoptam uma forma «comprada». 0 papel destrutivo que o dinheiro desem173
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penha na vida dos homens penetra na economia capitalista num vasto campo, no campo da valoriza~ao dos homens e das coisas. Esta « transforma~ao da personalidade», da qual ja temos falado, origina uma desorganiza~ao nao s6 no julgamento de urn homem concreto, mas tambem na solidez e independencia de certas caracteristicas e situa~oes. 0 dinheiro, disse Marx, «transforma a fidelidade e:qJ. infidelidade, o amor em 6dio, o 6dio em amor, a virtude em perversidade, a perversidade em virtude, o criado em senhor, o senhor em · criado, a estupidez em razao, a razao em estupidez» ( 22 ) . Estas transforma~oes permitem reconhecer que nenhuma das qualidades mencionadas significa urn valor independente, mas que cada uma delas depende do grau de riqueza e sua fun~ao. N em as caracteristicas das pessoas nem as posi~oes sociais parecem ser independentes. Vale a pena leva-las a serio? Nao se deveria tamar s6 a serio o dinheiro que reina como medida geral do valor? A sociedade capitalista oferece motivos se formular o problema deste modo: «Ao estender-se _a cir.,. cula~ao de mercadorias, cresce o poder do dinheiro; forma sempre pronta e absolutamente social da riqueza. Como o dinheiro nao tern o r6tulo do que se compra com ele, tudo, seja mercadoria ou nao, se converte em dinheiro. Tudo se pode comprar e vender. A circula~ao e como urn grande vasa social onde se lan~a tudo, para dele sair cristalizado em dinheiro. E desta alquimia nao escapam nem os ossos dos santos nem outras res sacrosanctae extra commer.,. cium hominum ( coisas sagradas a margem do comercia dos hom ens) . Como no dinheiro desaparecem todas as diferen~as qualitativas, este radical nivelador apaga, par seu !ado, todas as diferen~as.» {2 3 ) 22 ) Ibidem, p. 165. {"") K. Marx, Das KdJpitaZ, Berlim, 1953, vol. I, p. 165.
{
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A conversao de todas as coisas na sua expressao em dinheiro liquida as suas diferenQas qualitativas, especiais noutros valores nao perceptiveis. «Vis to que o dinheiro, conceito do valor, que existe e se consolida, transforma todas as coisas e as muda, constitui a confusao e permuta universais de todas as coisas.. . Dado que o dinheiro nao se troca par uma qualidade determinada, nem por uma coisa determinada nem par forQas reais humanas, mas por todo o mundo objectivo do homem e da natureza, muda - consideradq de urn ponto de vista do seu possuidor- as propriedades entre si - inclusive as propriedades e objectos contrarios.» ( 2 4 ) · · Isto traz ao homem consequencias muito importantes. ForQa-o a participar na vida pelo dinheiro e nao pela sua actividade pessoal nem por dedicaQao propria. Marx sublinha especialmente esta consequencia. «Se prevalecesse o homem como homem e a sua relaQao com o mundo como algo humano - escreve Marx-, s6 poderias trocar amor por amor, confianQa por confianQa, etc. Se quisesses desfrutar da arte, terias de ser urn homem educado artisticamente; se pretendesses influir noutros hom ens, deverias ser urn homem verdadeiramente interessante e influente sabre os outros homens. Todas as tuas relaQOes com o homem - e a natureza - devem ser uma manifestagao determinada correspondente ao objecto da tua vontade, da tua vida real e individual. » ( 25 ) Os vinculos humanos com o mundo circundante . consistem numa participaQao pessoal nele, tal que nos introduz nesta substancia fisica a que pretendemos chegar para obter resposta do mundo circundante. No mundo verdadeiramente humano apenas se troca igual por igual; apenas pod em constituir valores de troca qualidades pr6prias, reais, e nao
e'l Marx-Engels, Kleitne okonomisohe Schriften, Berlim, 1955, p . 165. (" ) Ibidem, pp. 165 e s eguintes. 175
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qualidades supostas. Esta concep~ao humana da vida esta amea~ada pelo fetichismo da mercadoria e ainda mais pelo fetichismo do dinheiro relacionado com ele. Permite conceber a existencia humana como de- · pendente de produtos objectivos dos quais nao somas ja conscientes de que surgirao do trabalho humano e que por causa desta perda de consciencia obtem o poder sabre instancias independentes dos homens que regem. 0 homem, nestas condi~oes, ve-se lan~;ado a uma existencia desumana, a uma renuncia de si mesmo 0 homem converte-se assim num elemento da produ~ao capitalista, transforma-se em mercadoria. «A produ~;ao nao s6 produz homens como mercadorias) como mercadoria humana; o hom em definido na mercadoria e produzido de acordo com esta determina~;ao como urn ser desumanizado tanto espiritual como fisicamente.» (2 6 ) A aliena~ao capitalista degenera o homem completamente. Degenera-o no sentido de que anula nele · mesmo as qualidades realmente humanas e desperta e desenvolve no ser humano qualidades alheias. Marx analisa detalhadamente este processo na forma~;ao do homem, sob as condi~oes da aliena~ao capitalista. «Todo o homem - escreve Marx- especula para · criar a outrem necessidades novas, para o obrigar a urn novo sacrificio, para o situar numa nova dependencia e para o conduzir a urn novo modo de prazer e, com isso, a ruina econ6mica. Todos tentam criar for~;as essenciais estranhas sabre os outros para encontrar a satisfa~ao da sua propria necessidade egoista. «Com a quantidade de objectos cresce o dominio dos seres estranhos a que o homem esta sujeito, e cada produto novo constitui uma nova potencia da impostura e saque reciprocos. 0 homem, quanta
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mais pobre se torna, mais necessita do dinheiro para se apoderar da existencia inimiga e o poder do seu dinheiro desce exactamente em propor~ao inversa ao volume de produ~ao; isto e, a sua indigencia cresce ao aumentar o poder do dinheiro ... A quantidade do di~eiro converte-se cada vez mais em fmica qualidade poderosa... A enormidade e imensidao chegam a ser a sua verdadeira medida. No aspecto subjectivo, isto aparece assim: em parte, o aumento dos produtos e das necessidades escraviza-se engenhosa e calculisticamente aos caprichos desumanos, r efinados, artificiais e imagindr·ios. A propriedade privada nao sabe converter a necessidade primaria em humana; o seu idealismo constitui a fantasia, a arbitrariedade, a veleidade, e urn eunuco nao adula o seu despota e tenta excitar a sua pratica do prazer embotada com meios mais infames para obter urn favor . para si mesmo, tal como o eunuco da industria, o produtor, para obter moedas de prata, para tirar do bolso do vizinho, cristamente apreciado, o passaro de ouro. (Cada produto e uma isca com que se quer atrair a existencia dos outros, o seu dinheiro; qualquer necessidade real ou possivel constitui uma debilidade que atraira as moscas ao favo de mel. A explora~ao universal do ser humano comunitario como toda a imperfei~iio do homem, constitui urn vinculo com o ceu, apresenta urn aspecto tal, que o seu cora~ao torna-se acessivel ao sacerdote ... ) 0 eunuco industrial submete-se a mais depravada ruina, . desempenha o papel de encobridor entre o vizinho e a sua necessidade, suscita nele caprichos m6rbidos, espia-lhe qualquer debilidade para obter a gratifica~iio por esta obra caritativa. · «Esta aliena~ao revela-se por produzir o refinamento das necessidades e dos seus meios, por urn lado, e a degenera~ao de tipo animal, a simplicidade total, primitiva e abstracta das necessidades, par outro; ou, mais exactamente, apenas se engendra a si mesmo novamente no seu significado oposto. Ate 177
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mesmo a necessidade de ar livre deixa de ser uma necessidade para 0 operario ; 0 hom em regressa a trapeira, somente invadida pela emana~ao pestilenta da civiliza~ao e na qual ele vive de modo tao precario, de tal forma que em cada dia uma for~a estranl1a lho pode arrebatar ... Nao s6 o hom em nao tern qualquer necessidade humana, mas tambem deixam de existir para ele as necessidades animais.» (2 7 ) Nas palavras citadas fica patente o sentimento critico e humano de Marx perante a auto-aliena~ao do ser humano q:ue e levada a cabo pela aliena~ao capitalista. Afecta todas as classes, ainda que de modo diferente em rela~ao a classe dominante e ao proletariado. No entanto, o perigo que as amea~a tern caracteristicas comuns: trata-se igualmente da auto-aliena~ao causada pela propriedade privada que nao s6 sacia miseria e explora~ao, apetites e egoismos, luxo exagerado e bestialidade, mas que cria tambem a opiniao de que a natureza humana e assim. E certo que a posi~ao hist6rica e as condi~oes de vida do operario e da burguesia sao completamente diferentes, e diferente e tambem 0 aspecto de ambas as classes; todavia, apesar dos antagonismos e as diferen~as, ambas as classes estao relacionadas mutuamente. No decurso do desenvolvimento hist6rico das for~as produtivas e das rela~oes de produ~ao, a ordem social capitalista desempenha urn lugar determinado. A unidade desta ordem social, plena de antagonismos e lutas, determina as condi~oes basicas de vida para toda a sociedade. Uma caracteristica especifica destas condi~oes e a acumula~ao capitalista, o dominio do dinheiro, que provem da proprie. dade privada dos meios de produ~ao. Estas condi~oes influem nos homens. 0 seu dominio de classe e a sua posi~ao activa modificam o caracter desta in-
(")
IMdem, pp. 140 e seguintes.
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fluencia, mas ha certos problemas educativos fundamentais em comum. «A classe possuidora e a classe do proletariado manifestam a mesma auto-alienaQao humana - observa Marx em A Sagrada Famila. - Mas a primeira das classes sente-se bern e afirma-se e confirma-se nesta auto-alienaQao, sabe que a alienaQao e 0 seu proprio poder e que nele possui a aparencia de uma existencia humana; a segunda, em contrapartida, sente-se destruida pela alienaQao, ve nela a sua impotencia e a realidade de uma existencia desumana. E, para empregar palavras de Hegel, na reprovaQao, a sublevaQiio contra a reprovaQao, uma sublevaQao a que seve necessariamente impelida pela contradiQao entre a sua natureza humana e a sua situaQao de vida, que e a negaQao franca e aberta, resoluta e ampla desta mesma natureza.» ( 2 8 ) Dentro do marco da antinomia da sociedade capitalista, os possuidores sao urn elemento conservador, os operarios urn elemento revolucionario. Os primeiros actuam para conservar a antinomia, os segundos tentam destrui-la. 3. 0 caracter fetichista da mercadoria
Em 0 Capital · esta analise da alienaQao adquire uma forma mais rica e mais concreta. Das meditaQOes gerais sobre o homem e a sua actividade, Marx· vai ate ao estudo das forQas objectivas sabre as quais Se determina, na epoca do capitalismo, a situaQaO dos homens. A analise marxista da mercadoria no primeiro capitulo de 0 Capital ultrapassa os limites fixados pela ciencia econ6mica burguesa. Constitui uma analise fundamental que da a toda a caracteri8 (" ) K. Marx, La Sagrada Familia, Ed. Grijalbo, xico, 1962.
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zaQao marxista da epoca moderna uma harmonia interna e urn sentido humanista, e assim as tarefas revoluciomirias convertem-se em normas para uma acQao orientada para a libertaQao dos homens das cadeias da escravidao classista que servem os fetichismos. Pode-se considerar justamente que em todo o ensino marxista nao existe urn segundo conceito - excepto o conceito da luta de classes e da revoluQao- que apresente urn interesse tao fundamental para a concepQao da educaQao, como o conceito da mercadoria que Marx formulou ao descobrir as leis da economia capitalista. 0 ponto de partida das investigaQoes de Marx e, como ja se sabe, a diferenciaQao entre valor de usa e valor de troca. Valores de usa, pode o homem encontra-los na natureza em estado ja pronto para seu usa, como, par exemplo, oar, as arvores, que crescem sem adubos nem cuidados especiais, etc. Pode tambern produzi-los atraves do seu proprio trabalho. 0 · que satisfaz as suas necessidades proprias com o seu produto cria valar de uso, mas nao mercadoria» (2 9 ) , escreve Marx. Os valores de troca pressupoem necessidades alheias que para sua satisfagao exigem os frutos do trabalho alheio e oferecem em troca produtos do proprio trabalho. Na medida .em que «Ovalor de uso se realiza somente no usa ou no consumo» aparece «O valor de troca primeiro como a relaQao quantitativa, a proporQao em que se trocam valores de usa de urn tipo par valores de usa de outro tipo'». Portanto, o valor de usa e alga concreto e exactamente determinado quantitativamente. 0 valor de troca constitui uma abstracQao, urn resultado quantitativa da comparaQao de coisas distintas. que prescinde das suas caracteristicas proprias. No processo de troca, as qualidades de coisas distintas, que servem para satisfazer diversas necessidades, nao sao ( ~' )
K. Marx, Da.s Kapital, Berlim, 1953, vol . . I, p. 45.
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equiparaveis nem podem se-lo. No processo de troca revela-se «algo comum» que esta contido numa quantidade determinada em ambos os objectos citado~ e possibilita a sua troca. A procura e determina!;ao deste equivalente quantitativa dos objectos concreta e qualitativamente diferentes constitui a essencia do intercambio. Nesta base Marx empreende a analise da mercadoria. Em primeiro Iugar, a mercadoria e «urn objecto externo, uma coisa apta para satisfazer necessidades humanas, qualquer que seja a sua classe» ( 80 ) . Mas a distin!;ao entre valor de uso e valor de troca possibilita penetrar mais profundamente na essencia da mercadoria. Esta nao se identifica com todo o objecto que satisfa!;a as necessidades humanas. «Urn objecto pode ser ii.til e produto do trabalho humano sem ser mercadoria.» «Os produtos do trabalho destinados a satisfazer as necessidades pessoais de quem os cria sao indubitavelmente valores de uso, mas nao mercadorias. Para produzir mercadorias, nao basta produzir valores de uso, mas e necessaria produzir valores de uso para outros} valores de uso sociais. » (8 1 ) Este produzir «para outrOS» nao deve ter 0 caracter de qualquer atributo, mas deve ter par objecto a verdadeira troca. «0 produto - comenta Engels - deve chegar atraves do intercambio as maos de quem dele necessita como valor de uso. » Assim, pois, nem todo o objecto que possui urn ' valor de uso e uma mercadoria; no entanto, todas as mercadorias sao objectos de uso que tern tambem urn valor de troca. Dai, o duplo caracter da mercadoria: valor de uso e valor de troca. 0 trabalho humano que produz mercadorias expressa-se nelas de dupla forma: como produtor do valor de uso da 30 ) Jbiidem, p. 39. ('" ) Jbictem, p. 45.
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mercadoria, da sua qualidade, e como pr odutor do valor de troca da mercadoria, aquilo «comum» que possibilita a t r oca e situa os diferentes objectos num denominador comum. Assim, pois, em toda a mercadoria se encerra urn certo «trabalho util» que da orl.gem a que o objecto seja «assim ou assim», e uma certa quantidade de trabalho como for~a de trabalho empregue que origina que este objecto possua urn determinado valor de troca quantitativa. «Portanto, se em rela~ao ao v alCYr de uso o trabalho representado pela mercadoria s6 interessa qualitativamente} em rela!;iio a magnitude do valor so interessa no seu aspecto quantitativa} uma vez reduzido a unidade de trabalho humano puro e simples. » (3 2 ) Esta ambivalencia tern urn grai).de significado. 0 valor de uso da mercadoria esta relacionado com as necessidades qualitativas humanas que o produto satisfaz. 0 valor de troca da mercadoria nao se encontra contido «Sensivelmente» nela. Constitui algo social, uma expressao de metodos de avaliagao social do dispendio de trabalho necessaria na produ!;iio do objecto. Mas este metodo depende de muitos factores e principalmente do nivel das for~as produtivas e da ordem social, podendo separar-se do valor de uso real do objecto. Deste modo, a forma natural da mercadoria, a forma de uso, esta sujeita a sua forma de troca. Isto e algo particularmente importante nos sistemas econ6micos desenvolvidos. «0 produto do trabalho - escreve Marx- e objecto de uso em todos OS tip OS de sociedade; SO numa epoca do progresso determinada historicamente, aquela que ve no trabalho investido para produzir urn objecto de uso uma propr iedade "materializada" deste objecto, ou seja o
(" ) I bidem, p. 50.
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seu valor, se converte o produto do trabalho em mercadoria. » (3 3 ) Uma analise exacta mostra a evoluc;ao das formas de valor desde a forma simples ate a geral, a forma dinheiro. Mostra como se deforma sempre urn equivalente geral de todas as mercadorias que determina as suas relac;oes de troca opostas, fazendo abstracc;ao das qualidades concretas e dos diversos trabalhos e s6 estabelecendo relac;ao com a caracteristica da quantidade de forc;a de trabalho empregada de modo nao diferenciado. Marx define este processo como «caracter fetichista da mercadoria e seu segredo». Ele possui, tal como ha pouco indicamos, urn grande significado para a compreensao do sentido revolucionario-humanista do ensino marxista. «A igualdade dos trabalhos humanos assume a forma material de uma objectivac;ao igual de valor para os produtos do trabalho; o grau em que se gast e a forc;a humana de trabalho, medido pelo tempo da sua duraQiio, reveste a forma de magnitude do valor dos produtos do trabalho, e, finalmente, as relaQoes entre uns e outros produtores, relaQoes em que se traduz a funQiio social dos seus trabalhos, adquirem a forma de uma relaQiio social entre os pr6prios produtos do seu trabalho.» ( 84 ) Desenham-se contornos definidos da realidade socioecon6mica que, embora originariamente s6 expresse relaQoes concretas entre. os que trabalham, os homens que produzem objectos e os trocam, alcanQa a independencia, e o trabalho humano transforma-se num criterio avaliador inde~ pendente e ao mesmo tempo preferido. «0 caracter misterioso da forma mercadoria -determina Marxfundamenta-se, portanto, pura e simplesmente, em que projecta perante OS homens 0 caracter social do (" ) Ibidem, p. 67. (") Ibidem, p. 77.
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trabalho destes como se fosse urn caracter material dos pr6prios produtos do seu trabalho, urn dom social · destes objectos e como se, portanto, a rela~ao social que medeia entre os produtores fosse uma rela~ao social estabelecida entre os mesmos objectos, a margem dos seus produtores. » ( 35 ) A ·natureza real, fisica, dos objectos de uso produzidos pelo homem nao implica nada que pudesse servir para a determina~ao de rela~oes objectivas de troca. Estas rela~oes entre os homens, que se configuram de modos diferentes, levam a que os produtos do seu trabalho se equiparem e avaliem de urn certo modo com ajuda de urn equivalente quantitativa. Sendo este processo de troca, mais complicado e abstracto, mais salidamente se afirma na consciencia humana a ilus6ria opiniao de que nos objectos de uso se encontra algo contido que for~a a troca-los s6 de uma determinada forma. A rela~ao entre as mercadorias, escreve Marx, «que aqui reveste, aos olhos dos homens, a forma fantasmag6rica de uma rela~ao entre objectos materiais, nao e mais do que uma rela~ao social concreta estabelecida entre os pr6prios homens. Por isso, se queremos encontrar uma analogia com este fen6meno, teremos de remontar as regioes nebulosas do mundo da religiao, onde os produtos do espirito humano semeiam seres dotados de vida propria, de existencia independente e relacionados entre si e com os hpmens. Assim acontece no mundo das mercadorias aos · produtos da mao do homem. E a isto o que chamo o fetichismo sob o qual se apresentam os produtos do trabalho tal como se criam em forma de mercadorias e que e inseparavel, por conseguinte, deste modo de produ~ao»
(8°).
("' ) Ibidem. ("' ) Ibidem, p. 80.
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Este caracter fetichista da mercadoria determina que os homens em vez de serem conscientes de si mesmos como produtores e disporem dos seus propries produtos, seguem, como escravos, as exigencias das relagoes de troca entre as mercadorias como algo objectivo, independente deles algo que talvez possa constituir uma instancia para avaliar o seu trabalho e vida. 0 incremento do intercambio de mercadorias oculta cada vez mais os valores de uso, esconde cada vez mais o trabalho qualitativamente diferenciado, origem destes objectos qualitativamente diferenciaveis, negando assim cada vez mais que o seu trabalho se considera como urn «emprego da energia» indiferenciada e os objectos produzidos como mercadorias de uso para os outros. 0 intercambio de mercadorias exerce, portanto, uma forte influencia nos homens e configura a sua posigao. Marx da urn especial valor a esta consequencia. Sublinha que a relagao original e natural do homem com o seu proprio trabalho constitui a produgao de objectos de uso. Somente quando este objecto assume o caracter de mercadoria trocavel permite ao homem a compreensao de que o produzido por ele constitui nao so urn objecto de uso qualitative pessoal, mas inclui tambem urn certo esforgo quantitativamente mensuravel e comparavel aos esforgos semelhantes de outros homens. Desde que o homem tenha consciencia do caracter ambivalente do proprio trabalho, muda a sua relagao com ele. Comega a determinar separadamente o valor de uso e o valor de troca na aceitagao do trabalho. «0 que sobretudo interessa praticamente a todos os que trocam uns produtos .por outros, e saber quantos produtos alheios obterao pelo seu proprio, isto e, em que proporgoes se trocarao uns produtos por outros.» {3 7 ) (" ) Ibidem.
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Atraves da troca da sua propria posiQao, os homens cedem cada vez mais as exigencias de urn «intercambio mercantih que lhes parece ser regido por leis independentes deles, correspondentes as propriedades objectivas das proprias coisas. Deste modo; as chamadas leis de intercambio dominam os homens, em vez de serem os homEms a domina-las. As relaQ6es do intercambio que na realidade sao relaQ6es entre OS homens, sao contempladas pelos homens como relag6es entre as coisas que provem do caracter dos proprios objectos. A influencia desta ilusao prejudicial e tao grande que - na opiniao de Marx- pode impedir a argumentaQao cientifica, prova de que «OS produtos do trabalho, enquanto valores, sao meras express6es objectivadas do trabalho humano empregado na sua produQaO» e nao o proprio trabalho. «As confusoes nas relaQoes da produQao mercantil» manifestam, tal como Marx indica, a caracteristica desta forma de produQao especial, como por exemplo, que o caracter especificamente social dos trabalhos privados e independentes uns dos outros consiste na sua igualdade como trabalho humano e adopta a forma do caracter de valor do produto do trabalho, ainda que as analises cientificas descubram o caracter mutavel e social das relaQoes entre os produtores (3 8 ). A ideologia da epoca capitalista esforQa-se por consolidar e aprofundar este estado que se baseia na auto-alienaQao do homein causada pela propriedade. Engels, escreve Marx, com razao definiu Smith como o Lutero da economia politica. Lutero descobriu que a fe constitui o conteudo da religiao e a essencia da vida crista. Manifestou-se, par isso, contra a religiosidade exterior e estabeleceu tambem os fundamentos da religiosidade interior dos homens. Opos-se ao clero e cimentou o espirito religioso na alma de cada
(
38
)
Ibidem.
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homem. Com Smith realiza-se um processo analogo na economia politica. A riqueza, que se concebia como alga alheio a rela«;;ao como homem, conceituou-se como propriedade privada de alga pessoal e cobi~ado. A riqueza, que anteriormente constituia alga objective, independente dos b.omens, representava para esta teoria 0 fruto do seu trabalho, isto e, alga que esta muito proximo do homem. Deste modo, a economia politica corporizava a «propriedade privada» no proprio ser do homem, como sua expressao natural. Do mesmo modo que com Lutero a religiao deixou de ser alga objective, uma questao do clero e da lgreja, para se converter num assunto subjective e proprio do homem, a riqueza deixou de ser com Smith alga externo e alheio ao homem para se converter numa propriedade humana orientada par necessidades interiores. Esta ideologia parece reconhecer os homens desde o primeiro instante e liberta-los das cadeias do exterior, respeitar as suas necessidades interiores e pessoais. Mas manifesta-se muito rapidamente, pais conduz os homens a uma escravidao ainda mais espantosa, uma escravidao cujas cadeias possuem caracter intrinseco ao homem. «Sob o aspecto de reconhecer o homem, a economia politica, cujo principia e 0 trabalho, nao faz mais do que realizar consequentemente a renega«;;ao do homem, pais que nao se encontra ja situado numa rela«;;ao de tensao externa com a essencia exterior da propriedade privada, e ele mesmo que se converteu nesta essencia tensa da propriedade privada.» (3 9 ) Esta penetra«;;ao do mundo das coisas produzidas pelo homem no seu proprio interior e a perda das suas caracteristicas especificas humanas sao defini(") Marx-Engels, lim, 1955, p. 120.
K~eritne
okonomische Schrtften,
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Ber-
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das por Marx como alienaQao. Enquanto nao aparece urn fen6meno deste tipo, encontramo-nos com a objectivizaQao, exteriorizaQaO da essencia humana pela sua actividade. «0 que anteriormente foi auto-exteriorizaQao do ser, exteriorizaQao real do homem, converteu-se no acto desta exteriorizaQao, em alienaQao.» (40) Esta definiQao marxista possui urn grande significado, porque sublinha que o mundo objectivo -no caso de uma alienaQao- actua sabre os homens mediante a negaQad das caracteristicas verdadeiramente humanas e que realiza isto sob a aparencia de uma autentica exteriorizaQao da sua vida interna supostamente verdadeira, sob a aparencia da sua actividade propria. Este processo da auto~alienaQao inconsciente constitui a essencia da propria alienaQao. 4. A
supera~ao
da
alien~ao
A evoluQao do mundo das relaQoes socioecon6micas com o mundo dos fetiches que alienam os homens nao se baseia naturalmente num erro infeliz da consciencia. Tern as suas causas reais que deviam ocultar-se. Marx critica Feuerbach por causa da ·sua . critica contemplativa da religiao, porque a considerou ponto de meras ilusoes e nao mostrou as reais raizes sociais destas ilusoes; Marx nao deixou de assinalar, depois de indicar 0 caracter fetichista e alienado da realidade econ6mica, as causas que conduziram a iSSO e OS metodos possfveis da SUa supe- • raQao. Na introduQao de A Ideologia Alemii ilustrou exactamente este processo hist6rico que conduziu a origem e agudizaQao desta alienaQao. Foi o processo de uma divisao do trabalho progressista. Este pro('") Ibiwem, :pp. 120 e ·s eguintes. 188
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cesso foi levado a cabo sob a influencia das necessidades naturais da existencia e nao constituiu um feito consciente dos hom ens: «Enquanto a actividade esta dividida nao voluntaria, mas naturalmente, o acto proprio do homem converte-se para ele num poder alheio que o enfrenta e que o submete em vez · de ser ele quem o domina.» , «Esta afirma~ao da actividade social, esta consolida~ao do nosso proprio produto num poder objectivo sobre nos que nos domina, escapando ao nosso _controle, interferindo nas nossas aspira~6es e destruindo as nossas previs6es, constituiu urn dos momentos principais do desenvolvimento historico existente ate aos nossos dias. 0 poder social, isto e, a for~a produtiva multiplicada, que tern origem na coopera~ao condicionada de diversos individuos, pela divisao do trabalho, nao surge a estes individuos, dado que a coopera~ao nao e livre mas natural, como o seu proprio poder unido, mas como urn poder alheio, que existe a margem deles, do qual eles nao sabem nem donde provem nem onde conduz, que nao podem, pois dominar e que, pelo contrario, percorre umas etapas proprias e fases de desenvolvimento independentes da vontade e curso da humanidade, ainda que esta vontade e curso proprio da humanidade seja a fulica a dirigir a sucessao de tais etapas e fases.» ( 41 ) Com a especializa~ao de diversos trabalhos, os homens nao podiam satisfazer de modo imediato todas as suas multiplas necessidades. Viram-se for~ados a utilizar os produtos do trabalho de outros homens. Tambem por causa da especializa~ao nao podiam utilizar todos os seus produtos, mas viram-se for~ados a entregar uma parte deles a outros homens. Isto constituiu mais urn elemento da aliena~ao. «Este caracter fetichista do mundo das mercado41 ( ) Marx-Engeis, W ·erke, Berlim, 1958, vol. 3, pp. 33 e seguintes.
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rias resnonde ... - escreve Marx - ao caracter social genuino~ e peculiar do trabalho produtor de mercadorias. Se OS objectos uteis adoptam a forma de mercadorias e pura e simplesmente porque sao produtos
de trabalhos privados independentes uns dos outros. 0 conjunto destes trabalhos privados forma o trabalho colectivo da sociedade. Como os produtores entram em contacto social ao trocar os produtos do seu trabalho entre si, e natural que 0 caracter especificamente social dos seus trabalhos privados apenas resulte dentro deste intercambio. Tambem poderiamos dizer que os trabalhos privados s6 funcionam como elos do trabalho colectivo da sociedade atraves das rela!::6es que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, atraves deles, entre os produtores. Por isso, perante estes, as rela!::6es sociais que se estabelecem entre os seus trabalhos privados aparecem como 0 que sao isto e, nao como rela!::oes directa-. mente sociais das pessoas nos seus trabalhos, mas como relat;oes materiais entre pessoas e relagoes
sociais entre coisas.» (42 ) A divisao do trabalho, que nao e divisao social desde o inicio, origina que os produtos apare!::am como elementos fundamentais das relaQoes entre os -homens. As relaQoes entre os homens convertem-se por isso principalmente em relaQ6es objectivas. As relaQoes entre os produtos do trabalho humano adoptam no mercado do intercambio o caracter de relaQoes sociais independentes, de cuja forQa os homens nao podem separar-se. Deste modo, as coisas comeQam a dominar OS homens, ainda que estes, em ultima instancia, aceitem que sao livres porque produzem individualmente o que querem. Mas quanta mais se desenvolve a economia mercantil mais esta ilusao se afasta da realidade.
(
42
}
K. Marx, Da8 Kapital, Berlim, 1953, vol. I, p. 78.. . 190
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«E os nossos possuidores de mercadorias - escreve Marx- advertem que este mesmo regime de divisao do trabalho que os converte em produtores privados independentes faz com que o processo social de produQao e as suas relaQoes dentro deste processo sejam tambem independentes deles mesmos) donde que a independencia de uma pessoa com respeito a outras venha a combinar-se com urn sistema de mutua dependencia a respeito das coisas. A divisao do trabalho converte o produto do trabalho em mercadoria, tornando com isso necessaria a sua transformaQao em dinheiro. ·Ao mesmo tempo faz com que 0 facto de se efectuar OU nao esta transubstanciaQaO seja urn facto puramente casual.» ( 43 ) A superaQao destas consequencias da divisao do trabalho s6 e possivel sob a condiQao de uma transformaQao radical do caracter da divisao do trabalho. 0 processo casual, natural e individual deve transformar-se num processo social e consciente. Entao os diversos trabalhos converter-se-iam em elementos de uma produQao social generalizada. As relaQoes sociais dos homens manifestar-se-iam no seu trabalho enos produto8 deste trabalho; as relaQoes entre os produtos, no entanto, perderiam a sua significaQao independente e ja nao regeriam as relaQoes do homem como homem. Ao apresentar a analogia com Robinson, Marx ilustra os seus pensamentos. Robinson tinha de produzir objectos muito diferentes, mas utilizava-os todos pessoalmente. Realizou a divisao do trabalho em si e s6 para si mesmo; isto e, dominou os seus pr6prios produtos e nao ficou sujeito aos fetiches. Somente numa sociedade de homens livres «que trabalhem com meios de produQao sociais e exerQam as suas multiplas forQas de trabalho individual conscientemente como forQa de trabalho social» se con("') Ibildem, p. 113.
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figuram as rela~oes materiais entre pessoas de modo -igual ao da ilha de Robinson; s6 no caso do individuo produtor e consumidor ser urn sujeito colectivo e nao urn individuo isolado. Mediante a participaQao na produQao todos recebem o direito a participaQao no consumo. «Como aqui se ve, as relaQoes sociais dos homens como seu trabalho e os produtos do seu trabalho sao perfeitamente claras e simples, tanto no que respeita a produ~ao como no que se refere a distribuiQao» ( 44 ). Aqui nao existe lugar para o fetiche incompreensivel e que impoe a sua forQa. Os produtos do trabalho nao se convertem em mercadorias independentes, nao produzem qualquer capital, nao submetem as relaQ6es dos homens ao seu imperio. S6 nestas condi~oes e possivel o completo desenvolvimento do homem. ' Entre o periodo da comunidade primitiva, em que a divisao do trabalho estava muito pouco desenvolvida, e o futuro, em que se organiza esta divisao de urn modo social, existe urn periodo de tempo em que tal divisao se transformou num factor de unilateralidade na vida dos homens, na fonte de exploraQao e apropriaQaO do homem. Esta epoca teve diversas fases, mas em nenhuma delas este fen6meno adoptou formas tao agudas como no capitalismo. No feudalismo, as rela~oes sociais, tal como Marx observa, sao conscientes para os homens enquanto sociais, mas nao enquanto rela~oes objectivas. Estas relaQoes caracterizaram-se pela escravidao e dominio, pela dependencia pessoal dos hom ens. No en tanto, visto que esta dependencia pessoal mutua entre OS homens se reconhecia como alga legal e moral e que as relaQ6es da dependencia pessoal criaram uma base social, nao era necessaria que o trabalho e os seus produtos adoptassem uma forma fantastica, que os diferenciava da sua essencia real. 0 trabalho e os (
44
)
Ibidem, p. 84. 192
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seus produtos encontram Iugar adequado na engrenagem social, como serviQos e prestaQoes ... «Portanto, qualquer que seja a opiniiio que nos merecem os papeis que aqui representam uns homens frente aos outros, 0 facto e que as relaQoes sociais das pessoas nos seus trabalhos se revelam como relaQoes pessoais suas, sem se disfarQarem de relaQoes sociais entre as coisas, entre os produtos do seu trabalho» (45 ). No capitalismo, pela primeira vez, realiza-se de modo completo esta mistificaQao. As relaQoes entre os homens baseiam-se principalmente no reconhecimento da liberdade e igualdade, mas na realidade tais relaQoes baseiam-se no rendimento de trabalho de uns para o proveito de outros; quando estas prestaQoes de trabalho nao derivam da propria estrutura social, colocam-se como exigencia necessaria das leis econ6micas, como necessidade objectiva, como vontade do mundo mercantil. As diferenQas reais e em constante crescimento entre os homens na ordem capitalista dissimularam-se com a aparencia de algo «objectivo» . . A descoberta das causas principais da origem e desenvolvimento dos processos de alienaQao permite -segundo Marx- adquirir metodos efectivos que devem ser utilizados para suprimir a alienaQao. Estes metodos nao podem ser metodos filos6ficos que certos conceitos ou representaQoes contenham. Se nos servimos de tais metodos, permanecemos na esfera da conscH~ncia que Marx considera a origem da vida real dos homens, mas antes sua expressao. Pelo contrario, se entendemos por alienaQao uma manifestaQao real e concreta do homem, do seu conteudo humano, e indicamos que as suas causas nao sao teorias ilus6rias, mas nocivas, naturalmente ha que conceber tambem a supressao da alienaQao no sentido da actividade social real. (") Ibidem, p. 83.
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Esta actividade tern premissas concretas. Se a alienaQao constitui urn processo que caracteriza a situaQao e estado de conscii~ncia dos homens, especialmente na sociedade capitalista, o seu auge e ocaso depend em das leis gerais que regem esta _sociedade. 0 desenvolvimento hist6rico das forQas produtivas origina a propriedade privada e as formas de vida alienadas que se encontram a ela vinculadas. No entanto, este desenvolvimento prepara simultaneamente as futuras possibilidades para a superaQao da alienaQao atraves do derrube da ordem baseada na propriedade privada. «Mas as ciencias naturais, atraves da industria, penetraram na vida humana, transformaram-na e prepararam a emancipaQao humana de urn modo tao pratico, que deviam aperfeiQoar de modo imediato a desumanizaQaO. » ( ~ ) A alienaQao e superada - disse Marx- quando este desenvolvimento cumpre certas condiQ6es. A alienaQao converter-se-a em algo insustentavel quando a grande maioria de homens e completamente despojada da propriedade, quando viva na miseria e na opressao frente a riqueza alheia, quando nao tenha nenhum acesso a cultura, quando as forQas produtivas se desenvolvam de urn modo tao agudo, que possam assegurar tudo o que e necessaria. A contradiQao entre esta auto-alienaQao dos homens e as possibilidades desaproveitadas do seu completo desenvolvimento humano constitui a caracteristica fundamental da epoca em que se realiza a superaQaO da alienaQao. A superaQao da alienaQao dos homens no capitalismo constitui a tarefa do comunismo. 0 comunismo, escreve Marx, «Conhece-se... ja como reintegraQao ou regresso do homem a si, como aboliQao da auto-alienaQao humana... 0 comunismo, aboliQao 0
("'" ) 1\!Iarx-Engels, Kl eine okonomische Sch1-ij-ten, B erlim, 1955, P. 136.
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positiva da propriedade privada - que representa a auto-alienagao humana- e por conseguinte apropriagao real da essencia humana por e para 0 homem ; assim, pais, regresso total que se realiza conscientemente e no quadro de toda a riqueza do desenvolvimento anterior, regresso do homem a si mesmo enquanta homem social) isto e, humano» ( 47 ) . Com a revolu~ao comunista ficam patentes todos os obscuros artificios, e sao superadas todas as limita~6es que encadeavam a humanidade e a desorganizavam. A aboli~ao da propriedade privada constitui a liberta~ao total de todas as propriedades e sentimentes humanos. A rela~ao do homem com o mundo e do homem com o homem chega a ser autenticamente humana. «A religiao, a familia, o Estado, o direito, a moral, a arte, etc., nao sao mais que modos especiais da produ~ao e sao derrubados com a sua lei geral. A aboli~ao positiva da propriedade privada) apropria~ao da vida humana) constitui, pais, a aboli~ao positiva de toda a aliena~ao, isto e, 0 regresso do homem a sua existencia social .a partir da religiao, familia, Estado, etc. » ( 48 ). S6 a aboli~ao da aliena~ao permite o desdobramento total de todas as for~as e capacidades humanas, possibilita urn desenvolvimento da humanidade em constante aperfei~oamento, que se realiza com base no trabalho humano. 0 trabalho, que sob as condi~6es da propriedade privada se tinha convertido em meio de lucro e instrumento de explora~ao, assume uma fun~ao adequada ao seu caracter. Converte-se num bern para quantos produzem e numa for~a que constr6i no seio da natureza urn mundo mundano cada vez melhor. 0 homem libertou-se das limita~6es da existencia animal gra~as ao trabalho e tambem, pelo
(" ) 18 (' )
Ibi~em, p. 127. I b-Dwem , p . 128.
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trabalho, podera desenvolver-se no que lhe sucede, quando os produtos do trabalho pertengam a todos. A analise da aboligao da alienagao e as perspectivas que tal aboligao abre corroboram a justeza da nossa interpretagao marxista do conceito de alienaQao. Nao e identica ao conceito de objectivizaQao, nao significa so o facto de que os homens estao sujeitos aos produtos do seu proprio trabalho, visto que nao tern consciencia da sua propria produgao. A alienagao denuncia a forga natural do mundo dos objectos como forga alheia e nao humana que penetra nos homens e os desurnaniza. Ao superar-se a alienagao, a objectivizagao dos homens no trabalho e pelo trabalho deixa de existir. Pelo contrario, desenvolve-se especialmente. 0 regresso do homem a si nao e, num sentido marxista, urn regresso ao conteudo sagrado preexistente, nao constitui uma contemplagao orientada para o interior do homem. «0 homem- escreve Marx- nao e urn ser abstracto, oculto fora do mundo. 0 homem e 0 mundo dos homens, o Estado, a Sociedade.» ( 49 ) Esta relagao, que Marx repete de modo muito preciso em Teses sabre Feuerbach, indica a essencia da hurnanidade que se vai constituindo no processo historico do trabalho social. Entao esboga-se urn novo mundo humano produ'zido pelo trabalho no seio da natureza, trabalho que na epoca da alienagao era urn objecto de exploragao; o mundo circundante da vida hurnana transforma:-se completamente, produzem-se cada vez mais e melhores obras, e consequentemente se desenvolvem e transformam os homens. A criagao do mundo objectivo das coisas e das relagoes pelos homens era, na epoca da alienagao capitalista, urn apendice da auto-alienagao da humanidade pelos homens. Esta mesma (") Marx-Engels, La Sagr(J)da Famili a, Ed. Grijalbo, MeXi{!o, 1962, p. 3.
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO cria~ao transforma-se na epoca em que a aliena~ao foi abolida num factor do posterior desenvolvimento polifacetado dos homens. «Ja vimos - escreve Marx- que significado possui, nas condi~oes do socialismo, a riqueza das necessidades humanas e, por conseguinte, o significado que adquirem urn novo modo de produgao e urn novo objecto da produ~ao: novas aplica~oes da for~a essencial do homem e urn novo enriquecimento da essencia humana.» ( 50 ) A produ~ao, que no capitalismo desperta necessidades «desumanas», prejudiciais e artificiais e que e tambem urn elemento de opressao, abre o caminho da evoluQao e desenvolvimento gerais. Destas reflexoes deduz-se que Marx concebera e formulara de urn modo cada vez mais concreto e real o problema da alienaQao, «da desumanizaQao» do homem pela submissao ao poder dos seus pr6prios produtos. 0 seu diagn6stico cada vez mais preciso da situa~ao do novo mundo, baseado na analise das leis do desenvolvimento da economia capitalista, indica o processo de desumaniza~ao que se processa na classe dominante e amea~a tambem a classe operaria. No terceiro volume de 0 Capital, Marx demonstra no estudo da economia capitalista que tal economia destr6i mais os homens e o seu trabalho vivo que qualquer outro modo de produ~ao, e gasta nao s6 carne e sangue, mas tambem nervos e espirito. 0 problema da liberta~ao do homem conseguida atraves · da libertaQao da opressao e explora~ao constitui para Marx urn problema que nao e absoluta nem exclusivamente «material» nem exclusivamente «politico». Constitui igualmente urn problema humanista e pedag6gico.
60 ( ) Marx-Engels, Kleilne 1955, p. 140.
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Sch?'if'lien, Berlim,
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0 seu conteudo fundamental e libertar o homem da sua actual dependencia do mundo dos seus proprios produtos, despertar nele a consciencia das proprias for~as criadoras e dar novas possibilidades de urn desenvolvimento polifacetado. 5. A concepgao marxista da aliena(lio dos homens no capitalismo Ao sintetizar as nossas considera~oes, devemos observar que a concep~ao marxista da aliena~ao se diferencia radicalmente da interpreta~ao de Feuerbach e da de Hegel, e que tambem as interpreta~oes de outros paises - especialmente na literatura francesa- nao examinam o amago da questao, colocando em primeiro plano momentos que para a concep~ao marxista so representam aspectos secundarios e deixando a margem as questoes mais importantes. A concep~ao marxista da aliena~ao distingue-se fundamentalmente de toda a concep~ao idealista que ve na aliena~ao urn estado especifico da consciencia, ou- de modo mais exacto -urn estado em que o homem nao e completamente consciente da sua propria produ~ao. 0 conceito da aliena~ao inclui o de que os homens nao reconhecem a realidade em que vi vern como a sua propria obra; este elemento nao constitui o conteudo exclusivo da aliena~ao nem representa a sua parte mais importante e decisiva. Este facto tern urn fundamento real, socioeconomico, e nao e absolutamente nada urn assunto da consciencia · «pura». A vida real reflecte-se na consciencia dos homens escravizados e explorados sob forma de rela~oes objectivas, alheias ao homem. Os homens nao conceituam a realidade como sua propria obra, porque, embora produzam esta realidade, nao podem organiza-la conscientemente, pois nao lhes pertence; antes os domina. 198
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Ao considerar a realidade social da consciencia humana como alheia ao homem e independente dele, a evolu~ao da hist6ria ate aos nossos dias assume o seguinte aspecto: os hom ens sao os criadores da realidade, mas nao a dominaram. Isto e para Marx urn elemento basico do fen6meno da aliena~ao. Como em tantos outros problemas, Marx nao se limita a realizar uma analise da natureza da consciencia, tal como fizeram os fil6sofos idealistas, mas penetra nas raizes materiais, sociais, na constitui~ao desta consciencia. Nao se . contenta em afirmar que os homens se equivocam ou nao se apercebem de algo. Quer mostrar as causas deste estado consciente, isto e, as .causas que nao devem ser procuradas na l6gica ou na psicologia, mas na vida social e real. A concep~ao marxista da aliena~ao e uma concep~ao que tra~a urn fen6meno material (ser social) e ideal (consciencia social), em que a aliena~ao real e concreta do homem impede na sua vida quotidiana a consciencia da analise do mundo e do papel do homem. Por isso Marx orienta as suas investigaQoes principalmente para a realidade social na qual vivem os homens e nao para as especulaQoes religiosas ou filos6ficas. Nao fala de Deus e do Espirito objectivo) do Eu ou do nao-Eu. Substitui estes conceitos tao estimados pelos fil6sofos pela sua concepQao dos homens que vivem em condiQoes completamente concretas e actuam a partir del as. E analisa primeiro que ' tudo o que sucede a estes homens na vida quotidiana. Esta analise transforma-se numa analise que se ocupa concretamente do homem, numa analise- no sentido proprio da palavra- humanista e etica. E e tambem - como analise da vida concreta dos homens - uma analise hist6rica. Para Marx a alienaQao nao e urn conceito metafisico que determina a sagrada estru• tura do ser ou do igualmente sagrado destino do homem, mas urn conceito que, do mesmo modo que se originou historicamente, desaparece de novo. 199
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A superaQao da alienaQao e concretamente o problema em cuja soluQao Marx se distingue radicalmente dos seus predecessores. Para estes tal superaQao era assunto proprio da investigaQao critica filosofica que eliminaria as ilusoes e reintegraria nos homens a consciencia de produtores. Para Marx, todavia a superaQao da alienaQao constituia uma superaQao das condiQoes de vida nas quais ela surgiu. Concentra as suas investigaQ6es nestas condiQ6es e indica que o sistema economico fundado na propriedade privada dos ·meios de produQao se desenvolvera em consequencia do desenvolvimento das forQas produtivas e da divisao do trabalho num sistema no qual as relaQ6es criadas pelos homens dominarao cada vez mais os homens, no qual o papel do poder objectivo se torna cada vez maior e submete cada vez mais os homens. Por isso, ensina Marx, e a revoluQaO e nao a filosofia que constitui o unico caminho para uma efectiva superaQao da alienaQao. Por issQ. o merito da eliminaQao da alienaQao correspondera a classe do proletariado e nao aos «pensadores», pois s6 ela e capaz de destruir a ordem existente e substitui-la por uma sociedade onde os homens dominem os objectos produzidos por eles. Tais distinQ6es englobam naturalmente o contendo do proprio conceito da alienaQao. Segundo as determinaQoes gerais deste conceito proprias da filosofia idealista, a alienaQao devia consistir na objectivizaQao do conteiido essencial do sujeito no processo de produQao, conteudo que lhe parece alheio. Esta concepQao partia da premissa de que a unica origem da realidade e a consciencia, de que 0 ser e homogeneo e de que todas as coisas sao produzidas pela consciencia e - apesar das aparencias- sao identicas a ela. 0 materialismo, no entanto, nao da oportunidade nenhuma para tal filosofia da «identidade oculta». 200
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Marx, ao sublinhar o significado das for~as produtivas para 0 desenvolvimento dos homens, nao concebe que o que os homens produzem seja a sua -essencia objectivada. 0 homem e os objectos produzidos por ele nao sao identicos de modo nenhum. Os objectos produzidos pelo homem sao em certo sentido urn modo da sua objectiviza~ao, mas absolutamente ·no sentido idealista que levou a admitir que tern a mesma «essencia» ou a mesma substancia. 0 homem e a sociedade estao intimamente unidos e influenciam-se mutuamente, mas nao se pode dizer que o mundo produzido pelos homens seja a essencia do homem objectivada. Por isso, a aliena~ao em sentido marxista nao pode consistir em que os homens contemplem como algo alheio a sua essencia objectivada e nao a reconhe~am. A alienaQao adquire o seu conteudo do conceito marxista-dialectico do trabalho e a sua objectivizaQao nos produtos. 0 trabalho constitui uma actividade que converte a natureza em utilizavel e a transforma. Os produtos humanos sao resultado da cooperaQao e separaQao da natureza. Estes produtos sao resultado de complicados processos da divisao social do trabalho e dependem dela em grande medida. A este prop6sito, Marx mostra que a produ~ao nao esta de modo nenhum determinada apenas pela «essencia» dos homens, mas pelo desenvolvimento das forQas produtivas. 0 homem «objectiviza-se» nos seus produtos, mas num sentido completamente diferente do , que os idealistas compreenderam. 0 trabalho converteu o homem em homem e desenvolveu as suas capacidades fisicas e espirituais. No entanto, no capi- · talismo converteu-se num instrumento de submissao dos homens pelos homens, na sua ruina fisica, espiritual e moral. Marx caracteriza como alienaQao todo o processo no qual e tirada ao homem toda a sua humanidade pelos objectos e relaQoes para cuja criaQao o homem contribuiu, mas que nao dominou. A alienaQao e o 201
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dominic sabre nos de uma realidade desumana e inimiga que nos despoja precisamente de quanta possuimos de humane e valioso. Segundo a primeira interpretagao, a superagao da alienagao representaria a nossa unidade recuperada e a realidade. Segundo a determinagao do segundo conceito, a superagao da alienagao constitui a elimina~ao da realidade em todos OS aspectos em que e realmente alheia e desumana, isto e, em que destr6i a nossa humanidade. 0 reconhecimento marxista desta segunda inter~ pretagao do conceito de aliena~ao corresponde nao s6 a concepgao basica materialista do trabalho, mas tam bern a concepgao hist6rica que mostra a tendencia: do desenvolvimento social e as suas contradigoes internas. No sentido marxista, a alienagao e uma deformidade doentia no processo da actividade pro., dutora humana; mas e tambem urn importante factor para a aceleragao e intensificagao do rendimento produtivo. Deste modo, originou-se uma contradi~ao fundamental entre o crescimento das forgas produtivas e a alienagao dos homens realizada na economia capitalista. Esta contradigao, que se manifesta de urn modo cada vez mais agudo quando o proletariado amadurece, constitui o factor fundamental para o desenvolvimento posterior que supera definitivamente a alienagao. A concepgao marxista do caracter e do papel da actividade humana conduz a outras caracteristicas especificas da alienagao para diferenciar a objectivizagao da alienagao. A metafisica idealista viu a objectivizagao do homem no aspecto materialista como alienagao da sua essencia espiritual. Marx nao podia compartilhar este ponto de vista e criticou Hegel, porque, no seu sistema, a superagao da alienagao constituia principalmente a superagao da objectivizagao. Para Marx objectivizagao nao constitui qualquer prova de alienagao; constitui a realidade em que os homens vivem e actuam, homens que 202
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podem transformar esta realidade objectiva de urn modo real. Nao e enigmatico nem incompreensivel que os homens produzam objectos nos quais se expressam sem ser eles pr6prios. Tal objectiviza~ao do homem constitui a forma especificamente humana da actividade. Nesta actividade os homens transformam a realidade e transformam-se simultaneamente a si pr6prios. Nela consiste tambem o processo real da autoprodu~ao do homem. Nao se pode falar de uma «supera~ao desta objectiviza~ao», da descoberta do seu conteudo material, como uma suposta forma da conscH~ncia.
A aliena~ao nao se identifica de modo algum com este grande processo hist6rico da objectiviza~ao. Origina-se na sua base sob determinadas condi~oes. Estas condi~oes sao: uma ordem baseada na propriedade privada dos meios de produ~ao, a falta de consciencia sobre a propria actividade e as transforma~oes no mundo material e social. Em tais condi~oes, objectivizam-se os produtos na consciencia dos homens e come~am a influir negativamente sabre eles. Se o grande processo da objectiviza~ao e urn :processo de desenvolvimento do ser humano, urn enriquecimento do seu conteudo, o processo de aliena~ao e urn processo de escraviza~ao do homem, de explora~ao das suas for~as, da sua desumaniza~ao. No entanto, esta distin~ao entre objectiviza~ao e · alienagao mostra-nos outra caracteristica fundamental da concep~ao marxista de alienagao. Nao chega de modo nenhum, como geralmente se tenta, determina-la com ajuda de qualquer criteria. Por exemplo; A. Cornu escreve a este respeito: «A alienagao no sentido hegeliano e marxista significa para urn ser a objectivizagao do que se esconde nele e constitui o seu ser e a contempla~ao do que se objectiv~:m como alga que se distingue de si, como a realidade que e alheia e que se lhe depara simultanea203
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mente.» ( 51 ) Uma representa~ao deste tipo que confunde a objectiviza~ao com a aliena~ao nao evidencia o facto de que para Marx a aliena~ao consiste sobretudo na desumaniza~ao que se realiza de urn modo oculto, na qual os objectos produzidos pelo homem penetram na sua conscH~ncia como imagem supostamente fiel, ainda que na realidade seja urn elemento destrutivo. A aliena~ao nao consiste no facto dos homens nao serem completamente conscientes das suas proprias obras, mas na desorganiza~ao dos homens como produtores, na imposi~ao de uma vioH~ncia que lhes surge como a sua propria necessidade, como a sua propria vontade. A aliena~ao destroi neles o cumprimento da humanidade, impede o seu desenvolvimento posterior e leva na vida humana a falsidades e mistifica~oes. 6. 0 significado pedagogico da alienagao
A concep~ao marxista da aliena~ao tern urn grande significado pedagogico. Este significado consiste principalmente no «humanismo real» que mostra concretamente o que impede o desenvolvimento do homem e como podem ultrapassar-se tais impedimentos. No prefacio a A Sagrada Familia Marx caracteriza de modo muito exacto a posi~ao dos seus inimigos. «0 humanismo real nao tern na Alemanha nenhum inimigo tao perigoso como o espiritualisriw ou o idealismo especulativo que situa no lugar do homem verdadeiro individual a "autoconsciencia" ou o Espirito e ensina com os evangelistas: "o Espirito vivifica; a carne enfraquece" .» ( 52 ) Em contrapartida, Marx viu sempre muito claramente as verdadeiras ( ... ) A. Carnu,_ L'idee de l'alienat·iion chez Hegel, Feuerbach et Karl Marx, La Pensee, 1948, n.o 17. ('') Marx-Engels, La Sagrada Jilamilia, Ed. Grijalbo, Mexico, 1962, p. 73.
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formas da vida humana, diferenciou entre o que os homens sao verdadeiramente e aquila em que se apoiam. A discrepancia entre o que sao e no que se apoiam foi indicada por Marx varias vezes nos seus estudos, artigos e pol<~micas. Nas suas exposi~oes hist6ricas, Marx empreende basicamente a tarefa de descobrir esta contradi~ao. Marx desmascara aqui todas as ilusoes alimentadas pela religiao ou pela filosofia e incompativeis com a vida real. 0 conhecimento cientifico da aliena~ao constitui precisamente urn dos elementos do humanismo realista que Marx defendeu em oposi~ao aos idealistas e espiritualistas. Tanto nas suas analises do processo do trabalho como nas analises da fun~ao do dinheiro e da mercadoria, Marx dedicou especial aten~ao ao processo que leva os homens a deixarem de ser o que realmente sao. Os homens nao desenvolvem as suas verdadeiras propriedades humanas e transformam-se em mecanismos impulsionados por for~as estranhas que nao s6 se convertem na sua segunda natureza, mas que chegam a constituir a sua linica natureza. Marx mostra que urn operario nao pode configurar a sua vida segundo o que produz, que o possuidor de dinheiro nao esta na situa~ao social em que estaria gra~as as suas capacidades, etc. E esta vida «conseguida» ao servi~o escravizado do objecto constitui a verdadeira vida que os homens levam; tudo o mais, pelo contrario, morre neles por completo ou transfere-se para a esfera da «cons- · ciencia pura»; das infrutiferas e perigosas ilusoes. A filosofia idealista ergue esta esfera a dignidade de uma existencia independente, mais ainda, a existencia mais importante. Na sua critica a Hegel, Marx concentra a sua aten~ao neste ponto que tern muito interesse para o educador. Marx acentua que as concep~oes de Hegel da objectiviza~ao da actividade humana, da aliena~ao do homem e da sua supera~ao nao s6 sao falsas mas tambem prejudiciais a vida moral dos homens. A concep~ao geral e abstracta 205
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da consciencia representada por Hegel deve - segundo Marx- ser substituida por urn conceito concreto da «consciencii:t do homem». Entao torna-se evidente aonde deve conduzir tal teoria na vida concreta dos homens. A consciencia representa nao so a consciencia da vida, mas tambem a propria vida, o verdadeiro conteudo da vida, a realidade. As supera~6es que se realizam na consciencia apresentam-se - supostamente- como reais, ainda que na realidade nada se tenha alterado. 0 homem continua a ter a mesma vida que levava e, na sua consciencia, imagina que se encontra ja noutra etapa mais elevada. «0 homem- escreve Marx- que reconhece levar uma vida exteriorizada no direito, na politica, etc., leva nesta vida exteriorizada, como tal, verdadeira vida humana» ( 53 ) • Origina-se assim uma contradi~ao entre a vida real, que se considera como irreal, e a vida imaginaria, considerada real. A aliena~ao nao so nao se supera, como tambem permanece afincada, fortalecida pela mentira de uma suposta supera~ao. .As contradi~6es que o facto do homem nao ser consciente das suas ac~6es e produtos conduz, junta-se outra que consiste em que 0 homem nao e consciente . da natureza da sua propria consciencia e considera as suas c<;mclus6es como a propria realidade. A verdadeira aliena~ao encobre-se deste modo por uma aparente supera~ao que na realidade significa um desdobramento da vida humana numa vida real ·e obediente, alienada, e uma vida pensada, livre e ilusoria. Esta clara que numa situa~ao deste tipo nenhuma ac~ao educativa pode resultar eficaz. A premissa para uma educa~ao eficaz e a supera~ao material desta confusao e hipocrisia. Hegel viu perfeitamente que o processo educativo do homem exige descobrir este (") Ioidem, p . 62. 206
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facto: que o homem no processo da sua propria actividade se produz a si mesmo. Mas com a sua concep~ao idealista, metafisica, Hegel dificultou a solu~ao desta tarefa. Para a solucionar deve nao so descobrir-se o verdadeiro curso do processo historico no qual os homens se converteram em produtores de objectos sem disso serem conscientes. Ha que separar tambem da sua consciencia as representa~oes falsas e prejudiciais segundo as quais a aliena~ao constitui urn assunto exclusivo da consciencia e que afirmam que a supera~ao da aliena~ao se consegue atraves da filosofia critica. Ha que aspirar, pais, nao so a supera~ao real da aliena~ao na vida, mas combater tambern a concep~ao prejudicial e ilusoria da supera~ao da aliena~ao pela filosofia. Na carta de Setembro de 1843, Marx escreve: «A reforma da consciencia nao consiste somente em que o mundo descubra a sua consciencia, em que desperte do sonho sobre si proprio, em que se lhe expliquem as suas proprias ac~oes. .. 0 nosso lema deve ser: reforma da consciencia nao atraves de dogmas, mas atraves de analises da consciencia mistica, incompreensivel para si propria, quer sejam questoes religiosas ou politicas. » {54 ) As exigencias educativas de Marx afectam igualmente a transforma~ao da vida real e da sua consciencia. Toda a agudeza da critica de Marx se concentra na discrepancia entre estes dois campos. As condi~oes reais de vida, sob as quais os homens se · alienam a si proprios, levam ao aparecimento de uma forma determinada da existencia humana que e ao mesmo tempo real e irreal. E real, porque os homens vivem assim e e irreal, porque a vida que levam lhes e alheia e inimiga tambem. A tragedia humana da aliena~ao consiste em que esta vida estranha que o homem leva constitui a sua unica vida verdadeiramente concreta ... ("') Marx-Engels, W-erke, Berlim, 1956, vol. I, p . 346.
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N estas condi!;6es, a essencia e conteudo generico da humanidade pode nao s6 evidenciar-se e desenvolver-se, mas forma-se pela conscH~ncia que, dominada a vida real humana, alienada, manifesta a vida do genero. 0 modo por que a consciencia expressa esta vida verdadeira e diverso. Umas vezes sucede de um modo aberto e imediato; outras vezes, a realidade e dissimulada pela consciencia atraves de idealiza!;6es falsas, mas convenientes e vantajosas para a classe dominante. A elimina!;ao desta alienaQao da consciencia s6 e possivel atraves da supressao da aliena!;[O que Se apresenta na vida dos homens no capitalismo. S6 entao se da uma coincidencia entre consciencia e vida no actuar e pensar do conteudo essencial do homem como um genero especial da natureza, como um ser criador. 0 significado pedag6gico da concepQao marxista da aliena!;ao consiste, pois, em mostrar o duplo sentido desta discrepancia entre a vida dos homens no capitalismo e a sua consciencia. Em primeiro Iugar, esta e uma discrepancia entre a consciencia e 0 que a essencia humana e realmente no seu conteudo generico. Em segundo lugar, e uma discrepancia entre a consciencia e o que os homens sao na sua vida verdadeira, habitual. A educa!;ao deve esforQar-se nao s6 porque a consciencia humana esteja adequada a vida real, concreta, mas deve procurar tambem que esta vida, ao superar-se a aliena!;ab, contenha a necessaria forma mediante «propriedades genericas» essenciais do homem e que asim a consciencia evolucione e se aperfei!;oe. 0 conceito da alienaQao, que indica o processo de desumaniza!;ao e nega!;ao da essencia humana, oferece assim uma tese positiva, uma tese da protecQao desta essencia da subjugaQao. Uma caracteristica especial deste «ideal do homem e, como ja vimos, nao estar formulado em categorias metafisicas e estaticas. Marx desmascarou em diversas ocasioes o con208
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teudo dos interesses de classe que se ocultam por tras dos ideais do homem. 0 ser humano, que mediante a aliena~ao e subjugado, e urn ser que se desenvolveu historicamente e transformou a natureza mediante o seu trabalho. A supressao da aliena~ao nao constitui qualquer regresso a urn conteudo fixo e determinado da essencia humana, mas a abertura de enormes possibilidades para o seu posterior desenvolvimento consciente. Portanto, o assinalar este «ideal» hist6rico e dialectico tern urn grande significado para as concep~oes marxistas, porquanto acentua que o ponto de partida marxista nao constitui so uma critica das discrepancias entre consciencia e vida no capitalismo, mas tambem a critica que parte do «Conteudo generico e essencial» do homem e da consciencia desta epoca.
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AP:ENDICE OBSERVA~oES
DO AUTOR
Prefacio 1) Na literatura cientifica estrangeira, este problema adquire, especialmente nos ultimos tempos, cada vez maior importancia. Entre as numerosos artigos sovieticos acerca deste tema ha urn estudo de P. N. Grudiew, Marx e Engels- Osnowopoloshniki naucnoj pedagogiki> publicado nas obras completas Kumonisticeskoje wospitanje w sowietskoj skole> Moscovo, 1950, pp. 27-76. Na literatura marxista do Ocidente, nao encontramos qualquer estudo que trate directamente problemas pedag6gicos, se bern que haja muitos estudos que interessam aos pedagogos, e que investigam o pensamento marxista, publicados em La Pen&ee e Science and Society. Estao intimamente ligados as nossas ideias OS seguintes livros: A. Cornu, ' Marx et la pensee moderne> Paris, 1948; A. Cornu, Essai de critique marxiste> Paris, 1951; H. Selsam, . Socialism and ethics> Nova Iorque, 1943; V. Venable, Human nature - the marxian view> Londres, 1946.
Capitulo I 1) Nao consideramos aqui a tese de bacharelato " de Marx sabre o tema da escolha da profissao, que 211
TEORIA MARXISTA DA EDUCA<;.AO
escreveu em 1835, assim como os seus primeiros artigos em que se podem encontrar os come~os do seu pensamento pedag6gico. Na luta pela liberdade de imprensa, Marx enfrentou, por exemplo, os argumentos dos reaccionarios, que tenta vam demonstrar que a natureza humana e defeituosa, pelo que teria de ser privada de certas liberdades, especialmente a liberdade de imprensa. Nao chegando o homem a ser perfeito por intermedio da educa~ao- tal era o ponto de partida dos defensores do direito de censura -, nao e merecedor de liberdade de imprensa. Marx rejeita este argumento. Inclusivamente, se se admite que o homem esteja degenerado, ter-se-ia de concluir que todas as institui~oes humanas, como o parlamento e os governos que supervisionariam a imprensa, contem o lastro da degenerescencia. E se, com algum direito, somas de opiniao que tudo o que e imperfeito pode melhorar por intermedio da educa~ao, devemos ver claramente que tambem o ensino e «humano e por isso imperfeito», e que este ensino necessita tambem de educa~ao. [Debatten uber Pressfreiheit (Debates sabre Liberdade de Imprensa), Marx-Engels, Werke, vol. I, Berlim, 1956, p. 49]. Esta ideia, que Marx retoma em Teses sabre Feuerbach, expressa a profunda convic~ao de que a actividade educativa nao pode ser entendida como fonte independente da nova realidade social, mas como urn trabalho que actua ligado a totalidade das ac~oes humanas que levam a transforma~ao da realidade social. 0 facto de se ter atribuido ao ensino esperan~as ut6picas, foi utilizado pela reac~ao, que 'Se opunha a cria~ao de novas institui~oes sociais progressistas, para declarar que nao eram possiveis ate que o homem estivesse preparado pela educa~ao. Na opiniao de Marx ha que superar, antes de mais, as mas institui~oes sem esperar a melhoria do homem, porque «as institui~oes sao mais poderosas do que os homens» (Marx-Engels, Werke, vol. I, Berlim, 1956, p. 25). 212
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Se bern que os pormenores mencionados sejam interessantes e pudessem ser ampliados, niio apresentam especial interesse para a nossa exposi~iio, · em que analisamos as etapas decisivas e basicas do desenvolvimento da problematica pedag6gica nas obras de Marx e Engels. 2) Nos ultimos tempos surge outra interpreta~iio das obras do jovem Marx, que niio as considera em oposi~iio ao periodo de amadurecimento, mas como urn periodo de desenvolvimento e configura~iio do pensamento materialista. A. Cornu trouxe analises uteis a este problema, a que dedicou numerosos estudos. Mencionamos os seguintes: La jeunesse de Karl Marx, 1934; Moses Hesse et la gauche hegelienne, 1934; Karl Marx et la revolution de 1848, 1948; Karl Marx et la pensee moderne, 1948; Essai de critique marxiste, 1951, e, especialmente, Karl Marx et Friedrich Engels Leben und Werk (Vida e Obra de Karl Marx e Friedrich Engels), vol. I, 1818-1848, 1954, assim como Karl Marx: Die okonomisch-:philosophischen Iv.Ianuskripte (Karl Marx: Manuscritos Econ6mico-Filos6ficos), 1955. As tradu~6es de Mysl Filozoficzna (Pensamentos Filos6ficos), 1955, N.a 1-2, contem alguns estudos de eruditos sovieticos dedicados a actividade e filosofia do jovem Marx; sao trabalhos de T. I. Oiserman, Aus der Geschichte des ideologisch-politischen Kampfes von Marx und Engels in der vierziger J ahren des · 19. Jahrhunderts ( Acerca da Hist6ria da Luta Ideol6gico-Politica de Marx e Engels nos Anos quarenta do Seculo XIX) e de K. T. Kusnezow, Politische und philosophische Auschauungen von Marx in den Fruhperiode seines Schaffens (Goncepr;oes Politicas e Filos6ficas de Marx no Primeiro Periodo da sua G.riar;iio). Ocupa-se tambem deste tema o artigo de A. Bernary e H. Graul, Zur Entstehung der okonomischen Lehre von Karl Marx ( Acerca das Origens , da Teoria Econ6mica de Karl Marx), Wirtschaftswis213
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senschaft, 3-1954, que entra em polemica com A. Lemmitz. 3) Devemos observar que a estada de .Engels em Inglaterra deveria constituir objecto de urn estudo especial no aspecto pedag6gico. Infelizmente, as nossas possibilidades estao limitadas ao conhecimento da actividade pedag6gica dos operarios ingleses deste periodo, assim como as largas divergencias sabre as questoes do ensino e educa~ao que se desenvolveram nos principios do seculo XIX em diversos campos, pelos trabalhos dos historiadores ingleses que dao apenas uma imagem fragmentada desta situa~ao. Seria importante para nos analisar a tentativa de adapta~ao da concep~ao de Rousseau as necessidades da economia industrial, que foi empreendido par R. L. Edgeworth, Pratical Education, 1798, e Professional Education, 1809, assim como a actividade de Tomas Paine, que dedica muita aten~ao as questoes do ensino no seu Rights of Man, 1791-92. Seria especialmente importante conhecer exactamente a actividade cultural de Owen e dos homens que o rodeavam como, par exemplo, Samuel Wilderspin, On the Importance of Educating the Infant Children of the Poor, 1823, e Davis Stows. Sabe-se pouco acerca da actividade educativa que Georg Birkbeck (1776-1841) desenvolveu de modo organizado no chamado Mechanic's Institute. A revista fundada por Birkbeck, The Mechanic's Magazine, teve ampla difusao e o trabalho monografico de Brougham, Pratical Observations on the Education of the People, 1825, provocou acaloradas discussoes. A actividade dos cartistas e conhecida muito particularmente atraves dos trabalhos gerais que foram dedicados a este movimento. 0 trabalho de Frederick Denison Maurice (1805-1871) parece ser interessante no aspecto organizativo (foi o autentico criador do movimento Workingmen's Colleges) e te6rico (como autor do trabalho Learning and Working). S6 na base de urn exacto 214
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conhecimento deste amplo movimento de educa~ao popular e _das suas tendencias, por vezes em contradi~ao, se pode caracterizar -a posi~ao hist6rica das concep~6es pedag6gicas de Engels. 4) Na polemica com Proudhon encontram-se tambem os germes do problema da forma~ao politecnica, a que Marx dedicou muita aten~ao posteriormente. No capitulo «Postos de trabalho e maquinas», Marx mostra quao falsa eram as teses de Proudhon, de que a maquina «COnstitui UID modo de unificar as diversas partes do trabalho, que os postos de trabalho . dividiram», e quao ilus6rias sao as suas esperan~as a respeito da « reconstru~ao do trabalho », isto e, de voltar a dar-lhe uma vida completa. «Nao ha nada mais desagrada vel - afirma Marx - do que ver nas maquinas a antitese da divisao do trabalho e a sintese que reconstr6i a unidade nos trabalhos parcializados» (A Miseria da Filosofia) Berlim, 1952, . p. 158). Esta falsa ideia do desenvolvimento hist6rico conduziu as falsas concep~6es do ensino «sintetico» ou «integral», a unilateralidade a que foi langado 0 trabalhos dos operarios nas rela~6es capitalistas. 0 discipulo de Proudhon, Paul Robin, tentou realizar este programa ao fundar uma escola em que se ensinavam diversas disciplinas artesanais em intima rela~ao. Robin defendeu tambem estas ideias como membra, neste campo, da Primeira Internacional. No entanto, nao conhecemos mais pormenores acerca · da sua actividade. 5) 0 problema de opor o Marx do periodo da juventude ao do amadurecimento depende, entre outras coisas, da concep~ao sabre a importancia dos factores marais na hist6ria. Com muita frequencia se apresentam as coisas como se Marx considerasse primeiro os problemas a partir de urn ponto de vista moral, enquanto que posteriormente os concebesse de modo exclusivamente objective ao indicar a influencia das necessidades hist6rico-econ6micas. Assim, por 215
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO
exemplo, Benary e Graul resumem os avangos do pensamento materialista de Marx no seu estudo Zur Entstehung der okonomischen Lehre von Karl Marx ( Acerca das Origens da Teoria Econ6mica de Karl Marx)) Wirtschaftwissenschaft, 3/ 1954. Escre-
vem, ao opor o estudo posterior ao primeiro: «Caracteristico deste estado das concepg6es de MarX: sobre a revolugao proletaria e o completo erro de uma fundamentagao etica da revolugao. Alem disso, descobriu as leis objectivas econ6micas, cuja acgao deve conduzir necessariamente a decadencia do sistema capitalista; situa, em lugar da exigencia etica da revolugao, a fundamentagao hist6rica da sua necessidade. » (P. 333.) Esta tese e falsa tanto a respeito do «jovem» Marx como ao do periodo de amadurecimento. 0 .«jovem» Marx nao apresentava de modo nenhum o problema da revolugao como «exigencia etica» - ainda que nao visse claramente como poderia realizar-se - , e o Marx do periodo de amadurecimento nao considerou nunca a revolugao como uma necessidade automatica. Precisamente por meio da organizagao da luta consciente do proletariado proporcionava a melhor demonstragao de como dava valor ao papel da consciencia e da moral dos homens na hist6ria. E igualmente falso ver no jovem Marx apenas o fi16sofo moralista e no Marx posterior, o economista politico. Estas categorias nao captam o que foi mais essencial na filosofia de Marx: o conhecimento das premissas objectivas para a libertagao do homem, para poder realizar realmente esta libertagao. Por isso, sou de opiniao que F. Behrens tratou esta questao muito mais correctamente no seu trabalho Einteilung des Kapital von Marx (Divisao de 0 Capital) de Marx) do que Benary e Graul. Behrens escreve: «Marx fundamenta a necessidade do derrube do capitalismo nao de urn modo "puramente econ6mico". A economia "pur a", com leis econ6micas sem leis sociais e politicas, e 216
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO
urn absurdo. As leis econ6micas nao tratam das relaQ6es entre coisas, mas dos laQos entre os hom ens; par isso, a formulaQao econ6mica do derrube do capitalismo significa a formulaQao das relaQoes sociais sob as quais se torna insuportavel a sobrevivencia do capitalismo para os homens que vivem sob relaQoes capitalistas de produQao, que tornam a revoluQao inevitavel.» (Fritz Behrens, Zur Methode der politischen Okonomie, Berlim, 1952, p. 47.) 6) 0 valor, que Marx e Engels atribuiam a facilitaQao sistematica do avanQo real da ciencia no ensino, e mostrado pela tomada de posiQao de Engels ' em Dialectica da Natureza, onde se opoe ao ensino chamado integral. A este respeito, diz Engels: «Ate que ponto Comte nao podia ser o autor da ordenaQao enciclopedista da ciencia que St. Simon lhe atribu~, ve-se em que este tern apenas par objectivo a ardenaQiio do material de ensino e do processo de ensino, que assim o conduz ao absurdo ensino integral, em que se esgota uma ciencia antes que outra surja, em que urn pensamento correcto na sua base, se outriert matematicamente no absurdo.» (Dialektik der Natur, Berlim, 1955, p. 266.)
7) Neste esquema cronol6gico, cujo objectivo e expor as etapas principais do desenvolvimento de problematica pedag6gica nas obras de Marx e Engels, deixamos a margem as suas relativamente numerosas breves manifestaQoes sabre as questoes do ensino. Tern o caracter de teses basicas que servem para a orientaQao na pedagogia socialista e na politica de ensino nacional socialista. Sao deste tipo, por exemplo, a carta de Engels a Kablukowa em que se fala de ensino politecnico (Carta de 5 de Agosto de 1880, Marx-Engels, Ausgewiihlte Briefe, Berlim, 1953, pp. 395 e segs.), a carta de Engels ao Congresso Internacional dos Estudantes Socialistas de 1893, que trata das tarefas da Universidade, e 217
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o artigo de Engels Kann Europa abrilsten (Pode-se a Europa Desarmar) 1 em que escreve acerca da vincula~ao da educa~ao fisica a forma~ao pre-militar. Capitulo III
1) Acerca do sentido da palavra aliena~ao, A. Cornu escreve: «Aliena~ao no contexto de Hegel e Marx caracteriza a objectiva~ao, a exteriorizagao do que pertence a essencia de alguem e ao seu tratamento - do que se objectivou deste modo ..:_ como alga distinto dele, como realidade que lhe e alheia e que se lhe opoe.» (A. Cornu, Videe d1 alienation chez Hegel1 Feuerbach et Karl Marx 1 La Pensee1 17/1948.) Neste novo sentido, a palavra alienagao adequa-se a caracterizagao de certas teorias filosoficas que nao sao novas de modo nenhum, mas que tern uma larga historia. A. Cornu expoe no artigo citado- em relagao a Hegel - o decorrer fundamental desta historia. Hegel indicou que a recusa das concep~oes panteistas, que identificam Deus como mundo, foi a base das concep~oes segundo as quais o mundo seria uma obra de Deus a margem de Deus e que o remete para ele. Esta teoria antipanteista foi adoptada pela filosofia alema que com ela operou o conceito de espirito e «EU», e interpretou o desenvolvimento do espirito como desenvolvimento mediante objectivagoes e superagao destas objectivagoes. Nesta base, Hegel desenvolveu a sua propria concep~ao · metafisica na qual a alienagao desempenhava urn importante papel. Mediante a objectiva~ao de si proprio, mediante a aliena;
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bach mostrou que o homem cria conceitos religiosos · que posteriormente considera como realidade independente que exige.submissao. A alienagao transformou-se no maior impedimenta ao desenvolvimento do homem, perdeu todo o sentido positivo que tinha na filosofia de Hegel. A filosofia de Feuerbach indicou os perigos das ilusoes da alienagao e recomendou destrui-las «filosoficamente». 0 passo seguinte foi dado por Hess, que tentou demonstrar que o principal perigo para os homens seria aquela aliena!;aO que se leva a cabo no campo econ6mico e nao a alienagao religiosa que Feuerbach analisou. Egoismo, ganancia, extrema concorrencia, que sao despertados pela ordem capitalista, constituem a propria essencia da alienagao do homem. Com base neste desenvolvimento, Cornu caracteriza o novo ponto de partida marxista, que empreston ao conceito de alienagao, segundo ele, uma propriedade totalmente nova, porque a transformou em principia da actividade social. Segundo Marx, o homem objectiva a sua essencia nas coisas que produz e por isso se encontra sujeito a alienagao. A superagao desta essencia exteriorizada por meio do Trabalho, e uma questao pratica primordial que s6 pode resolver-se com o derrube da ordem capitalista. Entao os homens nunca mais serao alheios as suas obras. (A. Cornu, Karl Marx et la pensee moderne) Editions Sociales, Paris, 1948, p. 144.) Segundo o nosso criteria, este ponto de vista de Cornu nao e convincente, especialmente porque sugere, na caracterizagao da teoria marxista de alienagao como fase final do desenvolvimento hist6rico deste conceito, a concepgao de que as ideias de Marx surgiram como elo do desenvolvimento ideol6gico no terreno da filosofia. N a realidade, nao sucedeu assim. As ideias de Marx sobre a alienagao concretizaram-se- como veremos- no decorrer das suas investigagoes que se orientaram para a sua realidade contemporanea, no decorrer aas observagoes 219
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que fez sabre a situagao real dos homens concretos, especialmente dos trabalhadores sob relagoes capitalistas. 0 resultado destas analises unidas a actividade pratica, socio-revolucionaria, constituem a base do conteudo do con·c eito de alienagao. Este conceito resumiu os resultados destas investigagoes e da pratica do ponto de vista do homem e do seu desenM volvimento. Quando assim julgou constituido o conteudo do conceito marxista de alienagao, Marx teve de sublinhar de modo cada vez mais patente a diferenga da sua posigao em relagao a Hegel, como qual estava cada vez mais em desacordo. A critica da concepgao de Hegel da alienagao constituiu urn factor adicional da concepgao de Marx. Nao constituiu nunca, no entanto, urn factor independente ou originario. A teoria da alienagao de Marx nao constituiu qualquer elo, natural ou posterior no desenvolvimento das ideias · filos6ficas. A filosofia marxista, que surgiu com base na luta do proletariado - . como define o proprio Marx -, constitui a arma do proletariado, a negagao de todo o desenvolvimento existente ate entao. Isto ve-se claramente no facto de Marx ter dado, em relagao a tradigao filos6fica, urn sentido novo a este conceito. 0 principal nao consiste em que Marx tenha convertido o conceito de alienagao no conceito que organiza a actividade. As diferengas sao mais essenciais e remetem-se para o conteudo deste mesnio conceito. E do mesmo modo que se nao pode falar da dialectica «hegeliano-marxista», tambem nao se pode falar do conceito hegeliano-marxista de alienagao. Em ambos os casas as diferengas sao mais importantes do que 8{1 semelhangas. 0 que caracteriza claramente o ponto de vista da concepgao marxista de alienagao e a transposigao radical das ideias e dos problemas religiosos para questoes econ6micas. (Marx-Engels, Kleine okonomische Schriften, Berlim, 1955, p. 128.) «A alienagao religiosa como tal passa-se apenas no terreno da 220
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consciencia da interioridade humana, mas a alienaQao econ6mica constitui a verdadeira vida; por isso a sua superaQao engloba os «dais aspectos». Assim, pais, se realmente queremos determinar o que o homem produz, como esta sujeito aos seus produtos e como pode realmente domina-los, devemos dirigir-nos ao campo que constitui a verdadeira vida humana, a produQao material e as relaQ6es econ6micas a ela ligadas. Podemos provar como o trabalho humano produz objectos que, ao transformarem-se em propriedade privada, se afastam dos homens que os produziram, adquirem e comeQam a adquirir urn significado independente, como mundo objectivo e independente ao tirar-lhes as caracteristicas mais activas, mais humanas. «Esta propriedade privada material sensivelmente perceptive!, constitui a expressao material sensivel da vida humana alienada... Tal como a propriedade privada nao e mais do que a expressao sensivel de que o homem se objectiva para si e se transforma ao mesmo tempo, progressivamente, num objecto estranho e desumano.» (Marx-Engels, Kleine okonomische Schriften) Berlim, 1955, pp. 128 e segs.) Como proprietario dos objectos, o homem comeQa a sujeitar-se a determinadas disciplinas, necessidades e leis, desperta nele o egoismo da posse e do prazer que mata as propriedades valiosas mais humanas, a capacidade e o gosto pela actividade, pelo trabalho. Esta exteriorizaQao do homem, das suas carac- ' teristicas verdadeiramente humanas, que levou a cabo nos seus pr6prios produtos alcanQa, na opiniao de Marx, o seu ponto culminante no capitalismo. Aqui tanto se esforQam as relaQ6es reais como a ideologia predominante em configurar os homens unilateralmente segundo as exigencias do mundo da propriedade privada. Os produtos da actividade humana, cada vez mais emancipados na economia capitalista, transformam-se, portanto, progressivamente mais alheios e levam a uma vida cada vez mais alienada. 221
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Do mesmo modo - poderia dizer-se - que anteriormente o homem possuia objectos que eram os seus pr6prios produtos, actualmente os objectos possuem os homens que os produziram. Se anteriormente o homem dominava os instrumentos do seu trabalho, agora, na ordem capitalista, estes instrumentos dominam OS homens. «A maquina - escreve Marx - acomoda-se as debilidades dos homens para transformar OS debeis homens em maquina.» (Marx-Engels, Kleine okonomische Schriften) Berlim, 1955, p. 142.) 0 operario transforma-se em instrumento de trabalho, em forQa de trabalho, em fonte de lucro. 0 capitalista vive para o lucro, para o capital. 0 poder inumano domina uns e outros. «E que o poder desumano [impere] serve tambem para os capitalistas.» (Marx-Engels, Kleine okonomische Schriften, Berlim, 1955, p. 150.)
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BIBLIOTECA ESTAMPA 1 -LUDWIG VAN BEETHOVEN, de Je-an e Brigitte Mas&i'll {5 volumes) 2 - DICI·ONARIO FILOSOFIGO, de M. M. Hosental e P. F. ludin (5 volumes) 3 - HIST6RIA DAS IDEOLOGIAS, de V. S. Pok!rovski (4 volumes) 4 - MANUAL DE EGONOMIA PO UTICA, de K. V. Ostrovitianov, L. A. Leontiev, I. D. Lantiev, L. M. Gatovski, I. I. Kuzminov e V. N. Star ovsk!i (5 vo·lumes) 5 - PRINCIPIOS DE PSICOLOGIA GERAL, de S. L. Rubinstein (7 volumes)
6 - MIT·OLOGIA GERAt, de Maria Lama·s (7 volumes) 7 - A ORIGEM DO HOM EM, de Mikha·i·l Nesturkh (3 vo·lumes) 8 - A VIDA SEXUAL DA MULHER, de Dr. Pierre Vellay (1 v olume) 9 - HISTORIA DAS LITERATURAS UNIVERSAlS, de Wolfgang Einsiedel ( 6 vol·umes) 10 - 0 PENSAMENTO POLITICO, de Umberto Cerroni {7 volumes) 11 -MANUAL DE F·ISICA ELEMENTAR, de L. Landau e A. Kitai"zorodski 12- HISTORIA DA ANTIGUIDADE, de V. Diakov e S. Kovalev (3 volumes) 13- TEO RIA MARX·ISTA DA EDUCA<;:.AO , de Bogdan Suchodolski (3 volumes)
Titulo: Teoria Marxista da Educa9ao-I Autor: Bogdan Suchodolski Editor: Editorial Estampa, Lda. Oficinas Guide· Artes Graficas, Lda. Tiragem: 4200 ex. Acabou de se imprimir: Em 26 de Fevereiro de 1976